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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Centro de Educação e Humanidades
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
CALIGRAFIA EM PAUTA:
a legitimação de Orminda Marques
no campo educacional
Rosa Maria Souza Braga
Dissertação apresentada à Comissão
Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientadora:
Profª. Dra. Ana Chrystina Venancio Mignot
Agosto de 2008
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2
Dedico esta dissertação ao meu marido Alexandre
e à minha família, companheiros nesta caminhada.
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Agradecimentos
Durante esses dois anos e meio de mestrado, muitas pessoas foram importantes para que
eu concluísse o trabalho. Algumas deram sua contribuição com palavras de incentivo, de força e
de motivação. Outras foram leitoras assíduas dos meus textos, dividiram comigo as alegrias, as
dúvidas e as incertezas da pesquisa. A cada uma delas quero deixar registrado meu sentimento de
gratidão.
Agradeço, primeiramente, ao meu marido e à minha família, pela compreensão das
ausências, pelo carinho e pelo apoio em todos os momentos. Lembro-me também de minha
amiga Andréa Nascimento, incentivadora da entrada no mestrado e uma confidente para os
momentos de júbilos e dissabores.
O meu sincero reconhecimento à minha orientadora Ana Chrystina Mignot, pela
orientação cuidadosa, pelo exemplo de mestre, de pesquisadora e de alguém que sempre nos
surpreende, enriquecendo cada vez mais o nosso trabalho. Recordo-me também da contribuição
dada por cada pessoa do meu grupo de pesquisa – Glaucia Marques, Débora Priscila de Oliveira,
Aline Velasco, Paulo Roberto Sily, Patrícia Coelho, Ana Amélia Lopes, Andréa Caruso, Roberta
Lopes e Larissa Frossard – que, opinando, discordando e elogiando, fizeram crescer o texto, o
trabalho, as justificativas e as conclusões. A todos vocês o meu sincero agradecimento. Também
do grupo de pesquisa, preciso agradecer às minhas amigas Inês de Almeida Rocha e Heloísa
Helena Meirelles que, com carinho, disponibilidade, empenho, afeto, sinceridade e cuidado,
trouxeram inúmeras contribuições aos meus trabalhos. Agradeço, ainda, à professora Maria Luiza
Oswald, pelas contribuições na leitura do projeto de pesquisa.
Às ex-alunas do Instituto de Educação e às ex-professoras da Escola Primária – Stella
Borges, Judith Tranjan, Maria Antonieta e Maria José – que me receberam em suas casas em
agradáveis encontros, contaram-me histórias cheias de boas lembranças sobre a professora
Orminda e também me disponibilizaram fotos e materiais.
À Maria Cecília Tinoco, sobrinha-neta da professora Orminda Marques, que me ajudou a
encontrar muitos caminhos da pesquisa, através das informações sobre a educadora, e ao
disponibilizar fotos e livros, que se constituíram valiosa contribuição.
Lembro-me também do empenho de Maria Amélia Rodrigues Moreira, funcionária da
Associação Brasileira de Educação – ABE, sempre disposta a ajudar no trabalho de pesquisa. É
necessário também ressaltar a imensa contribuição dos professores do Centro de Memória
4
Institucional do Instituto Superior de Educação – CEMI, Heloísa Helena Meirelles (amiga de
mestrado), Walquíria Rocha, Margarida Viveiros e Ricardo Fanurio, que me permitiram e
ajudaram a vasculhar arquivos, analisar documentos, realizar descobertas, enfim, acolheram-me e
acreditaram no meu trabalho. A todos vocês o meu profundo agradecimento.
5
A vida não é em linha reta, nem em ordem direta
se processam as histórias de cada homem (...)
(ANDRADE apud FONSECA, 2008, p.17).
6
Resumo
Analisar o processo de legitimação no campo educacional da professora Orminda Isabel Marques
– autora da coleção de cadernos de caligrafia Escrita brasileira e do livro A escrita na escola
primária publicado na coleção Bibliotheca de Educação – é o objetivo desta dissertação, na qual
procurei compreender o seu percurso profissional. Trata-se de um estudo biográfico que,
diferentemente de outros, tem como fonte privilegiada as escritas ordinárias produzidas em sua
maioria no âmbito escolar, tais como o livro de correspondências da Escola Primária do Instituto
de Educação, os livros elaborados pelas alunas da educadora em 1939 e a coleção de cadernos de
caligrafia, buscando em cada um deles vestígios que indiquem os modos como compreendeu a
educação, o magistério e a escrita. Estruturado em três capítulos, primeiramente, aborda a atuação
da educadora como diretora da Escola Primária do Instituto de Educação. No segundo momento,
analisa as suas motivações para ingressar no magistério, bem como sua iniciação na docência e os
trabalhos desenvolvidos nas disciplinas de Prática de Ensino e de Leitura e Linguagem no curso
de formação de professores do Instituto de Educação e, por fim, examina trabalhos de sua autoria:
livros, artigos e coleção de cadernos, nos quais divulgava o seu método denominado caligrafia
muscular. A pesquisa pretende contribuir para os estudos sobre a formação de professores, sobre
o Instituto de Educação, sobre o ensino de caligrafia e sobre os autores de cadernos escolares,
assim como contribuir para a compreensão de trajetórias profissionais, na perspectiva da história.
7
Abstract
Consider the process of legitimation of teacher Orminda Isabel Marques in the educational field,
in order to understand how if it became author of the collection of exercise books of Written
Brazilian handwriting and of the book The written in the elementary school published in the
collection of Bibliotheca Education, is the purpose of this dissertation, which tried to understand
your career path. It is biographic study that, unlike others, has written a source inside the ordinary
produced mostly work in schools, such as, the book of matches from the Primary School of the
Institute of Education, the books produced by students in teh educator 1939 and the collection of
books, calligraphy, looking at each traces indicating understood the ways in education, teaching
and writing. Structured in thre chapters, primarily, anddresses the role of educator as director of
the Primary School of the Institute of Education. The second time, examine their motivations for
joining the teaching as well as its initiation in teaching and work in the disciplines of the
Education and Practice of Reading and Language in the training course for teachers of the
Institute of Education, and finally examines work of its authors: books, articles and collection of
notebooks, in which disclose his handwriting method called muscle. The research aims to
contribute to studies on teacher training, the Institute of Education, the teaching of calligraphy
and the perpetrators of school notebooks, as well as for the uderstanding of professional
trajectories, with a view of history.
8
Sumário
Introdução.........................................................................................................................11
1.Uma diretora por entre registros.................................................................................20
1.1. A nomeação para o cargo.......................................................................................21
1.2. O legado administrativo.........................................................................................27
1.2.1. Uma escola distante dos sonhos...................................................................29
1.3. A organização da Escola Primária: os desafios de Orminda..................................47
1.3.1. A formação do corpo docente......................................................................48
1.3.2. Os entraves: as aulas de Música e Religião..................................................54
1.3.3. Os pedidos de materiais................................................................................58
1.4. Para além do administrativo: as questões pedagógicas..........................................61
1.4.1. Garantia para a boa execução do serviço....................................................62
1.4.2. As habilidades administrativas: um diferencial?.........................................66
2. Tornar-se professora: a opção pelo magistério.........................................................74
2.1. Tempo de normalista............................................................................................ 78
2.1.1. Os primeiros anos em sala de aula.............................................................85
2.2. Uma professora de Prática de Ensino....................................................................94
2.2.1. A centralidade da disciplina...................................................................... 95
2.2.2. Uma metodologia para outras gerações...................................................102
2.3. A disciplina de Leitura e Linguagem...................................................................107
2.3.1. Livros para crianças..................................................................................108
3. Uma professora-autora: as preocupações com a caligrafia e com o comportamento
infantil..........................................................................................................................................119
3.1. A escrita na escola primária: uma obra para professores....................................121
3.1.1. Do prefácio à obra......................................................................................125
9
3.1.2. Os experimentos de caligrafia...................................................................131
3.1.3. Um manual de boa letra............................................................................137
3.2. Prescrições de bom comportamento: A psicologia individual e a escola.......... 144
3.2.1. O comportamento infantil nas páginas do artigo......................................147
3.2.2. A Revista Educação e o Conselho Diretor da ABE.................................151
3.3. A coleção de cadernos Escrita brasileira...........................................................156
3.3.1. Capa e contracapa: recomendações para o uso dos cadernos................. 159
3.3.2. Copiar para aprender: os exercícios de caligrafia....................................162
A legitimação de Orminda Marques no campo educacional: considerações finais. 168
Referências Bibliográficas........................................................................................... 170
10
Introdução
Ler, escrever, e contar são habilidades instrumentais necessárias, (...)
imprescindíveis (...) é certo que, na escola tradicional, a leitura, a escrita
e o cálculo eram muitas vêzes considerados apenas como fins, em si
mesmo. Na escola nova desejamos que todas essas habilidades se
apresentem, sempre em seu caráter funcional, sentindo a criança por que
e para que lê, escreve ou usa do cálculo. Mas a necessidade da boa
aprendizagem dessas técnicas subsiste, porque elas são instrumentos de
socialização, sem as quais a criança não encontraria apoio para sua obra
de educação. (...) A vida moderna não prescinde da escrita clara, legível,
rápidamente feita. (...). Não podemos deixar de reconhecer a influência
da boa escrita, como fator de educação artística na criança: ela aprimora
o gosto, dá prazer estético, precioso à educação sentimental, e, mais
ainda, permite a manifestação da personalidade. (...) O ensino da escrita,
como uma das técnicas elementares da escola primária, deve ser também
moldada sob a preocupação do tempo (MARQUES, 1950, p. 18).
A citação acima faz parte da obra A escrita na escola primária, elaborada pela professora
Orminda Isabel Marques, na década de 1930, e reeditada no ano de 1950. A educadora, cuja
trajetória profissional é objeto de estudo desta dissertação, mostra em sua escrita as preocupações
relacionadas ao seu trabalho como professora do ensino elementar. Demonstra sintonia com
idéias de seu tempo, pois sinaliza que os conteúdos escolares deveriam apresentar funcionalidade
para que pudessem ser utilizados na vida da criança.
Orminda Isabel Marques, Orminda Marques ou simplesmente Orminda foi uma
educadora envolvida com as questões do ensino. Desenvolveu diversos trabalhos neste campo do
conhecimento: foi responsável por experimentos sobre caligrafia – trabalhos que lhe renderam a
publicação de artigos e de um livro que tratava do ensino da bela letra. Em função desse estudo,
publicou ainda uma coleção de cadernos de caligrafia. Também lecionou em turmas de formação
de professores, atuou como diretora da Escola Primária do Instituto de Educação e escreveu um
artigo sobre Psicologia.
Essa trajetória instiga a análise do seu processo de legitimação no campo educacional, a
fim de compreender como se tornou uma autora consagrada de livros e cadernos recomendados
para a aprendizagem das técnicas de caligrafia. Pistas deixadas por Mignot (2005), em seus
estudos sobre cadernos escolares, permitiram perceber ser prática comum em capas de cadernos
de caligrafia o maior destaque voltado para o nome do autor, indicando a importância dada a
quem elaborava a obra. Essa prática indica a importância que o autor e seu método haviam
11
conquistado entre os professores.
Movida por essa questão, debrucei-me na escrita da biografia da educadora, privilegiando
sua atuação no campo educacional. Na busca por entender os percursos formativos da educadora,
analisei os espaços nos quais atuou, o seu envolvimento com trabalhos em educação, tanto em
sua atividade de professora, como de diretora da Escola Primária do Instituto de Educação, o
pertencimento ao Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação – ABE, enfim, as
funções desempenhadas por ela até que se tornasse uma autora de livros e cadernos
recomendados por órgãos oficias, para a aprendizagem de técnicas de caligrafia.
A opção metodológica deste trabalho amparou-se em autores que desenvolveram estudos
sobre biografia. Dentre eles, a contribuição de Mignot (2002), que recomenda ser necessário um
olhar cuidadoso para as questões tratadas sobre o biografado, para que elas não se percam na
tentativa de conferir linearidade e coerência a uma vida, pois o percurso de uma existência é
permeado por incoerências. Também foi relevante para esta pesquisa, o estudo de Giovanni Levi
(2002), que ressalta a necessidade de contextualizar o biografado em seu tempo. Pensamento
análogo é encontrado em Bourdieu (1996), ao trazer subsídios em relação ao confrontamento do
biografado com outros indivíduos que dividem o mesmo espaço, desviando-se da ilusão
biográfica (op. cit. p.196), isto é, da visão fragmentada, com um sujeito descontextualizado do
espaço social ao qual pertence. Finalmente, Elias (1995), em seu estudo sobre biografia,
contribuiu para que fosse possível entender como o indivíduo carrega os valores ideológicos dos
grupos a que ele pertence.
Ao iniciar o Curso de Mestrado, pretendia estudar cadernos escolares. Uma temática
ampla, que poderia ser percorrida por vários caminhos. Nas primeiras aulas a que assisti da
disciplina Cultura Material da Escola, ministrada pelas professoras Ana Chrystina Mignot e Nilda
Alves, dentre os textos sugeridos para a disciplina, um despertou-me grande interesse: o texto da
pesquisadora Diana Vidal, sobre as técnicas de caligrafia muscular nos anos 30.
1
Nele, a autora
cita, em linhas gerais, o trabalho desenvolvido pela professora Orminda Marques, quando
exerceu o cargo de diretora da Escola Primária do Instituto de Educação. O texto trazia ainda a
informação sobre a publicação do livro A escrita na escola primária e dos cadernos Brincando
com lápis, série anterior à coleção de cadernos Escrita brasileira, todos de autoria da educadora.
1
VIDAL, Diana. Da caligrafia à escrita: experiências escolanovistas com caligrafia muscular nos anos 30. In: Revista
da Faculdade de Educação. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php/scipt_sci_serial
. Acesso em:
30/03/2006.
12
A pesquisadora não indica a localização desses cadernos preparatórios para o ensino da
caligrafia. Deste modo, a coleção encontrada foi a Escrita brasileira no arquivo da Biblioteca
Nacional – Seção de obras gerais. Na contracapa dos cadernos de caligrafia desta coleção
encontrei a seguinte referência dos cadernos preparatórios: (...) para a utilização em jardins de
infância, ou mesmo classes de adaptação de escolas primárias, compôs a autora um caderno
fora da série propriamente escrita, com exercícios de ritmo apenas figurado, sob o título
Brincando com lápis (MARQUES, 1952, s/p).
Pelas pistas deixadas pela pesquisadora algumas questões tornaram-se instigantes: como
seriam esses cadernos? Como eram apresentados os trabalhos de caligrafia? Como era o trabalho
desenvolvido pela educadora?
Com desejo de conhecer essa coleção de cadernos, realizei, primeiramente, uma pesquisa
na biblioteca do Instituto de Educação, entretanto só foi encontrado um exemplar do livro A
escrita na escola primária. Somente o acervo da Biblioteca Nacional é que dispunha da coleção
de cadernos Escrita brasileira e dois exemplares do livro publicados pela educadora.
Nesse período inicial de curso, também realizei entrevistas com calígrafos do Rio de
Janeiro, a fim de entender como o trabalho destes profissionais perpetuava-se em meio a
sofisticadas invenções tecnológicas. Ainda nesta mesma época, analisei os Anais das Bibliotecas
e Arquivos de Portugal.
2
O material, que consta de pequenas biografias de calígrafos portugueses
dos séculos XVII a XIX, trazia informações sobre a publicação e exposição dos trabalhos dos
profissionais. Nesses materiais, pude observar que eram constantes as informações de professores
que se tornaram autores de manuais e de cadernos de caligrafia. Em princípio, esta materialidade
apresentava-se como possibilidade de um estudo.
Nesse momento o objeto de estudo começou a ganhar forma. Conhecia a coleção de
cadernos Escrita brasileira, os estudos sobre os calígrafos e tinha o desejo de estudar cadernos
escolares. Sabia também da existência de uma possível lacuna em relação ao estudo do trabalho
realizado pela professora Orminda Marques, bem como pesquisas voltadas para a análise da
legitimação de professores como autores recomendados de cadernos de caligrafia. A exemplo dos
calígrafos portugueses, as publicações da educadora sugeriam que, também no Brasil, pode ter
havido um costume de professores tornarem-se autores de cadernos de caligrafia. Aliás, Mignot
2
Trata-se de uma revista de publicação trimestral indicada para as áreas de bibliografia, bibliologia, bibliotecomia,
bibliotecografia, arquivologia, etc. Os volumes analisados foram: vol. III - nº. 10/ abr - jun de 1922; vol. III-nº
12/out-dez de 1922 e vol. IV- nº. 13 e 14/jan-jun de 1923.
13
(2006) e (2008) dá alguns exemplos disso: o Professor Flexa Ribeiro e Dona Alice, autores da
coleção Caligrafia Brasileira, e o do Professor A. Teixeira, responsável pela elaboração dos
exercícios do quinto caderno da série Calligraphia Vertical – novo methodo de escripta por
phaseação.
A primeira tarefa a transpor foi a escassez de informações relacionadas à vida da
professora Orminda Marques. No Instituto de Educação, espaço de trabalho da educadora, havia
poucos documentos catalogados relativos à sua vida funcional, mas, no Centro de Memória
Institucional do Instituto Superior de Educação – CEMI, encontrei um vasto número de
documentos. Dentre eles o livro de correspondências
3
da Escola Primária, com anotações a partir
1931 – período no qual a escola esteve sob a administração da professora Haydéa de Castro Fiúza
Vianna – que, registrava também toda a trajetória da professora Orminda na direção da escola e
estendia-se até 1946. Sem dúvida, esse material permitiu a aproximação com o cotidiano da
escola elementar durante o período que ela esteve à frente da instituição. Sendo assim, a escrita
do livro de correspondências apresentou-se como uma escrita rica e densa, no qual foi possível
capturar os problemas, as questões, os eventos, enfim, os acontecimentos da escola, permitindo
dessa forma, uma aproximação com a educadora, quando diretora da escola elementar.
No CEMI foi encontrado também o arquivo com fitas microfilmadas que continham as
fichas cadastrais das alunas da Escola Normal do início do século XX. Na ficha de Orminda,
gentilmente digitalizada pelo Centro de Produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro –
Cepuerj, havia informações sobre o período em que a educadora cursou a Escola Normal, bem
como, dados sobre a naturalidade, nome dos pais, data de nascimento, notas do período em que
ela foi professoranda, enfim, um valioso material sobre sua formação.
Os desafios continuavam postos, pois era necessário, mesmo para uma biografia que se
voltasse para a atuação profissional, coletar dados sobre a educadora – quem eram seus pais,
estado civil, se tivera filhos, sua formação, enfim, informações pessoais que pudessem contribuir
para o entendimento das questões que me propunha a analisar, como diz Nóvoa, uma narração é,
(...) mais uma reinterpretação do que um relato. É o facto de querer dar um sentido a um
passado e de trazer à luz do presente que nos leva até um modelo mais transformacionista, mais
‘construtivista’ da memória do que aquilo que se imagina (NÓVOA apud MIGNOT, 2002, p.
19).
3
É importante ressaltar que a grafia do livro de correspondências foi mantida conforme o original.
14
Durante a etapa da pesquisa de levantamento de dados, o CEMI publicou, no blog da
instituição, um texto de minha autoria, em que tratava do estudo sobre o trabalho de caligrafia
muscular desenvolvido por Orminda
4
. Passadas algumas semanas, a instituição recebeu uma
doação da família da educadora, que constava de livros elaborados por suas alunas em 1939, o
livro de prova da obra A escrita na escola primária, com uma observação feita por Lourenço
Filho e uma foto da educadora na formatura da Escola Normal.
A partir desta doação, estabeleci um contato com a sua família, que disponibilizou outras
fotos. Através de uma longa conversa telefônica com sua sobrinha-neta, obtive valiosas
informações da vida da educadora, tanto no âmbito profissional, quanto pessoal. Seguindo suas
pistas sobre o trabalho de Orminda Marques na Escola Gonçalves Dias, busquei no Arquivo
Geral da Cidade do Rio de Janeiro, dados mais consistentes, mas, alguns códices da Instrução
Pública desse período, não estavam disponibilizados.
Desde o início do trabalho, percebia a importância de buscar informações nos arquivo de
Lourenço Filho e de Anísio Teixeira, do Centro de Pesquisa e Documentação Contemporânea –
CPDOC, sobre documentos do Instituto de Educação, como por exemplo, os questionários
utilizados na disciplina de Prática de Ensino, durante os anos de 1932-37, período em que
Orminda Marques era responsável por esta cadeira. Nessa instituição de guarda foi encontrada a
cópia de uma carta-resposta enviada por Lourenço Filho à educadora. Na missiva, o educador
lamenta a saída do Instituto de Educação e discorre sobre o projeto educacional de que ambos
participaram na instituição.
Outra instituição de pesquisa foi o acervo da Associação Brasileira de Educação – ABE,
no qual encontrei os exemplares da Revista Educação, que traziam as publicações do artigo
escrito por Orminda no periódico, bem como, documentos referentes ao Conselho Diretor da
Instituição, durante o período em que a educadora fazia parte do grupo.
Situações inusitadas também fizeram parte da trajetória desta pesquisa, pois através de
círculos familiares, entrei em contato com uma rede de ex-alunas, e algumas até ex-professoras
da Escola Primária, do Instituto de Educação: Judith Tranjan, Stella Borges, Maria Antonieta e
Maria José. Elas se dispuseram a longas conversas, disponibilizando fotos e muitas lembranças
sobre a professora Orminda Marques.
4
A esse respeito, ver: A coleção de cadernos de caligrafia Escrita brasileira: a autora e a obra. Disponível no blog
do CEMI: www.http://cemiiserj.blogspot.com
. – 21/12/2006.
15
Organizar as informações para a escrita deste estudo biográfico foi, sem dúvida, um
desafio. Tentando evitar a linearidade, a dissertação está estruturada em três capítulos.
O primeiro capítulo diz respeito à entrada de Orminda no Instituto de Educação, em 1932,
trazendo para a análise a administração da educadora frente à Escola Primária da instituição. Para
compreender a realidade que ela encontrou ao ocupar o cargo, foi necessário recorrer à
administração anterior – professora Haydéa de Castro Fiúza Vianna – e refletir sobre as
diferenças. Assim, o livro de correspondências da Escola Primária, documento em que as
diretoras registravam as comunicações com a direção geral do Instituto de Educação e com os
demais setores da escola, mostrou-se uma fonte privilegiada, pois permitia um contanto estreito
com situações cotidianas da instituição.
A perspectiva de Mignot (2005) sobre escrita ordinária permitiu vislumbrar que, ainda
que esses registros fizessem parte de uma escrita administrativa, exigindo-lhes formalidade,
algumas vezes essas escritas tornavam-se espaço de desabafo, críticas e lamentações. Através
dessa escrita ordinária era possível vislumbrar crenças, valores, sonhos, embates, desesperanças,
visões de mundo, de criança e de escola alimentadas por Orminda. Procurei neles pistas, rastros,
sinais (auto)biográficos que permitissem traçar sua trajetória. Adentrei em questões cotidianas
escolares durante aquele período, percebendo as diversas questões que cercavam a educadora.
O segundo capítulo trata de Orminda como professora. Em outras palavras, discorre sobre
a formação na Escola Normal, a atuação na cadeira de Prática de Ensino e de Leitura e
Linguagem no curso de formação de professores, bem como, a consolidação de seu trabalho
pedagógico. O capítulo inicia-se com um deslocamento para o início do século XX, período em
que Orminda cursava a Escola Normal, com a intenção de compreender o modo pelos qual a
educadora construiu sua identidade profissional. Concordando com Moita (1995), quando ela
considera que uma identidade profissional forma-se não só pela atuação profissional do
indivíduo, mas também pelas diversas interações entre o mundo profissional e os variados
ambientes socioculturais, procurei analisar as questões que estavam postas durante o período em
que Orminda formou-se na Escola Normal até o período em que ela desenvolveu o trabalho com
a Prática de Ensino e com a disciplina de Leitura e Linguagem.
No terceiro e último capítulo, o estudo volta-se para a educadora como autora, tanto de
cadernos de caligrafia, quanto de artigos no campo da Psicologia. Nesta perspectiva Hernandéz
Diaz (2002) foi relevante para o estudo da materialidade dos cadernos e das publicações como
16
uma possibilidade de investigar o contexto de produção dos objetos. Segundo o autor, a
materialidade fala. Assim, dando voz a essa materialidade, foi possível observar os diversos
contextos nos quais Orminda publica seus trabalhos.
Finalmente, devo admitir que este estudo encontrou desafios para que pudesse ser
desenvolvido. Escrevi este trabalho sem dispor de documentos autobiográficos, diários íntimos,
cartas ou necrológios. Foi necessário portanto, buscar na escrita escolar vestígios que ajudassem a
entender a trajetória de Orminda. Assim, utilizei o livro de correspondências da Escola Primária,
a ficha da educadora quando aluna da Escola Normal, o livro sobre o método de caligrafia A
escrita na escola primária, os trabalhos realizados pelas alunas de Orminda em finais de 1939, os
questionários da disciplina de Prática de Ensino, arquivados no CPDOC, a Revista Educação da
ABE e os cadernos de caligrafia. Com esses materiais fui tecendo a escrita da biografia da
educadora.
Essa perspectiva permitiu-me trabalhar com a escrita ordinária de professores e, assim,
adentrar os espaços escolares através dos registros banais, cotidianos, aparentemente menores.
Foi necessário, por vezes, imaginar, supor ou interpretar os sentimentos, os anseios e os conflitos
de Orminda. Essa opção metodológica para a escrita de uma biografia está amparada no estudo
de Schimit (1997). Nele, o autor sinaliza que a aproximação com a literatura é uma
característica marcante nas novas biografias produzidas por historiadores. (p. 4). Desse modo, o
intento da escrita é produzir um efeito literário na construção do texto. A opção metodológica
encontra também pontos de contato, com o estudo realizado por Regina Horta Duarte, como
citado pelo autor, que ao escrever sobre o anarquista mineiro Avelino Fóscolo busca reproduzir o
interior do personagem: seus pensamentos, fantasias, sentimentos e aspirações (1997, p. 5).
Tal opção metodológica afastou-me das certezas, das verdades. Sem abrir mão do rigor,
utilizei expressões pouco usuais em pesquisas, tais como, “provavelmente”, “talvez”, é
“possível”, “supõe-se”, “imagina-se”, “possivelmente”, “deve-se elocubrar” e “pressupõe-se”
5
.
Tal opção permitiu-me permear a trajetória da educadora com reflexões em relação aos fatos e
acontecimentos que fizeram parte de sua formação e de sua vida profissional.
Em alguns momentos procurei me colocar no lugar de Orminda, em um esforço ficcional.
Nesse sentido, levantei algumas questões a fim de compreender o contexto no qual a educadora
5
Na mesma perspectiva Schmidt (1997) aponta que, no caso da historiografia, estes momentos de invenção devem
ser sempre sinalizados ao leitor através da utilização de palavras como “provavelmente”, “talvez”, “pode-se
presumir” etc (p. 10).
17
estava inserida no momento em que os fatos se desenrolavam, como por exemplo: que estratégias
Orminda utilizaria para conquistar o grupo de professores, pais, alunos e funcionários do Instituto
de Educação no momento em que assumiu a direção da Escola Primária? Como lidou com o
contratempo de organizar as aulas de Religião, sendo simpatizante do ensino laico nas escolas
públicas? Como ser diretora sem esquecer as dificuldades que faziam parte do cotidiano da sala
de aula? Como lidar com os conflitos das aulas de Música ministradas por Heitor Villa-Lobos
sem ir de encontro aos projetos educacionais de Getúlio Vargas? Como preparar artigos ou livros
que ajudassem as professoras no trato com as crianças? Como incorporar o ideal civilizatório nos
exercícios de caligrafia? Como motivar os pequenos aprendizes a realizar as tarefas de caligrafia?
Enfim, essa perspectiva de análise que assumo tem a intenção de contribuir para os
estudos sobre a formação de professores, o Instituto de Educação, o ensino de caligrafia e os
autores de cadernos escolares e para os estudos biográficos de professores que não tiveram um
destaque na cena nacional, mas que tiveram um papel importante nas instituições nas quais
exerceram o magistério, e se legitimaram em suas atividades profissionais.
18
Orminda Isabel Marques, professora homenageada das formandas de 1937.
Arquivo pessoal da ex-aluna Stella Borges.
19
1. Uma diretora por entre registros cotidianos
Era março de 1932, quando a professora Orminda Isabel Marques assumiu a direção da
Escola Primária do Instituto de Educação. Naquela data, a jovem senhora, nascida na cidade de
Campos, no Rio de Janeiro, tinha 45 anos. Certamente, aceitar o convite para dirigir a instituição
significou para ela muitos desafios. Eram professores, alunos, várias turmas, famílias e os mais
diferentes problemas administrativos. Ex-aluna da instituição, ela retornava anos depois. Muitas
mudanças haviam sido feitas desde sua saída da Escola Normal e com isso, acentuavam-se as
dificuldades, pois ela precisava conhecer os professores, conquistar a simpatia dos funcionários e
dos responsáveis dos alunos, precisava, enfim, sanar as possíveis falhas que tivessem sido
deixadas pela direção anterior. Diante dessas questões é preciso imaginar que escola era essa que
ela tinha a incumbência de administrar: que mudanças precisaria fazer? O que encontraria? Será
que teria aliados?
Tais questões possivelmente passaram a fazer parte da vida da educadora, considerando-
se que a partir daquele momento, tornava-se responsável por toda a instituição, desde a escolha
do corpo docente até os pedidos de materiais, tais como, pincéis, folhas, penas e outros utensílios
comuns ao universo escolar. Seu parecer também avançava pela escolhas dos livros, dos filmes
para projeção, do mobiliário, afinal, seu trabalho era conduzir tanto o aspecto pedagógico, quanto
o administrativo da Escola Primária.
Durante o período em que a educadora esteve à frente da direção, ela freqüentemente se
utilizava do livro de registros da instituição, instrumento usado para a correspondência entre a
direção da escola elementar e a direção geral do Instituto de Educação. Foi por meio desses
registros cotidianos que se buscaram pistas, sinais, talvez alguns vestígios que orientassem na
compreensão das questões levantadas.
Por outro lado, sabe-se que esses documentos não encerram em si as respostas, eles
precisam ser examinados à luz dos vários contextos sociais nos quais foram produzidos. Em
função disso, é necessário costurá-los ao pano de fundo social e educacional que estavam postos
naquele período. Acredita-se que assim seja possível compreender a trajetória de Orminda como
diretora da escola elementar, interpretando, com base nas questões, já citadas, suas motivações ao
fazer suas escolhas, ao tomar decisões, ao realizar recuos, enfim, que seja possível nos
aproximarmos do período de sua administração da Escola Primária do Instituto de Educação.
20
1.1. A nomeação para o cargo
Orminda Isabel Marques foi designada para a direção da Escola de Aplicação
6
da Escola
Normal em 2 de março de 1932. O texto de sua designação trazia a assinatura do Diretor de
Instrução Pública Anísio Teixeira: (...) A Directoria de Instrucção Publica resolve designar a
diretora de escola Orminda Isabel Marques para reger a Escola de Applicação.
7
Anísio, que durante aquele período ocupava o cargo de Diretor da Instrução Pública, via-
se envolvido na reforma que modificaria a formação de professores. Tais modificações previam
nível superior para o exercício do magistério. Seu objetivo era preparar professores habilitados
para lidar com os novos desafios educacionais postos pela modernização da sociedade. A partir
das transformações propostas, o aluno deveria cursar a Escola Secundária na instituição e, em
seguida, passaria por um ano complementar. Na etapa posterior, seria avaliado para ingressar na
Escola de Professores. Como aponta Lopes (2006), a centralidade de seu projeto consistia em
preparar uma geração de professores adaptados às novas tendências pedagógicas que, ao
mesmo tempo, pudessem dar conta da demanda por uma educação mais sintonizada com as
transformações que vinha passando a sociedade brasileira (p. 55).
É importante salientar que o texto do art. 24 do Decreto nº. 3810 de 1932, de criação do
Instituto de Educação, chama atenção para a matrícula no curso complementar ao ingresso na
Escola de Professores, serão exigidas condições especiaes de idade, saúde, intelligencia e
personalidade fixadas por normas estabelecidas pela Directoria do Instituto que as modificará
segundo as conveniências de preparo profissional.
8
A aplicação das medidas previa, ainda, a
proibição de transferências de alunos de outras instituições. Segundo o idealizador, o processo
formativo que se iniciava quando o aluno ingressava na Escola Secundária do Instituto não
deveria ser interrompido, pois objetivava capacitá-los para uma postura mais científica.
Diante dessa preocupação, o educador expressa sua concepção em relação aos rumos que
a escola deveria tomar nas décadas iniciais daquele novo século. Para ele, a escola teve que
6
A partir de 1932, com a publicação do Decreto nº 3810 de 1932, a escola elementar passa a ser denominada,
inclusive nos registros do Livro de Correspondências, como Escola Primária. Anteriormente à publicação deste
documento, encontramos nos escritos como Escola de Applicação. Deste modo, quando Orminda chega a instituição,
a escola ainda tem a antiga nomenclatura, entretanto, dentro de poucos dias, a instituição passaria a se chamar Escola
Primária.
7
Ofício nº 586 de 2/03/1932 – Livro de Nomeações da Escola de Aplicação de 1931-62. nº 81. Acervo do Centro de
Memória Institucional do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro – CEMI.
8
Decreto nº 3810 de 1932 de Criação do Instituto de Educação. Acervo do CEMI.
21
deixar de ser a instituição isolada, tranqüila, do outro mundo, que era, para se impregnar do
ritmo do ambiente e assumir a consciência de suas funções. Se depressa marcha a vida, mais
depressa há de marchar a escola. (TEIXEIRA, 1971, p.99). Tais concepções, talvez, podem estar
relacionadas à sua formação em Direito pela Universidade do Rio de Janeiro com título de Master
Arts pelo College da Columbia University e ao estreitamento com o trabalho do filósofo
americano John Dewey, em meados da década de 1920. Segundo Nunes (2000b), entre 1925 e
1928, o educador realizou viagens à Europa e aos Estados Unidos onde foi possível observar
diferentes metodologias educacionais. Foi neste período que se aproximou da pedagogia
pragmática do filósofo, que marcou decisivamente sua proposta intelectual. (op. cit. p. 2). Deste
modo, Anísio sinalizava a nova finalidade da escola, quando refletimos que ela deve hoje
preparar cada homem para ser um indivíduo que pense e que se dirija por si, em uma ordem
social, intelectual e industrial eminentemente complexa e mutável. (TEIXEIRA, 1971, p.36). É
possível que, em função disso, acreditasse que a formação do professor deveria contribuir para
criar uma atitude científica e que fosse utilizada para enfrentar os desafios impostos pela
profissão, preparando os futuros mestres com um conhecimento técnico específico capaz de
servir na resolução dos problemas do cotidiano da profissão docente.
Anísio, que havia assumido a Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal em 15 de
outubro de 1931, a convite do interventor Pedro Ernesto, era um homem de vida pública. Em
1924, o governador da Bahia, Francisco Marques de Góes Calmon, convidou-o para ocupar o
cargo de inspetor-geral de ensino. Foi neste período que realizou a reforma da Instrução Geral de
Ensino daquele Estado entre 1924 e 1929.
Em finais de 1931, iniciou a Reforma do Distrito Federal, que previa também a
modificação da Escola Normal para Instituto de Educação. Tais mudanças significavam também
a incorporação da Escola Primária, da Escola Secundária e da Escola de Professores em uma só
instituição. Com isso, o educador vislumbrava uma formação completa. No texto anexo que
acompanha o Decreto nº 3810, Anísio informa ao interventor suas intenções em relação à
reforma: (...) o projecto de reforma do Instituto de preparação de professores, que acompanha
esta exposição, busca resolver a primeira parte do problema: a formação adequada do mestre.
(TEIXEIRA, 1932, p.22). O educador antevia que tais mudanças seriam o primeiro passo para
enfrentar os problemas da educação que o país atravessava. Segundo Vidal (1995), a idéia da
constituição de um Instituto de Educação permitia que o ensino assumisse seu caráter
22
experimental. As escolas Secundárias e Primárias e o Jardim de Infância (...) deveriam
desenvolver suas atividades de forma integrada (...) harmonizando o conjunto (p.67).
À frente do Instituto deveria existir uma direção geral. Este cargo foi entregue ao
professor Lourenço Filho, que havia estreitado os laços de amizade com Anísio, em 1929, por
ocasião da Terceira Conferência Nacional da Associação Brasileira de Educação, realizada em
São Paulo. Segundo Lopes (2006), os dois amigos trocaram correspondências por mais de um
ano, antes de iniciarem a parceria na instituição. Ainda que com uma formação diferenciada, os
dois convergiam nas preocupações em relação aos problemas da educação. Filho de comerciantes
portugueses estabelecidos no interior de São Paulo, Lourenço estudou na Escola Normal de
Pirassununga, e os dois últimos anos do curso foram feitos na Escola Normal da Praça. No final
da década de 1910, matriculou-se na Faculdade de Medicina, abandonando-a no segundo ano
para ingressar na carreira de Direito. Nesse período, ainda segundo a autora, já lecionava
Pedagogia e Psicologia na Escola Normal de Piracicaba. O educador deixa então as salas de aulas
na Escola Normal de Piracicaba e, a convite de Francisco Campos, ministro da Educação e
Saúde, passa a exercer o cargo de chefe de gabinete daquele ministro.
Antes de assumir a Diretoria da Instruçãoblica, Anísio Teixeira também trabalhara
como assessor de Francisco Campos, no entanto, por ocasião de sua nomeação para a Diretoria da
Instrução Pública, o ministro liberou seu amigo Lourenço de suas funções, para que juntos,
pudessem participar do ousado projeto de organização do Instituto de Educação. Em pouco
menos de uma quinzena, os educadores elaboraram o projeto de organizar a instituição.
Trazer Anísio e Lourenço para o centro da narrativa no período que Orminda Marques
assume a direção da Escola Primária tem a intenção de interpretar as modificações pelas quais
passava o Instituto de Educação. Isto é, os deslocamentos realizados pelos dois educadores são
considerados como pano de fundo para a interpretação do período que em Orminda chega à
instituição, pois, a partir de sua nomeação, a educadora também passava a fazer parte deste
contexto. Com efeito, a escrita sobre os educadores, move-se no sentido de apontar o significado
do convite feito à educadora naquele momento.
Trabalhar com essa perspectiva, em um estudo biográfico, é uma exigência visto que
ninguém existe fora de um contexto. Cabe ao historiador constituir a pluralidade dos contextos
que são necessários à compreensão dos comportamentos observados (REVEL, 1998, p.27).
Desse modo, compreender as trajetórias de Anísio e Lourenço também é uma possibilidade de se
23
aproximar de Orminda, pois a formação, a experiência no campo educacional e o percurso
intelectual dos educadores oferecem subsídios para se entender as concepções metodológicas e
filosóficas que os motivaram a escolher a educadora para ocupar o cargo como diretora da Escola
Primária. Em princípio é possível afirmar que aqueles consideravam que esta reunia os atributos
necessários para estar à frente do cargo: experiência, formação, conduta, afinidades
metodológicas, enfim, existia uma comunhão de idéias.
Na busca por compreender o contexto, é preciso assinalar que no mesmo dia em que passa
a vigorar o Decreto nº. 3.810, que transformava a Escola Normal em Instituto de Educação,
educadores, jornalistas, advogados e médicos se reuniram para publicar o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova. O documento tinha como proposta a reconstrução educacional e
seu objetivo a constituição de uma escola democrática que funcionasse como centro irradiador
de uma nova forma de organizar a sociedade. (XAVIER, 2002, p.30). Estes profissionais
buscavam uma transformação educacional no país pela via da educação, na tentativa de instituir o
direito à escola pública, obrigatória, gratuita e laica para todos. Segundo a autora, o documento
firmava o término de uma situação desfavorável e estabelecia o desabrochar de um novo tempo
marcado pela reconstrução nacional e transformação social (op. cit. p.41). Os signatários do
Manifesto definiam-no como um documento que deixava para trás as agruras do passado da
educação no país, consolidado com o fim da Primeira República, assinalando que era necessário
ir adiante sem os resquícios deste período.
Compreender as questões que dão forma às discussões no âmbito social, político e
educacional que o país vivia significa criar um contexto para o início da administração de
Orminda à frente da Escola Primária. O mesmo enfoque é dado por Nunes (2000a), ao estudar a
vida de Anísio Teixeira, quando destaca: só posso fazer uma interpretação da trajetória de
Anísio Teixeira colocando-o (...) dentro de sua própria geração (p.5). Nesta mesma intenção,
como sugerido por Paiva (2005), trata-se de interpretar o biografado em seu tempo, entendendo o
que determina e condiciona as suas escolhas. Biografar significa entender que as escolhas, os
recuos, as decisões e os variados atos tomados pelo indivíduo não podem ser interpretados de
modo isolado porque, na verdade, são frutos de sua época. Seguindo esta perspectiva, são feitas
algumas indagações: quais foram os temas e dilemas do cotidiano da educadora? Como ela reagiu
às significativas modificações no âmbito das políticas públicas para a educação, bem como, às
24
ações educativas empreendidas por personagens da política educacional? Sobre este período,
Xavier (2002) aponta que
a década de 30 marca o momento em que se dá a definição de uma área
específica de política pública setorial, com a criação do Ministério da
Educação e Saúde, em 1931, e de um conjunto de medidas
governamentais, como a valorização pública dos congressos da ABE e o
incentivo às reformas educacionais implantadas pela Revolução (p.15).
É ainda neste período que encontramos Anísio Teixeira e Lourenço Filho envolvidos com
as questões da renovação educacional, os quais tiveram também expressiva participação nos
debates da Associação Brasileira de Educação – ABE, entre as décadas de 1920-30. Desse modo,
ainda no intuito de compreender o emaranhado de questões que circundava os horizontes dos
educadores, voltamo-nos ao estudo de Marta Chagas de Carvalho (1998) sobre a ABE, no qual a
autora assinala a tensão presente nas discussões em torno da modernização da educação. Para ela,
o sentido de modernizar, que atravessava as discussões da instituição e da sociedade durante este
período, precisa ser compreendido como
propostas “modernizadoras” que diferiam das “tradicionalistas” por
programarem esse controle incorporando novos métodos, técnicas e
modelos educacionais, tomando a fábrica como paradigma da escola e da
sociedade. Tratava-se, neste caso, de programar, em moldes mais
adequados “às exigências de uma sociedade nova, de forma industrial”,
mecanismos de controle social (p.27).
Em função disso, como proposto pela autora, os educadores vislumbravam que caberia à
escola esta tarefa de remodelar a sociedade, através de técnicas e metodologias de ensino. Era
tempo de abolir os velhos padrões e projetar o novo. Pode-se afirmar que existia uma
encruzilhada de questões relacionadas às modernas pedagogias: a revolução coperquiniana, que
colocava a criança no centro do processo ensino-aprendizagem; o cientificismo, que aparecia
como mote de sustentação às questões do ensino; e a lógica fabril, que invadia os currículos
escolares, exigindo a melhor utilização do tempo. Assumir a direção da Escola Primária durante
esse período, portanto, significava para Orminda Marques estar em contanto com estas questões e
tantas outras questões que cercavam os temas relacionados ao ensino primário e à formação para
o magistério.
O período é também marcado por diversas modificações tanto no âmbito da legislação,
que imprimiu novas diretrizes para a formação de professores, quanto na formação do corpo
docente do Instituto de Educação. Com isso, para além das questões de cunho estritamente
25
administrativo, o novo currículo de formação e as novas disciplinas, Anísio e Lourenço viam-se
envolvidos nas resoluções de problemas relacionados às mudanças no corpo docente da
instituição.
Diante disso, observando os bastidores dessas modificações, pretende-se compreender as
questões que estavam postas na substituição de professores. Em início de março de 1934, Anísio,
recebia uma carta datilografada que trazia um pequeno texto e um abaixo-assinado que contava
com o nome de 69 responsáveis do Jardim de Infância. Eram pais que se mostravam descontes
com a saída da diretora Edith Sarthou:
Os abaixo-assinados, todos os paes de alunos matriculados no Jardim de
Infância (...) Nosso caso, Sr. Dr. Diretor, diz respeito ao afastamento da
muito Digna Diretora daquele estabelecimento escolar (...) Sabemos, ser
do vosso agrado substituí-la por outra Educadora, mas nós, que nos
acostumamos à sua solicitude sem par para como nossos filhos,
procuramos saldar parte de nossa dívida de gratidão, fazendo um apelo à
vossa boa vontade no sentido de ser conservada, no logar em que se
tornou insubstituível, aquela Dignissima Diretora.
9
Não foi possível localizar a carta de resposta no arquivo do educador, no entanto, pode-se
assinalar que Anísio não considerou tal pedido, pois ao consultarmos os Arquivos do Instituto de
1936, encontramos o nome da professora Celina Ailié Nina como diretora do Jardim de Infância
durante o período de sua administração, o que significa que ele fez a troca de diretoras. Na
historiografia é possível encontrar outras referências relacionadas a esta substituição. Para Vidal
(1995), Celine ocupava o cargo desde o início de 1932, apontando que o nome de Edith não
estava vinculado ao Jardim de Infância neste o período. Em contrapartida, Accácio (1993) faz
referência a Orminda como responsável tanto pela Escola Primária quanto pelo Jardim de
Infância durante o período no qual foram realizadas as modificações.
Anteriormente, em finais de janeiro de 1932, Anísio também se viu envolvido com as
modificações para os cargos de docentes do professorado primário. Com uma graciosa caligrafia,
em documento não assinado, uma professora escreve a Anísio sugerindo os critérios para
nomeações de professoras. V. Ex. acceitaria suggestões sobre o caso das substitutas (...) A 4ª
classe de adjuntas a ser formada para que contente assim dividida: ¼ por antiguidade de
diploma, ¼ por notas da escola Normal, e, os 2/4 restantes as substitutas, sendo ¼ por tempo de
serviço e ¼ por merecimento dentro da classe (...). Ainda que não se possa identificar a qual
9
Correspondência de Anísio Teixeira, arquivada no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
– CPDOC - Fundação Getúlio Vargas – FGV, localização ATc 34.03.10- rolo 37 -696-8.
26
escola a professora pertencia, é interessante compreender que, naquele período, o educador
encontrou entraves para instituir as mudanças educacionais que julgava pertinentes.
Devemos assinalar, portanto, que a metodologia de construção do texto tem o desejo de
iluminar as diversas questões presentes durante o período em que Orminda chega à instituição.
Como salientado por Bourdieu (1996), para escrever uma trajetória, o biográfo deve,
previamente, construir os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e logo, o
conjunto de relações objetivas que uniram o agente considerado (...) ao conjunto dos outros
agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis (p.190).
Desse modo, o texto impõe-se exigindo aproximações e afastamentos com o cotidiano de
Orminda como diretora da Escola Primária.
1.2. O legado administrativo
Ao assumir a direção da Escola Primária, Orminda Marques o faz em substituição à
professora Haydéa de Castro Fiúza Vianna – segundo consta no livro de correspondências
10
,
utilizado para comunicações entre a direção da Escola Primária e os demais departamentos da
instituição –, que deixava o cargo devido a problemas de saúde.
Em trecho do livro de correspondências, a ex-diretora informa: (...) De acordo com a
alínea 22 do art. 124 do Regulamento de ensino, cumpro o dever de informar-vos que entro,
amanhã, em licença, sendo meu intento, como deveis ter sido informado, retirar-me das
actividades do magistério (...).
11
O Regulamento de Ensino, na forma do Decreto nº 2.940 de
1928, que em seu artigo 124 trata das atribuições do diretor de escola, alínea do qual à ex-diretora
se refere, aparece a seguinte atribuição: officiar immediatamente ao inspector escolar,
comunicando o seu afastamento por motivo de licença, officio esse que o director encaminhará à
Directoria Geral. Desse modo, observa-se que Haydéa cumpria as exigências da lei ao oficializar
seu afastamento da escola.
O livro de correspondências, assim definido por Haydéa, tinha a finalidade de registrar em
suas 200 páginas as mensagens da Escola de Aplicação, como a diretora informa na folha de
rosto. Nela também é possível verificar a data de abertura do livro: 6 de março de 1931, o mesmo
10
Livro de Correspondências da Escola Primária. Acervo do Centro de Memória Institucional do Instituto Superior
de Educação do Rio de Janeiro – CEMI – Livro sem numeração.
11
Livro de Correspondências ofício nº 21 de 29/20/ 1932 – CEMI.
27
dia que tem início o ano letivo daquele ano. As palavras que compõem o texto da folha de rosto
foram habilmente talhadas por um calígrafo que não economizou nos ornamentos das letras.
Deve-se salientar que o livro registra um grande período da correspondência administrativa da
instituição, ou seja, até 21 de maio de 1946.
Os registros, todos manuscritos, que compõem o livro de correspondências serão tratados
no corpo do texto como ofícios, isto é, uma prática de escrita administrativa. Em função disso, as
análises dos documentos serão construídas a partir da perspectiva de Nascimento (2006)
12
, que
ao analisar estes materiais assinala: (...) nos ofícios, são utilizados os termos Exmº, Sr. Diretor
Geral da Instrução Pública, ou Sr. Diretor Geral, o que evidencia a formalidade necessária no
tratamento de pessoas ocupantes de cargos públicos, mesmo que sejam amigos (...) (p. 24).
Segundo a autora, a escrita administrativa pode se apresentar em diferentes formatos, tais como
ofícios, memorandos, telegramas, requerimentos, dentre outros, e são documentos elementares
para o funcionamento da instituição. Devemos, no entanto, assinalar que tais documentos têm
uma perspectiva diferenciada da de cartas. Segundo Mignot (2003), as cartas são escritas para
informar, compartilhar, negociar (...) e em alguns momentos da vida também cumpriam o papel
de estabelecer elos com o mundo exterior (p.28).
Essa escrita administrativa é uma escrita ordinária. Por meio dela pode-se adentrar pelo
Instituto de Educação, conduzida pelas narrativas das ex-diretoras da Escola Primária, na
perspectiva posta por Mignot (2003), em Papéis Guardados, quando assinala que, através de
análises de bilhetinhos, cadernos escolares, correspondências, diários profissionais, registros de
práticas pedagógicas e outros materiais, pode-se entrar em contato com o universo escolar. Ainda
que sejam considerados documentos escolares, por vezes observa-se que tais registros também se
tornam espaço para desabafo, para reclamações e até para outros pedidos que se distanciam de
uma escrita formal.
Trabalhando com estas perspectivas, recua-se a um período anterior ao da administração
de Orminda, com o objetivo de compreender o legado administrativo que lhe fora deixado.
Mover-se nesse sentido, significou trabalhar apoiado na proposta de Ginzburg (1990), quando
defendeu o paradigma indiciário. Para o autor, esta seria uma tentativa de buscar pistas talvez
infinitesimais que, no entanto, permitem captar uma realidade mais profunda, de outra forma
12
A esse respeito, ver: NASCIMENTO, Anaíse Cristina da Silva. “Saudações Cordiais” – a criação do Instituto de
Educação nos ofícios enviados por Lourenço Filho a Anísio Teixeira (1932). Monografia. UERJ, 2006.
28
inatingível. Pistas: mais precisamente, sintomas (...), indícios (...) signos pictóricos. (p.150).
Pode-se afirmar, então que, para o historiador compreender o percurso de legitimação de
Orminda, é necessário juntar os fragmentos que vão compor a história da educadora, ou seja,
reunir fatos, ainda que não estejam estritamente relacionados ao seu cotidiano na Escola Primária,
mas que tangenciem o período de sua administração da escola elementar. Desse modo, vasculhar
o que foi deixado para ela permite contextualizar a escola no início dos anos de 1930, isto é,
compreender as condições em que a educadora encontrou a escola ao assumir a direção. Os
problemas anteriores, as mudanças, o relacionamento de sua predecessora com os funcionários e
com o corpo docente, questões enfrentadas no cotidiano da instituição, todos esses dados servem
de sinais. É através deles que se tenta a aproximação da perspectiva da biografada.
1.2.1. Uma escola distante de sonhos
O ano de 1931 seria um desafio para Haydéa de Castro Fiúza Vianna, pois ela tinha à sua
frente a incumbência de organizar a Escola de Aplicação, considerando-se que o prédio fora
ocupado em final de 1930, em situação de emergência. Em outubro daquele ano, o diretor da
instituição, Carlos Werneck, tomou esta decisão em decorrência dos problemas ocasionadas pelas
lutas travadas com a Revolução, em que surgiram boatos de que as tropas de Getúlio Vargas
ocupariam o prédio da Mariz e Barros. A construção, que havia sido feita para abrigar as
normalistas, estava sob ameaça de ocupação. A mudança é iniciada com a colaboração de pais,
alunos e professores. A escola deixa de funcionar no antigo prédio do Largo do Estácio e passa
para o novo prédio
13
, sonhado por Fernando Azevedo, quando foi Diretor da Instrução Pública
(1927-30). A escola era, segundo Vidal (1995), um exemplo de monumentalidade em arquitetura
escolar (...) (p.22).
O idealizador do prédio acreditava que ali seria um espaço privilegiado para que a
formação do professor primário se desenvolvesse em bases científicas e fomentasse o senso
crítico dos futuros professores. Lopes (2006) acrescenta que na concepção do educador as
escolas normais deveriam ser centros de estudo, ensaio e pesquisa pedagógica e, se não podiam
elaborar ou fazer ciência, podiam ao menos transmitir a seus alunos os conhecimentos e a
13
Ver ACCACIO, Liéte. Instituto de Educação do Rio de Janeiro: a história da formação do professor primário
(1927-1937). Dissertação de Mestrado. São Paulo, USP, 1993.
29
prática dos métodos científicos (p.63). A Escola Normal teria como escolas de experimentação o
Jardim de Infância e a Escola de Aplicação e deveria possibilitar ao professores que dela faziam
parte, ou aos futuros mestres, compreender que o complexo de escolas eram centros de pesquisas
e experiências pedagógicas (op. cit, p.64).
O cotidiano da escola, entretanto, impunha aos diretores alternativas que algumas vezes os
desviavam dos ideais sonhados para a instituição. Isto ocorreu quando, em meio ao cenário de
agitação que tomava conta da cidade, um tiroteio nas imediações da Escola Normal obrigou o ano
letivo de 1930 a terminar mais cedo, sendo os alunos aprovados por decreto (ACCÁCIO, 1993).
Todos esses fatos colaboraram para que o ano de 1931 se apresentasse com muitas dificuldades
administrativas para os diretores.
Tal afirmativa torna-se evidente ao consultarmos o relatório escrito por Haydéa nos
últimos dias de janeiro de 1932. O extenso documento expressa seu descontentamento e as
dificuldades que encontrou nos poucos meses que dirigiu a escola elementar. Podemos até
assinalar que ela parecia, desde esse período, acalentar a idéia de abandonar a direção da Escola
de Aplicação, pois não esconde a insatisfação em relação à falta de professores e a escassez de
mobiliário da escola. Ela informa ao diretor:
Cumpro-vos o dever, de accordo com alínea 28 do art. 124 do Decreto
2940 de 22 de novembro de 1928, durante o anno de 1931, anno em que
passou a funccionar no novo prédio e sob minha direcção de accordo
com art. 258 do citado decreto.
Antes de resumir taes trabalhos, seja-me licito salientar o promissor
resultado obtido em apenas oito meses de fuccionamento, para
instalação e organização graças ao apoio que nunca me faltou da
administração da Escola Normal, ao benéfico concurso do Departamento
do Material, a boa vontade e disciplina do pessoal discente e, acima de
tudo, aos incansáveis esforço e real enthusiasmo sempre manifestado
pelas minhas adjuntas e auxiliares administrativos. Merece ainda meu
registro especial à dedicada colaboração das famílias dos alunnos, em
sua maioria, quer prestando valioso auxílio comparecendo às reuniões
mensaes do “Círculo de Paes e Professores”, quer concorrendo para
todas as associações escolares como sejam Cooperativa, Caixa Escolar,
Cinema, Biblioteca e Cantina.
Seria, entretanto, omissão lamentável neste relatório que pode ser
resumidíssimo no que houve de mais importante na vida escolar, pois,
que tudo se acha registrado em livros próprios que certamente
examineis, salientar, digo, silenciar sobre o que parece não ter sido
possível a Directoria Geral da Instrução fazer pela Escola de Applicação
– facto que, se me não compete criticar, cabe-me o direito ou melhor,
cumpre-me o dever de registrar.
30
Com effeito, para abrir uma escola nova, uma escola de tanta
responsabilidade, havia prédio e carteiras, pois, como deveis ter
verificado por ocasião de vossa posse, em Outubro, as salas de aulas não
dispõem de armarios para guardar, se não o material que não foi
fornecido –ao menos os trabalhos executados pelos alunnos com
material por eles adquiridos.
Como podereis verificar do livro proprio do inventario do material
fornecido a Escola de Applicação não consta ao menos um globo
geographico ou uma caixa métrica.
Entretanto o que mais prejudicou a Escola de Applicação foi a demora
da designação do corpo docente, pois, conforme consta do livro de ponto
e da secção official da Prefeitura no Jornal do Brasil, para que aqui
ficassem as quinze adjuntas necessárias a Directoria Geral designou,
tornou sem effeito ou transferiu dias depois para designar talvez mais de
trinta adjuntas, e até em fins de maio eram enviadas novos elementos,
embora a escola, com corpo docente deficiente e sem substitutas,
começasse a funccionar em primeiro de abril (...).
14
Como exposto por Haydéa, o envio do relatório cumpria a alínea 28 do art. 124, que no
caput estabelecia as incumbências do diretor da escola. Entre os deveres que estão relacionados,
cita-se a manutenção da ordem e da disciplina na escola, a promoção do relacionamento da escola
e da família, a indicação de adjuntos para cargos superiores, a transferência de adjuntos da escola
de uma classe ou para um outro turno, entre outras atribuições.
Para além do texto sobre o período de sua administração no ano de 1931, Haydéa utiliza
o espaço para registrar o seu descontentamento com a diretoria geral da instituição. Ela chama
atenção sobre as dificuldades e as responsabilidades em instalar uma escola em um prédio novo,
destacando que sua administração foi prejudicada devido à falta de materiais para as salas, entre
eles o mobiliário básico, como um armário para guardar trabalhos de alunos.
Também mostra perplexidade ao relatar que as salas não contavam sequer com globo
geográfico ou uma caixa métrica. A educadora referia-se, com espanto, à ausência destes
materiais no ambiente da sala de aula por entender que eles eram facilitadores da aprendizagem.
Pode-se elocubrar que, em sua concepção, a falta desses materiais tornava o ensino da Geografia
e da Matemática distantes para a criança.
A falta desses materiais provocou um certo espanto na diretora, que fazia parte de uma
geração de professores que acreditava ser por intermédio da escola e da educação das massas, que
se encontraria a solução para os problemas da nação. É bem provável que no cotidiano de suas
14
Livro de Correspondências – ofício s/nº de 31/01/1932 –CEMI.
31
atividades convivesse com debates relacionados às novas diretrizes de ensino e ao movimento
renovador da escola, que propunha a existência de uma proximidade entre a criança e os
conteúdos de ensino, ou seja, apontava para a necessidade de atividades práticas para a
aprendizagem:
o ponto de partida, na escola nova, é sempre a observação. É um
princípio essencial. O professor começará por ensinar o alunno a
“observar”, pondo-o em contacto constante com as cousas e os factos,
despertando-lhes o sentido e desenvolvendo-lhe a capacidade de
observação. (...) Aprender a ver, a observar, é a arte de mais difícil
aprendizagem e condição essencial a actividade intelligentemente
orientadas (AZEVEDO, 1931, p.48).
Fernando Azevedo chamava atenção para a observação no processo de ensino
aprendizagem, ou seja, o contato com os conteúdos de ensino. Assim, como poderia Haydéa,
imersa nas discussões sobre a renovação educacional, compreender o ensino de um conteúdo
como Geografia e Matemática sem um globo terrestre ou uma caixa métrica? Para ela, de acordo
com o pensamento azevediano, os alunos ficariam impossibilitados de realizar as tarefas de
observação. Acreditava não existir outras possibilidades para a aprendizagem sem os materiais
que orientassem as atividades. É preciso lembrar que no período em que Haydéa esteve à frente
da Escola de Aplicação, a lei que estava em vigor era a Reforma de Ensino empreendida por
Fernando Azevedo, um educador envolvido com o movimento reformador. Para além dos debates
travados no âmbito da educação que chegavam até a educadora, em função do cargo que ela
ocupava e que modelavam suas concepções em conformidade com a escola renovada, sua
administração também tinha que se amparar naquela lei.
A lei que institui a Reforma, em seu art. 80, previa para o ensino primário que a educação
intellectual activa e utilitária (...) servisse ao desenvolvimento de hábitos de raciocínio e
observação e despertasse a consciência da necessidade do trabalho e do esforço.
15
Como se
pode observar, havia uma grande distância entre a legislação e a prática cotidiana que Haydéa
observava no Instituto. Talvez na compreensão da educadora a carência dos materiais citados
dificultasse o trabalho docente, considerando-se que se julgavam esses objetos fundamentais para
o desenvolvimento dos conteúdos.
Carvalho (1998) informa que Fernando Azevedo sinalizou que, o início do movimento
renovador se deu na segunda década do século XX, por meio das reformas de sistemas escolares,
15
Regulamento de Ensino lei nº 2940 de 1928, p. 168.
32
e que, de acordo com ele, teria se expandido pela Associação Brasileira de Educação – ABE. O
educador citava diversos acontecimentos que foram contribuindo para a efervescência no âmbito
social, como a Semana de Arte Moderna e a revolta tenentista. Eram sintomas que iriam expor a
batalha do velho versus o novo na esfera social e, em contrapartida, nos meios educacionais. O
ponto de ebulição de todo esse sentimento de renovação deu-se com a Revolução de 1930. O
movimento reformador ganhou expressão em um momento que já tinha estabelecido uma prévia
organização do sistema educacional, como a criação do Ministério da Educação e a reordenação
do ensino secundário e superior (Carvalho, 1998). Portanto, ao facilitar e intensificar a
circulação de idéias e as trocas culturais, a Revolução de 1930 teria também potencializado o
debate educacional que vinha sendo travado desde a década anterior (CARVALHO, 1998,
p.20). Expondo o contraponto entre a renovação e a tradição.
O esforço empreendido até aqui é o desvelar as discussões com as quais Haydéa entrava
em contato e, perceber porque a impossibilidade de utilização de alguns materiais na escola
elementar tornava-se motivo de grande preocupação para ela; quer-se compreender o contexto de
suas aflições.
O relatório de Haydéa continua informando ao diretor sobre as dificuldades encontradas
em função da falta de professores. Ela aponta:
Matrícula – Organização de classes:
Designadas em março seis professoras das vinte (entre adjuntas e
substitutas) pedidas nominalmente por officio, pelo Director da Escola
Normal ao
Director Geral de Instrução, foi publicado edital abrindo matricula e o
numero de candidatos excedeu de muito ao que seria razoável receber
para as quatorze salas de aula. Restringi a matricula ao numero de
quinhentos alunnos, sendo para cada um dos três mais adiantados annos
lectivos, oitenta para o segundo e cento e vinte para o primeiro anno.
Não sendo possível fazer a escola funccionar em Março e só ficando o
corpo docente completo, estabilizados em fim de Maio, muitos dos
alunnos matriculados não poderam ser recebidos e muitos dos que
ficaram nas turmas com que foi encerrado o anno foram matriculados
depois das férias de Junho.
16
A educadora dá pistas em sua informação sobre o número de candidatos que se inscreviam
para a Escola de Aplicação. Ela mostra, contudo, os entraves em relação à organização das
turmas devido à falta de professores para os cargos. Segundo informou, este talvez tenha sido o
16
Livro de Correspondências – ofício s/nº de 31/01/1932 – CEMI.
33
grande obstáculo que encontrou frente à administração da escola elementar. Os problemas de
falta de materiais eram contornáveis, mas e a ausência de professores, como seria resolvido?
Por este motivo, Haydéa expõe ao diretor que a falta de professores era também
ocasionada pelas licenças e pelas transferências de docentes:
Dar-vos-ei uma ideá approximada da difficuldade que tive para
organizar as turmas, disendo-vos: das três de primeiro anno, uma teve
como professoras D.D. Lavinia Castelo Branco Chaves, Luremar de
Paiva, Dulce Braga Portilho e Maria Figueira de Mattos, outra teve
como professora D.D. Dora Bicca de Gouvêa, e Maria de Lourdes
Cunha, que esteve licenciada de Agosto a Outubro, sendo substituida
pela substituta Theotonia Dias Costa. A professora Maria de Lourdes
Cunha que muito faltava, por doente, antes da licença, depois que
apresentou, ainda doente, continuou a faltar e só em Novembro, em
vinte dias lectivos, faltou onze veses. Como é natural a terceira turma do
primeiro anno soffreu a consequencia da instabilidade das professoras
das duas outras.
Uma das turmas de segundo anno teve como professora a adjunta
Eurydice Corrêa Jorge da Crus, que se licenciou pelo art. 20, passando a
turma à adjunta Maria Augusta Moreira, que conseguiu transferência
daqui aos 23 de Maio, passando a turma para a adjunta substituta
Thereza dias de Souza, de Maio a 20 de Outubro data que se apresentou
a adjunta licenciada; outra turma de segundo anno teve como
professoras D.D. Zelia Vianna e Dora Bicca de Gouvêa.
Só aos 23 de Maio foi regularmente organizada a terceira turma de
terceiro anno, sendo nesta data para aqui transferida a adjunta Hortência
Cunha Bastos e foi tal turma formada com todos os elementos mais
fracos de terceiro anno; o mesmo sucedeu a uma turma de quarto e outra
de quinto anno: foram organizados com elementos mais fracos que aqui
se encontravam quando se apresentaram as adjuntas Aracy Ferreira e
Orminda Bicalho da Costa, e só receberam classificação de terceiro e
quarto anno porque as crianças apresentavam cartões de promoção, do
anno anterior em varias escolas.
17
Ela expõe as dificuldades encontradas não somente por parte da administração da escola
devido à falta de professoras, mas também os problemas que enfrentava com as turmas, pois
possivelmente estes fatores comprometiam o desenvolvimento dos aprendizes. Seu relato
possibilita, ainda, a observação da organização do corpo docente na escola elementar que,
naquele período, era composto por adjuntas e substitutas. Esta organização cumpria o art. 115 do
Regulamento de Ensino, segundo o texto: cada grupo escolar ou escola fundamental terá o
seguinte pessoal: a) um director, b) um sub-director, designado entre os adjuntos de 1ª classe,
17
Livro de Correspondências – ofício s/nº de 31/01/1932 – CEMI.
34
mediante proposta do respectivo diretor, (...) c) um professor adjunto para cada classe d)
substituos effectivos em numero correspondente a um terço das classes da escola ou do grupo
escolar (...).
18
As inquietações de Haydéa em relação ao corpo docente, provavelmente, estavam
fundamentadas na incapacidade do cumprimento da lei, ocasionando um funcionamento precário
na Escola de Aplicação.
Ela também expressa as preocupações de um período em que se acreditava que o mal da
nação não era somente o analfabetismo do povo, mas a formação integral. Como exposto por
Nagle (1974), o que se propõe não, é apenas, o de aumentar quantitativamente as unidades
escolares do grau primeiro: na verdade, trata-se de pensar a escola primária muito mais como
etapa fundamental de “formação” do que de “instrução” (p.114-15). É possível, assim,
compreender que a composição do corpo docente, exposta por Haydéa ,extrapolava as questões
administrativas, para além disso, presumia sua intenção em compor uma escola elementar que
privilegiasse a formação; para isso era necessário escolher adequadamente o corpo docente.
No texto apresentado ao diretor, Haydéa também salienta os resultados obtidos durante o
ano de 1931. Em tom de desabafo e com palavras carregadas de contrariedade, dá continuidade
ao relatório:
Com tantas e tão serias perturbações em sua organização era natural que
os resultados fossem deploravelmente pouco proporcinaes aos esforços
dispendidos pelas adjuntas que dirigiam as classes acrescente-se a isso a
maneira latismavel por que foram promovidos os alunnos em 1930,
talves menos consequencias do decreto que facultava a media que dá por
assim dizer confusa e nefasta interpretação dada ao que se convencionou
chamar actividade da criança.
Muito embora desagradasse aos que não podem entrar em detalhes de
administração ou não conseguem aprender subtilesas de processo
educativos, muito embora contrariasse alguns paes de alunnos, muito
embora tenha experiencia suffiente do meio em que vivo para saber que,
em regras, os qualificativos extremos dependem da porcentagem de
promoção, não hesitei em sugerir as promoções ao minimo compatível
com o que julgo razoavel, antecipadamente convencida de que tal
minimo provocaria um maximo de descontentamento.
Sobra-me, como recompensa, a certesa de haver cumprido meu dever
protegendo a criança, que precisa estudar para saber e não para ser
promovida ou diplomada, e de não haver prejudicado a tarefa dos que,
em qualquer outra escola, tenham de matricular, em 1932, os alunnos
que freqüentaram esta em 1931.
19
18
Regulamento de Ensino – lei nº 2940 de 1928, p. 178.
19
Livro de Correspondências – ofício s/nº de 31/01/1932 – CEMI.
35
Haydéa demonstrava sua insatisfação com o procedimento adotado pela instituição no
final de 1930, que aprovou os alunos por decreto. Como já mencionado, a medida de adiamento
do término do ano letivo foi tomada devido às complicações da Revolução, e especialmente, por
causa de um tiroteio ocorrido nas imediações da escola. Accácio (1993), em entrevistas com ex-
alunas da instituição, relata que desde o ocorrido as aulas foram suspensas e os alunos [tiveram]
sua formatura formalizada por Decreto, para a tristeza da maioria (p.73).
20
A situação também
pareceu desagradar à educadora, pois ela deixa a entrever em seu texto que deveriam ser adotados
outros procedimentos, e não o que foi realizado.
Pode-se fazer essa afirmativa a partir da expressão que ela utiliza ao se referir à aprovação
dos alunos de 1931. Para Haydéa, tratava-se de uma estratégia confusa e nefasta, por não
esclarecer adequadamente os procedimentos que deveriam ser utilizados para a promoção dos
alunos à série seguinte. Segundo a educadora, a avaliação dava margens de interpretação pouco
objetivas, salientando que essas medidas não foram satisfatórias nem para os pais de alunos.
Em tom de despedida, na conclusão deste item, deixa registrado o cumprimento de sua
tarefa de formação dos educandos, no entanto, mais uma vez nas entrelinhas da escrita, seu texto
assume o formato de crítica em relação à indiferença de seus superiores quanto à forma de
avaliação dos aprendizes.
No mesmo relatório a educadora também expunha os problemas encontrados com as
normalistas que iam para a Escola de Aplicação iniciar o contato com os alunos do ensino
elementar. Amparando-se no Decreto nº 2.940, ela indica mais uma vez as dificuldades
encontradas devido ao atraso no início do ano letivo de 1931.
Organizadas, definitivamente, as classes em fins de Maio, offcio ao
então Director da Escola de Applicação em condições de receber de
permittir execução ao disposto no paragrapho único do artigo 160,
terceiro do artigo 181 e primeiro do artigo 182 do Decreto 2940 de 1928.
Não tendo nenhum assistente do professor cathedratico de Pedagogia
dado aulas practicas didactica e tendo sido as normalistas de 4º anno
escaladas em três turmas que freqüentariam a Escola de Applicação duas
veses por semana, cada uma, distribui-as de modo que algumas
acompanharam aulas do primeiro ao quinto anno e outras do quinto no
primeiro, o que permittiu a cada uma delas, durante os trinta e dois dias
em que para aqui forma enviadas cerca de seis assitencias em cada um
dos cinco annos em que se desdobra o curso primário.
20
ACCÀCIO, Liéte de Oliveira. Instituto de Educação do Rio de Janeiro: a história da formação do professor
primário (1927-1937). Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, 1993, UFRJ.
36
Sem preocupação de fazer estatística sinto-me arrastada a registrar que,
as duas e meias horas por dia, mesmo aquelas que não faltaram,
passaram apenas setenta horas em convívio com todos os alunnos (mais
de quatrocentos) e todas as professoras da Escola de Applicação, o que
equivale, em tempo, a cerca de dezeseis dias lectivos.
21
Haydéa referia-se ao descumprimento dos artigos do Regulamento, que versavam sobre as
atividades de prática de ensino na escola elementar. O primeiro a ser citado dizia respeito às
possibilidades de colaboração de professores de Psicologia nas atividades na ausência de
professores de Pedagogia, segundo a lei: havendo conveniência para o ensino, a juízo do
Director Geral da Instrucção Publica, a regencia da cadeira de pedagogia poderá ser dada a o
cathedratico de psychologia, (...).
22
O relato indica, porém, que sequer, um assistente do
professor catedrático de Pedagogia orientou as atividades na escola elementar.
Os dois outros artigos apontados são mais contundentes: § 3º Na pratica, na escola de
applicação e no curso complementar, o alunno mestre tomará parte direta nas actividades de
officina, cooperando com as creanças e auxiliando na orientação pedagógica dos trabalhos.
23
Como previsto na lei, as atividades práticas deveriam contar com uma participação direta das
professorandas, auxiliando, cooperando com as professoras, enfim, estabelecendo o contato
necessário para a formação no magistério.
O artigo de nº 182 enfatizava a necessidade da freqüência à Escola de Aplicação e ao
Jardim de Infância a todos os alunos de 4º e 5º anos. O primeiro parágrafo do artigo apontado
pela educadora expunha: o aluno mestre, além da assistencia às aulas de pratica pedagógica, se
exercitara na sua futura profissão nas aulas em todas as occurencias da vida escolar, do ponto
de vista technico e administrativo.
24
A educadora tinha como objetivo mostrar ao diretor, e a sua
sucessora, os procedimentos que não foram realizados durante sua gestão, ao mesmo tempo em
que deixava claro o motivo do não cumprimento, utilizando como estratégia uma escrita
amparada na lei.
Sua preocupação era coerente, considerando-se que, embora, ela não mencionasse o
segundo parágrafo do artigo acima referido, ele apontava: o alunno que não tiver 80% no mínimo
de frequencia às aulas de pratica pedagógica não poderá ser promovido nem prestar exame
21
Livro de Correspondências – ofício s/ nº de 31/01/1932 – CEMI.
22
Regulamento de Ensino, lei nº 2940 de 1928, p. 193.
23
Regulamento de Ensino, lei nº 2940 de 1928, p. 198.
24
Regulamento de Ensino, lei nº 2940 de 1928, p. 197.
37
final, ainda tenha obtido media. Para além dos prejuízos ocasionados pelo pouco contato com a
rotina da escola elementar, esses alunos também poderiam ser prejudicados legalmente, ficando
até impedidos de cursar a série posterior.
Outra questão que emerge das reclamações da educadora refere-se à falta de um professor
de Pedagogia. Na Reforma proposta por Azevedo, esta disciplina fora desmembrada em três:
Pedagogia, Didática e História da Educação. Segundo Accácio (1988), a Pedagogia aparecia no
quarto e quinto anos do curso profissional, relacionado à Didática, abordando questões de
organização escolar, aspectos metodológicos referentes as “cultura higiênica, estética,
científica, político-social e econômico-profissional” (p. 87). Pode-se afirmar, então, que os
conteúdos dessas disciplinas tinham como finalidade expor a futura professora a um prévio
contato com o tipo de sociedade na qual ela estava sendo preparada para atuar. As mudanças
propostas a partir da reforma azevediana propunham-se incutir na professoranda a convicção do
papel social da escola primária na democracia (ACCÁCIO, 1988, p.87).
É possível que no relato da educadora existisse uma preocupação com a formação das
futuras normalistas, considerando-se que a Reforma estabelecera novos rumos para a formação
docente. A esse respeito, Fernando Azevedo salientava: (...) fazer educação é, preliminarmente,
tomar o “sentido da vida”. A sua sujeição technica empírica, o seu culto supersticioso pelas
formula e sua actividade profissional, desenvolvida sem base scintifica (...) não lhes permittam
elevar-se às regiões altas do pensamento(...) (1931, p.20).
Imersa nesta concepção ela parecia acreditar que a inoperância do que era previsto na lei
pudesse causar diversos malefícios. Ela previa que as alunas iriam terminar o curso sem cumprir
o que fora preconizado pela legislação, contudo compreendia a longa distância entre o previsto na
lei elaborada pelo reformador e o que se operava no cotidiano da escola elementar.
Ao continuar seu relato sobre o ano de 1931, Haydéa, em tom amistoso, expõe os
resultados positivos obtidos durante sua administração:
Todos os meses, por occasião da reunião do Circulo de Paes e
Professores, eram expostos os trabalhos dos alunnos. (...) Foram
vendidos os trabalhos de agulhas feitos com material adquirido pela
Cooperativa, (...) Foram motivos de festas, na escola a inauguração do
cinema, a do Pelotão de Saúde, a Cantina e o encerramento das aulas.
Fizeram os alunnos duas excurssões a Feira de Amostras para as quaes
foram alugados bondes especiaes a expensas dos proprios alunnos e
38
professoras desta Escola.
25
A escrita de Haydéa assumia agora um tom mais leve, talvez com a intenção de mostrar
orgulho pelos eventos realizados durante o curto período que esteve à frente da Escola de
Aplicação. Dentre eles, menciona as exposições ocorridas durante o Círculo de Pais e
Professores, órgão previsto na Reforma. Quanto às finalidades destas atividades, pode-se destacar
o estabelecimento de contato entre pais de alunos e professores. O estreitamento entre ambas as
partes contava também com cursos de puericultura e higiene para as mães dos alunos. Estas
reuniões deveriam acontecer mensalmente com especial atenção para dar ao paes a noção
perfeita do papel que lhes cabe firmar-lhes nitidamente no espírito a consciência das
responsabilidades; interessar paes na vida normal da escola e não apenas no seus incidentes.
26
Observa-se que, para além do objetivo de trazer os responsáveis dos alunos para o âmbito da
escola, a lei traz nas entrelinhas o desejo de ensinar os modos corretos como os pais deveriam
cuidar de seus filhos. As professoras seriam encarregadas de ensinar condutas corretas aos pais
por meio das aulas de Puericultura e Higiene.
Não se pode perder de vista que por trás destas concepções existe o pensamento do
legislador, que acreditava ser função da escola preparar adequadamente os futuros cidadãos para
as exigências da vida social. Isso demonstra também com a concepção de que a escola deveria
ajudar as famílias a deixar para trás as marcas de uma sociedade escravocrata, incutindo novos
hábitos, novos padrões de comportamento. Para Silva (2005), à escola primária, segundo os
escolanovistas do período, caberia, dentre outros, o papel de interpretar e adequar as crianças,
familiares, conhecidos, professores, diretores, inspetores, (...) enfim a população brasileira para
as novas exigências sociais. (op. cit. p.149). Pode-se dizer que a intenção de realizar esses
eventos parecia atender às finalidade de orientar os pais e responsáveis e, através disso, ajudar a
modelar os comportamentos e as novas condutas sociais.
Quanto às festas também são citadas a inauguração do Pelotão de Saúde, que auxiliava no
trabalho de orientação de higiene dos alunos da escola, juntamente com enfermeiras e médicos,
como determinava em artigo da Reforma no que previa corrigir os maos hábitos dos escolares e
ministrar-lhes noções de hygiene, bem como fiscalizar no meio escolar e no meio das famílias a
25
Livro de Correspondências – ofício s/ nº de 31/01/1932 – CEMI.
26
Regulamento de Ensino, lei nº 2940 de 1928, p. 170.
39
aplicação das medidas aconselhadas pelo inspector medico.
27
A educadora salienta ainda a
inauguração do cinema na escola, indicando a preocupação da direção em colocar os alunos em
contato com uma moderna tecnologia em favorecimento à aprendizagem dos conteúdos de
ensino.
As atividades fora do ambiente escolar também estiveram presentes no ano letivo de 1931.
Tais eventos, previstos na referida Reforma, tinham como finalidade permitir o contato da criança
com outros conhecimentos e outras realidades, em consonância com pensamento azevediano,
adquirir uma bagagem cultural mais ampla. A esse respeito, em estudo sobre a Reforma da
Instrução Publica efetuada em 1928, Xavier e Freires (2005) assinalam que estes objetivos podem
ser observados sobre os dois fios condutores: o primeiro se refere à articulação das diversas
instituições educativas e a concordância entre estas e a realidade social (p.62); no segundo, os
autores apontam a preocupação do educador para os ideais de modernização, e entre os quais
destacam-se as metodologias da escola nova.
Para os autores, é, sobretudo no desenvolvimento das questões sociais, que a Reforma
explicita os três aspectos nos quais Fernando Azevedo pretendia moldar a educação carioca na
segunda década do século XX. Estes pressupostos podem ser nomeados como o princípio da
comunidade (autonomia do sujeito, integração ativa na comunidade); o princípio da escola
única (escola cidadã, de formação integral, aberta e igual para todos) e o princípio da escola do
trabalho (calcada na experiência do aluno e nos métodos ativos) (XAVIER E FREIRE, 2005,
p.62).
Pode-se supor que, foi no sentido de criar eventos que favorecessem a intensa participação
da criança, como exposições ou passeios fora da escola, que Haydéa dava relevância aos eventos
realizados na escola elementar, bem como, em outros locais. Assim como Fernando Azevedo, ela
entendia que tais atividades permitiam ao pequeno aprendiz a aquisição do conhecimento.
Em harmonia com o pensamento educacional hegemônico, a escrita de Haydéa permite-
nos observar de que forma ela representou o cotidiano da escola elementar, através dos eventos,
das festas, dos entraves pedagógicos, enfim, das questões que faziam parte do dia-a-dia da escola
naquele período. É também permitido compreender o modo pelo qual a Reforma de Ensino foi
incorporada nas práticas escolares e na metodologia da escola elementar.
Por outro lado, é necessário compreender que as correspondências tinham a finalidade de
27
Regulamento de Ensino, lei nº 2940 de 1928, p. 284.
40
informar ao diretor da Escola Normal sobre as atividades da escola, tratando-se, portanto, de
documentos oficiais. Elas não podem ser interpretadas como um registro informal do cotidiano da
escola elementar, ao contrário, devem ser pensadas como documentos que exigiam formalidades
na escrita. Mesmo sabendo dos critérios que deveria utilizar, Haydéa criticava os problemas da
escola, ainda que se utilizasse de variadas palavras para amenizar o conteúdo da crítica.
Não se considera que estes documentos descrevam, como em uma concepção positivista,
expressão da verdade; ao contrário, eles são analisados como uma representação da realidade, o
que não descarta que poderiam existir outras representações. Por isso, é importante salientar que
as escritas das educadoras analisadas, Orminda Marques e Haydéa Vianna, que compõem o livro
de correspondências, são produtos de um contexto que está amparado por leis e regimentos, ou
seja, por exigências legais e administrativas que determinavam o teor dos textos. As escritas
foram fabricadas a partir do olhar de administradores, isto é, de pessoas que governavam a escola
elementar. Deste modo, o texto poderia esconder, expor além do que deveria, ou até acentuar
situações com a finalidade de criar um pano de fundo para questões políticas, considerando-se
que o cargo ocupado pelas educadoras naquela instituição era um cargo de confiança.
Trabalhando com estas fontes e usando a perspectiva de Le Goff (1984), salienta-se que o
documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o
fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder (op. cit. p.102). Neste sentido,
compreende-se que, ao elaborar os registros que compõem o relatório final, Haydéa seguia
normas que estavam amparadas na Reforma de Ensino, pois tratava-se de uma escrita
administrativa e não de uma escrita íntima.
28
Por outro lado, no contexto deste estudo, é preciso perguntar-se de que modo as análises
em relação à produção destes documentos nos auxiliam na tessitura da biografia da professora
Orminda. Pode-se dizer que esta busca possibilita entender o que Orminda encontrou no Instituto
de Educação ao assumir a direção da escola elementar. Ainda que sua administração tenha se
amparado em uma outra legislação, as marcas da administração anterior estavam por toda parte,
pois não se pode despir de um dia para o outro de práticas metodológicas e comportamentais.
Elas permanecem nas condutas das pessoas e na cultura escolar.
É com o desejo de compreender o processo de legitimação de Orminda Marques no
28
Sobre escrita íntima consultar: CAMACHO, Suzana Brunet. Cadernos de segredos: marcas da educação católica
na escrita íntima. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, UERJ, 2005.
41
Instituto de Educação, que o texto se move para os estudos sobre biografia. Deste modo, a
abordagem de Elias (1995) ajuda a compreender que o que normalmente é chamado de
“história” (...) não é uma mera seqüência não-estruturada de estilos, ou mesmo uma
acumulação fortuita (...), mas, uma seqüência definida e ordenada, um processo estruturado que
vai numa certa direção e está intimamente ligado ao processo social geral (...) (p.46). Com
efeito, o esforço pela familiarização com o cotidiano da escola elementar durante a administração
de Haydéa é justificada pela intenção em estruturar as discussões que mais adiante surgirão em
função da escrita da professora Orminda.
Voltando, então, para a parte final do relatório, Haydéa optava por apresentar ao diretor os
gastos e as quantias arrecadadas, informando: o movimento financeiro devidamente escripturado
em livros proprios de tudo quanto o esforço pertinar do pessoal que aqui trabalhou conseguiu
angariar.
29
Cumprindo as determinações expostas na Reforma, que assinalavam as funções dos
diretores em relação ao cuidado e à escrituração dos livros contábeis, a educadora mostrava os
saldos positivos de sua administração: Cooperativa 8: 576$200; Cantina 2:714$000; Caixa
Escolar 1:507$900; Bibliotheca 1:064$800 e Cinema 745$900.
30
Separadamente, sobre cada item, ela fazia questão de ressaltar que cumprindo os art. 585-
9, da Reforma de Ensino, destacando que a Cooperativa funcionou com o auxílio de duas
professorandas do quarto e quinto anos, respectivamente, as alunas Léa Frazão e Nilza Caminha
orientadas pelas professoras Carlinda Moreira Guimarães e Leopoldina Rodrigues da Cruz
Machado. Ela ressaltava também, dentre os gastos, o da Cooperativa que contou com o aluguel
de piano 100$00, rede de paos para volley ball 103$000e bola e peteca 28$00.
31
Sobre a cantina,
Haydéa fazia inúmeros agradecimentos ao Círculo de Pais e Professores que ajudaram na criação
e manutenção da mesma. Entre os responsáveis, ela destaca o especial auxílio do Sr. Thiago
Guimarães pelos serviços e doações prestadas à instituição. Segundo ela, um acontecimento
marcante fora a distribuição de canja e salada de frutas para alunos, professores e funcionários
em 25 de setembro, data de inauguração do estabelecimento.
Nos serviços da biblioteca, a diretora assinalava o cumprimento do art. 629 que
determinava que o acervo deveria despertar o interesse dos alumnos pelos livros, bem como
29
Livro de Correspondências – ofício s/nº de 31/01/1932.
30
Livro de Correspondências – ofício s/nº de 31/01/1932.
31
Livro de Correspondências – ofício s/nº de 31/01/1932.
42
servir de complemento ao trabalho do mestre.
32
Previstas para funcionar em cada unidade de
ensino, as bibliotecas deveriam ser organizadas com uma seção para alunos e outra para
professores, com exemplares aprovados pelo Conselho de Educação ou doados por entidades
particulares.
Mostrando satisfação pelo desempenho alcançado, Haydéa destacava o brilhante, assim
adjetivado por ela, trabalho da professora Geraldina Teixeira Rodrigues, junto aos alunos
escolhidos em cada turma para exercerem a função de bibliotecários da classe à qual pertenciam.
Segundo a educadora, a atividade dos pequenos consistia em arrecadar as mensalidades dos
sócios de sua turma e distribuir os livros para os colegas.
Ao final do ano de 1931, Haydéa apontava para um acervo contado com 215 livros de
Literatura Infantil e 115 destinados aos professores. Ela destaca que, em função da ajuda recebida
da cantina, o acervo foi reforçado com a aquisição das coleções Thesouro da Juventude e a
coleção da Bibliotheca Internacional.
33
Sobre a Caixa Escolar, a educadora ressaltava os gastos
com as instalações da cantina, com as ações da Cooperativa, com materiais de usos
administrativos como talões de recibo e livro caixa. Ela também incluía na pauta das despesas a
compra de doces que foram distribuídos no encerramento das aulas.
Para atividades organizadas nas projeções de filmes, a educadora salientava:
Para dar cumprimento do art. 633 do Regulamento de Ensino,
cotizaram-se professoras e alunnos da Escola de Applicação e foi
aproveitada uma sala da Escola para as instalações do cinema que foi
inaugurado no dia 1 de agosto, com presença do Sr. Director da escola
Normal acompanhado do Sr. Secretário e de varios professores e
normalistas além de todos os alunnos da Escola de Applicação. Para a
projecção fixa foi utilizado um apparelho da Escola Normal à que
faltavam lâmpada e tomadas eletricas, as quaes foram adquiridas pela
renda do Cinema da Escola de Applicação.
34
O artigo, a cujo cumprimento ela se referia, indicava que as escolas de ensino primário,
normal, doméstico e profissional quando funccionarem em edifícios predios proprios, terão salas
destinadas à installação de apparelhos de projecção fixa (...) para fins meramente educativos.
35
Expressava também a sua satisfação pelas visitas ilustres que receberam na data da inauguração.
Com ares de um grande evento, ela mostrava as despesas com as cortinas para a sala de
32
Regulamento de Ensino lei nº 2940 de 1928, p. 234.
33
Livro de Correspondências – ofício s/nº de 31/01/1932 – CEMI.
34
Livro de Correspondências – ofício s/nº de 31/01/1932 – CEMI.
35
Regulamento de Ensino, lei nº 2940 de 1928, p. 309.
43
projecção, o aluguel de um filme de comedia dos estúdios da MGM, uma passagem para a
enroladeira, o transporte com o filme da Paramout e a corrêa para machina.
36
Informava
também que as sessões eram semanais, que aconteciam aos sábados, e eram projetados todos os
films da Filmotheca da Directoria de Instrução.
Para finalizar o texto, Haydéa salientava os trabalhos realizados pela professora Alfredina
Paiva e Souza no Pelotão da Saúde com aulas práticas de higiene corporal e sobre o fomento
agrícola conseguido pela professora Orminda Bicalho da Costa junto ao Ministério da
Agricultura. Relata também a impossibilidade de a professora realizar as exposições que
organizou, devido à falta de armários para guardar os materiais.
Podemos afirmar que a dificuldade em organizar a escola acompanhou Haydéa durante
sua administração. O relatório final tratava-se de uma prestação de contas sobre o período que
esteve à frente da escola elementar. Contudo, desde os meses iniciais de 1931 ela sinalizava os
problemas. Fossem de ordem estritamente pedagógica, ou em relação aos aspectos
administrativos, seus relatos apontam as dificuldades que encontrava em dirigir a escola. No texto
da correspondência enviado ao diretor da Escola Normal, informava, entre outras coisas, o
recorrente problema com a falta de professores:
(...)Conforme tereis verificado pelos mappas enviados, acham-se
matriculados e freqüentando esta escola 369 crianças distribuídas do 1º
ao 5º anno.
O funcionamento da Escola, dada a ausência de substitutas, deixa, a meu
ver, tudo a desejar. De facto, em um mês de 23 dias lectivos, houve
grande número de faltas de professoras, conforme consta no livro de
ponto, porque foram annunciados pagamentos de (Fevereiro e Março) e
si mais vêses não ficaram as turmas sem aulas, é porque algumas
professoras desistiram do que lhes faculta a alínea b. do art. 721 do
regulamento de ensino.
Acrescentando a este quadro o facto de haver adjuntas entrando de
licença, três terem sido transferidas, outras terem perdido parentes e
ainda outra ser moça de saude delicada a faltar varias vesês por semana,
não será exaggero elas verificar de angustiosa a situação de quem
responde pelo funcionamento desta casa de ensino.
(...) Peço-vos desculpas e permissão para insistir que a escola não
funcionará normalmente enquanto não houver substitutas para suprir os
impedimentos das adjunta, aqui mais freqüentes que em qualquer outra
escola primária, visto não termos as folgas das quintas-feiras.
37
36
Livro de Correspondências – ofício s/nº de 31/01/1932 – CEMI.
37
Livro de Correspondências – oficio nº 5 de 05/05/1931 – CEMI.
44
Ao observar o registro, é possível verificar que a educadora sinalizava outros problemas:
o atraso nos pagamentos dos professores; a falta de docentes para recebimento do salário, como
garantia o art. 721 na alínea b; as licenças; enfim, eram diversas as dificuldades que ela
encontrava na administração da escola.
Nas análises da escrita realizada pela educadora no livro de correspondências, concorda-
se com Mignot (2003), quando afirma que os professores escrevem para comunicar, punir,
controlar, propor, resistir, exibir e disputar espaços de poder no interior da escola (p.7),
tornando-se estes materiais território livre para expressão de sentimentos.
Em contrapartida, mesmo diante dos problemas que Haydéa apontava, Porto Carreiro,
diretor da instituição, julgava necessária a participação dos alunos do ensino elementar em
atividades, tais como as que possibilitassem o contato com crianças de instituições em outros
países. Assim, em comunicação à direção da Escola Primária, faz o pedido: appelando para o
vosso zelo e actividade, no sentido de fazer que as creanças sob vossa direcção nessa Escola
enviem mensagens às creanças de outros paizes no dia 18 corrente (...).
38
O texto apresentado pelo diretor sugere também que a educadora deveria orientar aos
alunos que fizessem escritas originais, com intuito de revelar toda espontaneidade e espírito
infantil. A escrita assumia um tom de apelo e podemos supor que o pedido do educador tenha
adquirido esta condição, por ele estar informado sobre a precariedade de funcionamento da
escola. Um pedido desta ordem era mais uma tarefa para a diretora, que, entre outros problemas,
enfrentava a constante falta de professores, como já mencionado. Certamente o diretor, um
homem envolvido com a escrita, – Porto Carreiro foi autor de seu primeiro livro de poesia aos 15
anos –, considerava esta atividade importante.
A finalidade seria proporcionar um intercâmbio entre os alunos da escola elementar com
crianças de outros países, com culturas diferentes. A metodologia, marcada por trocas de
experiências, contribuiria para a formação de um indivíduo solidário.
39
Esta preocupação pode
ser vista como uma preparação para a vida, uma tendência educacional que caracterizou o início
do século XX.
A exemplo dessa afirmativa, Anísio Teixeira em obra publicada em 1934 e reeditada em
38
Livro de Correspondências – ofício nº 178 de 14/05/1931 – CEMI.
39
Vidal (1995) salientou que os alunos da Escola Primária realizaram em 1933 o “o correio escolar” com a
finalidade de intercâmbio entre estudantes na Escola e com alunos de outros Estados (p.42). Deste modo, podemos
sinalizar que a atividade sugerida por Porto Carreiro continuou a ser utilizada nos anos posteriores.
45
1971, enfatizava que a escola, para além de habilitar o aluno com os conhecimentos úteis, deveria
preparar a criança para ser boa (...) e só uma situação real de vida pode fazer com que a
criança aprenda essas atitudes sociais indispensáveis à vida moderna (p.41). Desta forma, a
incumbência dada à diretora pelo diretor Porto Carreiro, indica a intenção de propiciar às crianças
o contato com outras realidades e, com isso, contribuir para que adquiram conhecimentos que
possibilitem tornarem-se indivíduos melhores. Este esforço reside no âmbito de preparo para a
vida futura, a vida real. Para além dos muros da escola, o educador compreendia que habilitar a
criança para os novos tempos era permitir que ela entrasse em contato com outras realidades.
Do mesmo modo, no texto, o diretor enfatiza que a escrita não deveria ter a interferência
de adultos, ao contrário, que se preservasse a livre expressão da criança. O educador mostra
conformidade com as propostas educacionais que emergiram nas décadas iniciais do século XX,
em que a criança sai do cenário romântico, das sombras, característico dos oitocentos e ganha
espaço nos estudos da Psicologia aliada à educação. Nesse momento, então, a natureza infantil
tornava-se alvo dos interesses de estudos. Esta concepção traz marca da educação renovada, em
que a criança ganha centralidade no processo de ensino. Nas palavras de Salvador (2000), a
psicologia da educação mostra-se a “rainha das ciências da educação” (...) permitindo que a
pedagogia adquira definitivamente um status cientifico (p. 31) e a criança se torne o centro da
investigação.
As preocupações de Porto Carreiro estavam, certamente, relacionadas à propagação dos
estudos de Edouard Claparède, dos americanos Stalley Hall e John Dewey, entre outros, que
voltaram suas pesquisas para a Psicologia Experimental e da criança (SALVADOR, 2000). Estes
estudiosos, estritamente envolvidos com o movimento de renovação educacional, elegeram a
criança como objeto de estudo. È provável que a ênfase na valorização do trabalho das crianças,
como sugeriu Porto Carreiro no texto enviado a Haydéa, tenha surgido em função da difusão das
obras desses autores nos meios educacionais.
Essa preocupação em habilitar os alunos ao preparo para a vida também estava presente
na formação das futuras professoras. Assim, Haydéa informava ao diretor a organização das aulas
de didática que ela supervisionaria na Escola Primária. Durante Junho e (...) de Julho, os alunnos
assitirão aulas em todas as turmas do 5º ao 1º anno, (...), a assitencia será alternada com aulas
dadas pelos proprios alunnos-mestres, (...) fim de que, com maior interesse se exercitem nos
46
misteres de sua futura profissão.
40
As aulas de didática, que naquele ano ocupariam somente um semestre letivo,
considerando-se que tiveram início no mês de junho, foram elaboradas por Haydéa com
atividades que possibilitassem às alunas praticar os conteúdos aprendidos em sala de aula. A
educadora destaca, ainda, a importância dessa atividade para a formação das futuras professoras,
tanto é que, para as alunas do quarto ano, eram desenvolvidas atividades práticas nas turmas da
escola elementar. No texto, aparece ainda a indicação de que as normalistas dariam aulas nas
turmas, sendo supervisionadas pelas professoras de cada grupo, ou seja, desde o período da
administração de Haydéa havia espaço para o exercício das técnicas metodológicas que eram
aprendidas na Escola Normal.
A didática não era a única disciplina voltada para a formação pedagógica das
professorandas. Ao se observarem os programas de ensino do curso instituído por ocasião da
Reforma de 1928, verifica-se que existia uma preocupação, por parte do legislador, em priorizar
no primeiro ciclo de formação os conteúdos voltados para a formação geral, deixando para a fase
posterior a formação técnica. O curso era dividido em duas etapas: o curso propedêutico e o curso
profissionalizante. A primeira envolvia as seguintes disciplinas: Português, Francês, Inglês,
Literatura Vernácula, Geografia Geral, História do Brasil, Aritmética, Álgebra, Geometria,
Trigonometria Retilínea, Física, Química, História Natural, Anatomia, Fisiologia Humana,
Psicologia, Noções gerais de Direito Público e Privado, Desenho, Música, Canto Geral,
Trabalhos Manuais, Trabalho de Agulhas e Educação Física.
41
No segundo momento do curso, como definido por Haydéa, eram ministradas as
disciplinas de Psicologia Experimental, Pedagogia, Higiene e Puericultura, Sociologia, História
da Educação e Didática. Segundo Accácio (1993), essa distribuição recebeu críticas de Lourenço
Filho, que a esta época dirigia a escola Normal de São Paulo, pois considerava poucas disciplinas
voltadas para a formação técnica.
Em análise da Reforma de Ensino, Lopes (2006) salienta que o reformador objetivava que
fossem dadas condições aos professores de elevarem-se culturalmente, forjando um espírito
crítico, do mesmo modo que fosse permitido a estes docentes entrar em contanto com métodos
científicos, no cotidiano da sala de aula e aplicar essas ciências através de observação e prática
40
Livro de Correspondências – ofício nº 8 de 05/06/1931 – CEMI.
41
Sobre os programas da Escola Normal, ver: ACCÁCIO, Liéte. Instituto de Educação do Rio de Janeiro: A história
da formação do professor primário (1927-1932). Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, UFRJ, 1993.
47
de ensino (p.63). Deste modo, a habilitação específica da formação para o magistério viria
somente nos últimos dois anos. Pode-se afirmar que seria somente a partir do quarto ano que as
alunas entrariam em contato com os problemas do cotidiano da sala de aula.
Talvez tenham sido estes prazos que moveram Haydéa a escrever ao diretor,
considerando-se que o ano de 1930 terminara antes do previsto, devido aos conflitos da
Revolução, e o ano de 31 tivera seu início tumultuado em função dos diversos problemas na
organização da Escola Primária. Por estes motivos, entre outros, seria somente a partir do mês de
junho daquele ano que as professorandas desenvolveriam atividades práticas com os alunos do
ensino elementar. Na verdade, essas professorandas tiveram somente um semestre de Didática
nos moldes da Reforma de Ensino, pois, no início de 1932, Anísio Teixeira, o novo diretor da
Instrução Pública, desde o final de 1931, publicou o Decreto nº 3.810 de 1932, que deu novos
rumos à formação de professores no Distrito Federal.
O último registro de Haydéa como diretora da Escola de Aplicação é datado de 29 de
fevereiro de 1932. A substituição não tardaria: em 2 de março do mesmo ano, a professora
Orminda Isabel Marques assume a direção da escola elementar. Apesar das mudanças na direção
das escolas e na estrutura da formação dos professores, observa-se que o legado administrativo
deixado por Haydéa perpetuou-se, trazendo com ele, entre outras questões, as dificuldades como
a falta de professores e a escassez de materiais, desafios que Orminda encontraria pela frente.
1.3. A organização da Escola Primária: os desafios de Orminda
Ao assumir a direção da Escola Primária, Orminda tinha o desafio de organizar uma
instituição que trazia em sua breve história muitos problemas, fosse pelas condições materiais,
como a falta de armários, ou pelas questões administrativas, como a falta de professores, as
constantes licenças médicas ou o atraso no pagamento dos professores. Não é difícil imaginar a
preocupação dela com o modo como lidaria com as questões pedagógicas, administrativas e até
pessoais. Ocupar aquele cargo significava confrontar-se com muitas responsabilidades. Tudo era
novo: os professores, os alunos, a instituição, enfim, ela precisava, entre outras coisas, fazer
aliados. Pode-se até afirmar, em um ato meramente especulativo, que nos sobressaltos de seus
pensamentos, por incontáveis vezes, ela deve ter se ocupado com questões relacionadas à sua
nova tarefa na instituição: Que tipo de diretora serei? Qual postura tomarei? Que formato terá a
escola elementar?
48
É preciso assinalar que Orminda passou a fazer parte do corpo docente do Instituto de
Educação em um período emblemático, como salientado por Nunes (2000a), quando a instituição
passava a ser um verdadeiro complexo educativo (p.389). Diante do novo modelo administrativo
que a instituição assumia, a administração Orminda amparada pela legislação da época, tinha o
seu toque pessoal: a conquista dos pais, dos alunos, a aproximação com os professores, com a
administração do Instituto, o contato com serventes, porteiros, enfim, tratava-se de uma grande
tarefa de sedução, de aceitação. Esse também era um desafio.
Nos relatos deixados por Haydéa, observa-se que existia um sentimento de afeto e de
integração entre ela e sua equipe. Pode-se até, ousadamente, elocubrar, que era um grupo que
gostava e que se sentia valorizado pela direção, como assinalado por Haydéa em alguns
momentos de sua escrita. Ela se mostrava como a mãe de todos, pronta a defender de todas as
maneiras o seu grupo de professoras. Em função disso, como receberiam Orminda? Talvez estas
questões nem fossem da educadora, quiçá eu as tenha tomado emprestado para entender os
conflitos daquele momento em sua vida. Por vezes o biógrafo toma o lugar de quem é biografado
e em seguida retorna à sua posição: incessantemente aproxima-se e se distancia. É neste
movimento de ir e vir que vai construindo as análises, com sensações intensas, permeadas de
indagações. Divido minhas inquietações com Mignot (2002), sobre a experiência de escrever uma
biografia. Para ela, a escrita biográfica é uma experiência dilacerante. O biografado sempre se
esquiva quando dele se pensa estar aproximando. (...) Os resíduos de uma existência iluminam,
obscurecem, sugerem, ocultam, convidando permanentemente a assumir a precariedade, a
fragilidade do conhecimento (p.55). Assim, na busca pela aproximação, volto-me para um dos
primeiros atos administrativos de Orminda, como diretora da Escola Primária.
1.3.1. A formação do corpo docente
Em finais do mês de março de 1932, Orminda envia uma correspondência à Sra. Zélia de
Oliveira Brame, chefe do serviço de matrícula e freqüência escolar. No documento ela informava
a relação de professores que se encontravam na escola no período em que ela assumiu. Segundo
ela, eram sete professoras: Alfredina de Paiva e Souza, Julia Martins, Leopoldina da Cruz
Machado, Romana Fonseca, Orminda Bicalho da Costa, Emerita Aramis de Mattos e Carlinda
49
Moreira Guimarães.
42
Do corpo docente do ano anterior, restaram apenas estas professoras. A
saída da professora Haydéa parecia ter motivado pedidos de transferências para outras escolas,
pois no relatório constavam também afastamentos assinalados pela diretora: Professoras
transferidas da Escola: Aracy Ferreira, Geraldina Teixeira Rodrigues, Augusta de Queiroz
Carvalho e Euridice Corrêa Jorge da Cruz.
43
Orminda precisava, então, formar sua equipe de
professores. Com este intento, iniciou mudanças no corpo docente: professoras são designadas,
outras transferidas e há ainda as que pedem mudança de escola.
As justificativas para as transferências que encontramos no livro de remoções
44
estavam
relacionadas à distância da escola ou pela conveniência de ensino
45
, como explicitado no texto de
nomeação da professora Odette Winter Vianna: (...) a Directoria de Instrução Pública (...)
designa-na a professora Odette Winter Vianna para ter exercício na Escola de Applicação (...)
por conveniência do ensino.
46
Como exposto no livro de correspondências, a educadora também solicita (...) professoras
transferidas para a escola vinda do 5º Districto, 3ª Escola Mista: Nair Ramos de Almeida,
Margarida Gloria de Faria, Edith Leoni Werneck.
47
Nos relatos de Orminda ao diretor, não é possível encontrar referências sobre quais
critérios a educadora utilizou para selecionar docentes para a instituição. Seguindo as pistas
deixadas nos documentos do período de sua administração, supõe-se que a escolha foi motivada
pelos critérios de avaliação utilizados para selecionar os professores da Escola Secundária e para
a Escola de Professores. Segundo esses dados, em cumprimento aos art. 25, 26 e 27 do Decreto n
º 3.810 de 1932, a seleção dava-se por recomendação de professores da instituição, por boa
conduta social, idoneidade moral atestada por professores do magistério público ou inspetores da
escola. Aparece, ainda, a referência à idade para concorrer aos cargos, que seria entre 21 e 45
anos, tendo como avaliadores os professores e o diretor do Instituto de Educação.
Na busca por entender quais profissionais foram selecionadas para formar o corpo docente
da Escola Primária, foram consultadas as fichas cadastrais
48
das ex-alunas da instituição. Deve-
se ressaltar que, das professoras solicitadas por Orminda, encontramos em maior quantidade
42
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 23 de 23/03/1932 – CEMI.
43
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 23 de 23/03/1932 – CEMI.
44
As informações constam no Livro de Remoções do Instituto de Educação do ano de 1931 – 62 nº 81 – CEMI.
45
Livro de Remoções da Escola Primária de 1931-1962/ nº 81, p. 10.
46
Livro de Remoções da Escola Primária nº 81, p. 12. – CEMI.
47
Livro de Correspondências ofício exp. nº 23 - 23/03/1932 – CEMI.
48
As fichas cadastrais podem ser encontradas nos livros de matrículas que são parte do acervo documental do CEMI.
50
antigas alunas da Escola Normal. Estas apresentavam na maioria boas notas no histórico escolar
durante os anos que estiveram na instituição. Como é o caso da professora Ondina Marques:
aprovada com disticção em Portuguez, Geometria, Educação Moral e Cívica, História Natural,
Musica (...).
49
Em contrapartida, as que foram transferidas são, na maioria, professoras que não tiveram
sua formação naquela escola. É possível supor, portanto, que a educadora privilegiou a equipe de
professoras formadas pela instituição e que já lecionavam em outras escolas do Distrito Federal,
sugerindo que o critério, por ela adotado, também passava pela experiência anterior no
magistério.
Talvez Orminda tenha utilizado esse tipo de seleção, visto que desde o concurso de
provimento para os cargos de professor e catedrático da Escola Normal, realizado em 1928, por
Fernando Azevedo, existia a necessidade da maioridade de 21 anos, o que mostra a intenção de
excluir candidatos sem experiência. Segundo Accácio (2001), evidencia exigência de uma
experiência prévia, se não no magistério pelo menos em algum aspecto do campo da produção
cultural (p.71). Desde o final da década de 1920, com a Reforma de Ensino, a experiência
anterior aparece como requisito importante para o exercício do magistério na instituição. A prova
de aptidão pedagógica ou didática ou de capacidade didática constava de uma aula de cinqüenta
minutos (op. cit. p.74), que tinha como objetivo avaliar o grau de conhecimento do candidato
sobre a disciplina a que concorria. Mendonça (2002) e Costa (2007) também analisam o que
prevalecia na escolha dos professores. A primeira autora aponta que Anísio considerava
importante selecionar professores que haviam se demonstrado competentes no exercício da
docência (p.98). A segunda autora mostra como, no contrato de Delgado de Carvalho para
professor catedrático da instituição, ficava evidente que o professor deveria manter estreitos
laços com o conteúdo que lecionava. Costa salienta: ao prever a possibilidade de desídia e
negligência do contratado, fica clara a intenção em manter apenas professores que mantivessem
um nível de interesse pelo desenvolvimento da pesquisa em sua área, bem como a aplicação de
seus resultados em sala de aula (p.65).
Tais suposições ganham forma em função da ausência de informações sobre as escolhas
das professoras do ensino elementar no Decreto de criação do Instituto. Ele deixa em suspenso os
requisitos necessários para o ingresso na escola, contudo, tentar compreender quais as motivações
49
Cd rom das fichas cadastrais das alunas da Escola Normal/1880-1970 – CEMI.
51
de Orminda ao efetuar tais mudanças significa também entender quais os requisitos e os valores
pessoais que ela considerava importante para compor sua equipe de professoras.
Esta abordagem metodológica ganha sustentação nos estudos de Burke (1997) acerca de
biografias. Para ele esta questão do contexto (...) não é trivial. Ela ilustra a ascensão do conceito
da individualidade (...), o pressuposto de que as informações sobre um escritor nos ajudam a
entender suas obras (p.5). Em relação à educadora, pode-se afirmar que analisar estas escolhas
auxilia no delineamento do pano de fundo no qual ela estava inserida, contribuindo na
compreensão de sua trajetória de legitimação na escola elementar.
Por outro lado, torna-se necessário retomar as análises sobre o documento proposto por Le
Goff (1984), no qual o autor afirma que não existe documento-verdade (p.103), ou seja, todos os
documentos são produzidos em função de objetivos de grupos que estavam no poder durante
aquele período. As mudanças realizadas por Orminda, portanto, não podem ser engessadas e
compreendidas como essência da verdade; ao contrário, tais relatos permitem-nos observar os
movimentos administrativos realizados pela educadora durante o período em que chega à
instituição.
Todo esforço pela renovação no quadro docente da Escola Primária não pode ser
interpretado como uma total solução e eliminação dos problemas. Estas modificações precisam
ser interpretadas como uma estratégia utilizada pela nova direção do Instituto para dar-lhe um
outro formato. É necessário também sinalizar que o cotidiano imprimia outros dados a esta
composição: professores tiravam licença, faltavam, pediam transferências, enfim, existia um
movimento real engendrado pelas vidas das pessoas.
Em função destes fatores, o grande entrave, assim definido por Haydéa, em administrar a
escola elementar era a dificuldade de compor o quadro de professores. As complicações
resultantes dos já citados inconvenientes também estiveram presentes durante o período que
Orminda esteve à frente da escola.
Após um ano de exercício na direção da escola, a educadora expunha as diversas
dificuldades encontradas em relação ao corpo docente da escola:
Dada a situação da Escola, relativamente à falta de professores, continuar
sem solução tornando todo trabalho exaustivo e sem rendimento
satisfatório, venho reiterar-vos o pedido de providencias urgentes que já
vos fiz em ofícios de -18 de Abril, 4 e 24 de Maio, p.f
Eis a situação nos últimos dias:
52
a) a turma de 3º ano II, sem professora desde 23 de maio esta
grandemente prejudica as crianças tristes sem interesse em anima-las, os
pais inquietos, trazendo-me reclamações constantes quer pessoalmente,
quer por meio de recados, cartas e telefonemas.
b) a organização dos cursos médio sob o regime de especializações não
tem podido ter eficiencia, porquanto diariamente as professoras dessas
turmas são designadas para substituir professoras que faltam - o que aliás
lhes trás a maior desorientação de plano traçado, e, conseqüentemente,
certo desanimo, em relação aos resultados desejados;
c) incompleto o corpo de estagiarias – é indiscutível o prejuízo para a
ordem e satisfatório serviço da Escola (...)
50
Orminda mostrava-se incomodada com essa situação, afinal, além de fragilizar sua
administração, a falta de professores também a colocava em situação desconfortável frente à
comunidade escolar, pois eram constantes as cobranças de pais e alunos. Talvez suas alegrias na
Escola Primária estivessem concentradas no desenvolvimento dos alunos. Como salientado por
Vidal (1995), em relatório enviado em final de 1933 ao diretor do Instituto a educadora mostrava
encantamento com a autonomia escolar adquirida pelos pequenos.
51
As insatisfações, porém, continuavam presentes durante sua administração. O livro de
correspondências, havia se tornado um veículo de exposição das mazelas da instituição, pois
circulava dentro da escola, apesar de ser o canal de comunicação entre a escola elementar e a
direção do Instituto. Utilizando-se dele, Orminda escolhia as palavras, mas, em tom quase
irritadiço, continuava aconselhando ao diretor:
Depois dessas considerações principais a seguinte sugestão:
Pelas experiências do ano passado e pelas do ano corrente que tendes
acompanhado em todos os seus detalhes (...) que a antiga “Escola de
Aplicação” deixou desde seus primeiros dias de – ou melhor, nesses
dezoito anos de funcionamento, não ha duvida – uma deliberação urgente
e decisiva clama a organização do pessoal docente da Escola Primária do
Instituto de Educação.
Ora professor desta Escola exigia-se a maior soma de conhecimentos
tecnicos: do professor desta Escola exigia-se maior soma de requisitos e
qualidades; do professor desta Escola reconhecem-se maiores
responsabilidades; do professor desta escola espera-se realmente maior
trabalho diário: daí vos lembro com inadiavel seja criado um curso de
aperfeiçoamento (intensivo) para o professor da Escola Primária do
50
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 19 de 08/06/1933 – CEMI.
51
É importante salientar que Vidal (1995) fez um estudo da Escola Primária do Instituto de Educação em sua tese de
doutoramento considerando relatórios da escola do ano de 1933. Estes documentos se encontram no arquivo de
Lourenço Filho, CPDOC/FGV, no entanto, a metodologia deste estudo privilegia as análises a partir do Livro de
Correspondências da Escola Primária, fundamentalmente, e dos ofícios enviados à Diretoria da Instrução Pública.
53
Instituto de Educação: inscrever-se-ão nesse curso não só as professoras
e estagiarias que estão na Escola como os professores que desejarem
completar as vagas que ha nos quadros atuais, devendo esses ultimos
professores passar a ter exercicio nesta Escola para uma observação
direta de suas qualidades de educadores. De acordo com o resultado do
curso serão nomeadas em quadro especial de professores e estagiarias do
Instituto de Educação (...)
52
Orminda parecia cansada daquela situação; podemos dizer até, por este motivo, que havia
em sua escrita uma ponta de sarcasmo para com aquele quadro, considerando-se que aqueles
inconvenientes já se perpetuavam há vários anos na instituição.
53
Para além deste esgotamento, a
escrita também expunha o protesto da diretora por uma legislação que contemplasse as
professoras da escola elementar, pois, como por ela exposto, existia uma enorme exigência em
relação às docentes da instituição. É bem possível que todas estas determinações para exercício
na Escola Primária possam ter contribuído para o esvaziamento do quadro docente.
O quadro de professores também era motivo de preocupação do diretor do Instituto
Lourenço Filho. Em ofício enviado a Anísio Teixeira, Diretor da Instrução Pública, em início de
1934, ele sugeria mudanças na organização do quadro docente da Escola:
(...)esta Escola exige aptidões especiais e maior número de horas de
trabalho por parte das srs. professoras. (...) o recrutamento poder-se-ia
fazer por inscrição, julgando-se os candidatos por títulos e informações,
ou por provas. (...) Do quadro atual de professoras da Escola Primária,
convém permaneçam as seguintes: Helena Mandroni, Margarida Gloria
de Faria, Martha Augusta Mathiessen (especialista em Desenho), Nair
Vianna Freire, Maria do Carmo Reis, Maria José Massena, Nair Ramos
de Almeida, Ondina Marques (...) convém sejam transferidas: Geraldina
Rodrigues, Maria da Gloria Camarinha, Clotilde Malta e Silva, Jael
Cordeiro, Maria de Souza da Costa Sá, Isaltina de Amorim Werneck,
Maria Elisa Joppert, Maria Augusta Santos, Martha Sergio Ferreira,
Maria da Conceição Pache de Faria. (...)
54
Lourenço parecia concordar com Orminda sobre a maior exigência para as professoras que
lecionavam no Instituto, sugerindo, inclusive, propostas para a seleção que, segundo ele, deveria
52
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 19 de 08/06/1932 – CEMI.
53
Vidal (1995) salienta que os problemas, relacionados à falta de professores, também atingiam outras escolas do
Distrito Federal, como foi o caso da Escola Vicente Licínio Cardoso. Entretanto, tais problemas eram resolvidos nos
meses iniciais do ano, diferentemente do que ocorria no Instituto de Educação.
54
Livro de Ofícios do Diretor de 1932 – ofício. nº 56 – CEMI.
54
por ser por títulos e provas, ou seja, nos mesmos moldes de escolha dos professores da Escola
Secundária e da Escola Normal.
Pode-se supor ainda que estas indicações, que constavam no documento tinham o aval de
Orminda, considerando-se ser ela a responsável pelo grupo de professoras da escola elementar e
pelos laços de amizade com o educador, que durante aquele período, imagina-se, já tinha raízes
profundas. Segundo sua sobrinha-neta, Orminda era muito amiga do pessoal do Instituto,
inclusive, me lembro de várias pessoas indo tomar chá com ela. Ela também era muito amiga de
Lourenço Filho e de sua esposa.
55
O peso da indicação de Orminda era evidente, tanto é que, em finais de março de 1936, ela
informava ao diretor, sobre as estagiárias que não tinham ainda sido nomeadas para os cargos,
pedindo que tais nomeações fossem efetuadas. Dentre as indicações que faz ao diretor, é possível
encontrar os nomes das professoras Brisolva de Brito e Haydée Santana Gallo, que nos anos
subseqüentes se tornaram professoras da Escola Primária.
1.3.2. Os entraves: as aulas de Música e de Religião
Nos registros que Orminda realizou no livro de correspondências, são muitas as
referências às várias dificuldades administrativas e pedagógicas durante o período que esteve à
frente da direção da Escola Primária. Dentre elas, observam-se os problemas enfrentados com os
professores de Música da instituição. Em 3 de junho de 1933, a educadora assinalava seu
descontentamento com os rumos que as aulas de Música estavam tomando: (...) em dias já
repetidos deixa de comparecer a professora de música por determinação do chefe de Serviço –
Maestro Heitor Villa Lobos, sem que tenha a Escola elementos para atender esses casos
extraordinários.
56
Tais procedimentos dificultavam a rotina da escola elementar, obrigando a
educadora a efetuar mudanças que não estavam previstas. Além desse problema, ela também
relatava a Lourenço Filho que as professoras iam à Escola Primária somente para assinar o ponto,
e não davam aulas. Menciona ainda que elas tinham essa conduta orientadas pelo maestro Heitor
Villa-Lobos.
O maestro, ciente dos inconvenientes ocasionados em função das faltas e dos desvios de
professoras para a seção de Música, em meados de outubro de 1935, informava a Orminda:
55
Em 25 de maio de 2007, em uma longa conversa por telefone com a Sr. Maria, que me revelou informações sobre
a vida da professora Orminda Marques.
56
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 23 de 3/06/1933 – CEMI.
55
Comunico-vos, para os devidos fins, que a professora especializada em musica e canto orfeônico
Heloisa Pavão, ficará à disposição desta Superitendencia de 17 outubro a 30 de novembro, (...)
sem prejuízo do horario da escola que dirigis.
57
Villa-Lobos sabia da desordem que a falta dos professores criava à escola elementar. Ele
parecia compreender que aquele era o ofício de Orminda, isto é, zelar pelo bom andamento da
escola, e, deste modo, não demonstrava insatisfação quanto às queixas da educadora, ao
contrário, reconhecia sua pertinência. Aliás, o maestro estava entre os amigos que Orminda
preservara do tempo de Instituto e, segundo sua sobrinha-neta, ao se aposentarem, eles
continuaram muito amigos.
A educadora, no alto de sua experiência profissional, também não parecia tomar as
atitudes do maestro como indiferença para com as atividades da escola elementar, ao contrário,
reconhecia seu envolvimento com os projetos de Música e Canto Orfeônico desenvolvidos no
Distrito Federal. Talvez em função disso, tenha deixado registrado, aos quinze dias de dezembro
de 1933, um evento organizado pelo músico que contava uma demonstração de canto orfeônico
que contou com trezentos e oitenta e sete alunos da Escola Primária.
58
O projeto referia-se à vigência do Decreto 19.890 de 18 de abril de 1931, sancionado por
Getúlio Vargas, que regulamentava o ensino da disciplina de Canto Orfeônico e Música nas
escolas do país. Segundo o maestro, destinava-se a desenvolver no aluno a capacidade de
aproveitar a música como meio de renovação e de formação moral, intelectual e cívica (VILLA-
LOBOS, 1937, p.22).
59
Das apresentações realizadas pela Superintendência de Educação Musical
e Artística (SEMA), destaca-se a apresentação de um coral com 18.000 vozes, contando com
alunos das escolas primárias, professores e alunos do Instituto de Educação.
Havia uma aceitação da educadora para com aquele trabalho, considerando-se que os
projetos tinham uma função importante, dentro do governo Vargas: fomentar o espírito cívico
patriótico no país. É no sentido de assinalar o contraponto vivido pela educadora entre ceder as
professoras da Escola Primária para as atividades organizadas pelo SEMA e o momento político
e social pelo qual o Brasil passava, que devemos interpretá-la. Pode-se dizer que não havia outra
57
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 24 de 17/010/1935 – CEMI.
58
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 18 de 15/12/1933 – CEMI.
59
VILLA-LOBOS, Heitor. O ensino popular da música no Brasil: o ensino da música e do canto orfeônica nas
escolas. Oficina Gráfica Geral de Educação e Cultura, 1937, Rio de Janeiro.
56
estratégia a ser utilizada e à Orminda só restava a alternativa de continuar lidando com a falta de
professores através de pedidos de docentes e estagiárias.
Certamente ela conhecia o ideário nacionalista que se apresentava no horizonte político,
como salientado por Brito (2006), em estudo sobre a educação no primeiro governo Vargas, que
ressalta que (...) mesmo quando se examinam os projetos do Ministério da Educação e Saúde,
identificamos um discurso preocupado com a construção da nacionalidade, com a valorização
da brasilidade, pela afirmação da identidade nacional brasileira (p.19). Desse modo, pressupõe-
se que ela compreendia que o recrutamento de professoras era inevitável para que este trabalho se
desenvolvesse. Sua habilidade administrativa se distinguiria na medida em que lidasse de forma
mais adequada com estas questões, ou seja, expondo ao diretor os problemas, mas sem entrar em
choque com os procedimentos do maestro.
Esta habilidade também é observada ao lidar com as mudanças nos programas de ensino
da escola elementar. As modificações significavam o enfrentamento de novas arrumações no
corpo docente. A destreza em solucionar as questões é que imprimiam a marca de sua
administração: fosse no trato com os responsáveis, no remanejamento do professores e na
capacidade de interpretar e adequar as exigências legais ao cotidiano da instituição.
Foi assim que Orminda se viu às voltas com obrigatoriedade do ensino religioso
promulgado pela Constituição de 1934. Era uma questão delicada, considerando-se os vários
credos dos alunos. Esta lei deixava para trás o Decreto de 1931, que mencionava a necessidade da
instrução religiosa. Pela nova lei, as escolas públicas do ensino elementar, do secundário,
profissionalizantes e as normais tinham obrigatoriedade em oferecê-lo, pois se constituiria como
“matérias de horários” (CUNHA, 2007, p.6), entretanto a família poderia arbitrar sobre a
presença dos alunos às aulas.
Do ponto de vista administrativo, essa abertura significava um problema ainda maior, pois
em quais atividades seriam inseridos os alunos que não assistissem às aulas de religião? Que
professores ministrariam esta disciplina? Em relatório de 23 de março de 1936, enviado ao
diretor, ela informa: relativamente à confissão religiosa (...) católicos trezentos e oitenta e seis,
protestantes dez, ortodoxos seis, evangelistas um, judaista um, espíritas seis, não tem religião
quarenta e seis. Desejam freqüentar as aulas de religião: Trezentos e oitenta e seis católicos,
quatro protestantes, quatro ortodoxos, cinco espíritas.(...).
60
60
Livro de Correspondência – ofício exp. nº 8 de 23/03/1936 – CEMI.
57
Assim como determinado pela lei, havia uma preocupação em relação aos alunos que
tinham o interesse em participar das aulas, mas o problema de adequação das atividades estava
posto. Tais atividades significavam a necessidade de mais professores e estagiários, o que se
caracterizava como uma grande dificuldade para a escola.
Em comunicado enviado à diretora, Lourenço Filho informava sobre as professoras da
escola designadas para o ensino religioso: (...) Envio os nomes das professoras designadas para o
Ensino da Religião Católica Apostólica Romana, nessa Escola, pelo Conselho da Arquidiocese
do Rio de Janeiro, de conformidade com as instruções baixadas pelo Sr. Secretario Geral de
Educação e Cultura (...).
61
As professoras da escola seriam encarregadas de orientar o ensino
religioso para os alunos que tivessem interesse em participar das aulas.
Para além do enfrentamento destas dificuldades de organização do corpo docente, em
relação ao funcionamento das aulas de religião, Orminda via-se em meio a um conflito
configurado pela oposição entre o velho e o novo. A obrigatoriedade desta disciplina significava
um passo atrás, considerando-se que os renovadores pregavam, desde a década anterior, a defesa
de uma escola laica. Ela, amiga de Lourenço, designada por Anísio, talvez dividisse com eles os
ideais de renovação da educação. Como seria então para Orminda trair seus ideais? Como seria
propor uma disciplina que ela supunha ser contrária à função da escola?
Tentar entender estes conflitos estreita o contato com Orminda, torna-a mais próxima,
quase presente. Quem sabe assim, seja possível dividir com ela as contradições nas quais se viu
imersa em função do cargo que ocupava? Como sucumbir aos valores e organizar a escola
elementar com objetivos que ela, talvez, considerasse inadequados?
Possivelmente Orminda viu-se incomodada com estas questões porque vivia os ideais da
educação. Sua função no Instituto não se restringia à escola elementar, na verdade, aquela era a
sua vida. Segundo sua sobrinha-neta, ela gostava muito do Instituto, gostava das pessoas, ela
acreditava no que fazia. Ela tinha muito amor pela educação.
62
Percebe-se, então, que não era
uma atividade de mera execução, tratava-se de um envolvimento afetivo com o que ela realizava.
Deste modo, deve-se pensá-la como integrante de geração de educadores que acreditava na
insubstituível função social da escola de reformar a sociedade.
61
Livro de Correspondência – ofício receb. nº 18 de 16/05/1936 – CEMI.
62
Trechos da entrevista telefônica informal realizada com sua sobrinha neta em 25/05/2007.
58
Ainda que o livro utilizado por ela para os registros do cotidiano da escola não tivesse
espaço para que ela expressasse todo seu descontentamento em relação às posturas que deveria
assumir, ao pensarmos no desenvolvimento de seu trabalho e na rede social a que pertencia pode-
se supor que a efetivação da disciplina religiosa na instituição contrariou suas concepções sobre
educação.
Considerando-se a rede social a que ela pertencia, como proposto por Elias (1995), de
alguma maneira (...) ela (...) absorveu o padrão de comportamento da classe dominante de sua
época (p.35), isto é, ela foi influenciada pelos padrões comportamentais do seu tempo, pois
estava inserida em um grupo de educadores que propunha uma escola progressista e que não
encontrava identificação com o ensino confessional que passava a fazer parte dos programas de
ensino durante aquele período. Talvez, em função disto, a efetivação dessa disciplina na Escola
Primária tenha sido um grande entrave para Orminda, mas não existem registros sobre este tema
e o modo como enfrentou as exigências legais.
1.3.3. Os pedidos de materiais
A organização dos materiais também fazia parte das atribuições de Orminda como diretora
da Escola Primária. A conservação do mobiliário, os pedidos de livros, a preocupação com o
espaço adequado para as aulas de práticas, enfim, todos estes elementos também expunham aos
pais, professores e até diretores da instituição o modo como ela dirigia a escola. Deste modo,
analisar esta materialidade escolar ajuda a compreender como ela administrava, ao mesmo tempo
em que mostra sua marca pessoal nas escolhas dos objetos que considerava crucial para a escola
elementar, expondo suas concepções metodológicas.
Em comunicação enviada ao diretor em 27 de setembro de 1932, ela informava ser
indispensável registrar em ofício o material recebido pela escola: 34 lápis bicolor; 20 folhas de
papel officio com envelloppe; 7 barras de sabonete; 28 caixas de giz (19 brancas e 4 de corês);
18 vidros de tinta Attas (litros); 10 caixas de penas Inalaya; 43 pacotes de papel hygienico; 2
reservatorios para lixo; 1 pacote de potassa (5kgs); 16 barras e sabão grosso (20kgs).
63
Também assinalava que os materiais eram os primeiros a serem enviados pela Comissão de
Materiais naquele ano, destacando também as dificuldades para o funcionamento da escola, que
contava naquela data com mais de 800 alunos.
63
Livro de Correspondências ofício exp. nº 41 27/09/1932 – CEMI.
59
Mais uma vez, a correspondência enviada ao diretor denuncia uma escola com muitos
problemas e muito distante dos sonhos dos idealizadores da instituição. Com o intuito de
contrapor a realidade cotidiana assinalada por Orminda da difundida pelos diretores da
instituição, debruçamos-nos sobre o estudo de Lopes (2005), acerca do periódico Arquivos do
Instituto
64
como suporte de memória. No estudo, a autora analisa as representações fotográficas
dos espaços da instituição expressa no periódico, entre outras questões. No trecho destinado à
Escola Primária, o texto é acompanhado por uma bela fotografia de crianças realizando
atividades em sala de aula, alheios a conflitos ou problemas. Esta imagem, em conformidade com
o texto, tem o desejo de mostrar a Escola Primária como um lugar organizado, um modelo a ser
copiado. A autora pondera, entretanto, sobre o cuidado nas análises sobre as representações
fotográficas: a autoridade da fotografia baseia-se exatamente nessa sua presença temporal e
física, pois confirma a presença e a observação do fotógrafo, bem como a verdade de seu relato
(p.150). Seguindo esta perspectiva, a verdade expressa pela fotografia mostra a representação da
escola elementar idealizada, com a evidente intenção de construir a imagem de uma escola
modelo. Deve-se sinalizar, porém, que tais argumentos chocam-se com a realidade exposta por
Orminda no livro de correspondências.
Neste mesmo registro é possível, também encontrar os materiais de uso diário na escola,
fossem as caixas de sabão, as barras de sabonete ou os reservatórios para lixo. As listas permitem
conhecer os objetos utilizados nas salas de aula: os lápis bicolores para dar belas matizes aos
trabalhos dos pequenos aprendizes; e as folhas com envelope para as correspondências dos alunos
da Escola Primária. Deparamo-nos também com a grande quantidade do pedido das caixas de giz,
com a finalidade de serem utilizados nos quadros-negros, apontando para a centralidade desse
suporte de escrita (BASTOS, 2005b) nas práticas cotidianas da escola.
Tais análises permitem-nos compreender as práticas metodológicas da escola elementar.
Segundo Hernández Diaz (2002) los objetos y espacios de la escuela ayudan a construir
relaciones, palpables o invisibles, a crear um determinado clima, que podrá ser recreado e
interpretado (...) (p.226). A partir dos materiais, pode-se examinar o que a direção da instituição
considerava importante para ser enviado para a Escola Primária. Por exemplo, em função da
64
Anuário destinado a divulgar os relatórios das atividades administrativas e relatos de práticas pedagógicas e
culturais, contando com a colaboração de professores dos vários cursos mantidos pelo Instituto (...) (LOPES, 2005,
p. 105). A autora sinaliza ainda que, no período que Lourenço esteve à frente do Instituto (1932-37), foram
publicados o 1º volume dos Arquivos, que eram divididos em três edições: 1934, 1936 e 1937.
60
quantidade de caixas de giz que aparece na lista, supõe-se que durante o período que Orminda
administrou a escola havia uma demanda para que as atividades de escrita fossem realizadas com
giz. Talvez, até, estes materiais tivessem como único destino os quadros-negros. Isso ajuda a
entender o que era considerado importante em relação aos materiais utilizados durante a
administração de Orminda.
Em lista de material enviada por Orminda, em 8 de maio de 1933, ao diretor, verifica-se
uma maior abrangência de produtos. Para além destas preocupações com a higiene da escola,
através do texto, é possível encontrar uma diretora atenta ao cotidiano da sala de aula, adjetivo
observado através dos pedidos de canetas para alunos, borrachas e goma. Deste modo, ela
relaciona: (...) borrachas – 14; goma – 8 vidros; tinta preta – 7 litros; sabão – 67 quilos;
sabonete – 9 barras; canetas para alunos – 276; escovas para lavar – 4; vassouras de cabelo –
9; vassoura de piassava; vassourinhas – 27; vassourinhas de palha (...).
65
Supõe-se que as canetas que a diretora pedia eram canetas-tinteiro, considerando-se que o
aparecimento da esferográfica deu-se nos anos de 1960 do século XX (VIDAL e ESTEVES,
2003). Assinala-se que a preocupação de Orminda para com as atividades de escrita fosse em
relação aos aprendizes e também com os amanuenses
66
, que eram os encarregados pelas
transcrições nos livros-caixa, no livro de correspondências, enfim, eram os copistas da escola.
67
Outra preocupação de Orminda em relação aos materiais da escola refere-se aos livros que
compunham o acervo da instituição. Segundo Nascimento (2006), em ofício enviado ao Diretor
da Instrução Pública, em junho de 1932, é possível encontrar as obras solicitadas para a escola
elementar:
65
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 18 8/05/1933 – CEMI.
66
Não foram encontrados documentos que sinalizassem a função destes funcionários no Instituto, no entanto,
Nascimento (2006) salienta que eles faziam parte do quadro da instituição, deste modo, podemos sugerir que eram
os responsáveis pela escrita no livro de correspondências. Neste documento não há somente um tipo de letra, as
grafias variam inúmeras vezes durante a gestão de uma mesma diretora, o que, em princípio, indica que os
funcionários mudavam ou havia vários para realizar a tarefa. Em pesquisa realizada no Acervo Geral da Cidade do
Rio de Janeiro foi possível localizar um concurso realizado em 1894, em que seriam selecionados amanuenses para
trabalhar em repartições públicas. Dentre os critério de seleção do concurso, encontramos: ArtA Inscripção serão
admittidos os canditados que, mediante requerimento escriptos do proprio punho e dirigido ao bom procedimento
moral e civil, podendo apresentar quaesquer outros documentos relativos ás suas habilitações e serviços. (p.3). As
provas do concurso eram orais e escritas e versavam sobre as seguintes disciplinas: Leitura e analyse logica e
gramatical de trechos em portuguez, exercicios de composição em portuguez; Geogaphia e historia do Brasil;
Redacção e estylo de actos officiaes, Arithmetica completa. (idem, ibidem). Deste modo, ainda que na ata do
concurso não estejam expressas as habilidades necessárias, observamos que existia uma grande exigência dos
aspectos da escrita. Em função disso, acreditamos que o livro de correspondências foi escrito por vários amanuenses
que trabalhavam no Instituto (códice 7-5-54).
67
http: //www.Priberam.pt – Dicionário on line.
61
Autores Nacionais Livros
Xavier Pinheiro Musa Cívica
José de Alencar Romances Variados (exceto Lucíola)
Julio Diniz Romances
Leila Leonardos Romances
Maria Alves Velloso As férias com a Vovó
Noemia Cardos e Altair Azevedo Almas sem Flor
Malba Tahan Céu de Allah e Contos
Bastos Tigre Poemas da Primeira Infância
Olavo Bilac e Coelho Netto Theatro Infantil
Viariato Corrêa e João do Rio Era uma Vez
Figueiredo Pimentel História de fadas
Osório Duque Estrada Histórias maravilhosas
Autores internacionais Livros
Charle Armnstrong Contos para os meus discípulos
H. Busch Juca e Chico
Grimaldi História do Reino Encantado
Collecção de Romances e Aventuras
Contos da Carochinha
José Muñoz Escámez
Histórias do Arco da Velha
Fonte: Nascimento, 2006, p.47.
Ainda que tal mensagem não mencione os critérios utilizados para as escolhas, podemos
afirmar, em princípio, que elas foram realizadas com a prévia consulta a Orminda, considerando-
se estar próxima das reais necessidades do ensino e do interesse dos alunos. Por este motivo,
estas análises dão-nos pistas sobre a literatura que a educadora considerava valiosa para fazer
parte do acervo da biblioteca da escola.
Vidal (1995), em estudo sobre as práticas de leitura no Instituto de Educação,
68
demonstra
que havia um movimento de valorização da leitura na instituição. A autora assinala, ainda, que a
Escola Primária foi precursora na criação dos clubes de leitura. Havia também, a partir do 3º ano,
atividades que permitiam ao aluno, por meio de leituras, conhecer outras matérias. Em
decorrência dessas práticas metodológicas adotadas pela instituição, o acervo precisou ser
renovado, tornando-se necessária a ampliação da biblioteca (NASCIMENTO, 2006, p.46).
As obras adotadas pela instituição que, segundo Nascimento (2006), tem papel de
destaque entre os objetos escolares (p.46), trazem pistas sobre a importância de leituras de
clássicos nacionais e internacionais, como por exemplo, José de Alencar e Grimaldi. As escolhas
também privilegiavam romances e os indicados para o público infanto-juvenil, tais como,
68
A esse respeito, consultar a tese de doutoramento da autora: VIDAL, Diana. O exercício disciplinado do olhar:
livros, leituras e práticas de formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-37). USP, 1995.
62
Histórias Maravilhosas, de Osório Duque Estrada e Contos para os meus discípulos, de Charle
Armnstrong.
Neste sentido, observar esta seleção aproxima-nos das práticas de leitura que estiveram
presentes no início da administração de Orminda, ou seja, para além dessa questão, indica o
modelo de literatura que a educadora considerava recomendável para os alunos do ensino
elementar. Deste modo, em princípio, pode-se afirmar que as escolhas das obras literárias
contemplavam as diversas fases do desenvolvimento infantil, mostrando a intenção de agradar a
todos: dos pequenos aprendizes aos professores.
1.4. Para além do administrativo: as questões pedagógicas
No âmbito das atribuições de Orminda Marques como diretora, não é possível determinar
uma separação entre as questões pedagógicas e as administrativas, pois havia uma estreita relação
entre estas duas. Nas decisões tomadas no campo administrativo, por exemplo, não podemos
descartar que elas foram motivadas pela formação no campo educacional e pela experiência que
trazia como professora da escola elementar. Esta separação não existe, pois são funções
complementares que se comunicam, se interrelacionam. A mulher que agora esteve à frente da
direção era também professora, conhecia as limitações do cotidiano da sala de aula, as
dificuldades da aprendizagem, enfim, ela falava do alto de seu conhecimento, de sua experiência.
Talvez, em um impulso ousado, pode-se elocubrar que, por inúmeras vezes, Orminda
perdida em seus pensamentos pode ter se lançado à questão: há a possibilidade de ser somente
administradora? Ou unicamente professora? Não. O cargo que ocupava exigia-lhe a difícil tarefa
de circular por essas duas ocupações. Era a diretora-professora e a professora-diretora. Deste
grande quebra-cabeças, interessa-nos, mais especificamente, compreender o modo como ela
lidava com os conflitos, visto que será nesta tensão entre o problema e o modo como ela lidava
com ele, que se dará a aproximação da Orminda pessoa, a que se deixa ler por entre as linhas, a
que se questiona e a que se legitimou no campo educacional.
A opção metodológica de separar as questões administrativas das pedagógicas não
significa entender que há uma diferenciação. Ao contrário, pressupõe que estão intimamente
relacionadas. Esta escolha, entretanto, efetua-se com o objetivo de vasculhar os modos pelos
quais Orminda interagiu com as situações que se deparou enquanto esteve à frente da escola
elementar. Em função desta diferenciação, será possível observar, neste momento, sua habilidade
63
em lidar com os conflitos no âmbito pedagógico, tais como as recomendações de professores, os
testes aplicados os alunos, os eventos da escola elementar, enfim, situações que permitem uma
exposição de sua filiação teórico-metodológica.
Esta estrutura metodológica da trajetória de Orminda frente à escola elementar, ampara-se
no método morelliano proposto por Ginzburg (1990), ou seja, examinar os pormenores mais
negligenciáveis (p.144). Este movimento aproxima do todo, das questões maiores, ou seja, da
Orminda mulher, diretora e professora. Como proposto pela micro-história italiana que, segundo
Rosental (1998), apreende seus objetos no nível de observação mais fino possível (p.152),
vislumbro o desejo de que através desses mecanismos, seja possível compreender a trajetória de
legitimação de Orminda nos espaços em que ela atuava.
1. 4. 1. Garantia para a boa execução do serviço
69
O Decreto nº 3. 810 de 19 de março 1932, que previa a mudança da Escola Normal para o
Instituto de Educação do Distrito Federal, definia que cabia à disciplina Prática de Ensino
orientar a observação e pratica real do ensino.
70
Em parágrafo único, determinava também que
caberia ao professor desta disciplina a superintendência técnica da Escola Primária e do Jardim
de Infância.
Deste modo, Orminda viu-se envolvida com estas atividades, já que as alunas iam para a
escola elementar iniciar as atividades práticas do magistério. Deve-se, salientar, como observado
anteriormente, que o desenvolvimento destas atividades estava no bojo das modificações
realizadas por Anísio Teixeira no curso de formação de professores. Segundo Vidal (1995), a
reformulação da antiga Escola Normal (...) e a organização (...) das demais escolas que
compunham o Instituto de Educação, tinham o objetivo de aprimorar a prática docente (p.72).
Orminda dirigia, então, suas preocupações para as instalações, para a organização das
professorandas e para o perfeito funcionamento da escola, afinal, ela era a anfitriã do cenário de
experimentação das novatas. Pode-se afirmar que considerava importante que tudo estivesse na
mais perfeita ordem, pois era ali que muitas histórias de vida ganhavam outros rumos; os
primeiros contatos com o magistério, portanto, deveriam acontecer em uma atmosfera de prazer,
de satisfação.
69
Livro de Ofícios do Diretor de 1934 – ofício nº 152 – CEMI.
70
Decreto nº 3.810 de 1932, p. 6.
64
O êxito do trabalho de Orminda era salientado pelo diretor do Instituto Lourenço Filho, ao
enviar ofício a Anísio informando sobre as atividades de Prática de Ensino.
27 março 4
(...) Tenho o prazer de comunicar a V. Ex. que os trabalhos da secção de
Prática, da Escola de Professores, estão correndo da melhor forma
possível (...) e tem contado com a minha presença e a da Sr. Directora da
Escola Primária, que tem sido uma das garantias para a boa execução do
serviço (...)
71
Lourenço, estrategicamente, salientava que a educadora era a aliada no bom
funcionamento das atividades de Prática. Tal movimento indica o prestígio e o espaço que
Orminda conquistara dentro da instituição em pouco mais de dois anos à frente da escola
elementar. Parece-nos que, nas entrelinhas, Lourenço queria dizer a Anísio que a educadora
dividia com eles os mesmos ideais de educação e, além disso, como assinalado por ele, a
presença dela era garantia para a boa execução do serviço.
O diretor da instituição confiava em Orminda, em seu trabalho, em sua dedicação. Ele
parecia saber que ela executaria de modo competente e empenhada todas as atividades que a ela
fossem destinadas. Parece que em relação às aulas de Prática não tinha sido de outro modo: ela
estava atenta ao desempenho das alunas, à formação e ao desenvolvimento das atividades de
iniciação do magistério. Deste modo, não tardou o convite para que a educadora passasse a fazer
parte da Escola de Professores, como assistente da seção de Prática de Ensino.
72
A partir de
então, Orminda estaria ainda mais próxima da formação das futuras professorandas. Seu
empenho e dedicação eram reconhecidos.
O educador queria que ela estreitasse o contato com as futuras professorandas. Sua
experiência, sua formação, seu caráter rigoroso de avaliação, tudo isso parecia contribuir para que
passasse a desempenhar mais uma atividade na instituição, tornando-se parte do quadro docente
da Escola de Professores.
No horizonte de seus pensamentos, estava certa de que mais um desafio se impunha: a
preparação das futuras professoras para o magistério. Pode-se até supor que Orminda, por vezes,
viu-se perdida em seus devaneios, no aconchego de sua casa, no bucólico bairro da Lagoa nos
71
Livro de Ofícios do Diretor de 1934 – ofício nº 153 – CEMI.
72
No segundo capítulo trabalharemos a função desempenhada pela educadora como professora de Prática de Ensino.
65
anos de 1934
73
, e diante do contexto que era posto, ela se interrogava sobre o que era preciso para
ser uma boa professora. Orminda conhecia os dois lados da moeda: já fora professora, era
diretora, administradora e agora avaliadora – por seu crivo passariam as futuras professoras do
Instituto de Educação. A nova atribuição exigia mais responsabilidade, dedicação, impunha
respeito e conferia poder e credibilidade dentro da instituição.
É necessário, contudo, assinalar que muito antes do convite para a seção de Prática de
Ensino, Orminda via-se envolvida com indicações de estagiárias e de docentes, o que fazia parte
de suas atribuições como diretora da escola elementar. Analisar as indicações de Orminda para
estes cargos significa observar o que ela considerava como importante para o ofício do
magistério: quais qualidades se destacavam; e o que era valorizado. Tais registros nos orientam
no sentido de nos aproximarmos da concepção que a educadora tinha sobre o que era ser uma
boa professora.
Dentre os registros realizados pela educadora, encontramos um desentendimento com as
estagiárias da escola elementar. Em finais de maio de 1932, ela informava ao diretor:
Venho, por meio desta, relatar o accorrido com as estagiarias que, sob
minha direcção trabalham nesta Escola (...) em inicio da mais bella e
ardua tarefa – qual o exercicio do magistério primário, combinando que
começariam seu exercicio como assistentes das professoras de Escola
(...)
É de notar (...) ter sido procurada por uma dessas jovens professoras – D.
Alayde Eyer, (...) affirmando-me esta professora estar tão satisfeita com
o trabalho que havia iniciado, que me solicitava não aproveitar seus
serviços em substituição de qualquer collega que faltasse em uma das
que estavam licenciadas por isso não tinha interesse outro que o desejo
de aperfeiçoar a pratica fazendo ao lado da professora D. Ofélia Maria
Boisson.
Em os ultimos dias da semana passada, convicta de que havia o melhor
entendimento entre minha direcção e essas professoras (...) podendo ellas
continuar o trabalho que haviam apenas iniciado e logo interrompido
pelo grande numero de professoras licenciadas na Escola.
Surpresa, vejo-me nesse dia, procurada por essas auxiliares, descontentes
com a transferencia da Escola das adjunctas licenciadas por seis mezes
(...) por terem perdido opportunidade de receber regência de turmas. Por
73
Esta opção metodológica para a escrita de uma biografia está amparada no estudo de Schmidt (1997). Nele o autor
sinaliza que aproximação com a literatura é uma característica marcante nas novas biografias produzidas por
historiadores (p. 4). Deste modo, o intento da escrita é produzir um efeito literário na construção do texto. A opção
metodológica encontra, também, pontos de contato, com o estudo realizado por Regina Horta Duarte, como
sinalizado pelo autor, que ao escrever sobre o anarquista mineiro Avelino Fóscolo busca reproduzir o interior do
personagem: seus pensamentos, fantasias, sentimentos e aspirações (op. cit. p. 5)
66
essa razão sentem-se em condições inferiores às demais collegas que
trabalham em outras escolas.
Sem nenhuma intenção de diminuir essas professoras que recebi com o
mais vivo interesse e maior sympathia, essas determinações impuzeram-
se pela responsabilidade de orientação.
Essas jovens auxiliares não têm o necessário e indipensavel tirocínio, o
contacto com a criança a pratica do ensino, embora a efficiencia do
Curso da Escola Normal.
Julgo cumprir um dever, aqui registrando essas considerações (...)
74
Orminda via-se compelida a relatar ao diretor o ocorrido que lhe causara
descontentamento. Ao que parece, as estagiárias no afã da imaturidade, anteciparam-se em
estabelecer um acordo com a diretora de permanecerem no mesmo cargo como estagiárias, com
o intuito de ganhar maior experiência nas atividades para o magistério. Afetadas pela vaidade,
compreendem, depois, que não tinham feito a melhor escolha e decidem voltar atrás no contrato
estabelecido.
A diretora diante de tal situação de irresponsabilidade, como por ela assinalado,
encontrava-se frente a um conflito: um mal-estar havia se instalado na escola, Orminda ficara
sem as estagiárias e com o corpo docente incompleto.
Ela não tinha tempo a perder com intempéries desse gênero. Segura de suas convicções,
informa a Lourenço não ser mais de seu interesse manter as professoras na escola. Ainda que tal
procedimento possa ter-lhe causado diversos questionamentos, ela justificava sua conduta
ressaltando o que considerava importante no exercício do magistério: a experiência. A postura
adotada pelas estagiárias não estava em conformidade com o exercício da profissão, que, segundo
ela, era uma bela tarefa, apesar de árdua. Ao contrário, estavam na mão inversa, mostrando
imaturidade e irresponsabilidade para exercer as atividades.
Em conformidade com o seu tempo, Orminda esperava que a professora fosse um modelo
a ser imitado, talvez por isso, ela afirmasse que, no exercício docente (...) de cada vez que fala ou
de cada vez que escreve, apresenta a seus alunos um exemplo e uma sugestão (MARQUES,
1950, p. 16). Supõe-se que julgava que aquelas atitudes que condenara, além de exporem
despreparo, também sinalizavam que as docentes não estariam em consonância com o padrão de
professor que a instituição presumia como adequado.
No confronto entre os dois papéis que o cargo exigia, ou seja, administradora-professora,
74
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 29 de 31/05/1932 – CEMI.
67
Orminda buscava a melhor solução: a coerência com o trabalho que se dispunha a fazer. Com
seriedade levara a questão ao diretor, entretanto sua decisão já estava tomada, tratava-se apenas
de um comunicado.
Pode-se, em princípio, afirmar que Orminda foi conquistando seu espaço na instituição,
em função da coesão administrativa, da competência que demonstrava, da autonomia que
expressava em suas decisões, no entanto acredita-se que o que se sobrepunha a todos estes
adjetivos, era a experiência que tinha no magistério. Os fios brancos que ornavam sua bela
cabeleira não eram apenas sinais da maturidade, eram também marcas de que a iniciação do
magistério ficara para trás. De posse desse conhecimento, sem meias palavras, expunha
claramente quais docentes deveriam fazer parte da Escola Primária e, talvez, esta postura tenha
sido um dos elementos que levaram Lourenço a afirmar que a direção da educadora garantia a
boa execução do trabalho.
75
1.4.2. As habilidades administrativas: um diferencial?
Como observado anteriormente, ao assumir a direção da escola elementar em princípios de
1932, Orminda herda uma escola que havia sido organizada em função do Decreto n º 2.940 de
1928, isto é, a Reforma de Ensino, elaborada por Fernando Azevedo. No texto da lei, a Educação
Física ganhava centralidade, no intuito de orientar o professor sobre a importância desta
disciplina na formação do homem sob os aspectos físicos, morais e intelectuais. Segundo Accácio
(1995): os fatores eugênicos recebiam grande destaque na educação pública preconizada pela
Reforma de 1928, cabendo à Higiene associada à Educação Física atuar na formação racial,
para que essa educação se integrasse à civilização de sua época (p.88).
Assim, pode-se afirmar que se fazia presente na instituição uma organização para que as
aulas pudessem acontecer sem maiores entraves. Distante do modelo de escola padrão, no
entanto, como registrado por Orminda, os alunos da Escola Primária encontravam dificuldades
para que pudessem participar das atividades físicas. Tantos eram os problemas que, preocupada
com os rumos que as atividades tomavam na Escola Primária, a Chefe do Serviço de Educação
Física, Louis M. Willians, envia, no final do ano de 1932, um questionário a Orminda:
75
Livro de Ofícios do Diretor de 1934 – ofício nº 153 – CEMI.
68
Desejando esta Chefia continuar a servir às escolas onde há Serviço de
Educação Física e também às que futuramente e terão, solicito responder
os quesitos abaixo:
I) Pela observação diaria na escola a pratica das atividades recreativas
trouxe às creanças vantagens: a) fisica b) sociaes c) moraes d)
intellectuais ?
II) Há suggestões a apresentar para eliminar as dificuldades de horario e
local, afim de evitar perturbação de outras?
III) Houve cooperação entre os professores de educação física e das
outras disciplinas? Qual a melhor maneira de desenvolvel-a?
76
O registro enumerava as dificuldades que Orminda enfrentava com as aulas: o local, o
barulho, os horários, enfim, os mais diversos problemas ocasionados por atividades recreativas
que não fossem realizadas em local e horário adequado. Uma escola barulhenta, com crianças
alvoroçadas correndo para todos os lados, quebraria a harmonia de estudo das classes que
estivessem em sala de aula. Orminda tinha convicção de que as atividades de Educação Física
tinham suas especificidades: era necessário horário e local adequado. Diante disso, responde a
professora:
(...) I)reconhecendo as grandes vantagens physicas, sociaes, moraes e
intellectuaes que traz às creanças a pratica das actividades recreativas,
lamento, no entanto, que nesta escola não as possamos registrar
satisfatoriamente, dada a irregularidade com que funccionarm as aulas
dessa especialidade (...) II) relativamente a suggestão sobre horario e
local:
a) só quando a escola organizada em próximo anno-poderão ser
apresentados suggestões sobre horario, tornando-se dignos de nota a boa
vontade e fácil entendimento havido entre os interesses da escola e o de
vossas dignas auxiliares no curso do anno findo;
b) é indispensavel local apropriado a esses exercicios recreativos a
Escola não dispõe de pateo, as aulas têm sido dadas em terreno exposto
ao sol que o castiga quase que durante todas as horas do expediente;
III) Só quando a Escola contar com professores de Educação Physica
fazendo parte integrante de seu Corpo Docente poderá registrar qualquer
trabalho de cooperação com as professoras das demais disciplinas.
É de justiça, é meu dever agradecer e louvar os esforços e dedicação de
vossas auxiliares com quem tive o mais sympathico contanto diario (...)
77
Orminda, habilidosa, dá destaque no início do registro para a importância das atividades
no desenvolvimento da criança. A estratégia deve ter visado a expressão de seu conhecimento
sobre a disciplina. Afinal, uma diretora deveria conhecer as atividades que faziam parte do
76
Livro de Correspondências – ofício receb. nº 21 de 09/12/1932 – CEMI.
77
Livro de Correspondências – ofício receb. nº 51 de 12/12/1932 – CEMI.
69
currículo da escola elementar, no mínimo. Pode-se dizer até que fosse uma necessidade, uma
exigência que fazia a si mesma, de enfatizar que circulava por variados temas, isto é, mostrar
erudição.
Logo a formalidade assume o segundo plano
78
, e a diretora expressa seu
descontentamento com as atividades. Direta, aponta os problemas enfrentados com as aulas de
Educação Física: entre eles a necessidade de uma equipe que pertencesse ao corpo docente da
escola elementar.
Ainda que as palavras pudessem soar inicialmente duras, ela parecia conhecer os limites
físicos e burocráticos que se impunham entre esses problemas. Sua intenção, provavelmente, não
era expor o que havia dado errado na Escola Primária. Imagina-se que tinha o desejo de
organizar, de adequar as atividades à realidade escolar.
Assim, algumas vezes, é possível encontrar uma Orminda vacilante entre a firmeza,
característica peculiar de um administrador, e entre uma postura mais dócil, mais afável, mais
amável de alguém que conhece os caminhos da vaidade humana. Olhando mais de perto, não era
somente uma crítica, mas parecia também existir um movimento de conquista da educadora.
Possivelmente, por trás desse artifício, havia a sedução, isto é, a ânsia em ser uma boa
administradora, o que talvez a fizesse oscilar entre a amorosidade e a rigidez. Segundo
Nascimento (2006), para ser um bom administrador seria necessária à união do mestre e do
gestor em uma única figura (p. 51). Certamente esse era o desejo de Orminda.
É bem possível imaginar que manter este equilíbrio fosse um exercício de muita
habilidade, pois o cotidiano na Escola Primária conferia-lhe diversas atribuições. Ela precisava
lidar com as pessoas, com os responsáveis, com o corpo docente, com diretores das outras escolas
do Instituto, enfim, eram muitos desafios que ela precisava vencer. Sua habilidade em lidar com
as situações freqüentemente era posta em xeque. Um exemplo era a tarefa de realizar, sob a
supervisão da Secção de Medidas e Eficiencia Escolar(S.M.E.E)
79
, coordenada pelo professor J.
P. Fontenelle, responsável também pela seção de Biologia Educacional e Hygiene, a correção
das provas, seguindo os critérios estabelecidos, pela seção que era responsável pela elaboração de
provas para as crianças de escola elementar.
78
Devemos ressaltar que esta formalidade fazia parte de documentos desta natureza. Segundo Nascimento (2006), A
escrita administrativa, pode assumir diferentes formas, seguem um procedimento padrão, tendo sua estrutura pré-
estabelecida e sendo escolhida conforme as necessidades, entretanto, a transparência do cotidiano está impressa
nesses documentos (...) (p.24).
79
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 16 de 15/12/1934 – CEMI.
70
Apesar da pouca autonomia que estes trabalhos lhe conferiram, Orminda orientava as
professoras na correção das provas, como faz questão de informar, seguindo os critérios
estabelecidos. Em finais de dezembro de 1934, assinalava: Passo às vossas mãos sessenta, digo,
setenta e nove provas de exames dos alumnos (...) julgadas e corrigidas de accordo com as
instruções organizadas pela S.M.E.E.
80
A justificativa parece demonstrar a intenção da
educadora em sinalizar que cumprira corretamente o que havia sido designado. Certamente o
procedimento conferia-lhe respeitabilidade para com a execução das tarefas.
Era também de sua incumbência a aplicação dos testes de inteligência, exigidos durante a
administração de Lourenço: (...) passo às vossas maos formulas dos exames de intelligencia
realizado nesta Escola, de accôrdo com as determinações do Departamento de Educação (...).
81
Os testes eram aplicados com a intenção de extrair uma amostra de comportamento cuja
correlação se mostrava pertinente com relação à idade mental e ao quociente de inteligência, e
não com relação à idade cronológica (NUNES, 1995, p.11). Eram instrumentos de avaliação
individual em relação à maturidade para a aprendizagem da leitura e da escrita e tinham ampla
utilização na escola elementar.
No entanto, algumas vezes Orminda encontrava entraves na realização dos testes:
Districto Federal, 18 de agosto de 1933.
(...) Relativamente ao resultado final ficaram tidas as turmas classificadas
como B, salvo a do 1º ano III, presentemente, promovida quasi em sua
totalidade ao 2II e que em Março se constitui dos mais avançados
elementos do 1º ano, e a do 1 II que continua como 1 A, pois durante os
mêses de Maio, Junho, Julho esteve sem professora e continua até a
presente data sem professora, sem estagiária, que possa tomar sua
direção.
Embora as dificuldades creadas pela falta de professoras e numero
incompleto de estagiarias, embora a heterogeneidade na organização das
turmas em Março conseguiu a Escola satisfatorio rendimento –
incansavel tem sido o corpo auxiliar da Escola Primária.
82
P
erspicaz, Orminda dava notícias sobre os resultados, ao mesmo tempo em que tecia
reclamações sobre a falta de professores para realizar sua tarefa. Mais uma vez, mostrava
habilidade em lidar com as dificuldades impostas pelo cargo, certa de que seu estratagema
singularizava a participação do corpo docente na realização da tarefa.
80
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 16 de 15/12/1934 – CEMI.
81
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 23 de 06/06/1934 – CEMI.
82
Livro de Correspondências – ofício exp. nº 18 de 18/08/1933 – CEMI.
71
Pode-se imaginar que, por trás deste recurso, havia um propósito de destacar o seu próprio
trabalho, pois, ainda que sutilmente, sinalizava que o resultado havia sido alcançado por estar à
frente do projeto. Esta habilidade em manipular as palavras dava um tom de seriedade a seus
comunicados, ao mesmo tempo em que desvelava o ímpeto de seu descontentamento.
Analisando os registros, supõe-se que Orminda foi uma diretora habilidosa em lidar com
as dificuldades que encontrava pela frente. Talvez esta capacidade de evitar confrontos deva-se
em parte por sua experiência, e certamente por sua maturidade, que a protegia dos caprichos e da
vaidade tão comuns da juventude. Por outro lado, não se pode perder de vista que a educadora
ocupava um cargo a convite de Lourenço, ou seja, ela era uma aliada do educador dentro do
Instituto de Educação. Talvez, por este motivo, ela soubesse que a temperança para lidar com os
problemas fosse seu grande trunfo dentro da instituição.
A aliança entre os dois era evidente, tanto é que, a saída de Lourenço da direção do
Instituto de Educação no final de 1937 (LOPES, 2005), também culmina com a retirada da
educadora da direção da Escola Primária. O último registro, no livro de correspondências, dá-se
no dia 3 de setembro de 1937, no qual ela informa sobre o envio das notas dos alunos do mês de
agosto. A partir de então, o livro de correspondências fica por um tempo sem registros da direção
da Escola Primária e eles só voltam a aparecer em 1938, com a assinatura da professora Helena
Mandroni, que passa a dirigir a escolar elementar.
Mas Orminda não se desliga do Instituto, tão pouco da amizade que mantém com
Lourenço Filho. Em pesquisa realizada no arquivo do educador que se encontra no CPDOC
83
, foi
possível encontrar uma carta de Lourenço Filho endereçada a Orminda:
4 de outubro de 1938
Dona Orminda,
A comunicação que a Sra. me faz, em sua carta de hoje, não constitui
surpresa. Não deixou, porém, de comover-me, com terá comovido a Sra.
também e a todos quantos tenham trabalhado com a Sra. no Instituto de
Educação. Só quem não tenha concluído o ambiente de trabalho que lá
reinou, por seis anos, e o espírito dêsse trabalho, deixará de lastimar o
que ocorre. (...) Seria ocioso, que salientasse, na obra que se faz, no
Instituto, de 1932 a 1937, a sua cooperação. Não trabalhou numa mesma
a Sra. à espera de louvor ou de exaltação de seu próprio esforço. A Sra.
como eu, como outros tantos, encontraram conforto e estímulo no
próprio trabalho, no contato com a criança ou com o adolescente, na
83
Arquivo Lourenço Filho. LF/Inst. Educ. pasta III.
72
compreensão do bem que fazíamos, no próprio bem que sentíamos fazer.
(...) Desculpe-me êste ar conselheiral, que me advém da circunstancia de
ter tido, mais diretamente as responsabilidades do Instituto, por tanto
tempo, e a franqueza em dizer-lhe isto tudo, a que me habitou o ambiente
de perfeita comunhão de idéias e de sentimentos reinantes no Instituto
(...) A Sra. concorreu sempre muito com o seu exemplo, de estar sempre
pronta a reestruturar cada caso, de dar de si, antes de pensar em si
própria; de submeter as suas próprias idéias e convicções à experiência,
ao juízo objetivo da realidade. A integração da Escola Primária à Escola
de Educação pela Secção de Prática de Ensino, foi obra integralmente
sua. Minha atuação foi a de sugerir, num ou outro caso, não a de realizar,
e realizar era o que importava (...) Pelo que a Sra. cooperou, eu lhe
agradeço, por mim e por todos. E se para alguma coisa concorri, estamos
perfeitamente pagos. Continuamos a manter o mesmo espírito de vontade
e, com isto, ainda educaremos e nos educaremos...
Do seu colega o muito obrigado,
Lourenço Filho
Como se pode observar, a carta tratava-se de uma resposta a uma comunicação feita por
Orminda ao educador. Possivelmente no texto constavam vários agradecimentos e lamentações
da educadora, inclusive, pelo término da parceria no Instituto. O trecho também dá pistas sobre a
opinião do educador sobre o período da administração de Orminda, salientando sua competência,
empenho e dedicação. Sinaliza também para a comunhão de idéias e o modo de atuação da
educadora que colaborou com o seu trabalho durante o período que esteve na direção geral do
Instituto de Educação.
Acredita-se, contudo, que todos estes atributos de Orminda só puderam se manifestar
porque ela tinha o aval de Lourenço para dirigir a escola. O educador parecia confiar em seu
trabalho, reconhecer sua capacidade e sua experiência com as professoras e com as crianças do
ensino elementar. Supõe-se até que, mesmo sendo uma exímia profissional, se não tivesse um
forte aliado como Lourenço, talvez, a sua carreira no Instituto de Educação pudesse ter tido outro
destino. Certamente, estar do mesmo lado político e ideológico do educador facilitaram sua
administração dentro da Escola Primária. Não se discute a capacidade da educadora para ocupar o
cargo, até porque o educador não endossaria o trabalho de um profissional que não julgasse apto
para exercê-lo.
Possivelmente em função destas questões Orminda tenha sido uma diretora que, diferente
de sua antecessora, encontrou espaço para sugestões e críticas em relação à administração geral
da instituição, usando sua habilidade, escolhendo as palavras, o modo de se colocar, ao contrário
73
da diretora anterior que, algumas vezes, demonstrava pouco cuidado com o que registrava.
Talvez esse diferencial entre as duas tenha se dado em função de que ambas sabiam de que lado
estavam.
74
Formatura de Orminda na Escola Normal em 1907/8. A educadora é a jovem de vestido escuro que
aparece à direita na fotografia. Arquivo do Centro de Memória Institucional do Instituto Superior de
Educação do Rio de Janeiro – CEMI
.
75
2. Tornar-se professora: a opção pelo magistério
Buscando romper com a linearidade que, algumas vezes, a escrita biográfica assume, o
texto nesse momento se encaminha para pensar Orminda Marques antes da direção da Escola
Primária. Imaginar sua entrada na Escola Normal, as disciplinas cursadas, os primeiros anos de
magistério, as atividades como professora de Prática de Ensino e de Leitura e Linguagem. Pensar
o tempo de sua formação e as questões que a cercavam, bem como a problemática em torno do
trabalho da mulher, implica interpretar as razões que teriam motivado a jovem a optar pelo
magistério. Sua formação terá sido um diferencial em sua vida? Seu trabalho como professora
perpetuou-se para outras gerações de professores?
Assim, na linha do tempo, encontramos o ano de 1904, data em que a jovem Orminda
ingressa na Escola Normal. A normalista, que nascera em 19 de dezembro de 1887, contava com
17 anos. Orminda, veio com sua família da cidade de Campos, interior do Estado do Rio de
Janeiro, trazendo em sua bagagem sonhos de uma vida melhor na capital da República. O pai,
Jerônimo Marques, morrera quando ela ainda era uma criança. Pode-se imaginar que a decisão de
deixar a cidade natal e buscar uma vida melhor não foi fácil para a família, contudo sua mãe,
então viúva com os três filhos – Clarinda, Eduardo e Orminda – começam juntos a reconstruir a
vida. O endereço escolhido foi a rua Cristóvão Serrão, nº 3, no bairro da Lagoa, em uma casa
simples, porém ampla. A mudança de Orminda e sua família é característica do êxodo no final do
século XIX e início do XX, como aponta Carvalho (1987). Para ele, a abolição da escravatura
lançou mão-de-obra no mercado de trabalho, provocando a saída de trabalhadores das regiões
cafeeiras, no interior do estado do Rio de Janeiro, para a capital. Explica ele que a década que
precedeu a República apresenta maior crescimento populacional relativo. (...) a população
quase dobrou entre 1872 e 1890 (...) (p.16). Este autor assinala, ainda, que durante esse período
havia, no Distrito Federal, uma enorme quantidade de pessoas vindas do exterior e de outras
regiões do país. Deste modo, presume-se que, como muitos, a família de Orminda pouco tempo
depois, também fora seduzida pelo desejo de conquistar uma vida melhor na capital da
República.
Relatos da sobrinha-neta de Orminda
84
informam que os primeiros anos na cidade do Rio
de Janeiro foram difíceis. Ela conta que sua avó, Clarinda, a mais velha dos três irmãos, ajudou a
84
Conversa informal em 25/05/2007 com a sobrinha-neta da educadora.
76
criar os dois menores: Orminda e Eduardo. E acrescenta que, por ser ainda a primogênita, desde
muito jovem, trabalhou para ajudar sua mãe, Rita de Cássia, a manter a família. Com orgulho, a
sobrinha-neta não esconde a admiração pelos tios e pela avó: eles eram muito sérios, davam
muita importância em ter uma profissão. Dedicavam-se muito ao que faziam.
85
Podem-se imaginar as dificuldades, pois Clarinda, mesmo depois de casada e com dois
filhos, continuava a ajudar a mãe a cuidar dos irmãos mais novos. De acordo com sua sobrinha-
neta ela foi uma segunda mãe para Eduardo e Orminda.
86
Contudo, a tarefa que a jovem
Clarinda abraçou junto com sua mãe deu bons resultados. Eduardo, nascido em 1884, também na
cidade de Campos, tornou-se um importante médico colaborador de Oswaldo Cruz.
Eduardo Marques, 1957.
Homenagem póstuma
Faculdade Nacional de Medicina.
Arquivo da família.
Ele realizou seu curso na Faculdade Nacional de Medicina, entre os anos de 1901-07.
Logo no início de sua carreira foi convidado para trabalhar no Instituto Pasteur, em São Paulo.
Ao regressar, foi assistente da Faculdade Nacional de Medicina, cargo que exerceu por cinqüenta
85
Conversa telefônica com a sobrinha-neta em 25/05/2007.
86
Conversa telefônica com a sobrinha-neta em 25/05/2007.
77
anos, no Departamento de Microbiologia da instituição. Pelo seu ofício, esteve estritamente
ligado ao ensino e à pesquisa. Entre seus trabalhos mais importantes destacam-se Neurofibrilas e
seu desenvolvimento;) Evolução do Spirocheta gallinarum no organismo do Argas miniatus,
1909; Contribuição para o estudo das “Paragonimiases”, 1909; Manisfestações locais durante
da vacinação antirábica.
87
No ano de sua morte, ele exercia a chefia da Divisão de Ensino da
Faculdade atuando como livre docente da cadeira de Microbiologia.
No mesmo período em que o irmão se formava na Faculdade de Medicina, Orminda
passava a freqüentar a Escola Normal, o que certamente também se tornara motivo de orgulho
para sua família. Na ficha cadastral
88
, na qual constam os dados da aluna, encontram-se também
as disciplinas cursadas durante o curso de formação de professores, assim como o desempenho
obtido pela jovem professora:
Orminda Isabel Marques
Nascida a 19 de dezembro de 1887.
Natural do Estado do Rio de Janeiro.
Filha legitima de Eduardo Marques da Cruz e Rita de Cassia Manhães
Marques.
Apresentou certidão de idade, attestado de vaccina e sanidade e diploma
de 1ºgráo.
1904 Matriculada no 1º anno do curso diurno; sob nº 246. Na 1ª chamada
foi approvada com disticção em Arithmetica, Geographia, Gynnastica, T.
agulhas, T. manuaes e Musica; plenamente em Portuguez, Frances e
Calligraphia. Na 2ª chamada não prestou exames.
1905 Matriculada no 2º anno do curso diurno, sob o nº 248. Na 1ª
chamada foi approvada com distincção em Portuguez, Geometria,
Trabalhos de agulha e Musica; plenamente em Francez, Algebra,
Geographia, Historia Geral e Desenho linear. Na 2ª chamada não prestou
exame.
1906 Matriculada no curso diurno sob nº 318 em materias do 3º anno. Na
1ª chamada foi approvada com distincção em Physica e Desenho;
plenamente em Portuguez, Francez, Historia da América, H. Natural,
Pedagogia e Trabalhos Manuaes. Na 2ª chamada não prestou exames.
1907 Matriculada no curso diurno, sob nº 277, em materias do 4º anno.
Na 1ª chamada foi approvada com disticcção em Litteratura, Hygiene, H.
do Brasil, Pedagogia, Desenho de ornato e Chimica.
Terminou o curso. Em Dezembro de 1908 foi aprrovada com distincção
no exame de pratica escolar.
A ficha de Orminda revela que o nome do seu pai consta como Eduardo Marques Cruz, ao
87
Informações que constam no necrológio de Eduardo Marques – Arquivo da família.
88
As fichas cadastrais das ex-alunas da Escola Normal encontram-se disponíveis no Centro de Memória Institucional
do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro – CEMI.
78
lado de sua mãe Rita de Cássia Manhães. Entretanto, segundo informações da família da
educadora, o pai de Orminda se chamava Jerônimo Marques. Talvez, por um erro da instituição,
ou por um outro motivo que não é possível esclarecer, o nome de Eduardo, seu irmão, esteja lá.
O documento também aponta o desempenho de Orminda durante os anos que freqüentou a
Escola Normal. Os resultados, expressos entre os critérios de com distinção e plenamente, usuais
desta época, indicam que ela foi uma boa aluna, obtendo êxito em todas as disciplinas que cursou.
Observa-se também o currículo proposto para a formação de professores durante o período que
Orminda cursou a Escola Normal. Deste modo, na intenção de compreender melhor os aspectos
de sua carreira como professora, algumas questões se impõem: as disciplinas cursadas na Escola
Normal foram determinantes para a construção de sua vida profissional? O bom desempenho da
aluna legitima sua volta à instituição como diretora da Escola Primária? Quais são as razões que
possibilitaram voltar à instituição? Em que contexto se dá sua formação?
Trabalhar com estas questões significa buscar entender, também, de que modo a
educadora construiu sua identidade profissional. Considera-se o que é proposto por Moita (1995),
sobre os modos como se estabelecem a identidade profissional. Para a autora, uma identidade
profissional vai sendo desenhada não só a partir do enquadramento intraprofissional, mas
também com o contributo das interacções que vão estabelecendo entre o universo profissional e
os outros universos socioculturais (op.cit.p. 116).
Esta perspectiva indica a necessidade de observar os vários aspectos que orientaram a
escolha de Orminda Marques pelo magistério. É necessário também entender os locais nos quais
atuou e os espaços os quais pertenceu e que também contribuíram para a construção de sua
identidade profissional. O cruzamento destas informações possibilita encontrar pistas sobre a
trajetória da educadora no campo educacional. Assim, esta opção metodológica, que pretende
nortear a construção da biografia da educadora, perscrutando sua legitimação na educação, deve
considerar o que é proposto por Revel (1998), isto é, constituir a pluralidade dos contextos que
são necessários à compreensão dos comportamentos observados. (REVEL, 1998, p.27). Para
isso, as análises iniciam-se desde a sua formação para o exercício do magistério, até o período no
qual desempenhou as atividades docentes em sala de aula. Na verdade, desenhar este grande pano
de fundo tem a intenção de entender o significado das opções, dos retrocessos, das mudanças,
enfim, interpretar, sob a luz das questões sociais, como Orminda foi se formando professora,
como começou a lecionar e como ministrou as disciplinas de Prática de Ensino e de Leitura e
79
Linguagem na Escola de Professores, ou seja, entender os meios que possibilitaram a ela a
construção de sua identidade profissional.
2.1. Tempo de normalista
A jovem Orminda ao chegar à Escola Normal, no ano de 1904 – que naquele período
funcionava na Praça da Aclamação, hoje Praça da República, no prédio que atualmente é
ocupado pela Escola Municipal Rivadávia Correa – encontrou a direção da instituição nas mãos
do advogado Joaquim Abílio Borges, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, que,
segundo Silveira (1954), optou pela carreira de advocacia, como seu pai, [e] procurou utilizar
seus conhecimentos para a docência (p.69). Joaquim Abílio Borges foi, também, professor de
Psicologia e Pedagogia na Escola de Formação de Professores. Assim, pode-se supor que ele foi
um dos professores de Orminda neste mesmo período, quando acumulava o cargo de diretor da
instituição. Ressalte-se que naquela época o diretor era nomeado pelo prefeito da cidade e a
escolha realizada entre os professores da municipalidade.
89
Quando Orminda freqüentava a Escola Normal, nos anos iniciais do século XX, vigorava
uma nova formatação em relação ao curso de formação de professores. Desde de 1897, por
deliberação da Reforma Medeiros e Albuquerque, a cadeira de Pedagogia retornara ao currículo
da Escola Normal. A partir de então, o curso passou a ter quatro séries, pois anteriormente, por
ordem do Prefeito Candido Barata Ribeiro, era ministrado em três anos no período da noite e era
composto das seguintes disciplinas:
1ª série: Português e Noções de Literatura Nacional, Francês,
Matemática Elementar (Aritmética, Trigonometria, Álgebra, Geometria),
Desenho, Música, Ginástica, (incluindo exercícios militares) Trabalhos
Manuais, Trabalhos de Agulha. 2ª série: Francês, Inglês, Mecânica,
Desenho, Música, Ginástica, Trabalhos Manuais, Trabalhos de Agulhas.
3ª série: Inglês, Astronomia, Geografia, Física, Desenho (incluindo
convenções cartográficas (ACCÁCIO, 1993, p. 48).
89
Sob este aspecto de seleção, Accácio (1993) salienta que isto pode ser considerado um avanço em relação à
profissionalização do magistério, pois, anteriormente, como assinala a autora, a Reforma Medeiros e Albuquerque
(1897) suprimiu o cargo de diretor, criando a titulação de sub-diretor em comissão. A partir de então, a Escola
Normal ficaria sob a fiscalização direta da Diretoria Geral de Instrução Pública (idem, p. 71).
80
Ao observar os programas de ensino, tanto o do período em que Orminda cursava a Escola
Normal quanto o acima exposto, é preciso assinalar que ambos são compostos por matérias tais
como trabalhos de agulha e trabalhos manuais. Deste modo, deve-se indagar quais as questões
postas para a construção deste modelo curricular e, mais especificamente, para a formação do
magistério nas décadas iniciais do século XX. Por que o currículo era organizado daquela forma?
Que tipo de profissional esperava-se formar, privilegiando aquelas disciplinas? Respondendo
estas questões, busca-se construir uma análise que auxilie na compreensão dos aspectos que
contribuíram para a formação de diversas jovens que, como Orminda, também se voltavam para a
formação no magistério. É preciso, porém, ir além destas análises e lançar-se no cotidiano das
professorandas, comparando este panorama com outro, que evidencie as expectativas sociais
daquele período.
Assim, interessa-nos indagar o que significou para Orminda realizar sua formação nas
primeiras décadas do século XX. Que pano de fundo cercava suas expectativas profissionais?
Talvez o melhor atalho para entender estas questões seja interpretar as finalidades do modelo
curricular que determinaram sua formação. Neste sentido, Fernandes (2005) contribui
evidenciando que as metas educacionais observadas a partir dos objetivos, dos currículos, dos
programas e dos processos de validação das aprendizagens, chama-nos reconhecer o jogo subtil
de uma arquitetura pedagógica cuja oficina tem a ver com a sociedade e a comunidade
envolventes (p.21). Desse modo, compreende-se que o currículo escolar é, marcadamente,
determinado pelos interesses sociais.
Esta afirmativa ajuda a entender que o currículo que determinou a formação de Orminda
foi construído em função do movimento social que justificava o seu arranjo. Por outro lado, toda
esta trama também foi contribuindo para que ela constituísse sua identidade profissional;
compreende-se, então, que se fazer professora no início do século XX tem um significado
diferente do de outras épocas, com as suas especificidades.
Frise-se que este período foi marcado por mudanças na sociedade. O país começa a
desacreditar em sua vocação agrícola, a escravidão também já era passado. A todo vapor
instalavam-se indústrias, construíam-se ruas, cresciam as cidades, imigrantes chegavam ao país,
uma nova perspectiva econômica e política embalava os sonhos de um país republicano.
Mudavam-se hábitos, condutas, costumes, idéias e ideais (CARVALHO,1987).
Orminda conviveu com essas transformações, pois, afinal, estava instalada na capital do
81
país, berço do novo regime republicano, e que já apresentava traços de uma sociedade urbana, de
uma cidade com um acelerado crescimento populacional e com grande parte da população
exercendo atividades mal remuneradas e com empregos informais. Segundo Carvalho (1987),
eram jornaleiros, trabalhadores domésticos, em ocupações mal definidas (p.17). Esses
profissionais amontoavam-se em casas pobres, que estavam longe de ter condições adequadas de
higiene. Outro grave problema presente durante esse período era o aumento no custo de vida que,
por causa da imigração, disponibilizava farta mão-de-obra (op. cit. p.21).
Naquele período, o Rio de Janeiro tornara-se um irradiador de idéias para o país, assim,
acontecimentos banais que fossem, assumiam importância desmedida em função da ressonância
produzida pela situação privilegiada que se achava a cidade (CARVALHO, 1987, p.22). Os
costumes sociais também pareceriam distanciar-se dos padrões estabelecidos em outras cidades
brasileiras: alto índice de população marginal e de imigração, desequilíbrio entre os sexos, a
baixa nupcialidade, a alta taxa de nascimentos ilegítimos, são testemunhos de costumes mais
soltos (op. cit. p.27).
Busatto (2003) expande nossa compreensão acerca do período, ao comentar que o mundo,
não só o Brasil, passava por uma rápida modificação que afetaria as diversas camadas sociais,
bem como traria uma nova noção de tempo, espaço, valores, hábitos e convicções. Para ela, estas
eram as conseqüências do advento da economia capitalista gerada pela Revolução Industrial de
1780, cuja expansão econômica foi mais intensa na chamada Segunda Revolução Industrial,
também conhecida de Revolução Científico-Tecnológica, (p.224), que ocorreu no final do século
XIX. Tais modificações, no caso do Brasil, podem ser assinaladas a partir do contraponto em que
o país buscava deixar para trás um passado em que predominava uma economia agrícola,
imprimindo aos novos tempos uma economia, ainda que incipiente, voltada para o setor
industrial. Como demonstrado por Carvalho (1998), a lógica da fábrica impunha uma nova
perspectiva aos moldes sociais. A escola, mais especificamente, via a necessidade de adaptação
do sistema escolar às novas exigências de uma sociedade nova, de forma industrial, em franca
evolução (...) (AZEVEDO apud CARVALHO, 1998, p.22).
É em meio a este contexto, e de muitos outros, que Orminda cursou a Escola Normal e
anos mais tarde começou a lecionar. Tempo de mudanças de paradigmas, de costumes, de
perspectivas de trabalho. Tudo se modificava. Muito provavelmente suas concepções, quando
professora, tenham sido marcadas por todas estas questões. É na tessitura desses fios que o texto
82
aproxima-se da complexa rede de significados que emergem para a formação de professores
durante este período.
Nesta tentativa, novamente nos reportamos ao programa de ensino proposto para a Escola
Normal, durante o período em que Orminda realizava seu curso. Deste modo, indaga-se por que
os legisladores instituíram a disciplina de Pedagogia como a única, estritamente relacionada à
formação de professores. A prática docente aparecia como um apêndice da formação, devendo
ser realizada após o término do curso, o que parece apontar para a crença de que elas não eram
constitutivas, isto é, fundamentais na formação de professores. Ao contrário, observam-se
disciplinas relacionadas à aprendizagem de habilidades manuais, tais como: o desenho, os
trabalhos com agulha e os trabalhos manuais. Seguindo a perspectiva de Fernandes (2005), não se
pode perder de vista que o currículo da Escola Normal expressava o que era considerado
importante, socialmente, para a formação da mulher.
Considerando-se a dimensão do currículo proposto para a Escola Normal, indaga-se: qual
seria o papel social da mulher? Como se dava a formação feminina? O trabalho de Louro (2001),
sobre as funções das mulheres no início do século XX, orienta a compreensão de que no currículo
que privilegiava as disciplinas citadas, estava presente a concepção de que a mulher deveria
desenvolver habilidades que a capacitassem para se tornar responsável pelo cuidado com a casa,
com os filhos, cabendo também a ela a função de educar as futuras gerações.
Diante dessa incumbência, de educar os mais jovens, a formação feminina foi atrelada à
construção da cidadania dos futuros cidadãos. A mulher deveria ser mãe virtuosa, elemento de
sustentação da família, a preparadora do futuro. Desta forma, a instrução do sexo feminino, não
foi galgada em seus próprios anseios ou necessidades, mas em sua função social de educadora
dos filhos ou, na linguagem republicana, na função de formadora dos futuros cidadãos
(LOURO, 2001, p.446). A formação da mulher foi justificada pela construção do futuro da nação.
Esses argumentos parecem justificar a elaboração de um currículo de formação de professores em
que aparecessem disciplinas que desenvolvessem habilidades manuais, como trabalhos com
agulhas.
No início do século XX, tempo em que Orminda fez-se professora, a República
concretizou a segregação entre o Estado e a Igreja Católica, contudo, em contrapartida, continuou
a vigorar a doutrina religiosa, permanecendo acesa a idéia da mãe-mulher, representada pela
identificação com o símbolo da Virgem Maria. Louro (2001) chama atenção para o fato de que
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através do símbolo mariano se apelava tanto para a sagrada missão da maternidade quanto
para a manutenção da pureza feminina. Esse ideal feminino implicava o recato e o pudor, a
busca constante de uma perfeição moral, a aceitação de sacrifícios, a ação educadora dos filhos
(idem, ibidem). Verifica-se, então, que a sociedade republicana colocou nas mãos da mulher o
papel de formadora do país. Com essa concepção e a crescente participação da mulher nas
funções do magistério, concebeu-se a idéia de que a profissão era mais adequada a elas, por ir ao
encontro da natureza feminina (LOURO, 2001): a sala de aula era vista como a continuação da
casa; e o trato com as crianças era facilitado por serem educadoras por natureza (idem,ibidem).
A maternidade era vista como destino original da mulher, logo, era compreensível que a
elas também fosse confiada a educação das crianças. Como proposto por Louro (2001), tratava-
se de uma extensão da maternidade, cada aluno ou aluna era visto como filho ou filha espiritual
(op.cit. p.446). A docência não deixava para trás a função das mulheres como educadoras de
lares, ao contrário, poderia ampliá-la. Isso significava que elas deveriam exercê-la com dedicação
e amor. Para tanto, as professoras foram sendo formadas com disciplina e regulação dos sujeitos
que moldaram profissionais dispostas aos sortilégios de qualquer sacrifício e, deste modo, foram
acometidas pelo mito da vocação. A concepção da vocação feminina para o magistério,
considerava que as mulheres eram dotadas de aptidões para o exercício da docência, o que
estabeleceu uma relação estreita da profissão com o sexo feminino.
É preciso assinalar também que, durante este período, outras questões destacava-se em
torno da formação da mulher. Soihet (1996) aponta que um conceituado médico italiano
afirmava, em finais do século XIX e início do XX, que
(...) embora a mulher normal apresentasse algumas características
negativas que a aproximavam da criança, tais como senso moral
deficiente, tendência exagerada à vingança, ao ciúme, de maneira geral
esses defeitos eram neutralizados (...) pela maternidade, sua frieza sexual
e sua menor inteligência. Em contraposição, as mulheres dotadas de forte
inteligência se revelam extremante perigosas, constituindo as criminosas
natas (p.106).
A citação evidencia o pensamento de um médico, levando-nos a acreditar que este tipo de
opinião prevalecesse em alguns grupos sociais. Expõe também os entraves relacionados à
capacidade intelectual e moral das mulheres. Assinala, ainda, o perigo eminente que representava
o sexo feminino, informando que a única saída seria a maternidade, entendida como forma
singular de redenção das mulheres. Assim, a jovem Orminda, como tantas e tantas moças de sua
84
idade, lidava com questões como estas que colocavam em xeque a formação feminina.
Outro fator que parecia ser responsável pela escolha do magistério está relacionado ao que
Louro (2001) aponta como a convicção de que as moças, que se julgavam feias e tímidas, eram
impelidas a se voltar para a atividade de lecionar. Essas características, a timidez e a feiúra,
seriam a causa da dificuldade em contrair matrimônio, então, o caminho seria tornar-se
professora. Segundo a autora, a vocação para a atividade estaria justificada por uma lógica que se
apoiava na compreensão social do magistério como função adequada para mulheres e na
aproximação dessa função à maternidade (p.465). Deste casamento com a profissão, os filhos da
união seriam os alunos. Ainda que não se casasse, a mulher continuaria cumprindo sua função:
cuidar das novas gerações.
Por outro lado, mais do que uma saída viável, a escolha pelo magistério representava para
muitas jovens do final do século XIX a possibilidade da garantia de sustento. O magistério, então
uma profissão considerada digna e adequada, foi escolhido por um grande número de mulheres,
porque significava que, ao mesmo tempo em que a mulher trabalhava e ajudava nas despesas de
casa, ela não renegava a sua função de mãe.
A saída do ambiente doméstico também trouxe à mulher maior autonomia, o que lhe
permitiu usufruir benefícios que, até então, na grande maioria das vezes, eram voltados somente
para os homens. É preciso compreender que, se por um lado as mulheres viram-se impelidas a
optar pelo magistério, esta escolha também garantiu-lhe sustento e, em parte, a conquista da
liberdade.
Orminda faz parte dessa geração de mulheres que optou pelo magistério. Como salientado
por sua sobrinha-neta, ela nunca se casou, ela vivia para a escola e gostava muito do que fazia.
Ela morou durante toda vida com seu irmão Eduardo.
90
Talvez ela personificasse a professora
solteira, isto é, que se dedicava quase exclusivamente ao magistério. A construção deste tipo de
personagem é muito adequada para fabricar e justificar a completa entrega das mulheres à
atividade docente e serve para reforçar o caráter de doação e para desprofissionalizar a
atividade (LOURO, 2001, p.467). Esta construção social teve a finalidade de imprimir no
magistério feminino a concepção de doação e de entrega, forjando uma identidade de professoras
dedicadas e devotas a seus alunos, que colocavam em segundo plano os problemas salariais e as
condições de trabalho.
90
Conversa informal por telefone com a sobrinha-neta em 25/05/2007.
85
Pressupõe-se, no entanto, que mesmo diante desta trama de questões que permearam a
formação no magistério nas décadas iniciais do século XX, pertencer à Escola Normal foi um
diferencial na vida de Orminda. As disciplinas por ela cursadas, como trabalhos manuais e
trabalhos com agulhas, desenvolveram-lhe habilidades que ela carregou durante toda a vida.
Partir desta concepção significa considerar o que é proposto por Bourdieu (1983), que ao analisar
a legitimação no campo científico, aponta que os julgamentos sobre a capacidade cientifica de
um estudante (...) estão sempre contaminados, no transcurso de sua carreira pelo conhecimento
da posição que ele ocupa nas hierarquias instituídas (p.124). Assim, o autor ajuda a
compreender que um indivíduo é marcado pelas instituições a que pertenceu. Trabalhando com
esta perspectiva, considera-se que essa instituição poderia, por exemplo, ser a Escola Normal, e
que mesmo sem informações sobre o desempenho acadêmico do aluno, o simples pertencimento
à instituição seria um diferencial na vida de um estudante.
Mesmo diante dos pressupostos, ainda fica a pergunta: pertencer à Escola Normal foi um
diferencial para Orminda? A jovem professoranda teve posições de destaque em seu desempenho
acadêmico que justificaram sua volta à instituição? Consultando a ficha cadastral de Orminda,
durante o curso da Escola Normal, têm-se indícios do bom aproveitamento escolar. Talvez este
sucesso acadêmico contribua para sua volta à instituição anos mais tarde. Em função desta
construção, considera-se que o processo de legitimação da educadora no campo educacional tem,
também, uma relação estreita com a instituição a que ela pertenceu, isto é, a Escola Normal.
Em princípio, presume-se que em sua passagem pela instituição, Orminda tenha aprendido
muitas coisas. Algumas, certamente, perpetuaram-se por toda sua vida. Segundo a sobrinha-neta
da educadora, ela aprendeu muitas coisas na Escola Normal, tudo ela aprendeu lá. Sua casa era
toda enfeitada com pinturas e bordados, era tudo muito bonito
91
, como os trabalhos manuais
elaborados por ela, com técnicas que, segundo sua sobrinha, foram aprendidas no Curso Normal.
91
Conversa informal por telefone com a sobrinha-neta em 25/05/2007.
86
Trabalhos manuais elaborados por Orminda entre os anos de 1920/40.
Arquivo da família
Os bordados exibem técnicas artesanais que iam desde a combinação das tonalidades até a
distribuição dos ornamentos pelo tecido. Estas habilidades de bordar foram, certamente,
aprendidas ou cultivadas nas disciplinas de trabalhos manuais. É bem provável também que ela,
como muitas outras jovens professoras, egressas da instituição, tenha desenvolvido aptidões
artesanais em função desta disciplina.
Em função das diversas questões apontadas sobre a formação da mulher, considera-se que,
mais do que uma distinção, a passagem pela Escola Normal foi a melhor estratégia que ela podia
adotar.
92
O magistério parecia ser a saída mais viável, pois permitia que a mulher tivesse um
ofício e, ao mesmo tempo, fosse bem vista pela sociedade.
Talvez a escolha de Orminda pelo magistério, tenha sido determinada pela falta de
perspectiva em buscar outras soluções para os problemas que enfrentava. Ela era jovem, vinha de
92
Alessandra Schueler, em estudo “Professoras primárias na cidade do Rio de Janeiro. Notas sobre a feminização da
docência”, faz uma análise em que mostra como para mulheres do século XIX a docência significava, muitas vezes, a
saída para o enfrentamento de problemas como a viuvez e a orfandade, que eram resolvidos pelo ingresso no
magistério. A autora utiliza obras literárias para caracterizar suas análises e assinala que o magistério tinha uma
ambigüidade da docência no século XIX, apresentada como uma profissão mal remunerada e, ao mesmo tempo,
prestigiada intelectual e socialmente, como um trabalho digno acessível às mulheres das classes médias e pobres.
(2004, p. 38). A esse respeito, ver: Schueler, Alessandra Frota M. de. Professoras primárias na cidade do Rio de
Janeiro. Notas sobre a feminização da docência. In: Revista Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, maio–dez 2004 nº 13-14.
p. 29-48.
87
outra cidade, seus pais não tinham posses. Então, das poucas possibilidades de que dispunha,
pressupõe-se que ela tenha sido impelida a jogar com os acontecimentos para os transformar em
ocasiões (CERTEAU, 2004 p.47), escolhendo uma formação que pudesse atender às suas
necessidades no mercado de trabalho.
Neste sentido, a análise tenta desconstruir a imagem vitimizada de uma mulher que, sem
escolha, optou pelo magistério. Ao contrário, deve-se entender que esta função era uma atividade
socialmente bem-vista, e numa área que mais gerava grandes oportunidades para a mulher
naquele período. Torres (2007), em análise sobre os projetos de lei no final do século XIX e
início do século XX, assinala como a preocupação com a educação torna-se evidente, fosse por
meio de pedidos de licença para construção de prédios escolares, ou referentes à legalização do
ensino (TORRES, 2007). Enfim, naquele momento, a educação não era somente a melhor opção
de trabalho para as mulheres
93
, era também, em termos de empregabilidade, uma garantia de
futuro pois a educação estava em expansão.
2.1.1. Os primeiros anos em sala de aula
Em finais de 1908, Orminda termina seus estudos na Escola Normal. Quanto aos anos
subseqüentes, 1909 e 1910, não há registros sobre sua iniciação no magistério nos arquivos
pesquisados, tampouco sua família pôde nos relatar suas atividades durante esse período.
94
Seguindo pistas e os rastros deixados pela trajetória da educadora, novamente recorremos ao
gesto que, segundo Ginzburg (1990), é o mais antigo da história intelectual do gênero humano: o
do caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa (p.154). Em função desta
perspectiva, vamos ao encontro dos rastros deixados pela educadora ao longo de sua vida
funcional.
93
É preciso pontuar que havia mulheres em outras atividades. Em texto O trabalho feminino e a sexualidade,
Margareth Rago mostra que durante esse período as mulheres ocupavam outras funções, entre elas, o trabalho em
fábricas. A esse respeito, ver: RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In: DEL PRIORI, Mary (org).
História das mulheres no Brasil, São Paulo: Contexto /UNESP, 1997, p. 578-606.
94
É preciso destacar a dificuldade em encontrar documentos relacionados à vida funcional de Orminda dentro e fora
do Instituto de Educação. Na instituição, muitos documentos relativos a funcionários deste período foram sendo
descartados com o passar dos anos. Encontrar a família da educadora também foi difícil, foram necessárias consultas
a listas telefônicas, em jornais e entrevistas a ex-alunas. Contudo, pouca coisa foi encontrada. O contato, só foi
possível, em função da divulgação feita pelo CEMI sobre a pesquisa que estava sendo realizada. Só então, pude
contatar, por telefone, a família. Contudo, ainda assim, a contribuição dos familiares foi muito valiosa, pois me
enviaram as fotos que constam no trabalho, algumas informações e também fizeram a doação, para o CEMI, dos
livros elaborados pelas alunas da professora Orminda, quando professora de Leitura e Linguagem, material que será
analisado ainda neste capítulo, o exemplar de Orminda do livro Escrita na Escola Primária e algumas fotos.
88
Assim, ainda que algumas informações pareçam estar perdidas, os documentos que se
encontram no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, trazem indícios sobre esta iniciação no
magistério. O texto afirma: O prefeito do Distrito Federal – resolve nomear a adjunta estagiária
de 1ª classe Orminda Isabel Marques para logar de professora adjunta de segunda classe, nos
termos do art. 160 de Decreto 838 de 20 de outubro corrente, Distrito Federal (...) (30-10-
911).
95
Acredita-se que tal nomeação tenha se dado em função do tempo em que Orminda
pertencia ao quadro de docentes do Distrito Federal, pois como nos informa Lopes (2005), até
1968 as turmas da Escola Normal tinham ingresso automático nos quadros do magistério
primário (p.21). Assim, supõe-se que ela saiu da instituição e foi trabalhar no serviço público.
Possivelmente essa nomeação foi motivada pelo tempo em que esteve no cargo de professora de
1ª classe
96
, pois o texto não expõe nenhum aspecto meritocrático que justifique essa mudança.
Pesquisas realizadas no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro também permitiram
encontrar referências sobre a nomeação de professores de 1ª, 2ª e 3ª classes, cujos critérios de
promoção na carreira são justificados levando-se em consideração o tempo de serviço ou o
mérito. Dentre as nomeações encontradas, dois registros ajudam a compreender estes critérios.
Ainda que tais documentos não estejam relacionados diretamente à Orminda, eles ajudam a
entender as diversas questões que faziam parte do cotidiano de professoras que, como ela,
estavam nos quadros do Magistério público no início do século XX.
A promoção por mérito seguia o seguinte modelo: O Prefeito do Distrito Federal resolve
promover por merecimento a professora adjunta de segunda classe à de terceira classe Homeira
Vieira Correa (...) Distrito Federal, 24 de Abril de 1915 (...).
97
Os registros não permitem a
compreensão do mérito na mudança de categoria, no entanto sinalizam que havia uma hierarquia
entre as professoras. Supõe-se que as professoras buscavam ser enquadradas nestes critérios para
galgarem outras colocações dentro da categoria. Estas mudanças de classe poderiam estar
relacionadas a trabalhos desenvolvidos na sala de aula, ou ao empenho no exercício de sua
95
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, códice nº 37-1-19 – Livro da Directoria Geral de Instrucção Pública –
Adjunctas de 2ª Classe.
96
No entanto, é preciso destacar que há um desencontro de informações em relação à efetivação de Orminda nos
quadros públicos. Em análise no periódico Jornal do Commercio de 10/03/1920, aparece o nome da educadora em
uma lista que tinha a finalidade de expor o tempo de trabalho das professoras de 1ª classe. O texto indicava que se
tratava da classificação das adjuntas de 1ª classe por antiguidade (...). A posição da educadora é 74ª, com 1392 dias
trabalhados que foram contados deste 27 de novembro de 1915. Desse modo, não se sabe ao certo em que ano
Orminda passou a fazer parte do quadro do magistério público.
97
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, códice nº 37-2-1 – Livro de Nomeações.
89
atividade.
Em relação ao tempo de serviço, encontramos registros que afirmam: O Prefeito do
Distrito Federal resolve promover por antiguidade à professora adjunta de segunda classe, a de
terceira classe Rosalina Coelho do Amaral. Distrito Federal em 24 de Abril de 1915.
98
Neste
caso, a nomeação ficava evidente, entretanto os dois modos de promoção revelam que havia uma
preocupação do legislador em motivar as professoras, estabelecendo critérios de nomeação, fosse
por mérito ou por tempo de serviço.
Por outro lado, é preciso lembrar que, mesmo com tais incentivos, tanto em relação à
promoção de professores, quanto à expansão das unidades escolares, como citado anteriormente,
Lopes (2006) ressalta que este foi um período marcado por uma rica legislação educacional, que
não resultou, na prática em uma democratização do ensino (p. 2). Isto é, mesmo com
reivindicações quanto à universalização da educação popular, a primeira Constituição da
República, de 1891, evidenciava o descaso para a educação primária, mantendo a
descentralização desse grau de ensino, estabelecida desde 1834 (op. cit. p.2), perpetuando a
precariedade do ensino elementar, pois muitas regiões do país não conseguiam arcar com os
custos de manutenção das escolas. Com efeito, nos primeiros anos da República, a escola se
manteve sob os mesmos moldes da velha escola de primeiras letras (idem, ibidem).
Mas não eram somente esses problemas que faziam parte do cotidiano da jovem Orminda.
Esse período foi também fortemente marcado pelos ideais de construção do país como nação.
Nofuentes (2007) ajuda na compreensão de que nos primeiros anos do século XX a guerra de
1914 trouxe uma nova era: a da incerteza, onde os padrões intelectuais brasileiros seriam
revisados, reacendendo-se a necessidade de pensar o Brasil do ponto de vista brasileiro (p. 2). A
educação e a saúde seriam apontadas como caminhos para se pensar esse novo contexto social.
É também nesse tempo que, com o objetivo de construção de uma nação, observam-se,
diversos movimentos em prol da educação. Dentre eles, o empreendido por Olavo Bilac, em
1916, sobre a obrigatoriedade do serviço militar, que culminou com a criação da Liga de Defesa
Nacional, objetivando a formação de uma consciência nacional obtida através do serviço militar
e da educação cívico-patriótica (op. cit. p.2). É dessa mesma época a criação, na cidade do Rio
de Janeiro, da Liga Fluminense Contra o Analfabetismo, que tinha como finalidade entrar em
contato com a realidade escolar. Essa iniciativa organizou questionários com a finalidade de obter
98
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, códice nº 37-2-1 – Livro de Nomeações.
90
dados sobre as escolas, o número de matrículas, a situação dos professores, enfim, estudar
condições de melhoria da educação.
Em meio a esta trama de relações, em que a escola era levada como redentora da nação,
Orminda entra em sala de aula, talvez munida de esperança, acreditando, assim como muitas das
jovens que ingressavam no magistério, que seu trabalho seria um diferencial na construção de um
país melhor.
Cabe-nos indagar que tipo de escola era essa que acolhia professoras, crédulas de função
social, contudo faltam subsídios para analisar as escolas em que Orminda começou a trabalhar.
Deste modo, seguindo a perspectiva de Le Goff (1984), ao trazer uma citação de Fustel de
Coulanges pronunciada na Universidade de Estrasburgo em 1862, aponta: onde faltam os
monumentos escritos, deve a história demandar às línguas mortas os seus segredos... Deve
escrutar as fábulas, os mitos, os sonhos da imaginação... Onde o homem passou, onde deixou
qualquer marca da sua vida e da sua inteligência, aí está a história (LE GOFF, 1984, p.98). Pela
ausência de materiais que indiquem como eram as escolas em que a educadora trabalhou, busca-
se imaginar, portanto, por meio de uma lista de material encaminhada por uma diretora no ano de
1915, que muito contribuiu para a interpretação, como poderiam ser as escolas em que Orminda
lecionou.
Por meio dessa relação de material, será possível conhecer, em parte, os objetos utilizados
durante esse período, permitindo também compreender de que modo os utensílios escolares
incorporaram o ideário de educação da nação.
Nessa busca, observam-se os materiais encaminhados para a 5ª escola mista do 15º
distrito, localizado na Estrada Real de Santa Cruz, n º 46. Esse pedido tinha a assinatura da
professora cathedrática Laurinda Corrêa de Oliveira Mafra
99
, com data de 30 de Junho de 1915,
no qual a diretora apresentava uma extensa lista, dividida em materiais que necessitavam de
substituição, e dos já existentes na escola; entre estes, havia os que estavam em bom estado de
conservação e os danificados:
1 mesa para professora ou adjunta, 1 cadeira de braço, 3 cadeiras
singelas, 2 cabides, 1 balde, 2 escarradeiras, 1 quadro do esquilo, 2
limpadores para quadro negro, 1 tympano, 1 capacho de côco, globo
geographico, 24 ardosias com quadro quadriculado, 1 mesinha para o
globo geographico, 1 relogio, 1 placa para escola mixta, 20 cartilhas de
Thomaz Galhardo, 12 livros de João Kopke, 1 de Arithmmetica de Olavo
99
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, códice n º 37-1-25.
91
Freire (elementar), 1 de Geographia de Othelo dos Reis, Grammaticas de
Adelia E. Bandeira.
Material existente bom estado: 1 armario, 1 talha, 1 lavatorio, 1 quadro
negro, 1 bolario, 20 carteiras, 40 ardosias, 1 colleção de solidos, 1 livro
de ponto, 1 livro de inventario, 1 livro de correspondencia, 1 panorama
geographico, 1 mappa de figuras geometricas.
Em máo estado: 1 mesa, 1 cadeira, 1 armario, 1 quadro negro, 18 bancos,
1 globo geographico, 1 mostrador de relogio, 1 livro de visitas, 1 livro de
matriculas, 1 mappa recortado do Brazil, 1 mappa mural do Brazil da
América do Sul.
100
Nos pedidos desses objetos, observam-se os livros utilizados nas salas de aula. Dentre
eles, as cartilhas de Thomaz Galhardo, o livro de Aritmética e o de Gramática. Sobre os
utensílios, pode-se destacar a utilização do globo geográfico, os sólidos geométricos, as ardósias,
o quadro- negro, os mapas do Brasil e da América do Sul. Para professores e alunos, encontramos
pedidos de bancos, cadeiras com braço e cadeiras singelas.
É bem possível que tanto a diretora, quanto os docentes dessa instituição acreditassem que
para alcançar o ideário de educação da nação, fosse necessário centrarem suas atividades em
torno da aprendizagem da escrita, considerando-se o elevado número de ardósias destinadas à
escrita e os pedidos de cartilhas e da gramática. O ideal de educação era também complementado
com o estudo do território brasileiro, e talvez essa visão justifique a expressiva quantidade de
pedidos de mapas e globos geográficos. Nota-se, também, uma mudança em relação aos prédios
escolares, pois observa-se a solicitação da placa com a inscrição escola mixta. Esta escola, assim
como outras, passavam a atender, a partir daquele momento, meninos e meninas.
101
Aprender a ler e a escrever, conhecer o país, caracterizar os prédios escolares, estes
pareciam ser os anseios que cercavam a ação docente nas décadas iniciais do século XX. Analisar
esta materialidade orienta na compreensão dos objetivos dos professores que, assim como
Orminda, estavam em sala de aula.
Os ideais de construção da nação, contudo, não afastavam os docentes de seus dramas
pessoais, de doenças familiares, enfim, de situações que os obrigavam ao afastamento do
trabalho, talvez, por esses motivos tirassem longas licenças.
102
Orminda não foge a esta regra.
100
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, códice n º 37-1-25.
101
Em pesquisa realizada no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, foram localizados diversos documentos que
transformavam escolas femininas e masculinas em escola mistas. Para consulta, buscar os códices nº 37-1-21, 37-1-
23, 37-1-25, 37-2-1.
102
Nas pesquisas realizadas no Acervo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, foi possível observar as longas licenças
concedidas a professores.
92
Em 1917, ela, por motivos de saúde, foi obrigada a se afastar do trabalho: O Prefeito do Distrito
Federal – Resolve conceder noventa dias de licença, na fôrma de lei, para tratamento de saúde à
professora adjunta de 1ª classe
103
Orminda Isabel Marques, Distrito Federal, 20 de Junho de
1917 (...).
104
Ao retornar, ela é designada para outra instituição. O documento de sua transferência
determina: O Director Geral da Instrução Publica resolve designar a professora adjunta de 1ª
classe Orminda Isabel Marques para regente iminente a 13ª escola mixta do 7º Distrito. Distrito
Federal, 2 de maio de 1918.
105
Nas pesquisas realizadas não foi possível identificar o nome
desta escola, mas supõe-se tratar da Escola Gonçalves Dias, pois, segundo sua família, foi lá que
Orminda trabalhou antes de ingressar no Instituto de Educação.
A Escola Gonçalves Dias, que recebera este nome no início do século XX, por ocasião do
advento da República, no entanto já tivera outro nome. A instituição chamava-se Escola de São
Cristóvão, pois desde sua fundação localizava-se no aristocrático bairro de São Cristóvão. A
instituição faz parte do grupo de escolas denominadas Escolas do Imperador, que receberam este
nome devido ao fato de que, com o término da Guerra do Paraguai, em que o Brasil foi
vencedor, cidadãos brasileiros realizaram um movimento para construir uma estátua em
homenagem a D. Pedro II. O imperador, porém, recusou a homenagem e sugeriu que o dinheiro
fosse utilizado na construção de escolas.
106
103
As definições de professora de 1ª e 2ª classe algumas vezes aparecem desencontradas. No documento, datado de
1917, Orminda é citada como professora de 1ª classe, no entanto, é possível encontrar sua promoção deste 1911.
104
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, códice nº 37-2-5 – Livro de adjuntas de 2ª classe.
105
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, códice nº 37-2-5.
106
A esse respeito, ver: SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO. Projeto Editorial
Escolas do Imperador. Acervo do Centro de Referência da Educação Pública.
93
Orminda com alunos da Escola
Gonçalves Dias. Data provável
entre os anos de 1910-1920.
Arquivo da família
A família não soube indicar o ano em que a fotografia acima foi tirada. As vestes e a
aparência, ainda jovem de Orminda indicam que tenha sido no final da primeira década do século
XX. Pressupõe-se, também, que a educadora tenha passado toda a década de 1920 na Escola
Gonçalves Dias. A entrada nessa instituição parece ter sido crucial, pois foi nesse espaço que
Orminda pôde mostrar seu trabalho como professora.
Algumas indagações, portanto, devem ser suscitadas: que escola era esta? Que tipo de
trabalho era realizado na instituição? Estas informações são necessárias para a compreensão da
trajetória da educadora no campo educacional. Neste sentido, Accácio (1993) assinala que, em
1915, a Escola Gonçalves Dias passou a ser Escola de Aplicação da Escola Normal, tornando-se
um instituto primário destinado aos alunos da Escola Normal (op. cit. p.59). Supõe-se que,
estando na instituição neste período, Orminda tenha estreitado o contato com as professorandas,
que iam para a escola realizar suas atividades de prática de ensino. Segundo a autora, também foi
neste período que houve um desenvolvimento maior das atividades de prática na Escola Normal,
pois Afrânio Peixoto, diretor da Escola Normal, aumentou a carga horária da disciplina para dez
94
aulas semanais no 3º ano e 15 aulas semanais no 4º ano.
107
A chegada de Orminda à escola Gonçalves Dias em um período que a instituição ganhava
a categoria de Escola de Aplicação, e a prática escolar conquistava destaque na formação
docente, pode ter sido um diferencial. Não se descarta que houvesse o mérito de seu trabalho, e
quem sabe, até, suas características individuais se destacassem dos demais professores. Nessa
trajetória, contudo, o local no qual ela estava não pode ser desconsiderado. Com um trocadilho
pode-se dizer que ela estava no lugar certo, no momento adequado.
108
É preciso indagar: se Orminda tivesse desenvolvido um excelente trabalho, mas estivesse
em uma escola com pouca visibilidade no meio educacional, será que chegaria à direção da
Escola Primária? Não é possível responder a esta pergunta, contudo, ressalte-se a combinação de
fatos que se delineava no momento em que a educadora pertencia à Escola Gonçalves Dias.
Frossard (2006), ao analisar a trajetória do educador Antonio Alvarez Parada, considera
fundamental entender as relações sociais travadas pelos indivíduos e como suas histórias resultam
de posições ocupadas nos diferentes espaços. Para a autora, os acontecimentos constitutivos da
vida de um indivíduo estão relacionados com os espaços sociais nos quais eles se deram,
incluindo tensões e contradições que o indivíduo enfrentou ao transitar por estes espaços (op.
cit. p.31).
Assim, ao estudar a trajetória de Orminda, deve-se compreender que os anos em que ela
lecionava na Gonçalves Dias também foram marcados por uma mudança nas diretrizes do ensino
elementar. Na administração de Carneiro Leão na Instrução Pública (1922-26), houve uma
reforma no ensino público primário e, a partir de então, essa etapa do ensino passou a assumir
uma orientação, marcadamente, escolanovista (ACCÁCIO, 1993).
Essa nova orientação é exposta por Nagle (1974). Para ele, o movimento da Escola Nova,
que se iniciou neste período, tinha como ponto de partida (...) a observação, [tornando esta
concepção] um princípio essencial. O professor começa[va] por ensinar o aluno a observar,
pondo-o em contato constante com as coisas e os fatos, despertando-lhe o sentido e
desenvolvendo-lhe a capacidade de observação (p.246). O autor salienta, ainda, que esta nova
107
Accácio (1993) também aponta que a atuação de Peixoto em relação à prática escolar, certamente, foi relevante,
já que Lourenço Filho refere-se a esse momento como o de desenvolvimento da Prática, e Venâncio Filho aponta
aquele educador como o criador da Escola de Aplicação.
108
Na conversa com a sobrinha-neta da educadora, ela revelou não se lembrar que Orminda tenha sido diretora da
Escola Gonçalves Dias. Ela só trazia relatos sobre o Instituto de Educação. Por este motivo, acredita-se que Orminda
tenha sido uma professora que se destacou na instituição, o que permitiu o convite para outras funções no magistério.
95
dimensão de trabalho pedagógico deve ser considerada, acima de tudo, como uma nova
orientação metodológica, isto é, a difusão do método intuitivo, nas diversas disciplinas da escola
primária juntamente com o procedimento intuitivo (...) realçada a importância do emprego da
observação e da indução com recursos para a aquisição de conhecimentos e padrões de
comportamento (op. cit. p.244).
No início de 1926, Orminda recebe, juntamente com os outros professores das escolas
primárias, o programa de ensino de Carneiro Leão, que passaria a vigorar no início daquele ano
letivo. Assim, o educador destaca no Boletim da Prefeitura de 1926: por melhor que seja um
programma, o seu valor está muito menos na escolha e na distribuição das matérias do que nos
methodos adoptados e, sobretudo, na capacidade, na intelligencia, e acção do mestre. (p.192).
Notam-se na fala do educador os traços da nova orientação metodológica, que se referia ao
trabalho pedagógico centrado na ação do mestre.
109
Estar imersa em um contexto social impregnado dessas concepções educacionais,
certamente, deixaram marcas na identidade profissional da educadora. Fosse no cotidiano da
escola, nas conversas com outras professoras, nos documentos que chegaram da Diretoria de
Instrução Pública, nos eventos voltados para docentes, enfim, que estes canais de informações,
possivelmente, contribuíram para que a educadora construísse sua identidade profissional. Desta
forma, todos esses detalhes ajudam a compor o grande mosaico sobre o processo de legitimação
da educadora no campo educacional.
No tempo em que ela lecionava nas salas de aula da Escola Gonçalves Dias, o ensino
primário se dividia em cinco anos letivos, com as seguintes disciplinas: Linguagem, Arithmética,
Geometria, Desenho, Trabalhos Manuaes e Economia Domestica, Geographia, Historia,
Educação Moral e Cívica Hygiene e Sciencias Physicas e Naturaes, Musica e Testes (Boletim da
Prefeitura, 1926, p.190). Para Carneiro Leão, esses conteúdos deveriam possibilitar que o aluno
adquirisse conhecimentos para a sua vida e afirmava: os novos programmas, abrindo
inteiramente a escola à vida corrente (...) o alumno aprenderá, o mais possível, observando,
experimentando e fazendo. Agumentar-se-á assim o conhecimento original, o único que vale
realmente (op. cit. p.183). O educador expressa a preocupação em relação a mudanças nas formas
de ensino-aprendizagem, impondo novos desafios para os educadores da época.
Segundo Nagle (1974), o movimento da Escola Nova, isto é, o escolanovismo na primeira
109
idem, ibidem.
96
fase, ou seja, nos anos de 1920, apresenta-se de tal forma que começa a modificar o sentido das
antigas práticas, aparecem novas, bem como são introduzidas outras atividades e alteradas as
existentes. Com isso, tem-se uma nova didática (...) e são ressaltadas as condições ótimas para o
funcionamento de novo modelo que deve apresentar a situação do ensinar-aprender (p.244).
Para Orminda, talvez estas novas concepções tenham significado um desafio,
considerando as diferenças metodológicas de educação recebida na Escola Normal. É possível
que, com essa nova orientação, ela tenha sido forçada a deixar para trás antigas concepções
metodológicas e adquirir novas idéias. Novas condutas, novas metodologias, outro tipo de prática
pedagógica:era preciso criar outras técnicas e outros modos de ensinar.
Entender a atividade docente desenvolvida por Orminda, que foi permeada pelos ideais
escolanovistas que chegaram no país, mais fortemente, no início do século XX, é fundamental
para as análises de sua trajetória, pois ajuda a compreender como as opções que ela fez e os
caminhos que buscou estão diretamente relacionadas com o período e o local em que ela viveu.
Certeau (2000) chama atenção para esta questão, para ele: a história se define inteira por uma
relação da linguagem com o corpo (social) e, portanto, também pela sua relação com os limites
que o corpo impõe, seja à maneira do lugar particular de onde se fala, seja à maneira do objeto
outro (passado, morto) do qual se fala (p.77). É no contraponto entre os acontecimentos sociais,
os problemas da educação, as questões apresentadas para os professores daquele período, que este
texto se constrói. Assim, criam-se condições para interpretar o significado de ser professora nas
décadas iniciais do século XX.
2.2. Uma professora de Prática de Ensino
Em 1934, período em que Orminda estava à frente da Escola Primária, ela foi convidada,
também, para ocupar a cadeira de Prática de Ensino. Acredita-se, então, que surgiam outras
atribuições no seu cotidiano: eram as aulas, as professorandas, o conhecimento da disciplina,
enfim, outras questões que passaram a fazer parte de seu trabalho.
Ao se tornar professora de Prática de Ensino, ela passa a fazer parte do corpo docente da
recém-inaugurada, Universidade do Distrito Federal – UDF. Deste modo, passa a vivenciar
diversas mudanças dentro do Instituto de Educação, dentre elas, pode-se citar, por exemplo, a
mudança da nomenclatura do curso de formação de professores que até 1934, chamava-se Escola
97
de Professores, e em 1935, passa a se chamar Escola de Educação, integrando-se à UDF (LOPES,
2007).
Entretanto, com a mudança da nomenclatura de Escola de Professores para Escola de
Educação, as finalidades quanto à formação de professores praticamente não se modificam, ao
contrário, pode-se dizer que elas se expandem. Mendonça (2002) aponta para esta questão ao
destacar que a criação da Universidade fazia parte, segundo Anísio, de um processo que se
iniciou com a transformação da Escola Normal em Instituto de Educação. Segundo a autora, a
Escola de Educação seria o ápice desse projeto, pois além da função de preparar professores
para todos os graus de ensino, [tem] o objetivo de constituir-se em centro de documentação e
pesquisas para a formação de uma cultura pedagógica (op. cit. p.53), assim a Prática de Ensino
apresentava-se como uma disciplina central no curso.
A UDF, que funcionou durante os anos de 1935-39, propunha-se, segundo Mendonça
(2002), a ser o locus, por excelência, de aglutinação dos mestres, que por sua vez, seriam
capazes de construir uma ciência e uma cultura verdadeiramente brasileira (...) (p.35). O
funcionamento do curso era no prédio do Instituto de Educação, e integrava o curso de formação
de professores da UDF. Composta também pela Escola de Ciências, pela Escola de Economia e
Direito, pela Escola de Filosofia e Letras, e pelo Instituto de Artes, a universidade, segundo
Lopes (2007), tinha institutos precariamente instalados em salas emprestadas de várias
instituições: Escola Superior de Agricultura, Museu Nacional, Escola Politécnica do Rio de
Janeiro e algumas outras escolas municipais (...) (p.5).
Em princípio, imagina-se que havia a intenção de que a educadora ocupasse outros cargos
na UDF. Nos registros encontrados no Centro de Memória Institucional do Instituto Superior de
Educação do Rio de Janeiro – CEMI, que se referem à contratação de Orminda para a
Universidade, lê-se a designação: A Prefeitura do Distrito Federal resolve designar Orminda
Isabel Marques professora Diretora de Escola, para exercer o cargo, em comissão, de
professora adjunta da 12ª secção de didática da Universidade do Distrito Federal (...) 14-4-
1939(...).
110
Sabe-se que a extinção da UDF deu-se no início de 1939 e que, portanto, Orminda
nunca trabalhou, efetivamente, na seção de Didática. Provavelmente, há algum erro em relação às
datas, então, supõe-se que, nessa instituição, seu trabalho foi unicamente na cadeira de Prática de
Ensino.
110
Livro de Designações nº 81 – CEMI.
98
Para que se possa compreender a trajetória da educadora, é necessário analisar os diversos
contextos da instituição, e da formação de professores, naquele momento. Em função disso,
algumas indagações se colocam como pontuais na compreensão do convite realizado à Orminda
durante aquele período: qual o lugar da Prática de Ensino no currículo da Escola de Professores e
na Escola de Educação? Quais as inflexões presentes na formação de professores na reforma
anisiana? Qual o modelo de professor proposto por Anísio?
2.2.1. A centralidade da disciplina
Como sinalizado no capítulo anterior, em março de 1932, quando Orminda passa a fazer
parte do corpo docente do Instituto de Educação, é também o período no qual Anísio Teixeira
realizava, com o Decreto nº 3810 de 1932, modificações na formação de professores. Estas
mudanças tentavam imprimir no currículo da Escola de Professores, nomenclatura que o curso de
formação de professores adquire em função da reforma anisiana
111
, uma nova concepção
metodológica, caracterizada, principalmente, por uma modificação na espinha dorsal do curso.
Tal reestruturação propunha lugar de destaque para a prática dos conteúdos, isto é, o aluno
deveria exercitar os assuntos trabalhados em sala de aula, através de atividades práticas. Como
salientado por Lopes (2006), o objetivo desta escola era (...) dar uma orientação científica do seu
trabalho, sem perder, no entanto, a visão de que o magistério é antes uma arte prática do que
uma ciência aplicada (p.96). Essa concepção retratava uma nova compreensão sobre ensinar e
aprender, no qual a questão do método de ensino assumia a centralidade das discussões no campo
educacional. Diante dessa opção metodológica, a Prática de Ensino mostrava-se como disciplina
central no curso de formação de professores.
Na instituição, as disciplinas ministradas dividiam-se em dois anos de formação. Cada
ano letivo era dividido em três trimestres: durante os três cursava-se intensivamente disciplinas
de Biologia Educacional, Psicologia Educacional e Sociologia Educacional. Durante todo o
período, as disciplinas de História da Educação, Artes, Música e Educação Física estavam
presentes no curso. Neste primeiro ano de formação, era também ministrada a disciplina de
Introdução ao Ensino, no qual eram estudadas as atribuições da escola e as competências do
professor (LOPES, 2006, p.96).
No segundo ano, a Prática de Ensino ganhava centralidade nas atividades curriculares e
111
Estas modificações foram trabalhadas no 1º capítulo.
99
era organizada em três etapas: observação, participação e direção de classe. Lopes (2006), chama
atenção para o fato de que mais da metade da carga horária semanal era dedicada à prática e
todas as demais disciplinas se articulavam a ela (p.112). Havia também os estudos
intermediários, que faziam parte das Matérias de Ensino, isto é, os alunos estudavam as
disciplinas – Cálculo, Leitura e Linguagem, Literatura Infantil, Ciências Naturais – sob o ponto
de vista da preparação para o magistério (op. cit. p.113). O sentido proposto pela reforma
anisiana era, fundamentalmente, de articular a teoria à prática, pois, para o Diretor da Instrução
Pública, o ato de aprender depende profundamente de uma situação real de experiência onde se
possam praticar, tal qual na vida, as reações que devemos aprender (TEIXEIRA, 1975, p.44).
Por outro lado, Lourenço, diretor do Instituto de Educação naquele período, justificava
que a organização dos cursos permitia matérias aplicadas e não especificamente um curso de
metodologia. A idéia era permitir que o aluno vivenciasse os conteúdos, como pode ser visto em
uma de suas análises:
Os alunos investigam primeiramente, o histórico de cada matéria,
recordando-lhe o conteúdo, sob forma genética; examinam depois a
psicologia especial de sua aprendizagem, perquirindo também a inter-
correlação das diferentes matérias do programa; e só então, à luz desses
dados e, em face dos modernos processos de cada matéria, é que passam
a encarar os processos didáticos, gerais e especiais, simples meios de
ação, sem significação em abstrato. Não se separa assim, o método do
conteúdo, nem conteúdo especial da matéria, dos objetivos gerais do
ensino, nem estes objetivos, do meio social, da individualidade do aluno
e individualidade do professor. (LOURENÇO FILHO, 1932, p.23).
No trecho, Lourenço ressalta como as atividades eram realizadas, destacando a conexão
entre os conteúdos e a experimentação – não havia separação. O educador também assinala a
relevância das atividades práticas, representando o fim de tudo. Corroborando essa afirmativa,
Vidal (1995) ajuda a compreender que a Prática de Ensino, assumiu, durante a reforma anisiana,
um caráter marcadamente prático das disciplinas. [Neste sentido] a qualidade da docência só
poderia ser aferida e aprimorada na experiência de sala de aula (op. cit. p. 48). Percebe-se,
portanto, que o crivo para a formação de professores, diferente do ocorrido com as reformas
anteriores, estava na Prática de Ensino.
Á medida a disciplina ganhava lugar de destaque na formação de professores, o docente,
responsável por esta cadeira, também ganhava distinção, porque, em última instância, a avaliação
das professorandas era feita por este profissional. No momento da reforma anisiana, uma destas
100
professoras era Orminda,
112
e preparar, orientar e avaliar eram certamente as atribuições da
educadora no curso de professores.
Ainda há de se indagar: como eram desenvolvidas estas aulas de Prática de Ensino? Quais
procedimentos metodológicos eram adotados? Segundo a ex-aluna e ex-professora da Escola
Primária, Judith Tranjan, as aulas eram desenvolvidas da seguinte forma:
A professora dizia você vai dar tal do assunto tal, no dia tal. Aí a gente
fazia o plano de aula e mostrava para a professora de Prática e dava aula.
Mas, nós só dávamos uns vinte minutos de aula. Depois a gente ia
embora.Geralmente íamos dando aula e a professora Alfredina Paiva e a
professora Nair Freire acompanhavam a gente. Elas entravam na sala e
ficavam lá no fundo observando. Elas viam nosso desempenho e
levavam tudo para a D. Orminda. (...) a Dona Orminda era bem exigente.
113
As professoras Alfredina Paiva e Nair Freire eram professoras-assistentes da Cadeira de
Prática de Ensino e já faziam parte do corpo docente da Escola Primária. A seleção destes
docentes, de Prática de Ensino, como todos os outros da instituição, deu-se segundo o Decreto nº
3.810 de 1932, considerando-se a idoneidade profissional especializada, atestada por diplomas
escolares, títulos científicos, trabalhos publicados de reconhecido valor, comissões cabalmente
desempenhadas. A idoneidade moral precisava ser atestada por diretores de estabelecimentos
oficiais de ensino.
114
Considerando-se os critérios de seleção, percebe-se que a Prática de Ensino ocupava a
mesma posição das outras disciplinas, ou seja, a reforma de Anísio proporcionou novo
posicionamento à Prática de Ensino. Anteriormente, na reforma azevediana
115
as disciplinas
relacionadas à formação pedagógica eram ministradas somente nos dois últimos anos do período
de formação. Os conteúdos estritamente relacionados ao magistério eram a Didática e a
Pedagogia. Ainda no início da década de 1920, a reforma de Carneiro Leão mostrava uma
desconexão entre o magistério e a Prática de Ensino. Tal afirmativa é elucidada pela entrevista
realizada por Liéte Accácio (1993) com a ex-professora, e sucessora de Orminda na direção da
112
É possível encontrar também outras professoras que ministravam esta disciplina no Instituto de Educação, como
por exemplo, a professora Alfredina Paiva e Souza. Contudo, pelos relatos das professoras que trabalharam na Escola
Primária durante este período, Orminda era a professora chefe da seção de Prática.
113
Entrevista realizada com a ex-aluna e ex-professora Judith Tranjan em 18/05/07.
114
Decreto nº 3810 de 1932, artº 55, p. 46.
115
Reforma realizada por Fernando Azevedo em 1928, enquanto ocupava o cargo de Diretor da Instrução Pública.
101
Escola Primária, a professora Helena Mandroni, aluna da Escola Normal entre 1924-27. No relato
ela destaca que ao término do curso recebeu dois diplomas: um de conclusão do curso normal e
outro de aptidão pedagógica (ACCÁCIO, 1993, p.60). O depoimento da professora Helena
Mandroni aponta para o fato de que a Prática de Ensino era compreendida como dissociada do
curso de formação do professores.
Entender que a Prática de Ensino ocupava centralidade no projeto de Anísio Teixeira,
ajuda a interpretar a posição que Orminda passou a ocupar dentro da instituição. Tal perspectiva
permite diversas construções que servem como pano de fundo para as atividades desenvolvidas
como professora desta disciplina. Aliás, Levi (2002) considerara que qualquer que seja a sua
originalidade aparente, uma vida não pode ser compreendida unicamente através de seus
desvios ou singularidades, mas, ao contrário, mostrando-se que cada desvio aparente em
relação às normas ocorre em um contexto histórico que o justifica (p.176).
Para compreender a trajetória de Orminda no campo educacional, não se pode
desconsiderar a reforma anisiana que, ao mesmo tempo em que marcava uma outra direção para o
Instituto de Educação e, evidentemente, para a formação de professores, também foi permeada
por uma série de questões. Dentre elas, a mudança de paradigmas, ou seja, a ciência passava a
funcionar como uma bússola para a própria sociedade, indicando os caminhos para o progresso,
fortalecendo, portanto, a crença de que, sem ela, a sociedade dificilmente se beneficiaria das
conquistas sociais, econômicas e culturais (BOMENY, 1993, p.25).
Talvez tenham sido esses propósitos que orientaram Anísio a dar destaque à Prática de
Ensino, contudo, as mudanças por ele implementadas são permeadas pela crença de que com o
advento da República a nação brasileira nascia com o desafio de minimizar os efeitos das duas
manchas que se confundiam: a da doença do analfabetismo, com o despreparo da população
para a sociedade emergente (...) (BOMENY, 1993, p.24). Supõe-se, então, que ele acreditava
que uma boa preparação de professoras, via Prática de Ensino, poderia ajudar a sanar este mal,
que dizer, o abandono da improvisação no magistério viria pelas mãos desta disciplina.
116
116
Percebe-se que a reforma proposta por Anísio extrapolava os limites da instituição, o contato com outros centros
de ensino também eram importantes. Assim, ele destaca no art. 83 do Decreto nº 3810 de 1932, a necessidade de
enviar professores, incluindo os de Prática de Ensino, aos Estados Unidos para estágios nos cursos de formação no
Teachers College da Universidade da Colúmbia. Ainda que tais viagens não tenham se efetivado, Lopes (2005)
assinala que este programa de aperfeiçoamento dos professores constituíam um ponto crucial do programa de ação
que ele vinha desenvolvendo na diretoria da Instrução (p.118). O educador compreendia que era desta maneira, isto
é, com professores mais preparados, que o problema da educação seria sanado. Estes mestres estariam preparados
para formar profissionais habilitados aos desafios no novo século.
102
Em contrapartida, é preciso compreender que a reforma empreendida por Anísio,
apresentava inflexões, como por exemplo, em relação aos critérios de escolha para a entrada na
instituição, fosse para alunos ou professores. Sobre os discentes, o Decreto nº 3.810, de 1932,
instituía que não era permitido que o aluno se transferisse de outra instituição, deveria ter cursado
o Ensino Secundário no Instituto de Educação. Lopes (2006) assinala também a possibilidade da
escolha entre os mais aptos para o magistério e os que pudessem ter êxito em outras funções.
Essa triagem não descartava o exame minucioso pelo qual os alunos passavam ao ingressar na
instituição. A seleção iniciava-se pelo exame médico, confiado a várias juntas de profissionais,
atingindo a totalidade dos candidatos inscritos (...) qualquer indício de perturbação de saúde
determinava o pedido de exames laboratoriais e radiológicos (op. cit. p.123).
Ainda sobre os processos de seleção da instituição, Vidal (1995) destaca que a admissão à
Escola Secundária, instituídas pelo Departamento de Educação, selecionavam a fina flor da
população, evitando que homens e mulheres comuns ingressem na carreira do magistério (p.90).
A autora salienta que a justificava de Anísio era a de que esse procedimento se dava em função
da necessidade de uma pesquisa para encontrar os verdadeiros talentos e as inteligências
privilegiadas (idem, ibidem).
Não se pode negar o caráter marcadamente excludente da seleção de alunos, pois um
defeito físico, ou qualquer desvio, que não estivesse de acordo com os severos padrões exigidos,
poderia deixar de fora da seleção uma grande quantidade de candidatos. Lopes (2006) classifica
que este procedimento deve ser caracterizado como contradição com os princípios da educação
renovada (p.124) que pregava, entre outras coisas, o acesso de todos à escola. Diante dessas
análises, pode-se considerar que o Instituto de Educação era uma instituição destinada aos
melhores, os mais aptos e os mais capazes.
Talvez Orminda se adequasse a esse perfil que selecionava os melhores. Quem sabe
reunisse atributos que eram considerados valorosos dentro do magistério? É possível que sua
experiência, nas turmas de formação de professores, também tenha sido preponderante para que
permanecesse na instituição até a década de 1950. Segundo sua sobrinha-neta, ela sempre
trabalhou no Instituto, e ficou lá até se aposentar pela compulsória.
117
117
Os dados sobre o período da aposentadoria não foram encontrados. Os documentos que estavam no Instituto de
Educação se perderam com o passar dos anos. Os acervos públicos da cidade também não dispõem desta informação.
103
A disciplina de Prática de Ensino, ministrada por Orminda, certamente era muito
importante, não só em função do peso no currículo de formação de professores, como se pode
constatar nas muitas lembranças deixadas. Fosse pelas suas aulas de Prática de Ensino ou pelo
tratamento dedicados aos professores e aos funcionários e com às professorandas, estes
momentos ficaram gravados na memória das pessoas que estiveram em contato com ela. Este é o
caso de Stella Borges, uma ex-aluna do Instituto e professora da Escola Primária, por vinte e três
anos, que, aos oitenta e três anos, ainda tem em sua memória muitas histórias para contar sobre a
educadora:
A dona Orminda era severa e gostava de tudo bem feito. Era a mais idosa
de todos no primário. Ela era muito rigorosa (...) Era autoritária, mas
uma autoridade que mostrava competência. Ela envolvia todo mundo no
trabalho. Não era brusca, foi sempre muito meiga, isto eu sentia nela.
Mas, era uma pessoa muito exigente. Ela sempre foi muito exigente. Eu
nunca a vi dando “bronca” em um subalterno como a gente vê
atualmente. Hoje percebemos que algumas pessoas não sabem falar de
forma educada. Ela não, ela sempre foi muito educada e não falava alto,
falava bem baixinho e explicadinho, todo mundo a respeitava. (...) Ficava
na Escola Primária o dia todo, chegava de manhã e só saía no final da
tarde. A não ser quando tinha reunião com alguém importante. Sempre
ficava no gabinete, fiscalizava tudo e sabia tudo dos professores.
118
Mais do que suscitar uma prazerosa lembrança sobre Orminda, este relato traz pistas sobre
o modelo de professora que ela encarnava como professora de Prática de Ensino e diretora da
Escola Primária. Destaca, ainda, os adjetivos que reunia: seriedade, compromisso com o trabalho,
autoridade diante dos alunos. Talvez essas características tenham sido determinantes para que
Orminda ocupasse o cargo de professora de Prática, contudo é bem provável que estas aptidões
também fossem exigidas aos docentes das outras disciplinas.
A preocupação sobre o docente que iria ocupar esta cadeira era evidente. Tanto é que no
periódico Arquivos do Instituto, de 1934, é possível encontrar a definição para o exercício na
cadeira de Prática de Ensino. No tópico que levava o nome de Requisitos fundamentais para os
exercícios da matéria, o texto descreve que era necessário além do conhecimento geral e
suficiente dos programas anteriores, certas qualidades pessoais (...) domínio sobre si mesmo,
modéstia, tolerância, amor ao trabalho, espírito de cooperação e de ordem, curiosidade
Deste modo, as únicas informações disponíveis foram as fornecidas na entrevista realizada com a sobrinha-neta da
educadora em 25/05/2007.
118
Entrevista realizada em 21/05/2007, com Stella da Fonseca, formanda de 1937 e professora da Escola Primária por
vinte e três anos
.
104
intelectual e capacidade de discernimento para situações complexas (ARQUIVOS DO
INSTITUTO, 1934, p.358). É bem provável que a educadora reunisse todas essas características
em sua conduta e isto explica, em parte, ter sido escolhida para ocupar, não só a cadeira de
Prática de Ensino, mas também, outras disciplinas dentro da instituição.
Lourenço, no artigo Há uma vocação para o Magistério?, relaciona os atributos que
considerava importantes ao bom professor, dentre eles: (...) boa caligrafia, mudar rapidamente a
natureza do trabalho e adaptar-se sem dificuldade, cada vez, ao novo trabalho, saber pensar por
si, negar-se à sugestão e, ao contrário, saber sugestionar, saber comandar (...) (LOURENÇO
FILHO, s/d, p.18). Talvez para o educador Orminda estivesse à altura destas exigências.
Em que pese esta afirmativa, deve-se considerar que Lourenço foi um diferencial na
trajetória da educadora no campo educacional. Afinal, foi dele o convite para que ela ocupasse a
cadeira de Prática de Ensino. Supõe-se que esta solicitação tenha se dado em função da crença de
que a educadora pudesse contribuir com a formação de professores, pois estava habilitada para
desenvolver uma metodologia que (...) em vez de fórmulas, de receitinhas, de “aulas- modelo”,
(...) pudesse oferecer oportunidades para que se criassem, as atitudes necessárias ao verdadeiro
professor (...) (ARQUIVOS DO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO, 1945, p.39).
Pressupõe-se que foi na intersecção destes atributos que Orminda ganhou respeitabilidade
no seu trabalho como professora de Prática de Ensino e, além disso, que esta postura contribuiu
para que ela permanecesse durante a administração de Lourenço Filho como responsável pela
cadeira de Prática de Ensino, disciplina central na reforma anisiana.
A centralidade da Prática de Ensino é observada não só pelo seu desenvolvimento no
curso de professores, mas também pela preocupação da escolha do docente que iria ministrar a
disciplina, sendo importante que estes professores reunissem diversas características pessoais.
2.2.2. Uma metodologia para outras gerações
Supõe-se que o trabalho realizado por Orminda, e pelas outras professoras que
compunham o grupo de docentes que ministravam a disciplina de Prática de Ensino, tenha sido
um referencial para as gerações posteriores. Imagina-se que a metodologia desenvolvida na
disciplina, durante a década de 1930, tenha contribuído não só como modelo de trabalho, mas
também como referencial de formação de condutas das professoras que tomaram conta do
105
magistério nos anos seguintes. Essa assertiva ganha ênfase ao examinarmos o trabalho produzido
por docentes da Escola Primária, durante o período da administração de Orminda, que anos mais
tarde se tornaram professoras de Prática de Ensino na instituição. O livro Prática do Ensino
Primário foi elaborado pelas professoras Brisolva de Brito Queirós, Circe de Carvalho Pio
Borges, Josefina de Castro e Silva, Haydée Gallo Coelho e Irene de Albuquerque, professoras
que trabalharam na escola elementar no período em que Orminda desenvolvia seu trabalho.
Na apresentação do livro, as autoras destacam que o trabalho foi feito a partir de
questionários que eram baseados na metodologia adotada em 1934, na cadeira de Prática de
Ensino, quando Lourenço adotou o sistema de trabalho. Neste período, salientam as autoras, o
educador contou com a colaboração das professoras Alfredina de Paiva e Souza, Elvira Nizinska
da Silva, Matilde Cirne, Ondina Marques e Orminda Marques.
Mesmo salientando a fundamentação amparada na metodologia de trabalho da década de
1930, elas ressaltam que os livros sofreram mudanças, pois foram enriquecidos com o decorrer
do tempo, modificados pelos ditames da experiência e ampliados pelas própria evolução dos
métodos de ensino (QUEIRÓS et al, 1950, p.2).
A obra também mostra outros pontos de contanto com as preocupações dos educadores
aos quais elas fazem referência como, por exemplo, a sistematização do trabalho de Prática (op.
cit. p. 3). Talvez essa afirmativa traga indícios de que, tal como seus antecessores, elas também
mostravam a preocupação em tirar a Prática de Ensino dos limites da empiria e imprimir-lhe um
aspecto científico. Assim, segundo elas, a metodologia, que se amparava no uso de questionários,
foi a mais adequada para este objetivo, pois possibilitava melhor preparo da professoranda para
entrar em sala de aula.
É possível que a elaboração desta obra tenha surgido em função da crença das professoras
sobre o despreparo das professorandas em conduzir uma turma. A ex-aluna e professora da
Escola Primária, durante a década de 1930 e 1940, Judith Tranjan, que por um tempo esteve
responsável pela cadeira de Prática de Ensino, dá pistas sobre estas motivações:
Quando a Circe Pio Borges ficou doente eu tive que subir (a Escola
Primária ficava no térreo e a Escola de Professores no 3º andar) e fiquei
como professora de Prática de Ensino, era a turma de 1950. Elas não
sabiam nada, não sabiam nem como enfrentar uma turma. Eu me lembro
que logo teve uma aluna que me perguntou: Quando a gente se formar
como a gente vai chegar na frente de uma turma? Aí eu expliquei como
era, como não era. Eu dei atividade de Prática de Ensino de ditado e de
106
redação. Elas não tinham um pingo de noção do assunto.
119
Pode ser que tenham sido também estas constatações que moveram as autoras a elaborar o
livro, que se propunha a fornecer informações à aspirante para que pudesse lidar melhor com os
problemas que encontraria no cotidiano da escola. Na obra também havia um espaço reservado
para que elas relatassem as dificuldades durante o processo de formação, contudo o livro não se
destinava somente às professorandas do Instituto de Educação – o objetivo era difundir para
outras escolas normais a metodologia iniciada na instituição.
Talvez por este motivo apareçam em destaque, na folha de rosto, as informações de que
tratava-se de um diário de atividades da professoranda para uso das Escolas Normais e
Institutos de Educação (QUEIRÓS et al, 1950, p.1). O livro exibia a chancela de que eram
professoras do Instituto de Educação e também referendava os assuntos que a novata encontraria
na obra: orientação, questionário, sugestões, fichas de julgamento, jogos didáticos,
recomendações, esquemas, planos de aula e orientação geral (op. cit. p.2).
O trabalho proposto pelo livro era iniciado pelo preenchimento de questionários, que
auxiliavam as alunas a avaliar e a elaborar as atividades de Prática de Ensino. A estrutura de
apresentação, com questionários, seguia a mesma ordenação proposta pelos professores de
Prática da década de 1930, isto é, período de observação, participação e direção de turma.
Durante esse período da primeira atividade, ou seja, a fase de observação, as alunas dividiam-se
em grupos e ocupavam diferentes salas de aula. Esta etapa era dedicada, exclusivamente, ao
contato com as turmas. Segundo Vidal (1995), para este estágio, as alunas aprendiam, na cadeira
de Psicologia Educacional, técnicas de observação da atividade infantil. Segundo a autora, as
atividades eram apresentadas com exercícios práticos e com o auxílio de recursos
cinematográficos (p.98). Após essa observação, as alunas respondiam aos questionários e os
temas ali apresentados eram debatidos em grupos (op. cit. p.99). O objetivo dessa etapa era fazer
um reconhecimento geral de uma sala de aula, os modos de organização, o comportamento das
crianças, enfim, estreitar o contato da professoranda com o ambiente escolar.
Em pesquisa realizada no arquivo de Lourenço Filho, localizado no Centro de Pesquisa e
Documentação Contemporânea – CPDOC, foram encontrados os modelos dos questionários
utilizados para a avaliação de Prática de Ensino durante a década de 1930. Sob o título de
119
Entrevista realizada com a professora e ex-aluna Judith Tranjan, em 18/05/2007.
107
inquéritos, os questionários eram compostos de diversas perguntas, dentre elas destacam-se: 1)
Acha que os problemas oferecidos pela secção de Prática vieram realizar os estudos na seção de
Matérias sobre: a) Cálculo, b) Linguagem, c) Ciências Naturais, d) Estudos Sociais? Em caso
negativo, quais os problemas que lhe pareceram em divergência (...).
120
Para a resposta, a aluna
deveria justificar o que apontasse como negativo.
Outra pergunta vai ao ponto central dos objetivos alcançados pela disciplina: os exercícios
de Prática concorreram para mudar sua atitude de pensamento em relação aos problemas de
ensino? (idem, ibidem). A resposta da aluna Leonidra Cardoso Pinheiro, do 2º ano, traz pistas
sobre a avaliação das alunas sobre a disciplina: Os exercícios de prática concorreram para
mudar a atitude de pensamento em vários pontos: quanto ao modo de se motivar uma aula,
quanto à qualidade de disciplina escolar (...) quanto ao modo de dirigir uma turma (idem,
ibidem). Outra aluna, Maria Guilhermina, do mesmo ano, assinalava: (...) estes exercícios nos
permitem uma visão geral dos problemas de ensino de acordo com as concepções modernas (...)
(idem, ibidem). Em contrapartida, Lopes (2006), ao citar a entrevista com a ex-aluna Haydée
Gallo, realizado pela pesquisadora Diana Vidal (1995), mostrou que, em resposta ao inquérito
oferecido pela seção de Prática apenas em parte confirmavam os estudos feitos na secção de
Matérias de Ensino, pois os estudos de Cálculo, Linguagem e Ciências Naturais foram feitos do
ponto de vista mais teórico, afastando-se do objetivo principal – a aplicação da prática imediata
(p.116). Todavia, ela fez questão de afirmar que a disciplina mudou sua atitude em relação à
observação, atenção, crítica, precisão nos julgamentos e consciência dos julgamentos (op. cit. p.
116). Os depoimentos indicam que o trabalho realizado obteve êxito, tanto em relação à
metodologia da disciplina, quanto à utilização dos questionários.
É bem possível que as autoras do livro estivessem entre as alunas que consideravam
satisfatórios os trabalhos realizados na seção de Prática de Ensino. Tanto é que fundamentam o
desenvolvimento do livro neste trabalho. Certamente elas acreditavam nessa metodologia, afinal,
não correriam o risco de publicar algo em que não acreditassem concretamente, considerando-se,
principalmente, as dificuldades em se publicar livros em meados do século XX.
Assim como suas predecessoras, indicavam que, para a segunda etapa, isto é, para a fase
da participação, a aula deveria durar de 20 a 30 minutos. Nesse estágio, a metodologia propunha
a realização de atividades pelas professorandas. O tema do conteúdo a ser trabalhado era sugerido
120
CPDOC, Arquivo Lourenço Filho, rolo 6, fotograma 654.
108
pela professora regente da turma. A aula deveria ser organizada de modo a permitir que a aluna-
mestra lidasse bem com as eventuais situações surgidas durante a aula. As outras professorandas
assistiam a exposição da colega posicionadas ao fundo da sala, junto à professora de Prática. Elas
anotavam tudo o que viam e ouviam. Os questionários, que deveriam ser preenchidos no
momento da aula, continham perguntas sobre o desenvolvimento da exposição, do conteúdo e o
aproveitamento. Segundo Vidal (1995), o objetivo desta fase da disciplina era a inculcação de
hábitos de auto-crítica, pôr as professorandas em contato direto com as classes, em situações
estudadas, planejadas e controladas, de maneira a despertar-lhes a compreensão da marcha da
aprendizagem (p.100).
Nessa etapa, o roteiro de atividades previa a preparação do plano de aula, dividido nos
seguintes itens: unidade do plano, adequação ao nível da classe, assunto, precisão do assunto,
adequação do tempo disponível. A motivação também era fundamental no desenvolvimento da
aula. A professoranda deveria, segundo as autoras, estar atenta à qualidade e à quantidade dos
exercícios, assim como à adequação do material e sua utilização. Para essa fase, era prevista
também a avaliação quanto à reação da classe. Nesse critério era observado o interesse, a atenção
dos alunos, a disciplina e o aproveitamento da classe.
Para a terceira fase, os exercícios eram elaborados para que as professorandas estivessem
em contato direto com os alunos. As precursoras do método indicavam, para este período, tarefas
variadas; nele a aspirante deveria desenvolver habilidades que seriam fundamentais para seu
cotidiano em sala de aula. Essas atividades eram reservadas para o último trimestre do ano letivo,
quando as professorandas ficavam encarregadas pelas turmas durante três horas. A aluna-mestra
deveria também estar atenta à disciplina da turma e à correspondência com os pais, enfim,
deveria ser a responsável pelo grupo. A disciplina de Prática, nessa fase, substituía os
questionários por relatórios realizados pela aluna-mestra, por suas colegas e pela professora de
turma. O objetivo desse procedimento era fazer com que a aluna adquirisse a autocrítica de seu
trabalho e pudesse aprimorá-lo. As autoras do livro, por sua vez, continuavam utilizando
somente, os questionários.
Para a última etapa, tanto as precursoras quanto as autoras mantinham a utilização dos
questionários e faziam recomendações sobre o domínio da matéria, sobre os resultados
alcançados, sobre a verificação da aprendizagem, sobre a atitude dos alunos, sobre a participação
da família nas atividades, sobre a colaboração da comunidade, enfim, um exercício de avaliação
109
do trabalho desenvolvido.
Há de se indagar sobre os resultados desse trabalho realizado na década de 1930, por
Orminda e pelas outras professoras da cadeira de Prática de Ensino, que serviu de modelo para
outras gerações de professoras: pode-se considerar que todas estas etapas realmente preparavam
as jovens professoras para enfrentar as salas de aula? O depoimento da ex-aluna e professora
Judith Tranjan esclarece sobre esta questão. Segundo ela: quando eu saí do Instituto e fui dar
aulas em uma escola, que ficava muito distante, diferente do que eu conhecia, que era somente o
Instituto, eu senti muito. Mas, ainda bem que foi só um ano, depois eu fui convidada a voltar
para o Instituto, em função das notas que eu tive quando era aluna.
121
Tal depoimento parece
apontar para o fato de que, ainda que tenha sido uma metodologia inovadora, tanto em relação
aos procedimentos quanto à concepção da disciplina de Prática de Ensino, ela apresentava
problemas.
Por outro lado, é preciso salientar que mesmo mostrando falhas em sua aplicação, o
método desenvolvido na década de 1930 continuava sendo utilizado quase duas décadas depois –
o trabalho desenvolvido na seção de Prática durante este período, foi referência por um longo
tempo. Talvez esse mérito seja justificado pelo fato de que, nesse tempo, a disciplina saiu das
sombras da empiria e ganhou contornos cientificistas. Como ressaltado por Vidal (1995), a
Prática passava a ser uma atividade também científica, com procedimentos determinados, em
seqüência estabelecida por professores especialistas em harmonia aos interesses da escola
primária (...) e passava a ser disciplina nomeada como tal (p.98).
Assim, examinar esta obra – Prática do Ensino Primário –, na qual as autoras utilizaram-
se da metodologia de trabalho elaborada durante a década de 1930, contribui para a compreensão
de que o método foi referência durante vários anos.
É preciso indagar também como a análise do conteúdo destes livros traz informações para
a compreensão da trajetória de Orminda. Acredita-se que em função desse exame seja possível,
primeiramente, supor que o trabalho foi reconhecido por professores como uma metodologia que
apresentava resultados satisfatórios. Com isso, os educadores que participaram desse trabalho
também adquiriram respeitabilidade no meio educacional.
Por que ela ainda publicaria outros trabalhos como, por exemplo, a coleção de cadernos de
caligrafia Escrita brasileira? Imagina-se que, além da dedicação, da competência e da
121
Entrevista realizada com a ex-aluna e professora da Escola Primária Judith Tranjan, em 18/05/2007.
110
experiência, o fato de a educadora ocupar um cargo de destaque dentro da instituição pode ter
contribuído para que ela enveredasse para outros caminhos em sua carreira. Deste modo,
novamente recorrendo a Bourdieu (1983), pressupõe-se que os indivíduos são marcados pelas
posições que ocupam nas instituições, portanto, pode-se acreditar que a legitimação da educadora
no campo educacional esteja estritamente relacionada ao pertencimento da educadora à cadeira
de Prática de Ensino e à direção da Escola Primária. Não se pode também esquecer que ela
assumiu essas funções em um momento emblemático: a disciplina ganhava projeção no meio
educacional e a Escola Primária passava a ser o centro de experimentação da formação de
professores.
2.3. A disciplina de Leitura e Linguagem
O Decreto de nº 1.063, de 20.1.39, extingue a UDF, determinando também a transferência
dos cursos que funcionavam na instituição para a Universidade do Brasil – UB (MENDONÇA,
2002). Tal medida exclui o curso de formação de professores desse projeto, permitindo que o
Instituto de Educação voltasse a formar professores primários em nível secundário, ficando para
trás uma das ambiciosas propostas de Escola de Educação da UDF, que era a de formar
professores primários em nível superior.
Desta forma, presume-se que Orminda não tenha ido para a Universidade do Brasil; seu
trabalho continuou no Instituto de Educação. Acredita-se também que ela permaneceu na seção
de Prática de Ensino, após a extinção da UDF, e posteriormente assumiu a disciplina de Leitura e
Linguagem do Curso de Formação de Professores Primários (CFPP), nomenclatura utilizada a
partir de 1939. Ao sair da administração da Escola Primária em 1937, ela ficou estritamente
envolvida com o curso de formação de professores.
O tempo de duração do curso praticamente não se modificou: continuou a ser de dois anos
de formação na modalidade Normal, precedido pela Escola Secundária de seis anos, isto é, cinco
de fundamentação, mais um ano complementar (LOPES, 2007).
Nos anos de 1939-40, o programa de ensino era composto das seguintes disciplinas: 1º
ano: Biologia Educacional, Psicologia Educacional, História da Educação, Leitura e Linguagem,
Cálculo, Desenho, Música, Física e Estatística. E para o segundo ano de formação: Ciências
Naturais, Estudos Sociais, Filosofia da Educação, Educação Cívica, Desenho, Canto Orfeônico,
Educação Física, Prática de Ensino (LOPES, 2007).
111
Essa composição ajudar a entender que, mesmo com as modificações ocorridas por
extinção da UDF, a educadora continuou a ministrar matérias no curso de formação de
professores. Cabe indagar como teria sido o trabalho da educadora na disciplina de Leitura e
Linguagem. Quais eram seus objetivos? Buscar estas respostas ajuda a interpretar o trabalho de
Orminda como professora, sua atuação, as orientações às professorandas, enfim, sua metodologia
de trabalho em sala de aula.
Com este objetivo, esta análise volta-se para os materiais doados pela família da
educadora ao CEMI, isto é, os livros elaboradas pelas alunas da educadora para a avaliação final
da disciplina de Leitura e Linguagem no final do ano de 1939.
2.3.1. Livros para crianças
Se alguém nos dissesse, há um mês que haveríamos de escrever, ainda
este ano, um livro para crianças, ter-lhe-íamos respondido com um
sorriso de incredulidade. Tal trabalho, delicado e difícil, mesmo para
aqueles que vivem ao lado da criança, estudando-as e educando-as,
parecia-nos impossível a quem até então, só tivera contacto com ela
teoricamente, através da experiência de outrem.
122
Com estas palavras, as alunas da turma 111 do Curso de Formação de Professores do
Instituto de Educação abriram a apresentação da obra O livro de Branca de Neve, que
compuseram para a avaliação final da disciplina Leitura e Linguagem. Outras três turmas também
apresentaram os seus trabalhos: turma 112, com o título Fifi e sua história; 113, A vida de Lili; e
as professorandas da turma 114, Os nossos amiguinhos.
Os livros foram elaborados com técnicas de caligrafia muscular, pois, segundo a
educadora, a utilização desse tipo de letra apontava vantagens em relação à melhora das
condições de higiene, a rapidez da escrita e maior uniformidade (MARQUES, 1950, p.71).
Talvez sua intenção em orientar as professorandas para que fizessem uso desse método tenha se
dado em função da crença de que a caligrafia muscular também ajudava as crianças a vencer as
dificuldades da leitura e da escrita. As orientações, porém, não se encerram nesse aspecto nas
análises dos trabalhos, observa-se que elas também se referiam à elaboração de histórias, nas
quais existia coerência entre o texto narrado e as imagens. Nota-se, por meio desta conjunção, a
intenção de passar ensinamentos às crianças tanto pelas imagens, quanto pela construção do
122
Retirado do livro elaborado pela turma 111, em finais de 1939.
112
texto.
Qual a finalidade de Orminda em propor este tipo de trabalho? Possivelmente seu objetivo
fosse de que as histórias, tanto pela escrita, quanto pelo desenho, contribuíssem para inculcar
bons exemplos para a vida do pequeno, criando frases e ilustrações que auxiliavam na formação
moral da criança. Pode-se dizer que existia um desejo de aproximação entre a boa escrita e a
orientação moral. É possível que a educadora considerasse importante que as histórias fossem
elaboradas com este tipo de preocupação. Essa recomendação parece estar afinada com os
pressupostos escolanovistas, que propunham a formação integral da criança e a preparação para a
vida. Enfim, pode-se supor que a educadora, ao orientar a elaboração dos livros, tinha a intenção
de modelação da natureza infantil. Para ela:
Outrora, a concepção de ensinar e aprender referia-se especificamente ao
trabalho de memória. Hoje encaramos a aprendizagem, de modo mais
amplo, como modificação de comportamento, isto é, como toda
aquisição de idéias, sentimentos ou habilidades, que importe em
modificar a maneira de agir. Ensinar será, em conseqüência, reunir e
dispor boas condições para que a criança modifique seu modo de agir
(MARQUES, 1950, p.20).
Essas palavras expõem as preocupações de Orminda, pois ela considerava que somente
por meio da mudança de comportamento é que ocorreria a aprendizagem. Nas obras das alunas-
mestras essa preocupação evidenciava-se, seja pelas sugestões de comportamentos desejados ou
pelos valores sociais, morais e afetivos. Também no que diz respeito à construção do texto,
estava presente a intenção de formar a natureza da criança, exemplificando, na frase que faz parte
do livro Fifi e sua história, as autoras informavam: Na escola êle (o coelho) é muito estimado
pelos colegas e pelo professor. Como toda pessoa estudiosa, Fifi foi recompensado.
123
O trecho
apontava a preocupação de informar às crianças que o aluno aplicado alcançaria êxito no futuro.
As concepções escolanovistas, presentes nos livros, como citado anteriormente, fazem
parte da crença que tomou os debates sobre educação nas décadas iniciais do século XX, e que
sustentam os estudos da escola renovada: a idéia de que a escola seria o alicerce para a formação
dos futuros cidadãos. Educadores e intelectuais acreditavam na contribuição da educação para a
constituição do país como nação e concebia-se que a escola era o trampolim para que o país
ingressasse no futuro, sendo necessário investir na criança.
123
Esta frase faz parte do livro Fifi e sua história, elaborado pela turma 112 em 1939.
113
A educação, portanto, passava a mover as preocupações de diversos educadores deste
período. O educador francês Edouard Claparède (1951) afirmava que o educador, muito ao
contrário de procurar transformar a criança em adulto, deve, em vez disso, deixar que as
atividades próprias da criança se expandam (...) é preciso estudar essas manifestações da
criança e a elas conformar a ação educativa (1951 p.164). A criança assumia, assim, a
centralidade no processo educativo, necessitando-se, então, que os conteúdos escolares fossem
elaborados em função do interesse infantil. As histórias, os exercícios, as práticas metodológicas,
enfim, tudo se voltava para esse objetivo.
Talvez com as ambições de preparar, informar, propor novas tecnologias, é que Orminda
tenha proposto às suas alunas uma diversificação na elaboração dos livros. Ela passa a orientar a
confecção de algumas partes das histórias com a máquina de escrever. Assim, os livros eram
produzidos parte com caligrafia muscular, em outros trechos com letra mecanográfica, e, ainda, a
imitação da letra de máquina. É possível que seu objetivo fosse de familiarizar os leitores com os
diversos tipos de escrita. Deste modo, o aluno, ao mesmo tempo em que recebia aconselhamentos
sobre seu comportamento, também estreitava o contato com diferentes grafias.
Essa preocupação de Orminda na orientação da elaboração dos livros mostra que o aluno
tornava-se o centro do processo educativo e que todas as ações pedagógicas estavam voltadas
para ele: os exercícios, as condutas pedagógicas, as metodologias, as temáticas das histórias,
tudo se transformava. Afinada com essa concepção, Orminda orientava as alunas para
promoverem o contato com variadas formas de escrita, e também para criarem um texto que fosse
de interesse da criança. Talvez em função disso é que na obra, A vida de Lili, seja possível
observar o cotidiano da criança incorporado às histórias: Lili é uma boa menina, ela escova os
dentes todos os dias (...) Lili respeita sua avó.
124
Por intermédio do texto, o pequeno leitor
entrava em contato com uma gama de temas que fazia parte do universo infantil como, por
exemplo, a higiene pessoal e o respeito aos mais velhos e se reconhecia como protagonista da
história.
Não é possível afirmar que a escolha dos temas para as histórias partiram de sugestões de
Orminda, contudo elas são diversificadas e abrangem quase que a totalidade dos assuntos que
circundavam a infância: higiene, bom comportamento, valores sociais, morais e afetivos,
condutas, o cotidiano escolar, ou seja, questões que ajudavam a criança a retirar do texto lições
124
A frase compõe o livro A vida de Lili, elaborado pela turma 113 em 1939.
114
úteis para sua vida.
O livro de Branca de Neve traz a narrativa da famosa história de Branca de Neve, com
ênfase para o final, em que as autoras informam ao pequeno leitor que a inveja da madrasta para
com a moça não havia sido recompensada, portanto, este não era um bom sentimento. Havia uma
intenção na elaboração da história em aconselhar sobre a forma que a criança deveria lidar com
as suas emoções incutindo valores positivos, com a finalidade de preparar o aprendiz para a boa
convivência na escola e na vida.
Em outra obra, intitulada Os nossos amiguinhos, a história de crianças que têm bichos de
estimação em suas casas toma conta da narrativa. As autoras informam que os pequenos cuidam
com zelo e carinho dos seus bichinhos. Aparecem, ainda, informações sobre as utilidades dos
animais, tais como alimentação e o aproveitamento como meio de transportes. Esta parecia ser
mais uma intenção de modelar o comportamento da criança através das sugestões sobre os
cuidados com os animais e novamente incutir valores positivos.
No exemplar Fifi e sua história, encontramos a narrativa sobre as estripulias de Fifi, um
simpático coelhinho que se comporta como uma criança. Como forma de aconselhar os pequenos
leitores, a história apresenta uma problemática que é a preguiça de Fifi em ir à escola, resolvida,
naturalmente, com um final feliz. Em meio a brincadeiras com os amigos da floresta, ele encontra
dificuldades em participar por não saber ler. Cansado do entretenimento, o pequeno coelho
adormece e tem um sonho. Em seu devaneio, vislumbra que está em uma escola, com um
professor simpático, porém enérgico. Ao despertar, Fifi decide que passará a se dedicar aos
estudos e quer ser um professor, igual ao que apareceu em seu sonho.
Ao analisar a história que envolve o pequeno coelho, percebe-se que o texto informava ao
leitor que os resultados satisfatórios para a vida viriam por meio da dedicação à escola e aos
estudos. Implicitamente ficava a mensagem de que o êxito era alcançado por quem aos estudos se
dedicava, e que, do contrário, estaria fadado ao insucesso. O texto também evidencia o
deslumbramento do pequeno coelho em relação ao magistério, na verdade, proposto como lugar
de ascensão social, insinuando que o exercício da profissão conferia distinção.
É preciso destacar que as histórias elaboradas pelas alunas de Orminda têm um modelo
único, isto é, são imbuídas de valores morais, com narrativas carregadas de intenção de
modelação de comportamento, parecendo querer formar uma criança singular: estudiosa,
bondosa, comportada na escola, obediente, enfim, não havia espaço para as peculiaridades
115
comportamentais. Aquele era o modelo a ser imitado. É bem possível que ela, como os
educadores de sua época, acreditassem que esse modelo era o adequado, o perfeito. Pode-se
dizer, então, que como professora da disciplina de Leitura e Linguagem orientava suas alunas a
elaborarem histórias que auxiliassem na formação moral dos pequenos leitores.
Nas ilustrações do livro Fifi e sua história pode-se observar, pelas imagens, o modo que
as futuras educadoras elegeram para passar os ensinamentos a respeito da escola e do
comportamento infantil. Elas retratam alunos com boa educação nas brincadeiras infantis, na
entrada para a escola e na sala de aula.
Capa do livro Fifi e sua história.
confeccionado pela turma 112.
Arquivo do CEMI.
116
Arquivo do CEMI. Ilustrações do livro Fifi e sua história,
confeccionadas pelas alunas da turma 112
.
Ao observarmos estas ilustrações fica a impressão de que tudo transcorria
harmoniosamente no ambiente escolar. Não há conflitos aparentes, desorganização ou cenas
grosseiras – o professor mantém a ordem e a disciplina. Pode-se dizer que as imagens feitas a
nanquim e a lápis de cor parecem retratar o cotidiano da escola durante aquele período.
Pela ilustração, observa-se também a figura do professor, que aparece muito bem vestido,
de terno e gravata, vestimenta utilizada por pessoas importantes, em ocasiões especiais. Note-se
que sua figura é central nos desenhos, e todas as ações convergem para ele, insinuando sua
posição de destaque no cotidiano escolar.
Também denuncia o modo como era organizado o espaço escolar, isto é, os alunos
sentados lado a lado e o professor à frente da classe, evidenciando a como os educandos e o
mestre se distribuíam na sala de aula. Cabe ressaltar que essas imagens não eram escolhidas
aleatoriamente, ao contrário, elas estavam a serviço de uma intenção maior, que era a de auxiliar
na formação das crianças. Pode-se afirmar que a escolha por uma história que pudesse ser
ilustrada com cenas que passassem bons exemplos para a criança é um ato arbitrário, pois tem
intenção de moldar o comportamento da criança pela leitura e pela imagem.
Esse objetivo encontra convergência com a editoração dos cadernos escolares, ou seja, a
117
associação entre a imagem e a escrita, reforçando os valores morais, formativos e informativos.
Em análise das imagens exibidas na capa e na contracapa dos cadernos da coleção Cívica da Casa
Cruz, Mignot (2006) destaca que
as biografias edificantes publicadas na contracapa dos cadernos (...)
deixam entrever a importância que se creditava à necessidade das futuras
gerações conhecerem as vidas de determinados vultos históricos. Isto
fazia parte da formação moral, formação essa que não se esgotava nos
ensinamentos, transmitidos na sala de aula, inspirados na exemplaridade
educativa creditada ao desempenho do próprio professor (p.3).
A autora mostra que expor vultos cívicos em capas de cadernos vai muito além de ser um
ato meramente ilustrativo, para ela, havia a intenção da modelação do comportamento que
extrapolava as regras das aulas, chegando também aos cadernos escolares. Parece-nos que tanto
esses livros, quanto cadernos, foram utilizados por educadores para conformar o comportamento
das crianças.
Mas que elementos esta materialidade traz para construirmos uma interpretação sobre
Orminda? Primeiramente, supõe-se que a análise ajude a compreender que a educadora, como
tantos outros de seu tempo, considerava importante que os livros elaborados por suas alunas
orientassem os pequenos leitores sobre bons hábitos e boas atitudes em suas vidas, servindo,
também ao trabalho da escola e do professor. Orminda parecia acreditar que esses materiais
contribuiriam na formação dos pequenos leitores. Talvez, diante desse propósito, tenha orientado
que, nos livros, também aparecessem situações conflituosas do cotidiano da escola:
- Meninas, tenham atitude na sala de aula. Durante a aula não se faz
barulho. Papagaio e Tucano, não conversem. Digam em côro: quanto é
2+2? Muito bem! Todos acertaram: tudo depende da atenção.
125
Mais do que expor o cotidiano da sala de aula, essas situações pareciam ter a intenção de
criar uma leitura prazerosa, trazendo situações comuns do dia-a-dia das salas de aula. Era preciso
aproximar a criança do conteúdo do texto. Para Orminda, provavelmente, a melhor saída era que
os pequenos se reconhecessem na história; sua estratégia era a de propor situações familiares aos
leitores. Certamente esses procedimentos eram muito simples para ela, pois conhecia os conflitos
de sala de aula, os problemas com os quais as professoras se deparavam ao lidar com alunos. A
longa experiência no magistério permitiram-lhe conhecer a alma infantil e saber os atalhos para
125
Frases do livro Fifi e sua história,elaborado pela turma 112, em 1939.
118
chegar aos objetivos.
Pela análise desta materialidade, pode-se concluir que Orminda se mostrava uma
professora atenta ao orientar suas alunas na elaboração dos livros, propondo textos, realmente
úteis, tanto para alunos, como para os professores. Talvez seu desejo fosse de que essas obras não
ficassem empoeiradas nas estantes escolares e, ao contrário fossem freqüentemente utilizadas.
É bem provável que esses conhecimentos que permitiram-lhe orientar suas alunas tenham
sido permeados pelos contatos com debates educacionais existentes nos primeiros anos do século
XX, nos quais discutia-se o auxílio da Psicologia para resolver os problemas da educação. Tais
discussões fundamentavam-se na crença da modelação do comportamento infantil para a
resolução dos problemas sociais. Acreditava-se que os conhecimentos psicológicos ajudavam a
compreender a problemática infantil, então, investia-se na formação da criança, como garantia da
construção de um país melhor, de uma nação melhor, com homens e mulheres habilidosos em
lidar com os desafios do novo século,ou seja, a modelação do comportamento da criança era
justificada pelos ideais da reconstrução nacional. É possível que Orminda estivesse embevecida
por essas concepções ao propor a suas alunas que elaborassem histórias com o objetivo de moldar
a natureza infantil de acordo com os valores socialmente desejáveis.
O trabalho obteve êxito. Quatros exemplares escritos por suas alunas foram enviados para
a Secretaria-Geral de Educação e Cultura – Comissão de Livros, órgão criado na gestão do
ministro da Educação Gustavo Capanema, em dezembro de 1939. Como descrito pela lei de sua
criação, no art. 12 do Capítulo 2, a Comissão tinha entre os seus objetivos fiscalizar a qualidade
da elaboração do livro didático, estimular a produção de compêndios (...) ajudar a organização
de bibliotecas infantis e juvenis (...), indicar livros didáticos estrangeiros (...) promover
periodicamente a organização de exposições (...). Esse órgão fiscalizador apresentava finalidades
mais amplas do que a extinta Comissão de Literatura Infantil, que teve seus propósitos limitados,
por estar restrita à fiscalização de obras destinadas às crianças até 13 anos. Ao contrário, o novo
órgão, propunha-se atuar de forma mais abrangente, fiscalizando obras para todas as idades.
Os trabalhos das professorandas tiveram um parecer favorável na Comissão do Livro,
recebendo também elogios e ganhando recomendação para publicação, mas o órgão mostrava
rigor e empenho na fiscalização das obras. Por menor que fosse o detalhe ou a imperfeição, tudo
era sinalizado. As marcas deixadas pelo parecerista testemunham neste sentido. Há nas obras
marcas deixadas com lápis de cor vermelha, certamente, no intuito de chamar a atenção à
119
incorreta utilização da caligrafia, das deformidades e das incoerências dos desenhos. Frases
assinaladas nos cantos dos livros indagam aos autores e ilustradores sobre os possíveis
descompassos entre a escrita e os traçados.
Ao que tudo indica, ainda que do parecer não conste assinatura, é provável que a avaliação
tenha sido realizada sob a orientação da professora Maria Junqueira Schimit e Carneiro Leão,
responsáveis pela fiscalização dos livros do ensino primário. Este parecer favorável, dado por
estes educadores, depõe a favor do trabalho das professorandas e imprime respeitabilidade ao
trabalho de Orminda.
É preciso indagar como esses livros nos ajudam a interpretar a atuação de Orminda como
professora de Leitura e Linguagem. Estar envolvida na elaboração de obras reconhecidas por um
órgão oficial teve alguma importância para a carreira dela? Em princípio, para que esta
materialidade possa trazer pistas sobre a educadora, deve-se pensar qual o significado dos livros
para o tema da reconstrução nacional. Acreditava-se que o livro podia auxiliar na cura das
ignorâncias sociais. É deste período a frase célebre de Monteiro Lobato – um país se faz com
homens e livros (1932, p. 45) –, mostrando a importância destes no contexto da reconstrução
nacional.
Mais do que o valor socialmente creditado às obras literárias, os livros elaborados pelas
alunas da educadora receberam um parecer favorável para a publicação de um órgão oficial. Este
documento traz indícios de que o trabalho de Orminda foi reconhecido por um órgão com
credibilidade no meio educacional. Indica, também, que as obras podiam ser disseminadores dos
conhecimentos considerados importantes para a educação das futuras gerações, tanto é que são
recomendadas para publicação. Mostra ainda que o reconhecimento ao trabalho da educadora
extrapolou os limites do Instituto de Educação, chegando a ser legitimado por profissionais de
outras áreas.
Por outro lado, deve-se considerar o local em que Orminda realizava suas atividades
profissionais. Ela fazia parte do corpo docente de uma instituição que, reconhecidamente, recebia
a chancela de ser uma escola que se destacava no meio educacional pelo tipo de trabalho que
desenvolvia (LOPES, 2007). Talvez, pertencer a esta instituição tenha sido um fator importante
para que Orminda tivesse seu trabalho certificado pela Comissão de Livros, contudo é evidente a
qualidade dos trabalhos, tanto em relação aos critérios de elaboração do texto, quanto à
apresentação das imagens e à escolha dos temas. Toda essa organização parece denunciar a
120
orientação de uma professora cujo objetivo era capacitar suas alunas para formar as novas
gerações, incutindo-lhes, através das leituras, noções de hábitos e higiene, de convivência social,
do valor da escola, enfim, noções que possibilitassem os pequenos a lidar da melhor forma com
os desafios que encontrariam na vida adulta.
Nas obras são encontrados vestígios de uma educadora que, em sintonia com o seu tempo,
preocupava-se em ensinar a suas alunas que a escola deveria estar a serviço da vida. Uma
educadora experiente, que conhecia a alma infantil e sabia como atingi-la. Esta gama de
conhecimentos e a vasta experiência também assinalam traços de uma educadora limitada, talvez
pelo contexto social em que vivia, por não propor um trabalho que pudesse ajudar as crianças a
conhecer outras realidades diferentes das que vivenciavam no seu dia-a-dia.
121
Orminda, uma jovem senhora. Data provável: início da década de 1950.
Arquivo da família.
122
3. Uma professora-autora: as preocupações com a caligrafia
e com o comportamento infantil
A trajetória de Orminda no campo educacional é marcada pela autoria de trabalhos sobre
educação. Os temas dessas publicações podem ser divididos em dois blocos: um, cujo assunto diz
respeito às prescrições sobre o comportamento infantil, destinada a professores; e o outro, com
estudos sobre a aquisição da bela letra. O primeiro trata-se de uma publicação desmembrada em
duas edições da Revista Educação, da Associação Brasileira de Educação – ABE, em 1939, com
o título A psicologia individual e a escola. O segundo tema foi tratado em diferentes publicações.
Primeiramente, em 1934, como informado pela educadora, o artigo Contribuição para o ensino
da escrita nas escolas primárias foi publicado na edição inaugural do periódico Arquivos do
Instituto.
126
Segundo ela, ainda com o mesmo título, o estudo foi apresentado novamente em
1936, na mesma revista.
Ao apresentar a publicação de 1936, Orminda assinala que a primeira edição
127
foi
dedicada ao estudo do problema da caligrafia na escola primária, em geral, e particularmente,
na escola renovada (MARQUES, 1936, p.233). Ela também informa que, nessa primeira edição,
foram apresentados os resultados dos estudos realizados, em 1933, com os alunos da Escola
Primária do Instituto de Educação, utilizando técnicas de caligrafia muscular. Aponta também
que o exemplar de 1936 trazia a continuação do trabalho nos anos de 1934 e 1935, indicando
ainda, comentários em relação ao desenvolvimento dos alunos na execução das tarefas
apresentadas.
Esses estudos, desenvolvidos pela educadora com caligrafia muscular, consistiam em, por
exemplo, verificar o tempo gasto pelos alunos do 4º ano para escreverem alguma frase ou palavra
que ela solicitasse. O progresso da escrita seria avaliado em função dos padrões de medidas que
fundamentavam o trabalho, tais como, velocidade do tempo de escrita, legibilidade, espessura e
126
Orminda Marques não foi à única professora a publicar nesta revista. Outras professoras da Escola Primária
também tinham seus estudos publicados no periódico. O exemplar de 1936 trazia, também, os artigos das professoras
Helena Mandroni – Como ensinei a ler uma classe forte e o da professora Nair Vianna Freire – Como ensinei a ler
uma classe fraca. Encontramos, também, neste mesmo periódico, trabalhos de professores de outros segmentos do
Instituto, como por exemplo, dos professores do ensino secundário Carlos Werneck – O ensino da História natural
na escola secundária, e o do professor Adalberto Menezes de Oliveira – O ensino de Física na escola secundária.
Há também os artigos das professoras da Escola de Professores, Alfredina de Paiva e Souza – O ensino da
Matemática na escola primária, e o da professora Maria dos Reis Campos – Execução de um projeto. Os trabalhos,
assim como o de Orminda, constavam de relatos do desenvolvimento das atividades e dos resultados alcançados nas
pesquisas realizadas na instituição.
127
Esta edição não foi encontrada.
123
inclinação da letra. Assim, a publicação de 1936 mostra como ao longo dos anos de 1934-5, a
escrita das crianças se modificou
128
em função das atividades realizadas na Escola Primária.
Fundamentada nesse trabalho, ela elabora o livro A escrita na escola primária, com a
primeira edição em 1936 e reedição em 1950. A obra trazia um prefácio assinado pelo educador
Lourenço Filho, e pertencia à coleção que levava o título Bibliotheca de Educação, organizada
pelo mesmo educador. Entre as décadas de 1940-50, a educadora publica as coleções de cadernos
de caligrafia Brincando com lápis: trabalho preliminar da série Escrita brasileira e Escrita
brasileira, destinado a crianças do ensino elementar.
Muito provavelmente, o interesse desta educadora em publicar textos sobre caligrafia
tenha surgido em função das atividades desenvolvidas por ela, suas professorandas e seus alunos
da Escola Primária do Instituto de Educação, que utilizaram, de forma experimental, exercícios
de caligrafia muscular para testar técnicas de boa escrita. Como justificado pela educadora,
porém, o desejo em desenvolver o trabalho de experimentação surgiu a partir da constatação
prática, como professora e como diretora da Escola Primária, de que as crianças do ensino
elementar e, até de outros graus de ensino, escreviam com letras muito ruins. Ela acreditava que o
elemento desencadeador desse quadro foi o progresso da humanidade, seus inventos, os novos
meios mecânicos da escrita, como a tipografia, a máquina de escrever, [que] representa [ram],
por certo, condições de decadência da boa escrita (MARQUES, 1950, p.11), ocasionando,
assim, o desinteresse dos alunos por uma boa letra manuscrita.
Há de se considerar, no entanto, uma diferenciação nos textos do segundo bloco apesar de
versarem sobre um único tema. O artigo, publicado na revista Arquivos do Instituto, expõe os
resultados do trabalho desenvolvido pela educadora. Nele, ela revela o número de alunos que
participaram dos experimentos, o quantitativo de questões dos exercícios sobre a escrita, o tempo
para o desenvolvimento do estudo, enfim, os resultados de sua pesquisa. O livro apresenta
também dados analisados no periódico, entretanto, trata-se de um estudo bem elaborado sobre o
desenvolvimento dos experimentos de caligrafia muscular e da escrita. Já a coleção de cadernos
traz exercícios de escrita para a aquisição de uma boa letra.
Desencadeadores de todos os trabalhos que a educadora elaborou no campo da caligrafia,
os experimentos de caligrafia muscular foram elaborados com técnicas de escrita que tinham
128
Orminda afirma que os trabalhos de pesquisa em relação à escrita estenderam-se também a outras escolas do
Distrito Federal (MARQUES, 1950).
124
como princípio básico o ritmo, que no ato de escrever coordena e controla os movimentos
musculares necessários. É da harmonia desses movimentos que depende uma escrita legível e
rápida (MARQUES, 1929, p.231). Assim, os exercícios fundamentavam-se, basicamente, na
fisiologia dos movimentos de escrita. Nas palavras de Mr. Anderson, que segundo Orminda foi
propulsor da metodologia
129
no Brasil (idem, ibidem), tratava-se de um methodo de escrever que
emprega[va] o musculo do ante-braço, deixando a mão livre para escorregar sobre o papel
(ANDERSON, 1929, p.231). Aliás, esta peculiaridade permitia tanto ao aluno destro, quanto ao
canhoto, a perfeita utilização das técnicas, pois a mão escorregando sobre o papel evitava que não
borrasse a tinta ao escrever. Imaginam-se as dificuldades enfrentadas por alunos canhotos em
manusear a pena metálica molhada com tinta, ao mesmo tempo em que, deveriam cuidar para não
apoiar o antebraço sobre o papel.
Mas quais teriam sido as motivações da educadora para a elaboração desses trabalhos? Por
que Orminda, uma professora, lança-se nesta tarefa de se tornar autora? Será que os espaços
130
aos quais ela pertenceu foram determinantes para essas escolhas? Será que neles havia
preocupações com a escrita e com o comportamento infantil?
3.1. A escrita na escola primária: uma obra para professores
Na obra A escrita na escola primária, destinada aos professores do ensino elementar, a
autora sinaliza a preocupação com o problema da escrita, informando que seria por intermédio da
ciência que as soluções seriam encontradas. Avaliando suas palavras, é nítida sua percepção para
essa questão:
Pensava-se em outros tempos, (...) que para aprender basta repetir (...) A
repetição seria o sêgredo fundamental da aprendizagem. Os pacientes
estudos da psicologia moderna demonstram, porém, que a repetição será
causa necessária, mas não suficiente (...) Na verdade, nem tudo que se
repete é aprendido, e o próprio caso da escrita demonstra que as crianças
não aprendem a escrever melhor, nem mais rápidamente, se os exercícios
(...) não forem organizados de modo a atender as causas reais da
aprendizagem (MARQUES, 1950, p.22).
129
Como ressaltado anteriormente, Orminda não foi a propulsora do método de caligrafia muscular no Brasil.
Segundo ela, a primeira experiência deu-se em São Paulo, em 1926, com o deão do Curso Comercial do Mackenzie
College, o professor Alfredo A. Anderson. No entanto, a educadora foi pioneira da utilização da caligrafia muscular
no Rio de Janeiro.
130
Refiro-me aos espaços de sua atuação pedagógica.
125
Para Orminda, não bastava que os movimentos de repetição fossem realizados
incansavelmente; concomitante a esse processo, era necessário que o aprendiz apresentasse
condições motoras e psicológicas para o desenvolvimento das atividades. Por este motivo, a
metodologia exposta na obra é apresentada gradualmente e com exercícios elaborados para cada
etapa de ensino.
As análises, os passos para a aplicação do método e as sugestões para elaboração de aula
fazem parte do livro, que conta com 165 páginas, e tem encadernação do estilo capa dura.
Segundo Monarcha (1997), a primeira publicação contou com a tiragem de 3000 exemplares (op.
cit. p.53). Os capítulos são distribuídos entre os seguintes assuntos: A escrita na Escola Primária,
em que a autora apresenta os problemas relacionados à escrita no ensino elementar; A escrita e
seu desenvolvimento, que trata de um estudo sobre o aparecimento da escrita e sua utilização
como signo de comunicação; Uma experimentação com o ensino da escrita muscular, que
apresenta os resultados com os experimentos realizados entre os alunos. As sugestões para planos
de aula do 1º ao 5º ano do ensino elementar pertencem ao capítulo Desenvolvimento de um
programa, em que também é disponibilizado ao leitor o passo-a-passo da metodologia em cada
etapa do ensino. O último capítulo destina-se a Verificação do rendimento do ensino e nele são
expostos os métodos de avaliação do trabalho com caligrafia muscular.
Capa do livro A escrita na escola primária.
126
O livro corresponde ao volume 26 da Bibliotheca de Educação, organizada por Lourenço
Filho, coleção esta que começou a ser elaborada em 1927, em São Paulo, e estendeu-se até
1970
131
, com 37 obras e inúmeras reedições (CARVALHO e TOLEDO, 2004). As publicações
foram elaboradas com o objetivo de levar aos professores assuntos poucos explorados no
mercado editorial. Como salienta Monarcha (1997), as obras vão ao encontro das disciplinas que
passaram a fazer parte do Curso de Formação de Professores, elaborado por Fernando Azevedo,
em 1933, para o Estado de São Paulo. Para ele, o trabalho difundiu uma cultura considerada, na
época, atualizada e necessária à formação profissional dos professores, a coleção contribui para
a fixação e popularização dos termos e noções fundamentais dos campos de conhecimentos
emergentes (op.cit. p.38).
Há de se considerar o sentido de elaboração deste material que; para Lourenço, a melhor
definição seria de uma coleção que se destinava a tratar a mesma questão, no caso, a renovação
educacional, sob variados aspectos.
132
Pressupõe-se que a divulgação desses trabalhos pode ser remetida ao movimento
escolanovista de renovação educacional, que se expandiu no país no final dos anos de 1920 e
início da década de 1930, em que houve um expressivo aumento da escolarização, seguido pelo
aumento do quantitativo de vagas nas unidades escolares e uma valorização do saber escolar. Em
função disso, fez-se necessário que professores buscassem novos estudos no âmbito de atuação
pedagógica, ocasionando um aumento na editoração de obras. Essa movimentação gerou a
descoberta que publicar livros no Brasil é um bom negócio, [então] as coleções se multiplicam,
produzindo leitores, prescrevendo-lhes modos de ler, e inventando, assim, o seu público
(CARVALHO e TOLEDO, 2004. p.3). Monarcha (1997) assinala que este movimento pode ser
caracterizado como um esforço no sentido de apresentar a educação renovada – sinônimo de
131
Segundo Monarcha (1997), a organização da Coleção pode ser dividida em três períodos. O primeiro vai de 1927-
30. Segundo o autor, trata-se da fase áurea da coleção (op.cit. p. 29). Para ele este período corresponde aos anos de
organização e impacto do projeto editorial (idem, ibidem). Como o autor evidencia, nesse período foram publicados
12 títulos, entre eles traduções de autores europeus e norte-americanos. A segunda fase, 1931-41, é caracterizada
pelo autor como período de rotinização e ampliação do projeto editorial. No entanto, ainda que continuasse a ser
tratada como um projeto paulista, a coleção incorpora, também, autores de outros estados (idem, ibidem). A partir da
década de 1940, segundo o autor, houve um abrandamento em relação aos assuntos apresentados anteriormente.
Nesse período algumas obras são reeditadas.
132
Monarcha (1997) informa que durante esse período outras coleções também foram organizadas. Dentre elas, pode-
se destacar a Coleção Pedagógica, da Editora F. Briguet, Atualidades pedagógicas, da Companhia Editora Nacional,
entre outras. A esse respeito, ver: MONARCHA, Carlos. Lourenço Filho e a Bibliotheca de Educação. In: ________
(org). Lourenço Filho: outros aspectos, da mesma obra. Campinas, SP: Mercado da Letras, 1997, p. 13-27.
127
força e novidade intelectuais – como fato a ser reconhecido, com o fim de reorientar modelos de
formação de uma profissão de base intelectual: o magistério (op. cit. p.32).
A partir dessas análises, percebe-se que tanto a obra A escrita na escola primária, como
os demais livros que compõem a coleção, são elaborados com temas voltados para o
aperfeiçoamento pedagógico de professores e professorandas. As similaridades, entretanto,
parecem findar-se nesses aspectos. O livro de Orminda traz algumas diferenças em relação aos
padrões de formatação da coleção. Conforme Carvalho e Toledo (2004), os livros editados na
primeira fase das publicações, 1927-40, são apresentados em tamanho pequeno e traziam na capa
desenho em estilo francês. A editoração era feita em brochura, no intento de baratear a fabricação
da obra e se tornar acessível ao público docente. Ao contrário, a publicação analisada, é
apresentada em capa dura e na cor verde.
133
O nome da autora encontra-se na lateral do livro.
Este tipo de encadernação pode ser resultante de uma organização posterior do acervo, o que
talvez tenha possibilitado uma outra tipologia à obra.
Na capa, as informações sobre a instituição e o cargo que a educadora exercia ganhavam
centralidade; a distinção era sinalizada pela ocupação na cadeira de Prática de Ensino no Instituto
de Educação. A ênfase no tipo de trabalho desenvolvido pela autora pode ser interpretada como
uma estratégia de venda, que tinha como finalidade informar ao leitor sobre a legitimidade da
autora na elaboração da obra. No mesmo sentido, o nome de Lourenço Filho podia oferecer
garantias sobre a procedência e a qualidade da obra, considerando-se a projeção do educador no
meio educacional durante aquele período. Para Carvalho e Toledo (2004), o nome de [um]
personagem bastante conhecido, a etiqueta “Lourenço Filho” podia funcionar como dispositivo
de legitimação do empreendimento editorial (p.9). Como salientado também pelas autoras, o
educador tinha acesso a um vasto público de professores o que poderia render publicações
futuras, além de ter garantida sua proximidade com o público para o qual as obras eram
destinadas, o que possibilitava outro meio de divulgação.
Na folha de rosto, constava ainda a editora responsável pela publicação – a
Melhoramentos. Esta empresa, em 1920, entrou no mercado de fabricação de livros ao se associar
à editora Weiszflog Irmãos (HALLEWEL, 1985). Foi também a pioneira na utilização de
133
A obra consultada durante a pesquisa refere-se à reedição que data de 1950, entretanto, o exemplar doado pela
família, ao Centro de Memória Institucional do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro – CEMI, que é da
1ª edição, não apresenta mudanças em relação ao aspecto tipográfico da obra. Em princípio pode-se dizer que, desde
a primeira edição, o livro de Orminda fugiu aos padrões observados por Carvalho e Toledo (2004).
128
madeira brasileira para a fabricação de papel, diferentemente das outras empresas, que
importavam celulose. Segundo o autor, a Melhoramentos de São Paulo, nome utilizado
atualmente, é uma das maiores empresas do país. Suas atividades vão desde o cultivo das árvores
e o reflorestamento, passando por diversos produtos relacionados ao papel, inclusive trabalhos
gráficos e editoriais. Como salientado pelo autor, o slogan do pinheiro ao livro, que acompanha a
empresa desde o início do século passado, informa não só a extensão do trabalho, mas consegue
também expressar uma perfeita integração vertical (op.cit. p.257) que há no parque industrial.
A editora, no final da década de 1920, propõe a Lourenço Filho a reorganização da
Bibliotheca Infantil, tornando-o responsável por atualizar, principalmente, a linguagem das
publicações (DONATO, 1990). Assim, ele assume a tarefa de consultor editorial, emitindo
pareceres sobre os originais didáticos e para a infância (op.cit. p.82). É em 1927 que o educador
envolve-se com a organização da Bibliotheca de Educação. Talvez esse convite a Lourenço para
organizar a coleção, fosse uma possibilidade para a empresa investir no mercado editorial,
valendo-se da oportunidade que a expansão do sistema escolar proporcionava.
As publicações possibilitavam também a legitimação do trabalho de muitos professores.
Assim como Orminda, outros professores que estavam em fase de ascensão social na carreira
(MONARCHA, 1997), tiveram a oportunidade de pertencer à mesma coleção. Com projeção
intelectual, ou não, a coleção difundia trabalhos tanto de novatos, como de autores conhecidos,
como, por exemplo, Claparéde, Piéron e Lourenço Filho. Sendo assim, as obras contemplavam
veteranos que elaboraram trabalhos com a finalidade de mudar a mentalidade do pensamento do
professorado (CARVALHO e TOLEDO, 2004, p.9) e autores que estavam iniciando suas
carreiras no mundo acadêmico.
O livro elaborado por Orminda, mais do que fazer parte de uma coleção recomendada para
os professores alargarem seus conhecimentos pedagógicos, foi também, por esse motivo, a
certeza de projeção da educadora no meio educacional, pois possibilitou que seu trabalho, assim
como de outros autores, tornassem-se leituras indicadas e até imprescindíveis para os estudos da
educação renovada.
3.1.1. Do prefácio à obra
O livro elaborado por Orminda trazia como prefácio um longo e extenso texto de
129
Lourenço Filho. Sob o título, A escrita e a escola renovada, o educador faz uma análise do
ensino da caligrafia e uma apresentação sobre o trabalho da educadora. Assim, tanto para dar
ênfase ao tipo de metodologia utilizada, quanto para valorizar os experimentos, ele retoma os
modos pelos quais os exercícios eram ensinados aos alunos nas escolas. Destacando que as
metodologias centravam-se em atividades ultrapassadas e obsoletas:
Na velha tradição escolar (...) considerava-se a letra, feita acabada (...) a
caligrafia era quase uma arte autônoma (...) percebeu-se que o ensino da
caligrafia, própriamente dita, não tinha mais sentido, e que o ensino a
fazer-se seria o da escrita, instrumento real de uma unidade mais
complexa que é a linguagem (...) (LOURENÇO FILHO, 1950, p.6).
Pode-se dizer que Lourenço considerava que os exercícios de caligrafia, da forma como
vinham sendo aplicados, não correspondiam às modernas expectativas do ensino. Ele destacava a
necessidade de atividades que colaborassem com o aprendizado, isto é, não só de ornamentos de
uma bela letra, mas que pudessem contribuir com a aquisição da linguagem. As atividades
deveriam possibilitar aos alunos o prazer na confecção dos trabalhos de escrita e também
deveriam servir para a vida fora da escola.
Segundo ele, as técnicas de caligrafia que as escolas utilizavam tornaram-se inadequadas
ao uso escolar porque a caligrafia era uma exigência de aulas especiais, e o seu fundamento
didático, a repetição aborrecida e fatigante (...) (LOURENÇO FILHO, 1950, p.6). Ele ressaltava
que essas técnicas do passado tinham utilidade somente no âmbito escolar, perdendo sua
finalidade social.
Ele parecia referir-se às técnicas de boa escrita que eram utilizadas nas décadas anteriores,
como por exemplo, as que constavam nos Programmas de Ensino da Escola Normal no anno de
1910.
134
No roteiro de atividades para o 1º ano, é possível observar que o trabalho iniciava-se
com conhecimentos geraes da arte caligraphica (op. cit. p.17). Continuava com demonstrações
theorico-praticas das disposições proprias para escrever correctamente os caracteres das letras
“ingleza” “firmeza e ghotica” (idem, ibidem). Assim, percebe-se uma ênfase em exercícios que
se voltavam somente para a aprendizagem do modelo de letra, e que por sua vez não orientavam
na construção da linguagem.
O educador, ao se referir ao ensino da caligrafia, aponta para um intenso debate
134
O documento faz parte do acervo do Centro de Memória Institucional do Instituto Superior de Educação do Rio
de Janeiro – CEMI.
130
(ESTEVES, 2002) que se travou no final do século XIX e se estendeu durante as primeiras
décadas do século XX: que tipo de escrita seria mais adequado para a utilização no âmbito
escolar? Anteriormente a essas discussões, os entraves estavam relacionados ao tipo de material a
ser utilizado: caixas com areia, ardósias individuais ou utilização dos lápis de pedra, pena ou
papel (VIDAL e ESTEVES, 2003). A utilização desses materiais contribuía para precárias
condições de ensino, no entanto, na segunda metade do século XIX, com o progresso do setor
industrial, esses obstáculos materiais começam a ser vencidos. Impulsionados em grande parte
pelo barateamento do papel, há uma difusão do caderno escolar que se torna facilitador do
processo de ensino, criando infinitas combinações de atividades de leitura, escrita, cálculos, etc.
Há de se considerar que a popularização deste material
135
dá-se no mesmo período em que as
discussões no âmbito da educação começam a se voltar para o alargamento das oportunidades de
escolarização.
Vencidos, em parte, esses entraves da materialidade, em meados da década de 1930, ao
mesmo tempo em que avançam as discussões em torno da oportunização do ensino, educadores
voltam-se para as discussões sobre o modelo de escrita mais adequado para o treino da boa letra e
para a aquisição da linguagem. Afinado com esse discurso, Lourenço assinala no prefácio que era
chegado o momento em que a escola viesse servir à educação popular. Tôda gente deveria ler e
escrever, para todos os usos (op. cit. p.6). Ele defendia a utilização de uma escrita que
apresentasse rapidez e velocidade e que fosse, também, um acesso do aprendiz para a construção
da linguagem.
Segundo ele, seria por meio da aprendizagem da caligrafia que haveria uma ampliação do
acesso ao ensino. Os exercícios de cópia não deveriam se esgotar em exaustivas tarefas de
repetição; deveriam possibilitar aos alunos entrar em contato com o conteúdo do ensino
elementar. Então, em conformidade com o movimento reformador, ele acreditava que com
técnicas mais simples e funcionais a escrita contribuiria para a questão que estava posta para a
escola e para a sociedade: ampliar a escolarização e capacitar os alunos a viver no mundo
moderno.
135
Deve-se, entretanto, assinalar que se tratava de uma iniciação de produção de cadernos, diferente da que
conhecemos atualmente. Os suportes de escrita, como a ardósia e as mesas de areia, continuarem a conviver no
cotidiano da escola até os primeiros anos do século XX. A esse respeito, ver: VIDAL, Diana e ESTEVES, Isabel.
Modelos caligráficos concorrentes: as prescrições para a escrita na escola primária paulista (1910-40). In: PERES,
Eliane e TAMBARA, Eliomar. Livros escolares e o ensino da leitura e da escrita no Brasil (séculos XIX – XX).
Pelotas: Seiva, 2003, p. 117-37.
131
É preciso assinalar que o educador defendia, na apresentação do livro de Orminda, uma
metodologia de escrita diferente da que havia sido utilizada até então. Talvez ele se recordasse
que, por sucessivas décadas, os modelos de letra bastarda e vertical foram amplamente utilizados
por professores, contudo, o excesso de detalhes e o tempo gasto para sua confecção, tornavam-
nas em desacordo com as necessidades de escrita que se impunham no início do século XX.
A letra bastarda, também denominada itálica, tem seu aparecimento datado do século
XV, com o nome de escrita latina. Essa tipologia é arredondada, com inclinação e sem talhe
(MARQUES, 1950), isto é, cursiva. Esse modelo deu origem à letra inglesa e ao tipo ronde
francês (idem, ibidem). Para Orminda, a escrita cursiva [se deu] por uma ligação necessária das
letras e, de tal modo, que as palavras se apresentem como uma unidade gráfica. Para ela, esse
modelo surgiu naturalmente da necessidade de escrever mais rápidamente (idem, ibidem). Sua
primeira utilização pode ser atribuída aos chineses e, posteriormente, aos japoneses.
Para a utilização deste tipo de letra, minuciosamente trabalhada, era necessário o fatigante
exercício de cópia, exigindo do aluno habilidade e paciência nas técnicas de boa escrita. Essas
tarefas acabavam por criar posturas inadequadas, contribuído para a deformação do corpo do
pequeno aprendiz. Mesmo com traços cautelosamente desenhados, a escrita cursiva favorecia a
rapidez da escrita, o que permitiu que ela fosse amplamente utilizada no âmbito comercial
(ESTEVES, 2002).
Em meados do século XIX, essa técnica foi condenada, motivada pelo movimento
higienista, que pregava a saúde do corpo. Os especialistas alegavam que essa metodologia
produzia escoliose e problemas de miopia nas crianças. Pelo desejo de normatizar a escrita nesse
período, a escritora francesa George Sand propôs a escrita vertical arredondada. Ela acreditava
que a criança posta em posição correta produziria, normalmente, uma boa escrita. Estas
prescrições propunham: A posição do aluno deve ser tal, (...) que os antebraços possam apoiar-
se na mesa, formando um com bordo inferior a ângulos de 45º; o papel deve ser colocado sôbre
a carteira de tal modo, que seus bordos laterais formem com os da mesa ângulos retos (SAND
apud MARQUES, 1950, p.50).
Para os defensores dessa metodologia, o tripé da bela letra amparava-se na expressão
papel direito, corpo direito, escrita direita (op. cit. p.50). Sinalizavam que tal escrita contribuiria
para a formação de bons hábitos nas crianças, pois acreditavam que a letra inclinada traria
posturas inadequadas, ocasionando inúmeros malefícios para a saúde da criança. Como ressalta
132
Buisson (1911):
os corpos inclinados, se apoiando de um só lado, sobre o cotovelo
esquerdo, seu ombro esquerdo sobe, sua coluna vertebral desce da linha
vertical e se curva para a esquerda. Esta posição obriga a inclinação do
rosto para a esquerda e seus olhos se acomodam a uma visão mais curta e
tomam um grau diferente de acomodação. A miopia e escoliose podem
ser resultado desta posição (BUISSON apud FARIA FILHO, 2001,
p.42).
Como observado por Esteves (2002), essas prescrições para escrita impunham novos
comportamentos em relação à atividade de escrever. Tal tarefa não poderia ser feita em qualquer
lugar, necessitando de adequação ao espaço que esse exercício ocorreria, isto é, o momento da
escrita era associado à disciplina corporal, pois a escrita necessitava de um lugar específico.
Não se escreve corretamente em qualquer lugar (p.84).
Pode-se dizer que essa metodologia de escrita buscava normatizar a forma de escrever,
produzindo um modelo a ser imitado. Escolarizar os corpos (FARIA FILHO, 2001) por meio das
práticas de escrita, traduzia-se em uma racionalidade de comportamentos, de técnicas e da
materialidade no âmbito escolar.
Ainda que não enaltecido por Lourenço ao prefaciar o livro de Orminda, a racionalização
do comportamento não foi extinta nesse trabalho elaborado pela educadora. Na obra, a foto da
aluna denuncia a simpatia da educadora pelas prescrições de condutas para o ato de escrever.
Segundo ela a fotografia abaixo, apresentava boa posição para escrever, tanto em relação ao
corpo, quanto em relação ao papel à caneta (MARQUES, 1950, p.48).
133
A escrita na escola primária, p. 48.
Percebe-se que Orminda expressava afinidade pela metodologia que normatizava o ato de
escrever, tanto que defende o trabalho proposto por George Sand, destacando que originalmente a
autora propunha: não imponha uma escrita de convenção absoluta a seu aluno, deixe-o descobrir
a maneira de ligar as letras e descrever as palavras sem levantar o lápis ou a pena do papel
(SAND apud MARQUES, p.51). Segundo ela, os educadores que se valeram do método fizeram
dele um sistema de valor pelo próprio tipo de letra, tornando-o um tipo de escrita baseado na
cópia e na repetição.
A diferenciação do trabalho de Orminda não está na conduta perante o ato de escrever,
está na técnica utilizada e na forma de escrita, pois mesmo propondo exercícios que permitiriam
mais liberdade do movimento, como era a caligrafia muscular, as técnicas continuavam
prescrevendo as condutas mais adequadas para a bela letra.
É verdade que Lourenço não expõe estas similaridades no prefácio. Sua preocupação era
de apresentar o trabalho, destacando os pontos positivos. Deste modo, na tentativa de enaltecer o
trabalho realizado pela educadora, e de certa forma dar credibilidade à obra, o educador assinala
o êxito no desenvolvimento dos experimentos de escrita em relação a outros teóricos: o fato dela
não ser calígrafa (LOURENÇO FILHO, 1950, p.6).
A estratégia de destacar em adjetivos os aspectos do trabalho desenvolvido pelo autor é,
134
segundo Carvalho e Toledo (2004), uma característica que se faz presente em toda coleção da
Bibliotheca de Educação organizada por Lourenço. Não se trata de uma coincidência, para as
autoras, este tipo de apresentação demonstra que o editor usa os prefácios como protocolo para
organizar o texto publicado no volume prefaciado, validando a autoridade da autoria (op. cit.
p.8).
Monarcha (1997) caracteriza esse movimento como voz polifônica. A estratégia permitia
ao educador passar uma imagem de si mesmo através do texto de outros (op. cit. p.44). Assinala
ainda que é extensa a lista de livros prefaciados por Lourenço, e que tais textos caracterizam-se
como significativos dentro da produção intelectual do educador. Dentre eles, observam-se
crenças implícitas no poder da educação e a presença atuante de uma vontade prescritiva que,
de certa forma, visa conformar a interpretação dos textos prefaciados (idem, ibidem).
Mas cabe indagar sobre quais pistas que a apresentação feita pelo prefaciador fornecem
sobre a autoria da obra. Costa (2006)
136
em estudo sobre os prefácios dos livros elaborados por
Delgado de Carvalho, assinala a existência de dois grupos distintos de autores para prefaciar as
obras: o primeiro caso refere-se a um prefaciador renomado no âmbito do trabalho desenvolvido
e com quem o autor do livro tenha identificação. O prefaciador também o apresenta à
comunidade científica e aponta justificavas em relação às críticas do trabalho. Já a segunda
categoria é a dos prefácios escritos pelos próprios autores, onde aparecem justificativas em
relação às escolhas teóricas.
Ao que parece, o prefácio organizado por Lourenço para o livro de Orminda enquadra-se
na primeira categoria. Talvez em função dessa finalidade, ele tenha feito a opção de destacar os
méritos da educadora, como por exemplo, o fato dela não ser calígrafa.
Há de se indagar sobre o sentido pejorativo que o educador mostra em relação ao treino da
caligrafia realizada por calígrafos. É preciso assinalar que ele se refere ao período que a arte da
bela letra era tarefa de especialista, isto é, de calígrafos. Como ressaltado por Esteves (2002), em
finais do século XIX e início do XX, a caligrafia era entendida como uma arte somente permitida
a calígrafos. Sua utilização na escola primária era feita como um instrumento capacitador de
legibilidade, rapidez e facilidade para a escrita (op. cit. p.84). Eram técnicas que exigiam locais
apropriados para serem executados e tinham como finalidade a formação de bons hábitos para a
136
A esse respeito, ver: COSTA, Patrícia Coelho. Uma escrita aos professores: os prefácios dos livros de Delgado de
Carvalho. In: Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação: percursos e desafios da pesquisa e
do Ensino de História de Educação.Uberlândia –Minas Gerais – Abril /2006. Cd rom.
135
escrita. A partir dessas técnicas, fatigantes e demoradas, os alunos exercitavam a boa letra. A
caligrafia tornava-se, então, o castigo das aulas do ensino elementar, porque exigia um
disciplinamento do corpo e da postura.
Lourenço Filho, contrapondo-se a esse tipo de metodologia e, por este motivo sinalizando
como um marco o trabalho de Orminda. Para ele, este era o diferencial dos experimentos, pois
exercitava-se com mais prazer, uma vez que o método fora elaborado em função das reais
necessidades de aprendizagem de escrita. Justificava afirmando que a educadora foi responsável
direta (...) cinco anos, pela direção de uma escola-laboratório (...) assim, a autora teve
oportunidade de experimentar e adaptar tudo o que lhe pareceu mais conveniente nos resultados
(LOURENÇO FILHO, 1950, p.7).
Analisar esse prefácio elaborado por Lourenço Filho ajuda a entender que, a exemplo dos
outros títulos da coleção, o educador apresentou a obra apontando-a como um marco dentro do
ensino da caligrafia. Essa foi a estratégia utilizada pelo educador para apresentá-la à comunidade
de educadores. Pressupõe-se que não foi a educadora que elegeu o prefaciador, ao contrário, ela
foi escolhida por ele para publicar um trabalho na coleção pedagógica que ele organizava. A
escolha, por si só, já representava um reconhecimento dos trabalhos realizados pela educadora.
Assim, acredita-se se possível que Lourenço Filho tenha sido o motivador da publicação da
obra.
Em material doado pela família ao Centro de Memória Institucional do Instituto Superior
de Educação do Rio de Janeiro – CEMI, é possível verificar a prova do livro elaborado pela
educadora. Nele há poucos comentários de Lourenço Filho. Com uma caligrafia difícil de
compreender, ele observa: Estas provas comprovam que quando o indivíduo aprova não é
reprovado individuo ou individua. Arquive-se. Ainda que estas palavras possam não fazer
sentido, elas parecem ter sido importantes para Orminda, tanto é que esta primeira edição,
juntamente com outros poucos objetos, foram os pertences guardados por ela até a sua morte em
1968. Talvez para ela, este exemplar, rascunhado pelo educador, fosse um endosso ao trabalho
que ela havia desenvolvido.
3.1.2. Os experimentos de caligrafia
A educadora organizou os exercícios de caligrafia muscular na intenção de elaborar uma
136
metodologia que correspondesse às exigências impostas pela sociedade, de maior velocidade na
tarefa de escrita. Para ela, as atividades deveriam estar relacionadas à construção do pensamento,
bem como à aquisição da sensibilidade estética. Os exercícios de escrita deveriam ser funcionais,
e utilizados na vida cotidiana do pequeno aprendiz, tornando-se uma atividade natural. Era
preciso deixar no passado a fatigante atividade de cópia, em que os pupilos dispendiam de
enorme tempo para executar e que não tinham nenhuma utilidade em sua vida. Para além da boa
letra, a educadora mostrava a preocupação de que o exercício de cópia não se limitasse apenas à
repetição. Ela afirmava: (...) a exigência da boa letra continua a existir, embora calcada, nos
moldes novos, que nos preparam para a vida de hoje. Exige-se da escola, para uma vida mais
moderna, escrita também mais moderna (MARQUES, 1950, p.16).
Mas, a que vida moderna Orminda se referia? É preciso lembrar que o estudo foi
realizado no Brasil, dos anos de 1930, período marcado pela expansão industrial, que favorecia a
propagação da escrita mecanográfica, por ser uma forma de escrita mais veloz. Diante disso, as
técnicas de caligrafia existentes mostravam-se em desacordo com a nova demanda social, que
exigia um novo padrão de comportamento de escrita, rápido e dinâmico. Em função disso, a
educadora acreditava que a escola não poderia se ausentar de sua função de preparar os alunos
para a nova sociedade. Era preciso capacitá-los a desenvolver habilidades técnicas que
proporcionassem maior rapidez na execução dos movimentos e, conseqüentemente, que
estivessem mais afinadas com as necessidades sociais.
Durante esse período houve uma mudança de paradigma em relação à forma de utilização
do tempo. A sociedade expressava um intenso desejo de organizar racionalmente o tempo e as
formas de trabalho. A recente expansão industrial dava novas formas à lógica social. Carvalho
(1998), em estudo sobre a ABE durante esse período, sinaliza que é necessário entender que
qualquer teoria de governo ou qualquer solução político-institucional passava pelo
conhecimento do pressuposto fundamental da economia política fábrica como ideal civilizatório
da sociedade (DECCA apud CARVALHO, 1998, p.28). Conviver com tal paradigma significava
entender que a expansão industrial prescrevia os modelos e comportamentos afinados com esse
contexto: maior produção em menos tempo. Acreditava-se que seria esta a direção que levaria à
racionalização das tarefas e a ordenação social como acesso ao progresso e a escrita não fugia a
esta lógica socialmente imposta.
Orminda propõe uma metodologia com exercícios simples e sem complicações para a
137
execução, que deveria possibilitar que o maior número de alunos realizassem as tarefas sem a
necessidade de um acompanhamento direto do professor. O projeto experimental foi
desenvolvido com o objetivo de ser aplicado durante as aulas, que deveriam ter vinte minutos,
com exercícios interessantes, tanto para leitura quanto para escrita, com um treino diário e
sistemático.
Com uma conduta prescritiva, ela estabelece que o professor deveria fazer a apresentação
dos exercícios na lousa e, então, um grupo de alunos realizaria as atividades no quadro-negro.
Outro grupo acompanharia com o dedo indicador os movimentos no ar. Depois eles realizariam
os mesmos exercícios em folhas de papel comum de jornal (chamado tipo lousa) ou papel
cálculo, áspero, sem pauta, usado em folhas de 21 cm por 16 cm (MARQUES, 1950, p.87).
O que movia Orminda na realização dos experimentos? Considerando que o período em
que ela se volta para a elaboração deste trabalho foi marcado por uma mudança em relação aos
procedimentos metodológicos presentes no cotidiano da escola. Nas palavras de Mignot (2002), a
escola passava a ficar encarregada de educar os alunos para observar, construir, experimentar,
responder, perguntar. A nova escola, a escola nova, deveria aguçar o espírito da
descoberta...(op. cit. p.174). Era necessário preparar os professores indicando leituras,
recomendando estudos, possibilitando publicações sobre o universo infantil.
As recomendações sobre os experimentos não se restringiam à materialidade; elas
também assinalavam sobre os autores consultados, suas metodologias de trabalho e em que
aspectos estes estudos contribuíram para que ela desenvolvesse o seu trabalho, buscando conferir
cientificidade aos experimentos.
Dentre os estudos referenciais, ela destaca a contribuição do modelo do alfabeto de
Palmer, do qual foram retirados os formatos das letras.
Seqüência com alguns traçados de letras que faziam parte do alfabeto proposto por
Orminda Marques. A escrita na escola primária. p. 101.
138
O estudo foi desenvolvido tomando-se como base a seriação dos exercícios com o modelo
de Lister, elaborados com uma seriação composta de cinco traçados, como faz questão de
assinalar. As seqüências de exercícios tinham por objetivo desenvolver a inclinação, espessura e
leveza das linhas. Na primeira etapa do método, o aluno aprendia a fazer as letras separadamente
e por fim fazia as ligações. Lister também demonstrava preocupação com a posição do corpo, do
papel e dos materiais a serem utilizados (VIDAL, 1998, p.3). Orminda salienta, no entanto, que
utilizou o alfabeto de Palmer, que se diferenciava somente em algumas letras do elaborado por
Lister. Durante os experimentos, este alfabeto foi distribuído às professoras regentes de turma
para que exercitassem, primeiramente, as técnicas de escrita.
O desenvolvimento das atividades previa, para o primeiro dos cinco anos, que o ensino da
escrita deveria ter como finalidade a simples imitação. Para os posteriores 2º, 3º, 4º e 5º anos, a
educadora afirmava que o objetivo referia-se ao aperfeiçoamento das técnicas de escrita
apresentadas no primeiro ano. Após a apresentação da seriação dos exercícios, os alunos
demonstravam melhoras na inclinação, na espessura, na leveza das linhas e maior habilidade da
mão e do antebraço, o que é assinalado no estudo.
Pyle foi outro autor que ela consultou para elaborar os exercícios de caligrafia muscular, o
qual utilizava escalas para estabelecer os padrões os quais a criança operava, permitindo a
comparação entre os diversos trabalhos de crianças de diferentes escolas. Já as contribuições de
Thorndike referem-se aos tipos de escrita, visto que seu trabalho incluía estudos com mil
amostras de escrita. A contribuição de Robert Dottrens foi em relação aos aspectos psicológicos
da escrita infantil (VIDAL, 1998).
Em Ayres, Orminda busca o estabelecimento da legibilidade como principal atributo para
uma boa escrita e a rapidez na execução das letras. Os exercícios propostos por Curtis permitem
aos alunos acompanhar seu próprio progresso diariamente. O método exigia que os alunos
adquirissem um caderno especialmente preparado para a execução dos exercícios de caligrafia.
As atividades elaboradas por Orminda diferem a este respeito de Curtis, porque sua sugestão é
que o trabalho fosse realizado em folhas soltas.
Freeman e Lister, citados na apresentação do livro, contribuíram com estudos que
serviram para indicar os caminhos a serem seguidos nos experimentos desenvolvidos por ela. Na
apresentação, ela dá destaque à informação de que esses estudos foram modificados para que
139
pudessem ser utilizados nas escolas. Ela ressalta o trabalho de Freeman, enfatizando a
importância atribuída pelo autor à uniformidade de inclinação, de alinhamento e até de igualdade
das linhas e dos traços. Para ela, nesse estudo, existe também um minucioso cuidado para com a
forma das letras e o espaçamento das palavras. Lister é considerado por Orminda por valorizar a
forma da letra, o movimento da escrita, e o espaçamento entre as letras e as palavras.
Em estudo sobre o trabalho de caligrafia muscular elaborado pela professora Orminda
Marques, Vidal (1998) salienta que Lister elaborou um método gradual dividido em desenho de
linhas inclinadas, [ocupando] pares de pautas de papel comum, contando-se 1.2, 1.2...; traçados
ovais, na mesma posição anterior, contando-se da direita para a esquerda e depois o inverso;
séries ovais; curvas e alças (op. cit. p.3). Já Frank Freeman realizou seus experimentos a partir
da seqüência cinematografada de mãos de crianças e de adultos escrevendo. Os estudos levaram-
no a concluir que, para se ter uma boa escrita, a coordenação motora dos movimentos da escrita e
o ritmo eram indissociáveis.
137
Outros autores também trouxeram contribuições no sentido de auxiliar a educadora a
realizar uma avaliação em relação à leveza da escrita, à inclinação, ao alinhamento geral da letra.
Baseado em um conceito denominado a chave padrão de Gray, Orminda classifica esta
metodologia como analítica, por se deter à minuciosidade dos detalhes. Ela cita ainda o processo
grafométrico, que propõe a utilização de um cartão para avaliar a espessura dos traços, uma régua
para avaliar o corpo das letras e um transferidor para julgar a inclinação destas.
Alguns critérios eram utilizados para a avaliação que a autora realizava da bela letra, entre
eles podemos destacar a medida da qualidade pela legibilidade, ou seja, apreciar a qualidade da
escrita de uma classe pelo tempo que possamos gastar na leitura de amostra que nela tenhamos
colhido (MARQUES, 1950, p.153). Uma boa escrita também significa uma leitura rápida, desse
modo, o estudo em relação à velocidade da escrita é imprescindível para que se gaste menos
tempo na execução da leitura e da escrita.
Pode-se dizer que a educadora considerava que entre a escrita e a leitura devia haver uma
relação harmoniosa que ajudasse a operacionalizar o pensamento da criança: do ponto de vista
puramente intelectual, (...) que a habilidade de quem escreve deve permitir tal velocidade, que
não prejudique a rapidez do pensamento. (op. cit. p.19). O ensino da boa letra não deve estar
137
A esse respeito, ver: VIDAL, Diana. Da caligrafia à escrita: experiências escolanovistas com caligrafia muscular
nos anos 30. In: Revista da Faculdade de Educação. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php/scipt_sci_serial
. Acesso em: 30/03/2006.
140
separado do da leitura. Os exercícios devem preparar o aluno para o desenvolvimento da técnica
de escrever, simultâneamente, com o da técnica de ler (MARQUES, 1950, p.87).
Pensar Orminda como autora desses experimentos é entender que a necessidade de
elaborar o trabalho surgiu em função de preocupações do cotidiano de suas atividades como
professora e diretora da escola elementar. Em consonância com as questões pedagógicas de seu
tempo, que exigia uma preparação para as novas tecnologias, ela acreditava que as técnicas de
escrita utilizadas pelos alunos, além do tempo gasto para serem executadas, não serviam para sua
vida prática. É neste sentido que propõe uma metodologia em que, além de possibilitar o
desenvolvimento da linguagem, os exercícios fossem prazerosos e pudessem ser utilizados no
cotidiano da sala de aula.
Este trabalho, no entanto, não se afasta das concepções de aprendizagem de escrita
apresentadas pela caligrafia vertical, isto é, papel direito, corpo direito, escrita direita (SAND
apud MARQUES, 1950, p.50). Não há um rompimento com as prescrições para a aprendizagem
da caligrafia, porque os experimentos continuam prescrevendo, recomendando e indicando os
passos para a aprendizagem da bela letra. Ainda que o método de caligrafia muscular
possibilitasse uma aplicação funcional e se propusesse a ser mais agradável, continuava preso a
medidas de avaliação da letra, fosse pela espessura, pela inclinação, pela posição do corpo, enfim,
pela necessidade de seguir um modelo estabelecido.
Pode-se supor que o modelo caligráfico que tenha possibilitado um pouco mais de
liberdade de escrita tenha sido o modelo natural, que permitia [aos] alunos criarem e recriarem o
desenho das letras, conforme acentuam Vidal e Esteves (2003, p.134). As autoras explicam que
os métodos vertical, muscular e natural advogavam sob o mesmo ponto de vista: a saúde da
criança. Entretanto, somente a caligrafia muscular fundamentava-se em bases teóricas a partir de
estudos científicos (idem, ibidem).
Pressupõe-se que os experimentos renderam bons frutos, pois a ex-professora do Instituto
de Educação, Judith Tranjan, guardou por mais de 60 anos o livro elaborado por seus alunos da 1ª
série do ensino elementar. Com técnicas de caligrafia muscular, fundamentada no trabalho
elaborado por Orminda, os alunos da turma de 1941, compuseram um belo livro.
Em seu relato, a ex-professora faz questão de destacar que a metodologia era muito
eficiente, pois os alunos rapidamente adquiriam uma boa letra. Nesse trabalho os alunos deveriam
treinar a letra ao mesmo tempo em que construíam o texto, assim, essa utilização do método
141
elaborado por Orminda pode ser caracterizada, na definição de Esteves (2002), como método
global que, em consonância com o escolanovismo, concebia uma metodologia ativa, em que
havia a junção entre a experiência e o movimento.
138
Exercício do livro elaborado pela turma
da 1ª série - professora Judith Tranjan /1941.
A partir das análises, tanto da metodologia elaborada pela educadora, como pelo modo
como ela foi empregada por professoras, verifica-se que os experimentos organizados por
Orminda obtiveram resultados satisfatórios. Acredita-se que o êxito ocorreu porque o método
amparava-se no tripé da ciência, da funcionalidade e da estética, tornando-se uma técnica de
escrita que correspondia às expectativas para o ensino da bela letra nas décadas de 1930 a 1950
do século XX.
3.1.3. Um manual de boa letra
Ritmo, melodia e motivação, estas eram as recomendações de Orminda aos professores
138
Esteves (2002), em estudo sobre “As prescrições para o ensino da caligrafia e da escrita na escola pública
primária paulista (1909-1947)”, assinala que nos anos de 1920 o ato de escrever não se restringia ao desenho da letra
fazia-se necessário associar a um tipo de método. Então, por exemplo, o modelo da caligrafia vertical era associado
ao método analítico, que se desenvolvia através da palavração. Contudo, segundo a autora uma grande quantidade de
educadores associava esse método à sentenciação e não a palavração. A esse respeito, ver: ESTEVES, Isabel de
Lourdes. As prescrições para o ensino da caligrafia e da escrita na escola pública primária paulista (1909-47).
Dissertação de Mestrado. São Paulo, USP, 2002.
142
para a utilização da metodologia por ela elaborada. Segundo ela faremos crescer, por certo, entre
nossos alunos, o interesse pela aprendizagem, se soubermos usar dos recursos da motivação no
desenvolvimento de nossas lições, levando as crianças a considerar tanto a forma como o
movimento (MARQUES, 1950, p.27). Ela acreditava que seria a partir de atividades interessantes
para as crianças que se conseguiria motivar, despertando o desejo de aprender a caligrafia, assim
o professor alcançaria o êxito da aprendizagem. Sugere, então, variadas atividades, tais como,
contos, cantos, histórias e dramatizações para motivar a criança a fazer os exercícios.
143
Sugestões apresentadas por Orminda de atividades lúdicas para o treino da escrita.
A escrita na escola primária. p. 144.
Nas fotos, observam-se crianças realizando uma dramatização utilizando as letras do
alfabeto que, segundo a legenda apresentada, foi elaborada pelos próprios alunos. A apresentação
contou também com a encenação de uma dança. Essa atividade era necessária para que os alunos
compreendessem o ritmo de escrita nos exercícios (MARQUES, 1950).
A justificativa para o trabalho era a de que, no método, a compreensão do ritmo dos
movimentos era de fundamental importância. A educadora propunha que fossem realizados ao
som de canções, de batidas de palmas, e de contagem regular, visando a uma escrita veloz.
Alunos e professores eram estimulados a criar letras para melodias simples que servissem de
suporte aos movimentos preparatórios de caligrafia e para as demais atividades da escrita.
A autora recomendava para essas melodias que os movimentos fossem sistemáticos, e que
impusessem um ritmo regular à escrita até que esta se tornasse também regular. A música
contribuiria para que a criança incorporasse o ritmo do pulso e, pela repetição do ritmo, ela
chegaria ao automatismo, ao controle do movimento e, conseqüentemente, à velocidade. Sem
apoio da música, Orminda prescrevia que se passasse a realizar os exercícios com contagem (1-2,
144
1-2), delimitando os pontos extremos da linha a ser traçada, seja ela curva ou reta (ROCHA e
BRAGA, 2007).
139
A música também era utilizada como um importante recurso motivador. Rocha e Braga
(2007) salientam que na escola primária [ela era utilizada] não apenas como recurso motivador,
mas, sobretudo como um saber que perpassa diversos saberes valorizados em ambiente escolar
(op.cit. p.10). Nesse mesmo sentido, Orminda considerava que, para o desenvolvimento de um
melhor traçado, o conhecimento musical tornava-se essencial, pois, por exemplo, é em função do
ritmo regular do pulso que se poderia desenvolver um belo traçado. Ela demonstra, portanto,
valorizar esses saberes ao utilizar com freqüência a música em suas aulas, como se pode observar
nas atividades propostas e no planejamento para o 1º. período:
I- PLANO PARA UMA AULA
1. Objetivos gerais – Levar a criança a utilizar-se do quadro-negro, a distinguir as formas e
a controlar o movimento.
2. Objetivo imediato – Dramatizar o “tique-taque do relógio”.
3. Material – Quadro-negro, giz e apagador, um fio de lã ou linha e uma borla de côr viva.
4. Desenvolvimento – Aproveitaremos o tique-taque do relógio para assunto da aula de
linguagem, bem como da aula de música. As quadras que damos abaixo serviriam como
tema, para recitação e canto:
A escrita na escola primária, p.90.
139
Neste estudo pude desenvolver uma análise sobre as técnicas de escrita de caligrafia muscular, elaboradas pela
professora Orminda Marques, que tinham como fundamentação o ritmo do movimento da escrita. A esse respeito,
ver: ROCHA, Inês de Almeida e BRAGA, Rosa Maria Souza. Ritmo da escrita: pensamento escolanovista na
metodologia de caligrafia muscular de Orminda Marques. In: Anais do III Seminário Vozes da Educação: memórias,
histórias e formação de professores, São Gonçalo, RJ, 2007. Cd rom.
145
Esse exercício deveria ser trabalhado no ritmo da pulsação da música cantada pelo
professor e pelos alunos. O tema poderia ser utilizado tanto na aula de música quanto na aula de
linguagem, com texto recitado e cantado, estabelecendo ligação entre o movimento do pêndulo
do relógio e o movimento do giz no quadro, ou do lápis no papel. Ela sugere que a turma
construa um pêndulo com fio de borla para servir de referência. Os alunos observariam o
movimento desse objeto para acompanhar com o dedo indicador, apontando e seguindo o ritmo
da música no mesmo pulsar do pêndulo. O som da batida do relógio é algo familiar à criança,
assim como a melodia escolhida para os versos que falam da regularidade rítmica do pêndulo e
de seu movimento contínuo. A melodia dessa canção está baseada na melodia que poderia ser
ouvida em muitos relógios da época, executando badaladas para marcar as horas.
Orminda expõe, ainda, outras sugestões para serem apresentadas às crianças no primeiro
período. Os modelos das letras são apresentados acompanhados de músicas e coordenados pela
contagem do ritmo da escrita. Ao passar do quadro-negro para o papel, a autora sugere variar os
estímulos, as músicas ou os versos recitados, as combinações de traçados para manter o interesse
e a motivação. Variar contagem ternária para as linhas ovais intercalando com linhas retas e
contagem binária, ou ainda contagem ternária para o plano superior combinadas com contagem
binária para mudar ao plano inferior (ROCHA e BRAGA, 2007, p.12). Segundo Orminda, os
exercícios abaixo conduziriam à bela letra.
A escrita na escola primária, pp. 98 e 99.
146
Caso o aluno apresentasse interesse e motivação, o exercício poderia ser mantido, mas o
professor deveria escolher outros temas, músicas e dramatizações caso fosse necessário manter o
traçado. A sugestão de tema que a autora apresenta é O Barquinho:
A escrita na escola primária p. 104-105
A escrita na escola primária, p. 104-105.
A orientação é que, inicialmente, o canto deveria ser suave e bastante lento. Com o
147
domínio do exercício, devia-se acelerar o ritmo e dar outro caráter ao canto, buscando sempre
novas estratégias para motivar a atividade. A velocidade seria conseqüência natural do
movimento regular e repetitivo.
A motivação era o principal elemento que garantia bons resultados na execução das tarefas
de escrita. Em torno desse intento, o professor organizaria atividades ritmadas, como melodias,
contos ou dramatizações.
Aliás, a motivação estava presente no discurso pedagógico na década de 1930. Utilizada
como meio de atrair o interesse da criança, a prática pedagógica incorporou outras condutas para
alcançar o interesse infantil. Defendida pelos educadores como um esfôrço vitalizado, em
oposição ao esfôrço em interesse, que não suscita de modo espontâneo as atividades do aluno.
Podemos definí-la como conexão do trabalho escolar com a experiência, interesses, valores e as
aspirações do aluno (AGUAYO, 1935 p.38). Percebe-se que a motivação consistia em
estabelecer uma ligação entre a vida cotidiana e os trabalhos escolares.
As atividades deveriam ser elaboradas de modo que a criança pudesse interessar-se por
elas, ao mesmo tempo em que percebesse sua utilidade para a vida. O mestre deveria estar
habilitado para criar exercícios que estivessem de acordo com esses procedimentos. Diretamente
responsável pelo sucesso escolar, o professor deveria estar atento a esse aspecto de despertar o
interesse pelos conteúdos escolares. Afinal, como assinala o psicólogo americano Lawence
Averill, a motivação inflama a imaginação, excita e põe a descoberto as fontes ignoradas da
energia intelectual, anima o coração, abre comportas da ambição, da vontade e do ideal e
inspira no aluno a vontade de agir, de aperfeiçoar-se e de triunfar-se (AVERILL apud
AGUAYO, 1935, p.39).
Experimentar, provar, ensaiar seriam estas as recomendações para a aprendizagem. Era
preciso possibilitar atividades em que o aluno interagisse, tocasse, sentisse e que o aproximasse
de situações reais de sua vida cotidiana. Esse desafio pedagógico ficava ao cargo dos professores
que deveriam elaborar exercícios de acordo com esses aspectos.
As concepções metodológicas remetem ao movimento da Escola Nova que, nas palavras
de Lourenço Filho (1978), referiu-se inicialmente a uma nova concepção da infância, mais do que
isso, o movimento deve ser classificado como uma nova postura frente aos problemas da
educação. Não se pode desconsiderar que estas concepções incidiram diretamente na prática
pedagógica. Era necessário, então, habilitar aos professores para lidar com estes desafios.
148
Orminda orienta os professores sobre os exercícios mais adequados, as músicas a serem
trabalhadas e os materiais. Assinala também o desenvolvimento previsto para cada etapa do
método. A forma, o traçado, a velocidade e a posição do corpo eram elementos essenciais para a
verificação do desenvolvimento do aluno. As recomendações estão presentes nas cinco etapas
que compõem o método; elas deveriam acompanhar todo o período do curso primário, como
discriminado a seguir.
No primeiro ano, os exercícios deveriam ser apresentados de forma lúdica com jogos,
brinquedos e dramatizações para motivar as crianças. A autora considerava essa etapa
especialmente importante por se tratar da primeira parte do programa. Ela sugeria não começar o
ensino da escrita pela letra isolada, ela nada significa para a criança. Partir de uma palavra,
ou melhor, da frase ou sentença é permitir desde o início uma ligação íntima entre a escrita e a
leitura (MARQUES, 1950, p.88). A palavra deveria ser apresentada com sentido para a criança,
de forma contextualizada. Para atingir os objetivos dessa fase, o aprendiz deveria dominar o
movimento e compreender a escrita como um instrumento de expressão. Deveria coordenar o
movimento de simultaneidade entre a leitura e a escrita. Era sugerido ao professor que, em todas
as etapas, fossem apresentados os exercícios no quadro- negro, bem como fossem criadas
estratégias para despertar na criança o interesse em realizar o programa.
No segundo período da primeira fase, era sugerido que fosse dada atenção à forma das
letras. Depois do primeiro semestre, dedicado aos exercícios preparatórios, o aluno deveria partir
para o traçado da letra isolada, no entanto, era apontado que o estímulo deveria ser para que o
aprendiz escrevesse palavras, frases curtas. O professor deveria utilizar, ainda, as mesmas
estratégias de apresentar os exercícios com músicas e dramatizações que pudessem motivá-lo.
Para o segundo ano, a educadora previa que o aluno tivesse uma boa atitude em relação
aos trabalhos escritos, disciplinando-o para que mantivesse a postura conveniente para a
execução dos movimentos. Ao terminar o 2º ano, o aluno deve escrever, a lápis, com apreciável
desembaraço, sob cópia ou memória (MARQUES, 1950, p.102).
O terceiro ano complementaria os anteriores, entretanto, na segunda fase desse período, o
aluno deveria ter habilidade para escrever à tinta e desse modo, familiarizar-se com as normas de
apresentação dos trabalhos. Já nos quarto e quinto anos, a metodologia proposta pela educadora
previa que o aluno deveria ser capaz de escrever com o mais alto nível de desenvolvimento, (op.
cit. p. 117), sendo primordial para esta habilidade a escrita veloz, com leveza e perfeição na
149
forma das letras. No final do curso, esperava-se que o aluno fosse capaz de executar uma escrita
limpa e legível, com agilidade e ainda apresentasse um senso estético em relação à apresentação
de trabalhos acadêmicos.
Aconselhar, indicar, recomendar. Estas parecem ter sido as preocupações de Orminda ao
elaborar o desenvolvimento da metodologia de caligrafia muscular. Canções, contos, histórias,
dramatizações e outras linguagens artísticas eram apresentadas no desenvolvimento do método.
Tais atividades deviam ser utilizadas para motivar a criança no aprendizado da bela letra, e o
professor era, então, responsável por apreciar qual recurso era mais adequado à aprendizagem, o
que assinala a responsabilidade do mestre no processo de ensino. Era preciso capacitá-lo para
alcançar os bons resultados. Foi com o desejo de auxiliar na preparação de professores para as
novas questões dos problemas da educação que Orminda elaborou um livro que seria utilizado
como um manual para a aprendizagem da bela letra.
3.2. Prescrições de bom comportamento: A psicologia individual e a escola
A psicologia individual, a teoria mais consequente da atitude do
indivíduo ante a vida em comunidade, psicologia social por conseguinte
forma do caudal de conhecimento do intelectual e do pensador, a teoria
do sentimento de menosvalia (complexo de inferioridade) é a chave que
não pode prescindir o psicoterapeuta e o pedagogo para a compreensão
dos indivíduos nervosos criminosos, dipsomanos, pervertidos sexuais e
crianças dificilmente educáveis (MARQUES, 1939, p.9).
Com essas palavras, Orminda inicia o artigo apresentado na Revista Educação da
Associação Brasileira de Educação – ABE, em maio de 1939. O título da publicação A
psicologia individual e a escola (resumo do livro do Profº Alfredo Adler), apontava que o artigo
originou-se de um ciclo de palestras realizadas em 1928 pelo autor, que culminou na publicação
da obra.
140
140
Adler era docente do Instituto Pedagógico de Viena. Formado em psiquiatria, trabalhou durante alguns anos com
Freud. Foi um proeminente psiquiatra, criador da corrente psicológica conhecida como Psicologia Individual.
Introduziu conceitos como sentimento de inferioridade ou, mais popularmente, complexo de inferioridade.
Desenvolveu uma psicoterapia flexível, de apoio, no sentido de conduzir à maturidade emocional, bom senso e
integração social aqueles emocionalmente deficientes em razão de sentimentos de inferioridade. Entre suas obras
150
No início do texto, a educadora salienta que a leitura da obra era destinada a professores
do ensino primário. Deste modo, ela tentava incorporar as idéias do psicólogo e transmiti-las às
professoras, usando uma linguagem técnica, mas, de fácil compreensão. Assim, com ares de
estudos científicos, ela ressalta a informação de que o psicólogo desenvolveu seu trabalho a partir
de questionários, que lhe permitiu a compreensão e o tratamento de crianças dificilmente
educáveis (MARQUES, 1939, p.9). Ela continua a apresentação indicando com essa metodologia
foi possível elaborar um esquema de tratamento que se amparava na Psicologia Individual, no
indivíduo normal e no patológico (idem, ibidem). Este aparato de pesquisa possibilitava Adler a
apresentar não só discussões, mas também indicava o tratamento para as crianças dificilmente
educáveis (MARQUES, 1939, p.9). Nesse sentido, Orminda analisava que o método transpunha
as questões teóricas e, mais que isso, permitia a utilização na vida escolar.
A autora apontava ainda que o trabalho sofreu adaptações para ser aplicado no âmbito da
escola. A Psicologia Individual, base da metodologia, aparecia como possibilidade de
entendimento da natureza infantil. Para Adler, era necessário entender os problemas de cada um,
para então tratá-los individualmente. Esse conhecimento era apresentado por Orminda como
ferramenta de trabalho do professor. A exposição feita pela educadora cumpre essa finalidade:
ressaltar que a aplicação das técnicas facilitavam o trabalho didático-pedagógico. A par desse
conhecimento, o professor poderia executar mais eficientemente seu trabalho em sala de aula,
pois possuía a compreensão do seu objeto de trabalho: a criança.
Vale a indagação nesse momento sobre quais aspectos eram considerados para que o
trabalho fosse recomendado ao público a que ele se destinava. Ao que parece, para ser indicada
como uma boa leitura para professores, era preciso que esse sentido da renovação educacional
estivesse impregnado no texto. Bastos (2005a), em estudo sobre a Revista do Ensino do Rio
Grande do Sul, mostra como os editoriais fomentavam os ideais de renovação educacional, e
como estes modelavam a prática docente: (...) voltados para a mobilização docente, os editoriais
falavam do professor e para o professor como objetivo de fortalecer em cada educador, a
consciência integral da sua função e deveres (...) (op.cit. p.120). Usando a mesma estratégia,
destacam-se os trabalhos Estudo sobre a inferioridade orgânica, em 1907, e Sobre o caráter neurótico, em 1918,
entre outras. A esse respeito, ver: http://.cobra.pages.nom.br/ecp-adler.html.
151
Orminda se utiliza de um discurso de professor para professor, ao apresentar o trabalho do
psicólogo.
Servir-se de uma linguagem compreensível aos professores era um modo de aproximar o
texto a quem ele se destinava. Mostrar semelhanças de ideais traduzia-se em um recurso que
poderia trazer bons resultados. É diante dessa questão, que tenta mostrar que o psicólogo também
acreditava que caberia à escola, e ao professor, preparar os indivíduos para os desafios modernos,
e dar outros rumos para a questão educacional. O destaque dado pela autora aos pressupostos
metodológicos do trabalho do psicólogo indica também as afinidades didático-pedagógicas com o
experimento desenvolvido.
A indicação para que Orminda escrevesse sobre esse livro de Psicologia deve ser
entendida sobre variados aspectos. Primeiramente, a publicação deve ser analisada sob a ótica do
momento em que ela acontece e o lugar em que ela se dá. Sendo assim, deve-se considerar que
Orminda torna-se autora de artigos sobre Psicologia em um momento em que todas as atenções
do campo educacional voltavam-se para essa disciplina. A educação começava a se relacionar
não só com essa ciência, mas também com a Biologia (VEIGA, 2007), pois a difusão de diversos
conhecimentos nestas áreas foram utilizados em prol da resolução dos problemas da educação.
Lourenço Filho, em Introdução ao Estudo da Escola Nova (1978)
141
, sinalizava o modo
como as concepções de aprendizagem se modificaram durante este período: (...) a nova educação
se opõe à antiga. Enquanto a primeira se fazia, (...) de fora para dentro, esta pretende fazer-se
de dentro para fora, de modo a incorporar-se à individualidade do aprendiz (p.71).
Imersa nesse contexto, Orminda, uma professora de professores, entendia que esses
conhecimentos eram fundamentais para os docentes do ensino elementar. Do mesmo modo,
escrever esse artigo também era uma tentativa de levar aos professores deste segmento de ensino
os estudos mais modernos sobre educação daquela época. É com esse pano de fundo que a
educadora realizou sua publicação. Esse período traz subsídios para a análise de questões
pontuais neste estudo sobre a obra de Orminda Marques: quais perspectivas e quais concepções
sobre a infância são apresentada na publicação? Por que a educadora é convidada para escrever
sobre este livro? Quais as finalidades da Revista Educação? Quais os meios em que a revista
circulava? Qual os assuntos que ela privilegiava?
141
A obra consultada é a 11ª edição, contudo a primeira edição data da década de 1930.
152
3.2.1. O comportamento infantil nas páginas do artigo
No artigo A psicologia individual e a escola, aparecem dois tipos de crianças dificilmente
educáveis: as mimadas e as odiadas (MARQUES, 1939). Indicando a inabilidade das famílias,
ela assinalava que essas personalidades formavam-se no âmbito familiar e, por ser a escola um
prolongamento do lar, as reações comportamentais repetiam-se nesse espaço (idem, ibidem). Ela
aponta que todo esse quadro comportamental dependia, basicamente, desse primeiro contato
social que a criança tinha com os grupos, e essas situações aconteciam no seio familiar. A
principal causa desses distúrbios estava estritamente ligadas a uma incorreta relação social com a
mãe (idem, ibidem). Sendo a mãe a principal responsável pela educação dos filhos, era
responsabilizada também pelo que não estivesse dentro dos padrões esperados. Era preciso,
então, que professores estivessem habilitados para não só tratar desses problemas no âmbito da
escola, mas também, para auxiliar os pais nesse cuidado.
Pela larga experiência no cotidiano das relações escolares, tornava-se fundamental
assinalar ainda que os maus comportamentos significam que as crianças estavam pouco
preparadas para a vida escolar. Caberia ao professor reconhecer as manifestações de
personalidade para tratá-las e estabelecer a boa convivência nas situações de sala de aula. Ao que
parece, essa questão dá sentido à apresentação desse tema aos professores do ensino fundamental.
A leitura do artigo deveria auxiliar o professor a lidar com alunos que apresentassem problemas
nas situações de sala de aula, mas não era de interesse da educadora prescrever que os docentes
sanassem as patologias da alma infantil, pelo contrário, afirmava que era preciso cuidar desses
comportamentos quando eles se manifestassem nas relações com o grupo escolar.
Segundo Bastos (2005a), é possível observar que esse tipo de preocupação em capacitar os
professores na resolução dos problemas do comportamento infantil é freqüente em revistas e
publicações destinadas aos docentes. Como evidenciado pela autora, essas questões surgem em
função da mudança de paradigma em relação ao processo ensino-aprendizagem. Transmitir
conhecimentos perdeu o lugar no mundo acadêmico, enquanto a prática de educar ganhava
centralidade: cabia ao professor adquirir conhecimentos especializados que lhe permitissem
melhor conhecer a “arte de educar” e a “entidade viva e central da escola – o aluno” (op.cit,
p.155). Era necessário, portanto, habilitar o mestre na percepção do pequeno aprendiz como ser
social e individual.
153
A partir dessa nova concepção, as ciências – como a Biologia, a Psicologia, a Sociologia e
a Medicina – passam a ser utilizadas para compreender a criança sob vários aspectos. Era
necessário adequar o comportamento individual e o social para que fosse possível estabelecer
melhores condições de vida em sociedade. Tratar a criança significava cuidar mais precocemente
dos problemas, isto é, sanar o mal em sua origem.
Por trás dessas condutas talvez houvesse o desejo de normatizar o comportamento infantil
e a ação do mestre, para que munidos deste novo padrão, fosse possível alcançar o progresso
social. Modelar os procedimentos, as técnicas, os métodos significava abandonar o empirismo e
imprimir cientificidade ao trabalho pedagógico. Nas palavras de Faria Filho (2001), observa-se
uma nova constituição do corpo bio-psiquico-sociológico (op. cit .p.45) que atravessava as
prescrições para escrita e leitura, passava pelas metodologias de sala de aula e chegava até a
racionalização do comportamento infantil.
Tal perspectiva é incorporada pela educadora ao rotular, separar e descrever as
características de cada grupo. Com o objetivo de ajudar o professor a reconhecer cada tipo, ela
informa que as crianças do primeiro grupo – mimadas – poderiam ser reconhecidas pelos
seguintes traços: são filhos únicos, primogênitos, o filho entre várias filhas, uma filha entre
vários filhos, o filho adotivo (...) são crianças que só recebem nunca dão (...) a criança mimada,
como toda criança, só se interessa por si mesma (...) (MARQUES, 1939, p.10).
A culpa pela falta de integração com outros familiares era atribuída à mãe, que não
proporcionara situações que pudessem modificar essas condutas. A patologia apresentava-se na
medida em que esse isolamento no ambiente escolar produziria uma criança desajustada,
dificilmente educável, enfim, uma criança problema (MARQUES, 1950).
Sobre as crianças odiadas, a educadora assinala serem as que sofriam de ausência de amor.
Para ela, estas seriam as órfãs, enjeitadas e os filhos ilegítimos. Essa carência do afeto no
ambiente familiar ocasionaria crianças desajustadas (MARQUES, 1939, p.10) socialmente. O
tratamento para essa patologia deveria ser fornecido pela escola, de modo a corrigir a criança
desajustada em condições de vida e de ambiente, onde ela desenvolva o sentimento ao próximo
adaptando-se cada vez mais a vida social (op. cit. p.11).
Mostrando a onipresença da instituição escolar, a educadora assinala que era dever da
escola tratar também a mãe que tivesse filhos com condutas inadequadas. Seria a Psicologia
individual a ferramenta capaz de melhorar essas relações. Como ela ressalta, a psicologia
154
individual age como norma de reajustamento social. E a escola cabe a tarefa de levar a criança
a compreender melhor os problemas da vida (MARQUES, 1939, p.11). Tal aspecto apontava
para a crença de que o professor, munido desse conhecimento, seria capaz de transformar a
realidade social.
Com a intenção de prescrever e fomentar a ação docente, destaca que seria do mestre a
incumbência de levar a criança em busca do fim da superioridade na parte útil da vida e não sob
ficções na parte inútil. Corrigir crianças dificilmente educáveis é prevenir as neurosis e psicoses,
a dipsomania, as perversões sexuais, os crimes e os suicídios (op. cit. p.11). O discurso que
colocava nas mãos do professor a tarefa de conhecer a alma infantil para, então, libertá-la da
degeneração social, era freqüente também no periódico analisado por Bastos (2005a). Segundo a
autora impunha-se como uma necessidade primordial o conhecimento da criança de seu modo de
peculiar de pensar, agir e sentir, de acordo com as diferentes fases de seu desenvolvimento (op.
cit. p.156).
O professor, juntamente com médicos e pais, deveria ser responsável pela formação do
caráter da criança. Cada um em seu campo de atuação ficava com a incumbência de tratar a
natureza infantil para formar as gerações futuras. Existia o desejo de profilaxia mental (BASTOS,
2005a) para a formação da raça. Atrelada ao discurso médico, a idéia de limpeza e higiene mental
era difundida como garantidora de formação de indivíduos mais ajustados socialmente. Era
freqüente que, nos editoriais, esses temas fossem escritos por médicos ou professores que
dispunham de conhecimentos nesses aspectos. Como ressalta a autora na Revista de Ensino, os
artigos ficavam a cargo de profissionais do Departamento Estadual de Saúde Pública e docentes
da Universidade de Porto Alegre (idem, ibidem).
Outro periódico que apresenta a mesma preocupação da modelação social pela escola é o
editorial Traço de União, publicado pelo Colégio Jacobina. Segundo Caruso (2006), em meados
da década de 1920 foi criado um espaço fixo e específico na revista que tinha como objetivo
disseminar o ideário escolanovista adotado pela instituição de ensino (op. cit. p.59). A autora
aponta que durante aquela época o periódico anuncia a criação dos Círculos de Pais e
Professores, que tinham a finalidade de tratar da cooperação da família na educação (...) pois,
estava nas mãos desta o remodelamento do país (...) [acreditava-se] serem aliadas em potencial
para seu propósito de educar cientificamente as crianças de forma higiênica, sobretudo para que
pudesse se adequar a um modelo urbano (...) (CARUSO, 2006, p.59).
155
Há de se considerar que o artigo elaborado por Orminda mostra sintonia com o
movimento de renovação educacional. Fosse nas prescrições e recomendações para os
professores, ou na intenção de sanar os desajustes da alma infantil, o discurso da educadora
evidencia que o cuidado com a infância traria melhores condições de vida em sociedade. É
preciso ressaltar que esse tipo de tema impregnava as publicações editoriais, fossem livros ou
periódicos destinados a professores, havia o reforço da concepção de que o progresso da nação
viria pelas mãos da educação. De acordo com as questões de seu tempo, Orminda segue a mesma
orientação teórico-metodológica de outras publicações e mostra, por intermédio das orientações,
o desejo de interditar, autorizar e legitimar cuidados com as crianças (MIGNOT, 2002, p.205).
Educar tornara-se função de especialista, pois era preciso instruir, capacitar, legitimar e modelar a
ação pedagógica para o trato com a criança. A empiria tornara-se coisa do passado, cedendo lugar
ao estudo do comportamento infantil pelo atalho da ciência, tendo como contexto o ideário social.
Por outro lado, a experiência da educadora foi um diferencial para que ela se tornasse
autora do artigo citado – os vários anos de magistério, a direção da Escola Primária, os
experimentos de caligrafia muscular e a publicação do livro A escrita na escola primária, enfim,
o cabedal de conhecimento de que ela dispunha no âmbito da educação. Em contrapartida, ainda
que esta experiência fosse legítima, há de se avaliar o espaço em que esta publicação ocorre.
A educadora havia se filiado à ABE em 1926, portanto, deste período até 1939, eram
treze anos de instituição. Mais do que a larga experiência no campo educacional, esse espaço era
dividido com antigos companheiros do Instituto de Educação, como é o caso do educador
Lourenço Filho, que naquele período ocupava a função de Diretor do Conselho Editorial da
Revista Educação.
142
Em função disso, pressupõe-se que Lourenço tenha sido, outra vez, o legitimador dessa
publicação. Há muito ele conhecia o trabalho da educadora e, talvez, identificasse nela
capacidade teórica e metodológica para escrever aos professores do ensino elementar.
Empregando a expressão utilizada por Peres (2005), pode-se supor que o educador considerasse
Orminda uma especialista no desenvolvimento infantil (idem, ibidem). Para a autora, esse novo
perfil de professor surgiu em função da necessidade de compreender a criança sob a ótica da
142
Lourenço também estava envolvido com os estudos sobre Psicologia no Brasil, como ressaltado por Penna (1997),
ele era o maior historiador de psicologia do Brasil (op.cit. p.14). Vê-se, então, que esse assunto não era tratado com
amadorismo na revista, havia o parecer de um estudioso na área. Fosse nas publicações sobre os Testes ABC ou na
implementação do laboratório de Psicologia na Escola Normal do Ceará, o educador mantinha estreita relação com
esses estudos.
156
Psicologia Educacional. Considerando essa perspectiva, é possível que a educadora tenha se
tornado, então, indicada para escrever aos professores sobre o comportamento infantil.
Considera-se que essa indicação para prescrever as atitudes dos professores com as
crianças nas páginas da revista assinale para duas questões: a primeira refere-se à crença da
educadora sobre a capacidade da ação pedagógica na mudança do comportamento infantil; a
segunda aponta a infância como algo a ser modelado, remodelado e prescrito.
3.2.2. A Revista Educação e o Conselho Diretor da ABE
Os artigos publicados por Orminda na Revista Educação são apresentados em duas
edições. A primeira parte foi apresentada na revista nº 2 de maio de 1939 e a continuação do
trabalho acontece na revista nº 3 de agosto do mesmo ano. O periódico tinha publicação
trimestral e os temas apresentados eram variados, entretanto, discorriam sobre o mesmo assunto:
a formação e a preparação do professor primário. O enunciado A união e o ensino primário, de
Margareth Culkin, que abria a edição nº 2 do periódico, indicava que o problema do ensino
primário esta[va] na ordem do dia (...). Era preciso capacitar professoras para a reflexão do
trabalho docente, como mostrava o artigo apresentado pela autora. No mesmo periódico, as
discussões sobre os procedimentos metodológicos eram apresentados pela professora Juraci
Silveira, com o tema A linguagem na Escola Primária.
No exemplar de nº 3, em que Orminda apresenta a continuação de seu estudo, a temática
sobre a formação do professor primário ainda está presente. No intento de informar sobre as
questões da educação, em O problema dos trabalhos manuais, Venancio Filho afirmava que o
artigo 131 da Constituição diz textualmente [que] a educação física, o ensino cívico e os
trabalhos manuais serão obrigatórios em todas as Escolas Primária, Escolas Normais e
Secundárias (VENANCIO FILHO, 1939, p.17). Segundo ele, era preciso habilitar os professores
não só com técnicas, mas também com questões que trouxessem conhecimento sobre diversos
assuntos no âmbito educacional.
Seguindo esse intento, percebe-se que, desde a apresentação das fotografias que
compunham as capas, o editor denunciava seu objetivo: trazer discussões sobre os problemas que
cercavam o ensino elementar.
157
Capas da Revista Educação publicada pela ABE
em maio e agosto de 1939, respectivamente.
Na primeira fotografia, os uniformes indicam se tratar de um curso de formação de
professores. A segunda mostra um aluno escrevendo no quadro dizeres sobre a bandeira nacional.
Ambas reportam-se ao assunto de destaque na publicação: ensino primário. Fosse em relação à
formação de professores ou sobre práticas pedagógicas, a publicação indicava através da capa o
tema que ganharia destaque na revista. Pode-se dizer que essas fotografias eram estratégias para a
aproximação do público a que ela se destinava, afinal, como ressaltado por Carvalho e Toledo
(2004), publicações destinadas a professores haviam se tornado um bom negócio.
Há de se considerar que as fotos que compõem a capa tinham a finalidade específica de
revelar os temas abordados. Caruso (2006), ao estudar o periódico Traço de União, escrito pelas
alunas do Colégio Jacobina, observa que as capas das publicações modificam-se na medida em
que há mudança em relação aos temas abordados, pois, segundo sua classificação, as capas são
geradores de identidade (p.96), portanto, a identificação do leitor com o periódico se inicia pela
capa.
Condutas, métodos, eventos, obras relacionadas à educação, todos esses temas podem ser
sugeridos a partir das fotografias que apresentavam as publicações, entretanto, ao observar a
contracapa, o leitor era também informado sobre os responsáveis pela revista. Juntamente com
Orminda, que fazia parte do Conselho Diretor do periódico desde sua fundação em 1939, outros
158
membros também dividiam com ela essas responsabilidades, entre eles, Alair Accioli Antunes,
Arthur Moses, Candido de Mello Leitão, Clóvis do Rego Monteiro, Ceição de Barros Barreto,
Celso Kelly, Euclydes Roxo, Frota Pessoa, Mario Brito, Milton C. Rodigues, Nelson Romero,
Octavio Martins, Antonio Carneiro Leão, Anna Amélia Carneiro de Mendonça, Celina Padilha,
Francisco Venancio Filho, Ignácio Rolim, Juracy Silveira, Mendonça Molina, Olinto Oliveira e
Vera Street. A diretoria da Revista era composta por A. R. Cerqueira Lima, Lourenço Filho,
Branca Fialho e A. Menezes de Oliveira. Na Comissão de Redação estavam Carneiro Leão e
Celso Kelly, entre outros.
Orminda passou a fazer parte do Conselho da ABE em setembro de 1926. Como
observado pela Acta da 9ª Sessão do Conselho Diretor no Dispensário Azevedo Lima, Avenida
Almirante Barroso, 54.
143
A sessão presidida por Alice Carvalho de Mendonça contava também
com a participação dos educadores Mario de Paula Brito, Armanda Álvaro Alberto, Branca
Fialho e Maria Luiza Camargo de Azevedo. A reunião tinha em pauta o anúncio da escolha dos
vinte membros escolhidos para compor o Conselho. Dentre eles, destacam-se Manoel Amoroso
Costa, Heloisa Torres, André Dreyfus, Annita Sussekind de Mendonça, Dina Feisher, Frany
Martins de Andrade, Laura Xavier da Silveira, Alice Lamar, Carlos Chambelland, Maria Augusta
Pimentel Bittencourt, Salvador Fróes, Alfredo Cesário de Faria Alvim, Zélia de Oliveira, Antonio
Victor de Souza Carvalho, Laura Jopper, Elvira Nizinska da Silva, Helena Medeiros Ayres de
Mendonça e Adelaide Lucinda de Moraes.
Considerando essas informações interessa-nos compreender o que significou para a
educadora pertencer ao Conselho Diretor e anos mais tarde participar da Revista Educação.
Seguir esta análise é considerar o que é proposto por Ginzburg (1998), isto é, buscar pistas para a
compreensão do percurso de legitimação da educadora no campo educacional. É preciso também
assinalar sobre as questões que estiveram em pauta durante os anos em que pertenceu à
instituição.
Como assinalado por Mignot (2002), pertencer à entidade significava fazer parte de uma
instituição que debatia seus estatutos (...) elegia prioridades (...) delineando as ações que
contribuiriam para chamar a atenção das causas da educação (...) assim, as educadoras ali
reunidas se qualificaram como as profissionais mais competentes para interditar, autorizar e
legitimar os cuidados com as crianças (p.204-5).
143
Localização do documento no acervo da ABE. ABECD 266.DOC.
159
Estar naquela instituição, e mais especificamente pertencer ao Conselho Diretor, talvez
tenha sido o elemento desencadeador de toda a trajetória da educadora a partir de 1926. Como
membro da ABE, participava de reuniões, conferências, debates, enfim, tinha um envolvimento
intenso com as questões que norteavam os problemas da educação. Pressupõe-se, então, que fazer
parte do Conselho Diretor significava identificação com a instituição, preparação e competência
para o cargo e, mais que isso, que ela tinha um envolvimento anterior na educação. Em função
dessas informações pode-se considerar que, desde finais de 1926, Orminda já mantivesse uma
estreita relação com o compromisso de educar, pois foi em função desse preparo que ela foi
aceita como membro do Conselho Diretor.
Compreender a trajetória de Orminda pressupõe o entendimento do significado de se
tornar um membro do Conselho e, além disso, as finalidades de atuação da ABE no campo
educacional. Sendo assim, é necessário assinalar a importância do Conselho Diretor nas tomadas
de decisão sobre a instituição. Como forma de contribuir para esta análise, é importante destacar
o trabalho de Carvalho (1998), em que a autora em estudo sobre a instituição, elege como fonte
as atas do Conselho e da Diretoria. As análises desses documentos permitiram-lhe observar os
embates e as cisões entre os membros para as definições dos objetivos da instituição. Foi também
por intermédio desses documentos, que a pesquisadora pôde observar propostas discrepantes
sobre três questões que sustentavam os pilares da instituição: a competência estatal em matéria
de educação, a polarização regionalização x uniformização do ensino, a orientação leiga ou
religiosa do ensino (op. cit. p .212). Pode-se dizer que o órgão era o espaço em que esses
educadores se dispunham a discordar e propor sobre as diretrizes da educação. Nesse sentido, o
trabalho da autora auxilia na compressão da importância do Conselho Diretor dentro da ABE.
É preciso assinalar que as divergências entre os membros do Conselho instalavam-se em
função das finalidades que a instituição almejava em relação às decisões sobre a educação, mas
não se pode negar que, ainda que existissem desencontros de opiniões, o grupo de educadores que
pertencia à instituição era formador da opinião pública. Como assinalado por Heitor Lyra, órgão
legítimo de opinião das classes cultas, prontas a colaborarem perfeita harmonia com os
governos e aplaudir-lhes os acertos, mas capazes de falar-lhes de frente, (...) e de defender
vigorosamente, neste terreno, os grandes interesses do Brasil (LYRA apud CARVALHO, 1998,
p.214).
O período em que Orminda permaneceu na instituição foi marcado por um intenso
160
contato com as questões do campo educacional. Talvez tenha sido determinante para que
estabelecesse ou até modificasse suas posições em relação aos problemas da educação. Nessa
fase, que teve duração de 16 anos, ela pôde assistir ou participar de mudanças que colocavam em
xeque os objetivos da instituição.
Nesse espaço de tempo, de 1926 até 1942, pressupõe-se que Orminda tenha participado de
eventos importantes para a história da ABE. Ao entrar para a instituição, criada há dois anos, por
iniciativa dos educadores Heitor Lyra, Everardo Backeuser, Edgar Süssekind e Francisco
Venancio Filho, Orminda deparou-se com uma ABE que havia nascido com os objetivos de
promover no Brasil a difusão e o aperfeiçoamento da educação em todos os ramos e cooperar
em todas as iniciativas que tendam, direta ou indiretamente, a esse objetivo (ESTATUTOS –
ABE apud CARVALHO, 1998, p.54).
No desenrolar dos anos, Orminda também assiste à grande publicidade em torno da
questão educacional que se dá na instituição em 1927. É neste mesmo período que a entidade
promove a primeira Conferência Nacional de Educação, com o intento de fazer propaganda da
causa educacional e concomitantemente promover a unidade nacional (...) (CARVALHO, 1998,
p. 59). Nessa época também têm início as divergências entre os grupos liderados por Ferdinando
Labouriau e Fernando Magalhães. O primeiro, amparado sobre as bases cívicas, valorizava a
educação tradicional e pregava as virtudes como ordem e trabalho, permeadas por uma
propagação da fé católica, da esperança e da caridade (idem, ibidem).
O segundo grupo, liderado por Magalhães, diferenciou-se pela valorização do dinamismo,
que neles vem reiterado como energia, força velocidade, elementos propulsores daquilo que
seria uma nova mentalidade brasileira (CARVALHO, 1998, p.61). Ambos os grupos elegiam o
civismo como fim, entretanto, os meios é que colocavam em questão as posições de cada grupo.
Na prática, essas concepções sobre civismo assumiam contornos diferentes: a primeira exaltava a
moralização da escola; e o segundo voltava-se para a questão da valorização do homem brasileiro
(idem, ibidem).
A ruptura entre os grupos, no início de 1931, também colocava em xeque a posição dos
membros da entidade. Segundo Mignot (2002), esse rompimento acontece em função da
possibilidade de elaboração de um plano nacional de educação. De um lado se punham os
católicos que defendiam a escola como instituição responsável em transmitir valores, verdades,
doutrinas, do outro os pioneiros que defendiam que a escola acompanhasse as mudanças, se
161
adaptasse à novas exigências, permitindo que os alunos chegassem a verdade por meio do
trabalho e da solidariedade vivenciada (op.cit. p.227). Como assinalado pela autora, o pomo da
discórdia (MIGNOT, 2002) era o ensino religioso nas escolas. Enquanto um grupo acreditava
que os valores da religião eram imprescindíveis na formação, o outro grupo defendia uma escola
laica.
Tal efervescência culminou na elaboração do Manifesto dos Pioneiros, que coroava a
defesa por uma escola laica, gratuita e democrática. Em oposição a esse movimento, diversos
educadores que defendiam os ideais católicos deixaram a instituição. De acordo com Mignot
(2002), os danos dessa saída foram irreparáveis para a entidade, pois esse grupo fundou a
Associação de Educadores Católicos que iniciou uma campanha contra as iniciativas da ABE
(idem, ibidem).
Em função dessas questões, fazem-se necessárias algumas indagações: com qual grupo
Orminda se identificava? Terá ela sofrido pressões dentro da instituição? Como terá sido sua
relação com o grupo com que menos simpatizava? A falta de documentos não permite que sejam
dadas respostas a todas as perguntas, entretanto, pode-se afirmar que, em princípio, Orminda
identificava-se com o grupo de educadores que permaneceu na ABE, pois seu nome figura até
1942 como membro do Conselho Diretor da Revista Educação.
O fato de pertencer à instituição, e mais especificamente figurar por 16 anos como
membro do Conselho Diretor, permite entender que Orminda fazia parte do seleto grupo de
educadores que prescreveram modelos de condutas, padrões comportamentais sob uma ótica
moralizadora, como observou Mignot (2002). Como destacado pela autora, eram educadores
que, em nome do futuro das crianças, vislumbraram a questão educacional para além do âmbito
da escola e com esse objetivo formularam propostas para as famílias, a cidade, tentando moldar
o futuro do país (op. cit. p.205).
Publicar artigos na revista da ABE foi um diferencial para Orminda, considerando-se que,
como autora ela se torna interlocutora respeitada pelos pares. A publicação rende-lhe, ainda, a
legitimação como autora recomendada pela instituição.
3.3. A coleção de cadernos Escrita brasileira
Com a saída do Conselho Diretor da Revista Educação em 1942, é provável que ela tenha
162
se dedicado à publicação da coleção de cadernos de caligrafia Escrita brasileira, considerando-se
que Vidal (1998) assinala para a primeira edição dos cadernos em 1944.
A coleção era composta de cinco volumes que deveriam acompanhar os anos do ensino
elementar. Com o material o aluno realizaria atividades de treino da escrita de acordo com o grau
em que estivesse na escola. O conteúdo que compunha os cadernos estava relacionado às
disciplinas apresentadas em cada série. Eram palavras simples para o primeiro ano, sentenças
matemáticas para os anos subseqüentes, frases e pequenos textos para os últimos volumes.
Assim, mais do que exercitar as belas letras, o aluno também adquiria conhecimentos
relacionados aos conteúdos escolares.
Ao que parece, a educadora também elaborou outra coleção de cadernos de caligrafia, que
era destinada ao preparo das crianças para a utilização da coleção Escrita brasileira. A coleção
Brincando com lápis: trabalho preliminar da série Escrita brasileira foi sinalizada pela
educadora na contracapa dos cadernos Escrita brasileira, entretanto, os exemplares dessa coleção
preliminar não foram localizados.
Em princípio, pode-se supor que data da década de 1950, principalmente, a indicação da
educadora como uma autora de obras destinadas à caligrafia. Essa afirmação origina-se em
função da recomendação de sua metodologia pelos órgãos oficiais. Sob o título Providências
sôbre o ensino de caligrafia nas escolas primárias, a resolução de 1952, que constava na
Legislação e nos atos oficiais organizados pelo setor de legislação educacional da Secretaria
Geral de Educação e Cultura, na direção da professora Juracy da Silveira, indicava a utilização da
metodologia desenvolvida pela educadora nas escolas municipais do Distrito Federal:
Considerando que a legibilidade e a rapidez são condições
imprescindíveis à função social (...) o ensino de caligrafia muscular,
baseados em movimentos coordenados e ritmados, é capaz de interessar
vivamente à crianças. Considerando ainda, que êsses movimentos,
através de desenhos esquemáticos e acompanhados de música constituem
excelente atividade para as crianças que apresentam dificuldade na
aprendizagem da escrita. Recomendo que, em toda as series
principalmente nas turmas especiais e nas 1ª serie os professores
desenvolvam as aulas orientadas pela diretora Orminda Marques (...)
A metodologia era principalmente indicada para turmas especiais e crianças com
problemas de aprendizagem, em função da utilização da música e dos desenhos gráficos. A
publicação da resolução coincide com o período em que a coleção de cadernos Escrita brasileira
alcançou uma vendagem mais expressiva. Segundo Vidal (1998), a edição de 1952 alcançou uma
163
tiragem de 250 mil exemplares, deixando para trás a edição de 1944, que contou com 11 mil
exemplares publicados. Esses números permitem-nos afirmar que, em função da determinação da
Secretaria Geral de Educação e Cultura, os cadernos de caligrafia tenham sofrido um
significativo aumento das vendas.
Mais do que apenas observar o aumento da vendagem dos cadernos, tais dados devem ser
cruzados com as outras informações no âmbito da educação. Durante esse período, o problema do
analfabetismo continuava na pauta das preocupações dos educadores. Ainda classificado como a
grande chaga nacional (CARVALHO, 1998), a modernização dos meios de produção exigia
domínio da habilidade da escrita e da leitura. Gradativamente, desde o início do século XX, a
decadência da economia cafeeira deixava para trás o trabalho estritamente braçal e exigia
atividades mais cognitivas para o trabalho fabril.
Em função do cruzamento desses dados, pode-se supor que o aumento das vendas também
foi impulsionado pelo tipo de atividades que a educadora propunha na coleção, isto é, como
ressaltado anteriormente, atividades que contribuíam para a aquisição da linguagem e com
conteúdos do currículo escolar.
Considerando-se ainda o cruzamento de dados, observa-se durante este período, a
vendagem de outras coleções de cadernos de caligrafia. Dentre elas, destaca-se a de Francisco
Vianna, que no início do século tornou-se conhecido pelos trabalhos desenvolvidos com
caligrafia vertical. Entre os anos de 1930 e 1940, Vianna volta-se para outra metodologia de
trabalho e publica, pela Editora Melhoramentos, uma coleção de cadernos denominada Caligrafia
Americana, que apresentava os exercícios com caligrafia inclinada (VIDAL, 1998). Segundo a
autora, a coleção era composta por seis cadernos de treino de escrita e um caderno auxiliar.
Estima-se que essa publicação tenha alcançado a vendagem de 60 mil exemplares (idem, ibidem).
Atentar para esses dados permite-nos identificar o que é tratado por Faria Filho (2001) ao
estudar as prescrições para a escrita na escola mineira no início do século XX. Conforme o autor,
ao analisar as metodologias propostas para o ensino da escrita, observa-se que há uma profunda
relação da escola com os processos de mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais que
vinham ocorrendo no mundo naquele momento (op. cit. p.39) e que interferem também nos
modelos previstos para o ensino da escrita. Parece ser este o ponto de contato entre os trabalhos
acima citados: a necessidade do uso social e a utilização no âmbito escolar. Tanto a mudança da
metodologia de trabalho de Francisco Vianna, quanto o reconhecimento pelos órgãos oficiais do
164
trabalho de Orminda, tinham a mesma finalidade: adequar o ensino da caligrafia à utilização da
escrita no meio social.
Edgardo Ossana (2002) chama atenção sobre o modo como era feito o ensino da caligrafia
nas décadas iniciais do século XX. Para ele o ensino da metodologia de escrita estava associado a
questões mais complexas do que a apreciação estética. Na verdade, analisa, a uma intenção de um
disciplinamento do indivíduo como engrenagem social (idem, ibidem). Então, ensinar um tipo de
letra significava, também, conformar o aprendiz dentro de uma lógica socialmente imposta.
Seguindo essa lógica, pode-se afirmar que, a partir dos dados colhidos, a metodologia
proposta por Orminda foi considerada a mais adequada para a utilização na escola primária do
Distrito Federal no início dos anos de 1950. Que pressupostos sociais impulsionaram essa
escolha? Como os exercícios são apresentados? Como a autora prescreve a utilização do método?
Como o ideal civilizatório se incorpora nos exercícios? Que elementos sociais fazem com que
uma professora se torne autora recomendada para a publicação de cadernos de caligrafia?
Examinar esta materialidade significa considerar o que propõe Hernandéz Diaz (2002):
segundo ele, cada objeto nos dice más cosas de los usuários, de la sociedad y la técnica del
momento, de la industria, de los método de ensenãnza empelados. Los objetos hablan, si se eles
deja (op. cit. p.232). Então, dar voz (idem, ibidem) à educadora é também analisar a produção e a
elaboração dos cadernos da coleção Escrita brasileira.
3.3.1. Capa e contracapa: recomendações para o uso dos cadernos
A coleção de cadernos Escrita brasileira, assinada por Orminda, foi publicada entre os
anos de 1940 e 1960
144
,
pela Editora Melhoramentos. Cada exemplar era vendido por Cr$ 2, 00 (dois cruzeiros)
segundo consta à ficha catalográfica. O impresso era feito em papel-jornal, em cores vibrantes.
As letras grandes traziam a indicação do tipo de metodologia em que se desenvolvia o método.
Ao que parece, esse artifício tinha o objetivo de chamar a atenção do leitor.
144
A edição consultada data de 1952.
165
Capa do volume nº 1 da coleção de cadernos
de caligrafia Escrita brasileira.
Ao se observar a capa do caderno, é possível verificar o destaque dado ao nome da
coleção e ao nome da autora: Escrita Brasileira Professôra Orminda I. Marques. Tal evidência
parece sugerir a centralidade da autoria na obra. Mignot (2005a), ao estudar as práticas editoriais
de cadernos escolares de caligrafia, ressalta que habitualmente o nome do autor era evidenciado
indicando a centralidade que tinham no processo de aprendizagem de escrita (op. cit. p.181).
Tratava-se de um autor consagrado, capaz de tecer recomendações e prescrições para a
aprendizagem do conteúdo.
Atentar para os procedimentos metodológicos nos quais a coleção se amparava também
parece ter sido a escolha para a diagramação da capa. Desenhos, letras do alfabeto, a imagem do
quadro-negro, a pauta, a letra inclinada, todos parecem chamar a atenção do leitor sobre o
desenvolvimento do trabalho. Essas informações, combinadas, pareciam indicar que o trabalho
era obra de especialista (BRAGA, 2006).
Havia uniformidade na apresentação das capas dos cadernos da coleção, modificando
apenas o número que indicava a seqüência do trabalho. Em todos os exemplares a informação de
que se tratava de uma Série de cinco cadernos rigorosamente graduados era destacada. Tal
esclarecimento era fundamental, pois apontava os procedimentos em que se desenvolveram o
método, com cadernos de exercícios que respeitavam a graduação da aprendizagem do aluno: do
mais fácil ao mais elaborado, parecia ser esta a intenção do editor ao destacar essa informação.
166
Na capa não há a informação de que a metodologia amparava-se na caligrafia muscular.
Pode-se supor que a ausência desse dado tenha-se mostrado irrelevante. Talvez o editor tenha
considerado dar lugar ao nome da autora e, juntamente, expor as figuras que sugeriam o modo
como o especialista desenvolveu a metodologia. A falta dessa informação, ao que parece, reforça
a afirmativa de Mignot (2005a) de que a centralidade estava na autoria (idem, ibidem).
145
Outro aspecto que é sinalizado é a escolha do nome da obra: Escrita Brasileira. Pode-se
supor que a escolha não foi aleatória. Ao que parece, a nomenclatura tinha duas finalidades: a
primeira, em consonância com o movimento nacionalista ao propor uma metodologia de escrita
que fosse genuinamente brasileira, quer fosse através dos exercícios, da apresentação dos
pequenos textos ou da adequação da metodologia à realidade nacional – o nome arbitrava a favor
da caracterização de uma escrita abrasileirada; a segunda, talvez objetivasse estabelecer um
contraponto com o sucesso editorial da Caligrafia Americana, de Francisco Vianna (VIDAL,
1998). Desse modo, desde o nome, era preciso sinalizar a diferenciação entre as metodologias.
Consciente desse desafio, Orminda recomenda, indica, assinala. Estas parecem ter sido as
intenções ao propor, na contracapa, o modo como deveria ser desenvolvido o trabalho:
[Os] exercícios dos dois primeiros cadernos, especialmente, deverão ser
feitos segundo a marcação, pelo professor, com palavras, palmas,
contagem ou frase musical. Assim, o exercício inicial do 1º caderno
poderá ser feito com a frase “sobe... desce”, ou com a contagem “um...
dois” (a princípio, lentamente), indicando-se assim os movimentos
ascendentes e descendentes do traçado (MARQUES, 1952, s/p).
Com essas prescrições, aconselha os professores no desenvolvimento dos exercícios.
Palavras, palmas, contagem ou frase musical sinalizam a metodologia com que se desenvolvia o
trabalho. Ainda se dirigindo aos professores, ela também descreve os exercícios como
perfeitamente graduados para aprendizagem funcional para a escola primária (MARQUES,
145
Deve-se atentar para o fato de que, desde o século XVIII, na tradição portuguesa, era usual professores tornarem-
se autores de obras sobre caligrafia. Em análise dos Anais das Bibliotecas e Arquivos da Biblioteca Nacional de
Lisboa, foi possível observar que alguns professores tornaram-se autores de cadernos de caligrafia. Em princípio,
pode-se supor que esse aspecto aponta para o fato de que o mestre era, também, habilitado a elaborar manuais de
bela letra. Sobre os nomes de alguns professores, destacam-se Manuel Nunes Godinho, Nova arte calligraphica /
theorica e pratica; José Pereira Maduro, Novo methodo de aprender a escrever com brevidade quase sem auxilio de
preceptor; João de Deus Ramos, Arte de escrita; Miguel Roque do Reis Lemos, Specimes de calligraphia dos
séculos XIV, XV, XVI, XVII; entre outros.
167
1952, s/p). A capa e a contracapa mostram-se, então, como espaço privilegiado para a explicação
pedagógica do trabalho.
A prática de prescrever o desenvolvimento das tarefas na contracapa era usual. Como
assinala Mignot (2005a), era comum encontrar recomendações para a posição em relação ao
corpo, aos braços, as pernas, as mãos e as canetas (op. cit. p.87) nas contracapas dos cadernos.
Ainda que no verso dos cadernos Escrita brasileira, não seja possível assinalar esse tipo de
prática, no mesmo sentido, a autora recomenda a leitura do livro A escrita na escola primária,
também de sua autoria, em que aparecem aconselhamentos em relação à boa postura para o
exercício da escrita e as recomendações sobre os materiais a serem utilizados: (...) os exercícios
constantes dos dois primeiros cadernos são fundamentais, e devem ser praticados a lápis, os dos
3º e 4º cadernos visam o estudo analítico das letras e dos algarismos, e devem ser feitas à tinta
(...) (MARQUES, 1952, s/p).
Percebe-se, na esteira do movimento da Escola Nova, que a produção desses materiais,
com pequenos textos com explicações pedagógicas, tinha como finalidade habilitar o professor
para lidar com a criança. Veiga (2007) explica que essa preparação docente foi um dos obstáculos
a serem vencidos. Segundo ela, todas as inovações não poderiam ser implantadas sem se discutir
a formação docente conforme os preceitos da Escola Nova (op. cit. p.230). Dentre os principais
obstáculos a serem considerados na qualificação do professorado, pode-se destacar a
responsabilidade e extensão de suas funções, o preparo intelectual e técnico; o papel a
desempenhar na Escola Nova; as dificuldades a superar nessa prática (idem, ibidem).
Estabelecendo um contraponto com os cadernos da coleção Escrita brasileira, pode-se dizer que
as finalidades da contracapa não estavam circunscritas à racionalização do método; o discurso
também objetivava habilitar o professor para os novos desafios da educação.
Analisar essa materialidade converge ao que é ressaltado por Hernandéz Diaz (2002) –
(...) las cosas y objetos físícos y materiales de la escuela nos hablan tanto, o más, que la propias
palabras o gestos del maestro o de los niños (op. cit. p.225) –, permitindo a observação das
complexas relações que estavam imbricadas no cotidiano da escola. É em função dessa
possibilidade que se deve assinalar que o exame das contracapas traduz o discurso renovador que
advogava em favor da capacitação do professorado para a compreensão do universo infantil. Por
meio dessa análise, também é possível perceber a importância da atividade docente e a ausência
de autonomia da criança na realização do trabalho, cabendo ao mestre a condução das atividades.
168
Tanto a capa como a contracapa, em suma, os cadernos da coleção Escrita brasileira
podem ser considerados como objetos-memória na perspectiva de Mignot (2006), pois permitem
recordar normas, valores, condutas (...) [e] trazem marcas da aprendizagem e do exercício da
escrita (op.cit. p.1), permitindo, a quem souber perguntar, encontrar respostas sobre as marcas do
tempo e da escolarização (idem, ibidem).
Considerá-los sobre essa perspectiva significa compreender que, por meio desta análise, é
possível verificar como Orminda utilizou-se do ideário escolanovista, incorporando à
materialidade dos cadernos da coleção Escrita brasileira, prescrições, recomendações e
indicações de metodologias da prática pedagógica. Ela foi, pode-se afirmar, uma autora afinada
com o movimento renovador da educação.
3.3.2. Copiar para aprender: os exercícios de caligrafia
Minha amada terra é o Brasil.
146
A frase inicia os cadernos de caligrafia correspondentes aos volumes 3,4 e 5. Para os
outros exemplares, a autora escolhe uma expressão de mesmo sentido: Minha terra é o Brasil.
147
As frases faziam parte dos exercícios de cópia que constavam nos cadernos e deveriam ser
realizados antes das tarefas de cada fase. Ao folhear os cadernos para iniciar as tarefas, o aluno
deparava-se com as frases que declaravam o amor ao país.
Copiar para aprender, esta parecia ser a crença da educadora. Nos exercícios, a autora
propunha o amor ao Brasil, às suas riquezas, às belezas naturais, aos vultos históricos, enfim,
suscitava um sentimento de adoração ao país. Diante disso, a partir do volume 2, outras frases
também são apresentadas para o exercício da cópia: Ordem e progresso - lema de nossa
bandeira; Amazonas, o maior rio do mundo; Brasil, o maior país da América do Sul.
148
Assim,
pela repetição, as crianças traçavam belas letras, ao mesmo tempo em que aprendiam sobre o
país.
O sentido de exaltação ao país em cadernos escolares também é evidenciado por Mignot
(2005b). Ainda que a autora detenha-se à análise das capas e contracapas dos cadernos
elaborados por Manoel Mora para a Casa Cruz, na década de 1930, torna-se pertinente a
observação de como o ilustrador procurava despertar o sentimento cívico-patriótico ao elaborar
146
Frase que compõe o caderno de caligrafia Escrita brasileira, vol. 2, p 2.
147
Frase que compõe o caderno de caligrafia Escrita brasileira vol. 1, p.2.
148
Frases que compõem, respectivamente, os cadernos de nº 3, 4 e 5.
169
tais capas e contracapas. O ilustrador buscava retratar figuras de vultos históricos e de produtos
tipicamente brasileiros, como por exemplo, o café ou o algodão. A autora ainda chama atenção
sobre a aplicação não só nos cadernos, ela pondera: talvez os fabricantes de cadernos escolares
tivessem a mesma preocupação dos editores de livros didáticos e procurassem produzir suportes
da escrita escolar em conformidade com os princípios que visavam despertar o sentimento
cívico-patriótico (op. cit. p.375). Assinala ainda que o culto ao sentimento nacionalista esteve
presente na elaboração de cadernos durante esse período, principalmente durante o governo de
Getúlio Vargas.
Aliás, esse sentimento não estava circunscrito aos objetos escolares. A música e a arte, por
exemplo, mantiveram estreito envolvimento com esses temas. O interesse pelo produto nacional
invadia os refrões das canções. Tanto é que Ary Barroso compôs, em 1939, Brasil/ meu Brasil
brasileiro/ meu mulato inzoneiro/vou cantar-te nos meus versos(...).
149
A canção, que só viria
alcançar sucesso na década de 1950, assinala a mistura de raças ao citar o mulato, a miscigenação
racial. Na verdade, parece denunciar o desejo de criar uma identidade nacional, cantando em
verso e prosa o povo brasileiro.
Na pintura, representações do elemento brasileiro também ganhavam visibilidade
(WITOLANSKI, 2005). Pintores como Tarsila do Amaral, Candido Portinari e Anita Mafaltti,
que deste o início do século traziam representações relacionadas ao povo brasileiro, expõem
obras como A Negra, 1923 e A fábrica, 1933, pintadas por Tarsila. Candido Portinari volta-se
para a elaboração da obra Mestiço, de 1934. Todas as obras mostravam afinidades ao buscarem
representar o que era o Brasil.
Nesse sentido, ao observar a disposição dos exercícios na coleção de cadernos Escrita
brasileira é possível identificar o que foi sinalizado por Julia (2001): (...) os textos normativos
devem sempre nos reenviar às práticas; mais que nos tempos de calmaria, é nos tempos de crise
e de conflitos que podemos captar o melhor funcionamento real das finalidades atribuídas à
escola (op. cit. p.19). Ao analisar as frases que compõem os cadernos, percebe-se como o
discurso de civismo e patriotismo foi incorporado por Orminda ao elaborar a coleção, que
desejava não só fomentar o sentimento nacionalista, mas também corresponder ao que se
esperava como contribuição da escola: construir a identidade do cidadão brasileiro.
As frases que compunham os cadernos mostravam outros objetivos. Afinada com a
149
Consulta realizada no site: http//www.geocites.com.br
170
funcionalidade dos exercícios da escrita, Orminda também apresenta frases que possibilitavam às
crianças assimilar conteúdos sobre História do Brasil e Geografia: Caxias é o patrono do
Exército Brasileiro, Vitória é a capital do Espírito Santo, A ilha Fiscal fica na baía de
Guanabara.
150
Ao mesmo tempo em que copiava, a criança ia não só treinando a bela letra, mas
também incorporando conhecimentos e ampliando seu vocabulário. Os exercícios permitiam que
os cadernos se tornassem um aliado dos conteúdos das disciplinas do ensino elementar com
certas frases que buscavam passar ensinamentos às crianças: Leia muito, mas leia bons livros.
Economizares hoje para têrmos amanhã. A boa letra tem grande importância.
151
Doutrinar, ensinar, guiar e instruir. É possível que tenha sido esta a intenção da educadora
ao elaborar as frases da coleção de cadernos, contudo essa prática era comumente utilizada na
elaboração de cadernos de caligrafia. Como ressalta Mignot (2004), era freqüente o estímulo
moral e religioso nos exercícios de cópia: As acções virtuosas são sempre as mais nobres. O vício
não pode dar a felicidade a ninguém. A primeira communhão é o dia mais bello da vida. Tudo a
Jesus por Maria, tudo a Maria por Jesus (op. cit. p.87). Esteves (2002) salienta o trabalho
realizado por Eleny Mitrulus que relacionou alguns provérbios ditados por professoras para a
prática da caligrafia. Dentre eles destacam-se: Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
De grão em grão a galinha enche o papo. O trabalho é amargo, mas os frutos são doces. De
calar ninguém se arrepende, de falar, sempre (...) (op. cit. p.134).
Parece errôneo imaginar que esse tipo de prática metodológica estivesse presente somente
na elaboração dos cadernos de caligrafia. Anabela dos Santos (2002), ao estudar as funções e os
significados dos cadernos escolares de crianças da 1ª série do ensino fundamental, de
Hortolândia, São Paulo, nos anos de 1998-9, destaca que, logo abaixo do cabeçalho, a professora
colocava frases que deveriam ser copiadas: A fé remove montanhas. Amigo é coisa para se
guardar do lado esquerdo do peito. Somos criaturas de Deus. Exercício físico faz bem à saúde
(SANTOS, 2002, p.77). A autora ainda destaca que as frases eram divididas entre os temas de
exaltação à obediência, à inteligência, à responsabilidade, à perseverança e à simpatia.
O que há de comum entre as práticas de Orminda ao elaborar os cadernos de caligrafia, os
cadernos de caligrafia citados por Mignot (2004) e os cadernos pesquisados por Anabela dos
Santos (2002)? Ao que parece, professores utilizam os exercícios dos cadernos com a intenção de
150
Frases que compõem o caderno de nº 4 e 5.
151
Frases dos cadernos, volumes de nº 2, 3 e 4, respectivamente.
171
que o aluno, ao realizar a tarefa de cópia, adquira conhecimentos, ao mesmo tempo em que
valores de formação moral ou religiosa são incutidos por intermédio da escrita.
Tais exercícios prescritivos podem ser classificados, segundo Chartier (2002), como
dispositivos, isto é, um conjunto de ações disciplinadoras que são legitimadas e incorporadas nos
espaços escolares. Para a autora, por essa categorização, podemos atingir não a episteme de um
tempo, a história dos saberes discursivos, mas a história das práticas sociais (op.cit. p.13). Deste
modo, ela acredita que essas práticas estão imersas em um emaranhado de ações que regulam os
comportamentos e os modos de agir dos sujeitos.
Considerando essas análises, observa-se que Orminda não se preocupava somente com as
formas das belas letras, ainda que fossem sinônimos de civilidade (MIGNOT, 2004). Era preciso
também possibilitar ao aluno o contato com uma aprendizagem formativa e informativa através
das técnicas de escrita. Em função disso, deve-se atentar para o tipo de escola que legitima essa
metodologia e esses saberes. Na esteira da definição dada por Veiga (2007), pressupõe-se que tais
metodologias são legitimadas em função de que o movimento escolanovista, que marca esse
período, é permeado pela percepção definitiva de que a escola é o espaço privilegiado para
instruir e educar os futuros cidadãos e membros da sociedade (op. cit. p.217).
Afinado com esses pressupostos, os cadernos, fossem de caligrafia ou das lições escolares,
contribuíam com os aspectos formativos da criança. Tal perspectiva assinala a crença de que o
espaço da escrita no caderno escolar pode ser um meio de incutir valores morais e sociais. Sendo
assim, tornava-se aliado na tarefa de preparação do indivíduo para a vida em sociedade.
Mas seria essa a função social atribuída aos cadernos e aos exercícios? Para alargar essa
discussão, torna-se necessária a citação do estudo realizado por Jean Herbrard (2001) sobre o
espaço gráfico dos cadernos escolares. Para ele, a função da escrita no espaço escolar é ordenar o
tempo (idem, ibidem). Os exercícios que compunham os cadernos ajudavam a habituar a criança
a ordenar tarefas, à passagem do dia, enfim, eles vão ordenando o espaço e o tempo do trabalho
escolar nas três dimensões de suas páginas (op. cit. p. 137). Cadernos escolares e seus
exercícios, desde meados do século XIX, fazem parte da organização do tempo escolar
(HERBRARD, 2001) sugerindo uma estreita relação entre ambos.
Pode-se supor que os cadernos de caligrafia também fizessem parte dessa categorização e,
conseqüentemente, também auxiliassem na organização do tempo para as tarefas escolares.
Ressaltando a importância do caderno para as práticas escolares e assinalando sua função social e
172
pedagógica é preciso indagar: que elementos presentes na coleção de cadernos de caligrafia
Escrita brasileira tornam-no um suporte de escrita que também auxiliava no tempo escolar?
Supõe-se que a coleção, e mais especificamente os exercícios, foram legitimados no
âmbito escolar na medida em que também se dispunham a complementar os conteúdos
programáticos e não só proporem exercícios de repetição e de cópia de letras. Tais características
podem ainda ter contribuído para que eles também se tornassem necessários à organização do
tempo escolar. Talvez tenha sido esse o diferencial da grande vendagem da coleção; imagina-se
que para os modelos pedagógicos da época era um método satisfatório, porque iam além da cópia
pela repetição.
Considera-se que, para além da funcionalidade da metodologia amparada na fisiologia dos
movimentos do braço e do antebraço, e do discurso formativo e informativo, a autora também
mostrava preocupação em apresentar diversificação de situações para o treino do exercício; pode-
se afirmar que havia peculiaridade nos exercícios propostos. Para que o aprendiz entrasse em
contato com as variadas formas de escrita, ela não se esquece de elaborar atividades em que o
aluno pudesse realizar o treino com a letra mecanográfica: Não basta procurarmos fazer nossos
trabalhos certos. É preciso que nos preocupemos em apresentá-los com melhor aspecto possível
(...). A atividade consistia na escrita da frase, pelos pupilos, passando da letra de máquina para a
escrita, com o uso da caligrafia muscular. Talvez ela acreditasse que esse tipo de desafio pudesse
apresentar-se ao aprendiz em sua vida cotidiana, logo, era preciso prepará-lo para esse tipo de
situação.
As atividades que apresentam esse sentido não ficam circunscritas aos conteúdos de
Português, História ou Geografia. Nos cadernos há também a preocupação da aprendizagem da
escrita dos numerais. A partir do volume 1, as páginas finais dos cadernos são dedicadas aos
exercícios de Matemática: 8-7=1; 8=5+3; 7+4-5=6; ¼ de 8=2.
152
As tarefas apresentam
aumento gradativo em relação de dificuldade, iniciando-se com cálculos de subtração simples
para os exercícios do volume 1, terminando com tarefas mais elaboradas, como por exemplo,
divisão fracionária.
Exercitar a bela letra, educar e instruir. Ao que parece, estas foram as intenções de
Orminda ao elaborar os exercícios que compõem a coleção dos cadernos de caligrafia Escrita
brasileira. Pode-se supor, também, que tais preocupações foram o diferencial de seu trabalho. A
152
Exercícios dos cadernos de caligrafia nº 1, 2 e 5, respectivamente.
173
coleção estava em conformidade com o cotidiano da escola primária e, mais que isso, sua
elaboração provinha de estudos realizados pela educadora nos anos que dirigiu a Escola Primária
do Instituto de Educação, o que o tornou um trabalho com pretensão científica. Talvez tenham
sido esses os elementos que contribuíram para que o trabalho fosse legitimado nas escolas
públicas, e essa legitimação possa ser atribuída ao fato de que o método atendia às perspectivas
do ensino de caligrafia durante aquele período porque auxiliava na modelação e na formação do
comportamento infantil.
O título copiar para aprender sugere a compreensão de como, por meio da escrita,
Orminda objetivou que os pequenos aprendizes incutissem os valores morais e sociais presentes
nas primeiras décadas do século XX. Assim, a análise dessa coleção de cadernos permite
vislumbrar as concepções de uma educadora que acreditava ser papel da escola preparar os
jovens para os desafios impostos pela modernização do país. Em função disso, escreveu a Escrita
brasileira composta por exercícios formativos e informativos, ligada às disciplinas escolares.
174
A legitimação de Orminda Marques no campo educacional: considerações finais
É preciso finalizar este trabalho. Guardar arquivos, embalar documentos, devolver
materiais. Encerrar alguns assuntos, escrever algumas conclusões e despedir-me de Orminda.
Olhando para trás, nesses dois anos e meio de mestrado, recordo-me do início da trajetória de
pesquisa: as questões suscitadas a partir das aulas de Cultura Material da Escola, o
amadurecimento do tema e a descoberta da coleção de cadernos Escrita brasileira.
Com isso, surgiram as primeiras indagações: por que uma educadora publica cadernos
de caligrafia? O que teria possibilitado Orminda escrever esses trabalhos? Como seriam os
cadernos de caligrafia? De que forma eram apresentados? Que tipo de formação teria recebido a
educadora?
Diante da pesquisa realizada, encontrei algumas respostas para essas questões. Ressalto
que foi possível entender que Orminda publicou a coleção de cadernos de caligrafia Escrita
brasileira porque, sendo uma educadora envolvida com a formação e a preparação de
professores, produziu materiais que puderam ajudar as docentes não só com o treino da escrita,
mas também com atividades de Linguagem e conteúdos de História e Geografia. Desse modo, ela
elaborou uma coleção de cadernos que reunia em seus exercícios tais objetivos.
Pelas pistas que segui, acredito que Orminda tornou-se uma autora consagrada e com
trabalhos recomendados, pois adquiriu respeitabilidade no meio educacional. Esse
reconhecimento está diretamente relacionado aos cargos que ocupou: a direção da Escola
Primária e as cadeiras de Prática de Ensino e de Leitura e Linguagem no curso de formação de
professores. No entanto, seu mérito é evidente, tendo em vista que no período em que dirigia a
escola elementar realizou experimentos de caligrafia muscular. Aliás, acredito também que foi
durante esse período que se iniciaram seus estudos sobre caligrafia.
Na verdade, o trabalho desenvolvido com a caligrafia só confirmou seu desempenho e
seu prestígio no magistério, pois, quando chegou ao Instituto de Educação, em 1932, tomou posse
do cargo de diretora, como uma educadora respeitada no meio educacional. Mesmo com esse
reconhecimento, deixa o cargo no período em que Lourenço Filho também saiu da direção geral
do Instituto de Educação; pode-se dizer, então, que seu cargo era político e também, que ela era
uma aliada do educador.
Ressalto também que a formação da educadora na Escola Normal foi um diferencial em
175
sua trajetória, pois permitiu que ela incorporasse os valores, os costumes, as condutas, enfim, que
fosse o exemplo de professora formada pela instituição. Tinha a seu favor esse fato pois
conforme verificado nas fichas cadastrais das ex-alunas da Escola Normal havia preferência por
docentes que tivessem realizado o curso de formação na instituição.
Para me aproximar dessas respostas, debrucei-me em documentos escolares, tentando
entender o processo de legitimação de Orminda no campo educacional. Muitas vezes me senti
como alguém que espiona pelo buraco da fechadura como lembra Janet Malcolm quando trata de
biógrafos (MALCOLM apud MIGNOT, 2002, p.6).
Mesmo bisbilhotando, em muitos momentos senti que a biografada escapava,
esquivava-se, escondia-se, apresentava-se de outro modo. Tive curiosidade sobre os seus sonhos,
seus projetos, seus segredos, mas tive que me contentar com os documentos produzidos no
espaço público e para o espaço público: as escritas da escola, sobre as escolas e as práticas de
escrita escolares.
Não tive acesso ao seu arquivo pessoal. Não encontrei um diário íntimo, cartas para
amigos, bilhetinhos de ex-alunas ou agendas pessoais. Contentei-me com a dimensão profissional
de sua vida que exigiram de mim muitas vezes recorrer à imaginação, à elocubração, à ficção.
Talvez por isso algumas dúvidas tenham permanecido: será que Orminda escreveu
outros livros? Onde estará a coleção de cadernos Brincando com lápis? Ela teria publicado em
outras revistas? Escreveu outros artigos? Ocupou outros cargos? Ministrou outras disciplinas?
Provavelmente essas pistas me permitiriam compreender novas dimensões da trajetória
profissional de Orminda. Já estou, inclusive, curiosa por conhecer o caderno com anotações
sobre caligrafia feita pela educadora, guardado por sua sobrinha-neta, que só recentemente me
contou de sua existência. Seriam os manuscritos do livro Como ensinar calligraphia, anunciado
por Carlos Monarcha (1997) em seu artigo Lourenço Filho e a Bibliotheca de Educação (1927-
1941)?
Antes de concluir, devo admitir que coloco o ponto final com curiosidades sobre o
percurso profissional da educadora.
176
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