observa-se um texto de caráter rebelde à própria construção de uma identidade única, erigido
para ser lido por si mesmo, sempre autoreferencial. Assim, esse sujeito melancólico não
estará, jamais, nos mesmos espaços em que circulam os sujeitos aptos aos convívios
interpessoais e a cooptação pelos mecanismos que integram o maquinário do cotidiano
(relações trabalhistas, econômicas, enfim, comportamentos regidos pelas trocas materiais e
simbólicas). Seja no âmbito de um descentramento pelos processos de identificações, seja no
da construção de um lugar ficcional como cenário para a recordação fantasiosa:
Já li tudo cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio
ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay
ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora faço o quê? não é plágio do
pessoa não, mas em cada canto do meu quarto tenho um imagem de Buda,
uma de mãe Oxum, outra de Jesusinho, um pôster de Freud, às vezes acendo
vela, faço reza,queimo incenso, tomo banho de arruda, jogo sal grosso nos
cantos, não te peço solução nenhuma, você vai curtir os seus nativos em Sri
Lank depois me manda um cartão-postal contando qualquer coisa como
ontem à noite, na beira do rio, deve haver uma porra de rio por lá, um rio
lodoso, cheio de juncos sombrios, mas ontem na beira do rio, sem planejar
nada, de repente, sabe, por acaso, encontrei um rapaz de tez azeitonada e
olhos oblíquos que (ABREU, p. 27).
Junto a essa fragmentação da linguagem que pode ser percebida por uma escritura
não convencional, pois um tópico frasal se encerra com um suposto pronome relativo
“encontrei um rapaz de tez azeitonada e olhos oblíquos que.”, a narradora descreve seus
fracassos em ter tentado encontrar uma fórmula para conter a angústia que a atormenta. Nesse
sentido, temos também uma identidade fragmentada, em trânsito, cambiante. A
impossibilidade de se fixar num lugar exato cria a sensação angustiante para a personagem de
que não há uma salvação, de que não há saída.
A linguagem literária, neste conto, parece refletir que vivemos sempre em busca de
algo. Então, ler e viver é uma tentativa de alcançar algo que sempre nos foge, como diria
Derrida; a linguagem é um jogo. Nela, o signo nunca se mostra por completo; ele nos escapa,
pois a cada instante que precisamos dele se mostra morto, ineficaz, já não diz nada. O signo é
composto de incompletudes, ambigüidades, incertezas – ele é incomum e incomunicável. A
nossa comunicação revela-nos muito mais do que desejamos, ou muito menos do que
planejamos. A procura de um sentido é a morte do signo da qual a literatura deve escapar.
Para Caio Fernando Abreu, a escritura, assim como a vida, é frágil. Neste conto, a
narradora descreve que não alcançamos o que procuramos. O desejo não pode ser nunca
concretizado porque assim deixaria de sê-lo. Mas que isso não seja confundido com o passado