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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Lucimar Bizio
CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA PARA SURDOS
São Paulo
2008
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1
PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Lucimar Bizio
CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA PARA SURDOS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Lingüística
Aplicada e Estudos da Linguagem, pela
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, sob a orientação da Profª. Drª. Lúcia
Maria Guimarães Arantes.
MESTRADO EM LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM
São Paulo
2008
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BANCA EXAMINADORA
______________________________________
______________________________________
______________________________________
3
O que eles chamam de nossos defeitos é o que nós temos de diferentes deles...
(Mário Quintana, Caderno H, 1995.)
A gente, para a gente mesmo, é a gente. Raramente
consegue ser o outro. A gente para o outro, não é a gente;
é o outro. Deve estar confuso. Tento de novo: cada um de nós
vive numa ambigüidade fundamental: Ser a gente e ao
mesmo tempo, ser o outro. Pra gente, gente é gente.
Para o outro, a gente é o outro. Temos, portanto, dois
estados: ser o “eu” de cada um de nós e ser o
outro. Na vida de relação, pois, temos que saber ser o
“eu-individual” e ao mesmo tempo aceitar funcionar
em estado de alteridade, ou seja, de “outro”.
Rubem Braga
4
AGRADECIMENTOS
À Profª. Dra. Lucia Arantes, minha orientadora, pelo amor que despertou em mim pela
Aquisição de Linguagem, pelo Interacionismo, através de aulas brilhantes que me levaram a
tomar posição frente ao discurso vigente. Fui capturado. Como agradecê-la?
À Profa. Dra. Francisca Lier-DeVitto, tão carinhosamente chamada de Francisca. Como é
bom chamá-la assim! Sua reflexão rigorosa e seu vigor intelectual explicam por que seu
trabalho pôde render em campos diferentes.
Às Profas. Dªs. Maria Francisca Lier-DeVitto e Lourdes Andrade pela valiosa contribuição
em meu exame de qualificação.
À Profa. Dra. Claudia Lemos, pelo gesto fundador.
À Maria Lúcia, pessoa incansável, amiga!
Aos amigos e amigas do LAEL: Milena, Fernanda, Débora, Elaine, José Carlos... Leituras,
seminários... Valeu a pena!
À minha família: Lilian, esposa amada e Firafofa, filha querida - quantos momentos privados
de companhia!
Aos professores do LAEL, pela alegria em ensinar!
Aos amigos professores das escolas: do Helena, Danylo, D.João, do Neusa, pela confiança!
Aos alunos surdos, pelas mãos que falam!
Aos amigos e irmãos da ICM, que família!Maranata!
Ao Romeu, irmão amado: época de carona, tempo da construção – que templo!
Á Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, pela bolsa – que oportunidade!
A Deus, amigo e companheiro, pela vida, pelos sinais que nos acompanham!
5
RESUMO
Este trabalho tece considerações sobre as práticas pedagógicas, no ensino de língua
portuguesa, voltadas às pessoas surdas. Para encaminhar a reflexão sobre o tema em questão
foi necessário desnaturalizar termos que circulam livremente no campo dos estudos sobre a
surdez. Entre eles, destaca-se o de língua materna, L1 e L2, uma vez que, na abordagem
bilingüísta, entende-se a Língua de Sinais como L1, enquanto a escrita do português é
considerada como segunda língua –L.2.
A escrita do surdo neste projeto sempre foi vista por uma perspectiva teórica que
entendesse as dificuldades apresentadas por esses sujeitos, como efeitos possíveis do
funcionamento da língua e não apenas como déficit. Para cumprir a meta proposta foi
necessário empreender uma discussão sobre a aquisição da linguagem, sobre as concepções de
escrita e também sobre a problemática relação do surdo com a escrita. O ponto de partida foi
uma apresentação da literatura brasileira sobre o assunto, seguida por um panorama sobre a
história da educação dos surdos.
Foram abordadas as possibilidades de contribuição do diálogo com a Lingüística e
também com a Psicanálise, com vistas a considerar a singularidade do surdo. Neste trabalho
está em questão a relação singular do sujeito surdo com a linguagem, que movimentou as
discussões sobre a língua materna do surdo, o que é L1 e L2 e a entrada do surdo no universo
da escrita.
A discussão aqui encaminhada foi iluminada pelo Interacionismo Brasileiro, proposto
por Cláudia Lemos, por outros autores filiados à sua proposta e pelos desdobramentos
teóricos presentes nos trabalhos do grupo de pesquisa Aquisição, Patologias e Clínica de
Linguagem, coordenado por Maria Francisca Lier-DeVitto.
.
Palavras-chave: surdo, escrita, língua materna, sinais, primeira língua, segunda língua.
6
ABSTRACT
This study discusses issues concerning pedagogical perspectives of Portuguese
language teaching aiming at deaf people. In order to offer a critical view of steady tendencies
in the field, namely those which focus the mother tongue, L1 and L2, this thesis presents an
overview of the history of educational approaches directed to the deaf and discusses the
Brazilian state of the art in that field and comments some studies which emphasizes the deafs’
writing.
It is worth keeping in mind that the so called bilingual approach defines the Sign
Language as L1 and the writing in Portuguese as L2. The present study approaches the deaf
person writing ability from a theoretical perspective which tries to explain their productions
and difficulties as effects of the functioning of language and not as cognitive deficits. The
discussion developed here was guided by propositions from the Brazilian Interactionism,
proposed and advanced by Cláudia Lemos and other authors as well as the theoretical
developments put forward by the research group Language Pathology and Clinic, headed by
Maria Francisca Lier-DeVitto and Lúcia Arantes.
Keywords: deaf’s writing, mother tongue, sign language, first language, second language.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 8
CAPÍTULO I - EDUCAÇÃO DE SURDOS: BREVE RELATO............................... 16
1. Educação dos Surdos no Brasil.................................................................................. 26
CAPÍTULO II - ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS.................... 28
2. Oralismo, Comunicação Total e Bilingüismo........................................................... 28
CAPÍTULO III - BILINGÜÍSMO E AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM: SOBRE
AS COMPLEXAS RELAÇÕES ENTRE LÍNGUA MATERNA, L2 E ESCRITA.
47
3. Sobre a Aquisição de L2............................................................................................. 56
3.1 Língua de Sinais: língua materna?........................................................... 63
CAPITULO 4 - LÍNGUA DE SINAIS E ESCRITA.................................................... 75
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 97
8
INTRODUÇÃO
O nascimento de uma questão de pesquisa
Meu interesse em estudar o ensino de língua portuguesa para os surdos iniciou-se
quando da inclusão de alunos portadores de necessidades especiais em classes chamadas de
alunos regulares. A constatação do número reduzido de profissionais habilitados para
trabalhar com tais alunos causou-me inquietação, pois estes exigiam um atendimento
específico em função, especialmente, das dificuldades encontradas para penetrar no universo
da leitura e da escrita.
A convivência com alunos surdos, o fato de ser professor de língua portuguesa, hoje
trabalhar na Rede Estadual com alunos surdos incluídos em sala de ouvintes, e, também, na
Rede Municipal de Ensino, em São Paulo, em uma escola especial de surdos, foram os
aspectos motivadores para que eu desse início à atividade de pesquisa. Também a busca de
bibliografia relativa ao ensino da ngua portuguesa voltada à pessoa surda foi estimulante.
Considerei importante em uma pesquisa preliminar, anterior ao início desta dissertação,
incluir textos que lidassem tanto com a alfabetização, quanto com os períodos ulteriores de
escolaridade, focando as dificuldades apontadas pela literatura do campo, especialmente a
brasileira. Essa pesquisa inicial desdobrou-se em um projeto de mestrado.
Assim, no decorrer deste processo, defini a questão central de minha dissertação. Este
projeto tem como objetivo pesquisar as práticas pedagógicas, no ensino de língua portuguesa,
voltadas às pessoas surdas, mais particularmente, pretende-se abordar a relação entre a língua
de sinais, considerada por muitos autores, especialmente aqueles ligados à proposta bilíngüe,
como primeira língua (L.1), e a escrita do português, considerada segunda ngua (L.2) do
surdo. Pretendo empreender uma discussão no sentido de desnaturalizar alguns conceitos e
preconceitos relativos à educação de surdos. Finalmente, pretendo incluir uma discussão sobre
as contribuições da Lingüística, e também da Psicanálise, no campo da escrita. Meu objetivo é
que a interlocução com estes campos permita levantar algumas questões relacionadas com
língua/fala/sinais/escrita que, talvez, possam contribuir para um novo caminho nos estudos
relativos ao ensino de Língua Portuguesa para alunos surdos.
9
O processo do ensino da língua portuguesa L2 para surdos é considerado pelos
adeptos do bilingüismo, tal como Fernandes (1999), como o de uma língua estrangeira, ou
seja, ao invés de uma aprendizagem informal, ganha um ambiente artificial “onde a aquisição
é sistemática e o aprendiz se num trabalho de elaboração constante, intencional sobre a
adequação daquilo que quer dizer” (FERNANDES, op. cit., p.64).
O simples fato de o ensino de língua ocorrer dentro da escola caracteriza um processo
de aquisição não-natural de língua, especialmente para o aluno incluído em escola de
ouvintes, em que o ambiente é todo constituído por sons (GUARINELLO, 2007). Para essa
pesquisadora, o processo exige do professor habilidade para tornar a aquisição a mais
autêntica possível, como também para criar motivação e despertar o interesse do aluno. Cabe,
entretanto, interrogar qual a relação entre autenticidade e interesse do aluno e mais, em que
medida isso responderia pelo “sucesso” do surdo?
Estarão em tela de discussão as dificuldades encontradas pelo surdo na produção do
texto escrito. A partir da análise do material relativo aos trabalhos que lidam com a escrita
desses alunos, serão levantadas hipóteses acerca das relações entre oralidade, língua de sinais
e escrita. Cabe assinalar que os surdos têm diferentes modos de relação com a língua de
sinais; há aqueles que a dominam, como também aqueles que apenas tardiamente entraram em
contato com esta língua. Assim, entendo que enigmática será também a relação do surdo com
a escrita.
Gostaria de enfatizar que a escrita do surdo será o foco principal deste projeto,
principalmente como mote para lidar com questões teóricas. Esclareço: considero que leitura e
escrita não possam ser desarticuladas. Entendo que há imbricações necessárias entre elas, mas
foi necessário operar um recorte para que esta dissertação se tornasse exeqüível no período
previsto.
A primeira visada na literatura
De acordo com Góes (1996), muitos estudos referem que pessoas surdas, mesmo após
um longo período de escolarização, apresentam muitas dificuldades na escrita. A pesquisadora
como exemplo o trabalho de Gesueli (1988), que descreveu o período de alfabetização de
crianças surdas e destacou determinadas características dos textos por elas elaborados, tais
como: “suas produções apresentam uma seqüência de palavras que tende a desrespeitar a
ordem convencional da língua portuguesa, e os enunciados são compostos com predomínio de
nomes que, por vezes, substituem verbos” (GÓES, op.cit., p.1). Na mesma direção, segundo a
10
autora, vão os trabalhos de Fernandes (1989) e de Rampelotto (1993). De modo geral, esses
trabalhos constatam que os textos escritos por sujeitos surdos se caracterizam da seguinte
maneira: vocabulário reduzido, ausência de artigos, preposições, concordância nominal e
verbal, uso reduzido de diferentes tempos verbais, ausência de conectivos, além de uma
colocação aparentemente aleatória de elementos na oração (coesão/coerência), uma escrita
que, à primeira vista, poderia ser, ou melhor, em alguns casos é vista como “patológica”.
Note-se que este tipo de descrição é apenas uma taxonomia às avessas (ARANTES,
1994), em que a produção escrita dessa população é entendida a partir da noção de “déficit”.
Essa visada em relação ao texto escrito não ultrapassa os limites de uma descrição negativa,
que toma como padrão a norma culta do Português, e remete a explicação à condição de
privação sensorial desses alunos.
também os autores que apontam para os efeitos do apagamento da língua de sinais
durante o processo de alfabetização da criança surda. Quadros & Schmiedt (2006) assinalam
que a língua de sinais vai ser adquirida por crianças surdas que tiveram a experiência de
interagir com usuários de língua de sinais. Esse acesso precoce à língua de sinais daria a
possibilidade de penetrarem no mundo da linguagem com todas as suas possibilidades.
Importante assinalar que a escola é vista como um espaço lingüístico fundamental, pois
normalmente é o primeiro espaço em que a criança surda entra em contato com a língua
brasileira de sinais, é no universo escolar que, na maioria das vezes, a criança vai adquirir a
língua de sinais, considerada, como disse, por autores ligados ao bilingüismo, como L1.
Lembre-se de que a maior parte das crianças surdas são filhas de pais ouvintes. Todo o
processo de escolarização vai possibilitar a entrada do surdo no universo da escrita do
português. Vê-se, assim, que a aquisição de linguagem pela criança, na ótica do bilingüismo,
ocorre no universo escolar, pois grande parte dos surdos é filho de pais ouvintes, o que faz
com que os estudos sobre aquisição sejam vistos a partir de sua relação com a pedagogia.
Cabe destacar também que a língua de sinais apresenta, nessa perspectiva, um papel
fundamental no processo de ensino-aprendizagem do português. A idéia “não é simplesmente
uma transferência de conhecimentos da primeira língua para a segunda ngua, mas sim, um
processo paralelo de aquisição e aprendizagem em que cada língua apresenta seus papéis e
valores sociais representados” (QUADROS & SCHMIEDT, 2006, p.24). Há, como se vê,
uma imbricação entre aquisição da linguagem e aquisição da escrita.
Por outro lado, não são todos os autores que tomam a língua de sinais como condição
de possibilidade para penetrar no universo da escrita. Guarinello (2007) considera que para os
surdos que falam, e até mesmo tenham uma boa leitura orofacial, a aprendizagem da língua
11
portuguesa fica mais fácil, pois a têm em sua forma oral e agora deverão aprendê-la numa
outra modalidade dessa mesma língua, a escrita. Na realidade, para a pesquisadora, os
diferentes modos de relação com o simbólico serão determinantes da relação desse aluno com
a escrita. Vê-se, assim, que ela, ao falar de uma relação ao simbólico, desloca a prioridade
dada à língua de sinais. A questão é a relação ao simbólico e não a uma modalidade, ou a uma
língua específica.
Góes (idem ibidem) assinala que, na verdade, as limitações no uso da escrita não são
relativas apenas à esfera da surdez, mas que são efeitos de práticas pedagógicas que afetam
também alunos ouvintes. Para ela, as constatações acerca da escrita dos surdos estão
relacionadas às experiências escolares limitadas oferecidas a esses alunos, que se sobrepõem
às dificuldades específicas e demandas adicionais da pessoa surda. Há, segundo ela, diversos
autores como Fernandez (1993), Morato e Coudry (1989) e Trenche (1995), que discutem
criticamente a natureza das práticas pedagógicas dirigidas a essa população.
A aquisição do português escrito por crianças surdas, como indicam essas
pesquisadoras, ainda é baseada no ensino do português para crianças ouvintes, que adquirem
essa língua na modalidade falada. “Normalmente, a criança surda é colocada em contato com
a escrita do português para ser alfabetizada seguindo os mesmos passos e materiais utilizados
nas escolas com as crianças falantes do português” (PEREIRA, p.16, 2006).
Nesta dissertação, pretende-se incluir outra possibilidade de entendimento das
dificuldades encontradas na escrita de crianças surdas. Isto é, pretendo ampliar as explicações
que, via de regra, são oferecidas, a saber: privação sensorial, práticas pedagógicas
ineficientes, ou como veremos ao discutir as propostas bilíngües, que acusam o apagamento
da língua de sinais como L1, ou língua materna do surdo.Cabe assim perguntar:
(1) A escrita do português, para estes sujeitos surdos, seria uma língua
estrangeira, isto é, corresponderia à segunda língua – L2?
(2) Como se dá a relação com esta modalidade de língua (escrita)?
(3) Qual seria o papel do laço social estabelecido entre pais ouvintes e
familiares até o contato com a língua de sinais – considerada L1? Ou
mesmo da fala adquirida por treinamento?
(4) Que lugar esses fatores ocupam na constituição desses sujeitos surdos?
É certo que esta pesquisa não pretende responder a todas essas questões, mas não é
possível marginalizá-las, pois elas apontam para a heterogeneidade radical do grupo de surdos
que chegam à escola. Voltaremos a isso.
12
O que diz a lei sobre a educação de surdos: a distância entre intenção e gesto
A Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, bem como a Secretaria
Municipal da cidade de São Paulo, têm como objetivo o ensino eficaz da leitura e da escrita
na educação básica e também no ensino fundamental e médio. Algumas pesquisas apontam
que em determinadas escolas brasileiras é comum a presença de alunos surdos, que
apresentam dificuldades para ultrapassar as séries escolares, sendo até considerados “iletrados
funcionais” (GUARINELLO, 2007, p.53). Sabe-se, também que, via de regra, sua produção
escrita não é compatível com essas séries escolares e que, portanto, não atingem a meta
desejada.
Para a escola, como espaço institucional de acesso ao conhecimento, a necessidade de
garantir a aprendizagem da leitura e escrita ao surdo implica uma revisão substantiva das
práticas de ensino de língua portuguesa, movimento que também pode ser observado nas
escolas que recebem crianças ouvintes. Mas cabe interrogar se as propostas educacionais são
o único ponto a ser considerado quando o que está em questão é o fracasso escolar. Antecipo
que minha resposta senegativa. Como se vê, a questão é mais profunda e tomar como base
a missão da escola no Brasil é insuficiente, pois não se ultrapassa o plano das intenções.
Quadros & Schimeidt (op. cit) lembram que a lei 10.436, de 2002, reconhece o
estatuto lingüístico da língua de sinais e, ao mesmo tempo, ressalta que esta não pode
substituir o português (grifo meu). A recomendação atual do MEC/SEESP é de que, em
função da língua portuguesa ser, pela Constituição Federal, a língua oficial do Brasil,
determina-se o uso obrigatório dessa língua (grifo meu) nas relações sociais, culturais,
econômicas, jurídicas e nas instituições de ensino. As autoras analisam que, nessa perspectiva,
o ensino de língua portuguesa, como segunda língua para surdos, está firmado no fato de que
esses cidadãos brasileiros têm a obrigação de utilizar e aprender a língua oficial para o
exercício de sua cidadania. Além disso, o decreto 5.626 de 2005 garante que a educação de
surdos no Brasil deve ser bilíngüe, o que dá ao surdo a possibilidade de acesso à educação por
meio da língua de sinais e o ensino da língua portuguesa escrita como segunda língua. Porém,
se considerarmos a condição atual dos alunos surdos e avaliarmos o modo como se deu a
implementação da lei 10.436, não é difícil concluir que o amparo da lei não pode garantir a
vida escolar do aluno.
13
O professor de língua portuguesa para surdos, como assinalam Quadros & Schimeidt
(2006), deverá, portanto, viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam
socialmente, levar seu aluno a produzi-los e a interpretá-los. Fazer com que os alunos sejam
capazes de circular no texto escrito, mesmo no caso de crianças pequenas, “pois o uso de
palavras e frases soltas não fará nenhum sentido para o aprendiz” (GUARINELLO, 2007,
p.84). E mais, o aluno deve apreender as múltiplas significações do texto, apreender
conteúdos, obter informações novas, descrever problemas, comparar pontos de vista e
argumentar. Para poder viabilizar uma tarefa de tal envergadura, o professor encontrará
alguns obstáculos, e mais, obstáculos de natureza diversa. Assim, embora a criação de leis que
garantam melhores condições de ensino para a pessoa surda seja uma conquista, há um
enorme trajeto a ser percorrido para sua implementação.
A questão, a meu ver, ultrapassa também a decisão de que se a língua de sinais ou a
língua portuguesa, em sua modalidade de leitura e escrita, se privilegiada ou não no
programa escolar, mas sim, como assinalam Quadros & Schimiedt (2006) “tornar possível a
co-existência dessas línguas, reconhecendo-as de fato, atentando-se para as diferentes funções
que apresentam no dia-a-dia da pessoa surda que se está formando” (idem ibidem, p.13). Não
se trata, portanto, apenas de uma escolha metodológica, ou de práticas pedagógicas, mas de
um olhar para o modo de relação da criança com a linguagem, que será determinante de sua
relação com o universo da escrita.
É necessário interrogar, inicialmente, quem é “o aluno surdo”. Não é possível
considerar que se trata de um grupo homogêneo, uma classe estabelecida a partir de uma
privação sensorial. Na realidade, além das diferenças relacionadas ao tipo e grau da perda, há
também uma enorme diversidade no que se refere ao modo de relação de cada sujeito com a
linguagem. Cada surdo é singular em seu modo de presença na língua. Os interesses pela
escrita, assim, desde o início, serão igualmente diferentes.
Como se vê, o ensino da Língua Portuguesa ao aluno surdo é perpassado por uma série
de questões complexas e que merecem tratamento particular. Não é possível abordar todos os
aspectos envolvidos nesta questão, mas acredito que seja possível escapar ao viés
exclusivamente ideológico, que, como veremos, tem marcado fortemente as pesquisas sobre a
educação de surdos no Brasil. Pretendo empreender uma discussão de outra natureza: colocar
em questão o que é L1 e L2, o que se considera como língua materna e, também, como esta
questão se relaciona com a entrada do surdo no universo da escrita. Considero que esta
14
direção e em pauta a natureza da escrita, assim como sua relação com a língua de sinais e,
também, com a fala.
Para atingir os objetivos desta dissertação, no Capítulo 1 será realizado um breve
histórico da educação de surdos através dos tempos, bem como a educação de surdos no
Brasil. Considerei esse um passo importante para que eu pudesse situar o modo como a
educação dos surdos foi concebida ao longo dos tempos e como, de certo modo, a polêmica
que permeia essa história se repete. No Capítulo 2 serão apresentadas as abordagens
educacionais direcionadas aos surdos. No Capítulo 3 o foco será a proposta bilíngüe e o
encaminhamento de uma discussão acerca de seus pressupostos, bem como de sua relação
com os estudos sobre aquisição de linguagem. Também a complexa questão que envolve as
relações entre a língua materna, L1, L2 e a escrita serão abordadas dentro das possibilidades
desta dissertação. No Capítulo 4 finalizo este trabalho com uma discussão crítica de algumas
pesquisas que tocam a escrita do surdo. Nas Considerações Finais sintetizo os pontos
principais discutidos ao longo desta dissertação e aponto alternativas possíveis para
encaminhar uma discussão que desloque a maioria das concepções vigentes sobre a escrita
dos surdos. Ela, como veremos, é tributária de uma aproximação inicial com a Psicanálise,
mas que indica como este diálogo pode ampliar a natureza da discussão acerca do que é a
escrita para a criança.
Para finalizar esta introdução, cabe destacar que as questões, aqui colocadas, nasceram
durante a realização deste projeto e encontram no Interacionismo em Aquisição da
Linguagem - proposto por Cláudia Lemos (1992, 2002, entre outros) e nos desdobramentos
teóricos relativos às Patologias e a Clínica de Linguagem (Lier-DeVitto, 1998, 2000, 2006 e
outros) - “solo fértil” para serem encaminhadas. Esses empreendimentos teóricos permitiram
imprimir uma direção a esta pesquisa e desnaturalizar algumas idéias cristalizadas na área da
Educação, especialmente, quando a surdez está em questão. Minha inclusão no Grupo de
Pesquisa Aquisição, Patologias e Clínica de Linguagem (LAEL/PUCSP-CNPq) permitiu que
eu interrogasse o bilingüismo, o modo como L1 e L2 são entendidas e formular questões que,
conforme acredito, possam proporcionar novas possibilidades de entendimento da escrita e
dos mistérios nela envolvidos. Abre-se com isso a possibilidade de apreender a arquitetura da
escrita desses alunos, a partir de uma concepção de escrita em que as dificuldades
apresentadas por essa população possam ser entendidas como efeitos possíveis do
funcionamento da língua, quer dizer, como produções que não escapam às leis de referência
interna da linguagem que regem todas as produções linguageiras e não apenas como déficit.
A reflexão teórica que norteia o grupo de pesquisa ao qual pertenço e que direcionou
15
os passos desta pesquisa reconhecimento à ordem própria da língua, ou seja, às leis de
referência interna da linguagem (SAUSSURE, 1916) e à sua articulação na fala/escrita e,
também, incluo aí os sinais (JAKOBSON, 1954, 1960; BENVENISTE, 1962, 1970). O
pensamento desses autores e a leitura de suas obras, conforme aqui discutidas, são efeitos da
interpretação de De Lemos (1992, 1997, 2002 e outros) afetada pela Psicanálise de Jacques
Lacan e, como disse, especialmente pela leitura realizada, na seqüência, no âmbito do
Projeto Integrado (CNPq 522002/97-8), hoje Grupo de Pesquisa CNPq, “Aquisição,
Patologias e Clínica de Linguagem”, coordenado por Maria Francisca Lier-DeVitto, no
LAEL-PUCSP.
16
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO DE SURDOS: BREVE RELATO
A história que passo a apresentar é a do nascimento das práticas educacionais com
surdos. Ela está apoiada numa versão oficial que, como toda versão, elege certos fatos que
considera relevantes para tecê-la. A esse respeito, como diz Arantes (2001) a partir de
Clavreul “evocar as origens é sempre constituir um mito” (CLAVREUL, 1983, apud
ARANTES, 2001, p.17) porque, prossegue a pesquisadora, a seleção dos fatos é guiada pelo
ideal de progresso que resulta numa apresentação linear de conquistas sem fracassos,
interrupções ou conflito”. (Arantes, op. cit., p.17).
No caso deste trabalho, ative-me mais a versões que me permitiram apreender o
percurso da instituição de práticas pedagógicas. Mesmo tendo em conta essa “ilusão
retroativa” (ARANTES, 2001, p. 65), tomo como ponto de partida a História Oficial em busca
de um entendimento relativo à imbricação entre concepção de surdez e natureza das
práticas pedagógicas instituídas.
Foucault, segundo Arantes (idem), sustenta que “há diferenças capitais entre:
a história das idéias e uma ‘análise arqueológica da ciência mas busca
estabelecer’, como diz Machado, ‘inter-relações conceituais ao nível
do saber, [não] privilegia a questão normativa da verdade, nem
estabelece uma ordem temporal’. Entre elas, ele destaca que a
arqueologia não apreende nos discursos pensamentos, representações,
imagens e temas. Ou seja, não visa a atingir conteúdos ocultos que
eles conteriam. A arqueologia, diz ele, não procura traçar uma
continuidade entre discursos: não visa à origem nem à identificação
de idéias por não efetuar uma análise clássica do discurso, que do
momento em que eles perdem sua identidade” (ARANTES, op.cit.,
p. 18)
17
A análise arqueológica se diferencia da história de idéias, pois esta concebe o texto
como documento: como ilustração/retrato preciso da situação em que foi produzido. Não se
trata de uma análise continuísta da história, mas da tentativa de incidir sobre os momentos de
ruptura discursiva nos textos médicos. Uma reflexão seria fundamental, neste trabalho, não
apenas para problematizar a História Oficial, mas, principalmente, para colocar em
perspectiva a articulação entre a concepção de surdez e práticas pedagógicas
1
. Apesar de
reconhecer essas duas possibilidades de leitura dos acontecimentos históricos, considero que
ele seria tema de uma dissertação, por isso passo agora ao “mito das origens”.
Conhecer a história, bem como a face filosófica subjacente às propostas educacionais
voltadas para os surdos, é um passo fundamental, e necessário, para dar início a um estudo
mais aprofundado sobre os obstáculos encontrados por esta população para entrar no universo
da escrita. Não pretendo empreender uma descrição cronológica exaustiva, que está
entrelaçada com questões político-sociais, mas traçar um panorama que focalize o modo como
o surdo foi visto ao longo dos tempos e aos aspectos relacionados à sua educação. A história é
também suporte para uma análise crítica das conseqüências relativas à adoção de diferentes
perspectivas teóricas adotadas ao longo dos tempos.
2
No decorrer da história, desde a Antigüidade, a idéia que a sociedade fazia dos surdos
geralmente apresentava apenas os aspectos negativos: eles eram vistos como pessoas que não
falavam e que, portanto, não poderiam desenvolver a linguagem nem o pensamento. Na
Antigüidade, os surdos foram percebidos de formas variadas: com piedade e compaixão,
como pessoas castigadas pelos deuses ou como pessoas enfeitiçadas, e por isso eram
abandonados ou sacrificados.
A crença de que o surdo era uma pessoa primitiva fez com que a idéia de que ele não
poderia ser educado persistisse até o século quinze. Como se vê, durante esse extenso período,
eles viviam totalmente excluídos, à margem da sociedade. Assim, não havia porque pensar em
práticas educacionais específicas.
A partir do século dezesseis, há notícias dos primeiros educadores de surdos. Segundo
Reis (1992), Fornari relata que Girolamo Cardano (1501-1576) foi o primeiro a afirmar que o
surdo deveria ser educado e instruído, ao afirmar que: “é um crime não instruir o surdo-
1
Esclareço que interessa em Foucault (assim como em Clavreul) que história não é acúmulo de conhecimentos.
Sua interpretação faz aparecer com maior clareza as conjunções não cumulativas mas conflitantes que levaram à
“conquista da clínica” na Medicina. Neste seu trabalho, a questão da ideologia, como determinante de mudanças
no discurso, não é claramente explicitada (ele fala, porém, em conflito de saberes). Tem-se, contudo, que a
problemática da ideologia movimenta o pensamento de Foucault. Devo dizer que procurei depreender aquilo
que este seu trabalho ilumina sobre a relação entre nascimento da clínica médica e instituição do diagnóstico
sem, contudo, discutir a questão da ideologia. Essa discussão, parece-me, exigiria um outro trabalho.
2
Para uma leitura verticalizada sobre o tema ver Reis (1992), Skliar (1996) e Moura (2000).
18
mudo”. Vê-se nessa acusação o nascimento de um discurso sobre surdo, que o caracteriza de
modo positivo, como alguém que poderia vir a “aprender” e ganhar, assim, um lugar no
espaço social em que até então não era sequer considerado.
Ainda no século XVI, na Espanha, o monge beneditino Pedro Ponce de Leon (1520-
1584) ensinou quatro surdos, filhos de nobres, a falar grego, latim e italiano, além de ensinar-
lhes conceitos de física e astronomia. Ponce de Leon foi quem, de fato, desenvolveu uma
metodologia de educação voltada para os surdos que incluía datilogia (representação manual
das letras do alfabeto), escrita e oralização. Criou, também, uma escola de professores de
surdos, “seu trabalho foi aproveitado por outros educadores de surdos” (MOURA, 2000,
p.18). Nesse século, uma vez que o surdo passa a ser reconhecido como alguém que poderia
aprender, surge também a necessidade de suprir as dificuldades decorrentes de um déficit
sensorial, a partir da criação de métodos específicos. Cabe assinalar que a possibilidade do
surdo falar implicava seu reconhecimento como cidadão e seu direito a receber herança e o
título familiar. Assim, como afirma Moura: “a perda de direitos pesava mais do que as
implicações religiosas ou filosóficas no desenvolvimento de técnicas para a oralização do
Surdo
3
(MOURA,
op.cit,, p.18). Entende-se assim o prestígio do oralismo que se estende até
hoje.
Em 1620, Juan Martin Pablo Bonet, provável seguidor de Leon, publicou, na Espanha,
o livro Reduccion de lãs letras y artes para enseñar a hablar a los mudos. Neste livro, Bonet
se apresenta como inventor da arte de ensinar o surdo a falar e, segundo Moura (op. cit),
oferece uma idéia nova e simples para ensinar o surdo a ler mais facilmente, que era
representar de forma visível e invariável o som da fala. O alfabeto digital era usado para
ensinar a ler, e a gramática era ensinada através da Língua de Sinais. A fala era também
ensinada pela manipulação dos órgãos fonoarticulatórios.
Moura (op. cit) destaca sobre o livro de Bonet, que na realidade não era tão original
como ele fazia supor, chamou a atenção de intelectuais de toda a Europa e tornou-se a origem
de todos os esforços futuros de tentar fazer com que o surdo falasse. O alfabeto digital foi
utilizado por muitos educadores de surdos que apostavam no uso de uma pista visual para o
ensino. Porém, base oralista do seu trabalho, foi muito bem recebida pela sociedade daquela
época e, de acordo com Moura, serviu como modelo para três grandes vertentes da educação
oral: Jacob Rodrigues Pereire (1715-1780), nos países de língua de origem latina, educador
que defendia a oralização dos surdos, acreditando que assim o surdo adquiriria formas
3
Em seu trabalho, Moura (2000) optou em utilizar a palavra “Surdo” sempre com letra maiúscula, por razões
teóricas, contudo, neste trabalho, optamos pela letra minúscula, exceto nas citações diretas da autora.
19
abstratas e gerais da comunicação com toda a sociedade, porém nos últimos anos de sua vida
desistiu dessa idéia.
nos países de língua alemã, Johann Conrad Amman, médico suíço, cuja ênfase do
trabalho estava voltada para a articulação, pois para ele a fala tinha poderes especiais, e na
voz residiria “o sopro da vida”, “o espírito de Deus”. Contrário ao uso de sinais pelos surdos,
ele acreditava que seu uso atrofiava a mente para uma posterior aquisição da fala. A terceira
corrente foi representada por John Wallis (1616-1703), nas Ilhas Britânicas, seguidor também
de Bonet, considerado o fundador do oralismo na Inglaterra. Wallis acreditava que a fala do
surdo se deteriorava porque necessitava sempre de um feedback externo para acompanhá-la.
Assim, ele abandonou sua missão de ensinar os surdos a falar.
Thomas Braidwood, um século mais tarde, o trabalho de Wallis, resolve segui-lo,
considerando a fala a chave da razão. Funda em Edimburgo uma escola onde trabalha com
surdos e outras crianças com problemas de fala, tornando este lugar o primeiro local na
Europa para correção de fala.
Moura assinala que o oralismo foi fundado com o argumento da necessidade de
humanizar o surdo e também garantir sua integração. Mas que seu prestígio estava também
atrelado à necessidade particular de seus defensores que visavam lucro e prestígio, apesar de
muitos educadores terem abandonado o ensino da fala e defendido o uso dos sinais na
educação do surdo, o prestígio do oralismo já havia se alastrado por diversas escolas da
Europa.
Houve, também, muitos educadores que defendiam a Língua de Sinais. Em 1750, na
França, ganha destaque o trabalho do Abade Charles Michel de L’Epée, pessoa bastante
importante na história da educação dos surdos. Para muitos ele foi o inventor da Língua de
Sinais, lembro aqui a idéia do “mito fundador”. Porém, como ela já existia, o que ele fez foi
reconhecê-la como língua e sua serventia essencial na comunicação entre e com os surdos.
L’Epée se aproximou dos surdos que perambulavam pelas ruas de Paris, aprendeu com eles a
língua de sinais e criou os “Sinais Metódicos”, uma combinação da língua de sinais que os
surdos usavam com a gramática francesa, isto é, ele construiu um sistema que tinha os sinais
usados na ordem do francês, esses sinais metódicos implicavam num aumento muito grande
no número de sinais, por isso o conteúdo dos textos era ensinado em Língua de Sinais. Os
sinais metódicos foram usados até 1830. Cabe destacar que L’Epée, embora considerasse a
Língua de Sinais falha para ser usada como método, ela lhe deu reconhecimento e nesse gesto
incluiu o Surdo entre os humanos. O Abade teve imenso sucesso na educação de surdos e
transformou sua casa em escola pública. Em poucos anos (de 1771 a 1785), sua escola passou
20
a atender 75 alunos, número bastante elevado para a época. L’Epée e Sicard, seu seguidor,
acreditavam que todos os surdos, independentemente de nível social, deveriam ter acesso à
educação, e esta deveria ser pública e gratuita.
Moura (2000) comenta que L’Epée realizava demonstrações públicas em que, através
de perguntas feitas por meio de Sinais e da escrita, os surdos educados em sua escola
demonstravam os conhecimentos obtidos em religião e em gramática. Comprovava, assim, à
nobreza, aos filósofos e aos educadores a eficiência de seus métodos e a capacidade
intelectual dos surdos. Os alunos respondiam por escrito perguntas tais como: “O que você
entende por intenção?” ou “Podeis demonstrar em nós um tipo de semelhança com a distinção
de três pessoas em Deus, na unidade de uma mesma natureza?”
Nessa mesma época, no ano de 1750, com as idéias de Samuel Heinick, na Alemanha,
surgem as primeiras noções do que hoje constitui a filosofia educacional Oralista, filosofia
que acredita ser o ensino da língua oral, e a rejeição à língua de sinais, a situação ideal para
integrar o surdo na comunidade geral. Heinick foi o fundador da primeira escola pública
baseada no método oral, ou seja, que utilizava a língua oral na educação das crianças surdas.
Sua escola tinha nove alunos.
As metodologias de L’Epée e Heinick se confrontaram e foram submetidas à análise
da comunidade científica. Os argumentos de L’Epée foram considerados mais fortes e, com
isso, foram negados a Heinick recursos para ampliação de seu instituto.
O século XVIII é considerado o período mais fértil da educação dos surdos. Naquele
século, houve um grande impulso do ponto de vista quantitativo, isto é, houve um aumento
expressivo de escolas para surdos, que podiam, a partir de então, aprender e dominar diversos
assuntos e exercer várias profissões.
Sacks (1990) relata que:
Esse período que agora parece uma espécie de época áurea na história
dos surdos testemunhou a rápida criação de escolas para surdos, de um
modo geral dirigidas por professores surdos, em todo o mundo civilizado,
a saída dos surdos da negligência e da obscuridade, sua emancipação e
cidadania, a rápida conquista de posições de eminência e
responsabilidade escritores surdos, engenheiros surdos, filósofos
surdos, intelectuais surdos, antes inconcebíveis, tornara-se subitamente
possíveis (SACKS, op. cit., p.37).
21
Após a morte de L’ Epée e Sicard, seu sucessor na direção do Instituto Nacional de
Surdos-Mudos, teve início um movimento de crítica de adeptos do oralismo ao trabalho
inspirado na proposta de L’Epée. Jean-Marc Itard liderou esse movimento. Ele era médico e
havia estudado com Pinel, que acompanhava as idéias de Conddillac, “ para quem as
sensações eram a base para o conhecimento”. Dentro dessa concepção, era exigida a
erradicação ou a “diminuição da surdez para que o Surdo tivesse acesso ao conhecimento”
(MOURA, op.cit., p. 25). A diferença passa a ser vista como doença e, portanto, passível de
tratamento. A surdez passa a ser vista como doença e o surdo como doente. A única
possibilidade seria tentar “restaurar” a audição e realizar um treinamento articulatório na
tentativa de propiciar o desenvolvimento da fala. Para ele o uso da Língua de Sinais era um
fator que interferia de modo negativo no treinamento de fala dos surdos, pois se eles o
tivessem acesso a ela seriam forçados a falar. Como se vê, no século XIX, sob a égide do
pensamento científico, a concepção oralista de educação ganha impulso.
nos Estados Unidos, em 1815, Thomas Hopkins Gallaudet, um professor
interessado em obter mais informações sobre a educação de surdos, seguiu para a Europa. Na
Inglaterra encontrou-se com a família Braidwood, que utilizava apenas a língua oral na
educação de surdos, e na França com o Abade L’Epée, que utilizava o método manual.
Os Braidwood se recusaram a ensinar a Gallaudet sua metodologia em poucos meses,
assim, restou-lhe a opção pelo método manual. Em 1816, acompanhado de Laurent Clerc, um
dos melhores alunos do Abade L’Epée, Gallaudet fundou a primeira escola permanente para
surdos nos EUA, que utilizava como forma de comunicação em salas de aula e conversas
extra-classe um tipo de francês sinalizado, ou seja, a união do léxico da língua de sinais
francesa com a estrutura da língua francesa, adaptado para o inglês. Note-se que esse
hibridismo na criação dos Sinais Metódicos obriga a interrogar em que medida pode-se
chamar de “natural” a língua de sinais. Mais que isso, é possível observar como a ngua
francesa se entrelaça com os sinais. A Língua de Sinais Francesa, assim, foi aos poucos sendo
modificada pelos alunos, iniciando a formação da Língua de Sinais Americana. Além dos
métodos franceses que foram aos poucos sendo abandonados, utilizavam-se, na sala de aula,
além da ASL, ainda o inglês sinalizado, o inglês escrito e o alfabeto digital. Surgiu, então,
uma metodologia que mais tarde seria utilizada na filosofia da Comunicação Total (Ramos e
Goldfeld, 1992).
22
A partir de 1821, todas as escolas públicas americanas passaram a mover-se em
direção a ASL (American Sign Language), que sofreu forte influência do francês sinalizado.
Em 1850, a ASL, e não o inglês sinalizado passa a ser utilizada nas escolas, assim como
ocorria na maior parte dos países europeus. Nesse período, houve uma elevação no grau de
escolarização dos surdos, que podiam aprender com facilidade as disciplinas ministradas em
língua de sinais.
Moura (2000) aponta para o fato de que os alunos surdos aprendiam, além da Língua
de Sinais Americana, o inglês escrito e o alfabeto digital. Em 1864 foi fundada a primeira
universidade nacional para surdos, Universidade Gallaudet (atualmente, além desta
universidade, existe apenas a Tsukuba College of Technology, no Japão).
Entretanto, a língua de sinais americana começou a sofrer pressão devido a avanços
tecnológicos que facilitavam a aprendizagem da fala pelo surdo, e a partir de 1860 o método
oral começa a ganhar força. Diversos profissionais começaram a investir no aprendizado da
língua oral pelos surdos, e neste entusiasmo teve destaque a idéia, defendida por alguns
profissionais até hoje, de que a língua de sinais seria prejudicial para a aprendizagem da
língua oral. Surgiram então opositores à língua de sinais, que ganharam força a partir da morte
de Laurent Clerc, em 1869.
O mais importante defensor do oralismo foi Alexander Graham Bell, o célebre
inventor do telefone, que exerceu grande influência no resultado da votação no Congresso
Internacional de Educadores de Surdos, realizado em Milão, no ano de 1880. Naquele
Congresso, foi colocado em votação qual método deveria ser utilizado na educação dos
surdos. O oralismo venceu e o uso da língua de sinais foi oficialmente proibido. É importante
ressaltar que aos professores surdos foi negado o direito de votar.
Moura (2000) explica que para entendermos o desenvolvimento do oralismo na Itália,
país que, juntamente com a França, teve papel decisivo no Congresso, é preciso lembrar que
os italianos estavam divididos em muitos estados com domínios, histórias e tradições
diferentes. Trata-se de um período anterior à unificação da Itália. Existiam muitas línguas e
dialetos no país e já havia uma forte influência do método oralista alemão. Na Itália, tudo o
que vinha da Alemanha era extremamente valorizado, e no período da unificação a
necessidade de uma única língua no país, entendida como determinante da unidade nacional e
lingüística, levou ao entendimento de que a oralização seria o método apropriado para a
educação do surdo, abolindo também a língua de sinais.
23
Nessa ocasião, a educação dos surdos deu uma grande reviravolta em sentido oposto à
direção tomada no século XVIII, quando a sociedade percebeu as potencialidades dos surdos
através da utilização da língua de sinais. Acreditava-se, no período da unificação, que o surdo
poderia se desenvolver como os ouvintes aprendendo a língua oral. O aprendizado dessa
língua passou a ser o grande objetivo dos educadores de surdos. Cabe destacar que a
hegemonia do oralismo está ligada a diversos fatores: nacionalismo, elitismo e, também, à
força do clero.
4
No início do século XX, a maior parte das escolas em todo o mundo deixa de utilizar a
língua de sinais. A oralização passou a ser o objetivo principal da educação das crianças
surdas, e, para que estas pudessem dominar a língua oral, passavam a maior parte de seu
tempo recebendo treinamento oral e se dedicando a este aprendizado. O ensino das disciplinas
escolares como história, geografia e matemática ficou em segundo plano. Com isso, houve
uma queda no nível de escolarização dos surdos.
Moura (2000) comenta que os primeiros relatos de insucesso do oralismo, no início do
século XX, começaram a surgir. Relata que um inspetor geral de Milão descreveu que o nível
de fala e de aprendizado de leitura e escrita dos surdos, após sete a oito anos de escolaridade,
era muito ruim. Eles estavam apenas preparados para ser sapateiros ou costureiros. Na França
a situação era a mesma.
Binet e Simon, dois psicólogos, em 1990, através de pesquisas, concluíram que a
educação oralista não permitia que os surdos conseguissem trabalho, trocassem idéias com
estranhos (que não estivessem acostumados com a sua fala), e nem mesmo que pudessem
estabelecer uma conversa “real” com aqueles pertencentes às suas relações pessoais. Muitas
escolas, para garantir o sucesso no processo de escolarização, rejeitavam surdos profundos,
surdos filhos de pais surdos, aceitando somente aqueles que eles consideravam vir a ter a
possibilidade de falar.
O Oralismo foi um método hegemônico em todo o mundo, mas cabe ressaltar que os
surdos continuavam a usar sinais entre si. Na década de sessenta, vários estudos começaram a
discutir a importância dos sinais. Foi nesta mesma década, também, que Willian Stokoe
publicou seu trabalho “Sign Language Structure, Outline of the Visual Communication System
of the American Deaf”, demonstrando que a ASL é uma língua com todas as características
das línguas orais.
4
Sobre este ponto ver: Skliar (1996), Moura (2000), entre outros
24
A partir desta publicação, surgiram diversas pesquisas sobre a língua de sinais e seus
desdobramentos na educação e na vida do surdo. Essa publicação e as demais pesquisas,
aliadas a uma grande insatisfação por parte dos educadores e dos surdos com o método oral,
deram origem à utilização da ngua de sinais e de outros códigos manuais na educação da
criança surda. Naquela década, Dorothy Schifflet, professora e mãe de surdo, começou a
utilizar um método que combinava a língua de sinais com a língua oral, leitura labial, treino
auditivo e alfabeto manual. Ela denominou seu trabalho de “Total Aproach”, que pode ser
traduzido por Abordagem Total.
Em 1968, Roy Holcom adotou o Total Approach, rebatizando-o de Total
Communication, dando origem à filosofia Comunicação Total, que utiliza todas as formas de
comunicação possíveis na educação dos surdos, por acreditar que a comunicação e não a
língua deve ser privilegiada. A Universidade Gallaudet, que utilizava o inglês sinalizado,
adotou a Comunicação Total e se tornou o maior centro de pesquisa dessa filosofia.
A partir da década de setenta, em alguns países, como Suécia e Inglaterra, percebeu-se
que a língua de sinais deveria ser utilizada independentemente da língua oral. Ou seja, em
algumas situações, o surdo deve utilizar a língua de sinais e, em outras, a ngua oral e não as
duas concomitantemente, como estava sendo feito. Surge então a filosofia Bilíngüe, que a
partir da década de oitenta, e mais efetivamente na década de noventa, ganha cada vez mais
adeptos em todos os países do mundo.
Não que a controvérsia tenha sido encerrada. Há, como se vê, concepções claras
acerca da educação do surdo, porém um movimento que passa por questões políticas
eugênicas, como se vê no desejo nacionalista das autoridades de implantar uma Língua
Nacional como, por exemplo, durante o processo de unificação da Itália e da Alemanha. Há,
também, o efeito dos avanços tecnológicos e a virtual possibilidade oferecida de suprir o
déficit sensorial e fazer do surdo um “ouvinte”, apagando a diferença e fazendo do surdo
“uma pessoa normal”. Há, finalmente, uma forte questão ideológica que perpassa as questões
anteriores e ganha força, quando os defensores das Línguas de Sinais tomam os surdos como
uma minoria que deve ter seus direitos garantidos e respeitados, entre eles a possibilidade de
usar o que consideram a “língua natural” dessa comunidade. A questão é bastante complexa e
ultrapassa a problemática das práticas pedagógicas. Como disse inicialmente, tomei como
ponto de partida a História Oficial em busca de um entendimento relativo à imbricação entre
concepção de surdez e natureza das práticas pedagógicas instituídas. O modo como a surdez
foi vista através da história foi determinante das práticas pedagógicas estabelecidas.
Importante ressaltar a mudança no enfoque da Educação a partir do momento em que a surdez
25
passa a ser vista como doença. O surdo, a partir daí, passa a ser visto como deficiente e perde
posição. Os professores-surdos deixam de poder lecionar, seu voto nos congressos sobre
educação (de surdos) perde valor. Apaga-se a subjetividade, simplificam-se questões
fundamentais sobre a surdez e suas conseqüências, ganha força a hipótese de “torná-lo
normal”, sem considerar que para isso seria necessário apagar as marcas de tudo que o
inscreveu como sujeito.
O que fica evidente nesta longa trajetória é que tanto nas abordagens que privilegiam o
papel da oralidade, quanto nas que defendem o uso da língua de sinais para o surdo:
estão apoiadas nas seguintes concepções de língua, linguagem e
interação: a ngua é concebida como código que pode ser ensinado.
Sendo assim, a linguagem é entendida como instrumento de
comunicação, emergindo daí a possibilidade de acesso ao lingüístico,
isto é, a entrada no lingüístico se dá, assim, via percepção. Em termos
mais específicos, como a percepção é concebida como um conjunto
de impressões sensíveis que coloca o organismo frente a frente com
as coisas do mundo, seu papel ganha destaque por constituir-se em
fonte compensatória de informação para este organismo que tem uma
falta (a surdez). Deste modo, o surdo vai aprender a linguagem pelo
uso de um canal perceptual devidamente treinado. A noção de
linguagem é, então, a de um objeto estável, que é substancializado e
ao qual se atribui um funcionamento definido a priori, partindo-se de
categorias de língua constituída, com a tendência de buscar fora da
linguagem, especialmente na Psicologia e na Biologia, as explicações
para os fenômenos lingüísticos [...] percebe-se [assim] a cisão entre
sujeito surdo e linguagem, colocando-o num plano externo a este
objeto do qual ele deve se apropriar por meio de técnicas de
ensino/aprendizagem (MIDENA, 2004, p. 114-115).
26
1. Educação dos surdos no Brasil
Em relação ao Brasil, informações de que em 1855 chegou aqui o professor surdo
francês Hernest Huet, trazido pelo imperador D.Pedro II, para iniciar um trabalho de educação
de duas crianças surdas, com bolsas de estudo pagas pelo governo, trata-se da primeira
informação oficial sobre o tema. Em 26 de setembro de 1857 foi fundado o Instituto Nacional
de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), que utilizava
língua de sinais.
Em 1911, no Brasil, o INES
5
, seguindo a tendência mundial, estabeleceu o Oralismo
puro em todas as disciplinas. Mesmo assim, a língua de sinais sobreviveu em sala de aula até
1957, quando a diretora Ana Rímola de Faria Doria, com assessoria da professora Alpia
Couto, proibiu a língua de sinais oficialmente em sala de aula. Mesmo com todas as
proibições, a língua de sinais sempre foi utilizada pelos alunos nos pátios e corredores da
escola (Reis, 1992).
No fim da década de setenta, chegou ao Brasil a Comunicação Total, após visita de
Ivete Vasconcelos, educadora de surdos, à Universidade Gallaudet. Na década seguinte,
começam no Brasil as práticas ligadas ao Bilingüismo, a partir das pesquisas da professora
lingüista Lucinda Ferreira Brito sobre a Língua Brasileira de Sinais. No início de suas
pesquisas, seguindo o padrão internacional de abreviação das línguas de sinais, a professora
abreviou esta língua de LSCB (Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros) para
diferenciá-la da LSKB (Língua de Sinais Kaapor Brasileira), utilizada pelos índios Urubu-
Kaapor, no Estado de Maranhão. A partir de 1994, Brito passa a utilizar a abreviação
LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), criada pela própria comunidade surda para designar a
LSCB. Importante destacar o termo “criada”, pois ele obriga a interrogar sobre a idéia de uma
língua natural, inata, a ser atualizada, que, como veremos adiante, será defendida por
diferentes pesquisadores.
Atualmente, essas três abordagens (Oralismo, Comunicação Total, Bilingüismo)
convivem no Brasil, e pode-se dizer que todas têm relevância e representatividade no trabalho
com surdos. As diferentes abordagens são motivos de polêmica e muitos conflitos entre os
profissionais que atuam no campo. Esse estado de coisas parece ter sido uma constante no
decorrer da história. Essas divergências sempre ocorreram, e mesmo que em dois momentos,
5
INES - Instituto Nacional de Educação dos Surdos, situado na cidade do Rio de Janeiro. É a primeira escola de
surdos no Brasil, fundado em 1857.
27
nos anos de 1750 e 1880, as diferentes metodologias tenham sido colocadas em discussão,
definindo oficialmente uma abordagem considerada a melhor e que, conseqüentemente,
deveria ser utilizada em todas as Instituições, certamente as diferentes concepções
conviveram ao longo da história, ainda que não se tenha registro na história oficial.
Atualmente, em alguns países do mundo, como a Venezuela, uma filosofia que
deve ser adotada oficial e obrigatoriamente em todas as escolas públicas para surdos (no caso,
a filosofia Bilíngüe). O Brasil, assim como a maioria dos países, convive com a diversidade
de perspectivas sobre os surdos e sua educação, pois se supõe que a verdade única não exista
e, portanto, todas as abordagens seriamente estudadas devem ter espaço.
Os educadores, ao longo dos tempos, criaram diferentes metodologias para ensinar os
surdos. Alguns se baseavam apenas na língua oral, ou seja, a língua auditivo-oral utilizada em
seu país, como o francês, o inglês etc., outros pesquisaram e defenderam a língua de sinais,
que é uma língua espaço-visual criada através de gerações pelas comunidades de surdos.
Outros, ainda, criaram códigos visuais, que não se configuram como uma língua, para facilitar
a comunicação com seus alunos surdos. Até hoje existem diversas correntes pautadas em
diferentes pressupostos em relação à educação de surdos.
Considero importante assinalar, entretanto, que a questão da escrita envolve muito
mais do que uma reflexão sobre as metodologias utilizadas e isso vale para surdos e ouvintes.
A questão do surdo ganha, sem dúvida, um contorno singular, que merece uma reflexão
particular sobre quem é o surdo, mas especialmente, sobre o que é a escrita e como é possível
penetrar nesse universo.
28
CAPÍTULO II
ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS
Segundo Quadros (1997), a educação de surdos no Brasil pode ser dividida em duas
fases claramente delimitadas e uma terceira fase, a atual, que segundo ela pode ser
caracterizada como um processo de transição. Goldfeld (2001) também apresenta uma síntese
dessas abordagens. Não pretendo advogar por uma das correntes, mas considero importante
esclarecer que, em minha prática, pude observar que os alunos surdos que transitam na língua
de sinais têm um desempenho escolar melhor do que aqueles que chegam à escola sem
nenhuma possibilidade. Cabe esclarecer, também, que, embora saiba que surdos que foram
bem sucedidos na proposta oralista , jamais tive contato com eles, razão pela qual menos do
que defender uma das duas abordagens, pretendo, acima de tudo, apontar as lacunas de cada
proposta e acenar para a necessidade de uma reflexão lingüística que coloque em cena a
solidariedade entre estruturação da linguagem e estruturação subjetiva. Agora, vejamos o que
dizem as autoras sobre a educação de surdos no Brasil.
2. Oralismo,
Comunicação Total e Bilingüísmo
A primeira fase, diz Quadros (idem ibidem), corresponde à hegemonia da proposta de
educação oralista, como a de Couto (1988), que visa à “recuperação” das pessoas surdas,
denominadas, nesta concepção, “deficientes auditivos”. Estes são vistos como uma população
portadora de déficit, que poderia ser suprido através de aparelhos de amplificação sonora
associado a um treino perceptual.
[esses trabalhos] baseiam-se no uso de amplificação sonora e na
ênfase no uso da audição residual como forma de aumentar as
possibilidades da criança surda de receber a maior quantidade de
informações acústicas possíveis dos sons da língua. Quanto melhor
a criança puder se utilizar das informações acústicas, maiores
chances para o desenvolvimento de linguagem oral ela terá. Por
29
trás dessas propostas, está a idéia de oferecer à criança com
deficiência auditiva as melhores oportunidades para desenvolver a
linguagem oral (BALIEIRO & FICKER, 2005, p. 366 (ênfase
minha), apud. CERQUEIRA, 2006, p. 3).
O Oralismo, ou abordagem oralista, segundo Goldfeld (2001), objetiva integrar a
criança surda à comunidade denominada ouvinte. Isso, segundo a autora, proporciona à
criança a possibilidade de desenvolvimento da língua oral (no caso do Brasil, o português).
Muitos profissionais entendem que esta abordagem é a mais adequada para o ensino do surdo.
A língua oral é vista como a única possibilidade de comunicação da pessoa surda. Assim,
comunicar-se bem é sinônimo de oralização.
No que diz respeito à concepção de linguagem que sustenta tal perspectiva
encontramos autores, como se no trabalho de Lenzi (1995), que buscam subsídios teóricos
na proposta inatista dos estudos lingüísticos sobre a aquisição linguagem. Afirma Lenzi:
(...) os surdos, como seres humanos que são, possuem, também, essa
capacidade, o que explica sua possibilidade de adquirir a língua
falada em seu país. Desenvolvendo a função auditiva e dispondo
dessa capacidade inata, o surdo precisa receber a linguagem de
maneira natural, como acontece com as crianças que ouvem (LENZI,
1995, p. 44, apud QUADROS, op. cit., p.22).
Quadros (1997) levanta a seguinte questão: “é possível o surdo adquirir de forma
natural a língua falada, como acontece com a criança que ouve?(QUADROS, op. cit., p.22).
Ela refere que os profissionais que trabalham com surdos consideram que o processo de
aquisição da língua falada pelo surdo não ocorre da mesma forma com a criança ouvinte,
trata-se de um processo que envolve/exige um trabalho sistemático e formal, a linguagem,
portanto, não se desenvolve naturalmente na relação com o outro, mas é fruto de treinamento.
Quadros, que defende a proposta de educação bilíngüe para surdos, afirma que:
30
O oralismo [...] é uma proposta educacional que contraria tais
suposições [inatistas]: não permite que a língua de sinais seja usada
nem na sala de aula, nem no ambiente familiar, mesmo sendo esse
formado por pessoas surdas usuárias da língua de sinais (QUADROS,
1997, p.22).
Ela assinala que o próprio Chomsky afirma que as línguas de sinais podem ser
entendidas como possível expressão da capacidade natural para a linguagem.
o termo “articulatório” é tão restrito que sugere que a faculdade da
linguagem apresenta uma modalidade específica, com uma relação
especial aos órgãos vocais. O trabalho nos últimos anos em língua
de sinais evidencia que essa concepção é muito restrita. Eu
continuarei a usar o termo, mas sem quaisquer implicações sobre a
especialidade do sistema de output, mantendo o caso da línguas
faladas (CHOMSKY, 1995ª, p.434, nota 4, apud QUADROS, &
KARNOOPP, 2004, ênfase minha).
Na realidade, Chomsky, na citação destacada por Quadros, coloca em discussão a
polêmica e obscura problemática das interfaces, especialmente, no que tange à relação entre a
articulação e a percepção, e a controvérsia acerca de ambas envolverem ou não a mesma
interface. Ele destaca a “restrição” da face articulatória que reduz a faculdade da linguagem a
uma modalidade específica, relacionada especialmente aos órgãos vocais. Os trabalhos em
língua de sinais entram como evidência da restrição do termo articulatório, porém Chomsky
não abandona o termo, ele apenas adverte que fará uso do mesmo sem implicar a
especificidade do output. Cabe assinalar que Chomsky parece, de fato, reconhecer as
investigações sobre as línguas de sinais, mas, acima de tudo, põe em relevo os limites da face
articulatória, que reduz a faculdade da linguagem a uma modalidade, sem, contudo, entrar na
polêmica instaurada no campo dos estudos sobre a surdez.
É preciso destacar que, embora de fato, grande parte das propostas oralistas possa ser
caracterizada por situações que envolvem o “aprendizado da linguagem”, não é isso que se
na citação de Lenzi. Na realidade, o que esta autora diz, ao contrário do que afirma Quadros,
não parece ferir os princípios de uma proposta inatista, à medida que, para Lenzi, apenas a
suplência do déficit auditivo permitiria ao surdo adquirir a língua de seu país como os demais
31
falantes nativos. Note-se que ela não fala em “ensinar” a língua, mas em proporcionar
condições para “aquisição natural” da linguagem.
Não pretendo entrar nos detalhes desta polêmica, mas assinalar que não deixa de ser
curioso o fato de que uma mesma concepção de linguagem possa sustentar propostas
antagônicas. Isso parece ser um indicativo de que talvez o problema seja de outra natureza.
Voltarei a esse ponto.
Segundo Goldfeld (2001), o Oralismo entende a surdez como um déficit e poderá
ser compensado pelo estímulo auditivo. Este estímulo, afirma autora:
... possibilitaria a aprendizagem da língua portuguesa e levaria a
criança surda a integrar-se na comunidade ouvinte e desenvolver uma
personalidade como a de um ouvinte. Ou seja, o objetivo do Oralismo
é fazer uma reabilitação da criança surda em direção à normalidade, à
“não-surdez” (GOLDFELD, op. cit., p.34).
Como se vê, de fato, apenas o treinamento auditivo é insuficiente para que o surdo
venha a falar. A abordagem oralista, com o objetivo de atingir seus alvos, utiliza abordagens
metodológicas diversas, tais como: verbo-tonal, audiofonatória, aural, acupédico etc.. A
convergência destas perspectivas está na crença de que a língua oral é a única forma
apropriada de comunicação do surdo e, assim, clínicos e educadores se dedicam ao ensino
oral das crianças surdas, não aceitando quaisquer formas de gestos, tampouco de língua de
sinais.
O trabalho de oralização, comenta Goldfeld (2001), é realizado no intuito de criar
possibilidades da criança dominar, aos poucos, as regras gramaticais e alcançar um domínio
desejável da língua portuguesa. A autora cita exemplos da metodologia oralista
audiofonatória, em que o professor apresentará várias ações para a criança e mostra suas
diferenças, tais como: que andar é diferente de pular, correr etc. Posteriormente, com a
utilização do organograma da linguagem, apresentará frases assim: “Paulo anda, Paulo
pula...” (GOLDFELD, op. cit., p. 36). Visando ao entendimento melhor da criança diante das
regras gramaticais, o professor usará também frases no passado, como: Paulo andou, Paulo
pulou etc. Inicialmente, procura-se apresentar frases consideradas gramaticalmente simples e
gradativamente aumenta o grau de dificuldade, até atingir frases consideradas com um nível
mais profundo de complexidade. Note-se que um distanciamento da proposta inatista.
Ao que parece, o que está em jogo não é apenas um treinamento perceptual, que possibilite o
32
acesso à fala, mas um trabalho de linguagem em que se visa controlar as estruturas a serem
apresentadas à criança, da mais simples para a mais complexa. Note-se que não uma
reflexão sobre o que é linguagem, sobre como se a passagem de infans a falante e nem
mesmo se seria possível pensar a linguagem como um objeto de aprendizagem. Interessante é
que se os autores oralistas se aproximaram, de fato, da proposta chomskyana, deixaram de ler
a crítica deste autor ao trabalho de Skinner e apagaram, também, uma questão fundamental
formulada no interior da proposta gerativista, a saber: a questão do problema lógico da
aquisição, que diz respeito “a inacessibilidade da língua sem um conhecimento prévio...” (De
LEMOS, 1999, p. 43), afinal as leis de composição da linguagem não podem ver. Voltarei a
isso.
A criança surda, na abordagem oralista, submete-se a um processo de reabilitação
iniciado com estímulos auditivos precoces, ou seja, busca-se o aproveitamento dos resíduos
auditivos que a maioria das pessoas surdas possuem, possibilitando a identificação destes sons
que porventura ouvem. Goldfeld (op.cit) explica que através da audição, de vibrações
corporais e também da leitura orofacial, a criança terá a possibilidade de entendimento da fala
dos outros. Este processo, diz a autora, que deve ser iniciado ainda no primeiro ano de vida,
deve durar até em torno de 8 a 12 anos, sempre dependendo das características individuais da
criança, tais como: tipo de perda auditiva, participação da família no processo de reabilitação,
entre outros.
Não parece arriscado afirmar que muitos dos pesquisadores que defendem as
abordagens oralistas, embora justifiquem seu trabalho a partir das idéias de Chomsky, não
parecem fiéis ao trabalho desse autor. A grande maioria dos pesquisadores, na realidade, fez
uma tradução empírica do trabalho deste lingüista. Couto (1991), por exemplo, afirma que
“não é possível ensinar a linguagem, mas apenas dar condições para que esta se desenvolva
espontaneamente na mente, a seu próprio modo” (COUTO, op. cit., p. 15). Porém, a autora
prossegue e afirma também que, através da audição, as crianças ouvintes imitam seus
interlocutores e assim descobrem as regras gramaticais da língua, que vão permitir-lhes
chegar às transformações e organizar seus pensamentos para expressá-los. Interessante
assinalar que uma incompatibilidade absoluta entre a idéia de um treinamento perceptual
como possibilidade de “descoberta” das regras e a proposta inatista, que não é sequer
mencionada. Lembre-se que Chomsky refuta a aprendizagem pela via indutiva. Note-se que
nesta afirmação de Couto um grande número de contradições: imitação traz indução, que
não se coaduna com a proposta chomskyana, para quem as regras lingüísticas serão
atualizadas e não descobertas. Finalmente, Chomsky defende a ordem própria da língua, que
33
não se articula de forma natural e simplista ao pensamento, como se no trabalho de Couto.
Vê-se aqui a problemática aproximação que a pesquisadora faz à Lingüística (sobre isso ver
LIER-DeVITTO, 1995, entre outros).
O trabalho de Nogueira (1994), apresentado por Goldfeld (op.cit), é também exemplar
do “uso” que se faz do modelo inatista, especialmente quando se coloca em discussão a
importância da inferência de regras gramaticais no aprendizado da língua:
Baseada na Gramática Gerativa Transformacional, a indução de
regras significa que através da exposição à fala, a criança é capaz de
induzir as regras de sua própria língua, espontaneamente,
compreender e construir sentenças novas com sentidos lógicos
(NOGUEIRA,1994, p. 27, apud GOLDFELD, op. cit., p. 37).
Segundo Goldfeld (2001), para a abordagem oralista, o surdo que consegue dominar as
regras da língua portuguesa e, também, falar (oralizar) é considerado bem-sucedido. O
Oralismo postula que, com o domínio da língua oral, o surdo esteja apto para a integração à
comunidade ouvinte. Porém, no Brasil, afirma a autora, somente uma pequena parte dos
surdos consegue dominar razoavelmente o português, e é muito difícil encontrar um surdo
congênito, com um domínio da língua portuguesa comparável a um ouvinte.
Goldfeld assinala que as crianças surdas, devido à própria precariedade do
atendimento que recebem, geralmente não têm acesso a uma educação especializada, seja em
escolas públicas e até particulares, e podem estar anos freqüentando estas escolas e tenham
muita dificuldade de adquirir a modalidade oral ou mesmo a modalidade escrita da língua
portuguesa. Cabe interrogar se o problema seria da “filosofia oralista” ou da falta de recursos
da escola.
Cabe destacar alguns pontos fundamentais das propostas oralistas:
1- A meta desta abordagem é suprimir o déficit e permitir que o surdo tenha
acesso à fala.
2- O treinamento auditivo parece ser condição necessária, mas não suficiente,
uma vez que está previsto um trabalho específico de linguagem.
34
Assim, o primeiro item permitiria a adoção de uma perspectiva inatista, mas o segundo
aponta para uma perspectiva comportamentalista. Entende-se porque considero necessária
uma reflexão lingüística mais aprofundada.
Cabe ainda destacar que o ponto central da polêmica entre oralistas e os que defendem
o uso de sinais é de natureza ideológica. Enquanto os primeiros visam integrar o surdo na
“comunidade de ouvintes” tentando minimizar os efeitos da perda aditiva, os últimos
defendem que o surdo pertence a uma outra comunidade, que tem características e uma língua
própria, e que, ao invés de tentar submetê-los à língua majoritária, é necessário respeitar a
diferença.
Nesse sentido, vemos nas palavras de Couto (1991) o exemplo extremo de uma
posição oralista. Ela afirma as que crianças que não recebem estimulação precoce começarão
a se comunicar por gestos, e que isto trará prejuízo no aprendizado da oralização. Assim,
destaca a autora, a criança deve receber um atendimento precoce “antes que uma linguagem
gestual venha suprir as dificuldades de comunicação oral” (COUTO, 1991, p.18).
Esta idéia, segundo Goldfeld (2001), é aceita por todos os profissionais oralistas, que
receiam a possibilidade de a criança surda utilizar a língua de sinais ou qualquer comunicação
gestual. A maioria desses autores não reconhece a língua de sinais como uma língua e não a
considera benéfica para o aprendizado da língua oral.
Goldfeld considera que, ao eleger o aprendizado da língua oral como a meta principal
na educação dos surdos, outros aspectos igualmente importantes para o desenvolvimento
infantil são apagados, e que oferecer somente a língua oral à criança surda como recurso
comunicativo será determinante de um atraso de linguagem no desenvolvimento desta
criança.
A história da educação de surdos, segundo ela, nos mostra que a língua oral não
conta de todas as necessidades da comunidade surda. A ngua de sinais, desde que passou a
ser mais utilizada, ofereceu aos surdos melhores condições de desenvolvimento intelectual,
profissional e até social.
para Quadros, o que está em questão é uma crítica mais ampla às abordagens
oralistas. Ela aponta que em muitas cidades brasileiras o oralismo norteou o ensino, e que tal
abordagem se constitui em uma experiência que “apresenta resultados nada atraentes para o
desenvolvimento da linguagem e da comunidade de surdos” (QUADROS, op. cit., p. 22).
Para corroborar seu ponto de vista, ela traz as palavras de Oliver Sacks :
35
O oralismo e a supressão do Sinal resultaram numa deteriorização
dramática das conquistas educacionais das crianças surdas e no grau
de instrução do surdo em geral.
Muitos dos surdos hoje em dia são iletrados funcionais. Um estudo
realizado pelo Colégio Gallaudet em 1972 revelou que o vel médio
de leitura dos graduados surdos de dezoito anos em escolas
secundárias nos Estados Unidos era equivalente apenas à quarta série;
outro estudo, efetuado pelo psicólogo britânico R. Conrad, indica
uma situação similar na Inglaterra, com os estudantes surdos, por
ocasião da graduação, lendo no nível de crianças de nove anos(...)
(SACKS, 1990, p.45).
No Brasil, prossegue Quadros (1997), a realidade não é diferente. Apesar de não haver
um levantamento exaustivo sobre o desempenho escolar de pessoas surdas, é comum que
alunos surdos, apesar de freqüentarem a escola durante muitos anos e não ultrapassarem as
séries iniciais, eles não apresentam uma produção escrita compatível com a série em que se
encontram. De acordo com a FENEIS
6
(1995):
Através de pesquisa realizada por profissionais da PUC do Paraná em
convênio com o CENESP (Centro Nacional de Educação Especial)
publicada em 1986 em Curitiba, constatou-se que o surdo apresenta
muitas dificuldades em relação aos pré-requisitos quanto à
escolaridade, e 74% não chega a concluir o grau. Segundo a
FENEIS, o Brasil tem aproximadamente 5% da população surda total
estudando em universidades e a maioria é incapaz de lidar com o
português escrito (FENEIS, 1995, p.07).
Quadros (1997) destaca ainda outros limites da proposta oralista, relativas à integração
social precária e à desconsideração relativa à cultura e à sociedade surda. Pode-se citar como
exemplo dessa constatação o caso de surdos adultos que, apesar de terem passado anos e anos
6
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos é uma entidade não governamental filiada à World
Federation of the Deaf. Ela possui sua matriz no Rio de Janeiro e filiais espalhadas por diversos Estados
brasileiros, a saber Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo, Teófilo Otoni e Distrito Federal.
Acesso a ela pelo site
www.feneis.com.br.
36
treinando a fala, com o esforço entusiasmado dos professores, perceberam que tudo que
haviam aprendido de nada havia contribuído para sua integração social.
A autora cita que cerca de 90% dos surdos contratam matrimônio com outros surdos e
que isso é resultado da necessidade de comunicação compreensiva. Normalmente, as razões
levantadas pelos casais surdos é o fato de ambos pertencerem à mesma comunidade, além de
usarem uma mesma língua. A proposta oralista desconsidera essas questões relacionadas á
cultura e sociedade surda.
Também Cruz (1992) e Góes (1994, 1996) entendem que o oralismo fracassa em
função da exigência no uso exclusivo da modalidade à qual o surdo não pode ter acesso
direto; Midena (2004) assinala que “ao interditar formas de comunicação gestual-visual como
um meio de integrá-lo, reduz as possibilidades de trocas comunicativas e sociais entre surdos
e ouvintes, acentuando a desigualdade entre ambos em relação às oportunidades de
desenvolvimento, dificultando, assim, os ganhos lingüísticos e cognitivos”. (MIDENA,
op.cit., p. 67).
A idéia de que “os Surdos” são uma “minoria lingüística”, constituindo um grupo
com cultura própria e diferente da cultura dos ouvintes, é defendida também por, Moura;
Lodi; Harrison. Elas afirmam que:
o movimento de reconhecimento da cultura, comunidade e identidade
do surdo, além de afirmar a sua autenticidade por intermédio de
trabalhos científicos, movimentos de protesto e culturais, conseguiu
mobilizar alguns responsáveis por sua educação para que esta fosse
reformulada. A nova proposta de trabalho recebeu o nome de
bilingüismo (MOURA; LODI; HARRISON, 97, p.353).
Uma das bandeiras da abordagem bilíngüe é “aceitar o surdo como diferente, não
deficiente, com uma língua, uma cultura e pertencente a uma comunidade própria [...]”
(MOURA; LODI; HARRISON, op. cit., p.347).
O reconhecimento de que um limite orgânico que não pode ser ultrapassado é
importante, pois trata-se de uma inscrição no corpo e que afeta de modo indelével a relação
deste sujeito com a linguagem. Porém, acompanho a reflexão de Cerqueira (2006), quando ela
aponta o quanto é complexo “relacionar a patologia de um organismo, a uma língua, a uma
cultura (CERQUEIRA, 2006, p.4 ).
37
Ela acompanha as idéias de Saussure, que considera um erro “ver na língua um
atributo, não mais da nação, mas da raça, ao mesmo título que a cor da pele ou a forma da
cabeça.” SAUSSURE (1916, p.221), ao que Cerqueira acrescenta o grau de audição.
Pensar em uma língua como um atributo, diz ela, “como característica de quem tem uma
patologia orgânica parece complicado”. Atribuir a uma raça, à cor da pele, a traços biológicos
uma cultura, uma língua, traz complicações político - ideológicas.
Saussure (1916) afirma que: “Embora a língua não forneça muitas informações
precisas e autênticas acerca dos costumes e instituições do povo que a usa, servirá ao menos
para caracterizar o tipo mental do grupo social que fala?” (SAUSSURE, op. cit., p.261).
Cerqueira considera esse um ponto fundamental para que se estabeleça um diálogo com o
bilingüismo. É comum encontrar na literatura relativa a essa corrente de pensamento que a
língua de sinais reflete uma forma de pensar, reflete ‘a identidade’ do surdo”(CERQUIRA,
2006). Ela destaca que para Saussure “é opinião geralmente aceita a de que uma língua reflete
o caráter psicológico de uma nação; uma objeção bastante grave se opõe, entretanto, a tal
modo de ver; um procedimento lingüístico não está necessariamente determinado por causas
psíquicas” (SAUSSURE, 1916, p.266, apud CERQUEIRA, idem ibidem).
Como coloca Saussure, a língua “não está sujeita diretamente ao espírito dos que
falam” (SAUSSURE, op. cit., p. 268), ela não reflete uma forma de pensar, e nada revela a
respeito do falante. Ou como afirma Cerqueira, um “procedimento lingüístico” nada revela
sobre a “mentalidade” do falante. Neste sentido, acompanho a pesquisadora, pois, de fato,
“não parece que ‘o Surdo’ “decida” pela língua de sinais, porque esta “reflete a sua forma de
pensar”. A língua nada nos revela em relação à raça, filiação, relações sociais, costumes,
instituições, etc.”(CERQUEIRA, idem, ibidem). As questões trazidas por Cerqueira são
fundamentais para desnaturalizar uma série de afirmações sobre a língua de sinais, que não
enfrentam a complexidade envolvida na discussão sobre a natureza das línguas particulares e
da relação que elas entretêm com a Língua, conforme definida por Saussure.
Quadros (op.cit.) assinala que, frente às dificuldades enfrentadas pela proposta
oralista, surgiu uma alternativa, a segunda entre as três inicialmente destacadas pela autora,
que permitia o uso da língua de sinais com o objetivo de desenvolver a linguagem na criança
surda. Assim, na segunda proposta, os sinais passam a serem utilizados pelos profissionais
como um recurso que visava ao desenvolvimento da língua oral. Os sinais eram usados dentro
de uma estrutura da língua portuguesa. Esse sistema artificial, como diz a autora, passou a ser
chamado de português sinalizado. O ensino enfatiza o bimodalismo, que se caracteriza pelo
uso simultâneo de fala e sinais.
38
No Brasil, Ciccone (1990), que adotou a proposta conhecida como “a filosofia da
Comunicação Total (filosofia educacional que se baseia no respeito pela diferença), enfatiza
que “línguas de sinais e português são idiomas autênticos, e que equivalem em veis de
qualidade e importância (...)” (CICCONE, 1990, p.70, apud QUADROS,1997, p 24). Os
aspectos destacados por Ciccone são indiscutíveis e não se afastam da filosofia da proposta
bilíngüe, que será apresentada adiante, mas o uso dessa proposta na educação de surdos é
bastante problemático. Voltarei a isso no final desta sessão.
Goldfeld (2001) afirma que a Comunicação Total é uma abordagem que traz como
principal preocupação os processos comunicativos entre surdos e entre surdos e ouvintes.
Comenta que esta abordagem, além de focalizar a aprendizagem da língua oral pela criança
surda, entende que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não devem ser desprezados e
favorecer tão somente o aprendizado da língua oral. Defende o uso de recursos espaço-visuais
como facilitadores da comunicação.
O surdo é visto de forma diferente pelos profissionais que apostam na abordagem da
Comunicação Total, ou seja, ele é visto como uma pessoa, e a surdez é tomada como um sinal
presente nas relações sociais, em seu desenvolvimento cognitivo e afetivo; ele não é visto
apenas como portador de uma patologia, que deve ser eliminada, corrigida (CICCONE,
1990).
Goldfeld (2001) lembra os princípios que orientam a abordagem da Comunicação
Total, contidos na edição de Comunicação Total do Centro Internacional de la Sordera, in
Nogueira (1994), e diz:
Todas as pessoas surdas são únicas e têm diferenças individuais
iguais aos ouvintes.
Os programas educacionais efetivos deveriam ser
individualizados para satisfazer às necessidades, aos interesses e às
habilidades do surdo.
As habilidades para comunicar vão ser diferentes para cada
pessoa.
Menos de 50% dos sons da fala podem ser observados e
entendidos quando se lê os lábios.
Não há estudos que comprovem que uma criança surda não pode
desenvolver suas habilidades orais.
39
As crianças surdas inventam sinais em suas primeiras tentativas
de comunicar-se em casa e na escola.
A comunicação oral exclusiva não é adequada para satisfazer as
muitas necessidades das crianças surdas.
Em um ambiente de Comunicação Total sempre existe a
segurança do que se está dizendo. Um sistema de dupla informação
ou interação sempre existe.
As crianças que podem desenvolver as habilidades de
aprendizagem e comunicação oral estarão motivadas. Aquelas que
não têm esta habilidade desenvolvem outras formas de comunicação.
Os estudos desde 1960 claramente indicam que a criança que
cresce em um ambiente de Comunicação Total demonstra mais
habilidade para comunicar-se e tem mais êxito na escola.
(GOLDFELD, op. cit., p.39).
Aqueles que defendem a Comunicação Total e que, portanto, se opõem ao radicalismo
da proposta oralista, apostam que apenas o aprendizado da língua oral não garante pleno
desenvolvimento da criança surda, isso fica claro nos tópicos apresentados acima. Goldfeld
lembra a afirmação de Ciccone (1990) ao dizer que muitas crianças surdas, expostas
sistematicamente à modalidade oral de uma língua antes dos três anos de idade conseguiriam
aprender esta língua de forma satisfatória, contudo, quanto ao desenvolvimento cognitivo,
social e emocional já não demonstraram bom desempenho.
Goldfeld (2001) aponta uma das grandes diferenças entre a Comunicação Total e as
outras abordagens educacionais: acreditar que o uso de qualquer recurso lingüístico, seja a
língua de sinais seja a linguagem oral ou códigos manuais, é facilitador para a comunicação
com as pessoas surdas. Assim, como se no nome, a proposta, lembra a autora, privilegia
a comunicação e a interação e não apenas a língua. A Comunicação Total não se preocupa
com a aprendizagem de apenas uma língua, ela tem como característica a valorização da
estrutura familiar, pois entende relação família-criança surda, o papel da comunicação, da sua
subjetividade.
40
No Brasil, comenta Goldfeld (2001), além da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais):
a Comunicação Total utiliza também um sistema chamado de
datilogia, conhecido também como alfabeto manual (representação
manual das letras do alfabeto), o “cued-speech” (sinais manuais que
representam os sons da língua portuguesa), usa o português
sinalizado (língua artificial que utiliza o léxico da língua de sinais
com a estrutura sintática do português e alguns sinais inventados,
para representar estruturas gramaticais do português que não existem
na língua de sinais) e o pidgin (simplificação da gramática de duas
línguas em contato, no caso, o português e a língua de sinais)
(GOLDFELD, op. cit., p. 40).
O uso simultâneo desses códigos manuais (que têm como objetivo representar de
forma espaço-visual uma língua oral) com a língua oral é uma das recomendações da
Comunicação Total. Uma comunicação simultânea é possível pelo fato de estes códigos
manuais obedecerem à estrutura gramatical da língua oral, ao contrário das línguas de sinais,
que possuem estruturas próprias. Esta forma de comunicação também é chamada de
bimodalismo.
O bimodalismo, visto através da perspectiva da Comunicação Total, é entendido como
possibilidade para diminuir o bloqueio de comunicação que normalmente a criança surda
vivencia, concedendo a possibilidade aos pais de ocuparem papéis de principais interlocutores
de seus filhos. Goldfeld (2001) diz que: “a Comunicação Total postula que cabe à família
decidir qual a forma de educação que seu filho terá. Esta decisão não cabe ao profissional que
lida com a criança” (GOLDFELD, op. cit. p. 41).
Ciccone (1990), ao criticar a abordagem Bilíngüe, que será apresentada a seguir,
afirma que os profissionais não devem impor aos pais que falem com seus filhos utilizando
apenas o português e a língua de sinais separadamente. A autora compara esta postura dos
profissionais que defendem o bilingüismo com a postura radical adotada pelo Oralismo, em
que a diferença entre surdo e ouvinte não era aceita. Assim como o Oralismo, que tem como
objetivo transformar a criança surda em ouvinte, Ciccone entende que o Bilingüismo procura
identificar a família ouvinte ao surdo. Para ela, as duas perspectivas- oralista e bilíngüe - têm
algo em comum: a equalização entre a família ouvinte e a criança surda. A Comunicação
41
Total, ao contrário, foge da filosofia de igualdade: aceita e convive com a diferença, buscando
facilitar a comunicação entre a criança surda e sua família ouvinte.
No Brasil, aponta Goldfeld, a Comunicação Total faz presença em algumas clínicas e
escolas e pode ser considerada mais eficaz que o Oralismo, uma vez que considera aspectos
importantes do desenvolvimento infantil e destaca o papel fundamental dos pais ouvintes na
educação de seus filhos surdos. Porém, aqueles que defendem o bilingüismo discordam da
perspectiva da pesquisadora. Assim, cabe introduzir a crítica contundente de Sacks ao
bimodalismo:
Há uma compreensão de que algo deve ser feito (diante do oralismo):
mas o quê? Tipicamente, usando os sinais e a fala permitem aos
surdos se tornarem eficientes nos dois. outra sugestão de
compromisso, contendo uma profunda confusão: uma linguagem
intermediária entre o Inglês e o Sinal (ou seja, o Inglês Sinalizado).
Essa confusão vem de longa data remonta aos “sinais Metódicos”
de De L’Epée, que foram uma tentativa de expressão intermediária
entre o Francês e o Sinal. Mas (...) não é possível efetuar a
transliteração de uma língua falada em Sinal palavra por palavra, ou
frase por frase – as estruturas são essencialmente diferentes. Imagina-
se com freqüência, vagamente, que a língua de sinais é Inglês ou
Francês: não é nada disso; ela é própria, Sinal. Portanto, o “Inglês
Sinalizado”, agora favorecido como um compromisso é
desnecessário, pois não precisa de nenhuma pseudolíngua
intermediária. E, no entanto, os surdos são obrigados a aprender
sinais não para idéias e ações que querem expressar, mas pelos sons
fonéticos em Inglês que não podem ouvir (SACKS, 1990, p.47, apud
QUADROS, 1997, p.24).
Mas as críticas são de natureza diversa. Ferreira-Brito (1993), por exemplo, que
também critica o uso do português sinalizado, aponta para a impossibilidade de preservar as
estruturas das duas línguas ao mesmo tempo. A autora salienta que expressões faciais e
movimentos com a boca na LIBRAS são impossíveis de serem usados concomitantemente
com a fala .
42
Quadros (1997), por sua vez, encaminha sua crítica em outra direção. Ela baseia-se na
Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky & Lasnik, 1991) e explica, que cada língua ao
ser adquirida, permite à pessoa acionar parâmetros da GU, que variam de língua para língua.
A autora assinala que se pode supor que haja parâmetros comuns entre a LIBRAS e o
português, mas que, sem dúvida, parâmetros diferentes, caso contrário seriam a mesma
língua. Então, questiona a pesquisadora, como seria possível duas línguas com alguns
parâmetros diferentes acionados internamente serem acessadas ao mesmo tempo? Ela mesma
responde que numa visada inatista isto não seria possível.
A língua de sinais, nesta abordagem, é utilizada parcialmente. Porém, como assinalam
os pesquisadores que defendem o bilingüismo, a Comunicação Total não a como língua
natural (que se desenvolve de forma espontânea na comunidade surda) e que seria, portanto,
portadora de uma cultura própria. Ela apenas providencia recursos artificiais para auxiliar na
comunicação e educação dos surdos e, por sua vez, podem causar certos problemas na
comunicação entre surdos usuários da estrutura genuína da língua de sinais.
De fato, a Comunicação Total aparece como solução intermediária, que não coloca em
questão os efeitos mais profundos que a surdez inscreve na estruturação de um sujeito. Ela
tem como objetivo propiciar um canal, ou seja, criar um canal para que o surdo possa
“comunicar-se”, ou melhor, comunicar afetos e pensamentos, sem colocar em questão como
ele acede ao conhecimento.
Finalmente, a abordagem bilíngüe entende que o surdo deve adquirir como língua
materna a língua de sinais, considerada como sua língua natural, tema que será discutido
adiante. Já a língua oficial de seu país, na modalidade escrita ou oral, é considerada sua
segunda língua, e deve ser adquirida de forma artificial, isto é, via aprendizagem.
O surdo é visto, pelos pesquisadores adeptos do Bilingüismo, de forma distinta dos
autores que defendem as propostas oralistas. Os bilingüistas consideram que o surdo não
precisa assemelhar-se ao ouvinte. Eles aceitam e assumem a surdez como marca de diferença,
ao contrário do que supõem os autores ligados à Comunicação Total.
Podemos dizer que o conceito mais importante que a abordagem Bilíngüe introduz, na
visão de Goldfeld, é entender a comunidade formada pelos surdos como um grupo que tem
cultura e língua próprias, que, como apontei acima, é um ponto problemático. A busca de um
padrão de normalidade semelhante ao da maioria, ou seja, a tentativa de equiparar o surdo ao
ouvinte, é rejeitada pelo Bilingüismo. Não que esta abordagem despreze a aprendizagem da
língua oral para o surdo, ao contrário, este aprendizado é também almejado, contudo não é
43
visto como o único objetivo educacional do surdo, nem tampouco como uma possibilidade de
minimizar as diferenças causadas pela surdez.
A questão principal para o bilingüismo é a Surdez que, nos dizeres de Sacks (1989),
assim maiúsculo, designa um grupo lingüístico e cultural e não a surdez: com letra minúscula,
diz o autor, designa tão somente uma condição física, a pessoa com falta de audição. Assim,
analisa Goldfeld (2001), os estudos bilíngües buscam entender o Surdo, suas individualidades,
sua língua (a língua de sinais), sua cultura e a forma singular de pensar, agir, etc., e não
apenas os aspectos biológicos, patológicos ligados à surdez.
Atualmente, aponta Goldfeld, o Bilingüismo ocupa cada dia mais um grande lugar no
cenário de pesquisas mundiais. Por exemplo, cita a autora, que nos EUA, Canadá, Suécia,
Venezuela, Israel, entre outros países, hoje diversas universidades pesquisando a Surdez e
a língua de sinais, sob a óptica da abordagem Bilíngüe.
Não existe unanimidade entre profissionais bilingüistas, como assinala Goldfeld, em
relação às teorias psicológicas e lingüísticas adotadas. As pesquisas vão desde o Gerativismo
(Chomsky) até àquelas com base no sóciointeracionismo de Vygotsky. Talvez porque o viés
ideológico dessa discussão tenha marginalizado a reflexão lingüística.
Nas questões educacionais, os profissionais também não são unânimes. Existem
diversas maneiras de aplicar o Bilingüismo em escolas e em clínicas especializadas. Goldfeld
(2001) apresenta tais possibilidades de aplicação do Bilingüismo, entre elas destacam-se:
“[uma abordagem] que acredita que a criança surda deve adquirir a língua de sinais e a
modalidade oral da língua de seu país, sendo que posteriormente a criança deverá ser
alfabetizada na ngua oficial” (GOLDFELD, op. cit., p. 43). Outra vertente, diz a autora,
representada por autores como Sanches (1993) defendem que o surdo tem necessidade de
adquirir a língua de sinais, enquanto a ngua oficial de seu país poderá ser adquirida somente
na modalidade escrita e o na oral. Kozlowski (1998) discute os dois modelos de
apresentação das nguas e os nomeia da seguinte maneira: (1) o modelo sucessivo e (2) o
modelo simultâneo. No modelo sucessivo, a criança é exposta inicialmente à língua de sinais,
e após o domínio da primeira será exposta à segunda língua. No modelo simultâneo, as
duas línguas - língua de sinais e o português - são apresentadas simultaneamente, “em dois
momentos lingüísticos distintos”. Quanto à “modalidade que será privilegiada no trabalho
com a segunda língua”, Kozlowski (1998) refere que “geralmente é a língua oral no modelo
simultâneo e a escrita, no modelo sucessivo” (CERQUEIRA, op.cit, p.6).
44
Cerqueira (2006) afirma que a primeira língua apresentada, segundo Moura; Lodi;
Harrison (1997), é a língua de sinais porque ela é quem fornece o arcabouço para a
aprendizagem de uma segunda língua que pode ser oral ou escrita” (1997;353).
De acordo com Kozlowski (2000, 94) “as atividades em L1 são desenvolvidas por
educadores surdos e têm por objetivo o contato ‘natural’ com LIBRAS”. Segundo a autora, a
aquisição da ngua de sinais pela criança “garantiria o desenvolvimento lingüístico
suficiente” (idem ibidem) para a aprendizagem de outras línguas.
As “atividades em L2”, ou seja, com a língua portuguesa, são realizadas por
“fonoaudiólogos ouvintes” e o objetivo é a aprendizagem da segunda língua (oral ou escrita).
O Bilingüismo, no que diz respeito à aquisição de linguagem, entende que a criança
surda deve adquirir como ngua materna a língua de sinais, concebida como a língua natural
dos surdos. Esta aquisição deve ocorrer, preferencialmente explica Goldfeld (2001), através
do convívio da criança surda com outros surdos mais velhos, que tenham domínio de toda
estrutura da língua de sinais.
A autora lembra, entretanto, que mais de 90% dos surdos têm família ouvinte. Para
que a criança tenha pleno desempenho na aquisição da língua de sinais necessidade de que
a família ouvinte também aprenda esta língua, oportunizando seu uso na comunicação diária.
A língua oral, nessa perspectiva, seria a segunda língua dessa criança, uma vez que ela
necessita de um atendimento específico para aprender esta língua. Esse aprendizado, por sua
vez, ao contrário da língua de sinais, normalmente é muito lento, pois envolve recursos orais e
auditivos, bloqueados por sua perda auditiva.
Goldfeld (2001) concorda com diversos autores dizem que a língua oral, apesar de
extremamente necessária para a vida do surdo, nunca será perfeitamente dominada por ele,
pelo contrário, será sempre uma “língua estranha”, não podendo, assim, ser considerada a
língua materna da criança surda.
Cita a este respeito o trabalho de Rocha-Coutinho (1986):
Um deficiente auditivo não pode adquirir uma língua falada como
língua nativa porque ele não tem acesso a um sistema de monitoria que
forneça um feedback constante para sua fala. A língua falada será
sempre um fenômeno estranho para o deficiente auditivo, nunca algo
natural. Os deficientes auditivos provavelmente experimentam um grau
considerável de ansiedade ao usar a língua oral porque eles não têm
nenhuma forma de controlar a propriedade técnica e social de sua fala,
45
exceto através de movimentos labiais e de reação das pessoas a sua
fala. O deficiente auditivo, apesar de contar com expressões faciais e
movimentos corporais, não possui uma das fontes de informação mais
rica da língua oral: monitorar sua própria fala e elaborar sutilezas
através da entonação, volume de voz, hesitação, assim como extrair da
produção de seu interlocutor sutilezas através da entonação, volume de
voz etc. (ROCHA-COUTINHO, op. cit., p. 79-80, apud GOLDFELD,
op.cit, p. 44).
Seguindo esta perspectiva, poderíamos afirmar que a ngua de sinais seria a única
língua que o surdo poderia dominar plenamente e que serviria para todas as suas necessidades
comunicativas e cognitivas.
Brito (1993), outra autora a defender o Bilingüismo, afirma que a criança surda deve
ser posta em contato com usuários de língua de sinais desde seus primeiros anos de vida, caso
contrário sofrerá várias conseqüências, tais como:
a. Este (o surdo) perde a oportunidade de usar a linguagem, senão o
mais importante, pelo menos um dos principais instrumentos para a
solução de tarefas que se lhe apresentem no desenvolvimento da ação
inteligente;
b. O surdo não de recorrer ao planejamento para a solução de
problemas;
c. Não supera a ação impulsiva;
d. Não adquire independência da situação visual concreta;
e. Não controla seu próprio comportamento e o ambiente
f. Não se socializa adequadamente.
(BRITO, op. cit., p. 41)
Goldfeld diz que no Brasil existe um abismo entre a quantidade de pesquisas sobre o
Bilingüismo e língua de sinais que vêm sendo realizadas e a utilização real do Bilingüismo
que, na verdade, ainda não foi de fato implantado. A educação pública, aponta a autora, quase
não utiliza a língua de sinais em sala de aula. O mais comum são os alunos se comunicarem
entre eles utilizando a língua de sinais, porém as aulas são normalmente conduzidas em
português, quando muito em português sinalizado, por professores ouvintes, que pouco, ou
quase não dominam LIBRAS. Esse estado de coisas acaba por dificultar a aprendizagem dos
46
alunos surdos. Contudo, a realidade mais dura, na visão de Goldfeld, é que grande parte dos
surdos brasileiros e também seus familiares nem sequer conhecem a língua de sinais. “Muitas
crianças, adolescentes e até adultos surdos não participam da comunidade surda, não utilizam
a língua de sinais e também não dominam a língua oral” (GOLDFELD, 2001, p. 46).
A pesquisadora destaca que as três abordagens educacionais analisadas apresentam
aspectos diferentes em relação à aquisição da linguagem pela criança surda. A visão
apresentada em cada abordagem, relacionada à linguagem e sua importância para o
desenvolvimento infantil, traz divergências que não são claramente explicitadas. A autora diz
que a maior parte da bibliografia relacionada à aquisição da linguagem pelos surdos não
aprofunda a reflexão de questões teóricas, fica-se apenas na análise de questões práticas,
discutindo como atender à criança surda, como instrumentalizá-la para comunicar-se, mas
sem enfrentar questões complexas e fundamentais para o entendimento de como esses sujeitos
acedem ao universo simbólico.
Para fazer uma análise crítica dessas abordagens, deve-se fazê-la a
partir de pressupostos teóricos bem definidos. Não é possível
analisar as conseqüências que cada filosofia provoca no
desenvolvimento das crianças surdas sem conhecer, a princípio, uma
teoria que trate da linguagem e de sua importância no
desenvolvimento global da criança (GOLDFELD, op.cit., p.46).
Devo dizer que, com relação a este ponto, concordo com a pesquisadora. A questão da
aquisição de linguagem tem sido tratada de forma bastante equivocada em grande parte dos
trabalhos sobre a surdez. O ponto é que menos do que tomar a aquisição de linguagem do
surdo como um enigma, a aquisição quase sempre é alçada para justificar práticas
pedagógicas ou clínicas. É necessário deslocar os estudos sobre aquisição do palco de
discussões ideológicas e tomá-la como uma questão que merece atenção particular. No
próximo capítulo estará em questão a aquisição de linguagem, o modo que a proposta bilíngüe
a compreende e, também, a problemática da língua materna.
47
CAPÍTULO III
BILINGÜÍSMO E AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM: SOBRE AS
COMPLEXAS RELAÇÕES ENTRE LÍNGUA MATERNA, L2 E
ESCRITA
Neste capítulo pretendo destacar os principais aspectos que dizem respeito às relações
entre oralidade, língua de sinais e escrita. Inicio com uma discussão sobre a aquisição de
linguagem, que tem uma configuração particular quando a surdez está em questão, isso
porque é possível observar que as hipóteses sobre aquisição de linguagem da criança surda
estão sempre atreladas a hipóteses de natureza pedagógica, isto é, estão assentadas em
processos de ensino/aprendizagem. A perda auditiva parece ser responsável pelo viés
pedagógico dos estudos sobre a aquisição de linguagem de crianças surdas.
É sem dúvida necessário reconhecer que, nesse caso, uma privação sensorial que
“vai atrapalhar, se não impedir, que o desenvolvimento de linguagem possa acontecer por
meio da exposição à língua falada por seus pais(HARRISON, 2000, p.118). Nesta citação
parece estar implícita a idéia de que se não houvesse uma perda auditiva, a linguagem seria
acessível, ou seria algo a ser ensinado, à medida que ela é tomada como naturalmente
transmissível na ausência de um déficit sensorial. Como assinala Andrade (2003) ao criticar
tal posição: “A linguagem é naturalmente apreendida por um sujeito dotado de capacidades
perceptuais e cognitivas” (ANDRADE, op. cit., p. 119),
Se na abordagem oralista a idéia de treinamento auditivo enfatiza a necessidade de
minimizar a “deficiência”, no bilingüismo o pensamento subjacente não é diferente:
concordar que existe uma língua predominantemente visual, à qual a
criança tem pleno acesso, na qual a privação sensorial o tem
influência, e por meio da qual ela pode interagir com outras crianças,
adultos surdos, com seus pais e com o mundo, devemos fazer um
encaminhamento neste sentido (HARRISON, idem, p. 119) [ênfase
minha].
48
Na perspectiva do bilingüismo, como se no texto de Harrison, parte-se da idéia de
que a língua de sinais é plenamente acessível ao surdo. Defende-se, também, a posição de que
a perda de audição é uma marca de diferença que deve ser aceita e respeitada pela
comunidade ouvinte, do mesmo modo que é necessário reconhecer a cultura e a identidade do
surdo.
Como se vê, em uma perspectiva diametralmente oposta ao oralismo, uma
convergência em um ponto central a garantia de acesso à linguagem via percepção. Num
caso, o treino auditivo garante a possibilidade de acesso à fala, e no outro a presença de uma
língua, cuja materialidade é espaço-visual, garante também o acesso perceptual à língua, ou
seja, em ambas as perspectivas, a integridade dos aspectos perceptuais deve estar garantida
para possibilitar o “desenvolvimento da linguagem” no bilingüismo o acesso à língua de
sinais é garantido pela natureza visual da língua de sinais. Há neste sentido uma naturalização
do processo de aquisição de linguagem.
Nas palavras de Cerqueira: nos casos em que um déficit sensorial, em função da
dificuldade de acesso à linguagem, o que se tem são “tratamentos” que visam (1) potencializar
o sinal acústico para garantir sua presentificação para o aparato perceptual, ou como vimos (2)
fazer o uso de uma língua gestual, para garantir seu acesso pela visão.” (CERQUEIRA, 2006.,
p.10).
O que se apaga, ao eleger a acessibilidade como condição necessária e suficiente para
aquisição de linguagem, é exatamente os mistérios envolvidos na enigmática e complexa
passagem de infans a falante. A própria heterogeneidade na relação do surdo com a
linguagem deveria interrogar pesquisadores e suspender a naturalidade com que se pensa a
aquisição da linguagem. Cabe lembrar que surdos expostos precocemente à língua de
sinais, mas que não sinalizam, enquanto outros que em pouco espaço de tempo tornam-se
sinalizadores fluentes. O mesmo vale para a fala. Há surdos profundos que são falantes
fluentes do português e outros com perda leve ou moderada que praticamente não falam. Isso
indica que modos singulares de enlaçamento com a linguagem e que ultrapassa a questão
da acessibilidade.
Nesse sentido, cabe introduzir uma vez mais o trabalho de Cerqueira e a distinção
entre ouvir e escutar
7
:
7
Sobre isso ver também Arantes, 1997.
49
Acredito ser necessário fazer uma distinção entre ouvir e escutar, entre
organismo e corpo. Ouvir “é um fenômeno fisiológico”, e escutar é
mais que isso ele envolve ‘interpretação’- é um ‘fenômeno
lingüístico’. A escuta nos remete ao sujeito, à linguagem e seus efeitos
de sentido.” (VASCONCELLOS, 1999, p. 3). A psicanálise nos
permite pensar em um corpo como efeito de linguagem, ou como
propõe De Lemos, capturado pelo funcionamento da linguagem.
ANDRADE coloca que a noção de captura, um organismo capturado
pelo funcionamento da língua “retira o sujeito do centro, da posição de
percipiente” (2003, p. 123).” (CERQUEIRA, 2006, p.11).
Isso significa dizer que não é a criança que se apropria da linguagem via percepção,
mas, como aponta Claudia Lemos (1992, 2002, entre outros), ela é capturada numa estrutura
de três pólos, a saber: o do sujeito, o da língua e o do Outro entendido como instância do
funcionamento da língua constituída e não como socius fora da linguagem.
Na perspectiva do Projeto Aquisição, Patologias e Clínica de Linguagem entende-se
que a relação criança-linguagem é sempre enigmática e imprevisível, pois se trata da
singularidade de uma posição frente à linguagem.
Antes de desdobrar os efeitos de uma concepção como esta, cabe apresentar trabalhos
representativos de como a aquisição de linguagem tem sido abordada. Dada a extensão do
tema, elejo os mais significativos. Porém, os estudos sobre a aquisição de linguagem de
crianças surdas estão relacionados às mesmas abordagens sobre a aquisição de linguagem em
geral, a saber: a abordagem comportamentalista, a inatista e as interacionistas (ligadas à
epistemologia genética, ou à perspectiva sócio-interacionista)
8
.
Os problemas encontrados nesses trabalhos não são diferentes daqueles presentes no
campo da Aquisição de Linguagem em geral. Eles são em sua maioria trabalhos que esbarram
nos mesmo equívocos e enfrentam os mesmos impasses das pesquisas da área de Aquisição.
Não pretendo focalizar os trabalhos de aquisição e os impasses do campo, mas para que eles
possam ser lidos de maneira crítica recomendo a leitura dos trabalhos de De Lemos (1982,
1992, 1998, 2002, entre outros), M. T. Lemos (1994), Lier-DeVitto (1995, 1998), Pereira de
Castro (1996).
8
Sobre isso ver Quadros (1997). No capítulo 3, a autora faz uma síntese das propostas sobre a aquisição de
linguagem.
50
Voltemos ao estado da arte. Nesta dissertação, o trabalho de Quadros (1997) ganha
destaque uma vez que a autora, além de ter reconhecimento nacional como pesquisadora do
campo, aborda um tema que tem grande afinidade com o objetivo desta pesquisa. A discussão
teórica por ela empreendida, como se vê na introdução de seu livro, é norteada pelas seguintes
questões: (1) O que são as línguas de sinais? (2) Como são expressos os aspectos formais
nessas línguas? (3) Qual o processo natural de aquisição da linguagem em crianças ouvintes e
crianças surdas? (4) Qual o processo de aquisição da língua portuguesa em crianças surdas?
A autora destaca a necessidade de conhecer as duas línguas envolvidas no processo
educacional bilíngüe dos surdos, bem como o lugar que elas ocupam nesse processo, sem
descartar os aspectos lingüísticos, culturais e sociais.
Quadros (op.cit.) visa distinguir as características das línguas espaço-visuais das orais-
auditivas e, para isso, discute a aquisição de L1, definida como a primeira língua, a língua
nativa de crianças surdas e também de L2, isto é, a segunda língua. Segundo ela,
“considerando a educação de surdos no Brasil, a aquisição de L1 deveria ser de LIBRAS
9
e de
L2
10
, a língua portuguesa” (QUADROS, op.cit., p.15), trata-se, entretanto, de um aspecto
polêmico que será detalhado adiante. Cumpre assinalar que, embora seu trabalho privilegie
aspectos lingüísticos, a autora está preocupada, também, com aspectos psicossociais,
entendidos “fundamentais no processo de formação da pessoa surda, enquanto membro
sociocultural” (op.cit., p.16). Entende-se por que na introdução de seu livro ela inclua uma
passagem de Vygotsky, citada por Fernandes (1990):
Se, por um lado, é possível afirmar que linguagem e pensamento têm
origens separadas, por outro, é possível admitir com Vygotsky que
uma vez que estas forças se combinam começam a exercer entre si
uma ação mútua. Assim, à medida que a criança se desenvolve, a
linguagem pode servir como impulso para o pensamento
(FERNANDES, p. 63).
9
LIBRAS: Língua Brasileira de Sinais.
10
No que diz respeito à terminologia, Quadros (97) esclarece que o uso dos termos ‘segunda língua L2’ e
‘ensino de L2’ foi usado de forma genérica e que não pretende enfatizar a distinção entre língua estrangeira e
segunda língua L2. Diz que, apesar de haver um tratamento diferenciado, o que é relevante é o contexto em que
uma e outra língua é considerada e tratada no caso especial de educação de surdos.
51
Nessa citação é possível observar que, para ela, a ênfase nas questões de natureza
lingüística tem relevância, pois a possibilidade de expressão pela linguagem é essencial para a
interação social e para o desenvolvimento cognitivo. Mas é possível ler também que a
linguagem serve “como impulso”, depois de atingida certa etapa do desenvolvimento, o que
retira qualquer possibilidade de pensá-la, na citação acima, como estruturante.
Entretanto, apesar de Vygotsky ser citado para dar relevância às questões de natureza
lingüística e social, a concepção de linguagem que fundamenta o trabalho de Quadros baseia-
se, como veremos, nos fundamentos lingüísticos do gerativismo desenvolvido por Noam
Chomsky. Vale destacar, entretanto, que a orientação teórica desses dois autores é
diametralmente oposta. Voltarei a isso adiante.
Quadros (op.cit) destaca os aspectos fundamentais da teoria chomskyana que estão
relacionados a seu próprio trabalho, a saber: (1) a faculdade da linguagem deve ser entendida
como um componente da mente/cérebro do ser humano, isto é, um módulo na
mente/cérebro dos seres humanos que é responsável pela linguagem;(2) a natureza dessa
faculdade é o objeto da teoria lingüística que tem como meta descobrir os princípios
elementares comuns das línguas humanas. A essa teoria Chomsky chama de Gramática
Universal – GU. “Através do dispositivo de aquisição de linguagem LAD (language
acquisition dispositive), a criança aciona sua capacidade lingüística e passa do estado inicial
para o estado estável”. (QUADROS, op. cit., p.16). Note-se que Quadros adota uma
perspectiva inatista, que concebe o infans como um sujeito dotado de uma capacidade de
adquirir a língua a que é exposto.
Quadros (1997) afirma que Chomsky, ao definir linguagem, considera duas
perspectivas:
(1) E-language (linguagem-E) – conceito técnico de linguagem como
instância da linguagem externalizada, no sentido de construto
independente das propriedades da mente/cérebro com caráter
essencialmente epifenomenal
11
; (2) I-language (linguagem-I) objeto da
teoria lingüística que se caracteriza por três aspectos: a) interno, no
sentido de estado mental independente de outros elementos; b)
individual, enquanto capacidade própria do indivíduo (natureza humana);
11
Epifenômenos são fenômenos adicionais que se superpõem a outros, mas sem modificá-los, nem exercer sobre
eles nenhuma influência (Bueno 1976). As línguas – E-language – são epifenomenais porque envolvem vários
fenômenos (de ordem social, política, emocional, etc) que não influenciam a faculdade da linguagem – (E-
language).
52
e c) intencional, de caráter funcional, no sentido de ser uma função que
mapeia os princípios do estado inicial para o estado estável.
(QUADROS, op.cit., p. 16-17).
Quadros (1997) assinala que não tem como objetivo desenvolver a teoria gerativa, pois
trata em sua análise de E-languges, isto é, da LIBRAS e da língua portuguesa. Note-se, assim,
que a autora, ao recortar seu objeto, retira o cerne do trabalho de Chomsky, que ao longo de
décadas tenta validar os princípios gerativistas focando exclusivamente I-language. É
possível inferir que o gerativismo tem, no trabalho de Quadros, a função de assegurar a
hipótese de que um indivíduo da espécie nasce com a capacidade de adquirir todas as línguas,
mas que irá atualizar aquela a que é exposto. Nas palavras de Lopes (2003):
O modelo chomskyano considera que os seres humanos sejam
dotados de uma faculdade da linguagem, que, [...] é uniforme na
espécie [...] tida como inata. É específica à linguagem, cuja aquisição
é vista como independente de mecanismos gerais de inteligência. Seu
estado inicial (So) determina a classe de línguas possíveis, por meio
de princípios gerais de uma faixa de variação (os chamados
parâmetros). Esse estado inicial é conhecido como gramática
universal (GU) (LOPES. op.cit., p.101).
Essa talvez tenha sido a razão pela qual Quadros tenha se aproximado do gerativismo.
Enfatizo, entretanto, que, para Chomsky (1988), o que está em questão é: qual o sistema
envolvido na faculdade da linguagem e como este emerge na mente/cérebro de um falante
nativo? Já tudo que se refere ao modo como este conhecimento é colocado em uso, bem como
os mecanismos físicos que sustentam a base material desse conhecimento para seu uso, estão
fora do programa de pesquisa do autor
12
. Ainda que em trabalhos mais recentes, como no
“Programa minimalista” (Chomsky, 1995) seja possível entender “a faculdade da linguagem
encaixada nos sistemas de performance [...], pois [ela] interage com eles e deve satisfazer
condições gerais impostas por eles como, por exemplo, gerar objetos que sejam legíveis por
tais sistemas” (LOPES, 2003, p.102). Por isso, cabe acompanhar a discussão de Lopes,
especialmente, quando a pesquisadora destaca que a faculdade da linguagem é vista como
12
A este respeito ver Lopes (1995).
53
uma faculdade específica da mente, que interage com outros componentes da mente, mas tal
faculdade é circunscrita especificamente à linguagem, mas não às línguas particulares.
Como LIBRAS, na concepção de Quadros, é uma língua possível, as idéias de
Chomsky servem como suporte para justificar a necessidade de expor o surdo o mais cedo
possível àquela que seria sua “língua natural”. Quadros argumenta que o autor menciona “as
línguas de sinais como possível expressão da capacidade natural para a linguagem”
(QUADROS, 1997, p. 22). Ela indica que o estudo das línguas naturais não deve se restringir
às línguas faladas e que é possível incluir as línguas cuja modalidade é vísio-espacial e que
tais investigações são reconhecidas por Chomsky (1995), quando ele afirma que:
o termo “articulatório” é tão restrito que sugere que a faculdade da
linguagem apresenta uma modalidade específica, com uma relação
especial aos órgãos vocais. O trabalho nos últimos anos em língua
de sinais evidencia que essa concepção é muito restrita. Eu
continuarei a usar o termo, mas sem quaisquer implicações sobre a
especialidade do sistema de output, mantendo o caso das línguas
faladas (CHOMSKY, 1995ª, p.43, nota 4, apud QUADROS, R. &
KARNOPP, L. 2004, p. 29, ênfase minha).
Porém, a justificativa de Quadros (1997) é de que teoria da GU tem sido aplicada aos
estudos de aquisição de segunda língua. Ela afirma que esses estudos têm verificado que os
alunos aplicam os princípios da GU na aquisição da L2. Considerando tais estudos, e
guardando as devidas especificidades, a pesquisadora considera ser possível “avaliar como tal
teoria pode ser aplicada ao estudo da aquisição da escrita do português por alunos surdos”
13
(idem, p.17), que, como se vê, é entendida como a segunda língua do surdo. Cabe destacar
dois aspectos em relação a essa colocação de Quadros: o primeiro diz respeito à questão da
aplicação e o outro se refere ao papel atribuído ao sujeito, diferente do que propõe Chomsky -
que não tece considerações a esse respeito. Lembre-se que o sujeito chomskyano foi, em um
dado momento, um sujeito epistemológico, que gradualmente foi aproximado ao sujeito
biológico, mas jamais um sujeito empírico
14
, pois numa visada inatista, como afirma Lopes
13
Deve-se destacar que Quadros reconhece que há diferenças entre aquisição do português escrito por crianças
surdas e os casos típicos de aquisição de L2, mas que há similaridades no processo que parecem indicar a
aplicação de princípios gerais que estão presentes na aquisição das línguas, independente da modalidade de
expressão
14
Sobre isso ver Lopes (1995).
54
(1995), “o que se busca não é o mesmo que empiricamente se apresenta” (LOPES, op.cit., p.
88). Vê-se que, no trecho destacado acima, Quadros fala de um “aluno” que pode “aplicar
princípios” e por se imiscui um empirismo incompatível com a proposta inatista, ainda que
o que esteja em questão seja a segunda língua.
Quadros toma como base o processo de aquisição das línguas faladas, e descreve o
dito processo de aquisição da língua de sinais seguindo os mesmos estágios de aquisição
adotados nos estudos sobre a aquisição da linguagem de crianças ouvintes (período pré
lingüístico, estágio de uma palavra, estágio das primeiras combinações, estágio das múltiplas
combinações). O estabelecimento nominal, o sistema pronominal e a concordância verbal o
também enfatizados, tendo em vista que tais tópicos são fundamentais para o estabelecimento
de relações no espaço.
Pode-se apreender, a partir do exposto acima, que a descrição do processo de
aquisição de linguagem de crianças surdas, conforme descrito por Quadros, enfrenta as
mesmas dificuldades e comete os mesmos “pecados” do campo da aquisição descritos e
criticados por De Lemos (1982) e aprofundados por M.T. Lemos (1994), no que tange à
relação da área de aquisição com a Lingüística. Vejamos.
Chomsky, autor que sustentação teórica ao trabalho de Quadros (op.cit), tomou a
“gramática como sendo uma ‘teoria de linguagem’[... ele] afirma ser possível construir um
modelo de aquisição de linguagem, ou seja, definir a teoria lingüística que especifica a forma
de uma possível língua humana e que permite à criança ‘formular’ a teoria específica de sua
língua particular. Alcançar o nível dessa teoria lingüística universal que habilita a criança a
seu aprendizado da língua materna equivaleria, para Chomsky, ao nível de uma adequação
explanatória” (M. T. Lemos, 1994.p80). Note-se que, de acordo com De Lemos (1994), tais
formulações situam a aquisição da linguagem em uma função bastante elevada na teoria. Na
realidade, contudo, o que se fez no campo da aquisição foi uma leitura ingênua do trabalho de
Chomsky, pois a criança tinha para ele um estatuto simbólico - tinha um espaço na lógica
interna da teoria- e nada tinha a ver com a criança real e suas produções, pois partir de um
corpus lingüístico jamais levaria a uma formulação razoável da gramática da criança. Os
psicolingüístas, de acordo com Lemos, pareciam não ter entendido os limites intransponíveis
entre competência e desempenho. Esse estado de coisas, como se vê, não é diferente do que
acontece no campo da surdez.
Na realidade, a descrição sincrônica dos estágios descritos por Quadros (idem), a partir
dos trabalhos referentes à aquisição das línguas orais e nos estágios adotados por esses
estudos (período pré-linguístico, estágio de uma palavra, estágio das primeiras combinações e
55
estágios das múltiplas combinações), pressupõe que a aquisição de linguagem caracterize-se
por uma série de “saltos qualitativos que são entendidos como uma seqüência de aquisições,
hierarquicamente organizados em estágios. A noção de estágios implica a idéia de períodos
estanques (sincrônicos) e diferentes entre si, temporalmente relacionados numa ordem de
complexidade que pressupõe a necessidade de explicitação dos estágios iniciais e finais
(LIER, 1983, p. 14). Cabe assinalar que uma tal perspectiva não se coaduna com a proposta
inatista de Chomsky, que fala em favor da aquisição instantânea, e, portanto, não pressupõe a
observação e descrição de estágios cumulativos de desenvolvimento.
15
Junte-se a isso a idéia
equivocada, que comparece pressuposta, qual seja: de que o desempenho poderia revelar a
competência da criança.
É preciso assinalar, ainda, que Quadros (idem), diante de tais investigações, coloca
uma outra questão-problema: “como uma criança surda, filha de pais ouvintes, terá a LIBRAS
como sua L1 em tempo hábil?” (op.cit., p.81). A autora lembra que, mesmo quando os pais
ouvintes usam algum tipo de comunicação gestual, usam-na somente com a criança, pois é um
sistema criado em função da criança nascida “deficiente”. Quadros (1997) afirma que todas
as pesquisas desenvolvidas nos últimos anos sobre a aquisição da ASL
16
evidenciam que esta
pode ser comparada à aquisição das línguas orais em muitos sentidos. Normalmente, as
pesquisas envolvem a análise de produções de crianças surdas, filhas de pais surdos. Somente
esse grupo de crianças surdas apresenta o input lingüístico adequado e garantido para
possíveis análises do processo de aquisição. Entretanto, ressalta-se que essas crianças
representam apenas 5% a 10% das crianças surdas. Frente a esta questão, Quadros (1997)
interroga: “como garantir à criança surda, filha de pais ouvintes, a aquisição de LIBRAS
resguardando a relação pais e filhos?” (QUADROS, op.cit., p.81).
No mesmo sentido, Ciccone (1990) expressa preocupação diante do imediatismo de
propostas que buscam respostas a essa questão. propostas, diz a autora, que sugerem que
as crianças surdas sejam retiradas de seus lares e permaneçam em tempo integral com adultos
surdos, objetivando uma proposta bilíngüe-cultural e, assim, garantir à criança a construção de
uma teoria de mundo. Ciccone lembra que o papel do pai e da mãe é fundamental na
formação da identidade da criança surda.
15
A idéia de um processo de desenvolvimento gradual e contínuo foi criticada por diversos pesquisadores do
campo da aquisição de linguagem. Um dos problemas apontados é que eles descrevem estágios não relacionáveis
entre si, privilegiando a descrição em detrimento da explicação. Mais que isso, utilizam-se de instrumentais
descritivos, que não podem tocar a fala da criança.
16
American Sign Language.
56
Quadros (idem), na tentativa de estabelecer uma possibilidade de encaminhamento
desta questão, descreve um projeto desenvolvido na Suécia, em que a preocupação básica
estava relacionada à aquisição da linguagem de sinais em tempo hábil (por volta dos três a
quatro anos). Relata que o projeto envolvia o ensino da língua de sinais para pais ouvintes e a
aquisição da língua de sinais para crianças surdas. Eram realizados vários encontros com os
pais ouvintes para o ensino da língua de sinais sueca, com ênfase na compreensão, utilização
de vídeos que mostravam conversações entre pais surdos e crianças surdas, além de interação
de adultos surdos, através de brincadeiras, jogos, discussões sobre a vida.
O ganho deste trabalho, segundo a autora, é diminuir a distância entre pais ouvintes e
surdos o que, de acordo com o relato da pesquisadora, de fato, ocorreu. Além disso, as
crianças demonstraram progressos muito rapidamente no desenvolvimento da linguagem. A
conclusão deste projeto pode ser vista no depoimento de Ahlgren, citado por Quadros:
Se pais ouvintes estão pensando em sinais e tendo contato social com
pessoas surdas e se as crianças surdas podem ter um período com os
pais e outro com surdos adultos, então, a língua de sinais pode ser a
língua materna das crianças surdas e a segunda língua dos pais
ouvintes (ALHLGREN, 1994, p. 60, apud QUADROS, op. cit., p. 81).
Acredito que propostas como estas, independente dos resultados obtidos, servem
principalmente para marginalizar a complexidade envolvida na idéia de que a língua de sinais
é a língua materna de crianças surdas filhas de pais ouvintes. Na realidade, são descritas
estratégias para contornar uma dificuldade, que não é enfrentada e , por isso, não é abordada
como um problema teórico.Nas seções que se seguem, outras propostas serão apresentadas e
problematizadas.
3. Sobre a Aquisição de L2
Segundo Quadros, qualquer profissional que pretenda trabalhar com o ensino de língua
portuguesa, a partir da perspectiva bilíngüe, junto a alunos surdos, deve conhecer as
condições impostas ao processo de aquisição de uma segunda ngua, dado que o português,
como vimos, é considerado L2. Os fatores implicados no processo de aquisição de L2 podem
ser importantes para a aquisição da língua portuguesa por surdos. Porém, nesta seção serão
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descritas as propostas sem que seja empreendida uma análise crítica, uma vez que o objetivo é
indicar as relações estabelecidas entre L1, L2 e escrita.
De acordo com Quadros (1997), há três possibilidades de aquisição de L2: (a) a
aquisição simultânea da L1 e da L2; (b) a aquisição espontânea da L2 não simultânea e (c) a
aprendizagem da L2 de forma sistemática.
O primeiro caso pode ocorrer com crianças que são filhas de pais que usam duas
línguas diferentes ou usam uma língua diferente da língua usada na comunidade onde vivem.
A aquisição em (b) pode ocorrer com pessoas que passam a morar em outro país onde é usada
outra língua. Já a terceira possibilidade (c) relaciona-se à situação de escolas de línguas
estrangeiras, em que a diferença básica entre a aquisição da primeira língua L1 – e a
aquisição de uma segunda língua L2 está ligada ao modo como o indivíduo é exposto às
línguas. A autora diz que “quando a criança é exposta a sua L1, a aquisição ocorre
espontaneamente e de forma natural” (p.83). Já a aquisição da L2 ocorrerá em um ambiente
artificial e de forma sistemática, seguindo metodologia de ensino.
Quadros (97) entende que as duas primeiras formas de aquisição de L2 não são
possíveis de serem aplicadas, pois estão relacionadas com a condição física da pessoa surda.
A forma de aquisição em (a) poderia indicar o caso típico da pessoa surda, pois ela nasce em
um país que utiliza uma língua e adquire de forma natural uma outra língua. Contudo, a
pessoa surda não ouve a língua usada neste país. No caso de crianças ouvintes filhas de pais
surdos, diz a autora, tanto a forma (a) como a forma (b) se aplicam, pois a criança adquire a
língua de sinais com os pais e a língua falada com outras pessoas do seu país.
A autora enfatiza que a LIBRAS é adquirida pelos surdos brasileiros de forma natural,
mediante contato com sinalizadores, sem ser ensinada, assim, conseqüentemente, deve ser sua
primeira língua. Cabe apenas destacar que os pais podem ser substituídos por sinalizadores,
trata-se mesmo de fornecer um input adequado, a qualidade da relação parental parece estar
completamente apagada. Acredita-se que a aquisição dessa língua (L1) precisa ser assegurada
para realizar um trabalho sistemático com a L2. O ensino formal da língua portuguesa
evidencia que essa língua é uma segunda língua para a pessoa surda.
Quadros (1997) apresenta o trabalho de Collier (1989) que compilou uma série de
pesquisas sobre a aprendizagem de segunda língua. As questões que nortearam seu trabalho
foram: (a) quanto tempo leva para se chegar a um bom nível na segunda ngua considerando
o contexto escolar? (b) a aquisição da segunda língua é mais fácil para pessoas mais jovens ou
mais velhas? (c) qual o nível de proficiência na primeira e segunda ngua necessário para o
sucesso acadêmico na segunda língua?
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Collier observou que a variável idade não pode ser separada de outras variáveis, tais
como: desenvolvimento cognitivo e proficiência na primeira língua. Entende a autora que o
processo completo de aquisição da primeira língua é concluído na puberdade. Este processo
compreende aspectos, tais como: o domínio de regras morfo-sintáticas mais complexas; a
elaboração dos atos de fala; o domínio semântico e a aquisição de vocabulário, que será
ampliado ao longo da vida. Assim, ela afirma que antes da puberdade não é conveniente o
aprendizado de uma segunda língua. Adolescentes e adultos que adquiriram L1 apresentam
um desenvolvimento mais rápido nas habilidades comunicativas interpessoais.
Scliar-Cabral, por sua vez, defende (1988) que a educação formal e sistemática de uma
língua envolve uma situação distinta do processo de aquisição de L1, uma vez que os
contextos em que ocorre a aquisição de L1 e L2 são radicalmente distintos. Para ela, a não
exposição à língua nativa, no dito período natural de aquisição da linguagem, causa danos
irreparáveis à organização psicossocial do indivíduo, o mesmo não ocorre com L2, pois é
possível viver em um país que desconhece a língua, sem correr o risco de sofrer danos
irreversíveis no mecanismo da linguagem, o domínio da primeira língua, segundo Ll é o que
garante o funcionamento do mecanismo lingüístico. Daí a obrigatoriedade de crianças surdas
terem necessidade de acesso à língua de sinais para garantir a aquisição de linguagem e do
pensamento, e L2 se faz necessária para fazer valer seus direitos frente à comunidade de
ouvintes (Quadros, idem).
Muitos outros autores discutem os fatores envolvidos na aprendizagem de L2, entre
eles destacam-se: Westphal, 1995; Damhuis,1993; Ellis,1993; Willians (1991) e Brown
(1994). A leitura desses trabalhos, que não serão discutidos aqui, revela que o ensino de L2
envolve um fenômeno multidimensional, com variáveis diversas que seriam determinantes do
processo e do produto da aprendizagem. Segundo Quadros, essas pesquisas tentam explicar a
aquisição de L2 por um único viés (motivação, qualidade do input, etc.). Para Quadros uma
proposta educacional de aquisição de L2 deveria combinar: o estudo dos aspectos universais –
capacidade humana para a linguagem, maturação e ordem natural de aquisição -, com os
aspectos variáveis como: fatores sociais, culturais, afetivos, qualidade e quantidade input,
contexto da aquisição. Para ela, os dois conjuntos determinam o processo.
Finalmente, Quadros lembra que, apesar de o processo de ensino de L2 para surdos
apresentar características peculiares, observa-se que tais estudos podem colaborar para nortear
o caminho a ser trilhado no processo educacional. A autora afirma que as informações quanto
à importância vital da aquisição de L1 no processo de ensino da L2, a idade favorável para a
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aquisição, o tempo de exposição à L2 (input), a qualidade do input a que o aluno está exposto,
o tempo do processo de aquisição da L2, as discussões quanto aos conhecimentos explícitos e
implícitos da L2, a importância da gramática, as estratégias, os tipos de atividades, podem
nortear o professor na tomada de decisões em relação ao ensino de ngua portuguesa para os
surdos. Considerando a situação peculiar dos surdos, deve-se especificar, também, qual o
papel da escrita no ensino de L2.
Porém, antes de tocar nessa questão, considero fundamental introduzir o trabalho de
Pereira de Castro (2006) sobre língua materna. A autora, além de apresentar a polêmica em
torno da questão do papel da GU na discussão a respeito da aquisição/aprendizagem da
segunda língua, mostra também o quanto soluções apressadas podem fragilizar a própria
proposta inatista, que, como vimos, é supostamente a vertente que sustenta o trabalho de
Quadros. Vejamos:
Certas discussões realizadas pelos gerativistas a respeito da aquisição
de línguas outras
17
deixam transparecer aspectos desta complexidade,
ainda que não reconhecida nestes termos, na medida em que a
questão sobre a aquisição da chamada L2 põe em evidência o que o
algoritmo L1, L2 (...Ln) oculta. A questão central da relação entre L1
e L2 é saber se o problema lógico da aquisição de linguagem
(Chomsky, 1981, 1986 etc.), uma das premissas básicas da teoria na
aquisição de L1 é ou não o mesmo enfrentado pelo aprendiz de L2.
Em outras palavras, a pergunta gira em torno do papel da Gramática
Universal (GU), na aquisição de L2. Para White (1982, 1995), por
exemplo, trata-se do mesmo problema. Segundo este e outros autores
(Flynn, 1983; Cyrino, 1986), se a faculdade da linguagem é
biologicamente determinada (ver Chomsky, 1986, 2000, entre
outros), a GU deve continuar acessível na aquisição/aprendizagem
18
de L2. (PEREIRA DE CASTRO, 2006, p. 135-136).
17
A literatura estabelece diferenças essenciais, as quais não discutirei aqui, entre língua estrangeira e segunda
língua. Para distanciar-me deste debate falo aqui em línguas outras apenas para opô-las à língua materna e para
evitar uma adesão incondicional à noção de bilingüismo. A razão desta escolha, penso, ficará clara no decorrer
do trabalho. O leitor observará ainda que as teorias não são unânimes na escolha dos termos. Até mesmo o termo
“língua materna” não é sempre adotado na literatura. Quando me referir às teorias e aos autores, respeitarei a
terminologia por elas adotadas
.
18
Uso aquisição/aprendizagem porque no debate ora um, ora outro termo é empregado, o que já marca a
polêmica sobre o papel da GU.
60
Pereira de Castro adverte que a hipótese acima não é unânime. autores que
assumem a hipótese de um período crítico de aquisição, defendido por Lennenberg (1967), e
entendem que a GU, na adolescência, não é mais acessível para o aprendiz de L2. Segundo a
autora, Schachter (1988), por exemplo, nega que seja possível a existência de um processo
bem-sucedido de aquisição de L2 depois da puberdade, pois, nestes casos, não há mais
possibilidade de acesso à GU e, portanto “trata-se de um processo unicamente cognitivo de
aprendizagem (cf. Cyrino, 1999)” (PEREIRA DE CASTRO, 2006, p. 136).
Para Pereira de Castro, o conceito de período crítico, que alia cronologia à noção de
desenvolvimento, sustenta o caráter único de L1, a língua materna, mas também fragiliza: “o
valor da GU na teoria, limitando seu papel à aquisição de uma primeira língua, abrindo
brechas para a contradição teórica: pode-se adquirir/aprender uma segunda língua sem que se
acionem as estruturas cognitivas exclusivas da linguagem.” (PEREIRA DE CASTRO, op. cit.,
p. 136) Segundo a pesquisadora, autores que procuram diferenciar aquisição e
aprendizagem, mas mantêm a hipótese do acesso à GU quando entra em jogo a sintaxe. Nessa
perspectiva, segundo ela,
aprendizes de L2 seriam sensíveis a certos princípios que definem
“os traços centrais” de L2. Tome-se, por exemplo, a questão da
ordem das palavras: segundo estudo experimental de Felix (apud
Cyrino, 1999), o fato de L1 ter uma outra ordem não acarretaria a
transferência dos seus traços centrais. neste ponto de vista uma
oposição entre “core grammar” (Chomsky, 1986), dependente do
acesso à GU e aspectos periféricos (“periphery”, Chomsky, op. cit.),
que podem estar ligados a outros processos cognitivos. É preciso que
se compreenda esta afirmação, vale lembrar, no corpo de um debate
em que se cruzam hipóteses radicalmente opostas. As chamadas
evidências empíricas, apresentadas de lado a lado, não garantem um
consenso (PEREIRA DE CASTRO, op. cit., p. 136-137).
A autora conclui que a discussão entre os gerativistas mostra que a L1 só se torna uma
questão-problema, quando vista na relação com as línguas posteriormente adquiridas. Para
ela, os autores que assumem a hipótese de que a determinação biológica garante a
acessibilidade da GU, reafirmando as premissas da teoria, acabam por assumir a possibilidade
61
de que as nguas adquiridas depois de L1 possam ser seqüencializadas (L1, L2....Ln) e a
diferença entre elas é apenas a ordem em que são adquiridas. os que colocam em questão a
diferença entre a primeira língua e aquela(s) adquirida(s) depois “parecem tocados pela
diferença entre saber uma língua (materna) e conhecer uma língua outra, a partir da língua que
se sabe
19
. Assim se explica, por exemplo, o recurso ao termo “aprendizagem”. Para a
pesquisadora, “o reconhecimento da especificidade da língua materna, a L1, não deixa de
abalar os princípios da teoria pelo enfraquecimento da GU”(PEREIRA DE CASTRO, op. cit.,
p. 137).
Como se vê, Pereira de Castro indica que as questões suscitadas pela relação entre L1
e L2 nos levam a interrogar, também, sobre o papel da GU, pois esta relação revela a tensão
entre o saber e o conhecer uma língua, dicotomia que, para ela, tem um valor metodológico na
discussão.
Note-se que a relação L1/L2 é bastante complexa e cria problemas para o modelo
inatista. O que chama atenção nos trabalhos sobre a surdez é o apagamento de questões
teóricas cruciais. A questão da língua/linguagem é um tema de grande expressividade, esses
termos circulam livres nos trabalhos sobre a educação de surdos, mas o modo como é
abordado, revela falta de reflexão acerca da especificidade do lingüístico, com isso conceitos
não são bem delimitados e o discurso do campo fica marcado por uma série de máximas que
freqüentam o discurso de professores, clínicos e, também, os textos teóricos.
É corrente, nos trabalhos sobre bilingüismo, que se afirme que a língua de sinais é a
língua natural do surdo e a escrita do português a segunda língua, sem que se discuta o que é
uma língua, o que é aquisição de linguagem pela criança. O mesmo vale para as propostas
oralistas que pretendem “dar acesso” à fala e que acabam por tomar a linguagem como objeto
a ser aprendido, sem interrogar a natureza do processo de aprendizagem. O modo de relação
com a Lingüística parece ser a causa desse estado de coisas. Em outras palavras, não se
interroga o que significa falar em aquisição de linguagem, isto é, não se coloca em questão
como se dá a passagem de infans a falante.
Um olhar mais atento para os trabalhos sobre a educação de surdos, que tocam a
questão da aquisição de linguagem, deixa ver que a aproximação à Lingüística não resultou
num encontro fecundo, não parece exagero afirmar que a aproximação à Lingüística foi um
movimento claudicante e desavisado, movido pela necessidade de lidar com a complexa e
controvertida questão da língua materna do surdo. Em foco está também, em grande parte dos
19
Ver Melman (1992).
62
trabalhos, a organização peculiar da língua de sinais e a necessidade de descrição desta língua
viso-espacial. Em todos eles é freqüente encontrar a presença “termos” emprestados do
discurso da Lingüística, mas quase sempre o que encontramos são fragmentos de diferentes
modelos teóricos, muitas vezes incompatíveis entre si, sempre amputados da lógica do
dispositivo em que foram forjados (Arantes, 1994; Lier-DeVitto, 1995, 2000a, b). Esse modo
utilitário de aproximação à Lingüística é que, segundo Lier-DeVitto, pode ser considerado
“um mau encontro” entre campos do conhecimento e que é expressão do descompromisso
com uma reflexão particular sobre a linguagem.
3.1 Língua de Sinais: língua materna?
De acordo com Skliar (1998), ao longo dos tempos, os surdos criaram uma língua cuja
modalidade de recepção e de produção é viso-gestual. Apesar de sua longa existência, uma
teorização consistente sobre as línguas de sinais é recente e rodeada por mistérios e
“representações estereotipadas”.
Os trabalhos de Stokoe (1960) e de Klima e Bellugi (1977) criaram as bases para um
estudo científico desse sistema lingüístico. Assim, as línguas de sinais receberam o mesmo
estatuto lingüístico das línguas naturais, apesar das diferenças das línguas orais no que tange
ao “uso do espaço como valor sintático e a simultaneidade dos aspectos gramaticais são
algumas das restrições levantadas pela modalidade viso-espacial que determinam sua
diferença estrutural em relação às línguas auditivo-orais” (SKLIAR, 1998. p.24).
Desse modo, prossegue o autor, a linguagem deveria ser definida independentemente do
canal pelo qual se expressa, quer dizer, a linguagem possui uma estrutura subjacente
independente da modalidade de expressão. Com isso a língua de sinais e a língua oral não se
opõem, mas apenas possuem canais diferentes.
Segundo Behares, atualmente o caráter lingüístico da Língua de Sinais é indiscutível
no campo da Lingüística e as discussões a esse respeito têm, hoje em dia, como foco a
determinação de que tipo de língua é essa. Ele assinala que dizer que algo é uma língua
implica afirmar que ela é uma língua natural. No ambiente teórico em que Stokoe produziu o
trabalho que revolucionou os estudos sobre a língua de sinais - a lingüística norte-americana-
o adjetivo natural assinala que “essa língua é falada por uma comunidade e que há, pelo
menos, um falante dessa língua que a tem como primeira língua” (BEHARES, op.cit., p. 121).
63
Desse modo, pode-se dizer que toda e qualquer criança surda “pode adquirir a língua
de sinais desde que participe das interações quotidianas com a comunidade surda, como
acontece com qualquer outra criança na aquisição de uma língua natural” (SKLIAR, op.cit.,
p.26). Natural, para Skliar, não se refere a uma “espontaneidade biológica”, mas se refere a
uma língua que foi criada e é utilizada por uma comunidade específica de usuários, que se
transmite de geração em geração e que, com o tempo, muda tanto estrutural como
funcionalmente. Para ele, colocar a língua de sinais ao alcance de toda criança surda deveria
ser o princípio fundamental de uma política lingüística, que poderia sustentar um projeto
pedagógico mais amplo.
A língua de sinais, dentro de uma perspectiva que Behares denomina “visões clássicas
sobre a sócio-antropologia da surdez” (BEHARES, 1995, p. 133), é considerada como parte
fundamental da identidade surda, em função de seu efeito unificador e determinante na
comunidade de surdos. Segundo Behares, chega-se mesmo a afirmar que a língua de sinais é
um fator de etnização nas comunidades surdas, embora para o autor se deva interrogar se os
surdos são de fato um grupo étnico. Para ele, a questão da etnia envolve aspectos mais amplos
e complexos e, por isso, em um trabalho de 1987, ele defendeu a hipótese dos surdos
constituírem um grupo social organizado em torno de uma experiência comum, que promove
uma identidade grupal. Esses grupos foram denominados de “grupos de experiência”
(BEHARES, op. cit., p.60).
Importa assinalar que para Behares a questão ontogenética é um componente central,
tanto no que se refere à aquisição de linguagem, quanto no que tange à formação da
identidade e socialização. Assim, ele discute os trabalhos realizados a partir do Interacionismo
simbólico, uma perspectiva teórica ligada ao trabalho de Mead (1932) e que se caracteriza, de
acordo com a leitura de Behares, por uma descrição empírica da interação mãe–criança,
impulsionada por um esforço interdisciplinar e influenciada por trabalhos ligados à
pragmática lingüística e à psicologia histórico-cultural de Vygotsky. Tais estudos, segundo
ele, não tinham como fugir das questões da comunicação e da linguagem e o ponto central
“eram os processos de constituição de um sistema convencional de comunicação entre mãe e
filho. Dado que crianças surdas têm acesso limitado ou nulo à fala da mãe, eles criam com
elas formas simbólicas baseadas em recursos gestuais. Segundo Behares, Tervoort (1961)
forjou o termo “simbolismo esotérico” para qualificar a natureza desse canal estabelecido
entre a criança surda e a mãe ouvinte.
64
As leituras do “simbolismo esotérico” provocam diversas discussões teóricas, mas
sempre cumpriram um papel limitado de rejeitar ou comprovar as teorias sobre a aquisição da
linguagem. Golden-Meadow e Mylander (1990) defendem que a criança surda chega à
linguagem predisposta a analisar e combinar palavras ou gestos, sem que haja uma ngua
estabelecida, assim a interpretação dos autores visa justificar a hipótese de que a sintaxe é
inata. Numa vertente oposta, Pereira de Castro (1989) atribui a gênese destes simbolismos à
interação mãe-criança “e aos modos de interpretação maternos que conferem significado aos
gestos da criança” (BEHARES, op.cit., p. 138). Assim, temos que crianças surdas filhas de
pais surdos têm sua identidade definida de modo positivo, pois a língua de sinais é
constitutiva na relação com o casal parental.
Quanto aos surdos filhos de pais ouvintes, a fantasia que esses pais costumam
transmitir aos filhos é marcada, de início, por uma fórmula negativa, como diz Behares (idem
ibidem): você é (deveria ser) um ouvinte, mas não fala.” Assim, eles são expostos ao
“simbolismo esotérico” e é apenas na sua experiência posterior que essas crianças poderiam
mudar sua identificação ao entrar em contato com a comunidade surda e a língua de sinais.
Essa mudança de identidade, assinala Behares, é explicada, na perspectiva que ele denominou
visões clássicas, com aparente facilidade, pois ela está assentada em conceitos da psicologia
social vinculada a representação de si como tomada de consciência, e no fato do surdo ser ou
passar a ser usuário da língua de sinais.
Desde a descoberta de Stokoe, e dos desdobramentos que dela decorreram, a
identidade passou a ser vista como uma construção vinculada ao uso/não uso da língua de
sinais, a questão era: ter ou não ter a língua de sinais. No contexto do imaginário social, diz
Behares: “as identidades estão oferecidas ao indivíduo em um lugar suprapessoal, neutro, ou
cultural. Nesse lugar. às vezes nomeado como matriz social, as identidades estão disponíveis
como los imantados para que o indivíduo faça as suas” (BEHARES, op.cit., p.139). As
identidades o assim objetos representacionais positivos e sua positividade decorre do
conceito de “modelo”. Vejamos, novamente, o que diz Behares:
1-Há um modelo surdo{S}, caracterizado por um arquétipo
generalizado, que prescreve certos comportamentos sociais e
prescreve outros (por exemplo, deve-se sinalizar e não falar) a partir
da consciência de pertencer (ou não) ao grupo dos surdos e de se
reconhecer na cultura desse grupo.
65
2-Há um modelo ouvinte {O}, caracterizado por outro arquétipo
generalizado, a partir de certos comportamentos sociais (neste caso,
falar, entre outros), que implica a consciência de pertencer ao grupo
dos ouvintes reconhecendo-se no seio da cultura dos ouvintes
(BEHARES, op. cit., p.139).
As crianças surdas teriam acesso a esses modelos pela interação social e a
identificação com o modelo seria pela via da semelhança: “eu sou como esse outro”. Para
Behares, essa “identificação modélica”, definida na interpretação clássica da surdez como
fenômeno social, é bastante simplista, pois atribui ao indivíduo a possibilidade de escolha de
uma identidade, ou o surdo acaba limitado a uma identidade pelo grupo dentro do qual se
socializa.
Note-se ainda que há uma possibilidade de surdos filhos de pais ouvintes mudarem sua
identidade e abandonar um grupo em que foi constituído para passar a outro. É visível, então,
o apagamento da pluralidade das identidades surdas e da singularidade do sujeito.
Veja que se trata aqui de uma visada interacionista em que a interação se entre
sujeitos empíricos, indivíduos concretos que pertencem ora ao grupo de ouvintes, ora ao
grupo de surdos. Assinalo que esta perspectiva é radicalmente diferente da idéia de interação
que comparece nesta dissertação.
Cabe interrogar finalmente, o que se pode pensar a respeito da relação
língua/identidade, nessa visada interacionista: esta relação está centrada no uso, entendido
como incorporação da língua oral ou de sinais como instrumento de comunicação.
Finalmente, Behares coloca três questões fundamentais que nos permite interrogar o
modo como a definição de língua materna costuma ser definida nos estudos sobre a surdez.
Seguem as questões a serem enfrentadas:
-o estatuto da língua de sinais enquanto língua é lugar privilegiado de
definição de identidade,
-a oposição necessária entre indivíduo que usa a língua e o sujeito da
língua e
- o estatuto do imaginário, na medida em que para a visão clássica é o
âmbito priorizado, das identidades. ”(BEHARES, op. cit., p.143).
66
Behares esclarece que “dizer que a criança surda aprende a língua de sinais equivale a
dizer que ela se transforma em mestre das relações significado/significante que constituem
essa língua. No entanto, esse percurso da criança em sua relação com a linguagem mostra a
inconsistência deste dizer e desta equivalência” (BEHARES, op. cit., p.143).
Assim, acompanho as idéias de Behares para quem a criança surda, como qualquer
outra criança, encontra-se submetida a um conjunto de relações lingüísticas que são anteriores
ao uso que delas fazem, “ela é falada desde a língua, e nesse ser falada acaba sendo
capturada. A fala da e não é somente um fenômeno, é, de fato, toda língua
20
. Por isso,
quando se fala em língua materna, introduzimos a noção de captura. Desloca-se, assim, a idéia
de um sujeito cuja identidade se define pelo uso da língua e o sujeito passa a ser concebido
como sujeito da língua, trata-se, portanto, de um efeito-sujeito e a língua materna é o
momento de constituição desse efeito-sujeito.
Sobre a língua materna, Pereira de Castro esclarece que:
Note-se ainda que a língua materna seja definida por Lacan como uma
“ocupação”, termo que é em parte fruto da leitura que o autor faz, com
Freud, da obra de Saussure (1968), que exclui a possibilidade de se
tomar a língua como função do sujeito falante, invertendo a relação
sujeito do conhecimento-objeto ao propor que o falante “registra
passivamente” a língua (Saussure, op.cit., p.30), abrindo caminho para
o reconhecimento do primeiro como efeito desta (PEREIRA DE
CASTRO, op. cit., p.142-143).
As questões levantadas por Behares permitiram Midena (2004) retornar ao que Freud
(1891) enunciou “sobre um aparelho de linguagem que coloca o sujeito no circuito do outro
pela relação com outro aparelho de linguagem e o que diz Lacan (1966) sobre o sujeito ser
efeito do funcionamento das cadeias significantes, retomada que possibilita repensar a relação
da oralidade e da língua de sinais com a questão da língua materna dos surdos.” (MIDENA,
op. cit., p. 64).
20
Como diz C. De Lemos (1992:128), o outro não interessa enquanto “indivíduo” senão como “discurso ou
instância de funcionamento da língua constituída”.
67
Behares e Peluso (1997) definiram como a língua natural dos surdos a língua de sinais
devido ao “fato de que na presença dela o acesso do surdo é imediato, seja por que sua
estrutura visual-manual lhe facilita, seja por que o fato de ser a língua de sua comunidade de
referência torna possível a interação espontânea (o que não é possível em uma língua oral)”
(p. 40). Como a primeira língua, esses autores definiram aquela que faz referência aos fatores
temporais, ou seja, a que ingressa em primeiro lugar no repertório da criança, envolvendo o
bebê nos primeiros tempos de vida e inscrevendo-o no simbólico.
A partir dessa definição, propuseram que a língua oral seria a língua materna dos
surdos filhos de pais ouvintes, que produziria a inscrição da criança surda no simbólico,
ainda que essa criança não possa “vir a se assenhorear dela”. Essa inscrição se daria, então, de
modo muito peculiar e é necessário considerar as vicissitudes dessa constituição psíquica,
uma vez que muitos surdos consideram-se falantes da língua de sinais. Para os autores, essa
crença seria da ordem do imaginário, que a ngua oral se mantém como língua materna,
pois estreitamente vinculada à estruturação do sujeito. Dessa forma, eles afirmam que o surdo
vai poder ser atravessado pelo simbólico, ainda que tenha que adotar uma “língua estrangeira”
tal qual é vista a língua do discurso da mãe.
Dalcin, psicóloga ligada à Psicologia Social, buscou romper com o modelo
predominante que avalia o “desvio” e a “incapacidade” como verdades absolutas, e que
encontra na reabilitação a possibilidade de atuar sobre o órgão falho, no caso, o ouvido, e
transformando o sujeito surdo num pedaço de carne que precisa ser reabilitado, pôde
constatar, através de depoimentos, que os surdos adultos que nasceram surdos e que tiveram
um contato tardio com a língua de sinais possuíam uma forma particular de lidar com o
simbólico, com a cultura familiar, com regras estabelecidas e com os valores instituídos.
A pesquisa de Dalcin (2006) buscou investigar como o surdo, filho de pais ouvintes,
internaliza a cultura familiar e de que maneira essa internalização colabora para a formação de
sua subjetividade. A autora considerou, para sua análise, a diferença de ngua e de cultura, o
sentimento de “estrangeiro” que os surdos afirmaram sentir em relação a sua família de
origem e, de maneira inversa, o seu sentimento de “familiaridade” quando encontram a
comunidade surda que denominaram de sua “família”.
A autora fala de dois tipos de surdez: a pré-lingüística ou pré-lingual e a pós-
lingüística ou pós-lingual. A primeira é a congênita ou surgida em tenra idade, antes da
aquisição da fala. Já a segunda é característica de pessoas ensurdecidas depois de adquirir a
linguagem.
68
O não conhecimento da língua de sinais, pela família, a falta de interação, diz a
pesquisadora, provocam angústia no surdo, um estranhamento (ela refere-se a Freud, no
ensaio “O estranho”-1919), uma idéia de estranheza intrínseca ao sujeito. Ver-se diante da
diferença do outro provoca angústia no sujeito. Essa angústia se expressa na ambivalência em
relação ao estranho, a qual, por um lado, demanda a exclusão dele, por outro, o seu
acolhimento. Na família do surdo aparece esta ambivalência em relação ao estranho: por um
lado demanda a exclusão, por outro, o acolhimento. Ao que parece, para ela, que acompanha
Freud, o surdo seria o “estranhamente familiar”. Algumas vezes busca-se aprender sua língua,
outras, exige que ele se expresse oralmente.
Vê-se que não há consenso sobre o tema e que é necessário um enfrentamento teórico
mais aprofundado. É inegável que surdos que apresentam um funcionamento lingüístico
marcado tanto pela oralidade como pela língua de sinais. Ao mesmo tempo, há os que
mostram um funcionamento lingüístico marcado somente pela língua de sinais, ou ainda,
aqueles cujo funcionamento se caracteriza somente pela presença da fala. Sobre esse ponto,
Midena (op.cit) comenta que: “tais casos levaram-me a indagar sobre a possibilidade de a
língua materna ser constituída por mais de uma língua, isto é, por materialidades lingüísticas
diferentes na sua aquisição” (MIDENA, op. cit. p.65).
Como vimos, muitos autores que explicam o processo de aquisição de linguagem pelo
surdo propõem uma definição de língua materna como um objeto transparente e inequívoco.
Para aqueles que consideram a ngua de sinais como a língua materna desta comunidade
basta que o surdo seja exposto a ela. Já para os que apostam na vertente oralista, cabe
compensar o déficit perceptual e a exposição à fala nos dois casos a linguagem se
desenvolverá naturalmente. Desconsidera-se, assim, que outras articulações em jogo que
ultrapassam o entendimento da língua materna como a primeira de uma série possível de
línguas.
No trabalho de Pereira de Castro (2006), anteriormente mencionado, vimos que a
autora destaca o caráter único e singular da língua materna, que não pode ser equiparada ao
“lote comum de todas as línguas”, mas para isso é necessário colocar a fala da criança em
questão. Para ela, uma reflexão desta natureza pode até mesmo oferecer uma alternativa ao
conceito usual de bilingüismo e criar a possibilidade de “ressignificação da posição subjetiva
de uma fala entre línguas ou fragmentos delas”.
Foi no trabalho de Milner (1978, 1989, entre outros) que Pereira de Castro encontrou
elementos que permitiram empreender uma discussão que articulasse a discussão “sobre o
estatuto da fala da criança e o conceito de língua materna”. O que pode promover “um
69
deslocamento teórico no conceito de língua materna, alçando-o a um lugar privilegiado para o
tratamento de certas questões que afetam o campo da aquisição de linguagem” , e, que do meu
ponto de vista, são de importância fundamental para desnaturalizar o modo como a ngua
materna tem sido abordada nos estudos sobre a surdez. Pereira de Castro afirma que:
Milner considera língua materna fora de uma seqüência
cronológica ou classificatória de línguas: “... esta língua que
usualmente chamamos materna, pode-se sempre tomá-la por um lado
que a impede de ser contada (faire nombre) entre outras línguas, de
lhes ser comparada” ((MILNER, 1978, apud PEREIRA DE
CASTRO, p. 141). (tradução da autora
21
).
Tal afirmação para ela é de natureza teórica e metodológica, trata-se de “uma questão
que, se transposta para o debate em aquisição de linguagem, deve ser pensada a partir do
reconhecimento da singularidade da fala da criança” (PEREIRA DE CASTRO, op. cit., p.
141).
Ela prossegue com Milner e afirma que a língua materna guarda “um traço de
incomensurabilidade” que impede que ela seja incluída no lote das línguas comuns. “A língua
materna é qualquer língua, como todas de um certo modo o são, ela é uma entre outras, mas
para um certo sujeito falante ela é língua materna (cf. Milner, p. 21-22) (Pereira de Castro
idem ibidem). Assim, segundo a autora, a ngua materna deve ser compreendida pelo que a
aquisição de linguagem imprime como “traço de incomensurabilidade”, isto é, a constituição
de um sujeito falante.
A autora comenta que:
a aquisição da língua materna põe o sujeito na posição de falante, isto
é, passa a qualificá-lo a partir desse momento lógico de captura por
um modo de funcionamento, sempre divido entre lalangue e língua, o
que me permitiu em trabalhos anteriores
22
afirmar que a língua
21
Não ignoro que existe uma tradução do livro em questão. Entretanto, por não tê-la em mãos, traduzi o trecho
citado e os outros que virão.
22
Ver sobretudo o citado artigo de 1998
a
, “Língua materna: palavra e silêncio na aquisição da linguagem na
aquisição da linguagem”. Trabalho apresentado no III Encontro Bienal da Sociedade Brasileira de Psicanálise de
S.P. em 1996 e publicado em 1998 no livro que reuniu os trabalhos apresentados neste Encontro.
70
materna deva ser compreendida como uma experiência única,
impossível de ser esquecida mesmo quando a julgamos perdida;
mesmo se não a reconhecemos mais na superfície da fala, “mesmo se
falamos uma língua estrangeira” (PEREIRA DE CASTRO, 1998:
256, apud PEREIRA DE CASTRO,2006 . p.143).
O modo como a autora considera a língua materna, isto é, a partir da incidência de um
funcionamento lingüístico sobre o infans, que o transforma em falante,
não se resume à simples questão cronológica, ao fato de a língua
materna ser a primeira da especificidade da língua materna tem o seu
corolário: em certas situações pode-se supor que a língua materna
seja constituída por materialidades lingüísticas diversas, provenientes
de mais de uma língua. Não se trata de uma hipótese sobre o
bilingüismo, sobre a relação entre duas totalidades de língua bem
definidas, mas sobretudo de uma experiência entendida como um
vivido atravessada por línguas, etnias ou culturas diversas
23
. O que
o sujeito sabe delas nem sempre coincide com o reconhecimento
deste saber e muito menos com um uso que caracterizaria o chamado
bilingüismo. Por isso a assunção, aparentemente paradoxal, de que a
língua materna é inesquecível, mesmo quando não a reconhecemos na
superfície da fala (PEREIRA DE CASTRO, op. ci.,. p.144).
Para finalizar, destaco e acompanho a questão colocada por Midena, que acompanha
Pereira de Castro:
Embora o desdobramento dessa hipótese sobre ngua materna como
conceito metodológico com as relações da oralidade e língua dos
sinais pelo surdo ultrapasse os limites desse trabalho, caberia lançar
aqui a pergunta: a que ponto se podem excluir os efeitos da
oralidade na discussão sobre a aquisição de linguagem pelos surdos
severos (MIDENA, op. cit., p. 66).
23
Esta hipótese foi inicialmente formulada em 1998b, em um seminário realizado na Universidade de Paris III,
a convite da profa. Jacqueline Authier.
71
Voltando à questão da aquisição de linguagem do surdo filho de pais ouvintes,
devemos lembrar que na maioria dos casos o contato com a língua de sinais é tardia. Mas
antes que isso aconteça, a criança está imersa em um mundo sonoro, visual, tátil que de algum
modo lhe inscrevem no universo simbólico. Devemos pensar como essas inscrições”
ocorrem, na singularidade da relação sujeito-linguagem-outro/Outro. Singularidade, também,
presente na ausência de uma patologia, como assinala Cerqueira:
O limite no organismo não impede que este funcione simbolicamente,
“mas convoca outros meios para que isso se dê” (NUNES, id.p.65).
Como coloca NUNES, no caso de uma mãe ouvinte e uma criança
“surda”, “a transmissão se “principalmente, pelos movimentos
corporais. Não se trata de qualquer movimento, mas daquele cujo
sentido toca o corpo respondendo a uma demanda, e isso implica o
Outro (id. p.68)
Cerqueira acompanha Vorcaro (2005), para quem desde que o organismo nasce, ele é
afetado pela interpretação materna de suas manifestações: o choro, o balbucio, o olhar, o
gesto. Todas elas são significadas em uma rede de sentidos” sustentada por aquele que faz a
função materna. Trata-se de um organismo falado, interpretado pelo Outro e que, por isso, de
um modo singular, pode se constituir em um corpo simbolicamente organizado. Como diz
Cerqueira (2006), a mãe, o outro (falante), na posição de Outro (instância de funcionamento
da ngua) “ocupa lugar estruturante no processo de ‘aquisição’ de linguagem, que, preexiste
ao sujeito, impõe que este seja capturado por seu funcionamento, assujeitando-se a ele” (.”
FORMIGONE ALL, (2005, p.191).
Porém, não como apagar que o diagnóstico de uma perda auditiva, “quebra o corpo
da criança, tal qual imaginado por sua mãe como alicerce de sua relação com a filha
(FORMIGONI, 2005, p. 191).
Como assinala Rafaelli (2004), o diagnóstico de surdez pode vir a romper o trânsito
lingüístico imaginariamente garantido pela “mãe- instância de funcionamento da língua. .
Ela afirma que:
a criança que nasce com a marca da surdez vai produzir uma
novidade quanto às exigências que vão surgir na forma de estabelecer
72
uma relação de comunicação diferencial, causando desde o princípio
um constrangimento naqueles que estão na posição de sustentar sua
constituição. Diante disso, busca-se um novo código de comunicação,
em função da ruptura que passa a existir na relação com esse filho e
com as expectativas constituintes que foram antecipadas para ele”
(RAFAELI, idem, p 286).
Pode-se pensar que, diante dessa ruptura, a mãe faça um movimento no sentido de
enlaçar-se a seu filho, ou seja, “uma forma de supor imaginariamente essa criança em uma
nova rede de sentidos que a mãe possa sustentar, garantindo, assim, um lugar para esse
sujeito” (NUNES, idem, idem, p.89).
Bosco (2005), por sua vez, lembra que em seu nascimento, o bebê está constituído
de um corpo que permitirá o nascimento de um sujeito, que depois:
só depois nascerá como sujeito para si, para o mundo e para os
outros. Mas, mesmo antes da existência desse corpo, um sujeito já
adquire sua potencialidade virtual, simplesmente porque
linguagem: conversas, falas, imaginários e mitos particulares que
antecipam a existência desse feto como um sujeito (BOSCO, op. cit.,
p.106).
Esta colocação da autora mais uma vez leva-nos a pensar na interação do surdo com o
mundo ouvinte, em especial, com a mãe, em seus primeiros contatos com uma língua.
De acordo com Vorcaro (2004), os pais podem oscilar entre duas posições, quais
sejam:
(1) [...] ou percebem seus filhos seqüestrados pela língua de sinais que
eles não falam, caso em que a criança adquire a ngua de sinais mas
perde a transmissão dos pais, que são, muitas vezes, ouvintes;
(2) ou mantém a transmissão da cultura familiar, mas com o código
bem mais precário que é dado pela leitura labial. Assim, a perda está
sempre aí: ou pela transmissão ou pelo código (idem ibidem, p.62).
73
Mas a língua de sinais, diz Cerqueira, é uma língua, um “sistema de signos”, “um
sistema de valores puros(SAUSSURE, 1916, p. 130), que implica o corpo, e que vai ter seu
funcionamento determinado por ele. Também, essa língua coloca os pais em uma condição
que se aproxima, mas que não é semelhante na visão da autora, daquela citada por Melman
sobre a mãe imigrante, em que seu filho “fala” uma língua que é estrangeira, que lhe causa
estranhamento, mas “a inserção do gesto e mesmo da língua de sinais, apesar do
estranhamento inicial da mãe, não impede que ambas continuem circulando na língua
estabelecida após o diagnóstico da surdez” (NUNES, 2004, p.99).
Note-se que as colocações acima introduzem questões de grande envergadura que
ultrapassam em grande medida a discussão inicial desta dissertação. A polêmica entre
oralismo e língua de sinais abriga problemas teóricos importantes, entre os quais a complexa
relação entre estruturação da linguagem e estruturação subjetiva, especialmente quando se
leva em consideração o fato de que a criança surda está sob efeito da fala de sua mãe, que o
inscreve em uma ordem simbólica, ainda que a criança não possa ouvi-la.
Neste capítulo, meu objetivo foi colocar em discussão algumas idéias que fazem
presença, de modo irrefletido, em grande parte dos trabalhos sobre a surdez.
A primeira, presente em trabalhos ligados tanto ao oralismo quanto ao bilingüismo, que
entende que a particularidade do processo de aquisição de linguagem pelo surdo está
relacionada com a questão da acessibilidade. Nas duas propostas, ao que parece, garantir o
acesso ao “input”, seja ele oral ou visual/ gestual, é condição necessária e suficiente para que
a linguagem se desenvolva naturalmente.
A segunda, circunscrita especialmente ao bilingüismo, é que propostas baseadas nas
concepções diametralmente opostas – o inatismo de Chomsky e a psicologia histórico-cultural
de Vygotsky estabelecem uma relação pouco produtiva, para não dizer equivocada, com a
Lingüística. No primeiro caso, é realizada uma empirização de uma proposta racionalista e, no
segundo, não se chega a especificar como a interação com o outro responde pela mudança no
processo de aquisição dos sinais.
A terceira diz respeito ao estatuto da língua de sinais concebida como um mero
instrumento que possibilita ao surdo comunicar-se, isto é, a língua é um código. Veja que não
se trata de um sujeito da língua, como mostrou Behares, mas de um indivíduo que usa a
74
língua e esse uso confere uma identidade, uma etnia; tal perspectiva responde pelo viés
ideológico que marca fortemente os trabalhos sobre a surdez.
Também é possível observar que os estudos desenvolvidos sobre a língua e surdez, como o
de Behares e Peluso (1997), indicam que os conceitos de primeira língua, língua natural e
língua materna se apresentavam sobrepostos, criando equívocos. Em função disso, se faz
necessário explicitar esses conceitos.
Finalmente, cabe destacar que a questão da língua materna ou L1 merece um tratamento
verticalizado, como vimos no trabalho de Pereira de Castro e Behares, pois, como tentei
indicar, a questão da língua materna tem relação com assujeitamento, com estruturação
subjetiva, ela é a língua na qual e em relação à qual o sujeito é determinado como efeito.
Certamente, não há como pensar a escrita do surdo sem considerar essa questão.
Para encerrar este capítulo enfatizo, uma vez mais, as palavras de Pereira de Castro,
para quem é possível afirmar “que a língua materna deva ser compreendida como uma
experiência única, impossível de ser esquecida mesmo quando a julgamos perdida; mesmo se
não a reconhecemos mais na superfície da fala, ‘mesmo se falamos uma língua estrangeira’”
(PEREIRA DE CASTRO, 1998, p. 256). Essas palavras deveriam ecoar nos estudos sobre a
relação do surdo com a linguagem, independente da modalidade em questão.
75
CAPÍTULO 4
LÍNGUA DE SINAIS E ESCRITA
Os aspectos abordados até aqui colocaram em cena as relações entre oralidade, língua
de sinais e escrita que, via de regra, encontram-se atrelados às hipóteses pedagógicas sobre a
aquisição de linguagem pelo surdo congênito e assentadas em processos de
ensino/aprendizagem (MIDENA, 2004).
Cabe enfatizar que os métodos empregados no trabalho educativo com surdos, de
fato,colocam em relação o papel da oralidade, da língua de sinais e da escrita no processo
educativo e os métodos utilizados estão ancorados em noções de ensino/aprendizagem.. Desse
modo, desloca-se uma questão de ordem lingüística a aquisição da escrita para uma
questão de ordem pedagógica. Segundo Midena (2004):
esse deslocamento se sustenta tanto na noção de que a escrita é uma
representação da oralidade e/ou da língua de sinais, como na
concepção de que o sujeito surdo é um indivíduo situado “fora” da
linguagem e à qual ele deve ter acesso para que possa exercer
controle sobre ela, como aquele que a contempla (MIDENA, op. cit,.
p. 114).
A questão pedagógica faz presença na discussão sobre a aquisição da escrita, pois o
método é entendido como garantia do sucesso da aprendizagem da leitura e escrita pelo surdo.
Na perspectiva pedagógica, o método oralista tem uma concepção de escrita como código de
representação gráfica da língua oral, tomando por base a pressuposição da transparência da
escrita, isto é, da naturalidade de um suposto contínuo da linguagem escrita em relação à
oralidade. No que tange à escrita, este método privilegia o treino sistemático da codificação
das unidades e suas combinações formais. Em suma, legitima-se a condição de carência
fisiológica do surdo ele não ouve e, portanto, lhe falta algo e parte-se do princípio de que
abordagens facilitadoras e com graus crescentes de complexidade o auxiliarão na tarefa de
preencher essa lacuna inicial (Midena, 2004).
76
A pesquisadora prossegue e assinala que outra abordagem metodológica assenta-se no
construtivismo inspirado na epistemologia genética de Piaget , representada nos trabalhos de
Ferreiro e Teberosky (1979, 1986). Neles observa-se que as produções escritas de crianças
surdas revelam hipóteses semelhantes àquelas observadas na escrita de crianças ouvintes. De
acordo com Midena (2004) “há crianças surdas que escrevem como falam, assim como as
crianças ouvintes; outras crianças surdas escrevem estruturas frasais próximas da língua de
sinais utilizada pela comunidade surda, como apontam os estudos de Gesueli (1988, 1994) e
Cruz (1992)” (MIDENA, op. cit, p. 21).
Lembre-se que de acordo com a perspectiva construtivista, o sujeito, seja ele surdo
ou não, é concebido como um sujeito capaz de apropriar-se da escrita a partir da elaboração
de hipóteses sobre o objeto-escrita, seguindo estágios mais ou menos previsíveis de
desenvolvimento.
ainda os trabalhos baseados na análise do discurso de linha francesa como o de
Balieiro (2000) e Balieiro & Gallo (2002), como também no ensino especial, de acordo com
os estudos de Pereira (2002, 2000) e de Pereira & Oliveira (1999). Estes são orientados,
conforme afirmam as autoras, por uma concepção de sujeito tal como desenvolvida por
Orlandi (1987, 1990, entre outros) e também por estudos como o de Brandão (1996) e Calil
(1995). Os profissionais da área introduziram na prática escolar com surdos uma discussão
sobre as relações entre língua/discurso/texto e sobre a noção sujeito e nesse gesto de aplicação
nem sempre foram fiéis à perspectiva dos autores que inspiravam seu trabalho. Com isso a
oralidade e a língua de sinais foram tomadas como práticas de textualização. Nesse sentido,
acompanho Midena (2004) que afirma que nos dois casos o fonoaudiólogo ou o educador são
entendidos como mediadores dos processos discursivos e a linguagem continua a ocupar o
lugar de um objeto a ser apreendido.
Na perspectiva dos autores que acompanham o pensamento de Vygotsky (1991),
segundo Fernandes (1999), a linguagem escrita, em seu momento inicial de aquisição,
constitui-se em “um sistema particular de símbolos e de signos” de segunda ordem, ou seja,
não remetem diretamente à coisa representada, mas sim, designam sons e palavras da
linguagem falada. Ou seja, nesta visão, a linguagem oral será o elo entre determinado dado da
realidade e sua representação através da escrita. Contudo, como esse processo de aquisição
não pode ser descrito de forma linear, a oralidade desaparece como esse elo intermediário e a
escrita passa a representar o real de forma direta.
77
Assim concebida, prossegue Fernandes (1999), a linguagem oral não exerce o papel de
mero modelo para a escrita, mas sim sua função é a de mediar a internalização de aspectos de
sua aprendizagem, servindo como “substrato para a construção da linguagem escrita, que mais
tarde ganha autonomia como um sistema simbólico de primeira ordem, autônomo, podendo
operar por si mesmo” (Lacerda, 1993, p.68).
A autora afirma que tais considerações são fundamentais ao analisarmos a função da
língua de sinais no processo de aquisição da escrita pelos surdos. Diz que a internalização de
significados, conceitos, valores e conhecimentos será realizada através da modalidade escrita,
que, por sua vez, servirá de suporte cognitivo para a aprendizagem de um sistema de signos,
que mesmo organizado a partir da oralidade guarda características específicas que permitem
sua relativa autonomia do sistema que lhe deu origem, permitindo sua apropriação por
pessoas surdas que desconhecem o valor sonoro das palavras.
Fernandes (1999) afirma que de modo semelhante à oralidade para os ouvintes, a língua
de sinais organiza, de forma lógica, as idéias dos surdos e acaba tendo uma estrutura
morfossintática refletida nas suas atividades escritas:
Como conseqüência, teremos produções textuais imensamente
distantes daquelas que são ditas como padrão de normalidade, muitas
vezes encaradas como dados patológicos de linguagem, que
justificam a marginalização dos surdos no contexto escolar,
traduzida por práticas avaliativas extremamente excludentes ou
faltam critérios diferenciados, ou sobram critérios arbitrários para
avaliação desses textos (FERNANDES, op. cit., p.66).
Acredita que a principal hipótese é a de que as sentenças escritas pelos surdos estão
determinadas, por um lado, pela sintaxe e morfologia da língua de sinais. Apresentam-se
distanciadas dos padrões de normalidade exigidos por um falante nativo da língua portuguesa,
assim como também evidências de uma inter-relação com as estruturas lingüísticas
desenvolvidas metodologicamente pela escola.
Fernandes (1999) descreve uma pesquisa realizada a partir da análise de diversos textos
de alunos surdos, usuários de LIBRAS, coletados em sala de aula, em diferentes níveis de
escolarização.
78
A pesquisadora afirma que ficou evidente, na maioria dos dados analisados, que os
temas, ao serem desenvolvidos em LIBRAS, foram amplamente discutidos pelos alunos com
coerência, argumentação, seqüência gica, adequação temática, entre outros aspectos.
Contudo, ao serem registrados na escrita, apresentaram uma limitação lexical e tornaram-se
pobres, limitados, muitas vezes ilegíveis e incompreensíveis, próximos daqueles produzidos
por crianças que estão no início do seu processo de alfabetização.
A análise, para ela, proporciona observar que é possível relacionar tais dificuldades às
experiências pouco significativas com a língua portuguesa. As experiências conceituais a que
as crianças surdas são submetidas, em sala de aula, que objetivam mais o treino articulatório e
a leitura labial do que a interiorização significativa do conhecimento, na visão da autora, são
fatores determinantes para essa limitação lexical.
Entretanto, vale assinalar que Fernandes (1999), observou que nos textos analisados foi
possível constatar que uma interferência de LIBRAS nas produções escritas desses alunos,
especialmente no que se refere aos aspectos morfossintáticos, além da estrutura frasal do
português. Porém, frente a esse estado de coisas, ela apenas reconhece a falta de uma
pedagogia competente no ensino de língua portuguesa para surdos. Apresentamos alguns
exemplos citados pela autora quanto aos “erros” que estudantes surdos cometem ao escrever o
português, para ela não se deve buscar o desvio da normalidade, mas as marcas implícitas e
explicitas da diferença cultural subjacentes:
[os erros] devem ser encarados como decorrente de aprendizagem de
uma segunda língua, ou seja, o resultado da interferência da sua
primeira língua e a sobreposição das regras da ngua que está
aprendendo. Outrossim, são a síntese perfeita do intertexto, aquele
que se constrói na intercultura dos diferentes grupos sociais com os
quais se confronta (FERNANDES, op. cit., p. 76).
A autora explica que a finalidade da análise dos textos que serviram de base a sua
pesquisa não foi, portanto, a de identificar características, geralmente negativas se tomadas do
ponto de vista do falante nativo português, ou acentuar dificuldades socialmente
estigmatizadas. Pelo contrário, ao buscar aspectos comuns, no conjunto de textos analisados,
procurou identificá-los como especificidades discursivas idiossincrasias que caracterizam,
linguisticamente, as produções escritas de pessoas surdas.
79
Ela destaca que as generalizações verificadas, independente de faixa etária ou nível de
escolaridade dos alunos, demonstram que a influência da língua “nativaa LIBRAS é
maior e mais efetiva do que os longos anos de escolarização impostos aos surdos, muitas
vezes através de práticas inapropriadas, através de uma ngua escrita e falada que eles não
conseguem compartilhar, como se deseja nas escolas e na sociedade. Destaca que o português,
com seu sistema de regras abstratas, deixa marcas observáveis nos textos dos surdos.
Seu objetivo não é fazer afirmações categóricas sobre a interferência da LIBRAS,
porém sugerir um olhar diferenciado nas produções escritas dos alunos surdos. Também,
rever as metodologias usadas para eles no ensino de Língua Portuguesa, pois entende que se
negaram aos surdos as práticas lingüísticas significativas que os auxiliassem a perceber o
sentido na aprendizagem de uma segunda língua.
as respostas para o fracasso apresentado não foram buscadas nas
estratégias inadequadas destinadas ao aprendizado da língua, mas
foram justificadas como inerentes à condição da “deficiência auditiva”
e não como possibilidade diferenciada de construção gerada por uma
forma de organização lingüístico-cognitiva diversa (FERNANDES,
op. cit., p.77).
A autora acredita que não é apenas o fato do surdo não receber informações auditivas
que interfere nas suas práticas lingüístico-discursivas em português, mas também, o fato da
língua de sinais participar ativamente do processo de elaboração discursiva. Assim, a língua
de sinais não pode ser desconsiderada ao elaborarmos qualquer juízo de valor em suas
produções escritas.
Em seu trabalho ela conclui que é fundamental que sejam previstos programas que
incluam os pais das crianças e a interação dessas com adultos surdos. Ela assinala que
ninguém ensina ninguém a falar, simplesmente se aprende a falar. Da mesma forma com as
crianças surdas ninguém ensina a sinalizar, mas de forma natural se aprende a sinalizar.
Somente 5% das crianças surdas é filha de pais surdos, isto é, a maioria das crianças
surdas é filha de pais ouvintes. Assim, é fundamental que a escola desenvolva várias
atividades que incluam os pais, tanto no campo das atividades lingüísticas, quanto no
educacional.
80
Finalmente, ela adverte que, na verdade, o ensino da língua portuguesa para surdos
sempre foi baseado no processo de alfabetização de crianças ouvintes. Os resultados desse
tipo de ensino, indiscutivelmente, são considerados um fracasso; constata-se que a criança
surda não atinge o domínio da língua portuguesa, a língua “ensinada” oral e graficamente
durante todo o período em que a criança fica dentro da escola.
A criança surda deverá adquirir uma L.2 que se apresenta numa modalidade lingüística
diferente da sua L.1, isto é, ela deverá aprender uma língua gráfico-visual, enquanto a sua L.1
é visual-espacial.
Como vimos, o processo de aquisição da escrita em crianças surdas vem sendo
estudado a partir de diferentes abordagens teórico-metodológicas, as quais, nas cinco últimas
décadas, têm conformado no campo do conhecimento científico acerca dessa questão.
A leitura de algumas obras, segundo Cavalcanti (2001), que sistematizaram tal tema
permite observar que o problema do processo de aquisição de linguagem escrita, em crianças
surdas, tem sido abortado de forma eclética, tornando ainda mais confusa a compreensão
sobre os momentos constitutivos desse processo.
Os educadores que trabalham com criança surda, em sua maioria, parecem achar que é
“normal” esse desarranjo em função das mesmas serem surdas, encontrando na surdez a
justificativa que as crianças apresentem uma relação tão complexa com a escrita e que
produzam uma escrita aparentemente tão sem coerência. Tal conclusão parece, de fato, na
visão de Cavalcanti, ser uma atitude cômoda, pois responde de modo precipitado a questões
cruciais que poderiam ser levantadas sobre o processo de aquisição da escrita.
A literatura produzida no Brasil sobre a alfabetização do surdo tem se caracterizado
pela preocupação em responder à indagação: onde está a culpa pelo fracasso escolar das
crianças surdas?
Em um estudo realizado por Cintra, Trigo e Marqueti (1997) busca-se discutir e
entender alguns aspectos implicados na relação linguagem escrita e surdez. Assim, as autoras
têm como objetivo identificar de quais recursos substitutos se valem as crianças surdas para
suprir a deficiência da linguagem oral durante o desenvolvimento da linguagem escrita.
As autoras puderam observar, após a análise de dados, que alguns “problemas”
encontrados na produção de texto dos alunos surdos também estão presentes nos textos dos
alunos ouvintes.
81
A análise do material coletado permitiu que as autoras percebessem que os problemas
apresentaram-se, sistematicamente, em quase todos os textos dos alunos surdos. Assim, no
final do trabalho,elas puderam afirmar que a ngua de Sinais seria um intermediário para o
acesso à escrita, visto que os sujeitos de sua pesquisa utilizavam a Libras.
Busnardo (2006) lembra que o uso do corpo para se comunicar com o mundo e
consigo mesmo de um bebê surdo é o silêncio. Isso dificulta precisar o conhecimento de
mundo pelo surdo, as relações “mundo ouvinte” com o “mundo surdo”. Assim, a autora
acredita “que as marcas (chamadas de erro) na escrita desses sujeitos demonstrem mais do
que uma falta de exposição à língua oral; acredito que elas sejam, na verdade, marcas de
“identidade”, assinalando onde está o sujeito surdo. Assinalando a subjetividade desse
sujeito” (BUSNARDO, op. cit., p.43).
Como se vê, muitos são os autores que valorizam a experiência dos surdos em
LIBRAS como possibilidade de minimizar as dificuldades desta população com a escrita.
Silva (1998), por exemplo, observa que os alunos surdos participam pouco de momentos com
leitura dentro de seus lares e, com isso, não exercitam o prazeroso jogo da leitura, o que os
impede de fazer hipóteses sobre a função social da leitura e da escrita em nossa sociedade e,
por conseguinte, perceber as diferenças entre a fala (ou o sinal) e a escrita. Dessa forma,
segundo a pesquisadora, muitos alunos, apesar de estarem inseridos na escola por um grande
período, visando alcançar o processo de alfabetização, não conseguem entender que à escrita
de um texto são atribuídas operações complexas.
Entre os diversos aspectos levantados pela autora, ela atribui a dificuldade em narrar
do surdo à falta de vivência com narrativas no processo de desenvolvimento da linguagem e
na falta de uma língua que lhe proporcione a chance de experienciar as categorias envolvidas
no discurso narrativo. Também salienta que o fato de as famílias, especialmente de pais
ouvintes, não incluírem a leitura de histórias infantis, prejudica as narrativas de seus filhos.
Silva destaca que a utilização da LIBRAS pode favorecer o entendimento das funções da
narrativa.
Não pretendo discorrer mais profundamente aqui sobre as inúmeras vertentes
metodológicas relacionadas à educação do surdo, nem criticá-las pontualmente
24
, mas apenas
destacar que elas todas, guardadas suas especificidades, têm um ponto em comum.
24
Remeto o leitor aos trabalhos de Mota (1995) e Callil(1995). Ambos fazem uma leitura verticalizada das
diferentes concepções relativas à aquisição da escrita.
82
A escrita é sempre entendida como um objeto a ser aprendido/apreendido; seu papel é
secundário em relação ao papel da fala e, também, ao papel dos sinais, aos quais cabe a ela
representar. Em outras palavras, sustenta-se a hipótese de que a escrita é um sistema que está
subordinado à fala ou à língua de sinais.
Quadros (1997), por exemplo, parte de uma colocação de Ahlgren em que ela refere
que para se falar em ensino de leitura e de escrita para surdos deve-se, em primeiro lugar,
reavaliar o tipo de língua a que eles estão sendo expostos. Para as pessoas que ouvem, “falar e
ouvir” são variantes de uma mesma estrutura lingüística. A leitura apresenta, em pelo menos
algum nível, uma relação com sons e palavras. Entretanto, para as pessoas surdas não existe
associação entre sons e sinais gráficos, a língua escrita é percebida visualmente. Os sinais
gráficos são símbolos abstratos para quem nunca ouviu os sons e entonações que eles
representam (Ahlgren, 1992). Como afirma a autora, trata-se de uma língua silenciosa. Como
se vê, na discussão encaminhada por Quadros é transparente a idéia de que a escrita é
representação da fala.
Não advogo em favor da hipótese da autonomia da escrita em relação à fala ou ao
gesto. Reconheço a complexidade envolvida na relação fala/língua de sinais/ escrita, mas
acompanho Guadagnoli (2007), que, seguindo Borges
25
(2006), afirma que:
Oralidade, escrita, gesto não são entidades autônomas e se o fossem,
não poderiam ser relacionadas entre si: há um funcionamento em
jogo o da linguagem, que Saussure (1916) nomeou la langue e que
Lacan nomeou de Outro (tesouro dos significantes), articulando,
nessa expressão, la langue e uma língua aquela que fala o sujeito e
àquela a que ele se dirige para falar/escrever (GUADAGNOLI, op.
cit., p. 56).
Note-se que o que articula as diferentes modalidades de língua é o funcionamento da
Língua, a la langue de Saussure. Guadagnoli introduz ainda uma afirmação de Borges que
subverte a concepção corrente de que a escrita é representação da fala:
25
O livro de Sonia Borges, O Quebra-Cabeça: A Alfabetização depois de Lacan, a partir da tese defendida em
1995, na PUCSP, cujo título, modificado para publicação era, O Quebra-Cabeça da Escrita: A Instância da Letra
na Alfabetização.
83
reconhecer o funcionamento da língua possibilita que as investigações
sobre a aquisição da escrita não mais reduzem à relação dual
oralidade/escrita, mas sobre a relação triádica oralidade/escrita/
língua. Reduzir este processo à mencionada relação dual implica não
a dicotomização dessas formas, linguagem oral e escrita, como a
substancialização, de modo que a linguagem oral é tomada como
referente, e a escrita, como referência, numa relação que é da ordem
do signo (BORGES, 2006:131, [grifos meus], apud GUADAGNOLI,
2007, p.56).
Com isso a pesquisadora assinala que “a relação sujeito-objeto, tão cara aos aportes
cognitivistas é abandonada por uma relação triádica: tanto na oralidade, quanto na escrita,
ela estará em questão” e eu acrescentaria a esta série também a língua de sinais. Guadagnoli
anuncia que seu trabalho toma distância “tanto das tendências que vêem a escrita como
“transcrição da oralidade”, como também daquelas que a tomam como “representação”. Para
ela, o fato das diferentes modalidades poderem se afetar mutuamente “implica, logicamente,
que elas sejam diferentes entre si e, ao mesmo tempo, que pertençam a um mesmo
domínio” (GUADAGNOLI, op. cit., p. 56). [grifos meus].
Na perspectiva do Grupo de Pesquisa Aquisição, Patologias e Clínica de Linguagem,
coordenado por M. Francisca Lier-DeVitto, do qual a pesquisadora faz parte, “a escrita não
pode ser considerada representação de um estado interno (não interno-externo), nem da
oralidade (ambas são facetas da possibilidade de relação do sujeito com a linguagem).”
(GUADAGNOLI, op. cit., p. 56).
De acordo com Midena (2004), quando se parte da noção de escrita como
representação, o foco:
é dirigido à percepção e à cognição que, situadas num plano interno,
comandariam a apreensão do objeto situado externamente (a escrita).
De modo geral, para que ocorra a aquisição da escrita, o surdo deve
ser colocado em situações que lhe facilitem a construção de
representações sobre as formas da linguagem escrita constituída.
Sendo assim, ele deve perceber/representar o papel da escrita no
contexto e dela lançar mão para atingir o objetivo de ser um usuário
da escrita. (MIDENA, op cit., p.26-27).
84
Para Midena, nessa visada, a escrita é concebida como um objeto estável,
substancializado e as explicações para a particularidade “dos fenômenos lingüísticos dos
surdos encontram explicação fora da linguagem, especialmente na Psicologia e na Biologia”.
Ela também acompanha a reflexão de Mota (1995): a substancialização do objeto e do sujeito
são características das concepções que orientam as teorias tradicionais de alfabetização, algo
que também ressoa no trabalho educativo com surdos.
Cabe, também, introduzir o trabalho de Bosco, que caminha na mesma direção. Esta
autora coloca em destaque o fato da escrita inicial da criança ser composta por um bloco
aparentemente distante da relação grafema-fonema, “o que não significa que a oralidade
esteja excluída deste processo - afinal, a fala está presente tanto na leitura do outro, quanto na
interação” (Bosco, 2005, p. 101, [grifo meu]). As produções escritas não estão apartadas das
manifestações orais da língua constituída da qual a criança faz parte, ao contrário, elas
podem ser reconhecidas/legíveis porque presentificam as possibilidades da língua. A
interpretação do significante “privilegia a associação e a combinação [implicando]... a noção
de legibilidade e não de representação” (idem: 157). Assim, como assinala Guadagnoli,
“pode-se ler, portanto, mesmo que aquilo que se não possa ser falado, oralizado. O outro,
em sua leitura, antecipa significações, ainda que os escritos da criança não sejam
reconhecidos como pertencentes ao sistema de escrita de uma ngua” (GUADAGNOLI, op.
cit., p.59).
Em síntese, os trabalhos filiados à perspectiva interacionista em aquisição de
linguagem, conforme definida por Claudia Lemos, não tratam a escrita como representação.
Uma concepção como esta poderia subverter o modo como se tem pensado a relação do surdo
com a escrita.
Embora partindo de uma outra perspectiva teórica, vale acompanhar Svarttholm, autor
que considera um equívoco associar problemas da expressão escrita com a surdez, o que faz
com que seja deslocada a idéia de que o déficit perceptual responderia por todas as
dificuldades encontradas pelo surdo. De acordo com Quadros, que acompanha as idéias de
Svarttholm, a hipótese de que os “erros” que aparecem na produção escrita dos alunos surdos
podem ser uma perfeita evidência da capacidade para a linguagem da espécie humana, pois
para ela é necessário pensar sobre a diferença entre o processo de aquisição de língua escrita
por crianças que falam a língua correspondente à escrita e crianças surdas que não têm a
representação oral-auditiva correspondente às letras, às silabas, às palavras e aos textos
escritos. Considero que a afirmação da autora pode ser lida em dois sentidos: um que coloca
em cena a idéia de escrita como representação e outro que coloca para o educador um enigma:
85
como pode o surdo vir a escrever uma língua em que ele não tem circulação simbólica? De
acordo com Quadros, os “erros” que têm sido observados pelos profissionais como peculiares
a pessoas surdas, na verdade, evidenciam a condição de aquisição da escrita em uma segunda
língua.
Acredito que as questões aqui colocadas não podem ser simplificadas e me parece
fundamental que sejam enfrentados os obstáculos, que conforme observei, têm sido
contornados, deixados à margem da discussão: qual(is) o(os) modo(s) de relação do surdo
com a ngua? Esta questão ultrapassa a discussão ideológica e a divergência entre propostas
que têm dominado a literatura do campo. É necessário escapar a dicotomias e pensar na
singularidade de cada criança e no seu modo de presença na linguagem, para encontrarmos
um caminho para conduzi-las ao universo da escrita, sem apagar os obstáculos relativos à
marca que a surdez imprimiu em sua história. Só assim poderemos pensar não em métodos de
ensino da escrita para surdos, ou em como introduzir um surdo sinalizador em uma segunda
língua. Na realidade, parece fundamental pensarmos na aquisição da escrita pelos surdos
congênitos como efeitos do funcionamento lingüístico, como processos de subjetivação, e
tomar distância de uma hipótese de escrita como mera materialização da fala ou como
aprendizagem de uma outra língua.
A peculiaridade da escrita do surdo pode ser compreendida como algo da ordem do
imprevisível, assim como diz Guadagnoli (2007), a partir de Borges:
...o inesperado e imprevisível podem, então, aparecer porque a língua
é instância equivocizante porque é alteridade e a dimensão da
não-coincidência (entre Outro e sujeito, assim como entre Outro e
outro) se manifestam. O funcionamento da Língua/Outro participa
nas relações entre as letras, blocos de letras, entre palavras,
produzindo deslocamentos inesperados (GAUDAGNOLI, op. cit.,
p.56-57, grifos meus).
As interrogações que foram surgindo ao longo de minha reflexão sobre a relação entre
surdez e aquisição de linguagem criaram a necessidade de uma reformulação teórica,
conduzindo-me então às hipóteses do interacionismo em Aquisição de Linguagem. Como
assinalei acima, a partir desse lugar teórico criou-se um espaço para refletir e discutir as
mudanças, as dificuldades da entrada na escrita sem aderir ao fonocentrismo.
86
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando iniciei esta dissertação, tinha como objetivo pensar como o professor de
língua portuguesa poderia criar condições para que o aluno surdo viesse a ultrapassar as
dificuldades encontradas nas atividades escolares que envolviam leitura e escrita. Minha meta
era buscar recursos alternativos e métodos que possibilitassem também ao professor enfrentar
suas próprias dificuldades no contato com esta população.
A entrada no mestrado poderia, então, fazer com que eu compreendesse quais as
possibilidades de aprendizagem de uma segunda língua, a escrita do português, que conforme
entendia - a partir de minha afinidade com as propostas bilíngües -, era considerada como L2,
ou seja, como uma língua estrangeira para o surdo.
Participar das discussões do Grupo Aquisição, Patologias e Clínica de Linguagem,
coordenado por Maria Francisca Lier-DeVitto, subverteu a trajetória inicialmente prevista.
Desde minha entrada no projeto fui, levado a colocar em questão uma série de noções que
muito havia assumido, de forma irrefletida, como verdades incontestáveis. Entre elas destaco
a noção corrente nos estudos bilingüistas de que a língua de sinais de crianças surdas, mesmo
aquelas filhas de pais ouvintes, seria a sua língua materna e seu corolário de que a escrita do
Português corresponderia a L2.
A reflexão teórica que norteia o grupo de pesquisa ao qual pertenço e que direcionou
os passos desta pesquisa reconhecimento, como disse, à ordem própria da língua, ou
seja, às leis de referência interna da linguagem (SAUSSURE, 1916) e à sua articulação na
fala/escrita e, também, incluiria eu, aos sinais (JAKOBSON, 1954, 1960; BENVENISTE,
1962, 1970). O pensamento desses autores e a leitura de suas obras, conforme aqui discutidos,
são efeitos da interpretação de De Lemos (1992, 1997, 2002, e outros) afetada pela psicanálise
de Jacques Lacan e, como disse, especialmente pela leitura realizada hoje pelo Grupo de
Pesquisa ao qual estou integrado. Muito dos autores aqui citados, e que contribuíram para a
reflexão aqui empreendida, embora não diretamente ligados ao projeto a que faço menção,
alinham-se a essa linha de pensamento e produziram desdobramentos igualmente importantes,
como vimos no trabalho de Pereira de Castro, Bosco, Mota e Midena. Como tentei mostrar,
nesta perspectiva -se reconhecimento à Lingüística Científica à ordem própria da língua,
conforme presente no estruturalismo europeu, sem deixar de buscar compatibilidade entre a
concepção de língua de Saussure e uma concepção de sujeito, diferente do sujeito psicológico
que Saussure baniu da Lingüística. A proposição que vigora, como apontei, é de que o falante
87
é sujeito capturado pelo funcionamento da língua, entenda-se, “estrutural”. Isto é, a aquisição
de linguagem, ou melhor, a passagem infans a falante não é entendida nem como parte do
processo maturacional do indivíduo da espécie, nem como fruto de um processo de
construção solipcista ou social, como pretendiam respectivamente Piaget e Vigotsky.
Se, por um lado, a questão da aquisição da linguagem é tema central nos estudos sobre
a surdez, inclusive no campo da Pedagogia, pois se pressupõe que a escolarização possibilite a
entrada do surdo no universo da escrita do Português, também a aquisição de linguagem pela
criança surda, na ótica do bilingüismo, ocorre no universo escolar, que grande parte dos
surdos é filho de pais ouvintes, o que faz com que os estudos sobre aquisição sejam vistos a
partir de sua relação com a escola. Assim, a língua de sinais apresentada terá um papel
fundamental no processo de ensino-aprendizagem do Português. A idéia pressuposta não é
somente transferir conhecimento da primeira língua para a segunda língua, mas sim, um
processo paralelo de aquisição e aprendizagem.
Busquei nesta pesquisa fazer uma leitura crítica de alguns destes trabalhos de viés
pedagógico, especialmente no que se refere à naturalidade com que se define o que é língua
materna, a naturalidade pressuposta em sua aquisição e o apagamento do enigma de como o
surdo, filho de pais ouvintes, acede ao universo simbólico.
Considerando a perspectiva teórica assumida nesta dissertação, coloquei as seguintes
questões: como pensar nas crianças cujo contato com a língua de sinais é tardia e muitas vezes
apenas no universo escolar? Seria possível imaginar que eles passem um longo período fora
do universo simbólico? Como entender que eles sejam “estrangeiros” para seus próprios pais?
Na realidade, percebi que no campo da surdez, raros são os estudos que interrogam o que é
uma língua, quais as relações entre sujeito e linguagem, quais os efeitos causados pela surdez
na estruturação subjetiva dessas crianças e como se articulam fala/sinais/escrita para eles.
Frente a esse estado de coisas, menos do que tentar responder a questões de tal
envergadura, optei por interrogar tudo aquilo que é voz corrente nos trabalhos sobre a
educação de surdos. Reconheço que, muitas vezes, passei rapidamente por questões que
demandavam tratamento verticalizado, mas me parecia necessário colocar em xeque tudo que
assumi durante anos de modo irrefletido, questionando essas noções de modo crítico e
reflexivo, movimento que caracteriza a linha de pesquisa a que estou filiado.
Na leitura que fiz da história sobre a surdez pude observar, ainda que este seja um
modo simplificado de apresentar a questão, que dois modos fundamentais de entender a
questão da surdez. Um filiado ao pensamento médico, a surdez é vista como doença, como
um déficit sensorial que deve ser “corrigido”, minimizado com o uso de aparelhos de
88
amplificação sonora, treinamento auditivo e de linguagem oral. Outro, que poderia ser
denominado como uma “sócio-antropologia da surdez” (BEHARES, 1999, p. 133), e que
considera imperativo o acesso à língua de sinais entendida como parte fundamental da
identidade surda, em função de seu efeito unificador e determinante na comunidade de surdos.
Nesta perspectiva, aceita-se que os surdos constituem um grupo social e a língua de sinais
como um fator de etnização nas comunidades surdas. Assinalo que este tema é controverso,
recorrente na história do campo e comparece também em diversos trabalhos atuais, mas
mereceria ser assunto de uma dissertação específica.
Considerando a diferença abissal entre as duas propostas (oralismo e bilingüismo),
devo apontar que é surpreendente constatar que haja entre elas um ponto de convergência.
Nas propostas oralistas, como assinala Cerqueira (2006), entende-se que um déficit
sensorial, e em função disso uma dificuldade de acesso à linguagem, que devem ser supridos
com “tratamentos” que visam “potencializar o sinal acústico para garantir sua presentificação
para o aparato perceptual”. Por outro lado, no bilingüismo deve-se, como vimos, “fazer o uso
de uma ngua gestual, para garantir seu acesso pela visão” (CERQUEIRA, op. cit., p.10).
Central é, portanto, a questão do acesso a uma língua.
O que se apaga, ao eleger a acessibilidade como condição necessária e suficiente para
aquisição de linguagem, como vimos, são exatamente os mistérios envolvidos na enigmática e
complexa passagem de infans a falante. A própria heterogeneidade na relação do surdo com a
linguagem deveria interrogar pesquisadores e suspender a naturalidade com que se pensa a
aquisição da linguagem e, conseqüentemente, a aquisição da escrita.
Os aspectos abordados nesta dissertação colocaram em cena as relações entre
oralidade, língua de sinais e escrita que, via de regra, encontram-se atrelados às hipóteses
pedagógicas sobre a aquisição de linguagem pelo surdo congênito e assentados em processos
de ensino/aprendizagem (MIDENA, 2004). Os métodos empregados no trabalho educativo
com surdos, de fato, colocam em relação o papel da oralidade, da ngua de sinais e da escrita
no processo educativo e os métodos utilizados estão ancorados em noções de
ensino/aprendizagem. Desse modo, desloca-se uma questão de ordem lingüística – a aquisição
da escrita para uma questão de ordem pedagógica: “esse deslocamento se sustenta tanto na
noção de que a escrita é uma representação da oralidade e/ou da língua de sinais, como na
concepção de que o sujeito surdo é um indivíduo situado ‘fora’ da linguagem e à qual ele deve
ter acesso para que possa exercer controle sobre ela, como aquele que a
contempla”(MIDENA, op. cit., p.59). Entende-se, desse modo, que as pesquisas que
focalizam o ensino de Português para surdos se reduzem a propor um conjunto de técnicas de
89
aprendizagem, ainda que essas sejam divergentes; e que uma reflexão de cunho lingüístico,
que coloque em cena a relação do sujeito/linguagem/outro, acabe marginalizada. É necessário
destacar, também, que uma outra vertente dos estudos sobre a alfabetização do surdo no
Brasil, que se caracteriza pela preocupação fundamental em responder sobre as causas do
fracasso escolar das crianças surdas.
A questão pedagógica faz presença na discussão sobre a aquisição da escrita por todos
os ângulos. O método é entendido como garantia do sucesso da aprendizagem da leitura e
escrita pelo surdo. Na perspectiva pedagógica toma-se por base a pressuposição da
transparência da escrita, isto é, da naturalidade de um suposto contínuo da linguagem escrita
em relação à oralidade. Mesmo quando perspectivas divergentes são discutidas e a
aprendizagem é substituída por uma noção muitas vezes vaga de interação, tomada como
determinante da relação do surdo com a escrita, como se nos trabalhos mais atuais, a
interação é definida empiricamente, e “o educador é concebido como um indivíduo que tem o
domínio da língua e que, em virtude de sua posição, vai facilitar ou regular seu acesso para o
indivíduo surdo, através da mediação entre surdo-linguagem-mundo” (MIDENA , 2004,
p.65). Com efeito, na grande maioria dos trabalhos, atribui-se ao educador a árdua tarefa de
fazer com que a criança surda possa penetrar no universo escrito sem que ele seja
instrumentalizado com uma reflexão teórica acerca de complexa relação do surdo com a
escrita de uma língua que ele muitas vezes desconhece.
Não pretendi nesta dissertação discorrer mais profundamente sobre as inúmeras
vertentes metodológicas relacionadas à educação do surdo, nem criticá-las pontualmente, mas
apenas destacar que todas elas, guardadas suas especificidades, têm um ponto em comum, a
saber: a idéia de que a escrita é representação da fala ou da língua de sinais. Desse modo a
escrita é sempre entendida como um objeto a ser aprendido/apreendido; seu papel é
secundário em relação ao papel da fala e, também, ao papel dos sinais, aos quais cabe a ela
representar. Em outras palavras, sustenta-se a hipótese de que a escrita é um sistema que está
subordinado à fala ou à língua de sinais
26
.
Quadros (1997), por exemplo, parte de uma colocação de Ahlgren em que ela refere
que para se falar em ensino de leitura e de escrita para surdos deve-se, em primeiro lugar,
reavaliar o tipo de língua a que eles estão sendo expostos. Para as pessoas que ouvem, “falar e
ouvir” são variantes de uma mesma estrutura lingüística. A leitura apresenta, em pelo menos
algum nível, uma relação com sons e palavras. Entretanto, para as pessoas surdas não existe
26
Remeto o leitor aos trabalhos de Mota (1995) e Callil (1995). Ambos fazem uma leitura verticalizada das
diferentes concepções relativas à aquisição da escrita.
90
associação entre sons e sinais gráficos, a língua escrita é percebida visualmente. Os sinais
gráficos são símbolos abstratos para quem nunca ouviu os sons e entonações que eles
representam (Ahlgren, 1992). Como afirma a autora, trata-se de uma língua silenciosa. Como
se vê, na discussão encaminhada por Quadros é transparente a idéia de que a escrita é
representação da fala.
Não advogo em favor da hipótese da autonomia da escrita em relação à fala ou ao
gesto. Reconheço a complexidade envolvida na relação fala/língua de sinais/ escrita, mas
acompanho Guadagnoli (2007), quando afirma que: “Oralidade, escrita, gesto não são
entidades autônomas e se o fossem, não poderiam ser relacionadas entre si: um
funcionamento em jogo – o da linguagem”( GUADAGNOLI, op. cit., p. 56). Assim, na
concepção aqui adotada que o que articula as diferentes modalidades de língua é o
funcionamento da Língua, a la langue de Saussure (op. cit., p. 94).
Importante também foram as contribuições dos autores que acompanharam o
pensamento de Borges (2006), que subverte a concepção corrente de que a escrita é
representação da fala, vale lembrar que para ela “reconhecer o funcionamento da língua
possibilita que as investigações sobre a aquisição da escrita não mais reduzem à relação dual
oralidade[sinais]/escrita, mas sobre a relação triádica oralidade/escrita/língua.” (BORGES,
2006:131 [grifos meus] apud GUADAGNOLI, 2007, op. cit., p. 56). Reduzir este processo a
uma relação que exclui a Língua, isto é, a uma relação dual, implica não a dicotomização
dessas formas, linguagem oral ou de sinais e escrita, “como a substancialização, de modo que
a linguagem oral é tomada como referente, e a escrita, como referência, numa relação que é da
ordem do signo” (idem, ibidem).
Penso que, de fato, a relação sujeito-objeto, tão cara aos aportes cognitivistas, deva ser
abandonada por uma relação triádica: tanto na oralidade ou nos sinais, quanto na escrita, ela
deveria estar em questão. O fato das diferentes modalidades poderem se afetar mutuamente é
um aspecto muito importante que não pode ser desconsiderado nos estudos sobre a escrita;
quando a surdez está em questão, é necessário reconhecer que “elas [ as modalidades] sejam
diferentes entre si e, ao mesmo tempo, que pertençam a um mesmo domínio” (idemibidem).
Assim a escrita deixa de ser vista como representação de um estado interno e passa a ser
entendida como faceta da possibilidade de relação do sujeito com a linguagem.
Na mesma direção, vimos com Midena (2004) que, quando se parte da noção de
escrita como representação, o foco é dirigido à percepção e à cognição, situadas num plano
interno, que responderia à apreensão da escrita vista como um objeto situado externamente.
Conseqüentemente para que ocorra a aquisição da escrita, o surdo deve ser colocado em
91
situações que lhe facilitem a construção de representações sobre as formas da linguagem
escrita constituída[...],ele deve perceber/representar o papel da escrita no contexto e dela
lançar mão para atingir o objetivo de ser um usuário da escrita” (MIDENA, op. cit., p.108).
Esse modo de conceber a escrita ressoa fortemente no trabalho educativo com surdos.
Vimos com Bosco, que caminha na mesma direção, que o fato da escrita inicial da
criança ser composto por um bloco aparentemente distante da relação grafema-fonema,
embora não signifique que a oralidade esteja excluída do processo de alfabetização, a fala e,
no caso desta dissertação, também os sinais, estão presentes tanto na leitura do outro, quanto
na interação. As produções escritas não estão apartadas das demais manifestações da língua
constituída da qual a criança faz parte, ao contrário, elas podem ser reconhecidas/legíveis
porque presentificam as possibilidades da língua.
Em síntese, os trabalhos filiados à perspectiva interacionista em aquisição de linguagem,
conforme definida por Claudia De Lemos, não tratam a escrita como representação. Uma
concepção como esta poderia subverter o modo como se tem pensado a relação do surdo com
a escrita.
É necessário destacar que nesta trajetória pude observar que muitos são os autores que
valorizam a experiência dos surdos em LIBRAS como possibilidade de minimizar as
dificuldades desta população com a escrita.
27
Não dúvidas de que os surdos que circulam
em uma determinada língua, portanto no universo simbólico, possam, de fato, encontrar
menos dificuldades para penetrar na escrita, porém a observação deste fenômeno não deve
naturalizar as relações entre língua de sinais e escrita.
Acredito que as questões aqui colocadas não podem ser simplificadas e me parece
fundamental que sejam enfrentados os obstáculos, que, conforme observei, têm sido
contornados, deixados à margem da discussão: qual(is) o(os) modo(s) de relação do surdo
com a Língua? Esta questão ultrapassa a discussão ideológica e a divergência entre propostas
que têm dominado a literatura do campo. É necessário escapar a dicotomias e pensar na
singularidade de cada criança e no seu modo de presença na linguagem, para encontrarmos
um caminho para conduzi-las ao universo da escrita, sem apagar os obstáculos relativos à
marca que a surdez imprimiu em sua história. Só assim poderemos pensar não em métodos de
ensino da escrita para surdos, ou em como introduzir um surdo sinalizador em uma segunda
língua. Na realidade, parece fundamental pensarmos na aquisição da escrita pelos surdos
congênitos como efeitos do funcionamento lingüístico, como processos de subjetivação, e
27
Silva (1998).
92
tomar distância de uma hipótese de escrita como mera materialização da fala ou como
aprendizagem de outra língua, uma língua estrangeira.
A peculiaridade da escrita do surdo pode ser compreendida como algo da ordem do
imprevisível, assim cabe recolocar a citação de Guadagnoli (2007), a partir do trabalho de
Borges: “...o inesperado e imprevisível podem, então, aparecer porque a língua é instância
equivocizante porque é alteridade e a dimensão da não-coincidência (entre Outro e
sujeito, assim como entre Outro e outro) se manifestam. O funcionamento da Língua/Outro
participa nas relações entre as letras, blocos de letras, entre palavras, produzindo
deslocamentos inesperados”(GUADAGNOLI, op. cit., p.56-57, grifos meus).
Note-se que, nesta perspectiva, comparece um raciocínio que envolve considerar a
relação fala-Língua
28
, que certamente implica o sujeito falante como efeito da relação à
Psicanálise e que, embora neste momento eu não tenha condições de fazer render de forma
mais produtiva, me permitiu abrir um campo de questões.
Nesse sentido o trabalho de Pereira de Castro foi também fundamental, tanto por
indicar o quanto a noção de L2 cria dificuldades para as perspectivas gerativistas, mas
principalmente pela discussão empreendida sobre a língua materna e seu papel na estruturação
subjetiva da criança. A discussão por ela encaminhada não apenas obriga a pensar quem seria
o surdo em uma abordagem bilíngüe antes de ter contato com sinais, como também a
interrogar sobre a possibilidade da língua materna ser constituída por mais de uma
materialidade lingüística. Penso que esta última questão deva ser considerada com cuidado,
pois se autores que, como vimos, podem encontrar “erros típicos de segunda língua na
escrita do surdo” ou “erros semelhantes àqueles encontrados na escrita de crianças ouvintes”,
e finalmente até mesmo “marcas de oralidade” na escrita de surdos sinalizadores, devemos de
fato supor que o imbricamento destas modalidades, que aponta para o singular e o
imprevisível que se presentifica na linguagem, deva ser explorado com profundidade. Penso
que sem uma reflexão dessa natureza os trabalhos voltados para questões de método de
ensino, ou para a causa do fracasso do surdo na escola, jamais poderão ultrapassar as
polêmicas recorrentes no campo da surdez. De fato, a escrita no campo da surdez não foi e
nem tem sido eleita, efetivamente, como “objeto digno” de teorização das pesquisas nesse
campo e, especialmente, me arrisco a dizer, quando se pensa sobre seu lugar na formação do
educador.
28
Utilizo Língua (em maiúsculas) para distinguir o funcionamento universal (la langue, em expressão de
Saussure), de uma língua particular (em minúsculas) , assim como fez Guadagnoli, 2007.
93
Nesta dissertação, pretende-se incluir outra possibilidade de entendimento das
dificuldades encontradas na escrita de crianças surdas. Isto é, pretendo ampliar as explicações
que, via de regra, são oferecidas, a saber: privação sensorial, práticas pedagógicas
ineficientes, ou, como vimos ao discutir as propostas bilíngües, que acusam o apagamento da
língua de sinais como L1, ou língua materna do surdo.
Gerard Pommier (1995), em seu livro Nascimento e Renascimento da Escrita,
sintetiza os diferentes enfoques acerca da etiologia das dislexias ou dos distúrbios de leitura e
escrita, assinala que o modo de agrupar os transtornos de escrita é dependente do ponto de
vista assumido: pedagógico, psicológico ou médico. Assim tem-se que um grande número de
patologias podem levar a um problema de aprendizagem da linguagem escrita causas
neurológicas (afecção cerebral, déficit sensorial auditiva e visual e déficit intelectual); causas
psicopatológicas (autismo, psicose infantil e transtornos neuróticos); causas socioeducativas
(ensino insuficiente, ausência de investimento social na atividade de leitura); retardo global do
desenvolvimento (atraso de escrita); transtornos de linguagem (disfasia). Ao acompanha sua
conclusão, observa-se que tem como problema a impossibilidade de distinguir o que se
encontra em primeiro plano e o que é secundário. então uma circularidade estabelecida
entre causa e efeito. Na realidade o que se apaga é a enorme heterogeneidade relativa aos
diferentes quadros clínicos que envolvem os distúrbios de leitura e escrita, mesmo quando a
surdez não está em questão.
Cabe lembrar que crianças que não apresentam alterações orgânicas, mas que têm
dificuldades na fala podem, ou não, apresentar problemas na escrita (e também o inverso)
29
.
Há, também, nos diferentes quadros acima relacionados, um fator que deveria causar
inquietação: a presença de erros e acertos incidindo em um mesmo texto, ou a
presença/ausência de um determinado grafema em uma mesma palavra. Porém, via de regra,
questões enigmáticas são geralmente marginalizadas e não chegam a afetar a maioria dos
pesquisadores. Tal heterogeneidade deveria ser reveladora de uma presença sujeito na escrita
que não pode ser descartada.
Devo sublinhar que uma relação com a Lingüística é necessária para que se possa
caminhar, mas como apontou Lier-DeVitto(1995.) deve ser pautada (restringida) por questões,
no caso do meu trabalho, que a surdez e a concepção de língua materna impõem. Incluo aqui a
29
Sobre esse ponto ver Leite (1999).
94
surdez, mesmo que ela possa ser pensada, como vimos em diferentes propostas, como uma
questão de etnia, pois localizá-la nesta dimensão não apaga sua peculiaridade.
Resumidamente, não como deixar de lado as indagações (que trazem a
problemática da subjetividade), e pela natureza não menos especial da fala/sinais/escrita de
sujeitos surdos, ou não, demandam atenção especial Isso define a natureza da relação (com a
Lingüística) e exclui a possibilidade de meras aplicações, como vimos na maior parte dos
trabalhos discutidos. Sem isso, como poderá um educador abordar as questões suscitadas pela
surdez? Como, enfim, poderá ele abordar a fala/escrita de seus alunos?
Um pesquisador que tome a Língua em qualquer que seja a dimensão escolhida
(fala/escrita/sinais) não pode esquivar-se ao necessário encontro com a especificidade de seu
objeto. Especificidade que requer compromisso com o fenômeno que o interroga.
Considero que estas questões devam ser enfrentadas, assumidas como proposições
problemáticas no interior de nosso campo. Não se pode utilizar esses termos sem se deixar
indagar pela vagueza e indeterminação que eles contêm.
Porém, como se sabe, não é simples lidar com fatos desviantes de linguagem, sejam
eles de aquisição ou de patologia, pois não é qualquer lingüística que pode abordá-los. Há que
ser uma em que o assistemático, o irregular, sejam provocadores. Irregular e assistemático
que, como analisa Lier-De Vitto (2006), trazem à cena, não o sujeito da ciência, aquele que é
suporte do cálculo da língua - o falante ideal - mas aquele que se divide e que aparece nos
vãos mal traçados da linguagem. É preciso que se articule língua-fala-falante, condição
fundamental para abordar as diversas faces da linguagem.
É preciso ir além das descrições para contemplar os fenômenos lingüísticos, pois, de
fato, acompanho uma vez mais Lier-DeVitto (2001), quando afirma que:
por meio de uma análise lingüística strictu sensu” não é possível
apreender uma fala peculiar, uma marca de singularidade[...] os
instrumentais descritivos da Lingüística não podem captar o que a
orelha/[olho] do falante de uma língua escuta/[vê], estranha e
distingue. É preciso uma noção de língua-fala-falante que permita
produzir um dizer para um sujeito, que abra a possibilidade de
articular o geral das leis de funcionamento da língua, ao particular da
produção de um sujeito (LIER-DE VITTO, op. cit., p. 248).
95
Nesse sentido, vale destacar que a importância do diálogo com a Psicanálise pode
introduzir novas questões no campo dos estudos da linguagem e nos levar a interrogar, como
assinala Claudia Lemos, sobre o que é ensinar e aprender, quando se considera que, nesse
processo, está em jogo a transformação do sujeito pelo funcionamento simbólico que a
Psicanálise prevê. Incluir as noções de sujeito, linguagem e representação como delineadas
no interior da Psicanálise, a escrita deixa de ser entendida como puro conhecimento do qual a
criança se apropria na construção de representações da fala
30
.
É necessário pensar sobre as conseqüências das discussões empreendidas de
Pommier para podermos deslocar os estudos sobre a escrita do surdo. Porém, cabe sublinhar
que sua entrada tardia em minha dissertação tem um motivo. Os conceitos implicados em sua
obra, que conheço superficialmente, exigiriam um mergulho teórico na Psicanálise,
impossível nesta ocasião, ainda assim considero que vale mencionar alguns pontos que se
anunciam como possibilidade de iluminar os estudos sobre a escrita do surdo. Em seu livro,
ele afirma que as crianças não inventam sozinhas a chave da escrita e se não fazem isso
solitariamente, fazem isso em relação com a cultura. Este autor vai aproximar o universo do
sujeito daquele que diz respeito às construções históricas da escrita alfabética através dos
tempos, para construir sua hipótese sobre o nascimento da escrita. Pommier ampara seu
pensamento na noção de recalque para explicar a origem comum da escrita alfabética e a
escrita inconsciente. Para ele, a escrita propriamente dita começa quando a letra não
representa mais nada e, perdendo sua vertente icônica, ganha a possibilidade de significar.
A partir da exploração rigorosa feita por esse autor sobre a escrita, abre-se uma
possibilidade de pensarmos que a escrita para a criança, seja ela surda ou ouvinte, não é
apenas a aquisição de uma técnica. O sujeito, ao transformar-se em escrevente, não adquire
um novo meio de comunicação, a escrita produz um deslizamento significativo e abre uma
nova possibilidade da criança se dizer, trata-se de um outro modo de produção do sujeito na
cadeia significante.
A partir disso, devemos pensar quais as conseqüências de uma concepção como esta
para os estudos sobre a escrita do surdo e qual o lugar que se abre para o educador pensar sua
prática. Trata-se de uma tarefa de grande envergadura, e não como assimilar o campo da
educação ao da clínica psicanalítica , ele pode ser afetado por uma concepção como aquela
de que fala Pommier, mas é necessário efetuar ainda uma outra operação, qual seja a de
30
Sobre isso ver Katz (2004).
96
discernir diferenças entre esses campos. Como vimos, a surdez coloca em cena a questão da
língua materna e por isso não é possível passar ao largo de uma reflexão lingüística, ao
contrário, como vimos é necessário verticalizá-la.
A questão da escrita do surdo abriga uma problemática extremamente complexa. Se,
por um lado, não é possível mais considerá-la apenas sob a ótica do funcionamento da
máquina (do corpo-orgânico), por outro devemos considerar que algo de peculiar faz presença
na escrita, e mobiliza pesquisadores. Assim, o que especifica tal peculiaridade e pede um
olhar que não apague sua especificidade.
Para isso, deve-se implicar uma teorização sobre a linguagem, o que obriga um
movimento em direção à Lingüística, mas trata-se de um movimento que deve ir além do uso
inadvertido de seus aparatos descritivos. Deve-se buscar uma possibilidade de teorização que
permita articular língua-fala-falante e que permita refletir sobre o modo de presença de um
sujeito na linguagem.
Deve-se evitar posições antagônicas que ou consideram a escrita desses alunos para
ser “descrita” (ela é desligada do escriba), ou, quando o escrevente é considerado, a escrita é
ignorada e uma interpretação muitas vezes de veio ideológico vem à tona e, neste caso,
marginalizada fica a singularidade desta escrita, que deve ser abordada a partir da sua
expressão de sua materialidade. Recobrir essa singularidade, contorná-la com explicações que
anulam sua marca no corpo da linguagem, ou a marca no corpo do sujeito e ficar com
explicações que oscilam entre identificá-la como sinal de uma patologia ou expressão singular
de uma comunidade são, a meu ver, modos diferentes de não se deixar interrogar, de não
sustentar a “falta de saber” que é, na verdade, o germe de uma possibilidade de poder
enunciar “qual é a relação sinal/fala/escrita” para o surdo.
Como disse, ao longo desta dissertação tomei um caminho diferente do pretendido,
mas devo dizer que fui escolhido por ele. Não pretendi em momento algum oferecer respostas
definitivas para questões tão complexas; tentei mostrar, por caminhos tortuosos, que tal
complexidade não pode ser apagada. É certo que gostaria de ter chegado ao terreno das
proposições, mas pude apenas abrir uma discussão e encaminhá-la até o limite do possível
para esta situação. Reconheço que o percurso não foi linear, que toquei em questões díspares
e complexas, que cada uma delas mereceria atenção particular, mas ainda que muito tenha
sido deixado de fora, ou apenas mencionado, vejo que consegui uma mudança na forma de
olhar para as questões relativas ao surdo. Este foi o maior ganho em minha formação e espero
que este trabalho possa tocar outros educadores e que eles se disponham a enfrentar os
mistérios na relação do surdo com a linguagem.
97
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