73
preservar. Esta constatação realmente dificulta a discussão a respeito do direito natural,
de sua amplitude e de seus conteúdos. Pois se precisa extrair de passagens
extremamente breves uma noção fundamental para a filosofia política hobbesiana.
A compreensão clara do que é o direito natural em Hobbes é fundamental para
saber se ele pode ser transferido ou se ele é inalienável. Porque se compreendermos,
por exemplo, que o direito designa diretamente alguma coisa, a vida, por exemplo, e
que, por ser um direito natural, o Estado de forma alguma pode cancelá-lo por completo
depois do pacto, então ele realmente pode fundamentar um direito de resistir. Isto por
que ele seria realmente inalienável, já que é natural, e está inscrito na natureza humana,
que é uma criação divina, e que o homem, portanto, o possui de forma radical antes do
Estado, ficando este impossibilitado de atentar contra a vida humana.
Mas se o pensarmos concebido por Hobbes de forma negativa, ou seja, somente
existe por que o Estado ainda não existe, porque ainda não existe nenhuma lei positiva
que limite a ação do homem, e que por isso, devido às características naturais do
homem, entre elas o medo, este indivíduo, de forma natural e instintivamente irá se
defender, então parece que ele não apresenta conteúdo suficiente para permanecer
depois do pacto. Ou seja, ele não constituiria uma instância suficientemente absoluta
para se manter dentro do Estado. Ele existe porque o Estado não existe e, portanto,
depois do Estado não pode permanecer. Entretanto, o que efetivamente ocorre a partir
da argumentação de Hobbes é justamente a permanência de parte desse direito natural
no Estado. O direito à resistência pode ser compreendido como aquela parte do direito
natural que é inalienável e, portanto, permanece após a instituição do Estado, e pode ser
compreendida como o direito de resistir à força que provoque ameaça à integridade.
“Em primeiro lugar, ninguém pode renunciar ao direito de resistir a quem que o ataque
pela força para tirar-lhe a vida, dado que é impossível admitir que através disso vise a
algum benefício próprio” (L, XIV, p. 115). Parece que desta forma se coloca aí uma
tensão entre a inalienabilidade (o fato de que ele permanece no Estado) e a
alienabilidade ( sentido negativo do direito). Ou seja, por um lado é difícil compreender
por que não se pode alienar completamente o direito em virtude de sua negatividade e,
por outro, ele é inalienável porque não se pode admitir a alienação da resistência à
força. Pode-se perguntar então se é possível pensar o direito natural como inalienável
apenas em virtude de seu conceito. A dificuldade nesta tarefa, como já propomos, é a
característica negativa do direito natural. Entretanto, se pensarmos que no momento do
contrato aliena-se o direito aos meios e não o direito aos fins, parece-nos que há uma