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Tânia de Castro Araújo
LEGUEDÊ:
Um olhar sobre a Lagoinha e arredores
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
da Escola de Belas Artes da Universidade Federal
de Minas Gerais, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Artes.
Área de concentração: Arte e Tecnologia da
Imagem.
Orientadora: Profa. Dra. Maria do Carmo de
Freitas Veneroso.
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte
Escola de Belas Artes da UFMG
2006
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Dedicatória:
Aos meus queridos pais Wilson e Floripes (In Memoriam)
Por me propiciarem o vôo.
Escrever significa, ao contrário, realizar “o trabalho de luto da memória”.
Harold Weinrich
Agradecimentos
À Profa. Dra. Maria do Carmo de Freitas Veneroso.
À Profa. Dra. Vera Lúcia de Carvalho Casa Nova
À Profa. Dra. Célia Maria Antonacci Ramos
À Profa. Dra. Maria do Céu de Oliveira Diel
À Joice Saturnino
À Consuelo Salomé
A Antônio Milton Signorini
A Emerson Ribeiro dos Santos
Eliane Aparecida Fagundes Martins
kurtnavigator
Júlio César de Castro Araújo
José Maria de Carvalho
Eva Maria Fernandes
Randerson Magalhães Fantoni
Maria Aparecida de Faria (Nina)
Cristiano Gurgel Bickel
Lu Cerqueira
Pedro de Freitas Veneroso
Márcio Sete Araújo
Sérgio Bernardes
Iara Inchausti Ribeiro
Patrícia Franca
Antonio Eustáquio da Costa Dias
Lincoln Volpini Spolaor
Gianfranco Cavedoni (Cerri)
Clébio Maduro
Vlad Eugen Poenaru
Daisy Leite Turrer
Lúcia Gouvêa Pimentel
Evandro José Lemos da Cunha
Paulo Bernardo Vaz
Heloisa Etelvina
Flávia de Carvalho
Fernanda Goulart
Brígida Campbel
Afrânio Ângelo do Prado Ornelas
Geuva e Wagner Bruno
Equipe da Biblioteca – EBA – UFMG
Aos vendedores ambulantes e aos anônimos que
confeccionaram placas e desenhos na cidade.
Sr. Daniel Walter Silva (mestre tipógrafo) – In
memoriam
Agradeço a Deus por esta trajetória e por
encontrar todos vocês em meu caminho.
A rua se torna moradia para o flâneur que, entre as fachadas dos
prédios, sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro
paredes. Para ele, os letreiros esmaltados e brilhantes das firmas
são um adorno de parede tão bom ou melhor que a pintura a óleo
no salão do burguês; muros são escrivaninha onde apóia o bloco
de apontamentos; bancas de jornais são suas bibliotecas, e os
terraços dos cafés, as sacadas de onde, após o trabalho, observa o
ambiente.
Walter Benjamim
Resumo
Escolhi como tema desta dissertação a visualidade popular presente no bairro
Lagoinha e seus arredores, na cidade de Belo Horizonte, área que elegi como foco
para meus questionamentos e apropriações de imagens.
Através da câmera fotográfica, recortei imagens que passaram a fazer parte de um
inventário particular e, neste trabalho, me proponho a despertar o olhar do leitor e
espectador para elas. Perceber as peculiaridades da região foi possível quando fui
“fisgada” por um belo tapume que encobria parte das obras na Av. Presidente Antônio
Carlos, no final do ano de 1996. Ele propiciou-me o desvendamento do olhar para a
cidade e, especificamente, para o trajeto que eu percorria diariamente de ônibus.
Fazer perceber os textos e imagens que, pelo excesso, saturam nosso olhar
impedindo-nos de vê-los em suas minúcias é meu objetivo. A instantaneidade com que
placas confeccionadas manualmente aparecem, desaparecem ou são substituídas por
novas tecnologias, evidencia-se muitas vezes na mesclagem das linguagens nos
anúncios que se amontoam pela cidade. Na deambulação para capturar as imagens,
comparo-me ao flâneur. Fazem parte do meu referencial teórico Walter Benjamin Jean
Baudrillard, Roland Barthes, Susan Sontag, Vilém Flusser, Lucrécia D’Aléssio Ferrara
e Nelson Brissac Peixoto. Associo algumas das minhas fotografias, serigrafias,
tipografias e objetos aos trabalhos dos artistas: Celso Renato, Márcio Sampaio, Piet
Mondrian, Joseph Cornell, Rubens Gerchman, Christo, Rauschenberg e Andy Wharol.
Procuro estabelecer um diálogo entre minha pesquisa e obra com essas referências
teóricas e artísticas. Associações que se traduzem num urgente registro documental e
poético de uma paisagem sempre cambiante e prestes a se diluir na cena
contemporânea.
Abstract
In this essay I chose as main theme the folk vision present at Lagoinha neighborhoods
at Belo Horizonte, Minas Gerais capital, in Brazil. I have selected specifically this area
as a focus for my questionings and image capturing.
Through the camera lens I took some images that started making part of a private
inventory. In this work I stimulate the reader as well as the general public to broaden
their view of these images. Noticing the particularities of that region was only possible
when I found myself overwhelmed by a hedgerow that covered part of the repairs on
the Presidente Antônio Carlos Avenue, late 1996. That very moment allowed me to
unveil the look over the city and specially the route which I used to pass through daily
by bus. My goal is to provide texts and images perceivable in their small details to our
already tired and blurred view due to the mass media.
The instantaneity that boards are craft made, set and removed or are simply switched
by new technologies, becomes evident that the mixing of media-languages on the
advertisements heaps the city.
Strolling in order to capture these images, I compare myself to a “flâneur”.
Walter Benjamin, Jean Beaudrillard, Roland Barthes, Susan Sontag, Vilém Flusser,
Lucrecia D’Aléssio Ferrara and Nelson Brissac Peixoto are my theorical references. I
associate some of my photographs, serigraphy, typography and objects to the works
from the following artists: Celso Renato, Márcio Sampaio, Piet Mondrian, Joseph
Cornell, Rubens Gerchman, Christo, Rauschenberg and Andy Wharol. I try to set a
dialogue between my research and my work and those theorical and artistical
references above mentioned.
Those associations that are translated through an urgent document- and poetical
register from an ever moving panorama and is about to be diluted in the
contemporaneous scene.
Lista de figuras
FIGURA 1 – Tapume na Avenida Antônio Carlos....................................................................... 16
FIGURA 2 – Tânia Araújo: Leguedê. .......................................................................................... 24
FIGURA 3 – Vista do bairro Lagoinha. ....................................................................................... 28
FIGURA 4 – Casa no estilo Art Déco ......................................................................................... 31
FIGURA 5 – Casa no estilo Neocolonial..................................................................................... 31
FIGURA 6 – Casa da Loba ......................................................................................................... 32
FIGURA 7 – Construção do Conjunto IAPI................................................................................. 33
FIGURA 8 – Favela Pedreira Prado Lopes................................................................................. 33
FIGURA 9 – Casa totalmente descaracterizada......................................................................... 38
FIGURA 10 – Lixeira sob o Viaduto............................................................................................ 38
FIGURA 11 – Reclame de Fulvio Pennacchi.............................................................................. 48
FIGURA 12 – Carrinho de pipoca ............................................................................................... 48
FIGURA 13 – Placa da Barbearia Vera Cruz.............................................................................. 53
FIGURA 14 – Gerchman, A bela Lindonéia................................................................................ 53
FIGURA 15 – Salão da Av. Antônio Carlos ................................................................................ 55
FIGURA 16 – Salão da Rua Guaicurus ...................................................................................... 56
FIGURA 17 – Santuário de São Miguel Arcanjo......................................................................... 57
FIGURA 18 – Fachada da Igreja Pentecostal Deus é amor....................................................... 58
FIGURA 19 – Cartazes de agradecimentos afixados na parede externa do Santuário............. 58
FIGURA 20 – SOS Preces.......................................................................................................... 60
FIGURA 21 – Tarô, búzios.......................................................................................................... 60
FIGURA 22 – “Virgília” de Petencostes ...................................................................................... 60
FIGURA 23 – Imagem conotada................................................................................................. 62
FIGURA 24 – Imagem denotada................................................................................................. 62
FIGURA 25 – Drive-in / Motel ..................................................................................................... 64
FIGURA 26 – Drive-in / Motel ..................................................................................................... 65
FIGURA 27 – Drive-in / Motel ..................................................................................................... 65
FIGURA 28 – Drive-in / Motel ..................................................................................................... 65
FIGURA 29 – BH, Rua Guaicurus (prostíbulo) ........................................................................... 67
FIGURA 30 – Maravilhoso .......................................................................................................... 67
FIGURA 31 – Prostíbulo, Rua São Paulo com Rua Guaicurus .................................................. 68
FIGURA 32 – Mondrian, Composição com vermelho, amarelo e azul ....................................... 69
FIGURA 33 – Mondrian, Broadway Boogie-Woogie................................................................... 69
FIGURA 34 – Mercadoria exposta.............................................................................................. 72
FIGURA 35 – Mercadoria exposta.............................................................................................. 72
FIGURA 36 – Artur Bispo do Rosário, Assemblage ................................................................... 74
FIGURA 37 – Mercadorias expostas em banca de camelô........................................................ 74
FIGURA 38 – Painel. Bispo do Rosário. ..................................................................................... 74
FIGURA 39 – Mercadoria exposta em banca de camelô ........................................................... 74
FIGURA 40 – Banca de camelô.................................................................................................. 75
FIGURA 41 – Banca de camelô.................................................................................................. 75
FIGURA 42 – Seu Nova Lima e seu carrinho ............................................................................. 76
FIGURA 43 – Banca de revistas ................................................................................................. 77
FIGURA 44 – Banca empacotada............................................................................................... 79
FIGURA 45 – Camelô com sua banca........................................................................................ 79
FIGURA 46 – Banca empacotada............................................................................................... 80
FIGURA 47 – Adam Krafft: Sant’Ana, escultura em pedra......................................................... 80
FIGURA 48 – Man Ray. The Ridle; or The Enigma of Isidore Ducasse..................................... 81
FIGURA 49 – Christo, Package. ................................................................................................. 82
FIGURA 50 – Christo, The Pont Neuf Wrapped ......................................................................... 82
FIGURA 51 – Steve McQueen, Barrage..................................................................................... 83
FIGURA 52 – Tânia Araújo. Bancas empacotadas .................................................................... 84
FIGURA 53 – Tânia Araújo. Cristos Populares I, II, III in memoriam.......................................... 85
FIGURA 54 – Tânia Araújo, Banca empacotada ........................................................................ 86
FIGURA 55 – Grünewald: Crucificação ...................................................................................... 86
FIGURA 56 – Tânia Araújo, Detalhe do tapume da Av. Antônio Carlos..................................... 87
FIGURA 57 – Celso Renato, s/ título .......................................................................................... 87
FIGURA 58 – Celso Renato, s/ título .......................................................................................... 88
FIGURA 59 – Celso Renato, Ponte do Rosário.......................................................................... 88
FIGURA 60 – Tânia Araújo, Tapume 3, Serigrafia ..................................................................... 89
FIGURA 61 – Tânia Araújo, Tapume 1, Serigrafia ..................................................................... 90
FIGURA 62 – Tânia Araújo, Gaveta tipográfica vazia ................................................................ 92
FIGURA 63 - Tânia Araújo, Gaveta-objeto..................................................................................92
FIGURA 64 – Tânia Araújo, Centro – Bonfim – Lagoinha (da série Lagoinha e arredores) ...... 93
FIGURA 65 – Tânia Araújo, s/ título, díptico (da série Lagoinha e arredores). .......................... 94
FIGURA 66 – Augusto de Campos, dias dias............................................................................. 96
FIGURA 67 – Tânia Araújo, caligrama quase desfeitol .............................................................. 96
FIGURA 68 – Tânia Araújo, Banca de engraxate....................................................................... 97
FIGURA 69 – Tânia Araújo, Gravura objeto (da série Lagoinha e arredores)............................ 98
FIGURA 70 – Mondrian, New York City II,.................................................................................. 99
FIGURA 71 – Gerchman, Anarquiteto. ..................................................................................... 100
FIGURA 72 – Gerchman, Equador Equatriz............................................................................. 100
FIGURA 73 – Obra de Márcio Sampaio.................................................................................... 102
FIGURA 74 – Obra de Márcio Sampaio.................................................................................... 102
FIGURA 75 – Obra de Márcio Sampaio.................................................................................... 103
FIGURA 76 – Tânia Araújo, Object-trouvé. .............................................................................. 104
FIGURA 77 – Tânia Araújo, Porta-fotos Lagoinha.................................................................... 104
FIGURA 78 – Duchamp, Roda de Bicicleta, 1913.................................................................... 105
FIGURA 79 – Duchamp, Fonte, 1917....................................................................................... 106
FIGURA 80 – Robert Rauschenberg, Odalisca ........................................................................ 106
FIGURA 81 – Jasper Johns, s/ título......................................................................................... 106
FIGURA 82 – Andy Warhol, As Vinte e Cinco Marylins............................................................ 108
FIGURA 83 – Tânia Araújo, 100 anos de Belo Horizonte......................................................... 109
FIGURA 84 – Joseph Cornell, objeto........................................................................................ 110
FIGURA 85 – Tânia Araújo, Caligrama Afetado ....................................................................... 110
FIGURA 86 – Joseph Cornell, objeto........................................................................................ 110
FIGURA 87 – Tânia Araújo, Intervenção Urbana durante o III Fórum Arte das Américas ....... 115
FIGURA 88 – Krzysztof Wodiczko, Carrinho para catadores de papel. ................................... 117
FIGURA 89 – Tânia Araújo, Vista da Av. Antônio Carlos, ........................................................ 119
Sumário
1. Introdução ...............................................................................................................15
1. 1. “Leguedê”- Um caso à parte................................................................................23
2. Lagoinha: Lugar de comunhão entre o “sagrado” e o “profano”............................ 27
3. Metrópole contemporânea: Reminiscências de sua permanente mutação ..............40
3. 1. Alinhavando memórias – ou “como não perder o fio da meada”..........................41
3. 2. Constatações de um flâneur contemporâneo ......................................................44
3. 3. Um rápido vôo aos “reclames” brasileiros – A comunicação através de imagens e
textos. .........................................................................................................................46
4. O que eu fotografo ..................................................................................................49
4. 1. Placas comerciais diversificadas: o gosto pelo kitsch e Camp.............................50
4. 2. Placas de Igrejas, templos Evangélicos, casas de Oração e cartazes lambe-
lambe: Encontro de diferenças e semelhanças. ..........................................................57
4. 3. Drive-in, motéis, hotéis e casas de prostituição: Um “close” neles......................63
4. 4. Mercadorias expostas: a Galeria Lagoinha..........................................................69
4. 5. “Cristos Populares – I, II, III – in memoriam“: bancas empacotadas ....................78
5. A cidade bem guardada – seus compartimentos e desdobramentos.......................87
5.1. Palavras ocupadas ..............................................................................................90
5.2 A banalidade também pode ser tema para a poesia...............................................94
5.3 Objetos construídos ..............................................................................................97
5. 4. Object-trouvé e ready-made: jogos de re-significação.......................................103
6. Considerações Finais............................................................................................111
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................120
1 CD com imagens da dissertação
15
1. Introdução
Cada objeto fotografado não é mais do que o vestígio deixado pelo
desaparecimento de todo o resto. Do alto desse objeto
excepcionalmente ausente do resto do mundo, tem-se, do mundo,
uma visão inapreensível.
1
Jean Baudrillard
Esta dissertação partiu do meu interesse particular pela visualidade popular
presente na região que compreende o bairro Lagoinha e arredores
2
.
Entendo por visualidade popular o que contém em sua forma de expressão a
simplicidade e a espontaneidade da cultura popular. Esta visualidade pode ser
reconhecida, por exemplo, em algumas placas e objetos que compõem a cena
diária de grandes metrópoles, onde o popular se irmana com o elitizado,
convivendo muitas vezes lado a lado.
No trajeto diário para o trabalho, como docente na Escola de Belas Artes da
UFMG, em 1996 fui surpreendida pela visão de um tapume nas obras de
alargamento da Avenida Presidente Antônio Carlos, sentido centro-Pampulha.
O tapume chamou-me a atenção pela variedade de retalhos de madeira, bem
compostos, coloridos, contendo diversas inscrições, cobrindo uma área de
aproximadamente sete metros de comprimento por quatro de altura.
1
BAUDRILLARD, Jean. A arte da desaparição. 1997
2
Entenda-se por “arredores” da Lagoinha parte do hipercentro de Belo Horizonte próximo à rodoviária e
aos viadutos que dão acesso ao início da Av. Presidente Antônio Carlos e também os bairros: Bonfim,
São Francisco,Cachoeirinha, estendendo-se pela Av. Antônio Carlos até as proximidades da entrada do
campus da UFMG.
16
O tapume (FIG. 1) estava lá, emoldurado pela desordem urbana, em meio a
tanta poluição visual, ao trânsito caótico com pistas interditadas e o barulho
incessante das máquinas perturbando a rotina habitual, não menos barulhenta
e caótica! O tapume, de certa forma, organizava e acalmava aquele caos
urbano, tendo despertado meu olhar para aquela região por onde eu passava
diariamente de ônibus. “Ver é sempre uma operação de sujeito, portanto, uma
operação fendida, inquieta, agitada, aberta. É o momento em que se abre o
antro escavado pelo que nos olha no que vemos”
3
.
FIGURA 1 – Tapume na Avenida Antônio Carlos, 1996
Fonte: acervo da artista
O desejo de posse invadiu-me. Descer em meio às obras e fotografar o tapume
foi uma experiência egoísta e corajosa ao mesmo tempo: tirá-lo da cena urbana
através de um recorte, apropriando-me dele no meu trabalho artístico.
A partir de então, comecei a prestar mais atenção ao trajeto que fazia,
3
DIDI-HUBERMAN, Georges. 1998 p. 77.
17
aguçando o olhar para o ambiente urbano, atenta a detalhes que passavam
rapidamente pela janela do ônibus em movimento. Fragmentos de imagens que
começavam a fazer sentido para mim. “Um criador é alguém que cria suas
próprias impossibilidades e ao mesmo tempo cria um possível”
4
. Iniciei, então,
um garimpo pela região.
Garimpar, v. Intr. (Bras.) exercer o mister ou oficio de garimpeiro. II
(fig.) Respigar, explorar preciosidades, especialmente literárias e
documentárias
5
.
A cidade tornou-se para mim objeto de trabalho cidade-objeto. Constatei que
a Avenida Antônio Carlos está agonizando em nome de um crescimento rápido
e desordenado da cidade, que não comporta mais o tráfego intenso nesta
região. Paisagem arruinada, com fachadas desfeitas e imagens de uma história
fragmentada. Lugares que vão sendo descaracterizados, abandonados e
apagados da memória da cidade dando lugar a pistas duplas, bem planejadas
e pavimentadas para uma nova urbanização. Uma mistura de construção e
ruína.
Escolhi a fotografia como meio para registrar as imagens que, até então,
estavam arquivadas em minha memória visual. Portava-me como um voyeur,
espreitando pela janela do ônibus em movimento, sem deixar perceber aos
outros o objeto do meu desejo: “A criação é assumida em sua natureza de
busca constante: seleções, escolhas, avanços e retornos”
6
.
4
DELEUZE, Gilles. 1992. p. 167.
5
GARIMPAR. In DICIONÁRIO Caldas Aulete. vol. 2.
6
SALLES, Cecília Almeida. Apresentação. In DERDYK, Edith.Linhas de Horizonte. 2001.
18
Passei então a percorrer a as ruas dos bairros citados, fotografando
singularidades da visualidade popular urbana: cartazes, anúncios, faixas e
letreiros do comércio popular e das diversas igrejas, templos e casas de oração
que convivem ecumenicamente nesta região, disputando os fiéis para os mais
diversos cultos. O meu interesse está na imagem que ilustra os anúncios e
também no texto, acompanhado, ou não, de imagens, que muitas vezes
aparece ingênuo e em outras trás mensagens subliminares ou de sentido
ambíguo, muitas delas impregnadas de certo grau de humor e ironia.
O acúmulo de informações visuais presentes na paisagem urbana é enfatizado
pela diversidade de cartazes e anúncios. Fica evidente também nas bancas
dos vendedores ambulantes, onde a variedade das mercadorias expostas,
suas sobreposições, sua “organização” e a “elaborada composição” dos
objetos oferecidos ao público passante dão visibilidade a uma multiplicidade de
elementos peculiares, presentes no comércio popular.
Outro foco da minha atenção está na embalagem das bancas dos ambulantes,
no início e no final de cada dia de trabalho. Elas se apresentam ora vestidas,
ora despidas de seus invólucros e são puxadas por eles, pelas ruas do
hipercentro de Belo Horizonte, ao lado de outras carroças de catadores de
papéis, que circulam pela cidade numa peregrinação diária.
Meu objetivo é recortar, registrar e revelar essas imagens através da fotografia,
salientando a multiplicidade dos signos urbanos e a rápida descaracterização e
19
desaparição da cultura popular das grandes cidades, como Belo Horizonte.
Uma vez apropriados e retrabalhados também em outras linguagens plásticas,
como serigrafia, tipografia e objeto, esses signos serão mostrados aos
espectadores, buscando despertar-lhes um novo olhar sobre a cidade. Nestas
apropriações acontecem palavras sem imagens, imagens sem palavras e
palavras/imagens. Neste jogo de possibilidades, além das fotografias, lanço
mão de sobreposições, transparências e impressões em serigrafia e tipografia
sobre vidros, xerox, papéis, acetatos e madeiras, para construir objetos e
gravuras-objetos.
Na realização deste estudo optei, para compor meu referencial teórico, por:
Walter Benjamin, Roland Barthes e Jean Baudrillard.
Ao reconhecer-me no flâneur, figura tão bem assimilada por Benjamin, ao
artista Baudelaire na Paris do séc. XIX, resolvi elegê-lo para guiar-me com
maior ênfase nesta dissertação.
Em Roland Barthes, busquei os conceitos de imagem denotada, conotada e
também esclarecimentos sobre a linguagem fotográfica.
Jean Baudrillard, em seu livro A Arte da Desaparição embora eu não tenha
feito citações diretas de sua obra –, foi de grande valor para ampliar meu
entendimento e facilitar minha escrita sobre as imagens que aparecem e
desaparecem para possibilitar o surgimento de outras. Assim como Georges
20
Didi-Huberman em O que vemos, o que nos olha, propiciou-me entender
melhor sobre o que acontece, quando somos impulsionados a ver.
Dialogo com os textos de Lucrécia D’Alessio Ferrara para a percepção da
visualidade urbana e também para reforçar minha identificação com o flanêur.
Recorro aos textos de Nelson Brissac Peixoto para alinhavar minhas subjetivas
impressões da paisagem urbana e enxergar a cidade como palco de
acontecimentos recorrentes, que apontam para a contínua “repaginação” de
lugares.
Abordo a fotografia sob os olhares de Vilém Flusser (Filosofia da caixa preta),
Roland Barthes (A câmara clara) e Susan Sontag (Ensaios sobre a fotografia e
Contra a Interpretação), tendo este último livro me auxiliado no conceito de
camp.
Mantenho um diálogo com alguns artistas que retiraram da cidade alimento
para gestar suas obras. Dentre eles, aproximo-me mais da percepção de:
Celso Renato, Piet Mondrian, Joseph Cornell, Rubens Gerchman, Christo e
Robert Rauschenberg. Mantenho, também, contato com a poesia visual através
dos jogos de palavras cruzadas, presentes nas gravuras e nos objetos que
construo, associando-os a alguns trabalhos do artista mineiro Márcio Sampaio.
Minha dissertação é composta por uma exposição que explicita a visualidade
21
popular da região da Lagoinha e seus arredores, e uma reflexão teórica sobre a
mesma. Busco, através da fotografia, com o deslocamento das placas, faixas,
letreiros e bancas de camelôs, da rua para a galeria, enfatizar determinadas
características das imagens que me interessam. Através do olhar, passando
pelo dispositivo técnico a câmera fotográfica –, seleciono e recorto do
ambiente urbano imagens que, quando deslocadas para a galeria, ganham
novas conotações. Procuro enfatizar a composição dos objetos na cena
fotografada, a presença do humor em algumas placas, o colorido das ruas que
em muitas imagens faz ressaltar o verde, o amarelo e o azul, cores da bandeira
brasileira, espalhadas por vários cantos da cidade.
uma gratuidade no uso das cores-ícones nacionais pela
população. De certa maneira é uma forma de epifanização da alma
de um eu brasileiro ostentado exteriormente na modalidade de uma
cívica alegria.
7
Observando as fotografias, percebemos sutilezas na maneira como cada
vendedor organiza suas mercadorias de forma a atrair os compradores.
Cuidam com carinho da colocação de cada objeto exposto à venda.
Após descobrir outros interesses nas imagens que registrava, decidi que esse
assunto seria o ponto de partida desta pesquisa, e seus possíveis
desdobramentos foram acontecendo ao longo do processo.
7
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Vitrais do Brasil. In SALÃO NACIONAL DE ARTE DE BELO
HORIZONTE, 26, 2000.
22
O tulo Lagoinha e Arredores foi escolhido para nomear a série de fotografias
feitas na Lagoinha, nos bairros circunvizinhos a ela e no hipercentro de Belo
Horizonte. Recebem ainda o mesmo título, os objetos construídos com
madeira, vidros impressos e acetatos, onde aparecem palavras que se cruzam,
produzindo jogos de luz e sombra.
Olha a Lagoinha! foi outro tulo escolhido para nomear coisas mais peculiares
e identificáveis nesse bairro, como: os objetos encontrados (object trouvé), os
objetos industrializados (ready-made); e também minhas serigrafias e minhas
impressões em tipografia que aludem, de alguma maneira, à Lagoinha. A idéia
deste título veio da observação da fala dos vendedores ambulantes quando
anunciam suas mercadorias: “Olha o giz chinês!”, “Olha o mata-baratas,
freguês!”, “Olha a agulha de aço que desentope e limpa seu fogão a gás!”
Nesta dissertação, optei por uma narrativa em primeira pessoa por se tratar de
uma experiência vivenciada, sem a qual teria sido impossível executar este
trabalho. Como num caderno de apontamentos, vou anotando e descrevendo a
maneira como meu trabalho se desenvolveu e, a partir daí, traço relações e
busco identificar as principais motivações que me levaram a realizá-lo,
refletindo sobre o processo.
Fiz questão de reproduzir aqui dois dos raros diálogos que aconteceram nessa
trajetória, que foi quase totalmente silenciosa e solitária em todo o seu
percurso. A simplicidade das falas foi preservada da maneira como
23
aconteceram. Não busquei maquiá-las por estarem fazendo parte de um
trabalho acadêmico. A pluralidade e a simplicidade devem ser lidas aqui como
espontâneas.
1.1 Leguedê - Um caso à parte
Palavra de boa sonoridade e visualmente agradável de ser lida. Seu
significado? Não encontrei, mas acho que a usaria para sugerir “aquele algo
mais”, “um toque especial”, “conjunto de coisas variadas”.
Na Lagoinha havia uma lojinha chamada Leguedê das Roupas. Na fachada,
dependurados em cabides plásticos, ficavam alguns ternos “demodês”, ao
vento. Penso que ali eram vendidas roupas usadas, talvez fosse um brechó”.
Mas o que mais chamava minha atenção, ao passar de ônibus pelo local, eram
os tais “terninhos de tergal” na entrada da loja. Um dia resolvi fotografá-la. Ao
descer do ônibus, julguei que havia me enganado e descido no lugar errado.
Andei alguns quarteirões à frente, voltei, andei outros quarteirões anteriores ao
ponto onde havia descido e nada de encontrar a loja. Para minha surpresa, ela
havia desaparecido da noite para o dia, sem deixar rastros. Sua placa foi
retirada e o local onde ficava situada confundiu-se com tantas outras portas
fechadas, empoeiradas e abandonadas na Avenida Antônio Carlos. Leguedê
restou para mim como significante, como imagem acústica. Gosto de soletrá-la,
e também reificá-la:
... Afinal de contas, o que são as palavras? As palavras são símbolos
para memórias partilhadas. Se uso uma palavra, então vocês devem
ter alguma experiência do que essa palavra representa. Senão, a
24
palavra não significa nada para vocês. Acho que podemos apenas
tentar aludir, podemos apenas tentar fazer o leitor imaginar. O leitor
se for rápido o suficiente, pode ficar satisfeito com nossa mera alusão
a algo.
8
Utilizei-me da técnica tipográfica para escrever a palavra “leguedê”. Optei pelos
tipos de madeira e fiz impressões repetidas desta palavra sobre papel, criando
uma veladura com papel manteiga (FIG. 2).
FIGURA 2 – Tânia Araújo: Leguedê. 20x30 cm. Impressão
tipográfica sobre papel, 2000.
Fonte: acervo da artista
Depois veio a idéia de um objeto, um jogo. Adquiri dois porta-copos de metal
cromado com capacidade para dezoito copos. Comprei os tradicionais copos
de vidro “Lagoinha” ou “Americano”, como são conhecidos. Imprimi em um
vidro a frase: “tira, põe, deixa ficar”... e sobre ele coloquei o porta copos. Vem
impresso em cada copo uma letra que formará a frase: “leguedê cadê você!?
No porta-copos sobra um espaço vago para permitir a movimentação deles.
Um jogo, uma brincadeira, um Leguedê!
8
BORGES, Jorge Luiz. 2000. p. 122.
25
No primeiro capítulo abordo a Lagoinha como um lugar de comunhão entre o
sagrado e o profano. Falo sobre a história do bairro, de onde saíram as pedras
para a construção de Belo Horizonte, além de relatar a chegada de imigrantes
estrangeiros que vieram morar nesse bairro e trabalhar nas obras da futura
capital mineira. Personagens famosos da época em que a boêmia imperava
nesse bairro o citados aqui a fim de esclarecer um pouco mais sobre essa
região tão peculiar de Belo Horizonte.
No segundo capítulo: Metrópole Contemporânea: Reminiscências de sua
permanente mutação, traço um perfil da Lagoinha e seus arredores. Enfatizo a
rapidez com que a paisagem urbana se descaracteriza, dando lugar a novas
informações, misturando diversos processos de escrita, técnicas atuais e
também ultrapassadas. Comparo-me inicialmente a um voyeur, quando
observo de dentro do ônibus, o que me atrai na paisagem urbana.
Em seguida, identifico-me com o flâneur, em seu alheamento da multidão e seu
olhar atento às peculiaridades do cenário urbano. Ainda neste capítulo, falo da
memória e do esquecimento, tão debatidos na contemporaneidade por diversos
autores e motivo de inspiração de tantos artistas.
No terceiro capítulo O que fotografo , falo da minha pesquisa, das imagens
que capto nas ruas, da visualidade popular que salta aos olhos, na região que
escolhi como meu “observatório particular”.
26
Relaciono algumas imagens aos conceitos do Kitsch e do camp e as aproximo
àquelas de artistas plásticos que se inspiram nas cidades e na sua população
para criarem seus trabalhos. Falo da importância da fotografia no meu
percurso, e também dos desdobramentos que vieram a partir dela, chegando à
quietude dos objetos, às serigrafias e a outras técnicas de impressão.
Relato diálogos e descrevo a maneira que encontrei para conseguir aproximar-
me dos objetos do meu desejo. Constato meu interesse no que está à margem,
no que é ambíguo e no que é considerado proibido.
Subdividi as fotografias em categorias para melhor relacioná-las à visualidade
popular e fazer as conexões técnicas e plásticas a respeito delas. Para abordar
a fotografia ancoro-me nas teorias de Vilém Flusser, Roland Barthes e Susan
Sontag.
Finalmente no quarto capítulo: A Cidade bem guardada: Seus compartimentos
e desdobramentos, falo dos objetos construídos, do jogo óptico de luz e
sombra, das palavras que se cruzam para formar novas palavras e da
similitude desses trabalhos com os dos artistas Rubens Gerchman, Piet
Mondrian, Joseph Cornell e Márcio Sampaio.
27
2. Lagoinha: Lugar de comunhão entre o sagrado e o profano
Consta, em documentos datados de 1711, que a Lagoinha servia de limite à
Fazenda do Cercado, origem de Curral Del Rei e de Belo Horizonte. A
concessão para a construção da nova capital foi dada ao fazendeiro João Leite
da Silva Ortiz pelo então governador Antônio Albuquerque Coelho de Carvalho,
através da carta de sesmaria, que citava a região como ponto de referência:
“No dia 05 de março de 1894, a comissão construtora da nova capital fincou na
Lagoinha a primeira estaca.”
9
As pedras utilizadas na construção de Belo
Horizonte foram retiradas da pedreira da Lagoinha, onde hoje encontra-se a
favela Pedreira Prado Lopes.
Em 1897, imigrantes portugueses, sírios, espanhóis e em sua maioria italianos
vieram para trabalhar na construção da capital mineira
10
. Receberam como
doação da prefeitura, lotes com área aproximada de 1.500 m
2
na Lagoinha,
região mais próxima da zona comercial em formação, tendo como condição
para posse do imóvel, construí-lo em curto prazo. Esses imigrantes deram o
tom da vida boêmia ao local. “Os Gramiscelli, Franco, Prosdocimi, Vanucci,
Bonome, Volponi, Abramo, Trotta, Scarioli, Vaz de Mello fixaram residência no
bairro que crescia, tornando-se referência da cidade
11
.
9
SILVA, Luiz Roberto, 1998.
10
Belo Horizonte foi inaugurada no dia 12 de dezembro de 1897.
11
SILVA, op. cit
28
FIGURA 3 – Vista do bairro Lagoinha. Belo Horizonte, 1920
Fonte: APCB / Coleção José Góes
Segundo o historiador Abílio Barreto,
está, conservando a sua primitiva denominação, a Lagoinha, um
dos mais florescentes bairros da Capital e que assim se chamou pela
existência de uma lagoa que foi mais tarde drenada e extinta pela
comissão construtora da Nova Capital entre 1894 1897. Para além
daquele bairro ainda existe a velha estrada que ia em demanda dos
currais da Bahia e de São Francisco, e pela qual se fazia o grande
comércio dos mascates e boiadeiros.
12
A região da Lagoinha é uma das mais montanhosas da capital e possui em sua
maioria ruas estreitas, retilíneas e íngremes. Nas décadas de dez e de vinte,
havia no bairro quatro grandes chácaras que agrupavam vários lotes. Estes
foram revendidos e subdivididos em lotes menores, ocasionando com isso a
construção de casas muito próximas umas das outras, desobedecendo normas
12
BARRETO, Abílio, 1995, 2v. p 94
29
técnicas adotadas pelos projetistas da época. O bairro povoou-se rapidamente
e formou-se a Praça da Lagoinha que em 1935 foi nomeada Praça Guilherme
Vaz de Mello. A praça tinha a forma de um trapézio e situava-se entre a
Avenida do Contorno (Ponte do Bedeco) e Rua Mauá. Convergiam para essa
praça os seis logradouros principais do Bairro da Lagoinha: Avenida Presidente
Antônio Carlos, Rua Bonfim, Rua Além Paraíba, Rua Itapecerica, Rua
Diamantina e Rua Mauá, hoje denominada Avenida Nossa Senhora de Fátima.
De 1936 a 1937 foi aberto o trecho da Avenida do Córrego da Lagoinha, depois
nomeada Avenida Presidente Antônio Carlos. As obras de abertura e
pavimentação desta Avenida, do longo trecho que ia da Rua Formiga até o
Lago da Pampulha, foram executadas nas gestões dos Prefeitos Otacílio
Negrão de Lima e Juscelino Kubitschek.
Na arquitetura do Bairro da Lagoinha podemos observar quatro estilos
predominantes: Neocolonial, Modernista, Art Déco e Eclético, segundo análise
feita pela arquiteta Celina Borges Lemos, professora de Arquitetura e
Urbanismo da UFMG:
O estilo Neocolonial começa a aparecer no Brasil nas décadas de
vinte e trinta. Nele vemos a influência estrangeira vinda do México e
dos Estados Unidos, sendo muito admirado pelos belo-horizontinos
nas salas dos cinemas e nas revistas da época, embora seja um
estilo que valoriza as tradições do período colonial.
As casas apresentam varandas em arcos, jogo de falsos telhados,
combinação de elementos de revestimento com pedras, tendo como
componente principal falsas chaminés: É a adaptação do rural ao
30
urbano, um sintoma de saudosismo”.
13
O estilo Modernista pode ser observado na Vila Nossa Senhora da Piedade do
Bairro Lagoinha. “Este estilo anuncia a chegada do concreto armado e descarta
os ornamentos”.
14
Azulejos, pastilhas e cerâmicas são os elementos mais
utilizados nas construções modernas. “É um estilo reconhecido também pela
expressão ‘caixa de fósforo’. A moradia assume a proporção exata das
necessidades do homem: sala, quarto, cozinha e banheiro”.
15
Nas cadas de trinta e quarenta surgem as construções no estilo Art Déco.
Como características deste estilo, observamos o geometrismo nas
construções, os frisos que valorizam as fachadas e constatamos o
aperfeiçoamento da arquitetura nos balcões que se lançam sem apoio
proporcionando planos diferenciados. Outro recurso decorativo é a utilização
do pó de mica para dar reflexos luminosos ao revestimento. Uma curiosidade
na época é que muitas dessas casas apresentam essas características na
fachada, sendo que o corpo da casa é comum.
13
LEMOS, Celina Borges. In, SANTIAGO, Glêucia.1996.
14
Ibidem.
15
Ibidem
31
FIGURA 4 – Casa no estilo Art Déco – Rua Itapecerica, 468
Fonte: Acervo da Artista
FIGURA 5 – Casa no estilo Neocolonial, Rua Além Paraíba
Fonte: Acervo da Artista
32
O estilo Eclético caracteriza-se por apresentar ornamentos feitos por mão-de-
obra especializada, utilizando moldes simplificados de gesso. A casa de
arquitetura eclética possui porão, criando uma espécie de colchão de ar que
refresca seu interior.
FIGURA 6 – Casa da Loba, Rua Além Paraíba.
Fonte: Acervo da Artista.
Na década de trinta foi construída pela família Abramo, na Rua Além Paraíba,
uma casa imponente, que apresentava diversas peças ornamentais em sua
fachada, destacando-se a figura romana da loba amamentando Rômulo e
Remo. “Esta casa ficou conhecida como ‘Casa da Loba’ (FIG. 6) e representou
um marco da ocupação italiana no bairro, segundo o jornalista Plínio Barreto.
Ele conta também que aos domingos os Franco, os Perroni, os Ricchi e os
33
Schiaretti reuniam-se na casa de Mussolini Colatti, entre o IAPI
16
(FIG. 7) e a
Pedreira Prado Lopes (FIG. 8), onde serviam-se de macarronada ao som de
FIG. 7 – construção do Conjunto IAPI, 1955
Fonte: APCB / Coleção José Góes
FIG. 8 – favela Pedreira Prado Lopes
Fonte: Acervo da Artista
16
IAPI – Conjunto habitacional construído pelo Prefeito Juscelino Kubitschek, na década de 40, destinado
aos contribuintes de Aposentadoria e Pensão dos Industriários
34
Beniamino Gigli entoando Mama, Cuore Ingrato ou Torna a Sorriento.”
17
Os imigrantes estrangeiros, que aqui vieram morar a fim de trabalhar na
construção de Belo Horizonte, trouxeram consigo tradições festivas de seus
povos, resultando numa convivência rica de variedades culturais, dando ao
bairro da Lagoinha características peculiares como descreveu o jornalista
Flávio de Almeida: “Profana na boemia e no carnaval, a região da Lagoinha
tinha seu lado sagrado, marcado pelo forte culto à Semana Santa. Nessas
horas, a Lagoinha mudava de roupa: tirava a fantasia e vestia o bito para
freqüentar as quermesses da igreja de Nossa Senhora da Conceição e seguir
as procissões de Domingo de Ramos, do Encontro e do Enterro”.
18
Na década de trinta o principal centro comercial de Belo Horizonte situava-se
na Rua dos Caetés, no início da Avenida Afonso Pena e arredores. na
década de quarenta, com o rápido progresso, o bairro da Lagoinha torna-se o
segundo centro comercial da capital.
Pela Praça Vaz de Mello circulavam os bondes Bonfim e Lagoinha.
Rapidamente houve a necessidade de ampliação desse tipo de transporte,
sendo então criadas as linhas Santo André, Cachoeirinha e Pampulha para
atender aos novos bairros. Uma fileira desses veículos podia ser observada
nas horas de maior movimento. “No carnaval o povo transformava os bondes
da linha Pampulha em festivos palcos, cantando e tocando alegres músicas em
todo o seu percurso. A rua Itapecerica era local de footing nas décadas de
17
ALMEIDA, Flávio de. Jornal de Casa, 24 mar. 1996.
18
Ibidem.
35
quarenta e cinqüenta”.
19
Em meados das décadas de cinqüenta o Bairro da Lagoinha era ponto de
atração da cidade. O comércio próspero agitava a região junto ao trânsito
movimentado durante todo o dia. À noite, o cenário era outro nesse local
boêmio da cidade. Bares, casas de prostituição, gafieiras eram freqüentados
pelos amantes da noite. Alguns desses boêmios tornaram-se famosos por se
envolverem em brigas, roubos e até mortes.
A polícia era sempre acionada para solucionar as constantes confusões de
célebres tipos, como a Lambreta, a Maria Tomba Homem e o Cintura Fina.
De todos os malandros que fizeram história na Lagoinha, José
Arimatéia de Carvalho da Silva, o “Cintura Fina” foi, indiscutivelmente,
o mais famoso e temido. Com uma vasta cabeleira, cintura de mulher,
e cheio de gíria, ele era o terror do pedaço com a sua ginga e a
famosa navalha preta amarrada a um cordão na cinta elástica.
Qualquer desentendimento era o suficiente para ele “rodar o fio”,
como costumava falar. Respeitado pelos demais travestis e amigo da
maioria, ele encarava qualquer um, até a polícia
20
.
Outra personagem folclórica da década de cinqüenta foi Hilda Furacão
21
. Como
nos conta ainda o escritor Roberto Luiz Silva:
As casas de prostituição do baixo meretrício ocupavam a Rua
Paquequer, a Bonfim, a Mauá e a região próxima à Avenida do
Contorno e à linha férrea. Na Pedreira Prado Lopes ficavam as
gafieiras ‘Finca’ e ‘Caixote em pé’. A chamada “zona alta” ocupava
partes da Lagoinha e do centro da cidade e era formada pelos
dancings, cabarés e hotéis mais famosos, freqüentados por
malandros, turistas, coronéis e algumas vezes famílias da sociedade.
Os rendez-vous mais famosos eram o Magnífico, o Maravilhoso, o
19
SILVA, Luiz Roberto. 1998.
20
“Cintura Fina”, uma lenda no bairro.In, Jornal Estado de Minas.
21
Hilda Furacão atuava na zona boêmia da Rua Guaicurus, atraindo a atenção dos homens. Suas
histórias foram tema do romance Hilda Furacão, do escritor mineiro Roberto Drummond.
36
Inglesa e o Automar, todos estes na Avenida Antônio Carlos, com
suas mulheres caras. Dentre outros rendez-vous de classe,
destacavam-se ainda o de Dona Mariquita San Jorge, na Rua
Adalberto Ferraz esquina com Além Paraíba e a Casa de Ozana na
Rua Rutilo, 91, todos considerados zona alta da prostituição
22
.
Na década de sessenta e setenta, devido ao crescimento rápido e
desordenado da cidade, algumas obras urgentes fizeram-se necessárias para
tentar aliviar o tráfego intenso e os constantes engarrafamentos na região. Foi
ampliada a Avenida Antônio Carlos em duas pistas laterais no trecho que ia do
Viaduto São Francisco até a barragem da Pampulha e também construídos
dois viadutos “Pelé” e “Tostão” ao lado da Rodoviária. Entretanto, o
congestionamento apenas foi transferido para os viadutos, que, após três anos
de uso, foram novamente reformados e ampliados. Na década de oitenta a
região do Bairro Lagoinha transformou-se radicalmente. A praça Vaz de Mello
deu lugar ao Complexo Ferro-Rodoviário da Lagoinha. O comércio do bairro
progredia rapidamente:
Ali se instalaram casas que se tornaram tradicionais, como: a banca
de revistas do lcio, Lulu das Roupas; sapatarias Brasil, Santo
Antônio e Araújo; os restaurantes Maracanã, Mandacaru e do
Português; os cines Lafayete e São Geraldo; a Alterosa Alumínio; a
Drogaria Vaz de Mello; os supermercados EPA e Cobal; os postos de
gasolina Nocchi e Mauá; a Torrefação de Café Brasil; os hotéis Monte
Carlo e Panorama (um dos maiores da cidade); a tradicional Feira
dos Produtores, além de várias outras.
23
As construções vizinhas à linha férrea foram demolidas e a Feira dos
Produtores transferida para a Avenida Cristiano Machado. Restava apenas o
Hotel Panorama que depois foi implodido para dar lugar ao Complexo da
Lagoinha, formado por cinco viadutos, uma estação de metrô e dois túneis.
22
SILVA, Luiz Roberto, 1998.
23
Ibidem.
37
Uma “nova paisagem urbana” descortinava-se para a cidade, apagando dela
grande parte do tradicional e singular bairro da capital mineira.
Em 1995, a Prefeitura de Belo Horizonte em parceria com a Universidade
Federal de Minas Gerais criou o Projeto Lagoinha com a proposta de revitalizar
o bairro. Poucos locais foram restaurados, dentre eles o Mercado da Lagoinha,
pois o Projeto foi interrompido em 1996. Consta em jornais da época, que o
Projeto Lagoinha foi premiado em 1997, na Categoria Urbanismo, na cidade de
Curitiba, durante o XV Congresso Brasileiro de Arquitetos. Consta também que
chegou a ganhar mais de cinco prêmios, sendo escolhido entre os cinqüenta
melhores projetos da América Latina para o Habitat II, encontro mundial da
ONU, em Istambul, Turquia.
Para um dos coordenadores do Projeto, o arquiteto Leonardo
Castriota, o envolvimento direto com a população foi o diferencial
responsável pela premiação. De acordo com Castriota, o Projeto
Lagoinha tem por finalidade a reabilitação integrada do bairro nos
seus aspectos arquitetônico-urbanistico, econômico, cultural e de
desenvolvimento social.
24
Ainda hoje, na região da Lagoinha, observo que muitas casas deixaram de ser
restauradas e outras se encontram completamente descaracterizadas.
24
Jornal Hoje em Dia, 07 abr. 1996.
38
FIG. 9 – Casa totalmente descaracterizada, Rua Itapecerica
Fonte: Acervo da Artista
Curioso a logomarca desse projeto estar estampada justamente em uma lixeira
(FIG. 10), debaixo de uma passarela na Avenida Antônio Carlos...
Serão as obras retomadas algum dia?
FIGURA 10 – Lixeira sob o Viaduto
Fonte: Acervo da Artista
39
Percorrendo ainda hoje a Rua Itapecerica, observo que alguns antiquários
sobrevivem, despertando grande interesse nos arquitetos, decoradores e
apreciadores de raridades de uma outra época.
Lagoinha, antiga zona boêmia que congrega em um mesmo espaço geográfico:
bares, motéis, um drive-in, a favela Pedreira Prado Lopes, residências
familiares de classe média, casas de prostituição, igrejas, templos evangélicos,
centros esotéricos, hospitais, escolas e comércio popular. Lugar onde o
sagrado e o profano convivem intensamente lado a lado.
40
3. Metrópole contemporânea: Reminiscências de sua permanente
mutação
O passado não está simplesmente ali na memória, mas tem de ser
articulado para se transformar em memória. A fissura que se opera
entre experienciar um acontecimento e lembrá-lo como
representação é inevitável. Em lugar de lamentar ou ignorar isso, esta
separação deve ser compreendida como um vigoroso estimulante
para a criatividade cultural e artística.
Andréas Huyssen
Constatar e refletir sobre a mudança rápida e voraz pela qual passa a cidade
de Belo Horizonte, mais notoriamente na região enfocada neste trabalho, é o
meu objetivo. Trazer à tona, sem romantismo ou saudosismo, mas, como
constatação, o movimento frenético que vai mudando a cidade, muitas vezes
descaracterizando-a e nela traçando um novo perfil. Apontar a
descaracterização e “repaginação” constante dessa paisagem, as quais ficam
evidentes nos cartazes com anúncios populares sendo substituídos pela
praticidade de outras linguagens visuais como: placas luminosas, cartazes
digitalizados, impressos em sillk-screen, outdoors e faixas descartáveis. “O
imaginário transforma-se na imagem que corrige o particular indeterminado,
adaptando-o ao padrão comum e geral”.
25
A globalização e os meios cada vez mais rápidos de comunicação e
reprodução de imagens acabam por pasteurizar e poluir visualmente a
paisagem urbana. Outdoors sofisticados e gigantescos banners digitalizados
exibindo imagens de altíssima resolução divulgam grifes imponentes no
mercado. Permeando essa “elite gráfica” estão as faixas de tecido pintadas a
mão espalhadas por toda a cidade e os cartazes em cores vibrantes e letras
25
FERRARA, Lucrécia D´Alessio. 2000.
41
pretas que são utilizados tanto pelos anúncios do comércio popular em geral como
também pelas igrejas Católicas, Evangélicas, Batistas e Cristãs da região. Os cartazes
lambe-lambe são colocados clandestinamente em todos os postes e muros,
amontoando-se uns sobre os outros. A necessidade de preencher todos os espaços
intersticiais, todas as construções, muros e fachadas de grandes prédios com
propagandas comerciais, eleitorais, religiosas ou profanas parece proliferar por toda a
cidade que não mais consegue manter espaços neutros, despoluidos visualmente. Um
bombardeio de imagens e textos muitas vezes sem qualidade e criatividade contamina
nossos olhos, saturando nosso olhar. É necessário criarmos um escudo de proteção
para filtrar o que nos é imposto a ver. A sensibilidade precisa ser reconquistada e
aflorada para não nos tornarmos seres robóticos.
3.1 Alinhavando memórias – ou “como não perder o fio da meada”
Sair quando nada nos força a fazê-lo e seguir a nossa inspiração
como se o simples fato de dobrar à direita ou à esquerda
constituísse um ato essencialmente poético.
26
Edmond Jaloux
Reportando-me ao século XIX, estabeleço minha relação com Baudelaire,
quando Walter Benjamin o descreve como o flâneur, o homem sem pressa, que
vaga com olhar atento diferenciando-se da multidão que o circunda.
Como um “flâneur” andando pelas ruas de Belo Horizonte, acompanho as
mudanças no cenário da cidade e, através do recorte fotográfico, coleciono
imagens para o meu inventário particular:
Como um homem na multidão, o flâneur desenvolve,
metodologicamente em torno de si um escudo, que, por paradoxo, o
situa na massa urbana sem permitir que nela se envolva, seu contato
urbano é aquele do olhar, é a imagem da cidade sob a égide do olhar.
Essa proteção metodológica faz do flâneur um habitante da cidade
26
JALOUX, Edmond. Apud BENJAMIN, Walter. 1989.
42
que rumina a imagem urbana na solidão do seu quarto, quando
revive, na memória, a lembrança de uma imagem, da visão
passageira resgatada, aprisionada no fluxo amorfo dos quilômetros
das ruas percorridas. É o homem na multidão, que luta diante da linha
evanescente que ainda persiste entre o espaço público e a reserva
da intimidade, e, por isso, ainda pode surpreender-se, chocar-se ante
a imagem urbana. Não está condicionado pelo hábito que automatiza
a percepção e impede a apropriação da cidade pelo cidadão, essa
doença a que, perplexos, assistimos corroer a imagem da metrópole
moderna.
27
A flânerie é um ato prazeroso. Andar perscrutando, vendo com olhos
aguçados, como a scanear as ruas e as vitrines, extraindo delas o que os
transeuntes autômatos deixam passar despercebido.
Outra bela descrição da figura do flâneur foi feita pelo poeta João do Rio:
Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias
como se goza o calor do sol e lirismo do luar. É preciso ter espírito
vagabundo, cheio de curiosidades mal-sãs e os nervos com um
perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que
chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes a
arte de flanar.
28
Andando de ônibus pelo trajeto habitual, vou registrando visualmente e às
vezes em rápidas anotações, pontos que desejo incluir no corpus da minha
pesquisa. Ao andar a pé, indo ao encontro desses pontos, atenta a tudo o que
vejo em meio à multidão que passa por mim, vou descobrindo novos
interesses, penetrando nas ruas como se pudesse descamá-las. Observo a
tentativa de “elitização do popular”, com a transferência do comércio dos
vendedores ambulantes para os Shoppings Populares criados com a finalidade
de tirá-los das calçadas públicas. A opção por um equipamento fotográfico
manual, uma câmera Canon AV-1, parece combinar com a calma da flânerie. A
espera pela revelação fotográfica convencional, a surpresa e essa relação de
27
FERRARA, Lucrécia D’Alessio. 1999.p. 216.
28
RIO, João do. 1997.
43
captura da imagem, sem a pressa de saber se correspondeu à expectativa, me
atrai, mesmo correndo o risco de o ser mais possível se houver
necessidade refazer a foto de um mesmo objeto, devido à frenética mudança
do cenário urbano.
Quando posiciono a câmera fotográfica, destaco-me da massa circulante e
desperto em alguém a curiosidade o que estou fotografando? Para quem? É
para a Prefeitura? É para multá-los ou constatar alguma irregularidade? –
Respondo aos que me percebem ali, a fim de satisfazê-los, e para a maioria,
permaneço no anonimato.
Quando escolho o que fotografar e vou até o local, fico por instantes insegura e
tímida, como se todos fossem perceber-me ali como invasora daquele espaço.
Mas assim que faço a primeira foto, é como se eu me camuflasse atrás da
lente e a emoção e a sensação de independência tomam conta do meu
trabalho. Ausento-me dos transeuntes, sem contudo, ignorá-los. É a “dialética
da flânerie, por um lado, o homem que se sente olhado por tudo e por todos,
simplesmente o suspeito; por outro, o totalmente insondável, o escondido”.
29
Meu olhar vai percorrendo a Lagoinha e arredores... O tráfego intenso nessa
região, o barulho, a fumaça, a massificação de informações, se misturam à
mutilação lenta e contínua, ao apagamento da memória que se confunde com o
aglomerado de imagens e signos: “A rua conduz o flanador a um tempo
29
BENJAMIN, Walter. 1989, p. 186
44
desaparecido”.
30
Casarões antigos, inteiramente pichados vão sendo consumidos pela violência
urbana. Grafites e escritas múltiplas inscrevem-se e sobrepõem-se num texto
quase ilegível. Ausento-me do ruído e da poluição para um encontro com o
texto/imagem. Recortes mutilados da minha percepção.
Esses registros por vezes me escapam, desaparecendo da noite para o dia
numa rapidez devoradora. “Novas escritas” sobrepõem-se ou simplesmente se
arruínam. Na paisagem urbana estão inscritos a memória e o esquecimento, o
visível e o invisível, o dizível e o indizível, a imagem e a sua morte. A fotografia
ressalta, recorta e confere um certificado de que aquilo esteve ali em algum
momento.
Constatamos a cada dia, que as mudanças na paisagem urbana acontecem
mais rapidamente. Tudo é transitório e sua consistência enquanto existência é
fugaz. Nada é feito para resistir além do tempo que durar.
3.2 Constatações de um flâneur no séc. XXI
Usos e hábitos reunidos, constroem a imagem do lugar, mas sua
característica de rotina cotidiana projeta, sobre ela, uma membrana
de opacidade que impede sua percepção, tornando o lugar, tal como
o espaço, homogêneo e ilegível, sem decodificação.
Lucrecia D’Aléssio Ferrara
Como que robotizados, os transeuntes vão passando pelos lugares, sem
exercitar o olhar. Não insistem em trespassar essa opacidade. O olhar
30
BENJAMIN, Walter, 1989, p. 186.
45
precisaria de um tempo de repouso, mas como num “zapping” olham sem ver,
superficialmente. Não mais paciência para o pouso do olhar. A
instantaneidade das imagens, a necessidade da produção desenfreada, de
estar sempre conectado virtualmente em redes que se multiplicam a cada dia e
a possibilidade de entrar em todos os espaços, em todos os lugares, apertando
teclas frente a um computador, compulsivamente, está gerando uma falsa
sensação de convivência. Pessoas estão, a cada dia, mais solitárias,
imobilizadas no sentido de não mais quererem nem se locomover, e muito mais
insensíveis em relação às imagens reais e aos contatos pessoais. Não
precisamos mais ver o rosto das pessoas com quem falamos, nem ouvir sua
voz, nem fixar seu olhar. A possibilidade do anonimato total já é possível. Pela
rede digital, não temos necessidade da verdade. Não temos a certeza de nada.
As pessoas tornam-se assexuadas, incógnitas, sem identidade. A fantasia ou a
máscara tomam a forma da imaginação. Nada mais precisa ser real, palpável,
identificável. Dentro de um pequeno espaço físico, podemos ter o mundo!
Adentrá-lo de fora, friamente, sem envolvimento. “Muitas das memórias
comercializadas em massa que consumimos são ‘memórias imaginadas’ e,
portanto, muito mais facilmente esquecíveis do que as memórias vividas”.
31
De um lado, o fascínio da agilidade dos meios digitais, sua eficácia,
multiplicidade de recursos e praticidade inegáveis, tão necessárias na
contemporaneidade. De outro, o manto da opacidade, da globalização, da
31
HUYSSEN, Andreas. 2000.
46
banalização e do isolamento físico a que todos estamos nos sujeitando.
Resta-nos encontrar o equilíbrio; o caminho do meio.
3.3 Um rápido vôo sobre os reclames brasileiros: a comunicação através
de imagens e textos.
Os primeiros cartazes ilustrados datam do início do séc. XIX na Europa e
Estados Unidos. Os conhecidos “reclames” de Toulouse Lautrec feitos para o
Moulin Rouge inovam no ângulo das figuras, no aspecto caricatural, nas cores
contrastantes e na nova relação que o artista estabelece entre imagem e
texto.
32
Os cartazes executados em cromolitografia e, posteriormente, em fotogravura
aproveitavam esses recursos de impressão que eram usados na confecção dos
almanaques desde 1845 nas oficinas da Itália.
Após o término da Primeira Guerra Mundial, o renovado interesse dos
artistas pelo cartaz propicia o surgimento de formas inéditas de
visualidade, quer pelo trâmite da fotomontagem, quer por uma nova
compreensão da escrita, que se transforma na mensagem integral,
abrindo mão do apelo da imagem.
33
No Brasil, na década de trinta, surgem os cartazes do italiano Fulvio
Pennacchi, pintor que veio residir em São Paulo, em 1929. Criou reclames que
foram publicados em revistas da época como: O Cruzeiro, Fon-Fon, A cigarra,
para as indústrias de café, sombrinhas, meias, produtos farmacêuticos, etc.
32
FABRIS, Annateresa. 2005.
33
Ibidem.
47
Pennacchi consegue distanciar-se, em seus reclames, da sua pintura que “se
distingue pela adoção de um figurativismo sintético, impregnado dos valores
tradicionais da arte italiana e ancorado numa realidade rural de raízes
religiosas”
34
, permitindo-se criar mais livre e ousadamente, inspirando-se nas
idéias futuristas.
Interessante observar nos primórdios da propaganda brasileira desenhos e
textos cômicos na maneira como são elaborados (FIG. 11) e constatar que
podemos identificar ainda hoje essas características, na propaganda popular.
Apesar de toda a evolução tecnológica dos meios de impressão, reprodução e
apropriação de imagens, e da rapidez com que as coisas são produzidas, ainda
nos deparamos com imagens que parecem ter voltado no tempo, criando uma
espécie de contraponto com o passado, provocando uma sensação provisória
de desaceleração no meio da turbulência visual. Um “flash temporal”, uma
rápida visita ao passado.
34
FABRIS, Annateresa. 2005.
48
FIGURA 11 – Reclame de Fulvio Pennacchi
Fonte: Catálogo de Exposição do IMS – BH, 2005
FIGURA 12 – Portão da fábrica de carrinhos de pipoca
Fonte: Acervo da artista
49
4. O que fotografo
O princípio da aventura permite-me fazer a fotografia existir. De modo
inverso, sem aventura, nada de foto.
Roland Barthes
Durante oito anos, venho observando e fotografando, de tempos em tempos,
vários cartazes, faixas e placas de propaganda do bairro Lagoinha e arredores.
Outros signos populares são parte importante dos meus registros: os anúncios
das diversas igrejas, templos evangélicos e centros esotéricos da região, as
bancas dos vendedores ambulantes encobertas ou expostas com as suas
mercadorias, as casas de prostituição, alguns motéis, um drive-in e outros
estabelecimentos comerciais, como salões de beleza, restaurantes populares,
bancas de revistas e lojinhas da redondeza.
Com relação à fotografia, constatei que anteriormente a 1996, usava-a apenas
como um meio, fazendo fotolitos a partir delas, a fim de utilizá-las na serigrafia,
linguagem gráfica na qual me especializei.
35
Sempre gostei de fotografar coisas
diversas: paisagens, materiais de construção, texturas. Pensava em usar essas
imagens nas gravuras que fazia, ou então, guardava-as até decidir usá-las ou
não.
Quando “descobri a Lagoinha” e assumi meu interesse pelo que estava nas
ruas e pela aventura de fotografar, descobri também um novo envolvimento
com a fotografia. Passei então a ver a importância que aquelas imagens tinham
35
Serigrafia- técnica de impressão na qual utiliza-se uma matriz de poliester em que a imagem é gravada
por processo fotográfico. Fotolito: filme gráfico utilizado para gravação da matriz serigráfica.
50
para mim, enquanto fotografias. Não queria reproduzi-las em serigrafia ou outra
técnica de gravura. Estavam prontas! Possuíam uma presença e uma
identidade que eu não deveria macular.
Depois de passar muito tempo envolvida com a serigrafia, percebi que tinha um
olhar particular para a fotografia e resolvi assumir com mais segurança esse
lado. Conclui que, das fotografias, eu seria conduzida inevitavelmente às
minhas gravuras, aos objetos e às gravuras-objetos. No entanto, não seriam
reproduções das imagens e sim uma decodificação delas. Um trabalho inquieto
em sua ordenação e elaboração e, ao mesmo tempo, instigante em seu
silenciamento, pela glacialidade do vidro.
No conjunto de centenas de fotografias da Lagoinha e arredores, registrei
elementos diversos e decidi subdividi-las em categorias:
1- Placas comerciais diversificadas.
2- Placas de Igrejas, Templos Evangélicos, Casas de
Oração e cartazes lambe-lambe.
3- Drive-in, motéis e casas de prostituição.
4- Mercadorias expostas.
5- “Cristos Populares – I, II, III – In memoriam”.
4.1 Placas comerciais diversificadas: o gosto pelo kitsch e pelo camp.
Algumas das “preciosidades” que pude fotografar em um trecho relativamente
pequeno da Av. Antônio Carlos são as placas com os seguintes dizeres:
“Funerária Bom Jesus – Associe-se aqui”
“Jardinagem e Paisagismo Estrume de Ouro”
“Fuçar Centro Automotivo”
“Casa de Tripas Belo Horizonte”
“Cata-cavaco, ô comida bôa!”
51
Considero que estão inseridas na categoria do Kitsch as placas: “Fuçar Centro
Automotivo”, “Casa de Tripas Belo Horizonte” e “Cata-Cavaco, ô comida bôa”.
Abraham Moles considera que,
Em alemão, a palavra kitsch es carregada de conotações
desfavoráveis. Na literatura estética desde 1900, ele é sempre
julgado de modo negativo e somente após o período da pop-art
deixou-se um pouco de lado a alienação do kitsch, dando aos artistas
a oportunidade de retomá-lo como distração estética (O kitsch é
divertido), primeira etapa de uma recuperação que vem ocorrendo na
história da arte.
36
Esse tipo de placas com um apelo kitsch é muito freqüente na chamada
“cultura de massa”. Podemos observar em sua maioria, como os textos são
extremamente explicativos, talvez, com a intenção de convencer os clientes
sobre a qualidade do produto oferecido. Muitas vezes, esses textos deixam
escapar algo além do que pretendem enunciar. Isso contribui, possivelmente,
para a divulgação de algumas propagandas populares, fazendo as pessoas
comentá-las exatamente pela sua “excentricidade” e “mau gosto”.
Palavras de baixo calão são eleitas para nomear estabelecimentos e, de certa
forma, acabam conferindo uma conotação depreciativa. A palavra “fuçar” é
grosseira e denota falta de cuidado – procurar sem critério, ou sem saber o que
se está procurando. Assim como “Cata-Cavaco” sugere também um ar de
desleixo com a comida: pedaços grandes, mal cortados e dispersos; e o termo
“tripas” entra em dissonância com a sublimidade de um horizonte belo.
Outro dia, passou por mim, um carro de uma empresa que se denominava:
36
MOLES, Abraham. 2001. p. 26, cap. 2.
52
Desentupidora Rola Bosta! O incidente não se deu na área geográfica da
minha pesquisa, no entanto, não resisti e, pelo menos, deixo-o aqui registrado,
pois, naquele momento, não tinha meu equipamento fotográfico em mãos.
A confecção das placas é variada: o cartaz da Funerária é impresso
digitalmente sobre papel, a placa do Centro Automotivo Fuçar é plotada sobre
um banner, enquanto as expressões “estrume de ouro”, “casa de tripas” e
“cata-cavaco” são pintadas à mão, diretamente nas paredes, demonstrando
uma convivência entre o artesanal e o técnico, atestando um início de mudança
estética relacionada à popularização das tecnologias digitais.
Nesse território fértil que vai se descaracterizando com muita rapidez, devido
às obras de ampliação da Av. Antônio Carlos, deixei, muitas vezes, escapar
imagens raras.
Adentrando um pouco mais por algumas ruas do bairro Lagoinha, deparo-me
com a Barbearia Vera Cruz, com seu nome pintado em destaque sobre a
fachada, tendo ao lado a pintura de um rosto de homem em perfil (FIG. 13),
com topete fixado e olhar penetrante, contendo a inscrição cabeleireiro. O
recorte dado à figura do homem e a dureza explícita das pinceladas em cores
vibrantes emolduradas pelo preto, fazem-me constatar que essa pintura faria
um belo par com a Bela Lindonéia de Rubens Gerchman
37
(FIG. 14)!
37
Rubens Gerchman nasceu no Rio de Janeiro, RJ. Em 1942. Pode ser considerado um dos artistas
neofigurativos mais originais da arte brasileira.
53
FIGURA 13 – Placa da Barbearia Vera Cruz.
Fonte: Acervo da Artista.
FIGURA 14 Gerchman, A bela
Lindonéia.
Fonte: Catálogo de Exposição do
IMS – BH, 2005.
Em Gerchman vou descobrindo várias similitudes com as imagens que
fotografo:
A atitude estética de Rubens Gerchman tem um comportamento
multifacetado que corresponde a um único objetivo: o urbano. E a
reflexão sobre este inesgotável mundo que inclui a profunda
dimensão humana está impregnada de toda a vertiginosidade da
última metade do século XX, período que em toda a sua plenitude
inclui multiplicidade, rapidez e visibilidade. O ponto de vista de
Gerchman é sempre o mesmo: trata-se de um olhar de voyeur, de
uma testemunha distante, que observa multidões de longe e casais
de perto. Interessa-lhe o símbolo e o fetiche. Ele parte de temáticas
sociais para construir novas referências urbanas, sem perder jamais a
sagacidade do que implica viver de repente o frenesi de uma era de
mudanças radicais.
38
Gerchman observa as multidões, a massa popular. Em seus trabalhos realiza
closes de casais em posições audaciosas, muitas vezes explícitas e em locais
sem privacidade como bancos de automóveis.
Dialogo com ele quando fotografo áreas do baixo meretrício fazendo os
“closes” das placas de cines pornôs e de cabines eróticas. Apesar de o meu
38
Trechos do texto de Ana Maria Escallón. In R. G, 1994./ Agenda do Instituto Mário Pena
54
foco estar nas placas e não nas pessoas que freqüentam esses lugares,
percebo, na associação do meu trabalho ao de Rubens Gerchman, a
semelhança do tema urbano e popular e a proximidade na escolha de imagens
que ilustram o que é promíscuo, marginal e ilegal.
Enquanto as elites buscam uma forma de expressão artística
genuína, eis que a cultura popular sustenta o aparente paradoxo de
possuí-la no cerne.
39
Quando optei, nesta dissertação, por abranger vários temas, focados
principalmente nas placas populares, e, a partir daí, concebi e elaborei a
exposição que é o pilar de todo este trabalho, tentei realizar um recorte visando
a revelar ao espectador a diversidade que inegavelmente está implícita nesta
região que elegi como meu “observatório particular”. Poderia ter optado por
enfocar somente placas das igrejas, ou somente de estabelecimentos
comerciais ou ainda apenas barracas dos vendedores ambulantes ou qualquer
outra das situações que apresento aqui. Minha intenção foi justamente
escancarar a multiplicidade e a múltipla-cidade presentes nesta região
específica. Meu objetivo é expor esta visibilidade multifacetada em sua
diversidade confusa, emaranhada e tão fascinante em sua visualidade.
Nesta dissertação e na exposição, apresento também os objetos e gravuras
advindos de toda essa percepção. Um processo que foi ocorrendo
paralelamente às fotografias e, acredito que em decorrência delas, e da
experiência de estar nas ruas, no meio de todas as informações, ruídos, cores,
39
NEMER, José Alberto. 2000. p.12.
55
veículos e multidões. Os objetos de certa forma contrapõem-se a tudo isto. Sua
manufatura é lenta e as palavras e espaços que neles aparecem, são contidos
e silenciosos.
Não pretendo excluir a diversidade porque tudo é resultado de um longo trajeto
percorrido no desmembramento de um trabalho que vai adentrando outras
linguagens plásticas como uma necessidade pessoal de instigar novas
percepções e criar novos desafios.
Continuando meu garimpo pela cidade, encontro a placa do Salão unisex, com um
rosto feminino e outro masculino em silhueta: uma “pérola”. Dois dias após eu tê-la
fotografado, o salão foi totalmente demolido (FIG. 15). Depois, na rua Guaicurus,
descubro outro salão de beleza também unisex, que faz depilação masculina e
feminina (FIG. 16).
FIGURA 15 – Salão da Av. Antônio Carlos (demolido em 2005)
Fonte: Acervo da Artista
56
FIGURA 16 – Salão da Rua Guaicurus
Fonte: Acervo da Artista
O desenho, bem ilustrativo, fica ao lado de um espelho que o duplica. Mostra
uma moça de cabelos pretos depilando outra de cabelos loiros, dizendo
“depilação profissional é aqui!” Outros elementos ainda compõem a cena:
pente, tesoura, sapatos e a mesa própria para depilação.
Como são interessantes e ingênuas as placas dos salões de beleza que
atendem à população de baixa renda e também ao público marginalizado das
prostitutas e travestis da região do baixo meretrício! Essas placas são sempre
muito decorativas. Cada objeto que compõe a cena é desenhado e pintado em
proporções inadequadas em relação aos outros elementos, e cada um
consegue, talvez por essas desproporções, chamar a atenção para si,
individualmente. A maneira de representação e o excesso de informações
visuais explicitam uma característica da plasticidade popular nesse tipo de
placas.
57
Os autores das pinturas e desenhos permanecem anônimos para mim. Não
sinto necessidade de identificá-los. Eles muitas vezes não assinam suas obras,
portanto, deixo que continuem no anonimato da cidade grande.
4.2 Placas de Igrejas, templos Evangélicos, casas de Oração e cartazes
lambe-lambe: encontro de diferenças e semelhanças.
No meu trajeto diário pela Av. Antônio Carlos, constatava cada vez mais a
multiplicidade de estabelecimentos religiosos que proliferavam nesta região.
Senti-me instigada a fotografá-los (FIG. 17 e 18). Respeitei a diversidade
religiosa, contudo, achei impossível não associá-la a produtos expostos para
atraírem os fiéis aos mais diversos cultos: Em plena celebração a hóstia
sangrou! Nós temos um milagre eucarístico. Venha ver para crer. E ainda,
FIGURA 17 – Santuário de São Miguel Arcanjo.
Fonte: Acervo da Artista.
58
FIGURA 18 – Fachada da Igreja Pentecostal Deus é amor.
Fonte: Acervo da Artista
FIGURA 19 – Cartazes de agradecimentos afixados na parede externa do Santuário.
Fonte: Acervo da Artista
59
Compareça! Jesus garante o milagre!
As faixas de tecido pintadas à mão trazem textos chamativos, às vezes bios
em seu sentido
Segundo Barthes, “o texto tem um valor repressivo em relação à liberdade dos
significados da imagem; compreende-se que seja no nível do texto que se o
investimento da moral e da ideologia de uma sociedade.”
40
Trocadas freqüentemente por outras faixas, exibem a programação da semana,
ofertam novidades e apresentam satisfação garantida, através de placas de
agradecimento oferecidas por quem recebeu suas indulgências (FIG. 19). Essa
ecumenicidade concentrada em uma única via pública foi o que desencadeou o
meu interesse por elas. Não pretendo fazer um julgamento dos seus preceitos,
somente constatar sua multiplicidade e pontuar esses registros através de
minhas fotografias. Via de mão dupla, onde tudo acontece ao mesmo tempo:
os mesmos tipos de faixas e cartazes, que estão nos supermercados e
açougues, estão também nas fachadas das Igrejas e Casas de Oração.
Nos postes, amontoam-se as ofertas esotéricas: jogos de cartas, tarot e búzios
prometem fazer ou desfazer trabalhos, trazer a pessoa amada de volta. Os
cartazes lambe-lambe são sobrepostos ou colados lado a lado aos de igrejas
evangélicas, aos de pedidos de preces, e também aos anúncios de pessoas
físicas que emprestam dinheiro na hora, numa concorrência sem fim! (FIG. 20,
21 e 22)
40
BARTHES, Roland. 1990. p. 33
60
FIGURA 20 – SOS Preces
Fonte: Acervo da artista
FIGURA 21 – Tarô, búzios
Fonte: Acervo da artista
FIGURA 22 – “Virgília de Petencoste”
Fonte: Acervo da artista
61
São imagens e/ou textos ora irônicos, ora cômicos, ora apelativos, que quando
sobrepostos, criam ainda outros textos ao mesclarem suas mensagens. Esse
tipo de imagens que provocam nossos sentidos e que contêm “algo mais” do
que o que se pode ver de imediato, segundo Roland Barthes, são conotadas.
A conotação não se deixa apreender imediatamente ao nível da
própria mensagem (é ao mesmo tempo, invisível e ativa, clara e
implícita). [...]
[...] hoje, o texto torna a imagem mais pesada, impõe-lhe uma cultura,
uma moral, uma imaginação. [...]
41
O meu interesse nesse tipo de anúncio encontra-se aí, nessa mensagem
velada. A transgressão, a acumulação, o proibido, o que está à margem e o
que é ambíguo norteiam o meu trabalho.
A conotação na fotografia é também um sentido segundo, que poderá estar
implícito naturalmente num determinado objeto fotografado ou poderá ser
agregado à imagem pelo fotógrafo. Dependendo do ângulo, do recorte ou do
enquadramento que fizer da cena fotografada, exigirá do espectador um
deciframento (FIG. 24). a mensagem denotada, é explícita. Não provoca um
aprofundamento do olhar. É superficial em sua leitura e imediata em sua
percepção.
41
BARTHES, Roland. 1990.
62
FIGURA 23 – Imagem conotada
Fonte: Acervo da Artista
FIGURA 24 – Imagem denotada
Fonte: Acervo da Artista
63
4.3 Drive-in, motéis, hotéis e casas de prostituição: um close neles.
Entrei na “Zona”, literalmente!
Nunca consegui ficar indiferente ao que está à margem.
Sempre me questionei sobre a maneira como aquelas pessoas chegaram ali: nas
ruas, nas casas de prostituição, no tráfico, nas drogas, no crime. Um sentimento de
angústia me persegue com relação a essas questões.
Vi uma alegria, ou melhor, vi uma identidade penetrada em seu corpo quando me
dirigi àquela prostituta e conversei com ela como com uma pessoa igual a
qualquer outra.
Para poder fotografar o portão de uma casa de prostituição, tive que subir 3
andares de escadas, para pedir autorização ao “gerente” do local. Encontrei-o
sentado ao bar, bebendo ao lado de uma mulher. Apresentei-me.
Ele indagou sobre meu interesse em fotografar o portão. Disse-lhe que havia
fotografado todos os outros da região que tinham o nome do lugar recortado na
grade.
Ele me disse que lá não tinha nada escrito.Eu insisti.
- Tem sim, é que está em branco.
Chamou em voz alta um rapaz que iria me acompanhar até lá. Enquanto esperava,
entrou uma prostituta enrolada em uma toalha vermelha e foi até o balcão do bar.
O homem começou a falar-me coisas que eu não entendia.
- Essa daí, não quer usar óculos, disse que fica feia.
Dei um “olá” para ela e lhe disse:
- Igual a mim, ainda não me acostumei com meus óculos, sempre esqueço de
trazê-los.
Seu rosto se iluminou! Sem constrangimento, continuei:
- Acho até que os óculos dão um certo charme.
Por segundos ela se alegrou. Acho que não esperava que eu fosse conversar com
ela.
E o homem continuava em tom de deboche:
- Essa aí não vai usar.
Eu disse a ela:
- Então use lentes! (um amigo meu, quando lhe contei o caso, comentou: - como
você fala para uma mulher que recebe às vezes um vale-transporte para transar
com um cliente do lugar, para ela comprar lentes de contato!?).
Enquanto continuava esperando o rapaz que me acompanharia até o portão, o
“gerente” ainda insistia no assunto:
- Essa daí prefere ficar com dor de cabeça, mas não usa os óculos.
- Ai eu disse: então ela deve ser masoquista! IXE! Escapou! Acho que falei
demais!
O rapaz chegou, agradeci e saí dali antes que a conversa pudesse tomar outros
rumos. Fui então, escoltada pelo moço, fazer a foto do tal portão.
Tânia de Castro Araújo
Na Avenida Antônio Carlos, próximo ao Campus da UFMG, deparo-me com um
drive-in para pedestres! Nele, encontro uma espécie de mostruário de
diferentes tipos de propaganda: texto escrito na parede, faixas de tecido em
64
silk-screen, outdoor, banner, grafitti, placas luminosas backlight e um coração
com luzinhas vermelhas que, à noite, dão um tom mais romântico ao local.
Uma miscelânea de informações!
FIGURA 25 – Drive-in / Motel
Fonte: Acervo da Artista
alguns anos, venho acompanhando sua gradativa transformação em motel.
Nas placas de propaganda, os textos são extremamente explicativos e
detalhistas (FIG. 27):
“Box com ducha, poltrona e lençol!”
“Box com vaso e cama de casal!”
“TV ou rádio!”
“Aceitamos cartões de crédito!”
“Tudo a R$10,00!”
65
FIGURA 26 – Drive-in / Motel na Av. Antônio Carlos
Fonte: Acervo da Artista
FIGURA 27 – Drive-in / Motel na Av. Antônio Carlos
Fonte: Acervo da Artista
FIGURA 28 Drive-in / Motel na
Av. Antônio Carlos
Fonte: Acervo da Artista
66
A referência a elementos que remetem a cenas de intimidade de casais, ao
grotesco das relações amorosas de caráter físico, encaminha a reflexão para o
campo do kitsch.
O kitsch e o camp são o foco central em várias das minhas fotografias. Percebo
com relação ao camp uma sutileza a mais sobre o kitsch:
A questão fundamental do Camp é destronar o sério. O Camp é
jocoso, anti-sério. Mais precisamente, o Camp envolve uma nova e
mais complexa relação com o “sério”. Pode-se ser sério a respeito do
frívolo, e frívolo a respeito do sério. Como gosto pessoal, o Camp
responde ao marcadamente atenuado e ao fortemente exagerado”.
42
As mensagens veiculadas em algumas placas populares aproximam-se desse
gosto camp. A informação tem a intenção de ser séria, no entanto, a
formulação do texto deixa escapar algo dissonante, que “destrona” de certa
forma a sua seriedade. Isso pode ser observado nas placas:
- “Funerária Bom Jesus: Associe-se aqui” - (Antes ou depois de partir desta?)
- “Jardinagem e paisagismo Estrume de Ouro” - (Que o esterco é bom,
ninguém duvida!)
- “Drive-in / motel para pedestre” - (Drive-in para pedestres!?.)
- “Padres exorcistas: fazemos casamentos de desquitados, divorciados,
batizados de filhos de mãe solteira, crisma com cursinho na hora” - (Fazemos
qualquer negócio, hem!?)
Todos esses estabelecimentos encaram seriamente o que anunciam. No
42
SONTAG, Susan, 1987.
67
entanto, não deixa de ser curiosa a maneira como esses anúncios são
elaborados.
no kitsch, a preferência pelo “mau gosto” é muitas vezes reconhecida em
objetos, desenhos ou nomes não muito agradáveis de se ouvir e que, nem
sempre, são engraçados. Sob alguns olhares contemporâneos os objetos são
transformados em cult.
Caminhando para as áreas do baixo meretrício, na Rua Guaicurus e
adjacências, deparo-me com a arquitetura art déco das suas fachadas. Os
portões das casas de prostituição fotografados bem cedinho, quando ainda
estão fechados, revelam sua beleza plástica. Seus nomes recortados nas
grades impõem sua presença ali: “BH, Maravilhoso, Aurora, Imperial Palace”.
FIGURA 29 – BH, Rua Guaicurus
Fonte: Acervo da artista
FIGURA 30 – Maravilhoso, Rua Guaicurus
Fonte: Acervo da artista
68
Entremeando esses estabelecimentos, estão outros, que oferecem cabines
com filmes eróticos e cinemas com sessões ao vivo de strip-tease.
O tipo de composição estrutural das fachadas de alguns bordéis dessa região,
com linhas verticais e horizontais, e áreas de cor, lembram-me os trabalhos do
artista Piet Mondrian:
Sua teoria, o Neoplasticismo
43
, em que as linhas verticais e
horizontais delimitam as zonas de cor, encontram perfeita sintonia
com a funcionalidade da arquitetura e do desenho industrial, com a
publicidade visual e com as artes gráficas em geral.
44
FIGURA 31 – Prostíbulo, Rua São Paulo com Rua Guaicurus
Fonte: Acervo da Artista.
43
Neoplasticismo termo criado por Mondrian para designar sua pintura, talvez inspirado na concepção
místico-religiosa dos teosofistas que admirava. A cor permanece chapada numa superfície plana, não
sendo enfraquecida por ter de seguir as modulações da forma. A cor acha sua oposição na não-cor: o
branco, o preto e o cinza.
44
CHIPP, Herschel Browning. 1996. p. 366/367
69
FIGURA 32 Mondrian, Composição com
vermelho, amarelo e azul, 1939/42, óleo sobre
tela, 72x69 cm
Fonte: DEICHER, Susanne, 1995, p.82.
FIGURA 33 Mondrian, Bradway Boogie-Woogie,
1942-43, óleo s/ tela, 127x127 cm
Fonte: DEICHER, Susanne, 1995, p.88.
Interessante ver as cores quentes (vermelho, amarelo) destes locais, apaziguadas
pelas frias (azuis e verdes). Belos mondrians urbanos. Recortados de seu contexto,
não imaginaríamos que pudessem estar localizados ali.
4.4 Mercadorias expostas: a Galeria Lagoinha
Muito gentil, deixou-se fotografar junto ao seu material de trabalho, e eu lhe
prometi uma cópia da foto. Alguns meses se passaram, e eu sempre me lembrava
da promessa. Mandei fazer uma ampliação 20x25cm, coloquei em um porta-
retrato, embrulhei em um belo papel de presente e fui entregá-lo pessoalmente.
Chamei-o pelo nome de “seu Nova Lima”. Demorou uns segundos para que ele
me reconhecesse. Perguntei a ele se se lembrava de mim... da foto que eu havia
tirado? Ele falou que comentara com um amigo dele que eu não havia voltado e
que deveria ser da Prefeitura a fim de tirá-lo de lá. Entreguei-lhe o presente e
disse:
- O que eu prometo eu cumpro.
Abriu o embrulho admirado e perguntou-me:
- Quanto vai custar isto? – respondi que era um presente
Ficou tão feliz que conversou comigo por aproximadamente uma hora e meia, sem
parar. Contou-me sua história, falou sobre horóscopo, sobre a avó que tinha
70
conhecimentos esotéricos, e não parava mais! Ele tinha uma sabedoria inata. Um
ótimo contador de casos! Pessoa fluente e interessante de se ouvir. Poderia como
ele mesmo disse, ter estudado para ser advogado ou doutor, mas sua vida tomou
outros rumos...
Tânia de Castro Araújo
Na véspera do “Dia das mães” saí às ruas para fotografar as mercadorias dos
camelôs. As bancas estavam bastante abastecidas e variadas para as vendas
do dia.
Cada objeto fotografado não é mais do que o vestígio deixado pelo
desaparecimento de todo o resto. Do alto desse objeto
excepcionalmente ausente do resto do mundo, tem-se do mundo,
uma visão inapreensível.
45
Na rua Tupinambás, todo o quarteirão estava ocupado por barracas bem
próximas umas das outras. Conversei com aproximadamente trinta vendedores
pois tinha de me aproximar para fotografar e não queria que eles se sentissem
invadidos.
A escolha é silenciosa, cuidadosa e cautelosa. Quase não flagrantes. Como
preciso chegar bem perto dessas bancas para fotografá-las em suas minúcias,
preciso também me aproximar dos seus donos, em sua maioria, “armados”
como se previssem estar prestes a serem “assaltados” do material de onde
provém o seu sustento. Constatei que a verdade é a melhor maneira de
desarmá-los. Respeitá-los enquanto indivíduos trabalhadores, ao mesmo
tempo esclarecendo o meu interesse na maneira peculiar com que cada um
organiza o seu material de trabalho. O afago do elogio, causa a princípio,
45
BAUDRILLARD, Jean. 1997.
71
estranhamento. Identifico-me como artista plástica, pesquisadora. Em seguida,
normalmente, vem a gentileza em oferecer-me o que almejo.
Emprestam-me por instantes o objeto do meu desejo. Confiam-me o bem mais
valioso que possuem. A beleza das mercadorias expostas nas bancas dos
vendedores ambulantes captura-me pela maneira “ingênua” com que eles
apresentam seus produtos.
A composição dos objetos elaborada, não pelo conhecimento, mas pela
intuição, é o que faz delas elementos impares e pontuais no aglomerado da
cidade.
Isoladamente seriam apenas cadarços, carteiras, sapatos, bonés, óculos,
acessórios variados. Quando recortadas por mim, através da mera
fotográfica, essas coisas banais adquirem uma visibilidade coletiva que as
transforma em “outras mercadorias”: as minhas mercadorias. O impacto do
todo é a primeira isca para o olhar do observador, que depois de alguns
segundos, chega ao particular, à coisa em si. Esse espaço de tempo entre o
anonimato da imagem e a sua decodificação é o que mais me interessa (FIG.
34 e 35).
Segundo Vilém Flusser,
O fator decisivo no deciframento de imagens é tratar-se de planos. O
significado da imagem encontra-se na superfície e pode ser captado
por um golpe de vista. No entanto, tal método de deciframento
produzirá apenas o significado superficial da imagem. Quem quiser
“aprofundar” o significado e restituir as dimensões abstraídas, deve
72
permitir à sua vista vaguear pela superfície da imagem. Tal vaguear
pela superfície é chamado scanning
46
o traçado do scanning segue a
estrutura da imagem, mas também impulsos no íntimo do
observador
47
.
FIGURA 34 – Mercadoria exposta
Fonte: Acervo da Artista
FIGURA 35 – Mercadoria exposta
Fonte: Acervo da Artista
46
Scanning: Movimento de varredura que decifra uma situação.
47
FLUSSER, 1985. p 13.
73
Num primeiro momento, o intenso azul da fotografia das “tiras” de sandálias de
borracha, aglomeradas entre si e vistas de frente, não possibilitam a
identificação imediata. Os cadarços em tons de bege, marrom e preto, também
são decodificados alguns segundos depois, por que o azul nos rouba o olhar
primeiro.
Assim também acontece com a fotografia da banca, que tem em seu interior
espelhos. As mercadorias, óculos, bonés, se refletem nos espelhos e os
manequins que são utilizados para mostrar os óculos, se misturam e passam a
ser vistos também como mercadoria.
Associo a fotografia de algumas das bancas dos camelôs a assemblages de
Arthur Bispo do Rosário, onde ele utilizava vários objetos compondo a cena
(FIG. 36 e 38). Bispo organizava objetos pertencentes ao cenário onde vivia e
montava seu inventário de “coisas desse mundo”. Objetos fabricados,
industrializados, eram separados por categorias, como nas bancas dos
camelôs que vendem somente um tipo de mercadoria, numa espécie de lógica
de arquivo. Outras vezes, misturava objetos diversos em seu uso e função,
como também podemos observar em algumas bancas de camelôs que vendem
variados artigos (FIG. 37 e 39).
74
FIGURA 36 – Artur Bispo do Rosário, Assemblage
Fonte: IDALGO, Luciana, 1996.
FIGURA 37 – Mercadorias
expostas em banca de camelô
Fonte: Acervo da Artista.
FIGURA 38 –Painel. Bispo do Rosário.
Fonte: IDALGO, Luciana, 1996.
FIGURA 39 Mercadoria exposta em banca
de camelô
Fonte: Acervo da Artista.
75
Algumas imagens trazem consigo algo ainda a ser revelado aos olhos do
espectador. Algo que irá capturá-lo. Outras o apenas imagens que serão
vistas, compreendidas, aprovadas ou desaprovadas. Nelas fica evidente a
intenção do fotógrafo.
Para Roland Barthes, algumas fotos estão investidas somente de Studium, pois
provocam apenas um interesse geral: “[...] O Studium é o campo muito vasto
do desejo indolente, do interesse diversificado, do gosto inconsequente [...]”
48
(FIG. 40).
Porém outras fotos contêm um elemento a mais que as difere das outras: O
punctum (FIG. 41).
“É ele que parte da cena, como flecha, e vem me transpassar. Em
latim Punctum significa: ferida, picada. O punctum de uma foto é
esse acaso que, nela, me punge (mas também me mortifica, me
fere)”.
49
FIGURA 40 – banca de camelô
Fonte: Acervo da Artista
FIGURA 41 – banca de camelô
Fonte: Acervo da Artista
48
BARTHES, Roland. 1984.
49
Ibidem.
76
Fotografar a cidade em suas peculiaridades é de certa forma provocar rupturas
na visualidade cotidiana tão massificada e ignorada pelos habitantes das
grandes metrópoles.
Outra experiência interessante aconteceu quando encontrei seu “Nova Lima”,
nome pelo qual é conhecido na região, um vendedor de cigarros e isqueiros de
marcas “não muito divulgadas”. Na rua Além Paraíba, quase perto do viaduto,
ele se instala com sua mercadoria. A parede, que ficava atrás de onde ele
colocava o seu carrinho “Rei da Estrada”, contendo os maços de cigarros, era
toda grafitada e ele se integrava àquele desenho como se fizesse parte dele
(FIG.42).
FIGURA 42 – Seu Nova Lima e seu carrinho
Rei da Estrada.
Fonte: Acervo da Artista.
77
Outro dia, passando de ônibus pelo local, avistei-o no mesmo lugar. que ao
fundo, o cenário era outro. A parede havia sido pintada de branco. Lamentei o
fato.
Da rua também, surgiu a idéia de como expor as diversas fotografias na
galeria. Observando as bancas de revistas (FIG. 43), ficava impressionada com
a variedade de tulos convivendo lado a lado e até sobrepostos. Decidi então,
que preencheria uma grande parte da parede da galeria com as fotos bem
próximas umas das outras, sem intervalo entre elas, como nas bancas de
revistas.
FIGURA 43 – Banca de revistas
Fonte: Acervo da Artista
78
Esses acúmulos são mostrados na exposição, numa seleção de cento e trinta e
seis fotografias, no formato 30x45 cm, colocadas lado a lado, ocupando parte
de uma grande parede. Outras quinze fotografias nos formatos 50x70, 50x80 e
75x115 cm ocupam outras paredes da galeria. Todas elas fazem parte do meu
acervo de, aproximadamente, quinhentas fotografias. Ao mostrá-las dessa
maneira, procuro enfatizar como as imagens são percebidas, ou ignoradas, na
cena urbana de uma grande metrópole em constante e turbulenta
transformação.
4.5 Cristos Populares – I, II, III – in memoriam: bancas empacotadas
Seja o que for o que ela a ver e qualquer que seja a maneira, uma
foto é sempre invisível: não é ela que vemos.
Roland Barthes
No hipercentro da cidade fotografei “Cristos Populares”, que foi o título que dei
às bancas dos vendedores ambulantes no início do dia, antes de desnudarem-
se ao público e também após o dia de trabalho, quando novamente vestem-se
com suas “vestimentas mortuárias”. Essas imagens foram apropriadas por mim
e denominadas “Cristos Populares I, II, III – In memoriam” (da série “Lagoinha e
Arredores”).
As barracas desses camelôs saíam num comboio diário pelas ruas da cidade
até os seus pontos de venda. Vinham empacotadas em lonas plásticas azuis,
verdes, amarelas ou pretas, amarradas por cordas, encobrindo o que
continham em seu interior e ao mesmo tempo, descortinando para mim, a
beleza plástica de exuberantes objetos perambulantes na visualidade urbana
79
(FIG. 44 e 45). “O múltiplo é não o que tem muitas partes, mas o que é
dobrado de muitas maneiras.”
50
FIGURA 44 – Banca empacotada.
Fonte: Acervo da Artista.
FIGURA 45 – Camelô com sua banca.
Fonte: Acervo da Artista.
Com a revitalização do centro comercial da cidade, foram construídos grandes
shoppings populares: Shopping Oiapoque, Shopping Xavantes, Shopping
Tupinambás, Caetés, etc., a fim de retirarem os camelôs das ruas da cidade.
Esta foi uma decisão da prefeitura de B.H. para desobstruir as calçadas
públicas destinadas aos pedestres, as quais estavam sendo totalmente
ocupadas pelas barracas dos ambulantes. Pois, segundo os lojistas da capital,
esse comércio paralelo também concorria,com o comércio convencional.
50
DELEUZE, Gilles. A dobra. Leibniz e o Barroco. p. 14
80
Nunca uma turbulência se produz sozinha, e sua espiral segue um
modo de constituição fractal, de acordo com o qual sempre novas
turbulências intercalam-se entre as primeiras.
51
Estabeleço uma relação entre as bancas empacotadas e a escultura
grega clássica, na técnica de cinzelamento em que o panejamento executado
em mármore vela o corpo que contém (FIG. 46 e 47).
FIGURA 46 – Tânia Araújo, Banca
empacotada.
Fonte: Acervo da Artista.
FIGURA 47 – Adam Krafft: Sant’Ana, escultura
em pedra, séc. XV
Fonte: Museu Nacional Nurembergue
Essas relações vão se espiralando, encontrando novos elos com o “Enigma de
Isidore Ducasse” (1920), homenagem feita pelo artista Man Ray ao poeta do
século XIX Isidore Ducasse, que se auto-denominava o Conde de Lautréamont,
cuja frase “Belo como um encontro fortuito, numa mesa de dissecação, de uma
51
DELEUZE, Gilles. A Dobra : Leibniz e o Barroco: da inflexão à turbulência, Cf. Mandelbrot,
cap. 8, e Cache, que insiste nos fenômenos do diferido.
81
máquina de costura com um guarda-chuva”
52
, ficou famosa através dos
surrealistas. Nesse trabalho, que não existe mais, Man Ray embrulhou a
célebre máquina de costura em um tecido grosso, de aniagem (FIG. 48).
FIGURA 48 – Man Ray. The Ridle; or The Enigma of
Isidore Ducasse. 1920
Fonte: WALDMAN, Diane. 1992, p.150.
Uma reverberação desse trabalho pode ser percebida nos empacotamentos
realizados pelo artista plástico Christo
53
. Christo ao empacotar monumentos,
arquiteturas e objetos, chama a atenção para as suas formas essenciais,
expondo-as a uma visibilidade ao invés de ocultá-las (FIG. 49 e 50).
52
WALDMAN, Diane. Collage, Assemblages and the found object. London, Phaidon, 1992.
53
“CHRISTO JAVACHEFF – 1935 – Escultor e designer búlgaro, estabeleceu-se em Nova York
em 1964 . É conhecido principalmente como o criador da arte de empaquetage, que consiste
em embrulhar objetos familiares com lona ou plástico semitransparente, elevando-os à
categoria de obras de arte. Fez seus primeiros objetos empacotados em 1958. Tratava-se, de
início, de objetos pequenos, que gradualmente cresceram em tamanho e pretensão; Christo
embalou árvores, carros e monumentos arquitetônicos, como a Pont Neuf de Paris (1985).
Segundo sua teoria, a embalagem é um ato transformativo temporário que, escondendo
parcialmente os objetos, chama a atenção para as formas fundamentais sob a embalagem”.
DICIONÁRIO Oxford de Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p.112).
82
FIGURA 49 – Christo, Package, 1969.
Fonte: Jeanne-Claude Christo Collection, New York.
FIGURA 50 – Christo, The Pont
Neuf Wrapped, Paris, 1975-1985
(40.000 m
2
) of woven polyamide
fabric e (13000m) of rope
Fonte: Jeanne-Claude Christo
Collection, New York.
Daí também pode surgir uma outra correspondência com a serapilheira
54
nas
ruas de Paris que direcionam a água para os bueiros.
Desde os anos 30, os filmes “underground” que marcaram época, mas também
as fotografias, as instalações, os ensaios teóricos e os textos literários
consagraram às mesmas “barragens” parisienses uma magnífica série de
54
SERAPILHEIRA “É mesmo um tipo de trapo que é encontrado em Paris, mas em Paris está em
toda parte: é um pano de chão, uma roupa velha, uma espécie de panejameto infame (repugnante),
infecto, sórdido e sem forma um tecido qualquer, lençol, roupa usada, pedaço de carpete que os
empregados das vias públicas colocam nas canaletas ao lado do passeio, para canalizar o fluxo da água
que corre à beira do passeio em direção à boca do esgoto”. In DIDI-HUBERMAN, George. Ninfa moderna
Verbete especialmente traduzido para a Artista, por Iara Inchausti Ribeiro. Não publicado.
83
imagens.
55
O trabalho mais recente, realizado em 1948, intitulado Barrage é do
fotógrafo Steve McQueen (FIG. 51). o 59 fotografias com tiragem limitada a
dois exemplares cada foto e vendidas ao preço de quatro mil dólares cada
uma.
No livro Ninfa moderna, Didi Huberman diferencia o olhar do turista e do flâneur
sobre a cidade:
[...] sei onde o turista levanta os olhos para admirar, nas ruas de
Paris, fachadas clássicas ou monumentos célebres, o “flâneur” dirige
seu olhar um pouco por toda a parte, e fatalmente ele encontrará
estes montes de detritos pendurados, como um coral submarino
pendura as algas que passam por ele.
56
FIGURA 51 – Steve McQueen, Barrage, 1998.
Fonte: Paris, collection particulière.
Com as “bancas empacotadas” recortadas do seu contexto, intento além de
destacar a sua visibilidade, re-significá-las, através do meu olhar.
Estes trabalhos parecem remeter aos “Parangolés” de Hélio Oiticica.
Particularmente, vejo nas “bancas empacotadas” uma carga mais densa e
enigmática. Extraio desses objetos laicos uma “religiosidade subentendida”.
Seria como descamá-los para fazer transparecer o seu silêncio interior.
55
In DIDI-HUBERMAN, George. Ninfa moderna Verbete especialmente traduzido para a Artista, por Iara
Inchausti Ribeiro. Não publicado
56
Ibidem.
84
Fulgurar a força de suas auras. nelas o poder de um silêncio reflexivo (FIG.
52).
FIGURA 52 – Tânia Araújo. Bancas empacotadas. Estacionamento da Rua Guarani. 2005.
Fonte: Acervo da Artista.
Para Walter Benjamin:
Aurático, em conseqüência, seria o objeto cuja aparição desdobra,
para além de sua própria visibilidade, o que devemos denominar suas
imagens, suas imagens em constelações ou em nuvens, que se
impõem a nós como outras tantas figuras associadas, que surgem, se
aproximam e se afastam para poetizar, trabalhar, abrir tanto seu
aspecto quanto sua significação, para fazer delas uma obra do
inconsciente.
57
Apresento as fotografias em séries de I a III alusão ao calvário pois, muitas
delas, quando empacotadas, assumem a forma de “corpos amarrados” como
em “cruzes”, enfatizando a idéia de “cruz” individual de cada trabalhador no ato
57
BENJAMIN, Walter. Apud DIDI-HUBERMAN, Georges. 1998. p. 149.
85
penoso de: desembalar, embalar e puxar as bancas sobre roldanas, no início e
no final de cada jornada de trabalho. O formato que escolhi para apresentar as
fotografias foi 75x115 cm, impressas em papel fotográfico e presas a um
suporte de MDF para proporcionar um maior impacto visual acentuando o
modo como as percebo (FIG. 53).
FIGURA 53 – Tânia Araújo. Cristos Populares I, II, III in memoriam, 2005.
Fonte: Acervo da Artista.
Essas imagens exercem em mim um poder quase hipnótico, um alumbramento.
Contemplo-as como às pinturas de Mathias Grünewald
58
com toda a sua
dramaticidade (FIG. 54 e 55):
O drama da crucificação de Cristo em Grünewald, e também os
outros temas de suas pinturas, estão pois em simbiose constante
com o drama real e permanente do homem sobre a terra, cujo
processo é também uma crucificação. O homem Grünewald pintou
aqui como se estivesse diante da cena real e o através da tradição
pictórica representativa da arte de sua época. Mais: pintou em transe
de identidade, como se ele mesmo fosse o crucificado.
59
58
GRÜNEWALD, Mathias. Pintor alemão do séc. XVI.
59
ZOCCHI, 1944. (Tradução da autora)
86
FIGURA 54 – Tânia Araújo, Banca
empacotada.
Fonte: Acervo da artista.
FIGURA 55 – Grünewald: Crucificação
Fonte: Altar de Isenheim, Museu Unterlinden, Colmar
Nas imagens das barracas empacotadas percebo uma trajetória para a
crucificação, para uma execução sumária, ao constatar que a cada dia elas vão
desaparecendo das ruas onde se encontravam. As pouquíssimas barracas que
ainda restam já têm sua data prevista para “execução”. Até dezembro de 2005,
possivelmente, não terá restado mais nenhuma delas nas ruas, pois, com a
transferência do comércio ambulante para os Shoppings Populares, estarão
fatalmente fadadas ao desaparecimento.
Ao fotografá-las, cometo um “ato de eutanásia”. Antecipo a sua morte.
87
5. A cidade bem guardada – seus compartimentos e desdobramentos.
Quando se chega a Tecla, pouco se da cidade, escondida atrás
dos tapumes, das defesas de pano, dos andaimes, das armaduras
metálicas, das pontes de madeira suspensa por cabos ou apoiadas
em cavaletes, das escadas de corda, dos fardos de juta
60
.
Italo Calvino
Quando vi aquele tapume na Lagoinha, imediatamente ocorreu-me o trabalho
do artista Celso Renato de Lima
61
. Sua pintura de gestos fortes, marcada por
formas geométricas, foi abandonando as telas e a partir de 1980, transferiu-se
para o suporte advindo do lixo das construções civis, fragmentos de tapumes,
que o artista limpava e imunizava, retirando deles o que não lhe interessava
como matéria plástica (FIG. 56 e 57).
FIGURA 56 – Tânia Araújo, Detalhe do tapume na Av.
Antônio Carlos, 1996.
Fonte: Acervo da Artista.
FIGURA 57 – Celso Renato, s/ título,
acrílica s/ madeira, (80x80 cm).
Fonte: Coleção Isay Weinfeld, São
Paulo.
60
CALVINO, 1990, p. 117.
61
Celso Renato de Lima, nasceu em 1919, no Rio de Janeiro e faleceu em 1992, em Belo Horizonte,
onde residia.
88
Rudemente marcados pela grafitagem espontânea pelos resíduos de
concreto, de terras e tintas a eles aderidos no decorrer do uso
camadas e camadas de tempo e trabalho as pranchas de
concretagem e os fragmentos de tapumes carregam consigo toda
uma carga expressiva que o artista, ao separá-los de seu contexto
original, revela.
62
Nos retalhos de tapumes, Celso Renato inseria suas composições abstrato-
geométricas em branco, preto e vermelho, fazendo ressaltar a textura da
madeira recolhida, sua aspereza, sujidade e memória resguardadas. “Sem ser
rudimentar (pelo contrário: é bastante requintada, de maneira sempre intuitiva),
não dúvida de que na geometria de Celso Renato qualquer coisa de
rude, no sentido de direto, imediato, sem disfarce nem ornamento” (FIG. 58 e
59).
63
Segundo o artista plástico e crítico de arte Márcio Sampaio: “o rito dessa
pintura aproxima-se àquele dos povos primitivos que transformam a matéria em
entidade, dando-lhe vida, espírito.
64
FIGURA 58 – Celso Renato, s/ título, acrílica
s/ madeira, (80x80 cm)
Fonte: Coleção Isay Weinfeld, São Paulo
FIGURA 59 – Celso Renato, Ponte do
Rosário, acrílica s/ madeira, (80x80 cm)
Fonte: Coleção Isay Weinfeld, São Paulo
62
Texto extraído do Banco de Dados Pintura no Brasil, séculos XIX e XX, do Instituto Cultural Itaú,
operando no Centro de Informática e Cultura I – São Paulo, CIC/1.
63
Ibidem
64
Texto extraído do Banco de Dados Pintura no Brasil, séculos XIX e XX, do Instituto Cultural Itaú,
operando no Centro de Informática e Cultura I – São Paulo, CIC/1.
89
O artista resgata o tapume, um material fadado ao lixo e ao abandono re-
significando-o, erguendo-o da ruína ao status de obra de arte.
O tapume que inicialmente despertou meu olhar sobre a Lagoinha foi
transposto para a minha obra através da serigrafia (FIG. 60). Utilizo imagens de
fragmentos deste tapume, intervenho, retiro, recoloco, sobreponho imagens,
sintetizando-o sem contudo perder sua ligação com o referente.
FIGURA 60 – Tânia Araújo, Tapume 3, Serigrafia, 1999
Fonte: Acervo da Artista, foto: Cláudio Nadalin.
Fotografias, serigrafias e objetos tão diversos em sua materialidade mantêm,
no entanto, sua origem comum: a cidade (FIG. 61).
90
FIGURA 61 – Tânia Araújo, Tapume 1, Serigrafia, 1999
Fonte: Acervo da Artista, foto: Cláudio Nadalin.
Os acúmulos da visualidade urbana que ficam evidentes nas fotografias levam-
me a uma necessidade de quietude no olhar. É o momento então de ir para o
atelier e produzir as serigrafias e também os objetos. Percebo isso como uma
pausa, um respiro, um refúgio para tanto apelo visual.
5.1 Palavras ocupadas:
Aquela embriaguez anamnéstica
65
em que vagueia o flâneur pela
cidade não se nutre apenas daquilo que, sensorialmente, lhe atinge o
olhar; com freqüência também se apossa do simples saber, ou seja,
de dados mortos, como de algo experimentado e vivido.
66
O contato com a tipografia ocorreu paralelamente ao momento de descoberta
dos signos urbanos. A cidade, pela qual eu passava todos os dias, tornou-se
outra a partir do dia em que fotografei o tapume. Sempre observei detalhes e
pessoas nos lugares que percorria. Mas os signos urbanos, embaralhados no
65
Que desperta a memória.
66
BENJAMIN, Walter. 1989
91
turbilhão da cidade, a visibilidade popular espalhada pelo hipercentro e por
esse trajeto que habitualmente eu fazia de ônibus, estavam como que velados
para mim. O tapume desvelou-me a cidade. Aguçou-me a percepção.
Em 1997, a Escola de Belas Artes recebeu como doação da Imprensa
Universitária, parte de seu acervo tipográfico. Fui convidada a participar do
grupo que trabalharia com esse material. Fundou-se então o NECI Núcleo de
Estudos da Cultura do Impresso, destinado à pesquisa sobre esse campo tão
vasto e “novo” para mim: a tipografia, que, agora, obsoleta frente às
tecnologias atuais de impressão, torna-se um rico e atraente material para os
artistas plásticos.
O encontro com a tipografia abriu-me novos horizontes propiciando um
desdobramento da linguagem gráfica em meus trabalhos. Ressonâncias que
geram novas ressonâncias, resultando unissonamente na consolidação desse
processo de descobertas que, aos poucos, vai se agregando ao trabalho.
Um tipógrafo veio trabalhar conosco, para iniciar-nos no aprendizado minucioso
desse ofício. Timidamente, fui sendo apresentada àquele universo ainda
ignorado por mim em suas minúcias. Como utilizar aquele material em meu
trabalho sem que este se desvinculasse daquilo em que eu estava interessada
no momento? Como relacioná-lo à paisagem urbana?
Para minha surpresa, quando me deparei com a gaveta que abriga os tipos
92
gráficos, com suas divisões, associei-a às divisões do tapume que eu havia
fotografado na Lagoinha (FIG. 62). Encontrei assim o fio que conduziria meus
trabalhos ao universo tipográfico. Apropriei-me da gaveta e construí o primeiro
objeto. Inseri nela: fotos com signos da cidade, letras, tipos, palavras (FIG. 63).
FIGURA 62 – Tânia Araújo, Gaveta
tipográfica vazia
Fonte: Acervo da Artista
FIGURA 63 – Tânia Araújo, Gaveta-objeto,
2002
Fonte: Acervo da Artista, foto: Cláudio Nadalin
Observei que suas divisões levavam também a uma associação com o
mapeamento da cidade, à divisão dos quarteirões. Iniciei então um segundo
objeto, ainda utilizando-me da gaveta original, porém vazia, e naturalmente
marcada pelo tempo de uso, com sinais e colorações diferenciadas em alguns
de seus espaços,pela ausência do papel que a forra. Sobre ela, coloquei um
vidro fosco, onde imprimi o mapa da região da Lagoinha e seus arredores até
parte do hipercentro de Belo Horizonte (FIG. 64). A impressão é feita em
serigrafia e tinta corrosiva sobre o vidro. Após a impressão, a tinta é retirada e
o mapa fica gravado sobre a superfície. Quando o objeto é exposto sobre uma
parede e a luz incide sobre ele, o mapa impresso sobre o vidro projeta-se em
sombra no fundo da gaveta, provocando efeito ilusionista, e criando uma
93
ambigüidade visual, pois não se distingue se impressão em tinta ou em luz
no fundo da gaveta. A idéia de localização, apagamento e acúmulos é
reforçada por esse jogo de luz e sombras.
FIGURA 64 – Tânia Araújo, Centro – Bonfim – Lagoinha (da série Lagoinha e arredores), 2002
Fonte: Acervo da artista, foto: Daniel Mansur
Construí então uma série de objetos, a partir das divisões da gaveta original.
Um marceneiro executava as caixas que eu desenhava, com as subdivisões
por mim determinadas. As palavras começavam a ocupar esses espaços.
Passei a imprimir a tipografia sobre acetatos transparentes e a serigrafia sobre
vidros, tirando a gravura do seu suporte tradicional sobre o papel, para alçar à
liberdade de experimentar novas superfícies. Os acetatos impressos em
tipografia o inseridos dentro das caixas, ocupando algumas de suas
subdivisões, enquanto o vidro fica sobre a superfície dela, colocado num
encaixe sobre as subdivisões, como a tampa de um estojo.
94
FIGURA 65 – Tânia Araújo, s/ título, díptico (da série Lagoinha e arredores), 2002.
Fonte: Acervo da Artista, foto: Cláudio Nadalin. Coleção Irene Tourino – GO.
5.2 A banalidade também pode ser tema para a poesia.
67
Das imagens extraídas da visualidade popular de uma metrópole
contemporânea, surge um trabalho que as desvenda a um público que talvez
não as percebesse na correria do dia-a-dia. Em contrapartida, aparece um
outro trabalho, mais contemplativo, mais poético, advindo desse mesmo lugar,
quando as palavras são lidas como imagens e transportadas para uma outra
realidade.
Os objetos tornam-se aos poucos, mais elaborados e amadurecidos. A poética
apresenta-se em jogos de palavras que se cruzam, sobrepõem-se,
67
GERCHMAN. In FREITAS FILHO et al. 1978
95
complementam-se ou se anulam – “Palavras Ocupadas”.
Do emaranhado publicitário da cidade grande, visivelmente observado nos
cartazes, faixas, letreiros, placas que se amontoam aos nossos olhos, extraio o
que será a síntese dos meus objetos. Palavras advindas desse ruído todo são
arquitetadas, aquietadas, imobilizadas em caixas silenciosas. A cidade vista
através do vidro, da fragilidade do silêncio imposto silêncio stumo.
Fragicidade aparente nas metáforas das palavras que se entrecruzam para
originar novas palavras.
A ligação desses “poemas-objetos” com a Poesia Visual e a Poesia Concreta é
inevitável; portanto, não posso deixar de dedicar um breve olhar sobre elas.
“A Poesia Visual não é sinônimo de Poesia Concreta. Conseqüentemente, a
Poesia Visual é um termo genérico que agrega, que contém em seu interior, as
diversas poéticas visuais, incluindo-se a da Poesia Concreta”.
68
A Poesia Concreta se inspira nos princípios do Concretismo Plástico (FIG. 66).
Os poetas Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari
assinaram o Plano-Piloto para Poesia Concreta; “Poesia Concreta: uma
responsabilidade integral perante a linguagem, realismo total. Contra uma
poesia de expressão, subjetiva e hedonística, criar problemas exatos e resolvê-
los em termos de linguagem sensível. Uma arte geral da palavra”.
69
68
MENEZES, Philadelpho. Poesia Visual :reciclagem e Inovação, p. 40. Mimeo.
69
DUARTE, 1998.
96
FIGURA 66 – Augusto de Campos, dias dias, 1953
Fonte: DUARTE, Paulo Sérgio, 1998, p.25.
Na poesia visual incluo também meus objetos: Caligrama quase desfeito,
Caligrama em suspensão e Caligrama afetado que surgiram da experiência
com a tipografia. Esses caligramas são compostos pelos nomes das ruas do
bairro Lagoinha. O título Caligrama quase desfeito (FIG. 67) alude à Foucault,
em seu Caligrama desfeito, onde analisa o desenho de Magritte, Isso não é um
cachimbo.
FIGURA 67 – Tânia Araújo, caligrama quase desfeito,
impressão tipográfica sobre papel, 2002.
Fonte: Acervo da Artista, foto: kurtnavigator.
97
Na gaveta tipográfica, percebi sobressaindo em sua estrutura a “cruz”. A
ligação foi sendo feita como em cadeia nas fotografias das bancas
empacotadas o que mais chamou-me a atenção foi a idéia da “cruz” que
aparece evidenciada pelo ângulo que escolho para fotografá-las; nas fotos das
mercadorias (cadarços), por recorte fotográfico, deparei-me também com a
cruz (FIG. 68).
FIGURA 68 – Tânia Araújo, fotografia, 2005
Fonte: Acervo da Artista.
A própria fotografia precede a morte do que é fotografado e essa ligação pode
ser feita ainda mais imediatamente, por eu estar fotografando o que estará,
em curto espaço de tempo, desaparecendo do cenário da cidade.
5.3 Objetos construídos – possíveis correspondências
A primeira das caixas de madeira com suas divisões verticais e horizontais,
baseada originalmente nas divisões da gaveta do cavalete tipográfico, remete-
me à divisão dos quarteirões e à planta estrutural da cidade.
98
A estrutura das minhas caixas assemelha-se novamente aos trabalhos de
Mondrian. Os espaços vagos nos objetos podem corresponder aos espaços
brancos nas pinturas deste artista. O jogo óptico produzido pelas linhas de cor
em fitas adesivas na sua pintura é substituída em minhas caixas pela utilização
do vidro impresso em corrosão, que denuncia a ausência de tinta. Isto faz com
que sombras e imagens ora se dupliquem, ora desapareçam, criando também
um jogo ilusionista, um jogo óptico (FIG. 69). Em Mondrian: “[...] reencontra-se
o efeito do jogo, linhas de cor variadas cruzando-se geram efeitos luminosos
ópticos flamejantes [...]”
70
(FIG. 70)
FIGURA 69 – Tânia Araújo, Gravura objeto (da série Lagoinha e arredores), serigrafia e
tipografia s/ vidro e acetato, 2005.
Fonte: Acervo da artista, foto: Cláudio Nadalin.
70
DEICHER, Susanne. 1995. p. 84.
99
FIGURA 70 – Mondrian, New York City II, 1942-44, Óleo e fita-cola sobre tela, 119x115 cm
Fonte: DEICHER, Susanne, 1994, p.87.
Em minhas caixas, a ilusão se pela aparição e desaparição da imagem,
conforme a luz incide no objeto. Surge, então, o sentido obtuso. Segundo
Barthes, [...] O sentido obtuso aparece e desaparece, é seu único movimento,
esse jogo de presença/ausência [...] “.
71
Trata-se de uma tentativa de fisgar o espectador e de fazê-lo percorrer o
trabalho. Há um jogo de sedução nesse revelamento e nesse ocultamento.
Também Rubens Gerchman, em seus trabalhos em acrílica sobre tela, da
década de setenta, fazia um jogo com as palavras: Equador – Equatriz –
Cicatriz, Geo-Grafia , Arquiteto Anarquiteto, Ara-Gem (FIG. 71 e 72). Vejo
71
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III, tradução de Léa Novaes. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1990.
100
neles proximidade com os meus jogos de palavras: Lagoinha Agonia,
Arredores Dores, Roedores Odores. Em Gerchman encontro esse olhar
para o cenário urbano.
FIGURA 71 – Gerchman, Anarquiteto, acrílico
s/ tela, 200x200 cm, 1973, coleção do artista.
Fonte: GERCHMAN, Rubens, 1989.
FIGURA 72 – Gerchman, Equador Equatriz,
acrílico s/ tela, 175x120 cm, 1973-74, coleção
do artista.
Fonte: GERCHMAN, Rubens, 1989.
Contra o excessivo jorro de imagens, capazes de inviabilizá-las como
um procedimento crítico, Gerchman pesquisa sinais, letras, jogos
lingüísticos ou paradigmas esculturais.
72
Observando a curiosa ecumenicidade presente no percurso da Av. Antônio
Carlos o que me faz refletir sobre essa “proliferação da fé” nos dias atuais
deixo que minhas inquietações e questionamentos sobre o assunto se
transformem em objetos de arte.
Recebi de presente de um amigo alguns clichês antigos. Por coincidência, dois
deles eram adequados para serem utilizados nos meus trabalhos: um deles
continha o nome de um supermercado e o outro a palavra “ofertas”. Cortei o
72
COUTINHO, Wilson. Esse teu olhar quando encontra o meu. In GERCHMAN, Rubens. Gerchman. Rio
de Janeiro: Salamandra, 1989.
101
nome do primeiro clichê e usei as palavras “supermercado” e “ofertas” para
fazer um jogo com elas. Em tipografia, compus a palavra “da fé”. Apropriando-
me do conhecido slogan “A propaganda é a alma do negócio”, fiz, a partir dele,
várias composições. Primeiramente compus o slogan original e em seguida fui
“brincando” com a ordem das palavras: “A alma é o negócio da propaganda”,
“A alma é o negócio”, “supermercado da ”, e com sobreposições, impressões
tipográficas sobre papéis e acetatos, e impressões serigráficas em corrosão
sobre o vidro, fui elaborando os objetos.
Algumas impressões tipográficas são feitas com tinta branca sobre papel
também branco ou sobre acetato transparente. Essas nuances propositais
enfatizam o jogo óptico juntamente com o vidro impresso. As palavras às vezes
têm de ser procuradas para serem lidas. Suas sombras ora aparecem, ora
desaparecem, e as sobreposições das palavras criam um discurso “subliminar”,
que virá à superfície sutilmente. De certa forma, uma intenção de “camuflar”
o texto crítico presente nos trabalhos.
Outro artista com quem também muito me identifico, Márcio Sampaio:
É um dos mais notáveis líderes da vanguarda artística em Minas
Gerais. Sempre voltado para a pesquisa e a experimentação, seu
temperamento irrequieto levou-o também à poesia. Campo em que
se mostrou capaz de uma sensível articulação entre texto e
imagem.
73
Sua obra provocadora trás nítidas referências à história da arte. Faz
73
GONÇALVES, Regis. Boletim UFMG. 27 de outubro, 2005. Acontece, p.7
102
apropriações de obras famosas em seu trabalho com a intenção de questionar
sobre a qualidade da obra e o valor da assinatura. Irônico, perspicaz e
inquietante, este artista transita com agilidade entre a poesia, as artes plásticas
e a crítica de arte. Sempre antenado em relação aos acontecimentos, constrói
seus trabalhos permeados por todas as manifestações. Suas instalações,
pinturas e seus poemas-objetos, são formas partilhadas de criação.
Apresentam sempre um questionamento e uma postura crítica, em que a ironia
às vezes aparece explícita, às vezes sutilmente velada por outros elementos.
Em recente mostra a exposição retrospectiva de sua carreira Declaração de
bens
74
foram reunidas obras de várias etapas, em cujo percurso a coerência,
a crítica e a contemporaneidade podem ser observadas (FIG. 73, 74 e 75).
FIGURA 73 – Obra de Márcio Sampaio.
Fonte: imagem cedida pelo artista
FIGURA 74 – Obra de Márcio Sampaio.
Fonte: imagem cedida pelo artista
74
Grande Galeria do Palácio das Artes – Belo Horizonte, 2005.
103
FIGURA 75 – Obra de Márcio Sampaio.
Fonte: imagem cedida pelo artista.
5.4 Object-trouvé e ready-made: jogos de re-significação
Encontrei, desprezado em um canto, um velho estrado de madeira (FIG. 76),
bem danificado pelo tempo. Veio-me à lembrança o tapume. Apropriei-me do
estrado, reforcei-o com alguns pregos e fiz impressões em serigrafia nas suas
ripas. Entre duas de suas divisões, coloquei vidros impressos com imagens de
fragmentos do tapume da Lagoinha.
104
FIGURA 76 – Tânia Araújo, Object-trouvé, 2002.
Fonte: Acervo da Artista, foto: Cláudio Nadalin.
Re-signifiquei aquele estrado ao tirá-lo do chão, seu lugar habitual, deslocando-
o para a parede, desfuncionalizando-o e assimilando-o ao tapume.
Outro objeto-instalação é o Porta-fotos Lagoinha (FIG. 77). Uni cinco porta-
fotos industrializados, de plástico transparente, formando uma cruz. Inseri nela
somente fotos do bairro Lagoinha.
FIGURA 77 – Tânia Araújo, Porta-fotos Lagoinha (frente e verso), instalação, fotografias e
serigrafia s/ acetato, 2002.
Fonte: Acervo da Artista.
105
Essa cruz ficava suspensa por fios de nylon fixados ao teto e podia ser
percorrida pela frente e verso em toda sua extensão de aproximadamente dois
metros. Na frente viam-se as fotos e no verso alguns espaços vazios, outros
brancos e alguns espaços impressos com os nomes das ruas do bairro.
Impossível falar em ready-made, sem mencionar Marcel Duchamp, seu criador.
Seu primeiro ready-made foi a Roda de Bicicleta (FIG 78), de 1913, que o
artista fixa sobre um banco de madeira. O mais famoso deles, no entanto, foi
exposto em Nova York (1917), denominado Fonte (FIG. 79). Um mictório de
louça branca assinado por Marcel Duchamp, como R. Mutt:
A estas obras, não lhes foi conferida a intenção de ser objetos
sensuais, mas sim de constituir a demonstração de uma idéia. Os
readymades assistidos ilustram a proposição de que um trabalho de
um artista – qualquer artista – consiste essencialmente no juntar
materiais pré-existentes, que possam perfeitamente se tornar
readymades. Os verdadeiros readymades ainda vão mais longe,
provando que a criação de arte não precisa ser necessariamente uma
atividade manual mas simplesmente uma questão de opções.
Mostraram também que nenhum aspecto do mundo podia ser
considerado fora da meta do artista.
Estas idéias foram retomadas em Nova Yorque (onde Duchamp
estava vivendo ainda e trabalhando) por Robert Rauschenberg (FIG.
80) e Jasper Johns (FIG. 81), que as transmitiram aos artistas Pop.
75
FIGURA 78 – Duchamp, Roda de Bicicleta, 1913.
Fonte: MINK, Janis. 2000.
75
WILSON, Simon, 1975, p. 6.
106
FIGURA 79 – Duchamp, Fonte, 1917.
Fonte: MINK, Janis. 2000
FIGURA 80 – Robert Rauschenberg,
Odalisca, assemblage, 205x44x44 cm,
1955-58
Fonte: OSTERWORLD, Tilman. 1994
FIGURA 81 – Jasper Johns, s/ título, acrílico e
pintura a cera s/ tela, placas de madeira,
moldagens e diversos materiais, em quatro partes,
(detalhe)
Fonte: OSTERWORLD, Tilman. 1994
107
Os objetos do dia-a-dia, os pré-fabricados, tornaram-se a partir de então,
particularmente interessantes para vários outros artistas. A arte não podia mais
se desvincular ou ignorar o processo tecnológico, a indústria de consumo. A
explosão visual era exacerbada nas ruas, nos centros comerciais e nos
veículos de comunicação de massa. A publicidade envolvendo personalidades
artísticas e políticas transformava-os em produtos expostos como em vitrines
ou supermercados. A privacidade tornava-se pública. Os artistas da Pop Art
apropriaram-se da banalidade e da vulgaridade para chamar a atenção para
essa “contaminação” generalizada. Robert Rauschenberg andava quarteirões
próximos a seu atelier em N.Y., juntando objetos para fazer as suas
assemblages
76
.
Andy Wharol utilizava processos fotográficos para realizar suas pinturas
serigrafadas. A repetição de imagens proporcionada pela cnica de impressão
reforçava a idéia de consumo, de pasteurização, de compulsão por produtos
industrializados.
A serigrafia, por ser uma cnica de impressão versátil, propicia a
experimentação sobre variados suportes além do papel. A maneira como o
artista pressiona o rodo para passar a tinta de impressão determina alguns
efeitos que podem ser manipulados por ele. Andy Warhol utilizava-se desses
recursos. Em seus trabalhos é possível identificar marcas provocadas por falta
ou excesso de tinta na hora da impressão, marcas do rodo, sobreposições,
repetições (FIG. 82) e também a utilização de outros suportes como tela, papel
76
Assemblage – união, montagem de objetos, colagens e materiais diversos em uma mesma obra.
108
de parede, etc.
FIGURA 82 – Andy Warhol, As Vinte e Cinco Marylins, serigrafia s/ acrílico s/ tela, 205,7x169,5
cm, 1962
Fonte: OSTERWORLD, Tilman. 1994
Também nas minhas serigrafias, às vezes, lanço mão desses procedimentos.
Realço o contraste nos fotolitos, “endurecendo” a imagem e eliminando os
meios tons. Destruo áreas de prata reveladas no filme gráfico e acrescento
outras interferências (FIG. 83).
Além de imprimir sobre papel, utilizo sempre outros suportes como: vidro,
acetato e madeira.
109
FIGURA 83 – Tânia Araújo, 100 anos de Belo Horizonte, serigrafia, colagem, xerox e fotografia
s/ papel, 96x66 cm, 1997.
Fonte: Acervo da Artista.
Alguns objetos do artista Joseph Cornell
77
, possuem elementos comuns aos
meus trabalhos. Após pesquisar sua obra descobri outras afinidades, como a
utilização de tampos de vidro em suas caixas, em que também aparece
impressão de mapas.
Em suas assemblages, esse artista inseria fotografias ou bicabraques da
era vitoriana, combinando a “austeridade formal do construtivismo, com a viva
fantasia do surrealismo”.
78
(FIG. 84)
77
CORNELL, Joseph. (1903-1973) – Escultor americano, um dos pioneiros e grande expoente da técnica
de assemblage.
78
DICIONÁRIO Oxford de Arte. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 1996.
110
FIGURA 84 – Joseph Cornell, Soap buble,1993.
Fonte: WALDMAN, Diane. 1992
Percebo na estrutura e na simplicidade formal de suas caixas uma relação que
posso estabelecer com os meus objetos (FIG. 85). “Cornell destilava poesia
dos lugares-comuns”
79
arquivando-as em caixas (FIG. 86).
FIGURA 85 – Tânia Araújo, Caligrama
Afetado, tipografia, serigrafia e alfinete de
metal, 20x20 cm, 2005.
Fonte: Acervo da artista
FIGURA 86 – Joseph Cornell.
Sem título. Construção com caixa.
Fonte: WALDMAN, Diane. 1992.
79
DICIONÁRIO Oxford de Arte. São Paulo: Martins Fontes,1996.
111
6. Considerações Finais
Os clichês nos permitem apreender apenas o que nos interessa das
coisas. Ver cada vez menos. Mas um outro tipo de imagem é
possível: que faça surgir a coisa em si mesma, no seu excesso de
horror e beleza. Uma iluminação. Tornar-se visionário.
Nelson Brissac Peixoto
Curiosa descoberta! O tapume, que tem como função: fechar, tapar, impedir a
entrada e a visão do que está dentro, foi para mim, a porta de entrada para a
Lagoinha.
Constatei no decorrer desse trabalho o poder que as imagens têm, e muitas
vezes, deparei-me com a mudez do texto, que não consegue elaborar em
palavras o que está implícito na imagem.
O ruído e o silêncio foram percebidos não como antagônicos, mas como
coadjuvantes de uma mesma cena. A memória e o esquecimento partilhados,
imagens da morte, da dor e da perda, nos Cristos Populares e nos meus
objetos.
Também divirto-me, ironizo, brinco e jogo. Vibro quando descubro novas
maneiras de construir idéias. Gosto do que é transparente e do que
transparece nesses trabalhos.
Observar, adentrar e perceber minúcias. O vidro corta, quebra-se, mas é
transparente! Por isso tenho paixão por ele.
112
Garimpar, peneirar, lapidar os lugares e as idéias. Alinhavar as memórias para
não perder o fio da meada.
Aos 47 anos de idade, estou realizando minha primeira exposição individual.
Não tive pressa. Deixei as coisas acontecerem naturalmente, a seu tempo.
Percebo que o tempo foi um aliado para as descobertas, para as pequenas
ousadias e para a elaboração desta pesquisa. Um aprendizado muitas vezes
angustiado e ansioso, que foi me preparando para ter a coragem de me expor
também nesta mostra. Percebo que neste caminhar, foram descortinados para
mim novos caminhos.
O percurso, creio, é natural, se estivermos atentos para as possibilidades que
se mostram aos nossos olhos. Escutar o que as coisas nos dizem e o que
algumas pessoas especiais m a nos revelar. Cada olhar que nos vê, trás um
desvelamento que pode nos dar a ver novos caminhos.
É preciso dar chance ao outro de nos falar, de nos preencher. Como a imagem
necessita do branco do papel para se fazer, um espaço em branco deve ser
preservado em nós para o outro preencher. A seleção será feita por nós. E se
soubermos discernir bem, só teremos a ganhar. É preciso estar disponível.
Meu trabalho dobra-se e desdobra-se em outras linguagens plásticas. Da
observação e do recorte do que estava nas ruas, desenvolvi as fotografias,
gravuras e objetos levando-os para a galeria, provocando esse deslocamento
113
de lugares.
Em 2003 e 2005, fui selecionada pelo concurso “Arte no ônibus”
80
, que me
possibilitou a experiência de ter um trabalho itinerante, visto por um grande
número de passageiros por dia.
Com as fotografias das carroças dos vendedores ambulantes, reveladas em
grande formato, participei do Salão Nacional de Arte de Goiás
81
. Provoquei,
então, dois deslocamentos ao mesmo tempo: tirando as carroças das ruas e
colocando-as na galeria, e também, levando-as de Belo Horizonte, seu habitat
original, para Goiânia.
Em novembro de 2005, novamente esse trabalho desdobrou-se, ao participar,
no III Fórum Arte das Américas, do projeto Arte e cidade: intervenções.
.82
Um
novo deslocamento aconteceu. Minha proposta foi levar três carroças
empacotadas e deixá-las expostas ao público, no primeiro dia do evento, na
Praça da Liberdade em frente à Biblioteca Pública. As três carroças, foram
instaladas lado a lado e uma placa com o título do trabalho, Cristos Populares –
I, II, III In memoriam, foi colocada em cada uma. Desloquei-as da região do
hipercentro, onde, a cada dia que passa, sua presença é menor, e dei
80
Projeto idealizado pela GENIAL Projetos de Arte, em parceria com a BHTRANS e patrocinado pela
TELEMIG CELULAR e pela MBR, por intermédio das leis Federal e Estadual de Incentivo à Cultura. O
conjunto das obras selecionadas é reproduzido em cartazes adesivos que são afixados no painel interno
dos ônibus que circulam em Belo Horizonte, sob administração da BHTRANS.
81
Prêmio Flamboyant, 2005. / em que foram selecionados 30 artistas brasileiros que participaram da
exposição “Brasil mostra sua arte”, no espaço expositivo do Flamboyant Shopping Center, em Goiânia,
estado de Goiás.
82
O III Fórum Arte das Américas, ocorrido em Belo Horizonte, no ano de 2005, teve como eixo principal a
discussão das questões teóricas e práticas referentes à arte pública e à cidade. Fez parte do projeto Arte
e cidade: intervenções, em que foram realizadas intervenções urbanas na região da praça da Liberdade.
114
visibilidade a elas, na Praça da Liberdade, que em tempos passados também
abrigou uma feira popular.
Muitas pessoas nunca as tinham visto dessa forma, empacotadas.
Estranhamento, surpresa e constatação de sua plasticidade e do seu
desaparecimento do cenário urbano foi o que pretendi provocar com a
intervenção pública.
Vários artistas têm se debruçado sobre a cidade. Alguns fazem dela suporte
para suas instalações e intervenções. Outros extraem dela elementos que
serão retrabalhados sobre linguagens diversas. Fotografias provocam o olhar
do espectador. São recortes que desvelam imagens perdidas no anonimato
das cidades e que possibilitarão memórias partilhadas.
A aventura de realizar uma intervenção pública ainda era nova para mim.
Apesar de estar fotografando nas ruas, e tendo que lidar com esse
enfrentamento, retirar fisicamente três barracas de camelôs do local onde ficam
alojadas e transportá-las para outro lugar foi realmente desafiador.
Primeiro houve um trabalho de convencimento dos ambulantes, para que
aceitassem minha proposta e as intenções dela. Depois, providenciar o
transporte em caminhão aberto ao local. Colocá-las no caminhão demandou
o esforço de seis ambulantes, pois cada barraca empacotada pesa
aproximadamente 300 kg.
115
Registrei imagens inéditas para mim, até então, como: vê-los embalando suas
barracas e puxando-as para colocá-las no caminhão. O trajeto da rua Guarani
até a praça da Liberdade, em caminhão aberto, propiciou exibi-las a quem
estivesse no trânsito no momento. Cada experiência nova desencadeia novas
idéias e propõe outros desafios. (FIG. 87)
FIGURA 87 – Tânia Araújo, Intervenção Urbana durante o III Fórum Arte das Américas, 2005
Fonte: Acervo da artista
Pequenas sutilezas acontecem nesse cenário frenético da cidade grande. Um
grupo tenta resgatar a sensibilidade através de pequenos gestos como o Grupo
Poro, que, com sua singeleza, consegue sensibilizar os que não se encontram
distraídos. São passarinhos cantantes, projetados em árvores na praça e flores
vermelhas de papel celofane em áridos canteiros públicos. Outra artista, num
gesto solitário, carimba “segure três palavras” em mãos que se abrem para
116
acolhê-las
83
.
Tenho percebido que vários artistas, em diferentes países, têm eleito temas
ligados à visualidade popular urbana para sobre eles realizarem seus
trabalhos. Abel Oliva, artista cubana, imprimiu serigrafias com imagens de
quatorze produtos vendidos pelos camelôs, como anéis de borracha para
panelas de pressão e outros objetos comercializados por eles. Essas
serigrafias foram vendidas pelo mesmo preço que eram vendidas as tais
mercadorias pelos ambulantes.
Outra artista gravou as vozes dos “camelôs” ofertando mercadorias. Em
seguida levou a gravação para áreas onde circulavam executivos e pessoas de
maior poder aquisitivo. Ligava sutilmente o som, onde as vozes ocultas
ofereciam seus produtos. As pessoas ficavam desnorteadas, estranhando
aquelas vozes ali, procurando, desconfiadas, o lugar onde estariam os
vendedores.
No projeto Arte/Cidade/2002
84
, o artista Krzysztof Wodiczko (FIG. 88)
desenvolveu um protótipo de carrinho em alumínio, para catadores de papel. O
design ergométrico facilita puxá-lo, tendo, além do lugar para guardar os papéis
recolhidos, um local que possibilita ao “catador” dormir no próprio carrinho.
83
O título do trabalho é Jogos de multiplicar, da artista Carolina Junqueira, e fez parte do projeto Arte e
cidade: intervenções, ocorrido em 2005.
84
Projeto realizado por Nelson Brissac Peixoto, em São Paulo (2002), onde foram feitas diversas
intervenções urbanas por grupo de artistas convidados.
117
FIGURA 88 – Krzysztof Wodiczko, Carrinho para catadores de papel, Arte/Cidade – Zona
Leste, São Paulo, 2002.
Fonte: PEIXOTO, Nelson Brissac, 2004.
Esses e outros artistas, não no Brasil, como no México e em Cuba, estão
trabalhando com a cidade e as questões sociais dos camelôs, dos catadores
de papel, dos favelados. Essa sintonia se faz solidária e possibilita um certo
conforto, mas ao mesmo tempo inquietação exclusivismo de artista? por
saber que outros, sob olhares diferentes ou complementares, estão criando
suas obras, alimentando-se das mesmas questões que eu.
Sintonias que vão realimentando os processos criativos e propiciando
discussões, questionamentos, descobertas e possíveis articulações, pelo viés
da arte contemporânea.
118
Arte, cidade e público interagindo. A cidade alimenta os artistas e é também
realimentada por eles. Intercâmbios dos processos de criação. “Uma nova
cartografia surge dessas inusitadas rearticulações. Paisagens urbanas que nos
confrontam com o que não tem proporção, contornos nem fim”.
85
A cidade, ao se ampliar, reconfigura-se e a história se repete. Como num
movimento sísmico de reacomodação, tenta inserir uma nova urbanização para
se adaptar a uma nova demanda que o traçado antigo já não mais comportava.
Desde o século passado, considerada como uma das vias mais problemáticas
da cidade, a Avenida Antônio Carlos passa por mais uma etapa de ampliação
para a construção de novas pistas, promovendo a demolição de várias casas e
estabelecimentos da região. Dessa forma apaga-se e arruína-se uma história
que se torna cada vez mais pobre de imagens.
Assustei-me ao deparar-me, pelo auxilio de uma lente zoom, com a bela
paisagem do que ainda resta da Serra do Curral, compondo o fundo de um
cenário caótico, confuso e emaranhado, vista da Avenida Antônio Carlos,
próximo ao viaduto São Francisco no sentido Pampulha – Centro.
está a Serra das Congonhas, que a princípio tirou o seu nome de
Congonhas de Sabará (hoje Nova Lima) e que se denominou depois
Serra do Curral, quando nasceu o Arraial do Curral del Rei.
86
85
PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. Capítulo: distâncias arquitetura dos limites. Editora
SENAC – SP. 2003. p. 391.
86
BARRETO, Abílio, 1995 – 2 v. p. 94.
119
Uma sensação muito estranha percorreu-me o corpo. Uma mistura de susto,
imobilidade, medo, surpresa e fragilidade ao mesmo tempo. Foi como se eu,
equilibrando-me na faixa estreita do canteiro central, de costas para o viaduto e
de frente para aquela paisagem, estivesse suspensa no local. Por segundos,
abstraí-me do barulho infernal dos ônibus e carros que passavam tão próximos
a mim e detive-me só na imagem.
FIGURA 89 – Tânia Araújo, fotografia, vista da Av. Antônio Carlos,
sentido bairro-centro, 2005.
Fonte: Acervo da Artista.
120
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