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freqüentes e densas (...), uma acumulação que provoca uma mudança surpreendente movida
pela afetividade e pela paixão, levando a uma percepção global, ‘holista’, do mundo e dos
homens” (Santos, 1996, p.255). Para o autor, a condição de vizinhança impõe a
interdependência como prática, onde cooperação e conflito são a base da vida em comum.
Neste contexto, comum no chamado Terceiro Mundo (embora dele não se excluam
parcelas da população do Primeiro Mundo – em especial de imigrantes), a predominante
escassez nas condições de vida da população não afasta a produção de necessidades,
embasadas no consumo dos segmentos mais abastados. Esta tentativa de homogeneização, de
usufruir de bens de consumo inacessíveis via “comércio legal”, gera uma esteira de trabalhos
imitativos, que se instalam e se reproduzem. Como aponta Santos (1996)
Este quadro ocupacional não é fixo: cada ator é móvel, podendo sem trauma exercer
atividades diversas ao sabor da conjuntura. Essas metamorfoses do trabalho dos
pobres na cidade cria o que em outro lugar denominamos de ‘flexibilidade tropical’.
Há uma variedade infinita de ofícios, multiplicidade de combinações em movimento
permanente, dotadas de grande capacidade de adaptação e sustentadas no seu
próprio meio geográfico (...) Desse modo, as respectivas divisões (...) de trabalho
(...) adaptam-se a si mesmas, mediante incitações externas e internas. Sua
solidariedade se cria e recria ali mesmo (...) (Santos,19996,p.260).
Complementando seu ideário dos caminhos para “Uma Outra Globalização”, Santos
(1996) coroa, longa e perspicazmente, as exposições anteriormente referidas – no que
podemos denominar O elogio da Lentidão
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- assinalando
Agora, estamos descobrindo que, nas cidades, o tempo que comanda, ou vai
comandar, é o tempo dos homens lentos. Na grande cidade, hoje, o que se dá é tudo
ao contrário. A força é dos ‘lentos’ e não dos que detêm a velocidade (...). Quem, na
cidade, tem mobilidade – e pode percorrê-la e esquadrinhá-la – acaba por ver pouco,
da cidade e do mundo. Sua comunhão com as imagens, freqüentemente pré-
fabricadas, é sua perdição. Seu conforto, que não desejam perder, vem, exatamente,
do convívio com essas imagens. Os homens ‘lentos’, para quem tais imagens são
miragens, não podem, por muito tempo, estar em fase com esse imaginário perverso
e acabam descobrindo as fabulações.
É assim que eles escapam ao totalitarismo da racionalidade, aventura vedada aos
ricos e às classes médias. Desse modo, acusados por uma literatura sociológica
repetitiva, de orientação ao presente e de incapacidade de prospectiva, são os pobres
que, na cidade, mais fixamente olham para o futuro.
(...) Por serem ‘diferentes’, os pobres abrem um debate novo, inédito, às vezes
silencioso, às vezes ruidoso, com as populações e as coisas já presentes. É assim que
eles reavaliam a tecnosfera e a psicoesfera, encontrando novos usos e finalidades
para objetos e técnicas e também novas articulações práticas e novas normas, na
vida social e afetiva. Diante das redes técnicas e informacionais, pobres e migrantes
são tão passivos como as demais pessoas. É na esfera comunicacional que eles,
diferentemente das classes ditas superiores, são fortemente ativos.
(...) Então, o feitiço se volta contra o feiticeiro. O consumo imaginado, mas não
atendido (...), produz um desconforto criador. O choque entre cultura objetiva e
cultura subjetiva torna-se instrumento da produção de uma nova consciência
(Santos, 1996, p. 261).
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Tomamos o título de artigo publicado por Milton Santos na Revista Eletrônica Trabalho Necessário, Ano 2,
nº02, 2004. (www.uff.br/trabalhonecessario - Acesso em 31/08/2006).