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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
SANDRA DAVID BUCHOLZ
CONVERSAS AO PÉ DO OUVIDO:
histórias de professoras que ousam fazer diferente
Ijuí
2007
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2
SANDRA DAVID BUCHOLZ
CONVERSAS AO PÉ DO OUVIDO:
histórias de professoras que ousam fazer diferente
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em
Educação nas Ciências como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação pela Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul.
Orientadora: Profª Drª Anna Rosa Fontella Santiago
Ijuí
2007
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DEDICATÓRIA
Para minha amiga Karla, que serviu de fonte
inspiradora deste trabalho, pelo apoio e pelas horas
de "conversações", sempre acompanhadas de
tamanha amizade, delicadeza e cordialidade, uma
verdadeira lição de sabedoria que, em gestos,
cotidianamente acompanham as suas palavras tão
sábias.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, dono de minha vida.
A minha filha Laura, e a minha filha Luísa, que nasceu junto
com o curso de mestrado, a elas, razões da minha existência, que
me estimulam a aprender novos saberes sobre a maternidade a
cada dia.
A minha mãe Melina, que me acompanhou e cuidou da Luísa
durante as aulas.
Às colegas professoras, que participaram deste estudo e
contribuíram para sua realização, através dos relatos e vivências.
A minha família, pela compreensão que tiveram nas muitas
horas em que estive perto e ausente.
A profª Drª Anna Rosa Fontella Santiago, pela orientação e
acompanhamento do trabalho de pesquisa.
“De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando...
A certeza de que precisamos continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de
terminar...
Portanto, devemos fazer da interrupção
Um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...”
(Fernando Pessoa)
RESUMO
Este trabalho trata da investigação realizada com um grupo de professoras
envolvidas em processo autônomo de formação continuada. A pesquisa procurou
compreender essa possibilidade de formação no âmbito da escola e seus efeitos nas
trajetórias profissionais e pessoais de quatro professoras, bem como seus reflexos
nas mudanças mais amplas das políticas de formação docente e inovação
pedagógica. A opção metodológica foi de imersão da pesquisadora no cotidiano do
grupo em estudo, constituindo-se como sujeito que dialoga, observa e interpreta o
processo numa abordagem de pesquisa qualitativa com viés etnográfico. Desse
modo, as narrativas, histórias de vida, depoimentos e registros em diário de campo
foram os instrumentos na coleta de dados, os quais foram transcritos e interpretados
na interlocução com estudiosos que têm se dedicado à pesquisa sobre formação
docente, tais como A. Nóvoa, Tardif, Conelly e Clandinin, Ponte, Sacristán, Larrosa e
outros. Maturana e Varela foram as referências teóricas no entendimento da
formação continuada das professoras como processo autônomo, complexo e
subjetivo em que o viver-conhecer se tece em redes de experiências e conversações
produtoras de conhecimento, fluindo em congruências múltiplas no desejo de mudar.
Nessa perspectiva, a pesquisa aponta para a possibilidade de mudanças na
formação de políticas públicas de formação docente pautando-as em uma
racionalidade que considere o sujeito professor e as circunstâncias do seu viver
como âncoras do processo pedagógico.
Palavras-chave: Formação Continuada, subjetividade, Experiência, Autonomia.
ABSTRACT
This work deals with the inquiry carried through with a group of involved teachers in
independent process of continued formation. The research looked for to understand
this possibility of formation in the scope of the school and its effect in the professional
and personal trajectories of four involved teachers as participant citizens, as well as
its consequences in the changes amplest of the politics of teaching formation and
pedagogical innovation. The metodológica option was of immersion of the researcher
in the daily one of the group in study, consisting as subject that it dialogues, observes
and interprets the process in a boarding of qualitative research with etnográfico bias.
In this manner, the narratives, histories of life, depositions and registers in daily of
field had been the instruments in the collection of data, which had been transcribed
and interpreted in the interlocution with studious that they have if dedicated to the
research on teaching formation, such as. the Nóvoa, Tardif, Conelly and Clandinin,
Bridge, Sacristán, Larrosa and others. Maturana and Varela had been the theoretical
references in the agreement of the continued formation of the teachers as
independent, complex and subjective process where live-knowing if they weave in
nets of experiences and producing conversations of knowledge, flowing in multiple
congruences in the desire to move. In this perspective, the research points with
respect to the possibility of changes in the formation of public politics of teaching
formation pautando them in a rationality that considers the subject professor and the
circumstances of its life as anchors of the pedagogical process.
Word-key: Continued formation, Subjectivity, Experience, Autonomy
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO……………………………………………………………………...…. 08
1 A PERGUNTA SURGE NO CAMINHAR......................................................... 15
1.1 Construindo um caminho: histórias que se tecem...................................... 17
1.2 Narrativas que tecem a história e a formação docente............................... 21
1.3 Linguagem e significação: a produção de mudanças em processos de
formação......................................................................................................
30
2 AS PROFESSORAS EM TRANSFORMAÇÃO: PROCESSO AUTÔNOMO
DE FORMAÇÃO..................................................................................................
38
2.1 Como nos fazemos professoras: experiência e alteridade em
interlocução..................................................................................................
40
2.2 Um sentimento presente: a necessidade de mudança da prática
pedagógica..................................................................................................
50
2.3 Saberes docentes: as professoras querem aprender................................. 61
2.4 O coletivo produz redes de conversação como modo de produção, ponto
de segurança e sustentação do processo de formação..............................
80
2.4.1 A universidade como aliada, parceira do processo............................ 88
3 FORMAÇÃO CONTINUADA AUTÔNOMA COMO PARTE DO FAZER DAS
PROFESSORAS: PROCESSO E TRANSFORMAÇÃO.....................................
98
3.1 Autonomia no percurso das professoras..................................................... 98
3.2 Cultura docente e o desejo de transformação: a necessidade de
aprender a conviver com o modo de organização da escola......................
107
3.3 Formação continuada autônoma: processo e transformação..................... 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 132
REFERÊNCIAS................................................................................................... 138
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa trata das transformações vivenciadas por um grupo de
professoras em um processo autônomo de formação continuada e se constrói a
partir de meu percurso como professora em escola pública de ensino fundamental,
durante o qual surgem perguntas acerca da experiência docente vivenciada como
fator inerente à formação continuada. Como coordenadora pedagógica na escola, eu
percebia as inquietações que surgem no processo pedagógico diário das
professoras, as diferenças nos modos de fazer que se produzem em meio a
situações distintas de formação e vivências cotidianas na escola e demais espaços
sociais. Percebia que as práticas pedagógicas se mostram bastante diversificadas,
apesar de as professoras estarem atuando no mesmo contexto e de serem movidas
por objetivos comuns, ao menos nas discussões e nos registros feitos em
documentos presentes na instituição.
Minhas práticas como coordenadora favoreciam o contato diário com as
professoras, momentos em que observava a busca pela profissionalização da ação
docente tal como ela se realiza no cotidiano. Percebia as dificuldades expressas
pelas docentes no exercício de sua prática, as dúvidas que surgiam ao lidar com
10
algumas situações. Procurava escutar o que diziam as professoras, os alunos e
funcionários e deparava com tensões, inquietações, reclamações, realizações,
alegrias e tristezas vividas na multiplicidade e pluralidade das demandas que o
cotidiano escolar lhes apresentava.
Algumas professoras se mostravam mais abertas e interessadas em
desenvolver projetos e fazer leituras com vistas ao aprofundamento teórico, outras
assumiam uma postura mais pragmática, buscando técnicas de manejo de classe.
Porém, cada profissional, a sua maneira, se envolvia em fazeres e processos que
mostravam o que acreditavam ser o melhor para seus alunos aprenderem em sala
de aula. Percebia, como escreve Gauhtier (1988, p. 89), que “a personalidade de
cada um faz com que pessoas que representam um mesmo papel se comportem até
certo ponto, de maneiras diferentes”. Cada uma a seu modo acreditando estar
fazendo o melhor na sua prática educativa. Ou ainda como esclarece Maturana
(2004) acerca do modo humano de viver, sempre fazemos o que queremos fazer na
busca de conservar algo. Por vezes, somos impulsionadas na escola a fazer algo
que não nos agrada, mas, de acordo com o autor, este processo pode ser explicado
na tentativa humana de preservar a organização, o viver, o que pode significar a
permanência nos espaços da escola, daquilo que se tem nomeado de cultura
escolar.
Estas posições me levam a duas reflexões que considero importantes para o
fazer, no qual estou implicada na condição de coordenadora: a necessidade de
profundo respeito pelas professoras e contínua busca de compreensão sobre o
modo como se produz essa diversidade nas práticas docentes, e a importância de
11
focar a organização institucional que, por vezes, produz uma idéia a respeito do que
é ou não uma prática adequada, levando os professores a se movimentarem de
acordo com as forças presentes.
É a partir deste ponto que começo a delinear meu tema de pesquisa,
acreditando na possibilidade de pensar e atuar a partir do que se aprende focado na
importância da conversação como modo de qualificar os profissionais da educação
em todos os níveis, na medida em que esse diálogo produz interações
esclarecedoras.
Na conversação, a atuação das professoras se destaca em reflexões sobre
o fazer pedagógico. E atuar, nesta escrita, se relaciona à metáfora do teatro, em que
cada professora está inserida no espaço escolar com seu corpo, vivendo processos
que tecem redes de convivência, redes de conversação que, na concepção de
Maturana, configuram o modo humano de existir. Não há possibilidade de separação
entre a reflexão e o fazer, pois o fazer educativo envolve sujeitos em conversação,
processos de conhecimento que emergem a partir do conversar. Conversar, versar
com os outros, operação em que se entrelaçam o emocionar e o linguajar. O mesmo
autor denomina de conversações “as diferentes redes de coordenações
entrelaçadas e consensuais de linguajar e emocionar que geramos ao vivermos
juntos como seres humanos” (MATURANA, 1997, p.132). Para ele, podemos
observar uma rede conversacional e, a partir do que se/nos mostra, é possível
destacar os emocionares presentes e os mundos que se produzem ao conversar.
São mundos em que nos inscrevemos e nos representamos como sujeitos e como
12
profissionais no constante e permanente processo de pensar, fazer, criar e recriar a
prática.
Como professoras, estamos empenhadas em pensar e recriar a prática
educativa considerando as necessidades e possibilidades de realidades que
produzimos no linguajar. Somos responsáveis pelo que produzimos na medida em
que o real, em si mesmo, como ente desencarnado dos sujeitos, não existe.
Inventamos mundos através das distintas explicações possíveis em torno dos
fenômenos do viver e, nesse sentido, situo a validade e a responsabilidade desta
pesquisa, que, nas interações vivenciadas, produziu um novo modo de ser e de
fazer nas profissionais envolvidas.
Assim, o desejo que move esta escrita é, também, o de crescer
profissionalmente e tornar-me melhor, ao mesmo tempo em que busco contribuir
para a formação de outras pessoas que têm o desafio de se constituir professores. É
nessa perspectiva que me volto para o cotidiano da escola num exercício de
(re)flexão sobre as redes de subjetividades que se tramam nas conversações em
processos de formação dos docentes em atividade na escola, processo esse
denominado de “formação continuada”, designação que será objeto de reflexão no
desenvolvimento desta pesquisa.
A abordagem da temática levou em consideração a possibilidade de que o
estudo pudesse ensejar uma visão de formação docente fundamentada na realidade
que envolve o contexto escolar do universo pesquisado. Espero, dessa forma,
contribuir para que as decisões sobre futuros programas de formação continuada
13
propostos pelas políticas públicas passem a considerar mais os resultados concretos
das experiências vivenciadas pelas professoras ao longo de seu desenvolvimento
profissional do que as metáforas construídas sobre a questão.
Ao procurar desvelar, revelar e analisar a experiência de formação
continuada autônoma, pretendo contribuir para o debate sobre o tema e estimular
ações transformadoras. Portanto, cultivo a esperança de poder contribuir para a
formulação de políticas educacionais que valorizem a escola, o professor e sua
formação.
Buscando uma aproximação com a etnografia, envolvo-me nas redes de
interações e conversações como pesquisadora e, ao mesmo tempo, como sujeito da
pesquisa, utilizando a observação e as narrativas, gravadas e transcritas, como
instrumentos de pesquisa. Recorro a autores contemporâneos que utilizam esse
aporte metodológico em suas pesquisas, tais como Nóvoa (1994, 1995, 2000), Tardif
(2002), Lüdke e André (1986), além de clássicos como Benjamin (1985), entre
outros, que se fazem meus interlocutores na condução do processo investigativo.
Busco, ainda, dialogar com Maturana (1995, 1997, 2002, 2004), autor muito utilizado
nos encontros de estudo do grupo pesquisado, Larrosa (1996, 2002, 2003),
Imbernón (2000) e outros que auxiliaram na interpretação dos registros e no
conversar com a realidade, buscando suporte para a escrita do texto dissertativo.
Evidentemente, meu maior desafio foi, além de desenvolver a pesquisa à
qual me propus, é estar consciente de que é neste terreno que se constroem novos
saberes e se inventam novas soluções, fazer o exercício da escrita, procurando
14
organizar um texto capaz de imprimir coerência e clareza ao processo
desencadeado. Em conseqüência, esta dissertação está estruturada em três
capítulos. No primeiro capítulo, foram descritos a estratégia metodológica e os
procedimentos adotados para o desenvolvimento da pesquisa. Optei por um estudo
qualitativo, com viés etnográfico, utilizando entrevistas semi-estruturadas e livres.
Importa salientar que essa análise, embora compensadora, foi difícil, pois a seleção
exigiu codificar dados, bem como decodificar opiniões diversas. Durante o processo,
muitas dúvidas surgiram: como interpretar falas em comum, mas expressas de
formas variadas? Contudo, o processo foi sendo construído e reconstruído sempre
tendo como eixo norteador as respostas às perguntas a que esta pesquisa se
propõe.
No segundo capítulo, trago as histórias de vida das professoras envolvidas
na pesquisa, para identificar os percursos individuais. Procuro fazer uma análise das
experiências e sentimentos, das mudanças e das transformações que vão ocorrendo
nos modos de ser professora, nas relações com o grupo e nas suas
individualidades, apontando para os aspectos que foram importantes para a
efetivação do processo.
No terceiro capítulo, aponto para aspectos da formação continuada
autônoma, conceituando algumas categorias que foram usadas como ferramentas
teóricas nas conclusões que proponho, tais como a autonomia e os aspectos da
cultura docente. Portanto, esse capítulo é entremeado por falas, narrativas e
reflexões teóricas inspiradas nos autores que utilizo como referência.
15
Nas considerações finais, faço uma reflexão sobre a educação no contexto
pesquisado, inferindo algumas conclusões acerca do processo de formação
continuada, que a experiência desta pesquisa me permite dizer: somente se
incorpora no fazer profissional à medida que se processa como uma atividade
autônoma na instituição, produzindo redes de subjetividades mediadas pela
conversação, que agrega os sujeitos e constitui grupos. Nessa perspectiva, é
possível enunciar, também, que as políticas públicas voltadas à formação
continuada dos professores precisam abrir espaços para que, no âmbito das
escolas, os educadores reflitam sobre suas práticas, fazendo-se aprendizes de si
mesmos como intelectuais transformadores.
1 A PERGUNTA SURGE NO CAMINHAR
As perguntas que direcionaram a pesquisa foram sendo tecidas e
transformadas com os fios diversos colhidos das experiências em campo e das
experiências de leituras. A escritura é, assim, uma busca constante de trazer para o
campo científico o fluir da experiência como pesquisadora e educadora, os “saberes
da experiência” (Tardif, 2002) para que, ao olhar para esta experiência, pudesse
gerar uma explicação entre tantas outras possíveis.
Busco, portanto, compreender a experiência de formação continuada
autônoma de um grupo de professoras
1
em exercício, com o foco voltado para o
modo como elas concebem as suas práticas e as transformações que a própria
formação implica. Penso que é necessário compreender essa possibilidade de
formação e seus efeitos nas trajetórias profissionais e no trabalho que se
desenvolvem no espaço escolar. Assim, as perguntas que instigam meu interesse
de pesquisa são:
1
A opção pelo tratamento “professora”, no feminino, deu-se pelo fato de saber que as pesquisadas
são mulheres, bem como para não sobrecarregar o texto usando a referência o/a, o que não significa
não estar considerando as questões de gênero. Todavia, a questão de gênero não é categoria de
análise nesta pesquisa.
17
- Como as professoras se engajam em um processo autônomo de formação
continuada? Como acontecem as transformações por elas vivenciadas e como um
processo autônomo de formação continuada se reflete na escola, na forma de
projeto político-pedagógico mais amplo?
Penso, a partir da análise de Maturana (2004, p. 9-10) sobre o viver-
conhecer, que podemos aprender a olhar as circunstâncias do viver e fluir em
congruência com o que queremos e podemos fazer. Isso parece mostrar-se como
uma diferença no percurso das professoras que participam da pesquisa. Elas
lançam um olhar sobre as circunstâncias do viver os seus fazeres no trabalho dentro
da escola e, diante do que não aceitam como modo de fazer/viver a docência,
produzem mudanças e buscam consolidá-las em processos de formação, por elas
mesmas organizados e conduzidos.
Em um processo autônomo de formação, há questões comuns ao grupo de
professoras, como o desejo de transformação das práticas pedagógicas. Nesse
sentido, Postula Maturana
[...] e assim vivemos os seres humanos: em um presente mutante que
emerge no ato de vivenciá-lo, como um jogo entre um passado que
inventamos para explicá-lo, uma memória que é, ao mesmo tempo, o
fundamento e o referencial desse vivenciar, e um futuro inventado como
uma sucessão possível o qual, sem ser, também o modula (MATURANA,
2004, p. 9)
2
.
Nesse sentido para o qual aponta Maturana, de um presente que emerge de
um passado inventado e de um futuro que imaginamos no presente e que também
2
“[...] y así vivimos los seres humanos: en un presente cambiante contínuo que emerge en nuestro
vivenciarlo como el entrejuego de un passado que hemos inventado para explicarlo como una
memória que es a la vez el fundamento y el referente de ese vivenciar, y un futuro inventado como un
suceder posible que sin ser también lo modula” (MATURANA, 2004, p. 9).
18
modula o fazer, é que procuro observar, nesta pesquisa, desde as circunstâncias
que favoreceram o engajamento de professoras em processos de conhecimento até
as transformações possíveis nessa modalidade de aprendizagem e formação.
1.1 Construindo um caminho: histórias que se tecem.
Ao andar se faz o caminho.
A idéia de que as professoras aprimoram seu trabalho ao longo da carreira,
ou que a experiência confere à prática pedagógica uma qualidade potencialmente
superior, apenas recentemente começa a ser reconhecida pelos especialistas como
questão decisiva para a compreensão do trabalho educativo e, sobretudo, para a
ação em processos de formação de docentes.
Inspirada em pesquisadores que assumem essa direção, parto da premissa
de que a profissão de professora exige uma constante construção/reconstrução de si
mesma, enquanto pessoa e profissional, o que, no dizer de Nóvoa (1995a), significa
assumir a responsabilidade do “próprio desenvolvimento profissional”. O estar sendo
professora implica um assumir-se como ser provisório em permanente construção,
numa perspectiva de que a formação tem caráter de continuidade, o que supõe
acolher um processo em que ainda se tem muito a aprender. Nesse enfoque, a
opção metodológica para o desenvolvimento da pesquisa foi a interpretação
qualitativa, com viés etnográfico. Isso significa que o processo de coleta de dados
enfoca, sob forma de redes de conversação, as transformações que ocorrem na
trajetória de três professoras que buscam pensar a teoria que embasa suas práticas.
Essas professoras valorizam a observação das práticas (equívocos, correções,
19
avanços) e as mudanças que vão vivenciando, em processo constante de (re)flexão
sobre o seu fazer.
Assim, as narrativas das professoras sujeitos da pesquisa são o principal
instrumento desta investigação. As professoras são sujeitos participantes da
pesquisa, cuja experiência de reflexão poderá trazer uma contribuição relevante
para o contexto escolar. Elas se predispuseram a fornecer indicativos para a
compreensão do modo como as relações se instituem e como se organiza uma
experiência que constrói modos de viver. É esse trabalho de professoras que
pensam e teorizam a prática docente que, amparada no pensamento de Maturana e
Varela (1997), venho definindo como processo de formação autônomo
3
.
A pesquisa foi realizada envolvendo um grupo de quatro professoras: uma
professora de uma Instituição de Ensino Superior da região, que participou de todos
os encontros como integrante do grupo, e três professoras de séries iniciais do
Ensino Fundamental (1ª série, classe de alfabetização) que atuam em uma escola
pública do município de Santa Rosa RS, a qual, para preservar sua identidade,
denomino “Escola Cristal”. Esta escola acolhe em torno de 500 alunos nos seus três
turnos.
A coleta dos dados iniciou-se em 2003 e continuou até o final de 2005,
quando pude observar o trabalho mais efetivo de construção de um processo de
formação continuada organizado pelo próprio grupo pesquisado. As professoras
pesquisadas são identificadas por pseudônimos, Pérola, Esmeralda, Rubi e
3
A noção de autonomia oriunda da Biologia do Conhecer de Humberto Maturana e Francisco Varela
é central nesta pesquisa e será desenvolvida ao longo da escrita.
20
Diamante. Esta denominação foi escolhida numa analogia metafórica para enfatizar
o valor dessas “pedras preciosas” que fazem diferença na escola e demais espaços
educativos.
Os instrumentos utilizados para coleta de dados foram: o acompanhamento
e registro de todos os encontros e reuniões semanais do grupo durante o ano de
2003 e que se tornaram quinzenais ou mensais em alguns momentos durante os
anos de 2004 e 2005; entrevistas individuais livres sob forma de conversa informal e
entrevistas com o grupo. Todas as entrevistas na forma de narrativas foram
gravadas e transcritas e o levantamento dos encontros foi feito com as anotações
que considerei necessárias, porque, muitas vezes, as falas e situações foram
recorrentes. Nas entrevistas, procurei proporcionar um ambiente acolhedor e
confortável, buscando fazer com que o modo de organização do encontro entre
pesquisadora e entrevistada pudesse permitir espaços para essa última dialogar
com sua reflexão, sentindo-se respeitada em suas idéias e sentimentos, gentilmente
apresentados para um percurso de pesquisa. Penso que cada professora
participante da pesquisa, nas suas narrativas, somente expõe aquilo que pode e
aquilo que “deseja ver transmitido a outros sobre sua vida pessoal e profissional”
(FONSECA, 1998, p. 38). Esse ambiente de espontaneidade é expresso pela
professora Diamante: “Como é bom parar e conversar sobre o que fazemos, assim,
tiramos o tempo para contar livremente as coisas que acontecem no nosso dia-a-dia,
se não fazemos assim, não tiramos este tempo” (Professora Diamante).
Houve inúmeras entrevistas e diversos encontros, o que permitiu a abertura
de espaços para as entrevistadas perceberem as rupturas que vão ocorrendo em
suas trajetórias. Ao fazerem isso, retornando para momentos anteriores, as
21
reflexões permitiam observar as transformações. “Sabe que não tinha pensado
nisso, agora é que me dei conta!(Professora Diamante).
Essas rupturas, ao serem percebidas e significadas, encaminham as
narrativas a um outro rumo ou a outras (re)significações. Portanto, para atingir tais
objetivos, essenciais à metodologia em questão, utilizei as entrevistas livres, pois
entendo que os questionários ou as excessivas estruturações nas entrevistas
quebram o fio da narrativa e não permitem a apreensão do sujeito em relação à sua
história. Sobre isso, postula Fonseca:
A metodologia da história de vida traz em sua essência um potencial
de transformação do próprio sujeito que dela participa. Dessa forma é um
instrumento que, por suas próprias características, induz à auto-reflexão, à
reconfiguração de sentidos, à aprendizagem. É impossível, por certo,
alguém permanecer impassível à presença das próprias lembranças e não
se sentir impelido a dialogar com elas [...]. (FONSECA, 1998, p. 38)
A metodologia prioriza, no início, a escuta das autoras/atrizes das narrativas
e, a seguir, propicia que o próprio sujeito organize o cenário. As lembranças são
colocadas no palco e convida-se o sujeito a experimentar-se como espectador
interativo que pode, a qualquer momento, redirecionar e/ou compor novas e
inusitadas cenas. Não é possível ficar de fora do processo, aliás, sei que, como
pesquisadora/sujeito, desloco o olhar para um processo que vivencio junto com as
professoras.
A pesquisa numa perspectiva de reflexão sobre a ação desvela
aprendizagens que se produzem no desenvolvimento da docência, trabalhando no
âmbito da pluralidade, na busca da difícil e complexa tarefa de aproximação das
formulações teóricas com os saberes práticos: pensar e produzir fazeres a partir do
22
que se aprendeu. Daí por que entendo que a produção de conhecimentos através
desta pesquisa sobre a experiência realizada é importante porque pode trazer
elementos para todas as professoras que se encarregam do ato de
ensinar/aprender.
1.2 Narrativas que tecem a história e a formação docente.
Vários autores (HUBERMAN, 2000; SCHÖN, 1997; NÓVOA, 2002) têm
atribuído grande relevância à experiência pessoal e profissional dos docentes numa
tentativa de ultrapassar a visão da formação apenas direcionada para o sistema
educacional, fundamentando as suas convicções em três dimensões básicas - a
pessoal, a profissional e a organizacional, as quais Nóvoa (2002, p. 56) chama
trilogia da formação contínua: produzir a vida, a profissão e a escola.
Estas abordagens possibilitam uma conjunção das histórias de vida com a
produção do social, o que pode vir a esclarecer as escolhas, as contingências e as
opções com as quais as professoras se fazem sujeitos no exercício da profissão. As
narrativas tornam-se, desse modo, ferramentas para desvendar a ação das
professoras e compreender por que elas estruturam a ação pedagógica de
determinada forma. Esses autores-pesquisadores consideram que as histórias de
vida, as memórias e as experiências influenciam a configuração das formas de agir.
Antonio Nóvoa tem se dedicado de modo intenso a esse tipo de
investigação. Assim como outros estudiosos e pesquisadores, esse autor considera
de suma importância um trabalho de investigação e reflexão sobre a trajetória dos
23
professores, não só no esforço de contribuir com o tema cientificamente, enquanto
saber acadêmico, mas, essencialmente, porque tais investigações podem servir de
referências para a reflexão dos profissionais de educação. Conforme o autor:
O professor é uma pessoa. E parte importante da pessoa é o professor. A
forma com que cada um de nós constrói sua identidade profissional define
modos distintos de ser marcados pela definição de ideais educativos
próprios, pela adoção de métodos e práticas que colam melhor com a nossa
maneira de ser, pela escolha de estilos pessoais de reflexão sobre a ação
(NÓVOA, 2000, p. 25).
As histórias e as narrativas são lugares comuns em nossa vida cotidiana. As
narrativas ajudam-nos a olhar novamente para nossa experiência e a dar sentido
aos acontecimentos de nossa vida. A história é a maneira como organizamos e
traduzimos para o outro aquilo que reconhecemos em nossa memória. Benjamin faz
importante reflexão sobre o que implica uma experiência de olhar sobre a história:
A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa
fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é
reconhecido. [...] Articular historicamente o passado não significa conhecê-
lo como ele de fato foi. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal
como ela relampeja no momento de perigo (BENJAMIN, 1987, p. 224).
A idéia de que nossa memória tem valor social nos potencializa como
agentes de nossa própria história e, também, da história dos grupos aos quais
pertencemos. Por isso, nesta pesquisa, as protagonistas da história são as
professoras. São elas que fazem a história cotidianamente e se reconhecem ao
mesmo tempo, como agentes e narradoras de suas histórias de vida. A rede de
conversação formada por essas histórias é uma ferramenta poderosa para a
consolidação da cidadania de todas as pessoas. Resgatar histórias de vida permite
vôos amplos,
24
[...] possibilita articular biografia e história. Perceber como o individual e o
social estão interligados, como as pessoas lidam com as situações da
estrutura social mais ampla que se lhes apresentam em seu cotidiano,
transformando-o em espaço de imaginação, de luta, de acatamento, de
resistência, de resignação e criação. Permite refletir a respeito da memória
para muito além dos registros efetivos pela história oficial. Aponta para
aquilo que é fabricado, inventado ou transmitido como realidade. Sinaliza
também para tudo que é escondido, obscurecido, mascarado e precisa ser
recuperado libertado do silêncio, tirado da penumbra (VASCONCELOS,
2000, p. 09).
Sobre a narrativa, Benjamin escreve: ''Esta não tem a pretensão de
transmitir um acontecimento, pura e simplesmente; integra-o à vida do narrador,
para passá-lo aos ouvintes como experiência. Nela ficam impressas as marcas do
narrador como os vestígios das mãos do oleiro no vaso de argila'' (1989, p.107).
Entretanto, para que isso aconteça faz-se necessário ouvir e considerar a história do
sujeito deixando que ele a conte. O depoente, ao narrar, descreve e, ao mesmo
tempo, compõe o seu cenário, estabelecendo uma comunicação com o ouvinte, e
significados tendem a ser atribuídos para ambos nessa escuta recíproca. Portanto,
ouvir é a melhor maneira de entender o outro, romper preconceitos sociais e
promover a pluralidade. Para Larrosa (2003), a palavra funciona como o meio pelo
qual cada um de nós tenta dar sentido a si mesmo, construindo-se como um ser de
linguagem, a partir das palavras e dos vínculos narrativos que recebemos.
Assim, a crescente abundância de nossas palavras e de nossas histórias
pode produzir uma circunstância em que nos voltamos para nossas perguntas,
inquietações. Talvez nós, homens e mulheres, não sejamos outra coisa que um
modo particular de contar o que somos, partindo de pedaços de histórias que
recebemos e recordamos. Nessas histórias, cada um configura o que ele vive
recompondo o viver a partir de fragmentos desconexos das histórias que recebeu,
como esclarece Larrosa:
25
[...] incorporando-as, por sua vez, negando-as, desconfiando delas e
transformando-as de maneira que ainda possam ser habitáveis, que ainda
conservem uma certa capacidade de pô-los de pé e abrigar, seja por um
momento sua indigência (LARROSA, 2003, p. 22).
A história de vida é a explicação e a narrativa que montamos a partir de
marcos que guardamos seletivamente em nossa memória. Essa explicação é o que
nos faz reconhecer a nós mesmos. As narrativas construídas a partir de histórias de
vidas são pessoais, já que refletem a trajetória de uma pessoa, mas ao mesmo
tempo são também sociais, na medida em que refletem o contexto do conhecimento
profissional de uma professora, o que não ocorre de forma isolada.
Acredito que a história de um grupo é a organização do que foi
seletivamente demarcado como significativo na memória social. É o que dá
harmonia a um grupo e estabelece sua identidade. Assim sendo, ao tomar as
histórias de vida como ferramenta de pesquisa, o processo de investigação
provocou a produção de subjetividades e a construção de identidade do grupo que
simultaneamente se (re)conhecia e se formava.
É interessante ressaltar que essas narrativas também produzem um
conhecimento capaz de instigar a reflexão sobre a prática do professor, trabalho
esse que se insere no que Josso (2002) chama de “biografia educativa”. Esse tipo
de biografia corrobora a importância deste aporte metodológico como instrumento
para a produção de um tipo de conhecimento que faça sentido ao professor, uma
vez que este é agora o sujeito da reflexão. A autora lembra que lançar mão daquilo
que chamamos “termo ausente”, ou seja, dos relatos biográficos e dos usos de
26
memória como estratégias de formação continuada, representa confrontar o
formativo e o prescritivo. Para Josso (2002, p. 23), “o processo formativo, através do
recurso biográfico, permite o exercício do “auto-formar-se” e possibilita,
conseqüentemente, a revisão, pelo formador, das práticas escolares, levando-o a
um questionamento diante de concepções e práticas ainda dominantes na formação
inicial e continuada”.
Por fim, privilegiar o recurso autobiográfico como estratégia de formação
docente (continuada ou não) e, ao mesmo tempo, como processo de pesquisa,
torna-se um ponto fundamental para a construção da própria profissão: O que é a
formação? Dentro da formação, que lugar ocupam as experiências? Como elas se
formam e transformam as nossas práticas e subjetividades?
No entendimento de Josso (2002, p. 31), “as experiências, de que falam as
recordações-referências constitutivas das narrativas de formação, contam não o que
a vida lhes ensinou, mas o que se aprendeu experiencialmente nas circunstâncias
da vida”. Assim, concordando com a autora no que diz respeito à importância da
reflexão sobre os momentos significativos dos percursos pessoais e profissionais
dos docentes, e vendo nestes um material importante para o processo de formação,
é que opto pela utilização dos relatos autobiográficos como estratégia teórico-
metodológica de formação continuada de professores.
Nesse grupo, coloco-me, conforme se referem Lüdke e André (1986, p. 7),
“no meio da cena investigada, participando dela e tomando partido na trama da
peça”, descobrindo o sujeito em processo, no momento de suas escolhas, nas
27
maneiras em que interpreta sua realidade, nas formas que escolheu para construir,
reconstruir sua existência, permitindo o ingresso como pesquisadora nesse universo
pessoal, impregnado de social. Na ação e reflexão sobre o agir, o processo
investigativo dará pistas para conhecer o universo cognitivo do sujeito, bem como a
realidade objetiva interpretada.
Convém, entretanto, observar que na narrativa não há uma correspondência
direta entre as falas e os acontecimentos da prática. As professoras recriam suas
próprias histórias e reconstroem significados:
A tarefa central é evidente quando se compreende que as pessoas estão
vivendo suas histórias em um contínuo contexto experimental e, ao mesmo
tempo, estão contando suas histórias com palavras, enquanto refletem
sobre suas vivências e se explicam aos demais (...) Uma mesma pessoa
está ocupada, ao mesmo tempo, em viver, em explicar, em re-explicar e em
reviver histórias (CONELLY e CLANDININ, 1995, p 22)
4
.
Assim, a partir das histórias pessoais, podemos entender o que as
professoras pensam quando organizam e conduzem suas práticas pedagógicas.
Para compreender o pensamento do professor, podemos começar por
procurar as histórias que estruturam o modo de pensar sobre os
acontecimentos da sala de aula desse mesmo professor (as suas teorias/
práticas) (PONTE et al, 1998, p. 29).
Além disso, o uso e a exploração das histórias e narrativas das professoras,
nos espaços de formação continuada, podem ajudar na realização de um trabalho
4
La tarea central es evidente cuando se comprende que la gente está viviendo sus historias en un
continuo contexto experimental y, al mismo tiempo, está contando sus historias con palabras mientras
reflexionan sobre sus vivencias y se explican a los demás. [...] Una misma persona está ocupada, al
mismo tiempo, en vivir, en explicar, en re-explicar y en re-vivir histórias (CONELLY e CLANDININ,
1995, p 22).
28
mais colaborativo entre professoras e formadores, como sugerem as reflexões de
Ponte:
A produção de narrativas é uma forma de promover uma relação de
colaboração entre investigadores e professores. Para estabelecer uma
relação colaborativa é necessário tempo, relação pessoal, espaço e voz.
Este tipo de investigação permite o estabelecimento de formas de
colaboração que promovem uma estreita relação entre todos os
participantes. [...] A relação que se estabelece entre investigador e
professor fomenta a reflexão sobre as práticas deste último, permitindo uma
compreensão mais profunda das eventuais mudanças operadas nessa
prática, bem como do papel dessas mudanças (PONTE et. al, 1998, p. 30).
Portanto, a narrativa provoca mudanças na forma como as pessoas
compreendem a si mesmas e aos outros. Tomando-se distância do momento de sua
produção, é possível, ao "ouvir" a si mesmo ou ao "ler" seu escrito, que o produtor
da narrativa seja capaz, inclusive, de ir teorizando sobre a própria experiência.
Esse pode ser um processo profundamente emancipatório, em que o sujeito
aprende a produzir sua própria formação, autodeterminando a sua trajetória. É claro
que essa possibilidade requer algumas condições. É preciso que o sujeito esteja
disposto a analisar criticamente a si mesmo; a separar olhares enviesadamente
afetivos presentes na caminhada; a pôr em dúvida crenças e preconceitos. Enfim, a
(des)construir seu processo histórico para melhor compreendê-lo. É possível
perceber a implicação das professoras nesse fazer, observando o depoimento da
Professora Rubi:
Estamos aqui envolvidas com tua pesquisa porque ela é parte de nossas
vidas também. O tema que escolhestes emergiu de dentro de um processo
que tu e nós vivíamos. Compreender porque nos engajamos deste modo,
que processos estão em jogo será valioso para todas nós. Mario Osório
Marques nos ensinou que as crianças vão para a escola para fazer amigos.
Quem sabe, isto não se dê também conosco, professoras. Nos fizemos
amigas, desejosas de conhecimento. Buscamos um trabalho que nos faça
bem e que promova aprendizagem às crianças. Talvez uma diferença, um
29
deslocamento importante é de que isto se dá ao mesmo tempo, movimentos
de aprendizagem em nós mesmas e nas crianças, é o que buscamos e
partimos com responsabilidade do que não sabemos, das perguntas para as
quais não temos resposta (Professora Rubi).
Na pesquisa também é fundamental entender o movimento entre reflexão
teórica e o fazer da docência, pois, nesse espaço percebe-se que a investigação
que valoriza a análise das narrativas é, simultaneamente, investigação e formação.
“Ao mesmo tempo que a análise da realidade informa a teoria esta, por sua vez, a
antecede e permite percebê-la, reformulá-la, dar conta dela, num processo sem fim
de distanciamento e aproximação” (MINAYO, 1994, p. 92).
Eu lembro que quando eu estava estudando, quando eu fiz minha pós-
graduação, a gente trabalhou bastante sobre aprendizagem e não
aprendizagem. Muita coisa que a gente via na sala de aula, já há muito
tempo. Depois, na teoria, lendo as questões, a gente sabia por que certas
questões aconteciam e de onde vinham. É muito importante essa ligação
(Professora Esmeralda).
Aprende-se com a prática como se aprende com a teoria e da mesma
maneira, isto é, refletindo criticamente sobre a experiência quer seja ela de natureza
teórica ou prática. Ninguém aprende com a teoria, tampouco com a prática, senão
refletindo criticamente sobre elas.
A atividade teórica por si só não leva à transformação da realidade, não se
objetiva e não se materializa. Por outro lado, a prática também não fala por si
mesma, ou seja, teoria e prática são indissociáveis como práxis (PIMENTA, 2005). A
teoria não dita a prática, ela serve para manter a prática ao nosso alcance de forma
a mediar e compreender de maneira crítica o tipo de atitude necessário em um
ambiente específico, em um momento particular.
30
Eu acredito que a formação acadêmica é muito importante, a gente aprende
muito, é válido, mas, a experiência que a gente adquire depois, em sala de
aula, é algo também que conta bastante. Se a gente só tem a teoria, fica
distante. Se a gente não tem aquele viver, aquele do dia-a-dia na sala de
aula, muitas vezes, é difícil. Só na academia tu saber o que fazer na teoria é
uma coisa, mas na prática às vezes não acontece bem assim. Muitas vezes
é difícil, há muitos saberes além daqueles que aprendemos na academia,
que a gente adquire com a experiência. Essas experiências, esses
acontecimentos de sala de aula a gente busca na teoria depois, né?
Aprende na academia e quando atua é que surgem as dúvidas. Então
voltamos para a teoria para nos esclarecer. Uma constante formação!
(Professora Esmeralda)
E nesse sentido o exercício da ação docente requer preparo constante.
Preparo que não se esgota nos cursos de formação, mas para o qual estes trazem
uma contribuição específica enquanto formação teórica (em que a unidade teoria e
prática é fundamental) para a prática transformadora. Não obstante, Pimenta (2005,
p.26) afirma que o saber docente não é formado apenas na prática, sendo também
nutrido pelas teorias da educação. Dessa forma, a teoria tem importância
fundamental na formação dos docentes, pois dota os sujeitos de variados pontos de
vista para uma ação contextualizada, oferecendo perspectivas de análise para que
as professoras compreendam os diversos contextos vivenciados.
A prática docente e a formação continuada só se justificam como parte de
um processo inacabado de permanente elaboração e reelaboração, pelo sujeito, de
um sentido mais amplo do seu processo de formação profissional. Assim como é
impossível conceber uma prática sem uma teoria, é igualmente inconcebível pensar
o inverso.
Essa prática/teoria acontece de fato não só na leitura, mas também,
naquela vivência lá no dia-a-dia na sala de aula. Só na sala de aula é que
faço a ligação daquilo que aprendi e o que preciso aprender. Na época da
faculdade nem imaginava que isto seria importante (Professora Esmeralda).
31
É importante, também, entender a relação dialética que se estabelece entre
narrativa e experiência. Foi preciso algum tempo para construir a idéia de que, assim
como a experiência produz o discurso, este também produz a experiência. Há um
processo dialético nessa relação que provoca mútuas influências.
1.3 Linguagem e significação: a produção de mudanças em processos de
formação.
Giroux e McLaren chamaram a atenção para a importância da linguagem na
significação da experiência, pois é através dela que, ao mesmo tempo, nomeamos a
experiência e agimos como resultado dessa interpretação. Afirmam eles: “Apenas
quando podemos nomear nossas experiências - dar voz a nosso próprio mundo e
afirmar a nós mesmos como agentes sociais ativos, com vontade e um propósito -
podemos começar a transformar o significado daquelas experiências, ao examinar
criticamente os pressupostos sobre os quais elas estão construídas” (1993, p. 26).
A trajetória da pesquisa qualitativa confirma o fato de que, tanto o relato da
realidade produz a história, como ele mesmo produz a realidade. As pessoas vão
contando suas experiências, crenças e expectativas e, ao mesmo tempo, vão
anunciando novas possibilidades, intenções e projetos. Às vezes torna-se até difícil
separar o vivido do que está por vir. Experiência e narrativa imbricam-se e tornam-se
parte da expressão de vida de um sujeito. É por isso que se pode afirmar que a
escrita sobre uma realidade pode afetar essa mesma realidade, pois assim como
são os pensamentos que orientam a ação racional, a narração conduzirá ao
desempenho de fatos vitais. Novamente recorrendo a Ferrer, destaco a sua
32
afirmação de que “a vida se vive para poder contá-la (alguns povos a cantam) ao
mesmo tempo em que criamos nossos contos para dar sentido à vida” (1995, p.188).
Provocar que as professoras pesquisadas organizem narrativas de seu
processo de formação continuada é fazê-las viver um processo profundamente
pedagógico, em que sua condição existencial é o ponto de partida para a construção
de seu desempenho na vida e na profissão. Através da narrativa, elas vão
descobrindo os significados que atribuem aos fatos que viveram e, assim, vão
reconstruindo a compreensão que têm de si mesmas.
Estas reflexões favorecem a percepção de que a produção de narrativas
serve, concomitantemente, como procedimento de pesquisa e como alternativa de
formação. Ela permite o desvendar de elementos quase misteriosos por parte do
próprio sujeito da narração que, muitas vezes, nunca havia sido estimulado a
expressar organizadamente seus pensamentos. “Era preciso a gente sempre parar e
registrar tudo que fizemos, para lembrar de coisas que fizemos e esquecemos”
(Professora Diamante).
A prática com essa experiência tem mostrado o elevado grau de dificuldade
que temos de falar e/ou escrever sobre o vivido. Parece que a trajetória cultural da
escola é embotadora dessa habilidade; e o individualismo estimulado nos dias de
hoje também não favorece esse exercício. Além disso, a construção da idéia de que
o saber cotidiano se distancia do conhecimento científico também foi responsável
pela não exploração dessa histórica forma de construir informações.
33
Parece que tudo que fazemos em sala de aula não tem valor, quando uma
professora “famosa” [mudou o tom de voz] fala, eu penso: Isso eu também
faço, só que não registrei, não contei. Precisamos aprender a fazer isso!
(Professora Diamante).
Parafraseando Nóvoa (2001), posso dizer que, se queremos renovar a
profissão e as estratégias de formação, temos de dar visibilidade às práticas,
continuamente, por toda a vida.
No que diz respeito ao professor diante do saber, Barth (1993), por exemplo,
verificou em suas pesquisas que o saber docente é “provisório”, pessoal e evolui
com o tempo e a experiência. Mas, é também cultural, modificando-se a partir da
troca de experiências e da reflexão coletiva. Essa caracterização de Barth lembra
um tipo especial de saber que Tardif (1991) e Gauthier (1998) têm chamado de
saber da experiência ou saber experimental. Trata-se de um saber prático,
geralmente não sistematizado pelas ciências da educação e, na maioria das vezes,
sequer socializado/ discutido coletivamente pelos professores.
Embora o professor viva muitas experiências das quais tira grande
proveito, tais experiências infelizmente, permanecem confinadas ao segredo
de sala de aula. Ele realiza julgamentos privados, elaborando ao longo do
tempo uma espécie de jurisprudência composta de truques de estratagemas
e de maneiras de fazer que, apesar de testadas, permanecem em segredo.
Seu julgamento e as razões nas quais, ele se baseia nunca são conhecidos
nem testados publicamente (GAUTHIER, 1998, p.33).
Na mesma linha de abordagem sobre a formação docente, Grenne reflete
que “freqüentemente o professor é tratado como se não tivera vida própria, como se
não tivera corpo, uma linguagem, uma história ou uma interioridade” (1995, p. 84);
sua biografia pessoal foi esquecida, assim como as diferentes maneiras com as
quais expressa a si mesmo através da linguagem, dos horizontes que percebe, das
perspectivas a partir das quais olha o mundo.
34
Por isso, quando estabeleço que os parâmetros da pesquisa qualitativa se
adequam melhor a uma investigação desta natureza, defino, também, que as
narrativas passam a ser a principal matéria-prima deste trabalho. O que vou
descobrindo, porém, ao longo do processo, é que as narrativas não são meras
descrições da realidade; elas são, especialmente, produtoras de conhecimentos,
que ao mesmo tempo em que se fazem veículos, constroem os condutores.
Connelly & Clandinin (1995) expressam que a razão principal do uso das narrativas
na pesquisa em educação é que os seres humanos são organismos contadores de
histórias, organismos que, individual e socialmente, vivem vidas contadas. Por isso,
o estudo das narrativas é o estudo da forma como os sujeitos experimentam o
mundo.
A perspectiva de trabalhar com as narrativas tem o propósito de fazer a
pessoa tornar-se visível para ela mesma. O sistema social conscientemente envolve
as pessoas numa espiral de ação sem reflexão. Fazemos as coisas porque todos
fazem, porque nos disseram que assim é que se age, porque a mídia estimula e os
padrões sociais aplaudem. Acabamos agindo sob o ponto de vista do outro, abrindo
mão da nossa própria identidade, da nossa liberdade de ver e agir sobre o mundo,
da nossa capacidade de entender e significar por nós mesmos. Daí a importância de
resgatar em processos de reflexão, as práticas vivenciadas. Mas não se trata
apenas de um conhecimento implícito na atividade prática. Trata-se, isto sim, de um
diálogo entre a prática vivida e as construções teóricas formuladas nessas e sobre
essas vivências. É a idéia de reflexão-ação, tão bem explicitada pelo autor acima
mencionado, que pode se tornar num dos melhores instrumentos de aprendizagem.
35
O discurso construído sobre esse diálogo é que torna possível transformá-lo numa
situação profundamente pedagógica. A linguagem, nessa perspectiva, é uma
poderosa aliada da formação. Mais adiante, pretendo trazer os movimentos no
linguajar das professoras a partir de conceituações importantes de Maturana sobre o
modo humano de existir em redes de conversação.
Para tanto, é preciso percorrer um caminho que situe as professoras em um
processo contínuo de formação e transformação, valorizando suas narrativas.
Mediante estudos que dialoguem com a memória pessoal e a memória coletiva, é
possível recuperar saberes que provêm das práticas. Uma viagem que vai sendo
percorrida à medida que se oferece uma escuta para as professoras, como afirma
Santos “de nada valeria desenhar mapas se não houvesse viajantes para os
percorrer” (2002, p. 224). Considerando que a maneira de ensinar de cada uma é
construída ao longo de sua vida, nos mais variados momentos, o reconhecimento
dessa “voz” implica também o refletir sobre ela. O repensar de si e de seu trabalho.
Repensar em processo, repensar em contexto. Trata-se, como sugere Giroux
(1987), de dar a "voz" às professoras. Encará-las como seres pensantes e
intelectuais e não como meros executores. Reconhecer a importância de valores,
ideologias e princípios estruturantes que dão significado às histórias, às culturas e
às subjetividades definidoras das atividades diárias das educadoras.
É nessa perspectiva que entendo o processo de formação continuada como
um espaço autônomo de conversação, reflexão sobre a ação e produção de sentido.
Segundo Larrosa (2002), as palavras são produtoras de sentidos, criam realidades e
podem também funcionar como fortes mecanismos de produção de subjetividade.
36
Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos
coisas com palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As
palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com
pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta
genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é
somente ”raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido
ensinado algumas vezes, mas é, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao
que nos acontece (LARROSA, 2002, p. 21).
A narrativa parece ser uma possibilidade de contar o caminho percorrido na
pesquisa e, ao mesmo tempo, apontar para um caminhar novo por entre as coisas
vividas. Contar as experiências vivenciando o ato de narrar também como
experiência. Caminhando, sempre caminhando.
Ao mesmo tempo em que o ato de narrar, vivenciado como experiência, traz
à tona identidades, também as cria e recria, tornando-se, assim, um mecanismo
fundamental de compreensão de si mesmo. Uma compreensão entendida não como
descoberta de uma essência única, mas como abertura de espaços às múltiplas
possibilidades de ser. Como sugere Larrosa, talvez na ciência devamos buscar
também uma identidade narrativa, uma linguagem em movimento que não se
estabelece em um lugar, “encontrando sempre o gosto ácido do devir, da
metamorfose” (LARROSA, 2002, p. 40).
O impacto desse processo, tomado como pesquisa e formação docente,
sugere enormes possibilidades e desafios. Desafio por colocar o sujeito na frente de
seu ser, de seu poder ter sido, de seu poder ser. Desafio porque coloca o sujeito a
se compreender como agente construtor de sua história. Desafio porque impõe um
novo olhar ao que pode ser. Possibilidades de formação do professor, porque impõe
37
o espaço de parar e refletir; de aprender a re-significar o vivido, de tomar
consciência de seu papel na história.
A experiência surge então como uma categoria a partir da qual se pode
pensar a formação continuada na perspectiva em que Larrosa a explicita - como um
saber singular subjetivo, intransferível e em permanente construção.
A experiência seria aquilo que nos passa. Não o que passa, senão o que
nos passa. Um saber finito ligado ao amadurecimento de um indivíduo
particular [...]: saber que revela o homem singular e sua própria finitude [...];
um saber particular subjetivo, relativo, pessoal. Ninguém pode evitar a
experiência. Ninguém pode aprender da experiência de outrem a menos
que essa seja de algum modo vivida [...]; um saber que não pode separar
do indivíduo concreto no qual se encarna. Não está, como no conhecimento
científico, fora de nós, se não que só tem sentido no modo pelo qual se
configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, enfim, uma
fórmula humana que é por sua vez ética e uma estética (LARROSA, 1994,
p. 91).
Entre estar professor e se fazer professor há um espaço que deve ser
preenchido reflexivamente, conscientemente. Um espaço mobilizador dos saberes
da experiência, como alerta Pimenta (1997), um espaço que irá, conforme a autora,
permitir a busca de novos significados ao fazer docente, com autonomia e
responsabilidade, num processo emancipatório crescente.
Integrar a investigação com a formação continuada de docentes parece ser
um caminho de muitas aberturas. No entanto, há de ser refletido com cuidado, de
forma, principalmente, a manter os contornos da pesquisa com finalidade didática e
a pesquisa claramente científica. Por certo, haverá cruzamentos muito produtivos,
entre ambos os enfoques, por certo haverá também uma linha divisória muito clara
que deverá ser percebida e respeitada. Há um caminho aberto nessas reflexões,
cujo mapa será construído no seu percurso: ao andar se faz o caminho. Conforme
38
Maturana
5
“faz-se caminho ao andar. Os meios de que disponho são expressão
direta do fim que persigo. Ninguém pode ser forçado à democracia, ninguém” (2004,
p. 62).
Nesse ponto, o autor traz sua contribuição a respeito da característica
humana de que sustentamos o viver em um movimento circular de busca constante
de conservação da organização do próprio viver, enquanto todo o resto, no âmbito
de nossas estruturas, se transforma continuamente. Desde seus estudos em
biologia, Maturana e Varela nos ajudam a compreender esta qualidade de constante
reconfiguração do viver que, nos seres vivos humanos, se produz no “linguajar”.
Nesse sentido, nada do que vem de fora: informações, gestos, etc. define o viver.
A linguagem se constitui quando se incorpora ao viver, como modo de se
viver, este fluir em coordenações de conduta que surgem na convivência
como resultado dela- quer dizer, quando as coordenações de conduta são
consensuais. Toda interação implica num encontro estrutural entre os que
interagem, e todo encontro estrutural resulta num desencadilhamento ou
num desencadeamento de mudanças estruturais entre os participantes do
encontro (MATURANA, 2002, p. 59).
Esta perspectiva teórica possibilita profundas transformações ao pensarmos
nas diferentes modalidades de formação de professoras pelas quais todas nós já
passamos ao longo da carreira profissional, processo este que retomarei mais
adiante, na rede de conversação com as professoras.
5
se hace el camino ao andar. Los medios que dispongo son expressión directa del fin que persigo.
Nadie puede ser forzado a la democracia, nadie (2004, p. 62).
2 AS PROFESSORAS EM TRANSFORMAÇÃO: PROCESSO AUTÔNOMO DE
FORMAÇÃO.
Toda a formação encerra um projeto de ação e de transformação. E não há
projeto sem opções. As minhas passam pela valorização das pessoas e dos
grupos que tem lutado pela inovação no interior das escolas e do sistema
educativo. Outros passarão pela tentativa de impor novos dispositivos de
controle e de enquadramento. Os desafios da formação do professor (e da
profissão docente) jogam-se neste confronto.
(Antonio Nóvoa)
No capítulo anterior, procurei apresentar a opção metodológica da pesquisa,
amparada nos autores que inspiraram seu percurso e as interpretações a seguir.
Como nas palavras de Nóvoa, colocadas em epígrafe, minha opção foi, também,
pela valorização das pessoas e do grupo que espontaneamente buscou um projeto
de mudanças tecendo redes de diálogo, subjetividades e experiências. Inspirada nos
autores de referência, penso que a organização de um processo de formação
continuada, para ter efeitos de conhecimento na vida das professoras, requer
implicação e engajamento destas em diferentes situações nas quais se evidencia
uma busca pelo conhecimento. Daí por que procuro, nesta escrita, ser fiel às falas e
narrativas das professoras, compondo reflexões e interpretações na rede dialógica
do grupo. Por certo não foram ações externas incidindo sobre o sujeito, mas sim
uma busca espontânea e autônoma emergindo dos desafios que a prática coloca
cotidianamente à teoria e à experiência. Apoiadas pela coordenação pedagógica, o
grupo envolvido nesta pesquisa resolveu, sem qualquer exigência da escola ou dos
40
órgãos de ensino, buscar auxílio mútuo para que pudesse avançar no modo de
ensinar e aprender.
Na minha trajetória muitas coisas aconteceram, uma coisa maravilhosa que
aconteceu foi aprender em grupo, grupo de colegas. Foi algo que ao
ingressar nesta escola, aconteceu com mais duas professoras e a
coordenadora. A gente buscou suporte, buscou uma professora de
Instituição de Ensino Superior que nos acolheu. E nós demos um tiro no
escuro!!! Nós decidimos que iríamos mudar a prática!!! Vamos sair deste
método tradicional. Dessa mediocridade. Porque a gente viu que não dava
mais pra continuar daquela maneira! (Professora Pérola).
Nesse processo que chamo de formação autônoma, há algo que difere das
outras modalidades de formação continuada, que se dão na forma de palestras e
cursos em geral.
Eu senti isso, a oportunidade de me encontrar com pessoas que estavam ali
porque queriam estar ali. Elas não iam receber diploma nenhum, atestado
nenhum, hora alguma de extensão. Até hoje ninguém recebeu nada do que
se costuma dizer como interessante pelo que se faz na formação. Havia o
desejo de fazer diferente, de se encontrar e se escutar, de ver reconhecidos
os equívocos, as alegrias e dificuldades do trabalho de alfabetização. E eu
percebia que estava diante de colegas que se dedicam a uma das tarefas
que considero das mais importantes em nosso contexto, de favorecer a
escrita e a leitura para crianças em escolas públicas. Em meio às
dificuldades de tempo de todas, pois tínhamos as aulas, nossos estudos, no
meu caso, as extensões. Eis que chegavam os momentos de encontro e
estávamos lá, com alegria e nossas questões, dispostas a conversar
(Professora Rubi).
Há envolvimento das professoras na busca do conhecimento, há um coletivo
que se constitui, sem qualquer exigência, que se faz por opção do grupo,
espontaneamente, sem a coordenação de ninguém e sim com o compromisso de
todas. Um modo de estabelecer redes de conversação ancoradas no respeito
mútuo, situações que, no meu entendimento, configuram condições para uma
transformação de práticas docentes, na compreensão de seu próprio viver uma
circunstância, como postula Maturana:
41
A compreensão do viver de um ser humano com relação à
transformação congruente das circunstâncias de seu viver não depende de
nenhum pressuposto ontológico; não implica referência a uma suposta
realidade transcendente, já que somente se fundamenta nas abstrações das
coerências operacionais que o observador faz de seu próprio agir no fluir de
seu viver e conviver (MATURANA, 2004, p.14)
6
.
Nessa perspectiva, este capítulo toma como ponto de partida as histórias de
vida das professoras sujeitos da pesquisa, analisando as suas falas, as experiências
cotidianas e o processo de transformação que esse “viver e conviver” operou em
cada uma e no grupo como um todo. Como nos vemos? Como narramos nossas
experiências? Como a linguagem nos produz e induz mudanças?
2.1 Como nos fazemos professoras: experiência e alteridade em interlocução.
[...] a nossa matéria são as “pedras vivas”, as pessoas, porque neste campo
os verbos conjugam-se nas suas formas transitivas e pronominais: formar é
formar-se.
(Antônio Nóvoa)
Com idades aproximadas, cursos de formação diversos, tempo de
experiência distintos, as professoras falaram inicialmente de si, sua formação e
experiências iniciais no magistério. Com a palavra, as professoras...
Iniciarei esta abordagem com minha própria narrativa, na expectativa de
esclarecer a mim e a meus leitores sobre o modo como me constitui professora e
6
La comprensión del vivir de u ser humano e relación con la transformación congruente de las
circunstancias de su vivir, no depende de ningún supuesto ontológico, y no implica referencia alguna
a uma supuesta realidad trascedente ya que solo se funda en las abstracciones de las coherencias
operacionales que el observador hace de su proprio operar en el fluir de su vivir y convivir
(MATURANA, 2004, p. 14).
42
pesquisadora, assim como o interesse que me moveu neste tipo de pesquisa.
Saliento, porém, que o padrão de escrita, nesta narrativa inicial, difere das demais
em virtude de eu ter utilizado a escrita para relatar minhas memórias, enquanto as
demais professoras utilizaram a linguagem oral, posteriormente transcritas.
- Professora Sandra:
Ao lançar um olhar sobre minha trajetória, algumas situações
se mostraram mais significativas. Desde a escolha do nome, Sandra
que para meus pais significava a possibilidade de ter uma filha
doutora, alguém que interagisse com o campo do conhecimento. A
psicologia fez parte de minhas primeiras expectativas profissionais e
ainda hoje me interesso pelos estudos em que podemos
compreender melhor o trabalho na escola contando com as
produções da Psicologia. Entretanto, algumas circunstâncias do viver
oportunizaram que eu me tornasse professora.
O magistério surgiu como uma opção mais próxima, pois fui
produzindo na convivência com crianças a necessidade de construir
um espaço de trabalho relacionado à infância. Imaginava a profissão
de professora como um trabalho que requer responsabilidade em
relação às aprendizagens dos alunos, mesmo sem saber ao certo
como isto se fazia.
O início da minha experiência como professora, há 15 anos,
foi na área rural com classe multisseriada. Deparei-me com uma
situação bastante distinta do que havíamos estudado na
universidade. A experiência no meio rural mostrou-se desafiadora e
eu me implicava com um fazer pedagógico em que quase todas as
atividades previstas na escola ficavam a cargo da professora. A
escola não tinha sequer água potável nem encanada (sempre
roubavam a bomba do poço). E eu perguntava, então, qual era a
minha função ali diante de uma situação precária. O que a escola,
enquanto instituição, oferecia às crianças da comunidade?
O envolvimento das pessoas que comigo trabalhavam
contribuiu para que, mesmo com uma estrutura física quase
inexistente, com a participação de pais e vizinhos, conseguíssemos
realizar um trabalho pedagógico com as crianças. Neste momento,
ao olhar novamente para essa experiência inicial como professora,
posso dizer que, mesmo sendo o conteúdo curricular, por vezes,
distante da realidade que ali se apresentava, procurei, naquela
época, proporcionar o que foi possível para que aqueles alunos
pudessem sair da escola tendo realizado aprendizagens
significativas para suas vidas.
Estar na escola do meio rural como professora favoreceu uma
experiência de relação direta com parte da realidade de pessoas
sobre as quais, por vezes, falamos pouco na universidade e nos
cursos de formação. Era preciso refletir sobre o que se passava a
cada dia para que eu pudesse, na relação com as crianças, produzir
situações de aprendizagens. A paixão pela educação e a decisão por
43
trabalhar com educação escolar (fundamental) emergiu neste
momento inicial como professora. A possibilidade de fazer da
aprendizagem de crianças um tema de trabalho e de estudo foi se
mostrando a cada dia como parte do viver. Descobri com aquelas
crianças que havia aprendido muito na relação com elas diante do
desafio de ensinar-aprender e, desde então, comecei a produzir um
modo pessoal de entender o ato educativo.
O fazer de professora remete a um processo em que viver-
conhecer se dão juntos, processo este que implica um constante
fazer-estudar, movimento que envolve a escrita-leitura-reflexão
permanente. Ao estarmos em uma situação de conhecimento com
crianças, ocorrem processos de aprendizagem mútua, um
crescimento que podemos observar nas redes de conversação que
produzimos com aqueles que se dispõem a aprender juntos.
Maturana chama de “conversação nossa operação nesse fluxo
entrelaçado de coordenações consensuais de linguajar e emocionar”
(MATURANA, 1997, p. 132).
Mais tarde, em 1994, passei a trabalhar em escolas públicas da
área urbana, quando, por nove anos, atuei como alfabetizadora. A
questão da escrita e da leitura fez e faz parte de minhas reflexões.
Inicialmente meus estudos centravam-se nas análises de
metodologias que proporcionassem um melhor resultado, pois eu
buscava alfabetizar todos os alunos. Não me fixei em nenhum
modelo, permitindo um trabalho criativo, variado, com atividades que
colocavam os alunos frente aos desafios de produzir conhecimento.
Alguns saberes eram importantes para mim, procurava não trazer
respostas prontas, organizava um conjunto de atividades variadas
procurando oportunizar a construção do conhecimento da escrita e
da leitura. A cada ano que recomeçava a questão mais presente era:
O que fazer para que todos pudessem ler e escrever? Como eu
poderia oferecer a todos os alunos situações de aprendizagem?
Aos poucos, passei a adquirir mais confiança em meu trabalho,
pois as crianças aprendiam e eu via melhores resultados. Descobria
um novo sentido de ensinar e de ver meus alunos aprenderem.
Preocupava-me sempre em estabelecer vínculos adequados com
meus alunos e com suas famílias. Neste caminhar, construí alguns
entendimentos, que trarei mais adiante na escrita, nos quais autores
como Jean Piaget e Lev. S. Vygotsky foram importantes.
Minha prática, desde então, sustenta-se na busca por
transformar a sala de aula em espaço onde as crianças descubram,
pensem, inventem, sintam-se bem. Essa prática, de início, era
carregada de tensões, pela fragilidade e inconsistência do que
acreditava saber. Às vezes, quando acreditava que estava indo pelo
caminho correto, algo me mostrava que era hora de refletir sobre as
minhas atitudes, sobre as propostas que organizava.
Paralelo a isso, a minha formação acadêmica, que se iniciou
em 1985, foi em Educação Física e especialização em Educação
Física Escolar, momento em que pesquisei sobre “As contribuições
da educação física na alfabetização”, estudos que enriqueceram a
minha prática. Sempre considerei a educação física como
complemento de minhas práticas pedagógicas. Posteriormente, a
especialização em Psicopedagogia Institucional, no ano de 2000,
44
serviu para aprofundamento de conceitos como aprendizagem,
desenvolvimento neurológico infantil, entre outros estudos. A
experiência direta na escola se mostrava como aliada nestes
processos de formação. Nesse período, desenvolvi um estudo sobre
“Afetividade e aprendizagem: as imbricações da relação família e
escola nos anos iniciais”, quando procurei compreender melhor qual
o papel da afetividade nas relações escolares estabelecidas nos
primeiros anos de escolarização. Procurava compreender como a
afetividade surge como fator preponderante para o desenvolvimento
favorável do ensino-aprendizagem.
Concordo com Humberto Maturana de que é na observação
das circunstâncias do viver e na busca de viver em congruência com
o que vai se mostrando que fazemos nossas escolhas. “as
circunstâncias do nosso viver também se transformam, e isso ocorre
de forma congruente com nossa própria transformação individual”
7
(MATURANA, 2004, p. 13).
Nesse sentido, os dois cursos distintos de formação superior
ajudaram-me a compreender que meus interesses de estudo
estiveram e prosseguem voltados a questões relativas à formação e
às aprendizagens como professora. Ao aprender que é possível nos
equivocar, refletir melhor, corrigindo erros, abandonando aparências,
ganhamos a liberdade de ousar, tentar trilhar novos caminhos que
não o da simplificação. Desde muito cedo, pude perceber que a
produção de conhecimento na escola é um trabalho complexo desde
que nos vejamos implicadas neste fazer.
Em 1997, iniciei na função de coordenadora pedagógica, a qual
exerci por oito anos, paralela à docência na educação infantil e de
educação física. Como coordenadora pedagógica, busquei ser
parceira no fazer pedagógico dos(as) professores(as), pois sempre
acreditei no potencial individual e coletivo dos meus colegas. O
trabalho nesta função marcou significativamente meu viver. Enquanto
professora e coordenadora pedagógica me via responsável em
relação ao ensinar e ao aprender a partir da produção de um agir
democrático capaz de favorecer a autonomia e a construção da
cidadania naquilo que cabe à escola.
Aos poucos, foi se mostrando de modo mais claro para mim de
que há um conhecimento “saberes docentes”, que não se pode
ensinar, ainda que se possa aprender. Um conhecimento, “saberes
da experiência”, que vem com o percurso profissional, que emerge
das experiências que vão desenhando o modo de ser professora.
As redes de conversações das quais participamos configuram
e nos ajudam a produzir um modo de trabalhar como professoras.
Há algo que podemos escolher e que implica em transformação
permanente, a possibilidade do desassossego e de respeitarmos o
“não saber”, o “equivocar-se”. Estas atitudes têm a ver com nossa
condição humana, mas muitas vezes parece não serem acolhidas
nas escolas.
7
“las circunstancias de nuestro vivir también se transforman, y lo hace de maneira congruente con
nuestra propia transformación individual” (MATURANA, 2004, p. 13).
45
Desde que iniciei o trabalho como professora, inúmeras
mudanças ocorreram em relação ao modo de entender educação e
docência. Muito do que já aprendi foi e está sendo transformado. A
experiência como professora suscita em diversos momentos
processos que nos surpreendem e emocionam. Neste momento da
minha caminhada destacarei a questão em que me coloco e que se
mostra inquietante.
Procurarei nesta escrita trazer a pergunta e o contexto em que
ela se produziu. Desse modo, as histórias que seguem trazem a
marca da linguagem oral, do modo como foram narradas e
transcritas para esta pesquisa.
Professora Pérola:
“Ah! Eu nem queria ser professora!
Ah! Na verdade a minha mãe me obrigou a fazer magistério, e eu
naquela época não fazia idéia o que era ser professora. Eu queria
ser psicóloga, advogada, qualquer coisa, menos professora. Só que
a minha mãe me obrigou e eu cursei o magistério contra a minha
vontade, tanto é que todo o curso de magistério, eu jamais entrei
numa sala para fazer observação ou práticas. O meu micro-estágio
foi com uma outra colega que me estendeu a mão e me ajudou
muito. No estágio sim, fiz na terceira série, a professora regente foi
legal e me ajudou muito, mas o estágio não dá a idéia do que é
realmente a dimensão que é ser professora. Atuo há 11 anos na rede
municipal e quando eu comecei, fiz o concurso, fiz o magistério e fiz
o concurso. E eu fui trabalhar, na verdade eu nem esperava ser
chamada para este concurso, daí, um belo dia me ligaram, eu vim na
prefeitura e me colocaram numa “Kombi” e me levaram até a
localidade de Lajeado Assombrado.
Me mostraram, e disseram:
- Aqui é que você vai dar aula!
Chegando lá, eu tinha quatro turmas, primeira, segunda, terceira e
quarta série. Ao todo eram dez ou onze alunos, eu não lembro bem.
Eu nunca vou esquecer, era um dia de chuva, tinha muito barro!
Me disseram:
-Aqui tá a chave, amanhã você começa a dar aula! Na manhã
seguinte, eu esperei o transporte que passava às 15 para as 6 horas
da manhã e eu fui para o Lajeado Assombrado dar aula... (silêncio).
As primeiras semanas foram horríveis, eu não sabia o que fazer, eu
fiz o meu estágio com terceira série. O que fazer? Não sabia nem por
onde começar. Numa escola sozinha, não tinha ninguém para me
dizer é por aqui, é por ali. Tudo foi experiência, eu fui
experimentando, muita coisa que eu fazia eu lembrava como minhas
professoras faziam e eu repetia. E eu buscava livros, buscava. Ia até
a secretaria de educação buscava apoio, subsídio. Porque, tu dá
aula para uma primeira série, alfabetizar alunos que você nunca
alfabetizou, já é complicado, e imagina, então, ter todas as turmas e
fazer tudo junto ao mesmo tempo.
Então, o primeiro ano foi uma experiência. Eu tive que me adaptar à
realidade do interior e o tempo foi passando e as coisas foram
acontecendo. No segundo ano que eu tive lá, eu já tinha me
46
organizado, já tinha uma maneira de me organizar, cada série tinha
um momento, e as crianças respeitavam isso, a construção se dava.
Eu achava que eu fazia a coisa certa, eu sempre tive comigo: Se eu
respeito o que o outro está sentindo, se eu me coloco no lugar dele e
se aquilo que tá acontecendo comigo e com o outro é bom, então, a
intenção é boa.
Hoje, sinto saudades daquela época, em que aprendi a ser
professora. Aprendi sozinha, pesquisando um jeito e outro até que
fechou a escola. A comunidade era muito legal, trabalhava junto. A
gente tinha horta, trabalhava todo mundo, todos iam na horta.
Plantava, colhia. Nas datas comemorativas os pais participavam
bastante.
Eu sinto, hoje, que lá naquela época, naquela comunidade o
professor era muito respeitado. E a gente percebe que, na cidade,
isso não é mais como lá naquele lugar, aquelas pessoas,
agricultores, valorizavam o trabalho da gente. Valorizavam a gente
como ser humano principalmente, parece que hoje isso está meio
esquecido, parece que cada um olha pro seu interesse, enfim.
Teve também, um momento que me marcou muito. Foi muito
negativo, que foi numa escola da zona rural, turma de primeira série,
com nove alunos, que em agosto dos nove alunos, apenas um
estava lendo e escrevendo. O restante não conseguia... A diretora
não aceitou o que se passava e ela chegou ao ponto de me dizer que
a servente era capaz de dar aula melhor do que eu! Aquilo pra mim
foi o fim de tudo. Eu não sabia o que fazer, pois sempre deu certo
aquilo que eu fazia. Naquele momento eu já tinha tentado de tudo
que eu conhecia, tanto é que eu desisti, pedi para sair da escola.
Não suportei o fracasso e saí.
Então, foi que eu entrei na “Escola Cristal”. Eu não queria mais
alfabetizar, depois deste fracasso, eu não queria mais... Cheguei na
escola para ocupar a vaga do jardim, porém, esta vaga já tinha sido
preenchida e tive que ir para a primeira série. Pura insegurança,
medo do fracasso. Muitas coisas me marcaram neste percurso, uma
das coisas que me marcaram, é que hoje quando lembro do Lajeado
Assombrado eu lembro assim:
-Eu era feliz e não sabia!!!!.
Professora Esmeralda:
Faz 15 anos que estou nesta profissão, trabalhei cinco anos em
escola do interior, e 11 anos como professora de primeira série.
Trabalho, também, há 10 anos com área de matemática no ensino
fundamental. Durante a minha caminhada de professora, eu lembro
que eu trabalhei cinco anos no interior. Era um trabalho diferente, era
multisseriado. Sozinha, não tinha com quem compartilhar, tu fazia o
que tu achava, o que mais ou menos tava de acordo.
Depois, eu peguei somente a primeira série, daí na escola urbana
numa escola maior, né? Com alfabetização, mas não foi uma grande
experiência, claro que é válida, mas não aquela coisa como é hoje.
47
Eu lembro que era pouco aluno, um ou 2 alunos só de primeira série
e se tinha algum aluno que tu não via o crescimento dele, aquilo ali
ficava muito frustrante, sabe, é uma coisa assim.
Uma experiência que teve uma menina que me marcou muito...
(silêncio). Ela ficou assim, muito tempo assim, ela não conseguia sair
da primeira série. Ela ficou não lembro quantos anos repetindo, não
lembro dos outros que foram. A que me marcou foi esta que não foi
adiante.
Essa experiência foi válida, ela foi o começo do magistério que a
gente vê que é só na prática mesmo que você deve aprender as
coisas.
Nesta escola estou há 10 anos como alfabetizadora e posso sentir
que houve um crescimento maior dos meus alunos e meu como
professora, com o profissional.
Sou professora há quase 16 anos, mas creio, acredito que o meu
sentir professora mesmo, a minha paixão despertou há pouco tempo,
não que antes eu não gostasse, eu gostava muito, mas muito bom
depois que a gente começou a ter um grupo para estudar, um grupo
mais a fim.
Eu acho que ali nesse momento, eu acho que me fez sentir assim,
mais professora do que eu já era, né!!!
Alguma coisa assim que... aquela vontade aquele desejo de estudar,
de procurar outros caminhos.
Eu acho que eu comecei a me sentir mais professora dentro da sala
de aula, me envolver mais ainda com os meus alunos, do que eu me
envolvia antes.
Professora Diamante:
Desliga!Para um pouco! Deixa eu pensar um pouquinho! Desliga o
gravador! Eu preciso pensar!
Sabe que eu comecei no interior, não me lembro como é que eu
cheguei lá! (risos)
Era no interior, no Lajeado Grande, era uma escola assim,
multisseriada, tinha as quatro turmas e bem no interior. Ônibus ali
não passava, tinha que caminhar um pedaço a pé, uns três
quilômetros e o ônibus fazia uma grande volta até chegar... Eu acho
que dava uns três km, ele saía ao meio dia e chegava lá ... Fazia
uma volta enoooorme... Passava por uns quantos lugares até chegar
na tal escola.
Tinha poucos alunos, mas era tudo junto, ali fiquei dois anos e fui
para outra escola do interior que tinha só a quarta série, tinha uns
nove alunos eu acho, ia de ônibus e só chegava pelas duas horas.
Fiz magistério e logo comecei a trabalhar e fazer a faculdade de
pedagogia (...) de dia trabalhava e de noite estudava.
Daí depois eu vim para a cidade na Auxiliadora, periferia, crianças
carentes e depois vim para a escola “Cristal”, comecei com segunda
série, fiquei três anos e depois comecei na alfabetização e já perdi a
conta de quantos anos, mas faz uns dezesseis, dezessete anos.
Na escola aqui... (silêncio).
48
Os primeiros anos eram de angústias, que era tudo novo e até agora
tem as angústias, a gente sempre quer que os alunos vão pra frente,
mas é uma coisa que eu gosto de fazer, a realização é no final do
ano quando a gente vê eles lendo. Isso que é gratificante pra gente,
o que estimula é ver a felicidade deles em saber ler, então isso é
gratificante, cada ano é um ano, a gente tem as dificuldades
Ao todo tenho 27 anos. Aqui já melhorou bastante (...) no interior era
ruim para chegar e aqui é fácil chegar, mas a carência dos alunos é
que tornava mais difícil, (...) na alfabetização, os primeiros anos, era
mais difícil, aquela angústia e até agora a gente quer que todos
passem e vão para a frente, né?
Mas, é uma coisa que eu gosto de fazer, a satisfação que eu tenho é
chegar no final do ano e ver eles lendo, isto é gratificante pra gente!
Na verdade, todo o trabalho, as dificuldades também que a gente
encontra, pois cada ano é um ano, a gente encontra dificuldades
mesmo depois de tantos anos de batalha, de trabalho a gente têm as
dificuldades (...).
São muitos anos de trabalho de luta, de busca, que eu tive durante
muito tempo onde procuro sempre estar bem informada, busco
sempre para que meus alunos tenham o melhor e dentro da minha
formação eu procurei também fazer o melhor, sou formada em
Pedagogia e depois eu tenho a especialização em Pedagogia
Gestora. É uma busca constante para que eu tenha mais, ah!
Oportunidades de trabalhar, de conhecer melhor as crianças, por
isso da minha formação.
Eu acho que o professor tem que colocar sempre o que pretende e o
que busca, ah!
Não deixar, assim, que passe em branco tudo aquilo que a gente
aprendeu, que a gente estudou, que o professor possa ter a voz de
colocar suas angústias, de ...(silêncio)
De ter presente sempre a vontade, o interesse na busca para que os
alunos tenham o melhor e também procurar ser autor, ter autoridade,
ter autoria das coisa que faz.
Professora Rubi (Professora de Ensino Superior):
Eu? ah...(silêncio) Primeiro eu não sabia bem!
Ah! No meu diário de bebê, o meu pai escreveu ... [silêncio]
Tem uma pergunta para os pais dizerem o que gostariam que os
filhos fossem quando crescessem.
O meu pai falou que gostaria que eu fosse muito feliz, mas que ele
queria, seria interessante. Como é que ele colocou? Ficaria feliz com
qualquer opção dela, mas que ah! Que seria legal para ele se essa
minha opção fosse a de ser professora.
Quando eu fui fazer o magistério, eu sempre me vi, talvez por ter um
pai assim, que sempre foi o primeiro aluno da classe. Eu sempre me
vi como uma pessoa muito inteligente.
Eu não sabia bem se eu queria o magistério, porque eu relutava em
relação àquela expectativa dos meus pais.
Minha família toda é de professores, minhas tias todas são
professoras, então, aí, eu relutava. Na época eu tentei fazer o
científico e magistério ao mesmo tempo.
49
Eu só não fiz porque o magistério no Instituto de Educação era muito
puxado e tinha turnos que tinha aula manhã e tarde. Ai não tinha
como freqüentar o científico, então, acabei, bem aquela coisa da
circunstância do viver, acabei fazendo somente o magistério.
Mas, quando eu fiquei em vias de fazer o vestibular, eu fiquei com
muita dúvida, porque eu via a vida de sacrifício das minhas tias e
ficava pensando essa coisa toda. E fiz vestibular para matemática.
E aí, graças a Deus, o meu pai recebeu uma bolsa para estudar fora
do Brasil. Porque daí era o tempo que eu tinha, e eu pedi, falei isto,
pra ele, pra rever isso. Tranquei o curso e fui com ele, e então, o pai
adoeceu e daí que eu tive a oportunidade assim.
É uma longa história, que eu acho que não é importante aqui. Fiquei
um ano fora e lá eu conheci uma pessoa que fazia doutorado, em
alfabetização, e me deu um livro de Paulo Freire para ler, ao ler o
livro de Paulo Freire, na França, em Paris, era uma educadora do
Piauí, a Terezinha que me deu a “Educação como Prática da
Liberdade” pra ler.
Quando eu li aquele livro eu pensei: Bom, eu tenho que sair do
curso de matemática. O meu negócio era ser professora. Gosto disso
mesmo, eu admiti isso pra mim, eu já via que não era mais o desejo
de meus pais, que já era meu também. Aí, já tava decidido assim,
quando eu voltasse para o Brasil, que eu ia fazer pedagogia.
[...] Eu relutei muito em formar professores universitários pela
experiência que tinha tido na universidade, como eu achava que eu
ia salvar o mundo [risos] e a universidade de alguma forma cria um
mundo, o mundo acadêmico, e eu achava aquele mundo ainda...
Aquele mundo ainda tinha pouco a dizer do que acontecia na escola.
[...] Certo dia, uma colega me levou um xérox de jornal de uma
seleção da universidade e eu pensei:
- Será que é o momento?
- Daí eu estou aqui!
Pude observar que a opção profissional das professoras teve influência da
família e nem sempre relação com uma opção pessoal e livre, todavia em todas elas
a experiência deixou marcas amorosas, gosto pela profissão e engajamento na
busca de conhecimentos.
Núbia Pérez de Lara e Jorge Larrosa apontam para o efeito dessa operação,
ao abordarem a relação com a alteridade na educação:
[...] somos nós que definimos o outro, especialmente quando essa nossa
definição se supõe avalizada pelos aparatos que articulam uma função
50
técnica ou perita dos distintos campos do saber; somos nós que decidimos
como é o outro, o que é que lhe falta, de que necessita, quais são suas
carências e suas aspirações. E a alteridade do outro permanece como que
reabsorvida em nossa identidade e a reforça ainda mais; torna-a, se
possível, mais arrogante, mais segura e mais satisfeita de si mesma (LARA
& LARROSA, 1998, p. 8).
Observei, também, que nos três primeiros depoimentos, o ingresso na
escola ocorreu na área rural, o que caracterizou um certo isolamento em relação aos
colegas nos anos iniciais da carreira. Conforme afirma Esteves, “o isolamento leva à
articulação de problemas sem resolver e favorece a aparição de outro dos
obstáculos mais importantes à auto-realização do professor: a inibição e a rotina”
(1999, p. 142).
A insegurança de atuar pela primeira vez, a imitação acrítica de condutas
observadas em outros professores, a dificuldade de transferir o conhecimento
adquirido na formação, aliadas ao pequeno número de alunos e à realidade de salas
multisseriadas, produziram um saber pela experiência e, ao mesmo tempo, uma
transformação individual, um constituir-se como sujeito/professora em “congruência
com as circunstâncias de seu viver”, como afirma Maturana (2003).
Pude observar nos relatos o sentido da experiência como parte da formação,
a iniciação profissional aliada ao isolamento é expressa como sinômino de aprender
com a prática. Aprender fazendo é o princípio que emerge, segundo alguns autores,
da cultura escolar em ação. A abordagem dos saberes da experiência, vistos como
um outro modo de apreensão da realidade, ou ainda como saberes construídos na
prática social e pedagógica do cotidiano das professoras, configura-se como um
tema de interesse para estudo da formação e da competência profissional. Tardif &
Lessard (1991) apresentam esses saberes, numa definição inicial, como:
51
O conjunto dos saberes atualizados, adquiridos e requisitados no quadro da
prática da profissão docente... São saberes práticos... Eles formam um
conjunto de representações a partir das quais os docentes interpretam,
compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as
dimensões. Constituem assim a cultura docente em ação (TARDIF;
LESSARD; LAYAYE, 1991, p. 215).
Saliento, também, a relutância da professora Rubi em escolher ser
professora. Marcou-me a lembrança das tias que eram professoras dando a
impressão de que essa profissão tem marcas de muito sacrifício, situações penosas
ou frustrantes, e não a lembrança do ato educativo como forma de realização e
prazer. As narrativas mostram que todas têm desde o início da carreira muita
preocupação com a aprendizagem dos alunos. Abordo a seguir como essa
preocupação se faz processo de formação continuada na organização coletiva
autônoma que ocorre na escola.
2.2 Um sentimento presente: a necessidade de mudança da prática
pedagógica.
Se nós não inventarmos o novo, o novo se criará sem nós.
(Paulo Freire)
A partir da percepção de que todas as professoras ouvidas atuam na mesma
escola e dialogam entre uma aula e outra, pude observar, nas falas das colegas, um
discurso em torno da mudança, elas se mostravam abertas para as inovações
educacionais. Foi então oportunizada uma abertura para novas práticas, um
incentivo ao novo, ao desconhecido, mas necessário processo autônomo de
52
formação continuada. “[...] hoje, sinto saudades daquela época, em que aprendi a
ser professora. Aprendi sozinha, pesquisando um jeito e outro” (Professora Pérola).
De forma natural e espontânea, as inquietações do grupo foram surgindo;
sentíamos que era necessária uma mudança radical nos nossos modos de fazer e
viver, pois, nos tempos de transição paradigmática em que vivemos (SANTOS,
2002), os profissionais não mais podem prescindir de um repensar sobre a ciência e
suas conseqüências sociais, políticas, econômicas e ecológicas, bem como da sua
influência sobre a instituição de novos imaginários e representações sociais.
Enfim, sentíamos que não mais era possível nos esquivarmos de tratar
aquilo que não nos era familiar, adotando uma postura de rejeição. Ao contrário, nos
tempos de cosmopolitismo cultural pós-moderno, o grande desafio consiste em
dialogar com o “não familiar”, ao invés de ignorá-lo em sua legitimidade. A
transformação do não familiar em familiar é uma das grandes contribuições do
processo de (re)desconstrução de representações sociais.
Talvez tenhamos que aprender a nos apresentar na sala de aula com uma
cara humana, isto é, palpitante e expressiva, que não se endureça na
autoridade. Talvez tenhamos que aprender a pronunciar na sala de aula
uma palavra humana, isto é, insegura e balbuciante, que não se solidifique
na verdade. Talvez tenhamos que redescobrir o segredo de uma relação
pedagógica humana, isto é, frágil atenta que não passe pela propriedade
(LARROSA, 2003, p. 165).
É no contexto dessa complexidade de novas atribuições da escola, que as
professoras desenvolvem o seu trabalho e é a partir dessa perspectiva que elas são
cobradas por toda a sociedade. Por muitas vezes, elas são responsabilizadas pelos
53
fracassos e insucessos da escola e do sistema de ensino, a partir de uma análise
aligeirada e linear da situação educacional em nosso país.
Entendo que os processos de mudança devem atender, necessariamente,
ao que Garcia têm chamado de “dimensão pessoal da mudança” (1997, p. 47), ou
seja, o envolvimento do professor em processos reflexivos sobre si mesmo, no
contexto profissional, com previsíveis implicações no seu autoconhecimento, como
pessoa e profissional. Por conta disso, a mudança no campo profissional não pode
se dissociar das transformações do campo pessoal.
Quando começamos este processo de construção de conhecimento, houve
também uma mudança na minha vida como pessoa, como mulher, como
professora, mudei meu modo de ver e viver a vida (Professora Diamante).
O problema da formação de professores, quando se fala das reformas
educacionais, tem assumido o papel do mordomo nas histórias de detetives, sempre
acaba sendo culpado pelas dificuldades ou insucessos. Quando as políticas
educacionais ou projetos pedagógicos não dão certo ou ficam emperrados, atribui-se
aos professores essa situação. Essa postura é internacional e no Brasil não se foge
a essa norma (KRASILCHIK, 2001, p. 27).
Todavia, em que pesem as acusações de conservadorismo feitas à escola, a
busca por inovações pedagógicas esteve sempre presente na história da educação,
seguindo o curso do desenvolvimento da cultura. Se fizermos um breve retorno na
história da humanidade, veremos que mudar sempre foi a tônica da civilização. Em
busca de alimento, abrigo, segurança e adaptação climática, os primeiros habitantes
mudavam seu habitat ou de local. No mundo educativo não é diferente, sente-se
54
comprometido aquele que, diante das mudanças, atua como agente de
transformação, cria, pensa soluções inovadoras para os mais variados problemas.
Portanto, o equilíbrio entre inovação e tradição é difícil.
A mudança na maneira de ensinar pode ser feita com consistência e
baseada em práticas de várias gerações. Pode-se dizer que nessa área nada se
inventa, tudo se recria. O resgate das experiências pessoais e coletivas é a única
forma de evitar a tentação dos modismos pedagógicos que, sem sustentação na
história, na cultura e em referenciais teóricos consistentes, não se sustentam por
muito tempo. Daí por que é preciso combater a mera reprodução de práticas de
ensino, sem espírito crítico ou esforço de mudança. Segundo Nóvoa (2001), é
preciso estar aberto às novidades e procurar diferentes métodos de trabalho, mas
sempre partindo de uma análise individual e coletiva das práticas. Foi esse o
movimento inicial que articulou o grupo em estudo nesta pesquisa.
Surge daí a oportunidade da experimentação, da inovação, da curiosidade,
da espontaneidade e da originalidade, sem desconsiderar as práticas tradicionais
que podem servir de ponto de reflexão. A inovação tem um caráter intencional,
afastando do seu campo as mudanças produzidas pela evolução "natural" do
sistema. A inovação pedagógica é, pois, uma mudança deliberada e
conscientemente assumida, visando a uma melhoria da ação educativa.
A mudança ela pode acontecer, e ela acontece, mas, depende do querer do
professor. O professor deve ter vontade. Aquele professor que repete diário
ano após ano, que não busca coisas novas. Para este, não tem significado
a formação continuada. É claro que a formação continuada existe
principalmente para estes casos, mas nenhum profissional faz na sua sala
aquilo que não acredita. Então, parece que vão em todos os cursos e
continuam fazendo a mesma coisa em sala de aula (Professora Pérola).
55
A inovação não é uma simples renovação, pois implica uma ruptura com a
situação vigente, mesmo que seja temporária e/ou parcial. Inovar supõe trazer à
realidade educativa algo efetivamente “novo”, ao invés de renovar, que implica fazer
aparecer algo sob um aspecto novo, não modificando o essencial.
A inovação pedagógica traz algo de "novo", ou seja, algo ainda não estreado
é uma mudança, mas intencional e bem evidente; exige um esforço deliberado e
conscientemente assumido; requer uma ação persistente; tenciona melhorar a
prática educativa; o seu processo deve ser passível de avaliação; e para poder se
constituir e desenvolver requer componentes integrados de pensamento e de ação
(CARDOSO, 1992).
As professoras desta pesquisa sabiam que uma ação planejada com
responsabilidade era necessária. Para ser um verdadeiro agente das mudanças e
buscar as oportunidades, são imprescindíveis alguns atributos pessoais como
coragem, visão e senso de realização. Para Maturana, ser responsável “significa
estar consciente das circunstâncias de cada momento e considerar as
conseqüências dos próprios atos”
8
(2004, p. 92).
A coragem serve para promover a mudança e, mais ainda, para rever os
rumos do processo. É o impulso necessário para que algo seja feito, mesmo que
isso contrarie tudo e todos. A visão do todo ou do futuro tem papel fundamental para
que o processo de mudança não se perca nas críticas e nas diversas possibilidades
8
“significa estar consciente de las circunstancias de cada momento y considerar las consecuencias
de los propios actos” (2004, p. 92).
56
que surgem. Mudar sem saber para onde é o mesmo que não sair do lugar. Existe
um ditado popular que diz: “àquele que não sabe para onde ir, qualquer caminho
serve”.
Eu lembro assim, que em vários momentos que eu planejava que eu parava
para planejar a aula eu lembro que eu queria fazer uma mudança. Na minha
prática, no meu dia-a-dia, eu queria fazer diferente, mas, eu não tinha
aquele suporte, talvez... não sei... pedagógico, ou talvez eu não
tinha...(silêncio) Não sei o que faltava. Faltava alguma coisa ou talvez até a
coragem (Professora Esmeralda).
Aparece a vontade de mudar aliada à insegurança pela falta de uma
proposta pedagógica mais ampla com respaldo na escola como um todo. Era o
medo de criar o novo sem que este tivesse o suporte político-pedagógico da
instituição. Logo vinha a fraqueza, deixar de fazer uma coisa que sempre fez e que
estava ancorada na tradição escolar provocava a intranqüilidade e voltava a
aparecer a rotina impregnada no cotidiano de sala de aula.
Eu era sozinha de repente nesse meu pensar, então, às vezes eu pensava
em fazer alguma coisa diferente porque a gente lia os livros. Via coisas
diferentes, só que na minha sala de aula no meu dia-a-dia, às vezes, eu
começava, mas, no meio do caminho dava aquela insegurança e eu, no
caso, parava (Professora Esmeralda).
Imbernón (2000) desenvolve reflexões interessantes sobre os desafios do
futuro imediato para a educação e destaca quatro idéias-força na base da mudança
que deve impulsionar o futuro imediato da educação:
A recuperação por parte dos professores e demais agentes
educativos do controle sobre seu processo de trabalho; a valorização do
conhecimento, tanto daquele já adquirido e desenvolvido pelas gerações e
culturas anteriores, que tem seu valor e importância mesmo nos dias de
hoje, mas que se apresenta como insuficiente para os próximos tempos,
quanto dos novos conhecimentos que são investigados e produzidos
atualmente em novas condições de número de informações, de velocidade
de comunicação e de proliferação de fontes de conhecimento; a
57
valorização do processo educativo, da comunidade como verdadeira
integrante do processo educativo, da comunidade de aprendizagem,co-
responsável pelo projeto pedagógico da instituição; a diversidade como
projeto cultural e educativo (IMBERNÓN, 2000, p. 80).
Procurando resumir seu pensamento sobre mudanças em educação, o
mesmo autor identifica alguns imperativos:
Um meio social baseado na informação e nas comunicações; a tendência a
que tudo seja planejado; uma situação de crise em relação ao que se deve
aprender e/ou ensinar em um mundo onde imperam a incerteza e a
mudança vertiginosa; o novo educador como gestor e mediador de
aprendizagem (IMBERNÓN, 2000, p. 85).
Tais imperativos são ingredientes presentes na disposição do grupo
pesquisado. Neste espaço aberto a outras idéias capazes de contribuir para o
desenvolvimento de projetos inovadores para a educação, busco sublinhar alguns
aspectos essenciais do processo de mudança educativa identificados no grupo:
a) A nova formação continuada inicia-se pela reflexão crítica sobre a prática;
examinar as teorias implícitas nas atividades pedagógicas, os estilos cognitivos, os
preconceitos. E essa reflexão crítica não se limita ao seu cotidiano na sala de aula,
pois atravessa as paredes da instituição para analisar todo tipo de interesses
subjacentes à educação, à realidade social, com o objetivo concreto de obter a
emancipação das pessoas.
Nesse sentido, deve-se realçar a importância da troca de experiências entre
pares, através de relatos de experiências, oficinas, grupos de trabalho. Quando as
professoras aprendem juntas, cada uma pode aprender com a outra. Isso as leva a
compartilhar evidências, informação e a busca de soluções. A partir daqui os
problemas importantes começam a ser enfrentados com a colaboração entre todas.
58
Tu trabalhar sozinha é uma realidade, tu sabe os conteúdos, tu vai buscar
e nem sempre aquilo que tu busca é o melhor, tu não sabe se está certo ou
errado. Se tu buscar em equipe, buscar em conjunto. Na minha visão, na
visão da minha colega, esse caminho ou outro a gente se questionar, é o
que faz a diferença. Enriquece o trabalho (Professora Pérola).
b) É imprescindível que as educadoras reflitam e questionem sobre seu
papel nesse importante processo de transição. A reflexão conjunta conduz ao
crescimento da comunidade como um todo e se encontra diretamente relacionada
ao coração. Conforme afirma Zeichner, “A reflexão implica intuição, emoção e
paixão; não é, portanto, nenhum conjunto de técnicas que possa ser empacotado e
ensinado aos professores” (1993, p.18).
Tu vai olhando os livros tu percebe que tem coisas diferentes sabe, mas aí,
tu tentava fazer e nunca conseguia digamos assim uma continuação
daquilo ali. Parece que alguma coisa não tava suficiente, então, seguia
adiante. Não tinha uma mudança mais profunda, faltava mais leitura, mais
embasamento (Professora Esmeralda).
c) As vidas, as práticas, os pensamentos, os sentimentos, as intuições, os
dilemas e as necessidades das professoras começam a ser desvelados, na mesma
medida apontada pelas palavras de Fazenda:
Nosso trabalho parte do pressuposto que as práticas dos professores não
se modificam a partir de imposições, mas exige um preparo especial no qual
os mesmos sintam-se participantes comprometidos. Trabalhamos a partir da
descoberta e valorização de quem são os professores, de como atuam,
indicando caminhos alternativos para seus fazeres (FAZENDA, 1999,
p.158).
A partir dessas premissas, vejo reafirmada a idéia de que a inovação é antes
um processo que um acontecimento (FULLAN, 2000). A partir desses princípios, a
inovação pode ser definida como processo multidimensional, capaz de transformar o
59
espaço no qual habita e de transformar-se a si própria. Nesse sentido, diversos
autores afirmam que inovar consiste, antes de mais nada, em uma disposição
permanente em direção à inovação ou de inovar a inovação. Ao mesmo tempo, os
teóricos da inovação interessam-se pela apropriação por parte dos atores, pela
continuidade dos esforços inovadores e pelo papel integrador que corresponde a um
significado compartilhado sobre a inovação.
A gente tinha vontade de mudança, só que a gente não tinha aquela, como
é que eu vou dizer... [silêncio] segurança e apoio de ninguém, o
embasamento teórico necessário. Não adianta a gente querer trabalhar
uma proposta se tu não conhece. A gente sabia que tinha essa
necessidade, mas, muitas vezes, parava por aí, por falta de apoio, por falta
de conhecimento, por falta de acompanhamento (Professora Diamante).
Entretanto, no marco das reformas educacionais, as inovações têm sido
mudanças vindas de cima, mecanismos de ajuste mais que de satisfação das
demandas dos atores. Segundo Tedesco (1997), as inovações têm sido esforços
"responsivos", referidos a marcos gerados nos níveis centrais dos sistemas de
ensino. Esses marcos não só regulamentam, como homogeneízam a inovação.
Nesse sentido, Fullan (2000) destaca que os professores têm de se haver com uma
quantidade inumerável de propostas inovadoras, com o correlativo de dependência
que cria essa situação. Por isso, segundo ele, ao mesmo tempo em que a escola
está bombardeada por inovações, o novo não tem lugar. As professoras participam
de várias palestras, oficinas, seminários, porém quando chegam à sala de aula é
muito difícil transformar a prática e seguem fazendo o mesmo.
Quando pensamos em mudança, surge de forma imediata a relação com
promessas e também com tensões. A mudança implica passar ou transitar de uma
situação ou de um estado ou condição para outro. A mudança é uma viagem, uma
60
passagem, uma virada que é tão animadora quanto ameaçadora. Mudar implica
desnaturalizar ou distanciarmo-nos da rotina que nos constitui, que é tão
estruturante quanto estruturado, separarmo-nos desses modos de sentir, pensar e
agir.
Mudar altera a regra, o regime ou o modo como organizamos nossas vidas.
Todavia, algumas vezes, parece que não se pode "escolher" a mudança, mesmo em
situações absolutamente "voluntárias", a escolha não tem lugar no momento
presente; é a história (minha história) que a elege. Na maioria dos casos, a mudança
acontece e se impõe aos indivíduos, como uma circunstância do processo.
Quando a gente viu que realmente não dava mais, que estes alunos
estavam sendo reprovados e em grande número também, né? Daí a gente
foi atrás, procurou orientação, leituras e tudo que a gente pode fazer
(Professora Diamante).
Em momentos de crise e mudança acelerada, ocorre a ruptura inevitável da
rotina. Durante a guerra, uma pessoa passa de civil a soldado. Por isso, é lugar
comum falar do medo ou da resistência à mudança. Resistência ou direito de criar a
mudança que queremos e no tempo possível para cada comunidade escola? “A
gente tinha que mudar, a gente queria mudar, mas a gente não tinha certeza que
aquilo ali pudesse dar certo... Então, era uma insegurança muito grande...”
(Professora Pérola).
Os cientistas sociais referem-se à mudança associando-a com conflito,
ordem ou regulação. Na concepção de Foucault (1997), a sociedade tem a estrutura
do panóptico ou de um controle centralizado, onipresente através de todas as
61
instituições. Em sociedades dessa natureza, as mudanças são variantes do
disciplinamento. Como nos depoimentos, as professoras tinham medo do novo,
medo do diferente devido ao apego às tradições escolares, uma rotina cristalizada e
impregnada de tradições escolares. “Pra acontecer a mudança foi, com muito medo,
mas, a gente abraçou a causa e foi aprender, foi estudar e ir em busca” (Professora
Pérola). Sentiam-se inicialmente sob o olhar vigilante de si próprias devido à
insegurança diante do novo. Porém, o passo inicial foi dado, a vontade e o querer
estavam evidentes, com responsabilidade e determinação. “Então, a gente foi
buscar ajuda apoio, a gente aprendeu, a gente foi buscar junto e houve muitas
dúvidas, muita angústia... A gente mudou...” (Professora Pérola).
Como se pode observar nas falas das professoras, elas tinham vontade de
fazer diferente, mudar a prática pedagógica, porém, não estava claro para elas o
que isso significava efetivamente.
A gente nem sabia direito como que ia funcionar, como que ia ser o
resultado, mas, a gente tava ali, tinha vontade, tinha aquela paixão, aquela
coisa assim, que queria fazer algo diferente. A gente sabia que tinha que
fazer algo diferente (Professora Esmeralda)
Fica evidente, entre as cinco professoras, que diante do contexto escolar
estavam saindo do trivial, do conhecido, do conforto, tentando crescer
profissionalmente, com uma empolgação e firmeza contagiante. Assim como
estavam não mais queriam continuar, estavam convencidas de que a prática que
realizavam não era condizente com as necessidades dos alunos. E estavam
conscientes de que a mudança é uma jornada, cujo mapa não se conhece
antecipadamente.
62
E então a gente foi! [se referindo ao início do processo de formação
continuada autônomo, que no início proporcionou momentos de
insegurança e medo] A gente sofreu muito! Foi bem complicado, meu
Deus!!! [silêncio]
Mas a gente acreditou e não desistiu, perseverou. E hoje se tem a
recompensa, o prazer! (Professora Pérola).
Para Nóvoa (2001), embora tenha havido uma verdadeira revolução na
formação de professores, existe uma certa incapacidade para colocar em prática
concepções e modelos inovadores. As instituições ficam fechadas em si mesmas,
ora por um academicismo excessivo ora por um empirismo tradicional. É nessa
perspectiva que os “saberes docentes” se impõem na direção das mudanças.
2.3 Saberes docentes: as professoras querem aprender.
Para ensinar há uma formalidadezinha a cumprir – saber.
(Eça de Queirós).
Há que se reconhecer as professoras como sujeitos de um fazer e de um
saber. As professoras, como centro da prática pedagógica, que centraliza a
elaboração crítica do saber na escola, que mediatiza a relação do aluno com o
sistema social, que executa um trabalho prático permeado por significações ainda
que concretizado numa rotina fragmentada, são detentoras de um saber profissional
específico. Elas são, também, responsáveis por um fazer docente que precisa ser
respeitado em sua experiência e inteligência, em suas angústias e em seus
questionamentos, e compreendida em seus estereótipos e preconceitos. Devem,
portanto, ser reconhecidas como desempenhando papel central em qualquer
tentativa viável de revitalizar a escola, pois são capazes de transformar a realidade
em que vivem.
63
A partir dessa idéia, reflito sobre o sentido da palavra saber, uma vez que
utilizo neste trabalho a expressão saberes (no plural) para designar os
conhecimentos, o saber-fazer, as habilidades que as professoras mobilizam no seu
cotidiano de sala de aula para realizar suas tarefas.
Para Tardif, o saber é sempre o saber de alguém que atua no espaço,
realizando um trabalho com objetivo:
O saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o
saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a
experiência de vida e com a sua história profissional, com sua relação com os
alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc.
(TARDIF, 2002, p. 11).
Na concepção de Gauthier, os saberes docentes são aqueles adquiridos
para ou no trabalho e mobilizados tendo em vista uma tarefa ligada ao ensino e ao
universo de trabalho do professor, exigindo da atividade docente uma reflexão
prática. Para ele, “um saber pode ser definido como uma atividade discursiva por
meio do qual o sujeito tenta validar uma proposição ou uma ação” (1998, p. 334).
Postula Tardif: “a relação dos docentes com os saberes não se reduz a uma
função de transmissão de conhecimentos já constituídos. Sua prática integra
diferentes saberes, com os quais o corpo docente mantém relações.” (2002, p. 36).
O saber docente é definido como um “saber plural, formado pelo amálgama, mais ou
menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional, dos saberes das
disciplinas, dos currículos e da experiência” (TARDIF & LESSARD; LAHAYE, 1991,
64
p. 218), constituindo, possivelmente, o que é necessário para ensinar. A
complexidade desses saberes é descrita da seguinte forma:
a) Os saberes da formação profissional (das ciências da educação e da
ideologia pedagógica);
b) Os saberes disciplinares que correspondem aos diversos campos do
conhecimento como se encontram hoje integrados nas universidades;
c) Os saberes das disciplinas: emergem da tradição cultural e dos grupos
sociais produtores de saberes;
d) Os saberes curriculares: apresentam-se concretamente sob a forma de
programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que os professores devem
aprender a aplicar;
e) Os saberes da experiência: são os que brotam da experiência e são por
ela validados. Incorporam-se à experiência sob a forma de habilidades, de saber-
fazer e de saber-ser. Podemos chamá-los de saberes práticos (TARDIF, 2002, p.
38).
Tardif (2002, p. 61) ainda pondera que os saberes profissionais são “plurais,
compósitos, heterogêneos, pois trazem à tona, no próprio exercício do trabalho,
conhecimentos e manifestações do saber-fazer e do saber-ser bastante
diversificados e provenientes de fontes variadas, as quais podemos supor também
que sejam de natureza diferente.” Desse modo, os saberes dos professores
aprendidos durante a formação inicial (saberes das disciplinas e saberes da
formação profissional) serão reformulados e reconstruídos no dia-a-dia da sala de
65
aula, a partir dos saberes curriculares e da experiência, e de outros saberes
científicos da formação continuada e do desenvolvimento profissional.
Proporcionar ao professor as condições para confrontar-se com a
construção de sua identidade é, enfim, uma maneira de aprofundar as reflexões
sobre sua formação docente; é captar em sua história de vida os anseios
produzidos; os projetos pressentidos; os saberes elaborados. É focar não apenas o
professor, seu discurso, mas sua realidade interpretada, tal como ocorreu no grupo
desta pesquisa.
Para Pimenta, essa tarefa de reconstrução permite e intensifica o processo
de mobilização dos saberes da experiência, uma vez que “uma identidade
profissional constrói-se, pois, com base na identificação social da profissão”; mas
constrói-se também “pelo significado que cada professor, como ator e autor, confere
à atividade docente em seu cotidiano com base em seus valores, seu modo de
situar-se no mundo, sua história de vida, suas representações, seus saberes, suas
angústias e seus anseios” (PIMENTA, 1997, p. 42).
A partir da formação inicial de cada uma de nós, e também em função da
cultura escolar, fomos levadas a acreditar que o professor tem a necessidade de
saber tudo. Contudo, diante do processo de formação desencadeado nesta
pesquisa, percebo um novo assumir-se como professora. São professoras com
saberes docentes variados e assumindo um não saber fazer diante do novo,
diferente, inovador. Não ignorando os saberes já constituídos, mas desejosas por
novos saberes, novas vivências.
66
Quando eu cheguei na escola parece que uniu assim, as necessidades, a
escola sentindo necessidade de mudança e eu também como educadora
sentia também que alguma coisa tinha que mudar. Só que eu não
compreendia na verdade o que precisava fazer (Professora Pérola).
Através desse processo, as professoras assumem que estão inseguras,
assumem que nunca fizeram assim. “Não se tinha idéia do todo, era uma grande
preocupação, se queria aprofundar realmente, se queria fazer o melhor que podia
(Professora Esmeralda). Assumem que querem aprender e crescer
profissionalmente, e assumem o não saber fazer e a fragilidade a qual não estavam
acostumadas, estavam conscientes de que tinham muito que aprender. Acredito ser
este um ponto de suma importância, pois pude observar que foi a partir daí, do
momento em que assumiram que não sabiam fazer, que começaram a haver as
transformações. Cada uma assumindo suas limitações, abertas a novos
conhecimentos.
É bem assim, quantas vezes a professora Rubi dizia para nós:
- Não vamos fazer assim, quem sabe assim, ou outros exemplos.
A gente não se importava de corrigir, estava receptiva (Professora
Esmeralda).
As professoras mostraram-se receptivas a questionamentos que vinham de
reflexões individuais ou das colegas que levantavam questões, as quais, em
situações anteriores, poderiam ficar nas entrelinhas. Saliento a importância dessa
atitude:
Como numa vez que a professora Rubi que entrou na minha sala.
Eu achava que a minha sala estava linda com cartazes até o teto. A
professora Rubi perguntou para mim:
- Tu não acha que a sala está muito poluída? Questionou:
67
- Esses cartazes estão sendo utilizados ou é para exposição? (Professora
Esmeralda).
Em situações anteriores, a professora com certeza ficaria arrasada com a
observação, acharia que seu trabalho não tinha o menor valor, sentir-se-ia
desvalorizada. Talvez, até quisesse desistir. Percebo que uma reação positiva foi
tomada pela professora diante da situação descrita. “Na hora, fiquei surpresa com a
colocação, mas, não magoada, logo comecei a pensar e me dei conta que ela tinha
toda a razão!(Professora Esmeralda).
A surpresa com a honestidade do questionamento foi a primeira reação.
Comentamos, depois, que foi a primeira vez que alguém chegou à sala de aula e
questionou francamente uma situação tão cotidiana. E não se tomou uma postura de
resistência. A reflexão foi o principal instrumento de mudança de comportamento.
A Rubi dizia assim:
- Tu fez isso e isso, tu não está acreditando que seu aluno vai aprender!
Mesmo me roendo por dentro eu aceitava, parava e pensava:
- Ela tinha toda a razão! Eu acho que isso foi fundamental, para nosso
crescimento (Professora Pérola).
No grupo, estabeleceu-se uma relação de confiança e respeito. Para
Maturana, o respeito é diferente da tolerância, porque a tolerância implica a negação
do outro, e o respeito implica fazer-se responsável pelas emoções frente ao outro
sem negá-lo. Para o autor, “respeitar-se o fato de representar diferentes opiniões
abre espaço para um diálogo frutífero, um intercâmbio bem sucedido” (2004, p. 58)
9
.
9
”se lê respeta, el hecho de representar distintas opiniones abre ala oportunidad de una conversasión
fructífera, un intercambio exitoso” (2004, p. 58).
68
Podíamos falar o que acreditávamos e estávamos abertas também a receber
a opinião das colegas, como na objetividade, entre parênteses, “encara-se a
cosmovisão do outro com respeito; se está disposto a escutá-lo, a interessar-se pela
sua realidade e aceitar a legitimidade fundamental deste (MATURANA, 2004, p.
59)
10
.
As vezes eu vinha para casa abalada, pensativa porque tinha que mudar
tal coisa... Mas, levantava a cabeça e ia em frente e percebia, logo após,
que eu estava indo pelo caminho errado... Era mesmo assim... (Professora
Esmeralda)
Com relação ao mesmo acontecimento, e também me referindo a outras
situações semelhantes que aconteceram, considero que as reações eram sempre de
receptividade. Mesmo que não houvesse concordância, debatia-se, refletia-se e era
aceita a opinião de cada uma, uma aceitação do que era comentado no grupo ou
dito diretamente em conversa individual, sem convencimentos, sem arrogância, sem
pressão, sem manipulação. Para Maturana:
A pressão sempre produz ressentimento. Quando quero manipular uma
pessoa provoco resistência: a manipulação significa utilizar a relação com o
outro de forma a sugerir-lhe que aquilo que lhe acontece a cada momento
lhe serve ou traz vantagens para si mesmo. Portanto, no fundo, manipular
significa enganar (MATURANA, 2004, pg. 64)
11
.
Como nos depoimentos:
10
“se enfrenta la cosmovisión del outro con respeto; se está dispuesto a escucharle, a interesarse por
su realidad y aceptar la legitimidad fundamental de esta (MATURANA, 2004, p. 59).
11
“La pressión siempre produce ressentimento. Cuando quiero manipular a una persona provoco
resistencia: la manipulación significa utilizar la relación con otro de una manera que le sugiere que lo
que sucede en cada momento le sirve o tiene ventajas para él. [...] Por lo tanto, en el fondo, manipular
significa engañar (MATURANA, 2004, p. 64).
69
Nós conversamos e aceitamos nossas limitações, sempre com vontade de
evoluir e não são todos iguais. Muitos colegas em situações como essa iam
pedir demissão ou chorar três dias sem parar [risos] (Professora Pérola).
Nós sofremos no início, mas, agora a gente vê que é muito fácil
(Professora Esmeralda).
Esse é um exemplo real de que todas as observações feitas eram bem
aceitas, refletidas, questionadas, discutidas muitas vezes, porém, sem demagogias
e enganações. Cada uma se posicionava diante da situação e chegava a sua
conclusão pessoal. Era permitido o equívoco. Nessa mesma perspectiva, Maturana
(2004) escreve:
Defendo o direito de cometer erros, o direito de mudar de opinião e o
direito de abandonar a sala em qualquer momento. Porque aquele que pode
cometer erros pode corrigir-se. Quem tem o direito de mudar de opinião,
pode refletir. É aquele que tem a possibilidade de levantar-se e ir embora, se
ficar, é por sua própria vontade (p. 63)
12
.
Cada professora podia ser autêntica no seu modo de pensar, como dizíamos
“podemos falar o que pensamos e fazer todas as perguntas sem ter vergonha de
errar, ou nos enganar, nos equivocar.” Ninguém estava ali para julgar nem ser
julgado, e sim com o propósito de um crescimento profissional efetivo.
Também para nossa alegria, a professora Rubi dava muito incentivo para
nós, a gente achava que aquilo que a gente estava fazendo não estava de
acordo. E às vezes ficava impressionada, e ela olhava aqueles trabalhos e
dizia que estavam ótimos. Incentivava cada vez mais, dizendo:
- Os alunos estão super bem, e aquela coisa (Professora Esmeralda).
Os saberes necessários ao ensino são reelaborados e construídos pelas
professoras “em confronto com suas experiências práticas, cotidianamente
12
Defiendo el derecho a cometer errores, el derecho a cambiar de opinión, y el derecho a abandonar
la sala en cualquier momento.Porque el que puede cometer errores puede corregir-se. El que tiene
derecho a cambiar de opinión puede reflexionar. Y el que tiene la posibilidad de levantarse e irse, si
se queda, es por su propia voluntad (MATURANA, 2004, p. 63).
70
vivenciadas nos contextos escolares” (PIMENTA, 1997, p. 29). E, nesse confronto,
há um processo coletivo de troca de experiências entre os pares, o que permite que
as professoras, a partir de uma reflexão na prática e sobre a prática, possam
constituir seus saberes necessários ao ensino.
Eu lembro quando eu entrei na escola. Uma coisa que me marcou muito é
que os cadernos tinham que ser muito “bonitos” [risos] Quando eu fiz uma
matriz, uma colega, ela comentou que a diretora perguntou:
- De quem é essa letra tão bonita? Tão perfeita, com os movimentos tão
perfeitos, bem desenhada?
Eu pensei:
- Meu favor!
É claro que na época era a maneira de trabalhar. Mas, hoje a gente faz
bem diferente, como muda o pensamento da gente! (Professora
Esmeralda)
Se as professoras fossem questionadas sobre muitas práticas realizadas na
escola, sobre o porquê da realização dessas tarefas, talvez muitas delas não
soubessem dizer a resposta. São práticas incorporadas ao cotidiano escolar, que se
repetem sem reflexão e perpetuam-se há décadas, como, por exemplo, a anotação
da data no caderno dos alunos, acompanhada do ajudante do dia, a temperatura do
dia entre outros itens. Também, a ordem das salas, as classes em filas, que quando
chegamos à sala se encontram sempre assim. A ênfase à utilização da letra cursiva
e, muitas vezes, até o movimento de execução, as festas, as datas comemorativas,
entre outros exemplos que poderiam ser citados. Essa homogeneização do cotidiano
implica o cumprimento de regras e ritos que condicionam diretamente a elaboração
de projetos de transformação educativa.
Eu lembro que nos nossos encontros quando a gente se encontrava pra
falar dos alunos pra gente, vinha aquela ansiedade para saber se a gente
estava fazendo certo. Ver como é que estava, meu Deus do céu! [silêncio]
Essa nossa ansiedade naqueles primeiros momentos, né? Queria saber se
estava fazendo certo (Professora Esmeralda).
71
Fazer “certo”, muitas vezes, significa cumprir um ritual pré-determinado na
cultura escolar que ignora o fato de que o professor, se é sujeito de um fazer, é
também sujeito de um pensar. Não é mero executor de técnicas ou tarefas impostas
normativa ou acriticamente; Como denuncia Nóvoa (1994, p. 6): "A lógica da
racionalidade técnica opõe-se sempre ao desenvolvimento de uma práxis reflexiva".
“O que eu não esqueço do início é a preocupação com a aula de amanhã: - O que
eu vou dar?” (Professora Esmeralda).
O planejamento do dia seguinte era uma dúvida constante nos primeiros
meses do processo. A cada encontro, surgia a ansiedade diante do não saber. A
expressão tão comum “dar aula” ainda aparece. Posteriormente, começam a usar
termos como “trabalhar com eles”, “proporcionar”, “pesquisar com eles”. O modo de
falar das professoras desvela a mudança de pensamento com relação ao ato
educativo. “Não podemos falar de nada externo a nosso viver e conviver, porque
tudo o que falamos surge nas relações de conexão entre o fazer e as emoções no
nosso conviver no linguagear (MATURANA, 2004, p. 13)
13
.
No caso, sempre o planejamento era uma incerteza, a gente procurava
fazer sempre juntas. Cada uma fazia um pouco, a gente se trocava, isso
são coisas assim...
É muito bom quando tu tem alguém, quando tu tem um grupo com que tu
pode dividir, pode contar, que tu pode dizer:
-Tu faz isso, eu faço aquilo, e em outro dia aparece a coisa feita sabe
(Professora Esmeralda).
13
“No podemos hablar de nada externo a nuestro vivir y convivir, porque todo que lo hablamos surge
en las coordinaciones de coordinaciones de haceres y emociones en nuestro convivir en el linguajear
(2004, p. 13).
72
O planejamento realizado em grupo proporciona às professoras mais
segurança por não estarem sozinhas e poderem dividir tarefas e idéias. Faz-se
presente o comprometimento de todas, a responsabilidade em dividir as tarefas.
Parece que tu pode, que tu vai conseguir trabalhar, porque tem alguém que
realmente fez a sua parte, porque, muitas vezes em outra situações, é
complicado o grupo todo não tem esse querer, né? Senão, isso vai ficando
pesado, então, tu tem que meio que se virar sozinha, né? Se tu quer fazer,
tu tem que fazer tudo sozinha, se dedicar horas do dia depois do
expediente pra fazer as coisas que tu quer (Professora Esmeralda).
Reconstruir um referencial pedagógico que dê suporte a uma nova prática
profissional é um processo que requer rupturas.
No início o maior medo que a gente tinha era chegar o outro dia e não
saber o que fazer. Chegou ali, e agora? O que vamos fazer? Qual é o
próximo passo?É o medo que a gente tinha, ele [aluno] está assim e
agora? Era a primeira vez que se fazia assim... (Professora Diamante).
Assumir uma nova postura como professora, passando de transmissora do
conhecimento para mediadora da construção de um conhecimento culturalmente
construído e compartilhado; adotar uma nova metodologia envolvendo um novo
instrumento cultural; criar formas diferentes de trabalhar os conteúdos, formas que
privilegiem os aspectos cognitivos, são fatores que determinam a (re)significação
das práticas educativas instituídas. Mas esse é um processo que implica troca de
experiências.
Para planejar, a gente se reunia e cada uma colocava para as outras suas
necessidades, dificuldades. Ficava dizendo:
-Bah! Na minha turma está acontecendo isto!!! Daí a outra falava o que
tinha lido lá em determinado livro, ou tinha conversado com alguém, olha é
assim. Então, uma ia tentando esclarecer uma a outra e daí a gente ia
planejando pra trazer mais (Professora Pérola).
73
As professoras aprendentes
14
, que se abriram ao diálogo e à crítica,
compartilhavam os questionamentos e as incertezas, num processo que
possibilitava refletir sobre as suas práticas, sobre as idas e vindas, sobre os avanços
e recuos, consolidando, assim, os saberes que emergem da prática.
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de
conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de
reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de
uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar
um estatuto ao saber da experiência (NÓVOA, 1995b, p.25).
Como no depoimento seguinte:
A partir do momento que eu me coloco como aprendente, ele também vai
aprender, até mais rápido. Se eu estou lá na frente, eu sei tudo, vocês
quietinhos ali copiem. Qual é o tipo de relação que tem?O professor deve
assumir também suas fraquezas, o professor é humano também e também
erra (Professora Pérola).
Colocar-se como aprendente não significa que não haja uma anterioridade
de saberes e experiências acumuladas pelo professor, e sim que este se coloca
numa relação dialógica com o aluno, tecendo saberes em redes de experiências nas
quais a construção de conhecimentos, pelo aluno, expõe e amplia a experiência
pedagógica do professor. As certezas, a maneira correta de proceder e as receitas
vão cedendo lugar à incerteza, aos dilemas, às diferenças e à necessidade de
soluções singulares. A crença na racionalidade teórico/técnica, nessa circunstância,
suponho não mais ser unanimidade.
Para exercer a função de professora a gente tem que saber que estamos
ali para aprender. A gente ensina e ao mesmo tempo está ali para aprender
com os alunos. Com aqueles que vão, que tem um tempo maior, um tempo
14
Esclareço que quando me refiro às professoras como aprendentes, essa idéia precisa ser
entendida como cada uma assumindo o seu papel, o seu lugar. A professora aprendendo um novo
fazer pedagógico e o aluno aprendendo os conteúdos de uma forma mais dinâmica e produtiva.
74
menor, então, tu analisa estas questões, tu aprende com eles ao mesmo
tempo que ensina (Professora Esmeralda).
O lugar onde o professor constrói respostas para os desafios impostos pela
prática, aos poucos vai sendo explorado, desdobrado e ampliado.
Eu junto com os alunos cada um no seu papel, é uma mudança no
posicionamento. A gente se sente muito mais segura no momento que eu
me coloco como aprendiz. Eu me sinto mais segura para qualquer coisa
que vou fazer com relação a minha profissão. Tu te sente outra, porque tu
te coloca como aprendente e passível de erros e acertos crescendo junto.
Isto é básico para o professor, uma postura diferente diante de si
(Professora Esmeralda).
Aliviar-se do peso da infalibilidade e assumir o fazer pedagógico como um
processo de formação permanente parece conferir mais segurança e tranqüilidade
às professoras. Elas tomam decisões, processam informações, atribuem sentidos
fundamentados no que conhecem e sabem; sua subjetividade é composta por uma
mescla de teorias, vivências, crenças e valores.
Não dá pra voltar atrás, deve estudar, ler, buscar e tenho certeza que neste
ano vão surgir novos desafios, que o que eu fiz no ano passado não vai
valer para este ano, algumas coisas sim, mas, eu sei que eu vou começar
tudo de novo e a expectativa é grande porque os desafios, eles surgem,
eles fazem parte, mas, a gente sempre está otimista pensando que vai
desenvolver um trabalho cada vez melhor (Professora Pérola).
Uma nova concepção de professor aprendiz parece emergir, numa
perspectiva de ser profissional/sujeito que se produz na singularidade do seu fazer,
como indica Pacheco:
Digamos que o modo como cada professor enfrenta uma situação
didáctica depende muito de sua individualidade psicológica, a partir da
qual a interpreta e lhe atribui significados, e dos momentos de decisão
em que se enquadra (1995, p.51).
75
Colocar-se como aprendente significa, ainda, reconhecer a dinâmica da
formação e a necessidade de investimento constante na própria aprendizagem.
No primeiro ano, quando eu comecei a fazer a pós-graduação, a sensação
que eu tinha era a mesma que o meu aluno tem. Eu como professora e ele
como aluno. E no ano passado que eu não tinha mais aquela obrigação de
ler, deixei a leitura de lado, e eu acho que isto me angustiou muito. De
repente, eu deixei o meu aprender. E eu o que eu estou lendo eu estou
cobrando deles, mas e eu? E a minha postura? Isso aí foi a pior coisa para
mim, me dar conta que eu não estava me aprofundando e estava cobrando
deles. Hoje consigo perceber isso bem claramente. Mudei minha postura
em relação a isso, mesmo nas férias, busco alguma coisa para ler, comprar
um livro, uma revista. Assumir a postura de ler, mesmo que para lazer.
Aprender junto com eles eu como professora é claro. Cada um no seu
papel. Eu acho que é muito importante o professor deve se sentir parceiro
do aluno na caminhada (Professora Esmeralda).
Essa aprendizagem que emana da experiência pedagógica individual de
cada professora é traduzida ao coletivo para ampliar-se na diversidade que ali se
compõe. Na diversidade, torna-se mais difícil encontrar as “verdades indiscutíveis” e
mais fácil fugir do dogmatismo que acaba impedindo a reflexão sistemática do tema
em questão. No processo autônomo de formação continuada, a experiência era o
centro e o ponto de partida, conforme Dominicé:
Devolver à experiência o lugar que merece, a aprendizagem dos
conhecimentos necessários à experiência (pessoal, social e profissional)
passa pela constatação de que o sujeito constrói seu saber ativamente ao
longo do percurso. Ninguém se contenta em receber como se ele fosse
trazido do exterior pelos que detêm os seus segredos formais. A noção de
experiência, mobiliza uma pedagogia interativa e dialógica (DOMINICÉ, apud
NÓVOA, 1995b, p. 25).
Os saberes da experiência referem-se aos saberes produzidos pelos
professores no exercício da docência; brotam da experiência e são por ela
validados; podem manifestar-se como crenças explícitas, imagens, metáforas e
princípios de atuação.
76
Antes a professora dava o conteúdo, hoje o aluno participa desta
construção. O que enriqueceu muito a nossa prática é o professor ser
também aprendiz. Foi muito positivo! Agora vemos o aluno de forma
diferente, a gente consegue entender melhor o aluno, a gente aprende com
ele. Muitas coisas a gente aprende com ele, eles vêm as vezes com coisas
que a gente nem imagina, que eles iam fazer aquilo, se continuássemos
do mesmo jeito, jamais ia descobrir que o aluno é capaz (Professora
Diamante).
Nessa perspectiva, vale a pena lembrar Kohan e Larrosa (2002, p. 5),
quando afirmam que “a experiência, e não a verdade é o que dá sentido à educação.
Educamos para transformar o que sabemos, não para transmitir o sabido”.
Nesta posição que a gente está hoje, a gente vê o quanto é importante a
gente aprender, cada vez mais. A gente sente a necessidade de buscar
mais teoria para aliar a prática. Antes era uma coisa assim acomodada.
Eu... bom... Eu confesso, esse ano dava até para ocupar o mesmo diário. É
até uma vergonha dizer isto, mas, era praticamente as mesmas coisas,
aqueles mesmos livros. E hoje não, hoje a gente busca o que... [silêncio]
(Professora Pérola).
Segundo Tardif (2002) e Gauthier (1996), os saberes da experiência são
definidos como um conjunto de saberes atualizados, adquiridos e exigidos no âmbito
da prática profissional, constituindo, por assim dizer, a cultura docente em ação.
Uma cultura que, muitas vezes, ignorou a capacidade do aluno ou não o reconheceu
como sujeito e construtor de seu próprio saber.
Eu acho que neste sentido, foi muito bom, a gente pode ver o aluno de
forma diferente. Pode trabalhar de forma diferente, e a partir do que ele traz
e constrói. Olha que muitas vezes a gente ficava admirada! Mas, olha ele é
capaz de fazer isto!!! Antes a gente nunca iria imaginai ou dar espaço para
ele mostrar o que ele era capaz de fazer. Nem oportunizava, era tudo
limitado e fim de conversa. Agora a gente vê ele de forma diferente, vê o
quanto ele é capaz, a gente cresce com isto também. Professor hoje para
mim é o orientador, aquele que se coloca no nível dos alunos, companheiro
deles, ao lado deles auxiliando, descobrindo coisas com o aluno,
mediando. O aluno a gente deve valorizar, chegar no nível deles, o quanto
as vezes a gente deixava eles para trás hoje se investe desafia a gente ver
o aluno desta maneira, como construtor de sua aprendizagem. Hoje a
gente procura ignorar o rótulo, pobreza, problema neurológico ou é de
família, evitar aquela desculpa porque ele não aprende. Sempre a culpa
era do aluno, a família, o professor estava ali para o aluno aprender.
77
- O problema era dele, agora... [silêncio] (Professora Diamante).
Porém, complementam os autores citados, os saberes da experiência não
constituem um grupo de saberes entre outros, mas o próprio centro de gravidade da
competência profissional dos docentes, pois são formados de todos os outros
saberes e retraduzidos e submetidos às certezas originadas da prática e da vivência
no contexto real profissional. O saber da experiência também é um saber plural.
Antes era dentro de um limite. Não tinha um avanço dos alunos, a gente
que programava o que eles iam aprender. Agora não, a gente dá a
liberdade para ele construir sua aprendizagem. A todo momento a gente
está desafiando eles, a gente trabalha mais como um auxiliar, um
mediador. A gente acompanha o que os alunos fazem, sempre desafiando.
Eu acredito que o aluno que constrói, a gente está ali, como incentivador,
desafiador, porque tem muitos alunos que se negam a aprender e a gente
está ali para mostrar que ele é capaz, que ele tem condições.
Eu acho assim, que não é o erro que a gente vê agora. Quando a gente
trabalhava antes, era se não escreveu ortograficamente, se corrigia. Hoje
não, hoje a gente vê a criança construir a partir do trabalho que ela tá
fazendo. Depois a gente vai corrigir. Mas, não como certo e errado. Como
instrumento para ver porque ele está errando, como ele está pensando,
porque ele está escrevendo assim. A gente coloca desafios, mas, é assim,
a gente não diz que está errado, a gente faz ele pensar. Porque ele não
está construindo, ele tem de ver que alguma coisa ele deve fazer
(Professora Diamante).
Esta fala revela a pluralidade de saberes profissionais que estão implicados
na mudança de atitude do professor. O que caracteriza o saber da experiência ou
‘saber prático’ é o fato de se originar da prática cotidiana da profissão, sendo por ela
validado. Tardif, Lessard e Lahaye (1991, p. 227) afirmam que “para os professores,
os saberes adquiridos através da experiência profissional constituem os
fundamentos de sua competência, pois é através deles que os professores julgam
sua formação anterior ou sua formação ao longo da carreira”. “É engraçado, a gente
lembrar como eu fazia antes, parece que mudou tanto que até esqueci como é que
eu fazia antes” (Professora Esmeralda). Dessa forma, é importante que os cursos de
78
formação conheçam os saberes da prática ou da experiência dos professores, pois
eles fornecerão as pistas necessárias para entender como as professoras produzem
o contexto de seu trabalho pedagógico.
Antes, a gente no caso, chegava na sala de aula colocava aquelas
questões. Se o aluno aprendia, aprendia. Se não aprendia ficava por isso
mesmo. Tu seguia adiante e às vezes dava uma desculpa para o aluno por
ele não aprender ou achava alguma coisa. E hoje não, hoje, eu acho que a
gente vê como é que eu vou dizer, a gente vê com outro olhar esse não
saber dele. É esse saber que tem que tá dentro da gente, sempre lendo
buscando alguma coisa de teoria pra na prática fazer aquele confronto que
não é sempre aquilo que tá no papel. Às vezes, a realidade é diferente...
(Professora Esmeralda).
A mudança de atitude da professora diante das dificuldades de
aprendizagem do aluno é marcada pela relação teoria/prática que leva a uma
mudança do foco de seu fazer pedagógico, antes centrado no currículo, para o aluno
concreto e não idealizado. Therrien (1995) salienta o quanto os estudos sobre a
formação do professor ainda persistem numa dissociação entre a formação e a
prática cotidiana, não enfatizando a questão dos saberes que são mobilizados na
prática, ou seja, os saberes da experiência.
Hoje a gente já mudou, a gente já conversa com os pais, coloca da atenção
que precisa, o que realmente está acontecendo em que nível ele está. Mas,
sempre colocando uma questão:- Que a gente acredita na criança e que a
criança é capaz, que os pais têm muito isso assim. Tu coloca uma coisa
negativa e eles já vão...(silêncio) Então, a gente sempre coloca o lado
positivo, o bom. Neste ano que passou, deu para perceber bem claramente
a questão da criança se acreditar, principalmente aqueles que vinham
repetentes, dois três anos na primeira série. Então, assim fazer com que
esta criança acredite que é capaz, foi um desafio assim muito grande. Foi
não diria difícil, mas a gente teve que se empenhar muito, até o momento
dele acreditar que ele era capaz, valorizando aquilo que ele já sabia. Eu
como profissional acreditar nele, apostar nele (Professora Pérola).
Mudar o foco de ação pedagógica do conteúdo, ou do currículo, para o
aluno, acreditando nas possibilidades deste como sujeito de aprendizagem, foi uma
79
conseqüência do processo de formação continuada produzido no grupo. São
saberes transformados que passam a integrar a identidade das professoras,
constituindo-se em elemento fundamental nas práticas e decisões pedagógicas,
sendo, assim, caracterizados como um saber original. Essa pluralidade de
conhecimentos que envolve os saberes da experiência é tida , por Therrien (1995),
como central na competência profissional e é oriunda do cotidiano e do meio
vivenciados pelo professor. Segundo o autor,
Esses saberes da experiência que se caracterizam por serem originados
na prática cotidiana da profissão, sendo validados pela mesma, podem
refletir tanto a dimensão da razão instrumental que implica num saber-fazer
ou saber-agir tais como habilidades e técnicas que orientam a postura do
sujeito, como a dimensão da razão interativa que permite supor, julgar,
decidir, modificar e adaptar de acordo com os condicionamentos de
situações complexas... (THERRIEN, 1995, p. 3).
A prática pedagógica das professoras é tomada como mobilizadora de
saberes profissionais, considerando que, em suas trajetórias, constroem e
reconstroem seus conhecimentos conforme a necessidade de utilização dos
mesmos, suas experiências, seus percursos formativos e profissionais. Corroboram
essa compreensão Tardif, Lessard e Lahaye:
os saberes adquiridos através da experiência profissional constituem os
fundamentos de sua competência. É a partir deles que julgam sua
formação anterior ou sua formação ao longo da carreira. È igualmente a
partir deles que julgam a pertinência ou realismo das reformas
introduzidas nos programas ou métodos. Enfim, é ainda a partir dos
saberes da experiência que o(a)s professore(a)s concebem os modelos
de excelência profissional no interior da profissão (1991, p. 227).
Pesquisadores em educação vêm investigando o caráter formativo da
experiência. Larrosa (1996), por exemplo, tem explorado essa questão distinguindo-
a da experimentação, pois, ao passo que a primeira é imprescritível, irrepetível, a
80
segunda é, ao contrário, prescritível, repetível e controlada empiricamente. “No
início, a gente sentia muita angústia, apesar das leituras, nos encontros a gente fica
angustiada, sempre precisa de alguém, alguma pessoa que apóie para ti saber fazer
o que fazer depois” (Professora Diamante).
Segundo Tardif, é a partir do saber da experiência que as professoras
estabelecem uma relação crítica com os saberes das disciplinas e com os saberes
da pedagogia, transformando “suas relações de exterioridade com os saberes em
relações de interioridade com sua própria prática” (1991, p. 232). Nessa operação,
os demais saberes são por elas avaliados, selecionados, incorporados à prática
cotidiana e retraduzidos para a linguagem própria do grupo.
É importante mesmo essa troca de idéias, a teoria e a prática e um grupo
que me dê força, antes eu me sentia muito sozinha, né? Parece assim,
que era eu ali e tinha no caso o apoio da coordenação, mas, a gente não
conseguia, não sabia como fazer bem (Professora Esmeralda).
É importante destacar que, mesmo o planejamento sendo realizado em
grupo, cada professora se utilizava dele a seu modo. Por essa razão, percebe-se
que a autonomia não é uma capacidade individual que depende apenas de
mecanismos intrínsecos à pessoa, ela se constrói no processo, nas situações
sociais a partir das quais as pessoas se conduzem (CONTRERAS, 2002).
2.4 O coletivo produz redes de conversação como modo de produção, ponto
de segurança e sustentação do processo de formação.
Para que o processo descrito neste trabalho se efetivasse, tivemos a
necessidade de tempo para os encontros de estudo. Em grupo, foi decidido que uma
81
tarde por semana seria destinada para os encontros de estudos na Instituição de
Ensino Superior ou na escola, para planejamento, para atendimento individualizado,
troca de idéias e debates teóricos. Quando se acredita e se ama o que se faz,
conseguem-se alternativas para facilitar o trabalho. O apoio institucional pode,
então, ser conquistado como uma conseqüência da vontade coletiva, como ocorreu
com este grupo.
O apoio da escola quando a gente resolveu mudar foi muito importante,
também, porque a gente precisava se reunir constantemente durante as
tardes. A escola neste sentido nos apoiou bastante principalmente no
primeiro ano que a gente tava mais angustiada, precisando conversar mais,
né? (Professora Esmeralda).
Sem o apoio da coordenação principalmente, porque foi graças ao apoio da
coordenação. Porque se a coordenação não nos apóia não toma, assim, a
frente e diz:
-Vamos lá, vamos fazer!!!! Também nós não tínhamos conseguido
(Professora Pérola).
Como se apresenta nas narrativas das professoras, o apoio da escola e da
equipe diretiva foi primordial para que se efetivasse esse processo. Contudo, nem
sempre se conseguiu espaço para os encontros e discussões dentro do horário
escolar. Mesmo assim, foi imprescindível o espaço que a escola ofereceu para essa
prática, bem como o incentivo e apoio às reuniões do grupo.
Então, a escola realmente através da coordenação, da direção, nos abriu
as portas, nos deixou assim... Tudo que a gente pedia, a gente conseguia.
Para as reuniões a gente conseguia professores, psicólogos pra gente
sentar e conversar as nossas angústias, então, essa parte foi muito
importante a participação da escola, por mais que muitas vezes a escola
como um todo não estava envolvida, porque praticamente éramos um
grupo pequeno que queria realmente participar ( Professora Diamante).
A escola pode abrir espaços para novas práticas. A partir do diálogo, das
argumentações, podem surgir várias maneiras de proporcionar aos professores o
82
incentivo. Cabe destacar também que o grupo conquistou seu espaço e não ficou
esperando demandas externas, as professoras mesmas se organizaram e buscaram
essa oportunidade.
A gente sentiu assim, que foi muito bom, se a escola não tivesse as
pessoas para nos ajudar a ficar na sala de aula, conseguir essas pessoas
para atender os nossos alunos. Assim, semanalmente a gente não teria
tanta força de continuar essa mudança. É claro que com o tempo, a gente
foi se sentindo mais segura na sala de aula (Professora Pérola).
Desse modo, as professoras foram, também, construindo autonomia, como
expressa a professora Rubi:
Eu acho que houve num certo momento, no início que era muita demanda
de mim, né! Mas houve um certo momento em que isso já mudou! Hoje as
aprendizagens ocorrem todo mundo interferindo, né! Todo mundo tá
trazendo o que tá aprendendo!
Começaram os encontros, de forma tímida, costurando, em redes de
conversação, as experiências particulares que, aos poucos, foram se constituindo
em propostas amplas e inovadoras.
Foi então que começaram acontecer as reuniões. Através de leituras e nas
reuniões, nas conversas, no diálogo, com as experiências, que uma tinha,
a outra tinha, a gente foi aprendendo. Então, através das reuniões, a gente
tinha muita insegurança porque a gente estava mudando a proposta, só
que havia uma insegurança muito grande até porque dentro da escola
sempre se trabalhou de forma mais tradicional, e era uma coisa nova
(Professora Pérola).
Apesar desses encontros, foram necessários outros fora do horário escolar.
Tudo isso aconteceu de forma espontânea, natural, sem nenhum esquema de
compensação financeira ou de horário de trabalho, e de comum acordo entre o
grupo, que sentia necessidade de manter encontros e de, mutuamente, apoiar-se.
83
Se tu tem um grupo, a gente faz com muito mais tranqüilidade, a gente se
reúne fora do horário, mas, essas reuniões no caso não ficam pesadas
nem cansativas, porque ali no caso, troca idéias, tá interessado no assunto,
quer conversar, né? Então, isso é coisa muito boa de acontecer, a gente
vai e participa com prazer... (Professora Esmeralda).
Saliento aqui a necessidade que o grupo tinha de conversar. Encontrar-se
tornou-se uma prática cotidiana, e mesmo eventualmente ocorrendo fora do horário
de trabalho não gerava nenhuma tensão, pelo contrário, produzia uma sensação de
bem estar e acolhimento.
Como no meu caso, nestes dias eu estava angustiada porque eu não
conseguia trabalhar os grupos com meus alunos, estava sendo difícil, eles
não queriam trabalhar nos grupos, gerava muito conflito. Conversando com
as colegas, mesmo que não foi um encontro assim, eu já consegui muitas
coisas com eles. Então, é muito importante as reuniões para trocar idéias
com os colegas. E surgiam várias idéias, depois fiquei pensando, como é
que eu não tinha percebido isso... Às vezes a gente pensa que o problema
é só na minha sala e conversando a gente vê que as outras também têm. É
muito importante parar e trocar idéias... (Professora Diamante).
O coletivo ampliava-se para além do grupo restrito, pois, durante as
tardes de reunião, os alunos eram atendidos por alunas do curso de magistério,
conhecidas da comunidade escolar. Estas eram sempre as mesmas, para
estabelecer vínculos com os alunos. O planejamento era feito pelas professoras,
pois sempre houve uma grande preocupação com a qualidade do atendimento aos
alunos. Então, as professoras estavam na escola estudando, refletindo e planejando,
enquanto os alunos eram bem atendidos na sala de aula. As estagiárias também se
beneficiavam da experiência coletiva, incorporando-a à sua formação.
Toda a semana fizemos reuniões, uma vez por semana tinha uma
estagiária que dava aula para nós, pra nós poder nos reunir e também
prestar atendimento individual para os alunos (Professora Diamante).
84
As professoras, na escola, conseguiram estabelecer uma atmosfera de
respeito mútuo, na qual as divergências foram acolhidas.
Se não fosse esses encontros talvez a gente poderia ter desistido. O apoio
psicológico de confiança. Com a professora Rubi, era um apoio de alguém
que se podia confiar, contava suas vivências e quando você acredita na
pessoa fica sendo muito mais fácil (Professora Esmeralda).
As visões distintas são confrontadas; desacordos, compreendidos e
soluções comuns, buscadas. Pode-se dizer que, de fato, a interação social do grupo
é não só formativa, como também constitutiva de um novo saber e de uma nova
forma de relacionamento inter-pessoal. Para Maturana:
Quando estamos em interações recorrentes na convivência, mudanças de
maneira congruente com nossa circunstância, com o meio, e num sentido
estrito nada é obra do acaso, porque tudo nos ocorre num presente
interconectado que vai gerando continuamente como uma transformação
do espaço em congruências a que pertencemos (2002 p. 64).
Nóvoa (2001) salienta que equipes de trabalho são fundamentais para
estimular o debate e a reflexão. Elas é que consolidam sistemas de ação coletiva no
seio do professorado, o que exige a construção de uma cultura de cooperação muito
maior do que adesões ou ações individuais. Dessa forma, a articulação teoria e
prática só funciona se todos se sentirem responsáveis por facilitar a relação entre as
aprendizagens teóricas e as vivências e observações práticas.
Antes não era assim, eu via assim. Cada uma tinha sua turma. Era uma
competição, eu vou aqui e não conto o que faço, porque a minha turma é
melhor do que a dela... Hoje não tem mais isso, isso que é mais
maravilhoso de tudo! A gente está junto, a gente se assume, se deve...
[silêncio]. Hoje eu tenho tempo eu posso atender os alunos da Professora
Esmeralda, eu vou atender os alunos da Professora Esmeralda. Num
determinado momento, eu posso precisar sair da sala, sem dúvida a
Professora Esmeralda atende para mim. O que é mais interessante é que
às vezes a outra professora enxerga uma coisa que eu não enxergava. Ou,
85
eu enxergo uma coisa que a outra colega ainda não enxergou (Professora
Pérola)
Essa identidade constitutiva, expressa no depoimento da professora Pérola,
reflete a congruência circunstancial a que se refere Maturana; e essa constituição de
identidade congruente requer, por parte das professoras envolvidas, uma atitude
permanente e sistemática de reflexão, sendo decisiva nesse processo a capacidade
de inovar, de negociar e de regular a prática (SCHÖN, 1997). A prática reflexiva
passa por uma análise coletiva sobre a experiência, favorecendo a construção de
novos saberes e a ressignificação dos saberes já construídos.
Sob o ponto de vista de Garcia (1997), a reflexão acerca da ação é
considerada um excelente instrumento de aprendizagem e de formação, permitindo,
de maneira flexível e aberta, a compreensão e a atuação na e para a realidade. Às
vezes, quando alguém nos pergunta algo, nos damos conta de que não temos
resposta. Nós nem sempre aceitamos as perguntas que nos são formuladas.
“Aceitar uma pergunta significa mergulhar-se na procura de sua resposta”
(MATURANA 1997, p. 11).
Os momentos de encontros que eram para dividir as angústias,
questionamentos, medos e poder discutir o que você pode fazer ou como
agir. Ah! [silêncio] Depois destes encontros a gente sai bem mais tranqüila.
A gente já tem alguma coisa para fazer. Sempre tu consegue alguma coisa
para fazer, colocar, para te acalmar, para fazer de diferente com os alunos
(Professora Diamante).
Na concepção de Nóvoa (1995a), esses momentos de formação estimulam
uma postura crítico-reflexiva, fornecendo aos educadores os meios para um
pensamento autônomo, o que facilita a dinâmica de autoformação participada.
Assim, acredito que, no processo de formação continuada e na dialogicidade do
86
grupo, estamos num grande laboratório pedagógico, pois, constantemente, fazemos
experiências e descobrimos práticas relevantes, oportunas e caminhos para
responder às nossas inquietações pedagógicas.
Uma coisa que foi muito importante são os encontros que temos para
trocar idéias, falar, trocar, dividir, somar. Muita teoria, muito já se evoluiu,
muito ainda vai se evoluir sobre a prática. A questão sobre o que se fazia e
o que se faz e vai se evoluir progressivamente, mas se não tivesse este
momento...[silêncio] Este momento proporcionou esta parada para refletir
sobre a nossa prática (Professora Esmeralda).
A nossa capacitação busca autônomia de reflexão sobre nossas práticas,
entremeia a cadeia formativa e contribui para subsidiar a construção da relação
teoria-práxis pedagógica e, conseqüentemente, a elaboração de práticas
metodológicas para a atuação na sala de aula.
São esses momentos que eu lembro, assim! Tu se reunia ansiosa, mas, ao
mesmo tempo tu saía daqueles encontros bem aliviada, né? Mais
tranqüilas, com uma luz para seguir no outro dia o que a gente deveria
fazer (Professora Esmeralda).
Tal processo só foi possível, na escola, a partir da reflexão sobre a prática
educativa, momento fundamental para o educador trocar, com o outro, seus
conhecimentos, experiências realizadas e o conhecimento sócio-histórico construído
na sua formação acadêmica e na experiência prática. Sobre isso, escreve Nóvoa
(1995a, p. 26): “a troca de saberes possibilita a formação mútua, nos quais cada
professor é chamado a vivenciar, simultaneamente, o papel de formador e
formando”. Altenfelder, por sua vez, aponta para a compreensão de que “a formação
continuada de professores deve se concentrar no trabalho docente e nas relações
que se estabelecem na escola, o que resgata o próprio espaço escolar como lócus
importante de formação continuada” (2004, p.151).
87
O trabalho coletivo foi, portanto, fundamental para que as educadoras
pudessem vencer os enormes desafios impostos pela realidade educacional. Desse
modo, esta experiência alerta sobre a necessidade de investirmos nas relações
inter-pessoais da equipe escolar, para que o trabalho coletivo ocorra numa
dimensão de formação continuada de docentes.
Daqui a pouco a gente tá num momento de uma interação tão grande, tão
intensa que tem coisas que... [silêncio]
Isso começou a acontecer também. A gente sempre achou a Diamante a
mais quieta e daqui a pouco a gente começou a perceber que é ela que
tem mais caminhada de sala de aula, a Diamante tem mais serenidade em
relação aos enfrentamentos do não saber [...] por ela ter mais experiência,
ela não ficava com tantas tristezas e angústias como a Esmeralda ficava. E
isso é um saber, né? Daqui a um pouco a Pérola veio com toda a
criatividade dela com essa coisa boa, essa energia com essa coisa que a
gente até se preocupa que ela coloca muita energia em tudo que ela faz,
né? Tem a Esmeralda com aquela ponderação, tem aquela coisa assim de
ponderar, botar o dedo onde tem que botar, então, aos poucos a gente
percebe essa diferença que uma complementa a outra (Professora Rubi).
Foi esse (re)conhecimento, essa aceitação e valorização do outro que tornou
possível a constituição de uma identidade do grupo, preservando a alteridade e
singularidade, cada uma com suas particularidades, seu jeito de ser, a interação
com respeito, sem competição e, sim, cooperação. Maturana (2002) afirma que a
relação com o outro implica a aceitação do outro como legítimo na convivência. A
relação fundada na negação, na obediência, no preconceito, sequer pode ser
considerada como relação social. Isso porque essas formas de proceder negam a
condição biológica de seres dependentes do amor e, assim, negam o outro como
legítimo outro na relação social. Quando ocorre essa negação, estamos diante da
competição. Esta é um fenômeno tipicamente humano, nela não existe convivência
sadia, pois a vitória de um implica a derrota, a negação, o aniquilamento do outro.
Por isso, entendo ser necessário superar a cultura do individualismo e da
88
competição para que possamos, enfim, aprender que somar saberes e experiências
agrega valor ao que fazemos; valores humanos de colaboração e amor.
Para Maturana, “a história evolutiva dos seres vivos não envolve
competição” (2002, p. 21); no âmbito biológico, a competição não acontece. Este é
um fenômeno cultural humano. Os seres vivos não humanos (animais, por exemplo)
não competem. Fluem entre si e com os outros em congruência recíproca.
Participam de um meio que inclui a presença do outro, ao invés de negá-lo. Entre os
humanos, para que um ganhe, é necessário que o outro perca. Esta é a diferença.
No âmbito humano, ao contrário, a competição se constitui
culturalmente, quando o outro não obter o que um obtém é fundamental
como modo de relação. A vitória é um fenômeno cultural que se constutui
na derrota do outro. A competição se ganha com o fracasso do outro, e se
constitui quando é culturalmente desejável que isso ocorra (MATURANA,
2002, p.21).
Para o autor, as ações humanas são movidas pela emoção; o humano se
constitui no entrelaçamento do emocional com o racional; e o amor é o fundamento
do social, é a emoção central da história evolutiva que só se efetiva com o social,
indispensável para o desenvolvimento, na aceitação do outro como legítimo na
relação. Sem a aceitação do outro na convivência, não há fenômeno social. O
processo de educar implica essa relação de aceitação do outro no domínio das
ações. A convivência com o outro torna, progressivamente, congruente o modo de
conviver uns com os outros, e isso dá à educação uma característica de
reciprocidade. A educação se constrói numa história de convivência, de forma que a
maneira como vivemos caracteriza o modo como educamos. Assim, a aceitação do
outro como legítimo na relação constitui uma garantia de que o outro irá aceitar-se a
si mesmo, respeitar-se, aceitar e respeitar o outro (Maturana, 2002).
89
É importante observar, como já foi mencionado anteriormente, a mudança
no discurso das professoras, o que revela a consistência das relações do grupo. Aos
poucos, o vocabulário foi mudando e as expressões “a gente fez”, “nós buscamos”
substituíram a linguagem individualista, caracterizando que o coletivo fazia parte do
cotidiano. As expressões “eu faço assim” foram se extinguindo naturalmente.
2.4.1 A universidade como aliada, parceira do processo.
Em face das funções que, tradicionalmente, lhes têm sido imputadas, as
universidades talvez sejam as instituições mais chamadas pela sociedade a
acompanhar as transformações da vida humana, ou seja, têm sido as principais
responsáveis pela “formação continuada” em todas as dimensões da vida em
sociedade. E não foi diferente na busca de apoio para a formação do grupo
pesquisado.
Quando as gurias chegaram em mim, eu não me lembro quando, acho que
foi em 2003, eu tava atordoada de tanto trabalho. Vieram duas coisas na
minha cabeça e pensei assim:
-Meu Deus do céu! Onde é que eu vou botar tempo/espaço pra receber
estas pessoas? né? E ao mesmo tempo pensei:
-São pessoas interessadas na mesma coisa que eu, no mesmo tema que
eu... A escrita que é o tema da minha vida! [...] Então, eu tinha que abrir um
tempo pra elas, pra vocês, né... (Professora Rubi).
No início eu fiquei meio desconfiada:
-O que elas querem? Será que é isso? Mas, eu acho que é bem aquilo que
tu dizia antes, aos poucos essa desconfiança toda foi morrendo, né?
Porque a gente via que as pessoas estavam querendo aprender
(Professora Rubi).
90
Percebe-se, nos depoimentos acima, que a professora demandada,
inicialmente, para uma assessoria, passa a integrar o grupo como um membro que
articula seus interesses pessoais aos das demais integrantes, tecendo a rede de
conversações interessadas entre universidade e escola em atitudes que resultam
em pesquisa e produção de conhecimentos de que ambos se beneficiam.
“No início eu vi a Pérola e a Diamante meio ainda... [silêncio] sem aquela
confiança de que aqueles dias seriam bons para elas, os olhos assim observando e
escutando muito, né?” (Professora Rubi). Sabia-se que, se elas não se implicassem
não teria efeito de grupo, poderiam querer desistir. “Então eu sabia que o grupo ia
morrer ou sobreviver. Eu não ia continuar com ele se eu visse que era só vontade
tua ou de outra colega. Era hora de grupo, então, foi uma aposta que a gente fez,
né?” (Professora Rubi).
A dispersão do grupo não aconteceu; pelo contrário, ele ficou coeso. E logo
a professora Pérola, que era nova na escola, começou a se mostrar, se abrir e hoje
é uma pessoa que fala e participa intensamente. A interlocução entre universidade e
escola não tardou a despertar conhecimentos e interesses de pesquisa.
Outra coisa que me veio agora. Eu não tinha pensado nisso, assim, porque
é uma coisa assim, que hoje eu sei que é muito importante nas ciências
cognitivas, atualmente discutem muito isso, né? Essa inseparabilidade
entre cognição, mente e a experiência vivida (Professora Rubi).
As instituições são representadas socialmente pelos seres humanos. Diante
disso, os professores atuantes nas instituições universitárias do nosso tempo
tornam-se agentes diretamente responsáveis pelo atendimento ao chamado das
91
escolas, contudo não se despojam de sua subjetividade e é como seres humanos
encarnados e singulares que passam a integrar grupos como este em estudo.
Uma coisa que eu nem sabia que seria possível, que a universidade ia
olhar para nós, que até quando a coordenação disse: - Vamos lá, vamos lá
para conversar com a Professora Rubi! Eu até pensei:
-Imagina que dentro da universidade alguém vai olhar para nós, vai querer
alguma coisa com nós. E muito pelo contrário, sem pagar nada, e teve
também o apoio logo após também das psicólogas, e com certeza se
precisarmos o apoio de outras áreas a gente sabe que pode contar
(Professora Pérola).
Como expresso na narrativa acima, houve momentos em que foram
necessários encontros com psicólogas, para esclarecimentos de atitudes que as
professoras poderiam ter com os alunos, para entender o porquê de algumas
situações que aconteciam com eles, para aprender o que se passa com algumas
crianças, e também, para as professoras terem acompanhamento específico para
elas. Contamos, então, com o apoio de duas psicólogas da Instituição de Ensino
Superior em alguns encontros na universidade e na escola.
As gurias começaram a dizer:
-Tal criança está sofrendo, está com problemas na aprendizagem, uma
colega, a Diamante se sentia culpada e chorava de preocupação com os
alunos que não evoluíam, se voltaram então para a psicologia (Professora
Rubi).
O encontro com as psicólogas foi muito importante. Eu acho que foi o que
me ajudou, assim que se abriu para mim, foi entender o meu aluno. Em
uma conversa foram poucas frases, uma tarde de conversa, poucas frases
delas [das psicólogas] fizeram eu perceber umas coisas que estavam
diante de mim e antes eu não percebia, foi muito importante! (Professora
Pérola).
Sabendo que as instituições são produtos das ações humanas, podemos
afirmar que, tanto a integração das universidades com a sociedade, quanto o nível
de inovação que delas esperamos, o qual deve caracterizá-las como instituições que
92
estão sempre à frente do seu tempo, dependem sobremaneira da atuação de um
dos seus segmentos mais importantes – os professores universitários.
Graças ao apoio da universidade, e o grupo de colegas que esteve junto
conosco, a gente esteve lá, aprendeu, construiu e continua crescendo. A
gente fez uma caminhada, e essa caminhada não foi fácil, até hoje a gente
tá colhendo, mas, a gente tem um propósito, uma certeza (Professora
Pérola).
Por sua vez, os professores e pesquisadores da universidade, apoiados em
políticas educacionais pertinentes, podem estar se apropriando permanentemente
do conhecimento produzido com vistas à sua objetivação nas funções de Ensino,
Pesquisa e Extensão, em consonância com as exigências sociais do hoje e do
amanhã.
Eu acho que sem o apoio da universidade, no início, a gente poderia até
tentar e iria errar muito. Não sei se a gente não iria desistir. Porque era
muita pressão, dentro da escola, era fora, os pais, os colegas. E assim, a
gente buscar e ler até a gente podia entender melhor, mas, a gente ter
aquela persistência de seguir em frente, não sei se teríamos. Era muita
pressão em cima de todas e aí apontando as nossas falhas, o que muitas
vezes aconteceu, né? A universidade dava o suporte que nós
precisávamos (Professora Pérola).
Como “lócus” da produção de conhecimento, a universidade torna-se a
âncora que traz a segurança ao fazer docente no âmbito da escola. Existe uma
tensão latente pelo que não se sabe e espera-se que o novo venha trazer a solução.
Existe o desejo pela socialização do conhecimento e sabe-se que o acúmulo de
informações ou conhecimentos faz a diferença entre grupos que se organizam na
escola. No entanto, muitas vezes, pouco tempo há para a pesquisa educacional,
para perguntar-se o que se sabe sobre as práticas docentes no interior de uma
escola de educação básica. Que diferença faz o conhecimento produzido no interior
da universidade para o contexto dessas práticas escolares?
93
É certo que a universidade tem o que oferecer e tendemos a acreditar que
as idéias e conhecimentos ali produzidos contribuirão para a transformação da
realidade. Isso é muito bom, no entanto, a produção do conhecimento se dá num
percurso que só tem sentido no contexto dessa produção, neste caso a escola e a
prática docente. O percurso dessa construção logicamente incorporará um saber já
construído, mas novos sentidos e significados deverão ser produzidos para que
idéias renasçam realmente em novos contextos. É assim que conseguimos adeptos
a elas.
A reflexão sobre essas questões torna-se fundamental para o debate sobre
os projetos de formação continuada de professores, porque elas tocam em pontos
nevrálgicos do fazer universitário. Tocam em valores construídos historicamente
relativos à relação entre ensino, pesquisa e extensão na universidade e tocam na
relação que estabelecemos com o próprio conhecimento por nós produzido. Existe
um lugar social de prestígio ocupado pela universidade e muitos a procuram em
função das suas possibilidades de oferecer respostas. No entanto, é imprescindível
lembrar que esse lugar social se constrói num campo de lutas entre concepções
relativas ao conhecimento, entre a relação educação – trabalho e teoria – prática.
Para Marques (2000):
Todas as instituições responsáveis pela educação devem ser envolvidas nos
processos da formação continuada do educador. Cumpre, no entanto, que
dediquemos aqui atenção especial às responsabilidades específicas da
universidade. Escola da educação do educador, à universidade não é apenas
o processo formativo formal. Deve a ele dar continuidade e propiciar-lhe as
rupturas exigidas pelo exercício da profissão na concretude das exigências
renovadas. Importa assuma como atribuição sua os estágios da formação
94
inicial como os da formação continuada dos educadores, mesmo porque não
poderia cumprir com uma das tarefas sem a outra (p. 209).
A formação dos profissionais de educação deve ser a base de qualquer
tentativa de construção de um projeto de educação. Na atividade prática, são
exigidos do professor conhecimentos e habilidades que, na maioria das vezes, não
são ensinados durante o curso da sua formação. Em um país onde a falta de
conteúdo na formação dos professores, de uma maneira geral, é uma realidade, faz-
se necessário criar formas de dar continuidade à formação; em cursos de “formação
continuada”, que podem ser desenvolvidos com pequena, média e longa duração.
Na maioria das vezes, eles são realizados em parceria com o sistema educacional,
em ações de políticas governamentais, nas quais a universidade é chamada a atuar.
Como processos de formação, essas ações devem ser analisadas, principalmente
no que diz respeito a mudanças de comportamento na prática docente, por eles
provocadas. Sobre isso, Marques assevera que:
Trabalhar com os profissionais deles egressos é assim, exigência do bom
desempenho dos cursos que na universidade os preparam. Mas, uma
exigência que, por sua vez, somente se cumpre assumida nas múltiplas
formas e situações, nos tempos e lugares diversos, da formação
continuada (2000, p.210).
A idéia de formação continuada em questão contém o desafio de inserir a
universidade no processo permanente de qualificação do professor, assim como o
de garantir novos sentidos ao compromisso assumido, rejeitando a racionalidade
técnica da qual a universidade, muitas vezes, torna-se refém. E, ao mesmo tempo,
procurando uma forma de trabalho na formação docente que conduza os envolvidos
à independência e que mesmo assim lhes ofereça a retaguarda para os passos
iniciais da ação transformadora que assumem como inevitável.
95
E esse apoio que a gente teve da universidade, quando a gente começou a
nossa prática, a mudança da nossa prática, foi muito bom, muito
importante, pelo menos para mim, a gente buscou leituras, pelo menos,
assim, que vinham sustentar a nossa prática no dia-a-dia é claro, que além
do apoio, das conversas que a gente se reunia no grupo e tentava uma
colocar sua experiência e tentava ajudar no que podia uma com a outra
(Professora Esmeralda).
Primeiro lugar, diante da insegurança inicial, se tinha o apoio da academia.
Diante da ousadia, foi um ponto importante. Mesmo a gente tendo vontade,
talvez sozinhas a gente não ia ir adiante. Assim, a gente tinha a
credibilidade o apoio de uma universidade (Professora Pérola).
Também da parte dos pais houve boa aceitação do trabalho que estava
sendo realizado. Eles foram informados, em reuniões, sobre o processo que se
iniciava e que tinha toda uma preparação teórica amparada pela universidade.
Mesmo assim, houve pais que vinham e perguntavam:
Porque iríamos mudar, se, na época deles se enchia linha de palavras até
escrever certo? Se na época deles se ficava de castigo de joelho nos
milhos para aprender a respeitar a professora? (Professora Diamante).
Foram muito importantes os diálogos com os pais, os quais têm uma
tradição escolar muito presente. A partir desses diálogos, muitos passaram a
compreender que pode haver outras maneiras de construir conhecimentos. A
presença da universidade conferia credibilidade ao processo e ajudava as
professoras e os pais no entendimento das dificuldades que surgiam na
aprendizagem de alguns alunos.
E até diante dos pais, a direção da escola, em tudo, foi uma coisa
importante até a presença de uma pessoa da universidade dentro da
escola demonstrou assim que os pais ficaram mais confiantes (Professora
Pérola).
96
Porque até em uma reunião a mãe da Sabrina [aluna] ficou ali conversando
com a Professora Rubi. Era um caso de uma menina que não evoluía,
então, assim muito positivo, foi nosso guia. E depois a gente começou a se
sentir mais seguras, hoje a gente já está caminhando mais com as nossas
pernas, mas, eu acho assim, que sempre vai ter a necessidade. Vai ser
sempre importante este espaço. De crescimento para ambos os lados
universidade e escola (Professora Pérola).
Se a presença da universidade conferia segurança ao grupo e facilitava,
junto aos pais, os argumentos em favor da mudança, a interação provocada no
processo fazia-se laboratório para a universidade, campo fértil para a pesquisa.
Eu pensei, será que vai ser interessante ir lá na escola fazer encontros e
coisa e tal? Digo bá! Né? E é importante sim, né? Até no sentido de dar
respaldo e sustentação a aquilo que as gurias estavam aprendendo
(Professora Rubi).
Nóvoa (2001) considera que a escola precisa mudar institucionalmente, pois
o contexto em que exercemos nossa atividade influencia fortemente o nosso
desenvolvimento pessoal e profissional. Por isso, sugere que o professor veja a
escola não só como o lugar onde ele ensina, mas onde aprende. Considera que a
atualização e a produção de novas práticas de ensino só surgem de uma reflexão
partilhada entre os colegas, que tem lugar na escola e nasce do esforço de
encontrar respostas para problemas educativos.
Vou ser bem sincera! No início para mim era só mais um trabalho [...] e aos
poucos isso que era mais um trabalho, era um momento especial para me
encontrar com pessoas interessadas naquilo que eu também me
interessava, né? Que é o interesse da minha vida, então aí deixa de ser
trabalho, algo penoso para ser trabalho de prazer (Professora Rubi).
O mesmo autor aponta, então, para a necessidade de se construir, no
debate sobre a formação, políticas de melhoria das escolas e de definição de uma
97
carreira docente digna e prestigiada. Cabe, assim, à escola e ao governo criar
condições básicas, com infra-estrutura e incentivos à carreira. Nas palavras do autor:
É no espaço concreto de cada escola, em torno de problemas pedagógicos
ou educativos reais, que se desenvolve a verdadeira formação.
Universidades e especialistas externos são importantes no plano teórico e
metodológico. Mas todo esse conhecimento só terá eficácia se o professor
conseguir inseri-lo em sua dinâmica pessoal e articulá-lo com seu processo
de desenvolvimento (NÓVOA, 2001, p. 25).
O mesmo autor enfatiza que essas equipes de trabalho são fundamentais
para estimular o debate e a reflexão; são elas que consolidam sistemas de ação
coletiva no seio do professorado, o que exige a construção de uma cultura de
cooperação muito maior do que adesões ou ações individuais. Dessa forma, para
ele, a articulação entre teoria e prática só funciona se não houver divisão de tarefas
se e todos sentirem-se responsáveis por facilitar a relação entre as aprendizagens
teóricas e as vivências e observações práticas.
Eu pensei, as gurias estão querendo mais e mais, e isso é maravilhoso!
Isto é a transformação, né? Acontecendo assim! Não foi por causa de mim.
Eu só oportunizei o espaço! É lógico, eu acho que subsídios para estudo
(Professora Rubi).
A noção do distanciamento que há entre o discurso acadêmico e a escola
pública fundamental implica a difícil avaliação de algo no qual estamos todos
imersos - a produção acadêmico-científica -, e envolve a avaliação de nossa própria
atividade intelectual dentro do campo da educação. Como afirma Linhares:
Este parece constituir um dos maiores desafios que precisamos
urgentemente enfrentar: o antagonismo entre a produção acadêmica, que
se desenvolve progressivamente, e a escola pública fundamental, que não
pára de se deteriorar (1997, p. 205).
98
Nessa perspectiva, percebo que a aproximação e a parceria estabelecida
entre o grupo de professoras da escola pública e a universidade rompeu tabus,
constituiu identidades de pesquisadoras e intelectuais capazes de produzir
conhecimento entre docentes da escola e, nesse sentido, oportunizou a cada sujeito
o conhecimento de si, a autoconfiança e a oportunidade de criar e dispor de suas
ferramentas de trabalho.
3 FORMAÇÃO CONTINUADA AUTÔNOMA COMO PARTE DO FAZER DAS
PROFESSORAS: PROCESSO E TRANSFORMAÇÃO.
Os capítulos anteriores trouxeram à discussão o processo da pesquisa,
descrevendo o percurso teórico-metodológico e as mudanças provocadas nos
sujeitos e no grupo. Este capítulo terá como objeto central a análise dessas
mudanças a partir de duas categorias básicas que, inspiradas nos autores
consultados, no diálogo, nas narrativas e observações, podem ser eleitas como
princípios básicos no processo de “formação continuada autônoma” que caracterizou
esta pesquisa: a autonomia e a cultura docente.
3.1 Autonomia no percurso das professoras
Há algo que se destacou ao longo do processo de observação da
experiência deste coletivo de professoras: uma busca autônoma pela formação, um
desejo de transformação dos fazeres na sala de aula e na escola como um todo.
Nessa perspectiva, autonomia surge nesta pesquisa como um conceito importante,
porém numa concepção diferente do que se pensa muitas vezes no senso comum,
ou seja, a possibilidade de se fazer o que se quer quando nos relacionamos com os
100
outros. Procuro definir autonomia no enlace de conceituações feitas pelos autores
de referência nesta pesquisa, elegendo esse entendimento como categoria chave
para a interpretação do processo de formação docente que inspirou este estudo.
Filosoficamente, "autonomia" indica a condição de uma pessoa ou de uma
coletividade, capaz de determinar por ela mesma a lei à qual se submeter e/ou a
capacidade de autodeterminação, quando as ações são verdadeiramente suas. Seu
antônimo é "heteronomia" que indica o estado daquele, ou daquilo, que é regrado,
determinado por outro (BLACKBURN, 1997).
Freire (1997), em seu livro Pedagogia da Autonomia, não define autonomia,
mas pode-se inferir que, para ele, autonomia é a capacidade e a liberdade que o
aprendiz tem de construir e reconstruir o que lhe é ensinado. Embora o conceito de
liberdade discente seja importante, Freire não ignora a importância do professor,
cujo papel, em sua visão, não é o de transmitir conhecimento, mas de criar
possibilidades para que os alunos produzam ou construam seu próprio
conhecimento.
Para Maturana, o que caracteriza o ser vivo é sua organização autopoiética.
Destaca o fato de que os seres vivos são unidades autônomas. Para compreender a
autonomia do ser vivo, precisamos, na perspectiva desse autor, entender a
organização que o define como unidade.
Perceber os seres vivos como unidades autônomas permite mostrar como
sua autonomia em geral vista, como algo misterioso e esquivo- se torna
explícita ao indicar que aquilo que os define como unidades é sua
organização autopoiética, é que é nela que eles, ao mesmo tempo,
realizam e especificam a si próprios (MATURANA, 2005, p. 56).
101
A autonomia refere-se, assim, ao conceito de autopoiesis como uma relação
congruente entre os seres vivos
15
“a autopoieses é a maneira específica na qual os
seres vivos são autônomos, realizam sua autonomia. Autonomia é o termo mais
geral” (MATURANA, 2004, p. 118).
Assim, o sentido conferido por Maturana e Varela à noção de autonomia é
coerente com sua definição e origem semântica. E é esse conceito que assumo nas
análises empreendidas nesta pesquisa. Palavra composta de "auto", que quer dizer
o próprio, o si-mesmo, e de "nomos", que quer dizer lei ou norma, autonomia seria,
então, dar a si mesmo suas próprias regras.
Para Maturana, os sistemas vivos são entidades autônomas, apesar de eles
dependerem de um meio para sua existência concreta e intercâmbio de material;
todos os fenômenos relacionados a eles dependem da forma pela qual sua
autonomia é realizada (MATURANA, 2002 p. 133). Assim, a autonomia supõe, entre
outras coisas, a capacidade individual de interconectar-se, de estabelecer relações
de viver e contribuir no grupo.
Para tanto, é preciso que se pense a autonomia não apenas como o ato de
se determinar a si mesmo, no sentido fraco, mas como o ato de criar-se a si mesmo,
no sentido forte. A noção de criação passa ao primeiro plano, enquanto a noção de
lei ou determinação adquire um sentido novo, já que aparece como conseqüência de
um ato criador. Lei e regra não se impõem de fora e a priori, constrangendo ou
15
“la autopoiesis es la maneira específica en la que los seres vivos son autónomos, realizam su
autonomía. Autonomía es el término más general (MATURANA, 2004, p. 118).
102
limitando um ser que "poderia" se subtrair a elas. Ao contrário, emergem com esse
ser, fazem parte de seu modo de viver e, ao invés de o determinarem por limitação
ou constrangimento, o determinam à medida que constituem para ele um
poder/fazer: território onde desenvolve suas capacidades. Por isso mesmo,
autonomia significa antes de tudo autocriação, autopoiese: diferença entre aquilo
que é construído por outro e aquilo que se constrói a si mesmo. Uma leitura do
conhecimento bioquímico da atualidade mostra que autonomia é o resultado de sua
organização como sistemas em contínua autoprodução.
Nesse sentido, a autonomia do grupo pesquisado é considerada na
perspectiva individual e coletiva, tendo em vista as opiniões aceitas, discutidas,
comentadas espontaneamente e cada uma dentro de seu viver recursivamente
gerando seu conhecimento.
O centro da argumentação de Maturana e Varela, no livro A Árvore do
Conhecimento, é constituído por duas vertentes. A primeira sustenta que o
conhecimento não se limita ao processamento de informações oriundas de um
mundo anterior à experiência do observador, o qual se apropria dele para fragmentá-
lo e explorá-lo. A segunda afirma que os seres vivos são autônomos, isto é,
autoprodutores – capazes de produzir seus próprios componentes ao interagir com o
meio: vivem no conhecimento e conhecem no viver.
O fechamento autopoiético é uma condição para a autonomia dos sistemas
autopoiéticos em geral. Nos sistemas vivos em particular o fechamento
autopoiético é realizado através de uma mudança estrutural contínua sob
condições de contínuo intercâmbio de material com o meio (MATURANA,
2002 p. 135).
103
A autonomia dos seres vivos é uma alternativa à posição representacionista.
Por serem autônomos, eles não podem se limitar a receber passivamente
informações e comandos vindos de fora. Não “funcionam” unicamente segundo
instruções externas. Conclui-se, então, que se os considerarmos isoladamente, eles
são autônomos. Mas se os virmos em seu relacionamento com o meio, torna-se
claro que dependem de recursos externos para viver. Desse modo, “autonomia e
dependência deixam de ser opostos inconciliáveis: uma complementa a outra. Uma
constrói a outra e por ela é construída, numa dinâmica circular” (MATURANA, 2005,
p. 14).
Então, toda experiência cognitiva inclui aquele que conhece de um modo
pessoal, enraizado em sua estrutura biológica, motivo pelo qual toda experiência de
certeza é um fenômeno individual cego em relação ao ato cognitivo do outro, numa
solidão que só é transcendida no mundo junto com ele.
O estado de autonomia se constitui centrado no reconhecimento do outro
como ele mesmo e no respeito mútuo. As regras são constituídas cooperativa e
racionalmente. A consciência de si se constitui na relação com o outro. Uma relação
calcada na interação. O indivíduo é sujeito de seus atos. As relações interindividuais
estão presentes em todos os sentidos e as regras emanam no coletivo e são
construídas nas relações, engendradas pelas relações, e não por este indivíduo ou
por aquele grupo para os outros. Os indivíduos fazem parte da construção, do
respeito e das reformulações das regas sempre que novas relações ou novas
opções se fazem necessárias. É o estado de autoconsciência.
104
Nesse sentido, não há ação humana sem uma emoção que a estabeleça
como tal e a torne possível como ato. O estar juntos em interações recorrentes faz
do outro um legítimo outro. Essas condições de possibilidade constituem seu próprio
fundamento, que está na emoção. Diferentes emoções indicam diferentes domínios
de ações. São as emoções que constituem o domínio de condutas em que se dá a
operacionalidade da aceitação do outro como legítimo outro na convivência; e é
esse modo que conta quando falamos do social. Só são sociais as relações que se
fundam na aceitação do outro como um legítimo outro; e tal aceitação só ocorre
quando os envolvidos têm certo nível de autonomia. Assim, autonomia e
sensibilidade são processos recorrentes. Perceber-se e perceber o outro é
fundamental quando se quer estabelecer uma relação autêntica de interação, não
importa o meio ou canal que estabelece o vínculo.
Autonomia, neste trabalho, tem que ver, portanto, com autoridade, e com a
questão de autoria. Tratando mais especificamente da constituição da autonomia do
professor, entendo que ela não pode ser concebida como o resultado de um
movimento que ocorre exclusivamente na esfera individual, pressupondo, pois,
passar por processos formativos que possibilitem a constituição de uma autonomia
pessoal e profissional, que se produz no coletivo.
Nesse sentido, a autonomia das profissionais da educação se constitui no
entrelaçamento de dois processos: o da autonomia profissional e o da autonomia
social. Assim, abrange uma dimensão cujo compromisso vai além da esfera pessoal
e se firma, acima de tudo, no campo profissional.
105
Isto que tu falou, da gente ter confiança entre nós. A gente tem feito isso,
porque então o conhecimento acontece. Isso, as gurias estão aprendendo
horrores de 2003 pra cá, nem lembram mais como era. Hoje a professora
Diamante chegou e disse:
- Meu Deus! Nós estamos no mês de maio, como as crianças estão
avançando! Antes se tinha uma preocupação para que elas avançassem
hoje elas estão oportunizando coisas diferentes. E isso ocorre
tranqüilamente (Professora Rubi).
Nessa perspectiva, a autonomia é vista como um processo de emancipação,
o que quer dizer que ela é percebida como um processo coletivo que visa à
transformação das condições institucionais e sociais do ensino (CONTRERAS,
2002). Em outras palavras, a autonomia do professor é um processo que busca uma
ação consciente e transformadora, tanto no que diz respeito às condições de
trabalho, quanto no que diz respeito à efetivação do processo de ensino e
aprendizagem, pois:
só compreendendo as circunstâncias [...] e as conseqüências dos
processos que se colocam em andamento pode o professor construir e
reconstruir sua atuação autônoma, aquela que reflete sua compreensão da
situação e suas possibilidades de defender nela suas convicções
profissionais (CONTRERAS, 2002, p.199).
Nesse movimento, as professoras aprendem sobre seu trabalho e suas
possibilidades pedagógicas, passando por um processo de reconstrução da própria
identidade profissional. Assim, as professoras constroem sua autonomia a partir das
dinâmicas presentes na ação educativa e, numa dimensão mais ampla, pode-se
dizer que as professoras constroem sua autonomia no pleno exercício profissional.
Isso evidencia uma postura consciente e crítica frente ao próprio trabalho. Essa
postura, no exercício da docência, pode possibilitar ao aluno o exercício crítico e a
vivência de processos que lhe permitam, também, a constituição da autonomia.
106
Sob esses aspectos, cabe observar que, quando estou falando do
movimento reflexivo das professoras, bem como do exercício crítico do aluno como
constitutivos da autonomia, não estou excluindo os processos mediacionais
necessários à aprendizagem, seja do professor, seja do aluno. Assim, não se trata
de uma relação de "causa e efeito", como se a autonomia pudesse decorrer
"naturalmente" da reflexão e da crítica ou, até mesmo, como se a crítica e a reflexão
decorressem "naturalmente" da prática cotidiana das professoras e dos alunos.
Todos esses são processos que se efetivam mediante uma intencionalidade
pedagógica, mediados, portanto, por um referencial teórico, por um grupo de
estudos, por um projeto político-pedagógico, por uma proposta de formação
continuada em serviço, ou seja, a autonomia não decorre espontaneamente da
reflexão e da crítica do professor ou do aluno. Para isso, é necessária uma
mediação pedagógica intencional.
Nessa perspectiva, a autonomia não pode ser compreendida como uma
capacidade que alguns têm, independente dos processos formativos pelos quais
passaram; ela é aprendida. Assim, se constitui, necessariamente, nas situações de
aprendizagem, nos contextos sociais. Nesse sentido, ao se considerar a autonomia
como um estágio do desenvolvimento da moralidade, cujas regras são interiorizadas
através de uma moral heterônoma e, ao mesmo tempo, que a experiência da
reciprocidade e do respeito mútuo fortalece o indivíduo para a formação de um juízo
moral até "torná-lo" autônomo, não se pode restringir a formação da autonomia a
mecanismos exclusivamente psicológicos e individuais. Usando as ferramentas
conceituais de Maturana e Varela há que se comprender que essa é uma análise
dos mecanismos particulares e próprios da pessoa, mas que não se firmam
107
individualmente. A constituição da autonomia pressupõe o entrelaçamento dos
mecanismos particulares com os vividos e construídos socialmente. A autonomia, na
perspectiva da biologia do conhecer, se constrói desde a idéia de que dois seres
humanos, através de redes de conversações, vão se perturbando mutuamente,
ninguém muda o outro. Esse movimento está presente na fala da professora
Diamante.
Temos, aqui na escola mesmo, casos individuais. Cada professor teve
oportunidade de repensar a sua prática se proporcionou este espaço, mas,
foi só as primeiras e as quartas que quiseram. Então, eu não posso criticar
aquilo que desconheço. Mas sempre foi respeitada a autonomia do
professor na sua sala de aula. Isto é importante. Não adianta vir de fora, o
professor deve querer estar aberto. É o medo do novo, porque assim, nesta
questão, faz tantos anos que fazem assim agora vão ter que mudar? Medo
de enfrentar certos desafios. Muitas vezes ele não quer mudar para não
enfrentar o novo, o desconhecido. Não é que este professor não esteja
certo na sua maneira de agir, não tenha angústias também, mas se chegar
fazer a uma mudança o que vai acontecer? O próprio professor precisa se
desafiar, ser capaz. Muitos resistem neste sentido. Medo do desconhecido.
As professoras sujeitos desta pesquisa, ao estarem envolvidas em uma rede
escolar e ao ajudarem a tecer essa rede em conversações que, conforme Maturana,
são o nosso modo de existir, marcam pela diferença que inauguram. O mesmo autor
enfatiza que tecemos redes de conversações na constante busca de conservação
de um modo de viver. Essas professoras se engajam em uma busca de fazer do
trabalho na escola uma produção que oportuniza às crianças e a elas mesmas a
aprendizagem.
Muitas questões deixaram de ser importantes. [...] eu acho, não sei se tu
concorda comigo que o grupo já tá vivendo um processo simultâneo que é
oportunizar para si. Hoje não tem mais aquela separação, a gente tá na
sala de aula pra oportunizar uma experiência rica de escrita e leitura para
as crianças [...] a gente não tá fazendo só pelas crianças, vocês, as gurias,
todas tão, a gente já tá pensando pra nós esta experiência. É a
transformação, não é só para a criança o nosso trabalho, nossa prática,
está se fazendo pra gente mesmo (Professora Rubi).
108
Por essa via é que observo ao longo do percurso, nas escutas das narrativas
e observação dos momentos de encontros, a autonomia em um processo de
formação continuada. As professoras não ganham nada além do prazer de se verem
aprendendo ao estarem envolvidas nesta experiência, não há prêmios em termos de
avanços salariais, ou mesmo uma solicitação dos órgãos de ensino. O que muda é o
modo como cada uma se vê como professora, pois adquirem confiança em si
mesmas, na sua produção. É nesse sentido que me refiro à autonomia como autoria,
processo em que as professoras dão visibilidade a uma experiência que ousa ser
diferente na escola e, por isso mesmo, perturba o modo comum de funcionamento
da instituição.
Hoje eu vejo assim, antes a prática de sala de aula se tornava uma coisa
muito cansativa e dessa forma como a gente tá trabalhando, cada ano, tu
faz coisas diferentes. Tu te autoriza a buscar outras coisas, a trazer pra
aluno outras coisas. A gente vê assim, que tu pode trazer, assim, para a
sala de aula o mundo pro teu aluno, né. E se ele conseguir pelo menos, ele
vai ter a oportunidade de fazer o que ele quiser com aquilo que tu trouxe
pra ele (Professora Esmeralda).
3.2 Cultura docente e o desejo de transformação: a necessidade de aprender a
conviver com o modo de organização da escola.
Quando entramos em uma escola, estamos em um lugar bem conhecido; um
local que freqüentamos por longos anos e do qual temos muitas recordações. Ali as
coisas têm mudado muito pouco. Nós conhecemos bem a organização desse
espaço físico, o tipo dos móveis, as diferentes disposições do ambiente e a forma de
sua edificação e não nos causam surpresas seus padrões de relacionamento e
convivência social, suas expectativas de comportamento, seus ritos, sua disciplina,
seus horários de trabalho e lazer e seus procedimentos pedagógico-didáticos. Tudo
109
isso se instituiu numa cultura específica, que se organizou em práticas e hábitos de
natureza burocrática e conservadora. “O mundo evolui, as coisas mudam se
transformam, mas, a escola permanece estagnada. A escola permanece a mesma”
(Professora Pérola).
O que entendemos por educação e escola abrange nossa representação
imaginária acerca do professor, do aluno e da escola, bem como dos papéis que
atribuímos como “naturais” a cada um desses “personagens” do processo educativo.
O que é uma escola? O que fazemos? Como produzimos a escola em que
trabalhamos? Essas questões se mostram importantes quando, em um processo de
formação, surge de modo tenso a necessidade de aprender a lidar com a rede
institucional, o modo de organização comum à escola.
Até a entidade mantenedora só observou, mas, não se posicionou. Só
fazem as visitas normais para saber como a escola está. Eu acho que tem
outras pessoas que têm vontade, que fosse ter um grupo para a gente
estudar ia ter muita gente que iria participar. Vê que é muito bom mudar, na
escola mesmo a tendência é sempre aumentar. O curioso é o interesse das
professoras da área que sempre pensei que fossem mais difíceis de atingir
(Professora Esmeralda).
É importante ressaltar o alerta feito por Castoriadis (1981), que chama a
atenção para o fato de que os aspectos que freqüentemente naturalizamos em
nosso cotidiano não são na verdade tão naturais. Para esse autor, não existem
conceitos, representações e/ou necessidades naturais. O que acontece é que
vivemos em uma sociedade em que são, constantemente, “inventadas”, “forjadas”
novas necessidades a cada dia que passa. Segundo o autor (1981, p. 20), não há
necessidades naturalmente existentes, pois “toda sociedade cria um conjunto de
necessidades para seus membros e ensina-lhes que a vida não merece ser vivida, e
110
que só pode ser materialmente vivida se essas necessidades forem satisfeitas de
qualquer modo”.
A atividade docente, bem como as demais atividades profissionais, não
escapa das influências do mundo simbólico em que vivemos. Somos seres
simbólicos e, como tais, nos movemos no mundo. Um mundo que ao mesmo tempo
nos constrói e é por nós construído. Essa afirmação está em consonância com o que
já alertavam os estudos pioneiros em representação e imaginário social. Como
sentenciou Arthur Schopenhauer (1999), “O mundo é minha representação”. Nesse
sentido, muito além da verdade da existência de algo, o que existe são olhos que
vêem e mãos que tocam. Paradoxalmente, pode-se dizer que a partir desse
momento estaria sendo negada a idéia de separação entre sujeito e objeto, entre
pesquisador e pesquisado.
Essas proposições, embora bastante desacreditadas atualmente, ainda nos
marcam de maneira profunda, semelhantemente àquelas tatuagens feitas na
juventude que na idade adulta queremos esconder. Tentamos ocultá-las sob a
roupa, ou com o auxílio de produtos de maquiagem. Contudo, quando menos
esperamos, ficam à mostra em nossas falas, escritas, atitudes. Enfim, representam
nossa maneira de perceber o mundo, da qual não conseguimos nos desfazer
facilmente. Essa analogia se aplica às nossas representações e imaginários sociais,
interpretações de mundo que não se desfazem apenas por intermédio da vontade ou
do anseio racional. Em conseqüência, aplicam-se às práticas pedagógicas. As
professoras que participaram desta pesquisa carregam, como sujeitos históricos que
são, as marcas de suas formações.
111
É nessa perspectiva que entendo a inquietação apontada por Perez Gómez
(2002, p. 161): “Quando se olha o presente, é preciso perguntar: o que há atrás
dele? Que percurso conduziu a este lugar? Qual o suporte simbólico para esta
construção presente?”.
A cultura escolar se efetiva quando os sujeitos se apropriam desse ambiente
cultural e o reelaboram no seu cotidiano. Nesse processo, é de fundamental
importância a participação nos seus ritos de iniciação ou de instituição, e posso
elencar entre eles a matrícula escolar, as provas bimestrais, a formatura, que são
momentos que estabelecem as distinções entre os que participam ou pertencem a
essa instituição e os que permanecem ou permanecerão fora dela por não terem,
por exemplo, alcançado a necessária competência.
Na seqüência, Perez Gómez aponta para a cultura como um elemento que
requer interpretação mais do que explicação, um empreendimento sem fim, que o
fato de pensá-lo, questioná-lo ou compartilhá-lo supõe enriquecimento e
modificação. Assim, o autor considera cultura:
[...] o conjunto de significados, expectativas e comportamentos
compartilhados por um determinado grupo social, o qual facilita e ordena,
limita e potencia os intercâmbios sociais, as produções simbólicas e
materiais e as realizações materiais e coletivas dentro de um marco
espacial e temporal determinado. A cultura, portanto, é o resultado da
construção social, contingente ás condições materiais, sociais e espirituais
que denominam um espaço e o tempo. Expressa-se em significados,
valores, sentimentos, costumes, rituais, instituições e objetos,
sentimentos[...] (GÓMEZ, 2001, p. 17).
O autor aproxima os rituais, as tradições e os regimes próprios da instituição
escolar do conceito de cultura escolar e enfatiza a cultura docente nos processos
112
educativos como: “[...] conjunto de crenças e valores, hábitos e normas dominantes
que determinam o que esse grupo social considera valioso em seu contexto
profissional, assim como os modos politicamente corretos de pensar, sentir, atuar e
se relacionar” (GÓMEZ, 2001 p. 163).
A cultura docente é um aspecto importante a ser considerado em todo
projeto de inovação, e nas reformas de modo geral no contexto da escola, pois a
mudança e a melhora da prática não requerem apenas a compreensão intelectual
dos agentes envolvidos, mas, fundamentalmente, sua vontade decidida de
transformar as condições que constituem a cultura herdada.
As professoras que começaram a dar aula em “1900”... Muitas fazem as
mesmas atividades que faziam desde então, em 2006. Só que esses
professores ficam mexidos quando vêem as coisas acontecerem e se
sentem mexidos, machucados (Professora Pérola).
Ao construir um projeto que envolva mudanças na escola, é preciso
entender que a cultura docente propicia segurança às professoras. É por causa de
seus valores, crenças e suas formas de atuar no cotidiano que elas (professoras) se
sentem protegidas pela força e pelas rotinas do grupo, pelos sinais de identidade da
profissão. Daí por que não se trata de, num projeto de inovação, desconsiderar a
história.
Também enfatizo que a inovação é algo aberto, capaz de adotar múltiplas
formas e significados, associados com o contexto no qual se insere. Destaco,
igualmente, que a inovação não é um fim em si mesma, mas um meio para
transformar os sistemas educacionais.
113
Outra coisa que me marcou foi que, quando eu ia pra escola pra fazer os
encontros com vocês , isso provocava uma... [silêncio] Um movimento na
escola, as pessoas se instigavam, se movimentavam, olhavam. Esses
olhares, essas linguagens de admiração, respeito e, talvez,
questionamento. E isso me marcou, eu vi que tinha aquela curiosidade
brotando. Que já tinha um efeito de transformação o fato de as gurias, de
vocês terem buscado sem compromisso. Não se tinha compromisso com
essa parafernália toda, não tinha nada que se ganhasse a não ser
aprender, né! (Professora Rubi).
Na escola, o processo deflagrado provocou esse “movimento” citado na
narrativa, pois, nas tardes de estudo, percebia-se a presença das estagiárias, da
professora Rubi, a confecção de materiais pedagógicos, do vai e vem de alunos que,
às vezes, eram solicitados pelas professoras de classe, enfim, percebia-se que algo
estava acontecendo. Não estava tudo parado, silencioso, estático.
No primeiro ano, talvez a nossa movimentação, que era intensa, pois, tinha
muita coisa para falar, fazer e elas notavam este “movimento”. Eu acho que
isto incomodava, pois elas não tinham nada de novo para contar, não que
não via com bons olhos... [silêncio]. Por exemplo, desacreditando que isso
ia continuar por muito tempo, mas, logo a quarta série se motivou também.
Isso passou, e para nós foi positivo, pois, devemos conviver com as
diferenças, depois elas foram se acostumando. Às vezes, a gente contava
muito o que acontecia se ria e chorava, e parecia que era só as primeiras e
quartas que faziam algo. Elas mesmas desvalorizavam o seu trabalho.
Ninguém nunca falou que nós estávamos fazendo melhor, e sim, diferente.
Ninguém sabe o que é o certo, a própria direção também confiou e também
tinha certa cautela, o que é normal, mas o importante é que tivemos apoio
(Professora Esmeralda).
Esses olhares diferenciados sobre o movimento que se observava eram
esperados e normais, pois a escola estava passando por um processo de abertura,
o que oportunizava olhares variados, de admiração, curiosidade, repúdio, indignação
e valorização. Isso se deu pelo entusiasmo com que o grupo agia em sala de aula,
na sala de professores, onde estavam, era só se encontrarem, que assunto não
faltava, cada uma queria contar o que estava vivendo, fazendo e experienciando.
Porém, em nenhum momento o grupo se sentiu fazendo suas práticas melhor do
que outros; cada profissional, a sua maneira, realiza tudo de melhor em sua sala de
114
aula. Estavam, sim, felizes por estar oportunizando a si mesmas e a seus alunos
novas aprendizagens.
A partir dessas premissas, tenho reafirmado a idéia de que a inovação é
antes um processo que um acontecimento (FULLAN, 2000). A partir desses
princípios, a inovação pode ser definida como processo multidimensional, capaz de
transformar o espaço no qual habita e de transformar-se a si própria.
Com os colegas, a gente sentiu no primeiro ano, algumas tinham muita
desconfiança, pois achavam que seria uma coisa que não daria certo. Por
causa da mudança, quando se fala da mudança, o novo, todo mundo já fica
com medo, ou até sei lá, às vezes, acham que a gente tá fazendo porque a
gente quer aparecer, ou ser mais valorizada. Não é neste sentido que a
gente trabalha; claro que o que a gente sentiu neste sentido que teve
bastante críticas, a gente foi bastante criticado, porque achavam que o
trabalho delas não era mais valorizado. As próprias colegas pensavam que
o que elas faziam já não era mais certo (Professora Diamante).
A presença da cultura docente é tão forte que influencia a compreensão dos
alunos acerca das práticas escolares; entretanto, a compreensão que os alunos têm
da situação escolar pode ser diferente da que têm os professores. Embora a cultura
dos alunos se mostre dependente da cultura dos docentes, se encontra
substancialmente mediada pelos valores, pelas rotinas e pelas normas mais amplas
da sociedade e dos grupos sociais em que eles se integram e interagem. As
professoras percebem mudanças impostas pela sociedade e pela cultura tecnológica
aos seus alunos e sentem-se instigadas a mudar.
Eu acho que para educar, você tem que ter sensibilidade de fazer as coisas
que realmente são necessárias para o desenvolvimento da criança. E não
adianta fazer por fazer, ou dar aula porque eu vou ganhar aquele salário e
eu preciso do dinheiro. Não é assim, a educação é uma coisa muito
importante, ela tá defasada, ela precisa de mudança. Só que a gente sentiu
na pele que a mudança é uma coisa muito difícil, tá intrínseco. É uma
resistência muito grande. A gente vê que as crianças mudaram, a Internet
115
tá aí, os meios de comunicação, as notícias giram o mundo em questão de
segundos e a escola permanece a mesma (Professora Pérola).
A dificuldade nas interações é uma realidade da cultura escolar
conservadora, observada mesmo entre professores da mesma área e da mesma
série. Tal realidade envolve, em geral, resultados educacionais que ficam muito
aquém do seu potencial de realização. Por outro lado, observa-se que, nas escolas
onde se consegue construir um bom nível de interações sociais, constata-se a
potencialização dos resultados educacionais e do desenvolvimento dos trabalhos,
tanto individuais quanto coletivos.
No grupo de professores, no início, a gente falava muito, elas ficam
olhando, ninguém dizia nada, nem que sim, ou que não. Se alguém vem
para conversar a gente coloca, explica, conta. No primeiro ano é que foi
mais difícil, pois, elas pensavam que seriam obrigadas a mudar também e
talvez, por isso, não gostaram da nossa ousadia, mas, na escola, sempre
foi respeitada a autonomia do professor. Fazemos isto porque queremos e
não porque alguém nos mandou (Professora Esmeralda).
O silêncio, a paralisia ou a perplexidade diante de um processo de mudança
é a reação costumeira no curso das transformações. Reconhecer que não é possível
controlar a implementação de uma inovação implica abrir mão de pontos de chegada
fixos. Isso não significa ausência de direções claras, objetivos definidos, planos,
análise racional, coordenação, organização. Contudo, as direções devem ser
suficientemente amplas, de modo a possibilitar a flexibilidade, a capacidade de
negociar permanentemente as normas estabelecidas com os profissionais da escola.
São redes dialógicas entre a escola e os órgãos do sistema que, em uma atitude de
indagação sistemática sobre os acontecimentos, vão concretizando a
implementação de algo novo. Uma atitude de indagação que permite aprender
continuamente com os novos contextos.
116
Numa instituição aprendiz, há espaço para o conflito. Admitir essa
possibilidade significa favorecer a formação de uma comunidade de profissionais
sempre abertos a aprender, a buscar a ajuda um do outro, a rever e modificar
continuamente suas práticas. Uma instituição aprendiz extrai da tensão emergente
da diversidade a força de seu próprio desenvolvimento.
Fullan (2000) salienta os inúmeros casos, documentados em pesquisa, de
profissionais que ingressaram na carreira com grande motivação em atuar na
formação e desenvolvimento dos alunos, em contribuir para a construção de uma
sociedade mais justa, e que, paulatinamente, vão assumindo atitudes cínicas,
alienadas e indiferentes diante do exercício profissional. Essa deterioração do
exercício profissional relaciona-se fortemente ao sentimento de fracasso, de
incapacidade de efetivamente interferir, de fazer diferença, seja no âmbito da sala de
aula, seja em relação a projetos de sociedade mais amplos. As reformas, por seu
turno, ao fracassarem na produção de resultados diretamente ligados ao ensino e
aprendizagem dos alunos, indo e vindo, com abordagens superficiais, fragmentadas
e descontínuas, contribuem, em igual medida, desencorajando o conjunto dos
docentes, inclusive aqueles com maior disposição e comprometimento. Essas
constatações levam-me a crer no engajamento pessoal e autônomo como única
forma de consolidar mudanças.
O desenvolvimento institucional, em uma linha de reciprocidade, deve se dar
na perspectiva da escola, também concebida como uma organização aprendiz; uma
instituição com autonomia para estabelecer novas e diferentes formas de trabalho,
117
de modo a lidar com as dinâmicas forças de mudança. Atuar com o objetivo de
desenvolver a instituição é fomentar estruturas flexíveis, com o agrupamento de
profissionais que aprendam trabalhando com um maior grau de liberdade,
assumindo riscos e extraindo lições de situações abertas. Assumir a não
previsibilidade das intervenções no sistema educativo implica não estabelecer
objetivos de chegada estáticos.
Focalizar o desenvolvimento institucional, nessa perspectiva, implica
questionar as reformas estruturais que trazem em seu bojo a homogeneização das
práticas educativas, o controle a partir da padronização de resultados. Significa
colocar em cheque a própria ação de gerir e implementar reformas e programas
inovadores. Implica chamar as autoridades educativas oficiais a rever seu papel na
elaboração de políticas e diretrizes educacionais. Implica repensar o sentido e o
significado de propor diretrizes, tendo em vista a complexidade dinâmica dos
sistemas educativos. Se assumirmos que mudança e aprendizagem efetivas
ocorrem sempre localmente, qualquer pretensão de exercer o controle "de cima para
baixo" é uma ilusão.
A experiência desta pesquisa aponta para a formulação de políticas em que
o papel central das autoridades educativas oficiais seja de criar condições para que
os sujeitos da comunidade escolar, sobretudo os profissionais que atuam na escola,
desenvolvam capacidades básicas de produzir e lidar com as forças da mudança. A
questão que nortearia a estruturação de políticas educacionais, de acordo com tal
proposta, seria o modo como as instituições educacionais, controladas localmente,
118
podem ativar a auto-regulação e a coordenação de suas ações, para consecução de
objetivos mais amplos.
3.3 Formação continuada autônoma: processo e transformação.
Em tempo de mudanças rápidas e contínuas, nenhum profissional pode dar-
se ao luxo de não se atualizar, de parar no tempo. Isso implica encarar a formação
continuada não como um instrumento para suprir deficiências ou como um
complemento de uma formação inicial, mas em seu sentido lato, como uma
continuidade de desenvolvimento profissional, que, uma vez inaugurado com a
formação inicial, acompanhe o professor em toda sua trajetória profissional. Isso
porque “[...] a consciência nasce quando interpretamos um objeto com o nosso
sentido autobiográfico, a nossa identidade e a nossa capacidade de anteciparmos o
que há de vir” (JOSSO, 2002, p.08)
Há algumas décadas, acreditava-se que, quando terminada a graduação, o
profissional estaria apto para atuar na sua área o resto da vida. Hoje, a realidade é
diferente, principalmente para o profissional docente. Este deve estar consciente de
que sua formação é permanente e integrada no seu dia-a-dia nas escolas. Foi essa
consciência que mobilizou o grupo de professoras desta pesquisa: a certeza de que
a formação profissional é um processo autônomo que ocorre na dialética
teoria/prática/teoria: “O que eu percebo hoje, na questão dessa formação que nós
fizemos, isso transformou a nossa vida, também na escola, né!” (Professora
Esmeralda).
119
O sentido compartilhado permite ao sujeito estabelecer relações com o
mundo, mundo de outros, mundo que já existia e que agora também lhe pertence.
Sujeito e mundo passam a estabelecer entre si uma integração criativa e criadora,
através de um “nexo de motivações”, que vai permitindo, a ambos, uma contínua
identificação mútua.
Nos encontros, nós colocávamos como estávamos fazendo como
estávamos nos sentindo, a colega também; se trocava idéias para ver
como podia se ajudar, uma a outra. Se não fossem os encontros que
serviam para a gente se motivar, se para uma não deu certo as vezes para
a outra dá. É a ajuda mútua bem importante dar força uma para outra
(Professora Esmeralda).
No depoimento da professora, percebe-se esse sentido de relação criadora
motivacional. Cada uma a seu modo auxilia para que o grupo não esmoreça, quando
uma se apresenta cansada, abatida, a outra, que está com “todo pique”, já contribui
e todo o grupo se ajuda e cresce.
Pesquisas atuais sobre formação e profissão docente apontam para uma
revisão da compreensão da prática pedagógica do professor, o qual é tomado como
mobilizador de saberes profissionais. Considera-se, assim, que este, em sua
trajetória, constrói e reconstrói seus conhecimentos conforme a necessidade de
utilização dos mesmos, suas experiências, seus percursos formativos e
profissionais.
Entendo, nessa perspectiva, que formação e competência profissional não
se constroem por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas
mediante um trabalho de reflexão sobre as práticas e de reconstrução permanente
de um modo de fazer-se professor. O processo de formação, no grupo pesquisado,
120
vincula-se a percursos educativos associados às vivências das professoras como
sujeitos, e alimenta-se de modelos educativos, mas há algo que é a possibilidade de
produzir diferenças, movimentos autônomos em direção a novas modalidades de
trabalho. “A formação vai e vem, avança e recua, construindo-se num processo de
relação que vai do saber ao conhecimento” (NÓVOA, 1994, p. 3), entendidos,
respectivamente, como “doxa” e “episteme”.
Não basta pretender que as professoras acreditem que a criança deva
construir e ser sujeito do conhecimento. Há que se considerar que também as
professoras precisam ser reconhecidas como sujeitos de seu fazer cotidiano,
reconhecendo-se como autoras e protagonistas de suas ações, ou seja, é preciso
que as próprias professoras tenham condições de construir seus conhecimentos
sobre seus próprios trabalhos (DIAS DA SILVA, 1994, p. 46). Por vezes, as
propostas de formação, em minha trajetória, se mostraram bastante focadas em
temas relacionados aos percursos das crianças, esquecendo-se de que, nesses
espaços, havia professoras, profissionais encarregadas de promover a
aprendizagem. Algumas aprendizagens ainda pouco claras se mostravam na
direção de que era preciso falar, ler e refletir sobre os processos objetificados,
excluindo a vivência daquelas que têm a tarefa de ensinar: as professoras.
O que seria a formação continuada? Seriam os processos que acontecem
em situações específicas, após a formação inicial, considerada aqui como a
formação desenvolvida na graduação? O que dizer das professoras de educação
básica que possuem a formação do magistério no nível médio que retornam às
instituições de ensino superior para cursarem a graduação? E aquelas que, em
121
busca de aprofundamento ou titulação, retornam à universidade para fazerem
mestrado e doutorado? Essas situações, às vezes, não são consideradas quando
se discute a formação continuada. A idéia predominante refere-se, especialmente,
àqueles projetos em que ações de formação acontecem em situações específicas,
em espaços restritos e planejados, conforme propostas elaboradas a partir de
demandas das políticas governamentais. Esse modelo convencional de formação
continuada da educação brasileira vem sendo bastante questionado nos últimos
anos, principalmente, pela sua ineficácia.
Contextualizando o conceito de formação continuada, é importante salientar
alguns pontos de convergência sob as perspectivas de diversos autores. Utilizo a
definição de Rodrigues & Esteves (1993, p. 44): “entenderemos por formação
contínua aquela que tem lugar ao longo da carreira profissional após a aquisição da
certificação profissional inicial, privilegiando a idéia de que sua inserção na carreira
docente é qualitativamente diferenciada em relação à formação inicial.”
Na ótica dos docentes e de seus formadores, a formação continuada é uma
das dimensões importantes para a materialização de uma política global para os
profissionais da educação, articulada à formação inicial e às condições de trabalho,
salário e carreira, e deve ser entendida como continuidade da formação inicial,
proporcionando novas reflexões sobre a ação profissional e novos meios para
desenvolver e aprimorar o trabalho pedagógico. Trata-se de um processo de
construção permanente do conhecimento e desenvolvimento profissional, a partir da
formação inicial e vista como uma proposta mais ampla, de hominização, na qual o
122
homem integral, unilateral, produzindo-se a si mesmo, também se produz em
interação com o coletivo (ANFOPE, 1998).
As professoras, ao chegarem a um encontro de capacitação, não são folhas
em branco, mas carregam uma bagagem de experiências: o novo, submetido ao
crivo da prática, pode ser incorporado ou não a essa bagagem. Uma formação inicial
frágil, aliada a um plano de reforma educacional que não leva em consideração a
opinião dos professores, a compatibilidade de horários e a dispensa das atividades
docentes para a participação em seminários, cursos e palestras, tornam-se
constantes obstáculos ao desenvolvimento profissional de educadores, que acabam
assimilando inúmeros “mecanismos de defesa”, como a acomodação e o apego ao
conservadorismo, que se convertem em fatores impeditivos ao crescimento
profissional.
Autores como Torres (1998) e Lüdke (1999) confirmam o fato de que a atual
política educacional, financiada por órgãos internacionais, como o Banco Mundial,
não permite a efetiva participação dos profissionais na reforma educativa e não
considera o fato de serem os professores agentes ativos do processo de
transformação da educação. Segundo esses analistas, tais reformas encaram a
educação sob o enfoque empresarial, investem na formação continuada em
detrimento da formação inicial, a partir da constatação de que esta não é
investimento rentável. Porém, concordo com Sacristán (1998), que assevera: “uma
formação pouco sólida, tanto no terreno cultural ou científico como no estritamente
profissional ou pedagógico, facilita essa acomodação às instâncias políticas,
burocráticas e aos meios didáticos elaborados fora da escola” (p.171). Isso,
123
conforme abordado anteriormente sobre os efeitos das políticas de formação, acaba
funcionando como bloqueio às mudanças significativas nas práticas pedagógicas.
Tenho observado ser impossível a transmissão de informações alheias à
prática no processo de formação das professoras. Quando elas assistem palestras,
por exemplo, por mais que o conteúdo seja importante, o máximo que acontece é
que alguns pontos podem perturbar por interagir com o seu conhecimento ou por
experiências anteriores. Poderia uma receita pronta, inquestionável, imposta de cima
para baixo, adequar-se às necessidades de nossas escolas, já que os modelos são
importados de países do primeiro mundo e não levam em consideração as
peculiaridades dos professores? Gómez responde:
[...] as exigências do mercado não observam, precisamente, os valores
éticos e educativos, senão a obtenção da rentabilidade a qualquer custo.
As mudanças assim implantadas ou exigidas não supõem o incremento da
qualidade das práticas nem o desenvolvimento individual e institucional,
senão simplesmente a mudança superficial das formas, rotinas e
linguagens (GÓMEZ, 1999, p. 143)
16
.
Entendo, assim, que propostas externas ao contexto escolar não produzem
efeitos subjetivantes, capazes de se incorporar como um novo jeito de educar. Para
Nóvoa (1995b), a formação precisa ter como eixo norteador o desenvolvimento
profissional dos professores, que precisa ser visto não apenas sob o aspecto
individual, mas também o coletivo docente. Isso implica considerar, na formação, o
desenvolvimento pessoal que produz a vida do professor e o desenvolvimento
profissional capaz de configurar a profissão docente. Nessa lógica, o diálogo, a troca
16
[...] las exigencias del mercao no reparan precisamente en valores éticos y educativos sino en la
obtención de la rentabilidad a cualquier precio... Los cambios así implantados o exigidos no suponen
el incremento de la calidad de las prácticas ni el desarrollo individual e institucional, sino simplemente
la modificción superficial de las formas, rutinas y lenguajes (GÓMEZ, 1999, p.143).
124
de experiências e a socialização de saberes são fundamentais para a constituição
de espaços de formação mútua. Isso precisa ser considerado, pois parece ser a
saída para que se possa ressignificar o papel do professor e seus saberes no interior
das agências educativas. “As pessoas de outras escolas sempre querem saber
como é que fazemos. Elas têm vontade, mas não admitem que querem fazer
também” (Professora Pérola).
Ao se estabelecer um diálogo com professoras de outro convívio, pude
observar a curiosidade, os questionamentos sobre as práticas. Porém, através das
vivências, constatei que, muitas vezes, queríamos contar o que estava sendo feito e
parecia que ficava tudo quieto, um silêncio. Parece que se criava um clima de
rejeição. Como afirma Maturana, “aquele que tenta convencer exerce pressão e
anula a possibilidade de escutar. A pressão sempre produz ressentimento”
17
(2004,
p. 64).
Era, realmente, o que acontecia, na hora da conversa. Parece que se criava
uma barreira como se quiséssemos somente valorizar o que fazíamos; o que não
era o caso, pois queríamos contar, para que outras professoras tivessem a mesma
oportunidade de sentir prazer e realização diante do ato educativo.
Quando terminava a reunião ou encontro, muitas dessas colegas
perguntavam, questionavam, queriam saber como era feito. Parecia que a situação
se invertia.
17
“El que intenta convencer ejerce presión y anula la posibilidad de escuchar. La presión siempre
produce resentimiento” (2004, p. 64).
125
Elas estão curiosas em saber como isso se dá. E dependendo da maneira
que se coloca, se tu colocar com entusiasmo, mostrando que tu acredita
mesmo naquilo ali, cada vez, elas vão ficar mais curiosas. É claro que no
primeiro momento, elas não vão chegar a compreender, a saber o que eu
digo, mas, experimentar na prática... Eu acredito que seja por aí o caminho!
(Professora Pérola)
Evidencia-se, então, o que Maturana afirma: “o único caminho possível no
sentido da sedução estética é ser totalmente o que sou, e não permitir nenhuma
discrepância entre o que faço e o que digo”
18
(2004, p. 64).
A curiosidade surgia como produto de nossas ações e entendíamos que
deveríamos ter paciência, que nossas ações é que despertariam o desejo e a
inquietação, “não para convencer ou seduzir, senão para produzir as experiências
que geram e fazem visível o que estou falando”
19
(MATURANA, 2004, p. 64).
O processo desencadeado nesta pesquisa deixou evidente que a formação
contínua do professor será eficiente à medida que buscar o papel ativo do educador,
que, através da reflexão sobre sua prática, adquirirá conhecimento crítico de sua
ação docente, podendo, a partir daí, reconstruir os condicionantes de sua ação, os
pressupostos de suas escolhas cotidianas, bem como reconstruir-se como pessoa,
como identidade.
Corroboram esse entendimento as palavras de Maturana:
Os outros que escutam ou participam do diálogo se sentem aceitos e isso
lhes permite mostrar-se de maneira autêntica e, portanto, agradável para si
18
“El único camino posible que me queda en el sentido de la seducción estética es ser totalmente lo
que soy, y no permitir ninguna discrepancia entre lo que hago y lo que digo (2004, p. 64).
19
“no para convencer o seducir, sino para produzir las experiencias que generan y hacen visible
aquello de lo que estoy hablando” (MATURANA, 2004, p.64).
126
mesmos. Não são atacados, não são obrigados a nada; quando alguém se
mostra despido e sem defesas, eles também podem mostrar-se tal e como
são (2004, p. 64)
20
.
Refletir a posteriori sobre a própria ação requer do profissional um confronto
com as formas de organização de seu pensamento, com os modos pelos quais as
concepções de vida/mundo/educação compuseram-se com as condições
desafiantes de cada momento histórico de sua existência. Isso implica olhar de
frente seus medos e suas defesas, suas escolhas e as razões das mesmas. É um
processo por certo delicado, pois obriga o profissional a libertar-se das amarras de
sua formação para compor-se subjetivamente com a carga emocional decorrente de
interações que o exercício da profissão demanda. Exige, enfim, o estabelecimento
de compromissos com a mudança.
Para Rodrigues & Esteves (1993, p. 98), a formação continuada exige
profissionais "conhecedores da realidade da escola, capazes de trabalhar em equipe
e de proporcionar meios para a troca de experiências, dotados de atitudes próprias
de profissionais cujo trabalho implica a relação com o outro".
Eu acho que o professor que tá buscando, ele sempre tá! Não depende da
formação continuada que a escola oferece ou que a secretaria de
educação oferece. Eu acho que a formação continuada se dá dentro de
cada ser humano e quem quer buscar, quem se realiza com seu aluno faz
e faz com amor, aquilo faz parte da sua vida (Professora Pérola).
Masetto (1995) aponta para as características inerentes a essa formação do
professor:
20
Los otros que escuchan o participan en la conversación se sienten aceptados de una manera que
también les permite mostrarse de una manera auténtica y por lo tanto agradable para ellos. No son
atacados, no son obligados a nada; cuando alguien se muestra desnudo y sin defensas, ellos también
pueden mostrarse tal como son (MATURANA, 2004, p. 64).
127
Inquietação, curiosidade e pesquisa. O conhecimento não está acabado;
exploração de "seu" saber provindo da experiência através da pesquisa e
reflexão sobre a mesma; domínio de área específica e percepção do
lugar desse conhecimento específico num ambiente mais geral;
superação da fragmentação do conhecimento em direção ao holismo, ao
inter-relacionamento dos saberes, a interdisciplinaridade; identificação,
exploração e respeito aos novos espaços de conhecimento (telemática);
domínio, valorização e uso dos novos recursos de acesso ao
conhecimento (informática); abertura para uma formação continuada (p.
96).
Por certo, o desenvolvimento de toda essa complexidade de exigências que
a sociedade atual impõe ao profissional da educação não ocorrerá no escasso
tempo de formação universitária. Cada vez mais a profissão docente requer uma
formação continuada que, além de reforçar ou proporcionar os fundamentos e
conhecimentos específicos adquiridos nos anos de graduação, mantenha o
profissional constantemente a par dos progressos, inovações e exigências dos
tempos modernos.
Todavia, a formação continuada que se constitua como processo de
mudança deve, segundo Rodrigues & Esteves (1993), produzir:
Uma ruptura com o individualismo pedagógico, ou seja, em que o trabalho
e a reflexão em equipe se tornam necessários; uma análise científica da
prática, permitindo desenvolver, com uma formação de nível elevado, um
estatuto profissional; um profissionalismo aberto, isto é, em que o acto de
ensino é precedido de uma pesquisa de informações e de um diálogo entre
os parceiros interessados (p. 66).
Analisando algumas práticas, Scalla (1995, p. 7) afirma que muitas ações
em formação continuada devem ser criticadas por serem sinônimos de cursos de
curta duração, oferecidos assistematicamente e sem levar em conta fatores como
bagagem pessoal de conhecimento e o contexto social interno e externo da escola.
Pode-se dizer, ainda, que a atual prática de formação contínua, às vezes, configura-
128
se como um discurso desligado do fazer pedagógico, alimentando ainda mais a
divisão entre o saber e o fazer.
A prática docente e a formação continuada na experiência só se justificam
como parte de um processo inacabado de permanente elaboração e reelaboração,
pelo sujeito, de um sentido mais amplo do seu processo de formação profissional.
Eu até venho pensando nisso assim, é uma experiência que tá sendo muito
significativa pra todas nós e a gente pode ir pra qualquer lugar que essa
experiência tá aqui, né! É uma experiência que não separa cognição da
emoção, a gente sabe que isso não está separado (Professora Rubi).
Como defende Nóvoa (1995a, p. 24), a formação de professores pode
desempenhar um papel importante na configuração de uma “nova” profissionalidade
docente, estimulando a emergência de uma cultura profissional no meio do
professorado e uma cultura organizacional no seio das escolas. Entendida dessa
forma, a formação de professores deverá caminhar no sentido de contemplar, de
forma articulada, o desenvolvimento pessoal (a produção da vida do professor), o
desenvolvimento profissional (a produção da profissão docente) e o
desenvolvimento institucional (a produção da instituição escolar).
Penso que a formação continuada autônoma de professoras poderia
transformar a escola em espaço de troca e de reconstrução de novos
conhecimentos. Deveria partir do pressuposto da educabilidade do ser humano,
numa formação que se dá numa continuidade, em que existe um ponto que
formaliza a dimensão inicial, mas não existe um ponto que possa finalizar a
continuidade desse processo. Assim, a formação continuada se torna um espaço de
interação entre as dimensões pessoais e profissionais em que aos professores é
129
permitido apropriarem-se dos próprios processos de formação e dar-lhes um sentido
no quadro de suas histórias de vida.
Depois de imersos no mundo do trabalho, pelas próprias condições de
proletarização da docência que nos abrigam a jornadas de trabalho de inacreditável
duração, e pela inexistência de um hábito de buscar a educação contínua, não é tão
comum quanto seria necessário o retorno dessas docentes à universidade, para
realizarem desdobramentos da sua formação. Nóvoa (2000, p. 23) assegura que: “O
aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa,
como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente.” Para
o autor, a formação continuada se dá de maneira coletiva e depende da experiência
e da reflexão como instrumentos contínuos de análise.
Os inúmeros vínculos estabelecidos em projetos de formação continuada
são mediados por uma noção de conhecimento. Assim, aqueles que assumem a
noção clássica de conhecimento estarão organizados segundo perspectivas
bastante diferentes daqueles que tomam por base o paradigma do conhecimento
como uma produção social, localizado e produzido na relação dos sujeitos com a
construção da própria vida.
Neste último caso, o conhecimento fundado na reflexão das experiências é
tomado como ponto de partida para o diálogo com o conhecimento já sistematizado.
É uma perspectiva que se baseia na idéia da aprendizagem significativa. A relação
pedagógica que se estabelece entre as partes no contexto deste paradigma
diferencia os saberes da prática e da experiência dos saberes considerados
130
científicos, relativamente a sua metodologia e sistematização, mas não os qualifica
como melhores ou piores, mais verdadeiros ou menos verdadeiros. Isso,
conseqüentemente, altera os vínculos que serão estabelecidos entre os diferentes
sujeitos que participam do programa de formação. Assim sendo, a clareza da opção
por uma das concepções construirá o alicerce do cenário das relações pedagógicas
a serem estabelecidas entre implementadores e sujeitos em processos de formação.
Foi nessa perspectiva que se constituiu o grupo desta pesquisa. As redes de
conversação e análise de experiências não estabeleciam hierarquias entre as
professoras que atuavam em sala de aula, a coordenadora pedagógica e a
professora universitária. Todas aprendiam e todas ensinavam.
Então, eu acho assim, transmitir o que realmente acontece, pois, tu
argumentando, dizendo, argumentando com tua prática, eu acho que as
pessoas começam a vir mais, querem saber, não para fazer o que
fazemos, mas para saber, conhecer, evoluir (Professora Pérola).
Ao se conceber a formação de professoras como um dos importantes
componentes num processo de mudança, há que se salientar que essa formação
não se faz antes da mudança, faz-se durante.
Então, eu acredito também que as coisas vão mudar. Assim como nós
mudamos, eu acredito que possamos contagiar as outras, que vendo o
nosso empenho, a nossa dedicação, nossa empolgação. É trabalhoso, é,
mas, ele dá um prazer assim imenso!!! É gratificante a gente ver o retorno
de tudo isso!!! E então, eu acredito como já se vê lá na escola ah... Até por
pessoas que estão estudando, estão mais abertas em saber, estão
curiosas (Professora Pérola).
Acreditar no que se faz e crer que essas ações produzirão efeitos mais
amplos é, também, uma conseqüência da organização coletiva e do apoio mútuo
que o grupo proporciona:
131
Eu acho que tudo vai ser muito melhor o dia em que trabalharem todos em
equipe, assim como as primeiras trabalham em equipe conversam debatem
as dificuldades as angústias os prazeres né? As vitórias eu acho que vai
ser bem mais positivo o dia em que as outras séries tiverem diálogo. Todos
trabalharem juntos, mas, enquanto isso não acontece a gente continua se
posicionando firme naquilo que a gente acredita. E eu acredito que com o
passar do tempo à escola vai começar a mudar, tudo muda, a escola
também vai ter que progredir, ela vai ter que aceitar que ela precisa mudar,
ah! [silêncio] (Professora Pérola).
Avaliando a experiência, as professoras concluem que, muitas vezes,
perdem-se oportunidades de conhecimentos em ações de formação continuada pelo
fato de serem, estas, propostas externas, cujas expectativas de mudança não
pertencem “aos” educadores que atuam na escola, mas sim às políticas públicas
mais amplas. Porém, quando a iniciativa parte dos sujeitos envolvidos, o processo é
diferente porque está assentado no desejo de mudar.
É uma oportunidade, assim, diferente que a gente teve. Então, eu acho que
essa formação que a gente tem, foi muito boa, com esse grupo que tava
disposto a trabalhar, né? Acho que outros colegas se eles tivessem essa
mesma oportunidade (silêncio) talvez fossem querer participar! Pena que
não podemos e não temos tempo para poder trazer mais pessoas
engajadas. É bem a coisa do querer. Mas é assim, às vezes elas têm
oportunidade, e não sentem vontade de participar, mas isso tem que vir de
dentro, tem que ter aquele querer mesmo, né? (Professora Esmeralda).
A Professora, nessa narrativa, remete-se ao conceito de autonomia ao qual
tenho me referido ao longo desta escrita: as oportunidades são coletivas; as
escolhas, individuais. Para Maturana (1997), nenhum organismo pode especificar o
que se passa com o outro organismo (a nível orgânico). Já no viver humano, não
tocamos o sistema nervoso do outro, apenas podemos provocar perturbações e
ajudar a refletir. Esse processo, em nossa trajetória, inicia-se com as perguntas que
nos fazemos e que podemos ajudar os outros a se fazerem.
132
Assim, remeto-me à metáfora da viagem de Octavio Ianni. Segundo ele:
“Quem viaja larga muita coisa na estrada. Além de largar na partida, larga na
travessia. [...] No limite, o viajante despoja-se, liberta-se e abre-se, como no
alvorecer: caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao andar” (1996, p.18).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi realmente um gesto ousado. Nós táva tão confiante que a gente não
marcou nada de ruim, nada abalou. A gente estava tão motivada que o
resto a gente esqueceu. E isto é o que mais contou. A gente lembra que
isto aconteceu. Mas, só lembro as coisas boas. E o que ficou na minha
memória: uma realização muito grande!!!! (Professora Esmeralda).
A reconstrução da escola tem muitos caminhos, mas todos eles passam
pelas professoras. A profissão docente representou, no passado, um dos lugares em
que a idéia de escola foi inventada. No presente, o seu papel é essencial para que a
escola seja recriada como espaço de formação individual e de cidadania
democrática. Mas, para que isso aconteça, é preciso que as professoras sejam
estimuladas a refletir sobre a sua própria profissão, encontrando modelos de
formação e de trabalho que lhes permitam não só afirmar a importância dos
aspectos pessoais e organizacionais na vida docente, mas também consolidar as
dimensões coletivas da profissão.
“É preciso aceitar que as professoras precisam ter mais controle sobre as
condições de trabalho. É preciso valorizar ações conjuntas, experiências cotidianas
dos professores, projetos coletivos, capazes de modificar os contextos escolares”
(PIMENTA, GARRIDO e MOURA, 2000, p. 2), contribuindo para que as professoras
134
assumam atitudes desencadeadoras de mudanças. A iniciativa de formação ligada à
resolução de problemas reais, com ajuda dos professores e dentro do espaço da
escola, é uma perspectiva na capacitação docente que deveria ser assumida pelas
políticas públicas, conferindo autonomia aos profissionais e às instituições escolares
para a resolução de problemas locais referentes à educação.
A negociação de parceiros na formação centrada na escola demanda ações
programadas de trabalho coletivo e estudo de casos originários das expectativas dos
próprios docentes. Como pondera Imbernón (2000), a formação de professoras
centrada na escola:
[...] converte-se em um processo de autodeterminação baseado no diálogo,
na medida em que se implanta um tipo de compreensão compartilhada
pelos participantes, sobre as tarefas profissionais e os meios de melhorá-
las, e não um conjunto de papéis e funções que são aprimoradas mediante
normas e regras técnicas (p.86).
A racionalidade instrumental, na qual se assentam as políticas públicas de
formação docente, tem induzido os mentores e implementadores de programas ou
cursos de formação continuada a acreditarem que mudanças em cognições e
práticas são suficientes para transformar a educação. Nessa linha de ação, os
processos de formação atuam na convicção de que, oferecendo conteúdos com
novas técnicas, os profissionais produzirão, a partir do domínio de novos
conhecimentos, mudanças em posturas e formas de agir. Essa concepção não
corresponde ao que ocorre nesses processos formativos. Os conhecimentos e,
conseqüentemente, as mudanças são incorporados ou não, em função de
complexos processos, não apenas cognitivos, mas também sócio-afetivos e
culturais.
135
As respostas elaboradas no bojo da modernidade, na perspectiva de uma
lógica técnico-instrumental de formação, parecem já ter cumprido seu papel criativo
e estruturador e, atualmente, estão sendo revisitadas. A visão de natureza, de
sujeito, de conhecimento e de realidade está sendo repensada. A subjetividade
humana está se reorganizando a partir de outras maneiras de se perceber, de
perceber o real e, também, de aprender. A complexidade, a diversidade, a
fugacidade e a exceção, até então desconsideradas, passam a ser vistas como
desafios a serem compreendidos. Os sujeitos descobrem não serem exclusivamente
racionais, centrados no eu, com uma identidade estática; começam a se reconhecer
como seres paradoxais, dotados de consciência e inconsciente, em processo de
recriação constante pautado nas relações dialéticas que estabelecem consigo
mesmos, com outros sujeitos e com a natureza.
Hall (1999) alerta para o fato de que estamos convivendo com a
descentralização do sujeito moderno. Avanços na teoria social e nas ciências
humanas, provocados, principalmente, pelo pensamento de Marx, Freud, Saussure,
Foucault e pelo impacto de movimentos sociais, como o feminismo, impõem um
novo paradigma, que exclui os determinismos e anuncia a possibilidade de
protagonismo social de sujeitos, antes excluídos.
As revoltas estudantis, os movimentos juvenis, a contracultura, as lutas
pelos direitos civis, os movimentos revolucionários do Terceiro Mundo e os
movimentos pela paz tiveram um efeito desestabilizador sobre as idéias da
modernidade e, particularmente, na maneira como o sujeito e a questão da
136
identidade são pensados. A percepção da identidade como fixa e contínua cede
espaço para uma nova concepção de sujeito com uma identidade inacabada,
fragmentada, aberta e contraditória.
Assim sendo, não mais é pertinente pensar em uma professora abstrata,
genérica, não mais se pode acreditar de maneira ingênua que a formação das
professoras aconteça somente nos espaços destinados a esse fim. Fica cada vez
mais claro que as professoras e os professores, mulheres e homens inacabados,
contraditórios e multifacetados, com histórias pessoais forjadas nas relações que
estabelecem com o outro, com a cultura, com a natureza e consigo mesmos, fazem
escolhas, criam-se e recriam-se encontrando formas de crescer e de se exercer
profissionalmente.
Existe um espaço pouco explorado na formação docente. A maioria das
práticas formativas baseia-se no fornecimento de recursos teóricos e técnicos às
professoras. Estas, por sua vez, parecem não poder ou não desejar utilizar grande
parte deles. A partir da experiência com formação continuada autônoma de
professoras, descrita ao longo desta pesquisa, fui percebendo que seria necessário
rever algumas práticas. No entanto, considero que uma forma de acelerar esse
processo de mudança requer uma formação de professores que aposte nos
profissionais de educação não apenas como elementos socializadores, e sim como
intelectuais transformantes, no sentido de estes pensarem e atuarem na escola de
uma forma crítica e criativa.
137
A educação tem como objetivo provocar mudanças no sujeito, na sociedade
e na cultura. E mais, a educação não é para a escola, e sim para a vida.
Sintetizando, eu diria que a formação de professores e professoras há de atender a
certos aspectos, como a sua socialização, a criticidade, a autonomia, a subjetividade
para que se formem intelectuais transformadores. Seja na educação continuada ou
permanente, ou em serviço, que as professoras sejam capazes de pensar
alternativas às suas práticas pedagógicas, agindo diferentemente da rotina um dia
aprendida e sempre repetida.
Em nível de universidade, por exemplo, é possível sugerir a criação de uma
estrutura de formação que abranja tanto os professores em exercício como aqueles
que estão se iniciando na profissão. Isso com vistas a implementar um sistema de
troca de idéias e de experiências, procurando reforçar as competências profissionais
de cada um e sugerindo que existem diferentes maneiras de conduzir o trabalho
diário na escola.
Confiando-se no potencial das professoras e professores das escolas,
nestas poderiam surgir grupos de discussão, “redes de conversação”, estimulando a
experimentação e a capacidade de organização. Assim, estimula-se a capacidade
de crítica, bem como de criação de alternativas pedagógicas que fortalecem a
crença na possibilidade de mudanças.
Foi nesse espírito de partilha de idéias, de identificação de problemas
comuns e de fluidez entre instituições que foi conduzido o processo de formação
continuada de professoras apresentado nesta abordagem, como forma de conseguir
138
responder a problemas comuns, mas também às possibilidades e opções existentes.
Na perspectiva de que as instituições só são verdadeiramente educativas se
estiverem num processo permanente de aprendizagem. Nesse sentido, acredito que
ainda são necessários estudos e pesquisas que tragam novas luzes a essa questão,
apontando para caminhos que nos possibilitem compreender melhor a relação entre
teoria e prática nos processos de formação continuada de professoras. Caminho
esse que só poderá ser trilhado se formadores e pesquisadores levarem em conta a
necessidade de olhar, compreender, considerar e respeitar as necessidades das
professoras, considerando-as como parceiras na construção desse saber.
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ZEICHNER, Kenneth M. A formação reflexiva do professor: idéias e práticas.
Lisboa: Educa Professores, 1993.
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