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WINSTON KLEIBER DE ALMEIDA BACELAR
A PEQUENA CIDADE NAS TEIAS DA ALDEIA GLOBAL:
relações e especificidades sócio - políticas nos municípios de
Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara – MG.
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia da Universidade
Federal de Uberlândia, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em Geografia.
Área de concentração: Geografia e Gestão do
Território.
Orientadora: Profª.drª. Beatriz Ribeiro Soares
UBERLÂNDIA/MG
INSTITUTO DE GEOGRAFIA/UFU
2008
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3
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
WINSTON KLEIBER DE ALMEIDA BACELAR
A PEQUENA CIDADE NAS MARGENS DA ALDEIA GLOBAL: as
relações sócio - políticas nos municípios de Estrela do Sul,
Cascalho Rico e Grupiara – MG.
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Geografia da Universidade Federal de
Uberlândia, como requisito parcial à obtenção do
título de Doutor em Geografia.
Área de concentração: Geografia e Gestão do
Território.
UBERLÂNDIA, _____de ________, ________
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Beatriz Ribeiro Soares (Orientadora)
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
B117p
Bacelar, Winston Kleiber de Almeida, 1966-
A pequena cidade nas teias da aldeia global : relações e especi-
ficidades sócio - políticas nos municípios de Estrela do Sul,
Cascalho Rico e Grupiara – MG / Winston Kleiber de Almeida
Bacelar. - 2008.
411 f . : il.
Orientadora : Beatriz Ribeiro Soares.
Tese (doutorado) – Universidade Federal de Uberlândia,
Programa de Pós-Graduação em Geografia.
Inclui bibliografia.
1.Geografia urbana - Teses. 2. Cidades e vilas - Minas Gerais -
Teses. 3. Política urbana - Minas Gerais - Teses. I. Soares, Beatriz
Ribeiro. II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-
Graduação em Geografia. III. Título.
CDU: 911.375 (815.1)
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação
mg- 05/08
5
Aos meus filhos, Pedro e Lucas. Desculpe
Aos meus filhos, Pedro e Lucas. Desculpe Aos meus filhos, Pedro e Lucas. Desculpe
Aos meus filhos, Pedro e Lucas. Desculpe
o papai pelas horas, dias e meses sem
o papai pelas horas, dias e meses sem o papai pelas horas, dias e meses sem
o papai pelas horas, dias e meses sem
brincar com vocês...
brincar com vocês...brincar com vocês...
brincar com vocês...
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AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente e especialmente à minha orientadora Profª Drª
Beatriz Ribeiro Soares. Minha “mãe” acadêmica e tutora de minhas idéias
conflitantes sobre a geografia. Senhora de meus caminhos geográficos e meu
maior estímulo em continuar a estudar e pesquisar. Sem a Beatriz, não seria o
que sou na vida, como professor e pesquisador de geografia. À minha
orientadora devo, desde a década de 1980, a grande paixão de pertencer à
família da geografia. A ela e com ela componho minhas odes de amor à
pequena cidade. A esta pessoa querida e competente, devo muito e sou
contente em lhe dever gratidão, uma gratidão que não tenho como pagar, a
não ser dizendo: obrigado. Obrigado por ser a pessoa maravilhosa que é, e por
ser a pessoa/geógrafa “revolucionária”, que apostou em uma geografia mais
próxima da realidade e que transmite a paixão pelo trabalho de maneira tão
contagiante que contamina a todos que a conhecem.
Agradeço também a minha amada esposa, Maria Orvila, a meus filhos,
Pedro e Lucas (diamantes da minha vida), à minha querida mãe, Maria Abadia,
a meus irmãos, Alessandro e Izabel, a minha avó, dona Anita, e a todos meus
familiares. Devo um agradecimento especial aos meus tios, Haroldo José de
Almeida e Márcio Donizete de Almeida pelas contribuições valiosas para este
trabalho. Agradeço também aos meus amigos e companheiros de luta, na difícil
trajetória de professor e de pesquisador: Luis Bustamante (além de amigo,
realizador do “Abstract”), José Camacho e Claudiney Rocha Cândido.
Agradeço de maneira especial aos amigos e colaboradores de pesquisa
de campo: Mário Lúcio Rosa (Secretário municipal de Cultura de Estrela do Sul
e apaixonado-mór por Estrela do Sul), Flávio P. Barros, Rodrigo e Vitor Ferreira
e João Francisco Bacelar Júnior. Ao companheiro de batalha e revisor do texto
final, o grande professor e escritor Vasco Lobo.
Um agradecimento especial também aos professores e às secretárias do
Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, pela paciência e
conhecimento. Ao Colégio Nacional, na figura de seus professores e diretores,
colegas para toda hora.
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“É preciso amar as pessoas como se não
“É preciso amar as pessoas como se não “É preciso amar as pessoas como se não
“É preciso amar as pessoas como se não
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houvesse amanhã. Porque se você parar
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pra pensar, na verdade não há. Sou uma
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pra pensar, na verdade não há. Sou uma
gota d’água, sou um grão de areia….”
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gota d’água, sou um grão de areia….”
Renato Russo
Renato Russo Renato Russo
Renato Russo
Legião Urbana
Legião UrbanaLegião Urbana
Legião Urbana
8
RESUMO
Esta tese defende a idéia que os problemas da pequena cidade, aquela
com população inferior a 10.000 habitantes, possui problemas que
transcendem o simples binômio: financeiro - ambiental. Ao analisar as
pequenas cidades de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico no Triângulo
Mineiro/Alto Paranaíba no Estado de Minas Gerais, constatou-se ser, de fato, a
relação entre o poder público e a população, o grande diferencial de uma
pequena cidade.
A construção de um “Estado do Bem Estar Social” nessas pequenas
cidades é o resultado da amálgama da gica lusitana de se administrar o bem
público com as novas diretrizes descentralizantes e municipalistas advindas da
Constituição Federal do Brasil de 1988. Dessa “simbiose” surge e se fortalece o
Estado-município social na pequena cidade, de cunho patrimonialista e
assistencialista, utiliza e é utilizado pela sociedade da pequena cidade, que
assim estabelece uma relação de dependência de parcela da população para
com o poder público municipal, que além de ser o maior empregador é também
o articulador de políticas sociais, culturais, econômicas e ambientais.
O Estado-município social, representante e articulador de situações
internas à pequena cidade, o faz como maneira de diminuir os impactos de
uma modernidade tangencial e difusa para a população e, assim, busca
maneiras de “satisfação” social que, em sua maioria, atende apenas uma
parcela da população residente nessas pequenas localidades. Contudo,
cremos que também é a partir desse Estado-muncicípio social que reside um
caminho para possíveis soluções da pequena cidade e, com isso, nesse
trabalho, expomos como um possível caminho para os problemas internos
desses municípios, a cooperação intermunicipal entre as pequenas cidades,
como forma de articular o microrregional com problemas semelhantes e buscar
novas maneiras de governança, que envolvam a sociedade e o Estado-
município social.
Palavras-chave: pequena cidade; lugar; Estado; microrregional.
9
ABSTRACT
This work aims to show that little cities problems e.g., cities with less than
10.000 inhabitants overpass financial-environmental binomial. Analysing
Estrela do Sul, Grupiara and Cascalho Rico little cities, in Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba regions, Minas Gerais state, it achieves that the nature of little cities
problems is the relationship between population and public power.
Creation of Welfare State in these cities resulted from an amalgam of
portuguese logic of public properties administration, and 1988 Brazil Federal
Constitution descentralization and municipalist new policies. From this
symbiosis, the welfare municipal state emerges with patrimonialist and welfaring
features. It uses and it is used by little cities societies and, hence, establishes
dependence relationship between population fraction and municipal power. The
municipal power is the greatest employer and main agent of social, cultural,
economic and environmental policies.
The welfare municipal state represents little cities’ internal situations. It works in
order to decrease impacts of tagential and difuse modernity on the population.
Thus, it looks for “social satisfaction” ways that, in majority of cases, cares for
just a part of little cities inhabitants. Nevertheless, there is a route for soluctions
from this welfare municipal state. In this work, little cities’ intermunicipal co-
operation could join the microrregional level that shares similar issues and,
then, looks for new government practices. It could involve society and welfare
municipal state.
Key words: little cities;place; State; microrregional.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
MAPAS PAG.
1 - Área do município de Estrela do Sul (antiga Bagagem) no ano
de 1870..................................................................................26
2 - Municípios que pertenceram a Estrela do Sul no século XIX.
2007.......................................................................................27
3 - Comarca Judicial de Estrela do Sul. 2007....................................................27
4 - Localização do município de Estrela do Sul.
2007.......................................................................................28
5 - Área urbana de Estrela do Sul. 2006.................................... 29
6 - Localização do município de Grupiara-MG.
2007...................................................................................... 32
7 - Localização do município de Cascalho Rico-MG. 2007.......... 35
8 - Localização do município de Cascalho Rico e sua divisão
administrativa. 2007................................................................ 36
9 - Minas Gerais e suas divisões municipais,
2007...................................................................................... 41
10 - Brasil Regiões metropolitanas e tipologia dos municípios
brasileiros. 1998................................................................. 67
11 - Área de atuação da AMVAP. 2007.................................. 300
11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICOS PAG.
1 - Brasil - Evolução da população urbana e rural de 1940-2000 (anos
selecionados)........................................................................................... 65
2 - Brasil – População Por Situação do Domicílio (%)............................. 70
3 - Viagem a passeio. 2007...................................................................... 89
4 - Viajou a passeio. Idade: 16 a 24 anos. 2007...................................... 90
5 - Viajou a passeio. Idade: 25 a 64 anos. 2007...................................... 90
6 - Viajou a passeio. Homens. 2007........................................................ 90
7 - Viajou a passeio. Mulheres. 2007....................................................... 96
8 - Destino das últimas viagens da população de Grupiara. 2007........... 91
9 - Grupiara: Onde (cidade) fazem as compras. 2007............................. 92
10 - Cascalho Rico: Destino das últimas viagens da população. 2007... 93
11 - Cascalho Rico: Onde (cidade) fazem as compras. 2007....................... 93
12 - Estrela do Sul: Destino das últimas viagens da população. 2007..... 94
13 - Estrela do Sul: Onde (cidade) fazem as compras. 2007...................... 95
14 - Viajou a passeio. Freqüência. 2007..................................................... 95
15 - Lê jornal. 2007...................................................................................... 96
16 - Cascalho Rico: Lê jornal. Jornal. 2007................................................. 97
17 - Estrela do Sul: Lê jornal. Jornal. 2007.................................................. 97
18 - Grupiara: Lê jornal. Jornal. 2007.......................................................... 98
19 - Grupiara: Como tomam contato com as notícias do Brasil e do mundo.
2007............................................................................................................... 99
20 - Cascalho Rico: Como tomam contato com as notícias do Brasil e do
mundo. 2007................................................................................................... 99
21 - Estrela do Sul: Como tomam contato com as notícias do Brasil e do
mundo. 2007................................................................................................... 100
22 - Possui computador Pessoal. 2007........................................................ 101
23 - Manuseou um computador. 2007.......................................................... 101
24 - Acesso a Internet. 2007......................................................................... 102
12
25 - Acesso a Internet. Freqüência. 2007..................................................... 102
26 - Acesso a Internet. Idade: 16 a 24 anos. 2007....................................... 103
27 - Acesso a Internet. Idade: 25 a 64 anos. 2007....................................... 103
28 - Mudaria para outra cidade. 2007........................................................... 105
29 - Mudaria para outra cidade. Idade: 16 a 24 anos. 2007......................... 106
30 – Mudaria para outra cidade. Idade: 25 a 64 anos. 2007......................... 107
31 - Mudaria para outra cidade. Idade: acima de 65 anos. 2007.................. 107
32 - Mudaria para outra cidade. Sexos. 2007................................................ 108
33 - Cascalho Rico: Cidade que mudaria. 2007............................................ 109
34 - Grupiara: Cidade que mudaria. 2007...................................................... 109
35 - Estrela do Sul: Cidade que mudaria. 2007.............................................. 110
36 - Necessitou de aviamento de receita médica pela prefeitura. 2007......... 152
37 - Aviamento de receita médica pela prefeitura. Freqüência. 2007.............152
38 - Viajou em carros da prefeitura para outras cidades. 2007.......................153
39 - Viajou em carros da prefeitura para outras cidades. Freqüência. 2007...153
40 - Estrela do Sul: Relação entre população total e quantidade de funcionários
da prefeitura municipal. 2007........................................................................ 173
41 - Estrela do Sul: Relação entre PEA e funcionários da prefeitura. 2007... 173
42 - Cascalho Rico: Relação entre população total e a quantidade de
funcionários da prefeitura municipal. 2007..................................................... 174
43 - Cascalho Rico: Relação entre PEA e funcionários da prefeitura municipal.
2007............................................................................................................... 174
44 - Grupiara: Relação entre população total e quantidade de funcionários da
prefeitura municipal. 2007.............................................................................. 174
45 - Grupiara: Relação entre PEA e funcionários da prefeitura
municipal. 2007.............................................................................................. 175
46 - Relação entre Recursos Correntes\área e FPM\área, em Reais nos
municípios de Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara. 2005................... 192
47 - Posição dos 10 maiores municípios em relação ao PIB per capita, total e
participação relativa da população – 1999-2003.......................................... 193
48 - Cascalho Rico: Maiores problemas em morar em sua cidade. 2007.... 199
49 - Cascalho Rico: Maiores problemas em morar em sua cidade. Homens e
Mulheres. 2007.............................................................................................. 200
50 - Cascalho Rico: Maiores problemas em morar em sua cidade.
13
Idade. 2007.................................................................................................... 201
51 - Estrela do Sul: Maiores problemas em morar em sua cidade. 2007...... 202
52 - Estrela do Sul: Maiores problemas em morar em sua cidade. Homens e
Mulheres. 2007............................................................................................... 203
53 - Grupiara: Maiores problemas em morar em sua cidade. 2007.............. 204
54 - Grupiara: Maiores problemas em morar em sua cidade. Faixas etárias.
2007............................................................................................................ 205
55 - Estrela do Sul: Aspectos positivos em residir na sua cidade. 2007.... 206
56 - Cascalho Rico: Aspectos positivos em residir na sua cidade. 2007... 207
57 - Grupiara: Aspectos positivos em residir na sua cidade. 2007............ 208
58 - Evolução do quadro de vereadores em Estrela do Sul segundo ocupação
urbano e rural (1989-2008)......................................................................... 222
59 - Evolução do quadro de vereadores em Grupiara segundo ocupação
urbana e rural (1989-2008)......................................................................... 223
60 Evolução do quadro de vereadores em Cascalho Rico segundo ocupação
urbana e rural (1989-2008).......................................................................... 223
61 - Representação na Câmara de Vereadores de Estrela do Sul segundo
ocupações entre 1989 e 2008.................................................................... 226
62 - Representação na Câmara de Vereadores de Grupiara segundo
ocupações entre 1989 e 2008.................................................................... 227
63 Representação na Câmara de Vereadores de Cascalho Rico segundo
ocupações entre 1989 e 2008..................................................................... 228
64 - Estrela do Sul: Gosta mais de política ou das eleições. 2007............ 233
65 - Cascalho Rico: Gosta mais de política ou das eleições. 2007........... 234
66 - Cascalho Rico: Gosta mais de política ou das eleições. Homens e
mulheres. 2007.......................................................................................... 235
67 - Grupiara: Gosta mais de política ou das eleições. 2007.................... 235
68 - Grupiara: Gosta mais de política ou das eleições. Homens e mulheres.
2007.............................................................................................................. 236
69 - Estrela do Sul: ambiente onde ocorreu o primeiro contato com as bebidas
alcoólicas, 2007........................................................................................... 237
70 - Cascalho Rico: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). 2007.......................................................................................... 245
14
71 - Cascalho Rico: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). Faixas etárias. 2007........................................................ 248
72 - Estrela do Sul: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). 2007......................................................................................... 249
73 - Estrela do Sul: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). Faixas etárias. 2007....................................................... 250
74 - Grupiara: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). 2007...................................................................................... 251
75 - Grupiara: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). Faixas etárias. 2007................................................... 252
76 - Tratamento médico ou hospitalar em outra cidade. 2007................ 253
77 - Tratamento médico ou hospitalar em outra cidade. Freqüência. 2007... 294
78 - Natural da cidade. 2007. ...................................................................... 295
79 - Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara: Natural da cidade. 2007....... 296
15
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS PAG.
1 - Fotografia aérea do centro da sede municipal de Estrela do
Sul em 2007..................................................................................................... 30
2 - Fotografia do casario colonial nas encostas do vale do rio Bagagem no
centro da sede municipal de Estrela do Sul. 2007........................................... 31
3 - Fotografia do casario colonial nas encostas do vale do rio Bagagem no
centro da sede municipal de Estrela do Sul e igreja matriz de Nossa Senhora
Mãe dos Homens. 2007.................................................................................... 31
4 - Fotografia aérea da sede municipal de Grupiara e o lago de Emborcação.
2007...................................................................................................................33
5 - Fotografia aérea da sede municipal de Grupiara e o lago de Emborcação.
2007...................................................................................................................34
6 - Fotografia aérea do lago de Emborcação e a sede do município de
Grupiara. 2007...................................................................................................38
7 - Fotografia aérea do lago de Emborcação e a sede municipal de Grupiara.
2007................................................................................................................ 38
8 Localização dos municípios de Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara
em relação ao lago de Emborcação e a área de reflorestamento da SATIPEL.
2007................................................................................................................ 320
9 - Fotografias da Folia de Reis e Festa a Santos Reis em Estrela do Sul.
2007.................................................................................................................381
10 - Fotografias dos carnavais antigos (década de 1920 e 1930) e
contemporâneos em Estrela do Sul........................................................ 383
11 - Fotografia da descida de “bóia” no Rio Bagagem em Estrela
do Sul. 2007............................................................................................ 384
12 - Fotografias das prestações de serviços aos Garimpeiros pela prefeitura e
pela cooperativa dos garimpeiros de Estrela do Sul. 2007................... 385
16
13 - Fotografia da missa de Domingo de Ramos na Igreja Matriz de Nossa
Senhora Mãe dos Homens em Estrela do Sul em 2007....................... 386
14 - Fotografia da procissão da Segunda-Feira Santa em Estrela do Sul em
2007...................................................................................................... 387
15 - Fotografia do encontro da procissão de Maria e de Jesus em Estrela do
Sul em 2007.......................................................................................... 388
16 - Fotografia da encenação da Paixão de Cristo na Semana Santa em Estrela
do Sul. 2007 ........................................................................................ 389
17 - Fotografias referentes à festa do Judas no bado de Aleluia em Estrela
do Sul. 2005-2007.............................................................................. 391
18 - Fotografias da festa em louvor a Nossa Senhora Mãe dos Homens em
2007..................................................................................................... 394
19 - Fotografia do dia do Evangélico em Estrela do Sul em 2007....... 396
20 - Fotografias da festa de aniversário da cidade de Estrela do Sul e da Festa
em praça pública em 2007.................................................................. 397
21 - Fotografias da Festa do Peão em comemoração ao dia da cidade de
Estrela do Sul. 2004-2007................................................................... 398
22 - Fotografias da festa em louvor a Nossa Senhora de Fátima em 2007... 399
23 - Fotografias da festa de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito,
com congados e moçambiques de Estrela do Sul em 2007................. 400
24 - Fotografias dos preparativos e do reveillon em Estrela do Sul em 2007.401
25 - Fotografias da festa à Fantasia em Estrela do Sul em 2007......... 402
17
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADROS PAG.
1 - Os dez maiores PIBs per capita do Brasil em 2005.......................... 194
2 - Prefeitos e ocupação principal no município de Estrela do Sul
após 1988.................................................................................................. 219
3 - Prefeitos e ocupação principal no município de Grupiara após 1988.. 220
4 - Prefeitos e ocupação principal no município de Cascalho Rico
após 1988.................................................................................................. 220
5 - Vereadores e ocupação principal no município de Estrela do Sul
após 1988.................................................................................................. 222
6 - Vereadores e ocupação principal no município de Grupiara
após 1988................................................................................................... 223
7 - Vereadores e ocupação principal no município de Cascalho Rico
após 1988.................................................................................................... 224
8 – Objetivos e princípios da AMVAP. 2007................................................ 301
9 – Operações de cooperação intermunicipal da AMVAP. 2007................. 302
18
LISTA DE TABELAS PAG.
1 - Brasil: Divisão Administrativa por Unidade da Federação
2000.......................................................................................42
2 - Minas Gerais: Municípios por Faixa Populacional Censo de
2000.......................................................................................43
3 - Brasil: evolução das cidades com até 10.000 habitantes,
2000.....................................................................................158
4 - Relação de Alvarás de Comércio e Bebidas no município de
Estrela do Sul. 1988-2006.......................................................242
19
LISTA DE SIGLAS
AMVAP: Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Paranaíba.
ALMG: Assembléia Legislativa de Minas Gerais
ARENA: Aliança Renovadora Nacional
CEMIG: Centrais Elétricas de Minas Gerais
CIAS/AMVAP: Conselho Intermunicipal de Assistência Social da AMVAP
CIS/AMVAP: Consórcio Intermunicipal de Saúde dos Municípios da
microrregião da AMVAP.
CISAM/AMVAP: Conselho Intermunicipal de Saneamento Ambiental da
AMVAP
CIDE: Contribuição Intervenção de Domínio Econômico
CIE/AMVAP: Conselho Intermunicipal de Educação da AMVAP
DEM: Partido Democrata
DRU: Desvinculação da Receita da União
DSM: Desenvolvimento Sustentável Microrregional
FPM: Fundo Municipal dos Municípios
FUNDEB: Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
ICMS: Imposto Sobre Circulação de Mercadorias
IDH: Índice de Desenvolvimento Humano
IDHM: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IPEA: Instituto Brasileiro de Pesquisa Econômica Aplicada
MDB: Movimento Democrático Brasileiro
IPTU: Imposto Predial e Territorial Urbano
IPVA: Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotivos
ISS: Imposto Sobre Serviços
ITBI: Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos
ITR: Imposto Territorial Rural
OMS: Organização Mundial de Saúde
ONG: Organização Não Governamental
ONU: Organização das Nações Unidas
PAB: Piso de Atendimento Básico
20
PDT: Partido Democrático Trabalhista
PEA: População Economicamente Ocupada
PFL: Partido da Frente Liberal
PPS: Partido Popular Socialista
PIB: Produto Interno Bruto
PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PP: Partido Popular
PR: Partido da República
PSD: Partido da Social Democracia
PSDB: Partido da Social Democracia do Brasil
PSF: Programa Saúde da Família
PT: Partido dos Trabalhadores
PTB: Partido Trabalhista do Brasil
SUS: Sistema Único de Saúde
TCU: Tribunal De Contas da União
TMQ: Total Quality Management
UDN: União Democrática Nacional
USP: Universidade de São Paulo
21
SUMÁRIO
Agradecimentos ……………………………………………………………. 5
Resumo.............................................................…………………………… 7
Abstract ...................................................................……… 8
Lista de ilustrações – Mapas……………………………………………….. 9
Lista de ilustrações – Gráficos ……………….………………………… 10
Lista de ilustrações – figuras …………………………………………….. 14
Lista de ilustrações – quadros ……………………………………………. 16
Lista de tabelas ………………………………………………………….. 17
Lista de siglas ………………………………………………………… 18
Sumário ………………………………………………………………… 20
Introdução …………………………………………………………….. 24
I. A urbanização e a pequena cidade incompleta ................................ 57
1.1 A urbanização brasileira fruto da quebra do modelo agrário............. 62
1.2 A urbanização concentradora............................................................ 69
1.3 O pensamento da modernidade calcado na positividade do urbano.. 75
II . A administração pública da pequena cidade: a transição inacabada da
modernidade............................................................................................. 82
2.1 Antes de ser uma globalização incompleta trata-se de uma modernidade
inconclusa................................................................................................. 82
2.2 A face da “nova ordem” da administração pública no período técnico-
científico informacional.............................................................................. 112
2.3 As crises internas do processo capitalista na década de 1970 e a gênese
do movimento gerencialista na administração pública.............................. 117
2.3.1 A nova maneira de administrar a cidade: a tentativa de despolitização no
discurso neoliberal..................................................................................... 123
2.4 O fazer urbano e o “Estado do Bem Estar Social” da pequena cidade... 133
2.4.1 A herança portuguesa na configuração política administrativa das cidades
brasileiras: evolução e propósito.................................................................... 136
2.5 A pequena cidade e o fazer produtivo incompleto................................. 149
22
III. As pequenas cidades de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico e o
“mundo” que é seu..................................................................................... 155
3.1 A pequena cidade................................................................................ 157
3.2 A realidade das pequenas cidades no aspecto administrativo e
funcional..................................................................................................... 164
3.2.1 Caracterizando uma pequena cidade do ponto vista político-
administrativo............................................................................................. 171
3.3 As pequenas cidades no novo milênio – Admirável mundo novo?...... 184
IV. “Panem et Circenses”: a “política” nas pequenas cidades de Estrela do Sul,
Grupiara e Cascalho Rico........................................................................ 215
4.1 A “política” e a política eleitoral nas pequenas cidades de Estrela do Sul,
Cascalho Rico e Grupiara...................................................................... 216
4.2 As festas e festejos: o “Circus” como “panis”................................... 239
4.2.1 O “circenses” como “panem” A relação da bebida alcoólica e a
precariedade de lazer nas pequenas
cidades............................................................. 241
V. Políticas públicas e sustentabilidade microrregional…………………. 262
5.1 A sustentabilidade ameaçada nos países da periferia........... 266
5.1.2 O desafio da sustentabilidade...................................................... 269
5.1.3 O desenvolvimento sustentado enquanto possibilidade
………………………………………………………................................... 272
5.2. Saúde pública: o Estado e a municipalização da “universalização” da
saúde..........................................................…………………………….. 279
5.2.1 A saúde pública no Brasil contemporâneo
......................................................................................... 280
5.2.2 A saúde pública no Brasil......................................... 284
5.2.3 A “revolução” na saúde pública brasileira a partir do Sistema Único de
Saúde (SUS)……………………………………………………................. 287
5.3 Políticas públicas de saúde na pequena cidade: a ambulância como
instrumento político e de prestação de serviços................ 292
5.4 AMVAP: políticas públicas municipais e microrregionais………. 299
23
5.5 O local e o microrregional na sustentabilidade das pequenas cidades de
Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico……………………......................... 315
Considerações Finais……………………………………………………............ 329
BIBLIOGRAFIA……………………. ................................................................ 347
ANEXOS........................................................................................................ 366
24
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃOINTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
Fonte: Imagens extraídas do sítio googleearth.com
25
INTRODUÇÃO
As pequenas cidades são estudadas pontualmente pelos cientistas e
pouco conhecidas pelos planejadores do Estado. Elas não possuem o mesmo
tratamento dado às médias e grandes cidades, no entanto, possuem rios
assuntos que merecem maior investigação como o esvaziamento populacional,
problemas sociais, ambientais; as relações políticas blico-administrativas e a
estruturação social, econômica, política e cultural. A pequena cidade tem uma
forte ligação com seu entorno rural e, em certos aspectos, desempenham um
papel semelhante ao do espaço rural. Logo, ela tem que ser analisada
juntamente com seu entorno rural. Neste tipo de análise, podem-se obter dados
mais confiáveis da realidade social e econômica desses lugares, pois a
realidade da pequena cidade imiscui-se na de seu município e ultrapassa o
domínio do urbano. Segundo Bacelar (2003, p. 51):
Em nosso entender, a análise e o estudo das pessoas em determinada
região somente poderá se aproximar do real quando localidades
humanas acima de 50.000 habitantes são observadas na cidade sede
(ou sede municipal) e podem assim ser chamadas de cidades. As
localidades humanas com menos de 50.000 habitantes, especialmente
as com número inferior a 10.000 habitantes, serão elencadas dentro da
expressão município, pois, em nosso entender, nestas localidades, o
rural e o urbano são muito próximos e, portanto não seria prudente
realizar uma análise em que a realidade rural/urbano estivesse
dissociada (...). Mesmo em localidades onde a população é
predominantemente “urbana”, existe (segundo o censo IBGE 2000) uma
significativa porcentagem de pessoas residentes ou trabalhando no meio
rural, dispersas no território do município. Podemos observar que, nestas
localidades, existe uma forte ligação histórica e produtiva, portanto,
social e política, com o todo municipal no sentido espacial e concreto
enquanto realidade do cotidiano.
A pequena cidade, particularmente aquela com população municipal
inferior a 10.000 habitantes, ainda é encarada pela sociedade como sendo
bucólica e aprazível, sem problemas internos
1
e, portanto, relegada a um limbo
conceitual e assim falta-lhe um olhar mais acurado sobre suas mazelas
internas. Segundo Bacelar (2003, p. 06):
1
Segundo Bremaeker (2001, p. 3): “A distribuição segundo o número de habitantes mostra que
49,5% dos Municípios brasileiros possui menos de 10 mil habitantes, sendo que as regiões que
apresentam percentuais acima dessa média o a Sul (67,5%), a Centro-oeste (56,7%) e a
Sudeste (50,4%). Conforme pode ser observado, as maiores concentrações de Municípios de
pequeno porte demográfico, que geralmente contemplam aqueles classificados como os mais
pobres, paradoxalmente se encontram relativamente em maior quantidade nas regiões
consideradas as mais desenvolvidas”.
26
A pequena cidade “esconde”, ainda, um mito, o de cidade ou lugar sem
problemas, o que, talvez, seja o ponto mais difícil deste trabalho, pois
este mito, sendo universal, ultrapassa a esfera do regional. Idealizado
nas pequenas cidades européias e norte-americanas, é transferido para
um país onde é grande o saudosismo onírico e escapista das pequenas
cidades, moradia da maioria das pessoas no século XIX até a década de
1950. Cansadas da violência urbana dos grandes centros, elas voltam
seu olhar para as lembranças de seus pais e avós que viveram em
pequenos centros urbanos, sem os problemas das grandes metrópoles.
A transferência de olhar o condiz com toda a realidade das pequenas
cidades contemporâneas. Trata-se muito mais de um problema de
geração, que realmente uma análise acurada das pequenas cidades de
hoje.
A pequena cidade merece e necessita de análises mais realistas para
terem um tratamento científico mais aprimorado que poderá levar a possíveis
soluções de suas crises internas.
Como os municípios com menos de 10.000 habitantes são, em nosso
entender, estudados de forma apenas pontual, propomos, neste trabalho
analisar estas localidades do ponto de vista geográfico, levando em
consideração aspectos sociais internos (emprego, saúde, lazer, cultura),
econômicos (geração de renda e questões demográficas), ambientais,
tributários e de administração pública.
A escolha dos municípios de Estrela do Sul, Grupiara e de Cascalho
Rico deve-se em grande medida ao fato da longeva história de administração
pública relacionada a estes três municípios, especialmente relativo à cidade de
Estrela do Sul. o também relevantes os fatores relacionados à histórica
inclusão desses municípios à mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba, a AMVAP (Associação dos municípios da microrregião do Vale do
Paranaíba), CIS/AMVAP (Consórcio Intermunicipal de Saúde dos Municípios
da Microrregião do Vale do Rio Paranaíba), e também por serem banhados
pelo lago da represa hidrelétrica de Emborcação (pertencente ao sistema
CEMIG - Centrais Elétricas de Minas Gerais). A estes fatores soma-se o de
que Estrela do Sul, o mais antigo município dos três (mapa 1), ser sede de
comarca e teve ao longo do século XIX e parte do século XX, distritos; dos
quais alguns, hoje cidades emancipadas, que ainda pertencem à comarca
judiciária de Estrela do Sul, como é o caso de Cascalho Rico e de Grupiara
(mapa 3). Segundo Bacelar (2003, p. 102):
Foram distritos de Estrela do Sul: Brejo Alegre (atual Araguari), São João do
Rio das Pedras (atual Cascalho Rico), Troncos (atual Grupiara), Santana do
27
Rio das Velhas (atual Indianópolis), São Sebastião da Ponte Nova (atual
Nova Ponte), Crioulos (atual Pedrinópolis), Água Suja (atual Romaria) e
Carmo da Bagagem (atual Monte Carmelo), Espírito Santo do Cemitério (Irai
de Minas) e Boqueirão (Douradoquara). Todos eles foram emancipados em
fins do século XIX ou no decorrer do século XX. Atualmente Estrela do Sul
possui dois distritos: Santa Rita de Estrela (Joaquim Antônio) e Chapada de
Minas. Conta, também, com os povoados de Dolearina (ou Gameleira), Água
Emendada e São Félix. (mapa 2).
Mapa 1: Área do município de Estrela do Sul (antiga Bagagem) no ano de 1870.
Fonte: IBGE. 2005.
Org.: BACELAR, W. K. A. 2007.
Assim, tendo Estrela do Sul como centro e causa deste trabalho,
estabeleceremos análises econômicas, administrativas e sociais referentes à
pequena cidade. Devido também ao fato dessa localidade ser um dos mais
antigos municípios de Minas Gerais e do Triângulo Mineiro, fonte importante
das informações de relações político-administrativas, econômicas e sociais
intrínsecas a uma pequena cidade que vem desde o Brasil colônia. Esse
município foi sede administrativa e comarca judiciária e como tal englobava em
seu extenso território vários povoados e distritos (mapa 2) que, atualmente,
estão emancipados político-administrativamente.
28
Mapa 2: Municípios que pertenceram a Estrela do Sul no século XIX. 2007.
Fonte: IBGE
Org.: BACELAR, W. K.A. 2007.
Mapa 3: Comarca Judicial de Estrela do Sul. 2007.
Fonte: IBGE, 2005.
Org. BACELAR, W. K.A. 2007.
A população do município de Estrela do Sul era, segundo o censo do
IBGE 2000, de 6.883 habitantes e na contagem populacional de 2007 este
29
número é de 7.137 habitantes. A localização da sede do município está em 18°
44’ 46” S e 47° 41’ 33” W e pode ser melhor analisada no mapa 4.
Mapa 4: Localização do município de Estrela do Sul. 2007.
Fonte: Mapas extraídos do sítio www.almg.gov.br em novembro de 2007
Org.: BACELAR, W.K.A.2007.
O interessante traçado urbano de Estrela do Sul reflete a sua inicial
ocupação enquanto área de exploração de diamantes de aluvião. O desenho
urbano da sede municipal segue as sinuosas linhas do rio Bagagem, ocupando
e envolvendo parcialmente este rio em suas margens aluvionais e também
abraçando seus contornos e meandros, como pode ser observado no mapa 5.
30
Barro
Branco
1930
São Vicente
1920
Bela Vista
Centro
Bagaginha
Diamante Rosa
Bernardo Guimarães
Mato Grosso
1990
1980
1850
2004
1
9
5
0
215000
215000
216000
216000
217000
217000
7924000
7924000
7925000
7925000
7926000
7926000
7927000
7927000
7928000
7928000
Legenda
Ruas
Lotes
Rio Bagagem
Praças
Ilha
Ponte
Córregos
Área Urbana
Estrela do Sul
(2006)
500 0 500 Meters
Escala: 1:20.000
N
Fonte: Mapa da cidade/Prefeitura
Municipal de Estrela do Sul - 2000
Org. Colesanti, R.M.
Mapa 5: Área urbana de Estrela do Sul. 2006.
31
A cidade de Estrela do Sul ainda guarda um pouco de sua história colonial
em seu traçado sinuoso das ruas e em alguns poucos casarões seculares,
como pode ser observado na figura 1 a seguir:
Figura 1: Fotografia aérea do centro da sede municipal de Estrela do Sul em 2007.
Fonte: Secretaria municipal de Estrela do Sul.
A economia atual do município de Estrela do Sul é baseada
especialmente no tripé: agropecuária (pecuária de corte e leiteira), na madeira
e seus subprodutos a partir da área da SATIPEL e na extração do diamante.
Este último o grande motivo de sua estruturação econômica histórica, motivo e
maior responsável pelos grandes casarões coloniais existentes na sede
municipal (figuras 2 e 3 a seguir).
32
Figura 2: Fotografia do casario colonial nas encostas do vale do rio Bagagem no centro
da sede municipal de Estrela do Sul. 2007.
Fonte: Secretaria Municipal de Cultura de Estrela do Sul.
Figura 3: Fotografia do casario colonial nas encostas do vale do rio Bagagem no centro
da sede municipal de Estrela do Sul e igreja matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens.
2007
Fonte: Secretaria Municipal de Cultura de Estrela do Sul.
33
GRUPIARA
O município de Grupiara possui 1.412 habitantes, segundo contagem
populacional do IBGE 2007. O município de Grupiara divisa de maneira natural
com os municípios de Estrela do Sul (ao sul), com Cascalho Rico (ao oeste) e
com Goiás através do lago da hidrelétrica de Emborcação (ao norte). A sede
municipal está localizada em 18º 29’ 32” S e 47º 43 30” W, como pode ser
visualizado no mapa 6.
Mapa 6: Localização do município de Grupiara-MG. 2007.
Fonte: Extraído do sítio www.almg.gov.br em novembro de 2007.
A história de Grupiara está intimamente relacionada com o
desenvolvimento político-territorial de Estrela do Sul. Aquele município foi um
dos povoados que pertenceram a este quando ainda era denominado de vila
da Bagagem no século XIX e passou a distrito da cidade de Estrela do Sul em
1923. O desmembramento desta e posterior elevação a condição de cidade e
sede municipal aconteceu em 1962, como podemos conferir na citação a
seguir.
O município de Grupiara está situado na região que foi rota de expansão
das fronteiras da colônia para além da linha do Tratado de Tordesilhas,
até as vastidões dos sertões de Goiás e Mato Grosso. Grupiara - que
quer dizer, em linguagem indígena, jazida em cascalhos - surgiu do
34
povoamento na zona diamantífera, onde foi encontrado, em 1852, o
famoso diamante Estrela do Sul. Troncos, antigo nome do lugar, elevou-
se, em 1923, à categoria de distrito com o nome de Grupiara. Emancipa-
se em 1962, com o território desmembrado de Estrela do Sul. O lago
formado a partir da construção da usina hidrelétrica de Emborcação, no
rio Paranaíba, destaca-se como uma das principais atrações turísticas
do município. As origens do município de Grupiara remontam o século
XVIII, quando surgiram os primeiros moradores efetivos da cidade,
atraídos pelo garimpo. O Instituto Histórico Geográfico Mineiro afirma
que, ao longo das trilhas feitas pelos primeiros desbravadores dos
sertões mineiros, foram sendo edificadas algumas construções, para
servirem de reabastecimento aos bandeirantes que se destinavam às
minas auríferas de Meia Ponte (Pirenópolis), Rio Vermelho (Goiás Velho)
e Cuiabá (MT). Do surgimento destas aldeias, num crescimento lento e
isolado, formou-se Grupiara. Hoje, devido à herança e os costumes que
os descobridores da área deixaram, Grupiara é uma cidade hospitaleira,
que está de braços abertos para receber turistas de todo Brasil.
2
A recente história de Grupiara está intimamente atrelada ao lago da
Hidrelétrica de Emborcação que inundou parte considerável de seu município
bem como 30% da área urbana, incluindo residências, a Igreja principal e o
cemitério, o qual necessitou ser removido totalmente incluindo túmulos e
lápides antigas de valor histórico. A proximidade do lago de Emborcação com a
sede municipal de Grupiara pode ser constatada nas figuras 4 e 5 a seguir:
Figura 4: Fotografia aérea da sede municipal de Grupiara e o lago de Emborcação. 2007.
Fonte: Extraído do sítio www.almg.gov.br/index.aspmunicipio em novembro de 2007.
2
Texto extraído do sítio www.almg.gov.br/index.aspmunicipio=27909 em novembro de 2006.
35
Figura 5: Fotografia aérea da sede municipal de Grupiara e o lago de Emborcação. 2007.
A estrutura econômico-produtiva do município está baseada atividade
agrícola especialmente na pecuária leiteira e nas lavouras de café e soja.
Fonte: Extraído do sítio www.almg.gov.br/index.aspmunicipio em novembro de 2007.
A economia do município de Grupiara é baseada na agropecuária. Sendo
os produtos em destaque: a soja e o milho na agricultura e as pecuárias de
corte e leiteira
3
.
CASCALHO RICO
O município de Cascalho Rico, segundo o censo populacional de 2000,
contava com 2.622 habitantes e na contagem populacional de 2007 do IBGE
este número subiu para 2.799 habitantes. A sede municipal de Cascalho Rico
está localizada em 18º 34’ 47” S e 47 52’ 36” W, como pode ser visualizado no
mapa 7.
3
Segundo censo agropecuário de 2006 do IBGE.
36
Mapa 7: Localização do município de Cascalho Rico-MG. 2007.
Fonte: Extraído do sítio www.almg.gov.br em novembro de 2007.
O município de Cascalho Rico divisa com os municípios de Araguari,
Grupiara e Estrela do Sul em Minas Gerais, além de ser divisa natural com o
Estado de Goiás através do rio Paranaíba e do lago da represa hidrelétrica de
Emborcação. O município de Cascalho Rico possui uma compartimentação
territorial e administrativa em cinco áreas: o distrito sede, três áreas rurais e o
distrito de Santa Luzia da Boa Vista, como pode ser visualizado no mapa 8.
37
Mapa 8: Localização do município de Cascalho Rico e sua divisão administrativa. 2007.
Fonte: IBGE.
Org.: Secretaria Municipal de Cultura e Educação de Cascalho Rico. 2007.
.
Assim como Grupiara, a estruturação histórico-política do município de
Cascalho Rico também está relacionada à de Estrela do Sul.
Supõe-se tenham sido os índios tapuias os primitivos habitantes,
encontrando-se vestígios nas proximidades da cidade. Em 1743, o
Coronel Antônio Pires de Campos, por ordem D’El-Rei, teria fundado três
38
aldeias, para a concentração de índios pacíficos: Santana, Pissarão e
Rio das Pedras. A última, construída no alto de uma colina, tinha por
função primordial defender a região contra invasores, além de servir
como aldeamento de índios mansos, trazidos de Mato Grosso e Goiás,
Posto-Fiscal e aquartelamento de tropas. A estrada de Anhangüera,
ainda hoje existente em alguns trechos, era passagem obrigatória para
os que demandavam de Goiás, vindos de São Paulo, e o controle da
travessia no arraial era exercido pelo Capitão dos índios. Exercia,
também, autoridade na Aldeia, o Curador dos índios, nomeado pelo
Governo Imperial, para proteger os interesses dos indígenas. Em 1856,
o Curador Manoel Jo de Carvalho exarou, no livro de registros
eclesiásticos do Vigário de Bagagem, uma declaração segundo a qual os
indígenas possuíram, na Aldeia de Rio das Pedras, uma faixa de terras
de cinco léguas de comprimento por três de largura. Essa aldeia veio a
ser a Sede do Município de Cascalho Rico. O topônimo, Cascalho Rico,
lembra as lavras que existiram, praticando-se, ainda, a garimpagem
no município.
FORMAÇÃO ADMINISTRATIVA:
Distrito criado com o nome de Rio das Pedras por Decreto Estadual
199, de 6 de outubro de 1890 e por Lei Estadual nº 2, de 14 de setembro
de 1891. Em divisão administrativa referente ao ano de 1911 e nos
quadros de apuração do Recenseamento Geral de 1-IX-1920, o Distrito
de Rio das Pedras figura no Município de Estrêla do Sul. Por Lei
Estadual nº 843, de 7 de setembro de 1923, o Distrito de Rio das Pedras
tomou o nome de Cascalho Rico. Pela dita Lei 843, o Distrito de
Cascalho Rico figura no Município de Estrêla do Sul. Assim
permanecendo em divisão administrativa referente ao ano de 1933 e em
divisões territoriais datadas de 31-XII-1936, 31-XII-1937 e no quadro
anexo ao Decreto-Lei Estadual 88, de 30 de março de 1938, bem
como no quadro fixado pelo Decreto-Lei Estadual nº 148, de 17 de
dezembro de 1938 para 1939-1943. Em virtude do Decreto-Lei Estadual
1058, de 31 de dezembro de 1943 que fixou o quadro territorial para
vigorar no qüinqüênio 1944-1948, o Distrito de Cascalho Rico figura
igualmente no Município de Estrêla do Sul. Elevado à categoria de
município pela Lei nº 336, de 27-XII-1948 que fixou o quadro territorial
para 1949-1953, composto apenas de 1 Distrito, Cascalho Rico. Aparece
no quadro fixado pela Lei 1039, de 12-XII-1953 para vigorar em 1954-
1958, composto dos Distritos de Cascalho Rico, 1º e subdistritos,
comarca de Estrêla do Sul. Assim permanecendo em divisão territorial
datada de 1-VII-1960.
4
A base econômico-produtiva de Cascalho Rico é fundamentada na
atividade agrícola, em especial nas culturas do café e da soja. Além dessas
duas atividades a pecuária leiteira e de corte mostram-se dinâmicas e
fortemente enraizadas no município. Mais recentemente, a ligação desse
município com o lago da Hidrelétrica de Emborcação foi consolidada através da
veiculação pelo IBGE que este município mineiro ficou em primeiro lugar no
PIB municipal, fato este estreitamente vinculado ao lago artificial e a partir dele
4
Texto histórico fornecido pela Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Cascalho Rico
em 2007.
39
auferir dividendos financeiros pelos royalties e compensações
5
. Esta
proximidade da sede municipal de Cascalho Rico com este lago artificial pode
ser observada pelas figuras 6 e 7 a seguir.
Figura 6: Fotografia aérea do lago de Emborcação e a sede do município de Cascalho
Rico. 2007.
Fonte: Fotografia extraída do sítio www.amvapmg.gov.br em dezembro de 2007.
Figura 7: Fotografia aérea do lago de Emborcação e a sede municipal de Cascalho Rico. 2007.
Fonte: Fotografia extraída do sítio www.amvapmg.gov.br em dezembro de 2007.
Assim, após caracterizarmos a área de estudo pretendemos demonstrar
a relevância do presente trabalho, pois que iremos discutir e analisar as
relações internas desses três municípios sob o enfoque da administração
pública, da caracterização de uma pequena cidade para algumas importantes
correntes de pensamento das ciências sociais e especialmente da Geografia e
da importância do microrregional na determinação do que seja pequena
5
Este assunto será analisado nos capítulos 3 e 4. Porém, para maiores informações consultar
os sítios www.ibge.gov.br/sidra e www.folha.com.br do dia 19 de dezembro de 2007.
40
cidade. Estabelecendo análises sobre os diagnósticos do que entendemos ser
a melhor maneira de estabelecer e propor uma categorização de pequena
cidade e que, para nós, esta categoria de cidade se assenta, além dos
aspectos populacionais, na relação estreita da população com o espaço
territorial do município e a maneira direta das relações entre os gestores
públicos e a população local, produzindo uma amálgama político-social que a
diferencia das demais categorias de cidades.
Especificamente, pretendemos demonstrar com este trabalho, que as
pequenas cidades possuem alguns problemas que são inerentes às suas
características populacionais e financeiras, mas também dilemas semelhantes
a outras categorias de cidades. E, assim, seus problemas são diferentes, mas
iguais a outras cidades com maior população, merecendo um estudo mais
aprofundado por parte da Geografia, pois estas pequenas cidades não foram
analisadas como merece suas populações residentes.
Para isto o trabalho foi dividido em cinco capítulos mais uma parte para
as considerações finais. O Primeiro Capítulo propõe uma discussão sobre o
processo de urbanização no Brasil. Discutimos nesse capítulo a forma como as
ciências sociais estudam este processo e o como são (ou o) analisadas as
pequenas cidades. Os processos de metropolização e mais recentemente os
dilemas das médias cidades recebem os holofotes da ciência. No Segundo
Capítulo, apresentamos as maneiras de se administrar a pequena cidade,
analisando o “confronto” que se dá entre as recentes “fórmulas”, expressas por
modelos gerenciais, e como a herança cultural portuguesa, que a todo
momento é redefinida, porém, ainda influencia no modo da administração
pública da pequena cidade, em contraste com a modernidade imposta pelos
novos modelos de administração pública no mundo e no Brasil após a
promulgação da Constituição Federal de 1988.
A preocupação básica do Terceiro Capítulo é a caracterização da
pequena cidade e como esta caracterização está intimamente relacionada aos
fatores de administração pública e relações espaciais da pequena cidade com
seu entorno municipal. No Quarto Capítulo, analisamos as maneiras como o
município da pequena cidade é administrado e como seu agentes políticos
atuam para reduzir os impactos sócio-ideológicos na população pela falta de
oportunidades sociais, culturais e financeiras internas nesses municípios. A
41
política, as eleições e as festas serão analisadas sob o enfoque psico-
ideológico, inerente ao processo/forma da administração pública na pequena
cidade. No Quinto Capítulo, discutiremos a política de saúde pública nas
pequenas cidades, em especial em Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico,
e as opções de sustentabilidade microrregional, propostas pelo Estado, além
das possíveis perspectivas microrregionais de integração intermunicipal.
Para isto, as questões analisadas nesse trabalho possuem como recorte
temporal as décadas posteriores à promulgação da Constituição Federal de
1988
6
nos municípios de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico,
pertencentes à mesorregião do Triângulo Mineiro em Minas Gerais. Com isso
queremos, ao escolher este recorte espácio-temporal, possibilitar análises
acerca das possíveis formas de inserção desses municípios na modernidade
contemporânea. A partir dessa linha de pesquisa, constatamos e
diagnosticamos como são as relações político-administrativas e espaciais
nesses municípios, ao longo dos últimos anos do século XX e início do XXI.
Assim, a partir do critério populacional e com o recorte espácio-temporal
estabelecido, o município de Estrela do Sul, é o foco central deste trabalho e
os municípios de Grupiara e de Cascalho Rico serviram de pontos de
comparação estruturais, para maior acuidade das relações internas do
município com população pequena. A escolha para o estudo das pequenas
cidades de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico no Estado de Minas
Gerais pautou-se nos seguintes aspectos:
A) Minas Gerais é o estado da União com o maior mero de
municípios
7
. Possui atualmente, segundo censo IBGE de 2000, 853
6
Dados estruturais sobre a pequena cidade a partir da promulgação da Constituição Federal,
pois várias modificações sobre a relação interna da cidade com o estado (União e governo
estadual) foram introduzidas a partir deste fato.
7
Segundo Bacelar (2003, p. 51): “Em nosso entender, a análise e o estudo das pessoas em
determinada região somente poderá se aproximar do real quando localidades humanas acima
de 50.000 habitantes o observadas na cidade sede (ou sede municipal) e podem assim ser
chamadas de cidades. As localidades humanas com menos de 50.000 habitantes,
especialmente as com número inferior a 10.000 habitantes, serão elencadas dentro da
expressão município, pois, em nosso entender, nestas localidades, o rural e o urbano são
muito próximos e, portanto não seria prudente realizar uma análise em que a realidade
rural/urbano estivesse dissociada. Tal pensamento tem uma razão de ser. Uma parcela
considerável de localidades acima de 50.000 habitantes, no Brasil, possui uma população com
ligação histórica e produtiva (e assim social e política) com o meio urbano. São localidades
essencialmente citadinas. nas localidades com uma população inferior a 50.000 habitantes,
especialmente as com menos de 10.000 habitantes, a realidade das pessoas residentes é mais
pulverizada espacialmente no município. Das localidades com população inferior a 10.000
42
municípios (tabela 1 e mapa 9), com uma variedade de redes urbanas
regionais e distritos e vilas, de espacialidades entre as sedes
municipais, além de um interessante arranjo histórico de origem e
desenvolvimento das cidades. São cidades que surgiram ao longo de
um extenso processo histórico que abrange localidades criadas no
século XVIII até a década de 1990, oriundas de ciclos da mineração, do
gado ou mesmo da incorporação do cerrado mineiro à economia
internacional.
Mapa 9: Minas Gerais e suas divisões municipais, 2007.
Fonte: IBGE, 2007. Org.: BACELAR, W.K.A.2007
habitantes, segundo o censo IBGE 2000, 52,87% possuem população urbana e 47,13% são
consideradas localidades com maioria de população rural. Mesmo em localidades onde a
população é predominantemente ‘urbana’, existe (segundo o censo IBGE 2000) uma
significativa porcentagem de pessoas residentes ou trabalhando no meio rural, dispersas no
território do município. Podemos observar que, nestas localidades, existe uma forte ligação
histórica e produtiva, portanto, social e política, com o todo municipal no sentido espacial e
concreto enquanto realidade do cotidiano. Assim, ao longo deste trabalho, o uso da expressão
cidade (muito mais que o próprio conceito) será para localidades em que a população for
superior a 50.000 habitantes e, para as localidades com população inferior a este número, e
em especial, as localidades com população inferior a 10.000 habitantes se utilizada a
expressão município. Mesmo quando não demonstrado claramente ou subentendido na
expressão ‘pequena cidade’.”
43
Tabela 1: Brasil: Divisão Administrati va por Unidade da Federação
2000.
Unida de d a Feder a ção
Municí pi os
Ci dades
Distr i t os
Vilas
Acre 22 22 22 -
Alago as 101 101 114 13
Amapá 16 16 30 14
Ama zo nas 62 62 81 19
Bahia 415 415 812 397
Ceará 184 184 760 576
Dist rit o Feder al 1 1 1 -
Espír it o Santo 77 77 249 1 72
Goiás 242 242 309 65
Maranhão 217 217 244 27
Mato Gr osso 126 126 227 91
Mato Gr osso do S u l 77 77 163 68
Minas Ge rais 853 853 1.568 715
Pará 143 143 232 80
Paraíb a 223 223 283 60
Paraná 399 399 748 338
Pernambuc o 185 185 3 81 195
Piauí 221 221 221 -
Rio d e J aneiro 91 91 276 1 83
Rio G ran d e do N ort e 166 166 186 20
Rio G ran d e do Su l 467 467 1.147 669
Rondônia 52 52 76 24
Roraima 15 15 15 -
Santa C atarina 293 293 447 154
São Paul o 645 645 1.022 281
Sergi pe 75 75 83 8
Tocantins 139 139 151 12
Brasil 5. 507 5.507 9.848 4.181
Fonte: IBGE, 2000.
44
B) Minas Gerais é o estado brasileiro com o maior número de
pequenas cidades, dos 853 municípios mineiros (mapa 9), 691, ou seja,
81% têm menos de 20.000 habitantes, em que 516 ou 60,14% são
menores de 10.000 habitantes (tabela 2). Assim, na mesorregião do
Triângulo Mineiro poderemos confrontar as realidades das pequenas
cidades de Grupiara e de Cascalho Rico que fazem parte da
microrregião de Estrela do Sul e que pertenceram, na forma de
distritos e vilas, a seu extenso município no século XIX e parte do século
XX e atualmente constituem sua comarca judicial e eleitoral. E ainda
hoje desenvolvem afinidades entre si, as quais se fortalecem nas festas,
nas visitações, no plano político microrregional e produtivo-econômico.
8
Tabela 2: Minas Gerais: Municípios por Faixa Populacional
Censo de 2000
Faixa Populacional
(habitantes)
Número de Municípios
Até 2.000 19
2.001 a 5.000 231
5.001 a 10.000 266
10.001 a 20.000 172
20.001 a 50.000 105
50.001 a 100.000 37
100.000 a 500.000 20
Mais de 500.000 3
TOTAL 853
Fonte: IBGE, 2000.
8
As relações sociais, políticas e econômicas entre os três municípios não se arrefeceram com
o desmenbramento político-administrativo. Apesar da autonomia jurídica e territorial, os três
municípios compartilham intensas relações culturais, políticas e econômicas: compartilham os
entornos do lago da Hidrelétrica de Emborcação no rio Paranaíba; a área do reflorestamento
de pinus e eucalipto (Estrela do Sul e Cascalho Rico); nos momentos de festas a população
participa dos festejos em um amplo “intercâmbio”; em momentos político-eleitorais, os agentes
políticos dos três municípios chegam a participar de comícios de seus aliados, em clara
demonstração de transferência de apoio e prestígio; ocorre também um “trânsito” de o-de-
obra entre os três municípios nos processos produtivos mais intensos nos municípios; entre
outros exemplos de relação social, cultural, política e econômica, entre os três municípios
escolhidos.
45
C) Minas Gerais, enquanto unidade da federação apresenta
aspectos demográficos, sociais, políticos, econômicos e geoecológicos
que o fazem uma verdadeira síntese do Brasil. É uma composição de
situações que fazem de Minas Gerais um mosaico de regiões
representativas do todo nacional. Portanto, cremos que ao se estudar as
pequenas cidades de Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara estamos
contribuindo com estudos locais e regionais minuciosos, que darão
subsídio a posteriores ensaios de maior fôlego de caráter de ntese
sobre pequenas cidades numa dada região do Brasil.
D) E, por fim, a escolha de Minas Gerais e dessas pequenas cidades
relaciona-se com a minha afinidade com o tema desde o mestrado.
Naquele estudo, um dos pontos centrais foi a relação e a realidade de
Estrela do Sul no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. Assim, por ser
natural e residente do Estado de Minas Gerais e de Estrela do Sul, é de
meu interesse pessoal que Minas Gerais seja o foco central deste
estudo e Estrela do Sul, o ponto de verificação e apoio para as questões
mais cruciais deste trabalho.
Estrela do Sul é, portanto, a “clareira” das relações internas da pequena
cidade que também envolvem os municípios que fazem parte de sua comarca,
Cascalho Rico e de Grupiara. É, portanto, esta pequena cidade a parte e o
todo e, com isto, sua realidade é representativa de outras pequenas cidades
em mesma situação. O outro aspecto para a escolha de Estrela do Sul como
ponto de verificação é que ela apresenta características duplas: é uma
pequena cidade dos Gerais, porém antiga e ocupada a partir de um breve surto
de mineração e apresenta, ao mesmo tempo, aspectos inerentes às Minas,
sendo no século XIX “globalizada”
9
e que atualmente sofre como outras
pequenas cidades as dificuldades de inserção na economia global do século
XXI.
9
no século XIX o comércio de diamantes, muito dinâmico nessa localidade, era realizado
diretamente com compradores europeus, sobretudo com holandeses e belgas (e alguns
ingleses). O tratamento desses negócios era realizado mais em função das cotações da Libra
Esterlina que a moeda nacional e assim a relação entre esta localidade e o comércio global era
produzido de maneira cotidiana e corriqueira. Participa, portanto a cidade de Estrela do Sul, da
primeira Globalização, segundo afirmações de Williamson e Hobsbawm.
46
Como dizia João Guimarães Rosa: “Minas são muitas”. Como são muitas
Minas, também o o as muitas pequenas cidades deste Estado. Assim, este
estudo tem a pretensão de analisar a pequena cidade e ao analisá-la,
demonstrar o quão difícil é a transição da realidade social, política, econômica
e cultural das ultimas três décadas do século XX e, especialmente, como é a
sobrevivência das populações residentes nesta localidade na transição do
milênio frente aos desafios impostos por esta situação.
São populações que não foram “iludidas” com o “chamado” das médias e
grandes cidades de Minas Gerais e do Brasil. As pequenas cidades em sua
maioria, na atualidade, desempenham um papel na economia e na política
nacional apenas como um reflexo distorcido do que foram quando o Brasil era
um país essencialmente agrícola. Nas décadas anteriores a 1950, quando a
população brasileira era predominantemente rural, as cidades dependiam do
campo em uma relação estreita, tanto no aspecto econômico como político,
social e cultural. Com a modernização do campo no período pós década de
1950, a rápida urbanização e a industrialização das produções rural e urbana,
as pequenas cidades perderam interesse de estudo para as grandes cidades e,
após a década de 1980, também para as médias.
Nas últimas décadas do século XX observa-se um intenso processo de
metropolização urbana no Brasil e no mundo e os problemas das grandes
cidades ganham, não apenas notoriedade jornalística como também e,
especialmente, espaço cada vez maior nas análises acadêmicas e debates
acerca dos problemas advindos da rápida urbanização e da macrocefalia
urbana. Os problemas urbanos, nestas últimas três décadas, passaram a ser
problemas das grandes cidades e das médias, como se as pequenas cidades,
ao perderem sua importância econômica e política no cenário nacional e
mundial, também perderam a condição de ser cidade, ou mesmo, de serem
consideradas urbanas e como tal, não tinham problemas a serem resolvidos,
debatidos e analisados. Em Minas Gerais o cenário não foi diferente, mesmo o
estado possuindo o maior número de municípios e pequenas cidades do país a
produção acadêmica e os estudos de órgãos estaduais e instituições públicas e
privadas é pequeno, sendo que várias perguntas sobre estas pequenas
cidades ficam sem resposta.
47
A escolha dos municípios de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico
seguiu, portanto, as afinidades aqui expressas, sendo que tal maneira de
realização do trabalho reside na premissa central de análise da situação em
que se encontra uma pequena cidade que teve seus momentos de fausto
econômico, social e político e que, atualmente, encontra-se em situação
adversa no cenário regional, nacional e global. As pequenas cidades
escolhidas formavam, no século XIX e parte do XX, uma rede relativamente
integrada, capitaneada por uma regionalização em que o pólo central estava no
município de Estrela do Sul. Ocorre que as regionalizações modificaram-se a
partir de meados do século XX e essa rede rompeu-se e se perdeu no
emaranhado de redes maiores, determinadas por alterações político-
administrativas das novas relações do Estado com os municípios e estes com o
mundo global.
Os municípios anteriormente agrupados espácio-politicamente na área
de influência de Estrela do Sul pertencem, atualmente, a várias regionalizações
perpetradas pelo estado de Minas Gerais ou pela União, de forma impositiva
ou pelas necessidades de planejamento regional mais eficaz dos recursos e
das dificuldades compartilhadas
10
. Algumas regionalizações expressam-se em
formas arranjadas pelo Estado, como o pertencimento à mesorregião do
Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Outras regionalizações surgem da
necessidade de diminuir as dificuldades por que passa os municípios em geral,
como o arranjo espacial e regional expresso na constituição da AMVAP
(Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Paranaíba) e do
consórcio de saúde, a ela atrelada, denominado de CISAMVAP (Consórcio
Intermunicipal de Saúde dos Municípios da microrregião da AMVAP).
Nesses arranjos espaciais, como a AMVAP e a CISAMVAP, as pequenas
cidades sofrem com a ausência de peso político e econômico frente a seus
pares mais hegemônicos, porém temos que destacar que essa maneira de
integrar e regionalizar os municípios merece um cuidado mais acurado em
nossa análise, pois oferecem saídas interessantes para os problemas internos
para a pequena cidade. Outra forma de regionalização, escolhida para esse
trabalho, refere-se à situação interna dos municípios escolhidos e a utilização
10
Sobre este assunto consultar Pereira (2004).
48
dos recursos advindos de royalties
11
e Compensações por parte da
administração pública, pois os municípios de Estrela do Sul, Grupiara e
Cascalho Rico estão inseridos na órbita da represa de Emborcação,
pertencente à CEMIG. Com isso, essa relação entre recursos financeiros, área
municipal e formas de investimentos é fator importante para a análise
relacional entre recursos externos e dificuldades internas do município.
Assim, tendo como recorte espacial a comarca do município de Estrela do
Sul em que os municípios de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico
pertencentes ao Estado de Minas Gerais, à mesorregião do Triângulo Mineiro,
à AMVAP e a CIS/AMVAP e que estão na órbita do lago da Hidrelétrica de
Emborcação, realizamos um trabalho que pretendeu diagnosticar os
problemas enfrentados por estas pequenas cidades nos aspectos político-
administrativo e social e, com isto, analisar prováveis soluções para estes
problemas, levando em consideração as novas formas de inserção de
pequenas cidades no mundo global.
Destante, vislumbrando esta série de dificuldades de entendimento da
pequena cidade, analisamos a realidade interna de tais localidades e o ponto
central dessa análise passa pelo viés de sua maior problemática atual: a
administração pública. Isto tem razão de ser devido a três fatores conjugados:
as relações sócio-políticas entre a população e o Estado (municipal) são mais
estreitas nestas localidades que em outras cidades de maior porte
demográfico; o peso da municipalização imposta pela Constituição Federal de
1988 e a crise administrativa nestas localidades, derivada do conflito entre a
administração “moderna” e a patrimonialista, que em nosso entender tem a ver
com a herança histórica ibérica (estruturalmente lusitana). Esta herança
histórica é ainda muito forte e presente na forma de se administrar o bem
11
Um exemplo disso está na reportagem “Região da Amvap registra melhora no repasse de
ICMS”. Jornal CORREIO, Uberlândia, 02/06/2007: “Em Grupiara, com 1,4 mil habitantes, o
ICMS é a terceira fonte de receitas na formação do orçamento, de R$ 6,5 milhões para este
ano. Como a maioria dos pequenos municípios, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
representa a segunda maior renda. A primeira o os royalties pagos pelo Estado aos
municípios banhados por represas que abrigam hidrelétricas. Como 70% do parque de geração
de energia elétrica da Cemig ficam na região, diversas prefeituras garantem a maior parte de
seus orçamentos com os royalties. Mas o ICMS, embora pequeno, não é desprezado. -
Estamos correndo atrás disso (da entrega das declarações do VAF) para melhorar nosso
repasse -, afirmou o tesoureiro da Prefeitura de Grupiara, Reinaldo de Souza Pereira.”
49
público na pequena cidade, estabelecendo uma estreita relação entre a
população residente e as maneiras de se administrar o bem público, que
invariavelmente se choca com premissas modernas de se administrar o bem
público, em que o padrão de excelência administrativa da modernidade
transfere-se do setor privado para o público.
A estreiteza das relações entre a população e os agentes políticos é
uma característica interessante do espaço urbano da pequena cidade.
Relações que são estabelecidas em rios campos e níveis com sérias
conseqüências. Um bom exemplo disso é a vinculação entre arrecadação
financeira e a atuação política dos agentes políticos do município, com reflexos
nas relações político-eleitorais da pequena cidade. Segundo Gomes, Silva e da
Silva (2003, p. 3):
Enquanto nas grandes cidades e nas capitais o Imposto Sobre Serviços
(ISS) é uma importante fonte de receita municipal, uma vez que a
prestação de serviços nessas cidades se insere num processo dinâmico,
segundo o próprio desenvolvimento do setor terciário; nas pequenas
cidades, graças a pouca dinamicidade da economia, o setor de serviços
é muito frágil, de modo que o ISS não pode ser considerado como
importante fonte de receita. Algo semelhante acontece com o Imposto
Predial e Territorial Urbano (IPTU). Além da cobrança do IPTU ter um
conteúdo político bastante forte; e, na maioria das realidades urbanas,
ser visto como uma medida impopular, que pode provocar danos
políticos de caráter eleitoreiro para os prefeitos, sobretudo nas pequenas
cidades, onde são precárias as condições socioeconômicas da
população e, por conseguinte, as condições de moradia, o referido
imposto também o constitui uma fonte de receita significativa no
orçamento dessas prefeituras. Fato contrário ocorre nas grandes cidades
e nas capitais que, agradando ou não à população, a cobrança do IPTU
é uma atitude praticada por todos os prefeitos, e assume uma
importância considerável no orçamento municipal.
Como esta situação de estreiteza entre a população e suas formas
político-administrativas, outras situações serão analisadas ao longo deste
trabalho, sendo as mais interessantes analisadas ao longo dos capítulos dois e
três.
Outro fator importante deste trabalho será a discussão do peso da
municipalização de vários processos sociais e tributários imposto pela
constituição federal de 1988. Sobre esta municipalização de processos sociais
e tributários, argumenta Afonso e Araújo (2001, p. 1):
Municipalização é o nome mais apropriado para a onda de
descentralização consolidada pela Reforma Tributária de 1988. É
crescente a importância dos municípios no financiamento e nos gastos
do setor público brasileiro. Contudo, pouco se conhece do papel desta
50
esfera de governo no debate fiscal do país e muito preconceito sobre
a eficiência e eficácia das administrações locais. Primeiro, um certo
erro em acreditar que todo governo deveria se auto-sustentar, mesmo de
menor escala e em regiões mais pobres, o que não ocorre nem mesmo
em países mais desenvolvidos. Segundo, os tributos picos de governos
locais especialmente incidentes sobre o patrimônio e taxas são os
que apresentam maior dificuldade para se administrar e explorar seu
potencial. Terceiro, num país de dimensões continentais e profundas
disparidades territoriais, funcionais, econômicas e sociais tendem a faltar
informações atualizadas e precisas.
Assim, para se analisar tais premissas político-administrativas faz-se
necessário desvendar a problemática acerca das dificuldades administrativas
nos âmbitos econômico-financeiro e sócio-político da pequena cidade
perpetradas pela Constituição Federal de 1988. Isto se faz premente, pois
segundo Gomes, Silva e da Silva (2003, p. 2):
O tema da gestão social das políticas públicas no Brasil passou a ter
mais relevância a partir da promulgação da Constituição de 1988, que
legalmente promoveu um rompimento com a centralização das decisões
e dos recursos no nível federal, à medida que conferiu maior autonomia
a cada um dos entes constitutivos da Federação (União, Estados, Distrito
Federal e Municípios) e, ao mesmo tempo, definiu formas de atuação
articulada entre estes. Desse modo, o setor público foi totalmente
redefinido, transferindo novas funções para as instâncias municipais e
estaduais. A nova Constituição também garantiu uma maior participação
popular, uma vez que, além de alguns instrumentos de democracia
semidireta, como o plebiscito, também foram asseguradas outras
possibilidades de participação da população nas decisões de governo,
em algumas áreas de políticas sociais, sobretudo saúde, educação e
assistência social. Em decorrência dessa nova realidade política, um
novo arranjo político administrativo foi então implantado. E, nesse novo
arranjo, o município passou a ser de fato um ente federativo. Para alguns
estudiosos, a questão mais importante e inovadora na (re) valorização
dos municípios foi o redesenho do sistema federativo brasileiro com a
definição de um novo patamar para os municípios, tanto do ponto de
vista financeiro, provocado pelo aumento do percentual dos recursos
tributários destinados aos municípios que passaram a deter 11,4% do
total arrecadado no país –, quanto político-administrativo, com a
implementação de legislações e instrumentos de planejamento no
município, que possibilitaram mudanças no plano institucional. A partir de
então, os municípios passaram a enfrentar um duplo desafio: o de
assumir a política social, que até então estava concentrada na esfera
federal; e o de promover o desenvolvimento local.
12
Assim, vislumbrando esse desafio, propomos como tese fundamental
deste trabalho que o conflito e as contradições internas da pequena cidade são
decorrentes do embate que se estabelece entre a tradição ou herança cultural
ibérica de administrar o bem público e a modernidade forjada em aspectos
12
Gomes, Silva e da Silva, 2003, p. 2.
51
culturais anglo-saxônicos para a nova administração pública do Estado, o que
acaba por produzir na pequena cidade, o Estado-município social. Sendo os
aspectos da política interna, do lazer oferecido, da saúde pública e da
sustentabilidade (social, assistencial e ambiental) da pequena cidade os
principais eixos de atuação desse Estado-município social. Portanto, a partir
desse contexto, sustentaremos que os problemas internos dessas localidades
estão relacionados mais a fatores sócio-políticos que econômico-financeiros.
Para isso, elaboramos um Plano de Investigação e esperamos responder
às questões levantadas e queremos, com tal empreendimento, auxiliar no
entendimento e compreensão da realidade da dinâmica interna dessas
localidades. O Plano de Investigação desse trabalho foi pautado em uma
metodologia que consistiu em cinco etapas que são complementares. A saber:
Etapa A primeira etapa desse trabalho, entre 2003 e 2006, consistiu
em um levantamento e revisão bibliográfica em que o caminho escolhido foi o
enfoque das pequenas cidades sob a ótica da administração pública municipal.
Assim, vários textos e sítios na internet sobre este assunto foram analisados e
consultados vertendo sobre vários eixos de pesquisa complementar:
administração pública, cidade, urbanização, pequena cidade, modernidade e
pós-modernidade, desenvolvimento sustentável e saúde publica.
Etapa - Acompanhamento como assessor do prefeito municipal de
Estrela do Sul em várias reuniões com associações de prefeitos municipais e
especialmente de prefeitos de pequenas cidades do Brasil em Brasília, Belo
Horizonte e outras localidades no período entre 1992 a 2007;
entrevistas/participação com gestores públicos em reuniões da AMVAP e do
CIS/AMVAP; participação em dois encontros com o governador de Minas
Gerais, senhor Aécio Neves entre os anos de 2001 e 2007; participação em
encontros dos consórcios de Saúde do Estado de Minas Gerais; reuniões entre
o prefeito de Estrela do Sul e os deputados estaduais e federais representantes
da região do Triângulo Mineiro na Assembléia Legislativa de Minas Gerais e na
Câmara Federal; participação de dois encontros de prefeitos de pequenas
cidades da região do Triângulo Mineiro entre os anos de 2004 e 2007; em
todos estes eventos ocorreram entrevistas e questionamentos em que foram
realizadas argumentações orais e coleta de experiências dos gestores públicos
nas esferas do legislativo e do executivo envolvidos nesses encontros.
52
Etapa - Análise do processo político eleitoral nas pequenas cidades de
Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico com realização de pesquisas de
campo, entrevistas e, principalmente, análises a partir de questionamentos
públicos (entrevistas com moradores e participantes do processo eleitoral
13
)
dos pleitos eletivos para os cargos de prefeito e vereadores, entre o início da
década de 1990 e o ano de 2004. Ainda foram realizadas entrevistas com o
Promotor Público da comarca de Estrela do Sul, Dr. André Luiz de Melo
14
e o
Secretário de Governo da administração municipal de Estrela do Sul, Márcio
Donizete de Almeida e o ex-assessor do prefeito municipal de Grupiara, Sr.
JB
15
, em meados de 2007. Sobre este assunto foram realizadas entrevistas
com o Secretário de Administração de Assuntos Internos da prefeitura
municipal de Estrela do Sul, Marcus Henrique, com o administrador da serraria
MADESTRELA de Estrela do Sul, senhor Gustavo Santos Duarte de Almeida e
com o Secretário Municipal de Governo da Prefeitura de Cascalho Rico o Sr.
Arlindo Vasconcelos.
Etapa Realização de entrevistas com gestores públicos e com a
população de Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara. A realização de
entrevistas/questionário com a população desses três municípios teve como
público alvo pessoas de ambos os sexos com idade acima de 16 anos
16
. As
análises foram divididas por faixa etária e de inserção sócio-produtiva (assim
denominados: de 16 a 24 anos, idade do estudo; entre 25 e 64 anos, idade do
trabalho e acima de 65 anos, idade do saber). Consideramos População
13
As perguntas que nortearam as entrevistas com os prefeitos de Estrela do Sul, Grupiara e
Cascalho Rico, estão disponíveis no anexo 1.
14
Optamos por entrevistar o Promotor Público da Comarca de Estrela do Sul em detrimento do
Senhor Juiz de Direito da referida comarca por entendermos que as atribuições legais da
promotoria pública estão diretamente relacionadas aos dilemas da população e aos processos
político-administrativos da cidade, do município e da comarca. Segundo Torres (2004, p. 59)
“Inventariando os avanços institucionais das últimas cadas, é fundamental mencionar as
mudanças ocorridas no Ministério Público. Com a Constituição de 1988, o Ministério Público
incorporou inúmeras e importantes atribuições, tornando-se uma instituição de vital importância
para a democracia brasileira, não apenas em seu aspecto formal, mas principalmente pelo
ordenamento das relações cotidianas dos cidadãos. O suporte legal para esse amplo leque de
ação está claramente delineado nas atribuições constitucionais do art. 127,
caput...Naturalmente, é direito indisponível da sociedade contar com uma administração
pública honesta, transparente e eficiente. Essa determinação constitucional aproxima o
Ministério Público da população, que tem recorrido aos promotores e procuradores para
reprimir ações nefastas dos gestores públicos.”
15
Por motivo legal, e pedido do entrevistado, utilizaremos apenas suas iniciais. Contudo, a
entrevista completa está disponível em CD-RW e fita cassete.
16
As perguntas deste questionário/entrevista estão disponíveis no anexo 2.
53
Economicamente Ativa (PEA), pessoas entre 18 e 64 anos, residentes nos
municípios analisados. A aplicação dessa entrevista/questionário foi pautada
em perguntas de cunho pessoal e também e especialmente familiar. São
perguntas que envolvem o cotidiano familiar e pessoal do entrevistado,
intercaladas de modo a envolver um maior número de informações sobre a vida
da família e do individuo na pequena cidade. Foi idealizado um plano de
entrevistas em que procuramos não repetir as famílias entrevistadas, com
intercalação de residências, de ruas e bairros, com o propósito de reunir
informações com poucos questionários, mas que representam um grande
número de pessoas, faixas etárias e faixas sócio-econômicas. Foram aplicados
41 questionários familiares em Cascalho Rico, 53 em Grupiara e 71 em Estrela
do Sul. O período das entrevistas com os prefeitos dos municípios analisados
foi de três anos (entre o inicio de 2005 e o final de 2007) com entrevistas orais,
gravadas e escritas. O período de aplicação do questionário à população foi do
início ao fim do ano de 2007.
Etapa Análise bibliográfica e tabulação dos dados das entrevistas e
dos questionários aplicados e confecção dos gráficos e tabelas. Além disso,
nesta etapa foi realizada a coleta do material fotográfico e confecção de mapas
e tabelas.
Assim, com este Plano de Investigação e, a partir do critério populacional
e com o recorte espaço-temporal estabelecido, o município de Estrela do Sul,
será o foco central deste trabalho, e os municípios de Grupiara e de Cascalho
Rico servirão de pontos de comparação estruturais, para maior acuidade dos
dados das conjunturas internas do município com população pequena, e assim,
compreendermos melhor as dificuldades interurbanas e intra-urbanas e como
as pequenas cidades podem ser fortalecidas, para em conjunto diagnosticar os
problemas locais e microrregionais.
Na busca de diagnosticar esses problemas locais e micrroregionais, para
o encaminhamento metodológico desse trabalho, é fundamental o
entendimento da categoria Lugar
17
. Parafraseando Moreira (2004, p. 167), “o
que é lugar?”. Segundo esse pesquisador:
17
Segundo Santos e Alves (2007, p. 2): A categoria lugar é imprescindível à geografia, e vem
ao longo do tempo sofrendo reformulações em seu conceito, inicialmente foi usada por La
Blache e Sauer, porém associada ao conceito de região e sem uma discussão intensa.
54
Podemos compreendê-lo por dupla forma de entendimento. O lugar
como ponto de partida da rede formada pela conjuminação da
horizontalidade e da verticalidade, do conceito de Milton Santos, e o
lugar como espaço vivido e clarificado pela relação de pertencimento, do
conceito da fenomenologia usada pela Geografia tanto da percepção
quanto humanista.
Com isso, segundo Moreira (2004, p. 169), para a geografia
fenomenológica o lugar é o sentido de pertencimento, a identidade biográfica
do homem com os elementos do seu espaço vivido”. E, ainda, segundo Moreira
(2004, p. 169), Milton Santos argumenta que “o lugar que a rede organiza em
sua ação arrumadora do território é um agregado de segmentos ao mesmo
tempo internos e externos de atividade”. Esses segmentos representam a
contiguidade e a nodosidade e também o interno e o externo, a horizontalidade
e a verticalidade, em que cada ponto do espaço se define. E isso é o lugar para
Milton Santos, segundo a interpretação de Moreira (2004, p. 169). Contudo,
essas definições não são antagônicas, antes representantes da diferença de
sentido provocado pelos olhares distindos sobre o mesmo espaço do homem”
(Moreira, 2004, p. 169). E os olhares distintos, necessariamente, não se
anulam, ao contrário, se completam
18
.
Posteriormente nos anos 70 foi abordada pela Geografia Humanistica, a qual considera a
percepção e a subjetividade, está embasada na fenomenologia, istoé na forma em que os
fenômenos se manifestam independente da legitimidade, considera as experiências, tal
corrente portanto, busca destacar de acordo com Ferreira apud Buttimer (1974) as questões
referentes às pessoas em vários contextos, enfatizando os modos de como se concretiza a
vivência nos lugares. Diante disso, de acordo com Suertegaray (2001), o lugar é a expressão
do espaço geográfico na escala do local, neste mesmo sentido Santos apud Ferreira, (2000)
também definiu tal categoria como uma “porção discreta de espaço total” ou uma “porção da
face da terra identificada por um nome” por referir-se aos indivíduos. na década de 80 o
lugar foi objeto de estudo da geografia econômica, onde este é entendido como “uma
especificidade manifestada dentro do contexto de processos gerais” (DUCAN apud FERREIRA,
2000). A Geografia Radical também busca definir lugar em seus estudos, nesta corrente de
influências Marxistas o lugar é visto como um local onde se dá a reprodução do global, visando
atender determinadas necessidades e funções.”
18
Sobre alguns “olhares distintos” acerca da concepção de lugar, podemos citar: Bourdin
(2001) que afirma ser o lugar uma forma de localidade. Assim para Bourdin, a localidade se
expressa no lugar a partir da pertença e das constelações relacionais. Segundo Bourin (2001,
p. 220) a localização se desenvolve de acordo com suas próprias lógicas, as da construção
da ação: o lugar é um conjunto de recursos, um jogo generoso ou não, um apoio para se
estabelecer cooperações. A patrimonialização ou a pertença podem ser mobilizadas, mas elas
não são indispensáveis.” Segundo Carlos (1996, p. 8): “Para Tuan (1979) o lugar possui um
“espírito”, uma “personalidade”, havendo um “sentido de lugar” que se manifesta pela
apreciação visual ou estética e pelos sentidos a partir de uma longa vivência.Para este mesmo
autor (1982) o lugar pode ser uma poltrona ou um Estado-Nação. O que de comum entre
estes lugares são a natureza da experiência, a qualidade da ligação emocional aos objetos
físicos, as funções dos conceitos e símbolos na criação da identidade do lugar.Por meio desta
afirmação é possível entender como o homem percebe o mundo: através de seu corpo e de
seus sentidos, apropriando do espaço e do mundo (lembrando que o ser humano não
55
E ainda, na esteira da concepção de lugar, para o nosso intento, a
explanação de Moreira (2004, p. 169) acerca da inclusão e exclusão do lugar
na mundialização, é importante. Segundo este pesquisador:
Cada lugar nasce por isso diferente do outro, dando ao todo da
globalização um cunho nitidamente fragmentário, já que o lugar são
todos os lugares. Condição que leva Milton Santos a dizer que é o lugar
que existe e não o mundo, de vez que são as coisas e os lugares que se
mundializam, e não o mundo. É o lugar então o real agente
sedimentador do processo da inclusão e da exclusão. Tudo dependendo
de como se estabelecem as correlações de forças de seus componentes
sociais.
Contudo, as correlações de forças dos componentes sociais não é plena
se não entendermos as relações estabelecidas entre as pessoas e o lugar,
relações essas de pertencimento e de nculo. Assim, concordando com
Moreira (2005, p. 169) sobre a interrelação existente entre a concepção de
Milton Santos e a geografia fenomenológica, corroboramos suas idéias sobre o
assunto, especialmente quando esse pesquisador afirma que:
Seja como for, a realidade nova determinada em sua forma e conteúdo
pela rede global da nodosidade e ao mesmo tempo pela necessidade do
homem de (re)fazer o sentido do espaço ressignificando-o como relação
de ambiência e de pertencimento, é o lugar que o tom da
diferenciação do espaço em nosso tempo.
Em nosso entender, as ressignificações passam pelas relações sócio-
político e históricas, perpetradas nos/entre os três municípios que modelaram o
lugar, em que as situações entre esse e a política foram cruciais para uma
individualização do local e do microrregional. Assim, as estreitas relações
sócio-políticas entre os três municípios endogeniza uma concepção de lugar e
lhes fornece individualização
19
. No lugar são estabelecidas relações sócio-
políticas que se produzem e reproduzem historicamente, determinando-o,
consegue absorver o mundo, mas as suas manifestações). E é exatamente no lugar que ocorre
a apropriação emocional, física, simbólica que permite a criação da identidade.” E ainda Leite
(1998, p. 9) quando afirma que “os lugares normalmente não são dotados de limites
reconhecíveis no mundo concreto. Isto ocorre porque sendo uma construção subjetiva e ao
mesmo tempo tão incorporada as práticas do cotidiano que as próprias pessoas envolvidas
com o lugar não o percebem como tal.” Esses são, entre outros, alguns dos exemplos que
podemos enumerar sobre os “olhares distintos” dos pesquisadores sobre a categoria lugar.
19
As relações no lugar são, portanto, melhor compreendidas em escalas espaciais reduzidas.
Sobre isso Santos e Alves (2007, p. 3), argumentam que: “Contudo cabe destacar que na
medida em que se amplia a escala, simultaneamente ocorre a redução dos vínculos com o
lugar. De acordo com Buttimer citado por Ferreira (2000) o lugar também pode ser pensado
sob dois movimentos e conceitos recíprocos: o lar (home), isto é o espaço experimentado e os
horizontes de alcance (reach), que diz respeito às perspectivas fora deste espaço.”
56
também, enquanto microrregião. Com isso, em nosso entendimento, o lugar, a
microrregião dos três municípios analisados, se individualiza no tempo-espaço,
o que de certa forma coaduna com as afirmações de Santos (2005, p. 159),
quando esse pesquisador alega que:
A territorialidade do acontecer histórico essempre mudando, levando
à criação e à recriação daquilo que Hagerstrand, num dos capítulos
esparsos de sua geografia do tempo, chama de ‘domínios’. Em cada
momento, há sempre um mosaico de subespaços, cobrindo inteiramente
a superfície da terra e cujo desenho é fornecido pelo curso da história: a
escala deixa de ser uma noção geométrica para ser condicionda pelo
tempo. A distinção entre lugar e região passa a ser menos relevante do
que antes, quando se trabalhava com uma concepção hierárquica e
geométrica do espaço geográfico. Porisso, a região pode ser
considerada como um lugar, desde que a regra da unidade e da
contigüidade do acontecer histórico se verifique. E os lugares…também
podem ser regiões. Tanto a região, quanto o lugar, são subespaços
subordinados às mesmas leis gerais de evoluão, onde o tempo
empiricizado entra como condição de possibilidade e a entidade
geográfica entre como condição de oportunidade. A cada temporização
prática corresponde uma espacialização prática, que desrespeita as
solidariedades e os limites anteriores e cria novos…o espaço geográfico
é formado por sistemas de objetos e sistemas de ações, um conjunto
indissociável…Cada subespaço inclui uma fração desses sistemas, cuja
totalidade é o mundo…Assim, cada lugar se define tanto por sua
existência corpórea, quanto por sua existência relacional. É assim que
os subespaços existem e se diferenciam uns dos outros.
As diferenciações entre os lugares, “enquanto concepção geográfica, no
sentido de incorporar um conteúdo sócio-espacial específico”
20
, são assim,
promovidas no tempo e no espaço e podem também ser alteradas. O lugar ao
se diferenciar no tempo/espaço, vai se constituindo e se “renovando”. Essa
“constituição” do lugar, para Santos (2005, p. 170) “é, ao mesmo tempo, objeto
de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente.” E
assim, em nossas análises sobre o lugar, aqui exposto pela interrelação entre
os municípios de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico, vale a provocação
de Carlos (1996): “o lugar aparece como um desafio à análise do mundo
moderno exigindo um esforço analítico que tente abordá-lo em sua
multiplicidade de formas e conteúdos, em sua dinâmica histórica”.
Então, a partir dessa multiplicidade de formas e conteúdos, nessa tese, a
pequena cidade, a microrregiao dos três municípios, enfim o lugar, será
analisado a partir do recorte político-administrativo. Em que que pese o nosso
intento de analisar o papel do Estado municipal e suas relações com a
20
Haesbaert (2000, p. 27).
57
população (nas festas, lazer, cultura, na saúde pública, enfim no modo de vida)
e as interações das pequenas cidades no lugar, na microrregião, capitaneadas
pelo Estado municipal.
A partir desses recortes metodológico, espacial e temporal estabelecidos,
cremos poder diagnosticar de modo eficaz as premissas suscitadas nessa tese,
em que a tônica do discurso predominante sobre esse assunto, que afirma que
a pequena cidade não é problemática e a felicidade e o bucolismo são eternos,
em nosso entender, mascara as reais necessidades das populações residentes
nestas localidades, na microrregião e no lugar.
Como a prestação de serviços é debilitada a ponto de expulsar as
populações, estas vão embora para cidades de dio e grande porte
populacional à procura de melhores condições de vida e de trabalho, como é o
meu caso e da maioria dos meus parentes e amigos de infância que viveram
em Estrela do Sul até que chega o momento crucial, ficar ou ir para São Paulo,
Araguari e especialmente Uberlândia
21
, estudar, trabalhar e ganhar péssimos
salários, morar nas periferias obtendo um padrão de vida questionável, porém,
próximo aos serviços que a pequena cidade não pode oferecer. uma “lenda
moderna” em Estrela do Sul que diz que existe uma outra cidade de Estrela do
Sul em Uberlândia. Estrela do Sul conta hoje com uma população de um pouco
mais de 7.000 pessoas; em Uberlândia residem outros 6.000 “bagageiros”.
22
21
O interessante é que essas pessoas residentes em Uberlândia, ainda estabelecem uma rede
de relações interpessoais e de afinidade próxima a seus pares residentes em Estrela do Sul.
São relações de visitação, de ajuda médico-hospitalar, participação em festas de Estrela do
Sul, visitação em períodos de eleição, contatos e acordos, entre outras.
22
Pronome de tratamento carinhoso de tratamento entre os nascidos em Estrela do Sul, melhor
que “estrelassulense”.
58
CAPÍTULO I
CAPÍTULO I CAPÍTULO I
CAPÍTULO I
A URBANIZAÇÃO E A PEQUENA CIDADE
A URBANIZAÇÃO E A PEQUENA CIDADEA URBANIZAÇÃO E A PEQUENA CIDADE
A URBANIZAÇÃO E A PEQUENA CIDADE
INCOMPLETA
INCOMPLETAINCOMPLETA
INCOMPLETA
Fonte: Fotrografias de Estrela do Sul (no alto) e Grupiara (abaixo).
59
Vários o os possíveis conceitos sobre a cidade e o urbano. Um estudo
fundamental de parte destes conceitos foi muito bem analisado por Carlos
(1994). Neste texto, a autora estabelece uma evolução temporal e também
acadêmica na definição de cidade no pensamento geográfico e também de
outras ciências afins. Para esta autora tanto evolui o pensamento do que seja
cidade, como também as definições de cidade vinculam-se a várias tipologias e
características quanto a sua funcionalidade, aspectos econômicos, políticos,
sociais e históricos.
De modo abrangente, podemos admitir que a cidade seja a materialização
do urbano. A cidade se materializa enquanto espaço urbanizado. Enquanto que
o urbano é a relação, os processos político-sociais inerentes ao
desenvolvimento da urbanização do território, da região ou do país. Portanto,
de forma singular a cidade seria a materialização das ações humanas,
enquanto o urbano seria inerente ao processo de transformação de uma
sociedade, lugar ou espaço em formas urbanas, que não se atém apenas à
cidade, mas a forma de vida de um grupo social. O urbano é a representação
de um modelo de vida, a cidade a materialização deste modelo.
Sendo assim, a cidade reflete o seu tempo e as relações da sociedade. “A
cidade é uma realização humana, produto e obra, por isso tem a dimensão do
movimento da vida humana” (CARLOS, 1994, p. 90). A cidade é o reflexo da
sociedade que a cria e também é o seu perfil. A sociedade humana está em
constante movimento e as cidades também. O movimento da sociedade não
tem uma lógica formal, porém, tem uma lógica e, esta é, desse modo, dialética.
As construções e as realizações humanas são contraditórias e criam e recriam
o espaço, sendo este também modificado pelas suas construções e
realizações.
Esta noção de sujeito/ator está bem expressa nas afirmações de Carlos
(1994, p. 91):
A cidade, através do trabalho humano, transforma-se constantemente e,
como decorrência, modifica a vida do cidadão, seu cotidiano, suas
perspectivas, desejos e necessidades, transforma as relações com o
outro e suas relações com a cidade redefinindo as formas de
apropriação e o modo de reprodução.
60
Na formação econômico-social capitalista estas contradições são ainda
mais ampliadas, mas também podemos observar que em uma concepção mais
geral o próprio capitalismo cria espaços e cidades homogeneizados. A
contradição interna das cidades é a expressão maior deste momento, mas
todas o são.
Portanto, a partir da lógica das cidades contemporâneas ou ditas pós-
modernas o caos torna-se soberano e, sendo assim todas as cidades do
mundo o iguais, das pequenas às metrópoles. As diferenças não residem na
cultura/arquitetura de um lugar, mas na escala ou dimensão do caos. Os
aspectos culturais e arquitetônicos não definem por si só a diferença das
cidades, mas sua resistência à tentativa homogeneizante do processo
capitalista. Pois, como afirma Carlos (1994, p. 91) “há resíduos e resistências
nos subterrâneos que fogem ao processo homogeneizador e terrificante do
capital”. O que demonstra seu caráter histórico.
As cidades na atualidade concentram mais da metade da população
mundial e grande parte desse percentual reside em grandes cidades
distribuídas, especialmente, em países do terceiro mundo. Das dez maiores
cidades do mundo, sete estão nos países mais pobres do planeta e daqui a 20
anos, segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas), das dez
maiores cidades do mundo nove estarão nos países mais pobres. Isto se deve
aos fatores ligados à forma com que o capitalismo penetrou sobre os espaços
rurais desses países e também ao porcentual ainda alto do crescimento
vegetativo apresentado pelas populações de vários países do terceiro mundo.
No primeiro mundo a urbanização, que se iniciou mais tempo,
atualmente já se encontra estabilizada com um êxodo rural e crescimento
vegetativo estáveis. Outrossim, nos países em que o processo de urbanização
é mais recente, esta estabilização está longe de acontecer; o que concorre
para um hipertrofiamento urbano ou a macrocefalização urbana que
observamos em várias cidades de países pobres, especialmente no Brasil.
O processo mais rápido e caótico da urbanização terceiro mundista criou
sistemas sobrepostos nas formas da rede urbana e mesmo nos aspectos do
espaço urbano das cidades do terceiro mundo. As cidades cresceram num
ritmo acelerado, “compensando” séculos de crescimento lento e progressivo
61
ditado pelo processo de acumulação capitalista vislumbrado no primeiro
mundo. Assim, no primeiro mundo aquilo que foi um lento e gradual processo
de urbanização, no terceiro mundo aconteceu de uma maneira tão rápida que
as cidades tornaram-se um “amontoado” de realidades.
Além desse processo rápido de urbanização causar sobreposição no
tempo-espaço das cidades terceiro mundistas, desencadeou também um
processo em que a rede urbana se complexificou juntamente ao processo
primeiro mundista. Alcançamos o processo de complexificação de redes do
primeiro mundo realizando um processo de urbanização em 50 anos aquilo que
os países do primeiro mundo realizaram em 300 anos! As sociedades terceiro
mundistas, especialmente aquelas em que denominamos de industrializadas,
demonstraram com tal realização um poder de adaptação fenomenal.
Todavia, esta propensão a adaptação nem sempre se de maneira
harmoniosa no tempo e espaço da totalidade das cidades terceiro mundista e
especialmente no Brasil. Este processo fica melhor exposto quando nos
deparamos com o exemplo de situações exemplificadas no bojo de uma
situação em que apenas as grandes e médias cidades passam a ser o foco
maior do processo de análise e estudo sobre o assunto urbanização devido a
maior quantidade de trabalhos acadêmicos já produzidos no Brasil e no mundo
sobre o assunto. Segundo Silva (2000, p. 14-15):
Os cientistas sociais, especialmente os geógrafos, privilegiam o estudo
das cidades de grandes dimensões pois sua forma espacial apresenta-
se mais complexa do que a das pequenas cidades. A aparente
uniformidade e regularidade das pequenas e médias cidades
desestimularam os geógrafos que se preocupam com a materialidade do
espaço e a problematização sobre espaços que parecem se caracterizar
pela falta de dinamismo. As pequenas cidades foram esquecidas como
integrantes da totalidade da sociedade moderna, sempre vistas em
oposição às grandes cidades, ou como uma repetição atrasada destas.
Se as grandes cidades eram complexas, símbolo de modernidade,
atraentes e representavam o futuro, as pequenas cidades eram simples,
símbolo do atraso, abandonadas e fadadas a ficarem no passado;
entretanto, mesmo assim, estas apresentam relações sociais a partir de
códigos particulares e constituem territórios específicos, cuja lógica
pode ser entendida no desenrolar de sua vida cotidiana, mergulhando-se
no universo cultural que lhes dá sentido.
Porém, no contexto geral do processo de urbanização é notório o fato do
“esquecimento” de fatores importantes a esse processo como a forte presença
62
do aspecto cultural inerente à herança cultural portuguesa na administração
pública das cidades e de seus desdobramentos no planejamento espacial
urbano e rural e, ainda mais gritante, os desdobramentos de tal processo nas
pequenas cidades do Brasil. O processo de modernidade, quase sempre
imiscuído pela urbanização maciça, esconde, às vezes, contradições e conflitos
que se realizam no espaço de algumas localidades mais que em outras. As
pequenas cidades, com todas as suas características peculiares, são o
exemplo de contradições entre o novo e antigo; entre o moderno e a tradição;
entre a administração pública gerencial e o patrimonialismo; entre as formas da
modernidade e as heranças culturais.
Isto se fundamenta na realidade de que a modernidade é difusa e
“alcança” os locais de maneira e em tempos diferentes. Esta constatação vai
de encontro a percepção errônea de que a urbanização do espaço brasileiro
criou uma massa uniforme de modernidade e de características únicas de se
entender o mundo e em especial de administrar os conflitos advindos da
urbanização/modernidade. A cidade, encarada como representante da
modernidade e seu máximo vislumbre, é muitas das vezes percebida como
coisa em si mesma. Porém, as percepções da modernidade e o que ela
representa nas relações sócio-espaciais inerentes à cidade ainda estão em
aberto. A pequena cidade é o exemplo da contradição que esta percepção
revela. O que é modernidade no século XXI e como seus desdobramentos
alcançam a pequena cidade têm que ser mais bem analisados. Segundo
Bacelar (2003, p. 205):
Em uma pequena cidade, a modernidade não chega sempre por inteiro,
ela chega compartimentada, pontual. Esta não pode ser encarada em
uma visão economicista/desenvolvimentista, pois as pequenas cidades
têm outras opções como a cultura, o turismo e o registro histórico. O que
devemos encarar é o uso que se faz das “resistências” das pequenas
cidades, estas não podem ser sinônimo de atraso. Este não pode ser
usado como mito de uma pequena cidade “sem problemas”, assim como
a condição privilegiada de algumas cidades, de uma dada região, não
pode ser o reflexo de um todo, que se encontra heterogêneo.
Partindo da premissa de que as pequenas cidades são diferentes, porém
iguais, pode-se constatar a partir da realidade de Estrela do Sul, Grupiara e
Cascalho Rico como o todo, um arcabouço de anacronismos frente à realidade
da urbanização/modernidade. Com isso, as pequenas cidades são diferentes
63
entre si, porém semelhantes, pois encaram problemáticas diversas com
recursos humanos e financeiros praticamente iguais. Sofrem ou mesmo
absorvem dificuldades variadas com anacronismos comuns. Ainda segundo
Bacelar (2003, p. 205):
Contudo, estas pequenas cidades merecem um estudo mais
aprofundado de suas realidades neste mundo da globalização e das
megacidades. Existem ainda vários pontos a serem analisados sobre as
pequenas cidades do Brasil: a situação do desemprego, a migração e
involução populacional, a perda de arrecadação, a situação do poder
público frente às necessidades da população residente, os problemas
ambientais, a inserção destas pequenas cidades no mundo da
globalização produtiva, a relação destas com seu entorno rural, as
porcentagens de repasse e de distribuição das verbas federais e
estaduais em relação a outras categorias populacionais de cidades, etc...
sem estas análises, as realidades das pequenas cidades ficará
escondida pelo mito do lugar sem problemas.
Destante, iniciaremos nossas análises sobre estas problemáticas
discutindo as implicações na pequena cidade perpretadas pela municipalização
de encargos e responsabilidades embutida na Constituição Federal de 1988 e
também a discussão sobre o que é uma pequena cidade e suas dificuldades
político-administrativas. Para isso é necessária uma breve análise histórica
sobre o fenômeno da urbanização no Brasil.
1.1 - A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA FRUTO DA QUEBRA DO MODELO
AGRÁRIO
A urbanização é um fato no espaço brasileiro na atualidade. Essa
urbanização inicia-se timidamente a partir da década de 1930, mas toma
feições de processo na década de 1950, com o acirramento das migrações
campo-cidade. É um processo rápido e altamente desordenado.
O Brasil passa 450 anos de sua história sendo um país rural e
fundamentado economicamente na produção agrícola. Era um país em que as
regiões promoviam suas economias de uma forma especialmente vinculada ao
seu mercado e ao mercado externo, promovendo internamente um país com
sérias dificuldades de integração.
64
Sendo o campo responsável pela produção econômica, política e social do
país, a maioria da população era rural. Isto somente vai ter mudanças quando
o campo perde a hegemonia na produção de riquezas no país.
Observando a história brasileira, poderemos constatar a predominante
hegemonia de processos produtivos vinculados ao campo. Esses permitiram ao
setor rural criar, durante séculos, uma sociedade que é o molde de seus
princípios culturais e econômicos. Com isso, a oligarquia rural domina até hoje
certos setores da sociedade brasileira impondo alguns preceitos morais e
ideológicos que vigoram arraigados na memória coletiva
23
. Tais preceitos são
referentes à reforma agrária, à distribuição da renda, ao patriarcalismo, etc.
Esses dogmas vigoram ainda hoje na sociedade urbano-industrial, provando
que a história rural do país permanece na cultura do dia-dia do brasileiro.
Do final do século XIX até a década de 1930 o café é um produto forte na
pauta de exportação e assim fonte de divisas para a economia nacional,
juntamente com a borracha que representa, neste período, 30% das
exportações. Contudo, do ponto de vista político-econômico o café é o maior
expoente. A região sudeste era de fato o centro da sociedade brasileira,
ditando as regras da ordem social e política de um país “atrasado” e agrícola,
comandado por elites arcaicas, baseadas num processo decadente de
produção de riquezas.
Esse modelo de desenvolvimento se fundamentava em uma divisão
internacional do trabalho que condicionava o país a apenas produtor de bens
primários para suprir o mercado europeu e norte americano.
Com isso a industrialização do país ficava comprometida, sempre em
segundo plano, atrás dos bons preços do café no exterior. Somente o capital
excedente do café era investido no processo industrial, desde que este capital
não fosse reinvestido no plantio de mais café
24
. Se a economia era agrária, a
necessidade de o de obra fixava o homem ao campo, criando e
reproduzindo este modelo rural, em que as cidades eram centros de comércio,
em número reduzido de quantidade e em de população.
23
Sobre este assunto consultar Domingues (2002).
24
Este processo é controverso desde que Warren Dean em “A industrialização de São Paulo” e
José de Souza Martins em “Cativeiro da Terra” afirmaram que o capital necessário para investir
no plantio do café era pouco e assim sobrava mais capital investido em infra-estrutura.
65
As crises do café no início do século XX (1ª Guerra Mundial e quebra da
Bolsa de Valores de Nova York) e posteriormente a entrada da Colômbia e
alguns países asiáticos e africanos na produção de café mundial, criaram um
cenário de caos na produção e comercialização desse produto para o Brasil.
Na década de 1940 o país não consegue melhores negócios e se retira do
mercado internacional como grande articulador do processo cafeeiro mundial,
sendo apenas mais um nesse mercado. É o fim do grande ciclo cafeeiro do
Brasil.
Como nossa economia fundamentava-se essencialmente no café, a
estagnação do processo produtivo-comercial cafeeiro significou estagnação da
economia interna. A indústria nacional ainda de pequeno porte não suportaria o
peso desse cenário. Entra em cena o Estado, que na década de 1930 inicia
um processo de criação de uma infra-estrutura capaz de fomentar o processo
industrial. Inicia-se uma época de estatizações e criação de indústrias estatais
com a criação de siderurgias, mineradoras, hidrelétricas, e no transporte
ferrovias e especialmente rodovias. É o Estado keynesiano à moda brasileira.
Com isso, as cidades passam a ter um papel diferente no processo de
produção econômica, na cultura e no social do povo brasileiro.
Como analisado, em fins da década de 1940, o modelo de
desenvolvimento baseado somente na produção agrícola estava em plena
decadência, a cidade passa a concentrar o processo de produção econômica
viabilizando os fluxos industriais. Sem emprego e melhores perspectivas de
vida a migração, a partir da década de 1950, torna-se um verdadeiro êxodo do
campo para as cidades em que a partir da década de 1960 ocorre uma
inversão no local de residência da população brasileira, do campo para a
cidade, como demonstrado no gráfico 1 a seguir.
66
Gráfico 1: Brasil - Evolução da população urbana e rural de 1940-2000 (anos
selecionados).
0
20000000
40000000
60000000
80000000
100000000
120000000
140000000
160000000
1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
População Urbana
População Rural
Fonte: SANTOS, 1993, p. 29. IBGE, 2000.
Com a entrada das multinacionais no Brasil em fins da década de 1950, o
processo de êxodo acelera-se. Essas empresas fomentam o Estado a criar
mais infra-estrutura que possibilitem uma maior e melhor produção e
comercialização da produção. O espaço nacional sem integração viária
dificultava a expansão industrial, pois sem vias eficientes a matéria prima e a
mão-de-obra necessária à produção ficavam impossibilitadas de circular. Era
importante um país espacialmente articulado em suas regiões. As rodovias
funcionaram com duplo interesse para as indústrias: expandiram a
comercialização da produção e tornaram mais fáceis e baratos os fluxos de
matéria prima, surgindo daí um real mercado interno consumidor; e de quebra,
aumentaram e facilitaram as migrações campo-cidade, criando uma
abundância de mão-de-obra nas cidades, e assim um enorme mercado de
consumo e um cada vez mais crescente exército de reserva. Cenário ideal para
o crescimento das indústrias, tanto as nacionais como multinacionais (como
também aumentaria nossa dependência para com o petróleo e com os
caminhões).
Com isso, observamos que a urbanização desse período é uma
necessidade das indústrias em criar um universo propício para suas atividades.
Se o homem reside e trabalha em um país agrário suas necessidades básicas
serão atendidas nesse mesmo espaço artesanato de vestuários, alimento em
subsistência, transporte rudimentar, mas eficiente para suas necessidades,
menor pressão no aspecto educacional, a saúde como responsabilidade de
67
curandeiros, raizeiros e benzedeiros, etc. mas, quando o homem reside e se
perpetua na cidade suas necessidades são alteradas, pois torna-se agora um
dependente do processo industrial, direta ou indiretamente.
Logo, um país urbanizado é essencial para o pleno desenvolvimento do
capital. A cidade contemporânea representa não somente um aglomerado de
casas e ruas, mas um emaranhado de condições sicas para o processo
capitalista que se baseia na produção e comercialização de bens e serviços.
Mesmo que produção e consumo sejam dados em momentos
interdependentes, pois mercados e capitais desenvolvam-se dialeticamente e,
portanto, não somente o capital determina a produção da cidade, mas os fluxos
de produção na cidade moderna são realizados pela ótica do capital e não
pelos anseios da população viadutos, água, luz e esgotos são produzidos
para melhorar e ampliar a produção do capital e não para satisfazer a
população.
Para que tudo isso funcione, fez-se necessária a retirada maciça da
população do campo para a cidade. Isso aconteceu quando a fragilizada
população do campo da região sudeste toma contato com as possibilidades
abertas para a migração com o maior desenvolvimento das rodovias que ligam
a região ao eixo Rio - São Paulo. Esse fato ajuda a destruir o fraco artesanato
do interior e também abala seriamente a economia das cidades menores,
concorrendo para aumentar o fluxo migracional desses lugares para as duas
cidades de maior concentração de capitais, como observado no mapa 10 a
seguir.
68
Mapa 10: Brasil – Regiões metropolitanas e tipologia dos municípios brasileiros. 1998.
Fonte: IBGE, 1998.
Esse mapa demonstra uma nítida compartimentação da malha urbana
nacional em que transversalmente os domínios morfoclimáticos dos mares de
morros (do litoral nordestino, passando pelos relevos litorâneos e
mamelonados do sudeste-sul), avançando pelos domínios das terras roxas e
dos planaltos subtropicais vegetados por araucárias indo até as coxilhas dos
pampas e suas pradarias mistas, até a malha recente da fronteira agrícola dos
cerrados do Triângulo Mineiro, Goiás e Tocantins, são mais intensamente
ocupados com o produto cidade.
Já os ecótones do pantanal, dos cerrados-amazônia e da mata dos cocais
até na Amazônia profunda temos um semi-vazio de cidades em que o
fenômeno do urbano” apresenta-se imiscuído com o fator natural. Ao contrário
da faixa antagônica em que o fenômeno cidade é mais presente e o fator
natural é que está subsumido. Não são “dois Brasis”, mas dois “Brasis” de
69
urbanidade, de malha urbana e de relações urbano-rural distintos, porém
complementares e unos. Interligados e amalgamados na economia, língua e
política. Esta integração maior é fruto de iniciativas que remontam ao período
colonial, mas que tomou maior fôlego a partir da década de 1950.
O avanço das vias de circulação para a região nordestina nas décadas de
1950 e 1960 provocou um processo semelhante, mas muito mais devastador,
que essa região, que viveu durante séculos comandando a vida nacional,
estava esfacelada no século XIX e no século XX sua economia encontrava-se
totalmente dependente de capitais do sudeste. Sendo assim, a economia do
sudeste engloba o que restava da frágil economia nordestina, pois com a
entrada dos produtos industrializados do sudeste o artesanato regional
nordestino não conseguiu competir, que o processo representa uma
competição “injusta” representada pela maciça entrada de artigos
industrializados com produção em série frente a produtos elaborados
artesanalmente e em pequena escala.
Assim, tais fatos provocaram uma redução econômico-produtiva na região
nordestina gerando enormes deslocamentos populacionais que fluíram do
nordeste para o centro de produção nacional: Rio de Janeiro e São Paulo.
Estava assim garantida a mão-de-obra capaz de gerar o processo de
crescimento industrial brasileiro. Percebe-se então que, para a região sudeste
tornar-se o centro do país seria necessária, na ótica capitalista, a maximização
da dependência da região nordeste. A miséria do nordeste vem da riqueza do
sudeste. É a lógica centro-periferia do sistema capitalista.
O fluxo viário e produtivo para a região Sul possibilitou a penetração do
capital industrial do Sudeste para essa região, mas este não foi o mesmo
processo que se desencadeou na região Nordeste. Para o Sul fluíram, além de
produtos, também as formas físicas da produção, ou seja, para a região Sul,
diferentemente da nordestina, surgiram indústrias criadas por imigrantes
utilizando a mão-de-obra mais especializada, o que não acontecera no
Nordeste. Esse processo inicial de descentralização industrial para a região Sul
gerou uma maior acumulação capitalista e avançou sobre o campo dessa
região. O campo da região Sul fundamentava-se na produção familiar oriunda
da colonização européia, esse avanço capitalista sobre o campo provocou uma
maior concentração das terras, o que concorreu para a expulsão compulsória
70
das pessoas, ora para as cidades do Sul e Sudeste, ora para a região Centro-
Oeste do país provocando a expansão da fronteira agrícola para o oeste do
Brasil.
Percebe-se nesta análise a produção de uma integração espacial do
Brasil. Esta articulação regional vai sendo mais eficaz na mesma medida da
necessidade do capital. Assim, era de se esperar que um país articulado
regionalmente apresentasse certa homogeneidade regional, seja no aspecto
econômico ou mesmo social. Porém, se assim fosse, não estaríamos
analisando um processo capitalista. O capital cria articulações espaciais, mas
não a igualdade. É da contradição que o capital se “alimenta” e reproduz. Uma
região central desenvolve-se explorando outra, é dessa outra que provém a
mão-de-obra e a matéria-prima que sustenta os processos produtivos da região
central. Isto acontece em todos os níveis espaciais do modo de produção
capitalista, o que de fato gera uma concentração populacional em
determinadas regiões até o ponto do sustentável pelo mesmo processo
capitalista, ou seja, essa concentração populacional somente é aceitável até o
ponto do seguro para o processo de acumulação capitalista. Quando se torna
perigoso para este, outras medidas são tomadas no centro de comando
econômico e social.
1.2 - A URBANIZAÇÃO CONCENTRADORA
Como analisado, a saída do homem do campo não se deu de forma
pacífica e ordenada. O fluxo migracional foi desencadeado na década de 1950
e, na década de 1980 o Brasil contava com uma população urbana superior
à rural. É um processo rápido, se comparado aos países centrais,
especialmente a Inglaterra, que levou 300 anos para se urbanizar, e altamente
desordenado, pois não foram planejadas cidades para abrigar tamanha onda
de migrantes oriundas do campo, daí o caos urbano que observamos nas
grandes e, até mesmo, em algumas médias cidades do Brasil na atualidade.
A simples troca de domicílio, rural para urbano, não expõe o caos. O caos
urbano das médias e grandes cidades é fruto de políticas econômicas e sociais
caóticas implementadas no Brasil no período analisado. Assim, o período em
que essa alteração domiciliar foi realizada é o momento de práticas
71
macroeconômicas e uma série de necessidades imposta pelo modelo
capitalista adotada e apregoada por estas políticas. Com isso, a alteração
domiciliar caótica e a redução do habitante rural, como observado no gráfico 2,
fazem parte de uma necessidade capitalista e de interesses internos e externos
ao Brasil.
Gráfico 2: Brasil – População Por Situação do Domicílio (%).
Essa maneira desordenada de crescimento urbano foi e é determinada
pela dimensão da atração regional e mesmo nacional de determinadas
cidades. Assim, uma cidade mais equipada nos aspectos funcionais como nos
processos econômico/produtivo, social e politicamente mais atuante no cenário
local, regional ou nacional será mais atrativa e exercerá uma hegemonia maior
que outras que não desempenham o mesmo papel.
O desenvolvimento em certos centros urbanos de atividade industrial
amplia sua economia e a torna polarizadora e atrativa de população. O setor
produtivo/econômico representado primeiramente pela indústria amplia o setor
terciário (comércio e prestação de serviços) e com isso a força política de
algumas cidades também é alargada tanto do ponto de vista espacial como nas
esferas do poder horizontal do capital e do Estado. Com o desenvolvimento da
72
economia e prestação de serviços, a cidade aumenta sua oferta de infra-
estrutura interna capacitando-a a uma produção cada vez maior. Para isso, a
atração populacional é fortemente incrementada no sentido de ampliação da
mão de obra, consumidores internos e exército de reserva. Assim, uma cidade
ao possuir equipamentos urbanos passará a atrair pessoas para seu interior.
Essa atração populacional é um importante indicador de sua hegemonia e força
regional. Sendo assim, a influência de uma cidade será em escala diferenciada
conforme seu poder de produção econômica, sua estrutura de prestação de
serviços e infra-estrutura que, de maneira direta, determinam sua força política
regional ou nacional.
Os processos gerais da urbanização brasileira a partir da década de 1950
até meados da década de 1980 criaram uma rede urbana complexificada, em
que algumas cidades mais atrativas e desenvolvidas econômica e
politicamente serão mais influentes que outras, galgando o topo dessa rede.
Essa rede urbana articulada espacialmente, com cidades com funções urbanas
definidas, estabelece os centros de comando da vida regional e nacional (do
ponto de vista social, cultural, político e econômico), porém produz também
pequenas cidades que não conseguiram produzir uma economia eficiente do
ponto de vista da competitividade e muito menos articular um setor de
prestação de serviços eficiente.
Essa maneira de analisar a rede urbana brasileira no período técnico-
científico-informacional (ou mesmo denominado de Terceira Revolução
Industrial, ou Meio Técnico-informacional, etc.) a partir da década de 1970 está
relacionada ao processo industrial/produtivo inerente ao processo capitalista
globalizado.
A polarização que as metrópoles exercem sobre o território nacional,
acarreta um fluxo intenso de migração em sua direção que impulsiona um
acelerado crescimento horizontal (fomentado por uma não menos intensa
especulação imobiliária), gerando um fenômeno de aglutinação de cidades em
seu entorno. Essas cidades menores são englobadas nesse processo,
produzindo limites municipais abstratos que são apenas estruturas
cartográficas. Surgem assim as cidades conurbadas. Esse processo rápido cria
e reproduz uma situação de caoticidade nesses centros urbanos que crescem
rápido e sem planejamento. Caos exemplificado pelos problemas relativos ao
73
trânsito e transporte urbano, às favelas, a poluição como um todo, o
hipertrofiamento do setor terciário, enchentes e desmoronamentos, a violência
etc.
Como analisado, o crescimento das cidades foi ao mesmo tempo uma
necessidade do capital em produzir formas de sua acumulação, mas também
acirrou o processo de concentração de forças políticas e reivindicações
trabalhistas que tanto preocupam os capitalistas. Esse fato desencadeou uma
série de novas necessidades ao processo capitalista brasileiro das quais a
descentralização espacial da indústria é a maior e mais ilustrativa expressão.
As concentrações populacionais criam vários tipos de necessidades
sociais que o sistema capitalista não consegue suprir. Tais necessidades como
moradia, emprego, saúde, educação e outras que quando não plenamente
atendidas pelo capital são desencadeadoras de crises sociais explosivas.
Assim, a pressão social sobre o capital cresce a ponto de organizações da
sociedade civil como sindicatos, associações de bairros, organizações
ambientalistas e outros aumentarem as pressões por melhoria na qualidade de
vida dos moradores dessas cidades. A essas pressões sociais se junta outro
fator: a enorme especulação imobiliária que eleva os preços dos imóveis
nesses centros urbanos.
Sindicatos mais fortes, pressão ambientalista, crescimento urbano e
impostos altos, especulação imobiliária e imóveis mais caros, o fatores
determinantes para que algumas empresas (nacionais e multinacionais)
deixassem de se concentrar exclusivamente nos grandes centros urbanos e
intensificassem o processo de interiorização espacial. Processo desencadeado
a partir da década de 1970 e acirrado na década de 1980 no Brasil. Surge daí a
explosão dos diversos distritos industriais pelo interior do país, inclusive o de
Uberlândia, que fora criado na década de 1960, mas que se desenvolveu
mesmo a partir desse processo. Com a chegada de várias indústrias para estas
cidades do interior seu desenvolvimento enquanto centros de atração
populacional cresceram a ponto de atrair proporcionalmente mais pessoas que
as grandes cidades do Brasil.
As cidades que mais receberam estes impulsos produtivos tiveram que
articular uma infra-estrutura capaz de suportar esse incremento produtivo e
com isso tornaram-se centros de polarização e atração populacional, tendo
74
como principal atrativo a maior oferta de empregos. Essa atração populacional
vai de encontro aos interesses das empresas recém instaladas nessas cidades.
A necessidade de mão de obra farta e barata, consumidores locais, menor
controle ambiental e principalmente a isenção de impostos e tarifas por longo
espaço de tempo são fatores essenciais que demonstram as facilidades
encontradas pelas empresas ao se dirigirem para o interior. Cidades como
Uberlândia-MG, Ribeirão Preto-SP, Londrina-PR e outras cresceram e se
desenvolveram os setores econômicos rapidamente a partir desse processo de
descentralização industrial. Esse crescimento rápido e desordenado provoca,
atualmente, problemas urbanos antes exclusivos das grandes cidades.
O fenômeno da metropolização e o desenvolvimento econômico das
cidades médias, mais recentemente, formam o foco dos estudos de
departamentos de ciências humanas das mais importantes Universidades
brasileiras e também dos órgãos governamentais como o IBGE, a Fundação
João Pinheiro em Minas Gerais etc., e também de Ong’s e Institutos privados
de estudo do Urbano e Regional. Totalmente compreensível dado à forma de
nossa urbanização, processo tão rápido quanto caótico, portanto, um campo
profícuo para a Geografia e outras ciências sociais. Tal visão também é
compartilhada por Wanderley (2001, p. 01):
Quando se fala em processo de urbanização e desenvolvimento urbano,
a imagem que vem à mente da maioria das pessoas é, provavelmente, a
das cidades metropolitanas. Vistas como pólos do progresso e da
civilização, estes grandes centros concentram as atividades econômicas
dinâmicas e as oportunidades de acesso a bens e serviços de toda
ordem, que atraem a população dos pequenos centros e das áreas
rurais. No Brasil, este processo de ‘metropolização’ assumiu,
efetivamente, uma grande dimensão nas últimas décadas. Em período
mais recente, os estudiosos da população vêm apontando para outro
processo de concentração demográfica, desta vez centrado no
desenvolvimento das chamadas cidades médias situadas no interior do
país.
Análises e diversos estudos foram elaborados sobre as causas do grande
afluxo humano para determinadas cidades centrais no Brasil, sempre
evidenciando suas causas como sendo referente às transformações que o
campo, em nosso país, sofrera e ainda passa, a partir, principalmente, desde
os meados da década de 1950. Esses estudos trataram das causas do grande
fluxo de saída de áreas rurais para as grandes cidades e de suas graves
conseqüências para o meio urbano e as implicações deste processo intenso de
75
urbanização que evidenciou transformações nos aspectos sociais, políticos,
econômicos e culturais no espaço ou mesmo no território nacional e também
mundial.
Sejam as análises dos impactos da modernização do campo ou mesmo,
e mais incidente, sobre o fenômeno de surgimento e consolidação das grandes
e médias cidades, os geógrafos se esmeraram e produziram uma farta
bibliografia, criaram ou fomentaram conceitos, analisaram e descreveram os
processos de gênese e conseqüência, realizaram congressos e debates
acadêmicos, sempre calorosos, sobre estes assuntos. E as pequenas cidades?
Como ficaram nesse processo? Será que além de pequenas em termos
demográficas também o são em importância para a Geografia e outras ciências
afins? Segundo Lencioni (1985, p. 15):
As pequenas cidades não são devidamente estudadas e analisadas, pois
as análises geográficas se prendem a aspectos mais gerais dos
problemas e situações das grandes e das médias cidades do Brasil
como se os problemas urbanos fossem exclusividade e apenas
existentes nestas cidades. Ora, isto representa um preconceito e até
mesmo falta de entendimento acerca da realidade destas pequenas
cidades. O fato interessante a ser observado é de que o nível ou a
escala dos debates e dos problemas urbanos é alterado devido às
diferentes dimensões das cidades.
25
A cidade e o urbano que por várias correntes de pensamento foi atrelado
a ela produziram um forte apelo às formas. O urbano é visto muito tempo
como sendo a redenção da humanidade frente ao arcaísmo do mundo agrário.
De certa maneira podemos concordar com isto desde que tenhamos em mente
qual mundo é o mais digno para as pessoas, pois apenas o espaço em si não é
garantia de bem estar. Não se trata de negação das garantias de um mundo
urbano, apenas a cautela de não sublimar o local pelo simples fato de -lo. O
mundo urbano deve ser considerado como sendo um avanço na sociedade
humana, porém é perigoso quando se constrói uma linha de pensamento que
se transforma em ideologias de que o mundo urbano é pensado de maneira
positiva em detrimento do outro, do rural e do “mundo” não urbano que se
prega para as pequenas cidades. As situações de oposição e de demarcações
são sempre preocupantes quando se opõem o mundo rural frente ao urbano e
o urbano (cosmopolita e das grandes cidades) com o mundo urbano das
25
Esta temática foi muito bem exposta por Lencioni (1985).
76
pequenas cidades. Bom e ruim, com problemas e sem problemas. Estes
esquematismos quase sempre levam a desconsideração e situações limite na
ciência, pois levam ao esquecimento de suas análises.
1.3 O PENSAMENTO DA MODERNIDADE CALCADO NA POSITIVIDADE
DO URBANO
A premissa da ciência regional da década de 1960 de que “o meio
urbano é potencialmente um suporte para a introdução e propagação de
valores ‘modernos’, assim como a crescente urbanização é um indicador de
desenvolvimento”
26
na região, no país e no mundo, é indicador de uma
verdadeira natureza ontológica, porém o discurso surge deformado pela
ideologia da modernização capitalista em que as cidades são fatores de
progresso. Segundo Souza (1996, p. 13):
...o ambiente urbano seria especialmente propício às invenções e
inovações; as chances de satisfação de necessidades aumentam no
urbano, sendo tanto maiores quanto maior for a cidade em questão; a
urbanização favoreceria o surgimento de contra-elites e a mudança
social.
27
Estas afirmações “merecem ser relativizadas mesmo a partir de um ponto
de vista política e filosoficamente conservador.”
28
O que “Richard Morse critica
Friedman por este ter generalizado excessivamente o alcance do postulado.”
29
Pois, no Brasil colonial era o campo e não a cidade o motor da inovação e
‘progresso’ regional.
Contrário àquela visão “os custos sociais da urbanização e, sobre a base
de uma crítica da importação de tecnologias e valores, assume uma postura
bastante ‘urbanófoba’.”
30
O que implica uma visão ‘ruralófila’ somente possível
fora do modelo capitalista, pois dentro da crescente globalização, da
internacionalização do capital e das necessidades assim criadas, o modelo de
urbanização é crescente e avassalador.
26
Souza, 1996, p. 13, expondo as idéias de Friedmam (1971).
27
Souza, 1996, p. 13.
28
Idem, p.13
29
Ibidem, p. 14
30
Souza (1996, p. 14), aponta a crítica desse modelo citando o indiano Santi Tangri (1964).
77
Para Souza (1996) a urbanização era vista pela Ciência Regional como
fundamentalmente positiva e que as grandes cidades e mesmo a urbanização
geraria um espaço de inovação e crescimento de oportunidades para todos
seus habitantes. Seria apenas necessária cuidar de possíveis desvios como a
primazia forte de apenas uma grande cidade ou mesmo de seu exagerado
crescimento demográfico, aqui visto como um processo que levaria à chamada
deseconomias de aglomeração. Estas situações encaradas como formas
“patológicas” seriam o mal menor, pois, dentro da concepção da Ciência
Regional, tal preço seria menor diante de todas as vantagens de se criar
cidades e estas, quanto maiores mais bem equipadas para suprir as
necessidades sociais e econômicas do lugar, da região, do país
31
.
A partir desse raciocínio, alguns autores dessa corrente de pensamento
alegam como solão para o processo de desconcentração populacional o
investimento em cidades médias, e não em pequenas cidades, pois aquelas
poderiam suprir melhor as necessidades de suas populações. A visão corrente
nesta linha de análise é a de que o urbano quanto maior, mais propicia
melhoria da qualidade de vida. “Em síntese, para a ‘Ciência Regional’ o espaço
urbano era, em última análise, e a despeito dos problemas associados a ele, ao
seu crescimento ou a uma urbanização muito rápida, um meio altamente
propício ao ‘desenvolvimento’ capitalista.”
32
Ainda segundo Souza (1996) “também no âmbito do pensamento
Marxista as cidades e a urbanização sempre foram vistas basicamente como
coisas em si mesmas positivas.”
33
Apesar de simpáticos (uma visão
urbanófila), são posturas distintas dos “Cientistas Regionais”, dos urbanistas,
de planejadores urbanos convencionais, mas no que pese a positividade
intrínseca do meio urbano e da urbanização estes pensadores (marxistas e
conservadores) estão próximos. A crítica maior dos marxistas reside a
propósito da funcionalidade do urbano e da urbanização para o capitalismo.
A “Economia Política Urbana”, critica a análise convencional quando
esta tenderia a ver as cidades separadas de seu contexto histórico-social, e
uma “ausência de uma efetiva consideração das classes sociais e de suas
31
Souza, 1996, p. 15, analisando Alonso, W., 1972.
32
Idem, p. 16.
33
Ibidem, p. 16.
78
contradições”
34
, o que para alguns autores, segundo Souza, como Sawers é
denominado de fetichismo espacial.
35
Segundo Souza (1996, p. 17):
(...) Duas partes da superfície inanimada da Terra não podem ter
interesses opostos. A história é feita apenas quando grupos de pessoas
possuem interesses opostos àqueles de outros grupos de pessoas. O
fetichismo espacial desempenha um papel proeminente ao confundir
relações sociais importantes com a forma do espaço urbano.
36
A problemática da urbanização excessiva e os problemas da esfera de
consumo não haviam se emancipado da questão da exploração na esfera da
produção nem teoricamente, nem na prática política (preocupação maior de
Marx). Mesmo assim, a contradição cidade-campo não era estranha para Marx
e também para Engels. Estes, em seus escritos, (sobre este assunto fica
evidente que são, em verdade, um exemplo de seu tempo), não deixam de
sublinhar o papel da cidade e da urbanização capitalista para fundamentar uma
base material para uma futura sociedade socialista. Segundo Duarte (1986, p.
65):
A maior divisão do trabalho material e intelectual é a separação entre a
cidade e o campo. [...] A cidade constitui o espaço da concentração, da
população, dos instrumentos de produção, do capital, dos prazeres e das
necessidades, ao passo que o campo evidencia o oposto, o isolamento e
a dispersão. A oposição entre a cidade e o campo pode existir no
âmbito da propriedade privada. Ela é a expressão mais flagrante da
subordinação do indivíduo à divisão do trabalho, a uma determinada
atividade que lhe é imposta. Esta subordinação faz de um indivíduo um
animal das cidades e do outro um animal dos campos, tanto um quanto o
outro limitados, e faz renascer a cada dia a oposição de interesse entre
as duas partes. Aqui também o trabalho é o dado capital, o poder sobre
os indivíduos e, enquanto esse poder existir, haverá também uma
propriedade privada. A abolição dessa oposição entre a cidade e o
campo é uma das primeiras condições da comunidade, e essa condição
depende por sua vez de um conjunto de condições materiais prévias que
a simples vontade não é suficiente para concretizar.
37
Porém, tanto para Marx como Engels, seria inconcebível uma sociedade
transitar do capitalismo, socialismo e finalmente para o comunismo, sem que
haja uma base fundamental de urbanização. “E isto, ainda que Marx e Engels
34
Para Hussain et al. (1980) na concepção marxista “a luta de classes é o lugar da história”,
portanto não há contradição entre lugares. Assim, a luta entre os lugares esconde a natureza
contraditória das relações de classe.
35
Souza, 1996, p. 16/17.
36
Souza, 1996, citando Sawers, p.17.
37
Duarte, 1986, p. 65, citando Marx e Engels em: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A
ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 55, 56.
79
entendessem muito bem que a urbanização e a lógica do capitalismo
estivessem entrelaçadas.”
38
Esta contradição no modo de encarar a cidade e a urbanização como o
bem maior e o rural como atraso foram uma das marcas registradas dos
pensadores, desde Marx, passando por importantes pensadores que se
debruçaram sobre este assunto. Segundo Duarte (1986, p. 72):
Engels prevê, a partir das condições existentes, a superação da
oposição entre a cidade e o campo. Essa idéia que Engels teve em sua
juventude o acompanhou ao longo de toda a sua trajetória de pensador
revolucionário. Para ele, tal supressão “não é uma utopia”, mesmo que
as grandes cidades sejam um legado histórico do qual será preciso muito
tempo para eliminar. A superação do sistema do capital não se limita à
negação da propriedade privada burguesa. Este é apenas um momento
de um “longo e penoso processo de desenvolvimento”. A nova forma
social defendida por Marx e Engels deve pôr fim a toda a divisão social
do trabalho e, portanto, deve também por fim a primeira grande divisão
do trabalho: a separação da cidade e do campo. Ou seja: deve suprimir a
separação que faz da cidade o lugar onde se realiza o trabalho
enriquecido, desenvolvido pelo intelecto, compreendendo as funções de
administração e comando, e o campo como lugar onde se realiza apenas
o trabalho material desprovido de inteligência.
Contudo, ainda sobre a crítica que os Marxistas elaboraram sobre uma
das questões mais importantes acerca da urbanização que se expressa na
funcionalidade das cidades, o resgate teórico foi sem dúvida, enriquecedor
desta polêmica. As discussões sobre as concepções de que as cidades no
capitalismo são “geradoras” ou “parasitárias” escondem as verdadeiras
análises deste processo. Este debate não teria fundamento sem antes
constatar sobre a quem servem estas concepções de urbano.
A cidade como difusora de inovações e a gestão econômica e política
das cidades (das grandes às pequenas), dentro da esfera do capitalismo é sem
dúvida uma forma de análise que vem de encontro a concepções de que o
urbano representa o novo e o campo o velho, o passado. Esta visão ingênua
do processo de urbanização, preconizada pela “Ciência Regional”, vislumbra
que o motor de desenvolvimento regional se faz dentro de um crescimento da
urbanização e de algumas cidades que alavanca o processo de crescimento
econômico regional e que depois seria o ‘bolo’ repartido socialmente.
Esta linha de análise é combatida veemente por marxistas que alegam
que não necessariamente o urbano seria o fundamento único de
38
Souza, 1996, p. 19.
80
desenvolvimento regional. O exemplo do Brasil colonial, onde os engenhos de
açúcar foram os dinamizadores do regional, sempre será um exemplo da
contradição embutida neste processo. A cidade não pode ser encarada como
única fonte de riqueza da região. Esta não pode, também, ser encarada como
simples parasita do regional e conseqüentemente do campo. A cidade
representa antes de tudo o “lócus da organização do conjunto do
empreendimento de exploração capitalista do território. A cidade será, com
isso, um ponto de apoio ao mesmo tempo para a modernização econômico-
tecnológica e para a transformação cultural do campo.”
39
O problema nesta “constatação” é a sublimação do urbano frente ao
campo. Visão que carrega um estereótipo urbanófilo congruente ao processo
de caracterização do mundo contemporâneo como sinônimo do
urbano\modernidade que esconde ou mesmo tenta camuflar a modernidade
também no meio rural do Brasil e reluta em analisar a pequena cidade como
realidade possível. Porém, mesmo assim a esfera de articulações espaciais
vistas a partir de um marxismo relutante e afetado por preceitos arcaicos e que
se baseia na pura e às vezes romântica idéia de um mundo idílico e aprazível
do meio econômico sobrepujando o todo da sociedade ainda impera em
algumas análises sobre a cidade. Segundo Santos (2003, p. 313):
A globalização veio sem que se viesse junto um mundo só. Busca-se
abreviar o tempo do trabalho, mas não é para socializar o lazer, é pra
fazê-lo ainda mais mercantil. Acredita-se que a técnica conduz ao
desemprego. Que horror! A técnica jamais existiu historicamente sem a
política. É um equívoco imaginar que se poderia conceber a presença
histórica da cnica sem o paralelo da política. É a política que decide o
que fazer da técnica: em todos os tempos foi assim. Inventam-se novas
formas construtivas, mas não para humanizar a cidade. Ou seja, não é a
cidade que é responsável pelos problemas, como tantas vezes se diz. A
urbanização não é um mal.
O economicismo o tom da dialética urbana marxista e
contraditoriamente, ou mesmo, analogamente o pensamento conservador
também, pois a sublimação do econômico ganha foro de urbano/cidade à
revelia do campo e porque não da pequena cidade sua cara-metade expressa
no pensamento dominante, tanto marxista quanto conservador. E como tal a
cidade passa a ser sinônimo de grande cidade (médias e grandes em
39
Souza, 1986, p. 26.
81
especial), pois estas representam os centros do pensamento cosmopolita e
articuladoras dos processos mais gerais do espaço e da produção material e
imaterial do sistema capitalista. Para estas correntes de pensamento o fator
econômico sempre está à frente e é parte central das análises do espaço
territorial e urbano.
Contudo, contrariamente a este espírito encalacrado em dogmatismos
temos que necessariamente analisar a pequena cidade a partir de outros
pontos de vista que usualmente são dispensados pelas correntes de
pensamento dominantes. Assim, alguns conceitos sobre a importância do
aspecto cultural e ideológico/psicológico do mundo moderno, visto como
resultante ou mesmo somatória de processos, em que o todo é ainda refém do
passado, da cultura herdada, do meio somatório do conjunto histórico, devem e
merecem destaque nas análises sobre o espaço da pequena cidade.
Assim, os processos culturais e sociais o mais interessantes que os
esquematismos econômicos na análise das pequenas cidades, pois a vivência
e o cotidiano são os constituintes maiores de uma rede de relações que se
produzem nestas localidades e que lhes sentido. Segundo Silva (2000, p.
13):
É na vida cotidiana que se desenvolvem condutas subjetivamente
dotadas de sentido a partir das significações que se constroem no senso
comum e que se institui a complexificação da realidade social. Não são
os fatos históricos excepcionais e pontuais que determinam a instituição
de valores culturais. Peter Berger e Thomas Luckmann consideram que
"a vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos
homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que
forma um mundo coerente" É na vivência diária que os homens são
lançados em múltiplas realidades que aparecem como normais,
evidentes e, diante delas, têm atitudes "naturais" e ordenadas. É também
na vivência do "aqui" e "agora" que os homens constroem o mundo e se
interessam por ele, porque é este mundo que lhes está ao alcance
imediato. É no cotidiano que a criação humana se perpetua, pois é "na
vida cotidiana que se situa o núcleo racional, o centro real da práxis"
Contudo, esta cotidianeidade está tão próxima dos homens que é
ocultada, parecendo distante, desprezível e invisível aos sistemas
acadêmicos mais elaborados.
A pequena cidade “esconde” dos desavisados uma interessante rede de
relações territoriais de aparente monotonia e quietude. Não obstante, são
manifestações diferentes das grandes e médias cidades que muitas das vezes
passam por situações desestimulantes aos cientistas-produto de um mundo
cosmopolita e metropolizado. Assim, ainda segundo Silva (2000, p. 28):
82
...a aparente simplicidade e a falta de dinamismo da forma das pequenas
cidades mascara as relações complexas que imperam em tal espaço,
adquirindo sentido apenas quando se entendem os códigos que as
sustentam e lhes o sentido particular.Assim como a cultura é
constantemente reconstruída a partir das diferentes experiências dos
sujeitos ou grupos, as territorialidades instituídas a partir dos espaços
vividos estão permanentemente se modificando, dependendo da
perspectiva e do acionamento dos códigos simbólicos que as
caracterizam. Neste sentido, para contemplar a cultura e as
territorialidades urbanas, a geografia deve atentar-se para a
subjetividade que compõe a produção material do espaço. É no
desenrolar da vida cotidiana que podemos compreender as divergências,
as transgressões, ou a obediência à ordem imposta, interpretando,
enfim, as relações sociais que dão conteúdo ao espaço geográfico.
Estas relações complexas - e ao mesmo tempo banais - que se
estruturam no cotidiano das pequenas cidades são assimiladas por uma
determinação político-administrativa e molda um tipo de Estado que se
apresenta nestas localidades e lhe forma e sustentação. São relações de
cunho econômico-produtivas, sociais e culturais que estabelecem um vínculo
de estreiteza entre as populações locais e o Estado (na figura da prefeitura)
que se realiza em nível municipal e configura uma dicotomia entre o moderno e
o antigo, entre as fórmulas “impostas” de administração pública e a “usual”.
Estas relações contrastantes e dicotômicas de se enxergar a realidade das
pequenas cidades, aqui exemplificadas por Estrela do Sul, Cascalho Rico e
Grupiara, passarão a ser analisadas nos próximos capítulos iniciando no
capítulo dois com a problemática da caracterização de pequena cidade sob a
ótica da administração pública e as dificuldades relacionadas ao mundo global
que adjetiva o diferente.
83
84
CAPÍTULO II
CAPÍTULO II CAPÍTULO II
CAPÍTULO II -
--
-
A ADMINISTRAÇÃO P
A ADMINISTRAÇÃO PA ADMINISTRAÇÃO P
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA PEQUENA
ÚBLICA DA PEQUENA ÚBLICA DA PEQUENA
ÚBLICA DA PEQUENA
CIDADE: A TRANSIÇÃO INACABADA DA MODERNIDADE
CIDADE: A TRANSIÇÃO INACABADA DA MODERNIDADECIDADE: A TRANSIÇÃO INACABADA DA MODERNIDADE
CIDADE: A TRANSIÇÃO INACABADA DA MODERNIDADE
Fonte: Fotografias de Grupiara, Câmara municipal (alto) e da prefeitura(abaixo).
85
A cidade no mundo de hoje “’incorpora” os processos gerais de um
planeta cada vez mais integrado e globalizado. Porém, esses o são e não
querem dizer soluções, e nem que tal processo é em verdade benéfico. São
concretos, mas não possuem juízo de valor. Se a sociedade como um todo
transparece o mundo da cidade, o mundo urbanizado, não quer dizer com isto
que esta verdade é boa ou ruim, quer dizer que a realidade é medida na escala
da cidade, do urbano.
Assim, ao referirmos que a cidade atual/moderna é parte do todo, as
contradições da modernidade passam a ser vividas neste espaço: a cidade. E a
pequena cidade é um modelo/síntese destas contradições. As contradições são
reproduzidas neste microcosmo (pequena escala), o que ocorre no nível global.
Um exemplo disso é quando olhamos para uma das facetas do mundo
globalizado, informacionalmente globalizado, o mundo das informações,
internet, dos telefones celulares
40
e das redes computacionais. Na pequena
cidade, especialmente Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico, esta
contradição não foge à regra. A possibilidade da integração nesta rede global
existe, porém nem sempre a possibilidade se materializa, pois nem todos
podem estar “conectados” a estas redes onde o acesso ainda é restrito, nas
grandes e nas médias e mais explicitamente na pequena cidade. Segundo
Gomes, Silva e da Silva (2007, p.2):
As pequenas cidades diferentemente das grandes cidades e até mesmo
das cidades médias constituem espaços que, apresentam baixo nível de
desenvolvimento tecnológico. Assim sendo, as pequenas cidades podem
ser apontadas como áreas de consumo do tipo massificado, como é o
caso da Televisão, do computador, do telefone dentre outros. Contudo,
um aspecto que deve ser ressaltado nesse processo, diz respeito ao
caráter desigual da distribuição social e territorial das inovações
tecnológicas. Nesse processo, tem sido fundamental a participação do
Estado que abre possibilidades para que tais espaços tenham acesso ao
mundo da tecnologia.
2.1 - ANTES DE SER UMA GLOBALIZAÇÃO INCOMPLETA TRATA-SE DE
UMA MODERNIDADE INCONCLUSA
40
As imagens da conectividade, via telefones celulares, exemplificadas por suas antenas de
recepção, em Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara, podem ser visualizadas no anexo 3.
86
Quando falamos do mundo do trabalho, a relação capital e informática na
pequena cidade ainda é mais aguda do ponto de vista da relação da produção
material devido ao reduzido processo de produção automatizado e
informatizado. Neste sentido, o sobretrabalho ou mesmo a extração da mais
valia relativa nestas localidades ainda é menor que nas localidades mais
cosmopolitas e globalizadas. menor oferta de trabalho, especialmente o
especializado e de maior qualificação e, ao mesmo tempo, menor demanda de
consumo e, por isso, mais tempo “sobrando”. Portanto, o tempo ainda é
longo na pequena cidade. Este tempo mais longo é taxado como bucolismo e
na maioria das vezes sinônimo de atraso produtivo e até mesmo de relativa
“preguiça”. Quando analisamos o fenômeno por este prisma, estabelecemos
uma relação entre a redução do tempo e do aumento do sobretrabalho nas
sociedades ditas mais modernas com as outras menos modernizadas ou até
mesmo consideradas tradicionais. É assim com a visão do capital para com a
sociedade silvícola em todo o mundo.
Na sociedade tradicional ou na que o processo de modernidade assola
menos são pejorativamente aclamados como atrasados devido à “lentidão”
comparativa embutida no processo de produção
41
. A extração da mais valia
relativa é menor na pequena cidade e assim o capital expõe sua natureza
como atrasada e, sendo assim, o bucolismo não passa de alcunha. Tal maneira
de encarar o processo revela às vezes um sentimento de antagonismo, pois
nas sociedades modernas a mais valia relativa combinada à absoluta cria
conceitos de eficiência contrários ao processo na pequena cidade em que a
mais valia relativa às vezes não é tão visível como nas grandes cidades
(informática e trabalho em casa o sobretrabalho); a idéia passada pelos
agentes do capital é, portanto, de uma “vida boa” na pequena cidade. Com
menos esforço e nos moldes ainda arraigados no passado histórico em que a
mais valia relativa era menos aguda. O esforço do capital é de aumento da
eficiência, aumento da produção e da produtividade, logo, é uma espiral de
crescimento constante da extração da mais valia absoluta e da relativa
42
, daí o
41
Ocorre na pequena cidade um menor nível de atividade econômica com menor oferta de
trabalho, assim são menores as necessidades, pela proximidade dos lugares e pelo fato de as
pressões culturais serem menores, o que implica em mais tempo livre.
42
Sobre este assunto Duarte (1986, p. 81) reforça ao afirmar: “No sistema do capital, o
desenvolvimento dos meios de produção, ao invés de produzir um aumento do tempo
87
sentido pejorativo do termo “bucólico” apregoado quase sempre quando se
analisa a pequena cidade.
Ao analisar os “resultados” da globalização na pequena cidade
observamos como a dicotomia do real e do ficcional se imiscuem. A
globalização chega pela televisão e pela antena parabólica
43
. A novela se
confunde com o telejornal e a realidade é ficcionada pelo olhar de uma massa
de pessoas deslumbradas pelo cotidiano de redoma de vidro que as praias
e os jatinhos de executivos do mesmo jeito na novela e no telejornal. Reforça
este pensamento os argumentos de Gomes, Silva e da Silva (2007, p.5):
...as cidades do interior...oferecem poucas alternativas de lazer e
entretenimento para as suas populações. Enquanto objeto massificador,
a televisão tem provocado perdas de caráter social, redefinido as
relações familiares e interpessoais, destacando-se o consumo do tempo.
Estamos vivendo o tempo da TV.
Porém, a relação deste “mundo” da pequena cidade torna-se realmente
global em suas ações diretas ou mesmo indiretas quando observadas no
aspecto do comércio com um entendimento de um mundo globalizado
concreto, mas com relações sociais de cunho nitidamente subjetivo.
Assim, a via econômica e do comércio é apenas um demonstrativo de
um determinado nível de envolvimento da economia da pequena cidade com o
mundo globalizado, que se realiza a partir dos leilões de gado de corte locais,
porém a carne dos zebuínos irá alimentar russos, norte-americanos e asiáticos
em geral; ou mesmo que o plantio e cuidados com o eucalipto e o pinus são
realizados em escala local, mas as madeiras produzidas por eles servirão para
as bucólicas cercas das casas da classe média e suburbana estadudinense.
As relações da pequena cidade com o mundo global
44
são interessantes
quando interferem no cotidiano das pessoas e em suas produções. Desse
modo, mesmo que indiretamente a globalização passa a ter influência no
cotidiano das pessoas. Se por um lado a maneira cosmopolita perpetrada pelo
disponível para a sociedade, gera desemprego e miséria para os trabalhadores, além de
reforçar o despotismo do capital sobre o trabalho”.
43
Uma pequena amostra das antenas de recepção de televisão, nos municípios de Estrela do
Sul, Grupiara e Cascalho Rico, podem ser observadas no anexo 4.
44
A modernidade é um processo, e o próprio espaço é uma acumulação desigual de tempo.
Mas, também devemos entender que é a partir disso que o local se articula com o espaço. O
global é vivido no local a partir das relações e assim o global chega no local.
88
discurso televisivo deixa muitas pessoas atônitas e confusas quanto a
dicotômica oposição entre realidade e ficção. Por outro lado o conhecimento
prático de que a relação do indivíduo com outros indivíduos/população, em
nível planetário, sublinha a sensação de importância, mesmo que
momentânea, mesmo que fugaz. Sobre isto Ianni aponta (2000, p. 21):
No século XX multiplicam-se os mitos e as mitologias secularizados”.
São mitos e mitologias que se formam e desenvolvem, predominam e
declinam, ressurgem e transformam, por dentro e por fora da
modernidade-nação e da modernidade-mundo. o figuras e figurações
presentes na cultura de massa, isto é, na cultura que se cria e difunde
com os meios de comunicação de massa, dentre os quais estão o jornal,
a revista, o rádio, a televisão e as telecomunicações, em geral
organizados em empresas, corporações e conglomerados
transnacionais. São meios com os quais se realizam eventos,
campeonatos, shows, festas, telenovelas e outras atividades, com as
quais se criam, reiteram e difundem ícones e ídolos. Na medida em que
se multiplicam e difundem as tecnologias eletrônicas, desenvolvendo-se
a “revolução informática”, tanto se forma a aldeia global” como se
expande a cultura de massa, em escala mundial. Essa pode ser uma
poderosa “fábrica” de mitos e mitologias “secularizadas”, como se
constata cotidianamente na operação de grande parte da mídia.
A dicotomia destes sentimentos é visível quando os sentidos são
variados na percepção destes mundos exalados e exaltados pelos meios de
transmissão de imagens e sons. A forma visual da televisão tenta uniformizar
um mundo cosmopolita e moderno, urbano até. Odio questiona com o
sentido auditivo a realidade cosmopolita ao aproximar o inconsciente do povo
ao mundo rural, da história e da proximidade do antigo e historicamente
construído e agora estilizado. Sobre a influência das telecomunicações nas
pequenas cidades, Gomes, Silva e da Silva (2007, p. 3) argumentam:
Considerando o espaço como elemento importante na explicação dos
processos sociais e, pensando a inovação tecnológica como tal, deve
ressaltar que o espaço apresenta nesse contexto, uma dupla
perspectiva: condição e produto. Isto é, ao mesmo tempo em que o
espaço se apresenta como uma resultante do desenvolvimento
tecnológico ele também se configura como um condicionante desse
processo, visto que o espaço tem suas características físicas e sociais
peculiares. No nosso entendimento, a difusão tecnológica nas pequenas
cidades está diretamente relacionada a fatores que se expressam por
meio das dimensões político-cultural e econômica. Não basta procurar
compreender apenas as alterações que as novas tecnologias promovem
neste mundo moderno. É importante ficar em alerta aos fatores que
podem favorecer ou impedir a difusão das tecnologias, como sejam as
próprias condições de localização do território, as questões de ordem
cultural, política etc....É no âmbito da telecomunicação que podemos
assinalar a mais considerável interferência da tecnologia sobre as
pequenas cidades. A inovação tecnológica que chega com maior
freqüência e, por conseguinte, com maior intensidade, como também,
numa difusão intensa, diz respeito à televisão...Dada as precárias
89
condições e as restritas atividades de lazer existentes a televisão é um
importante equipamento eletrônico para essas localidades, e o principal
veículo de informação, assim como um dos principais entretenimentos
para a sociedade.
Assim, a modernidade fica a cargo do discurso/imagens e interpretação
das emissoras de televisão. É uma maneira de “impor” uma modernidade
atrelada à globalização a partir das imagens da televisão. Um “mundo mágico”
como um conto ficcional. Uma maneira de injungir o mar ao sertão”, a grande
cidade à pequena, o mundo “urbano” e cosmopolita do desejado e do desejo
ao mundo da pequena cidade. É uma modernidade da ilusão, de apenas
alguns sentidos em detrimento do todo, do corpo e da alma. Segundo Ianni
(2000, p. 22):
Mas o que tende a predominar nos meios de comunicação, na mídia em
geral e, portanto, na indústria cultural, são os signos, símbolos e
emblemas, ou os tipos e os mitos, dos setores sociais dominantes, em
escala nacional, regional e mundial. A indústria cultural é uma poderosa
“máquina do mundo”, sem a qual não se forma a “aldeia global”,
metáfora ou conceito de um mundo carente de história.
Na globalização/modernidade ficcionada as necessidades são criadas,
mas não oferecidas a uma parcela da população da pequena cidade. Estas
utilizam apenas a reprodução dos filtros da televisão e do rádio. A comunicação
não é direta. A verdade é que o discurso é mais atrativo que a realidade das
inserções e das formas concretas de se fazer um mundo global.
Estas constatações podem ser visualizadas com os resultados do
questionário aplicado à população dos três municípios sobre este assunto.
Escolhemos como medida de inferir a tangencialidade da globalização e da
modernidade nestes municípios os caminhos da análise da informação (o
acesso e a distribuição desta) a partir das fontes de inserção ao mundo global
das informações via telecomunicações, internet e das viagens.
Isto se deve ao fato de que as trocas de informações demarcam a
maneira do acesso do individuo ao mundo que o cerca e também das formas
de resistência e/ou assimilação às novas civilidades e transformações de um
mundo real e que está em constantes alterações sociais, culturais, políticas e
econômicas. O entendimento do mundo que o cerca e a simples comparação
de seu cotidiano com outros é dado por estas trocas de informações, ou
90
melhor, pela comunicação que insere o indivíduo na horizontalidade que
Santos (2005, p. 160) denomina de densidade comunicacional do espaço.
Para Santos (2005), mais que simplesmente uma densidade informacional, que
viria de maneira vertical até o lugar e o local, advindo de maneira externa ao
local induzida pelos atores e “posta a seviço de quem tem os bastões de
comando”
45
, a comunicação ou relações comunicacionais são determinadas
horizontalmente e são ”gerados no lugar, e apenas no lugar, a despeito da
origem, por acaso distante, dos objetos, dos homens e das ordens que os
movem.”
46
Para Santos (2005, p.161):
Contrariamente a uma tese em vigor, a opulência dos lugares, para
retomar um termo de Abrahan Moles escrevendo sobre a informação,
não adviria de sua densidade técnica, mas de sua densidade humana.
Haveria, então, lugares mais ou menos voltados ao presente e outros
mais orientados ao futuro, aqueles onde a riqueza comunicacional é
maior.
O acesso a informação e a indução ao processo interno de comunicação
do lugar, do local e da pequena cidade dá-se de maneiras variadas e em
tempos diferentes. A comunicação entre as pessoas, entre os indivíduos na
pequena cidade pode ocorrer via telecomunicações, internet e pelas viagens.
Com isso, o contato intrapessoal e interregional e global se realiza ou não. O
acesso e a forma desses contatos é o que queremos mensurar e, para isto, o
questionamento produzido por nós nas pequenas cidades de Estrela do Sul,
Grupiara e Cascalho Rico, foi realizado para determinarmos, não somente a
maneira do acesso à informação e à comunicação, como também a qualidade
dessa informação.
Isto tem razão de ser para entendermos o quanto estas informações e
as trocas de experiências via comunicação interpessoais podem demonstrar
uma realidade diferente para quem realiza e consome estas informações. Se
as tranformações e visões diferentes do mundo microcósmico da pequena
cidade é alterado a partir dessas trocas de informação e de comunicação com
modos e formas diferentes de enxergar a realidade do mundo global, são
motivação de entendimento também para alteração da realidade dessas
pequenas cidades.
45
Santos (2005, p. 160).
46
Idem, p. 160.
91
Assim, nesse intuito, realizamos o questionamento à população dos
municipios de Estrela do Sul, Grupiara e de Cascalho Rico, iniciando pelas
últimas viagens realizadas pela população.
As viagens são, em nosso entender, fonte de troca e de contato entre
povos, cultura e informação. Os “mundos” se reordenam pelas trocas de
informação e as viagens sempre foram utilizadas pelo homem com este intuito
(além da curiosidade inerente ao próprio homem enquanto espécie e ser social
que é). Sobre a maneira como a população tem acesso à informação local,
regional, nacional e global realizamos algumas perguntas de cunho objetivo e
subjetivo. Analisando as viagens realizadas pela população questionada
(gráfico 3)
47
percebemos que estas pessoas realizam muitos deslocamentos.
Gráfico 3: Cascalho Rico, Grupiara e Estrela do Sul : Viagem a passeio. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007
Percebemos também o deslocamento populacional relacionado a faixas
etárias. Inicialmente analisamos a população na faixa etária entre 16 a 24 anos
(gráfico 4)
48
, denominada idade do estudo. Percebemos que esta faixa etária
populacional, proporcionalmente, realiza mais viagens que a faixa etária de 25
a 64 anos (gráfico 5)
49
. Na faixa etária acima dos 65 anos todos viajaram a
passeio. Se compararmos este quesito por gênero percebe-se que as mulheres
(gráfico 7)
50
realizam mais viagens que os homens (gráfico 6)
51
. Tal fato pode
47
Do questionário aplicado, em Cascalho Rico 33 responderam sim e 9 o; em Grupiara, 48
responderam sim e 5 não; em Estrela do Sul 58 sim e 12 não.
48
Do questionário aplicado, em Cascalho Rico 5 responderam sim e 2 não; em Grupiara, 15
responderam sim e 1 não; em Estrela do Sul 18 sim e 3 não.
49
Do questionário aplicado, em Cascalho Rico 25 responderam sim e 6 o; em Grupiara, 30
responderam sim e 4 não; em Estrela do Sul 42 sim e 3 não.
50
Do questionário aplicado, em Cascalho Rico 16 responderam sim e 3 o; em Grupiara, 20
responderam sim e 2 não; em Estrela do Sul 20 sim e 3 não.
92
estar relacionado ao montante das tarefas produtivas dos homens da pequena
cidade, mais relacionado ao trabalho de produção econômica vinculado ao
ganho produtivo de sustento familiar maior que as mulheres da pequena
cidade.
Gráfico 4: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Viajou a passeio. Idade: 16 a 24
anos. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Gráfico 5: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Viajou a passeio. Idade: 25 a 64
anos. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Gráfico 6: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Viajou a passeio. Homens. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
51
Do questionário aplicado, em Cascalho Rico 17 responderam sim e 5 o; em Grupiara, 28
responderam sim e 3 não; em Estrela do Sul 33 sim e 8 não.
93
Gráfico 7: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Viajou a passeio. Mulheres. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Percebemos que a população consultada realizou muitas viagens nos
últimos anos. A população mais jovem e as mulheres realizaram mais viagens
que o total geral da população pesquisada, e a população de Grupiara como
um todo viajou mais, dentre as três cidades analisadas, nos vários grupos
populacionais consultados. Contudo, quando analisamos os locais de última
visitação encontramos uma pequena diferença entre estas localidades e seus
destinos. Grupiara e Cascalho Rico diferem de Estrela do Sul no tocante ao
destino secundário. Os destinos primários das pessoas pesquisadas que
viajaram a passeio reflete a ligação destes com a rede urbana microrregional e
a regional. As cidades de Uberlândia, Araguari, Monte Carmelo e Estrela do Sul
são os destinos mais procurados. Entretanto, os de Estrela do Sul apresentam
uma maior variedade de destinos visitados e uma relação mais “cosmopolita”
em seu roteiro de viagens.
Analisando os roteiros das últimas viagens declaradas pela população
consultada de Grupiara (gráfico 8)
52
observamos a relação íntima dessas
viagens com a mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba (Monte
Carmelo, Uberlândia, Araguari, Estrela do Sul, Uberaba, rocmaria, Indianópolis
e Patrocínio) e também a relação mais direta da população consultada com
Monte Carmelo que com Estrela do Sul a qual é ligada com estrada asfaltada,
diferentemente da ligação Grupiara-Monte Carmelo que ainda é uma estrada
de chão batido, sendo a distância igual.
52
Do questionário aplicado, em Grupiara sobre o destino das três últimas visitações a passeio,
21 responderam Monte Carmelo, 20 responderam Uberlândia, 15 Araguari, 10 Estrela do Sul, 7
Brasília, 4 Santos, 2 Catalão e Indianópolis.
94
Gráfico 8: Grupiara: Destino das últimas viagens da população.2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Tal fato está intimamente relacionado ao pequeno comércio da cidade
de Grupiara e de certa maneira também o de Estrela do Sul. Assim, a
população de Grupiara elege a cidade de Monte Carmelo como destino maior
de realização de viagens de lazer e das compras de abastecimento alimentício
como pode ser demonstrado no gráfico 9
53
.
Gráfico 9: Grupiara: Onde (cidade) fazem as compras. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
A cidade de Cascalho Rico estabelece uma estreita ligação com as duas
cidades centralizadoras dos principais serviços da mesorregião (Uberlândia e
Araguari) e da microrregião (Monte Carmelo e Estrela do Sul). Além delas,
53
Em Grupiara 31 famílias fazem suas compras em Monte Carmelo, 18 em Grupiara e 1 em
Araguari.
95
pela facilidade e proximidade, as relações de visitação com o Estado de Goiás
são bem evidentes no gráfico 10
54
.
Gráfico 10: Cascalho Rico: Destino das últimas viagens da população. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Quando o assunto é a realização de compras, o município de Cascalho
Rico, comparando com o de Grupiara, oferece um serviço comercial melhor
equipado com a localização de alguns supermercados e várias mercearias.
Porém, as cidades de Araguari e Uberlândia ainda estão presentes no
cotidiano da população para seu abastecimento alimentício (gráfico 11)
55
.
Gráfico 11: Cascalho Rico: Onde (cidade) fazem as compras. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
54
Em Cascalho Rico, o destino das três últimas visitações a passeio são: 21 Uberlândia, 19
Araguari, 7 Caldas Novas, 6 Estrela do Sul e Monte Carmelo, 2 Catalão e Uberaba e 1
Capinópolis.
55
Em Cascalho Rico 28 famílias fazem suas compras em Cascalho Rico, 11 em Araguari e 2
em Uberlândia.
96
Assim como Cascalho Rico, Estrela do Sul estabelece uma estreita
relação com as duas cidades hegemônicas da microrregião, Uberlândia (mais
visitada) e Araguari (gráfico 12)
56
. Além disso, observamos uma relação
estreitra de visitação das pessoas consultadas com o entorno mesorregional e
microrregional (Uberlândia, Araguari, Monte Carmelo, Romaria, Uberaba,
Patrocínio e Nova Ponte). Contudo, temos de salientar que a cidade de Monte
Carmelo é o destino de parte da população que procura serviços e comércio de
média complexidade
57
.
Gráfico 12: Estrela do Sul: Destino das últimas viagens da população. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Todavia, observamos que a cidade de Estrela do Sul oferece uma gama
de oportunidades de prestação de serviços de baixa complexidade e
especialmente um leque maior de opções de supermercados (seis ao todo) e
56
Em Estrela do Sul, o destino das três últimas visitações da população foram: 38 Uberlândia,
18 Monte Carmelo, 14 Araguari, 13 Brasília, 9 Uberaba, 7 Belo Horizonte, 4 Goiânia, 2
Patrocínio, Nova Ponte,e outras cidades com 1 visitação.
57
Por média complexidade entendemos serviços que não exigem sofisticação tecnológica
como serviços médico-hospitalares, odontológicos, mecânicos, informáticos e de computação,
etc. E comércio também não sofisticados em diversas áreas como varejista e atacadista, o que
inclui vestuário, autopeças, etc.
97
mercearias, os quais permitem que a maior parte da população faça seu
abastecimento alimentício na própria cidade (gráfico 13)
58
.
Gráfico 13: Estrela do Sul: Onde (cidade) fazem as compras. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Mesmo com esta movimentação e circulação de pessoas, percebemos
que em sua maioria são realizações em nível micro e meso regional e as
relações estabelecidas são apenas pontuais e não raro esporadicamente
(gráfico 14)
59
. A freqüência de viagens da população que respondeu ao
questionamento se viajou a passeio nos últimos anos mostra tal afirmação.
Gráfico 14: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Viajou a passeio. Freqüência. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
58
Em Estrela do Sul as famílias realizam suas compras assim: 52 em Estrela do Sul, 6 em
Monte Carmelo, 3 em Araguari e 1 em Uberlândia.
59
Em relação à freqüência de viagens a passeio, as respostas foram: em Grupiara, 31
responderam raramente e 9 sempre; em Estrela do Sul, 40 responderam raramente e 17
sempre; em Cascalho Rico, 27 responderam viajar raramente e 6 sempre.
98
Assim, o que percebemos é que, tanto as viagens a passeio como as
para compras, são mais freqüentemente realizadas em nível meso e,
especialmente microrregionais, e as trocas de experiências dessa população
que viaja com outras realidades urbanas “diferentes” ficam muito pontuais e se
concretizam mesmo nas experiências intra-regionais. As viagens são, em sua
maioria, raras e, em grande medida, aliadas às realizações turistica e de lazer
com as de abastecimento alimentício e de vestuário das pessoas e das
famílias. As viagens extra regionais e de cunho nacional são ainda mais raras e
a eventualidade delas em acontecer são promovidas em grande medida por
excursões idealizadas por agentes promotores locais ou microrregionais.
Outra maneira que escolhemos para interpretar as relações da
população dessas três cidades com o mundo foi a forma como recebem as
informações do mundo global. A análise inicial foi estabelecida a partir da
pergunta sobre a maneira como a família e a pessoa entrevistada recebem as
informações do mundo a partir da leitura de jornais (gráfico 15)
60
.
Gráfico 15: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Lê jornal. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
O que percebemos é que em Cascalho Rico a leitura é mais significativa
em quantidade, contudo a maioria os jornais locais (informativos da
prefeitura e Jornal Rio das Pedras) e regionais (Diário de Araguari.), revelando
uma estreita relação entre a população que lê jornais com as notícias de
60
Em relação à leitura de jornais impressos, as respostas foram: em Grupiara, 29 responderam
não e 23 sim; em Estrela do Sul, 41 responderam sim e 39 não; em Cascalho Rico, 29
responderam sim e 13 não.
99
Araguari (Diário de Araguari), cidade hegemônica em sua rede urbana e de
relações pessoais e comerciais, como observado no gráfico 16:
Gráfico 16: Cascalho Rico: Lê jornal. Jornal. 2007.
Fonte.: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
.
Em Estrela do Sul a leitura de jornais pela população consultada
também é significativa, demonstra uma maior variedade de jornais e também
de opções de leitura regionais e nacionais, como visto no gráfico 17:
Gráfico 17: Estrela do Sul: Lê jornal. Jornal. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
100
em Grupiara a maioria da população consultada afirmou que não
nenhum tipo de jornal impresso (56%) e a população que afirmou ler algum
jornal possui uma relação mais estreita com as notícias do Estado de Minas
com as do município ou da região, pois na cidade não são produzidas
nenhuma publicação oficial ou privada e não circulam jornais regionais ou
microrregionais, como demonstrado no gráfico 18:
Gráfico 18: Grupiara: Lê jornal. Jornal. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
À exceção de parcela da população de Estrela do Sul, a maioria das
pessoas consultadas não está recebendo ou mesmo analisando as
informações nacionais e globais via jornal impresso.
Assim a televisão passa a ser o grande “porta voz” dos acontecimentos
globais e nacionais e estabelece uma estreita relação com o cotidiano das
populações da pequena cidade, corroborado pelos números apresentados nos
gráficos 19, 20 e 21:
101
Gráfico 19: Grupiara: Como tomam contato com as notícias do Brasil e do mundo. 2007.
0
10
20
30
40
50
60
Televisão dio Jornal
impresso
Internet Revista Outros
Total de questionários: 53
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Gráfico 20: Cascalho Rico: Como tomam contato com as notícias do Brasil e do mundo.
2007.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Televisão Rádio Internet Jornal impresso
Total de questionários: 41
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
102
Gráfico 21: Estrela do Sul: Como tomam contato com as notícias do Brasil e do mundo.
2007.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Televisão Rádio Internet Jornal
impresso
Revista
Total de questionários: 70
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
As antenas “normais” e as parabólicas simbolizam esta quase
onipresença da televisão no espaço das três pequenas cidades. Às vezes é
extremamente contrastante ao observarmos o estado precário das ruas e das
residências e as antenas ali presentes. A televisão, cada vez mais, é um
eletrodoméstico de primeira necessidade. É a “caixa mágica” que liga o homem
ao mundo.
O que percebemos é que as informações advindas de fontes impressas
são em sua maioria regionais e microrregionais, o que demonstra que a
realidade do diferente e das experiências outras, não chegam por este meio de
informação e de realização da comunicação. Assim, o “mundo” chega até a
maioria da população da pequena cidade via televisão, demarcando o que
Santos (2005) denomina de densidade informacional. Isto implica para Santos
(2005) uma densidade verticalizada e operada pelos atores globais e nacionais,
imbricadas pelas necessidades do capital e indiferentes aos anseios do local e
da pequena cidade.
103
Um outro recurso que escolhemos como maneira de aferir a relação
entre a população da pequena cidade e o mundo da globalização foi o
computador (gráfico 22)
61
e o acesso à internet.
Gráfico 22: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Possui computador pessoal. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
O que podemos constatar é que a grande maioria da população
consultada não possui computador pessoal; por extensão, outra pergunta sobre
o manuseio do computador que poderia ser em qualquer local público ou
privado (gráfico 23)
62
.
Gráfico 23: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Manuseou um computador. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
O melhor resultado obtido foi em Grupiara, porém quando esta
população que manuseou um computador é questionada sobre se
61
Em Grupiara 15 pessoas afirmaram possuir computador pessoal e 39 não; em Estrela do
Sul, 22 possuem e 48 não possuem; em Cascalho Rico, 9 possuem e 32 não possuem.
62
Em Grupiara 21 pessoas afirmaram já ter manuseado um computador e 21 não; em Estrela
do Sul, 22 sim 26 não; em Cascalho Rico, 15 possuem e 22 não possuem.
104
acessou a Internet, as respostas são desapontadoras, especialmente os
números de Cascalho Rico, como visto no gráfico 24
63
:
Gráfico 24: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Acesso a Internet. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Constatamos que a freqüência de acesso é também muito restrita
(gráfico 25). Os melhores números são os de Estrela do Sul devido ao maior
número de computadores pessoais e a presença de três “lan houses” na
cidade.
Gráfico 25: Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara: Acesso a Internet. Freqüência.
2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
63
Em Grupiara 26 pessoas afirmaram já ter acessado a internet e 27 não; em Estrela do Sul,
35 sim e35 não; em Cascalho Rico, 13 sim e 27 não.
105
Mesmo assim, quando analisamos a faixa etária daqueles que realizam
acesso à internet (gráfico 24) é mais comum na faixa etária da idade do
estudo,entre 16 e 24 anos, sendo nula na faixa etária acima dos 65 anos e
negativa também na faixa etária da idade do trabalho (gráficos 26 e 27)
64
.
Gráfico 26: Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico: Acesso a Internet. Idade: 16 a 24
anos. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Gráfico 27: Cascalho Rico, Estrela do Sul e Grupiara: Acesso a Internet. Idade: 25 a 64
anos. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
64
Sobre o acesso à internet entre a população da faixa etária de 16 a 24 anos, as respostas
foram: em Estrela do Sul, 18 responderam sim e 3 não; em Grupiara 14 sim e 2 não; em
Cascalho Rico, 4 sim e 3 o. Em relação à faixa etária de 25 a 64 anos, as respostas foram:
em Cascalho Rico, 9 sim e 20 o; em Estrela do Sul, 17 sim e 29 o; em Grupiara, 12 sim e
22 não.
106
Assim, percebemos que o acesso às informações existe, contudo este é
deficitário e excludente para a maioria da população. As viagens, a informação
via dados impressos e de telecomunicações e também o acesso à internet,
denotam que a sua existência se mostra apenas como possibilidade e não de
maneira plena e, como percebemos, não se demonstra como um fundamento
de primeira necessidade para a população consultada.
A partir dessas análises e constatações torna-se difícil a noção de plena
inserção da população desses municípios (via informação e trocas de
experiências) ao mundo global e moderno ou mesmo pós-moderno de maneira
plena e com paradigmas estabelecidos com a globalização modernizante deste
início de novo século.
A globalização e a modernidade explicitada na televisão não são
sentidas e nem mesmo vividas; desse modo o choque entre o “real” perpetrado
pelas imagens da televisão não é totalmente encontrado na realidade do
cotidiano da pequena cidade em que se vive, e as trocas de experiências não
são realizadas de modo pleno. Assim, a realidade da pequena cidade esconde
conflitos entre o “real/ideal” imposto pelas imagens da televisão do mundo
moderno e a realidade tacanha do cotidiano da pequena cidade. Estes
conflitos, que perpassam pelos aspectos psico-social e econômico, induzem a
uma realidade que toma contornos de fuga, da busca da modernidade
“vendida” pelas imagens da televisão.
Assim, com a televisão como veículo da modernidade, o que esta define
e potencializa como informação é o consumo. O consumo passa a ser a
medida da cidadania e a moeda de inclusão no mundo moderno e globalizado.
A pequena cidade não oferece estes “mundos” que são oferecidods pelas
imagens da televisão. O indivíduo apenas é completo se puder consumir. Na
pequena cidade ele é incompleto. A saída para parcela da população da
pequena cidade ainda é a da estação rodoviária, ou pelo menos o desejo dela.
Para corroborar tais afirmações consultamos a população dos três
municípios sobre a possibilidade de sua saída do município e os resultados
podem ser observados no gráfico 28
65
:
65
Sobre a pergunta se desejaria mudar de cidade, os resultados da consulta foram: em
Grupiara, 33 sim e 19 não; em Cascalho Rico, 27 não e 14 sim; em Estrela do Sul, 40 sim e 31
não.
107
Gráfico 28: Grupiara, Cascalho Rico e Estrela do Sul: Mudaria para outra cidade. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Percebemos que somente em Cascalho Rico o desejo não condiz com
nossa afirmação. E analisando a mesma pergunta por faixa etária,
demonstrado nos gráficos 29, 30 e 31
66
, percebemos que os números de
Cascalho Rico, sobre o desejo em permanecer em seu município, é mais
expressivo nas faixas etárias acima dos 25 anos. Tal fato não é corroborado
pela população mais jovem (entre 16 e 24 anos), que demonstra um desejo em
mudar de cidade, sentimento também compartilhado pelas populações mais
jovens dos outros dois municípios.
66
Em relação a esta pergunta por faixa etária, os resultados foram: na faixa etária de 16 a 24
anos, em Grupiara 13 sim e 3 não; em Cascalho Rico, 5 sim e 1 não; em Estrela do Sul, 16 sim
e 5 não. Na faixa etária de 25 a 64 anos, em Grupiara 20 sim e 14 não; em Cascalho Rico, 9
sim e 23 não; em Estrela do Sul, 23 sim e 24 não. Na faixa etária acima dos 65 anos, em
Grupiara 1 sim e 2 não; em Cascalho Rico 3 não; em Estrela do Sul, 2 não e 1 sim.
108
Gráfico 29: Grupiara, Cascalho Rico e Estrela do Sul: Mudaria para outra cidade. Idade:
16 a 24 anos. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Percebemos que na faixa de idade de 16 a 24 anos o descontentamento
com a pequena cidade fica mais evidente e até mesmo os bons números de
Cascalho Rico ficam, nesta faixa etária, altamente negativos. Contudo, quando
indagadas, a população da idade do trabalho, entre 25 e 64 anos (gráfico 30),
em Cascalho Rico e, relativamente, em Estrela do Sul demonstra o seu
contentamento com a cidade; realidade que não é demonstrada no município
de Grupiara. Esta realidade nos municípios de Estrela do Sul e de Cascalho
Rico está relacionada ao mundo do trabalho conquistado, da estabilidade de
moradia e de relações familiares consolidadas e mais presentes nesta faixa de
idade.
109
Gráfico 30: Cascalho Rico, Grupiara e Estrela do Sul: Mudaria para outra cidade. Idade:
25 a 64 anos. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Para a população consultada da faixa etária acima de 65 anos a
realidade da pequena cidade é deveras aprazível. Os destaques da pequena
cidade para esta faixa etária são a tranqüilidade, a família e as relações de
compadrio, juntamente com a qualidade ambiental. Os números referentes a
esta faixa etária relacionada à pergunta estão no gráfico 31:
Gráfico 31: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Mudaria para outra cidade. Idade:
acima de 65 anos. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
110
Nesta ótica, pudemos constatar (gráfico 32)
67
também que as mulheres
demonstraram uma vontade maior que os homens em mudar de realidade
mudando de cidade nos municípios de Grupiara e de Estrela do Sul. Contudo,
a população feminina consultada em Cascalho Rico não corrobora os números
dos outros dois municípios, demonstrando que a realidade da pequena
Cascalho Rico condiz com suas expectativas para a vida. Os homens de
Cascalho Rico e de Estrela do Sul, em sua maioria também não demonstraram
desejo em mudar de suas cidades, diferentemente dos residentes de Grupiara
que afirmaram, em sua maioria, querer mudar de cidade.
Gráfico 32: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Mudaria para outra cidade. Sexos.
2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Os números obtidos da população consultada que demonstraram o
desejo de mudar de cidade denotam uma afinidade com a modernidade
exteriorizada e expressa como possível em outras cidades. Um sentimento de
que esta somente poderá ser alcançada em outra realidade, em outra cidade;
67
Nessa pergunta dividida por gênero, obtivemos os seguintes resultados: em Grupiara as
mulheres respoderam 18 sim e 4 o e os homens, 17 sim e 15 não; em Estrela do Sul, as
mulheres responderam 10 sim e 7 não e os homens, 20 sim e 21 não. Em Cascalho Rico, as
mulheres responderam 7 sim e 24 não e os homens, 7 sim e 15 não.
111
pelo menos foi o que constatamos para os municípios de Estrela do Sul e
especialmente em Grupiara e, em menor escala, em Cascalho Rico.
Sentimento praticamente onipresente na população mais jovem. Essa
“vontade” de mudança quando exteriorizada se faz, de preferência para as
médias cidades da própria região do Triângulo Mineiro (Uberlândia e Araguari
para os residentes em Grupiara e Cascalho Rico e Uberlândia para os de
Estrela do Sul) e também para as grandes cidades do Brasil. Esta situação fica
evidente nas respostas dos que afirmaram sentir vontade em residir em outras
cidades observadas nos gráficos 33, 34 e 35:
Gráfico 33: Cascalho Rico: Cidade que mudaria. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Gráfico 34: Grupiara: Cidade que mudaria. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
112
Gráfico 35: Estrela do Sul: Cidade que mudaria. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Situação interessante que podemos analisar como sendo fruto da pouca
interação dessas populações com jornais de grande circulação, acesso
ineficiente à internet, viagens circunscritas e raras em nível microrregional, que
criaram uma situação em que a sua cidade não lhe oferece oportunidades de
um mundo moderno, contudo cidades da mesma região (Triângulo Mineiro),
por serem maiores, podem lhe oferecer! Uberlândia e Araguari são, para estas
populações consultadas, o sinônimo de esperança e de acesso ao mundo
vendido nas imagens da televisão.
A exteriorização dos problemas a partir de soluções para os dilemas
pessoais apenas mudando de cidade parece ser um “caminho” para uma parte
da população da pequena cidade, especialmente para aquelas que foram
consultadas em nossa pesquisa nos municípios de Estrela do Sul e Grupiara,
ficando apenas as populações jovens de Cascalho Rico neste conjunto. As
frustrações derivadas da impossibilidade da modernidade plena, que parece
ser possível e onipresente apenas nos centros urbanos maiores, parecem um
encanto, especialmente para as populações mais jovens e para a população
feminina. O contrário é visível para a população mais idosa. Para estes, a
pequena cidade é aprazível e exerce o fascínio pela tranqüilidade. Nisto fica
estabelecido um conflito. Um paradoxo é criado nestas oposições de
sentimentos acerca da realidade da pequena cidade.
113
A dinâmica social é, neste sentido, um dos grandes desafios da
sustentabilidade sócio/político/econômico/ambiental da pequena cidade.
Conciliar ou mesmo romper com esta maneira paradoxal de se encarar o
“mundo” da pequena cidade a partir de suas próprias condições e situações é o
desafio maior.
Um aspecto importante a ser observado na pequena cidade é que a
maneira difusa com que a globalização a alcança estabelece social e
politicamente uma crise de valores (éticos e morais) e de adequação sócio-
institucional frente ao papel do Estado. Parte ou toda a razão da crise
estabelecida nos pequenos municípios fundamenta-se na complexidade do
hoje. Vivemos uma fase de transição em que o urbano avança sobre o campo,
rompendo com a dicotômica divisão cidade/campo criada a expensas do
capitalismo industrial e monopolista.
Esta cisão campo/cidade garantia a estabilidade ao sistema. Quando o
urbano amalgama os espaços de maneira pida, é como se o espaço
municipal fosse desestruturado em sua forma para nascer outra mais
homogênea. Com isso, as relações produtivo-sociais no campo são
“urbanizadas” de maneira rápida e impositiva. São leis gerais das quais
dependem a vida e todo sucesso e progresso sócio-econômico das populações
rurais. Portanto, sob a ótica da crise estabelecida, o processo representa uma
transição esfaceladora e psico-ideológica para os habitantes desses
municípios.
O que se percebe é que, ao se desligar a televisão, a ficção da
modernidade vendida acaba e a realidade toma conta. O tempo lento fala mais
alto nestes municípios, as ruas desertas do meio de semana e as “casas
acesas” são o constante dessas localidades. Aquilo que a caixa mágica da
televisão mostra não se fora da porta de entrada do domicílio. A contradição
se estabelece entre o que é real e o ficcional do mundo atual. E o “efeito
mágico” toma conta da noite da moradia e somente é quebrado ao raiar do dia.
Porém, o cotidiano é opressor e a vida do mundo cosmopolita e do urbano
televisivo não se traduz em real. São cidades tristes
68
.
68
Sobre este assunto as análises de Prado (1996) o contundentes e também
esclarecedoras.
114
Para as populações mais jovens é determinado como tédio, para os
mais velhos é tranqüilidade. Os dias de festa o a quebra desta rotina. Mas
como romper com o sentimento de cidadão do mundo de segunda classe?
Como realizar algo o intangível? Uma resposta a estes anseios de grande
parcela das populações de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico, é vista
como possibilidade a partir do Estado na figura da prefeitura. Assim, das várias
formas e maneiras de se encarar a dicotômica existência das populações
residentes no seio dos municípios que encerram pequenas cidades, o papel da
administração pública torna-se preponderante e muitas vezes uma “saída” para
as crises sócio/psicológicas impostas pelo mundo globalizado nestas
localidades.
2.2 - A FACE DA “NOVA ORDEM” DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO
PERÍODO TÉCNICO CIENTÍFICO INFORMACIONAL
O volume de informações e o grau de penetração do modelo urbano de
existência e a pontualidade dos processos gerais da globalização podem ser
mais sentidos nas pequenas cidades, especialmente, da região centro-sul, pois
em outras regiões do Brasil tal fato é ainda incipiente
69
. Residir no campo, na
maioria dos casos, é apenas uma noção locacional, visto que os lugares
estabelecem prioridades urbanas em detrimento do antigo modo de vida rural.
Com isso, o modo de vida rural ou mesmo a vida rural” permanece como
arquétipo do que realmente representa. As necessidades do mundo
contemporâneo chegam ao campo com as antenas parabólicas e o rádio
digital; e as relações mais explícitas e diretas do campo/rural se transformam e
se “urbanizam”.
A dicotomia campo/cidade presente nas fases anteriores do capitalismo
é dissolvida e não existe em determinadas regiões do Brasil, como nos casos
exemplificados pelos municípios de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico.
Tal processo de dissolução, além de rápido é complexo. Estabelece então
uma crise psico-ideológica tanto nos residentes do campo modificado como
também na maioria da população das pequenas cidades. A sensação de não
69
Sobre assunto ver Gomes, Silva e da Silva 2007 e 2003.
115
pertencimento, de vagar no campo existencial é algo presente e sentido pelos
“forasteiros”. O deslocamento temporal em que parte das pessoas vagam
somente não é maior que o sentimento de pertencer à situação de pessoas de
“segunda categoria”, imposta pela maneira na qual a modernidade se instala
nesses espaços. Estas pessoas não pertencem ou não se vêem pertencer ao
mundo representado nas telas da televisão e nas páginas dos jornais e
revistas.
A fusão campo/cidade realizada pelo modo de vida urbano cria a
confusão da alienação, do sentimento de rejeição e impotência, o sentimento
da exclusão total de um mundo dicotômico, porém “organizado”, cartesiano,
concreto. Parte da população da pequena cidade é refém de um mundo em
transição em que o urbano é o real, mas inatingível em muitos casos. É um
mundo necessário e correto, inacessível na maioria das vezes, daí o
sentimento de impotência. Diante desses fatos podemos entender o alto grau
de isolamento de alguns, do alcoolismo e do suicídio de outros.
A modernidade chega difusa (e confusa) nestes rincões urbanos
exemplificados pelas pequenas cidades de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho
Rico. Essa forma de modernidade é “assimilada” de maneira tangencial pela
administração pública da pequena idade. Os ranços históricos ibéricos que
impregnam a administração pública contemporânea da pequena cidade
absorvem somente aquilo que lhe é satisfatório ou que lhe é forçado pela lei.
No mais, o gerenciamento público ainda é à moda tradicional e assim torna-se
caótico. Em verdade é uma camisa de força que “oprime” a administração
pública, arraigada no modo de fazer política como no período do Brasil colônia
e na velha república.
O modo de fazer o urbano, calcado na ótica lusitana, sem muito apreço
ao planejamento, no comum apadrinhamento político, nas noções de
compadrio, nas relações de amizade, nos laços familiares que levam ao
máximo a lógica do nepotismo, na relação direta com o patrimonialismo e nas
relações difusas de poder, são resquícios mais que suficientes para a
compreensão de que, nas pequenas cidades o modo de se fazer política e de
administração pública choca-se com a modernidade (aqui vista como sinônimo
de globalização).
116
Fazer política e administrar o bem público na modernidade passa pelos
conceitos contemporâneos de administração do Estado como se administra
empresas. Tal modernidade é, assim, fundamentalmente calcada nos conceitos
de administração pública definidos sob a ótica anglo-saxã. A globalização
anglo-saxã denota a “vitória” não somente do modo de produção capitalista,
mas também do modo de administração inferido por ela. Os desdobramentos
das reformas propostas na década de 1980 na Inglaterra e nos EUA podem ser
vistos claramente nos países do terceiro mundo na década de 1990 e neste
início de século e milênio. São propostas primidas no modelo do Estado
mínimo que consolida as teses neoliberais preconizadas pela ótica da
globalização anglo-saxã
70
.
Tais propostas têm como resultado uma tempestade de incoerências e
de choques na administração da pequena cidade. Estas são obrigadas pelas
leis e regulamentações do Estado, a Constituição Federal, principalmente, a
qual se fundamenta essencialmente nas bases da globalização dominante,
produzindo um redemoinho de situações anacrônicas. É a crise das pequenas
cidades. Estas estão numa verdadeira ciranda de transições. O confronto entre
o moderno (modo de administração pública) e o usual, calcado em relações
históricas de se fazer o político e o administrativo arraigado na herança, ainda
muito presente, do modo lusitano do fazer urbano.
A gênese do trauma ou conflito acontece a partir da década de 1970 no
bojo de profundas transformações representadas pela Terceira Revolução
Industrial ou também denominado período técnico cientifico informacional. As
transformações globais imprimem, invariavelmente, críticas ao papel e tamanho
do Estado, que nestes tempos de globalização/modernidade elegem tais
críticas e alguns oráculos acadêmicos como porta-voz dessas contestações ou
mesmo de pregação de mundo capitalista com tendências neoliberais.
Contudo, tais rumos podem não ser onipresenças nos vários segmentos
sociais que são “bombardeados” por esta “nova” lógica. Dos vários conflitos
estabelecidos a partir do momento singular da máxima mundialização das
relações humanas, uma nos é seriamente própria: a maneira de administrar a
cidade.
70
Sobre este assunto ver Dussel (1993).
117
As várias maneiras de se fazer a espacialidade e o social urbano através
da administração pública sofreram e sofrem diversas críticas e óticas, porém as
que mais chamam a atenção são aquelas que entendem o urbano como
prolongamento das empresas e assim a cidade e o Estado, como agente
organizador e controlador da administração direta, são encarados como
prolongamento de um empreendimento gerencialmente possível a partir dos
desígnios do capital. Não mais como o capital de maneira implícita e indireta.
Agora, o capital é o vencedor e como tal deve ser o modelo de organização da
administração pública, a cidade deve dar lucro!
71
E para tanto sua
administração deve ser racional e produtivista, maximizando o espaço urbano
para o capital. Segundo Oliveira (1999, p. 147):
De acordo com David Harvey (1996), o amplo consenso entre os
governos locais de diferentes orientações políticas de que as cidades
devem ter uma gestão empresarial teria se firmado definitivamente no
início da década de 1980. Essa mudança na administração pública seria
relacionada à recessão de 1973 e à desindustrialização, desemprego e
crise fiscal, aos quais Harvey acrescenta uma forte onda de
neoconservadorismo, em que os investimentos tornariam cada vez mais
a forma de uma negociação entre capital financeiro internacional e os
poderes locais, os quais fazem o melhor possível para maximizar a
atratividade local para o desenvolvimento capitalista”.
Ainda assim, a cidade contemporânea, moderna e capitalista, deve ser o
produto cartesiano/lugar da reprodução do capital. Ordenada e ordeira. Regular
e atrativa. Cosmopolita e, acima de tudo, competitiva. É este processo último
que faz a diferença nestes tempos de modernidade capitalista anglo-saxão:
competitividade. As cidades são coisificadas como pessoas, como sujeito. A
coisificação
72
opõe a cidade X contra todas as outras Y´s. A coisificação torna a
cidade da modernidade um ser, quase humano, ao opor umas às outras em
suas potencialidades (atratividades), elevando as conotações das cidades
estado do renascimento a meros coadjuvantes históricos. Na atualidade
moderna e contemporânea todas as cidades capitalistas têm que ser
obrigatoriamente competitivas entre si, e assim em certa medida algumas são
71
Sobre este assunto Souza (2003, p. 164-165) estabelece uma interessante discussão.
72
A criação desta ilusão é um produto de marketing capitalista de certa forma eficiente do
ponto de vista ideológico e financeiro. Contudo, as cidades parecem ter vida própria o que
Marx (Vol. I do Capital) denomina de fetichização. As cidades não podem ser coisificadas como
pessoas que o processo é de impessoalização, estas deixam de ser sujeitos, porém na
racionalização capitalista estas se tornam fetiche em que coisas parecem pessoas, processo
análogo ao fetiche da mercadoria (Vol. I do Capital). Sobre este assunto consultar Hussain et al
(1980).
118
cidades-estado, representando apenas modelos inacabados para esta nova
ótica do capitalismo anglo-saxão num sentido antiquado em suas contendas,
lembrando cidades-estado renascentistas.
Para as disputas do hoje moderno urbano anglo-saxão as disputas são
totais e globais. Todas contra todas. E como estas cidades se preparam para
este mundo “competitivo” e moderno? Especialmente transferindo o mundo das
empresas para a administração pública e também transferindo a ótica do
capitalismo gerencial para as organizações blicas. São antes de qualquer
coisa visões que se transformam em “inevitáveis” para a nova realidade do
capital e do mundo moderno e da modernidade urbana anglo-saxã. Segundo
Oliveira (1999, p. 146):
Essa tendência de renovação da gestão local, chamada de
empreendedorismo competitivo, empresariamento urbano, urbanismo de
resultados ou outro rótulo que identifique uma gestão em que uma
variante de algum modelo de planejamento estratégico de empresas é
traduzido e adaptado para a administração pública, costuma enfatizar um
“novo papel” das cidades (“protagonistas” da nossa época, segundo
Jordi Borja e Manuel de Forn, 1996) e a competição interurbana,
qualificada não exatamente como necessária, antes como inevitável para
a sobrevivência das grandes cidades.
O mundo da “nova ordem” da administração pública capitalista fez
também, além do ideário neoconservador um modelo, um verdadeiro index
daquilo que seria não grato no novo mundo: a politização das relações urbanas
especialmente no modo de administração (ou gerenciamento) das cidades do
mundo da modernidade e do urbano contemporâneo. E, para tanto, a literatura
de administração de empresas é postulado nestes tempos como bíblias para a
nova ordem do urbano contemporâneo. Segundo Oliveira (1999, p. 146):
Essa representação da cidade contemporânea trouxe a literatura de
administração de empresas para o centro da discussão da questão
urbana, provocando uma revisão de conceitos e uma alteração nas
práticas dos planejadores operacionais. Se, por um lado, a emergência
de “gerentes urbanos” especialistas na aplicação de metodologias de
planejamento estratégico empresarial traduzidas para as cidades possa
ter tido a oposição de alguns planejadores que recusavam os novos
métodos, por outro, o planejamento estratégico parece ter reavivado o
planejamento urbano. Criticado seja pela imposição autoritária de
modelos abrangentes seja em nome da liberdade de manifestação da
eficiência do mercado, o planejamento urbano é recuperado com uma
nova roupagem e torna-se pragmático e “realista”.
Dessa citação podemos retirar três importantes constatações: as
diversas novas fórmulas de administração da cidade, da, quais a do
119
planejamento estratégico é apenas uma, versam quase todas, sobre um
denominador comum: a tentativa de despolitização da administração publica
73
e a maneira de encarar o planejamento urbano; a revigorada e reformulada
geografia do planejamento urbano; a resistência ou oposição a estas novas
metodologias de administração pública.
2.3 AS CRISES INTERNAS DO PROCESSO CAPITALISTA NA DÉCADA
DE 1970 E A GÊNESE DO MOVIMENTO GERENCIALISTA NA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
É no bojo das crises que se instauram as mudanças e transformações
da sociedade. A partir da década de 1970, no limiar da Terceira Revolução
Industrial, período técnico cientifico informacional, três importante fatores
determinaram uma profunda revisão do papel do Estado e da administração
pública: a crise fiscal passada pelos Estados nacionais, determinada pela crise
do petróleo e aumento dos juros internacionais; a crise\decadência do Estado
do Bem Estar Social europeu, determinada pelo enorme endividamento interno
de várias economias do velho continente; a intensa e progressiva onda de
cidadania imposta pela maior democratização das sociedades e pelas
organizações sociais no mundo todo exigindo maiores conquistas sociais para
a população de vários paises centrais e semiperiféricos. Segundo Torres (2004,
p. 29):
Assim, desde o final do século passado, o tema da reforma do Estado e
da administração pública entrou na agenda política de vários países.
Para uma adequada abordagem do problema, a relação entre
democracia e burocracia estatal não pode deixar de ser destacada, como
infelizmente tem acontecido com freqüência nas melhores análises sobre
o assunto. Em geral, tem-se dito que a crise fiscal do Estado
contemporâneo subsidiou todo o processo de reforma da administração
pública, principalmente a partir da ascensão de Margaret Thatcher na
Inglaterra, em 1979, e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, no início
dos anos 1980, o que nos parece uma explicação parcial e incompleta
desse complexo problema. Pouca relevância tem sido dada ao fato de
que a reforma do Estado e a melhoria dos padrões de desempenho da
administração pública são frutos da evolução da própria noção de
cidadania, que exige do Estado uma prestação de mais e melhores
serviços públicos. Dessa forma, seria mais apropriado entender o atual
processo de reforma do Estado como a conseqüência natural da pressão
que a operação do regime democrático gera sobre a administração
pública.
73
Despolitização da administração pública como tentativa de esvaziamento dos componentes
conflitivos da gestão pública.
120
As duas primeiras visões sobre o Estado possuem nitidamente cunho
liberal e neoliberalizante e são justificativas para a proposta da redução do
Estado na economia, enquanto a última é a tentativa de explicação da efetiva
participação do Estado na luta para assegurar os ganhos da sociedade
moderna e do papel central do Estado nestes ganhos (derivada da maciça
urbanização e revolução no campo com a modernização agrícola). Segundo
Torres (2004, p. 36):
A ênfase modernizadora é fruto também e principalmente da relação
entre burocracia e democracia... a cada estágio mais elevado da noção
de cidadania, as cobranças da sociedade por serviços públicos melhores
e mais eficientes se intensificam. Não basta mais desempenhar uma
quantidade enorme de atribuições sociais, é preciso atender com
eficiência, economicidade e agilidade o cidadão\eleitor, que cada vez
mais exige uma administração pública à altura de suas importantes
responsabilidades sociais.
Esta maior eficiência do Estado por pressões do cidadão/eleitor respalda
em parte as justificativas de um Estado mínimo. São justificativas altamente
conflitantes, porém denotam um ponto de vista comum: a discussão do papel
do Estado
74
em seus mais diferentes níveis, especialmente no que se refere à
esfera da administração pública direta: da união, dos estados e dos municípios.
As duas primeiras refletem uma noção anterior ao processo produtivo-
econômico keynesiano de participação mínima do estado na economia e a
última uma clara versão contrária ao processo neoliberal implícito nas
primeiras, justificando a importância de um Estado mais atuante e exercendo
um papel central na manutenção e ampliação dos ganhos sociais obtidos em
décadas de lutas sociais nos países centrais e semiperiféricos. Segundo Torres
(2004, p. 29):
Analisando o problema por essa perspectiva, é inegável que boa parte
do esforço de reforma administrativa que aposta na redução do aparelho
de Estado está absolutamente fora de foco, uma vez que não caso
histórico de sociedades que defendam ou busquem abertamente a
redução de seus direitos sociais e a diminuição dos atuais veis de bem
estar social.
74
Para Paula (2005, p. 27): “No contexto da crise do Estado, essas visões se somaram ao
movimento gerencialista, resultando em uma abordagem de reforma e gestão do Estado que
ficou conhecida como nova administração pública e que se caracteriza por ter transformado as
idéias, os valores e as práticas cultivados no domínio da administração de empresas em um
referencial para o setor público.”
121
No turbilhão de idéias sobre a atuação do Estado frente às crises
advindas dos choques do petróleo e da imensa dívida interna provocada em
países europeus do welfare state”
75
, se junta também a ascensão econômica
dos paises do sudeste asiático, denominados NIC’s e, especialmente, o
volumoso e rápido desenvolvimento da economia do Japão
76
. Especialmente o
intenso crescimento produtivo e orgazacional da economia japonesa em que o
modelo toyotista ganha foro de sistema produtivo e organizacional eficiente e
responsável direto pelo crescimento vertiginoso do Japão a partir da década de
1970 e, fundamentalmente, no pós década de 1980. Sobre o toyotismo Paula
(2005, p. 59) afirma que:
O toyotismo se caracteriza pela oposição à massificação fordista: seus
métodos possibilitam uma reprodução vinculada à demanda,
individualizada, variada e heterogênea, em outras palavras,
suficientemente flexível para atender às novas necessidades produtivas,
tecnológicas e mercadológicas. Valendo-se de novas tecnologias
organizativas situadas no âmbito da filosofia just-in-time de
gerenciamento, o toyotismo conseguiu se legitimar como um meio de
tornar os processos mais eficientes e produtivos, além de aumentar a
qualidade e reduzir o preço dos produtos.
Crise do modelo produtivo e administrativo ocidental e ascensão do
modelo oriental de produção “just in time”, são dois combustíveis (e não únicos)
para uma nova maneira de relacionamento do Estado e a sociedade no
ocidente capitalista capitaneado pelos Estados Unidos. As respostas
econômicas e macroeconômicas não respondiam a contento e a política
keynesiana o surtia mais efeitos práticos no controle inflacionário,
desemprego e na estabilização das economias ocidentais. Nos dizeres de
Singer (2003, p. 112):
75
Segundo Torres (2004, p. 28): “Com o início da recessão e a queda na arrecadação de
impostos que sustentava todo o processo de distribuição de renda através do welfare state, a
administração pública sofreu as conseqüências da profunda crise fiscal que se abateu sobre os
países em várias partes do mundo.”
76
Segundo Silva (2007, p.8): “O período de fausto do capitalismo congrega-se aos benefícios
do Welfare State e uma euforia econômica para as classes medias, principalmente. Um
período que vai da cada de 40 a cada de 80, donde o ressurgimento dos paradigmas
conceituais e da capacidade articuladora das massas. Este tempo durou pouco. A mão de
Margareth Tatcher e a aura de Ronald Reagan fariam tremer as bases do mundo conhecido
pelo amplo poder dado aos cães famigerados, que outrora ladravam contra as classes
menores e fustigavam suas conquistas trabalhistas. Os fariseus do capitalismo incoerentes em
sua sustentação teórica do retorno da mão invisível’ e da ordem espontânea de mercado:
Milton Friedman e Frederich Von Hayeck. Os grandes usurpadores do alcance incondicional da
justiça social e das capacidades de produção ainda em equilíbrio com as demandas do mundo
do trabalho. A nova ordem seria instaurada pelo desmantelamento do Trade Union inglês e
pela nova postura trabalhista: o toyotismo”.
122
Nas duas últimas cadas do século XX, o cenário político-econômico
mundial sofreu nova e surpreendente mudança. O paradigma
keynesiano foi substituído por outro, o monetarista, que restaurou
crenças liberais que haviam sido dominantes até a década de 1930.
Voltou a prevalecer a idéia de que os mercados se equilibram em pleno
emprego, que as pessoas sem trabalho se encontram voluntariamente
nessa situação porque não aceitam a remuneração oferecida pelo
mercado de trabalho
A ascensão do ideário anti-keynesiano, especialmente na Inglaterra e
nos Estados Unidos, foi, em alguns casos, prontamente seguido por vários
países como alternativa concreta para retomada do crescimento econômico e
controle da crise fiscal e inflacionária das décadas de 1970 e 1980. Segundo
Habermas (1987, p. 110):
O neoconservadorismo encontra-se em ascensão. Ele também orientou
a sociedade industrial, mas manifesta-se decididamente crítico do
Estado social. A administração Reagan e o governo de Margaret
Thatcher tomaram posse em seu nome; o governo conservador da
República Federal vai em linha semelhante. O neoconservadorismo
caracteriza-se substancialmente por três componentes. Primeiro, uma
política econômica orientada pela oferta deve aperfeiçoar as condições
de valorização do capital e pôr o processo de acumulação novamente
em movimento. Ela tolera uma taxa de desemprego relativamente alta e,
segundo a intenção, apenas transitória. A redistribuição da renda
sobrecarrega como provam as estatísticas nos EUA os grupos da
população mais pobre, enquanto apenas os grandes proprietários de
capital conseguem nítidas melhorias de renda. De mãos dadas com isso
vem uma clara limitação dos serviços do Estado social. Segundo, os
custos de legitimação do sistema político devem ser reduzidos. "Inflação
de reivindicações" e "ingovernabilidade" são termos-chave de uma
política que aponta para uma efetiva separação entre a administração e
a formação blica da vontade. Nesse contexto, fomentam-se
tendências neocorporativas, isto é, a ativação do potencial de direção
não estatal das grandes associações, em primeiro lugar das
organizações empresariais e dos sindicatos. A transferência de
competências parlamentares normativamente regulamentadas para
sistemas de negociação que meramente funcionam faz do Estado um
parceiro de negociação entre outros. Esse deslocamento da
competência para o interior da zona cinzenta do neocorporativismo retira
cada vez mais os temas sociais de um modo de decisão que segundo
normas constitucionais está obrigado a considerar equanimemente todos
os interesses afetados em cada oportunidade. Terceiro, a política cultural
recebe a incumbência de operar em duas frentes. De um lado, ela deve
desacreditar os intelectuais como um estrato do modernismo a um
tempo ávido de poder e improdutivo, uma vez que valores pós-materiais
— sobretudo as necessidades expressivas de auto-realização e os juízos
críticos da moral de um Iluminismo universalista são considerados
como ameaça às bases motivacionais de uma ordenada sociedade do
trabalho e da esfera pública despolitizada. De outro lado, a cultura
tradicional deve ser fomentada, isto é, devem ser fomentadas as forças
agregadoras da moralidade convencional, do patriotismo, da religião
burguesa e da cultura popular. Essas forças estão aí com o fito de
compensar a esfera da vida privada das cargas pessoais e para
acolchoá-la contra a pressão da sociedade concorrencial e de
modernização acelerada.
123
No Brasil este receituário chegou apenas” na década de 1990, uma
relação tardia, porém vigorosa no controle da crise interna, da alta inflacionária
e redução da produção interna.
Nos países centrais as políticas neoconservadoras e liberais assumem o
controle do jogo econômico e macroeconômico
77
com respaldo avassalador do
ponto de vista político, pois seus personagens maiores e expoentes políticos
galgam os postos políticos mais importantes dos países centrais. Os
monetaristas mundiais passam a dar as cartas nos organismos supranacionais
e também no sistema bancário. Especialmente os bancos centrais da Inglaterra
e dos Estados Unidos formam o foco central da política econômica desses
Estados, forçando adesões em nível global. Atrelada à economia liberal surgem
os movimentos de administração pública espelhados nas novas articulações
produtivas e especialmente gerenciais do mundo empresarial neste cenário pós
fordista e pós keynesiano.
Para Paula (2005, p. 56) a adoção do gerencialismo em estilo oriental
(japonês fundamentalmente) foi uma necessidade para solucionar em parte a
crise produtiva e a falta de competitividade das empresas ocidentais.
Esse movimento, que ajudou amoldar a cultura administrativa através de
um enfoque empreendedorista, emergiu nos anos 1950, mas adquiriu
densidade com a ascensão do neoconservadorismo. De um modo geral,
o gerencialismo se baseia nas seguintes crenças: o progresso social
ocorre pelos contínuos aumentos na produtividade econômica; a
produtividade aumenta principalmente através da aplicação de
tecnologias cada vez mais sofisticadas de organização e informação; a
aplicação das tecnologias se realiza por meio de uma força de trabalho
disciplinada segundo o ideal da produtividade; o management
desempenha um papel crucial no planejamento e na implementação das
melhorias necessárias à produtividade; os gerentes têm o direito de
administrar.
A cultura do gerenciamento e as diversas teorias e escolas liberais e
neoconservadoras emergem e espalham-se em diversos paises e instituições.
Ainda segundo Paula (2005, p. 43):
Assim, do mesmo modo que Keynes ofereceu alternativas para a crise
do liberalismo, os neoliberais apontaram saídas para a crise do
77
Segundo Paula (2005, p. 41): “Os movimentos neoconservadores também foram marcados
pela reconfiguração dos países ocidentais diante da reestruturação produtiva e do processo de
globalização. Dois fenômenos auxiliaram na consolidação de tais movimentos: a crise do
fordismo e da socialdemocracia e a renascença do empreendedorismo de inspiração
vitoriana.”.
124
keynesianismo e tornaram suas idéias aceitáveis. O caso britânico é
bastante elucidativo dessas transformações: a ascensão do Partido
Conservador foi acompanhada pelo declínio do sindicalismo e o
neoconservadorismo de Thatcher consolidou uma nova agenda para o
mundo do trabalho baseada na desregulamentação da legislação
trabalhista e na flexibilização dos direitos sociais. Essas transformações
se desenrolaram durante a década de 1980, entrelaçando-se à “nova
cultura gerencial” que passou a dominar os Estados Unidos e a Europa.
Emergiram então as esperadas soluções pós-fordistas para o mundo do
trabalho, que desencadearam o enxugamento das empresas, o
crescimento das pequenas unidades produtivas, a formatação de
contratos flexíveis e part-time de trabalho. Paralelamente, também
ocorreu a proliferação de business schools e a disseminação de
“panacéias” gerenciais como a reengenharia, a administração da
qualidade total e a administração participativa, entre outras.
Assim, as formulações das políticas neoliberais têm sua máxima
expressão nos aspectos da implementação de políticas econômicas e
macroeconômicas e também em sua vertente gerencial na administração
pública. A mundialização de tais formulações ganha dinamismo a partir do
aprofundamento da globalização nas décadas finais do século XX e
especialmente neste novo século. A globalização e a mundialização leva
consigo o lastro de políticas de cunho neoliberal de origem anglo-saxão que
impõe um modelo “vitorioso” da economia sobre o social, da economia das
empresas vitoriosas do final do século XX que ou se ergueram sob as cinzas
da segunda guerra mundial (caso especialmente do Japão e do sudeste
asiático) e aquelas que conseguiram sair vencedoras da competição acirrada
da década de 1980 (estadudinenses e européias).
A globalização ou mesmo o aprofundamento desse processo reflete os
ganhos e a vitória do capitalismo sobre seus principais “oponentes” produtivos.
A disseminação do (neo) liberalismo e das novas maneiras de administração
pública são a demonstração da força e vitalidade do capital frente às suas
próprias crises, pois sai fortalecido como nunca antes o fora em sua história.
Para Singer (2003, p. 112):
Quando Friedman expôs essas idéias na cada de 1960, muito poucos
as levaram a sério. Mas, na década seguinte, os dois choques do
petróleo e o aumento da especulação financeira internacional produziram
um novo tipo de conjuntura: a estagflação, combinação de estagnação
econômica com inflação elevada e renitente. A aplicação da política
keynesiana não surtia os efeitos almejados – lançar a economia em
recessão o eliminava a inflação e o monetarismo começou a ganhar
adeptos. Com a eleição de Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha, em
1979, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, no ano seguinte, a
nova doutrina econômica encontrou o seu veículo, o neoliberalismo, que
em breve se tornou a nova ortodoxia.
125
2.3.1 - A NOVA MANEIRA DE ADMINISTRAR A CIDADE: A TENTATIVA DE
DESPOLITIZAÇÃO IMPOSTA PELO DISCURSO NEOLIBERAL
O aprofundamento do pensamento e das políticas neoliberais em vários
países capitalistas do mundo, leva consigo uma miríade de gurus e fórmulas de
administração pública e de gerenciamento do aparelho do Estado. Contudo, em
várias destas “fórmulas” o discurso neoliberal preconiza a redução do estado
na economia e na sociedade e esconde um fato mais importante e perigoso: a
tentativa de despolitização do processo de administração do bem blico
78
. E
mais perigoso ainda quando tal discurso vem revestido com outro de
modernidade. A tentativa de simbiose entre globalização-despolitização-
modernidade é temerária devido a fatores que transcendem a simples
constatação de que políticas neoliberais são constantemente rotuladas de
eficientes. Porém, um dado quase sempre passa despercebido: a tentativa de
despolitizar pelo discurso neoliberal quando o assunto é a administração do
bem público. Sobre este assunto Paula (2005, p. 22) argumenta que:
...Uma vez que a administração de empresas assumiu uma posição
hegemônica na produção do conhecimento administrativo, a
administração pública vem se mantendo subordinada aos seus princípios
e recomendações. No entanto, posto que a gestão do setor privado se
volta predominantemente para os resultados, a democratização e o
interesse público acabam perdendo terreno para a eficiência técnica.
Logo, este caráter subsidiário da administração pública dificulta o
desenvolvimento de um saber técnico que seja adequado às suas
especificidades e que também contemple os aspectos políticos.
Na administração pública “moderna”, forjada nos auspícios das
transformações capitalistas das últimas décadas e na eficiência das empresas
capitalistas modernas (ocidentais e orientais), o discurso da eficiência e dos
resultados vem sempre aliado ao vetor da despolitização e conjuga burocracia
com retrocesso e inoperância. Assim, a vertente da nova administração pública
moderna tenta transcender abruptamente o social para se pautar no aspecto
técnico calcado nas experiências da administração de empresas, sendo
conhecida como administração pública gerencial. Para Paula (2005, p. 22):
78
Para Paula (2005, p. 54): “...o gerencialismo contribuiu para esvaziar as práticas
neoconservadoras de sua substância política original, pois atribuiu às medidas de reforma um
verniz de eficiência e significados aparentemente progressistas como excelência, renovação,
modernização e empreendedorismo.”
126
Em alguns países, durante boa parte do século XX, a busca de uma
diferenciação entre a gestão empresarial e a pública esteve presente nos
domínios acadêmicos e governamentais. Entretanto, a partir da década
de 1970, a tentativa de adaptar e transferir os conhecimentos gerenciais
desenvolvidos no setor privado para o setor público começou a se tornar
preponderante, principalmente no Reino Unido e nos Estados Unidos.
Esta visão alcançou o seu auge nos anos 1980 com a emergência da
New management ou nova administração pública. Pelo tratamento do
provimento dos serviços públicos como negócio e pela inserção da lógica
empresarial no setor público, a nova administração também ficou
conhecida como administração pública gerencial.
Porém, tal qual a maneira de administrar o bem público de forma
tradicional e burocrática como a nova e moderna visão gerencial realizam, a
partir do pressuposto da sociedade, um distanciamento do social produzindo
anacronismos e limitando o acesso do cidadão às informações relativas aos
seus interesses. Segundo Paula (2005, p. 56):
A partir dos anos 1970, a reestruturação produtiva, a globalização e o
avanço japonês no mercado internacional acirraram essa crítica: Drucker
e os novos ‘gurus da administração começaram a argumentar que a
burocracia estaria dando lugar a uma organização pós-burocrática,
baseada na flexibilidade e na participação. Imbricado com essa crítica, o
movimento gerencialista ganhou terreno e passou a recomendar a
substituição do sistema burocrático pelo gerencial.
Se por um lado a burocracia pura e simples deixa de fora o cidadão das
decisões importantes, a técnica também o faz. Assim, a inovação pela técnica
e pelo gerenciamento mais “profissional” da administração pública serve, como
dantes, intensamente à reprodução do capital quando tenta desvincular-se da
política, auxiliando-se estruturalmente nos aspectos técnicos e de forma ilógica
para a maioria dos cidadãos de uma localidade, do Estado e da Nação. Sobre
isto Paula (2005 p. 22/23) afirma que:
...a nova administração pública mantém a dicotomia entre a política e a
administração, pois adere a uma dinâmica administrativa que reproduz a
lógica centralizadora das relações de poder e restringe o acesso dos
cidadãos ao processo decisório. Alem disso, apontamos que o seu grau
de inovação é questionável, uma vez que esse modelo tende a imitar as
idéias e práticas da gestão empresarial, desviando-se da elaboração de
alternativas administrativas adequadas para o setor público.
Vários modelos ou mesmo “fórmulas” relacionadas à administração de
empresas surgiram nas últimas décadas do século XX, produzindo uma
verdadeira panacéia de novos “gerencialismos” derivados de rias correntes
de administração empresarial. Contudo, ao final versam sobre um mesmo
127
conteúdo: a busca da maior eficiência empresarial. O empreendedorismo
empresarial, a máxima ocupação do material humano e a obtenção/extração da
mais valia absoluta e agora na sociedade da informação, a mais valia relativa,
com o tempo sendo constituído pelo sobretrabalho
79
. A cultura dos
“workholics, dos gerentes responsáveis e os administradores comprometidos
com a “família” empresa. Desse modo, com a globalização econômica,
financeira e informacional temos as fórmulas gerenciais também globalizadas.
Nas empresas do Oriente, especialmente as japonesas, tais métodos
administrativos são a vitrine do processo. As empresas do ocidente, em maior
ou menor grau, adotam ou absorvem direta ou tangencialmente este modelo.
As adaptações maiores ficaram para a década de 1990, a partir da retomada
do crescimento produtivo, o “controle” do desemprego e a redução e controle
da crise fiscal nos paises como Estados Unidos e Inglaterra. Assim, a Europa
como um todo é fortalecida com os vários acordos que produziram a sua
comunidade econômica criando um poderoso mercado de trabalho e de
consumo. As inovações de políticas empresariais e de gerenciamento
empresarial calcados em modelos asiáticos foram assimiladas, adaptadas ou
integralmente, e produziram situações em que empresas foram extintas e as
que conseguiram se reorganizar, tornaram-se gigantes modernizadas e
transnacionais poderosas.
Todavia, seria uma falácia indicar que a simples transferência dos
modelos de administração empresarial para o setor público e o simples
enxugamento do aparelho do Estado foram os grandes responsáveis pelo
sucesso das economias nacionais dos Estados Unidos e da maioria dos
Estados europeus, mesmo porque “a experiência européia do século passado
mostra exatamente o contrário: a estrutura estatal aumentou à medida que o
regime democrático foi sendo implementado e desenvolvido.”
80
Logo, as várias fórmulas e receitas neoliberais para a administração
pública que apregoam a redução do Estado na economia e sociedade foram
mais incorporadas por países semiperiféricos que pelos próprios países
79
O conceito de mais-valia não pode ser aplicado ao setor de serviços, principalmente no
serviço público (O Capital Vol. I), contudo o que fizemos foi estabelecer uma analogia com o
setor privado que, realmente, busca aumentar os ganhos com base na mais-valia ao aplicar
princípios do setor privado ao serviço público. Sobre o assunto, uma ótima perspectiva
encontra-se em Hussain et al (1980).
80
Torres, 2004, p. 10-11.
128
centrais em que estas foram forjadas. Sobre isso Torres (2004, p. 11) afirma
que:
Mesmo depois da crise fiscal dos anos 1980 e dos esforços de
implementação da Nova Gestão Pública, não houve grande impacto
sobre o tamanho e as atribuições da administração pública ao redor do
mundo, ou seja, as sociedades mais desenvolvidas e mais organizadas
não abriram mão dos seus benefícios sociais...fazendo uma análise
comparada das reformas gerenciais pelo mundo, Flavio Rezende aponta
uma intrigante constatação: a opção pela diminuição do Estado é mais
intensa nos países de baixo desenvolvimento econômico e social, ao
passo que nos países ricos os gastos sociais e a intervenção estatal ou
permaneceram iguais ou mesmo cresceram em relação ao período
anterior às reformas..os dados levantados pelo autor deixam claro que
carecem de suporte fático as análises que identificam os projetos de
reforma administrativa com a busca deliberada de um Estado neoliberal,
com poucas políticas públicas sociais e quase nenhuma intervenção na
economia. A experiência internacional mostra que, sob regimes
democráticos, não houve redução significativa do Estado e tampouco
constatamos queda no nível de bem-estar da população.
Das várias fórmulas neoliberais de administração empresarial que
depois foram transplantadas para a administração pública baseadas no
gerencialismo empresarial a administração da qualidade total e a reengenharia
foram as mais difundidas. Sobre a administração da qualidade total Paula
(2005, p. 58) afirma que:
...a administração da qualidade total (total quality management TMQ)
está intimamente relacionada com o modelo japonês de produção...
forjou-se assim um modelo de gerenciamento singular, que durante os
anos 1970 teria surpreendido os ocidentais pela sua capacidade de
produzir com flexibilidade, baixo custo e qualidade: o toyotismo.” Sobre a
reengenharia Paula (2005, p. 60) afirma que esta se pauta mais sobre a
reestruturação das organizações. “A reengenharia requer uma
reestruturação radical dos processos empresariais para alcançar
melhorias drásticas em indicadores de desempenho como custos,
qualidade, atendimentos e velocidade. Entre as instruções práticas... de
se realizar um trabalho e melhorar drasticamente o desempenho da
empresa estão: o downsizing, que implica na redução dos veis
hierárquicos da organização, ou em outras palavras, na extinção e
reorganização de cargos; a terceirização das atividades que não criam
valor adicionado aos produtos e serviços da empresa; e o uso intensivo
de tecnologias de informação, ou seja, a automação e informatização de
processos para reduzir custos e aumentar a velocidade de atuação da
empresa.
Contudo, tais políticas incidiram de maneira aberta sobre as economias
dos paises semiperiféricos a exemplo do Brasil. Estas fórmulas “modernas” de
superação do keynesianismo, baseadas em pressupostos liberais ou em sua
nova roupagem; o neoliberalismo, com conotações mais dramáticas e
apocalípticas (ou isso ou tudo desmorona!), são formulações técnicas e
129
políticas estimuladas em determinadas escolas (Departamentos de
Universidades de países centrais) ou institutos independentes e mesmo
fundações de economia teórica e aplicada. São importantes para o
entendimento da “filosofia” neoliberal o conhecimento de alguns desses
importantes centros do pensamento neoliberal ou nova roupagem do “laissez-
faire”.
Um dos mais importantes centros de pensamento neoconservador foi o
Austrian Institute for Business Cycle Research da Universidade de Viena
liderado por Ludwig von Mises que contratou Friedrich August von Hayek até
1931, quando este vai para a Inglaterra para trabalhar na London School of
Economics. Hayek e outros fundam um movimento neoconservador e
especialmente um “think tanks”
81
que seria a base do pensamento do partido
Conservador de Margareth Thatcher e de suas políticas liberalizantes na Grã
Bretanha da década de 1980.
Nos Estados Unidos, Milton Friedman e seus seguidores inauguraram a
corrente de pensamento que ficou conhecida como Escola de Chicago e que
se diferencia por criar uma abordagem empírica para o neoliberalismo: o
monetarismo. Para Paula (2005, p. 30-31):
…o monetarismo é um conjunto de políticas econômicas que se opõe ao
keynesianismo e que foi aplicado pelos governos alinhados com o livre-
mercado a partir de 1980. Na visão dos monetaristas, os governos
deveriam abandonar as medidas keynesianas e adotar o controle
monetário para evitar a inflação e a recessão econômica.
Esta opção monetarista predomina a partir do governo Reagan nos
Estados Unidos e grande parte do mundo desenvolvido e da semiperiferia
também adere na década de 1980. Sobre este pensamento Paula (2005, p.
31) nos explica:
... a nova direita, estabelecida no Reino Unido e nos Estados Unidos,
gerou dois grupos politicamente distintos: os anarcoliberais e os
neoliberais. O primeiro grupo recorre ao liberalismo puro do século XVII
e defende um Estado-mínimo para manter a lei, a ordem e a segurança
dos cidadãos. os neoliberais, como Hayek e Friedman, não defendem
exatamente um Estado-mínimo, mas um Estado suficiente para cumprir
quatro objetivos: proteger os cidadãos; garantir que cada cidadão seja
auto-suficiente para seu desenvolvimento; manter uma estrutura que
possibilite uma competição e uma cooperação eficientes entre os
81
“Think tanks neoconservadores são centros de pensamento em geral dedicados ao estudo
do estado, das políticas governamentais e do desenvolvimento econômico. Este em particular,
o britânico, é o Institute of Economics Affairs que surgiu em 1955.
130
homens, viabilizando o bom funcionamento do livre-mercado; criar um
ambiente seguro para os cidadãos, garantindo não a igualdade material
mas as condições de competição, ou seja, o acesso aos recursos que
todos necessitam para competir.
Estas escolas e pensamentos da nova direita foram agrupados em torno
de um único centro de debates e de reunião sobre os rumos do pensamento
neoliberal: a Mont Pelerin Society. Segundo Paula (2005, p. 31):
Em 1947, nascia na Suíça a Mont Pelerin Society, que foi criada com o
objetivo de centralizar os esforços dos intelectuais defensores do livre-
mercado espalhados pelo mundo. Três centros de pensamento se
destacaram na formulação e consolidação desta sociedade: a London
School of economics; a escola austríaca, representada por Hayek, Mises
e Popper; e a escola de Chicago, constituída em torno de Milton
Friedman.
A Teoria da Escolha Pública representada pela Escola da Virgínia, “se
caracteriza por aplicar princípios econômicos para explicar temas que
preocupam os cientistas políticos: a teoria do Estado, as regras eleitorais, o
comportamento dos eleitores, os partidos políticos e a burocracia”
82
. Com
nomes do calibre de Joseph Schumpeter e Kenneth Arrow, suas preocupações
não são necessariamente o neoliberalismo, mas o Estado e a burocracia
atrelada ao seu conceito moderno.
Contudo, o debate realizado pelos teóricos da Teoria da Escolha Pública
sobre o Estado e a burocracia estatal ajudou a nova direita na formulação das
teorias de Estado que culminaram nas políticas de Reagan e Thatcher. Além
do que, as alegações dos teóricos da Escolha Pública de que os burocratas
públicos se movem de acordo com seus interesses egoístas, maximizando
salários, status e poder... e no setor público a diferença que gera
ineficiências e aumento dos gastos blicos...logo, os burocratas tendem a
desviar o comportamento racional para a maximização do orçamento que está
sob sua administração para resolver os problemas administrativos”
83
, foi
fundamental para os neoliberais em seus vários programas de privatização ou
desestatização a partir da década de 1980 e 1990 nos países centrais e
semiperiféricos. Segundo Paula (2005, p. 35):
Partindo desta constatação, alguns adeptos da teoria da escolha pública
propõem a remoção da burocracia pública do provimento de todos os
82
Paula, 2005, p. 33.
83
Idem, p. 72.
131
serviços que podem ser realizados pela iniciativa privada em condições
de livre-mercado, pois, em tese, esta medida aumentaria a eficiência dos
processos. Esta proposta oferece uma justificativa racional para a
privatização dos serviços blicos e junta-se com a argumentação
neoliberal de que o provimento destes pelo mercado é mais eficiente e
satisfatório.
A Agency Teory reúne os pensadores da questão da regulação e
“abordam os pressupostos da racionalidade econômica para analisar o
comportamento dos envolvidos nos processos decisórios”
84
. Os partidários
dessa linha de pensamento alegam que a transferência de serviços para a
iniciativa privada geraria vantagens de estimular a ação racional e
maximizadora dos bens e recursos do Estado. O Estado, através de ações
governamentais com seus instrumentos, regularia, fiscalizaria e exerceria o
controle que garantiria a transparência e a distribuição das informações
85
.
Assim, vários desses pressupostos teóricos foram atomizando até
culminar no movimento neoliberal de “reinventar o governo”, do qual o
gerencialismo é seu maior expoente. Uma de suas mais importantes marcas é
a tentativa de despolitizar o assunto para que tome foro de movimento apolítico
sem ideologia e sem vinculação partidária. É a tentativa de criar sintonia com a
sociedade nesses tempos de modernidade e pós-modernidade em que as
ideologias e as cores partidárias são subsumidas por propostas “edificantes” e
que rompem com as amarras de ideologias antigas e “carcomidas” pelo tempo.
É, portanto, um movimento que se pretende ahistórico e, segundo seus
idealizadores, acima das mazelas dos debates, partindo para a prática. Sobre
este moviemento, Paula (2005, p. 53) afirma que:
Partindo desta constatação, argumentamos que o movimento
“reinventando o governo” mantém a dicotomia entre a administração e a
política, pois não enfrenta a complexidade da gestão pública e enfatiza
predominantemente a eficiência governamental em detrimento dos
aspectos sociopolíticos, que permanecem no nível do discurso. Também
evidenciamos que o movimento ajuda a cristalizar algumas crenças
básicas que circundam a nova administração pública: o setor privado é
mais eficiente e, portanto, superior ao setor público na proposição de
soluções administrativas; e as técnicas e práticas da administração de
empresas podem e devem ser aplicadas ao setor público.
84
Paula, 2005, p. 35.
85
Idem, p. 35-36.
132
Em uma sociedade aprisionada pelos rigores claustrofóbicos da
modernidade, é um discurso persuasivo e atraente, sem dúvida. Baseado na
premissa de que com a fim do muro de Berlim, a derrocada do bloco Socialista,
outrora capitaneado pelo socialismo real russo e o processo de agudização da
globalização anglo-saxã, a “vitória” do capitalismo em nível planetário
incrementa e expande o discurso neoliberal, o qual bebe na fonte da
despolitização da sociedade e na descrença no aspecto político. Tal discurso é
proferido pela nova direita conservadora, que se imiscui nos meandros de uma
coletividade embebida de neologismos e sem “tempo” para os debates das
ideologias. Pelo conflito de articulações que parecem tão distantes das
realidades apressadas, as quais são afoitas por soluções e não por debates e
análises.
O sentido apolítico é temerário, pois absorve os medos e temores da
modernidade apressada e esconde-se no invólucro da falta de vontade da
maioria da sociedade em discutir, analisar e o que é pior: pensar. Pode parecer
doloroso, porém verdadeiro. Assim, o movimento Reinventando o Governo,
propala o caráter técnico como mais indicado para a nova administração
pública, pois é referenciado na gestão da empresa capitalista, que “venceram”
o socialismo real/utópico, o qual quedou-se irreal e, acima de tudo, improdutivo.
Esta lógica empresarial na administração pública transcende os aspectos
político e social, negando o caráter político, sendo ela estritamente política
torna-a contraditória. Assim, tais argumentações são controversas devido ao
fato de que para se obter acesso ao aparelho de Estado na forma de agente
administrador tem-se que, nos Estados democráticos, passar pelo crivo político
e a sua manutenção no poder é essencialmente político.
Daí o movimento Reinventando o Governo (mais fortemente assimilado
no centro e na semiperiferia do planeta) articular o discurso apolítico e anti-
ideologias. Sua assimilação e posterior implantação por vários governos
ocidentais, com práticas empresariais adaptadas para o setor público, ser
pautado na máxima de que a “administração é essencialmente técnica,
constituindo um campo distinto da política.”
86
Um discurso neoconservador que
86
Segundo Paula (2005, p. 64) o movimento reinventando o governo é um representante do
discurso e políticas neoconservadoras, as quais relegam a dimensão sociopolítica para o
segundo plano, pois alegam que “a suposição de que as técnicas administrativas criadas no
133
tem um grande propósito: destituir a administração das “cores” das ideologias e
assim usar melhor o estado para os propósitos maiores do capital nesta nova
organização mundial (o Estado nação moderno), inserido no processo anglo-
saxão de globalização.
Ao negar o aspecto político ideológico (esquerda e direita) das ações do
Estado, o movimento Reinventando o Governo, baseado nos ideais neoliberais,
opta pela “morte da História” e tenta assim criar a falsa idéia de nascimento de
um mundo novo (o ano um da modernidade humana) que apenas pode
acontecer sob os auspícios de suas determinações de um capitalismo global e
moderno.
Com várias críticas ao movimento neoconservador, é criada a base para
o aparecimento e crescimento de uma outra maneira de se interpretar o
governo e a administração pública e assim o Estado: a Terceira Via. Este
movimento surge nos Estados Unidos após várias derrotas eleitorais do partido
Democrata e na Inglaterra com o partido Trabalhista, também fora do governo
nos anos 1980 e início da década de 1990. A Terceira Via, que tem como seu
principal pensador o sociólogo inglês Anthony Giddens, se auto-intitula a nova
esquerda ou mesmo a socialdemocracia (e pelos seus detratores, também
denominada de esquerda “rosa”) porém, mesmo sem querer rotular, observa-
se em suas principais premissas um modelo que assume um viés neoliberal.
Em síntese, guardadas as devidas diferenças e proporções, a terceira
via preserva as premissas econômicas e morais do neoliberalismo. “Ao
identificar o pensamento conservador com a nova direita e o livre-mercado com
a transformação, Giddens converte as recomendações neoliberais em políticas
progressistas e, portanto, assimiláveis pela nova esquerda”.
87
O alcance espacial das políticas neoliberais é totalizante dentro da
esfera de influência dos países centrais do capitalismo. A semiperiferia,
exemplificada pelo Brasil, “abraça” tais políticas a partir do governo Fernando
âmbito do setor privado o eficientes e, portanto, adequadas pra orientar a gestão blica.
Logo, o movimento ‘reinventando o governo’, mantendo a ênfase tecnicista e o divórcio entre
os domínios da administração e da política.”
87
O que para Paula (2005, p. 75): “Na realidade, a terceira via apenas ocupou o lugar do
desgastado neoliberalismo clássico e preservou o essencial do projeto neoliberal em seu
conteúdo programático, mantendo intactas as reformas realizadas e intensificando a
flexibilização do trabalho para fundar definitivamente o capitalismo popular baseado no auto-
empreendimento.”
134
Collor (1990-1992)
88
e se aprofundam nos governos Itamar Franco (1992-
1996) e Fernando Henrique Cardoso (1996-2002). É com estes governos que a
Terceira Via é consagrada como a nova maneira de administrar o Estado no
Brasil. Esta nova maneira de administrar o Estado e impor políticas públicas é
possibilitada fundamentalmente pela Constituição brasileira promulgada em
1988 e suas modificações posteriores (realizadas para “adaptar-se” aos novos
desígnios de um capitalismo modernizado e globalizado).
A Constituição Federal de 1988 consagra, de certa forma, várias
conquistas sociais e políticas que vieram sendo “orquestradas” ao longo de
nossa recente história republicana. Entretanto, a partir da premissa de nosso
trabalho, das várias conquistas e avanços da constituição brasileira, vale
destacar três: o destaque especial para as conquistas sociais e trabalhistas
assegurado nesta Carta Magna; o pacto federativo ampliado e melhor definido
entre os entes federados; e a municipalização de várias funções sociais e
tributárias do Estado brasileiro, derivada de uma crescente descentralização.
Contudo, a Constituição brasileira e suas posteriores modificações
(especialmente as da década de 1990), também pode ser definida com sendo a
“carta de abertura” ao processo de globalização e das modificações na
administração do Estado.
Assim como a abertura dos portos em 1808 com a chegada da família
real no Brasil, a Constituição brasileira de 1988 é a porta de entrada do grande
capital financeiro e das modificações estruturais do Estado nacional brasileiro
que sugerem a entrada do país na modernidade anglo-saxã.
A Terceira Via se apodera do Estado brasileiro e tenta impor esta
modernidade consagrada em outros países, especialmente os europeus. O
pensamento predominante nessa corrente tem a modernidade como um fim em
si mesma. A modernidade inercial e inexorável como o tempo, sempre para
frente. E a partir dela as ideologias são absolutos ultrapassados, não passam
de simples sinais gráficos: esquerda e direita. Porém, a ideologia não é “sinal
de trânsito”, é antes escolhas que ainda permeiam o espectro político cultural.
É assim na maneira de administração pública da pequena cidade. Os modelos
88
Para Singer (2003, p. 116): “Durante o seu curto mandato (1990-2), Collor inaugurou o
neoliberalismo no Brasil, abrindo gradativamente o mercado interno às importações e iniciando
a privatização das empresas estatais produtivas”.
135
modernos de administração anglo-saxã impostos por força de lei sofrem
resistências culturais e, por que não, fisiológicas (mesmo quando disfarçadas)
dos administradores e parte da população da pequena cidade. Uma resistência
cultural e ideológica em assimilar as “virtudes” de uma forma de administrar
exógena à sua experiência cultural e política.
2.4 O FAZER URBANO E O “ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL” DA
PEQUENA CIDADE
Uma das formas de crítica ao processo de globalização como
estabelecido nestas últimas décadas é a homogeneidade dos fatores político-
administrativos em nível dos paises capitalistas. Contudo, mesmo sabendo que
a tendência mundial nos paises centrais e semiperiféricos é o incremento de
uma administração pública gerencial que se baseia fundamentalmente na
redução do Estado e nos resultados técnicos e práticos, não podemos
esquecer que o aprofundamento do aparelhamento da sociedade e do esforço
democrático, também assegura uma resistência a estas práticas puramente
técnicas e “apolíticas”. Mesmo porque, concomitante a proliferação de
“receitas” e “gurus” da nova administração pública, observa-se outras opções
para a reforma do Estado. Segundo Torres (2004, p. 10/11):
Se era possível a existência de um aparelho estatal enxuto, pequeno e
desburocratizado ao final do culo XIX, hoje esta estrutura é
simplesmente impensável, haja vista as enormes e complexas
atribuições que a administração pública passou a desempenhar. É
interessante observar que, se a conquista dos direitos civis e políticos
não implicou necessariamente o aumento do aparelho estatal, que
permaneceu bem enxuto e restrito nos séculos XVIII e XIX, a conquista
dos direitos sociais exigiu uma total reformulação que implicou um
intenso aumento do escopo de atuação da administração pública, que
passa a atender às crescentes demandas de políticas públicas de
inclusão social... Assim, para fazer frente a uma avalanche de demandas
justas e necessárias, as atribuições da administração pública foram
crescendo, abarcando quase todas as esferas da sociedade organizada.
Como resultado da democratização do Estado, a administração pública
ganhou novas e complexas atuações nas áreas da saúde, educação,
lazer, previdência social, relações de trabalho – enfim, criou-se uma
quantidade quase infinita de setores que exigem ampla regulação,
intervenção e fiscalização estatal...nessa linha de raciocínio, é preciso ir
contra o quase consenso hoje existente em atribuir à burocracia estatal
uma quantidade de defeitos que, a bem da verdade, visam, por
ignorância ou malícia, ofuscar o caráter democrático e socialmente
igualitário que marcou a atuação da administração pública nesse período
de intensa inclusão de amplos setores sociais...
136
Pode até parecer um contra-senso o retorno a estas idéias, porém não
necessariamente será um retorno, obrigatoriamente uma defesa. Isto não é
contraproducente ou mesmo “a histórico”, antes de tudo uma crítica a uma
maneira de se encarar o papel do Estado, especialmente nos propósitos deste
trabalho, em que a realidade das pequenas cidades vem ao contrário do
proposto na maioria das experiências acerca da redução do papel do Estado.
Destante, as novas atribuições/responsabilidades de proteção social das
cidades chocam-se com as pressões ideológicas no sentido da redução do
papel do Estado na economia e sociedade. Esta linha de análise nos parece
mais coerente e real, providencial até. Contudo, a hegemonia de uma idéia não
quer dizer sua concretude ou mesmo uma verdade absoluta. Sobre estas
afirmações Souza (2003, p. 156) argumenta que:
Nas ciências sociais, as controvérsias não são apenas empíricas... ou
teóricas ... mas, muito frequentemente, relativas ao pano de fundo
político-filosófico e ético dos analistas. Isto faz com que, muitas vezes,
teorias e análises muito antigas, que se julgava estarem superadas,
possam retornar à vida, como que saindo de um período de hibernação,
devido à sua revalorização (ainda que reciclada e atualizada), pelo fato
de que, na escala da sociedade como um todo, isto é, fora dos muros da
universidade, a conjuntura ideológica ou mesmo política mudou, assim
como mudou a predisposição coletiva, em função dos fracassos ou
acertos de políticas públicas associadas a determinadas abordagens,
para se ser mais simpático a essa ou aquela interpretação. Nas ciências
naturais é diferente: se nelas, um puro e simples “retorno”, por exemplo,
à Física newtoniana, é impensável após a revolução relativista do
começo do século XX... uma revalorização, ainda que modificada, da
Economia keynesiana e de seus princípios de um Estado regulador
atuante, após duas cadas de hegemonia do pensamento neoclássico,
reciclado como “neoliberal”, é perfeitamente cogitável.
As críticas, ou mesmo a não aceitação, ao modo gerencial de
administração pública, voluntária ou inconsciente por parte dos administradores
de cidades, especialmente das pequenas cidades, aquelas em que as ondas
modernizantes” ou o foram assimiladas ou mesmo não foram “digeridas”
completamente por diversos motivos são excluídas das análises acadêmicas
das ciências sociais e não entendemos os motivos. A resistência na absorção
do moderno modelo de administração do bem público não nos parece um
simples anacronismo pós-moderno, mas antes de tudo uma “necessidade”
amalgamada no modo de se fazer a política administrativa de uma pequena
cidade. Estes negligenciadores ou resistentes da idéia de um Estado mínimo
são em grande medida contrários, involuntariamente ou ideologicamente à
137
doutrina global de um capitalismo empresário e de um Estado empresarial, em
que a cidade, especialmente através dos aparelhos do Estado, está a serviço
apenas dos processos econômico-produtivos. Ora, isto em uma pequena
cidade, em que as relações entre a população e os agentes políticos são
estreitas e diretas, não é possível. Segundo Souza (2003, p. 160):
Na verdade, no contexto da globalização econômico-financeira atual, os
benefícios eventuais para a parcela majoritária da população que não
está diretamente vinculada aos interesses do grande capital (industrial e,
sobretudo, financeiro) o parecem ser, em sua maioria, mais que
efeitos marginais de inovações ou processos concretizados com a
finalidade de atender às necessidades dos global players por excelência,
ou “atores globais”, que são grandes empresas multinacionais e o
grande capital financeiro. Esses “atores globais” atacam o Estado-nação
não, certamente, naquilo que ele tem de antipopular ou autoritário,
mas, justamente, naquilo que ele ainda guarda de socialmente útil, por
ser uma instância de poder eventualmente passível de ser mobilizada
em prol de certos avanços, mediante investimentos socialmente úteis e
regulação de interesse do ponto de vista da promoção de justiça social e
da proteção ambiental. Para os “atores globais”, as regulações impostas
pelos Estados nacionais são restrições indesejáveis, que dificultam a
mobilidade do capital e a facilidade das transações econômico-
financeiras, devendo, portanto, ser abolidas.
Ser antagônico ao pensamento dominante não é ser retrógrado, antes
de tudo é ser cuidadoso. Como a história não teve fim, não tem fim também a
luta ou pelo menos o entendimento de que em sociedades democráticas
semiperiféricas ao menos o Estado é agente importante no processo de
regulação de ações e opções sociais, culturais, econômicas e espaciais. A
busca pela observação de dados estruturais de desencadeamento da luta
contra, ou mesmo contestação/resistência a, uma democracia de mercado em
que o Estado é visto como empecilho à dinâmica econômica e produtiva e
concomitantemente sócio-cultural é inerente às análises geográficas mais
atuantes. Nada nos impede de buscar alternativas, mesmo que estas nos
deixem à luz de críticas amalgamadas na “verdade” totalizante
89
da
modernidade anglo-saxã. Segundo Santos (2002, p. 142):
Quando se fala em mundo, está se falando, sobretudo, em mercado que
hoje, ao contrário de ontem, atravessa tudo, inclusive a consciência das
pessoas. Mercado das coisas, inclusive da natureza; mercado das
idéias, inclusive da ciência e da informação; mercado político.
Justamente, a versão política dessa globalização perversa é a
democracia de mercado. O neoliberalismo é o outro braço dessa
89
Sobre isto nos alertara Holanda (2004, p. 165) quando afirmou que: “Não m conta entre
nós os pedagogos da prosperidade que, apegando-se a certas soluções onde, na melhor
hipótese, se abrigam verdades parciais, transformam-se em requisito obrigatório e único de
todo progresso.”
138
globalização perversa, e ambos esses braços democracia de mercado
e neoliberalismo – são necessários para reduzir as possibilidades de
afirmação das formas de viver cuja solidariedade é baseada na
contigüidade, na vizinhança solidária, isto é, no território compartido. Se
essa convivência conhece uma regulação exterior, esta se combina com
formas nacionais e locais de regulação. O conflito entre essas normas
deve, hoje, ser um dado fundamental da análise geográfica.
O território compartido de que fala Santos (2002) é aquele em que as
relações sociais, e por que não dizer políticas, são realizadas a partir de
heranças culturais que acumuladas fazem o jeito, a maneira e o modo de ser
de um povo, de uma categoria social que se regozija de ser como é e ao
mesmo tempo temerária de se abrir, pois as críticas a este modo vão da
simples palavra, tradicional, até as mais duras: arcaica, retrógrada, pré-
moderna e desajustada.
2.4.1 OS RESÍDUOS DA HERANÇA PORTUGUESA NA CONFIGURAÇÃO
POLÍTICA ADMINISTRATIVA DAS CIDADES BRASILEIRAS: EVOLUÇÃO E
PROPÓSITO
A herança histórica de um povo vem como bagagem cultural que se
processa em momentos que, mesmo impregnados de objetividades, as
subjetividades sempre afloram. O que aflora é o modo de ser de um povo que,
mesmo assimilando traços, fortes ou fracos, de outras culturas, sempre
prevalece. Porém, prevalece parcialmente, pois o poder de assimilação do
diferente do povo brasileiro é espantoso. O cosmopolitismo da vida urbana nos
grandes e médios centros, nas regiões mais desenvolvidas economicamente e
com elevados teores de interligações ao mundo da modernidade da
globalização, a assimilação e incorporação dos ditames do mundo anglo-saxão
foram, quando não completos, mais “harmônicos”.
Não obstante, na pequena cidade, os traços culturais relativos à herança
sócio-cultural ibérica ainda estão muito presente no dia a dia e nas relações
sócio-politicas entre a administração pública e a população local. Mesmo com
todo bombardeamento das informações (especialmente televisivas) e das
imposições legais, a herança cultural mostra-se resistente e dominante na
pequena cidade. O rompimento desse modo de vida é difícil e também o é a
alteração nas relações políticas internas. Este estilo ibérico de viver na
139
pequena cidade é sempre relacionado ao mundo rural, ao tradicional estilo em
que as relações interpessoais são baseadas na família, no compadrio e na
vizinhança. Acerca desse assunto, Holanda (2004, p. 136), em sentido mais
amplo, até mesmo explica as “virtudes” ibéricas em não assimilar o processo
de produção capitalista como o fizeram as culturas anglo-saxônicas:
Em realidade não é pela maior temperança no gosto das riquezas que se
separam espanhóis ou portugueses de outros povos, entre os quais viria
a florescer essa criação tipicamente burguesa que é a chamada
mentalidade capitalista. Não o é sequer por sua menor parvificência,
pecado que os moralistas medievais apresentavam como uma das
modalidades mais funestas da avareza. O que principalmente os
distingue é, isto sim, certa incapacidade, que se diria congênita, de fazer
prevalecer qualquer forma de ordenação impessoal e mecânica sobre as
relações de caráter orgânico e comunal, como o são as que se fundam
no parentesco, na vizinhança e na amizade.
A administração pública na pequena cidade não rompeu ainda com as
práticas patrimonialistas e sua relação com o bem público é uma extensão da
família
90
. Administra-se a cidade com a visão de uma extensão da família e
assim o modo burocrático tão caro a Weber não foi adotado na administração
pública das pequenas cidades de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico. Se
for assim, as novas formas de administração impostas pela globalização anglo-
saxã são apenas uma “vitrine legal”. Em forte crítica sobre este assunto,
Holanda (2004, p. 141):
O estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma
integração de certos agrupamentos, de certos agrupamentos, de certas
vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não
existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma
descontinuidade e até uma oposição... pela transgressão da ordem
doméstica e familiar é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se
faz cidadão, contribuinte, eleitor, elegível, recrutável e responsável, ante
as leis da cidade.
A modernidade apregoa o rompimento do estilo patrimonialista pelo
burocrático para se alcançar o moderno, ou seja, as formas liberais e
neoliberais de se administrar o bem público. Ora, na pequena cidade o
90
Foi nesse sentido que Holanda ( ) cunhou a expressão “homem cordial, segundo afirmação
de Sanches (1995, 12): “A cordialidade para Sérgio Buarque de Holanda é uma característica
do brasileiro entendida como a indistinção entre o ambiente público e ambiente privado. Para
ele, mesmo um complemento entre esses dois ambientes, verificados pela invasão do
Estado pela família, do nepotismo, da corrupção, e isto, diga-se, não tem nada haver com
bondade. A cordialidade do homem brasileiro é uma realização da cultura ibérica, e serve
para o bom entendimento do nosso passado colonial e de sua crise.”
140
patrimonialismo ainda impera! Sobre este caráter histórico e persistente do
patrimonialismo no Brasil, Holanda (2004, p. 146) argumenta:
No Brasil, onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo de
família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização que não resulta
unicamente do crescimento das cidades, mas também do crescimento
dos meios de comunicação, atraindo vastas áreas rurais para a esfera de
influência das cidades – ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos
permanecem vivos ainda hoje. Não era fácil aos detentores das posições
públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente,
compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e
do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o
funcionário ‘patrimonial’ do puro burocrata conforme a definição de Max
Weber. Para o funcionário ‘patrimonial’, a própria gestão política
apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os
empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos
pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no
verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das
funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos
cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-
se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e
muito menos de acordo com suas capacidades próprias. Falta a tudo a
ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático. O
funcionalismo patrimonial pode, com a progressiva divisão das funções e
com a racionalização, adquirir traços burocráticos. Mas em sua essência
ele é tanto mais diferente do burocrático, quanto mais caracterizados
estejam os dois tipos.
Enclausurado nos ditames da extensão familiar, na família patriarcal a
maneira de se “governar” a cidade, seus agentes e parte da população resiste
às normas burocráticas e absorve do moderno apenas o que lhe convém. Mais
uma vez Holanda (2004, p. 146) nos remete ao processo de formação histórica
do Brasil para o bom entendimento do assunto:
No Brasil, pode dizer-se que excepcionalmente tivemos um sistema
administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a
interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é
possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio
constante das vontades particulares que encontram seu ambiente
próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação
impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que
se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. É um
dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo
familiar a esfera, por excelência dos chamados ‘contatos primários’,
dos laços de sangue e de coração está em que as relações que se
criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de
qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo onde as
instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos,
pretendem assentar a sociedade em normas antiparticularistas.
Uma frase muito ouvida em encontros com prefeitos de pequenas cidades
do Triângulo Mineiro é a de que todos os prefeitos destas localidades deveriam
141
estar presos
91
, dado a forma como se organiza a administração pública nas
pequenas cidades. Os concursos arranjados, a doação de material de
construção, o aviamento constante de receitas médicas, a doação de
combustível para parte da população, o pagamento de viagens a pessoas mais
carentes, o emprego fácil e o nepotismo, são práticas que não dependem do
partido que está no poder, da “ideologia” reinante no momento. Depende, isto
sim de uma prática patrimonialista herdada de um modo, de um estilo, de uma
herança ibérica ainda arraigada nestas localidades em que o controle social
sobre o poder público ainda é pífio. Segundo Torres (2004, p. 82):
O cerne da questão pode ser colocado da seguinte maneira: o controle
social previsto e esperado para a fiscalização das políticas públicas
prevê um nível de organização e mobilização social que, a bem da
verdade, a sociedade brasileira ainda não alcançou. Nesse aspecto
específico, a herança colonial portuguesa deixou uma marca cultural
muito negativa e de difícil superação, colocando obstáculos consistentes
para a implantação bem-sucedida do controle social. A herança colonial
portuguesa deixou-nos como legado um Estado pesado e empreendedor
que fundou uma sociedade sobre um imenso vazio geográfico. No Brasil,
por nossa tradição ibérica, sempre tivemos um Estado grande e
empreendedor que capitaneou boa parte do processo de
desenvolvimento econômico nacional e de nossa formação política. A
máquina estatal brasileira sempre teve como característica uma vocação
reguladora e controladora muito forte. É apropriado dizer que essa
característica foi acentuada em demasia pelo regime militar entre 1964 e
1985. Assim, temos um setor público bastante grande, que esteve à
frente de um intenso processo de desenvolvimento econômico a partir de
meados dos anos de 1960. Ao contrário da tradição norte-americana, no
Brasil o Estado antecedeu a sociedade e a moldou com suas
características patrimoniais... Também contribuiu de modo negativo outro
aspecto da tradição patrimonial ibérica na qual as esferas pública e
privada não são bem delimitadas, levando o governante a utilizar-se
indistintamente de seus bens e das riquezas do Estado que administra.
O rompimento de tais práticas ainda é um sonho. Romper com tradições
enclausuradas na pequena cidade é difícil pelo relativo isolamento das
discussões e debates acerca das novas formas de se enxergar o bem público.
Vários fatores vêm como complicadores para tal empreita: o tamanho
populacional da pequena cidade; a pequena oferta de mão-de-obra
especializada para o corpo técnico; o pensamento dominante de que a
prefeitura é para o povo, no sentido de auxílio e assistencialismo, que vem de
encontro a visão de que o aparelho de Estado municipal é para uso, pois o
91
Pode até parecer grosseiro e leviano, porém real. Esta frase foi dita por um prefeito (que não
quer ser identificado quando soube da intenção de ser publicado em tese de doutorado) em
entrevista com prefeitos de pequenas cidades realizada em agosto de 2007 na sede da
AMVAP, em Uberlândia.
142
dinheiro não é de ”ninguém” e assim é de “todos”, todos os que estão no poder
naquele momento.
92
Isso deriva objetivamente de uma herança histórica ibérica
que para Holanda (2004, p. 155-156):
... no trabalho não buscamos senão a própria satisfação, ele tem o seu
fim em nós mesmos e não na obra: um finis operantis, o um finis
operis. As atividades profissionais são, aqui, meros acidentes na vida
dos indivíduos, ao oposto do que sucede entre outros povos, onde as
próprias palavras que indicam semelhantes atividades podem adquirir
acento quase religioso.
Romper estes dogmas históricos apenas com legislações federais e
estaduais é temerário. Para Holanda (2004, p. 179), o rigor da lei em si não é
causa final da mudança. Segundo este autor “nesse erro se aconselharam os
políticos e demagogos que chamam atenção freqüentemente para as
plataformas, os programas, as instituições, como únicas realidades
verdadeiramente dignas de respeito. Acreditam sinceramente que da sabedoria
e sobretudo da coerência das leis depende diretamente a perfeição dos povos
e dos governos”.
Não se quebra a “espinha dorsal” de uma prática histórica arraigada
desde os tempos do Brasil colônia de maneira tão impositiva
93
. O modo luso-
brasileiro ou colonial de fazer administração blica e de se portar socialmente
frente ao bem público ainda é reinante e dificulta sua dissolução. Mesmo
porque, a transição de uma sociedade patriarcal fincada nos moldes rurais para
a urbana é muito recente no Brasil e, especialmente, no caso da pequena
cidade.
92
Podemos estabelecer um paralelo sobre a discussão levantada por Holanda (2004, p. 160)
sobre a introdução dos ideais positivistas no Brasil com as novas fórmulas de governar o
aparelho de Estado da atualidade, quando este autor afirma que: “trouxemos de terras
estranhas um sistema complexo e acabado de preceitos, sem saber até que ponto se ajustam
às condições da vida brasileira e sem cogitar das mudanças que tais condições lhe imporiam.
Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós.
assimilamos efetivamente esses princípios até onde coincidiram com a negação pura e
simples de uma autoridade incômoda, confirmando nosso instintivo horror às hierarquias e
permitindo tratar com familiaridade os governantes, a democracia no Brasil foi sempre um
lamentável mal-entendido.”
93
Sobre isto Paula (2005, p. 106) argumenta que “no Brasil, devido à tradição patrimonialista,
os empregos e benefícios que se aferem do Estado costumam estar ligados aos interesses
pessoais e não aos interesses públicos. Esse personalismo do funcionalismo público brasileiro
relaciona-se com a ética de fundo emotivo que permeia a nossa cultura: o ‘homem cordial’ é
avesso à impessoalidade e ao formalismo e, consequentemente, à burocracia. Por outro lado,
a herança colonial contribuiu para a centralização do poder na cúpula e o autoritarismo do
poder público se tornassem traços distintivos da administração pública brasileira.”
143
No tocante à administração pública, o fato dessa modernidade ser
exemplificada pela descentralização do Estado oriunda da Constituição de
1988 que encarrega os municípios de várias atribuições, provoca um outro
estrangulamento: a mão de obra da prefeitura. Na pequena cidade, o
aparelhamento burocrático da prefeitura ainda é impregnado de
apadrinhamento o que acarreta dissabores na máquina do Estado. Outro
problema se refere ao aperfeiçoamento dessa mão-de-obra que sempre
emperra no tempo de permanência dos agentes públicos na administração,
pois os cargos de prefeito e de vereadores são cargos de caráter político e o
corpo burocrático tem caráter técnico. Tudo isto combinado, os processos
técnicos e legais de gerenciamento do aparato burocrático das prefeituras
carece sempre de uma mão de obra mais especializada para acompanhar as
necessidades modernas do aparelho institucional do Estado-município social
que se quer moderno a partir das novas imposições legais da Constituição
Federal de 1988. Para Torres (2004, p. 86) o “processo de transferência de
responsabilidades e atribuições para os municípios tem encontrado forte
estrangulamento na precária, sucateada, ineficiente e desmotivada burocracia
pública municipal.”
Quando indagados sobre este assunto, os prefeitos das três cidades
responderam, em sua maioria, ser este um ponto de contradição entre as
novas exigências de um Estado mais descentralizado e “moderno”. Para o
prefeito de Grupiara tal problema não existe, pois “estamos sempre colocando
a disposição cursos de capacitação” (sic). Esta é a única voz destoante entre
os prefeitos consultados. Para o prefeito de Cascalho Rico tal fato constitui um
dos maiores problemas em administrar uma pequena cidade. Para este
prefeito, “o nível técnico do corpo de funcionários” é um grave entrave à
máquina do Estado-município. O prefeito de Estrela do Sul argumenta que
“falta mão-de-obra especializada, pois além do salário baixo, esta pessoa que
possui especialização ou qualificação profissional dificilmente fica ou trabalha
na sua própria cidade”. Fala corroborada pelas alegações do Secretário de
Administração e Controle Interno da prefeitura municipal de Estrela do Sul,
senhor Marcus Henrique Duarte. Segundo o secretário, “a mão de obra do
município é horrível”. O contratado é um funcionário excelente, o efetivo e
144
concursado não trabalha. Temos mais de duzentos funcionários na cidade e
ninguém vê acontecer o trabalho!”
Contudo, tais alegações são contestadas parcialmente pelo Promotor de
Justiça da comarca de Estrela do Sul. Segundo o promotor, “os municípios da
comarca o possuem bons profissionais e o servidor municipal concursado
sente-se dono do cargo. Porém, os concursos podem ser melhorados e ainda
servem para romper o quadro funcional culturalmente estagnado por permitir a
quebra de paradigmas culturais arraigados no funcionalismo público municipal
da pequena cidade, além de romper com o nepotismo. O que falta é incentivo
por parte da administração pública para a maior tecnificação dos servidores
municipais.”
A contradição entre novas regras jurídicas, tributárias e organizacionais do
novo Estado descentralizado que se forjou a partir da Constituição Federal de
1988 (que exigem o entendimento legal, jurídico, contábil, financeiro,
burocrático e político) provoca no município, especialmente os que possuem
pequenas cidades, não apenas prejuízos em médio prazo, mas especialmente
em longo prazo pela não adequação da mão-de-obra burocrática que não
consegue seguir as novas exigências deste Estado. Assim, perdem-se
recursos financeiros oriundos das esferas federal e estadual e também de
organizações supranacionais, pela simples falta de conhecimento técnico em
organizar e produzir projetos, encaminhar em prazos específicos, incapacidade
em lidar com recursos de informática, e a falta de capacidade técnica que
impossibilita o pleno conhecimento da máquina estatal em seus três níveis e
suas regras, e o que é pior, a fraca capacidade técnica de captação de
recursos pelos diversos caminhos criados e possibilitados pela CF de 1988 e
suas regulamentações. Como argumenta Torres (2004, p. 74):
Um número gigantesco de servidores (municipais)...constitui, em sua
grande maioria, recursos humanos desmotivados, mal remunerados,
sem treinamento ou profissionalização, sem planos de carreiras, muitas
vezes com salários e décimo terceiro atrasados...em poucas palavras, é
possível argumentar que, no quadro institucional que se vem delineando
desde 1988, o município passou a ter muitas atribuições importantes,
pouca arrecadação e nenhuma competência burocrática. Assim, são
preocupantes as conseqüências perversas e explosivas que essa
combinação potencializa, especialmente para a população carente que
tanto depende da ação estatal municipal em áreas sociais cruciais ... por
tudo isso, parece-nos haver um inescapável e perigoso descompasso
entre a capacidade burocrática e gerencial do município e a necessidade
de desempenhar as importantes políticas públicas que foram
descentralizadas sem que se fizesse qualquer estudo, programa ou
145
esforço no sentido de aparelhar melhor as máquinas administrativas das
prefeituras.
A mudança na maneira de administrar a pequena cidade acontecerá
quando o estilo de administração pública não for tão dependente do modo de
vida calcado nos resíduos da herança portuguesa, que ainda impregna o modo
de vida e o estilo de administração pública
94
. Contudo, tal processo esbarra em
limitações culturais que são próprias do aparelho burocrático das prefeituras de
pequenas cidades, como especialmente os relacionados ao insuficiente
processo de capacitação técnica e educacional da mão-de-obra, o
relacionamento mais aproximado dos gestores públicos com a maioria da
população e a ausência de maior dinâmica econômico-produtiva que deixa
parte da população sem opções de emprego ou mesmo de empregos com
maior valoração econômica. Segundo Holanda (2004, p. 172):
Se o movimento que, através de todo o império, não cessou de subverter
as bases em que assentava nossa sociedade ainda está longe, talvez,
de ter atingido o desenlace final, parece indiscutível que entramos em
sua fase mais aguda. Ainda testemunhamos presentemente, e por certo
continuaremos a testemunhar durante largo tempo, as ressonâncias
últimas do lento cataclismo, cujo sentido parece ser o do aniquilamento
das raízes ibéricas de nossa cultura para a inauguração de um estilo
novo, que crismamos talvez ilusoriamente de americano, porque seus
traços se acentuam com maior rapidez em nosso hemisfério. No Brasil, e
não no Brasil, iberismo e agrarismo confundem-se... No dia em que o
mundo rural se achou desagregado e começou a ceder rapidamente à
invasão impiedosa do mundo das cidades, entrou também a decair, para
um e outro, todo o ciclo das influências ultramarinas específicas de que
foram portadores os portugueses.
Mesmo que tenhamos em mente a certeza de que não se trata de uma
herança única e exclusiva no “molde” ideológico e dos traços culturais do povo
brasileiro, e neste quesito em especial das pequenas cidades aqui retratadas,
observamos uma profunda marca de registro de nossa herança cultural,
especialmente, no modo de se fazer o gerenciamento urbano e no trato da
população com o poder público municipal nestas pequenas cidades. Segundo
Domingues (2002, p. 473):
94
Aquilo que Faoro (1975) definiu como “estamento político” , em que um grupo de identidade
vive em função do Estado e a “elite política” é um apêndice desse “estamento político”. Assim,
nessa concepção, as relações entre o Estado e a população e dessa para com o Estado,
produz e reproduz o Estado patrimonial na pequena cidade, e assim, esta relação é “herdeira”
desse tipo de “estamento político”. Nesse sentido, seu rompimento é difícil e demanda
alterações profundas nas relações que foram cultural e historicamente estabelecidas.
146
Seria interessante considerar, nesse passo, mais uma vez a questão da
passagem a uma ordem poliárquica no Brasil. Na verdade, mais que
uma dinâmica social hobbesiana desbragada, o que possivelmente se
divisa na sociedade brasileira hoje é a evolução unilateral da herança
ibérica, tão importante na formação nacional. Antes de nos determos
nela, quero, contudo, sublinhar que não se trata em absoluto de uma
herança exclusiva e única, tampouco unívoca. Muitos outros elementos
se misturaram na formação e ao longo da história do Brasil, oriundos de
muitas fontes. Traços comunitários e expressivos, conformando diversos
espaços de solidariedade e integração popular, foram incorporados e
emergiram no curso desse processo. Lutas populares, defensivas,
visando à preservação de espaços e modos de vida, por direitos ou por
interesses instrumentais, têm contribuído para a manutenção ou o
surgimento de “tradições” nacionais, cujas memórias são criativamente
atualizadas no cotidiano de largas camadas da população, gerando e
reproduzindo laços de solidariedade. A própria expansão colonial e a
dinâmica do país após a Independência fizeram outras possibilidades
irromperem. Doutrinas, formas de consciência e modos de
comportamento são importados do Ocidente também desde há muito e
acabaram por deitar raízes e conformar memórias que, ademais,
evoluem ao longo dos séculos.
O interessante nestas argumentações é que mesmo se considerarmos a
influência de aspectos outros que determinaram sobremaneira a formação de
nossa cultura, enquanto formação social e, especialmente, enquanto sociedade
e povo, não podemos relevar sobremaneira o peso da herança ibérica na
configuração da forma de se fazer e realizar as relações entre o poder público
e a população, e vice-versa, em vários níveis de comprometimento e de
dependência. O que queremos demonstrar é que tais relações são visualizadas
em todas as cidades do Brasil, porém em níveis maiores ou menores devido às
formas com que a assimilação de novas maneiras mais modernizadas - e
travestidas de uma imposição de trejeitos administrativos fortemente
impregnados da modernidade anglo-saxã – se dá.
Na pequena cidade, o desencaixe de tais tradições ainda não aconteceu.
O que observamos ainda é a forte presença de uma herança histórico-cultural
ibérica de se fazer a administração pública e de se relacionar o poder público
com a população e esta com o poder publico. Tal afirmação é corroborada
pelas argumentações de Domingues (2002, p. 473-474) que afirma que:
Ainda assim, creio ser válido destacar essa herança ibérica dos inícios
da modernidade européia e de nosso processo de colonização, cujas
bases são neotomistas, as quais, ao vincularem-se à governação
colonial da expansão portuguesa na América, impregnaram a formação
nacional, com pesos variados de acordo com as diversas regiões do
território, e coloriram inclusive as outras tradições que para aqui vêm
confluindo.
147
Tal maneira de encarar a situação é válida, pois em nosso entender as
tradições que tentam suplantar a forma patrimonialista de se fazer o urbano e
sua administração na pequena cidade são facilmente assimiladas e digeridas
pelo modo lusitano ainda persistente. Criando assim um Estado-município
social assentado em sólidas bases sociais que se fez dessa mistura de
preceitos culturais, porém com estruturas vinculadas a uma herança ibérica
que se sobrepõe. Nas sociedades protestantes há uma introjeção da norma, o
indivíduo é livre, mas sua liberdade depende das regras do bem comum. Nas
ibéricas, o controle do indivíduo é externo. O Estado é responsável pelas
normas, deve conduzir as subjetividades, que os indivíduos se expiem desse
controle e sejam anarquicamente livres. Ainda segundo Domingues (2002, p.
474):
Assim é que, originalmente, durante a colonização, um Estado
integrativo e visto como responsável pelo bem comum se sobrepunha a
um individualismo particular. Diferentemente daquele tipo de
individualismo oriundo do protestantismo, que introjetava na consciência
individual as normas sociais e tornava o sujeito responsável por elas,
esse individualismo de fermentação ibérica percebia os sujeitos como
livres perante as sociedades e suas normas, as quais, logo, não
introjetavam, o mesmo ocorrendo com o sentido de responsabilidade
moral, que se descarregava sobre o Estado, o qual, ele sim, fornecia
parâmetros normativos aos indivíduos, que lidavam com eles de forma
meramente cognitiva e, sobretudo, instrumental. A ordem, portanto, não
é considerada como dependente de cada um, mas sim daquela
subjetividade coletiva abrangente – o Estado. Os sujeitos individuais
introjetam com certa leveza as sanções morais negativas, logo se
comportam com facilidade ao arrepio da lei e inclusive de certos
preceitos sociais básicos, cabendo ao Estado, como agente externo,
operar nessa direção.
Com a crescente complexidade da sociedade, mecanismos de controle
pelo alto, de tipo ibérico, revelaram-se ineficazes. Massas populacionais
ficaram de fora do alcance dos favorecimentos sociais e tornam-se agentes do
processo de modificação. No entanto, a perspectiva individual anômica (a
individualidade anárquica) persiste. Assim, mesmo considerando a
complexificação da sociedade brasileira, as novas formas de organização
social e também as novas formas de gerenciamento urbano, as relações
sociais e políticas na pequena cidade ainda se fazem a partir de um espectro
inerente ao modo de se fazer a administração pública voltada para os ditames
ibéricos. Sobre esta complexificação da sociedade brasileira, Domingues
(2002, p. 475) argumenta que:
148
Com essa crescente complexificação e o avanço dos processos de
desencaixe, não os mecanismos tradicionais de controle se
mostraram incapazes de cumprir suas tarefas, mas também o projeto e
as estratégias de incorporação ao estilo ibérico, pelo alto, se esgotaram.
Tampouco esquemas baseados no “favor” puderam reproduzir-se. As
massas tornaram-se, aos poucos, protagonistas crescentemente
presentes da história do Brasil. O mesmo, contudo, não poderia ser dito
da perspectiva individualista anômica, que era a outra face do binômio
ibérico – esta longe de se esgotar. Assim, é provavelmente de um
híbrido semi-institucional que deveríamos em parte falar. Isso se
desenha à medida que as instituições poliárquicas avançam, seguindo
uma trajetória peculiar entre nós, como de resto por toda parte, sem que,
em contrapartida, aquele tipo de individualismo encontre âncoras
institucionais. Se o Estado era, enquanto entidade exterior aos
indivíduos, e nesse sentido a qualquer noção de cidadania, o
responsável único e exclusivo pela integração e pela solidariedade
social, que instituições hoje poderiam cumprir esse papel, sem se
restringir a promover interesses e solidariedades particularistas, porém
sem se remeter direta e forçosamente ao Estado? Como tecer laços
entre indivíduos que mantêm uma relação ambivalente com as
instituições, aceitando-as como universais ao serem impostas de cima
ou ao corresponderem a seus interesses particulares e circunstanciais,
estando sempre prontos, contudo, a transgredir as regras sociais, se de
seu interesse, e se não sofrerem sanções por parte dos poderes
externos que garantem a ordem coletiva?
Porém, o que podemos constatar é que as formas de desencaixe trazidas
pelos “ventos” da modernidade, especialmente do período técnico-científico-
informacional, fora menos incidente e de caráter tangencial na pequena cidade.
As instituições, tanto públicas (as ONG’s e especialmente os conselhos
municipais
95
) como privadas, surgidas como possíveis mediadoras no processo
de administração pública e das relações da comunidade com os aparelhos de
Estado, na pequena cidade, não existem de forma mais aguda a cumprirem
este papel. São realizadas pelo e para o Estado-município social.
São instituições criadas a partir dele e para seu propósito e assim garantir
a permanência do status quo gerencial e de relações sócio-políticas da
população para com o Estado-município social e deste para com a população.
Segundo Domingues (2002, p. 474) as instituições produzidas nestes moldes
tiveram como resultado um controle maior por parte do Estado, devido a que “a
‘modernização conservadora’ manteve-a em grande medida em seu horizonte,
combinando-a com um tipo de patrimonialismo societário e esquemas de
controle e subordinação pessoal baseados no ‘favor’”.
95
Estes conselhos municipais foram criados a partir de regulamentações constitucionais e
estão diretamente relacionados às necessidades de regulamentação de ordem social e de
assistencialismo público. Dentre estes conselhos podemos citar o Conselho Tutelar, Educação,
Saúde, patrimonial, etc.
149
A “modelagem” do estilo, da forma de vida urbana conduzida à maneira do
Estado-município social é o resultado final (do agora) dessa mistura que se faz
entre diferentes modelos de se realizar o espaço da pequena cidade. A “fusão”
da herança histórica ibérica com formas gerenciais advindas da
municipalização modernizadora propostas e impostas pela Constituição
Federal de 1988, que transfere incumbências institucionais, operacionais e
sociais do Estado Federal e Estadual para o Estado-município social, é a
amalgama desse “novo” estilo, ou seja, a “gênese” do Estado-município do
Bem Estar Social ou mesmo do Estado-muncípio social.
Juntamente a isto se tem o Estado Federal e sua política assistencialista
que corrobora com este “espírito”
96
. Viver na pequena cidade “não é difícil”; do
ponto de vista social e econômico, com situações engendradas pelo Estado-
município social. Todavia, menos caras e mais acessíveis à população, o
Estado-município social preenche parcialmente a lacuna da falta de emprego e
também garante o acesso parcial de parte considerável da população a bens
como saúde, educação e lazer.
O Estado-município social é conveniente pois não deixa aberturas
possíveis à população. Não deixa aberturas à noção de auto-sustentação de
maneira organizada e independente. As associações, sindicatos e
organizações sociais nas pequenas cidades, especialmente nas três
localidades analisadas neste trabalho, são “obrigações” do prefeito e do
Ministério Público. A criação de organizações sociais é motivo de disputa pelo
Estado-município social. O Sindicato Rural, as Associações de Garimpeiros, os
vários conselhos municipais, dentre outros são criados sob os auspícios do
Estado-município social e por ele “gerenciado”.
Deste modo, a organização social/entidades de classe em Estrela do Sul,
Grupiara e Cascalho Rico estão diretamente vinculadas às leis criadas a partir
da Constituição Federal de 1988, entretanto não são propostas saídas de uma
necessidade produzida pela espontaneidade da população ou mesmo fruto de
luta no interior da sociedade. O controle das diversas instituições (das escolas,
sindicatos, associações e conselhos) é motivo político e manutenção do poder
96
Estamos nos referindo às várias transferências sociais e assistenciais do governo federal e
algumas da esfera estadual, como a Bolsa Família, aposentadorias, pensões, auxílio gás, bolsa
estudantil, etc.
150
do Estado-município social. Em sua maioria existem porque assim a lei o quer
e o determina. Dessa forma cabe a indagação: tal fato representa uma forma
de controle arbitrário ou é ela forma de se realizar o espaço social e político
benéfico à pequena cidade?
Assim, contrapondo à crise do Estado do Bem Estar Social europeu, que
fez ressurgir políticas “mais liberais”, que tentam reduzir a efetiva participação
do Estado na economia e no social da sociedade capitalista desses países, leis
e regras novas são produzidas e incorporadas ao processo
econômico\produtivo e social brasileiro
97
e sua assimilação na pequena cidade
produz um Estado-município social que se equilibra entre o ser agente
econômico e o ser agente social de maneira mais efetiva que em outras
localidades.
Os agentes políticos da pequena cidade, muito mais que em outros casos,
agem de maneira mais direta nestes processos. Quase não são delegadas
responsabilidades, os prefeitos atuam diretamente no fomento de tais políticas.
Ele é a figura centralizadora do Estado-município social. Atua no processo
produtivo, na função de articulador maior de atração de empresas, coordena e
negocia diretamente as possíveis isenções fiscais e as bases estruturais do
processo. E ainda, o Estado-município social, atua na manutenção das
políticas sociais de baixo impacto. Esse personalismo gerencial e político se faz
marcante na pequena cidade do Estado-município social. Os agentes políticos,
na figura do prefeito, oscilam entre as práticas “modernas” da cidade
econômica/gerencial e a prática política administrativa construída no seio do
Estado-município social. É um arranjo de um Estado do Bem Estar Social,
mistura de práticas herdadas de um patrimonialismo ibérico com políticas
assistencialistas, rascunho do “Welfare State” tupiniquim e microlocal. Segundo
Ianni (2000, p. 23):
O “Estado-Nação” criado na Europa, em condições histórico-sociais
difíceis, tem sido difundido ou exportado, como modelo ou tipo ideal para
outros continentes, ilhas e arquipélagos, povos com outras e diferentes
tradições, instituições, ideais, línguas, religiões, formas de sociabilidade.
Em todos os casos, é sempre possível constatar paródias e paráfrases
mal formuladas, assim como recriações surpreendentes. O mesmo se
poderia dizer do partido político e sindicato, assim como da tirania,
democracia e cidadania; ou capitalismo e socialismo. Sempre que
migram, e estão sempre migrando, os tipos e os mitos tanto perdem
97
Uma interessante análise sobre a constituição do “Welfare State” no Brasil foi realizada por
Medeiros (2001).
151
como adquirem significações. A migração sempre envolve a
transculturação, que por sua vez compreende a tradução. Aí mesclam-se
não signos, símbolos e emblemas distintos, mas “contemporâneos”,
como inclusive os “não-contemporâneos”. Combinam-se, tensionam-se e
negam-se elementos presentes e pretéritos, próximos e remotos,
sagrados e profanos, de tal forma que muitas vezes resultam criações de
um “barroquismo inimaginável”.
2.5 - PEQUENA CIDADE E O FAZER PRODUTIVO INCOMPLETO
A modernização administrativa, vista aqui como sinônimo de avanço nas
relações sociais e democráticas entre os gestores públicos e a população,
entre a população e as instituições geridas por ela mesma e também pelas
orquestradas pelo Estado, não são de fato tão democráticas assim, pois deixa
de fora do jogo político/administrativo toda uma gama de complexidades
políticas, especialmente quando observamos a realidade da pequena cidade.
Segundo Paula (2005, p. 98):
O Estado contemporâneo é um Estado gerencial, ou seja, um corpo
político e administrativo permeado por movimentos simultâneos de
descentralização e recentralização e também por relações competitivas,
tanto horizontais como verticais, nas quais o poder é flexibilizado e se
encontra disperso...em conseqüência, temos um Estado despolitizado e
um déficit democrático, pois apesar do discurso de democratização, as
decisões estratégicas continuam a ser tomadas pelos administradores
das organizações públicas e privadas. Assim, o poder dos
representantes políticos e dos cidadãos é solapado e, em decorrência, a
resistência da sociedade organizada se enfraquece e seu envolvimento
no projeto de reconstrução social fica comprometido...em síntese, o
Estado gerencial enfatiza a boa administração, mas não se direciona
para a superação de contradições e conflitos sociais, resultando em um
Estado distanciado dos problemas políticos que é reforçado pela nova
administração pública, pois esta não se volta para a evolução dos
sistemas administrativos e deixa de enfrentar adequadamente a
complexidade e os desafios da dinâmica política.
Ela, a modernização administrativa, tem que ser uma mudança de estilo
de vida e de visão de mundo por parte da população e assim refletir na
administração blica de modo a não mais encarar o bem público ou mesmo a
máquina do Estado-município social como sendo de alguns, e sim de uma
população que vive e reside no espaço do município, com seus problemas e,
portanto, com suas possíveis soluções comuns.
152
Porém, a imposição de maneiras e fórmulas
98
de administração pública
calcada na modernidade anglo-saxã é perversa para com a pequena cidade
que não possui aparato econômico-produtivo sólido, convive continuamente
com a falta de empregos, para os jovens, especialmente, e a prefeitura não tem
fontes de recursos próprios suficientes. Cria-se um paradoxo que complexifica
ainda mais as relações internas nestes municípios, pois o modelo atual calcado
em fortes bases histórico-ideológicas não se sustenta frente às novas
necessidades sócio-políticas, bem como a imposição de modelos exógenos via
regras e recursos legais são apenas aplicados na superfície da administração
pública. É aquela parte que satisfaz ao Tribunal de Contas e ao Ministério
Público.
Desde o início da década de 1990 acompanhamos a prefeitura de Estrela
do Sul de maneira direta (e indiretamente as de Cascalho Rico e de Grupiara)
em seus vários momentos, analisando/pesquisando por dentro suas
dificuldades e seus avanços
99
. Assim, nestes últimos anos constatamos, nas
várias reuniões de prefeitos da AMVAP (Associação dos municípios da
microrregião do vale do rio Paranaíba) e desta associação com o governador,
deputados federais (em Brasília e Belo Horizonte) e com deputados estaduais
(em Uberlândia e Belo Horizonte), a tônica da falta de recursos e o poder
limitado de investimentos da pequena cidade foi marcante.
Contudo, não podemos deixar de destacar outros graves problemas da
pequena cidade exemplificada pela situação interna dos três municípios: seu
estrangulamento econômico-financeiro induz aos vários problemas de ordem
interna que o de difícil solução. Do estrangulamento econômico-financeiro, o
que resta é o papel político/ideológico dos agentes políticos. Daí deriva as
98
Para Holanda (2004, p. 161): “Os campeões das novas idéias esqueceram-se, com
freqüência, de que tais formas de vida nem sempreo expressões do arbítrio pessoal, não se
‘fazem’ ou ‘desfazem’ por decreto”.
99
Em várias oportunidades, prefeitos e secretários de governo destas pequenas cidades
confidenciaram que não era mais necessário um prefeito, e sim um ”assinador de cheques”,
dado ao grande descontentamento com a falta de verbas para investimentos. O pagamento de
pessoal (em Estrela do Sul corresponde a 42% do total de arrecadação municipal) e as
despesas correntes do município consomem a totalidade dos recursos, produzindo situações
esdrúxulas como a afirmação de que na pequena cidade não se pode investir demais na
qualificação do pessoal, do corpo técnico da prefeitura, pois assim estes na primeira
oportunidade migram para o setor privado (quando este se instala na pequena cidade com uma
fábrica ou negócio ligado ao setor de agronegócio com melhores salários) ou o que é pior,
migra para outras cidades maiores. A qualificação profissional no quadro permanente e
temporário da prefeitura, na visão dos administradores da pequena cidade é sempre temerária.
153
“migalhas” distribuídas na forma de relações políticas como o nepotismo, o
assistencialismo e a distribuição do “bem estar social” via prefeitura (Estado-
município social). Segundo Gomes, Silva e da Silva (2003, p.2):
No contexto do novo quadro de estruturação política do Estado Nacional,
os municípios tiveram a necessidade de redesenhar suas atividades
estatais, isto é, assumir as políticas sociais e, dessa forma, tiveram que
aumentar gastos com saúde, educação e outras atividades de caráter
social, de modo que o município assume, guardadas as devidas
proporções, o papel de Estado de bem-estar social, que até então era
totalmente da responsabilidade do Estado central.
Do estrangulamento produtivo-econômico resta o Estado-município social
como empregador e financiador de políticas culturais e sociais de baixo
impacto populacional. Do estrangulamento técnico resta o Estado-município
social “cabide de empregos”, doador de benesses e “produtor de moeda
corrente”, a partir da doação de combustíveis com “notas” no posto de
gasolina. Do estrangulamento social resta o papel assistencialista e também de
fomentador do comércio farmacêutico com seus rios momentos de “aviação”
de receitas.
Esta última pode ser observada nos gráficos 36 e 37
100
, os quais o
resultado de nossa argüição à população dos municípios de Estrela do Sul,
Grupiara e de Cascalho Rico sobre se já necessitou de ajuda do Estado-
muncípio social no quesito aviamento de receituário médico, combustíveis ou
passagens.
100
Sobre esta pergunta, os resultados foram: em Grupiara 27 entrevistados responderam sim e
26 não; em Estrela do Sul, 41 sim e 30 o; em Cascalho Rico, 37 sim e 14 não. Quanto à
freqüência, dos que responderam sim, as respostas foram: em Grupiara, 20 afiramaram
raramente e 6 sempre; em Estrela do Sul, 31 raramente e 10 sempre; em Cascalho Rico, 16
raramente e 11 sempre.
154
Gráfico 36: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Necessitou de aviamento de receita
médica, combustíveis ou passagens da prefeitura. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Gráfico 37: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Aviamento de receita médica,
combustíveis ou passagens da prefeitura. Freqüência. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Os gráficos 36 e 37 vêm contribuir para demonstrar o quão “dependente”
fica parcela da população para suas necessidades prementes como, por
exemplo, o acesso a medicamentos, especialmente no município de Cascalho
Rico, em que a freqüência se apresenta maior.
Outra maneira que constatamos ser muito comum é a relação de parte
da população com os veículos oficiais dos municípios analisados. Em nosso
155
questionário as respostas sobre a utilização de veículos da prefeitura foi
alarmante quanto a quantidade e freqüência de uso (gráficos 38 e 39)
101
.
Demonstrando uma estreita relação entre receituário farmacêutico e
disponibilidade de automóveis funcionais como moeda e barganha político-
eleitoral.
Gráfico 38: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Viajou em carros da prefeitura para
outras cidades. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Gráfico 39: Grupiara, Estrela do Sul e Cascalho Rico: Viajou em carros da prefeitura para
outras cidades. Freqüência. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
101
Sobre esta pergunta, as respostas obtidas foram: em Grupiara, 34 pessoas responderam
sim e 19 não; em Estrela do Sul, 43 sim e 27 não; em Cascalho Rico, 24 sim e 17 não. E dos
que afirmaram sim, as respostas sobre a freqüência, foram: em Grupiara, 25 afirmaram
raramente e 8 sempre; em Estrela do Sul, 28 afirmaram raramente e 15 sempre; em Cascalho
Rico, 17 raramente e 7 sempre.
156
O que se percebe é que o Estado-muncípio social articulado na pequena
cidade fornece, em parte, as necessidades sociais e econômicas da população
fazendo-a “refém” de suas próprias angústias e do desespero inerte e propício
para o próprio “modus vivendi” articulado pela tangencialidade da modernidade
e da ausência de mecanismos eficazes de auto-sustentação, ou mesmo
sustentabilidade da população.
O “cabide de empregos”, a total dependência de parte da população para
com os veículos da prefeitura, a necessidade de aviamentos para as receitas
médicas, e a própria articulação da esfera de serviços Federais e Estaduais
nos ombros da prefeitura representam estrangulamentos sócio-produtivos e
sócio-estruturais que alimentam o Estado-muncípio social.
Estes vários estrangulamentos (econômico, técnico e social) produzem
um Estado-município social resistente às novas maneiras de governar a
sociedade, muito mais pela necessidade que por resistência político/ideológica.
O que se faz então é a produção de um anacronismo em que as parcas
receitas do município são, em sua grande maioria, “distribuídas” no circo
armado de relações internas a um grupo de pessoas ligadas de maneira direta
e indireta ao poder público do momento.
Tais constatações nos servem como um dos melhores parâmetros para
determinar e classificar uma cidade como “pequena”. Outrossim, vale o esforço
em analisar estas localidades segundo outras fontes teóricas e metodológicas
existentes nas ciências sociais e, especialmente, na área geográfica.
157
CAPÍTULO III
CAPÍTULO III CAPÍTULO III
CAPÍTULO III -
--
-
AS PEQUENAS CIDADES DE ESTREL
AS PEQUENAS CIDADES DE ESTRELAS PEQUENAS CIDADES DE ESTREL
AS PEQUENAS CIDADES DE ESTRELA DO
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SUL, GRUPIARA E CASCALHO RICO E O “MUNDO” QUE É
SUL, GRUPIARA E CASCALHO RICO E O “MUNDO” QUE É SUL, GRUPIARA E CASCALHO RICO E O “MUNDO” QUE É
SUL, GRUPIARA E CASCALHO RICO E O “MUNDO” QUE É
SEU
SEUSEU
SEU
Fonte: Fotografias de Estrela do Sul (alto) e Cascalho Rico (abaixo).
158
O pontual tratamento científico das pequenas cidades no âmbito da
Geografia fica evidenciado pela quase inexistência de formas de categorização
destas cidades na rede urbana que se criou e se cria no Brasil. Para Wanderley
(2001, p. 02) “a pesquisa sobre os pequenos municípios parece permanecer à
margem do interesse dos pesquisadores, sem que se formule sobre eles uma
reflexão mais sistemática”.
Ao observarmos as principais obras sobre a temática, percebemos que se
criaram vários critérios de delimitação e classificação para várias classes e
tamanhos de cidades, mas as pequenas cidades são, em geral, englobadas em
um “limbo” conceitual e epistemológico, ou são genericamente denominadas de
“pseudocidades”, áreas de resistência” como exposto em Santos (1979) e
reafirmado por Oliveira e Soares (2003), municípios rurais para Veiga (2001),
ou mesmo de cidades rurais como em Abramovay (2000). A classificação do
IBGE (2000) denomina a cidade, não importando o número de habitantes,
desde que sua população esteja agrupada em locais considerados por este
instituto lugar urbano.
A grande dificuldade dos estudos sobre as pequenas cidades começa
com a confusão do que se estuda: município ou cidade? E principalmente com
a delimitação do que sejam cidade e área urbana pelos órgãos
governamentais, especialmente o IBGE. Segundo Camarano e Beltrão (2000,
p. 14) para o IBGE “a definição de população urbana tem um caráter político
administrativo ao incluir todas as sedes de municípios e distritos
independentemente do seu tamanho”. Mas não o Brasil delimita o seu
urbano segundo estes critérios. Segundo Camarano e Abramovay (1999, p.
06):
No Brasil, bem como no Equador, na Guatemala, na República
Dominicana e em El Salvador, o critério tem natureza mais administrativa
que geográfica ou econômica. O que vale não é a intensidade ou certas
qualidades dos assentamentos humanos, mas o fato de serem
considerados administrativamente como urbanos ou não pelos poderes
públicos municipais. Segundo a definição do IBGE (1997), ‘na situação
urbana consideram-se as pessoas e os domicílios recenseados nas
áreas urbanizadas ou não, correspondentes às cidades (sedes
municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas urbanas isoladas (...).
159
Podemos, pois afirmar que tal discussão sobre pequenas cidades e
municípios tornou-se uma espécie de anacronismo nos debates da Geografia
no século XX e início deste XXI. Esta problemática toma forma quando se
discute acerca da conceituação do que seria cidade e a diferença conceitual e
epistemológica entre cidade e urbano.
Nas análises geográficas acerca dessas localidades, a sua caracterização
torna-se, atualmente penosa, pois as várias classificações e categorizações
são incompletas para certos agrupamentos e outras não contemplam cidades
do porte demográfico abaixo de 10.000 habitantes. Assim, podemos
estabelecer como forma de estudo as análises sobre este assunto formuladas
a partir da classificação de Santos (1979, 1989, 1996b) e também as análises
de Oliveira e Soares (2003) além dos estudos do IPEA (2000), especialmente
as considerações de Camarano e Abramovay (1999), Abramovay (2000) e
Veiga (2001), sobre a ruralização e as pequenas cidades, e ainda Bacelar
(2003) sobre a pequena cidade, Corralo (2006) e sua interessante obra sobre a
evolução do conceito e da proposta de municipalidade no mundo e no Brasil,
Silva (2000) que realizou importante estudo sobre as pequenas cidades e suas
relações internas, Ferreira, Aguilera e Carvalho (2000) sobre pequenas
cidades, e mais Diniz, Poeta, Antonio e Silva (2000), que analisam os impactos
e as repercussões de modelos de desenvolvimento rural sobre algumas
cidades, em especial aquelas em que o mundo rural é mais próximo das
realidades das populações residentes.
. 3.1 – A PEQUENA CIDADE
O caráter fundamental perpetrado às cidades atuais reflete as
características das sociedades que as criaram/moldaram. Podemos observar
tal argumento na afirmação de Harvey apud Corrêa (1997, p. 121):
Vista como uma forma de organização do espaço pelo homem, a cidade
pode ser considerada (...) como expressão concreta de processos
sociais na forma de um ambiente físico construído sobre o espaço
geográfico. Expressão de processos sociais, a cidade reflete as
características da sociedade.
160
Esta maneira de encarar a cidade feita por Harvey
102
demonstra uma
conceituação que possui um caráter extremamente abrangente, pois consegue
englobar todas as formas de cidades através dos tempos e com isto nos dá
margem para estabelecer uma correlação a um dos assuntos discutidos pela
Geografia na atualidade. Qual o tamanho de uma cidade? Se o conceito, ou os
conceitos de cidade perpassa pela relação desta com sua sociedade, e vice-
versa, permite-nos a indagação: o conceito de cidade vale apenas para as
grandes e médias? E as cidades abaixo de 20.000 habitantes? E as com
população inferior a 10.000 habitantes? Afinal estas apresentam um número
expressivo de cidades no Brasil, como atesta a tabela 3:
103
Tabela 3: Brasil: evolução das cidades com até 10.000 habitantes, 2000.
1970 1980 1991 2000
Brasil 3.952 3.991 4.491 5.507
Municípios até 10.000 habitantes 3.361 2.971 2.273 2.616
Porcentagem em relação ao Brasil 85,05% 74,43% 50,62% 47,50%
Fonte: Censos do IBGE – 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000.
Org.: BACELAR, W.K.A., 2003.
Se as cidades são o produto/sujeito de sua sociedade, como apenas
alguns aglomerados humanos podem ser considerados cidades? Será que o
caos maior das grandes e médias cidades é, no final, o ponto forte nas
definições de cidades pelos estudiosos do assunto? Tais indagações são fruto
de uma grave constatação: uma parte dos estudiosos sobre as cidades afirma
que se deve conceituar e aceitar como cidades apenas alguns aglomerados
humanos ou tios humanos acima de determinado número de habitantes, ou
ainda utilizam o critério da densidade demográfica, localização, e até mesmo
os três critérios juntos, o que a nosso ver são estáticos e arbitrários
104
. Souza
(2003, p. 29) argumenta que:
102
Harvey apud Corrêa (1997, p. 121).
103
Bacelar, 2003, p. 41.
104
Sobre este assunto Camarano e Abramovay (1999) realizaram uma interessante análise.
Também se pode observar tal análise em Abramovay (2000) e Veiga (2001).
161
Fixar um limite mínimo, em matéria de número de habitantes, como
forma de se estabelecer o que é cidade e o que não é, em um
determinado país, é o jeito mais cômodo de se enfrentar a tarefa prática
de distinguir entre núcleos urbanos e rurais, e pode não dar em
resultados ruins, desde que se proceda a isso tomando por fundamento
um conhecimento sólido da realidade sócio-espacial do país em questão.
No entanto, essa solução ajuda muito pouco na hora de se entender o
que é uma cidade, problema esse antes de ordem qualitativa que
quantitativa. Além da estipulação de limites demográficos mínimos há,
também, critérios ‘funcionais’ que deixam tudo em aberto: é o caso do
Brasil, onde núcleos urbanos são as cidades e as vilas, sendo que as
primeiras são sedes de municípios e as segundas são sedes de distritos
(subdivisões administrativas dos municípios). E, de fato, nenhum outro
conteúdo se associa a essa ‘definição’ brasileira oficial de cidade e de
vila: é certo, sem duvida, que uma vila, que sedia um simples distrito, é
menor que uma cidade, que sedia todo o município; mas, a elevação de
uma vila à categoria de cidade, na esteira da emancipação do distrito e
criação de um novo município (pois, se um município pode comportar
vários distritos e, portanto, diversas vilas, não pode haver um município
com duas cidades), é um processo essencialmente político.
Os critérios para delimitação e conceituação do que seria uma cidade não
são universais. Alguns estudiosos do urbano estabelecem critérios rigorosos
para caracterizar um determinado assentamento humano como cidade e assim
relegam cidades menores a um limbo conceitual e até mesmo modificam suas
características de conceituação ao afirmarem serem as pequenas cidades,
não-cidades.
105
Se as cidades são expressões de sua sociedade, os critérios de
conceituação destas são maleáveis com o tempo, pois o padrão de cidades ao
longo do tempo variou muito. As cidades antigas, com raras exceções, não
tinham grande população (conceito este que também variou muito ao longo da
história da humanidade), e sua densidade demográfica também era baixa. O
padrão de moradia humana na época medieval era muito mais rural que
citadino, criando com isto uma enorme dispersão de vilarejos e povoados e
poucas grandes cidades.
Estes momentos são inerentes de sociedades antigas, e ou mesmo
medievais, em que o padrão urbano era muito diferente do atual. No tocante à
população, esta era, nestes momentos reduzida em comparação aos padrões
atuais, expressão talvez de uma menor expectativa de vida e crescimento
vegetativo das populações do mundo antigo e medieval. No capitalismo mais
avançado do culo XX, a conceituação de cidade mudou, e seu tamanho
105
Muito bem analisado em Abramovay (2000).
162
também. Estas aglomerações humanas passaram a ser as responsáveis pelo
padrão de morar e de viver na maioria dos países.
Com o desenrolar do século XX, a urbanização maciça elevou as cidades
ao seu mais alto nível de especialização e importância na sociedade humana.
Por isso, as cidades viram seu tamanho populacional e sua importância no
processo de urbanização aumentar no mesmo ritmo. Se antes as cidades eram
menores e tinham menor importância (alterando esta lógica em breves
períodos de tempo na história da humanidade desde o período neolítico),
estas, porém, sempre foram consideradas “cidades” (com outros nomes ou
denominações regionais e nacionais).
Atualmente, a humanidade aumentou seu número populacional e mais da
metade do planeta mora em cidades. Estas, por sua vez, tornaram-se grandes,
gigantescas; e as pequenas cidades perderam seu anterior prestígio. Será que
tais não o cidades devido a tal mudança no padrão de viver do ser humano?
O que, a nosso ver, está mais em debate não é se um determinado
agrupamento de casas, edifícios, ruas e avenidas é ou não é cidade, mas sim
se este local é urbano, ou melhor, se este local está inserido no modo de vida
urbano. sim está a grande especulação a ser feita: se as pequenas ciades
consomem o mesmo “urbano” que outras localidades, como acesso a serviços,
à mídia, ao consumismo inerentes a sociedades urbanas. Estas deveriam ser
as especulações mais pertinentes.
A simples mudança de nome, ou conceituação para locais, vilas,
povoados, cidades, municípios ou aglomerados humanos menores de 20.000
ou 10.000 habitantes nos parece a ponta do ‘iceberg’ da problemática. A
discussão se um determinado local é ou não cidade, campo, não-cidade, etc.,
não traduz efetivamente a grande problemática destes lugares. A nosso ver a
grande questão é se este local é ou não urbano. Se este local está ou não
inserido em uma rede urbana, ou mesmo se esta localidade está inserida nos
padrões da globalização mundial e do modo de vida urbano que se apresenta
no planeta Terra a partir da década de 1950 e, mais fortemente, a partir da
década final do século XX.
Isto significa uma inversão no pensamento e nos debates que
predominam na escassa bibliografia sobre o assunto pequenas cidades. Sobre
163
este debate os escritos de Abramovay (1999 e 2000), Santos (1996 b, 2005),
Oliveira e Soares (2003) são, ao mesmo tempo, contundentes (o primeiro) e
insuficientes (o segundo e terceiro) para se determinar com clareza aspectos
exclusivos destas pequenas cidades.
As pequenas cidades com menos de 20.000 habitantes são a maioria no
território brasileiro. Segundo Camarano e Beltrão (2000), estas representavam
em 1970 14% da população total urbana brasileira, em 1980 15,5%, em 1991
16,4% e em 1996 11,8% no final de sua análise. Levando-se em consideração
o montante populacional, estas não demonstram um número expressivo. Mas
se analisarmos número desses municípios frente ao todo nacional veremos que
os mesmos são a grande maioria, mais de 80% segundo o censo IBGE 2000.
Embora englobe uma gama considerável de cidades a sua população, no
todo populacional brasileiro, em termos absolutos representa pouco. Como
demonstrado, estas pequenas cidades com população inferior a 10.000
habitantes, representavam 10,65% do total da população do Brasil em 1970,
em 1980 cai para 7,75%, possivelmente fruto das intensas migrações intra-
urbanas no Brasil neste período, o que de fato explica, também, a maior queda
representativa ocorrida em 1991, quando o porcentual populacional destas
pequenas cidades despenca para 6,97% do todo nacional
106
.
Segundo o censo demográfico do IBGE de 2000, estas crescem sua
participação no todo populacional brasileiro para 8,16%, devido,
provavelmente, à redução da migração das pequenas cidades para as médias
e grandes e também da diminuição, pequena, mas significativa, do êxodo rural,
que é significativo para essas localidades brasileiras.
Outro fator explicativo deste pequeno aumento da participação da
população das cidades com menos de 10.000 habitantes no todo populacional
brasileiro deve-se ao fato das emancipações municipais, em que houve um
desmembramento territorial e populacional verificado após a Constituição
Federal de 1988. Tal fato fez aumentar o número destes pequenos municípios
em todo o Brasil e ajudou a aumentar a população percentual dessas
localidades.
106
Segundo Camarano e Beltrão (2000).
164
Nas médias e grandes cidades a discussão acerca do espaço urbano, seu
uso e ocupação estão em outro nível ou mesmo escala de grandeza e não de
importância. Os problemas urbanos das pequenas cidades são os mesmos
vistos em cidades de porte dio e grande. A diferença reside na escala
107
.
Nessas localidades o processo de favelamento existe e está intimamente
relacionado ao processo de modernização do campo que expulsa levas de
migrantes para as periferias destas localidades e, também, geram os conflitos
habitacionais com invasões e ocupações de áreas de risco.
As questões políticas como currais eleitorais, voto de “cabresto”, a troca
de voto por alimento, dinheiro, casas, benesses do poder público etc. Além
disso, a falta de saneamento básico
108
é um problema muito grave nessas
localidades juntamente com a falta de emprego. A visão de cidade pequena
como refúgio, como saudosismo e bucolismo, a cidade pequena como sonho
da aposentadoria, cidade sem violência e de pouca poluição, a cidade sem o
estresse do cotidiano urbano etc., são visões que em grande parte não refletem
completamente a realidade e são em muitos casos ensejadas pela mídia.
As pequenas cidades estudadas por Santos (especialmente em 1996,
2001e 2005), são denominadas de cidades locais. As cidades locais não são
definidas, segundo Santos (1996 e 2001), apenas levando em consideração o
aspecto populacional, mas envolve determinações segundo as quais estas
vivem em função das atividades agrícolas, cidades do campo, inverso da forma
anteriormente estabelecida no período pré década de 1970, em que estas
cidades eram no campo.
Para Santos (1996 e 2001), a cidade local atualmente, como
demonstrado aqui, desempenha um papel de cidades econômicas, onde
107
Segundo Souza (2003, p. 103/104/105): “... estou acostumado a ouvir, do taxista, do
barbeiro e até de estudantes na universidade, que o tamanho maior ou menor de uma cidade
explica a intensidade maior ou menor de seus problemas. À primeira vista, isto parece fazer
muito sentido: afinal, se uma cidade é maior, ela possui mais habitantes, mais automóveis, e
portanto mais vítimas de assalto em potencial, mais assaltantes em potencial etc. etc. etc.,
sendo sensato esperar que ela seja mais poluída, mais violenta, mais insegura etc. etc. etc..
Certo? Errado. Ou pelo menos está longe de ser tão simples assim...Se o tamanho explicasse,
por si só, alguma coisa, a região metropolitana de Londres, com doze milhões e meio de
habitantes...deveria ser, então, mais de quatro vezes mais poluída e insegura que a metrópole
de Recife, com seus um pouco mais de três milhões de habitantes...pressões quantitativas,
resultantes de fenômenos demográficos ou econômicos, agravam, mas não criam os
problemas fundamentais”.
108
Uma amostra dos problemas ambientais, pode ser visalizado, a partir de fotografias do lixo
a céu aberto nos municípios de Estrela do sul e de Grupiara no anexo 5.
165
perdem o poder político e de encontro para funcionar apenas para a produção
agrícola, atendendo seu entorno com atividades de serviços como bancos,
hospitais, lojas agropecuárias, centro comercial, veterinários, agrônomos etc.
Para corroborar tais análises, Oliveira e Soares (2003: 08) argumentam que
Santos, W. (1989, p. 08):
...comenta que existem conceituações sobre o tamanho da cidade local,
de modo que seu patamar urbano gire em torno de 20.000 habitantes.
Entretanto, conclui que isso não possui muito valor, visto que um marco
numérico é sempre artificial; a importância de sua função regional
qualificaria melhor a cidade, de pequena, média ou grande.
No período pós década de 1970, o período técnico-científico-
informacional, a urbanização maciça cria dois ‘Brasis’, um urbano e outro
agrícola e não mais aquela dicotomia observada na década de 1950 onde os
dois ‘Brasis’ eram um urbano e outro rural (SANTOS, 1996 e 2001). O Brasil
agrícola insere cidades que se articulam em um espaço de produção agrícola
modernizado, que evidencia um padrão de urbanização diferencial, em que a
vida nas cidades integra-se ao mundo agrícola, o apenas rural, e não
totalmente ao mundo urbano.
Desse modo, é também evidência de que no campo modernizado ocorre a
expulsão do trabalhador não qualificado, pois as relações de trabalho não são
mais rurais e sim urbanas, tais como carteira de trabalho, a assinatura do
ponto, cestas básicas etc. O campo perde população, mas também, e nessa
nova configuração, as pequenas cidades perdem população.
Como a modernização agrícola fora realizada pelo grande capital
agroindustrial, aqueles centros urbanos melhor capacitados e melhor inseridos
na rede urbana absorveram mais pido, que outros centros urbanos, as
inovações tecnológicas no campo e no urbano e, assim absorvem também o
excedente migracional da região. Esta análise relacionada a fatores de fluxo
migracional não pode ser encarada de forma superficial e apenas quantitativa,
ela está intimamente ligada à vida econômica das pequenas cidades e,
sobretudo ao aspecto funcional em que a relação do conjunto populacional
destas pequenas cidades com o aparato administrativo se faz mais intricado e
direto.
166
3.2 - A REALIDADE DAS PEQUENAS CIDADES NO ASPECTO
ADMINISTRATIVO E FUNCIONAL
Pequenas cidades em que a base produtiva e de empregos é pequena,
seus habitantes vivem quase em total estado de dependência do poder público,
exemplificado pelas prefeituras, o que torna-se o maior empregador dos
municípios pequenos, como na grande maioria das pequenas cidades com
população inferior a 10.000 habitantes, os recursos ou receita tributária
municipal não representam a principal fonte de receita.
Dos municípios brasileiros, aqueles com até 10.000 habitantes, participam
com apenas 9,9% das receitas tributárias do país (ISS, IPTU, ITBI, ICMS etc.).
109
Sendo assim, os repasses Federais e Estaduais são as fontes vitais desses
municípios, que não conseguem gerar receita interna. A fonte principal destes
repasses é o Fundo de Participação Municipal (FPM), criado pelo governo
Federal como uma forma “de transferência de caráter compensatório, que
procura dar mais recursos para aqueles municípios que têm menos condições
de arrecadar por seus meios”.
110
Além deste repasse Federal ainda existe o repasse Estadual do ICMS,
que são duas das principais formas de repasse de verbas de cidades de
pequeno porte. Para Bremaeker (1997, p. 101) o FPM é a principal fonte de
receita de 73,9% dos municípios de pequeno porte. Para 14,2% destes
municípios o FPM e o ICMS repartem importância, enquanto que outros 11,9%
destes municípios é o ICMS a principal fonte de receita”.
O repasse da verba Federal para os municípios, o Fundo de Participação
dos Municípios (FPM) é calculado no montante populacional de cada município
e não na arrecadação tributária. Quanto maior a população, maior o percentual
de recebimento do FPM. Portanto, quanto maior sua população, a cidade
recebe um percentual maior, ou seja, sua participação no ‘bolo’ de repasse das
verbas Federais é maior. Segundo Gomes, Silva e da Silva (2003, p. 3):
O FPM tem como critério de distribuição, o tamanho da população;
sendo os municípios organizados segundo faixas de números de
habitantes. Considerando que o sistema tributário brasileiro concede aos
municípios impostos cuja base de tributação mais relevante é
eminentemente urbana, passa a existir uma forte concentração das
109
Assunto bem exposto em Bremaeker (1996 e 1997).
110
Bremaeker (1997, p. 105).
167
receitas tributárias naqueles municípios que apresentam maior porte
demográfico. Tal critério penaliza, de certa forma, os municípios
caracterizados pela presença de pequenos contingentes populacionais,
principalmente os que possuem população abaixo de 20000 habitantes,
uma vez que eles apresentam uma baixa participação quanto à receita
tributária.
Estes repasses federais e estaduais foram criados tendo em vista uma
evolução tributária altamente ligada ao processo de urbanização do Brasil.
Desde a Constituição de 1934, passando pela de 1946 e chegando à atual de
1988, o Brasil e seus legisladores incorporaram nestas Constituições, impostos
que quando não diretamente expostos na Carta Magna, foram criados por
decretos e Medidas Provisórias.
Tais tributos e formas de repasse para Estados e Municípios sempre
partiram destas Constituições a partir de uma base urbana, ou seja, tais
tributos e repasses sempre tiveram como base a cidade. O que vale afirmar
que a massa de tributos é eminentemente urbana (ISS, IPTU, ITBI, IPVA,
etc.),
111
o que cria um anacronismo, pois as pequenas cidades possuem uma
fraca arrecadação destes tributos, o que em verdade, acaba por privilegiar os
111
Os repasses Federais e Estaduais além do FPM fazem parte do “bolo” de arrecadação
municipal. São eles: ITR (Imposto Territorial Rural) com repasse da União e da Receita Federal
(Anual); PAB (Piso de Atendimento sico) repasse per capita mensal da saúde (da União);
CID (Contribuição Intervenção de Domínio Econômico), repasse referente ao combustível de
origem Federal e periodicidade trimestral; FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação
Básica), de origem Federal, sendo mensal e/ou semanal sua periodicidade. Sua articulação é
progressiva até atingir o patamar máximo de 20% de todos os outros repasses, sem incluir os
referentes a Royalties e compensações; IPVA (Imposto de Propriedade de Veículos
Automotores), repasse estadual de 50% dos veículos automotores emplacados no município;
ICMS EXPORTAÇÃO é um repasse mensal realizado pela União como incentivo a
exportação e compensação à Lei Kandir; ROYALTIES (quando for o caso) é um repasse
federal; COMPENSAÇÃO (quando for o caso de perda territorial) é um repasse federal. Tanto
os Royalties como as compensações o isentos de imperativos constitucionais que obrigam
os administradores públicos municipais a “gastar” 15% da arrecadação com a Saúde, 25% com
a Educação e também os repasses do executivo para as câmaras de Vereadores. Estes dois
repasses (Royalties e compensações) ficam a “critério” de gastos sem imposições legais e
livres para seres “aplicados” da melhor maneira que convier ao executivo municipal; FEX é um
auxílio financeiro de repasse federal; PSF (Programa Saúde da Família) é mensal e repassado
diretamente pela União; SAÚDE EM CASA é um repasse estadual exclusivo do Estado de
Minas Gerais; PPI/ECD é um repasse mensal com contrapartida do município de 30% do valor
repassado. É vinculado a secretaria de saúde do município como auxílio e controle de
epidemias como Dengue e Febre Amarela e destina-se a pagamento dos agentes, combustível
e outras necessidades no controle epidemiológico municipal; ISS (Imposta sobre Serviços) é
um imposto municipal; IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) também municipal e de fraco
desempenho na pequena cidade; ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos)
municipal; algumas taxas municipais como alvarás de realização de festas, eventos esportivos,
etc.; e CONVÊNIOS com o estado (como o do transporte escolar de alunos da rede estadual
que é realizado pela frota de ônibus e automóveis do município e que em verdade a quase
totalidade dos custos é de responsabilidade do poder executivo municipal) e o governo
Federal.
168
municípios ou cidades médias e grandes, onde estas contribuições são
positivas, no aspecto de melhoria e, assim, constata-se que tais tributos
somente encontram significado em um ambiente urbano expressivo como bem
analisado por Bremaeker (1997).
112
Além desse pesquisador, Afonso e Araújo
(2007, p. 11) analisam esta estreita relação entre tributos e a questão urbana e
o tamanho populacional e assim afirmam que:
Uma vez que os principais tributos municipais têm características
eminentemente urbanas, as propriedades mais valorizadas e as
atividades de serviços encontram-se mais concentradas nos grandes
centros e nas regiões mais desenvolvidas. Por esta razão é que, a
despeito do substancial incremento, em termos agregados, da receita
própria municipal, a arrecadação também é concentrada nas regiões
mais ricas. As transferências, em particular as do FPM, cumprem,
portanto, o papel de minimizar a enorme variância no padrão de
financiamento dos municípios brasileiros.
Nesse contexto, é premente a necessidade das pequenas cidades com os
repasses estaduais e federais, mas como a influência do poder político dos
grandes e médios municípios é sempre maior que os pequenos, este repasse
toma foro político e, quase nunca, os critérios de repasse tomam com base o
aspecto puramente técnico. As cotas são técnicas, mas para cobrir as
necessidades de seus pequenos municípios os prefeitos dessas cidades
necessitam sempre de repasses complementares nos âmbitos estaduais e
federais que nunca chegam dado ao seu pequeno peso político frente a estes
poderes
113
. Segundo Torres (2004, p. 63):
Ao longo da execução orçamentária existem, basicamente, dois tipos de
transferências de recursos da União para estados e municípios:
transferências constitucionais e transferências voluntárias
114
. As
primeiras são repasses que a Constituição determina e são
obrigatoriamente transferidos através, por exemplo, dos fundos de
participação dos estados e municípios, gastos mínimos em educação,
saúde etc. Como não há margem de manobra ou barganha política nas
transferências constitucionais obrigatórias, o espaço de atuação política
e patronagem fica restrito às transferências voluntárias. Para manter,
ampliar e melhor controlar a sua base de sustentação política no
Congresso, o Executivo se utiliza das transferências voluntárias para
garantir apoio político dentro do sistema de presidencialismo de coalizão.
112
Sobre este assunto Bremaeker (1997) analisa e afirma que os repasses Federais (FPM) e
Estaduais (ICMS) são conjunturais e que oscilam conforme a arrecadação estadual e federal,
sendo também oscilantes devido à inflação que solapa os parcos recursos destinados aos
pequenos municípios, especialmente àqueles com menos de 10.000 habitantes.
113
Bremaeker, 1997, p. 98-108.
114
Segundo Torres (2004, p. 63) transferências voluntárias são definidas na Constituição
Federal como “a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da federação, a título
de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação
constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde”.
169
O FPM é atrelado à arrecadação federal, portanto, oscila muito e com isto
os repasses também. Os pequenos municípios são os que mais sentem o
impacto de qualquer alteração que se promova com o fluxo de recursos do
FPM. Mesmo considerando que a participação dos municípios como um todo
aumentou nestas últimas décadas – na participação dos recursos públicos
(estaduais e federais), pois subiu de 12% na época do governo militar para
17% na década de 1980 e chegou aos 25% nos dias de hoje com a nova
Constituição – mesmo assim os pequenos municípios ficam atrelados aos
ditames legais de repasse deste “bolo” orçamentário (25% do todo), o que vale
ressaltar que o restante das verbas estaduais e federais ficam a cargo do peso
político de cada cidade, estado e região.
115
Outro importante fator a ser considerado é o de que estes municípios
dependem exclusivamente desses repasses, que estão atrelados ao montante
populacional, assim, municípios como Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico
que têm uma forte tendência à estagnação e/ou pouco crescimento
populacional, ficam com o coeficiente mais baixo no repasse estadual do ICMS
e, principalmente, do FPM de ordem federal.
O governo de Minas Gerais criou a Lei de Distribuição Orçamentária
(conhecida como “Lei Robin Hood”)
116
pensando numa maior distribuição do
115
Bremaeker, 1996, p. 15.
116
Segundo a Fundação João Pinheiro (www.fjp.gov.br) a Lei “Robin Hood” é assim definida:
“A Constituição Federal no artigo 158 estabelece as regras da distribuição do Imposto Sobre
Operações Relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e de 10% do Impostos
sobre Produtos Industrializados (IPI) entre os membros da federação. Do total do valor
arrecado, 25% pertencem aos municípios (inciso IV), devendo ser repassado no mínimo, três
quartos, proporcionalmente ao valor adicionado fiscal (VAF) e, o restante, como dispuser lei
estadual. Minas Gerais, conforme competência dada, estabeleceu no Decreto-Lei nº 32.771, de
julho de 1991, que a distribuição da cota-parte do ICMS dos municípios observaria três
critérios: o Valor Adicionado Fiscal, os Municípios Mineradores e Compensação Financeira por
Desmembramento de Distrito. A distribuição do ICMS realizada com base nestes critérios
demonstrava um alto grau de concentração de recursos nos municípios mais desenvolvidos e
mais ativos economicamente, e conseqüentemente, possuidores do maior volume de VAF.
Diante deste diagnóstico pouco favorável para os municípios mais pobres e que apresentavam
atividade econômica inexpressiva, foi publicada em 28 de dezembro de 1995 a Lei 12.040,
ou Lei “Robin Hood”. Esta indicava novos critérios para a distribuição da cota-parte do ICMS
dos municípios, visando descentralizar a distribuição da cota-parte do ICMS dos municípios,
desconcentrar renda e transferir recursos para regiões mais pobres; incentivar a aplicação de
recursos municipais nas áreas sociais; induzir os municípios a aumentarem sua arrecadação e
a utilizarem com mais eficiência os recursos arrecadados e, por fim, criar uma parceria entre
estado e municípios, tendo como objetivo a melhoria da qualidade de vida da população destas
regiões. Assim, os novos critérios introduziram outras variáveis que modificaram a metodologia
170
bolo orçamentário entre os municípios, equalizando as remessas de capital
entre as cidades do Estado. Esta lei tem como um dos tópicos de balizamento
forte a quantidade de municípios pequenos no Estado. Este é o maior
argumento do estado de Minas Gerais para defender a lei frente aos interesses
das médias e grandes cidades do Estado que bradam perdas de repasse
estaduais com tal lei.
Contudo, mesmo esta lei não é consenso entre os prefeitos das pequenas
cidades. O prefeito de Estrela do Sul, Haroldo José de Almeida (2005-2008)
quando questionado acerca desta lei afirma que “foi uma grande idéia, mas
faltou coragem para melhor distribuir as rendas e realmente resolver os
problemas de arrecadação das várias cidades. E ao mesmo tempo evitar punir
as regiões produtoras”. O prefeito de Grupiara Ronaldo José Machado afirma
que tal lei “foi boa para a região, mas não para o nosso município”. Já o
prefeito de Cascalho Rico Fernando Borges dos Santos (2005-2008) vai mais
longe e afirma ser terminantemente contrário a esta lei alegando que a
distribuição da “renda dos outros não resolve, pois em seu entender os
benefícios de tal lei estão contrários aos processos da sociedade capitalista”.
Mas, mesmo assim, a lei “Robin Hood” apresenta-se ainda muito tímida
frente às necessidades prementes das pequenas cidades que não conseguem
atração de empresas ou mesmo financiar pequenos negócios e indústrias
locais. A solução seria, portanto, uma nova especialização urbana para estes
centros, pois a produção geraria mais empregos e assim mais capital circulante
nesses municípios. Ao mesmo tempo tem que haver maior integração das
esferas de poder municipal, estadual e federal como forma de inserir as
pequenas cidades em uma rede articulada ao capital moderno e globalizado.
O processo intenso de articulação econômica e produtiva do espaço
global aprofunda-se no pós década de 1970 e no decorrer da década de 1990
até nesse novo século (e milênio) aprofunda-se, onde a lógica perversa da
globalização produz lenta e gradualmente uma adequação dos programas e
de cálculo usada. Em dezembro de 1996 foi publicada a Lei nº 12.428 que alterou a lei anterior,
diminuindo o peso do VAF, e melhorando a participação dos critérios: Área Geográfica,
População, População dos 50 mais Populosos, Educação, Saúde, Meio Ambiente, Patrimônio
Cultural, Produção de Alimentos e Receita Própria. A lei que prevalece hoje é a lei nº 13.803 de
27 de dezembro de 2000, que manteve os critérios e as variáveis da Lei anterior (12.428/96),
mas determinou a redução progressiva da compensação financeira dos repasses para Mateus
Leme e Mesquita e extinção deste critério a partir de 2004.”
171
políticas econômico/sociais dos países do mundo à nova lógica do capital
globalizado.
Nas últimas décadas do século XX, os países adequam sua estruturas
político/econômicas e também tributárias ao mercado global, produzindo com
isso uma verdadeira adequação dos mercados nacionais aos ditames da
economia globalizada que se reflete na perda de autonomia nacional em
fomentar políticas econômicas individualizadas, com forte reflexo no social de
cada país.
Internamente ao território de cada país o processo é similar, visto que o
todo se reflete no particular e o particular pode exprimir o todo, pois que entre
os estados de um dado país - e estamos aqui nos referindo especificamente ao
Brasil como parte do mundo ocorrem processos similares ao todo mundial.
Vários estados da federação adequam suas políticas econômicas e sociais às
necessidades das empresas, sejam elas multinacionais ou nacionais, numa
verdadeira guerra fiscal/tributária que se realiza entre os estados, os quais
formulam suas políticas econômicas voltadas não a um plano individual ou
mesmo contemplando necessidades de sua produção e de sua população, mas
sim nas necessidades das empresas, na tentativa de cooptá-las para seu
território. Tal processo vem redistribuindo empresas pelo território nacional num
movimento nunca antes observado no Brasil.
Entendendo que a lógica capitalista se reproduz no espaço seja ele
mundial ou local de maneiras diversas, tal fato também pode ser analisado em
uma mesma região, dita homogênea. Portanto, em nível regional esse
processo também é observado quando cidades mais dinâmicas econômica e
politicamente adequam melhor e mais eficientemente às novas regras do jogo
capitalista globalizado.
Estas produzem adequações de suas políticas blicas às necessidades
das empresas, desenvolvendo projetos e acordos que envolvem fatores de
melhoria locacional e facilidades tributárias para que estas empresas,
multinacionais e nacionais, se instalem em seus municípios, alijando com isso
as pequenas cidades deste processo. As pequenas cidades não conseguem
competir e adequar suas políticas públicas a estas novas exigências do
capitalismo globalizado dado a sua imensa fragilidade produtiva e tributária.
Segundo Santos e Silveira (2001, p. 257/258):
172
Com efeito, a economia globalizada reclama condições territoriais
indispensáveis para a sua produção e regulação. Esses espaços
globalizados tanto são espaços agrícolas como industriais e de serviços,
e caracterizam-se pela sua inserção numa cadeia produtiva global, pelas
relações distantes e, freqüentemente, estrangeiras que criam e também
pela sua lógica extravertida. Mas o território não é global’, ele não é
completamente globalizado. No entanto, e seja como for, o
comportamento dos agentes e dos lugares que não são globalizados é,
direta ou indiretamente, influenciado e, em muitos casos, subordinado,
acarretando com isso efeitos não desejados e não previsíveis (...) De
modo geral, e como resultado da globalização da economia, o espaço
nacional é organizado para servir às grandes empresas hegemônicas e
paga por isso um preço, tornando-se fragmentado, incoerente, anárquico
para todos os demais atores.
Esta lógica de rearranjo espacial e econômico, induzida por esta nova
concepção da economia globalizada, produz um processo em escala mundial
de articulação e fragmentação entre os países, que se inserem nesta escala de
produção capitalista. Assim sendo, em escala intraestadual também se observa
tal processo, agudizado principalmente entre o final da década de 1980 e toda
a década de 1990 e início do novo século.
Tal fenômeno também pode ser observado em escala intra-regional, pois
que algumas cidades se adequaram melhor a estas novas exigências do
capital globalizado e outras menos e, em grande parte das cidades, as
pequenas cidades, esta adequação está ausente, produzindo em escala
regional aquilo que se observa em escala mundial e nacional, ou seja, uma
articulação e fragmentação econômica, política e social.
Enfim, é interessante ressaltar que tais cidades pequenas não podem ser
desconsideradas cidades por não se apresentarem tão dinâmicas quanto as
médias ou grandes cidades. Pelo contrário, mesmo não dinâmicas ainda são
redutos da acumulação capitalista. Em menor escala é bem verdade. Estas não
deixam de ser interessantes do ponto de vista do capital em uma esfera de
circulação e também de acumulação. Para Lencioni (1985, p. 41):
(...) à semelhança da grande cidade, a pequena cidade, entendida como
manifestação da urbanização capitalista, materializa condições gerais
necessárias à reprodução do capital (...). O entendimento da pequena
cidade como fruto de um processo que não difere daquele que conforma
as grandes cidades permite questionar aspectos omitidos no debate
sobre a problemática urbana. A materialidade urbana manifesta em
inúmeras e diferentes cidades é fundamento das condições gerais da
produção capitalista conformada por um mesmo processo que não
gera a concentração, como também, o seu contrário: a dispersão.
173
Tal análise é extremamente interessante visto que ao se estudar
determinado local este é parte do todo. Com isso a pequena cidade conforma
os dilemas do urbano e desse modo expressão do capital. Estas cidades
ensejam determinações do capital e assim interessam ao processo de
acumulação geral capitalista. O que não quer dizer que tais cidades interessam
a todos os agentes do capitalismo moderno, mas a alguns segmentos deste
processo. Sendo assim, são iguais, porém diferentes, pois se estruturam a
partir de lógicas globais do capital, mas apresentam singularidades que são
esmagadas pelo processo de coisificação e pasteurização dos dilemas
urbanos.
Não podemos, então, diante de toda a análise, nos referir a possíveis
soluções para problemas dessas localidades com uma “fórmula” que seria
adequada a outras categorias de cidades de maior tamanho populacional.
117
Mesmo os problemas gerais sendo os de mesma natureza, não seria prudente
afirmar, por exemplo, que o desemprego nestas pequenas cidades seria
resolvido com atração de grandes empresas/indústrias, o que seria irreal e
representaria apenas uma incorporação mecânica de “fórmulas” expressas
em trabalhos de planejamento urbano realizados para outras categorias de
cidade e simplesmente transmutados para a pequena cidade como uma
planificação impositiva. A pequena cidade encerra dilemas internos que
merecem maior análise para se tentar fugir desses esquematismos e
simplificações.
3.2.1 - CATEGORIZANDO UMA PEQUENA CIDADE PELO PONTO DE
VISTA POLÍTICO-ADMINISTRATIVO
Como analisado, as pequenas cidades vivem quase que exclusivamente
dos repasses federais (FPM) e estaduais (ICMS), e como o Estado-município
social é o maior empregador da cidade, menor volume de dinheiro repassado
significa menos recursos financeiros circulando na cidade. A ausência de
capital circulante impõe um estado lastimável nos serviços oferecidos à
117
Tal linha de raciocínio é compartilhada por Lencioni (1985) e também por Bremaeker (1997).
174
população. Em várias pequenas cidades do Brasil
118
não existe uma difusão de
empregadores e prestadores de serviços na esfera privada tão extensa quanto
em cidades médias ou grandes. Ficando ao poder público, na figura da
prefeitura municipal, o encargo
119
não de gerir as políticas públicas, mas
também de outras variadas formas de prestação de serviços à população. Para
Gomes, Silva e da Silva (2003, p. 3-4):
A desigualdade socioespacial que há muito tempo vem sendo estudada
no Brasil ainda é uma questão bastante preocupante. O processo de
desenvolvimento e expansão do capitalismo no Brasil pode ser apontado
como um dos principais responsáveis por essa realidade, adicionado, é
claro, às questões de ordem política, uma vez que a questão do
desenvolvimento social é também uma questão de caráter político.
Ressaltamos que essa desigualdade é funcional para alguns setores;
que no caso brasileiro, o setor político é um dos mais beneficiados. As
diferenças sócio-econômicas entre os lugares é cada vez mais real. A
reprodução dos espaços luminosos, como assinala Santos (1996), dá-se
às custas da reprodução de uma grande quantidade de espaços opacos.
As pequenas cidades o o exemplo mais fiel dessa opacidade. Nelas, a
inexistência de dinamicidade dos setores produtivos primário,
secundário e terciário é uma difícil realidade vivenciada por seus
habitantes, sobre os quais recaem os resultados do desemprego e da
falta de acesso aos serviços especializados de saúde, aos equipamentos
de lazer, e às escolas com infra-estrutura condizente com o momento
atual das modernas tecnologias educacionais. Enfim, esses habitantes
convivem com a falta de cidadania política, civil e social.
Como dissemos, o poder público é o maior empregador da pequena
cidade, bem como a maioria das cidades de seu porte demográfico. Com
relação a este fato, Estrela do Sul (gráficos 40 e 41), de Cascalho Rico
(gráficos 42 e 43) e de Grupiara (gráficos 44 e 45) demonstram essa realidade
da “melhor” maneira possível, especialmente o município de Grupiara, como
podemos observar nos próximos gráficos:
118
Segundo Gomes, Silva e da Silva (2003).
119
Como exposto por Bremaeker (1996, p. 11).
175
Gráfico 40: Estrela do Sul: Relação entre população total e quantidade de funcionários
da prefeitura municipal. 2007.
95%
5%
Pop. o funcionário
da prefeitura
Pop. Funcionário da
prefeitura
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W. K. A. 2007.
Gráfico 41: Estrela do Sul: Relação entre PEA e funcionários da prefeitura. 2007.
8%
92%
PEA ocupada na
prefeitura
PEA o ocupada na
prefeitura
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
176
Gráfico 42: Cascalho Rico: Relação entre população total e a quantidade de funcionários
da prefeitura municipal. 2007.
91%
9%
Pop. Não funcionário
da prefeitura
Pop. Funcionário da
prefeitura
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W. K. A. 2007.
Gráfico 43: Cascalho Rico: Relação entre PEA e funcionários da prefeitura municipal.
2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W. K. A. 2007.
Gráfico 44: Grupiara: Relação entre população total e quantidade de funcionários da
prefeitura municipal. 2007.
75%
25%
Pop.Não funcionário
da prefeitura
Pop. funcionário da
prefeitura
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
85%
15%
PEA não ocupada na
prefeitura
PEA ocupada na
prefeitura
177
Gráfico 45: Grupiara: Relação entre PEA e funcionários da prefeitura municipal. 2007.
42%
58%
PEA ocupada na
prefeitura
PEA o ocupada na
prefeitura
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W. K. A. 2007.
A relação entre população ocupada e não ocupada na prefeitura é a
referente ao número populacional das três cidades em 2007. O mesmo
acontece com o total de funcionários das prefeituras que são: em Estrela do
Sul, 362 funcionários (efetivos e contratados); em Cascalho Rico, 262
funcionários (efetivos e contratados); em Grupiara, 350 funcionários (efetivos e
contratados). Os números de Estrela do Sul e de Cascalho Rico foram
fornecidos pelos respectivos prefeitos e pelos seus chefes de gabinete. Porém,
os números de Grupiara foram obtidos a partir do Ministério blico mediante
informação oficial do Promotor da comarca de Estrela do Sul devido à recusa
do prefeito e de seu chefe de gabinete em informar. Segundo o Promotor
Público os números sobre Grupiara são os oficiais (350 funcionários efetivos e
contratados) podendo ser maior, devido à grande contratação no município de
Grupiara de funcionários temporários
120
.
Para os números relativos à PEA (População Economicamente Ativa)
consideramos a faixa etária entre 18 a 64 anos da população total de 2007 dos
três municípios.
Assim, como observado nos gráficos anteriores, tanto em Estrela do Sul
como em Cascalho Rico, a prefeitura tornou-se um grande empregador nessas
pequenas cidades. Contudo, os números mais surpreendentes foram os de
Grupiara. Esse município possui, segundo a contagem populacional do IBGE
120
São os números obrigatoriamente fornecidos pelo município para a Promotoria Pública da
Comarca de Estrela do Sul. Contudo, contratações por pequenos períodos de tempo não
necessitam destas informações.
178
de 2007, uma população total de 1.412 habitantes e existem 350 funcionários
na prefeitura municipal. Porém, e ainda mais surpreendente são os números
relativos à População Economicamente Ativa (PEA) do município que é
representada por um total de 838 pessoas, os funcionários ativos da prefeitura
municipal de Grupiara em 2007 contava com um percentual de 42%!
A relação estipulada pelo TCU (Tribunal de Contas da União)
121
para um
número ser considerado ótimo, seria o de 2% do total populacional como
funcionário da prefeitura municipal para um município com menos de 10.000
habitantes. Constata-se que nos municípios analisados este número é
excedido em muito, especialmente no município de Grupiara. Tais números
passaram a ser ainda mais gritantes quando analisados em relação à PEA
municipal.
Além desse ajuste” realizado pelo Estado-município social ainda tem os
“ajustes” financeiros e assistenciais realizados pelo Estado Federal a partir do
pagamento de aposentadorias, pensões e da bolsa família. Em Estrela do Sul,
57% dos entrevistados afirmaram ter em sua família alguém recebendo
benefícios do governo Federal. Desses, 71% são aposentadoria, 7% pensão,
20% bolsa família e 2% outros benefícios. Existem no municipio de Estrela do
Sul, segundo dados de janeiro de 2008, 474 famílias que recebem o Bolsa
Família. Em Grupiara, 67% dos entrevistados afirmaram existir em suas
famílias alguém que recebe estes benefícios do governo Federal. Desses, 78%
são aposentadorias, 17% são o Bolsa Família e 5% outros benefícios. Segundo
dados de janeiro de 2008, existem 86 famílias em Grupiara que recebem o
Bolsa Família. em Cascalho Rico, a sistuação é pouco alterada. Apenas
47% das pessoas consultadas afirmaram existir membros familiares recebendo
benefícios do governo Federal. Desses, 76% são aposentadoria, 14% são
Bolsa Família, pensão e outros benefícios com 5% cada. Segundo dados de
janeiro de 2008, existem 206 famílias em Cascalho Rico recebendo o Bolsa
Família. Contudo, o Estado-municipio social ainda é o maior “pagador” desses
três municipios.
Além de ser o maior empregador do município, a prefeitura arca, também,
com grande parte da prestação de serviços que seriam de encargo das esferas
121
Segundo alegação do prefeito de Estrela do Sul, administração 2005-2008.
179
estadual e federal, ou da iniciativa privada que, através das concessões e
permissões para prestação de serviços públicos, oferecidos pelo Estado, que
no caso das pequenas cidades não são realizados, pois inexiste nestas
localidades uma economia de escala que atraia tais prestadores de serviços.
Assim, a prefeitura municipal tem que realizá-los.
As pequenas cidades arcam, portanto, com prestação de serviços
obrigatórios do governo federal e estadual – como no caso da manutenção das
cadeias públicas
122
, deslocamento de pessoal para o seu funcionamento,
manutenção das viaturas policiais e também parte considerável do
combustível; a Unidade Municipal de Cadastramento; a Junta de Alistamento
Militar; a Agência local do IBGE; o serviço local de Fomento Agropecuário; a
doação de imóveis para instalação de agências bancárias estadual e federal;
arca com as despesas do Fórum, da residência do Juiz e do Promotor de
Justiça.
A carga de obrigações sociais e assistenciais imposta às cidades via
municipalização de funções criadas a partir da Constituição Federal de 1988 é
vista pelo prefeito de Estrela do Sul, Haroldo José de Almeida (2005-2008)
como forma de “apenas transferir o ônus para as cidades, ou melhor, nos dá os
problemas (saúde, educação, segurança, transporte escolar, etc.) e não nos
enviam o bônus (ou não atualizam os mesmos)”. Opinião semelhante tem o
prefeito de Cascalho Rico Fernando Borges dos Santos (2005-2008) ao afirmar
que tal municipalização “apenas diminui o peso da estabilidade e é péssimo,
pois eleva os custos com manutenção até dos prédios públicos estaduais. O
Estado (estadual) não paga nem mesmo o segundo grau que existe na cidade”.
Opinião compartilhada pelo prefeito de Grupiara Ronaldo José Machado (2005-
2008) que afirma “ter grandes dificuldades visto que aumentou as
obrigações do município”.
122
Para Torres (2004, p. 133): “No caso específico de Minas Gerais, que acreditamos repetir-se
com intensidade pelo Brasil afora...constitucionalmente, a área de segurança pública é de
responsabilidade dos estados, que são encarregados da organização e financiamento das
polícias Militar e Civil. Acontece que, em Minas Gerais, o estado não tem conseguido manter a
Polícia Militar com o mínimo de operacionalidade e condições de trabalho, transferindo, ainda
que informalmente, a tarefa de manutenção dos quartéis para as prefeituras. Não raro os
prefeitos assumem a tarefa de equipar a polícia, conservar prédios e viaturas, ceder imóveis e
combustível para que os veículos possam continuar rodando etc. O mais incrível é que todo
esse papel cada vez mais importante das prefeituras na manutenção da Polícia Militar tem sido
desempenhado de maneira absolutamente informal, sem nenhuma regulamentação,
planejamento, organização administrativa, ou qualquer medida nesse sentido.”
180
A prática de arcar com estes gastos é para Bremaeker (1997, p. 100/101)
comum a municípios desse porte populacional, na figura de seu poder público
municipal, a prefeitura, pois se não o fizerem a população fica sem tais
serviços. Sobre este assunto Gomes, Silva e da Silva (2003, p. 7) argumentam
que:
É nesse contexto que o município deve atender a um dos seus desafios
imposto pela Constituição de 1988: promover a gestão social em prol de
um melhor desenvolvimento socioespacial. Emerge, portanto, no âmbito
de toda essa discussão, a proposta de desenvolvimento local. Para os
críticos do desenvolvimento local, essa proposta pode ser entendida
como uma transferência de responsabilidade; isto é, as ações que até
1988 eram da responsabilidade do Governo Federal passaram para os
estados e municípios. No entanto, sem correspondente suporte
financeiro, bem como capacidade de gestão, os municípios têm
enfrentado grandes dificuldades para atender as crescentes demandas
da população. Devido à fragilidade financeira, a maioria dos municípios
tem assumido tão somente aspectos básicos da gestão social,
destacando-se a saúde e a educação; e, numa escala menor, a
assistência social e os direitos da criança e do adolescente.
E ainda para Bremaeker (1997, p. 100) o município, através da prefeitura
municipal, “faz para garantir a prestação de serviços à sua população, pois se
não o fizesse tanto o governo Federal quanto o Estadual simplesmente não o
fariam e a população se veria penalizada e minimizada nos seus direitos de
cidadão”.
Tais constatações, município como grande empregador e promotor de
ações econômico-produtivas e sociais, podem ser o grande diferencial
enquanto classificação de uma pequena cidade, especialmente aquelas com
menos de 10.000 habitantes. São características comuns a estas três cidades
analisadas, bem diferente das classificações mais usuais dentro do escopo
metodológico da Geografia, especialmente o conceito mais utilizado para
cidades pequenas definidas como locais por Milton Santos.
Diante do exposto, cidades com menos de 10.000 habitantes não se
enquadram no conceito de cidade local estabelecido por Santos (1997). Sobre
a definição de cidade local estabelecido por este estudioso, Oliveira e Soares
(2003, p. 09/10) esclarecem que para se considerar uma cidade como local
será necessário entender que:
(...) Apesar de possuir um nível urbano elementar, é fundamental para
seu entorno imediato, ou seja, as vilas e a zona rural. Isso através das
solicitações da produção, circulação, distribuição e consumo, que, na
medida do possível, tem que ser satisfeito localmente. De acordo com o
mesmo, numa escala urbana populacional, a cidade local representa o
nível inferior; visto que suas atividades estão a serviço da população
181
local e da zona de influência (...). É nesse contexto que a cidade local
destaca-se, pois passa a representar estoques de meios de consumo,
estoques de sementes e implementos direcionados ao campo, estoques
de capital de giro, estoques de mão de obra em diversos níveis, centros
de transporte; na verdade estas cidades locais “(...) beneficiam-se das
tendências à dispersão, essencialmente comandada pela difusão
generalizada da informação e do consumo.
A partir dessas constatações, estas cidades têm de ser classificadas
segundo outros parâmetros e não os de cidade local, pois seu “atraso” na
absorção das inovações tecnológicas agrícolas perpetradas pela sua deficitária
inserção na rede urbana da nova divisão territorial do trabalho, no período
técnico-científico-informacional, o as recomendam como tal; no entanto, não
podemos jogar as pequenas cidades num limbo conceitual. Assim,
corroboramos as constatações de Maia (2004, p. 10):
De fato, cada cidade apresenta-se com características próprias e isto
vem se tornando cada vez mais evidente, principalmente nas regiões
que absorvem um maior incremento das novas técnicas, informações,
etc. Mas também um grande número de cidades, que pouco
apresenta de inovações e mesmo de capacidade de suprir a população
do próprio município com a oferta de serviços e produtos necessários.
Estes núcleos estariam mais próximos da categoria “povoado” do que
cidade. A partir da exposição das idéias de Santos ficasse com a
interrogação: como caracterizar estes espaços? Pois eles não se
inserem naquilo que o autor denominou de cidades locais e nem mesmo
as pseudocidades se quiséssemos nos acostar nas suas definições.
Como então denomina-las e principalmente, como entende-las?
Assim, uma grande questão, no âmbito dos estudos do regional e do
urbano, refere-se à conceituação das pequenas cidades. As conceituações que
existem não são suficientes e, como vimos, extremamente debilitadas do ponto
de vista das ciências sociais e também da geografia. Sendo assim, os estudos
de pequenas cidades, além de parcos na Geografia, o também indefinidos
bem como a sua situação na rede urbana regional. Sobre isto Oliveira e Soares
(2003, p. 11) argumentam que:
Como os níveis hierárquicos das aglomerações deixam de ter um
significado maior, à proporção que cada cidade passa ter uma relação
direta com a demanda de sua região e à proporção que cada região se
especializa (especialização da demanda ligada ao consumo, conforme
SANTOS, 1993); verifica-se que as pequenas aglomerações, de
tamanho populacional e funcionalidades menores que a cidade local,
ficam numa posição pouco definidas.
Esta “posição”/conceituação pouco definida sobre localidades brasileiras
com população inferior a 10.000 habitantes, reside no fato de que nas ciências
182
sociais e especialmente na geografia, a preocupação é demasiadamente
focada no local de moradia da população (urbano ou rural) e com o status do
que é ou não categoria cidade, e se preocupa de menos com o problema
central: o homem, o sujeito que reside na localidade. Tais discussões se
mostram, na maioria das vezes, sem sentido lógico/prático e demonstram um
apelo puramente acadêmico sem fundamentação no real. É abstração
acadêmica e falta de uma razão fundada na realidade e no princípio da ciência:
o homem. Em grande medida são análises de cunho linear e de mero apelo
hierarquizante, o que provoca uma verdadedeira miscelânia de análises e
postulados teóricos de pesquisadores carregados de “preconceitos” e com
visão metropolizada.
A pequena cidade é uma espécie de “barreira” para a geografia que se
limita a categorizar o amplo e vasto. A geografia não consegue enxergar” o
micro. Como a física newtoniana, que não consegue adentrar a barreira dos
quarks e dos glúons. ela, a geografia, se encolhe para dentro das
formas/conteúdo do macro-espaço, relegando o micro-espaço da pequena
cidade a abstrações, negando-lhe existência própria. O mais próximo da
realidade das pequenas cidades (que existem, mas são “inexistentes”), que a
geografia acadêmica chega é quando são incorporadas às categorias do local
do lugar e do território.
As discussões se a localidade é ou não urbana e se “pode” ser
conceituada como cidade (como observado em Bremaeker 1996 e 1997,
Carlos em 1994 e 1997, Maia em 2004, Santos em 1996, 2001 e 2002, Souza
em 1996 e especialmente em Veiga 2001 e 2002 - entre outros), em nosso
entender, não apresentam a real consistência analítica. Asssim, para nós, as
localidades que apresentam população inferior a 10.000 habitantes são
consideradas cidades pelo fato da coerência, relacionado à Constituição
Federal de 1988 e do pacto federativo proposto por esta Constituição.
Em nosso entender, como a categoria cidade é definida no Brasil como
sendo todas as sedes administrativas de município, isto segue uma lógica que
se explica na maneira “sui generis” como a Constituição Federal de 1988
provocou no âmbito do federalismo nacional e de como esta mesma
constituição propôs o municipalismo no Brasil. A ótica inovadora do texto
constitucional brasileiro em criar uma equalização de poderes e de obrigações
183
calcada na forma tripartite (união, estados e municipios), fomentando uma
descentralização de poderes e objetivando uma federação única, em que as
esferas dos entes federados não são mais calcados na lógica dual exógena
(observada especialmente na lógica estatudinense entre união e estados), e
sim na maneira, agora estabelecida constitucionalmente no Brasil, em que os
entes federados têm papéis explicitados e o municipio possui uma razão de
existência definida de maneira sem similar no mundo.
Como sede administrativa do municipio fica claro a função de cidade
dessas localidades, mesmo com tamanho reduzido, seguindo assim uma
característica de descentralização e municipalismo atuante e de coerência ao
proposto na carta constitucional brasileira. Sendo assim, as localidades com
número inferior a 10.000 habitantes são, para nós, cidades. Assim, a coerência
é o recorte, segundo a experiência constitucional que confere poderes
excepcionais aos municípios brasileiros. Como sede municipais é lhes exigido
funções administrativas e de organização espacial para o todo municipal,
sendo de pequeno ou grande porte populacional. E, como tal, estas localidades
possuem funções político-administrativas claras e de cunho citadino e, acima
de tudo, responsabilidades em gerir, através de seus agentes públicos e da
sociedade civil, verbas; recursos humanos, educacionais, técnicos e
assistenciais; a saúde pública e outros mais que garantem a existência de sua
população, de pessoas, com anseios, expectativas, dilemas e não apenas
“habitantes” ou “população”, ou seja, números estatísticos e demográficos.
Portanto, para este estudo, conceituamos as cidades com menos de
10.000 habitantes como pequenas cidades segundo os critérios aqui propostos
e adotados: relação direta do poder público e a trajetória produtiva
(econômica e empregatícia) e social no todo municipal; vinculação
estreita da sede municipal com seu entorno rural derivando assim uma
forte “simbiose” municipal
123
; forte apego da população com o todo do
123
Corrobora tal afirmação e para melhor compreensão da informação a observação de que a
instituição do município brasileiro é considerada um fato genuíno. Segundo Camargo (2004, p.
40-41): “ Do ponto de vista prático, o federalismo se exerce por meio de três dimensões
distintas, mas complementares, cujos arranjos os mais diversos variam segundo a
realidade de cada país. Estas três dimensões o: a da distribuição de competências legais e
constitucionais; a do federalismo fiscal; a das competências específicas dos três poderes;
finalmente, é importante destacar que o termo federação e a palavra federal, em suas origens
americanas, designam o princípio da centralização...No entanto, para o Brasil do final do século
XIX, a palavra federação foi interpretada em sentido inverso, como sinônimo de
184
território municipal; e, especialmente, a atuação marcante de um Estado-
município social em nível municipal.
Seguindo ainda um critério populacional definido pelo IPEA (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada) 2000, que categoriza as pequenas cidades em
grupos que variam segundo suas respectivas populações: o primeiro para
cidades até 10.000 habitantes, o segundo vai de 10.000 a 20.000 habitantes e
o terceiro de 20.000 a 50.000 habitantes. Neste contexto, Estrela do Sul,
Grupiara e Cascalho Rico sublimam os aspectos de categorização para
pequena cidade por nós proposto e enquadram no primeiro segmento da
classificação estabelecido pelo IPEA.
Além do mais, esta maneira de encarar o complexo mosaico de situações
de uma pequena cidade é mais próxima da realidade cotidiana destas
localidades. A afirmação de que tais localidades são de fato cidades confere à
geografia um novo desafio: o de entendê-las a partir do ponto de vista do
político e da esfera político-administrativa. A maneira como o Estado-municipio
social articula e é articulado nestas localidades e a relação da população com
este espaço subnacional reflete uma preocupação com o seu cotidiano,
diferente das articulações metropolizadas. Assim, somente a partir do cotidiano
e das relações sociais e culturais inerentes aos seres humanos que residem e
transformam o espaço da pequena cidade é que poderemos nos aprofundar no
processo de análise destes lugares. Quanto a este assunto concordamos com
Silva (2000, p. 10) quando afirma que:
É na vida cotidiana que se desenvolvem condutas subjetivamente
dotadas de sentido a partir das significações que se constroem no senso
comum e que se institui a complexificação da realidade social. o são
os fatos históricos excepcionais e pontuais que determinam a instituição
de valores culturais. Peter Berger e Thomas Luckmann consideram que
"a vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos
homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que
forma um mundo coerente". É na vivência diária que os homens são
lançados em múltiplas realidades que aparecem como normais,
evidentes e, diante delas, têm atitudes "naturais" e ordenadas. É também
na vivência do "aqui" e "agora" que os homens constroem o mundo e se
interessam por ele, porque é este mundo que lhes está ao alcance
descentralização, em oposição ao excessivo centralismo do Brasil imperial...No Brasil, a
decomposição do regime autoritário militar incentivou um fato novo: o surgimento do
movimento municipalista, incentivando a descentralização para o poder local. Foi esse modelo
novo de federalismo que floresceu no Brasil na última década, consagrado pela Constituição de
1988...O Brasil é a única federação do mundo a possuir três níveis federativos: a União, os
estados e os municípios. Esse princípio inédito foi introduzido no art. 18 da Constituição, o qual
determina o novo status dos municípios, ‘todos autônomos’, segundo expressão
constitucional.”
185
imediato. É no cotidiano que a criação humana se perpetua, pois é "na
vida cotidiana que se situa o núcleo racional, o centro real da práxis"
Contudo, esta cotidianeidade está tão próxima dos homens que é
ocultada, parecendo distante, desprezível e invisível aos sistemas
acadêmicos mais elaborados. Lefebvre, ao demonstrar a dificuldade do
trato científico da vida cotidiana, argumenta que "todos la conocemos (y
sólo a ella conocemos) y cada uno de nosotros la ignora. La historia de
las ideas nos muestra que hombres y pueblos, épocas y civilizaciones,
no alcanzan sino en última instancia lo que eran en sus inicios. Para
expresar claramente lo que son, necessitan verlo fuera de ellos,
comparándolo a otras formas de vida"
A dificuldade da geografia em tratar do cotidiano da pequena cidade se
reflete em sua característica de observar/analisar a realidade social
metropolitana. A realidade da pequena cidade é relegada ao complementar, ao
acessório e na maioria das vezes às sobras teóricas e postulados emprestados
de outras ciências sociais. Assim, a categorização da pequena cidade torna-se
uma tarefa que em muitos casos na geografia é alocada para noções ora
superficiais ou mesmo sem sentido prático, ora de formulações abstratas que
perpassam o mero simbolismo do contrário (pequena cidade como diferente de
grande cidade).
Tal fato implica na dificuldade da geografia em analisar realidades que
saem do senso comum estabelecido por décadas nos grandes centros
acadêmicos de que a complexidade espacial e social pertence e é exclusiva
das médias e das grandes cidades. Ela, a vida, é real. Na pequena cidade esta
vida é baseada em códigos diferentes dos que regem a grande cidade, são
códigos relacionais baseados na pessoalidade e na maneira de se encarar a
política e na atuação do Estado-municipio social. Segundo Silva (2000, p. 12):
A vida cotidiana é estruturada espacial e temporalmente de modo
diferente em cada sociedade. A temporalidade da vida cotidiana nas
pequenas cidades é marcada pela regularidade dos fatos (safras, festas
religiosas, etc.), que é regida pela natureza e pelas tradições, com pouca
interferência externa, dando uma impressão de estagnação. É comum a
expressão "a cidade não vai para frente", para definir o caráter cíclico
dos acontecimentos. Ao contrário, nas grandes cidades, tudo parece se
modificar com maior rapidez, levando a impressão de progresso, dada a
articulação que mantêm com outros espaços e a grande ordem de
interferência de fatores externos por que seus habitantes o sempre
surpreendidos e têm que promover novas adaptações.Os cientistas
sociais, especialmente os geógrafos, privilegiam o estudo das cidades de
grandes dimensões pois sua forma espacial apresenta-se mais complexa
do que a das pequenas cidades. A aparente uniformidade e regularidade
das pequenas e médias cidades desestimularam os geógrafos que se
preocupam com a materialidade do espaço e a problematização sobre
espaços que parecem se caracterizar pela falta de dinamismo. As
pequenas cidades foram esquecidas como integrantes da totalidade da
sociedade moderna, sempre vistas em oposição às grandes cidades, ou
186
como uma repetição atrasada destas. Se as grandes cidades eram
complexas, símbolo de modernidade, atraentes e representavam o
futuro, as pequenas cidades eram simples, mbolo do atraso,
abandonadas e fadadas a ficarem no passado; entretanto, mesmo
assim, estas apresentam relações sociais a partir de códigos particulares
e constituem territórios específicos, cuja lógica pode ser entendida no
desenrolar de sua vida cotidiana, mergulhando-se no universo cultural
que lhes sentido.As relações sociais na cidade pequena são
marcadas pela pessoalidade que geralmente exerce um controle muito
eficaz sobre os membros de sua coletividade.
O controle da pessoalidade nas pequenas Estrela do Sul, Grupiara e
Cascalho Rico são fortes e sua amálgama são as relações políticas que se
estruturam e dão estrutura ao Estado-municipo social.
3.3 - AS PEQUENAS CIDADES NO NOVO MILÊNIO ADMIRÁVEL MUNDO
NOVO?
O critério populacional torna-se importante para a definição da categoria
pequena cidade, pois implica motivo de grande preocupação, principalmente
por parte do poder executivo destes municípios, que, como sublinhamos,
perde ou tem estagnação de sua população. Quando da perda populacional
deriva também a migração, não somente de pessoas como também “cérebros”
e mão de obra e, assim cria-se um ciclo vicioso onde a perda populacional leva
a mais perda de população e o montante de participação arrecadado em
termos de repasses federais e estaduais destes municípios está cada vez
menor frente ao todo no que se refere ao FPM e ICMS.
Contudo, entre o censo populacional realizado pelo IBGE em 2000 e a
contagem populacional de 2007, os três municípios analisados ganharam
população. Estrela do Sul passou de 6.883 para 7.137 habitantes, Cascalho
Rico passou de 2.622 para 2.799 habitantes e Grupiara aumentou pífios dois
habitantes, passando de 1.410 para 1.412! Porém, este “aumento” não significa
melhoria em termos de arrecadação federal ou mesmo estadual, pois não é
suficiente para alterar os coeficientes de repartição desses repasses.
E assim estas cidades não conseguem assumir um papel de destaque na
rede urbana, sendo por vezes “devorada” pela hegemonia de certas cidades
mais dinâmicas do ponto de vista econômico, como pode atestar estudos sobre
a região do Triângulo Mineiro. Segundo Oliveira e Soares (2003, p. 15):
187
Neste contexto cria-se, nesta mesorregião, uma rede urbana interligada
ao campo, em que as cidades atendem as suas necessidades
específicas. Nesse sentido, temos inter-relações locais e regionais em
que as pequenas cidades, a partir do momento que não conseguem
suprir as necessidades de sua população, estas são atendidas, na
própria região por meio das cidades médias presentes neste espaço.
A perda ou aumentos pouco expressivos das populações das pequenas
cidades não podem ser encarados aqui como causa, mas sim efeito de sua
estagnação econômica, social e administrativa. Esta é fruto de uma contradição
desencadeada pela qualidade da prestação de serviços à população, que é,
em verdade, reflexo de sua condição na divisão territorial do trabalho
estabelecida nas últimas décadas do século XX.
A perda ou estagnação populacional é uma das características que os
municípios com menos de 10.000 habitantes apresentaram nos dois últimos
estudos do IBGE, o censo de 2000 e a contagem populacional de 2007. Das
2.616 cidades com menos de 10.000 habitantes, 964 ou 36,85%
124
destas
apresentaram perda populacional em relação a estas duas últimas pesquisas.
É necessário ressaltar que o perderam população, como também esta
migração apresenta-se cada vez mais seletiva em termos de sexo e faixa
etária. Destas pequenas cidades com menos de 10.000 habitantes pode-se
perceber quando analisamos o censo 2000 e a contagem populacional de 2007
que as mulheres migram mais
125
. Tal fato pode ser explicado pela necessidade
maior do homem em atividades rurais que ainda exigem força física ou até
mesmo pela partilha de pequenos sítios, que geralmente ficam com o
primogênito masculino, devido à exigüidade de área destas propriedades
rurais.
Nas pequenas cidades do Brasil, a população masculina é maioria em
84,06%, ou seja, 2.199 pequenas cidades apresentam mais homens que
mulheres, sendo esta porcentagem um número totalmente inverso à realidade
apresentada no censo IBGE de 2000 e na contagem populacional de 2007 para
o todo brasileiro, onde a população feminina é a maioria.
Além dessa migração ser maior entre as mulheres, outro dado também é
importante, os migrantes são em sua grande maioria jovens, em pleno ápice da
124
Censo IBGE 2000 e contagem populacional 2007.
125
Como poderá ser observado no gráfico referente ao desejo de mudar de cidade no capítulo
quatro.
188
força produtiva.
126
Outro fato interessante visualizado no censo do IBGE em
2000 e a contagem populacional de 2007 é o de que destas 2.616 cidades com
menos de 10.000 habitantes 52,87% ou 1.383 são consideradas, nos critérios
estabelecidos pelo IBGE, com maioria de população urbana, o que poderia ser
explicado levando-se em conta que o campo não atende mais as necessidades
e expectativas dessa categoria de população. Tanto em nível de emprego, que
estão escasseando devido à modernização agrícola, como também o mundo
urbano oferecer “oportunidades” e um modo de vida facilmente “comprado” por
estes jovens
127
.
Como os repasses de verbas públicas são realizados segundo parâmetros
técnicos em relação à população total dos municípios, as pequenas cidades
que recebem poucas verbas passam a sofrer mais cortes devido a sua
intensa perda populacional. Perda ou estagnação populacional estaciona seu
coeficiente de participação ou até, em alguns casos, diminui este coeficiente
até o mínimo,
A ausência de mecanismos eficientes, seja no campo econômico como
político, ao longo de um período dilatado de tempo, provocou uma estrutura
precária de inserção na rede urbana que se mostra, a partir do período técnico-
informacional, eficiente do ponto de vista capitalista. Esta rede urbana que se
cria e é criada, molda a estrutura econômica e política das regiões, com novas
exigências de um capitalismo cada vez mais tecnológico no urbano, e em
especial para o campo.
Na nova configuração da rede urbana no período pós década de 1970, as
novas exigências produziram centros urbanos altamente vinculados à rede
urbana regional, nacional e a rede mundial. Outros centros urbanos, a maioria
pequenas cidades, não conseguiram tal inserção e, assim não conseguiram
acompanhar tal evolução”. Mas isto não significa que as pequenas cidades
estejam fadadas a se transformar em cidades “fantasma”, especialmente as
aqui analisadas.
126
Sobre este assunto Abramovay (1999 e 2000) afirma que a migração maior das mulheres
sobre os homens é o melhor indicador para o alto índice de homens celibatários nos pequenos
municípios e também no campo brasileiro. Além disso, este pesquisador afirma que a migração
de força de trabalho jovem compromete a atividade produtiva tanto das pequenas cidades
como também de seu entorno rural.
127
Sobre esse assunto Carneiro (1998, 19 p.) estabelece um excelente estudo.
189
A deficiente inserção de algumas pequenas cidades na rede urbana
regional e nacional é um capítulo importante na compreensão de sua
debilitação econômico/produtiva e política no século XX e início do XXI. Porém,
essa situação não pode permanecer nesse estado de coisas.
Mas é bem verdade que para as soluções e os caminhos da
refuncionalização das pequenas cidades que se inserem rápida e
tangencialmente na modernização, tem de haver uma maior participação do
Estado (Governo), seja na esfera estadual como federal, pois as políticas de
geração de empregos e revitalização econômica promovida pelos governos,
sempre priorizaram as metrópoles e as médias cidades, deixando as
pequenas, que em verdade são a grande maioria, ao largo destes recursos de
investimento.
Tal fato pode ser corroborado pelas alegações do prefeito de Estrela do
Sul Haroldo José de Almeida (2005-2008) quando indagado sobre as formas
de resolver o problema de arrecadação financeira do município. O prefeito
alega que a principal delas é uma melhor distribuição do FPM, ICMS e
principalmente incentivo (da União e Estado) para implementação de pequenas
e médias empresas nas pequenas e médias cidades”.
O prefeito de Cascalho Rico Fernando Borges dos Santos (2005-2008) vai
de encontro a estas alegações quando afirma que “para aumentar a
arrecadação municipal tem que haver maior participação do prefeito na
emissão e controle das notas
128
e também maior controle sobre a arrecadação
de tributos dentro do município bem como aumentar o emplacamento de carros
no município.
129
Além disso, tem que atrair mais empresas para o município,
pois o município oferece a área e auxilia na burocracia, porém falta seriedade
em investir em emprego
130
”. Para o prefeito de Grupiara Ronaldo José
Machado seria necessário que o governo federal deixar de criar contribuições
que não divide o bolo (sic) com os municípios e aumentar a participação dos
municípios no ICMS”.
131
128
São as notas de empenho que regulam os serviços prestados à prefeitura municipal e
também as notas fiscais realizadas internamente ao município para evitar sonegação fiscal.
129
Segundo alegação do prefeito dado à proximidade e também ao menor imposto, algumas
pessoas preferem emplacar seus carros no Estado de Goiás.
130
Para o prefeito falta seriedade por parte da União e do governo estadual.
131
O prefeito está se referindo aos vários impostos exclusivos da União e as maneiras de
fortalecer a base tributária da esfera Federal em detrimento de estados e municípios,
190
Enquanto isso o Estado-município social se fortalece. A ruína financeiro-
produtiva e econômica do município estabelece aberturas para o
patrimonialismo e o assistencialismo do Estado-município social. Tais
alegações podem ser perceptíveis quando os prefeitos de Estrela do Sul,
Grupiara e Cascalho Rico foram indagados sobre se o assistencialismo é um
problema ou faz parte da “cultura”
132
da pequena cidade, todos responderam
ser um problema cultural.
Para o prefeito de Estrela do Sul é uma cultura que se fez necessária,
devido aos problemas de sobrevivência de cada cidadão, principalmente nas
pequenas cidades, devido aos problemas destas (desemprego, má
remuneração, etc.) e a não atuação do Estado e da União para tentar resolver
os problemas”. E para o prefeito de Cascalho Rico “o assistencialismo faz parte
da cultura, é um mal que não é necessário. Dinheiro do povo é fácil e o
assistencialismo não é solução e assim não requisição de combustível”.
o prefeito de Grupiara vai mais longe e de maneira incisiva expõe o ideário
popular do assistencialismo que vigora na pequena cidade. O prefeito
argumenta que o assistencialismo “faz parte, mas também é necessário devido
ao desemprego e baixa renda da população”.
Assim, a partir dessas alegações, o fator arrecadação municipal é
diminuído para dar lugar a preocupações mais relacionadas aos problemas
notadamente durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso. Segundo
Torres (2004, p.127-128) os principais mecanismos foram: “o primeiro deles consiste em
aumentar os tributos que não são compartilhados. Com essa intenção, foram criados tributos
ou majorados as alíquotas das contribuições sociais assim aconteceu com a CPMF, PIS-
Pasep, Cofins, Cide e CSLL. É vertiginoso o crescimento dessas contribuições no conjunto da
arrecadação da União, em detrimento de impostos compartilhados, como IR e IPI. Para a
sociedade como um todo, essa estrutura é muito perversa, uma vez que o sistema tributário
deixa de contemplar o aspecto da justiça social, concentrando-se na tarefa de substituir tributos
progressivos por contribuições regressivas, e com a agravante de incidirem em cascata. Por
essa ótica, a existência da CSLL (que tem a mesma base do IRPJ) torna-se uma aberração,
representando apenas um instrumento para diminuir a receita tributária de estados e
municípios. O outro mecanismo tem o nome cnico de Desvinculação da Receita da União
(DRU) e consiste, basicamente, em não repartir a totalidade dos recursos arrecadados pela
União que necessariamente seriam repassados, em parte, para estados e municípios. Por esse
mecanismo, antes de dividir e transferir determinado tributo, a União desvincula e embolsa
sozinha 20% desses recursos, para depois efetuar o cálculo e o repasse para estados e
municípios. O mecanismo incide também sobre os gastos obrigatórios da União em saúde,
educação etc., liberando parte substancial do orçamento das amarras constitucionais...dessa
forma, intensifica-se o hiato que se vem delineando desde a CF\88 entre o aumento das
competências e atribuições e a diminuição da arrecadação tributária dos municípios.”
132
Cultura entre aspas devido ao fato desse termo/conceito estar sendo relacionado a valores
culturais e históricos que se transformam em normas e regras de conduta da população, via de
regra, normalidade, etc.
191
sócio-administrativos e de relacionamento entre a população e o poder público
e também entre a prefeitura e as novas regras da modernidade administrativa
imposta a partir da Constituição Federal de 1988. Tal fato fica evidenciado
quando indagamos os prefeitos sobre suas opiniões acerca da Lei de
Responsabilidade Fiscal
133
. Para o prefeito de Estrela do Sul “é uma lei
importante para a contenção de despesas e para organização dos gastos, mas
carece de aprimoramentos e atualizações (para evitar engessamento da
administração e a falta de mobilidade da mesma)”. O prefeito de Grupiara
afirma que a lei “veio para moralizar, pena que não veio antes”.
Ao contrario do prefeito de Grupiara o prefeito de Cascalho Rico afirma
ser a Lei de Responsabilidade Fiscal “uma lei ineficiente, pois não pune
ninguém e depende do papel e relações (políticas) do prefeito”.
134
O prefeito
de Cascalho Rico completa essas alegações afirmando que os maiores
problemas da cidade residem nas estruturas da educação e da saúde e não
forma de equacioná-las devido à necessidade e obrigatoriedade do concurso
público, o que, segundo o prefeito, “o Ministério blico é quem impede (sic) a
resolução dos problemas da cidade pois está alheio à realidade da comunidade
(sic), obrigando o prefeito a uma conduta legal (sic) que não satisfaz as
necessidades do município”. Tais alegações demonstram claramente a relação
dúbia entre o moderno e o modo tradicional de se administrar o bem público. O
arcabouço patrimonialista fica evidente, especialmente na última fala.
E ainda quando questionados sobre as maiores dificuldades em
administrar uma pequena cidade, para os prefeitos o peso econômico e de
arrecadação fica em segundo plano, sobressaindo as dificuldades da transição
133
LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 4 DE MAIO DE 2000. Estabelece normas de finanças
públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Para o
melhor entendimento transcreveremos o seu primeiro artigo: “Art. 1o Esta Lei Complementar
estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com
amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição”.
§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que
se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas,
mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a
limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da
seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por
antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.” Para maiores
informações www.receita.fazenda.gov.br
134
Segundo o prefeito de Cascalho Rico as relações políticas do prefeito “aliviam” todo o peso
da lei de Responsabilidade Fiscal. (Grifo do autor). Relações políticas aqui expressam,
segundo o prefeito, o apadrinhamento político de prefeitos com senadores e deputados
federais e estaduais, além de relações de amizade do prefeito com servidores dos poder
executivo (TCU, assessores de ministros, etc.) e judiciário.
192
entre a “moderna” e a tradicional maneira da administração pública da pequena
cidade. Foi pedido aos prefeitos que relacionassem as três maiores
dificuldades em administrar a pequena cidade, para o prefeito de Estrela do Sul
os maiores problemas são: “falta de uma arrecadação condizente com a área e
a população do município; ausência do Estado e da União para auxiliar a
resolver os problemas e resolver todos os problemas segundo a lei de
Responsabilidade Fiscal”.
135
E para o prefeito de Cascalho Rico são: “baixo
nível técnico do corpo de funcionários; dificuldade da área técnica (médico,
professores, dentistas, etc.) que acham que trabalhar em uma pequena cidade
é um castigo e assim não se envolvem com a população; e conviver
harmonicamente com o paternalismo”.
136
O prefeito de Grupiara afirmou serem
as maiores dificuldades “o pouco recurso financeiro; a dificuldade na captação
de convênios (por ser um município pequeno); a prefeitura ser o principal órgão
empregador do município”.
Fica evidente que as contradições se realizam no espaço da
administração pública da pequena cidade, porém temos de ressaltar que o
olhar sobre as dificuldades da administração pública entre estas cidades é
diferente. Os prefeitos de Grupiara e de Estrela do Sul esboçam uma
preocupação financeira evidente e para o prefeito de Cascalho Rico esta
preocupação não figura como foco central. A sua preocupação está mais
centrada na forma e na relação entre a prefeitura e a população. Já os prefeitos
de Grupiara e de Estrela do Sul, além destas preocupações, alegam também o
problema da falta de arrecadação e a dificuldade financeira do município.
Contudo, temos de salientar a declaração corajosa
137
do prefeito de
Grupiara de que o município é o maior empregador do município. Estas
preocupações não ficam evidentes em Cascalho Rico devido ao montante de
recursos financeiros disponibilizados ao mesmo. Com uma população de
apenas 2.799 habitantes sua arrecadação total, estimada para 2007 é de
9.600.000,00 reais, enquanto a de Estrela do Sul com 7.137 habitantes é de
pouco mais de 8.000.000,00 de reais para o mesmo ano.
135
Transcrição direta das respostas do prefeito.
136
Transcrição direta e sem cortes ou mesmo arranjos na linguagem.
137
Corajosa devido às implicações deste fato em relação às leis de Responsabilidade Fiscal e
do Tribunal de Contas da União (TCU) que coíbe o “cabide de empregos” e o nepotismo.
193
Em Grupiara, tendo o ano base 2005, os números referentes aos
recursos correntes/per capita é de 4.593,94 reais; o FPM/per capita de
1.952,30 reais e SUS/per capita de 89,17 reais. Se levarmos em consideração
apenas os números relativos ao FPM podemos ainda analisar o FPM/per capita
para o ano de 2006 de 1841,55 reais. Em Cascalho Rico, para o ano de 2005
os recursos correntes/per capita de 2.561, 28 reais; o FPM/per capita de
1.074,60 reais e SUS/per capita de 18,25 reais. E para o ano de 2006 o
FPM/per capita caiu para 1.017,14 reais. Já em Estrela do Sul no ano de 2005
os recursos correntes/per capita foram de 1.166,55 reais e do FPM/per capita
foi de 442,55 e do SUS/per capita de 34,83 reais. No ano de 2006 o FPM/per
capita caiu para 402,42 reais.
Estes números ficam expressivos se considerarmos o tamanho do
município. Grupiara possui uma área municipal de apenas 193,2 Km² e
Cascalho Rico de 368,1 Km². Estrela do Sul possui um município de 818,67
Km². Considerando que o equipamento viário e estrutural nos municípios é
praticamente o mesmo, as necessidades, porém, não o são, levando-se em
consideração o total populacional e o tamanho do município. Conservação de
estradas vicinais, mata-burros, rede de esgoto, água e outros serviços são
obras que estão a cargo diretamente do Estado-município social. Assim, o
tamanho territorial do município influencia diretamente nos aspectos de
orçamento, pois reflete no montante de recursos que devem estar
disponibilizados para as necessidades infra-estruturais do município. Quanto
maior a área municipal maiores são suas obrigações e responsabilidades
financeiras.
Contudo se realizarmos uma breve comparação entre os resultados da
relação FPM/área e Recursos Correntes/área (gráfico 46), tendo como ano
base o de 2005, observamos uma enorme discrepância: em Grupiara a relação
FPM/área é de 7.645,00 por Km² e Recursos Correntes/área é de 19.645,00
por Km². Em Cascalho Rico o FPM/área é de 14.552,00 por Km² e Recursos
Correntes/área é de 19.645,00 por Km². em estrela do Sul o FPM/área é de
3.601,00 por Km² e Recursos Correntes/área é de 9.492,00 por Km². Estas
análises não levaram em consideração os dados referentes ao repasse mensal
de royalties referente à hidrelétrica de Emborcação.
194
Gráfico 46: Cascalho Rico, Grupiara e Estrela do Sul: Relação entre Recursos
Correntes/área e FPM\área, em Reais. 2005.
Fonte: IBGE. Dados econômicos extraídos do sítio www.ibge.gov.br Org.: BACELAR, W.K.A.
2007.
Os números referentes à participação dos municípios em relação aos
royalties e compensações estabelecem uma situação anacrônica entre eles; o
município de Cascalho Rico, que recebe entre 200 e 250 mil reais mensais
produz um PIB/per capita que o configura entre os dez maiores do Brasil!
138
Isto em números de 2003, como mostrado no gráfico 47 a seguir:
138
Fonte: Dados extraídos do sítio www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/not...visitado em
setembro de 2007.
195
Gráfico 47: Posição dos 10 maiores municípios em relação ao PIB per capita, total e
participação relativa da população – 1999-2003.
Entretanto, tais números foram atualizados pelo governo Federal e
Cascalho Rico aparece em primeiro lugar em PIB/per capita do Brasil
139
,
segundo os dados do IBGE referentes ao ano de 2005. Segundo o jornalista
Cirilo Júnior da Folha Online (19/12/2007)
140
:
Cidade mineira teve o maior PIB per capita em 2005, informa IBGE.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que
divulgou nesta quarta-feira o PIB dos Municípios Brasileiros, o alto valor
deveu-se à soma da baixa população local e aos empreendimentos
situados na cidade, que não transferem completamente aos habitantes
do município a riqueza gerada por suas operações. O principal deles é a
usina hidrelétrica de Emborcação, a terceira maior de Minas Gerais, com
1.192 MW (megawatts) de capacidade instalada. Em Cascalho Rico,
está localizada também uma unidade industrial de fabricação de
derivados de leite.
Sendo os dez maiores PIB/per capita envoltos de alguma maneira a
repasses de royalties ou compensações financeiras de ordem federal e/ou
estadual, como Cascalho Rico, Araporã (cidade do Triângulo Mineiro
relacionada a repasses de royalties, compensações da hidrelétrica de Itumbiara
139
Extraído do sítio www.ibge.gov.br/home/presidencia em dezembro de 2007.
140
Extraído do sítio www.folha.com.br em dezembro de 2007.
196
e arrecadação de ICMS a partir da produção de álcool e úcar no município),
São Francisco do Conde-RJ (royalties e compensações petrolíferas) e Paulínia
(arrecadação de ICMS petrolíferos), assim como Porto Real (RJ); Fronteira-MG
(repasses de royalties e compensações hidrelétrica), etc. Observe o quadro 1 a
seguir dos dez maiores PIB/per capita do Brasil segundo dados do IBGE em
2007, referente ao ano de 2005:
Quadro 1: Os dez maiores PIBs per capita do Brasil em 2005.
1. Cascalho Rico (MG) - R$ 289.838 - 2.618 habitantes
2. Araporã (MG) - R$ 223.027 - 5.897 habitantes
3. o Francisco do Conde (BA) - R$ 211.601 - 30.069 habitantes
4. Triunfo (RS) - R$ 193.347 - 24.824 habitantes
5. Porto Real (RJ) - R$ 174.695 - 14.820 habitantes
6. Fronteira (MG) - R$ 106.503 - 9.727 habitantes
7. Paulínia (SP) - R$ 106.082 - 60.486 habitantes
8. Ouroeste (SP) - R$ 103.398 - 7.134 habitantes
9. Alto Taquari (MT) - R$ 100.601 - 5.392 habitantes
10. Santo Antônio do Leste (MT) - R$ 96.843 - 2.165 habitantes
Fonte: IBGE.
Contudo, mesmo com esta suposta vantagem financeira, Cascalho Rico
e Grupiara não conseguem, através de seus agentes políticos e mesmo pela
articulação e da necessidade da população, reverter tais atributos financeiros e
econômicos em benefícios para sua população. Tais constatações são
agravadas quando analisamos os coeficientes de repasse do FPM para as três
cidades analisadas no ano de 2007. Grupiara com uma população de apenas
1.412 habitantes e uma área municipal de apenas 193,2 Km², recebeu de FPM
0,639
141
; Cascalho Rico também recebeu 0,639 de FPM com uma população
de 2.799 habitantes e uma área de 368,1 Km²; Estrela do Sul com uma
população de 7.137 habitantes e uma área municipal de 818,67 Km² recebeu
em 2007 0,620 de FPM!
O que percebemos é que em Estrela do Sul o aparato infra-estrutural e
social é mais evidenciado que nestas duas localidades (que apresentam menor
população e área municipal com maior arrecadação governamental). Em
Estrela do Sul o equipamento de suporte ao cidadão é bem mais desenvolvido
141
O valor mínimo de repasse aos municípios do Brasil é de 0,600 do FPM.
197
e possui maior aporte por parte da administração pública, como podemos
perceber realizando análises sobre a saúde publica e a educação nos três
municípios.
Em Estrela do Sul
142
os números referentes à saúde são: seis unidades
de saúde (Hospital, Policlínicas e Postos de Saúde) sendo 1/1.147 habitantes
(um estabelecimento de saúde para cada 1.147 habitantes) e para 2007,
segundo dados do IBGE será 1/1.191 habitantes que a população passará
de 6.886 habitantes para 7.143 habitantes em 2007.
Em Cascalho Rico obtêm-se o número de 1/1.309 habitantes (para 2007
será de 1/1.399 habitantes, com o aumento populacional para 2.799
habitantes), pois possui dois estabelecimentos de saúde (Postos de Saúde).
em Grupiara o número é de 1/1.410 habitantes, que o município possui
apenas um Posto de Saúde (para 2007 a projeção foi mantida). Em todos os
estabelecimentos de saúde o atendimento é realizado gratuitamente e na
maioria dos casos pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Em Grupiara e Cascalho Rico o único equipamento médico mais
“avançado” é um Eletrocardiógrafo. Em Estrela do Sul são 12 Leitos para
internação em Estabelecimentos de Saúde, um “Ultrassom doppler” colorido,
dois Eletrocardiógrafos e um Raio X até 100mA.
Os números da Educação em Estrela do Sul são também melhores que
seus pares. São 22 escolas, sendo dez de ensino fundamental, uma de ensino
médio, dez de pré-escola e uma de ensino superior (com dezesseis
matriculados no ensino superior privado). As escolas de ensino fundamental e
de pré-escola (20 no total) são municipais. Contando com 39 docentes do
ensino fundamental e 18 da pré-escola. São 999 alunos no ensino estadual
(fundamental e médio) e 703 alunos em escolas municipais (fundamental e pré-
escola).
Em Cascalho Rico são apenas 5 escolas, sendo 2 de ensino
fundamental, 1 de ensino médio e 2 de ensino pré-escolar. Destas, quatro (de
ensino fundamental e duas de pré-escola) são municipais. São 27 docentes
142
Os dados referentes à educação e saúde são do IBGE (dados cadastrais referentes ao ano
de 2006). Obtidos no sítio www.ibge.gov.br em setembro de 2007.
198
municipais do ensino fundamental e três da pré-escola. 459 alunos são da rede
municipal (fundamental e pré-escola) e 102 alunos da rede estadual (médio).
em Grupiara são apenas três escolas, sendo uma de ensino
fundamental, uma de ensino médio e uma de ensino pré-escolar. Destas,
apenas a da pré-escola é mantida pelo município com apenas 6 docentes
municipais. São 297 alunos da rede estadual (fundamental e médio) e apenas
38 da rede municipal (pré-escola).
Os gastos com infra-estrutura municipal (conservação de estradas
vicinais, asfalto, esgoto, pontes, prédios públicos, ordenamento urbano e rural,
etc.), saúde e educação municipal incidem mais no município de Estrela do Sul
que em Grupiara e Cascalho Rico. A necessidade de repasse de recursos
municipais alocados nas áreas de saúde e de educação e ainda na infra-
estrutura municipal é inferior nos municípios de Grupiara e de Cascalho Rico
devido ao simples fato de contar com menor população para assistência na
saúde, de menor quantidade de alunos vinculados ao ensino municipal e à
menor área territorial desses municípios. Contudo, não podemos esquecer que
estes municípios possuem maior arrecadação financeira e como, a partir
dessas constatações, o raciocínio prático nos faz pensar que parte desses
recursos podem ser alocados na realização de obras e também na assistência
social da população. Porém, não foi o que constatamos.
No âmbito da assistência social e prestação de serviços da prefeitura
municipal para o conjunto da população, as informações são também muito
díspares entre os três municípios e suas realidades. Em Cascalho Rico,
segundo o prefeito municipal, a prefeitura realiza algumas ações sociais
básicas para a população, além daquelas estabelecidas por lei (nos âmbitos da
saúde pública e da educação), que são apresentadas no Anexo 7.
O prefeito de Grupiara o demonstrou preocupação em enumerar suas
atividades sociais para a população para o nosso questionário. Contudo,
sabemos, através de entrevistas com moradores, que estas são poucas e de
cunho meramente assistencialista e pontual. Em Estrela do Sul
143
, segundo
informações do prefeito municipal, a administração municipal realiza várias
143
Como o relato é referente ao depoimento do senhor prefeito municipal de Estrela do Sul,
achamos por bem não interromper com novos parágrafos. Assim, este parágrafo em questão
será muito longo.
199
ações sociais e de assistência à população de maneira direta ou indireta. Estas
informações estão elencadas no anexo 8.
Realizar obras, suporte esportivo, assistência médico-hospitalar,
assistência social coletiva, promover cultura, lazer, eventos sociais e ainda
arcar com o peso da municipalização das obrigações do Estado (Federal e
Estadual) é tarefa árdua. Porém, percebemos que a municipalidade de Estrela
do Sul destoa das outras duas (levando em consideração as informações dos
anexos 7 e 8). Sua área municipal é praticamente três vezes maior que a de
Cascalho Rico (Estrela do Sul tem 818,67 Ke Cascalho Rico apenas 368,1
Km²) e 4,5 vezes maior que o município de Grupiara (que tem apenas 193,2
km²).
Em termos de população Estrela do Sul possui 2,5 vezes a população de
Cascalho Rico e quase cinco vezes mais população que Grupiara. Em
contrapartida a arrecadação municipal (recursos federais, estaduais e ainda os
royalties e compensações) de Cascalho Rico e de Grupiara é superior a de
Estrela do Sul, devido a maior área alagada pelo lago da Hidrelétrica de
Emborcação nos municípios de Cascalho Rico e de Grupiara, no caso dos
royalties e das compensações. Em Cascalho Rico o valor dos royalties e das
Compensações variam entre 200 e 250 mil reais mensais
144
e em Grupiara
145
este valor alcança entre 250 e 300 mil reais mensais. Enquanto em Estrela do
Sul
146
oscila entre 25 e 36 mil reais mensais.
Tal fato não quer dizer que o município de Estrela do Sul é melhor ou
que este é o “paraíso”, indica uma outra maneira de gerir os gastos e também
de assimilar melhor os recursos. Porém, não se pode realizar apenas a
comparação de qual está melhor ou pior em termos de assistência à
população, pois se corre o perigo de uma análise rasteira. O que tais números
e análises constatam é que o problema maior destes municípios não é o
financeiro e sim o aspecto político-administrativo e o como realizar a prestação
de serviços a população dos municípios.
144
Segundo entrevista com o prefeito municipal de Cascalho Rico Dr. Fernando Borges dos
Santos em outubro de 2007.
145
Segundo dados obtidos na prefeitura municipal de Grupiara em novembro de 2007.
146
Segundo entrevista com o secretário de Administração e Controle Interno da prefeitura
municipal de Estrela do Sul, senhor Marcus Henrique Jesus Duarte, em novembro de 2007.
200
A prestação de serviços à população é substituída por práticas
patrimonialistas e de um assistencialismo rasteiro que advém dos empregos
públicos. A ausência de políticas mais eficazes de cunho social é substituída
por empregos blicos e o salário advindo do Estado-muncípio social “tapa”
esta lacuna. O que de fato corrobora uma das falas do prefeito de Grupiara
sobre o assunto. Assim, as possíveis alocações dos recursos, especialmente
em Grupiara e Cascalho Rico, ficam ao sabor político e não técnico induzindo
um ciclo vicioso em que a população total é penalizada e fica refém da situação
política do momento municipal.
Quando os prefeitos foram indagados sobre os maiores problemas que a
população da pequena cidade sofre, as respostas foram muito parecidas. Para
o prefeito de Estrela do Sul são: “falta de empregos; dificuldade para uma
melhor educação (formação profissional)”. Para o prefeito de Grupiara são: “o
desemprego; dificuldade de acesso da população ao ensino superior e o
comércio fraco no município”. para o prefeito de Cascalho Rico: a “limitação
na formação profissional; a dependência com as maiores cidades (Araguari)
para serviços, farmácia, alimentar e ausência da liberdade no período eleitoral
(vínculo familiar e amizade)”.
Fica evidente nas alegações dos Prefeitos de Estrela do Sul e de
Grupiara suas preocupações com a falta de empregos em seus respectivos
municípios. Fato este não mencionado pelo prefeito de Cascalho Rico que tem
como maior alegação fatores de ordem político eleitoral e de dependência
microrregional da população de seu município, evidenciando um
aparelhamento urbano deficiente na prestação de serviços básicos. Um ponto
em comum entre os três prefeitos é sobre a necessidade da população em
conseguir acesso a cursos profissionalizantes e de terceiro grau.
Para compararmos tais visões das dificuldades em residir no pequeno
município sob a ótica dos agentes políticos e da população, realizamos um
questionamento com estas mesmas perguntas que foram respondidas pela
população residente nos três municípios. As respostas a este questionamento
estão disponíveis nos próximos gráficos. Inicialmente vamos observar os
gráficos referentes ao município de Cascalho Rico:
201
Gráfico 48: Cascalho Rico: Maiores problemas em morar em sua cidade. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Interessantes resultados, pois para a população consultada de Cascalho
Rico os maiores problemas em residir no município são os resultantes das
relações interpessoais como o desemprego e a saúde, porém em terceiro lugar
vieram as respostas de que nada está errado, ao contrário, tudo está bom! Não
obstante, vale ressaltar que a falta de moradia e a política estão em quarto
lugar nas respostas da população consultada. Os aspectos referentes às
intrigas, fofocas
147
e brigas políticas merecem destaque devido a suas
implicações no cotidiano da população (em relação a emprego) e
especialmente nas relações familiares, pois se torna um fator desagregador
das relações de amizade, compadrio e também familiares.
Quando indagamos sobre os problemas em residir em Cascalho Rico
com respostas separadas por gênero obtivemos os resultados observados no
gráfico 49:
147
Segundo Prado (1996, p. 51-52) o controle social exarcerbado na pequena cidade explica
tais fatos. Para esta pesquisadora se ir para fora, ou estabelecer contato com gente de fora,
alivia a sujeição à mesmice e ao controle social, localmente, a ameaça desse controle paira no
ar. Nesse sentido, a fofoca exerce um papel importante na vida da cidade…na praça o assunto
é falar da vida dos outros…os motivos de fofoca são da área da moralidade local e os
comentários funcionam como mecanismos de acusação sobre aqueles que, aos olhos dos
acusadores, fogem a certos padrões de comportamento.”
202
Gráfico 49: Cascalho Rico: Maiores problemas em morar em sua cidade. Homens e
Mulheres. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
O desemprego e a saúde aparecem em primeiro e em segundo lugar
como maiores preocupações dos homens consultados e residentes no
município de Cascalho Rico. Contudo, a política como problema aparece em
terceiro lugar e tudo está bom aparece em quarto colocado. A quantidade de
homens insatisfeitos com a política praticada no município apresenta-se como
números interessantes assim como o número de homens satisfeitos com o
modo de vida de Cascalho Rico.
Os números referentes às respostas das mulheres consultadas
apresentam o desemprego como maior preocupação das mulheres residentes
em Cascalho Rico. Contudo, para 15% das mulheres consultadas tudo está
bom em residir na pequena Cascalho Rico. Entretanto, notamos uma
preocupação feminina com as coisas mais práticas do dia a dia e com a família:
a pouca renda familiar, a falta de comércio dinâmico para as compras
familiares e a falta de educação complementar ou seqüencial são
preocupações mais concretas e se relacionam diretamente com a família.
Essas preocupações são apreendidas de maneira diferente em relação às
faixas etárias, como observadas no gráfico 50:
203
Gráfico 50: Cascalho Rico: Problemas em morar em sua cidade. Idade. 2007
0
2
4
6
8
10
12
14
16
De
se
m
p
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C
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m
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o
Dr
o
gas
Tudo Es
Bom
16 a 24 anos
25 a 64 anos
acima de 65 anos
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Na faixa etária entre 16 a 24 anos as duas maiores preocupações em
residir na pequena Cascalho Rico são o desemprego e a falta de lazer.
Preocupações do cotidiano sem opções de uma pequena cidade e com o
futuro. para a faixa etária entre 25 a 64 anos as preocupações maiores são
com o desemprego, as drogas, a política e a saúde. Preocupações típicas do
mundo do trabalho, o real do emprego, da saúde pública e da política imiscuído
com as preocupações da “chegada” do mundo “moderno” e negativo
representado pelas drogas na pequena cidade de Cascalho Rico.
Em Estrela do Sul o resultado do questionário veio de encontro às
preocupações do prefeito municipal: desemprego, lazer e problemas relativos à
saúde (gráfico 51). Mas é importante ressaltar as preocupações com o
alcoolismo, Aids (SIDA), drogas, racismo, segurança, prostituição, política e
administração pública, educação, esporte, entre outras.
204
Gráfico 51: Estrela do Sul: Problemas em morar em sua cidade. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Os resultados deste questionamento em Estrela do Sul demonstram
grande preocupação da população em opções de Lazer, mais até que outros
grandes temas da sociedade moderna como educação e meio ambiente. Tal
fato é ampliado quando desdobramos este questionamento em faixas etárias.
Para a população com faixa etária entre 16 e 24 anos (a idade do estudo) os
resultados são: desemprego (31%), falta de lazer (14%), segurança (9%),
drogas (7%) e prostituição (5%). Para a população com idade entre 25 e 64
anos (a idade do trabalho) os resultados foram: desemprego (25%), lazer
(15%), saúde (15%), educação (7%) e turismo (falta) (5%). Para a população
consultada acima de 65 anos (idade do saber) os resultados foram:
desemprego (60%), administração pública (20%) e saúde (20%).
Quando analisamos esta mesma pergunta contrastando as respostas
por gênero observamos respostas interessantes e diferentes, como observadas
no gráfico 52:
205
Gráfico 52: Estrela do Sul: Problemas em morar em sua cidade. Homens e Mulheres.
2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Para as mulheres, os números evidenciam uma maior preocupação com
problemas referentes à família. As preocupações são semelhantes, porém com
diferenças sutis e ao mesmo tempo interessantes. Para as mulheres os
principais problemas em residir na pequena cidade de Estrela do Sul são o
desemprego (19%), falta de lazer e saúde (ambos com 18%). Contudo,
educação (11%) e saneamento básico (7%) aparecem como preocupações
relevantes para as mulheres consultadas na pesquisa. para os homens o
desemprego (32%), a saúde (10%), falta de lazer (8%)e segurança(8%). A
diferença reside na forma. Enquanto para as mulheres os problemas são
concentrados nos aspectos mais diretos em relação à família, para os homens
estas preocupações são pulverizadas e estão mais relacionadas ao cotidiano
da própria cidade e do município.
Em Grupiara (gráfico 53) as preocupações com a qualidade da água
(9%) e do saneamento básico (10%) somente ficam atrás da preocupação com
o desemprego (38%). Fato esse determinado pela carência estrutural da cidade
em saneamento básico (utilizando as fossas sépticas) e a ausência de água
tratada com flúor e cloro, sendo anda hoje a cidade abastecida com dois poços
206
artesianos
148
com água de qualidade duvidosa. Outro fato a ressaltar é a
ocorrência forte da política e da corrupção nas respostas da população
consultada, assim como as vinculadas às relações interpessoais como fofoca e
falta de amizade.
Gráfico 53: Grupiara: Problemas em morar em sua cidade. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Para a população consultada com idade entre 16 e 24 anos (idade do
estudo) os maiores problemas em residir na pequena Grupiara são o
desemprego (56%), demonstrando uma grande preocupação dos jovens com
seu presente e especialmente o futuro na pequena cidade. Depois vêm
educação (10%) e saneamento básico (6%), demonstrando a preocupação
com sua qualificação profissional e falta de água tratada e de saneamento
básico, como vislumbrado no gráfico 54.
148
O poço artesiano da cidade de Grupiara pode ser visto no anexo 6.
207
Gráfico 54: Grupiara: Problemas em morar em sua cidade. Faixas etárias. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Para a população consultada com idade entre 25 e 64 anos (idade do
trabalho) as maiores dificuldades o desemprego (26%), água tratada
(13%)
149
, saneamento básico (10%) e política (10%) sempre associada à
corrupção (8%). O que demonstra uma preocupação com os problemas
relativos ao presente de conflitos no município, desemprego, água,
saneamento e os relativos à maneira como a política é realizada no cotidiano
da cidade e do município de Grupiara (gráfico 54).
Para a população consultada na faixa etária acima dos 65 anos (gráfico
54) as preocupações maiores são referentes à precariedade da saúde, da falta
de lazer, porém afirmam que a vida em Grupiara está boa, tranqüila e eficaz.
Contudo, não realizamos apenas pesquisa sobre os aspectos negativos
da pequena cidade. Ao serem indagados sobre os pontos positivos em residir
em seus municípios, os prefeitos responderam de maneira diferente aspectos
praticamente semelhantes. Para o prefeito de Estrela do Sul a “segurança e a
tranqüilidade, a pouca poluição e o contato com a natureza” são os três mais
importantes pontos positivos em residir na pequena cidade. Para o prefeito de
Cascalho Rico a “segurança, a qualidade de vida e o custo de vida menor” são
149
Anexo 9.
208
os aspectos positivos mais importantes. Já para o prefeito de Grupiara, o “baixo
índice de criminalidade, o fácil acesso à saúde e a isenção de taxas
municipais” são os três aspectos positivos mais importantes ao residir em
Grupiara.
Para realizar o contraste entre a visão do administrador e a da
população sobre seu município de moradia, a mesma pergunta foi realizada
para a população e os resultados serão mostrados a seguir.
Em Estrela do Sul, tranqüilidade (24%), amizade (16%), natureza (6%) e
lazer (6%) foram os aspectos positivos mais citados pela população
consultada. Mas, temos de salientar respostas como nenhum aspecto positivo
(3%) e também aquelas referentes ao consumo de bebida alcoólica e às festas,
como observado no gráfico 55 a seguir:
Gráfico 55: Estrela do Sul: Aspectos positivos em residir na sua cidade. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Em Estrela do Sul os entrevistados com idade entre 16 e 24 anos (idade
do estudo) afirmaram que tranqüilidade (19%), amizade (11%) e nenhum
aspecto positivo (9%), foram os mais citados. Este último provoca a surpresa
das respostas, o que demonstra o descontentamento dos jovens acerca da
pequena cidade. Para a população consultada com idade entre 25 e 64 anos
os três aspectos positivos mais citados foram: tranqüilidade (26%), amizade
209
(18%) e natureza (7%). Também merecem destaque as citações acerca de
saúde (7%) e clima (6%). Para os entrevistados com idade acima de 65 anos
tranqüilidade (23%), segurança (22%), saúde, clima, vizinhança e educação
com 11% foram as mais citadas.
Em Cascalho Rico (gráfico 56), as respostas da população consultada
elegeram a saúde (25%), a educação (20%) e a tranqüilidade (19%) como os
três aspectos positivos mais importantes do município. Os itens esporte (10%)
e segurança (12%) também merecem destaque acerca da positividade em
residir em Cascalho Rico.
Gráfico 56: Cascalho Rico: Aspectos positivos em residir na sua cidade. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Em Grupiara (gráfico 57), os três principais aspectos positivos em residir
no município são: tranqüilidade (21%), saúde (19%) e lazer (18%). Amizade
(7%) e o contrário, nenhum aspecto positivo (5%), também demonstram uma
relação conflituosa em residir na pequena Grupiara, assim como observado
nos números de Estrela do Sul.
210
Gráfico 57: Grupiara: Aspectos positivos em residir na sua cidade. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
A tranqüilidade, a segurança, a amizade, além dos requisitos
promovidos pela prefeitura como saúde e educação são os pontos positivos em
residir nos três municípios analisados, para a população consultada
150
.
Quando analisamos esta mesma pergunta por faixa etária percebemos
que para a população consultada com faixa etária entre 16 e 24 anos as
respostas são bem mais antagônicas. Para esta faixa etária saúde (26%),
tranqüilidade (22%) e lazer (19%) são os três mais importantes aspectos de
Grupiara. Porém, nenhum aspecto positivo e amizade, ambos com 9% das
respostas chamam a atenção para a contradição inerente ao cotidiano da
pequena cidade. Para a população consultada com faixa etária entre 25 e 64
anos tranqüilidade (22%), saúde (19%) e lazer (15%) são os três aspectos
positivos mais importantes de Grupiara. Também merecem destaque: amizade
(13%), esporte (8%), educação (7%) e nenhum aspecto positivo (5%). Para a
150
O interessante é que os mesmos aspectos vistos como negativos podem aparecer como
positivos na pequena cidade. A tranquilidade é vista como positiva e ao mesmo tempo
denominada como “nada acontece na cidade”, assim como as relações pessoais mais estreitas
podem ser inferidadas como “falta de privacidade”, motivo de fofocas, etc. Esta aparente
contradição é um marco da pequena cidade. Os aspectos conflitivos entre o desejo do
moderno e o resgate dos “valores” do passado calcados na máxima pessoalidade. Aquilo que
Prado (1996, p. 53) determina como sendo “os sabores e dissabores da cidade pequena,
regida pelas relações pessoais, o paraíso e o inferno da pessoalidade.” E, ainda, segundo esta
mesma pesquisadora (1996, p. 54) “Ao conjunto dessas representações – tanto positivas
quanto negativas reiteradas em diferentes espaços e tempos, chamei de ‘mitologia da cidade
pequena’, constatando igualmente que as cidades pequenas são amadas e odiadas pelas
mesmas razões” pelos seus habitantes.
211
população consultada com idade acima de 65 anos lazer (42%), tranqüilidade
(29%) e saúde (29%).
Esses números refletem a contradição inerente ao residir em uma
pequena cidade e demonstra o quanto essa contradição é assumida nas
populações mais jovens. Porém, não devemos nos esquecer da relação mais
presencial entre a população e o poder público quando indagada sobre os
aspectos positivos e negativos, pois em sua maioria são respostas que dizem
respeito ao papel do poder público em sua articulação ou sua ausência.
Esta estreiteza da relação entre população e poder público pode ser
melhor analisada quando observamos as perguntas feitas aos prefeitos dos
três municípios sobre este assunto. Quando indagados sobre as maiores
virtudes e dificuldades no aspecto político na relação prefeito/população em
uma pequena cidade, o prefeito de Estrela do Sul afirma que “conhecer quase
todos os cidadãos, suas dificuldades e seus problemas” é positivo. Porém, para
o prefeito, “ser o pára-raio de todos os problemas e sofrer junto ao cidadão e
não (às vezes) resolver o seu problema (sic)”.
151
Para o prefeito de Cascalho Rico os aspectos positivos dessa relação
dizem respeito “ao contato próximo e o incentivo aos excluídos”. E os negativos
são “o contato com as elites do município (sic) e a falta de privacidade (prefeito
24 horas por dia)”. as alegações do prefeito de Grupiara demonstram a
estratégia do Estado-município quando este elenca como aspectos positivo e
negativo a ação assistencialista do poder público da pequena cidade. Para o
prefeito de Grupiara o aspecto positivo da relação mais próxima entre prefeito e
população é “poder oferecer emprego e com isso gerar renda a quem
realmente precisa e poder acompanhar de perto a melhoria de vida destes
(sic)”. Para o prefeito, o aspecto negativo dessa relação é o “contato direto e
não termos recursos suficientes para atender a todos”.
Depois de todas essas análises, em nosso entender, as pequenas
cidades não têm como carência estrutural ou problema fundamental apenas o
aspecto econômico-financeiro. O grande desafio da pequena cidade reside no
campo político-administrativo, pois baseado na evolução do aspecto político-
administrativo das cidades brasileiras podemos estabelecer uma conexão entre
151
Interessante este aspecto, pois, para o prefeito, tanto os aspectos positivos quanto
negativos relacionam-se ao maior grau de interpessoalidade das pequenas cidades.
212
a formação histórica dos municípios brasileiros, calcados na figura do
estabelecimento de relações de arranjo espacial e administrativo português,
com a dificuldade de adequação dos municípios aos ditames da globalização
calcada na ordem anglo-saxã.
Os arranjos políticos e administrativos da pequena cidade ainda
carregam, cultural e ideologicamente, as formas e maneiras das cidades
concebidas pelo raciocínio do fazer política e administração pública arraigadas
nas práticas coloniais, fruto de uma intervenção marcante do ideário lusitano (e
por que não Ibérico), mesmo após a independência e ainda na República até
mesmo nos dias de hoje. Todo este arcabouço ideológico e psicológico do
fazer política e administração pública (e assim a regulação e também a
transformação espacial) das pequenas cidades é, por assim, um refúgio de
uma ordem lusitana de se fazer o urbano, pela via da administração municipal
e pelas relações entre o poder público e os citadinos.
Assim, mesmo sabendo que os assuntos merecem maior reflexão, pode-
se concluir que o processo de urbanização e as cidades, por conseguinte (e
sua expressão maior que é o modo de vida urbano), são na atualidade
onipresentes. Mesmo quando países ou regiões não são, em número
populacional, urbano o são em essência. A forma alcançada e mesmo
projetada do processo de globalização no mundo faz da urbanização maior que
o número de pessoas residentes em cidades.
Urbanização não é mais, simplesmente, “pessoas residindo em cidades
em número maior que no meio rural”, ela expressa o modo de produção
capitalista na atualidade. Capitalismo e urbanização são a mesma face da
moeda. Não se pode mais dissociar os processos econômicos dos sociais. A
urbanização significa mais que local de moradia, significa existência no mundo
global
152
. Mesmo em sociedades rurais ou em estágios pré-globalização
152
Observação interessante faz Maia (2004, p. 10) sobre este aspecto da realidade na
pequena cidade: O conhecimento dessas realidades possibilita afirmar que para entender as
pequenas cidades é imprescindível a observação em campo, ou mais exatamente nas cidades.
As apurações estatísticas são valiosas e muito contribuem para algumas conclusões. No
entanto, é através da observação direta – aqui entendida no seu sentido mais amplo – da maior
aproximação com essas localidades que se pode apreender essas realidades. Assim, é com
base nas observações in loco que podemos afirmar que a vida nessas localidades,
normalmente definidas como pequenas cidades, está fundada na imbricação do campo na
cidade, ou ainda de uma vida rural na vida urbana. Tal imbricação não se pode desvendar a
partir unicamente da análise das atividades econômicas, mas principalmente do conhecimento
dos costumes, dos hábitos, da vida cotidiana dos seus habitantes e ainda do tempo que rege
213
econômica, recebem o impulso (mesmo que tangenciamente) dos processos
de globalização do espaço e da informação urbana, é o mundo da
modernidade totalizante e, em certos aspectos, ditatorial.
Todavia, a modernidade na pequena cidade chega pontualmente a essa
localidade e de forma impositiva pelo mundo global. Essa época de transição
se faz mais traumática na pequena cidade. Se nem mesmo a modernidade
apresentou-se de fato em sua totalidade, ela já é “questionada” por valores
culturais e sociais dessa nova modernidade, pós-modernidade ou qualquer que
seja a nomenclatura coerente para este tempo de maiores incertezas.
A transição “mal resolvida” entre o tradicional e o moderno questiona a
existência de um mundo pós-moderno e escancara os problemas internos da
pequena cidade. Com a globalização, a modernidade destrói fronteiras e
limites, porém enseja novos e mais complicados questionamentos sociais,
políticos e culturais.
A modernidade como ordem é progresso como última instância da
evolução humana. Progresso muito mais que valores. Funda-se nos aspectos
ideológico e psicológico para ordenar o econômico e político e se materializa
no espaço construído. Paralelepípedos por asfalto, casarões centenários por
construção de concreto e gesso, a mercearia por supermercados; as praças e
os jardins pelas “lan houses”.
153
A idéia da transição modernidade/pós-
modernidade faz-se ruidosa e viril, rápida e “sangrenta”, provoca
ressentimentos e anacronismos. Na pequena cidade, a transição inacabada do
tradicional pela “modernidade” repercute no modo de se fazer a administração
pública encapsulada por leis da modernidade. Para Habermas (1987, p. 103):
A modernidade não pode emprestar seus padrões de orientação de
modelos de outras épocas. Ela encontra-se completamente abandonada
a si mesma, tem de extrair de si mesma sua normatividade. Daqui em
diante, a atualidade autêntica é o lugar onde se entrelaçam a
continuação da tradição e a inovação.
O mundo pós-moderno é o da circulação, dos bares, das avenidas, da
escola e não mais da residência. A modernidade foi das pessoas, do coletivo e
essas localidades. Constata-se que nessas localidades a vida urbana se faz presente não pelo
que se faz ou pelo que se produz ali, mas pelo que vem de fora, pela televisão, pelo
vídeogame, pelo telefone, pelo celular, pelos ônibus ou pelos visitantes.”
153
Nas cidades de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico os antigos calçamentos de
paralelepípedos foram substituídos por bloquetes de concreto, no caso de Grupiara, e por
asfalto nos casos de Estrela do Sul e de Cascalho Rico.
214
dos adultos. A pós-modernidade na pequena cidade é dos indivíduos e dos
jovens. Do aglomerado de pessoas individualistas. Do todo junto e separado. A
crise da família e do patriarcalismo é a crise dos sentidos e das relações, do
conflito abafado e do real/concreto ordinário e ordenado. A desordem e o caos
são pontos do cotidiano contemporâneo em que a prostituição, alcoolismo e
toda violência urbana são visões da “normalidade” do mundo que se apregoa
pós-moderno e tem em suas constatações principais as transformações
paradigmáticas e societais realizadas num curto espaço de tempo.
O tempo é a noção maior do mundo da modernidade/pós-modernidade.
O moderno condiciona o tempo ao trabalho, e no pós-moderno o tempo é das
relações totais e estas aumentam com a sociedade da informação e da alta
tecnologia (informática, televisão, a cultura do lazer, etc.). O dia torna-se
pequeno na modernidade/pós-modernidade. O sono também. O tempo do
individual aumenta para dentro do mundo e o tempo se deteriora.
Ocorre então uma refinada separação tempo-espaço crucial para a
modernidade que estabelece a dinâmica da influência desta nos lugares. O
alcance objetivo da modernidade nos lugares pode, assim, ser definida como
mensuração dos “impactos” da modernidade nos lugares
154
. A separação
inconclusa nas pequenas cidades é sinal de uma modernidade incompleta. O
que reforça ainda mais o papel do Estado-município social como fonte máxima
dessa mediação ou até mesmo amálgama desta quase cisão do tecido social
da pequena cidade. Tal fato o faz cada vez mais importante e seu papel deve
ser rediscutido, e ainda mais, redesenhado para que os desvios possam ser
corrigidos. Segundo Habermas (1987, p. 109):
As deformações de um mundo da vida regulamentado, analisado,
controlado e protegido o, certamente, mais refinadas do que formas
palpáveis de exploração material e empobrecimento. Mas nem por isso
os conflitos sociais deslocados e internalizados no psíquico e no
corpóreo são menos destrutivos. Em suma, o projeto sócio-estatal como
tal aloja uma contradição entre fins e meios. Seu objetivo é a criação de
formas de vida estruturadas igualitariamente, garantindo liberdade de
movimentos para a auto-realização e a espontaneidade individuais. Mas
obviamente esse objetivo não pode ser diretamente alcançado pela
transposição jurídico-administrativa de um programa político. A produção
de novas formas de vida está além das forças de que o medium poder
154
A pequena cidade não vai resolver as contradições do mundo moderno e nem mesmo
outras categorias de cidades o farão. Contudo, vai vivenciá-las. O que é diferente é a maneira
como o Estado-município social age e intermedia estas contradições na pequena cidade,
diferentemente de outras categorias de cidades, devido a sua especificidade na pequena
cidade.
215
dispõe. Através desses dois problemas tratei de obstáculos que o Estado
social bem sucedido s em seu próprio caminho. Não quero dizer com
isso que o seu desenvolvimento tenha sido uma especialização errada.
Pelo contrário, as instituições do Estado social caracterizam, em medida
não inferior às instituições do Estado constitucional democrático, um
impulso no desenvolvimento do sistema político, para o qual não há
alternativa visível em sociedades como as nossas nem no que tange
às funções que o Estado social cumpre, nem no tocante às exigências
normativamente justificadas que ele satisfaz. Sobretudo os países ainda
atrasados no desenvolvimento do Estado social não têm nenhuma razão
plausível para desviarem-se desse caminho. É justamente a falta de
alternativas, talvez mesmo a irreversibilidade dessas estruturas de
compromisso (pelas quais se continua a lutar), que nos põe diante do
seguinte dilema: o capitalismo desenvolvido nem pode viver sem o
Estado social nem coexistir com sua expansão contínua.
As políticas públicas internas aos municípios de Estrela do Sul, Grupiara
e Cascalho Rico são de maneira a racionalizar o que de fato imputa as formas
direcionadas pela Constituição Federal de 1988, ou seja, a descentralização de
poderes e deveres e a municipalização das políticas públicas de cunho social
em nível municipal denotam uma situação exemplar de ingerência do Estado-
município social com fortes resquícios de uma política “keynesiana” de cunho
microlocal. Neste caso, a contradição do “Estado do Bem Estar Social” com a
política neoliberal reinante nestas últimas décadas no Brasil tem sua marca na
realidade da pequena cidade. A maior concentração de recursos financeiro e
tributário no ente federado União fica evidenciada nesta política concentradora
de renda e recursos e descentralizada nas funções. Com isso, a contradição
entre ser uma cidade que atrai investimentos (a cidade empresa) versus o novo
clientelismo e ajuda à população é mais sentido no município, especialmente
mais paupável na pequena cidade. Segundo Torres (2004, p. 131):
Outra conseqüência perversa dessa concentração de recursos no nível
da União é o aumento do clientelismo. Como todos sabemos, os
repasses constitucionais e obrigatórios aos estados e municípios não
são suficientes para atender suas necessidades de financiamento,
obrigando governadores e prefeitos a negociar a complementação de
verbas junto ao governo federal. Aqui surgem os maiores problemas,
pois a liberação dessas verbas se sem nenhum critério técnico ou
profissional, ou seja, são negociações políticas em que o mais
importante é a relação de poder que se estabelece entre quem está
repassando e quem está recebendo os recursos financeiros. Não se faz
nenhuma programação, levantamento de necessidades ou
planejamento. Tudo depende de articulações políticas clientelistas,
deixando a administração pública à mercê da habilidade, do poder
político, das relações pessoais e da troca de favores entre União e os
governantes estaduais e municipais. Uma quantidade muito grande de
recursos es sujeita a esse tipo de negociação de balcão, em
detrimento de critérios técnicos que deveriam balizar a definição e
execução de políticas públicas... Assim, esse mecanismo dificulta, e no
216
limite inviabiliza, qualquer esforço mais consistente de profissionalização,
de adoção de práticas gerenciais, de implantação de uma cultura
moderna na administração pública, tornando-a extremamente
prejudicada pelo caráter predatório do federalismo brasileiro.
As pequenas cidades, a exemplo de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho
Rico, potencializam o “Estado do Bem Estar Social” de maneira mais direta e
visível via clientelismo e personalismo, pois nelas as relações cio-políticas
entre a população e o poder público, a administração blica e seus agentes
são estabelecidos de maneira mais conclusiva e sem abstrações. São diretas e
em certa medida revigoradas e “financiadas” por um status quo federativo
confuso e impregnado de regras modernizantes, conflituosas, permeadas de
um passado ainda muito presente de práticas herdadas historicamente.
Assim, o clientelismo, o personalismo e o patrimonialismo derivam da
postura de práticas político-administrativas herdadas historicamente e
promovem anacronismos e falta de perspectiva para parcela da população da
pequena cidade. As lacunas deixadas por esta situação são preenchidas por
um Estado-muncípio social que em vários momentos desvia ou dribla suas
próprias fraquezas com a instauração ou amplificação de festas e festejos no
município a fim de criar a ilusão da felicidade.
Portanto, a falta de recursos para novos investimentos aliada a falta de
perspectivas de parcela da população produzem situações em que a pequena
cidade é vivida como um eterno “momento feliz” em que as festas são seu
principal calendário. Não mais o calendário agrícola rege esta pequena cidade
e sim o calendário do “show” que é a cidade pequena e dentro deste “show”
eterno o momento eleitoral é um dos mais esperados por parcela significativa
da população. É quase uma fundamentação aristotélica em que a felicidade é
em si mesma um fim.
217
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO IVCAPÍTULO IV
CAPÍTULO IV
“PAN
“PAN“PAN
“PANEM
EMEM
EM
ET CIRC
ET CIRCET CIRC
ET CIRCENSES
ENSESENSES
ENSES”: A “POLÍTICA” NAS
”: A “POLÍTICA” NAS ”: A “POLÍTICA” NAS
”: A “POLÍTICA” NAS
PEQUENAS CIDADES DE ESTRELA DO SUL, GRUPIARA E
PEQUENAS CIDADES DE ESTRELA DO SUL, GRUPIARA E PEQUENAS CIDADES DE ESTRELA DO SUL, GRUPIARA E
PEQUENAS CIDADES DE ESTRELA DO SUL, GRUPIARA E
CASCALHO RICO
CASCALHO RICOCASCALHO RICO
CASCALHO RICO
Fonte: Fotografias de Grupiara (alto) e Estrela do Sul (abaixo).
218
Nos municípios de Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara, as relações
de parentesco e compadrio o marcantes, assim como as rupturas familiares
e as brigas entre compadres durante o processo político eleitoral (tais
entreveros acabam sendo as grandes queixas das pessoas envolvidas no
processo).
155
As relações de vizinhança, o compadrio e a proximidade dos
gestores públicos com a população promovem um envolvimento das pessoas
no processo político eleitoral maior que em outras localidades, se observarmos
pelo campo da porcentagem da população envolvida de forma direta ou indireta
no processo eleitoral. Porém, o envolvimento da população das pequenas
cidades na vida pública suscita alguns questionamentos: este envolvimento e a
participação ativa na vida política do município são porque gostam do momento
político ou das eleições, ou somente vêem vantagens pessoais?
4.1 A “POLÍTICA” E A POLÍTICA ELEITORAL NAS PEQUENAS CIDADES
DE ESTRELA DO SUL, CASCALHO RICO E GRUPIARA
A cada quatro anos alternam-se grupos políticos ou grupos de pessoas
que usufruem não somente do poder das prefeituras, mas das benesses
pessoais (emprego de familiares, gasolina, remédios, pontes, estradas, mata-
burros, transporte, etc.) advindas do usufruto do poder que beneficia apenas
parte da população que as apoiou. A cada quatro anos uma parte da população
alterna-se neste usufruto?
A política como instrumento da democracia e como via ou processo de
realização das vontades e necessidades do povo é, de maneira contundente,
vislumbrada na pequena cidade como sendo sinônimo de processo eleitoral. O
fazer política confunde-se com política partidária, o que, na maioria das vezes,
remete ao “status” da política dualista das décadas de 1930 a 1970. Situação e
oposição, binômio concreto da vivência eleitoral mais que ideológico ou mesmo
155
No processo político eleitoral para preenchimento dos cargos do executivo (prefeito) e
legislativo (vereadores) de 2004, percorremos entrevistando pessoas comuns, candidatos a
vereador e prefeito da cidade de Estrela do Sul. Participamos mais intensamente dos pleitos de
Estrela do Sul, Romaria e Grupiara (com visitas semanais durante dois meses anteriores ao
pleito, participando dos diversos comícios e showmícios”, carreatas dos diferentes partidos e
candidatos de várias bandeiras políticas, etc.), mais que das outras cidades, porém, ao longo
da exposição, as citações serão mais endereçadas à localidade de Estrela do Sul.
219
ideológico partidário
156
, representa muito tempo a situação dual que
caracterizou processos políticos anteriores em que PSD ”combatia” UDN, ou
mesmo ARENA e MDB se engalfinhavam em disputas político-eleitorais. As
siglas mudaram, mas “situação” e “oposição” ainda são os pólos que se
refletem no espelho da história. Ainda são PSD e UDN, mesmo com algumas
situações anacrônicas, vez ou outra, ainda o são digladiando em processos
eleitorais
157
.
Essa metáfora é para dar a conotação e o sentido em que os partidos
atuantes nesses municípios são antes de tudo letras entrecruzadas com cores
de bandeiras que não querem dizer mais que isto. Mais que peculiaridades
pertinentes a pequenas cidades, o personalismo político se faz, especialmente
em Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico, cidades aqui analisadas, uma
maneira amadorística do processo político eleitoral. A modernidade do fazer
política a partir de processos partidários e ideológicos ainda não é totalmente
presente nesses municípios a despeito de que tal fenômeno significa e
amplifica o termo modernidade. O que se revela no processo eleitoral da
pequena cidade é um personalismo que se entremeia com o patrimonialismo
diletante. Esta dissincronia contraria o que se entende por sociedade que se
quer moderna em aspectos ideológicos e partidários, são os principais
pressupostos de uma política moderna e de uma prática eleitoral
modernizadora. Segundo Domingues (2002, p. 469):
156
Sobre este aspecto Prado (1996, p. 43-44) ao analisar uma pequena cidade do interior do
Estado de São Paulo estabelece uma interessante análise sobre o assunto: …no caso da
política partidária local, também os laços pessoais têm grande peso e os partidos…chegam a
ser designados pelos nomes de representantes locais…ou seja, muito simplesmente, a maioria
vota na pessoa e não no partido; apenas uma minoria vota ideologicamente e tem uma
preocupação de reconhecer as linhas partidárias que estão por trás das pessoas…as razões
para tais escolhas são, coerentemente, razões de ordem pessoal facilmente reconhecíveis na
chamada política ‘do favor’ ou ‘de clientela’: amizade; parentesco; um favor ou uma ajuda
prestados, pelos quais se deve gratidão ou se ‘deve obrigação’, que é paga com o voto. Eleito
o candidato, o eleitor sente reafirmado o laço de amizade e/ou o direito de conseguir novos
favorecimentos. Pode-se também ver apresentado como argumento da escolha a admiração
pelo candidato enquanto um (já testado ou possível) bom administrador, mas que é
comumente associada ao respeito e consideração que se tem por ele; quer dizer, mantém-se o
nível da pessoalidade.”
157
Se observarmos as relações político-partidárias em Estrela do Sul nos últimos pleitos
eletivos podemos ter uma melhor idéia dessas alegações. Nas eleições municipais que se
realizaram em 1992 (para o exercício 1993-1996), os partidos que formaram a base de
sustentação política do prefeito eleito foram o PTR (partido do prefeito eleito) e o PFL. A
bancada de oposição era formada pelo PMDB, PT, PDT. para a eleição do mesmo prefeito
(Dr. Haroldo José de Almeida) em 2000 (para o exercício 2001-2004) eram o PSDB (partido do
prefeito eleito), o PTB e o PP. Os partidos de “oposição” nestes últimos anos foram: PMDB,
PR, DEM e o PPS (que realiza de fato a oposição ao executivo municipal em Estrela do Sul).
220
Tudo indica que nos deparamos crescentemente com dois fatores
cruciais, para além tanto do controle do voto quanto da expressão
individualizada de notáveis, os quais, sem esquemas burocráticos fortes,
operavam de cima os partidos (como o Movimento Democrático
Brasileiro MDB, no período de oposição à ditadura militar): por um
lado, com a independência do eleitorado e, por outro, com a importância,
através do país como um todo, da implantação das máquinas partidárias.
Estas funcionam nos moldes classicamente descritos por Weber
(1988:324 e ss.) isto é, como associações livres, burocratizadas e que
buscam recursos financeiros para tomar parte em batalhas” eleitorais
mais ou menos livres também, sempre procurando recompensas pelos
esforços nesta direção envidados –, o que não implica, ele frisa, falta de
crença e de compromisso ideológico de seus quadros. No Brasil, hoje,
isso se mostra, como de resto Weber já observara no que tange à social-
democracia alemã do começo do século passado, de forma mais
acentuada exatamente nos partidos mais à esquerda e mais
democráticos. E tem lugar, em geral, com alcance “oligopólico” em
termos da colonização do espaço político formal, possivelmente gerando
os impasses que esse tipo de institucionalização implica no mundo
contemporâneo (Santos, 1988, cap. 4). Isso não quer dizer que não seja
possível o surgimento de “lideranças” que não se assentem sobre o
sistema constituído de partidos, nem que o caráter altamente
diferenciado do país não gere incongruências e fragilidades no que tange
aos partidos. A despeito disso, e não obstante alguns lastimarem o que
seria o baixo grau de institucionalização do sistema partidário brasileiro
(Mainwaring, 2001), bem como independentemente de seu peculiar e
elevado nível de fragmentação (Nicolau, 1996), creio ser evidente que,
tudo somado, uma modernização acentuada da política patentemente
encontra-se em curso, com suas vantagens e problemas, em estágio
relativamente avançado e sem prejuízo de suas peculiaridades.
Na pequena cidade os estágios não estão “avançados” no tocante a
aspectos políticos e político-eleitorais, segundo princípios democratimente
estabelecidos e convencionados. Não ideologias partidárias ou propostas
partidárias. São expressões dos agentes políticos locais em que o
personalismo
158
é mais forte que a sigla partidária. o chegam a ser
puramente siglas de aluguel, mas representam o momento da política nacional
e mesmo estadual, ou seja, a sigla do momento é aquela em que a maioria dos
agentes políticos apóia ou representa os governos estadual e federal, e em
muitos casos, representam o deputado federal e estadual que mais investiu na
campanha para prefeito ou vereador. O eleitor e suas demandas sociais é
quem decide as eleições. Por isso, reformas com redução dos benefícios
158
Sobre o personalismo que impera em parte do sistema político-eleitoral no Brasil e que
podemos transportar para a realidade das pequenas cidades de Estrela do Sul, Cascalho Rico
e Grupiara, afirmava Holanda (2004, p. 184) que “é freqüente imaginarmos os princípios
democráticos e liberais quando, em realidade, lutamos por um personalismo ou contra outro. O
inextricável mecanismo político e eleitoral ocupa-se continuamente em velar-nos esse fato.
Mas quando as leis acolhedoras do personalismo são resguardadas por uma tradição
respeitável ou não foram postas em dúvida, ele aparece livre de disfarces.”
221
sociais não têm cabimento. Por outro lado, partidos reforçam esse
comportamento ao defenderem soluções estatais para os problemas do eleitor.
O assistencialismo é a “ideologia”. Segundo Torres (2004, p. 32):
As reformas do aparelho do Estado que propõem uma redução da
quantidade de serviços sociais blicos disponibilizados para a
sociedade encontram fortes limites no próprio comportamento do eleitor,
haja vista que as chamadas forças do mercado não comparecem às
urnas para votar. No momento do voto, o que vale é o cidadão em carne
e osso, com carências, demandas e expectativas em relação à
administração blica. Esse eleitor, ressalte-se, é extremamente
sensível ao discurso incorporador e assistencialista que os partidos
políticos apresentam na época das eleições, usualmente defendendo
uma solução pública e estatal para a maioria dos problemas dos
eleitores.
Não obstante, devemos ter em mente que algumas mudanças ocorrem no
quadro das lideranças políticas nestes últimos pleitos eletivos, especialmente
no que se refere ao cargo de prefeito. Observe os quadros 2, 3 e 4 a seguir:
Quadro 2: Estrela do Sul: Prefeitos e ocupação principal após 1988.
ANO PREFEITO OCUPAÇÃO
1989-1992 SANCHO JOSÉ DO
NASCIMENTO
FAZENDEIRO
1993-1996 HAROLDO JOSÉ DE
ALMEIDA
MÉDICO
1997-2000 SANCHO JOSÉ DO
NASCIMENTO
FAZENDEIRO
2001-2004 HAROLDO JOSÉ DE
ALMEIDA
MÉDICO
2005-2008 HAROLDO JOSÉ DE
ALMEIDA
MÉDICO
Fonte: Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul
Org.: BACELAR, W. K. A. 2007.
222
Quadro 3: Grupiara: Prefeitos e ocupação principal após 1988.
ANO PREFEITO OCUPAÇÃO
1989-1992 ENIO MENDES DE
OLIVEIRA
BANCÁRIO
1993-1996 ROBERTO RICARDO DE
SOUZA
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
1997-2000 ENIO MENDES DE
OLIVEIRA
AYRES GILBERTO
GUIMARÃES
BANCÁRIO
FAZENDEIRO
2001-2004 ROBERTO RICARDO DE
SOUZA
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
2005-2005
2005-2008
ROBERTO RICARDO DE
SOUZA
RONALDO JOSÉ
MACHADO
∗∗
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
COMERCIANTE
Fonte: Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Grupiara.
Org.: BACELAR, W. K. A. 2007.
Quadro 4: Cascalho Rico: Prefeitos e ocupação principal após 1988.
ANO PREFEITO OCUPAÇÃO
1989-1992 JOSÉ HERMANDO LEMOS FAZENDEIRO
1993-1996 ADARCI VIEIRA DE ARAÚJO FAZENDEIRO
1997-2000 JOSÉ HERMANDO LEMOS FAZENDEIRO
2001-2004 ADARCI VIEIRA DE ARAÚJO FAZENDEIRO
2005-2008 FERNANDO BORGES DOS SANTOS MÉDICO
Fonte: Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Cascalho Rico.
Org.: BACELAR, W. K. A. 2007.
Nesses quadros pudemos perceber que no intervalo de tempo analisado
poucas pessoas ocuparam o cargo de prefeito nos municípios de Estrela do
Sul, Grupiara e Cascalho Rico. O personalismo no executivo da pequena
No final de 1997 o vice-prefeito Ayres Bernardes assumiu a Prefeitura Municipal nos últimos
dois meses do mandato.
∗∗
Em 22 de setembro de 2005, por decisão da Justiça Eleitoral, entrou em exercício à frente
do Governo Municipal de Grupiara o Sr. Ronaldo José Machado em decorrência de sentença
prolatada pelo MM. Juiz Eleitoral da 110ª Zona eleitoral de Estrela do Sul - MG.
223
cidade ainda é muito presente
159
. Contudo, também se pode observar uma
alteração na ocupação principal dos prefeitos. Com isso, na pequena cidade, a
figura do fazendeiro, representante das funções rurais, é gradativamente
substituída por atividades “urbanas”, representando uma sublimação do
profissional liberal com diploma de curso superior ou especialista
160
, sobre
funções de menor qualificação do ponto de vista acadêmico e educacional. Os
“doutores” administram as pequenas cidades de Estrela do Sul, Grupiara e de
Cascalho Rico provocando um raciocínio em que as funções ocupacionais dos
prefeitos são, nos últimos pleitos eletivos, essencialmente urbanas e provocam
um quadro em que o gestor do executivo, aquele que comanda o Estado-
município social, que gerencia os gastos, investimentos e determina as
políticas públicas seja um administrador forjado no mundo urbano e não rural,
como acontecia em épocas anteriores.
Nos quadros 2, 3 e 4 também está explicita a dificuldade, na pequena
cidade, em se realizar a “construção” de novas lideranças políticas
especialmente para o cargo máximo do executivo. Fato este preocupante, do
ponto de vista da renovação de idéias e propostas.
O interessante é que para vereadores o quadro de ocupações segue o
mesmo esquema nos municípios de Estrela do Sul e Grupiara, alterando-se
substancialmente no caso de Cascalho Rico em que as funções ocupacionais
159
Para Sanches (2001) o personalismo em “Raízes do Brasil” é, no fundo algo positivo, pode
ser utilizado como fonte de alteração do pr´proprio padrão de estranheza que cerca noss
cultura política, pois é representante da pessoalidade, tão cara ao povo brasileiro. Segundo
Sanches (2001, p. 10): “Para Holanda, o personalismo “pode ser uma força positiva e que, ao
seu lado, os lemas da democracia liberal parecem conceitos puramente ornamentais ou
declamatórios sem raízes fundas na realidade”. Essa “força positiva” do personalismo é
colocada em pólo oposto à democracia liberal, pelo fato de que, nesta forma de governo,
impera a impessoalidade. Como vimos, Raízes do Brasil tem uma forte influência weberiana.
Quando Holanda descreve nossos valores personalistas, ele acredita que tais valores tenham
uma “força positiva”, embora sejam um entrave à constituição de uma cultura política
democrática por não termos características “racionais” em toda a esfera burocrática e
econômica. Esse “racionalismo” levou ao desencantamento do mundo”, segundo Weber, e é
por isso que o personalismo aparece como “força positiva” em meio a esse mundo, restando-
nos não abandonar tais valores, mas, sim, acreditar que é dessa aparente fraqueza que pode
ser nossa força.”
160
Sobre esta forma de personalismo Holanda (2004) nos alertara muito tempo. Segundo
Sanches (2001, p. 10): “Outra forma de personalismo são as atividades ligadas aos
profissionais liberais. Nós temos uma inclinação geral para as profissões liberais, como
advocacia, medicina, engenharia. É que no Brasil somente os formados em Direito que
ascendem, em regra, às mais altas posições e cargos públicos. Esse vício do bacharelismo
leva-nos a exaltar, acima de tudo, a personalidade individual como valor próprio: “O que
importa salientar aqui é que a origem da sedução exercida pelas carreiras liberais vincula-se
estreitamente ao nosso apego quase exclusivo aos valores da personalidade."
224
dos vereadores desse município ainda são predominantemente rurais. Estas
constatações podem ser observadas nos quadros 5, 6 e 7 e nos gráficos 58, 59
e 60 a seguir:
Quadro 5: Estrela do Sul: Vereadores e ocupação principal após 1988.
1989-1992 1993-1996 1997-2000 2001-2004 2005-2008
fazendeiro Fazendeiro comerciante fazendeiro professor
Advogado Fazendeiro garimpeiro comerciante comerciante
comerciante Estudante mecânico fazendeiro Agente de saúde
garimpeiro Diamantário garimpeiro fazendeiro fazendeiro
cabeleleiro Professor comerciante fazendeiro mecânico
diamantário Garimpeiro diamantário Gerente de
produção
fazendeiro
Estudante Pastor
evangélico
fazendeiro mecânico comerciante
Vigilante Advogado comerciante garimpeiro Gerente de
produção
Jornalista Mecânico fazendeiro mecânico Gerente de
produção
Fonte: Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul.
Org.: BACELAR, W. K. A. 2007.
Gráfico 58: Estrela do Sul: Evolução do quadro de vereadores segundo ocupação urbana
e rural (1989-2008).
Fonte: Secretaria municipal de Cultura do município de Estrela do Sul.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
225
Quadro 6: Grupiara: Vereadores e ocupação principal após 1988.
1989-1992 1993-1996 1997-2000 2001-2004 2005-2008
Fazendeiro Fazendeiro Comerciante Fazendeiro Funcionário
Público
Fazendeiro Fazendeiro Fazendeiro Comerciante Comerciante
Comerciante Fazendeiro Fazendeiro Fazendeiro Funcionário
Público
Comerciante Fazendeiro Fazendeiro Fazendeiro Fazendeiro
Funcionário
Público
Funcionário
Público
Fazendeiro Comerciante Funcionário
Público
Fazendeiro Funcionário
Público
Funcionário
Público
Funcionário
Público
Fazendeiro
Fazendeiro Funcionário
Público
Fazendeiro Funcionário
Público
Comerciante
Fazendeiro Funcionário
Público
Funcionário
Público
Funcionário
Público
Funcionário
Público
Fazendeiro
Comerciante Funcionário
Público
Do lar Funcionário
Público
Fonte: Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Grupiara.
Org.: BACELAR, W. K. A.2007.
Gráfico 59: Grupiara: Evolução do quadro de vereadores segundo ocupação urbana e
rural (1989-2008).
Fonte: Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Grupiara.
Org.: BACELAR, W. K. A.2007.
Com a CPI arquivada o vereador Alexandre Alberto Leal renuncia e é empossado em seu
lugar o suplente Selismar Bernardes.
O vereador Josfran Davi Gonçalves dá lugar a seu suplente Ayres Gilberto Guimarães
(Fazendeiro)
226
Quadro 7: Vereadores e ocupação principal no município de Cascalho Rico após 1988.
1989-1992 1993-1996 1997-2000 2001-2004 2005-2008
Agricultor Funcionário
público
agricultor agricultor Funcionário
público
Professor Agricultor agricultor advogado Funcionário
público
Agricultor Agricultor fazendeiro professor agricultor
fazendeiro Agricultor agricultor agricultor agricultor
peão de rodeio Agricultor comerciante agricultor professor
Agricultor Fazendeiro agricultor agricultor agricultor
fazendeiro Agricultor agricultor agricultor comerciante
Agricultor Funcionário
público
Funcionário
público
agricultor agricultor
comerciante Agricultor agricultor Funcionário
público
agricultor
Fonte: Vereador e editor do Jornal “Rio das Pedras” de Cascalho Rico Sr. Avenir Alves
Barbosa.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
Gráfico 60: Evolução do quadro de vereadores em Cascalho Rico segundo ocupação
urbana e rural (1989-2008).
Fonte: Vereador e editor do Jornal Rio das Pedras” de Cascalho Rico, Sr. Avenir Alves
Barbosa.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
Para a melhor compreensão dos quadros 7, 8 e 9 dividimos as profissões
em dois grupos: profissões rurais como fazendeiro, agricultor, peão de rodeio,
garimpeiro; e profissões urbanas como prestadores de serviços na cidade
(vigilante, jornalista, cabeleleiro, pastor evangélico, professor, advogado,
227
gerente de produção, mecânico, agente de saúde, funcionário público), do lar e
estudante. Desconsideramos a repetição de nomes, pois entendemos que o
exercício da função de vereador não importa a pessoa, mas o tempo do
exercício da função e sua importância enquanto representante da população.
Em Estrela do Sul constata-se que os comerciantes ocuparam a câmara
em 21% dos casos, os fazendeiros foram 26% dos vereadores, os garimpeiros
12%, os prestadores de serviços 39% e os estudantes 2%. Estes números
representam uma gama populacional que se distribui de maneira quase
homogênea pelos setores representativos da cidade de Estrela do Sul.
Contudo, se observarmos a ocupação quanto a origem rural e urbana
percebemos que as funções ocupacionais de origem urbana predominam na
câmara de vereadores de Estrela do Sul, com apenas uma redução na
legislatura de 2001-2004, produzindo uma câmara de vereadores em que
predomina a ótica urbana
161
sobre um município em que as funções rurais
ainda são próximas do cotidiano de parcela da população, como pode ser
observado no gráfico 58.
Porém, salientamos que a representação de vereadores na câmara
municipal de Estrela do Sul, observada no quadro 7, demonstra uma realidade
de representatividade que reflete o quadro locacional da população do
município em que a maioria é classificada como urbana pela contagem
populacional de 2007 do IBGE. A representatividade ocupacional e de classes
sociais varia das de menor nível técnico e educacional até as mais exigentes e
também dos estratos populacionais mais pobres até os das classes mais
abastadas (fazendeiros, diamantários e advogados) como observado no gráfico
61.
161
Por ótica urbana estamos nos referindo a uma maneira de encarar a pequena cidade em
que suas relações internas se dão a partir das relações intra-municipais. Assim, o meio rural
passa a ter uma importância maior que em cidades de maior porte populacional, onde a
urbanidade é a nica maior e as necessidades do campo são praticamente subsumidas e o
município perde peso frente às necessidades do sítio urbano. Assim, ótica urbana seria dar
privilégio às necessidades do sítio urbano em detrimento das necessidades do todo municipal.
228
Gráfico 61: Estrela do Sul: Representação na Câmara de Vereadores segundo ocupações
entre 1989 e 2008.
Fonte: Secretaria de Cultura Municipal de Estrela do Sul.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
Em Grupiara a distribuição das ocupações profissionais dos ocupantes da
vaga de vereador evoluiu para uma predominância de funções urbanas sobre
as rurais, como observado no quadro 8 e no gráfico 59. Tal fato está
relacionado à constatação de que a maioria da população municipal reside no
sítio urbano e não na área rural (segundo contagem populacional de 2007). O
município de Grupiara não possui nenhum distrito e os povoados rurais são
poucos, refletindo a perda territorial sob o lago da Hidrelétrica de Emborcação
(70% da área total do município).
162
O fato do alagamento de grande parcela
do território (a partir de 1982), inclusive parte da área urbana do município,
influi na evolução do predomínio de vereadores com funções urbanas e
principalmente nas últimas legislaturas a função “Funcionário Público”
predomina sobre as demais.
A estreita relação entre a composição da câmara de vereadores e os
desdobramentos territoriais derivados do alagamento de parte do território do
município culmina com a perda de hegemonia dos fazendeiros para as funções
urbanas na composição do quadro de vereança municipal em Grupiara, como
observado no gráfico 59. Na imbricada relação de parcela da população do
162
Esta estreita relação do município de Grupiara com o lago da Hidrelétrica de Emborcação
pode ser vista no anexo 9.
39%
26%
21%
12%
2%
Prestador de Servos
Fazendeiro
Comerciante
Garimperio
Estudante
229
município com o mundo urbano, produzida pela área territorial/rural reduzida,
no quadro geral de participação por ocupação no período analisado, as funções
urbanas predominaram por maior parte do tempo (funcionário público,
comerciante e do lar), como pode ser observado no gráfico 62. Este quadro
geral deve-se especialmente a legislatura de 1993-1996 e às duas últimas, em
que as funções ocupacionais urbanas predominaram sobre as rurais, como
observado no gráfico 59.
Gráfico 62: Grupiara: Representação na Câmara de Vereadores segundo ocupações
entre 1989 e 2008.
Fonte: Secretaria de Cultura Municipal de Grupiara.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
Em Cascalho Rico observamos uma predominância de funções rurais
sobre as urbanas. Fato contrário ao analisado em Estrela do Sul e Grupiara.
Contudo, isto não é de todo impertinente, ao contrário, é fruto de uma situação
que diferencia o município de Cascalho Rico dos outros dois municípios aqui
analisados. Em Cascalho Rico a quantidade de domicílios rurais supera os
urbanos e, com isso, diferentemente de Estrela do Sul e de Grupiara, a
população rural é maioria, segundo o censo populacional de 2000, corroborada
pela contagem populacional de 2007 do IBGE. Assim, a situação do quadro de
vereadores no município mostra que as funções ocupacionais dos vereadores
são predominantemente rurais, como observado no quadro 9 e no gráfico 60.
230
Tais números implicam uma composição de tempo por funções
ocupacionais na câmara de vereadores de Cascalho Rico que coincide com o
quadro geral do local de moradia da maior parte da população e assim uma
interessante equitatividade na representação de classe, produzindo uma
predominância das funções rurais (agricultor, fazendeiro e peão de rodeio)
sobre as urbanas, como se pode observar no gráfico 63.
Gráfico 63: Cascalho Rico: Representação na mara de Vereadores segundo
ocupações entre 1989 e 2008.
Fonte: Vereador e editor do Jornal “Rio das Pedras” de Cascalho Rico, Sr. Avenir Alves
Barbosa.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
Assim, nos municípios de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico a
representação equilibrada entre população e seus representantes no legislativo
municipal seguem um padrão interessante de equitatividade e de distribuição
de classes e funções ocupacionais que predominam em seus respectivos
municípios. O que nos demonstra que o espaço resulta daqueles que o
comcebem.
Em Estrela do Sul e Grupiara a população urbana é predominante e em
Cascalho Rico é a rural a que predomina, segundo a contagem populacional do
IBGE de 2007. Contudo, esta maior equitatividade não se configura em
processos ideológicos e de propostas políticas de ordem mais global no que
231
concerne ao todo populacional. Nestas pequenas cidades ainda se configura
uma cisão entre os aliados do prefeito e os adversários. Aqueles que podem
indicar parentes, eleitores, cabos eleitorais para cargos na prefeitura municipal
e se beneficiar de regalias como viagens, combustível e também realizar
assistencialismo utilizando a máquina do Estado-município social.
Com isso o cargo de vereador torna-se uma “loteria”, cujo grande prêmio é
a vitória nas eleições, de preferência do lado vencedor para o cargo máximo do
executivo. Porém, tal realidade é deveras fluída. Como o cargo de vereador
não tem o mesmo peso jurídico e prático em influir diretamente na vida
cotidiana da comunidade como o de prefeito, mesmo com todas as “regalias”
obtidas com o cargo, o vereador não tem o poder do prefeito e sua relação
desgasta-se mais rápido que o executivo. Provocando uma alta rotatividade no
cargo, maior que a de prefeito, como observado nos quadros 4,5 e 6.
Sobre este assunto o prefeito de Estrela do Sul argumenta que “o
vereador é confundido com o executivo, pois muitos acham que o vereador tem
que fazer obras e tudo mais que realmente é de competência do executivo e
não do legislativo”. Para o prefeito de Cascalho Rico este fato da alta
rotatividade no legislativo municipal “decorre da falta de preparo dos
vereadores (sic) e seu trabalho é desprezado (sic) pela falta de expressão junto
à população”. Para o prefeito de Grupiara “este fato se talvez pelo fato de
muitos vereadores não entenderem a real função do cargo”. O fato é que esta
maior rotatividade no cargo de vereador da pequena cidade é um dos
“combustíveis” para uma situação político-eleitoral explosiva nestas
localidades.
Para o Promotor Público Dr. André Luiz de Melo da comarca de Estrela do
Sul (que engloba Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara) os vereadores são
omissos quanto a seus potenciais deveres e contribuem para produzir
situações em que a população não seja valorizada social e politicamente. Tal
fato perpetua situações culturais de paternalismo em que, segundo o Promotor,
“quanto menor a cidade maior o problema, quanto maior é o dinheiro maior é
problema” do paternalismo, nepotismo, assistencialismo e relações político-
administrativas de cunho personalista. Assim, para o Promotor Público de
Estrela do Sul “os maiores problemas dessa ordem provém de Grupiara”.
232
A situação político-eleitoral apresenta-se conflituosa na pequena cidade.
Um caso exemplar é a pequena Grupiara em que as relações políticas entre o
grupo oposicionista e situacionista são claramente identificadas e notoriamente
estremecidas. Como nesta localidade de 1.412 habitantes as relações de
parentesco e compadrio ainda são muito fortes, tal situação provoca
desagregação familiar, disputas internas e até conflitos armados mesmo no
seio familiar
163
. Todos se conhecem, ou mesmo conhecem sua ascendência
164
.
E a posição política não é medida por envolvimento em partidos políticos, estes
são apenas siglas utilizadas ou mesmo “alugadas” para as disputas eleitorais
do momento. A divisão é claramente entre oposição e situação. É uma divisão
estabelecida entre chefes políticos e seus correligionários.
A vida comunitária é praticamente regida pelos ditames das disputas
político-eleitorais ao longo do ano na pequena cidade. “Respira-se” política
cotidianamente. Os grupos de pessoas sentados nos bancos da praça
discutem política e opinam sobre quem está do lado de quem rotineiramente.
Segundo Silva (2000, p. 8):
Clifford Geertz, que trata a cultura sob a perspectiva de um 'mecanismo
de controle', argumenta que ela "inicia-se com o pressuposto de que o
pensamento humano é basicamente tanto social como público - que seu
ambiente natural é o pátio familiar, o mercado e a praça da cidade".
Neste sentido, este autor explicita que é necessário atentar-se para o
"comportamento" das pessoas, para as "micropolíticas" de que falam
Félix Guatari e Sueli Rolnik, porque é através da ação social que as
formas culturais encontram articulação e, assim, desempenham seu
papel no padrão de vida instaurado.Além do ambiente da casa que tem
como referência a família, o ambiente fora de casa é altamente
controlado, em primeiro lugar pela "vizinhança", e só então o espaço fora
da vizinhança ganha importância. O espaço limite dos "vizinhos" serve
163
Sobre esse assunto, concordamos com Prado (1996, p. 44) quando argumenta que: …a
nível local…, a política é basicamente marcada pelas pessoas que a exercem. Nesse sentido,
criam-se facções em função da lealdade a essas pessoas. Tais facções são mais
caracterizadas nas figuras dos correlegionários e seguidores mais próximos dos
políticos/líderes locais de partidos…mas há, com certeza, um rosário de variadas acusações
mútuas, como também casos de evitação mútua e mesmo de rompimento de relações entre
pessoas dessas facções…embora ‘todo mundo se com todo mundo’, nem todo mundo ‘se
bem como todo mundo’ como no universo da casa, em que todos ‘se dão’, mas há
confrontos e relações preferenciais.”
164
Segundo Prado (1996, p. 34) numa pequena cidade não se pode ser anônimo. E, segundo
esta pesquisadora, na pequena cidade: Não se pode ser um ‘indivíduo’ um cidadão entre
outros, o identificado, em situação de impessoalidade e de igualdadade, com ausência de
privilégios ou discriminações. Sempre se é uma pessoa’ alguém identificado e posicionado,
filho de alguém, parente de alguém, da roça, da cidade, relacionado a uma família, grupo, ou
posição…neste tipo de sociedade, sempre se é alguém cujo lugar é determinado pelo
pertencimento a um segmento família, casta, grupo de parentesco, grupo de vizinhança,
categoria profisional, etc. – que faz a sua conexão com a totalidade.”
233
de encontros e lazer, como os bares, lanchonetes, salões de baile,
salões paroquiais, ou campos de futebol de várzea. A forma de
comportamento das pessoas está sujeita a uma determinada forma de
controle, porque nas pequenas cidades "todo mundo conhece todo
mundo e se mete na vida de todo mundo". Os espaços demarcados
desta maneira são utilizados como referência para distinguir seus
usuários como pertencentes a uma rede de relações e, para pertencer a
esta rede, é preciso que se cumpram determinadas regras de
convivência.
Em Grupiara percebemos isso nas quinze visitas com entrevistas orais
com a população e nas entrevistas e afirmações dos dois prefeitos do último
pleito eletivo de 2004. Dois prefeitos porque o prefeito eleito Roberto Ricardo
de Souza foi cassado pela justiça eleitoral e seu oponente, o senhor Ronaldo
José Machado (que ficou em segundo lugar na eleição), em 22 de setembro de
2005 assumiu o posto de prefeito municipal. A cassação do mandato foi devido
a acusações contra o ex-prefeito Ricardo Machado de corrupção e compra de
votos e sua sentença foi de oito anos de inelegibilidade e ressarcimento ao
erário público dos ganhos ilegais.
Fatos como estes não representam novidade na vida política recente de
Grupiara. Em 2002 a recusa em ser indicado para concorrer ao cargo de
prefeito fez com que uma pessoa cometesse suicídio. Em outra ocasião, o
prefeito Enio Mendes de Oliveira teve seu afastamento decretado por junta
médica em 1996 e assumiu em 1997 seu vice Ayres Gilberto Guimarães. O
qual, ao fim de seu mandato, por determinação da justiça eleitoral de Estrela do
Sul foi processado e ficou oito anos inelegível. Ao final desse mesmo mandato,
em dezembro de 2000, a prefeitura de Grupiara sofreu um incêndio a poucos
dias da posse do novo prefeito, queimando computadores e a maioria dos
arquivos impressos. Fato até hoje não esclarecido completamente.
Em Grupiara o número de eleitores é praticamente igual ao da
população. São 1.380 eleitores e 1.412 habitantes! Tal fato culminou na
recontagem populacional e recontagem e recadastramento eleitoral entre o
final de 2007 e início de 2008. O número de votos para se eleger prefeito não
ultrapassa a casa dos 400 votos e para se eleger vereador entre 50 e 110
votos. Assim, a disputa por votos provoca situações em que cada voto (neste
sentido cada um mesmo) vale muito! A disputa eleitoral fica mais acirrada e o
“corpo a corpo” mais evidente e não raro violenta e onerosa. Em entrevista com
234
o ex-assessor do prefeito municipal o senhor JB
165
afirma que nos últimos
pleitos eletivos em Grupiara o montante de dinheiro gasto foi exorbitante.
Segundo JB “na penúltima eleição e na última a situação
166
gastou quase um
milhão de reais! (sic)”.
Para um universo de pouco mais de 1.300 eleitores a disputa por cargos
eletivos torna-se um grande negócio para parte da população que realiza
verdadeiros leilões de votos, o que inclui até mesmo a eleição da diretoria da
Escola Estadual. Esta eleição toma foro político eleitoral e é uma demonstração
do peso das lideranças políticas da cidade e como tal envolve campanhas que
mobilizam uma grande parcela da população local que se divide entre os
opositores do prefeito e os ligados ao prefeito. Na última e na penúltima
eleição, ainda segundo as afirmações do senhor JB, foram gastos mais de 200
mil reais pelo grupo representante da “situação” para manter o mesmo grupo
na direção da Escola. Ainda segundo o senhor JB “em Grupiara o povo não
quer melhoria na cidade, o quer água tratada ou esgoto, quer mesmo é
dinheiro na eleição!”
É declaração contundente como esta que reafirma o caráter de
personalismo e clientelismo arraigado em uma maneira nada “moderna” de se
encarar o jogo político e mesmo eleitoral em uma sociedade que se quer
democrática. Ainda sobre as alegações do senhor JB “não são os políticos que
são corruptos é a população que é corrupta (sic)!” Este afirma ser comum e
fazer parte da cultura de parte da população de Grupiara a venda
indiscriminada de votos chegando mesmo a negociações dos votos em bloco.
Ou seja, um representante da família fica designado como representante das
negociações com os candidatos (prefeito e vereador) e negocia a “venda do
lote”. Assim, quanto maior a família mais esta interessa aos políticos que
“compram” os votos da família inteira.
Os delegados dos partidos que realizaram a “negociação”
167
são
responsáveis pelas seções e as urnas e fiscalizam na apuração dos votos se a
quantidade de votos recebida pelos candidatos coincide com os votos
165
Por motivos legais este depoimento não constará o nome completo do assessor, porém sua
entrevista está gravada em fita cassete, em CD-RW e transcrita em papel.
166
Grupo de pessoas ligadas ao prefeito em exercício.
167
Controle dos compradores sobre os votos vendidos, semelhante às práticas do Império e
república Velha, como analisado por Carvalho (1997 e especialmente em 2002) sobre as
práticas de controle pessoal e negociação de votos no Império e primeira república.
235
“arrebanhados”. Se tal número não coincidir as retaliações contra os que
“negociaram” os votos vão desde a recolha dos cheques dados até mesmo
retaliações psicológicas e mesmo físicas. É um Brasil do coronelato das
décadas de 1900, 1910, 1920 e 1930! É um Brasil em que ainda vigora a
maneira tradicional de uma política do cabresto e dos currais eleitorais.
Em Estrela do Sul a população consultada quando indagada se gosta
mais de política ou de eleições respondeu que prefere as eleições (52%) e de
política (22%) afirmaram gostar mais, e de nenhuma delas (26%) (gráfico 64).
Este último número pode até parecer um sentimento apolítico, porém a
realidade é que tanto a política quanto as eleições em Estrela do Sul
desgastam as relações pessoais e de amizade que estão causando uma
restrição ao processo político e também ao eleitoral
168
.
Gráfico 64: Estrela do Sul: Gosta mais de política ou das eleições. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Quando analisado por gênero, observamos que em Estrela do Sul os
homens e mulheres preferem as eleições mais que a política. Tais respostas
podem estar associadas ao fato de que o momento eleitoral é rápido e sua
168
Na pequena cidade a “política” é o termo utilizado para determinar as disputas cotidianas
entre a situação e a oposição que se estabelecem em variadas formas como: jornais apócrifos
que vez ou outra circulam, fofocas em bancos da praça, contendas que se travam em jogos de
futebol, denúncias de corrupção corriqueiras, bares que são freqüentados apenas por
oposicionistas do prefeito ou o contrário, festas em que os dois lados não se comunicam, etc.
Já a eleição são os dias que antecedem o pleito eletivo e o dia propriamente dito.
236
passagem garante o retorno das relações interpessoais de maneira mais
imediata. Contudo, há de ressaltar o alto número de pessoas que alegaram não
gostar de nenhuma das duas situações. Estas respostas podem ser
observadas no gráfico 65 a seguir:
Gráfico 65: Estrela do Sul: Gosta mais de política ou das eleições. Homens e mulheres.
2007
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Entretanto quando indagados sobre as razões de preferirem as eleições
que a política, tanto homens como mulheres alegaram variados motivos, desde
respostas de cunho oportunista até outras de expressão política de valor que
remetem ao período do coronelismo. As respostas condizem com o fato de a
eleição estar relacionada ao ganho imediato da população com a situação, e a
política ser um momento de muita contenda que se arrasta por meses ou até
mesmo anos na pequena Estrela do Sul. Quando indagados por que gostam
mais das eleições que da política, os entrevistados responderam que gostam
das propostas (22%), acaba a politicagem (15%), gosta de dar opinião (11%),
gosta da bagunça (9%), ganha dinheiro com venda do voto (9%), gosta do
movimento da cidade no dia da eleição 99%), revê os amigos (6%), gosta da
emoção da eleição (4%), gosta de ver o resultado (4%), e gosta de ganhar
cerveja (2%).
Em Cascalho Rico (gráfico 66) as opiniões foram mais divergentes e o
gosto pelas eleições (56%) suplantou a política (44%), demonstrando uma
maior relação da população consultada com o momento da decisão entre os
grupos políticos que disputam o poder local.
237
Gráfico 66: Cascalho Rico: Gosta mais de política ou das eleições. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Outro fato interessante em Cascalho Rico (gráfico 67) se apresentou
quando analisamos esta pergunta distribuída por gênero. Os homens gostam
mais da política da pequena cidade, pois esta é mais emocionante e pode
garantir melhores empregos e situações vantajosas para sua família ou grupo
político. Já para as mulheres as eleições são melhores porque acabam logo e a
vida pode voltar ao “normal”.
Gráfico 67: Cascalho Rico: Gosta mais de política ou das eleições. Homens e mulheres.
2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
238
Em cascalho Rico, tanto os homens como as mulheres que
responderam que gostam mais das eleições argumentaram que estas lhes
oferecem mais benefícios (37%), movimenta a cidade (13%), oferece emoção
(10%), acaba logo (10%), que é bom, gosta da emoção da disputa pelo voto,
que vive da política, que rende emprego, lhe cidadania, todos com 5% das
opiniões.
Em Grupiara (gráfico 68) observamos as mesmas preocupações de
Estrela do Sul. A população consultada afirma gostar mais de eleições (31%)
que de política (23%), contudo, o grupo que não respondeu é mais significativo
(46%) demonstrando o quanto tais situações influem no cotidiano e nas
relações familiares e de compadrio do povo desta pequena cidade.
Gráfico 68: Grupiara: Gosta mais de política ou das eleições. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Quando analisamos esta mesma pergunta por gênero (gráfico 69)
percebemos que os homens consultados em Grupiara gostam mais de eleições
e as mulheres gostam mais de política que das eleições. Contudo, os números
dos que afirmaram não gostar de nenhuma delas é expressivo (especialmente
no segmento feminino). Além de não gostarem de política e de eleições,
afirmaram não gostar de nenhuma delas. Tais situações podem esclarecer o
239
quanto o “jogo” político-eleitoral é sentido no seio familiar e a mulher da
pequena cidade de Grupiara absorve mais o impacto das quebras de relações
entre familiares, compadres, amigos e vizinhos.
Gráfico 69: Grupiara: Gosta mais de política ou das eleições. Homens e mulheres. 2007.
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Política Eleições Nenhum
Homens
Mulheres
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Outrossim, aqueles que afirmaram gostar mais de eleições disseram que
esta opção deve-se ao fato da emoção da votação (30%), lhe emprego
(19%), confere cidadania (13%), por ideologia (13%), é filiado (13%), é
tranqüilo (6%), e dá movimento na cidade (6%).
A política na pequena cidade vem como a situação de constante embate
entre os grupos que estão no poder e a sua oposição. Não depende das siglas
políticas. Depende muito mais das formas de inserção dos grupos políticos nas
situações de amenidades ou amargar ostracismo econômico, financeiro e
empregatício. Já o conceito eleições é visto como a decisão entre estes dois
grupos. O embate de quem vai ocupar qual cargo, posição e controle dentro da
máquina administrativa do Estado-município social. Por isso as respostas da
população ocupada quando opta por uma delas (política ou eleições) quase
sempre versa sobre os possíveis ganhos pessoais ou familiares, trabalho,
movimento na cidade, rever parentes, as festas e comícios, benefícios, bebida
de graça, e alguns poucos lembram dos valores cívicos e de cidadania.
240
O “fausto” situacionista é estar sempre em constante sintonia com a
máquina do governo da hora
169
. Como não tem muito dinheiro disponível, a
“migalha” é moeda de troca de favor em que a população votante, a qual
supostamente elegeu vereadores e o prefeito, são os eleitos para quatro anos
de bonança, enquanto os que perderam ficam de fora da “festa”. Segundo Silva
(2000, p. 17):
Na pequena cidade...o anonimato é impossível, e a pessoalidade impera
nos comportamentos dos indivíduos. Assim, as relações de caráter
formal são entrelaçadas com relações de afetividade, parentesco e
respeito, gerando uma confiança estabelecida em regras e códigos
relacionados a uma ética específica: a da "conveniência". Os negócios,
por exemplo, são estabelecidos com base na confiança pessoal e as
regras não são quebradas, justamente porque quem as infringe es
também sujeito a perder os ganhos do capital relacional.
Qualidades ligadas à pessoalidade
170
(confiança, etc.) são mais
importantes, nas pequenas cidades, devido ao “capital relacional” (igual a
pertencimento) ser fator que impede a quebra de códigos. Porém, temos de
levar em consideração que pior que as contendas entre “compadres” é a
constatação que se faz da falta de perspectivas sociais para parcela
considerável da população. Não fosse o fato do anacronismo da divisão da
população entre os que estão no poder (como se todos o realizassem!) e os
que estão de fora (vulgarmente denominados de “burraios”
171
), existe ainda a
crise crônica de investimentos sócio-culturais e produtivos. Assim, o “sol é
tampado com a peneira”. Várias festas e festejos são explicitamente
financiados pelo dinheiro público como forma de amenizar a ausência de
169
Numa pequena cidade é quase impossível a imparcialidade e a população está em
constante monitoramento pelos cabos eleitorais que chegam a produzir listas de quem votou
em quem.
170
Para Prado (1996, p. 36) as relações pessoais na pequena cidade são caracterizadas
quando os “indivíduos” passam rapidamente a “pessoas”. E ainda, segundo esta
pesquisadora: Se, como diz DaMatta, o universo da casa é um universo típico de ‘pessoas’
cada um com sua posição e papéis designados e complementares aos demais, dentro de uma
hierarquia e seguindo um código de relacionamento e uma ética específica eu, diria que a
cidade pequena é, de um certo ponto de vista, uma ‘grande casa’. Se a oposição casa/rua o
é estática nem absoluta, no sentido físico nem ético (DaMatta, 1985:47), eu diria que, na
cidade pequena, a casa com seu código – se espalha sobre a rua…são as relações pessoais
que imperam; é um mundo de ‘pessoas’ onde quase tudo passa pelo domínio da
pessoalidade.”
171
“Burraios” é uma corruptela de “borralho”. E um termo utilizado nas pequenas cidades de
Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico de maneira pejorativa para o grupo populacional que
perderam as eleições e passam a ser a oposição declarada ao governo municipal. Tal termo
faz alusão aos restos da madeira queimada no fogão à lenha. A cinza e o restante da madeira
carbonizada. Em suma o restolho.
241
políticas efetivas de satisfação ao todo populacional. Assim, algumas festas
possuem um claro desejo de amenizar a situação de falta de políticas sociais
no campo da educação, esporte, lazer, entre outros.
4.2 – AS FESTAS E OS FESTEJOS: O “CIRCENSES” COMO “PANEM”
Das várias festas em que pudemos presenciar e realizar levantamentos e
coletar depoimentos a época das eleições municipais foi a que mais nos
chamou atenção. O que se constatou foi que uma eleição em cidade com
menos de 10.000 habitantes é sinônimo de festa. Antes de ser propriamente
uma “festa cívica”, o processo eleitoral representa, nas localidades
pesquisadas, momentos de euforia e um “carnaval” que dura meses. São anos
de preparação para esta “festa”. Nas pequenas cidades do Triângulo Mineiro
exemplificadas por Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico esta “festa” inclui
o pleito local da diretoria da escola estadual, às eleições municipais para
prefeito e vereadores e a estadual e nacional para deputados, senadores e
presidente.
A eleição para vereadores e prefeitos é encarada, por parte da população,
como o momento da desforra da eleição passada ou mesmo o de “festas”, que
formalmente são chamados de comícios, “showmícios”, passeatas, carreatas,
confraternizações e outros nomes “oficiais” para estas manifestações públicas,
regradas com muita bebida alcoólica e fogos de artifício. Para parte da
população, os anos de intervalo entre uma e outra eleição “são uma
eternidade”. Entre uma eleição e outra, as festas são o grande convite a um
turismo que se apresenta dentro do quadro das relações da modernidade e das
festividades que são a marca de uma sociedade que vive em estado de festa.
As relações do poder público e de seus agentes municipais com a
construção e manutenção das manifestações culturais e sociais do município e
realizadas com participação efetiva da prefeitura, com auxílio econômico e
financeiro e também na construção/viabilização de equipamentos que
possibilitem sua realização. Nesse sentido, a participação dos agentes
municipais influencia de maneira decisiva na preservação de festas e festejos,
desde os religiosos até os pagãos, contribuindo decisivamente para a
manutenção (ou não) da sua existência.
242
Nas várias festas e eventos sócio-culturais das pequenas cidades de
Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico
172
podemos analisar algumas
situações interessantes: o papel da prefeitura em sua realização, variando das
estritamente religiosas às de cunho profano para o simples entretenimento da
população; a maioria das festas o de cunho religioso especialmente na fé
católica, o que reflete a distribuição religiosa em nível nacional; o crescimento
das religiões evangélicas no município, exemplificada pela criação do dia do
evangélico e as várias Igrejas instaladas na última década, o que também está
em sincronia com os dados nacionais; nas festas religiosas realizadas no meio
rural o aspecto da está marcante, enquanto nas realizadas no meio urbano
sua descaracterização é evidente; o consumo de bebida alcoólica está mais
disseminado, impregnando praticamente todos os eventos citados; as festas
que envolvem uma grande parcela de população são de caráter unicamente de
entretenimento de jovens, para a parcela da população adulta as festas são de
cunho religioso; e por fim, o calendário regulador da vida na pequena cidade
não mais é estritamente o agrícola, mas o das festas e dos eventos sociais,
com seus “shows” que determinam a vida “cultural” da pequena cidade
173
.
As principais festas e eventos que se realizam no município de Estrela
do Sul ao longo do ano e a participação da prefeitura municipal podem ser
observadas no anexo 10. E no município de Grupiara
174
podem ser observadas
no anexo 11 e em Cascalho Rico
175
no anexo 12.
172
A relação, descrição e algumas imagens dessas festas podem ser vistas nos anexos 10, 11
e 12.
173
Sobre este assunto Prado (1996, p. 47) afirma que na pequena cidade: “As ‘festas’ marcam
a vida da comunidade; uma festa sempre acabou de acontecer e sempre uma outra pela
frente. As palavras ‘festa’, ‘festeiro’ e ‘festar’ estão sempre no ar, como as próprias festas
pontos referenciais da vida local.”
174
Fonte: Secretaria de Cultura do município de Grupiara. 2007.
175
Informações obtidas no sítio www.amvap.gov. Segundo o Plano de Inventário de Cascalho
Rico” (2007, p. 28) as festas são distribuídas assim: “Em janeiro acontecem duas festas no
município. De 11 a 20 de Janeiro, temos a Festa de São Sebastião na Capela do Engenho
Velho e, quase na mesma data, de 12 à 20 de Janeiro, a Capela da Mata também celebra
Festa de São Sebastião. Em Abril acontece a Festa de São Vicente de Paulo, distrito sede de
Cascalho Rico. Em 01 de Maio, na Capela do caracol, comemora-se a Festa de São Sebastião.
Em 13 a 24 de Junho, a igreja de Cascalho Rico presta homenagem ao padroeiro da cidade
com a tradicional Festa de São João Batista. Comemoram na mesma data o dia de Santo
Antônio, Divino Espírito Santo e Nossa Senhora da Cabeça. Em Julho, acontece a Festa de
São Sebastião na Capela de Pouso Alto. E em Santa Luzia da Boa Vista fazem as Festas de
Nossa Senhora da Cabeça, Nossa Senhora de Fátima, São Sebastião e Nossa Senhora da
Aparecida. Nos meses de agosto e setembro, de 31 de agosto a 9 de setembro, os
cascalhoriquenses comemoram as Festas de São Sebastião, Nossa Senhora da Conceição,
Nossa Senhora Aparecida, Santa Luzia e Nossa Senhora da Rosa Mística, na igreja de
243
4.2.1 – O “CIRCENSES” COMO “PANEM” A RELAÇÃO DA BEBIDA
ALCOÓLICA E A PRECARIEDADE DE LAZER NAS PEQUENAS CIDADES
A descrição das festas nos três municípios (anexos 10,11 e 12) tem por
objetivo estabelecer uma correlação entre a falta de oportunidades de lazer e a
substituição do lazer lúdico pelos festejos em que a fetichização dos aspectos
inicialmente motivadores (religião, distração e o puro entretenimento) são
pasteurizados e transformados em mercadoria e fator escapista para as
problemáticas da pequena cidade. Em Estrela do Sul a quantidade de dias
festivos é maior que nos outros dois municípios analisados, entretanto, o
envolvimento da população e do poder público em realizar eventos festivos é o
mesmo nos três municípios.
Contudo, vale salientar que além das festas com datas conhecidas
existem muitas outras que se disseminam pelo território dos três municípios.
Em quase todos estes eventos dois fatos nos chamam a atenção: a
participação do poder público de maneira direta ou indireta na maioria desses
eventos e a participação de jovens relacionada ao ambiente de consumo de
bebidas alcoólicas. Para o Promotor Público da comarca de Estrela do Sul Dr.
André Luiz de Melo a bebida (e o alcoolismo atrelado a ela) é o problema
número um da comarca.
176
O consumo de bebidas alcoólicas nos três municípios é preocupação,
especialmente entre os jovens em idade escolar. Tal fato é relevante em uma
sociedade em que as oportunidades sociais e culturais da comunidade são
Cascalho Rico. Em outubro, do dia 03 ao dia 12, acontece a Festa de São Judas Tadeu, Nossa
Senhora Aparecida e Menino Jesus de praga em Cascalho Rico. E, por fim, em dezembro, no
dia 13, a Festa de Santa Luzia, em Santa Luzia da Boa Vista, no dia 27, o aniversário da
cidade e o dia oficial do cascalhoriquense ausente”.
176
Segundo entrevista com este Promotor Público, as drogas lícitas como a bebida alcoólica
além de representarem um grave problema social para os municípios da comarca são também
um entrave econômico-financeiro. Segundo o Promotor, cada caso de embriaguês eventual
(em festas, nos feriados prolongados, nos finais de semana, etc.) custam aos cofres do
município cerca de 600 reais. Ainda segundo o Promotor o alcoolismo pode ser combatido com
programas sociais voltados especialmente para os jovens. O Ministério público de Estrela do
Sul realiza um programa intitulado “Promotoria Social” em Grupiara. Este programa procura
identificar os maiores problemas da cidade, especialmente os relacionados a drogas e ao
consumo de bebidas alcoólicas e, assim, encaminhar aqueles que desejam entrar no programa
através de encaminhamento de Agentes Comunitários e uma Junta Comunitária sem as
preocupações judiciais e legais, sendo mais educativo e de assistência à pessoa que punitivo.
Este programa foi implantado em Grupiara, mas sofre resistências em Cascalho Rico e também
em Estrela do Sul, especialmente, segundo alegação do Promotor Público Dr. André Luiz de
Melo, pelos assistentes dos respectivos prefeitos dessas cidades.
244
restritas e demarcadas em um calendário oficial e extra-oficial de eventos em
profusão
177
. Tal consumo é alto e preocupa os agentes sociais que analisam e
organizam políticas públicas sobre o assunto.
Desde 1991
178
ocorre um significativo aumento no número de
estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas no município, em
detrimento da redução populacional no município de Estrela do Sul. Em 1991, a
população de Estrela do Sul era de 10.298 pessoas e em 2006
179
a estimativa
era de 6.624. Estes meros são reveladores de uma preocupação, pois
quando analisados conjuntamente com a relação de locais de venda de
produtos alcoólicos na cidade, notamos um crescimento destes locais, como
pode ser observado na tabela 4.
Tabela 4: Estrela do Sul: Relação de Alvarás de Comércio e Bebidas no município. 1988-2006.
ANO QUANTIDADE
1988 28
1989 22
1990 25
1991 47
1992 60
1993 46
1994 61
1995 38
1996 40
1997 47
1998 53
1999 38
2000 32
2001 29
2002 41
2003 51
2004 50
2005 92
2006 85
Fonte: Divisão de cadastro técnico e tributação da Secretaria de finanças e Planejamento do
município de Estrela do Sul, 2007. Org.: BACELAR, W. K. A., 2007.
177
Sobre esta profusão de festas na pequena cidade, Prado (1996, p. 47-48) afirma que: “Não
obstante a variação que pode ocorrer, todas as festas implicam um movimento extraordinário,
criando um tempo e uma atmosfera especiais, em que tudo gira em torno da festa. Os horários,
os fluxos do tempo, das atuações e dos interesses correntes do cotidiano são suspensos sob o
tempo da festa. Os espaços de exercício de sociabilidade e reciprocidade se
intensificam…para as camadas mais pobres, é ocasião de um divertimento barato, não custa
nada ir à rua ver o movimento..a festa é pretexto para se ir à rua, à praça, arrumar-se um
pouco mais, usar talvez uma roupa nova. Bares, vendas e lanchonetes ficam repletos com um
número maior de freqüentadores…Nas festas, a cidade incha, colorida como um balão de
soprar. Depois… o balão murcha, no intervalo do cotidiano… até a próxima festa.”
178
Censo IBGE de 1991.
179
Segundo estimativa populacional do IBGE. Consulta no sítio www.ibge.gov.br em agosto de
2007.
245
Analisando a tabela 4 observamos que, enquanto os locais de venda de
bebidas alcoólicas cresceram 303,56% no período, a população total do
município de Estrela do Sul decresceu 25%! A relação entre locais de venda de
bebidas alcoólicas e população, ou seja, locais per capita pode ser analisada
assim: em 1991 existia 1 local para 219,11 pessoas; em 1996 1 local para
176,18 pessoas; em 2001 uma ligeira queda: 1 local para 237,35 e em 2006 1
estabelecimento comercial com bebida alcoólica para 77,93 pessoas, um
aumento considerável! Se considerarmos apenas pessoas com idade superior
a 10 anos
180
os números são: em 1991 existia 1 local para 188,10 pessoas; em
1996 1 local para 144,48 pessoas; em 2001 1 local para 194,66 pessoas e em
2006, 1 local para apenas 63,1 pessoas.
O aumento da relação entre população e locais de comercialização de
bebidas alcoólicas nos chama atenção, pois existe uma séria correspondência
entre este aumento e o aumento do número e freqüência das festas
tradicionais que, ou foram revitalizadas ou mesmo, em alguns casos, foram
incorporados novos eventos festivos ao calendário do município nas últimas
duas décadas. Essa relação é explosiva quando analisada quanto ao número
de jovens (especialmente os em idade escolar) que participam destes eventos
e a facilidade, em uma pequena cidade, de se encontrar locais de
comercialização de produtos alcoólicos.
181
Em recente pesquisa entre jovens
em idade escolar
182
, entre 12 e 18 anos, no município de Estrela do Sul,
Bacelar e Lima (2007, p. 5-6), relatam:
180
Tomando o ano de 2005 (dados do IBGE, segundo informações do sítio www.ibge.gov.br)
como referência e padrão para os demais anos, chegamos à conclusão que a média de
pessoas no município com idade superior a 10 anos é de 82% da população.
181
Bacelar e Lima (2007, p. 13) afirmam que no município de Estrela do Sul no entanto, é
notório que adolescentes consumam bebidas alcoólicas publicamente sem a exigência, por
parte dos locais de venda, da comprovação de idade igual ou superior a 18 anos (o que
autorizaria o uso legal do álcool), (cultura local). O álcool e o tabaco, principalmente o primeiro,
são substâncias mais aceitas socialmente, havendo poucos esforços no sentido de inibir seu
consumo, o que permite um contato mais precoce (antes dos onze anos) do adolescente com
essas substâncias (MUZA et al; 1997). Dessa maneira, a sociedade sustenta as causas da
dependência química por consumo de álcool entre a população jovem, em detrimento da
responsabilidade de proteger crianças e adolescentes.”
182
Segundo Bacelar e Lima (2007, p. 18): “A metodologia dessa pesquisa foi pautada nas
seguintes orientações: “A população alvo do presente estudo foram adolescentes entre 12 e 18
anos de idade que estavam cursando o ensino fundamental e médio, em escola pública, no
município de Estrela do Sul. Na abordagem sobre a questão do consumo de bebidas
alcoólicas, foi utilizado, como repertório epidemiológico, um questionário auto-aplicável, que
preservou o anonimato dos estudantes, contendo as informações necessárias para atingir os
objetivos propostos. O questionário era composto por 9 questões, sendo 7 questões fechadas
246
…a bebida alcoólica começa a fazer parte da vida dos estudantes
precocemente, estes são levados a experimentá-la principalmente pela
curiosidade e incentivados pelos amigos. O ambiente de uso da bebida
alcoólica pelos adolescentes geralmente está associado a festas e ao
ambiente familiar. A bebida de preferência dos estudantes é a cerveja e
o acesso às bebidas alcoólicas é muito facilitado. Torna-se importante
saber que motivos levam os adolescentes ao uso de bebidas alcoólicas e
quem os introduz no uso dessa substância, conhecer as peculiaridades
dessa fase do desenvolvimento humano para melhor compreensão dos
problemas e necessidades dos adolescentes.
Esta pesquisa ainda corrobora a relação entre a quantidade de festas,
“shows”, bailes, quermesses, etc., com o encontro dos jovens e a bebida
alcoólica.
183
Assim, segundo Bacelar e Lima (2007, p. 20), a experimentação
dessas bebidas dá-se em maior grau nas festas, como atestam os resultados
da pesquisa que podem ser observados no gráfico 70 a seguir:
e 2 questões abertas, abordando dados socioculturais, padrão de consumo de bebidas
alcoólicas dos adolescentes e dos pais e propostas dos adolescentes para a prevenção do
uso dessa substância no município. A partir da seleção, participaram deste estudo 360
adolescentes, de ambos os sexos, com idades entre 12 e 18 anos, de diferentes níveis
socioeconômicos. Para as análises efetuadas, tendo em vista alcançar os objetivos propostos
pelo presente estudo, foram considerados dois subgrupos específicos de adolescentes
inerentes à amostra: os adolescentes que utilizaram ou fazem uso de bebidas alcoólicas, e
os adolescentes que nunca utilizaram nenhum tipo de bebida alcoólica. Foram feitas visitas a
todas as turmas de alunos, em sala de aula, com a permissão da diretora e dos professores da
escola. Na ocasião, foram esclarecidos os objetivos do trabalho.Demos total liberdade a todos
que se recusassem a participar da pesquisa. Foram excluídos da pesquisa os estudantes
abaixo e acima da faixa etária estudada.”
183
Segundo Bacelar e Lima (2007, p. 32): “Os dados obtidos retratam a influência que os
modelos de comportamento podem exercer na vida do adolescente, seja o modelo oferecido
pela sociedade, com festas convidativas regradas a bebidas alcoólicas de fácil acesso, seja o
modelo oferecido pelo grupo de amigos em um período do desenvolvimento humano em que
se é particularmente sugestionável e influenciável pelo comportamento de um grupo de iguais.”
247
Gráfico 70: Estrela do Sul: Ambiente onde ocorreu o primeiro contato com bebidas
alcoólicas. 2007.
Fonte: Bacelar e Lima, 2007, p. 23.
Ainda segundo esta pesquisa, as conclusões sobre os motivos principais
que levaram estes jovens a experimentarem e fazerem do ato de ingerir bebida
alcoólica corriqueiro está diretamente relacionado à falta de lazer, projetos
culturais e esportivos e também à quantidade de ocasiões em que a bebida
lhes é ofertada. Segundo Bacelar e Lima (2007, p. 16):
As atividades de lazer, cultura e práticas desportivas são pouco
expressivas no município. Destaca-se a inexistência de teatros e
cinemas. algumas apresentações teatrais em datas comemorativas
religiosas. Exposições de cunho artístico são raras e muito pouco
difundidas. Há alguns espaços destinados aos esportes, mas não
nenhuma orientação profissional nem projetos de inserção do
adolescente na prática de esportes. Há um clube recreativo privado,
onde muitos adolescentes e jovens adultos se reúnem para conversar e
beber. Os adolescentes do município, em geral, freqüentam as festas
realizadas pelas comunidades religiosas (católicas), pela prefeitura
(reveillon e carnaval) e promoters (bandas), além de bares nos finais de
semana... Os dados levantados no presente estudo revelam que, de
forma geral, as atividades sociais da maioria dos adolescentes ocorrem
em festas, bares e ocasiões sociais, quase sempre veiculadas pela
bebida alcoólica. achados na literatura que teorizam esses dados
(ARAÚJO; GOMES, 1998). Especificamente, no município em questão,
um baixo nível de criminalidade, gerando, dessa maneira, uma falsa
idéia de segurança nos pais, que permitem aos filhos freqüentarem
ambientes noturnos.
248
Ainda segundo os pesquisadores (2007, p. 29), os motivos que levam os
adolescentes ao uso da bebida alcoólica são variados e assim apontam um
conjunto de fatores:
Existe uma multiplicidade de fatores associados que motivam os
adolescentes ao uso de bebidas alcoólicas. Esse aspecto é amplamente
teorizado em outros estudos e nos dados colhidos nesta pesquisa:
(ARAÚJO; GOMES, 1998; PECHANSKY; SZOBOT; SCIVOLETTO,
2004). Contudo, as motivações apoiam-se sempre na facilidade de
acesso, na veiculação pela mídia, nos atrativos simbólicos e nos
significados sociais que o indivíduo atribui ao consumo da bebida
alcoólica (MAIA et al, 2000; MUZA et al, 1997; SCHENKER; MINAYO,
2005; VIEIRA et al, 2007). Por outro lado, um número considerável de
estudantes relatou o saber por que utiliza bebidas alcoólicas. Esse
dado nos levou a pensar que muitos adolescentes bebem porque
consideram o beber uma atividade natural, instituída culturalmente na
sociedade da qual faz parte. Não um motivo especial que os leve a
beber, fazem isso como parte de um ritual social, bastante comum,
arraigado na família, no grupo de amigos e na comunidade. Outro fato é
que, mesmo sendo garantido o anonimato dos estudantes, ainda é
possível que alguns alunos não tenham revelado o motivo do uso do
álcool por autocensura, desconfiança das autoridades da escola,
sentimento de culpa ou outros motivos particulares. Na análise dos
motivos que levaram os adolescentes a utilizarem regularmente bebidas
alcoólicas, o fator diversão foi preponderante. Isso nos leva a crer na
inexistência de meios saudáveis de lazer no município e/ou falta de
incentivos para a prática desportiva e cultural que orientem os
adolescentes sobre a importância de hábitos saudáveis.
São tristes constatações
184
. Ainda mais sérias se enxergarmos a
participação dos agentes políticos neste processo. Porém, outros fatos nos
chamam a atenção: a falta de perspectivas profissionais para esta população
jovem e a inoperância dos vários conselhos instituídos por leis que tentaram
equalizar problemas nas cidades, seja da administração publica seja o
ordenamento e funcionamento das várias esferas sociais. Na ausência de
controle sobre o consumo de bebidas alcoólicas por jovens as normas legais
são substituídas pelo controle social informal. Como a sociedade local não
184
Tristes constatações, pois os pesquisadores Bacelar e Lima (2007, p. 15) constaram um
grande mero de alcoólatras no município de Estrela do Sul. Estes pesquisadores afirmam
que “sabemos que há um grande número de alcoólatras no município e que raros são os casos
de abandono do vício. Deparamo-nos com pessoas jovens com aspecto envelhecido, sujo,
sofrendo maus tratos, alguns com ferimentos pelo corpo certamente todos com feridas na
alma humilhadas por muitos transeuntes. É notório a quase toda comunidade que vários
viciados o obrigados a se prostituírem sob os olhares e escárnio dos amigos para a
obtenção da bebida. Muitos aceitam a internação em casas de recuperação de viciados em
drogas, mas o índice de recaída é muito grande, pois não programas de acompanhamento
no município para essas pessoas, então, não eficácia no tratamento. Da mesma maneira,
não é novidade que a construção do vício desses sujeitos foi iniciado na infância e
adolescência.”
249
condena eticamente o consumo, não há controle sobre ele. Segundo Bacelar e
Lima (2007, p. 15):
Outro fato preocupante em nosso município é a não efetividade dos
órgãos de fiscalização de venda de bebidas alcoólicas a menor de
dezoito anos. Vêem-se claramente crianças e adolescentes comprando
bebidas alcoólicas para si próprios ou para os pais e muitas delas
freqüentam tranqüilamente, ambientes noturnos e usam álcool sem
jamais serem abordadas por um funcionário do Conselho Tutelar (cultura
local).
A precariedade na oferta de opções sociais, educacionais e culturais-lazer
de uma pequena cidade frente aos imperativos da modernidade que chegam a
esta localidade, via televisão especialmente, pode ser considerado o principal
motivo desse alto índice de alcoolismo juvenil em Estrela do Sul. Contudo, o
que percebemos é que o fato de alcoolismo e falta “do que fazer” na pequena
cidade foi percebido nas três cidades analisadas. Os prefeitos de Estrela do Sul
e de Cascalho Rico citaram o fato da pouca oferta de atividades de lazer e
culturais que não envolvem bebida alcoólica em seus municípios uma das
grandes problemáticas sociais.
Assim, para corroborar tais argumentações realizamos um
questionamento acerca das opções de lazer em finais de semana nos três
municípios. O resultado dessas argumentações pode ser visualizado no gráfico
71 a seguir.
250
Gráfico 71: Cascalho Rico: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). 2007.
Fonte: Pesquisa de campo – BACELAR, W.K.A. 2007.
O que percebemos é que neste município que possui em sua sede
municipal o lago da Hidrelétrica de Emborcação, 23% da população consultada
utiliza esse local, número este menor dos que utilizam a sala de casa para
assistir televisão (25%). Os locais de encontro com amigos e também com o
álcool rivalizam com a prática das viagens microrregionais para outras
localidades. Fato que fica mais preocupante quando analisamos estes dados
por idade. Na idade do estudo (16 a 24 anos) a lanchonete na pequena cidade
fica à frente dos esportes nos finais de semana e em feriados, como observado
no gráfico 72 a seguir.
251
Gráfico 72: Cascalho Rico: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). Idades. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W. K. A. 2007.
Na faixa etária de 16 a 24 anos o lazer fica em primeiro lugar (28%)
demonstrando uma estreita relação dessa idade com o lago de Emborcação.
Contudo, a lanchonete (22%) fica à frente dos esportes (15%) e também da
imbatível televisão (11%). Entre a população consultada na faixa etária do
mundo do trabalho, 25 a 64 anos, a televisão sai vencedora. Nessa faixa etária
a televisão é imbatível (27%), seguida por lazer (22%), as viagens a outras
cidades da região (15%) e a lanchonete (12%). Tal fato é explicado pelo desejo
do descanso e relaxamento de atividades lúdicas de uma população que
realiza o trabalho durante a semana. Na faixa etária do saber (acima dos 65
anos) a lanchonete é totalmente abandonada.
A maior incidência da televisão como forma principal de lazer demonstra a
precariedade de atividades de lazer e culturais para essa faixa etária na
pequena cidade de Cascalho Rico. Porém, o lazer no lago de Emborcação
(27%) fica em segundo lugar e a viagem para cidades do entorno do município
(18%) mostra que esta falta de lazer no município obriga a essa população ou
a se enfurnar em casa ou a sair de seu município em finais de semana.
Situação o muito diferente no município de Estrela do Sul como observamos
no gráfico 73 a seguir:
252
Gráfico 73: Estrela do Sul: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Em Estrela do Sul (gráfico 73) observamos que após a onipresente
televisão (22%) a lanchonete (18%) rivaliza com as atividades de lazer (17%) e
logo depois as atividades de viagens a outras cidades da microrregião
185
. Tais
números também demonstram a relação direta entre a população consultada e
atividades que implicam consumo alcoólico (lanchonete e viagens a outras
185
Interessante análise sobre a freqüência dessas “saídas” das pessoas de suas localidades
para outras da microrregião é estabelecida por Prado (1996, p. 50-51-52), quando esta
pesquisadora afirma que a pessoalidade e o controle das pessoas sobre a vida de outras
pessoas” na pequena cidade é angustiante. Para esta pesquisadora sair da pequena cidade
para outra localidade representa uma maneira de romper (mesmo que momentanamente) com
este controle e “fugir” do cotidiano. Para Paula “sair desse controle da cidade onde sempre se
verá as (e será visto pelas) mesmas pessoas, onde quer que se vá…é passar de ‘pessoa’ a
‘indivíduo’, é sair de casa, é procurar um pouco de anonimato para respirar…a contrapartida
das relações baseadas na confiança e no conhecimento mútuo, com as respectivas facilitações
e recompensas …é o controle mútuo exercido pelas pessoas, a ausência de privacidade e de
liberdade, a impossibilidade de anonimato…ao sair da cidade, do bairro, da vizinhança, e ao
afastar-se dos parentes, o agente empírico sublinha a sua particularidade.
253
cidades), todavia temos de destacar a maior realização de atividades internas
ao município e a precariedade das atividades culturais e esportivas no
município. Quando analisamos as respostas da população consultada na faixa
etária (gráfico 74) do estudo estas constatações tornam-se preocupantes.
Gráfico 74: Estrela do Sul: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). Faixas etárias. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
A lanchonete e o contato com a bebida alcoólica ficam em primeiro lugar
na faixa etária de 16 a 24 anos (18%). Rivalizando com as viagens a outras
cidades da microrregião está a atividade esportiva (ambas com 18%), bem
acima da televisão (que fica empatada com as atividades de lazer com 15%),
produzindo uma imagem de atividades fora do domicilio da família, em contato
maior com os amigos e conhecidos que com a família como um todo. Na faixa
254
etária de 25 a 64 anos (gráfico 74) as atividades de final de semana e feriados
ficam mais no âmbito da casa (25%), seguido pela atividade de lazer (20%) que
praticamente empata com a lanchonete (19%). Estas ganham das atividades
como as viagens para cidades da microrregião e esportivas. Tais números
produzem a impressão de que as atividades dessa faixa etária são mais
realizadas no município que fora dele. Para a faixa de idade acima dos 65 anos
(gráfico 74) as atividades oferecidas o poucas e internas. Nessa faixa etária
as opções de lazer nos finais de semana englobam especialmente a casa
(televisão com 50%) e de lazer. Contudo, a missa e o culto são também
presentes nesta faixa etária como atividade de final de semana e de feriado.
Em Grupiara as atividades de final de semana e de feriados da população
consultada não ficaram diferentes dos outros dois municípios consultados,
como podemos observar no gráfico 75 a seguir.
Gráfico 75: Grupiara: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). 2007.
Fonte: Pesquisa de campo – BACELAR, W.K.A. 2007.
255
Em Grupiara as opções de atividades de final de semana e feriados que
ficaram em primeiro lugar para a população consultada foram: ficar em casa
assistindo televisão e o lazer (ambas com 24%). Um pouco acima do hábito de
passar esses dias na lanchonete bebendo cerveja com amigos (21%). A
proximidade com o lago de Emborcação não é suficiente para rivalizar
inteiramente com a televisão. Mesmo com esta facilidade estrutural a opção de
lazer e esportiva neste lago não é totalmente absorvida pela população de
Grupiara, como observado no gráfico 76 a seguir.
Gráfico 76: Grupiara: Atividade dos finais de semana e feriados. (Em ordem de
freqüência). Faixas etárias. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo – BACELAR, W.K.A. 2007.
256
As “opções” de lazer em Grupiara para a população com idade entre 16
a 24 anos são quase equitativamente distribuídas por alguns serviços do
gênero. A prática do esporte e a lanchonete rivalizam na preferência (22%), em
segundo lugar o lazer no lago de Emborcação (20%) e logo colado a este
número a televisão (18%). Como nas demais cidades consultadas, nesta faixa
etária as opções de lazer preferidas são externas à casa, o preocupante é a
ocorrência para as opções lanchonete e viagens em outras cidades.
Interessante os resultados para a faixa etária entre 25 a 64 anos da população
consultada no município de Grupiara. Observamos que o lazer no lago de
Emborcação rivaliza com a televisão como preferência para as atividades do
final de semana e de feriados (26%). Logo após vem a lanchonete (20%),
demonstrando com isto as atividades mais externas ao domicilio nesta cidade
pela população na faixa etária do mundo do trabalho. Os números para a
população consultada com idade acima de 65 anos foram de 100% para a
atividade ficar em casa vendo televisão.
Afora outras análises, a importância dos eventos em que a bebida
alcoólica está presente é predominante e implica em contatos mais estreitos
das populações consultadas, especialmente aquelas na faixa etária entre 16 e
24 anos. Outro fato que nos chamou a atenção foram os números referentes às
viagens entre as cidades da microrregião (Cascalho Rico, Estrela do Sul,
Grupiara, Monte Carmelo e Romaria), denotando uma relação de lazer, cultura
e atividades esportivas estreita na microrregião, que tem Estrela do Sul e
Monte Carmelo como destinos mais importantes.
É no lugar que se vive o global. Assim, o fenômeno do consumo de álcool
não é exclusivo das pequenas cidades. Uma pequena cidade, espacialmente, é
um condicionante da falta de lazer, e as opções que são oferecidas ou
simplesmente são naturalmente áreas para tal (espaço rural, lago de
hidrelétrica, paisagem urbana, etc.), estão em grande medida relacionadas ao
consumo de bebidas alcoólicas, além de serem algumas opções de lazer uma
forma mais barata que outras. Porém, o fator diferencial na pequena cidade é
que esses processos se dão pela precariedade de opções, pela maneira
conivente e até mesmo estimulada pelo engajamento do Estado-muncípio
257
social no processo de realização e patrocínio de eventos “sócio-culurais” e pelo
sentimento de ausência de oportunidades diferentes.
Com isso, entendemos que o lugar apresenta-se no/e absorve o global. A
sua expressão está na singularidade frente à mundialidade. Para Carlos (1996,
p. 16) o:
lugar diz respeito a sua compreensão enquanto expressão geográfica da
singularidade, descentrada, universalista, objetiva, associada ao
positivismo ou ao Marxismo. Trata-se na realidade de uma visão na qual
o lugar é considerado tanto como produto de uma dinâmica que é única,
ou seja, resultante de características históricas e culturais intrínsecas ao
seu processo de formação, quanto como uma expressão da globalidade.
Neste sentido, o lugar se apresentaria como “o ponto de articulação
entre a mundialidade em constituição e o local, enquanto especificidade
concreta e enquanto momento”.
A especificidade do lugar pequena cidade está, em nosso entender, nas
relações entre o social e o Estado-município social. Em suas maneiras
intrínsecas de se entrepor como forma e conteúdo na pequena cidade. Nessas
localidades, os aspectos de envolvimento sócio-culturais são de sua
“responsabilidade”. Contudo, o Estado-município social é particularmente falho
no quesito opções de lazer e de promover o máximo de opções para as
populações especialmente nos dois extremos, os mais jovens e os mais velhos.
Para os mais jovens as opções quase sempre envolvem bebidas alcoólicas e
para os mais velhos as opções de lazer ou são praticamente ausentes ou
precárias nos três municípios analisados. O grande problema em relação à
falta da opção “mais saudável” de opções de lazer é a participação do Estado-
município social na promoção de eventos em que a juventude freqüenta com
muita assiduidade e na maioria dos casos com a conivência dos familiares e do
conselho tutelar do município.
Concomitante a isto, a oferta cada vez maior de oportunidades para que
isto aconteça vem de encontro às frustrações dessa parcela considerável da
população, fato este diagnosticado por Harbermas (1987) como esgotamento
das energias utópicas da modernidade. A ansiedade de se integrar ao mundo
moderno quando frustrada, o álcool torna-se uma saída ou mesmo uma
maneira de se relacionar com seus iguais numa sociedade sem muita
expectativa e que impõe ao jovem a ansiedade e o medo da não inclusão em
258
um mundo de oportunidades “vendidas”, o mundo da modernidade incompleta
e da modernização para poucos. Segundo Habermas (1987, p. 105):
certamente bons motivos para o esgotamento das energias utópicas.
As utopias clássicas traçaram as condições para uma vida digna do
homem, para a felicidade socialmente organizada; as utopias sociais
fundidas ao pensamento histórico que interferem nos debates
políticos desde o século XIX despertam expectativas mais realistas.
Elas apresentam a ciência, a técnica e o planejamento como
instrumentos promissores e seguros para um verdadeiro controle da
natureza e da sociedade. Contudo, precisamente essa expectativa foi
abalada por evidências massivas. A energia nuclear, a tecnologia de
armamentos e o avanço no espaço, a pesquisa genética e a intervenção
da biotecnologia no comportamento humano, a elaboração de
informações, o processamento de dados e os novos meios de
comunicação são técnicas de conseqüências intrinsecamente
ambivalentes. E quanto mais complexos se tornam os sistemas
necessitados de controle, tanto maiores as probabilidades de efeitos
colaterais disfuncionais. Nós percebemos diariamente que as forças
produtivas transformam-se em forças destrutivas e que a capacidade de
planejamento transforma-se em potencial desagregador. Diante disso,
não constitui surpresa que hoje ganhem influência sobretudo aquelas
teorias desejosas de mostrar que as mesmas forças de incrementação
do poder das quais a modernidade extraiu outrora sua
autoconsciência e suas expectativas utópicas na verdade
transformaram autonomia em dependência, emancipação em opressão,
racionalidade em irracionalidade.
Segundo Habermas, as Teorias Racionais que deram a chance da
consciência moderna, hoje oprimem e impedem o desenvolvimento da mesma
racionalidade, o que configura para Habermas a hegemonia da razão
instrumental sobre a razão critica. Na pequena cidade este processo
desencadeia uma gama de articulações que são, em verdade, maneiras de
escamotear as frustrações do devir. As práticas patrimonialistas na pequena
cidade ensejam vinculações de uma noção cívica, exemplificada pelos pleitos
eletivos, como festa e oportunidade de melhoria de vida e garantia de emprego
se apresenta como um importante sintoma do esgotamento de energias
utópicas ensejadas pela tangencialidade da modernidade na pequena cidade.
Assim como as festas e festejos são, além de representar uma resignificação
desses eventos, comum ao momento da modernidade, serve como maneira
eficaz de reimaginação das vicissitudes da falta de opções de cultura, lazer e
distração, passando a ser utilizadas como “válvula de escape” das deficiências
de um Estado-muncípio social deficiente e que privilegia apenas uma parcela
da população.
259
Contudo, mesmo constatando estes complexos dilemas nas pequenas
cidades de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico, também podemos
enumerar certos avanços na política interna em âmbito social. Especialmente
quando analisamos os setores da saúde pública e do desenvolvimento
produtivo interno, neste início de século, fundamentalmente no que se refere ao
aumento de opções de emprego, especialmente nos municípios de Estrela do
Sul e de Cascalho Rico. Mesmo não sendo o padrão ideal de desenvolvimento
sócio-econômico são de fato grandes passos para solucionar uma série de
problemas internos ao município, especialmente quando se trata de situações
em que as soluções passam por um melhor dimensionamento das parcas
verbas federais, estaduais e especialmente municipais. Uma solução, em
nosso entender, está no aprofundamento das relações entre os municípios da
microrregião que passam a estabelecer uma rede facilitadora de programas
comuns aos municípios que desempenham papéis semelhantes na nova rede
regional, nacional e global.
As formas de inserção destas pequenas cidades, na rede urbana regional
e sua melhor adaptação à nova divisão territorial do trabalho passam por
políticas locais de desenvolvimento produtivo/econômico, social e também
ambiental. Não podemos pensar em apenas uma, mas vários caminhos para
estas pequenas cidades.
Um desses caminhos passa pela rediscussão nacional do pacto
federativo, especialmente no que se refere à autonomia municipal e o processo
descentralizador que deriva da Constituição Federal. o queremos apenas a
crítica do processo descentralizador pelo seu papel, mas a discussão de sua
concretutde, de sua operacionalidade. Não é coerente descentralizar e dar
maior autonomia aos municípios, especialmente no caso dos que possuem
pequenas cidades, sem garantias financeiras para a execução dos programas
sociais a ela atrelados. Assim, é necessário um debate sobre a redistribuição
orçamentária entre os entes federados para que políticas sociais sejam, de
fato, realizadas.
Outro ponto importante a ser debatido é o concernente ao papel de
planejamento do Estado-município social. Uma grande crítica dos prefeitos e
de seus secretários de planejamento municipal é a de que, a variação da
260
arrecadação municipal (fundamentalmente sobre o FPM e o ICMS), inviabiliza
projetos de planejamento urbano e políticas sociais nos municípios que
possuem como fonte principal estas receitas. Isto se deve ao fato de que o
montante repassado para os municípios somente é conhecido no dia do
crédito, quando o valor entra na conta bancária do município. O que inviabiliza
a programação orçamentária e o planejamento de curto e médio prazos das
prefeituras de pequenas cidades. Tal fato tem que ser revisto pela União e
pelos Estados, como forma de adequar as realidades orçamentárias dos
municípios com projeções de repasses (mensal e semestral) que viabilizem as
programações orçamentárias das pequenas cidades.
Ainda podemos apontar como um caminho um amplo debate sobre as
maneiras de se realizar a equitativa redistribuição orçamentária e de repasses
dos recursos federais e estaduais. Tanto para os repasses constitucionais
como os a partir de convênios entre os entes federados. As realidades de uma
pequena cidade com população inferior a 10.000 habitantes são semelhantes.
Contudo, os repasses não podem ser nivelados. Um munipio com 1.000
habitantes e outro com 9.000 habitantes, possuem dilemas e necessidades
financeiras diferentes. Uma pequena cidade com uma área municipal reduzida
e outro com área territorial enorme, possuem necessidades diferentes quanto
ao aspecto de realização de obras, de infra-estrutura viária, necessidades
habitacionais, ambientais (lixo urbano, esgotos, etc.), necessidade educacional
(escolas, alunos atendidos e transportados, merenda, etc.), de prestação de
serviços de saúde para a população, etc.
Um município que, além dos repasses constitucionais, recebe royalties e
compensações (petrolíferas, hidrelétricas, etc.), não pode ser encarado,
quando da realização de convênios entre os entes federados, da mesma
maneira que um município que apenas recebe os repasses constitucionais.
Aqueles podem arcar com um valor maior de contra-partida que os últimos, e
assim não devem ser “beneficiados” com montantes iguais aos que não
possuem recursos financeiros “ideais” para a realização da contra-partida.
O teto da arrecadação constitucional deve ser debatido e revisto para os
municípios com pequena cidade, aquele com população inferior a 10.000
habitantes. A equação não pode ser apenas o coeficiente mínimo dos repasses
261
constitucionais (a bua rasa dos repasses constitucionais). Os repasses
federais e estaduais devem possuir um maior montante de variáveis para as
pequenas cidades, ou seja, devem variar segundo outros pressupostos aqui
expostos: a diferença populacional entre os municípios com população inferior
a 10.000 habitantes; a extensão da área territorial; e o montante arrecadado
por royalties e compensações financeiras, além dos repasses constitucionais.
Estas o, via de regra, algumas das pertubações de ordem
financeiro/administrativa que afligem os agentes políticos das pequenas
cidades, especialmente os que foram analisados neste trabalho. Contudo, além
dessas pertubações de cunho organizacional dos municípios com pequenas
cidades, outras são igualmente importantes. São situações conflitantes de
ordem social, cultural e política. Estas existem e podem, também, ser
enfrentadas, mas merecem um tratamento diferente. As pertubações
sócio/cultural/política da pequena cidade podem ser enfrentadas de maneira
mais integrada, espaço e politicamente, pelos municípios com pequenas
cidades. Assim, tais situações devem ser encaradas de maneira realista e
procurar objetivar o máximo de cooperação intermunicipal.
Para a maior eficiência no trato das questões sociais e políticas, a
exemplo da deficiência na geração de empregos, dos dilemas da saúde
pública, a falta de lazer, a estreita relação dos jovens com a bebida alcoólica e
da sustentabilidade municipal, tem-se que criar situações que possam ser
facilmente executáveis e a custos finaceiros baixos. Situações complementares
do campo e da cidade. Complementares e difusas, sem a especulação de um
dado concentrado, como em um único empreendimento, mas em vários,
pequenos e eficazes, que se tornem alternativas reais e que se contraponham
à lógica predominante de se investir num só fator de geração de renda e
empregos, de saúde blica e de sustentabilidade geral do município, e que
serão, via de regra, capitaneados exclusivamente pelo Estado-município social.
Isto vale tanto para o campo, quanto para a cidade dos municípios que
possuem pequenas cidades.
reside um dos problemas das pequenas cidades: a forma e o como
obter a solução dos problemas internos tendo como fonte quase única as
determinações do Estado-município social e seus agentes políticos. o se
262
trata da simples negação do fato, pelo contrário, em nossa opinião tal caminho
passa pela união dos pequenos municípios em torno de necessidades
prementes a todos. Já que os problemas desses municípios nos parecem
semelhantes, somente a união desses municípios e os problemas
horizontalizados é que as soluções podem também ser horizontalizadas. Para
isso, temos que entender que o Estado-município social é o início e o meio, é
praticamente o único agente de inclusão e um dos sustentáculos da economia
local. Assim, por ele também passa a solução dos problemas da pequena
cidade.
Estes assuntos serão desenvolvidos no próximo capítulo, especialmente
os referentes à sustentabilidade local e microrregional no tocante à saúde
pública e o desenvolvimento sustentado (desenvolvimento social sustentado
como maneira de opção de emprego, lazer e refuncionalização produtiva dos
municípios). Com isto vamos ao encontro do entendimento das mudanças
estruturais que acontecem na relação entre os indivíduos e a modernidade (e a
pós-modernidade) para melhor compreendermos a relação entre o sujeito e os
anacronismos referentes à forma de administração pública e esta com os
processos sociais, especialmente àqueles situados no âmbito da saúde pública
e a sustentabilidade da pequena cidade.
O papel crucial do Estado-município social da pequena cidade faz com
que possamos discutir a sua importância como fator de produção e geração de
alternativas espaciais e sociais para a população residente nestes municípios.
Assim, discutiremos as maneiras como o Estado-município social é prioritário
na organização do espaço dos municípios de Estrela do Sul, Grupiara e de
Cascalho Rico nos aspectos da saúde e da sustentabilidade interna.
A saúde pública foi escolhida como um caminho possível para
entendermos o processo de cooperação intermunicpal, pelo fato de
representar, a partir das experiências de Associações e Consórcios
intermunicipais de saúde já implantados, os exemplos mais bem acabados no
Brasil e, em especial, no estado de Minas Gerais de cooperação
microrregional. Contudo, para melhor compreensão da proposta de
interrrelação municipal, o desenvolvimento e a integração possível somente
acontecerá se entendermos que a cooperação intermunicipal passa pelo
conceito de sustentabilidade do lugar.
263
O Desenvolvimento Sustentável pode ser a via de compreensão da
proposta de interrelação microrregional, porém não significa uma cartilha ou
fórmula, mas uma análise sobre possibilidades de equacionar alguns
importantes dilemas da pequena cidade e não único caminho possível. Esta
linha de análise não representa, portanto, uma nova imposição de modelo
“mágico” de solução, porém e a partir de algumas experiências existentes
(especialmente os consórcios municipais de saúde), representa uma
possibilidade concreta no âmbito do lugar.
264
CAPÍTULO V
CAPÍTULO V CAPÍTULO V
CAPÍTULO V
POLÍTICAS PÚBLICAS E SUSTENTABILIDADE
POLÍTICAS PÚBLICAS E SUSTENTABILIDADE POLÍTICAS PÚBLICAS E SUSTENTABILIDADE
POLÍTICAS PÚBLICAS E SUSTENTABILIDADE
MICRORREGIONAL
MICRORREGIONALMICRORREGIONAL
MICRORREGIONAL
Fonte: Fotografias de Estrela do Sul (alto) e Cascalho Rico (abaixo).
265
Para o bom entendimento da expressão “Desenvolvimento Sustentado”
usada atualmente à exaustão, será necessário antes de qualquer coisa
entender o significado das palavras “desenvolvimento” e “sustentado”
186
. Isso
tem a razão de ser pelo fato de assim podermos entender como o termo
Desenvolvimento Sustentado ou Sustentável relaciona-se aos processos
gerais do caminhar humano nos últimos séculos. E ainda compreendermos o
quanto é necessário vasculhar na história recente do homem e sua relação
com a natureza e com a biodiversidade que o cerca. Além disso, a busca pela
compreensão dos termos “desenvolvimento” e sustentado” faz com que
capitalismo, biodiversidade, solos, clima e aspectos sociais se imiscuem na
tentativa diferente para o caminhar da humanidade e seus anseios e procura
de uma sociedade mais fraterna e igualitária.
O conceito “Desenvolvimento” por muitas vezes fica relacionado à idéia
de progresso econômico ou mesmo crescimento econômico
187
. Tal maneira de
idealizar a história sócio-econômica de uma área, território, povo ou nação
coloca a expressão “desenvolvimento” de maneira dúbia e quase sempre com
uma conotação econômica mais marcante. Essa maneira especial de explicar
o conceito “desenvolvimento” ganhou maior expressão ao longo do século
XX
188
, especialmente em sua segunda metade. Nas décadas posteriores à
segunda Guerra Mundial, o conceito de desenvolvimento com uma conotação
econômica foi atrelado às teorias que tentaram explicar as diferenciações
sócio-econômicas entre os paises do bloco capitalista. Com isso, o conceito de
desenvolvimento com um viés economicista, foi amplamente utilizado e
incorporado ao cotidiano de vários povos e nações para explicar, justificar ou
mesmo entender as diferenças entre os países capitalistas e também
internamente a eles na tentativa de entendimento das diferenças sócio-
econômicas das regiões que os integram.
186
Sobre este assunto consultar Sepúlveda (2005, p.33-34).
187
Como bem assinala Boisier (2000, p. 152): “Durante dos décadas el desarrollo continuó
siendo casi un sinónimo de crecimiento y el PIB agregado y sobre todo, el PIB per cápita fue la
medida corriente del nivel de desarrollo. Esto contribuyó a consolidar el dominio profesional de
los economistas en el tema del desarrollo, algo que generó una suerte de circularidad viciosa
de reduccionismo económico, que poco ha ayudado a entender la verdadera naturaleza del
fenómeno y al diseño de formas eficaces de intervención promotora”.
188
Essa definição surgiu na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
criada pelas Nações Unidas para discutir e propor meios de harmonizar dois objetivos: o
desenvolvimento econômico e a conservação ambiental.
266
Esta maneira de conceber o conceito e até mesmo a expressão
“desenvolvimento” está de tal forma incorporada ao cotidiano dos povos que é
amplamente utilizada como sinônimo de crescimento econômico
189
. O
desenvolvimento de uma dada região ou país é quase sempre justificado por
seu caráter puramente econômico
190
, o que nos remete aos indicadores que
medem tal “desenvolvimento” como o PIB (Produto Interno Bruto) que é a
soma de todas as riquezas produzidas em um país (ou região, estado,
município etc.) em um ano e o PNB (Produto Nacional Bruto), que é a soma de
todas as riquezas produzidas em um país descontadas as despesas. Esses
dois indicadores econômicos, especialmente o PIB, foi amplamente utilizado
nas últimas décadas nos países capitalistas para o cálculo da renda “per
capita”, que é a simples divisão do PIB pelo total da população. Com isso, a
produção econômica de uma dada região (ou microrregião) ou país passa a ter
uma conotação social ao se atrelar produção de riqueza com população.
Porém a renda “per capita” é um indicador puramente econômico e não social.
Ela é utilizada muitas vezes como forma de esconder a realidade social de um
dado país ou região, “distribuindo” as riquezas de maneira “igualitária”
escondendo as desigualdades sociais e econômicas, pois ao dividir o PIB pela
população equaliza-se a renda de forma simples e irreal.
A evolução econômica de um país ou região quase sempre é medida
utilizando-se o PIB e a renda “per capita”, que são dados referentes à
produção econômica, evolução da geração de riquezas e indicadores de
produtividade e, como tal, devem servir apenas como seus indicadores e não
como forma de medir a evolução social de um povo. Tal negativa tem uma
razão: quando os dados econômicos são utilizados de maneira simples como
forma de medição de fatores sociais quase sempre estes mascaram a
realidade social. Além disso, a utilização dos indicadores econômicos (PIB e
renda per capita) como indicadores sociais podem ser artifícios ideológicos que
escondem situações praticamente impossíveis.
189
Segundo Holanda (1986, p. 115) o significado de desenvolvimento é: “1. Ato, processo ou
efeito de desenvolver (-se). 2. Série de etapas, acontecimentos, ações, etc. que levam ao
surgimento de algo, ou à manifestação em todos os aspectos: desenvolvimento de uma
doença, de um raciocínio. 3. Aumento, crescimento, aprimoramento, progresso.
Desenvolvimento econômico. Econ. Crescimento econômico (aumento de produção, etc.), esp.
quando acompanhado de mudanças econômicas e sociais mais profundas e duradouras
(como diversificação do sistema produtivo, etc.).
190
Sobre o uso do termo “desenvolvimento”, consultar também Souza (2003, p. 100).
267
O que não se oferecia nessas “fórmulas” era o como um país que
obtivesse o crescimento econômico “ideal” distribuiria a renda internamente
sem que ocorresse uma reforma ampla no campo e nas cidades. Para vários
teóricos dos países ricos, apenas o crescimento da economia dos países
tropicais seria suficiente para a plena erradicação dos problemas sociais. É a
velha fórmula do “crescimento do bolo” e posterior distribuição de suas
benesses entre a população. Um argumento simplista de distribuição de renda
que foi reutilizado no Brasil na década de 1970.
Nas décadas anteriores à Segunda Grande Guerra, os países pobres
tropicais passavam por situações políticas, sociais e econômicas agudas. A
descolonização africana estava em pleno movimento, a América Latina
enfrentava situações adversas com ditaduras civis e militares, na Ásia vários
países também enfrentavam estes mesmos problemas. As elites dirigentes
desses países se alinhavam com as diretrizes dos planos econômicos
propostos pelos teóricos dos países centrais, o que limitava o crescimento
econômico e social dos países tropicais. O controle do crescimento econômico
e social dos países tropicais pelos mais ricos tinha uma forte razão de existir: a
crise do capitalismo nos países ricos no período anterior à Segunda Guerra
Mundial.
Nos países capitalistas centrais, exemplificados pela América do Norte
(Estados Unidos e Canadá) e países da Europa ocidental, o período do pós
Segunda Grande Guerra foi de revitalização acelerada da economia. As
políticas implementadas em alguns países sob os princípios do “Estado do
bem estar social” (“Welfare State”) na década de 1930, como tentativa de
diminuir as pressões sociais e avanço do socialismo na Europa, foram
aprimorados em fins da década de 1940 e início da de 1950, especialmente
com a ajuda econômica dos Estados Unidos a vários países da Europa
ocidental através dos planos de cooperação econômico-financeira do governo
norte americano. Nos Estados Unidos as políticas sociais do período foram
menos agudas que na Europa, mas também foram revitalizadas. A partir da
década de 1950 o crescimento econômico desses países liderados pelos
Estados Unidos foi vertiginoso. Tanto a Europa capitalista como os Estados
Unidos e Canadá obtiveram expressivos números de crescimento econômico a
partir da década de 1950.
268
5.1 A SUSTENTABILIDADE AMEAÇADA NOS PAÍSES DA
SEMIPERIFERIA
Enquanto isso, os países pobres dos trópicos amargavam, no plano
político, ditaduras civis e militares e, no econômico, severas restrições
tecnológicas operacionais e financeiras para programar políticas de
desenvolvimento econômico, industrial e agrícolas mais expressivas. Alguns
como o Brasil, Argentina e México, obtiveram vantagens tecnológicas e
financeiras com a Segunda Grande Guerra devido ao apoio aos aliados,
mesmo que apenas o Brasil, na América Latina, tenha enviado tropas à Europa
durante o conflito. Entre as décadas de 1930 e 1950 esses três países latino-
americanos obtiveram saltos de crescimento industrial relacionados ao
incremento de suas indústrias de base e à entrada de várias multinacionais
oriundas dos paises capitalistas centrais.
Para sustentar o dinamismo econômico dos países centrais do
capitalismo e também dos países pobres e agora industrializados latino-
americanos, a exploração da natureza nos países tropicais foi intensa e
agressiva. O envio de matéria-prima para os países centrais foi, desde a
colonização da América, uma tônica importante. No período pós segunda
guerra mundial ela foi intensificada para dar sustentação ao alto crescimento
produtivo das indústrias dos países centrais do capitalismo e, agora também,
das indústrias instaladas nos países pobres dos trópicos. Como na Europa, a
natureza fora dilapidada para dar sustentação ao processo de revolução
industrial, as fontes de matéria prima estavam praticamente esgotadas ou
deixadas como áreas de reserva para necessidades futuras. Isto implicou
numa maior dilapidação da natureza nos países tropicais e pobres.
Outro fator colaborou para este processo de intensificação na obtenção
de matéria prima para as indústrias dos países centrais: os movimentos sociais
e ambientais dos países centrais. Com o desenvolvimento econômico-
produtivo dos países centrais do capitalismo, a classe dia aumentou em
proporção ao número total de habitantes desses países. Essa classe média, no
período pós Segunda Guerra Mundial, acelera e intensifica sua organização
fazendo crescer os movimentos ambientalistas e ecológicos em sua esteira. A
269
organização da classe média nos países ricos é refletida no campo jurídico
com a aprovação de leis mais severas no aspecto ambiental e essas pressões
acabam por determinar a saída de várias empresas dos países centrais para
países pobres tropicais em que as leis ambientais ou não existiam ou eram
muito frágeis. Assim, a maior organização social e a elevação do poder
aquisitivo da classe média dos países centrais juntamente a uma “febre” de
consumismo que deriva dela, além das pressões dos movimentos sociais e
ambientalistas foram pontos importantes para a descentralização empresarial e
industrial ocorrida a partir da década de 1950.
O aprofundamento do processo de mundialização da economia a partir
da década de 1950 concorreu para incrementar ainda mais a nefasta divisão
entre países pobres e ricos.
191
Subdesenvolvidos e desenvolvidos, as faces
opostas de um mesmo sistema, o capitalismo, convivem de forma mútua em
que os pobres e subdesenvolvidos são as “novas colônias” de um imperialismo
econômico ainda mais ganancioso e perverso que o do século XIX. No pós
Segunda Guerra Mundial a mundialização da economia alavanca o capitalismo
a esfera planetária, e sua influência e penetração nos países mais pobres se
deu de maneira rápida e caótica. Países da África, Ásia e América Latina foram
incorporados à esfera dos países ricos do norte como sustentáculos de um
processo de elevado grau de perversidade: os anos de ouro da América do
Norte e da Europa Ocidental. O consumo e o desperdício dos países ricos
elevavam-se na mesma proporção em que a pobreza, as desigualdades
sociais e a dilapidação da natureza ocorriam nos paises pobres tropicais.
A sustentação dos padrões de consumo e de produção industrial do
mundo rico pelos países pobres foi reforçada com a maior ingerência
econômica e política dos países centrais do capitalismo, notadamente os
Estados Unidos e sua política agressiva de influência nos paises capitalistas
de periferia. A Guerra Fria estava ainda no começo e as ações estadudinenses
faziam com que vários países pobres fossem forçados a acatar severas
posturas econômicas e políticas que sobrepujavam as necessidades internas
191
Estas expressões estão sendo utilizadas em razão dos aspectos sociais mais que
econômicos. Pois em sentido estrito de macroeconomia alguns teóricos demonstram que não
ocorreu um aprofundamento das diferenças, mas aproximação entre os PIB’s da periferia e do
centro. Brasil, América Latina e Ásia cresceram mais que Europa e Estados Unidos nas
décadas de 1950, 1960 e 1970.
270
dos países pobres. As ditaduras militares e civis se acumularam na América
Latina, Ásia e África a partir da década de 1960. Esses regimes de exceção
foram uma garantia de que os fluxos de bens, mercadorias e capitais não
cessariam para os países do capitalismo central.
Assim, enquanto nos países centrais os movimentos sociais cresciam
em importância, com reivindicações como os direitos civis, movimentos
feministas e ambientalistas, produzindo verdadeiras revoluções nos costumes
e na cultura. No bloco dos países periféricos, os pobres tropicais, a mordaça
das ditaduras revertiam as “subversivas” tendências modernizadoras no
cenário social. A partir da década de 1960 vários países do bloco pobre do
capitalismo experimentaram altos índices de crescimento econômico com
incremento de suas bases de produção industrial a partir da associação de
seus capitais internos com os externos. Essa onda produtivista e liberal teve
como suporte político as ditaduras que cercearam o direito de livre associação,
de comunicação e de ir e vir. Com os direitos civis limitados em vários países
pobres tropicais as suas economias cresceram sem que houvesse nenhum
impedimento social mais grave.
O crescimento da produção e consumo capitalista do norte impusera um
modelo padrão de “desenvolvimento”.
192
O crescimento econômico seria a
resposta liberal do capitalismo para a distribuição de renda. Uma proposta de
192
Que desta forma incorpora até mesmo a noção de cidadania. A cidadania passa a ser para
a modernidade anglo-saxã também sinônimo de consumo e poder de compra do indivíduo.
Para Carvalho e Castro et al (1999, p.12): “Devemos, também, nos perguntar qual é o impacto
da palavra cidadania, termo ocidental completamente incorporado na linguagem dos políticos
brasileiros e na sociedade patrimonialista baiana. Todos falamos hoje de cidadania, tanto
quanto falamos de democracia e de participação. Os meios de comunicação o lições de
cidadania: “Aprenda a ser cidadão, não jogue lixo no chão”, “seja cidadão, exerça seu direito de
votar” (esquecendo que é uma obrigação). Apresenta-se a cidadania como deveres, omitindo-
se, da mesma forma que na escravidão, os direitos. Enquanto aumenta o número de pessoas
que o têm acesso ao mercado de trabalho, a maioria dos trabalhadores o chega nem a
receber o salário nimo e facilmente são despedidos por conflitos da mesma natureza que os
surgidos nas relações senhor-escravos; nos dias de hoje, as escolas públicas não oferecem
qualidade de ensino, mas estão exigindo certificados de antecedentes criminais aos
adolescentes para se matricular. Mas, como vimos, a herança patrimonialista tem logrado
conviver em quase perfeita “harmonia” com as fórmulas mágicas” importadas dos Estados
modernos ocidentais, que além de ser democracia, cidadania, descentralização e
desenvolvimento local, é poder aquisitivo, ou seja consumo. A própria ONU, em seus estudos
sobre cidadania, utiliza como indicador o poder de compra (Martinelli, 1997). Para a maioria da
população, que aprende mais da televisão que da escola, ser cidadão é ser consumidor. Esta
maioria da população, também desempregada ou com baixo poder aquisitivo, realmente tem
mais condição de ser delinqüente que cidadão. Como afirma Campos (1998), a noção de
exclusão ajuda a caracterizar a situação de o - cidadania em que se encontram milhares de
brasileiros”.
271
cunho positivista em que o simples crescimento econômico resolveria os
problemas sociais graves que grassam os paises pobres. Tal cartilha tinha
como ponto de apoio irrestrito a obediência civil às instituições sem que
houvesse nenhuma ou quase nada de reivindicações sociais, pois a
distribuição de renda, no ponto de vista desse capitalismo autoritário, viria com
o tempo.
A dilapidação do meio ambiente
193
nesse tipo de concepção capitalista,
seria apenas um preço a se pagar pelos ganhos sociais e econômicos futuros.
Assim como os sociais a natureza seria também de certa forma “silenciada”,
pois os “fins justificam os meios”. O crescimento da produção industrial e
agropecuária no norte, e a partir da década de 1950 em alguns países do sul
pobre, tinha como suporte básico a utilização maciça do meio ambiente. Os
recursos naturais, utilizados para sustentação do volume cada vez mais
crescente da produção capitalista, começaram a dar sinais de esgotamento
em finais da década de 1960. O alarme fora dado inicialmente pelo movimento
hippie e posteriormente alardeado pelas novas associações civis denominadas
de ONG’s (Organizações Não Governamentais).
A natureza ficara acuada: de um lado o capitalismo com suas
“variações” centro e periferia. O capitalismo central para dar sustentação em
suas “revoluções industriais” dilapidou florestas, solos e recursos hídricos até a
exaustão. E depois com o processo de mundialização econômica a partir
especialmente da década de 1950 em países periféricos, os pobres tropicais
experimentaram e experimentam o “sabor” dessa maneira pida e altamente
eficiente em garantir recursos materiais para sua sustentação e a do norte rico.
No capitalismo, o processo de abertura de novas áreas para exploração (nos
países periféricos tropicais) e manutenção das antigas áreas (do norte e
também algumas dos países tropicais) gera impactos ambientais que
ultrapassam a escala do local e se transformam em globais.
5.1.2 - O DESAFIO DA SUSTENTABILIDADE
193
Sobre o assunto “Dilapidação do Ambiente” e suas conseqüências, uma ótima leitura de
referência é a de Diamond (2001 e 2005).
272
Assim, como observado, a humanidade passa por um desafio que alia
tanto problemas sociais como ambientais graves. No novo milênio o planeta
Terra passa por uma “onda capitalista” como nunca vista antes. O modo de
produção dominante alastrou no planeta englobando até mesmo, de forma
diferente é claro, economias “socialistas” como a chinesa. Juntamente ao
processo de expansão do capitalismo global, os problemas ambientais e
sociais também se avolumaram. Nessa sociedade capitalista quase universal
as distâncias entre ricos e pobres, os com e sem tecnologia, os incluídos e os
excluídos ficaram ainda maiores.
Portanto, a sustentabilidade das populações e conseqüentemente de
suas nações, povos e comunidades fica comprometida. Gerar renda,
emprego e trabalho com a preocupação ambiental visando as gerações
futuras, passa a ser o novo conceito de desenvolvimento sustentado.
Porém, para isso é necessário entender que a sustentabilidade local ou global
é redimensionada por uma discussão do que se quer no processo capitalista. A
história do homem passou sempre pela sustentabilidade, contudo a
humanidade através do processo capitalista fez das necessidades básicas do
homem, enquanto espécie ser social, mercadoria cada vez mais valorizada
pelo anseio do consumismo. Comer, beber, vestir e respirar passou de
necessidades básicas de sustentação do homem para modo de vida no
capitalismo. Um modo de vida extravagante que dilapida o homem e a
natureza.
Como então produzir desenvolvimento sustentado sem que haja
alteração no modo de produção? A resposta está no entendimento de que
sustentabilidade não é contrária ao processo de acumulação capitalista, mas
uma nova visão do próprio capitalismo. Um capitalismo em que o homem e a
natureza sejam encarados não como simples mercadorias, mas como
partícipes de um mesmo processo. Assim, nesse processo a sustentabilidade
não depende mais do quando, mas sim do como. Como realizar ações em que
o homem tenha sua dignidade, seu emprego e sua renda e a natureza não
seja completamente dilapidada.
Se o conceito moderno de desenvolvimento sustentado prega que o
capitalismo pode ser enquadrado neste novo patamar de desenvolvimento,
carece, pois, entender que a forma de desenvolvimento aqui exposto não
273
passa necessariamente pelo aspecto simples do economicismo. O
desenvolvimento sustentado prega uma melhor equalização entre as partes,
ou seja, o homem e a natureza. Com isso não quer dizer que o econômico fica
de lado, mas não depende apenas dele o sucesso da sustentabilidade, o
aspecto social é o mais importante. No conceito moderno de desenvolvimento
sustentável o aspecto econômico dá lugar ao social, à sociedade, ao coletivo e
não mais apenas ao individual enquanto riqueza e acumulação de um ser
apenas em detrimento dos outros. Utopia? Não. Necessidade. Ou isso ou a
sociedade humana e o próprio planeta se rompem
194
.
O que se deve atentar é que o desenvolvimento sustentado em sendo
capitalista não leva em consideração apenas a situação econômica, ou seja, o
fator econômico não é o fim da proposta, mas um meio para se alcançar uma
sociedade mais justa e com uma melhor qualidade de vida para sua
população. O conceito moderno de desenvolvimento sustentado prega então
uma produção (capitalista) que se envolva no mercado, não interessando o
quão extenso seja esta rede, se local, regional ou global. Mas que os frutos
advindos sejam melhor divididos entre a população em que a ação de
desenvolvimento sustentado se dê. Porém, a tônica fundamental para que tais
ações se concretizem de fato coadunando com os preceitos do moderno
desenvolvimento sustentado, o aspecto do meio ambiente tem de ser
respeitado e interagido de forma a causar o menor impacto possível.
Menor impacto ambiental possível para que o bem natural, ou
simplesmente a natureza, possa ficar menos agredida para que as gerações
futuras possam dela usufruir. Não nos esqueçamos que a natureza é a parte
mais importante da sustentação do homem enquanto ser social e espécie.
Inegavelmente temos que utilizar o bem natural (solos, água, ar, vegetação e
seus frutos, recursos minerais, etc.), para que seja possível a existência da
espécie humana. Portanto, a partir dos preceitos modernos de
desenvolvimento sustentado, o impacto ambiental não é retirado de pauta. Não
se deve confundir impacto ambiental com escala de impacto ambiental. Todas
as ações humanas geram impactos ambientais. O interessante é perceber isto.
O desenvolvimento sustentado não prega a eliminação dos impactos
194
Sobre este assunto consultar Diamond (2001 e 2005).
274
ambientais, mas sim ações humanas de geração de renda, emprego e trabalho
com qualidade de vida com o menor impacto ambiental possível, pois todas as
ações humanas modificam o meio e assim corrompem o meio natural. Impacto
não tem tamanho, todos são impactos, o que temos de fazer é conhecê-los
para reduzir suas conseqüências a partir de nossas ações.
Desde a menor ação humana sobre o meio, do ponto de vista biológico
e ecológico, ocorrem modificações no meio ambiente. Assim, temos de encarar
a nossa existência, enquanto espécie e seres sociais, como profundamente
degradantes ao meio ambiente. Com isso, o desenvolvimento sustentado e as
ações coordenadas a partir dele objetivam diminuir os impactos e nunca
eliminá-los, o que seria incorreto e, acima de tudo, impossível.
Se entendermos que o homem é diferente tanto do ponto de vista
biológico como social dos outros seres vivos do planeta, entendemos também
que ser diferente não quer dizer indiferente. Convivemos com outras espécies
vivas na Biosfera e temos de enxergar que não somos os únicos que
dependemos da natureza para continuar existindo. A convivência pode e deve
ser pacífica do ponto de vista da diminuição dos impactos ambientais
provocados por nós, os únicos seres capazes de realizar impactos ambientais
e de ter conhecimento de sua realização e de suas conseqüências. Na
Biosfera terrestre o homem gera impactos ambientais em escala de tempo
humanizado, isso cria os desequilíbrios ambientais que a natureza demora a
se reequilibrar. Porém, ela se reequilibra. Em seu tempo, o geológico, mas se
reequilibra.
Como observado, o homem gera os impactos ambientais e a natureza
procura se reequilibrar, mas isso acontece no tempo dela e não o de nossa
existência. Além desta constatação as crises ambientais, como o agravamento
do efeito de estufa e a da água potável, demonstram que essas crises
transcendem o aspecto natural e vão de encontro ao social. As soluções
somente poderão acontecer se o desenvolvimento sustentado for aplicado e
gerenciado em todas as escalas espaciais possíveis.
5.1.3 - O DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO ENQUANTO POSSIBLIDADE
275
Desde a primeira reunião sobre o meio ambiente patrocinada pelas
Organizações das Nações Unidas (ONU) em 1972 em Estocolmo (Suécia),
passando por Nairóbi (Kênia) em 1982, Rio de Janeiro (ECO-92) e
Jonhennesburgo (África do Sul) em 2002, o temário do Desenvolvimento
Sustentado faz parte do imaginário e do cotidiano de várias pessoas e
comunidades. Porém, esse tema foi utilizado muito mais como propaganda que
realidade.
A realidade se faz, a partir do aspecto de sua concretude, quando as
ações de sustentabilidade local ou mesmo regional, nacional ou global, obtiver
a concatenação plena dos setores sociais. Portanto, para que se dê de fato a
sustentabilidade como expressa aqui, se faz necessária a conjugação de
interesses de três partes: a comunidade (sociedade), o Estado e a sociedade
civil organizada (ONG’s, sindicatos, associações, cooperativas, etc.). Somente
assim o desenvolvimento sustentado pode ser real. As ações humanas devem
levar em conta as reais necessidades da comunidade envolvida, pois o fim
maior dessa nova proposta de caminhar humano somente será plenamente
conquistado quando houver a concatenação dos setores sociais. Sem esta
concatenação o que se obterá será apenas crescimento econômico. Segundo
Boisier (2000) o desenvolvimento deve ser, portanto, vislumbrado de maneira
integral e altamente complexo e de certa maneira utópico e intangível por
conseqüência. E, assim, para Boisier (2000, p. 157):
En la medida en que se reconoce en el desarrollo un concepto complejo,
profundamente axiológico, multidimensional, constructivista, cualitativo
en su esencia e intangible por consecuencia, el paradigma científico que
ha dominado el desarrollo científico de la modernidad, el paradigma
asociado a Isaac Newton y a las leyes de la mecánica celeste, a Francis
Bacon y al todo experimental como único fundamento del
conocimiento científico y a René Descartes y al razonamiento analítico,
deja de ser útil para entender el desarrollo por su carácter de un
paradigma reduccionista, mecanicista y lineal. Entender el desarrollo
requiere de enfoques holísticos, sistémicos y recursivos
Ações humanas geram impacto ambiental e assim, mesmo dentro da
premissa do desenvolvimento sustentado, este acontecerá. Porém, quando
acontece o desenvolvimento sustentado a comunidade é o centro do processo,
mas não traça um caminho solitário. As ações são projetadas e os custos
ambientais analisados, produzindo uma maior e melhor utilização do meio
ambiente sem que haja imprevistos em suas conseqüências. Como se percebe
276
as ações de sustentabilidade o indicadas para comunidades que estejam
imbuídas em uma nova maneira de realizar o capitalismo. Comunidades que
passam por necessidades extremas de conquistas sociais e ambientais. Estas
podem ser a sociedade humana como um todo, porém, a realização das ações
de desenvolvimento sustentado são melhor incrementadas em comunidades
locais ou regionais. Tal afirmação é reforçada por Boisier (2000, p. 180) quando
este autor afirma que:
El punto de partida está en reconocer que el desarrollo –tal como se le
entiende hoy día, pero como siempre ha sido—es un proceso que,
requiriendo una base material, no oculta su naturaleza intangible, como
se discutió inicialmente. Siendo ello así, procede reconocer, con toda
lógica, que sus factores determinantes o causales deben ser de igual
dimensión y estos varios factores se han agrupado en categorías o
diferentes clases de capital intangible. Se ha argumentado a
continuación que tales capitales intangibles (alrededor de nueve o diez)
deben ser articulados, potenciados y direccionados por uma forma aún
superior de capital intangible: el capital sinergético latente en casi toda
comunidad y definido como un potencial catalítico de la sociedad que le
permite promover acciones en conjunto dirigidas a fines colectiva y
democráticamente elegidos con el conocido resultado de obtenerse a
un resultado final que es mayor que la suma de los componentes. Se ha
sostenido también y éste es un punto crucial—que tales capitales
intangibles y en particular, el capital sinergético, se encuentran más
fácilmente en espacios sociales y territoriales pequeños, de naturaleza
proxémica, en que los contactos cara a cara, las costumbres y las
tradiciones son muy importantes.
Se os problemas sociais e ambientais passam a ser resolvidos no local,
as possíveis soluções sociais e ambientais do planeta podem ser a esfera
maior para um desenvolvimento sustentado global. Os problemas do planeta
são sentidos no local, na comunidade, e a inserção dessas neste mundo de
globalização excludente passa por ações de sustentabilidade. São ões
concatenadas pelos setores da sociedade local que vão desde o incremento ao
turismo, a implantação de associações de silvicultores, artesanato, pescadores,
catadores de lixo, cooperativas de trabalhadores no campo, sindicatos urbanos,
etc. As denominações não são importantes, o que realmente importa é a nova
postura dessas comunidades frente aos desafios da sustentabilidade local com
dignidade e cidadania.
Assim, a plena sustentabilidade local ou comunitária deve ir além da
pura e simples sustentabilidade ambiental ou mesmo natural. Ela deve ser
277
maior e mais abrangente em seus propósitos. Deve ser social e cultural
195
. Tem
de ser ecológica, local e microregional.
A deficiente inserção da pequena cidade na rede urbana da região e do
país limitou seu desenvolvimento econômico e político e, por conseguinte, seu
crescimento populacional. Há que ressaltar que no período técnico científico
informacional, a integração na rede o depende exclusivamente do espaço
físico da rede urbana. A nova rede é global e não apenas regional ou nacional,
e a informação tem como via principal a maneira imaterial que pode produzir
efeitos minimamente compensatórios. Contudo, tais mecanismos estão postos,
mas sua aplicação é deficiente e tangencial. Mesmo existindo uma relação
entre alguns setores da sociedade da pequena cidade que se integra, ainda
que apenas em nível econômico e comercial com a globalização, outros
setores sociais são integrados parcialmente ou mesmo alijados do processo
totalmente. Segundo Gomes, Silva e da Silva (2007, p. 7):
A difusão da inovação tecnológica não tem sido uma ação que tenha
superado a desigualdade socioespacial nesta contemporaneidade, pelo
contrário, o que se tem visto é a agudização da diferenciação das áreas
territoriais. Não temos a menor dúvida de que as formas mais modernas
de tecnologias da informação e comunicação estão em quase todos os
quadrantes do mundo, sendo vistas com mais freqüência telefones,
televisões, comunicação de dados, computador etc.
Se por um lado a inserção das pequenas cidades exemplificadas aqui
por Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico ao mercado global se realizam
diretamente a partir do comércio da madeira (Estrela do Sul e Cascalho Rico) e
do diamante (no caso específico de Estrela do Sul), através de relações sem
intermediários para com o exterior, por outro lado o café, a soja, o leite e a
carne (bovina, frango e de peru), participam do mundo global a partir da
intermediação de empresas nacionais e internacionais. Nesse caso a atuação
dos agentes produtivos da pequena cidade é mais difusa e subentendida.
Os agentes produtivos da pequena cidade não reconhecem em si o
papel por eles desempenhado nesse mundo global. Enquanto nas relações
diretas os produtos como a madeira (e seus subprodutos) e o diamante são
cotados em moeda internacional, especialmente o dólar, os produtos
relacionados ao mundo global, mas de relação indireta, o comercializados
regionalmente, ainda que seus preços sejam estabelecidos na Bolsa de
195
Sobre este tema consultar Souza (2003, p. 100-101).
278
Valores de Chicago, são produtos que têm um percurso regional e seus
produtores não os sentem como produtos/commodities, pois o mundo global
está camuflado na escala regional.
Sabemos que tais relações são partícipes da globalização econômica,
que tais produtos locais serão consumidos em todo planeta, porém a sensação
não se consuma. O caso do surto da febre aftosa no Mato Grosso do Sul no
início de 2006 é um bom exemplo. Esse surto da doença refletiu diretamente
no preço da arroba do boi devido à redução drástica das exportações da carne
bovina. Assim, tal surto de febre aftosa comprometeu a credibilidade sanitária
da carne bovina brasileira e repercutiu na elevação dos preços da mesma nos
países importadores da carne brasileira e, conseqüentemente, a redução das
exportações fez com que o preço da arroba de carne bovina decaísse devido a
enorme oferta do produto no mercado interno, comprometendo os negócios
locais de gado nos municípios de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico. A
percepção tangencial da globalização, neste momento, tornar-se real, porém
momentânea.
Seguindo o mesmo raciocínio, um outro exemplo ilustrativo é o do
produtor local que leva vantagem internacional devido ao surto do rus da
Influenza avícola, que faz o preço da carne de frango e peru serem mais
atrativos e vantajosos para os produtores locais destes produtos. Bem como o
caso da doença da “vaca louca” (ou Esponjomielite Encefálica Bovina) que faz
da carne brasileira um sucesso e um produto exportável para 154 países do
mundo. Essas flutuações de preços internacionais são criações de um mercado
global que se reflete no local, sem, contudo, ser fruto de maiores assimilações
por parte de vários produtores rurais. Observa-se com isso a realidade de uma
economia globalizada em que os negócios locais são realizados em escala
planetária constatando que os negócios regionais dependem do fluxo próprio
da globalização, mas a esfera do global não determina profundas alterações
sociais e políticas, pois os negócios são realizados regionalmente e, na maioria
das vezes, os produtores não se sentem globalizados.
A modernidade proposta pela globalização enseja, nas três pequenas
cidades analisadas, um sentimento de que as coisas se globalizam, porém as
pessoas ou os individuos não. A crise de identidade se sobrepõe aos ditames
do ideal e imaginário na pequena cidade. Esta crise de identidade,
279
concordando com Paul Claval
196
, é determinada pelo fim das culturas
populares e de suas raízes locais; pelo desenvolvimento das culturas de
massa; e ao indivíduo lhe falta referências para se construir; e finalmente, daí
decorre o esforço para construir novas formas de identidade. Por isso, as
identidades são transitórias na pós-modernidade, segundo Paul Claval. Assim,
compreendendo que os invivíduos não cessam seus múltiplos papéis sociais
(são marido/esposa, filho, trabalhador, funcionário, patrão, religioso, etc.) estes,
juntamente com o Estado-município social, serão o diferencial de alternativas
para a pequena cidade.
O rompimento dos paradigmas da globalização anglo-saxã passa,
portanto, por ões concretas que busquem o fazer local utilizando as próprias
situações e não as fórmulas induzidas por esta modernidade advinda de uma
globalização anglo-saxã. Para isso tem-se que reduzir os anacronismos
administrativos e programar situações sustentáveis em nível microrregional que
saiam do paradigma usual de que os problemas da pequena cidade são de
cunho ambiental, como se estas sofressem apenas problemas derivados de
seu ambiente natural. Assim, a sustentabilidade do local e da microrregião não
pode ser encarada apenas pelo viés ambiental. Antes de tudo, a
sustentabilidade do município que abriga uma pequena cidade tem de ser
social. Uma sustentabilidade social muito mais que apenas ambiental. Neste
sentido a sustentabilidade ambiental não nega a social, e vice-versa.
Tais situações somente poderão se alterar quando o caminho a seguir,
dentre outros, passa pela integração das realidades das pequenas cidades
para que as soluções sejam conjuntas a estas realidades que se fazem em
escalas do cotidiano da pequena cidade. Não podemos dissociar tais
possibilidades de alteração da realidade atual da pequena cidade do papel do
Estado. O planejar e organizar o espaço geográfico é tarefa realizada por
poucos, o que não deixa de ser frustante. Assim, ao compreender que as
forças globais não permitem o desenvolvimento das capacidades indiviuais, a
questão central torna-se a compreensão do papel do Estado. Ele, o Estado,
tem de ser entendido como meio de permitir o desenvolvimento das
196
Em palestra proferida na Universidade Federal de Uberlândia em março de 2008.
280
capacidades individuais. O Estado-município social possui um papel
preponderante neste processo.
Assim, antes de qualquer coisa, tem que se procurar situações holísticas
para a pequena cidade e sua microrregião. Sem ser ambiental demais e social
de menos ou o contrário. Por isso advogamos uma sustentabilidade ecológica.
Pois assim o todo é sentido e analisado e não apenas suas partes (econômica,
social, política e cultural). No sentido amplo da expressão ecológica, o todo tem
de ser alterado e ou manipulado para o retorno ao seu equilíbrio. Com isto em
mente, a nossa proposta é a de que a sustentabilidade do município que possui
uma pequena cidade passa pela cooperação deste com outros municípios na
sua esfera de relações mais próximas, opção contrária à visão de
competitividade, que muitas vezes se intala, nas relações intermunicipais.
Gomes, Silva e da Silva (2003, p. 5) argumentam que:
...temos que destacar a inexistência de incentivos à cooperação entre os
municípios. Na realidade, o que vem ocorrendo é uma corrida
competitiva em busca de recursos, configurando-se num relacionamento
não cooperativo entre as municipalidades...
As políticas públicas na pequena cidade são realizadas diretamente
pelos agentes políticos do Estado-município social sem muita intervenção,
especialmente nos processos logísticos e de articulação estrutural, dos
recursos do governo do estado e da União. Em sua maioria o ações sociais
assistenciais que, realizadas com a superestrutura da União, conjugadas e
especialmente complementadas com recursos humanos e aporte financeiro da
prefeitura municipal.
Com isso, as motivações entre a realização destas políticas sociais e
assistenciais chocam-se às vezes com a nova determinação da “moderna”
concepção da administração pública, em que os agentes públicos,
especialmente os prefeitos, são obrigados a realizar a “venda” de sua cidade
como se fosse um agente de “marketing” mais que um político administrador.
Sobressaindo, nestas ocasiões, os aspectos econômicos sobre os sociais,
sendo a importância de vários problemas mascarados como se apenas o
aspecto econômico resolvesse os problemas sociais internos da pequena
cidade. A venda da cidade não é a solução. As possíveis soluções passam por
um viés microrregional em que os problemas da pequena cidade possam ser
281
diagnosticados na escala real em que os problemas são encarados como
semelhantes e suas possibilidades possam ser atendidas e, na medida do
possível, supridas.
Das deficiências observadas nas pequenas cidades analisadas, os
aspectos referentes à saúde pública, à falta de empregos e de lazer, foram os
mais citados pela população consultada e diagnosticada por nós no
questionário aplicado. Assim, para efetivação de alguns tópicos de
sustentabilidade ecológica referentes a estes aspectos mais relevantes,
faremos uma análise das possibilidades no âmbito da sustentabilidade
microrregional, iniciando com a análise sobre as políticas públicas no campo de
ação da saúde. Isso se realiza devido ao fato que, mesmo existindo
cooperação intermunicipal no âmbito da saúde pública, estas ainda não se
efetivaram plenamente. Contudo, este modelo de cooperação intermunicipal é
um dos caminhos abertos para novas maneiras de cooperação entre os três
municípios.
A cooperação intermunicipal no setor de saúde é uma possibilidade
aberta pelo caráter universalista e muncipalista do sistema públco de saúde
brasileiro. Contudo, mesmo representando um exemplo claro de
descentralização e cooperação possível entre municípios, a constituição da
cooperação intermunicipal entre entes heterogêneos não significou, ainda, fator
de alteração e rompimento de relações de carências urbanas da pequena
cidade. Mas, mesmo assim, a experiência de cooperação intermunicipal no
âmbito da saúde representa um avanço social e, especialmente, um caminho
aberto para a cooperação intermunicipal para outros setores carentes da
pequena cidade.
5.2 - SAÚDE PÚBLICA: O ESTADO E A MUNICIPALIZAÇÃO DA
“UNIVERSALIZAÇÃO” DA SAÚDE
Para o melhor entendimento das relações entre saúde pública e Estado-
município social na pequena cidade, iniciaremos com uma breve análise do
processo que culminou na construção do Sistema Único de Saúde implantado
no Brasil nas últimas décadas do século XX e ampliado com a descentralização
a partir da Constituição Federal de 1988.
282
Inovadora e sui generis em sua proposta, o sistema público de saúde
(SUS – Sistema Único de Saúde) e a sua operacionalidade municipal fazem do
Brasil um modelo alternativo ao fato comum presente em países desenvolvidos
e com elevados índices de IDH. Com várias imperfeições, é ainda um sistema
público de saúde diferente dos demais países em sua proposta de gratuidade e
de assistência e, acima de tudo, pela maneira operacional de sua
municipalidade e descentralização. O caráter universalista da proposta do SUS
vem de encontro às necessidades das cidades e especialmente das pequenas
cidades. Contudo, a operacionalidade do sistema fica disfuncional na medida
em que as políticas públicas de saúde na pequena cidade não oferecem as
opções médico-hospitalares concretas e eficientes para o pleno atendimento da
população residente (na cidade e no campo) de municípios que apresentam
deficiência técnico-instrumental.
A questão relativa à saúde pública, como qualquer outro assunto
relacionado ao ser humano, tem de ser analisada levando-se em consideração
o aspecto da temporalidade e da espacialidade. O aspecto temporal é
importante para se ter a dimensão da evolução do problema a as implicações
deste ao longo do tempo. Evolução aqui não entendida apenas no sentido de
melhora, de progresso, mas fundamentalmente de processo. A espacialidade,
por sua vez, no que concerne ao aspecto da saúde pública, deve ser entendida
relacionada à evolução dos processos histórico-espaciais da sociedade, em
que determinada região, área ou lugar modifica-se, ao longo do tempo quanto a
sua condição de ruralidade ou urbanidade.
Numa análise sobre saúde pública é de fundamental importância o
entendimento espácio-temporal para se ter a dimensão da problemática
relacionada a este assunto. Ao se indagar acerca do aumento de determinadas
enfermidades que acometem parcelas significativas de uma população, temos
antes que analisar os fatores que levaram estas ao aumento e como foi
possível sua detecção. Para isso, o ponto de partida é o entendimento de que
doenças sempre existiram e a humanidade sempre foi suscetível a elas.
Porém, suas características e formas de contágio modificam-se no tempo e no
espaço.
5.2.1 – A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
283
Hoje podemos afirmar com certeza que a sociedade humana é
predominantemente urbana. Mais da metade da humanidade reside em
cidades, tomando a classificação utilizada pela ONU (Organização das Nações
Unidas) para conceituar cidade. Segundo a sua classificação, a ONU
197
afirma
que mais de 52% da população mundial atualmente reside em áreas
consideradas urbanas. Este fato por si modifica as formas e as
características de se entender e detectar enfermidades no planeta como um
todo.
A ocidentalização das práticas médicas e das tendências gerais da saúde
pública são subprodutos do modo de produção capitalista. Mesmo quando
observamos uma maior “democratização” dos serviços de saúde, a exemplo
dos modelos adotados na Inglaterra, na Noruega e no Canadá, o que de fato
observamos é o processo capitalista se adequando aos anseios de uma
população que, em verdade, buscava níveis maiores de liberdade, autonomia e
justiça social, que somente viriam se o modo de produção fosse alterado.
O “Estado do Bem Estar Social”, como resposta a esses anseios, criou
nestes países um sistema médico/sanitário - a exemplo de outros setores da
sociedade como forma de minimizar as pressões sociais - que atende às
necessidades da população e cria algumas “ilhas da felicidade” do ponto de
vista da saúde pública. Este “capitalismo mais social”, introduzido em certos
países, determinou avanços significativos no atendimento médico e sanitário à
população sem que o processo mais global do modo de produção fosse
alterado. É a resposta européia ao avanço do socialismo, garantindo certas
“benesses” à população sem perder o controle sobre o modo de produção.
Entretanto, o sistema médico-sanitário continua tendo suas relações
intrinsecamente direcionadas por um aparelho produtivo/científico centralizado
e comandado por grandes corporações médico/laboratoriais, institutos de
pesquisa públicos e privados. São eles que determinam quais as doenças a
serem pesquisadas, quais as áreas a serem analisadas e, o mais importante,
onde e como serão realizadas as pesquisas. Além disso, criou-se,
especialmente durante o século XX, uma relação estreita e perniciosa entre os
197
Relatório da ONU sobre urbanização mundial e índice de desenvolvimento humano (IDH).
Acessado através do “site”: www.onu.org em 18 de janeiro de 2004.
284
laboratórios e institutos de pesquisa com o aparelho de Estado. Esta relação
determina uma sobrecarga de materiais e drogas que, em muitos casos, sua
necessidade e custos para o Estado e a população são discutíveis.
A centralização do poder do sistema médico-sanitário por institutos e
laboratórios desenvolve um processo em que os paises centrais detenham a
grande parte do capital absorvido no sistema. Assim, as descobertas, análises
e pesquisas ficam concentradas em instituições sediadas naqueles países.
Com isso, as doenças mais interessantes a serem pesquisadas por estas
instituições serão aquelas mais incidentes em seus países de origem.
Determina-se, assim, uma divisão entre as doenças de “rico” e as de pobre”.
As doenças de “rico” são aquelas em que a incidência é maior nos países
desenvolvidos e as de “pobre” o aquelas endêmicas nos países
subdesenvolvidos, os quais estão preponderantemente inseridos na zona
climática tropical.
Um fato interessante a ser observado nesta constatação refere-se ao nível
de necessidade que a indústria farmacêutica tem da biodiversidade mundial,
pois a grande maioria dos remédios e drogas produzidos pelos grandes
institutos ainda necessita de um princípio ativo retirado da natureza. Mesmo as
drogas sintéticas não são totalmente produzidas a partir de substâncias criadas
em laboratório
198
. Estas ainda necessitam de um princípio ativo que, analisado
exaustivamente, é posteriormente sintetizado e fabricado em larga escala. Com
isso, a natureza ainda é a fonte maior das drogas produzidas em laboratório.
Tal situação torna-se menos paradoxal quando vista sob o aspecto da
dicotomia inerente ao processo capitalista. Esse aspecto da diferenciação de
classes e de nações é uma situação intrínseca do capitalismo e não pode ser
analisada como sendo possível sua equalização, visto a situação do processo
capitalista atual. Não nos enganemos. O processo capitalista não deixa
margem para uma situação de melhora quanto às preocupações das
instituições de pesquisa e de laboratórios com as enfermidades e mesmo com
a situação sanitária dos países pobres. Ou se muda o modo de produção o
que convenhamos é muito complicado - ou os países tropicais, de alguma
forma, têm que buscar alternativas de desenvolvimento de suas próprias
198
Para melhor entendimento do assunto, consultar França e Bertolozzi (2003, p. 39-43).
285
instituições e laboratórios de pesquisa para transformar sua imensa riqueza
genética em benefícios sociais para sua população. O que observamos, ao
contrário, é o aumento substancial das doenças no mundo e em especial nos
países tropicais.
A situação médico-sanitária no planeta agrava-se cada vez mais, visto
que o índice de doenças está cada vez maior no planeta. Esse aumento pode
ser explicado, dentre outras variáveis possíveis, devido a três fatores
importantes: as modificações cada vez mais incidentes no ambiente natural, o
aumento absoluto e relativo das populações miseráveis e pobres no planeta e a
evolução técnica e tecnológica da humanidade nestas últimas décadas.
A ausência ou precariedade do acesso de vastas camadas da população
mundial aos avanços técnico/científicos da ciência médica e sanitária,
alcançado pela humanidade nestes últimos séculos e em particular nestes
últimos cinqüenta anos, faz com que nossa análise retorne ao ponto central: a
relação da medicina com o poder.
É inegável que o conhecimento técnico/científico alcançado pela
sociedade atual é extraordinário. Porém, também é inegável que apenas uma
pequena parcela da população mundial tem acesso a estas inovações. Em
vários países o acesso aos serviços médico/sanitários encontra-se em padrões
satisfatórios e, até mesmo, excelentes, como os casos citados do
universalismo canadense, norueguês e, em menor medida, o inglês. Casos
isolados como os exemplos cubano e chinês não podem ser menosprezados.
Contudo, a segmentação da saúde pública
199
ainda é o exemplo mais
encontrado, e o setor privado suplanta o público na prestação de serviços
relacionado a esta temática. Nos países em que as práticas liberais do
capitalismo foram e são mais presentes, a saúde pública alcança níveis de
segmentação maiores, como são os casos exemplares encontrados na
situação dos EUA, Chile, Japão entre outros.
A forte segmentação da saúde pública cria anacronismos como os
verificados no caso dos EUA em que a medicina mais avançada do mundo não
é acessível a uma parcela considerável de sua população, tanto a parte pobre
autóctone quanto, principalmente, os descendentes dos novos imigrantes,
199
Muito bem exposto por Mendes (2001b, p. 37-44).
286
fundamentalmente os de origem da América Latina e africanos. O modelo
adotado nos EUA reflete a sua formação cultural e produtiva, em que a
participação do Estado na vida privada sempre foi marcada por forte
oposição
200
. É uma história liberal por excelência. E esta história de forte cunho
liberal extravasa as fronteiras nacionais e marca presença em diversos países
que adotaram a mesma postura privatista em seu aparelho de saúde pública. É
um modelo pronto que se torna exemplo seguido por vários povos e nações.
Nos países capitalistas pobres, sobretudo os da América Latina, África e
Ásia (especialmente a parte monçônica), o modelo de saúde pública
estadudinense vinha no pacote de ingerências político/econômicas promovido
pela doutrina de expansão da área de influência dos EUA no período da Guerra
Fria. Na América Latina essa ingerência estadudinense é mais antiga, datada
do final do século XIX, reforçada pela Doutrina Monroe e sua política do “Big
Stick”.
5.2.2 – A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL
O Brasil, pertencente a esta área de influência dos EUA, adota,
parcialmente, esta política privatista da saúde, mas como em nosso país é forte
a participação da Igreja Católica nos assuntos da sociedade, várias Santas
Casas e hospitais mantidos por fundos municipais e religiosos aumentaram sua
participação durante todo o transcorrer do culo XX, tendo uma gica privada
juntamente ao aspecto assistencialista desenvolvido pelo Estado e pela Igreja.
Assim, a política de saúde pública brasileira no século XX, não foi tão
agressivamente privada como no modelo estadudinense. Porém, nesse
período, ela não foi, também, fortemente pública. É uma situação mista que
desenhou o caos nos serviços de saúde pública no território brasileiro. Uma
política mista em que os serviços de saúde blica ficavam a cargo de parcas
verbas governamentais gerenciadas, oficial ou oficiosamente (vai depender do
período político vivido no Brasil durante o século XX), por associações ligadas
à religião.
200
Idem, p. 37-44.
287
Em um país essencialmente rural como visto no Brasil antes de 1950, as
práticas sanitárias e de saúde ficavam a cargo de poucas Santas Casas e
hospitais mantidos pelo governo Estadual e, em poucos casos, pelo municipal,
auxiliado por mantenedoras assistenciais. Esse é o caso das cidades médias e
grandes. na zona rural e nas pequenas cidades, onde vivia a maioria da
população brasileira, a situação era mais precária. No campo, o atendimento à
saúde e as práticas sanitárias ficavam a cargo dos práticos, parteiras e da
medicina popular, e em casos isolados, de algumas pequenas cidades mais
antigas ou históricas, de hospitais e centros de saúde mantidos por
associações religiosas e mantenedores assistenciais.
Com o aprofundamento do processo de urbanização, o Brasil produziu
um crescimento das cidades e um progressivo esvaziamento do campo. A
situação complica-se de vez. O caos toma conta da saúde e da situação de
saneamento básico. As cidades hipertrofiam, crescem vertical e,
especialmente, horizontalmente. A especulação imobiliária provoca a expulsão
desordenada de imensas camadas da população para as periferias verticais e
horizontais, é um processo intenso de ocupação de áreas de risco (encostas,
solos hidromórficos como os brejos e manguezais, etc.), os cortiços e,
posteriormente, as favelas passam a fazer parte da paisagem das cidades
grandes e, já em finais do século XX, das médias cidades brasileiras.
Concomitante a este processo de urbanização, desencadeado a partir de
fins da década de 1940, mas efetivamente a partir da década de 1950, fruto de
um intenso processo de modernização do campo brasileiro, a população cresce
absoluta e relativamente. Tal crescimento entre as décadas de 1930 e 1960
pode ser entendido como sendo partícipe do processo de crescimento e
modernização do parque industrial nacional. A partir da década de 1930, as
políticas nacionalistas do governo Vargas incentivam e criam as primeiras
grandes indústrias do setor pesado, base para a entrada de grandes grupos
multinacionais e surgimento de outros nacionais no setor de bens de produção
e de consumo. Aliado a este impulso industrial, o governo Vargas estimula o
crescimento populacional e a saída do homem do campo para as cidades. A
indústria necessita de mão de obra e de consumidores urbanos. Tais estímulos
ao crescimento populacional e urbano são exemplificados por várias leis que
288
culminaram no salário nimo e no salário família, ambos de cunho
essencialmente urbano.
Nos governos posteriores ao de Vargas, as políticas industrializantes
foram mantidas e ampliadas. No governo de JK, a entrada maciça de grupos
transnacionais para cidades do tri econômico nacional, São Paulo, Rio de
Janeiro e Belo Horizonte, provocaram a absorção de milhões de migrantes.
Tanto pelo êxodo rural como pela migração regional. Estava criado o tão
sonhado exército industrial de reserva.
Contudo, a partir da década de 1960 o crescimento populacional e urbano
começa a ficar perigoso para os interesses, tanto dos capitalistas industriais
como para o próprio governo militar. As cidades e a população urbana
cresceram além do esperado e crescimento tornou-se perigoso, pois foi
acompanhado de alto desemprego, miséria e favelização. As pressões
populares tornaram-se perniciosas para o status quo do capitalismo brasileiro.
Do ponto de vista legal, as práticas de estímulo estatal ao crescimento
populacional e de migração do campo para a cidade ainda permaneciam.
A partir do final da década de 1960, em pleno regime militar, as políticas
demográficas praticadas pelo Estado brasileiro começaram a ser alteradas.
Porém, dentro de um paradoxo. Como realizar campanhas de estímulo à
redução da natalidade e de paralisação do êxodo sem ferir os dogmas de um
dos aliados do regime militar: a religião? Oficialmente o Brasil é uma república
laica, todavia, e oficiosamente, é de preponderância católica; e ferir os dogmas
da Igreja não seria de bom tom para um regime de exceção. Assim, as políticas
de controle de natalidade foram realizadas de maneira a não ferir esses
dogmas, sendo utilizados subterfúgios legais e sanitários de cunho altamente
preconceituosos.
No fim do regime militar, em meados da década de 1980, o Brasil
contava com uma grande população e amplamente urbanizado, embora
altamente concentrada espacialmente. A região sudeste, concentradora de
serviços e indústrias, reúne também as maiores cidades e população urbana.
Os serviços de saúde são precários e o atendimento à população é carente de
políticas públicas. As políticas sanitárias e de saúde pública do final da ditadura
e da “Nova República” refletem o caos urbano.
289
Nos países subdesenvolvidos do final da década de 1980, a democracia
retornava de forma embrionária e a prestação de serviços na área da saúde
refletia este caminhar moroso das modificações políticas. Tais modificações no
plano político são, por sua vez, uma nova necessidade do capital que alcança
seu nível espacial mais amplo. A mundialização do capital, desde os primórdios
do processo, com as grandes navegações e “descobertas” territoriais, não tinha
um alcance espacial tão amplo quanto o observado na década de 1990 e início
do novo milênio.
O recente processo de aprofundamento da globalização do capital é
fortemente imiscuído de políticas econômicas de cunho liberal, o qual, de
maneira correlata, impregna-se nas políticas referentes ao setor de saúde de
vários países. O privatismo e a segmentação das políticas de saúde o a
tônica maior. Mesmo países pobres e subdesenvolvidos adotam em suas
democracias nascentes modelos de políticas públicas de saúde em que o
poder público apenas atua como mediador destas políticas e não como
gerenciador e financiador. O Estado, na figura dos governos, torna-se apenas
um cúmplice de políticas geradas por grandes indústrias, laboratórios e planos
privados de saúde. Contudo, a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS)
representa uma alternativa a esse cenário.
5.2.3 A “REVOLUÇÃO” NA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA A PARTIR DO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
No Brasil pós-ditadura militar, a proposta de um sistema único para a
saúde é diferenciada dos demais países, especialmente os pobres e
subdesenvolvidos. Neste sentido, o exemplo da proposta do universalismo na
saúde do Brasil torna-se importante e inovador. A proposição do Sistema Único
da Saúde (SUS), na nova Constituição brasileira de 1988, caminha em sentido
inverso aos novos dogmas do liberalismo econômico inerente ao processo de
mundialização do capital do final de século e início do novo milênio. A
proposição e posterior implantação do SUS, através de portarias da década de
1990, criam um modelo de políticas públicas na área da saúde, que não são
inovadoras em sentido mundial, visto que em alguns países esta maneira de
atuar em políticas blicas de saúde existe. Porém, nos países em que o
290
universalismo na saúde existe sua economia é sólida e desenvolvida como o
Canadá e, em certa medida, o exemplo da Inglaterra, ou mesmo o exemplo do
“socialismo” cubano, em que o universalismo da saúde é uma de suas vitrines.
Mas, em país capitalista pobre e subdesenvolvido, o universalismo brasileiro,
fruto de intensos debates e acirradas campanhas populares, é inovador e
merece seu crédito.
O caráter universalista, inovador e fundamental do SUS o o redime de
imperfeições estruturais e conjunturais
201
. Não podemos fazer uma apologia de
sua eficácia, mesmo porque ainda é prematuro para tais afirmações. A sua
existência é o fato maior. A implantação deste sistema é penosa e carregada
de problemas, que estão na crista dos debates e demanda muito tempo para
se alcançar a eficácia desejada. Porém, o princípio é inovador. Existem muitos
estudos sobre os problemas da implantação do SUS, e estes são importantes
para sua plena implantação, pois apenas com debates objetivos e claros
poderá se alcançar um sistema de saúde confiável de políticas públicas
voltadas ao atendimento à população como um todo.
Contudo, mesmo carregado de imperfeições e graves erros, o SUS é
inovador, e essa qualidade máxima se dá, em nosso entender, por dois
aspectos: primeiro, pela proposição de um modelo de saúde universalista em
um país capitalista subdesenvolvido, subvertendo a ótica da globalização
liberal e privatista. O segundo refere-se à discussão, a partir da proposição e
implantação do SUS, do papel do Estado capitalista moderno em meio a esta
onda neoliberal que prega um Estado mínimo sem muitas preocupações
sociais.
Esses são os aspectos mais centrais da nossa análise sobre o assunto. O
SUS subverte princípios e propõe, em um país pobre e subdesenvolvido, um
modelo de saúde que, teoricamente, é de atendimento a todas as classes
sociais. Um universalismo integral que instiga o contra-senso. Subverte o
senso comum imposto pela globalização dos mercados, pela supremacia do
capital sobre os Estados e também pelo pensamento de que apenas o capital
poderá sustentar os sistemas de saúde, e que estes são apêndices do
201
Sobre estes problemas, consultar: Freitas (2001) e também Mendes (2001 e 2001 b).
291
processo liberal. Essas imposições ideológicas, fruto destes tempos de
liberalismo econômico, pregam em última instância a adequação dos sistemas
de saúde ao capital. Nesse sentido, a proposta do SUS subverte a lógica
quando propõe aos serviços de saúde, público e privado, uma adequação às
necessidades da sociedade.
Esta não é uma visão romântica do processo; ela é concreta e séria. A
subversão de um dogma do atual capitalismo mundial é fato muito importante,
pois representa uma saída e um exemplo de alternativa ao “status quo” da
saúde pública, imposto pelo processo de mundialização do capitalismo e que
vários países, ricos e pobres, adotaram ou foram forçados econômica e
politicamente a implantarem.
O segundo ponto central, desencadeado com a proposição e implantação
do SUS, é referente à discussão do papel do Estado neste novo milênio.
Nestes tempos de mundialização liberal do capital, o papel do Estado como
gerenciador e financiador de políticas públicas foi bastante questionado. Os
que advogam a premissa de um Estado mínimo, que não tem a incumbência
de interferir na esfera econômica, esquecem ou forçam um discurso de
“esquecimento”, de que nos países capitalistas, os aspectos econômicos estão
intimamente relacionados aos sociais. Fato este ainda mais marcante nos
países de economia dependente e subdesenvolvida como o Brasil.
Analisando especificamente o aspecto dos sistemas de saúde, os países
capitalistas centrais podem se dar ao “luxo” de adotarem políticas públicas,
dentro de um leque de possibilidades, de cunho altamente segmentado, até as
que apresentam um rascunho do “Estado do Bem Estar Social”. Suas
economias e a própria sociedade, com perdas sociais imensas em alguns
países, podem sustentá-las. Porém, em países pobres e subdesenvolvidos, o
papel do Estado como fomentador e gerenciador de políticas públicas ainda é
fundamental. Na área da saúde, o papel do Estado é central e o SUS brasileiro
está claramente demonstrando essa importância. Não obstante seus rios
problemas, este sistema demonstra a necessidade do Estado como fomentador
e gerenciador de políticas públicas na área da saúde.
292
O princípio do SUS é seu aspecto mais importante
202
. É o princípio de
uma quase utópica eqüidade social frente aos sistemas de saúde. Propõe uma
discussão que perpassa os séculos em que os sistemas de saúde e a medicina
são vistos como acessíveis apenas aos reis e seus asseclas, aos sacerdotes e
homens do poder, aos faraós e sua parentalha, aos ricos e poderosos. Quebrar
esse dogma é o princípio da proposta brasileira para a saúde e a medicina. E
esse tem de ser, além de princípio, realidade.
A proposta do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil é inovadora,
porém carece de condições físicas, econômicas, políticas e sociais para sua
plena implementação. Essas carências são fruto de resistências inerentes ao
processo capitalista que criou diversas dificuldades estruturais e conjunturais
para a implantação de um sistema de saúde universalista. São problemas
graves que o SUS esbarra de forma a prejudicar seu pleno funcionamento,
demandando um tempo considerável para possíveis soluções.
Assim o SUS necessita de planejamento referente a aspectos espaciais,
demográficos, econômicos e sociais, o que é dificultado por problemas relativos
à formação da rede urbana nacional, ao processo caótico de nossa
urbanização e ao fraco planejamento urbano e regional. Outro problema
fundamental refere-se à esfera de competência do processo. O SUS
subentende a municipalização dos processos de saúde advindos da
Constituição Federal de 1988 e suas várias leis posteriores e, assim, vêm à
tona problemas referentes ao tamanho das cidades, a participação destas no
orçamento federal e estadual e a questão maior relacionada aos aspectos da
divisão tributária, que no caso brasileiro penaliza as cidades ao centralizar a
maior parte da arrecadação dos tributos na esfera federal.
Outro problema grave neste processo é relativo à resistência do sistema
médico/hospitalar privado. O sistema privado, após décadas de quase
onipresença no sistema de saúde, criou sérias barreiras para sua incorporação
como aliado do SUS
203
. Estabeleceram sérios debates acerca do número de
leitos disponíveis ao sistema público, preço das internações, remédios, exames
e consultas, chegando, em última instância, ao descredenciamento do
202
Sobre esse assunto ótimas referências podem ser observadas em: Unglert (1995), Freitas
(1997), Carvalho (1997), Carvalho (1999), Ribeiro (2000), Mendes (2001 e 2001b), Bremaeker
(2001) e Camargo (2003).
203
Mendes (2001 e 2001b).
293
processo. São problemas estruturais que devem ser solucionados ou
minimizados para que o SUS possa realizar seu princípio inovador.
Existem outros problemas sérios de aspecto conjuntural que envolvem a
relação do SUS ao aparelho médico/hospitalar público. São graves os
problemas referentes à deficiência quantitativa de hospitais em relação ao
conjunto populacional brasileiro, outros relativos à centralização dos hospitais e
locais de atendimento ambulatorial em regiões mais ricas, em detrimento de
regiões e cidades pobres ou afastadas dos grandes centros urbanos do país, e
ainda os graves problemas relacionados aos aspectos de internações, leitos e
falta de informatização do sistema médico/sanitário. São problemas que,
diferentemente dos estruturais, podem ser solucionados em tempo menor e
são dependentes quase inteiramente de vontade política e não de sérias
alterações no sistema econômico, tributário e sócio-espacial como os
problemas aqui levantados de cunho estrutural.
Entretanto, essa proposta universalista e municipalista para a saúde
pública enfrenta sérias dificuldades
204
. São dificuldades para todas as cidades
do Brasil, mas em particular nas pequenas cidades, exemplificadas pelo
encaminhamento de uma confusão entre o gratuito encarado como péssima
qualidade e também pelo uso político-eleitoral da gratuidade dos serviços de
saúde pública. Além disso, o poder público e as populações residentes nestas
localidades utilizam desse sistema de maneira integral e provocam em muitos
casos a sobrecarga de serviços em centros melhor equipados com assistência
médico-hospitalar.
Como anteriormente afirmado os problemas enfrentados nestas
localidades são iguais às demais cidades do Brasil, a diferença reside na
escala. Porém, agrega-se a todos os problemas estruturais vistos sobre a
saúde blica no Brasil o fato que em localidades como Estrela do Sul,
Grupiara e Cascalho Rico a saúde pública é antes de tudo uma maneira de se
transferir problemas para cidades de maior porte populacional e capacidade
operacional e gerenciamento da saúde pública via SUS e o uso do SUS como
204
Sobre essas alegações, ótimas referências podem ser observadas em: Unglert (1995),
Freitas (1997), Carvalho (1997), Carvalho (1999), Ribeiro (2000), Mendes (2001 e 2001b),
Bremaeker (2001) e Camargo (2003).
294
fator político-eleitoral. É a “política da ambulância” como principal instrumento
de saúde pública municipal.
5.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NA PEQUENA CIDADE: A
AMBULÂNCIA COMO INSTRUMENTO POLÍTICO E DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS
Quando questionados sobre os principais problemas em residir na
pequena cidade, a população consultada apontou de maneira espontânea que
a saúde representa um grave problema. Nessa maneira de questionamento,
em Cascalho Rico a saúde foi apontada por 15% dos entrevistados como
sendo o maior problema (ficando em segundo lugar).
205
Em Estrela do Sul 12%
dos entrevistados apontaram os problemas referentes à saúde como sendo o
maior (terceiro lugar)
206
de seu município. em Grupiara para 5% da
população consultada o maior problema do município é a saúde (ficando atrás
de desemprego, saneamento básico, água tratada e educação).
207
Estes números nos remetem aos problemas estruturais da saúde pública
na pequena cidade em que gratuidade do sistema é confundida com eficiência.
“Para essa população, a simples oferta gratuita e universal dos serviços já
basta para satisfazê-la, demonstrando ainda uma postura súdita com relação
ao poder público”.
208
E também, quando observamos os números relativos à
saúde pública do município de Grupiara os problemas são minimizados devido
a urgência do emprego e de dois problemas relativos ao cotidiano imediato do
cidadão que estão intimamente relacionados à problemática da saúde pública:
falta de saneamento básico e ausência de tratamento de água. Contudo, a
política do Estado-município social para a saúde pública nos três municípios
consultados está sendo questionada, especialmente e diretamente em
Cascalho Rico e Estrela do Sul, e em Grupiara de maneira indireta por parcela
considerável da população consultada.
205
Gráfico correspondente a questionamento espontâneo sobre os problemas em residir em
Cascalho Rico.
206
Respostas espontâneas sobre os problemas em residir em Estrela do Sul.
207
Respostas espontâneas sobre os problemas em residir em Grupiara.
208
Torres, 2004, p. 85.
295
As políticas públicas para o setor da saúde realizadas pelo Estado-
muncípio social dessas três cidades vão desde as meramente assistencialistas,
embora necessárias para a população mais carente, como distribuição de
fármacos a partir de aviamento de receituário, até o encaminhamento de
pacientes a outras cidades da região, do estado e do Brasil.
As questões mais prementes, contudo, incidem sobre a quantidade de
médicos disponibilizados para a população e as especialidades dicas
oferecidas à população
209
. Em Cascalho Rico (dois médicos que atendem em
sistema de rodízio), existe um médico para 1.399 habitantes, em Estrela do Sul
(são cinco médicos), é um médico para cada 1.427 habitantes, e em Grupiara é
um médico para cada 1.412 habitantes, que o município possui apenas um
médico para o todo populacional (1.412 habitantes). Situação que se torna
ainda mais dramática quando constatamos que não são todos os dias que
ocorre o atendimento médico no município de Grupiara.
As recomendações da OMS (Organização Mundial de Saúde, órgão
ligado à ONU) são de um médico para cada grupo de 1.000 habitantes, número
adotado também pelo Ministério da Saúde do Brasil. Comparativamente, todos
os três municípios analisados estão carentes quanto a este quesito. Superando
apenas os números referentes à região Norte do Brasil que possui um médico
para cada grupo de 1.800 habitantes e o nordeste com um para 1.600
habitantes. Na região Sudeste do Brasil este número é de um médico para
cada grupo de 800 habitantes e em Uberlândia, cidade pólo regional, é de um
médico para cada 600 habitantes.
Apenas o município de Estrela do Sul oferece outras especialidades
médicas de maneira sistemática e consistente, fora a da clinica geral. Grupiara
e Cascalho Rico quando não oferecem outras especialidades (caso de
Grupiara) oferecem de modo sazonal e aleatório (caso de Cascalho Rico).
Assim, nos três municípios a oferta de serviços médicos de baixa, média e alta
complexidade o insatisfatórias e têm como principal solução a transferência
do problema para outras cidades da região, especialmente Uberlândia e seu
Hospital de Clínicas (pertencente à Universidade Federal de Uberlândia e
209
Nas três cidades os médicos atendem apenas pelo SUS. Em Estrela do Sul existe uma
equipe do PSF (Programa Saúde da Família) com um médico e dois enfermeiros que realizam
visitas programadas aos doentes cadastrados em carro próprio desse programa. Em Cascalho
Rico e em Grupiara este serviço não existe.
296
gerido pela Faculdade de Medicina dessa instituição) e Araguari, como também
para demais cidades do Estado e do Brasil. É a política da ambulância.
Segundo Torres (2004, p. 132):
Nessa relação predatória e inconseqüente, a melhor, mais fácil e
imediatista política de saúde encontrada pelas prefeituras é a compra de
ambulâncias, através das quais o problema da saúde pública é
transferido para fora do município, congestionando e inviabilizando o
atendimento nas cidades mais desenvolvidas e nas capitais.
Tal fato pôde ser observado quando realizamos o questionamento para
a população consultada dos municípios sobre o tratamento médico-hospitalar
em seus respectivos municípios e fora deles. Em todos os três municípios
consultados o número de pessoas que realizaram tratamento dico-
hospitalar e consultas médicas fora de seu município foi expressivo. Como
podemos observar no gráfico a seguir, em Cascalho Rico o número dos que
afirmaram que já saíram de sua cidade para esse fim foi de 83%, o mesmo
número encontrado em Grupiara, em Estrela do Sul a população consultada
que afirmou ter necessitado de sair do município por necessidade dico-
hospitalar foi de 90%, como observado no gráfico 77
210
a seguir:
Gráfico 77: Cascalho Rico, Estrela do Sul e Grupiara: Tratamento médico ou hospitalar
em outra cidade. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
São números expressivos para uma necessidade básica do cidadão
residente na pequena cidade. Quando argumentamos sobre a freqüência
desses deslocamentos para a população consultada a maioria das respostas
210
Sobre essa pergunta, as respostas foram: em Cascalho Rico, 34 responderam sim e 7 o;
em Estrela do Sul, 63 sim e 7 não; em Grupiara, 43 sim e 10 não.
297
foi de que realizaram viagens por motivos médico-hospitalares raramente,
como observado no gráfico 78
211
a seguir.
Gráfico 78: Cascalho Rico, Estrela do Sul e Grupiara: Tratamento médico ou hospitalar
em outra cidade. Freqüência. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Porém, são contundentes os números dos que responderam realizar
estes deslocamentos sempre. Em Estrela do Sul foram 22% que afirmaram
realizar estas viagens sempre. Em Cascalho Rico foram 24%, e o maior
número dos que necessitam sempre desse serviço fora do município encontra-
se em Grupiara com 33% da população consultada afirmando que sempre
necessitam de tratamento médico ou hospitalar em outras cidades. Como os
serviços de obstetrícia e de partos não são realizados nessas pequenas
cidades cria-se um fato curioso e determinante: tempos não ocorrem partos
nas cidades e assim os habitantes “naturais” dos municípios estão em extinção!
Tal realidade anacrônica pôde ser constatada quando realizamos o
questionamento à população desses três municípios sobre sua naturalidade no
município. Os números apresentados, especialmente os de Grupiara, foram
surpreendentes, como observado no gráfico 79 a seguir:
211
Sobre a pergunta acerca do uso de veículos da prefeitura, dos que responderam sim, a
freqüência foi: em Cascalho Rico, 26 afirmaram ser raramente e 8 sempre; em Estrela do Sul,
49 afirmaram ser raramente e 14 sempre; em Grupiara, 29 pessoas afirmaram utilizar
raramente e 14 sempre.
298
Gráfico 79: Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara: Natural da cidade. 2007.
Fonte: Pesquisa de campo - BACELAR, W.K.A. 2007.
Além daquelas pessoas que não nasceram no município devido ao
problema de não haver mais serviços de obstetrícia no mesmo, há muito
tempo, as outras pessoas que responderam não serem naturais do município
em que residem atualmente alegaram que migraram para estas cidades devido
ao parentesco, a procura de emprego, moradia mais barata, os serviços de
saúde mais facilitados e, também, a tranqüilidade em residir em uma pequena
cidade. Chamou-nos a atenção as pessoas que migraram para estes
municípios afirmarem que procuraram os serviços de saúde mais fáceis, como
as pessoas consultadas em nosso questionário, ao afirmarem que o sistema de
saúde da pequena cidade é eficiente. Pois, como parte da população
consultada afirmou que necessitou de carros da prefeitura para seus
deslocamentos e os serviços médico-hospitalares nesses municípios não são
eficientes do ponto de vista da prestação local dos serviços, constatamos que
os serviços de ambulância
212
são uma constante necessidade de parte da
população em seus dilemas relacionados à saúde. O volume de viagens diário
e semanal, a freqüência e a presteza dos serviços de ambulância e de
212
Segundo informações das respectivas secretárias de Saúde dos municípios: no município
de Estrela do Sul existem duas ambulâncias, em Cascalho Rico uma e em Grupiara uma
também. Os deslocamentos desses veículos são diários, sete dias por semana. Uma
ambulância de Estrela do Sul realiza quatro viagens diárias até Uberlândia e para outros
centros como Araguari e Monte Carmelo os deslocamentos são mais esporádicos durante a
semana. Além disso, estas ambulâncias, nos três municípios, realizam viagens semanais a
outros centros de referência em casos mais graves que necessitam de outras especialidades.
299
transferência de pacientes para os centros de referência da região se realizam
na função de “válvula de escape” operacional, que é confundida com boa
prestação de serviços médico-hospitalares na pequena cidade.
Assim, somando a necessidade criada pelos serviços médico-
hospitalares insatisfatórios, a constante e onipresente situação de “auxílio” do
Estado-muncípio social em oferecer ambulâncias para os deslocamentos de
parte da população para outras cidades, e a ausência de uma crítica e
participativa atuação da população em fiscalizar e pressionar o Estado-
muncípio social sobre a situação da saúde no município, temos uma situação
que transcende o simples aspecto da falta de recursos financeiros, este fato,
portanto, toma foro político mais que financeiro-econômico. Segundo Gomes,
Silva e da Silva (2003, p. 9):
No entanto, um outro fator é por nós considerado como de grande
responsabilidade por toda essa situação. Estamos nos referindo à
questão política. O processo de descentralização não foi acompanhado
por um igual processo de conscientização política, não somente por
parte dos gestores públicos, mas também pela própria sociedade. No
entanto, entendemos que a responsabilidade dos gestores públicos é
bastante significativa, uma vez que é necessário ter consciência da
importância de uma sociedade saudável na atual conjuntura política e
econômica. Porém, existe um fator que é extremamente negativo nesse
contexto, que tem interferido historicamente de forma bastante contrária
nas ações de assistência à saúde. Nas pequenas cidades, fica evidente
a negligência no cumprimento das atividades necessárias para garantir o
atendimento adequado. Como expressão dessa realidade, verificamos a
aquisição de ambulâncias por parte das prefeituras, que procuram com
essa medida, mascarar a sua inoperância junto à sociedade. O uso da
ambulância não se faz apenas no sentido do atendimento a urgências
hospitalares, mas também como um importante instrumento eleitoral,
uma vez que a falta de conscientização e de informação dos que têm
utilizado esse serviço os faz entendê-lo como um benefício prestado pelo
prefeito, o que lhe impõe fidelidade partidária; deixando de ser visto
como uma obrigação que a prefeitura tem para com o cidadão, visto que
a saúde está sob a responsabilidade municipal.
A questão torna-se mais complicada quando analisamos este fenômeno
a partir da ótica da administração pública e da estruturação espaço-territorial.
Dentro da gica espacial da realização de infra-estrutura hospitalar e
descentralização dos serviços médico-hospitalares, esta obedece a mesma
lógica espacial das articulações produtivista, ou seja, da mesma maneira que
as grandes e médias empresas de serviços e comércio e as industriais são
localizadas em grandes e médias cidades os hospitais públicos e seus serviços
mais especializados seguem uma gica Christalleniana: a busca de
localidades de maior população, ou melhor, das localidades centrais. Assim, o
300
problema do deslocamento populacional e estrangulamento de áreas como
Uberlândia e Araguari com o fluxo de pessoas das pequenas cidades de seu
entorno imediato e semi-periférico é comum e “normal”
213
.
Neste sentido, a descentralização do setor de prestação de serviços de
saúde pública e sua municipalização constitucional não foram além dos
serviços mínimos. Outros serviços ficam na dependência de uma freqüente
centralização espacial e territorial de hospitais e dicos. Com isso o aspecto
político das ambulâncias na pequena cidade fica ainda mais acentuado. Não é
somente “culpa” do Estado-município social da pequena cidade, é falta de uma
política descentralizadora de serviços hospitalares e não apenas médicos por
parte do governo estadual e da própria União, fazendo da ambulância um fator
de prestação de serviços de alta freqüência e de resolução rápida dos
problemas de ausência de postura mais séria e interessada por parte dos
agentes públicos da pequena cidade.
Um outro fator limitante relacionado aos melhoramentos possíveis no
atendimento médico na pequena cidade é a recusa dos profissionais da saúde
em residir na pequena cidade. Não raro estas pequenas cidades promovem
concursos e até mesmo contratos com profissionais da área médica. Não
sendo preenchidas as vagas oferecidas, mesmo que os salários sejam
atrativos. Em Estrela do Sul o salário oferecido em 2007 para um médico
generalista é de 8.000 reais.
214
Em Grupiara em 2007 por mais de um ano foi
veiculado anúncio de contratação de médicos em mídia televisiva e jornais de
circulação regional sem que nenhum candidato a médico se apresentasse,
mesmo com salário de 8.700 reais.
215
Para o prefeito de Cascalho Rico tal fato representa uma enorme
dificuldade, já que tais profissionais encaram residir na pequena cidade como
“castigo” e, assim, não se envolvem com a população quando aceitam o
trabalho. É uma lógica perversa sabendo que a cidade de Uberlândia possui
uma conceituada Faculdade de Medicina pertencente à Universidade Federal
213
Seguindo esta lógica Christalleniana temos de considerar a questão da escala para os
serviços médicos de maior complexidade (exames sofisticados, cirurgias de grande porte, etc.)
necessariamente têm de estar em centros maiores. O problema é que pequenos centros não
resolvem sequer a demanda por atendimento primário e causa o excesso de transferências
provocando uma baixa resolutividade.
214
Segundo informação do prefeito municipal de Estrela do Sul.
215
Segundo informação do ex-secretário de governo da prefeitura de Grupiara, senhor JB.
301
de Uberlândia e que diploma dezenas de médicos ao ano e os municipios
analisados estão localizados em um raio de distância de apenas 100
quilômetros daquele município. Essa deficiência constatada torna a lógica da
ambulância um fator importante e ganha respaldo junto à população.
Neste sentido, uma das possíveis maneiras de minimizar essa prática e
torná-la menos perversa e, ao mesmo tempo, mais coerente do ponto de vista
operacional, é a cooperação entre os municípios. Conforme afirma Torres
(2004, p. 132):
Uma das grandes promessas e vantagens do federalismo é a
capacidade de cooperação dos vários níveis de governo para executar
políticas públicas. Também os estados e municípios de uma mesma
macrorregião e com os mesmos problemas poderiam empreender
esforços no sentido de resolver de maneira cooperativa seus problemas.
O fato é que, pela relação excessivamente predatória entre os entes
federados, esse potencial está absolutamente subaproveitado no Brasil.
A partir dessa lógica, o Estado de Minas Gerais está à frente dos demais
estados da federação
216
quando instituiu várias associações municipais a partir
de microrregiões que têm em comum uma série de interconectividades entre
elas, sendo a regionalização mais usual as que utilizam as bacias hidrográficas
e as micro-bacias hidrográficas como elo de interligação. No caso específico
das cidades analisadas, a Associação é a AMVAP (Associação dos municípios
da microrregião do Vale do rio Paranaíba). Assim, no estado de Minas Gerais
as políticas microrregionais de interconectividade de municípios são evidentes
e o exemplo mais bem acabado dessa tentativa em nossa microrregião é a
AMVAP.
5.4 – AMVAP: POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS E MICRORREGIONAIS
A AMVAP se constitui em uma tentativa de reverter ou mesmo minimizar
situações anacrônicas em seus municípios sócios a partir da cooperação de
experiências mútuas. Esta associação engloba os municípios de Abadia dos
Dourados, Araguari, Araporã, Cachoeira Dourada, Canápolis, Campina Verde,
Capinópolis, Cascalho Rico, Centralina, Douradoquara, Estrela do Sul,
216
Segundo a Fundação João Pinheiro existem atualmente 40 associações municipais no
Estado de Minas Gerais. E ainda segundo Rocha e Faria (2004, p. 2): No contexto nacional,
Minas Gerais aparece como o estado em que essas experiências mais se difundiram.”
302
Grupiara, Gurinhatã, Indianópolis, Irai de Minas, Ipiaçu, Ituiutaba, Monte Alegre
de Minas, Monte Carmelo, Romaria, Prata, Santa Vitória, Tupaciguara e
Uberlândia (mapa 11 a seguir).
Mapa 11: Área de atuação da AMVAP. 2007.
Fonte: Mapas extraídos do sítio www.amvapmg.org.br . Org.: BACELAR, W. K. A. 2007.
Para integrar a associação os municípios associados realizam
pagamento de 1% de seu FPM ao ano como forma de manutenção e
possibilitar a prestação de serviços a todos seus associados. Essa associação
tem por objetivo uma maior integração dos municípios frente às dificuldades
estruturais e logísticas de administração e de infra-estrutura dos municípios
sócios. Segundo o sítio da AMVAP na internet (quadro 10) seus objetivos e
princípios são:
303
Quadro
8
:
OBJETIVOS E PRINCÍPIOS DA AMVAP
.
Nossa Missão: "Ser a fonte de aprimoramento e fortalecimento da gestão municipal, visando
a ampliação da capacidade administrativa, técnica e financeira dos municípios e o
crescimento dos setores sociais, econômicos e de infra-estrutura; respeitando a autonomia
municipal." Nossos Objetivos:
Promover a integração administrativa, econômica e social dos municípios que a
compõe e respeitada a autonomia municipal.
Promover a cooperação intermunicipal e intergovernamental.
Estabelecer programas integrados de modernização administrativa dos Municípios
associados.
Estudar e sugerir a adoção de normas sobre legislação tributária e outras leis
básicas municipais, visando a sua uniformização nos Municípios associados.
Assessorar e cooperar com as Câmaras de Vereadores dos Municípios Associados
na adoção de medidas legislativas que concorram para o aperfeiçoamento das
administrações municipais
Estimular a conservação e a utilização racional dos recursos naturais.
Prestar assessoramento na elaboração e execução de planos, programas e projetos
relacionados com os setores sociais, econômicos, de infra-estrutura, institucionais,
notadamente educação, saúde pública, trabalho e ação social, habitação, saneamento,
agricultura, indústria, comércio e turismo, abastecimento, transportes, comunicações,
eletrificação, energia e segurança.
A institucionalização de planejamento nos veis municipal e microrregional, como
processo contínuo e permanente para a promoção do desenvolvimento.
217
Essa associação vem suprir em parte uma necessidade real de
cooperação intermunicipal que se encontra subaproveitada no Brasil. Além de
consultoria e assessoria jurídica, auxilia também fornecendo projetos de
engenharia e arquitetura, engenharia e agrimensura e outros. Para o melhor
entendimento da prestação de serviços prestados pela AMVAP para os
municípios associados optamos em enumerar, a partir do sítio dessa
associação na Internet (quadro 11), as suas diversas operações de cooperação
intermunicipal:
217
Conforme informações extraídas do sítio www.amvapmg.org.br em setembro de 2007.
304
Quadro 9: OPERAÇÕES DE COOPERAÇÃO INTERMUNICIPAL DA
AMVAP.
A modernização administrativa dos Municípios é uma constante preocupação da Assessoria.
Com isso, seus técnicos procuram manter
-se atualizados através do estudo da legislação e
intercâmbio de experiências com outros profissionais da área.
Dentre os serviços de assessoria e consultoria, disponíveis aos Municípios, destacam
-se:
Acompanhamento Preventivo de Contas:
levantamento e análise das execuções contábeis
(orçamentária, financeira e patrimonial), de licitações, de pessoal, tributária, de controle
interno, etc.; com o objetivo de orientar e auxiliar o município no enquadramento às
exigências legais.
Consultoria: atendimento "in loco", por e-mail ou telefone, na elaboração
de pareceres e esclarecimentos de vidas relacionadas a questões contábeis, de pessoal,
tributária, compras e licitações, etc.
Elaboração de Projetos: e acompanhamento nas áreas
tributária (cadastro imobiliário), de pessoal (co
ncurso público, plano de carreira, etc.), etc.
Poder Executivo
Parecer sobre Assessores Diretos e Indiretos
Projeto de Lei - Nepotismo
Poder Legislativo
Parecer sobre instauração de CPI
Parecer sobre reajuste para Vereadores
Previdência
Parecer sobre a Lei 11301 e aposentadoria
Parecer sobre concessão de Aposentadoria e Férias
Parecer sobre LIP e INSS
Parecer sobre pagamento de pensão por morte
Parecer sobre possibilidade de Aposentadoria
Recursos Humanos
Parecer sobre contratação de psicólogos temporários
Parecer sobre acumulação de cargos
Parecer sobre apostilamento
Parecer sobre pagamento de férias prêmio
Engenharia Civil
Buscar soluções, adequar a realidade do projeto à necessidade do Município, procurando
sempre no decorrer dos anos aperfeiçoar o processo de produção, através d
e um serviço de
qualidade e alta tecnologia, é o objetivo do departamento de Engenharia Civil da AMVAP.
Entre os serviços prestados podemos citar:
ARQUITETURA:
Projetos de unidades habitacionais, postos de saúde, hospitais, escolas,
creches, quadra de espo
rtes; elaboração de memorial descritivo, planilha de custo com
cronograma físico financeiro e levantamento cadastral.
305
Além dessas várias maneiras de prestação de serviços e de consultoria,
a AMVAP criou, ao longo de sua existência, algumas outras formas de servir
seus municípios associados. As mais interessantes são os conselhos e os
218
Informações oficiais extraídas do sítio www.amvapmg.org.br em setembro de 2007.
INFRA
-
ESTRUTURA:
Projetos de rede de esgoto, rede de água e drenagem pluvial.
Engenharia de Agrimensura
Os profissionais da área possuem c
ompetência, experiência e estão em constante
aprimoramento com o objetivo de prestar um serviço com qualidade e eficiência.
Os equipamentos utilizados são de última geração o que permite agilidade e qualidade nos
resultados de cada serviço.
Atualmente a á
rea presta os seguintes serviços aos Municípios:
Levantamentos topográficos.
Projetos de loteamento e urbanização de áreas e respectivas locações.
Elaboração de mapas do sistema rodoviário municipal.
Acompanhamento e assessoria em obras.
Digitalização
de mapas e cartas topográficas.
Desenho
O Departamento de Desenho possui sua estrutura totalmente informatizada, contando com
equipamentos como Pentium III interligados em rede, Softwares Gráficos e Mesa
Digitalizadora, gerando aumento de produtividade e c
onfiabilidade nas informações, servindo
de apoio nas atividades de Engenharia Civil e Engenharia de Agrimensura.
Serviços Prestados:
Desenhos (utilizando softwares como AutoCad, Topograf e Spring)
Digitalização (Cartas topográficas e Mapas)
Processamento de Imagens Landsat.
Mapa do Sistema Viário Municipal:
Elaborado através de digitalização de cartas topográficas editadas pelo IBGE na escala
1:100.000, coleta de dados em campo com uso GPS 12XL e Imagens Landsat. Cálculos de
quilometragem e numeração de ro
dovias conforme normas do DER e quadro resumo de
quilometragem. Georreferenciamento das fazendas com seus nomes e respectivos
proprietários.
Mapa da Cidade:
Elaborado através de mapas existentes, projeto de loteamentos e levantamentos de campo
com uso de E
stação total GTS 212.
218
306
consórcios: O Conselho Intermunicipal de Assistência Social, CIAS/AMVAP
219
;
Conselho Intermunicipal de Educação, CIE/AMVAP
220
; Conselho Intermunicipal
de Saneamento Ambiental – CISAM/AMVAP
221
e o Consórcio Intermunicipal de
219
Para o município ser associado a CIS/AMVAP é necessário o pagamento anual de 0,5% do
FPM. Segundo o sitio www.amvapmg.org.br o CIAS/AMVAP é O Conselho Intermunicipal
de Assistência Social, foi criado em setembro de 2001, e reúne representantes de todas as
Secretarias de Ação Social dos municípios associados a AMVAP. Tem como objetivo promover
políticas de assistência social, que visam beneficiar toda população. O conselho é responsável
também, por realizar encontros que buscam o aprimoramento e a troca de experiências,
possibilitando o fortalecimento dos municípios de forma descentralizada e participativa,
colaborando com a construção da cidadania.” E ainda segundo este sítio o CIAS/AMVAP tem
como principais objetivos Promover encontros, seminários e outros eventos que possibilitem
discussões e troca de experiências; Lutar pelo fortalecimento dos municípios nos sistemas
descentralizado e participativo, defendendo os interesses municipais na área de assistência
social, promovendo ações judiciais coletivas ou outras que se fizerem necessárias; Zelar pela
efetivação da municipalização da Assistência Social, através de um processo que garanta
recursos financeiros aos municípios para que estes possam, de forma efetiva, executar ações
que beneficiem a toda população; Participar da formulação das políticas de Assistência Social
a nível regional, com representação em instâncias decisórias, e acompanhar sua concretização
nos planos, programas e projetos respectivos; Levantar e transmitir aos municípios o máximo
de informações que possibilitem a obtenção de recursos financeiros e cnicos, buscando a
ampliação de repasse de recursos para o setor de assistência social dos municípios; Integrar
os órgãos municipais de assistência social em toda a área de jurisdição da AMVAP; Com a
participação de todas as entidades ligadas ao setor, criar e viabilizar processos de
aprimoramento visando, preferencialmente, o atendimento à população carente, e ao
incremento da diversificação das ações sociais; Discutir e buscar soluções, viabilizar recursos
para programas de desenvolvimento da área assistencial dos municípios; Representar os
órgãos municipais junto à administração federal e estadual, às entidades privadas, na
execução de suas ões colegiadas; Representar o CIAS/AMVAP nos colegiados ligados ao
setor.
220
Segundo o sitio www.amvapmg.org.br o O CIE/AMVAP é o Conselho Intermunicipal de
Educação, formado por representantes da área de educação dos Municípios associados a
AMVAP, que tem como proposta, integrar a educação regional por meio de processos que
busquem o aprimoramento do setor e proporcionem o desenvolvimento da educação.” Este
Conselho, segundo o sitio oficial da AMVAP, tem como objetivos principais “Integrar os órgãos
municipais da Educação na região;Criar e viabilizar processos de aprimoramento do setor;
Discutir e buscar soluções e recursos para o desenvolvimento da Educação na sua
manutenção e desenvolvimento; Resgatar a Educação sica numa perspectiva
intermunicipal;Representar os órgãos municipais de Educação junto aos órgãos da
administração federal e estadual;Desenvolver ações colegiadas com as Superintendências
Educacionais; Propiciar a participação de pessoas de notória especialidade e de empresas
ligadas ao setor.”
221
Segundo o sitio www.amvapmg.org.br o O CISAM/AMVAP é um conselho de caráter
consultivo composto por Municípios da área de jurisdição da AMVAP, garantida a participação
de outros Municípios do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Os representantes das áreas de
Água, Esgoto, Resíduos Sólidos, Drenagem Pluvial e Controle de Vetores são indicados e
credenciados pelos Prefeitos. Ainda segundo o sitio oficial da AMVAP, o CISAM/AMVAP tem
como objetivos principais: “Promover encontros seminários e outros eventos que possibilitem
discussões e troca de experiências, visando o desenvolvimento sustentável. Desenvolver
ações participativas visando o fortalecimento do saneamento ambiental nos Municípios. Zelar
pela efetivação da municipalização do saneamento ambiental, através de um processo que
garanta recursos financeiros aos Municípios para que estes possam, de forma efetiva, executar
ações que beneficiem a toda população. Acompanhar as políticas de Saneamento Ambiental, a
nível regional, com representação em instâncias decisórias, até a concretização de planos,
307
Saúde CIS/AMVAP. Este último de maior atuação e, assim, maior importância
para os municípios associados.
O CIS/AMVAP constitui uma tentativa de consórcio entre municípios a
partir da área da saúde pública que deixa o estado de Minas Gerais em
posição de vantagem quanto a esse quesito. Segundo Rocha e Faria (2004, p.
18); o estado é o que mais incentivou tais ações, estando atualmente, na
liderança deste tipo de associativismo municipal. Segundo os pesquisadores,
“Minas Gerais é o estado com maior porcentagem de municipios consorciados
na área de saúde, 92,4% do total, sendo seguido pelo Paraná, Santa Catarina
e Mato Grosso com, respectivamente, 77,6%, 73,7% e 62,6%. O Brasil
apresenta 31,5% dos seus municípios consorciados.” Contudo, mesmo
apresentando facilitações para seus consorciados, existem divergências.
Quando indagados sobre a importância da AMVAP e do CIS/AMVAP, os
prefeitos de Estrela do Sul e de Grupiara demonstraram opiniões positivas ao
contrario do prefeito de Cascalho Rico. Para o prefeito de Grupiara a AMVAP e
o CIS/AMVAP propiciam uma “troca de experiências, oferta de serviços e
convênios para exames e compra de medicamentos de preço mais barato
(sic)”; o prefeito de Estrela do Sul afirma que “com a AMVAP conseguimos
atendimento especializado – e que a nossa cidade não tem como pagar,
principalmente na área da topografia, engenharia, advocatícia, controle interno,
máquinas e troca de informações com todos colegas. No CIS/AMVAP
consultas, exames e medicamentos muito mais baratos a união de
problemas com os quais, tentamos resolver juntos)”.
Porém, o prefeito de Cascalho Rico afirmou ter retirado o município da
AMVAP e do CIS/AMVAP por não concordar com os gastos que a prefeitura
tem para manter-se associada. Isso reflete o dispositivo de maior arrecadação
desse município frente a seus pares, sendo assim, os gastos de consultoria,
advogados, engenharia prestados pela AMVAP são pagos com o volumoso
orçamento municipal de que dispõe o município. E os problemas relacionados
programas e projetos respectivos. Levantar e transmitir aos Municípios o máximo de
informações que possibilitem a obtenção de recursos financeiros e técnicos, buscando a
ampliação de repasse de recursos para o setor de saneamento ambiental dos Municípios. Com
a participação de todas as entidades ligadas ao setor, criar e viabilizar processos de
aprimoramento visando, preferencialmente, o atendimento à população carente, e ao
incremento da diversificação das ações sociais de educação ambiental.”
308
a saúde pública, o município de Cascalho Rico arca com recursos próprios
estabelecendo uma relação paternalista e patrimonialista direta com a
população em que a ambulância é o seu “veículo”.
Contudo, o CIS/AMVAP desperta um interesse particular que se
desenvolve para as análises acerca das políticas de saúde pública nos
municípios de Estrela do Sul e Grupiara. O consórcio foi escolhido para maior
aprofundamento de análise pelas facilidades encontradas em suas
engrenagens de prestação de serviços serem mais eficientes e de maneira
mais presente nos municípios analisados que os outros consórcios e conselhos
atrelados à AMVAP. Este consórcio de saúde representa um exemplo de
possibilidade concreta de interconexão municipal que se faz estabelecendo um
contraponto com outras possíveis interconexões municipais e que se
encontram subutilizadas.
Essa maior facilidade de interligação de municípios via saúde pública
decorre especialmente pelo maior desenvolvimento de políticas públicas neste
setor e que são concatenadas entre os entes federados possibilitadas pela
implantação do SUS e da municipalização inerente ao sistema pós Constituição
Federal de 1988. Segundo Gomes, Silva e da Silva (2003, p. 12):
Esse potencial é tão subutilizado que apenas na área da saúde temos
realmente uma estrutura mais interligada entre os três níveis de governo.
Pela complexa e difícil implantação do Sistema Único de Saúde (SUS),
lentamente a interação dos três níveis de governo vai sendo
implementada, explorando uma potencialidade ainda pouco aproveitada
pelo conjunto da administração pública brasileira. As dificuldades
encontradas na implantação dos consórcios intermunicipais de saúde
são o exemplo acabado dessa visão míope e predatória que pauta as
relações intergovernamentais no Brasil. Dificilmente os administradores
públicos encontram um denominador ótimo de financiamento e utilização
dos serviços públicos de saúde, com cada prefeitura querendo obter os
maiores ganhos com os menores gastos, muitas vezes inviabilizando as
inteligentes soluções que os consórcios municipais de saúde
potencializam.
Essas dificuldades de sustentabilidade microrregional no âmbito da
saúde expressam a dificuldade maior em relação à sustentabilidade
microrregional em outros setores produtivos e sócio-ambientais, amplamente
necessitados para a região, a microrregião e a pequena cidade. Mesmo o
consórcio CIS/AMVAP sendo de grande valia para necessidades médico-
hospitalares, ainda é carente de iniciativas locais e microrregionais que
representam um enorme gargalo de problemas para as cidades centro-
regionais na área de saúde, especialmente Uberlândia. Sobre o assunto
309
responsabilidades setoriais e espaciais da saúde pública, Gomes, Silva e da
Silva (2003, p. 8), argumentam que:
O setor de saúde, assim como o de educação, encontra-se num nível de
municipalização considerável quando a questão é a atenção básica de
saúde. Esta é da total responsabilidade dos municípios, sendo então
efetuada nas chamadas unidades sicas de saúde. Esse serviço conta
com recursos oriundos do Governo Federal, que são repassados
diretamente para os municípios. Os serviços de atenção básica constam
de atendimentos de consultas e algumas emergências, isto é, serviços
que são classificados como de baixa complexidade. Enquanto os
atendimentos de média e alta complexidade são de responsabilidade da
unidade da Federação, cabendo a esta também fiscalizar a efetivação
dos serviços de atenção básica realizados pelos municípios. No Brasil
como um todo, o setor de saúde apresenta carências imensuráveis, até
porque, com o nível de pobreza social existente, é muito difícil obter-se
um padrão de saúde razoável.
Assim, a interrelação microrregional no âmbito da Saúde Pública, como
em outras esferas sociais, necessita de uma maior participação da sociedade
da pequena cidade para ser de fato uma política eficiente de sustentabilidade
social e provocar alterações no status quo de políticas corriqueiras em que a
ambulância tem peso maior que determinações democráticas e de práticas
locais de cunho social mais efetivo.
Porém, não apenas a saúde pública apresenta deficiência na pequena
cidade. Outros graves problemas foram analisados e quantificados ao longo
desse trabalho. Problemas referentes a relação patrimonialista do Estado-
município social e políticas internas de emprego, de assistência social, do
adolescente, do meio ambiente, da educação e da precariedade do lazer
interno das pequenas cidades, etc. Um dos caminhos propostos e abertos para
as possíveis soluções ou mesmo amenização desses conflitos internos nos
municípios do Brasil e em especial àqueles com pequenas cidades foi a
implantação dos Conselhos Municipais.
Os Conselhos Municipais são instrumentos de democratização das
relações entre o poder público e a sociedade e foram estabelecidos no bojo da
Constituição Federal de 1988 e em outras formas legais implantadas
posteriormente que levaram ao processo de municipalização de políticas
sociais. Segundo Carvalho et al (1999, p. 2-3):
Os Conselhos Municipais surgem no final da década de 80, início dos
anos 90, no bojo dos processos de municipalização das políticas sociais,
visando contribuir para a melhoria da administração pública, a partir da
estruturação de novas formas gerenciais que incorporassem a
participação sociedade civil. Isto significa a criação de mecanismos co
participados de administração dos serviços públicos, onde a sociedade
310
civil articula-se com o Estado, e este tem interesse nessa parceria, tendo
em vista as teorias que preconizam o reordenamento do seu papel, na
perspectiva de que tais estratégias venham conferir melhor desempenho
às políticas sociais, aentão fadadas ao insucesso. Conforme Salgado
(1996:48) “a modernização dos processos gerenciais e administrativos
pretende atingir objetivos mais amplos, como a eficácia nas soluções dos
problemas e a democratização dos processos de gestão”. Trata- se de
um mecanismo de gestão fundamentado na participação cidadã,
entendida como a capacidade de mobilização e articulação de todos os
setores sociais, na perspectiva de incorporação dos segmentos
tradicionalmente excluídos, juntamente com a viabilização de suas
demandas. Essa forma de pensar a administração das questões locais,
conforme Bonduki (1997), decorre da nova postura baseada na
descentralização, participação popular, parcerias com Organizações Não
Governamentais, respeito ao meio ambiente e busca das condições para
garantir o direito à cidade na perspectiva de construção de cidades
menos desiguais e mais humanas. Para Larangeira (1996), trata-se de
um novo paradigma que na participação da sociedade, através da
negociação, do consenso e da racionalização da interação, uma nova
forma de conceber a relação Estado-sociedade. Este paradigma advém
de uma concepção política que concebe a transformação social como
resultado de mudanças permanentes que ocorrem na esfera
local/individual, e que surge em meio a uma nova concepção de
democracia...
Os Conselhos Municipais “constituem instâncias da sociedade civil que
se articulam com a Prefeitura Municipal e também com a Câmara Municipal”
222
e são um caminho interessante aberto pelas determinações da Constituição
Federal brasileira para as resoluções de problemas relacionadas à captação de
verbas estaduais e federais e, mais importante, para tornar mais democrática
as relações entre o poder público e as necessidades da população. Assim,
para Rothberg (2005, p. 3):
Deve-se salientar, inclusive, que a esfera municipal, detentora de
características únicas entre os veis de governo, se constitui como foco
que merece atenção especial dos pesquisadores das relações entre
comunicação, sociedade e cidadania. Isso porque a multiplicação, nos
últimos quinze anos no Brasil, de conselhos municipais nas áreas de
saúde, educação, assistência social, defesa dos direitos de crianças,
adolescentes e idosos e sobre temáticas diversas como desenvolvimento
urbano e turismo parece fazer frente à exigência democrática de acolher,
de forma institucionalizada, as demandas da sociedade civil, contribuindo
para minimizar o legado de uma tradição de personalismos e
autoritarismos na política brasileira, muitas vezes enraizados nos
poderes Executivo e Legislativo.
As atribuições constitucionais dos Conselhos Municipais são uma das
premissas básicas para uma efetiva articulação entre população (Sociedade
222
Bremaeker (2001, p. 4).
311
Civil Organizada) e o poder público municipal. Segundo Carvalho et al (1999, p.
1/8):
Os conselhos municipais, instituídos no contexto da descentralização
administrativa, com a municipalização das políticas sociais, enquanto
estratégias novas de gestão, têm como finalidade contribuir na gestão
das políticas sociais, caracterizando-se como nova estratégia de
articulação concertada entre Estado e sociedade. Os conselhos
municipais são organizações criadas no momento em que a sociedade
brasileira vive, a seu modo, o processo de redemocratização, onde a
descentralização se coloca como possibilidade de eficiência da gestão
pública. Emerge do clima de fortalecimento dos mecanismos de
democracia participativa como estratégia de encaminhamento das
demandas sociais, que se tornam cada vez mais abrangentes,
resultantes da intensa mobilização da sociedade, vivida nos anos 80. Os
conselhos surgem nesse contexto, por exigência legal do processo de
municipalização das políticas sociais, como um elo que se estabelece
entre sociedade civil e sociedade política, idealmente concebidos como
instrumentos de controle sobre tais políticas.
Contudo, tais instrumentos de fiscalização e de coadunação de esforços
de práticas democráticas representados pelos Conselhos Municipais encontra
resistência por parte de instâncias do Estado. Sobre isto argumenta Rothberg
(2005, p. 5) que:
... uma das maiores dificuldades está na tendência de as instâncias do
Estado rejeitarem a cessão do poder de decisão, o que pode ser
imputado a uma tradição autoritária existente no Brasil. “Os governos
têm resistido de forma mais ou menos acentuada dependendo da
natureza do governo e do seu projeto político às novas formas de
fiscalização, controle e participação da sociedade civil no processo de
produção das políticas públicas”
E, assim, o desenvolvimento dos Conselhos Municipais, especialmente
na pequena cidade, enseja um enquadramento complexo: depende da maneira
em que o Estado-muncípio social atua e como a população se organiza, ou
seja, se esta é representativa de uma sociedade civil organizada de fato.
Segundo Carvalho et al (1999, p. 5):
Em consonância com um ideário de virtualização da descentralização,
acredita-se que políticas públicas, formuladas e executadas pelos
próprios municípios, m a possibilidade de serem mais adequadas às
necessidades e diversidades da população local, assim como também
melhor controladas e avaliadas pela sociedade local (Anderson e Falú,
1997). Isto, entretanto depende de para quem está trabalhando o
município; se para a população do território que delimita ou para o poder
que o conforma. A autonomia municipal tanto pode servir para criar
espaços democráticos, como para reproduzir os velhos padrões do
Estado patrimonialista (Fedozzi, 1997), e criar organizações para dividir
tarefas administrativas não resolve se a descentralização não estiver
centrada no cidadão, aproximando-o do Estado (Silva, 1994).
312
Nas pequenas cidades tais preocupações são amplificadas por dois
grandes problemas: a fraca ou mesmo ausência de instrumentação técnica
223
dos participantes dos conselhos que representam a sociedade local; e a
estreita relação do Estado-muncípio social com os conselhos municipais que
acaba por incorporar as mesmas pessoas como conselheiros em vários
conselhos (seja pela parca participação social da população, como também
pelo reduzido número de habitantes da pequena cidade), em sua maioria
representados pela “parte” da população que apóia diretamente os gestores
públicos do momento (a “oposição” não participa dos conselhos municipais).
Segundo Gomes, Silva e da Silva (2003, p. 11):
No que diz respeito à participação da sociedade no processo de gestão,
ainda não é evidente que os Conselhos Municipais possam ser vistos
como garantia de uma efetiva democratização das decisões no âmbito
das políticas públicas. Para nós, até o momento, os Conselhos têm se
constituído muito mais em uma formalidade legal, que garante o repasse
de recursos federais aos municípios, que a maior parte dos Conselhos
vem se caracterizando como uma forma meramente simbólica de
participação da sociedade. Na maioria das pequenas cidades
analisadas, a representatividade é apenas de caráter formal, uma vez
que ainda persiste o estilo centralizador e autoritário nas decisões de
governos municipais, com ações formuladas “de cima para baixo”,
cabendo aos Conselhos o papel de referendá-las. Essa realidade pode
ser atribuída a dois fatores: a história política do país, marcada por vinte
anos de uma ditadura, que tinha nas suas bases de formação, o
rompimento com qualquer ação democrática, prevalecendo ações
fragmentadas e descontínuas, distantes da sociedade e de seus
objetivos; e ao despreparo da sociedade no âmbito civil, cultural e,
principalmente, político para assumir a prática democrática e cidadã,
rompendo assim com todos os princípios até então estabelecidos.
223
Sobre esta deficiência, Carvalho et al (1999, p. 12)afirma que: “A relação com a máquina
administrativa da prefeitura tem se constituído numa dificuldade, desde que os conselhos m
de se adequar às suas exigências, seguindo o ritmo da burocracia, ou seus procedimentos
processuais, muitas vezes incompatíveis com o ritmo que os conselhos precisam ter para dar
conta de todas as demandas, no espaço de tempo que dispõem, na maioria das vezes
insuficiente. O que se constata é que os conselhos têm se perdido no emaranhado da
burocracia, cuja lógica, códigos e linguagens muitas vezes são inacessíveis às pessoas fora de
seu âmbito”. E sobre este assunto Gomes, Silva e da Silva (2003, p.11) afirmam que: “o
despreparo da sociedade civil ... nas pequenas cidades, a maior parte dos representantes da
sociedade civil organizada, tais como: associações de bairro, associações de jovens e de
idosos, não possuem um bom nível de informação, capacitação teórica, técnica e política
necessárias ao exercício da participação nos Conselhos. Isso, certamente, dificulta a definição
de políticas, principalmente do controle social. Embora os Conselhos Municipais sejam, na
atualidade, importantes fóruns de negociação coletiva, o pouco interesse e a pouca
compreensão por parte da população sobre o papel que ela deve desempenhar nessa nova
forma de definição e de encaminhamento das políticas públicas também devem ser
considerados, uma vez que dificultam a consolidação de práticas participativas e
democráticas.”
313
Estas preocupações foram corroboradas pelas falas dos prefeitos de
Estrela do Sul, Grupiara, Cascalho Rico e também pelo promotor público da
comarca de Estrela do Sul. Para o prefeito de Grupiara “são sete conselhos
implantados no município e o saldo é positivo, pois representa um elo entre a
população e o poder público”. Contudo, para os prefeitos de Estrela do Sul e de
Cascalho Rico, os conselhos municipais são antes de tudo “fachada” para
ajustes legais e de recebimento de verbas. O prefeito de Cascalho Rico afirmou
que “no município existem os conselhos de saúde, criança e adolescente,
educação, terceira idade e meio ambiente. Porém, não funcionam e quase
todos estão sob a tutela da prefeitura”. Para o prefeito de Estrela do Sul “são
oito conselhos (CODEMA, FUNDEB, CMAS, CM Direitos da Criança e
Adolescente, Saúde, Alimentação Escolar, Educação e COMTUR). Os
Conselhos ajudam (mais pessoas pensando), mas na cidade menor estes são
constituídos repetidamente pelas mesmas (quase) pessoas e a oposição não
participa dos conselhos, sendo a quase totalidade deles ligados ao prefeito e
aos funcionários da prefeitura que participam mais efetivamente deles como
conselheiros”.
Os Conselhos Municipais representam uma lógica pós-Constituição
Federal de 1988 de descentralização instituída neste processo. Contudo, ainda
carecem de uma melhor adequação democrática e representativa. Sobre a
descentralização brasileira, Buarque (1999, p. 26) aponta que:
A descentralização facilita, significativamente, a participação da
sociedade nos processos decisórios, e pode, portanto, constituir um
passo muito importante para a democratização do Estado e do
planejamento. A escala municipal e comunitária cria uma grande
proximidade entre as instâncias decisórias e os problemas e
necessidades da população e da comunidade, permitindo uma maior
participação direta da sociedade, reduzindo o peso e as naturais
mediações dos mecanismos de representação. Fortalece o poder local e
amplia as oportunidades do cidadão na escolha das suas alternativas e
na decisão sobre seu destino. Entretanto, quanto menor a escala
espacial das decisões, maiores tendem a ser a influência das forças
locais e a proximidade da estrutura de poder, com todas as implicações
sobre os interesses diferenciados da sociedade e sobre a democracia.
Como é sabido, nos planos municipal e local, domina uma cultura política
tradicional, clientelista, paternalista e autoritária, controlada pelas
oligarquias, que passariam a assumir o controle das políticas e
atividades descentralizadas.
São constatações que transcendem a perspectiva apenas dos agentes
públicos representantes do poder executivo das pequenas Estrela do Sul,
314
Grupiara e Cascalho Rico. Para o promotor público da comarca de Estrela do
Sul “existem 12 curadorias por cidade na comarca com políticas de orientação
e repressão de ‘forma saudável’. A promotoria participa dos conselhos no
processo de fiscalização (especialmente no da Saúde e no Tutelar- Criança e
Adolescente) de 20 Conselhos Municipais. Contudo, existe uma ‘cultura’ de
participação popular muito frágil nos Conselhos Municipais na Comarca de
Estrela do Sul, especialmente devido à motivação política. Devido a essa
motivação política presente a oposição não participa dos conselhos e a
situação participa apenas como posicionamento político”.
Assim, constatamos que a realidade dos conselhos instituídos nas
pequenas Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico, são meros instrumentos
legitimadores de necessidade legal para a captação de verbas e de recursos
das outras esferas do Estado brasileiro
224
. Para Torres (2004, p. 53) o
incentivo à criação dos conselhos vem de forma praticamente impositiva, por
determinação legal, pois geralmente o repasse de verbas federais ou estaduais
é condicionado à sua criação”. Entretanto, mesmo percebendo que tais
mazelas institucionais e sociais são de difícil solução, os Conselhos Municipais
representam uma das possíveis articulações para a sustentabilidade
microrregional e local para os dilemas das pequenas cidades de Estrela do Sul,
Grupiara e Cascalho Rico. Para Torres (2004, p. 54):
Apesar das dificuldades ainda encontradas para o adequado
funcionamento dos conselhos, que sofrem com a interferência política de
prefeitos e vereadores, não restam duvidas de que o vel de
transparência e accountability das políticas públicas tem melhorado,
inclusive com o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle da
sociedade. Mesmo reconhecendo que os conselhos não representam um
tiro certeiro e único contra o patrimonialismo e o clientelismo que
caracterizam boa parte das políticas públicas, certamente seu
funcionamento tem desempenhando um papel importante no sentido de
combater esses males que séculos afligem a sociedade brasileira...
Não se supera com rapidez uma herança histórica tão forte e adversa e
muito menos se desenvolve abruptamente o capital social de uma nação,
pois esses processos são necessariamente lentos e difíceis.
224
Para Gomes, Silva e da Silva (2003, p.11): “A existência de Conselhos é no atual contexto
de descentralização política no Brasil, uma das condições básicas para que o município receba
recursos dos governos federal ou estadual. Esse fato é o que explica a existência de inúmeros
Conselhos, merecendo destaque aqueles cujas leis complementares já avançaram na sua
regulamentação, como é o caso dos Conselhos de saúde, de educação, de assistência social e
da criança e adolescente”.
315
Assim, os Conselhos Municipais constituem uma ótima oportunidade
institucional para dirimir os problemas de relacionamento entre a população e
os gestores públicos, entre as necessidades reais da população municipal e
microrregional e os investimentos públicos aplicados e recebidos, é um
caminho democrático de se encontrar soluções conjuntas entre população e
administração, de fiscalização da aplicação dos recursos financeiros municipais
e o que, ainda mais importante, uma via para se alcançar o desafio maior: a
sutentabilidade microrregional. Sobre esse mecanismo Vergara e Corrêa
(2004, p. 46) corroboram nosso raciocínio quando argumentam que:
A ação direta dos conselhos comunitários nas mais diferentes áreas de
interesse saúde, educação, merenda escolar, direitos humanos,
assistência social, da mulher, da criança e do adolescente configura a
emergência de uma economia de mercado e uma sociedade de massas
ciosa de melhores serviços e de uma partilha mais universalizante, justa
e eqüitativa dos recursos públicos. A proliferação dos conselhos isolados
nas comunidades menores acaba levando à participação das mesmas
lideranças em atividades diferentes. Agrupar estes conselhos em uma
estrutura comum pode ser a melhor forma de poupar os recursos
escassos e de integrar a gestão das políticas sociais que, de outra
forma, seriam geridas de forma desarticulada das demais...contribuindo
para fortalecer alianças horizontais entre municípios vizinhos. Essas
alianças, que até agora se limitavam a consórcios municipais de
consistência institucional ainda precária, em geral na área de saúde,
vêm-se estendendo para outras ações, entre as quais a mais importante
é a mobilização, no plano microrregional, de recursos e esforços de
desenvolvimento segundo uma vocação econômica comum e bem
definida.
É neste sentido - o da cooperação microrregional entre os municípios de
Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico - que reside a energia de coesão para
a redução dos problemas comuns aos municípios e às pequenas cidades neles
encerradas. A coesão microrregional estabelecida a partir de uma história
comum, de um presente amalgamado em estruturas judiciais realizado pela
unicidade da comarca e de um futuro em que os problemas são comuns e
muito parecidos entre si.
225
Tais alegações residem no fato de que a cooperação entre municipios
de mesmo tamanho populacional e que possuem uma estreita ligação cultural
225
O que para Boisier (2000, 168): “Se espera, razonablemente, que un territorio ‘local’ sea un
territorio proxémico en el cual las relaciones inter-personales, los contactos “cara a cara” y las
tradiciones familiares y sociales sean de mayor importancia que las relaciones impersonales
mediatizadas por instituciones y que las tradiciones sean cuando menos tan importantes como
el marco legal”.
316
podem e devem solucionar seus problemas conjuntamente. Segundo Rocha e
Faria (2004, p. 9):
No caso brasileiro, o processo de descentralização com centralização e
cooperação com competição entre os entes federados. Como
compensação aos problemas criados, surge um movimento que busca
articular a provisão cooperativa de bens e serviços públicos. A
cooperação, como se sabe, surge da existência de interesses e de
problemas comuns que, na percepção dos participantes, podem ser
melhor equacionados conjuntamente…A existência de uma certa
tradição de interação e diálogo entre os municípios pode redundar em
uma maior possibilidade de cooperação. Ao contrário, torna-se difícil a
cooperação entre municipios com longa tradição de competição. A
homogeneidade das culturas política e administrativa também parece
incidir sobre a capacidade de sucesso das iniciativas de cooperação. Por
exemplo, quando convergência na percepção das causas, dos
impactos e das melhores formas de enfrentamento dos problemas
comuns, torna-se muito maior a possibilidade de atuação conjunta.
Porém, as variáveis de ordem cultural, como se sabe, usualmente não
podem ser modificadas no curto prazo. No caso da relação entre atores
com tradições políticas e administrativas diferenciadas, as regras
institucionais ganham especial relevância, dado o papel que podem
desempenhar na neutralização dessas diferenças. Uma certa simetria
dos parceiros no tocante às variáveis tamanho, poder político e recursos
materiais aumenta as chances de cooperação, posto que ficam
reduzidos os temores quanto a uma distribuição desproporcional dos
custos e benefícios, o que aflige especialmente os atores mais frágeis.
Para tanto é necessário que os Estado-municipios sociais das três
cidades tenham um interesse compartilhado, e o que é mais importante, e mais
difícil, que a sociedade desses municípios rompa o estado de letargia e anomia
social em que se encontram e o individuo, o ser humano, o homem cordial
interaja socialmente e, mais ainda, articule socialmente de maneira a cooperar
com seus semelhantes como corpo, como categoria e como cidadão. Para isso
os Conselhos Municipais tem um importante papel. Sobre isto Gomes, Silva e
da Silva (2003, p. 10) argumentam que:
...essa realidade decorre do fato de que a criação de mecanismos
institucionais de participação popular, por si não são suficientes. Para
que ocorra um verdadeiro processo de participação popular, por
conseguinte, uma nova forma de gestão, faz-se mister que mudanças
sejam efetivadas não apenas nas atitudes isoladas, mas, principalmente,
nas práticas dos sujeitos coletivos envolvidos, que assim serão os
responsáveis pela formulação e implementação destas políticas.
Portanto, embora reconhecendo que nos diversos setores aqui
mencionados ainda o podemos falar de um verdadeiro processo de
descentralização política e, por conseguinte, falar de uma participação
popular plena e eficaz, entendemos que a criação de Conselhos
Municipais ... deve ser considerada como um passo importante nesse
processo.
Assim, a sustentabilidade do lugar passa pela microrregional em que o
Estado-muncípio social tem um papel importante a desempenhar juntamente
317
com a organização da sociedade, não mais apenas do município, mas
microrregional para que as soluções possíveis sejam estabelecidas em
conjunto, no lugar. E para que a sustentabilidade microrregional aconteça de
fato é necessário, portanto, a concatenação dos setores da sociedade: o
primeiro setor, representado pelo Estado-município social; o segundo setor,
exemplificado pela economia e suas empresas; e o terceiro setor, representado
pela sociedade civil organizada em seus diversos e diferentes níveis, os
Conselhos Municipais e as organizações sociais
226
.
5.5 - O LOCAL E O MICRORREGIONAL NA SUSTENTABILIDADE DAS
PEQUENAS CIDADES DE ESTRELA DO SUL, GRUPIARA E CASCALHO
RICO
A sustentabilidade do município, especialmente da pequena cidade, é um
desafio premente e carece de políticas eficientes para seu pleno
desenvolvimento. Em estudos sobre as problemáticas sociais e financeiras das
pequenas cidades, a premissa básica da sustentabilidade , as análises se
realizam sobre a via ambiental e do turismo como sendo as “portas do paraíso”
para as soluções dos problemas financeiros, sociais e culturais, enfim a
definição da sua sustentabilidade. Este aspecto exclusivo da sustentabilidade
calcado na visão do ambiental tem sua razão de ser na medida em que os
municípios que envergam pequenas cidades eram vistos como ausentes de
outros problemas a não ser os ambientais.
Talvez esse descaso com os problemas da pequena cidade resida no fato
de que o cotidiano desta seja, para a modernidade e pós-modernidade,
desinteressante. Se a pequena cidade não possui o ritmo frenético da média e
grande cidade (poluição, trânsito caótico, favelização, crescimento urbano
226
Para Sepúlveda (2005, p. 36): “Para que o desenvolvimento seja sustentável deve ser
concebido como um processo multidimensional e intertemporal, no qual a trilogia eqüidade,
sustentabilidade e competitividade se apóiem em princípios éticos, culturais, socioeconômicos,
ecológicos, institucionais e políticos e tecnológico-produtivos”. E ainda para Boisier (2000, p.
156) tal estruturação do desenvolvimento passa pelo “Desarrollo a Escala Humanana versão
de autores como Manfred Maxneef, Antonio Elizalde e Martin Hopepenhayn que argumentam
que Tal desarrollo [el desarrollo a escala humana] se concentra y sustenta en la satisfacción
de lãs necesidades humanas fundamentales, en la generación de niveles crecientes de
autodependencia y en la articulación orgánica de los seres humanos con la naturaleza y la
tecnología, de los procesos globales con los comportamientos locales, de lo personal con lo
social, de la planificación con la autonomía y de la Sociedad Civil con el Estado.”
318
horizontal e vertical, sem-teto, sem-emprego, informalidade, etc.), a pequena
cidade é como o campo-rural, a antítese para o cotidiano conflitante da
modernidade/pós-modernidade. Ela é o sonho idílico do “paraíso” perdido,
representante do lugar sem conflitos, distante da realidade inerente à
sociedade urbana e pós-moderna.
Porém, como analisado, os problemas das pequenas cidades de Estrela
do Sul, Grupiara e Cascalho Rico, vão além e são de maior complexidade que
apenas o foco ambiental. Tal pensamento se coaduna com as argumentações
de Santos (2003, p. 309):
O termo “meio ambiente” me incomoda profundamente. Não é uma
questão corporativa; é que meio ambiente se constitui apenas uma
metáfora, portanto não se pode teorizar a partir dessa noção. O que há é
o meio, que por simplificação às vezes se chama meio ambiente, o que
constitui também uma redução. Uma redução que, como a expressão
está dizendo, limita o raciocínio e pode trazer um perigo de equívoco que
desejamos ultrapassar: ou seja, desejamos sair de uma acepção
puramente técnica do viver e alcançar essa visão global sem a qual o
humanismo pode ficar no discurso e ser portador de uma moralidade. O
que distingue a moralidade é que ela é o fundamento da política, e nada
se resolve a partir do domínio da técnica sem que o dado político seja
posto em primeiro lugar. Quando eu falo em política o estou me
referindo à política com o “p” minúsculo da qual estamos
desgraçadamente muito longe, mas àquela outra que é o desejo dos
homens que pensam e que desejam e que pretendem, com o seu
trabalho, melhorar o mundo para que melhore o seu país e o seu lugar.
Para as pequenas cidades como Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho
Rico a sustentabilidade deve passar de um simples discurso ambientalista
227
para uma práxis ecológica microrregional de cunho social mais presente. Esta
é mais abrangente e contumaz. O desenvolvimento ecológico do município de
227
Pequenas cidades podem ser de grande valia para o desenvolvimento regional, pois sua
inserção nesta rede urbana pode se dar com uma refuncionalização, tendo em vista o processo
de transformação capitalista ocorrido no s cada de 1970. Uma dessas possibilidades foi
aberta no campo do turismo (o turismo ecológico/ambiental; o turismo histórico, o rural e,
também, a opção da segunda residência). Estas possibilidades foram observadas pela
população de Pirenópolis no estado de Goiás, como analisado por Duarte, Moretti e Almeida
(2005), também uma pequena cidade que, a partir da produção artesanal de doces, passou a
pertencer ao circuito do turismo regional e nacional, revitalizando a cidade, gerando empregos
e oportunidades para os pequenos e médios produtores, criando uma economia de escala, que
vai do sítio de produção do leite e das frutas, passando pela produção dos doces até a
comercialização e o desenvolvimento de uma rede de turismo histórico, rural e ambiental; no
campo das cooperativas de pequenos produtores de laticínios ocupando uma grande faixa de
mercado aberta pelas grandes indústrias do leite instaladas na região; no campo das pequenas
indústrias de gêneros alimentícios como doces, comidas caseiras, industrializadas etc. Tal
proposta fora realizada no ano de 2001 pela AMVAP RURAL (Associação dos Municípios da
microrregião do Vale do Rio Paranaíba), apresentada aos pequenos produtores da região de
Estrela do Sul (o que inclui Cascalho Rico e Grupiara).
319
uma pequena cidade compreende a sustentabilidade social, política, ambiental
e cultural de uma dada fração do território ou lugar, a fração microrregional. A
maneira mais holística do processo ecológico é mais interessante para áreas
em que não apenas o turismo pode ser a fonte da possível sustentabilidade.
A sustentabilidade deve possuir maior foco de penetração. Para isso os
conceitos de simples sustentabilidade ambiental devem ser revistos e
passarem a contar com uma visão mais global do local como forma de se
entender que o homem, o ser humano (social, cultural, político e econômico) ali
vive e depende do espaço para prosseguir em sua trajetória de viver. Assim,
concordamos com os argumentos tecidos por Moreira (2004, p. 44) quando
defende o novo paradigma ecológico:
Se o paradigma cartesiano-newtoniano unifica a natureza a partir do
movimento físico, a ele hierarquizando e nele dissolvendo tudo mais, o
paradigma ecológico unifica-a e diversifica a partir do movimento da vida.
O paradigma ecológico é, portanto, mais aberto e plural em mediações.
Converte o processo da natureza em movimento de novas sínteses,
reorientando as múltiplas formas de movimento no sentido das
ressintetizações. Cada movimento participa da produção\reprodução da
vida sem que um elimine o outro, tudo convergindo antes para o
aumento do leque da diferenciação do mundo. Este, então, tem maior
abrangência e complexificações que o paradigma físico.
Mais que romper o paradigma ambiental que impregna o conceito de
desenvolvimento sustentado é romper com o paradigma da sustentabilidade da
pequena cidade como tendo apenas problemas ambientais. Tal tarefa é
complicada por preceitos que se instalaram nas últimas décadas nas ciências
sociais, especialmente na Geografia, em que os estudos sobre a metrópole
ofuscaram as problemáticas da pequena cidade. Assim, o “perfil urbano de
pequenas e médias cidades é ainda pouco explorado pelos geógrafos
brasileiros. A maior parte da produção científica relativa ao urbano é
característica da realidade social metropolitana”.
228
Nesse sentido, romper
estes paradigmas são as tarefas mais difíceis para as tentativas de melhor
solucionar os problemas internos da pequena cidade.
Assim, mais problemático que a proposição de possibilidades de romper
com o paradigma do ambiental é o da “ausência de problemas” imposto para
as pequenas cidades. Portanto, é necessário admitir que os mesmos existam.
Para que a realidade seja alterada e novas oportunidades apareçam, se faz
228
Silva (2000, p. 1)
320
necessário pensar não apenas no local
229
enquanto pequena cidade, mas no
microrregional, e com isso realizar políticas conjuntas que envolvam os três
municípios para que os problemas semelhantes tenham tratamento uniforme.
Essa maneira de encarar as possibilidades abertas para uma reordenação do
pensamento e do planejamento microrregional é definida como
Desenvolvimento Sustentável Microrregional (ou DSM). O conceito de DSM é
definido por Sepúlveda (2005, p. 31) como:
Um conjunto de referência conceitual orientador de estratégias, políticas
e programas de desenvolvimento... o qual serve de fundamento tanto
para alcançar mudanças nas causas estruturais e funcionais dos
equilíbrios espaciais e socioeconômicos, como para corrigir algumas
tendências indesejáveis e promover a transformação do meio...com uma
perspectiva de longo prazo.
O Desenvolvimento Sustentável Microrregional (DSM) necessita de uma
reformulação tanto do que se quer e deseja da microrregião, fato esse que se
torna possível apenas e o somente com a concatenação dos setores sociais,
que de fato podem estabelecer os princípios da sustentabilidade
microrregional, pois assim as definições dos desejos partem da premissa da
interação e da visualização dos anseios de toda a sociedade envolvida na
microrregião, quanto da própria noção do Estado-muncípio social, que
invariavelmente não consegue sustentar por mais tempo o assistencialismo
social e camuflar as frustrações de parte da população quanto às necessidades
impostas pela modernidade.
No entanto, as maiores dificuldades para a tentativa de DSM na área da
comarca de Estrela do Sul ficam circunscritas a dois graves entraves
institucionais: a anomia social da população dos três municípios e a
comodidade para os gestores públicos representado pelo estabelecimento e
manutenção do Estado-muncípio social. Tais constatações levam ao
pensamento da dificuldade, mas e também da comodidade que estas
229
Para Carvalho e Castro et al. (1999, p. 4): “O tão propagado Desenvolvimento Local,
enquanto estratégia de desenvolvimento a partir do local, por ser este o marco onde melhor se
podem apreciar as reais necessidades, é proposto no contexto da municipalização que, por sua
vez se deriva de um processo maior, o macro-processo: a descentralização da administração
dos Estados modernos, colocada como alternativa para os Estados modernos, demasiado
grandes e pouco eficientes para administrar as necessidades econômicas e sociais das
comunidades que fazem parte das nações que governam. Frente a essa realidade, existe um
consenso geral da necessidade de descentralização administrativa do Estado, dando maior
poder de autonomia aos municípios para gerir sobre suas realidades locais. Mas a
descentralização não significa a mesma coisa para todos.”
321
realidades oferecem. O fato de que em Cascalho Rico as despesas básicas de
parcela da população são mantidas com o enorme volume de recursos
financeiros advindos dos repasses constitucionais (FPM e ICMS) e ainda os
royalties e compensações derivadas da Hidrelétrica de Emborcação é muito
atrativo e realiza de modo “satisfatório” as angústias de parte considerável da
população. Em Grupiara os fatores políticos e o grande número de
“contratados” da prefeitura também são válvulas de escape para a deficiência
administrativa do ponto de vista social e cultural, tornando o Estado-muncípio
social atrativo e eficaz para parte da população.
Contudo, nos municípios de Cascalho Rico e Grupiara ocorre a fusão de
três realidades que se confluem: grande arrecadação financeira por parte do
Estado-muncípio social, pequena área territorial do município e reduzido
número de habitantes. Fatos estes que não se encontram no município de
Estrela do Sul. Neste município temos uma menor arrecadação financeira,
condizente à sua quantidade de habitantes e faixa de repasses igual ao
restante dos municípios do Brasil para uma população menor que 10.000
habitantes. Uma grande área territorial municipal e uma população maior que
em Grupiara e Cascalho Rico. Assim, para Estrela do Sul o esgotamento do
Estado-muncípio social é um fato evidente e isso provoca maiores angústias
por parte da população que não é “assegurada” com os “benefícios” produzidos
pelo Estado-muncípio social.
Desse modo, a realidade de carências sociais, econômicas, culturais,
ambientais e ecológicas poderá ser minimizada nos três municípios, com uma
interação microrregional em que o Estado-muncípio social e a organização
social da população sejam de fato os promotores de uma efetiva busca de
soluções.
Entretanto, como dissemos, os dois maiores entraves estão relacionados
à comodidade estabelecida pela forma de atuação paternalista,
assistencialista-clientelista e patrimonialista do Estado-município social e a
apatia organizacional da população desses municípios. Porém, temos de
salientar que algumas mudanças nesse quadro já estão a caminho, produzidas
pelo processo de geração de empregos e de refuncionalização produtivo-
econômica dos três municípios, especialmente em Cascalho Rico e Estrela do
Sul, capitaneada por esforços do Estado-município social.
322
A realidade produtivo-econômica de geração de empregos baseada no
tripé: prefeitura, agropecuária e garimpo (este último exclusivo para o município
de Estrela do Sul), vem se alterando substancialmente nesses primeiros anos
do século XXI. Ocorre nesses dois municípios uma clara refuncionalização do
espaço produtivo calcado nas madeireiras e serrarias, nas granjas de aves
(peru e frango) e também de suínos
230
, e na floresta de Pinus e Eucalipto da
empresa SATIPEL
231
, que representa o grande “motor” dessa
refuncionalização. A área de reflorestamento da SATIPEL abrange oito
municípios do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba e sua sede está localizada no
município de Estrela do Sul, no distrito de Dolearina, entre os municípios de
Estrela do Sul e de Cascalho Rico. A floresta de Pinus e de eucalipto da
SATIPEL pode ser visualizada na figura 8 abaixo.
Figura 8: Estrela do Sul, Cascalho Rico e Grupiara: Localização dos municípios em
relação ao lago de Emborcação e a área de reflorestamento da SATIPEL. 2007.
Fonte: Extraído do sítio www.googleearth.com em novembro de 2007.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
230
As imagens de algumas dessas madeireiras, serrarias e granjas, podem ser visualizadas no
anexo 13.
231
Imagens que mostram a estreita relação espacial da área de reflorestamento da SATIPEL
com os municípios de Estrela do Sul e de Cascalho Rico, podem ser visualizadas nos anexos
14 e 15, respectivamente.
323
Na figura 8 observamos a grande área de reflorestamento da SATIPEL
(26.000 ha.) a sudoeste e o lago da hidrelétrica de Emborcação a noroeste. A
área de reflorestamento possibilita nos municípios de Estrela do Sul e Cascalho
Rico, além dos empregos diretos, uma gama de outras possibilidades de
atividades secundárias ao processo de corte de árvores e de retirada de resina
(do pinus). As fábricas instaladas nos municípios de Estrela do Sul e de
Cascalho Rico (anexo 4), utilizam a madeira dessa área de reflorestamento em
atividades de beneficiamento como processo primário (tábuas, ripas, serragem,
cavacos, etc.) que movimentam atividades como as granjas e também as
cerâmicas da microrregião de Estrela do Sul. Porém, a atividade madeireira
tem como produto final, como caixas para embalagem de contêineres, de uva
(para São Paulo), hortifrutigranjeiros (para Uberlândia), acabamento em
construção civil (forros residenciais), etc., um maior faturamento bruto.
Segundo o prefeito de Cascalho Rico, a SATIPEL oferece ao município
uma possibilidade de gerar novos empregos e também de novas oportunidades
de investimento externo no município. Segundo o prefeito são 78 pessoas
trabalhando diretamente em fábricas de processamento de madeira no
município. Contudo, ainda segundo o prefeito para que isto fosse possível o
Estado-muncípio social teve “que investir cerca de 300.000 reais em
capacitação da rede de energia, pois a CEMIG não oferece o serviço e a
prefeitura teve que realizar o serviço devido a enorme burocracia imposta pela
CEMIG para oferecer o serviço e disponibilizar energia suficiente para que as
fábricas pudessem ser instaladas no município,
232
e além desse serviço de
energia a prefeitura fez a terraplanagem dos locais de construção das fábricas”.
Ainda segundo o prefeito de Cascalho Rico existem no município fábricas
novas de vestuário e de ração para gado. Na fábrica têxtil existem 60 pessoas
trabalhando e nas fábricas de rações o prefeito não conseguiu precisar o
232
Concordamos com as alegações do prefeito de Cascalho Rico e também de Estrela do Sul,
que afirmaram ser uma dificuldade para uma prefeitura da pequena cidade absorver novos
investimentos fabris ou mesmo comerciais, pois as disponibilidades de liberação de energia é
burocrática e na maioria das vezes de cunho político. A quantidade de energia servida ao
município é delimitada pelas centrais energéticas do Estado, e assim, a quantidade deve ser
liberada conforme o gasto total. O aumento desse gasto energético demanda esforço técnico e
político dos gestores públicos dos municípios que requerem tais aumentos em consumo
energético. O que não deixa de ser curioso, pois o lago da Hidrelétrica banha estes municípios
e a geração da energia é tão custosa, do ponto de vista técnico e político, para as prefeituras
desses municípios.
324
número de pessoas, contudo as serrarias, as fábricas e a própria SATIPEL é
que absorve mais mão de obra do município nesta refuncionalização.
No município de Estrela do Sul esta nova organização produtivo-
empregatícia conta com 105 empregos diretos e 150 indiretos
233
. No município
existem 5 serrarias entre grandes (que trabalham em dois turnos), médias (com
apenas um turno) e pequenas, que fornecem madeiras com diversas
especificações e funções (embalagem industrial, serragem, cavaco, maravalha,
paletes, etc.). Contudo, como representa uma nova organização produtiva a
produção desses bens sofreu muita resistência da mão de obra no início das
atividades. Segundo o administrador da maior empresa de madeira do
município, a MADESTRELA
234
, senhor Gustavo Santos Duarte de Almeida, “a
quantidade de faltas por atestado médico foi um grande empecilho para as
atividades, como também a falta de ‘cultura’ em trabalhar de maneira regular
obedecendo horários e também boicotes de serviço como a quebra intencional
das máquinas. Gastamos dois anos e meio para que estes problemas fossem
reduzidos e o trabalho melhorou, apenas o trabalho em três turnos teve que ser
redimensionado para dois, pois os trabalhadores do município não se
acostumaram ao trabalho noturno”.
A refuncionalização de um município, em que a realidade do trabalho
estava calcada na ótica rural, e que promove uma alteração brusca, parece ser
traumática e nos remete ao ludismo do início fabril europeu. A adaptação ao
trabalho urbano, fordista/taylorista, transportado para o inicio do século XXI
com atraso temporal é uma dura, porém real, modalidade de trabalho para
parcela da população que “investe” nas novas formas de emprego, calcado na
ótica da produtividade moderna. Contudo, o trabalhador da pequena cidade
ainda carrega uma “alma” rural. O tempo do trabalho rural denota as
reminiscências do espaço do dia solar, os intervalos desse trabalho são
esparsos e a hora das paradas é regida pelo relógio biológico.
233
Segundo informações do prefeito municipal de Estrela do Sul e do administrador da maior
empresa de madeira e serraria do município, a MADESTRELA, senhor Gustavo Santos Duarte
de Almeida.
234
Esta empresa vende madeira para microrregião de Estrela do Sul e também para a região
do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba (para Monte Carmelo e suas cerâmicas; empresas como
CARGIL e granja PLANALTO de Uberlândia) e também para São Paulo e Bahia, para as
empresas de embalagens industriais como EMBALATEC e VICARE.
325
A maioria dos trabalhadores que são absorvidos nas fábricas de madeira
e serrarias de Estrela do Sul e de Cascalho Rico são oriundos de atividades
relacionadas ao garimpo (em Estrela do Sul)
235
, pecuária (de corte e leiteira),
agricultura (bóias frias, pequenos produtores, etc.), e jovens que não têm como
sair para outra cidade por pressões familiares ou falta de recursos financeiros.
Grande parte nunca havia trabalhado nas funções requeridas nessas novas
formas de produção representante dessa refuncionalização por que passa
estes municípios.
Assim, com estas novas articulações produtivas advindas da madeira da
SATIPEL, surge uma nova empregabilidade nos municípios de Estrela do Sul e
de Cascalho Rico, que aparentemente a mão de obra local ainda não está
totalmente adaptada, ou mesmo é insuficiente para os requisitos. Produzindo
anacronismos como falta de mão de obra para ocupar os empregos nas
serrarias locais e a “importação” de mão de obra de outras localidades vizinhas
como o município de Indianópolis e Grupiara. Além dessa atração de
trabalhadores microrregionais as vagas nas fábricas e serrarias locais têm um
grande apelo para a migração de mão de obra de outras regiões e estados do
Brasil.
Segundo o prefeito municipal de Estrela do Sul o aumento populacional
observado na última contagem populacional do IBGE em 2007 para os
municípios de Cascalho Rico e especialmente em Estrela do Sul deve-se
principalmente ao grande fluxo migracional de pessoas oriundas da região
nordeste do Brasil, de cidades do entorno microrregional e do estado de São
Paulo
236
. Segundo o prefeito de Estrela do Sul tal constatação deve-se ao fato
de ocorrer mais de 400 pedidos de justificativa de votos na eleição municipal do
município de Estrela do Sul em 2004. Tal fato, para o prefeito, é indicativo da
grande quantidade de migrantes no município que ainda não havia transferido
seus títulos eleitorais para o município de Estrela do Sul.
Este fato também é comprovado em nossas pesquisas quando
constatamos o aumento dos aluguéis residenciais nas sedes municipais de
235
Imagem de área de exploração de garimpo de diamantes no município de Estrela do Sul,
pode ser visualizada no anexo 16.
236
Segundo Rocha e Faria (2004, p. 8) tal fato é explicado porque “em países heterogêneos
econômica, política e socialmente, como é o caso do Brasil, o modelo competitivo tem
maximizadas as suas fragilidades. Caso governos subnacionais adotem políticas de bem-estar
amplas e eficientes, eles acabam atraindo pessoas de outras localidades.”
326
Cascalho Rico e de Estrela do Sul, mais especialmente no distrito de Dolearina
onde fica a sede da empresa SATIPEL, no qual ocorreu uma verdadeira onda
de especulação imobiliária, em que os “baianos
237
ocupam as vagas
residenciais pagando um preço acima do valor de mercado cobrado em anos
anteriores. Esse grande afluxo de migrantes, especialmente de fora da
microrregião, deve-se ao fato de que a mão de obra local não é suficiente como
também não especializada para tarefas que envolvem operacionalizar
máquinas e recolher resina de pinus.
A operação de recolher resina dos pinheiros é, segundo o prefeito de
Estrela do Sul, de Cascalho Rico e do senhor Gustavo S. D. de Almeida, a
atividade ligada à madeira que mais emprega trabalhadores nos municípios de
Estrela do Sul e de Cascalho Rico. A “resinagem” é uma atividade difícil
(assemelha-se a extração do látex na Amazônia) e de alto risco para a saúde
do trabalhador.
Estes processos de absorção de mão de obra externa aos municípios e
também as atividades fabris que envolvem tempo rigoroso e, especialmente a
resinagem do pinus, provocam maiores gastos do Estado-muncípio social com
saúde e com educação. As observações dos prefeitos de Estrela do Sul e de
Cascalho Rico são de que o aumento de empregos nestas novas atividades
são boas e complementares às atividades tradicionais dos municípios.
Contudo, para os agentes públicos a arrecadação em termos de impostos é
irrisória e não custeiam os aumentos nos gastos com ampliação da rede
escolar, do transporte escolar, da saúde (como mais médicos e assistência
com remédios), e outros custos que não são acompanhados com os valores
arrecadados com impostos, mesmo porque a maioria das atividades (granjas e
a madeira) recolhe imposto federal e estadual, ou mesmo são isentas de taxas
municipais, como forma de atrativo de sua fixação no município.
Esse fato não representa uma negação por parte dos agentes públicos,
representantes máximos do Estado-muncípio Social, mas uma constatação
interessante de que o simples aumento do emprego privado em seus
municípios resulta em encargos sociais para o Estado-muncípio social. Tal fato
foi exemplificado pelo prefeito de Cascalho Rico, como forma de ilustrar a
237
Termo pejorativo que a população dos municípios de Estrela do Sul e de Cascalho Rico
utilizam para denominarem os migrantes nordestinos.
327
dicotomia dessa realidade, quando questionado sobre as potencialidades
turísticas do município de Cascalho Rico. Para o prefeito existem no município
de Cascalho Rico 480 ranchos de turistas que somente “dão trabalho ao
município”.
É de responsabilidade da prefeitura a abertura e conservação periódica de
estradas vicinais, o deslocamento de professores para a zona rural para
atender os filhos dos caseiros, transporte escolar rural e a construção e
conservação de escolas rurais, além de outras obras. Para o prefeito “estes
gastos não são para a melhoria do município que a maioria dos donos
desses ranchos realiza suas compras fora do município (alimentos, insumos
agrícolas, combustíveis, etc.) e nem mesmo possuem seus títulos de eleitores
no município de Cascalho Rico, ou seja, nem do ponto de vista político o
município de Cascalho Rico é auxiliado por este tipo de turismo, não se cria
dessa forma um vínculo entre essa população (os donos dos ranchos e seus
caseiros) com o município”.
Assim, a partir do ponto de vista da administração do Estado-município
social, a refuncionalização produtiva dos municípios de Estrela do Sul e
Cascalho Rico cria uma situação paradoxal: com a incorporação de novas
atividades produtivas e empregatícias (turismo na beira do lago de
Emborcação, a extração da madeira e da resina do pinus, fábrica têxtil,
madeireiras e serrarias, granjas de aves e suínos, etc.), os gastos municipais
são mais onerosos que os benefícios práticos para o Estado-muncípio social.
Os gastos municipais aumentam com mais transporte escolar, contratação de
novos funcionários (aparelhamento de novas unidades escolares, médicos,
assistententes sociais, etc.), aumento e melhoria de unidades de saúde,
abertura e conservação de estradas, etc. Como a maioria dos impostos
arrecadados são de ordem federal e estadual, não possui, assim, o município
uma arrecadação tributária compatível com seu aumento de encargos
financeiros.
O que constatamos é que, mesmo para a pequena cidade atrair e sediar
novos empreendimentos produtivos, e com eles operar sua refuncionalização
municipal, os problemas derivados recaem sobre a operacionalidade social dos
mesmos. Com isso, o Estado-município social de cada município fica
sobrecarregado. Assim, a recente refuncionalização produtiva, observada nos
328
municípios de Estrela do Sul e de Cascalho Rico, tem de ser melhor pensada e
equacionada a partir dos princípios do Desenvolvimento Sustentável
Microrregional (DSM), para que esses dilemas possam ser, junto com outros
analisados, dimensionados e minimizados. Os vínculos histórico-cultural e
espacial estabelecidos entre os três municípios são características que devem
ser levadas em consideração para a formulação de uma maior cooperação e o
possível equacionamento dos problemas comuns. Segundo Faria e Rocha
(2004, p. 11):
Muitas vezes, a própria característica da política pública constrange os
entes federados à cooperação. Um consórcio pode ser formado com
objetivo de abordar um problema cuja natureza necessariamente
transcende as fronteiras municipais, como é o caso, por exemplo, da
gestão de alguns recursos naturais. Além disso, políticas cuja escala
ótima de implementação extrapola os limites do município. É nesse
sentido que Vaz argumenta: mesmo sendo possível ao município atuar
isoladamente, pode ser muito mais econômico buscar a parceria com
outros municípios, possibilitando soluções que satisfaçam todas as
partes com um desembolso menor e com melhores resultados” (1997:1).
diversos serviços públicos que, se prestados em parceria com
municípios vizinhos, possibilitam uma diminuição dos custos fixos, na
medida em que fica facilitada a otimização da relação entre estrutura de
oferta e demanda. Os municípios, atuando conjuntamente, podem
alcançar diversos resultados positivos: o aumento da capacidade de
realização, ou seja, a ampliação do atendimento aos cidadãos e do
alcance das políticas públicas; uma maior eficiência no uso dos recursos
públicos, na medida em que os custos do consórcio para realizar uma
determinada atividade o menores que a soma dos recursos
necessários a cada um dos municípios para realizá-la individualmente; a
realização de ações que seriam inacessíveis a uma única prefeitura,
como a aquisição de equipamentos de alto custo ou a implementação de
políticas públicas de desenvolvimento regional. A cooperação pode ser,
assim, uma maneira de se reunir esforços para suprir a carência
individual dos municípios em recursos finaceiros, tecnológicos e
humanos necessários à execução das atribuições que lhes competem.
Finalmente, um outro fator que torna a cooperação atraente é o potencial
aumento do poder de diálogo, pressão e negociação dos municípios
frente aos governos estadual e federal ou frente a outras instituições
sociais ou organismos internacionais. Antes de competirem
individualmente por recursos de outras esferas de governo, dirigentes
municipais, muitas vezes de partidos diferentes, cooperam no sentido de
viabilizar coletivamente suas demandas. Nesse caso, o sentido da
cooperação seria estabelecer condições para o fortalecimento da
autonomia e da capacidade de barganha dos municípios.
A cooperação intermunicipal deve, assim, pautar-se em espaços
microrregionais e ser auxiliar e fortalecer estes espaços para a realização mais
contundente de políticas públicas de interesse aos três municípios, como
políticas conjuntas no âmbito da saúde pública com a construção e
manutenção de um Hospital microrregional; politicas habitacionais; políticas
329
ambientais (resíduos sólidos de lixo dos três municípios com coleta seletiva,
aterro sanitário, etc)
238
; cursos técnicos, profissionalizantes, superior, etc;
política conjunta de merenda escolar; transpote de alunos em áreas adjacentes
e comuns aos três municípios; e outras possibilidades mais. Contudo, a
articulação microrregional proposta o exclui a AMVAP e os consórcios a ela
atrelados, especialmente o CIS/AMVAP. Ao contrário, vem somar forças a
estes níveis mesorregionais de interligação municipal. Porém, não se deve
perder de vista que o DSM proposto tornará o vínculo entre os três municipios
mais abrangente do ponto de vista operacional, político e estratégico,
produzindo uma governança com maior respaldo e solidez frente a esta
Associação de Municípios e mesmo com os Consórcios municipais por ela
geridos. Além disso, respalda melhor estes municípios frente aos outros dois
entes federados (União e estado)
239
. Sobre a força motivadora dos consórcios
municipais em pequela escala espacial, Camargo (2003 p. 137), afirma que:
Tais experiências vêm se multiplicando em vários Estados e regiões do
país, mas longe estamos de alcançar o objetivo desejado, que é criar
estruturas institucionais mais legítimas, permanentes, flexíveis e
adequadas à realização de mais ousados objetivos comuns: o
desenvolvimento sustentável com inclusão social, inovação tecnológica,
proteção ambiental, governança e desenvolvimento institucional,
valorização do capital social e dos recursos humanos.
Assim, “consórcios compostos por municípios mais homogêneos em
termos de população, recursos financeiros e poder político parecem ter maiores
condições de darem certo”.
240
Para sua plena efetivação se faz necessário
romper com os dogmas culturalmente estabelecidos na formatação do Estado-
município social. Não que isso signifique render-se a postulados liberais e
neoliberais que afirmam o Estado nimo, ou mesmo uma administração
pública gerencial, uma administração pública apolítica e uma administração
pública em que o Estado é visto como entrave do processo produtivo e social.
Ao contrário, o Estado-município social é de grande valia na pequena cidade. O
que é desejável, é um maior controle deste por parte da população, e que seus
238
Imagens do lixo a céu aberto nos municípios de Estrela do Sul e de Grupiara podem ser
visualizadas no anexo 17.
239
O lugar reage, age e sente e assim, ocorrem as negociações de hierarquia, estabelecendo
algumas funções. As pequenas cidades não podem ter tudo, não podem resolver tudo.
Contudo, o lugar articula-se à rede de maneira mais concreta a partir de suas interrelações
microrregionais.
240
Rocha e Faria, 2004, p. 24,
330
“ganhos”/benefícios sejam realmente socializados, de maneira mais
democrática e transparente, abrangendo o maior número de pessoas possível
e que este Estado-município social, seja de fato, o estimulador e representante
de um “Welfare State” tupiniquim, fomentador de um verdadeiro DSM.
Para isso é necessário reafirmar: para que de fato o DSM se realize é
necessário a interação dos três setores da sociedade - a interação do Estado
(União, estado e Estado-município social) com as empresas (públicas e
privadas) e, especialmente, a amálgama de tudo, a sociedade civil organizada.
Assim, encarando a sociedade civil como fundamental neste processo, o que
se quer é que a sociedade da pequena cidade seja estimulada a ser de fato,
organizada. Para isto existem mecanismos legais e sociais. Os Conselhos
Municipais o a sua maior expressão. Os Conselhos Municipais representam
a ferramenta que poderá alavancar a existência da Cooperação entre os
municípios de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico. E para isso, a letargia,
a anomia, e o homem cordial da pequena cidade têm de ser substituídos por
ações organizadas e de cunho realmente “político”.
331
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CONSIDERAÇÕES FINAISCONSIDERAÇÕES FINAIS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fonte: Fotografias de Estrela do Sul.
332
A realidade demarca fronteiras. As pequenas cidades estudadas nos
mostraram que a simples categorização de um dado espacial não é suficiente
para sua plena compreensão. A pequena cidade é mais complexa que se
supunha e mais dinâmica que a ciência conjecturava. Ela encerra articulações
socias, políticas e ideológicas interessantes, mais que a análise hierarquizante,
que opõe as grandes com as pequenas, . São mais importantes que a “ciência
metropolizada” lhes imputa e determina. É mais real que se quer a academia e
o Estado.
O que observamos é que as pequenas cidades, aqui exemplificadas por
Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico, são ordenadas espacial e
culturalmente por determinações do campo político e político-administrativo. A
constituição histórica dos processos de gerenciamento dessas localidades
forjou-se na ótica de administração do bem público lusitano e que este foi
alçado a categoria de sitema administrativo com os propósitos
descentralizadores e municipalista da Cosntituição Federal de 1988. A força e a
estratégia de um processo de construção do político e da cultura interna da
pequena cidade baseia-se na história. A construção do espaço geográfico
dessas localidades é fortemente determinado por estes ditames históricos.
A base de sua sustentação está nas origens do colonialismo português,
mas se enrijesse e ganha mais amplitude com a “liberdade” maior conferida
pela descentralização e municipalização
241
do federalismo brasileiro que se
desenrolou pelas diversas constituições do Brasil, com maior ou menor
impacto. O Estado Federal brasileiro, que nasce e se forma baseado e
inspirado em outras experiências (notoriamente a dos EUA), chega na década
de 1980 com roupagem contrária aos percalços de um longo período de
ditadura, com um espírito de libertação das amarras do centralismo do Estado.
241
Para Buarque (1999, p. 19) o municipalismo e a municipalização podem ser analisadas
como “…uma forma de descentralização administrativa das políticas e dos mecanismos de
intervenção pública para o plano municipal, com transferência efetiva da capacidade decisória
para o município como espaço de poder local…Identificada, normalmente, com uma
redistribuição de poderes no interior da administração blica da União ou Estado para o
município –, a municipalização pode ser apresentada também como o aumento de poder e
responsabilidade decisória da sociedade municipal…A descentralização é um processo
histórico de âmbito mundial e com tendência visível no Brasil, principalmente desde a
Constituição de 1988, com o fortalecimento dos municípios e da desconcentração das políticas
e programas nacionais.”
333
A centralização e a maneira de se produzir a federação brasileira calcada
em um sistema de poderes espaciais, calcada na dualidade União e estados,
mostrou-se desgastada e, por demais, centralizadora e responsabilizada por
regimes de exceção. Assim, a Constituição Federal de 1988, vem contrária a
estes dogmas centralizadores. Promove uma descentralização inovadora para
os padrões internacionais de federações: cria uma forma tripartite de entes
federados. Tais entes federados possuem obrigações quase semelhantes,
sendo o município uma das bases formadoras desse tripé de organização
espacial, com poderes político-institucionais nunca antes experimentados em
outros países.
Assim, a fusão dos processos históricos, calcados na herança cultural
lusitana de se fazer política e de administrar o bem público, que se
encontrava enraizada na pequena cidade, funde-se ao novo, à nova força
municipalizante advinda da Constituição Federal. A base de consolidação e
sustentação do Estado-municipio social da pequena cidade é fomada. Este
Estado-município social sente-se à vontade na pequena cidade. A nova força
dos municipios imposta pela nova carta magna do país, é absorvida por este
Estado-municipio social, fazedndo-se presente na vida de toda a população do
município com população inferior a 10.000 habitantes.
A terceira força desse sistema se faz pelos processos de aprofundamento
da globalização do mundo. A modernidade e a pós-modernidade, que
caminham juntamente com este processo de mundialização da tecnologia, dos
aspectos sócio-ambientais, da política/administração pública e da economia,
são muito bem utilizadas pelo Estado-municipio social, ao que esse, torna-se
uma fonte, um porto seguro, para parte da população da pequena cidade que
se encontra alijada desses processos, tanto da modernidade como da
globalização/mundialização.
O Estado-município social da pequena cidade, abarca e absorve estas
parcelas populacionais que se encontram “órfãs” do processo de
mundialização, dos fatores sociais e psicológicos criados e vendidos pela
sociedade moderna. O assistencialismo inerente desta forma de solução, é
uma moeda do Estado-município social e o paternalismo e o clientelismo, que
de maneira “eficente”, a seu modo, perpetua uma dependência de parcela da
população da pequena cidade, tornando-ae refém dessa situação.
334
A grande problemática desse processo pode ser definida, a partir de
parâmetros em que a sociedade dessas localidades comportam-se, como
definida por Holanda (2004), a exemplo do “homem cordial”. A cordialidade
desse “homem” da pequena cidade é moldada na forja da herança cultural
portuguesa de administrar o bem público. O que cria as bases de uma
sociedade de favores, do personalismo das lideranças, do apadrinhamento
político e das relações de compadrio. Este molde que se faz perpetua-se ao
longo da história republicana do Brasil nas pequenas cidades. O “homem
cordial” assegura uma anomia social que é absorvida e nutrida pelo Estado-
município social.
O conflito que se dá, então, nas pequenas cidades, exemplificadas e
analisadas a partir da realidade de Estrela do Sul, Grupiara e de Cascalho
Rico, do confronto das “inovações” da modernidade e da pós-modernidade
(nos aspectos políticos, sociais e administrativos, especialmente),
determinando a maneira tangencial, e mesmo, com relativo atraso temporal,
dessas novas “fórmulas”. Assim como a abolição da escravidão
242
, a
organização social ativa, a modernidade institucional e a modernidade
administrativa do setor público, chegaram e chegam atrasadas. Com isso,
ocorre uma dissociação tempo-espaço nas relações de alteração/modificações
da realidade social, cultural e política nas pequenas cidades.
Uma possibilidade de alteração desse status quo, de mutualismo nas
relações da sociedade com o Estado-município social na pequena cidade,
reside na quebra da relação de dependência de parcela da população para
com os “favores” do Estado-município social. Tal fato representa uma
garantia de aprimoramento nas relações entre a sociedade e o Estado-
município social da pequena cidade. Contudo, para que esta alteração venha, e
se aloje, tem-se que conhecer realidades diferentes e simplesmente desejá-las.
Como observado em nossas pesquisas de campo, nos três municípios
analisados, a informação acerca de outras realidades não se dá de maneira
plena. O acesso a jornais e revistas é restrito e, quando acontece, as “notícias”
são elaboradas regional ou microrregionalmente. As realidades são, portanto,
242
Segundo informações da Secretaria de Cultura de Estrela do Sul, a notícia da abolição da
escravidão do Brasil (Lei Áurea), somente chegou nesta localidade em 1890 (como Estrela do
Sul é a sede administrativa e comarca desta microrregião, assim também o foi em Grupiara
(antigo distrito de Troncos) e em Cascalho Rico (antigo distrito de Rio das Pedras).
335
similares e não trazem muita “novidade”. Da mesma forma as viagens da
maioria da população é realizada em nível microlocal e microrregional e,
mesmo assim, de maneira esporádica. As trocas de experiências que podem
surgir dessa maneira de intercâmbio de idéias, não são de maneira mais
contundente, e as inovações sociais e culturais que poderiam “renovar” os
comportamentos da sociedade, frente ao seu destino e o destino do Estado-
município social, são frágeis e de baixo impacto alterador. Assim, não se
potencializa uma saída da anomia em que se encontra a sociedade da
pequena cidade.
Um fator interessante nessa equação é o papel da televisão, no campo e
na cidade. A televisão passa a ser a “porta voz” do mundo da modernidade, da
globalização e da mundialização dos processos sociais e econômicos da
sociedade. A televisão, porém, não pode ser vista como sendo o “mal”, ela não
pode ser fetichizada como instrumento de alienação da sociedade, não pode
ser encarada como produto-causa da anomia. Contudo, a informação
verticalizada que vem da televisão, e nesse sentido, como quase unicidade de
via, define informações, que na maioria das vezes, “vende” uma modernidade
ficcionada e desejosa. As imagens e as informações, nessa forma quase
onipresente de informações, são representantes de um mundo inalcansável na
pequena cidade. É o mundo que, devido a ter apenas uma direção, torna-se
irreal. E sendo irreal, a partir da perspectiva de quem reside na pequena
cidade, a população transfere esta condição de desprestígio, de cidadão de
segunda classe, para responsabilidade do Estado-município social.
Se não se consegue “viver” as imagens do mundo moderno e global
transmitidos pela televisão, que se tenha ao menos a garantia do mínimo de se
viver. O Estado-municipio social na pequena cidade, torna-se a “válvula de
escape” e até mesmo uma maneira de se incorporar uma forma
psicologicamente nefasta: como o indivíduo não consegue, na pequena cidade,
a modernidade da sociedade e suas “vantagens” sociais, culturais,
econômicas, lazer, organização social e outras mais, ao menos que o Estado-
municipio social seja um bom emprego ou que lhe confira vantagens mínimas
de sobrevivência. Neste sentido, o Estado-município social torna-se também
refém de parcela da sociedade da pequena cidade.
336
Mas, para uma outra parcela da população, que se acha desprestigiada
com a situação de insuficiência produtivo/social/cultural da pequena cidade -
em lhe oferecer melhores salários, condições de lazer, acesso a educação em
nível superior, e mesmo “novidades” do mundo global e moderno - a saída é a
mudança para outra cidade. De preferência de maior porte populacional. Para
esses, a pequena cidade é uma “prisão”. A liberdade, portanto, passa pela
rodoviária. Para essa parcela da população, especialmente definida pelos mais
jovens, a pequena cidade aprisiona e não lhes pertence. A liberdade do
individuo está fora da pequena cidade. Contudo, a “liberdade” é aquela vendida
pelas imagens da televisão, ficcionada e na maioria das vezes irreal também
nas médias e grandes cidades.
O que percebemos é que no município de Cascalho Rico o interesse em
residir em outros locais é menor que os números observados nos municipios de
Estrela do Sul e de Grupiara. Tal fato pode estar relacionado à maior proporção
de pessoas no município residindo no meio rural. Ao contrário dos outros dois
municipios, Cascalho Rico apresenta uma população em sua maioria residente
no campo e, em nosso entender, as influências de um mundo moderno e, na
maioria das vezes, conturbado, mais que apreciado é rejeitado por estas
populações. Entretanto, tal falta de interesse em mudar de cidade, pode
também estar relacionada ao fato desse municipio, dentre os três analisados,
ser o maior arrecadador financeiro - além de repasses federais e estaduais de
cunho obrigatório (especialmente FPM e ICMS), exite ainda o repasse dos
royalties e compensações advindos da Hidrelétrica de Emborcação da CEMIG.
Tal fato faz de Cascalho Rico o maior PIB/per capita do Brasil. Isso induz ao
raciocínio de que o Estado-municipio social atua de maneira mais incisiva nas
“ajudas” à população e lhes conferem maiores garantias de vida, o que
assegura um futuro mais estável a esta população.
Entretanto, temos de entender que a realidade da pequena cidade é mais
perversa para os jovens. Assim, mesmo os jovens que não “conseguem” sair
da pequena cidade são “persuadidos” a se engajar nas “teias serenas” e
estáveis do Estado-município social. Pela proximidade de padrinhos e
familiares ou pelo fato da política ser muito presente nessas localidades, o que
torna difícil não se engajar em algum “lado” partidário ou das contendas
político-eleitorais.
337
Assim, visualizando os aspectos internos dessas localidades, percebemos
que a política faz parte da rotina e estabelece os parâmetros mais importantes
da vida social, cultural e econômica, das populações da pequena cidade. A
política é o dia-a-dia. Ela está presente na maioria dos espaços e da
sociedade. A pessoalidade mais presente na pequena cidade torna a política o
cotidiano, e não apenas parte deste. A política se faz presente e determina
uma situação em que dois pólos antagônicos se digladiam o tempo todo: a
situação e a oposição. A alternância das pessoas nos quadros de funcionários
da prefeitura se apenas quando, nas eleições municipais, um dos pólos
perde e outro ganha, e vice-versa. Ocorrem também acordos e alterações
bruscas nestes dois pólos. Quando aliados mudam de lado, muda-se uma
vasta gama de pessoas (os correlegionários), que prontamente ganham
também empregos e passam a usufruir das benesses de se estar na “situação”
e das possibilidades “positivas” do Estado-município social.
A política nesse caso não é a relação democrática de se entender a
sociedade e seus dilemas. Ela, na pequena cidade, é a maneira de se garantir,
enquando indivíduo ou família, acesso ao consumo e também prestígio social.
Desse modo, as determinações da modernidade gerencial e administrativa,
apregoadas pelas novas maneiras de se realizar a administração pública, que
se estabeleceram a partir da década de 1980 no mundo e no Brasil, ainda não
se concretizaram na pequena cidade. Os “ventos liberais”, e as fórmulas
emprestadas do raciocínio neoliberal do gerenciamento do bem público tal
como uma empresa privada e o enxugamento da máquina estatal, as lições da
macropolítica mundial e as posições estabelecidas pelos arautos do Estado
mínimo, não são a tônica do comportamento e das relações do Estado-
município social com população e dessa com o Estado-município social na
pequena cidade.
Bem como a noção, seja de esquerda como de direita, da sociedade a
partir do ponto de vista do econômico e, especialmente, da relação entre
Estado e sociedade como projeto apolítico que o cidadão como um cliente
e assim, na tentativa de despoliticação do jogo administrativo - se faz
ineficiente e mesmo incoerente na pequena cidade. As relações entre a
sociedade, a população, o indivíduo, a pessoa e a sua família com o poder
público se realizam de maneira política e a contrapartida também. A política na
338
pequena cidade é o seu movimento, sua construção espacial e sua
estruturação sócio-cultural.
A política se imiscui de fal forma no cotidiano da pequena cidade, que até
mesmo influencia na composição cultural e na maneira com que parte da
população a encara. As eleições na pequena cidade antes de ser o momento
da escolha cidadã de seus representantes, é encarada, por parcela da
população, como momento de festa e de oportunidades financeiras e de
emprego. A “festa da política” tem seu auge nas eleições. Este é o momento do
encontro com as outras pessoas, rever amigos e familiares, compadres e
também os desafetos. A partir da noção de que até os momentos cívicos são
festejados de maneira entusiástica, o entusiasmo pela festa e pelos festejos
variados, imiscuem-se na realidade da pequena cidade.
O calendário agrícola foi substituído pelo das festas na pequena cidade.
A quantidade de festas públicas é enorme e demarca o ciclo de um ano em que
estas são uma “interminável contagem regressiva” para a próxima. Nas
pequenas cidades de Estrela do Sul, Grupiara e Cascalho Rico, as festas têm
três vertentes de origem: as de cunho religioso (especialmente católica), as de
origem cívica e as populares (sem vínculo explícito com qualquer entidade). A
maioria tem fundamentação religiosa, contudo, mesmo estas apresentam-se
alteradas em seu contexto original - não enquanto sincretismo religioso -, mas
no fortaleciamento do profano (o qual esteva atrelado a ela), do lado de fora da
Igreja, na rua e na praça.
A ressignificação é uma características das festas nestes tempos de pós-
modernidade. Na pequena cidade não é diferente. Contudo, a fundamentação
e o uso político e ideológico pelo Estado-município social dessas festas é
singular. As festas, em sua maioria, são um produto realizado como maneira de
se “enevoar” as dificuldades não resolvidas; de abrandar os anseios de parcela
da população que não consegue ser de fato “inserida na modernidade”; como
forma de abrandar o sentimento dos que se frustam com a inoperância da
pequena cidade; o não oferecimento de um “mundo vendido” e explicitado pela
televisão; como “opção” para a falta de outras realizações de lazer e de
cultura. Assim, essas maneiras com que as festas na pequena cidade são
“idealizadas”, configuram uma ressignificação cultural promovida, ou mesmo
absorvida, pelo Estado-município social.
339
A festas religiosas (o lado profano), as de caráter cívico e as espontâneas,
são usadas política e ideologicamente pelo Estado-município social como
forma de diminuir o sentimento de carência social e de lazer na pequena
cidade. Além do mais, são utilizadas como movimento, ou seja, como forma de
se alterar a rotina tão cíclica da pequena cidade. Contudo, esse movimento
torna-se, com o passar do tempo, também rotina. E a rotina, em muitos casos,
também se mostra uma “fonte de oportunidades” para sublinhar uma nefasta
mazela que avança sobre a realidade da pequena cidade, especialmente sobre
as pessoas mais jovens: o consumo de álcool, de drogas e a violência está
associada a eles.
As festas de cunho urbano são mais evidentes que as de vertente rural.
Refletindo uma tendência que parece cada vez mais presente, tanto no
cotidiano cultural como também no político. Assim como as festas são
realizações mais urbanas que rurais, os agentes políticos do executivo e do
legislativo dos municípios de Estrela do Sul e de Grupiara também o são, em
sua maioria, oriundos do meio urbano. A excecão fica por conta do legislativo
municipal de Cascalho Rico, em que a ocupação dos vereadores é ainda de
predominância rural, refletindo a predominânica de uma maioria populacional
residente no campo. Contudo, a tendência de agentes públicos oriundos de
ocupações urbanas, no executivo dos três municípios, é evidente.
Assim, em sua maioria, os agentes blicos das pequenas cidades
analisadas são de origem e de profissões marcadamente urbanas, denotando
uma alteração ocupacional e espacial dos líderes políticos da pequena cidade.
Isto conforma uma nova realidade no trato da pequena cidade e uma alteração
nas prioridades que esses agentes políticos estabelecem para o todo
municipal, mais urbanas que rurais. Porém, tal fato não demonstra uma
aceitação de profundas alterações no jogo patrimonialista e clientelista que é
estabelecido na administração pública da pequena cidade. A modernização das
relações administrativas o foi incorporada pelo fato da alteração espacial da
ocupação dos agentes políticos da pequena cidade. A urbanidade dos agentes
políticos não é sinônimo de “melhor” ou mais afeito a inovações político-
administrativas. A modernização administrativa é um conceito relativo e em
alguns momentos inoperante.
340
As tentativas de modernização do Estado brasileiro, explicitaram a
deficência técnica do corpo administrativo do Estado-município social das
pequenas cidades. Os arranjos que se fizeram nessas localidades para alocar,
politicamente, e não tecnicamente o quadro funcional das prefeituras, além de
escancarar a situação crônica de deficiência operacional da máquina do
Estado-município social, implica também na perda de recursos financeiros pela
inexperiência ou ineficiência desse quadro de funcionários. Fato esse aludido
pelos prefeitos dos três municípios analisados.
As relações internas da cidade pequena são, portanto, políticamente
realizadas. Desmontando qualquer tentativa de modernização político-
administrativa que venha de cima para baixo. As fórmulas lineares de análise,
aquelas que se prezam pelo processo político-administrativo como sendo uma
alusão à teoria evolucionista darwinista, partindo do mais simples para o mais
complexo, não podem ser aplicadas à realidade politico-administrativa da
pequena cidade. A evolução da administração pública, partindo do modo
patrimonialista para o burocrático para se chegar ao gerencial, é, antes de mais
nada, linear e de cunho essencialmente evolucionista. Na pequena cidade, a
partir dessa análise, o Estado-município social ainda pertence ao primeiro
estágio da “evolução”. Sendo assim, esse não evoluiu? Ou será que ele, o
Estado-município social, é o que se pode na pequena cidade?
Assim, a partir da maneira de encarar a “evolução” no trato do bem
público é a maneira como a geografia encara a pequena cidade. Quando ela, a
pequena cidade, existe nessas análises! Na maioria das vezes a pequena
cidade “não existe” enquanto categoria para a geografia. As várias tentativas
de categorização da pequena cidade são, em sua maioria, emprestadas da
categorização das outras cidades, médias e grandes. E em outras “fórmulas”
geográficas de categorização da pequena cidade ela é subsumida na grande
espacialidade do campo, do rural, sem que haja uma maior acuidade sobre
este assunto e nem mesmo o pensamento da responsabilidade que isto
implica.
O fato é que, arbritariamente ou não, a quantidade populacional sempre
foi um limitador das análises sobre estas localidades, seja de forma absoluta ou
relacional (a quantidade de pessoas/habitantes residindo na sede municipal e a
densidade demográfica do município). Mesmo assim, aquelas localidades com
341
menos de 10.000 habitantes foram, ao longo de décadas, desprestigiadas
pelas ciências sociais e políticas e, especialmente, pela geografia com análises
apenas pontuais. O número populacional, o local de moradia da população
(rural ou urbana), e outros fatores (cartesianos por excelência), sempre foram o
“porto seguro” para o “navio” da geografia se atracar. E assim, a pequena
cidade, quando analisada, o foi de maneira a relegá-la a segundo plano e
mesmo apresentá-la imiscuida em outras categorias geográficas, como local e
território (mesmo sendo presente e fazendo parte).
Contudo, a pequena cidade não é apenas Local ou mesmo Território.
Antes de sê-lo, ainda reside o fato de como pode ser categorizada. Mesmo
sendo local e território (assim como outras cidades, lugares, regiões, etc.),
ainda podemos geograficamente entendê-las e, por que não, definí-las como
cidade. Assim, a partir do ponto de vista da análise espacial e cultural da
pequena cidade, sugerimos que a maneira de categorizar essas localidades
pode se realizar a partir das relações políticas e político-administrativas do
Estado-município social presente e marcante em sua realidade; as relações
mais estreitas da população para com o Estado-município social e a
dependência mútua que se estabelece entre as partes; a relação estreita da
população da localidade com seu entorno municipal, o que se apresenta,
portanto, na forma da imbricação entre o urbano e rural de maneira mais
simbiótica que em outras localidades populacionais; no cotidiano da
pessoalidade mais presente e nas relações interpessoais mais fortes e
determinantes de códigos de conduta; e, finalmente, na lógica e na coerência
da classificação dessas localidades em cidades, determinada pela forma com
que a Constituição Federal poroduz e determina o pacto federativo e no como o
muncípio foi privilegiado na Constituição e na produção da federação brasileira.
Como sede administrativa de um município, a cidade recebe, seja de
grande ou pequeno porte populacional, a partir da Constituição Federal de
1988, atribuições novas e tem responsabilidades diferentes da que tinha
anteriormente, em relação à prestação de serviços à população municipal. A
descentralização das funções do Estado brasileiro
243
e o municipalismo
243
Sobre descentralização Buarque (1999, p. 16) comenta que: “Descentralização é a
transferência da autoridade e do poder decisório de instâncias agregadas para unidades
espacialmente menores, entre as quais o município e as comunidades, conferindo capacidade
342
impregnado na formulação do pacto federativo é, ao mesmo tempo, genuíno no
cenário mundial, como implica novas responsabilidades sociais e políticas à
localidades com população inferior a 10.000 habitantes. Sua função, nessa
ótica tripartite da federação brasileira, é portanto, eminentemente urbana. Suas
atribuições atuais não são apenas pela relação com seu entorno rural, mas, e
principalmente, no estabelecimento de políticas sociais, econômicas, culturais e
ambientais de um todo municipal.
Assim, a partir desse raciocínio, a discussão de ser ou não o Brasil um
país urbano (ou rural) e de como estas localidades com população inferior a
10.000 habitantes podem ser categorizadas: cidades locais, pseudocidades,
cidades no campo, cidades rurais, povoados ou vilas - partem de uma
conotação exterior à realidade brasileira. São categorizações importadas de
outras realidade constitucionais e de federações diferentes da nossa e que
impregnam análises formuladas na academia metropolizada.
Com isso, a localidade pequena é para nós, cidade, a partir de uma lógica
(política e administrativa) e de uma coerência (Constitucional e Federativa) e
também com os princípios que norteiam a realidade, a realidade que quer da
geografia o trato com pessoas, indivíduos, coletividade, comunidade e com o
cidadão, e não apenas população” ou “habitantes”, que são apenas dados
quantitativos e demográficos e denotam uma maneira positivista e cartesiana
de enxergar a realidade. Essa maneira de encarar a pequena cidade, proposta
aqui, parte do pressuposto de que a geografia tem e deve se preocupar com o
espaço geográfico na sua totalidade e não eleger algumas partes desse
espaço geográfico como melhor, mais interessante, e mesmo, mais
de decisão e autonomia de gestão para as unidades territoriais de menor amplitude e escala.
Representa uma efetiva mudança da escala de poder, conferindo às unidades comunitárias e
municipais capacidade de escolhas e definições sobre suas prioridades e diretrizes de ação e
sobre a gestão de programas e projetos. Para melhor compreender a relevância da
transferência de responsabilidade e poder político-institucional, é importante fazer uma
distinção entre descentralização e desconcentração. Na literatura especializada existem duas
formas diferentes de conceituação. A primeira trata da abrangência e da intensidade com que
se transferem as funções e os espaços de poder de uma instância superior para uma inferior
na hierarquia institucional do país. De acordo com esta abordagem, descentralização
representa a transferência de autonomia e efetivo poder decisório entre instâncias,
independente de se dar dentro da mesma instituição unidades locais de órgãos centrais ou
entre instâncias diferentes das instâncias centrais para as locais. E desconcentração
representa apenas a distribuição da responsabilidade executiva de atividades, programas e
projetos sem transferência da autoridade e autonomia decisória. Desta forma, a
descentralização representa uma transformação mais profunda na estrutura de distribuição dos
poderes no espaço, não se limitando à desconcentração das tarefas.”
343
especial que outros. É a tentativa, a partir, da pequena cidade, de buscar uma
geografia do microcosmo, da parte como todo e o todo como parte, de uma
geografia que analise o espaço geográfico de maneira mais holística e menos
preconceitual.
Não queremos aqui descaracterizar outras maneiras de se encarar estas
localidades, apenas propor uma outra, que nos parece mais coerente e
próxima da realidade da pequena cidade e que pode auxiliar outras análises
sobre estes espaços municipais que encerram pequenas cidades. Essa
maneira de entendimento da pequena cidade provoca a ciência geográfica a
refletir sobre o cotidiano, complexo e interessante, que nelas é peculiar. É
portanto, uma contribuição ao fazer geografia. Uma geografia analítica e
também propositiva.
Na medida em que o diagnóstico da realidade da pequena cidade mostra
uma realidade conflituosa e provocadora, temos de, na medida do possível, e a
partir dos limites da análise geográfica, também propor alternativas. Assim, à
medida que diagnosticamos ser o Estado-município social a amálgama da
sociedade da pequena cidade, é a partir dele que propomos a solução dos
principais problemas da pequena cidade. Sabendo que a crítica pura e simples
ao Estado-município social é inócua, do ponto de vista de sua praticidade,
porém, eficaz do ponto de vista acadêmico, ousamos propor o
Desenvolvimento Sustentável Microrregional (DSM)
244
. Porém, um DSM como
alternativa aos dilemas comuns das pequenas cidades que estão no mesmo
patamar populacional, relacionadas espácio-territorialmente, interligadas por
fatores históricos, políticos e ambientais, enfim um lugar. Contudo, partindo do
244
O que Buarque (1999, p. 9-10) chama de “desenvolvimento local e municipal”. Para
Buarque: “Desenvolvimento local é um processo endógeno registrado em pequenas unidades
territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria
da qualidade de vida da população. Representa uma singular transformação nas bases
econômicas e na organização social em nível local, resultante da mobilização das energias da
sociedade, explorando as suas capacidades e potencialidades específicas. Para ser um
processo consistente e sustentável, o desenvolvimento deve elevar as oportunidades sociais e
a viabilidade e competitividade da economia local, aumentando a renda e as formas de riqueza,
ao mesmo tempo em que assegura a conservação dos recursos naturais…Apesar de constituir
um movimento de forte conteúdo interno, o desenvolvimento local está inserido em uma
realidade mais ampla e complexa, com a qual interage e da qual recebe influências e pressões
positivas e negativas. Dentro das condições contemporâneas de globalização e intenso
processo de transformação, o desenvolvimento local representa também alguma forma de
integração econômica com o contexto regional e nacional, que gera e redefine oportunidades e
ameaças (Buarque e Bezerra, 1994), exigindo competitividade e especialização”.(Grifos do
autor).
344
pressuposto de que os problemas das pequenas cidades não são apenas
aqueles que historicamente lhe são atribuídos, especialmente os de cunho
ambiental, propomos o rompimento desse paradigma, afirmando que os
problemas da pequena cidade devem ser encarados como problemas
ecológicos.
Esse novo paradigma proposto, baseia-se na visão mais global que
envolve e determina o caráter ecológico. Por ecológico percebemos toda uma
rede de relações, que vão da ótica político-econômica e político-administrativa,
às sociais, culturais e ambientais, de uma determinada área, região, e mesmo
microrregião ou lugar. Assim, os dilemas da pequena cidade devem e podem
ser encarados ecologicamente a partir da cooperação de municípios em uma
interligação microrregional mais eficiente e que trate de problemas comuns de
maneira conjunta
245
.
Observando que as Associações Municipais são uma maneira eficiente de
cooperação intermunicipal e que os consórcisos intermunicipais também
exercem um papel fundamental na articulação e cooperação entre municípios,
também observamos que estas reúnem municípios muito díspares enquanto
características populacionais, redes de serviços públicos, lazer, produção
econômica e poderio político, regional e nacional
246
. Tal modelo de cooperação
leva em consideração aspectos referentes ao continuum territorial, bacias
hidrográficas e aspectos de afinidade ambiental. Tais associações são de
grande valia, contudo não são plenas. Os municípios que encerram pequenas
cidades não se “interligam” plenamente, sendo em alguns aspectos, alijados
das benesses dessa cooperação.
245
O que entendemos ser uma necessidade dos municípios, mais que vontade política.
Corroboramos, então, as afirmações de Camargo (2003, p. 143): Radicalizar o processo de
descentralização foi uma opção afinada com a vontade nacional de quebrar o ciclo das
descentralizações incompletas, que apenas transferiam o poder federal para o estadual sem
trazer, de fato, para as localidades, os instrumentos de governo capazes de resolver os
problemas da população no lugar e nas condições em que vivem. Em outras palavras, se o
poder municipal foi necessário, revelou-se também insuficiente para resolver as graves
demandas de infra-estrutura e para promover a melhoria das políticas sociais. Efetuou-se,
dessa forma, um visível isolamento do Município, cioso de sua autonomia no plano vertical
frente ao governo do Estado; mas também cioso de sua autonomia em relação ao poder civil e
aos Municípios vizinhos, com os quais tendeu a cooperar de maneira frágil, esporádica e
descontínua.”
246
Levando em consideração apenas a AMVAP e o CIS/AMVAP temos como associados
municípios com população, em 2007, que variam de quase 700.000 habitantes (como
Uberlândia), 120.000 habitantes (Araguari), até Grupiara com 1.412 habitantes.
345
Assim, propomos que a articulação microrregional se faça a partir de um
modelo de menor escala, espacial e territorialmente
247
, e assim mais coeso, do
ponto de vista operacional e político
248
. Para isso, os municípios devem possuir
tamanho populacional semelhante, um histórico de articulação microrregional
comum e uma contiguidade espacial e territorial. Uma cooperação
microrregional que os fortaleça, obedecendo ao caráter específico de nossa
Constituição Federal e do pacto federativo sui generis que conforma o território
brasilierio. E com isso uma proposta diferente daquelas fórmulas exógenas -
que deram certo em outros países -, mas que no Brasil, com as
particularidades da federação tripartite, com a autonomia municipal
249
fortalecida pela Constituição Federal de 1988, não são totalmente eficazes.
O microrregional brasileiro é diferente por essência e caracterização
jurídica. Assim, a governança desse modelo de cooperação proposto, passa
essencialmente pelo entendimento da organização do DSM como uma
247
Concordamos, assim, com as alegações de Buarque (1999, p. 10-11), quando afirma que:
“As experiências bem-sucedidas de desenvolvimento local (endógeno) decorrem, quase
sempre, de um ambiente político e social favorável, expresso por uma mobilização, e,
principalmente, de convergência importante dos atores sociais do município ou comunidade em
torno de determinadas prioridades e orientações básicas de desenvolvimento. Representa,
neste sentido, o resultado de uma vontade conjunta da sociedade que dá sustentação e
viabilidade política a iniciativas e ações capazes de organizar as energias e promover a
dinamização e transformação da realidade (Castels e Borja, 1996).O conceito genérico de
desenvolvimento local pode ser aplicado para diferentes cortes territoriais e aglomerados
humanos de pequena escala, desde a comunidade e os assentamentos de reforma agrária, até
o município ou mesmo microrregiões homogêneas de porte reduzido…”
248
Alguns benefícios desse modelo são sugeridos por Rocha e Faria (2003, p. 13)quando
afirmam que : a constituição dos consórcios intermunicipais se dá nos mais diferenes âmbitos
e para o exercício de funções diferenciadas, como por exemplo: recuperação e proteção
ambiental; provimento de serviços públicos, como tratamento e destinação do lixo, cultura,
lazer, educação e merenda escolar; realização de obras públicas; agricultura; ‘atividades-meio’,
como capacitação profissional e informática; e desenvolviemento sustentável.” E para Camargo
(2003, p. 142), os benefícios desse tipo de cooperação municipal são: “Políticas de
saneamento básico, especialmente o tratamento de esgoto e de lixo, moradia popular, proteção
ambiental dos ecossistemas, melhoria dos transportes de massa ou da rede de estradas
vicinais, racionalização dos serviços de saúde e do ensino técnico e universitário são alguns
exemplos de iniciativas que se viabilizam, com muito mais facilidade por meio da cooperação
do que pela competição predatória…”
249
Segundo Camargo (2003, p. 141) : Nos períodos de exceção, como o Estado Novo (1937-
1945) ou o regime militar (1964-1985), a legislação federal favoreceu a administração
municipal, mesmo sob tutela, e introduziu a cunha do federalismo cooperativo, aumentando
sua influência direta em detrimento dos Estado. Essa foi a melhor maneira de extrair o poder
excessivo que exerciam sobre os Municípios que giravam em sua órbita e de aumentar sua
ingerência nas políticas locais. No entanto, a verdadeira carta de alforria dos Municípios
ocorreu, de fato, com as grandes mudanças introduzidas pela Constituição de 1988. Sua
primeira inovação é dar absoluta prioridade, em seu artigo 3º, à redução das desigualdades
sociais e regionais, reconhecendo nas relações territoriais um fator crítico de correção das
distorções existentes. Outra inovação de notável importância foi conceder ao Município a
condição especial de ente federativo, como determina o Artigo 18 da Constituição Federal,
independentemente de condições mínimas de renda ou tamanho.”
346
organização espacial que se baseia na interação dos três setores da
sociedade: o Estado (União, estado, Estado-município social), as empresas
publicas e privadas e, fundamentalmente, a sociedade civil organizada.
Nos municípios analisados a refuncionalização já é notória: em Estrela do
Sul e Cascalho Rico, a grande oportunidade econômica e produtiva é
representada pela maior área de reflorestamento do Estado de Minas Gerais,
representante de uma gama enorme de oportunidades produtivo-empregatícia;
as granjas de aves e porcos se espalham pelos municípios de Estrela do Sul,
Cascalho Rico e Grupiara, rompendo e/ou articulando-se com a antiga
produção agropecuária; nos municípios de Grupiara e de Cascalho Rico o lago
da hidrelétrica de Emborcação é uma possível fonte de recursos e de geração
de novos empregos, a partir do turismo dos “mares interiores”; e, ainda, a partir
da estreita relação com o seu entorno rural, em que a vida, a cultura e a
gastronomia característica, podem ser encaradas como “recursos” e serem
explorados como fonte de turismo “do modo de vida”.
Contudo, para que essas possibilidades sejam de fato concretizadas no
plano da geração de novos empregos e oportunidade para a população dos
três municípios, a interação entre os setores da sociedade ser evidente e de
constituição efetiva. A partir dessa interação é possível a exploração racional
dos recursos disponíveis na área microrregional. E para isso, o DSM necessita
da articulação dos setores sociais que conformam a microrregião de Estrela do
Sul, Grupiara e de Cascalho Rico. Isso se aplica devido ao fato de
percebermos que uma maior efetivação de empregabilidade – com aumento de
fábricas têxteis, empresas madeireiras, serrarias, granjas e de alocação de
segundas residências - e absorção de pessoas, implica em aumento dos
gastos e de responsabilidades sócio-econômicas do Estado-município social,
não somente de um, mas dos três municípios.
Contudo, o fortalecimento dos muncípios a partir da CF de 1988 implica,
ás vezes, também em resistências para com estas fórmulas de cooperação
municipal. O caso de Cascalho Rico é exemplar. Este município retirou-se da
AMVAP e do CIS/AMVAP por não concordar em pagar pelos serviços
prestados pela Associação de Municípios e pelo Consórcio Municipal de
Saúde. Não obstante, o motivo alegado pelos agentes políticos do município de
Cascalho Rico não se justifica, pois o montante de recursos e seu PIB/per
347
capita é o maior dentre os seus pares na microrregião (e no Brasil). O ponto
central da questão é a autonomia desse município e o montante volumoso de
sua arrecadação mensal e anual, que assim pode “bancar” sozinho os serviços
sociais oferecidos à população e, dessa forma, potencializar o Estado-
município social, via assintencialismo e patrimonialismo dos agentes políticos
do município.
Assim, o papel da base, do cidadão, mostra-se mais que necesssário.
Somente com um movimento da sociedade civil, o Estado-município social
poderá ser modificado para uma forma que ultrapasse a relação patrimonialista
e assistencialista, que é o seu maior entrave
250
. A constituição do Estado-
município social, nos padrões de relação direta com a população e de promotor
de integração explícita com os habitantes da pequena cidade, não constitui um
fator deléterio. As relações de uso e de arbitrariedade desse Estado-município
social é que são. E essas esgotam seu papel no século XXI, pois já se
encontram insuficientes para eliminar as crises sociais, políticas e econômicas
dos municípios que encerram pequenas cidades.
Portanto, percebemos, a partir da análise das realidades dos municípios
de Estrela do Sul, Grupiara e de Cascalho Rico, que os maiores problemas das
pequenas cidades não são derivados da falta de recursos
financeiro/econômicos. O maior problema da pequena cidade deriva de
questões políticas e das relações político-administrativas que encerram um
Estado-município social que se fortalece na nova roupagem municipal
250
Acerca desse assunto é interessante a análise que Buarque (1999, p. 26) estabelece: A
descentralização facilita, significativamente, a participação da sociedade nos processos
decisórios, e pode, portanto, constituir um passo muito importante para a democratização do
Estado e do planejamento. A escala municipal e comunitária cria uma grande proximidade
entre as instâncias decisórias e os problemas e necessidades da população e da comunidade,
permitindo uma maior participação direta da sociedade, reduzindo o peso e as naturais
mediações dos mecanismos de representação. Fortalece o poder local e amplia as
oportunidades do cidadão na escolha das suas alternativas e na decisão sobre seu destino.
Entretanto, quanto menor a escala espacial das decisões, maiores tendem a ser a influência
das forças locais e a proximidade da estrutura de poder, com todas as implicações sobre os
interesses diferenciados da sociedade e sobre a democracia. Como é sabido, nos planos
municipal e local, domina uma cultura política tradicional, clientelista, paternalista e autoritária,
controlada pelas oligarquias, que passariam a assumir o controle das políticas e atividades
descentralizadas. A descentralização tem um efeito contraditório sobre a democracia e a
participação: de um lado, transfere autoridade e a responsabilidade decisória para as forças
políticas dominantes nos microespaços, tendendo a reforçar as estruturas de poder local; de
outro lado, contudo, estimula o envolvimento e o interesse das comunidades e dos atores
sociais, promovendo a consciência da sociedade e a reeducação política no município e na
comunidade. Assim, prepara as condições para uma efetiva e profunda mudança da cultura
política e ajuda na consolidação da democracia e da gestão participativa.” (Grifos do autor).
348
determinada pela Constituição Federal de 1988, que promoveu uma
estruturação federativa sui generis, em que o muncípio ganha novos contornos
e autonomia. O Estado-município social, resultado acabado da “simbiose” que
se promoveu pela aglutinação de dois fatores determinantes, é herdeiro do
estamento político como alegado por Raimundo Faoro. Contudo, suas raízes
sociais e de afinidade entre a população e o poder público, podem ser
potencializadas e canalizadas para uma mais bem definida cooperação
intermunicipal.
Portanto, o DSM pode vir a ser uma saída para alterar o papel
inconveniente e insuficiente desse Estado-município social. Contudo, apenas a
pressão de uma sociedade civil organizada será capaz desse feito. E o papel
constitucional para isto é representado pelos Conselhos Municipais, e o papel
da modernidade organizacional é representado pelas Organizações Não-
governamentais. Assim, a partir do fortalecimento dessas formas de
representação da sociedade civil é que a anomia e o homem cordial da
pequena cidade, poderão desaparecer e, finalmente, a sociedade civil poderá
influir de maneira mais incisiva sobre os rumos de sua vida, de sua
comunidade e de toda a sociedade brasileira. E assim a democracia deixará de
ser um lamentável mal-entendido na pequena cidade
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.
251
Parafraseando Holanda (2004).
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368
ANEXOS
ANEXOSANEXOS
ANEXOS
Fonte: Fotografias de Estrela do Sul (alto) e da rodovia BR 050.
369
ANEXO 1
ENTREVISTA COM O PREFEITO MUNICIPAL DE CASCALHO RICO,
ESTRELA DO SUL E GRUPIARA
1) Quais as maiores dificuldades em administrar uma pequena cidade
como Cascalho Rico? Aponte, em ordem decrescente, ao menos três:
2) Quais os maiores problemas internos que a população da pequena
cidade sofre? Aponte em ordem decrescente ao menos três:
3) Em seu entender quais as maiores virtudes/vantagens em residir numa
pequena cidade? Aponte em ordem decrescente ao menos três:
4) Qual a arrecadação bruta ($) anual do município de Cascalho Rico?
5) Quais as fontes de arrecadação financeira do município?
a) Federais: __________________________________________________
b) Estaduais: _________________________________________________
c) Municipais: ________________________________________________
6) Qual sua opinião sobre a lei de responsabilidade fiscal?
7) Qual sua opinião sobre a lei “Robin Hood”?
8) Qual sua opinião sobre a municipalização dos serviços na pequena
cidade advinda com a constituição de 1988 e leis complementares?
9) Em sua opinião como resolver o problema de arrecadação financeira do
município?
10) Em sua opinião o assistencialismo é um problema ou faz parte da
“cultura” da pequena cidade? Explique.
11) Em sua opinião qual o maior problema em relação ao corpo técnico da
prefeitura (se esse tem adequação necessária para exercer as funções
burocrático-técnico exigida pelas leis que regem a administração pública
brasileira)?
12) Em sua opinião quais são as maiores virtudes e dificuldades no aspecto
político na relação prefeito\população em uma pequena cidade?
Virtudes
Dificuldades:
13) Em sua opinião quais as causas maiores para a maior rotatividade na
câmara de vereadores que no cargo de prefeito?
370
14) Quais as maiores vantagens advindas da criação da AMVAP e do CIS
AMVAP para a pequena cidade de Cascalho Rico?
15) Quantos conselhos municipais existem em Cascalho Rico? Qual sua
opinião sobre a formação dos diversos conselhos municipais instituídos nos
municípios brasileiros?
16) Quais as ações sociais desenvolvidas pela prefeitura municipal de
Cascalho Rico no momento?
371
ANEXO 2
PESQUISA E ENTREVISTA COM MORADORES DOS MUNICÍPIOS DE
ESTRELA DO SUL, CASCALHO RICO E GRUPIARA.
PESQUISA
Rg: _______________ Idade:________ _
Profissão:_______Sexo:_________
1) Renda familiar (salários):
a) 1 a 5
b) 5 a 10
c) Mais de 10
2) Se pudesse você mudaria para outra cidade?
a) Sim
b) Não
3) Se sim: Para qual cidade você mudaria?_______
4) Para você, quais os três maiores problemas em morar na sua cidade?
1) ___________-2) ____________
3) ____________
5) Para você, quais os três aspectos positivos em residir na sua cidade?
1) ___________
2) ____________
3) ____________
6) Você possui algum parente que trabalha na Prefeitura Municipal?
a) Sim
b) Não
Se sim, quantos?_______
7) Você realiza alguma atividade cultural (teatro, dança, Moçambique, congo, Reis, etc.)
a) Sim
b) Não
Se sim, qual?__________
8) Religião
a) católica
b) evangélico
c) outra
d) não tenho
9) Se tiver religião: você freqüenta as festas ou comemorações de sua religião?
a) Sim
372
b) Não
10) Você já viajou a passeio?
a) Sim
b) Não
11) Se sim: com qual freqüência?
a) Raramente
b) Sempre
12) Quais os últimos três locais que você visitou?
13) Com qual freqüência você visita o lago de Emborcação?
a) Raramente
b) Sempre
14) Como você utiliza o lago de Emborcação?
a) trabalho
b) pescaria
c) turismo/lazer
d) transporte
e) outros:
15) Onde (cidade) você ou sua família fazem as compras:_______.
16) Você participa da vida política de sua cidade?
a) Sim
b) Não
17) Se a resposta for sim: como?________
18) Você gosta mais
a) de política
b) das eleições
Por quê?._______________________________
19) Você já foi a uma sessão da Câmara de Vereadores?
a) Sim
b) Não
20) Você possui computador pessoal?
a) Sim
b) Não
21) Se não: Você já manuseou um computador?
a) Sim
b) Não
22) Você já acessou a Internet?
a) Sim
b) Não
23) Se a resposta for sim: com qual freqüência?
a) todos os dias
373
b) algumas vezes por semana
c) raramente
24) Você lê jornal?
a) Sim
b) Não
25) Se a resposta for sim: com qual freqüência?
a) Raramente
b) Sempre
Qual jornal?
26) Como você e sua família tomam contato com as notícias do Brasil e do mundo?
a) Televisão
b) Jornal impresso
c) Rádio
d) Internet
e) revista semanal ou mensal
f) Outros meios
27) Você ou alguém de sua família já necessitou de aviamento de receita médica pela
prefeitura?
a) Sim
b) Não
28) Se a resposta for sim: com que freqüência?
a) Raramente
b) Sempre
29) Você ou algum membro de sua família já utilizou combustível doado pela prefeitura?
a) Sim
b) Não
30) Se a resposta for sim: com qual freqüência?
a) Raramente
b) Sempre
31) Você ou algum membro de sua família já viajou em carros da prefeitura para outras
cidades?
a) Sim
b) Não
32) Se a resposta for sim: com qual freqüência?
a) Raramente
b) Sempre
33) Em sua família existe algum membro que recebe benefícios do governo?
a) Sim
b) Não
34) Se a resposta for sim, qual:
374
a) Aposentadoria
b) Pensão
c) Bolsa família
d) Outros benefícios. Qual:
35) Em sua opinião o que deveria ser feito para melhorar a sua cidade?
a) Mais emprego
b) Mais educação (faculdades, etc.)
c) Mais lazer
d) Mais esporte
e) Mais turismo
f) Nada, assim está bom.
36) Você conhece os distritos de sua cidade?
a) Sim
b) Não
37) E a zona rural?
a) Sim
b) Não
38) Nos finais de semana e feriados, quais as três atividades que você mais pratica? (Em
ordem de freqüência).
( ) Esporte
( ) Lazer (pescaria, caminhadas no campo, acampamento, etc.)
( ) Ir a lanchonete ou bar e tomar cerveja com amigos (as)
( ) Passear em outras cidades
( ) Passear em algum distrito de minha cidade
( ) Ficar em casa assistindo televisão
( ) Ficar em casa lendo ( livro, revista, jornal, etc.) ou estudando ( ) Outras.
Quais?____________
39) Você é natural da cidade?
a) sim b) não
40) Se for de outra cidade: quais os motivos que trouxeram você ou sua família a esta cidade.
375
Anexo 3: Antenas de Celular nos municípios de Estrela do Sul, Grupiara e
Cascalho Rico. Fotografias do autor. 2008.
Antenas de Celular da cidade de Grupiara
(esquerda) e de Estrela do Sul (direita) e de Cascalho Rico (abaixo).
376
Anexo 4: Antenas e antenas parabólicas nos municípios de Estrela do
Sul, Grupiara e Cascalho Rico. Fotografias do autor. 2008.
Em Estrela do Sul (direita e esquerda).
Em Estrela do Sul, direita e esquerda.
Em Grupiara (esquerda) e em Cascalho Rico (direita).
377
Anexo 5: Problemas urbanos (moradia e ambientais) no município de
Estrela do Sul. Fotografias do autor. 2008.
Casas em situação precária (acima, direita e esquerda), esgoto a céu aberto (abaixo à
esquerda) e poluição no rio Bagagem. Todas as imagens da cidade de Estrela do Sul.
378
Anexo 6 : POÇO ARTESIANO DA CIDADE DE GRUPIARA. FOTOGRAFIA
DO AUTOR. 2007.
Poço Artesiano da cidade de Grupiara – MG.
379
Anexo 7: Entevista do prefeito de Estrela do Sul sobre as ações sociais e
políticas sócio-produtivas da prefeitura municipal de Estrela do Sul
(2005-2008)
Formação do CRAS (Centro
de Referência da Assistência Social) que é uma espécie de
SUS da assistência social; a prefeitura promove vários cursos para geração de renda e
emprego (cursos de qualificação profissional como de panificação, confeiteiros,
bordados, etc.); 2- mais de 400 benefícios continuados (LOAS), com triagem realizada
pela assistente social da prefeitura e encaminhada para recebimento dos benefícios a partir do
Estado (Federal); inclusão do “Bolsa Família”, com triagem realizada pela prefeitura através
de sua assistente social; revisão de benefícios do INSS realizada pela assistente social da
prefeitura; doação de cestas básicas em parceria com o Estado (consórcio prefeitura com a
secretaria do Estado de Minas Gerais) com triagem realizada pela assistente social da
prefeitura; doação de cobertores a famílias carentes no inverno; Parceria blico Privado”
(PPP) municipal com CONDESESSUL (Conselho de Desenvolvimento Social de Estrela do
Sul), Ministério Público, COOGAVARB (Cooperativa dos Garimpeiros do Vale do Rio
Bagagem) e empresários, para a construção ou reforma do Lar dos Idosos (asilo o Vicente
de Paula), Casa da Cidadania e Velório Municipal (João Bacelar); incentivo, transporte, local e
som para a Terceira Idade; convênio com a Secretaria de Estado da Assistência Social com
contra-partida do município para construção das quadras de esporte dos bairros Alto São
Vicente e Mato Grosso; parceria município/Judiciário na implantação do projeto “Bom de
Tênis, Bom de Escola” para 50 crianças carentes e de difícil relacionamento social, inclusive
com pagamento de professores de tênis, construção e iluminação da quadra de Tênis
(Saibro), doação de uniformes, raquetes, calçados e viagens para disputar torneios; realização
do projeto “Taekwando” para crianças carentes com pagamento pela prefeitura de
professores, uniformes, material e local de treinamento; manutenção da escolinha de futebol
para todas as crianças com pagamento de professores, doação de material e pagamento das
viagens de competição e do campo de treinamento (água e manutenção); projetos de
cidadania em parceria com Ministério Público, Judiciário e órgãos estatais para atender aos
cidadãos na obtenção de carteira de identidade, título de eleitor, CPF, alistamento militar, etc.;
junto ao Hospital (Hospital Sebastião Paes de Almeida) a prefeitura paga todos os médicos
(plantões e ambulatoristas), energia elétrica, água, filmes de Raios X e líquidos, enfermeira
padrão, duas secretárias, uma serviços gerais, e uma subvenção mensal de sete mil reais,
além da reforma geral do prédio (200 mil reais do Ministério da Saúde e contrapartida e
aditamento de oitenta mil reais da prefeitura); junto à APAE a prefeitura realiza uma
subvenção de 600 reais mensais, doa todo combustível mensal e paga os salários de 40% dos
funcionários; junto a cadeia pública estadual a prefeitura paga os salários de todos os agentes
penitenciários (que são funcionários da prefeitura municipal) e doa todo o mobiliário; através
de convênio a prefeitura municipal doa praticamente todo o combustível das polícias civil e
militar; para as escola Estaduais a prefeitura doa funcionários, realiza o transpote escolar (na
sede municipal e nos distritos) e realiza pequenas reformas nos prédios; a prefeitura municipal
aplica recursos na saúde acima da meta estabelecida pela Emenda 29 (que prega os 15% do
380
orçamento municipal para a saúde), fornece, ainda, medicamentos, exames, transporte (para
consultas ou internações a partir dos TED ou emergências médio-hospitalares com três
ambulâncias para outras cidades); na área da educação a prefeitura complementa a merenda
escolar com hortaliças e outros alimentos, doa todo o transporte escolar (das áreas rurais, dos
três distritos e da sede municipal), doa uniformes, material escolar para todos os alunos da
rede municipal, recupera todos os prédios escolares com verbas estadual, federal e
especialmente verbas municipais (a exemplo do aumento do número de salas de aula,
bibliotecas, melhoria nos prédios mais antigos); melhoria dos monumentos históricos (dentro
do possível) (sic); criação da Cooperativa dos Garimpeiros (COOGAVARB) e parceria e ajuda
permanente, não somente financeira mas especialmente estratégica, para o atendimento de
todos os garimpeiros, doação do local da cooperativa, pagamento dos salários dos
funcionários da cooperativa, realização de campanhas de conhecimentos ambientais,
reflorestamento de árvores nativas, tapa buracos (das lavras antigas e novas dos garimpos)
conjuntamente aos garimpeiros; na área rural a prefeitura realiza parceria nas construções das
granjas de Peru, frangos e porcos, ainda auxilia com máquinas de terraplanagem; a prefeitura
adquiriu recentemente dois caminhões, duas ambulâncias e dois automóveis utilitários; a
prefeitura incentiva o futebol amador e outros esportes da cidade com constante ajuda para
vários campeonatos e ainda ajuda doando todo o material esportivo, mantendo os campos de
futebol e as quadras esportivas, doa troféu, realiza o transporte dos atletas, etc.; doa
passagens de ônibus para a população carente, caixões e melhoria em suas moradias;
implantação com a desapropriação de terrenos para a construção de casas populares (no
distrito de Dolearina foram 86 lotes doados, no distrito de São Félix 60 lotes e na sede
municipal foram 200 lotes e várias casas doadas pela prefeitura municipal; construção de três
praças; asfaltamento da sede municipal (90% de toda área urbana) e distritos; assistência
jurídica à população carente através da Defensoria Pública municipal; atendimento e
acompanhamento de crianças e adolescentes através do Conselho Tutelar; conferências da
Assistência Social com delegados representando o município frente o Estado; parceria com
Poder Legislativo, escolas estaduais para ministrar cursos sobre drogas, doenças
sexualmente transmissíveis, sobre leis, teatro, etc.; conclusão do Plano Diretor do Município
(parceria Universidade Federal de Uberlândia e prefeitura municipal); realização da festa de
aniversário da cidade com Festa do Peão, “virada” do ano (Reveillon) com entrada “franca” em
todos os eventos (com shows” e bandas); a prefeitura ainda arca com aporte financeiro em
cirurgias de urgência ou eletivas, exames simples ou sofisticados (necessários), para a
população carente que não se consegue pelo SUS; paga fisioterapia; realiza transporte de
pacientes carentes que tenham doenças crônicas; criação e manutenção de dois PSF
(Programa Saúde da Família) com atendimento a toda a população (com controle de
hipertensão, diabetes, vacinação, atendimento na residência dos acamados, incentivo ao
aleitamento materno etc.); a prefeitura municipal realiza o transporte de todos os universitários
para Uberlândia (aos sábados), Araguari, Monte Carmelo (todos os dias).”
381
Anexo 8
:
Entevista do prefeito de Cascalho Rico sobre a
ções sociais e
políticas sócio-produtivas da prefeitura municipal de Cascalho Rico
(2005
-
2008)
Promoção do Baile da Terceira Idade; melhoria de casas para a população carente;
manutenção de uma Colônia de Idosos; distribuição de cestas sicas para a população
desempregada; ônibus para transporte escolar (das escolas municipais e também para
faculdades em Araguari).
382
Anexo
9
: Imagem do município de Grupiara e sua proximidade com a área
do lago da hidrelétrica de Emborcação. 2008.
Fonte: Imagem extraída do sítio googleearth.com, em janeiro de 2008.
383
Anexo 10
:
FESTAS E FESTEJOS AO LONGO DO ANO
NO MUNICÍPIO DE
ESTRELA DO SUL – MG.
JANEIRO
- FOLIA DE REIS
6 de janeiro é o dia de Santos Reis.
As festas acontecem a partir do dia de dezembro e seguem durante todo o mês em
datas diversas. Há festas com as folias da sede do município e também dos distritos e
povoados, como: Água Emendada, Mata das Perobas, Dolearina e Santa Fé. No final sai a folia
mirim “Estrela Guia”, com 15 componentes.
As folias percorrem de casa em casa num período de 8 dias. A saída é na casa do
festeiro, com um almoço que é servido aos foliões e convidados. A chegada é na casa da
festeira com almoço ou jantar seguido de doces de leite e de outros tipos como aletria e frutas
também servidas a todos geralmente com um público maior. A entrega da folia segue sempre o
mesmo ritual: reza do terço e entrega da coroa pra os festeiros (o casal) do ano seguinte.
Figura 9: Fotografias da Folia de Reis e Festa a Santos Reis em Estrela do Sul.2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A.
384
-FESTA DE SÃO SEBASTIÃO
20 de janeiro.
Trata-se de uma festa religiosa celebrada pela Igreja Católica nas capelas de Santa
Rita da Estrela (com novenas, missa, procissão e barraca com bebidas, leilões, dança e
salgados) com lucro revertido à Paróquia.
Para as festas são escolhidos vários festeiros a cada ano e são realizadas na capela e
na praça em frente à igreja. As demais festas são no distrito de Dolearina, Chapada de Minas e
São Félix, com novenas, missa e procissões. A participação do poder público é direta,
estendendo-se aos preparativos estruturais, doação de recursos financeiros e liberação (e
pagamento) das extensões elétricas.
FEVEREIRO
- CARNAVAL
Desde a cada de 1930 os carnavais eram restritos a salões e a um blico seleto.
Sempre animados com bandas da cidade como a “União Jazz Band”, banda de música do
“Senhor Honorato Vieira”, “Banda de Música do senhor Elói Duarte”. Porém, por vinte anos,
entre as décadas de 1950 a 1970, as festas caíram no esquecimento quase completo.
Em 1974, a turma de série do Colégio Estadual “Robert Kennedy” reviveu o
carnaval, com a banda “A Prata da Casa”, dirigida pelo professor José Sebastião Aguiar, no
extinto Clube ARDAE até 1992. Em 1994, a prefeitura municipal de Estrela do Sul construiu o
“Balneário da Beija”, um espaço público de lazer às margens do rio Bagagem, local onde viveu
Dona Beija e popularizou o carnaval, sendo a partir da iniciativa do prefeito, uma festa popular
com entrada franca a todos os foliões da cidade e região.
385
Figura 10: Fotografias dos carnavais antigos (década de 1920 e 1930) e contemporâneos
em Estrela do Sul.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
- BÓIA-CROSS (evento do carnaval)
Uma atividade esportiva comum em período de verão, época em que as águas do rio
Bagagem aumentam o volume, com a descida de ia (câmara de ar de borracha) em que se
apóiam os aventureiros na descida sobre várias quedas d’água do rio em grande extensão do
seu percurso que vai do município de Irai de Minas à represa de Emborcação no rio Paranaíba.
Esta atividade mais comum dentro da área territorial do município de Estrela do Sul, que vai
das localidades da Erva até as Cataratas.
A partir de 2001, com iniciativa do diretor do Departamento de Esportes da prefeitura,
foi criado o “Bóia-cross”, evento especial do carnaval com disputas e entrega de prêmios aos
vencedores através do Departamento de Esportes da prefeitura.
386
Figura 11: Fotografia da descida de “bóia” no Rio Bagagem em Estrela do Sul. 2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
MARÇO
- DIA DO GARIMPEIRO
02 de março
A lei 764\04, de 22 de dezembro de 2004 instituiu no município de Estrela do Sul o
dia 2 de março como dia do Garimpeiro, data que lembra o achado do diamante Estrela do Sul
pela escrava Rosa, em 02 de março de 1853, na antiga Bagagem Diamantina. Esse diamante
foi o primeiro extraído no Brasil a ser aclamado mundialmente pelo seu peso e beleza
incomum. A partir de 2005 a COOGAVARB (Cooperativa Garimpeira do Vale do Rio Bagagem,
fundada em 2001 pelo Departamento Municipal de Meio Ambiente), comemora a data com
festas, palestras, doação de brindes aos mais de 400 garimpeiros associados. Tudo isto com
participação direta dos agentes públicos, desde a participação (“influência”) na eleição da
diretoria da cooperativa, até participação nas festas e eventos com recursos financeiros e de
387
organização estrutural dos eventos. A partir de 2007, pelo decreto municipal 45\06 de 30 de
novembro de 2006, o dia 02 de março passou a ser feriado municipal.
Figura 12: Fotografias das prestações de serviços aos Garimpeiros pela prefeitura e pela
cooperativa dos garimpeiros de Estrela do Sul. 2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
- DIA DE SÃO JO
19 de março
O início desta festa é ignorado, contudo segundo fontes orais, a festa acontece desde
o início do século XX, no povoado de Gamas, na capelinha de São José, em estilo colonial,
erigida no topo do pico Monte Carmelo, com início através da família Faleiros. Em todos os
anos no dia 19 de março acontece a missa e em seguida a corrida de cavaleiros que vem de
Estrela do Sul, Monte Carmelo, Romaria e demais localidades próximas.
388
- SEMANA SANTA
Desde 1854 com a criação da Paróquia Nossa Senhora Mães dos Homens. A parte
religiosa que vai do domingo de Ramos até o domingo de Páscoa tem a seguinte programação:
Domingo de Ramos
Missa: encenação teatral de Jesus em Jerusalém; procissão e Benção dos Ramos.
Figura 13: Fotografia da missa de Domingo de Ramos na Igreja Matriz de Nossa Senhora
Mãe dos Homens em Estrela do Sul em 2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
Segunda Feira Santa
Procissão do Depósito: os homens saem da Igreja Matriz em procissão com a imagem
de Nosso Senhor dos Passos e a deixa em local escolhido a critério da Paróquia. As
mulheres saem da Igreja Matriz com a imagem de Nossa Senhora das Dores e a deixa
em local definido pela Paróquia. Ambas as procissões são acompanhadas de cantos e
orações.
389
Figura 14: Fotografia da procissão da Segunda-Feira Santa em Estrela do Sul em 2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
Terça Feira Santa
Procissão do Encontro: os homens com a imagem de Nosso Senhor dos Passos e as
mulheres com a imagem de Nossa Senhora das Dores saem do local onde as
depositaram no dia anterior e vão em procissão até o pátio da Igreja de Nossa Senhora
de Fátima onde ocorre o encontro, alusão ao encontro de Jesus e Maria, a caminho do
Calvário. Em seguida, em um único cortejo seguem até a Igreja Matriz. Os cortejos são
acompanhados de cantos e orações.
390
Figura 15: Fotografia do encontro da procissão de Maria e de Jesus em Estrela do Sul
em 2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
Quinta Feira Santa
Encenação teatral da Paixão de Cristo: encenada por 120 atores amadores e técnicos
residentes no município. Esta encenação é composta pelos atos: conspiração; traição
de Judas; Santa Ceia e Lava Pés. E no interior da Igreja Matriz e em sua escadaria
ocorre a translação do Santíssimo Sacramento e adoração do Santíssimo Sacramento,
cerimônia religiosa a cargo da Paróquia.
Sexta Feira Santa
Nas escadarias da Igreja Matriz e em sua praça é encenada a “Paixão de Cristo” por
um elenco de atores e técnicos amadores tendo como principais atos: agonia no Horto
das Oliveiras; prisão de Jesus; flagelação de Jesus; arrependimento de Judas;
julgamento e condenação de Jesus; encontro de Jesus com Maria; morte na cruz e
canto de Verônica.
391
Procissão do enterro: todo elenco do teatro e os fiéis saem em procissão com as
imagens de Nosso Senhor Morto e Nossa Senhora das Dores pelas principais ruas da
cidade retornando à Igreja Matriz.
Figura 16: Fotografia da encenação da Paixão de Cristo na Semana Santa em Estrela do
Sul.2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
FESTA DO JUDAS: Sexta Feira da Paixão e Sábado de Aleluia.
A festa do Judas é um costume centenário desde a época da corrida do diamante, em
meados do século XIX. A partir da década de 1980, a queima do boneco do Judas, leitura do
testamento, festa com comida e malhação”, passou a acontecer apenas no distrito de Santa
Rita da Estrela, como um evento tradicional e puramente cultural apenas com os moradores
daquela localidade e, na sede do município passou a acontecer apenas o baile de aleluia em
ambiente fechado com bandas ou som mecânico.
Até a década de 1970, a festa era uma verdadeira farra. Durante toda a noite de sexta-
feira da Paixão para o sábado de aleluia, as pessoas, na maioria jovens entravam nos quintais
de propriedades particulares e carregavam” o que se encontrasse disponível, como carros,
peças, sucatas, porcos galinhas ou qualquer animal de estimação e o que mais pudessem
392
levar. Estes “produtos” eram depositados na praça central da cidade, onde ficavam expostos à
mercê dos curiosos que sem condenar louvavam a atitude dos farristas ou não tinham nenhum
compromisso de devolvê-los aos legítimos donos que, acostumados à tradição não lavravam
queixas na polícia e cuidava cada um de resgatar com serenidade os seus pertences.
Na noite do sábado de Aleluia, em praça pública, o grupo de farristas levavam o
boneco do Judas para um ponto onde o amarravam em um pau. Em seguida, diante de um
grande público faziam a leitura do testamento do Judas. Os objetos usurpados na noite anterior
eram deixados de forma simbólica para as pessoas da comunidade como herança. Os textos
eram rimados e carregados de humor, provocando gargalhadas aos presentes e, às vezes,
indignação por parte de quem os recebia, mas sempre ao final entendido como brincadeira
saudável que o evento tradicional a cada ano proporcionava. Após esse espetáculo o boneco
do Judas era queimado, quando se ouvia constantes estrondos, pois o boneco ficava sempre
recheado de bombas e fogos de artifício que fazia voar dele vários estilhaços.
Após 1995, quando o costume tradicional estava restrito ao distrito de Santa Rita da
Estrela, os jovens da sede municipal passaram a freqüentar a festa daquela comunidade
infiltrando veículos com sons automotivos. Em 2001, na praça principal da cidade, às 22 horas
da sexta-feira da Paixão, jovens da cidade e da região começaram a se concentrar até a meia-
noite, quando o boneco do Judas chega do distrito de Santa Rita da Estrela para levar o povo
para a festa. A partir da meia-noite chega o boneco no distrito e a festa prossegue até
amanhecer quando finalmente o boneco do Judas é queimado.
Atualmente o sentido religioso e cultural da festa se perdeu. E assim muito da tradição
também. O evento, divulgado na Internet, concentra mais de 5.000 pessoas, tornando-o um
evento puramente comercial e turístico, com exploração de estacionamentos, bares, tendas,
ambulantes e uma infinidade de sons automotivos o que acaba por se transformar numa
“Babel” sonora e grande confusão de estilos e gostos musicais. Sem vida é uma grande
festa, aberta ao público e entrada franca, que vem crescendo de forma extraordinária.
393
Figura 17: Fotografias referentes à festa do Judas no Sábado de Aleluia em Estrela do
Sul. 2005-2007.
394
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
MAIO
- FESTA DE SANTA CRUZ
03 de maio
A festa é em louvor da Cruz, símbolo do cristianismo e instrumento amplamente
divulgado e reverenciado no catolicismo. O ritual religioso inicia-se com uma
novena no dia 24 de abril e vai até o dia 02 de maio. No dia 03 de maio, dedicado à
Santa Cruz, é celebrada a Santa Missa e também são realizadas procissões. Em
alguns locais barraquinhas com prendas e leilões e danças durante os dias de
novena. No dia da festa costuma-se oferecer comidas e doces e um baile à noite,
sempre na zona rural do município de Estrela do Sul.
Festa de Santa Cruz no Cruzeiro (Bairro Barro Branco em frente ao cemitério): não
registro exato de quando começou esta festa. Segundo fontes orais ela existe
desde o final do século XIX. Até o final da década de 1990, o cruzeiro ficava
fincado na rua principal do bairro, tendo como moradores, em sua maioria
presbiterianos. O povo católico, em respeito, decidiu mudar o local do cruzeiro,
colocando-o ao lado do cemitério, onde até hoje é celebrada a festa. No local foi
erguida uma pequena e bela capela em homenagem a Nossa Senhora das
395
Graças.
Festa de Santa Cruz da Lagoa: Lagoa é uma comunidade rural do distrito de
Dolearina. Após a reza do terço, durante as novenas, ocorre os leilões de prendas
e depois um baile. No dia da festa, após o terço, são distribuídas comidas e doces
para os católicos presentes.
Festa de Santa Cruz do Pai Joaquim: Pai Joaquim é uma comunidade rural do
distrito de Dolearina. Durante as novenas, após a reza do terço leilões de
prendas e bailes. No dia da festa tem um terço, comidas e doces para os católicos
presentes.
FESTA DE SANTA RITA (distrito de Santa Rita da Estrela)
22 de maio
A devoção a Santa Rita vem desde 1852, quando teve início a construção do templo
católico na localidade denominado de Joaquim Antônio, hoje distrito de Estrela do Sul
denominado de Santa Rita da Estrela. A festa antecedida de novenas, as quais têm a reza do
terço e leilões de prendas culmina no dia 22 ou às vezes num domingo próximo, com missa e
procissão com a imagem de Santa Rita de Cássia. Nos três últimos dias barraca com
bebidas e bailes e a renda é revertida para a Paróquia de Nossa Senhora dos Homens pelos
casais de festeiros. Os agentes públicos e a prefeitura oferecem a infra-estrutura e ajuda nos
diversos ônus da festa.
FESTA DE NOSSA SENHORA MÃE DOS HOMENS
31 de maio
Nossa Senhora Mãe dos Homens é a padroeira da cidade de Estrela do sul. Segundo
registros em 1850 foi rezada a primeira missa no povoado minerador diamantino da Bagagem.
Em 1854 foi criada a Paróquia de Nossa Senhora Mãe dos Homens pertencente ao bispado de
Goiás. A partir daí foi erigida a Igreja Matriz em homenagem a padroeira. Logo após a
construção da Igreja Matriz, a festa de Nossa Senhora dos Homens passou a ser comemorada
com rezas de terços durante todo o mês de maio, o chamados de Maria, sendo o
encerramento no dia 31 com missa e coroação de Nossa Senhora. Durante todo o mês havia
oferecimento de flores por irmandades e devotos do município e leilões e quermesses.
A partir da década de 1960, a devoção ficou restrita a novenas e o dia da festa, com
barracas nos três últimos dias com leilões, bingos e bailes, como é até os dias atuais,
organizada pelos festeiros. Já na cada de 1980, o dia da festa com missa, procissão e
coroação de Nossa Senhora e barracas de festas não tem obedecido ao dia 31, dia da
padroeira, embora seja feriado municipal. A festa sempre culmina no último final de semana
próximo ao dia da festa podendo até ser encerrada nos primeiros dias de junho. Esta é uma
das festas em que o poder público municipal investe infra-estrutura e aporte financeiro
juntamente com os festeiros para que saia a contento da população da sede municipal.
396
Figura 18: Fot
ografias da festa em louvor a Nossa Senhora Mãe dos Homens em 2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
JUNHO
“CORPUS CRISTI
O evento religioso existe desde a criação da Paróquia em 1854, com procissão e
missa. Na procissão, o celebrante carrega o ostensório, uma peça foliada a ouro com
desenhos simbolizando um raio de sol, tendo ao centro a hóstia consagrada representando o
corpo de Cristo. A procissão sai sempre à tarde, precisamente às 17 horas, saindo de uma
Igreja do centro da cidade em direção à Igreja Matriz.
Durante as décadas de 1980 e 1990, sob a coordenação da Congregação das Irmãs
Dominicanas da Anunciata e da direção da escola estadual Robert Kennedy as ruas eram
decoradas com tapetes artesanais com temas religiosos. A partir do ano 2000, sem a
participação das instituições citadas, o evento se restringe apenas à procissão e missa, com
número cada vez menor de participantes.
FESTAS JUNINAS
As festas populares do s de junho são realizadas em homenagem a Santo Antônio
(dia 13), São João (dia 24) e São Pedro (dia 29). Essas festas religiosas são realizadas nas
397
residências em que acontecem os terços acompanhados de fogueiras, batismos, quitandas,
pipocas, quentões e a elevação do mastro com a bandeira do santo preferido da família.
Não se sabe ao certo quando teve início esse costume em Estrela do Sul, segundo
relatos orais, trata-se de um costume centenário. Ainda hoje um costume de pessoas, ao
amanhecer do dia de São João, dirigir-se à beira da água de um córrego ou rio e mirar na água
procurando ver a sua imagem e depois mergulhar nas águas em busca da proteção do santo.
Segundo a lenda, a pessoa que não conseguia ver a sua imagem não estará viva no próximo
ano.
Até a década de 1970 esse costume foi mais forte, inclusive com simpatias a Santo
Antônio em busca de casamentos. Outro fato comum nessa época era o de assar batata doce
nas fogueiras. Outro fato curioso acontecia quando algumas pessoas passavam descalças
sobre as brasas incandescentes dos restos das fogueiras em um ato de fé ao santo do dia.
Além da parte religiosa, as escolas, instituições e entidades realizam as festas juninas
sem cater religioso. São quermesses, geralmente com fins lucrativos com o objetivo de
angariar fundos para a instituição. Nesses eventos culturais ocorrem bailes, comidas típicas e
quadrilhas. O evento estende-se durante todo o mês de junho e vai até a primeira semana de
julho.
DIA DO EVANGÉLICO
18 de junho
O evento aconteceu pela primeira vez em 18 de junho de 2006 com a participação de
várias igrejas: Igreja Presbiteriana, Igreja Metodista Unida, Igreja Pentecostal assembléia de
Deus Missão, Igreja Pentecostal Assembléia de Deus Madureira e Igreja Casa da Bênção.
Na festa houve uma passeata (marcha) do distrito de Santa Rita da Estrela até a sede do
município e na praça central, com um culto, foi encerrado este fato inédito.
A data foi instituída no município através da lei municipal 803\06 de 27 de abril de
2006 em homenagem à organização da Igreja Presbiteriana, a primeira da cidade fundada em
18 de junho de 1893. E a partir do ano de 2007 pelo decreto de nº 45\06 de 30 de novembro
de 2006, a data se torna feriado municipal.
398
Figura 19: Fotografia do dia do Evangélico em Estrela do Sul em 2007.
Fonte: Secretaria de Cultura de Estrela do Sul
Fotografia de Flávio Pereira de Barros
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
JULHO
FESTIVAL DE INVERNO
A ONG “Estrelas e Bagagens” realizou nos anos de 2002 e 2003 o Festival de Inverno
de Estrela do Sul com atrações culturais como apresentações de sicas de raiz sertaneja e
teatro. O evento contou com a participação de várias entidades do município que montara
barracas e ofereceram comidas e produtos típicos da cidade e do município. Este evento teve a
plena colaboração (financeira e de infra-estrutura) do poder público e dos agentes políticos do
município.
SETEMBRO
ANIVERSÁRIO DA CIDADE
19 de setembro
A festa cívica da cidade sempre ocorreu no dia 30 de maio, data em que aconteceu a
emancipação, pela lei imperial nº 777 em que a freguesia da Bagagem é elevada a vila
399
desmembrando-se da Vila de Patrocínio. Em 1956 aconteceu a grande festa do centenário de
Estrela do Sul. em 1962 e 1963 os prefeitos decretaram 19 de setembro como o dia da
cidade em comemoração a lei 1101 que eleva a Vila da Bagagem a categoria de cidade em
1861. A partir daí o aniversário da cidade passou a ser comemorado sempre em setembro,
com eventos culturais e desfile cívico. Em final da década de 1980 teve inicio a festa do Peão,
fazendo parte das festividades juntamente com desfile cívico e “shows” musicais em praça
pública.
Figura 20: Fotografias da festa de aniversário da cidade de Estrela do Sul e da Festa em
praça pública em 2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
FESTA DO PEÃO
Em 1992 aconteceu a primeira grande festa do Peão de Estrela do Sul em
comemoração ao aniversário da cidade. Com o tempo o evento foi tomando forma e
atualmente é um dos maiores eventos da região. A festa que acontece no distrito de Santa Rita
da Estrela é com entrada franca e conta ainda com parque de diversão, boates e outros
eventos. A festa é totalmente financiada pelo poder público e conta com o imprescindível
aporte da prefeitura para sua realização.
400
Figura 21: Fotografias da Festa do Peão em comemoração ao dia da cidade de Estrela do
Sul. 2004-2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
OUTUBRO
FESTA DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
Essa festa teve início provavelmente em 1954, ano da inauguração da capela em
homenagem a Nossa Senhora de Fátima, construída pelo padre João Maria Valim, dom
doações da comunidade e do poder público. A festa geralmente acontece nas duas últimas
semanas do mês de outubro em dez dias, incluindo novenas e o dia da festa que culmina com
a procissão e coroação de Nossa Senhora. Nos três últimos dias barracas com leilões,
bingos, bares e danças. Nas praças próximas à capela fica alojada grande quantidade de
barraquinhas vendendo produtos diversos. Também nessa festa ocorre o aporte financeiro e de
infra-estrutura da prefeitura e dos agentes políticos da cidade.
401
Figura 22: Fotografias da festa em louvor a Nossa Senhora de Fátima em 2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO E SÃO BENEDITO
No distrito de Santa Rita da Estrela, segundo documentos da segunda metade do
século XIX, os festejos em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito já vinham
acontecendo através dos escravos que homenageavam os seus santos protetores. Ainda
segundo o livro de Tombo, duas capelas foram erguidas em homenagem a Nossa Senhora do
Rosário. Uma em 1865 na sede do município e outra em 1870 no distrito de Santa Rita da
Estrela (antigo Joaquim Antônio), sendo esta o único exemplar existente do século XIX como
edificação religiosa.
Ainda hoje nesta capela acontece a festa de Nossa Senhora do Rosário e de São
Benedito. O evento conta com novena e coroação de Nossa Senhora do Rosário pela
comunidade do referido distrito. No dia da festa é reunido grupos de Congo e Moçambiques,
que vem de outros municípios para também comemorar. Sem o auxílio do poder público esta
402
festa não teria o mesmo brilho.
Figura 23: Fotografias da festa de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, com
congados e moçambiques de Estrela do Sul em 2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
NOVEMBRO
CARNAESTRELA
O evento, um carnaval fora de época, teve início em 1997 com promoção da
Associação dos Moradores do Bairro Mato Grosso. Porém atualmente o evento é realizado por
várias entidades sempre com o aporte financeiro e ajuda na infra-estrutura por parte do poder
público.
“MISS” ESTRELA DO SUL (data móvel)
O evento é organizado com o objetivo de apresentar à sociedade a “Miss” da cidade.
Na festa onde sempre um baile de gala, vários convidados recebem homenagens de honra
ao mérito. É também um evento sócio-cultural que recebe aporte financeiro e de infra-estrutura
da prefeitura municipal.
DEZEMBRO
FESTA DA IMACULADA CONCEIÇÃO
08 de dezembro
No morro da bagaginha que fica no também bairro Bagaginha, acontece a festa desde
1902, data da construção da pequena e bela capela. As novenas têm início no dia 29 de
novembro e a festa acontece no dia 8 de dezembro. Durante as novenas há a reza do terço,
leilões e bingos. No dia da festa acontece a missa, procissão e coroação de Nossa Senhora.
No fim de semana que antecede a primeira novena ainda a tradicional capina do morro. Os
homens capinam e limpam as escadarias e as mulheres preparam e limpam a capela para as
celebrações da novena e da festa.
403
REVEILLON
As festas de reveillon aconteciam sempre em clubes e ambientes fechados. A partir de
2000 a festa se popularizou e passou a acontecer na principal praça da cidade com entrada
franca e a participação de bandas conceituadas na região, uma confraternização popular com o
total aporte financeiro e estrutural da prefeitura municipal.
Figura 24: Fotografias dos preparativos e do reveillon em Estrela do Sul em 2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
OUTROS EVENTOS FESTIVOS
RAINHA DO RODEIO
É a festa da escolha da garota que irá se apresentar no evento oficial da Festa do
Peão em setembro. A festa acontece geralmente em agosto ou início de setembro, em
ambiente fechado desde 1995, com ajuda da prefeitura municipal.
RAINHA DO DIAMANTE
Este evento teve início em 1990, idealizado por um grupo de jovens da Igreja Católica
e tem como maior objetivo idealizar a beleza do diamante de Estrela do Sul. Tem apoio
também da prefeitura municipal.
GAROTA KENNEDY
Acontece desde 1990 com apoio da prefeitura municipal de Estrela do Sul.
FESTA À FANTASIA
Acontece desde 1999 de forma particular, porém com apoio fundamental da prefeitura
municipal com aporte financeiro e de infra-estrutura e logística.
404
Figura 25: Fotografias da festa à Fantasia em Estrela do Sul em 2007.
Fonte: Arquivo fotográfico da Prefeitura Municipal de Estrela do Sul. Fotografia de Flávio P.
Barros.
Org.: BACELAR, W.K.A. 2007.
405
Anexo 11: FESTAS E FESTEJOS AO LONGO DO ANO NO MUNICÍPIO DE
GRUPIARA - MG.
JANEIRO
- FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO E SÃO SEBASTIÃO
São Sebastião é o padroeiro da cidade de Grupiara e os festejos a este santo
acontecem com a organização da Igreja e da população. A prefeitura ajuda com incentivos
financeiros e na promoção da viagem aos Moçambiques que tocam nas festividades.
MARÇO
- FESTA DE ANIVERSÁRIO DA CIDADE
Festa organizada e patrocinada diretamente pelo poder público.
MAIO
- FESTA DA FAMÍLIA
Festa organizada e patrocinada diretamente pelo poder público.
SETEMBRO
- FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO E SÃO SEBASTIÃO
É a segunda festa dedicada a estes mártires da Igreja Católica patrocinada pela Igreja
e elaborada pela população com aporte financeiro do poder público.
DEZEMBRO
- NATAL
No mês de dezembro a prefeitura realiza uma festa para comemorar o Natal e
confraternizar com toda a população. Esta festa acontece na praça central e toda a população
é convidada.
406
Anexo 12: FESTAS E FESTEJOS AO LONGO DO ANO NO MUNICÍPIO DE
CASCALHO RICO- MG.
FESTA de Nossa Senhora Aparecida
LOCAL: Igreja São João Batista
PERÍODO: Agosto e setembro
ORGANIZADOR: Comunidade
DESCRIÇÃO: O período de realização da festa é 30/08 a 09/09. No primeiro e último
dia, a cidade é acordada com canções tocadas pela Banda de Música Municipal.
FESTA de Nossa Senhora Rosa Mística
LOCAL: Igreja São João Batista
PERÍODO: Agosto e setembro
ORGANIZADOR: Comunidade
DESCRIÇÃO: O período de realização da festa é 30/08 a 09/09. No primeiro e último
dia, a cidade é acordada com canções tocadas pela Banda de sica Municipal. Durante a
comemoração reza-se terços na Igreja.
FESTA Nossa Senhora da Cabeça
LOCAL: Igreja São João Batista
PERÍODO: 14 a 24 de junho
ORGANIZADOR: Comunidade
DESCRIÇÃO: No primeiro e último dia, a cidade é acordada com canções tocadas
pela Banda de Música Municipal. Durante a comemoração reza-se terços na Igreja.
FESTA Nossa Senhora da Conceição
LOCAL: Igreja São João Batista
PERÍODO: Agosto a setembro
ORGANIZADOR: Comunidade
DESCRIÇÃO: O período de realização da festa é 30/08 a 09/09. No primeiro e último
dia, a cidade é acordada com canções tocadas pela Banda de sica Municipal. Durante a
comemoração reza-se terços na Igreja.
FESTA de Santa Luzia
LOCAL: Igreja São João Batista
PERÍODO: Agosto a setembro
ORGANIZADOR: Comunidade
DESCRIÇÃO: O período de realização da festa é 30/08 a 09/09. No primeiro e último
407
dia, a cidade é acordada com canções tocadas pela Banda de sica Municipal. Durante a
comemoração reza-se terços na Igreja.
FESTA de Santo Antônio
LOCAL: Igreja São João Batista
PERÍODO: 14 a 24 de junho
ORGANIZADOR: Comunidade
DESCRIÇÃO: No primeiro e último dia, a cidade é acordada com canções tocadas
pela Banda de Música Municipal. Durante a comemoração reza-se terços na Igreja.
FESTA de São João Batista
LOCAL: Igreja São João Batista
PERÍODO: 14 a 24 de junho
ORGANIZADOR: Comunidade
DESCRIÇÃO: No primeiro e último dia, a cidade é acordada com canções tocadas
pela Banda de Música Municipal. Durante a comemoração reza-se terços na Igreja.
FESTA de São Sebastião
LOCAL: Igreja São João Batista
PERÍODO: Agosto a setembro
ORGANIZADOR: Comunidade
DESCRIÇÃO: O período de realização da festa é 30/08 a 09/09. No primeiro e último
dia, a cidade é acordada com canções tocadas pela Banda de sica Municipal. Durante a
comemoração reza-se terços na Igreja.
FESTA do Divino Espírito Santo
LOCAL: Igreja São João Batista
PERÍODO: 14 a 24 de junho
ORGANIZADOR: Comunidade
DESCRIÇÃO: No primeiro e último dia, a cidade é acordada com canções tocadas
pela Banda de Música Municipal. Durante a comemoração reza-se terços na Igreja.
FESTA em Louvor a São Sebastião
LOCAL: Engenho Velho
PERÍODO: 11 a 20 de janeiro
ORGANIZADOR: Donizete Antônio de Paiva
DESCRIÇÃO: A festa em louvor a o Sebastião é realizada na região do Engenho
Velho, sendo conhecida regionalmente como “A Festa do Engenho Velho”. Reza-se o terço na
capelinha de todos os santos. No dia da festa 20 de janeiro é feito o sorteio nomeado o
festeiro do próximo ano. Distribuem-se doces de varias qualidades. Essa tradição é conhecida
408
em varias cidades.
FESTA Queima do Judas
LOCAL: Ruas da Cidade e Queima do Judas na Praça
PERÍODO: Sexta-feira da Paixão para sábado de Aleluia
ORGANIZADOR: Donizete Antônio de Paiva
DESCRIÇÃO: O Judas é um boneco confeccionado pelos moradores da cidade. Na
ocasião, pede-se aos visitantes: galinha, arroz e material para o jantar dos participantes do
evento. Ao amanhecer, já estão na praça, pendurado o Judas e os seus pertences.
409
Anexo 13: Fábricas de caixas, madeireiras e Granjas de Peru nos
municípios de Estrela do Sul e Cascalho Rico. Fotografias do autor. 2008.
Fábrica de caixas (esquerda) e madeireira (MADESTRELA) na cidade de Estrela do Sul
(direita).
Fábrica de caixas e madeireira na cidade de Cascalho Rico.
Granjas de Peru nos municípios de
Estrela do Sul (esquerda) e de Cascalho Rico (direita).
410
Anexo 14: Imagem do município de Estrela do Sul e sua proximidade com
a área de reflorestamento da SATIPEL. 2008.
Fonte: Imagem extraída do sítio googleearth.com, em janeiro de 2008.
411
Anexo 15: Imagem do município de Cascalho Rico e sua proximidade com
a área de reflorestamento da SATIPEL. 2008.
Fonte: Imagem extraída do sítio googleearth.com, em janeiro de 2008.
412
Anexo 16 : Garimpo de diamantes no município de Estrela do Sul.
Fotografia do autor. 2008.
Garimpo no município de Estrela do Sul.
413
Anexo 17: Lixões nos municípios de Estrela do Sul e Grupiara.
Fotografias do autor. 2008.
Lixão da cidade de Estrela do Sul
Lixão da cidade de Grupiara
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