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Adriano Rodrigues de Melo
A RECONFIGURAÇÃO DA NOTÍCIA DE JORNAL NOS
MANUAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA:
GÊNEROS E TIPOS TEXTUAIS
Belo Horizonte
Faculdade de Letras
Universidade Federal de Minas Gerais
2008
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Adriano Rodrigues de Melo
A RECONFIGURAÇÃO DA NOTÍCIA DE JORNAL NOS
MANUAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA:
GÊNEROS E TIPOS TEXTUAIS
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito à obtenção do título de Mestre em
Estudos lingüísticos.
Área de concentração: Lingüística do Discurso
Linha de Pesquisa: Análise do Discurso
Orientador: Prof. Dr. Wander Emediato de Souza.
Belo Horizonte
2008
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Dissertação intitulada A reconfiguração da notícia de jornal nos manuais didáticos de
língua portuguesa: gêneros e tipos textuais, de autoria do mestrando Adriano Rodrigues
de Melo, aprovado pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:
_________________________________________________
Prof. Doutor Wander Emediato de Souza
Orientador - UFMG
_________________________________________________
Profa. Eliana Amarante
(UFMG)
_________________________________________________
Prof. Malu Matêncio
PUC-MG
FALE / UFMG
Belo Horizonte
2008
4
“O sentido nunca é dado antecipadamente. Ele é construído pela ação linguageira do
homem em situação de troca social.”
(Patrick Charaudeau)
“O que vemos é determinado pelo modo como vemos e este é determinado pelo lugar
de onde vemos.”
(Bakhtin)
5
AGRADECIMENTOS
Ao professor Doutor Wander Emediato que com competência, serenidade e amizade
conduziu-me na pesquisa.
Aos professores e colegas da pós-graduação da Faculdade de Letras / UFMG cujas
conjecturas e pensamentos compartilhados foram essenciais para o amadurecimento e
conclusões que resultaram neste trabalho.
À minha querida mãe Wilma, cujos ensinamentos e valores foram suficientes para uma
vida inteira.
Ao meu irmão Flávio, companheiro de todas as horas, à Caroline, por fazer dos meus dias
mais poéticos.
Aos amigos: Nereu, Sandra, João Nelson e José Marques.
À Iria da Conceição e à José Rodrigues, verdadeiros mestres na arte de viver.
6
RESUMO
Com o objetivo de se adequarem às sugestões dos Parâmetros Curriculares
Nacionais que orientam o ensino da língua portuguesa nas escolas de todo o país, os
manuais didáticos vêm incorporando em suas páginas diversos gêneros discursivos. O
objetivo é levar aos alunos uma série de gêneros importantes para a inclusão social e ao
mesmo tempo promover práticas de leitura e escrita. Quando certos textos são extraídos de
sua situação comunicativa original e colocados no manual didático para atender a uma
finalidade pedagógica, algumas propriedades do gênero são modificadas na nova prática
discursiva em que esses textos passam a ser consumidos e interpretados. É o que ocorre,
por exemplo, com os textos de jornal.
Acreditamos, portanto, que a incorporação do gênero notícia de jornal ao manual
didático traz algumas modificações nas características situacionais que definem o próprio
gênero discursivo, já que a mudança situacional trará alterações nas restrições e parâmetros
característicos do gênero. Essas “mudanças” nas propriedades características do gênero
proporcionam o que chamamos neste trabalho de reconfigurações, conceito pertinente pela
postura assumida na nova situação de comunicação – a situação sala de aula: de um gênero
discursivo ligado a práticas sociais a um tipo de texto usado para simular práticas
comunicativas.
7
RÉSUMÉ
Em vue de s´adapter aux PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) qui guident
l´enseignement de la langue portugaise lês écoles au Brésil, les manuels didactiques
intègrent de plus em plus dans leurs pages de différents genres textuels. Lê but serait
d´apprendre aux étudiantes dês genres considerés importants pour l´inclusion sociale et, en
même temps, de promouvoir la practique de la lecture et de l´écriture à l´école. Néanmoins,
quand certains textes sont extraits de sa situation de communication originelle et mis dans
un manuel didactique em vue d´une finlité pédagogique, dês propriétés génériques sont
modifiées dans cette nouvelle situation. Ces textes sont alors consummés et intérpretés
différemment. Ce justement ce qui se passe avec les textes de journal lorsqu’ils sont
integres aux manuels didactiques.
Nous croyons que l´intégration du genre journalistique dans le manuel à des fins de
didactisation fait modifier les caractéristiques situationnelles qui définissent le genre. Ces
modofications des paramètres caractéristiques du genre vont déclencher ce que l´on appelle
ici une reconfiguration.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 12
PARTE I – PERCURSO TEÓRICO E METODOLÓGICO............................................ 17
CAPÍTULO 1 - UMA PROBLEMÁTICA DA LINGUAGEM E DO DISCURSO........... 18
1.1 O contrato de comunicação.......................................................................................... 19
1.2 Os sujeitos da linguagem............................................................................................ 22
1.3 Visadas discursivas..................................................................................................... 24
CAPÍTULO 2 - UMA PROBLEMÁTICA DOS GÊNEROS TEXTUAIS E
DISCURSIVOS.................................................................................................................. 26
2.1 Teorias sobre gêneros.................................................................................................. 26
2.1.1 Platão e Aristóteles......................................................................................... 27
2.1.2 Bakhtin.......................................................................................................... 29
2.1.3 Todorov......................................................................................................... 31
2.1.4 Bronckart....................................................................................................... 32
2.1.5 Bazerman....................................................................................................... 34
2.1.6 Marcuschi...................................................................................................... 36
2.1.7 Travaglia....................................................................................................... 37
2.2 A noção de gêneros segundo a teoria Semiolingüística............................................... 38
2.3 Posicionamento em relação às concepções sobre gênero............................................. 44
2.4 Gênero textual x gênero discursivo.............................................................................. 45
2.5 Texto x gênero.............................................................................................................. 46
CAPÍTULO 3 - DISCURSO, GÊNEROS DISCURSIVOS:
JORNALISMO E ENSINO............................................................................................... 49
3.1 Discurso de informação................................................................................................ 49
3.1.1 Gênero notícia de jornal............................................................................... 53
3.1.2 Notícia versus reportagem............................................................................. 55
3.2 O discurso didático....................................................................................................... 56
3.2.1 O histórico do manual didático.................................................................... 57
3.2.2 Manual didático de língua portuguesa........................................................... 60
3.3 Situação de comunicação jornalística.......................................................................... 63
3.4 Situação de comunicação didática............................................................................... 66
PARTE II – A RECONFIGURAÇÃO DA NOTÍCIA DE JORNAL.............................. 70
9
CAPÍTULO 4 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................. 71
4.1 Procedimentos de coleta de dados.................................................................................. 72
4.2 Procedimentos de análise.............................................................................................. 75
CAPÍTULO 5 - ANÁLISE.................................................................................................. 77
5.1 Notícia de jornal impressa Toneladas de peixes mortos na lagoa................................ 77
5.1.1 Análise da notícia na situação de comunicação jornalística.......................... 77
5.1.1.1 Identidade dos parceiros................................................................. 80
5.1.1.2 Finalidade....................................................................................... 82
5.1.1.3 Tematização / problematização..................................................... 83
5.1.1.4 Dispositivo...................................................................................... 84
5.1.1.5 Outros elementos característicos da notícia Toneladas
de peixes mortos na lagoa configurados pela situação de
comunicação jornalística................................................................................. 87
5.1.1.5.1 Enunciação da notícia...................................................... 87
5.1.1.5.2 Título da notícia............................................................... 94
5.1.1.5.3 Fotografia......................................................................... 96
5.1.1.5.4 Assinatura da notícia........................................................ 99
5.1.1.5.5 A data............................................................................. 100
5.1.2 Análise da notícia na situação de comunicação didática ............................ 101
5.1.2.1 Identidade dos parceiros .............................................................. 105
5.1.2.2 Finalidade..................................................................................... 108
5.1.2.3 Tematização / problematização.................................................... 109
5.1.2.4 Dispositivo................................................................................... 110
5.1.2.5 Outros elementos característicos da notícia Toneladas de peixes
mortos na lagoa reconfigurados pela situação de escolar........................... 113
5.1.2.5.1 Enunciação da notícia.................................................... 113
5.1.2.5.2 Título da notícia.............................................................. 114
5.1.2.5.3 Fotografia......................................................................... 116
5.1.2.5.4 Assinatura da notícia....................................................... 118
5.1.2.5.5 A data.............................................................................. 119
5.1.2.6 Atividades propostas para a notícia de jornal no
manual didático...................................................................................... 120
5.2 Notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo........................................................... 125
5.2.1 Análise da notícia na situação de comunicação jornalística......................... 125
5.2.1.1 Identidade dos parceiros................................................................ 128
5.2.1.2 Finalidade...................................................................................... 129
5.2.1.3 Tematizaação / problematização ................................................... 131
5.2.1.4 Dispositivo..................................................................................... 131
5.2.1.5 Outros elementos característicos da notícia Só a roupa do corpo
configurados pela situação de comunicação jornalística............................. 132
5.2.1.5.1 Enunciação da notícia..................................................... 133
5.2.1.5.2 Título da notícia.............................................................. 135
5.2.1.5.3 A data.............................................................................. 135
5.2.2 Análise da notícia na situação de comunicação didática.............................. 136
10
5.2.2.1 Identidade dos parceiros................................................................ 137
5.2.2.2 Finalidade...................................................................................... 139
5.2.2.3 Tematização / problematização..................................................... 140
5.2.2.4 Dispositivo..................................................................................... 140
5.2.2.5 Outros elementos característicos da notícia Só a roupa do corpo
configurados pela situação didática........................................................... 143
5.2.2.5.1 Enunciação da notícia..................................................... 143
5.2.2.5.2 Título da notícia.............................................................. 144
5.2.2.5.3 A data.............................................................................. 145
CAPÍTULO 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 148
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 156
ANEXO 1 ......................................................................................................................... 158
ANEXO 2 ......................................................................................................................... 159
11
LISTA DE QUADROS, FIGURAS E SIGLAS
QUADROS
QUADRO 1 – Quadro enunciativo de Charaudeau........................................................... 23
QUADRO 2 – Processo de categorização em rede............................................................ 43
QUADRO 3 – Lista de escolas e os livros utilizados por elas na 6º série do ensino
fundamental........................................................................................................................ 72
QUADRO 4 – Os sujeitos da notícia de jornal impressa Toneladas de peixes mortos na
lagoa no quadro enunciativo............................................................................................... 81
QUADRO 5 – Enunciados implícitos subentendidos........................................................ 91
QUADRO 6 – Planos argumentativos............................................................................... 92
QUADRO 7 – Contrato de Comunicação para a notícia de jornal na situação de
comunicação didática....................................................................................................... 108
QUADRO 8 – planos de enunciação da notícia TPML na situação S2........................... 114
QUADRO 9 – Notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo ........................................ 127
QUADRO 10 – Os sujeitos da notícia no quadro enunciativo........................................ 129
QUADRO 11 – Quadro de caracterização do discurso relatado e
descrição das siglas.......................................................................................................... 133
QUADRO 12 – Planos de enunciação da notícia............................................................. 134
QUADRO 13 – Quadro enunciativo da notícia SRC intercalada ao manual didático.... 138
QUADRO 14 – Planos de enunciação da notícia SRC na situação escolar..................... 144
FIGURAS
FIGURA 1 – Página de jornal com a notícia
Toneladas de peixes mortos na lagoa................................................................................. 79
FIGURA 2 – Notícia de jornal inserida no manual didático............................................ 103
FIGURA 3 – Fotografia da notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa
no jornal impresso............................................................................................................ 117
FIGURA 4 – Fotografia da notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa
no manual didático.......................................................................................................... 117
FIGURA 5 – Página do manual didático – livro do professor. Atividades sobre a notícia
Toneladas de peixes mortos na lagoa............................................................................... 122
FIGURA 6 – Página do manual didático – livro do professor. Atividades sobre a notícia
Toneladas de peixes mortos na lagoa............................................................................... 123
FIGURA 7 – Notícia de jornal on-line Só a Roupa do corpo inserida no manual
didático............................................................................................................................. 142
FIGURA 8 – Atividades do manual didático................................................................... 146
SIGLAS
S1 – situação de comunicação jornalística.
S2 – situação de comunicação didática.
MDLP – Manual didático de língua portuguesa.
12
INTRODUÇÃO
Como professor de língua portuguesa, há vários anos observo as práticas
pedagógicas em evidência no sistema escolar brasileiro. Apesar dos avanços no ensino da
língua materna, problemas sérios emergem nesse início de século XXI, revelando uma
grande dificuldade na formação dos sujeitos que, em sua grande maioria, deixam a escola
sem desenvolver as competências básicas de leitura e de escrita.
As novas especificidades do ensino vão ao encontro da percepção de que a
sociedade mudou e com ela o papel do profissional docente. A repetição de velhas fórmulas
nas práticas escolares parece não atender às demandas da sociedade atual que reclama a
eficiência dos processos escolares na formação do aluno. Os próprios professores
reconhecem os problemas no sistema educacional brasileiro: em pesquisa realizada pela
revista Nova Escola, 23% dos professores entrevistados disseram que a educação no Brasil
é péssima ou ruim e 33% acreditam que a educação no Brasil continuará péssima nos
próximos dez anos
1
.
Não é objetivo desta pesquisa entender os problemas do sistema educacional
brasileiro, pois esses são oriundos de uma série de fatores que aqui não caberia ilustrar.
Mas seria interessante que esta pesquisa ao debruçar-se sobre um fenômeno lingüístico,
pudesse visualizar como ele está relacionado a velhas práticas pedagógicas que emperram o
a eficácia do processo de ensino/ aprendizagem.
Para o desenvolvimento da pesquisa restringimo-nos ao ensino da língua portuguesa
e destacamos como um dos principais problemas a repetição de práticas já notoriamente
1
Fonte: Revista Nova Escola nº 207 de novembro de 2007. Pesquisa realizada pela revista Nova Escola/
IBOPE com 500 professores de escolas públicas do Brasil.
13
percebidas como ineficazes. Como pesquisadores nos atemos a teorias lingüísticas, mas
sempre pensando como os elementos teóricos podem realmente contribuir de forma
concreta e eficaz para a formação dos nossos estudantes.
Sabemos que avanços significativos têm modificado as práticas de ensino/
aprendizagem da linguagem no nível fundamental do ensino regular, mas alguns problemas
persistem, como a repetição de modelos de ensino e de práticas que não correspondem aos
objetivos e necessidades de educadores e de educandos. O ensino da língua materna
caracterizado pelo ensino de regras gramaticais ainda é uma prática comum nas escolas que
acabam priorizando mais o conteúdo do que o próprio educando. Dividindo espaço com um
ensino voltado para a mera aquisição de conteúdos e regras, está a discussão de um ensino
que propicie o desenvolvimento das competências de escrita, compreensão e leitura. O
texto, nesta segunda perspectiva, vigoraria em sala de aula como objeto de estudo, ao invés
de servir de pretexto para o ensino das regras gramaticais e formais.
Os manuais didáticos, embora a maioria esteja perdida quanto o que ensinar nas
aulas de língua portuguesa, também têm apresentado alguns avanços significativos quanto
ao ensino da língua. Com o objetivo de se adequarem às sugestões dos Parâmetros
Curriculares Nacionais que orientam o ensino da língua portuguesa, os manuais didáticos
de língua portuguesa vêm incorporando em suas páginas diversos gêneros. O objetivo é de
que o ensino da língua seja realizado através dos gêneros “cujo domínio é essencial à
efetiva participação social.” (MEC/SEF, p. 53). Essa orientação deveria, sem dúvida,
enriquecer a prática de ensino da língua, mas a confusão entre gênero e texto acaba
produzindo, a nosso ver, um equívoco: servir-se dos gêneros como pretexto para o estudo
de regras gramaticais e de normas estruturais de composição dos textos e de sua tipologia.
14
Acreditamos que um dos problemas essenciais reside em uma significativa distorção
no entendimento do que seria a promoção de um “domínio essencial” – conseguido através
do ensino de gêneros – “à efetiva participação social”.
Pensamos que em cada campo da atividade humana há um grande repertório de
gêneros que se relacionam a interações sociais, melhor dizendo, as práticas sociais
realizadas na vida cotidiana são realizadas tendo em vista algum gênero discursivo: um
telefonema, uma carta, um certificado, uma notícia de jornal, etc. Considerando que os
gêneros fazem parte da vida das pessoas e a grande importância dos gêneros na inclusão e
na participação social, é de extrema importância um estudo que avance no seu
entendimento. Entretanto, acreditamos que a escola acabou absorvendo, na onda de
modismos, e de forma bastante apressada, uma discussão ainda aberta entre o que seriam
gêneros textuais, ou tipos de textos, e gêneros discursivos, como formas de interação social.
A pressa em adequar-se ao trabalho de ensino/ aprendizagem com os gêneros
discursivos não permitiu que os educadores observassem alguns fenômenos relacionados à
utilização dos gêneros. Neste trabalho, a observação do processo de ensino através dos
gêneros permitiu visualizar um fenômeno curioso: a reconfiguração do gênero quando esse
é intercalado ao manual didático. Como os manuais didáticos trazem uma série de gêneros,
preferimos centrar um somente um: o gênero notícia de jornal.
A incorporação do gênero notícia de jornal ao manual didático traz algumas
modificações nas características situacionais que definem o gênero discursivo, já que a
mudança situacional trará alterações nas restrições e parâmetros característicos do gênero.
Essas “mudanças” nas características situacionais do gênero proporcionam o que
chamamos neste trabalho de reconfiguração do gênero notícia de jornal, conceito
15
pertinente pela postura assumida na nova situação de comunicação – a situação de sala de
aula.
Diante do exposto, evidenciamos como objetivos específicos da pesquisa:
(i) identificar os modos de apropriação dos gêneros na escola, especificamente nos
manuais de língua portuguesa, buscando apontar seus modos de tratamento, suas
estratégias de ensino e os problemas decorrentes da distorção entre o que seriam
gêneros textuais e gêneros discursivos.
(ii) analisar e problematizar – sob uma certa perspectiva aqui adotada – a utilização
do tipo textual notícia de jornal na situação de comunicação jornalística e na
situação de comunicação didática. Extraído de sua situação comunicativa
original, a situação de comunicação jornalística, e incorporado ao manual
didático para atender a uma finalidade didática, acreditamos que alguns
parâmetros situacionais relevantes são modificados na nova prática discursiva
em que esses textos passam a ser consumidos e interpretados.
(iii) configurar, a partir das regularidades apresentadas pelo corpus, um panorama
onde seja possível visualizar o processo de reconfiguração dos parâmetros
situacionais dos gêneros discursivos, tendo em vista a situação S1 – domínio
jornalístico – e situação S2 – domínio educativo.
(iv) possibilitar, a partir do entendimento de como ocorre a reconfiguração dos
gêneros, a criação de estratégias escolares que possibilitem o ensino/
aprendizagem da leitura e escrita de forma eficaz e mais coerente.
16
Em termos de estruturais, a pesquisa será dividida em duas partes. Na primeira
parte, será discutida a problemática acerca do discurso, e buscaremos estabelecer uma
distinção entre gênero textual e gênero discursivo. Buscaremos também explorar as
características discursivas da prática jornalística e do ensino escolar; assim como os
métodos de análise que orientaram este trabalho.
A segunda parte do trabalho está destinada à análise da notícia de jornal na situação
de comunicação jornalística, seguida de sua análise na situação de comunicação didática,
buscando elucidar e descrever os parâmetros situacionais/ discursivos envolvidos em cada
caso.
O trabalho terminará com uma conclusão sobre as contribuições da pesquisa para a
compreensão do problema investigado, bem como levantar alternativas e perspectivas para
que os gêneros discursivos sejam utilizados no ensino regular com maior eficácia.
17
PARTE I
PERCURSO TEÓRICO E METODOLÓGICO
18
CAPÍTULO 1 - UMA PROBLEMÁTICA DA LINGUAGEM E DO DISCURSO
Inicialmente, é pertinente delimitarmos o que entendemos por discurso: a linguagem
em funcionamento em uma determinada situação de produção de sentido. O discurso
manifesta-se em um texto voltando-se para além das regras do uso da língua. “É, pois, a
imbricação das condições extradiscursivas e das realizações intradiscursivas que produz
sentido.” (CHARAUDEAU, 2006, p.40) A Análise do Discurso é um campo de estudos
que vai interessar-se de forma ampla pelo objeto discursivo construído pelo uso da
linguagem.
O gesto fundador da Análise do discurso foi a construção de um novo olhar sobre
as práticas linguageiras. A disciplina nasce no final dos anos 1960 devido à insuficiência
dos modelos de análise de texto que vinham sendo praticados: modelos behavioristas
2
e
estruturalistas
3
.
A Análise do Discurso sempre esteve comprometida com as questões de ordem
social, relacionando a linguagem com os sujeitos históricos que a colocam em uso. A
linguagem passa a ser um elemento importante no processo histórico em que sujeitos
concretos interagem socialmente, assim, a linguagem deixa de ser vista apenas como um
instrumento de comunicação para representar o mundo, para ser vista como um elemento
importante para construção do sentido, observados elementos extralingüísticos que vão
fornecer coordenadas importantes. Essa nova ordem aponta para a teoria da enunciação em
que a análise de um enunciado remete a todo processo de enunciação.
2
Perspectiva desenvolvida nos estados Unidos na primeira metade do século XX.
3
Modelos de estudo do texto que privilegiam a estrutura do texto – o texto basta por si só.
19
Como a Análise do Discurso tem por tradição o envolvimento com os mais
diferentes objetos, os mais diferentes discursos; é natural, portanto, que abrigue uma
multiplicidade de estudos e olhares. Não há, desta forma, nenhum constrangimento em
dizer que a Análise do Discurso não é uma teoria fechada e centralizada em um construto
conceptual autônomo. É justamente a diversidade de fontes, de metodologias e abordagens
que permite a disciplina um certo vigor. Além do mais, a diversificação permite o contato
da disciplina com outras áreas do conhecimento como as Artes, a História, a Antropologia,
a psicologia social, etc. O contato com outras áreas do conhecimento faz com que a
disciplina torne-se cada vez mais abrangente e inclua cada vez mais práticas de linguagem
em seu universo.
Através da Análise do discurso percebeu-se que para se buscar o sentido de um
texto é preciso mais do que simplesmente decodificar signos, identificar elementos
estruturais e formais. Para se buscar o sentido de um texto é necessário levar em conta os
elementos externos ao texto que compõem a enunciação (acontecimento lingüístico em um
determinado contexto), recuperando um pouco do contexto de enunciação. Com isso, surge
a idéia de que o sentido discursivo é construído com os elementos lingüísticos encontrados
no texto, mas também pelos elementos extralingüísticos que compõe o contexto do ato de
linguagem.
1.1 O contrato de comunicação
A noção de contrato de comunicação é considerada, segundo a teoria
Semiolingüística, como “um quadro de determinações necessárias à configuração do lugar
de produção dos sentidos sociais, bem como o lugar de seu reconhecimento.” (MARI,
20
2002, p. 35) O contrato de comunicação designa o que faz com que o ato de comunicação
(tanto a produção como a interpretação) seja tido como válido, do ponto de vista do sentido,
sendo que a relação contratual depende do desafio construído no e pelo ato de linguagem.
O discurso instaura no texto um EU que se coloca frente a um TU, fazendo com que
esses dois parceiros interajam em função de sua relação contratual. Assim, podemos dizer
que os parceiros estão subordinados a um determinado número de convenções e restrições
durante o ato de linguagem. Essas convenções e restrições que circulam socialmente como
saberes partilhados e legitimados condicionam as práticas de linguagem.
O contrato de comunicação é importante por possibilitar a legitimidade daquele que
fala, assegurando-lhe o direito a palavra, pois aponta a posição do sujeito falante na
estrutura social na qual está inserido. É importante salientar que os elementos externos não
são os únicos a garantir o direito a palavra, o comportamento linguageiro do falante
também é importante por construir a credibilidade que é conquistada e negociada na
situação linguageira.
A relação contratual leva em conta componentes mais ou menos objetivos
pertinentes à expectativa do ato linguageiro:
Comunicacional – é o quadro físico da situação de interação (presença de parceiros, se
eles se vêem, etc.).
Psicossocial – reconhecimento dos estatutos sociais nos quais os parceiros se encontram
(idade, sexo, posição social, parentesco, etc.).
Intencional – envolve conhecimento que cada parceiro tem de si e do outro para realizar-
se sob dois princípios: qual a intenção e estratégia de manipulação.
21
A noção de contrato de comunicação propõe ser necessário considerar um conjunto
de parâmetros para que ocorra a compreensão entre os parceiros na situação de
comunicação. Caso haja o descumprimento de algum dos parâmetros (restrições) o querer-
dizer do locutor pode ser prejudicado, assim como a compreensão do interlocutor.
De acordo com Charaudeau (1993), o processo de enunciação vai estabelecer uma
relação contratual regida pelo postulado de intencionalidade que compreende quatro
princípios indissociáveis uns dos outros, são eles: o princípio da interação, o princípio da
pertinência, o princípio da influência e o princípio da regulação.
1- Princípio de interação define o ato de linguagem como um fenômeno de troca
entre parceiros que se encontram em uma relação interativa. Esses parceiros são
semelhantes no que diz respeito aos saberes partilhados e finalidades. Há um duplo
processo de intercompreensão: emissão-produção e recepção-interpretação. Os dois papéis
(EUc, TUi) só poderão existir quando o interlocutor se engaja no processo de interpretação.
Esse princípio funda a noção de contrato uma vez que implica o reconhecimento dos
parceiros.
2- Principio de pertinência diz respeito ao reconhecimento entre os parceiros no
ato de comunicação (instância jornalística, leitores da notícia de jornal), indicando quem e
quando tem direto à palavra, mas também diz respeito se o que está sendo dito é apropriado
à situação de comunicação. Segundo Charaudeau (1993, p. 100) “Este princípio exige que
os atos linguageiros sejam: apropriados ao seu contexto (...).
3- Princípio de influência postula que todo sujeito produz um ato de linguagem
com a intenção de influenciar, fazer agir, emocionar, orientar, etc., o parceiro da
comunicação deve ser alguém passível de influência, como também de uma reação de
contra-influência.
22
4- Princípio de regulação determina as condições pelas quais os parceiros da
comunicação se engajam nos processos de reconhecimento do contrato de comunicação e
as condições pelas quais se persegue e conduz a troca comunicativa. O princípio de
regulação permite que se realizem certas estratégias com a finalidade de assegurar ou
interromper a troca comunicativa através da aceitação/rejeição da fala do outro,
valorização/ desvalorização do parceiro, etc.
1.2 Os sujeitos da linguagem
Segundo Charaudeau (2001), uma teoria do discurso não pode deixar de colocar os
sujeitos da linguagem no centro das teorias lingüísticas. Para o autor o sujeito é o lugar
onde ocorrerá a produção da significação, sendo que “o sujeito não é, pois, nem um
indivíduo preciso, nem um ser coletivo particular: trata-se de uma abstração, sede da
produção/ interpretação da significação...” (CHARAUDEAU, 2001, p. 30).
O autor considera que o ato de linguagem compreende dois circuitos indissociáveis
um do outro: o situacional e o discursivo. O espaço situacional (circuito externo) é o que
envolve os parceiros na situação de comunicação (EUc, TUi), ele representa os sujeitos
psicossociais, seres empíricos do ato comunicativo. O espaço discursivo (circuito interno) é
o lugar onde se encontram os seres da fala, sujeitos discursivos (EUe, TUd) que assumem
diferentes papéis dependendo das restrições e regulações da situação de comunicação.
Nesse circuito, estão representados os sujeitos imaginários que surgem como figurações do
ato de linguagem: o EUe é aquele que possui diferentes faces dependendo da interação
comunicativa; o TUd é a imagem de um sujeito ideal que receberá a mensagem.
23
De acordo com o modelo proposto por Charaudeau (QUADRO 1) os sujeitos
pertencentes ao circuito interno (EUe, TUd) são imagens produzidas, no processo, de
sujeitos situados no circuito externo (EUc, TUi), sendo que as interações dependem da
compreensão e dos objetivos das trocas comunicativas.
QUADRO 1 – Quadro enunciativo de Charaudeau
EUc
Nível Situacional
TUi
Nível Discursivo
EUe TUd
Circuito interno
Circuito externo
A relação de interação entre os parceiros não é simétrica, nenhum parceiro tem o
poder de saber as verdadeiras intenções do outro, nem se pode dizer que o interpretante
conseguirá entender absolutamente tudo que o enunciador quis passar, mas eles precisam
reconhecer os papéis de cada um na interação, o que permite criar expectativas de sentido.
Charaudeau aponta para essa idéia quando afirma que “não há simetria entre as atividades
do EUc e do TUi.” (CHARAUDEAU, 2001, p.32)
É importante frisar que o EUc e TUi são parceiros na interação linguageira, por isso
no quadro apresentado por Charaudeau (QUADRO 1) foram colocadas setas unindo todos
os parceiros, esta idéia está em consonância com Mello que afirma “(...) tanto o EUe quanto
TUd e TUi contribuem com EUc para construir uma enunciação, ou melhor, uma
24
co-enunciação, cuja intencionalidade significante corresponde a um projeto comum a eles
(...).” (MELLO, 2005, p. 60)
1.3 Visadas discursivas
Uma outra noção envolvendo os sujeitos da linguagem é apresentada por
Charaudeau (2004) através do conceito de visadas discursivas. As visadas correspondem a
uma intencionalidade psico-sócio-discursiva que vai determinar a expectativa do ato de
linguagem. As visadas são definidas de acordo com dois critérios: a intenção do EU em
relação à posição que ele ocupa como enunciador na relação de força que o liga ao TU e a
posição que TU deve ocupar na relação com o EU. Charaudeau descreve seis principais
visadas:
Visada de “prescrição” (fazer fazer) – EU quer “mandar fazer” e se encontra na posição
de autoridade e o TU se encontra na posição de “dever fazer”.
Visada de “solicitação” (querer saber) – EU quer “saber”, mas se encontra desprovido de
saber, a sua posição o legitima a exigir que o TU supra a necessidade do EU, respondendo à
solicitação.
Visada de “incitação” (fazer crer) – EU quer “mandar fazer”, mas como não está em
posição de autoridade só pode incitar ao TU que faça. Neste caso o TU estará em posição
de “dever acreditar” que o ato é para o seu próprio bem.
Visada de “informação” (fazer saber) – EU quer “fazer saber” e está legitimado pela sua
posição de saber, colocando o TU em posição de “dever saber”.
25
Visada de “instrução” (fazer saber fazer) – EU se encontra na posição de autoridade de
quem sabe fazer e de legitimidade para transmitir saber ao TU que está em posição de
“dever saber fazer”.
Visada de “demonstração” (estabelecer a verdade e mostrar as provas) – EU encontra-se
em uma certa posição de autoridade de saber estabelecendo a verdade e provando-a, o TU
encontra-se em posição de “ter que avaliar” a verdade.
26
CAPÍTULO 2 - UMA PROBLEMÁTICA DOS GÊNEROS TEXTUAIS E
DISCURSIVOS.
Nos últimos tempos, o estudo sobre os gêneros floresceu fornecendo alternativas
para o ensino/ aprendizagem da língua portuguesa. As atividades com os gêneros do
discurso contribuem para a ordenação da atividade comunicativa em todas situações de
comunicação. Como já foi dito anteriormente, os PCN’s orientam o estudo dos gêneros
propondo examinar e ensinar a ocorrência de tipos textuais nos mais diferentes contextos e
situações. Desta forma, o trabalho com os gêneros discursivos suscitou novas concepções
teóricas e proporcionou a retomada de outras (como as idéias sempre atuais de Bakhtin).
Neste capítulo, descreveremos algumas concepções acerca dos gêneros e explicitaremos a
noção de gênero que efetivamente interessa para análise do nosso objeto de estudo.
2.1 Teorias sobre gêneros
O surgimento dos gêneros é atribuído aos povos de cultura oral, mas somente com o
advento da escrita alfabética (século VII a.C.) os gêneros se multiplicaram, pois assim ficou
mais fácil agrupar e organizar determinados enunciados de acordo com uma finalidade e o
objetivo que se tinha em mente. A invenção da imprensa no século XV proporcionou a
ampla produção e disseminação de vários gêneros, possibilitando a sua massificação pela
facilidade de produção em série que é ampliada ainda mais no século XVIII com a
Revolução Industrial. Na contemporaneidade, uma explosão de gêneros surgiu devido aos
avanços tecnológicos e pelas novas formas de comunicação, tanto orais quanto escritas.
Mesmo os gêneros mais modernos, frutos de inovações tecnológicas, são ancorados nos
27
gêneros já existentes, o que demonstra seu caráter dinâmico e plástico dos gêneros
discursivos.
Como essa breve linha histórica nos mostra, os gêneros sempre estiveram ligados ao
desenvolvimento da humanidade. Por isso, durante toda história sempre houve o interesse
em se classificar e organizar a produção lingüística humana, o que possibilitou o
surgimento de diversas teorias acerca dos gêneros discursivos.
2.1.1 Platão e Aristóteles
A problemática dos gêneros discursivos tem uma tradição bastante antiga, ela
remete ao período clássico onde começou a preocupação quanto à classificação dos textos.
Platão e Aristóteles distinguem três formas genéricas fundamentais: o épico, o lírico e o
dramático. Essas formas genéricas eram concebidas tendo em vista a função do discurso e a
auditório ao qual ele era dirigido.
Em a República, Platão argumenta sobre o que seria uma cidade ideal e condena
todas as imitações das coisas não perfeitas, pois elas estariam distantes da verdade. Para o
filósofo a mimeses
4
está afastada da natureza e distante da verdade. De acordo com Pereira
(2004, p. 11) “o desfecho desta argumentação conduz a um dos passos mais celebres do
diálogo: a condenação da poesia.”
A Poética de Aristóteles teria surgido como resposta as afirmações de Platão em a
República. A obra de Aristóteles possui como parte principal o conceito de mimeses em que
toda atividade poética deveria ser assentada. Segundo Aristóteles para se relacionar um
texto literário a uma espécie de poesia é necessário observar os meios ou parâmetros de
4
Conceito que envolve a noção de imitação.
28
imitação da realidade. Para o filósofo a imitação é da natureza dos homens, pois através da
imitação o homem adquire seus conhecimentos. O filósofo concebe a idéia de que toda
espécie de poesia é imitação, sendo que “os mais nobres imitaram ações belas e ações de
homens bons e os autores mais vulgares imitaram ações de homens vis, (...).”
(Aristóteles, 2004, p. 43)
Ao imitar pode-se fazer uso de diversos meios em conjunto ou separadamente:
cores, figuras, ritmo, harmonia, metro, etc. O objetivo do filosofo é apresentar os elementos
de composição da poesia implicados no processo de imitação.
É necessário, portanto, que toda a tragédia tenha seis partes pelas
quais é definida. São elas: enredo, caracteres, elocução,
pensamento, espetáculo e música. (ARISTÓTELES, p. 48)
Falamos já das partes da tragédia que devem ser consideradas
como seus elementos essenciais mas, quantitativamente, as partes
em que se divide a tragédia são estas: prólogo, episódio, êxodo,
parte coral e dentro desta o párodo e o estásimo, que são comuns a
todas as tragédias ... (ARISTÓTELES, p. 59)
A intenção de apresentar as partes constitutivas da obra literária perpassa toda a
obra Poética. Mas, de acordo com o Aristóteles (2004), é um engano classificar as espécies
de poesia tendo em vista somente os meios empregados no processo de imitação, pois os
objetos de imitação sãos os homens e suas ações, e há espécies de poesias (epopéia e
tragédia, por exemplo) que imitam o mesmo objeto, podendo recorrer aos mesmos meios,
portanto aos mesmos elementos.
Esta viagem ao período clássico tem como função mostrar que a tentativa de se
classificar os textos agrupando-os de acordo com a recorrência dos elementos formais é
antiga. Entretanto, mesmo no período clássico já se atentava para o fato de que se basear
29
somente nos elementos formais do texto não é suficiente para diferenciá-lo (duas espécies
de poesias diferentes podem recorrer aos mesmos elementos para imitar).
2.1.2 Bakhtin
Bakhtin avança nos estudos sobre os gêneros discursivos estabelecendo uma linha
de pensamento diferente daquela utilizada por Aristóteles. Para o autor, desde “a
antiguidade aos nossos dias eles foram estudados num corte de sua especificidade artístico-
literária, nas distinções diferenciais entre eles (...) e não como determinados tipos de
enunciados, que são diferentes de outros tipos ...” (BAKHTIN, 2003, p. 262)
Bakhtin concebe a noção de gêneros discursivos relacionando-os intrinsecamente à
atividade humana. Quanto mais diversificadas forem as atividades humanas, mais
diversificadas serão as formas lingüísticas ligadas a essas atividades, ou seja, mais variados
serão os gêneros do discurso. A diversidade dos gêneros discursivos é infinita porque as
atividades humanas e o repertório de gêneros envolvidos nessas atividades são infinitos.
Concordamos com a afirmativa de Matencio segundo o qual “a perspectiva
Bakhtiniana tem contribuído significativamente para a investigação do funcionamento da
linguagem, para as práticas de ensino/ aprendizagem e, por conseqüência para o impacto
social dos estudos lingüísticos.” (MATENCIO, 2006, p. 216)
Respeitando a heterogeneidade e a diversidade dos gêneros discursivos, Bakhtin
propõe a distinção entre os gêneros primários e os gêneros secundários. Os gêneros
primários (simples) são gêneros ligados à situação de comunicação imediata, os gêneros
secundários (complexos) surgem de um convívio cultural complexo e organizado sendo
30
próprio dele incorporar durante seu processo de formação os gêneros primários. Para o
autor os gêneros são caracterizados pelo conteúdo, estilo e construção composicional.
Na visão de Bakhtin o enunciado é a unidade da comunicação discursiva, o que
evidencia o caráter discursivo dos atos de comunicação. Cada enunciado evidencia uma
intenção ou uma vontade do falante, sendo esses elementos responsáveis pela forma do
enunciado, ou seja, a forma do gênero discursivo. Segundo Bakhtin (2003, p. 282): “A
vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo gênero do
discurso.” (grifo do autor)
Toda comunicação humana dá-se através dos gêneros do discurso, desde os estilos
mais informais (como um bate papo) até os estilos mais formais (como um requerimento).
Isso indica que nosso discurso é moldado em determinadas formas de gênero, que podem
ser fixas ou flexíveis, criativas ou mais estáticas.
O enunciado possui um caráter dialógico, pois pressupõe um sistema de língua e um
sistema de enunciados antecedentes com o qual o enunciado relaciona-se. Segundo Bakhtin
(2003, p. 272): “Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros
enunciados.” Falamos sempre através de algum gênero, isto é, “todos os nossos enunciados
possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo.” (BAKHTIN,
2003, p. 282) É possível imaginar o quão dispendioso seria ter de criar e compartilhar com
um interlocutor formas novas de enunciados toda vez que fosse se realizar uma
comunicação.
Retomando os princípios da pesquisa, uma noção importante envolve o papel do
parceiro comunicante no processo de comunicação. O papel do interlocutor é ativo, pois ele
assume uma ativa posição responsiva em relação ao discurso, podendo “concordar ou
31
discordar dele (total ou parcialmente) completa-o, aplica-o, prepara-o para usá-lo, etc”.
(BAKHTIN, 2003, p.271)
Ao buscar compreender o enunciado, Bakhtin abriu as portas para o entendimento
dos gêneros discursivos. Os diferentes gêneros do discurso são diferentes enunciados
moldados à luz das restrições exigidas pelo contrato de comunicação.
Entretanto, apesar de avançar nos estudos sobre os gêneros, Bakhtin não apresenta a
distinção entre enunciado e enunciação, pois para o autor a produção e o produto são
realizados simultaneamente.
2.1.3 Todorov
Embora voltada aos estudos literários a obra Gêneros do Discurso de Tzvetan
Todorov traz valiosas contribuições para a discussão da problemática envolvendo os
gêneros. O autor disserta sobre a origem dos gêneros identificando que os gêneros literários
e os gêneros não literários não são separados por um abismo, pois ambos possuem uma
origem em comum: como qualquer ato de fala, eles originam-se de propriedades
discursivas. Para o autor a sociedade institucionaliza a recorrência de certas propriedades
discursivas e os textos são produzidos e percebidos em relação à norma que esta
codificação constitui.
Todorov entende que a sociedade institucionaliza certas propriedades discursivas
que regem a produção e percepção dos textos. Assim o gênero se apresenta como uma
codificação de determinadas propriedades discursivas que permitem a distinção entre vários
gêneros: elementos sintáticos, semânticos, lexicais, fonológicos, etc.
32
Tudo o que se pode dizer é que algumas propriedades discursivas
são mais interessantes do que outras: estou pessoalmente muito
mais intrigado com as coerções que incidem sobre o aspecto
pragmático dos textos do que sobre sua estrutura fonológica.
(TODOROV, 1980, p.43)
O autor ainda afirma que para se estudar gêneros literários é necessário partir das
características da obra, buscando os elementos temáticos e estruturas de composição.
Propriedade discursiva é uma expressão que entendo em um
sentido inclusivo. Todos sabem que, mesmo que se limite apenas
aos gêneros literários, qualquer aspecto do discurso pode ser
tornado obrigatório. A canção se opõe ao poema por aspectos
fonéticos; o soneto é diferente da balada por sua fonologia; a
tragédia se opõe à comédia por elementos temáticos; a narrativa de
suspense difere do romance policial clássico pelo agenciamento de
sua intriga; enfim, a autobiografia se distingue do romance pelo
fato de o autor pretender contar os fatos e não pretender contar
ficções. (grifo do autor).
(TODOROV, 1980, p. 47)
A concepção de Todorov é de que os gêneros são elementos importantes na vida
social e que possuem a existência vinculada a propriedades discursivas. O autor ainda
considera que os gêneros passam por transformações contínuas visto que “um novo gênero
é sempre a transformação de um ou vários gêneros antigos: por inversão, por deslocamento,
por combinação...” (TODOROV, 1980, p.48)
2.1.4 Bronckart
Nos anos 80, a noção de gênero passou por diferentes abordagens e dentre elas es
o modelo interacionista sócio-discursivo proposto por Bronckart (1999). Para o autor as
“espécies de textos” surgem de um determinado grupo social, desta forma, os textos são
33
determinados pelo campo social do qual se originam e pelas variações que cada locutor
introduz durante a sua fala. Bronckart acredita que as classificações das “espécies de
textos” são artificiais, vagas e infrutíferas, não havendo uma classificação estabilizada e
coerente dos textos devido à diversidade de critérios que podem ser empregados na
definição de um gênero. Para o autor para identificar e classificar os gêneros de forma mais
objetiva, deve-se usar o critério de análise de segmentos de um texto.
De acordo com Bronckart um texto pertencente a um gênero pode ser composto de
segmentos incomuns ao gênero. Um artigo científico pode ter como segmento principal um
relato (relato do processo do trabalho) ao invés da peculiar exposição. São os segmentos, e
não gêneros, que vão apresentar semelhanças lingüísticas capazes de criar associações entre
os textos.
“O desenvolvimento das técnicas de análise lingüística permitiu
evidenciar o fato de que é somente no nível desses segmentos
específicos que podem ser identificados configurações de unidades
e formas de organização sintática relativamente estáveis.”
(BRONCKART, 1999, p. 74)
Bronckart preconiza que os elementos lingüísticos não podem ser levados em conta
na classificação de um gênero se eles forem analisados fora de um segmento, pois são os
segmentos que podem apresentar as semelhanças lingüísticas (em um relato há a presença
de pronomes, verbos no pretérito, etc.). Desta forma, o autor critica aqueles que defendem
uma grande dependência em relação aos elementos formais que compõem o texto na busca
de uma classificação de gênero.
34
“Se cada texto constitui, de fato, uma unidade comunicativa, o
gênero ao qual um determinado texto pertence nunca pode ser
completamente definido por critérios lingüísticos; somente os
diferentes segmentos que compõem um gênero podem ser
reconhecidos e classificados por tais critérios.” (grifo do autor)
(BRONCKART, 1999, p. 75)
Bronckart afirma que ninguém consegue aprender todos os gêneros existentes assim
como as características deles. O reconhecimento dos gêneros deve-se à exposição dos
sujeitos, durante a fase de formação, a um número importante de gêneros necessários à vida
pessoal, desta forma, os sujeitos conseguem reconhecer algumas de suas características
estruturais e contextuais características de cada gênero.
2.1.5 Bazerman
O lingüista americano Charles Bazerman também tem influenciado diversos estudos
brasileiros sobre os gêneros textuais ao trazer consideráveis reflexões teóricas. Na obra
Gêneros textuais, tipificação e interação (BAZERMAN, 2005) o autor afirma serem os
gêneros formas textuais típicas com funcionamentos específicos. Assim é constituída a tese
do autor de que os gêneros são formas desmembradas de elementos anteriores
5
, pois os
gêneros estão ancorados em um veio histórico que promove a ligação deles com elementos
preexistentes. Como exemplo o autor mostra como a carta serviu de influencia ampla e
importante para formação de vários gêneros (letras de câmbio, cartas de crédito, etc.).
Para Bazerman, nós conseguimos identificar os gêneros textuais através de
características textuais familiares o que nos permite reconhecer com qual família de textos
estamos lidando.
5
Bazerman acredita que os gêneros vieram do desdobramento direto de gêneros fundadores. A carta,
por exemplo, serviu para tipificar vários gêneros da escrita como artigos científicos, patentes, relatórios, etc.
35
Então, tendemos a identificar e definir os gêneros por essas
características sinalizadoras especiais, e depois por todas as outras
características textuais que virão a seguir, segundo nossas
expectativas. (BAZERMAN, 2005, p.30 )
Bazerman compreende que uma definição dos gêneros textuais através apenas de
um conjunto de traços textuais é responsável por trazer uma visão incompleta dos gêneros,
por isso o autor propõe que se avaliem os gêneros como fenômenos de reconhecimento
psicossocial que fazem parte de processos de atividades socialmente organizadas.
Compreender as circunstâncias de utilização do gênero ajuda o locutor a satisfazer a
necessidade da situação para que a mensagem seja bem compreendida.
O autor identifica que os gêneros emergem de processos sociais e são importantes
por possibilitar que os seres humanos dêem forma lingüística às atividades sociais. Para
caracterizar o modo como os gêneros se configuram o autor propõe os conceitos de
conjunto de gêneros, sistema de gêneros e sistema de atividades.
Um conjunto de gêneros é a coleção de tipos de textos
6
que as pessoas tendem a
produzir ao representarem um determinado papel social. Um aluno, por exemplo, lida com
uma série de gêneros (as anotações de aula, trabalhos escolares, resumos de conteúdos, etc.)
responsáveis por exercitar competências.
Um sistema de gêneros engloba os diversos conjuntos de gêneros utilizados por
pessoas inseridas em uma mesma atividade. Na escola, temos o professor, os alunos a
diretora da escola, todos trabalham com conjuntos de gêneros específicos, mas quando
agrupados esses conjuntos de gêneros formam um sistema. Embora diferentes esses
conjuntos de gêneros estão intimamente ligados e circulam em tempos previsíveis.
6
Tipos de texto nesse caso referem-se a espécies de textos.
36
Um sistema de atividades seria identificar a esfera de atividade humana onde um
sistema de gêneros ocorre. No caso dos exemplos citados na escola, estaríamos tratando da
esfera educacional.
A obra de Bazerman apesar de trazer novas categorias para os estudos dos gêneros,
permanece seguindo uma tradição que valoriza os elementos formais de composição do
texto para a classificação do gênero.
2.1.6 Marcuschi
Segundo Marcuschi (2002) os gêneros são entidades sócio-discursivas e formas de
ação social essenciais em qualquer situação comunicativa. Para o autor, os gêneros são
famílias de textos com uma série de semelhanças. Mesmo sendo formas típicas de
enunciados, os gêneros são eventos textuais maleáveis, dinâmicos e práticos. Para o autor, o
surgimento da escrita possibilitou a multiplicação de uma série de gêneros textuais, mas foi
através da cultura eletrônica que ocorreu uma explosão de novos gêneros e novas formas de
comunicação tanto na oralidade quanto na escrita.
Os grandes suportes tecnológicos como o rádio, a televisão, a revista, o jornal e a
internet, devido a grande visibilidade, possuem presença marcante nas atividades
comunicativas e abrigam uma série de novos gêneros. É interessante apontar que esses
novos gêneros não são criações absolutas, eles são ancorados em outros gêneros existentes.
Marcuschi acredita que a tecnologia favorece o surgimento de formas inovadoras de
gêneros.
Para o autor os gêneros caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas,
cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades lingüísticas e estruturais.
37
Entretanto, o autor não despreza os elementos formais na definição do gênero, pois algumas
vezes a forma e o suporte dos textos determinarão o gênero em questão.
Marcuschi defende o trabalho com textos na escola através do conceito de gênero
textual. Segundo o autor, esse conceito é capaz de fazer com que o aluno desenvolva
habilidades de leitura e escrita. Os gêneros seriam “eventos lingüísticos, mas não se
definem por características lingüísticas: caracterizam-se, (...), enquanto atividades sócio-
discursivas” (MARCUSCHI, 2002, p.20). Essa definição dada por Marcuschi parece
caracterizar uma tendência atual de se considerar o gênero como uma forma de ação e não
necessariamente como um produto textual.
Marcuschi aponta ainda o equivoco de muitos manuais didáticos que empregam a
noção de tipo de texto ao invés de gênero textual. Como exemplo o autor argumenta que a
“carta pessoal” é considerada em muitos manuais como um tipo de texto quando na verdade
trata-se de um gênero textual.
2.1.7 Travaglia
Travaglia que utiliza as noções da lingüística textual distingue texto de discurso
levando em conta a tipologia de textos e não de discursos. Para a lingüística textual um
estudo de texto leva em conta a tipologização textual, ou seja, a construção de princípios
que possibilitassem determinar todos os gêneros textuais existentes, pois os tipos textuais
compõem a grande maioria dos textos.
A expressão tipo textual define seqüências lingüísticas típicas cuja composição é
formada por aspectos lexicais, morfológicos, sintáticos e lógicos. Os tipos textuais
abrangem cerca de cinco categorias conhecidas como: narração, descrição, argumentação,
38
injunção e exposição. Um gênero pode ser composto de vários tipos textuais, ou seja, um
gênero pode ser tipologicamente variado (heterogêneo), havendo tipologia que prevalece
pelo tipo de comunicação que se estabelece com o interlocutor.
Uma carta pessoal pode conter várias seqüências tipológicas como a descrição, a
exposição, a injunção, etc., mas geralmente ocorre o predomínio de qualquer uma das
tipologias.
Na visão de Travaglia é importante estudar os modos de organização dos textos,
pois eles definem os gêneros do discurso. O trabalho com textos e com os diferentes tipos
de textos é importante, pois eles instituem a competência comunicativa, sendo que cada
tipo de texto é apropriado para uma interação específica. Sendo os textos de diferentes
tipos, eles instauram diferentes modos de interação e interlocução.
Nessa perspectiva, ensinar tipologia textual ao aluno possibilita-o atuar
comunicativamente em várias situações, tornando-o competente para prática da leitura e
escrita.
2.2 A noção de gêneros segundo a teoria Semiolingüística
De acordo com a Semiolingüística uma das noções principais envolvendo os
g~eneros discursivos é que ele representa a atividade de linguagem em funcionamento no
meio social.
Os gêneros são constituídos por um conjunto de características. Assim, para se
classificar os enunciados como pertencentes a um gênero é necessário analisar as condições
de produção responsáveis por trazer regularidades ao gênero. De acordo com Charaudeau
(2004) a noção de gênero discursivo, ao longo do tempo, foi abordada por vários autores,
39
cada um privilegiando um aspecto diferente. Para o autor, buscar uma definição de gênero
significa considerar diferentes aspectos que funcionam de forma articulada: ancoragem
social, natureza comunicacional, atividade linguageira e as características formais.
“O aspecto da ancoragem social é que funda os gêneros, unindo-os
a diferentes práticas sociais que se instauram em uma sociedade.
(...) todo domínio de prática social tende a regular as trocas, e, por
conseqüência a instaurar as regularidades discursivas (...)”
(CHARAUDEAU, 2004, p. 15)
Uma determinada esfera de atuação social (domínio) é responsável por estruturar a
comunicação, ou seja, um domínio de práticas sociais é responsável por trazer
regularidades lingüísticas a um domínio de práticas linguageiras. Assim, fica constatado
que os gêneros, práticas de linguagem, são influenciados por fenômenos sociais e são
dependentes da situação comunicativa em que são enunciados. Esta mesma idéia é
encontrada em Bakhtin (2003, p. 268) que considera que os gêneros “refletem de modo
mais imediato, preciso e flexível todas as mudanças que transcorrem na vida social.”
Todo texto materializa-se em algum gênero discursivo, havendo a ligação entre as
configurações do gênero e a situação de produção do texto.
Segundo Emediato (2003, p. 64):
“Um texto, antes de ser uma construção lingüística, seria, nesta
perspectiva, uma construção social tipificada pela experiência
comunicacional dos agentes. Uma tal perspectiva pressupõe, pois,
que o gênero, antes de ser um tipo textual, configura-se como um
tipo situacional.” (grifo do autor).
40
A atividade linguageira diz respeito à articulação entre as práticas sociais e a
configuração textual. A situação em que o enunciado ocorre traz restrições discursivas na
utilização da linguagem e nos parâmetros de produção/ interpretação que dão pertinência à
troca comunicativa. Para Charaudeau (2004) a atividade linguageira deve ser considerada
como as condições de construção do discurso necessárias para que o sujeito comunicante
possa organizar seu discurso.
Durante muito tempo, na caracterização de gêneros discursivos, levou-se em conta,
principalmente, as recorrências formais do texto. Segundo Emediato (2003, p. 68)
“Sem dúvida, não há como falar em gênero sem postular a
existência de regularidades formais. Sabemos, entretanto, que uma
mesma forma pode suportar sentidos diferentes e que esta
significação plural de formas singulares constitui sempre um
problema para a classificação de textos. (...) a recorrência de
características formais, por si mesma, não garante, absolutamente,
a especificidade de um tipo de texto (...)”
Não é coerente levar em conta as recorrências formais do texto como único elemento
caracterizador do gênero ou mesmo como uma propriedade dominante, pois textos com as
mesmas propriedades lingüísticas podem circular em situações comunicativas bem
diferentes. A recorrência de um elemento formal de um gênero em outros gêneros faz com
que a utilização de uma classificação genérica baseada em elementos de composição
formais seja vaga e ineficiente.
O que parece ser essencial em um gênero é a sua natureza comunicacional. A
natureza comunicacional refere-se à relação contratual que se estabelece entre os parceiros
em uma situação de comunicação, tornando-a rotineira e regular. O contrato de
comunicação relaciona o lingüístico e o situacional, indicando que a situação de
comunicação disponibiliza parâmetros lingüísticos já disponíveis antes mesmo da
41
realização do ato de linguagem, ou seja, o contrato fornece regularidades (parâmetros) para
que os parceiros estabeleçam a intercompreensão e assumam seus papéis respectivos.
Os gêneros discursivos são manifestações sociais e sofrem as restrições da situação
de comunicação através do contrato de comunicação estabelecido. Os gêneros representam
um espaço de limitações e coerções necessário para inserir os sujeitos no processo de
comunicação. A existência de um gênero discursivo está vinculada à existência de um
contrato tácito entre os parceiros, esse contrato baseado em elementos situacionais
pressupõe rituais específicos de linguagem.
A busca de uma teoria acerca dos gêneros discursivos não pode prescindir do fato
de que os sujeitos estão imersos em contextos sociais. O sujeito que fala precisa de
referências para se inscrever no mundo dos signos, significar suas intenções e se
comunicar. A comunicação é conseqüência do processo de socialização do sujeito através
da linguagem e desta através do sujeito. Os comportamentos, os elementos formais e
determinados sentidos normalizados são adquiridos socialmente e registrados na memória.
De acordo com Charaudeau (2004) há no sujeito três tipos de memórias que se articulam
em conjunto com base na relação intrínseca entre situação de comunicação, sentido e
formas:
Memória dos discursos - memória na qual são construídos saberes de crença sobre o
mundo, são representações partilhadas por sujeitos que possuem os mesmos
posicionamentos e os mesmos sistemas de valores, opiniões, etc.
Memória das situações de comunicação - são memórias do conjunto de condições
contextuais que vão regular as trocas comunicativas.
42
Memória das formas dos signos - memória que vai mostrar empregos dos signos em
determinados modos de uso.
Podemos dizer que os sujeitos apreendem os gêneros em processos de socialização
que implicam na experiência e no contato com os gêneros. O sujeito quando vai realizar um
ato de linguagem utiliza as representações adquiridas construindo normas de conformidade
linguageira e as associa a lugares de prática social.
Todas as questões apresentadas permitem concluir que os gêneros são elementos
intrinsecamente ligados às atividades sociais. Da mesma forma como a língua é
heterogênea, variada e de múltiplas formas de realização; o gênero também é assim
caracterizado. Concordamos com a afirmação de Bakhtin (2003, p. 262) ao dizer que “a
riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as
possibilidades da multiforme atividade humana (...).”
A partir dos elementos vistos até aqui é possível verificar que os gêneros discursivos
não podem se limitar a caracterizações privilegiando elementos formais ou aspectos
estruturais do texto. O gênero corresponderia a uma série de categorizações inter-
relacionadas: categorização dos domínios de prática social, subcategorização desses
domínios em situações de comunicação, categorização das situações de comunicação,
categorização das formas Semiolingüísticas, categorização das regularidades e de variantes
textuais.
43
O esquema abaixo proposto por Emediato (2003, p. 71) permite visualizar o processo de
categorização em rede que determina as especificidades do gênero.
QUADRO 2 – Processo de categorização em rede
DOMÍNIO DE PRÁTICA SOCIAL
Informação
SITUAÇÃO GLOBAL DE COMUNICAÇÃO
(determinações situacionais)
SITUAÇÃO ESPECÍFICA DE COMUNICAÇÃO
Jornalismo impresso “de referência
Determinações situacionais
Determinações discursivas
Características lingüísticas e discursivas
VARIANTES TEXTUAIS
Características lingüísticas e discursivas
Reportagem
Editorial
Coluna (de articulista, social)
Entrevista
44
Com esse esquema é possível demonstrar que para a análise do discurso, a
concepção relevante de gênero é a de tipo situacional, e não a de tipo textual, quando se
deseja falar de um tipo de interação regular e suas propriedades psico-sócio-comunicativas.
De outro lado, quando se deseja falar de materialidade semiológica resultante dessa
interação, fala-se de variante textual ou tipo textual.
2.3 Posicionamento em relação às concepções sobre gênero
Ao evidenciarmos na pesquisa uma série de concepções e teorias acerca dos gêneros
e dos tipos textuais, percebemos que grande parte das noções sobre gêneros considera como
aspecto principal de classificação os elementos formais de composição do texto.
Na pesquisa, compartilhamos a noção de gênero proposta pela teoria
Semiolingüística de Patrick Charaudeau por acreditarmos na completude dessa noção que
considera o gênero como uma forma de ação, pela linguagem, condicionada à situação de
comunicação.
Pensamos que ao transitarmos pelos vários espaços sociais nos deparamos com
vários gêneros discursivos. Esses gêneros relacionam-se às praticas sociais vivenciadas
pelas pessoas e são importantíssimos por possibilitarem a comunicação. O sujeito social
precisa apreender um conjunto de gêneros ligando-os a situações de comunicação para que
possa se comunicar estando em conformidade linguageira.
Os gêneros pensados como elementos situacionais trazem o entendimento de que a
situação de comunicação, incluindo a identidade dos parceiros, a finalidade, a tematização /
problematização e o dispositivo constituem os primeiros parâmetros de definição do
45
gênero. É a situação de comunicação que irá instituir as restrições responsáveis por elaborar
as características dos gêneros.
Trabalharemos a problemática dos gêneros discursivos nesta pesquisa seguindo as
contribuições teóricas da Teoria Semiolingüística de Patrick Charaudeau (2004), pois essa
teoria nos traz um importante instrumental teórico para a análise de diversos corpora
relacionados à situação discursiva.
2.4 Gênero textual x gênero discursivo
O termo “gênero” encerra uma série de acepções trazidas pelas diversas abordagens
que envolvem a sua noção. Cada corrente teórica utiliza o termo de acordo com a
conveniência de seu objeto de estudo. Mais recentemente, convivem duas concepções que
não são equivalentes, mas que geralmente ocorrem uma no lugar da outra: gênero textual e
gênero discursivo.
O termo nero textual está mais voltado para o ponto de vista textual, autores
como Marcuschi (2002) utilizam este termo para identificar o propósito em se trabalhar
com questões que abordem o texto materializado.
“Usamos a expressão gênero textual como uma noção
propositalmente vaga para referir os textos materializados que
encontramos em nossa vida diária e que apresentam características
sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição característica.” (grifo do autor)
(MARCUSCHI, 2002, p. 23)
Os autores quando dissertam sobre o gênero textual na verdade estão falando sobre
textos encarados sob o ponto de vista de sua função comunicativa ou como o objeto
46
material que resulta de um propósito comunicativo. Autores como Marcuschi analisam o
gênero textual como os textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações
comunicativas.
O termo gênero discursivo considera os textos tendo em vista práticas sócio-
discursivas, refere-se ao campo do discurso onde o contexto alude a uma situação que
procura ancorar o discurso no social. O termo gênero discursivo revela a preocupação de
autores como Charaudeau (2001, 2004) de evidenciar os estudos lingüísticos sob um ponto
de vista onde “as características do discurso dependem essencialmente das condições de
produção situacionais...” (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2004, p. 251) A
concepção de gêneros discursivos está voltada para o discurso, revelando sua condição de
produção.
2.5 Texto x gênero
Uma das grandes dificuldades na classificação dos gêneros (e posteriormente no
trabalho envolvendo os gêneros) decorre da falta de distinção entre texto e gênero.
Sob o ponto de vista da Análise do Discurso, Somente é possível se comunicar
verbalmente através de algum gênero do discurso. Falar sob a forma de um gênero significa
adaptar o nosso discurso a normas sociais e ideológicas que regulam as práticas
comunicativas. Aqui, o termo gênero significa considerar uma produção – tal como um
texto – tendo em vista as suas condições situacionais, ou seja, significa avaliá-lo como uma
forma de ação regulada, considerando determinado contexto (situação) e os investimentos
sociais, históricos e ideológicos determinantes da posição que os sujeitos ocupam na
situação.
47
É nesse sentido que Maingueneau (2005) afirma que todo discurso pressupõe uma
cena de enunciação para poder ser enunciado. Para o autor, a cena de enunciação integra
três outras cenas: a cena englobante, que corresponde ao tipo de discurso ou prática
discursiva (literário, jornalístico, político, educativo); a cena geanérica, que corresponde ao
contrato associado a um gênero ou uma instituição discursiva (o editorial, o sermão, os
manuais); e a cenografia, concepção próxima a uma materialidade ou configuração
lingüístico discursiva, construída pelo próprio texto. A cenografia, como o modo de
inscrição (grafia) específica da enunciação na cena, aproxima-se da concepção de “forma”
resultante, embora em Maingueneau ela deva, segundo o próprio autor afirma, “ser
apreendida ao mesmo tempo como quadro e como processo” (MAINGUENEAU, 2005,
p.87).
De modo geral, apreendido com a materialização do discurso e resultante de um ato
de linguagem; o texto é considerado uma manifestação material semiológica (verbal,
gestual, imagética, etc.), um resultado, um produto do ato de comunicação e de suas
determinações situacionais e genéricas.
Em nosso trabalho, utilizaremos o termo TEXTO para designarem um produto
qualquer de um ato de linguagem: um tipo de texto, ou tipo textual, materializado, como,
por exemplo, um texto jornalístico (notícia de jornal, editorial, reportagem etc.).
Utilizaremos, por outro lado, o termo GÊNERO para designar uma prática de
linguagem, ou prática discursiva, como, por exemplo, o discurso jornalístico, o discurso
didático, o discurso publicitário etc. Por isso, dizemos que se está em uma situação de
comunicação publicitária, uma situação de comunicação política, uma situação de
comunicação didática. É por isso que adotamos a perspectiva, proposta por Emediato
(2003), de que um gênero discursivo é um tipo situacional e, como tal, ao ser analisado,
48
exige que sejam considerados todos os quatro parâmetros que regulam essa situação (a
finalidade, a identidade dos parceiros, o quadro de tematização/ problematização e o
dispositivo – como circunstâncias físicas e materiais).
49
CAPÍTULO 3 - DISCURSO, GÊNEROS DISCURSIVOS: JORNALISMO E
ENSINO
Como a nossa pesquisa compreende o estudo dos gêneros / tipos textuais em meio a
diferentes discursos, passaremos a agora a análise dos discursos que nos importam.
3.1 Discurso de informação
Não é pretensão da presente pesquisa analisar pormenorizadamente o discurso de
informação e suas estratégias de manipulação da opinião pública. Mas é impossível analisar
um tipo de mídia tão importante quanto a notícia de jornal sem que se pense nas
peculiaridades do discurso de informação.
Ao mesmo tempo em que a notícia de jornal fala sobre os acontecimentos da
realidade ela deixa uma mensagem ao mundo, pois a informação contida na notícia é
construída através de elementos da realidade que transmitem saber e ao mesmo tempo
influem ideologicamente na opinião pública. A relação de intersubjetividade entre a notícia
de jornal e seus leitores vai caracterizar o discurso de informação onde a necessidade de
falar deve-se a intenção de “se colocar em relação com o outro, porque disso depende a
própria existência, visto que a consciência de si passa pela tomada de consciência da
existência do outro...” (CHARAUDEAU, 2006, p. 42)
A título de exemplo, uma notícia de jornal que informa a respeito de catástrofes
ambientais supõe em seus leitores um interesse pelo meio ambiente. Através do discurso de
informação tem-se a consciência de que o leitor interpretará o texto noticioso numa certa
direção, por isso são utilizados temas que se aproximam dos interesses e crenças dos
50
leitores. Da mesma forma que a notícia vai ao encontro dos leitores ao noticiar temáticas
pertinentes ao espaço público, os leitores vão ao encontro da notícia de jornal ao
procurarem-na na expectativa de encontrar elementos que corroborem seus interesses e
crenças.
Com esse raciocínio não podemos afirmar que a notícia de jornal constrói seu leitor
ou que o leitor constrói a notícia de jornal, ambos constroem-se conjuntamente. De forma
mais objetiva pode-se dizer que o discurso de informação é constituído pela relação entre o
a notícia de jornal e o leitor empírico.
O discurso de informação traz ao público leitor informações factuais e que possam
ser absorvidas e problematizadas por pessoas entendidas como cidadãos interessados em
saber o que acontece no espaço público. A finalidade predominante do discurso de
informação, finalidade amplamente divulgada pela mídia, é certamente informar, mas
outras finalidades também são acrescentadas como as finalidades de captar, emocionar,
mobilizar para a ação e a uma certa consciência cidadã.
Apoiando-se em argumentações e temas polêmicos, além de recursos sintáticos
apropriados para o seu tipo de argumentação, o discurso de informação vai sofrendo
alterações ao longo do tempo e em decorrência das estratégias comerciais da empresa
jornalística.
O discurso de informação envolve contar, explicar e descrever algo que um
destinatário supostamente não saberia, mas que deveria saber por fazer parte da instância
cidadã. Charaudeau & Maingueneau (2004) apontam para a contradição do discurso de
informação: deve envolver um evento surpreendente ao interesse público, mas também é
necessário que a informação se encaixe em um sistema de conhecimentos já ordenados, ou
seja, não pode ser nada que fuja à compreensão e à familiaridade do leitor.
51
Para Emediato (2007), a toda informação jornalística segue uma problematização
cidadã que dá ao conteúdo informado uma direção qualquer, uma perspectiva específica de
leitura, uma posição de leitor. A informação jornalística é atravessa por representações e
saberes ideológicos, com predominância das classes dominantes da sociedade, pois a mídia
se relaciona com o leitor-cidadão, mas também com a lógica econômica e o poder político.
Segundo Charaudeau (2006) a informação pode ser definida, ingenuamente, como a
transmissão de um saber, por meio da linguagem, de alguém que o possui para alguém que
não o possui. Como a informação é simplesmente enunciação, sua existência é fortemente
dependente da ação humana e do contexto em que ocorre o ato de linguagem.
Uma investigação sobre as peculiaridades do discurso de informação deve ter bem
clara a noção de que é inútil problematizar quanto à fidelidade dos fatos relatados. A
informação se processa pela linguagem e a linguagem não pode dar conta da realidade,
esgotando-a. Também é necessário reafirmar que por mais descritiva que seja uma notícia
de jornal na busca de relatar um acontecimento, não há como realizar a tão sonhada
imparcialidade jornalística.
Ao se fazer uso do discurso de informação é preciso realizar um recorte do mundo
para selecionar os acontecimentos que vigorarão como notícia. Há determinados
parâmetros para que um fato seja selecionado e destacado como notícia: relevância das
pessoas envolvidas, relevância social, proximidade, impacto, atualidade, importância para a
vida futura, etc. Mesmo o acontecimento sendo destacado como notícia, isso não garante
que ele irá para o jornal. De acordo com Wolf (1999) existem critérios que vão servir de
instrumento ao jornalista durante a escolha do que será exibido no jornal, ou seja, há
elementos através dos quais o órgão informativo controla e gere o que será publicado:
52
“A noticiabilidade é constituída pelo conjunto de requisitos que se
exigem dos acontecimentos – do ponto de vista da estrutura do
trabalho nos órgãos de informação e do ponto de vista do
profissionalismo do jornalista. (...) Tudo o que não corresponde a
esses requisitos é <<excluído>>, por não ser adequado às rotinas
produtivas e aos cânones da cultura profissional.” (marca do autor)
(WOLF, 1999, p. 190)
Uma notícia de jornal não é escolhida apenas por ser importante ou interessante à
instância de consumo da informação, é necessário que ela atenda aos critérios de
noticiabilidade.
Emediato (2005) ainda acrescenta que o imaginário jornalístico comporta certos
princípios de base que orientam a atividade dos jornalistas e a construção da informação.
“Na própria formação dos jornalistas é ensinado que os profissionais devem considerar
certos parâmetros que representam o que a literatura especializada chama de leis de
proximidade.” (grifo do autor) (EMEDIATO, 2005, p. 108) O autor destaca as seguintes
leis de proximidade:
Cronológica – a lei de proximidade cronológica prevê que a informação seja atual, dando
preferência a informação mais nova à mais antiga. É uma informação relativa ao aqui-
agora.
Geográfica – a lei de proximidade geográfica é importante pela pertinência que dá ao
saber, pois define a informação jornalística implicada com o leitor enquanto membro de
uma comunidade, uma pessoa pertencente à instância cidadã. Desta forma, os laços sociais
são reforçados pelos interesses locais e construído um espaço de intencionalidade relativa
ao nós-aqui-agora.
53
Psico-afetiva – a lei de proximidade psico-afetiva instaura uma nova pertinência através
de dois níveis de interesse: o interesse cognitivo (conhecer o novo sobre a base do antigo) e
o interesse afetivo (priorizar o novo capaz de provocar reações no leitor).
Específica – a lei de proximidade específica é restrita a grupos particulares, levando em
conta as paixões do leitor. São elaboradas formas genéricas de informação que caiam no
gosto das entidades consumidoras.
A situação de comunicação jornalística é responsável por suscitar uma série de
convenções e restrições que vão condicionar as práticas linguageiras (contrato de
comunicação): os parâmetros da situação de comunicação (contrato): finalidade, identidade
dos parceiros, tematização/ problematização e dispositivo. Esses elementos serão
pormenorizadamente analisados no capítulo 5, quando buscaremos as peculiaridades do
contrato de comunicação envolvendo o discurso de informação e o discurso didático.
O discurso de informação é atravessado, por vezes, pelo discurso didático devido a
necessidade de organizar as informações e de construir saber a partir do relato dos
acontecimentos.
3.1.1 Gênero notícia de jornal
Uma notícia de jornal é um relato de um fato, seguindo o estilo impessoal e
linguagem simples e direta. A notícia de jornal é uma informação dada em um certo
contexto que a valida e a torna necessária ao interesse público.
É importante salientar que a notícia de jornal não pode construir o sentido
antecipadamente, é necessário que o sentido de uma notícia seja construído tendo em vista
54
o contexto histórico-social em que os parceiros estão inseridos. Tal ponto revela a
dependência da notícia com o contexto, explicando porque as notícias são sempre
dependentes de elementos como: a data, a situação de enunciação, o meio de comunicação,
os parceiros inseridos na situação de comunicação, etc.
Mesmo sendo a expressão de um fato novo, a notícia traz arraigada em si os saberes
de crença prevalecentes no meio social. Saberes de crença são saberes ou conhecimentos
que resultam de um olhar subjetivo dos sujeitos. Esse modo de olhar o mundo é
compartilhado por um grupo social que aponta não apenas imaginários de comportamentos,
mas também imaginários de justificativa desses comportamentos.
O fato das crenças serem compartilhadas através da notícia de jornal faz com que
haja uma relação de cumplicidade, fazendo com que as pessoas compartilhem impressões
sobre o mundo em que vivem, desta forma, essas impressões ganham status de normas
sociais. Para Charaudeau a notícia de jornal, como todo acontecimento midiático, constrói-
se segundo três critérios:
(...) atualidade, pois a informação midiática deve dar conta do que
ocorre em uma temporalidade co-extensiva à do sujeito-
informador-informado; de expectativa, pois a informação midiática
deve captar o interesse-atenção do sujeito alvo; socialidade, pois a
informação midiática deve tratar daquilo que surge o espaço
público (...) (CHARAUDEAU, 2006, p.45)
55
3.1.2 Notícia versus reportagem
Convém fazer uma distinção entre notícia e reportagem, visto que muitas vezes uma
é tomada no lugar da outra. Esta confusão deve-se ao fato de que a palavra reportagem
nome a um gênero discursivo e ao setor nas redações de jornal onde são produzidas as
notícias.
Segundo Lage (2001. p.51)
Entre os gêneros de texto correntes nos jornais, a notícia distingue-
se com certo grau de sutileza da reportagem, que trata de assuntos,
não necessariamente de fatos novos; nesta importam mais as
relações que re-atualizam os fatos, instaurando dado conhecimento
de mundo. A reportagem é planejada e obedece a uma linha
editorial, um enfoque; notícia não.
A notícia de jornal envolve o relato de acontecimentos em qualquer esfera da vida
social, havendo objetividade, distanciamento entre os parceiros linguageiros e uma
linguagem imparcial. Pode-se dizer que a grande marca da notícia é a atualidade das
informações que são retirados do meio social e retornam à própria sociedade sob a forma de
uma voz jornalística.
A reportagem não está comprometida com a atualidade dos fatos, e sim com
processos investigatórios e o aprofundamento de questões pertinentes ao discurso
jornalístico. Nesse processo, alguns elementos característicos da notícia deixam de ser
expressos como a imparcialidade e a objetividade.
56
3.2 O discurso didático
Inicialmente, cabe restringir a acepção em que o termo didático é utilizado na
pesquisa. O discurso didático será pensado a partir da sua relação com as instituições
educacionais. Segundo Charaudeau & Maingueneau (2004, p. 166): “Pode-se
conseqüentemente reservar o adjetivo didático a um discurso produzido numa instituição de
formação ou numa situação institucional de ensino....” Em um domínio de práticas
educacionais os parceiros estão ligados por um contrato didático, esse contrato tende a
regular as trocas instaurando regularidades discursivas. Cabe ressaltar que nem todo
discurso produzido em um domínio de práticas didáticas é um discurso didático. Isso ocorre
porque em um domínio didático nem todos os discursos visam transmitir conhecimento e
possibilitar a formação do sujeito. Também é possível que qualquer domínio de práticas
possa ser atravessado pelo discurso didático, por exemplo, um domínio de práticas políticas
pode conceber um discurso didático para atender a determinada intenção de instruir o
eleitor, ensiná-lo sobre, por exemplo, aspectos específicos de economia, etc.
Pensamos que o discurso didático faz muito mais do que apresentar ao sujeito uma
informação, ele quer que o sujeito aprenda – no sentido de desenvolver uma certa
competência ou habilidade – o conteúdo transmitido. Para isso, o discurso didático utiliza-
se de instrumentos para avaliar se o sujeito realmente aprendeu (exercícios, provas, etc).
Esses instrumentos de avaliação possibilitam representar quantitativamente o quanto o
aluno apreendeu do conteúdo transmitido, o que assimilou ou desenvolveu no processo de
ensino /aprendizagem. De acordo com Emediato (2003 p. 65)
57
“O domínio determina ainda os papéis, os roteiros e os scripts a
serem representados pelos atores envolvidos na comunicação
educativa: relação de autoridade, o professor com seu papel de
ensinar, avaliar e captar, o aluno com seu papel de aprendiz, que
inclui o aprender e o provar. O domínio exerce, portanto, o papel
de ancoragem social que parece fundar a pertinência dos gêneros
relacionando-os às diferentes práticas sociais que se desenvolvem
na sociedade institucionalizando as expectativas psicossociais dos
agentes comunicantes.” (marca do autor)
Vale observar, ainda, que nenhum gênero discursivo se limita aos conteúdos que são
transmitidos ou representados por sua prática. Ele é marcado também por uma teatralidade,
por regras que, como em um jogo, o validam ou não, uma mise-en-scène que regula e
distribui papéis.
3.2.1 O histórico do manual didático
Neste trabalho, o manual didático é pensado como um dispositivo, um instrumento
produzido para auxiliar as disciplinas escolares. Podemos perceber que
Os primeiros manuais didáticos têm origem na antiguidade quando o ensino era
realizado através de um conjunto de textos sagrados. Na china antiga, eram utilizados livros
religiosos e livros de literatura para a aprendizagem da língua e para a assimilação de
normas de conduta. Os hebreus utilizavam a bíblia para a aprendizagem de dogmas
religiosos, mas também como instrumento de ensino de leitura, história e geografia.
Na Grécia antiga, os livros de Homero, Hesíodo e de vários poetas eram utilizados
nas escolas para o ensino de literatura, religião e moral. É Platão quem pela primeira vez
propõe a confecção de livros de leitura formados pelo conjunto dos melhores textos
literários. Isócrates defendia que os textos para o ensino de retórica deveriam ser agrupados
58
formando compilações com que há de melhor para a formação humana. Quintiliano
propunha que os alunos tivessem contato com textos que fossem superiores a compreensão
deles, o objetivo era fazer com que os alunos pudessem entrar em contato com a grandeza e
a superioridade, podendo mais tarde desenvolvê-la.
No império romano, foram feitos compêndios com episódios históricos que
servissem de exemplo e pudessem ser imitados pelos educandos.
Quatrocentos anos depois de Cristo a educação passou a ser realizada pelos padres
através de uma cartilha com textos em latim. A cartilha latina de “Ars Minor”, de Célio
Donato, foi utilizada por mais de dez séculos como manual didático.
Nos fins do século V aparecem os manuais enciclopédicos, livros capazes de tratar
de uma série de conteúdos: gramática, ciências, retórica, matemática, etc. No século VII
surge a enciclopédia de Isidoro de Sevilha “origens da Etimologia”, manual que tentava
reunir todo o saber do seu tempo.
Os árabes utilizavam as obras de Aristóteles e o próprio Alcorão como objetos de
ensino da língua e de conduta social. A pedagogia cristã utilizou amplamente a Suma
Teológica de São Tomaz de Aquino como compêndio para estudos.
Na Idade Média, os livros recebiam influência do intenso fervor religioso que
marcaria a formação dos sujeitos daquela época, mas nas universidades, os compêndios
mais usados foram as obras dos filósofos gregos.
No Renascimento começou a haver um interesse pela formação do indivíduo quanto
ao estado e quanto à formação religiosa, por isso os livros começaram a refletir um
sentimento humanístico capaz de preparar o individuo para “saber pensar”. Para alcançar
esse objetivo os testos literários foram amplamente utilizados na confecção de compêndios
59
escolares. Mas já nessa época, várias críticas surgiram quanto ao ensino da época, devido à
releitura religiosa que corrompia a maiorias dos textos utilizados para o ensino.
Durante a Reforma Protestante surgiu a necessidade de que a atividade de ensino
fosse realizada tendo em vista a Bíblia Sagrada e durante muito tempo essa foi a principal
fonte de ensino. Na Contra-Reforma, a obra jesuítica Ratio Studiorum é o compêndio mais
utilizado, havendo alguns avanços como o uso de capítulos separando os textos, a utilização
de perguntas e respostas, etc.
No século XIX, com o surgimento de vários Estados Nacionais há a preocupação
com as novas gerações, desta forma o manual didático torna-se um importante instrumento
de afirmação da soberania nacional.
A América do Norte, em 1870, substitui os manuais didáticos influenciados pela
didática inglesa e confeccionam livros de autores americanos. Assim, os manuais didáticos
deixaram de servir exclusivamente a prática da leitura e começaram a se interessar por
classificações, nomenclaturas e discussões de regras.
Até os anos 1960, os manuais didáticos possuíam uma durabilidade maior, sendo
passados de geração a geração de estudantes que utilizavam o mesmo manual. Como
exemplo, podemos citar a Antologia Nacional, do Fausto Barreto e Carlos Laerte, que tem a
primeira edição em 1895 e a última em 1969.
Os avanços científicos e tecnológicos fizeram com que o conhecimento passasse
por transformações cada vez mais velozes. Os manuais escolares para acompanhar essas
mudanças passaram a ter atualizações maiores. Outro fator que contribuiu para a
periodicidade menor dos manuais são os interesses mercadológicos, pois as editoras
encontraram nos manuais a possibilidade de um comércio promissor devido a vasta
demanda criada com a ampliação do ensino para toda a população.
60
Atualmente os manuais são alvos de reflexões constantes. A cada ano os manuais
têm se aperfeiçoado e melhorado suas edições, o que certamente contribui para um
constante aprimoramento das práticas de ensino/ aprendizagem dos educandos.
3.2.2 Manual didático de língua portuguesa
Como todos manuais didáticos, o MDLP serve-se do programa oficial (PCN) para
propor conteúdos diretamente relacionados à prática de ensino/ aprendizagem. A
especificidade do MDLP está em incorporar dentro de si elementos resultantes de outros
gêneros (textos jornalísticos, textos publicitários, fotografias) colocando-os a serviço do
discurso didático, ou seja, textos de diferentes contextos e discursos são incorporados ao
MDLP para atenderem a uma finalidade didática: ensinar a língua materna.
O ensino de língua portuguesa foi durante séculos realizado por meio de antologias,
cartilhas e textos do exterior ou traduzidos. Dos primeiros livros portugueses está, em 1539,
a Cartilha para ensinar a ler com as doutrinas da prudência, adjunta uma solfa de
cantigas para atiçar curiosidade do Frei João Soares.
Sempre fez parte da tradição dos manuais brasileiros a preparação coletâneas com a
seleção de diversos textos literários de autores representativos da língua portuguesa. O
trabalho com autores canônicos devia-se a percepção de que essas pessoas dominavam com
precisão a arte de bom uso da língua pelo estilo que empregavam, cabia às pessoas tentar
aproximarem-se o máximo do bom uso da língua assim como os autores estudados o
faziam.
No Brasil, a utilização dos MDLP é sistematizada em 1938 quando o Ministério da
Educação institui a Comissão Permanente do livro Didático (CNLD) que estabelece
61
condições para a produção, importação e utilização do livro didático. O decreto-lei 10.006
de 30/12/1938 define, pela primeira vez, o que deve ser entendido por manual didático:
Art. 2º -parágrafo 1º- compêndios são livros que exponham total ou
parcialmente a matéria das disciplinas constantes dos programas
escolares. Parágrafo 2º - livros de literatura de classe são livros
usados para leitura dos alunos em aula, tais livros são também
chamados de livros texto, compêndio escolar, livro escolar, livro de
classe, manual, livro didático, manual didático. (FREITAG, &
COSTA & MOTTA, 1989, p. 13)
O Manual Didático de Língua Portuguesa, como conhecemos hoje, nasce entre as
décadas de 50 e 60, mas só na década de 1970 sua utilização e difusão ganharam força no
país, isso graças às mudanças na política educacional na época da ditadura e a promulgação
da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Com as novas políticas
educacionais, houve a “democratização do acesso da população à escola em conseqüência
de um novo modelo econômico.” Bunzen & Rojo (2005, p. 77). É importante constatar que
a veiculação, padronização e até a utilização do manual didático está intrinsecamente ligada
à política utilização do manual didático está intrinsecamente ligada à política estatal do
manual didático no Brasil.
Em 1985, é instituído o programa Nacional do livro Didático (PNLD) que se torna
responsável por substituir os programas responsáveis pelos livros didáticos. O que
determinou a ampliação do acesso aos manuais escolares nessa época, foi a ampliação do
acesso à escola devido à necessidade de fornecer mão de obra capaz de atender a demanda
da crescente expansão industrial brasileira. Cada vez mais se fazia necessário para a
crescente indústria uma mão de obra que fosse capaz de operar máquinas e assimilar os
novos padrões industriais.
62
Os manuais didáticos sempre foram um importante recurso na concretização da
massificação da educação nacional. Em relação à língua portuguesa, pode-se dizer que o
manual didático foi importante para cristalizar algumas práticas de uso da língua,
fortalecendo a norma “padrão culta” do português por todo o país .
Hoje em dia, os MDLP são elaborados para atender as necessidades dos educandos,
mas também, há o interesse em trazer técnicas de ensino-aprendizagem, mais dinâmicas
para facilitar o trabalho do professor.
Segundo Bunzen & Rojo (2005, p. 80)
“É, pois, dirigindo-se a um professor apreciado como mal formado,
sem tempo para preparação e correção de atividades escolares,
devido a sua grande sobrecarga de trabalho, determinada pelo
aviltamento da profissão, e que fica pouco tempo em cada escola,
que o livro assume para si a tarefa de estruturar as aulas (...). Os
autores de livros didáticos passam a ser decisivos na didatização
dos objetos de ensino e, logo, na construção dos conceitos e
capacidades a serem ensinados.”
Nos últimos anos o interesse pela qualidade dos manuais didáticos aumentou devido
ao reconhecimento de que eles representam, muitas vezes, o único dispositivo portador de
textos utilizado pela escola e a única fonte de leitura para muitos alunos. O manual didático
é tido como o principal recurso de difusão de textos que favorecem a ampliação do
letramento. Desta forma, o cuidado com a reprodução dos MDLP vem sendo sistematizado
através de mecanismos de avaliação como o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático
instituído em 1996).
63
O manual didático é um dispositivo material confeccionado de acordo com as
normas para determinada série. O autor do manual precisa conhecer aqueles a quem o
manual didático é destinado para atendê-los quanto a suas necessidades e interesses.
O manual didático exerce muita influencia na formação do educando, sendo
utilizado em muitos lugares como a principal fonte de leitura e conteúdos escolares. A
grande facilidade de consumo facilitou, certamente, a disseminação dos manuais,
assegurando que o programa oficial de desenvolvimento dos conteúdos fosse cumprido de
forma uniforme, nos mais longínquos pontos do país. Além de permitir o manuseio do
aluno, o manual é importante por ser um dispositivo de fácil acesso e consumo.
O manual didático possui na interação com o leitor uma de suas principais
características, veiculando nessa interação determinados valores e conceitos culturais do
meio social.
3.3 Situação de comunicação jornalística
Um gênero discursivo está intrinsecamente ligado a uma situação de comunicação,
pois é situação de comunicação que vai determinar as restrições discursivas que vão incidir
na composição do gênero. Desta forma, a situação de comunicação jornalística é
responsável por configurar os seguintes elementos situacionais: identidade dos parceiros,
finalidade, tematização / problematização, dispositivo.
A identidade dos parceiros na situação de comunicação jornalística é concebida por
duas instâncias: uma instância de produção e uma instância de recepção.
A instância de produção ou instância informante é composta por vários atores que
contribuem direta ou indiretamente para a composição da notícia de jornal: o jornalista, os
64
redatores da notícia, os editores e os outros sujeitos implicados na confecção da notícia.
“Nessa instância, o jornalista – quaisquer que sejam suas especificações: generalista/
especialista, de escritório/ de campo, correspondente, enviado especial etc. – não é o único
ator, mas constitui a figura mais importante.” (CHARAUDEAU, p. 73, 2006) A instância
informante, responsável pela iniciativa de comunicação, fornece informações a respeito do
espaço público acreditando dizer uma verdade sobre o fato.
A instância de recepção é composta pelos leitores reais da notícia, sujeitos que
entrarão em contato com a notícia e que iniciarão o processo de interpretação.
No nível discursivo, os parceiros envolvidos são o enunciador jornalístico e o leitor
idealizado pela instância informante.
O enunciador jornalístico é a voz que relata os acontecimentos, possuindo uma
posição de autoridade de “fazer saber”, podendo parta isto convocar a voz do outro ou
simplesmente captá-la para dar credibilidade ao que está sendo dito.
O enunciador jornalístico utiliza-se de estratégias próprias do meio jornalístico
podendo confrontar idéias, expor acontecimentos, relatos, coletar depoimentos e até mesmo
criar um cenário característico do discurso jornalístico mais próximo da teatralização
(dramatização) do que da factualidade.
O leitor idealizado é um sujeito que se aproxima de uma figura de instancia cidadã,
sujeito preocupado e inserido nas questões da sua comunidade e, por isso, interessasse de
modo engajado pela informação sobre os fatos que possuem implicação sobre o espaço
público.
Na situação de comunicação jornalística, revela-se a finalidade precípua de relatar
acontecimentos recentes carregados de interesse social. “Justifica-se assim a profissão de
informadores que buscam tornar público aquilo que seria ignorado, oculto, secreto.”
65
(CHARAUDEAU, 2006, p.58). Há, entretanto, outra intencionalidade marcante na situação
jornalística: seduzir o público leitor. Essa lógica comercial é importante, pois a empresa
jornalística necessita captar o público para continuar existindo.
O imperativo da captação a obriga a recorrer à sedução, o que nem
sempre atende à exigência de credibilidade que lhe cabe na função
de “serviço ao cidadão” – sem contar que a informação, pelo fato
de referir-se aos acontecimentos do espaço público político civil,
nem sempre estará isenta de posições ideológicas. (aspas do autor)
(CHARAUDEAU, 2006, p.59)
Charaudeau (2006, p.150) institui à situação de comunicação jornalística os
seguintes propósitos:
relatar o que acontece ou aconteceu no espaço publico, construindo um espaço de
mediação que chamamos de acontecimento relatado.
comentar o porquê e o como do acontecimento relatado por analises e pontos de vista
diversos ou mais ou menos especializados, justificando eventualmente seus próprios
posicionamentos.
provocar confronto de idéias para contribuir com as discussões sociais.
Segundo Charaudeau (2006, p. 105) o dispositivo “é um componente do contrato de
comunicação sem o qual não há interpretação possível da mensagem,” Sendo assim,
qualquer produção de sentido deve levar em conta o dispositivo responsável por estabelecer
relações com os leitores da notícia.
A situação de comunicação que nos interesse implica o jornal impresso como
dispositivo. O jornal se inscreve em uma tradição escrita em que, apesar de não haver a
imagem do locutor, prevalece voz do enunciador jornalístico . O jornal, apesar de ser um
66
dispositivo simples, é marcado pela diversidade de gêneros e pela facilidade de consumo. O
suporte escrito permite ao leitor uma interação profunda com texto devido à possibilidade
de retomar a leitura quando desejar, interrompê-la para assimilar informações, reler partes
que possam esclarecer pontos dúbios. A facilidade de manejar o suporte permite que a
interpretação seja construída tendo em vista a estruturação do texto e a sua organização
interna.
3.4 Situação de comunicação didática
Quando nos referimos à situação de comunicação didática restringimo-nos a
situação de comunicação envolvendo o manual didático de língua portuguesa. Não
entraremos na questão proposta por Costa Val & Marcushi (2005) envolvendo a noção do
manual didático como gênero discursivo que intercala gêneros ou simplesmente como
dispositivo que agrupa textos ou gêneros variados.
A situação de comunicação didática é responsável por configurar os elementos
situacionais: identidade dos parceiros, finalidade, tematização / problematização,
dispositivo.
O MDLP é um projeto de interlocução que está encaixado no mundo social em que
vivem os parceiros da troca comunicativa. Desta forma, no nível situacional o manual
didático possui como parceiros: uma instância de produção e uma instância de recepção.
A instância produtora do MDLP representa os vários atores que contribuem direta
ou indiretamente para a composição do manual: autores, editores, ilustradores, e os outros
sujeitos implicados na confecção do manual. A instância de recepção é composta pelos
67
leitores reais do MDLP, sujeitos que entrarão em contato com o manual e construirão com
ele o contrato comunicativo.
No nível discursivo, os parceiros envolvidos são representados pelo enunciador
didático e os alunos / professores.
O enunciador didático é voz que interage com os interlocutores (alunos/
professores) propondo atividades, leituras, veiculando saberes, comportamentos e crenças.
Para Mendes & Padilha (2005, p. 122) o manual didático “procura trazer para dentro da
obra outras vozes, dialogando, num movimento crescente com os documentos oficiais
(PCN) e as próprias orientações das sucessivas avaliações (PNLD), deixando de ser
somente o discurso monológico do autor.
Esse enunciador está em posição de “fazer saber-fazer” detendo uma autoridade que
lhe é legítima. Daí certas expressões comuns aos manuais didáticos como: faça, avalie,
relacione, comente, redija, etc.
É notório que os manuais didáticos caracterizam-se por incorporar gêneros do
discurso às páginas do manual didático. Tal fato transforma o manual didático em um
elemento polifônico, pois agindo de acordo com a sua finalidade, abre espaço para a voz do
outro em sua enunciação. É importante salientar que as outras vozes corroboram as
intenções do enunciador didático. A visão do outro, desta forma, deve colaborar com a
visão do enunciador didático que está interessado promover a formação e instrução.
Pensamos que a forma como o manual didático transforma-se em um enunciado coletivo
constrói o que Ducrot (1987) chama de argumentação por autoridade. O autor afirma que
uma das formas de se construir uma argumentação por autoridade é através de uma
autoridade polifônica em que o enunciador “introduz em seu discurso uma voz que não é
forçosamente a sua (...).” (DUCROT, 1987, p. 144)
68
O leitor idealizado pela instância produtora do manual didático são os alunos e
professores da 6º série, sujeitos que devem aceitar o contrato imposto pelo manual didático
e estarem interessados no processo de ensino/ aprendizagem.
A finalidade do manual didático é apresentar um conjunto de conteúdos necessários
à formação e instrução do educando. Seguindo as diretrizes do Ministério da Educação os
manuais didáticos veiculam saberes necessários à inserção dos educandos à instância
cidadã, contribuindo para a aquisição da linguagem oral, escrita, além da formação social e
política. Há, entretanto, também um interesse comercial alicerçando os interesses do MDLP
já que ele é uma mercadoria que atende aos interesses mercadológicos, seguindo as
modernas técnicas produção e comercialização. Além de instruir, o MDLP precisa
continuar seduzindo o seu público leitor e para isso utiliza estratégias de captação que vão
além da qualidade dos textos apresentados. Elementos como a forma física, a qualidade do
papel, a capa, e a qualidade das imagens, tornam se importantes mecanismos de sedução e
captação para a manutenção do seu consumo.
Apesar de incorporar uma grande quantidade de textos, as temáticas propostas pelos
MDLP privilegiam as questões gramaticais. Mesmo assumindo a proposta de se trabalhar
com a linguagem (e a linguagem vai muito além das questões gramaticais) os MDLP em
sua grande maioria
7
propõem como principais temáticas de discussão as regras e usos
normativos da gramática.
A problematização acerca dos textos inseridos ao manual didático fica restrita ao
uso do dialeto padrão na escola. Ao aluno cabe apenas aprender as regras de utilização da
língua e aplicá-las em atividades que não espelham o mundo real em que a língua é
7
Além dos manuais didáticos analisados nesta pesquisa, discutimos tal fato tendo em vista nossa experiência
de anos lecionando e trabalhando com manuais didáticos no ensino fundamental.
69
utilizada, nem a complexidade que envolve a utilização da língua no mundo. Na verdade, o
aluno não problematiza as questões relativas ao uso da língua, ele apenas aprende as regras
e as aplica em atividades que não espelham o mundo real em que a língua é utilizada.
70
PARTE II
A RECONFIGURAÇÃO DA NOTÍCIA DO JORNAL
71
CAPÍTULO 4 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A seguir apresentaremos a metodologia de pesquisa empregada em nossa
investigação. A pesquisa apresenta um caráter contrastivo e interpretativo, conforme as
idéias propostas por Charaudeau que acredita que “os gêneros inscrevem-se numa relação
social de reconhecimento trazendo uma codificação que lhes é própria, (...)”
(CHARAUDEAU, 2006, p. 211). Portanto, nessa perspectiva, busca-se entender, por
contraste, as duas codificações (da prática didática e da prática jornalística) e que resultado
pode-se obter quando um elemento construído em uma prática (no nosso caso, a prática
jornalística) é levado, transferido, para ser consumido, trabalhado em outra prática (a
prática didática). É a esse processo de transferência de um elemento de sua situação
original para uma outra situação que damos o nome, proposto por Emediato (2007) de
reconfiguração.
8
Com a transposição da notícia de jornal, produzida no interior do gênero discursivo
jornalístico, para uma situação de ensino (gênero educativo/didático), o gênero tem seus
parâmetros situacionais reconfigurados, provocando a modificação de seus modos de
consumo, produção e interpretação.
Na busca do entendimento do processo de reconfiguração do gênero jornalístico, foi
preciso reunir notícias de jornal que foram intercaladas em manuais didáticos de língua
portuguesa. As condições de produção do texto noticioso nas duas situações de
comunicação (jornalística e escolar) serviram de dados para dar suporte às interpretações e
conclusões do trabalho.
8
EMEDIATO, Wander. O problema dos gêneros nos manuais didáticos: apropriação e reconfiguração.
Resumo ampliado. Caderno de resumos do Congresso da Associação Brasileira de Lingüística. ABRALIN,
2007.
72
Nosso trabalho consiste em analisar a notícia de jornal em duas situações: S1 a
notícia jornalística no jornal (na situação jornalística) e S2 a notícia jornalística no manual
didático (na situação didática), descrevendo os papéis linguageiros previstos nas duas
situações de comunicação (jornalístico e escolar); proporcionando assim, uma análise dos
dois dispositivos.
4.1 Procedimentos de coleta de dados
Como o foco da pesquisa é investigar o processo de reconfiguração do gênero
jornalístico através da notícia de jornal quando esta é intercalada ao manual didático de
língua portuguesa, o primeiro passo foi escolher os dois manuais didáticos de 6º série que
seriam utilizados. Realizamos uma pesquisa aleatória em escolas públicas da região
metropolitana de Belo Horizonte da rede estadual e da rede municipal de ensino: ligamos
para as escolas e perguntamos quais manuais didáticos eram utilizadas na 6º série do ensino
fundamental, em seguida perguntamos o bairro e informamos que as informações serviriam
a uma pesquisa de mestrado. O resultado está representado no Quadro 3.
QUADRO 3 – Lista de escolas e os livros utilizados por elas na 6º série do ensino
fundamental
ESCOLA Manual didático adotado na 6º série EF
(2005/2007)
Escola Estadual Gervásio Lara
(Bairro São Benedito)
Português para todos
Ernani Terra / Floriana Cavallete
Escola Estadual Professora Francisca
Português: Linguagens
73
Malheiros (Bairro Tupi) William Roberto Cereja / Thereza Cochar
Magalhães
Escola Estadual Carlos Drummond de
Andrade (Bairro Floramar)
Português: Linguagens
William Roberto Cereja / Thereza Cochar
Magalhães
Escola Municipal São Judas Tadeu
(Bairro Eldorado)
Português: Linguagens
William Roberto Cereja / Thereza Cochar
Magalhães
Escola Municipal Professora Maria
Mazzarelo (Bairro Nazaré)
Português para todos
Ernani Terra / Floriana Cavallete
Escola Estadual Cândido Portinari
(Bairro Salgado Filho)
Português: Linguagens
William Roberto Cereja / Thereza Cochar
Magalhães
Escola Estadual Coronel Juca Pinto
(Bairro Universitário)
Português: Linguagens
William Roberto Cereja / Thereza Cochar
Magalhães
Escola Municipal Hilda Rabelo Matta
(Bairro Heliópolis)
Português: Linguagens
William Roberto Cereja / Thereza Cochar
Magalhães
O objetivo em contatar as escolas era formar um quadro com manuais didáticos
utilizados na sexta série. Os dois manuais didáticos com maior recorrência seriam
utilizados na pesquisa, após verificação se esses utilizam notícias de jornais em suas
páginas. Entretanto, para nossa surpresa, somente houve a ocorrência de dois manuais
didáticos. Após verificar que os dois manuais didáticos possuíam incorporados a suas
páginas notícias de jornal, eles foram escolhidos: Português: Linguagens -William Roberto
Cereja / Thereza Cochar Magalhães e Português para todos - Ernani Terra / Floriana
Cavallete.
74
Não desejamos fazer um contraste entre tipos de manuais didáticos, pois isso
implicaria um trabalho bem mais amplo sobre a especificidade ou a tipologia dos manuais,
mas tão somente observar as modificações do gênero jornalístico ao ser incorporado aos
manuais diticos.
A escolha de manuais de 6º série como corpus deve-se ao desejo de se estudar as
manifestações dos tipos textuais
9
nas séries iniciais do ensino fundamental, pois parece ser
a partir dessa série que a entrada dos tipos textuais nos manuais é mais significativa,
evoluindo, depois, para as outras séries do ensino fundamental e médio.
Ao verificarmos a ocorrência de notícias nos manuais, percebemos que se tratava de
duas notícias com peculiaridades diferentes. Havia nos manuais escolhidos: uma notícia de
jornal impresso (Português: Linguagens) e uma notícia de jornal on-line (Português para
todos). Nas duas notícias de jornal (impresso e on-line) utilizados pelos manuais didáticos
há o mesmo objetivo: ensinar a reconhecer o gênero notícia de jornal.
Já de posse da notícia de jornal nos MDLP, foi preciso buscar as mesmas notícias
sendo veiculadas no jornal para observar, na sua situação de comunicação original, a
finalidade da notícia, o perfil dos sujeitos envolvidos, as características do dispositivo e a
tematização/ problematização envolvida. Com isso, poderíamos entender melhor o processo
de reconfuguração dos parâmetros situacionais e, portanto, as modificações do próprio
gênero intercalado ao manual didático.
Fizemos contato com as empresas jornalísticas para adquirir as notícias veiculadas
no jornal impresso e no jornal on-line. O jornal O Estado de São Paulo enviou-nos a página
do jornal onde a notícia de jornal impressa foi veiculada. O jornal Folhinha Online
informou-nos que somente mantém arquivos dos jornais on-line com datas superiores a
9
Para a nossa pesquisa, entenda-se tipo textual como uma espécie de texto.
75
2004.
10
Por não conseguir a notícia de jornal on-line na sua situação de comunicação
original, tivemos de optar por escolher uma notícia semelhante à notícia veiculada no jornal
on-line e usá-la como referência para entender os parâmetros situacionais a que a notícia
está sujeita nesse suporte.
4.2 Procedimentos de análise
Após a escolha dos dois manuais didáticos e da posse das notícias veiculadas no
dispositivo original, o processo de análise começou tendo em vista o gênero/ tipo textual
notícia de jornal em duas situações: S1 (situação original, a notícia no jornal, na situação
jornalística), e S2 (a notícia jornalística no manual didático, na situação escolar),
descrevendo sua finalidade em termos de visadas discursivas (Charaudeau, 2004). O
entendimento dos mecanismos que regem as duas situações de comunicação possibilitou
descrever
- a identidade dos parceiros e os papéis linguageiros previstos nas duas situações de
comunicação (jornalística e escolar).
- os procedimentos de tematização / problematização levando em conta dois
parâmetros: como a mesma é tematizada/ problematizada no jornal e como é tematizada a
notícia de jornal inserida no manual e, em seguida, como ela é problematizada (em que
domínio de avaliação, por exemplo, que tipo de perguntas são feitas, quais atividades são
propostas).
- a análise do dispositivo (circunstâncias materiais que envolvem e determinam a
situação de troca comunicativa): o dispositivo jornalístico (a página de jornal, diagramação,
10
A notícia de jornal on-line em análise foi publicada em 27 de outubro de 2001.
76
quadro comunicacional), o dispositivo escolar (o manual e sua inserção em um quadro que
o engloba – a sala de aula).
Dado o tipo de pesquisa que se procurou empreender, apoiei-me nas categorias de
análise propostas por Patrick Charaudeau (2004) quanto à definição da noção de gênero.
Utilizar as categorias propostas por Charaudeau permitiu a compreensão dos parâmetros
situacionais ligados à constituição do gênero, sendo possível analisar como esses
parâmetros são modificados na tentativa de inserir o gênero no manual didático de língua
portuguesa.
77
CAPÍTULO 5 - ANÁLISE
Neste capítulo será feita a análise do corpus constituído por duas notícias: uma
notícia de jornal impressa e uma notícia de jornal on-line. As duas notícias estão no
universo da escrita e caracterizam-se pelo distanciamento entre o produtor da notícia e o
seu leitor, apresentando uma situação de troca monolocutiva. Cada notícia será analisada a
partir dos parâmetros situacionais tendo em vista sua veiculação da notícia em duas
situações comunicativas distintas: a situação jornalística (S1) e a situação didática (S2),
segundo a noção de gêneros da teoria Semiolingüística descrita no capítulo 2.
5.1 Notícia de jornal impressa Toneladas de peixes mortos na lagoa
5.1.1 Análise da notícia na situação de comunicação jornalística
Uma notícia de jornal está intimamente ligada a uma situação de comunicação
específica. A situação de comunicação jornalística é responsável por organizar o ato de
linguagem trazendo uma série de referências e condições necessárias para a constituição
dos gêneros surgidos dentro desse domínio. Bem dizendo, a situação de comunicação
jornalística vai ser responsável por trazer restrições lingüísticas que vão formar a própria
identidade de uma notícia de jornal. Para Charaudeau (2006, p. 67)
A situação de comunicação constitui assim o quadro de referência
ao qual se reportam os indivíduos de uma comunidade social
quando iniciam uma comunicação. (...) A situação de comunicação
é como um palco, com suas restrições de espaço, de tempo, de
relações, de palavras, no qual se encenam as trocas sociais e aquilo
que constitui seu valor simbólico. (CHARAUDEAU, 2006, p. 67)
78
Nosso primeiro corpus, a notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa, na
sua situação de comunicação original (veiculada em um jornal impresso), possui uma série
de parâmetros provenientes da circunstância onde o ato de linguagem se realiza. Esses
parâmetros situacionais ou condições de produção/ interpretação são: a identidade dos
parceiros, a finalidade, tematização/ problematização e o dispositivo.
79
FIGURA 1 – Página de jornal com a notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa
80
5.1.1.1 Identidade dos parceiros
Considerando os sujeitos situacionais, circuito externo, na notícia Toneladas de
peixes mortos na lagoa há dois sujeitos implicados: a instância informante, que detém a
iniciativa do processo de produção, e a instância leitora da notícia, o leitor real que lerá a
notícia no jornal e que iniciará o processo de interpretação.
A instância informante, EUc, é representada pelo conjunto: jornal O Estado de São
Paulo, Murilo Fiúza de Melo, editores, redatores do jornal e os outros sujeitos implicados
na realização da notícia. A instância informante objetiva levar informações sobre o espaço
público aos leitores, tendo em mente que as informações precisam ser importantes e
necessárias, além de que o seu processo comunicativo conta com a velocidade e a rapidez
da sua comunicação.
O leitor empírico da notícia, TUi, é representado pelos leitores que efetivamente vão
ler a notícia e que validam, ou não, o contrato jornalístico. Embora a instância informante
idealize o leitor como um sujeito cidadão comprometido com as questões sociais, o leitor
real da notícia pode não estar inserido na instância cidadã, pois não se pode prever quem
realmente lerá a notícia. A notícia, que trata de problemas ambientais, pode não agradar,
usando um exemplo, os envolvidos diretamente na mortantade de peixes, pois esses sujeitos
não lerão a notícia como cidadãos comprometidos com as questões sociais e ambientais,
mas como indivíduos pragmáticos que desejam saber que tipo de implicação o desastre
ambiental pode trazer para eles. Como dissemos no capítulo 1, sobre o sujeitos da
linguagem, não há como a instância informante prever totalmente quem serão os leitores
efetivos da notícia e os tipos de interpretação realizadas sobre a notícia. Certamente o
sujeito que produz a notícia prevê, nas suas escolhas redacionais, os seus leitores ideais,
81
mas não detém o controle absoluto sobre seus interpretantes, já que o sujeito responsável
pela iniciativa da interpretação encontra-se disposto no tempo, no espaço e em contextos
variados.
Considerando os sujeitos discursivos, circuito interno, estão situados dois sujeitos: o
enunciador jornalístico, EUe, e o leitor idealizado pela instância jornalística, TUd. O
enunciador jornalístico é constituído como uma imagem do sujeito informante, essa
imagem constitui-se como uma voz jornalística, visto que ela utiliza-se de estratégias
próprias do meio jornalístico para enunciar, expressando comportamentos enunciativos,
enuncivos, veriditivos e axiológicos.
O outro sujeito discursivo, TUd, é o leitor imaginado pela instância informante.
Esse leitor idealizado pela instância informante é pensado como um sujeito pertencente à
instância cidadã, uma pessoa que está implicada nos acontecimentos sociais e que
supostamente está interessada nos problemas ambientais que ocorrem no meio social. Ao
representarmos os sujeitos do ato de linguagem da notícia Toneladas de peixes mortos na
lagoa no quadro comunicacional proposto por Charaudeau (2001), teremos:
QUADRO 4 – Os sujeitos da notícia de jornal impressa Toneladas de peixes mortos na
lagoa no quadro enunciativo
EUc
Instância Informante
Nível situacional
TUi
Leitor real
Nível discursivo
EUe TUd
Enunciador jornalístico
Leitor idealizado
figurado como
instância cidadã
82
5.1.1.2 Finalidade
A finalidade da notícia de jornal é relatar acontecimentos recentes carregados de
interesse social. Com tal finalidade, a notícia seleciona uma visada de informação em que o
enunciador jornalístico encontra-se na posição de “fazer saber” transmitindo saber e
informação a quem não o possui. O leitor idealizado, portanto, deve ocupar a posição de
“dever saber” os saberes trazidos pela notícia.
Além da visada de informação, há também uma visada de captação em que o
enunciador jornalístico encontra-se em posição de “fazer sentir” enquanto os leitores devem
ocupar a posição de “dever sentir”.
A visada de captação é importante para seduzir os leitores e incitá-los a continuar
consumindo o jornal, havendo um interesse mercadológico nessa finalidade. A notícia de
jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa consegue captar o seu leitor através de algumas
estratégias de sensibilização com a descrição da mortandade de peixes na lagoa Rodrigo de
Freitas, ativando a alei de proximidade geográfica (implicação local). Desta forma, o
acontecimento que ocorre no espaço público é suficiente para formar um pacto com o
leitor, que assim como a instância informante
11
vê o acontecimento como uma quebra da
ordem natural e que mobiliza “um roteiro dramático que se encerra invariavelmente com as
eternas questões sobre o destino humano: “como é possível?”, “Porque as coisas são
assim?”, “Para onde Vamos?”
12
.” (CHARAUDEAU, 2006, p. 93)
A notícia sobre a mortandade de peixes parece convidar os leitores a agir sobre a
realidade através de uma posição de indignação (dever sentir) diante do fato. Essa idéia é
11
Afinal, se a instância informante torna a mortandade de peixes visível é porque ela também a considera o
fato trágico e que deve ser conhecido por todos cidadãos.
12
Aspas do autor.
83
sustentada pelo discurso ambiental que prevalece hegemônico na sociedade e torna comum
a indignação sobre os problemas ambientais. Ambos, leitor e instância jornalística,
compartilham o sentimento de indignação o que cria uma cumplicidade e uma identificação
entre jornal e leitor.
A finalidade de captação do leitor através da visada de “fazer sentir” é implícita
sendo que é a visada de informação que predomina, pois é ela que legitima o contrato
jornalístico. Para Charaudeau (2006, p. 93)
Na tensão entre os pólos de credibilidade e de captação, quanto
mais as mídias tendem para o primeiro, cujas exigências são as da
austeridade racionalizante, menos tocam o grande público; quanto
mais tendem apara a captação, cujas exigências são as da
imaginação dramatizante, menos credíveis serão. As mídias não
ignoram isso, e seu jogo consiste em navegar entre esses dois pólos
ao sabor de sua ideologia e da natureza dos acontecimentos.
Uma notícia que deixasse explícita a finalidade de despertar no público determinado
sentimento para atrair leitores, correria o risco de não produzir o efeito desejado, em se
tratando de jornalismo de referência. O mesmo não se passa, por exemplo, com o
jornalismo popular e sensacionalista. Esses últimos parecem fazer da sensação (o fazer
sentir) a pertinência maior para o seu leitorado. Por isso a notícia do jornal de referência
trabalha com as finalidades de informar e captar de forma sutil, indo de uma finalidade a
outra sem chamar a atenção do leitor.
5.1.1.3 Tematização / problematização
A notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa aborda um acontecimento social que
somente ganha sentido a partir da sua tematização. Na notícia, a tematização gira em torno
84
das questões que envolvem o meio ambiente (no caso a mortandade de peixes na lagoa
Rodrigo de Freitas). A mortandade de peixes na lagoa como tematização implica uma
problematização assumida pelo leitor, que por compartilhar da ética cidadã, engaja-se na
indignação contra o desastre ambiental. No campo ético no qual o cidadão está inserido o
desastre ambiental representa uma ruptura da ordem, havendo uma apreciação negativa em
torno do acontecimento.
5.1.1.4 Dispositivo
O dispositivo é um tipo de condição de enunciação marcado pelas condições
materiais da comunicação. O dispositivo constrói um quadro que define o canal de
transmissão utilizado, os espaços físicos e o ambiente em que se inscreve a comunicação. A
notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa é um ato de comunicação que utiliza
o jornal impresso como suporte de transmissão, sendo que é através da página do jornal
impresso que a notícia materializa-se ocupando um lugar no espaço.
O jornal impresso é construído seguindo uma certa estrutura e organização para
abrigar diferentes gêneros/ tipos textuais jornalísticos. A configuração do jornal é resultado
de um processo histórico em que o formato do jornal impresso é constantemente revisto
buscando a melhor interação com o leitor que acompanha as mudanças mais sutis desse
dispositivo.
Consideraremos nessa pesquisa, para efeito de análise, somente a página de jornal
onde a notícia foi veiculada como suporte. A página de jornal (FIGURA 1) é responsável
por trazer à notícia um determinado sentido, pois o dispositivo prepara o leitor para receber
determinados gêneros/ tipos textuais característicos do jornal impresso. A familiaridade
85
com o dispositivo jornal impresso torna mais fácil a construção de um sentido, pois o leitor
ao identificar a suporte da notícia já prevê que tipo de textos encontrará. O exemplo de
Mouillaud (2002, p. 29) esclarece bem a idéia de que o dispositivo ajuda na construção de
um sentido.
“...à primeira vista, a embalagem e o objeto podem ser separados
sem que o objeto perca sua identidade; entretanto, um perfume
continua a ser um perfume sem seu frasco? (...) o envelope não está
indiferente à carta que contém; ele me prepara para esperar um
correspondente (...) para mobilizar esse ou aquele interesse (ou
desinteresse), para acordar o ethos (favorável ou desfavorável) com
o qual vou ler a carta. Em resumo, o dispositivo prepara para o
sentido.” (grifo do autor)
Um leitor que encontra um texto na rua e antes de lê-lo identifica seu dispositivo (o
texto está inserido em uma página de jornal) prepara-se para receber determinado tipo de
texto, assumindo uma certa posição de leitura; se o dispositivo identificado fosse outro
(uma folha de manual didático) o leitor esperaria outro tipo de texto e seu modo de
recepção seria modificado. Assim, parece evidenciar-se a conclusão de que a página de
jornal é um dispositivo que prepara a leitura da notícia, fornecendo ao leitor parâmetros de
como deve ser lido o texto.
A notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa foi veiculada no jornal O
Estado de São Paulo de 11 de fevereiro de 2002 no caderno Geral. Esse caderno,
conhecido por trazer notícias de temas variados, veicula a seção Ambiente e História, além
da subseção Breves. Identificar o caderno e a seção onde a notícia é veiculada é importante
porque esses elementos ajudam a nortear a leitura da notícia, contribuindo para uma
determinada formação de sentido. A notícia veiculada na seção Ambiente indica ao leitor a
forma como a notícia deve ser lida, ou seja, como uma notícia ambiental. A mesma notícia
veiculada na seção de política, informaria ao leitor que aquela notícia é uma notícia
86
política, sugerindo que o descaso ambiental relatado na notícia tem implicações com o jogo
político.
Na página do jornal O Estado de São Paulo, as notícias possuem os mais diversos
temas (degradação ambiental, história do Brasil, incêndio em pronto-socorro). Entretanto, a
disposição dessas notícias na página de jornal não ocorre por mera justaposição, a
disposição das notícias força uma determinada produção de sentido almejada pelo
enunciador do texto. Desta forma, as condições de leitura que o jornalista pressupõe para a
leitura da notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa fazem parte das condições
de produção que vão auxiliar na construção de sentido da notícia. Fica evidente a
importância da disposição das notícias na página de jornal quando observamos que a
notícia anterior à notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa também é uma notícia cuja
temática envolve o meio ambiente. Parece haver uma complementaridade entre as duas
notícias com relação à temática abordada e o tipo de problematização: a primeira notícia
visa denunciar o desrespeito em relação as nossas florestas que estão sendo devastadas, a
segunda notícia visa denunciar o desrespeito em relação as nossas lagoas o que provoca a
mortandade de toneladas de peixes.
Os títulos das duas notícias seguem a mesma linha semântica: a destruição da
natureza em larga escala. O título da primeira notícia traz a palavra “devastação” e o título
da segunda notícia traz a palavra “toneladas”, ambas explicitando abundância em relação à
destruição ambiental.
87
5.1.1.5 Outros elementos característicos da notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa
configurados pela situação de comunicação jornalística
A situação de comunicação jornalística determina a configuração de alguns
elementos características do gênero notícia de jornal. A forma como a notícia é enunciada,
a necessidade do título da notícia, a importância da fotografia, a importância da assinatura e
o uso da data são elementos estruturais que satisfazem a situação de comunicação
jornalística da qual fazem parte. “Isso quer dizer que cada situação de comunicação
particular inscreve, ao mesmo tempo, no nível de seus componentes os dados gerais que
instruem o domínio, e traz especificações que lhe são próprias.” (CHARAUDEAU, 2004,
p. 26)
5.1.1.5.1 Enunciação da notícia
Para que o enunciado exista, alguém precisa tê-lo produzido e ao produzi-lo esse
sujeito inevitavelmente irá concebê-lo utilizando sua visão de mundo, suas crenças e
conceitos. Em uma notícia de jornal, o enunciador tenta ao máximo eliminar as marcas de
subjetividade do texto, criando estratégias para que o texto seja visto como objetivo e
imparcial. Entretanto, apagar as marcas de subjetividade do enunciador no texto é
impossível, pois todo o texto é concebido por um recorte que o enunciador faz da realidade
e até as palavras escolhidas para a composição do texto são evidências da presença do
enunciador.
Ao lermos um texto jornalístico a figura o enunciador do texto está lá, o enunciador,
apesar de escondido, não deixa de existir durante a interlocução, ele se revela através de
88
pistas deixadas no enunciado e que revelam seu ponto de vista. Sabe-se que no discurso
jornalístico, o investimento do sujeito da enunciação tende à sua opacidade, ou seja, ao seu
apagamento. Apresentando-se, de modo geral, no modo delocutivo, o enunciador surge
como se estivesse desligado da locução (CHARAUDEAU, 1994), como se o mundo a ele
se impusesse. Geralmente apagado pela construção em terceira pessoa, o sujeito enunciador
surge no jornalismo de referencia como um discurso de uma voz terceira, o locutor
jornalista segue atuando apenas como relator.
Enunciados implícitos subentendidos
Analisando a notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa (FIGURA 1) é
perceptível a intenção do enunciador jornalístico da notícia de provocar no leitor uma
reação. O enunciador jornalístico convida o leitor a se posicionar diante do fato relatado,
mas não o faz de forma explicita, pois o contexto jornalístico exige que o texto noticioso
seja imparcial. Neste ponto, o enunciador jornalístico faz surgir na notícia enunciados
implícitos que remetem a pontos de vista. Destacamos duas ocorrências de enunciados
(enunciados 2 e 4) que revelam pontos de vista implícitos que o enunciador jornalístico
parece assumir.
Enunciado 1: Segundo o Secretário Estadual do Meio Ambiente, André Corrêa, o
problema foi provocado por temperatura alta e pela maré baixa, que não deixou a água da
lagoa se renovar.
Enunciado 2: É o terceiro carnaval consecutivo em que há mortandade de peixes
na lagoa.
89
O enunciado 2 , apesar de parecer uma simples informação, surge na notícia como
uma refutação possível ao comentário de André Corrêa (enunciado 1), secretário estadual
do meio ambiente, que alega ser a mortandade de peixes ocasionada pela união de dois
elementos: temperatura alta e maré baixa. A união desses dois elementos naturais transmite
a idéia de fatalidade, pois dois elementos naturais se combinaram e ocasionaram o desastre
ambiental.
O enunciador jornalístico preocupa-se em dissolver logo a impressão de que o
desastre ambiental é ocasionado por um processo natural. Ele consegue fazer isso refutando
a idéia de fatalidade ao indicar a recorrência do fato: é o terceiro carnaval consecutivo
13
.
Por ser um evento recorrente em determinado período do ano (ocorre sempre no carnaval) é
construída a idéia (subentendida) de que a mortandade de peixes é provocada e não de
ordem natural.
Outra estratégia importante do discurso jornalístico, sobretudo em um tipo textual
que não se caracteriza por ser argumentativo / opinativo como a notícia, é a confrontação de
declarações de terceiros. Essa confrontação de pontos de vista de terceiros é própria do
discurso jornalístico e, nesse caso em particular, parece atender ao investimento do
enunciador jornalístico que parece insistir nessa linha, como se pode observar nos
enunciados a seguir:
Enunciado 3: Corrêa defendeu a qualidade da água do local e rebateu as
declarações do Secretário Municipal do Meio Ambiente, Eduardo Paes, de que os
principais motivos da mortandade seriam o despejo de esgoto e o desinteresse do Estado
em realizar obras de ampliação do Jardim de Alah, por onde a água da lagoa é renovada.
13
A palavra “consecutivo reforça a idéia de recorrência do fato o que desqualifica ainda mais o argumento
de fatalidade do secretário estadual do meio ambiente.
90
Enunciado 4: Obras recentes também não impedem o despejo de esgoto.
O enunciado 4 também refuta o argumento dado pelo secretário estadual do meio
ambiente, André Corrêa. Corrêa rebateu as declarações do secretário municipal do meio
ambiente, Eduardo Paes, de que os motivos da mortandade de peixes são o despejo de
esgoto e desinteresse do Estado em realizar obras. O comentário do enunciador jornalístico
(enunciado 2) prova que o desinteresse do Estado existe, pois as obras já realizadas foram
insatisfatórias e não impediram o despejo de esgoto, o que revela falta de interesse e
competência do Estado para resolver o problema da mortandade de peixes que é recorrente
na Lagoa Rodrigo de Freitas.
Os dois enunciados contêm implícitos, pois mencionam alguma coisa sem ser de
forma direta ou explícita. Ducrot (1987) faz distinção entre os enunciados implícitos
pressupostos e os implícitos subentendidos. O pressuposto é aquele que está inscrito no
enunciado por alguma categoria do posto, surgindo como um quadro incontestável. O
subentendido não é de natureza lingüística, é algo que surge como efeito e portanto pode
ser negado. O raciocínio que o leitor é levado a fazer é o responsável pelo subentendido.
Desta forma, o subentendido pode estar ausente no enunciado, vindo a aparecer em um
momento posterior, quando o leitor refletir sobre o referido enunciado.
Os enunciados 2 e 4 ativam implícitos subentendidos, pois contradizem argumentos
de um enunciador, André Corrêa, sem fazê-lo de forma direta; bem dizendo, é através da
interpretação do leitor que é marcado a oposição ao dizer do outro. Ducrot resume bem a
idéia aqui defendida: “O subentendido permite acrescentar alguma coisa sem dizê-la, ao
mesmo tempo em que ela é dita.” (DUCROT, 1987, p. 19)
O QUADRO 5 permite visualizar os subentendidos gerados pelos enunciados.
91
QUADRO 5 – Enunciados implícitos subentendidos
Enunciados Subentendidos
É o terceiro carnaval consecutivo em
que há mortandade de peixes na lagoa.
- A recorrência da mortandade de peixes
está associada ao carnaval (evento
marcado pelo aumento do lixo e esgoto),
portanto as causas do desastre não são
naturais.
- A recorrência do fato descarta a idéia de
fatalidade.
Obras recentes também não impedem o
despejo de esgoto.
- O descaso do governo para com o meio
ambiente faz com que ele não realize
obras eficazes.
- O governo prefere realizar obras
paliativas que não resolvem o problema: o
despejo de esgoto.
O enunciador jornalístico da notícia utiliza os enunciados subentendidos como
estratégia argumentativa para persuadir o leitor de seu ponto de vista sem levantar suspeitas
quanto a sua parcialidade diante do que relata. Desta forma, o contrato que envolve o
discurso jornalístico é mantido mesmo com as pistas deixadas pelo enunciador e que são
capazes de revelar o ponto de vista dele.
Enunciadores da notícia
A notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa é composta de vários
planos de enunciação, visto que vários enunciadores surgem no texto. Na notícia, o
92
primeiro plano de enunciação envolve o enunciador jornalístico que dialoga com os leitores
do jornal relatando o acontecimento. O enunciador jornalístico da notícia convoca outros
enunciadores para dentro da notícia, dando a eles direito à palavra, isso permite dar maior
veracidade ao relato. Assim, mais sete planos de enunciação surgem na notícia, sendo que o
primeiro plano de enunciação é aquele em que o enunciador jornalístico se dirige aos
leitores do jornal.
QUADRO 6 – Planos argumentativos
Enunciadores com seus
interlocutores
Marcas de Enunciação Enunciado
Lexicais Gráficas
2º plano de enunciação:
André Corrêa – jornalista
/leitores do jornal.
segundo Ø O problema foi provocado por
temperatura alta e pela maré
baixa, que não deixou a água da
lagoa se renovar.
3º plano de enunciação:
André Corrêa – jornalista
/leitores do jornal.
segundo Ø Normalmente, a temperatura
média da água é de 23ºC, mas
neste mês chegou a 30ºC,
4º plano de enunciação:
Marcos Silva (
comandante
do G-MAR
) – jornalista
/leitores do jornal.
disse aspas “Além de provocar mal cheiro,
os peixes mortos impedem a
circulação do oxigênio na água.”
5º plano de enunciação:
André Corrêa – jornalista
/leitores do jornal.
defendeu
rebateu
Ø
Ø
a qualidade da água do local
as declarações
6º plano de enunciação:
Eduardo Paes – jornalista
/leitores do jornal.
declarou Ø Os principais motivos da
mortandade seriam o despejo de
esgoto e o desinteresse do
Estado em realizar obras de
ampliação do jardim de Alah,
por onde a água da lagoa é
renovada.
7º plano de enunciação:
André Corrêa –
determinou Ø A comporta do Jadim de Alah
fique fechada até que a maré
93
trabalhadores da
comporta do Jadim de
Alah/ jornalista / leitores
do jornal.
suba.
8º plano de enunciação:
André Corrêa – jornalista
/leitores do jornal.
disse aspas “Há dois dias estamos em alerta,
prevendo novo acidente.”
O enunciador jornalístico da notícia apresenta o acontecimento aos leitores (a
mortandade de peixes), mas também faz com que a notícia se abra para outra
problematização: a culpa pela mortandade de peixes. Com isso, a notícia ganha um tom de
disputa, visto que a notícia explora duas opiniões contrárias quanto à causa da mortandade
de peixes: a opinião do secretário estadual do meio ambiente, André Corrêa, e a opinião do
secretário municipal do meio ambiente, Eduardo Paes. Corrêa atribui a mortandade de
peixes a causas naturais (temperatura alta e maré baixa), enquanto Paes atribui a
mortandade ao descaso político (despejo de esgoto e falta de obras). O conflito de opiniões
entre os dois secretários revela a divergência entre as instâncias políticas municipal e
estadual o que dá a notícia um tom de disputa política, onde alguns elementos do jogo
político afloram: a divergência de opiniões, a disputa, o confronto de idéias, etc.
Como é comum no discurso jornalístico todos os lados com alguma opinião sobre a
mortandade de peixes foram ouvidos, entretanto, observando o quadro com os planos
argumentativos (QUADRO 6) é visível que o secretário estadual, André Corrêa, foi
beneficiado com maior número de enunciações, portanto ele possuiu mais oportunidade de
falar. Há desta forma, uma propensão da notícia em dar voz ao Secretário estadual cujas
falas desqualificam as declarações do secretário municipal, fazendo com que os argumentos
apresentados pela esfera estadual de governo ganhem predominância no texto.
94
Os enunciados atribuídos ao Secretário estadual do meio ambiente possuem um
vigor técnico de quem sabe realmente o que provocou a mortandade de peixes (2º e
planos de enunciação).
Os verbos dicendi
14
utilizados nas enunciações do secretário estadual, André
Corrêa, revelam um perfil que contribui para credibilidade do que ele diz. Os verbos
empregados nas enunciações do secretário são: disse, defendeu, rebateu, determinou.
Assim, é criada uma imagem acerca do secretário como uma pessoa capaz de dizer,
defender e rebater idéias, mas também determinar ações que possam resolver o
problema, o que sugere a imagem de um sujeito ativo, como demonstra os verbos de ação
ligados a ele. O secretário municipal, ao contrário de André Corrêa, somente declara algo,
ficando na esfera do dizer e não do fazer.
A partir da análise dos planos de enunciação observa-se uma relação paradoxal do
enunciador jornalístico com o dizer do Secretário estadual do meio ambiente, André
Corrêa. Apesar de dar voz ao Secretário favorecendo-o com maior oportunidade de falar, o
enunciador jornalístico utiliza implícitos subentendidos, bem como refutação de terceiros (o
secretário municipal) para desconstruir os argumentos do Secretário Estadual.
5.1.1.5.2 Título da notícia
Para Mouillaud (2002) os títulos de notícias de jornais apresentam duas formas
possíveis: os títulos informativos, verbais, que formam uma frase com sentido completo e
expõem uma afirmação particularizando a notícia; os títulos de referência que, por sua
estrutura nominal, são basicamente temáticos e geralmente anafóricos, podendo, inclusive,
14
Verbos indicativos de um ato de fala, também chamados de verbos de elocução.
95
se prolongar por vários exemplares, pois eles representam uma classe de notícias
recorrentes no jornal.
O título Toneladas de peixes mortos na lagoa possui um caráter informacional
sendo construído pela extração e redução de informações presentes na notícia, o que
particulariza o título através da especificidade da informação que ele contém. O enunciado
do título é responsável por instituir o presente da informação, ou seja, relaciona-se ao
presente da leitura do jornal, como se o acontecimento estivesse ocorrendo
concomitantemente à leitura da notícia. Isso ocorre mesmo quando os enunciados, como o
título acima, não estão configurados no presente, adotando o particípio passado.
O título é apresentado em letras com fonte maior do que o restante do texto, sendo
marcado por negrito para atribuir-lhe destaque. O jornal O estado de São Paulo, tido como
jornal de referência, segue a linha de despertar o interesse do leitor através do título, mas
sem seguir o coloquialismo e as expressões sensacionalistas típicas dos jornais populares.
O título é composto com palavras pertencentes ao próprio texto, o que promove uma
ligação evidente entre título e texto. O título revela a intenção do enunciador jornalístico de
despertar no leitor um sentimento frente ao acontecimento. O título Toneladas de peixes
mortos na lagoa causa indignação na instância cidadã acostumada com as constantes
discussões na mídia sobre a preservação do meio ambiente. A palavra “toneladas” abre-se
para um campo semântico onde prevalece a ordem do imensurável, a idéia de que trata-se
de um evento de grandes quantidades e proporciona a expectativa de que se trata de um
desastre ambiental em gigantescas proporções.
Como estudado por Emediato (1996), muitos leitores de jornais não lêem mais do
que o titulo da notícia, por isso o título é um enunciado articulador do jornal, ganhando
certa autonomia. Geralmente concisos e breves, buscam expressar a relevância da notícia e
96
construir um primeiro contato com o leitor. “...Mais do que contribuir com a parte gráfica
(...), antecipar informações e chamar a atenção, os títulos também destacam elementos
narrativos sintéticos, como se falassem diretamente para o leitor.” (ZANCHETTA, 2004, p.
45)
5.1.1.5.3 Fotografia
Em uma notícia de jornal a fotografia é bem mais do que um mero complemento da
notícia, servindo apenas para valorizar a informação. Acreditamos que a foto em uma
notícia de jornal é responsável por trazer uma interpretação que vai auxiliar na construção
de sentido da notícia de jornal. A fotografia permite uma visão mais precisa da notícia,
permitindo que ela se abra para uma leitura mais restrita, mas que precisa estar em
consonância com o sentido produzido pelo texto verbal. De acordo com Mouillaud (2002,
p. 26) “A fotografia tem o privilégio de fixar o instante e de dar uma prova (um
suplemento) de verdade à informação (...)”
A fotografia que compõe a notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa
(FIGURA 1) exibe peixes mortos sendo retirados da lagoa Rodrigo de Freitas no Rio de
Janeiro. Tal visão produz uma interpretação que completa o texto, evidenciando a
mortandade de peixes, mas também se abre para outras leituras: a fotografia traz para a
notícia um sentimento emocional pela visão de peixes mortos em seu habitat natural. Esse
recurso, já mencionado no trabalho, foi descrito como uma visada de captação que desperta
no publico determinado sentimento com interesse de seduzi-lo.
A fotografia mostra a lagoa, repleta de peixes mortos, em tom acinzentado
expressando a falta de vida através de cores frias. A escolha desse tipo de cor faz com que
97
sejam notadas as sutis mudanças de tons que permeiam a fotografia, assim as cores vivas
como o vermelho e o verde ganham maior evidência fora do espaço onde se encontram os
peixes mortos. Essas cores fixam a idéia de que a vida existe fora da lagoa, o que reforça a
idéia de que a lagoa transformou-se em um lugar fúnebre, sem vida.
A fotografia produz uma interpretação que não depende da notícia verbal, mas há
um equilíbrio entre texto e imagem que permite a simbiose entre os dois.
O fotojornalismo aprimorou-se em diferentes campos, tendo como
marca o flagrante do cotidiano (do mais comum ao exótico), mas
que passava a potencializar o sentimento humano (drama, êxtase,
alegria, intolerância, etc.). As fotos informam tanto ou mais que o
texto escrito e dialogam de perto com as pessoas. (ZANCHETTA,
2004, p.80)
A fotografia da notícia centraliza o objeto (peixes mortos) fazendo com que a cena
estática contribua para a descrição da cena de morte dos peixes. Nota-se que o primeiro
plano destaca a mortandade de peixes enquanto o segundo plano é constituído de elementos
fora da lagoa com vida e movimento. O segundo plano revela a situação geográfica
possuindo um valor descritivo para a localização dos fatos: trata-se de uma área nobre
cercada de belas casas, montanhas e árvores.
Além das cores, a escolha do formato da imagem e o enquadramento da fotografia
são importantes para destacar determinada significação. Na fotografia, o formato retangular
da imagem privilegia o panorama e provoca a expansão da cena que parece multiplicar-se
por toda extensão de água, incitando a interpretação de que a os peixes mortos cobrem toda
a superfície da lagoa.
O enquadramento da fotografia revela um plano em que são destacados os peixes
mortos no primeiro plano o que cria a sensação de profundidade. Da maneira como é
colocado o plano e o ângulo da fotografia os peixes mortos são o elemento central, aquilo
98
que deve ser visto, por isso nenhum outro elemento periférico da fotografia atrapalha na
visualização dos peixes mortos sendo retirados.
O ângulo em que a fotografia foi produzida, mostrando pessoas trabalhando na
retirada dos peixes mortos, tenta reproduzir a forma como o leitor veria a cena se estivesse
presente no local. Isso dá precisão ao relato e reforça a idéia de que a notícia consegue
reproduzir a realidade.
A legenda da fotografia
A legenda não é mera descrição da fotografia, ela relaciona a imagem ao tema da
notícia: a mortandade de peixes. Na legenda, alguns termos são utilizados com a intenção
argumentativa de impressionar o leitor quanto à recorrência do acontecimento. Assim, os
termos “de novo” e “todo” são utilizados como elementos que vão sustentar a
argumentação que diz aos leitores do jornal que o evento não se trata de um acontecimento
isolado, mas marcado pela regularidade. Mais do que levar a informação e relatar um
acontecimento, o jornal revela ao leitor que o acontecimento não é novidade o que pode
implicar uma série de interpretações: o poder público é ineficiente, pois não toma
providencias; há um descaso generalizado pelas questões ambientais, a sociedade não se
ocupa devidamente das questões ambientais, etc. Há na legenda da fotografia elementos
claramente persuasivos que utilizam estratégias argumentativas para construir o ponto de
vista do enunciador jornalístico.
Segundo Emediato (2004, p. 159) a argumentação “visa persuadir ou convencer um
auditório da validade de uma tese ou proposição. Inclui a explicação, mas o objetivo da
argumentação é construir uma comunicação persuasiva.” A ocorrência dos elementos
99
persuasivos, mesmo de forma sutil, traz questionamentos sobre a idéia da imparcialidade
jornalística.
5.1.1.5.4 Assinatura da notícia
Os jornais têm como princípio que todos os seus textos sejam assinados (exceção
das seções Últimas e Breves). A assinatura pressupõe independência e autonomia do
jornalista o que legitima ainda mais o texto.
Uma notícia que possui assinatura torna-se uma notícia mais interessante ao
público, principalmente se o autor da notícia for conhecido. Conhecer o autor da notícia de
jornal é uma das valiosas pistas que ajudam na produção de sentido, pois dependendo de
quem assina o texto o leitor constrói um contrato de maior ou menor credibilidade e
confiança acerca do que diz a notícia. Um mesmo texto jornalístico sendo enunciado por
duas pessoas distintas (comediante e político) faz com que o leitor assuma diferentes
posturas de leitura, pois os leitores criam expectativas diferentes dependendo do
enunciador.
Segundo Castilho (1997, p.1)
15
“hoje a identidade do transmissor da informação é
tão importante quanto a informação em si mesma.” Ainda de acordo com Castilho (1997, p.
1)
16
“para suprir a falta de tempo e de condições intelectuais muitos leitores assumem
jornalistas como conselheiros”, assim os leitores passaram a confiar nos jornalistas
formadores de opinião para obterem a opinião pronta sobre determinado assunto.
15
http://www.igutenberg.org/castil14.html
16
Ibidem
100
O autor da notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa, Murilo Fiúza de Melo, é
um jornalista conhecido em São Paulo
17
por escrever notícias que implicam a crítica
política
18
. Um leitor habituado a ler as notícias do jornalista certamente associará seu nome
a um tipo de texto pautado pela crítica às esferas políticas. A assinatura do jornalista, antes
mesmo da leitura da notícia, já é uma pista para os leitores sobre a forma como o texto será
conduzido. O leitor que observar o nome do jornalista, Murilo Fiúza de Melo, e mesmo
assim decidir continuar a leitura da notícia, é um leitor que entrou no jogo de expectativas
que envolvem o ato linguageiro.
5.1.1.5.5 A data
A data permite que cada nova edição do jornal seja uma sucessão de informações e
estabelece uma linha existencial das notícias. A notícia de hoje apaga a notícia de ontem
fazendo com que ela torne-se obsoleta. De acordo com Mouillaud (2002, p. 40): “A
informação, prosseguindo, apaga atrás de si seu próprio rastro, perde sua vista de origem, o
“ponto” de onde partiu.” Há uma dependência da notícia em manter a atualidade, pois a
relevância da notícia de jornal está em ser atual, pois a expectativa dos leitores é consumir
algo que seja relevante e atual no meio social. Por isso a data é um importante elemento de
composição da notícia. Inevitavelmente o leitor verificará a data de veiculação da notícia
podendo descartá-la imediatamente caso ela não atenda ao princípio da atualidade.
17
O jornalista Murilo Fiuza de Melo está acostumado a trabalhar em jornais de grande circulação como O
Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e o Jornal on-line Observatório da Imprensa.
18
O jornalista possui célebres reportagens e notícias criticando a gestão da prefeita Marta Suplicy em São
Paulo.
101
A notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa ao ser enunciada no dia 11
de fevereiro de 2002, mantém o compromisso do discurso jornalístico de registrar um
acontecimento corrente na sociedade: a mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas.
A data liga-se diretamente a notícia indicando a relevância da informação e permitindo que
se problematize sobre o acontecimento que tem implicações na esfera cidadã.
A significação da notícia depende da atualidade da data, pois a notícia de que há
mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio de janeiro só é relevante porque
nela consta a data do dia da publicação da notícia. Uma notícia com a mesma temática, mas
com a data de 5 anos atrás não interessam ao público leitor acostumado a problematizar os
assuntos atuais e habituado com um fluxo de informações relacionadas ao contexto
temporal, o que Emediato (2005) chama de lei de proximidade cronológica.
5.1.2 Análise da notícia na situação de comunicação didática
Apresentamos nesta seção a análise do que ocorre quando se dá a incorporação do
gênero discursivo notícia de jornal pelo manual didático de língua portuguesa.
Primeiramente, relembramos que a situação de comunicação jornalística é responsável por
trazer uma série de regularidades e características que vão configurar o gênero notícia. De
acordo com Wolf (1999, p. 187):
(...) há restrições ligadas à organização do trabalho, sobre as quais
se criam convenções profissionais que determinam a definição da
notícia, legitimam o processo produtivo, desde a utilização das
fontes até à seleção dos acontecimentos e às modalidades de
confecção (...).
102
Retomando o conceito de gênero exposto neste trabalho é possível identificar que
quando o gênero notícia de jornal é intercalado às páginas do MDLP ele deixa de estar
vinculado ao contexto e à situação comunicativa para a qual foi concebido. Dentro do
manual didático o gênero notícia de jornal perde a sua força de ação social ligada ao
domínio jornalístico e passa a ser um tipo de texto destinado a simular uma prática de
comunicação na sociedade.
Na situação didática, a notícia de jornal sofre alterações, porque os parâmetros
situacionais determinadas pela situação de comunicação jornalística são modificados na
nova situação de comunicação: a sala de aula. Além da ressignificação dos parâmetros
situacionais que definem o gênero discursivo, ocorre também a mudança das características
do gênero dadas pela situação de comunicação. Desta forma, ocorre o que chamamos de
reconfiguração da notícia de jornal: a constatação de que a notícia de jornal no manual
didático possui outras configurações.
103
FIGURA 2 – Notícia de jornal inserida no manual didático
104
Os autores do MDLP Português: Linguagens 6º série, seguindo as orientações da
SEF/ MEC
19
que recomenda o trabalho com os gêneros discursivos nas aulas de língua
portuguesa, utilizam o tipo textual notícia de jornal como atividade de produção de texto. O
manual didático propõe a produção de texto indicando o tipo de texto a ser produzido pelo
aluno: a notícia. Primeiramente é apresentado ao aluno o conceito de notícia para depois
propor a leitura de um texto jornalístico e atividades de compreensão.
A intenção de se apresentar o texto jornalístico ao aluno é pertinente, mas o manual
didático comete algumas incoerências ao explicar o que seria uma notícia. Para os autores
do manual didático, um cachorro morder um homem não é notícia, somente o contrário (um
homem morder um cachorro) configuraria uma notícia. Tal definição visa mostrar ao aluno
que a notícia é o relato de um fato novo, a descrição de um acontecimento inédito e
interessante ao público leitor. A pergunta feita ao aluno (veja se você concorda com o
jornalista que fez essa afirmação) tende para a compreensão de que a notícia é algo inédito,
incomum, assim como pode parecer incomum para o aluno a notícia de toneladas de peixes
mortos na lagoa. A definição do manual didático transfere para a notícia a representação de
algo fantástico e inusitado, o que não ocorre com a notícia Toneladas de peixes mortos na
lagoa que não é da ordem do fantástico e do inimaginável (como seria inimaginável um
homem morder um cachorro), muito pelo contrário, já que o fato é recorrente na lagoa
Rodrigo de Freitas e cada vez mais são comuns os desastres ambientais que provocam a
mortandade de toneladas de peixes. Além disso, o fato de um cachorro morder um homem
não é considerado notícia contradiz a realidade em que notícias de cães atacando pessoas
são fatos recorrentemente noticiados pela mídia. A definição talvez seja mais apropriada ao
jornalismo popular que se dedica de modo privilegiado ao grotesco.
19
Secretaria de Ensino Fundamental / Ministério da Educação
105
Após classificar o tipo textual estudado como notícia, o MDLP Português:
Linguagens 6º série apresenta uma notícia de jornal para que o aluno possa identificar a
forma composicional do texto. Entretanto, a notícia de jornal está recontextualizada para
atingir a determinados fins didáticos, o que faz com que as características situacionais do
gênero adquiram novo significado.
Pensando à maneira de Charaudeau, a situação de comunicação é o lugar onde se
instituem as restrições; sendo que essas restrições vão determinar a expectativa de troca
linguageira. A transposição da notícia para uma situação de comunicação para qual não foi
produzida provoca a reconfiguração dos parâmetros situacionais: a identidade dos
parceiros, a finalidade, a tematização/ problematização, o dispositivo e, conseqüentemente,
a reconfiguração da notícia.
5.1.2.1 Identidade dos parceiros
A notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa incorporada ao manual
didático de língua portuguesa (S2) pressupõe outros parceiros na interação comunicativa.
Antes a notícia de jornal previa como parceiros, no nível situacional, a instância de
produção jornalística e a instancia de recepção leitora dos jornais e, como protagonistas, no
nível discursivo, um enunciador jornalístico (EUe) e os leitores idealizados pelo jornal,
sujeitos figurados como uma instância cidadã (figura de leitor de jornal – TUd).
A mudança situacional através da incorporação da notícia de jornal Toneladas de
peixes mortos na lagoa ao MDLP irá promover mudanças significativas na identidade dos
parceiros envolvidos e nos protagonistas do discurso.
106
A notícia de jornal na situação S2 passa por mudanças nas propriedades contratuais,
modificando a identidade dos parceiros envolvidos na enunciação. Na nova realidade em
que a notícia de jornal se apresenta, os parceiros não estão necessariamente interessados/
implicados na notícia do dia, mas envolvidos em um propósito pedagógico (visada de
instrução – “fazer saber fazer”).
No nível situacional, os sujeitos implicados são constituídos pela instância
produtora do manual didático e pela instância leitora que efetivamente se posicionará como
receptora da notícia no manual. A instância produtora do manual didático (EUc) pode ser
representada pelo conjunto: os autores do manual didático (William Roberto Cereja /
Thereza Cochar Magalhães), os ilustradores, os editores, o supervisor pedagógico do
manual, etc. É importante salientar que se a notícia está presente no manual é por escolha
da instância produtora do MDLP, que detém a iniciativa do processo de didatização de um
texto.
Os sujeitos interpretantes (TUi), no caso do MDLP de 6º série, preliminarmente,
podem ser pensados como os alunos da 6º série, entretanto, sabemos que os sujeitos
interpretantes são representados por quem efetivamente tem acesso à notícia de jornal no
manual didático. Esses sujeitos podem não ser os sujeitos idealizados pela instância
produtora do manual didático. É comum, por exemplo, que manuais didáticos e materiais
utilizados no ensino regular para crianças sejam reutilizados na educação de jovens e
adultos visto a escassez de materiais para atender a esse público. Os professores também
tornam-se os sujeitos interpretantes da notícia, assim como os avaliadores do MEC tornam-
se leitores reais da notícia de jornal ao avaliarem o manual didático.
107
No nível discursivo, os parceiros do ato de linguagem serão o enunciador didático
(EUe) e os alunos / professores da 6º série, sujeitos destinatários idealizados pela instância
produtora do MDLP (TUd).
O enunciador didático é representados pela imagem da instância produtora do manual
didático, esse sujeito dirigi-se diretamente ao leitor e através de sua enunciação veicula
saberes, comportamentos, valores psicológicos, sociais, etc. É a voz do enunciador didático
que prevalece no MDLP sugerindo leituras, atividades, modos de interpretar e agir; mas,
principalmente, é a voz do enunciador didático que promove a incorporação de outras vozes
sobrepondo-se a elas. Na notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa é
perceptível que a voz do enunciador didático sobrepõe-se a voz do enunciador jornalístico,
pois essa é voz que dialoga com o leitor, propõe a leitura da notícia, além de trazer
definições e solicitar a realização de atividades.
Os alunos e professores da 6º série sãos considerados os sujeitos destinatários da
notícia, pois é pensando neles que a notícia foi veiculada ao manual didático. Os alunos são
sujeitos que devem cumprir o papel de aprender e para isso devem seguir os comandos do
enunciador didático. Os professores da 6º série foram incluídos como sujeitos destinatários,
porque são eles que acompanharão a leitura da notícia com os alunos, além de que são eles
os responsáveis pela adoção do manual didático. Há desta forma o interesse da instância
produtora do MDLP em propor atividades que serão pertinentes ao trabalho docente e da
mesma forma agrade-os para que o manual continue sendo adotado.
Desta forma, o quadro enunciativo de Charaudeau (2001) ficaria assim:
108
QUADRO 7 – Contrato de Comunicação para a notícia de jornal na situação de
comunicação didática
EUc
Instância didática
Nível situacional
TUi
leitores reais
do manual didático
Nível discursivo
EUe TUd
Enunciador didático destinatários idealizados:
alunos de sexta série/ professores
5.1.2.2 Finalidade
Na situação S2, a finalidade da notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa
também vai ser alterada. A notícia de jornal, ao ser incorporada ao MDLP, ganha outra
finalidade (já que a informação do acontecimento não faz mais sentido no manual, pois há
um distanciamento temporal muito grande com o acontecimento): ensinar o que seria uma
notícia, ensinar português, técnicas de interpretação de textos, estruturas narrativas, etc.
Com tal finalidade, a notícia seleciona uma visada de instrução em que o enunciador
didático encontra-se em posição de “fazer saber-fazer” possuindo legitimidade e autoridade
para transmitir o saber. Cabe ao leitor cumprir e assumir a posição de “dever saber fazer”
segundo as instruções do enunciador didático.
Não é difícil observar que a maioria dos manuais didáticos de língua portuguesa traz
notícias de jornal como parte do seu conteúdo. Pensamos que tal fato revela a intenção de
seduzir o leitor para o consumo do manual didático, trazendo-lhe gêneros textuais
considerados modernos. Os professores, cientes da importância do trabalho com os mais
diversos tipos textuais, poderão também considerar adequado que o MDLP contemple entre
109
suas páginas uma notícia de jornal. De outro lado, nada garante que os alunos de 6ºsérie
acharão interessante o trabalho com o tipo textual notícia de jornal, visto que, de modo
geral, não podem ainda ser considerados leitores típicos, nem alvos, desse tipo textual.
20
5.1.2.3 Tematização / problematização
Na situação S2 não há o objetivo de tematizar sobre um acontecimento do espaço
público, nem trazer uma série de problematizações acerca do evento, como é o caso da
situação S1. O propósito em se ter uma notícia no manual didático é servir de conteúdo
para o estudo da língua portuguesa ou do próprio gênero textual notícia. Os sujeitos
interpretantes sabem que, no MDLP, a notícia é um texto a ser estudado, um texto que
serve de pretexto para ilustrar as características e potencialidades da língua portuguesa ou
da leitura. Como a tematização da notícia é esvaziada (não se tematiza o que realmente foi
intencionado pela instância jornalística), o leitor não se situa no lugar original de
problematização a respeito de questões que envolvem o contexto social em que vivem.
Desta forma, a notícia devido à escolarização a que está sujeita admiti um outro sentido não
previsto na situação S1.
De forma mais clara, afirmamos que a notícia de jornal Toneladas de peixes mortos
na lagoa no MDLP, apesar de manter o mesmo texto, não implica em uma problematização
20
Devemos considerar, porém, que outros tipos textuais jornalísticos podem interessar mais aos alunos de 6º
série, como as palavras cruzadas, o horóscopo, as tirinhas (quadrinhos), os jogos, os outros cadernos
direcionados como a Folha Teen.
110
por parte do leitor
21
. Tal fato é facilmente percebido quando analisamos as atividades de
compreensão textual propostas pelo MDLP.
Uma notícia de jornal supõe uma pertinência dentro do espaço público,
problematiza nesse espaço – e não em outro – tendo como alvo uma figura de cidadão que
reconhece e legitima a tematização e a problematização do fato noticiado.
Na situação didática, a notícia de jornal deixa de problematizar com o espaço
público, visto que o acontecimento relatado apresenta um distanciamento espacial e
temporal com a ocorrência do fato. Desta forma, o interlocutor não reconhece a notícia
como problema pertinente capaz de lhe afetar enquanto instância cidadã. Isso porque, como
sugere Emediato (2005) não só as leis de proximidade cronológica e geográfica foram
quebradas, como também a psico-afetiva.
5.1.2.4 Dispositivo
A notícia de jornal incorporada ao MDLP trará alterações principalmente quanto ao
dispositivo. Na nova situação de enunciação o meio material que vai construir o ato de
linguagem passará a ser o MDLP. As circunstâncias físicas e materiais que vão envolver a
enunciação estão relacionados ao domínio de práticas da educação. Neste domínio o
manual didático é mais um dispositivo de sala de aula (como o quadro negro, o giz, o
dicionário, etc.) que auxilia o processo de ensino/ aprendizagem.
A notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa ao ser utilizada pelo
discurso didático, passa a ter como dispositivo o manual didático de língua portuguesa não
21
As atividades propostas pelo MDLP não trabalham a tematização e a problematização da notícia, mas tão
somente as questões formais que caracterizam o texto.
111
mais o jornal. A transferência para outro dispositivo realize-se através do recorte da notícia
da página de jornal. Tal procedimento faz com que a notícia seja recebida, na nova situação
S2 de forma desvinculada da página de jornal onde fora publicada, modificando elementos
situacionais do contrato de comunicação que regula a leitura da notícia.
Magda Soares ao estudar os efeitos da escolarização da literatura infantil afirma que
Ao ser transportado do livro de literatura infantil para o livro
didático, o texto tem de sofrer, inevitavelmente, transformações, já
que passa de um suporte para outro: ler no livro de literatura
infantil é relacionar-se com o objeto-livro-de-leitura
completamente diferente do objeto livro-didático: são livros com
finalidades diferentes, aspecto material diferente, diagramação e
ilustrações diferentes, protocolos de leitura diferentes.
(SOARES, 2006, p. 37)
Seguindo o raciocínio de Magda Soares, a notícia de jornal veiculada no MDLP
pressupõe outra forma de relacionar-se com a notícia de jornal, devido a elementos
diferentes como finalidade, diagramação, forma de leitura, espaços diferentes de leitura,
etc.
Os elementos presentes na página do jornal e que norteiam a leitura da notícia na
situação S1 deixam de ser levados em conta no manual didático - situação S2. Não há, por
exemplo, referência no manual didático ao caderno e a seção onde a notícia é veiculada.
Esses elementos importantes na orientação do leitor de jornal, pois informam ao leitor a
forma como a notícia deve ser lida, não são mencionados mo manual, deixando de fazer
parte da configuração da notícia de jornal nesta situação.
A própria forma de manusear o dispositivo da notícia de jornal é modificado na
situação S2. No manual didático a notícia pertence a uma unidade e a um capítulo do
112
manual, o que faz com que a notícia esteja dentro da mesma unidade temática
22
de outros
textos do capítulo. Para se localizar a notícia no MDLP deve-se recorrer ao sumário
verificando a unidade e o capítulo para encontrar a página onde se encontra a notícia. Esse
procedimento é bem diferente do realizado na situação S1 onde a localização da notícia é
dada na primeira página e não por números, como no manual, mas por códigos como A7,
B2, etc.
A exibição da notícia de jornal sem a página de jornal também impossibilita
algumas condições de leitura pressupostas pelo enunciador, já que o leitor da notícia na
situação S2 não entra em contato com a configuração da página de jornal, desconhecendo
as outras notícias que estão relacionadas à notícia lida.
Se a importância de se colocar uma notícia de jornal no MDLP é ensinar aos alunos
a ler e compreender o gênero e criar habilidades para manuseá-lo a partir do entendimento
de sua estrutura (divisão do jornal em cadernos e seções) o fato de se utilizar uma notícia
descontextualizada da página de jornal não contribui para facilitar a leitura da notícia de
jornal em uma situação concreta.
É inegável que a notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa mesmo
mudando de dispositivo (jornal para manual didático) mantém as mesmas características
formais do texto, pois, o autor do manual se limita a reproduzir o texto tal como ele se
encontrava no jornal. A mudança do dispositivo não influencia, portanto, aspectos como: o
uso do discurso relatado, atos delocutivos, estruturas narrativas próprias, etc. Entretanto,
esses elementos deixam de contribuir para uma determinada produção de sentido.
22
Os capítulos do manual didático são estruturados em temas variados (família, escola, sexo, viagens, etc.).
113
5.1.2.5 Outros elementos característicos da notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa
reconfigurados pela situação de escolar
Outros elementos da notícia de jornal têm suas características alteradas na nova
situação de enunciação em que o tipo textual é empregado.
5.1.2.5.1 Enunciação da notícia
Na situação S2, a notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa mantém as
mesmas estratégias para tentar manter a imagem de objetividade e imparcialidade,
entretanto, o uso dos enunciados implícitos subentendidos empregados na situação
jornalística perde a importância fora do contexto jornalístico. Verificamos anteriormente
que esses enunciados são usados como estratégia para que o enunciador jornalístico
pudesse imprimir uma opinião sem quebrar o contrato de comunicação que pressupõe a
imparcialidade jornalística
23
. Fora do contexto jornalístico a imparcialidade jornalística
perde seu sentido, dificultando o entendimento dos leitores sobre as construções
subentendidas.
Torna-se difícil explicar aos alunos construções lingüísticas subentendidas se os
alunos desconhecem a situação de comunicação jornalística e a necessidade deste tipo de
discurso de manter a imparcialidade no relato dos fatos.
Os planos de enunciação também são alterados quando a notícia de jornal TPML é
incorporada ao MDLP. Isso ocorre pela presença do enunciador didático que será
23
Caso o enunciador-autor emitisse opinião abertamente.
114
responsável pela por trazer para o plano enunciativo de sua conversa com os leitores do
manual didático a fala de outros locutores.
QUADRO 8 – Planos de enunciação da notícia TPML na situação escolar
5.1.2.5.2 Título da notícia
Na situação didática, o título da notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na
lagoa terá sua importância modificada. Do ponto de vista formal, o título permanece
inalterado com os mesmos elementos sintáticos e por continuar proporcionando a ligação
com o texto através da apresentação do assunto a ser abordado na notícia. Aparentemente o
1º plano de enunciação:
enunciador didático – leitores do MDLP
2º plano de enunciação:
enunciador jornalístico – leitores da notícia TPML
4º plano de enunciação:
André Corrêa – jornalista
/leitores do jornal.
3º plano de enunciação:
André Corrêa – jornalista
/leitores do jornal.
5º plano de enunciação:
Marcos Silva (comandante
do G-MAR) – jornalista
/leitores do jornal
6º plano de enunciação:
André Corrêa – jornalista
/leitores do jornal.
7º plano de enunciação:
Eduardo Paes – jornalista
/leitores do jornal.
8º plano de enunciação:
André Corrêa –
trabalhadores da comporta
do Jadim de Alah/ jornalista
/ leitores do jornal.
9º plano de enunciação:
André Corrêa – jornalista
/leitores do jornal.
115
título permanece cumprindo a sua função que segundo Imbert
24
(apud EMEDIATO, 1996,
p. 23) seria
(...) funcionar como um “reclame”, atraindo a atenção do leitor e
ativando questões que motivam a leitura do artigo.(...) o título se
constrói de modo a produzir efeitos que ultrapassam a simples
descrição de um acontecimento: os títulos servem como placas de
orientação a partir das quais começa a leitura e funcionam,
portanto, como guias do leitor: orientam a leitura, dando-lhe um
sentido, uma direção (polarizam a atenção sobre um elemento da
informação), uma significação.
Entretanto, com a notícia de jornal inserida ao MDLP o título da notícia perde a
capacidade de ligar o texto ao mundo da vida social, deixando, portanto, de atrair a atenção
do leitor para uma informação nova. Isso ocorre porque o título da notícia na situação S2
não contém uma informação pertinente sobre o mundo atual, a afirmação de que há
toneladas de peixes mortos na lagoa é esvaziada, pois é notório por parte dos leitores o
distanciamento entre o acontecimento e a leitura da notícia no manual didático.
O título da notícia de jornal na situação S1 possuía um caráter informativo
responsável por instituir o presente da informação, como se o acontecimento ocorresse
simultaneamente ao presente da leitura. Isso fazia com que os leitores sentissem interesse
em saber sobre o fato que é marcado pelo ineditismo e pela relevância. Na situação
didática, situação S2, os leitores compartilham a idéia de que a notícia não representa mais
o presente, por isso o título perde a capacidade de provocar o interesse nos leitores
interessados em saber das notícias atuais apesar de continuar constituído pela mesma
construção sintática.
24
IMBERT, G. Le Discours du Journal El Pais. Paris, Editions du CNRS, 1988.
116
5.1.2.5.3 Fotografia
Mesmo com a mudança de dispositivo a fotografia no MDLP continuará
contribuindo para leitura do texto jornalístico. Entretanto, a fotografia intercalada ao
manual didático apresenta alterações em relação à publicada no jornal. A fotografia
utilizada na situação S2 apresenta uma perda considerável de qualidade em relação à
nitidez e as cores da foto. Os peixes mortos na lagoa ganham um tom amarelo, ao invés da
cor cinza; e toda a fotografia é escurecida, inclusive as cores vivas como o verde e o
vermelho. A mudança das cores da fotografia possibilita uma outra construção de sentido,
visto que a leitura que realizamos anteriormente não pode ser mais aplicada: a leitura de
que as cores vivas e frias marcam dois espaços distintos: o da vida (fora da lagoa) e o da
morte (dentro da lagoa). Assim, há uma ressignificação da foto que contribui para a
construção de um outro sentido devido à alteração nas cores da fotografia. Torna-se
importante salientar que as cores não são apenas um elemento formal da fotografia, elas
têm uma capacidade narrativa e contribuem para a construção de um conteúdo dramático
no caso da notícia analisada.
Na situação S2, a fotografia deixa de contextualizar o acontecimento presente,
mudando a forma como o leitor vai se relacionar com a fotografia. A fotografia que na
situação S1 seria responsável por trazer uma indignação na instância cidadã pela atualidade
e verdade nela contida, na situação S2 não proporcionará nos leitor as mesmas reações.
117
FIGURA 3 – Fotografia da notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa no jornal
impresso
FIGURA 4 – Fotografia da notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa no manual
didático
118
A fotografia, na situação S1, captura um momento descrevendo uma cena com
todos o seus detalhes, mas a fotografia intercalada ao manual didático, devido a alterações
nas cores, não reflete de modo preciso a realidade, promovendo a mudança de sentido. De
acordo com Sakall
25
(2007, p.1)
As cores são a mais imediata evidência da visão. Elas podem
propiciar uma maior proximidade da realidade, limitando
imaginação do espectador. (...) a escolha do colorido vai
determinar diferentes respostas do espectador já que as cores
também são uma forma de sugerir uma realidade enganosa.
5.1.2.5.4 Assinatura
Como já foi dito, a assinatura da notícia é uma das valiosas pistas usadas na
produção de sentido do texto, a assinatura é usada como uma fonte da identidade do
transmissor da informação, criando no leitor posturas de leitura e expectativas frente ao
texto. Pensando desta forma, a assinatura da notícia somente terá relevância se os
interlocutores conseguirem identificar o parceiro que assina o texto jornalístico, caso
contrário a assinatura da notícia deixará de ter importância na construção de sentido na
notícia de jornal.
O jornalista que assinou a notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa,
Murilo Fiúza de Melo, é um jornalista de certa expressão em São Paulo, o que possibilita
que os leitores do jornal O Estado de São Paulo já estejam acostumados com o tipo de
notícias propostas pelo jornalista. Desta forma, a assinatura é um grande referencial para a
construção de sentido do texto noticioso.
25
http://www.sergiosakall.com.br/montagem/fotografia-composi.htm
119
Quando a notícia de jornal é intercalada às páginas do MDLP a assinatura continua
a fazer parte do texto noticioso. Entretanto, o manual didático circula nacionalmente
chegando a diversos pontos do país onde a notícia, restrita a um jornal de circulação
estadual, não chegaria. Desta forma, a identidade do transmissor da notícia deixa de ser um
elemento importante na atribuição de sentido à notícia, pois o nome do enunciador não é
conhecido.
Em Minas gerais, lugar onde a notícia é veiculada através do manual didático, o
nome do jornalista não imprime um sentido ao texto, principalmente quando os
interlocutores passam a ser os alunos de 6º série que ainda tem pouco contato com o tipo
textual.
A ressignificação da assinatura da notícia deve-se ao fato de que ela deixa de ser um
elemento importante para a construção do sentido do texto jornalístico devido o fato de que
a notícia está descontextualizada.
26
5.1.2.5.5 A data
A notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa na situação S2 permite que a
data deixe de ser um elemento importante na constituição do gênero, pois a mudança
situacional faz com que a restrição que impelia que a data fosse atual (o presente
jornalístico) deixasse de ser necessária. Veiculada no jornal, a data é um elemento essencial
para a própria significação do texto, mas incorporada ao manual didático a data deixa de
26
Ocorre principalmente a descontextualização devido ao fato e que a notícia é de outra região, o que faz com
que as referências a lugares, cenas e pessoas sejam vazias.
120
assumir um papel importante enquanto elemento do gênero didático que se ocupa da
didatização do texto e não da informação jornalística.
“(...) a data está na margem da página e à borda da visão. Ela é
interna e externa ao jornal. Representa o local do jornal em que se
interceptam o hoje do número e a data do calendário.” (Mouillaud,
1997)
A citação de Mouillaud evidencia que a data liga-se diretamente a um contexto,
atribuindo a notícia uma existência definida no tempo e no espaço. A data é um elemento
intrínseco ao gênero notícia de jornal, pois permite visualizar que o gênero está ligado a
situação de comunicação jornalística.
Entretanto, a notícia na situação S2 permite que a data não seja é um elemento
importante na construção de sentido do texto. A notícia Toneladas de peixes mortos na
lagoa, incorporada ao MDLP, pode possuir qualquer data que não faria diferença para o
tipo textual notícia de jornal que é um objeto independente dos parâmetros situacionais e
contextuais.
Há, desta forma, uma mudança de características envolvendo a data que perde a sua
essencialidade (a notícia na situação S2 pode possuir qualquer data ou mesmo ser retirada).
5.1.2.6 Atividades propostas para a notícia de jornal no manual didático
No manual didático os tipos textuais são objetos de estudos dirigidos para o ensino
da língua portuguesa. Após propor a leitura dos textos seguem-se atividades de
compreensão textual e interpretação de texto como forma de aferir o conhecimento do
aluno.
121
Embora uma notícia de jornal não tenha sido pensada para ser avaliada ou para
servir pretexto para atividades de compreensão e interpretação, o MDLP utiliza a notícia de
jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa com essa finalidade.
Soares (2006) em seus estudos sobre a escolarização da literatura infantil e juvenil
concluiu que “ao ser transferido do livro de literatura infantil para o livro escolar, o texto
literário deixa de ser um texto para emocionar, para divertir, para dar prazer, torna-se um
texto para ser estudado.” (marca da autora) (SOARES, 2006, p.43)
Pensando à maneira da autora, a notícia no MDLP deixa de ser um texto para
informar e passa a ser um texto para ser estudado. Mas as atividades não estudam o texto
noticioso abordando a finalidade da notícia de jornal, a tematização/ problematização
envolvidas, etc.
As atividades de compreensão textual propostas pelo MDLP contemplam somente
os aspectos formais da notícia de jornal (apresentar ao aluno o que é uma notícia mediante a
forma que o texto possui e seus aspectos gramaticais). As atividades propostas salientam a
necessidade de reconhecer os elementos formais da notícia de jornal, propondo atividades
que fazem com que o aluno extraia informações do texto, procedendo uma ação de
compreensão e interpretação que se limita, muitas vezes, a reproduzir trechos do texto
como resposta.
122
FIGURA 5 - Página do manual didático – livro do professor. Atividades sobre a
notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa
123
FIGURA 6 - Página do manual didático – livro do professor. Atividades sobre a
notícia Toneladas de peixes mortos na lagoa
124
O manual didático após promover a análise da notícia apontando suas
características, propõe como atividade a composição de uma notícia (Agora é a sua vez)
para o jornal mural da escola. Essa iniciativa é pertinente, pois além de propiciar práticas de
escrita, faz com que o aluno observe que o texto jornalístico é uma forma de ação e
interação entre pessoas.
Entretanto, nas instruções para escrever a notícia privilegiou-se os elementos
formais de composição do texto (palavras comuns, parágrafos com poucas frases, lead). Os
elementos trabalhados pelo MDLP para compreensão do gênero notícia de jornal não dão
conta da dimensão social do gênero e de que a situação de comunicação jornalística é
responsável por trazer regularidades e restrições lingüísticas que vão formar a própria
identidade do gênero notícia de jornal. Por exemplo, manual didático informa que a
variedade lingüística empregada é a variedade padrão da língua, mas não informa que o uso
dessa variedade deve-se a parâmetros situacionais como a identidade dos parceiros
envolvidos.
125
5.2 Notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo
5.2.1 Análise da notícia na situação de comunicação jornalística
Com o surgimento da Internet vários gêneros discursivos / tipos textuais surgiram e
outros vários foram incorporados ao meio eletrônico, como é o caso do gênero notícia de
jornal que facilmente ganhou o espaço da Internet. Há na notícia de jornal on-line a mesma
preocupação com determinadas características da notícia de jornal impressa (como a norma
culta da língua portuguesa, a atualidade da informação, a imparcialidade jornalística, etc.).
Mas as novas tecnologias imprimiram novas características a atividade de comunicação
jornalística, pois no computador a notícia ganha um caráter mais dinâmico no uso da língua
e a própria situação de leitura no computador exige novas propriedades como a brevidade
do texto, a agilidade, a objetividade, etc.
Segundo Coscarelli (2002, p. 66) o gênero/ tipo textual notícia de jornal on-line não
é diferente do gênero/ tipo textual notícia de jornal impresso.
Afirmar que “existem diferenças macroscópicas entre o hipertexto
eletrônico e o texto impresso” e que o “hipertexto transgride as leis
da teoria do texto”, como faz Neitzel, pode ser um exagero. (...)
deve haver, no conceito de texto atualmente aceito pelos lingüistas,
uma parte que continuará sendo válida, quando se consideram os
textos oriundos da informática. (aspas da autora)
Coscarelli (2002, p. 68) ainda acrescenta
126
Com o advento da informática, o conceito de texto parece
continuar o mesmo, uma vez que se pode tomar infinitas formas
para continuar sendo um mecanismo de interação. O que muda são
as formas de manifestação, ou seja, novos gêneros textuais são
criados em função de uma nova interface, novas formas de
expressão são utilizadas, antigas são retomadas, mas o texto
continua sendo instância enunciativa, contrato entre autor e leitor.
Por outro lado, Cohen (2007) em sua dissertação de mestrado comprovou que
existem diferenças do contrato comunicacional quando o dispositivo é mudado. A autora
estudou o contrato comunicacional presente nos anúncios publicitários nos portais da
Internet e nos mesmos anúncios publicitários publicados em revistas, percebendo que
existem diferenças entre os anúncios.
Ficou clara a distinção dos anúncios em três tipos distintos, a saber:
1) anúncios impressos tradicionais; 2) anúncios impressos com
apelos interlocutivos visando ações; 3) anúncios virtuais. (...) esses
tipos de anúncio possuem características próprias (...) (Cohen,
2007, p. 234)
A consideração de que existem diferenças entre o meio impresso e o virtual é
importante para entender os parâmetros situacionais que são modificados quando a notícia
de jornal on-line é incorporada ao MDLP.
Infelizmente, a instância informante que veiculou a notícia de jornal on-line a
roupa do corpoo mantém arquivos das notícias de jornal da Internet
27
o que
impossibilitou registrá-la na sua situação original de enunciação (situação S1). Mas, tendo
em vista notícias on-line semelhantes no mesmo site, pode-se inferir algumas características
e parâmetros situacionais a que a notícia on-line está sujeita quando veiculada na Internet.
(anexos 1 e 2). É importante salientar que não é o objetivo desta pesquisa fazer uma análise
27
O Jornal Folha de São Paulo em contato realizado no dia 24/07/2007 informou que não mantém arquivos
das notícias on-line no período anterior a 2004.
127
pormenorizada do gênero notícia de jornal on-line, mas entender as mudanças que ocorrem
nos parâmetros situacionais do gênero notícia e nas características genéricas quando ocorre
a transposição do texto para a situação de comunicação didática (o texto jornalístico é
inserido ao manual didático- situação S2).
QUADRO 9 – Notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo
Só a roupa do corpo
E. O., 13, C. E, 13, e M. C., 15, moram embaixo do elevado Costa e Silva, o famoso
Minhocão, que fica na região central de São Paulo.
Os três têm família e casa para morar, mas preferem viver na rua. “Saí de casa por
causa do meu padrasto”, conta C. Os amigos vivem juntos, só com alguns trapos. O que
eles fazem para se distrair? “A gente brinca, zoa por aí e fica deitado”, diz E.
(Folha de S.Paulo, 27 out. 2001. Folhinha on-line)
Como já foi dito anteriormente, a situação de comunicação jornalística é
responsável por instituir as condições de produção, ou seja, ela determina as regularidades e
restrições que vão instituir os elementos de composição do gênero notícia de jornal. A
situação de comunicação jornalística que envolve o jornalismo on-line é responsável por
determinar a expectativa (enjeu) de troca que institui os parâmetros situacionais: a
identidade dos parceiros, a finalidade, a tematização/ problematização e o dispositivo.
128
5.2.1.1 Identidade dos parceiros
No nível situacional, a identidade dos parceiros implicados na notícia on-line Só a
roupa do corpo é constituída pela instância informante, EUc, e pelos leitores reais da
notícia on-line, TUi.
A instância informante é composta pelo conjunto de sujeitos que representam o jornal
Folhinha on-line do grupo Folha de São Paulo: o jornalista, os redatores da notícia, os
editores e os outros sujeitos implicados na confecção da notícia. A instância informante
detém a iniciativa do processo de produção, submetendo-se como no jornal impresso, ao
contrato de informação, que inclui, entre outros fatores, os efeitos de objetividade que
contribuem para a de imparcialidade e credibilidade da notícia.
Os leitores empíricos da notícia são sujeitos que efetivamente entrarão em contato
com a notícia de jornal on-line e detém a iniciativa do processo de interpretação. Esses
sujeitos não podem ser previamente identificados, pois os leitores da Folhinha on-line (e,
portanto, da notícia) podem pertencer a um universo muito maior do que o imaginado pela
instância informante (país preocupados com que os filhos lêem na Internet, pessoas
interessadas em algum evento descrito na notícia, etc.).
A partir do perfil da Folhinha on-line é possível determinar os sujeitos discursivos da
notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo. O sujeito enunciador, EUe, é representado
por uma imagem de enunciador criada pelo próprio produtor da fala, essa imagem constitui
um enunciador de jornal (voz jornalística) que relata os fatos e ao mesmo tempo vai
preescrevendo atitudes formadoras idealizadas.
28
Ao abordar tema da separação familiar (os
28
Nos anexos 1 e 2 estão algumas notícias on-line que revelam outros posicionamentos da instância
informante em relação ao destinatário: valorizar a arte, a dança clássica, as festas de outras culturas, etc.
129
meninos têm casa, mas preferem viver na rua) a notícia permite que certos valores sejam
explicitados (como a importância da família) e contribuam para a formação da criança.
O sujeito destinatário idealizado, TUd, é representado por crianças que têm acesso à
notícia pela Internet, portanto, são sujeitos pertencentes a classe social mais elevada da
sociedade (classe AB)em que o uso da Internet já está amplamente disseminado.
QUADRO 10 – Os sujeitos da notícia no quadro enunciativo
EUc
Instância informante
Nível situacional
TUi
Leitor real
Nível discursivo
EUe TUd
Enunciador jornalístico
crianças com acesso
à Internet
5.2.1.2 Finalidade
A finalidade da notícia on-line Só a roupa do corpo é levar informação aos leitores,
caracterizando-se por duas visadas: além de relatar um acontecimento com informações
dirigidas à criança para proporcionar uma reflexão sobre a realidade (visada de
informação), também há a intenção de atrair as crianças para o novo objeto de consumo em
que se transformou a notícia na Internet (visada de captação).
É interessante observar que a visada de captação encontra-se no extremo oposto à
visada de informação. A visada de captação utiliza o princípio da emoção para sensibilizar
130
o público leitor e provocar nele o interesse pela informação na Internet. É construído junto
às crianças tidas como leitoras da notícia de jornal on-line uma afetividade estruturada
pelos imaginários discursivos que são expostos na notícia: a importância da família, o
problema social dos meninos de rua em São Paulo, a relação entre pais e filhos, etc. Todos
esses imaginários são capazes de provocar um sentimento de afetividade nos interlocutores
que vivem justamente a fase de reconstrução de relacionamentos com os pais, ou seja, é
usada a estratégia de dramatização na notícia para provocar sensibilização das crianças que
lêem a notícia e assim conquistá-las para o consumo do gênero na nova mídia. Para tanto, o
enunciador jornalístico encontra-se em posição de “fazer sentir” enquanto os sujeitos
destinatários idealizados se encontram em posição de “dever sentir” a dramaticidade de um
acontecimento recorrente e ocasionado por sentimentos comuns às crianças quem lêem a
notícia. Para Charaudeau (2006, p. 92)
(...) o contrato de comunicação midiática é, em seu fundamento,
marcado pela contradição: finalidade de fazer saber, que deve
buscar um grau zero de espetacularização da informação, para
satisfazer o principio de seriedade ao produzir os efeitos de
credibilidade; finalidade de fazer sentir (...) para satisfazer o
princípio da emoção ao produzir efeitos de dramatização.
A visada de informação tende a racionalidade por ter necessidade de satisfazer a
exigência de credibilidade do discurso midiático. Apesar dos sujeitos destinatários
idealizados serem crianças, há uma expressiva seriedade que perpassa toda a notícia de
jornal on-line. O enunciador jornalístico encontra-se em uma posição de “fazer saber”
enquanto o leitor idealizado deve encontrar-se em posição de “dever saber” as informações
veiculadas na notícia on-line.
131
5.2.1.3 Tematizaação / problematização
“O propósito é a condição que requer que todo ato de comunicação se construa em
torno e um domínio de saber, uma maneira de recortar o mundo em universos de discursos
tematizados.” (marca do autor) (Charaudeau, 2006, p. 69) A tematização da notícia de
jornal on-line a roupa do corpo apresenta como macro-tema a vida dos meninos de rua
em São Paulo, mas há também outro importante tema que se constrói a partir da leitura do
texto jornalístico: as relações familiares (a relação entre pais e filhos).
O quadro de tematizações remete a um quadro de problematizações em que o leitor
é convidado a se engajar. Na notícia on-line, o leitor é convidado a problematizar as
questões referentes à tematização (vida dos meninos de rua/ relação entre pais e filhos). A
apresentação desses temas presentes na notícia faz com que as crianças problematizem a
respeito deles em um processo de inserção à instância cidadã.
É importante salientar que a instância informante somente apresenta um quadro de
tematizações; cabe ao leitor, mesmo sendo do universo infantil, diante do quadro de
tematizações problematizar obedecendo às referências éticas da instância cidadã.
5.2.1.4 Dispositivo
Cada ato de comunicação associa-se a um dispositivo particular, que ao realizar-se
em determinada situação de comunicação relaciona-se a um contrato. O dispositivo
material em que é veiculada a notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo é a Internet,
esse dispositivo conta com um quadro de restrições e parâmetros que serão responsáveis
pela realização da notícia na WEB. A Internet formata a notícia atribuindo a ela
132
características responsáveis por construir um sentido, assim, a notícia é veiculada contando
com algumas características do meio eletrônico como a agilidade para conseguir
informação, a escrita simples, a qualidade e a relevância das informações, etc.
A notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo permite que os leitores sigam o
caminho que desejarem na leitura da notícia. Isso ocorre devido a presença de links que
permitem que o leitor da notícia possa navegar de várias formas no site da Folhinha on-
line, bastando somente clicar na opção desejada. O leitor do site Folhinha on-line constrói
uma representação hierárquica dos textos que deseja ler ao poder escolher quais serão os
textos lidos e o quanto deseja aprofundar na leitura desses textos.
A notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo prevê a participação efetiva do
interlocutor da notícia através de estratégias como a escolha da seqüência de leitura dos
textos.
5.2.1.5 Outros elementos característicos da notícia Só a roupa do corpo configurados
pela situação de comunicação jornalística
Como já foi mencionado no capítulo 4, a instância informante responsável pela
notícia de jornal on-lineo mantém arquivos de notícias anteriores a 2004
29
. Diante de tal
situação optamos por escolher aleatoriamente alguns textos noticiosos no site Folhinha
Online
30
. Com esse procedimento buscamos reproduzir as circunstâncias de enunciação, as
restrições e os parâmetros situacionais a que a notícia está sujeita quando veiculada na
situação de comunicação jornalística.
29
A notícia Só a roupa do corpo pertence a edição de 27 de outubro de 2001.
30
Ver referências.
133
5.2.1.5.1 Enunciação da notícia
Na notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo o enunciador descreve a vida de
meninos que vivem embaixo do Elevado Costa e Silva. O enunciador do texto utiliza o
relato dos meninos como forma de sustentar a informação, fazendo com que o dito dos
meninos se encaixe no dito do enunciador jornalístico (locutor-relator
31
) da notícia.
Charaudeau (2006, p.162) representa esse mecanismo da seguinte maneira:
QUADRO 11 – Quadro de caracterização do discurso relatado e descrição das siglas
Eo – To Er – Tr
(Loc/o Do Interloc/o)
(Loc/r Dr Interloc/r)
Loc/o = locutor de origem
Do = dito de origem
Interloc/o = interlocutor de origem
Loc/r = locutor relator
Dr = dito relatado
Interloc/r =interlocutor final
Eo = espaço de origem
To = tempo de origem
Er = espaço do relato
Tr = tempo do relato
31
Termo utilizado por Charaudeau (2006, p.162).
134
Para marcar o dizer do outro, o enunciador jornalístico utiliza marcas
lexicais e marcas gráficas o que revela a diversidade de ditos diferentes habitando o mesmo
texto. Os planos de enunciação que se instauram na notícia permitem verificar como o dito
dos meninos que vivem na rua é tirado de um ato de enunciação de origem para ser relatado
para em outro ato de enunciação.
O primeiro plano de enunciação é aquele em que o enunciador jornalístico
se dirige aos leitores do jornal Folhinha on-line. Esse primeiro ato de enunciação relata o
fato (meninos mesmo possuindo família moram na rua) produzindo um posicionamento de
poder, pois o enunciador jornalístico está legitimado em sua posição de saber e pode
transmitir informação ao leitor que deve saber os fatos registrados pela instância
jornalística.
QUADRO 12 – Planos argumentativos da notícia
Enunciadores com seus
interlocutores
Marcas de Enunciação Enunciado
Lexicais Gráficas
2º plano de
enunciação: menino
C.F – Folhinha on-line/
leitores
conta aspas “Saí de casa por causa do
meu padrasto”
3º plano de
enunciação: menino
E.O – Folhinha on-line
/ leitores
diz aspas “A gente brinca, zoa por aí e
fica deitado”
O dizer do enunciador jornalístico é sustentado pelas enunciações dos meninos de
rua. A citação do dizer dos meninos comprova o fato descrito na notícia, um testemunho
que corrobora com a argumentação do enunciador jornalístico.
135
5.2.1.5.2 Título da notícia
O título da notícia de jornal on-line Só a roupa do Corpo é informacional,
representando uma informação nova à edição do jornal on-line e suscitando um tipo de
problematização por parte dos leitores. A descrição que o título realiza permite representar
os sujeitos envolvidos na notícia relacionado-os diretamente ao contexto de miséria em que
vivem. O termo Só a roupa do corpo contribui para uma produção de sentido e aponta para
a direção que a informação tomará: abordar a carência de sujeitos que vivem sem nada.
uma espetacularização do título que se reveste de uma roupagem sensacionalista pela
afirmação impensável de seres humanos vivendo somente com a roupa do corpo.
O título da notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo seleciona dois tipos de
visadas: uma visada de informação e uma visada de captação. A visada de informação
constrói-se pela finalidade primeira da notícia de levar informação à instância cidadã. A
visada de captação constrói-se pela tentativa de atrair a atenção do leitor incitando-o à
leitura da notícia.
5.2.1.5.3 A data
A data, na situação de comunicação jornalística, é responsável por criar o presente
jornalístico o que torna a notícia mais relevante e importante ao conhecimento do leitor. Na
significação da notícia on-line, a data é um dos importantes elementos, pois ela é uma
referência ao contexto de enunciação. Ler uma notícia de jornal não é somente decifrar
parágrafos perseguindo os elementos lingüísticos presentes no texto, mas produzir sentido
136
através de fatores como o conhecimento de mundo do leitor, suas crenças, os elementos
formais do texto, o contexto de enunciação, etc.
O anexo 1 demonstra o compromisso da Folhinha on-line com a atualidade ao
trazer uma notícia de jornal on-line que precisa ser consumida no mesmo dia, pois a notícia
informa sobre a realização de uma festa no mesmo dia da veiculação da notícia. Com isso o
jornal Folhinha on-line consegue manter um dos importantes princípios que envolvem a
esfera jornalística: a atualidade das notícias.
Apesar do jornalista representar uma figura importante na instância informante, a
notícia não traz a assinatura do jornalista, tal fato faz com que a identificação do
responsável pela notícia seja dificultada, não permitindo que se conheça realmente quem é
o responsável pela notícia.
5.2.2 Análise da notícia na situação de comunicação didática
O gênero notícia de jornal on-line ao ser incorporada ao manual didático de língua
portuguesa sofre alterações devido ao fato dos parâmetros situacionais serem
reconfigurados para atender aos parâmetros da nova situação comunicativa no qual o tipo
textual está inserido. O gênero notícia de jornal on-line passa a ser utilizado fora da sua
situação de comunicação original, pois sendo inserido ao manual didático onde o gênero
perde a característica sócio-interativa para o qual foi criado. Inserido no MDLP o gênero
notícia on-line não é mais uma forma de ação em uma situação de comunicação específica,
e sim um tipo de texto pronto para servir de pretexto às atividades escolares.
Com a mudança situacional, ocorrem mudanças nos parâmetros contratuais dados
pelas circunstâncias de comunicação. Além dos elementos contratuais, outras
137
características do gênero notícia de jornal on-line determinados pela situação de
comunicação também são ressignificados.
5.2.2.1 Identidade dos parceiros
O fato da notícia de jornal on-line ser incorporada ao MDLP promove alterações na
identidade dos parceiros envolvidos.
No nível situacional, o sujeito comunicante (EUc) é representado pela instância
produtora do manual didático de língua portuguesa que é composto pelo conjunto: os
autores do manual (Ernani Terra e Floriana Cavalete), os ilustradores, os editores, o
supervisor pedagógico, etc. Apesar da notícia não ter sido confeccionada diretamente pela
instância produtora do MDLP, é ela quem didatiza a notícia pretendendo proporcionar
instrução. Podemos dizer que a instância produtora do MDLP detém a iniciativa do
processo de produção, mas não de um gênero, mas de um texto didatizado.
Na nova realidade em que a notícia de jornal se apresenta, os parceiros não estão
necessariamente interessados/ implicados na notícia do dia, mas envolvidos em um
propósito pedagógico (visada de instrução – “fazer saber fazer”).
Esses sujeitos supostamente têm a competência de saber fazer-saber e estão em
posição de autoridade de saber fazer e de legitimação para transmitir o saber-fazer. Os
sujeitos interpretantes (TUi), são representados por quem efetivamente tem acesso à notícia
on-line na nova situação (situação didática).
No nível discursivo, o sujeito enunciador (EUe) é o enunciador didático que através
da sua voz propõe a leitura do texto jornalístico indicando a forma como o texto deve ser
138
lido. A voz do enunciador didático é a voz que perpassa todo o manual didático interagindo
com os alunos e propondo atividades.
Os sujeitos destinatários (TUd) são compostos pelo público do manual didático:
alunos e professores da sexta série. Pensamos que a notícia de jornal on-line apresenta
como sujeitos idealizados alunos de qualquer classe social, pois o manual didático não faz
explicitamente distinções de classe social para seus sujeitos interlocutores. Os alunos
idealizados pelos autores do MDLP são sujeitos pertencentes a qualquer classe social desde
que cumpram o seu papel social de aprender. Cabe ao aluno ler a notícia e seguir as
instruções que possibilitarão a sua compreensão, pois os alunos são considerados sujeitos
fora da instância cidadã, pessoas ainda o adultas e em processo de formação.
O professor também está incluído como sujeito destinatário idealizado, pois cabe ao
professor utilizar o tipo textual notícia de acordo com seus objetivos pedagógicos e criar na
sala um ambiente de interação acerca do debate suscitado pelo tipo textual. É previsto pela
instância produtora do MDLP que os professores da sexta série lerão a notícia e
acompanharão a realização de atividades dos alunos.
QUADRO 13 – Quadro enunciativo da notícia SRC intercalada ao manual didático
EUc
Instância produtora
do MDLP
Nível Situacional
TUi
Leitor real
Nível Discursivo
EUe TUd
Enunciador alunos e professores
didático da sexta série
139
5.2.2.2 Finalidade
A finalidade da notícia de jornal on-line no manual didático evidencia-se como uma
das atividades necessárias para a formação do educando e sua inserção na instância cidadã.
A finalidade é caracterizada por uma “visada de instrução” em que a notícia é transformada
em um conteúdo escolar. Esse momento de aprendizagem é marcado no título do capítulo
(Hora do texto) que informa ao aluno, através do princípio de autoridade, que a atividade
escolar daquele momento é o texto jornalístico, devendo haver dedicação e atenção à
atividade. A autoridade empregada, característica do discurso didático, estende-se às
atividades através de seqüências injuntivas (verbos no imperativo) que dão instruções da
forma como a notícia deve ser lida e como realizar as atividades.
Embora a notícia de jornal on-line não tenha sido originada com o fim de instruir
sujeitos, ela passa a servir de objeto para a formação do aluno (aquisição de competências e
habilidades), sendo utilizada como pretexto para atividades gramaticais, técnicas de
interpretação de texto, análises interpretativas, etc. A visada de instrução permite que voz
jornalística fique em posição de “fazer saber-fazer” e o leitor idealizado como os alunos de
sexta série fique em posição de “dever saber-fazer”, ou seja, o leitor deve transformar
notícia em conteúdo escolar e realizar atividades que visam testar sua aprendizagem sobre o
conteúdo.
Na situação S2 (situação escolar), ocorre uma visada de captação que ao mesmo
tempo em que atrai os alunos para interessarem-se pela atividade, deseja seduzir alunos e
professores para a utilização do manual didático, pois a notícia incorporada ao manual
didático corrobora com os imaginários acerca de um bom MDLP: trabalha com gêneros
diferenciados como o “gênero” notícia de jornal on-line.
140
5.2.2.3 Tematização / problematização
A temática da notícia de jornal on-line inserida no manual didático também é
modificada. Na nova situação em que a notícia está inserida não há o objetivo de informar o
leitor sobre um acontecimento recente e, por vezes, não é suscitado qualquer tipo de
problematização acerca do espaço público
32
. Isso ocorre porque a situação de comunicação
escolar não privilegia a tematização e a problematização em relação aos tipos textuais
empregados, mas sim a aprendizagem e reprodução de conteúdos. O olhar do sujeito sobre
a notícia de jornal on-line na situação S2 faz com que ele não utilize a tematização da
notícia para problematizar sobre os acontecimentos sociais.
A mudança de propósito proporciona à notícia on-line na situação S2 uma direção
interpretativa diferente da situação original. O sujeito que lê uma notícia on-line no manual
didático não é um sujeito, que inserido num sistema de expectativas, esperará por algo
inesperado, perturbador e que provoque a alteração da ordem social.
5.2.2.4 Dispositivo
A notícia de jornal on-line ao ser incorporada pelo MDLP altera o dispositivo em
que é enunciada, alterando também as relações que mantém com os leitores. A alteração do
dispositivo sugere outra forma de leitura da notícia e, portanto, uma nova situação de
recepção. Fora de seu dispositivo original na internet, o leitor não mais interage com o texto
da notícia utilizando as diversas combinações que a mídia eletrônica permite, como a
32
As atividades propostas pelo MDLP não privilegiam a reflexão e a problematização acerca da temática da
notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo.
141
iconicidade, profundidade de leitura, possíveis conexões hipertextuais, organização e
disposição na página da Internet, etc. A notícia no MDLP pertence a um tipo diferente de
discurso, pois a notícia está submetida a outros parâmetros contratuais e a mudança de
dispositivo prevê outros tipos de condições para a recepção da notícia.
142
FIGURA 7 – Notícia de jornal on-line Só a Roupa do corpo inserida no manual
didático
143
5.2.2.5 Outros elementos característicos da notícia de jornal on-line Só a roupa do
corpo configurados pela situação didática
As características (parâmetros contratuais e situacionais) da notícia on-line são
modificadas tendo em vista a nova situação de comunicação.
O perfil dos leitores do jornal Folhinha on-line corresponde a crianças e
adolescentes das classes AB com acesso à Internet, a página do jornal estrutura-se para
receber esse público através de estratégias que visam captar a atenção deles. Uma das
estratégias é o uso de desenhos e figuras que acompanham as notícias (conforma anexos).
Quando a notícia on-line Só a roupa do corpo é incorporada ao MDLP, elementos
como fotos e desenhos característicos da situação de comunicação original não fazem parte
da notícia. A notícia on-line no manual didático sofre, assim, um recorte que a
descaracteriza e desconstrói em relação à produção de sentido original.
5.2.2.5.1 Enunciação da notícia
Na situação S2, os enunciados do texto continuarão mantendo as mesmas estruturas
sintáticas, as mesmas estratégias de objetividade e imparcialidade, não obstante, a
configuração dos planos de enunciação será modificada pela inserção do plano de
enunciação que englobará todos os outros planos presentes na notícia de jornal on-line Só a
roupa do corpo. O primeiro plano de enunciação será aquele em que o enunciador didático
se dirige aos leitores do manual didático, sendo que será o enunciador didático que trará a
fala de outros locutores para o plano enunciativo.
144
QUADRO 14 – Planos de enunciação da notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo
na situação escolar
5.2.2.5.2 Título da notícia
A notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo ao ser incorporada ao MDLP
permite que o título perca a relação intrínseca com o contexto que descreve. O caráter
informacional do título é perdido, porque na nova situação de comunicação o título não
conduz a uma informação pertinente ao contexto social. O título que deveria provocar uma
relação direta entre realidade/ acontecimento deixa de cumprir esse papel – o leitor não é
capaz de fazer essa associação, porque na verdade o acontecimento é apagado devido ao
distanciamento temporal entre o fato e a leitura da notícia.
Os elementos lingüísticos presentes no título ainda permitem que ele aponte a
temática da notícia, mas as visadas que ele seleciona são modificadas: uma visada de
instrução, pois o título da notícia é visto como um elemento escolarizado para ensinar ao
1º plano de enunciação:
enunciador didático – leitores do MDLP
2º plano de enunciação:
enunciador jornalístico – leitores da notícia SRC
4º plano de enunciação:
menino E.O – Folhinha on-
line/ leitores
3º plano de enunciação:
menino C.F – Folhinha on-
line/ leitores
145
aluno a estrutura de uma notícia; uma visada de captação com a intencionalidade atrair os
alunos para a aprendizagem do tipo textual.
5.2.2.5.3 A data
Quando a notícia de jornal on-line a roupa do corpo é incorporada ao MDLP a
data deixa de ser um elemento importante na constituição do sentido do texto jornalístico,
pois na perspectiva em que a data se encontra ela deixa de influir no sentido do texto
noticioso.
A notícia de jornal on-line Só a roupa do corpo, incorporada ao manual didático,
deixa de uma grande defasagem em relação às circunstancias enunciativas da informação,
pois o distanciamento entre o tempo de produção e de recepção (leitura) da notícia é bem
superior aquele imaginado pela instância de produção. A periodicidade do jornal Folhinha
on-line é semanal as notícias são produzidas para serem consumidas durante esse período.
Entretanto, as notícias na situação S2 são consumidas dois, três, quatro ou até cinco anos
após a sua veiculação.
146
FIGURA 8 – Atividades do manual didático
147
Com as atividades propostas pelo MDLP espera-se dos alunos uma dupla ação:
aprender e provar que aprendeu. O manual didático traz a concepção de que aprender é
absorver saber e posteriormente reproduzi-lo conforme a solicitação do próprio manual
didático. Essa característica faz com que o MDLP esteja encaixado dentro de uma linha
tradicional de educação em que o aluno deve assimilar e repetir os conteúdos ensinados.
As atividades propostas pelo MDLP não levam em conta a problematização em que
a notícia está envolvida. A notícia on-line Só a roupa do corpo apesar de tratar de temas
pertinentes e interessantes ao universo adolescente (público alvo do manual didático) não é
trabalhada seguindo o ponto de vista temático. Desta forma, a notícia on-lin,e que na
situação S1 convida os leitores a problematizar a realidade. Já na situação S2, essa
problematização se esvazia em proveito do entendimento (aprendizagem) das
características formais do tipo textual notícia de jornal on- line: estrutura informacional da
narrativa (questões como o quê, por quê, como, onde, , etc.); linguagem empregada;
aspectos gramaticais do texto.
148
CAPÍTULO 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossa dissertação, ao refletir sobre a utilização de gêneros discursivos / tipos
textuais, em sua situação de comunicação original e intercalados ao manual didático de
língua portuguesa, identificou as características do discurso em movimento. Nesse sentido,
detivemo-nos no estudo dos parâmetros situacionais que determinam as condições de
produção, as características dos componentes e as condições de enunciação.
O objetivo principal dessa investigação foi verificar como o gênero discursivo de
informação jornalística, representado pelo gênero discursivo notícia de jornal (seja
impresso ou on-line) possui seus parâmetros e características situacionais modificados ao
ser intercalado ao manual didático de língua portuguesa.
A modificação nos parâmetros determinantes do contrato de comunicação faz com
que haja a reconfiguração do gênero discursivo, pois o gênero passa a ser caracterizado por
outras configurações para atender aos parâmetros da nova situação de comunicação. Há,
portanto, uma reflexão sobre as mudanças ocorridas na produção de sentido.
... os manuais didáticos de língua portuguesa se apropriam de
textos jornalísticos, literários, entre outros, sob o pretexto de
trabalhar / ensinar gêneros textuais (buscando conformidade com
orientações dos PCN’s de Língua Portuguesa), modificam e
reconfiguram seus lugares de enunciação e de interpretação, enfim,
alterando os parâmetros que, para nós, definem os gêneros como
tipos situacionais (finalidade, identidade, tematização /
problematização, dispositivo). (EMEDIATO, 2007, p. 245)
Para evidenciar os parâmetros situacionais modificados foram escolhidas duas
notícias de jornal veiculadas em manuais didáticos, uma notícia impressa e uma notícia on-
line. Tanto na análise da notícia de jornal Toneladas de peixes mortos na lagoa quanto da
149
notícia de jornal Só a roupa do corpo é possível observar o que denominamos de
reconfiguração do gênero discursivo notícia de jornal: os parâmetros determinantes do
contrato de comunicação são modificados quando o gênero notícia de jornal é incorporado
às páginas do MDLP. Considerando-se a nova situação de comunicação e o novo
dispositivo em que o gênero é empregado ocorrem modificações no processo de produção
/interpretação que vão provocar inclusive mudanças no sentido do texto. “Como a estrutura
de um jornal tem a propriedade de ser inscrita, (...) não se pode separar o enunciado do seu
suporte sem modificá-lo.” (MOUILLAUD, 2002, p. 326)
Buscando entender os processos discursivos, iniciamos o trabalho com uma revisão
da literatura no Capítulo 1. Com tal procedimento, conseguimos adquirir um
posicionamento crítico em relação à linguagem e inscrever nosso trabalho no campo teórico
proposto pela Análise do Discurso.
No Capítulo 2, iniciamos uma investigação sobre a problemática dos gêneros
discursivos revendo um pouco da teoria existente acerca dos gêneros e dos tipos textuais.
Após situar uma série de teorias evolvendo os gêneros, expusemos a concepção teórica na
qual o trabalho se inscreve, propondo que os gêneros são elementos situacionais
constituídos por parâmetros situacionais.
O Capítulo 3 foi destinado para compreensão do discurso informativo e do discurso
didático. Fizemos uma investigação acerca do gênero notícia de jornal e do manual didático
de língua portuguesa na tentativa de entendê-los e marcar suas características.
O capítulo 4, os procedimentos metodológicos empregados na pesquisa foram
explicados, assim como as etapas e estratégias que delinearam esta pesquisa.
150
A análise dos dados começou no capítulo 5 através da seguinte estratégia: analisar
cada notícia de jornal em sua situação de comunicação original (S1) e após a transposição
para o manual didático (S2).
Com a análise dos dados foi possível responder às questões referentes à utilização
do gênero em outra situação comunicativa. A notícia de jornal intercalada ao MDLP perde
a função social para a qual foi concebida, sofrendo alterações nas peculiaridades
discursivas. Uma notícia de jornal propõe um lugar de interpretação que envolve uma ética
cidadã e não se pode fugir desse lugar, pois a notícia de jornal já conta com a implicação
desse tipo de leitor no processo. Tal processo, como vimos, não ocorre na situação de
comunicação didática, pois no manual didático a notícia não implica a figura de um cidadão
disposto a problematizar questões sociais, mas a figura de aluno à qual é atribuído o papel
de aprender as características do tipo textual.
Os dois manuais, ao trabalharem com os gêneros textuais, preferem basear-se nos
elementos formais ao invés de discutirem as peculiaridades discursivas e principalmente a
função social do gênero. A presença do gênero notícia de jornal nos manuais didáticos
poderia ser uma forma dos alunos aprimorarem a leitura e a escrita, mas ainda predomina a
preocupação excessiva com o formato do texto, suas regras estruturais e as lições
gramaticais.
Os MDLP demonstram, ainda, grande preocupação com a gramática, a variação
lingüística e a adequação vocabular, imaginário da tradição escolar que recai agora sobre o
ensino de gêneros discursivos. Isso é colocado em evidencia pelo silenciamento, no
tratamento da questão genérica, dos componentes situacionais de produção dos textos.
151
Acreditamos que, mais eficaz do que simular atividades envolvendo os gêneros
discursivos, seria promover práticas em que os alunos efetivamente entrariam em contato
com os gêneros discursivos de forma direta e não mediada pelo manual.
A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura
gramatical – não chega ao nosso conhecimento a partir de
dicionários e gramáticas mas de enunciações concretas que nós
mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação
discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam. (...) As formas da
língua e as formas típicas de enunciados, isto é, os gêneros do
discurso, chegam à nossa experiência e à nossa consciência em
conjunto e estreitamente vinculadas. (BAKHTIN, 2003, p.283)
O sentido de um enunciado está relacionado aos pontos de referência pertinentes à
sua enunciação. Uma notícia de jornal incorporada ao MDLP deixa de contar com essas
referencias fazendo com que o sentido admitido pela notícia seja construída de forma
diferente ao esperado pela situação de comunicação original. “A interpretação de uma fala
ou de um produto cultural deve assim levar em conta as relações de parte a conjunto, e
produzir entre esses dois níveis um duplo movimento de explicação e compreensão.”
(BRAGA, 2002, p. 329)
Convém dizer que o que chamamos de reconfiguração do gênero não pode ser visto
como uma transgressão genérica. Na transgressão do gênero ocorre a ruptura com a regra
preexistente do gênero, havendo a transformação de gêneros antigos em gêneros novos.
Os elementos que fazem parte da estrutura de uma notícia de jornal ao serem
modificados fazem com que o gênero notícia de jornal, caracterizado por elementos
situacionais, seja reconfigurado transformando-se em um texto didático. Ou seja, com a
reconfiguração o gênero não há a transformação dele em outro gênero e sim a modificação
da forma de ser ver, entender, ler e produzir sentido.
152
Em Mari (2002, p.35) encontramos a definição de Charaudeau para o contrato de
comunicação definido-o como “um quadro de determinações necessárias à configuração do
lugar de produção dos sentidos sociais, bem como do lugar de seu reconhecimento.” Se há
mudanças no quando de determinações necessárias à configuração do gênero notícia,
haverá alterações no lugar da sua função e do seu reconhecimento.
As crianças nos dias de hoje, já tem contato ou informação sobre o que é um jornal
e sobre uma noticia, de maneira que já chegam à sala de aula reconhecendo-a, pois o jornal
e as notícias são gêneros amplamente difundidos e podem ser encontrados e vistos
facilmente (no domicílio, na escola, nas bancas, nos bares, padarias, etc.). As notícias de
jornal não são objetos totalmente desconhecidos de uma criança de 6º série. Do mesmo
modo, essa mesma criança, por sua experiência escolar, reconhece o manual didático como
um suporte de didatização e certamente se posicionará diante da notícia ali inscrita como
um aluno-aprendiz de alguma coisa e não como leitor de jornal.
É necessário que o aluno entenda o processo de produção do texto, compreendendo
que a situação comunicacional é responsável por instituir a configuração de um gênero.
Entendemos que a leitura do texto “real” aquele que tem circulação social genuína, é
primordial para o desenvolvimento da competência leitora dos alunos.
Há vários benefícios da leitura de jornais na escola, mas dentre elas destacamos a
quantidade de informações atuais em um mesmo suporte. A informação jornalística traz
questões polêmicas que interpelam o cidadão, desta forma, poderiam ser trabalhados, de
forma crítica, a finalidade da notícia de jornal, seus elementos subjetivos e objetivos, o mito
da neutralidade da imprensa, fazendo, assim, com que os futuros leitores possam ser armar
de espírito crítico durante a leitura de textos jornalísticos.
153
O professor de Língua Portuguesa deve proporcionar a leitura e a produção de
diferentes gêneros discursivos estabelecidos socialmente. Mas nem todos os gêneros
precisam ser produzidos na esfera escolar, alguns precisam somente de serem lidos e
compreendidos. O que é necessário é que sejam eliminadas as situações artificiais em que o
gênero se torna objeto didatizado para a aprendizagem de conteúdos, principalmente
gramaticais, sob o pretexto de se estar ensinando a respeito dos gêneros.
Uma ocorrência fora do contexto não passa de uma ocorrência
produzida em um contexto artificialmente simplificado, e não é
absolutamente necessário que a significação constatada nessas
condições possibilite compreender as significações registradas em
contextos naturais. (DUCROT, 1987, p.14)
A notícia não tem “valor de notícia” ao ser inserida ao MDLP, pois após a sua
didatização ela é vista como um objeto de estudo, havendo uma alteração significativa no
seu modo de consumo. Estudar gêneros não significa estudar os elementos formais de
composição de textos, mas sim as condições sociais, históricas e situacionais na qual um
gênero é utilizado como forma de ação.
É a situação de comunicação que será responsável por instituir uma série de
parâmetros do gênero notícia de jornal. Já destacamos o dispositivo, o título, a fotografia,
os elementos formais, enunciadores, a assinatura, a data, e o quadro comunicacional (a
identidade dos parceiros, a finalidade, o dispositivo e a tematização/ problematização).
Características discursivas são ressignificadas quando as notícias são incorporadas
ao manual didático, pois no manual os textos jornalísticos são objetos que não concebem os
parâmetros situacionais e contextuais necessários ao entendimento de determinadas
154
características discursivas como a problematização acerca do espaço público e o uso de
implícitos subentendidos.
Distinguimos uma escolarização adequada e uma escolarização
inadequada da literatura: adequada seria aquela escolarização que
conduzisse eficazmente às práticas de leitura literária que ocorrem
no contexto social e às atitudes e valores próprios do leitor que se
quer formar (...) (SOARES, 2006, p. 47)
Um fato isolado do seu contexto produz uma visão fragmentada da realidade não
permitindo ao aluno que carrega consigo alguns gêneros de sua língua materna, a relação da
aprendizagem com os gêneros e sua real utilização.
O conhecimento sobre a reconfiguração do gênero notícia de jornal nos manuais
didáticos de língua portuguesa pode fazer com que o professor estabeleça estratégias mais
apropriadas de ensino/aprendizagem, pois verificamos que o trabalho com os gêneros
discursivos pode ser mais eficaz quando são levados em conta os componentes situacionais
de produção do texto. Nesse sentido, mais do que promover o ensino de gêneros
envolvendo categorias conceituais, é necessário inserir o aluno em práticas concretas em
que o aluno terá de lidar com os gêneros do discurso presentes em seu dia-a-dia.
Acreditamos ser mais coerente que o gênero notícia de jornal fosse utilizado na prática,
fazendo com que os alunos pudessem lê-lo e até escrevê-lo em sala de aula, mas tendo em
vista as problematizações reais trazidas por esse gênero. Mas para isso seria necessário que
antes os alunos se constituíssem efetivamente como leitores de jornal na escola.
155
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158
ANEXO 1 - Versão de uma notícia da página do site Folhinha On-line
Página do site Folhinha on-line. Acessado em 24/10/2007 às 20h52.
159
ANEXO 2 - Versão de uma notícia da pagina do site Folhinha On-line
Página do site Folhinha on-line. Acessado em 24/10/2007 às 20h52.
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