XVII
Em muitas destas representações, revivia-se a cena de natividade com figurantes fazendo
às vezes da Virgem Maria, São José e um recém-nascido no lugar do Menino Jesus. Durante as
matinas, numerosos grupos de pastores e camponeses das redondezas iam adorar o Menino,
cantavam louvores e traziam-lhe ofertas. Com o gradual desenvolvimento dos centros urbanos, a
diminuição do número de pastores e distância em que se encontravam das cidades, tal prática foi
tornando-se menos freqüente, e os pastores são aos poucos substituídos por figurantes que os
representam. É nesta transição que autores como Sampayo Ribeiro (1939:9), situam a gênese dos
autos pastoris - gênero que tem como forte referência o dramaturgo português Gil Vicente.
As representações da natividade são bastante expressivas na Península Ibérica dos séculos
XV e XVI. Provavelmente motivadas pela intensa devoção lusitana ao Menino Jesus e a Virgem
Maria, vão se desenvolver em Portugal diversas formas de representações, envolvendo música,
canto e dança. Entre as principais têm destaque os chamados vilancicos, representações feitas
inicialmente nas igrejas, com ênfase musical, em que pastores e personagens variados cantavam
loas
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Em Portugal, a estreita relação dos pastores com o presépio é destacada por vários
autores. Lopes Dias (1940:6), em período mais avançado, descreve a Adoração dos pastores,
realizada na região da Beira. Nas noites de Natal, segundo o autor, os pastores vão visitar os
presépios nas igrejas e participar da missa do galo: “Chegada a meia noite as cortinas do presépio
afastam-se deixando à vista o Menino com todo o ingênuo acompanhamento de figurinhas de
barro”. Ao final da missa os pastores dirigem-se ao presépio, um a um, fazendo ofertas de
animais e produtos do campo. Na medida em que se aproximam do altar, movimenta-se junto
com eles uma lanterna de azeite - representando a estrela que guiou os pastores a Belém -
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O Magnífico Dicionário da Música de Tomas Borba e Fernando Lopes Graça (1958:679 apud Rezende, 1967:50),
refere-se ao vilancico ou vilancete como “Forma de composição, com caráter religioso, muito popular e muito antiga
na Península Ibérica. Ernesto Vieira diz que ‘era uma forma mais artística que os laudes ou loas, mas menos
desenvolvida que os mistérios ou autos sacramentais’. Os vilancicos não constituem propriamente uma representação
como alguns escritores tem afirmado, mas eram simplesmente cantados em concerto, com acompanhamento de
diversos instrumentos. Pedrell, porém, atribui-lhe uma forma de representação teatral, admitida nas catedrais, em
certas festas solenes, já desde a Idade Média. O que é fora de dúvida é que, pelo menos no século XVIII, a invasão
dos vilancicos nas Igrejas de Portugal e Espanha foi total, especialmente nas festividades de Natal.” Autores como o
português Sampayo Ribeiro (1939:11) observam que, com a sua proibição neste período, os barristas passam a
representar nos presépios os personagens dos vilancicos: cegos tocadores de sanfona, pastores, entre outros. As loas
(do port. Arcaico, loar, louvar) provêm dos louvores cantados por pastores nas cenas do teatro litúrgico medieval.
(Chaves, 1925).