múltiplas faces, carregadas de almas, de sentimentos confusos, explicados,
esclarecidos e complicados. Isto se faz da realidade, do momento criativo, da
introspecção de demarcar seus personagens.
Quer se evidencie no passado ou no presente ou como reminiscências de um
lembrete, um pensamento que foi esquecido, há que se observar o que está
incutido nas entrelinhas. A apropriação de elementos corpóreos próprios da
linguagem do autor, como frases que ficam em suspenso agora, mas que tomam
sua real conotação mais a frente. Isso é prender por sua simbologia. Tudo remete á
um significado, estamos rodeados por um campo de imagens, de elementos que
figuram coisas que se identificam nas pessoas, da maneira de registrar um fato e
aguçar a curiosidade, o que fica claro é a veia do jornalista que pulsa através da
palavra e culmina com a produção da vida em prosa. O grande timoneiro viaja, vai
buscar suas raízes e especula-as, avizinhando o cotidiano e nele fazendo brotar o
talento prosístico, quer de um momento pessoal ou de um grande acontecimento
político, social ou artístico. Em “A fome, essa invisível”, ele retrata as mazelas que
acometem o homem nordestino.
[...]
A fome anda, veste, vai à missa, à escola, vagueia entre uma
calçada e outra e algumas vezes até responde que vai bem.
Em alguns casos põe a bolsinha de lado, borrifa-se de
colônias e alfazemas e em vez de objeto de angústia e
revolta, oferece-se como objeto de amor. A palidez do rosto
e o langor dos olhos confundem em tons de sensualidade
romântica os sintomas do esgotamento. O desmaio da
inanição travestido em ânsias de prazer. A lassidão do gozo e
da morte confundindo-se.
Quando a fome chega a ser doença não é fome. É
avitaminose, tísica, distrofia. E é fácil e institucionalmente
enganada: um naco de pão, um punhado de farinha, coisas
que enganam o estômago, adiam o óbito e entram no
sangue, com o mesmo teor de abstração das estatísticas da
Economia e do Planejamento.
[...] O Imperador se fez capaz de empenhar a coroa, mas o
que desembarcou no Porto do Capim foi farinha, numa
mobilização solidária que reunia vapores, barcos, trens e
todas as tropas de jumentos que se entrecruzavam de
Campina Grande a Mossoró. As páginas e Irineu Pinto estão
cheias dessa farinhada. Como as páginas do IBGE, da
Fundação Getulio Vargas e de outros órgãos oficiais de
pesquisa estão cheios dos recordes que os milagres da
integração nacional vêm nos propiciando: campeões de
mortalidade infantil, campeões da morte precoce.
Mas em nenhum cão a fome como sinistro, como tragédia
aberta à comoção dos olhos televisivos da restante
irmandade nacional. A seca, de tão repetida, já não comove
mais. A fome é tão normal que é imperceptível. Não bate
nem escuma nas calçadas como a epilepsia e, quando se
junta e aquéia, não causa susto, á pena. É tão discreta, tão
abstrata, que ainda não chegou a ser teatro. É romance na