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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE
DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
DEPARTAMENTO DE PEDAGOGIA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
Condorcet: Luzes da Razão e
Instrução Pública
TIAGO ANDERSON BRUTTI
Orientador: Prof. Dr. Cláudio Boeira Garcia
IJUÍ, RS
2007
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4
TIAGO ANDERSON BRUTTI
Condorcet: Luzes da Razão e
Instrução Pública
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Educação nas Ciências, da
Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul, como exigência parcial
à obtenção do título de Mestre em Educação
nas Ciências: Direito.
Orientador: Prof. Dr. Cláudio Boeira Garcia
IJUÍ, RS
2007
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5
agradecimentos insculpem memórias e sentimentos
indiciam relações estabelecidas entre vidas afortunadamente
atravessadas, e amizades incondicionais que, cultivadas entre
escritos, discussões e charlas, perfumam
cotidianos e fortificam o espírito de exame
novos e velhos horizontes aparecem diante de luzes e sombras de
marcantes experiências e de cuidadosas reflexões
agradeço ao professor e amigo Cláudio Boeira Garcia,
Aristarco severo e judicioso
aos meus pais, queridos Elso e Eronilda, fincados como faróis nos
lugares onde estou e decido agir
aos examinadores e colegas de Academia, pela crítica leitura
de textos ou oitiva de discursos
e a todos aqueles que, próximos ou distantes, tornam
a existência um grande prazer
6
Uma constituição verdadeiramente livre, em que todas as
classes da sociedade gozem dos mesmos direitos, não pode
subsistir à ignorância de uma parte dos cidadãos, que não lhes
permite conhecer sua natureza e seus limites, obrigando-os a
pronunciar sobre o que não conhecem, de escolher quando não
podem julgar; tal constituição se destruiria por si mesma depois
de algumas tempestades, e se degeneraria numa dessas formas de
governo que não podem conservar a paz no meio de um povo
ignorante e corrompido
Jean-Antoine-Nicolas de Caritat (Condorcet)
7
RESUMO
O propósito desta investigação é examinar princípios filosóficos e apostas políticas
assumidas por Condorcet e esclarecer os termos nos quais se relacionam esses assuntos e
orientam as reflexões do autor sobre o tema instrução pública. Para o autor, compete à
instrução pública discutir sobre sentimentos morais, estimular o exercício das capacidades
humanas de aprender e de desenvolver as ciências e as artes, e incentivar a questionar, julgar e
reivindicar publicamente direitos de cidadania e de humanidade. Organizado em dois
capítulos, em “Razão, perfectibilidade e igualdade” o texto apresenta panorama de noções
filosóficas relacionando-as com a instrução e retomando, para tal, os temas constituição moral
e perfectibilidade do homem, desigualdades naturais e constituídas, razão e preconceito.
Temas-chave, porque através deles Condorcet explana seus argumentos, críticas e convicções
mais caras. O segundo capítulo “Instrução pública republicana” discute a instituição do
cidadão e o estabelecimento da instrução sob a égide do espírito público. Enfatiza que a
instrução pública favorece compromissos com a vida política e é decisiva para instituir e
preservar condições de liberdade, de igualdade e de humanidade nas sociedades humanas. As
considerações do autor parecem ecoar em apostas e expectativas hoje cruciais à vida política e
às instituições educacionais republicanas, ou seja, que releva instituir e ampliar espaços
públicos nos quais a razão humana possa ser exercida de modo alargado tendo em vista a
igual capacidade que, potencialmente, todos têm de pensar e de se relacionar politicamente
sob formas que não sejam as da intolerância e da dominação de uns sobre outros.
Palavras-chave: instrução pública - razão - república - cidadania
8
ABSTRACT
The purpose of this inquiry is to examine philosophical principles and political bets
adopted by Condorcet and to clarify the terms in which these subjects are related and guide
his reflections concerning the public instruction. According to Condorcet, it competes to the
public instruction to discuss moral feelings and to stimulate the exercise of human capacities
to learn and develop sciences and arts, as well as to encourage citizens to question, to judge
and to claim rights of citizenship and humanity publicly. Organized in two chapters, this text
presents in "Reason, perfectibility and equality" a prospect of philosophical notions relating
them with the instruction and retaking for such the themes: moral constitution of the human
beings, perfectibility, inequalities, reason and preconception. These themes are extremely
important because through them Condorcet explains his own arguments, criticisms and his
most valuable convictions. The second chapter, "The Republican public instruction",
discusses the citizen institution and the establishment of the instruction under the shield of
public spirit. It emphasizes that the public instruction favors political commitments and is
decisive to establish and preserve conditions of freedom, equality and humanity in human
societies. The Condorcet considerations seem to resound in bets and expectations that are
crucial nowadays for the political life and to the educational institutions of the Republic. That
is to say, it is relevant to establish and to extend public spaces in which the human reason can
be exercised in a vast way taking in consideration the equal capacity that, potentially, all have
to think and interact politically under forms that are not intolerance and domination of each
other.
Keywords: public instruction - reason - republic - citizenship
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Filosofia das Luzes, República e Instrução............................................................. 09
1 RAZÃO, PERFECTIBILIDADE E IGUALDADE......................................... 21
1.1 Constituição moral do homem e desigualdades.................................................21
1.2 Razão e preconceito........................................................................................... 33
2 INSTRUÇÃO PÚBLICA REPUBLICANA..................................................... 43
2.1 Propósitos e âmbito da instrução pública.......................................................... 43
2.2 República e instituição do cidadão.................................................................... 51
2.3 Escola republicana e espírito público (laicidade).............................................. 56
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 64
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 70
OBRAS CONSULTADAS.................................................................................... 74
10
INTRODUÇÃO
Filosofia das Luzes, República e Instrução
O propósito desta investigação é examinar princípios filosóficos e apostas políticas
assumidas por Condorcet e esclarecer os termos nos quais se relacionam esses assuntos e
orientam as reflexões do autor a respeito do tema instrução pública.
Jean-Antoine-Nicolas de Caritat (1743-1794), o Marquês de Condorcet, está incluído
entre aqueles pensadores e homens de ação intensamente envolvidos no auge dos
acontecimentos da Revolução de 1789. O Parlamento francês é cenário das atividades
políticas que integram seu cotidiano já nos primeiros anos revolucionários. Deputado que foi,
ele “se lança nos embates políticos e toma parte nos acontecimentos, nas decisões legislativas
importantes da grande época (1789-93); ele se põe à frente do partido republicano e redige em
1793 a primeira Constituição claramente republicana e democrática da França” (ALENGRY,
1971, prefácio, VII)
1
.
É no calor dessa época que escreve as Cinco memórias sobre a instrução pública
(1791-92), o Relatório e projeto de decreto sobre a organização geral da instrução pública
(1792), e o Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano (1793). Textos
nos quais aborda a instrução pública e suas relações com princípios da filosofia das luzes e
1
A livre tradução dessa citação e das seguintes, de textos escritos em língua francesa ou espanhola, são de minha
inteira responsabilidade.
11
temas afins, tais como sentimentos morais, razão, perfectibilidade, progressos, república,
espírito público e bem-estar da sociedade e dos indivíduos.
Característica comum nas intervenções dos philosophes é reconhecer novas
possibilidades de orientação às escolhas dos homens. Orientações essas que consistem,
sobretudo, em proposições, argumentações ou apostas na efetivação de preceitos, os quais,
submetidos ao “tribunal perene da razão” e judiciosamente justificados, dizem respeito aos
interesses dos indivíduos e de suas associações. Atentos às prementes questões políticas,
contribuíram decisivamente para instaurar o espírito de época do Iluminismo, cujas
convicções e apostas instigaram movimentos de combate aos privilégios e interesses de
dominação.
Ou seja, não só almejavam elaborar explicações acerca das sociedades e do mundo,
mas também modificar suas configurações
2
. Cassirer realça que o Iluminismo “não acredita
mais no privilégio nem na fecundidade do ‘espírito de sistema’: vê neste não a força, mas o
obstáculo e o freio da razão filosófica” (1994, p. 10). A filosofia já não significa “um domínio
particular do conhecimento situado a par ou acima das verdades da física, das ciências
jurídicas e políticas, mas o meio universal onde todas essas verdades formam-se,
desenvolvem-se e consolidam-se” (p. 10). A filosofia do Iluminismo, observa o autor, não se
reduz ao “conjunto do que foi pensado e ensinado pelos grandes mestres do período [...] ela
não se destaca da soma e da sucessão cronológica dessas opiniões porque, de um modo geral,
ela não reside numa doxologia, mas na arte e na forma de conduzir os debates de idéias” (p.
2
Essa postura filosófica é ilustrada nos comentários de Coutel sobre a Vie de Voltaire, por Condorcet: “trata-se
de produzir um efeito de mobilização nos raciocínios do leitor” (2006b, p. 02). A vida de Voltaire é aquela da
“história dos progressos que as artes devem a seu gênio, do poder que ele exerceu sobre as opiniões de seu
século, dessa longa guerra contra os preconceitos, declarada desde sua juventude, e que sustentou até seus
últimos momentos” (p. 03). Coutel argumenta que tanto Voltaire quanto Condorcet “promovem a união dos
espíritos sequiosos de justiça e de verdade no seio de uma opinião pública esclarecida [...] o texto Vie de Voltaire
é uma espécie de identidade narrativa e energética das luzes, através da dialética complexa de uma vida, de uma
obra e de um combate” (p. 04).
12
13). A seu modo, Souza salienta que a ilustração “caracterizou-se pela defesa da autonomia da
razão em face dos argumentos tirados da autoridade e da tradição [...] a razão deve penetrar
em todos os domínios do saber da atividade humana, para destruir os preconceitos, que são
fruto da ignorância e do obscurantismo” (1993, p. 06)
3
.
No cenário de embates que permeia a formação da República Francesa, Condorcet
examinou de modo original temas ligados à política e à instrução pública. Suas propostas para
a instrução convergem com apostas políticas dirigidas a estimular o exercício das capacidades
humanas de discernir e de julgar, a apreensão e desenvolvimento de conhecimentos científicos
e artísticos, e a liberdade de questionar e reivindicar direitos publicamente. Em outras
palavras, os âmbitos da política e da instrução aparecem atravessados por um discurso que
convoca ao exercício público da razão.
Enquanto parlamentar Condorcet discutiu e intercedeu pelo reconhecimento dos
direitos do homem e dos cidadãos, notadamente por condições de liberdade e de igualdade aos
negros, aos protestantes, aos judeus e às mulheres. Esse debate está presente, sobretudo, nos
textos Sobre o estado dos protestantes em França (1778), Reflexões sobre a escravidão dos
negros (1781), e Sobre a admissão das mulheres ao ‘droit de cité’ (1790)
4
. A respeito da
discriminação de gênero, o autor se manifesta nos seguintes termos:
3
Sobre Iluminismo e Revolução Francesa ver: A filosofia do Iluminismo (CASSIRER, 1994), Ilustração e
história: o pensamento sobre a história no Iluminismo francês (SOUZA, 2001), O Iluminismo e os reis filósofos
(FORTES, 2004), Revolução Francesa e Iluminismo (GRESPAN, 2003), La Révolution française: les grandes
journées (MICHELET, 1988), As razões do Iluminismo (ROUANET, 1987), e o filme Danton: o processo da
Revolução (WAJDA, 1983).
4
Tais escritos estão compilados nas Œvres publicadas por A. Condorcet O’Connor e M. F. Arago (Paris: F.
Didot, 1847-49).
13
Entre os progressos do espírito humano mais importantes para a felicidade
geral, devemos contar a destruição integral dos prejuízos que estabeleceram,
entre os dois sexos, uma desigualdade de direitos funesta àquele mesmo que
ela favorece. Em vão procurar-se-iam motivos para justificá-la pelas
diferenças da organização física dos sexos, por aquela que se desejaria
encontrar na força de sua inteligência ou em sua sensibilidade moral. Essa
desigualdade só teve por origem o abuso da força, e foi em vão que depois
se tentou desculpá-la por sofismas (1993, p. 195).
Os direitos do ser humano resultam de sua condição sensível, suscetível a adquirir
idéias morais e a pensar sobre elas. Mulheres, negros, protestantes e judeus dispõem dessas
mesmas qualidades e têm necessariamente os mesmos direitos. Ou todos os indivíduos da
espécie humana possuem os mesmos direitos, ou ninguém os têm verdadeiramente. Quem
quer que vote contra os direitos dos outros, quaisquer que sejam sua religião, cor ou sexo,
abjura aos próprios direitos (CONDORCET, Œvres, vol. X, p. 122).
Condorcet acentua no segundo artigo do Projeto de declaração dos direitos naturais,
civis e políticos dos homens (1793) que a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que
não é contrário aos direitos dos outros indivíduos. Logo, o exercício dos direitos encontra seu
limite no estatuto dos direitos assegurados aos demais membros da sociedade. O homem é
livre para expressar seus pensamentos e suas opiniões, mas não o é para reprimir
manifestações de outros. Entre as cláusulas advogadas nesse projeto, apresentado à
Convenção Nacional entre 15 e 16 de fevereiro de 1793, em nome do Comitê de Constituição,
destaco aqui aquelas que julgo cruciais para os Estados democráticos:
Artigo 5º: a liberdade de imprensa não pode ser proibida, suspendida, nem limitada;
Artigo 6º: todo cidadão é livre no exercício de seu culto religioso;
Artigo 7º: a igualdade consiste na possibilidade de cada um gozar dos mesmos
direitos;
14
Artigo 23: a instrução elementar é necessária, e a sociedade deve propiciá-la
igualmente a todos seus membros;
Artigo 28: nenhum indivíduo ou grupo de cidadãos pode reivindicar soberania, exercer
autoridade, ou assumir função pública sem uma delegação formal estabelecida por lei;
Artigo 31: os homens reunidos em sociedade devem dispor de um meio legal para
resistir à opressão;
Artigo 33: o povo tem o direito imprescritível de modificar ou reformar sua
Constituição: uma geração não tem o direito de sujeitar às suas leis as gerações futuras
5
.
As atividades políticas de Condorcet são interrompidas em 1793 com o decreto de
prisão proferido pela Convenção Nacional, que o acusa de conspirar contra o poder
revolucionário
6
. Durante o período em que esteve foragido, escreveu o Esboço ou Prospecto
de um quadro histórico dos progressos do espírito humano. Nele produz narrativas sobre
trajetórias da humanidade, desde os primitivos agrupamentos sociais até o século XVIII,
como também sobre destinações futuras dos indivíduos e dos povos a partir dos progressos da
razão e dos acontecimentos e possibilidades abertas pelas revoluções na América e na Europa.
Em sua opinião, os grilhões da superstição e da tirania foram vigorosamente fragilizados
5
Tradução livre. Aparece transcrito em Condorcet: instituir al ciudadano (COUTEL, 2004, p. 115-118).
6
Instaurada com a República Francesa de 1792, a Convenção Nacional precipitou o fim do regime monárquico.
Luís XVI de Bourbon perdeu o título de majestade e, submetido a julgamento, foi condenado à guilhotina. A
Convenção, formada por 707 parlamentares, governou através de comitês, entre os quais se destaca o da
Salvação Pública e o da Segurança Geral, ambos dotados de poderes policiais. O Terror ensaiava seus primeiros
passos. Condorcet, tendo contra si decretada a prisão, se refugiou por vários meses na casa de amigos, mas ao
deixar o esconderijo logo foi preso. Morreu no dia seguinte, no cativeiro, em circunstâncias não esclarecidas.
Carlyle escreve a esse respeito: “Condorcet tem andado bem escondido estes últimos meses [...] O seu
esconderijo torna-se perigoso para outros e para si próprio; tem de fugir outra vez, de se refugiar, nos arredores
de Paris, em matas e pedreiras. E assim, numa manhã sombria de maio, entra na aldeia de Clamart uma figura
esfarrapada, de barba hirsuta, e esfomeada; e pede almoço numa taberna. Suspeito, pelo aspecto! [...] É logo
conduzido, sem terminar o almoço, a Bourg-la-Reine, a pé; desmaia de fraqueza; montam-no no cavalo dum
camponês e lançam-no na cela duma prisão; no dia seguinte, lembrando-se dele, entram; Condorcet jaz morto no
chão. Morrem depressa e desaparecem as notabilidades da França, uma após outra, como as luzes de um teatro,
que se assopram” (1962, p. 700).
15
desde a época de Descartes. A filosofia iluminista
7
foi difundida e movimentos
revolucionários apareceram com força:
não se ousou mais dividir os homens em duas raças diferentes, das quais
uma é destinada a governar, a outra a obedecer; uma a mentir, a outra a ser
enganada; foi-se obrigado a reconhecer que todos têm um direito igual a se
esclarecer sobre todos os seus interesses, a conhecer todas as verdades; e
que nenhum dos poderes por eles mesmos estabelecidos sobre si podem ter
o direito de esconder-lhes alguma [verdade] (1993, p. 137). Foi permitido
enfim proclamar energicamente este direito, por tanto tempo desconhecido,
de submeter todas as opiniões à nossa própria razão, quer dizer, de
empregar, para apreender a verdade, o único instrumento que nos foi dado
para reconhecê-la. Cada homem aprendeu, com uma espécie de orgulho,
que a natureza absolutamente não o tinha destinado a crer pelo que outrem
diz; e a superstição da Antiguidade, a humilhação da razão diante do delírio
de uma fé sobrenatural, desapareceram da sociedade assim como da
filosofia (p. 143).
Se grande parte dos homens, antes dessa época de diversidade de indagações
filosóficas e políticas, se esforçou para alcançar felicidade nos supostos ‘paraísos reservados
aos justos’, tendo sido doutrinados em complexas redes de dogmas eclesiásticos, foi com os
movimentos favorecidos pelo exercício da razão e da liberdade de opinião que foram
admitidas condições de felicidade pública e individual na vida mundana. Aquele mesmo
espírito de ignorância ou de embuste, que moveu homens a perseguir Anaxágoras por sua
ousadia em afirmar que o sol era maior que o Peloponeso, foi combatido vigorosamente com
7
Salinas Fortes esclarece que as Luzes são caracterizadas pela valorização do homem e por “uma profunda
crença na razão humana e nos seus poderes”, e que “revalorizar o homem significa antes de tudo encará-lo como
devendo tornar-se sujeito e dono do seu próprio destino, é esperar que cada homem, em princípio, pense por
conta própria” (2004, p. 09). O universo “deixava de ser visto como manifestação de uma transcendência no
limite absolutamente incompreensível e se convertia em um campo de exploração a ser submetido livremente à
capacidade de julgar, comparar, pesar, avaliar, juntar ou separar” (p. 18). O autor observa que “um novo objeto
de estudos começa a se desenhar no horizonte: o próprio homem”, e que “uma nova ‘ciência’ começa a se impor:
a História. Os homens percebem, através do estudo do seu passado, que a massa de conhecimentos adquiridos
pode ser utilizada e posta a serviço do seu próprio bem-estar. Surge, por conseguinte, como um corolário
necessários de todas estas descobertas, um novo mito, um novo ideal, uma nova idéia reguladora, ou seja, a idéia
de Progresso” (p. 20).
16
as forças do espírito de exame e de dúvida, as quais “submetem ao exame severo da razão
tanto os fatos quanto suas provas” (CONDORCET, 1993, p. 87).
Ao narrar percursos da história, Condorcet reconhece que a humanidade fez longas
jornadas antes que princípios veiculados pela filosofia das luzes pudessem ser exercidos e
proclamados publicamente. Para ele, a atividade de recordar histórias sobre acontecimentos e
ações que viabilizaram essa proclamação estimula a compreender a fragilidade das condições
que a sustentaram e quanto devemos nos empenhar para apoiá-la, garanti-la e expandi-la às
gerações presentes e futuras.
Condorcet argumenta que o homem dispõe da capacidade indeterminada de se
aperfeiçoar, e que a história mostra como de fato ele afastou de si preconceitos no decorrer
dos séculos, o que permite acreditar em possibilidades de continuidade nessa direção. Os
progressos da razão implicam afastamento de preconceitos e inclusive recuo dos limites da
inteligência humana. A força da perfectibilidade está na possibilidade de alterar caminhos, de
não se sujeitar aos ensinamentos que outros propagam sem justificar, de decidir por si mesmo
suas trajetórias.
Julgo esclarecedoras, para analisar a noção de perfectibilidade, as reflexões produzidas
em torno da obra de Jean-Jacques Rousseau, contemporâneo de Condorcet:
O que distingue o homem dos animais é juntamente com a liberdade ou sua
qualidade de agente livre, a perfectibilidade e as outras faculdades ‘virtuais’
que ele recebeu em ‘potência’ da natureza, tais como a razão, a imaginação
e a consciência. Estas faculdades virtuais, que, no estado de natureza são
‘supérfluas’ e permanecem em repouso, não podem se atualizar ou se
tornarem ativas senão com a vida em sociedade a qual é a condição de seus
exercícios [...] A vida em sociedade, as relações entre os homens com seus
semelhantes, são as condições de desenvolvimento de nossas mais
eminentes faculdades tais como a razão e a consciência. Não é, pois, de
modo absoluto nem definitivo que a sociedade se opõe a natureza”
(DERATHÉ apud GARCIA, 1999, p. 57).
17
Garcia enfatiza que para Rousseau “o homem pode - pela consciência de sua liberdade
e espiritualidade, por sua qualidade de agente livre - escolher e produzir suas possibilidades.
Pode aperfeiçoar-se em meio às circunstâncias e desenvolver outras capacidades e paixões”
(1999, p. 77). Acrescenta que “as desigualdades não são a fonte primeira dos males do
homem social. Elas resultam das faculdades da liberdade e da perfectibilidade as quais, uma
vez postas em atividade, desencadeiam as outras assim como as luzes, os erros, os vícios e
virtudes dos homens em sociedade” (p. 77).
Diferenças à parte, a perfectibilidade em Condorcet também parece caracterizar a
condição humana e as indefinidas possibilidades de sua ação sobre o mundo. As esperanças
do autor num devir de maiores felicidades ao homem e às sociedades se expressam no modo
enfático com que expõe a convicção segundo a qual as luzes contribuíram para o
aperfeiçoamento dos costumes:
Mostraremos como a liberdade, as artes, as luzes, contribuíram para a
suavização e a melhora dos costumes; mostraremos que esses vícios tão
freqüentemente atribuídos aos próprios progressos da civilização eram
aqueles dos séculos mais grosseiros; que as luzes, a cultura das artes, os
abrandaram quando não puderam destruí-los; provaremos que estas
eloqüentes declamações contra as ciências e as artes estão fundadas em uma
falsa aplicação da história; e que, ao contrário, os progressos da virtude
sempre acompanharam aqueles das luzes, assim como os progressos da
corrupção sempre seguiram ou anunciaram sua decadência (1993, p. 67).
Os escritores das luzes estavam, observa Condorcet, interessados em propagar
verdades e expulsar preconceitos dos lugares nos quais eles haviam se refugiado: escolas,
18
governos e corporações. Esses hommes d’esprit
8
investiram contra as tiranias e os abusos das
confissões religiosas, tendo proclamado tanto a independência da razão quanto o direito à
liberdade de expressão. Para combater os preconceitos, empregaram a erudição, a filosofia e o
talento de escrever:
desde o gracejo até o patético, desde a compilação a mais erudita e a mais
vasta até o romance ou o panfleto do dia [...] por vezes acariciando os
preconceitos com habilidade para desferir-lhes golpes mais certeiros [...]
poupando o despotismo quando este combatia os absurdos religiosos, e o
culto quando este se dirigia contra a tirania [...] mas sempre unidos para
mostrar a independência da razão, a liberdade de escrever como direito [...]
dirigindo-se com uma infatigável energia contra todos os crimes do
fanatismo e da tirania; perseguindo na religião, na administração, nos
costumes, nas leis, tudo aquilo que trazia o caráter da opressão, da crueza,
da barbárie; ordenando, em nome da natureza, aos reis, aos guerreiros, aos
magistrados, aos sacerdotes, respeitar o sangue dos homens; não
prodigalizá-los ainda nos combates ou nos suplícios; não sacrificar mais à
sua própria avidez o prêmio dos suores e das lágrimas de um povo (1993, p.
143-144).
O simples bom senso é suficiente para perceber que os “ingleses nascidos sob o
Meridiano de Greenwich tinham recebido da natureza precisamente os mesmos direitos que
outros ingleses nascidos a 70 graus de latitude, do outro lado do oceano” (CONDORCET,
1993, p. 150). O governo britânico, indiferente a isso, preferiu manter os norte-americanos
subordinados aos seus interesses: “parecia crer que Deus tinha criado a América, assim como
a Ásia, para o prazer dos habitantes de Londres, e queria, com efeito, manter entre suas mãos,
para além dos mares, uma nação subjugada” (p. 150). Essa situação moveu a florescente
nação americana a romper as cadeias que lhe foram impostas e a declarar independência:
8
Menciona Collins e Bolingbroke, na Inglaterra; e Bayle, Fontenelle, Voltaire e Montesquieu, na França, assim
como as escolas formadas por esses homens célebres (1993, p. 143).
19
Viu-se então, pela primeira vez, um grande povo liberto de seus grilhões
dar-se pacificamente sua Constituição e as leis que ele acreditava as mais
apropriadas para fazer sua felicidade; e como sua posição geográfica, seu
antigo estado político o obrigavam a formar uma república federativa, viu-
se preparar, ao mesmo tempo, treze constituições republicanas, tendo por
base o reconhecimento solene dos direitos naturais do homem e, por
primeiro objeto, a conservação destes direitos (p. 150-51).
Rapidamente os propósitos de independência e de liberdade se estenderam a partir da
América por toda a Europa. Não obstante a nação francesa houvesse recepcionado filósofos
preocupados em instituir condições políticas de liberdade e de igualdade, o governo
permanecia organizado de forma autoritária e despótica. O povo francês era ao mesmo tempo
o mais esclarecido e um dos menos livres do continente: “aquele onde os filósofos mais
tinham verdadeiras luzes, e o governo uma ignorância mais insolente e mais profunda”
(CONDORCET, 1993, p. 151). Havia somente duas fontes donde a revolução poderia
emanar: ou o próprio povo estabeleceria os princípios razoáveis que a filosofia lhe havia
ensinado a admirar, ou os governos se apressariam a fazer o que requeria a opinião pública.
Se a revolução eclodisse a partir dos movimentos populares, seria mais fácil e integral, porém
mais violenta: a liberdade e a felicidade seriam compradas ao preço de males transitórios. A
segunda forma implicaria movimentos mais lentos e incompletos, porém mais tranqüilos.
Nesse cenário, a ignorância e a corrupção dos governos propiciaram que a insurreição partisse
das forças populares: “e o triunfo rápido da razão e da liberdade vingou o gênero humano” (p.
149-50).
Condorcet avalia que a amplitude da Revolução Francesa foi maior que a da América,
porquanto atingiu a nação inteira modificando significativamente as relações sociais. Esse
movimento atingiu a um só tempo o despotismo dos reis e a desigualdade política das
constituições, o orgulho da nobreza e as riquezas da classe eclesiástica, a dominação e a
20
intolerância, como também os abusos da feudalidade (1993, p. 152). No auge desses
acontecimentos, Condorcet não ofereceu apoio integral aos atos revolucionários: contrapôs-se,
por exemplo, à execução da pena capital aplicada a Luís XVI de Bourbon, aos massacres de
setembro de 1792 e às políticas autoritárias que se seguiram.
O filósofo recomenda às sociedades emergidas dessas revoluções não descuidar dos
assuntos educacionais, os quais são decisivos à implementação e perpetuação do regime
republicano, constituído de tal forma que previna contra todas as formas de dominação entre
os homens. Essa tarefa implica, entre outras, instruir o cidadão nos elementos das ciências,
das artes e da humanidade, assim como convencer cada um sobre os benefícios da República.
Concebida nesses termos, a instrução pública, sobretudo a partir dos acontecimentos
revolucionários do século XVIII, se alça a um estágio em que se vincula estreitamente com
apostas políticas, as quais, bem entendidas, orientam ao bem-estar dos indivíduos, das
diferentes nações e da humanidade. Ou seja, posta a serviço dos princípios das luzes, compete
a ela estimular o exercício das capacidades humanas de aprender e desenvolver as ciências e
as artes e, sobretudo, de julgar, questionar e reivindicar publicamente direitos de cidadania e
de humanidade.
A dissertação, nos limites do tema proposto, é desenvolvida em dois capítulos.
“Razão, perfectibilidade e igualdade” apresenta panorama de noções filosóficas relacionando-
as com a instrução pública e retomando, para tal, os temas constituição moral e
perfectibilidade do homem, desigualdades naturais e constituídas, razão e preconceito. Temas-
chave porque através deles Condorcet explana seus argumentos, críticas e convicções mais
caras. O segundo capítulo, “Instrução pública republicana”, discute a instituição do cidadão e
o estabelecimento da instrução sob a égide do espírito público. Enfatiza que a instrução
21
favorece compromissos com a vida política e é decisiva para instituir e preservar condições de
liberdade, de igualdade e de humanidade nas sociedades humanas.
Em linhas gerais, é exposta a compreensão de Condorcet segundo a qual a instrução
pública estimula os sentimentos morais, oferece espaços propícios ao combate às
desigualdades, à promoção da felicidade pública e individual, ao aperfeiçoamento das ciências
e das artes, e, sobretudo, à instituição do cidadão. Para tanto, deve ser coerente com a
promessa de igualdade que constitui a República e independente de quaisquer confissões
religiosas ou poderes políticos constituídos.
22
RAZÃO, PERFECTIBILIDADE E IGUALDADE
1.1 Constituição moral do homem e desigualdades
O homem nasce com a faculdade de receber sensações, de aperceber e de
distinguir, naquelas sensações que recebe, as sensações simples das quais
elas são compostas, de retê-las, de reconhecê-las, de combiná-las; de
conservar ou de repelir de sua memória; de comparar entre si essas
combinações, de apreender aquilo que elas têm de comum e aquilo que as
distingue, enfim, de ligar signos a todos os objetos para melhor reconhecê-
los e facilitar suas combinações novas (CONDORCET, 1993, p. 19).
A sensibilidade e a faculdade de discernir e de articular sensações são dados
constitutivos da condição humana. Condorcet observa que as sensações são acompanhadas de
prazer e de dor, e que essas impressões momentâneas podem ser ressentidas, quer dizer,
transformadas em sentimentos duráveis, sejam eles doces ou penosos. Tais sentimentos
podem ainda ser experimentados através da visão ou da recordação dos prazeres ou das dores
dos outros seres sensíveis. Da articulação dessa faculdade com aquela de formar e de
combinar idéias decorrem relações de interesse e de dever, “às quais a própria natureza liga a
porção mais importante, a mais preciosa de nossa felicidade, e os mais dolorosos de nossos
males” (1993, p. 19-20).
Condorcet lembra que Aristóteles havia reconhecido uma grande verdade, um passo
inicial no conhecimento do espírito humano: que “nossas idéias, mesmos as mais abstratas, as
mais puramente intelectuais, devem sua origem às nossas sensações” (1993, p. 74). A
sensibilidade do homem é, pois, anterior à sua inteligência. Para o autor, essa compreensão se
afina com discursos de John Locke sobre a origem das idéias e os limites da inteligência
humana:
23
ele mostrou que uma análise exata, precisa das idéias, reduzindo-as
sucessivamente a idéias em sua origem mais imediatas, ou mais simples em
sua composição, era o único meio de não se perder neste caos de noções
incompletas, incoerentes, indeterminadas que o acaso nos ofereceu sem
ordem e que nós recebemos sem reflexão. Ele provou, por essa própria
análise, que todas as nossas idéias são o resultado das operações de nossa
inteligência sobre as sensações que recebemos, ou, mais exatamente ainda,
combinações dessas sensações que a memória nos representa
simultaneamente, mas de maneira que a atenção se detém, que a percepção
se limita a apenas uma parte de cada uma dessas sensações. Ele mostra que
ligando uma palavra a cada idéia, após tê-la analisado e circunscrito, nós
conseguimos lembrar-nos dela constantemente como a mesma; quer dizer,
sempre formada das mesmas idéias mais simples, sempre encerrada nos
mesmos limites, e por conseguinte podemos empregá-la em uma seqüência
de raciocínios, sem nunca correr o risco de nos extraviar. Ao contrário, se as
palavras não correspondem a uma idéia bem determinada, elas podem
despertar sucessivamente diferentes idéias em um mesmo espírito; e tal é a
fonte a mais fecunda de nossos erros. Enfim, Locke foi o primeiro a ousar
fixar os limites da inteligência humana, ou antes, a determinar a natureza
das verdades que ela pode conhecer, dos objetos que ela poder abarcar.
Logo esse método tornou-se o de todos os filósofos; e foi aplicando-o à
moral, à política, à economia política que eles conseguiram seguir nessas
ciências uma marcha quase tão segura quanto aquela das ciências naturais;
conseguiram só admitir ali verdades provadas; conseguiram separar essas
verdades de tudo aquilo que ainda pode restar de duvidoso e de incerto;
enfim, conseguiram saber ignorar aquilo que ainda é, aquilo que sempre
será impossível conhecer (1993, p. 140-41).
O homem é por definição “um ser sensível, capaz de formar raciocínios e de adquirir
idéias morais” (1993, p. 135). Ao analisar nossos sentimentos descobrimos, através das
faculdades de sentir prazer e dor, a origem das idéias morais, “o fundamento das verdades
gerais que, resultando dessas idéias, determinam as leis do justo e do injusto; e os motivos de
conformar nossa conduta a isso, extraídos da própria natureza de nossa sensibilidade, daquilo
que se poderia chamar de nossa constituição moral” (p. 141). As raízes dos sentimentos
morais estão, pois, ligadas às sensações, entretanto só se desenvolvem com o exercício das
faculdades humanas.
Alengry comenta que Condorcet, ao distinguir moral de preceitos estabelecidos por
religiões ou sistemas filosóficos, a funda sobre uma análise positiva e crítica dos sentimentos
24
naturais, “ele reprova na religião não somente a incerteza, mas a intolerância, os cálculos
interessados e as tentativas de dominação”, por isso a moral teológica lhe parece perigosa
“não somente porque retira da religião os motivos de conduta, mas ainda porque os padres se
arrogam o direito de ditar deveres, de os julgar e de os ensinar”, e isso “parece incompatível
com a razão e com o interesse geral dos homens” (1971, p. 743-44). A base dos deveres e a
origem das idéias de justiça e de virtude devem ser buscadas na própria constituição moral do
homem.
A seita epicurista
9
talvez tenha se aproximado dessa compreensão:
Epicuro coloca a felicidade no gozo do prazer e na ausência de dor. A
virtude consiste em seguir as inclinações da natureza, mas sabendo esgotá-
las e dirigi-las. A temperança, que previne a dor conservando suas
faculdades naturais em toda a sua força, assegura-nos todos os gozos que a
natureza nos prepara. O cuidado em preservar-se das paixões raivosas ou
violentas, que dilaceram o coração abandonado à sua amargura, aos seus
furores; o cuidado em cultivar, ao contrário, as afecções doces e ternas;
sentimento delicioso que recompensa as belas ações; tal é a rota que conduz
ao mesmo tempo tanto à felicidade quanto à virtude (CONDORCET, 1993,
p. 76)
.
A tendência à compaixão para com sofrimentos dos outros procede da natureza
humana. Nas palavras do autor, “a compaixão natural pelos seus sofrimentos fez nascer o
sentimento e o hábito da caridade” (1993, p. 35). Esse sentimento moral é compartilhado
inclusive por outras espécies do reino animal, notadamente os mamíferos. Essa propensão
9
O capítulo do Esboço intitulado Progressos das ciências desde sua divisão até sua decadência trata de seitas
filosóficas, notadamente sobre estóicos e epicuristas (1993, p. 68-88). Nele, Condorcet comenta que Epicuro “via
no universo uma massa de átomos, cujas diversas combinações eram submetidas a leis necessárias. A própria
alma humana era uma dessas combinações. Os átomos que a compunham, reunidos no instante em que o corpo
começava a vida, se dispersavam no momento da morte, para reunir-se à massa comum e entrar em novas
combinações. Para levar em consideração os prejuízos populares, sem dúvida, ele tinha admitido deuses; mas,
indiferentes às ações dos homens, alheios à ordem do universo e submetidos, assim como os outros seres, às leis
gerais de seu mecanismo, eles eram de alguma maneira algo de supérfluo nesse sistema” (p. 76).
25
moral se manifesta como um sentimento de empatia, que nos faz sentir sofrimentos dos outros
indivíduos.
A sensibilidade em Condorcet é base tanto do conhecimento como da coesão social,
destaca Silva (2004, p. 65-70). Buscar prazer e evitar dor são procedimentos comuns aos
homens. Se as dores de seres sensíveis causa mal-estar em indivíduos ‘não corrompidos’, o
alívio de dores alheias causa prazer em quem os promove. A moral resulta, pois, da
constituição natural desses seres. Essa capacidade moral “nada mais é do que o prazer e a dor
produzidos respectivamente pelo bem-estar e pelo sofrimento alheios” (p. 68). Os sentimentos
morais se manifestam de duas formas: uma natural, que é inseparável da estrutura familiar, e
que implica compaixão mútua; e outra oriunda da reunião dos indivíduos de diferentes
famílias, as quais reconhecem laços de identidade moral permitindo, assim, uniões perenes ao
invés de alianças momentâneas. O fenômeno civilizatório
10
decorre dessa ampliação do
espaço moral, ligado às propensões naturais, e que exige o exercício público da razão, já que
sentimentos podem ser facilmente manipulados. Esse exercício é imprescindível à autonomia
da moral, porque suas luzes fragilizam os vícios.
Condorcet define sentido moral como faculdade de experimentar prazeres e dores pela
recordação de ações passadas, o projeto de ações futuras e a narração de ações alheias. A
10
Os homens se identificam moralmente à medida que se aproximam. Silva comenta que para Condorcet “a
agregação social cria uma interdependência da felicidade. A essa tendência liga-se a própria civilização, que
resulta da alteração das condutas, da necessidade de abandonar hábitos grosseiros e modificar inclinações hostis.
Entre os elementos civilizadores destacam-se o comércio, a hospitalidade e a formação de alianças para a defesa
mútua ou a produção de algum outro benefício comum, como a caça, a defesa, por exemplo. Da análise dos
sentimentos de benevolência, que permitem a integração dos indivíduos em comunidades cada vez maiores,
surgem as idéias morais mais sofisticadas” (2004, p. 69). A moral condorcetina, observa o autor, “resultaria de
uma instrução adequada, que promovesse o desenvolvimento equilibrado da sensibilidade e da racionalidade.
Com isso, ela tornaria a pessoa capaz de se preocupar não apenas consigo mesmo, com o interesse de sua família
e de sua nação, mas também com o destino de toda a humanidade. Mas semelhante instrução não poderia estar
desvinculada dos avanços dos saberes realizados pela humanidade. Caberia a ela formar pessoas capazes de
agenciar moralmente os sentimentos naturais despertados nas mais variadas situações diárias, as regras comuns
admitidas coletivamente e as informações recebidas dos mais diversos canais de comunicação” (2004, p. 03-04).
O homem justo e virtuoso segue o melhor raciocínio possível e acessível a seu entendimento no momento da
decisão.
26
maioria dos homens encontra na vida comum deveres simples e fáceis de cumprir. Daí que o
sentido moral neles se debilitaria “se, ao por ante seus olhos ações de outros homens, não se
exercitassem neles, pelos juízos que estão forçados a fazer, esse sentimento íntimo tão vivo e
tão delicado naqueles que o cultivam, tão lento e tão grosseiro em quase todos os demais”
(2001, p. 175). O sentido moral decorre da sensibilidade física reunida na memória. Tal como
os sentidos externos, ele procede da natureza humana e se desenvolve com a instrução.
Instrução essa que deve ser estendida aos pais de família, a quem o filósofo recomenda:
[...] ensinamos às crianças que quem faz um jogo das dores dos outros ou
sacrifica sua felicidade à suas fantasias não é mais que um homem duro e
bárbaro [...] a quem a moda pode absolver, mas que a humanidade condena.
Atuar de modo que um ato contrário à humanidade repugne, por assim
dizer, a sua organização; não os limiteis a essa probidade grosseira que não
respeita no próximo mais que seu dinheiro [...] Se afastais as crianças da
ociosidade, se lhes inculcais o gosto pelo trabalho, e façais nascer a
necessidade da benevolência, da estima ao próximo e a si mesmo, então
estais seguros de que terão bons costumes e, caso não os tiverem, não
desesperais todavia nem de seus talentos nem de suas virtudes (2001, p.
181).
São criticados por Condorcet aqueles que tornam a moral objeto de comércio do qual
disputam entre si o monopólio. A moral não deve, sob qualquer hipótese, servir como
instrumento de dominação. O germe da moralidade se expande com o exercício da razão, mas
em condições de igualdade e de liberdade
11
. Importa que essas condições sejam
11
Argumentamos insistentemente sobre os sentidos desses termos, mas confundimos o definido com a definição.
Pascal escreve a esse respeito: “é evidente que os primeiros termos que se quisesse definir suporiam precedentes
que servissem à sua explicação e que, da mesma forma que as primeiras proposições que se quisesse provar,
suporiam outras que as precedessem; e, desse modo, é claro que nunca se chegaria às primeiras [...] chega-se
necessariamente a palavras primitivas que não é mais possível definir e a princípios tão claros que não se
encontra outros que o sejam mais para servir de prova para eles” (2006, p. 19). O autor observa que o
pensamento geométrico não define espaço, tempo, movimento, número, igualdade, nem similares, “porque esses
termos designam tão naturalmente as coisas que significam, para aqueles que entendem a língua, que o
esclarecimento que se gostaria de dar traria mais obscuridade que clareza” (p. 20). O tom é grave no discurso de
Pascal sobre o sentido da palavra homem: “Já não se sabe bastante o que se quer designar por esse termo? E que
27
continuamente asseguradas e ampliadas pelo poder público. Só assim poderá ser difundido o
hábito de cultivar o sentimento de humanidade, que decorre de uma ampliação arrazoada dos
sentimentos morais: “uma compaixão terna, ativa, por todos os males que afligem a espécie
humana, aquele de um horror por tudo aquilo que, nas instituições públicas, nos atos do
governo, nas ações privadas, acrescenta novas dores às dores inevitáveis da natureza” (1993,
p. 147).
Os progressos do espírito humano não dizem respeito somente aos benefícios
favorecidos pelo aperfeiçoamento das ciências e das artes, mas, sobretudo, àqueles
possibilitados pelo desenvolvimento dos sentimentos morais. Ilustra essa consideração a série
de questionamentos apresentados pelo filósofo nos quais são articulados os temas
sentimentos, moral, razão, educação e progressos das ciências morais e políticas:
O hábito de refletir sobre sua própria conduta, de sobre ela interrogar e
escutar sua razão e sua consciência, e o hábito dos sentimentos doces que
confundem nossa felicidade com aquela dos outros, não são uma
conseqüência necessária do estudo bem dirigido da moral, de uma maior
igualdade nas condições do pacto social? Esta consciência da sua dignidade,
que pertence ao homem livre, uma educação fundada em um conhecimento
aprofundado de nossa constituição moral, eles não devem tornar comuns a
quase todos os homens estes princípios de uma justiça rigorosa e pura, estes
movimentos habituais de uma benevolência ativa, esclarecida, de uma
sensibilidade delicada e generosa, da qual a natureza colocou o germe em
todos os corações, e que para se desenvolver só esperam a doce influência
das luzes e da liberdade? Assim como as ciências matemáticas e físicas
servem para aperfeiçoar as artes empregadas para as nossas necessidades
mais simples, não está igualmente na ordem necessária da natureza que os
progressos das ciências morais e políticas exerçam a mesma ação sobre os
motivos que dirigem nossos sentimentos e nossas ações? (1993, p. 194).
vantagem julgava Platão nos dar ao afirmar que o homem é um animal de duas pernas e sem penas? Como se a
idéia que tenho dele naturalmente, e não posso exprimir, não fosse mais clara e mais segura que aquela dada por
sua explicação inútil e até mesmo ridícula, uma vez que um homem não perde a humanidade ao perder as duas
pernas e um galo não a adquire ao perder suas penas” (p. 20).
28
Escritores políticos em seus percursos investigativos imaginam, não raro, ter existido
um “estado social primitivo”
12
, sobre o qual incidiram o exercício das capacidades humanas, a
combinação de circunstâncias naturais e uma seqüência de acontecimentos que tornaram
possíveis os caminhos da civilização.
Caminhos esses entendidos por alguns como aqueles da depravação em contraste com
a idéia moral de homem, mas para outros como uma viagem que, graças à condição de
perfectibilidade, pôde conduzir a humanidade a uma “maturidade” nunca antes observada.
Tais especulações sustentam argumentos a partir dos quais se pretende justificar perspectivas
a respeito dos caminhos traçados ou a serem empreendidos na aventura da sociabilidade
humana. Essas argumentações indicam sentidos para conceitos, promessas e ações políticas
das quais compartilhamos ou divergimos; em relação às quais temos motivos para acreditar ou
não em seu conteúdo de verdade ou efetividade.
Para Condorcet, a gênese das desigualdades instituídas e da servidão entre os homens
decorre da dominação sobre o espírito. Ou seja, da pretensa posse de um conhecimento
exclusivo por parte dos “dominadores” e da submissão do “dominado ignorante”. Essa
dominação é fonte de males, é incompatível com a felicidade pública. A esse respeito, o autor
considera que na história da espécie humana se constituíram duas classes:
12
“O primeiro estado de civilização em que se tenha observado a espécie humana é aquele de uma sociedade
pouco numerosa de homens subsistindo da caça e da pesca; conhecendo apenas a arte grosseira de fabricar suas
armas e alguns utensílios domésticos, de construir ou de escavar habitações; mas tendo já uma língua para
comunicar suas necessidades, um pequeno número de idéias morais, das quais eles deduzem regras de conduta
comum; vivendo em famílias, conformando-se a usos comuns que lhes fazem às vezes de leis, e tendo até
mesmo uma forma grosseira de governo” (CONDORCET, 2003, p. 21).
29
uma destinada a ensinar, a outra feita para crer; uma escondendo
orgulhosamente aquilo que ela se gaba de saber, a outra acolhendo com
respeito aquilo que os outros se dignam a lhe revelar; uma querendo elevar-
se acima da razão e a outra renunciando humildemente à sua, e rebaixando-
se para aquém da humanidade, reconhecendo em outros homens
prerrogativas superiores à sua comum natureza (1993, p. 32).
O combate às desigualdades
13
instituídas é objetivo central da República, a quem
compete fazer concorrer as forças comuns ao bem-estar dos indivíduos
14
. Os efeitos da
desigualdade “aumentariam em proporção se não se fizesse mais débil, no tocante à felicidade
e ao exercício dos direitos comuns, aquela desigualdade originária da diferença dos espíritos”
(CONDORCET, 2001, p. 81). O filósofo questiona se os progressos da razão e da arte social
não podem enfraquecer continuamente as desigualdades “para dar lugar a igualdade de fato,
meta última da arte social [...] diminuindo até mesmo os efeitos da diferença natural das
faculdades [...] sem acarretar nem dependência nem humilhação, nem miséria” (1993, p. 177).
Por esse caminho, aposta nas possibilidades da humanidade, em sua capacidade de propiciar:
13
Recorrente na obra de Rousseau, esse tema é examinado por Garcia: “Parece plausível afirmar que os termos
desigualdades e diferenças são utilizados com significados muito próximos. Plausível porque aí descreve
qualidades atribuíveis a indivíduos considerados num plano distinto daquele que explicitamente implica o
aprofundamento das desigualdades decorrentes das relações artificiais produzidas pela vida em sociedade. Não
estranha, então, que diferenças individuais sejam designadas desigualdades naturais, e que se recorra ao termo
diferenças para descrevê-las, ao passo que desigualdades artificiais são marcadas por traços da negatividade
como: privilégios/prejuízos, poder/obediência e desníveis entre prestígio e entre riqueza. Leia-se o uso que o
autor faz desses conceitos: ‘Concebo, na espécie humana, dois tipos de desigualdade: uma que chamo natural ou
física, por ser estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e
das qualidades do espírito e da alma; outra que pode se chamar de desigualdade moral ou política, porque
depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida (...) pelo consentimento dos homens. Esta consiste
nos vários privilégios de que gozam alguns em prejuízo de outros, como o serem mais ricos, mais poderosos, e
homenageados que esses, ou ainda por fazerem-se obedecer por eles’” (1999, p. 77).
14
Julgo relevante trazer à discussão, para estabelecer possibilidade de debates, mas dispensando quaisquer
avaliações, outra perspectiva sobre os temas bem-comum e desigualdades, presente no exame de Carnoy acerca
das formas efetivas de Estado em Karl Marx: “a forma de Estado emerge das relações de produção e não do
desenvolvimento geral da mente humana, nem tampouco das vontades dos homens [...] não representa o bem
comum, mas é a expressão política da classe dominante [...] é a resposta à necessidade de mediar o conflito de
classe e manter a ‘ordem’, uma ordem que reproduz o domínio econômico da burguesia” (1990, p. 21); e sobre a
ideologia capitalista em Poulantzas: “a ideologia capitalista tem promovido o conceito de democracia na esfera
política como condição suficiente para a sociedade democrática de massa [...] a ‘democracia’ política deslocou a
luta da esfera econômica para a esfera do voto. Na arena política, incluindo o aparelho jurídico, todos os
membros da sociedade são iguais. Ricos e pobres, jovens e velhos e (ultimamente) mulheres e homens, todos
têm a mesma força (um voto) para mudar ou manter a situação social. A desigualdade da relação econômica é,
assim, minimizada na sociedade capitalista, em favor da igualdade da vida política” (p. 41).
30
“a destruição da desigualdade entre as nações; os progressos da igualdade em um mesmo
povo; enfim, o aperfeiçoamento real do homem” (p. 176).
A instrução dos cidadãos, assevera Condorcet, precisa ser coerente com a promessa de
igualdade que constitui a República, ou seja: de “estabelecer entre os cidadãos uma igualdade
de fato e tornar real a igualdade política reconhecida pela lei” (1990, p. 41). Concebida nesses
termos, a instrução pública, equitativamente distribuída, deve evitar quanto possível as
desigualdades procedentes da educação familiar que cada indivíduo recebe, pois essas
dependem da diferença das luzes, da diversidade de opiniões, de gostos e de sentimentos:
o filho do rico não será da mesma classe que o filho do pobre se nenhuma
instituição pública abrangê-los por uma instrução em condições de
igualdade. A classe que receber uma educação mais esmerada tenderá a
condutas mais agradáveis, a uma honradez mais delicada e a uma
honestidade mais escrupulosa; suas virtudes tendem a ser mais puras e seus
vícios menos repulsivos [...] Existirá, pois, uma distinção real que as leis
não logram destruir e que, estabelecendo uma verdadeira separação entre os
que têm mais luzes e os que estão privados de sua extensão, tornarão a
instrução um instrumento de poder e não um meio de felicidade para todos
(CONDORCET, 2001, p. 84).
Cabe à República ampliar a igualdade de direitos e disponibilizar a cada individuo a
instrução necessária para exercer as funções comuns de homem, de pai de família e de
cidadão. A igualdade de instrução contribui para o aperfeiçoamento das artes e das profissões,
não somente reduz a desigualdade que a situação econômica estabelece entre os homens,
como também pode instituir outro gênero de igualdade mais geral: a do bem-estar (2001, p.
84-86).
31
Entre os textos eminentemente políticos publicados pelo filósofo estão as Cartas aos
amigos da liberdade
15
. Nelas resume suas teses ao julgar que a espécie humana é
indefinidamente perfectível e que, desta maneira, deve fazer no caminho da paz, da liberdade
e da igualdade, ou seja, da felicidade e da virtude, progressos cujos limites são impossíveis
fixar, e que esses “progressos devem ser obra da razão, fortalecida com a meditação e apoiada
na experiência” (apud ROBINET, 1945, p. 122).
Coutel traz à discussão questões sobre o sentido do princípio de igualdade em
Condorcet: “Como conciliar a afirmação: todos os homens são iguais, sobre o plano político e
dos direitos do homem, com a idéia de que os espíritos e talentos não são semelhantes? Como
fazer para que essa diversidade não seja interpretada de tal modo que hierarquize as pessoas?
(2006a, p. 02). Diante dessas perguntas, o autor argumenta que a igualdade de instrução
previne tanto o retorno da desigualdade de acesso aos saberes como a tentação do
“igualitarismo” que, a partir da igualdade moral e política dos homens, despreza os talentos e
as luzes, condena a excelência e impede a admiração. O lugar da instrução pública é de
igualdade entre os alunos tanto no plano material (gratuidade)
16
como no plano das opiniões
(laicidade). Os laços entre humanidade e cidadania e as exigências constitucionais da
República fazem da instrução uma obrigação e uma tarefa. O ponto de vista de cada um
importa para os progressos das luzes, da República e também da humanidade. Nas palavras de
Coutel, “a instrução pública condorcetiana não cede a um entusiasmo simplificador nem a um
obscurantismo igualitarista, pois coloca os saberes à disposição de todos sem sacrificar a
excelência e a diversidade dos espíritos e dos talentos” (2006a, p. 11).
15
Condorcet publicou numerosos fragmentos em periódicos, entre outros no La Bouche de Fer, órgão do Círculo
Social e da Confederação dos Amigos da Verdade. Aparece transcrita em Condorcet: su vida y su obra
(ROBINET, 1945).
16
Em La question de l’égalité, Coutel debate esse tema: “O princípio da gratuidade absoluta garante a igualdade
de todos os estudantes. Se essas condições são reunidas, a igualdade política tem chances de não permanecer
abstrata sem, no entanto, sacrificar a diversidade dos espíritos e dos talentos. Retornamos sobre o paradoxo
inicial de Condorcet: colocar a desigualdade a serviço da própria igualdade” (2006a, p. 03).
32
As considerações precedentes acentuam a discussão sobre o princípio de liberdade do
homem. De alguma forma, todos estão, em maior ou menor grau, presos a si mesmos seja por
sua ignorância e limites físicos, seja por seus próprios artifícios. Trata-se do homem de fato,
historicamente e socialmente constituído. Homens “livres” e “iguais” são a medida última da
perfectibilidade, são intangíveis e não correspondem a um modelo “indiscutível”. O “homem
moral” é aquele considerado isoladamente ou em gênero, aquele que deve-ser, em relação ao
qual podemos “progredir” indefinidamente. Um homem absolutamente livre, caso houvesse,
não experimentaria nem o nascimento nem a morte, estaria indiferente às circunscrições do
tempo e do espaço, tal um deus com qualificações de onisciência, de onipotência e de
onipresença. Daí que os homens não nascem livres, não decidem por si mesmos em todas as
ocasiões, sua condição é a de pertencimento à sua mente e ao seu corpo, aos seus semelhantes
em suas diferenças, às tradições e ao mundo em sua vastidão indefinida. O homem não é
definido por sua bondade ou maldade, nem por sua beleza ou fealdade. Ele se caracteriza pela
capacidade de atribuir sentidos a si mesmo, aos outros, às coisas e aos acontecimentos que
percebe em seus percursos de vida.
À valer, o homem em sua precariedade interfere no mundo em que aparece, quer dizer,
sua condição permite o exercício das faculdades e das habilidades diante das amplas
possibilidades mundanas. Essa é a condição de perfectibilidade do homem
17
,
que carrega
sobre si os limites e as possibilidades indefinidas da natureza. O homem expressa sua
criatividade e percebe sua finitude. Sua forma de vida não se desliga da complexidade das
outras que o acercam ou antecedem, e do meio em que habita. Sua morte é certa e dessa
precariedade procede a sua vontade de dignidade, que se estende à espécie humana.
17
Ver sobre esse assunto em Utopie e perfectibilité: significations de l’Atlantide chez Condorcet. “A unidade
entre a razão, a compaixão, entre o presente e o devir está inscrita nesta projeção imaginária da Atlântida, no
quadro dos progressos indefinidos da humanidade” (COUTEL, 1997, p. 106).
33
O tema igualdade aparece como um paradoxo em Condorcet: ele escreve no Esboço a
expressão “igualdade natural” entre os homens
18
e, noutra parte, “desigualdade natural” das
faculdades
19
. Indagamos, diante dessa aparente contradição, se essa igualdade natural, para o
filósofo, não corresponde à igualdade moral, especulativa, ao passo que a desigualdade
corresponde ao homem de fato. Essa parece ser a compreensão do autor, já que os homens se
desigualam em talentos e em interesses, não obstante expressarem sentimentos e interesses
comuns. A igualdade de oportunidades oferecida pela instrução pública atenua essa
“desigualdade natural” e aproxima os indivíduos da “igualdade natural”. Uma presunção é
necessária à República: os homens dispõem de iguais potencialidades a serem desenvolvidas e
de uma similitude de necessidades.
O exercício das faculdades humanas expressa a pluralidade e a individualidade, a
tolerância e a intolerância, a concórdia e a discórdia, as guerras e a paz, a tirania e a república.
Ele expressa, sobretudo, espaços de negociação, os quais, incidindo sobre forças em conflito,
podem estabelecer contratos de não-agressão e de segurança mútua. É possível instaurar um
espaço comunicativo que ofereça condições de liberdade e de igualdade às manifestações dos
diferentes homens. Esses espaços públicos foram admitidos por aqueles que em todos os
tempos resolveram apostar em princípios reguladores que não só lhes interessavam, mas
também a uma multidão de pessoas, por presumivelmente gerarem menos desprazeres e
sofrimentos. Condorcet destaca no Esboço que esses homens de espírito articularam
politicamente pela contínua instauração de um mundo menos opressivo, lutaram e obtiveram
êxito com suas objeções às crenças estabelecidas por pregadores e admiradores, as quais antes
de tudo instituíam espaços de dominação.
18
Nas páginas 114, 118 e 137.
19
Página 186. Ver sobre esse paradoxo em Religião e progresso em Condorcet: gênio, técnica e apocalipse
(FERREIRA, 2002).
34
O homem só o é, enquanto tal, em relação aos outros. Há homens e não um homem
habitando o mundo. A condição de precariedade ou de insuficiência lhe é própria, mas
também o é a perfectibilidade
20
. A instituição de sociedades humanas, desde as mais
primitivas, implica a disposição de aceitar limites, ou seja, de admitir regras. Para além do
bem e do mal, o mundo está repleto de homens e de instituições por eles inventadas. As
considerações precedentes nos levam a indagar se as noções de liberdade e de igualdade não
são, para Condorcet, característicos recursos especulativos, realizáveis em maior ou menor
grau à medida que alargadas ou encurtadas as oportunidades e possibilidades de escolha dos
homens. Uma coisa é certa: este mundo, habitado por homens capazes de sentir, de raciocinar
e de formar idéias morais, se concretiza ao ser continuamente descrito e imaginado. O
horizonte de Condorcet é o sentimento de humanidade.
1.2 Razão e preconceito
São condições de possibilidade para os progressos do espírito humano: o cultivo dos
sentimentos morais, o exercício das capacidades de memória e de reflexão, e o agir
incisivamente sobre o mundo. Para Condorcet, se consideramos o desenvolvimento das
faculdades humanas,
20
Reforço aqui, através dos comentários de Silva, o sentido da perfectibilidade em Condorcet: “A noção de
perfectibilidade refere-se à condição dos seres capazes de alterarem o curso das coisas, impondo-lhes novas
direções. Os ganhos do homem em relação às determinações da ‘natureza’ resultam do poder de aperfeiçoar-se.
Embora o acaso fundamental não exista no mundo, pois tudo está encadeado conforme causas invariáveis, a
condição geral do homem é a de quem lida com ele, uma vez que não podemos conhecer com segurança absoluta
ou certeza as poucas determinações que constatamos. Por outro lado, a própria intervenção humana no curso das
coisas gera incerteza. A marcha da razão encontra obstáculos superáveis, dos quais se livra cada vez mais, tais
como o obscurantismo, o fanatismo e a tirania [...] A perfectibilidade é o processo contínuo de superação dos
limites postos pela resistência da natureza, isto é, dos ‘obstáculos nos quais a renovação é inevitável a cada novo
progresso’. O homem pode perder suas conquistas ou avanços, caso deixe de continuar progredindo” (1999, p.
241-42)
35
em seus resultados, relativamente aos indivíduos que existem na mesma
época em um dado espaço, e se seguimos de gerações em gerações, ele
apresenta agora o quadro dos progressos do espírito humano. Este progresso
está submetido às mesmas leis gerais que se observam no desenvolvimento
individual de nossas faculdades, já que ele é o resultado deste
desenvolvimento, considerado ao mesmo tempo em um grande número de
indivíduos reunidos em sociedades. Mas o resultado que cada instante
apresenta [...] influi naquele dos instantes que devem segui-lo. Este quadro
é, portanto, histórico, já que, sujeito a perpétuas variações, ele se forma pela
observação sucessiva das sociedades humanas nas diferentes épocas que
elas percorreram. Ele deve apresentar [...] os passos que ela [a espécie
humana] deu em direção à verdade ou à felicidade. Os resultados que ele
apresenta conduzirão em seguida aos meios de assegurar e de acelerar os
novos progressos que sua natureza ainda lhe permite esperar (1993, p. 20).
Esses progressos, relativos aos percursos históricos da humanidade, encontram suas
orientações frente aos propósitos gerais da filosofia das luzes, procedentes de apostas
racionalmente justificadas e efetivadas à medida que aperfeiçoados os conhecimentos e
costumes dos homens. Apostas essas orientadas à igualdade entre as nações e entre os
indivíduos de um mesmo povo, assim como para o aperfeiçoamento real do homem (1993, p.
176).
A escrita de Condorcet apresenta reiteradamente noções tais como erro, preconceito,
superstição, verdade, razão e conhecimento. Ao distinguir e relacionar tais noções, o autor
estabelece referências a partir das quais considera limites e possibilidades de progressos, e
recomenda ajuizamento crítico contra quaisquer interesses em “absolutizar” ou “naturalizar”
indiscriminadamente as coisas do mundo. Trata-se, com efeito, de imagens variáveis diante de
um tempo suscetível aos progressos do espírito humano.
Verdades professadas poderão ser reconhecidas como erro ao desvelar de novas
teorias. As noções de verdade e de erro não são, pois, eternas ou absolutas. Preconceitos, erros
e superstições fazem sentido em relação aos princípios com os quais Condorcet articula suas
36
considerações, e quanto ao estado de desenvolvimento das ciências e das artes. Suas apostas
políticas, como eixos a conferir consistência e coerência, se dirigem à efetivação dos
princípios de liberdade, de igualdade e de humanidade, os quais, sem dúvida, mais se afinam
com as noções de verdade, razão e conhecimento.
A razão decorre de nossa condição de seres sensíveis, articulada com as capacidades
de memória e de reflexão. Condorcet a reporta à busca incessante de felicidade e de virtude.
Não se trata de felicidade meramente individual, mas daquela que também é pública. A razão
enquanto tal implica crítica permanente, quer dizer, instauração de um tribunal perene diante
dos acontecimentos e dos raciocínios humanos. O que precisa ser evitado a todo custo é a
consolidação de erros e da ignorância ante as possibilidades de desvelar continuamente
verdades. Os progressos, por essa via, implicam movimentos dos erros às verdades.
Todos os erros em política, em moral, têm por base erros filosóficos que,
eles mesmos, são ligados a erros físicos. Não existe nem um sistema
religioso, nem uma extravagância sobrenatural, que não sejam fundados na
ignorância da natureza. Os inventores, os defensores desses absurdos, não
podiam prever o aperfeiçoamneto sucessivo do espírito humano.
Persuadidos de que os homens sabiam, em sua época, tudo aquilo que
podiam saber, e acreditariam naquilo que então acreditavam, com confiança
eles apoiavam suas divagações nas opiniões gerais de seu país e de seu
século (CONDORCET, 1993, p. 167).
O modo de pensar próprio do homem é a razão. Ela consiste na faculdade de
estabelecer conceitos e proposições de modo discursivo. Condorcet acentua que essa condição
do pensamento humano coincide com a faculdade de distinguir o verdadeiro do falso, a justiça
da injustiça, e de provar argumentativamente as validades de tais distinções. Dito de outro
37
modo, a razão consiste no emprego de nossas faculdades em busca de verdades validadas por
argumentos.
A razão contraria crenças tácitas que aparecem em quaisquer discursos. Condorcet
observa que a história dos progressos do espírito humano deve abranger também a dos erros
gerais que os retardaram ou suspenderam, ou que fizeram retroceder a um estado de
ignorância. Os erros são conseqüência da atividade reflexiva do ser humano, de sua
curiosidade, desta desproporção existente entre aquilo que ele conhece e aquilo que acredita
precisar ou que tem desejo de conhecer:
As operações do entendimento que nos conduzem ao erro ou nele nos
retém, desde o paralogismo sutil, que pode surpreender o homem o mais
esclarecido, até os sonhos da demência, não pertencem menos do que o
método de raciocinar corretamente, ou aquele de descobrir a verdade, à
teoria do desenvolvimento de nossas faculdades individuais e, pelas
mesmas razões, a maneira pela qual os erros gerais se introduzem entre os
povos, se propagam, se transmitem, se perpetuam, faz parte do quadro
histórico dos progressos do espírito humano (1993, p. 26).
O filósofo reconhece que certos preconceitos estendem sua influência para muito além
da época em que foram gerados, ou seja, que os homens conservam esses preconceitos muito
tempo após ter reconhecido as verdades necessárias para destruí-los (1993, p. 26). Ele
observa que em todos os países e épocas os erros correspondem ao grau de instrução das
classes sociais e às profissões:
38
Se os erros dos filósofos prejudicam os novos progressos da verdade,
aqueles das classes menos esclarecidas retardam a propagação das verdades
já conhecidas; os erros de certas profissões acreditadas ou poderosas opõem
obstáculos à verdade: estes são os três gêneros de inimigos que a razão é
obrigada a combater sem cessar, e em relação aos quais ela freqüentemente
só triunfa após uma luta longa e penosa. A história destes combates, a
história do nascimento, dos progressos e da queda dos prejuízos ocuparão
portanto um grande lugar nesta obra, e não será de forma alguma sua parte a
menos importante ou a menos útil (1993, p. 27).
Condorcet argumenta que apenas a meditação pode, por suas combinações, nos levar
às verdades gerais da ciência do homem. Questiona se nossos preconceitos ou os males que
deles decorrem não têm sua fonte nos preconceitos de nossos ancestrais. Indica que um dos
meios mais seguros de dissiparmos esses preconceitos, ou de prevenirmos os males, é
desenvolver sua origem e seus efeitos. Em outras palavras, o ver favorece o prever. A esse
respeito, indaga, mais para justificar suas considerações:
Estaríamos no ponto em que não precisaríamos mais temer nem novos erros
nem o retorno dos antigos? Em que nenhuma instituição corruptora possa
mais ser apresentada pela hipocrisia, adotada pela ignorância ou pelo
entusiasmo? Em que nenhuma combinação viciosa possa mais fazer a
infelicidade de uma grande nação? Seria então inútil saber como os povos
foram enganados, corrompidos ou lançados na miséria? (1993, p. 28).
O filósofo considera que à sua época revoluções sem precedentes moveram os homens
à independência, e que o quadro das revoluções que as precederam e as prepararam nos
esclarece sobre seus possíveis efeitos. Ele indica que o estado atual das luzes favorece a
felicidade dessas revoluções. Todavia, ao mesmo tempo traz à discussão suas dúvidas: “mas
não é também sob a condição de que saibamos nos servir de todas as nossas forças? [...] para
39
que ela [a revolução] seja mais complexa em seus efeitos, não precisamos estudar na história
do espírito humano quais obstáculos nos restam a temer [...]?” (1993, p. 28).
Rashed (1974) observa que a interpretação da probabilidade deve a Condorcet um
desenvolvimento sem precedentes. Trata-se da noção de “motivo de crer” ou “motivo de
credibilidade”, um instrumento à nossa disposição para decidir entre os diferentes juízos e as
opiniões opostas. Consiste em regra de escolha e um meio de decisão, e não apenas
propriedade de um juízo ou de uma relação entre duas proposições. Rashed transcreve trecho
do verbete Probabilité, da Encyclopédie méthodique, no qual Condorcet argumenta sobre a
natureza do “motivo de crer”:
Se agora examinamos que motivo temos para crer conforme esta
probabilidade, encontraremos que é o mesmo que nos leva a crer que
seguirá ocorrendo um fato que tem acontecido com freqüência. Mas este
motivo é o que nos faz admitir este princípio geral, de que os sucessos
naturais estão sujeitos a leis constantes, porquanto não podemos fundar esta
opinião senão sobre a observação da ordem dos sucessos passados e
supondo que continuará sendo igual para os sucessos futuros (1974, p. 49).
Para Condorcet, os juízos humanos e as condutas dele decorrentes estão apoiadas na
suposição de que há leis invariáveis no curso dos acontecimentos naturais e que a observação
dos fenômenos permite conhecer essas leis. Segundo essa perspectiva, “o indivíduo, ao
perceber uma invariância na produção dos fenômenos, tenderia a agir como se o futuro fosse
igual ao passado”, contudo, comenta Silva, “isso é apenas uma conjectura prática. Não existe
a possibilidade de se demonstrar rigorosamente essa hipótese” (2004, p. 77).
40
Se a probabilidade de um sucesso é maior que a de um outro, oposto, temos mais
motivo para crer que o primeiro sucesso chegará que de crer que não chegará; quanto maior
vantagem tenha a probabilidade do sucesso sobre a do sucesso contrário, maior força deve ter
este motivo de crer; a crença é proporcional a esta probabilidade. Rashed observa que essas
três proposições de Condorcet não são independentes, pois dependem da primeira. Elas
podem ser deduzidas de uma assertiva mais geral: uma probabilidade muito grande entranha
um motivo de crer próximo da certeza
21
. Se for admitido que uma grande probabilidade
implique motivo maior de crer, também o será que esses motivos são proporcionais à
probabilidade (1974, p. 48-51). Nos termos de Condorcet,
As aplicações do cálculo de probabilidades ensinaram igualmente a
reconhecer os diversos graus de certezas que podemos esperar alcançar; a
verossimilança segundo a qual podemos adotar uma opinião, fazer desta a
base de nossos raciocínios, sem ferir os direitos da razão e a regra de nossa
conduta; sem faltar à prudência ou ofender a justiça. Elas mostram quais são
as vantagens ou inconvenientes das diversas formas de eleição, dos diversos
modos de decisões tomadas pela pluralidade dos votos; os diferentes graus
de probabilidade que daí podem resultar; aquele que o interesse público
deve exigir segundo a natureza de cada questão” (1993, p. 164-65).
.
As sensações podem nos conduzir ao engano. Exemplo disso é quando vemos dois
homens de seis pés de altura, um estando a doze pés de distância e outro a vinte e quatro pés:
o juízo de que são iguais não se funda na distância, na forma ou na claridade das imagens, já
que por essas categorias eles apareceriam como desiguais. Trata-se, comenta Silva, “de um
21
Sobre esse tema, Silva comenta: “a crença é uma força persuasiva susceptível a uma variação graduada.
Nossos conhecimentos, por essa via, seriam convicções bem ou mal estabelecidas. No texto denominado
Discurso preliminar, que antecede a obra sobre a aplicação da análise às probabilidades das escolhas coletivas,
‘crer’ significa aderir a uma proposição não evidente. Todos os tipos de conhecimento são reduzidos à ‘crença’,
excetuando apenas a evidência intuitiva, pois esta exprimiria a certeza analítica. Esta é uma certeza de definição,
a verdade da proposição da qual temos consciência. Ela é atual e, por isso, absolutamente confiável. As demais
formas de apreensão da realidade seriam apenas prováveis” (2004, p. 78).
41
juízo fundado numa simples probabilidade [...] O julgamento se confundiria com a própria
sensação” (2004, p. 78-79). No caso em tela, a sensibilidade tende ao engano, daí a
importância da correção racional
22
. Apesar de perceber essa desigualdade, temos motivos de
crer na igualdade.
A constância das impressões determina o motivo de crer. É a intensidade dessas
impressões, ou seja, o grau de vivacidade entranhado nelas, que define a força da crença. Essa
intensidade varia indeterminadamente, tornando-se, não raro, fonte de erros e enganos. Silva
comenta que para Condorcet “a experiência e a razão são necessárias para nos instruir e nos
defender dessa força carregada pela ‘intensidade das impressões’” (2004, p. 80). A
experiência recomenda a “não julgar e a não nos conduzir segundo as sensações enganosas”
(p. 80-81), enquanto que a razão ou a prudência recomenda “a aderir a uma proposição
provável somente nos casos em que descobrirmos a ‘impossibilidade de combinar novos
dados, e enquanto dura esta impossibilidade’” (p. 81). Nossos juízos habituais são perturbados
pelas paixões, as quais, ligadas ao entusiasmo, formam preconceitos. Cabe à instrução
pública, nesse contexto, estimular os indivíduos a fazer análise de si mesmos, a recompor suas
idéias e a submeter reiteradamente ao “tribunal da razão” todas suas verdades (p. 84).
A história dos preconceitos e de seus efeitos sobre os percursos históricos da espécie
humana serve para mostrar até que ponto a sua felicidade está ligada aos progressos da razão.
Razão essa também entendida como atitude intelectual de indagar sobre as coisas da vida e do
22
“A respeito do raciocínio, afirma Condorcet que o princípio pode ser ‘suposto verdadeiro’, mas não a
conseqüência em si mesma, pois esta dependeria da verdade da qual já não temos mais consciência. As
passagens realizadas no raciocínio subordinam-se à experiência interior, à memória. A crença na validade de
semelhantes conseqüências seria fundada unicamente sobre a probabilidade. No texto Sobre a persistência da
alma, tem-se que a origem da adesão ao provável, à crença, funda-se na experiência constante de não se ter sido
enganado pelas lembranças e de se ter sempre encontrado o mesmo resultado quando se segue a mesma
demonstração. Esta adesão faz parecer constante no futuro tudo o que uma experiência repetida mostra como
estável. A crença dá-se a partir desse sentimento natural, formando os juízos e a tendência a agir segundo eles”
(SILVA, 2004, p. 79).
42
mundo; de ter justificativas razoáveis para crer nisso e não naquilo. Por esse caminho,
Condorcet assume um forte discurso contra àqueles que propagam erros, preconceitos ou
superstições, os quais, segundo ele, não tem outra finalidade senão formar rebanhos de
homens ignorantes e dóceis aos seus interesses e paixões (1993, p. 43).
A Carta de um teólogo ao autor do Dicionário dos três séculos (1774) constitui,
segundo o biógrafo Robinet, o primeiro passo de Condorcet fora das vias da especulação pura,
doravante discutindo também sobre prementes questões políticas de seu tempo. O caso diz
respeito a uma compilação do abade Sabatier, dirigida contra os enciclopedistas, na qual o
clérigo se esforça em desprestigiar filósofos e sábios. As palavras de repúdio de Condorcet,
transcritas por Robinet, soam como uma impetuosa denúncia:
Acostumados a seduzir o povo: quiséreis armá-lo contra os filósofos! [...]
Os filósofos têm levado aos reis os gritos do povo e não temem falar-lhes de
seus direitos: e por que os filósofos levantam a voz contra vós? Sua alma,
demasiado comovida pela história de vossas atrocidades não pôde conter-se.
Dizeis que se deve respeitar um culto estabelecido pelas leis. Sim, desde o
tempo de Constantino até o nosso não passou um único dia sem que os
tenhais [o povo] manchado com sangue humano! Sem falar dos homens
degolados nas guerras que haveis suscitado, se conta há duzentos anos mais
de dez mil homens imolados com suplícios horríveis em nome das leis, e
mais de dez mil assassinatos ordenados por vós (1945, p. 46).
Condorcet reputa nesse texto ser dever dos philosophes criticar e enfrentar
efetivamente as ações “abomináveis” empreendidas por grupos conservadores. Para Robinet,
trata-se da voz de Condorcet prenunciando a Revolução:
43
[...] é um dever sagrado para todo amigo da humanidade empregar contra
uma superstição funesta tudo o que possui de valentia e de força (1945, p.
46). Não espereis mais paz: uma voz terrível tem se levantado contra vós;
tem ressoado de um extremo ao outro da Europa [...] vossa caída se
aproxima, e o gênero humano, ao qual durante tão longo tempo haveis
corrompido com fábulas, vai por fim respirar (p. 47).
A Carta de Condorcet, que circulou sem identificação de autoria, foi atribuída a
Voltaire, famoso pelos discursos ferinos que pronunciava. Tais teriam sido as palavras desse
filósofo diante da indesejável atribuição de paternidade: “Não se pode ser nem mais eloqüente
nem mais torpe. Esta obra tão perigosa como admirável armará, sem dúvida, os inimigos da
filosofia... Não quero nem a glória de haver escrito a Carta de um teólogo nem o castigo que
lhe seguirá” (apud ROBINET, 1945, p. 47). Voltaire declarou não ser o autor dessa sátira
imprudente tão sábia quanto justa, que previa com tanta aspereza a Revolução.
O tempo era de fato propício às mudanças políticas. Mudanças essas efetivamente
intensificadas com a Revolução de 1789, ao impulso de movimentos populares. Princípios
reivindicados pelos revolucionários apareceram sintetizados na Declaração dos direitos do
homem e do cidadão. Para esses homens de ação as discussões filosóficas e políticas sobre a
instrução pública não se reduziam à questão organização escolar, pois também se tratavam de
um eminente problema político, de interesse público, que “dizia respeito”, observa Souza, “à
concepção de um homem novo destinado a viver numa república nova, e sobretudo, concernia
à necessidade de tornar real e efetiva uma igualdade de direitos formalmente anunciada na
Constituição” (2001, p. 173).
44
INSTRUÇÃO PÚBLICA REPUBLICANA
2.1 Propósitos e âmbito da instrução pública
A vida humana não é uma luta onde rivais disputam prêmios; é uma viagem
que irmãos fazem em comum, onde cada um emprega suas forças para o
bem de todos, e é recompensado pelas doçuras de uma benevolência
recíproca, pela suavidade unida ao sentimento de ter merecido o
reconhecimento ou a estima (CONDORCET, 1994, p. 103).
Condorcet destaca que a perfectibilidade do homem transparece nas atuações dos
indivíduos e das sociedades por eles instituídas, e que seus limites são indefinidos. Não é,
pois, razoável restringir o homem a um ser limitado e isolado destinado a desaparecer depois
de uma alternância de felicidades e de desgraças para si mesmo. Sua existência, em um ponto
do espaço, permite, por suas atividades, “abarcar todos os lugares, ligar-se a todos os séculos
e atuar ainda muito tempo depois que sua memória tenha desaparecido da terra” (2001, p. 91).
No essencial em suas descrições e juízos sobre percursos da humanidade, o filósofo
acentua que os sentimentos morais e o exercício da razão implicaram decisivamente suas
direções. Ele argumenta que muitos preconceitos estabelecidos e enraizados como fontes de
dominação foram combatidos e reduzidos eficazmente, ao passo que um conjunto de
acontecimentos e iniciativas humanas contribuiu, significativamente, para o estabelecimento
de sociedades mais equânimes e livres.
O exame da constituição humana e das ciências e das artes releva ao bem-estar dos
indivíduos e das sociedades propondo difundir indiscriminadamente entre os cidadãos saberes
que, de alguma forma, desestimulem relações de dependência ou de dominação. A
desigualdade de instrução é uma das principais fontes de tirania. A República deve ao povo
45
uma instrução geral, e suas justificações se reportam à necessidade de efetivar condições de
igualdade e de liberdade:
A instrução bem dirigida corrige a desigualdade natural das faculdades, em
lugar de a fortalecer, assim como as boas leis remedeiam a desigualdade
natural dos meios de subsistência; assim como, nas sociedades onde as
instituições terão conduzido a esta igualdade, a liberdade, se bem que
submetida a uma constituição regular, será mais extensa, mais integral do
que na independência da vida selvagem. Agora, a arte social cumpriu sua
meta, aquela de assegurar e estender a todos o desfrute dos direitos comuns,
aos quais todos são destinados pela natureza. As vantagens reais que devem
resultar dos progressos dos quais se acaba de mostrar uma esperança certa
só podem ter por termo o aperfeiçoamento da espécie humana, já que, na
medida em que diversos gêneros de igualdade o estabelecerão por meios
mais vastos de prover a nossas necessidades, por uma instrução mais
extensa, por uma liberdade mais completa, mais esta igualdade será real,
mais ela estará próxima de abarcar tudo aquilo que interessa
verdadeiramente à felicidade dos homens (CONDORCET, 1993, p. 186).
As luzes irradiadas dos sentimentos morais e da razão esclarecem os homens de tal
modo que, orientados por princípios que interessam ao bem-comum, não aceitem facilmente
interesses de dominação. Por essa via, as luzes e o bem-estar não se reservam a uma
privilegiada casta hereditária ou a uma corporação exclusiva, mas alcançam
indiscriminadamente os indivíduos oferecendo-lhes condições ao desenvolvimento de suas
faculdades e habilidades. Ao tornar-se fantoche de charlatães, o indivíduo será incapaz de
defender seus próprios interesses. Subserviente, se orienta cegamente em caminhos que não
pode nem escolher nem julgar. Trata-se de um estado de dependência servil, que subsiste
naqueles povos para quem a liberdade e a igualdade são apenas enunciados ineficazes
inscritos em códigos, o que não implica efetivo gozo de direitos (2001, p. 83-84).
Compete à instrução pública oferecer espaços aos indivíduos, igualmente,
encorajando-os nos talentos que a natureza lhes ofereceu. Devido à diferença de talentos e ao
46
tempo ou interesse em se dedicar aos estudos, é necessário estabelecer diversos graus de
instrução a serem percorridos. Condorcet admite ser “verdade que dez homens partindo de um
mesmo ponto não farão dez vezes mais descobrimentos em uma ciência, e que não irão dez
vezes mais longe do que um deles haveria de ir sozinho” (2001, p. 89). Mas os progressos das
ciências não se limitam a índices quantitativos; consistem também em estender mais ao redor
ou a reunir um maior número de verdades a respeito de um mesmo ponto.
Ao poder público deve oferecer aos indivíduos as condições de adquirir os
conhecimentos que a força de sua inteligência e o tempo que dediquem a se instruir possibilite
alcançar. Disto resultará provavelmente uma diferença em favor dos que têm mais talento
natural e daqueles cuja situação econômica independente outorga liberdade para dedicar mais
anos ao estudo. Mas se esta desigualdade, observa Condorcet, não submeter um homem ao
outro, e se oferecer um apoio ao mais débil sem dar-lhe um dono, não é nem um mal nem uma
injustiça que remanesça (2001, p. 85).
Condorcet observa que somente verdades podem ser base de uma prosperidade
duradoura e que a expansão das luzes não permite aos erros e preconceitos um império eterno.
O propósito da instrução não pode, pois, ser o de consagrar opiniões estabelecidas, mas sim
de submetê-las continuamente ao livre exame de sucessivas gerações. A instrução deve causar
aos homens o prazer e o hábito de cultivar livremente suas escolhas de acordo com as
necessidades e desejos que tenham (2001, p. 102).
Por uma escolha feliz tanto dos conhecimentos quanto dos métodos de ensinar é
possível instruir a massa inteira de um povo para que se defendam contra preconceitos
“exclusivamente com as forças da razão, para escapar dos prestígios do charlatanismo, que
estenderia armadilhas à sua fortuna, à sua saúde, à liberdade de suas opiniões e de sua
47
consciência, sob pretexto de enriquecê-lo, de curá-lo ou de salvá-lo” (1993, p. 185). A
instrução pública previne contra erros e protege das falsas opiniões em que pode submergir
sua imaginação e o entusiasmo pelo charlatanismo.
Compete ao poder público incluir entre suas obrigações assegurar, facilitar e
multiplicar espaços de difusão de conhecimentos profissionais. Tal obrigação, enfatiza
Condorcet, não se limita à instrução relativa às profissões, mas se estende também àquelas
que os homens exercem para sua própria utilidade, por seu prazer, sem pensar na influência
que podem ter na prosperidade geral. Os progressos das atividades profissionais podem
contribuir ao bem-estar comum. A ampliação das oportunidades de apreensão e
desenvolvimento desses conhecimentos particulares pode também evitar a mediocridade e a
dependência, as quais são causa de miséria (2001, p. 85).
A instrução pública republicana reputa a todos como capazes de exercer seu próprio
juízo. O cidadão é considerado protagonista de sua cidadania, não um mero espectador. Não
basta aos homens ter direitos, é preciso que os conheçam para então lutar por eles. Uma
defensável instrução pública, assevera Condorcet, oferece aos indivíduos condições de prover
suas necessidades, “de assegurar seu bem-estar, de conhecer e exercer seus direitos, de
compreender e de cumprir seus deveres” (1990, p. 41).
O poder público, na visão de Condorcet, não deve ensinar opiniões como se fossem
verdades absolutas e não deve impor nenhuma crença. Se algumas opiniões parecerem erros
perigosos, não é fazendo ensinar opiniões contrárias que se irão combatê-las ou preveni-las.
Importa que as verdades possam ser submetidas repetidamente à discussão para evitar a
consagração de preconceitos e não se tornar instrumento de poder (2001, p. 103).
48
Educação e instrução possuem extensões diferentes na compreensão de Condorcet. De
escolha familiar, a educação envolve opiniões religiosas, morais e políticas, enquanto que a
instrução é tarefa da República, a quem cabe antes de tudo instituir o cidadão. Ou seja, as
crianças são inicialmente educadas pelos pais, mas compete ao poder público instruir à
liberdade, à igualdade e ao amor à verdade afastando os preconceitos da época, inclusive
aqueles procedentes do meio familiar. Souza (2001, p. 180) comenta que a tradição
republicana, em geral julga a educação pública como modo adequado para desenvolver o
espírito cívico, o estima pelo bem público e a manutenção da liberdade política, mas que
Condorcet se distancia dessa concepção educacional. Ele rejeita ao Estado o direito de formar
os sentimentos nacionais, a fim de impedir o ensino nas escolas de uma espécie de religião
política, cujos efeitos são semelhantes aos de um catecismo religioso: os de obscurecer a
razão.
Ao assumir também a educação pública, o Estado estaria obrigado a estabelecer tantas
educações diferentes quantas fossem as religiões professadas sobre o território, ou então
obrigaria aos cidadãos de diversas crenças a adotar a mesma para seus filhos, ou a limitar a
escolha entre um pequeno número de religiões. Ora, esse modelo educacional ou implica
imposição de alguma fé ou é impossível de ser operacionalizado. O poder público se limita,
pois, a regular a instrução, deixando às famílias a competência quanto ao resto da educação.
Se atuar como educador, o Estado atentará contra os direitos dos pais em educar seus filhos.
Seria cometida uma verdadeira injustiça se fosse confiada a alguma instituição a possibilidade
de impor aos pais a renúncia do direito de educar eles mesmos sua família (2001, p. 99-111).
Condorcet, referindo-se à sua época, assevera que o Estado não tem direito de exigir
suas opiniões como base da instrução, uma vez que não se lhe pode considerar ao nível das
luzes desse século. Os depositários do poder público estão distantes do ponto ao que
49
chegaram os espíritos dedicados a ampliar a “massa” das luzes. As instituições escolares,
coerentes com as luzes da liberdade e da igualdade, devem estar dispostas em condições de
independência quanto aos poderes políticos e religiosos constituídos, os quais tendem a
extrapolar suas prerrogativas:
A primeira condição de toda instrução é a de ensinar somente verdades. Os
estabelecimentos que o poder público consagra a ela devem ser tão
independentes como seja possível de toda autoridade política [...] Nenhum
poder político deve ter autoridade, nem influência de impedir o
desenvolvimento das novas verdades, o ensino de teorias contrárias a sua
política particular ou a seus interesses momentâneos (1990, p. 43-45).
O filósofo discute se o ensino dos preceitos constitucionais de cada país deve ser
incluído na instrução nacional. Admite esse ensino se a Constituição for considerada como
fato estabelecido pelo Estado, a que todos os cidadãos devem se submeter. Todavia, se for
ensinada como doutrina conforme os princípios da razão universal ou se suscitar em seu favor
um entusiasmo cego que torne os cidadãos incapazes de julgá-la, então é extremamente
desnecessária essa abordagem pela instrução pública. O objetivo da instrução não é fazer
admirar aos homens uma legislação terminada, mas de fazê-los capazes de apreciá-la e de
corrigi-la (2001, p. 107-08).
O direito de conhecer e criticar as leis e decisões políticas é assegurado a todos os
cidadãos. Esse direito é também condição de igualdade política. Somente conhecendo as leis e
suas motivações é que o cidadão poderá livremente exercer um julgamento crítico. A escola
republicana advogada por Condorcet é “uma escola do juízo: trata-se de confrontar os fatos e
as situações com leis universais, de situar os objetos na natureza, os enunciados nas teorias e
50
os acontecimentos nos processos históricos” (COUTEL, 2004, p. 60-61). As leis não devem,
pois, descansar em bases inflexíveis. O Estado precisa inclusive permitir discussões que se
oponham às leis, porque o propósito das instituições políticas é, justamente, aperfeiçoá-las de
modo contínuo através da confrontação de opiniões:
As boas leis, dizia Platão, são aquelas que os cidadãos amam mais que a
própria vida. Efetivamente [...] Mas para que os cidadãos amem as leis sem
deixar de ser verdadeiramente livres, para que conservem essa
independência da razão, sem a qual o ardor pela liberdade não é mais que
uma paixão e não uma virtude, é necessário que conheçam estes princípios
da justiça natural, esses direitos essenciais do homem, cujas leis não são
outra coisa que seu desenvolvimento ou sua aplicação [...] É necessário que
ao amar as leis saibamos julgá-las (1990, p. 61-62).
A regeneração indicada para a pátria não deve estar fundada na dogmática da lei. Nos
termos do filósofo:
Nem a Constituição francesa, nem mesmo a Declaração dos direitos serão
apresentadas a nenhuma classe de cidadãos como tábuas descidas do céu, às
quais é necessário adorar e crer. Seu entusiasmo não estará fundado sobre
preconceitos nem em hábitos de infância, e poder-se-á dizer-lhes: Esta
Declaração de direitos que vos ensina o que deveis à sociedade e ao que
tendes direito de lhe exigir; esta Constituição que deveis manter à custa da
própria vida não são senão o desenvolvimento daqueles princípios simples
ditados pela natureza e pela razão, aos quais haveis apreendido a
reconhecer, em vossos primeiros anos, como verdade eterna. Enquanto os
homens não obedecerem exclusivamente à sua razão e receberem suas
opiniões duma opinião estranha, em vão se quebrarão todas as algemas e em
vão procurariam ser úteis estas verdades impostas; o gênero humano nem
por isso ficaria menos dividido em duas classes: a dos homens que
raciocinam e a dos homens que crêem; a dos senhores e a dos escravos
(1990, p. 47).
51
Condorcet argumenta que a instrução pública deve ensinar aos homens fatos e
acontecimentos que releva conhecer, colocar ante seus olhos os debates que interessam a seus
direitos ou a sua felicidade, e oferecer-lhes as ajudas necessárias para que possam instruir-se e
decidir por si mesmos (2001, p. 108). A procura pela efetividade dos princípios das luzes é
traço característico de sua obra. Para ele, o compartilhamento de saberes é uma das condições
de igualdade e de liberdade do homem. Os problemas a serem continuamente pensados na
República exigem, “uma opinião pública ilustrada e uma confiança dos cidadãos no progresso
das luzes” (COUTEL, 2004, p. 55). A ignorância compartilhada, em sentido oposto, faz o
jogo dos tiranos. Os princípios devem fazer-se proposições diante das demandas de respostas
que a prática evidencia.
É preciso, esclarece Condorcet, marchar para a perfeição ou então admitir ser
arrastado a condições indesejáveis pelo choque contínuo das paixões, dos erros e dos
acontecimentos. Não basta que a instrução forme homens, é necessário que conserve e
aperfeiçoe aos que formou, que os ilustre e os preserve dos erros, e lhes impeça que voltem a
um estado, voluntário ou não, de ignorância: “é preciso que a porta do templo da verdade
esteja aberta a todas as idades” (2001, p. 94).
Concebida nesses termos, incumbe à instrução orientar aos cidadãos sobre os
benefícios comuns decorrentes da manutenção das instituições republicanas. A instituição de
homens de juízo crítico é tarefa principal da instrução, é uma condição decisiva para que o
povo possa defender-se dos preconceitos e das formas de dominação frequentemente
estabelecidas.
52
2.2 República e instituição do cidadão
A República tem por tarefa coibir desigualdades que gerem qualquer dependência ou
dominação como conseqüência. Constituída sobre princípios, fins em si mesmos, a República
articula interesses comuns com a diversidade de opiniões e de manifestações. A escola
republicana advogada por Condorcet deve desenvolver e difundir as luzes e a cidadania.
Trata-se de uma instituição republicana que abre espaços ao ensino, à aprendizagem e à
discussão de temas de interesse geral.
A instrução é uma conquista social que estimula a percorrer livremente os caminhos
escolhidos e que encontra justificação no argumento segundo o qual a dependência está
estreitamente vinculada a um estado de ignorância ou de submissão. Ignorância essa que não
se reduz a preconceitos, mas também ao embrutecimento dos sentimentos e dos costumes. É
necessário, pois, na visão de Condorcet, que o Estado ofereça igualmente aos indivíduos as
luzes das ciências e das artes, e que estimule os sentimentos morais.
Cabe à instrução, num primeiro nível, instruir na leitura e na escrita, mas também na
economia doméstica,
para a administração de seus negócios, para o livre desenvolvimento de sua
indústria e de suas faculdades; para conhecer seus direitos e exercê-los [a
cidadania]; para ser instruído sobre seus deveres, para poder cumpri-los
bem; para julgar suas ações e aquelas dos outros segundo suas próprias
luzes [...] para não ser mais vítima desses erros populares que atormentam a
vida com temores supersticiosos e esperanças quiméricas (1993, p. 184-85).
53
Um homem ilustrado, sem ser sábio em tudo, mas que tem prazer em cultivar o
espírito: esse é o perfil da cidadania republicana. A instrução pública propicia ao aluno a
experiência de pensar por si mesmo ao aprender com os outros. Ela orienta ao respeito e, ao
mesmo tempo, à crítica das leis e das instituições fazendo dos enunciados não um dogma a
repetir, mas uma tese para compreender. Por essa via, Coutel comenta que para Condorcet “a
adesão a um ponto de vista majoritário, depois de um debate, procede de um acordo arrazoado
e não de uma volição caprichosa e arbitrária” e que “o acordo dos espíritos é contemporâneo
do acordo do espírito consigo mesmo” (2004, p. 65).
A instrução traz à discussão os valores e as instituições da República. Condorcet
(2001, p. 173-184) propõe um programa específico de instrução comum; ele deseja prolongá-
lo para depois da escolaridade obrigatória. Essa instrução abrange os conhecimentos políticos,
a moral, a economia doméstica e rural, as partes das ciências e das artes de utilidade comum,
e a educação física e moral.
Coutel comenta que essa instrução comum, ou educação cívica dos adultos, implica
uma mediação entre a instrução pública e a República (2004, p. 66-72), entre a teoria e a
prática da cidadania republicana. A educação cívica não é objeto de um entusiasmo, mas
tampouco se trata de uma simples série de conhecimentos. É uma prática teórica dos direitos
políticos. O ensino repousa sobre a elucidação dos conceitos, mas também sobre a emulação
entre os cidadãos e a estima de si. Para ensinar aquilo que é também uma prática, isto é, a
virtude política dos cidadãos, são necessários conhecimentos precisos e uma coerência ética
do mestre, que segue seus próprios preceitos. Nesse espaço educacional, a tomada de
consciência é suscitada e não ditada. As festas públicas e espetáculos não podem ser as únicas
ocasiões para estas tomadas de consciência, pois uma multidão, nessas circunstâncias, pode
ser facilmente manipulada.
54
Condorcet realça que a instrução pública não é espaço de um determinado governo ou
de um partido. Ela é de todos em seus benefícios e de ninguém em específico para seu
planejamento e gestão, de tal modo que privilégios quaisquer subordinem interesses de
futuros cidadãos aos de uma casta exclusiva. É dever dos alunos, uma vez instruídos, criticar
as leis e as instituições. Essa crítica judiciosa é necessária para o aperfeiçoamento das
sociedades e das instituições. Nos termos do filósofo, toda “lição de política será uma lição de
justiça” (2001, p. 175). A instrução sobre a política relaciona os direitos do homem com as
disposições das leis, as operações administrativas e os meios e os princípios.
No que respeita à instrução comum, a narratividade é um dos métodos mais eficazes.
Ela oferece, comenta Coutel (2004, p. 73-75), um rosto às palavras e uma existência sensível
aos princípios e valores morais. A imaginação narrativa antecipa uma implicação futura do
cidadão ao serviço da República. A instrução prepara os homens para revisar regularmente as
leis e a Constituição, em função dos progressos das luzes, dos erros e dos preconceitos a
superar. Ela orienta a respeitar os direitos do homem, a exercer o poder constituinte do povo e
a aprimorar o sufrágio, cuja organização pode falsear a expressão majoritária. Narrações
apresentam ações, personagens, episódios que suscitam tomadas de posição e de consciência,
sem correr o risco de ofender aos jovens leitores ou auditores. O narrador escapa a todo
“dogmatismo”, contudo propõe certa exemplificação ética e cívica.
A instrução pública defensável em Condorcet é aquela que orienta para a cidadania e
para que cada cidadão se torne seu próprio educador, ou seja, um homem esclarecido. Mas,
como assegurar que o esclarecimento se dirija para o bem e a vida comum? Coutel destaca
que para Condorcet é “necessário cuidar para que os princípios que instituem a escola sejam
compatíveis com os princípios gerais das luzes e dos direitos naturais que os prolongam
(2004, p. 55). Por essa via, releva à perpetuação do regime republicano e à efetividade das
55
proposições iluministas que a instrução pública favoreça a instituição de um cidadão disposto
a compartilhar livremente de saberes e fazeres com seus pares, reconhecidos potencialmente
como em iguais condições na vida mundana.
A instituição da cidadania
23
é também um exercício de cidadania e uma incessante
busca da verdade. A filosofia que tinha como grito de guerra “razão, tolerância, humanidade”,
ante aos fatos passa da teoria à prática para afrontar problemas inéditos. Cinco grandes
princípios, segundo Coutel (2004, p. 20-21), inspiram a fundação condorcetiana da cidadania.
O princípio da perfectibilidade rompe com todo providencialismo ou com toda a
predestinação. A história é o que o homem faz dela. A perfectibilidade faz dessa orientação
responsabilidade dos homens. O esforço de Condorcet consiste em traduzir essa
perfectibilidade em aperfeiçoamento autêntico e para isto é importante que a razão humana a
guie.
O segundo princípio é o do colegiado dos espíritos e dos juízos. Este colegiado,
acentua Coutel (2004, p. 35), se amplia dos cidadãos às nações e logo à humanidade pela
mediação da idéia de Europa, considerada como quadro de uma opinião pública inspirada pela
razão. Essa concepção está inspirada pelo trabalho científico e acadêmico de Condorcet: os
júris acadêmicos se pronunciam colegiadamente em nome da verdade sobre os
descobrimentos e as investigações. O ponto de vista majoritário é então para ele a expressão
de um debate arrazoado e argumentado, e não uma opinião caprichosa. O princípio do
23
“A instituição do cidadão, em um regime democrático, pressupõe a definição, mas também a aplicação de
princípios gerais, expressados nos direitos naturais e imprescritíveis. Porém, de agora em diante, defendendo-os,
é necessário recordar os fundamentos filosóficos, pois a liberdade, a igualdade, a segurança, a propriedade ou
ainda a presunção de inocência são suscetíveis de graves contra-sentidos ou mal-entendidos. Os preconceitos
passados podem voltar a aparecer em quem pretende defender esses direitos. É necessário também precisar a que
comprometem esses direitos concretamente. Desprezar esses princípios seria voltar a ceder ante o oportunismo,
quer dizer, à mal maneira de tratar dos objetos políticos [...] A instituição do cidadão deve prevenir esses perigos
inspirando-se em princípios precisos” (COUTEL, 2004, p. 17).
56
colegiado enlaça a racionalidade e a perfectibilidade: os homens ganham se buscam a verdade
juntos; esta é uma das lições da história, das ciências e das luzes.
Estes dois princípios chamam a um terceiro: o princípio da racionalidade. Todo
homem, comenta Coutel (2004, p. 23), possui uma razão capaz de perceber os elementos de
um todo e de captar sua unidade: é a faculdade das análises e das combinações. A instituição
do cidadão implica a dupla ambição de analisar as situações políticas e de minimizar os erros
e as crises. A racionalidade, com a prova do colegiado, se abre ao sentimento de humanidade.
O princípio da racionalidade requer o princípio da laicidade ou do espírito público.
Condorcet opõe “o espírito de seita” ao “espírito público” enfatizando o desenvolvimento
deste contra todas as formas de servidão, de arbitrariedade e de dependência. O princípio de
laicidade é, comenta Coutel (2004, p. 29), o acompanhamento jurídico do princípio da
racionalidade. A instituição do cidadão, em uma República, pressupõe um espaço público e
laico donde não intervenha nenhuma opinião sectária ou religiosa. Esse espaço público e
laico, condição dos intercâmbios e dos debates, pressupõe cidadãos prudentes e instruídos.
Enfim, o princípio de humanidade
24
. O amor à humanidade é, comenta Coutel (2004,
p. 30-31), o horizonte ético da cidadania condorcetiana. Este amor abre os grandes princípios
precedentes até a universalidade. É a preeminência desse princípio da humanidade o que
explica os combates de Condorcet pelos direitos dos oprimidos e suas lutas pela cidadania às
24
Este sentimento de humanidade, horizonte da cidadania, está esboçado desde o início: os alunos mais jovens
serão tratados levando-se em conta que são pessoas e futuros cidadãos” (COUTEL, 2004, p. 76). Condorcet
manifesta preocupação em “despertar nos alunos o respeito pelo outro e por si mesmo a partir dos primeiros
sentimentos humanos. Em uma marcha que se eleva pouco a pouco dos sentimentos às idéias por meio das
palavras, os futuros cidadãos estão convidados a reagir ante situações simples evocadas em histórias curtas lidas
por seus mestres; estas histórias tomam como marco ‘a história da liberdade humana’, da qual o Esboço é o
marco narrativo geral. Os alunos se abrem assim aos direitos e deveres dos cidadãos. Com o passar dos anos, o
ensino cívico se torna cada vez mais abstrato sem deixar de ser preciso. Finalmente, os alunos aprendem [...] a
existência das leis, das instituições e das declarações de direitos de uma maneira crítica e respeitosa [...] Esta
educação do cidadão escapa a todo catecismo: as definições são ilustradas pelos motivos, os motivos pelos
princípios, e os princípios pelos direitos naturais” (2004, p. 76-77).
57
mulheres, aos negros e aos protestantes. Seu esforço residirá em encontrar as mediações entre
o amor de si ou estima de si, o amor familiar, o amor à pátria, o amor à República e o amor à
humanidade. Os direitos do homem e o exercício dos direitos políticos terão a humanidade
como horizonte e não somente a pátria. Ao aplicar o princípio da laicidade ao princípio da
humanidade, não se encontra em Condorcet o culto à humanidade. A instituição do cidadão
supõe uma continuidade entre essas esferas afetivas e os princípios teóricos gerais
(perfectibilidade, colegiado, racionalidade, laicidade e humanidade). Pois pouco importa
haver compreendido a necessidade da República se, ao mesmo tempo, não a amarmos
ternamente.
É tarefa da instrução pública promover, sobretudo, a autonomia
25
individual diante do
Estado, da igreja e da tradição. A instrução é a educação que se volta sobre si mesma num
processo contínuo de análise da aprendizagem, evitando que esta se sedimente em costumes
contrários aos interesses do próprio indivíduo e da humanidade que ele expressa. Uma falsa
instrução produz a presunção, uma instrução razoável ensina a desconfiar dos seus próprios
conhecimentos.
2.3 Escola republicana e espírito público (laicidade)
A efetividade dos princípios das luzes pressupõe uma instrução que ofereça aos
cidadãos conhecimentos e as mais variadas oportunidades durante a vida. Por essa via,
25
Para Condorcet, a “autonomia é uma independência diante das tendências internas, das paixões e do auto-
engano, mas também diante dos demais indivíduos, no que se refere ao engano mútuo, à dependência intelectual
e à incapacidade de defender os próprios interesses e direitos” (SILVA, 2004, p. 23). A instrução pública deve
“difundir os saberes e dar a cada um as ‘armas intelectuais’ que ele for capaz de portar. Somente a capacidade de
raciocinar permite conquistar e manter a autonomia, isto é, escapar da servidão, da tirania e de toda dependência
humilhante na vida cotidiana” (p. 44).
58
Condorcet escreve no preâmbulo do Relatório e projeto de decreto sobre a organização geral
da instrução pública:
Facultar a todos os indivíduos da espécie humana os meios de proverem as
suas necessidades, de conseguirem o seu bem-estar; assegurar a cada um
este bem-estar, torná-lo cônscio defensor dos seus direitos e esclarecido
cumpridor dos seus deveres; garantir-lhe a facilidade de aperfeiçoar sua
indústria, de se habilitar para o desempenho de funções sociais a que tem o
direito de ser chamado, de desenvolver completamente os talentos que
recebeu da Natureza; estabelecer entre os cidadãos uma igualdade de fato e
realizar a igualdade política reconhecida pela lei – tal deve ser o primeiro
objetivo de uma instrução nacional e, sob este aspecto, ela é para os poderes
políticos um dever de justiça (1990, p. 41).
Em seu plano de organização escolar, Condorcet estabeleceu cinco graus para a
instrução: escolas primárias, secundárias, institutos, liceus e Sociedade Nacional das Ciências
e das Artes. Na escola primária são veiculados conhecimentos gerais para que o indivíduo
possa dirigir, ele mesmo, suas atividades e opiniões. Seu objetivo é “conceder à generalidade
dos habitantes de um país condições de conhecer seus direitos e seus deveres, a fim de exercer
aqueles e cumprir estes sem recorrer a uma razão alheia” (2001, p. 117). Esse grau de
instrução oferece as habilidades iniciais de ler, escrever e contar. Envolve a narrativa de
histórias morais curtas “aptas a fixar a atenção das crianças sobre os primeiros sentimentos
que, segundo a ordem da natureza, devem experimentar” (p. 120), e para dispô-las “a refletir
sobre seus sentimentos e a prepará-las às idéias morais que devem nascer um dia dessas
reflexões” (p. 120). A escola primária proporciona uma descrição sumária dos produtos do
país, uma explicação sobre as leis nacionais, de maneira que se prepare para a vida em
sociedade, no que toca aos deveres e aos direitos que temos uns para com os outros. O autor
observa que,
59
Unindo, como temos proposto, a leitura à escritura, e apresentando as
primeiras idéias morais em histórias [...] unindo ao estudo da geometria a
diversão de fazer figuras e outras operações sobre o terreno, e falando, nos
elementos de história natural, somente de objetos que possam ser
observados, e cujo exame é prazeroso, se facilitará a instrução; perderá o
que pode ter de repelente, e a curiosidade natural da infância será um
estímulo suficiente para encaminhar ao estudo (2001, p. 136).
A escola secundária oferece curso elementar de matemáticas, de história e de física.
Esse grau se estende ao ensino sobre princípios das ciências políticas e da Constituição, das
noções fundamentais de gramática e de metafísica, dos princípios de lógica e da arte de
expressar idéias, assim como de elementos de história e de geografia. O aluno é preparado
para acompanhar o desenvolvimento das manufaturas e para lidar criativamente com as novas
exigências de saber postas pelas transformações nas tecnologias de produção (CONDORCET,
2001, p. 136-46).
O terceiro grau de instrução ocorre nos Institutos, onde o saber erudito é desenvolvido
para capacitar ao desempenho de funções públicas que exigem mais conhecimentos. São
oferecidos cursos de ciências matemáticas e físicas, de ciências morais e políticas, de
aplicação das ciências e das artes, e de literatura e belas artes. As matérias de estudo ali
ministradas supostamente conferem a imprescindível abertura intelectual para um estudo
aprofundado (CONDORCET, 1990, p. 103-5). Neles se ensinará
não somente o que é útil saber como homem e como cidadão, quaisquer que
sejam as profissões a que se dediquem, senão tudo o que pode ser
necessário para cada grande setor profissional como a agricultura, as artes
mecânicas, a arte militar e inclusive os conhecimentos médicos que
necessitam simples praticantes, as parteiras e os artesãos veterinários (1990,
p. 55).
60
Nos Liceus, o quarto grau de instrução, as ciências são ensinadas no seu pleno
desenvolvimento. O ensino dos Liceus revela, pela própria composição de seu corpo de
professores e de estudantes, uma progressiva diminuição da desigualdade de fortunas, unindo
sujeitos provenientes de variadas camadas da sociedade. Ali são formados
os sábios, os que fazem da cultura de seus espíritos, do aperfeiçoamento de
suas próprias faculdades, uma das ocupações de sua vida; os que se dedicam
a profissões nas quais êxitos só se conseguem com estudo aprofundado de
uma ou de várias ciências. Neles se formam os professores. Por meio desses
estabelecimentos cada geração poderá transmitir à geração seguinte o que
recebeu da que lhe precedeu e o que ela pôde agregar (CONDORCET,
1990, p. 67).
Condorcet preceitua a gratuidade nos primeiros quatro níveis de instrução, para que
seja assegurado aos alunos de classes sociais menos favorecidas o desfrute da possibilidade
real de desenvolver suas capacidades. Para demonstrar essa preocupação, releva transcrever
aqui a passagem:
importa à prosperidade pública dar às crianças da classe pobre, que são as
mais numerosas, a possibilidade de desenvolver as suas faculdades; é um
meio, não só de assegurar à pátria mais cidadãos em estado de servi-la e, à
ciência, mais homens capazes de contribuir para o seu progresso, mas
também de diminuir essa desigualdade que nasce da diferença das fortunas
e fundir entre si as classes que esta diferença tende a separar. A ordem da
natureza não estabelece na sociedade outra desigualdade que a da instrução
e a da riqueza e, alargando a instrução, atenuaremos ao mesmo tempo os
efeitos destas duas causas de distinção. As vantagens da instrução, menos
exclusivamente unidas às da opulência, serão cada vez menos sensíveis e
não chegarão a ser perigosas; nascer rico estará equilibrado pela igualdade,
pela superioridade da ilustração que devem obter, naturalmente, aqueles que
têm mais motivos para adquiri-la (1990, p. 71).
61
A Sociedade Nacional das Ciências e das Artes, último grau de instrução, dirige e
vigia a instrução pública. A entidade deve exercer supervisão dos demais níveis de ensino,
gozando para tanto de autonomia perante o poder público. Cabe à Sociedade proteger e
acelerar os progressos das ciências e das artes, resistindo contra possíveis inimigos das luzes,
eventualmente protegendo a instrução do próprio arbítrio do Estado (CONDORCET, 1990, p.
76-95 e 108-10). Os trabalhos e funções da Sociedade visam a:
Primeiro: vigiar e dirigir a instrução geral; segundo: contribuir ao
aperfeiçoamento e à simplificação do ensino; terceiro: ampliar os limites
das ciências e das artes por meio de descobrimentos; quarto: corresponder
com as sociedades científicas estrangeiras para enriquecer a França com
descobrimentos de outras nações. Estará encarregada, segundo as
circunstâncias, pelo corpo legislativo, dos diferentes trabalhos científicos e
literários que tenham por objeto a utilidade pública e a glória da pátria
(1990, p. 108).
É defensável a instrução que torna toda dependência ou desigualdade obstáculo a
enfrentar. Condorcet aposta que a ampliação dos conhecimentos partilhada pelo maior
número de pessoas acelera os progressos do espírito humano e suas conseqüências desejáveis,
quais sejam o aperfeiçoamento das ciências e das artes, a minimização das desigualdades
entre os homens e a promoção de sua felicidade. Contudo, “o processo de produção e de
difusão de conhecimentos, desde a escola elementar até as sociedades científicas, precisa ser
independente de qualquer interferência externa, de natureza religiosa, política ou
‘ideológica’” (SOUZA, 2001, p. 185).
Instrução pública republicana e espírito público ou laicidade são assuntos de traçados
convergentes nas considerações do filósofo. O sentido de laicidade em Condorcet não se
62
reduz àquele de uma separação entre as esferas do Estado e da religião; não significa
unicamente independência da instrução em relação às convicções ideológicas e confissões
religiosas.
Sobre a origem etimológica do termo laico, Maamari acentua que procede do grego
laos, que significa povo, e que diz respeito a um “regime em que nenhum indivíduo possa ser
discriminado em razão de suas orientações de vida, pois estaria assegurada a liberdade da
consciência diante de um Estado que pertença a todos (povo) e não somente a uma parte da
população” (2005, p. 419-20). No âmbito da política,
a laicidade a serviço do laos pressupõe a separação do justo e do Bem, mas
também a de que as concepções da existência humana pertençam a uma só
consciência, não podendo absolutamente ser impostas ao outro. Na esfera
do Bem, aliam-se as religiões como a crença de que haveria um fundamento
transcendente para as questões de natureza moral, que passaria a representar
uma entidade ontologicamente superior aos homens comuns, ficando,
assim, de fora das jurisdições. Aliado à laicidade, estaria o ideal de um
Estado justo (p. 419-20).
Maamari (2005) destaca ainda um outro sentido para laicidade, de caráter mais
estreito, e que diz respeito ao combate contra todo clericalismo religioso. Esse enfrentamento
afirma a liberdade religiosa de cada cidadão, separando o Estado de qualquer religião
estabelecida que viesse a ser politicamente privilegiada.
Consideradas em seus aspectos políticos e filosóficos, as Revoluções Americana e
Francesa apresentaram ao mundo propostas de regimes políticos republicanos e laicos,
organizados pretensamente em função do interesse geral e da justiça social e conciliando
simultaneamente a igualdade cívica dos cidadãos e a máxima liberdade individual. Essas
63
revoluções apostaram, maior ou menor grau, em discursos segundo os quais é possível
estabelecer estruturas sociais que favoreçam condições de dignidade aos homens. Por essa
via, convicções religiosas ou ideológicas individuais, ainda que socialmente majoritárias e
com livre expressão no espaço público, não poderiam ser impostas a toda a população.
O princípio de laicidade é norma constitutiva da República. Esse preceito, antes de
tudo, exorta sobre a incompetência do Estado nas matérias em que relevam crenças e
convicções dos indivíduos. O Estado e a instrução são instituídos e mantidos em condições de
independência quanto a qualquer comunidade confessional. A laicidade impõe-se como modo
de assegurar a igualdade entre todos os cidadãos no espaço comum que o regime republicano
propõe garantir.
A escola pública e o conjunto dos serviços públicos devem ser protegidos contra toda
e qualquer intromissão de interesses sectários. A escola laica é um dos últimos lugares a pôr
em evidência tudo aquilo que une os seres humanos, em lugar de os dividir. Ela não prescinde
das diferenças. Preocupa-se, isso sim, em manter a afirmação dessas diferenças em
compatibilidade com o universalismo dos direitos e a liberdade reconhecida de deliberar por
si mesmo sem estar sujeito a qualquer fidelidade de grupo. Com efeito, é indispensável que a
instrução republicana ofereça condições de laicidade. As considerações precedentes consistem
em fortes convicções de Condorcet.
A laicidade ou espírito público, aquilo que concerne ao povo em suas diferenças e que
flui do livre exercício da razão (da independência do espírito), prescindindo de doutrinas
“indiscutíveis” e “inverificáveis”, deve orientar as atividades da instrução pública. Instrução
essa que Condorcet distingue de educação (que diz respeito ao âmbito familiar e comunitário),
justamente por implicar interesse pelo bem-comum. A instrução não difunde doutrinas
64
absolutas ou teses inverificáveis, oferece sim conhecimentos elementares para que cada
cidadão possa livremente compartilhá-los, questioná-los e aperfeiçoá-los.
O propósito principal da instrução é oferecer oportunidades similares de aprendizagem
aos indivíduos em suas mais amplas diferenças, ou seja, estimular a instituição de cidadãos
dispostos a cultivar o próprio espírito e ajuizar criticamente. Com efeito, releva que o
princípio de laicidade não seja confundido como mera opinião entre tantas outras, mas como a
própria garantia de que todas as opiniões possam ser manifestadas e discutidas. Em outras
palavras, é a condição de possibilidade de diálogo entre as opiniões livremente manifestadas
nos espaços políticos e educacionais.
65
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao exame, evidenciam-se as relações estabelecidas por Condorcet entre princípios
filosóficos, apostas políticas e instrução pública. A investigação permitiu descrever
proposições do autor orientadas ao estabelecimento da igualdade de fato entre os homens em
condições de liberdade. Mostrou seu sagaz combate contra todas as tentações autoritárias e
explanou as tarefas centrais da instrução pública, que antes de tudo visa a esclarecer os
indivíduos encorajando-os a pensar e a deliberar por si mesmos nos espaços públicos
garantidos pela República.
A aposta de Condorcet é que as destinações futuras da espécie humana, apesar dos
sucessos passageiros de preconceitos repetidos nos percursos da história, reservam ao homem
oportunidades de decidir e tornar reais sociedades mais equânimes e livres, impedindo a
consolidação de preceitos políticos ou religiosos que estimulem a dependência e a dominação.
Soergue-se a instrução pública como espaço de intercâmbio e desenvolvimento de
conhecimentos, de debates em condições de igualdade, espaço fundamental ao
aperfeiçoamento das coisas humanas e obstáculo aos dogmas contrapostos ao bem-estar dos
indivíduos e das sociedades.
Para o filósofo, os progressos dizem respeito tanto aos benefícios favorecidos pelo
aperfeiçoamento das ciências e das artes quanto àqueles possibilitados pelo cultivo dos
66
sentimentos morais. Aspectos constituintes da natureza humana tais como a sensibilidade, o
compadecimento e a perfectibilidade identificam-se como noções fundadoras da acepção de
progresso. Com efeito, algo só pode progredir continuamente se é indefinidamente
perfectível, por não haver termo-limite a seus desenvolvimentos. O progresso condorcetiano
pode ser entendido como abertura e possibilidade de contínua busca da felicidade humana.
Contudo, é importante ressaltar que essa condição de perfectibilidade não impede a
corrupção das ciências e das artes e dos sentimentos morais. Por essa razão, a instrução
pública é fundamental para recordar os tempos de escravidão e de desigualdades; para
difundir entre as gerações presentes e vindouras os conhecimentos produzidos e os princípios
das luzes; e para incentivar a autodeterminação, evitando com isso ambientes propícios ao
obscurantismo. O cidadão atua livremente em espaços públicos à medida que possua os
conhecimentos necessários para se fazer entender e discernir e julgar. Caso contrário, sua
presença pode ficar comprometida à mera escuta e repetição.
A seguir, resenho temas tratados no texto, os quais julgo pertinentes às indagações
feitas ao fim destas considerações:
Para Condorcet, as raízes dos sentimentos morais se ligam às sensações, mas só se
desenvolvem com o exercício das faculdades humanas. O sentido moral é a faculdade de
experimentar prazer e dor pela recordação de ações passadas, de projetos de ação futura e da
narração das ações alheias. Tal faculdade procede da sensibilidade física reunida na memória,
mas deve-se à instrução seu desenvolvimento. A tendência à compaixão pelos sofrimentos dos
outros decorre da natureza humana, porém esse germe da moralidade só se expande com o
exercício da razão.
67
O homem dispõe da capacidade de se aperfeiçoar. Os progressos da razão implicam a
decadência dos preconceitos e o desenvolvimento das possibilidades do engenho humano. O
princípio da perfectibilidade presume uma igualdade potencial e movimentos tencionados à
efetividade da igualdade entre os homens. A força da perfectibilidade está na possibilidade de
alterar caminhos, de não se sujeitar aos ensinamentos propagados sem justificativas, de
decidir por si mesmo as trajetórias de que participa.
Condorcet assevera que a instrução pública tem por tarefa difundir entre os cidadãos
saberes que, de alguma forma, desestimulem relações de dependência ou de dominação. As
luzes da razão não devem se concentrar em uma casta hereditária ou corporação exclusiva. É
necessário que sejam oferecidas condições para o desenvolvimento das faculdades e
sentimentos morais dos homens, os quais, ao se tornar fantoches de charlatães, são incapazes
de defender seus próprios interesses.
Cabe à instrução pública oferecer espaços aos indivíduos, igualmente, encorajando-os
nos talentos que a natureza lhes oferece. A República tem por tarefa oferecer essas condições
para que adquiram aqueles conhecimentos que a força de sua inteligência e o tempo que
dediquem a se instruir possibilite alcançar.
O propósito da instrução não pode ser o de consagrar opiniões estabelecidas, mas sim
o de submetê-las continuamente ao livre exame de gerações sucessivas. A instrução adequada
é aquela que causa aos homens o prazer e o hábito de cultivar livremente suas escolhas de
acordo com as necessidades e desejos que tenham.
A instrução pública orienta sobre benefícios comuns decorrentes da manutenção das
instituições republicanas. A instituição de homens de juízo crítico é sua tarefa principal, é
condição decisiva para que o povo possa se defender de preconceitos e de formas de
68
dominação estabelecidas. Um homem ilustrado, sem ser sábio em tudo, mas que tem prazer
em cultivar o espírito: esse é o perfil da cidadania republicana. A instrução orienta ao respeito
e ao mesmo tempo à crítica das leis e das instituições fazendo dos enunciados não dogmas a
repetir, mas teses a compreender.
Condorcet propõe um programa de instrução comum desejando prolongá-lo para
depois da escolaridade obrigatória. Essa instrução comum dos adultos é uma mediação entre a
instrução pública e a República, entre teoria e prática da cidadania republicana. A instrução
deve promover a autonomia individual diante do Estado, da igreja e da tradição. Ela é a
educação que se volta sobre si mesma num contínuo movimento de análise da aprendizagem,
evitando que se sedimente em costumes contrários aos interesses do próprio indivíduo e da
humanidade por ele expressada. Uma falsa instrução produz a presunção, uma instrução
razoável ensina a desconfiar dos próprios conhecimentos.
O sentido de espírito público ou laicidade em Condorcet não se reduz àquele de uma
separação entre as esferas do Estado e da religião. Esse princípio exorta sobre a
incompetência do Estado nas matérias em que relevam as crenças e convicções dos
indivíduos.
A escola laica é um dos últimos lugares a pôr em evidência tudo o que une os seres
humanos ao invés de dividi-los. Ela não prescinde das diferenças, mas se preocupa em manter
a afirmação dessas diferenças em compatibilidade com a igualdade dos direitos e a liberdade
reconhecida de deliberar sem estar sujeito a qualquer fidelidade de grupo.
O espírito público (laicidade), aquilo que concerne ao povo em suas diferenças e que
flui do livre exercício da razão, prescindindo de doutrinas “indiscutíveis” e “inverificáveis”,
deve orientar as atividades da instrução pública. Releva que esse espírito não seja confundido
69
como mera opinião entre tantas outras, mas como a própria garantia de que todas as opiniões
possam ser manifestadas e discutidas.
Condorcet propõe limites ao jogo da vida política, e tais regras restritivas interessam à
efetividade dos princípios do interesse público e da redução das desigualdades sociais. As
políticas sociais e a instrução pública têm que interferir nessas desigualdades reduzindo-as à
medida que os cidadãos, em condições de igualdade, possam desenvolver conhecimentos e
julgar a respeito das leis e de suas motivações.
Lido em nossas circunstâncias, Condorcet instiga a pensar sobre fracassos de
expectativas que a tradição das luzes lançou para os tempos que seguiram, mas, também, a
indagar: com quais argumentos podemos recorrer ou recusar reflexões e apostas que essa
tradição nos legou? Retomar e discutir suas considerações é pertinente, entre outras razões,
porque a instrução pública favorece o diálogo, e, sobretudo, reforça o valor da tolerância
como elemento central da sociabilidade contemporânea; porque, mesmo no âmbito das
democracias constitucionais, se evidenciam constantes tentativas de corromper ou descartar o
princípio de laicidade, fundamental para assegurar, juridicamente e de fato, o exercício das
diferentes opiniões; porque se encurtam perigosamente os espaços da atividade cidadã, tal
como foram concebidos pelos imaginários das tradições republicanas e democráticas; porque
a educação nas instâncias reais da República atuais, não raro, se transforma em arena de
doutrinação das diferentes ideologias em conflito.
Com efeito, as reflexões filosóficas, políticas e educacionais de Condorcet ainda
lançam luzes sobre complexas questões e responsabilidades que desafiam nossa época. Sua
compreensão pessoal e intersubjetiva de razão reconhece cada ser humano como capaz de
exercitar distinções e juízos afastados daqueles preconceitos e formas de organização social
70
incompatíveis com princípios proclamados pela filosofia das luzes. Muitas de suas
considerações parecem ecoar em apostas e expectativas hoje cruciais à vida política e às
instituições educacionais republicanas, ou seja, que releva instituir e ampliar espaços públicos
nos quais a razão humana possa ser exercida de modo alargado tendo em vista a igual
capacidade que, potencialmente, todos têm de pensar e de se relacionar politicamente sob
formas que não sejam as da intolerância, do desrespeito às diferenças e da dominação de uns
sobre outros.
71
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