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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
JUSSARA PIETCZAK APPELT
O CRAVO E A ROSA:
IDENTIDADES GENERIFICADAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Ijuí (RS)
2007
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1
JUSSARA PIETCZAK APPELT
O CRAVO E A ROSA:
IDENTIDADES GENERIFICADAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de
Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado em
Educação nas Ciências, da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(Unijuí), requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Doutora Noeli Valentina Weschenfelder
Ijuí (RS)
2007
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AGRADECIMENTOS
- À Orientadora, Professora Doutora Noeli Valentina Weschenfelder, pelas considerações
pertinentes e criteriosas, pela crítica exigente mesclada com dedicação e pelos
questionamentos que me desestabilizavam, levando-me a buscar a compreensão sobre o
que me propunha a pesquisar.
- A meus pais, por me fazerem acreditar que tudo é possível.
- Aos meus irmãos, pelo apoio e incentivo para que eu buscasse a realização pessoal.
- Aos sobrinhos Tamara e Nícolas, pelo auxílio na compreensão do tema em questão.
- Às professoras e colegas da EFA: Denise, tima, Liane P., Lisiane, Maristela H.,
Rosane B., Sônia P., Sônia K., pelo apoio e compreensão. À diretora da Escola, Gisela
Kusiack, por viabilizar formas possíveis para a realização do Mestrado.
- À instituição de Educação Infantil, que permitiu meu ingresso em seu espaço de
trabalho, especialmente, aos sujeitos da pesquisa.
- Às amigas Ana Maria, Maristela Maurer, nia, Marlene e Nelly, que foram mplices
na minha formação como professora.
- Ao Osmar, pelas horas roubadas do seu convívio, que serão compensadas com a chegada
da nossa filha Maíra.
- À Miriam, pela busca incessante por bibliografias.
- A todos os familiares, pelas palavras de incentivo e pelos comentários de preocupação.
3
“Eu escrevo sem esperança de que o
que eu escrevo altere qualquer coisa. Não
altera em nada... Porque no fundo a gente não
está querendo alterar as coisas. A gente está
querendo desabrochar de um modo ou de
outro...
(Clarice Lispector, 1977)
4
RESUMO
Neste trabalho, analisamos as representações de gênero em uma escola pública municipal de
Ijuí/RS, de período integral. Esta pesquisa, com viés etnográfico, com crianças (de 4 a 5 anos
de idade) e quatro professoras, foi desenvolvida a partir das falas desses sujeitos, tendo como
foco as representações de gênero – ser menino e ser menina. As falas serviram para mapear as
diferentes significações veiculadas em um espaço constituído pelo trabalho feminino. Essa
investigação considerou questões identitárias, de modo especial a identidade geracional
infância – gênero e profissional, constituídas e atravessadas por diferentes discursos e práticas
pedagógicas, que estão além do processo educativo escolar. A identidade de gênero foi
analisada através de algumas representações que estão presentes no cotidiano das crianças em
diferentes situações de aprendizagens: nas músicas infantis, nas brincadeiras e nas literaturas,
sob forma de distinguir posições e mostrar a diferença relacional através das representações
do feminino e do masculino como construção histórica, social e cultural, as quais constroem
modos de ser menino e menina por meio de discursos e práticas sociais. Os referenciais sobre
Estudos Feministas e Estudos Culturais Contemporâneos contribuíram para problematizar a
pluralidade desse tema. A partir das atividades observadas, contatamos que as mesmas
organizam tempo, rituais, posturas e jeitos de ser menino ou menina, de acordo com a
realidade do seu meio social. No entanto, não é somente a escola, mas também diversas
instituições, com seus discursos e práticas sociais, constituem as diferentes identidades em
masculinas e/ou femininas, assim como identidades de classe social, de etnias, de
religiosidade, de sexualidade e geracional.
Palavras-chave: Infância. Educação Infantil. Identidade. Gênero. Representação.
5
ABSTRACT
The present work analyzes the representations of gender in a full-time public school in
Ijuí/RS. This research, with a ethnographic nature, with children whose ages range (from 4 to
5 years old) and with four teachers, was carried out based on the talk of these individuals,
having as focus the representations of gender – to be a boy or to be a girl. The talks were used
to map the different significations diffused in a space constituted by the female work. This
investigation considered identity questions, in a special way the generational identity
childhood the gender identity and the professional identity, constituted and traversed by
different discourses and pedagogical practices that go beyond the educational process in the
school. The gender identity was analyzed through some representations which are present in
the everyday life of the children in different learning situations: in infant songs, in children’s
plays and in the literature, as a way to distinguish positions and show the relational difference
through the representations of the female and the male as a historical, social and cultural
difference, which build ways of being a boy and being a girl by means of discourses and
social practices. The references about Feminist Studies and Contemporary Cultural Studies
contributed to enrich the discussion about the plurality of this theme. From the activities
observed, it was verified that they organize time, rituals, attitudes and ways of being boy or
being girl, according to the reality of his or her social environment. However, it is not only the
school, but also many other institutions, with their discourses and social practices, that
constitute the different identities as male and/or female, as well as identities of social classes,
ethnicities, religiosity, sexuality and generational.
Key words: Childhood. Elementary School. Identity. Gender. Representation.
6
SUMÁRIO
CARACTERIZANDO OS CAMINHOS PERCORRIDOS .................................................... 8
Escolhas, o Ponto de Partida .................................................................................................. 8
Caminhos Metodológicos da Pesquisa.................................................................................. 13
Capítulo I - INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL........................................................... 19
1.1 Algumas Representações de Infância na Educação......................................................... 19
1.2 As Instituições de Educação Infantil: um pouco de sua história ...................................... 27
1.3 A Trajetória da Educação Infantil no Município de Ij .................................................. 31
1.4 Mapeando e Contextualizando a Escola Pesquisada........................................................ 35
1 4.1 A Escola Estrela.......................................................................................................... 35
1.4.2 Estrutura dos Espaços Pedagógicos............................................................................ 36
1.4.3 Os Sujeitos da Pesquisa............................................................................................... 39
1.4.4 O Trabalho Pedagógico .............................................................................................. 41
Capítulo II - IDENTIDADE DE GÊNERO NA INFÂNCIA ................................................ 47
2.1 Identidade, Gênero e Representação............................................................................... 47
2.1.1 Identidade ................................................................................................................... 47
2.1.2 Identidade de Gênero.................................................................................................. 50
2.1.3 Representação............................................................................................................. 53
2.2 Representações de Gênero na Educação Infantil............................................................. 58
2.2.1 Representações no Brincar.......................................................................................... 59
2.2.2 Representações na Literatura Infantil.......................................................................... 65
2.2.3 Representações nas Músicas Infantis........................................................................... 74
Capítulo III - QUAL É O GÊNERO DA EDUCAÇÃO INFANTIL? ................................... 80
3.1 Significando o Trabalho Feminino na Educação Infantil................................................. 80
3.2 Representações de Professoras ....................................................................................... 87
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 91
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 95
OBRAS CONSULTADAS ................................................................................................ 100
ANEXOS........................................................................................................................... 102
7
Imagem da música infantil O cravo brigou com a rosa, registrada como literatura por Luiz Duarte e
publicada pela Editora Kuarup, em 1987 (Imagem nº 1).
8
CARACTERIZANDO OS CAMINHOS PERCORRIDOS
Escolhas, o Ponto de Partida
[...] a identidade de uma pessoa e de um povo
começa nos rituais da infância.
(ERIKSON, 1976).
Por estar localizada no início, a apresentação é escrita, tradicionalmente, no momento
em que chegamos ao final dos textos. Esta fugiu à regra, pois conforme fui escrevendo esta
dissertação, também fui construindo a sua apresentação. Isso foi intencional, para que, durante
esse período de escrita, pudesse fazer o exercício de relacionar o campo teórico com os dados
coletados no campo da pesquisa pelo viés etnográfico, como se estivesse seguindo um roteiro,
ou, como referenda Dauster (1996) em sua metáfora, ir “construindo pontes”. Essa metáfora,
de certa forma, levou-me a buscar a compreensão sobre o tema de pesquisa nas minhas
vivências, as quais me constituem como mulher, professora e pesquisadora. Portanto,
apresento algumas “pontes” entre o que sou hoje, como penso e reflito e as minhas escolhas
profissionais e acadêmicas.
É a partir do momento em que começo a pensar em como me constituí mulher que
percebo que a temática gênero esteve em mim adormecida, no sentido de
questionamentos. Ao atuar na Educação Infantil percebi que a questão de gênero também faz
parte do cotidiano da sala de aula, portanto proponho-me a investigar o tema neste momento a
partir da minha própria experiência.
Construir a “primeira ponte” é pensar em como me constituí mulher, lembrar do
memorial escrito no curso de Pedagogia é trazer para a lembrança muitos sentimentos e
também a forma como fui educada nos moldes femininos da época da infância, com rendas e
topes de fitas cor de rosa nos cabelos trançados. É recordar da vida escolar, das amigas com
9
quem brincava e de um amigo, o “Jefe”, com quem poderia brincar por não ter problema
nenhum, pois ele era “educado como uma menina”. É nesse sentido que busco utilizar esse
fragmento da minha história de vida para construir a primeira ponte, relatando que desde a
infância fui educada, ou melhor, moldada/ensinada, para ser uma “boa moça” que aprendeu a
bordar, a limpar e a cozinhar.
Mas a sociedade, digo, a vida social na escola proporciona-nos outros rumos e, como
toda e “boa” adolescente, chegou o momento de quebrar a regra. Então fui cursar Técnico em
Mecânica, tido como um curso masculino. Eu era a única menina numa turma de doze
meninos. É claro que virei chacota da supremacia masculina e não agüentei a pressão. Talvez
tenha sido a forma por mim encontrada de não admitir ser apenas mais uma mulher envolvida
nos afazeres femininos, mas comprometida em desenvolver uma função social. É por essa
função que nos anos seguintes fiz a opção pelo trabalho com a Educação, mais
especificamente, com a Educação Infantil que, na década de 90, ainda recebia a denominação
de creche, na qual trabalhei alguns anos como monitora. Apesar de ser considerada, naquele
momento, leiga em questões educacionais, lembro de minha angústia em relação ao trabalho
desenvolvido, pois desejava contribuir na formação das crianças para que se tornassem
sujeitos, e não apenas cuidá-las enquanto as suas famílias trabalhavam, situação que se
evidenciava no cotidiano.
Enquanto trabalhava em uma creche municipal, cursei Pedagogia com a intenção de
buscar conhecimentos e me constituir como professora. E é dessa “segunda ponte”, como
professora, que relato as vivências e as experiências que me constituíram como tal. Enquanto
professora, atuando na Educação Infantil, embora com formação, muitos questionamentos
não foram sanados, muito pelo contrário, agora eles precisavam ser aprofundados. É nesse
contexto da sala de aula, das vivências das crianças que observei situações que precisavam ser
exploradas, como professora e como pesquisadora. Situações que para nós, professoras,
podem parecer tranqüilas ou fáceis de compreender, a partir de uma divisão de brinquedos, ou
organizando as atividades de maneira diferente daquilo que foi proposto, mas para as famílias
podem causar preocupações, especialmente se as brincadeiras podem distinguir as questões de
gênero.
10
Uma dessas vivências está relatada no texto produzido em uma das disciplinas do
Mestrado, posteriormente publicado
1
. Tal vivência faz referência a meu primeiro dia de
trabalho, em 1991, quando cheguei à escola infantil e a diretora levou-me para conhecer as
colegas monitoras e as crianças. O último lugar que ela me apresentou foi a sala onde
desempenhei minhas funções. Quando apresentada para as crianças como a profe nova”
houve um silêncio que pareceu prolongado, então um menino de três anos quebrou esse
silêncio: Profe, olha o meu cabelão”. Ele estava usando uma touca de bebê com cordões e
pompons nas pontas, girava a cabeça como se estivesse movimentando seus longos cabelos.
Neste momento, a outra professora da sala vem a meu encontro afirmando que esse menino
desejava ser uma menina igual a sua irmã de cinco anos, e que sua fala era muito delicada e
afeminada, mas a família não havia percebido ou não queria perceber.
Essa não foi a única vivência em relação à identidade de gênero, muitas outras
permanecem na memória, algumas, é claro, mais significativas. Um outro exemplo é a
vivência em outra escola, em 2002, em que uma menina fazia acrobacias no pátio da escola,
subia nos galhos mais altos das árvores, estava sempre envolvida em brincadeiras e brigas
com os meninos, sendo que eles sempre levavam a pior, pois ela batia neles. Por outro lado,
um dos meninos brincava de bailarina, de bonecas e queria usar batom, ões que,
supostamente, seriam típicas de menina. Entretanto, em uma conversa com a mãe desse
menino, ela argumentou que ele poderia brincar com as fantasias (vestidos, saias de balé...)
desde que o avô, quando viesse à escola para buscá-lo, não o encontrasse vestido de menina.
Segundo a mãe, no ano anterior, o avô teria comentado que essa brincadeira incentivaria para
que o neto desejasse ser menina, que é uma criança muito carinhosa e meiga. Tais atitudes
eram consideradas, pela e, uma forma de expressar seu afeto. Mas para o avô, isso não era
tranqüilo diante dos referenciais e pré-conceitos estabelecidos por sua geração e suas
manifestações culturais.
A terceira ponte possível de construir é aquela que se refere ao processo pelo qual se
consolida um sujeito pesquisador. Ao ingressar no Mestrado, logo após ter concluído o curso
de Pedagogia na Unijuí, fiz muitas leituras de pesquisas realizadas sobre as identidades
1
Texto em que discorro sobre Representações de gênero na Infância, constituído e organizado pelo Grupo de
Estudos sobre Infância e Adolescência – Crisálida, coordenado pela Professora Doutora Noeli Valentina
Weschenfelder (APPELT, Jussara Pietczak. Representações de gênero na Infância. In: SOUZA, Cristiana
Callai de; WESCHENFELDER, Noeli Valentina. Cultura, infância e sociedade: constituindo uma comunidade
de leitoras. Ijuí, Ed. Unijuí, 2006. Coleção trabalhos acadêmicos científicos. Série Educação nas Ciências, 13).
11
culturais, na perspectiva dos Estudos Culturais
2
, dos Estudos Feministas
3
e Pós-
Estruturalistas
4
. Acredito ter sido capturada por esses referenciais, então comecei a trajetória
com leituras sobre infância, criança, Educação Infantil e gênero.
Nessas leituras, deparei-me com referências de pesquisas realizadas em grandes
centros populacionais e econômicos, como as realizadas pela Fundação Carlos Chagas, entre
1951 a 1970, na cidade de São Paulo; pesquisa sobre a luta por creches, em 1970, com viés
feminista realizada por Fúlvia Rosemberg e Sílvia Cavasin; Sonia Kramer, em 1980,
pesquisou a política do pré-escolar no Brasil. E, além dessas, também ocorreram algumas
pesquisas na região de Porto Alegre. A escolha de tais leituras não foram por acaso. Acredito
que foram intencionais no sentido de buscar subsídios para construir o objeto de pesquisa que
me propus a fazer. A opção por realizar a pesquisa, aproximando-me pelo viés etnográfico, foi
a partir da disciplina cursada no Mestrado: Infância, Sociedade e Cultura, na qual
aprofundamos estudos sobre trabalhos realizados na perspectiva de ouvir as vozes dos sujeitos
infantis, a partir dos campos da Sociologia e da Antropologia. Pesquisas realizadas neste
campo através da escuta de vozes infantis revelam que este poderá ser um recurso
metodológico privilegiado para a investigação de temáticas que se referem às identidades
culturais.
As leituras realizadas provocaram o desejo e a necessidade de aprofundar o
conhecimento sobre a história da infância e trazer para o campo acadêmico o trabalho
desenvolvido no município de Ijuí, no sentido de investigar os sujeitos envolvidos que
constituem parte da nossa história local, através do cotidiano de uma escola. As informações
obtidas na escola, através da coleta de dados para a pesquisa, ampliaram o tema, o só
pesquisando com as crianças, mas também com as professoras. O tema central a que me
2
Os Estudos Culturais, com objetivo de definir a movimentação intelectual no panorama político pós-guerra,
provocaram uma reviravolta na teoria cultural, atravessando o terreno de noções e concepções extremamente
complexas como cultura e popular. Desta forma, os Estudos Culturais o vêm desvelar, mas duvidar,
questionar, apontar diferentes possibilidades, ferramentas conceituais e saberes que emergem das leituras de
mundo, principalmente no campo da educação (COSTA, 2003, 2004).
3
Os Estudos Feministas foram consolidados, principalmente, por mulheres que buscam os direitos de igualdade
entre homens e mulheres, lutam por melhores salários e condições de trabalho, entre tantos outros, como foi a
luta pelo direito ao voto. Além de ajudar a entender a desigualdade entre homens e mulheres e ampliarem seus
direitos civis e políticos, ajudaram a expressar questões como relações de gênero. Na dimensão do Feminismo
como dos Estudos Culturais, ambos querem questionar e transformar o que é dado como “verdade”.
“Questionar e transformar não significa destruir.” (AUD, 2003, p. 59).
4
Os estudos Pós-Estruturalistas provocaram a virada lingüística”, afirmando que a linguagem o seria
propriamente uma representação da realidade feita pelos sujeitos, mas sim constituidora dos sujeitos e da
realidade. O Pós-Estruturalismo traz a proposta da desconstrução, principalmente em relação à oposição
binária como homem/mulher, masculino/feminino, entendido como natural e imutável (LOURO, 1995, p.
110).
12
propus investigar é a “identidade cultural de gênero na Educação Infantil” em situações que
são veiculadas as representações de gênero para meninos e meninas. Nessa pesquisa, busco
considerar como a criança pensa e concebe o mundo, a partir de representação do masculino e
do feminino presente na brincadeira, na literatura e nas canções nesta fase geracional a
infância.
É nesse sentido que apresento a pesquisa denominada O cravo e a rosa: identidades
generificadas na Educação Infantil. O cravo como representação do masculino e a rosa como
representação do feminino, nas diferentes situações e interlocuções do cotidiano da Educação
Infantil entre crianças e professoras.
5
Considero as distinções de gênero para esta etapa da educação formal com as crianças:
a organização das crianças em filas para sair da sala de aula uma fila de meninas e outra de
meninos, depois, de mãos dadas, formam pares (casais); a chamada (relação de alunos) da
turma exposta na sala a cor rosa para identificar as meninas e a azul para os meninos; o
momento dos brinquedos – as meninas brincam com as bonecas e os meninos com os
carrinhos (na sala); no pátio as meninas brincam na casinha, enquanto os meninos jogam
futebol; o momento de organizar a sala para colocar os colchões para o repouso
6
- ou quando
a professora pede auxílio, pois segundo o seu relato “sempre quem se propõe são as meninas,
elas têm mais jeito e gosto por essas tarefas.
Por que ouvir também as professoras? Porque ao fazer o exercício de observações,
entrevistas e análises sobre as representações masculinas e femininas, constatei estar
realizando tal tarefa num espaço de trabalho constituído pelo gênero feminino. Sendo assim, o
desafio é discorrer sobre a identidade cultural de gênero através das representações no
cotidiano de uma escola infantil, aqui denominada “Estrela”.
No capítulo I, Infância e Educação Infantil, apresento a história da infância como
construção da sociedade moderna. Inspiro-me nas idéias de Philippe Ariès (1981), Moisés
Kuhlmann Jr. (1998, 2004), Rogério Fernandes (2004), Manuel Sarmento e Manuel Pinto
(1997), Jucirema Quinteiro (2002), Paulo Ghiraldelli Jr. (2000), Maria Isabel Bujes (2000),
Mariano Narodowski (1998), Zilma Moraes Ramos de Oliveira (1996) e Leni Vieira
5
No decorrer da Dissertação serão intercaladas imagens da música infantil O cravo brigou com a rosa,
registrada como literatura por Luiz Duarte e publicada pela Editora Kuarup, em 1987.
6
Por ser uma escola de período integral, as crianças m o momento de repouso, dormem depois do almoço na
sala de aula.
13
Dornelles (2005). Ainda, abordo a origem das instituições infantis no Brasil, faço uma breve
retomada histórica da Educação Infantil no município de Ijuí/ RS e o mapeamento da escola
pesquisada.
No capítulo II, Identidade de Gênero na Infância, desenvolvo concepções teóricas que
me fazem melhor compreender identidade, gênero e representação, trazendo algumas
representações expressas no cotidiano escolar infantil, presentes nas vivências dos sujeitos
envolvidos pela pesquisa, assim como o relato de uma vivência familiar com um sobrinho.
Para isso, compartilho com as idéias de Stuart Hall (1997, 2000), Tomaz Tadeu da Silva
(2000, 2001), Joan Scott (1995), Guacira Louro (1992, 1995, 1998, 2005), Jane Felipe (1998,
2000, 2001, 2003, 2005), Dagmar Meyer (1998, 2005), Montserrat Moreno (1999). A
metáfora que utilizo para escrever sobre as representações na/para a Educação Infantil,
problematizando o binarismo masculino/feminino, é a canção infantil O cravo brigou com a
rosa
7
.
No capítulo III, Qual é o gênero da Educação Infantil, abordo o tema enquanto campo
de atuação feminina e as significações das professoras na escolha profissional nesse espaço
constituído por mulheres, em que são veiculadas representações de gênero. Para tal, busco
contribuições nas idéias de Denise Catani (1997) e Valeska Fortes de Oliveira (2004).
Caminhos Metodológicos da Pesquisa
[...] a memória é um rio que nasce não sabemos
onde e corre não sabemos para qual destino. E
assim como os rios levam consigo galhos de
árvore, plantas aquáticas, pedaços de madeira, a
memória passa por nós transportando coisas que
um dia fizeram parte de nossa vida e que de
repente reaparecem, não se sabe exatamente por
quê [...].
(SCLIAR, 2001, p. 7).
Neste estudo, voltei meu olhar para as questões de gênero na infância, escolhendo
uma escola pública para realizar a pesquisa de campo por meio de observações e entrevistas,
associando uma vivência familiar. Necessariamente, por tratar-se de pesquisa sobre gênero,
7
Além desta canção muito presente no cotidiano da escola infantil, inspirei-me em muitas outras tais como:
Terezinha de Jesus; A Linda Rosa Juvenil; Viuvinha, por que Choras?
14
busquei compreender e escrever sobre as identidades culturais, partindo da história da
infância, com a intenção de compreendê-la a partir da sua historização e da consolidação das
escolas infantis.
Em relação à escola pesquisada, encontrei poucos registros, o que limitou os dados
sobre a sua inserção ao campo da educação. Acredito que vários momentos vivenciados
foram significativos a este nível de ensino, isso deveria estar registrado, a fim de dar valor
aos sujeitos envolvidos educandos e educadoras como também à instituição escolar,
compondo a memória da Educação Infantil, para que ela possa ser avaliada e melhorada a
partir de experiências já efetivadas.
Ao buscar aprofundar esses dados, constatei também a escassez de registro do
trabalho na Educação Infantil no município de Ijuí/RS. Os registros encontrados são mais
recentes, pois informações de que os mais antigos perderam-se com o passar do tempo
8
.
Dessa forma, pude resgatar apenas parte da história do atendimento
9
à infância nesse
Município, a fim de colocar o leitor frente ao objeto de análise. Para meu estudo sobre a
veiculação de representações de identidade de gênero na Educação Infantil é importante
partir da história da infância por meio de algumas representações de infância, como ela vem
sendo percebida pelos estudiosos e analisar o mapeamento da consolidação das escolas
infantis no Brasil e em Ijuí.
Nesse sentido, destaco que, por um período, em algumas disciplinas do Mestrado,
como Sociedade Brasileira e Educação; Cultura, Infância e Sociedade, realizei leituras e
interpretações de estudiosas/os e pesquisadoras/es na área da Antropologia, da Sociologia e
dos Estudos Culturais, que utilizam como instrumento para suas pesquisas a etnografia
10
.
Esse caminho investigativo articula a aproximação dos sujeitos envolvidos, dando-lhes voz e
8
Esses registros foram arquivados em papéis na antiga Secretaria da Ação Social, à qual pertencia enquanto
creche. Esta estava locada em um prédio muito velho (Tiro de Guerra, construído entre 1927 e 1930), que
atualmente é a única construção do município tombada pelo Patrimônio Histórico-Cultural da Humanidade.
Esse prédio, além de sofrer as ações do tempo, também sofreu a ação de uma tempestade, com o seu
destelhamento e a má conservação. Alguns documentos perderam-se em função da umidade e da deterioração.
9
Utilizo este termo por assim ser denominado o trabalho com as crianças menores de seis anos de idade, o qual
provém da cultura do assistencialismo que foi sendo constituído desde o início da história da Educação
Infantil. Elas são atendidas enquanto suas famílias trabalham, embora neste período de permanência nas
escolas esteja acontecendo o processo educativo, de acordo com a sua faixa etária. Esse termo talvez se
também pela falta de vagas, pois há listas de espera para as crianças que não são atendidas.
10
Segundo Nelson, Treichler e Grossberg (1995) em Estudos Culturais: uma introdução, a etnografia está
enraizada primariamente na teoria e na prática antropológica. Embora ela não se defina por si mesma, se junta
a um corpo de trabalho feito por teóricos/as feministas, negros/as e s-coloniais preocupados com a
identidade, a história e as relações sociais.
15
vez, identificando a construção e as mudanças das diferentes identidades como de etnia, de
gênero, de classe, de sexualidade, de religiosidade, geracional... Os/as pesquisadores/as
relatam em suas pesquisas sob o contexto em que esses sujeitos estão inseridos para então
compreender a sua cultura e o seu significado em determinado contexto.
Considero importante ao estudo a que me propus, trazer como referência a pesquisa
realizada por Jucirema Quinteiro (2002). A pesquisadora utiliza-se de recurso metodológico
privilegiado para a investigação, a escuta de vozes, no qual o pesquisador e o pesquisado
necessitam construir vínculos bastante distintos. A autora segue pesquisas realizadas no
campo da Sociologia pelos autores Manuel Sarmento e Manuel Pinto (2000), que consideram
que “a etnografia impõe uma orientação do olhar investigativo para os símbolos, as
interpretações, as crenças e valores que integram a vertente cultural [...] das dinâmicas da
ação que ocorrem nos contextos pesquisados” (apud QUINTEIRO, 2002, p. 28).
É essencial considerar essa citação pois os autores mencionam que as falas das
crianças são elementos fundamentais para a compreensão das culturas infantis, com
significação e ação no mundo diferentes do olhar dos adultos. Nesse sentido é que busquei
ouvir as vozes infantis para captar um pouco de seu mundo e perceber representações de
gênero nas suas vivências, nas canções, nas brincadeiras...
Para Sarmento e Pinto (1997), os estudos a partir do olhar da criança proporcionam a
compreensão da realidade da infância, pois o esboço dessa categoria social como objeto de
pesquisa possibilita a aproximação com o contexto e o campo de ação, uma vez que as opções
metodológicas devem ter como foco a escuta e a recolha das vozes infantis. Eles afirmam que:
[...], o estudo das crianças a partir de si mesmas permite descortinar uma
outra realidade social, que é aquela que emerge das interpretações infantis
dos respectivos mundos de vida. O olhar das crianças permite revelar
fenômenos sociais que o olhar dos adultos deixa na penumbra ou obscurece
totalmente. Assim, interpretar as representações sociais das crianças pode ser
não apenas um meio de acesso à infância como categoria social, mas às
próprias estruturas e dinâmicas sociais que são desocultadas no discurso das
crianças (SARMENTO; PINTO, 1997, p. 25).
Sendo assim, descrever como proceder e analisar pesquisas neste campo,
especialmente em se tratando de abordagens mais recentes, não são tarefas fáceis,
considerando que não existe somente um único instrumento de coleta para pesquisa e suas
metodologias podem ser múltiplas, ou cada pesquisador escolhe e relata o seu trabalho de
16
acordo com o que pressupõe ser significativo para o desenvolvimento de outros trabalhos que
poderão vir a se constituir como pesquisa.
A pesquisa que apresento o é propriamente uma etnografia, devido à riqueza de
detalhes e o tempo de observação que a mesma exigiria. Considero-a uma investigação com
viés etnográfico, já que utilizo alguns dos seus recursos e instrumentos para dar conta do que
me proponho.
Mesmo consciente de que várias pesquisas
11
vêm sendo realizadas a partir dessa
abordagem, a que realizo tem um caráter significativo para mim, por ter sido desenvolvida no
campo em que atuo por vários anos – sala de aula – e por estar escrevendo sobre a história da
qual faço parte. Refiro-me à história recente, à fase de transição de creche para Escola
Infantil. Assim como Scliar, citado na epígrafe, busco lembrar de momentos que a memória
deixa transportar, como se fosse um rio que passa, extrapolando o terreno pessoal que me
motivou. É preciso considerar o compromisso com a escola pública como um do lócus do
desenvolvimento infantil, no qual crianças e professoras, neste estudo, são as principais
interlocutoras, colaboradoras, denominadas “sujeitos” da pesquisa.
O objetivo dessa pesquisa é buscar compreender como são veiculadas as
representações de gênero ser menino e ser menina na Educação Infantil em uma escola
pública de período integral. Busco, nas falas dos sujeitos, na visão da criança e das
professoras, mapear diferentes significações do que representam as identidades culturais,
num espaço constituído pelo trabalho feminino, sem deixar de considerar que a constituição
dessas identidades se dá no atravessamento de diferentes discursos.
Para desenvolver o presente estudo, enfoquei mais as crianças do que as professoras,
embora entenda que ambas compõem um mesmo conjunto de dados dessa pesquisa. São
importantes fontes a documentação da Escola, sua Proposta Político-Pedagógica
12
e os Planos
de Estudos
13
. Além disso, recorri a textos produzidos pela equipe pedagógica da Secretaria
Municipal de Educação, bem como a informações orais de antigas
14
funcionárias.
11
Refiro-me especialmente àquelas apresentadas e veiculadas nos GTs Educação de crianças de 0 a 6 anos, e
Gênero, sexualidade e Educação, na 28ª Reunião anual da ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Educação – Caxambu/MG, 2005.
12
Para me referir à Proposta Político-Pedagógica da Escola, passarei a utilizar as iniciais PPP.
13
Para me referir aos Planos de Estudos da Escola, passarei a utilizar as iniciais PE.
14
Considero antigas funcionárias as primeiras monitoras do município, e também à Coordenadora Geral das
Creches e Núcleos do CEBEM, no ano de 1985 a 1992, Romi Marli Rohde, atualmente Coordenadora
Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos – EJA da SMED de Ijuí.
17
Os sujeitos da pesquisa são crianças de quatro a cinco anos de idade que freqüentam a
turma do Jardim II e quatro professoras em uma Escola Municipal Infantil no município de
Ijuí/RS. Tanto o nome da escola, como das crianças e das professoras são nomes fictícios,
para a preservação de suas identidades e, conforme a proposta do Termo de Consentimento,
tive o cuidado ético com as autorizações. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados
foram: observações, análise documental e entrevista semi-estruturada, registrada em fita
cassete e Diário de Campo. Com as crianças foram realizadas observações de atividades
livres e dirigidas, entrevistas, registros fotográficos, que serviram somente para análise e não
para publicação, conforme Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 1),
momentos de interação com brincadeiras, literaturas citadas ao longo da pesquisa (Anexo 2),
passeios pelo bairro onde se localiza a Escola.
Relativamente às professoras, foram entrevistadas (Anexo 3) quatro delas que atuam
no Jardim e Pré-Escola, escolhidas segundo os critérios estabelecidos a partir dos
questionamentos que originam a pesquisa. Foram também considerados a atuação com a
faixa etária pesquisada e o trabalho que as mesmas desenvolvem em relação ao tema
abordado, bem como os níveis de formação profissional, o tempo de atuação na Educação
Infantil e a sua escolha profissional.
A opção pela Escola originou-se em função do tempo de minha atuação na rede
pública municipal
15
. Devo assinalar que não atuei na escola no momento da pesquisa, pois
senti a necessidade de um afastamento, na intenção de “estranhar” os sujeitos da pesquisa.
15
Durante o Mestrado, fiz a opção pela Licença-Interesse, em função da carga horária do curso.
18
Imagem da música infantil O cravo brigou com a rosa, registrada como literatura por Luiz Duarte
e publicada pela Editora Kuarup, em 1987 (Imagem nº 2).
19
Capítulo I
INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL
Neste capítulo abordo a infância como uma categoria social histórica, construída pela
sociedade nas relações sociais, bem como a origem das instituições de Educação Infantil,
mostrando as vertentes históricas da assistência, da família e da educação. Contextualizo a
escola pesquisada com o objetivo de situar sua realidade sócio-cultural-histórica. Ainda,
busco no contexto da Educação Infantil identificar algumas representações de infância,
ouvindo sujeitos da escola.
1.1 Algumas Representações de Infância na Educação
Em cada período do desenvolvimento da sociedade, tivemos concepções diferentes em
relação às crianças e suas infâncias, ser criança, varia entre sociedades, culturas e
comunidades
[...].
Varia com a duração histórica e com a definição institucional da infância
dominante em cada época” (SARMENTO; PINTO, 1997, p. 17, grifos dos autores).
Para contextualizar a infância que evoca um período
16
da vida humana, estou
partindo do pressuposto também utilizado por Kuhlmann Jr. e Fernandes (2004), Sarmento e
Pinto (1997), Quinteiro (2002) e Dornelles (2005), como construção social vivenciada pela
própria criança nas relações culturais da sociedade. Isso significa considerá-la como sujeito
histórico, o que determina entender seu processo nas particularidades sociais e culturais.
“Podemos compreender a infância como a concepção ou a representação que os adultos fazem
16
Período considerado aqui como a construção social, cultural e histórica e não apenas uma fase biológica da
vida.
20
sobre o período inicial da vida, ou como o próprio período vivido pela criança, o sujeito real
que vive essa fase da vida” (KUHLMANN Jr.; FERNANDES, 2004, p. 15, grifo dos autores).
Para discorrer sobre a infância recorro à sua caracterização a partir das sociedades
antigas, nas quais as famílias eram numerosas e o atribuíam a si funções afetivas, sendo
considerada, até mesmo pelas artes, como uma fase sem importância, portanto não merecia
ser registrada, pois não fazia sentido fixar na lembrança crianças pequeninas.
A infância representada pelas artes em miniatura, no século XI, numa cena
do Evangelho em que Jesus pede que deixe vir a Ele as criancinhas, o
miniaturista agrupou em torno de Jesus oito verdadeiros homens, sem
nenhuma das características da infância, eles foram simplesmente
reproduzidos numa escala menor. Não existiam crianças caracterizadas por
expressão da infância, mas expressões de adultos de tamanho reduzido
(ARIÈS,1981, p. 51-52).
Anterior ao século XVI, a criança não era diferenciada do adulto, não havia infância, o
que não quer dizer que não havia crianças. Estavam misturadas em atividades do cotidiano,
isso não significa que as crianças eram abandonadas, apenas não havia uma grande afeição
por elas. Elas aprendiam ofícios, comiam, se divertiam e dormiam no meio dos adultos. E,
assim que se demonstravam independentes dos cuidados e de necessidade de proteção da mãe
ou da ama de leite, as crianças eram incorporadas à sociedade, ao convívio da vida coletiva
dos adultos.
A in-fans (criança), assim denominada segundo a terminologia latina, não tinha vez e
nem voz. Por se dizer que na primeira infância se plantam os dentes (até os sete anos), a
criança não fala perfeitamente por não ter seus dentes bem ordenados e firmes. Se o tem
linguagem, não tem pensamento, nem conhecimento e racionalidade. A criança era então
percebida como alguém menor, alguém a ser adestrado, a ser moralizado, a ser educado. A
organização socioeconômica familiar e os saberes daquele período eram passados de geração
em geração e estavam alicerçados na visão religiosa do catolicismo. E, segundo essa
organização, a criança era alguém que provinha do pecado da união dos pais. Essa era a visão
de Santo Agostinho, que via “a criança imersa no pecado” (GHIRALDELLI Jr., 2000, p. 46).
Segundo Ariès (1981), ainda na Idade Média, na Europa, surge um novo sentimento
para a infância, denominado de “paparicação”, característico das mães e amas de leite para
com as crianças, embora ainda consideradas sem muita importância para a sociedade. É no
início da Modernidade que a infância conquista um novo lugar”, do anonimato passou a ser
21
“adulto em miniatura”, com intenção de se produzir a criança para a sociedade. Desta forma,
o autor escreveu sobre a noção de infância como algo que foi sendo criado a partir das novas
formas de falar e de expressar os sentimentos dos adultos em relação às crianças.
Ariès (1981) realizou um trabalho pioneiro em relação à compreensão acerca da
infância. Situando-a como um acontecimento moderno, o estudioso tinha como objetivo
estabelecer a compreensão sobre o que era dado como natural ao fenômeno da realidade
biológica e que, a partir de então, passou a ser considerado como fato cultural. O autor
também mostrou as mudanças de atitude e sentimento em relação às crianças, que foram
incorporadas às mentalidades dos adultos, emergindo um novo conceito de infância a partir do
século XVII.
Ao descrever a infância a partir do século XVII, Ariès (1981, p. 161) destaca que, ao
longo da história, a infância e sua educação estiveram divididas em dois sentimentos
extremos: a paparicação e a moralização. O primeiro é permeado pela visão da inocência e da
fragilidade, quando a criança ainda era uma coisinha engraçadinha”, visão que critica as
formas rígidas de educação, propondo uma educação livre que não perturbe a natureza das
crianças. Momento esse em que a criança provoca um sentimento por sua ingenuidade,
gentileza e graça, pois ela se tornou uma fonte de distração e relaxamento para o adulto. Esse
sentimento se presenciava não com crianças bem nascidas, mas também entre as crianças
de classe economicamente menos favorecida. O segundo é marcado pela moralização,
continuidade a um discurso religioso e as crianças como seres que devem ser controlados,
com ênfase na disciplina e na ordem para conter os impulsos infantis. Esse era o discurso dos
moralistas e educadores do século XVII, que constituiu o conceito de infância que inspirou a
educação até o século XX, através do interesse psicológico e da preocupação moral.
Municiados por um regime de normas a submeter a criança, os jesuítas
ajudaram a fazer a passagem entre a escola da Idade Média e o colégio dos
tempos modernos, substituindo a instrução técnica atabalhoadamente
dirigida a jovens e velhos, por uma formação social e moral rigidamente
hierarquizada. São eles, segundo Ariès, os primeiros a atentar para a
especificidade da infância, o conhecimento da psicologia e a preocupação
com um método que atendesse a essa mesma psicologia (DEL PRIORI,
1998, p. 14).
Re
ferente à infância do século XVII, no momento em que a escola passou a ser
responsável pela sua aprendizagem como meio de educação, separando as crianças do
convívio com os adultos e de aprender diretamente com eles, desencadeando um processo de
22
quarentena, produzindo um novo sentido à criança que foi capturada pelas instituições para
serem escolarizadas, iniciou o processo de enclausuramento das crianças. A escola e a família
juntas retiraram os infantis do cotidiano dos adultos a fim de educá-los para a escolarização
nas instituições.
Varela e Alvarez-Uria (1992, p. 76) ressalvam que “servirá agora de maquinaria de
transformação da juventude, fazendo das crianças, esperança da igreja, bons cristãos, ao
mesmo tempo em que súditos submissos da autoridade real”. Então, com a idéia de uma
infância mais longa e voltada para a educação, a partir do século XVII, a escola começou a
apresentar outras características diferentes das escolas medievais que utilizavam espaços
como o salão da igreja, oficinas ou até mesmo ao ar livre. A escola desse período, a fim de
marcar a disciplina escolar, construiu prédios com arquitetura parecida com conventos,
fechados para fora e abertos para dentro, para exercer o controle de seus alunos.
Para Sarmento e Pinto (1997, p. 38), os estudos de Ariès têm “o mérito de nos ter
proporcionado a consciência de que aquilo que parecia um fenômeno natural e universal era
afinal o resultado de uma construção das sociedades moderna e contemporânea”. Sendo que, à
medida que foram criadas novas perspectivas educacionais, a partir da invenção da infância, a
família e a escola criam instrumentos de disciplinarização e gerenciamento, colocando a
criança como aluno. A partir desse gerenciamento, as crianças passam a serem descritas,
classificadas, hierarquizadas, diferenciadas, tornando-as indivíduos operacionalizáveis e
calculáveis, úteis e capazes de trazer retorno social e econômico para a sociedade
(DORNELLES, 2005). Cada vez mais as crianças são objeto de ações educativas, e/ou de
avaliação com a finalidade de descrever e mensurar a criança, buscando a melhor forma de
administrá-las. Segundo Dornelles (2005), ao serem descritas e classificadas, as crianças
tornam-se objeto de conhecimento, são assim objetivadas. Bujes (2002 apud DORNELLES,
2005, p. 22), demonstra que é em situações do cotidiano das salas de aula que as crianças são
objetivadas pelas práticas de avaliação e planejamento e pela fala de cada educador,
produzindo o controle e domínio destes sujeitos. É nesse sentido que Dornelles (2005, p. 54)
esclarece:
A escola da infância fará uso imediato e direto desta forma de vigilância
através de observações das crianças, do controle do espaço e do tempo das
rotinas e pelos registros do comportamento das crianças. Acompanhar seu
desenvolvimento, normalizando-o naquilo que precisa ser treinado ou
retreinado, ser classificado ou excluído.
23
Em observações do cotidiano em momentos informais, chamou-me atenção a maneira
como são organizados os brinquedos e, de modo especial, a chamada da turma pela distinção
de gênero de acordo com a cor correspondente a cada um, ou seja, para os meninos a cor azul
e para as meninas a cor rosa. Esta organização é dada como “natural de cada sexo” segundo as
professoras, então não poderiam fazer diferente para o correrem o risco de se explicar com
as famílias.
Dornelles (2005, p. 35) assinala que Rousseau, em sua obra Emílio dedicada à
educação dos meninos, aos aspectos biológicos em relação às distinções e expectativas
atribuídas aos mesmos, defende uma educação diferenciada em função do sexo, levando em
consideração que a época moderna foi um período constituído a partir do padrão do gênero
masculino até mesmo pela educação. Com essa idéia de educar crianças, Rousseau (1712-
1778), diante da perspectiva de oposição ao ideário da Reforma e da Contra-Reforma
religiosa, propôs que a educação das crianças pequenas, ao invés do disciplinamento, fosse
fundamentada pela liberdade e pelo ritmo da natureza, pois ele “não a criança como um
adulto em miniatura, pelo contrário, ele a vê como o começo e a origem do adulto”.
Felipe (2000, p. 149), ao pesquisar o governamento de mulheres e crianças nos jardins
de infância, retoma as idéias de Rousseau, evidenciando que, naquele período, difundiam-se
os manuais de civilidade e boas maneiras para estabelecer uma educação delimitada pelas
expectativas e distinções de gênero.
Rousseau pode ser considerado um dos precursores na produção de uma
literatura moderna de caráter prescritivo sobre a educação dos sexos. Ele
reforçou a visão já existente de que as “inerentes diferenças físicas, morais e
intelectuais das mulheres adaptam-na para o cumprimento de determinados
papéis sociais, bem distintos daqueles ocupados pelos homens”.
17
Diante do projeto educacional da modernidade, com intenção de civilizar para
estabelecer uma nova conduta moral aos sujeitos, a infância também foi incorporada a este
projeto, sendo preciso institucionalizar as crianças pequenas, através da necessidade do
binômio cuidar e educar, para dar conta da população infantil em condições adversas
18
. Nesta
configuração, iniciou-se a efetivação da educação formal para crianças pequenas. E as
17
Ainda em nota de rodapé, a autora afirma que o filósofo Rousseau não concordava com os incitamentos pela
igualdade de direitos para as mulheres na Revolução Francesa. Ele defendia a posição de que elas não eram
iguais aos homens, eram apenas seus complementos.
18
“Condições sociais adversas, em que dois fenômenos se faziam muito presentes: as mortes por falta de
condições materiais de higiene, nutrição, moradia etc., e o infanticídio” (BUJES, 2002, p. 59).
24
concepções de infância foram moldando-se às condições específicas de classes sociais, grupos
etários, culturais, de etnia e de gênero de cada sociedade.
A partir da necessidade dos cuidados e da educação das crianças, surgiram, ainda
durante o século XIX, instituições para cuidar crianças pequenas nos países norte-americanos
e europeus. As primeiras instituições atendiam crianças com dificuldades enfrentadas pela
pobreza, por maus tratos, por baixas condições alimentares, por condições precárias de
higiene e de habitação. Além disso, a sociedade criou asilos para atender as crianças, filhos de
mães trabalhadoras, cujo objetivo principal era manter a ordem social, pois as questões morais
eram muito fortes. Em função disso, em alguns países europeus, as crianças não desejadas
19
por suas famílias eram abandonadas à responsabilidade da sociedade que as recolhia em
hospitais, casas-asilo, hospícios, prisões ou rodas dos expostos, consideradas instituições
extrapedagógicas.
É preciso lembrar que foi no século XIX que grande parte dos sistemas de
educação nacional organizaram-se nos países europeus e que essa inovação,
com sua amplitude e fundamentação pedagógica, materiais e métodos,
também era tomada com um dos critérios para medidas de desenvolvimento
dos países. As creches e pré-escolas apesar de não fazerem parte dos
sistemas educacionais fazem parte de uma nova concepção cultural que
define que as crianças podem ser cuidadas e educadas em um ambiente
extrafamiliar (BARBOSA, 2000, p. 91)
20
.
Alguns movimentos dicos, psicológicos e também pedagógicos surgiram em favor
da criança e de iniciativas institucionais, multiplicando experiências em relação ao
desenvolvimento da criança, promovendo o seu bem-estar. Num primeiro momento, a
educação das crianças pequenas tinha uma concepção assistencialista, variando de acordo
com a classe social a que pertenciam. As crianças da classe média e dominante eram vistas
como crianças que necessitavam de atendimento estimulador, afetivo e cognitivo. para as
crianças pobres, a educação estava voltada para o cuidado e a satisfação das necessidades de
guarda, higiene e alimentação. Os cuidados com as crianças foram sendo aperfeiçoados por
educadores que trabalhavam com as mesmas, principalmente com o grupo mais privilegiado,
pois o grupo de baixa renda continuava a obedecer ao modelo do assistencialismo
(OLIVEIRA, 1996).
19
Crianças não desejadas eram os filhos considerados ilegítimos, fora do casamento.
20
Na sua tese, Maria Carmen Barbosa (2000) refere-se a creches e pré-escolas num período em que estas não
estavam locadas no sistema de ensino com a função de educar.
25
Para Kuhlmann Jr. (1998, p. 74), “as instituições de educação infantil foram
difundidas amplamente durante as Exposições Internacionais (1851-1922), como modernas e
científicas, como modelo de civilização” (grifos do autor). Essas instituições fizeram parte
dos grupos dedicados ao ensino, mesmo que também tivessem relação com os grupos
dedicados a economias sociais, relacionados à educação popular e às estratégias básicas das
políticas assistenciais.
A partir do século XX formulou-se o novo paradigma para o estudo da infância,
considerando outras questões, como por exemplo: as relações entre gerações; as crianças e os
dispositivos institucionais para elas; o mundo da infância; as crianças como grupo social.
Estrutura-se, então, a construção social da infância que foi constituindo-se no decorrer dos
tempos. Sobre as transformações ocorridas na sociedade e, conseqüentemente, no modo de
ver as crianças, Bujes (2002, p. 64) enfatiza que:
[...] as crianças passam a ser tomadas, nos tempos modernos, não mais como
responsabilidade apenas familiar, mas como uma preocupação social. [...].
Elas se tornam objetos de interesse de inúmeras classes profissionais, de
distintas iniciativas governamentais, de práticas especializadas, de
legislação, de regimentos, de estatutos, de convenções.
Assim, é possível reafirmar que sempre existiram crianças, mas nem sempre existiu a
infância. A infância como grupo etário próprio e com características identitárias geracionais é
uma construção social muito recente. Por esse motivo, falar em infância é também considerar
o universo das culturas infantis, em que cada criança possa ser compreendida no seu
individual, tecida pelas tramas do contexto que, segundo Bujes (2002), a sociedade moderna
inventou sobre elas e para elas – as crianças.
Esta investigação considera a infância como categoria geracional, sendo seus papéis
sociais e culturais produzidos historicamente no interior de determinadas sociedades, objeto
de variação e mudanças de acordo com outras variáveis como classe social, etnia, religião... É
nesse sentido que o conjunto de processos sociais atravessa também o cotidiano infantil. A
infância emerge como realidade que produz cultura, que é em última instância, também
produzida pela cultura.
26
Imagem da música infantil O cravo brigou com a rosa, registrada como literatura por Luiz Duarte e
publicada pela Editora Kuarup, em 1987 (Imagem nº 3).
27
1.2 As Instituições de Educação Infantil: um pouco de sua história
Muitas seriam as formas de descrever o cuidado e a educação das crianças pequenas,
no entanto, considero que o desafio, neste momento, é apenas assinalar a concepção das
creches e dos jardins-de-infância, com a intenção de compreender a estruturação e a
organização cotidiana da Educação Infantil hoje, de modo especial, na instituição observada.
Outro desafio é perceber as concepções de criança e de infância como marca de uma
identidade geracional, sem perder de vista identidades de gênero.
A Educação Infantil
21
no Brasil como a conhecemos hoje é muito recente. Essa
expressão foi adotada a partir das disposições expressas na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988
22
e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996,
para caracterizar as instituições educacionais que atendem crianças de 0 a 6 anos de idade.
As creches e pré-escolas surgiram a partir de mudanças econômicas,
políticas e sociais que ocorreram na sociedade: pela incorporação das
mulheres à força de trabalho assalariado, na organização das famílias, num
novo papel da mulher, numa nova relação entre os sexos, para citar apenas as
mais evidentes. Mas, também, por razões que se identificam com um
conjunto de idéias novas sobre a infância, sobre o papel da criança na
sociedade e de como torná-la, através da educação, um indivíduo produtivo e
ajustado às exigências desse conjunto social (BUJES, 2001, p. 15).
Todo esse conjunto fez com que a sociedade necessitasse de uma nova estrutura
organizacional para as mulheres trabalhadoras e seus filhos, logo uma nova forma de perceber
a infância para além das exigências da mão-de-obra para implantação da sociedade industrial.
Nesse sentido, Kuhlmann Jr. (2005) refere essa vontade de normalizar as classes
trabalhadoras por meio da educação no século XIX, promovendo a educação moral para todas
as classes através da universalização do ensino pelo instrumento de cidadania e
conhecimentos básicos necessários, para promover a estruturação da sociedade industrial.
21
Educação Infantil utilizo-me desta nomenclatura para a faixa etária de 0 a 6 anos para instituições que
anteriormente denominávamos como creche 0 a 3, e pré-escola 4 a 6 anos, mas que a partir da LDB
9.394/96 passam a ser denominadas como Escolas de Educação Infantil. Entretanto, a Lei n. 11.114, de
16/05/2005, determina a obrigatoriedade da matrícula da criança de 6 anos no ensino fundamental de 9 anos e
fixa a Educação Infantil dos 0 aos 5 anos, sendo organizadas em creche crianças a3 anos de idade, e na pré-
escola crianças de 4 e 5 anos de idade. Seguida pela Lei n. 11.274 de 06/02/2006, que amplia o Ensino
Fundamental para 9 anos.
22
A Constituição de 1988 foi a primeira constituição do país que considerou explicitamente a criança como
sujeito de direito, regulamentando sobre creches e pré-escolas, com “direito à assistência gratuita aos filhos
dependentes desde o nascimento até os seis anos de idade em creches e pré-escolas” (CF/88, art. 7º, inc.
XXV).
28
Assim, foram criadas duas estruturas para a expansão da educação das crianças pequenas: as
creches e os jardins de infância. Ambas possuem histórias distintas, que justificam seus
projetos e distinguem suas instituições, delimitando também a classe social de seus
freqüentadores, determinando do mesmo modo, os conteúdos escolares e a população infantil
que usufrui tal atendimento.
Muito antes de considerar as novas idéias sobre a infância, a creche, inserida na
concepção do assistencialismo, teve a função de combater a pobreza e a mortalidade infantil.
Além de ser um lugar de “guardar” as crianças de até dois anos de idade para as mães
trabalhadoras, também acompanhou a responsabilização das mulheres, aconselhando-as
quanto aos cuidados apropriados com seus filhos, assegurada pela puericultura
23
e pela
assistência social. A creche cumpria a função de apoio à família exclusivamente para as mães
pobres e operárias, para evitar que essas crianças fossem abandonadas, caracterizando-se pelo
preconceito ao atender aos mais necessitados.
No Brasil, a primeira instituição que se encontra registrada como jardim é por volta de
1875, no Rio de Janeiro. Neste mesmo período, na Bahia, discutiu-se um projeto para a
criação de jardins-de-infância, e alguns anos depois, criou-se o Jardim de Infância da Escola
Americana. Somente em 1882, Rui Barbosa, através do Decreto n. 7.247, de 1879, considera
como primeiro estágio do ensino primário o jardim-de-infância, dedicando um capítulo na
Reforma Leôncio de Carvalho a essa etapa que visava ao desenvolvimento harmônico da
criança.
Para Kuhlmann Jr. (2005), a história da Educação Infantil das creches, atendendo
crianças pobres, com caráter exclusivamente assistencial, está distante das preocupações
educacionais, subordinadas aos órgãos de saúde pública ou de assistência. Essa situação pode
ser percebida na história da Educação Infantil no Município de Ijuí.
Os jardins de infância brasileiros tiveram sua trajetória direcionada ao sistema de
ensino com influência dos jardins de Froebel, com caráter pedagógico, voltados a europeizar o
modo de vida destas crianças por meio da organização do espaço, rotina e atividades. Dessa
forma, o Brasil passou a imitar os asilos da França, Portugal e Genebra. Hoje poderíamos
supor que essas instituições serviram para controlar a produção da cultura infantil, “o jardim-
de-infância cumpriria um papel de moralização da cultura infantil, na perspectiva de educar
23
A Puericultura visava assegurar o perfeito desenvolvimento físico, mental e moral da criança.
29
para o controle da vida social” (KUHLMANN Jr., 2005, p. 74). Como exemplo, poderíamos
citar as brincadeiras, pois havia uma grande preocupação com os conflitos sociais de classe,
em que as crianças representavam o burro, o cocheiro, o negro fugido ou o capitão do mato.
Segundo o referido autor, não há evidências sobre a criação, no século XIX, no Brasil,
de instituições de educação infantil para as crianças pobres. Suas pesquisas mostram que os
registros encontrados referem-se aos jardins-de-infância que atenderam crianças de classe
social privilegiada pela iniciativa particular. O jardim da Escola Normal Caetano Campos, em
São Paulo, foi a primeira instituição pública criada (1896); tinha a função de servir de
observação e estágios para a formação docente das professoras, mas as crianças pertenciam à
elite paulista, o que se evidencia pelo seu horário de atendimento (10 às 15 horas).
Somente no século XX, a educação e o cuidado das crianças iniciaram no Brasil
devido à urbanização, à industrialização e à nova organização das famílias e também pela
criação da República, acompanhando a estrutura do capitalismo e a necessidade de
reprodução do trabalho feminino.
As creches na sua origem atuaram num campo mais voltado à assistência, pois à
época, o objetivo não era a educação formal, o que acontecia era uma educação informal
como a familiar. Este período teve como marca a precariedade, a insuficiência de recursos e a
ausência de propostas educativas, estando estas voltadas à proposta reducionista de apenas
cuidar, com a intencionalidade de assistir à criança pobre. Desta forma, devido ao trabalho
assistencialista que desenvolvia e também pela diferenciação de tempo de permanência da
criança nestas instituições tempo integral, para atender filhos de mães trabalhadoras, a
creche teve a clara distinção dos jardins-de-infância.
Nas creches, o brincar e os espaços das atividades estavam organizados de maneira
que as crianças brincassem com quase nada, pretendendo-se desenvolver a criança a partir do
que se tinha nas instituições, sem a preocupação de atuar mediante objetivos pedagógicos
teoricamente fundamentados e sistematicamente trabalhados. Nesse período, os poucos
brinquedos ficavam expostos na sala, eram utilizados somente como decoração, colados nas
paredes ou pendurados como móbiles, distantes das mãos exploradoras das crianças. Havia
ainda falta de brinquedos para a primeira idade. Segundo Kishimoto (1997, p. 34):
[...]. Grandes espaços internos e externos, como salões, salas e corredores
sempre vazios, são utilizados para as ditas brincadeiras livres, que pela
ausência de objetos ou cantos estimuladores favorecem correrias, empurrões.
Alguns exemplares de brinquedos, geralmente doados, por sua quantidade e
natureza, impedem a elaboração de qualquer temática de brincadeira, [...].
30
Os jardins-de-infância, posteriormente denominados de pré-escolas, foram fundados
na mesma ocasião e desenvolviam atividades educativas em meio período para atender
crianças com mais de quatro anos, cuja finalidade era a socialização e a preparação para a
escola através de fortes elementos da educação moral e disciplinarização através das rotinas
24
.
Vale ressaltar como foi mencionado anteriormente, que os jardins-de-infância destinavam-
se à classe média.
As rotinas foram analisadas por Barbosa (2000), contribuindo com uma leitura crítica
sobre as mesmas. A pesquisadora afirma que é a partir da sua contextualização e análise que
se pode conhecê-las, ampliá-las para produção de novos sentidos. Questiona: o que são
mesmo rotinas ou horários, o emprego do tempo, a seqüência de ações, o trabalho dos adultos
e das crianças, o plano diário, a rotina diária, a jornada? Ela avalia que, independentemente da
denominação dada, a rotina provém da possibilidade de construir a concepção de educação e
cuidado e, amesmo, ser utilizada como cartão de visita nas instituições para apresentação
aos pais em suas propostas de trabalho. A rotina também é um mecanismo para padronização
de comportamento e configura subjetividades infantis, possibilitando a objetivação da criança.
Através de atividades simples e rotineiras, as crianças tornam-se alvo de estratégias de
controle e avaliação, de modo que cada uma é conhecida e classificada cada vez mais aos
olhos da pedagogia. Então, junto com o conceito da infância, surgiram diferentes
representações da mesma, com especificidades definidas e necessidades pré-determinadas de
práticas para governá-las. Para cada infância foi criado um tipo de instituição para seu
atendimento e, desta forma, foram criadas as diferentes rotinas de acordo com a faixa etária
correspondente. Sem dúvida, os monastérios, os hospitais, as indústrias, os colégios e as
escolas foram as instituições que mais inspiraram as formas de organização das creches e das
pré-escolas em termos de rotina. As rotinas foram sendo constituídas em diferentes campos
do saber e do fazer humano” (BARBOSA, 2000, p. 81).
Para a efetivação destas instituições, a reivindicação por creches e jardins-de-infância
passou por vários setores da sociedade, do econômico até o social. A constituição destas é
resultado da articulação de interesses empresariais, políticos, médicos, pedagógicos, religiosos
e sociais, pela composição de forças presentes na história das instituições de educação
infantil, como a própria infância, a maternidade e o trabalho feminino. Mas desde a sua
origem até a atualidade ocorreram mudanças significativas na sua estrutura e funcionamento.
24
Rotinas, ver mais em Barbosa (2000).
31
A principal mudança que ocorreu na creche é relativa ao sistema de organização e
estruturação que deixou de ser compensatória atendendo somente às crianças carentes, filhos
de mães trabalhadoras, para constituir-se como direito de acesso à educação a todas as
crianças. Essa é uma exigência da Lei 9.394/96 - LDB, preconizando que essa etapa de ensino
fosse estruturada e organizada pelas Secretarias de Educação, não com caráter compensatório,
mas fundamentalmente educativo. Apesar de não ter se tornado totalmente possível esse
caráter, devido ao fato de existirem crianças fora da escola infantil, uma vez que ainda faltam
vagas para essa faixa etária.
Diante das mudanças nesse sistema de ensino, a perspectiva foi deixar de ser
compensatório para visar o desenvolvimento da criança até cinco anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade e a criança passou a ser minuciosamente descrita e analisada a fim de ser
transformada em aprendiz sob esta forma de escolarização.
1.3 A Trajetória da Educação Infantil no Município de Ijuí
A trajetória da Educação Infantil no município de Ijuí não foi diferente da história de
reivindicações e lutas por creches e pré-escolas no restante do Brasil. O atendimento à criança
pequena teve início por volta de 1970, através da Secretaria Ijuiense de Amparo ao Menor
(SIAM). A primeira instituição criada no município foi a Casa da Criança”, a qual iniciou
suas atividades em fevereiro de 1971, cujo objetivo era abrigar e dar alimentação às crianças
carentes de 2 a 14 anos de idade, que necessitavam de um lugar para passar o dia enquanto
suas famílias trabalhavam. A compra do prédio foi organizada por alguns setores da sociedade
(Lions ou Rotary Club). Em 1978, esse prédio foi doado ao município que subsidiou, com
recursos humanos e alimentação, o atendimento às crianças. Os utensílios domésticos e
móveis foram doados pela comunidade católica do bairro Burtet e comunidades assistenciais
do município, recebendo auxílio também do Colégio Sagrado Coração de Jesus.
Com o aumento da demanda para o atendimento de crianças no Município, foram
criados os chamados Núcleos do Centro Municipal de Bem-Estar do Menor (CEBEM). Estes
realizavam atividades pedagógicas complementares em turno inverso ao da escola junto às
crianças, filhos de pais e mães trabalhadoras, evitando a marginalização, retirando-as das
ruas”, segundo depoimento da ex-coordenadora geral das creches e núcleos. Esses núcleos
32
atendiam primeiramente crianças de 7 a 14 anos de idade, mas a partir da necessidade de
atender os irmãos menores que não tinham com quem ficar enquanto suas es saíam para
trabalhar, expandiu-se o atendimento para as crianças de 4 a 7 anos de idade, com atividades
semelhantes às da pré-escola da rede de ensino do município.
Para as crianças maiores (10 a 14 anos) foi criado o núcleo denominado “Os
Mosqueteiros”, sendo que a partir dos 12 anos de idade lhes eram oferecidos cursos
preparatórios para o trabalho, tais como: engraxate de calçados, vendedor de picolés,
empacotadores em lojas e supermercados. Essas crianças recebiam as orientações de duas
monitoras, mas somente participava deste “programa de assistência ao menor” aquela criança
que tinha o acompanhamento da família, sob a exigência de que cada criança freqüentasse a
escola. Sendo assim, meio turno estava na escola e meio no trabalho, evitando que esses
ficassem nas ruas enquanto suas famílias trabalhavam. Esta política de assistência o
considerava o trabalho infantil como forma precoce para a passagem da vida adulta, segundo
o conceito de Ariès (1981), “infância curta”, pois ao mesmo tempo em que ofereciam trabalho
também ofereciam auxílio escolar.
Segundo Romi M. Rohde (ex-coordenadora geral das creches e núcleos do CEBEM no
período de 1985 a 1992), “este trabalho somente era possível porque havia uma política de
assistir o ‘menor’, como foi a construção do Bairro Modelo, em que, quando se pensou a
construção das casas populares, também se pensou a construção de uma creche e uma
escola” (entrevista em 28 abr. 2006).
Além dos Núcleos CEBEMs e das creches em Ijuí, havia os lares vicinais que
cuidavam cerca de 10 crianças por família, os quais recebiam alimentação do governo e as
cuidadoras eram consideradas funcionárias do município. Essa foi uma política experimental
para ampliar o atendimento de crianças, cujas mães comprovadamente eram trabalhadoras.
Como a lei não permitia que o serviço público funcionasse em casas particulares, o
fechamento desses lares mobilizou as famílias atendidas a buscarem alternativas. Aos poucos,
foram ampliadas as creches, nas quais as mulheres trabalhadoras dos lares vicinais assumiram
os cuidados e a educação como funcionárias de serviços gerais das creches e núcleos.
Com o aumento da demanda e procura por estas instituições, foram abertas várias
outras creches, de acordo com a necessidade de cada região do município. Cada creche ou
núcleo de atendimento à criança recebia um nome indicado, priorizando personagens de
histórias infantis, como foi o caso dos núcleos Tio Patinhas, Mosqueteiros, Soldadinho de
33
Chumbo, Professor Pardal, Tia Anastácia, Mickey, Cebolinha, Chapeuzinho Vermelho e
Creche Branca de Neve, que tinha a sua pracinha Os Sete Anões. Poucas creches
homenageavam pessoas da comunidade ou doadoras dos terrenos que propiciaram suas
construções. É o caso das creches Maria Barriquelo, Dalva Weimann e Solange Ana Copetti
(ex-coordenadora pedagógica da Secretaria da Assistência Social). Os núcleos foram extintos
em Ijuí, as creches continuam com os mesmos nomes, porém são atualmente denominadas de
Escolas Infantis.
Inicialmente, o atendimento das crianças esteve vinculado à Secretaria Ijuiense de
Amparo ao Menor, posteriormente à Secretaria Municipal de Saúde e Trabalho de Ação
Social (SMSTAS). Neste período, as crianças eram atendidas por monitoras, que
desempenhavam as funções do cuidar e do educar sem uma formação pedagógica qualificada
profissionalizante, o que não significa despreocupação com o educar. Essas profissionais
leigas recebiam um acompanhamento pedagógico da Secretaria à qual estavam locadas. Tal
acompanhamento era desenvolvido por uma equipe multiprofissional, nas diferentes áreas do
conhecimento como Psicologia, Pedagogia, Nutrição, Enfermagem e Educação Física.
Romi Marli Rohde, em relação ao trabalho desenvolvido nas creches no período de
1985 a 1992, durante sua gestão frente à coordenação deste sistema, assim se manifesta em
entrevista registrada no Diário de Campo, em 28 abr. 2006:
Na época, nós tínhamos uma formação continuada com monitoras e
atendentes, que na ocasião dávamos apoio administrativo e pedagógico
para que todas as crianças e adolescentes fossem melhor atendidos pelas
áreas da saúde, educação, segurança social, afetiva e recreação. Nesses
momentos de formação e de planejamento, trabalhava-se e se discutia como
seria a ação das monitoras neste trabalho com as crianças.
As creches eram para mães que trabalhavam fora, as reuniões com as
monitoras eram bimestrais, de dois dias, um dia para questões
administrativas e espaço para os multiprofissionais, e o segundo dia para as
coordenadoras e a equipe de monitoras fazerem seu planejamento. Além do
planejamento individual, vinha para a Secretaria um planejamento
bimestral e o planejamento semanal das principais atividades da semana,
por isso sabíamos o que estava acontecendo em cada local. Estes espaços
não eram somente um depósito, eram atendidas as crianças e adolescentes
de acordo com o trabalho desenvolvido nas diferentes áreas do
conhecimento.
Em relação ao desenvolvimento das atividades, a ex-coordenadora afirma que “no
momento das atividades, do aprender brincando, as monitoras eram orientadas a brincar, e
brincavam juntas. Elas não ficavam só observando”. Quanto aos brinquedos ela afirma que:
34
nós fazíamos campanhas, nosso assistencialismo era doar brinquedos. Nas
escolas, as crianças tinham uma diversidade de brinquedos que faziam parte
do aprender. Se uma monitora não estava de acordo com a proposta de
trabalho, era afastada. Ela tinha que se doar, incentivando a criança a ser
uma cidadã mais completo, através da educação.
Após a Reforma Administrativa do Município, em 1993, as creches e núcleos
passaram a fazer parte da Secretaria daão Comunitária, a qual deu continuidade ao
trabalho desenvolvido nas creches. Segundo Romi Rohde, por acreditar em outras
possibilidades de atendimento às crianças maiores, e pelo trabalho infantil ser considerado
pelo ECA como forma de exploração da mão de obra infantil, naquele período, os núcleos de
atendimento foram extinguidos, sem a viabilização de alternativas para estas crianças e suas
famílias dentro de uma programa governamental”. Foram criadas três Escolas de tempo
integral: o CEMEI, XV de Novembro e Dona Leopoldina e foi mantido o núcleo Professor
Pardal com oficinas de artesanato, teatro, plásticas e Educação Física.
Foi apenas no final da década de 90, com a Lei 9.394/96 que ocorreu a inclusão das
creches no sistema educativo como primeira etapa da Educação Básica, o que representa a
abertura de novas perspectivas para a criança de 0 a 6 anos. Estas perspectivas visavam à
superação do caráter assistencialista de uma educação voltada ao cuidado, cria-se a
necessidade de formulação de uma política nacional, estabelecendo diretrizes sicas para a
implantação e desenvolvimento de programas de creches e pré-escolas. Assim, a educação
torna-se direito também da criança e não apenas da mãe trabalhadora ou de família pobre. A
LDB 9.394/96, na seção II, do capítulo II da Educação Básica, dispõe o que segue:
Artigo 29 A Educação Básica tem como finalidade o desenvolvimento da
criança de até 6 anos de idade, em seus aspectos sico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Adequando-se
à nova realidade, as creches municipais de Ijuí, que atendiam crianças
de 0 a 6 anos, a partir de 1997, passaram para a responsabilidade da Secretaria de Educação e,
a partir de 1999, tiveram o estatuto de Escolas de Educação Infantil, comprometidas com a
prática pedagógica, considerando a indissociabilidade da dimensão do educar e do cuidar,
com mais clareza em relação ao desenvolvimento infantil. Em vista disso, as trabalhadoras
denominadas monitoras passam a buscar formação e qualificação para continuar atuando
neste campo de trabalho. Essa busca deve-se à nova LDB que determina que cada instituição
do sistema escolar, incluindo a Educação Infantil, deverá ter seu plano pedagógico elaborado
pela própria instituição, com participação das educadoras, e que estas deverão ter curso
35
superior, ou formação mínima, ou seja, o curso normal direcionado à educação infantil. A
exigência de formação em vel de grau, ou formação mínima, mobilizou a busca dos
bancos escolares por muitas monitoras que trabalhavam na rede municipal de ensino,
inclusive com o auxílio financeiro da Secretaria de Educação através do convênio com a
Escola Exitus, em que 50% dos custos foram assumidos pelo Município.
No momento desta escrita, mais uma vez a educação da “criança pequena” encontra-se
em fase de transição para garantir o que a LDB 9.394/96 refere em seu artigo 21, item I, em
que afirma que a Educação sica é formada pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e
Ensino dio. Em fevereiro de 2006, a Lei n. 11.114 para a Educação sica determina a
obrigatoriedade da matrícula da criança de 6 anos no Ensino Fundamental, e a Lei n. 11.274
amplia o Ensino Fundamental para 9 anos de duração com a inclusão das crianças de 6 anos
de idade. Dessa forma, as crianças iniciam o Ensino Fundamental no ano que completam 6
anos de idade
25
.
1.4 Mapeando e Contextualizando a Escola Pesquisada
1 4.1 A Escola Estrela
26
Na Proposta Político-Pedagógica da Escola Estrela, válida para o ano de 2005, consta
no mapeamento da realidade sócio-antropológico-histórica que a mesma iniciou suas
atividades no ano de 1981, em um prédio projetado e construído pela Cohab, em conjunto
com as casas do bairro em que se situa. Conta a história que os moradores desse bairro,
sentindo a necessidade de uma instituição para atender seus filhos, para que, principalmente,
as mulheres conseguissem ingressar no mercado de trabalho, reivindicaram a construção de
uma creche ao Poder Público Municipal, o qual assumiu a administração e as despesas de
pessoal para a sua manutenção.
Em abril de 1981, essa Escola foi inaugurada e conhecida como um dos Núcleos do
Centro de Bem-Estar do Menor de Ij(CEBEM), com recursos subsidiados pela Fundação
Estadual de Bem-Estar do Menor (FEBEM), Prefeitura Municipal e LBA, sem a ajuda do
Governo do Estado. Iniciou suas atividades atendendo 80 crianças na faixa etária de 1 ano e 2
25
Desde que completem a idade até o inicio do ano letivo.
26
Optei por manter a integridade do nome da escola em que realizo esta pesquisa, então a denominarei com o
nome fictício de Escola Estrela, a qual atendia crianças de 0 a 6 anos, em turno integral, até o ano de 2005.
36
meses a 6 anos de idade. Seu quadro funcional era composto por monitoras, cozinheiras,
serviçais da limpeza, porteiro, recepcionista, coordenadora e secretária.
O atendimento era realizado das 7 às 19 horas, as crianças seguiam normas rígidas de
organização e disciplina, manifestavam-se somente com autorização. As divisões rigorosas
das turmas eram realizadas por faixa etária, sendo que cada criança tinha seu espaço restrito a
sua sala de aula, não interagindo com as demais crianças da escola, segundo registros no PPP
da Escola. Atualmente, é uma das 9 escolas de Educação Infantil da Rede Municipal de Ijuí,
localizada em um bairro de famílias trabalhadoras com condições econômicas favoráveis em
relação a sua renda, sendo que muitas crianças o procedentes dos bairros vizinhos com
situação econômica menos favorecida. O atendimento é das 7h30min às 18h30min, portanto,
em período integral. Essa escola recebe crianças a partir de 4 meses até 5 anos de idade.
O quadro funcional da Escola é composto da seguinte forma: 6 professoras têm
formação em nível de Ensino Médio Magistério; 7 em vel de Ensino Superior
Pedagogia. Destas últimas, 3 possuem Especialização e uma delas Graduação e
Especialização em Geografia. As demais funcionárias (7) que exercem atividades semelhantes
às demais professoras atuam como monitoras, sendo que 3 delas têm formação em nível de
Ensino Médio – Magistério e uma tem Graduação e Especialização em Matemática.
No ano de 2005, a Escola Estrela conta com boa estrutura física quanto a salas de aula,
que são em número de 7 (berçários I e II, Maternais I e II, jardim I e II e pré-escola). Entretan-
to, são consideradas pequenas para o atendimento do número de alunos e ao desenvolvimento
de um bom trabalho, apresentam mobiliários inadequados, obrigando a retirada de mesas e
cadeiras após as atividades para a organização do repouso. Os espaços externos o amplos,
mas com pouco recurso recreativo e pedagógico para atender 150 crianças provenientes
também de bairros vizinhos, pois apenas 53,5% delas residem no bairro da Escola.
1.4.2 Estrutura dos Espaços Pedagógicos
Como descrevo a estrutura dos espaços pedagógicos (no Diário de Campo), passo a
analisar esses espaços a partir do foco de observação do tema de pesquisa.
Ao longo de sua história de 25 anos, a Escola Estrela não modificou a sua estrutura
física, apenas pequenas reformas foram feitas para conservação do prédio e pintura das
37
paredes internas. Suas paredes tinham uma faixa pintada com mais ou menos um metro de
altura na cor cinza e, posteriormente, marrom escuro na parte inferior da parede para o
aparecer a sujeira, enquanto que o restante das paredes era pintado de branco.
O salão da Escola tem as paredes pintadas da mesma forma, esse é o espaço central. A
Escola tem a forma de uma cruz
27
. O prédio que comporta as salas de aula possui um corredor
interno que possibilita ir do berçário à pré-escola (de uma ponta da escola a outra). Esse
corredor é denominado por algumas professoras como vitrine”, pois a partir deste visualiza-
se, pelas grandes janelas de vidro, o pátio externo em frente à escola e a chegada das crianças
com seus pais, assim como os pais também visualizam seus filhos quando chegam à escola no
final da tarde para buscá-los.
Todas as salas de aula têm duas portas: uma liga as salas ao referido corredor, é a porta
de recepção das crianças; a outra é pouco utilizada e está localizada no lado oposto da sala e
da escola pela localização frente/fundo, que também liga a um outro corredor. Esse segundo
corredor é cercado com grades e próximo ao espaço externo e ao berçário no sentido oeste.
As salas de recepção e da direção localizam-se à frente do prédio, no meio está situado
o salão. O salão é um espaço de socialização de atividades para pequenos grupos, como festa
junina para as crianças, reuniões etc. Este espaço chamou minha atenção na primeira
observação, pois desde que o conheci era um lugar de pouca luminosidade devido à pintura,
ao forro, ao piso e à faixa marrom serem muito escuros. Ao fundo deste localizam-se o
refeitório, a cozinha, a cantina (depósito materiais e alimentos) e a lavanderia. Esse prédio
foi construído na posição geográfica leste/oeste.
No final de semana anterior à primeira observação feita para esta pesquisa, a equipe de
funcionárias, juntamente com os pais haviam organizado um mutirão
28
para pintar as paredes
internas da escola. As salas de aula tinham sido pintadas no ano anterior. Neste momento,
faltavam o salão, o refeitório e o corredor interno que liga as salas de aula umas às outras.
Esses espaços foram pintados de azul bebê. A diretora estava “feliz” pela concretização da
pintura, pois era algo muito desejado pela equipe e também pelas famílias. Ela me mostrou a
“transformação” dos ambientes.
27
Romi Rohde (em entrevista) considera interessante a observação deste protótipo e relata o significado da cruz,
que para os cristãos é a seguinte: a linha vertical significa elevar a Deus – Pai, e a linha horizontal significa os
braços, abraçar os irmãos – comunidade.
28
Muitas das reformas da Escola e a aquisição de materiais são feitas pelo grupo de pais constituído pelo CPM
que convoca as demais famílias para contribuírem na organização da mesma.
38
Assim como havia questionado as professoras em momentos anteriores quanto às
cores escolhidas para as salas de aula, questionei a diretora sobre a escolha da cor azul bebê,
uma vez que percebi que muitas das salas eram pintadas com tons rosa e salmão, e sobre a
transformação do espaço da recepção, pois onde havia o material da Secretaria com
escrivaninha e arquivo, hoje existem estofados cobertos com mantas. Diante do meu
questionamento ela argumentou demonstrando a preocupação em tornar o ambiente escolar
em ambiente familiar. Esse entendimento veio a partir do trabalho com o tema “Família e
Escola”. Segundo ela, a intenção é transformar o espaço da escola e do que está instituído
como espaço pedagógico em local para receber as crianças em uma “sala de estar”.
Quanto à cor azul das paredes, segundo a diretora, esta não foi uma opção do seu
grupo de trabalho. Optou-se por essa cor a partir de um estudo realizado pelo engenheiro
responsável pelas escolas da rede municipal, que levou em conta a luminosidade do ambiente
e o favorecimento à tranqüilidade das crianças nos momentos das refeições e outros encontros
no salão, pois nestes momentos havia um número expressivo de pessoas reunidas ali,
inclusive com a alteração da produção e emissão da voz. Então, ao usar a cor azul bebê,
considerando o estudo das cores, a intenção foi de proporcionar um ambiente tranqüilizador
aos usuários, não que estes não se agitem ou conversem, apenas sintam-se em um ambiente
harmonioso segundo a classificação das cores.
A escola ainda possui espaços cercados com muros e grades, nos quais as crianças
podem brincar conforme a organização das turmas. Em um dos espaços uma pracinha e
uma casinha de bonecas. Em outro, há calçada, grama e algumas árvores, onde as crianças
brincam de subir no muro e nas grades, por não terem outra alternativa
29
. Ambos os espaços
localizam-se em frente à escola.
O pátio que fica atrás da Escola e tem os corredores cercados por grades também está
dividido em dois ambientes. Um deles possui pracinha e mais uma casinha de bonecas; o
outro espaço, o mais solicitado, é a quadra. É uma calçada de alvenaria com duas goleiras,
não possui marcação de uma quadra esportiva, apenas uma grade que a separa do corredor
externo. É nesse espaço que realizo grande parte das observações e entrevistas com as
crianças.
29
Neste espaço foram construídas cadeiras e mesinhas com guarda-sol, casinha de taquara, mas tudo foi
destruído pela falta de cuidado das próprias crianças, segundo as professoras.
39
A partir das observações realizadas na quadra, surgiram muitos questionamentos que
acompanharam a investigação. Observa-se que enquanto os meninos jogam futebol, as
meninas, para não atrapalhá-los, brincam em um cantinho da quadra”, ou no corredor atrás
da grade para não “ganhar uma bolada”. Por essa forma de organização, percebo, assim como
Tavares (2003, p. 49), que “a arquitetura escolar é um elemento cultural e pedagógico do
currículo escolar, não só pelos efeitos que suas estruturas induzem, mas, sobretudo, pelo papel
simbólico que desempenha na vida individual e social de cada sujeito e de um grupo social”.
Nesse sentido, entendo que, apesar de os espaços pedagógicos externos serem
considerados bons quanto ao espaço físico, não o são quanto às opções que estes oferecem,
pois nestes locais como a quadra, por exemplo, não são oferecidos brinquedos e brincadeiras
para as crianças, elas apenas brincam livremente sob o olhar dos adultos. Também os espaços
internos (salas de aulas) são pouco adequados considerando o número de crianças em relação
ao tamanho das salas. Portanto, destacam-se situações completamente opostas vivenciadas
pelas crianças: ora brincam em espaço reduzido com brinquedos e demais materiais
pedagógicos, ora brincam em espaço amplo, mas com poucas opções de brinquedos. Essa
alternativa faz com que algumas crianças brinquem, e outras fiquem observando modos de
brincar.
Diante desta oferta pelos espaços e brincadeiras, identifica-se uma divisão no
momento do brincar. Essa divisão se dá pelo domínio da quadra em que os meninos jogam
bola, enquanto as meninas ficam deslocadas em espaço restrito ao qual reservam-se por
brincarem com atividades de menor deslocamento e movimento corporal, como várias
meninas brincarem com uma única boneca ou com crianças menores.
1.4.3 Os Sujeitos da Pesquisa
Os sujeitos da pesquisa as crianças da Escola Estrela, são crianças de 4 a 5 anos de
idade que freqüentam a turma do Jardim II, crianças urbanas que necessitam, em função da
sua classe social, permanecer na escola de período integral enquanto suas famílias trabalham.
Observo e entrevisto 17 crianças, 10 meninas e 7 meninos, que participam da rotina e
atividades da escola, estas em diferentes momentos do seu cotidiano escolar, principalmente
no brincar livre, deixam aparecer muitos marcadores de identidades. Durante as entrevistas, as
crianças relatavam sobre ser menino e ser menina e as suas preferências quanto ao brincar:
40
Menina gosta de brincar de boneca, e com meus irmãos (Sheila) (irmãos
menores, para cuidá-los).
Na escola de jogar bola, de carrinho, de pintá, de escrever, de letes com
minha irmã (Alex).
Relativamente às professoras, foram entrevistadas 4 delas que atuam no Jardim e Pré-
Escola. Para isso foram consideradas a atuação com a faixa etária pesquisada, bem como os
níveis de formação profissional, o tempo de atuação na Educação Infantil e a sua escolha
profissional.
No período em que fiz as observações na escola, a instituição havia recentemente
realizado um trabalho de levantamento de dados através de entrevistas com as famílias pela
equipe diretiva. Esse trabalho foi considerado uma forma de “trazer elementos para conduzir
o trabalho pedagógico, a fim de atender às particularidades das crianças, constituindo um
espaço da interação e interlocução, buscando nas raízes do cotidiano suas vozes, suas
histórias, seus saberes e sua identidade” (PPP, 2005, p. 17). Percebe-se no documento escolar
a preocupação em organizar sua proposta de acordo com as necessidades das famílias e das
crianças, atendendo não somente a sua demanda, mas fundamentalmente, respeitando as
subjetividades de cada sujeito.
Ao utilizar esses dados coletados pela Escola, procurei ser sensível à descrição do
cotidiano das famílias em relação à estrutura da sua organização familiar. Com relação aos
dados, é visível a existência de diversos tipos de famílias, pois não existe um único modelo de
estrutura familiar. Além da família nuclear constituída pelo pai, mãe e filhos, também
encontramos as famílias monoparentais, ou seja, nas quais apenas a mãe ou o pai está
presente. E ainda há as famílias que se reconstituem por meio de novos relacionamentos e têm
filhos advindos dessas relações, como se constata na fala de uma das crianças, em situação
informal, durante as visitas à escola.
A minha mãe caduas vezes, uma com o O..., pai do E...e da C..., e outra
com o meu pai P..., daí eu nasci. O P... casou duas vezes tem a C..., e a L...,
e agora ele vai casar mais uma vez. (Juliana, Diário de Campo, 20/12/2005).
Nesse momento lhe pergunto sobre a mãe.
A mãe com o V..., mas eu não quero ter mais uma irmã (Juliana).
41
Essas famílias
30
moram na cidade, provavelmente são de origem rural de diferentes
pontos da região, que em conseqüência da busca pelo trabalho assalariado, hoje são famílias
urbanas. Em relação à moradia, 66,9% das famílias possuem casa própria
31
; 21,6% moram em
casa alugada e 11,5% vivem em casa cedida por familiares. Nessa última situação é
identificado que algumas famílias são administradas e mantidas economicamente por
mulheres, de acordo com os registros da Escola em relação à manutenção das mesmas.
Segundo os dados registrados na PPP da Escola, relacionando as profissões
consideradas “femininas” (doméstica, professora e secretária), elas representam 33,8% das
profissões que subsidiam a renda familiar; as profissões tidas como “masculinas” (pedreiro,
motorista e mecânico) somam 10,4%. Isso permite identificar a forte participação da mulher
na renda familiar a partir da profissão. Profissões com nomenclatura de atuação de ambos os
gêneros, como comércio, serviços gerais e outras, correspondem a 55,8%. O levantamento
não possibilitou identificar se a atuação nessas últimas é mais de homens ou de mulheres.
Utilizei esses dados a fim de contextualizar a estruturação das famílias, tentando
visualizar como se dá, neste singular, a crescente participação da mulher no mercado de
trabalho. Apesar de os dados não fazerem parte diretamente da pesquisa, são importantes, pois
implicitamente são referidos em diferentes situações no cotidiano das crianças na Escola
Estrela. Ser sensível a esses dados e às falas infantis é uma necessidade. Tais observações são
importantes, pois durante o trabalho de campo são as identidades culturais que estão no foco
de atenção. Nesse sentido, no cotidiano da escola infantil, as representações de gênero estão
presentes nas falas das crianças. Essas falas estão atravessadas pelas práticas culturais
vivenciadas no contexto familiar. O tipo de organização familiar comentada por meninos e
meninas revela que a estrutura familiar no conjunto da escola é diversificada.
1.4.4 O Trabalho Pedagógico
Neste segundo momento apresento a leitura realizada nos documentos da Escola, na
intenção de, para além das observações, entender o contexto do trabalho pedagógico realizado
pela mesma. Na PPP da Escola um item que trata sobre as diferenças entre as crianças
assinalando singularidades. O item diz: “é importante que se considerem as diferenças do
30
O percentual das famílias refere-se à totalidade das famílias que compõem a comunidade escolar.
31
Trata-se de um conjunto habitacional popular, tal fato explica a fonte desse percentual da casa própria.
42
ritmo existente entre os sexos, além das características individuais, familiares e regionais, e se
respeite as especificidades motoras, cognitivas e afetivas da criança, quando se início a
essa aprendizagem” (PPP, 2005, p. 34). A partir dessa proposição busco prestar atenção a
situações em que são consideradas as diferenças ao ressaltar a distinção na organização e
decoração das salas de aulas, pois o que se refere aos meninos está caracterizado na cor azul e
às meninas, na cor rosa, como por exemplo, a chamada e o ajudante do dia, ou os brinquedos
organizados e separados por carrinhos ou bonecas, diferenciando e classificando as
brincadeiras pelo gênero feminino ou masculino.
Distinção essa percebida não somente na organização dos brinquedos, mas
principalmente no momento em que as professoras convidam as crianças para brincar. Em
vários momentos em que as crianças eram conduzidas para brincar na quadra da Escola, o
modo de brincar parece por elas instituído, como se este modo de brincar fosse
naturalizado, pois aos meninos estava reservado o momento de jogar futebol, enquanto para as
meninas, o brincar ao lado da quadra com bonecas e maquiagens. Refiro-me ao termo
instituído pelas crianças, segundo relato das professoras, de que ano após ano essa atividade
vem sendo seguida pelas turmas em idades menores, considerando que poucas são as meninas
que participam do jogo de futebol, devido à força com que os meninos chutam a bola. Assim
como também são poucos os meninos que permanecem ao lado da quadra para brincar, pois
neste momento não há oferta de outros brinquedos e são poucas as bonecas e maquiagens que
algumas meninas trazem de casa. Sendo assim, torna-se arriscado questioná-los quanto as
suas opções de brincar neste espaço escolar, quando também são restritas as ofertas de outras
possibilidades.
Durante essa pesquisa li a PPP da Escola e seu PE, com a intenção de identificar nos
documentos e no trabalho proposto pela Escola, representações sobre identidade de gênero
das crianças. Na ausência dessas de forma explícita, evidencio a proposta de trabalho e cito
alguns temas e ambientes priorizados, pois acredito que nesses espaços do brincar e da
literatura –, circulam o tempo todo, representações de gênero e outras identidades.
Nesta Escola, a biblioteca é considerada como espaço de apoio pedagógico,
asseverando que:
A escola aposta que a criança acostumada a ouvir histórias, poderá ser uma
excelente leitora e, conseqüentemente, irá adquirir um vasto vocabulário. Se
desde pequenas oportunizamos um trabalho com literatura, as nossas
crianças terão gosto pela leitura (PPP, 2005, p. 37).
43
Este espaço da biblioteca somente é freqüentado nos momentos em que as crianças
fazem a retirada semanalmente dos livros que levarão para suas casas. Mesmo assim, a
biblioteca é considerada um espaço lúdico onde as crianças encontram nos livros, a fantasia.
Nesse sentido:
O ato da leitura é um ato cultural e social. Considerando-se que o contato
com o maior número possível de situações comunicativas e expressivas
resulta no desenvolvimento das capacidades lingüísticas das crianças, e uma
das tarefas da educação infantil é ampliar, integrar e ser contingente da fala
das crianças em contextos comunicativos para que elas se tornem
competentes como falantes (PPP, 2005, p. 14).
Diante do desenvolvimento das capacidades lingüísticas, não podemos deixar de
refletir sobre as literaturas que as crianças pequenas têm acesso, pois é por este caminho que
se fazem circular representações que contribuem para significações do mundo pela criança.
Principalmente ao considerar a literatura como artefato
32
cultural, e também como forma de
manifestação social e cultural através da produção do discurso de determinadas sociedades.
A literatura e o espaço da biblioteca são significativos para os momentos de
observação desta pesquisa, pois estão diretamente ligados a situações que permeiam e
veiculam representações de gênero, bem como as demais identidades. Nesse viés, o brincar é
considerado pela Escola como:
O ato de brincar proporciona às crianças relacionarem as coisas umas com as
outras, e ao relacioná-las é que elas constroem o conhecimento. Esse
conhecimento é adquirido pela criação de relações, é justamente através da
atividade lúdica que a criança o faz. No brincar, ocorre um processo de
troca, partilha, confronto e negociação, gerando momentos de desequilíbrio e
equilíbrio, propiciando novas conquistas individuais e coletivas (PPP, 2005,
p. 25).
Durante as observações em que as crianças brincavam espontaneamente, mesmo que
estivessem brincando com diferentes brinquedos ou brincadeiras
33
, observei que neste
momento lúdico, muito do que é considerado o cotidiano, ou seja, sua vida real, é apresentada
na escola como momento pedagógico, em que acontecem situações de aprendizagens.
Buscando observar essa questão do brincar, presto atenção ao período em que essas crianças
permanecem na escola. O período integral se sobrepõe na rotina da escola, quando a PPP
descreve o horário de chegada (desde muito cedo até a saída), intercalada pelo repouso
32
Artefatos o artifícios, elementos ou itens utilizados pela cultura como: brinquedos, músicas, roupas,
programas infantis de TV, filmes, alimentos...
33
Casinha, bonecas, maquiagens, carrinhos, lutas ou simplesmente através das falas informais e comentários.
44
denominado como hora do descanso, e hora da atividade. Na apresentação dos Planos de
Estudos da Escola, aparece “O período de tempo que as crianças permanecem na escola deve
ser considerado para que estas não sejam submetidas a longas esperas e nem sobrecarregadas
com atividades não apropriadas a esta faixa etária e que não tenham sentido para a mesma”
(PPP, 2005, p. 4). A PPP da Escola tem a preocupação com a permanência da criança na
mesma, aconselhando as famílias que possuem algum familiar em um dos turnos para que a
criança fique em casa, mas a necessidade das famílias marcadas pela classe social faz com as
crianças permaneçam em período integral, como se constata nesta fala das crianças em
momento informal durante as visitas à Escola.
Ainda bem que eu vou de meio-dia (Daniela).
Eu também (Juliana).
Quando pergunto a Juliana: Você também?
Eu não. É só de mentirinha (Juliana).
A minha prima tem aula de tarde, ela brinca com os amigos dela, e eu
não vou de meio-dia, vou de tarde (Giovana).
Eu quero nem que tenho que ficar sozinha em casa (Juliana).
Hoje não vou ficar muito com vocês (Laura).
Então, pergunto a Laura: Por quê?
Vou ao médico (Laura, Dário de Campo, 06 dez. 2005).
Neste relato, assinalo a fala das crianças, expressando talvez o desejo que esse grupo
de meninas demonstra em o freqüentar a escola de período integral. Em diferentes
momentos das observações, quando elas manifestavam esse desejo, eu questionava sobre o
que estariam fazendo se não estivessem na escola. As respostas foram comuns quanto ao
desejo de brincar em casa, mesmo que tivessem que ficar sozinhas. Considero importante,
nesse momento, salientar que as brincadeiras realizadas em casa são brincadeiras livres,
espontâneas, são brincadeiras o dirigidas por adultos, estão fora da organização de uma
rotina.
Associo a essa idéia, os estudos de Barbosa (2000) sobre rotinas na Educação Infantil,
quando descreve a precisão de horários e atividades às quais as crianças o submetidas, e
confronto com a fala das crianças quando questionadas sobre o desejo de brincar, sem rotina,
45
regras, limites e olhares de vigilância. Essa rotina a que as crianças estão submetidas, às
vezes, torna-se pouco sedutora e desejável, pois a ela a criança é submetida durante todos os
dias do ano escolar (fevereiro a dezembro), iniciando pelo brincar com brinquedos da sala,
tomar café, ir ao banheiro, na sala de aula cantar e/ou ouvir uma ‘historinha’, fazer um
desenho sobre a história, brincar novamente com os mesmos brinquedos, ir para a quadra,
para o almoço, para o banheiro (esporadicamente escovar os dentes), repousar e iniciar a tarde
como se fosse o horário da manhã com um único diferencial: a troca de professora do turno da
tarde enquanto as crianças dormem. Mas é preciso salientar que além da rotina escolar, a
criança também está submetida à rotina familiar, a qual muitas dessas crianças descrevem em
seus relatos durante os momentos informais, quando situam as tarefas domésticas dos seus
familiares, marcando o quer está instituído como função para o papel de ser feminina-mãe e
de masculino-pai, ambos papéis representados nas brincadeiras.
Mesmo com uma rotina que ao primeiro contato parece deixar a criança sem situações
em que possam expressar seu jeito de ser, é durante o brincar, a literatura, as músicas cantadas
que elas demarcam o seu modo de ser e de perceber o contexto da sua realidade. E nesse
sentido, a leitura dos documentos da escola foi utilizada para estabelecer relação em entender
os sujeitos da pesquisa e o discurso da prática pedagógica apresentada anteriormente pela
Escola como proposta de trabalho. Proposta que está fundamentalmente contextualizada como
alicerce do trabalho pedagógico realizado através do brincar e da literatura. Tais situações do
cotidiano escolar que se dão principalmente através da literatura e do brincar não acontecem
de forma inocente, estão atravessadas por um discurso da cultura, o qual está instituído de
novos sentidos e é por meio de artefatos culturais que a criança é interpelada na sua
subjetivação e identidade geracional, assim como nas demais identidades.
Nesta perspectiva, em que as crianças o reduzidas a artefatos culturais que são mais
interessantes e sedutores que os da escola, se faz necessário pensar de que forma a escola
poderia demarcar seu espaço, gerando o foco de atenção para situações em que as crianças
viessem também a questionar suas situações vivenciadas neste espaço. Fundamentalmente,
penso que o trabalho pedagógico precisaria ter como função primeira, instigar os sujeitos
como questionadores.
46
Imagem da música infantil O cravo brigou com a rosa, registrada como literatura por Luiz Duarte
e publicada pela Editora Kuarup, em 1987 (Imagem nº 4).
47
Capítulo II
IDENTIDADE DE GÊNERO NA INFÂNCIA
Este capítulo trata da representação de gênero como identidade marcada pela diferença
relacional através das representações do feminino e do masculino como construção histórica,
social e cultural, as quais constroem mentes e corpos feminilizados e masculinizados dos
sujeitos infantis.
2.1 Identidade, Gênero e Representação
2.1.1 Identidade
Proponho, nesse momento, realizar um exercício de análise e aprofundar meu objeto
de pesquisa. Reconheço identidade, gênero e representação como o coração desta pesquisa
por ser este o eixo central da mesma.
Nessa perspectiva, proponho-me a problematizar o processo de construção de
identidades infantis femininas ou masculinas, pressupondo que as crianças constituem-se nas
relações sociais, no modo de falar, de agir, de questionar, de brincar e de cantar. Da mesma
forma são produzidas identidades considerando o modo como as crianças são designadas e
adjetivadas pelos adultos e por todas as formas de expressão e representação presentes na
instituição escolar.
Sobre esta questão, tenho buscado caminhos investigativos para observar e refletir
sobre representações veiculadas acerca das identidades infantis. Não podemos deixar de
considerar que as escolas infantis são instituições educativas nas quais as crianças estão
aprendendo um jeito de ser. Elas convivem com os conceitos e definições presentes nos vários
48
discursos, estes são representações da cultura, de modo a marcar identidades femininas e/ou
masculinas, em pequenos atos cotidianos. Hall (1997, p. 26) auxilia a compreender a
emergência de tal identidade quando afirma que:
a identidade emerge, não tanto de um centro interior, de um “eu verdadeiro e
único”, mas do diálogo entre conceitos e definições que são representados
para nós pelos discursos de uma cultura e pelo nosso desejo [...], de
assumirmos as posições de sujeito construídas para nós por alguns dos
discursos [...]. Nossas identidades são, em resumo, formadas culturalmente.
Na cultura escolar, é possível observar como em atos cotidianos as crianças constroem
identidades. Hall (1997, 2000) afasta-se da perspectiva essencialista que a entende como
fixada ao nascimento, naturalizada. Para o autor, a identidade é algo em construção, nunca
está completa para que se possa ganhar ou perder parte da mesma. Hoje em dia, as
identidades, mais do que nunca, vêm sendo atravessadas por transformações econômicas,
políticas, sociais e culturais que acontecem cotidianamente, desafiando e desestabilizando os
sujeitos na constituição de suas identidades pessoais, “[...] elas têm a ver, entretanto, com a
questão da utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não
daquilo que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos”(HALL, 2000, p. 109).
Nesse aspecto, o pesquisador chama a atenção para o fato de que as identidades são
construídas por meio de diferentes posições de sujeitos, embora essa identidade seja apenas
uma representação, a representação do outro. Nesse sentido, na pesquisa realizada, a atenção
está em observar como os sujeitos são posicionados nas canções, na literatura infantil, nas
brincadeiras..., por exemplo, uma posição relativa a identidades geracionais e de gênero, entre
outras.
Sobre as identidades, Moreira (2005, p. 127), ao referendar Hall, afirma que “vive-se
um momento em que ocorrem vários deslocamentos, constituindo-se uma pluralidade de
distintos centros, dos quais podem emergir inúmeras identidades”. Ambos referem-se a
diferentes identidades como étnicas, geracionais, gênero, de classe, de sexualidade, de
religiosidade etc. Para o pesquisador e demais estudiosos citados por ele
34
, no mundo
contemporâneo, as identidades estão se diversificando e passando a ser compreendidas como
históricas e discursivamente construídas, fragmentadas, descentradas e relacionais.
34
Moreira (2005) referenda Hall (1997, 2000, 2003); Laclau (1996); Carlson e Apple (2000); Silva (2000);
Souza Santos (1997).
49
Sendo a produção das identidades marcadas pela cultura, faz-se necessário assinalar a
concepção de cultura com a qual esta pesquisa está trabalhando. Segundo Hall (1997),
existem rias definições para a noção de cultura que interferem no que somos. Tal
abordagem possibilita poder pensar nas diferentes identidades do sujeito infantil. Para
Dermatini (2002), a construção das identidades se no processo de socialização da criança,
com quem ela convive e suas relações sociais na escola, na família, na igreja e com vizinhos.
Esse processo influencia consideravelmente a construção de identidades infantis, um jeito de
ser criança, de ser menino ou de ser menina.
Sobre isso, Louro (1998, p. 87) enfatiza que:
A produção dessas identidades e de suas intrincadas relações dá-se, é claro,
em muitas instâncias e espaços. São múltiplas as práticas sociais, as
instituições e os discursos que cercam os sujeitos, produzindo e
reproduzindo identidades, produzindo e reproduzindo diferenças, distinções
e desigualdades. A escola é uma dessas importantes instituições.
A escola, sem dúvida, é o espaço que proporciona vivências através das diferentes
linguagens oral, literária, escrita, corporal, musical, plástica, etc, veiculando representações
que contribuem para construir as identidades atravessadas por marcadores identitários como
um modo de ver e perceber o branco/negro, pobre/rico, além do ser masculino ou feminino.
Desta forma,
A identidade constitui-se como uma ponte entre o eu e as dimensões
cultural e social. A subjetividade, por sua vez, conta dos sentimentos,
dos processos psíquicos mais íntimos, mais particulares. É no discurso dos
sistemas sociais e culturais que essa particularidade é significada e se
significa. Subjetividade e identidade dão lugar ao sujeito (MOREIRA,
2005, p. 135).
Concordo com Moreira (2005) quando enfatiza que a subjetividade é produzida de
modo discursivo e dialógico pelo resultado de processos de identificação, e de como o sujeito
se relaciona consigo mesmo. Portanto, a subjetividade é formada culturalmente, como é a
identidade. As identidades também se definem por meio de um processo de produção da
diferença, um processo que se de forma cultural e social. Silva (2001, p. 25-26) aponta
que:
Identidade não é um produto da natureza: ela é produzida no interior de
práticas de significações, em que os significados são contestados,
negociados, transformados, [...] o processo de formação da identidade está
sempre referido a um “outro”. Sou o que o outro não é; não sou o que outro
é. Identidade e alteridade são, assim, processos inseparáveis.
50
A alteridade e a identidade são, conforme Silva (2001), processos inseparáveis. O
mundo social exige que adotemos ao mesmo tempo diferentes identidades. Nessas diferentes
identidades, segundo tal concepção, estão envolvidos os processos de representações dos
sujeitos, que dão origem a novas identidades, através da significação social e cultural. Nesta
pesquisa, o que proponho é a análise de uma dessas identidades gênero pelo viés da
representação, mais especificamente. Minha atenção está voltada para a identidade de gênero
representado pelo brincar, pela literatura e pela música infantil.
2.1.2 Identidade de Gênero
Em relação à identidade de gênero, o Referencial Curricular Nacional RCN
(BRASIL, 1998, p. 41-42, v. 2) fundamenta:
No que concerne à identidade de gênero, a atitude básica é transmitir, por
meio de ações e encaminhamentos, valores de igualdade e respeito entre as
pessoas de sexos diferentes e permitir que a criança brinque com as
possibilidades relacionadas tanto ao papel de homem como ao da mulher.
Isso exige uma atenção constante por parte do professor, para que não sejam
reproduzidos, nas relações com as crianças, padrões estereotipados quanto
aos papéis do homem e da mulher, como, por exemplo, que à mulher cabe
cuidar da casa e dos filhos e que ao homem cabe o sustento da família e a
tomada de decisões, ou que homem não chora e que mulher não briga.
Essa concepção de gênero vem sendo proposta a partir de estudos realizados na
perspectiva de compreender o conceito de gênero. Alguns estudiosos/as
35
preferem denominar
o estudo de nero como estudo do sujeito/objeto a mulher. Entretanto, estudiosas como
Scott
36
, Louro
37
, Felipe
38
, Meyer
39
, que são os referencias teóricos que me auxiliam a
desenvolver esta pesquisa, utilizam o conceito de gênero e o caracterizam como uma
“construção social e histórica dos sexos”, pois enfatizam o caráter social e relacional dos dois
35
Como Apple (1995) e Bordieu (1995).
36
Joan Scott (1995) é historiadora feminista, defende que gênero é a primeira forma de dar significado às
relações de poder. Ela conceitua gênero priorizando os processos históricos e sociais presentes na construção
do feminino e do masculino, rejeitando quaisquer explicação essencialista e naturalizante, pautada pelo
determinismo biológico.
37
Guacira Lopes Louro (1992, 1995, 1998, 2005) pesquisa as questões de gênero articuladas com o campo
educacional. Para ela, o gênero está ligado a construções sociais dos sujeitos masculinos e femininos,
expressando as representações sobre mulheres e homens.
38
Jane Felipe (1998, 1999, 2000, 2001, 2003, 2005) é integrante do Grupo de Estudos em Educação e Relações
de Gênero (GEERGE), coordenadora do Grupo de Estudos em Educação Infantil (GEIN) na UFRGS e
Coordenadora do Fórum de Educação Infantil/RS.
39
Dagmar Meyer (2005) pesquisa as políticas de corpo e saúde, o foco de suas análises possibilitam que a
biologia do corpo passe a funcionar como causa e explicação de diferenciações e posicionamentos sociais.
51
sexos, conseqüentemente, o estudo da construção da feminilidade e da masculinidade. Sendo
assim, gênero, como construção social e cultural é utilizado para designar relações sociais
entre homens e mulheres, desnaturalizando as afirmadas inferioridades biológicas e
intelectuais femininas” que por um longo período estiveram baseadas na diferença “natural”
entre os sexos.
A compreensão de gênero produzida pela cultura faz-se a partir da construção de
práticas sociais masculinas e femininas, segundo as concepções de cada sociedade. De acordo
com Scott (1995), a categoria gênero é utilizada o só para se referir a mulheres, numa
perspectiva feminista, mas, fundamentalmente, para trazer informações sobre homens e
mulheres, considerando que um implica o outro, na perspectiva de que o mundo de um faz
parte do mundo do outro.
Louro (1992, p. 54) vale-se do que referenda Scott (1995): “o nero é um elemento
constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos”. Essa
categoria é entendida como construção social que abrange a formação de homens e mulheres,
em suas mais diversas possibilidades expressas no estabelecimento de subjetividades.
Portanto, necessidade de entendê-las como categoria relacional constituída por diferentes
atravessamentos como classe, etnia, sexualidade, religiosidade, nacionalidade e de geração.
“Homens e mulheres são, ao mesmo tempo, muitas coisas” (LOURO, 1998, p. 86).
No conceito de gênero, encontramos duas dimensões indissolúveis para a sua
compreensão, a concepção histórica e a biológica dos dois sexos. A histórica refere-se a cada
sujeito que nasce masculino ou feminino, que nasce num mundo construído por seus
antecessores e fazem parte dessa história, determinando os atributos na sociedade em que
vivem. A biológica refere-se à distinção das características físicas e anatômicas, que de certa
forma estão imbricadas no contexto social histórico. Assim sendo,
O
processo de educação de homens e mulheres supõe, portanto, uma
construção social e corporal dos sujeitos. Implica na transmissão/
aprendizagem de princípios, valores, conhecimentos, habilidades: supõe
também a internalização de gestos, posturas, comportamentos, disposições
“apropriados” a cada sexo (LOURO, 1992, p. 62).
Para a autora, esse processo de educação se deve à “virada” teórica passagem da
história das mulheres para a passagem da história das relações de gênero – a partir do
movimento feminista na Europa pela classe média no final da década de 60 e início da década
de 70 do século XX. Posteriormente, esse movimento no Brasil foi gestado por mulheres
52
camponesas e classes trabalhadoras das cidades que desempenhavam atividades nas oficinas
manufatureiras e no processo de industrialização, numa demonstração, portanto, de que não
são as características anatômicas e fisiológicas que definem as desigualdades.
Esse movimento foi simultâneo ao momento em que se concretizava a estruturação da
sociedade industrial brasileira e se formavam os grupos de estudos que pesquisavam sobre a
mulher e as relações homem/mulher. Esses grupos foram fomentados pelos movimentos do
contexto político daquele período, bem como a oposição da ditadura, a urbanização, a
industrialização, a formação de sindicatos, a mão-de-obra feminina, o crescimento dos
movimentos feministas e as lutas por creches. Conseqüentemente, esses grupos também
aprimoraram pesquisas sobre gênero no sentido relacional dos sujeitos.
O feminismo desenvolveu o conceito de gênero como conjunto de idéias, construiu
interpretações sobre sexo/gênero/identidade, na diferença sexual relacionada à experiência
corporal. Aprofundou também o específico da mulher por questões biológicas, como a função
de ser mãe e a simbolização com base na cultura sobre o que é “próprio” dos homens e
“próprio” das mulheres, legitimando mecanismos de dominação, exclusão e desigualdade
40
.
A interpretação do conceito gênero entendida como construção histórica, social e
cultural na distinção entre os sexos no sentido relacional é que acabou descrevendo sobre
homens e mulheres de um modo distinto, conseqüentemente, o estudo da construção da
feminilidade e da masculinidade nas relações sociais.
Durante as várias observações realizadas na turma, foi possível constatar que as
crianças manifestam sua compreensão acerca das identidades, principalmente em relação à
identidade de gênero, a partir de suas vivências culturais, familiares, midiáticas etc. Esse
conceito está presente no cotidiano das crianças em diferentes situações de aprendizagens,
através das músicas infantis
41
, brincadeiras
42
e literaturas
43
. Essas linguagens veiculam
posições de sujeito quando apresentam tarefas ditas como femininas, organizam o tempo em
rituais, especialmente do corpo, posturas e jeitos de ser, que parecem estar na “ordem das
coisas”, naturalizado. Essas posições e posturas identificadas a partir das linguagens não
40
Desigualdades que derivam não da biologia e sim da simbolização que se faz dela (SCOTT, 1995).
41
Terezinha de Jesus; A Linda Rosa Juvenil; Viuvinha, por que Chora; entre muitas outras.
42
Meninas que brincam de casinha, bonecas, maquiagens e meninos que brincam com carrinhos, super-heróis,
policia e ladrão e jogam futebol.
43
Literaturas doadas pelos pais de acordo com a lista de materiais no início do ano letivo, adquiridas com baixo
custo em lojas de produtos de R$ 1,00, e que fazem parte do acervo da biblioteca da escola: Rapunzel, A Bela
e a Fera, Cinderela, Branca de Neve, Histórias da Bíblia...
53
demonstram modos de ser mas, principalmente, instigam formas de reconhecimento e
legitimidade do sexismo, marcando o que está direcionado para cada identidade pela divisão
socialmente construída.
Tanto nas brincadeiras livres, como nos momentos de atividades dirigidas, as crianças
expressam vivências do cotidiano familiar, escolar e também da mídia por meio das
representações. Nesses momentos, identificamos o quanto as brincadeiras, as canções e as
literaturas, assim como os espaços sociais, convocam-nas a essas culturas.
2.1.3 Representação
A noção de representação utilizada nesta dissertação está inscrita numa perspectiva
pós-estruturalista e compreende a marca ou traço visível, o significante que produz
identidades (SILVA, 2000, 2001; WOODWARD, 2000). Nessa perspectiva, a representação
nada mais é do que uma relação social constituída e exercida por meio de apelos e
manipulações específicos de espaços e corpos imaginários, pois
A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos
por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como
sujeito. É por meio dos significados produzidos pelas representações que
damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos
(WOODWARD,
2000, p. 17)
44
.
Na análise cultural do discurso de inspiração foucaultiana, segundo Silva (2001), as
representações culturais não são simplesmente constituídas de signos que expressam aquelas
coisas que supostamente “representam”. Os signos não se limitam a servir de marcadores para
objetos, eles criam sentidos. Esses sentidos têm efeitos de “verdades”. E essas são as formas
pelas quais se articulam os discursos, denominados como verdadeiros ou falsos. Desse modo,
a produção, tanto da identidade como da diferença, é um processo que se por meio da
representação. E essas representações produzem o que nos constituímos, ou seja, sujeitos com
identidades diversas masculinas/femininas, infantis/adultas etc., pois segundo Silva (2001, p.
68), “não há identidades nem alteridade fora da representação”.
44
Nesse sentido, Woodward (2000) afirma que a identidade situa-se entre a representação. Segundo ela, em nota
de rodapé, afirma que “a representação refere-se a sistemas simbólicos (textos ou imagens visuais), sendo que
esses sistemas produzem significados sobre a pessoa que utiliza tal artefato, produzindo desta forma identidade
por meio da representação”.
54
Isso implica em pressupor que o que somos é significado atravessado pela dimensão
cultural, pelo que é dito às crianças, o que lhe é narrado através de poemas, literatura infantil,
pelas canções e o conteúdo das brincadeiras. Cultura que a sociedade construiu e constrói em
termos de seus significados, símbolos e características, no caso em questão, definindo cada
um dos sexos no decorrer da sua história, ou seja, como se constituir masculino e/ou
feminino.
A perspectiva trabalhada por Woodward (2000) assinala o caráter constitutivo das
representações, isto é descrito também por Costa (1998, p. 42) ao dizer que “representar é
produzir significados”. Saliento que o meu olhar es voltado para compreender as
representações de gênero na Educação Infantil, veiculadas por atividades ou momentos da
rotina brincar, cantar e ouvir histórias –, sendo estes artefatos constituidores das identidades
infantis.
Acredito serem pertinentes problematizações que interroguem certas representações
presentes nas histórias que as crianças ouvem desde bebês, o que cantam para elas, o que lhes
oferecem para brincar, enfim, o que recebemos desde que nascemos como expectativas
familiares, sociais e culturais. Quando as crianças questionam sobre suas diferenças
biológicas, sobre brinquedos e brincadeiras que lhe são “proibidos”, muitas vezes os adultos
apenas respondem frases prontas: isso é de menino, isso é de menina”, como se fossem
obrigadas, desde a mais tenra idade, a saber operar com conceitos e diferenciação de gênero,
sexo, definindo suas atitudes e jeitos de ser criança.
É fator a considerar que desde o nascimento da criança, as atitudes, as palavras, os
brinquedos, os livros e as literaturas direcionam os pequenos para que assumam papéis sobre
um jeito de serem meninos ou meninas. Dos meninos espera-se agressividade e liderança,
para representarem a sua masculinidade. Enquanto que das meninas espera-se delicadeza,
fragilidade e beleza. As normas sociais indicam posturas, comportamentos, atitudes
diferenciadas para homem e mulheres. Desde a infância, essas atitudes são enraizadas através
dos relacionamentos na família, na escola e demais espaços sociais e culturais, construindo
identidades e jeitos de ser determinados pelo comportamento de cada sociedade.
Em momentos de entrevista registrada em fita cassete, duas crianças falam sobre:
Com o que menina brinca?
Menina: Brinca de boneca, de ciranda cirandinha, na pracinha (Juliana).
55
Quando pergunto se meninos e meninas podem brincar juntos, ela afirma que podem,
mas em seguida começa a nomear as brincadeiras dos meninos, como carros, bola, afirmando
ser brincadeiras quase igual às meninas, como:
Eles jogam bola e nós viramos estrelinha igual a Laura (Juliana).
Pergunto ao Alex: o que é ser menino?
Ser um guri inteligente, que aprende tudo, que brinca, joga bola, brinca de
carrinho, meu irmão brinca de boneca com os amigos dele, eu não (Alex).
O que pretendo é estranhar certas atitudes que constroem mentes e corpos
feminilizados e masculinizados dos sujeitos infantis, que nos possibilitam discutir se ainda é
preciso aceitar “naturalmente” a escolha dos brinquedos, das cores, das atividades
diferenciadas segundo o sexo. Será verdade o que nós aprendemos sobre as formas de
brincadeiras que meninos e meninas praticam? Observações mostram que elas preferem as
bonecas, eles os carros e também que elas brincam de casinha, enquanto eles jogam bola. A
questão a fazer é: se que devemos ver como natural o fato de que meninos e meninas
possuem papéis e comportamentos pré-determinados?
Para além de observar essas questões em espaço escolar, vivenciei em família uma
situação, no mínimo instigante com um sobrinho de 9 meses de idade. Num momento em que
ele chorou tentei acalmá-lo, mas a sua avó (minha mãe) o pegou no colo e começou a imitar
sons de carro. Ele em seguida parou de chorar, e ela toda contente me dizia: Que coisa
incrível, menino nasce gostando de bola e de carro”. Naquele momento fiquei pensando
em como lhe explicar que era justamente o tema que vinha investigando com crianças
maiores. Então, passei a questioná-la na tentativa nem de negar e nem de afirmar sua idéia, se
estava ou não correta, de que juntas encontrássemos a explicação adequada para a reação do
menino de apenas 9 meses.
Passamos, então, a recordar quais foram seus primeiros brinquedos (carrinhos, bolas,
trenzinho...), quais os sons que produzimos para ele nos dar atenção (carros, buzinas, apitos,
gols...), e quando ele chora, onde os adultos costumaram a acalmá-lo? Pois é, justamente
dentro de um carro, onde ele fica em e brinca com o volante como se estivesse dirigindo.
Seus tios até construíram com tábuas, tijolos, volante, um carro para ele brincar na chácara.
Então retorno a questão para a minha mãe: “como ele vai gostar de outros brinquedos, se tudo
o que lhe dizem, mostram e ele próprio balbucia são sons e brinquedos, percebidos na
56
cultura como brinquedos apenas de meninos?” Em algum momento, a família poderia ter
proporcionado o contato com outros brinquedos. O curioso é que quando ele se aproxima de
outros objetos e brinquedos, dizem que não, porque as bonecas são da prima. A situação
vivenciada permite assinalar o quanto meninos e meninas, desde muito cedo, aprendem a
nteragir com objetos distintos tidos como masculinos e/ou femininos.
É nessa concepção que as crianças da escola infantil, nos relatos anteriores
registrados, falam sobre o jeito de saber se o meninas ou meninos, como algo
determinado anteriormente pela sua família, através da ultra-sonografia, da escolha do nome e
tantas outras situações do cotidiano familiar. O diálogo deixa transparecer também as atitudes
e posicionamentos que as crianças adotam nas brincadeiras que permitem que as
representações vivenciadas nelas configurem a realidade. Isso confirma aquilo que os estudos
de gênero vêm mostrando, inclusive nesta dissertação, ou seja, as diversas instituições, não
a escola com seus discursos e práticas sociais ao longo da vida, nos constituem em diferentes
identidades, sejam elas masculinas ou femininas, como também com relação a outros
marcadores identitários como sexualidade, etnia, classe social etc.
A naturalização da identidade de gênero foi e ainda é produzida por diferentes
discursos sociais, os quais descrevem jeitos de ser menino ou menina de acordo com cada
época da sociedade, pelos brinquedos e brincadeiras, pelas roupas, pelas revistas, pelos
programas de TV, etc..., que vão interpelando e marcando com seus rituais a infância e seu
sujeito – criança.
57
Imagem da música infantil o cravo brigou com a rosa, registrada como literatura por Luiz Duarte,
pela Editora Kuarup, em 1987 (Imagem nº 5).
58
2.2 Representações de Gênero na Educação Infantil
O cravo brigou com a rosa.
Embaixo de uma sacada.
O cravo saiu ferido e a rosa despedaçada.
O cravo ficou doente e a rosa foi visitá-lo.
O cravo teve um desmaio e a rosa pôs-se a chorar.
A possibilidade de utilizar essa canção folclórica como metáfora para o tema de
pesquisa ocorreu quando este capítulo estava quase pronto. Essa idéia surgiu ao passar por um
outdoor que mostrava um “lindo e perfeito casal”
45
, ele oferecia um ramalhete de flores do
campo à moça, e aparecia a seguinte afirmação: “o cravo jamais vai brigar com a rosa”.
Essa canção infantil marcou a minha infância, nos momentos de rodas cantadas nos
finais de tarde na rua onde morava. É uma canção que faz parte do folclore infantil e é muito
utilizada durante o trabalho com as crianças da Educação Infantil, não tenho a intenção de
utilizá-la como marcador de gênero. Utilizo-me dela agora para problematizar o meu tema de
pesquisa, pressupondo que é por meio das canções, brincadeiras e literaturas, dentre outros
artefatos culturais que são oferecidos às crianças, que são veiculadas as representações de
gênero. Seria interessante observarmos a maneira como são posicionados o masculino (cravo)
e o feminino (rosa) no conflito narrado pela canção.
Numa rápida análise do conteúdo destes versos, percebe-se que o feminino é frágil e
está posicionado num determinado lugar, dizendo que o cravo saiu ferido e a rosa
despedaçada”. É a rosa quem procura o cravo para resolver a situação. No entanto, em análise
mais profunda, é possível identificar a rosa como uma força assumindo o lugar de controle da
situação, pois vai em busca da solução, realizando o pedido de trégua.
Os marcadores identitários de gênero o encontrados em diferentes artefatos da
cultura infantil, como vimos nas músicas, brincadeiras, brinquedos, na literatura, entre outros.
Steinberg (2004, p. 26) e outros autores ligados aos Estudos Culturais contemporâneos vêm
apontando para uma poderosa política cultural que,
conhecendo seu poder de mergulhar fundo seus tentáculos na vida privada
das crianças, os produtores corporativos da cultura infantil constantemente
desestabilizam-lhes a identidade. Ao mesmo tempo, contudo, novos produtos
brinquedos, filmes, TV, videogames, moda, literatura esforçam-se em
restabelecer novas identidades...
45
Outdoor divulgando uma marca de jeans para o Dia dos Namorados, em 2005, referindo-se à idéia de que se
ela estivesse usando o jeans dessa marca, ele jamais brigaria com ela.
59
Ao produzir novas identidades, principalmente pela interação com diferentes artefatos
culturais, as crianças estão sendo atravessadas por um novo jeito de ser, ver e agir
demarcando a construção
46
de suas subjetividades. Em função disso, as crianças são
freqüentemente interpeladas por diferentes representações, as quais também desenvolvem
função educadora e são significadas de acordo com a produção de sentido.
2.2.1 Representações no Brincar
Refletir sobre as representações de gênero nas brincadeiras é compreender mais
especificamente como as crianças vivenciam o cotidiano no espaço escolar, de modo especial
a sua construção identitária. Ao investigar a veiculação de representações de gênero na escola
infantil, busco compreender como se esse processo por dentro de práticas pedagógicas
vivenciadas e propostas nos documentos escolares, em diferentes discursos, entre os quais a
Proposta Político Pedagógica e o Plano de Estudos. Analiso o brincar na Escola Estrela, em
seus documentos para o ano de 2005, em que o brincar é apresentado como um ato que
proporciona às crianças relacionarem as coisas umas com as outras, e ao
relacioná-las é que elas constroem o conhecimento. Esse conhecimento é
adquirido pela criação de relações, é justamente através da atividade lúdica
que a criança o faz. No brincar, ocorre um processo de troca, partilha,
confronto e negociação, gerando momentos de desequilíbrio e equilíbrio
propiciando novas conquistas individuais e coletivas (PPP, 2005, p. 42).
Diante do que propõe o PPP da Escola Estrela, faz-se necessário também considerar
que é através do brincar que a criança vivencia e expressa certas representações. Na
brincadeira livre e/ou dirigida, novos significados o produzidos pelo sujeito criança. Em
muitas situações experimentam processos de troca, negociações e confrontos, gerando
desequilíbrios no modo de pensar. Algumas observações do cotidiano escolar referem-se às
situações geradas pelas próprias crianças, às vezes questionam o que está instituído,
naturalizado, como brincadeiras para meninos ou para meninas, conforme esta observação
registrada em Diário de Campo. As crianças dialogam enquanto um pequeno grupo de
meninas brinca com jogos de encaixe, bonecos Dunga e animais:
Vocês olham a novela Belíssima? Sou louca por ti América... (Juliana canta
a música da novela América).
46
Eles vão subjetivando, produzindo e fixando as diferentes e novas identidades e subjetividades dos sujeitos.
60
Eu já tomei banho, posso ir dormir, mamãe? (Lara)
Vocês não vão chamar o Carreirinha? (Laura)
A mãe disse para não falar com estranhos, vai pelo caminho que não é
perigoso. o lobo apareceu...(Juliana, contando a história da Chapeuzinho
Vermelho na mesma brincadeira).
Neste momento, na brincadeira, além da representação do papel feminino da mãe que
alerta sobre os estranhos, os perigos e diz quando pode dormir, tomar banho, a Escola Infantil
também está atravessada por formas culturais e sociais que difundem outras identidades,
desde a mais tenra idade. A escola não é a única responsável pela construção de papéis nas
representações de gênero em nossa sociedade; os sujeitos têm acesso a muitos outros meios de
comunicação, shopping, igreja, dia jornais, revistas, programas de rádio e TV –, que
também fazem circular diferentes representações de gênero, de sexualidade, de ser criança etc.
São investimentos que vão produzindo e instigando jeitos de ser, de pensar, de agir nas muitas
situações vivenciadas pelas crianças no cotidiano escolar.
Segundo Felipe (1999, p. 169), diversas produções culturais não interpelam como
dão uma visão de mundo e um estilo de vida, constituindo-os como sujeitos masculinos e
femininos:
Trabalhar na perspectiva das relações de gênero significa rejeitar quaisquer
explicações essencialistas, que se pretendam imutáveis e universais. No
entanto, é preciso reconhecer a dificuldade de se romper com esta visão,
especialmente quando se trata de discutir aspectos ligados à masculinidade e
feminilidade. Achar, por exemplo, que mulheres/meninas são naturalmente
mais sensíveis ou que os homens são mais agressivos são idéias muito
difundidas ainda hoje e que precisam ser problematizadas e historicamente
compreendidas.
Por muito tempo, a sociedade realizou e ainda realiza forte investimento em
determinar funções e características para cada sexo, ele circula inclusive nas escolas. Esses
investimentos são proporcionados para as crianças através de brinquedos, brincadeiras, jogos,
roupas e acessórios ofertados, além de falas que direcionam jeitos de serem meninos e
meninas. Nesse sentido, Furlani (2005, p. 69) também se refere à construção de papéis nas
representações de gênero, pois
Na escola, o currículo, as disciplinas, as normas regimentais, as formas de
avaliação, os materiais didáticos, a linguagem, constituem-se em instâncias
que refletem e produzem as desigualdades de gênero, de sexo, de raça etc., e
podem incentivar o preconceito, a discriminação, o sexismo.
61
Apesar de, no cotidiano da Educação Infantil estas instâncias serem menos visíveis,
podemos afirmar que também encontramos desigualdades. Ao observar o cotidiano da
Educação Infantil é possível identificar alguns momentos em que meninos e meninas o
encaminhados para brincadeiras, de modo a favorecer distinções de gênero. Em entrevista,
pergunto a uma das professoras: “As crianças têm brinquedos e brincadeiras separadas? Isso
é para menino, isso para menina?”
Eles têm. No momento que tu jogos de montar, se tu não ficar junto com
eles, os meninos vão fazer carrinhos, armas, as meninas vão fazer o quê?
Montar casinhas, fazer potinhos pra dar comidinhas umas pras outras, daí
no momento em que o professor entra junto na brincadeira e direciona a
brincadeira daí tu consegue trabalha a coletividade. Digamos no momento
que eu entro na brincadeira e convido pra montar letras do alfabeto, inicial
do nome, brincar de casinha com eles onde os meninos também podem fazer
comidinhas, meninos também podem socializar-se nas brincadeiras, é isso
que eu estou trabalhando como questão de gênero (Mariana, Diário de
Campo, 06 dez. 2005).
É nesse espaço de observações e registros do Diário de Campo que descrevo o
momento em que as crianças são questionadas por outra professora para fazerem suas opções
pelo brincar:
Depois, quem respeitar a Larissa (a profe), vai na quadra (Alex).
O que vocês querem fazer na quadra? (Larissa-professora)
Jogar bola (meninos).
A gente não é guri pra jogar bola. Eu e a Gigi gostamos mais de desenhá
(Juliana).
Elas atrapalham, porque ficam correndo na nossa frente (Ken).
As meninas brincam com as Barbie e desenham (Juliana)
(Diário de Campo, 21 nov. 2005).
Durante as brincadeiras, percebo que as meninas falam muito sobre a boneca Barbie
que elas têm em casa, mas na Escola não havia nenhuma. Então, propondo-me a iniciar um
diálogo sobre o brincar, identificado como a preferência dos meninos, pergunto ao Ken por
que ele gosta de jogar bola.
Porque nasci homem (imitando uma voz grossa), tenho chutera de joga
bola!
No caso deste estudo, a escola como instituição formadora é o espaço que
continuidade à construção do masculino e do feminino, o que torna um espaço generificado
62
[...] atravessado pelas representações de gênero” (CATANI, 1997, p. 11). Arrisco-me a
afirmar que a escola passa a ser um lugar de homogeneização dos comportamentos, o menino
afirma gostar de futebol por ser homem, dando significado e representação da sua
masculinidade a partir dos objetos bola e chuteira utilizados para as partidas de futebol. A
partir das concepções dos Estudos Culturais e Feministas procurei lançar o olhar pelos
quais são veiculadas as representações de gênero, uma vez que estas estão presentes também
nas instituições.
Ao trazer essas falas, destaco a organização das sociedades em que historicamente o
homem esteve no centro das organizações sociais, sendo que, por muitos séculos, a mulher foi
moldada para aceitar e reproduzir o discurso da supremacia masculina, pois compactuou com
essa forma de organização, impregnando o sexismo que molda e discrimina o comportamento
de meninos e meninas, homens e mulheres. Isso está presente na nossa linguagem, tanto na
escrita como na falada, no modo de expressar-se no gênero masculino. Assim, a escola foi
ensinando jeitos de ser feminino ou masculino.
Ao entender o gênero como construção histórica e social produzido na e pela
linguagem, pergunto a uma das professoras: Como você percebe os diferentes papéis de ser
menino e de ser menina no brincar?”
Eu permito que os meninos tipo assim, menino vão vestir roupas de meninas,
não vejo nada de mal né, mas eu procuro falar, não sei se é certo, mas eu
procuro falar: Ah, tu ta fazendo a mamãe? Mas tu sabe que tu vai ser papai
quando crescer. Ah, eu sei, eles me dizem, mas quero ser mamãe agora,
então eu deixo, não sei se isto é correto ou não é, mas as vezes eu interfiro,
principalmente quando eles me chamam..., Daí eu digo, mas ele vai ser
mamãe pra brinca, deixa ele ser a mamãe, e tu vai ser o papai...
(Marlene).
Em se tratando da representação pelo brincar, na visão de Gobbi (2002, p. 26), “a
menina é preparada, desde a infância, para ser mãe; mesmo que nunca seja, trata-se de um rito
de passagem para o qual a mulher é preparada durante grande parte de sua vida”, enquanto os
meninos são preparados para desenvolverem atividades masculinizantes.
Às vezes, as estagiárias de psicologia falam que a gente tem que pontuar,
você pode deixar eles brincar de ser menina, de ser menino, mas de vez em
quando você tem que pontuar o que é ser papai, ser mamãe né, eu
questionava ela como vou perguntar a um menino o que é ser pai se ele não
convive com uma figura masculina, então pra ele ser pai é aquilo que a mãe
dele faz pra ele, ou o padrinho, eu acho complicada essa questão, eu me
considero bem leiga nesse assunto... As roupas do baú é uma coisa que eles
gostam muito, sapatos de salto, cinto, batons, que estão sempre à disposição
deles (Marlene).
63
Tanto nos momentos de observações como na fala da professora, está presente a
concepção do brincar simbólico pelo desejo de vivenciar a fantasia e não somente o que é
real. Observo a brincadeira com as fantasias
47
em que as meninas usam vestidos longos e
denominam-se como princesas e fadas e aos meninos cabe o papel de rei, caçador, mas que na
falta de um menino ou menina que queira brincar naquele momento, a criança convoca outra a
assumir este papel, indiferente do sexo. Com isso, percebo que, nos momentos de brincadeira
livre, as crianças vão ao baú, vestem-se, trocam de papéis. Embora a professora permita, ela
pontua a sua preocupação em relação à compreensão das famílias. Então a questiono: Como
as famílias percebem essas brincadeiras? Elas têm conhecimento sobre o que as crianças
brincam? Elas fazem interferência?” Assim manifesta-se:
As famílias questionam: Profe, a ‘Gabi’ quer trazer tal coisa que ela quer
brincar e não tem no baú, porque um dia ela queria brincar de ser tal coisa
e não tinha. Daí a gente coloca que eles brincam, que tem menino que veste
vestido, tem menina que veste outras roupas, é bem tranqüilo, nunca
ninguém disse meu filho não pode usá isso, nunca eu ouvi isso de pai
nenhum.
Assim como as demais escolas infantis do município, a organização das turmas são de
acordo com a faixa etária das crianças. Em uma das observações na quadra de futebol,
localizada próxima à sala do berçário escuto o comentário de uma das professoras em
relação ao fato de uma das meninas não estar brincando com as demais crianças da sua turma.
Como a Giovana tem jeito de adulto em miniatura! Mas ela é chamada a ser
assim pela mãe, para assumir o irmão menor (professora do berçário).
Passo então a observar Giovana (5 anos): realmente, ela está sempre a cuidar do irmão
menor (1 ano e 4 meses), ela pega o irmão, brinca de roda, canta e lhe dá muitos beijos. Nessa
ação de cuidar, identifico a visão de Gobbi (2002). A autora afirma que as meninas são
convocadas a assumir a função materna ao desenvolver cuidados com suas bonecas e irmãos
mais novos, como se estivessem sendo preparadas para assumir esses papéis. Quando a
professora refere-se ao fato de Giovana ser chamada a ser assim”, ela argumenta que quem
cuida do irmão menor em casa é essa menina, pois, por ser a filha mais velha (5 anos de
idade), já é considerada, pela mãe, como a “mocinha da casa”.
Por muito tempo, na Idade Média, a criança foi considerada como adulto em
miniatura, e elas aprendiam em meio aos adultos, assumindo funções e sendo incorporadas à
47
No jogo do faz-de-conta, um dos recurso utilizados pelas professoras é o brincar com baú das fantasias e suas
roupas de variados modelos e tamanhos que circulam de sala em sala.
64
sociedade e ao convívio da vida coletiva destes. A criança da pesquisa, considerada uma
“mocinha” na visão de sua família, assume as funções de um adulto para cuidar do irmão
menor.
Na contemporaneidade, segundo Dornelles (2005), as mudanças econômicas, sociais,
familiares e tecnológicas mostram-nos novos modos de perceber o sujeito infantil. A autora
denomina provisoriamente em duas diferentes infâncias: infância ninja e cyber-infância.
A infância ninja significa, para a autora, a infância que está à margem de tudo”, das
novas tecnologias, do acesso aos produtos de consumo, em que sobrevivem os sujeitos da
vida urbana”. Essas crianças são o retrato da desigualdade, da exclusão, da falta de atenção
aos seus direitos como sujeitos integrantes de uma sociedade, pois vivem às margens desta e
foram assim denominadas por estarem associadas a essa idéia como os guerreiros dos filmes e
desenhos das tartarugas ninjas. Essa infância não é recente em nossa sociedade, ela é
conseqüência das desigualdades sociais presentes desde os tempos das rodas dos expostos
48
,
dos hospícios, do trabalho infantil, do preconceito à diferenciação da cor de pele criança
negra, pela falta de vaga nas instituições de ensino a partir do século XVIII em nosso país
(DORNELLES, 2005).
a cyber-infância está afetada pela tecnologia, pelos games, CDs, DVDs,
estimulando a criança como consumidora, pois agora o quarto dos infantis se transforma
numa sala informatizada, um quarto/lan house globalizado e cheio de argúcia do mundo via
Internet ou televisão a cabo” (DORNELLES, 2005, p. 79). Essa é a realidade da criança da
tecnologia e da multimídia.
Narodowski (1998, p. 174) foi pioneiro em analisar a infância nessa perspectiva, seu
entendimento nos mostra que existem dois tipos de infância: a hiper-realizada – cyber-
infância; e a des-realizada ninja. É denominada des-realizada por Narodowski (1998) a
infância que não tem acesso às novas tecnologias. Em ambas as infâncias as crianças brincam,
mas com objetos diferentes, de acordo com a realidade do seu meio social.
48
A roda dos expostos foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida. Criada no Brasil Colônia, foi
extinta na República, em 1950, sendo o Brasil o último a acabar com esse sistema. Ela exerceu importante
papel social, pois foi praticamente a única assistência à criança abandonada, evitando que as mesmas fossem
abandonadas pelos caminhos, bosques e lixos. O nome roda é procedente do dispositivo onde eram colocadas
as crianças abandonadas (na forma de um tabuleiro cilíndrico fixado no muro da instituição, a criança era
colocada e rodava-se este tabuleiro, introduzindo-as para dentro destes locais, sem identificar quem a estava
deixando). Esses locais eram assistências caritativas com caráter missionário, sua primeira preocupação com a
criança era o batismo para salvar a sua alma (MARCILIO, 2003, p. 53-57).
65
As crianças da Escola brincam com objetos disponíveis e estes possuem as marcas
culturais do seu tempo. Ao considerar a realidade das crianças quanto ao grupo social
econômico a que pertencem, faço referência aos brinquedos que estas crianças mencionam
conhecer e os brinquedos com que costumam brincar. Como citei anteriormente, a boneca
Barbie está presente nas falas das meninas, mas na escola não havia nenhuma disponível. Isso
também acontece com relação a muitos outros brinquedos, como Hoot Weels, Power Rangers.
Em situações do cotidiano, as crianças referem-se a objetos que não fazem parte da sua
realidade escolar e quando fazem, muitas vezes, são cópias dos originais, são imitações
compradas em shopping popular (camelô).
2.2.2 Representações na Literatura Infantil
A literatura é um artefato cultural utilizado para que as pessoas se encantem por ela.
Além de ser uma invenção do adulto e de proporcionar o encantamento, tem a
intencionalidade de transmitir forma e conteúdo sobre o que o adulto considera adequado para
a criança. As histórias infantis e os livros de literatura o lugares nos quais circulam
diferentes representações que contribuem para produção de significados pelas crianças.
Referentemente à literatura, a Escola Estrela
aposta que a criança acostumada a ouvir histórias, poderá ser uma excelente
leitora e, conseqüentemente, irá adquirir um vasto vocabulário. Se desde
pequenas oportunizamos um trabalho com literatura as nossas crianças terão
gosto pela leitura (PPP, 2005, p. 37).
Analisando a Proposta, percebe-se a preocupação da Escola com a contação de
histórias, tanto que a Biblioteca é denominada como Apoio Pedagógico. A partir do
referencial teórico que utilizo, considero que, além da aquisição de um vasto vocabulário e
hábitos de leitura, a criança es aprendendo um modo de ver o mundo e os outros e, ao
mesmo tempo, constituindo-se numa relação consigo mesma.
As crianças costumam freqüentar uma sala pequena em transformação, um espaço
denominado atualmente de biblioteca. Refiro-me dessa forma pois os livros locados nesse
espaço, até um período não muito distante, ficavam nas salas de aula, pois pertenciam às
turmas que as crianças freqüentavam. No início do ano letivo, juntamente com os materiais
listados para o início das aulas, a Escola solicitou às famílias um livro de literatura infantil
como doação para contribuir com o acervo da biblioteca. Como não havia uma orientação
66
quanto à qualidade dos livros em relação a seu conteúdo, muitas famílias buscavam o que lhes
era mais acessível economicamente (livros adquiridos em lojas populares ao valor de R$
1,00).
O grupo de professoras os considerou de baixa qualidade para o desenvolvimento dos
projetos. Isso as levou a explicarem aos pais a importância em adquirir livros de melhor
qualidade literária para sua utilização nos projetos desenvolvidos com as crianças. Uma das
formas encontradas para aquisição destes foi a doação em dinheiro no valor de R$ 1,00 para a
Escola, a qual passou a fazer a compra dos livros. A concretização dessa proposta efetivou-se
no ano de 2004, mas no momento da compra houve divergência quanto à escolha, pois
algumas professoras optaram pela compra de livros didáticos que contribuíssem com seu
planejamento em vez de aplicar esses recursos em literaturas, argumentando que a Escola
possuía um acervo de literatura infantil suficiente.
Junto ao acervo adquirido ao longo do tempo encontram-se reproduções de contos
clássicos infantis, fábulas e histórias da Bíblia em diferentes versões e ilustrações. Entre estes
livros, percebo que a grande maioria o literaturas sexistas
49
, porque retratam homens e
mulheres, meninos e meninas em papéis um tanto estereotipados. Entre alguns títulos
presentes na biblioteca estão: Rapunzel, Branca de Neve, Cinderela, A Bela e a Fera, O Lobo
e os Sete Cabritinhos, A Lebre e a Tartaruga; e algumas coleções como: Aprendendo a
conviver, Histórias da Bíblia e outras.
Ao analisar algumas obras de literatura encontradas na biblioteca da Escola, retomo o
que os Estudos Culturais alertam, ou seja, o viés das grandes corporações empresárias no
entretenimento infantil. Nesse sentido, Giroux (2004, p. 94), no texto Os filmes da Disney são
bons para seus filhos? considera “o papel que a Disney desempenha moldando a identidade
das pessoas e controlando os campos de significado social por meio dos quais as crianças
aprendem o mundo”.
Em se tratando do sexismo, tanto nos livros de literatura disponíveis na Escola como
no filme da Disney A Bela e a Fera, um tema masculino/feminino anuncia um monstro com
jeito de lobo e evoca uma rara combinação de terror e meiguice. A heroína do filme retratada
como uma mulher independente, mas vista pela população daquele período (França, século
XVIII), como excêntrica por gostar de livros, é assediada pelo macho Gaston, vaidoso dos
49
Literatura sexista (contos infantis) tem a característica de reforçar o binarismo, com o propósito de normatizar
comportamentos (ARGÜELLO, 2004, p. 36).
67
filmes de Hollywood dos anos 80. Ela o rejeita para dedicar seu amor à Fera, que a mantém
cativa em seu castelo. Ela, além de se apaixonar, civiliza-o, transformando-o em um novo
homem de tirano a sensível. Na visão de Giroux (2004, p. 98), Bela simplesmente se torna
uma mulher cuja vida era estimada por resolver os problemas de um homem, primeiro seu pai,
depois a Fera.
Nessa perspectiva, procuro olhar a literatura encontrada na biblioteca e oferecida às
crianças. A Bela e a Fera, analisada como uma pedagogia e artefato cultural que marca jeitos
de ser feminino e masculino, não problematiza a idéia de que as crianças se constituem
naturalmente meninos e meninas. Com relação a esse aspecto, pergunto à professora da turma
observada, como ela trabalha com a literatura infantil?
Ao meu ver, gênero seria trabalhado mais nas brincadeiras, nas histórias
que têm muito pouco, na verdade a gente não tem nada aqui na escola que
fala sobre isso ou que ta incutido isso, não sei de nenhum livro, de momento
não lembro de nenhum, eu acho que mais nas brincadeiras que a gente faz,
nas recreações, nas brincadeiras tanto na sala como fora da sala (Larissa).
O trabalho com a literatura, assim como as brincadeiras e a música infantil, também
fazem circular representações que contribuem para dar significação do mundo para a criança,
unindo a ordem social. Algumas literaturas problematizam binarismo e sexismo e fazem a
criança pensar sobre os papéis que ocupa no social. Para Biagio (2005, p. 33), “o que
chamamos de sexismo são heranças culturais transmitidas pela sociedade através da família,
amigos e professores, o que não quer dizer que são verdades”.
Na Trilha dos Livros Ao mesmo tempo em que buscava literaturas infantis para esta
pesquisa, fui à procura de suporte teórico em outros trabalhos na perspectiva dos Estudos
Feministas. Assim, conheci o trabalho de investigação realizado pela nicaragüense Zandra
Argüello, ao considerar a literatura pautada pelos modelos binários e sexistas, apresentando a
literatura não-sexista. Argüello realizou sua pesquisa com crianças porto-alegrenses de 4 a 6
anos de idade, observando como estas se posicionavam perante as narrativas literárias que
problematizam as representações de gênero.
A pesquisadora valeu-se de histórias infantis espanholas disponíveis na Rede
Internacional de Computadores, analisando sob a perspectiva dos Estudos Culturais, Estudos
Feministas e Teorizações Pós-Estruturalistas, utilizando essas histórias que tinham sido
escritas sob viés feminista. Procurou por literatura que permitisse olhar para os
68
comportamentos e as identidades normatizadas, apresentadas para as crianças através da
literatura, valendo-se de recurso metodológico como a apresentação das histórias infantis não-
sexistas para livre apreciação das crianças, observação do grupo de crianças no jogo
simbólico, nas brincadeiras livres e dirigidas, com a intencionalidade de “ler” a cultura
institucional sobre as questões que estava a observar.
Ao trilhar esse caminho, a estudiosa fez contatos com a Rede de Educação Popular
entre Mulheres da América Latina e do Caribe (REPEM), o que resultou em um concurso
Latino-Americano de Contos Não-Sexistas, desafiando autoras a escreverem contos nessa
perspectiva. Isso resultou em um aumento de produção literária não-sexista.
Em sua busca pela Rede, a pesquisadora já tinha conhecimento de literaturas e
trabalhos feministas em vários países da América Latina publicados na Internet, com o
objetivo de exercitar a desconstrução do binarismo. Num site encontrou uma coletânea de 21
livros destinados a crianças de até 6 anos, mas conseguiu somente 12 obras e destas escolheu
quatro para trabalhar, pois seu objetivo não se resumia a fazer um estudo sobre a literatura
infantil não-sexista ou fazer análise dos discursos dessas obras, e sim, junto com as crianças
debater as questões de gênero.
Inspirada por essa pesquisadora nicaragüense, procurei literaturas não-sexistas em
catálogos de literaturas infanto-juvenis de várias editoras brasileiras e encontrei algumas
obras: a literatura de Ruth Rocha, como Faca sem ponta galinha sem ; Procurando firme;
Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias; assim como outros autores e as literaturas:
Mariana; Menino brinca com menina?; Por que meninos têm pés grandes e meninas têm pés
pequenos?; Zero zero alpiste; Joana banana; O menino que brincava de ser; Aninha e João.
Entre as literaturas citadas que problematizam binarismo e sexismo no sentido de
relativizar essa temática, selecionei algumas para fundamentar esse olhar” pela literatura
infantil utilizada como artefato cultural. Ruth Rocha em Faca sem ponta galinha sem
aborda o tema descrevendo uma família com dois filhos, Pedro e Joana, que vivenciavam
problemas como todos os irmãos têm, gostar da brincadeira do outro. Mas Joana estava sendo
educada para ser boa menina, delicada, boazinha, enquanto Pedro tinha que ser valente e não
podia chorar quando alguém lhe batesse. Joana não podia subir em árvores nem para apanhar
goiaba, pois seu irmão a chamava de moleque, e quando o seu irmão se admirava em frente ao
espelho com uma roupa nova, ela o chamava de “mulherzinha”. O texto mostra que em muitas
69
outras coisas eles eram bons juntos, como jogar cartas e se desafiar para realizar ações
diferentes, como passar embaixo de um arco-íris.
Mas passar embaixo de arco-íris pode ser problema, pois uma tia falou a essas crianças
que se alguém passasse por baixo do arco-íris ao meio-dia, se for homem vira mulher e se for
mulher vira homem. Como Pedro não acreditava nessas coisas, deram-se asos e passaram.
Minutos depois se sentiam estranhos, quando falaram, suas vozes estavam trocadas: eles se
olharam muito espantados, pois aquilo que duvidavam havia acontecido. Sua mãe pensou que
fosse brincadeira, mas o era. Isso gerou um grande rebuliço em casa. Os pais conversaram
sobre o que os outros iriam pensar, que os nomes precisariam ser trocados por Joano e Pêdra,
assim como as roupas que as crianças usavam.
Em suma, o desejo dos irmãos foi atendido, pois agora Joana poderia subir em
árvores, jogar futebol e Pedro poderia chorar sem ter que dizer que foi de raiva, mas sim de
dor. Depois de alguns dias, a situação foi piorando, continuavam caçoando e implicando sobre
o que menino pode e menina não pode, até o dia em que acordaram e estava chovendo, e eles
ficaram torcendo para parar a chuva e aparecer um arco-íris. Como um continuava implicando
com o outro, cada um passou sozinho pelo arco-íris, cada um de uma vez. Não aconteceu
nada, continuaram Pêdra e Joano. Então lembraram que precisavam passar por baixo do arco-
íris ao meio-dia e que, se para mudar de sexo haviam passado de pra cá, para desvirar
precisariam passar daqui pra lá. Quando realizaram essa troca, Pedro e Joana saíram jogando
tampinha até em casa, sem discordarem se era brincadeira para menino ou menina.
Em um dos momentos de interação com as crianças pesquisadas conto a “história”: O
menino que brincava de ser
50
, de Georgiana da Costa Martins, que aborda as brincadeiras de
um menino (Dudu) que gosta de fadas, princesas, vestidos, ou seja, brincadeiras consideradas
pela sua família como de meninas. Dudu o gostava de jogar futebol, gostava da brincadeira
de ser, que ele brincava na escola. Sua mãe às vezes ficava preocupada, mas os amigos da
escola acabaram se acostumando. Seu pai pensava que tudo era culpa da professora que ficava
incentivando. A mãe, muito preocupada, aconselhou-se com uma amiga que indicou um
psicólogo, que deu brinquedos para o menino brincar enquanto conversava com sua mãe em
outra sala. No final da consulta, o psicólogo não achou nada de errado com Dudu, pois ele era
um menino muito inteligente e sensível. A mãe não gostou desse profissional, então buscou
ajuda com outra amiga que indicou um médico psiquiatra. Este fez um monte de perguntas a
50
Literatura considerada infanto-juvenil, publicada pela Editora DCL, São Paulo, 2000.
70
Dudu, e concluiu dizendo que isso era normal para a idade dele. A mãe também o gostou
desse médico.
Um dia após o trabalho, o pai chega em casa e Dudu usando vestido, sapatos e
brincos, e pergunta ao menino se ele era mulherzinha. O menino, que não gostava de ser
chamado assim, chora e sua mãe ajuda-o, argumentando que o médico disse que isso passa. O
pai que não sabia sobre as visitas aos médicos ficou muito preocupado, pois ele, quando tinha
6 anos, nunca brincara assim. Então, isso não poderia ser normal como afirmam os médicos!
Na tentativa de solucionar o problema o pai decide levar o filho para comprar o uniforme
completo para jogar futebol.
No outro dia, os dois foram para o clube, no qual Dudu foi obrigado a jogar sob
ameaças de uma surra ou ficar de castigo. O menino jogou, fez gols, mas não pelo pai, e sim
pelo colega da escola que corria atrás dele para chamá-lo de mulherzinha. O pai estava
radiante pelos gols, pensando que o colega da escola estava com inveja do seu filho. Quando
seus avós vieram visitá-lo, Dudu ouviu a mãe contar sobre o médico. O menino entra na sala e
a avó fica horrorizada em ver seu neto vestido de mulher, sugerindo uma grande surra para
Dudu. Nesse momento chega em sua casa a outra avó, dizendo-lhe: meu filho, como você
está bonito!” Todos direcionaram olhares espantados, enquanto Dudu olhava de um lado para
outro sem saber que atitude tomar.
O pai, para ajudar a avó (sua mãe) entender a situação conta-lhes que Dudu estava
com problemas, pois queria ser menina. Então a avó paterna, pergunta qual era o problema
disso, se ele mesmo também havia desejado ser tanta coisa. Enquanto a confusão
continuava na sala, o menino e sua avó foram para o quarto conversar e vestir uma fantasia de
bruxa que ela acabara de trazer.
No outro dia, pais e avós decidiram levar o menino ao endocrinologista, o qual era um
velhinho muito simpático que também gostava de histórias de bruxas, e achava que era perda
de tempo examinar Dudu, mas pela cara da família, examinou-o. O pai, mais uma vez, saiu do
consultório desanimado, o menino não tinha nada de errado, era normal para a idade dele
brincar com fantasias.
A apaterna convidou Dudu para ir ao teatro, e quando chegaram lá, encontraram
uma amiga da avó que conhecia os atores e os levou até o camarim. Dudu ficou
impressionado, pois ali homem passava batom e usava meia fina rendada. Quando a peça
71
terminou, o menino quis outra vez visitar o camarim e perguntar ao ator se homem pode
brincar de ser mulher e mulher brincar de ser homem. O ator explicou-lhe que ali ele pode
cada dia ser uma coisa diferente, esse era o trabalho dele. Mas Dudu tinha ido ao teatro,
principalmente, para encontrar a amiga da avó e perguntar sobre o que ele ouvira falar do
arco-íris, se quem passasse por baixo de um pode trocar de sexo. Mas ao sair do teatro Dudu
não quis mais passar por baixo de um arco-íris, pois achava que não queria mais ser menina,
mas queria a ajuda da avó para pedir ao pai que gostasse dele do jeito que ele era. Nesse
instante ele pára para olhar o arco-íris, enquanto o rapaz do teatro passa por eles e lhe um
sorriso. O menino com lágrimas nos olhos diz: - Vó, acho que eu quero continuar sendo eu.
Não quero mais virar menina pra sempre. – Vó, já sei, eu quero é ser ator de teatro!
Em um dos momentos informais, após a literatura, as crianças comentam suas
impressões sobre esta literatura. As meninas relacionam com suas brincadeiras e as roupas do
baú, com as brincadeiras de fadas e bruxas, enquanto que os meninos fazem a distinção por
situações em que jogar futebol e não chorar significa representar a masculinidade.
Após contar essa literatura, pergunto-lhes o que pensam sobre a mesma. As crianças
relatam:
Eu brinco de se macho e não de mulher, porque eu sô macho (Ken).
O que é macho? (professora da turma)
É ser forte (Alex).
Porque eu nasci homem, porque eu nasci homem. (Ken) (Diário de Campo,
05 dez. 2005.
Então, pergunto às crianças como elas são quando nascem. Os meninos e as meninas
como sabem o que são?
Pela voz (Daniela).
Tem voz de homem e voz de mulher (Juliana)
Como a gente? (professora)
Quando nasce o médico fala o que eles olham na TV (ultra-sonografia). E
por causa da roupa e do cabelo (Juliana)
Os meninos também podem ter cabelos compridos (Daniela)
Eu não sou guria para brincar de ser. Eu não brinco porque eu não sou
veado (Evandro) (Diário de Campo, 05 dez. 2005).
As falas das crianças estão diretamente relacionadas com a fala dos adultos,
principalmente seus pais. Percebemos isso quando familiares relatam a história de vida e do
72
nome de cada criança em projetos trabalhados pela escola. Juliana relata sobre a ultra-
sonografia, comentando sobre o desejo da mãe em saber o sexo” do seu bebê. Esta é apenas
uma das formas de instigar a construção da identidade de gênero na criança a partir dos seus
primeiros meses de vida, ou antes mesmo do seu nascimento.
A obra Por que meninos têm s grandes e meninas m pés pequenos? visualiza num
primeiro momento, mecanismos culturais da produção e naturalização daquilo que é da
identidade feminina e daquilo que é da identidade masculina. Posteriormente, apresenta a
idéia de que indiferente do tamanho dos pés, meninos e meninas podem brincar sem a
preocupação de transgredir o que lhes é apresentado como natural. Em momento informal em
que o identifiquei para as crianças como uma entrevista para que elas fossem mais
espontâneas, elas comentam:
Os dois têm o grande, porque a gente quando nasce o é pequeno e
depois os dois pés ficam grande (Daniela referindo-se ao crescimento dos
pés de meninos e meninas).
Então pergunto
: o tem o tamanho igual quando a gente (corpo) vai
crescendo?
Quando a pessoa nasce daí só tem pé pequeno, e daí quando vai crescendo o
pé fica grande (Ken).
Quando a gente tava na barriga da nossa mãe a gente tinha o pequeno
(Juliana).
Durante essas falas, as crianças não fazem a referência quanto à distinção, pois estão
associando o tamanho dos s com o crescimento biológico do corpo sem referirem-se aos
mecanismos culturais considerados naturalizados, de que as meninas têm pés pequenos para
serem mais delicadas e os meninos, pés grandes por serem mais robustos e para jogarem
futebol.
Aninha e João é uma literatura conhecida por muitas professoras como um clássico
para trabalhar com relações de gênero. Essa história apresenta o quanto a mulher, desde
menina, tem sido posicionada como responsável pelo trabalho doméstico. Ao escolher
profissionalmente um trabalho que não corresponde a essa expectativa, Aninha, que queria ser
marinheira é chamada à atenção pela professora. Era uma menina, porém o seu irmão fora
aplaudido na escola por fazer essa escolha. Aninha consegue tomar atitude de oposição a esta
desigualdade, ressignificando as tarefas domésticas do seu contexto familiar.
Relacionadas à literatura, as crianças descrevem seu cotidiano familiar:
73
Lá em casa a mãe lava a louça e o pai assiste TV no sofá (Ken).
A minha mãe ta sempre em casa, ela trabalha em casa, faz comida, e o
meu pai ta machucado lá do jogo que ele gosta de í (Ana).
Eu fiz uma tatuagem de dragão, de macho (Dudu)
51
.
A associação apresentada pela idéia do o-sexismo poderá também ser utilizada nos
momentos de brincadeiras e músicas como um dos subsídios que contribui na formação da
identidade de gênero, produzindo as identidades das crianças.
Ao conversar com uma das professoras sobre a literatura infantil, pergunto-lhe: Como
você percebe as representações de gênero no cotidiano das crianças?
Nas turmas menores isso não ta assim tão caracterizado, mas a gente
percebe que nas turmas maiores, do maternal em diante, bastante isso,
essa diferenciação de menino e menina porque primeiro inclusive pela
vestimenta, pela cor, pelos brinquedos, e por uma série de coisas que até a
própria televisão vem colocando a questão assim. E as literaturas são
poucas que tratam propriamente deste fim, você que ta fazendo esse
trabalho deve conhecer algumas, mas não são muitas que a gente possa
perceber essa questão (Liane).
Para problematizar tal afirmação, compartilho com as idéias de Sabat (2005) quando
enfatiza que, muito além dos produtos de consumo adquiridos pelas famílias, estão inseridos o
conjunto de valores consumidos e reproduzidos através da repetição e da aquisição de
“objetos” e pela linguagem. O que esimplicado nessa fala da professora refere-se à maneira
como as famílias cogitam gênero pois, muito antes do nascimento da criança, geram
expectativas em relação ao bebê na organização de suas roupas, cores, e futuramente,
confirmam essa expectativa quanto aos brinquedos e futuras profissões, que são
freqüentemente verbalizados. É desta forma que Meyer (2005, p. 99) assevera ser a linguagem
“concebida como uma forma de ação, como produtora do mundo, como constituidora de
identidades”, neste caso, identidade de gênero.
O argumento da professora Liane de que é a partir das turmas maiores, ou seja, do
Maternal em diante que se percebe uma maior diferenciação de ser menino e de ser menina,
precisamente está referindo-se à questão da linguagem como produtora e constituidora das
identidades pois, anterior a esta faixa etária, as crianças não têm tão demarcadas as suas
opções, escolhas quanto a roupas, cores e brinquedos. Esses objetos poderão ser, então,
identificados como marcadores corporais masculinizantes ou feminilizantes.
51
Esta criança está se referindo à literatura e à tatuagem do seu braço com um adesivo de goma de mascar.
74
Ainda em relação à literatura infantil, outra professora se pronuncia:
Uma coisa que me preocupa muito, esse modelo de família que a maioria
das literaturas traz que o papai, a mamãe, o filhinho, né, então isso me
preocupa também porque muitas crianças não têm esse modelo de família, e
o modelo de famílias delas quase nunca aparece nas literaturas, e elas ficam
perdidas, onde que eu me encaixo nisso daí e algumas até questionam: profe
e quem não têm pai como que faz? a gente procura falar você não tem
pai, mas você tem alguém que faz tudo aquilo que um pai ia fazer, então eu
acho isso complicado (Marlene).
A preocupação da professora é pertinente, considerando que a maior parte das
literaturas infantis apresenta um modelo de família nuclear pai, mãe e filhos,
desconsiderando outras possibilidades de organização familiar. Fonseca (1995), em suas
pesquisas de análises antropológicas, ajuda-nos a perceber que outras formas de
organização familiar. Estas formas de organização familiar não encontramos freqüentemente
nas literaturas infantis, pois as histórias contadas consideradas tradicionais apontam
justamente o oposto dessa realidade – a família idealizada, ou seja, a família nuclear.
Faz-se pertinente destacar que todos os momentos de literatura proporcionados para as
crianças, citados no decorrer desta pesquisa, foram idealizados pela intenção da pesquisa
apresentada. Pouco presenciei professoras utilizando-se deste recurso metodológico nas
ocasiões em que estive em sala de aula, pois como a Escola tem atendimento em período
integral, participei somente de algumas situações do cotidiano, o que significa que as histórias
infantis poderiam estar sendo contadas noutros momentos da rotina escolar, aos quais o
estive observando.
2.2.3 Representações nas Músicas Infantis
A música é uma das linguagens que na Educação Infantil tem uma forte ligação com o
brincar. É através dela que as crianças expressam-se, envolvendo gestos, movimentos, canto,
dança e o faz-de-conta em jogos e brincadeiras. Segundo o Referencial Curricular Nacional
para Educação Infantil RCN (BRASIL, 1998, p. 59, v. 3), “Quando cantam, as crianças
imitam o que ouvem e assim desenvolvem condições necessárias à elaboração do repertório
de informações que posteriormente lhes permitirá criar e se comunicar por intermédio dessa
linguagem”.
75
Inspirada em Maria Carmen Barbosa (2000), em sua tese Por amor e por força:
rotinas na Educação Infantil, arrisco-me a afirmar que a sica está ligada à questão da
rotina, muitas vezes como forma disciplinar. Segundo esta pesquisadora, participar ou não das
atividades de rotina, ter ou não sucesso em tais práticas, classifica as crianças entre as
adaptadas e as não adaptadas, as que vão bem ou as que precisam de algum tipo de atenção
especial do educador. Além de socializar a criança, intrinsecamente ligadas a valores sociais e
a hábitos culturais dominantes, as rotinas, de certa forma, foram empobrecidas e banalizadas
pelos adultos que a utilizam para normatizarem as crianças. Muitas canções infantis são
utilizadas para dar conta da rotina com as crianças como hora da higiene, da alimentação etc.
Estas poderiam deixar de ser vistas como atividade repetitiva e de regulação para tomar a
dimensão simbólica.
Nesse sentido, é importante apresentar às crianças músicas e canções dos mais
variados repertórios e ritmos musicais. Faz-se necessário “o professor observar o quê e como
cantam as crianças, tentando aproximar-se ao máximo de sua intenção musical” (BRASIL,
1998, p. 62, v. 3). Ao desenvolver essa linguagem, a Escola Estrela trabalha na perspectiva de
que:
A música é capaz de sensibilizar todas as gerações e, no caso da criança,
quando vem acompanhada de uma brincadeira, pode tornar-se um excelente
veículo de aprendizagem. A música é a linguagem que se traduz em formas
sonoras capazes de expressar e comunicar sensações, sentimentos e
pensamentos, por meio da organização e relacionamento expressivo entre o
som e o silêncio. A linguagem musical é uma das formas mais importantes
de expressão humana, que por si só justifica a presença no contexto da
educação, principalmente na educação infantil (PPP, 2005, p. 20).
A música consiste em uma linguagem que propicia, em algumas situações, a
manifestação das crianças quanto a sua percepção de representação de gênero, e na Escola
Estrela ela é contemplada nos Planos de Estudos. A partir da importância atribuída à música,
questiono-me sobre como as crianças cantam, se elas utilizam o sentido feminino ou
masculino no final das palavras que produzem o significado do gênero.
Valho-me das considerações feitas por Barbosa (2000, p. 212; 236) acerca das rotinas,
em que estas operam em direção à padronização, em direção ao comum. Em se tratando da
rotina, da regulação social, da segurança e estabilidade necessárias à construção dos seres
humanos como sujeitos, é preciso abrir espaço para o não padronizado, para o diferente, saber
suportar o novo e inserir a rotina, a arte, a literatura, a música, a dança etc, e transformá-la em
vida cotidiana.
76
Geralmente, as músicas cantadas pelas crianças na Escola de Educação Infantil
incluem cantigas de ninar
52
, parlendas
53
, rodas cantadas
54
. Essa forma de manifestação
popular denominada como Folclore cultura de um povo foi pesquisada por Florestan
Fernandes, em 1941. Muito dessas manifestações continuam presentes no cotidiano escolar
infantil. Segundo ele, “são elementos da cultura adulta, incorporados à infantil por um
processo de aceitação e nela mantidos com o correr do tempo” (FERNANDES, 2004, p. 215).
Esse pesquisador ainda discorre que “a criança é modelada, é formada, também, através dos
elementos da cultura infantil, pois estes elementos põem-na em contato direto com valores da
sociedade” (p. 219). Sendo assim, saliento que as cantigas de ninar, parlendas, rodas cantadas,
enfim, as músicas infantis, são fortes investimentos que atribuem sentidos para a veiculação
das representações, independente de qual for a identidade a ser constituída sexual, étnica,
religiosa, geracional...
Inspirada em tais afirmações, observei que durante o momento de expressarem
verbalmente as palavras da música cantada, tanto meninas como meninos cantam no mesmo
gênero, não distinguem gênero, pois estão expressando-se de acordo com a oralidade da
professora. São algumas rodas cantadas que escolho para mostrar o quanto marcadores de
gênero estão presentes em seu texto e em sua dramática.
A música Viuvinha, por que choras?
Viuvinha, por que choras?
Seu marido já morreu!
Se, é por falta de carinho,
Se levante e abrace eu.
Esta música é cantada na brincadeira de roda, na qual uma criança fica com os olhos
fechados no meio da roda para levantar e abraçar outra criança que irá trocar de lugar (entrar
no meio da roda). Nas observações, percebi que todas as crianças cantam a Viuvinha. Somente
depois de algum tempo entenderam, após a explicação da professora, que para as meninas
deveriam cantar viuvinha e para os meninos viuvinho. Ao que as crianças alteraram as
palavras, mas nos dias seguintes, elas tornaram a cantar como haviam internalizado essa
canção.
52
Cantigas de ninar definidas como acalanto por Fernandes (2004), como: Boi da cara preta; Dorme nenê;
Bicho-papão.
53
Parlendas como: Amanhã é domingo pé de cachimbo; Dedo mindinho, seu vizinho; Cadê o toicinho que estava
aqui?; Bão-ba-la-lão, senhor capitão (FERNANDES, 2004).
54
Rodas cantadas como: Ciranda cirandinha; A canoa virou; Vamos passear na floresta enquanto seu lobo não
vem; Boca de forno (FERNANDES, 2004).
77
A partir de estudos realizados, percebe-se que a música não é tão espontânea, mas
uma linguagem marcada e constituída pela sociedade, ou seja, traz as marcas da cultura do seu
tempo. Além disso, a maneira como as professoras organizam suas práticas e suas ofertas
musicais determinam o acesso ou o a uma diversidade de materiais e atividades para as
crianças experimentarem e conhecerem. Importante seria proporcionar no cotidiano destas
crianças situações em que pudessem vir a falar sobre o conteúdo das canções, sobre distinções
de gênero, através das diferentes linguagens e vivências.
A música O cravo brigou com a rosa também está presente no cotidiano da Educação
Infantil. Ao observar como cantam e ao discutir sobre os protagonistas e as ações do cravo e
da rosa, sem o auxílio da literatura infantil
55
, as crianças interpretam estes como flores em
uma ação lúdica, sem fazer muita distinção do masculino e do feminino. Quando passamos
para a dramatização da mesma, os meninos agem de acordo com a representação do cravo,
assim como as meninas procuram ser a rosa.
A música A linda rosa juvenil,
A linda rosa juvenil, juvenil, juvenil,
A linda rosa juvenil, juvenil.
Vivia alegre no seu lar, no seu lar, no seu lar
Vivia alegre no seu lar, no seu lar.
Mas uma feiticeira má, muito má, muito má,
Mas uma feiticeira má, muito má.
Adormeceu a rosa assim, bem assim, bem assim,
Adormeceu a rosa assim, bem assim.
Não há de acordar jamais, nunca mais, nunca mais,
Não há de acordar jamais, nunca mais.
O tempo passou a correr, a correr, a correr,
O tempo passou a correr, a correr.
E o mato cresceu ao redor, ao redor, ao redor,
E o mato cresceu ao redor, ao redor.
Um dia veio um belo rei, belo rei, belo rei,
Um dia veio um belo rei, belo rei.
Que despertou a rosa assim, bem assim, bem assim,
Que despertou a rosa assim, bem assim.
55
O cravo brigou com a rosa, registrada como literatura por Luiz Duarte e publicada pela Editora Kuarup, em
1987.
78
Percebo que ao ser dramatizada pelas crianças desta faixa etária, a letra da música
determina a escolha de papéis que seguem uma lógica sexista, embora em muitas situações as
crianças sugerem a possibilidade de troca de posições, ou seja, trocam feiticeira por feiticeiro,
rei por rainha, mostrando como as posições de sujeito não são fixas naquele momento. Fica a
impressão de que por ouvirem por diversas vezes a música, esta fica registrada pela
linguagem oral como algo marcado que não deve ser alterado, mas que durante a escolha dos
papéis, estes podem ser alterados.
Na música Terezinha de Jesus
Terezinha de Jesus,
De uma queda, foi ao chão,
Acudiram três cavaleiros,
Todos os três de chapéu na mão.
O primeiro, foi seu pai,
O segundo, seu irmão,
O terceiro, foi aquele
Que a Tereza deu a mão.
As crianças dramatizam na mesma perspectiva da sica A linda rosa juvenil. Esse
momento de dramatização através da roda cantada mostrou, como afirma Silva (2001), que os
signos não se limitam a servir de marcadores para objetos, eles criam sentidos. Esses sentidos
têm efeitos de “verdades”, na perspectiva pós-estruturalista. Sendo assim, cantar e dramatizar
nessa perspectiva significa inscrever estes artefatos culturais para a constituição das
identidades. Ao conversar com a professora entrevistada sobre gênero, ela afirma que:
Na verdade a gente nunca parou pra pensar e discutir questão de gênero,
pra olha pra criança pensando nisso, pensando na questão de gênero,
muitas vezes é uma coisa que passa despercebida, a gente não fica
construindo um conceito sobre isso, a gente nunca leu sobre nada, nem na
faculdade, nem no magistério, nada não teve nenhuma matéria que te
levasse a pensar nisso. Então eu acho que é uma coisa que muitas vezes
passa despercebido por a gente não ter esse contato, esse conhecimento,
ninguém levantou essa questão pra ti ir a busca, pra ti começa a bota
minhoca na cabeça (Larissa).
Como diz a professora, a discussão sobre nero ou outras identidades não está no
debate. Assim, não parece importante problematizar tais questões ao apresentar brinquedos,
brincadeiras, literaturas e músicas que marcam os significados masculinos e femininos,
subordinação e submissão para as crianças. Considero importante esse debate, pois inocentes
canções, brincadeiras e histórias podem ser formas de distinguir e constituir meninos e
meninas pela lógica do sexismo. Ao planejar é preciso atenção para normas instituídas pela
79
sociedade por meio do binarismo marcado também nos artefatos culturais oferecidos e na
maneira como as crianças brincam. Uma preocupação que poderá nos acompanhar em nossas
práticas pedagógicas é que o conteúdo daquilo que oferecemos às crianças é tão importante
quanto a forma que contamos histórias, cantamos em brincadeiras com as crianças.
Outro aspecto a considerar é com relação a pessoa do/a professor/a. Como cada uma
de nós torna-se professor(a)? O que temos vivenciado em nossos cursos de formação, em
nossas famílias, na nossa sociedade? Foi essa preocupação, após ter constatado estar
realizando a pesquisa num espaço de trabalho constituído pelo gênero feminino, que
possibilitou outros questionamentos, como: Afinal qual é a cor da Educação Infantil? Com
esta pergunta convido o leitor a caminhar comigo no próximo capítulo.
80
Capítulo III
QUAL É O GÊNERO DA EDUCAÇÃO INFANTIL?
56
No capítulo anterior abordei concepções de identidade, gênero e representação. A
partir de então observei e mostrei como são veiculadas as representações de gênero no
cotidiano da Educação Infantil como formas de constituir jeitos de ser menino ou menina em
masculino ou feminino. Neste capítulo, abordo a atuação feminina a partir das escolhas
profissionais das mulheres que atuam como professoras, assim como as significações e as
representações de sua profissão. Percebo a Educação Infantil como um campo de atuação
marcado pela presença feminina, e questiono quais as significações e representações que
circulam entre as mulheres a partir de suas escolhas profissionais mapeadas através de
entrevistas.
3.1 Significando o Trabalho Feminino na Educação Infantil
Até o século XIX eram vedados os estudos superiores para as mulheres, sendo-lhes
permitido que freqüentassem somente a escola normal, as quais atuavam dando continuidade
às concepções do passado, ou seja, atuando e exercendo a função materna através do cuidado
com as crianças, reafirmando assim a concepção da função reprodutora e materna da mulher,
também enquanto profissional, envolvida por uma ideologia masculina e machista.
Essa configuração a partir do século XX foi alterada pelas lutas e conquistas, tanto de
homens como de mulheres nesse campo de trabalho, demonstrando em âmbito histórico e
cultural, que a profissão professor” configura a imagem de atuação tanto feminina como
56
Esta temática já foi abordada por Louro (1998), Weschenfelder (2004) e Oliveira (2004), ver mais nas
Referências.
81
masculina, pela possibilidade de ambos desenvolverem o conhecimento em diferentes áreas
de saberes.
A análise que realizo, portanto, segue a perspectiva de gênero e se dá numa lógica em
que a maioria dos profissionais desse sistema de ensino, a Educação Infantil –, são
mulheres. Como vimos anteriormente, esse gênero representa a totalidade de 100% no
município de Ijuí, ou seja, há somente mulheres atuando na Educação Infantil de Ijuí.
Não se trata de assumir um discurso feminista, mas problematizar a educação como
um campo de atuação de ambos os gêneros, assim como os demais papéis a serem ocupados
na organização social. O que, segundo Oliveira (2004, p. 164), “seria um ponto relevante,
visto que, como demonstram os estudos acerca da categoria gênero, as diferenças entre
homens e mulheres se constroem na vida social”.
Desta forma, busquei, através das entrevistas realizadas com as professoras, assinalar
alguns fatores históricos e sociais que permearam as escolhas destas profissionais, bem como
o tempo de atuação e expectativas futuras em relação à mesma, partindo das questões: Como
foi feita a escolha profissional? Que fatores históricos e sociais determinaram a escolha pela
profissão?
Quando eu acabei o primeiro grau, eu queria fazer o segundo grau normal,
sem nenhuma profissão junto, mas a minha família escolheu por mim
primeiramente, o meu pai e a minha e queriam que eu fizesse alguma
coisa que envolvesse uma profissão, que o meu segundo grau fosse
profissionalizante. E daí a primeira escolha partiu dos pais, pra depois, com
o passar do tempo, e como eu acabei me apegando e acabei seguindo esta
profissão e hoje estou bem realizada... E apesar de eu não querer no início,
assim, mas eu sou bastante ligada e aceito bastante as idéias da família
(Mariana).
Na verdade quando eu fui fazer o segundo grau, eu fui pensando que
tinha que fazer uma coisa que tivesse uma profissão. Porque eu precisava
trabalhar, porque eu tinha que fazer alguma coisa que pudesse fazer uma
faculdade. Porque não pra ficar no interior, como tu vai viver, tu vai
viver do quê? Claro que tem que ter uma área de terra bem grande pra vive
em cima uma família, então a gente busca sai, busca outra área pra ti
trabalhar, daí eu escolhi, fui fazer o magistério já pensando que teria que
ter um emprego para fazer uma faculdade, e foi o que deu certo, deu fiz o
magistério e acabei gostando, eu gostava de brincar de dar aula, de
brincar de escolinha, daí fiz o magistério e gostei de dar aula lá numa
escola na Floresta’, o estágio foi muito bom, as crianças, o grupo de
professores, que acabei fazendo Pedagogia, e estou fazendo o que eu quero,
o que eu gosto. Logo depois do magistério já fiz concurso e nunca fiquei sem
trabalhar... Por isso acho que vale a pena investir na educação, porque sem
educação ninguém é ninguém, todo mundo ta aí, o médico é o médico e
ganha bem mais do que a gente porque ele teve um professor, né! (Larissa).
82
Olha, quando a gente escolhe, na verdade, a gente é muito nova, a gente não
tem muito, porque eu tinha quinze anos quando escolhi fazer o magistério,
na verdade, não tenho muito uma explicação do porquê, com certeza em
função dos pais estarem colocando que seria uma profissão que
provavelmente teria sempre um emprego pesa muito, para a gente que vem
de uma família humilde, e porque eu já namorava, e o meu namorado era do
interior, a gente sabe que pra fora é bem difícil pra gente que escolhe uma
área que é da educação, e isso foi uma das coisas que pesaram e depois com
certeza na escolha da faculdade foi em função de ter gostado e ter visto que
era isso que eu queria fazer (Liane).
Eu comecei a gostar porque eu trabalhava com catequese, quando eu era
mais jovem né, e também pela opção porque eu fiquei cinco anos fora da
escola e quando retornei eu queria algo que me desse uma profissão, eu
queria fazer um segundo grau no qual concluísse e pudesse trabalhar, daí
surgiu a opção do magistério como curso profissionalizante. Porque eu o
queria ficar no interior, eu não queria ficar lá, era um trabalho muito
puxado e eu não sentia assim, eu sou uma pessoa que penso muito em
crescer, em ser melhor, e eu não sentia muita perspectiva de futuro naquele
lugar, fora. Então eu vi na educação o que muita gente hoje, uma
forma de melhorar de vida. Esse ser melhor enquanto formação, o
magistério te abre muitos caminhos, e que possibilita acessos... é isso
(Marlene).
À medida que o magistério se transformou em campo de trabalho essencialmente
exercido por mulheres devido às transformações da sociedade em prol da industrialização e
urbanização, essa idéia foi incorporada pelos diferentes segmentos da sociedade, definindo
este campo de trabalho como “feminino” (OLIVEIRA 2004, p. 166). Essa idéia incorporada à
representação de professoras permanece “fabricando significados”. Ao analisar as entrevistas
com as professoras, considero nas suas falas o quanto estão atravessadas pelo conceito de que
para as mulheres cabem, em suas escolhas profissionais, os conceitos da sociedade, pois suas
opções ocorreram em função de:
A minha família escolheu por mim, que já envolvesse o profissionalizante, e
com o passar do tempo acabei me apegando.
Fazer uma coisa que tivesse uma profissão, porque eu precisava trabalhar,
daí fui fazer magistério, acabei fazendo Pedagogia.
Gosto pelas crianças.
Um pouco mãe, um pouco de tudo aqui dentro.
Nessa perspectiva, proponho-me a problematizar a concepção da profissão
magistério –, relacionada às questões abordadas pelas professoras com significações muito
próximas umas das outras, relacionada também à afetividade (gosto por crianças) e à decisão
influenciada pela família. Essa possibilidade está associada à idéia de que historicamente, por
muito tempo, se pensou essa profissão como vocação, como uma “doação de moças
83
solteiras ou viúvas. As solteiras, por não terem ocupação com as tarefas do lar e da família, e
as viúvas, por restringirem-se ao lar ou à Igreja. Essa profissão não representava ascensão
salarial, nem o sustento da família que provinha do trabalho masculino. Por esse motivo, as
mulheres foram designadas a ficarem com a precariedade das condições de trabalho em
relação à remuneração, pois ascensão salarial pertencia aos homens.
Diante do ponto de vista de que as “mulheres afetuosas e seres vocacionados”,
poderiam assumir a missão de educar recebendo pouca remuneração e reconhecimento
salarial, tem início uma outra configuração sobre as identidades enquanto professora e
mulher. O trabalho feminino não esteve escondido, segundo Costa (2006, p. 73) apenas não
era problematizado, o que só recentemente passou ser admitido ao se considerar que as
mulheres atuam neste campo por mais de 100 anos, ao qual a pesquisadora afirma que “elas
não eram invisíveis e nem estavam escondidas, simplesmente os aparatos analíticos utilizados
não permitiam visualizá-las, tomá-las em consideração”. o representações que estão sendo
modificadas pela idéia da formação do professor/da professora pela pesquisa e de que eles e
elas são pesquisadores. Tal idéia constrói uma nova concepção nos espaços educacionais,
pois, por muito tempo,
algumas representações sobre mulher professora circularam (e circulam) na
sociedade e que essas representações são capazes de dar sentido, ou, numa
expressão mais contundente, são capazes de contribuir para a produção
dessas mulheres (LOURO, 1998, p. 81).
Tratando-se da representação de ser professora atravessada pela concepção de ser
mulher, além de entrevistar a professora que acompanhei em sala de aula, também entrevistei
outras três professoras que fazem parte do coletivo da Estrela, na tentativa de identificar como
aconteceu a escolha profissional, principalmente pelo trabalho desenvolvido com crianças
desta faixa etária, associando as questões de gênero ao trabalho feminino. Por que Educação
Infantil?
Quando acabei o magistério, fui em busca do primeiro emprego, a gente não
escolhe em que área que vai, então fui em busca do primeiro emprego que
não é fácil depois que a gente sai do magistério, daí esse meu primeiro
emprego foi na educação infantil, eu acho que daí partiu o maior gosto
pelas crianças dessa idade, não é que eu escolhi isso, acho que veio em
função de ser do primeiro emprego e a partir daí surgiu (Mariana).
Na verdade foi o concurso, quando saiu um concurso era o único que eu
podia fazer pra Educação Infantil, hoje eu gosto, eu o sei se iria trocar,
porque eu tenho concurso pra séries iniciais não sei se eu iria trocar...
(Larissa).
84
Eu prestei um concurso, e quando a gente presta um concurso, a gente nem
sabe muito bem o que a gente vai fazer, porque quando pega o edital,
pega o que precisa, o que não precisa, porque tá entrando pra fazer o
concurso e daí depois no termo de posse tu vai ler mais ou menos quais são
as tuas funções, que depois que tu ta aqui dentro é uma realidade bem
diferente né, nossas funções são bem mais amplas, a gente é um pouco mãe,
um pouco de tudo aqui dentro, então não houve uma escolha propriamente,
eu fiz um concurso pra educação infantil de 30 horas, eu acredito que foi até
em função porque havia um número maior de vagas,... (Liane).
Pelas falas, observei que a necessidade de trabalhar, a buscar o primeiro emprego era
urgente, uma necessidade de sobrevivência. Larissa e Liane dizem ter permanecido com as
crianças pequenas após concurso para a Educação Infantil. Já Mariana afirma ser sua primeira
experiência como professora, diz que gostou e não quer trocar, não quer sair da Educação
Infantil. Observei também a preocupação, por parte das professoras, em justificar a sua
permanência neste campo de trabalho devido ao fato de relacionarem a Educação Infantil com
questões afetivas, gostar de crianças. Mas elas se contradizem em relação a isso quando falam
sobre a sua opção como uma escolha da família, ou uma necessidade da remuneração salarial
complementar na renda familiar. Pelo resultado das entrevistas, todas as professoras
selecionadas de acordo com o tema da pesquisa e que contribuíram com informações para a
mesma, são mulheres de origem de classe de baixa renda, filhas de trabalhadores rurais, ou
que residem em distritos no interior deste Município, necessitando estudarem na “cidade”.
Quanto à escolha para atuar com crianças no campo da Educação Infantil aconteceu
em conseqüência da busca de remuneração, pois não havia muitas outras opções. Isso se dá,
segundo as professoras pesquisadas, pela falta de experiência em outras áreas de trabalho,
conforme manifesta uma professora: “saímos muito novas do segundo grau, do magistério, e
parece ser mais fácil trabalhar com crianças pequenas, não nos exigem experiência, a gente
vai aprendendo no dia-a-dia”. Arrisco dizer que este poderia ser um fator que contribuiu, por
um longo período, para que a Educação Infantil fosse considerada como espaço de
assistencialismo. Historicamente, essas instituições tinham a função de substituir a família,
logo as profissionais tinham como principal atributo serem afetivas. Para isso não haveria
maiores exigências, como experiência profissional ou cursos de formação.
Ao questionar as professoras sobre suas escolhas neste campo de trabalho, procurando
refletir sobre as questões de gênero neste espaço educativo com atuação apenas de mulheres,
as mesmas afirmam que:
85
A Educação infantil ela ainda é marcada bastante pela questão de
maternidade, eu acho que esse é o ponto bem chave pra essa questão, por
isso existem tantas mulheres aqui dentro e de não ter nenhum homem. O
homem não traz por si a questão do cuidado, daquela parte de mãe, do
afetivo que uma mãe tem com uma criança, acho que é isso que marca
bastante essa questão da maternidade (Mariana).
A maternidade é um dos principais atributos revelados, permeia a fala das professoras
quando se referem ao trabalho com crianças pequenas. O aspecto afetivo parece ser atributo
feminino, apenas “gostar de crianças”, ainda está impregnado das marcas da mulher-mãe, pois
“se o destino da mulher era a maternidade, conseqüentemente, o magistério poderia ser
considerado como extensão da maternidade, no qual cada aluno poderia ser visto como um
filho espiritual” (OLIVEIRA, 2004, p. 170). Por esse ângulo, interrogo as professoras em
relação à possibilidade da presença de um homem atuando com crianças neste campo
profissional:
No início ia ser massacrado, mas as crianças iriam amar, principalmente os
maiores, as crianças precisam dessa presença, porque muitas de nossas
crianças não têm a presença de pai em casa, se tu for fazer um levantamento
aqui dentro da escola.., Então, falta essa presença masculina pra elas, até
porque um tempo atrás teve um professor de educação infantil que veio
uma tarde fazer atividades com as crianças, trepavam, subiam nele,
enlouqueciam, elas massacraram ele. Acho que será bem interessante, mas
eu acho difícil um homem vim aqui trabalhar o dia-a-dia, eu não imagino,
não imagino um homem trabalhando essa rotina que nós temos aqui dentro
com as crianças, como a rotina de um berçário de trocar uma criança, que
tu tem que pegar no colo para alimenta... Isso traz muita coisa por trás, o
teu pai te trocava quando tu era pequena? Os homens de hoje trocam, mas
vai demorar muito para ter homens fazendo concurso, digamos, trabalhando
nessa área, apesar da educação ter sido constituída basicamente de homens
professores (Mariana).
As falas dessas entrevistadas mostram como a ausência masculina é dada como fato
“naturalizado”. Creio que posso associar essa perspectiva com a historicidade da Educação
Infantil, em que a mesma foi por muito tempo, e ainda é, um campo de trabalho
predominantemente de mulheres. Segundo Rosemberg (1997 apud WESCHENFELDER,
2004, p. 191), ao discorrer sobre a desqualificação do trabalho na Educação Infantil, “o
magistério, nesse nível de ensino, é uma atividade considerada do nero feminino, exercida
sempre por mulheres com concepções ainda muito presas ao assistencialismo, suas marcas
vocacionais se baseiam nas qualificações como amor, treino e cuidado”. Essa probabilidade
de ter homens trabalhando com crianças pequenas também se evidencia na fala de Larissa e
Liane:
86
Eu não sei, olha é verdade a gente tem mulheres que trabalham, tanto
aqui na escola como a maioria das escolas são poucos homens professores.
Eles têm só representação feminina,não tem nenhum homem o único contato
é os pais que vem trazer e a grande maioria ainda são as mães que trazem,
os pais já estão indo para o trabalho... (Larissa).
Nunca tinha pensado a respeito, até porque eu conheci um rapaz que
trabalhou na Educação Infantil, eu não sei de outros casos de homens que
trabalham na Educação Infantil, e nunca me ocorreu de pensar sobre isso,
porque não, porque daqui a pouco pras crianças o tem um professor, um
tio,... isso seria importante até pela questão da identificação de meninos e
meninas que o se identificam,... até porque os homens não buscam muito
essa questão e não é só na Educação Infantil, e vem diminuindo ainda mais
os homens que trabalham com a educação até em função dos salários que
hoje é muito baixo e que o homem normalmente sustenta a família (Liane)
Através das entrevistas as professoras revelaram sua escolha profissional, trouxeram à
tona o passado, angústias, sonhos, desilusões e, talvez, muitos outros sentimentos que naquele
momento não foram caracterizados. Admitir que a família foi fundamental na escolha
profissional, fê-las repensar a sua função social, o somente como professoras das crianças
de Educação Infantil, mas, fundamentalmente, como profissionais que atuam e veiculam
representações referentes às identidades culturais, suas concepções e pré-conceitos sobre ser
mulher e, conseqüentemente, ser menina ou menino em nossa sociedade.
As professoras entrevistadas deixam transparecer que não foram preparadas para
refletir sobre os estereótipos que marcam jeitos de ser menino e de ser menina, nem para agir
neste contexto escolar através de situações concretas e cotidiana. Todas concordam, no
entanto, que muitas situações são transmissões de atitudes e expectativas sexistas na Escola
Infantil que favorecem a construção da imagem do que é ser menino e menina. Percebe-se que
quando foram orientadas por suas famílias quanto à escolha profissional, também atenderam a
expectativas de buscar trabalho e remuneração em um espaço que dava seqüência a atividades
familiares anteriores como dar catequese, ou porque eram muito novas para fazer outras
escolhas, então a família auxiliava indicando a opção pela afeição à criança, ou pela pretensão
à maternidade, como se fossem atender uma vocação.
Faz-se necessário considerar que tanto as escolhas profissionais, como os marcadores
identitários, sofrem influência de fatores econômicos, sociais, e culturais –, que atravessam
as escolhas determinando a profissão. Sob ponto de vista econômico, as professoras buscam a
profissão como possibilidade do aumento da renda familiar pela remuneração que recebem, já
pelo viés social e cultural o influenciadas pelo simbólico da cultura através dos discursos e
narrativas que estão convivendo na sociedade. As professoras também são modeladas em seu
87
modo de ser pelas narrativas, que segundo Costa (2006, p. 88), “instituem sentido,
hierarquizam e articulam relações especificas, fabricando significados. Tudo tem sido dito
sobre as professoras, sobre a docência, não apenas ‘fala-se sobre’, mas cria, inventa, institui”.
A maneira como essas mulheres foram interpeladas por suas famílias na perspectiva da
escolha profissional fez com que as mesmas acolhessem essas expectativas, participando do
jogo constitutivo das identidades, como afirmou a autora.
3.2 Representações de Professoras
Conforme referido no capítulo I deste estudo, no momento em que as crianças
passaram a ser separadas dos adultos, ou seja, quando a infância passou a ser
institucionalizada, dá-se o indicativo da necessidade de definir agentes educativos
profissionais que atuariam com essas crianças. Essa necessidade foi um dos fatores que
determinou a sua formação, bem como gerou novas possibilidades de analisar as
representações desses profissionais enquanto identidade cultural e de gênero.
No século XIX, essa área de atuação pertencia somente aos homens, por dominarem
as ciências e a aritmética; eram apreciados pela sociedade por deterem a posse do
conhecimento científico e técnico. Os estudos superiores estavam vedados às mulheres, sendo
permitidas apenas as escolas normais em conseqüência de “que a mulher exerce a profissão
magistério, envolvida por uma ideologia masculina que determinava e mesclava sua
influência na postura adotada pelas mulheres dentro e fora do lar” (OLIVEIRA, 2004, p. 163).
Essas concepções, marcadas pela distinção e elitismo, perpetuaram ao século XX. Foi a
partir da transformação da sociedade (industrialização e urbanização) e ascensão salarial
masculina que o magistério, até então exercido por homens, passou a ser concebido como
“vocação maternal”, ainda que este espaço de ação estivesse restrito à sala de aula, pois as
mulheres permaneceram por um longo período subordinadas às burocracias e aos cargos
administrativos escolares ocupados por homens.
Educadas dentro e fora da escola para serem submissas era-lhes natural a
percepção do conhecimento como algo exterior a si mesmas, algo fora de seu
alcance pela representação de si e da própria formação como limitada a
idéia era que o saber emanava do livro, do diretor, do topo da pirâmide
acadêmica ou administrativa de resto era desperdício conhecer
verdadeiramente para se ensinar crianças (CATANI, 1997, p. 28).
88
As considerações sobre o papel feminino na educação brasileira na perspectiva de que
à mulher cabia a vocação maternal, além de determinar o limite de instrução feminina,
também determinou o modo de ser de agir e de se perceber na sociedade, deliberando, desta
forma, características que foram assumidas como representações da função educadora ser
professora. De acordo com Silveira (2002), muitas das marcas de representações de
professoras que circulam em nossa sociedade estiveram e ainda estão presentes nas literaturas
infanto-juvenis, em que as docentes são apresentadas em situações de desvantagens política e
cultural, como a autora afirma, ora mulheres com imagem maternal, ora delineadas por gritos
e chiliques. A imagem maternal representa a vocação; a imagem dos chiliques representa o
mau humor, a bruxa. Imagens de docentes que, segundo Costa (2006, p. 85), “contribuem
para tornar ainda mais desfavorável a posição do magistério na política cultural de
representação e identidade”.
Costa (2006) afirma que as mulheres atuam neste campo por mais de 100 anos, o
processo de feminização da profissão docente ocorreu progressivamente a partir da década de
50 não no magistério primário, como também no secundário, assim como nas escolas
normais. O trabalho feminino também esteve associado à desvalorização econômica e social,
pois às mulheres cabiam as tarefas de ensinar trabalhos manuais com linha e agulha, enquanto
que aos homens cabiam as geometrias e demais conhecimentos. Destinadas a essa cultura
escolar dos trabalhos manuais e ao ensino das boas maneiras, das técnicas e na aceitação da
vigilância na forma moralista, penso que se foi adequando este campo de trabalho para o
Ensino Fundamental e, atualmente, a Educação Infantil para as mesmas.
A constatação de que essa área profissional é formada maciçamente por mulheres não
é coincidência, mas resultado do forte investimento das sociedades em destacar valores,
práticas e comportamentos considerados como femininos ou masculinos. Nesse estudo,
percebo um destaque para o cuidado e o zelo com a criança pequena, como condição
“natural” das mulheres, ou instinto materno. Como afirma Catani (1997, p. 39), “desde que os
seres humanos nascem, a masculinidade e a feminilidade são marcas que identificam cada
sexo e são impostas à psique da criança”. Essa é a forma que atua a cultura no
desenvolvimento da criança, por meio das construções históricas e culturais, e também na
identidade profissional do sujeito professora, na concepção de seus valores, hábitos, crenças,
modos de pensar e de agir.
Isto significa que a sociedade, a cultura como um todo, sinaliza a todo
instante quais são os comportamentos esperados e aprovados para homens e
89
mulheres. Por meio da mídia, da literatura e até dos brinquedos, mensagens,
imagens e representações complementam o trabalho que consiste em
prescrever como as pessoas de cada sexo devem ser e comportar-se
(CATANI, 1997, p. 40).
A propósito de ouvir professoras, Catani (1997) aposta que determinações de gênero e
suas relações sejam incluídas nos projetos de estudo, na pesquisa e na transformação das
práticas, ampliando progressivamente e produzindo maior visibilidade ao serem construídos
como objetos de investigação. Isso está de acordo com o que foi citado por Nóvoa (1994 apud
CATANI, 1997, p. 18), no sentido de construir uma narrativa que ajude o profissional a
enfrentar os dilemas educativos atuais, com objetivo “de favorecer um olhar para o modo
como o passado é trazido até o presente para disciplinar e normalizar as ações”. O que de
certa forma vem acontecendo quando se abre para discussão determinada temática como a
discussão sobre gênero:
Como eu te falava antes numa conversa, eu tenho dificuldade de
trabalhar com isso, não sei se porque a gente foi criada, tem muito acom
tua formação pessoal, mas eu sinto dificuldade em determinadas situações
em como proceder,... nas brincadeiras de roda tem às vezes meninos que
querem fazer papel de menina e vice-versa, eu procuro não enfatiza, não
fazer aquele escândalo que eu sei que isso daqui um pouco vai atrapalhar,
essa segurança eu tenho, de não marcar muito aquilo, deixar eles brincar,
eles tão brincando, tão representando, daí eu procuro não marca muito, mas
sou insegura, acho que é uma coisa que nós enquanto escola teríamos que
estudar mais (Marlene).
Nessa fala, a professora demonstra a sua preocupação e destaca a forma como foi
criada, relacionando a sua maneira de agir ao que vivenciou no seu passado. Fator que afirma
que, além de serem construídos social e culturalmente, os sujeitos professores e professoras
são profissionalmente construídos, marcados pela representação, processos sociais, pessoais e
culturais das suas experiências de formação e trajetória profissional/pessoal através do
passado e do presente. Por isso considero importante ouvir as professoras da Educação
Infantil, pois ao narrar suas trajetórias de vida, retomando à luz das questões presentes em sua
prática de sala de aula, a possibilidade de serem pensadas e repensadas questões
identitárias, tanto das crianças como dos adultos, uma vez que as identidades são produzidas
na linguagem e na cultura. Sendo estas produzidas desta forma, posso afirmar que meninos e
meninas são moldados como cravo ou rosa, assim como seus professores são constituídos
profissionalmente. Esse fator nos instiga a pensar que o gênero da Educação Infantil é um
espaço de trabalho predominantemente feminino e de constituição de sujeitos do gênero
masculino e feminino.
90
Imagem da música infantil o cravo brigou com a rosa, registrada como literatura por Luiz Duarte,
pela Editora Kuarup, em 1987 (Imagem nº 6).
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muitos pesquisadores afirmam que uma pesquisa não pode se dar por encerrada
porque ela nunca tem fim, mas seu autor precisa determinar esse momento mesmo que muitas
idéias possam ficar pendentes, talvez para um olhar futuro. Assim sendo, considero ter
chegado esse momento.
Antes de encerrá-la, entretanto, é preciso fazer as amarrações do que me propus
durante esta escrita. É como se estivesse neste momento fazendo as amarrações para a
construção de mais uma ponte. Utilizei a metáfora de Tânia Dauster (1996) para iniciar a
escrita da dissertação, agora a utilizo para falar sobre a travessia desta ponte, ou seja, o
significado deste trabalho para minha trajetória de vida pessoal e profissional.
Dessa ponte lancei novos olhares para questões já vividas no cotidiano da Educação
Infantil. Questões essas relativas à produção das identidades e suas relações em espaços de
convivência pedagógica numa escola dedicada à educação de crianças. As práticas sociais e
os discursos, aqui refiro-me às canções infantis, à literatura e às brincadeiras, “cercam os
sujeitos, produzindo e reproduzindo diferenças, distinções e desigualdades” (LOURO, 1998,
p. 87). Em minhas observações realizadas na Escola fui percebendo como através de
atividades rotineiras, lúdicas e nada inocentes, as crianças vão aprendendo de modo vagaroso
um jeito de ser menino e menina, de ser criança de seu tempo num espaço que lhes ensina
cores, formas, gestos, modos de ver, de sentir.
Posso dizer que fui embalada pela metáfora: O cravo e a rosa, canção do folclore
infantil utilizada durante o trabalho com as crianças da Escola Infantil. Essa canção ajudou a
problematizar o meu tema de pesquisa, uma vez que se apresenta como um par homem/
mulher de um modo um tanto fixo. Os referenciais teóricos, outros modos de olhar
descortinaram o meu olhar tão acostumado à concepção polarizada de gênero. As leituras
92
sobre os Estudos Feministas e os Estudos Culturais Contemporâneos, autores e autoras desse
campo de estudo, contribuíram para que eu percebesse que homens e mulheres, meninos e
meninas não se constituem apenas em identidades masculinas e/ou femininas, mas por outras
identidades como classe social, etnias, religiosidade, sexualidade e idade questão geracional
–, por exemplo.
Minha intenção em estranhar algumas das representações presentes no cotidiano da
Educação Infantil e que, conforme dizem pesquisadoras filiadas aos Estudos Feministas,
constroem mentes e corpos feminilizados e masculinizados dos sujeitos infantis, serviu para
que possamos discutir se ainda é preciso aceitar “naturalmente” a escolha dos brinquedos, das
cores, das atividades diferenciadas de acordo com cada gênero, pois as próprias crianças não o
fazem. Enfim, talvez possamos nos perguntar: o que aprendemos e como ensinamos sobre as
brincadeiras que meninos e meninas praticam? Será que devemos ver como natural o fato de
que meninos e meninas possuem papéis e comportamentos pré-determinados?
Conforme constatado através das falas dos sujeitos da pesquisa e das observações, as
próprias crianças nem sempre distinguem brincadeiras por gênero de modo tão fixo. No
entendimento de Britzman (1996 apud LOURO, 1998), esse jeito de dividir o mundo é algo
produzido pelos adultos e presente na cultura. Como bem nos ensinam as feministas, o modo
como vivemos nossa masculinidade ou feminilidade, ou seja, nossa identidade de gênero, é
alvo de ações e normalizações produzidas pela escola e outras instituições. Creio que
podemos aprender com as crianças, pois elas podem nos ajudar a desnaturalizar a fixidez de
papéis e/ou posição de sujeitos.
Ao desenvolver a investigação, percebi que as crianças manifestam sua compreensão a
partir das vivências presentes em diferentes situações de aprendizagens, como: cantar, ouvir
histórias e brincar. Essas atividades culturais são constituidoras de identidades infantis,
organizando tempo, rituais, posturas e jeitos de ser menino ou menina, de acordo com a
realidade do seu meio social. o é somente a escola, mas diversas instituições, com seus
discursos e práticas sociais ao longo da vida, que nos constituem em diferentes identidades,
sejam elas masculinas ou femininas, produzidas por diferentes discursos sociais que
descrevem jeitos de ser.
As canções, literaturas e brincadeiras são mecanismos culturais da produção e da
naturalização daquilo que é da identidade feminina e daquilo que é da identidade masculina.
Esses mecanismos trazem uma herança cultural transmitida para as crianças. Isso significa
93
considerar que, muito além dos produtos de consumo adquiridos pelas famílias, vem inserido
um conjunto de valores consumidos e reproduzidos através da repetição e da aquisição de
“objetos” e da linguagem.
As representações de nero e geração idade –, presentes nas vivências dos sujeitos
envolvidos pela pesquisa, de modo a constituir identidades marcadas pelas concepções
teóricas, abordadas no segundo capítulo, levaram-me a melhor compreender os próprios
conceitos de identidade, gênero e representação. Essas representações estão presentes no
cotidiano das crianças em diferentes situações de aprendizagens, através das músicas infantis,
brincadeiras e literaturas. Estas linguagens veiculam distintas posições de sujeito e mostram a
diferença relacional através das representações do feminino e do masculino como construção
histórica, social e cultural, as quais constroem modos de ser menino e menina.
As narrativas das professoras (sujeitos da pesquisa) em relação a escolhas
profissionais, deixam claro que um forte investimento da sociedade em destacar valores,
práticas e comportamentos considerados como femininos ou masculinos, quando se faz a
escolha da profissão. Segundo estudiosas sobre esse tema, a atuação feminina está
incorporada à representação de professoras e permanece “fabricando significados”,
relacionando-as com a questão da afetividade e a função materna. Essa visão contribuiu
historicamente para a Educação Infantil ser considerada assistencialista com função de
substituir a família. Atuação essa que recentemente passou a ser problematizada e
reconhecida.
Concordo com a reflexão de Catani (1997), ao sublinhar a necessidade de que
problematizações referentes a questões de gênero e suas relações sejam incluídas nos projetos
de estudo, na pesquisa e na transformação das práticas pedagógicas, ampliando
progressivamente e produzindo maior visibilidade ao serem construídos como objetos de
investigação. Essa proposição contribuirá, certamente, no sentido de se construir uma
narrativa que ajude o profissional a enfrentar os dilemas educativos atuais. De certa forma,
isso vem acontecendo quando se abre para discussão determinada temática como essa de
gênero no contexto da Educação Infantil.
Não podemos esquecer de que a identidade profissional do sujeito professora se por
meio das construções históricas e culturais, e também na concepção de seus valores, bitos,
crenças, modos de pensar e de agir. Dessa forma, é imprescindível, é muito importante ouvir
as professoras para que, ao rememorarem sua história, percebam que suas identidades e, aqui
94
me refiro à identidade sexual, de gênero, de classe social, de etnia, de religiosidade são
produzidas e marcadas pelo social e cultural.
O ponto de chegada de uma dissertação não é o fim, mas a forma encontrada de
expressar uma caminhada que se constitui na busca de referenciais, análise de narrativas, a
partir de reflexões associadas a experiências pedagógicas enquanto educadora atuando na
Educação Infantil e também como pessoa. De certa forma, posso dizer que nas pontes que
construímos a cada dia, por elas muitos meninos e meninas passarão e serão moldados como
cravo ou como rosa, os quais se tornarão homens e mulheres constituídos social e
culturalmente. Esperamos que a discussão, os estudos e a reflexão sobre esse tema levem as
pessoas a renovarem suas idéias e suas atitudes assim como a água que passa embaixo da
ponte, que nunca é a mesma.
95
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WESCHENFELDER, Noeli Valentina. A identidade sociocultural das crianças da
periferia urbana de Ijuí e o processo de alfabetização. Santa Maria: UFSM, 1995
(Dissertação de Mestrado).
102
ANEXOS
103
Anexo 1
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Esta pesquisa tem por objetivo dialogar com as crianças, meninos e meninas, da turma
do Jardim II da Escola Infantil Branca de Neve, observando, registrando alguns momentos e
utilizando histórias infantis sobre as suas representações quanto às questões de gênero. Para
isso, serão realizados alguns encontros, no próprio período de aula, de aproximadamente 2
horas diárias, 2 ou 3 vezes na semana. Esses encontros serão planejados de diferentes
maneiras: leitura de histórias, problematização de tais histórias e de algumas representações
de gênero através de perguntas de caráter aberto, permitindo a maior abertura para a
participação das crianças, solicitando o uso de diferentes linguagens como desenhos, pinturas,
músicas, brincadeiras livres e orientadas etc.
Realizarei também observações das manifestações das crianças nos diferentes
momentos da rotina pedagógica da Escola.
Também realizarei entrevistas com algumas professoras, que m interesse em
contribuir com esta pesquisa, a fim de dialogar sobre qual é o gênero da educação infantil,
diante do trabalho desenvolvido por mulheres.
As informações e os resultados desta pesquisa estarão sob sigilo ético, não sendo
mencionados os nomes dos participantes, nem da escola em nenhuma apresentação oral ou
trabalho escrito que venha a ser publicado.
Pelo presente termo de consentimento, declaro que fui informada dos objetivos, da
justificativa para a realização dessa pesquisa, bem como dos procedimentos a que meu/minha
filho/a será submetido/a.
A pesquisadora responsável por esta pesquisa é Licenciada em Pedagogia Educação
Infantil Jussara Pietczak Appelt, ex-funcionária desta Escola, professora de Educação
Infantil de uma escola da rede particular, aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação
nas Ciências UNIJUÍ, Mestranda orientada pela Profª Drª Noeli Valentina Weschenfelder,
professora do curso de Pedagogia, Coordenadora do curso de Especialização em Educação
Infantil e professora do Mestrado - UNIJUÍ.
Ijuí,______Dezembro de 2005.
_________________________________ _________________________________
Assinatura do/a responsável pelo/a aluno/a Assinatura da pesquisadora
104
Anexo 2
LITERATURAS INFANTIS CITADAS NA PESQUISA
- Faca sem ponta galinha sem pé. Ruth Rocha. São Paulo: Ática, 2005, 7. ed.
- Procurando firme. Ruth Rocha. São Paulo: Ática, 2005, 7. ed.
- Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias. Ruth Rocha. Rio de Janeiro:
Salamandra, 1976, 31. ed.
- Mariana. Maria Lucia Amaral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985, 3. ed.
- Menino brinca com menina? Regina Drumond. São Paulo: Melhoramentos, 1999.
- Por que meninos têm pés grandes e meninas têm pés pequenos? Sandra Branco. São
Paulo: Cortez, 2004.
- Zero zero alpiste. Mirna Pinsky. São Paulo: Ática, 1990, 10. ed.
- Joana banana. Cristina Porto. São Paulo: Melhoramentos, 1985, 4. ed.
- O menino que brincava de ser. Georgina Costa Martins. São Paulo: DCL, 2000, 2. ed.
- Aninha e João. Lúcia Miners. São Paulo: Ática, 1982, 4. ed.
105
Anexo 3
QUESTÕES DA ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS
Dados para a pesquisa
Nome:
Idade:
Formação:
Tempo de trabalho:
Perspectiva de trabalho:
Entrevista
1. Que lembranças guarda dos primeiros contatos com a escola na infância?
2. Como fez a escolha profissional? E quais os fatores histórico-sociais que determinaram a
sua escolha pela profissão?
3. Como você vê as questões salariais que o Magistério enfrenta?
4. Qual a sua trajetória acadêmica? Formação (por quê)?
5. Por que Educação Infantil?
6. Quais atributos são necessários para ser professora de Educação Infantil?
7. Qual é o perfil/imagem de ser professora da Educação Infantil? E qual a postura?
8. Como é ensinar e avaliar na Educação Infantil? Você conhece a Proposta Político-
Pedagógica da Escola, o que diz sobre ensinar e avaliar?
9. Como você percebe as questões de gênero no cotidiano? Na sala, nas canções, nas
brincadeiras, nas literaturas, nas roupas...
10. Como você trabalha com essa questão nas representações e nas relações entre meninos e
meninas?
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