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humana, que remete à idéia de Gancho sobre tempo psicológico e quão confuso é o tempo até
para Santo Agostinho, como afirma Lê-Poulichet:
O que é o tempo? Pergunta Santo Agostinho. “Se ninguém me pergunta eu
sei, mas se me perguntam e eu quero explicar, não sei mais”. Esse não saber
gerado pela própria questão do tempo me parece essencial no campo
psicanalítico. Nunca se poderá absorvê-lo completamente, qualquer que seja
a suma teórica que se produza como resposta a questão. (1996, p. 08)
Poulichet observa o tempo dentro de um lapso de memória, algo que nos tira da
cronologia e não tem explicação, muito menos dá a chance de voltar, pois logo a seguir chega
o esquecimento. Para a autora, não existe explicação para a existência nem para a passagem
do tempo. De acordo com ela, na psicanálise, o tempo não passa ou pelo menos não se conta
sua passagem cronologicamente, conta-se o tempo de uma transferência ou transformação de
uma situação dentro dos cercos psicológicos, como se vê a seguir:
Se nos detivermos em uma concepção de tempo em uma forma universal,
na qual estamos passivamente imersos, não podemos pensar o que faz o
tempo. Principalmente no que diz respeito as repetições das experiências
dolorosas, ficaríamos reduzidos então a subscrever a opinião comum,
segundo a qual (é preciso dar um tempo para que isso passe) ou (isso passa
com o tempo), ao contrário, não com o tempo, mas nos tempos acionados
pelas análises, que não se regulam pelo relógio, mas pela transferência.
Trata-se de abrir no tempo os tempos das transferências que são tempos de
transposição e transformação (POULICHET, 1996, p. 08)
Dessa forma, observa-se que a psicanálise não analisa o tempo em si, mas o decorrer
de uma situação, ou seja, da realização dos acontecimentos, comportamentos e ações
psíquicas. Essa situação está na literatura em um contexto onde há um analisando que é o
personagem e toda situação vivida por ele e contada, muitas vezes, pelo próprio, que narra,
através de sua consciência ou através do narrador. O analista, no caso, é o leitor, que passa a
analisar, no decorrer da narrativa, a situação do personagem e a evolução e desfecho do seu
problema. Quanto ao analisando real Poulichet diz que:
Um analisando toma a palavra. Você ouve, não um sentido, nem um contra
senso, nem mesmo apenas um duplo sentido, mas uma série de
temporalidades que atravessam em todos os sentidos uma fala. Então a sua
escuta é, de fato, flutuante, já que ela flutua entre vários tempos: não só
como uma fantasia, que, segundo Freud, flutua entre três tempos: presente,
passado e futuro, mas ainda com uma atenção prestada a ordem de
sucessões, continuamente aberta e desdobrada em simultaneidades. E a todo
instante cada fragmento de fala pode cruzar outro fragmento aparentemente
heterogêneo, informá-lo e transformá-lo. (1996, p.13)