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Países como o Brasil, periféricos por natureza – aqui no
campo da maturação democrática – são invariavelmente atingidos por propostas
alheias às promessas constitucionais garantidoras de um mínimo Estado
Democrático de Direito, sob a alegação perversa de que se deve combater o
criminoso, e que pelo seu etiquetamento, o sujeito automaticamente se torna
perigoso à estrutura do Estado
234
, merecendo, então, o combate (direito penal do
inimigo)
235
.
O marco histórico, na Constituição Brasileira, desse
movimento político conservador em matéria penal, foi a incorporação do inciso
XLIII do art. 5º do Texto Maior de 1988
236
. Diametralmente oposto ao conteúdo
humanitário dos demais dispositivos que garantem os direitos fundamentais,
referido inciso elevou à condição de cláusula pétrea o status da pena, como
retribuição ao crime cometido, e, com ela, o ardil praticado contra uma proposta
não uso do Direito Penal como ferramenta de vingança
237
.
234
GOMES, Luiz Flávio. O Direito Penal do Inimigo. Disponível em:<
http://jus2.uol.com.br/doutrina>. Acesso em 20 de maio de 2007.
235
A título de exemplo das oportunistas tentativas de mudança nas leis, ao arrepio do mandamento
máximo constitucional, se extrai a declaração que seriamente atenta à ordem democrática e às
instituições brasileiras, feita pelo Senador da República, Sr. Antônio Carlos Magalhães, logo após
o infeliz assassinato do menino João Hélio, utilizado sem qualquer cerimônia, como motivo e
justificativa para a mudança na maioridade penal: “Se não decidirmos na quarta-feira, se
passarmos a chamar aqui pessoas para darem opinião, feche-se o Senado, feche-se o
Congresso! Quando se chega aqui com capacidade dada por todo o eleitorado brasileiro e não se
tem condição de julgar se o menor é ou não digno de pena, não há Senado, não há Legislativo!
Vamos ter de ouvir os elitistas, muitos interessados em não punir ninguém, às vezes sob a
cobertura, inclusive, da Ordem. Vejam bem: se não houvesse advogados para defender os
autores desses crimes hediondos, eles seriam bem menores. Porém, cometeu-se o erro de que
somente se pode ir a juízo por meio de advogado. Aí sim o crime vai continuar, e nós, aqui, vamos
passar perante o povo como responsáveis, nós que não o somos – muitos o são, mas a maioria
não o é. [...] Senhor Presidente, é essa impunidade, é essa Justiça que também incentiva crimes
como o de João Hélio. Por isso, não aceito, e ninguém pode aceitar, que não se legisle em
comoção. É em comoção que temos de legislar, porque vivemos sempre em comoção, pois o
Brasil, infelizmente, só vive no crime”.
236
“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] a lei considerará crimes
inafiençáveis e insuscentíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
237
“O instinto de vingança nada mais é, em suma, do que o instinto de conservação exasperado pelo
perigo. Assim, a vingança está longe de ter tido, na história da humanidade, o papel negativo e
estéril que lhe é atribuído. É uma arma defensiva que tem o seu preço; mas é um arma grosseira.
Como ela não tem consciência dos serviços que presta automaticamente, não pode regular-se em