Download PDF
ads:
JOÃO ADRIANO SILVA
CRÔNICA E COTIDIANO :
JORNALISMO OU LITERATURA ?
Uma abordagem da obra de Gonzaga Rodrigues
Dissertação apresentada a Universidade Estadual da
Paraíba UEPB, em cumprimento dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de Mestre em
Literatura e Interculturalidade, área de pesquisa
Literatura e Mídia
Orientador: Prof. Dr. Alfredo Cordiviola
CAMPINA GRANDE
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
F ICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL – UEPB
S586c Silva, João Adriano.
Crônica e cotidiano [manuscrito] : jornalismo ou
literatura? uma abordagem da obra de Gonzaga Rodrigues
/ João Adriano Silva. – 2008.
107 f.
Digitado.
Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual da
Paraíba, Centro de Educação, 2008.
“Orientação: Prof. Dr. Alfredo Cordiviola, Departamento
de Letras e Artes”.
1. Mídia. 2. Cotidiano. 3. Gênero. I. Título.
21. ed.
CDD 302.23
ads:
JOÃO ADRIANO SILVA
CRÔNICA E COTIDIANO :
JORNALISMO OU LITERATURA ?
Uma abordagem da obra de Gonzaga Rodrigues
Dissertação apresentada a Universidade Estadual da
Paraíba UEPB, em cumprimento dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de Mestre em
Literatura e Interculturalidade, área de pesquisa Literatura
e Mídia
Aprovada em:___de________________de______
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________
Prof. Dr. Alfredo Cordiviola
(Orientador - UFPE)
__________________________
Prof. Dr. Luciano Justino
(UEPB)
____________________________
Prof. Dr. Luis Antonio Mousinho Magalhães
(UFPB)
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho realizado com muita
luta, a Deus, a minha mãe (in memorian) ao
Dr. Clócio Beltrão de Albuquerque, prof. Dr.
Wellington Pereira, prof. Dr. Carlos Azevedo
e ao Vigário Geral da Diocese de Campina
Grande, Pe. Márcio Henrique Mendes
Fernandes.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pela perseverança a mim concedida.
A minha mãe (in memorian), por sua luta incansável em tornar-me um cidadão.
A Mara, pelo apoio e pela compreensão da distância.
A minha filha, Anna Theodora, meu maior presente.
A minha irmã e mãe, Rose.
Ao meu grande amigo e irmão, Pe. Márcio Henrique.
Agradeço ao prof. Dr. Alfredo Cordiviola, neste gratificante encontro entre
orientador e orientando. Ao prof. Dr. Luciano Justino, prof. Dr. Luiz Mousinho,
Prof. Antonio de Pádua e a Roberto (Secretário do MLI) por suas valiosas
contribuições neste trabalho.
Agradeço a dádiva da vida, como a maior oportunidade que temos em
transformar os sonhos em projetos concretos.
EPÍGRAFE
QUEM DEIXA PRA DEPOIS O QUE PODE FAZER LOGO, PERDE O QUE
NUNCA MAIS ENCONTRA: O TEMPO.
(COELHO NETO)
RESUMO
O cotidiano nas crônicas de Gonzaga Rodrigues se faz como uma ferramenta
de percepção produtora de sentidos em seu trabalho. É no cotidiano que as
crônicas, enquanto literatura encontra espaço pelo viés jornalístico, este é o
formato incipiente de suas origens midiáticas. A questão de conceituação,
gêneros, e suas diferenças, se degladiam, permanecendo em foco uma ruptura
que resulta num formato de texto híbrido. O meio social onde se confrontam as
crônicas de Gonzaga Rodrigues tem sua vertente pela imanência da memória,
imaginário e identidade, que estimulam o “campo” como um estado de
regressão à infância. Outro aspecto fundamenta-se na “cidade”, lugar de sua
maturidade profissional, este confronto diário de captação da realidade pelo
processo do factual e do discurso na produção do autor e leitor, como
resultante de um terceiro elemento, o interpretativo.
Palavras chaves: cotidiano, mídia, gênero, percepção e sentido.
RESUMEN
Lo cotidiano en las crónicas de Gonzaga Rodrigues se torna una herramienta
de percepción productora de sentidos en su trabajo. Es en lo cotidiano que las
crónicas, como literatura, encuentran espacio por el lado periodístico, este es el
formato incipiente de sus orígenes midiáticos. Las cuestiones de
conceptualización, géneros, y sus diferencias, se confrontan, permaneciendo
en foco una ruptura que resulta en un formato de texto híbrido. El medio social
donde se confrontan las crónicas de Gonzaga Rodrigues tiene su vertiente por
la inmanencia de la memoria, imaginario e identidad, que estimulan el “campo”
como un estado de regresión a la infancia. Otro aspecto se fundamenta en la
“ciudad”, lugar de su madurez profesional. Esta tarea diaria de captación de la
realidad mediante el processo de lo factual y del discurso en la producción del
autor y lector, acaba resultando en un tercer elemento, el interpretativo.
Palavras clave: cotidiano, mídia, género, percepción, sentido.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................09
CAPÍTULO I..................................................................................13
CRÔNICA – ORIGENS, CONCEITUAÇÃO E GÊNEROS...........13
1.1Das origens e conceituação.................................................13
1.2 Do gênero – Um discussão teórica.....................................17
CAPÍTULO II................................................................................54
2.1 O MUNDO RURAL DA LITERATURA..................................54
2.2 O campo: memória, imaginário, identidade......................54
CAPÍTULO III..............................................................................81
3.1 O MUNDO URBANO DA LITERATURA..............................81
3.2 Cidade - localismo, autor e leitor:
O exercício das letras........................................................81
CONCLUSÃO...........................................................................100
BIBLIOGRAFIA........................................................................104
INTRODUÇÃO
Luiz Gonzaga Rodrigues nasceu em 1933 na cidade de Alagoa
Nova, Paraíba. Filho de Manoel Avelino Rodrigues e Antonina Freire
Rodrigues. Começou sua carreira de jornalista em 1951, escrevendo
para os jornais O Norte e A União aos 18 anos de idade. Gonzaga
Rodrigues é jornalista por excelência, que faz da observação dos
costumes, do cotidiano, sua gênese literária. Primando pelo bom uso
da linguagem, fazendo desta ferramenta uma arma essencial para a
construção do seu trabalho.
Tinham-se então os dois principais jornais do Estado:
A União, fundado em 2 de fevereiro de 1893, numa quinta-
feira, pelo presidente da província, Álvaro Machado, [...] um
dos mais velhos jornais em circulação na Paraíba [...] e o
jornal O Norte, com mero inaugural lançado a 7 de maio
de 1908, por Oscar Soares e Orris Eugênio Soares. (ARAÚJO,
1985 p.255, 274)
O que foi primeiramente publicado nos Jornais O Norte e A
União figuram-se hoje em publicações que renovam a cultura
paraibana em seu tempo-espaço. Temos o corpus da pesquisa: Notas
do meu Lugar (1978); Um Sítio que Anda Comigo (1988); Filipéia e
outras Saudades (1997); Café Alvear Ponto de Encontro
Perdido(2003).
Todos os livros foram publicados a partir de uma garimpagem
feita nos jornais em data de sua publicação e com os referidos
potenciais históricos documentados nestas publicações diárias. O que
era apenas comportamento do cotidiano, fatos redigidos para
entreter, nos legou para a posteridade relatos dos acontecimentos
dessas épocas.
O autor das crônicas identifica a vida cultural e social do estado
da Paraíba. A dura realidade do nordestino e seus vícios de
linguagem, referente local de sua expressividade explorada em vários
cantos do Estado. Primeiro, vem à questão da máxima
expressividade: a língua.
Por mais de meio século este cronista/jornalista vem
desenvolvendo um trabalho superior na captação dos acontecimentos
no dia-a-dia. Sua trajetória marca a contextualização entre a
literatura e o campo da mídia, que começava a tomar formas mais
concretas no estado da Paraíba. É a partir desse momento que suas
impressões são registradas nas páginas dos jornais, acompanhando
de perto os acontecimentos que repercutiam de Campina Grande a
João Pessoa.
A prosa marcada pelo teor do passado, em memórias que situam
pontos na história de uma vida pregressa, em que pessoas são
utilizadas na transposição do tempo e passam da vida comum para a
arte.
A escolha deste autor para esta pesquisa tem uma ligação com
dois caminhos que se bifurcam: a literatura e o jornalismo em seus
elementos culturais, sociais, políticos, que se extraem do cotidiano
para a composição de sua obra.
A obra legada por este autor mostra com substancial prova de
elementos que a escrita e o significado nela apresentados discutem a
importância do tempo e sua fixação de atributos dos costumes de um
período em que as pessoas enquanto seres que se relacionam são os
grandes agentes que constituem os mecanismos que ora se
apresentam como jornalismo, ora como literatura. Mas, acima de
tudo, um registro local da vida de um povo.
Os textos são manifestações de uma sociedade e a busca de
sua afirmação no tempo-espaço, dialogando com sólidas
características da memória e do imaginário quando reporta todo o
contingente interdisciplinar de suas crônicas e marca o teor das
identidades sob o parâmetro histórico local contexto Paraibano. O
esboço de Gonzaga é de uma sociedade nordestina, seu artefato de
criação é o homem e a mulher que fala no seu tempo.
Temos por objetivos mostrar o universo revelado em seus aspectos mais
distintos: discussão do gênero literário como uma ruptura da escrita, que resulta
num texto híbrido, em que a fusão de vários elementos, mais de um tema
abordado nas crônicas; o lugar onde viveram seus conflitos sociais, sua psicologia,
a poética, a ação sofrida pelas personagens. A vida presente em seu localismo
cotidiano, sua função de autor e a interpretação do leitor como resultante de um
terceiro elemento.
O primeiro capítulo busca conceituar o objeto (crônica) e suas origens, sem
um aprofundamento mais apurado, ficando apenas na exposição de suas
características. A crônica é o objeto que se aprecia, e de forma específica, a crônica
de Gonzaga Rodrigues. Por tanto, o conceito, a origem e sua profunda raiz no
jornalismo brasileiro se esclarecem no início da abordagem do assunto.
Continuamos numa discussão teórica mais elaborada sobre a crônica como
gênero literário. Buscamos uma definição do objeto sob a ótica de dois paralelos: o
jornalismo e a literatura. A inserção de muitas crônicas de Gonzaga neste capítulo é
para definirmos que o corpus em questão apresenta um forte hibridismo conceitual
entre as partes literárias e jornalísticas. O autor se utiliza de elementos claros da
literatura, entre eles a subjetividade, o aspecto romanesco, e uma linguagem que
beira a poeticidade em seus textos. Não a pretensão de interpretar o texto em
si, mas sim, mostrar os elementos utilizados pelo autor para a discussão entre a
crônica como gênero situado entre a literatura ou jornalismo.
No segundo capítulo, apresentou-se a
lembrança do campo como
elemento da construção da memória do homem enquanto escritor e
participante ativo no processo de elaboração do seu imaginário e o
aspecto de sua identidade. Nesse momento, encontramos um
cidadão preparado, seu campo imaginário alude ao princípio de sua
história, de uma profunda melancolia, o que denota certa saudade;
uma busca do indivíduo às suas raízes.
Estamos no limiar de sua visão, de seu conceito, de sua abstração do
momento para dizer as coisas de forma escrita.
Queremos especular sobre as raízes, os sentimentos, as imagens, sua
relação de exploração humano-afetiva com as personagens, e a relação direta da
cultura paraibana na ação do jornalismo impregnado pela literatura.
Gonzaga é um homem do meio rural fascinado pelo meio
urbano, dividido pelas paixões que vão acompanhá-lo durante toda a
trajetória de escritor-jornalista. O rural é a infância, o idílico, e o
urbano é a sua sobrevivência. Introduzido em sua profissão, o
homem contemporâneo encontra no meio urbano o terreno sólido e
profícuo para a sua discussão. Conectado ao seu tempo, liga-se ao
mundo para extrair sua essência, nisto ele vai degladiar com o
“instante” para marcar a presença volátil do tempo, demarcando a
cultura paraibana em solo específico.
No terceiro capítulo veremos que Gonzaga circula na
assimilação dos valores que interagem no homem biológico. No
homem criador e criatura social. No homem concreto. A
contemporaneidade da obra demonstra um processo de comunicação
interativa, sua forma de abordagem social é relevante e prática. Sua
obra soma um aparelhamento em que não basta olhar para cada
indivíduo de forma isolada, nele, é preciso atentar para algo que está
mais além, o “entre lugar” das pessoas e suas conseqüências. Ele faz
a construção coletiva acontecer em amenidades, pela suavidade do
texto, na inserção do público e do privado. A matéria prima do
conhecimento em que residem as pessoas e seu espaço aleatório de
concisão é a informação. Este quebra-cabeça que hoje tentamos
montar é um mosaico da vida pública e privada, concentrando-se em
sua linguagem a subliminaridade da literatura e a inteireza prática do
jornalismo.
O espaço urbano em suas crônicas faz a aproximação cultural
da sociedade mais visível. A sociedade carrega em si a influência de
mundo, estamos no espaço da modernidade, da razão científica e
tecnológica.
CAPÍTULO I
1.0 CRÔNICA – ORIGENS, CONCEITUAÇÃO E GÊNERO
1.1 – Das origens e conceituação
Em sentido tradicional, crônica é o relato de fatos dispostos em
ordem cronológica, isto é, na ordem de sua sucessão, de seu
desenvolvimento. Crônica é um gênero literário histórico que se
desenvolveu na Europa, durante a época medieval e renascentista.
Do ponto de vista histórico, salienta Melo que: “... crônica
efetivamente significa narração de fatos como documento histórico
para a posteridade... (MELO, 1985: p.111).
“Nos jornais brasileiros, a crônica vai aparecer com certa
regularidade a partir de 1852, através de Francisco Otaviano em sua
coluna do Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro.” (PEREIRA, 2004 p.
46). “Segundo Afrânio Coutinho, o Jornal do Comércio foi quem
marcou a estréia do gênero no Brasil”[...] (MELO 2003 p.152)
A crônica esboça o apelo que forja o homem em sua rotina. A
crônica implica na observação dos fatos pela aproximação da estética
literária e sua ampliação semântica, quando reporta os significados
entre sociedade, comunicação e escrita. Elas conjugam um limiar do
cotidiano em sua repetição, transformando um único tema numa
variação de assuntos em que se mudam personagens, lugares, mas a
escrita na observância do cotidiano é o teor essencial para a
elaboração de seu conteúdo. Crônicas cultivam o labor da alma
humana e suas sensações. Suas relações entre a objetividade e a
subjetividade demarcam códigos da comunicação entre o real e o
fictício, mas, “A crônica ainda carece de definições: é a dama sem
rosto de nossas letras.” (PEREIRA, 2002 p. 79) As pesquisas
procuram divisar ainda seu lugar no sistema específico da crítica
literária que “[...] Ora se veste nos princípios da teoria literária, ora
usa as máscaras lingüísticas do jornalismo. [...]” (ibidem)
Segundo Aurélio Buarque de Holanda (1986 p.503), crônica é:
Narração histórica, ou de fatos comuns, feitos por ordem
cronológica. [...] Texto jornalístico redigido de forma livre e
pessoal, e que tem como temas fatos ou idéias da
atualidade, de teor artístico, político, esportivo, etc., ou
simplesmente relativos a vida cotidiana. [...]
Eduardo Diatahy B. de Menezes, examinando a crônica em seus
princípios, diz que:
[...] Na sua origem o vocábulo crônica remete ao termo que
vem do grego Kronos, tempo; e em latim era dito annu(m),
ano, ânua, anais(...) ...No âmbito da narratologia, o que
importa assinalar para a sua definição e a temporalidade
como atributo que lhe é inerente, conforme sua própria
etimologia, o que faz da crônica um gênero narrativo por
excelência. Portanto, é essa espécie de elaboração do tempo
que legitima a sua pragmática e a sua fortuna sociocultural
[...] ela constitui um relato historiográfico; e, mais
recentemente, a crônica concebida como texto de imprensa.
(MENEZES, 2000 p. 18 – grifo nosso)
O radical da palavra reporta seu significado. Sua designação
traduzida do grego ou do latim refere-se ao tempo como
constância da assimilação de valores que, transportados do dia-a-dia,
constrói a essência da narrativa, permitindo a livre observância na
criação de textos, legitimando sua conjuntura social em seus mais
variados relatos. Através deste gênero literário é possível captar
elementos construtivos e constitutivos de outras gerações e/ou
civilizações, composta por uma narrativa solta, sem a obrigação de
obedecer a estilos, cada época é sabedora única de sua necessidade.
Mediante um texto evidentemente pessoal que emana do
estilo ou da subjetividade do autor – o cronista trata de
comentar a ocorrência de modo a sublinhar-lhe dimensões
psicológicas, políticas, culturais, ideológicas ou outras, que
escapam normalmente ao observador menos atento.
(MENEZES, 2000: p.18)
No Brasil a crônica mantém sua autenticidade como um gênero
sem similar, “[...] tipicamente brasileiro não encontrando equivalente
na produção jornalística de outros países. [...]” (MELO, 2003 p. 148).
Uma aceitação popular importante para a sua legitimação. Nos
jornais brasileiros a crônica sentiu o sabor do sucesso, apresentando
uma variação de temas, muitas vezes abordando mais de um assunto
ao mesmo tempo. A livre presença da denotação em temas que
conjugam a subjetividade, e a conotação, abrindo para as
interpretações de como as coisas seriam ou poderiam acontecer. Um
gênero de intensa mobilidade. No século XIX, José de Alencar,
Machado de Assis, França Junior, Olavo Bilac, João do Rio, João Luso,
Carmem Dolores, contribuíram para fazer do gênero no dizer de
Antonio Candido, um “produto sui generis do jornalismo literário
brasileiro que ele é até hoje.” (CANDIDO 1992 p. 16)
O cronista concebe sua criação por sua ótica particular, temos
como exemplo o próprio Gonzaga Rodrigues, seus temas são de amor
profundo por sua terra e tudo que diz respeito ao seu lugar de
origem. Analisa a sociedade pelo viés político, social, econômico, e
muitas vezes psicológico. Sabe ironizar e amar excessivamente tudo
o que acredita. O autor, mesmo cometendo erros por seu excesso de
zelo, não tem nenhuma obrigação de se legitimar pelo conhecimento
científico, sua visão é, sobretudo, empírica.
Remontando as origens de uma nação que entrava num período
de s-colonialismo, a segunda metade do século XIX, quando o
Romantismo buscava firmar a identidade do Brasil, através de seus
romances, a crônica se afastava da história com o avanço da
imprensa e do jornal e tornou-se “folhetim”. João Roberto Faria no
prefácio de Crônicas Escolhidas, de José de Alencar nos explica:
Naquele tempo, a crônica chama-se folhetim e não tinha as
características que tem hoje. Era um texto mais longo,
publicado geralmente aos domingos no rodapé da primeira
página do jornal, e seu primeiro objetivo era comentar e
passar em revista fatos da semana, fossem eles alegres ou
tristes, sérios ou banais, econômicos ou políticos, sociais ou
culturais. O resultado, para dar um exemplo, é que num
único folhetim podiam estar, lado a lado, notícias sobre a
guerra da Criméia, uma apreciação do espetáculo rico que
acabara de estrear, críticas às especulações na Bolsa e a
descrição de um baile no cassino.” (FARIA, 1995, p. 06)
O folhetim fazia parte da estrutura dos jornais (notas de
rodapé), era informativa e/ou de entretenimento. Aos poucos foi se
afastando e se constituindo como gênero literário: a linguagem se
tornou mais leve, mas com uma elaboração interna complexa,
carregando a força da poesia e do humor. O fato da crônica conviver
com o efêmero, propicia uma comunicação reveladora, sensível,
insinuante e despretensiosa. No Brasil, sua feitura, mesmo vindo de
longa data, encontra seu apogeu a partir “[...] de 1930, tendo em
Carlos Drumonnd de Andrade, Rubem Braga, Fernando Sabino e
Paulo Mendes Campos seus principais cultores. [...].” (MELO, 1985,
p.114).
No Dicionário Etimológico do pesquisador Antenor Nascentes
(1995. v. 1, p.144),
[...] a palavra é dada como originária do grego chronikós
(relativo ao tempo), e recebida pelo latim chronicu.
Outro importante pesquisador vem confirmar a origem da
palavra crônica,
[...] E mesmo que se encontrem, em outros dicionários, a
variante do étimo de crônica, nenhuma dessas variantes
deixa de radicar-se no sentido original de cronos (tempo).
(MOISÉS, 1974, p. 131)
A crônica é uma resultante híbrida da literatura com origens no
jornalismo. A crônica sesempre uma dama cobiçada. No dizer de
Antonio Candido, “cronismo”, e pela natureza mais específica de sua
razão estética, se sempre igual a seqüencialidade, compondo a
ordem lingüística do cotidiano.
1.2 Do gênero – Um discussão teórica
A princípio de discussão, o que seria um gênero, e mais
especificamente, o que seria um nero literário? Segundo Juarez
Bahia, em uma definição clássica, “[...] é a espécie de construção
estética determinada por um conjunto de normas objetivas, a que
toda composição deve obedecer.” (1990 p. 28)
Essas composições são delimitadas por esquemas
metodológicos que mantém seu rigor no intuito de classificar e
conceituar as formas de expressão na literatura, citamos como
exemplos os gêneros mais conhecidos: o romance e a poesia. Seu
esquema engloba o aspecto racional para a análise acadêmica em
seus discursos. Os gêneros também determinam sua classificação
pelo poder de persuadir através de seu formato textual, mantendo
sua essência de forma natural por que não quer apenas convencer o
leitor, nem impor uma expressão, mas desenvolver características
pessoais e intrínsecas para a sua distinção em seu dizer literário,
acadêmico ou uma simples manifestação popular.
A discussão permanece em estabelecer quais ligações
existentes entre a literatura e o jornalismo, tendo a crônica como o
elemento mediador dessa discussão. Afinal, que tipo de informação
nos oferece os gêneros? Quais as observâncias dos pequenos
gêneros, à priori, parecem que os gêneros menores funcionam como
os parentes agregados da literatura. Afinal, a crônica é um gênero? E
se for, como classificá-lo, menor ou maior?
Segundo Melo, “Afrânio Coutinho defende a tese de que a
crônica é um “gênero literário autônomo”, possuindo hoje “uma
forma literária de requintado valor estético.” (2003 p. 161)
Para o crítico literário Antônio Cândido,
[...] crônica não é um gênero maior. o se imagina uma
literatura feita de grandes cronistas, que lhe dessem o brilho
universal dos grandes romancistas, dramaturgos e poetas.
Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel a um cronista,
por melhor que fosse. Portanto, parece mesmo que a crônica
é um gênero menor.
“Graças a Deus”, - seria o caso de dizer, porque sendo assim
ela fica perto de nós. E para muitos pode servir de caminho
não apenas para a vida, que ela serve de perto, mas para a
literatura, [...] (CÂNDIDO, 1992 p.13) grifo nosso
O autor se importa muito pouco se a crônica é um gênero maior
ou menor. Sua presença revela as qualidades e defeitos que temos
nos textos e no homem que o provê.
O pesquisador e professor Antonio Candido dá o devido valor da
crônica e ainda ironiza qualquer coisa que venha colocá-la como algo
sem função ou relação própria. Para ele “a crônica se ajusta a
sensibilidade de todo dia.” (CÂNDIDO, 1992 p.13) Ao afirmar que a
crônica não é um gênero maior, ele implementa essa afirmativa com
um “Graças a Deus”; sua retórica busca pelo espaço consoante da
crônica como um estilo autêntico e inovador, pois a ela aplica-se a
modernidade literária, a pressa da leitura sintetizada, a rápida
informação, e sua humanização.
Entendemos por crônica o espaço da brevidade. A crônica não
intenciona somar-se a calhamaços de papel. Neste caso, ela seria
romance, com uma trama mais delineada, com uma estratificação
mais diversa de personagens. A crônica é um complexo sistema de
significados em que se fala pouco para dizer muito. Todavia, não está
além da diversão e da descrição imaginária, é coluna poética do
pensamento e da linguagem, que a literatura enquanto fazedora
de gêneros sabe fazer. Em Gonzaga vários momentos são
significantes, seu trabalho é extenso, e se coloca em vários períodos
do tempo, por décadas afins. Caminha desde o campo à cidade. Vai
do interior mais distante, caracterizando as microrregiões do Estado,
como explora esse mesmo interior arraigado no homem. O homem
com as entranhas expostas. Apesar de sua visão muito particular,
outra característica do cronismo em sua essência, Gonzaga relata o
empirismo, e neste seu invólucro de essências, torna-se parte vivente
de sua obra. Seu teor apaixonado indica para a pesquisa cuidados a
serem tomados. A visão do empirista apaixonado que escreve, em
dualidade com o pesquisador que tenta revelá-lo.
As crônicas Gonzagueanas repercutem mediante o cotidiano e
emprega-se desta ferramenta diária a produção de sua obra, que
informa, analisa e cria um processo literário baseado em fatos
verossímeis. A busca da crônica neste espaço dualista entre a
estética e a elementarização dos fatos faz com que alguns
pesquisadores encontrem sua pequenez, nisto não aguça a afirmação
“de gênero menor” de Antonio Candido, o pesquisador parece
desmistificar sua função muito mais lúdica, narrativa, do que
acadêmica. Segundo Marcelo Coelho, que faz uma especulação
negativa do que seja crônica e de sua realidade como instrumento do
jornalismo, nisso, abordando sua prática como gênero literário e de
sua “inutilidade”.
O que se pode dizer, de uma forma bem genérica, é que a
crônica se apresenta como um texto literário dentro do
jornal, e que sua função é a de ser uma espécie de avesso,
de negativo da notícia. Cada notícia procura a todo custo
convencer o leitor de que determinado fato é desimportante,
é crucial. A crônica vai sempre insistir na desimportância de
tudo. Em cada notícia o assunto é o principal, isto é, o
jornalista está mais preocupado em transmitir a informação,
sem servir ao seu assunto, do que em fazer literatura. Na
crônica, o assunto é o de menos, e muitas vezes a melhor
crônica e á que justamente aponta para o fato de não ter
assunto nenhum. [...] (COELHO, 2002 p.156)
Encontramos nessa negatividade a subliminaridade dos fatos
pela assertiva da literatura, que enquanto norma de ficção ou de
revés da realidade, procura extrair do incomum, da vida real, as
notícias pelo foco da humanização. Palavras têm a força do
convencimento, tem seu teor pela expressividade dos seus
significados, que são relativos, inerentes a produção diária que se
exige do jornalismo, de sua frieza técnica, como instrumento da
tecnologia, mas não se pode esquecer que quem ainda escreve é o
homem, que ainda dotado dessa técnica instrumental do jornalismo,
a capacidade de sentimento e de argúcia ainda são os componentes
da realização e da transformação de fatos em notícias. Se formos
ainda analisar o esboço do pesquisador Coelho na relevância do
gênero, vimos a contradição de sua afirmação. Lemos um romance
pelo simples prazer da leitura, também pelo teor artístico, histórico,
pela conjuntura social de épocas abordadas. -se crônica pelo sabor
da notícia, da informação, da objetividade, ou mesmo da
subjetividade, quando não falam em absolutamente nada e
simplesmente divagam pelo pensamento, ou conceituam, ou
teorizam, ou filosofam o mundo e as coisas. Se um deslocamento
entre funções, do que esteja inserida na forma de notícias ou
qualificada como o exemplo da literatura, supõe-se que toda notícia é
importante, isso se insere na pessoalidade, de quem está lendo a
notícia, de que cadernos (Editorias) mais interessam desde o
suplemento de esportes à coluna social; trata-se da mensagem, do
interesse, da interpretação, da inserção sobre a vida do outro. Trata-
se da sociedade, do homem e seu elemento plural da cotidianidade.
A crônica cadencia suas peculiaridades, estando em todos os
campos: crônicas de costumes, crônicas de viagem, crônicas de
ficção. Temos crônicas para todos os gostos. Generalizar é incorrer
em erros. Temos vários tipos de jornalismos, como vários tipos de
jornalistas, de escritores, de teatrólogos. Temos os espaços
preenchidos de acordo com o gosto e a necessidade. Segundo o
professor Coelho, em termos de desimportante e crucial em uma
notícia, parece haver uma certa desconstrução de sujeitos e o
conceito do que seja importante e do que seja crucial, neste embate
parece ter um significado mais peculiar; essa relação de noticia/leitor
é muito mais complicada do que se imagina, adentraríamos para
especular a opinião pública, o que abriria um outro espaço na
pesquisa, mas a título de esclarecimento, segundo Luhmann “A
opinião pública, [...] existe enquanto sistema social da sociedade,
um meio de estabelecer uniões fortes [...].” (MARCONDES FILHO,
2004 p. 478). Portanto, o que seja ou não importante, o que se
exemplifica em níveis de importância para a crônica, o sujeito
desestabiliza os gostos, por não se apresentar de forma absoluta. A
crônica em jornais tem perdido significados espaços para outras
formas de abordagem, á exemplo dos textos de opinião, ou
reportagem investigativa, mas, como afirma Coelho, “O propósito da
crônica é fixar um ponto de vista individual, externo aos fatos,
externo ao jornal. [...]” (COELHO, 2002 p.157) A forma pessoal do
autor de crônicas o credencia a falar em primeira pessoa. Como
gênero literário, sua persuasão é anterior a normas, pois se sabe do
conhecimento acadêmico, dos estudiosos na busca de exercer seu
lugar de recriação e ressignificação do contexto social.
E o que seria simplesmente Crônica? De sua relação com a
vida, seu principal componente como pano de fundo? “Gênero
jornalístico ou gênero literário, a crônica representa uma narrativa do
cotidiano muito difícil de ser realizada”. (MELO, 2003 p. 161)
muito fatores que se interligam e conceitualmente, as teorias
humanas e sociais parecem confundir quem é quem. Romance é
literatura, em maior ou menor importância, a literatura faz o
ajuntamento para esses estudos tácitos, o jornalismo vai beber no
plano da objetividade a vida gregária seus componentes
superiores que justificam sua produção e sua leitura. A boa poesia é
literatura, por mais que a subjetividade, a ficção, a metáfora,
submetam-na a interpretações exaustivas.
Para Menezes,
O pano de fundo, a bem urdida teia, que inspira e impulsiona
tanto o jornalismo, quanto a crônica e o romance é a crua e
nua realidade, com todas as cores e dores que lhe são
peculiares. Essa inspiração tem sentido: nada, nem a mais
desvairada ficção, é mais fascinante, mais rica e mais
pródiga de sentidos, sentimentos, significados, revelações e
paixões que a vida real. (MENEZES, 2002 p. 163)
Vimos como a relação vida-crônica mantém sua aproximação á
arte do romance. Embora, o romance mantenha a sua superioridade.
Como gênero literário, a crônica utiliza da simplificação, cria uma
noção do rápido, do restrito, do reduto da informação que no leitor o
situa em um meio de lazer e cultura. Realidade, parece ser, esta
palavra, designada a própria realidade, para ser desconstruída e
assim, perfazer outros gêneros que exploram a literatura e seus
mundos intrincados. Menezes explora os sentidos além de sua
delimitação, pois agrega valores de simbologia que nos rodeia todo o
tempo. O mundo é um processo simbólico, nisso, sua afirmação
parece recheada de um amor exagerado. O que move o mundo das
letras e de sua apropriação de mundo enquanto reveladora das ações
do homem é a realidade. A ficção parece ter outro instante, ela
existe, mas jamais terá o sabor da paixão do instante vivido, mesmo
transportado, decodificado. Mas tudo é razão. Tudo é noção. Tudo é
lembrança.
A crônica se nutre desse mundo real, se alimenta dele, é nele
que o cronista vai buscar inspiração, é nele que encontra
assuntos (e forças) para escrever um texto por dia, [...] Sem
esse alimento, a crônica correrá o risco de se tornar apenas
uma egotrip de quem escreve, inócua, oca, banal.
(MENEZES, 2002, p. 166)
Relacionar o modo de fazer, com o modo de existir, é em si,
uma discussão filosófica. Quem é que faz a crônica? De que qualidade
está imbuída? Quais as suas motivações? Onde reside sua percepção?
Tudo é um mero esquema de comunicação?
Todo alimento que é bem apreciado precisa ser degustado para
que seu sabor e suas qualidades seja aproveitadas ao máximo. Nos
nutrimos de alimentos reais. Não podemos matar a fome com o
sonho ou o desejo da comida. O palpável, o tangível, tem uma função
de revelar em que lugar estamos e do que tocamos para sentirmos a
existência. Isso é realidade. A crônica de Gonzaga vem desse
universo. Vem do mundo real, das pessoas reais. Contextualiza entre
o foco do seu conhecimento e as verdades que emanam de suas
respostas para dar significado e sentido a tudo que o rodeia. Isso é
sua realidade. Mas, [...] “a crônica vai muito além do jornalismo no
aprofundamento da realidade, mas está muito aquém do mergulho
profundo que o romance, o grande romance, pode, e deve fazer.”
(MENEZES, 2002 p. 168)
Distante de uma prosa extensa, o perfil da crônica parece
conquistar pelo conjunto de situações cotidianas que a mesma
congrega, sem a exigência de variações que segue a leitura
metonimizada do romance ou metaforizada da poesia. O instante, a
rapidez, qualifica o gênero por sua fundamentação estética e a
dominação de uma leitura breve, de abrangência social, etc. abrindo
várias conotações para a discussão da rotina diária. O homem da
crônica recria o tempo, sem a árdua missão temporal do jornal e com
a realização universal da literatura, em seu poder de absorção
cultural, de pessoas, seres e objetos. Temos o momento em que até
a ficção para se realizar necessita do propósito do instante para ter
rosto e memória.
[...] a crônica usa e abusa da variedade dos pequenos
gêneros aos mais complexos, na sua composição: diálogo do
cotidiano, retratos, tipos, cenas cômicas e dramáticas,
versos, sonetos, relatos, narrativas, casos, comentários,
contos, confissões, descrições ricas, sátiras, paródias, etc.
não temos ainda um estudo sobre a infinidade de gêneros
não-literários (erroneamente procura-se na crônica os
gêneros tipicamente literários, [...] (RONCARI, 1985 p.14)
Segundo Roncari, a crônica diversifica seu leque de atuação,
buscando em muitos fenômenos de pequenos gêneros sua afirmação,
mas que isso, no entanto, descaracteriza-a. Por ainda não ter firmado
seu conceito no processo mais acadêmico, a crônica oscila em muitos
ditames. Mas, ainda em tom de defesa, ela recria seu campo
semântico indo a todos os estilos e gêneros, se pequeno ou não, ela
subsiste. Sua estrutura inacabada a torna de certa forma mutante,
pois têm-se crônica metrificada, à exemplo das crônicas de Manuel
Bandeira, poesia e cotidiano sob uma nova percepção estética.
muitos tipos incrustados nesse campo de atuação ainda em busca de
sua identidade, assim como o tem a poesia e o romance. Vimos
anteriormente que se discute essa questão do gênero menor ou de
sua inutilidade, ensejando uma forma de vida inferior da crônica, mas
é no mundo da realidade que se percebe que esta “realidade” é
explorada. A propósito de sua existência, caminha no dissabor da
dúvida, pois a ela remetem uma indefinição, uma marginalização,
mesmo sabendo que seu campo de existência está no íntimo do
homem. Segundo a avaliação de Sant`anna, ele vai dizer que “A
gente abre o jornal e ler as notícias, mas quando chega num cronista
a alma parece que se prepara para relaxar, conversar com um
amigo.” (SANT’ANNA, 1993 p.16). Uma forma peculiar de encontrar o
outro que procura a notícia, mas procura também a humanização. O
homem em busca de si mesmo, no seu reflexo aparente. Mas como
afirmar isso? Se isso é uma forma de imaginário, ele se faz coletivo,
mas é a sociedade quem mais se utiliza das interações do meio, das
relações pessoais, da partilha de experiências.
A crônica enquanto gênero literário utiliza das expressões e do
abuso de adjetivos, exageros permitidos sem ressalvas em seus
textos, o que é incomum no jornalismo moderno. O Jornalismo
percebe-se numa apropriação mais comum, nesta relação de
interesses mais processual, mas, segundo Freitas, “o Jornalismo
sempre tem promovido a literatura...”. (FREITAS, 2002, p. 108). Em
particular, a crônica, tem mantido sua tradição de acontecer primeiro
no jornal, para depois, vir a ser um livro de crônicas. Temos muitos
exemplos: João do Rio, Rubem Braga, Machado de Assim, Carlos
Drumond, entre tantos cronistas.
Uma proeza que se caracteriza no jornalismo, a mudança de
pele entre um e outro, isto é, entre ser crônica e ser matéria contínua
de jornal, essa apropriação camaleônica, segundo Lima, mantém a
tessitura do vocábulo, da palavra como premissa principal no
processo de entendimento entre leitor e o meio que o transporta
(media). Mas ele não rejeita a apropriação, nem encontra tamanha
diferença entre ambas, na absorção do jornalismo as
características da literatura, apenas diversificando seu conteúdo e
encontrando outro tipo de público. A escrita, ainda é, para Lima, o
ponto de encontro entre a literatura e o jornalismo. Transformação
em ponto de mutação: se real, fictício, imaginário, toda coleta de
dados buscam no presente a satisfação de sua contemporaneidade.
Os ambientes recriam através da escrita o processo de significação
existente no homem e sua estrutura social.
O jornalismo absorve assim elementos do fazer literário,
mas, camaleão, transforma-os, dá-lhes um aproveitamento
direcionado a outro fim. A literatura está, até então,
basicamente interessada na escrita. Mesmo quando
representa o real, através da ficção, a factualidade concreta,
efetiva de acontecimentos, personagens e ambientes
perfeitamente existentes e nominados, no espaço social
verdadeiro não é, na maioria dos casos, o item primordial.
[...] É esta tarefa, a de sair ao real para coletar dados e
retratá-lo, a missão que o jornalismo exige das formas de
expressão que passa a importar da literatura, adaptando-as,
transformando-as” (LIMA, 1993, p. 138).
Para tanto, ao explorar as premissas da literatura, ao beber de
sua fonte, o jornalismo assimila suas qualidades. A recriação não é
mais um entrave, e sim, um somatório, as qualidades da literatura,
pelo gênero crônica, de forma a ampliar o universo que já existia. “Se
jornalismo lida com a realidade no plano da veracidade todos os
manuais pregam isso – e a literatura lida com a realidade no plano da
verossimilhança [...].” (MOTA 2000 p. 158) As expressões na
literatura concretizam sua instrumentação através da palavra. Na
palavra se realiza as imagens, se constroem os períodos, mobiliza a
intencionalidade, a causalidade, sobre o domínio da palavra elas se
interpenetram para realizar a comunicação humana e existirem para
terem sentido.
[...] como código (linguagem), emissor, receptor,
mensagem, referente, etc. Além disso, o jornalismo e
literatura coletam suas informações nas referências do
cotidiano, aplicando-lhes, porém, significações diversas. [...]
Tanto literatura como jornalismo trafegam sob o domínio da
palavra. (MOTA, 2000 p.153)
Dado os vários processos pelos quais tem passado, a crônica
moderna configura-se segundo Melo, como gênero eminentemente
jornalístico. Suas características fundamentais são:
1. Fidelidade ao cotidiano, pela vinculação temática e
analítica que mantém em relação ao cotidiano que está
ocorrendo, aqui e agora; pela captação dos estados
emergentes da psicologia coletiva.
2. Crítica social, que corresponde a “entrar fundo no
significado dos atos e sentimentos do homem” (MELO, 1985,
p. 116).
Este “eminentemente” jornalístico abre uma discussão
sucedânea. Isso não seria também, uma limitação do nero? Se ao
afirmar que a palavra concretiza o real, que um entrelaçamento
para que haja a comunicação, a relação de troca de saberes e de
relações entre ambas as pessoas, é plausível dizer que a crônica não
é um gênero eminentemente jornalístico. Portanto, vai além da
conceituação em aspecto jornalístico. Se tudo tende a remeter à um
significado, que a interpretação não é passiva, e sim, vive em
movimento constante, a literatura resgata para si, muito do que se
justifica como um gênero jornalístico. É certo que, como linguagem
jornalística, são os fatos do cotidiano, os acontecimentos diários é
que ensejam reflexões ao cronista.
A crônica de Gonzaga Rodrigues se atribui das características
conceituadas por Melo: como fidelidade ao cotidiano e a crítica social,
apesar do teor exacerbado na tônica do texto. A transcrição da vida
diária é literatura no que tange sua contextualização histórica, por
mais real ou fictícia que se apresente. Tudo é simbólico e sempre nos
remete a isso, ao universo da sensibilidade, da representação. Tudo
está baseado na essência da vida. Em o “Canto Perdido”, Gonzaga
demonstra essas notas como se fosse um prelúdio musical. Ora
literatura, ora a intencionalidade do escritor.
A doentia solidão fazia mais pungente o canto lamentoso.
Era como se a voz doesse, ela mesma, limpa e magoada,
envolvendo a noite inerte nostalgia dos doentes. Parecia que
ele arrastava, no canto, o eco triste de todas as doenças.
Era um aboio. Uma nota apocalíptica de bordão.
Todo hospital estava na cama, afundado na noite, quando
êsse (sic) aboio longo e remoto invade o silêncio, os lençóis e
vem tanger cá dentro, machucando a alma de todos.
Era um aboio de dor e de ocaso trazido ao hospital pela
garganta inflamada de um doente do peito. Tinha vindo de
pombal, onde os bois e o sol de sangue se recolhiam naquele
acalanto.
Tocou-me no favo, amoleceu-me, fêz-me (sic) ainda mais
doente.
No outro dia chamei-o fora da enfermaria, levei-o a um salão
de muitos ecos, e pedi que ele soltasse o canto de modo a
encher todos os vagos. À medida que o aboio ia envolvendo
a sala, dilatado e enorme, eu imaginava prendê-lo em algum
lugar, em fita ou acetato, para que nunca mais me desfizesse
dele. Eu achara que era uma voz de fim de mundo e que era
necessário guardá-la como um coral da terra.
Lembrei-me de Linduarte, de Nathanael, de Arlindo Teixeira e
Pedro Santos, de todos esses (sic) amigos que podiam se
ferir no canto desse enfermo.
Veio-me então a lembrança de esperar pelo domingo, dia de
visita, e pedir a um deles que me trouxesse um gravador,
para guardar na fita a voz perdida.
Estávamos na quarta à espera do domingo. Chamei o meu
amigo interno, combinei tudo e como ele dissesse que na
frente dos outros o aboio poderia encabular, acertei que
gravaríamos na segunda, apenas nós dois e o espaço
acústico.
O que o canto causou em mim e nas enfermarias o era
tanto. O que me fazia feliz era imaginar a audiência que ele
suscitaria nos auditórios lá de fora. Depois de passar pelos
ouvidos de Arlindo e de Pedro, ou mesmo agora nos de
Ariano, o seria uma voz de hospital, uma reminiscência de
vaqueiro, mas uma boca (sic) de mundo, o Nordeste em voz
uterina.
Passou a quarta, virou a quinta, e nós todos, cantor e
doentes, na espera sofrida do domingo. Linduarte e
Nathanael, visitas que nunca me faltaram, nunca foram o
espera, dos. Um deles haveria de cuidar de um gravador
para arrolhar êsse (sic) canto.
À tarde o vaqueiro achegou-se à minha cama para dizer que
a voz empastara. “Tem nada não” disse-lhe. Daqui pra
domingo a voz estará limpa.”
No sábado à noite um doente tocou-me no ombro, os olhos
dizendo tudo, pedindo pressa. Corri com o hospital inteiro
para o único leito que não devia ser de morte.
O canto, o aboio longo e pungente, estava derramado no
lençol, ensangüentando a cama numa hemoptise que parecia
mais da terra que do meu vaqueiro. (RODRIGUES, 1978 p.
40,41)
Os valores incutidos numa obra de arte se assemelham em sua
contextualização a partir da ótica do escritor, e de que realidade ela
foi extraída, mas também dão a abrangência e aceitação em que
pode repercutir se negativa ou positiva. Sua aceitação ou rejeição.
Em termos críticos, resta o julgamento de quem aprecia, e avalia
com o olhar atípico da curiosidade as variações do dia-a-dia em que a
crônica se apropria.
Significados e significantes seguem lado-a-lado na construção
maior da confecção conceitual da crônica ora postulada como algo
meramente frívolo, mas que, segue seu curso em publicações diárias
de jornais. O jornal segue sua pauta normal. Ao jornalista é
direcionada sua pauta, seu guia de trabalho diário. A crônica exige o
esforço da percepção imaginativa, aliada a concatenação das idéias.
Ela não responde ao corriqueiro lead: o que, quem, quando, como,
onde, e por que. Isto é sintomático, mas não obrigatório, mas
também é importante saber que “o eu do cronista é um eu de
utilidade pública.” (SANT’ANNA, 1993 p. 16). O cronista escreve para
um público diferenciado, mais exigente, com um tom mais ameno.
Verificamos em que corredor ela perpassa para obter de uma leitura
pessoal, o que impregna os instantes do leitor. Tudo é feito de fora
para dentro (realidade), mas a qualidade do trabalho é dentro para
fora. (inteligência/sentido).
quem imagine que as páginas compridas de um jornal o deixem
petrificados, com centenas de informações. A variedade de informações é
exatamente o que tem de ser, essa é a sua razão. É fato que o jornal empreende
uma técnica muito peculiar, comportando seguimentos para equacionar sua
páginas. A limitação de espaço restringe as matérias a tamanhos e meros de
caracteres pré-estabelecidos. A essência do jornalismo está na informação da
atualidade. Sua seqüência obedece aos fatos, situações, acontecimentos em tempo
real. O equilíbrio disso tudo resulta num trabalho de pesquisa diária, sobre a vida e
o comportamento social. Não nos tange avaliar sua parcialidade ou imparcialidade.
Por isso, tudo está dividido em editorias, responsáveis pela tônica de suas páginas.
Pensar nisso tudo como um simples conglomerado de informações é sedimentá-lo.
São informações que determinam o campo social da notícia, relatos abrangentes,
ou curtos, fatos redigidos que se aproximam do fator histórico (historicidade) pelo
grau de importância e força de relevância para comunidade local e/ou internacional.
No jornal, estamos no campo processual midiático. No livro
cumprimos a realização imutável da crônica em que a mesma perde
essa característica transitória e se torna definitiva. Muitos livros de
crônica tiveram sua abordagem principiante em jornais, depois as
coletâneas se sucedem em sua feitura em livros.
Colocar esta transitoriedade (do jornal ao livro) no aspecto
temporal é dizer em outras palavras que este conceito surge, como
uma explicação tangível, que o elemento literário/midiático suporta
correntes amplas de evocação documental e histórica. O que surge
como uma expressão do jornalismo/escritor, para transmitir ao leitor
seu juízo sobre fatos e estados psicológicos e coletivos, vai se definir
como um sistema textual em que se estabelece pela percepção
pessoal e a elaboração crítica da realidade. Gonzaga Rodrigues ao se
utilizar do jornal diário, União e O Norte reportou esse quantitativo
documental, superando a transitoriedade quando suas crônicas foram
transportados do jornal e publicados em livros. A crônica encontra um
novo suporte de manter-se, a diferença de meios, do jornal ao
livro, mas a essência se manteve. A noção de superação de suportes
inovou as crônicas de Gonzaga pelo âmbito da acessibilidade, tornou-
se mais próxima do leitor. Em jornal, a reportagem estaria a meio
caminho entre a crônica e a notícia”. (SANTA’NNA, 1993 p. 16). -
Esta afirmação abriria duas discussões:
1. Elaborar novos rumos na reposição do conhecimento
equacionado pelo homem. (Notícias provocadas pela colaboração
direta do homem: comportamentos, moda, arte, religião, cotidiano...)
2. Difundir através da tecnologia, suas mudanças de suporte.
(A democratização de espaços midiáticos).
Transportar elementos das mídias para novos suportes sem
desfocar seu elo fundante que é a informação, pautada com o recurso
histórico, requer cuidados de observação ainda mais apurada. O que
se escreve perante o cotidiano relata para a posteridade a
significância do fazer jornalístico, que une o passado e o presente
numa cadeia assimilativa de conceitos que não descarta o futuro, pois
o mesmo sofre as sanções progressivas do tempo. O hoje se repete
numa somatória de acontecimentos pelos componentes incorporados
pela humanidade em seus atos. O livro pode se constituir uma
brochura capitular das vozes dos antepassados, vozes que ecoam na
formação crítica e cumulativa da humanidade (cultura).
Conhecimento pelo viés da notícia se acumula não apenas para se
registrar, mas para viabilizar um tecido mais preciso de colocação no
tempo, com suas datas precisas, nomes imortalizados e ações
complementares que urdem a trama do processo histórico. A crônica
evoca essa assertiva enquanto materializa seu ritual de busca da
informação. Sua aproximação do real pelos fatos, através de uma
sutileza com o verídico, é o seu principal contraponto com o
jornalismo. Aparelhado pelo idelogismo capital em que muitas
informações sofrem sanções pelo próprio estado.
[...] Dito mais claramente: a ideologia é uma explicação com
respeito a instituições e fatos sociais que esconde seus
verdadeiros porquês. A ideologia é uma legitimação a qual,
mais do que aclarar as motivações intrínsecas às instituições,
procura ocultá-las através de um sistema explicativo
qualquer. Quase sempre ideologia serve aos interesses de
determinados grupos sociais ao esconder a realidade das
instituições e criar-lhes uma outra através da palavra,
[...](DUARTE JUNIOR, 1991 p. 49)
Segundo Meditsch, (1992), vem a esclarecer conceitos sobre a
realidade na observância do jornalismo e de sua atribuição no
cotidiano.
O aprendizado para a leitura da realidade requer estudos em
que o objeto a ser estudado é a própria realidade, e não os
conceitos que as ciências desenvolveram sobre ela. Isso não
significa abandono dos conceitos, mas deslocamento. Eles
passam a ser utilizados como ferramentas para desvendar a
realidade, que é o objeto de estudo, e não mais como objeto
em si. (MEDITSCH, 1992 p. 92)
O Jornalismo é uma ferramenta de dissolução da vida em fatos
narrados, transcritos. O objeto realidade é perene, mas é algo que se
inicia todos os dias, e o jornal sobrevive do hoje e nunca do ontem. O
ontem é história. “O real é o terreno firme que pisamos em nosso
cotidiano.” (DUARTE JUNIOR, 1991 p. 8)
A ciência cumpre a função equalizadora, metodológica, mas não
prioriza o elemento de estabilidade, estamos no campo da prática, da
mudança, das alterações, da sociedade que se renova. O tempo
invalida ou perpetua os conceitos impostos pela ciência, o
conhecimento é volátil, mas se reestrutura.
Afinal, toda construção humana, seja na ciência, na arte, na
filosofia ou na religião, trabalham com o real, ou têm nele o
seu fundamento ou ponto de partida (e chegada) (DUARTE
JUNIOR, 1991 p. 12)
Ações de comportamentos evidenciados pela escrita em que a
realidade domestica os valores padrões da sociedade. Como objeto
em si, a realidade pode sofrer várias alterações, entre elas, o público
e suas diferenciações, novos pensamentos, o que agride numa
determinada data, pode ser, a posteriori, a peça chave para a junção
de um quebra-cabeça. Desvendar a realidade pelo processo da leitura
é possível pela peremptoriedade da escrita e de suas funções.
Funções de equilíbrio no que tange a opinião blica e de contra-
censo ao revelar essas opiniões de acordo com o juízo estabelecido.
O homem não é um ser passivo, que apenas grava aquilo
que se apresenta aos seus sentidos. Pelo contrário: o homem
é o construtor do mundo, o decodificador da realidade.
(DUARTE JUNIOR, 1991 p. 8)
O jornal elabora suas matérias de acordo com o seu tempo
histórico. A realidade impressa em jornais que passa a posteriori para
o livro constrói outra linguagem, é o que rebusca sua qualificação
literária e sua volta ao retorno no tempo, mas o espaço público
continua o mesmo, independente de que ano estamos. “Uma vez
publicada em livro, a crônica assume certa reelaboração na medida
em que é escolhida pelo autor [...]” (SÁ, 1987 p.83)
O livro se coloca num espaço mais projetado, com começo, meio e fim, sem
mutações sicas seu espaço foi previamente projetado. Obedece a um formato
digitalizado para a sua natureza específica, por isso adquire uma conotação mais
uniforme. O livro desencadeia um ambiente perenizado da obra. Uma vez
publicado, seu desempenho deixa de ser singular para se tornar plural. O livro tem
em si o sabor da eternidade e adquire essa característica no seu modelo amplo de
difusão, capaz de se tornar universal, ir a todos os lugares, explorar as culturas e
difundir seu conteúdo, sem estar atrelado ás condições estaduais ou meramente
municipais, como enfrenta a maioria das publicações diárias dos jornais. A tradição
da leitura em livros os “academizam”, o fontes consistentes que adquirem
notoriedade em ampla escala, mesmo sabendo que o começo de suas publicações
(crônicas) deram-se em jornais.
A pluralidade que encerram o conteúdo desses suportes
congregam um novo elemento de expressão recorrente, onde
mostram que a espacialidade cria apenas uma diferença: o veículo
institucionalizado. Novos conceitos ambíguos que determinam novos
meios de estudos por parte dos teóricos da literatura. Mas universais,
fazem parte do mundo da linguagem. Seu conhecimento guarda os
rascunhos de um tempo outrora, a literatura se faz guardiã desse
conhecimento, apesar de não ser esta a função do escritor. Os
romances, a poesia e demais gêneros, situam seu tempo e nisso
evidenciam sua marca: idioma, lugares, paixões, quedas, glórias, etc.
A avaliação insiste no processo do mecanismo histórico, pois
seu enredo intitula algo sobre o que foi ou o que é, mas nunca do que
virá. Isto fica para a ficção. E em crônica isto é possível perante a
recriação de um desejo e que o mesmo se intitule numa corrente
tácita de literatura e seu apelo pela subjetividade. O jornalismo
congrega o factual. O real. Carregado de ideologias.
Decorre desse que as grandes e pequenas ideologias estão
sempre presentes no texto jornalístico, uma vez que é
impossível, fazer jornalismo fora da sociedade e do tempo
histórico. (NASCIMENTO, 2001 p. 58)
Nascimento fala desse aparelho ideológico como um mecanismo
de sanção a liberdade de imprensa e de pensamento.
O jornalismo e a literatura é o dualismo sempre presente.
Afinal, com a benção da escrita e da linguagem no jogo da
comunicação, no que se pode chamar de informação documental e
histórica. É no dia-a-dia que elas o concentrar sua legitimação
social. Sedimentar suas funções.
Vivemos assim, não apenas num universo sico, mas
fundamentalmente simbólico. Um universo criado pelos
significados que a palavra empresta ao mundo. (DUARTE
JUNIOR, 1991 p. 20)
O mundo da literatura, como o da linguagem, é o mundo do
possível. O Jornalismo sobrevive de fatos, embora que nem sempre
sejam acontecimentos, isto é, tenham um interesse mercadológico.
Isso constata os níveis fronteiriços de distinção entre jornalismo
e literatura. Resta a aproximação apenas pela crônica. A técnica do
jornalismo limita seu campo de escrita, embora que o de significados
extrapole essa visualização. Seu modus operandi destitui qualquer
sintoma da ficção, e nega qualquer tentativa de requisitar em sua
redação sígnica que inclua qualquer coisa que não seja real. Essa
frieza da técnica, também a coloca num patamar analítico, por que
tudo está submetido a alguma coisa, desde a comprovação a
elucidação das fontes. Em literatura não é preciso essa busca de
comprovação. Seria correto então perguntar que, literatura jamais
será jornalismo, mas jornalismo poderá ser literatura?
A notícia, expressão básica do jornalismo, tem o seu próprio
território. Ela serve à literatura, faz literatura e até é
literatura. Mas, acima de tudo, é jornalismo. Por isso não é
uma contradição que seja gênero literário. Contudo a sua
essência é também antiliterária na medida em que não pode
alterar os fatos, como não deve ser prolixa, sob pena de
distorcê-los ou descaracterizá-los. (BAHIA, 1990 p. 31)
A justificativa para isso reside no fato da distinção da cnica
entre ambas. O jornalismo tem por obrigação constatar a veracidade
de suas notícias. A literatura não, enquanto gênero, pode delinear
suas diferentes formas de expressão, entre elas a ficção, não como a
realidade pura, mas como uma transposição do real. Essa relação de
discussão de gênero torna bastante sintomática a diferença entre
ambas. O conceito faz a distinção.
O conceito diferencia suas relações de expressões com o mundo
e como cada uma reside em seu código de identidade e
interpretação, alusivas ao significado e ao sentido. A abordagem do
jornalismo aplica seu foco de sua busca na unificação de um texto
preciso, a persuasão pela informação de forma mais concreta. A regra
da dicionarização se aproxima da realidade para decodificar os fatos,
nisso, o jornalismo revela a praticidade da gramática com suas
normas mais simplificadas, porém, dentro da regra culta e aplicada a
linguagem do cotidiano. Para Meditsch, ele estabelece suas
diferenças:
O sentido é diferente do significado porque leva em conta
não só aquilo que está no dicionário, mas também a intenção
com que se usa a palavra em determinado contexto.
(MEDITSCH, 1992 p. 92)
A boa literatura promove um imaginário nas relações entre
seres e objetos. Esta relação cria parcerias, que fazem da escrita,
nesta condição cronística, a sua proximidade direta com o
conhecimento da vida dos indivíduos. Os seres dizem de pessoas
emprestadas para a criação dos personagens em si. Os objetos são
adereços que adornam os personagens enriquecendo suas
características. Segundo Meditsch, em sua afirmação entre sentido e
significado, ele amplia a rede de entendimentos entre leitor e
literatura, sua forma pluraliza o dicionário pelos verbetes,
dependendo da situação a ela aplicada.
No limiar entre ficção e realidade, entre sentidos e significados,
é fator preponderante a utilização de recursos linguísticos no
processo de elaboração entre o que sejam literatura e jornalismo.
Não esquecendo a que lugar pertence o cronista. Sua ambientação
revela sua identidade e que tipo de mundo ele transcreve da
realidade , pois “... é fundamental que o cronista se defina num
tempo, compondo uma cronologia nunca limitadora, mas sempre
esclarecedora da sua relação com os seres e com os objetos” (SÁ,
1987, p. 15). O cronista pertence ao jornal em sua categoria
opinativa. Pertence a literatura, enquanto gênero ou a busca dessa
afirmação, quando reporta a si as categorias de gêneros menores.
O jornalismo é uma das categorias da literatura é uma
literatura de massa. Na opinião de Alceu Amoroso Lima, é
um gênero literário, com seu próprio estilo, as suas regras, o
seu jargão. (BAHIA, 1990 p. 28)
Mas em tudo propõe uma discussão, abre um espaço para um
esclarecimento, ou levanta dúvidas, interrogando sobre os fatos do
cotidiano. Reproduz os fragmentos da realidade que são vividos pelo
povo. O envolvimento de gêneros, proposto por Machado de Assis,
em que o escritor evidenciava um aparelhamento mais complexo
das relações entre o jornal e a literatura, ele insinua outra
questão: o movimento – podemos entender que ele incita o número e
o volume de discussões que serão pauta para a notícia em jornal e
para a literatura.
O jornal, literatura quotidiana, no dito de um publicista
contemporâneo, é a reprodução diária do espírito do povo, o
espelho comum de todos os fatos e de todos os talentos,
onde se reflete não a idéia de um homem, mas a idéia
popular, esta fração da idéia humana [...] Depois o espírito
humano tem necessidades de discussão, porque a discussão
é movimento [...] (ASSIS, 1986 p. 946 – grifo nosso)
O Jornalismo se segura na sua parceria com o cotidiano, longe
dos excessos da língua, sempre atrelado ao real, ao mundo verídico,
passível de avaliação, nisto
[...] a crônica funciona como uma espécie de passagem
secreta por onde ingressamos no espaço do prazer [...]” (SÁ,
1987, p. 18), o “[...] O bom estilo jornalístico envolve um
relato dinâmico e realista, no qual a ação se desenvolve em
torno das pessoas que vivem o episódio. (FREITAS, 2002,
p.77)
A crônica, como espaço fundamental para a realização dos fatos
de documentação histórica. O cotidiano, o dia-a-dia, semelhanças,
escolhas, relações, produzem a realidade pessoal, individual, social e
coletiva. Colocam-se como arquétipos, ou atores influenciadores na
invenção do cotidiano, resultado da base essencial do jornalismo e
desse para a literatura como a definição de ambientes culturais
próprios de sua rotina, identidade e afirmação. “Todos os grandes
cronistas foram um dublê de jornalista e escritor.” (SANTA’NNA, 1993
p. 16).
A forma de a crônica contar histórias e de mostrar os costumes
de épocas vê, no jornalismo, o seu embrião para os relatos dos
comportamentos culturais da sociedade, contada pela diversidade da
literatura. A literatura propõe um ambiente livre, distante da técnica
do jornalismo. É nesta reserva que se especula a noção de
sobrevivência do conhecimento e do seu acúmulo através dos
tempos. As notas, ainda como suplementos, diz em crônicas muito
antigas como os povos viviam e como perpetuavam seu
conhecimento. Não raro, trechos da Bíblia vêm afirmar exatamente
isso. O corpo social, assim como seu tempo histórico, emana de sua
força criativa a capacidade de sobreviver e evoluir.
A cultura pode certamente acelerar as transformações
materiais e espirituais, mas sempre apenas dentro de certos
limites, de certos condicionamentos representados,
sobretudo pela herança genética, pelos hábitos de vida
ligados ao ambiente, enfim, pelas convicções tradicionais
mais arraigadas e pelos interesses mais elementares e mais
profundos. (PIERINI, 1997 p. 09).
Seu esforço vai nivelar as muitas condições em que sobrevivem
as mais variadas culturas: cidade grande, cidade pequena.
O escrivão Sebastião Barbosa de Souza nunca saiu de Alagoa
Nova, em circunstâncias nenhuma, chegou a empreender
qualquer viagem além de sua calçada.
A casa e o cartório faziam esquina com a praça central,
tinham duas frentes e a calçada em L, espaço suficiente para
o percurso de toda a sua existência. Quarenta e tantos anos
de tabelionato não tiveramoutro (sic) sítio nem precisaram
de outra paisagem.
E não se dizer que seu Basto o andasse. Cumpria
diariamente, horas e horas de viagens, a camisa muito bem
ensacada na calça caqui (sic), os braços cruzados, indo e
vindo de uma ponta a outra do seu mundo. Recostado à
parede, como bens imóveis, ficavam e Biu Néri, que lhe
serviam de oficinas de justiça e de fiel auditório.
Nessas jornadas essas três pessoas atravessavam os anos e
o mundo. Seu Basto, sentencioso, sempre falando, e o
auditório passivo, ouvindo. O mundo passando por eles,
vindo até a sua calçada com guerras, depressões, glórias e
fraquezas.
Mas Sebastião de Souza conhecia o mundo desse
pequeníssimo porto, tocado, em incerto grau de latitude,
apenas e tão somente ouvia a BBC, lia o jornal. Na sua paz
rural, o jornal e o rádio faziam o grande tumulto. Ele pisava
numa réstia de terra, mas vendo Londres, ouvindo o rumor
de toda a Europa em fogo, tudo bem próximo de si,
casamatas e trincheiras, tão grande era o silêncio do seu
posto. [...] (GONZAGA, 1997 p.70,71)
O homem sente a necessidade de fazer-se um todo, como
sentencia o senhor Sebastião de Souza, que, mesmo distante, precisa
se inteirar com o mundo e seus acontecimentos. Ele sabia que a
Europa estava em guerra. E para isso, precisava ouvir. Novas
identidades surgiam cotidianamente em sua mente criativa.
Para Gonzaga Rodrigues, a ordem do dia é escrever. O enredo
de sua narrativa está a cargo de sua capacidade criativa e nem
sempre, apenas, da intelectualidade, não menosprezando o saber
empírico junto à cultura popular. Sobre a Crônica enquanto gênero
literário, segundo a crítica Ângela Bezerra de Castro, no prefácio que
assina no livro de Gonzaga Rodrigues, (Café Alvear, 2003), publicado
em jornal, assim define:
A inclusão da crônica entre as formas e espécies literárias
não comporta mais discussão. Mesmo que a teoria e a crítica
tivessem silenciado a respeito deste gênero ou pós-gênero
literário, como classificou pioneiramente o professor Eduardo
Portella, bastaria a intensidade da produção para que a
crônica se impusesse como fato consumado” (CASTRO, 2003
Jornal Contra-Ponto, p. B1)
Para a crítica e pesquisadora Ângela Bezerra,
Gonzaga faz parte deste universo de escritores cujo
diferencial se restringe à circunstância da produção. O
cronista é escritor da pressa, do imediato, da contagem do
tempo. Agora ou nunca é o seu desafio diário, diante do
papel em branco. (ibid)
Em sua manifestação literária distinguem-se objetos que por si
só justificam a maestria do “dizer” do seu regionalismo brejeiro,
criando o exagero através das hipérboles, dando características a
objetos inanimados através de suas catacreses, perfazendo um
mundo singular explorado em suas pluralidades: romanceando com a
solidão e, às vezes, com o excesso de gente, e achando pouco, dando
nomes a seres e criando outros para o enriquecimento do seu
universo. Vejamos “O hotel de Areia”
Do lugar onde está situado o novo hotel de Areia, o
“Bruxaxá”, dificilmente se vai dizer que é Nordeste. No
mínimo é a constatação ou a cópia viva do discurso
americanicista como “um clima europeu em pleno verão
tropical”.
Se a constatação é poética, ainda que real, muito mais
poética foi a escolha do lugar: no alto da montanha,
dominando a seqüência ondulada de elevações que formam a
cordilheira verde da Borborema.
Nem é Nordeste seco de Graciliano Ramos, na planura
pelada; nem o Nordeste gordo, fofo e sombreado de Gilberto
Freyre e José Lins do Rego. Tampouco a Borborema rochosa
e encrespada dos picos de Santa Luzia. É a montanha de luz
e de vegetação suaves, uma chuva de sol e de vegetação
suaves, uma chuva de sol, “luz molhada” ou “água
iluminada” transpostas da poesia de José Américo para
apascentar os espíritos visitantes que demandarem a esse
novo turismo das alturas.[...] (GONZAGA, 1988, p.41)
E, principalmente, o “dizer metafórico”, debulhado no linguajar
coloquial de sua terra e seus costumes, explorando situações em
frases entendidas por gente do lugar. Ora, a crônica está sempre
ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas e das
pessoas.” (CANDIDO, 1979 p.5) Vigora a realidade, a definição
Gonzagueana do aqui e agora. O meio é a arma de elaboração dos
textos, cheios de vida, excentricidades e humor. Na crônica “O recado
da Paraíba,” a questão política acentua sua forte extensão dos
problemas em Pernambuco.
- Vão lá e assegurem a Arraes que a Paraíba está com ele.
E fomos s, eu e Tarcísio, o jipe do SANDU cortando o
Conde, a linha sinuosa da estrada do canavial, como se
conduzíssemos o exército da fundação da Paraíba ou da
restauração do tempo holandês.[...]
[...] Arraes devia estar em guerra, o Palácio das Princesas
cercado de tanques e barreiras colossais da poeira dos
exércitos do povo, ao qual nós íamos nos incorporar. Os
sinos da Boa Vista e as salvas do Brum e do Apolo saudariam
a nossa entrada solidária e possivelmente decisiva no
estuário revolucionário formado por multidões de cabeças[...]
(GONZAGA, 2003, p.93-94).
Portanto,
Seu relato é assim fiel às circunstâncias, onde todos os
elementos se tornam decisivos para que o texto transforme a
pluralidade dos retalhos em unidade bastante significativa.
[...] Essa concretude lhes assegura a permanência,
impedindo que caiam no esquecimento, e lembra aos leitores
que a realidade conforme a conhecemos, ou como é
recriada pela arte é feita de pequenos lances [...] ( ,
1987, p. 06).
O cotidiano são acontecimentos presentes no seu tempo. Um
elemento circunstancial para quem faz da notícia um elo entre o
passado e o presente. Não a característica do romance, afinal,
estamos no terreno da brevidade da crônica, mas, em contraste a
isso, as evidências literárias. os fatos explorados de forma
poética, mas, sobretudo, em prosa, sem perder o foco na vida
presente.
[...] Os leitores não buscam o repórter, a precisão dos fatos
numa crônica. Procuram o oposto. Querem decodificar a
realidade com outros olhos, entender o sentido oculto dos
fenômenos e dos acontecimentos na superfície da história,
sem a frieza da técnica jornalística. Neste sentido se forma
um verdadeiro pacto entre o autor e o leitor, pois às
metáforas e significados diversos no texto acrescentaram-lhe
um novo sentido que ajuda o leitor a desvendar o mundo.
(MARQUES, 1985 p.11)
Entrando no universo Gonzagueano, a crítica literária precisa
buscar alguns desafios que parecem ficar fora da visualidade: o
subliminar, a resposta dita, e a sugestão. Isto parece persuadir o
verbo num indicativo de recriação do discurso, um mundo paralelo
criado para servir de apoio ao que é tangível e ao o que se quer dizer
de fato. O homem sujeito, e o sujeito “catalizador”, que em busca da
inovação do tempo, romanceia o parecer técnico do jornalismo na
forma mais difícil e plural de fazer literatura. Capítulos forjados num
dissecamento do cotidiano ruidoso, do triste, do lamento, do riso, da
ironia. Mas temos o mundo pessoal como invólucro do tangível; seu
lugar mais remoto de origem: suas terras e vivências. Sua integração
com o texto global reabilita a escrita numa conjuntura peculiar,
tratada do “fantasmismo”, conseqüências ora de suas reminiscências,
ora da atualidade. Temos passado e presente subvertidos em ordem
distintas: campo e cidade. A leitura conjuga os quadros da vida de
onde se viveu e de onde se vive.
Não personagem sem ação, nem ação independente do
personagem. Mas sub-repticiamente, uma segunda idéia
aparece nas primeiras linhas: embora ambas estejam
indissoluvelmente ligadas, um é sem dúvida mais importante
que o outro: os personagens. Ou seja, os caracteres, isto é, a
psicologia. Toda narrativa é “uma descrição de caracteres.
(Todorov, 2003 p.95)
Essa marca é ampla na obra de Gonzaga, uma intertextualidade vigorosa. O
que é natural quando manejada com talento a percepção do mundo exterior. Tudo
constitui uma grande narrativa sobre o ato e sobre a enunciação do sujeito. Não
a possibilidade de travar um embate sobre o que chamamos de conflitos
permanentes, sem a inclusão direta entre o ser (pessoas), seu contraste
(sociedade) e a interiorização (conflitos psicológicos). Toda a ação desenvolve-se
na dependência dos personagens que criam o clima e a desenvoltura do seu
enredo. Todo o movimento vivenciado na ação é criado pelo confronto permanente
com os seus personagens que estão interligados. “Da janela do hospitaltemos a
seguinte situação:
Fui acordado por um interno que estava curando, no
sanatório, a tuberculose contraída em seis dos vinte e quatro
meses que pegara na Penitenciária do Roger. Atendia por
Concriz, era baixinho atarracado e chamava a atenção pela
mania de estar sempre segurando o aro dos óculos e os cós
das calças, como se os dois estivessem a cair. Achavam que
ele era muito perigoso, não sei se por ter acessos furiosos de
loucura ou por ter destampado a cabeça do gerente da
fábrica de tecidos de Santa Rita, motivo de sua prisão.
Só sei que era meu amigo fiel.
- O Exército está nas ruas foi como ele me acordou, na
madrugada.
Arregalei os olhos para as amplas vidraças da enfermaria,
banhadas da claridade do luar, supondo que as “as ruas” do
seu aviso fossem as de Jaguaribe, bairro do sanatório.
Vivíamos em pré-revolução, tanto no campo, nas ruas, como,
principalmente, nas imaginações politizadas mais
sensíveis.[...] (GONZAGA, 2003, p. 96-97)
As rádios comentavam em tempo real o que estava
acontecendo.
Eu me internara, quatro meses antes, saindo desse cenário
real e ao mesmo tempo imaginário de conflagração,
envolvendo toda a Zona da Mata. Rio Tinto, Mamanguape,
Sapé, Pilar, Itabaiana voltavam a revezar-se na vida e na
História como sucessivos teatros de guerra.[...] (GONZAGA,
2003, p. 96-97)
Para que a prosa flua é importante ter em mente os argumentos necessários
para a defesa das situações ou simplesmente adverti-los de sua atemporalidade, já
que se tratam das descrições de tipos e localidades reais. Não estamos
comungando com a melancolia prosaica de romances que tentam nivelar a ficção ao
real, mas sim um ajuste do real sobre a ficção. Um elemento de sobre-apoio na
prosa cronística de Gonzaga.
Os personagens sofrem dos conflitos diretos de sua relação com o seu
mundo, são caracteres advertidos sob a inclinação psicológica dos modelos aqui
adquiridos (arquétipos), na condição de seres que compartilham de todas as
prerrogativas sociais. Estão dentro de uma narrativa e, como afirma Todorov
(2003), “toda narrativa é uma descrição de caracteres”.
Inventamos a fala dentro de um conceito de ordenação dos pensamentos,
em uma concatenação de sentidos para a sua validação. Mas o sentido é um grande
mistério, sentido na significação e sentido no processo de se fazer entendível.
Merleau Ponty (1955) afirma que como o tecelão, o escritor trabalha pelo avesso:
tem a ver com linguagem e é assim que, de repente, se encontra rodeado de
sentido.” O mundo e suas variantes que são ordenadas pela linguagem típica e
única. O fazer narrativo, com raízes literárias.
Em sua observação analítica, o autor percebe o que está lá, pronto para ser
explorado. O que segue, são diferenciações especuladas num processo cognitivo
de descobertas e dar nova roupagem a esta observação. Essas revisitações existem
por causa da proximidade entre a crítica, que sobrevive da avaliação e do seu
criador, que se permite, com singularidade, a vazão às interpretações do seu
trabalho, tanto pelo grande público, como pela crítica especializada.
O conhecimento da crônica está no que se explora, e que há grande valor,
por ser uma linguagem em que a palavra é revestida pelos sentidos e significados.
O grande espetáculo textual de explorar a vida em sua forma bruta, incutindo nas
reminiscências seus valores de conteúdos.
A fala do inconsciente fora traduzida, seus caminhos em que permearam a
construção e a condução dos elementos da prosa em crônica, um gênero da
redação literária utilizada do jornal ao processo de divulgação do cotidiano.
Todavia, encontra-se, assim, uma argumentação lógica, dentro do que propõe o
autor. Da janela do hospital, o autor revela que o plano da realidade pode ter
muitas interpretações. Primeiro a sua em particular, e outra, a do interno, que intui
as condições do tempo apenas como participante. Há a subjetividade da literatura e
a captação de um momento da realidade, importante para o jornalismo e decisivo
para a construção da crônica.
Temos no autor a liberdade da criação produzida sob a ação nos
personagens. Basta saber da revelação indicada sob o ponto de vista da
veracidade, do seu conhecimento, e do que viveu, nisto, há uma apropriação. O
conteúdo da crônica domina a ação nos personagens em seus enredos mais
variados. Os personagens são atores em sucessões de fatos. O consciente encontra
respaldo no conjunto da obra de Gonzaga Rodrigues. Todorov avalia e se
acumplicia nessa temática, isto é teórico, mas é também a produção do
conhecimento do autor sob a rotina, das vozes, da concentração sica e da
ausência de uniformidade, traçada por acontecimentos que formam pedaços de
uma grande história. Este é o mundo de Gonzaga Rodrigues, de tal forma
elementarizado por tudo que indica passado e presente. Seu mundo é o mundo das
possibilidades.
Sua relação com o seu meio de criação, e o campo midiático, transformam-
se numa simbiose, dualizando entre o seu parecer, a técnica e a realidade, isso se
funde na elaboração dos opostos, o que se atrai e o que provoca apenas interesses.
Seu universo se expande, cria outras perspectivas: pensamento, memória e
imaginação.
A perspicácia que alude ao texto Gonzagueano faz-nos manter o olhar sobre
esses mecanismos distintos que descritos acima. Elementos decisivos da
construção própria de seu autor.
Sua temática aborda constantemente a vida cotidiana, a política, a amizade,
o regionalismo. Não são meros rascunhos de uma realidade simplificada, é tão-
somente as peculiaridades de um escritor demarcando a alma de um povo. Seu
provincianismo é universalista, tais quais as ordens demandadas sob sua pena: a
escrita é o signo elementar pelo qual o autor corrobora com o mundo e suas
múltiplas faces, carregadas de almas, de sentimentos confusos, explicados,
esclarecidos e complicados. Isto se faz da realidade, do momento criativo, da
introspecção de demarcar seus personagens.
Quer se evidencie no passado ou no presente ou como reminiscências de um
lembrete, um pensamento que foi esquecido, há que se observar o que está
incutido nas entrelinhas. A apropriação de elementos corpóreos próprios da
linguagem do autor, como frases que ficam em suspenso agora, mas que tomam
sua real conotação mais a frente. Isso é prender por sua simbologia. Tudo remete á
um significado, estamos rodeados por um campo de imagens, de elementos que
figuram coisas que se identificam nas pessoas, da maneira de registrar um fato e
aguçar a curiosidade, o que fica claro é a veia do jornalista que pulsa através da
palavra e culmina com a produção da vida em prosa. O grande timoneiro viaja, vai
buscar suas raízes e especula-as, avizinhando o cotidiano e nele fazendo brotar o
talento prosístico, quer de um momento pessoal ou de um grande acontecimento
político, social ou artístico. Em “A fome, essa invisível”, ele retrata as mazelas que
acometem o homem nordestino.
[...]
A fome anda, veste, vai à missa, à escola, vagueia entre uma
calçada e outra e algumas vezes até responde que vai bem.
Em alguns casos põe a bolsinha de lado, borrifa-se de
colônias e alfazemas e em vez de objeto de angústia e
revolta, oferece-se como objeto de amor. A palidez do rosto
e o langor dos olhos confundem em tons de sensualidade
romântica os sintomas do esgotamento. O desmaio da
inanição travestido em ânsias de prazer. A lassidão do gozo e
da morte confundindo-se.
Quando a fome chega a ser doença não é fome. É
avitaminose, tísica, distrofia. E é fácil e institucionalmente
enganada: um naco de pão, um punhado de farinha, coisas
que enganam o estômago, adiam o óbito e entram no
sangue, com o mesmo teor de abstração das estatísticas da
Economia e do Planejamento.
[...] O Imperador se fez capaz de empenhar a coroa, mas o
que desembarcou no Porto do Capim foi farinha, numa
mobilização solidária que reunia vapores, barcos, trens e
todas as tropas de jumentos que se entrecruzavam de
Campina Grande a Mossoró. As páginas e Irineu Pinto estão
cheias dessa farinhada. Como as páginas do IBGE, da
Fundação Getulio Vargas e de outros órgãos oficiais de
pesquisa estão cheios dos recordes que os milagres da
integração nacional m nos propiciando: campeões de
mortalidade infantil, campeões da morte precoce.
Mas em nenhum cão a fome como sinistro, como tragédia
aberta à comoção dos olhos televisivos da restante
irmandade nacional. A seca, de tão repetida, não comove
mais. A fome é tão normal que é imperceptível. Não bate
nem escuma nas calçadas como a epilepsia e, quando se
junta e aquéia, não causa susto, á pena. É o discreta, tão
abstrata, que ainda não chegou a ser teatro. É romance na
versão eslava de George Fink, de Gorki; na saxônia de
Kipling; na sul-americana de Jacques Romain, na brasileira
de Rodolfo Teófilo, Domingos Olímpio, Graciliano, José
Américo, mas não chegou ao grande teatro.
Que fazer?
Em Patos, chegou uma mulher com oito filhos, oferecendo-os
de porta em porta a quem lhes pudesse dar água e comida.
Procurava as melhores casas, batia palmas e fazia a oferta:
“Não quer ficar com um menino desses não, patroa?! A
senhora escolhe. É tudo sadio. esse maiorzinho teve
bexiga, mas ligeira. Fique, patroa!
Os meninos eram as únicas sobras da seca. Perdeu-se o
milho, o feijão, e o algodão. Só restavam os meninos.
(GONZAGA, 1998, p.168, 169, 170,)
O homem como mercadoria, como produto à venda. Como desespero
também, se atentarmos ao caldo cultural de uma realidade que constrange e
domina a cena pelo obituário da seca. A seca como cultura nordestina. A seca como
realidade social, política e demonstrada pelo artista em seu canto sombrio de
repentista. A seca como histórias de sofrimento do homem nordestino.
Conta-se uma história verídica pela pujança da literatura. Anunciam uma
cultura local conhecida por todos. O nordeste como representante do inferior”, do
“homem e da mulher” raquítica. A pobreza se anuncia como profecia aos quatro
cantos.
Anunciar a sua cultura, que toda cultura não é uma invenção, apesar do
seu poder de restaurar-se, de reinventar-se, de se instituir a partir de suas
heranças. E não ingenuidade em cultura alguma, por mais sutil que tenha
surgido, de forma pitoresca, inocente. Uma cultura só se esgota quando ela perde a
capacidade de se socializar. Dos detalhes faz-se a grande proeza, associada à
observação de seus sujeitos. Como anunciam alguns antropólogos que “o homem
cria a cultura como uns quadros de insatisfação permanente (ULMANN, 1991
p.131), encontremos nessa assertiva o valor evolutivo que se concentra em cada
comunidade, meio etc.
Afirmar detalhes é meio que tropeçar no escuro, trata-se da definição de
uma arte antiga que o homem se apropriou e criou os mecanismos para
desenvolvê-lo: da fala á escrita. A crônica acima vai buscar na época do império
uma realidade contemporânea. Este conhecimento é pré-existente ao fato do
cronista denunciar e registrar estes acontecimentos. Tudo provém, antes, das
necessidades, do ambiente que propicia ou não certa regalia para essas revoluções
humanas. Todo o corpo social que hoje vivemos é fruto de um amadurecimento
intelectual acerca da capacidade do homem de se nivelar ao seu tempo. O
coloquialismo na obra de Gonzaga traz as reminiscências de um Brasil em
formação. Trabalhos que revelam a forte literatura e, como tal, defini-se como alma
de um povo, cantada em prosa. O lugar, o convívio, as influências, famílias,
situações, descrições de tipos, a sociedade local, vexames, enredos, tramas
delineadas sob aspectos verídicos. Mas, por caminhos poéticos, o autor revela a
veracidade da vida diária. Edvaldo Pereira Lima (1993) referindo-se ao new
journalism como um experimento da realidade, aproxima a relação da crônica se
formos contextualizar, este, como um protótipo inerente a validade de conceituação
perante o jornalismo.
A chance que o jornal poderia ter para se igualar, em
qualidade narrativa, à literatura, seria aperfeiçoar meios sem
porém jamais perder sua especificidade. Isto é, teria de
sofisticar seu instrumental de expressão, de um lado, elevar
seu potencial de captação do real, de outro. [...] (LIMA, 1993
p.146)
A crônica quebra paradigmas. Por um lado, como literatura, sua
abstração da realidade forma com o cotidiano um mecanismo de
apreensão e de julgamento, ampliando as formas de saberes,
explorando a língua em sua expressividade maior; como jornalismo,
limita sua capacidade narrativa mediante um elaborado sistema ao
qual está ligada. Este é um sistema de empresa. E ainda, como
expressão ativa da literatura, rebusca o jornalismo pela sensação de
interagir com um espaço mais amplo: implementa a narrativa pela
captação do real, dando um formato mais elaborado a informação.
Se uma rivalidade, esta é vencida pela literatura por que acolhe
com maior significância o apelo da língua, com todos os signos e
significados que se projetam no texto.
Podem-se elencar muitas formas de fazer literatura. Tudo se
prende á um processo imaginativo de criação, recriação, captação e
busca da perfeição no intenso prazer de viver o presente, descobrir o
futuro, explorar a intensidade dos sentimentos, e a ânsia da
conquista pelo outro. Jornalismo libera a apropriação de mundo de
forma mais estática. Apesar de estarem em terrenos diferentes, seu
modelo de manutenção é o mesmo, requisitam o objeto realidade
para explicar o que são, para que servem e do que sobrevivem.
Seria a crônica um estado de espírito?
Na introdução da Teoria Literária, T. Eagleton faz uma
pergunta: O que é Literatura? E ao mesmo tempo responde de
forma provocativa: “... defini-la como a escrita imaginativa, no
sentido de ficção escrita esta que não é literalmente verídica”.
(EAGLETON, 1994 p. 1)
um passeio singular pela definição do autor que não
restringe a capacidade literária, mas a toma como uma dimensão
estética, que vive na recriação de seu ponto mutável, carregando-se
de sons, imagens, provocações, visões, etc.
Mas atrelar-se a verdade e a verossimilhança é em si um
propósito da distinção entre “fato” e “ficção” e mais, coloca um
esclarecimento “[...] e uma das razões para isso é a de que a própria
distinção é muitas vezes questionável [...]” (EAGLETON, 1994 p. 1)
O romance enseja um padrão criativo-especulativo, explorando
formas ulteriores, a supremacia “imaginativa” extrapola o rebro e
concebe o que o próprio autor ignora no ato da criação: um mundo
distante, mas que aflora da ânsia de libertar-se, de sepultar o velho e
explodir o novo: contatos, lugares, espaços, pessoas, diferenças,
relações, diálogo, tempo.
[...] Talvez a literatura seja definível não pelo fato de ser
ficcional ou “imaginativa”, mas porque emprega a linguagem
de forma peculiar. Segundo essa teoria, a literatura é a escrita
que, nas palavras do crítico russo Roman Jakobson,
representa uma “violência organizada contra a fala comum”. A
literatura transforma e intensifica a linguagem comum,
afastando-se sistematicamente da fala cotidiana. (EAGLETON,
1994 p. 2)
O crítico degladia-se entre dois sistemas empíricos: a fala
comum e o cotidiano. Esse afastar-se não significa desmembramento,
mas sim, outra esfera de colocação, pois se mantém na arte da
linguagem um espaço entreaberto para justapor-se, para fazer dos
dias um eufemismo ou um estrangulamento dos sentimentos que
afloram do autor para a literatura.
È a personificação dos tipos que recriam a partir do outro, um
lugar ou um lugar desconhecido, um limiar afeito da espontaneidade
que surge e ressurge a todo instante. Esse lugar é o espaço, um
espaço geográfico sem fronteiras, ou o não-lugar, por conceber
nomes ou a ausência deles, mas que sentimos por sua verdade de
existir, existir no teor da ficção, existir na predisposição de esclarecer
e manter o leitor vivo e pulsante através da leitura de uma obra
literária. Como sentir o oceano de Julio Verne em as 20 mil léguas
submarinas? Sente-se pelo mecanismo da pulsação da leitura. Uma
extensão entre texto, autor e leitor. Mas sem esquecer R. Jakobson
pelo fato de ser “ficcional, imaginativo.”
(EAGLETON, 1994 p. 2)
Conceituar a linguagem como uma simples manifestação é limitá-la.
“[...]A linguagem é o sistema fundamental e primordial de criação e
significação do mundo, [...](DUARTE JUNIOR, 1991 p. 23)
A literatura insinua a estética captando a alma de um povo
escrita em prosa e verso, isto a situa em sua universalização, e que,
a mesma, não está presa a regras rígidas, faz parte do humano e de
suas variações “... Como todo ser humano, cada obra de literatura
tem as suas características individuais; mas compartilha também de
propriedades comuns a toda a humanidade...” (WELLEK, WARREN,
1955 p. 18)
A obra literária se faz resultado da necessidade em exploração
do dia-a-dia, das manifestações culturais intrínsecas a cada povo,
país ou região. Essa é uma característica das fronteiras da literatura,
como também, o inverso dessa mesma fronteira que extrapola as
linguagens e suas variações de gênero. A sociologia da literatura é
uma realidade, ela faz o contraponto com a História e a Geografia,
ensejando em seus versos ou em sua prosa mais extensa, quer seja
em romances, contos ou crônicas, o registro de suas épocas e de
seus comportamentos. É a sociedade demarcada no seu tempo e
espaço: como pensar o comportamento dos Gregos na Antiguidade
Clássica sem pensar em Homero. Como pensar a cultura clássica
Italiana sem lembrar Dante Alighieri. Como pensar a sociedade
brasileira em seus primórdios sem pensar na acidez de Gregório de
Matos, sem pensar em Castro Alves e sua luta pela abolição quando
ainda éramos colônia, em José de Alencar em sua metalinguagem
romântica, sem pensar em Machado de Assis e os contrastes políticos
de um país e sua sociedade local, quando éramos nação, sem
pensar em Euclides da Cunha em Os Sertões”. “[...] Tanto o
criticismo literário como a história literária visam caracterizar a
individualidade de uma obra, de um autor, de um período, de uma
literatura nacional.[...]” (WELLEK, WARREN, 1965 p. 18)
A fonte inesgotável das narrativas, descrições, dissertações
completas das maravilhas humanas e o seu repercutir. Traça-se uma
linha divisória entre a razão e o gênero, os autores nos reverenciam,
são eles os mestres da atemporalidade que evocam o passado e
pensam o futuro, à exemplo de Julio Verne, H.G. Wells. A literatura
fantástica em sua categoria expressiva com Gabriel Garcia Marques.
Tudo alude ao pensamento e a linguagem, são coisas indissociáveis
que para evoluírem agregam-se valores que se constroem ao longo
de períodos extensos, criando assim as temáticas que fluem nas
literaturas: o regionalismo, as denúncias, heroísmos, dramas, etc. “...
e a literatura pode ser usada pelo historiador como um documento
social...” (WELLEK, WARREN, 1965 p. 34)
Referir-se a função da crítica literária é antes de tudo, estudar
seus meandros, as particularidades que desencadearam tal obra de
arte, ou tal documento que vem à posteridade para esclarecimento
da humanidade.
A crítica carrega em seu âmago a responsabilidade de julgar,
ser imparcial. Seu parecer se apega a obra, pois é de relevante
importância o meio ambiente onde ocorreu a criação literária, mas
liga-se diretamente aos personagens. Aferir valores que demarcam
pontos cruciais para distinção de escolas literárias, obedecendo a
sistemas e critérios que muitas vezes desagradam, mas que foram
criadas dentro de uma ordem científica vigente em cada período,
basta perceber a metrificação do Parnasianismo, e a liberdade do
Modernismo.
A liberdade que se impõe na literatura traz um conhecimento
específico. “O absoluto da arte é relativo à nossa cultura.” (COLI,
1995 p.66). Faz parte de um imaginário que vai além da ciência
exata, a precisão não é o seu forte, o que não quer dizer que ela é
imprecisa, pois documentos históricos foram de vital importância, por
exemplo, a Carta escrita por Pero Vaz de Caminha encontrada na
Torre do Tombo, em Portugal, que se constitui o documento mais
antigo da descoberta do Brasil.
Dentre tantas funções na literatura, as especificações norteiam
a sua sobrevivência, quer se figure na ficção ou em outras áreas do
saber, que “[...]a literatura traz um conhecimento daquelas
particularidades que não são de conta da ciência nem da filosofia.”
(WELLEK, WARREN, 1965 p. 35)
È um saber desprovido de travas, pois sua função está
relacionada ao povo e direcionada ao povo em sua forma mais
comum, e o escritor se faz responsável pela tônica do desenrolar de
novas formas de criação.
Wellek e Warren apontam situações interessantes, vejamos:
“Das concepções segundo as quais a arte é a descoberta ou a
intuição da verdade, devemos distinguir uma outra concepção, que
afirma que a arte especificamente a literatura é propaganda.”
(Wellek, Warren, 1965 p. 39). Podemos confirmar essa assertiva em
descrições de tipos, de uma literatura reconstitutiva, baseada na
difusão apologética de uma nação. A literatura americana (EUA) é um
exemplo típico de tal propaganda. Uma sociedade moderna,
poderosa, cheia de si, que alarga suas fronteiras pela imposição do
seu idioma, e poderio bélico; sua produção literária está assoberbada
de sua cultura militar e do forte espírito nacionalista, patriótico,
cravada no espírito de cada cidadão americano – é o orgulho do estilo
e modo de vida americano: American Way of life. O cinema tornou-se
sua principal propaganda.
Ater-se ao domínio de julgamento prestando atenção no
equilíbrio da obra que se refaz a partir do ponto de vista de cada um:
assim é principalmente na poesia, ou outro escritor com visão mais
pessoal, à exemplo de Clarice Lispector ou Kafka. Em Dostoyevski e
Leon Tolstoy encontraremos o cotidiano da Rússia do culo XIX e os
temas abordados, desde a política à traição como em Os Irmãos
karamazov e Ana karenina. “...A função da literatura, segundo alguns
técnicos, é aliviar-nos sejamos escritores ou leitores da pressão
das emoções.”. (WELLEK, WARREN, 1965 p.40 ,41)
A literatura também concorda com o fato da transcrição do real,
a verossimilhança retém as imagens e concretizam as formas
exploradas pela aproximação da realidade para a elaboração dos seus
variados gêneros: poesia, romance, conto, etc.
Já se afirmou que a crônica e o jornalismo encontram sua verve
na vida real. Afirmou-se na verossimilhança da literatura, isto é, de
sua transcrição aproximativa do real. O que seriam então, as
verdades na literatura? Segundo Wellek e Warren,
[...] A verdade na literatura seria a mesma verdade fora da
literatura, isto é, o conhecimento sistemático e públicamente
verificável.[...] (WELLEK, WARREN 1965 p. 37)
Escrever a passagem transitória entre mundos tão aproximados
converge para a distinção entre a verdade e a semelhança. Diante
disso, quem escreve, escreve o que está mais próximo de sua
experiência. Seu pensamento ao criar o romance intui na percepção
de seu mundo captado sob esta verossimilhança de modelos em que
a vivência, o sentir, as lembranças, até as frustrações, criam em seu
personagem a extensão de seu mundo. Não existe uma passagem
mágica para descrever o invisível, até este invisível se coloca no
agrupamento das experiências, elas refletem na obra a posição de
quem se coloca como coadjuntor de sentidos. Criam-se sob sua
especulação, o enredo tramado por uma estrutura de experiências
pessoais que armazenou durante muito tempo a memória e os
reflexos. Imaginários reconstituídos na totalidade da crônica, do
conto, romance e da poesia.
Segundo Eastman, o escritor imaginativo - e especialmente o
poeta – entende-se mal a si próprio se pensa que o seu papel
primordial é o de descobrir e de comunicar o conhecimento.
A sua função real é a de nos fazer aperceber daquilo que nós
vemos e de nos fazer imaginar aquilo que nós sabemos
conceptualmente e práticamente (sic). (WELLEK E WARREN
1965 p. 37)
Este imaginar toma para si, enquanto escritor ou poeta, aquilo
que o jornalismo realiza em sua convergência com a literatura, o
elemento surpresa, que toma como espanto o resultado de um
trabalho. O poeta, escritor, deixando-se levar pelo processo criativo,
rememora espaços e ambientes unificados em sua memória, repõe
um modelo de pesquisa, de recriação. O mundo das expressões é
este novelo que tece o que se permite conhecer, mas em outro
nível. Este nível caracteriza a possibilidade do mundo real, seu
conhecimento é comum a todos, a descoberta figura outro
quantitativo, que enquanto função de artista da palavra, seu
talento explora um universo em que os homens e mulheres são
protagonistas. Tudo se encontra no lugar de sempre. A crônica não
dualiza nesse conceito, ao contrário, faz-se cúmplice da literatura,
esse aspecto do publicamente verificável é o que traz como exemplo
esta afirmação de Eastman, “conceptualmente e práticamente (sic)”.
A crônica, assim como a literatura é um alerta para o leitor, de
esclarecer determinados objetos e situações em que estamos
inseridos e que tantas vezes tomamos conhecimento, mas é mais
fácil ignorar. As guerras são elementos publicamente verificáveis, a
conhecemos de forma conceitual e prática, mas enquanto não é
conosco, preferimos apenas estar informados, quer seja pelo
elemento histórico, onde o passado é um grande contingente, ou se
no presente em que as notícias abordam sua repercussão em âmbito
social. Para Luhmann “[...] tudo o que sabemos sobre a sociedade, o
mundo, a história, a natureza, o sabemos e tão-somente pelos
meios de comunicação. [...] (MARCONDES FILHO, 2004 p.403) A
difusão pela máquina. O livro formatado, pronto, é resultado da
máquina. O jornal impresso é resultado da máquina. Eles são meios
de comunicação social. Mas são textos. E o texto? A máquina não cria
o texto. Mas enquanto técnica ela produz e reproduz o seu formato:
jornal ou livro. A máquina não é um gênero . A máquina não pensa.
No máximo, processa.
A crônica como cria do jornalismo é um meio de comunicação,
sua interação concentra a relação de informar sob uma nova ordem:
o humanismo. Apesar de muitos cultores terem encontrado na
crônica um espaço residual das mídias como escritores e jornalistas,
tendo na poética a forma de expressar seu pensamento pelas
opiniões, como acadêmicos, em sua defesa de gênero maior há muito
poucos. Entre esses poucos estão: “[...] Agripino Grieco, Afrânio
Coutinho, e Massaud Moisés.” (MELO, 2003 p. 161)
Depois de toda essa discussão, pergunta-se: Será que a
crônica surge a partir da experiência pessoal do homem enquanto
produto-do-meio? Essa carga cultural libera a visão do homem
enquanto escritor? O espaço-geográfico é o fio condutor da crônica e
deste para o indivíduo como personagem, e “A literatura é uma
instituição social que utiliza, como meio de expressão específico, a
linguagem que é criação social.[...]” (WELLEK, WARREN, 1965 p.
113). O jornalismo pressupõe um jogo de comunicação. O
entendimento e a capacidade de percepção do leitor são essenciais no
jornalismo, assim como na literatura, embora ambas tenham funções
distintas na sociedade.
CAPÍTULO II
2.1 O MUNDO RURAL DA LITERATURA
“Nós sempre vamos ser o outro de alguém...”
Sebastién Joachim
2.2 O campo: memória, imaginário, identidade
Neste capítulo, o embasamento da memória, imaginário e identidade tem
uma ligação com o seu aspecto fundante: reter, transformar, acumular, reconstruir,
permanecer. Estes elementos apóiam-se no embasamento das crônicas de Gonzaga
como elemento substancial de provas elementares da captura de um tempo
passado, mas guardado em algum lugar. Sua importância é o resgate de uma teia
social que gera a “dispersão de relatos”, “o memorável”, “o movimento” (DE
CERTEAU, 1994), em que indivíduos, sentimentos, lugar, simbolizações, fatos,
emoções deixam rastros na invisibilidade da memória, na visibilidade da
reconstituição pelo imaginário e pela afirmação/confirmação do lugar pela
identidade. Memória é o ambiente abstrato em que se guardam as experiências, as
lembranças, os significados para a apropriação da vida.
Imaginário radica do latim imago-ginis. No imaginário os
significados ampliam a forma de designar a representação de um
objeto ou a sua reprodução. Estas reproduções podem ser mentais:
sensação na ausência da causa que a produziu. A especulação de um
retorno de um tempo-espaço em que o estado da verossimilhança
tem como quebra de seqüência as informações fragmentadas.
Segundo Durand, o imaginário é o
[...] conjunto das imagens e das relações de imagens que
constitui o capital pensado do homo sapiens, o grande e
fundamental denominador onde se encaixam todos os
procedimentos do pensamento humano [...] (DURAND, 1997
p.14)
Neste imaginário, segundo as concepções de Durand, o homem
em sua capacidade de raciocínio constitui sua base de
aprimoramento, um lugar lido em que pratica sua condição de
modulação de pensamento, e a partir disso a formação de sua
história pessoal ou coletiva, para poder existir e ter noção dessa
existência. A troca de experiência, a troca de significação das
imagens e sua relação com estas imagens convertem para a
dominação de tudo que o cerca. O mundo por ser vasto, delimita no
homem esta capacidade de entender que o lugar onde habita é a
extensão de sua casa e de suas relações. Estes procedimentos, ainda
segundo Durand é fundamental para que se criem laços, perdurem,
se dinamizem, conferindo uma realidade com personalidade e
essências próprias. O raciocínio é o que caracteriza o “homo sapiens”,
o poder da lógica associando-o às imagens: isto equivale à isto. O
homem tem a capacidade de discernir, dar nomes, acumular
conhecimento, “[...] o imaginário não se manifestou como
atividade que transforma o mundo, como imaginação criadora, mas
sobretudo como transformação eufêmica do mundo, como intellectus
sanctus, como ordenança do ser às ordens do melhor [...]” (DURAND,
1997 p. 432).
Durand aprimora a constituição básica: a existência. Aponta
que, à partir do imaginário o homem revelou para si segredos que
incomodavam, os códigos foram criados para auxiliarem-no no dia-a-
dia. A relação eufêmica já se diz da própria necessidade de se recriar,
refazer, reconstituir-se como um sintoma natural das coisas da
natureza.
A informação como valor estrutural e dinâmico, demonstra aspectos de um
uma sociedade que se projeta e se renova. Saídas e entradas de contingentes
humanos que através de décadas, séculos, motivam as transformações que
desencadeiam em novas realidades, novos pensamentos, novas formas de agir.
O fator identidade tem sido importante para amparar questões de pertença
entre as pessoas e seu ambiente originário. Tem mostrado um aspecto revelador da
cultura, como afirmação do “si mesmo” e vetor de mudanças no âmbito literário,
em que as pessoas nas crônicas de Gonzaga acumpliciam e dualizam com a sua
existência. Esta identidade cria uma afirmação do “ser” para além do personagem
em si, como se afirmou, não é uma mera criação do gênero ficção, mas uma
elaboração do passado no resgate da memória no presente.
A literatura tem registrado esses contingentes, quer seja em crônicas,
poesia, romances, independente do gênero, mas acima de tudo, mostrado que a
escrita ainda é o principal caminho pelo qual se perpetua os acontecimentos. Nela
fixam o tempo pelos códigos da ngua. Congregam as ões do homem relatados
no presente, revelados no futuro e revividos pela memória e imaginário.
No livro Notas do meu lugar”, vimos um desmembramento de várias
partes: Jeito de Ser, Cidade Pessoal, Gente, Memória Rural. Analisaremos a
Memória Rural, parte reservada pelo autor como aquelas crônicas que remontam a
periodicidade de um tempo longínquo, mas forte o suficiente para fazer dessas
memórias um elevado número de ações e de comportamentos que se registram
pelo autor.
Contrastando com várias pesquisas que já se debruçaram sobre questões
literárias de campo e cidade e de suas diferentes transformações e como, de
repente, o campo demonstra aspectos pelo seu esvaziamento e o inchamento das
cidades, fatos ocorridos através dos séculos e que foram se acentuando, um dos
casos mais notáveis é a Inglaterra da pós-Revolução Industrial. O crítico inglês
marxista Raymond Williams, escreveu sua obra O Campo e as Cidades na História e
na Literatura (1990) em que faz uma análise reveladora de inúmeras obras
literárias e demonstra o acentuado grau de alterações sem precedentes nas
relações entre Campo e Cidade. Registros de escritores que perfazem sua trajetória
em seu ambiente social, incutindo ainda mais o valor da literatura e sua relação
com a história e mais recentemente com a Sociologia. A literatura habilita a
factualidade pela memória do autor, ou em larga escala, pela vivência diária, isto
demonstra a preocupação de escritores em afirmarem seus períodos, fixa, com
muita propriedade, um legado firme da história e sua sociedade. Afirma-se este
exemplo, dado sua importância, pois seu aspecto é literário, de teor abrangente, no
qual ofereceram as condições ao autor de comprovar lugares, endereços,
residências, etc. através de outros escritores que viveram séculos antes. A
tentativa é mostrar que a função do escritor foge até mesmo a sua lisonja, pois
tantas vezes, foram eles os responsáveis em demarcar os acontecimentos da
história, quer seja em prosa ou em verso.
A vida do campo e da cidade é móvel e presente: move-se
ao longo do tempo, através da história de uma família e um
povo; move-se em sentimentos e idéias, através de uma
rede de relacionamentos e decisões. (WILLIAMS, 1990 p. 19)
Em Gonzaga temos o vasto campo da memória como regressão sintomática
de um estado de espírito, voltando de um tempo passado, mas que é o mesmo
sintoma de uma relação pessoal entre sua infância e o interior em sua origem,
reforçado pela presença humana como condutora de sua experiência e de sua
prosa.
A mídia introjeta outro vel de especulação, pois acentua a natureza da
literatura pelo jornalismo como canal entre a sociedade e a abordagem elementar
da informação como entretenimento. A crônica perfaz esse caminho de informar,
entretendo.
O homem do campo é este homem do primeiro momento - das descobertas
(reminiscências). O trato biográfico e sua relação incisiva com o conteúdo histórico
contextualizado, desmembrado em vários corpos, e isto corresponde a sua terra,
sua cultura e ao próprio homem. Portanto, iremos rever vários momentos da
criação em estado de formação.
A ligação expositiva da obra neste meio rural coloca Gonzaga como autor
descritivo, passional e biográfico. Mas, todo o sistema apresentado por ele induz a
prévios conhecimentos, como se falou anteriormente, trata-se de um trabalho
passível de comprovação e o um mero jogo de criação especulativa. Sua relação
com os símbolos e sua representatividade é notória assim como fizeram Leon
Tolstoi, Lima Barreto, entre outros. Sua prosa é singular, são raízes culturais que
emanam do povo. Sua fonte de especulação são as memórias do passado, nisto,
recriando sua paisagem pelas imagens do seu imaginário. Seu rebuscamento é
coloquial, onde se extraem os cios da linguagem e de como as pessoas
acentuavam nomes e davam relevância ao trato pessoal, interagindo entre o lugar
e seu modus operandi, uma ligação direta do homem e sua origem.
Quando a Paraíba descobriu a agave, não houve lavoura de
batata ou vagem que vingasse debaixo da terra. Mandioca de
plurais diversidades, manipeba, manivainha, curuvela,
passarinha, eram extraídas do chão generoso para dar lugar
às grossas touceiras de dedo de cão. As fofas terras de
sustento eram desamojadas das crias tuberosas para espetar
a vista e os céus do Brejo. Baixios e serrotes espinhavam até
onde a vista desse.
[...] O apelidado capitão foi o único, nas cercanias, a não
subverter a função de terra.
- Ninguém come agave – era a sua razão.
[...] Nunca imaginei que o mundo precisasse tanto de corda,
gritou o Coronel Antônio Barbosa de Souza, avô materno de
Chico e Edísio, o homem que mandava em Alagoa Nova e
fazia medo a Alagoa Grande.
- No dia que o Queradeus arrombar, Lagoa Grande se afoga
– era o povo que dizia.
[...] Tempos depois a cidade começou a se desarrumar,
gente de raion e borracha branca voltando a botar água,
nego de pisante de loja recorrendo à sola dos pés. A euforia
agavieira perdera o preço e a posição. As afiadas pontas do
cão voltavam-se contra seus autores. Uma tristeza de tanta
terra perdida, com exceção das do apelidado Capitão da
curuvela, manivaninha e manipeba.( RODRIGUES, 1978
p.161 a 163)
As partes da crônica acima, Capitão Manipeba, incitam a uma crônica de
costumes, onde se evidencia o cotidiano. Como a mudança de uma simples cultivar
(mandioca) pode alterar a rotina e o comportamento de um pequeno lugar. A
economia, importante no mundo inteiro, está presente na renda de uma região que
explorava a mandioca como principal fonte de recurso para sua manutenção, sendo
substituída bruscamente pelo agave, a produção de cordas era um mercado novo e
veio como meio de ampliar os recursos dessa região. De repente, esqueceram a
mandioca, que por gerações alimentava famílias e o comércio local. Como as
pessoas se adequam a novas situações, a reação é local, mas de reflexo
sobremaneira econômico que diz muito de como uma sociedade pode se nivelar as
suas condições de vida.
Bastava o tempo de sua infância para contar estas histórias. A memória oral
por muitos anos obrigou centenas de sociedades primitivas a guardarem através de
suas gerações a vida comum de seu povo que se construía, se refazia e superava-
se através do tempo.
Esse período da vida interiorana captada pela crônica guarda em seu bojo a
lacuna principal entre pessoas do lugar e seu cotidiano, incitando um novo formato
de agir. Talvez um lapso de esperança tenha efeito nas pessoas no mesmo patamar
da desconfiança. A cultura local, representada na mandioca, tem sua origem como
cultivar desde os índios, que a exploravam. O dedo do cão era o nome dado a
agave, inclinando a posição do homem brejeiro de fazer alusão ao cão/demônio,
algo que perfura, espada, coisa negativa. O brejo é uma região de clima mais frio,
solo favorável a cultivar da mandioca, como também favorece outro tipo de
consumo, a cachaça. Este exemplo é para mostrar que a adaptação da mandioca a
este clima demonstra no povo, a necessidade por comida energética. A mandioca
faz essa ligação. Relatos que caracterizam o passado, uma memória resgatada.
Gonzaga utiliza desses mecanismos de forma recorrente, vai buscar por um estado
de regressão as lembranças de algo memorial. Há uma intenção similar de utilizar o
meio estético da consciência, reconstruindo um pensamento já emancipado. O
pensamento é o que guarda e o que resgata a consciência do campo. Este campo
deve ser entendido como espaço de projeção do homem “infante”, do homem
berço. Observa-se uma quebra estrutural de continuísmos, outra membrana de sua
obra que aos poucos ele vai retendo, aprisionando a memória em sua imaginação.
Revertendo seus conteúdos em tópicos: assunto a assunto. Suas crônicas falam de
uma infinidade de acontecimentos.
A dispersão dos relatos indica a do memorável. De fato, a
memória é o antimuseu: ela não é localizável. Dela saem
clarões nas lendas. Os objetos também, e as palavras, são
ocos. Aí dorme um passado, como nos gestos cotidianos de
caminhar, comer, deitar-se, onde dormitam revoluções
antigas. [...] Os demonstrativos dizem do visível suas
invisíveis identidades: constitui a própria definição do lugar,
com efeito, ser esta série de deslocamentos e de efeitos
entre os estratos partilhados que o compõem e jogar com
essas espessuras em movimento. (DE CERTEAU, 1994 p.
189)
A dispersão que fala De Certeau é um desmembramento das memórias.
Essas memórias que caracterizam a forma peremptória do texto, um
desmembramento de situações vividas em períodos variados do tempo. Se isto
significa uma quebra na relação de concatenação pelo fator seqüencial do tempo,
afirma também por outro lado, que as lembranças têm de fato este conceito, de
estar em lados opostos da vida presente, e se for presente em aspecto temporal, é
uma regressão da memória, mas que ficam guardados os resquícios que podem
tomar formas e conotações diversificadas. A memória é armazenada. Localizar
estes períodos não atenta para classificar os detalhes em sua realidade, mas sim,
uma revitalização do que fora a realidade. Como o próprio De Certeau (1994)
afirma, “aí dorme um passado”. Os objetos determinam pontos de apoio que
notabilizam por sensibilidade a força que tem as coisas: casas, roupas, moeda. O
uso de seus atributos como amparo da vivência e da troca da interpelação pessoal.
Mas eles são solúveis, se diluem diante de um contexto maior: a vida humana.
O compartilhamento entre o visível e o invisível é mais uma afirmação da
memória pelo resgate mais próximo: as lembranças. O transbordamento desses
endereços da memória guardada pela experiência, como a prova tácita da
existência na troca e busca da afirmação pelo viés da sociedade congregam no
indivíduo as suas identidades, De Certeau vai apresentar suas mudanças pelo
cotidiano, uma técnica intuitiva pela valorização dos espaços assimilados, o lugar
de sua realização, de sua revitalização, de suas confrontações perante o si mesmo
e outro. A apropriação de suas afirmações como indivíduo em seu reduto e do seu
papel no entrave social que determinam papéis importantes em uma hierarquia que
se torna consolidada á partir do que se representa para uma comunidade. A
desmistificação entre o forte e o fraco; o rico e o pobre. Essas demandas
pressupõem movimento, pois tudo está carreado de informações particulares, uma
cadeia produtiva de signos, de indiciamentos, de constituições, de formações de
papéis. O lugar condiz com as pessoas e desses para estrutura social em que se
amparam.
Os personagens cumprem sua rotina e nela se vêem representados na
literatura, localizados no escopo da história como a força perspicaz de uma retórica
inclinada à vida, e a vida como ela é, indo e vindo em um mundo resgatado, em
que a imaginação formula a exposição da ficção criativa; a esse teor ainda não se
sabe negativo ou positivo, mas é o universo concentrado por uma veia artística que
explora a relação do pensamento com os sonhos e desejos dos homens.
O escritor pondera seu tempo. A empolgação do agave passou e tudo voltou
ao normal. O autor se refere a esse fenômeno através do verbo desarrumar”,
estabelecendo a ordem do social. As pessoas saíram do seu transe e voltaram a
cultivar sua tradicional mandioca. O consumo pelas chinelas de raion, tece outra
forma, que o costume em sua mutabilidade, obedece a critérios humanos.
Identidade caracterizada pelo desejo de sentir o chão sobre outro ângulo. Este
ângulo é a auto-afirmação de suas vontades em experimentar o novo. A novidade
que cria um aspecto de individualidade entre todos, demarcando assim, os papéis
implícitos que cada um desenvolve. Essa identidade propõe um terreno de muita
mobilidade.
A identidade é de fato algo implícito em qualquer
representação que fazemos de nós mesmos. Na prática, é
aquilo que nos lembramos. A representação determina a
definição que nos damos e o lugar que ocupamos dentro de
um certo sistema de relações. (SODRÉ, 2000 p. 35)
A identidade cria o modo de individualização. Com se afirmou, ela define
papéis, em que cada um tem noção do que faz, para quem faz e por que faz. Esta
afirmação, no entanto, não é categórica. É o instrumento do conhecimento pessoal.
O universo de sua representação se concretiza a partir de si mesmo e do seu
reconhecimento da vida. O interior é um lacuna aberta no tempo, porque é também
o interior de uma alma humana que oscila entre o imaginário e o mundo real.
Apesar de estarmos numa ambivalência crítica que denota um forte hibridismo no
escritor, ora exprimida pela literatura, ora ensejada por um exercício de jornal, o
mundo é antes de tudo uma fusão de mundos particulares, o autor não está só, ele
se constrói em conjunto por essas espessuras. De Certeau aplica essa espessura
numa camada de vozes e sentimentos particulares para exprimir o que ele vai
chamar de “movimento”, constituindo o lugar e os sucessivos deslocamentos. Nisso
estão às relações de senhor/empregado, comerciante/consumidor, homem/mulher.
Portanto, a terra que flui de Gonzaga é a mesma terra de sua alma,
ampliada, amadurecida, de forte relação com a expressividade simbólica, um
mundo das reminiscências, da representação social enfática, o textual pautado na
demanda da recriação, sua prática elucida o caminho feito, vivido, um passado
composto por vários caminhos, mas delineado pelo real (sua realidade). Lembra a
terra natal com riqueza de detalhes e com a alma pulsante, resquícios de sua
relação humana entre o povo, o lugar e o convívio, formas cruciais na
interculturalidade adjacente de seu teor crítico entre o jornalismo e a literatura, em
que perfaz o seu ponto de difusão, de levar ao conhecimento da massa o seu
refazer de mundo, seu processo de ressignificação.
A literatura abre a consciência para outro domínio da percepção e dos
valores humanos: a ética. A ética sentencia suas regras pela atitude comum a
todos, mas isso não se diz de forma generalizada. A individualidade também
concentra o conceito da ética de forma pessoal. Por este atributo comum, a ficção
toma como quadros o poder de definir a partir de suas crenças e das influências
recebidas, quer seja pelo lugar ou de alguém, o cotidiano de tradições de uma
comunidade. A história contada nas crônicas de Gonzaga tem uma grande
responsabilidade de manter a fidelidade dos fatos, a imaginação não pode ser
influenciada pela ficção, essa ficção é advertida para não forjar uma sociedade
inventada, criada, estamos no campo da elucidação das experiências, no campo
tangível, por mais que se encontre no campo da memória. A memória e suas
histórias revelam um tempo passado, comum a todos ou individual. O texto
mantém um parecer sobre a seletividade da memória. Elas representam a
capacidade do homem em sua busca de concentrar seu foco em sua existência
como permanência de um corpo que permanecerá ainda por muito tempo. Na
memória ficam os acontecimentos em suspenso, que quando resgatados indicam
suas identidades, suas ideologias e suas formas de produzir elementos simbólicos.
A ética sob este ponto é um escrutínio que vai permitir a veracidade da obra ou os
meios influentes da ficção para contar algo apenas parecido com o que foi.
A ficção literária é lugar privilegiado para o escrutínio da
ética conformadora de consciências. Quando incorpora aos
textos, por meio de acontecimentos e tradições, as múltiplas
formas de historicidade comunitária. O texto é cena de
vicissitudes da representação e das ideologias identitárias.
(SODRÉ, 2000 p. 143)
Seu prisma de mundo, no vernáculo Gonzagueano imprime este lado, a
recriação conceitual ou a sua intervenção de mundo. Sua obra vai a todo o
momento recriar seu mundo a partir de suas memórias. A multiplicidade de corpos,
a estreita relação com as origens. A origem do escritor. As experiências do autor
são raízes refletoras da atitude que permanece a degladiar entre o homem e o
escritor. O homem é o jornalista; o escritor o literata. Parodiando Merleau Ponty,
(1955) temos uma leitura enigmática em que o homem insiste em reaprender a ver
o mundo. Vejamos a crônica “Renda Postal.”
Como o Portugal anterior à Revolução dos Cravos. Alagoa
Nova está vivendo de envelope, isto é, da remessa postal
gerada pela emigração. Todo fim de mês, entre os dias 30 e
10, a rua e o mato passam a girar em função da agência
postal, que em minha terra assume um papel muito mais
importante que a agricultura e a indústria na formação da
renda de seus filhos.
O dinheiro vem de o Paulo, do Rio e mais recentemente,
do Paraná. o os filhos sem trabalho, os maridos sem terra,
os velhos que a agricultura desenganou. Mas debaixo das
construções, cavando os metrôs, mais longe que esteja,
continuam filhos e maridos. O correio é o mbolo dessa
fidelidade. Ao visto é a esperança.
[...] A verdade, entretanto, é que Alagoa Nova passou de
uma economia agrícola a uma economia postal, da qual
estão dependendo a infância e a maternidade da terra.
Somos os destinatários da mão-de-obra pobre de São Paulo.
O correio, a fonte pagadora. (RODRIGUES, 1978, p. 165,
166, 167)
Mais uma vez a representação econômica dita às regras de sobrevivência do
lugar. A vida precisa continuar, mas a terra está extenuada, é preciso ir buscar
esperança em outras paragens.
Esta realidade figura até os dias de hoje. Dissecando a realidade
contextualizada com o passado temos o reflexo de uma cultura de migração forte.
Famílias inteiras, ou apenas membros se deslocavam de suas origens para ir buscar
a sobrevivência em outros estados. São Paulo tem forte índice de nordestinos,
reflexo dessas migrações ao longo de décadas. Este espelho da vida incita os
nordestinos como os homens que construíram São Paulo. Isto é a história das
necessidades.
Toda a relação se mede entre dois paralelos: a estrutura dos elementos
históricos e a sociedade localizada em estados de pobreza e dependência
econômica. O sudeste propicia trabalho e o nordeste oferece a o-de-obra. A
fuga de homens e mulheres em busca de novas condições também alteram sua
relação econômico/cultural. Temos um ambiente indefeso, sua manutenção
depende das condições de trabalho do eixo Rio - São Paulo. Enquanto isso, a
identidade econômica de Lagoa Seca sofre um percalço, a “cidade e o mato” vivem
da espera isolada, criando um estado de passividade latente entre os indivíduos,
agora, tudo se concentra em torno dos Correios, um sistema operacional que
interliga a cidade do interior do nordeste com as metrópoles do país. O povo a
espera de cartas. Nisso, se tornam o correio, Banco e consultor de esperanças.
Essa mobilidade parece ser técnica, mas engana-se se pensarmos nisto como um
mecanismo apenas de sobrevivência, isto vai explodir a questão da formação de
novos indivíduos que se criam na ilusão de um mundo idealizado, como se fosse o
país das delícias. O eixo que os mantém, explode como uma cadeia de identidades
que parecem renegar suas origens pelo desejo de ter outro patamar de vida,
distante de sua terra natal. Essa realidade incita na criação de um mundo desejado,
salvador da pátria. O desenlace em Gonzaga perante a crônica “Carta Postalnos
diz mais do que apenas lemos. mais coisas incutidas. Temos um complexo
mundo de relações, em que o sujeito altera a visão do seu mundo, pela idealização
de outro desconhecido. As entre-linhas da crônica fomentam para o aspecto
sociológico. Tudo vai fazer referências ao outro lugar, ao lugar desconhecido, ao
mundo difundido pelas cartas. Alteram-se as relações entre os indivíduos, cria-se
assim, uma identidade literária forjada pela visão e pelo sentimento de alguém
distante e mantenedor de vidas.
Dizer identidade humana é designar um complexo relacional
que liga o sujeito a um quadro contínuo de referências,
constituído pela intersecção de sua história individual com a
do grupo onde vive. Cada sujeito singular é parte de uma
continuidade histórico-social, afetado pela integração num
contexto global de carências (naturais, psicossociais) e de
relações com outros indivíduos [...] (SODRÉ, 2000 p. 34)
A migração na literatura de Gonzaga expõe com certa singeleza a real dor
dos indivíduos, que arrancados de seu solo original, vão sedimentar outras
características, que, somado as suas, retendo outras, busca afirmar seu papel
continuador de ser um indivíduo com passado, presente e a busca por um futuro.
Cada sujeito, por mais singular que seja, torna-se um indivíduo multiplicador
da cultura do sudeste. Isto é fomentado e mantém-se forte porque o desejo de
uma vida melhor se concentra em terras distantes. A força da palavra conquista o
homem do campo. Essas palavras vêm através de cartas e do dinheiro enviado
mensalmente para a sobrevivência: “fazê a venda.”
Em Palavra Forte, Gonzaga norteia dois perfis que extrapolam o homem
rural do homem-metrópole.
A solidão rural faz forte as palavras. É a palavra o único
grande poder com que o camponês se apega. Poderes de
oração forte, poderes de reza, de cura e invocações
sobrenaturais. Não se fala em doença mortal sem que antes
se invoque ave-maria, ave-maria”, ave-maria” três vezes. A
invocação é o preventivo mais eficaz, a mais forte
imunização, a vacina da fé.
Na metrópole o homem é multidão, transeunte de espécie
vária e diferente. Vão aos encontrões, batem-se, cruzam
como seres ou objetos de outra natureza.
No mundo rural vizinho ou antípoda unem-se pela voz.
Ninguém se cruza sem um bom-dia. O bom-dia, é mais que
um cumprimento, uma saudação: é identidade solidária. Nas
ruas cumprimentamos os que conhecemos. Na estrada a
saudação é um conhecimento já feito, mesmo que as
pessoas nunca se tenham visto.
A civilização urbana esvaziou a força das palavras. A palavra
é mais uma comunicação que uma expressão. É um aviso,
um sinal, um veículo, dificilmente um sentimento.
A voz rural é a que diz de dentro para fora. É a que diz por
necessidade. É a que exprime. (GONZAGA, 1978 p.170, 171)
O autor busca pela força da palavra o reforço de uma cultura local, que
mantém uma forte tradição em sua e seus costumes. A oração falada ou cantada
é lembrada pelo poder da palavra, uma manifestação de sonoridade que processa
uma convergente comunicação. O poder de aglutinar pessoas, de se fazerem
entendidas. Essa palavra conserva os códigos de suas relações e de suas crenças. O
homem da sonoridade, muitas vezes analfabeto, mas que encontra sua inteireza na
conservação da produção sonorizada da palavra. Sua identidade é confirmada pelo
seu permanecer no mundo, fazendo-se parte de uma sociedade gregária. Através
da tradição local a determina curas, professa sua religião, mantém sua ligação
com o sagrado. A solidão no texto pode ser traduzida como algo fora do mundo
convencional, este mundo é encontrado nas pessoas como a expressividade de seu
mundo íntimo: o mundo conhecido, o mundo de seus pais, de seus filhos, de sua
localização, de seu encontro e pertencimento a uma comunidade. O autor produziu
um homem idealizado de sua memória, dos resquícios de uma infância distante, e
um resgate também de sua memória. A prosa que figura o coloquial e define
arranjos de sons vocálicos repetitivos, como que espantando algo muito feio e
negativo “ave-maria, ave-maria, ave-maria três vezes”. O homem assim fazendo,
está protegido e protegendo os outros de algo mortal. Essa manifestação de fé, de
crenças é compartilhada por todos da comunidade, um local que define os limites
de sua existência, na fronteira da terra, do lugar e da memória.
“Na metrópole”, segundo expõe Gonzaga, o homem é o mesmo lugar-
nenhum, pois parece pertencer a algo que não existe. Essa existência se faz
possível pela troca de experiência e de respeito mútuo, do reconhecer o outro como
a si mesmo. A comunidade está baseada na individualidade. O homem é este que
fala e vive na reclusão, mesmo estando rodeado de milhões de vozes.
O reconhecimento do outro na crônica de Gonzaga tende a afirmar os
costumes pela reverencialidade, o que denota respeito, o cumprimento é uma
saudação comum e faz parte da educação, só que ele demonstra que é muito mais
que isso, é o homem que se desvela para afirmar uma identidade do campo, a
relação de reconhecimento. Muitas vezes um ato condicionado, inconsciente, vindo
de uma tradição de avôs, para filhos e netos. Existem como códigos de
aproximação uns com os outros. Estes cumprimentos podem ser sonoros ou
gestuais. A junção de corpos que se identificam numa classe social bastante
peculiar, a rural. Essa aproximação cria a mobilidade, uma rede de relações entre
os indivíduos do lugar, lembrado por Gonzaga.
Ao sair de suas fronteiras rurais o homem do campo encontra as barreiras
de um novo sistema social. “[...] Na rua cumprimentamos os que conhecemos”.
[...] A cidade mantém a aproximação de casas e a distância dos corpos. Essa visão
salta da crônica para especificar a diferença de mundos. Mas, o outro conhecido
ainda aguça a sua percepção, o outro a partir de si mesmo é sua consciência e sua
existência. O cumprimento é o que diz conhecerem-se, por mais deslocados que
estejam.
Ao retornar ao campo, ainda se dirigindo a seu lugar de pertença, o homem
mais uma vez retorna ao seu papel de homem rural. Sua alcunha é o grau de
compartilhamento na complexa sociedade de nomes e sobrenomes. O nome cria
uma parceria, uma intimidade. Diz quem é e a que família pertence. Mesmo o
indivíduo desconhecido tem direito ao respeito compartilhado. Gonzaga define um
homem muito peculiar, um cavalheiro à moda antiga. Talvez esteja descrevendo a
si mesmo, ou um parente muito querido.
Para Gonzaga, “a civilização urbana esvaziou a força das palavras”. Não
esta relação de aproximação existente no campo. A civilização parece ser outro
universo, criado para a individualidade, para concentrar as pessoas em si mesmas.
O homem da cidade foge as raízes por o pertencer a lugar nenhum o não-
lugar. Este homem é o ser que não se identifica, mas isso é também uma
contradição. um deslocamento explícito de duas realidades, dois perfis
correlatos e desmembrados: rural/urbano. A comunicação para a civilização é antes
de tudo uma norma no processo de entendimentos entre ambos. As pessoas
precisam sair constantemente para trabalhar, fazer compras, se divertir, quebrar a
rotina estressante da cidade grande. Portanto, a comunicação é mais que isso, é
expressão também, tudo remete à um significado lógico, essa lógica interage na
percepção de leituras no aprimoramento de pertença, também, deste seu mundo,
assim, como no mundo rural. São códigos diferentes, mas necessários para a troca
de experiências, para amadurecimentos, e vetor de mudanças que se constroem
em discursos múltiplos, mas todos com a capacidade de comunicarem, se
expressarem e divergirem em opiniões. A cultura não nega ou exclui o indivivíduo,
mas a adoção das regras como sistema aplicado pela sociedade é importante para a
ordem do grau de civilização. Civilização aqui, abre para outras especulações
conceituais, civilização do homem conhecedor de costumes e respeitador das regras
sociais para a manutenção da ordem. um certo preconceito entre os mundos, o
autor parece preferir a mansidão do campo à selvageria da cidade. A cidade propõe
uma novidade diária, um eco dissonante, ampliação e variação de significados. As
pessoas estão no frenesi do cotidiano demarcado pela tecnologia.
A visão poética do campo embota as complicações que porventura existem,
conseqüências negativas também, afinal, onde existe o homem existe a
concorrência. O autor suaviza com elementos de clareza bucólica, um espaço de
idealização para o mundo perfeito. Um lugar da tranqüilidade, do devaneio, dos
poetas e dos amantes. Esse campo nega qualquer aproximação da cidade e seus
costumes, isso parece macular a inocência do mundo rural.
A visão do céu para o campo. A visão do inferno para a cidade. Estas duas
representações simbólicas elevam a ambigüidade dos seres humanos na formação
das identidades.
Para Sodré (2000),
A identidade de alguém, de um “si-mesmo”, é sempre dada
pelo reconhecimento de um “outro”, ou seja, a representação
que o classifica socialmente. Sobre identidade pessoal,
estrutura subjetiva que engendra a representação do eu, diz
Tarde
1
que é “a permanência da pessoa, é a personalidade
encarada sob o ponto de vista de sua duração”. Para ele, que
localiza no indivíduo a causa de seus próprios atos, a
identidade fundamenta-se na memória e no hábito. (SODRÉ,
2000 p. 35)
A base do terreno social no qual o homem pisa para estabelecer suas
relações pessoais e consigo mesmo, estão intimamente ligadas ao universo de sua
cultura, perene ou o, mas sempre definido na idéia do princípio de origem: de
onde sou! Identidade é de fato algo implícito em qualquer representação que
fazemos de nós mesmos. Na prática, é aquilo que nos lembramos.” [...] (SODRÉ,
2000 p. 34).
Na crônica “Nino”, temos outro estágio de sua memória, do imaginário e do
seu crescimento, e da forma de como ele mostra as relações inteiras a insinuação
das imagens, a construção do medo e das devoções pela manifestação da e a
entonação vocal de quem busca proteção divina.
Eu não podia compreender como Ele, podendo evitar a
morte, a ela entregara-se. Eu era pequeno, sete ou oito
anos, e totalmente dele. As corais não podiam morder-me
porque Ele não deixava. O guaxinim, que meu pai a custo
dominara, perdeu para a fina bengala que por custo eu
conduzia.
Armou-se nas unhas, os olhos chamejantes, e bastou que lhe
acertasse, vai a fera de canavial a dentro, rápida e
atordoada. Se ela não temia a um homem, temeu-me.
Contei no Engenho e apanhei pela mentira. Contei em casa,
a alma desolada, o corpo trêmulo, e ela me disse que assim
tinha sido por ser eu, seu filho, um protegido de Deus.
1
Gabriel Tarde. Les lois de l’imitation. Slatnike, 1919.
Desse em dia em diante até a morte de Nino, o que me
segurava não era a terra firme, o chão duro, mas o amparo
do abraço e das palavras que cortou meu choro e me
nomeou protegido de Deus.
[...]
Nino que tinha os dentes amarelos e comia trapiá, jatobá,
ariticum (“Tu come isso, Nino”) botou, também, pra
morrer. Morrendo e falando, falando e morrendo, amarelo-
maguim na rede suja, não tem jeito não. fora os homens
falando na agricultura e lá dentro Nino morrendo.
- Tu vai morrer Nino?!
Ele me olhou sem a menor vontade, o rosto mudado e botou
o olhar na direção da gaiola que não tínhamos terminado.
Depois pegaram um pano crepe, do mesmo lá de casa, e
cobriram o rosto pálido, como se nada houvesse acontecido.
Era sexta-feira, tudo em trevas, e Deus havia morrido.
Deus e Nino. E fiquei achando que Nino morrera porque
não tive a quem pedir. Repreenderam-me: “Deus o
morreu nem morre”.
E eu, comigo: “Se eu soubesse, Nino estava vivo”.
(GONZAGA, 1978 p. 192 a 194)
Um solo fértil para as crenças, para a fé, para a busca do divino e do
profano. O menino da morte certa, que sem apelos morria na mesma configuração
de Jesus Cristo. Este cordeiro descia a cova de sua vida sofrida, nisto marca um
silêncio, como um alívio para um fim de sofrimento. Homem e Deus na relação de
força da sobrevivência e fuga da vida, e morte como prêmio. Elementos da cultura
nordestina em que se injeta a vida também, do brejo, de um estado pequeno, a
Paraíba, e esta “[...] representação determina a definição que nos damos e o lugar
que ocupamos dentro de um certo sistema de relações [...]” (SODRÉ, 2000 p. 35).
A crença no Deus todo-poderoso é a marca para a existência e a presença
de uma força divina. Mesmo sendo invisível, a n’Ele é o bastante para
concretizarem as suas devoções. O campo diz muito disso ainda. Principalmente na
religião católica em que os santos têm uma posição de destaque. Santa Luzia
protege os olhos, São Lázaro protege os animais, Santa Edwiges, protege os
endividados, etc. Temos a Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo, um
Deus Uno que é Trino (Um só Deus em três pessoas). Estes são algumas das forças
que regem a fé, na busca de viver para a eternidade. Gonzaga, em sua vida de
católico, mesmo criança sabia de tudo isso. Sabia como era importante ser
protegido por Ele (Deus). Mas ele não entendia por que esse Jesus tão poderoso
deixara-se abater. Mas entregava-se por completo a sua religião. Jesus Cristo era o
seu guia. A força do Homem que estava na cruz residia na esperança de salvar a
humanidade, talvez dela mesmo. Foram as leis dos homens que O condenaram,
mas o perdão era o sinal que libertaria do homem de sua ganância. Nele, se
encontraria o modelo perfeito para a construção de uma sociedade perfeita: o Reino
de Deus.
Em “Nino” a coragem seduz pelo elemento da força, de se afirmar perante o
outro como valente. Mas essa força é sica. A outra força é social. A outra força,
esta superior, é o complemento do homem, que sem Deus o é nada, esta é a
força da fé. Essa estrutura cultural do homem interiorano que reside além de si
mesmo, confirma que o lugar é uma extensão do homem pela força do
enraízamento. Essa raiz, que confirma o homem originário de algum lugar,
pertencente a algum lugar.
A obediência é outra característica da fé, que a crônica encontra na
representatividade de um animal nativo, o que os outros temem por ser aquele
odiado e tido como o “capeta”. Para o menino Gonzaga de sete ou oito anos, isto é
quase um conto, em que a bravura sempre é realçada para forjar os heróis. O
“guaxinim” era o o danado que ele colocara pra correr. “[...] Armou-se nas
unhas, os olhos chamejantes. [...]” Esta fera, como o próprio autor se refere, era o
subconsciente de uma lembrança adormecida. A sua mais uma vez fora provada
num confronto direto. Estava confirmada pelo ato da fé, como era importante ser
protegido dos Santos e de Jesus Cristo.
Mas esta morte de Cruz, seria encarnado por outro indivíduo, também pobre
e abandonado a própria sorte. Este era Nino, o que desceria a terra em
sepultamento. Morte e vida num mesmo ambiente. Um dualismo presente e firme,
uma certeza que revela a fragilidade humana. O concreto e o efêmero parecem ter
o mesmo significado. Este imaginário ocupa no homem a temeridade, funda em si a
necessidade de crer em algo para poder ter direito a eternidade como descanso. A
terra em Gonzaga, o lugar como referência, representa este tempo de encontro
com o seu Deus pessoal. É um lugar de abertura para o medo, para a criação de
limitações para o homem, afirmando que ele não pode tudo. O homem aqui se
revela pelo tamanho de sua fé, de seu condicionamento. A Igreja situa-se dentro de
cada um. Ela congrega a todos sob o mesmo foco: a certeza da vida eterna. Em
“Nino” é preciso cultivar a fé, acreditar em algo verdadeiro, e não sabemos como
afirmar esse verdadeiro, mas isto é uma forma de controle social.
A forma como Gonzaga revela Nino, parece ser a piedade sempre constante,
um menino com dentes amarelos, que comia apenas as coisas do “mato”,
“amarelo-maguim.” Quem é este menino? Seria o Jesus em sua pobreza física, ou
seria o nordestino em sua dura realidade, o que padece de fome e sede?
E como sempre, os descasos se revelam independente do tempo. Foi mais
fácil para Pilatos lavar as mãos e entregar Jesus aos seus algozes do que defendê-
lo. A morte de Nino não parece comover a localidade. Parece que Nino serve melhor
morto e vão justificar que é pra ele deixar de sofrer. Nino está morrendo e falando,
talvez reclamando, esbravejando, ou pedindo perdão, ou lamentando a sua
sorte, de ser cria de um sistema social desigual e desumano. Os homens
indiferentes são a simbologia encarnada nos políticos. A preocupação é apenas
consigo mesmo. Eles representam a falta de compromisso, a falta de humanidade,
e a irresponsabilidade de manterem a sua palavra na defesa dos direitos humanos.
Nino representa a fome, a pobreza, a miséria, o infausto. Representa o nordeste e
a indústria da seca. Se ao menos ele votasse. Nino é a realidade que incomoda, o
retrato fiel de uma sociedade decadente. É mais fácil ignorar.
“Tu vai morrer Nino?” Pergunta o menino Gonzaga. O olhar de Nino congela,
olha para lugar nenhum como quem pede a cova fria para poder ter descanso. Olha
em direção a gaiola inacabada. Este momento talvez seja o momento de lucidez de
Nino. Sua vida fora roubada, sua trajetória de vida interrompida. A gaiola está lá, é
o seu elo maior de representatividade na retomada de consciência: uma vida
inacabada. Gaiola também é uma prisão, pessoas aprisionando vidas: animais. A
prisão de Nino foi a falta de oportunidade, o rechaço da sociedade no preconceito
velado de um abandonado.
Naquele mesmo dia, Jesus morrera simbolicamente mais vez, assim como
acontece todos os anos na tradição cristã. Nino como sempre não teria essa
oportunidade. Morreria para o concreto, de efêmero se fez a sua vida, sem sentido,
em roteiro, e sem história. Apenas uma lembrança exposta que fora guardada no
imaginário de um menino escritor incipiente. Gonzaga era inocente, seu mundo era
tudo o que ele tinha, e este mesmo mundo dilacera a crônica para a conquista na
transposição de outros espaços. A poética de Nino rivaliza com a solidão. Sua voz
ecoa como um rescaldo em busca de justiça para um mundo tão desigual. O desejo
de mudança por uma sociedade igualitária se torna para o menino Gonzaga, seu
desejo de salvar Nino se acaso tivesse a quem reclamar, pedir, brigar, é uma forma
de discurso imanente. A apropriação disso vai ser revelada num futuro próximo,
quando o confronto com a realidade e o desejo de liberdade para um mundo
melhor se manifesta na obra de um jornalista/escritor.
Estamos rodeados de códigos, de vozes múltiplas, de significados amplos. O
interior intercala sua gênese, esta memória do autor é a relíquia de sua infância.
Em Gonzaga a voz do passado situa a vivência como as principais experiências
localizadas em sua obra.
Este cotidiano está guardado pela memória, o ecos. A vida que se mostra
no texto, é, na verdade, um enredo criado a partir das experiências pessoais do
autor, discorrendo pela sua época de menino, encontrando a magia, como também
suas dores. A representação ora apresentada mistifica-se com muitos elementos
simbólicos: religião, fé, sincretismo, natureza e humano. Os papéis se intercalam,
somam-se elementos da cultura local. Sua identidade define o lugar de suas
experiências. O regionalismo é sintomático, abrange a comunidade formando um
todo.
A comunidade revela suas diferenças, nela reside à definição da luta pela
sobrevivência. Esta manutenção vai definir-se como agente da cultura que sofre
influência e influencia outras gerações, num continuísmo de tradição que perpetua
os laços de uma comunidade inteira. Na crônica, dor e alegria se confundem no
mesmo significado.
Em “Que fazer?”, vamos observar o que é fartura, o que é substituição das
características locais. Nativismo.
O feijão mulatinho está saindo a trinta caminhões por feira
de Tavares para Pernambuco. Carradas iguais estão indo dos
paiós de Araruna via Rio Grande do Norte. Dizem que a
fartura está descendo em grão e espiga da Serra do Teixeira.
O jerimum está indo aos porcos (sabem aonde?) em Patos,
Sousa e em todas as vazantes do Espinharas, do Piranhas e
do Rio do Peixe.
Que-é-que-é-isso, minha gente? Das tantas nuvens deste
ano, ficou uma que o inverno deixou, em alva forma de
lençol, engalhada em toda a extensão sertaneja de algodões
arbóreos e herbáceos. - O Brejo passou-se pra o Sertão. O
Sertão desceu pro Brejo.
- Não protesta Múcio Sátyro, o pletório como os
Wanderley, o punho fechado, querendo agredir-me com a
despótica pujança sertaneja. “A maior terra do mundo... do
mundo... é o sertão. Quando dá, racha, explode, a terra
abrindo em bandas na força da semente. Choveu, vem com
tudo”. (RODRIGUES, 1978 p. 216)
O alimento para o homem do campo manifesta a fartura como deleite de
riqueza e de bens. Barriga cheia. Alimentando o espírito pela crença da fé e o corpo
pelo pão cultivado e arrancado da terra. O feijão, o jerimum, a espiga,
componentes da cesta básica do nordeste, na linguagem performática de Gonzaga.
O homem possui a terra, o amor por ela e a fartura de alma e de corpo para a sua
sobrevivência.
O céu desceu a terra, numa linguagem figurativa, metafórica. O algodão liga
a terra ao céu como se fosse um só terreno. Mais uma vez, a visão do paraíso que
eclode do escritor para a imanência do seu desejo. O campo vem traduzir o
despertar para as coisas positivas, produtivas, inocentes. Essa recriação pelo
imaginário incidia o homem pela busca do paraíso e seu bucolismo. O lugar de
pastos verdejantes e vida regrada pelo amor das ninfas. Parece ser também um
elemento de fuga para a dura realidade que de fato se apresenta. O campo como
lugar das delícias, mas é também o lugar dos desafios pela sobrevivência,
intercalando distâncias e ausências de bens necessários para a dignidade da vida
humana.
Este sentimento de amor a terra, de orgulho de sua força vem do nativismo,
uma necessidade de defender sua bandeira. O texto denota a força da raiz, isto é, a
origem no homem tem um forte apelo, nele é sentido um reflexo, uma extensão de
sua vida, por isso é preciso valorizá-la. A explosão desse sentimento é o que se
coloca na força regional. O sertão exalta esta força de pertença nesses homens, “A
maior terra do mundo... do mundo... é o sertão.” Voz altercada que mostra o
tamanho de sua defesa e seu realismo perante o outro que vacila em concordar.
Mas é da terra que se forjaram estes homens. Sua história e suas raízes se
entrelaçam, uma interdependência cultural, um pluralismo dissonante de
significados. Eles residem na expressividade. A terra é a grande mãe que os
alimenta, lhes força e sua retribuição é a sua defesa como ideologia matriarcal.
A transposição de lugar é um sentido inverso, mas não menos valoroso. “- O Brejo
passou-se pra o Sertão. O Sertão desceu pro Brejo.” Onde havia fartura, o Brejo,
deslocou-se para as terras secas do Sertão na grande produtividade agrícola.
Parece haver um ciclo de substituição. O Brejo é uma região rica em águas, com
grande capacidade pluviométrica, solo favorável ao cultivo, no entanto, neste
período, segundo o relato da crônica, houve esta inversão geográfica de
características. As terras continuam no mesmo lugar, mas deslocaram sua
capacidade de cenas, transformando o cenário do sertão e do brejo. Dois
momentos, dois conceitos. Duas áreas geográficas próximas, mas diferentes em
suas características.
Gonzaga Rodrigues parece desmontar o mapa do Estado. Esta nervura do
homem e o meio configura a latência do desejo humano. Sertão é sinônimo de
vitalidade. O Brejo é o homem em outro estado de corpo e espírito. Enquanto o
sertão desponta como o sol escaldante, o Brejo insinua o prazer da amenidade.
Clima suave e perene.
Tais membranas humanas distinguem o homem, que, como dissidente de
sua terra, elabora para si, o jogo mental de sua identidade que o interliga ao seu
processo “natura”, isto é, o homem em sua originalidade cultural e identitária. Esta
identidade criada também pela paisagem radica o “si mesmo” na dependência da
pessoalidade natural, que é o mundo que seus olhos vislumbram. Ambos se
misturam para criar uma unidade distinta. “A identidade impõe-se tradicionalmente
como algo que se predica (representacionalmente) a um sujeito, como uma
propriedade ou um atributo do ser. [...]” (SODRÉ, 2000 p.37)
Este encontro despoja o artista de sua unidade para pluralizá-lo, homem
pertencente à universalidade através da obra. Esta exortação ao que foi vivido
respalda-se no relevo da crença, do que acredito e construo como enxertos de mim
mesmo. Minhas memórias sou eu em qualquer plano. O imaginário segue pela
amplidão, não um lugar distinto para que ela se manifeste. A ausência do
imaginário pode fazer perder o idílico, o encontro com a criança que escreve suas
lembranças. Seu modo de ver o mundo é racional, mas a visão é poética. um
encantamento em cada prosa, o que diz ser literatura.
Neste momento, temos o Campo como referência no estado latente do
cronista Gonzaga Rodrigues. Seus relatos são a sua dispersão, o que ele explora de
sua consciência. Este encontro com o passado é o que o complementa no presente.
Temos a inteireza do autor: passado e presente.
No entanto, o lugar também tem seu discurso, pessoas e coisas, linguagem
e sentidos mantém sua trajetória peculiar ao ritmo do cotidiano. O lugar é quem diz
quem são as pessoas e de como elas são e se o importantes na trama imaginária
na reconstrução da memória.
Esta articulação manteve sua originalidade na capacidade do autor não
inventar fatos para suas histórias. As folhas que carregam sua obra redimencionam
o cotidiano pela informação literária. A crônica pereniza o ambiente pela sutileza.
Mas, é crua, polêmica e realista. Memória é tudo que fica guardado em algum lugar
do ser.
Gonzaga não cria o cotidiano, ele expande as suas possibilidades.
Encontramos a justificativa pela permanência humana em suas obras. Seus relatos
só são possíveis porque partem de suas experiências pessoais.
O encontro consigo (Gonzaga) também é uma experiência de
reconhecimento. Nisto vê-se como os ambientes, os fatores sociais, o emprego da
economia, a política, pessoas, formam elos entre a criatividade de Gonzaga na
apropriação do seu mundo, e dos relatos como jogo midiático, por mais particular
que seja o seu imaginário, neste momento uma divisão. uma entrega de
partilha entre ele e o outro.
Seu museu está aberto para o público.
Monta-se a vida em histórias que se completam. Formam um romance da
vida ativa. A construção do cotidiano em aparelhos que revelam a síntese do dia, a
soma do mês, a composição de um relato superior, as páginas datadas de um
sistema que participam personagens que desconhecem a sua influência na
formação do cotidiano. Por este prisma somos todos atores, atuando na obra de
alguém desconhecido ou não.
Essas conotações perduram o que De Certeau (1994) vem afirmar neste
espaço da vida uma lacuna que vai se preenchendo pela acumulação dos fatos,
colhidos e vividos. A literatura regula este espaço na procriação de sedimentar o
lugar da sociedade e toda a sua trama. No jornal vimos a manutenção deste espaço
no consumo diário, em que a máquina restitui o tempo cronológico, mas que é
preciso ter todos os dias o labor do burilamento social para a construção das
matérias. Pessoas no jornal são diferentes de pessoas no livro. O jornal noticia
fatos, mesmo com nomes para designar envolvidos, o interesse é momentâneo,
não se cria um interesse de guardar para analisar depois. O livro mantém uma
regra comum de leitura pelo fácil acesso a determinadas notícias ou fatos, ou
romances, ou poesia, dependendo do grau de interesse. Este ambiente permite o
crescimento fora da esfera do cotidiano, sua adoção alcançou a perenidade.
Estatizou-se. Memória na captação de fatos registrados para posteridade.
Seu estabelecimento superior é com o próprio mundo do qual faz parte.
Homens não são máquinas, homens são seres instintivos, de fragmentação
histórica, composto de glórias e sofrimentos. Seu mundo é, mais uma vez, seu
espaço em evolução cotidiana, da busca do seu lugar e da conquista de seus
sonhos, manejando a vida, fazendo parte de um corpo ainda maior, chamado
sociedade, que dita as regras do jogo da convivência e da racionalidade, do
equilíbrio entre forças que se caracterizam no bom e mau condicionamento. Nisto
derivam-se os comportamentos. Mas mantém-se, é preciso entender que todo o
seu meio, é outra forma de estar inserido dentro de um contexto que explora o
outro e suas histórias, presentes ou passadas, mas que compõem a relação entre
indivíduo e sociedade, história e tempo. Tudo remete a uma leitura do lugar na
relação com os indivíduos. mbolos recriam o lugar e daí para a posteridade.
Símbolos notabilizam os aspectos que não aparecem de forma material, eles estão
no mundo da subliminaridade, é sutil, esconde-se entre as evidências. Esta
linguagem é também verbal e não-verbal, comunica pela oralidade, por gestos e
pelo processo de códigos que sustentam toda a complexidade de comunicação
entre os seres. A comunicação maciça que desenvolve formas e normas de dizer,
fazer, sentir, escutar, olhar, perceber, como um jogo de situações em que o
percebemos como esses códigos nos guia, mas estão presentes pela necessidade
de congregar o homem e o meio ambiente.
Os lugares são histórias fragmentárias e isoladas em si, dos
passados roubados à legibilidade por outro, tempos
empilhados que podem se desdobrar mas que estão ali antes
com histórias à espera e permanecem no estado de quebra-
cabeças, enigmas, enfim simbolizações conquistadas na dor
ou no prazer do corpo. (DE CERTEAU,1994 p.189)
O homem é o exato corpo segundo De Certeau (1994), o pesquisador do
cotidiano evidencia no homem físico a dominação do seu lugar, por mais
fragmentado que possa parecer, mas ele em seu estado completo, mantém a
capacidade de juntar, de recontar uma história, um fato, um acontecimento. Os
lugares existem fora do tempo, estão isolados em si, isso acentua um grau de
vivência, a força da experiência como sinônimo de uma realidade que reflete o
outro em estado de consciência participante e atuante nos destinos do mundo. Este
mundo não tem localização exata, ele é amplo, e pode ser concebido num conceito
mais abstrato, mas a sua manutenção declara que a capacidade de reconstruir um
lugar, uma imagem, é resguardado pela memória, e esta memória é capaz de ir a
um passado distante e trazer de volta as imagens reconstituídas de um tempo. As
simbolizações fomentam a lembrança, incluem um modo de resgatar pela
sensibilidade, pela investigação da memória, a dor e a delícia da existência.
CAPÍTULO III
3.1 O MUNDO URBANO DA LITERATURA
Literatura é linguagem carregada de significado
Ezra Pound
3.1 Cidade: localismo, autor e leitor – o exercício das letras
A permanência de um morador (autor leitor) em um
determinado lugar, o faz ser conhecedor de que ambiente ele está
inserido?
A leitura é um meio transformador, nele reside o conhecimento
que reforça as estruturas do saber, este saber pode ser coletivo ou
individual. As influências sofridas por cada indivíduo são aleatórias e
em cada um se manifesta as suas tendências e gostos. Sua visão de
mundo é intrínseca a sua necessidade de buscar ou não, outras
formas de saberes.
Em literatura poderemos ter muito que observar e avaliar.
Teremos de observar dois ambientes: o ambiente da literatura e o
ambiente de captação para esta literatura. As crônicas propiciam um
espaço de ruptura entre duas realidades, que podem se conjugar
também como verdades paralelas.
Estes produzem ainda um terceiro elemento provindo desta
junção ao agregar valores mais amplos em sua intencionalidade.
Atribuo isto a Gonzaga Rodrigues como constituinte e voz interceptiva
dos textos. Este novo elemento poderá ser adquirido á partir do
momento que a interpretação adquire novos olhares e novas leituras,
mantendo assim, a capacidade interpretativa dos textos sob a
pressão de quem, como leitor, descobre o novo, o inusitado, descobre
o que está implícito.
O uso da linguagem neste universo aberto pode ter muitas
amarras, isto pode parecer conceitual, mas tem um fundo prático que
aborda entre outras coisas, o parecer das letras para decodificar um
ambiente e seus contrastes, estes contrastes são os elementos
capazes de criar vida e atestar a realidade como uma transposição
dos signos. Segundo Compagnon, “[...] Qualquer signo, qualquer
linguagem é fatalmente transparência e obstáculo.” (2006 p.40)
Não uma literariedade única, cada pessoa é capaz de
reproduzir um novo texto a partir de sua leitura. Isto independe do
autor. A criação é livre. Por isso, ao afirmar a relação de
perceptividade e encontrar nesta mesma relação os obstáculos,
Compagnon encontra a capacidade da interpretação do outro ao
julgar a partir de seu senso-comum, de sua inteligência e as
inferências do meio concomitante ao que lhes atribui conhecimento e
assimilação do mundo. Este mundo é pessoal por que tem nele
mecanismos similares do seu cotidiano. Segundo Compagnon (apud
Montaigne) “Significam mais do que dizem”. (2006 p.40) Ou melhor,
um texto significa muito mais do que diz. Ele encontra neste
momento duas peculiaridades entre as linguagens denotativa e
conotativa.
[...] A linguagem cotidiana é mais denotativa, a linguagem
literária é mais conotativa (ambígua, expressiva,
perlocutória, auro-referencial). [...] A linguagem cotidiana é
mais espontânea, a linguagem literária é mais sistemática
(organizada, coerente, densa, complexa).[...]”
(COMPAGNON, 2006 p. 40)
O costume do cotidiano nos aproxima de uma realidade que
não nos impõe estarmos interpretando uma conversa num bar, um
diálogo entre vizinhos, por que isto é o normal no dia-a-dia. Se
disserem, vou ao supermercado, não necessidade de fazer uma
leitura divagante sobre a forma de como chegar lá. Bom dia será
sempre bom dia, o costume do cotidiano imprime um ritmo, uma
linguagem em que a troca de entendimento é suficiente para que
haja comunicação. Esta linguagem é denotativa: simples e direta.
A literatura, no entanto, por ter uma sistemática própria e ser,
ela, uma forma dominante de leitura, tem em sua auto-
referencialidade uma forma própria de dizer as “coisas” e de se
comunicar.
A literatura tem em seu interior uma certa nebulosidade, cria
vínculos com outras formas imperceptíveis que fazem dela uma
norma superior tornado-a passível de análise. Este imperceptível é o
que está implícito, nem sempre enxergado pelo autor. Em Gonzaga
Rodrigues as histórias de ambientes, lugares, pessoas, sempre
remetem a um acontecido.
A história desses ambientes remete a participação de
indivíduos como seres sociáveis e peças importantes para as relações
de manutenções e de conhecimento sobre si e os outros. O localismo
tenta abordar o aspecto intervencionista de um autor em seu
trabalho quer seja uma obra literária, ou a prática de outros gêneros
nas categorias do jornalismo.
O exercício das letras como bem chama atenção no título deste
capítulo, é a forma pelas quais escritores ou anônimos, que
sentenciam sua realidade em sua ordem de valores, sob a permuta
de práticas de conhecimentos e a troca desses conhecimentos para
registrarem seus destinos, sua existência, e demarcar o território no
momento presente.
Numa cadeia mais uniforme em que as teorias científicas
determinam o rumo que devem tomar as pesquisas, a literatura
abarca esta qualificação como um mecanismo de dizer ou de buscar
respostas para elementos que se contrastam a todo o momento.
Temos o indiciamento da realidade de duas formas no exercício
das letras: o jornalismo e a literatura. As crônicas são o corpus por
onde perpassam os delineamentos deste exercício. A palavra aqui não
tem sinônimo de retorno como no capítulo anterior. Antes, vimos
como as reminiscências das memórias, o imaginário, a identificam e
determinam o resgate de um tempo. Agora, estamos no localismo
prático e não mais sintomático.
O cotidiano se faz no exercício da realidade, no qual se
manifesta o trabalho de Gonzaga Rodrigues. Vimos como o autor
busca a localidade de seu ambiente num exercício diário. A crônica
torna-se uma ruptura entre a literatura e o jornalismo. Parece haver
um estado híbrido no exercício das letras. O localismo influencia o
autor para justapor um cronograma na rotina de cidadãos localizados
num espaço real e de vida real.
Gonzaga Rodrigues lança Filipéia e outras Saudades (1997), a
capital sua inclinação literária pela tônica poética na prosa figural
do livro. Lirismos e contextos amplificam a vocação de João Pessoa
de ser o lugar de muitas maravilhas e de muitas conquistas. Campina
Grande encontra seu espaço eternizado pelas crônicas que
desencadeiam uma conversa muito particular em seus compatriotas
conhecidos. O interior conota o mesmo interesse no autor, um
conjunto de fatores sócio-culturais que Gonzaga explora, pois acima
de tudo, vive-se este homem na fronteira do Jornalismo sob a
influência da Literatura. Este período encontra forte reconhecimento
do autor em seu localismo, experiências da prática do jornalismo
impresso em processo de reelaboração de fatos e acontecimentos que
cimentam a história em contexto Paraibano.
Este momento de cisão parece ser freqüente em seu trabalho,
numa seqüência que data não um estilo apenas, mas todo um enredo
necessário para uma criação mais livre na ênfase do localismo e o
cotidiano de seu trabalho.
Na crônica Por que Filipéia? (1997 p. 11,12) a Paraíba vai
encontrar as heranças da fundação de João Pessoa e as peripécias do
autor por Campina Grande. Dois processos de remontagem,
características na crônica jornalística de Gonzaga Rodrigues e da
aglutinação de estilos para a composição de um elo narrativo que
provoca uma ruptura, resultando em texto híbrido.
Sempre me pergunto, por que Filipéia?
Um batismo de sessenta anos, quase três séculos e meio,
e, foi não foi, o nome está de volta. É rara a recorrência
saudosa, poética mesmo, que o venha encasquitada no
topônimo dos nossos arcanos.
Felipe, que açambarcou Portugal, nos teria doado boas
lembranças? Ao que se sabe, o domínio passou de uma coroa
a outra, mas as Ordenações continuaram sem grandes
diferenças em nosso favor. Ao contrário, pioraram. É possível
que, se não estivéssemos sob o domínio de Espanha, a
Holanda não houvesse realizado o estrago da invasão. Pelo
menos nas terras da Paraíba para o norte, onde a marca foi
só de destruição.
E por que essa recorrência de conotação amorosa? Sempre
que se pretende um tom de afeto no discurso de louvação ou
de saudade, a apelação é para a Filipéia. A prosa poética de
Crispim tem uma floresta desses recursos. A poesia de Jomar
nem se fala. Eu mesmo, sem nunca ter vivido nesta cidade e
muito menos no seu ambiente cultural, saquei em cima da
primitiva toponímia num poema de quebrado que tentava
exprimir o mesmo deslumbramento com a “vila”. Digo vila
pelo meu campinismo de então, estudando no Pio XI,
torcendo pelo 13, vizinho de Pinta Cega e já me iniciando nas
Boninas. (GONZAGA, 1997 p. 11 e 12)
Sob a égide de dominação, o dominador sempre impõe suas
vontades, nisto estão: a cultura, o idioma, os costumes. Filipéia
remete automaticamente ao seu imperador absoluto. Mesmo
distante, o nome indica posse, indica a superioridade de uma nação
sobre a outra. A posse. Este domínio diz quem é, e por que a história
agora tem que ser escrita sob a direção de uma nação colonizadora
sob os colonizados. Novos discursos são elaborados para ampliar os
mecanismos de dominação. A época cria sua forma mais adequada,
definindo a identidade de indivíduos ou de normas
O sentido de origem pertence á um processo histórico dialogal,
as épocas fazem do discurso um enredamento de especulação de
interesses próprios. Portanto, o que foi assimilado é um acúmulo de
situações sob o que já se sabia.
Mesmo com o passar dos séculos, a história se mantém por que
a realidade mesmo alterada por outras formas de discursos encontra
no exercício das letras um caminho rico em imagens; pela escrita
ficaram os documentos que validam a sua existência. O topos têm em
seu étimo a trajetória do lugar como a extensão de seus membros
subjugados por um destino traçado por outros. Portugal é este outro
encarnado na presença viva dos portugueses. Os homens
portugueses encarnavam o espírito e a coroa de Portugal em solo
ainda não denominado brasileiro, mas existente, figurado,
pormenorizado pelos contos e cartas enviadas a El-rei.
Mas o tom da poética dá a conotação desta saudade, e o
porquê deste nome inusitado de Filipéia transforma o discurso numa
síntese de emancipação do lugar, como quem diz de sua identidade e
de sua existência. O localismo concatena as letras na observância de
um exercício preeminente de formas claras e ao mesmo tempo
distorcidas. Um paradoxo.
Neste ínterim, descobre-se um indivíduo que se permuta no
texto, se socializa na diferença, com uma entonação mais pessoal. O
texto invade a presença natural do seu autor como outra voz
dissonante no texto. Sua pessoalidade ingressa na tessitura da
polissemia de assuntos, criando vários setores em um único texto.
A voz de Gonzaga é a voz de um personagem. Personagem
biográfico que anuncia sua própria história pelos encantos de
Campina Grande, como ele mesmo diz, em seu “campinismo” boêmio
nas Boninas, recanto tradicional de encontros e desencontros da noite
campinense. Hoje a realidade é outra, a vida se concentra num
emaranhado de comércios apenas, principalmente restaurantes. Um
foco destoante.
O passado encontra no presente a chance de se dizer e
reconstruir uma realidade conhecida, sob outras leituras, mas dentro
do conteúdo em que a relação pessoa e história mantenham suas
identidades.
O que chamamos de documentos escritos é quem congrega em
si todos os valores de registros á época de seus acontecimentos. O
que Gonzaga fez foi buscar um fato e explorá-lo sob outras
conotações. Não novidade no fato histórico, mas existe a
recorrência de um tempo que permanece. Que fora falado através
dos séculos e se manteve pelo forte apelo da escrita e sua forma
mutante de resistir ao tempo. O autor não estava lá, mas sub-
repticiamente, está o que se provem como resultante de um terceiro
elemento: do que foi escrito, do que foi lido e fatalmente, da
interpretação. Temos um autor em função de um sujeito leitor. Não
estava o corpo, mas arrastou-se para sua época a importância de
fatos que contextualizam com os seus interesses.
A literatura escrita importa numa transferência da linguagem
falada para a linguagem gravada. Não será uma simples
transferência. Será, sim, uma estilização, tomada a palavra
no sentido de quem vai á fonte e usa do instrumental
corrente, dele retirando, porém, algumas essencialidades, a
que empresta o dom milagroso da transformação poética.
(KELLY, 1972 p. 141)
A literatura amplifica a grandeza de relatos que porventura se
apresentem inferiores, mas a sua fonte libera a capacidade do
homem datar tempos específicos. O Jornal ainda mais retém esta
capacidade da cronologia, todavia, a técnica industrializada impede
que a fonte seja mais complexa.
A literatura mostra adereços, cânticos, primazias, vão a fundo
da alma humana. O jornal impregna o factual com a languidão do
resumo. “Na linguagem elaborada, os aspectos estéticos constituem
informações, acima do vulgar, a caminho de comunicações mais
ricas. [...].” (KELLY, 1972 p. 141) Um complemento mais
especializado ao contar um fato pelo viés de um discurso que importa
valores de muitas áreas para explorar o outro e a forma de
construção de história no dito de um escritor. Valores advindos da
junção de recursos lingüísticos, como as metáforas, metonímias.
Agora as fontes indicam o passado pelo registro capitular do
Sumário das Armadas, fonte na qual o autor cita as narrações
escritas por testemunha ocular da missão pacificadora. Vejamos a
crônica “Os pecados da Origem”.
A história da conquista da Paraíba é escrita à base do
Sumário das Armadas, relato seiscentista do jesuíta Simão
Travassos, testemunha ocular da missão pacificadora do
“Ouvidor-Geral do Estado do Brasil”, Martim Leitão.
O Sumário que a maioria dos historiadores fica em dúvida se
foi escrito pelo padre Simão ou por Jerônimo Machado, é
uma notícia em tom épico, como costumavam ser todas as
narrações da aventura portuguesa, tendo como herói maior e
“braço forte” da conquista o tal Ouvidor.
Horácio de Almeida, o mais empolgante dos nossos
historiadores, refere-se a ele, o Ouvidor, como homem
“movido de grande fervor patriótico’, com liderança capaz de
convocar às armas “todos os homens válidos de Pernambuco,
capitães e soldados” e com moral bastante para “a todos
impor a mesma disciplina”.
O jesuíta chama-o amiúde de herói “este heroe que vas
cantando su heróico nombre, es Martin Leiton.”
[...]
No IV Centenário da Paraíba, integrando a comissão
organizadora, fiquei frustrado pela moleza do governo Braga
de não ter podido erigir, olhando para o rio, no Largo da
Estação, um monumento gigante reunindo os três maiores do
5 de agosto: João Tavares, Piragibe e, em plano mais
elevado, o Ouvidor Leitão. Índio autêntico, mistura de cariri
com bultrim, sempre me deixei enganar por espelhinhos,
fogueiras e fetiches.
Sou doido por monumento e o entendo como a mais
simétrica e expressiva escultura da Paraíba, o monumento a
João Pessoa, não seja cultivada e zelada à altura do seu
significado e da arte de Humberto Cozo, o seu escultor.
E mais frustrado ainda fico agora, ao me defrontar com a
Conquista da Paraíba, capítulo do português Joaquim
Veríssimo Serrão, autor de ensaio que o comparece nas
bibliografias dos nossos historiógrafos: Do Brasil Filipino ao
Brasil de 1640.
Pois não é que, visto por esse português de Academia
Portuguesa de História, trabalhando em cima das fontes, o
nosso herói Leitão, sem deixar de ser o conquistador que foi,
andou acobertando o PC Farias daqueles tempos? Tratava-se
de um tal Miguel Gonçalves Vieira, provedor em Pernambuco,
que na compra de escravos de Angola desviou das rendas
imperiais vinte tantos mil cruzados. Para se ter uma idéia
desse valor, basta saber que Pernambuco, Bahia e Itamaracá
juntos rendiam 30.000 cruzados.
Ao contrário do moderno PC, que transacionou com trinta
por cento do orçamento liberado a renda real, o Gonçalves
Vieira afanou mais de sessenta por cento da renda real. O
provedor-mor da fazenda de então, que era amigo de Vieira,
não cumpriu a carta-precatória e mandou que ele
escafedesse pra Bahia, onde teve homizio facilitado por
amigos de Leitão.
Concluiu o português Serrão: “Era uma luta acesa entre
Martim Leitão e Carvalho pelas vantagens que ambos
procuravam obter na guerra da Paraíba”.
Até o jesuíta do Sumário, que não é outro, para Joaquim
Veríssimo, senão o padre Travassos, é chamado
ironicamente de “biógrafo caloroso do Ouvidor.”
Desgraçadamente, é o Brasil de todos os tempos.
(GONZAGA, 1997 p. 13 a 14)
Pelo título da crônica, se percebe certo teor de ironia do
autor. O conhecimento da conquista da Paraíba vem através de um
documento escrito no livro Sumário das Armadas. Um relato de mais
de quatro séculos, que em seu conteúdo conta as sagas dos grandes
heróis desbravadores do solo paraibano. Mas conta apenas o lado
positivo. Quem vai desmistificar o herói é o capítulo da Conquista da
Paraíba, no ensaio Do Brasil Filipino ao ano de 1640, em que se
encontra o sarcasmo do autor, um rivalismo atual. Um conseqüente
retorno de acontecimentos muito parecidos, mas com outra
membrana.
Mudam-se os corpos e os recursos permanecem. Este parecer é
a leitura da leitura. Ou uma interpretação da interpretação.
Na afirmação de Gonzaga em que diz “[...] sempre me deixei
enganar por espelhinhos, fogueiras e fetiches.” (Ibid) É a consciência
das relações de troca, permuta, que havia entre colonizadores e
colonizados.
Encontra-se nesta assertiva que o autor das crônicas é
consciente do seu papel político. Que o atual quadro em que se
encontra a população, sofrida, indefesa, os meios praticados são os
mesmos. O voto como o maior representante da democracia e da
escolha de cidadãos para representá-lo se represa num mar de
lamas.
Pelo comentário final, vê-se que a opinião do autor é categórica
“[...] é o Brasil de todos os tempos.” (Ibid) Fica notificado um
sentimento típico de revolta perante a história da formação do povo
brasileiro. A história prova o rumo que tomamos desde tempos
imemoriais. O legado do passado que ressoa aos dias de hoje.
Comumente ouvimos a mídia propalar os descasos e a roubalheira
dentro da política do Brasil. Brasília tornou-se símbolo da hipocrisia e
do dinheiro fácil. As comparações no texto acima remontam aos
séculos na crua realidade de menos de duas décadas, ao mencionar o
nome PC Farias, significado de fraudes, desvios e lavagens de
dinheiro. Escândalos culminaram com o impeachment do então
presidente Fernando Collor (1992) parece se repetir, em outras
investiduras, mas com o mesmo cinismo de caráter.
Gonzaga mescla a crônica com uma série de informações e
sempre tendo em si uma voz entoante, assim, novamente, segue
como personagem que mostra o caminho para os outros.
A densa relação é ambivalente, mas entendível. Coloco a
crônica acima como o exemplo. É possível ter o conhecimento do
passado por aquilo que acabamos de ler de um autor? No caso, tudo
vem á tona sob a mão de vários autores. Entender da forma como ele
se utiliza da transgressão do tempo e da utilização da dinâmica da
linguagem dentro ou fora da literatura. ouvimos na escola sobre
Piragibe, Martin Leitão, João Tavares, homens que são presença forte
na construção do ideário paraibano.
Mais a frente, temos o conhecimento de Braga (Wilson Braga),
ex-governador da Paraíba. Sua alusão no texto diz da crítica do autor
em não ter erigido uma estátua em homenagem a estes
desbravadores (Piragibe, Martin Leitão, João Tavares), no Largo da
Estação.
Onde se encontra a ponta de equilíbrio pela discussão da
capacidade do instrumental em recriar a realidade a partir dela
mesma? Isto é a capacidade reincidente da interpretação do leitor.
Então, o próprio autor destas crônicas é um leitor contumaz
responsável pela vida e morte de outros autores. Esta realidade
existia, apenas, a transcrição afirma as suas versões interpretativas,
isto é, sua capacidade de existir várias vezes.
Segundo Compagnon,
[...] É certo que a morte do autor traz, como conseqüência, a
polissemia do texto, a promoção do leitor, e uma liberdade
de comentário até então desconhecida, mas, por falta de
uma verdadeira reflexão sobre a natureza das relações de
intenção e de interpretação, não é do leitor como substituto
que estamos falando? [...] (2006 p.52)
Compagnon traz uma verdade anunciada, uma verdade
também velada. Como digerir tal propósito? Fica em suspenso um
fatalismo que deve ser encarado como um renascimento e não como
morte. A morte diz-se na finalização. O autor tem por primazia a
ordem do primeiro pensamento, o que vem depois, na leitura do
leitor, é mais recriação, é aquele capaz de encontrar as variantes do
texto.
Compagnon acena para um fato, a polissemia do texto, isso nos
diz na multiplicidade de vozes latentes que é egressa na literatura.
Em maior ou menor grau, nos cânons ou nos gêneros, há essa
explosão de novas concatenações do texto. O pensamento no
momento de criação de uma obra, nunca será o momento de leitura
dessa obra, o melhor julgamento da qualidade ou da inferioridade de
um texto está atrelado às interpretações e a capacidade dessa obra
se refazer, multiplicar, se reavaliar, nutrir sua dispersão, já que
temos nesses encontros de vozes um estado de fluidez constante.
É na relação com as figuras introspectas, esta que fica na
subliminaridade, que é um meio de intenção, que fica subscrita a
incapacidade de um autor dizer tudo de forma direta. No entanto,
encontramos o leitor com a chave nas mãos, para desvendar o que
não foi escrito, mas está lá, no segredo do texto.
O texto Gonzagueano é aquele capaz de ir ás fronteiras da vida.
Seu texto tem no seu criador a extensão de si mesmo. A todo o
momento, em-se as implicações de sua relação com seus
personagens mundanos, com identidade e CPF. A mescla de atitudes
numa única crônica torna-a ambivalente, isso de certa forma
descaracteriza um tema, mas, no entanto, a sua interferência o torna
biográfico, por que temos um assunto em polêmica e a suavidade de
um arremate de outro assunto que amplia sua relação entre
cotidiano, autor e leitor.
O mesmo se faz leitor de sua obra previamente. Tem no
localismo os ingredientes naturais para a construção de seus motes
jornalísticos e a adequação da literatura como uma saída para a
amenização de contrastes que se encontra atualmente. Este
“atualmente” precisa ser entendido como o tempo presente. Isto
marca um traço no espaço temporal das atividades múltiplas que
seguem o cotidiano em seu localismo. Seu endereçamento se
relativiza, mas se incorpora da tipicidade, ou melhor, se imbui de
qualidades pertinentes que ora são simplistas e ora complicadas. Sua
notoriedade se faz pelos recursos da reconstrução, que elaboradas
pelo raciocínio lógico demonstra os níveis de espetacularização ao
qual nos encontramos, e isto, independe do tempo, mas depende,
sobretudo, do homem e de sua escrita como a interpretação linear da
cronologia humana e seus pensamentos.
O que constrói esse pensamento nos diz categoricamente quem
somos, o que fizemos, mas não do que somos capazes. Este
pensamento é a dita cultura alocada na razão equânime do homem e
sua necessidade de evoluir e adaptar-se.
As interpretações literárias em que anunciam a morte do autor
podem anunciar também o seu avivamento, fruto de uma cadeia
interativa que une o homem e a universalidade da língua imbuída de
propósitos e intenções. O autor se encontra envolta á um
desprovimento de si mesmo por não ter um controle sob a sua obra.
Sua obra é tomada de si a partir da ótica do leitor. Seu corpo é um
material emprestado às idéias que resultam em outros corpos,
(personagens) isto forja o escritor, este indivíduo é capaz de criar
novos seres.
[...] O autor cede, pois, o lugar principal á escritura, ao
texto, ou ainda, ao “escriptor”, que não é jamais senão um
“sujeito” no sentido gramatical ou lingüístico, um ser, não de
papel, não uma “pessoa” no sentido psicológico, mas o
sujeito da enunciação que não preexiste à sua enunciação,
mas se produz com ela, aqui e agora. [...] (COMPAGNON,
2006 p. 50,51)
A enunciação é uma introdução à captação dos recursos numa
seqüência concatenada, producente, dialógica e tem na origem o seu
reconhecimento, isto é, um pano de fundo que assegura o lugar da
fonte. Em Gonzaga, isto é o localismo. Os ambientes são sentenças
de elaboração, a união de componentes forma o todo, nisto, temos a
crônica. Na crônica “O pau da Paraíba”, o lugar é, acima de tudo, o
espaço onde se vive e se reproduz os ambientes.
[...] Pois não foi ele, Otávio Sitônio, quem inventou essa
história de que “aqui o sol chega primeiro?” Beaurepaire
Rohan, o maior observador que perlustrou estas plagas,
não havia notado essa particularidade do nosso avanço
geográfico em demanda do levante.
Eu estava absorto em qualquer leitura, numa manhã antiga
de A União, quando Otávio entra espavorido, vestes de
motoqueiro e olhar de quem acabara de saltar do arco-íris.
O texto vinha à mão, pronto para ser servido numa peça
promocional da Paraíba turística: “Paraíba, onde o sol chega
primeiro.” O avanço continental do Cabo Branco apanhando o
sol primeiro que qualquer outro extremo das Américas.
Morando no Cabo, José Américo o tinha notado isto. Se
notara, não havia dito.
Chega Otávio, ares de Vespúcio, e me larga a descoberta no
birô: “Repare isto!” (GONZAGA, 1997 p. 16 a 17)
A invenção intuitiva de Otávio foi um marco de graça e bênção
para o desenvolvimento do turismo, a crônica o Pau da Paraíba, é
este elemento agregador de valores para novas propagandas
elementares para alavancar o estado e sua indústria para o turismo.
Antemão, o ressurgimento de vultos, como B. Rohan, Américo
Vespúcio, José Américo. a intencionalidade do autor em manter
imorredouras essas personagens?
Além da arte da escrita, a modernidade acena para a
construção de novos areópagos, a comunicação extrapola a literatura
e o jornalismo, advindo às muitas ferramentas dialógicas e seu
espaço de percepção e sensorialidade.
A descoberta de Otávio criou um dos selos mais fortes na
formação identitária do nordeste, “Aqui o sol chega primeiro!” Não se
sabe de que forma ele tinha chegado a esta conclusão, no máximo
por intuição ou por alguma pesquisa geográfica conhecida. Mas, ainda
estamos no berço da arte escrita. E nela figura sempre estes
exemplos, a do desejo.
O traço marcante da língua é a capacidade de comunicação
entre as pessoas. Seu processo gestor de códigos e sua qualificação
de mundo perante o olhar arguto do outro, notabiliza sua capacidade
niveladora e reveladora da sociabilidade. A literatura traz em seu bojo
a carga semântica e os contornos da língua para ser ela a primeira
linha de produção da arte. Otávio estava produzindo senão, o maior
slogan de sua vida.
Gonzaga tem consciência de seu trabalho. Intenciona, nele,
esta relação de inclusão num projeto mais audacioso. Otávio é o
embasamento deste desejo, foi ele quem segurou esta preeminente
descoberta, o autor corroborou para que se elencasse isto nos
jornais, tornando-o público, se era verdade ou não, já era outro plano
de seu artifício, como crônica, isto podia ser corrigido. [...] Sem
origem, “o texto é um tecido de citações.” (COMPAGNON 2006 p. 51)
Por este processo de intuição, argumenta Campagnon uma mão
dupla de significação entrecortando duas situações naquilo que o
autor quer dizer e aquilo que o discurso quer dizer. Mas um
entendimento. outro envolvimento que se sobrepõe como
elementar, e dele se extrai um novo texto sob a sua particularidade,
a forma do leitor encontrar a sua terceira vertente, a da
interpretação.
Estamos num campo mais midiático, amiúde, sua duração
advém de sua capacidade especulativa e duradoura pelo processo da
leitura, da análise, de sugestões e da rotina como percepção aguda
do cotidiano: construímos o jornal, a literatura e a informação circular
como eixo do feedback no processo da comunicação.
Há, antes, o acúmulo da informação na crônica de Gonzaga.
Sua primeira existência é informar. No jornal a condensação do texto
inibe uma fruição mais elaborada, no que tange as categorias do
jornalismo poderemos conseguir uma maior participação se adentrar-
mos para uma área investigativa ou especializada. A condensação
suprime o poder imaginativo, abrindo para a técnica a mutação de
uma relativa norma de dizer “coisas” pela obviedade do cotidiano, no
qual se mostra comum. “A condensação despe o texto dos elementos
poéticos, para evidenciar a narrativa factual.” (KELLY, 1972, p. 148)
Parece que um parêntese em que o privilégio da crônica
como gênero a faz ser de fato literatura, mas carrega a informação
do jornalismo e também a problemática do discurso textual pela
verossimilhança entre ambas.
Todavia sua realização sobressai a qualquer tópico de
separação. uma junção finita entre ambas. A palavra retoma seu
poder para qualificar e especificar seu campo de atuação, cada uma
em seu nicho de relevância.
Menos pelo que comunica, mais pelo que sugere, vale a
literatura. A mensagem literária extrapola a semântica
normal do texto: na construção vulgar e lógica, a palavra
exerce o mero papel comunicador. Na mensagem literária, a
palavra assume outro papel, o de revelar sempre valores
novos. [...] (KELLY, 1972, p.147)
Se há um pretexto para a conceituação de universalizar a
literatura, Kelly nos responde pela citação acima. O mundo da
comunicação pelo elo da informação cria uma cadeia interativa mais
regular, não se procurando metaforizar frases ou sentenças
complexas. Ela se realiza pelo social, na forma do cotidiano, entre
homem, técnica e máquina, pela capacidade de dizer, informar,
deixar a par, articular notícia. Não se cria fatos no jornalismo. Cria-
se, no máximo, a exploração da notícia, ampliando seu foco, pelo
porte e peso da noticia, sabe-se que ela tem mais a oferecer, e o
jornalista a buscar. Mas, ainda assim, temos o poder literário que ora
se extrai destas crônicas e expõe Gonzaga ao objeto de estudo.
um caminho também literário, sendo assim, o ponto conjugador de
sentenças. A fala em Gonzaga é proposta em um sujeito que cria um
vínculo com o seu leitor. Sua forma de escrever esclarece sobre-
maneira o que ele diz e o que o outro entende como leitor. O sentido
como um constituinte tende a auxiliar o discurso.
Graças às distinções entre sentido e significação, entre
projeto e intenção, parece que foram levantados os dois
obstáculos mais sérios na manutenção da intenção como
critério de interpretação de uma obra: a interpretação tem
por objeto o sentido, não a significação, a intenção, não o
projeto. [...] (COMPAGNON, 2006 p.93)
Tendo nesta assertiva um modo explicativo ao que tange a
interpretação, o sentido parece ser o caminho mais aproximado de
uma estrutura em sua leitura, quer seja uma pessoa culta ou leiga. O
sentido não é a significação, mas algo mais simples. Se um objeto
parece ter um desenho estranho, com formas indefinidas, o seu
sentido é o que esclarece, fazendo da interpretação um emaranhado
de códigos descobertos pelo leitor, que é capaz de dizer de forma
mais simples do que se trata determinada obra ou objeto.
Da mesma forma o texto, seu enunciado, sua significação é
importante, mas para o entendimento, que tange a subjetividade de
determinadas questões ou construções de discursos textuais, é o
núcleo de maior importância, pois se encontrou o entendimento a
partir de seu senso-comum. O sentido é fluido. A significação é quase
uma impossibilidade. A intenção é do autor, a interpretação é do
leitor.
[...] Champollion não procurou explicar a pedra Roseta,
como se ela tivesse uma causa, mas procurou compreendê-
la, levantando a hipótese de que os signos que a recobriam
respondiam a uma intenção. Nossa concepção de sentido de
uma obra humana compreende a noção de atividade
intencional, isto é, a idéia de que as palavras em questão
querem dizer alguma coisa. Numa obra interpretam-se
repetições e diferenças: toda interpretação repousa no
reconhecimento de repetições e diferenças (diferenças sob
um fundo de repetições.) (COMPAGNON, 2006 p. 94)
Essas figuras predominam no campo da poesia, do romance,
são referências essenciais para a forma e criação de novos dizeres:
elementos sonoros, olfativos, palatais, visuais, que se somam como
recursos de sensibilidade do autor no ato de sua criação literária, é
singelo, é tudo o que ele pode ser. Tudo sugere um sentido. Tudo
remete a um sentido. O autor da crônica é voluptuoso; congrega as
generalizações do seu discurso do que ele diz ao que ele intenciona
dizer. Sua informação entra em sintonia com o sentimento de quem
lê, e cada um absorve de maneiras diferentes, por que tem vida e
características próprias.
[...] Uma interpretação é uma hipótese em que se põe à
prova a capacidade de perceber-se o máximo de elementos
do texto. Ora, de que vale o critério de coerência e de
complexidade, se se supõe que o poema é produto do acaso?
O recurso à coerência ou à complexidade, em favor de uma
interpretação, tem sentido com referência à intenção
provável do autor. (COMPAGNON, 2006 p. 94)
Como hipótese, ela não tem em si uma verdade absoluta,
tudo se torna efêmero e não se absolutiza por que encara o campo da
subjetividade. Meras questões ampliam a capacidade de um sentido
ter seu aspecto explorado em outras possibilidades. Um complexo
sistema de polissemia. A infinitude de elementos na obra indica a sua
complexidade.
O aspecto da concentração na literatura tem uma abordagem
mais totalizante, sua capacidade potencializa-se, tudo é significativo,
sugestivo nonimo de palavras. Temos uma relação tripartida neste
ponto da literatura, da crônica e do jornalismo. Esta relação é de
parcimônia entre leitor, texto e discurso como algo independente.
Literatura conjuga padrões da face humana: sensibilidade, fantasia,
desejo, medo, amor, traumas, felicidades, egoísmos, traições,
conquistas, derrotas... Vejamos a crônica, O Anátema.
Enquanto o garoto dava uma demão d’água no fusca, fiquei
no banco, o olhar atraído pelo interior iluminado da Igreja do
Carmo. É domingo à tarde, modorrento como toda tarde de
domingo.
O Carmo é dos poucos quarteirões do centro onde ainda
restam algumas antigas residências. Mesmo abrigando
consultórios médicos, escritórios vários, o casario continua
doméstico, embora de portas fechadas, sem gente á janela
que componha o ar da tarde esse enredo no cenário de feitos
e celebrações religiosas.
Não passa ninguém. O pequeno lavrador arrepia o silêncio
com o assovio de uma música antiga, música do tempo de
seus avós, cantada de pai a filho, e agora entoada no bico
carente da última geração.
Fatalmente terá sido isto: de avô a neto, o tempo da música
não deve ter transcorrido no âmbito da mesma escala social.
Um curtia a “Chiquinha Bacana” nos salões, o outro sofejava
enquanto lava o carro. O que progrediu na escola do país,
erigindo-o à oitava economia do mundo, exportador de
armas e aviões, regrediu na escala social, do avô folião ao
neto biscateiro. [...] (GONZAGA, 1997 p. 21, 22)
A vazão do pensamento cria novos quadros de significação, isto
também não é perene, ao contrário, é extremamente volátil, pois
atenta ao campo da percepção, se diferenciado do sentido, e da
forma como é absorvida. Literatura transforma os sentidos, criando
outros e outros. A crônica aliada ao sensitivo campo da literatura
carrega outros níveis de sentidos, sua eloqüência sublinha a
praticidade da vida, de momentos, de fatos, na cumplicidade dos
signos, abrindo novos elementos de comunicação na estrutura
semântica do texto. A crônica situa a razão textual pela dinamicidade
do cotidiano, e a apropriação desses momentos no texto de Gonzaga
induz a polissemia da interpretação, unindo a crônica pela literatura
na estrutura jornalística. Um texto híbrido. Comunicação poetizada. O
outro nas crônicas vive sempre à espreita. O outro me revela a
capacidade de decisão na obra literária ou na feitura do jornalismo
diário. A crítica é um aparelhamento do senso pessoal, sua
associação ao tema, á exploração de algum assunto, á abordagem de
peculiaridades sob a vida do outro, encontra na crítica a tônica da
responsabilidade no comprometimento e respeito por este outro.
A intenção do autor tem uma demanda social. Temos a
capacidade de uma arte que mesmo literária, lhes atribui aspectos da
subjetividade, encontrando em seu parecer, no sentido de um autor,
que explora situações sem denegrir, mas sempre pronto para ser
mais um contribuinte para a realização do conhecimento no cotidiano
[...] A responsabilidade crítica, frente ao sentido do autor,
principalmente se esse sentido não é aquele diante do qual
nos inclinamos, depende de um princípio ético de respeito ao
outro. [...] (COMPAGNON, 2006 p. 95)
“O Anátema” é uma experiência de foco, presencia uma ação
comum, mas que toma outros meios de evasão, nele o transporte dos
acontecimentos enfatizam a cena passo a passo, situa a geografia de
pontos existentes: o Carmo, consultórios. Depois, se evade, para
buscar elementos complementares, contando uma história pelo viés
dos acontecimentos políticos, o homem em sociedade, a economia, o
indivíduo brasileiro, os níveis sociais, e as fronteiras de disparidades
culturais. O tom é pessimista, mas a realidade a tônica do
conteúdo explorado pelo autor que no neto a estagnação social de
um país que pouco evoluiu. O avô é a sombra do passado, o neto, um
eco no presente, uma forma de dizer: - continuamos na mesma, ou,
estamos ainda pior. O que buscar nas diferenças entre quem foi folião
e hoje se vive na pele de um biscateiro? um tom de gozação, e de
respeito também a quem foi folião, nisto parece residir uma
identidade mais respeitosa do que o biscateiro, indivíduo fruto de
uma economia esfacelada. O nome diz quem sou e ainda mais,
qualifica meu nível social. Biscateiro não é ninguém, além de mais
um indivíduo.
Como toda arte, sempre um meio de expressar suas manifestações. A
palavra implica na descoberta de mundo pela elaboração dos códigos da língua para
produzir seus efeitos. Contudo, como a literatura, nessa expressividade, tem a
clareza de continuísmos do pensamento que operam a sociedade e o anseio do
homem em modelar-se, ou infringir regras. O discurso literário tem uma veia na
produção de sentidos, no arranjo de exploração de saberes científicos, religiosos,
etc. Um conjunto de textos encontra sempre um criador, responsável por sua
função no mundo. Sua continuação apresenta as variantes distintas na
interpretação de sua multiplicação de vidas sob a ótica participante de outrem.
CONCLUSÃO
A introdução deste escritor-jornalista na literatura disseca um
formato de jornalismo explorado em outras partes do Brasil, (Rio
de Janeiro, São Paulo) todavia, nos concentramos na Paraíba. Seu
locus tem sua identidade própria por mais que sofra desta influência
cultural e tecnológica dos grandes centros. A cultura mantém ainda o
espaço-tempo agregado aos seus valores de conotação explícita:
política, manifestações culturais, sotaques, cidade e história, como
contrapontos que se interligam à literatura.
Temos várias formas de fontes geradoras de textos, a emissão
da informação e canais de transferências. As fontes geradoras se
ampliam pela rede de relações que circula o autor. A emissão da
informação é fonte desta rede, isto é, a circulação e inserção do
jornalista e literato em seu meio social. O canal de transferência é o
público consumidor que se enxerga como vetor na construção do
cotidiano e sua participação na vida social do Estado. O Jornal é um
catalisador que explora no gênero cronístico o comportamento social
em tempo real.
O rigor com que elabora as imagens insinua a literatura no
trato jornalístico, sendo esta uma das discussões da pesquisa, o que
fazia décadas antes outro jornalista, João do Rio, no início do
século XX no Rio de Janeiro. O autor nos traz a exposição da vida em
retratos, cenas cotidianas do cidadão, evidenciando para uma
realidade que contrasta o ontem e o hoje, essa dispersão se torna na
divisão dos capítulos entre o saudosismo do campo e a transformação
da cidade.
A forma com que Gonzaga desenvolve cada tema transforma o
dia-a-dia num relato, guardando os teores da vida cotidiana em seu
ponto de atuação. E o que guardam esses relatos? Guardam a vida
dos homens e mulheres do seu tempo, um tempo adotado por um
sistema de acumular conhecimento sem a pretensão de ser ciência ou
arte, mas de ser a escrita com a função lúdica de montar as peças de
uma realidade que existiu e permanece na memória e na localização
do tempo. É o acúmulo do conhecimento sob a forma peculiar da
existência de pessoas que emprestaram seus nomes e funções, de
sua praticidade, dos cidadãos paraibanos, tornando-se acessível,
registro da cadência do tempo que encontra o eco do passado no
presente.
Temos o homem, o ser, a cadeia nítida de suasltiplas
funções: escritor, jornalista, cronista. O homem ancorado nos portos
do mundo, de sua particularidade; nas entranhas do outro; na
especulação racional do frívolo; do comum; do austero, do grande;
do pequeno; no desvecilhamento do caos e de sua organização social.
O homem que desbrava as letras em busca do retrato perfeito: o
cotidiano assenhoreado pelas cores marcantes de vozes múltiplas que
exploram a vida e nos dão o jornalismo com a alma da literatura em
sua polissemia de interpretações.
As vozes de sua terra (localismo, imaginário, identidade e
memória) são marcas da realidade em seu fazer jornalístico-literário.
Nisto, ele nos cumprimenta com o cotidiano demarcado de valores
empíricos que emanam do povo e em particular, a sua gente. O
Estado é a sua fronteira, demarcando o território no elo gigante de
uma nação. Além dessas fronteiras e incrustado em seu solo de
nação estão às raízes mais revigorantes de um povo mais que
paraibano: o nordestino.
Estudar essas manifestações é mérito ao reconhecer o trabalho
de uma vida. O olhar perspicaz de um autor que elaborou seu
trabalho a partir do seu senso, aliado à literatura e aos fatos verídicos
que perscrutam a sua obra, mantendo o seu referencial no espírito de
seu povo: cidadãos, amigos, sociedade local, política,
comportamentos, coloquialismos.
Seu trabalho define o espírito da força histórica na literatura
através do jornalismo como meio de guardar o legado de todo seu
trabalho. Sua importância vai além da academia, pois não havia uma
intenção peculiar, sua função era tão somente registrar, escrever,
mostrar sua sociedade e de como somos vulneráveis.
A impregnação de uma realidade refletida sobre gêneros que
se tornam contundentes: a literatura e o jornalismo. Neste caso,
onde um termina e o outro começa?
O lugar é o elemento chave a ser explorado. Pretendendo-se descobrir o
porquê do autor na sua visão de construir, reconstruir o real, do seu trabalho
passível de comprovação, sem subjetivismo, mas da presença elegante da ficção
como apoio singular de desmistificar o real pela literatura.
Marcamos os objetivos da pesquisa na intenção de decifrar a
trajetória de acontecimentos locais nos quais evidenciem seus
valores, e culminem na elaboração dissertativa de uma pesquisa onde
o aspecto humano/cultural seja analisado para valorizar o
pensamento e o comportamento de seu povo.
O regionalismo é uma marca preponderante do autor, pois foi
através desse traço que pudemos delimitar características intrínsecas
na construção de frases e dissociá-las, diferenciá-las, montar um
perfil entre o que é realidade e ficção, conceituar estas diferenças
entre o que seja literatura e o que seja jornalismo. Um escopo de
difícil tradução.
Apropriar-se do mundo é tarefa para os escritores. Desbravá-lo
é tarefa para o leitor. Para a Crônica esse sabor de domínio repercute
a junção de vida e morte, de total e singular, do híbrido e do puro.
Sentido e significado num embate crucial para manter-se a estrutura
do artefato interpretativo.
Ater-se ao momento é tão somente vislumbrar o presente,
bebendo de águas profundas em que a História torna-se mãe guardiã
de toda cultura, seja ela local ou universal, mas é o sentido da vida
que se permite explorar para não morrer, e assim seguem o dualismo
contumaz da cultura, do mundo e da arte.
Temos o jornalista-cronista. Temos o homem literário. Mas, antes de tudo,
um homem que na sua cultura, cuja semelhança com grandes vultos nacionais,
como Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães, José de Alencar buscou encantar
sua terra e as qualidades positivas e negativas de sua gente em seu cotidiano.
Gonzaga não amenizou a realidade de suas obras através do jornal,
transformou-a com a técnica da literatura, tratando a verdade como algo implícito
no cotidiano.
BIBLIOGRAFIA
ALMINO, João. O segredo e a informação. Ética e política no espaço
público. Brasiliense, São Paulo, SP. 1986.
ARAÚJO, Fátima. Paraíba: Imprensa e Vida. Editora Jornal da Paraíba,
1985.
ASSIS, Machado de. Obra completa. Rio de Janeiro. Ed. Nova Aguilar.
Vol. III. 1986.
BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica. As técnicas do Jornalismo.
Ed. Ática, São Paulo, 1990.
BENEYTO, Juan. Informação & Sociedade: os mecanismos sociais de
atividade informativa. Tradução de Maria Lúcia Allan. Petrópolis,
Vozes, 1974
BUARQUE DE HOLANDA, Aurélio. Novo dicionário da língua
portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.
CÂNDIDO, Antonio (et al). A Crônica: o gênero, sua fixação e suas
transformações no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Rio de
Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992.
COELHO, Marcelo. Noticias sobre a crônica. In: CASTRO DE, Gustavo.
(Org) Jornalismo e Literatura – A sedução da Palavra. Escrituras, São
Paulo. 2002.
COLI, Jorge. O que é arte. Ed. Brasiliense - Coleção Primeiros Passos.
15ª ed. São Paulo, SP. 1995
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: Literatura e senso-
comum. Trad. Cleonice Paes Barreto Mourão, Consuelo Fortes
Santiago.Editora UFMG, Minas Gerais, 2006.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.
EAGLETON, T. Teoria Literária: uma introdução. Tradução de
Waltersir Dutra. Editora Martins Fontes edição, 1994. São Paulo.
Pág. 1
DE CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. 1. Artes do Fazer.
Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Vozes. Petrópolis, RJ, 1994.
DUARTE JÚNIIOR, João Francisco. O que é realidade. Brasiliense. São
Paulo, 1991.
FARIA, João Roberto. Prefácio (Alencar conversa com os seus
leitores) e “Crônicas escolhidas José de Alencar”. Ed. Ática e Folha
de São Paulo - SP, 1995.
FREITAS, Helena de Sousa. Jornalismo e Literatura: Inimigos ou
Amantes? Contribuições para o estudo de uma relação controversa.
1ª ed; Peregrinações Publications/USA. 2002
RODRIGUES, Gonzaga. Notas do meu lugar. Acauã. João Pessoa,
1978.
___________________ Filipéia e Outras saudades. A União. João
Pessoa, 1997.
___________________ Café Alvear Ponto de encontro perdido.
Textoarte. João Pessoa, 2003.
___________________ Um sítio que anda comigo. Grafset. João
Pessoa, 1998.
Jornal Contra-Ponto. p.B1. João Pessoa domingo, 12 de outubro de
2003.
MARCONDES FILHO, Ciro. O escavador de silêncios. Formas de
construir e desconstruir sentidos na Comunicação. Nova Teoria da
Comunicação II. Paulus. São Paulo, 2004.
MENEZES, Rogério. Relações entre a crônica, o romance e o
jornalismo. In: CASTRO DE, Gustavo. (Org) Jornalismo e Literatura
A sedução da Palavra. Escrituras, São Paulo. 2002.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários - São Paulo,
Cultrix, 1974.
MOTA, Guadalupe Corrêa. Jornalismo é Literatura? - Revista
Incomum Departamento de Comunicação da Universidade Católica
de Santos, UniSantos. Ano 4. No 4, São Paulo, 2000.
KELLY, Celso Otávio do Prado. Comunicação e Literatura. In: Arte e
Comunicação. Agir; Brasília – Instituto Nacional do Livro. Rio de
Janeiro, 1972.
KELLY, Celso Otávio do Prado. Comunicação e Literatura. In:
Jornalismo, uma arte. Agir; Brasília Instituto Nacional do Livro. Rio
de Janeiro, 1972.
LAJOLO, Marisa. O que é Literatura. Primeiros Passos. Vol. 7. Círculo
do Livro. Brasiliense S.A, São Paulo, 1995.
LIMA. Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas O Livro-reportagem
como extensão do Jornalismo e da Literatura. Editora da Unicamp
1993, Campinas - SP.
MARQUES, Paulo Piratininga. “A Poetização do cotidiano no cronista
Carlos Drummond de Andrade”. Cadernos de jornalismo e editoração,
nº. 16, São Paulo, ECA/USP. 1985
MELO, José Marques de. Jornalismo Opinativo: gêneros opinativos no
jornalismo brasileiro. Mantiqueira.Campos do Jordão, 2003.
MELO, José Marques de. A Opinião no Jornalismo Brasileiro, Ed.
Vozes. Petrópolis, RJ. 1985
MEDITSCH, Eduardo. O conhecimento do Jornalismo. Editora da
UFSC, Florianópolis, 1992.
NASCIMENTO, Edônio Alves. Ligações Perigosas: relação entre
crônica e jornalismo na década de 70 no Brasil. Dissertação de
Mestrado. Natal, 2001.
PEREIRA, Wellington. Crônica: arte do útil ou do fútil? (Ensaio sobre a
crônica no jornalismo impresso) – Ed. Idéia. João Pessoa, 1994.
PEREIRA, Wellington. Crônica: arte do útil ou do fútil? (Ensaio sobre a
crônica no jornalismo impresso) – Ed. Calandra. João Pessoa, 2004.
___________________ O Beijo da Noiva Mecânica. Ensaios sobre
Mídia e Cotidiano. Manufatura. João Pessoa, 2002.
PIERINI, Franco. A idade média. Tradução de José Maria de Almeida.
Curso de História da Igreja – II. São Paulo: Paulus, 1997.
RONCARI, Luiz. A estampa da rotativa na crônica literária. In: Boletim
Bibliográfico Biblioteca Mário de Andrade. Prefeitura Municipal de
São Paulo. Volume 46, no. 1/4. São Paulo, 1985.
REVISTA LOGOS Comunicação & Universidade. Faculdade e
Comunicação Social da UERJ. Ensaio e Crônica – Teoria, cultura,
estilo e autoria. Ano 7, nº. 13, 2º semestre/2000.
REVISTA DE COMUNICAÇÃO Crônica é Literatura Viva - Affonso
Romano de Sant’anna. Ano 9. Agosto de 1993. (p. 16 e 17)
SÁ, Jorge. A Crônica, Ed. Ática, 1987, Série Princípios. São Paulo, SP.
SODRÉ, Muniz. Claros e Escuros Identidade, povo e mídia no Brasil.
Vozes, Petrópolis. Rio de Janeiro, RJ, 2000.
WELLEK, René. WARREN, Austin. Teoria da Literatura. Tradução de
José Palla e Carmo. 4ª. Edição. Publicações Europa-América, Nova
York. 1965.
WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade na História e na
Literatura. Tradução de Paulo Henriques Britto. Companhia das
Letras. São Paulo, 1990.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo