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2.3 A corrente americana – Continuidade e ruptura
Os Estados Unidos foram, talvez, o país que mais contribuiu para a construção da dança
moderna. O país gerou vários criadores, escolas e movimentos, que ampliaram o conceito de
dança, a reflexão e a discussão sobre o movimento e seus significados. Nessa geração de
criadores, novamente percebemos o aparecimento de rupturas de estilos, em um movimento no
qual verificamos claramente a divisão de ramos estéticos.
Dentre os criadores que trouxeram novas percepções sobre a dramaturgia, a composição
da cena, o trabalho dos bailarinos e a relação entre forma, expressividade, significados e
comunicação, ainda que de forma radicalmente diferente, estão Marta Graham, Doris Humphrey
e Merce Cunningham. Contudo, essas rupturas tiveram como base, como ponto de partida, alguns
precursores: Isadora Duncan, que já tratamos anteriormente, Ruth Saint Dennis e Ted Shawn, que
juntos criaram a Denishawn (Escola e Companhia)
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. Sobretudo, foi através das sementes
lançadas por um “cantor semifracassado” que se alicerçaram as bases da dança moderna no
Ocidente. Trata-se do francês François Delsarte
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, que, embora não se interessasse pela dança,
deixa um grande estudo cientificista – “A estética aplicada” –, no qual apontava teorias que se
debruçavam sobre as relações conceituais de expressividade e significação dos gestos, sugerindo
a observação das relações de intensidades entre sentimento e tradução gestual. As teorias
delsartianas influenciaram Isadora Duncan, por intermédio de Geneviéve Stebbins (discípula de
Delsarte), com quem estudou, e compuseram o quadro das diferentes disciplinas da Escola
Denisshawn.
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Antes de mais nada reivindica a ruptura completa com a dança tradicional, o que realiza recorrendo às danças
orientais. Não que conheça exatamente as técnicas e os estilos, mas assimila seu espírito; no plano mental, considera
que são as liturgias que colocam o dançarino em contato com a divindade (...) No plano técnico, utiliza todo o corpo,
considerado o tronco – e não mais os membros inferiores – como ponto de partida de qualquer movimento; busca
reforçar a impulsão nervosa situada no plexo solar, de modo que cada músculo esteja imediatamente disponível para
traduzir o impulso. Aí está a idéia essencial de toda a técnica moderna” (BOUCIER, 2001, p.263).
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Teórico de grande importância, nascido em 1811, cantor da Ópera Comique, começou seu trabalho de investigação
entre voz e o gesto a partir da perda da própria voz. Usando métodos pouco convencionais, baseados na observação
de bêbados, loucos ou moribundos, a eles associou música, partindo para a formulação de uma teoria através da qual
criou uma análise de sistematização dos gestos e expressões do corpo humano. Subdividiu-os em três categorias:
gestos concêntricos, excêntricos e normais. Estabeleceu também três zonas de expressão: cabeça, tronco e membros
(...) Foi também o precursor das primeiras teorias sobre contração e relaxamento, que dariam sustentação aos
princípios de uma parte da dança moderna, partindo de uma posição totalmente encolhida para uma extensão plena,
que permitisse até a possibilidade de exprimir emoções (...) (CAMINADA, 1999, p. 201).