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Eu sou de menor. Eu sou de menor. 70
Atravesso vitrô, Sou a vidraça quebrada
eu furo parede, pela pedra do adulto.
55 eu cavo buraco, Sou o rosto molhado na água da chuva.
eu salto muralha, Sou fliperama, sou barraco, a marquise,
eu miro no alvo, derrubo cigarro, sou dois olhos mordendo a luz da vitrina, 75
endireito cano de curva espingarda, Eu sou o trapo enxotado da loja,
sento na borda da escada rolante, o cara suspeito empurrando carrinho.
60 levanto os dois braços na montanha-russa. Sou o discurso jamais realizado.
Freqüento os cinemas da avenida Ipiranga, Sou a face clara da fortuna escondida.
e tudo que passa eu já sei de cor. Sou o cão magrela do epular desperdício. 80
Eu sou de menor. Sou o lado contrário do cabo da faca.
Nada tem graça. Sou a garrafa vazia jogada no mar
65 Às vezes me escalam para ser criança. que volta coberta de restos da morte.
É tarde demais. Eu sou a resposta que não espera perguntas.
Eu sou de menor. Aqui estou. Nada mais sinto. 85
Já morreu o sol da aurora da minha vida, Apenas digo: Cuidado!
saudades não tenho. Não sou criança. Meu nome é: de menor.
(In Jornal da Tarde. São Paulo, 9 out. 1985.)
VOCABULÁRIO
Balada
1
:
[Do provenç. ballada, ‘canção para bailar’.] S. f. 1. Canção para dançar, de estrutura variável.
Balada
2
:
[Do fr. ballade] S. f. 1. Pequeno poema narrativo de assunto lendário ou fantástico.
Carequinha:
Palhaço de três gerações de crianças, o grande mestre dos picadeiros e palcos do Brasil, começou sua
carreira em um programa da extinta TV Tupi, sediada no Rio de Janeiro.
Enxotar: 1. Afugentar, empurrando, batendo ou gritando; afastar. 2. Pôr fora; fazer retirar; expulsar.
Épula:
[Do lat. epulae.] S. f. p. 1. Festa ou banquete sagrado público por ocasião de funeral ou cerimônia
triunfal, na Roma antiga.
Vitrô:
[Equiv. a vitri-.] 1. Elemento de composição = ‘vidro’.
No texto Balada para não dormir, Lourenço Diaféria traz à tona um grande problema
social: a situação do menor abandonado, carente de bens espirituais (família, amor, carinho,
atenção, estudo, dignidade, auto-estima...) e bens materiais (casa, alimentação, roupa,
calçado...). Crianças e adolescentes cuja escola é a vida, com lições aprendidas, duramente,
nas ruas que lhes servem de moradia.
Veja que a situação nos é apresentada sob o ponto de vista do próprio menino de rua:
“Eu não sou criança. / Eu sou de menor”. Um “de menor” que se coloca numa condição
paradoxal: nega sua infância ao mesmo tempo que anseia por ela, com os olhos “mordendo a
luz da vitrina” que separa a sua existência da vida de outras, verdadeiramente, crianças. E
assim vão vivendo os “de menores”, não só no Brasil, mas em muitos outros países do nosso
planeta.
Tomando por base Balada para não dormir, redija um texto expondo a sua opinião
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sobre o tema abordado: a vida das inúmeras crianças de rua, sem direito à infância, a um
futuro digno, e obrigadas a “se arranjarem”, dia após dia, com o pouco que a vida lhes dá.
Observação importante: seu texto deverá ter um título e se constituir de no mínimo
20 linhas e no máximo 35.
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Por se tratar de alunos recém-egressos do Ensino Fundamental, não se explicita a tipologia predominante do
texto a ser produzido — a argumentativa — nem o seu formato — em prosa. Com base no conteúdo
ministrado pela maioria das escolas, pressupõe-se que os alunos investigados não possuam, ainda, o
conhecimento e o domínio necessários acerca do gênero dissertação argumentativa.