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DANIELA VASCONCELLOS GOMES
A IMPORTÂNCIA DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO
FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
Caxias do Sul
2007
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DANIELA VASCONCELLOS GOMES
A IMPORTÂNCIA DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO
FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Direito
da Universidade de Caxias do Sul, como
requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Agostinho Oli Koppe
Pereira
Caxias do Sul
2007
2
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Para
Cristina, in memoriam, minha melhor
amiga nesta e em outras vidas o
verdadeiro amor transcende qualquer
distância;
Glacir, meu pai amado, que acredito nem
saber a importância que possui em minha
vida; e
Mathias, o amor que nunca imaginei
encontrar, e que diariamente faz a minha
existência mais feliz.
3
Agradeço ao meu orientador, professor
Dr. Agostinho Oli Koppe Pereira, não
apenas um profissional admirável, mas
um amigo para ser levado para toda a
vida;
A CAPES, por ter custeado parte deste
curso, viabilizando a sua realização;
E a todos que, de uma forma uma outra,
auxiliaram na elaboração desta pesquisa.
4
"O Direito não serve, senão para se
realizar. Então, não lhe basta uma
pretensão normativa, é preciso que se lhe
efetividade social." (Rudolf von Ihering,
A finalidade do Direito)
5
RESUMO
O ordenamento jurídico brasileiro protege o direito ao meio ambiente sadio e
ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações de forma ampla,
inclusive alçando-o ao status de direito fundamental tutelado constitucionalmente
desde o advento da Constituição Federal de 1988. Apesar disso, as atividades
humanas ainda são orientadas por interesses predominantemente econômicos, vez
que o crescimento da economia ainda é apresentado como a solução de todos os
problemas, e buscado incessantemente pela sociedade contemporânea. Ao
considerar o meio ambiente apenas como um estoque interminável de matérias-
primas à disposição dos seres humanos, as atividades desenvolvidas ocasionam
diversas formas de degradação ambiental, contribuindo para o ocasionamento da
crise ambiental existente. Atualmente essa cosmovisão antropocêntrica e
reducionista deve dar lugar a outra visão, mais ampla e preocupada com a
sustentabilidade do planeta. Para tanto, é preciso a formação de uma nova
consciência e o resgate de valores fundamentais para a sociedade, tais como a
participação, a responsabilidade e a solidariedade social. Nesse sentido, a presente
dissertação tem por objetivo identificar a contribuição do exercício da cidadania
enquanto instrumento para o alcance da sustentabilidade, e conseqüentemente,
para a efetivação do direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado. Para isso, foram analisados aspectos relacionados às características
dos direitos fundamentais, à busca da sustentabilidade e ao exercício da cidadania.
Os resultados permitem concluir que o consumo pode passar de uma atividade
propulsora da degradação ambiental a elemento-chave da sustentabilidade, e
contribuir para a superação da crise ambiental. Para tanto, é preciso que o consumo
seja visto sob uma perspectiva mais ampla e complexa, não como atividade
social com inúmeros reflexos na sociedade, mas como forma de exercício da
cidadania.
Palavras-chave: Direito fundamental. Meio ambiente. Sustentabilidade. Exercício da
cidadania. Consumo.
6
ABSTRACT
The Brazilian legal system protects the right to the healthy environment and
ecologically balanced for the presents and future generations of ample form, also
elevated it the status of basic right tutored person constitutionally since the advent of
the Federal Constitution of 1988. Although this, the activities human beings still are
guided by predominantly economic interests, time that the growth of the economy still
is presented as the solution of all the problems, and incessantly searched for the
society contemporary. When considering the environment only as an interminable
raw material supply to the disposal of the human beings, the developed activities
cause diverse forms of ambient degradation, contributing for the causation of the
existing ambient crisis. Currently this anthropocentric and reductionist vision must
give place to another vision, ampler and worried about the sustainability of the planet.
For in such a way, it’s necessary the formation of a new conscience and the rescue
of basic values for the society, such as the participation, the responsibility and social
solidarity. In this direction, the present dissertation has for objective to identify the
contribution of the exercise of the citizenship while instrument for the reach of the
sustainability, and consequently, for the effectuation of the basic right to the healthy
environment and ecologically balanced. For this, aspects related to the
characteristics of the basic rights, to the search of the sustainability and the exercise
of the citizenship had been analyzed. The results allow to conclude that the
consumption can pass of a propeller activity of the ambient degradation the element-
key of the sustainability, and to contribute for the overcoming of the ambient crisis.
For in such a way, it’s necessary that the consumption is seen under an ampler and
complex perspective, not only as social activity with innumerable consequences in
the society, but as form of exercise of the citizenship.
Keywords: Basic right. Environment. Sustainability. Exercise of the citizenship.
Consumption.
7
ABREVIATURAS
art. artigo
CDC Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)
CF Constituição Federal
ed. edição
IDEC Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
LICC Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657/42)
n. número
ONU Organização das Nações Unidas
p. página
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
rel. relator
RTJ Revista Trimestral de Jurisprudência
STF Supremo Tribunal Federal
v. volume
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10
1 CARACTERIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE
SADIO E ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO.......................................................15
1.1 Considerações acerca das características dos direitos fundamentais................ 15
1.2 Aplicação dos direitos fundamentais................................................................... 26
1.3 Conteúdo e significado do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado................................................................................................................. 38
2 A CRISE AMBIENTAL E O NECESSÁRIO DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA....48
2.1 Delineamentos acerca da crise ambiental na sociedade contemporânea...........48
2.2 Em busca do desenvolvimento sustentável......................................................... 56
2.3 A importância da educação ambiental na formação de uma nova consciência.. 63
3 O EXERCÍCIO DA CIDADANIA EM BUSCA DA SUSTENTABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL.................................................................................................. 75
3.1 A participação e a solidariedade social como base da cidadania........................76
3.2 Sociedade de consumo: de propulsora da degradação ambiental a elemento-
chave da sustentabilidade......................................................................................... 84
3.3 O papel do indivíduo/consumidor na efetivação do direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado....................................................................... 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 109
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 113
9
INTRODUÇÃO
A legislação ambiental é composta por diversos dispositivos normativos, que
foram desenvolvidos no decorrer do tempo, de acordo com o surgimento de novas
situações fáticas a serem tuteladas pela ordem jurídica. Em razão de ter sido
elaborada em diferentes momentos históricos, essa legislação nem sempre é
norteada pelas mesmas diretrizes, o que lhe confere um caráter fragmentário,
carecedor de unidade e coerência. Essa característica gera preocupação à medida
que pode dificultar a concretização da imposição constitucional de garantir um meio
ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
Diante da complexidade na aplicação do direito em um sistema fragmentado
como o direito ambiental, este deve ser sempre interpretado e concretizado à luz da
Constituição Federal, caracterizada por ser um sistema aberto, composto por regras
e princípios. A Constituição, não obstante seu caráter de norma fundamental,
também necessita de interpretação como qualquer outro dispositivo legal, para que
sejam atribuídos significados aos seus enunciados. A norma constitucional realiza-
se por sua aplicação e concretização na realidade fática. A efetiva defesa e
preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e
futuras gerações, vinculam-se, portanto, à concretização das normas constitucionais.
Dentre a diversidade de normas que regem o direito ambiental, muitas estão
previstas na própria Constituição Federal de 1988 dentre elas, a norma definidora
do direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. A
Constituição é o eixo central de todo o ordenamento, e os preceitos constitucionais
devem orientar e se sobrepor a todas as demais normas. Resta saber se na
aplicação dessas normas é respeitada pelos julgadores a supremacia normativa da
Constituição, e, se além da correta aplicação das normas ambientais, a sociedade
está efetivamente comprometida com a busca da sustentabilidade.
Mesmo que a legislação ambiental brasileira seja considerada bastante
avançada em relação a outros países, isso pode não ser o suficiente para a efetiva
10
proteção do meio ambiente, pois muitas vezes percebe-se uma grande distância
entre a previsão normativa e a realidade fática não somente em relação à questão
ambiental, mas em diversos pontos da realidade social. Assim, o problema não
reside na falta de previsão normativa sobre a matéria, mas na não-aplicação das
normas jurídicas estabelecidas.
Eis a proposta dessa pesquisa: buscar mecanismos que possibilitem a efetiva
aplicação das normas ambientais, e em especial, do dispositivo constitucional que
estabelece o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para
as presentes e futuras gerações, que, não obstante estar inserido no ordenamento
brasileiro desde a Constituição Federal de 1988, na realidade fática se revela
aplicado aquém do alcance e objetivo estabelecidos pela legislação.
Para o desenvolvimento desse raciocínio, o estudo divide-se em três partes. A
primeira parte trata da caracterização do direito fundamental ao meio ambiente sadio
e ecologicamente equilibrado. Com esse objetivo, em um primeiro momento faz-se
uma aproximação acerca das características dos direitos fundamentais, com uma
breve diferenciação destes com os denominados direitos humanos, e a abordagem
de algumas das classificações jurídicas existentes na doutrina, especialmente
aquela que divide os direitos fundamentais de acordo com o reconhecimento de seu
conteúdo no decorrer da história, caracterizando-os como direitos fundamentais de
primeira, segunda e terceira gerações. Após, trata-se da aplicação dos direitos
fundamentais, perpassando os critérios norteadores não do direito constitucional,
mas de todo o direito, vez que, embora existam algumas características específicas
para a aplicação do direito constitucional, em regra segue-se a forma de aplicação
das normas jurídicas em geral. Para tanto, faz-se uma breve reflexão a respeito da
relação existente entre interpretação e aplicação das normas jurídicas, uma vez que
a aplicação do direito está intrinsecamente ligada à sua interpretação. Além disso,
aborda-se a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais, expressa pelo próprio texto constitucional com o objetivo de conferir a
maior eficácia possível aos direitos fundamentais. Após uma abordagem mais ampla
acerca de alguns aspectos respeitantes às normas definidoras de direitos
fundamentais, trata-se de forma mais específica o direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, trazendo ao debate o conteúdo e o significado
11
deste direito fundamental. Nesse ponto, além da compreensão jurídica do meio
ambiente, o abordados temas como o reconhecimento do direito ao meio
ambiente nos ordenamentos jurídicos e em documentos internacionais, a razão da
tutela do direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, e a
titularidade da responsabilidade na defesa e preservação do meio ambiente.
A segunda parte traz uma breve reflexão acerca da crise ambiental existente
atualmente e do necessário despertar de uma nova consciência, que possibilite o
restabelecimento da relação entre o homem e a natureza e busque a
sustentabilidade. Para isso, inicia-se com alguns delineamentos acerca da crise
ambiental na sociedade contemporânea, buscando-se apontar as suas principais
causas e os fatores que favorecem o seu agravamento, além de tratar da influência
da visão antropocêntrica no processo de degradação do meio ambiente, e a
conseqüente necessidade de se repensar a forma de pensar e de agir em relação à
natureza. Após analisar alguns aspectos da crise a ser enfrentada, aborda-se o
grande desafio da sociedade contemporânea: o desenvolvimento sustentável. Para
tratar dessa busca de equilíbrio entre o desenvolvimento socioeconômico e a
preservação do meio ambiente, é preciso diferenciar crescimento de
desenvolvimento, além de reavaliar a relação existente entre economia e meio
ambiente, sistemas totalmente interligados ou dissociados, de acordo com o ponto
de vista utilizado. Nesse ponto, além de considerar a relação entre os recursos
existentes e as necessidades humanas, confronta-se o direito das presentes e das
futuras gerações em relação a esses recursos. Avançando na questão da
necessidade de formação de uma nova consciência, passa-se a tratar da
importância da educação ambiental na consecução desta transformação. Nesse
sentido, além de avaliar a necessidade de construção de uma nova mentalidade,
busca-se fundamentos para uma nova forma de pensamento, que reaproxime não
somente o ser humano da natureza, como também os seres humanos entre si. Após
essa breve reflexão, analisa-se a educação ambiental nas diversas perspectivas que
a envolvem, incluindo seus objetivos, seus processos, seus princípios, seus
desafios, e sua estreita ligação com a cidadania.
A terceira e última parte do trabalho examina a relação existente entre o meio
ambiente e a cidadania, e estabelece o debate sobre o papel do exercício da
12
cidadania em busca da sustentabilidade e da conseqüente efetivação do direito
fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para as
presentes e futuras gerações. Para dar início a essa reflexão, busca-se ampliar a
noção de cidadania, muitas vezes restrita ao seu aspecto formal, de mero
estabelecimento de determinados direitos a membros de um Estado-nação. Assim,
se entabula a proposta de encarar a cidadania de uma forma mais abrangente, e
principalmente, mais ativa, em que a participação e a solidariedade social são
consideradas verdadeiras bases da cidadania. Após, acrescenta-se outro elemento
ao caminho a ser traçado na busca da sustentabilidade: a transformação dos atuais
parâmetros estabelecidos pela sociedade de consumo. Tal fato se justifica a medida
que, se o alto padrão de consumo é um dos principais elementos causadores do
atual estágio de degradação ambiental, a partir dele também podem e devem
surgir alternativas para a reversão deste quadro. Nesse ponto, são abordados
diversos aspectos atinentes ao consumo, como a sua crescente valorização desde o
advento do processo de industrialização, a sua estreita ligação com a incessante
busca de satisfação pessoal e reconhecimento social, a constante criação de novas
necessidades, até se chegar à idéia de sustentabilidade no consumo. Além disso,
busca-se demonstrar que a atuação do consumidor pode ter reflexos positivos ou
negativos sobre o meio ambiente, de modo que deve haver um trabalho de
conscientização para que o comportamento do consumidor não tenha apenas um
caráter individual, mas esteja comprometido socialmente e ambientalmente com a
coletividade. Nesse sentido emerge o papel do indivíduo/consumidor na efetivação
do direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, vez
que meio ambiente, consumo e cidadania mostram-se intimamente interligados, e a
proteção do meio ambiente não depende apenas da existência de normas
protetivas, mas do comprometimento e da participação de toda a sociedade.
É exatamente essa relação, entre a previsão e a concretização das normas
ambientais, especialmente a que estabelece o direito fundamental ao meio ambiente
sadio e ecologicamente equilibrado, e a importância da participação e da
cooperação de toda a sociedade na consecução desse direito, que é abordada
nesse trabalho.
13
A importância desse estudo, ressalte-se, é a busca de alternativas para a
efetiva aplicação do direito fundamental ao meio ambiente, para que a proteção
jurídica do ambiente não acabe da mesma maneira que tantos outros dispositivos
normativos no ordenamento brasileiro: vigentes, válidos, mas sem qualquer
efetividade.
14
1 CARACTERIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE
SADIO E ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
Para que seja possível a busca de alternativas para a real efetividade do
direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, é
necessário que se faça primeiramente uma aproximação acerca das características
dos direitos fundamentais e a sua forma de aplicação, para depois adentrar nas
características específicas do direito fundamental sob análise.
Diante da amplitude dos temas a serem abordados, ressalte-se que não
qualquer pretensão de esgotamento do assunto a para que não se perca o foco
em questão, que requer a abordagem de diversos aspectos, a serem tratados
oportunamente nos capítulos seguintes. De forma que serão analisados aqui os
aspectos considerados mais relevantes para a elaboração desse estudo, sem
desviar do objetivo principal de buscar soluções para o problema proposto.
1.1Considerações acerca das características dos direitos fundamentais
A proteção de determinados direitos subjetivos do homem é designada sob
diversas formas, tais como “direitos fundamentais”, “direitos do homem”, “direitos
humanos”, “direitos humanos fundamentais”, entre tantos outros termos utilizados
pela legislação e pela doutrina. Apesar da diversidade de termos, não cabe aqui um
estudo pormenorizado sobre a questão, de modo que neste momento deter-se-á
apenas na distinção entre as expressões “direitos humanos” e “direitos
fundamentais”, que, embora estreitamente relacionadas, não se confundem.
15
Os direitos fundamentais são aqueles direitos do ser humano reconhecidos e
protegidos como tais pela ordem constitucional de um Estado. Assim, tratam-se de
normas jurídicas vinculativas, protegidas através do controle jurisdicional da
constitucionalidade dos dispositivos reguladores destes direitos.
1
Tais direitos, ao serem colocados no vértice do sistema, sob a proteção da
carta fundamental de um Estado, diferenciam-se dos chamados direitos humanos,
reconhecidos internacionalmente ao ser humano considerado em si,
2
mas sem
qualquer vinculação estatal – e muitas vezes não efetivados, onde certas
declarações de direitos tomam a feição de meras cartas de intenções.
3
Segundo Canotilho,
A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem
jurídica positiva dos direitos considerados ‘naturais’ e inalienáveis’ do
indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes
a dimensão de fundamental rights colocados no lugar cimeiro das fontes de
direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os ‘direitos
do homem são esperanças, aspirações, ideias, impulsos, ou, até, por vezes,
mera retórica política’, mas não direitos protegidos sob a forma de normas
(regras e princípios) de direito constitucional (Grundreschtsnormen).
4
No mesmo sentido, Robles diferencia os direitos humanos dos direitos
fundamentais da seguinte forma:
Os direitos fundamentais são determinados positivamente. São direitos
humanos positivados, isto é, concretados e protegidos especialmente por
normas do nível mais elevado. A positivação tem tal transcendência que
modifica o caráter dos direitos humanos pré-positivados, posto que permite
1
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra:
Almedina, 2000, p. 372.
2
Segundo Lorenzetti, A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948
dispunha que ‘todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos’. O sujeito dos
direitos é o ‘ser humano’ e os direitos são direitos humanos’, porque todos os indivíduos deles são
titulares, independentemente das questões de raça, nacionalidade, idade ou crença” (LORENZETTI,
Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Trad. Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1998, p. 152).
3
ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático. Revista de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro, n. 217, p. 55-66, jul./set. 1999, p. 57; SARLET, Ingo Wolfgang. A
eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2003, p. 33-34.
4
CANOTILHO, op. cit., p. 371.
16
a transformação de critérios morais em autênticos direitos subjetivos
dotados de maior proteção que os direitos subjetivos não fundamentais.
5
Embora muitos dos direitos humanos reconhecidos internacionalmente sejam
contemplados pelos textos constitucionais de diversos Estados, não existe
necessariamente uma identidade entre eles, podendo cada Constituição ir aquém ou
além da proteção internacional. Entretanto, os direitos definidos constitucionalmente
como direitos fundamentais têm maior possibilidade de efetivação, diante dos
mecanismos jurídicos existentes nos ordenamentos que os contemplam.
6
Nesse ponto, é importante ressaltar que a efetiva realização dos direitos
fundamentais é uma das grandes questões que se apresentam na sociedade
contemporânea. Como afirma Bobbio, “o problema fundamental em relação aos
direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los [...] o
problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais
amplo, político”.
7
Ou seja, em relação à efetivação dos direitos fundamentais, as
principais dificuldades encontradas atualmente não estão em sua previsão
normativa, mas na implementação das normas existentes.
Tanto isso ocorre que uma diversidade de direitos protegidos
constitucionalmente na qualidade de direitos e garantias fundamentais no
ordenamento jurídico brasileiro. Quanto às espécies de direitos e garantias
fundamentais existentes, encontram-se diversas classificações na doutrina.
Para Canotilho, por exemplo, direitos fundamentais referem-se àqueles
direitos inerentes ao homem como indivíduo ou como participante na vida política; a
liberdades, à defesa da esfera jurídica dos cidadãos perante os poderes políticos; e
a garantias, às garantias ou meios processuais adequados para a defesa dos
direitos.
8
5
ROBLES, Gregorio. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade atual. Trad. Roberto
Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005, p. 7.
6
SARLET, op. cit., p. 36-37.
7
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004, p. 43-45.
8
CANOTILHO, op. cit., passim.
17
De acordo com a Constituição Federal de 1988, os direitos e garantias
fundamentais se subdividem em: direitos individuais e coletivos, direitos sociais,
direitos de nacionalidade, direitos políticos e direitos relacionados à existência,
organização e participação em partidos políticos.
9
Atualmente classificam-se ainda os direitos fundamentais de acordo com o
reconhecimento de seu conteúdo no decorrer da história, denominando-os direitos
fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões (ou gerações).
Segundo Bobbio,
Do ponto de vista teórico, sempre defendi e continuo a defender,
fortalecido por novos argumentos que os direitos do homem, por mais
fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas
circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades
contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez
e nem de uma vez por todas.
10
Embora consagrado e amplamente utilizado, o termo “gerações” tem
sofrido diversas críticas pela doutrina, por poder representar que o reconhecimento
progressivo de novos direitos fundamentais tenha caráter de alternância, e não de
complementariedade, como efetivamente acontece.
11
O reconhecimento de uma
geração de direitos não ocorre para substituir a(s) anterior(es), e sim para
complementá-la(s).
Nesse sentido, Sarlet ressalta:
[...] é de se ressaltarem as fundadas críticas que vêm sendo dirigidas contra
o próprio termo ‘gerações’ por parte da doutrina alienígena e nacional. Com
efeito, não como negar que o reconhecimento progressivo de novos
direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de
complementariedade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da
expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição
gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o
9
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. a
da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo:
Atlas, 2002, p. 43-44.
10
BOBBIO, op. cit., p. 25.
11
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed.o Paulo: Malheiros, 2002, p. 525;
SARLET, op. cit., p. 50.
18
termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais, posição esta que aqui
optamos por perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina.
12
A primeira dimensão de direitos surgiu por volta do século XVIII para
assegurar a liberdade do indivíduo frente à ação estatal, em um procedimento
característico do Estado liberal. São direitos de defesa, para proteger a autonomia
individual e garantir a não-intervenção do Estado. Assim, as liberdades públicas
constituem-se em direitos subjetivos poderes de agir reconhecidos e protegidos
pelo ordenamento jurídico oponíveis a todos os indivíduos, inclusive e
especialmente ao próprio Estado.
13
Segundo Alexy,
De acuerdo con la interpretación liberal clásica, los derechos fundamentales
están destinados, ante todo, a asegurar la esfera de la libertad del individuo
frente a intervenciones del poder público; son derechos de defensa del
ciudadano frente al Estado. Los derechos de defensa del ciudadano frente
al Estado son derechos a acciones negativas (omisiones) del Estado.
14
Os direitos fundamentais de primeira dimensão são direitos de liberdade
também denominados liberdades públicas –, e se referem a direitos individuais e
políticos, tais como o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à segurança pessoal, à
integridade física, à igualdade perante a lei, à propriedade, entre outros.
15
Com o desenvolvimento industrial do século XIX, houve uma profunda
modificação nas relações intersubjetivas, fazendo emergir, assim, a necessidade de
proteção de categorias que se encontravam prejudicadas, com o intuito de
compensar juridicamente suas debilidades sociais ou econômicas.
12
SARLET, op. cit., p. 50.
13
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da constituição brasileira. 4. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 101;
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 27. ed. atual. São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 29-30.
14
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 2002, p. 419.
15
SARLET, op. cit., p. 51; LORENZETTI, op. cit., p. 153; LOPES, Ana Maria D'Ávila. Hierarquização
dos direitos fundamentais? Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 9, n.
34, p. 168-183, jan./mar. 2001, p. 174-175.
19
Desse modo, ao contrário dos direitos fundamentais de primeira dimensão,
que impõem uma abstenção do Estado, os direitos de segunda dimensão são
conferidos e concretizados através da ação estatal, pois requerem ações do Estado
voltadas à minoração dos problemas sociais e econômicos gerados pelo grande
processo de industrialização.
16
Nesse sentido, afirma Bobbio:
Todas as declarações recentes de direitos do homem compreendem, além
dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também
os chamados direitos sociais, que consistem em poderes. Os primeiros
exigem da parte dos outros (incluídos aqui os órgãos públicos) obrigações
puramente negativas, que implicam a abstenção de determinados
comportamentos; os segundos podem ser realizados se for imposto a
outros (incluídos aqui os órgãos públicos) um certo número de obrigações
positivas.
17
Na luta pela conquista por uma primeira dimensão de direitos, o indivíduo
posicionava-se contra o Estado; em um segundo momento, o Estado é que vai
garantir que o poder econômico não revogue as conquistas alcançadas.
18
Assim, a segunda dimensão de direitos fundamentais, que foi introduzida com
o constitucionalismo social no culo XX para enfrentar o problema dos grandes
desníveis sociais, trata de direitos de igualdade não mais se assegura apenas
liberdades formais abstratas, mas liberdades materiais concretas. São direitos
econômicos, sociais e culturais, relacionados ao trabalho, à assistência social, à
habitação, à saúde, à educação, ao lazer, etc.
19
16
SARLET, op. cit., p. 51; MORAIS, José Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses
transindividuais: o Estado e o Direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1996, p. 163-164.
17
BOBBIO, op. cit., p. 41.
18
BARROSO, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, op. cit., p. 101.
19
SARLET, op. cit., p. 52; BARROSO, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, op. cit.,
p. 101; FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais. 4. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000,
p. 103.
20
Entretanto, a ampliação do rol de direitos fundamentais tutelados pela ordem
jurídica não se encerrou com o reconhecimento dos chamados direitos sociais. Ao
se admitir o surgimento de novos problemas, relacionados especialmente à qualida-
de de vida e à solidariedade entre os indivíduos, emerge a necessidade de reconhe-
cimento e proteção de novos direitos fundamentais.
20
Então, a partir do segundo pós-guerra começa a se desenvolver a terceira
dimensão de direitos, que contempla direitos difusos, muitas vezes denominados de
“novos direitos”.
21
Mas foi a partir de 1979, com a publicação do artigo de Karel
Vasak, “Vrais et faux droits de l’Homme”, na Revue du Droit Public, que se começa a
reconhecer efetivamente esses novos direitos.
22
São os chamados direitos de fraternidade, e dizem respeito ao direito à paz, à
proteção ao meio ambiente e à qualidade de vida, ao desenvolvimento, à
manutenção do patrimônio comum da humanidade, à autodeterminação dos povos,
à proteção dos consumidores, à proteção da infância e juventude, etc.
23
Os direitos
de solidariedade são ao mesmo tempo individuais e coletivos, e demonstram que
continuamente aparecem novos direitos fundamentais para satisfazer as exigências
do desenvolvimento social.
24
Deve-se ressaltar novamente que o reconhecimento dos direitos econômicos
e sociais e dos direitos de solidariedade não substituem os direitos individuais, mas
pelo contrário, lhe servem de complementação.
25
Como bem ressalta Ferreira Filho:
“a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de
igualdade, a terceira, assim, completaria o lema da Revolução Francesa: liberdade,
igualdade, fraternidade”.
26
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal Federal:
20
FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 57.
21
LORENZETTI, op. cit., p. 154.
22
FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 57-58.
23
MORAES, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 44-46; SARLET, op. cit., p. 54; FERREIRA
FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 58.
24
LOPES, op. cit., p. 175-176.
25
FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 28.
26
Ibidem, p. 57.
21
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) que
compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais realçam o
princípio da liberdade e o os direitos de segunda geração (direitos
econômicos, sociais e culturais) que se identificam com as liberdades
positivas, reais ou concretas acentuam o princípio da igualdade, os
direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade
coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram
o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no
processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos
humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela
nota de uma essencial inexauribilidade. (STF Pleno MS 22.164/SP
Rel. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p. 39.206)
Apesar disso, a fraternidade sempre foi considerada um “primo pobre” dos
ideais de igualdade e liberdade, e por muito tempo se manteve apenas como uma
idéia vaga e abstrata.
27
Ao tratar da tríade iluminista, a filosofia política sempre
privilegiou a liberdade e a igualdade em detrimento da fraternidade, que permaneceu
em um plano secundário, à sombra dos outros temas.
28
Para Rawls,
Em comparação com a liberdade e a igualdade, a fraternidade tem ocupado
um lugar menos importante na teoria democrática. Considera-se que ela é
um conceito menos especificamente político, que não define em si mesmo
nenhum dos direitos democráticos, mas que em vez disso expressa certas
atitudes mentais e formas de conduta sem as quais perderíamos de vista os
valores expressos por esses direitos. [...] Algumas vezes se considera que o
ideal de fraternidade envolve laços sentimentais que, entre membros da
sociedade mais ampla, não seria realista esperar. E essa é certamente mais
uma razão para que ele seja relativamente negligenciado na doutrina
democrática.
29
No entanto, a fraternidade deve reassumir sua importância na sociedade
contemporânea, que “recoloca em questão a comunhão de pactos entre sujeitos
concretos com as suas histórias e as suas diferenças”.
30
Assim, a fraternidade e a
solidariedade passam a ter papel fundamental na atual configuração do direito,
podendo até se falar na busca de um “direito fraterno”.
27
RESTA, Eligio. O Direito fraterno. Trad. Sandra Regina Martini Vial. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
2004, passim.
28
CANTO-SPERBER, Monique (org.). Dicionário de ética e filosofia moral. São Leopoldo: Unisinos,
2003, v. 2, p. 668.
29
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2. ed.
São Paulo: Martins Fontes: 2002, p. 112-113.
30
RESTA, op. cit., p. 16.
22
Para Resta, o direito fraterno
[...] trata-se de um modelo de direito que abandona a fronteira fechada da
cidadania e olha em direção à nova forma de cosmopolitismo que não é
representada pelos mercados, mas pela necessidade universalista de
respeito aos direitos humanos que vai se impondo ao egoísmo dos “lobos
artificiais” ou dos poderes informais que à sua sombra governam e
decidem.
31
De modo que a noção de fraternidade demonstra a sua importância à medida
que os direitos fundamentais e a própria democracia encontram ampla proteção
jurídica no ordenamento pátrio, mas dependem de uma atitude concreta de
cooperação e solidariedade de todos os cidadãos para a sua efetivação.
32
33
34
Encontra-se na doutrina autores que defendem a existência de uma quarta
dimensão de direitos fundamentais, mas não se trata de ponto pacífico, não
existindo, assim, consenso quanto ao seu conteúdo.
Nesse sentido, Sarlet questiona se, já que os direitos fundamentais têm por
base o princípio maior da dignidade da pessoa humana, e a proteção de valores
tradicionais tais como a vida, a liberdade, a igualdade –, se esses novos direitos
não passariam de uma nova forma de reivindicar os direitos reconhecidos, mas
nem sempre respeitados em sua plenitude.
35
Com entendimento diverso sobre o assunto, Bonavides
36
e Sarlet
37
entendem
que entre os direitos fundamentais da quarta geração estariam direitos como à de-
31
RESTA, op. cit., p. 15-16.
32
MARTÍN, Nuria Belloso. Os novos desafios da cidadania. Trad. Clovis Gorczevski. Santa Cruz do
Sul: EDUNISC, 2005, p. 111.
33
Em sentido contrário, apesar de concordar que é preciso reconstruir a cidadania, Campilongo
com reserva a atuação da sociedade diante da crise do Estado: “O sistema político é capaz de
produzir uma legalidade abrangente das diversas gerações de direitos civis, políticos e sociais.
Entretanto, nem se submete a essa legalidade e nem tem força para fazer o Estado presente na
implementação eficaz desses direitos. A sociedade, de outro lado, com capacidade para ver suas
demandas por direitos transformadas em leis quando não em normas constitucionais não tem
suficiente poderio de organização e de conflito para exigir a submissão do governo à legalidade e
muito menos para usufruir diretamente desses direitos.” (CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito
na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 57-58).
34
A importância do exercício da cidadania e da participação social na reconstrução da sociedade será
abordada oportunamente nos capítulos seguintes.
35
SARLET, op. cit., p. 55-56.
36
BONAVIDES, op. cit., p. 525.
37
SARLET, op. cit., p. 56-57.
23
mocracia, ao pluralismo e à informação. Para Bobbio
38
, são direitos relacionados às
manipulações genéticas. Enquanto Lorenzetti
39
afirma que os direitos de quarta di-
mensão se tratam de “direitos a ser diferente”, tais como o direito à homossexualida-
de, à troca de sexo, ao aborto, à recusa a tratamentos médicos mortais, etc.
Os direitos fundamentais podem ser diferenciados ainda a partir da natureza
de sua prestação. Nesse caso, conforme Sarlet, os direitos fundamentais exercem
diferentes funções, podendo ser divididos em dois grandes grupos: direitos de defe-
sa e direitos a prestações. Segundo o referido autor, os direitos de cunho prestacio-
nal englobam os direitos a prestações em sentido amplo (direitos à proteção e direi-
tos à participação na organização de direitos) e direitos a prestações em sentido es-
trito (direitos a prestações materiais sociais).
40
Para Ferreira Filho
41
, tais direitos abrangem as liberdades, os direitos de crédi-
to, os direitos de situação e os direitos-garantia. As liberdades têm por objeto ações
ou omissões, vez que são poderes de agir (liberdade de ir e vir, direito de greve). Os
direitos de crédito em geral objetivam prestações de serviços pelo Estado (direito ao
trabalho, à saúde, à educação). Os direitos de situação dizem respeito à preserva-
ção ou restabelecimento de uma situação (direito ao meio ambiente sadio, à paz, à
autodeterminação dos povos). Os direitos a garantias instrumentais têm por objeto a
prestação jurisdicional em defesa de outros direitos (mandado de segurança, habe-
as corpus). Os direitos a garantias-limite protegem o indivíduo de determinadas situ-
ações (direito a não sofrer censura, a não ser expropriado sem justa indenização).
38
BOBBIO, op. cit., p. 25-26.
39
LORENZETTI, op. cit., p. 154-155.
40
SARLET, op. cit., p. 174-175.
41
FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 101.
24
Outra possibilidade de classificação jurídica dos direitos fundamentais
assenta suas bases a partir da titularidade do direito. Sob essa perspectiva, os
direitos dividem-se em individuais, individuais homogêneos, coletivos e difusos. O
direito individual é aquele cujo titular é um indivíduo ou um ente personalizado. O
direito individual homogêneo configura-se em um grupo de direitos individuais, mas
que decorrem de uma origem comum. O direito coletivo tem como titular uma
coletividade cujos integrantes estão vinculados entre si através de uma relação
jurídica. O direito difuso é reconhecido, sem individualização, a pessoas que
partilham de determinadas condições.
42
O sujeito passivo dos direitos fundamentais pode ser o Estado e/ou
particulares. O Estado sempre estará presente, seja respeitando as liberdades
individuais, prestando serviços considerados direitos sociais, ou tutelando direitos de
solidariedade. No que se refere aos primeiros e aos últimos, também os particulares
devem sempre respeitá-los. E no caso dos direitos sociais, por vezes a Constituição
Federal compartilha sua responsabilidade, como acontece com a educação, que
também é de responsabilidade da família (art. 205/CF), e a seguridade, da
sociedade (art. 195/CF), ao lado do Estado.
43
Além dessas características básicas, é de se ressaltar que os direitos
fundamentais constituem a base lógica e axiológica de um ordenamento jurídico. A
partir da análise dos direitos fundamentais de um Estado é possível depreender
quais os seus valores básicos, ao verificar quais direitos foram considerados
essenciais àquela sociedade. Afinal, segundo Bobbio, “o que parece fundamental
numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras
épocas e em outras culturas”.
44
42
FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 101-102.
43
Ibidem, p. 103.
44
BOBBIO, op. cit., p. 38.
25
1.2 Aplicação dos direitos fundamentais
Para que se possa analisar a forma de aplicação das normas definidoras de
direitos fundamentais, é preciso perpassar os critérios norteadores da aplicação de
todo o direito. Assim ocorre, pois, na aplicação do direito constitucional, apesar da
existência de algumas características específicas, em regra segue-se a aplicação
das normas jurídicas em geral.
A aplicação do direito está intrinsecamente ligada à sua interpretação.
Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma, conferindo significado ao seu
conteúdo.
45
Para Hesse, “interpretação constitucional é concretização”.
46
Para
Canotilho, a concretização não tem necessariamente o mesmo significado da
interpretação, pois a interpretação é uma fase intermediária na solução das
situações fáticas, em que a concretização é “a construção de uma norma jurídica”.
47
Assim, a interpretação busca revelar o significado de um dispositivo
normativo, mas seu objetivo é muito mais amplo seu fim último é a concretização
do direito. Concretizar o direito é aplicar a lei no caso concreto. Sendo assim, o
papel da interpretação na concretização do direito é mediar o caráter geral do texto
normativo com a especificidade do caso particular.
48
Na elaboração da solução jurídica de cada caso, para extrair o significado
normativo expresso pelo dispositivo legal, o intérprete não interpreta apenas o texto
normativo mundo do dever-ser –, mas também o caso concreto a que ele será
aplicado – mundo do ser. De forma que o trabalho de construção da norma aplicável
se renova constantemente, a cada questão analisada. Pois, segundo Grau
49
, se a
45
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Batista Machado. 6. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 126.
46
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad.
Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998, p. 61.
47
CANOTILHO, op. cit., p. 1165.
48
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 19.
49
Ibidem, p. 25-26.
26
simples leitura do texto legal fosse suficiente para a interpretação do direito, bastaria
que o intérprete fosse alfabetizado.
A interpretação de um texto é sempre necessária, pois é através dela que é
possível compreender o seu significado. O brocardo in claris cessat interpretatio, que
sustenta a tese que o texto necessita ser interpretado quando apresentar
obscuridade ou contradição, não encontra mais adeptos, pois toda a norma jurídica
tem de ser interpretada. Até para se chegar à conclusão que um dispositivo
normativo é evidente é necessária a utilização da interpretação, ainda que realizada
quase que em um instante. O que acontece por vezes é a idéia errônea que a
interpretação só ocorre quando ela for complexa.
50
Não existe uma interpretação que seja absolutamente correta e definitiva. Isso
ocorre porque, diante da constante evolução social, a norma é aplicada de acordo
com o ordenamento jurídico e os valores vigentes e, invariavelmente, frente a novas
questões. De forma que o texto da norma pode permanecer igual, mas seu sentido
acompanha as transformações ocorridas na sociedade. Assim, as soluções
encontradas através da interpretação são variáveis, de acordo com o contexto em
que se encontrem.
51
Nesse sentido afirma Eros Grau: “assim, o significado válido dos textos é
variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A interpretação do direito
não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos
normativos à realidade e seus conflitos”.
52
A interpretação é um processo cognitivo que dispõe de diversos critérios para
a sua realização. Entretanto, como bem salienta Ferrara
53
, embora a interpretação
possua vários estágios, não há várias espécies de interpretação, que é única e de
caráter essencialmente teleológico.
50
FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Trad. Joaquim Campos de Miranda.
Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 25; LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José
Lamego. 5. ed. rev. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 239-240; ASCENSÃO, José de
Oliveira. O direito introdução e teoria geral: uma perspectiva luso-brasileira. 10. ed. rev. Lisboa:
Almedina, 1999, p. 385; MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1999, p. 33.38.
51
LARENZ, op. cit., p. 378.
52
GRAU, op. cit., p. 49.
53
FERRARA, op. cit., p. 25-26.
27
Para que a interpretação não dependa exclusivamente do arbítrio do
aplicador, foram criados pela metodologia jurídica alguns métodos para orientar o
processo interpretativo.
54
Seus principais métodos são o gramatical, histórico,
teleológico e sistemático.
55
O ponto de partida no processo de interpretação é a busca do significado
básico do texto legal. Com a interpretação gramatical ou literal
56
, busca-se conhecer
o conteúdo dos enunciados normativos.
57
Ao mesmo tempo em que a interpretação
gramatical ou literal é o ponto de partida, servindo como uma primeira orientação, e
abrindo possibilidades ao intérprete, ela também funciona como um limite ao
processo interpretativo, pois os termos do enunciado têm um sentido mínimo que
deve ser respeitado.
58
Além de identificar o significado básico do enunciado da lei, é necessário
determinar o seu significado no contexto em que está inserido. O contexto
significativo da lei orienta que, no caso de várias interpretações possíveis segundo o
sentido literal, deve prevalecer a que se possibilite a manutenção da unidade do
ordenamento jurídico. Assim, nenhuma disposição pode ser interpretada
isoladamente, tendo em vista a unidade do sistema.
59
Da mesma forma acontece com a norma constitucional, que, se observada de
modo isolado, pode ter sua significação reduzida ou entrar em conflito com outros
dispositivos. Assim, ela sempre deve ser interpretada levando-se em consideração
todo o sistema constitucional, para que seja respeitada a unidade normativa do
sistema.
60
54
LARENZ, op. cit., p. 384.
55
Alguns autores tratam, além desses, de outros métodos de interpretação. Tércio Sampaio Ferraz
Júnior (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 286-293), por exemplo, menciona também os métodos
sociológico, evolutivo, axiológico e lógico. Cada autor tem sua percepção acerca dos métodos de
interpretação. Francesco Ferrara (FERRARA, op. cit., p. 33-38), por exemplo, divide os métodos em
literal/gramatical e lógico/racional, sendo que incluído dentro do último estão os critérios
racional/teleológico, sistemático e histórico.
56
Também chamada textual, literal, filológica, verbal ou semântica, BARROSO, Luís Roberto.
Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional
transformadora. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 127.
57
LARENZ, op. cit., p. 385; FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 7. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 1999, p. 8.
58
FERRARA, op. cit., p. 33; LARENZ, op. cit., p. 390; ASCENSÃO, op. cit., p. 390; BARROSO,
Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 130.
59
LARENZ, op. cit., p. 390-391; ASCENSÃO, op. cit., p. 403.
60
BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 136.
28
Segundo Barroso,
A interpretação sistemática é fruto da idéia de unidade do ordenamento
jurídico. Através dela, o intérprete situa o dispositivo a ser interpretado
dentro do contexto normativo geral e particular, estabelecendo as conexões
internas que enlaçam as instituições e as normas jurídicas. [...] No centro do
sistema, irradiando-se por todo o ordenamento, encontra-se a Constituição,
principal elemento de sua unidade, porque a ela se reconduzem todas as
normas no âmbito do Estado. A Constituição, em si, em sua dimensão
interna, constitui um sistema. Essa idéia de unidade interna da Lei
Fundamental cunha um princípio específico, derivado da interpretação
sistemática, que é o princípio da unidade da Constituição [...]. A Constituição
interpreta-se como um todo harmônico, onde nenhum dispositivo deve ser
considerado isoladamente. Mesmo as regras que regem as situações
específicas, particulares, devem ser interpretadas de forma que não se
choquem com o plano geral da Carta. Além dessa unidade interna, a
Constituição é responsável pela unidade externa do sistema.
61
No mesmo sentido, Eros Grau defende a idéia de que o texto legal somente
encontra significação enquanto parte integrante de um sistema da seguinte forma:
A interpretação do direito é interpretação do direito, no seu todo, não de
textos isolados, desprendidos do direito. Não se interpreta o direito em tiras,
aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao
intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso
que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição.
62
O método teleológico busca orientar a aplicação dos preceitos normativos de
acordo com a finalidade e o espírito com que foram criados.
63
Buscar o fim
estabelecido pelo legislador é ir além da “vontade do legislador”, é considerar a lei
em sua própria racionalidade.
64
A ratio legis constitui o fundamento racional da
norma, e redefine a finalidade nela compreendida ao longo do tempo.
65
61
Ibidem, p. 136-137.
62
GRAU, op. cit., p. 34.
63
BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 138.
64
LARENZ, op. cit., p. 401.
65
FERRARA, op. cit., p. 36-37; LARENZ, op. cit., p. 407; BARROSO, Interpretação e aplicação da
Constituição, op. cit., p. 139-140.
29
O artigo da Lei de Introdução ao Código Civil
66
consagra ao estabelecer
que a lei deve ser interpretada respeitando os fins sociais e os valores que pretende
garantir o método teleológico de interpretação e a diretriz do bem comum
67
como
referência a ser seguida na interpretação e na aplicação da lei.
68
A interpretação histórica busca o sentido da lei através dos precedentes
legislativos, dos trabalhos preparatórios, e da occasio legis o contexto histórico
que ocasionou a elaboração e edição da lei.
69
Atualmente a tendência é que a
vontade do legislador deva ser interpretada no momento da aplicação da lei, vez que
prevalece a tese da “vontade objetiva da lei”, pois “torna-se mais importante verificar
qual o sentido que a fonte toma na ordem social que visa compor, do que o sentido
pretendido pelo criador histórico”.
70
A compreensão do conteúdo dos enunciados normativos é simples quando a
aplicação dos métodos interpretativos leva a um único resultado. A situação é mais
complexa no caso dos vários procedimentos resultarem diferentes interpretações.
Cada todo ou critério não exclui os outros, do contrário, somam-se em busca do
resultado final, a concretização do direito. O problema está em que não relação
de hierarquia entre os critérios de interpretação, o que dificulta a aplicação quando
eles não chegam a uma única solução. A tendência é de considerar a interpretação
gramatical como limite, e dar prevalência aos métodos sistemático e teleológico
objetivos – sobre o histórico – considerado subjetivo.
71
Larenz
72
entende que a interpretação gramatical e a sistemática (do contexto
significativo, em seus termos) têm uma função mais limitadora, conferindo primazia
ao método teleológico. A questão histórica tem papel complementar, a ser levantada
66
Art. 5º/LICC. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências
do bem comum.
67
Segundo Diniz, a noção de bem comum pode dar origem a várias definições, já que é composto por
diversos elementos ou fatores. Em geral, considera-se esses elementos a paz, a liberdade, a justiça,
a segurança, a utilidade social, a solidariedade ou cooperação. Ao aplicar a lei, o julgador deve
harmonizar tais elementos, diante das circunstâncias fáticas presentes (DINIZ, Maria Helena. Lei de
introdução ao código civil brasileiro interpretada. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 167).
68
ASCENSÃO, op. cit., p. 411; BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 140.
69
ASCENSÃO, op. cit., p. 325-327.
70
Ibidem, p. 395. No mesmo sentido, FERRARA, op. cit., p. 29-32; BARROSO, Interpretação e
aplicação da Constituição, op. cit., p. 132.
71
ENGISCH, op. cit., p. 144-145; BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p.
125-126.
72
LARENZ, op. cit., p. 417.
30
apenas se o legislador se afastou de sua concepção em alguma questão ou haja
equívoco na formulação da lei.
Além dos métodos de interpretação tradicionalmente estabelecidos pela
doutrina, Larenz
73
entende que a conformidade com a Constituição também é um
critério de interpretação. Se houver várias formas de interpretação possíveis, deverá
sempre prevalecer aquela que esteja de acordo com os preceitos constitucionais
desde que respeite os limites impostos pelo sentido literal e pelo contexto
significativo da lei. A interpretação deve nortear-se pelos princípios do ordenamento,
especialmente se estes são previstos pela ordem constitucional do contrário, não
terá validade.
Ressalte-se que a necessidade de interpretação é característica concernente
a todas as normas, inclusive as contidas na Constituição Federal. Também os
dispositivos constitucionais devem ser interpretados, para que possam, diante da
realidade social, exprimir o melhor sentido da norma jurídica.
74
Segundo Barroso,
A interpretação constitucional serve-se de alguns princípios próprios e
apresenta especificidades e complexidades que lhe são inerentes. Mas isso
não a retira do âmbito da interpretação geral do direito, de cuja natureza e
características partilha. Nem poderia ser diferente, à vista do princípio da
unidade da ordem jurídica e do conseqüente caráter único de sua
interpretação.
75
Em relação aos princípios respeitantes especificamente à interpretação
constitucional, Hesse
76
destaca: a unidade, a concordância prática, a exatidão
funcional, o efeito integrador e a força normativa da Constituição. Canotilho
77
aponta,
além dos princípios elencados por Hesse, o princípio da eficiência ou da máxima
efetividade.
73
Ibidem, p. 410-411.
74
MORAES, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 23.
75
BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 104.
76
HESSE, op. cit., p. 65-68.
77
CANOTILHO, op. cit., p. p. 1186-1189.
31
O princípio da unidade da Constituição deriva da interpretação sistemática do
ordenamento jurídico, e determina que as normas constitucionais devam ser
interpretadas de maneira que sejam evitadas as contradições entre elas.
78
O princípio da concordância prática (ou da harmonização) da Constituição
estabelece que, em caso de colisões normativas, deve haver uma otimização na
eficácia dos bens jurídicos envolvidos no conflito. Ou seja, não deve ocorrer a
exclusão de um em detrimento de outro, mas devem ser estabelecidos limites de
modo que ambos possam ser realizados da melhor forma possível.
79
O princípio da exatidão (ou da conformidade) funcional refere-se ao respeito
que os intérpretes devem ter em relação à forma de distribuição das funções
estatais. Se a Constituição estabelece determinada forma para o cumprimento de
uma tarefa, a interpretação não pode remover a distribuição dessas funções.
80
O princípio do efeito integrador da Constituição diz respeito à preferência que
deve ser dada, na resolução de problemas jurídicos, às soluções que gerem um
efeito criador e conservador da unidade política.
81
O princípio da força normativa da Constituição também está relacionado à
solução de problemas jurídicos, e determina que “deve, na resolução dos problemas
jurídico-constitucionais, ser dada a preferência àqueles pontos de vista que, sob os
respectivos pressupostos, proporcionem às normas da Constituição força de efeito
ótima”.
82
O princípio da eficiência ou da máxima efetividade, segundo Canotilho, “pode
ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o
sentido que maior eficácia lhe dê”.
83
Para Barroso
84
, os princípios de interpretação especificamente constitucional
são os seguintes: os princípios constitucionais como condicionantes da interpretação
constitucional; o princípio da supremacia da Constituição; o princípio da presunção
78
HESSE, op. cit., p. 65; CANOTILHO, op. cit., p. 1186-1187.
79
HESSE, op. cit., p. 66-67; CANOTILHO, op. cit., p. 1188.
80
HESSE, op. cit., p. 67; CANOTILHO, op. cit., p. 1187-1188.
81
HESSE, op. cit., p. 68; CANOTILHO, op. cit., p. 1187.
82
HESSE, op. cit., p. 68. No mesmo sentido, CANOTILHO, op. cit., p. 1189.
83
CANOTILHO, op. cit., p. 1187.
84
BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., passim.
32
da constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público; o princípio da
interpretação conforme a Constituição; o princípio da unidade da Constituição; os
princípios da razoabilidade e da proporcionabilidade; e o princípio da efetividade.
Segundo Barroso,
O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios
constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da
Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os
princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como
fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A
atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação
do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais
genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que
vai reger a espécie.
85
Assim, por sintetizarem os valores mais relevantes de uma ordem jurídica, os
princípios constitucionais orientam toda a interpretação, especialmente a
constitucional.
86
A interpretação constitucional também nunca pode se afastar do pressuposto
fundamental de superioridade jurídica da Constituição em relação aos demais atos
normativos. O princípio da supremacia da Constituição vincula todos os atos
jurídicos, as normas internas, e até os atos internacionais que produzem efeitos no
âmbito do Estado.
87
O princípio da presunção da constitucionalidade das leis e dos atos do Poder
Público decorre do princípio da separação dos Poderes do Estado, e “funciona como
fator de autolimitação da atividade do Judiciário, que, em relevância à atuação dos
demais Poderes, somente deve invalidar-lhes os atos diante de casos de
inconstitucionalidade flagrante e incontestável”.
88
85
Ibidem, p. 151.
86
Ibidem, p. 153.
87
Ibidem, p. 161.
88
BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 188.
33
O princípio da interpretação conforme a Constituição impõe ao intérprete a
missão de excluir qualquer forma de interpretação que seja incompatível com a
Constituição, atentando, assim, contra a sua superioridade hierárquica.
89
Segundo Moraes,
A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a
presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo
poder público competente exigem que, na função hermenêutica de
interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência
ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Assim
sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser
encontrada a significação que apresente conformidade com as normas
constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e
conseqüente retirada do ordenamento jurídico.
90
Conforme mencionado anteriormente, o princípio da unidade da
Constituição advém da interpretação sistemática, e sua função é a harmonização
das normas constitucionais, delimitando a força e o alcance de cada uma.
91
O princípio da efetividade está relacionado ao reconhecimento da força
normativa da Constituição e ao fenômeno de sua juridicização. Conforme Barroso,
“as normas constitucionais são dotadas de imperatividade e sua inobservância deve
deflagrar os mecanismos próprios de cumprimento forçado. A efetividade é a
realização concreta, no mundo dos fatos, dos comandos abstratos contidos na
norma”.
92
Além da imposição dos aludidos critérios de interpretação na aplicação das
normas constitucionais, é importante ressaltar uma característica essencial das
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, expressa pelo §1º do
artigo da Constituição Federal de 1988: a sua aplicabilidade imediata, objetivando
a maior eficácia possível dos direitos fundamentais.
Todas as normas constitucionais possuem eficácia, gerando determinados
efeitos jurídicos correspondentes. No entanto, os efeitos jurídicos podem irradiar-se
89
Ibidem, p. 188-189.
90
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 45.
91
BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 196.
92
Ibidem, p. 299.
34
em diferentes graus, caracterizando três categorias de normas constitucionais:
normas constitucionais de eficácia plena; normas constitucionais de eficácia contida;
normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida.
93
As normas constitucionais de eficácia plena têm “aplicabilidade direta,
imediata e integral” sobre a matéria que regulamenta desde a entrada em vigor da
Constituição, de modo a produzir ou tendo a possibilidade de produzir todos os
efeitos pretendidos pelo constituinte, por possuir todos os elementos necessários à
sua aplicação.
As normas constitucionais de eficácia contida são de “aplicabilidade direta,
imediata, mas não integral”, produzindo imediatamente todos os efeitos jurídicos
desejados, mas passíveis de ter posteriormente limitadas sua aplicabilidade e
eficácia.
Silva define da seguinte forma as normas de eficácia contida:
são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os
interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação
restritiva por parte da competência discricionária do Poder blico, nos
termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas
enunciados.
94
As normas constitucionais de eficácia limitada têm “aplicabilidade indireta,
mediata e reduzida”, pois possuem incidência reduzida, necessitando de uma
posterior regulamentação para alcançar sua incidência plena.
95
Ferreira Filho tece a seguinte crítica à determinação de aplicabilidade
imediata dessas normas:
93
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 81-82. Barroso (BARROSO, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, op. cit.,
p. 93-94) prefere classificar as normas constitucionais da seguinte forma: normas constitucionais de
organização (têm por objeto organizar o exercício do poder político); normas constitucionais
definidoras de direito (têm por objeto fixar os direitos fundamentais dos indivíduos); e normas
constitucionais programáticas (têm por objeto traçar os fins públicos a serem alcançados pelo
Estado).
94
SILVA, Aplicabilidade das normas constitucionais, op. cit., p. 116.
95
SILVA, Aplicabilidade das normas constitucionais, op. cit., p. 82-83.
35
A intenção que a ditou é compreensível e louvável: evitar que essas normas
fiquem letra morta por falta de regulamentação. Mas o constituinte não se
apercebeu que as normas têm aplicabilidade imediata quando são
completas na sua hipótese e no seu dispositivo. Ou seja, quando a condição
de seu mandamento não possui lacuna, e quando esse mandamento é claro
e determinado. Do contrário ela é não-executável pela natureza das coisas.
Ora, das duas uma, ou a norma definidora de direito ou garantia
fundamental é completa, e, portanto, auto-executável, ou não o é, caso em
que não poderá ser aplicada.
96
Nesse sentido, Silva assim determina a função do §1º do artigo da
Constituição Federal:
Em primeiro lugar, significa que elas são aplicáveis até onde possam, até
onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento. Em
segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito
de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las,
conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições
existentes.
97
As normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais sempre têm
eficácia jurídica, e, se seus enunciados não são observados voluntariamente, devem
ser resguardados através dos meios processuais previstos pelo próprio texto
constitucional.
98
Assim, a Constituição Federal coloca à disposição dos cidadãos as seguintes
garantias constitucionais: o habeas corpus (art. 5º, LXVIII/CF); o habeas data (art.
5º, LXXII/CF); o mandado de segurança individual (art. 5º, LXIX/CF); o mandado de
segurança coletivo (art. 5º, LXX/CF); o direito de petição (art. 5º, XXXIV/CF); o
direito à certidão (art. 5º, XXXIV/CF); o mandado de injunção (art. 5º, LXXI/CF); a
ação popular (art. 5º, LXXIII/CF); e a ação civil pública (art. 129, III/CF).
Tais garantias constitucionais são instrumentos de defesa de direitos
fundamentais frente ao Poder blico
99
, e constituem-se em direitos processuais
96
FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 100.
97
SILVA, Aplicabilidade das normas constitucionais, op. cit., p. 165.
98
BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 274.
99
FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 310.
36
com características peculiares, por possuírem força específica ou uma maior
celeridade em relação às demais ações.
100
Entretanto, apesar da determinação constitucional de aplicabilidade imediata
das normas definidoras de direitos fundamentais e dos instrumentos processuais
existentes visando a sua garantia, a efetivação desses direitos é um processo
contínuo, e que depende, em grande parte, do efetivo exercício da cidadania. Nesse
sentido, Ihering assevera: “o direito é um trabalho sem tréguas, não do Poder
Público, mas de toda a população”.
101
Para Bobbio,
A efetivação de maior proteção dos direitos do homem está ligada ao
desenvolvimento global da civilização humana. É um problema que não
pode ser isolado, sob pena, não digo de não resolvê-lo, mas de sequer
compreendê-lo em sua real dimensão.
102
De modo que a efetividade dos direitos fundamentais entre eles o direito
fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado não depende
unicamente da correta interpretação de suas normas definidoras, mas da
participação de toda a sociedade.
103
Para tanto, é preciso que toda a sociedade
esteja comprometida em colaborar não com a concretização dos direitos
fundamentais, mas com a melhoria da qualidade de vida como um todo.
1.3 Conteúdo e significado do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado
100
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva: 1998,
p. 231.
101
IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.
27.
102
BOBBIO, op. cit., p. 64.
103
Nesse sentido, afirma Resta: “A humanidade é como a ecologia, que não é feita apenas de rios
límpidos e ar despoluído, mas também das situações a estas opostas: a humanidade, dizia-se, pode
ameaçar somente a si mesma. O seu paradoxo está todo nessa dimensão ecológica: assim, os
direitos ‘invioláveis’ da humanidade não podem ser ameaçados senão pela humanidade e não podem
ser tutelados senão pela própria humanidade.” (RESTA, op. cit., p. 52).
37
Diante de sua complexidade, não é tarefa fácil definir o conteúdo e/ou o
conceito de meio ambiente. Fruto do desconhecimento ou até da relativização de
sua importância, por vezes a caracterização da expressão “meio ambiente” é
reduzida a apenas um de seus aspectos, ou seja, o meio ambiente natural ou físico,
por ser um conceito mais facilmente relacionado à idéia de ecologia. Entretanto,
apesar do aspecto natural ser de extrema importância e motivo de preocupação
urgente, o meio ambiente tem significado muito mais abrangente, englobando
diversos elementos.
Conforme ressalta Silva, “o meio ambiente é, assim, a interação do conjunto
de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equili-
brado da vida em todas as suas formas”.
104
Assim, o meio ambiente compreende o meio ambiente natural, o meio ambi-
ente artificial e o meio ambiente cultural. O meio ambiente artificial é constituído pelo
espaço urbano construído, compreendendo as edificações e os espaços públicos
abertos (ruas, praças, etc.). O meio ambiente cultural também é artificial, construído
pelo ser humano, mas tem características mais específicas, tais como valor históri-
co, artístico, turístico, arqueológico ou paisagístico. O meio ambiente natural com-
preende a interação de todos os seres vivos com o ambiente físico em que vivem.
105
A importância do aspecto natural ou físico teve destaque na legislação pátria,
vez que o meio ambiente é conceituado juridicamente pelo artigo da Lei 6.938/81
(Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) como “o conjunto de condições, leis, in-
fluências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e
rege a vida em todas as suas formas”.
104
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros,
2000, p. 20.
105
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 4. ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 99; SILVA, José Afonso da. Direito ambiental
constitucional, op. cit., p. 21. Alguns autores, a exemplo de Sirvinskas (SIRVINSKAS, Luís Paulo.
Manual de direito ambiental. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 29-30), defendem que
dentre esses aspectos também se encontra o meio ambiente do trabalho. Entretanto, embora haja
diferentes posicionamentos na doutrina, não se trata se questão fundamental, vez que é mera
classificação didática.
38
O advento da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) foi um
importante marco na proteção jurídica do meio ambiente no Brasil. Antes de sua cri-
ação, havia apenas algumas normas isoladas para a conservação do meio ambiente
– mais especificamente de determinados recursos naturais que despertavam interes-
se econômico.
106
No âmbito internacional percebe-se uma situação bastante semelhante,
que a preocupação com o meio ambiente somente começou a surgir no momento
em que determinados recursos naturais chegaram a índices alarmantes de escassez
e algumas alterações feitas pelo homem na natureza passaram a ser mais agressi-
vas, graças ao avanço da tecnologia. Essa preocupação com o meio ambiente tor-
nou urgente o surgimento de uma legislação protetiva do ambiente, para oferecer
meios de diminuir os danos causados pelo homem à natureza.
Segundo Silva
107
, a necessidade de tutela jurídica do meio ambiente mostrou-
se um imperativo quando a degradação ambiental passou a ameaçar não somente o
bem-estar e a qualidade de vida do ser humano, mas a sua própria sobrevivência.
Com o reconhecimento de sua importância, o direito ao meio ambiente
começou gradativamente a receber proteção em alguns documentos internacionais,
sendo o seu marco a Declaração de Estocolmo, de 1972, que assim estabelece:
Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade e ao gozo de
condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe
permita levar uma vida digna e gozar do bem-estar, e tem a solene
obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações
presentes e futuras [...].
No princípio I da Declaração do Rio de Janeiro, de 1992, o direito ao meio
ambiente é enunciado da seguinte forma: “Os seres humanos estão no centro das
preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável
e produtiva, em harmonia com a natureza”.
106
SIRVINSKAS, Manual de direito ambiental, op. cit., p. 18.
107
SILVA, Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 28.
39
Além da proteção internacional conferida ao meio ambiente, os ordenamentos
jurídicos de diversos Estados começaram a reconhecer a necessidade de sua
proteção a partir da década de setenta, após a realização da Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente, em Estocolmo.
A Constituição da Iugoslávia de 1974 estabelece em seu artigo 192: “O
homem tem direito a um meio ambiente sadio. A comunidade social assegura as
condições necessárias ao exercício deste direito”.
108
Na Grécia, o artigo 24 da Constituição de 1975 dispõe que “A proteção do
meio ambiente natural e cultural constitui uma obrigação do Estado. O Estado deve
tomar medidas especiais, preventivas ou repressivas, no propósito de sua
conservação”.
109
Na Península Ibérica, o artigo 66 da Constituição portuguesa de 1976 prevê
que “Todos têm direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente
equilibrado e o dever de o defender”.
110
Na Espanha, o artigo 45 da Constituição de
1978 estabelece que “Todos tem o direito de desfrutar de um meio ambiente
adequado para o desenvolvimento da pessoa, assim como o dever de conservá-
lo”.
111
Além desses, países como a Polônia (1976), a Argélia (1976), a China (1978)
também incluíram em seus textos constitucionais referências à proteção do
ambiente.
112
Na América Latina, diversos países inseriram o meio ambiente no
âmbito de sua tutela antes da Constituição Brasileira de 1988: Equador, em 1979;
Peru, em 1979; Chile, em 1980; Guiana, em 1980; Honduras, em 1982; Panamá, em
1983; Guatemala, em 1985; Haiti, em 1987; e Nicarágua, em 1987.
113
108
MILARÉ, op. cit., p. 181; FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 62.
109
FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 62; MILARÉ, op. cit., p. 181.
110
FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 63.
111
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 52. Entretanto, Robles alerta para o fato que, na Constituição
espanhola, os chamados direitos de terceira geração não possuem o status de direitos fundamentais.
O direito ao meio ambiente equilibrado, disposto no artigo 45 da Constituição Espanhola, está
compreendido no Capítulo “Dos princípios que regem a política social e econômica” e, embora
chamado de “direito”, se trata em verdade de princípio de política legislativa, e não de direito
fundamental (ROBLES, op. cit., p. 8-9).
112
MILARÉ, op. cit., p. 181-182.
113
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 11. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 2003, p. 95.
40
No Brasil, o meio ambiente somente obteve proteção constitucional com o
advento da Carta Magna de 1988. Todas as Constituições que a antecederam não
contemplavam qualquer preocupação com a questão ambiental.
Segundo Silva,
A Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da
questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma Constituição
eminentemente ambientalista. Assumiu o tratamento da matéria em termos
amplos e modernos. Traz um capítulo específico sobre o meio ambiente,
inserido no título da “Ordem Social” (Capítulo VI do Título VIII). Mas a
questão permeia todo o seu texto, correlacionada com os temas
fundamentais da ordem constitucional.
114
Estabelece o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988: “Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem juridicamente tutelado pelo
artigo 225 da Constituição Federal, é um bem de uso comum do povo
115
, essencial à
sadia qualidade de vida. Assim, a qualidade do meio ambiente está estreitamente
relacionada com a qualidade de vida, e ao próprio direito à vida.
Para Silva,
A qualidade do meio ambiente em que a gente vive, trabalha e se diverte
influi consideravelmente na própria qualidade de vida. [...] A qualidade do
meio ambiente transforma-se, assim, num bem ou patrimônio, cuja
preservação, recuperação ou revitalização se tornaram um imperativo do
Poder Público, para assegurar uma boa qualidade de vida, que implica boas
114
SILVA, Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 46.
115
Para Meirelles, “no uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens
utilizados o são por todos os membros da coletividade uti universi , razão pela qual ninguém tem
direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem: o direito de cada indivíduo limita-se à
igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele resultantes. Pode-se dizer
que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
administrativo brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 498).
41
condições de trabalho, lazer, educação, saúde, segurança enfim, boas
condições de bem-estar do Homem e de seu desenvolvimento.
116
Nesse mesmo sentido, Derani afirma que “Para o direito ao meio ambiente
protegido fugir à mera formalidade, tem de buscar-se a raiz de seu significado. O
direito fundamental do meio ambiente protegido é um desdobramento do direito
fundamental à vida”.
117
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental
diretamente relacionado com o direito à vida das presentes e futuras gerações. A
tutela da qualidade do meio ambiente pode ser considerada em razão de seu objeto,
que é a vida especialmente a qualidade de vida –, uma forma de direito
fundamental da pessoa humana.
118
Assim, o meio ambiente é identificado como um direito fundamental de
terceira geração, pois está relacionado com a qualidade de vida.
119
Nesse sentido,
Ferreira Filho afirma: “de todos os direitos da terceira geração, sem dúvida o mais
elaborado é o direito ao meio ambiente”.
120
Mesmo Bobbio, que entende que os chamados direitos de terceira geração
“constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente
heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se
trata”, reconhece que “o mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos
ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”.
121
Para Alexy, um direito fundamental ambiental é um derecho fundamental
como un todo
122
, que se constitui em direito de defesa, em direito à proteção, em
direito ao procedimento, e em direito a uma prestação. O direito de defesa diz res-
peito ao direito a que o Estado se omita de determinadas intervenções no meio am-
116
SILVA, Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 24.
117
DERANI, Cristiane. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: direito fundamental e princípio da
atividade econômica. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de (org.). Temas de direito
ambiental e urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 91-101, p. 97.
118
SILVA, Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 58.
119
Nesse sentido: “Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração
constitucional de um típico direito de terceira geração” (RTJ 158/206).
120
FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 62.
121
BOBBIO, op. cit., p. 25.
122
ALEXY, Teoria de los derechos fundamentales, op. cit., p. 429.
42
biente; o direito à proteção, ao direito a que o Estado proteja o titular do direito fun-
damental frente a intervenções de terceiros que causem dano ao meio ambiente; o
direito ao procedimento, ao direito a que o Estado permita que o titular do direito par-
ticipe de procedimentos relevantes ao meio ambiente; e o direito a uma prestação,
ao direito a que o próprio Estado realize medidas conducentes a melhorar o ambien-
te.
O fato de a Constituição Federal não ter elencado expressamente o direito ao
meio ambiente no capítulo referente aos direitos fundamentais não altera em nada a
sua fundamentalidade, pois tal caracterização não se de maneira simplesmente
formal, e sim em razão de seu conteúdo.
Nesse sentido, Derani esclarece que “direitos fundamentais não são simples-
mente aqueles que a Constituição literalmente explicita no seu art. 5º. Um direito é
fundamental quando seu conteúdo invoca a construção da liberdade do ser huma-
no”
123
. Rothenburg
124
lembra ainda que tanto a posição normativa quanto o próprio
conteúdo do direito tutelado caracterizam a fundamentalidade de um direito.
Entretanto, ainda que houvesse apego a tal critério formal, de se constatar
a menção implícita da Constituição, ao prever a ação popular como expediente jurí-
dico contra ato atentatório ao meio ambiente (art. 5º, LXXIII/CF). Além da menção
expressa ao meio ambiente em vários dispositivos, e especificamente, no título refe-
rente à ordem social, em capítulo próprio.
Ademais, todos os demais direitos fundamentais pressupõem um meio
ambiente saudável e ecologicamente equilibrado. A inter-relação entre os direitos
humanos fundamentais e o direito ambiental é essencial, pois o meio ambiente se
relaciona com todos os aspectos da vida. Se não houver um ambiente saudável, de
nada adiantará um crescimento econômico acelerado, um grande desenvolvimento
tecnológico, ou mesmo um extenso rol de direitos assegurados.
Segundo Canepa,
123
DERANI, Meio ambiente ecologicamente equilibrado, op. cit., p. 91.
124
ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos fundamentais e suas características. Revista de Direito
Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 8, n. 30, p. 146-158, jan.-mar. 2000, p. 146.
43
A proteção ambiental, pois, é o instrumento para a proteção da vida, e, em
conseqüência, do direito ao meio ambiente sadio, base do bem-estar
humano e da possibilidade de fruição de todos os direitos inerentes à
condição humana, enquadrado no patamar de um princípio constitucional e
de um direito fundamental.
125
De maneira que a proteção do meio ambiente é um meio de cumprimento dos
direitos fundamentais, pois está diretamente ligado à vida, à saúde, ao bem-estar. A
qualidade do meio ambiente é essencial para a vida das presentes e das futuras ge-
rações. Ao mesmo tempo em que o direito ao meio ambiente sadio depende do
exercício dos direitos humanos fundamentais como o direito à informação, à parti-
cipação política, à tutela judicial – para ter eficácia.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito funda-
mental que é, ao preservar uma das condições para que se realize o direito à vida
deve ser concretizado em sua plenitude. Sua fundamentação está alicerçada em di-
ferentes e sólidos pontos do ordenamento e, especialmente, da Constituição Federal
de 1988. Resta buscar a sua aplicação de maneira plena, de modo a garantir um
meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações,
conforme impõe o texto constitucional.
Para Milaré,
Não basta, entretanto, apenas legislar. É fundamental que todas as pessoas
e autoridades responsáveis se lancem ao trabalho de tirar essas regras do
limbo da teoria para a existência efetiva da vida real; na verdade, o maior
dos problemas ambientais brasileiros é o desrespeito generalizado, impuni-
do ou impunível, à legislação vigente. É preciso, numa palavra, ultrapassar
a ineficaz retórica ecológica tão inócua quanto aborrecida e chegar às
ações concretas em favor do ambiente e da vida.
126
Ressalte-se que a qualidade do meio ambiente é um direito difuso, pois
pertencente à coletividade. De modo que, sendo direito difuso indispensável à
garantia da vida, o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado
125
CANEPA, Carla. Educação ambiental: ferramenta para a criação de uma nova consciência
planetária. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 12, n. 48, p. 158-166,
jul./set. 2004, p. 161.
126
MILARÉ, op. cit., p. 185.
44
deve ser tutelado pelo Estado, o qual deve traçar um plano de ações voltado a sua
adequada e efetiva proteção.
127
Nesse sentido, afirma Dias:
Desse modo, o reconhecimento de que os direitos ambientais se revestem
da forma difusa impõe ao Estado a elaboração de políticas públicas
adequadas à sua proteção, englobadas por um plano de ação voltado para
a obtenção de resultados presentes e futuros. As políticas públicas de
natureza ambiental, deste modo, visam a produzir efeitos estratégicos na
medida em que o adotadas pelo Estado como diretrizes de sua ação em
todos os campos da sua intervenção na sociedade.
128
As políticas públicas são sistematizações de ações governamentais voltadas
para a consecução de determinados fins, setoriais ou gerais sejam eles sociais,
políticos ou econômicos –, baseadas na articulação entre a sociedade, o Estado e o
mercado.
129
Nesse sentido, Carvalho ressalta: “Política pública não é ato
discricionário, é obrigação, e o não-respeito é um ato inconstitucional. As políticas
cobram um papel importante na ampliação da democracia e da cidadania”.
130
De
maneira que a omissão administrativa na elaboração e execução de políticas
públicas na seara ambiental deve ser firmemente combatida não somente pelo
Ministério Público, mas por toda a sociedade, a fim de evitar que a inércia estatal
viole os cânones constitucionais.
Assim, no caso da não implementação de políticas ambientais, de se fazer
uso dos instrumentos judiciais de controle ambiental que o ordenamento coloca a
disposição dos cidadãos, tais como as ações civis públicas e as ações populares,
127
Segundo Derani, “A realização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pressupõe
a obediência ao princípio da defesa do meio ambiente nas atividades econômicas. Sendo um direito
fundamental a ser construído na atividade social, somente a atividade social por conseguinte a
atividade econômica que contemple o princípio da defesa do meio ambiente poderá concretizá-lo.
Assim, será conforme o direito aquela atividade que no seu desenvolvimento orienta-se na defesa do
meio ambiente e, deste modo, contribui na concretização do direito fundamental social ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado.” (DERANI, Meio ambiente ecologicamente equilibrado, op. cit.,
p. 100).
128
DIAS, Jean Carlos. Políticas públicas e questão ambiental. Revista de Direito Ambiental. São
Paulo, v. 8, n. 31, p. 117-135, jul./set. 2003, p. 120.
129
DIAS, op. cit., p. 120-121.
130
CARVALHO, Cláudio Oliveira de. Políticas públicas e gestão urbana-ambiental. Revista de Direito
Ambiental. São Paulo, v. 7, n. 26, p. 277-289, abr./jun. 2002, p. 288.
45
que podem viabilizar a implementação das políticas ambientais – seja pela aplicação
de medidas preventivas ou repressivas.
131
Entretanto, o fato de a administração do direito fundamental ao meio ambiente
sadio e ecologicamente equilibrado ficar sob a custódia do Poder Público não elide o
dever da sociedade de atuar na conservação e preservação da direito do qual é
titular.
132
Segundo Mirra,
[...] esse direito, para ser garantido, exige o esforço conjunto do Estado, dos
indivíduos, dos diversos setores da sociedade e das diversas Nações. Pelo
mesmo motivo, ou seja, por depender dessa conjugação de esforços para a
sua garantia é que o direito ao meio ambiente tem como conseqüência criar
também deveres para todos; não para o Estado como também para os
indivíduos e os vários grupos sociais. Ao contrário, portanto, do que se
pensa freqüentemente em tema de direitos fundamentais, as pretensões à
proteção desse direito ao meio ambiente podem (e devem) ter como sujeito
passivo não apenas o Poder Público como ainda os particulares.
133
No mesmo sentido, afirma Medeiros:
Intrinsecamente vinculado ao direito de proteção ambiental existe um dever
fundamental. Esse dever fundamental caracteriza-se pela obrigação
incumbida ao Estado e a cada um dos indivíduos partícipes de nossa
sociedade em manter um ambiente saudável, sadio e equilibrado, seja por
intermédio de cuidados básicos para com o meio, seja através de grandes
participações populares na luta pela não-destruição do habitat natural.
134
Assim, o cidadão deve passar de mero titular passivo de um direito
fundamental para ser titular também de um dever, o de defender e preservar o meio
ambiente. Somente desse modo se alcançará a verdadeira democracia, que para
Derani, “não é apenas uma forma de organização da sociedade, mas é um modo de
agir social”, em que “se o Estado não garante e viabiliza os meios e canais de agir
dos cidadãos, a democracia torna-se apenas argumento de retórica, e a alternância
131
ARAÚJO, Lílian Alves de. Ação civil pública ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 84.
132
SILVA, Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 80-81.
133
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed.,
rev. e ampl. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 57.
134
MEDEIROS, op. cit., p. 124.
46
do poder pelo voto, um mecanismo automático institucionalizado, incapaz de trazer
real alteração na ordem política”.
135
Para Fagundez,
A democracia é o grande sonho dos homens. que não se trata de uma
democracia política apenas. Deve ser uma democracia que permite o uso
da palavra por todos, que possibilite a convivência pacífica entre todos os
homens, dos homens com os animais e as plantas, entre todas as nações,
entre todos os planetas, enfim, entre todos os seres...
136
A forma desse modo de agir social, com o exercício da cidadania em busca
da efetivação do direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado, será aprofundada nos capítulos seguintes, como será visto a seguir.
135
DERANI, Meio ambiente ecologicamente equilibrado, op. cit., p. 96.
136
FAGUNDEZ, Paulo Roney Ávila. O significado da Modernidade. In: LEITE, José Rubens Morato;
BELLO FILHO, Ney de Barros (org.). Direito ambiental contemporâneo. Barueri: Manole, 2004. p.
205-246, p. 216.
47
2 A CRISE AMBIENTAL E O NECESSÁRIO DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA
Se o ordenamento jurídico de diversos países, e entre eles o Brasil, tutela o
direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado inclusive muitas
vezes alçando-o ao status de direito fundamental –, percebe-se que não há somente
o reconhecimento da importância desse direito, mas também a demonstração da
premente necessidade de tal proteção.
Nem sempre o meio ambiente foi objeto de tutela jurídica, vez que até um
passado recente, era considerado apenas como um estoque interminável de
matéria-prima à disposição dos seres humanos. Esse pensamento foi predominante
na maior parte da história da civilização ocidental, e a os dias de hoje é
manifestado em diversas ações humanas.
Nesse sentido, importa analisar alguns aspectos da crise ambiental
vivenciada na sociedade contemporânea, apontando algumas de suas causas, e
buscando alternativas para a sua superação. O desenvolvimento sustentável é
ponto-chave nesse processo, mas sua viabilização depende de diversos fatores, e,
principalmente, de uma mudança no pensamento predominante, com a formação de
uma nova consciência.
2.1 Delineamentos acerca da crise ambiental na sociedade contemporânea
Em um primeiro momento, é preciso reconhecer que quase toda a atividade
humana causa impactos na natureza – seja para suprir necessidades de
alimentação, vestuário, moradia, transporte, produção de energia, ou qualquer outra
48
existente. Essa interação entre o ser humano e a biosfera é ou deveria ser um
processo natural e faz parte da história do planeta Terra. Assim, os impactos
causados deveriam ser absorvidos naturalmente pela biosfera, sem lhe causar
qualquer desequilíbrio ou prejuízo.
Entretanto, à medida que a tecnologia acelerou todos os processos,
imprimindo às mudanças grau e velocidade muito maiores que os antes conhecidos,
a natureza não conseguiu mais absorvê-las em sua totalidade, ocasionando poluição
e outras formas de degradação do meio natural.
Não bastasse esse fato, com o aumento da produção e da oferta de bens
materiais através do processo de industrialização, a sociedade começou a cultuar o
consumo, aumentando sobremaneira a utilização de energia e de matérias-primas
naturais. Tanto isso ocorre que, em geral, a quantidade de recursos consumidos em
determinado período serve de parâmetro para medir o grau de desenvolvimento de
uma nação.
137
Nesse sentido, Bachelet ressalta:
A situação do ambiente continuou globalmente a degradar-se de maneira
grave, devido aos mecanismos de crescimento e ao caráter cumulativo de
muitos ataques aos recursos naturais, devido ao consumo frequentemente
abusivo de que são objeto e devido às deteriorações que sofrem em
resultado de poluições criadas a maior parte das vezes por esse consumo
exagerado.
138
Ou seja, a sociedade atual mostra-se mais insustentável a cada dia, e
diversos fatores colaboram para esse quadro: o aumento da população nas cidades,
o modelo econômico predominante, a indiferença quanto à limitada capacidade de
regeneração da natureza, o individualismo exacerbado, e o culto ao consumo, onde
aparentemente a felicidade pode ser alcançada através da aquisição de bens
materiais.
139
137
PENNA, Carlos Gabaglia. O estado do planeta: sociedade de consumo e degradação ambiental.
Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 29-30.
138
BACHELET, Michel. A ingerência ecológica: direito ambiental em questão. Trad. Fernanda
Oliveira. Lisboa: Piaget, 1995, p. 183.
139
DUARTE, Marise Costa de Souza. As novas exigências do Direito Ambiental. In: LEITE, José
Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros (org.). Direito ambiental contemporâneo. São Paulo:
49
Na sociedade contemporânea, a felicidade é vista em uma concepção
utilitária, em que, se o utilitarismo procura justificar os atos humanos no maior
proveito alcançado, a felicidade se fundamenta no narcisismo e se manifesta pelo
sucesso ou admiração social que dependem da posse de poder e bens
materiais.
140
O processo de globalização fortaleceu o individualismo, o mercado e o
avanço técnico-científico. No entanto, ao mesmo tempo em que surgiram novas
possibilidades nos campos da economia e no desenvolvimento tecnológico, outros
aspectos foram extremamente prejudicados.
Nos termos de Bittar,
Em poucas palavras, está-se a falar do esgotamento do globo (recursos
minerais, recursos vegetais, diversidade biológica, fontes de água, recursos
marinhos, fontes de petróleo), fenômeno decorrente do processo de uso
irracional, incalculado, inteiramente servil da lógica da exploração predatória
e capitalista do meio ambiente.
141
A sociedade contemporânea precisa se desvencilhar da visão antropocêntrica
de mundo. Visão essa que parece autorizar o ser humano a dominar a natureza, e
dela se utilizar como se a sua existência fosse exclusivamente para satisfazer às
necessidades humanas.
Essa noção de suposta supremacia do ser humano sobre os demais seres
vivos foi construída ao longo de toda a história da civilização ocidental.
142
Até mesmo
a Bíblia, que fundamenta toda a tradição judaico-cristã, expressa em Gênesis 1:28:
“Frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os
peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam
sobre a terra”.
143
Assim, os recursos naturais sempre foram utilizados de modo
Revista dos Tribunais, 2004. p. 503-530, p. 503.
140
ROBLES, op. cit., p. 58-60.
141
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 2005, p. 264.
142
MILARÉ, op. cit., p. 87; CARVALHO, Carlos Gomes de. O que é direito ambiental: dos
descaminhos da casa à harmonia da nave. Florianópolis: Habitus, 2003, p. 17.
143
Ainda que muitos (principalmente religiosos e defensores da doutrina cristã) argumentem que essa
passagem da Bíblia não pode ser considerada de forma literal para que não seja mal interpretada,
não há como negar que essa idéia influenciou fortemente as bases do pensamento ocidental. Nesse
50
predatório, sem qualquer preocupação com a preservação dos recursos naturais e
da diversidade biológica como um todo.
A questão ambiental somente despertou interesse quando a disponibilidade
dos recursos naturais demonstrou sinais de escassez, e não por existir efetiva
preocupação com o meio ambiente. Somente nos anos 70 começaram a surgir as
primeiras idéias relacionadas ao tema, mas ainda de forma incipiente.
Nos anos 80, “descobre-se a existência de uma possibilidade de modular as
relações entre desenvolvimento e respeito pelo ambiente; a destruição do planeta
não é uma fatalidade, mas sim uma inconseqüência”.
144
Entretanto, não houve
qualquer avanço, e as idéias surgidas para enfrentar esse problema permaneceram
no plano teórico, e tanto a produção quanto o consumo continuaram se
desenvolvendo nos mesmos índices.
Além de reconhecer que a natureza não é um estoque de matérias-primas à
disposição dos seres humanos, é preciso estar alerta ao fato que é cada vez menor
a disponibilidade dos recursos naturais, sejam eles renováveis ou não renováveis.
Nesse sentido, Penna alerta:
Estão terminando os dias em que recursos abundantes estavam disponíveis
como propulsores do crescimento econômico. Por mais extraordinários que
sejam os avanços tecnológicos de nossa era, eles poderão resolver os
problemas do mundo apenas em parte, pois os últimos limites são de
caráter físico. São profundas as raízes de políticas e comportamentos que
causam danos ao meio ambiente. Caso não sejam revertidas as tendências
predominantes, a capacidade-suporte do planeta estará comprometida de
tal forma que, em futuro não muito distante, o declínio econômico e social
será inevitável. Estamos entrando em uma era na qual a prosperidade
global depende do uso mais eficiente dos recursos naturais, da sua
distribuição mais eqüitativa e da redução global dos níveis de consumo.
145
sentido, afirma Peter Singer: “Hoje, os cristãos debatem o significado dessa concessão de ‘domínio’,
e os que defendem a preservação do meio ambiente afirmam que ela não deve ser vista como uma
licença para fazermos tudo o que quisermos com as outras coisas vivas, mas, sim, como uma
orientação para cuidarmos delas em nome de Deus e sermos responsáveis, perante o Criador, pelo
modo como as tratamos. Esta interpretação, porém, quase não encontra respaldo no texto; e tendo
em vista o exemplo dado por Deus, quando afogou quase todos os animais da terra para castigar os
seres humanos por sua maldade, não admira que, na opinião das pessoas, a inundação do simples
vale de um rio não deva ser motivo de preocupação alguma.” (SINGER, Peter. Ética prática. Trad.
Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 281).
144
BACHELET, op. cit., p. 184.
145
PENNA, op. cit., p. 20-21.
51
Atualmente fala-se muito em crise ambiental, entretanto, deve-se ressaltar
que a crise existente não é causada pelo meio natural, e sim pelos valores que
norteiam a sociedade contemporânea e geram a ameaça ao meio ambiente.
Nesse sentido, defende Milaré: “a crise ecológica não se restringe às condições
naturais do Planeta: é uma crise de civilização e da própria sociedade, porque está
associada a uma crise de valores e aponta para a necessidade de novos tipos de
relações humanas”.
146
A crise ambiental é provocada principalmente por uma crise de valores éticos
e culturais.
147
Segundo Leff, "sob a perspectiva ética, as mudanças nos valores e
comportamentos dos indivíduos se convertem em condição fundamental para
alcançar a sustentabilidade."
148
Trata-se, assim, de uma questão ética, e que
depende de mudança de postura.
Para Duarte,
Em verdade, a crise que deriva da sociedade atual, que ao longo do tempo
se tornou insustentável, não é do ambiente, mas uma crise de valores, o
que determina o seu caráter ético. Isso suscita uma grande
responsabilidade social na construção de um ambiente sadio que, partindo
da cosmovisão contemporânea da natureza, holística e integrada ao ser
humano, venha desmistificar conceitos reconstruindo-os a partir da práxis
social.
149
Ainda nesse sentido, ressalta Della Giustina:
Na verdade, as crises constituem conseqüências e não causas dos
desequilíbrios do processo. Atuar sobre as conseqüências o controle do
mundo, a fome ou a exclusão, sem modificar as estruturas, ou a natureza do
processo, pode a se constituir numa forma de aquietamento das
conseqüências, enquanto se mantém o modelo que gera os desequilíbrios
146
MILARÉ, op. cit., p. 123.
147
CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 16.
148
LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Trad.
Lucia Mathilde Endlich Orth. 3. ed. rev. e aum. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 247.
149
DUARTE, op. cit., p. 507.
52
insustentáveis e que nem fará superar as crises e nem fará as
transformações necessárias no rumo da mudança civilizatória.
150
A crise ecológica não causa os desequilíbrios e as contradições existentes na
sociedade contemporânea. Em verdade, ela é resultado das ações equivocadas do
homem, que durante toda a história e principalmente com o desenvolvimento
industrial ignorou os limites da natureza em busca de seu conforto e bem-estar.
Assim, não basta apenas proteger o meio natural, é preciso despertar para uma
nova forma de pensamento, menos individualista e mais comprometida com o todo.
Segundo Robles,
As pessoas ainda vivem embriagadas pelo mito do progresso sem fim e de
seu sucedâneo social, o consumismo ilimitado, sem perceber que os dias da
humanidade estarão contados se não houver uma correção de rumo. [...]
Hoje, a ética é uma necessidade radical, pois, sem ela, o gênero humano
sucumbirá. É necessário um novo pacto: o pacto que nos leve a contemplar
a humanidade como um todo e que permita a salvação de todos. Não se
trata de um pacto em favor do Estado, mas em favor da humanidade.
151
Entretanto, ao mesmo tempo em que o agravamento da crise ambiental,
aos poucos começa a surgir uma nova consciência, que procura restabelecer a
relação ente o homem e a natureza.
152
Ainda que esse processo de mudança ocorra
de forma gradativa, é um passo de grande importância para o enfrentamento da
denominada crise ecológica, pois é preciso que se estabeleça um ponto de equilíbrio
entre a conservação e a exploração planejada e consciente dos recursos naturais.
Para Carvalho, “isso implica, imperativamente, não somente numa revisão
global dos pressupostos econômicos, sociais, culturais e científicos que informam a
nossa civilização, mas, sobretudo, no estabelecimento de novos valores éticos”.
153
A visão antropocêntrica de mundo, com a busca simplesmente do
desenvolvimento econômico acelerado e do lucro imediato, fundamenta a
150
DELLA GIUSTINA, Osvaldo. Participação e solidariedade: a revolução do terceiro milênio II.
Tubarão: Unisul, 2004, p. 160.
151
ROBLES, op. cit., p. 122.
152
CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 197.
153
CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 20.
53
exploração ilimitada e desordenada dos recursos naturais, e é cega em relação ao
futuro.
154
Segundo Morin e Kern, “o mito do desenvolvimento determinou a crença de
que era preciso sacrificar tudo por ele”.
155
Assim, o ser humano não apenas ignora o
limite de suas relações, como também perdeu seu sentido de vínculo com a
natureza.
156
Tal concepção deve dar lugar a uma visão mais ampla, comprometida com as
gerações futuras, com base em uma consciência planetária e humanista. É preciso
abandonar o egocentrismo em prol do interesse comum, reconhecendo a
vulnerabilidade da natureza diante da técnica do homem. A natureza não pode mais
ser vista somente sob o aspecto econômico, como um objeto a serviço do homem,
mas como um todo integrado e interdependente, indispensável para a continuidade
da vida na Terra.
Assim, a dominação e a exploração devem dar lugar ao cuidado e à
responsabilidade.
157
Para Boff, “a ética do cuidado é seguramente a mais imperativa
nos dias atuais, dado o nível de descuido e desleixo que paira como uma ameaça
sobre a biosfera e o destino humano”.
158
Entretanto, para que o cuidado possa ter
lugar, é preciso questionar a visão antropocêntrica de mundo, que fundamenta a
ação predatória do ser humano em relação à natureza.
154
Ibidem, p. 21-22.
155
MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Trad. Paulo Neves. 4. ed. Porto Alegre: Sulina,
2003, p. 79.
156
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Trad. Joana Chaves.
Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 10.
157
Segundo Boff, “cuidado significa, então, desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato...
estamos diante de uma atitude fundamental, de um modo de ser mediante o qual a pessoa sai de si e
centra-se no outro com desvelo e solicitude”. (BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano
compaixão pela terra. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 91).
158
BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Rio de Janeiro:
Sextante, 2003, p. 83.
54
Nesse sentido, alerta Junges:
O cuidado não é normatizável em regras de conduta. Ele expressa-se em
valores e atitudes para os quais é necessário educar-se. [...] Isso não
significa que normas de proteção e preservação do meio ambiente não
sejam necessárias. Elas devem configurar o direito ambiental que impõe
limites e reprime abusos contra a natureza, mas não consegue motivar a
sensibilidade e orientar os comportamentos, que é uma questão ética. A
crise ecológica necessita antes de mais nada de ética, porque se trata de
um câmbio paradigmático no modo de encarar a natureza. A pura resposta
jurídica não resolverá os problemas ambientais.
159
a responsabilidade caracteriza-se por ser, ao mesmo tempo, de todos e de
cada um. Como ressalta Fagundez, “cada ser humano, hoje mais do que nunca, tem
que contribuir para a construção de uma sociedade melhor para todos”.
160
Segundo
Morin, é necessário que a responsabilidade seja “irrigada pelo sentimento de
solidariedade, ou seja, de pertencimento a uma comunidade”.
161
A responsabilidade compartilhada por todos nos remete ao conhecido
princípio “a todo direito corresponde um dever”. Ou seja, para tornar viável a
continuidade da vida do planeta, não bastam ser estabelecidos direitos, mas e
principalmente – é preciso o cumprimento de determinados deveres pelos cidadãos.
Nesse sentido, emerge a importância do direito ambiental, como ressalta
Carvalho,
O Direito Ambiental inaugura um modo de encarar a luta pela preservação
da qualidade dos ecossistemas e pela valorização da biodiversidade como
uma postura ética radical diante da vida. Esta abordagem ético-jurídica
entende o meio ambiente como conseqüência do envolvimento, numa
complexa simbiose, entre todos os seres vivos e a natureza, implicando a
defesa do ambiente saudável como um direito inalienável da presente e das
futuras gerações.
162
Para Duarte,
159
JUNGES, José Roque. Ética ambiental. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 90-91.
160
FAGUNDEZ, op. cit., p. 239.
161
MORIN, Edgar. O método: ética. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 100.
162
CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 22-23.
55
O início do século XXI realça, em caráter global, grandes dificuldades na
implementação dos direitos humanos fundamentais, dentre os quais o
direito ao meio ambiente sadio. A crise do direito, derivada do
enfraquecimento do Estado, uma das conseqüências da globalização da
economia, suscita uma mudança de direção no rumo das ciências, da qual
não pode estar alheio o Direito Ambiental, novo ramo da ciência jurídica.
163
De modo que o direito ambiental exerce papel fundamental no enfrentamento
da crise existente nos dias de hoje. Ressalte-se que essa crise alcança diversos
setores da sociedade, que está presente no Direito, na economia, na questão
social, na relação homem-natureza... É premente a necessidade de se repensar os
valores fundantes da sociedade, e de se estabelecer as reais prioridades para a
construção de uma sociedade mais justa e sustentável.
2.2 Em busca do desenvolvimento sustentável
O grande desafio atual é o desenvolvimento sustentável, que harmoniza o
desenvolvimento socioeconômico e a preservação do meio ambiente. Entretanto, o
problema a ser enfrentado demonstra sua dimensão pelo próprio termo, pois “a idéia
de desenvolvimento sustentável põe em dialógica a idéia de desenvolvimento, que
comporta aumento das poluições; e a idéia de meio-ambiente, que requer limitação
das poluições”.
164
163
DUARTE, op. cit., p. 504.
164
MORIN; KERN, op. cit., p. 69.
56
Ainda que o desenvolvimento sustentável represente uma alternativa ao atual
modelo de desenvolvimento, que é totalmente direcionado para o incremento
econômico, o significa que não qualquer preocupação com o crescimento sob
a perspectiva da sustentabilidade. Deve-se estar alerta ao fato que seu objetivo não
é frear ou pretender interrompê-lo, mas acrescentar qualidade ao seu processo.
165
Não se deve confundir crescimento, que diz respeito apenas a uma expansão
quantitativa, com desenvolvimento, que está relacionado à realização de um
potencial, a uma melhoria qualitativa.
166
A sustentabilidade é compatível com o
desenvolvimento de uma sociedade, mas totalmente dissociada do simples
crescimento econômico. Nesse sentido, Penna afirma que “a tese do crescimento
está arraigada no sistema de valores da civilização humana, mas o crescimento
conjunto da população e da economia tem um efeito explosivo sobre a biosfera”.
167
Para Daly
168
, “crescimento sustentável é impossível”, e o desenvolvimento
sustentável, “uma adaptação cultural feita pela sociedade quando ela se torna
consciente da necessidade emergente do crescimento nulo”, pois entende que o
termo “desenvolvimento sustentável” somente teria sentido para economia se
houvesse evolução sem crescimento.
Nesse sentido, esclarece:
Uma economia em desenvolvimento sustentável adapta-se e aperfeiçoa-se
em conhecimento, organização, eficiência técnica, e sabedoria; ela faz isso
sem assimilar ou acrescentar uma percentagem cada vez maior de matéria-
energia do ecossistema para si, mas, antes, pára a uma escala na qual o
ecossistema remanescente pode continuar a funcionar e renovar-se ano
após ano. A economia de crescimento nulo não é estática ela está sendo
continuamente mantida e renovada como um subsistema de estado
estacionário do meio ambiente.
169
165
BINSWANGER, Hans Christoph. Fazendo a sustentabilidade funcionar. In: CAVALCANTI, Clóvis
(org.). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. 4. ed. São Paulo:
Cortez, 2002. p. 41-55, p. 41.
166
DALY, Herman E. Políticas para o desenvolvimento sustentável. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.).
Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. 4. ed. São Paulo: Cortez,
2002. p. 179-192, p. 182.
167
PENNA, op. cit., p. 136.
168
DALY, Herman E. Crescimento sustentável? Não, obrigado. Ambiente e sociedade. Campinas, v.
7, n. 2, 2004. p.197-201, p. 197-198.
169
Ibidem, p. 200.
57
O paradigma
170
antropocêntrico ainda predominante faz com que o
crescimento econômico muitas vezes seja visto como a solução de todos os
problemas, e seja buscado incessantemente pela sociedade contemporânea.
Entretanto, a questão que se apresenta e que não pode ser desconsiderada é
que a economia está interligada aos demais subsistemas, e é totalmente
dependente da biosfera finita que lhe dá suporte.
A economia não é um sistema fechado, e todo o crescimento econômico afeta
o meio ambiente e é por ele afetado, já que economia e meio ambienteo parte de
um sistema único e, consequentemente, interagem constantemente. De modo que a
preocupação com biosfera não pode continuar sendo percebida como um entrave à
economia, vez que o sistema econômico é totalmente dependente do sistema
natural.
171
Nesse sentido, o Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento da ONU, denominado “Nosso futuro comum” afirma que
Meio ambiente e desenvolvimento não constituem desafios separados;
estão inevitavelmente interligados. O desenvolvimento não se mantém se a
base de recursos ambientais se deteriora; o meio ambiente não pode ser
protegido se o crescimento não leva em conta as conseqüências da
destruição ambiental.
172
Assim, a economia deve estar perfeitamente integrada com a natureza em
todos os processos de decisão. Todas as ações devem levar em consideração tanto
a proteção do meio ambiente quanto a proteção e a promoção do desenvolvimento.
Economia e ecologia não devem ser vistas de forma dissociada e reducionista, vez
que ambas são importantes para a qualidade de vida.
173
170
Paradigma é termo de Thomas Kuhn (As estruturas das revoluções científicas) e redefinido por
Morin da seguinte forma: “Um paradigma contém, para todo discurso sob a sua influência, os
conceitos fundamentais ou as categorias essenciais de inteligibilidade, ao mesmo tempo que o tipo de
relações lógicas de atração/repulsão (conjunção, disjunção, implicação ou outras) entre os seus
conceitos ou categorias. Assim, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo os paradigmas
neles introjetados.” (MORIN, O método, op. cit., p. 209).
171
PENNA, op. cit., p. 127-129.
172
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro
comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991, p. 40.
173
Ibidem, p. 41.
58
Como mencionado anteriormente, toda a atividade humana causa impacto
ao meio natural, e assim ocorre com a atividade econômica, que deve respeitar os
limites da natureza. Seja na utilização de recursos naturais, seja na produção de
resíduos, o processo econômico deve ser desenvolvido de modo a não prejudicar o
ecossistema global.
174
Na busca do desenvolvimento sustentável a grande questão é que a
demanda de recursos é cada vez maior, mas estes recursos são finitos. Pois, como
ressalta Locatelli, “ao contrário dos anseios e necessidades do homem, que podem
ser consideradas como ilimitados, os recursos naturais disponíveis não o são”
175
.
Nesse sentido, ressalta Penna:
Grande parte das questões ambientais e sociais baseia-se no equilíbrio
abastecimento versus demanda. Embora não se sabia com precisão os
seus limites, o abastecimento (de qualquer coisa) é seguramente limitado,
enquanto a demanda pode ser ilimitada. Não limites intrínsecos à
demanda dos seres humanos.
176
Segundo Spínola,
O atual modelo de desenvolvimento econômico baseado no crescimento
ilimitado da produção de bens materiais não pode ser mantido, uma vez que
os recursos de que necessita são finitos. A manutenção do modelo significa
a própria destruição daqueles que o defendem. Assim, a busca de novos
caminhos para o desenvolvimento econômico e social da humanidade não
pode ignorar o meio ambiente.
177
Na sociedade atual, muitas vezes ocorre uma deturpação entre os meios e os
fins. De modo que o crescimento econômico e o progresso material muitas vezes
são vistos como objetivos últimos a serem alcançados, quando, em verdade,
174
CAVALCANTI, Clóvis. Uma tentativa de caracterização da economia ecológica. Ambiente e
sociedade. Campinas, v. 7, n. 1, 2004. p. 149-156, p. 149.
175
LOCATELLI, Paulo Antonio. Consumo sustentável. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v. 5,
n. 19, p. 297-300, jul./set. 2000, p. 297.
176
PENNA, op. cit., p. 130.
177
SPÍNOLA, Ana Luiza. Consumo sustentável: o alto custo dos produtos que consumimos. Revista
de Direito Ambiental. São Paulo, v. 6, n. 24, p.209-216, out./dez., 2001, p. 215.
59
deveriam ser apenas instrumentos para a melhoria da qualidade de vida, tanto no
presente quanto no futuro.
178
O termo “desenvolvimento sustentável” é abrangente engloba aspectos
econômicos, sociais e ambientais –, e foi expresso no Relatório Brundtland como o
“desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem comprometer a
capacidade de as futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades”.
179
Para a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
Em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de
transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos
investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança
institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim
de atender às necessidades e aspirações humanas.
180
Assim, seu objetivo é harmonizar o direito ao desenvolvimento da geração
atual com o direito das futuras gerações de ter boas condições de vida e poder
usufruir dos mesmos recursos naturais hoje existentes. Em decorrência disso, o
estabelecimento de um compromisso ético, o reconhecimento de uma
responsabilidade em relação ao futuro, criando uma solidariedade intergeracional.
181
Para Rawls, a questão da justiça entre gerações submete qualquer teoria
ética a testes severos, senão impossíveis. No entanto, defende que “as pessoas de
diferentes gerações têm deveres e obrigações umas às outras exatamente como as
têm as pessoas que vivem numa mesma época”.
182
178
PENNA, op. cit., p. 130-131.
179
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 46;
MOUSINHO, Patrícia. Glossário. In: TRIGUEIRO, André (Coord.). Meio ambiente no século 21: 21
especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante,
2003, p. 348.
180
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 49.
181
LEITE, JOSÉ Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Transdisciplinariedade e a proteção
jurídico-ambiental em sociedades de risco: direito, ciência e participação. In: LEITE, Jose Rubens
Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros (org.). Direito ambiental contemporâneo. Barueri: Manole,
2004. p. 99-125, p. 114.
182
RAWLS, op. cit., p. 323.
60
Segundo Leite e Ayala, ao proteger o direito ao desenvolvimento sustentável
das gerações futuras, “o que se quer preservar é a possibilidade de que o poder de
decisão sobre o patrimônio comum não seja usurpado de forma ilegítima pelas
gerações atuais”.
183
O desenvolvimento sustentável se trata de um processo de transformação,
em busca de harmonização entre os interesses do presente e a viabilidade do futuro.
De modo que é preciso mudar a trajetória do progresso e fazer uma transição para
uma economia sustentável, para que o futuro do planeta não reste comprometido.
184
Para a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
A humanidade é capaz de tornar o desenvolvimento sustentável de
garantir que ela atenda as necessidades do presente sem comprometer a
capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas. O conceito
de desenvolvimento sustentável tem, é claro, limites – não limites absolutos,
mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização
social, no tocante aos recursos ambientais, e pela capacidade da biosfera
de absorver os efeitos da atividade humana.
185
Para Sachs
186
, a sustentabilidade depende de vários critérios: social, cultural,
ecológico, ambiental, territorial, econômico, política nacional e internacional. Nesse
sentido, Gadotti defende que o desenvolvimento sustentável deve ser
“economicamente factível, ecologicamente apropriado, socialmente justo e
culturalmente eqüitativo, respeitoso e sem discriminação de gênero”.
187
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
Uma sociedade mundial sustentável erguer-se-á sobre dois princípios: uma
distribuição eqüitativa, entre as nações, das matérias-primas, da energia e
183
LEITE, JOSÉ Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. A transdiciplinariedade do direito
ambiental e sua eqüidade intergeracional. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v. 6, n. 22, p.
62-80, abr./jun. 2001, p. 76.
184
DALY, Herman E. Sustentabilidade em um mundo lotado. Scientific American. Edição especial
Brasil. São Paulo, n. 41, p. 92-99, out. 2005, p. 92.
185
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 9.
186
SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. 3. ed. Rio de Janeiro:
Garamond, 2002, p. 85-88.
187
GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra. 3. ed. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2000, p. 61.
61
dos bens e serviços que delas derivam; e o respeito à Terra, a seus
ecossistemas tanto em escala local quanto global, respeito esse
manifestado na adoção de métodos de produção que preservem a
oportunidade das gerações futuras usufruírem dos mesmos padrões de vida
das atuais.
188
Para Bachelet
189
, para que o desenvolvimento sustentável seja colocado em
prática, é preciso repensar a forma de utilização dos recursos naturais e reduzir a
produção de resíduos. Assim, a quantidade de resíduos produzidos deve ser
limitada ao seu nível de carga ecológica, considerando que a quantidade máxima
assimilada pelo meio durante um período varia de acordo com a nocividade do
resíduo. Quanto à utilização dos recursos, é necessário respeitar a potencialidade
de renovação de cada espécie, para que não haja a sua extinção a extração de
recursos esgotáveis deve acontecer em um ritmo que permita a sua substituição por
recursos equivalentes e a exploração dos recursos renováveis deve se dar em um
ritmo compatível com a sua renovação. Além disso, deve-se dar preferência à
utilização dos recursos de substituição, nascidos da invenção do homem.
Os imperativos estratégicos para o desenvolvimento sustentável contidos no
Relatório Brundtland são: inserir qualidade no processo de desenvolvimento; manter
o nível populacional em um patamar sustentável; conservar e melhorar a base de
recursos; reorientar a tecnologia; atender às necessidades básicas de alimentação,
emprego, água, energia e saneamento da população; e incluir o meio ambiente e a
economia no processo de tomada de decisões.
190
Todos devem estar comprometidos com o desenvolvimento sustentável, e
não apenas as nações em desenvolvimento.
191
De modo que os ricos, que têm maior
poder de consumo o que acarreta maior extração de recursos e maior geração de
resíduos a serem absorvidos pelo ambiente –, terão de se adaptar a uma nova
forma de consumo, comprometida com a sustentabilidade.
188
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Consumo sustentável.
Trad. Admond Ben Meir. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente/IDEC/Consumers International,
1998, p. 23.
189
BACHELET, op. cit., p. 186.
190
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 53.
191
Ibidem, p. 4.
62
Assim, o foco da sociedade contemporânea não pode mais estar direcionado
apenas para a produção de riquezas, mas para a sua distribuição e sua melhor
utilização. É necessária uma verdadeira e efetiva mudança de postura na relação
entre o homem e a natureza, onde não há a dominação, mas a harmonia entre eles.
Para tanto, é preciso conscientizar e estimular os indivíduos a agirem com
comprometimento e em prol do interesse comum o que não se consegue apenas
com a criação de dispositivos legais, que são insuficientes para uma mudança de
postura. Nesse ponto, a educação tem papel fundamental na reformulação do
pensamento, e conseqüentemente, de toda a sociedade.
2.3 A importância da educação ambiental na formação de uma nova
consciência
Ainda que a legislação brasileira seja considerada bastante avançada na
questão ambiental, e o meio ambiente esteja protegido constitucionalmente como di-
reito fundamental, não significa que exista uma efetiva proteção ao meio ambiente.
Na prática, muitas vezes percebe-se uma grande distância entre a previsão normati-
va e a realidade fática. Ou seja, sabe-se que as inúmeras leis ambientais existentes
não têm sido suficientes para evitar o desrespeito à natureza, seja em relação aos
grandes poluidores ou àqueles que poluem para simplesmente sobreviver. Muitas
vezes o desconhecimento da lei, diante do emaranhado legislativo presente no
ordenamento jurídico brasileiro, em que a quantidade de leis parece diminuir a força
coercitiva das mesmas. Em outras, o total conhecimento e a norma é desrespei-
tada de forma deliberada, vez que o cumprimento da sanção estabelecida compensa
a prática dos atos lesivos ao meio ambiente.
192
192
NALINI, José Renato. Ética ambiental. 2. ed. rev., atual. e ampl. Campinas: Millennium, 2003, p.
XXXIII.
63
Assim, o problema não reside na falta de previsão normativa, na ausência de
dispositivos que regulamentem a matéria, mas na não-aplicação das normas jurídi-
cas estabelecidas. Nesse sentido, Carvalho
193
entende que nem a efetiva aplicação
da legislação ambiental é o suficiente, sendo necessário reformar o pensamento,
com o predomínio de uma nova visão de mundo, em uma perspectiva de fraternida-
de, em que o homem não seja percebido como o senhor da natureza, mas como seu
irmão. E defende:
Tenho convicção de que a simples existência de uma legislação ambiental
rigorosa, e seguramente a temos, não é suficiente para impedir a agressão
aos ecossistemas. Todos diariamente testemunhamos as constantes agres-
sões ao meio ambiente. O Direito Ambiental não é, não pode ser, somente o
estudo das leis ambientais. É antes o exercício da ciência a serviço de uma
ética. E, ao atuar nesta direção, certamente não ficacircunscrito ao âmbi-
to dos operadores do Direito, mas cumprirá a sua vocação de se tornar uma
ciência de conhecimento comunitário e popular.
194
A falta de efetividade das normas de proteção ambiental é resultado da con-
fluência de diversos fatores, tais como interesses econômicos, questões políticas e
institucionais, aspectos culturais, entre outros. Além de realizar mudanças nos fato-
res citados, é preciso construir uma nova mentalidade, formar uma nova consciên-
cia. É necessário que se estabeleça uma nova cultura para que haja maior respeito
à natureza.
195
Para Medina e Santos,
Necessita-se de uma mudança fundamental na maneira de pensarmos
acerca de nós mesmos, nosso meio, nossa sociedade e nosso futuro; uma
mudança básica nos valores e crenças que orientam nosso pensamento e
nossas ações; uma mudança que nos permita adquirir uma percepção
holística e integral do mundo com uma postura ética, responsável e
solidária.
196
193
CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 7.
194
Ibidem, p. 200-201.
195
CANEPA, op. cit., p. 159.
196
MEDINA, Naná Mininni; SANTOS, Elizabeth da Conceição. Educação ambiental: uma
metodologia participativa de formação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 18.
64
Diante disso, percebe-se a necessidade de se buscar uma nova ética, regida
por um sentimento de pertença mútua entre todos os seres. A ética sempre esteve
preocupada com as questões de existência do homem, mas agora deve voltar-se
principalmente para a sua inter-relação com o planeta uma ética voltada a um
relacionamento equilibrado entre a natureza e o ser humano. A nova ética está
fundamentada na responsabilidade e na solidariedade com o futuro.
Segundo Lipovetsky,
A idéia de que “a Terra está em perigo de morte” impôs uma nova dimensão
de responsabilidade, uma concepção inédita das obrigações humanas que
ultrapassa a ética tradicional, circunscrita às relações inter-humanas
imediatas. A responsabilidade humana deve, agora, estender-se às coisas
extra-humanas, englobar a dimensão da biosfera inteira, uma vez que o
homem possui os meios para pôr em perigo a vida futura no planeta.
197
Para Robles, a ética deve ser entendida como uma verdadeira necessidade
do mundo contemporâneo, em que o individualista e utilitarista princípio da felicidade
deve ser substituído pelo princípio da responsabilidade, universalista e solidário.
198
Nesse sentido, Singer alerta para o fato que “os princípios éticos mudam
lentamente, e o tempo que temos para desenvolver uma nova ética ambiental é
curto”.
199
Segundo Sirvinskas, deve-se buscar a ética ambiental através de uma
consciência ecológica fundamentada na educação ambiental:
“é o exercício efetivo
da cidadania que poderá resolver parte desses grandes problemas mundiais através
da ética ambiental transmitida pela educação ambiental”.
200
De modo que a
educação ambiental deve ter por base a ética ambiental, que aproxima os seres
humanos das demais espécies de vida existentes no planeta Terra.
197
LIPOVETSKY, Gilles. O crepúsculo do dever: a ética indolor dos novos tempos democráticos.
Trad. Fátima Gaspar e Carlos Gaspar. 3. ed. Lisboa: Dom Quixote, 2004, p. 244.
198
ROBLES, op. cit., passim.
199
SINGER, op. cit., p. 301.
200
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Meio ambiente e cidadania. Revista do Instituto de Pesquisas e
Estudos. Bauru, n. 35, p. 305-307, ago. 2002, p. 306.
65
Para Singer,
Os contornos gerais de uma ética verdadeiramente ambiental são fáceis de
estabelecer. Em seu nível mais fundamental, essa ética incentiva a
consideração dos interesses de todas as criaturas sencientes, inclusive das
gerações que habitarão o planeta num futuro remoto.
201
A educação ambiental encontra sua base inicial no princípio 19 da Declaração
de Estocolmo, e no entendimento de Machado,
É essencial seja ministrada educação sobre questões ambientais às
gerações jovens como aos adultos, levando-se em conta os menos
favorecidos, com a finalidade de desenvolver as bases necessárias para
esclarecer a opinião pública e dar aos indivíduos, empresas e coletividade o
sentido de suas responsabilidades no que concerne à proteção e melhoria
do meio ambiente em toda a sua dimensão humana.
202
A educação ambiental é bastante abrangente, e as diversas concepções que
a compõem estão relacionadas com as suas diferentes formas de realização,
determinadas principalmente pelos objetivos a serem alcançados. Assim, o estudo
da questão ambiental pode ser realizado sob uma perspectiva mais biológica, se
tiver como preocupação central a proteção, conservação e preservação de espécies,
ecossistemas e o planeta como um todo; política, se buscar o desenvolvimento do
diálogo, da participação popular, da democracia e da cidadania; econômica, se
tentar conciliar o desenvolvimento econômico e social com atividades
ambientalmente corretas; ou espiritual/cultural, se promove um maior conhecimento
do universo e também o autoconhecimento, dentro de uma nova ética.
203
Para Leonardi, diante dos diversos aspectos que envolvem a educação
ambiental, seu objetivo poderia ser definido da seguinte maneira: “contribuir para a
201
SINGER, op. cit., p. 301.
202
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Princípios gerais de direito ambiental internacional e a política
ambiental brasileira. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 30. n. 118, p. 207-218. abr./jun.
1993, p. 212.
203
LEONARDI, Maria Lucia Azevedo. A educação ambiental como um dos instrumentos de superação
da insustentabilidade da sociedade atual. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio ambiente,
desenvolvimento sustentável e políticas públicas. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 391-408, p.
396.
66
conservação da biodiversidade, para a auto-realização individual e para a
autogestão política e econômica, mediante processos educativos que promovam a
melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida”.
204
A educação ambiental é definida pelo art. 1º da Lei 9.795/99, como o conjunto
de processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores
sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia
qualidade de vida e sua sustentabilidade.
A própria Constituição Federal estabelece que cabe ao Poder Público
“promover a educação ambiental em todos os níveis do ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente” (art. 225, §1º, VI/CF). Assim, a
educação ambiental deve estar presente em todos os níveis e modalidades do
ensino, e cabe ao Poder Público acompanhar e fiscalizar a sua aplicação.
205
O artigo da Lei 9.795/99 assim estabelece a obrigatoriedade da educação
ambiental: “A educação ambiental é um componente essencial e permanente da
educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis
e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”.
A educação ambiental não se trata de mera transmissão de determinados
conhecimentos, mas consiste na formação de uma consciência e uma ética
ambiental seu objetivo é muito mais formativo que informativo. Nesse sentido,
afirma Rodrigues: “a função da educação ambiental não é a reprodução/divulgação
de conhecimentos, mas sim a formação de uma consciência e de uma ética
ambiental, como fica claro após o exame de seus princípios e objetivos, a exigir a
sua presença nos projetos pedagógicos como eixo transversal”.
206
A educação ambiental ocorre através de processos contínuos e interativos, e
inclina-se para a formação da consciência, de atitudes, aptidões, capacidade de ava-
liação e de ação crítica no mundo. Ressalte-se que não se trata apenas de ensinar
204
LEONARDI, op. cit., p. 396-397.
205
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. A educação ambiental no âmbito do ensino superior brasileiro.
In: LEITE, José Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros (org.). Direito ambiental
contemporâneo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 395-409, p. 404.
206
RODRIGUES, op. cit., p. 407.
67
sobre a natureza, mas de possibilitar a compreensão da relação entre ser humano e
natureza, e a construção de novas formas de pensamento, atitudes e ações.
207
Para Leff,
A educação ambiental tenta articular subjetivamente o educando à produção
de conhecimentos e vinculá-lo aos sentidos do saber. Isto implica fomentar
o pensamento crítico, reflexivo e propositivo face às condutas
automatizadas, próprias do pragmatismo e do utilitarismo da sociedade
atual.
208
A educação ambiental pode ser realizada através de diferentes processos:
formal, não-formal e informal. As características que distinguem essas modalidades
são: o conteúdo abrangido, a forma de atuação, a metodologia escolhida, a periodi-
cidade das atividades, a forma de avaliação, o estabelecimento de objetivos a serem
alcançados, entre outros.
A educação ambiental definida como formal é a realizada conjuntamente
com as atividades escolares, independentemente do nível de ensino, desde a edu-
cação infantil até a pós-graduação. É a modalidade de educação ambiental que pos-
sui maior planejamento, e que os conteúdos, a metodologia e as formas de avalia-
ção estão mais claramente definidos.
209
De acordo com o artigo 10 da Lei 9.795/99, a educação ambiental deve ser
desenvolvida de forma permanente, contínua, e integrada ao processo educacional
como um todo, em todos os níveis e modalidades do ensino formal.
A modalidade não-formal de educação ambiental não está restrita ao univer-
so escolar, pois é realizada em diferentes espaços da sociedade, muitas vezes em
parceria com entidades como organizações não-governamentais, sindicatos, associ-
ações, empresas, órgãos governamentais, etc. Embora seja menos estruturada que
207
MEDINA; SANTOS, op. cit., p. 24-25.
208
LEFF, op. cit., p. 250.
209
LEONARDI, op. cit., p. 397.
68
a educação formal, também possui metodologia, periodicidade e objetivos bem deli-
neados.
210
A educação ambiental informal também é desenvolvida em diversos espaços
da vida social, mas não possui necessariamente uma forma de atuação específica, a
fixação de objetivos a serem alcançados ou compromisso com a continuidade. Mui-
tas vezes ocorre de maneira esporádica, através de meios de comunicação que
abordam temas relacionados à questão ambiental.
211
Assim, as atividades que compõem a educação ambiental podem ocorrer
através de diferentes processos, por vezes com objetivos determinados, mas seu fim
último é sempre o mesmo, o de reformar o pensamento e possibilitar uma nova
forma de pensar a relação entre o homem e a natureza. Essa nova relação
homem/natureza somente poderá ser formulada a partir de uma nova visão de
mundo e uma nova ética, fundada em valores diversos dos que sustentam a
sociedade contemporânea, baseada no individualismo exacerbado e na busca
incessante do crescimento econômico.
Além do fundamento ético, a educação ambiental envolve outros importantes
aspectos para a sua realização. Nesse sentido, Leonardi ressalta:
Ao lado dos pressupostos éticos, existem outros componentes importantes
que referenciam o trabalho da educação ambiental. São eles: o diálogo, o
respeito à diferença, a interdisciplinaridade, a discussão disciplinar, o
desenvolvimento sustentável, dentre outros. [...] É na articulação desses
três pilares básicos diálogo, respeito à diferença e interdisciplinaridade
que se fundamenta o trabalho da educação ambiental.
212
A educação ambiental – e a educação como um todo –, deve contribuir para a
formação de uma ética ambiental, e fornecer subsídios para que os indivíduos pos-
sam compreender as questões ambientais em sua plenitude, considerando todos os
desafios que estão envolvidos, sejam eles econômicos, sociais, políticos ou ecológi-
cos.
213
210
LEONARDI, op. cit., p. 397.
211
Ibidem, p. 398.
212
Ibidem, p. 400.
213
CANEPA, op. cit., p. 159.
69
O próprio art. da Lei 9.795/99 determina, em seu inciso II, que princípio -
sico da educação ambiental é “a concepção do meio ambiente em sua totalidade,
considerando a interdependência entre o meio ambiente natural, o sócio-econômico
e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade”.
Os outros princípios básicos da educação ambiental elencados pelo art.
da Lei 9.795/99 são: o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; o
pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e
transdisciplinariedade; a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as
práticas sociais; a garantia da continuidade e permanência do processo educativo; a
permanente avaliação crítica do processo educativo; a abordagem articulada das
questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; o reconhecimento e o
respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural.
A preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica, e
a formação desta consciência depende da educação e, em particular, da educação
ambiental, pois, conforme enfatiza Freitas, esta “é o mais eficaz meio preventivo de
proteção do meio ambiente”.
214
Com a denominada pós-modernidade
215
, a educação “deve preparar o
homem a conviver harmonicamente com seus semelhantes, com a natureza e todo o
cosmo”.
216
Assim, a educação é um processo que envolve toda a sociedade, e que
deve buscar uma mudança de comportamento e a libertação de dogmas
predominantes por muitos séculos.
217
Para Medina e Santos, diante da necessidade de repensar conceitos, em
busca de um mundo mais humano e sustentável, “a educação passa a adquirir
214
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais.
2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 66.
215
Nesta pesquisa, a expressão “pós-modernidade” ou o adjetivo “pós-moderno” a ela referente
somente são utilizados quando em referência a autores que assim designam esse período de
transição associado a concepções diversas. Conforme Bittar, “o surgimento da expressão está eivado
de contestações, o seu uso e emprego são passíveis de severas críticas, bem como a sua
significação ganha coloridos e matrizes diversos conforme a tendência ou a corrente de pensamento”.
(BITTAR, op. cit., p. 96). Assim, a adoção dessa expressão ou de outras, tais como
“supermodernidade” (Georges Balandier), “modernidade reflexiva” (Ulrich Beck), “modernidade tardia”
(Anthony Giddens), “hipermodernidade” (Gilles Lipovetsky) dependeria de uma reflexão aprofundada
que não cabe ser realizada neste momento, para que não se desvie do objetivo aqui proposto.
216
LAMPERT, Ernâni. Pós-modernidade e educação. In: LAMPERT, Ernâni. Pós-modernidade e
conhecimento: educação, sociedade, ambiente e comportamento humano. Porto Alegre: Sulina,
2005. p. 11-48, p. 45.
217
FAGUNDEZ, op. cit., p. 213.
70
novos significados no processo de construção de uma sociedade sustentável,
democrática, participativa e socialmente justa, capaz de exercer efetivamente a
solidariedade com as gerações presentes e futuras”.
218
Hoje, na chamada aldeia global, a difusão do conhecimento é facilitada pela
informática, pelos meios de comunicação de massa e a possibilidade de educação à
distância. A escola não é mais a única responsável pela transmissão de
conhecimento. Entretanto, ao mesmo tempo em que aumenta a possibilidade de
acesso à informação pois esta circula de modo cada vez mais rápido –, o nível de
conhecimento se torna cada vez mais baixo. Como ressalta Lampert, “nunca se deu
tanta importância à educação, ao ensino, ao conhecimento, porém, com exceções,
percebe-se a instalação do caos em todas as esferas e níveis de escolaridade”.
219
A escola também sofre as conseqüências da sociedade pós-moderna em
que está inserida.
220
Assim como outras instituições sociais, está em crise. A
instituição encontra-se desvalorizada e muitas vezes desacreditada, por o
conseguir mais atender às necessidades sociais. Para se manter viva, a escola
precisa transmitir conhecimento e não apenas informação e proporcionar uma
formação integral, de valores éticos.
221
Nesse sentido, Lampert ressalta:
A educação, dever do Estado, numa sociedade globalizada, deve ensinar o
cidadão a viver em uma aldeia planetária; a se transformar em cidadão do
mundo; a aceitar a mundialização da cultura, sem, entretanto, perder e
renunciar às suas raízes culturais. Portanto, na pós-modernidade, a
educação deve ser um ato de ousadia e um eterno desafio. Devemos
assumir com humildade os erros históricos e ter a predisposição de superá-
los para que possamos contribuir na construção de um mundo melhor.
222
A crise percebida – também – no sistema educativo impõe a necessidade de
se buscar modelos alternativos que possam substituir as antigas estruturas ainda
218
MEDINA; SANTOS, op. cit., p. 17.
219
LAMPERT, op. cit., p. 32.
220
CALLONI, Humberto. A educação e seus impasses: um olhar a partir da noção de pós-
modernidade. In: LAMPERT, Ernâni. Pós-modernidade e conhecimento: educação, sociedade,
ambiente e comportamento humano. Porto Alegre: Sulina, 2005. p. 49-75, p. 69.
221
LAMPERT, op. cit., p. 42-44.
222
LAMPERT, op. cit., p. 45-46.
71
vigentes. Ao analisar as necessidades de mudança na educação, não é possível
desconsiderar certas características da sociedade contemporânea, tais como o
consumismo desenfreado, a substituição das referências de valor, em que o
fundamental é o “ter” e não o “ser”, a perda da essência do próprio ser humano
como ser histórico, e a falta de análise crítica diante das situações, resultado da
fragmentação do pensamento e da prevalência da sociedade da informação sobre a
sociedade do conhecimento.
223
Segundo Morin,
Essa reforma de mentes pode ser conduzida pela educação, mas
infelizmente o nosso sistema educacional terá de ser previamente
reformado, pois está baseado na separação: dos saberes, das disciplinas,
das ciências; produz mentes incapazes de conectar os conhecimentos, de
reconhecer os problemas globais e fundamentais e de apropriar-se dos
desafios da complexidade. Um novo sistema de educação, baseado no
espírito de religação, radicalmente diferente, portanto, do existente na
atualidade, deve ser instaurado.
224
As novas dimensões educativas colocam ênfase no componente ético e são
orientadas à transformação do indivíduo: educação para a paz, para a saúde, a
educação para o consumo, e a educação ambiental, que de certa forma abrange
todas.
225
A educação ambiental é necessária na formação de indivíduos com uma
nova racionalidade ambiental, capaz de superar a crise global presenciada
atualmente.
Diante dessa necessidade de formulação de uma nova mentalidade,
Torna-se necessária a formação de indivíduos que possam responder aos
desafios colocados pelo estilo de desenvolvimento dominante, a partir da
construção de um novo estilo harmônico entre a sociedade e a natureza e
que, ao mesmo tempo, sejam capazes de superar a racionalidade
meramente instrumental e economicista, que deu origem às crises
ambiental e social que hoje nos preocupam.
226
223
MEDINA; SANTOS, op. cit., p. 19-20.
224
MORIN, O método, op. cit., p. 170.
225
MEDINA; SANTOS, op. cit., p. 21-22.
226
MEDINA; SANTOS, op. cit., p. 24.
72
De modo que, sem uma mudança nos valores que orientam a sociedade
através da educação ambiental, não como alcançar os objetivos do
desenvolvimento sustentável.
227
Assim, a educação ambiental é considerada
instrumento indispensável na formatação de uma sociedade sustentável.
228
Segundo Leff,
As estratégias educacionais para o desenvolvimento sustentável implicam a
necessidade de reavaliar e atualizar os programas de educação ambiental,
ao tempo que se renovam seus conteúdos com base nos avanços do saber
e da democracia ambiental. A educação para o desenvolvimento
sustentável exige assim novas orientações e conteúdos; novas práticas
pedagógicas onde se plasmem as relações de produção de conhecimentos
e os processos de circulação, transmissão e disseminação do saber
ambiental. Isto coloca a necessidade de incorporar os valores ambientais e
novos paradigmas do conhecimento da formação dos novos atores da
educação ambiental e do desenvolvimento sustentável. Neste sentido, a
educação ambiental adquire um sentido estratégico na condução do
processo de transição para uma sociedade sustentável.
229
No entanto, a educação ambiental ainda não é tratada com a seriedade
necessária, sendo, muitas vezes, deixada em um plano secundário. Nesse sentido,
Leonardi alerta que:
Os fatores que comprometem a continuidade das práticas de educação
ambiental mais freqüentes são antigos conhecidos nas políticas públicas:
descontinuidade administrativa; falta de recursos financeiros; número
insuficiente de recursos humanos para atuar na atividade; despreparo dos
professores; alta rotatividade dos professores das escolas públicas;
interferências políticas.
230
A educação ambiental está estreitamente ligada à formação da cidadania e à
reformulação de valores éticos e morais, tanto individuais quanto coletivos,
indispensáveis para que seja assegurada a continuidade da vida na Terra.
227
LEFF, op. cit., p. 222.
228
CANEPA, op. cit., p. 158.
229
LEFF, op. cit., p. 251.
230
LEONARDI, op. cit., p. 403.
73
Nesse processo de formação de uma nova consciência voltada para a
preservação do planeta é essencial a educação do consumidor, com a
conscientização da importância de novos hábitos de consumo, vez que grande parte
dos problemas ambientais presentes são fruto dos padrões impostos pela economia
de mercado, difundida pelos meios de comunicação de massa, impondo um estilo de
vida insustentável para o planeta.
De modo que a educação deve passar a adquirir novos significados na
construção de uma sociedade sustentável, democrática, participativa e socialmente
justa, capaz de exercer efetivamente a solidariedade com as gerações presentes e
futuras. E se não chega a ser um sinônimo de solução, a educação é, sem dúvida,
um importante instrumento para o melhoramento da sociedade.
74
3 O EXERCÍCIO DA CIDADANIA EM BUSCA DA SUSTENTABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL
A existência de uma crise ecológica na sociedade contemporânea pode ser
percebida claramente através de diversos fatores que ameaçam o equilíbrio do
ecossistema global: mudanças climáticas, destruição da camada de ozônio,
esgotamento de recursos naturais, desaparecimento acelerado de diversas
espécies, problemas ambientais em diversas regiões e em aglomerados urbano-
industriais, entre tantos outros.
Diante desses acontecimentos, percebe-se que a tutela jurídica conferida ao
meio ambiente não é suficiente para a sua efetiva proteção. Ocorre que a questão
ambiental é complexa, e não poderá ser resolvida somente através de
procedimentos técnicos; requer, antes, uma nova atitude ética.
A efetiva proteção do meio ambiente e a conseqüente efetivação do direito
fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado depende,
sobretudo, de uma mudança de paradigma na relação do ser humano com a
natureza, na convivência social, na concepção de desenvolvimento, e no processo
de produção e consumo de bens.
231
Para redefinir os rumos da problemática ambiental é preciso que não apenas
o Estado, mas toda a sociedade esteja comprometida com o processo de construção
de uma sociedade mais justa e sustentável. Nesse sentido, o exercício da cidadania
tem papel fundamental para que o meio ambiente seja efetivamente protegido,
conforme impõe a Constituição Federal de 1988.
231
JUNGES, op. cit., p. 7.
75
3.1 A participação e a solidariedade social como base da cidadania
A realidade contemporânea é extremamente complexa, e fortemente
influenciada pelo paradigma da separação do conhecimento. A
fragmentação/compartimentação do pensamento não é problema apenas para o
conhecimento, mas para toda a sociedade. Da mesma forma como acontece com
outros sistemas, a sociedade é um todo organizado que possui características que
não são percebidas nas partes que a compõem.
Nesse sentido, percebe-se que o individualismo exacerbado predominante
desde o advento do capitalismo e cada vez mais presente na sociedade quebra
a unidade que deveria estar presente, e faz com que os indivíduos não se sintam
parte da sociedade. Ou seja, falta coesão à sociedade.
Segundo Johnson, “coesão é o grau em que indivíduos que participam de um
sistema social se identificam com ele e se sentem obrigados a apoiá-lo,
especialmente no que diz respeito a normas, valores, crenças e estrutura”.
232
233
A coesão da sociedade pode ser mantida temporariamente através do poder
da autoridade, mas para que a liberdade seja mantida, é necessário que haja um
sentimento de comunidade e de solidariedade em cada indivíduo. O pensamento
complexo, que une o conhecimento, deve se estender “para o plano da ética, da soli-
dariedade e da política”.
234
Segundo Morin,
232
JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Trad. Ruy
Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 41.
233
De acordo com Durkheim, a coesão pode ter por base a solidariedade mecânica ou a solidariedade
orgânica. A solidariedade mecânica está relacionada a um consenso acerca de valores, normas e
crenças, com base em cultura e estilo de vida comuns. Enquanto que a solidariedade orgânica
fundamenta-se em uma divisão de trabalho complexa, em que os indivíduos são interdependentes em
razão da especialização das atividades. (JOHNSON, op. cit., p. 41).
234
MORIN, Edgar. Complexidade e ética da solidariedade. In: CASTRO, Gustavo de (Coord.).
Ensaios de complexidade. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2002, p. 18.
76
A fragmentação, a compartimentação e a atomização do saber fazem que
seja impossível imaginar um todo com elementos solidários; por isso, tende
a atrofiar o conhecimento das solidariedades e a consciência de solidarieda-
de. O indivíduo acaba encurralado num setor e inclina-se a reduzir a sua
responsabilidade a um espaço circunscrito, atrofiando a sua consciência de
responsabilidade. Assim, o pensar mal rói a ética nas suas fontes: solidarie-
dade/responsabilidade. A incapacidade de ver o todo, de religar-se ao todo,
gera irresponsabilidade e falta de solidariedade.
235
Atualmente não há outro caminho senão o da solidariedade entre os povos. O
individualismo predominante, que fazia desconhecer os problemas enfrentados por
outros países, não pode mais ter lugar. Os problemas ambientais não conhecem
fronteiras, de modo que são de interesse global. Questões como o aquecimento glo-
bal, a escassez da água e de outros recursos naturais, e outros perigos que se apre-
sentam atualmente não podem mais causar indiferença, pois atingem todos os po-
vos. Dito de outra forma, “a degradação do meio ambiente não afeta apenas a saúde
humana, mas os fundamentos ecológicos e dos recursos naturais da civilização”.
236
A visão antropocêntrica, de forma restrita e compartimentada, coloca a
conservação do planeta sob a responsabilidade da administração pública, mas a
evolução aponta para uma nova consciência, onde o seu estado é de
responsabilidade coletiva. Todos os indivíduos são tripulantes de uma mesma nave
– o planeta Terra –, e, portanto, responsáveis pelo seu vôo.
237
O futuro da espécie humana e de todas as espécies depende do equilíbrio do
meio ambiente. Sem uma relação harmônica e equilibrada entre o ser humano e a
natureza, não como assegurar a sadia qualidade de vida no presente, além de
restar comprometida a existência das futuras gerações.
De modo que as pessoas devem agir com cuidado e preocupação, já que são
responsáveis pelos outros seres humanos e por toda a natureza não para ga-
rantir a vida no presente, mas para possibilitar a existência das futuras gerações.
238
Conforme Ost, “o que significa, muito simplesmente, que o que é bom para as gera-
235
MORIN, O método, op. cit., p. 61-62.
236
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 22.
237
CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 7.
238
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na
transição paradigmática. 4. ed. Rio de Janeiro: Cortez, 2002, p. 112.
77
ções futuras da humanidade é igualmente bom para a sobrevivência da biosfera e
para a integridade do planeta”.
239
Assim, a sociedade pode ser reconstruída a partir do resgate da fraternidade,
do respeito ao próximo e da solidariedade. Não é mais possível trabalhar a questão
ambiental sob a visão individualista predominante durante toda a modernidade, nem
apenas sob o seu aspecto normativo. É preciso rever os acordos feitos por meio do
Direito e questionar os limites da sociedade.
A fraternidade é marcada pela busca da dignidade humana. Para Morin e
Kern, “o evangelho de fraternidade é para a ética o que a complexidade é para o
pensamento: ele apela a não mais fracionar, separar, mas ligar [...]”.
240
Nessa
perspectiva, o indivíduo somente encontra a sua plenitude se os demais seres
tiverem boas condições de viver e se desenvolver dignamente.
O respeito ao próximo também está relacionado ao abandono do
individualismo exacerbado, em que cada indivíduo preocupa-se exclusivamente com
o seu bem-estar, sem qualquer preocupação com as outras pessoas e os demais
seres que habitam o planeta. Respeitar o próximo significa tê-lo em consideração
em todas as atitudes a serem tomadas, afastando aquelas escolhas que sejam
prejudiciais aos demais.
a solidariedade está ligada a uma noção de inter-relação ou
interdependência, uma relação de assistência mútua entre indivíduos pertencentes a
um mesmo grupo.
241
Para Ávila, “o conceito de solidariedade remete a uma condição
concreta na qual uma pessoa tanto mais cresce em teor humano quando mais ela
investe seus esforços na promoção do outro”.
242
Nesse sentido, entende Comte-Sponville que
239
OST, op. cit., p. 314.
240
MORIN; KERN, op. cit., p. 171.
241
Segundo Abbagnano, “Solidariedade (in. Solidarity; fr. Solidarité; al. Solidarität; it. Solidarietà).
Termo de origem jurídica que, na linguagem comum e na filosófica, significa: inter-relação ou
interdependência; assistência recíproca entre os membros de um mesmo grupo (p. ex.: S. familiar,
S. humana, etc.). neste sentido, fala-se de solidarismo para indicar a doutrina moral e jurídica
fundamentada na S. (Cf. L BOURGEOIS, La solidarité, 1897).” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de
filosofia. Trad. Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 4. ed., rev. e ampl. São Paulo: Martins
Fontes, 2000, p. 918).
242
AVILA, Fernando Bastos de. Ética da Solidariedade. Bem comum. São Paulo, n. 74, p. 5-10, set.
2001, p. 8.
78
Em suma, a solidariedade é antes de mais nada o fato de uma coesão, de
uma interdependência, de uma comunidade de interesses ou de destino. [...]
Como estado de alma, a solidariedade nada mais é que o sentimento ou a
afirmação dessa interdependência.
243
Com a solidariedade social a pessoa tem o dever social de cooperar para a
consecução do bem comum, pois significa vinculação entre as pessoas. A
cooperação, elemento indispensável à sociedade humana, se fundamenta na
solidariedade, e atua no sentido de se obter um fim comum.
A cooperação não está presente apenas no direito ambiental, pois é um
princípio integrante da estrutura do Estado Social, e “orienta a realização de outras
políticas relativas ao objetivo de bem-comum, inerente à razão constituidora deste
Estado”.
244
Entretanto, o Direito Ambiental é um dos ramos do Direito que melhor
representa a idéia de solidariedade, e que possibilita a maior integração entre direito
e cidadania.
245
Para a concretização da solidariedade social são necessárias a
conscientização e a mobilização do indivíduo, que deve participar efetivamente na
proteção do meio ambiente.
246
247
A solidariedade implica em participação consciente
numa situação alheia, e significa vinculação entre as pessoas.
A conscientização passa por todos os indivíduos, considerando suas
diferentes realidades e a realidade é cada vez mais complexa.
248
Nesse sentido,
243
COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Trad. Eduardo Brandão. 1.
ed. 11. tir. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 98.
244
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 2001, p.
161.
245
CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 160.
246
Ibidem, p. 101.
247
Nesse sentido, ressalta Farias: A solidariedade social não pode ser adquirida por uma simples
coação, ou pela única necessidade da divisão do trabalho; é preciso que a construção do espaço
social passe pela ‘crença’ na necessidade do respeito de certos valores sociais objetivos de
solidariedade.” (FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998, p. 62).
248
Nesse sentido, importante ressaltar o alerta de Morin: “Quanto mais uma sociedade é complexa,
menos são rígidos ou coercitivos os limites que pesam sobre os indivíduos e os grupos, de maneira
que o conjunto social pode beneficiar-se de estratégias, iniciativas, invenções ou criações individuais.
Mas o excesso de complexidade destrói os limites, flexibiliza o laço social e, no extremo, a própria
complexidade dilui-se na desordem. Nessas condições, a única proteção de alta complexidade está
na solidariedade vivida, interiorizada em cada um dos membros da sociedade. Uma sociedade de alta
complexidade deveria garantir a sua coesão não somente por meio de ‘leis justas’, mas também pela
responsabilidade/solidariedade, inteligência, iniciativa, consciência dos seus cidadãos.” (MORIN,
Edgar. O método, op. cit., p. 148-149).
79
mesmo que a idéia de solidariedade possa aparecer ainda como uma utopia
distante, esse fato não pode ser um impeditivo para que ela constitua um objetivo a
ser alcançado por toda a sociedade.
249
Para que seja possível mudar a mentalidade ainda predominante na
sociedade contemporânea é preciso tolerância entre os indivíduos, eqüidade social,
e aceitação da fundamentalidade da biodiversidade. Ressalte-se que essa eqüidade
social deve ser considerada em sentido amplo, compreendendo as presentes e
futuras gerações, ensejando a solidariedade intergeracional referida
anteriormente.
Para tanto, é indispensável o reconhecimento de que a sociedade
mundialmente considerada deve entrar em uma nova etapa de seu
desenvolvimento histórico, em que todos os indivíduos são co-responsáveis pelas
questões ambientais, ou, em um sentido mais amplo, pelo estado do planeta.
Segundo Duarte,
Para a construção dessa nova ética ambiental pautada na co-
responsabilidade, tem-se como pressuposto que as pessoas assumam o
papel social que lhes cabe, com base na cooperação e na solidariedade,
ainda que se tenha consciência das diferenças existentes entre os atores
envolvidos nas questões ambientais.
250
Se a construção de uma nova ética ambiental pressupõe a reavaliação do
papel social dos indivíduos na sociedade, é preciso refletir sobre o papel da
cidadania nesse processo de transformação. O conceito de cidadania é bastante
amplo, e adquire diferentes significados de acordo com a perspectiva adotada e a
ideologia que a formula.
Nesse sentido, afirma Teixeira:
No atual debate jurídico-político muito se tem falado de cidadania. Na maior
parte das vezes parece não se formar um consenso sobre o próprio
249
AVILA, op. cit., p. 8.
250
DUARTE, op. cit., p. 509.
80
conceito de cidadania. A expressão “cidadania” torna-se então uma palavra
mágica, plástica por natureza, servindo a uma infinidade de ideologias,
adquirindo diferentes formulações tal como o líquido que adquire a forma do
recipiente em que é posto. “Cidadania” torna-se com isso um eficiente
instrumento retórico, sendo utilizado tanto por defensores do status quo,
como por aqueles que desejam promover a revisão das estruturas de poder
vigentes.
251
De modo que a noção de cidadania é formulada e reformulada nos diferentes
momentos do desenvolvimento histórico das sociedades, desde a Antigüidade
Clássica, na Grécia e na Roma antigas, até os dias de hoje. A cidadania
contemporânea, embora influenciada pelas concepções antecedentes, possui
características próprias, podendo se falar até em um ressurgimento da cidadania.
252
Na atualidade, a cidadania pode ser considerada sob diferentes aspectos,
especialmente, um formal e outro material. O aspecto formal é aquele amplamente
aceito, que se caracteriza na atribuição de determinados direitos aos membros de
um Estado-nação. o aspecto substantivo torna-se gradativamente mais
importante, pois além de compreender a posse de direitos civis, políticos e sociais
juridicamente tutelados, abrange “uma compreensão mais comunitária, que implica
na responsabilidade de promover o bem comum por meio de uma participação ativa
na vida da comunidade”.
253
No presente estudo, a cidadania deve ser compreendida como a participação
ativa do indivíduo na sociedade em que se insere, ou “participação, no sentido
amplo da expressão, contemplando as dimensões individual, política e social de todo
indivíduo”.
254
De modo que o exercício da cidadania permite que cada indivíduo seja
partícipe do processo que possibilita seu próprio desenvolvimento e sua inclusão
social.
Assim, a cidadania deve ser vista não apenas em seu aspecto formal, como a
cidadania outorgada pela Constituição Federal de 1988 ou pela legislação
infraconstitucional que estabelece determinados direitos aos indivíduos, mas como
251
TEIXEIRA, João Paulo Allain. Efetividade constitucional e direitos fundamentais: a realizabilidade
da cidadania em uma perspectiva sistêmico-funcional. Revista da Faculdade de Direito de Olinda.
Olinda, v. 3, n. 5, p. 87-104, jun./dez. 1999, p. 87-88.
252
OUTHWAITE, William. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1996, p. 73; MARTÍN, Nuria Belloso. Op. cit., p. 15-16.
253
MARTÍN, op. cit., p. 16.
254
TEIXEIRA, op. cit., p. 99.
81
uma cidadania ativa, que permite à população atuar nas diversas esferas da
sociedade – e em especial, nas questões que envolvem o meio ambiente.
Para Martín,
A cidadania deve se redefinida para que não se converta em uma categoria
egoísta e não solidária, que acabe levando à ruína os direitos fundamentais
e, inclusive, a própria democracia. Os novos desafios da cidadania são
complexos, numerosos, difíceis de lidar, mas devem ser enfrentados a partir
de uma atitude de cooperação e solidariedade “com o outro” e não “à custa
de outro” ou “contra o outro”. O cidadão deve sentir-se participante e
protagonista dos projetos políticos e jurídicos que acompanham o
paradigma da globalização. A cidadania exige uma atitude de todos.
255
Nesse sentido, de se ressaltar que “o Direito Ambiental faz os cidadãos
saírem de um estatuto passivo de beneficiários, fazendo-os partilhar da
responsabilidade na gestão dos interesses da coletividade inteira”.
256
Assim, o
exercício efetivo da cidadania é de grande importância para que as normas
ambientais atinjam os seus objetivos. É preciso que a população se conscientize, e
participe da necessária e constante preservação do meio ambiente natural.
Para Leonardi,
Cidadania implica a posse de direitos civis, políticos e sociais. Cidadania
tem a ver com a consciência do sujeito de pertencer a uma coletividade e
também a consciência de possuir uma identidade, que não é individual
como também coletiva. O direito ao meio ambiente é novo, na relação dos
direitos conquistados pelos cidadãos ao longo da história da humanidade. É
muito recente a idéia generalizada da natureza como um bem a ser
preservado, finito, cabendo ao homem o direito (e o dever) de preservá-la. A
educação ambiental como formação de cidadania ou como exercício de
cidadania tem a ver, portanto, com uma nova maneira de encarar a relação
homem/natureza.
257
255
MARTÍN, op. cit., p. 111.
256
MACHADO, Direito ambiental brasileiro, op. cit., p. 80.
257
LEONARDI, op. cit., p. 398.
82
A formulação de uma nova consciência, em que todos se sintam responsáveis
pela efetivação do direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado e pela preservação do planeta como um todo –, é estreitamente ligada
à idéia de cidadania planetária.
A cidadania planetária ou global é uma cidadania integral e efetiva, que deve
estar presente também nas esferas local e nacional. Trata-se de conceito mais
abrangente que a idéia de desenvolvimento sustentável, pois a cidadania global visa
também a superação das grandes diferenças econômicas existentes entre as
diferentes partes do planeta especialmente os hemisférios Norte e Sul e a
integração da diversidade cultural presente na humanidade.
258
Segundo Gutiérrez e Prado,
Cidadania planetária é uma expressão que abarca um conjunto de
princípios, valores, atitudes e comportamentos e demonstra uma nova
percepção da Terra como uma única comunidade. Freqüentemente
associada ao ‘desenvolvimento sustentável’, ela é muito mais ampla do que
essa relação com a economia. Trata-se de um ponto de referência ético
indissociável da civilização planetária e da ecologia. A Terra é “Gaia”, um
superorganismo vivo e em evolução, o que for feito a ela repercutirá em
todos os seus filhos.
259
Para Morin e Kern,
Precisamos doravante aprender a ser, viver, partilhar, comunicar e comun-
gar enquanto seres humanos do planeta Terra. Não mais apenas a ser de
uma cultura, mas a ser terrestres. [...] A tomada de consciência da comuni-
dade de destino terrestre deve ser o acontecimento chave do novo milênio:
somos solidários desse planeta, nossa vida está ligada à sua vida. Devemos
arrumá-lo ou morrer. Assumir a cidadania terrestre é assumir nossa comuni-
dade de destino.
260
258
GUTIÉRREZ, Francisco; PRADO, Cruz. Ecopedagogia e cidadania planetária. Trad. Sandra
Trabucco Valenzuela. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 23.
259
Ibidem, p. 22.
260
MORIN; KERN, op. cit., p. 177-178.
83
Assim, a dimensão planetária pressupõe uma relação harmoniosa entre o ser
humano e os outros seres que vivem sobre a Terra. Para tanto, é necessária uma
solidariedade para a proteção de toda a vida no planeta, com uma cidadania ambi-
ental mundial fundamentada em uma profunda consciência ecológica e em novas
responsabilidades éticas.
261
Se a globalização da economia é uma realidade, ago-
ra é preciso que a globalização se estenda também para o campo da cidadania.
3.2 Sociedade de consumo: de propulsora da degradação ambiental a
elemento-chave da sustentabilidade
Conforme mencionado anteriormente, o ser humano, ao realizar suas
atividades diárias, sempre causou impactos à natureza. Entretanto, até o advento da
Revolução Industrial, esses impactos eram absorvidos naturalmente pela biosfera,
sem lhe causar qualquer prejuízo ou desequilíbrio. Assim, foi com a chegada do
processo de industrialização que a natureza não mais conseguiu absorver as
crescentes transformações sofridas, gerando problemas ao perfeito equilíbrio do
meio ambiente.
Com o processo de industrialização, houve um aumento significativo na
produção e na oferta de bens. Tal fato, por si só, agravou sobremaneira a
utilização de energia e de matérias-primas naturais, sobrecarregando a natureza em
sua capacidade de renovação de seus recursos. Aliado a esse fato, o capitalismo fez
com que o consumo fosse cada vez mais valorizado, e o acúmulo e a ostentação de
bens materiais pretenderam se tornar o fim último da sociedade ocidental, em
detrimento de quaisquer outros valores ou objetivos.
261
GUTIÉRREZ; PRADO, op. cit., p. 37-38.
84
Segundo Baudrillard,
Os progressos da abundância, isto é, da disposição de bens e de
equipamentos individuais e colectivos cada vez mais numerosos, oferecem
em contrapartida prejuízos cada vez mais graves conseqüências, por um
lado, do desenvolvimento industrial e do progresso técnico e, por outro, das
próprias estruturas do consumo. Degradação do quadro colectivo pelas
actividades econômicas: ruído, poluição do ar e da água, destruição das
paisagens e lugares, perturbação das zonas residenciais pela implantação
de novos equipamentos (aeroportos, auto-estradas, etc.). [...] Claro está, os
prejuízos culturais, devido aos efeitos técnicos e culturais da racionalização
e da produção em massa, são rigorosamente incalculáveis.
262
Nesse ponto, é importante ressaltar que a industrialização não teve somente
conseqüências negativas para a sociedade. A industrialização facilitou a vida dos
seres humanos em diversos aspectos, mas seus efeitos agora podem ser
percebidos em todas as partes, e ameaçam a todos, independentemente do
benefício usufruído.
263
O progresso e o crescimento econômico não são um problema em si
mesmos, mas a sua busca a qualquer custo ignora as conseqüências sociais e
ambientais que acarreta. A ideologia do progresso, além de buscar cegamente o
aumento da produção e do consumo, tem como base a suposta inesgotabilidade da
natureza e a total confiança na capacidade da técnica em resolver todos os
problemas, inclusive os ambientais.
264
De modo que o sistema capitalista, que tem por objetivo último o lucro e
base do atual modelo de desenvolvimento econômico –, tem estreita ligação com o
problema da degradação ambiental. Nele, o estímulo ao consumo é constante, sem
qualquer preocupação com a exauribilidade dos recursos naturais e com a grande
quantidade de rejeitos lançados constantemente no meio ambiente.
265
262
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1995, p.
34.
263
BITTAR, op. cit., p. 263; JUNGES, op. cit., p. 52.
264
JUNGES, op. cit., p. 12.
265
SPÍNOLA, op. cit., p. 210-211.
85
Nesse sentido, ressalta Penna:
Os efeitos da degradação ambiental não podem ser tratados sem que se
combatam as suas causas. O capitalismo moderno deu à luz o consumismo,
o qual criou raízes profundas entre as pessoas. O consumismo tornou-se a
principal válvula de escape, o último reduto de auto-estima em uma
sociedade que está perdendo rapidamente a noção de família, de
convivência social, e em cujo seio a violência, o isolamento e o desespero
dão sinais alarmantes de crescimento.
266
O termo consumismo, segundo Portilho, “usado geralmente em sentido
depreciativo, refere-se à expansão de um conjunto de valores hedonistas que
estimula o indivíduo, ou a sociedade, a buscar satisfação e felicidade através da
aquisição e exibição pública de uma grande quantidade de bens e serviços”.
267
Na sociedade contemporânea, o consumismo é um comportamento não
tolerado, como fortemente estimulado, principalmente pelos meios de comunicação
em massa. Isso ocorre porque o consumo em grande escala estimula a produção e
o crescimento econômico o que teoricamente melhoraria o bem-estar social.
Entretanto, “o consumismo promete o que não pode cumprir: a felicidade
universal”.
268
Assim, deve-se atentar ao fato que o aumento do padrão de vida não
implica necessariamente em melhoria da qualidade de vida.
269
Para Baudrillard
270
, o consumo transformou-se na moral do mundo
contemporâneo. Nele, percebe-se um esvaziamento das relações humanas, em que
esse vazio é preenchido pela aparente busca da satisfação de necessidades na
maioria das vezes criadas pelo mercado –, que na realidade é a busca do bem-
estar, do conforto, do prestígio, e da identificação com determinadas imagens e
símbolos.
266
PENNA, op. cit., p. 216.
267
PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez,
2005, p. 25.
268
LYON, David. Pós-modernidade. Trad. Euclides Luiz Calloni. São Paulo: Paulus, 1998, p. 102.
269
PENNA, op. cit., p. 18.
270
BAUDRILLARD, op. cit., passim.
86
Além da busca incessante de conforto e de bem-estar, o consumo
desenfreado é motivado pelo desejo de reconhecimento social. Em uma sociedade
em que o grau de sucesso pessoal é medido pela demonstração de riqueza, o
consumo de bens materiais é a forma de se buscar o tão desejado status, em uma
competitividade interpessoal que não encontra limites.
271
Segundo Bauman, “nenhum
vizinho em particular oferece um ponto de referência para uma vida de sucesso;
uma sociedade de consumidores se baseia na comparação universal e o céu é o
único limite.”
272
Assim, não basta simplesmente possuir, é preciso possuir mais do
que os outros – mas quem são os outros?
Segundo Penna,
A profunda necessidade humana de valorizar-se, de ser respeitado pelos
seus semelhantes manifesta-se, de forma crescente, pelo consumo. A
simples compra de bens seria uma prova de auto-estima e um meio de
aceitação social. Este aspecto psicossocial promove, em um círculo vicioso,
uma competição publicitária cada vez mais acirrada, que estimula as
pessoas a comprarem cada vez mais. Como alguém já observou,
comentando sobre a cultura do consumo, as pessoas gastam um dinheiro
que não possuem, para comprar coisas de que não necessitam, para
impressionar pessoas que não conhecem.
273
Entretanto, a necessidade pessoal de sentir-se valorizado e/ou inserido em
determinado(s) grupo(s) nunca consegue ser plenamente satisfeita através do
consumo. Tal fato ocorre por diversos motivos. Em primeiro lugar, porque pode
ocorrer uma confusão entre a real necessidade do indivíduo e o bem consumido.
Muitas vezes o consumidor o procura exatamente determinado bem ou serviço,
mas uma solução para problemas pessoais, seja de auto-estima, autoconfiança,
auto-afirmação, etc. Assim, ainda que adquiridos bens de diversas espécies,
nenhum conseguirá satisfazer o seu adquirente, que o que ele efetivamente
precisa (e inconscientemente busca) não pode ser comprado, pois transcende o
caráter material dos bens de consumo.
271
PENNA, op. cit., p. 42-44.
272
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001, p. 90.
273
PENNA, op. cit., p. 52.
87
A compra de um bem considerado importante pelo grupo social ao qual o
indivíduo pertence produz uma imediata sensação de prazer e realização, e
geralmente confere status e reconhecimento a seu proprietário. Entretanto, essa
satisfação é fugaz, e à medida que o objeto de desejo deixa de ser novidade, retorna
a sensação de vazio interior.
274
Isso gera um círculo vicioso, pois o consumidor
continuará buscando a prometida felicidade, e irá em busca da próxima compra, na
esperança de que a satisfação seja mais duradoura e mais significativa.
Além disso, ainda que a necessidade seja suprida em um primeiro momento
com a aquisição de determinado bem, logo surgirão outras necessidades de
consumo, ou outros produtos serão colocados no mercado, fazendo emergir tais
necessidades. Essa necessidade sempre crescente é fortemente estimulada pela
publicidade e pelos meios de comunicação em massa, mas um de seus principais
fundamentos é a “nova instantaneidade do tempo”.
275
A instantaneidade diz respeito a uma cultura que é indiferente à eternidade e
que evita a durabilidade e diante da incerteza do futuro, busca a satisfação de
forma instantânea. Para Singer, “ao contrário de muitas outras sociedades humanas,
mais estáveis e voltadas para as suas tradições, a nossa formação política e cultural
tem uma grande dificuldade de admitir valores a longo prazo”.
276
Segundo Bauman,
Num mundo em que o futuro é, na melhor das hipóteses, sombrio e
nebuloso, porém mais provavelmente cheio de riscos e perigos, colocar-se
objetivos distantes, abandonar o interesse privado para aumentar o poder
do grupo e sacrificar o presente em nome de uma felicidade futura não
parecem uma proposição atraente, ou mesmo razoável. Qualquer
oportunidade que não for aproveitada aqui e agora é uma oportunidade
274
Segundo Canclini, “Certas condutas ansiosas e obsessivas de consumo podem ter origem numa
insatisfação profunda, segundo analisam muitos psicólogos. Mas em um sentido mais radical, o
consumo se liga, de outro modo, com a insatisfação que o fluxo errático dos significados engendra.
Comprar objetos, pendurá-los ou distribuí-los pela casa, assinalar-lhes um lugar em uma ordem,
atribuir-lhes funções na comunicação com os outros, são os recursos para se pensar o próprio corpo,
a instável ordem social e as interações incertas com os demais. Consumir é tornar mais inteligível um
mundo onde o sólido se evapora.” (CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos
multiculturais da globalização. Trad. Maurício Santana Dias. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2006, p. 65).
275
BAUMAN, op. cit., p. 147.
276
SINGER, Op. cit., p. 285.
88
perdida; não a aproveitar é assim imperdoável e não desculpa fácil para
isso, e nem justificativa.
277
O caráter de durabilidade, que outrora era valorizado, nos dias de hoje perde
totalmente sua importância quando não se transforma em uma característica
negativa, por poder representar uma privação diante de tantas possibilidades
colocadas à disposição. Diante de tantas opções de escolha, ficar restrito a apenas
uma delas é considerado perda de tempo – isso não ocorre somente no mercado de
consumo, mas também nas relações humanas.
Na sociedade de consumo, “tudo (ou quase tudo) é descartável”.
278
Segundo
Bauman, “as modas vêm e vão com velocidade estonteante, todos os objetos de
desejo se tornam obsoletos, repugnantes e de mau-gosto antes que tenhamos
tempo de aproveitá-los.”
279
A era do descartável é uma das principais causas da denominada sociedade
do desperdício. Nesse sentido, afirma Penna: “saudado como um símbolo de
modernidade, indicador de inequívoco progresso, o descartável é umas das
principais causas do consumo crescente de matérias-primas e, conseqüentemente,
do aumento da quantidade de lixo gerado”.
280
281
A identificação com determinados modelos e imagens também é um dos
grandes propulsores da sociedade de consumo, que os indivíduos buscam
preencher o seu vazio interior através de receitas prontas, postas à disposição no
mercado de consumo como se fossem verdadeiras mercadorias.
Nesse sentido, afirma Bauman:
277
BAUMAN, op. cit., p. 186-187.
278
FAGUNDEZ, op. cit., p. 221.
279
BAUMAN, op. cit., p. 186.
280
PENNA, op. cit., p. 34.
281
Nesse sentido, cabe ressaltar que “Numa economia de consumo sustentável, qualquer forma de
desperdício seria ofensiva: as pessoas seriam tão preocupadas com a justiça e os valores morais dos
outros seres humanos como com o seu próprio bem-estar material; e a preocupação natural dos
seres humanos com a liberdade para aproveitar o aqui e agora seria acrescida de um sólido sentido
de responsabilidade para com o destino do planeta e das gerações futuras.” (PROGRAMA DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 45).
89
Não se compra apenas comida, sapatos, automóveis ou itens de mobiliário.
A busca ávida e sem fim por novos exemplos aperfeiçoados e por receitas
de vida é também uma variedade do comprar, e uma variedade da máxima
importância, seguramente, à luz das lições gêmeas de que nossa felicidade
depende apenas de nossa competência pessoal, mas que somos
pessoalmente incompetentes, ou não tão competentes como deveríamos, e
poderíamos, ser se nos esforçássemos mais.
282
Na sociedade contemporânea, a felicidade muitas vezes é confundida com a
idéia de sucesso.
283
Nesse contexto, para que o indivíduo seja considerado “bem-
sucedido” é preciso que possua grande capacidade de consumir bens e serviços
ou, ao menos, aparente essa capacidade. Um alto padrão de consumo é buscado a
qualquer custo, em detrimento de valores como as relações humanas, o caráter, a
integridade, a preservação do meio ambiente. O “ser” foi superado pelo “ter”;
entretanto, não basta apenas “ter”, é preciso “parecer”.
284
Nessa busca constante pelo sucesso que pressupõe a aquisição de mais e
mais produtos e serviços bens supérfluos acabam se tornando essenciais.
285
Conforme Penna, “é bastante expressiva a quantidade de indivíduos que sacrificam
coisas essenciais como alimentação, moradia, educação e saúde para comprar
um veículo que lhes confira uma aura de bem-sucedidos.”
286
Nesse contexto, a própria noção de essencialidade acaba distorcida, já que
constantemente novas necessidades são criadas ou percebidas. Entretanto, deve-se
atentar ao fato que, se as necessidades humanas são ilimitadas, os recursos
naturais não o são o que demonstra que o atual modelo de desenvolvimento
socioeconômico é totalmente insustentável.
287
282
BAUMAN, op. cit., p. 87.
283
Segundo Peter Singer, “Uma ética ambiental rejeita os ideais de uma sociedade materialista na
qual o sucesso é medido pelo número de bens de consumo que alguém é capaz de acumular. Em
vez disso, ele avalia o sucesso em termos do desenvolvimento das aptidões individuais e da
verdadeira conquista da satisfação e realização.” (SINGER, op. cit., p. 302).
284
SPÍNOLA, op. cit., p. 212; PENNA, op. cit., p. 45.
285
Entretanto, como ressalta o IDEC, “é muito difícil estabelecer o limite entre o consumo e o
consumismo, pois a definição de necessidades básicas e supérfluas está intimamente ligada às
características culturais da sociedade e do grupo a que pertencemos. O que é básico para uns pode
ser supérfluo para outros e vice-versa”. (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Manual de educação para o consumo sustentável. Brasília: Consumers
International/MMA/MEC/IDEC, 2005, p. 15).
286
PENNA, op. cit., p. 40-41.
287
Segundo Milaré, É oportuno recordar que os recursos limitados e finitos da natureza não podem
atender à demanda das necessidades ilimitadas e infinitas, tanto as sentidas naturalmente quanto
aquelas geradas artificialmente pela sociedade humana em sua evolução histórica.” (MILARÉ, op. cit.,
p. 70).
90
O atual modelo de desenvolvimento, que tem por base a exploração
indiscriminada do meio natural para possibilitar o crescimento ilimitado da produção
e do consumo, deve ser repensado. É preciso buscar um modelo que o seja tão
impactante, tanto socialmente quanto ecologicamente. Para tanto, é preciso fazer
uma reavaliação dos valores fundamentais da sociedade. Sem uma nova percepção
e sem uma efetiva mudança de comportamento, não haverá modo de tornar o
consumo sustentável.
288
Segundo Feldmann,
O problema não é o consumo em si mesmo, mas os seus padrões e efeitos,
no que se refere à conciliação de suas pressões sobre o meio ambiente e o
atendimento das necessidades básicas da Humanidade. Para tanto é
necessário desenvolver melhor compreensão do papel do consumo na vida
cotidiana das pessoas.
289
Diante do cenário atual, e sem desconsiderar a degradação ambiental
presente, deve-se questionar se hoje o indivíduo é realmente consumidor ou se é
apenas uma vítima da sociedade de consumo. Para Monteiro, “ambos, consumidor e
ambiente, são, assim, vítimas da mesma sociedade de consumo e de risco e ambos
reclamam, para sua defesa [...] a definição de uma política adequada e que atue
eficazmente.”
290
Conforme Milaré, “não é o desenvolvimento não-sustentável que causa a
degradação ambiental. O consumo não-sustentável também está na origem de
muitos dos nossos males ambientais”.
291
Assim, não como negar que o direito do
consumidor e o direito ambiental são temas estreitamente ligados, e que devem ser
tratados de maneira conjunta. Ainda mais que tanto o meio ambiente quanto o
consumo são protegidos pela ordem constitucional de forma a limitar a livre
iniciativa, e, em última instância, sua tutela visa a melhoria da qualidade de vida.
292
288
SPÍNOLA, op. cit., p. 213-216.
289
FELDMANN,bio. A parte que nos cabe: consumo sustentável? In: TRIGUEIRO, André (coord.).
Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de
conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. p. 143-157, p. 148.
290
MONTEIRO, António Pinto. O papel dos consumidores na política ambiental. Revista de Direito
Ambiental. São Paulo, v. 3, n. 11, p. 69-74, jul./set. 1998, p. 71.
291
MILARÉ, op. cit., p. 69.
292
LOCATELLI, op. cit., p. 300; MILARÉ, op. cit., p. 74-75.
91
Nas sociedades ocidentais modernas, o consumo “além de socialmente
injusto e moralmente indefensável, é ambientalmente insustentável”.
293
De modo que,
se a sociedade de consumo é principal responsável pelo processo de destruição do
planeta Terra, é a partir dela que devem ser procuradas as soluções para esse
grave problema. Assim, a idéia de consumo sustentável torna-se um imperativo na
formulação de uma nova sociedade.
294
O consumo sustentável, que nasce da mudança de atitude dos consumidores
e da sociedade em geral, é a forma de consumo que utiliza os recursos naturais
para satisfazer as necessidades atuais, sem comprometer as necessidades e
aspirações das gerações futuras.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
O consumo sustentável significa o fornecimento de serviços e de produtos
correlatos, que preencham as necessidades básicas e dêem uma melhor
qualidade de vida, ao mesmo tempo em que se diminui o uso de recursos
naturais e de substâncias tóxicas, assim como as emissões de resíduos e
de poluentes durante o ciclo de vida do serviço ou do produto, com a idéia
de não se ameaçar as necessidades das gerações futuras.
295
A idéia de sustentabilidade no consumo deve ser considerada de maneira
ampla, de forma a abranger todo o processo de produção e consumo. Assim, visa
não somente reduzir a utilização de recursos naturais, mas diminuir a quantidade de
rejeitos lançados na natureza.
Nesse sentido, cabe ressaltar que “a geração de lixo é diretamente
proporcional ao nosso consumo. Quanto mais consumimos e quanto mais recursos
naturais utilizamos, mais lixo produzimos”.
296
Segundo Baudrillard, “sabe-se muito
293
PORTILHO, op. cit., p. 15; INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de
educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 16.
294
A importância da sustentabilidade no consumo é destacada na própria Agenda 21 importante
referencial mundial nos caminhos a serem seguidos na questão ambiental –, que trata em seu
capítulo 4 da necessidade de mudanças nos padrões de consumo, estabelecendo o exame dos
padrões insustentáveis de produção e consumo e o desenvolvimento de políticas e estratégias
nacionais para estimular mudanças nos padrões insustentáveis de consumo.
295
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 65.
296
INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL. Meio
ambiente e consumo. Brasília: INMETRO, 2002, p. 16.
92
bem como a abundância das sociedades ricas está associada com o desperdício”.
297
De modo que a grande quantidade de lixo produzida pela sociedade contemporânea
é apenas um reflexo da grande quantidade de bens disponíveis no mercado de
consumo.
Sabe-se que os ricos consomem, desperdiçam e descartam muito mais que
os pobres. Todos precisam economizar os recursos naturais, reutilizar e reciclar os
produtos produzidos pela sociedade moderna, mas para que os países menos
desenvolvidos possam aumentar o seu consumo de maneira sustentável, os países
ricos e as elites dos países pobres devem diminuir drasticamente seu nível de
consumo. De modo que “todos os países e grupos sociais devem ter direitos
proporcionais no acesso e utilização dos recursos naturais, fortalecendo a eqüidade
intrageracional, além da intergeracional, ou seja, uma luta para que, além do nosso
futuro, nosso presente também seja comum”.
298
Entretanto, o consumo sustentável não significa um nível específico de
consumo, uma busca do equilíbrio entre o baixo consumo causado pela pobreza e o
alto padrão de consumo proporcionado pela riqueza, mas representa um padrão
diferente de consumo para todo o mundo, independentemente do nível de renda.
299
É preciso, então, tornar os consumidores mais conscientes de suas escolhas.
Para tanto, é necessário esclarecê-los a respeito dos custos ambientais dos
produtos que consomem. Isso significa levar em consideração diversos aspectos da
cadeia produtiva: os recursos utilizados, a energia despendida, a quantidade de
resíduos gerados, entre outros. Assim, produtos considerados ambientalmente
corretos poderão e deverão ter preferência sobre àqueles considerados
prejudiciais ao meio ambiente.
300
Ressalte-se que, ao optar por bens ecologicamente corretos, o consumidor
estará contribuindo duplamente para a defesa do meio ambiente: diretamente,
exatamente por preferir a opção menos prejudicial ao ambiente; e indiretamente, sua
escolha poderá direcionar os caminhos a serem tomados pela produção.
301
297
BAUDRILLARD, op. cit., p. 38.
298
PORTILHO, op. cit., p. 135.
299
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 65; SPÍNOLA, op.
cit., p. 213-214.
300
LOCATELLI, op. cit., p. 299; SPÍNOLA, op. cit., p. 215-216.
301
MONTEIRO, op. cit., p. 72.
93
No entanto, não basta apenas buscar produtos ambientalmente mais corretos,
ou reduzir o problema da atual insustentabilidade do consumo aos que mais
consomem; é preciso realizar profundas mudanças qualitativas e quantitativas na
forma de consumir.
302
Ou seja, "devemos reduzir o consumo para o nível do
necessário".
303
304
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
Mudar padrões de consumo, este é o desafio em que a humanidade se
encontra. Em resumo: é preciso buscar formas de orientar o consumidor
para que, de forma coletiva ou individual, perceba seu poder na preservação
do meio ambiente, de maneira a ser possível a preservação da vida
presente e das gerações futuras. A solidariedade social, sim, deve ser
infinita.
305
Assim, o consumo sustentável trata-se de uma nova forma de consumo,
comprometida com a sustentabilidade, e consciente das conseqüências das
escolhas diariamente realizadas. É, assim, mais abrangente que a idéia de
“consumo verde”, na qual o consumidor inclui a variável ambiental em seus critérios
de escolha, mas não é verdadeiramente incentivado a reduzir o seu consumo, mas
apenas a fazer escolhas ambientalmente menos prejudiciais.
306
Nesse sentido, Singer acredita que o consumo verde seja apenas uma
solução provisória, consistindo em “um mero degrau para se chegar a uma ética em
que se questione a própria idéia de consumir produtos desnecessários”.
307
Já Portilho
com reservas a proposta do consumo verde, por entender que se trata de uma
estratégia muito dependente de ações individuais, o que poderia enfraquecer a via
social, e reduzir o ideal de cidadania e a participação na esfera coletiva. Entende,
assim, que ações coletivas seriam mais desejáveis e eficazes para a mudança dos
302
MILARÉ, op. cit., p. 70.
303
LOCATELLI, op. cit., p. 300.
304
Segundo Baudrillard, “Todas as sociedades desperdiçaram, dilapidaram, gastaram e consumiram
sempre além do estrito necessário, pela simples razão de que é no consumo do excedente e do
supérfluo que, tanto o indivíduo como a sociedade, se sentem não existir, mas viver.”
(BAUDRILLARD, op. cit., p. 38).
305
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 7.
306
PORTILHO, op. cit., p. 114-115; INSTITUTO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de
educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 18.
307
SINGER, op. cit., p. 302
94
atuais padrões de consumo, mesmo reconhecendo que as atuações coletivas
apresentam inúmeros desafios.
308
De acordo com Spínola,
para adotar a ética da vida sustentável, os consumidores deverão
reexaminar seus valores e alterar seu comportamento. A sociedade deverá
estimular os valores quer apóiem esta ética e desencorajar aqueles
incompatíveis com um modo de vida sustentável.
309
Somente com a mudança de postura do consumidor é que este poderá deixar
de ser protagonista da degradação ambiental para se tornar agente ativo na luta
contra a degradação. A mudança de comportamento do consumidor é um processo
que requer sensibilização e mobilização social, e a informação é fundamental nesse
processo. Assim, para que haja maior conscientização, é necessário que o
consumidor tenha acesso à informação referente às atividades corporativas, para
que possa exercer melhor o seu poder de escolha, e preferir as empresas
socialmente responsáveis e comprometidas com a preservação do meio ambiente.
Para Locatelli,
Assim, o consumidor ao adquirir seus bens de consumo deve racionalizar a
compra, e, além do boicote às empresas que fornecem produtos ou prestam
serviços deficitários, privilegiando aquelas que cumprem com sua oferta,
precaver-se no sentido de valorizar produtos que causaram o menor índice
de degradação ambiental até chegar ao comércio, como também, aquelas
cujo potencial de devastação pelo uso ou destinação final seja tolerável.
310
308
PORTILHO, op. cit., p. 110-133.
309
SPÍNOLA, op. cit., p. 213.
310
LOCATELLI, op. cit., p. 299.
95
Dar preferência a produtos de empresas que têm uma clara preocupação com
o meio ambiente, não compactuar com a ilegalidade, não consumir de forma a
prejudicar as gerações futuras, reclamar os seus direitos, colaborar para reduzir a
quantidade de lixo produzido, evitando o desperdício e a compra de produtos com
embalagens inúteis ou que demorem a se decompor, dar preferência a materiais
reciclados, saber identificar as empresas que são éticas em seu relacionamento com
os consumidores, os trabalhadores, os fornecedores, a sociedade e o Poder Público,
são algumas das ações do consumidor consciente.
311
312
Assim, a atuação do consumidor pode ter reflexos positivos ou negativos
sobre a economia, o meio ambiente e o comportamento das empresas e dos
governos. De modo que o consumidor tem a responsabilidade de usar esse poder
não apenas em benefício próprio, mas para o de toda a coletividade.
313
Para tanto, é
preciso a formação de uma nova consciência, construída através da educação
ambiental e da educação para o consumo.
Entretanto, não basta apenas se tornar mais consciente dos problemas
ambientais. É preciso adotar uma postura mais ativa, crítica e participativa. O
comportamento dos cidadãos em relação ao meio ambiente é indissociável do
exercício da cidadania, como será visto a seguir.
311
INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL.
Direitos do consumidor e ética no consumo. Brasília: INMETRO, 2002, p. 59-62.
312
Segundo Spínola, "As ações fundamentais para que o consumo sustentável passe a existir na
prática são: a) promoção de padrões de produção e consumo que reduzam as pressões ambientais e
ao mesmo tempo atendam às necessidades básicas da humanidade; b) conscientização da
população para que entenda o custo ambiental do consumo; e c) desenvolvimento de políticas e
estratégias nacionais de estímulo e mudança nesses padrões atuais." (SPÍNOLA, op. cit., p. 214-
215).
313
INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL,
Direitos do consumidor e ética no consumo, op. cit., p. 41.
96
3.3 O papel do indivíduo/consumidor na efetivação do direito fundamental ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado
Diante do exposto, percebe-se que a efetivação do direito ao meio ambiente
sadio e ecologicamente equilibrado não depende de simples previsão normativa. Tal
direito, inclusive,possui ampla proteção no ordenamento jurídico pátrio, que o ele-
va à condição de direito fundamental tutelado constitucionalmente como tal. De
modo que não basta à proteção do meio ambiente que ele esteja no rol de direitos
fundamentais tutelados pelo texto constitucional. É preciso que toda a sociedade es-
teja envolvida e comprometida com a sua realização.
Segundo Ihering,
A luta pelo direito subjetivo é um dever do titular para consigo mesmo. A de-
fesa da própria existência é a lei suprema de toda vida: manifesta-se em to-
das as criaturas por meio do instinto de autoconservação. No homem, po-
rém, trata-se não apenas da vida física, mas também da existência moral; e
uma das condições desta é a defesa do direito. [...] Não basta a concessão
abstrata dessas condições de existência por parte do direito objetivo: neces-
sário se torna que o sujeito do direito as defenda em cada caso concreto.
314
Conforme afirmado anteriormente, o fato de o meio ambiente ficar sob a
custódia do Estado não suprime o dever da sociedade de atuar na defesa do direito
do qual é titular. A proteção do meio ambiente é de responsabilidade de todos,
que diz respeito ao futuro comum da humanidade. Assim, é preciso que todos parti-
cipem concretamente na defesa do meio ambiente, incorporando em todas as ações
a noção de responsabilidade social.
314
IHERING, op. cit., p. 41-42.
97
A responsabilidade social é uma nova consciência do contexto social e cultu-
ral no qual se inserem as empresas e os cidadãos. Ela pode ser entendida como a
contribuição voluntária e direta destes para o desenvolvimento social e a criação de
uma sociedade mais justa e igualitária, por meio da condução correta de seus negó-
cios ou de suas ações pessoais.
Segundo Wiegerinck,
A responsabilidade tem em comum com a ética o fato de que ambas
existem se houver possibilidade de escolha. Tanto que um comportamento
pode ter um aspecto ético se houver opção, isto é, possibilidade de fazer
diferentemente, como responsabilidade se tivesse sido possível agir
(ou se omitir) de outra forma.
315
Sob o enfoque empresarial, a responsabilidade social consiste em uma nova
forma de gestão, baseada em valores e atitudes éticas, e preocupada com o impacto
que suas atividades causam em todas as partes envolvidas os chamados
stakeholders
316
–, de forma a empresa se tornar co-responsável pelo
desenvolvimento social.
A responsabilidade social empresarial pode ser percebida em dois âmbitos
distintos: interno e externo. No âmbito interno, são considerados os parceiros nas
atividades empresariais: acionistas, investidores, administradores e funcionários.
no âmbito externo estão incluídas todas as relações com terceiros, tais como
credores, fornecedores, consumidores, concorrentes, comunidade, governo e meio
ambiente.
Assim, a conduta na administração dos negócios deve ser permeada pelo
comprometimento, integração e colaboração com a comunidade. Segundo Drucker,
as responsabilidades sociais são “as obrigações da entidade para com a sociedade
em que opera”.
317
Ou, de acordo com a Comissão das Comunidades Européias, “a
315
WIEGERINCK, Jan. Responsabilidade social empresarial. Bem comum. São Paulo, v. 7, n. 78, p.
69-73, jan. 2003, p. 70.
316
Segundo Ashley, stakeholders sãoagentes sociais e econômicos cujos interesses afetam ou o
afetados por uma empresa” (ASHLEY, Patrícia Almeida (coord.). Ética e responsabilidade social
nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 167).
317
DRUCKER, Peter Ferdinand. Introdução à administração. Trad. Carlos Malferrari. 3. ed. 3. reimp.
São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002, p. 706.
98
responsabilidade social das empresas é, essencialmente, um conceito segundo o
qual as empresas decidem, numa base voluntária, contribuir para uma sociedade
mais justa e para um ambiente mais limpo”.
318
Entretanto, deve-se ressaltar que não são somente as atividades das
organizações que estão vinculadas a um compromisso social. Todos os indivíduos
têm sua parcela de responsabilidade perante a sociedade em que estão inseridos, e
devem proceder com tal comprometimento em todos os seus atos.
Nesse contexto, “a responsabilidade social empresarial deve ser
correspondida pela responsabilidade social do consumidor”.
319
Da mesma forma, em
relação à questão ambiental, não somente os operadores do Direito devem buscar a
implementação das normas ambientais, vez que todos os indivíduos devem prestar
sua colaboração nesse processo de transformação social.
Todos podem e devem realizar ações que contribuam para a preservação do
meio ambiente. O consumidor, enquanto cidadão, deve agir tanto individualmente,
com sua atuação responsável, quanto coletivamente, de forma organizada, através
de associações e organizações não-governamentais.
320
Além de colaborar com a
sustentabilidade através de sua própria conduta, o consumidor deve exigir perma-
nentemente uma postura ética das empresas, do governo e dos demais consumido-
res.
321
Quanto às empresas, é inegável que também devam agir de forma social e
ambientalmente responsável em todas as suas atividades. Da mesma forma, o go-
318
COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS. Livro Verde: promover um quadro europeu para
a responsabilidade social das empresas. Bruxelas, 18.07.2001.
319
INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Guia de responsabilidade social
para o consumidor. São Paulo, IDEC, 2004, p. 5.
320
MONTEIRO, op. cit., p. 74.
321
Ademais, ao defender o direito ao meio ambiente, o indivíduo/cidadão estará colaborando com a
manutenção de toda a ordem jurídica. Segundo Ihering, “Quem defende o direito subjetivo defende,
em seu âmbito, o direito em geral. Dessa forma, o interesse pela atuação do titular e as
conseqüências dessa atuação transcendem em muito a esfera puramente individual. O interesse
geral ligado a essa atuação não é apenas o interesse ideal da manutenção da autoridade e da
majestade da lei. Trata-se também de um interesse real e eminentemente prático, sentido por todos,
mesmo porque aqueles que não tenham a menor compreensão pelo interesse ideal a que acabamos
de aludir: é o interesse pela salvaguarda e manutenção de uma ordem permanente nas relações
entre os indivíduos, que toca a cada um de nós em determinado setor. No dia em que o patrão não se
atrever mais a fazer cumprir os regulamentos do trabalho, o credor, a fazer penhorar os bens do
devedor, a massa dos compradores, a exigir a exatidão nos pesos e preços, nesse dia estará em
perigo não apenas a autoridade ideal da lei, mas toda a ordem da vida civil terá sido sacrificada. Será
difícil dizer até onde chegarão as conseqüências nefastas de tal estado de coisas. [...] A
responsabilidade por tal estado de coisas não recai sobre a parcela da população que infringe a lei,
mas sobre aquela que não tem coragem de lutar pela sua observância.” (IHERING, op. cit., p. 60-61).
99
verno deve garantir os direitos dos cidadãos e implementar as normas ambientais
estabelecidas, através de políticas públicas, programas de educação ambiental e in-
centivo ao consumo sustentável.
322
Assim, a responsabilidade no consumo pode ser considerada um
desdobramento da responsabilidade social, que significa que o consumidor deve
refletir sobre seus hábitos de consumo e fazer as melhores escolhas, além de exigir
constantemente uma postura ética e ambientalmente responsável das empresas, do
governo e dos demais consumidores.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC,
Para o consumidor mais atento, não é difícil perceber a estreita relação
entre seus hábitos de consumo e os graves problemas ambientais e sociais
que afetam o mundo todo. Assim, cada vez mais consumidores
compreendem que é preciso frear e direcionar suas escolhas, de forma a
promover o desenvolvimento sustentável. De outro modo, não será possível
universalizar o acesso aos bens essenciais e garantir a preservação dos
recursos naturais necessários para a sobrevivência das gerações atuais e
futuras.
323
De modo que os consumidores devem exigir, além de produtos e serviços de
qualidade a um preço justo, que os fornecedores que estejam comprometidos com a
melhoria da qualidade de vida de sua comunidade, o que inegavelmente inclui a
preservação do meio ambiente, que o consumo consciente e responsável é a
principal manifestação de responsabilidade social do cidadão.
324
O consumidor deve ser incentivado a fazer com que o seu ato de consumo
seja também um ato de cidadania, ao escolher em que mundo quer viver. Cada
322
INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo
sustentável, op. cit., p. 24.
323
INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Guia de responsabilidade social para
o consumidor, op. cit., p. 11.
324
Para o IDEC, “A atitude dos consumidores está mudando. Além de preço e qualidade, eles estão
cada vez mais atentos a aspectos relacionados ao comportamento das empresas, como o respeito
aos direitos humanos, trabalhistas e dos consumidores; a normas de preservação ambiental; à ética
na publicidade e nas práticas empresariais; a promoção do bem-estar social; etc. A transparência das
empresas em relação a essas informações também passa a ser valorizada, tornando-se a principal
ferramenta para o consumo consciente e cidadão.” (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR, Guia de responsabilidade social para o consumidor, Op. cit., p. 11).
100
pessoa deve escolher produtos e serviços que satisfaçam suas necessidades sem
prejudicar o bem-estar da coletividade, seja ela atual ou futura.
Para Rossit e Canepa,
Nessa perspectiva, em que se consta uma responsabilidade social perante
o meio ambiente (que deve ser executada não pelo Estado, mas pela
coletividade como um todo), coloca-se o homem como integrante da
comunidade biota, claramente perceptível no art. da Lei 6.938/81, e que
faz com que a solidariedade e comunhão de interesses entre o homem e a
natureza sejam condição imprescindível para assegurar o futuro da
humanidade no planeta.
325
Embora seja a parte mais vulnerável na relação de consumo, em termos de
preservação do meio ambiente o consumidor tem grande poder, que possui o
poder de escolha sobre os produtos e serviços à sua disposição no mercado.
Entretanto, esse poder somente poderá ser efetivamente exercido quando os
indivíduos tiverem conhecimento de sua existência e, principalmente, de sua força.
Para tanto, o consumidor deve ter acesso à informação e à educação, para que
possa ter consciência do seu poder de decisão e das conseqüências geradas com o
seu consumo.
Para Derani,
uma ampla informação e esclarecimento dos cidadãos bem como um traba-
lho conjunto entre organizações ambientalistas, sindicatos, indústria, comér-
cio e agricultura é fundamental para o desenvolvimento de políticas ambien-
tais efetivas e para a otimização da concretização de normas voltadas à pro-
teção do meio ambiente.
326
Nesse contexto, a educação e a informação mostram-se instrumentos
fundamentais na efetivação do direito fundamental ao meio ambiente sadio e
ecologicamente equilibrado. Isso ocorre porque a proteção do meio ambiente está
325
ROSSIT, Liliana Allodi; CANEPA, Carla. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
como direito fundamental. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 11, n.
42, p. 244-251, jan.-mar. 2003, p. 247.
326
DERANI, Direito ambiental econômico, op. cit., p. 161.
101
estreitamente relacionada a hábitos saudáveis de consumo, e o consumo
sustentável, à formação de uma nova consciência.
Nesse sentido, a educação ambiental é indispensável na construção de uma
nova consciência, em que haja responsabilidade em todas as atividades
desenvolvidas e entre elas, o consumo. Para Canepa, “tem-se que ter sempre em
mente que educação e cidadania são indissociáveis: quanto mais o cidadão for
educado, em todos os níveis, mais será capaz de lutar e exigir seus direitos e
cumprir seus deveres”.
327
Segundo Duarte,
[...] para a assunção dessa nova responsabilidade social por parte dos
diversos setores sociais coobrigados à defesa e proteção do direito do meio
ambiente sadio, obtendo-se a participação popular na política ambiental,
imprescindível é a construção e amadurecimento de uma cidadania
ambiental, na qual possam ser implementados os direitos à educação e
conscientização ambiental tratados no art. 225, § 1º, inc. VI da Constituição
Federal.
328
Da mesma forma que a educação e a cidadania, o consumo e a cidadania
também possuem múltiplas conexões. Ser consumidor e ser cidadão não são formas
de atuação social excludentes entre si ao contrário, podem e devem ser
complementares.
Diante do processo de enfraquecimento do Estado, da degradação da política
e da crescente descrença nas instituições, a sociedade civil acaba por se distanciar
de suas instituições representativas. Atualmente, instrumentos tradicionais de
participação tais como partidos políticos, sindicatos, associações de base
perdem espaço, que muitos indivíduos demonstram desconfiança ou desilusão
com as burocracias estatais, partidárias e sindicais. Ao mesmo tempo, surgem
outras formas de participação coletiva, e outros canais, tais como os meios de
comunicação em massa, muitas vezes são procurados por quem busca justiça,
prestação de serviços ou simplesmente atenção aos seus problemas.
329
327
CANEPA, op. cit., p. 159.
328
DUARTE, op. cit., p. 528.
329
MARTÍN, op. cit., p. 16-17; CANCLINI, op. cit., p. 39.
102
Nesse contexto, o consumo pode representar uma forma de exercício da
cidadania, que ser cidadão não diz respeito apenas a determinados direitos
conferidos aos membros de um Estado-nação, mas também a práticas sociais e
culturais que dão sentido de pertencimento e identidade.
330
Assim, “se nossas
identidades se definem também pelo consumo, poderíamos vincular o exercício da
cidadania e a participação política às atividades de consumo, que é nestas
atividades que sentimos que pertencemos e que fazemos parte de redes sociais”.
331
Para aproximar a cidadania do consumo é preciso despertar novamente o
interesse pelo público,
332
e perceber o consumo “como um lugar de valor cognitivo,
útil para pensar e atuar, significativamente, na vida social”.
333
Segundo Canclini,
No entanto, quando se reconhece que ao consumir também se pensa, se
escolhe e reelabora o sentido social, é preciso se analisar como esta área
de apropriação de bens e signos intervém em formas mais ativas de
participação do que aquelas que habitualmente recebem o rótulo de
consumo. Em outros termos, devemos nos perguntar se ao consumir não
estamos fazendo algo que sustenta, nutre e, a certo ponto, constitui uma
nova maneira de ser cidadãos.
334
Sabe-se que a idéia de aproximar cidadania e consumo não representa um
consenso entre os autores. Milton Santos, por exemplo, entende que as figuras do
consumidor e do cidadão não podem se confundir, que representam esferas
fundamentalmente opostas. Em seus termos:
330
CANCLINI, op. cit., passim; PORTILHO, op. cit., p. 194-195; INSTITUTO BRASILEIRO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 21.
331
INSTITUTO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo sustentável,
op. cit., p. 15.
332
Para o IDEC, “As atividades de consumo operam na interseção entre vida pública e privada. O
debate sobre a relação entre consumo e meio ambiente pode ser uma forma de politização do
cotidiano, recuperando as pontes entre estas duas esferas. Através desse debate, a questão
ambiental finalmente pode ser colocada num lugar em que as preocupações privadas e as questões
públicas se encontram.” (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de
educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 22).
333
CANCLINI, op. cit., p. 72.
334
Ibidem, p. 42.
103
Consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual
da pessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo, convidando,
também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e
a figura do cidadão, É certo que no Brasil tal oposição é menos sentida,
porque em nosso país jamais houve a figura do cidadão.
335
Entretanto, ainda que a estreita relação existente entre meio ambiente–
cidadania–consumo não seja percebida claramente por alguns, não como afirmar
que o consumo seja uma atividade totalmente neutra e despolitizada. Ao
desenvolverem as atividades de consumo, os indivíduos constantemente realizam
escolhas, o que significa que constantemente também manifestam suas prioridades,
seus valores, sua visão de mundo. De modo que as decisões tomadas não estão
relacionadas apenas ao mercado de consumo, pois envolvem muitas vezes a busca
de uma identidade, uma escolha política, a preponderância de um valor ético, a
preocupação (ou não) com a natureza, entre tantos outros possíveis fatores
determinantes.
Mesmo que não existam respostas prontas aos problemas e aos desafios que
se apresentam, é possível perceber que a aproximação entre o consumo e a
cidadania é um elemento-chave para a melhoria da questão ambiental. Se a
sociedade de consumo é responsável por grande parte da degradação ambiental
existente, ela também pode e deve ser um importante instrumento no
enfrentamento deste grave problema.
Para tanto, é preciso repensar valores e reavaliar alguns conceitos
amplamente aceitos na sociedade contemporânea. Nesse sentido, a própria crise
paradigmática existente pode proporcionar um momento privilegiado de reflexão, e
por que não? – ser uma propulsora de grandes mudanças na sociedade.
336
335
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 10.
ed. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 49.
336
BITTAR, op. cit., p. 178.
104
Segundo Morin,
As situações de crise são favoráveis, ao mesmo tempo, às tomadas de
consciência e às reformas, mas simultaneamente às soluções ilusórias e às
regressões de consciência. É exatamente isso que acontece na gigantesca
era crísica e crítica que sacode o planeta. Esta pode favorecer a rápida
propagação das idéias reformadoras e abrir formidáveis possibilidades
transformadoras.
337
Essa possibilidade de transformação do atual contexto também é defendida
por Feldmann:
A crise que vivemos, enquanto Humanidade, oferece uma oportunidade
única de revisão dos valores por ela praticados em todos os momentos,
desde os atos mais simples do cotidiano, nos quais o consumo se insere.
Este, cada vez mais, deve ser encarado não apenas como mera estratégia
física, mas como parte de uma estratégia maior na busca de
reconhecimento social de cada indivíduo perante seus pares e na procura
de satisfação existencial.
338
Assim, a crise existente na sociedade contemporânea pode representar uma
grande oportunidade de reflexão, e a possibilidade de reformulação do pensamento
antropocêntrico e individualista ainda predominante, com a alteração de
determinados comportamentos que são determinantes para o ocasionamento dos
problemas ambientais presentes atualmente e que atingem todo o planeta.
Cotidianamente a crise ecológica demonstra de forma clara a sua existência e
a sua gravidade. De modo que se mostra urgente a assunção de certas atitudes
para que tal crise possa ser, senão solucionada, ao menos minimizada. Se nada for
feito, a ampla proteção jurídica conferida ao meio ambiente pode restar sem
qualquer resultado prático. A simples inclusão do direito ao meio ambiente no rol dos
direitos fundamentais protegidos constitucionalmente não garante sua efetiva
proteção. Todos os cidadãos devem exigir seu direito a viver em um meio ambiente
337
MORIN, O método, op. cit., p. 177.
338
FELDMANN, op. cit., p. 156-157.
105
sadio e ecologicamente equilibrado, e, ao mesmo tempo, colaborar para que esse
direito seja efetivado.
Entretanto, nem sempre o cidadão percebe claramente o papel que exerce na
sociedade e a influência que pode exercer em relação ao futuro do planeta. Muitas
vezes tampouco percebe a importância do poder político que detém enquanto
consumidor, ao realizar diariamente suas escolhas no mercado de consumo. De
forma que o problema ambiental pode parecer com dimensões demasiadamente
amplas para que possa ser solucionado através de ações individuais.
Para Feldmann,
É impossível não sentir individualmente uma enorme pequenez perante o
problema, se o que temos visto é a incapacidade das instituições de
apresentar, em curto prazo, soluções concretas para os problemas
mencionados. Se as Nações Unidas enquanto principal instituição mundial
não consegue, por exemplo, levar adiante a implementação da Agenda 21,
o que cada um de nós poderia fazer na direção de uma sociedade diferente
da presente? A primeira grande dificuldade que temos é compreender que
as transformações necessárias se dão em campos, esferas e tempos
diferentes.
339
No entanto, a dimensão dos problemas existentes não pode ocasionar a
acomodação diante da situação presente. Ao contrário, deve servir de estímulo para
o enfrentamento destes problemas, e ainda ser motivadora para uma mudança no
comportamento dos cidadãos. Ademais, “o conformismo generalizado, a perda do
espaço público, o declínio da política e a aversão à limitação e à auto-limitação têm
como resultado a apatia e o sofrimento humano, gerando incerteza, insegurança e
falta de garantias quanto ao futuro”.
340
Durante suas atividades, o consumidor pode se submeter integralmente aos
interesses e às imposições do mercado, ou pode desafiar as regras que
constantemente tentam se impor no mercado de consumo. De modo que “se o
consumo pode nos levar a um desinteresse pelos problemas coletivos, pode
339
FELDMANN, op. cit., p. 147.
340
PORTILHO, op. cit., p. 183.
106
também nos levar a novas formas de associação, de ação política, de lutas sociais e
reivindicação de nossos direitos”.
341
Assim, a concepção contemporânea de cidadania, que envolve também a
participação ativa do indivíduo na sociedade e não o mero reconhecimento formal
de determinados direitos assume papel de destaque na efetivação dos direitos
constituídos, e entre eles, o direito fundamental ao meio ambiente sadio e
ecologicamente equilibrado.
Segundo Portilho,
Assim, enquanto a visão liberal da cidadania a limita a conquistas legais ou
ao acesso a direitos previamente reconhecidos, a nova cidadania redefine a
noção de direitos, incorporando “o direito a ter direitos”, ou seja, a
invenção/constituição de novos direitos que emergem de lutas específicas e
práticas concretas. Enquanto a visão liberal da cidadania se vincula a uma
estratégia das classes dominantes e do Estado para a incorporação política
progressiva dos setores excluídos, com vistas a uma maior integração
social, ou como condição jurídica e política indispensável à instauração do
capitalismo, a nova cidadania requer a constituição de sujeitos sociais ativos
que definam o que consideram ser os seus direitos e lutem por seu
reconhecimento.
342
De maneira que, enquanto o consumo for visto de forma fragmentada e
individual, perder-se-á a oportunidade de tornar o consumidor co-responsável pelas
condições sociais e ambientais do mundo em que vive. Somente quando a atividade
de consumo for considerada de forma mais abrangente, e como atividade social que
é, o indivíduo não será somente mais um consumidor preocupado apenas com seus
interesses individuais e indiferente ao coletivo, mas um cidadão responsável
343
pela
sociedade planetária em que vive, em pleno exercício de sua cidadania.
341
INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo
sustentável, op. cit., p. 21.
342
PORTILHO, op. cit., p. 192.
343
Conforme Boff, “sentir-se responsável é sentir-se sujeito de ações que podem dar-se num sentido
de benevolência para com a natureza e os outros seres ou num sentido de agressão e
submetimento”. (BOFF, Ethos mundial, op. cit., p. 91).
107
No entanto, para que possa haver a efetiva participação dos cidadãos na vida
coletiva, é preciso resgatar o sentido individual de comprometimento e de
solidariedade com a sociedade. Sem o resgate de valores como ética e
responsabilidade, não como falar em qualquer mudança neste sentido. Para
tanto, a informação e a educação são elementos fundamentais na construção de
uma nova consciência e na reconstrução da cidadania.
344
Nesse contexto, a educação ambiental mostra sua basilar importância na
formulação de uma nova sociedade, uma vez que “educação, ética e cidadania
andam em compasso”.
345
Da mesma forma, é fundamental continuar desenvolvendo
o debate acerca da relação entre meio ambiente e consumo, para possibilitar que a
atividade de consumo passe de propulsora da degradação ambiental a elemento-
chave da sustentabilidade. Somente dessa forma o consumidor poderá se tornar
cada vez mais cidadão.
344
Para o IDEC, o despertar da cidadania “é quando a noção de direitos e deveres transcende meros
interesses individuais para traduzir uma nova visão de mundo, que reflete a responsabilidade de cada
pessoa na construção de valores coletivos plenos, plurais e democráticos que assegurem o bem-
estar humano e o respeito a todas as formas de vida em suas mais variadas manifestações. Entre
esses valores coletivos se consagram o direito que todos temos a um meio ambiente saudável e
igualmente o dever ético, moral e político de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
(INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo
sustentável, op. cit., p. 6).
345
BITTAR, op. cit., p. 296.
108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da atual situação da sociedade contemporânea, percebe-se que a
ampliação e a efetivação da proteção do meio ambiente é um imperativo nos dias de
hoje. Com o presente cenário de degradação ambiental, não há possibilidade de se
procrastinar qualquer decisão ou de se adiar qualquer tomada de atitude em relação
ao enfrentamento da crise ecológica.
Constantemente a natureza emite sinais evidentes do resultado da
interferência causada no equilíbrio do ecossistema global através da ação do
homem sobre a biosfera: as mudanças climáticas, a destruição da camada de
ozônio, o esgotamento e/ou escassez de determinados recursos naturais, o
desaparecimento acelerado de diversas espécies, os problemas ambientais em
diversas regiões e em aglomerados urbano-industriais, entre tantos outros.
Diante de todos esses problemas ambientais, conclui-se que muitas vezes a
tutela jurídica conferida ao meio ambiente o é suficiente para a sua efetiva
proteção, seja em âmbito local ou global. Isso não significa que não existam normas
jurídicas que disciplinem a matéria referente a proteção do meio ambiente, ou que
as normas ambientais existentes são desrespeitadas no todo.
Ocorre que, diante da amplitude da problemática ambiental, a simples
imposição de determinadas normas jurídicas mostra-se insuficiente para o
enfrentamento da questão. Os problemas que envolvem o meio ambiente não têm
origem em uma única causa ao contrário, resultam de uma confluência de fatores.
Para redefinir os rumos da questão ambiental é preciso que não apenas o Estado,
mas toda a sociedade esteja comprometida com o processo de construção de uma
sociedade mais justa e sustentável.
Nesse sentido, impõe-se para a sociedade contemporânea o despertar de
uma nova consciência, menos individualista e mais comprometida com a
109
coletividade. Somente desse modo será possível a reformulação da sociedade
através de valores como a fraternidade, o respeito ao próximo e a solidariedade.
O alcance global dos problemas ambientais não deixa margem para dúvidas:
para a viabilidade do planeta não outro caminho senão a solidariedade entre os
indivíduos e a cooperação entre os povos. O individualismo predominante, que fazia
desconhecer os problemas enfrentados por outros países, não pode mais ter lugar.
Os problemas ambientais não conhecem fronteiras, de modo que são de interesse
global.
Além disso, o foco da sociedade contemporânea não pode mais estar
direcionado somente para a produção de riquezas, mas para a sua distribuição e
sua melhor utilização. Nesse contexto, mostra-se fundamental a noção de
desenvolvimento sustentável, se trata de um modelo de desenvolvimento que
busca harmonizar o desenvolvimento socioeconômico e a preservação do meio
ambiente.
É preciso repensar o atual modelo de desenvolvimento, que tem por base a
exploração indiscriminada do meio natural para possibilitar o crescimento ilimitado
da produção e do consumo, e buscar um modelo que não seja tão impactante, tanto
socialmente quanto ecologicamente. Somente desse modo será possível deixar uma
herança às futuras gerações que não seja composta apenas de degradação e
escassez.
A atual sociedade de consumo proporciona altos níveis de consumo, que se
mostram totalmente insustentáveis pelos danos que acarretam ao meio ambiente,
não por utilizar uma quantidade de recursos muito maior que a capacidade de
regeneração da natureza, como pela quantidade de resíduos lançados no ambiente.
Diante desse cenário, demonstra-se a premente necessidade de se alterar os
padrões atuais de consumo.
Nesse sentido, o consumo pode passar de uma atividade propulsora da
degradação ambiental a elemento-chave da sustentabilidade, podendo contribuir
para a superação da crise ambiental. Para tanto, é preciso que o consumo seja visto
sob uma perspectiva mais ampla e complexa, não como atividade social com
inúmeros reflexos na sociedade, mas como forma de exercício da cidadania.
110
Ser consumidor e ser cidadão não são formas de atuação social excludentes
entre si ao contrário, podem e devem ser complementares. Assim, o consumo
pode representar uma forma de exercício da cidadania, que ser cidadão não diz
respeito apenas a titularidade de determinados direitos conferidos aos membros de
um Estado-nação, mas também a práticas sociais e culturais que dão sentido de
pertencimento e identidade.
A atuação do consumidor pode ter reflexos positivos ou negativos sobre a
economia, o meio ambiente e a sociedade como um todo. Assim, o consumidor tem
a responsabilidade de usar esse poder não apenas em benefício próprio, mas para o
de toda a coletividade. Somente com a mudança de postura do consumidor é que
este poderá deixar de ser protagonista da degradação ambiental para se tornar
agente ativo na luta contra a degradação.
A mudança de comportamento do consumidor é um processo que requer
sensibilização e mobilização social. Para tanto, é preciso conscientizar e estimular
os indivíduos a agirem com comprometimento e em prol do interesse comum o
que não se consegue apenas com a criação de dispositivos legais, que são
insuficientes para uma mudança de postura. Sem uma mudança nos valores que
orientam a sociedade através da educação ambiental, não como alcançar os
objetivos do desenvolvimento sustentável.
É preciso modificar a forma de pensar e de agir em relação à natureza. A
visão antropocêntrica, que parecia autorizar o ser humano a dominar a natureza, e
dela se utilizar como se a sua existência fosse exclusivamente para satisfazer as
necessidades humanas, deve ser substituída por uma visão mais ampla e
comprometida com as futuras gerações, com base em uma consciência planetária e
humanista.
Nesse sentido, também o de grande importância as políticas públicas
voltadas para o alcance da sustentabilidade. Diante da atual situação de degradação
socioambiental não é mais possível que se continue atendendo somente aos
interesses econômicos, e à busca do crescimento incessante. O Estado deve
estabelecer e implementar ações governamentais que visem a efetiva proteção do
111
meio ambiente bem de uso comum do povo, e consagrado como direito
fundamental essencial à sadia qualidade de vida.
No entanto, é preciso reconhecer também que o fato de o meio ambiente ficar
sob a custódia do Estado não suprime o dever da sociedade de atuar na defesa do
direito do qual é titular. A proteção do meio ambiente é de responsabilidade de
todos, que diz respeito a um futuro comum. Assim, é preciso que todos participem
concretamente na defesa do meio ambiente, realizando ações que contribuam para
a preservação do meio ambiente.
De modo que se mostra urgente a assunção de certas atitudes para que a cri-
se ambiental possa ser, senão solucionada, ao menos minimizada. Se nada for feito,
a ampla proteção jurídica conferida ao meio ambiente pode restar sem qualquer re-
sultado prático. A simples inclusão do direito ao meio ambiente no rol dos direitos
fundamentais protegidos constitucionalmente não garante sua efetiva proteção. To-
dos os cidadãos devem exigir seu direito a viver em um meio ambiente sadio e eco-
logicamente equilibrado, e, ao mesmo tempo, colaborar para que esse direito seja
efetivado.
Se a sociedade de consumo é responsável por grande parte da degradação
ambiental existente, ela também pode e deve ser um importante instrumento no
enfrentamento deste grave problema. Para tanto, é preciso repensar valores e
reavaliar alguns conceitos amplamente aceitos na sociedade contemporânea. Nesse
sentido, a própria crise paradigmática existente pode proporcionar um momento
privilegiado de reflexão, e até ser uma propulsora de grandes mudanças na
sociedade.
Ainda que não existam respostas prontas aos problemas que se apresentam,
é preciso prosseguir na busca de alternativas para a efetiva proteção do meio ambi-
ente, direito fundamental tutelado pela ordem constitucional. Para tanto, é preciso
que toda a sociedade esteja envolvida e comprometida com a sua realização. De
modo que é possível concluir que o exercício da cidadania tem papel fundamental
para que o meio ambiente seja efetivamente protegido, conforme impõe a Constitui-
ção Federal de 1988.
112
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