Download PDF
ads:
IURI ROCIO FRANCO RIZZI
A paz nos instrumentos de Organização da Informação:
uma análise dos conceitos de paz e guerra, da Cultura de Paz e dos
Estudos para Paz na Classificação Decimal de Dewey.
Marília-SP
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
IURI ROCIO FRANCO RIZZI
A paz nos instrumentos de Organização da Informação:
uma análise dos conceitos de paz e guerra, da Cultura de Paz e dos
Estudos para Paz na Classificação Decimal de Dewey.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação da Faculdade de Filosofia e
Ciências da Universidade Estadual Paulista, campus de
Marília, como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Mestre em Ciência da Informação.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Ismael Murguia.
Área de concentração: Informação, Tecnologia e
Conhecimento.
Linha de Pesquisa: Organização da Informação.
Agência financiadora: Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Marília-SP
2008
ads:
Ficha catalográfica:
RIZZI, Iuri Rocio Franco
A paz nos instrumentos de Organização da Informação: uma análise
dos conceitos de paz e guerra, da Cultura de Paz e dos Estudos para Paz na
Classificação Decimal de Dewey / Iuri Rocio Franco Rizzi. – Marília,
2008.
xiii, 106 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Faculdade de
Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2008.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Ismael Murguia.
Bibliografia: f. 96-102.
Inclui anexo.
1. Organização da Informação – instrumentos. 2. Classificação
bibliográfica. 3. Classificação Decimal de Dewey. 4. Paz. 5. Estudos para
Paz. 6. Cultura de Paz. I. Título.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Iuri Rocio Franco Rizzi
A paz nos instrumentos de Organização da Informação: uma análise dos conceitos de paz
e guerra, da Cultura de Paz e dos Estudos para Paz na Classificação Decimal de Dewey.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da
Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista, campus de Marília,
como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação.
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________
Prof. Dr. Eduardo Ismael Murguia
Universidade Estadual Paulista - UNESP
(Presidente)
____________________________________
Profa. Dra. Mariângela Spotti Lopes Fujita
Universidade Estadual Paulista - UNESP
(Membro interno)
____________________________________
Profa. Dra. Eliane Serrão Alves Mey
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar
(Membro externo)
Marília, 19 de setembro de 2008.



!!

Agradecimentos
Agradeço a Eduardo Ismael Murguia, pela oportunidade e possibilidade de viver a experiência
deste mestrado;
A Eliane Serrão Alves Mey, tenho muito a agradecer: pelo incentivo, no fim da graduação, de
ingressar no mestrado; pelo apoio, durante esta jornada, em momentos de dificuldades; pela
leitura atenta do trabalho no momento da qualificação; e, agora, por sua participação na banca
de defesa;
A José Augusto Chaves Guimarães, pela participação, também, na banca de qualificação e
pelas valiosas sugestões e apontamentos;
A Mariângela Spotti Lopes Fujita, por sua constante disposição em ajudar quando necessário
e por sua participação na banca de Defesa;
A Maura Duarte Moreira Guarido pela orientação no Estágio Docência e aos alunos das
disciplinas Representação Temática e Práticas Profissionais em Biblioteconomia, do segundo
ano de Biblioteconomia, no ano de 2006.
Aos professores do PPGCI;
A todos os funcionários da UNESP de Marília, especialmente à Carol, da secretaria do
PPGCI.
À minha mãe, Maria Inês, aos meus irmãos Élio, Érico e Iara, e a toda a nossa família.
A Luzia Sigoli Fernandes Costa e Sidney Barbosa, pelo incentivo constante;
Aos meus colegas de turma e de pós-graduação: Aldinar, André, Bruno, Carlos e Luana,
Carol, Deise, Eduardo e Luciana, Fernando, Lourdes, Mara, Mário, Raquel, Roberta, Sílvia,
Vângela, Rodrigo e Tati, Ana e Jeferson e demais.
Aos moradores da Casa 5, da moradia da UNESP, que em finais de 2005 e início de 2006 me
abrigaram até que eu pudesse me estabelecer na cidade.
Aos meus amigos, os de perto e os de longe, os novos e os de longa data, a todos, sou
profundamente grato. Alguns não posso deixar de mencionar, o que me levará a prováveis
esquecimentos.
Acompanharam-me à distância o pessoal de São Carlos, São Paulo, Santos e de tantos outros
cantos: Porcão (Marcus Vinícius) e família (Ademir, Hebe, Naiara, Munaíta e Mauro),
Cabron (Mário), Josi, Van, Cris, Thaisinha, Crisinha, Carol, Sônia e a nova geração de
moradores do Bloco 26.
Agradecer aos amigos de Marília é ainda mais difícil. As amizades que fiz por aqui foram
fundamentais: Marta, Susaninha, Hevelyn, Nanda, Lene, Diego, Larissa, Manú e Noemi, Bixo
(Felipe), pessoal de biblio e arquivo, enfim, a todos os que fizeram parte desta história,
obrigado!
Por fim, agradeço especialmente à pessoa com quem mais convivi nos últimos dois anos e
meio, o Junim ou Meninão (Nílson José de Souto Júnior), pelo companheirismo, aprendizado,
pela acessoria em assuntos informáticos, enfim, pela amizade e convivência...
A todos, muito obrigado!
“Ordenar bibliotecas é exercer, de modo silencioso e modesto, a arte da crítica.”
(Jorge Luis Borges)
“P
A Z
[Alemanha, 1942]
Pouco depois das onze horas da mesma noite, Max Vandenburg subiu a Rua Himmel, com uma mala
cheia de alimentos e roupas quentes. Havia ar alemão em seus pulmões. As estrelas amarelas estavam
em chamas. Quando chegou à loja de Frau Diller, ele se virou para olhar pela última vez para o
número trinta e três. Não podia ver a figura na janela da cozinha, mas ela o via. Ela acenou, e Max não
retribuiu o aceno.
Liesel ainda sentia a boca do rapaz em sua testa. Cheirava seu hálito de adeus.
– Deixei uma coisa para você – disse Max –, mas você só vai recebê-la quando estiver pronta.
E saiu.
– Max?
Mas ele não voltou.
Já saíra do quarto da menina e fechou a porta em silêncio.
O corredor murmurou.
Ele se fora.
Quando Liesel chegou à cozinha, encontrou a mãe e o pai com o tronco vergado e o rosto inerte.
Estavam parados assim fazia trinta segundo de eternidade.
· SIGNIFICADO N° 7 DO DICIONÁRIO DUDEN ·
Schweigen – Silêncio: Ausência de som ou ruído.
Vocábulos correlatos: quietude, calma, paz.
Que perfeição.
Paz.
Em algum lugar perto de Munique, um judeu alemão caminhava pelas trevas. Combinara-se que
ele encontraria com Hans Hubermann [pai de Liesel] dali a quatro dias (isto é, se não o levassem
embora). Seria um lugar bem mais adiante, no Amper, onde uma ponte quebrada recostava-se entre o
rio e o arvoredo.
Ele chegaria lá, mas não ficaria mais que alguns minutos.
A única coisa a ser encontrada, quando o pai chegou, quatro dias depois, foi um bilhete embaixo
de uma pedra, na base de uma árvore. Não era dirigido a ninguém e continha apenas uma frase.
· AS ÚLTIMAS PALAVRAS DE MAX VANDENBURG ·
Vocês já fizeram o bastante.
Agora, mais do que nunca, o mero 33 da Rua Himmel tornou-se um lugar de silêncio, e não
passou despercebido que o Dicionário Duden estava completa e profundamente errado, em especial
nos seus vocábulos correlatos.
O silêncio não era quietude nem calma, e não era paz.”
(ZUSAK, 2007, p. 345-6).
Resumo
Trata-se de um estudo acerca dos sistemas de classificação bibliográfica, especificamente a
Classificação Decimal de Dewey (CDD), um dos instrumentos de organização da informação
mais utilizados em bibliotecas generalistas do Brasil e do mundo. Estudos recentes têm
demonstrado que tais instrumentos não são neutros em relação a valores e aspectos culturais.
Tais instrumentos são investigados à luz de uma segunda temática, a paz, e compreende os
recentes avanços na concepção do conceito de paz e seus desdobramentos nos campos teórico
e prático: a área de Estudos para Paz e o movimento de Cultura de Paz. Tem como objetivo
investigar o tratamento dado à temática da paz na CDD. Especificamente, buscou-se verificar
e analisar os conceitos de paz, o movimento denominado Cultura de Paz e o campo teórico
Estudos para Paz nas 21ª e 22ª edições da Classificação Decimal de Dewey. Estas
proposições pretendem responder aos seguintes questionamentos: está a CDD apta para lidar
adequadamente com a organização de documentos cujos conteúdos se referem, primeiro, ao
conceito de paz, em sua acepção geral; segundo, ao campo de Estudos para Paz; e, terceiro, ao
movimento Cultura de Paz? Discute-se, ainda, a relação de influência mútua entre as
sociedades e as classificações bibliográficas. Tratar-se de pesquisa teórica e exploratória,
devido aos objetivos e à aproximação das temáticas propostos. Os procedimentos
metodológicos e técnicos de pesquisa empregados foram o levantamento bibliográfico e a
análise documental. A análise dos dados confirmou a hipótese inicial de que a Classificação
Decimal de Deweyo es apta a lidar com os temas relativos ao conceito de paz, ao
movimento social denominado Cultura de Paz e ao campo de Estudos para Paz. Por fim,
considera-se que a Classificação Decimal de Dewey tem contribuído, ainda que de maneira
bastante sutil, para a perpetuação de uma Cultura da Guerra.
Palavras-chave: Biblioteconomia; Organização da Informação; Classificação Decimal de
Dewey; Paz, Cultura de Paz; Estudos para Paz.
Abstract
It is treated of a study concerning the systems of bibliographical classification, specifically the
Dewey Decimal Classification (DDC), one of the instruments of Knowledge Organization
more used in generalists libraries in Brazil and in the world. Recent studies have been
demonstrating that such instruments are not neutral in relation to values and cultural aspects.
Such instruments are investigated to the light of a second theme, the peace, and it comprises
the recent progress in the peace concept and their unfoldings in the theoretical and practical
fields: the area of Peace Research and the Culture of Peace movement. It has as objective to
verify and to analyze the treatment given to the theme of the peace in DDC. Specifically, it
was looked for to verify and to analyze the peace concepts, the movement denominated
Culture of Peace and the theoretical field Studies for Paz in the 21st and 22nd editions of the
Dewey Decimal Classification. These propositions intend to answer to the following
questions: is it DDC capable to work appropriately with the organization of documents whose
contents refer, first, to the peace concept, in its general meaning; second, to the Peace
Research field; and, third, to Culture of Peace Movement? It is discussed, still, the
relationship of mutual influence between the societies and the bibliographical classifications.
It's about theoretical and exploratory research, due to the objectives and to the approach of the
themes proposed. The methodological and technical procedures of research used were the
bibliographical review and the documental analysis. The analysis of the data confirmed the
initial hypothesis that the Dewey Decimal Classification is not capable to work with themes
relatives to the peace concept, to social movement denominated Culture of Peace and to the
Peace Research field. Finally, it is considered that the Dewey Decimal Classification has been
contributing, although in a quite subtle way, for the perpetuation of a Culture of War.
Key-words: Library Science; Knowledge Organization; Dewey Decimal Classification;
Peace; Culture of Peace; Peace Research.
Lista de siglas
AD – Análise Documental
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CDD – Classificação Decimal de Dewey
LD – Linguagem Documental
LN – Linguagem Natural
OCLC – On-line Computer Library Center
PPGCI – Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação
RD – Representação Descritiva
RT – Representação Temática
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
Lista de figuras
Figura 1: Representação gráfica da Organização e Recuperação da Informação.....................23
Figura 2: Relações hierárquicas nos sistemas de classificação.................................................50
Figura 3: Mapa de conflitos mundiais (Ploughshare)...............................................................103
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................14
2 EM TORNO DA INFORMAÇÃO REGISTRADA .........................................................19
2.1 Teorias e práticas biblioteconômicas..................................................................................21
2.1.1 Seleção da Informação.....................................................................................................25
2.1.2 Organização da Informação.............................................................................................27
2.1.3 Recuperação da Informação ............................................................................................36
3 CLASSIFICAÇÃO..............................................................................................................40
3.1 Classificação: pressupostos teóricos...................................................................................41
3.2 O processo de classificação bibliográfica...........................................................................43
3.3 Os instrumentos de classificação bibliográfica ..................................................................47
3.4 A Classificação Decimal de Dewey ...................................................................................53
3.5 Os mitos da neutralidade e universalidade .........................................................................59
4 A PAZ COMO OBJETO DE ESTUDO............................................................................64
4.1 O conceito de paz ...............................................................................................................64
4.2 A Cultura de Paz.................................................................................................................69
4.3 Os Estudos para a Paz.........................................................................................................77
5 ANÁLISE DE DADOS E RESULTADOS........................................................................80
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................94
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................96
ANEXOS ...............................................................................................................................103
Anexo A – Mapa mundial de conflitos – Ploughshare...........................................................104
14
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, a quantidade de informação e conhecimento produzidos e a
diversidade de suportes e formas de acesso possíveis, com as novas tecnologias de informação
e comunicação, tornam o uso e a recuperação dos documentos cada vez mais complexos. De
modo geral, em bibliotecas do Brasil e do exterior, uma das maneiras mais recorrentes de
organização do conhecimento registrado tem como critério o conteúdo temático dos
documentos. Nestes casos, a utilização de instrumentos de organização e representação da
informação pode ser indispensável. Estas ferramentas, conhecidas também como sistemas de
classificação bibliográfica, possibilitam a organização dos documentos a partir de seu
conteúdo intelectual. Tais sistemas apoiaram-se, inicialmente, nas classificações filosóficas do
conhecimento e se consolidaram a partir do culo XIX, passando por todo o século XX e
persistindo até os dias atuais. Desta forma, os sistemas de classificação desempenham papel
fundamental na complexa tarefa de organizar o conhecimento registrado. Contudo, na medida
em que o conhecimento humano se desenvolveu, as classificações bibliográficas tiveram de
ser ampliadas e atualizadas com as novas disciplinas, descobertas científicas, objetos, enfim,
tiveram de acompanhar as mudanças do mundo que foram sendo objetos de estudos e temas
dos documentos de modo geral.
Assim, para auxiliar na organização de acervos documentais generalistas, isto é,
que tratam do conhecimento humano como um todo, as classificações bibliográficas buscam
também sistematizar a totalidade do conhecimento humano, seus objetos, fenômenos etc. A
inserção de novos fenômenos, áreas e objetos do conhecimento nas classificações
bibliográficas é uma das premissas para a continuidade de utilização das mesmas. Além disso,
não apenas novos conceitos surgem com o passar do tempo, mas também conceitos
solidificados podem passar por transformações em diferentes épocas e contextos sociais.
Então, os fenômenos de mudança de significado dos termos contidos nos sistemas de
classificação, bem como o surgimento de novos conceitos podem ser constatados e
exemplificados pelas novas concepções acerca do conceito de paz e pelo surgimento de
termos como Cultura de Paz e Estudos para Paz.
O movimento da Cultura de Paz surge no final da década de 1970, em oposição à
cultura da guerra vigente nas sociedades atuais. A Cultura de Paz apóia-se em valores e
15
comportamentos que respeitam a vida e rejeitam a violência em todas suas formas, a começar
como meio para solução de conflitos. Assim, a Cultura de Paz propõe novas formas de pensar
e agir dos indivíduos perante a sociedade e das coletividades entre si, não desconsiderando a
existência de desentendimentos, mas buscando soluções apoiadas em meios não violentos
como o diálogo, por exemplo – e no respeito à vida e aos outros seres humanos.
Diante do exposto, o presente estudo tem como tema os instrumentos de
organização da informação, com foco nos sistemas de classificação bibliográfica,
especificamente a Classificação Decimal de Dewey. Tais instrumentos são investigados à luz
de uma segunda temática, a paz, e compreende os recentes avanços na concepção do conceito
de paz e seus desdobramentos nos campos teórico e prático: a área de Estudos para Paz e o
movimento de Cultura de Paz. Estas duas temáticas representam dois momentos da pesquisa.
Um terceiro momento se na confrontação destas, isto é, na análise da temática da paz e
seus desdobramentos – no referido sistema de classificação.
A aproximação da temática da paz aos sistemas de classificação se desenvolveu
frente ao seguinte problema de pesquisa: a Classificação Decimal de Dewey está apta para
lidar adequadamente com a organização de documentos cujos conteúdos se referem, primeiro,
ao conceito de paz, em sua acepção geral; segundo, ao campo de Estudos para Paz; e, terceiro,
ao movimento Cultura de Paz? Não obstante, uma outra questão se apresenta como pano de
fundo da pesquisa: estaria a Classificação Decimal de Dewey contribuindo para a manutenção
e perpetuação de uma cultura de guerra?
Um contato preliminar com a Classificação Decimal de Dewey forneceu subsídios
para a construção da hipótese de pesquisa de que o referido sistema não está preparado para
lidar com as recentes concepções acerca do conceito de paz.
Os sujeitos de pesquisa dizem respeito aos classificacionistas aqueles que
idealizam e desenvolvem os sistemas de classificação –, aos classificadores – os bibliotecários
que se utilizam destes sistemas e aos usuários das bibliotecas, que se utilizam do resultado
da atuação dos dois anteriores. Desta forma, parte-se do pressuposto de que os sistemas de
classificação representam a visão de mundo de seus idealizadores e, portanto, refletem
determinados valores e aspectos sociais próprios da cultura em que estão inseridos. Assim, os
sistemas de classificação podem ser instrumentos de perpetuação de certos aspectos e valores
culturais e sociais. Podem também, por sua vez, ser instrumentos de divulgação de novas
concepções de mundo. Neste sentido, os sistemas de classificação podem influenciar na
formação de valores e visão de mundo dos bibliotecários e usuários, que entram em contato,
direta ou indiretamente, com o sistema.
16
De modo geral, a pesquisa objetivou verificar e analisar o tratamento dado à
temática da paz na Classificação Decimal de Dewey. Assim, tivemos como objetivos
específicos verificar e analisar os conceitos de paz, o movimento denominado Cultura de Paz
e o campo teórico Estudos para Paz nas 21ª e 22ª edições da Classificação Decimal de
Dewey. Para tanto, buscou-se, inicialmente, levantar e analisar o conceito de paz apresentado
na literatura corrente. Posteriormente, pretendeu-se contextualizar o aparecimento dos
Estudos para Paz e da Cultura de Paz como objetos emergentes de saber, sua conseqüente
produção intelectual e os desafios que apresentam para seu tratamento documental.
Porém, não se trata de verificar simplesmente a atualidade do referido sistema de
classificação em relação a determinado objeto ou campo científico. De fato, uma
sistematização universal do conhecimento humano está fadada, nos atuais patamares do
desenvolvimento científico, a se tornar desatualizada pouco tempo depois de sua elaboração e
divulgação. Não seria difícil testar a atualidade e a abrangência de um sistema de classificação
universal e ter como resultado o seu insucesso em inúmeras especializações das ciências.
Paradoxalmente, não há como condenar tais instrumentos por este motivo: a defasagem destes
em relação ao desenvolvimento científico e tecnológico é uma característica e uma de suas
desvantagens inerente aos mesmos. Ainda assim, tais ferramentas continuam a ser
indispensáveis para a tarefa de organizar o conhecimento humano. Neste sentido, pretende-se
aqui não apenas verificar quantitativamente a existência ou não dos conceitos ou termos
relativos à temática da paz, mas de analisar qualitativamente (dentro das limitações de tempo
e espaço inerentes à pesquisa) o resultado desta constatação e discutir o que pode implicar tal
tipo de organização dos registros do conhecimento para os indivíduos e para as sociedades
como todo.
A justificativa do trabalho pode ser apoiada sob diversos pontos, alguns dos quais
apresentados ao longo do trabalho. Ainda assim, cumpre destacar neste momento, que as
investigações sobre os aspectos culturais dos instrumentos de organização da informação,
como listas de cabeçalho de assuntos e sistemas de classificação, são necessárias para
evidenciar os desvios e preconceitos que não poucas vezes são incorporados nestas
ferramentas. Por isso, pesquisas deste cunho têm sido desenvolvidas com freqüência no
exterior, mas nota-se uma presença ainda tímida deste tipo de estudo no Brasil. Nota-se,
ainda, que os estudos realizados contemplam, em sua maioria, problemas de desvios na
representação de conceitos relacionados à dominação cultural, econômica, de gênero etc., mas
não relativos aos aspectos do problema da violência e da guerra.
17
Portanto, a relevância do trabalho apóia-se também na aproximação e na tentativa
de contribuir, ainda que modestamente, para a discussão de uma das problemáticas mais
graves nos dias atuais, uma vez que os problemas da guerra e da violência põem em risco a
própria sobrevivência da humanidade.
De fato, a guerra aflige os seres humanos desde tempos remotos. Mesmo agora, no
início do século XXI, a vioncia é um dos problemas sociais mais graves e preocupantes. O uso
da violência pode ser constatado nos mais diversos locais e circunstâncias e é cada vez mais
preocupante, uma vez que o desenvolvimento tecnológico permite a obtenção de armas e
instrumentos cada vez mais letais. Paralelamente, é crescente também o aumento demográfico
no planeta e a aproximação dos povos por meio das novas tecnologias de informação e da
comunicação. Este cenário é cada vez mais preocupante e exige novas maneiras de pensar e
agir dos indivíduos perante a sociedade e das coletividades entre si, que rejeitem a violência
como meio de resolução de conflitos. É urgente, portanto, a busca pela convivência pacífica
entre as sociedades, entre as múltiplas culturas que habitam o planeta, contrariamente ao que se
constata atualmente e no decorrer da história das sociedades.
Porém, o fim de uma cultura da vioncia apenas será possível com empenho
individual e coletivo de todos os setores da sociedade para solucionar seus problemas e cabe aos
teóricos e profissionais das áreas de Biblioteconomia e Ciência da Informação dar a sua
contribuição. Assim, a investigão das relações entre os sistemas de classificação,
especificamente a Classificão Decimal de Dewey, e uma cultura da guerra, bem como uma
possível transição para uma estrutura que contemple uma postura de o-violência pode
representar uma via para o desenvolvimento crítico da Ciência da Informação.
A natureza do trabalho encontra apoio na obra de Barbosa (1969, p. 9), na qual
encontramos a seguinte observação a respeito da finalidade prática de sua obra: “mais prático
do que teórico, [a obra] não analisa nem critica os sistemas [de classificação] incluídos, pois
esse aspecto do assunto não faz parte dos currículos das escolas e sim de cursos de pós-
graduação”. Desta forma, buscou-se realizar uma análise crítica da Classificação Decimal de
Dewey, um dos sistemas de classificação mais utilizados no Brasil e no mundo.
Tratar-se de uma pesquisa eminentemente teórica. Devido à aproximação das
temáticas, trata-se, ainda, de um estudo exploratório. Por pesquisa exploratória entende-se
“[...] aquela que se caracteriza pelo desenvolvimento e esclarecimento de idéias, com objetivo
de oferecer uma visão panorâmica, uma primeira aproximação a um determinado fenômeno
que é pouco explorado” (GONSALVES, 2001, p. 65). Nas palavras de Gonsalves (2001, p.
65), “esse tipo de pesquisa também é denominado “pesquisa de base”, pois oferece dados
18
elementares que dão suporte para a realização de estudos mais aprofundados sobre o tema”.
Os procedimentos metodológicos e técnicos de pesquisa empregados foram o levantamento
bibliográfico e a análise documental
1
. O primeiro, a revisão de literatura, buscou referenciais
teóricos acerca das duas temáticas proposta pela pesquisa, conforme apresentado anteriormente.
O estudo dos referenciais teóricos levantados possibilitou a análise documental da temática da
paz na Classificação Decimal de Dewey, especificamente nas 21ª e 22ª edições. Pode-se dizer,
ainda, que se trata também de uma pesquisa explicativa, uma vez que “[...] pretende
identificar os fatores que contribuem para a ocorrência e o desenvolvimento de um
determinado fenômeno” (GONSALVES, 2001, p. 66). Segundo a autora, no geral, a pesquisa
explicativa convive muito bem com outros tipos de pesquisa.
O estudo se insere na linha de pesquisa Organização da Informação do Programa
de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista, campus de
Marília. Cumpre pontuar que contou com o apoio financeiro da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O texto foi estruturado em seis
capítulos, incluindo esta introdução (capítulo 1). No capítulo 2 buscou-se situar a atividade
de classificação e a Classificação Decimal de Dewey no contexto da Biblioteconomia, bem
como das atividades de Organização e Recuperação da Informação. Apresenta-se, neste
capítulo, uma representação gráfica destas atividades, para facilitar a visualização dos
elementos abordados. O capítulo 3 aborda, inicialmente, a classificação de maneira geral,
como atividade elementar dos seres humanos e, posteriormente, o processo e os instrumentos
de classificação bibliográfica os sistemas de classificação. Finalmente, tratamos da
Classificação Decimal de Dewey, apresentando aspectos gerais, históricos e de seu
funcionamento. A temática da paz foi tratada no capítulo 4, em três momentos distintos:
primeiro, os conceitos de paz e guerra; segundo, o movimento chamado de Cultura de Paz; e,
terceiro, o recente campo de estudos denominado Estudos para Paz. Tendo em vista a revisão
de literatura desenvolvida nos capítulos anteriores, o capítulo 5 contempla a análise da
temática da paz na Classificação Decimal de Dewey, especificamente em suas duas últimas
edições. Por fim, no capítulo 6 registramos as considerações finais acerca do trabalho.
1
Trata-se aqui da análise documental enquanto procedimento metodológico de pesquisa, e não da Análise
Documental, também presente neste trabalho, no contexto da Biblioteconomia e da Organização da Informação,
embora as duas tenham de fato alguns pontos em comum.
19
2 EM TORNO DA INFORMAÇÃO REGISTRADA
Tão logo o ser humano começou a registrar suas idéias e ações em suportes
físicos, o acúmulo destes objetos exigiu espaços onde pudessem ser armazenados com se-
gurança e, em um momento seguinte, utilizados adequadamente. Convencionou-se chamar
tais lugares de bibliotecas, arquivos ou museus, e algumas pessoas foram incumbidas de
cuidar de sua preservação e organização. A estas pessoas foi dado o cumprimento das funções
de preservar e organizar para o acesso. Com o passar do tempo, estes profissionais
desenvolveram práticas e teorias que viriam a resultar, entre outras, na área que se conhece
hoje, no Brasil, pela denominação de Biblioteconomia. Portanto, a crescente confecção e a
acumulação de manuscritos exigiram a elaboração, por parte dos profissionais responsáveis
pelos mesmos, de métodos e técnicas para a organização e utilização dos acervos que se
formavam. Pode-se supor que, desde então, já era necessário obter determinados itens em
meio a um crescente conjunto de registros do conhecimento e somente a memória dos
usuários já não era mais suficiente para encontrá-los. Em suma, as bibliotecas (instituição) e a
Biblioteconomia (área do conhecimento) se desenvolveram a partir dos suportes da escrita;
ou, em um sentido mais amplo, se desenvolveram, ao longo do tempo, em torno da
informação registrada.
Durante longo tempo o principal suporte foi o livro. No entanto, novos suportes
informacionais surgiram e passaram a demandar a atenção das bibliotecas e dos bibliotecários.
Neste sentido, os objetos com os quais trabalha a Biblioteconomia são chamados de
documentos. Os documentos, em um sentido mais amplo, são os registros de informação em
um determinado suporte.
As origens das bibliotecas remontam a um passado longínquo. Nas palavras de
McGarry (1999, p. 111), “as bibliotecas, em seu sentido mais amplo, existem quase tanto
tempo quanto os próprios registros escritos. O instinto de preservar e a paixão de colecionar
têm sido os fatores determinantes na sua criação, manutenção e desenvolvimento”. Durante
muito tempo a preocupação maior das bibliotecas e de seus responsáveis foi com a
preservação dos documentos, em detrimento da organização e do acesso. Segundo Fonseca
(1992, p. 78): “como surgiram em épocas de livros raros e nas quais a cultura era privilégio de
20
elites governamentais, religiosas ou econômicas, [as bibliotecas] voltaram antes para a
preservação do que para a utilização dos acervos”.
Para uma definição contemporânea destas instituições recorremos a Briquet de
Lemos (2005, p. 101):
Nem toda coleção de livros é uma biblioteca, do mesmo modo que nem toda
biblioteca é apenas uma coleção de livros. Para haver uma biblioteca, no
sentido de instituição social, é preciso que haja três pré-requisitos: [1] a
intencionalidade política e social, o acervo e os meios para sua permanente
renovação, o imperativo de organização e sistematização; [2] uma
comunidade de usuários, efetivos ou potenciais, com necessidades de
informação conhecidas ou pressupostas, e, por último, mas não menos
importante, [3] o local, o espaço sico onde se dará o encontro entre os
usuários e os serviços da biblioteca.
Existem diversos tipos de bibliotecas. Costuma-se encontrar, na literatura da área,
as seguintes categorias: biblioteca nacional, pública, universitária, infantil, escolar, especial e
especializada
2
. Contudo, não nos cabe, neste trabalho, abordar tais tipologias detalhadamente.
Por isso, tratamos aqui das bibliotecas de modo geral. Para complementar a definição
apresentada por Briquet de Lemos, acima, consideramos importante a concepção de Mey et al
(2008):
[...] compreende-se biblioteca, em seu sentido amplo, como instituição
voltada à reunião, organização e disseminação do conhecimento registrado
(tangível ou ciberespacial), não importando o nome pelo qual essa
instituição se denomine. Em princípio, uma biblioteca existe para propiciar
alternativa, possibilidade e oportunidade às pessoas. Alternativa, para que
possam escolher entre vários, não havendo nunca um caminho único.
Possibilidade, para que tenham acesso ao que, de outro modo, lhes estaria
vedado, por empecilhos de ordens diversas. Oportunidade, porque apenas
através do conhecimento as pessoas se podem transformar e transformar o
mundo em que vivem.
Após esta breve definição do conceito de bibliotecas trataremos, a seguir, de
algumas de suas atividades fundamentais, bem como do conhecimento que se desenvolveu a
partir das mesmas, para atender às suas necessidades: a Biblioteconomia.
2
Cf. FONSECA, 1992, p. 61-5.
21
2.1 Teorias e práticas biblioteconômicas
Teoria e prática caminham lado a lado. Embora em algumas áreas do fazer e do
pensamento humano a teoria seja mais valorizada que a prática, no caso da Biblioteconomia,
ambas devem ser destacadas na busca pela realização dos objetivos das bibliotecas. Para que
os objetivos das bibliotecas sejam alcançados os bibliotecários utilizam-se de diversos
procedimentos e técnicas que, embora necessitem cada vez mais de certas padronizações,
podem variar de acordo com o local onde são desenvolvidas e o conjunto de usuários a que
atende. Estas atividades se desenvolveram de maneira a constituir subáreas, ou campos
específicos da Biblioteconomia, com métodos, teorias e práticas próprias, mas atuando de
maneira conjunta e, em alguns casos, com imprescindível padronização. É o conjunto destes
procedimentos que faz com que as bibliotecas contemporâneas alcancem seus objetivos.
Segundo Shera (apud BARITÉ, 2001, p. 36), o objetivo da Biblioteconomia,
[...] em qualquer nível intelectual que opere, é chegar a um o ponto de
máxima eficiência a utilidade social dos registros gráficos humanos,
independentemente de se o usuário que se atende seja um menino absorto
em seu primeiro livro de imagens ou o mais avançado pesquisador
comprometido com alguma profunda investigação.
Portanto, pelo menos um ponto tem sido comum na definição dos objetivos da
biblioteca contemporânea: organizar para possibilitar o acesso, para permitir o uso do
conhecimento registrado. Para tanto, seus profissionais desempenham diversas atividades ou
práticas, que, embora estejam intrinsecamente ligadas, podem ser separadas para fins
específicos, como acontece nas disciplinas dos currículos de formação profissional. Assim, a
separação das atividades da Biblioteconomia não é consensual, ao menos não na literatura
revisada. Dias (2006, p. 65), por exemplo, as apresenta da seguinte maneira, sob a
denominação de ‘funções’:
22
Independentemente das características ambientais e das pessoas atendidas,
encontram-se, nos diversos tipos de bibliotecas e bibliografias/sistemas de
recuperação da informação, as mesmas funções básicas: a função de
selecionar e adquirir os materiais de informão; de fazer o tratamento,
organização e armazenagem desse material; a função de dialogar com o
usuário em torno de uma consulta para melhor defini-la, entre outras
funções.
Para o presente estudo, optamos por considerar como principais as seguintes
atividades da Biblioteconomia: a seleção, a organização, a recuperação e a disseminação da
informação. Cabe ressaltar que concebemos ‘tratamento, organização e armazenagem’,
conforme apresentado acima (DIAS, 2006, p. 65), como equivalente à Organização da
Informação e a ‘função de dialogar com o usuário’ como uma das tarefas desenvolvidas pelos
bibliotecários de referência, termo bastante conhecido na área, inserido na Recuperação da
Informação. Contudo, cumpre reforçar que o foco do presente estudo é a organização e a
recuperação da informação. Por isso, a seleção é tratada brevemente e a disseminação não é
discutida, mas apenas mencionada.
Buscando contribuir para o desenvolvimento das áreas de organização e
recuperação da informação o VI Encontro de Diretores de Escolas de Biblioteconomia e
Ciência da Informação, realizado em 2002, sugere em seu relatório final algumas
recomendações, das quais destacamos duas: a necessidade de apoiar a formação discente em
uma “forte base teórica”, paralelamente a uma dimensão prática, e a necessidade de “[...] se
abordar a área a partir de três aspectos básicos: processos, instrumentos e produtos”
(ENCONTRO... apud GUIMARÃES et al., 2004, p. 170-1). Neste sentido, o referido
encontro de especialistas teve também como resultado de seus trabalhos a sistematização
destes aspectos das atividades de Organização e Recuperação da Informação, a qual
apresentamos a seguir, com algumas modificações:
23
Organização da Informação
Análise Documental
de Forma
Análise Documental
De Conteúdo
Recuperação da
Informação
Processos
- Catalogação
- Elaboração de referências
- Classificação
- Indexação
- Elaboração de resumos
- Busca
- Avaliação
Instrumentos
- Bases de dados/catálogos
- Normas, regras
- Padrões, formatos
- Linguagens Documentais:
- Listas de c
abeçalho
de assunto
- Sistemas de classificação
-Tesauros
-Terminologias
-Ontologias
- Sistemas de Recuperação
da Informação
- Bases de dados/ catálogos
- Interfaces
Produtos
- Bases de dados/catálogos
- Acervo ordenado
- Índices
- Listas de cabeçalho de assunto
- Resumos
Quadro 1: Processos, instrumentos e produtos da Organização e Recuperação da Informação.
Adaptado de: ENCONTRO... 2002, apud GUIMARÃES et al., 2004, p. 184.
Esta sistematização se mostrou bastante profícua para a visualização dos
elementos presentes nas atividades de organização e recuperação da informação e auxiliou,
desta forma, na elaboração de uma representação gráfica das atividades mencionadas, a qual
apresentamos a seguir. Tal representação possibilita a visualização de dois momentos
relevantes para o presente estudo: primeiro, o processo de classificação dos documentos
realizado pelos bibliotecários por meio de instrumentos de classificação bibliográfica (no
caso, a Classificação Decimal de Dewey); e, segundo, a relação entre os usuários e o produto
desta classificação, o acervo ordenado com base no conteúdo temático das obras. O segundo
momento diz respeito a uma das formas (e, portanto, ao processo) de recuperação da
informação, a busca direta ao acervo, conforme abordaremos mais adiante. Nos dois
momentos interessa-nos investigar e discutir a influência dos valores e da visão de mundo
presentes na estrutura conceitual hierárquica do referido sistema de classificação na formação
de valores e concepção de mundo dos sujeitos destacados, bibliotecários e usuários, cada um à
sua maneira: o primeiro na organização e o segundo na recuperação da informação.
24
Figura 1: representação gráfica da organização e recuperação da informação.
A seguir discutiremos, a partir da literatura levantada, os elementos apresentados
na representação gráfica
3
.
3
Estes elementos estão destacados, no texto, em negrito.
25
2.1.1 Seleção da Informação
A produção do conhecimento está relacionada, entre outros fatores, às técnicas de
escrita e demais formas de registro do conhecimento e à produção dos materiais nos quais
estes são materializados. Neste sentido, pode-se considerar, embora não seja um consenso na
literatura revisada, três principais mudanças na produção dos suportes materiais de ações,
pensamentos e do conhecimento de modo geral. A primeira foi quando da aparição da escrita
e dos diferentes suportes nos quais se escreveu ao longo do tempo. A segunda grande
mudança foi a invenção da imprensa, no século XV (McGARRY, 1999, p. 78-9). De acordo
com Butler (1971, p. 60), “a invenção do processo mecânico para multiplicar os registros
escritos capacitou a Europa a produzir em 50 anos mais livros do que haviam sido
manufaturados nos mil anos precedentes”. A terceira grande mudança ocorreu na segunda
metade do século XX, com a evolução das tecnologias informacionais de armazenagem e
transmissão de dados, que passaram a ter impacto cada vez maior, nos mais diversos aspectos
sociais. A evolução das tecnologias informacionais e a inserção destas nas mais diversas
atividades têm modificado significativamente as sociedades contemporâneas.
Desta forma, estes fenômenos, principalmente as transformações no campo da
produção de impressos, culminaram no que alguns autores rotulam de explosão
informacional’, denominação que evidencia o grande volume de informação produzido. No
atual panorama de produção documental e a quantidade de documentos e informações
produzidos impossibilita cada vez mais as bibliotecas armazenar todo o conhecimento
produzido, isto é, todo o universo documental disponível.
Portanto, atualmente é consensual o fato de que uma biblioteca não pode acumular
todo o conhecimento produzido e registrado pelos seres humanos
4
. Um parêntese merecem as
bibliotecas nacionais, que possuem entre seus objetivos o de coletar e armazenar a produção
bibliográfica de determinada nação, mas o fazem a partir de delimitações territoriais e não
sem grandes dificuldades e dispêndio de recursos. Assim, uma das primeiras tarefas dos
bibliotecários (sozinhos ou em conjunto com outras pessoas, usuários ou profissionais
4
De fato, a intenção de armazenar e organizar todo o conhecimento humano, embora esteja presente em alguns
entusiastas da Internet, a rede mundial de computadores, teve uma de suas últimas tentativas com os
considerados hoje criadores da Documentação: os belgas Paul Otlet e Henri La Fontaine (SHERA, 1980, p. 91).
26
ligados à instituição na qual a biblioteca está vinculada) é selecionar os materiais que
comporão os acervos de suas bibliotecas.
A seleção da informação diz respeito aos processos que vão desde o estudo do
perfil dos usuários e do levantamento das suas necessidades (para as quais a atuação do
bibliotecário de referência pode ser de grande valia), até o recebimento dos materiais na
biblioteca, passando pelo levantamento e escolha dos materiais disponíveis e por todo o
processo de aquisição dos materiais selecionados. De acordo com Dias (2006, p. 68),
[...] o tratamento da informação não é uma função isolada mas, ao contrário,
depende de várias outras funções que ocorrem nas bibliotecas/SRIs. Dentre
essas funções, cabe destacar a de seleção, muitas vezes esquecida na maioria
das discussões sobre tratamento. Ora, assim como o próprio tratamento, a
seleção é um dos esteios, um dos pilares de qualquer biblioteca/SRI, sendo
uma função fundamental à própria concepção desses sistemas.
A seleção também é considerada por Edson Nery da Fonseca uma importante
tarefa dos bibliotecários, defendendo a inclusão desta como disciplina nos currículos dos
cursos de Biblioteconomia. Mais de uma vez o autor recorre à imagem descrita por Ortega y
Gasset, que imaginava “o futuro bibliotecário como um filtro que se interpõe entre a torrente
de livros e o homem” (FONSECA, 1992, p. 60). Vale ressaltar, ainda, que algumas correntes
teóricas consideram a seleção da informação uma atividade integrante de uma atividade
denominada Desenvolvimento de Coleções, que inclui também o desbastamento e o descarte
de materiais, bem como a avaliação de uso dos materiais para validar ou aprimorar o processo
em si e os acervos bibliográficos (VERGUEIRO, 1989).
Entretanto, a seleção é apenas uma das etapas do tratamento documental; sozinha,
ela dificilmente faz com que os usuários encontrem as informações de que necessitam. Uma
vez selecionados (e adquiridos), os materiais bibliográficos são encaminhados para o processo
de tratamento documental, comumente chamado de processamento técnico. Esta etapa pode
variar de acordo com o tamanho, recursos, objetivos etc., de cada biblioteca, embora existam
diretrizes e normas ou padrões que orientam os trabalhos. Conferência das condições físicas
dos itens, tombamento, preparo para empréstimo (se for o caso), catalogação, classificação,
indexação, por exemplo, são algumas destas atividades. Estas últimas estão inseridas em um
processo que os teóricos da área, para fins de estudo, têm separado em uma espécie de
disciplina ou campo de estudo, denominado Organização da Informação.
27
2.1.2 Organização da Informação
A organização da informação refere-se ao conjunto de atividades e processos com
a finalidade de organizar os acervos das bibliotecas e permitir aos usuários o acesso às
informações contidas nos documentos. Para isto, os bibliotecários se utilizam de processos,
como a Análise Documental, e instrumentos, como as normas de descrição bibliográficas, os
sistemas de classificação etc., que resultam em produtos como índices, listas de cabeçalhos de
assunto, entre outros. Desta forma, a organização da informação é um dos processos mais
importantes da Biblioteconomia e tem como objetivo, de modo geral, a recuperação da
informação, por meio do ordenamento dos documentos e outros procedimentos.
A organização da informação está diretamente ligada à organização do
conhecimento. A ligação entre os dois termos está no fato de que a organização física dos
objetos nos quais o conhecimento é registrado passou a depender, a partir de certo momento
histórico, diretamente também da sistematização intelectual (e abstrata) do conhecimento.
De acordo com Fujita (2003, p. 3), a organização da informação compreende
“[...] as atividades e operações do tratamento da informação, envolvendo para isso, o
conhecimento teórico e metodológico disponível quanto ao tratamento descritivo do suporte
material da informação e ao tratamento temático de conteúdo da informação”. A organização
do conhecimento, por sua vez, refere-se, em termos gerais, à organização intelectual do
conhecimento dos saberes das ciências, técnicas, artes, cotidiano, enfim, à sistematização
intelectual de todo o conhecimento humano. Contudo, na Ciência da Informação, os termos
organização da informação e organização do conhecimento são frequentemente empregados
com o mesmo significado.
Pode-se dizer que tanto a organização intelectual do conhecimento quanto a
organização física dos registros do conhecimento têm suas origens na classificação. A
primeira tem sua origem nas classificações filosóficas do conhecimento e das ciências
realizadas desde a Antiguidade, a partir de Aristóteles. De acordo com Barité (2001, p. 38), os
primeiros a se preocuparem com a organização do conhecimento
28
[...] no período pré-científico foram sem dúvida os filósofos [...]. Quando a
ciência conseguiu se separar da filosofia, foram outros os que tentaram
sistematizar o saber acumulado da humanidade: primeiro os monges como
guardiões do conhecimento da humanidade, depois os primeiros cientistas
laicos provocaram as grandes revoluções intelectuais da história da
humanidade, desde Galileu adiante.
Desde então, diversas pessoas buscaram sistematizar a totalidade do
conhecimento humano. Estas sistematizações são frequentemente utilizadas para a
organização da informação.
Na organização da informação o agente em evidência é o bibliotecário, que faz a
mediação
5
entre as informações armazenadas pela biblioteca e os usuários, efetivos ou
potenciais. Para tanto, são utilizadas técnicas e instrumentos próprios da Biblioteconomia ou,
conforme aponta a ementa da linha de pesquisa Organização da Informação do Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação, no qual este estudo está inserido,
[…] utilizando-se de aportes interdisciplinares oriundos, dentre outras, de
áreas como a Ciência da Computação, a Lingüística, a Comunicação, a
Ciência Cognitiva, a Psicologia, a Matemática, a Lógica, a Administração, a
Educação, a Sociologia, a História e a Diplomática, seja para melhor
explicar tais processos [produção, organização, transmissão e uso da
informação], seja para aquilatar o seu impacto nos fazeres das distintas
ambiências informacionais (PPGCI, 2008).
Um ponto importante na organização da informação é a maneira como os
documentos são dispostos fisicamente, isto é, como são ordenados. Para Piedade (1983, p.
65), “os documentos podem ser ordenados segundo os mais variados critérios, [...] mas a
característica mais útil à classificação de documentos é a idéia apresentada, pois a sua
finalidade é facilitar a localização de informações”.
Assim, a organização do acervo depende da determinação prévia de critérios para
a ordenação dos documentos. Tal ordenação é conhecida também como arranjo e influencia
diretamente na recuperação da informação. Contudo, tais critérios determinam a
sistematização conceitual (do conteúdo) dos documentos. A ordenação física depende de
sistemas de representação próprios. Esta representação é que possibilita a ordenação física
dos documentos e é conhecida como notação. Normalmente, as notações são elaboradas por
meio de símbolos gráficos, numéricos, alfabéticos ou ambos, isto é, alfanuméricos. Embora
aparentemente simples e praticamente ausentes das discussões teóricas, as notações
5
Por isso, o bibliotecário está no centro de nossa representação gráfica (figura 1).
29
desempenham importante função na organização do conhecimento e no arranjo dos
documentos
6
.
Os critérios de ordenação resultam ainda em duas modalidade distintas de arranjo
dos documentos: na localização fixa ou relativa dos mesmos. Na localização fixa os
documentos ocupam sempre a mesma localização no arranjo do acervo. Na medida em que
novos itens são inseridos eles ocupam o lugar no ‘fim da fila’ no ordenamento. Na localização
relativa, por sua vez, as obras podem ser acrescentadas ao acervo próximas àquelas que tratam
do mesmo assunto ou de assuntos semelhantes, mantendo ainda assim a ordem ou seqüência
lógica do arranjo. É chamada de relativa porque, conforme novos itens são inseridos no
acervo, o lugar que os documentos ocupam nas estantes pode ser alterado. Necessário destacar
que na localização fixa os catálogos exercem papel ainda mais importante na recuperação,
uma vez que os usuários não têm acesso aos documentos, ficando assim limitados, por
exemplo, pela impossibilidade de ir diretamente ao acervo e ‘percorrer’ as estantes.
Contudo, a ordenação dos documentos, embora seja um ponto fundamental da
organização e da recuperação da informação, não dispensa a elaboração de instrumentos
referentes a estas atividades. Estes instrumentos são complementares às tarefas de organizar e
recuperar informações, como veremos adiante; eles são construídos basicamente a partir da
representação dos documentos, como explica Mey (1995, p. 1):
Como seria impossível aos usuários das bibliotecas, para escolha do mais
conveniente, folhear todos os livros, ouvir todos os discos, ou manusear
todas as outras formas de registro disponíveis no acervo, mesmo que os itens
estivessem ampla e corretamente organizados, nós, bibliotecários,
elaboramos representações desses itens, de forma a simplificar a busca.
Essas representações abrangem tanto o aspecto físico dos itens como seu
conteúdo. Com essas representações, criamos instrumentos diversos:
bibliografias, catálogos, boletins de serviço de alerta, entre outros.
As representações dos documentos são produtos do processo de Análise
Documental (AD)
7
. A AD é fundamental à Organização da Informação, sendo objeto de
estudo de diversos pesquisadores. No entanto, as concepções e definições a respeito da AD
não são uniformes, resultando em diferentes perspectivas teóricas. Por isso, na literatura de
6
As notações serão tratadas também mais adiante (seção 3.3).
7
Conhecida amplamente no Brasil pelo termo de Análise Documentária, optamos aqui pela forma Análise
Documental (e Linguagem Documental), conforme Guimarães et al. (2005, p. 135), que propõem “o uso da
expressão análise documental ao invés de análise documentária devido ao fato de que a derivação dos adjetivos
procedentes dos substantivos terminados em –nto (comportamento, monumento, departamento etc.) faz-se em
nossa língua, mediante o sufixo –al (comportamental, monumental, departamental etc.)”. Contudo, nas citações
apresentadas no decorrer do texto foram mantidas as formas originais, conforme utilizadas por seus autores.
30
Ciência da Informação é possível encontrar diferentes concepções a respeito da Análise
Documental. Entre elas, duas se destacam: uma considera a Análise Documental como um
processo que envolve a representação temática (referente ao conteúdo dos documentos) e
descritiva das obras (referente às características físicas dos mesmos); a outra concebe a AD
como um processo que envolve apenas o tratamento temático conferido aos documentos.
Estas abordagens teóricas são conhecidas por correntes espanhola e francesa,
respectivamente. Na primeira perspectiva, de acordo com Fujita (2003, p. 5-6),
[...] a expressão Análise Documentária, do ponto de vista dos teóricos
espanhóis, comporta dois níveis de divisão: o da forma análise descritiva
ou bibliográfica refere-se ao tratamento físico da informação ligado com o
suporte; e o do conteúdo, que se refere ao tratamento temático da informação
e destina-se à representação condensada do assunto intrínseco ou extrínseco
tratado em um determinado documento.
Esta não é a visão predominante entre os pesquisadores brasileiros, conforme
aponta Guimarães (2001, p. 67):
[...] a realidade brasileira apresenta-se de maneira distinta [da concepção
espanhola], seja por influência da dicotomia norte-americana classificação X
catalogação, seja por influência de Jean-Claude Gardin e seus seguidores,
como o grupo TEMMA, para quem a análise documental refere-se
basicamente a questões de conteúdo.
Desta maneira, a segunda perspectiva, comumente conhecida como de origem
francesa, tem a influência de teóricos como Gardin (apud KOBASHI, 1994, p.15), para quem
a AD é o “conjunto de procedimentos utilizados para exprimir o conteúdo dos documentos
científicos sob formas destinadas a facilitar a sua localização ou consulta”.
Fujita (2003, p. 6) evidencia a distinção entre as duas concepções:
Há, portanto, uma diferença da concepção de Análise Documentária entre
espanhóis e franceses. Para os teóricos franceses, a Análise Documentária
refere-se somente ao tratamento do conteúdo do documento, não adotando a
divisão em forma e conteúdo, ou descrição física e temática do documento.
Assim, embora não seja a visão predominante no Brasil, adotamos neste estudo a
concepção espanhola de Análise Documental, considerando-a uma atividade responsável
31
tanto pela descrição das características físicas quanto temáticas dos documentos, conforme
pode ser constatado na representação gráfica proposta e em estudo anterior
8
.
Não obstante, as duas correntes teóricas concordam em pelo menos um ponto: a
AD é um processo que se inicia na leitura. Nas palavras de Lucas (2000, p. 13),
o bibliotecário trabalha o tempo todo com a memória, seja ela científica,
literária, artística; e o seu instrumento de trabalho é a leitura. É lendo que ele
codifica, classifica, indexa, atribui palavras-chave, descritores, que vão ser
os indicadores para a consulta aos índices das bibliotecas, dos arquivos, quer
estejam em formato magnético ou em papel.
Devido às finalidades a que se destina, a leitura na Análise Documental possui
características que a diferenciam da leitura tradicional. Segundo Fujita (2003, p. 8):
[...] no contexto da Análise Documentária, [a leitura] é o processo pelo qual
realiza-se sua fase inicial a análise que desencadeia o desempenho de
todas as outras operações. A leitura em análise documentária tem uma
conotação mais direcionada aos objetivos da condensação documentária pela
indexação, classificação e elaboração de resumos e diferente da leitura
normal.
Neste sentido, a leitura tem como finalidade permitir aos bibliotecários visualizar
o conteúdo dos documentos e extrair suas informações principais. Nesta leitura, comumente
chamada de leitura técnica, dá-se ênfase aos elementos pré e pós-textuais dos documentos. Os
elementos pré-textuais são aqueles que antecedem o corpo do trabalho, como capa, folha de
rosto (título, responsabilidade, local de publicação, ano, entre outras), dedicatória, epígrafe,
agradecimentos, resumo, sumário etc. Os elementos pós-textuais são aqueles que o sucedem
como bibliografia, glossário, anexos, apêndices, índices e outros (DUPAS, 2004, p. 16-20). A
leitura é, portanto, fundamental na Análise Documental e, consequentemente, nos processos
de organização e recuperação da informação.
Voltemos às duas fases da Análise Documental, as representações descritiva e
temática. A Representação Descritiva (RD) abrange a descrição das características físicas
dos documentos e diz respeito às práticas de catalogação e elaboração de referências. De
acordo com Mey (2005, p. 5),
8
Cf. RIZZI; MURGUIA, 2007, p. 693.
32
Catalogação é o estudo, preparação e organização de mensagens codificadas,
com base em itens existentes ou passíveis de inclusão em um ou vários
acervos, de forma a permitir interseção entre as mensagens contidas nos
itens e as mensagens internas dos usuários.
Para tanto, são utilizadas normas, padrões e formatos de descrição de livros e dos
mais diversos tipos de suportes informacionais. A Representação Descritiva tem sido estudada
e discutida, no âmbito da Ciência da Informação, motivando o desenvolvimento de outras
pesquisas, embora ainda mais no exterior do que no Brasil. De acordo com Mey (2005):
Desde 1997, a catalogação sofre uma reviravolta ao nível internacional. A
reviravolta gestava-se já em 1987, com a tese de Barbara Tillett sobre
relações bibliográficas, complementada com os textos de Michael Heaney e
Rebecca Green, respectivamente sobre catalogação orientada a objeto e
bancos de dados relacionais. Um grande encontro sobre AACR [Anglo-
American Cataloging Rules] (1997) e o relatório final do Grupo de Estudos
da IFLA (iniciado em 1991): Functional requirements for bibliographic
records (FRBR), publicado em 1998, mudaram os rumos da catalogação.
A Representação Temática (RT), por sua vez, compreende a representação, de
maneira sintetizada, do conteúdo dos documentos. Abrange principalmente as práticas de
classificação e indexação. Novamente a literatura da área não é consensual. No que diz
respeito à indexação e classificação, alguns autores consideram a segunda incluída ou até
mesmo subordinada à primeira. Cintra et al (2002, p. 39), por exemplo, afirmam que a
“...operação de tradução de textos em LN [Linguagem Natural] para uma LD [Linguagem
Documental] denomina-se indexação. Inerente ao processo de indexação estão as operações
de classificação”. Outras linhas as consideram processos distintos, mas com pontos
convergentes, conforme apresentam Dias e Naves
(2007, p. 18):
uma diferença básica entre classificar um documento para colocação nas
estantes de uma biblioteca (ou, mais genericamente, para situá-lo numa
coleção) e catalogá-lo ou indexá-lo por assunto é que, no primeiro caso, o
classificador deve optar por um único lugar para o documento na coleção, o
que não acontece nos outros casos, pois o catalogador de assunto e o
indexador podem decidir que um determinado documento tenha várias
entradas de assunto, num catálogo ou num índice. O catalogador ou
indexador tem como limite apenas a política de indexação do sistema, em
que princípios de recuperação da informação têm evidentemente um papel
fundamental, mas considerações de ordem econômica também podem
operar.
33
Enfim, constata-se que há extensa literatura tratando da questão. Contudo, devido
às limitações de espaço, não seria possível aqui aprofundar tal discussão. No presente estudo
consideramos a classificação e a indexação como processos distintos, embora com pontos em
comum, o que se explica pelo fato de ambas estarem inseridas no processo de Análise
Documental, conforme verifica-se na representação gráfica. Entretanto, esta separação não
deve ir além dos objetivos de ensino e pesquisa. Na prática, as atividades de classificação e
indexação, a nosso ver, devem ser tidas, no processo de organização e recuperação da
informação, como complementares, uma ordenando os documentos nas estantes, as fichas nos
catálogos ou, ainda, os registros bibliográficos, nas bibliografias, e a outra garantindo meios
de acesso não possibilitados pela primeira.
A história da indexação tem início no surgimento da bibliografia, conforme
apontam Gomes e Gusmão (1983, p. 13-4):
O fato que abriu novos horizontes no campo da indexação foi a necessidade
de elaborar uma cnica para a organização por assunto do conteúdo das
publicações periódicas que estavam crescendo assustadoramente. Em
meados do século XIX, William Frederick Poole publica An Alphabetical
Index to Subjects treated in the Reviews and other Periodicals’ sob os
auspiciosos da Universidade de Yale. Já no final do século XIX as
contribuições a esse campo tornam-se mais expressivos com a publicação do
índice relativo da Classificação Decimal de Melvin Dewey. [...] A indexação
[no início do século XX] começa a ser estudada mais profundamente
surgindo, assim, como uma importante técnica de recuperação da
informação.
A classificação, de acordo com Lentino (1959, p. 1), é “[...] um processo mental,
pelo qual as coisas são reunidas, de acordo com o grau de semelhança”. Na Biblioteconomia,
a classificação por assunto possibilita a ordenação sistemática dos acervos documentais,
especialmente os bibliográficos, e representa um processo fundamental da Representação
Temática e da Organização da Informação, bem como um importante meio de recuperação.
Por se tratar do tema deste trabalho, a classificação será abordada separadamente (capítulo 3).
Normalmente, as atividades de indexação e classificação são desenvolvidas com o
auxílio das chamadas Linguagens Documentais, instrumentos fundamentais para o processo
de Representação Temática e, consequentemente, para a organização do conhecimento
registrado. As Linguagens Documentais (LDs)
9
possibilitam aos bibliotecários representar,
de maneira estruturada e padronizada, o conteúdo dos documentos, de modo a permitir e
9
Cf. nota 4.
34
otimizar o acesso dos usuários e atender às suas necessidades informacionais. Entre as
principais LDs, destacam-se as listas de cabeçalhos de assunto, os sistemas de classificação
bibliográfica e os tesauros, bem como os vocabulários controlados em geral. As LDs podem
abranger o conhecimento como um todo, como os sistemas de classificação generalistas,
também chamados de enciclopédicos ou universais, ou uma área específica do conhecimento,
como os tesauros, um tipo de LD especializada.
Em contrapartida às “Linguagens Naturais” (desenvolvidas ao longo do tempo por
distintas sociedades), as LDs são linguagens construídas e, portanto, artificiais. Para Cintra et
al. (2002, p. 34), “as LDs são sistemas simbólicos instituídos que visam facilitar a
comunicação. Sua função comunicativa, entretanto, é restrita a contextos documentários, ou
seja, as LDs devem tornar possível a comunicação usuário-sistema”. No entanto, “as LDs não
se confundem com léxicos, vocabulários, nomenclaturas e terminologias, embora incorporem
elementos de todos eles” (CINTRA et al., 2002, p. 38).
De acordo com Gil Urdiciain (2004, p. 17), podemos considerar a Linguagem
Documental como todo sistema artificial de signos normalizados, que facilitan la
representación formalizada del contenido de los documentos para permitir la recuperación,
manual o automática, de información solicitada por los usuarios”. A principal característica
das LDs é o seu controle terminológico:
El lenguaje documental es un lenguaje no natural, aunque utiliza los signos
de este. Esos signos adquieren valor semántico por medio de su
normalización y de las reglas morfosintácticas que lo articulan. Son
precisamente esas reglas las que le dan categoría de lenguaje (GIL
URDICIAIN, 2004, p. 20).
Alguns autores, inclusive, atribuem ao termo vocabulário controlado o significado
de Linguagem Documental, como Lancaster (1993, p. 14):
um vocabulário controlado é essencialmente uma lista de termos
autorizados. [...] Identificam-se três tipos principais de vocabulários
controlados: esquemas de classificação bibliográfica (como a Classificação
Decimal de Dewey), listas de cabeçalhos de assunto e tesauros.
Existem diferentes maneiras de se caracterizar as Linguagens Documentais,
diferenciando-as de acordo com critérios específicos, conforme apresenta Gil Urdiciain (2004,
35
p. 23): existen diversos criterios de tipificación de los lenguajes documentales, los más
generalizados son: el de control, el de coordinación de los términos y el estructural.
Tendo-se por critério o controle do vocabulário utilizado, as Linguagens
Documentais podem ser divididas em livres (por exemplo, listas de descritores livres) e
controladas (sistemas de classificação, tesauros etc.) (GIL URDICIAIN, 2004, p. 23). As LDs
livres são normalmente pouco utilizadas, uma vez que não possuem o controle dos termos,
característica bastante exigida no tratamento documental e na recuperação da informação.
Entretanto, a liberdade de escolha dos termos pode fazer com que a indexação se torne menos
rígida e mais atual, uma vez que não é necessário esperar por sua atualização, como é o caso
da maioria das LDs. Com isto, a representação temática pode utilizar os termos dos próprios
documentos, na medida em que estes são inseridos no percurso do tratamento documental, e
pode, ainda, ser mais compatível com a linguagem dos usuários, uma vez que ela é realizada
em um contexto próximo aos mesmos e sem o controle dos termos. Assim, é possível que a
representação temática aconteça em um contexto mais próximo aos usuários e às suas
particularidades. Em contrapartida, este tipo de instrumento tem diversas desvantagens,
relacionados basicamente à ausência das características e vantagens possibilitadas pelo
controle vocabulário, como mencionadas. Por isso, as LDs livres são pouco utilizadas e,
sob o ponto de vista de alguns autores, que enfatizam o controle do vocabulário como
característica fundamental a estes instrumentos, os mesmos não poderiam ser consideradas
Linguagens Documentais, no significado estrito do termo.
Outra maneira de diferenciar a tipologia das Linguagens Documentais é a partir
do critério de coordenação dos conceitos que compõem tais instrumentos. Para Gil Urdiciain
(2004, p. 23), si los términos se combinan cuando se elabora el lenguaje o en momento de la
descripción, el lenguaje será precoordinado, y si lo hace en el momento de la recuperación,
se tratará de un lenguaje postcoordinado”. Nas LDs pré-coordenadas a relação entres os
termos é gramatical, enquanto nas pós-coordenadas esta relação é gica (GIL URDICIAIN,
2004, p. 24).
A terceira tipologia das Linguagens Documentais se refere à sua estrutura:
hierárquica ou associativa ou combinatória. Ainda sob a visão de Gil Urdiciain (2004, p. 25),
A la estructura jerárquica responden determinadas clasificaciones, a la
combinatoria, los léxicos documentales y los tesauros, si bien es cierto que
en la organización multidimensional de estos últimos participa también la
estructura jerárquica – en concreto en la presentación sistemática.
36
Além da Representação Descritiva e da Representação Temática, um terceiro
elemento está inserido no processo de Análise Documental: os resumos. Embora os resumos
estejam relacionados ao tratamento temático dos documentos, consideramos os mesmos
distintos da Representação Temática propriamente dita, dada suas particularidades. Segundo
Fujita (2003, p. 3-4), o resumo
[...] apresenta um nível de condensação menor do que os termos de
indexação ou o número de classificação, entretanto, o resultado da
indexação, da classificação e da elaboração de resumos é uma representação
do conteúdo do documento para sua acessibilidade temática.
Desta forma, consideramos a Representação Descritiva, a Representação Temática
e a elaboração de resumos processos inseridos no contexto da Análise Documental e que,
auxiliados por instrumentos específicos, resultam em produtos indispensáveis à busca e
acesso aos documentos e ao conhecimento registrado, atividades localizadas no âmbito do
processo de recuperação da informação.
2.1.3 Recuperação da Informação
Por recuperação da informação entende-se aqui a atividade geral de encontrar e
obter uma informação ou obra desejada. Tanto a recuperação quanto a disseminação dizem
respeito ao acesso de informações por parte dos usuários, mas de maneiras diferentes: na
recuperação o usuário busca a informação procurada e na disseminação a informação é
encaminhada, por meio de ações e instrumentos específicos, para os usuários que
potencialmente delas façam uso. Diante desta distinção, passaremos nossa atenção apenas ao
processo de recuperação da informação, conforme salientado anteriormente.
De acordo com Frederick Holler (apud GROGAN, 2001, p. 10), “a recuperação da
informação é positivamente uma disciplina plenamente desenvolvida e não uma mera
habilitação menor adquirida como subproduto de outros estudos”. A recuperação depende
diretamente da organização da informação. De fato, os bibliotecários organizam os
37
documentos para recuperá-los, para que os aglomerados documentais se tornem acervos e o
simplesmente estoques. Assim, a recuperação da informação é, no final das contas, um dos
objetivos finais das bibliotecas e centros de informação. Mesmo nas bibliotecas com a
finalidade de preservar a memória coletiva contida nos documentos há, no fundo, a
preocupação de conservar para que não se perca o acesso aos mesmos.
Na recuperação da informação o agente em destaque é o usuário, que busca por
determinado informação ou documento. De modo geral, em uma biblioteca convencional um
usuário pode optar entre três meios para obter uma informação: a) indo diretamente ao acervo;
b) por intermédio de um profissional mediador, normalmente chamado de bibliotecário de
referência e; c) utilizando-se de instrumentos que a levem ao documento no qual contenha a
informação procurada, isto é, que façam a ponte entre ela e o documento que lhe será útil: as
bases de dados
10
. Estes três caminhos são, cada um a sua maneira, mediados por produtos e
instrumentos da Biblioteconomia.
A primeira das três pode parecer trivial, mas possui particularidades interessantes
e considerável grau de complexidade. Por mais simples e óbvio que pareça, hoje, a idéia de
um usuário buscar uma informação ou obra percorrendo livremente as estantes de uma
biblioteca, de fato nem sempre foi assim. Durante muito tempo os livros foram ordenados de
acordo com critérios que não o seu conteúdo e por isso, entre outros motivos, os usuários não
tinham acesso direto aos acervos na maioria das bibliotecas e, mesmo naquelas em que isso
era possível, dificilmente encontrariam algum documento desta forma. A busca e a
recuperação eram realizadas por meio de instrumentos como os catálogos, bibliografias etc., e
por intermédio dos profissionais responsáveis pela guarda dos acervos bibliográficos.
No final do século XIX, o bibliotecário Melvin Dewey, interessado em permitir ao
público da biblioteca na qual trabalhava entrar em contato direto com o acervo, desenvolveu
um sistema de classificação bibliográfica que possibilitava ordenar os livros a partir de seus
conteúdos. A ordenação por assuntos representa, deste modo, um grande avanço nos métodos
de organização e de recuperação da informação
11
. No entanto, o ‘percorrer’ as estantes, talvez
por sua aparente simplicidade, tem sido pouco discutido e estudado no âmbito da
Biblioteconomia e da Ciência da Informação, com exceção de alguns teóricos, que se dedicam
ao tópico sob a denominação de browsing, como, entre outros, Olson (2002, p. 11-2), Foskett
(1973, p. 16) e, no Brasil, Naves (1998).
10
Na representação gráfica apresentada (figura 1), estes três caminhos estão representados pelas linhas
vermelhas, que ligam, direta ou indiretamente, os usuários às informações contidas nos acervos bibliográficos.
11
A linha azul da representação gráfica (figura 1) ilustra a ligação entre o processo de classificação e um de seus
produtos finais, a ordenação dos documentos.
38
A segunda maneira de se obter uma informação desejada é conhecida como o
serviço de referência e informação das bibliotecas. O surgimento deste serviço é descrito por
Grogan (2001, p. 24):
Chegara a hora em que os estudiosos não mais conheciam nem mesmo os
nomes de quem escrevia sobre os temas de seu interesse, e então começaram
a procurar livros pelos seus assuntos. A isso os bibliotecários responderam
com mais catálogos de assuntos, sistemas de classificação e ajuda pessoal. A
ampliação do ensino público e o avanço da alfabetização criaram um novo
público leitor. É na assistência exigida por esse novo tipo de leitor, num
novo tipo de biblioteca – a biblioteca pública mantida com impostos –,
principalmente nas grandes cidades industriais da Grã-Bretanha e dos
Estados Unidos, que se pode localizar as origens daquilo que hoje
conhecemos como serviço de referência.
O serviço de referência é realizado por um profissional conhecido como
bibliotecário de referência. Considerada uma atividade recente, em comparação à história das
bibliotecas, o serviço de referência, de acordo com Samuel Rothstein (apud GROGAN, 2001,
p. 2), pode ser definido de maneira geral como “a assistência pessoal prestada pelo
bibliotecário aos leitores em busca de informações”. Contudo, o tipo de assistência não é um
consenso entre os profissionais e pesquisadores da área. Existem duas concepções para este
serviço: a primeira acredita que o serviço de referência deve caracterizar-se por levar ao
usuário a informação que este almeja ou necessita e que, por algum motivo, não a tenha
conseguido por conta própria; a segunda defende que os bibliotecários de referência não
devem entregar a informação simplesmente, mas orientar, instruir os usuários a utilizar os
instrumentos de recuperação e a desenvolver suas próprias estratégias de busca. As duas
concepções podem ser resumidas na oposição: informação versus instrução (GROGAN, 2001,
p. 11-22). Não cabe, aqui, aprofundar esta discussão, nem defender este ou aquele ponto de
vista sobre o serviço de referência. Para este estudo as duas concepções podem ser válidas por
seus resultados: ambas são importantes meios pelos quais os usuários podem recuperar
informações.
Finalmente, a terceira maneira de se obter uma informação ou ter acesso a um
determinado registro do conhecimento é por meio de instrumentos de comunicação entre
usuário-informação. Os mais utilizados são as bases de dados bibliográficas em geral,
especialmente os catálogos. Eles são, ao mesmo tempo, instrumentos e produtos dos
processos de organização e recuperação da informação. Segundo Mey (1995, p. 9), os
catálogos podem ser definidos como “[...] um canal de comunicação estruturado, que veicula
39
mensagens contidas nos itens, e sobre os itens, de um ou vários acervos, apresentando-as sob
forma codificada e organizada, agrupadas por semelhanças, aos usuários desse(s) acervo(s)”.
Os catálogos permitem a recuperação dos documentos a partir de três pontos
essenciais das obras de um acervo: o autor, o título e o assunto
12
. De forma sucinta, as funções
do catálogo, de acordo com a Declaração de Princípios Internacionais de Catalogação
(ENCONTRO..., 2003, p. 3), destinam-se a permitir ao usuário: (1) encontrar recursos
bibliográficos em uma coleção; (2) identificar os recursos localizados; (3) selecionar um ou
mais recursos bibliográficos que atendam a suas necessidades informacionais; (4) adquirir ou
obter acesso a um ou mais exemplares selecionados; e (5) percorrer um acervo por meio da
representação descritiva e temática das obras.
Após esta explanação dos processos, instrumentos e produtos da Organização e
Recuperação da Informação e, de modo geral, da própria Biblioteconomia, trataremos, a
seguir, dos processos e instrumentos da classificação bibliográfica.
12
Atualmente, os catálogos automatizados possibilitam a recuperação de documentos a partir de outras
características, além da autoria, título e assunto.
40
3 CLASSIFICAÇÃO
Neste capítulo trataremos da classificação bibliográfica; primeiro, partindo da
classificação enquanto atividade elementar aos seres humanos, integrante do processo de
construção do conhecimento e mediadora entre estes e o mundo à sua volta; segundo,
passando pela atividade de classificação bibliográfica; terceiro, tratando de seus instrumentos;
e, por fim, abordaremos a Classificação Decimal de Dewey, nosso objeto de estudo. Também
discutiremos, brevemente, duas características dos sistemas de classificação bibliográfica,
bastante mencionadas e discutidas tanto no âmbito teórico quanto prático, relativas à
neutralidade e a universalidade dos mesmos.
Antes, cumpre-nos ressaltar que se buscou apresentar alguns elementos básicos
que julgamos importantes para subsidiar a pesquisa e a discussão aqui pretendida. Abordagens
mais detalhadas e completas podem ser encontradas na literatura corrente, embora,
infelizmente, a maior parte das obras (e as mais atuais) esteja disponível somente em língua
estrangeira. Destacamos, a seguir, alguns destes estudos.
Aspectos sobre a história dos sistemas de organização do conhecimento e das
classificações bibliográficas podem ser encontrados em maior profundidade na obra de San
Segundo Manuel (1996). Uma abordagem mais prática destes instrumentos, embora não deixe
de lado aspectos teóricos e históricos, está disponível na coletânea organizada por Pinto
(1999), que trata, além do procedimento de classificar, da construção e manutenção dos
sistemas de classificação. Nesta linha, também merece destaque o manual de linguagens
documentais elaborado por Gil Urdiciain (2004). A teoria da classificação bibliográfica é
objeto do trabalho de Buchanan (1979). Obra clássica e valiosa é também a Philosophy of
library classification, escrita pelo renomado indiano Ranganathan (1951). Finalmente, uma
análise crítica dos instrumentos de organização e representação do conhecimento, como os
catálogos, listas de cabeçalho de assunto e classificações bibliográficas, pode ser encontrada
em The power to name: locating the limits of subject representation in libraries, de Hope
Olson (2002).
No Brasil, um dos mais abrangentes trabalhos acerca das classificações
bibliográficas é a obra Teoria e prática dos sistemas de classificação bibliográfica, de Alice
Príncipe Barbosa, publicado em 1969. Outras obras bastante conhecidas são: Introdução à
41
teoria da classificação, de Piedade (1983), e Classificação Decimal, de Lentino (1959).
Constatou-se, no decorrer da pesquisa, a ausência de obras atualizadas, em nosso vernáculo,
sobre classificação bibliográfica, tanto do processo em si quanto de seus instrumentos.
3.1 Classificação: pressupostos teóricos
A ação classificatória é um processo histórico que se inicia com o próprio
surgimento da civilização. A literatura corrente frequentemente ressalta a utilização do
processo de classificar em nosso cotidiano. Assim, por exemplo, os estabelecimentos
comerciais utilizam-se da classificação para organizar os seus produtos de acordo com o
acondicionamento adequado das mercadorias e sua utilidade para os clientes; as indústrias
para gerenciar seus estoques, para determinar sua cadeia produtiva etc. Mas não precisaríamos
ir tão longe. Em nossas próprias casas o ato de classificar é amplamente utilizado. Dividimos
os ambientes para fins específicos e, neles, ordenamos os objetos a nossa volta: as cozinhas,
com suas dispensas e armários, e os dormitórios, com seus guarda-roupas e cômodas,
fornecem exemplos inesgotáveis do emprego da classificação e de sua importância para
nossas vidas.
De acordo com Fernandez (1976, p. 266), “[...] a classificação é antes de mais
nada uma operação mental da qual visualizamos o seu produto final. Não é uma função
exclusiva dos bibliotecários. É um trabalho intelectual inerente ao homem [ser humano]”.
Para alguns teóricos, inclusive, o desenvolvimento do conhecimento foi possível devido à
sua capacidade de classificar. Langridge (1977, p.11), por exemplo, destaca que “o fato de
que a maioria das pessoas não percebe o quanto classifica é meramente um indício da
natureza fundamental do processo de classificação”.
Neste sentido, diversos autores apontam para a relação intrínseca entre seres
humanos e a classificação que estes fazem do ambiente em sua volta. Langridge (1977, p.11),
novamente, afirma que “sem a classificação não poderia haver nenhum pensamento humano,
ação ou organização que conhecemos. A classificação transforma impressões sensoriais
isoladas e incoerentes em objetos reconhecíveis e padrões recorríveis”. Piedade (1983, p. 16),
42
por sua vez, diz que classificar “é um processo mental habitual do homem, pois vivemos
automaticamente classificando coisas e idéias, a fim de as compreender e conhecer”.
De fato, a classificação é um processo mental próprio dos seres humanos.
Entretanto, ao contrário do que se pensou durante muito tempo, as classificações não são
naturais ou únicas. Em outras palavras, as classificações, sendo produtos da atividade
humana, são construídas social e culturalmente e, portanto, não são naturais.
Consequentemente, elas também não são únicas, mas múltiplas, e não representam a realidade
ou a verdade em si, mas aspectos da realidade sob determinados pontos de vista. Assim, a
classificação que os indivíduos fazem acerca do mundo em sua volta representa a visão de
mundo destes sujeitos. Porém, uma vez elaboradas e utilizadas e, portanto, aceitas elas
podem influenciar ou mesmo moldar a visão de outros indivíduos a respeito daquela
realidade. Neste sentido, Thomas (1996, p. 62) afirma que:
[...] toda observação do mundo da natureza envolve a utilização de
categorias mentais com que nós, os observadores, classificamos e ordenamos
a massa de fenômenos ao nosso redor, a qual de outra forma permaneceria
incompreensível; e é sabido que, uma vez aprendidas essas categorias, passa
a ser bastante difícil ver o mundo de outra maneira. O sistema de
classificação
13
dominante toma posse de nós, moldando nossa percepção e,
desse modo, nosso comportamento.
A citação acima é um ponto chave para este trabalho e consideramos seu
argumento um de seus pressupostos, na medida em que sustenta a idéia de que, uma vez que
tenhamos assimilado certas categorias do mundo em nossa volta, passamos também a ‘ver’,
ou, no contexto da pesquisa, ‘classificar’ o mundo sob os padrões e categorias da ordenação
vigente. Pretende-se, com isto, demonstrar os pontos ou momentos de influência entre um
determinado sistema de classificação, desenvolvido pelos chamados classificacionistas
(aqueles que idealizam e elaboram os sistemas de classificação) e aqueles que entram em
contato com tais instrumentos: primeiro, os classificadores (que desenvolvem as atividades de
classificação) e, segundo, os usuários. Assim, o classificador é influenciado ao lidar
diretamente com o sistema de classificação, com sua estrutura hierárquica e conceitual e,
consequentemente, com seus valores e concepções de mundo; e, o usuário, ao entrar em
contato com o acervo da biblioteca e, desta forma, com a estrutura conceitual e, novamente,
13
O autor não se refere aos Sistemas de Classificação Bibliográfica, mas a uma espécie de sistema de
classificação geral do ser humano.
43
de valores do sistema de classificação, que se refletem no ordenamento dos documentos nas
estantes.
Retomando a atividade de classificação, vimos a pouco que esta pode ser utilizada
para fins específicos, entre eles, para a ordenação dos documentos, no caso da
Biblioteconomia. Neste contexto, a palavra classificação pode ter dois significados distintos,
embora diretamente relacionados. Primeiro, pode referir-se à atividade, técnica ou processo de
classificar; e, segundo, aos instrumentos que podem ser utilizados neste processo, chamados
de esquemas, tabelas ou, mais comumente, sistemas de classificação bibliográfica. Estes dois
significados (de processo e instrumentos da classificação bibliográfica) estão presentes na
representação gráfica (o segundo, contido em LDs) e serão abordados, a seguir,
separadamente.
3.2 O processo de classificação bibliográfica
A atividade de classificar documentos a partir de seus conteúdos é atualmente tão
usual para a Biblioteconomia que pode parecer estranho, em um primeiro momento, o fato de
esta ser uma prática recente, se comparada à história das próprias bibliotecas. A classificação
por assunto possibilitou a organização dos documentos a partir de seus conteúdos e alterou
consideravelmente a maneira dos usuários interagirem com os acervos e, até mesmo, com a
biblioteca como um todo. Porém, este quadro nem sempre foi assim.
No final do século XIX grande parte das bibliotecas não permitia o acesso direto
dos usuários a seus acervos. A busca e a recuperação das obras eram realizadas (e ainda são,
nas bibliotecas de acervo fechado ao público) por meio de instrumentos, como os catálogos ou
as bibliografias, ou de consultas aos bibliotecários responsáveis pelo atendimento. A
ordenação das obras, por sua vez, era feita por ordem de chegada, ora dividida em grandes
áreas de estudo, ora dividida por ordem de tamanho dos documentos, para maior
aproveitamento do espaço físico
14
. Neste tipo de organização, normalmente as obras são
14
Cf. seção 2.1.2.
44
numeradas em ordem crescente de chegada. Assim, na medida em que novas obras são
inseridas no acervo, elas recebem o número posterior ao da última obra acrescentada e
ocupam o espaço seguinte na estante ou local de acondicionamento, e assim sucessivamente.
Estes procedimentos, embora tenham certas vantagens, acarretam diversas desvantagens para
os usuários, entre elas a de não permitir o acesso direto destes aos livros e documentos da
biblioteca, o que pode prejudicar substancialmente o processo de recuperação da informação e
a utilização dos recursos da mesma.
A partir do século XIX, a classificação bibliográfica começa a receber um
tratamento científico. Desde então, dois nomes se destacaram tanto na prática quanto na teoria
da classificação bibliográfica: Melville Lours Kossuth Dewey (1851-1931) e Shiyali
Ramamrita Ranganathan (1892-1972). Cada um contribuiu, à sua maneira e a seu tempo,
significativamente para o desenvolvimento da classificação documental. O primeiro foi o
idealizador da classificação decimal, que culminou no sistema hierárquico da Classificação
Decimal de Dewey, como veremos em seção posterior, e o segundo elaborou um sistema de
classificação baseado em uma estrutura associativa entre os termos, que abordaremos,
também, posteriormente.
Atualmente diversas são as definições de classificação. Elas se fundamentam em
pressupostos teóricos diferentes que, por sua vez, obedecem ao próprio desenvolvimento da
área de Biblioteconomia. Assim, para Ranganathan (1951, p. 31), por exemplo, “classification
is the process of translation of the name of a specific subject from a natural language to a
classificatory language. Class number is the translation. Classifier is the translator.
Classificationist is the designer of the classificatory language”. Garcia Marco (1999, p. 111),
por sua vez, considera la operación de clasificar como una metodología heurística cuyos
objetivos aunque a veces enfrentados pueden ser formulados con bastante precisión y
compuesta de una serie de fases bien determinadas”. O autor ainda considera que:
La clasificación es una fase esencial de proceso documental, porque conecta
cada documento con el conjunto documental al que pertenece a partir de
una organización conceptual previa, lógica y previsible. La clasificación
consigue convertir de esta forma el conjunto de documentos en un auténtico
sistema de recuperación de la información (Garcia Marco, 1999, p. 128).
De acordo com PINTO (1999, p. 13), a Classificação Documental é
45
[...] un complejo proceso cognitivo imprescindible para filtrar el contenido
de los documentos, formalizarlo y representarlo con ayuda de lenguajes y
notaciones apropriadas. Su principal objetivo es permitir el agrupamiento
de materias o relaciones en clases para facilitar el almacenamiento y
recuperación de información.
Diversos autores destacam a importância da classificação bibliográfica. Langridge
(1977, p. 19), por exemplo, afirma que a “Biblioteconomia consiste na seleção, organização e
disseminação do conhecimento apresentado em várias formas físicas. A técnica mais
importante usada nessa organização é a classificação”. Fernandez (1976, p. 266), na mesma
direção, afirma que a classificação “[...] é a técnica mais importante usada na organização do
conhecimento registrado”. Para Gomes et al. (2006),
[...] a Classificação esteve sempre no centro da Biblioteconomia, da
Bibliografia e da Documentação: a necessidade de se estabelecer alguma
ordem dos documentos para serem rápida e eficazmente encontrados e,
ainda, para permitir ao leitor o browsing nas estantes, foram, sem dúvida,
fatores determinantes para a criação de esquemas de classificação
bibliográficas.
A classificação, conforme abordado anteriormente
15
, é uma forma de
representação temática dos documentos e está inserida no processo de Análise Documental. A
maneira como esta atividade é realizada tem sido discutida por estudiosos de diversas áreas.
Para Garcia Marco (1999, p. 120):
Está claro que si la operación de clasificar es, ante todo, un tipo especial de
comunicación, una traducción, el conocimiento del lenguaje al que debemos
traducir es la condición sine qua non. Pues bien, las tablas de la
clasificación constituyen el diccionario de términos de ese lenguaje; y las
reglas de conexión de los números, su gramática.
Assim, o método de classificação bibliográfica pode variar, entre outros fatores,
com o tipo de instrumento utilizado, principalmente quanto à sua estrutura, se enumerativa
(hierárquica) ou facetada (analítico-sintética)
16
. Como explica García Marco (1999, p. 120),
el criterio principal de organización del esquema de clasificación que afecta a la operación
de clasificar es, sin duda, la existencia o no de facetas, o dicho de otro modo, es necesario
establecer si el sistema de clasificación es facetado o enumerativo”.
15
Cf. seção 2.1.2.
16
Os sistemas de classificação serão apresentados na seção seguinte.
46
Ranganathan (apud GARCIA MARCO, 1999, p. 119) divide a classificação em
três etapas: análise temática ou conceitual, tradução e seleção ou construção da notação. Para
o bibliotecário indiano, as três etapas podem ser situadas em três planos distintos: o plano das
idéias, o plano verbal e o plano notacional. Contudo, a terceira etapa acontece apenas nas
classificações analítico-sintéticas (facetadas) ou mistas. No que se refere à classificação com a
utilização dos sistemas enumerativos, uma das divisões da operação de classificar mais
comuns na literatura propõe apenas as duas primeiras etapas de Ranganathan (análise e
tradução), mas com o desdobramento da primeira etapa em duas, resultando, portanto, em três
etapas finais: análise, síntese e representação.
A análise permite ao classificador identificar o assunto ou assuntos de que trata o
documento. Na etapa seguinte, o bibliotecário deve sintetizar, condensar os assuntos e
conceitos identificados na análise para a etapa final, a representação, na qual estes deverão ser
traduzidos em linguagem natural ou documental. A representação é evidenciada,
normalmente, por meio da notação, a qual trataremos com mais detalhes na próxima seção.
Assim, de acordo com Dias e Naves (2007, p. 9),
a análise de assunto é o processo de ler um documento para extrair conceitos
que traduzam a essência de seu conteúdo. Essa tarefa está sujeita à
interferência de diversos fatores ligados à pessoa daquele profissional, como
nível de conhecimento prévio do assunto de que trata o documento,
formação e experiência, subjetividade, além de fatores lingüísticos,
cognitivos e lógicos.
Aos fatores de interferência, apontados acima, acrescentaríamos os fatores
culturais, que, como se tenta demonstrar neste trabalho, influenciam decisivamente na
elaboração dos instrumentos e no processo de classificação bibliográfica.
O objetivo final do processo de classificação é ordenação sistemática do acervo, a
partir do conteúdo temático dos documentos. Não obstante, diversos autores (BUCHANAN,
1979, p. 119-122; GARCIA MARCO, 1999, p. 128) tem chamado a atenção para a
dificuldade da tarefa de classificar os documentos para uma ordenação sistemática dos livros e
demais registros do conhecimento. Alguns chegam a considerar esta uma tarefa impossível,
uma vez que a classificação estabelece uma ordem sistemática a um universo que não possui
uma ordem a priori, mas múltiplas relações entre os seus objetos e fenômenos. Por isso, este
universo também possui incontáveis possibilidades de ordenamento e classificação. Nas
palavras de Garcia Marco (1999, p. 128), a classificação documental
47
Es, sin embargo, una misión imposible, porque la clasificación del saber
siempre va por detrás del mundo del saber mismo, que, en palabras de
Ranganathan, se caracteriza por su dinamismo, su crecimiento continuo en
múltiples direcciones, su turbulencia, su multidimensionalidad, su infinitud y
su indivisibilidad.
Entretanto, a classificação é imprescindível à organização e acesso ao
conhecimento registrado. Este paradoxo é um dos maiores desafios para a teoria e a prática da
classificação: embora limitada (ou impossível), questionável e, em alguns casos, até nociva, é
um processo fundamental e indispensável para as sociedades nas quais o saber e a memória
são registrados e armazenados em suportes materiais. De qualquer modo, a discutível e
indispensável classificação bibliográfica é uma operação que se desenvolve com o auxílio
decisivo dos instrumentos de classificação.
3.3 Os instrumentos de classificação bibliográfica
Os sistemas de classificação bibliográfica são instrumentos fundamentais no
processo de classificação. As classificações, como são comumente conhecidas, se
desenvolveram a partir da necessidade de se organizar os acervos documentais de acordo com
seu conteúdo. Elas se consolidaram a partir do século XIX, quando “a explosão da informação
resultante da revolução industrial e científica impõe o estabelecimento de esquemas de
classificação baseados em uma ordenação sistemática do conteúdo intelectual dos
documentos” (FERNANDEZ, 1976, p. 266).
As classificações bibliográficas têm como ponto de partida as teorias filosóficas
de classificação do conhecimento. De acordo com Fonseca (1976), “as classificações
filosóficas e as classificações bibliográficas, tendo embora objetivos diametralmente opostos,
estão intimamente ligadas”. A relação entre a organização intelectual do conhecimento e a
organização física dos objetos em que o conhecimento é registrado está no fato de que a
segunda passou a depender, a partir de certo momento histórico, diretamente também da
primeira. Platão (428-347 a.C.) foi o primeiro a dividir o conhecimento humano em bases
48
filosóficas, agrupando-os em física, ética e lógica. Aristóteles também dividiu o conhecimento
em três grupos: ética (economia, política e direito), artes recreativas e teoria (matemática,
física e teologia) (BARBOSA, 1969, p. 40-1).
Mais tarde, Porfírio, em sua célebre Árvore, deu o primeiro exemplo de uma
classificação binária.[...] Mas foi Bacon, com a Chart of Learning o que
maior influência exerceu nos modernos sistemas de classificação, tal como
os de Harris, Jefferson, Cutter e Library of Congres (idem).
A Konrad Gessner (1516-1565) é atribuída a elaboração da primeira classificação
para fins bibliográficos, conforme Barbosa (1969, p. 45):
Por ter sido a primeira tentativa de arrumação metódica dos livros, o sistema
usado por Gessner é considerado como o primeiro esquema e classificação
bibliográfica. Convém lembrar que, na realidade, não era uma arrumação de
assuntos para livros de uma coleção, mas sim para uma bibliografia
impressa, pois os séculos XVI e XVII foram pródigos em livreiros e
bibliografias.
Contudo, somente no século XIX os sistemas de classificação começam a se
consolidar como ferramentas fundamentais na ordenação dos acervos bibliográficos,
principalmente com a classificação de Melvil Dewey. Outro marco na história destes sistemas
foi a classificação elaborada por Ranganathan, não mais enumerativa e hierárquica, como a de
Dewey, mas analítico-sintética e de associação entre as diversas ‘facetas’ dos conceitos a
serem classificados.
Os esquemas de classificação forneceram as bases para a área de Organização da
Informação. De acordo com Fujita (2001, p. 29), “os sistemas de classificação idealizados
com base em concepções da teoria do conhecimento marcam os primórdios da organização do
conhecimento em Biblioteconomia e Documentação”. Neste sentido, os sistemas de
classificação bibliográfica podem ser considerados uma das primeiras Linguagens
Documentais (LDs)
17
. Alguns autores vinculam a própria definição de Linguagem
Documental a tais sistemas. Para Gardin (apud Chaumier, 1971, p. 52), por exemplo, a
Linguagem Documental é “um conjunto de termos e, em certos casos, de processos sintáticos
convencionais, utilizados para representar o conteúdo dos documentos para fins de
classificação ou procura desses documentos”.
17
Ver seção 2.1.2
49
Piedade (1983, p.29) define sistema ou tabela de classificação como
[...] um conjunto de classes apresentado em ordem sistemática. É uma
distribuição de um conjunto de idéias por um certo número de conjuntos
parciais, coordenados e subordinados. Um sistema de classificação inclui
disciplinas e fenômenos. As disciplinas são ramos do conhecimento, ou
formas de conhecimento, que estudam um conjunto de fenômenos
relacionados ou correlatos.
Outras definições são encontradas na literatura da área:
Se puede definir el lenguaje de clasificación como aquél fundado en la
representación estructurada de una o varias áreas del conocimiento, en
clases en las que los conceptos y las relaciones existentes entre ellos se
representan abreviadamente por medio de signos alfabéticos, numéricos o
alfanuméricos (GIL URDICIAIN, 1999, p. 92).
Os sistemas de classificação podem variar de acordo com seu conteúdo e
estrutura. No primeiro caso, eles podem ser enciclopédicos, quando se propõem a abarcar
todo o conhecimento humano, ou especializados, quando tratam de uma determinada área ou
campo do conhecimento. No segundo, quanto à sua estrutura, os sistemas de classificação
tanto os enciclopédicos quanto os especializados podem ser enumerativos, facetados ou
mistos.
Os sistemas enumerativos listam ou, como sugere o nome, enumeram a área do
conhecimento a que se destinam e suas possíveis combinações. São também denominados de
classificações hierárquicas e seu exemplo mais conhecido é a Classificação Decimal de
Dewey (CDD). As classificações analítico-sintéticas, por seu turno, baseiam-se na análise e
síntese dos assuntos contidos no documento a ser classificado e na posterior associação entre
os conceitos levantados neste processo. Em outras palavras, consiste na decomposição do
conteúdo temático do documento e na posterior junção destas partes para a composição do
conceito a que se pretende representar, por meio de símbolos, as notações. Neste tipo se
enquadra a Colon Classification, ou Classificação dos Dois Pontos, desenvolvida pelo célebre
bibliotecário indiano S. R. Ranganathan. Finalmente, as classificações mistas agregam
características dos dois tipos anteriores enumeração e associação dos conceitos e tem
como sua maior representante a Classificação Decimal Universal, elaborada pelos belgas Paul
Otlet e La Fontaine (GIL URDICIAIN, 2004, p. 68-9).
De modo geral, três aspectos são fundamentais aos sistemas de classificação
bibliográfica: os conceitos, as relações entre os mesmos e as notações que os representam. Os
50
conceitos são componentes essenciais dos sistemas de classificação. Para Dahlberg (1993, p.
211), tanto sistemas de conceitos quanto sistemas de classificação podem ser construídos.
Assim, os conceitos são componentes essenciais dos sistemas de classificação. Um conceito
define-se como “unidade de pensamento constituído por propriedades comuns a uma classe de
objetos” (ISO 1087 apud Cintra et al., 2002, p. 50). As autoras explicam também que:
segundo a norma ISO 1087, um sistema nocional define-se como um
‘conjunto estruturado de noções que reflete as relações estabelecidas entre as
noções que o compõem e no qual cada noção é determinada pela sua posição
no sistema’. Não basta, portanto, recuperar as noções, enumerando-as. É
preciso ir além e estabelecer suas posições relativas, o que se obtém por
meio da determinação das relações que as associam (Cintra et al., 2002, p.
50).
Na construção dos conceitos, a definição dos mesmos é de grande importância.
Para Dahlgberg (1978, p. 102), a definição de um conceito é “[...] a compilação de enunciados
verdadeiros sobre determinado objeto, fixada por um símbolo lingüístico.” E complementa:
[...] as definições são pressupostos indispensáveis na argumentação e nas
comunicações verbais e que constituem elementos necessários na construção
de sistemas científicos. Por conseguinte, parece hoje mais do que em
qualquer outra época necessário fazer todos os esforços a fim de obter
definições corretas dos conceitos, tanto mais que o contínuo
desenvolvimento do conhecimento e da linguagem conduz-nos à utilização
de sempre novos termos e conceitos cujo domínio nem sempre é fácil
manter. Percebe-se que as definições dependem do conhecimento que se tem
dos respectivos assuntos (DAHLGBERG, 1978, p. 106-7).
A estrutura de um sistema de classificação influi no tipo de relacionamentos entre
os conceitos ou termos. Nos sistemas de classificação enumerativos a relação predominante
entre os termos é a hierárquica. Nos facetados os termos ou conceitos são relacionados de
maneira associativa. A estrutura básica de uma classificação enumerativa constitui-se de
relações hierárquicas, que podem ser ilustradas pela figura a seguir:
51
Figura 2: Relações hierárquicas nos sistemas de classificação.
Fonte: Cintra et al. (2002, p. 44)
As relações hierárquicas podem ser genéricas, específicas ou partitivas (CINTRA
et al., 2002, p. 44). A respeito de gênero e espécie, Schreiner (1976, p. 195), considera que
[...]
gênero
é uma classe de objetos que possuem um determinado número de
características em comum. Além destas, se levarmos em consideração mais
uma, chamada diferença, podemos dividir o gênero em duas partes,
chamadas espécies, de acordo com a presença ou não desta última
característica. Uma espécie, portanto, possui uma diferença específica que a
distingue de seu gênero próximo.
Entretanto, Piedade (PIEDADE, 1983, p. 26) alerta para o fato de que:
na classificação bibliográfica, gêneros e espécies não são suficientes para
expressar todos os tipos de relacionamentos encontrados na literatura.
Encontramos relacionamentos outros que não aqueles entre gêneros e suas
espécies, como os existentes entre o todo e a parte, a ação e o agente ou o
paciente, a coisa e suas propriedades etc. A roda não é uma espécie de
bicicleta, é uma parte; a destilação é uma ação sofrida pelo petróleo; a
temperatura de 38 graus é uma propriedade dos cães; o pedreiro é um agente
da construção etc.
Existem também outros relacionamentos além dos hierárquicos. As relações
associativas (não-hierárquicas), por sua vez, são de mais difícil definição. Para Cintra et al.
(2002, p. 55-66), “a grande dificuldade para definir as relações associativas não-hierárquicas
provém do fato de que todas as palavras, termos ou conceitos podem se relacionar entre si em
algum momento”. É possível identificar diversos tipos de relações seqüenciais (as autoras
52
supracitadas apresentam mais de vinte), das quais nos interessa, especialmente, a relação entre
conceitos opostos. As autoras afirmam que, “por estarem num sistema relacional, as palavras
devem ser observadas em oposição umas às outras. [...] A ambigüidade das palavras inexiste
se as observarmos como oposição” (CINTRA et al., 2002, p. 72).
O terceiro elemento principal dos sistemas de classificação, a notação, “se trata de
pequeños símbolos ya sean números, letras, colores, y otros, que representan los nombres de
las distintas clases, subdivisiones y otros aspectos, debe de tratarse de una notación sencilla
y manejable” (SAN SEGUNDO MANUEL, 1996, p. 70). Segundo Piedade (1983, p. 39),
a principal finalidade da notação é localizar os assuntos na coleção,
oferecendo um meio para remeter do índice às tabelas do sistema de
classificação e das fichas do catálogo aos documentos, além de possibilitar a
ordenação dos próprios documentos pelos assuntos de que tratam.
A autora apresenta as finalidades da notação, das quais destacamos as seguintes:
1) traduzir em símbolos o assunto dos documentos; 2) localizar, através do índice, a posição
de um conceito nas tabelas de classificação; 3) indicar, no catálogo, onde se encontra
determinado documento; 4) permitir a ordenação lógica dos documentos, segundo os assuntos
de que tratam. Piedade (1983, p. 39) lembra, ainda, que
a notação pode, também, mostrar a subordinação e a relação entre os
assuntos, isto é, ser expressiva. Se tomarmos o número 327 (Política
Exterior), na Classificação de Dewey ou na CDU, saberemos,
imediatamente, que é um assunto de ‘Política’ (32) e de ‘Ciências Sociais
(3) e que está relacionado com 323 (Política Interna).
Tendo discorrido sobre os sistemas de classificação de modo geral, abordaremos,
a seguir, um dos sistemas de classificação mais utilizados nos dias atuais, a classificação de
Melvil Dewey.
53
3.4 A Classificação Decimal de Dewey
Conforme vimos anteriormente
18
, no final do século XIX a ordenação física era
um dos maiores obstáculos para o livre acesso dos usuários aos acervos. Os métodos de
organização de acervos não tinham como critério o conteúdo dos documentos, o que resultava
em um ordenamento, na maioria dos casos, pouco útil para os usuários. Embora houvesse
tempos algumas propostas de classificação do conhecimento e das ciências, a utilização destas
não era possível, pois a ordenação física dos registros do conhecimento deve atender ainda a
outras particularidades. A circulação constante dos documentos, a inclusão de novos itens no
acervo, sem prejuízo para o funcionamento (ou a lógica) do sistema, a ordenação simultânea
de obras gerais e específicas, em um mesmo espaço físico são algumas destas
particularidades. Por isso, com o intuito de atender a estas características e permitir aos
usuários o acesso livre aos acervos da biblioteca, surgiram novas técnicas e procedimentos de
organização dos acervos documentais. É neste contexto que o bibliotecário estadunidense
Melville Lours Kossuth Dewey (1851-1931), que mais tarde abreviaria seu nome para Melvil
Dewey, começou a se interessar e pesquisar acerca da organização dos acervos bibliográficos
(SAN SEGUNDO MANUEL, 1996, p. 74).
Dewey, como outros em sua época, pensou que seria mais útil para os usuários se
as obras fossem organizadas de acordo com seus conteúdos, a partir das disciplinas
comumente utilizadas nos currículos escolares. Assim, Dewey começou a pensar em
alternativas para a ordenação do acervo de sua biblioteca e passou a visitar dezenas de
bibliotecas e a se corresponder com outros bibliotecários. Então, ele esboçou um sistema
baseado na classificação que W. T. Harris usara para dividir o acervo da St. Louis Public
School Library. Harris, por sua vez, havia invertido a divisão do conhecimento proposta por
Francis Bacon, a partir das faculdades intelectuais da Memória, Imaginação e Razão
(BARBOSA, 1969, p. 199). Desta forma, Dewey usou esta inversão para formar as classes de
seu sistema, chegando à seguinte divisão (idem):
18
Cf. seção 3.2.
54
( Filosofia (100)
( Religião (200)
( Ciências sociais (300)
( Lingüística (400)
( Ciências puras (500)
Razão – originando
( Ciências aplicadas (600)
( Belas artes (700)
Imaginação – originando
( Literatura (800)
( Geografia
( Biografia (900) Memória – originando
( História
Esta divisão é considerada a base filosófica da classificação de Dewey. A partir
dela ele elaborou, em 1873, o seu sistema de classificação e, em 1876, publicou-o pela
primeira vez, anonimamente, sob o título de A classification and subject index for cataloguing
and arranging the books and pamphlets of a library (LENTINO, 1959, p. 33). A partir da
segunda edição (1885) o sistema passou a ser publicado com o título Decimal classification
and relative index. Dewey trabalhou na Classificação Decimal até a sua morte, em 1931. Na
edição póstuma, de 1932, o sistema foi mais uma vez renomeado e passou a se chamar, em
homenagem a seu idealizador, Dewey Decimal Classification and relative index, ou,
simplesmente, Classificação Decimal de Dewey (CDD).
A intenção de Dewey foi desenvolver um sistema eminentemente prático. De
acordo com San Segundo Manuel (1996, p. 74), ele
trató de hacer una clasificación eminentemente práctica para el Amherst
College. Esta era una institución media y poco conocida, cuya biblioteca se
asemeja a las bibliotecas municipales europeas, con un carácter de
bibliotecas públicas y escolares. A pesar de ello los ‘colleges’ son una
institución típicamente americana que condicionó al joven Dewey, muy
imbuido en la cultura americana, en su sistema clasificatorio.
Autores consideram que as maiores contribuições de Dewey foram a construção
de uma classificação com notação a partir do sistema numérico decimal e a elaboração de um
detalhado índice relativo. De acordo com San Segundo Manuel (1996, p. 79) “[…] no cabe
duda de que el principal acierto de Dewey fue la aplicación del principio de los números
decimales a una clasificación práctica documental”. O índice relativo foi outro importante
55
fator para o êxito da CDD. Desde o começo, Dewey demonstrou sua convicção na
importância do índice: na primeira edição o índice é a parte mais extensa do sistema, com 18
páginas (12 para introdução e 12 para as tabelas, totalizando 42 páginas) (LENTINO, 1959,
p.33). Conforme Piedade (1983, p. 88),
[...] o índice relativo, anexado por Dewey em seu sistema de classificação,
também foi uma inovação, pois não constava dos sistemas existentes na
época. Parece mesmo que Dewey inicialmente deu uma importância muito
grande ao índice, considerando que, através dele, qualquer pessoa seria
capaz de classificar.
Nos anos subseqüentes, a Classificação Decimal de Dewey foi atualizada e
ampliada constantemente, sendo publicadas vinte e duas edições da mesma. A seguir, as
edições e anos de publicação da CDD:
Edição Data Edição Data
1 1876 12 1927
2 1885 13 1932
3 1888 14 1942
4 1891 15 1951
5 1894 16 1958
6 1899 17 1965
7 1911 18 1971
8 1913 19 1979
9 1915 20 1989
10 1919 21 1996
11 1922 22 2004
A Classificação Decimal de Dewey é um dos instrumentos de organização da
informação mais utilizados em bibliotecas generalistas no Brasil e no mundo. Segundo a Online
Computer Library Center, instituição responsável pela elaboração e publicação de suas últimas
edições, a CDD é utilizada em mais de 200 mil bibliotecas no mundo, em cerca de 140 países e
foi traduzida para mais de 30 idiomas (ONLINE..., 2006).
Atualmente, a Classificação Decimal de Dewey está em sua 22ª edição (DEWEY,
2004), uma obra formada por 4 volumes. O primeiro volume contém os elementos pré-
textuais (apresentação, agradecimentos etc.), introdução, glossário, manual e tabelas
auxiliares, as realocações e descontinuações (em relação à edição anterior) e números
reaproveitados. As tabelas são as seguintes: T1: Subdivisões Padrão; T2: Áreas geográficas,
56
períodos históricos e pessoas; T3: Subdivisões para as artes, para literaturas individuais e para
formas específicas de literatura (subdividida em 3A, 3B e 3C); T4: Subdivisões para
linguagens individuais eLanguages Families’; T5: Grupos étnicos e nacionais
19
; e, T6:
Linguagens. O volume 2 contém os três sumários principais e as tabelas das classes 000 a
500. O terceiro volume é composto pelas tabelas das classes 600 a 900. Por fim, o quarto
volume dispõe o Índice Relativo da obra.
Dewey considerou o conhecimento humano como uma unidade, dividindo-o em
dez classes, que resultam no primeiro sumário da CDD:
000 Ciência da Computação, informação e obras gerais
100 Filosofia e psicologia
200 Religião
300 Ciências Sociais
400 Línguas
500 Ciências
600 Tecnologia
700 Artes e recreação
800 Literatura
900 História e Geografia
Obedecendo ao princípio decimal, cada classe é dividida em dez, resultando nas
100 divisões do sistema, relativas ao segundo sumário. Vejamos, como exemplo, as dez
divisões da classe 300, destinada às Ciências Sociais:
300 Social science, sociology & anthropology
310 Statistics
320 Political science
330 Economics
340 Law
350 Public administration & military science
360 Social problems & social services
370 Education
380 Commerce, communications & transportation
390 Customs, etiquette & folklore
19
Vale destacar que a Tabela 5 da 21ª edição (DEWEY, 1996) recebe o título de Grupos Raciais, étnicos e
nacionais, tendo sido alterado para a edição seguinte.
57
Novamente, cada divisão é formada por dez seções, formando as 1000 primeiras
seções da tabela, o terceiro sumário. Como exemplo, as dez seções da divisão respectiva à
Administração Pública e Ciência Militar, de número 350:
350 Public administration & military science
351 Public administration
352 General considerations of public administration
353 Specific fields of public administration
354 Public administration of economy and environment
355 Military science
356 Foot forces and warfare
357 Mounted forces and warfare
358 Air and other specialized forces and warfare; engineering and related
services
359 Sea forces and warfare
Consideramos importante, também, apresentar as seções da divisão 360,
Problemas sociais e serviços sociais e associações:
Assim, as classes são divididas continuamente, do mais geral ao mais específico.
A divisão decimal das tabelas é crescente, de acordo com o desenvolvimento e a
especialização das ciências e do conhecimento. Cada assunto é representado por um símbolo,
chamado de notação, composto de algarismos arábicos. As notações são consideradas
traduções, em forma de símbolos numéricos, dos conceitos representados pelo sistema de
classificação. Por isso, idealmente, dentro do universo que o sistema objetiva representar,
cada conceito possui um número, uma notação, dentro do referido sistema. Na prática,
360
Social problems & social services; associations
361
Social problems & social welfare in general
362
Social welfare problems & services
363
Other social problems & social services
364
Criminology
365
Penal & related institutions
366
Associations
367
General clubs
368
Insurance
369
Miscellaneous kinds of associations
58
veremos que isto não acontece. Estas unidades conceituais, no entanto, não estão isoladas:
existem enquanto unidades, mas possuem estreita relação com as demais classes do sistema,
por estarem mais próximas ou afastadas umas das outras o que representaria maior ou
menor semelhança entre os conceitos ou assuntos. Estas relações são conseqüências, nas
Linguagens Documentais enumerativas, da estrutura hierárquica destes instrumentos
20
.
Quanto ao seu funcionamento, o próprio sistema apresenta as instruções para o
seu funcionamento. Entretanto, outros autores também se incubem da tarefa e publicam
manuais e obras simplificadas, uma vez que as instruções são, em alguns casos, minuciosas e
complicadas em excesso. Batty (1971), por exemplo, explica em sua obra que a classificação
deve começar pela localização do tema no índice:
The basic operation for finding a class number for any subject are always
the same: first consult the index for the required topic; then check the
number given there in the schedules. In time you may come to know the
schedules so well that you will be able to turn straight to the right area and
look through the schedules for the number that you want, but until then, and
even then if you are dealing with an unfamiliar subject, you will find the
index useful for showing in what classes or disciplines your particular topic
may appear so that you can select the right number.
O procedimento acima é elementar na utilização da Classificação Decimal de
Dewey. Para atribuir um número que represente o assunto de uma obra, então, o classificador
poderá seguir dois caminhos (embora o primeiro não seja aconselhável): ir diretamente às
tabelas ou utilizar-se do índice, que indicará o número na tabela referente a determinado
assunto, fornecendo, em alguns casos, instruções complementares. Nas duas maneiras o
sistema exerce uma espécie de controle no processo de escolha e atribuição da notação, isto é,
na classificação. Por ser o procedimento mais indicado aos classificadores iniciantes, como
relatado anteriormente, o índice possui ainda um expressivo papel na atividade de
classificação e, até mesmo, na formação profissional e pessoal do bibliotecário-classificador.
20
Cf. seção 2.1.2.
59
3.5 Os mitos da neutralidade e universalidade
Durante algum tempo se discutiu sobre uma pretensa neutralidade dos
bibliotecários em suas atividades de organização e recuperação da informação. Esta idéia, se
não estava expressa explicitamente, estava pelo menos implícita nos discursos e atitudes dos
partidários da neutralidade dos bibliotecários. Então, diversos estudos questionaram e
buscaram evidenciar a fragilidade desta visão, demonstrando que estes profissionais não são e
não podem ser neutros em relação às atividades que desempenham: no decurso de sua
atuação, dentro ou fora da biblioteca, não se destituem simplesmente de suas crenças e valores
e, portanto, não podem ser neutros em relação às mesmas. Tais estudos refletem mudanças de
posicionamento que buscam trazer ao bibliotecário as responsabilidades de sua práxis.
Bibliotecários, como quaisquer outros seres humanos, possuem crenças e valores formados e
adquiridos a partir do ambiente em que vivem e podem, no resultado de suas atividades
profissionais, favorecer ou prejudicar determinados segmentos sociais ou mesmo a sociedade
como um todo.
Tendo sido obtido certo consenso na literatura da área em relação à
impossibilidade da neutralidade dos bibliotecários, a discussão, nos últimos tempos, tem se
voltado para os instrumentos de organização e recuperação da informação: são estes neutros
ou refletem visões e valores dos indivíduos que as elaboram e mantêm? No presente estudo a
questão é direcionada, evidentemente, aos sistemas de classificação bibliográfica.
Neste sentido, correntes teóricas passaram a considerar os aspectos sociais e
culturais dos indivíduos inseridos no contexto das bibliotecas. De acordo com Barité (2007, p.
4) parece de sentido común considerar que individuos que pertenecen a diferentes culturas,
cuentan con diferentes necesidades de información y formas diversas de interpretación del
conocimiento establecido”. Esta concepção se baseia, entre outras, no conceito de garantia
cultural. Segundo Beghtol (apud BARITÉ, 2007, p. 45):
La garantía cultural significa que “cada sistema de clasificación está
basado en las premisas y preocupaciones de una cultura determinada, tanto
si la cultura es la de un país, o la de alguna unidad social más pequeña o
más grande (grupos étnicos, disciplinas académicas, dominios del arte,
partidos políticos, religión y/o idioma).
60
Um sistema de classificação é uma representação conceitual do mundo à nossa
volta. Por isso, uma classificação bibliográfica não pode deixar de representar, em sua
estrutura conceitual, as crenças e valores dos indivíduos que a elaboram. Portanto, não pode
representar corretamente, sem os chamados ‘desvios’ (‘bias’, em inglês), as crenças, os
valores de todas as culturas, mas apenas da cultura nas quais os indivíduos que as idealizam,
elaboram e mantêm estão inseridos. Estas considerações questionam os atributos de
neutralidade e universalidade dos processos e produtos da organização e recuperação da
informação.
No entanto, esta visão não é consensual. Alguns autores consideram que, quanto
às classificações bibliográficas, “[...] cumpre ressaltar que não esquema melhor ou pior, há
sim, esquemas que se adaptam melhor a determinadas necessidades. Cabe ao bibliotecário
selecionar o que melhor satisfaça às necessidades do usuário a que serve” (FERNANDEZ,
1976, p. 266). Em pensamento semelhante Esteban Navarro (1999, p. 26), embora defenda a
idéia de não existir um sistema único, sustenta, de certa forma, a neutralidade destes
instrumentos:
No existe un sistema de clasificación esencial, natural o único que sea
adecuado a priori a la naturaleza de la realidad. En consecuencia, no ha
lugar a juzgar en abstracto si una clasificación es mejor que otra, sino que
para ello habrá que atender al contexto en el que se ha construido y al
propósito que persigue. Como máximo, podemos mantener que un sistema
clasificatorio es superior a otro porque puede aplicarse en un número
mayor de contextos, porque desvela un mayor número de relaciones entre
los hechos clasificados y porque posee una estructura más rigurosa.
Em contrapartida, diversos estudos têm levantado objeções sobre a neutralidade
dos instrumentos de organização da informação. Pinho (2006, p. 106), por exemplo, afirma
em recente estudo que “[...] os instrumentos de representação e, inclusive, o ato de classificar
não são neutros. Os idealizadores desses instrumentos, bem como os profissionais da
informação dedicados a essa tarefa, possuem visões de mundo e crenças definidas”. Para o
autor, “é sabido que esses instrumentos [de organização do conhecimento] são carregados de
ideologias e, por isso, não são neutros em relação às questões políticas e culturais” (PINHO,
2006, p. 1). Cintra et al. (2002, p. 58), consideram que “[...] a configuração das LDs é fruto da
organização empírica das propriedades das palavras (e não das coisas), estando fundamentada
em postulados sócio-culturais”. E continua: “as classes, assim obtidas, representam, portanto,
pontos de vista determinados sobre os assuntos” (idem). Desta forma,
61
[...] os sistemas de classificação condicionam a representação a um modo
determinado de leitura que contribui para a manutenção de padrões pré-
estabelecidos. Esses sistemas impõem uma visão particular do
conhecimento, e essa visão é geralmente atribuída pelo seu idealizador.
Assim, quando os bibliotecários aplicam esse sistema de classificação estão
dando aos usuários essa visão particular de mundo (PINHO, 2006, p. 52-3).
McGarry (1999, p. 154) também contribui para a discussão:
as classificações do conhecimento, como os programas dos cursos
universitários, refletem os valores culturais de seu tempo, e, de fato, os
valores das culturas dominantes. [mas] Também refletem mudança [!]. A
filosofia gozava de imenso prestígio entre os gregos; mais tarde seu status
foi reduzido ao de uma ancilla: uma ‘serva’ da teologia. A teologia foi
depois substituída pela filosofia natural, que se transformou nas ciências
naturais.
O autor chama a atenção para o fato de que um sistema de classificação
bibliográfica pode ser tanto um instrumento de conservação quanto de transformação de
valores e outros aspectos culturais. Isto porque, como se tem tentado evidenciar neste estudo,
as classificações podem influenciar na formação de valores e na visão de mundo daqueles que
entram em contato com as mesmas.
O conceito de universalidade, por sua vez, pode ter, pelo menos, dois significados
distintos. Pode-se falar em sistemas de classificação bibliográfica generalistas, enciclopédicos
ou universais, como a Classificação Decimal de Dewey, na concepção de que estes
representam (ou almejam representar) todo o universo de conhecimento disponível até o
momento. Neste sentido, o conceito de classificação universal se opõe ao de classificação
especializada. O segundo significado de universalidade está relacionado à característica,
capacidade ou possibilidade de os instrumentos de organização e recuperação serem utilizados
universalmente, isto é, em quaisquer bibliotecas, independentemente de seu contexto social ou
cultural. Neste caso, o conceito se aproxima de global e se opõe ao conceito de local.
O próprio Dewey recorreu e exaltou muitas vezes a conveniência e a necessidade
da universalidade das classificações bibliográficas, frequentemente sustentando-a sob o
argumento, entre outros, de economia de recursos financeiros e humanos. De acordo com
Hope Olson (2002, p. 18):
62
Dewey bases his scheme on the unquestioned presumption that universality
is not only desirable, but necessary. This universality is characterized by a
focus on sameness privileging it over difference and diversity. To achieve
universality, Dewey creates the structure of DDC as a universal language.
Na décima quarta edição de sua classificação, de 1942, Dewey (apud LENTINO,
1959, p. 250) argumenta que:
sem classificação, catálogos, índices e outros auxiliares que indiquem a
bibliotecários e leitores o que elas possuem sobre determinado assunto,
obtém-se apenas uma fração de seus serviços; devido aos métodos então
usados estes instrumentos podem ser elaborados por um alto preço, o que
os tornava proibitivos a todas as bibliotecas, exceto a algumas muito ricas.
Dewey acreditava, não sem razão, que a elaboração dos mesmos instrumentos de
trabalho, por parte de diversas bibliotecas, era um desperdício de recursos. Dizia ele que:
a grande necessidade era criar um sistema que possibilitasse a cada qual
apoiar sua atividade na de seus predecessores e utilizar inteiramente sua
produção; o trabalho uma vez feito se tornaria permanente, no lugar de algo
deficiente precisando sempre sofrer modificações de modo que não valia a
pena executá-lo da melhor maneira; que permitisse o aproveitamento
máximo de conhecimentos de jovens bibliotecários, ao invés destes
precisarem não apenas aprender como trabalhar, mas até produzir seus
próprios instrumentos (idem).
Atualmente a universalidade é um objetivo nitidamente almejado por parte de seus
responsáveis, a Online Computer Library Center (OCLC). Para tanto, um dos argumentos
apóia-se no tipo de notação pura da CDD, que utiliza somente números arábicos como código
para as classes e divisões da mesma: the DDC provides meaningful notation in universally
recognized Arabic numerals, well-defined categories and hierarchies, and a rich network of
relationships among topics (ONLINE..., 2006a). A instituição enaltece o alcance da
classificação de Dewey, ao afirmar que a CDD: offer library users familiarity and
consistency of a time-honored classification system used in 200,000 libraries worldwide
(ONLINE..., 2006b). Isto significa que inúmeras pessoas entram em contato com sua estrutura
de organização e representação do conhecimento e podem ser, de alguma forma, em maior ou
menor grau, influenciadas pela intrínseca concepção de mundo daqueles que a elaboram, como
vimos há pouco.
63
Contudo, a economia de esforços e recursos na elaboração das classificações
bibliográficas pode ter conseqüências negativas quando adotas em outros contextos culturais.
Para Pinho (2006, p. 106), “os sistemas de representação do conhecimento que se pretendem
universais têm, na maioria das vezes, refletido desvios e, dessa forma, disseminado uma
estrutura de conhecimento que, para um determinado grupo social, não é válido ou aceito”.
Beghtol (apud BARITÉ, 2007, p. 5), afirma que
[…] un sistema de organización del conocimiento que es apropiado para
los elementos de una cultura puede no reconocer elementos que son
altamente importantes para alguna otra cultura, y estas exclusiones
plantean problemas debido a que necesitamos integrar conocimiento a
través de fronteras culturales, geográficas y lingüísticas.
Portanto, os sistemas de classificação, porque refletem os valores, as crenças, as
visões de mundo de seus idealizadores, não podem ser neutros em relação aos aspectos
culturais, ao menos não em um contexto de sociedades com culturas diversificadas. Em outras
palavras, a universalidade é incompatível com a diversidade cultural. Na medida em que esta
diversidade diminuir, ou mesmo se extinguir, tal sistema pode vir a ser universal, mas, neste
caso, o próprio conceito de universal perde o sentido inicial, no qual um sistema de
classificação poderia ter a qualidade de servir a diferentes culturas. Por isso, tais instrumentos
não podem ser universais e, logo, devem ser construídos e mantidos dentro do contexto
cultural em que serão utilizados. Do contrário, provavelmente implicarão em desvios ou até
mesmo preconceitos ou desrespeito para com as outras culturas. Desta forma, no que se refere
à utilização de ferramentas como a Classificação Decimal de Dewey, tomamos emprestado o
questionamento de Mey (2007): “por que não deixamos para copiar dos americanos apenas o
que nos interessa e fazemos com que nossas bibliotecas reflitam a cultura brasileira?”. Por
ora, as nossas bibliotecas, ao menos a ordenação de seus acervos, estão refletindo a cultura
estadunidense.
64
4 A PAZ COMO OBJETO DE ESTUDO
Com a finalidade de oferecer um entendimento apoiado na literatura levantada
apresentaremos a temática da paz em três momentos: primeiro, o debate acerca dos conceitos
de paz e guerra; segundo, o movimento denominado Cultura de Paz; e, por fim, a formação da
área do conhecimento que se tem desenvolvido nos últimos anos, conhecida por Estudos para
Paz.
4.1 O conceito de paz
Ultimamente, a palavra paz tem sido amplamente abordada, conclamada com
fervor por alguns ou vislumbrada com melancolia por outros. Pode-se constatar o seu
emprego nas mais diversas circunstâncias e locais. A paz está presente na fala e no discurso
de muitas pessoas, de eminentes políticos e chefes de Estado a cidadãos comuns e anônimos.
Na televisão, nos jornais, enfim, nos meios de comunicação em geral, também se discute
sobre a paz e como torná-la realidade. Apesar de seu emprego constante, a compreensão
acerca da paz não tem avançado. E, como acontece com algumas palavras que são utilizadas
em excesso, paz tem se desgastado e o entendimento de seu significado tem se tornado cada
vez mais difícil e distante.
De fato, o significado de paz está longe de ser consensual. Ao longo do tempo
surgiram diferentes concepções de paz, sendo mais ou menos aceitas e mantidas, de acordo
com o momento histórico em que foram formuladas. As transformações históricas do conceito
de paz variam em torno das diferentes definições de guerra, num primeiro momento, e
violência, num momento posterior. Apresentaremos sucintamente o percurso do conceito de
paz: primeiro, a concepção da paz como ausência de conflitos ou violência; e, em um
65
momento seguinte, como ausência de diferentes tipos de violências. Finalmente, também se
discute a busca por uma definição positiva de paz.
Durante algum tempo, no Ocidente, a paz foi entendida simplesmente como
ausência de guerra ou conflito e, de fato, esta visão está presente até os dias atuais. Diversos
autores explicitam a definição de paz como ausência de guerra. Aron (1986, p.220), por
exemplo, afirma que
[...] até hoje a paz nos tem aparecido como a suspensão, mais ou menos
durável, das modalidades violentas da rivalidade entre os estados. Costuma-
se dizer que ‘reina a paz’ quando o intercâmbio entre as nações não se
manifesta por meio de formas militares de luta.
Na mesma direção, Bobbio et al. (2004, p. 910) afirmam que “na sua acepção
mais geral, Paz significa ausência (ou cessação, solução, etc.) de um conflito”. Quanto aos
conflitos, o autor distingue aqueles próprios a um sujeito daqueles ocorridos entre indivíduos,
aos quais se denominam, respectivamente, conflitos internos e externos, e resultam,
consequentemente, nos conceitos de paz interna e paz externa. De acordo com Bobbio et al.
(2004, p. 910):
Por Paz interna entendemos a ausência (ou cessação, etc.) de conflito
interno, conflito entre comportamentos ou atitudes do mesmo autor (por
exemplo, entre dois deveres incompatíveis, entre dever e prazer, entre razão
e paixão, entre o interesse próprio e o interesse de outrem). Por Paz externa
entendemos a ausência (ou cessação, etc.) de conflito externo, o conflito
entre indivíduos ou grupos diversos.
Neste trabalho nos interessa a paz externa
21
. Para fins de delimitação do estudo,
no que se refere à definição paz, o tipo de conflito abordado é a guerra. Segundo Bobbio et al.
(idem), “acerca da definição de Paz, a primeira consideração que importa fazer é a de que a
Paz não pode ser definida senão em relação e em estreita ligação com a definição de
‘guerra’”. Desta forma, o autor chama a atenção para a constatação da oposição entre os
conceitos de paz e guerra:
21
Embora consideremos que os conceitos de paz interna e paz externa estejam intimamente ligados, o que não é
considerado por muitos autores do tema, no presente trabalho, para fins de delimitação temática, considerar-se-á
apenas o que se denomina paz externa.
66
[...] enquanto muitas vezes entre dois termos opostos um é definido por meio
do outro, como movimento’ (ausência de quietude) ou ‘quietude’ (ausência
de movimento), no caso dos dois contrários paz-guerra –, é sempre o
primeiro que é definido por meio do segundo e não vice-versa. Em outras
palavras, enquanto ‘guerra’ é definida positivamente com a enumeração de
conotados caracterizantes, ‘paz’ é definida negativamente como ausência de
guerra, mais abreviadamente como não-guerra. Dos dois termos em questão,
diz-se que o primeiro é o termo forte, o segundo, o termo fraco (BOBBIO,
2003, p. 139).
O autor explica a insistente definição negativa de paz:
Quando os dois termos de uma oposição não são ambos definidos
positivamente, isto é, independentemente um do outro, ou ambos
negativamente, isto é, um em dependência do outro, ou seja, quando dos
dois termos um é sempre o termo forte e o segundo sempre o termo fraco, o
termo forte é aquele que indica o estado de fato existencialmente mais
relevante (BOBBIO, 2003, p. 140).
Sob esta perspectiva, a definição de paz depende da definição de guerra. Desta
forma, para definir guerra recorremos novamente a
Bobbio (2003, p. 142-3)
:
as definições de guerra são tais e tantas, com diferenças de nuanças de uma
para outra, que devo contentar-me aqui com uma indicação genérica (de
resto, é notório que as diferentes definições de um conceito dependem da sua
maior ou menor extensão, que por sua vez é delimitada com muita margem
de arbítrio pelo pesquisador). As mais freqüentes conotações de ‘guerra’ são
estas três: a guerra é, (a) um conflito, (b) entre grupos políticos
respectivamente independentes ou considerados como tais, (c) cuja solução é
confinada à violência organizada. [...] Enfim, por violência entende-se: (a) o
uso da força física, (b) intencionalmente dirigida para o efeito desejado por
parte do sujeito ativo, e (c) não consentida por parte do sujeito passivo.
Referindo-se ao termo ‘violência organizada’ desta definição, Bobbio (idem)
esclarece o acréscimo da palavra ‘organizada’: “[...] o conceito de guerra não se estende tanto
a ponto de compreender, mesmo entre grupos políticos, explosão de violência esporádica, não
duradoura, acidental”. O trecho mostra a fragilidade da definição negativa de paz. A partir
dela, seria considerada pacífica a relação entre dois paises em situação de conflitos pontuais
ou violência esporádica. Por isso, alguns autores que propõem a mudança do conceito de paz
de ausência de guerra para ausência de violência. Novamente, a definição de paz depende da
definição de seu oposto, no caso, a violência.
67
De acordo com Chauí (1996, p. 337) a violência é entendida em nossa cultura
como “o uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de
modo contrário à sua natureza e ao seu ser”. O uso da violência por e entre seres humanos tem
sido recorrente desde tempos remotos, em todos os níveis da sociedade. Para Bobbio et al.
(2004, p. 1291):
Por violência entende-se a intervenção física de um indivíduo ou grupo
contra outro indivíduo ou grupo (ou também contra si mesmo). Para que haja
violência é preciso que a intervenção física seja voluntária [...]. Além disso,
a intervenção física, na qual a violência consiste, tem por finalidade destruir,
ofender e coagir.
Os autores diferenciam dois tipos de violência, a direta e a indireta. A violência
é direta quando atinge de maneira imediata o corpo de quem sofre. É indireta
quando opera através de uma alteração do ambiente físico no qual a vítima
se encontra (por exemplo, o fechamento de todas as saídas de um
determinado espaço) ou através da destruição, da danificação ou da
subtração dos recursos materiais. Em ambos os casos, o resultado é o
mesmo: uma modificação prejudicial do estado físico do indivíduo ou do
grupo que é alvo da ação violenta (BOBBIO et al., 2004, p. 1291).
A partir da segunda metade do século XX, o conceito de violência foi ampliado e
ampliou-se também o conceito de paz. Estas definições foram-se modificando com o passar
do tempo e com o surgimento de novas idéias e concepções acerca da paz e do problema da
violência. De fato, são muitas as definições de violência, muitas das quais se desdobram em
diversas tipologias. Entre estas, destaca-se a concepção do norueguês Johan Galtung (1969, p.
168), para quem “[...] violence is present when human beings are being influenced so that
their actual somatic and mental realizations are below their potential realizations”. Neste
sentido, o autor define violência como a causa da diferença entre o estado potencial e o atual,
entre o que poderia ser e o que é. Galtung exemplifica a definição com a seguinte situação: a
morte de pessoas devido à tuberculose no século XVIII provavelmente não poderia ser
considerada uma violência. Contudo, as mortes causadas pela doença (situação ‘atual’, de
acordo com a definição do autor), em pleno século XXI, quando as condições técnicas e
tecnológicas, bem como os recursos médicos em todo o mundo poderiam tê-las evitado
(situação ‘potencial’), tornam este acontecimento uma violência. Utilizando-se desta
definição, Galtung amplia as definições tradicionais de violência e propõe dois tipos de
68
violência: a violência pessoal e a estrutural. A primeira, ele caracteriza como direta, visível e,
portanto, facilmente identificável; a segunda, como indireta, invisível e, em muitos casos, de
difícil constatação. A partir delas, Galtung elabora uma nova definição de paz, que seria a
ausência de violência pessoal e estrutural (GALTUNG, 1969, p. 183).
O diferencial da concepção de Galtung foi trazer para a reflexão sobre a paz,
como outros autores vinham tentando, a discussão de outros problemas sociais, além da
violência, e cujas soluções seriam condição necessária para se chegar à paz de fato, e não
apenas a um estado de ausência de violência direta. As duas tipologias de violência abriram
margem para uma discussão mais ampla da definição positiva de paz. Embora elas
signifiquem, ainda, ‘ausência’, a violência do tipo estrutural começou a ser vista, como
também já vinha sendo dito, como problemas relacionados à distribuição desigual de recursos
e poder, à fome, ao desrespeito à diversidade cultural, à depreciação do meio ambiente, enfim,
a todo o conjunto de fatores que levam ao que é denominado injustiça social. Assim, paz
passou a ser definida negativamente como ausência de violência pessoal e estrutural e
positivamente como a plena realização da justiça social.
Embora este tenha sido um passo considerável para a discussão teórica acerca da
paz, a sua definição, em partes, de justiça social ainda é discutível. Bobbio et al. (2004, p.
660-1), por exemplo, expõem que
a justiça é um fim social, da mesma forma que a igualdade ou a liberdade ou
a democracia ou o bem-estar. Mas há uma diferença importante entre o
conceito de justiça e os outros citados. Igualdade, liberdade, etc., são termos
descritivos. Embora abstratos e teóricos, podem ser definidos de tal modo
que as afirmações em que se evidenciam são verificáveis, de um modo geral,
pelo simples confronto com a evidência empírica. [...] A justiça, de seu lado,
é um conceito normativo e expressões como estas: ‘esta ação ou esta norma
ou esta instituição não é justa’ ou ‘é de justiça instituírem-se leis fiscais
igualitárias’ representam juízos normativos e não afirmações descritivas. [...]
A justiça não é uma coisa e muito menos uma coisa visível, mesmo em
sentido platônico.
Desta forma, a definição de paz pode tornar-se também pouco ‘verificável’ e
continuar em um grau de abstração que pode dificultar, ou mesmo impedir, que seus
desdobramentos, tanto no campo teórico quanto prático, se desenvolvam de fato para a
realização da paz.
Atualmente, um dos desafios atuais acerca do conceito da paz tem sido a busca
por uma definição desvinculada dos conceitos de guerra, conflito ou violência. Busca-se,
69
assim, por uma definição positiva de paz, ao contrário das definições negativas predominantes
até o momento. Em outras palavras, a dificuldade tem sido dizer o que a paz é, e não o que ela
não é (não é guerra, violência, conflito etc.). Portanto, a concepção da paz como ausência de
guerra ou conflito pode ser constatada ainda nos dias atuais, embora críticas e visões opostas a
este significado venham ganhando espaço. Assim, as discussões apresentadas (de maneira
muito sucinta aqui, dada a amplitude da temática) são consideradas, a partir das idéias de
Galtung, como a semente para o campo do conhecimento que se tem formado, a partir da
segunda metade do século XX, denominado de Estudos para a Paz, como veremos mais
adiante. Antes, trataremos da Cultura de Paz.
4.2 A Cultura de Paz
Existem diferentes perspectivas para abordar o problema da violência entre os
seres humanos. Em geral, elas tentam responder, primeiramente, à seguinte questão: qual a
origem da violência? Destas abordagens, duas se destacam: uma sustenta que a violência é
tipo de comportamento natural aos seres humanos, isto é, uma característica inata; a outra
considera que a violência é cultural, ou seja, adquirida pelos indivíduos, a partir dos
ambientes em que vivem. De maneira geral, a primeira visão foi predominante, em detrimento
da segunda, mas, a partir da metade do século XX estudos passaram a contestar as teorias
naturais de origem da violência e a defender a concepção cultural da origem da violência.
Estes estudos compõem as bases para a Cultura de Paz, como veremos adiante.
A reflexão acerca das duas abordagens exige, de início, uma aproximação aos
significados de Natureza e Cultura. De acordo com Chauí (1996, p. 291-2), no pensamento
ocidental a palavra Natureza possui vários sentidos. Entre eles, destacamos o sentido de
70
organização universal e necessária dos seres segundo uma ordem regida por
leis naturais. Neste sentido, a Natureza se caracteriza pelo ordenamento dos
seres, pela regularidade dos fenômenos ou dos fatos, pela freqüência,
constância e repetição de encadeamentos fixos entre as coisas, isto é, de
relações de causalidade entre elas. Em outros termos, a Natureza é a ordem e
a conexão universal e necessária entre as coisas, expressas em leis naturais.
É neste sentido de natureza que se tem em conta quando se consideram
determinadas características naturais como as origens e causas de certos fatos e
comportamentos individuais ou coletivos. É o que acontece com a interpretação da violência
enquanto característica ou fenômeno próprio da natureza humana.
A palavra Cultura, por sua vez, possui, de acordo com Chauí (1996, p. 291-2),
dois significados iniciais. O primeiro vem
[...] do verbo latino colere, que significa cultivar, criar, tomar conta, cuidar,
Cultura significava o cuidado do homem com a Natureza. Donde:
agricultura. Significava, também, cuidado dos homens com os deuses.
Donde: culto. Significava ainda, o cuidado com a alma e o corpo das
crianças, com sua educação e formação. Donde: puericultura (em latim, puer
significa menino; puera, menina). A Cultura era o cultivo ou a educação do
espírito das crianças para tornarem-se membros excelentes ou virtuosos da
sociedade pelo aperfeiçoamento e refinamento e refinamento das qualidades
naturais (caráter, índole, temperamento).
Neste sentido,
[...] a Cultura é o aprimoramento da natureza humana pela educação em
sentido amplo, isto é, como formação das crianças não pela alfabetização,
mas também pela iniciação à vida da coletividade por meio do aprendizado
da música, dança, ginástica, gramática, poesia, retórica, história, Filosofia,
etc. [...] neste primeiro sentido Cultura e Natureza não se opõem. Os
humanos são considerados seres naturais, embora diferentes dos animais e
das plantas. Sua natureza, porém, não pode ser deixada por conta própria,
porque tenderá a ser agressiva, destrutiva, ignorante, precisando por isso ser
educada, formada, cultivada de acordo com os ideais de sua sociedade. A
Cultura é uma segunda natureza, que a educação e os costumes acrescentam
à primeira natureza, isto é, uma natureza adquirida, que melhora, aperfeiçoa
e desenvolve a natureza inata de cada um (CHAUI, 1996, p. 292-3).
Então, a partir do século XVIII cultura passa a significar “[...] os resultados
daquela formação ou educação dos seres humanos, resultados expressos em obras, feitos,
ações e instituições: as artes, as ciências, a Filosofia, os ofícios, a religião e o Estado”
(CHAUÍ, 1996, p. 292). Assim, começa a haver a separação entre natureza e cultura.
71
Posteriormente, esta separação resultará na oposição entre os conceitos. Chauí
(1996, p. 293)
ressalta que:
os pensadores consideram [...] que entre o homem e a Natureza uma
diferença essencial: esta opera mecanicamente de acordo com leis
necessárias de causa e efeito, mas aquele é dotado de liberdade e razão,
agindo por escolha, de acordo com valores e fins. A natureza é o reino da
necessidade causal, do determinismo cego. A humanidade ou cultura é o
reino da finalidade livre, das escolhas racionais, dos valores, da distinção
entre bem e mal, verdadeiro e falso, justo e injusto, sagrado e profano, belo e
feio.
A abordagem da violência natural aos seres humanos tem sido amplamente
sustentada e defendida. No meio acadêmico, inúmeros autores compartilham deste ponto de
vista. Tal posicionamento (porque é, de certa forma, uma escolha do cientista) é nítido na
explanação de Dadoun (1998, p. 10), para citar apenas um exemplo:
‘Violência’ vem do latim vis que significa violência, mas também ‘força’,
‘vigor’, ‘potência’; vis designa mais precisamente o emprego da força’, ‘as
vias de fato’, assim como a ‘força das armas’. Muito esclarecedor para nós é
o fato de que vis serve para marcar o ‘caráter essencial’, a essência’ de um
ser o que solidifica nossa hipótese da violência como essência do homem
(essência bem singular, na verdade, posto que ‘auto-destrutiva’ por
vocação).
E continua:
Remontando às trevas do tempo, o extermínio é uma das práticas
características do homo sapiens. Os massacres e os genocídios pontuam todo
o curso da história. Homens, agrupados em torno de uma crença ou de um
projeto, precipitam-se sobre seus semelhantes mas semelhantes diferentes
– para matá-los, matá-los em massa, matar o maior número possível [...].
Da mesma forma, inúmeras pesquisas supostamente comprovariam a veracidade
da perspectiva natural da violência, baseando-se no fato de a violência ser constatada ao longo
da história dos seres humanos. Ela tem como base o princípio de que esta seja uma
característica de origem biológica e, portanto, transmitida geneticamente aos mesmos. Outro
argumento desta visão apóia-se na interpretação do comportamento de outros seres da
natureza, tidos como violentos, e igualando-os ao comportamento humano. De fato, a
transposição de comportamentos animais para justificar certos comportamentos dos seres
72
humanos não acontece somente no caso da violência, mas de outros aspectos sociais. De
acordo com Thomas (1996, p. 73):
Os estudos de muitos antropólogos sugerem que é uma tentativa constante
do pensamento humano projetar, no mundo da natureza (e particularmente
no reino animal), categorias, e valores derivados da sociedade humana para,
depois, trazê-los de volta à ordem humana, que criticarão ou defenderão,
justificando determinado arranjo social ou político com base em que de
algum modo seria mais ‘natural’ que outros possíveis. A diversidade das
espécies animais foi usada, inúmeras vezes, para dar apoio conceitual à
diferenciação social entre seres humanos; e devem ter existido poucas
sociedades nas quais a ‘natureza’ nunca tenha sido solicitada a conferir
legitimidade ou justificação.
Assim, muitos consideram esta abordagem limitada e inadequada. Atribuir a
origem da violência à hereditariedade genética pode trazer ao problema da violência a
concepção fatalista de que o mesmo não possui solução. Ainda que os fatores biológicos
sejam também determinantes ao comportamento dos seres humanos, não se podem considerar
apenas estes, desconsiderando a influência que o meio exerce sobre os mesmos.
Entretanto, o pensamento de Dadoun, exposto anteriormente, apóia-se num forte
argumento: de fato, a violência acompanha os seres humanos desde os primórdios. Para
explicar ou fundamentar a concepção de que a guerra e a violência são inerentes aos seres
humanos, frequentemente sustenta-se o argumento de que os homens, durante toda sua
história, sempre estiveram de alguma forma envolvidos em guerras ou recorrido à violência
para resolver seus conflitos. Aron (1986, p. 219) explicita esta visão:
a guerra é de todas as épocas e de todas as civilizações. Os homens sempre
se mataram, empregando instrumentos fornecidos pelo costume e a técnica
disponível: com machados e canhões, flechas ou projéteis, explosivos
químicos ou reações atômicas; de perto ou de longe; individualmente ou em
massa; ao acaso ou de modo sistemático.
Atualmente, apesar dos esforços dos defensores da paz, em suas diferentes
acepções e em distintos momentos no decorrer da história, a deflagração da violência pode ser
constatada em todo o planeta. Nos incontáveis casos de violência urbana ou nas situações de
Estados em guerra declarada, como nos recentes casos de guerra no Oriente Médio, ou em
guerras civis não declaradas, como no caso dos conflitos nas periferias das regiões
metropolitanas do Brasil, verifica-se uso de violência como meio de resolução de conflitos.
73
A Ploughshare (PROJECT..., 2007), entidade canadense que tem como uma de
suas atividades a elaboração de relatórios das atuais zonas de guerra no mundo, relata que, em
2006, havia vinte e nove (29) situações de conflito armado em todo o planeta, distribuídos em
25 países diferentes. O quadro pode ser visualizado em um mapa
22
, no qual se pode ver a
concentração dos conflitos armados em África, Ásia e Oriente Médio. No continente americano,
apenas dois casos são apontados: Colômbia e Haiti (PROJECT..., 2007). Os países envolvidos
em todos estes conflitos optaram pela via armada para resolvê-los. No entanto, esta via (ou
meio) para resolver os conflitos mostra-se cada vez mais limitada e inadequada (BOBBIO,
2003).
Contudo, a presença da guerra e da violência no percurso histórico da humanidade
não pode ser usada para legitimar a naturalidade da violência. Este fato pode ser explicado,
não porque a guerra seja natural dos homens, mas porque socialmente os seres humanos
sempre viveram e se organizaram em culturas de guerra e da violência. Esta abordagem tem
como base, entre outras, a de que “a sociologia do conhecimento compreende a realidade
humana como uma realidade socialmente construída(BERGER e LUCKMANN, 1974, p.
246, grifo nosso) e, portanto, não determinada geneticamente, como defende a perspectiva da
violência natural.
Por isso, entre outros fatores, estudiosos de diferentes campos do conhecimento se
reuniram em Sevilha, Espanha, em maio de 1986, para discutir e questionar a concepção da
violência natural aos seres humanos. O documento final do encontro ficou conhecido como
Declaração de Sevilha (ADAMS, 1986). O documento começa com a refutação da
violência como característica natural aos seres humanos:
Acreditando ser nossa responsabilidade como pesquisadores de diversas
disciplinas tratar da questão da violência e da guerra, reconhecendo que a
ciência é um produto cultural humano que não pode ser definitivo nem
exaustivo, e gratos pelo apoio das autoridades de Sevilha e dos
representantes da UNESCO espanhola, nós, abaixo assinados, professores do
mundo todo e autoridades nos ramos científicos pertinentes, nos reunimos e
chegamos a este Manifesto sobre a Violência. Nele questionamos certos
assim chamados achados da biologia que têm sido usados, até mesmo por
algumas de nossas especialidades, para justificar a violência e a guerra. Pelo
fato destes ditos “achados” terem provocado uma atmosfera de pessimismo
em nosso tempo, propomos que a rejeição aberta e ponderada dessas
descobertas equivocadas poderá contribuir significativamente para o Ano
Internacional da Paz.
22
Segue o mapa em anexo.
74
David Adams, um dos responsáveis pela Declaração de Sevilha e envolvido com
projetos de Cultura de Paz da UNESCO desde 1993, relata a importância do documento:
A Declaração de Sevilha, que eu representei em Yamoussoukro, foi o
fundamento para a cultura de paz, pois demonstrava cientificamente que a
guerra se funda em fatores culturais ao invés de biológicos. Não foi por
acaso que esse tema foi colocado pela famosa antropóloga Margaret Mead,
nem que a primeira idéia de fazer uma tal Declaração tenha surgido do
antropólogo Santiago Genoves. Embora metade dos cientistas que redigiram
e assinaram a Declaração fossem cientistas sociais, a outra metade vinha das
ciências biológicas, incluindo-se a etologia, neurofisiologia, comportamento
animal e genética. Todos concordaram que dentro da biologia não se
conhece qualquer fato que impeça a abolição da guerra (ADAMS, 2003).
Juntamente com a Declaração de Sevilha outros pesquisadores passaram a
defender esta linha de pensamento. De acordo com Galtung (2004):
Es necesario rechazar el malentendido popular que asegura que “la
violencia es propia de la naturaleza humana”. El potencial para la
violencia, así como para el amor, son propios de la naturaleza humana;
pero las circunstancias condicionan la realización de dicho potencial. [...]
Las grandes variantes de la violencia pueden explicarse fácilmente en
función de la cultura y estructura: violencia cultural y estructural causan
violencia directa, y emplean como instrumentos actores violentos que se
rebelan contra las estructuras y esgrimen la cultura para legitimar su uso
de la violencia. Obviamente, la paz también debe construirse desde la
cultura y la estructura, y no sólo en la “mente humana.
Neste sentido, partilhamos do posicionamento que considera que as diferentes
manifestações de violência são produtos históricos das próprias sociedades (CENTRO...,
2002, p. 27). Este tipo de interpretação do problema da violência está muito distante das
leituras que buscam origens biológicas para o mesmo. Embora não se desconsiderem estas por
completo, parte-se aqui “[...] da constatação de que são as próprias sociedades que constroem
os tipos de violência” (CENTRO..., 2002, p. 27).
Portanto, de acordo com a abordagem da origem cultural da violência, o motivo
dos seres humanos terem vivenciado situações de conflito e de violência durante toda sua
história es no fato das sociedades, às quais os mesmos pertenciam (e pertencem), não
estarem apoiadas em valores como os evidenciados por uma cultura para a paz. É a partir
desta abordagem que parte o movimento social Cultura de Paz.
A Cultura de Paz parte do reconhecimento (e da denúncia) da existência de uma
Cultura de Guerra vigente nas sociedades contemporâneas. Nestas sociedades a violência se
75
manifesta de diferentes maneiras, entre elas como recurso ou método para a resolução de
conflitos. Partindo da premissa anteriormente vista de que a violência é uma característica
cultural dos seres humanos, podemos dizer então que as sociedades estão imersas em Culturas
de Guerra, como é o caso atualmente. A Cultura de Paz surge como um movimento em
oposição às constantes situações de guerra entre os Estados e nações.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO), o conceito de Cultura de Paz surgiu no fim da Guerra Fria, após o
International Congress on Peace in the Minds of Men, realizado na África, em 1989
(UNESCO, 2000). A Cultura de Paz consiste de valores, atitudes e comportamentos que
reflitam e inspirem a interação social e a participação, baseadas nos princípios da liberdade,
justiça e democracia, direitos humanos, tolerância e solidariedade; que rejeitem a violência e
tentem prevenir e solucionar conflitos por meio do diálogo, garantindo o pleno exercício dos
direitos e a participação de todos no processo de desenvolvimento de sua sociedade. Na
Declaração e no Programa de Ação para uma Cultura de Paz, a UNESCO (1999) destaca que
uma Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de
vida baseados:
a) No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-
violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação;
b) No pleno respeito aos princípios de soberania, integridade territorial e
independência política dos Estados e de não ingerência nos assuntos que são, essencialmente,
de jurisdição interna dos Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e o
direito internacional;
c) No pleno respeito e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais;
d) No compromisso com a solução pacífica dos conflitos;
e) Nos esforços para satisfazer as necessidades de desenvolvimento e proteção do
meio ambiente para as gerações presentes e futuras;
f) No respeito e promoção do direito ao desenvolvimento;
g) No respeito e fomento à igualdade de direitos e oportunidades de mulheres e
homens;
h) No respeito e fomento ao direito de todas as pessoas à liberdade de expressão,
opinião e informação;
i) Na adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância,
solidariedade, cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos
76
os níveis da sociedade e entre as nações; e animados por uma atmosfera nacional e
internacional que favoreça a paz.
Pode-se dizer que a UNESCO foi a organização que lançou o movimento de
Cultura de Paz. Desde 1996 o conceito integra os projetos e programas da organização e
atualmente o movimento pode ser encontrado por todo o mundo. Neste sentido, um amplo
movimento para uma cultura de paz vem acontecendo desde o final do culo XX. O ano de
2000 foi eleito pela UNESCO como o Ano Internacional para a Cultura da Paz e os anos de
2001 a 2010 como a cada Internacional da Cultura da Paz e da Não-Violência para as
Crianças do Mundo. Um relatório dos avanços e dificuldades dos cincos primeiros anos do
decênio para a paz foi produzido e disponibilizado em 2005.
Contudo, a Cultura de Paz, uma vez que surge em oposição à Cultura de Guerra,
que se tem perpetuado ao longo da história em diversas sociedades, não existe concretamente.
Pelo menos não até o momento, conforme Colombo (2006, p. 73): “de fato, estou convencido
de que não existe a cultura da paz: estamos sempre à sua procura, mas, infelizmente, não
temos cultura da paz”. Neste sentido, Diamond (s.d.) explica que:
[...]not having experienced a culture of peace, we don’t actually know—any
of us—exactly what it feels like, sounds like, looks like, as an integrated way
of life. It exists for humanity as a dream, a hope, a vision, which we are in
the early stages of realizing. We do, however, know what some of the key
elements of a peace culture are.
Alguns aspectos específicos da Cultura da Paz estão diretamente relacionados à
Ciência da Informação, notadamente a livre circulação e o direito à informação. A
Biblioteconomia, buscando incorporar estes valores no desenvolvimento das etapas do
tratamento documentário, incluindo, portanto, a Organização da Informação, possui grande
potencial para contribuir com a questão. A Federação Internacional de Associações de
Bibliotecas (INTERNATIONAL..., 2002) declara que “a liberdade de acesso à informação,
independentemente de suporte e fronteiras, é uma responsabilidade primordial da biblioteca e
dos profissionais da informação” e “o livre acesso à informação é essencial para a liberdade, a
igualdade, o entendimento mundial e a paz”.
Logo, as bibliotecas podem exercer importante papel como instituições para o
entendimento, a divulgação e a promoção da Cultura de Paz. Para tanto, seus profissionais
precisam estar dispostos a repensar o mundo e buscar posturas de questionamento e reflexão
para a transformação social. Neste sentido, torna-se fundamental questionar se as ferramentas
77
de organização da informação utilizadas pela Biblioteconomia no caso, a CDD estão
preparadas para lidar com a nova concepção de mundo proposta pela Cultura de Paz.
4.3 Os Estudos para a Paz
A reflexão sobre a paz não é recente. Muito se tem dito e pensado sobre a paz,
desde a Antigüidade até os dias atuais, idéias vindas de pensadores das mais diversas áreas do
conhecimento. Seria arriscado dizer quem foi o primeiro a escrever sobre o tema. Contudo, os
trabalhos sobre paz sempre foram feitos, de certa forma, isoladamente. Foi somente após a II
Guerra Mundial que cientistas começaram a juntar esforços para investigar o problema da
violência. A ocorrência e os resultados de duas guerras mundiais em um intervalo de 40 anos
convenceram os cientistas (ou, pelo menos alguns deles) de que o problema da guerra
adquirira urgência por solução e dimensões grandes demais para ser resolvido pelas ciências
isoladamente
23
. Os anos que se seguiram àquele trágico acontecimento mostraram também
que a paz não poderia ser considerada apenas a ausência de guerra ou violência explícita,
como foi demonstrado com a Guerra Fria. Em suma, os estudiosos de distintas disciplinas
interessados na questão almejaram formar uma nova disciplina, ou ciência, que viriam a se
constituir nos Estudos para Paz, ou Peace Research, seu equivalente em inglês.
A tradução do termo em inglês para a nossa língua merece um parêntese. A
tradução do termo Peace Research ainda não é um consenso na literatura nacional. É comum
encontrar o termo Research traduzido tanto como Pesquisa quanto Estudo. Ambos os termos
são frequentemente encontrados para as traduções no Brasil, a saber: Estudos (ou Pesquisa) de
Paz, Estudos da Paz Estudos sobre Paz, e Estudos para Paz. Optamos pela última
24
, por ser
encontrada com maior freqüência e por se aproximar mais da conotação de Estudos pela Paz,
um importante ponto a ser considerado, como salientam Bobbio et al (2004, p. 917): “[...] a
23
quem diga, inclusive, que não apenas a falta de esforço conjunto impossibilitaria as ciências e disciplinas a
lidar com o problema da guerra, mas que as ciências modernas em si não conseguem lidar com a complexidade
dos problemas atuais, como a fome, a violência, o esgotamento dos recursos naturais, entre outros. Para alguns, a
ciência moderna é resultado da sociedade moderna; para outros, o contrário; mas, em ambos os casos se
verificam as limitações das ciências contemporâneas.
24
Em um ou outro momento utilizamos outras traduções, para dar fluência ao texto.
78
PR [Peace Research] acolhe algumas exigências apresentadas pelos que são por uma acepção
lata [sic] do termo Paz e se caracteriza, ao mesmo tempo, não como pesquisa sobre a Paz,
mas também como pesquisa pela Paz”. Sob esta perspectiva, a Pesquisa para a Paz:
Torna-se assim, fundamentalmente, um ramo da ciência aplicada,
entendendo-se como tal aquela parte da pesquisa científica que estuda as
condições de consecução de um certo fim ou valor (como a saúde na
medicina). [...] contribuem para ela [a PR] as mais variadas e diversas
disciplinas como a ciência política, a sociologia, as relações internacionais, a
economia, a psicologia, a história, a filosofia, o direito internacional, a
estatística, a matemática, a demografia, etc.
Os Estudos para a Paz constituem, de acordo com o Núcleo de Estudos para a Paz
(2008):
[...] uma área de pesquisa da maior importância no panorama da
investigação-ação em ciências sociais. O seu pressuposto básico é o de que
às várias facetas da violência (não física e directa, mas também estrutural
e cultural) correspondem diferentes patamares de paz (não a ausência de
guerra, mas equilíbrio ambiental, justiça econômica e social, liberdade e
participação política e tolerância e abertura multicultural). Cabe à
investigação desvelar os mecanismos produtores das violências e identificar
as correspondentes estratégias da construção da paz como dinâmicas de
transformação social.
Neste sentido, os Estudos para Paz tomam forma como uma espécie de vertente
acadêmica (ou científica) dos movimentos pacifistas. De acordo com Bobbio et al. (2004, p.
875):
Por pacifismo se entende uma doutrina, ou até mesmo um conjunto de idéias
ou de atitudes, bem como o movimento correspondente, marcados por estas
duas características: a) condenação da guerra como meio apto para resolver
as contendas internacionais; b) consideração da paz permanente ou perpétua
entre os Estados como um objetivo possível e desejável.
Para Galtung (1969, p. 183):
79
[...] peace theory is intimately connected not only with conflict theory, but
equally with development theory. And peace research, defined as research
into the conditions past, present and future of realizing peace, will be
equally intimately connected with conflict research and development
research; the former often more relevant for negative peace and the latter
more relevant for positive peace, but with highly important overlaps.
Entretanto, a constituição do campo científico dos Estudos para Paz não eslivre
de críticas e ressalvas. Uma delas se para os estudos sobre paz apoiados na definição
negativa de paz
25
:
Podemos falar da pesquisa sobre a Paz em sentido estrito como de uma
atividade científica que visa o estudo das condições de eliminação da guerra
e, mais em geral, da violência armada como métodos de condução e solução
dos conflitos de grupo. Mas à PR, assim entendida, pode-se contrapor a
objeção de estar politicamente comprometida, pois favorece o status quo, ou
seja, o sistema internacional vigente, com todas as suas diversas formas de
exploração do homem (BOBBIO et al., 2004, p. 917).
Apesar disso, não se pode negar a importância dos Estudos para Paz na busca pela
compreensão do que seja de fato a paz. O desenvolvimento deste campo é de grande
importância para as práticas e movimentos sociais pela paz. E neste ponto está também um
dos desafios da PR, uma vez que “um problema particularmente importante e dramático que
enfrentam os peace researchers é o da utilização dos resultados obtidos no campo teórico da
investigação como contribuição para a efetiva realização de uma Paz estável no mundo”
(BOBBIO et al., 2004, p. 918).
Desta forma, o tratamento adequado dos Estudos para a Paz nas bibliotecas pode
representar uma contribuição, ainda que modesta, para o avanço deste recente campo de
estudos.
25
Cf. seção 3.1
80
5 ANÁLISE DE DADOS E RESULTADOS
Tendo vem vista a importância do tema da paz e de seus desdobramentos no
campo teórico (Estudos para Paz) e prático (Cultura de Paz) procedeu-se, neste capítulo,
considerando-se o referencial teórico apresentado, a análise do tratamento dado à temática da
paz na Classificação Decimal de Dewey (CDD). A análise limitou às duas últimas edições da
Classificação Decimal de Dewey, a 21ª (DEWEY, 1996) e a 22ª (DEWEY, 2004), as quais
denominaremos, a partir daqui, de CDD21 e CDD22, respectivamente. A aproximação das
edições teve o intuito de possibilitar uma comparação e, a partir do deslocamento histórico,
verificar os possíveis avanços, retrocessos ou permanências em relação ao tratamento dado à
temática. Buscou-se verificar, analisar e discutir a ocorrência dos termos paz, guerra, Cultura
de Paz e Estudos para a Paz, em suas formas utilizadas na língua inglesa, idioma da CDD:
peace, war, Culture of Peace e Peace Research. Quando necessário, apresentamos também a
ocorrência de termos correlatos. Optou-se por realizar uma análise das duas últimas edições
da Classificação Decimal de Dewey
26
. Desta forma, iniciamos, a partir dos referidos
conceitos, com uma breve análise da CDD21. Em seguida, considerando os mesmos termos,
passamos para uma análise mais detalhada da CDD22. Cumpre-nos ressaltar que uma análise
igualmente detalhada das duas edições seria inviável, dada as limitações desta pesquisa.
O procedimento para a análise seguiu, basicamente, as etapas do próprio processo
de classificação, desconsiderando, logicamente, as etapas de análise e síntese e efetuando a
última etapa do processo, a tradução dos conceitos (analisados e sintetizados) para a notação
do sistema de classificação utilizado. Em outras palavras, atribuindo um símbolo para o
conceito, enquanto assunto, nas tabelas da Classificação Decimal de Dewey. Nesta etapa,
conforme visto anteriormente, deve-se iniciar pela busca do tema a ser classificado no índice.
Assim iniciamos, também, a nossa análise, a seguir.
No índice da CDD21 encontramos as seguintes notações para os termos guerra e
paz:
26
Buscou-se manter os trechos transcritos das obras analisadas na língua e com sua formatação originais.
81
Termo Notação
Peace 303.66
War 303.66
Como se pode observar, a CDD21 atribui, no índice, a mesma notação para ambos
os conceitos. Uma vez que cada notação deve representar um determinado conceito na
estrutura hierárquica da Classificação Decimal de Dewey, logo de início observa-se que o
tratamento dado aos conceitos de paz e guerra é inadequado, considerando-se as razões
teóricas apresentadas. Vejamos como o número de classificação é tratado nas tabelas:
303
.66 War
Including pacifism, sociology of war
Class war a cause of social change in 303.027; class the art and science of warfare in 355-359.
Class military, diplomatic, political, economic, social, welfare aspects of a specific war with the
history of the war, e. g., of World War II 940.53
For civil war, see 303.64
Nas tabelas o tratamento dado à paz é ainda mais questionável. Note-se que a
entrada do número de classificação omite o termo paz, que é considerado apenas em nota,
abaixo da entrada (including pacifism). Assim, a entrada da notação, em contradição com o
índice (CDD21), não faz menção ao termo tratamento da temática da paz e, portanto, ao
conceito de paz. O bibliotecário, nesta situação, ao se deparar com documentos que tenham
como conteúdo o assunto paz, e procedendo da maneira como orienta a própria Classificação
Decimal de Dewey e outros autores (Batty, 1971), encontra no índice uma notação que remete
a uma divisão na tabela que não se refere à paz, mas à guerra! A conseqüência disso pode ser
nociva não apenas para o bibliotecário/classificador. O usuário que buscar no acervo obras
sobre paz encontrará estas misturadas com as obras sobre guerra, tendo sua tarefa dificultada
ou, até mesmo, impedida. Embora esta situação possa ser evitada com o emprego de outras
técnicas ou instrumentos de recuperação, como os catálogos, por exemplo, não se pode (e não
se deve) considerar que estes existirão em todas as bibliotecas ou que serão desenvolvidos
corretamente, de modo a permitir o recuperação que a ordenação nas estantes dificulta, na
82
situação acima. Outro ponto é que a ordenação das obras poderá agregar, em seu conjunto,
significados além daqueles contidos nas obras, individualmente. A mensagem que se passa
para os usuários é, portanto, que paz e guerra são sinônimos, transmitindo-lhes a falta de
compreensão sobre a paz contida na classificação de Dewey.
Realizando o desdobramento da notação, temos o seguinte:
300 Social sciences
303 Social process
303.6 Conflict
303.66 War
Este mecanismo permite visualizar a hierarquia do sistema de classificação à qual
o conceito de guerra está (e o de paz deveria estar) subordinado. E, ainda, mais uma
contradição: a notação 303.66, subdivisão que, segundo o índice, deveria ser também para o
termo paz, está subordinada, isto é, está inserida na divisão de assunto “conflito”. Além disso,
nota-se que os termos guerra (303.66) e conflito (303.6) estão subordinados à seção
“processos sociais”, o que sugere estes fenômenos como próprios de nossa sociedade,
evidenciando características de uma cultura de guerra. A propósito, o termo Cultura de
Guerra, como era de se esperar, não foi encontrado. A ausência do termo pode ser entendida
se considerarmos que faz parte das sociedades imersas em uma cultura da guerra e da
violência não se considerarem como tal. Como vimos, o termo Cultura de Guerra surge
enquanto oposição ao conceito de Cultura de Paz, que representa ao mesmo tempo um
movimento social e um estado ou arranjo social ideal, ainda não alcançado ou conhecido de
fato pelas sociedades.
Da mesma forma, o termo Cultura de Paz e Estudos para a Paz não configuram no
índice e não foram encontrados nas tabelas da CDD21. Discutiremos sobre esta constatação e
possíveis alternativas na análise da CDD22, para a qual passamos a analisar, a seguir, com a
finalidade de comparação entre as duas edições.
Partindo do levantamento dos conceitos de paz e guerra na 22ª edição da CDD,
verifica-se, no índice, a seguinte situação:
Termo Notação
Peace 303.66
War 355.02
83
A princípio, a CDD22 parece lidar de maneira mais adequada com os conceitos de
paz e guerra, atribuindo uma notação para cada termo. Veremos, adiante, porque tal mudança
não configura um avanço. Antes, apresentaremos as ocorrências dos termos paz e guerra no
índice da CDD22:
Peace
arts
T3B –
Civil War (United States)
ethics
religion
Christianity
Islam
international politics
law of nations
literature
history and criticism
specific literatures T3B –
history and criticism T3B –
social theology
Buddhism
Christianity
Hinduism
Islam
Judaism
World War I
World War II
see also Social history
303.66
700.458
358
973.712
172.42
205.624 2
241.624 2
297.562 42
327.172
341.73
808.803 58
809.933 58
080 358
093 58
201.727 3
294.337 273
261.873
294.517 273
297.27
296.382 7
940.312
940.531 2
Agora, entradas dos termos formados pela composição ao termo paz:
84
Peace conferences
Peace Corps (U.S.)
Peace movements
sociology
Peace pipe
[...]
27
Peace treaties
Peaceful occupation
law of nations
Peaceful settlement of disputes
international relations
law of nations
Sociology
Peacekeeping forces
law of nations
Peacekeeping operations
341.73
361.6
327.172
303.66
399
341.66
341.722
303.69
327.17
341.52
303.69
355.357
341.584
355.4
A seguir, as entradas do termo Guerra no índice da CDD22:
War
arts
T3C –
effect on natural ecology
ethics
religion
Buddhism
Christianity
Hinduism
Islam
Judaism
folklore
history and criticism
law
literature
history and criticism
specific literatures T3B –
history and criticism T3B –
military science
social effects
social theology
Buddhism
Christianity
355.02
700.458
358
577.274
172.42
205.624 2
294.356 242
241.624 2
294.548 624 2
297.562 42
296.362 42
398.27
398.358
341.6
808.803 58
809.933 58
080 358
093 58
355.02
303.485
201.727 3
294.337 273
261.873
294.517 273
27
Foram omitidas as entradas nas quais o termo Paz se refere a nomes próprios, como nomes de locais, acidentes
geográficos etc.
85
War (cont.)
social theology (cont.)
Hinduism
Islam
Judaism
Sociology
294.517 273
297.27
296.382 7
303.66
E as entradas dos termos formados em composição com o termo Guerra:
War and emergency legislation
War and emergency powers
administrative law
constitutional law
War crimes trials
War crimes
criminal law
law of nations
War customs
War dances
War games
military science
recreation
War loan interest
War memorials
see also Monuments
War neuroses
medicine
see also Mental disorders
War news
journalism
War of 1812
War of nerves
War power (Legislative bodies)
War relief
War risk insurance
War risk life insurance
War victims
T1
law of war
social group
social services
War with Algiers, 1815
343.01
342.062
342.041 2
341.690 268
364.138
345.023 8
341.69
399
399
355.48
793.92
336.182
725.94
616.852 12
070.433 3
973.52
327.14
328.346
363.349 88
368.14
368.364
305.906 95
086 949
341.67
305.906 95
363.349 8
973.53
86
A primeira e mais evidente constatação do levantamento dos termos é que o termo
guerra possui mais entradas no índice e nas tabelas da CDD22. É, portanto, um tema de maior
freqüência e mais evidente no sistema de classificação em questão.
Pode-se notar, também, que se na 22ª edição da Classificação Decimal de Dewey
os termos paz e guerra não possuem a mesma notação, o mesmo não acontece com as entradas
secundárias, que remetem os termos para as diferentes classes ou disciplinas, nas diferentes
abordagens destes enquanto assuntos. Esta constatação pode ser melhor visualizada no quadro
a seguir, no qual colocamos lado a lado a transcrição das ocorrências dos termos no índice.
Para evidenciar a equivalência das notações destacamos as entradas que se repetem tanto em
paz quanto em guerra, agrupando-as em conjuntos de termos. Segue o quadro:
Peace
arts
T3B –
Civil War (United States)
ethics
religion
Christianity
Islam
international politics
law of nations
literature
history and criticism
specific literatures T3B –
history and criticism T3B –
social theology
Buddhism
Christianity
Hinduism
Islam
Judaism
World War I
World War II
see also Social history
303.66
700.458
358
973.712
172.42
205.624 2
241.624 2
297.562 42
327.172
341.73
808.803 58
809.933 58
080 358
093 58
201.727 3
294.337 273
261.873
294.517 273
297.27
296.382 7
940.312
940.531 2
War
arts
T3C –
effect on natural ecology
ethics
religion
Buddhism
Christianity
Hinduism
Islam
Judaism
folklore
history and criticism
law
literature
history and criticism
specific literatures T3B –
history and criticism T3B –
military science
social effects
social theology
Buddhism
Christianity
Hinduism
Islam
Judaism
Sociology
355.02
700.458
358
577.274
172.42
205.624 2
294.356 242
241.624 2
294.548 624 2
297.562 42
296.362 42
398.27
398.358
341.6
808.803 58
809.933 58
080 358
093 58
355.02
303.485
201.727 3
294.337 273
261.873
294.517 273
297.27
296.382 7
303.66
Quadro 2: Comparação dos termos paz e guerra no índice da CDD22.
Desta forma, constata-se que a maior parte dos termos relativos a guerra estão, no
índice, dispostos também sob o termo de paz. Este fato reforça a afirmação de que a
87
Classificação Decimal de Dewey trata o termo paz como sinônimo de guerra. No mais,
demonstra a arbitrariedade do sistema com relação aos termos: os termos Budismo,
Hinduismo e Judaísmo não são dispostos sob o assunto de ética da religião. Não deixa de ser
curioso, também, a referência a três guerras como entradas secundárias de paz: a Guerra Civil
dos Estados Unidos da América, a I Guerra Mundial e a II Guerra Mundial. Nota-se, ainda,
que o termo sociologia, em Guerra, remete para a mesma notação do termo Paz (303.66).
Com os termos compostos, por sua vez, não ocorre esta mesma equivalência.
O próximo passo do procedimento de classificação bibliográfica é verificar nas
tabelas do sistema o número indicado no índice. Vejamos, então, como as notações 303.66 e
355.02, referentes aos termos Paz e Guerra, estão apresentados nas tabelas da CDD22:
303
.66 War and peace
Including pacifism, sociology of war
Class war a cause of social change in 303.485; class prevention of war in 327.172; class causes
of war in 355.027; class the art and science of warfare in 355-359. Class military, diplomatic,
political, economic, social, welfare aspects of a specific war with the history of the war, e. g., of
World War II 940.53
For civil war, see 303.64
Portanto, constata-se que nas tabelas a falta de compreensão para o conceito de
paz continua, a despeito da atribuição de números distintos, no índice, para os termos paz e
guerra. Nesta edição a Classificação Decimal de Dewey reserva explicitamente um único
número para os dois conceitos. E, ainda, ao conceito de guerra é reservado mais uma notação:
88
355
.02 War and warfare
Class here conventional warfare, total war; comprehensive works on military strategy
Class defense in 355.03
For strategy in military operations, see 355.4
See also 341.6 for law of war
[…]
Neste caso a notação é subdividida, fornecendo outros números de classificação
para tópicos mais específicos. Na prática, verifica-se uma maneira a mais de classificar o tema
guerra na CDD22. Embora a classe 350 (Ciências militares) já existisse na 21ª edição,
somente na 22ª o índice orienta para a classificação de guerra nesta divisão. Mais uma vez,
um tratamento especial, por assim dizer, à temática da guerra.
Abaixo, os desdobramentos das duas notações apresentadas acima:
300 Social sciences
303 Social process
303.6 Conflict and conflict resolution
303.66 War and peace
No desdobramento de paz na CDD22 verificam-se algumas mudanças em relação
à edição anterior. Aqui é possível visualizar mais uma vez a estrutura hierárquica conceitual
da Classificação Decimal de Dewey, na qual a subdivisão Conflict and conflict resolution
poderia (e deveria) ter sido dividida em duas novas subdivisões, uma para cada termo, uma
vez que também representam temas distintos, embora intimamente ligados.
O número de classificação de Guerra na CDD22, por sua vez, é diferente da
CDD21, de acordo com os índices dos respectivos sistemas. Vejamos como fica o seu
desdobramento:
300 Social sciences
350 Public administration and military science
355 Military science
355.02 War and warfare
89
Aqui, podemos notar o termo guerra subordinado às divisões Ciência Militar,
Administração Pública e Ciências Sociais. Pelo menos dois pontos merecem destaque.
Primeiro, a nomeação, por parte da Classificação Decimal de Dewey, de uma classe
denominada Ciência Militar. Segundo, o fato de esta ‘ciência’ estar vinculada à
Administração Pública. Portanto, pode-se notar o vínculo da guerra na estrutura social (e,
portanto, cultural) refletida na Classificação Decimal de Dewey, pelo vínculo entre as
categorias Military science e Public administration, denotando a intrínseca relação da guerra
com nossas sociedades.
De fato, existem inúmeras divisões e subdivisões para tratamento do termo guerra
nas tabelas da CDD22. Discutiremos apenas mais um exemplo. No índice, uma das entradas
compostas pelo termo guerra é Social services (363.349 8), subordinada à entrada War
victims. Vejamos como o termo é apresentado nas tabelas:
363.349 8
War
For civil defense, see 363.35
See also 303.66 for sociology of war
Realizando o desdobramento desta divisão temos a seguinte hierarquia conceitual:
300
360
363
363.3
363.34
363.349
363.349 8
Social sciences
Social problems & social services
Other social problems & social services
Other aspects of public safety
Disasters
Specific kinds of disasters
War
Neste caso, a notação objetiva reservar uma divisão para a classificação dos
serviços prestados às vitimas de determinados desastres. A guerra é aqui um dos tipos de
desastres, que são os seguintes (omitindo-se as subdivisões de cada tipo):
90
363.349
.349 2
.349 3
.349 5
.349 7
.349 8
Specific kinds of disasters
Disasters caused by weather conditions
Floods
Earth quakes and volcanoes
Disaster induced by human activity
War
Pode-se notar que a CDD22 distingue os tipos de desastre a partir da natureza dos
mesmos. O sistema enumera alguns desastres naturais e reserva uma divisão para os desastres
causados não por forças naturais, mas pelos seres humanos. Interessante notar que a guerra
não é incluída nesta categoria, pois não está subordinada à mesma, como se a guerra fosse
também algum tipo de desastre natural. Sob a ótica da Cultura de Paz, como vimos no
capítulo 4, este tratamento é inadequado, uma vez que tem a guerra como um tipo de desastre
natural, retirando equivocadamente a responsabilidade dos seres humanos para a mesma.
Estes foram alguns exemplos do tratamento dado aos conceitos de paz e guerra.
Como se pode verificar, o conceito de guerra é mais detalhado e está mais presente na
CDD22. Passaremos, agora, para o levantamento e análise dos Estudos para Paz.
Também na CDD22 não encontramos o termo Estudos para Paz (Peace
Research). Em contrapartida, diversos outros números de classificação são reservados para o
desenvolvimento científico voltado e aplicado à guerra, nas diversas classes e subdivisões da
Classificação Decimal de Dewey. Em vista da ausência dos Estudos para Paz, discutiremos
alguns aspectos desta, que podíamos considerar como tendo certa oposição entre aqueles.
A Military research ou, como também poderíamos chamá-la, a “War Research” é
explicitamente considerada nas tabelas da CDD22:
355.07
Military research and development
Limited to military aspects
Class here relation of military science to science and technology;
comprehensive works on military aspects of research and development of
equipment, supplies, weapons
Class interdisciplinary works on military research and development in
338.473 550 7
For procurement and contracting aspects of research and development of
equipment and supplies, see 355.621 2; for military aspects of research and
development (other than procurement and contracting) of specific kinds of
equipment and supplies, see 355.8
91
E mais: a divisão de número 355 da CDD22, destinada à chamada Ciência Militar,
prolonga-se por 29 páginas, com as subdivisões e especialização dos conceitos próprios do
sistema. Reforçando, nenhuma menção é feita aos Estudos para Paz. Pelo menos, não no
índice, o que nos leva a inferir que não o seja nas tabelas.
A mesma omissão acontece com a Cultura de Paz. No entanto, conforme
discorrido anteriormente, quando da análise da CDD21, é compreensível o fato de não
encontrarmos um espaço no sistema para classificar o termo Cultura de Guerra. Contudo,
algumas divisões merecem destaque.
Na classe Military research encontramos a seguinte situação:
355.1
Military life and customs
Class here conditions of military employment
For social and welfare services provided to soldiers and dependents, see
355.34
SUMMARY
[…]
28
355.11
355.12
355.13
355.14
355.15
355.16
355.17
Service periods, promotion and demotion, termination
Living conditions
Conduct and rewards
Uniforms
Colors and standards
Celebrations, commemorations, memorials
Ceremonies
Na divisão 390 (Customs, etiquette & folklore) encontra-se uma seção destinada a
receber as obras referentes aos costumes de guerra.
399
Customs of war and diplomacy
Including dances, peace pipe
Class protocol of diplomacy in 327.2; class customs of military life in 355.1;
class cannibalism in 394.9
28
A notação 3551.1 não foi transcrita na íntegra (continuam as subdivisões apontadas em ‘summary’).
92
Além destes, a CDD22 reserva inúmeros outros espaços para o tema da guerra,
praticamente em todas as classes do sistema. Na entrada da classe 900, por exemplo, logo
após o seu cabeçalho, encontra-se a seguinte nota:
900 History, geography, and auxiliary disciplines
Class here social situations and conditions; general political history; military, diplomatic,
political, economic, social, welfare aspects of specific wars.
Assim, ressaltamos que não se pretendeu, nestas análises, esgotar as
possibilidades de discussão e questionamento acerca da estrutura conceitual da CDD, no que
se refere ao tratamento da paz e do problema da guerra e as conseqüências de sua utilização,
para bibliotecários e usuários, na formação de seus valores culturais. A paz enquanto tema ou
assunto a ser classificado não deveria apenas ter um termo específico, mas deveria receber
tratamento em diferentes disciplinas da Classificação Decimal de Dewey.
As divisões apresentadas indicam a forte presença do conceito de guerra na
estrutura conceitual da Classificação Decimal de Dewey e, portanto, em sua representação do
universo do conhecimento. O tratamento prioritário do conceito de guerra, em detrimento do
conceito de paz, indica, entre outros fatores, um reflexo de nossas sociedades, nas quais a
guerra é o estado socialmente mais relevante
(BOBBIO, 2003, p. 140)
29
. Não obstante, esta
aceitação da guerra como meio de resolução de conflitos, culturalmente construída, tem sido
criticada pela Cultura de Paz e pelos Estudos para Paz.
Por serem instrumentos que refletem os valores e demais aspectos culturais
daqueles que o elaboram e mantêm, os sistemas de classificação devem ser utilizados em seu
local de origem e o importados e utilizados por bibliotecários inseridos em outros contextos
sociais e culturais. Assim, uma determinada coletividade que pretenda preservar sua cultura
deve elaborar os seus próprios instrumentos de organização da informação. Sugere-se,
portanto, que os bibliotecários responsáveis por organizar a informação registrada busquem
elaborar os seus próprios instrumentos. Tais ferramentas podem ser compartilhadas por
instituições inseridas em contextos culturais próximos e compatíveis com o de seus criadores.
Além disso, estes instrumentos devem ser elaborados tendo em conta a cultura local e a Cultura
de Paz e seus valores, contrários à Cultura de Guerra, a começar pela distinção entre os
29
Cf. seção 4.1
93
conceitos de paz e guerra, bem como evidenciando a condenação da guerra e da violência em
quaisquer de suas formas, inclusive como meios de resolução de conflitos.
Paralelamente, os instrumentos de organização da informação não apenas refletem
os valores da sociedade, mas podem ser também objetos de câmbio entre diferentes agentes
sociais. Desta forma, eles podem ser tanto instrumentos de conservação e manutenção dos
valores sociais, quanto de mudanças e transformações. A relação de influência entre a
sociedade e os sistemas de representação e organização do conhecimento é mútua. Por isso, o
tratamento adequado da temática da paz em um sistema de classificação pode fazer com que
os indivíduos que entram em contato com este sistema, ou com os produtos das atividades
desenvolvidas com o mesmo, tenham igualmente uma compreensão mais adequada sobre a
paz.
Embora os conceitos de guerra e paz estejam diretamente relacionados um ao
outro, eles não são sinônimos, como se tentou demonstrar. Infelizmente, a equivalência no
tratamento dos conceitos paz e guerra é evidente na Classificação Decimal de Dewey,
especialmente na edição de 1996. Na atual edição da classificação, de 2004, perpetua o não
entendimento do conceito de paz. Isto porque, ainda que a Classificação Decimal de Dewey
tenha atribuído em seu índice um número para paz e outro para guerra, na prática verifica-se,
nas tabelas, a existência de duas subdivisões para guerra, uma vez que a consideração à paz é
quase nula. A Classificação Decimal de Dewey, tendo sido elaborada mais de 130 anos e
mantida, desde então, por indivíduos integrantes de sociedades apoiadas em uma cultura de
guerra, possui uma forte ligação com os valores desta cultura, e pode ser um instrumento de
perpetuação da mesma.
Desta maneira, a análise dos dados confirmou a hipótese inicial de que a
Classificação Decimal de Dewey não está apta a lidar com os temas relativos ao conceito de
paz, ao movimento social denominado Cultura de Paz e ao campo de Estudos para Paz.
94
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em vista do exposto e discutido, até o momento, se faz necessário, destacar a
confirmação de que, diante das transformações acerca da definição e concepção do conceito
de paz, bem como do surgimento de novas manifestações sociais e áreas do conhecimento,
como a Cultura de Paz e os Estudos para Paz, a Classificação Decimal de Dewey não está
preparada para lidar com as temáticas relativas à paz.
O conceito de paz tem se desenvolvido, ao longo do tempo, a partir de definições
negativas de paz: inicialmente é entendida como ‘ausência de guerra’ e, posteriormente,
‘ausência de violência’. Atualmente, o termo significa, ao menos para alguns, ‘ausência de
violências’, uma vez que existem inúmeras situações nas quais se pode considerar haver
violência, umas mais evidentes, outras mais ocultas. Desta forma, a ausência de uma definição
positiva para paz tem se mostrado um grande problema para os campos teóricos e práticos em
torno da paz e é também um dos obstáculos para a organização dos documentos nos quais é
tratado o conceito.
Enquanto paz for definida negativamente como ausência de violência, somos
induzidos a pensar e refletir a paz a partir da violência, o que me parece uma grande
incoerência, pois, neste caso, o ponto de partida para se pensar a paz é a violência. É preciso
compreender as profundas e rígidas limitações que esta abordagem acarreta para o
entendimento sobre a paz. Não é de se estranhar que pouco avanço se tenha feito em direção à
compreensão do conceito de paz e a pouca concordância entre as concepções existentes. É
interessante notar que esta maneira de se abordar o tema é fruto da maneira de pensar e sentir
a realidade a nossa volta, própria de uma cultura de guerra. A violência, na grande maioria
dos casos, sempre foi um estado social evidente, em detrimento da paz. Assim, é cada vez
mais necessário buscar uma conceituação positiva para paz. Isto é, não dizer o que ela não é
(paz não é violência, ou violências), mas o que ela é. A violência, em uma definição positiva
de paz, deve aparecer muito pouco ou, até mesmo, não deve sequer ser mencionada. Como
vimos, a Cultura de Paz ou os Estudos para a Paz não conseguiram isso até o momento,
embora avanços sejam notados em seus campos de atuação.
A falta de compreensão acerca do conceito de paz resulta em dificuldades também
em sua representação nos instrumentos de Organização da Informação, uma vez que estes são
95
também, como vimos, sistemas conceituais. Neste sentido, a definição negativa de paz, por
sua proximidade ao conceito de guerra e violência, pode ser um dos motivos para o
tratamento inadequado dispensado ao conceito na Classificação Decimal de Dewey. Contudo,
possivelmente uma definição positiva de paz, isoladamente, não seria suficiente para resolver
a questão do tratamento dado aos conceitos de paz e guerra na Classificação Decimal de
Dewey.
Porém, ainda que não se tenha chegado a um consenso sobre a definição de paz e
as distinções entre paz e guerra, as bibliotecas instituições nas quais as populações
reconhecem de alguma forma um tipo de autoridade e seus profissionais podem contribuir
para disseminação da concepção defendida pela Cultura de Paz, por exemplo, distinguindo
tais conceitos eles mesmos e separando os respectivos materiais nas estantes. Não se pretende
com isto dizer que esta é a solução para um problema tão complexo, isto seria simplista e
ingênuo. Mas consideramos que as bibliotecas e, portanto, os bibliotecários, podem contribuir
para o entendimento do conceito de paz e para a divulgação dos valores da Cultura de Paz, bem
como dos avanços e conhecimentos advindos dos Estudos para Paz. Acreditamos que o
tratamento adequado do conceito de paz e de seus desdobramentos é uma responsabilidade
para com os usuários da qual os profissionais e cientistas da informação não podem se eximir.
Por ora, a Classificação Decimal de Dewey tem contribuído, ainda que de maneira bastante
sutil, para a perpetuação de uma Cultura da Guerra.
96
REFERÊNCIAS
ADAMS, David. História dos primórdios da Cultura de Paz: memórias pessoais. 2003.
Disponível em: <http://comitepaz.org.br>. Acesso em: 3 nov. 2006.
ADAMS, David et al. Declaração de Sevilha. Sevilha, 1986. Disponível em:
<http://www.comitepaz.org.br/sevilha.htm>. Acesso em: 3 nov. 2006.
ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. 2. ed. Brasília: UNB, 1986. 928 p.
BARBOSA, Alice Príncipe. Teoria e prática dos sistemas de classificação bibliográfica.
Rio de Janeiro: Instituo Brasileiro de Bibliografia e Documentação, 1969. 441 p.
BARITE, Mario. Organización del conocimiento: un nuevo marco teórico-conceptual en
bibliotecología y documentación. In: CARRARA, Kester (org.). Educação, universidade e
pesquisa. Marília: Unesp Marília Publicações, 2001. p. 35-60.
______. La garantía literaria: vigencia y proyección teórico-metodológica. In: Encontro
Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB), 8., Salvador, 2007. Anais...
Salvador: ANCIB, 2007. 10 p. (CD-ROM)
BATTY, C. D. An introduction to the eighteenth edition of the Dewey decimal
classification. London: Clive Bingley, 1971.
BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia
do conhecimento. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1974. 247 p.
BOBBIO, Norberto. O problema da guerra e as vias da paz. São Paulo: UNESP, 2003. 181
p.
BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. 5. ed. Brasília: UNB; São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2004. 2 v. 1318 p.
BRIQUET DE LEMOS, Antônio Agenor. Bibliotecas. In: CAMPELLO, Bernadete;
CALDEIRA, Paulo da Terra (Org.). Introdução às fontes de informação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005. p. 101-119.
97
BUCHANAN, Brian. Theory of library classification. London: Clive Bingley; Munich: K.
G. Saur, 1979. 141 p.
BUTLER, Pierce. Introdução à ciência da Biblioteconomia. Rio de Janeiro: Lidador, 1971.
86 p.
CENTRO INTERNACIONAL DE INVESTIGAÇÃO E INFORMAÇÃO PARA A PAZ;
UNIVERSIDADE PARA A PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS. O estado da paz e a evolução
da violência: a situação da América Latina. Campinas: UNICAMP, 2002. 230 p.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 7. ed. São Paulo: Ática, 1996. 440 p.
CHAUMIER, Jacques. As técnicas documentais. [s.l.]: Publicações Europa-América, c1971.
108 p.
CINTRA, Anna Maria Marques et al. Para entender as linguagens documentárias. 2. ed.
rev. e atual. São Paulo: Polis, 2002. 92 p.
COLOMBO, Furio. Será que existe uma cultura da paz? In: RICOEUR, Paul et al. Imaginar
a paz. Brasília: UNESCO; São Paulo: Paulus, 2006. p. 73-8.
DADOUN, Roger. A violência: ensaio acerca do “homo violens”. Rio de Janeiro: DIFEL,
1998. 111 p.
DAHLBERG, Ingetraut. Knowledge organization: its scope and possibilities. Knowledge
Organization, Würzburg, v. 20, n. 4, p. 211-222, 1993.
______. O futuro das linguagens de indexação. In: CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE
CLASSIFICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA. Anais. Rio de Janeiro: IBICT, 1976. v. 1. p. 323-334.
______. Teoria do conceito. Ciência da Informação, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 101-107,
1978.
DEWEY, Melvin. Dewey decimal classification and relative index. 21st ed. Albany: Forest
Press, 1996. 4 v.
DEWEY, Melvin. Dewey decimal classification and relative index. 22st ed. Albany: Forest
Press, 2003. 4 v.
98
DIAMOND, Louise. What is a Culture of Peace? [s. d.]. Disponível em:
<http://www.thepeacecompany.com/peacelibrary/pdf/Peacebuilding_cult_of_peace.pdf>.
Acesso em: 9 nov. 2005.
DIAS, Eduardo Wense. Organização do conhecimento no contexto de bibliotecas tradicionais
e digitais. In: NAVES, M. M. L.; KURAMOTO, H. (Orgs.). Organização da Informação:
princípios e tendências. Brasília: Briquet de Lemos, 2006. p. 62-75.
DIAS, Eduardo Wense; NAVES, Madalena Martins Lopes. Análise de assunto: teoria e
prática. Brasília: Thesaurus, 2007. 116 p.
DUPAS, Maria Angélica. Pesquisando e normalizando: noções básicas e recomendações
úteis para a elaboração de trabalhos científicos. São Carlos: EdUFSCar, 2004. 71 p.
ENCONTRO DE PERITOS SOBRE UM CÓDIGO DE CATALOGAÇÃO
INTERNACIONAL, 1. 2003. Frankfurt (Alemanha). Declaração de princípios
internacionais de catalogação. Disponível em: <http://www.ddb.de/news/pdf/
statement_portugese.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2005.
ESTEBAN NAVARRO, M. A. Fundamentos epistemológicos de la clasificación documental.
In: PINTO, Maria. Manual de clasificación documental. Madri: Sínteses, 1999. p. 19-32.
FERNANDEZ, Rosali P. Classificação: um processo fundamental da natureza humana. In:
CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE CLASSIFICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA. Anais. Rio de
Janeiro: IBICT, 1976. v. 1. p. 254-267.
FONSECA, Edson Nery da. Apogeu e declínio das classificações bibliográficas. 1976.
Disponível em: <http://www.conexaorio.com/biti/nery/index.htm>. Acesso em: 21 fev. 2006.
FONSECA, Edson Nery da. Introdução à Biblioteconomia. São Paulo: Pioneira, 1992. 153
p.
FOSKETT, A. C. A abordagem temática da informação. São Paulo: Polígono; Brasília: Ed.
UnB, 1973. 437 p.
FUJITA, M. S. L. A análise documentária no tratamento da informação: as operações e os
aspectos conceituais interdisciplinares. Marília, [2003. 15 p].
99
______. Organização do conhecimento: algumas considerações para o tratamento temático da
informação. In: CARRARA, Kester (org.). Educação, universidade e pesquisa. Marília:
Unesp Marília Publicações, 2001. p. 29-34.
GALTUNG, Johan. Violencia, guerra y su impacto. Foro para filosofía intercultural, v. 5,
2004. Disponível em: <http://them.polylog.org/5/fgj-es.htm>. Acesso em: 27 jan. 2008.
______. Violence, peace and Peace Research. Journal of Peace Research, v. 6, p. 167-191,
1969.
GARCIA MARCO, Francisco Javier. Metodología de la operación de clasificar. In: PINTO,
Maria (org.). Manual de clasificación documental. Madrid: Síntesis, 1999. p. 111-130.
GIL URDICIAIN, Blanca. Los lenguajes de clasificación documental. In: PINTO, Maria
(org.). Manual de clasificación documental. Madrid: Síntesis, 1999. p. 91-108.
______. Manual de lenguajes documentales. 2. ed. rev. y amp. Gijón, Espanha: 2004. 280
p.
GOMES et al. Revisitando Ranganathan: a classificação na rede. 2006. Disponível em:
<http://www.conexaorio.com>. Acesso em: 23 nov. 2007.
GOMES, Hagar Espanha; GUSMÃO, Heloísa Rios. Guia prático para elaboração de
índice.
Grupo de Bibliotecários em Informação e Documentação em Ciências Sociais e Humanidades
da APB – RJ, 1983. 68 p.
GONSALVES, Elisa Pereira. Conversas sobre iniciação à pesquisa científica. Campinas,
SP: Alínea, 2001. 79 p.
GROGAN, Denis. A prática do serviço de referência. Brasília: Briquet de Lemos, 2001.
196 p.
GUIMARÃES, J. A. C. Perspectivas de ensino e pesquisa em organização do conhecimento
em cursos de Biblioteconomia: uma reflexão. In: CARRARA, Kester (org.). Educação,
universidade e pesquisa. Marília: Unesp Marília Publicações, 2001. p. 61-72.
100
GUIMARÃES, J. A. C.; DANUELLO, J. C.; MENEZES, P. J. Formação para a atuação
profissional em organização de conteúdos informacionais: uma análise das bases teórico-
pedagógicas dos cursos de Biblioteconomia do Mercosul. In: VALENTIN, M. L. P. (Org.).
Atuação profissional na área de informação. São Paulo: Polis, 2004. p. 167-187.
INTERNATIONAL Federation of Library Association and Institutions. Manifesto IFLA
sobre a Internet. 2002. Disponível em: http://www.ifla.org/III/misc/im-pt.htm. Acesso em: 1
mar. 2006.
KOBASHI, N. Y. A elaboração de informações documentárias: em busca de uma
metodologia. 1994. 195 f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.
LANCASTER, F. W. Indexação e resumos: teoria e prática. Brasília: Briquet de Lemos,
1993. 347 p.
LANGRIDE, Derek. Classificação: abordagem para estudantes de Biblioteconomia. Rio de
Janeiro: Interciência, 1977. 126 p.
LENTINO, Noêmia. Classificação Decimal: teoria, prática, comparada. São Paulo: LEIA,
1959. 259 p.
LUCAS, Clarinda Rodrigues. Leitura e interpretação em Biblioteconomia. Campinas, SP:
Editora da Unicamp, 2000. 91 p.
McGARRY, Kevin. O contexto dinâmico da informação. Brasília: Briquet de Lemos, 1999.
206 p.
MEY, Eliane Serrão Alves. Introdução à catalogação. Brasília: Briquet de Lemos, 1995. 123
p.
______. Algumas questões sobre o ensino da Representação Descritiva, ou a catalogação
na berlinda. 2007. Disponível em: <http://www.ofaj.com.br/textos_conteudo.php?cod=35>.
Acesso em: 26 nov. 2007.
MEY, E. S. A. et al. Ética, etiqueta e cia.: rumos para o incentivo à leitura. 2008. Disponível
em: <http://www.ofaj.com.br/textos_conteudo.php?cod=184>. Acesso em: 22 maio 2008.
101
NAÇÕES UNIDAS. Culture of peace. United Nations General Assembly, Resolution 52/13.
Disponível em: <http://www3.unesco.org/iycp/uk/uk_sum_cp.htm >. Acesso em: 9 nov. 2005.
NAVES, Madalena Martins Lopes. Aspectos conceituais do browsing na recuperação da
informação, Ciência da Informação, v. 27, n. 3, 1998.
NÚCLEO DE ESTUDOS PARA A PAZ (NEP). Pax Boletin Online, v. 8, 2008.
OLSON, Hope A. The power to name: locating the limits of subject representation in
libraries. London: Kluwer Academic Publisher, 2002. 261p.
ONLINE Computer Library Center. Dewey Decimal Classification System. Disponível em:
<http://www.oclc.org/dewey/about/default.htm>. Acesso em: 6 mar. 2006a.
______. Introduction to Dewey Decimal Classification. Disponível em:
<http://www.oclc.org/dewey/versions/ddc22print/intro.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2006b.
PIEDADE, Maria Antonieta Requião. Introdução à teoria da classificação. 2. ed. rev. e
aum. Rio de Janeiro: Interciência, 1983. 221 p.
PINHO, Fábio Assis. Aspectos éticos em Representação do Conhecimento: em busca do
diálogo entre Antonio García Gutiérrez, Michèle Hudon e Clare Beghtol. 2006. 120 f.
Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação). Universidade Estadual Paulista – UNESP.
PINTO, Maria. Manual de clasificación documental. Madri: Sínteses, 1999. 299 p.
PPGCI – UNESP. Apresentação. Marília, 2008. Disponível em:
<http://www.marilia.unesp.br/
index.php?CodigoMenu=363&CodigoOpcao=365>. Acesso em: 8 jul. 2008.
PROJECT PLOUGHSHARE. The 2007 Armed Conflicts Report – preview. The
Ploughshare Monitor. Ontario, Canada. v. 28, n. 2. 2 p. Disponível em:
<http://www.ploughshares.ca/libraries/monitor/monj07g.pdf> Acesso em: 4 jul. 2007.
RANGANATHAN, S. R. Philosophy of library classification. Copenhagen: LM, 1951. 133
p.
102
RIZZI, Iuri Rocio Franco; MURGUIA, Eduardo Ismael. Considerações a respeito da
representação temática e do tratamento documental de imagens. In: ENCONTRO
NACIONAL DE ESTUDOS DA IMAGEM, 1., 2007. Anais. Londrina: Universidade
Estadual de Londrina, 2007. p. 693-697. (CD-ROM)
SAN SEGUNDO MANUEL, Rosa. Sistemas de organización del conocimiento: la
organización del conocimiento en las bibliotecas españolas. Madrid: Imprenta Nacional del
Boletín Oficial del Estado, 1996. 317 p.
SCHREINER, Heloisa Benetti. Considerações históricas acerca do valor das classificações
bibliográficas. In: CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE CLASSIFICAÇÃO
BIBLIOGRÁFICA. Anais. Rio de Janeiro: IBICT, 1976. v. 1. p. 190-207.
SHERA, Jesse H. Sobre Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação. In:
GOMES, Hagar Espanha (org.). Ciência da Informação ou informática? Rio de Janeiro:
Calunga, 1980. p. 91-105.
THOMAS, K. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e
aos animais (1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 456 p.
UNESCO. Declaration and Programme of Action on a Culture of Peace. 1999. Disponível
em: <http://www3.unesco.org/iycp/uk/uk_sum_cp.htm>. Acesso em 9 nov. 2005.
UNESCO. Brief History of the Concept of a Culture of Peace. 2000. Disponível em:
<http://www3.unesco.org/iycp/uk/uk_sum_cp.htm>. Acesso em: 9 nov. 2005.
VERGUEIRO, Waldomiro. Desenvolvimento de coleções. São Paulo: Polis, 1989. 95 p.
ZUSAK, Markus. A menina que roubava livros. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2007. 480 p.
103
ANEXOS
Anexo A – Mapa mundial de conflitos – Ploughshare.
The 2007 Armed Conflicts Report—preview Page 1 of 2
The Ploughshares Monitor
Summer 2007, volume 28, no. 2
The 2007 Armed Conflicts Report—preview
While the 2006 daily news often focused on wars in Iraq and Afghanistan, the overall trend of
major armed conflict in the world continued downward as there were three fewer armed conflicts
and two fewer states involved in war than in 2005. The 2006 total of 29 armed conflicts* is the
lowest recorded since Ploughshares began tracking armed conflicts in 1987. Although 2006 saw
one armed conflict added when Israel and Lebanon (Hezbollah) engaged in a bloody 34-day war
that resulted in over 1,000 direct deaths, other armed conflicts ended in Angola-Cabinda, Serbia
and Montenegro, and Indonesia.
During the past decade, Ploughshares recorded six separate Indonesian armed conflicts, five of
which were active simultaneously in 2001 and 2002. Since then, the Indonesian Government has
worked to end fighting, with the last two armed conflicts in the Molucca Islands and Aceh
province ending in 2006. The violence in the Molucca Islands resulted in fewer than 25 deaths in
2005 and no reported deaths in 2006. Many credit the tsunami disaster of December 2004 with
creating opportunities for renewing the Aceh peace talks that had collapsed in 2003. These
negotiations resulted in the signing and implementation of a 2005 Memorandum of
Understanding and a successful December 2006 general election in Aceh.
Table 1: Geographic distributions of armed conflicts in 2006
Region
# of
countries
in region
# of
conflicts
in region
# of
countries
hosting
conflicts
% of
countries
in region
hosting
conflicts
% of
world
conflicts
Africa
50
12
11
22
41.5
Asia
42
11
8
19
38
Europe
42
1
1
2.4
3.5
The Americas
44
2
2
4.5
7
Middle East
14
3
3
21
10
World Totals
192
29
25
13
100
Africa and Asia continued to be most affected by war (see Table 1), hosting 12 and 11 armed
conflicts respectively, or almost four-fifths of the world’s total, leaving the three remaining
The 2007 Armed Conflicts Report—preview Page 2 of 2
regions of Europe, the Americas (North and South), and the Middle East with a combined share
of about one-fifth of all conflicts.
During the past decade (1997-2006) 35 armed conflicts ended (see Table 2), over two-thirds in
Africa and Asia. Net gains have been realized in Asia where 12 conflicts have been resolved and
11 remain active, in Europe with three resolved and one still active, and the Middle East, which
saw six conflicts resolved with three still active.
Table 2: Geographical distribution of armed conflicts resolved between 1997 and 2006
Region # of conflicts resolved % of total resolved conflicts
Africa 12 34.3
Asia 12 34.3
Europe 3 8.6
The Americas 2 5.7
Middle East 6 17.1
Totals 35 100
Full descriptions of all armed conflicts of 2006, as well as those recently ended, are available in
the Armed Conflicts Report 2007 under the “Library” link on the Project Ploughshares website
(www.ploughshares.ca). Project Ploughshares has reported annually on armed conflicts since
1987.
*Defining Armed Conflict: For the purposes of the annual Armed Conflicts Report an armed conflict is defined as a
political conflict in which armed combat involves the armed forces of at least one state (or one or more armed
factions seeking to gain control of all or part of the state), and in which at least 1,000 people have been killed by the
fighting during the course of the conflict. An armed conflict is added to the annual list of current armed conflicts in
the year in which the death toll reaches the threshold of 1,000, but the starting date of the armed conflict is shown as
the year in which the first combat deaths included in the count of 1,000 or more occurred.
The definition of “political conflict” becomes more difficult as the trend in current intrastate armed conflicts
increasingly obscures the distinction between political and criminal violence. In a growing number of armed
conflicts, armed bands, militia, or factions engage in criminal activity (e.g., theft, looting, extortion) in order to fund
their political/military campaigns, but frequently also for the personal enrichment of the leadership and the general
livelihood of the fighting forces. Thus, in some circumstances, while the disintegrating order reflects the social
chaos borne of state failure, the resulting violence or armed combat is not necessarily guided by a political program
or a set of politically motivated or defined military objectives. However, these trends are part of the changing
character of war, and conflicts characterized more by social chaos than political/military competition are thus
included in the tabulation of current armed conflicts.
In many contemporary armed conflicts the fighting is intermittent and involves a very wide range of levels of
intensity. An armed conflict is deemed to have ended if there has been a formal ceasefire or peace agreement and,
following which, there are no longer combat deaths (or at least fewer than 25 per year); or, in the absence of a
formal ceasefire, a conflict is deemed to have ended after two years of dormancy (in which fewer than 25 combat
deaths per year have occurred).
The above definition builds upon, but differs in some aspects from, the definitions of other groups producing annual
conflict tabulations, notably reports from the Department of Peace and Conflict Research, Uppsala University
(Sweden), published annually in the yearbook of the Stockholm International Peace Research Institute.
Project Ploughshares
57 Erb Street West
Waterloo, Ontario, Canada N2L 6C2
Tel (519) 888-6541 Fax (519) 888-0018 Email:
Israel/Palestine
Colombia
Chad
Burundi
Kenya
Uganda
Somalia
Sri Lanka
Pakistan
India
Nepal
Afghanistan
Iraq
Burma
(Myanmar)
Philippines
Nigeria
Russia
Algeria
Côte d’Ivoire
Ethiopia
Haiti
Thailand
© Project Ploughshares 2007
Israel/Lebanon
Sudan
D.R.
Congo
Armed Conflicts in 2006
Project Ploughshares
57 Erb Street West | Waterloo, Ontario, Canada N2L 6C2
tel 519-888-6541 email plough@ploughshares.ca
www.ploughshares.ca
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo