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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
Tiago Cappi Janini
COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA: ANÁLISE DO PROCESSO DE
CAUSALIDADE JURÍDICA PARA FINS DE EXTINÇÃO DA
OBRIGAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
Tiago Cappi Janini
COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA: ANÁLISE DO PROCESSO DE
CAUSALIDADE JURÍDICA PARA FINS DE EXTINÇÃO DA
OBRIGAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em
Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, sob orientação da Profa. Doutora Clarice Von
Oertzen de Araujo.
São Paulo
2008
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Banca Examinadora
Aos meus pais Antonio (in memorium) e Sonia, e
ao meu irmão Antonio Alberto.
AGRADECIMENTOS
Por problemas de afasia, certamente algum nome ficará de fora desta lista, porém não
significa que o meu reconhecimento pelo apoio e conselhos não deixe de atingir a todos que
colaboraram com a feitura desta dissertação.
A todos os meus familiares que sempre estiveram presentes no caminho desse
estudo.
À Clarice von Oertzen de Araujo, pela inestimável colaboração. Sem seu trabalho de
orientação, sempre dedicado, atencioso e cuidadoso, nada teria sido alcançado.
Aos professores com quem tive o privilégio de estudar no COGEAE e no mestrado:
Roque Antonio Carrazza, Celso Fernandes Campilongo, Marcelo de Oliveira Figueiredo,
Tacio Lacerda Gama, Maria Rita Ferragut, Robson Maia Lins, Tárek Moysés Moussallem,
Fabiana Del Padre Tomé, Ercias Rodrigues de Sousa, Daniela de Andrade Braghetta e Eurico
Marcos Diniz de Santi. Aos professores de minha graduação, em especial a Julio da Costa
Barros.
Aos grandes amigos que o estudo nos proporciona, Frederico Seabra de Moura,
Danilo Aoad Gimenez, Raquel Mercedes Motta, Marcos Feitosa, Diego Bomfim, Rodrigo
Dalla Pria, Maíra Oltra, Charles McNaughton, Rubya Floriani, Alexandre Pacheco, Samuel
Gaudêncio, Patrícia Fudo, Thiago Boscoli Ferreira, Marcelo de Carvalho Lima, Luiz Paulo
Gomes, Vanessa Canado, Miguel Martucci e Ronny Pereira.
A todos os amigos do escritório Paiva & Arruda que sempre me apoiaram e me
incentivaram no presente trabalho desde o seu nascimento. Taís Amaral, obrigado pela
paciência na ajuda da formatação deste trabalho.
Ao professor Paulo de Barros Carvalho, pela oportunidade em participar deste seleto
grupo de estudiosos.
À CAPES, agradeço pelo financiamento de boa parte dos meus estudos, e à PUC/SP
por me permitir aprender com grandes mestres do direito.
[...] Palavras não são más
Palavras não são quentes
Palavras são iguais
Sendo diferentes [...]
(Marcelo Fromer / Sérgio Britto)
JANINI, Tiago Cappi. Compensação tributária: análise do processo de casualidade
jurídica para fins de extinção da obrigação jurídica tributária. 2008. 280 f. Dissertação
(Mestrado em Direito), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2008.
RESUMO
O objetivo do trabalho consiste na análise da causalidade jurídica das normas
envolvidas na compensação tributária. Descrevem-se as cadeias de positivação das
normas que vão constituir o fato jurídico da compensação, ou seja, a formalização do
crédito tributário e a constituição da relação de débito do Fisco, e das normas que
determinam a relação jurídica da compensação. Dedica-se ao estudo de três maneiras
possíveis para se extinguir a obrigação tributária sob a ótica da compensação, de
acordo com o sujeito emissor da norma individual e concreta: (i) pela autoridade
administrativa; (ii) pelo contribuinte; e (iii) pela autoridade judiciária. Utiliza-se o
método do constructivismo lógico-semântico, abordando o direito como um processo
comunicacional, construído, modificado e extinto somente por meio de linguagem
jurídica competente. Em face das premissas, identificam-se várias cadeias de
positivação de normas da compensação tributária, sempre se encerrando com a
produção de uma norma individual e concreta cujo conteúdo é a extinção da relação
jurídica tributária. Este estudo evidencia que a compensação tributária é um ato
jurídico complexo, necessitando de vários fluxos normativos para atingir seu
objetivo.
Palavras-chave:
Compensação tributária; Extinção do crédito tributário; Processo de
positivação de normas.
JANINI, Tiago Cappi.
Tax compensation:
analysis of the judicial causality for the tax
judicial obligation’s extinction.
2008. 280 f.
Dissertation (Master of Law)
, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.
ABSTRACT
The work’s purpose is to analyse the judicial causality of the rules of law included in the tax
compensation. Describe the rules accomplishment series that will compose the compensation
judicial fact, that is, the tax credit formalization and the Treasury debit relation, and the rules
that composes the compensation judicial relation. Devote to study the three possible ways to
supress the tax obligation under compensation view, in accordance with the individual and
concrete rule sender: (i) for the administrative authority; (ii) for the taxpayer; (iii) for the
judiciary authority. Use the logic-semantic construction method, approaching the law like a
communication process, constituted, modified and extinted only for judicial language. In
view of the premise, identify several rules accomplishment series of the tax compensation,
always finishing with the individual and concrete rule production whose content is the tax
judicial relation’s extinction. This study make evident that tax compensation is a complex
judicial act, needing several rules accomplishment series to hit yours objective.
Keywords:
Tax compensation; Tax credit’s extinction; Rules accomplishment series.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................12
2
LINGUAGEM E DIREITO......................................................................................18
2.1 Realidade, conhecimento e linguagem.................................................................18
2.2 O Direito e a virada lingüística................................................................................23
2.3 A realidade social e a realidade jurídica...............................................................26
2.4 O direito como um sistema autopoiético..............................................................29
3 O DIREITO COMO UM FENÔMENO COMUCACIONAL.............................. 31
3.1 Um modelo comunicacional do Direito................................................................31
3.2 As normas jurídicas como mensagem ..................................................................34
3.2.1 Classificação das normas jurídicas.....................................................................38
3.2.1.1 Normas de estrutura e normas de comportamento.......................................39
3.2.1.2 Norma superior e norma inferior....................................................................41
3.2.1.3 Normas gerais e individuais, abstratas e concretas .......................................43
3.2.1.4 Normas primárias e normas secundárias .......................................................43
3.3 O código no processo comunicacional do direito................................................45
3.4 O canal físico da comunicação do direito.............................................................48
3.5 O destinatário e o emissor da norma jurídica ......................................................51
3.6 O contexto na comunicação jurídica.....................................................................51
3.7 A interpretação do direito em conformidade com o modelo
comunicacional proposto.............................................................................................53
4 A FENOMENOLOGIA DA INCIDÊNCIA DA NORMA
JURÍDICA TRIBUTÁRIA ..........................................................................................56
4.1 Ser e dever-ser: a importância do processo de positivação da norma jurídica .56
4.2 O fenômeno da incidência e a produção da norma individual e concreta........59
4.3 O fluxo da causalidade jurídica.............................................................................63
4.4 Fontes do direito positivo ......................................................................................64
4.5 Competência tributária ..........................................................................................68
4.5.1 A questão da validade na produção normativa................................................72
4.6 Ação, norma e procedimento ................................................................................73
4.7 A fenomenologia da produção normativa ...........................................................79
5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA RELAÇÃO
JURÍDICA TRIBUTÁRIA ..........................................................................................86
5.1 Uma breve análise sintática da relação jurídica...................................................86
5.2 Descrevendo a relação jurídica: um conceito fundamental ................................88
5.3 A relação jurídica obrigacional..............................................................................89
5.4 Relação jurídica efectual e relação jurídica intranormativa................................92
5.5 A obrigação tributária ............................................................................................94
6 A CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO ............................................96
6.1 Definindo as expressões crédito tributário e débito do fisco....................................96
6.2 O processo de positivação de constituição do crédito tributário .......................97
6.3 A regra-matriz de incidência tributária................................................................99
6.3.1 O antecedente da regra-matriz de incidência tributária...................................100
6.3.1.1 Tempo do fato e tempo no fato..............................................................................102
6.3.2 O conseqüente da regra-matriz de incidência tributária..................................104
6.4 O ato de aplicação da regra-matriz de incidência tributária ..............................106
6.5 O processo de positivação da norma jurídica tributária mediante ato de
aplicação da autoridade administrativa.....................................................................107
6.5.1 Acepções para a expressão lançamento tributário...............................................107
6.5.2 O processo de produção do ato-norma lançamento.........................................111
6.5.3 O produto decorrente do ato-fato lançamento..................................................113
6.5.4 Descrição da fenomenologia da incidência da norma jurídica tributária
com o ato de aplicação realizado pela autoridade administrativa...........................115
6.6 O processo de positivação da norma jurídica tributária mediante ato de
aplicação do particular (autolançamento ou lançamento por homologação).........117
6.6.1 O eixo de positivação da constituição do crédito tributário por norma .........
individual e concreta expedida pelo particular.........................................................119
6.6.1.1 O ato de produção de normas .........................................................................121
6.6.1.2 A norma introduzida: o ato-norma autolançamento.....................................122
6.6.2 O ato de homologação na fenomenologia do autolançamento .......................123
7 FORMAS DE EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ...........................127
7.1 Sobre a extinção da relação jurídica......................................................................127
7.1.1 A resolução do conflito de normas ....................................................................129
7.2 A extinção da obrigação tributária........................................................................133
7.3 Formas de extinção da obrigação tributária.........................................................135
7.3.1 O pagamento........................................................................................................136
7.3.2 A transação...........................................................................................................139
7.3.3 A remissão............................................................................................................141
7.3.4 A prescrição e a decadência................................................................................142
7.3.4.1 A decadência.....................................................................................................143
7.3.4.2 A prescrição.......................................................................................................144
7.3.5 A conversão de depósito em renda....................................................................146
7.3.6 O pagamento antecipado e a homologação.......................................................147
7.3.7 A consignação em pagamento............................................................................148
7.3.8 A decisão administrativa irreformável ..............................................................149
7.3.9 A decisão judicial passada em julgado..............................................................149
7.3.10 A dação em pagamento de bens imóveis ........................................................149
8 A CONSTITUIÇÃO E EXTINÇÃO DO DÉBITO DO FISCO............................151
8.1 A relação de débito do Fisco..................................................................................151
8.2 As relações de débito do Fisco...............................................................................152
8.3 A relação de débito do Fisco nos tributos não-cumulativos...............................152
8.4 A relação de débito do Fisco nos casos de retenção na fonte .............................154
8.5 A relação de débito do Fisco nos empréstimos compulsórios............................156
8.6 O pagamento indevido e a relação de débito do Fisco repetição.......................158
8.6.1 A regra-matriz de repetição................................................................................160
8.6.2 Hipóteses de constituição do débito do Fisco repetição...................................161
8.6.3 A extinção da relação de débito do Fisco ..........................................................163
8.6.4 O tributo indevido, a penalidade pecuniária indevida e a correção
monetária ......................................................................................................................165
9 TEORIA GERAL DA COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA.....................................169
9.1 Definição do conceito de compensação................................................................169
9.2 Espécies de compensação ......................................................................................170
9.3 A compensação tributária e o Direito Civil..........................................................172
9.4 Requisitos essenciais para a compensação tributária..........................................176
9.4.1 A exigência de existir a relação jurídica tributária e a relação de débito do
Fisco...............................................................................................................................177
9.4.2 Reciprocidade da relação jurídica tributária e da relação de débito do
Fisco...............................................................................................................................178
9.4.3 Homogeneidade das relações jurídicas envolvidas na compensação.............178
9.4.4 A liquidez e certeza do crédito tributário e do débito do Fisco.......................179
9.4.5 A necessidade de expressa permissão legal ......................................................182
9.4.5.1 Brevíssimo escorço histórico da legislação ordinária acerca da
compensação tributária................................................................................................182
9.5 O processo de positivação da norma de compensação .......................................183
9.6 A norma individual e concreta da compensação: a extinção da
obrigação tributária......................................................................................................189
10 A COMPENSAÇÃO DE OFÍCIO.........................................................................192
10.1 A norma geral e abstrata da compensação de ofício .........................................192
10.2 O procedimento da compensação de ofício e o Decreto 2.138/97.....................196
11 A AUTOCOMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA.........................................................200
11.1 A evolução legislativa no tempo .........................................................................200
11.2 A aplicação da legislação da compensação no tempo.......................................202
11.3 A norma geral e abstrata da autocompensação .................................................210
11.3.1 A autocompensação das multas pecuniárias ..................................................212
11.4 A norma individual e concreta da autocompensação .......................................213
11.5 A homologação da norma individual e concreta da autocompensação ..........215
11.5.1 O emissor da norma individual e concreta da autocompensação e o art.
166 do CTN ...................................................................................................................217
11.6 A homologação da norma individual e concreta da autocompensação ..........221
11.6.1 Conseqüências da não homologação da declaração de compensação..........222
11.6.1.1 A prescrição do Fisco no caso de não homologação da declaração
de compensação............................................................................................................224
11.7 A autocompensação considerada não-declarada...............................................227
11.8 O prazo para o contribuinte produzir a enunciação-enunciada
da autocompensação....................................................................................................233
11.8.1 A decadência e a Lei Complementar 118/05....................................................236
11.8.2 Decadência na hipótese de a relação de débito do Fisco ser constituída
por decisão judicial ......................................................................................................237
12 A COMPENSAÇÃO JUDICIAL...........................................................................240
12.1 A compensação tributária em crise.....................................................................240
12.2 O prazo prescricional para o contribuinte se valer do processo judicial no
caso da compensação ...................................................................................................241
12.3 A norma individual e concreta inserida no sistema pela
Autoridade Judiciária ..................................................................................................243
12.4 A compensação judicial e o art. 170-A do CTN .................................................246
CONCLUSÃO..............................................................................................................250
REFERÊNCIAS ............................................................................................................266
12
INTRODUÇÃO
Sabe-se que as palavras são potencialmente vagas e ambíguas, e a expressão
compensação tributária não foge dessa regra. Por isso, muitas vezes, os estudiosos, sem
se atentarem para esse problema, mesclam o instituto sob as perspectivas de norma
jurídica, fato jurídico, relação jurídica, procedimento, veículo introdutor, etc.
A compensação tributária se enquadra como uma das formas de extinção da
obrigação tributária escolhida pelo CTN (art. 156, II). Somente ocorrerá esse
fenômeno com a edição da norma individual e concreta que documente a incidência
da norma de compensação, ou seja, por meio de linguagem jurídica competente.
Apesar de estar previsto no Código Tributário Nacional desde 1966, o
instituto da compensação tributária obteve progressos apenas com a edição da Lei
8.383/91. Posteriormente, adveio a Lei 9.430/96, com as suas ulteriores modificações
pelas Leis 10.637/02, 10.833/03 e 11.051/04, determinando o vigente procedimento da
compensação.
Boa parte da doutrina define a compensação como um encontro de contas
1
,
em que os sujeitos da relação jurídica são credores e devedores uns dos outros e
aproveitam essa situação para extinguir as obrigações recíprocas. Entretanto, lembre-
se que o termo compensação tributária é usado em diversas acepções. Conforme atesta
Eurico de Santi, compensação é norma, fato e relação jurídica
2
.
Analisando a fenomenologia da incidência da norma de compensação, fica
assente que é necessária a existência de duas relações jurídicas para que ela ocorra:
uma que determina o crédito tributário; e outra que determina a relação de débito do
Fisco. Além dessas, uma terceira relação que é a própria compensação cuja
finalidade é extinguir a obrigação tributária.
1
Confira-se, por exemplo, José Eduardo Soares de MELO, Curso de direito tributário, p. 251; Orlando GOMES,
Obrigações, p. 129; Hugo de Brito MACHADO, Curso de direito tributário, p. 232; Ruy Barbosa NOGUEIRA, Curso
de direito tributário, p. 315; Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro, p. 298.
2
Compensação e restituição de “tributos”. Repertório IOB Jurisprudência, n. 03, p. 68.
13
A primeira relação jurídica, resultado do processo de positivação da regra-
matriz, irá constituir o crédito tributário determinando os sujeitos da obrigação
tributária, bem como a quantia que deve ser recolhida a título de tributo. Esse
vínculo somente ingressa no mundo do direito por meio de uma norma individual e
concreta, que pode ser expedida tanto pela autoridade administrativa (lançamento)
como pelo particular (lançamento por homologação).
O outro eixo de positivação de normas se encerra com a norma individual e
concreta que estipula o débito do Fisco. Aqui se encontra o Fisco na posição de
sujeito passivo; e o contribuinte está no pólo ativo da relação. Inverte-se a situação
prescrita na relação jurídica anterior que institui o crédito tributário: o Fisco é
devedor; e o contribuinte, o credor.
Ao eleger a compensação como forma de extinguir a relação jurídica
tributária, tem-se o início de um novo eixo de positivação de normas, que culminará
com a produção de uma norma individual e concreta cujo conseqüente prevê a
extinção das relações. É outro eixo de positivação de normas que se inicia, a
compensação tributária. Eis o objeto essencial do estudo proposto: analisar o
procedimento a ser seguido para se produzir uma norma individual e concreta de
compensação, fulminando a obrigação tributária. Outro corte metodológico que
delimita o estudo apenas às compensações tributárias realizadas no âmbito federal,
regidas, principalmente, pela Lei 9.430/96.
Parte-se da distinção processo/produto para se analisar com acuidade o
procedimento de produção da norma individual e concreta inserida no sistema
jurídico com o escopo de extinguir a obrigação tributária. É essa norma que i
realizar o cálculo relacional entre o crédito tributário e o bito do fisco. Assim, a
compensação, consoante observou Eurico de Santi, pode ser vista como processo,
fenômeno interproposicional entre duas relações distintas, e como produto, resultado
dessa interação relacional
3
.
A compensação é o ato (norma individual e concreta) que encerra a cadeia
3
Compensação e restituição de “tributos”. Repertório IOB Jurisprudência, n. 03, p. 66.
14
normativa da obrigação tributária. Para que se dê esse término de positivação é
preciso que a pessoa competente para sua emissão observe o procedimento descrito
em normas do direito positivo. São as normas que dizem como produzir outras
normas.
Diante desse fenômeno complexo que é a compensação, julga-se oportuno
realizar um estudo que busque diferenciar o procedimento, o ato e a norma da
compensação tributária, traçando o seu processo de positivação, aatingir o nível
máximo de concretude e individualidade, culminando com a extinção da obrigação
tributária.
O trabalho pretende, portanto, estudar toda a causalidade jurídica que
envolve a compensação tributária, até atingir a finalidade prevista no art. 156, II, do
CTN: extinguir a obrigação tributária. Assim, devem-se analisar a compensação
tributária e seus requisitos, desde o enfoque das normas que constituem o crédito
tributário e a relação de débito do Fisco, bem como a norma jurídica da compensação
cujo conteúdo prescreve a relação jurídica da compensação, o procedimento da
compensação e o fato jurídico da compensação como fenômenos distintos que são.
Toda pesquisa pressupõe um método, entendido como o procedimento de
investigação organizado que garante a obtenção de resultados válidos
4
. É o caminho
a ser percorrido para se resolver um problema. O direito, como objeto, é
pluridimensional, possibilitando sua abordagem por diversos ângulos
5
ou por
diversos métodos.
Toda observação é um procedimento seletivo
6
. A ciência realiza cortes no real
delimitando o seu objeto, porquanto não é possível esgotar a realidade. Ensina
Lourival Vilanova que: “A realidade é sempre mais rica em determinação que o seu
correspondente conceito, e este mais pobre que a intuição dessa realidade. Da
multiplicidade de coisas, fenômenos, propriedades, atributos, relações, o conceito
4
Nicola ABBAGNANO, Dicionário de filosofia, p. 668.
5
Tercio Sampaio FERRAZ JR., Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa, p. 05.
6
José Souto Maior BORGES, Obrigação tributária: uma introdução metodológica, p. 22.
15
escolhe alguns. Tem ele função seletiva do real”
7
. A descrição de um objeto, portanto,
é sempre feita sob um aspecto, um ponto de vista. Sempre haverá algo mais para se
falar acerca desse objeto. Por isso, imperioso efetuar cortes no sentido de delimitação
do objeto a ser estudado, mesmo assim, alerte-se que não será possível esgotá-lo.
A análise aqui proposta pressupõe a divisão do direito em direito positivo e
ciência do direito. O direito positivo, identificado como o plexo de normas válidas
num certo tempo e espaço, é o objeto de estudo da ciência do direito. O ponto de
partida para se realizar o estudo do direito são os enunciados prescritivos, o que
pode ser feito por meio de três planos: (i) sintático, em que se estuda o processo de
produção do enunciado; (ii) semântico, plano em que o intérprete constrói as normas
jurídicas; e (iii) pragmático, quando a análise se volta para a maneira como os
emitentes e destinatários da linguagem jurídica a utilizam
8
. Aqui há a primeira
demarcação deste trabalho: o estudo do direito brasileiro positivo. A opção
metodológica consiste em circunscrever a investigação científica às normas válidas
no sistema jurídico positivo, porém sem desconsiderar outras formas de se analisar o
objeto. É o que esclarece José Souto Maior Borges
9
:
Quando as proposições descritivas da ciência do Direito se voltam
exclusivamente sobre o ordenamento jurídico positivo, pode-se dizer
que essa orientação envolve uma postura metodológica, consistente
na opção pelo positivismo jurídico. Não se trata de uma posição
ideologicamente positivista; ela apenas desconsidera, no âmbito de
suas investigações, quaisquer outros tipos de abordagem estranhos
ao estudo do ordenamento jurídico vigente. Não nega a existência de
outros campos de investigação legítima, como a Sociologia do Direito.
É metodologicamente positivista, porque o seu todo consiste em
descrever o direito positivo – e só este.
atuando dentro do direito positivo realiza-se outro corte metodológico,
separando-se as normas de direito tributário. E, por fim, ingressando no ramo direito
tributário, a ênfase será nas regras que tratam da compensação como forma de
extinção da obrigação tributária nos dizeres do art. 156 do CTN, principalmente
7
Sobre o conceito de direito, Escritos jurídicos e filosóficos, p. 6-7.
8
Gabriel IVO, Norma jurídica: produção e controle, p. 01.
9
Obrigação tributária: uma introdução metodológica, p. 98.
16
quando realizada sob os auspícios da Lei 9.430/96.
Assim, para se estudarem as regras da compensação tributária, o método
jurídico adotado é a análise lingüística do direito positivo, aceitando-o como um
fenômeno comunicacional, de acordo com as teorias de Paulo de Barros Carvalho e
Gregorio Robles. Aceita essa premissa, a Semiótica assume lugar de relevo nesta
pesquisa, permitindo a investigação da linguagem jurídica em três planos: o
sintático, o semântico e o pragmático.
O tema proposto fundamenta-se, portanto, na escola do constructivismo
lógico-semântico, defendida e desenvolvida por Paulo de Barros Carvalho. Com isso,
será traçado um caminho com uma profunda verificação semântica e lógica dos
conceitos jurídicos, tendo como pano de fundo a compensação tributária.
Parte-se da premissa que a linguagem é elemento essencial à constituição do
direito. Dentro do processo de positivação das normas, que consiste no caminho que
se inicia com as normas da mais ampla generalidade e abstração até chegar aos níveis
máximos de individualidade e concreção, o fenômeno lingüístico é imprescindível
para constituir o fato jurídico e determinar a relação jurídica que deve ser seguida.
Nesse ponto cabe destacar a norma individual e concreta como o
instrumento normativo que avança em direção ao comportamento das pessoas, na
tentativa de o sistema jurídico alimentar suas expectativas de efetiva regulação das
condutas humanas.
Para se seguir o encadeamento lógico do processo de positivação das normas
de compensação, serão trabalhadas categorias da Teoria Geral do Direito, da
Epistemologia e da Axiologia jurídicas, bem como os campos da Lingüística, da
Semiótica e da Teoria da Comunicação.
Assim, o desenvolvimento do presente trabalho pode ser divido em três
partes em virtude do objeto de estudo. A primeira, importante para a fixação das
premissas metodológicas, consiste na demonstração do direito como um fenômeno
comunicacional e está identificada nos dois primeiros capítulos. O inicial dedica
espaço para o estudo da linguagem como forma de conhecer a realidade; é por meio
17
da linguagem que o homem tem acesso ao mundo físico. Nesse contexto deve-se
incluir o direito como objeto cultural que é, constituído essencialmente por
linguagem e, por meio dela, ele se realiza e se transforma. No terceiro capítulo, o
enfoque será o direito como um processo comunicacional. Em razão da sua essência
lingüística, o direito pode ser estudado como um grandioso processo de
comunicação.
A segunda parte da dissertação concentra energia sobre assuntos
relacionados ao âmbito tributário, demarcando, principalmente, as premissas para se
analisar o fenômeno do processo de positivação da compensação tributária. Com
isso, no capítulo quarto, o estudo abrangerá a fenomenologia da incidência da norma
jurídica e o percurso que deve percorrer para atingir os mais elevados níveis de
individualidade e concretude. Analisar-se-ão institutos como: processo de
positivação de normas; fontes do direito; competência tributária; e o procedimento de
produção de normas. Os capítulos quinto, sexto, sétimo e oitavo podem ser incluídos
também nessa etapa, pois versam, respectivamente, sobre a obrigação tributária; a
constituição do crédito tributário; a sua extinção e a formalização do débito do Fisco,
traçando as peculiaridades inerentes a cada eixo de positivação.
Delimitadas as premissas essenciais para o estudo específico da
compensação, a última parte do trabalho enfoca o processo de positivação dessa
modalidade de extinção da obrigação tributária. Assim, no capítulo nono se
estabelece uma teoria geral da compensação tributária para se estudar, em seguida,
separadamente, a compensação de ofício, a autocompensação e a compensação
judicial. O capítulo décimo dedica-se à compensação tributária realizada de ofício
pela autoridade administrativa. Em seguida, analisa-se o procedimento realizado
pelo próprio contribuinte para efetivar a extinção da obrigação tributária pela
compensação. O último capítulo está voltado para a compensação no âmbito judicial.
18
2 LINGUAGEM E DIREITO
2.1 Realidade, conhecimento e linguagem
No começo do século XX, iniciou-se uma nova era filosófica. Tomando como
critério a importância dada pelos filósofos ao objeto de seus estudos, pode-se separar
a filosofia em fases: (i) a investigação do ser, dando maior relevo à ontologia dos
objetos; (ii) a filosofia da consciência, cujo enfoque era a reflexão sobre as
representações da razão; e (iii) a filosofia da linguagem
10
. Foi com o Giro Lingüístico
que os filósofos deixaram de lado questões relativas ao ser e à consciência e se
atinaram para a temática da linguagem. É o período da filosofia da linguagem como
um verdadeiro marco cultural de nossa época
11
, reconhecida como a terceira fase da
filosofia.
Passa-se, então, com a virada lingüística, a considerar a linguagem como
elemento essencial ao conhecimento e à realidade, e não mais um simples
instrumento para representar as coisas, conforme entendiam os filósofos dos
períodos anteriores.
Com a nova visão lingüística do mundo, não se fala mais em uma relação
sujeito-objeto de forma direta, em que as palavras tinham uma relação natural com as
coisas que representavam, como se previa na chamada Filosofia da Consciência, em
que a linguagem estava relacionada com a essência dos objetos
12
.
10
“De forma sintética pode dizer-se que a ‘filosofia primeira’ o é mais a investigação da ‘natureza’ ou da
‘essência’ das ‘coisas’ ou dos ‘entes’ (‘ontologia’), e também não a reflexão sobre as ‘representações’ ou os
‘conceitos’ da consciência ou da ‘razão’ (‘teoria do conhecimento’), mas a reflexão sobre a significação ou o
‘sentido’ das expressões lingüísticas (‘análise da linguagem’)”. Karl Otto-Apel, Apud. CASTANHEIRA NEVES, O
actual problema metodológico da interpretação jurídica, p. 117-8.
11
Ibid. p. 117.
12
John HOSPERS, Introducción al análisis filosófico, p. 17.
19
Afirma Eugenio Coseriu
13
:
Durante muitos séculos, o problema da linguagem foi apenas um
problema secundário ou ocasional da filosofia: fez-se filosofia com
linguagem, mas nunca sobre a linguagem. E o problema da linguagem
na medida em que chegou a ser proposto foi encarado sobretudo
como problema metodológico de um instrumento para o tratamento
de outros problemas, e não como um problema filosófico em si
mesmo.
Na atual época, a linguagem é vista como uma atividade criadora da
realidade. Torna-se “condição necessária para a comprovação da existência das
coisas”
14
. É somente por meio da linguagem que se tem acesso aos acontecimentos do
mundo físico. Manfredo Araújo de Oliveira noticia a linguagem como condição
necessária para a existência do mundo: “não existe mundo totalmente independente
da linguagem, ou seja, não existe mundo que não seja exprimível na linguagem”
15
.
Verifica-se, desse modo, a dualidade linguagem e mundo físico como dois conjuntos
distintos.
Para Vilém Flusser
16
, somente com as palavras atinge-se a realidade
ordenada. O mundo físico existe como um caos a ser organizado e compreendido
pelo ser humano. Tal empreitada é realizada pela linguagem. Conforme Eugenio
Coseriu
17
, “o mundo das coisas (ou “objetos”) está dado ao homem, mas só através
do mundo dos significados: através da configuração lingüística”. Isso autoriza a
dizer, com Flusser
18
, que o conhecimento, a realidade e a verdade são aspectos da
língua.
O termo realidade é utilizado de maneira ambígua, referindo-se à realidade
trazida pelas palavras e à realidade do mundo físico. Porém, segundo Vilém Flusser,
a realidade dos dados brutos consiste de palavras in statu nascendi
19
. Dito de outra
forma, o mundo físico, embora ainda o descrito em linguagem, está apto a ser e
13
O homem e sua linguagem, p. 45-6. (grifo do original).
14
Ibid. p. 26.
15
Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 13.
16
Língua e realidade, p. 41.
17
O homem e sua linguagem, p. 27.
18
Língua e realidade, p. 34.
19
Ibid. p. 40.
20
assim chegará ao nosso conhecimento. Para o filósofo tcheco-brasileiro
20
, os dados
brutos não seriam de fato realidade, e sim potencialidade.
É inegável que exista uma realidade mesmo quando não descrita por
linguagem. Apesar de nada se falar acerca dos dados do mundo físico, ele estará e
não deixará de existir. John Hospers também considera que os dados brutos existem
mesmo quando não descritos por uma linguagem: “Sem embargo, quando
aprendemos o significado das nuvens escuras, aprendemos fatos da natureza que
existiriam mesmo que não houvesse convenções humanas”
21
. O simples fato de dizer
“árvore” não significa que uma brotou na Mata Atlântica ou na Amazônia, mas deve-
se ter consciência de que as “árvores” são conhecidas e compreendidas por meio da
linguagem. O fato bruto continua existindo mesmo sem uma linguagem que o
descreva, porém somente se torna acessível ao ser humano pela via das palavras.
Tárek Moysés Moussallem, em posição que aparenta destoar, afirma que a
realidade é instaurada pela linguagem, e não criada
22
. Acredita-se que esse autor, ao
introduzir essa distinção, quis ressaltar que a realidade do mundo físico não deve ser
confundida com a realidade criada pela linguagem, por serem dois conjuntos
distintos, inconfundíveis.
Parece que o há uma distinção tão grande entre a afirmação de Tárek
Moussallem e a de Vilém Flusser. Apenas o autor capixaba foi criterioso, no entanto a
conclusão de ambos se aproxima: os acontecimentos do mundo físico somente
atingem o ser humano por meio de linguagem. Isso porque Tárek Moussallem não
nega que é por meio de linguagem que o sujeito tem acesso à realidade: “Ao
descrever eventos ou coisas não se criam fatos ou coisas. Mas claro está que, para se
ter acesso aos fatos ou às coisas, necessária se faz a aquisição de linguagem a eles
referente”
23
. De forma inversa, sem linguagem não há acesso aos acontecimentos do
20
Gustavo Bernardo KRAUSE, A filosofia da palavra, Revista de direito tributário, n. 97, p. 23.
21
Introducción al análisis filosófico, p. 15 (tradução livre). No original: “Sin embargo, cuando aprendemos el
significado de las nubes oscuras, aprendemos hechos de la naturaleza que existirían aunque no hubiese
convenciones humanas”.
22
Revogação em matéria tributária, p. 06.
23
Ibid. p. 08.
21
mundo bruto e é como se esses acontecimentos não existissem para o ser humano,
pois ainda não foram por ele apreendidos. São dados brutos que estão aguardando a
linguagem para ingressar no conhecimento humano; mera potencialidade, portanto.
Lenio Luis Streck
24
enfatiza a necessidade da linguagem para a construção do
mundo:
A linguagem, então, é totalidade; é a abertura para o mundo; é,
enfim, condição de possibilidade. Melhor dizendo, a linguagem, mais do
que condição de possibilidade, é constituinte e constituidora do
saber, e, portanto, do nosso modo-de-ser-no-mundo, que implica as
condições de possibilidade que temos para compreender e agir. Isto
porque é pela linguagem e somente por ela que podemos ter mundo e
chegar a esse mundo. Sem linguagem não mundo enquanto
mundo. Não coisa alguma onde falte a palavra. Somente quando
se encontra a palavra para uma coisa é que a coisa é uma coisa.
A importância que a linguagem tem para a realidade apreendida pelo
homem pode ser descrita por um exemplo. Até pouco tempo atrás, Plutão pertencia à
classe dos planetas. Hoje, ao se relacionarem os planetas, deve-se excluir Plutão. E
por quê? Simplesmente porque foram alterados os critérios que permitem classificar
os objetos como planetas. Nenhuma alteração teve a realidade do mundo físico, pois
a massa, a atmosfera e a órbita do ex-planeta continuam as mesmas, apenas a
linguagem que conota planeta é que foi modificada. Com a nova classificação, Plutão
passa a ser um “planeta-anão”.
se conhece Plutão em razão da linguagem. O conhecimento tem uma
função: ordenar o mundo caótico na tentativa de melhor compreendê-lo com o
escopo de dominá-lo e modificá-lo. O ser humano, ao nascer, é jogado em um
ambiente e, a partir de então, passa a ajustá-lo. “Dando sentido às coisas que o
cercam, interpretando-as, o ser humano pode viver (ou, no mínimo, sobreviver).
Quer dizer, o ser humano reconhece as coisas, ‘entende-as’, sabe valer-se delas, para
seu benefício”
25
. Visando a essa finalidade, o sujeito cognoscente apreende um objeto
por meio de atos de percepção e de julgamento para, então, emitir enunciados sobre
24
Hermenêutica jurídica e(m) crise, p. 196. (grifo do original).
25
Leônidas HEGENBERG, Saber de e saber que: alicerces da racionalidade, p. 25.
22
suas conclusões.
É por meio da linguagem que se atinge o conhecimento. É o que afirma
Lourival Vilanova: “O conhecimento ocorre num universo-de-linguagem e dentro de
uma comunidade-do-discurso”
26
. O conhecimento somente é fixado e transmitido
por meio da linguagem
27
.
Paulo de Barros Carvalho, tratando do “mundo da vida”, ressalta a relação
entre linguagem, realidade e conhecimento:
O que sucede neste domínio e não é recolhido pela linguagem social
não ingressa no plano por nós chamado de ‘realidade’, e, ao mesmo
tempo, tudo que dele faz parte encontra sua forma de expressão nas
organizações lingüísticas com que nos comunicamos; exatamente
porque todo o conhecimento é redutor de dificuldades, reduzir as
complexidades do objeto da experiência é uma necessidade
inafastável para se obter o próprio conhecimento
28
.
Como é possível notar, o conhecimento é uma relação que ocorre dentro de
um processo comunicacional, entre o sujeito cognoscente, emissor de enunciados
sobre o objeto em direção a outro sujeito, que é o destinatário
29
. Isso demonstra que o
homem habita um mundo que existe para ele em virtude da linguagem. Eis a
linguagem constituindo a realidade: “o mundo-realidade sem a linguagem que de
qualquer modo o diga ou se lhe refira (que dele ou para ele diga algo) seria um
acervo absolutamente extensivo de uma indeterminação irracional”
30
.
Importante abrir um parêntese para distinguir linguagem, ngua e fala. Esses
três termos foram abstratamente correlacionados por Roland Barthes da seguinte
forma: “A Língua é então, praticamente, a linguagem menos a Fala”
31
. A separação
entre língua e fala como elementos da linguagem surgiu com Ferdinand de
Saussure
32
. A língua pode ser definida como um conjunto de signos que exprimem
26
As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 38.
27
Paulo de Barros CARVALHO, IPI Comentários sobre as regras gerais de interpretação da Tabela NBM/SH
(TIPI/TAB), Revista dialética de direito tributário, n. 12, p. 42.
28
Direito tributário, linguagem e método, p. 07.
29
Tárek Moysés MOUSSALLEM, Fontes do direito tributário, p. 29.
30
A. CASTANHEIRA NEVES, O actual problema metodológico da interpretação jurídica, p. 249.
31
Elementos de semiologia, p. 17.
32
Curso de lingüística geral, p. 27.
23
idéias
33
, em vigor numa determinada comunidade social, cuja principal finalidade é
servir como instrumento de comunicação entre seus membros
34
.
A fala é um ato individual feito por seleções e combinações elaboradas a
partir de um repertório lexical comum entre os falantes
35
. Enquanto a fala é inerente a
cada indivíduo de forma isolada, a ngua tem sentido quando vista de forma
social, coletiva, independente do indivíduo.
Assim, a palavra linguagem é mais abrangente, e seu significado consiste na
capacidade de o ser humano utilizar-se da língua para se comunicar. Diante da
dicotomia apresentada por Saussure entre língua e fala como formas de estudo da
linguagem, percebe-se a confusão entre linguagem e fala. Permanecerá, porém, neste
trabalho, o uso do termo linguagem, por razões metodológicas e por sua maior
utilização na doutrina.
2.2 O Direito e a virada lingüística
Hodiernamente, portanto, surge uma nova fase filosófica em que a
linguagem alcançou o status de elemento essencial do conhecimento. É pela
linguagem que se compreende a realidade.
O direito não pode ficar alheio a essa reviravolta lingüística, pois somente é
apreendido por meio da linguagem; e sem ela não existe. A importância da
linguagem para o mundo do direito havia sido percebida por Alfredo Augusto
Becker: “A linguagem intervem (sic) necessariamente para transmitir o conhecimento
das regras de conduta regra jurídica na vida social, porque, em última análise, as
referidas regras de conduta poderão ser transmitidas através de palavras e
33
Curso de lingüística geral, p. 24.
34
É importante ressaltar que os seres humanos se comunicam por meio de inúmeros digos, não apenas pela
língua. A mímica, o vestuário, a culinária, a música, a arquitetura e até mesmo o silêncio são outras formas que se
prestam para fins comunicacionais.
35
Roman JAKOBSON, Lingüística e comunicação, p. 37.
24
frases”
36
.
Gregorio Robles sustenta que a essência do direito é ser texto. “O direito
surge com o homem, como expressão de sua capacidade de configurar a vida em
sociedade. Aparece em sociedade; é um fenômeno social. Mas sua essência consiste
em palavras, sem as quais não é nada”
37
. Afirma que a única forma de o direito se
expressar é pela linguagem
38
.
Dessa forma, pode-se perceber que, para construir a realidade jurídica, é
necessária uma linguagem jurídica que a instaure. Conforme ensina Paulo de Barros
Carvalho
39
:
(...) da mesma forma que a linguagem natural constitui nosso mundo
circundante, a que chamamos de realidade, a linguagem do direito
cria o domínio do jurídico, isto é, o campo material das condutas
intersubjetivas, dentro do qual nascem, vivem e morrem as relações
disciplinadas pelo direito.
Sem uma linguagem jurídica específica que introduza no sistema do direito
os acontecimentos sociais, não se pode falar em conseqüências jurídicas desses
eventos. Poderão ter conseqüências sociais, morais e até mesmo religiosas, mas
distantes de serem jurídicas. Tome-se o casamento como exemplo. Num primeiro
momento, conta-se a amigos e familiares que uma pessoa se casou. Nada de jurídico
nesse relato aconteceu. apenas conseqüências sociais. Indo-se à igreja, confirma-
se, nos documentos sacros, que em determinado dia e hora houve uma cerimônia
religiosa de casamento naquele templo, gerando conseqüências religiosas. Os
efeitos jurídicos somente surgirão com o efetivo relato desse evento em linguagem
jurídica. É por meio da certidão de casamento registrada em cartório que os efeitos
jurídicos para esse casal surgirão.
O direito, portanto, cria suas realidades por meio da linguagem jurídica. É
somente mediante a formulação dessa linguagem que direitos, deveres e qualidades
36
Teoria geral do direito tributário, p. 118.
37
O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 48.
38
Teoría del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho, p. 67.
39
Paulo de Barros CARVALHO, IPI Comentários sobre as regras gerais de interpretação da Tabela NBM/SH
(TIPI/TAB), Revista dialética de direito tributário, n. 12, p. 42.
25
jurídicas existirão
40
. Os fenômenos jurídicos somente aparecem no mundo lingüístico
do direito. Fato jurídico, norma jurídica, relação jurídica, fontes do direito, coisa
julgada são institutos jurídicos constituídos pela linguagem do direito.
Alerta-se que não há a pretensão de reduzir o direito à linguagem, ao texto,
mas sim alertar que o jurista, ao interpretá-lo, não pode deixar de considerá-lo como
essencialmente formulado mediante linguagem. O direito manifesta-se por uma
linguagem que lhe sirva de veículo de expressão
41
.
Com essa reviravolta lingüística “salienta-se a importância fundamental da
linguagem para a ciência do direito, pois esta deve construir seu objeto sobre dados
que são expressos pela própria linguagem, ou seja, a linguagem da ciência jurídica
fala sobre algo que já é linguagem anteriormente a esta fala”
42
.
Posto isso, verifica-se que tanto o direito positivo quanto a ciência do direito
são fenômenos lingüísticos, “cada qual portador de um tipo de organização lógica e
de funções semânticas e pragmáticas diversas”
43
. O direito positivo é um discurso
lingüístico prescritivo, composto por normas jurídicas válidas num dado espaço
territorial, cuja finalidade é comunicar aos seus destinatários padrões de
comportamentos sociais. Por sua vez, a ciência do direito é formada por um estrato
de linguagem descritiva que se destina a estudar o direito positivo.
Tomado o plano da hierarquia das linguagens, sempre que existir uma
linguagem, encontra-se a opção de emitir outro enunciado lingüístico discorrendo
sobre ela. Nesse caso, podem-se reconhecer nos veis de linguagem a linguagem-
objeto, que é aquela da qual se fala, e a metalinguagem, utilizada para se falar da
linguagem-objeto. Assim, a ciência do direito é uma metalinguagem de outra, o
direito positivo, ou seja, a linguagem-objeto.
O direito positivo, portanto, consiste nas normas válidas cuja finalidade é
prescrever condutas intersubjetivas. a ciência do direito deve descrever as
40
Karl OLIVECRONA, Linguagem jurídica e realidade, p. 62.
41
Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 109.
42
Luis Alberto WARAT, O direito e sua linguagem, p. 38.
43
Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 01.
26
construções do direito positivo, ordenando-o. Verificam-se profundas diferenças
entre o direito positivo e a ciência do direito, que podem ser sistematizadas da
seguinte forma:
(i) quanto ao tipo de linguagem: o direito positivo se vale da linguagem
prescritiva, e a ciência do direito usa a linguagem descritiva;
(ii) quanto à hierarquia das linguagens: o direito positivo é linguagem-objeto,
e a ciência do direito é metalinguagem;
(iii) quanto à lógica: ao direito positivo corresponde a lógica deôntica,
enquanto a ciência do direito tem a lógica apofântica;
(iv) quanto à valência da linguagem: ao direito positivo aplicam-se os valores
válido ou não-válido, e para a ciência do direito os valores são verdadeiro ou falso
44
.
Conclui-se que a linguagem é condição necessária para o direito, pois sem
linguagem não existe o direito positivo; sem linguagem não como construir a
realidade jurídica. É, portanto, com base nesta premissa (de que o mundo jurídico é
construído num universo de linguagem) que o presente trabalho será desenvolvido.
2.3 A realidade social e a realidade jurídica
O Direito Positivo existe para regular as condutas humanas intersubjetivas.
Para isso, seu escopo é a realidade social. Nos dizeres de Lourival Vilanova
45
: “altera-
se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a
linguagem das normas do direito”. O direito, por meio de sua linguagem, visa definir
os comportamentos sociais seguindo determinada ideologia.
Retornando à hierarquia das linguagens, o direito positivo seria uma
metalinguagem, ao passo que a linguagem da realidade social seria a linguagem-
objeto. Assim, o objeto da linguagem do direito positivo são as condutas presentes na
44
Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 03 e 04.
45
As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 40.
27
realidade social. O objeto é sempre mais amplo do que se pode descrever e nunca
poderá ser esgotado pela linguagem. Lourival Vilanova, tratando do conceito
fundamental de uma ciência, ensina que não se consegue captar toda a
multiplicidade do real:
A realidade é sempre mais rica em determinação que seu
correspondente conceito, e este mais pobre que a intuição dessa
realidade. Da multiplicidade de coisas, fenômenos, propriedades,
atributos, relações, o conceito escolhe alguns. Tem ele uma função
seletiva em face do real
46
.
Ressalta-se que, para o saudoso professor pernambucano, o conhecimento
por meio de conceitos requer linguagem. “Mediante a linguagem fixam-se as
significações conceptuais e se comunica o conhecimento”
47
. Com isso, afirma-se que a
linguagem é redutora do seu objeto. Transportando para o mundo do direito, a
linguagem do direito positivo separa, no mundo social, o jurídico do não-jurídico
48
.
Em outras palavras, a realidade social é muito mais ampla do que a realidade
jurídica.
Aqui há dois conjuntos distintos: o da realidade social e o da realidade
jurídica. Essa diferença já havia sido percebida por Hans Kelsen, que separou o
mundo do ser do dever-ser
49
. O direito prescreve uma conduta que deseja ver
realizada, porém o sujeito irá agir de acordo com sua vontade, obedecendo ou não ao
preceito legal.
Ao criar as normas jurídicas, o legislador escolhe acontecimentos do mundo
real e os juridiciza, fazendo-os adentrarem no campo do direito: “o fato se torna fato
jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a
hipótese
50
. A linguagem jurídica traduz os acontecimentos do mundo social,
imputando-lhes efeitos jurídicos. Todavia, deve-se alertar que essa tradução não é
perfeita, ou seja, o fato social não é idêntico ao fato jurídico, mesmo que tenha
46
Sobre o conceito de direito, Escritos jurídicos e filosóficos, p. 6-7.
47
Lourival VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 37-8.
48
Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 13.
49
Teoria pura do direito, p. 6.
50
Lourival VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 89.
28
servido de suporte para a criação da norma jurídica.
Para Vilém Flusser, não existe uma perfeita tradução entre idiomas, pois
cada ngua possui uma personalidade própria, proporcionando uma realidade
específica
51
. Sendo assim, a tradução somente se daria de forma aproximada, uma
vez que a realidade criada por duas línguas distintas não é a mesma
52
. Roman
Jakobson aponta um interessante exemplo que serve para mostrar a dualidade das
realidades criada por línguas distintas. A palavra pecado” em russo é do gênero
masculino e em alemão pertence ao feminino. Diante dessa diferença de gêneros da
palavra “pecado”, causava estranheza ao pintor russo Repin ver o “pecado”
representado por uma mulher pelos artistas alemães
53
, pois, para a realidade russa,
“pecado” era masculino. Porém, bastava conhecer que a realidade dos alemães para
“pecado” pertencia ao conjunto dos objetos femininos.
O direito positivo, ao traduzir a realidade social, o faz de forma aproximada
e cria suas próprias realidades. O fato social “morte”, ao ingressar no mundo do
direito, é traduzido por “homicídio doloso”, “homicídio culposo”, “sucessão”,
“ausência”
54
, etc. Dessa forma, o direito positivo mantém uma ampla conversação
55
com a linguagem social, permitindo o seu ingresso no mundo do direito por meio
das normas jurídicas.
51
Língua e realidade, p. 61.
52
Segundo Benjamin LEE WHORF, “Os fatos são diferentes para pessoas cuja formação lingüística lhes fornece
uma formulação diferente para expressar tais fatos.” Apud Roman JAKOBSON, Lingüística e comunicação, p. 66.
Gustavo Bernardo KRAUSE, baseado em Vilém FLUSSER, afirma que “a cada estrutura de cada língua individual
corresponde um cosmos significativo diferente.” A filosofia da palavra, Revista de direito tributário, n. 97, p. 26.
53
Lingüística e comunicação, p. 71.
54
Para Gregório ROBLES, “Sempre existirá, na realidade natural, o matar, mas matar não é o mesmo que cometer
homicídio. Para cometer homicídio é necessário cumprir os requisitos exigidos pela norma: capacidade, ação com
determinadas características etc.” O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 13
(grifos do original).
55
A conversação, segundo Vilém FLUSSER, é constituída por redes formadas por intelectos que irradiam e
absorvem frases, transformando-as em novas informações a serem transmitidas. Língua e realidade, p. 136.
29
2.4 O direito como um sistema autopoiético
Entende-se por sistema autopoiético aquele que utiliza seus próprios
elementos para produzir novos elementos. O sistema é que constitui sua organização
e reprodução específica. A teoria dos sistemas desenvolvida por Niklas Luhmann
pressupõe uma diferenciação funcional dos sistemas sociais. Cada sistema possui
uma função que não pode ser realizada por outro sistema. Por isso, afirma-se que o
sistema é fechado, somente reagindo aos estímulos externos de acordo com suas
operações internas. Daí, segundo Raffaele de Giorgi, resulta a auto-referência e a
autopoiese do sistema
56
.
Será autopoiético o sistema que possui suas estruturas produzidas por
operações internas
57
. Assim, para elaborar novos elementos em seu interior, um
sistema até pode receber influência de outros, que é aberto cognitivamente, mas
somente as reproduz conforme suas operações próprias. O ambiente não pode operar
dentro do sistema, apenas provoca irritações, que serão absorvidas de acordo com as
suas estruturas específicas.
O direito pode ser visto como um sistema autopoiético em que “cada
operação do sistema jurídico parte da operação anterior e cria condições para a
operação seguinte, todas elas encerradas no mesmo código recursivo: a distinção
direito/não-direito”
58
.
O direito regula sua própria criação por meio das normas jurídicas que
prescrevem como novas normas devem ingressar no sistema jurídico. É o que
descreve Lourival Vilanova: “Cada norma provém de outra norma e cada norma
lugar, ao se aplicar à realidade, a outra norma. O método de construção de
proposições normativas está estipulado por outras normas”. Em seguida, arremata:
“As normas que estatuem como criar outras normas, isto é, as normas-de-normas, ou
56
Luhmann e a teoria jurídica dos anos 70, in Celso Fernandes CAMPILONGO, O direito na sociedade complexa, p.
191.
57
Niklas LUHMANN, El derecho de la sociedad, p. 118.
58
Celso Fernandes CAMPILONGO, O direito na sociedade complexa, p. 85.
30
proposições-de-proposições, não são regras sintáticas fora do sistema. Estão no
interior dele”
59
.
Pode-se verificar, portanto, que o direito cria as normas jurídicas que irão
participar na produção de novas normas jurídicas. São normas que tratam do
procedimento para introduzir novas normas no sistema. Por isso, é um sistema
autopoiético.
59
Lourival VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 164.
31
3 O DIREITO COMO UM FENÔMENO COMUCACIONAL
3.1 Um modelo comunicacional do Direito
Consoante se demonstrou, o direito necessita da linguagem jurídica para
construir suas realidades; somente surgem os efeitos jurídicos com a linguagem eleita
pelo sistema do direito como competente. Sem essa linguagem não conseqüências
jurídicas, fatos jurídicos, normas jurídicas.
John Hospers elenca a linguagem como o principal instrumento da
comunicação
60
. A comunicação entre os homens se por meio de uma linguagem.
Gregorio Robles, ao destacar a linguagem como elemento essencial para a existência
da sociedade, afirma que “toda ão coletiva ou ação em comum (e ação desse tipo é
o mero conviver) precisa da existência de um sistema de signos (isso é a linguagem)
que assegure a comunicação dos seus membros”
61
. Em outras palavras, a sociedade é
um sistema de comunicação entre seus membros. Para Lucia Santaella, comunicação
significa “a transmissão de qualquer influência de uma parte de um sistema vivo ou
maquinal para uma outra parte, de modo a produzir mudança. O que é transmitido
para produzir influência são mensagens, de modo que a comunicação está
basicamente na capacidade para gerar e consumir mensagens”
62
.
Como o direito somente se expressa por meio de linguagem, ele pode ser
estudado como um sistema de comunicação em que a linguagem do direito positivo
é usada para comunicar à sociedade as condutas a serem seguidas por meio de
mensagens. Essa forma de pensar segue a doutrina de Paulo de Barros Carvalho,
para quem “o direito se realiza no contexto de um grandioso processo
60
Introducción al análisis filosófico, p. 13.
61
Teoría del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho, p. 65. (grifo do original tradução livre).
No original: “toda acción colectiva o acción en común (y acción de este tipo es el mero convivir) precisa de la
existencia de un sistema de signos (eso es el lenguaje) que asegure la comunicación entre sus miembros”.
62
Comunicação e pesquisa: projetos para mestrado e doutorado, p. 22.
32
comunicacional”
63
.
Gregorio Robles toma o direito como um fato comunicacional, de acordo com
a Teoria Comunicacional do Direito. Para o autor espanhol, o direito é uma forma de
comunicação social, cuja finalidade consiste na organização da sociedade por meio
da expressão lingüística dos conteúdos normativos
64
. Conclui que “o direito é um
sistema de comunicação, cujas unidades de mensagem são as normas. Trata-se de um
sistema de comunicação prescritivo, ordenador, razão pela qual suas unidades
elementares (as normas) são expressões lingüísticas prescritivas”
65
.
Na teoria dos sistemas sociais apresentada por Niklas Luhmann, o critério
que diferencia a sociedade do ambiente é a comunicação
66
. Nessa perspectiva, há
duas classes distintas: o sistema social, que inclui todas as comunicações; e o
ambiente, desprovido de comunicação.
Dentro da classe do sistema social é possível ainda visualizar vários
subsistemas: o econômico, o religioso, o político, o jurídico, cada um portador de um
tipo de comunicação específica. A comunicação gerada pelo sistema do direito não se
confunde com aquela produzida por qualquer outro dos subsistemas.
O direito possui, pois, uma forma própria de comunicação que o distingue
dos demais subsistemas sociais. E essa comunicação se dá por meio das normas
jurídicas. Conforme assinala Celso Campilongo, “na rede de comunicações da
sociedade, o direito se especializa na produção de um tipo particular de comunicação
que procura garantir expectativas de comportamento assentadas em normas
jurídicas”
67
.
63
Curso de direito tributário, p. 438.
64
O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 78.
65
Ibid. p. 87.
66
El derecho de la sociedad, p. 110.
67
O direito na sociedade complexa, 162.
33
Definido o direito como um sistema comunicacional, com seu tipo específico
de comunicação, resta saber como ocorreria esse fenômeno. Para tanto, primeiro
serão descritos os fatores presentes nos processos de comunicação, segundo a teoria
de Roman Jakobson:
O remetente envia uma mensagem ao destinatário. Para ser eficaz, a
mensagem requer um contexto a que se refere (ou ‘referente’, em outra
nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja
verbal ou suscetível de verbalização; um código total ou parcialmente
comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao
codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um
contacto, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente
e o destinatário que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem
em comunicação
68
.
É fácil visualizar a presença dos seis fatores de que necessita o processo de
comunicação: remetente, contexto, mensagem, canal físico, código e destinatário, que
podem ser assim descritos:
(a) emissor: aquele que produz e remete a mensagem;
(b) contexto: a situação a que a mensagem se refere e as circunstâncias de sua
transmissão;
(c) mensagem: é o objeto, o conteúdo da comunicação;
(d) canal sico: a via de circulação das mensagens, que é o ar na comunicação
verbal e o papel na comunicação escrita;
(e) código: é o conjunto de símbolos e suas regras de combinação;
(f) destinatário: aquele para quem a mensagem é enviada.
Ao se comunicar, o remetente tem a intenção de transmitir para o receptor
seus interesses, pedidos, perguntas, informações, exigências ou emoções
69
. A partir
68
Roman JAKOBSON, Lingüística e comunicação, p. 123. (grifo do original). Deve-se elucidar que o modelo
comunicacional jakobsoniano é diverso daquele apresentado por Luhmann. Jakobson trata a comunicação em
conformidade com os modelos lineares, em que se leva a mensagem de um emissor para um receptor, porém com
a extração das funções da linguagem conforme a referencialidade da mensagem. Tal modelo recebe o nome de
lingüístico-formal por Lucia SANTAELLA, Comunicação e pesquisa, p. 55. a teoria de Luhmann se ampara nos
sistemas autopoiéticos, em que a comunicação é compreendida como um sistema fechado completo, capaz de
produzir os componentes a partir da própria comunicação. Esse modelo, apesar de antagônico aos modelos
dominantes das ciências cognitivas, é incluído, por SANTAELLA como um modelo cognitivo. Comunicação e
pesquisa, p. 61.
69
Lucia SANTAELLA; Winfried NÖTH, Comunicação e semiótica, p. 91.
34
daí, mediante um processo de seleção e combinação, o remetente formula as
mensagens que são transmitidas para o destinatário. “Falar implica a seleção de
certas entidades lingüísticas e sua combinação em unidades lingüísticas de mais alto
grau de complexidade”
70
. Assim, o legislador, diante da sua intenção de receber certa
quantia daquele que aufere renda, seleciona as palavras mais adequadas para
transmitir a mensagem e as combina de forma que seja possível ao receptor
compreendê-la. A próxima etapa consiste na transmissão da mensagem e na sua
recepção pelo destinatário, para que se possa entender o seu conteúdo conforme o
contexto em que foi produzida. Note-se, portanto, que, para a efetiva realização do
processo comunicacional, os fatores descritos devem estar presentes. A existência de
algum problema em qualquer um desses elementos gera um ruído
71
na transmissão
da informação.
3.2 As normas jurídicas como mensagem
Utilizando o modelo acima descrito como paradigma, passa-se a aplicá-lo ao
direito. Inicia-se tal empreitada com a mensagem. A mensagem do direito é
prescrever condutas humanas intersubjetivas com o escopo de organizar a vida em
sociedade. Uma lei de trânsito que comunica “é proibido estacionar” tem como
finalidade direcionar os comportamentos para não estacionar em determinado local.
Sendo assim, as unidades de mensagem do direito são as normas jurídicas
72
.
Por meio delas o legislador se comunica com a sociedade, estipulando quais
comportamentos ele deseja que sejam seguidos. No entanto, para que uma norma
jurídica seja considerada como mensagem, tem de possuir um mínimo de sentido,
70
Roman JAKOBSON, Lingüística e comunicação, p. 37.
71
Décio PIGNATARI define ruído como todas as fontes de erros de um sistema de comunicação. Informação
linguagem comunicação, p. 22. Isaac EPSTEIN denomina ruído como todo fenômeno produzido numa comunicação
que não pertence à mensagem intencionalmente emitida. É uma forma de perturbar a fiel recepção da mensagem,
modificando-a. Teoria da informação, p. 21.
72
Cf. Gregorio ROBLES, O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 87.
35
caso contrário jamais poderá ser compreendida pelo destinatário. É, portanto, como
“unidade irredutível de manifestação do deôntico”
73
que a norma jurídica aparece
como mensagem no processo comunicacional do direito.
Aqui é necessário ressaltar a distinção feita por Paulo de Barros Carvalho
entre enunciado prescritivo e norma jurídica. Enunciado prescritivo é o resultado da
atividade de enunciação
74
do legislador. A norma jurídica é composta por um
antecedente e um conseqüente, na forma de juízo condicional, ligando, pelo
conectivo “dever-ser”, um efeito jurídico à realização de um fato previsto no
antecedente
75
. Desse modo, não há como confundir o texto de lei com a norma
jurídica.
Por conseguinte, qualquer artigo de lei é um enunciado prescritivo, todavia
nem todo enunciado prescritivo é uma norma jurídica. Para ser norma jurídica em
sentido estrito, necessita-se de um mínimo de significação deôntica na estrutura de
um juízo condicional. O simples enunciado matar alguém não atinge o objetivo de
transmitir uma mensagem, permitindo, proibindo ou obrigando uma conduta.
apenas o antecedente de uma norma jurídica que se completará com a inclusão do
conseqüente: pena de reclusão de seis a vinte anos. Por isso, muitas vezes, para se
construir uma norma jurídica, não basta um único artigo ou texto de lei.
Apenas será mensagem a norma jurídica cujos enunciados estejam
estruturados na forma de juízos hipotéticos condicionais, regidos pelo princípio da
imputação, em que o modal deôntico “dever-ser” conecta uma conseqüência jurídica
ao fato descrito na hipótese. Conforme Clarice Araujo, somente com esse “mínimo de
significação é que o sintagma alça o status de informação, assim entendida a
inteligibilidade da mensagem jurídica que veicula programação de conduta,
comunicando um dever-ser”
76
.
73
Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 20.
74
A diferença entre enunciação e enunciado decorre da dualidade processo e produto. A enunciação é o processo que
resulta no enunciado, este o produto do ato de produção. Confira o item 4.4 do Capítulo 4, para maiores
elucidações sobre a distinção.
75
Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 21-22.
76
Semiótica do direito, p. 67.
36
Deve-se distinguir os princípios das regras jurídicas, ambos considerados
como normas jurídicas (em sentido amplo). O critério usado para diferenciá-los é a
forma como se apresentam seus enunciados: somente as regras jurídicas têm
estrutura biproposicional
77
.
Alerta-se que a palavra princípio possui vasta variedade conotativa. Paulo de
Barros Carvalho encontra quatro usos distintos, porém não únicos, e sim os mais
freqüentes no universo jurídico:
a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor
expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que
estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras
jurídicas de posição privilegiada, mas considerados
independentemente das estruturas normativas; e d) como limite
objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem
levar em conta a estrutura da norma
78
.
No presente estudo, ter-se-á a noção de princípio como valor jurídico inserido
no sistema jurídico. Portanto, os princípios não possuem a estrutura lógica comum às
regras jurídicas
79
: um antecedente que implica um conseqüente. Os princípios são
linhas diretivas para a interpretação de determinados institutos jurídicos, portadoras
de elevada carga axiológica.
Diante dessas considerações, os termos norma jurídica, regra jurídica, princípio
e enunciado prescrito podem ser elucidados da seguinte forma: a) norma jurídica (em
sentido amplo) ou enunciado prescritivo, que é o texto normativo positivado; b)
regra jurídica (ou norma jurídica em sentido estrito), como as significações
construídas a partir dos textos positivados, de estrutura bimembre na forma de juízo
condicional; c) princípio é o valor usado para a compreensão de um dado feixe de
normas. O princípio pode ser um enunciado prescritivo explícito no sistema jurídico
77
Cf. Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário, linguagem e método, p. 252.
78
Ibid. p. 257.
79
Deve-se asseverar que alguns doutrinadores não aceitam essa distinção entre regras e princípios. Humberto
ÁVILA critica esse critério de diferenciação, afirmando que os “princípios podem ser reformulados de modo
hipotético, como demonstram os seguintes exemplos: Se o poder estatal for exercido, então deve ser garantida a
participação democrática’ (princípio democrático); Se for desobedecida a exigência de determinação da hipótese
de incidência de normas que instituem obrigações, então o ato estatal será considerado inválido’ (princípio da
tipicidade).” Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 41. Entende-se que tais
considerações decorrem da ambigüidade da palavra princípio.
37
ou não, quando não presente formalmente no ordenamento (implícitos).
Por isso, toda e qualquer regra jurídica deve ser composta por um
antecedente e um conseqüente conectados pelo condicional, em conformidade com a
seguinte estrutura: se se um fato F qualquer, então o sujeito S’, deve fazer ou deve
omitir ou pode fazer ou omitir a conduta C ante outro sujeito S’’
80
. Verifica-se que o
primeiro membro da regra descreve um fato de possível ocorrência no mundo
fenomênico, enquanto o segundo prescreve a relação jurídica que irá se instaurar
com a concretude do fato descrito na hipótese
81
.
Em linguagem simbólica teríamos: D [f R (S’ S’’)], sendo D o modal
deôntico que recai sobre toda a proposição, permitindo identificá-la como norma
jurídica; f é o antecedente normativo descritor de um evento de possível ocorrência; o
símbolo é o sincategorema
82
que demonstra o caráter implicacional de tal estrutura
jurídica; R (S’ S’’) indica a relação jurídica a ser instaurada pelo acontecimento do
evento; S’ significa o sujeito portador do direito subjetivo da relação jurídica; S’’
indica o sujeito portador do dever jurídico; e R é a modalização da conduta em
permitida, proibida ou obrigatória.
Assim, as mensagens, no processo comunicacional do direito, são as regras
jurídicas (ou normas jurídicas em sentido estrito) estruturadas na forma de um juízo
condicional, contendo um mínimo de significação para que possam ser
compreendidas pelo destinatário. Constituirão mensagens tanto as normas gerais e
abstratas quanto as individuais e concretas. Excluem-se os enunciados prescritivos, já
que nem sempre transmitem uma informação completa.
80
Lourival VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 95. (grifo do original).
81
Lourival VILANOVA, Lógica jurídica, p. 113-4.
82
As formas lógicas são construídas por variáveis e constantes, ou seja, por símbolos que podem ser substituídos
por objetos e mbolos que exercem funções operatórias fixas. As constantes lógicas são denominadas por
sincategoremas. “O sincategorema é um termo incompleto, que, por si só, é insuficiente para montar uma estrutura”.
Lourival VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, op. cit., p. 46. Classificam-se como
sincategorema as partículas: e, não, ou, se...então, se e somente se.
38
3.2.1 Classificação das normas jurídicas
Classificar é uma operação lógica que consiste em agrupar determinados
objetos em conformidade com critérios comuns entre eles, separando-os de outros
com características distintas. Paulo de Barros Carvalho definiu a operação de
classificar da seguinte forma: “separar os objetos em classes de acordo com as
semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições fixas e exatamente
determinadas com relação às demais classes”
83
. Desse modo, as normas jurídicas
podem ser agrupadas de diversas maneiras, dependendo do interesse do intérprete.
O ato de classificar é artificial e atende aos anseios do sujeito cognoscente, segundo
os critérios que se mostrarem mais convenientes aos seus propósitos. É o que afirma
John Hospers: “as classes são artificiais no sentido de que o ato de classificar é uma
atividade dos seres humanos, dependente dos seus interesses e necessidades”
84
. Por
isso, muitos dizem que a classificação, antes de ser verdadeira ou falsa, é mais ou
menos útil. Porém, regras lógicas a serem observadas no ato de classificar,
garantindo que os gêneros e espécies sejam, realmente, gêneros e espécies. É o
motivo por que no direito as classificações devem ser formuladas com base em
critérios eminentemente jurídicos. Roque Antonio Carrazza acentua essa
necessidade: “uma classificação jurídica, no entanto, deverá necessariamente levar
em conta o dado jurídico por excelência: a norma jurídica
85
.
Nesta dissertação apresentar-se-ão quatro classificações das normas jurídicas
(em sentido estrito) de acordo com os seguintes critérios: (i) a conduta regulada pelo
direito; (ii) os graus de hierarquia dentro de um ordenamento; (iii) a abstração ou
concretude do antecedente das normas ou a generalidade ou individualidade do
conseqüente; e (iv) o fato de se tratar de direito material ou processual.
83
IPI Comentários sobre as regras gerais de interpretação da Tabela NBM/SH (TIPI/TAB), Revista dialética de
direito tributário, n. 12, p. 54.
84
Introducción al análisis filosófico, p. 68. (grifo do original tradução livre). No original: “las clases son artificiales
en el sentido de que el acto de clasificar es uma actividad de los seres humanos, dependiente de sus intereses y
necesidades.”
85
Curso de direito constitucional tributário, p. 438. (grifo do original).
39
3.2.1.1 Normas de estrutura e normas de comportamento
Paulo de Barros Carvalho dividiu as regras em regras de estrutura e regras de
conduta. As primeiras têm como finalidade ferir, de modo incisivo, as condutas
intersubjetivas, enquanto as últimas são normas que servem para traçar as diretrizes
para a elaboração de outras normas
86
. Lourival Vilanova as chama de normas-de-
normas
87
, e Luís Cesar Souza de Queiroz de normas de produção normativa
88
.
Tárek Moysés Moussallem , num primeiro momento, defende que as normas
de estrutura também se referem à forma de revisão de outras normas. Assim,
classifica-as em normas: de produção jurídica; de revisão sistêmica; e de conduta
89
. O
autor, tomando como critério para a sua classificação o efeito do ato de aplicação de
uma norma, a explica:
(1) quando a aplicação da norma N1 tiver como efeito imediato e
mediato regular uma conduta C, chamaremos N1 de norma de
conduta; e (2) quando a aplicação de uma norma N1 tiver como
objetivo imediato regular uma conduta C para mediatamente
produzir uma norma N2, chamaremos N1 de norma de produção
normativa; (3) quando a aplicação de uma norma N1 tiver como
escopo principal, não uma conduta humana, mas a de modificação ou
extinção de uma norma N2, estaremos diante de uma revisão do
sistema do direito positivo e passaremos a designá-la de norma de
revisão sistêmica. Nesta, o efeito imediato é a norma N2, a conduta é o
efeito mediato
90
.
No seu excelente trabalho Revogação em matéria tributária, publicado
posteriormente, Tárek Moussallem revê a sua classificação. Nessa nova perspectiva,
o autor capixaba fica apenas com as espécies norma de conduta e norma de produção
normativa. Exclui, portanto, as normas de revisão sistêmica, pelos seguintes motivos: (a)
não são normas em sentido estrito, por não serem reconstruídas na estrutura lógica
antecedente/conseqüente; (b) integram o antecedente ou o conseqüente de uma
86
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 38-9.
87
As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 164.
88
Sujeição passiva tributária, p. 54.
89
Fontes do direito tributário, p. 93.
90
Ibid. p. 93. (grifo do original).
40
estrutura normativa; e (c) não são passíveis de aplicação, apenas surgem como efeito
da promulgação do texto que as contém. Por essas razões, o correto seria chamá-las
de enunciados prescritivos de revisão sistêmica
91
.
Daniel Monteiro Peixoto, verificando que as normas de comportamento
servem também para regular a produção normativa e que as normas de estrutura
regulam tanto o comportamento do sujeito credenciado a produzir novas normas
como o comportamento de obediência à norma produzida, postula uma nova
classificação
92
e sugere que as normas sejam subdivididas em normas que orientam as
condutas normativas; e normas que orientam condutas não-normativas:
As primeiras são aquelas que condicionam o exercício da
competência (...); as outras modalizam as condutas intersubjetivas em
termos definitivos, isto é, atestam denotativamente a ocorrência do
fato jurídico e prescrevem, através da implicação deôntica, os
comportamentos a serem seguidos, sem necessidade de interposição
de outro ato de produção normativa
93
.
Com isso, para esse autor, somente as normas concretas é que têm o condão
de regular condutas não-normativas. As normas de antecedente abstrato, por
informarem a produção de normas de inferior hierarquia, orientam as condutas
normativas
94
.
As classificações apresentadas não divergem muito, pois têm como critério
diferenciador a conduta de produzir novas normas e a conduta de não produzir
novas normas. Em suma, o direito possui o escopo de regular as condutas humanas,
tanto as que produzem como as que não produzem normas. Por isso, neste trabalho,
manter-sea nomenclatura consagrada por Paulo de Barros Carvalho, sendo normas
de estrutura aquelas que dispõem acerca da criação, modificação ou extinção de
outras normas jurídicas, e normas de comportamento as que orientam diretamente
comportamentos humanos que não se caracterizam pela produção de novas normas.
91
Revogação em matéria tributária, p. 124-5.
92
Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 77-9.
93
Ibid. p. 79-80.
94
Ibid. p. 80.
41
3.2.1.2 Norma superior e norma inferior
Para se realizar uma classificação das normas jurídicas em superior e inferior,
é necessário pressupor um ordenamento jurídico escalonado, composto por normas
de diferentes hierarquias.
O direito regula a sua própria criação, seja determinando o procedimento
que outra norma é produzida, seja prescrevendo o seu conteúdo. Por isso, pode ser
visto como um sistema autopoiético
95
. Com base nessa diferenciação, Hans Kelsen
apresenta o critério de distinção entre normas superiores e normas inferiores: “A
norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as
determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de
normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas
é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas”
96
.
Sendo assim, a norma superior é o fundamento de validade de outra norma,
a inferior. Esta, para ser produzida, deve observar as diretrizes previstas naquela
norma. “Normas que prescrevem como e com que conteúdo outras serão produzidas
prevalecem sobre estas
97
. Na teoria kelseniana, o último fundamento de validade é a
norma fundamental, dando unidade ao sistema jurídico
98
. Trabalhando apenas com
as normas positivas, a Constituição encontra-se no ápice do sistema normativo,
garantindo a sustentabilidade das demais regras jurídicas. É o princípio da
supremacia da Constituição, que, segundo José Afonso da Silva, “requer que todas as
situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição”
99
.
Para Roque Carrazza, “uma norma jurídica será considerada válida se estiver em
harmonia com as normas constitucionais”
100
. Em suma, todos os atos normativos
95
Cf. Capítulo 2, tópico 2.4.
96
Teoria pura do direito, p. 247.
97
Tercio Sampaio FERRAZ JR, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p. 238.
98
Ibid. p. 222.
99
Curso de direito constitucional positivo, p.48.
100
Curso de direito constitucional tributário, p. 28.
42
produzidos pelos cidadãos e pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário
buscam sua validade na Lei das Leis, direta ou indiretamente.
Acontece que a estrutura escalonada do direito não fica adstrita ao cotejo
entre a Constituição e as leis. A pirâmide jurídica é mais evoluída, contendo no seu
interior outras espécies normativas, que vão sendo distribuídas abaixo das leis: os
decretos, os regulamentos, as portarias e muitas outras, todas organizadas
hierarquicamente.
O direito tributário também segue essa estrutura escalonada. A Constituição
Federal do Brasil detalha minuciosamente o Sistema Tributário Nacional. se
encontram os princípios basilares a que o sistema tributário deve obedecer, as
competências dos entes políticos para instituírem tributos, as matérias das leis
complementares, etc. Em suma, os alicerces da tributação no Brasil estão todos
presentes no Texto Magno.
O princípio da supremacia constitucional, no direito tributário, vem
explicitado no art. 110 do CTN, que proíbe a lei tributária de alterar a definição, o
conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados,
expressa ou implicitamente, na Constituição Federal. Entretanto, a lei tributária não
pode alterar nenhum conceito ou norma previstos no Texto Supremo, e não apenas
aqueles de direito privado. Caso isso fosse possível, alerta Hugo de Brito Machado,
que “poderia o legislador ordinário, por essa via alterar a Constituição, modificando
o sentido e o alcance de qualquer de suas normas”
101
. Era o que avisava o Ministro
Luiz Gallotti em seu clássico voto no RE 71.758: se a lei pudesse chamar de compra
o que não é compra, de importação o que não é importação, de exportação o que não
é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na
Constituição”.
101
A importância dos conceitos jurídicos na hierarquia normativa natureza meramente didática do art. 110 do
CTN, Revista dialética de direito tributário, n.98, p. 72.
43
3.2.1.3 Normas gerais e individuais, abstratas e concretas
Outra forma de se classificarem as normas jurídicas adota como critério os
destinatários inseridos no conseqüente da estrutura condicional normativa. Desse
ponto de vista, elas podem ser gerais ou individuais. O primeiro tipo é aquele que
tem como destinatário um grupo de sujeitos indeterminados, enquanto a
individualizada atinge sujeitos-de-direito identificados.
Por sua vez, a classificação em normas abstratas e concretas toma como
fundamento o antecedente das normas. Quando se encontram no antecedente das
normas apenas marcas, critérios, características do fato jurídico, se está diante da
norma abstrata. Agora, a partir do momento em que o fato jurídico está
individualizado (linguagem protocolar), as normas são do tipo concreta.
Combinando as quatro possibilidades, chega-se às seguintes espécies de
normas: concretas e gerais; concretas e individuais; abstratas e gerais; e abstratas e
individuais.
Uma das premissas adotadas no presente estudo consiste na importância da
linguagem para o direito. Um evento ocorrido no mundo fenomênico somente terá
importância para o mundo do direito e repercutirá seus efeitos jurídicos se
constituído mediante linguagem. A realização das normas gerais e abstratas se
mediante a linguagem das normas jurídicas individuais e concretas em virtude do
processo de positivação
102
.
3.2.1.4 Normas primárias e normas secundárias
A norma jurídica para ser completa, segundo a teoria de Lourival Vilanova,
tem uma estrutura dúplice: norma primária e norma secundária. Na segunda, o
suporte fáctico consiste na não-verificação da conduta prescrita no conseqüente da
102
Sobre a fenomenologia da incidência das normas jurídicas, verifique o Capítulo 4.
44
norma primária
103
. A norma primária seria de direito material, e a norma secundária
trata do direito processual; desse modo, têm pontos de incidência diversos. O
saudoso professor pernambucano as distingue da seguinte forma: “Ainda que
eventualmente juntas, por conveniência pragmática, linguisticamente formuladas
como unidade, logicamente são duas proposições normativas. Lógica e
juridicamente, são diversas, pelos sujeitos intervenientes, pelos fatos jurídicos e
efeitos. Norma de direito substantivo, ali; norma de direito adjetivo, aqui. Normas
diversas que têm como ponto de incidência fatos diversos”
104
.
A norma primária de Lourival Vilanova pode ter dois conteúdos diversos:
uma conduta lícita ou uma conduta ilícita. Por esse motivo, Eurico de Santi a
desmembrou em norma primária dispositiva e norma primária sancionadora; a
primeira norma estabelece relações jurídicas que decorrem de fatos lícitos, enquanto
na norma sancionadora os fatos que originam a relação jurídica são ilícitos
105
.
Assim, obtêm-se os seguintes tipos de normas: (i) norma primária
dispositiva, que traz no antecedente a descrição de um fato lícito e no conseqüente
uma conduta dispositiva; (ii) norma primária sancionadora, cujo antecedente
descreve um fato ilícito, e o conseqüente prescreve uma conduta sancionadora; e (iii)
norma secundária, que possui um antecedente descritor de uma não realização da
conduta dispositiva ou sancionadora e no conseqüente a relação jurídica processual.
No direito tributário, para exemplificar, a norma dispositiva tratando da
instituição do crédito tributário; a norma sancionatória, que decorre do não-
pagamento e estabelece uma relação jurídica cujo objeto é uma multa pecuniária; e,
por fim, o não-pagamento da obrigação tributária e/ou o não-pagamento da multa ,
que ensejaria a execução fiscal, com o Fisco se valendo do Poder Judiciário para
exigir o adimplemento das obrigações, decorrente da concretização do fluxo das
103
Causalidade e relação no direito, p. 188-9.
104
Ibid. p. 189.
105
Lançamento tributário, p. 43-4. Luís Cesar Souza de QUEIROZ afirma que a composição jurídica é formada pelas
seguintes normas: (i) primária principal, que impõe uma conduta em função de fato lícito; (ii) primária punitiva,
que prescreve uma punição em razão de um fato ilícito; e (iii) secundária, que regula o processo, Sujeição passiva
tributária, p. 34.
45
normas adjetivas (norma secundária). Esse é um simples exemplo que representa a
complexidade do fenômeno jurídico em seu processo de positivação. Nada impede,
contudo, a incidência de outras inúmeras normas nesse percurso, como as que
instituem os deveres instrumentais, as de produção de provas, as que determinam o
procedimento do lançamento, as que determinam a suspensão da exigibilidade do
crédito tributário, etc.
3.3 O código no processo comunicacional do direito
Outro elemento do processo comunicacional é o código, que, conforme Décio
Pignatari, “é um sistema de símbolos que, por convenção preestabelecida, se destina
a representar e transmitir uma mensagem entre a fonte e o ponto de destino”
106
. Para
que exista uma troca de informação entre o emissor e o destinatário, é necessário que
ambos conheçam o mesmo código aplicado na comunicação. É a partir do código que
o receptor compreende a mensagem
107
.
Importante distinguir o código do repertório. O repertório se refere a um
acúmulo de experiências
108
, é a memória em que os indivíduos registram as
informações que absorvem. Trata do vel cultural, da instrução do emissor e do
receptor. Assim, o código é um elemento objetivo (uma convenção preestabelecida), e
o repertório é subjetivo, intrínseco a cada sujeito. O repertório esrelacionado a um
código padrão e hegemônico
109
. Portanto, a construção de um repertório depende do
código dos comunicadores; é a partir do código que se constrói o repertório. Por isso,
quanto mais se manipula um código maior será o repertório
110
. Um exemplo: a
mensagem você sofre de arteriosclerose transmitida por um médico para seu paciente é
106
Informação linguagem comunicação, p. 23.
107
Roman JAKOBSON, Lingüística e comunicação, p. 23.
108
Clarice ARAUJO, Semiótica do direito, p. 48. Segundo José TEIXEIRA COELHO NETTO “Entende-se por
repertório uma espécie de vocabulário, de estoque de signos conhecidos e utilizados por um indivíduo”.
Semiótica, informação e comunicação: diagrama da teoria do signo, p. 123.
109
Décio PIGNATARI, Contracomunicação, p. 54.
110
Ibid. p. 53.
46
feita por meio de um código comum a ambos, a língua portuguesa, porém o
repertório do paciente não permite a compreensão do mal que o aflige. Num
momento posterior, após o médico explicar que arteriosclerose decorre do
endurecimento e espessamento da parede das artérias, provocando alterações na
pressão sanguínea, o repertório do paciente será outro, acrescido de nova
informação decorrente de um acúmulo de experiência. Logo, pode-se dizer que o
repertório é o conhecimento armazenado de cada indivíduo
111
.
Segundo Francis Vanoye, não é suficiente que o código seja comum para se
realizar uma comunicação perfeita
112
. Além dessa identidade, deve existir certa
semelhança entre os repertórios do emissor e do receptor permitindo uma troca de
informações. A ausência de um repertório comum ou a existência de um repertório
idêntico entre os comunicadores também inviabiliza o processo comunicacional.
J. Teixeira Coelho Netto ensina que “uma mensagem é elaborada pela fonte
com elementos extraídos de um determinado repertório e será decodificada por um
receptor que, nesse processo, utilizará elementos extraídos de outro repertório”
113
.
Para que haja uma transferência de informação, os repertórios do emissor e do
destinatário não podem ser idênticos nem completamente distintos um do outro, ou
seja, os repertórios têm de possuir algum setor em comum. Tal situação pode ser
demonstrada, como faz o autor, por dois círculos, cada um representando um
repertório. Para que a mensagem seja significativa, os rculos devem ser secantes,
com algum ponto em comum.
No processo comunicacional do direito, a função de código é exercida pelo
direito positivo:
114
as normas jurídicas válidas numa determinada época e num certo
país. Nesse sentido afirma Gregorio Robles que o direito somente terá
111
Roti Nielba TURIN define repertório como “os dados acumulados do nosso saber. O repertório é o nosso banco
de dados, o conjunto dos nossos saberes, o conjunto das realizações que nós detemos, ou seja: o conjunto das
linguagens que temos a capacidade de operacionalizar. São todas as informações acumuladas durante gerações
que constituem nosso patrimônio de conhecimento e nossa identidade”. Aulas: introdução ao estudo das
linguagens, p. 25.
112
Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita, p. 04.
113
Semiótica, informação e comunicação: diagrama da teoria do signo, p. 124.
114
Nesse sentido, Clarice ARAUJO, Semiótica do direito, p. 49.
47
implementação social quando seus destinatários puderem entender seus conteúdos
verbalizados
115
. E tal compreensão depende diretamente do repertório, pois sem um
repertório comum não haverá um processo comunicacional.
Sendo assim, o sistema jurídico presumiu que todos os emissores e receptores
de normas jurídicas possuem o mesmo código e repertório. Essa presunção está
expressa no art. da Lei de Introdução do Código Civil, que proíbe a alegação de
não se cumprir a lei por não conhecê-la. Essa identidade serve como fechamento
operativo do sistema, buscando assegurar sua finalidade pragmática: “manutenção
de uma estabilidade ou paz social, institucionalizando os procedimentos de
discussão e decisão de conflitos”
116
.
O direito não permite ao destinatário de uma mensagem jurídica alegar que
não cumpriu um determinado comando legal por desconhecer o conteúdo de uma lei
(código) ou por não a compreender (repertório). Com isso, resta ao destinatário
cumprir ou descumprir a norma jurídica, não a possibilidade de uma terceira
opção. Conforme Tercio Sampaio Ferraz Jr., as reações do ouvinte em relação a uma
mensagem do emissor são três: confirmação, situação em que o ouvinte compreende
e concorda com a mensagem; rejeição, quando o ouvinte compreende e discorda da
mensagem; ou desconfirmação, que é a não-compreensão ou ignorância da
mensagem. Porém, o direito, segundo o autor, reconhece duas: a confirmação ou a
rejeição
117
. Isso porque não é dado ao destinatário alegar o desconhecimento ou
ignorância da lei.
Sabe-se, todavia, que é impossível que todos os destinatários conheçam e
compreendam todas as normas. Advertem Lucia Santaella e Winfried Nöth,
fundamentados nas lições de Lotman, que não há uma perfeita sintonia entre os
códigos do emissor e do receptor, estabelecendo o princípio da “não-identidade” de
seus códigos
118
. Entretanto, parece que os autores estão fazendo menção ao repertório
115
Gregorio ROBLES, O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 78-9.
116
Clarice ARAUJO, Semiótica do direito, p. 51.
117
Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa, p. 57.
118
Comunicação e semiótica, p. 140.
48
dos comunicadores, e não ao código. O repertório do médico e do paciente o é o
mesmo; o médico sabe manipular mais o código quando se trata de diagnósticos e
doenças.
Essa “não-identidade” de repertórios é que explica por que um destinatário
D
1
, ao ser comunicado de uma norma geral e abstrata N
1
, realiza uma conduta C
1
,
entendendo cumprir a ordem prescrita, enquanto outro destinatário D
2
, diante da
mesma mensagem N
1
, vem e realiza outra conduta C
2
, também acreditando que
realizou a conduta prescrita. O direito, apesar de presumir que todos os destinatários
conhecem e compreendem seus dispositivos normativos, previu que poderia haver
situações em que existiria o conflito entre as condutas. Daí, a figura do Poder
Judiciário para resolver confrontos de interesses.
3.4 O canal físico da comunicação do direito
O fenômeno comunicacional requer um canal físico entre o remetente e o
destinatário que lhes possibilite entrar e permanecer em comunicação. Os canais
podem ser definidos como os modos pelos quais os sinais de um código são
transmitidos de uma fonte a um lugar de recepção da mensagem”
119
. No direito, o
canal físico utilizado é a linguagem escrita. A mensagem jurídica somente irá
aparecer por meio da linguagem escrita. Há no sistema jurídico procedimentos orais,
como as informações prestadas por testemunhas, mas, mesmo nesses casos, o canal
físico continua sendo a linguagem escrita, porquanto os procedimentos orais são
sempre reduzidos a essa forma.
É, portanto, por meio do canal que a mensagem atinge o destinatário. Para
que ocorra a comunicação, é imperioso que a mensagem chegue ao destinatário,
levando a intenção de comunicar do remetente. Assim, ao enviar uma carta, somente
haverá a comunicação quando o destinatário efetivamente tiver acesso à mensagem,
119
Patrick CHARAUDEAU; Dominique MAINGUENEAU, Dicionário de análise do discurso, p. 92.
49
caso contrário existirá um ruído no canal. O fato de o destinatário não ter recebido a
mensagem inviabiliza por inteiro o processo comunicacional.
O ordenamento jurídico utiliza a linguagem escrita como seu canal. O canal,
porém, tem de levar a mensagem ao destinatário. Aqui surge a importância da
publicação das normas jurídicas. O processo comunicacional do direito, como
fenômeno autopoiético que é, pois cria as próprias normas de funcionamento do
sistema, exige a publicação das normas jurídicas na imprensa oficial. Somente com
esse ato é que o destinatário te acesso à mensagem jurídica. A publicidade da
mensagem faz com que o canal se complemente no sistema comunicacional do
direito. Sem a publicação no veículo próprio, ocorrerá um ruído na comunicação
jurídica, devendo a mensagem ser considerada inválida, ou seja, não pertencente ao
sistema.
A Constituição Federal traz no art. 37 o princípio da publicidade. De acordo
com esse dispositivo, todos os atos da Administração serão públicos. Diante desse
enunciado, se questiona se apenas a atividade administrativa está vinculada ao
princípio da publicidade ou se os demais atos jurídicos expedidos pelo Poder
Judiciário, pelo Poder Legislativo e até mesmo pelo particular também devem
respeitá-lo.
Com relação às normas expedidas pelo Poder Judiciário, a própria
Constituição responde ao afirmar no art. 93, IX, que todos os julgamentos dos órgãos
do Poder Judiciário serão blicos, limitados apenas por lei os casos de preservação
do direito à intimidade do interessado no sigilo sem prejudicar o acesso público à
informação.
Verifica-se que o Texto Magno elegeu como princípio o interesse público pela
informação, não podendo ser tolhido sem que haja uma razão. Já o Legislativo,
apesar de não conter nenhum enunciado explícito na Constituição, também necessita
ter seus atos publicados. Tal obrigatoriedade pode ser encontrada no art.da Lei de
Introdução ao Código Civil, estabelecendo que a lei somente começa a vigorar
quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada, salvo disposição em
50
contrário. Portanto, para uma norma jurídica ser válida, isto é, pertencer ao sistema
do direito, é imprescindível a sua publicação na imprensa oficial. para começar a
produzir efeitos, em regra, aguardam-se quarenta e cinco dias da sua publicação nos
Diários Oficiais. Percebe-se que a publicidade é requisito essencial também para a
complementação do percurso da mensagem jurídica.
Deve-se mencionar a Lei 11.419/06, que regulamenta o uso de meio eletrônico
na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças
processuais. Vivencia-se hoje uma era eletrônica, com o surgimento de novos
ambientes tecnológicos originando paradigmas que modificam a estrutura da
mensagem e influenciam no volume de transmissão de informações
120
. É nesse
contexto que aparece a lei acima aludida: “As novas tecnologias e ambientes
tecnológicos contribuem também para a criação de novas formas de relações
jurídicas, estabelecidas em linha (on-line), assim entendida a comunicação feita no
ambiente da Internet”
121
.
Como se pode observar, a Lei 11.419/06 regula a comunicação eletrônica dos
atos processuais em consonância com os novos padrões tecnológicos, permitindo-se
intimações, citações, cartas precatórias e rogatórias feitas por meio eletrônico. É a
“virtualização” dos atos processuais
122
. Passa-se a utilizar uma nova maneira de
envio da mensagem jurídica. A forma mecânica (Imprensa Oficial) começa a perder
espaço para os meios on-lines. O canal do sistema comunicacional do direito inicia
sua adequação aos tempos atuais, passando da publicação impressa para a via
eletrônica. Essa substituição do modo de publicação das normas jurídicas não
significa uma ruptura total com os padrões antigos, pois a linguagem escrita ainda
predomina, apenas começam a se alterar as formas de a mensagem chegar ao
destinatário.
120
Clarice ARAUJO; Paulo CONRADO, Penhora on-line e o devido processo legal: o meio é a mensagem”.
Tributação e processo, p. 130.
121
Ibid. p. 132.
122
Ibid. p. 134.
51
3.5 O destinatário e o emissor da norma jurídica
Identificar o emissor e o destinatário da norma jurídica parece ser de simples
solução. Emissor é o sujeito que o próprio sistema jurídico outorgou competência
para emitir normas jurídicas. Com isso, conforme poderá se perceber no decorrer
deste trabalho, são competentes para produzir enunciados prescritivos o Poder
Legislativo, o Poder Judiciário, o Poder Executivo e até mesmo o particular. Além de
serem emissores de normas (em sentido lato), os mesmos entes também poderão ser
destinatários de normas. Salienta Tercio Sampaio Ferraz Jr. que “ambos os
comunicadores do discurso normativo são, em princípio, ao mesmo tempo,
emissores e receptores”
123
.
Desse modo, para identificar qual é o emissor e o destinatário de uma
mensagem jurídica, tem-se um corte a fazer na cadeia de positivação do direito e
encontrar quem emitiu o enunciado prescritivo e para quem foi emitido. Por
exemplo, a legislação do imposto sobre a renda tem, como emissor, o Poder
Legislativo e, como destinatário, o particular. Agora, na norma de competência para
instituir o imposto sobre a renda, o emissor é o Poder Legislativo (constituinte); e o
destinatário, o Poder Legislativo (ordinário).
Como é possível notar, uma troca constante entre emissor e destinatário
da norma jurídica no fluxo do processo de positivação, tudo conforme as regras
criadas pelo próprio direito.
3.6 O contexto na comunicação jurídica
Toda comunicação se refere a um determinado contexto considerado como a
situação ou os objetos reais aos quais a mensagem faz referência. Assim, a mensagem
produzida pelo emissor tem de se reportar a determinadas situações ou objetos,
123
Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa, p. 39.
52
considerado o contexto do processo comunicacional. Apenas dentro de um
determinado contexto é possível compreender plenamente uma mensagem. Uma
mensagem solta, sem um contexto, impede, dificulta ou, no mínimo, retarda a sua
devida compreensão pelo receptor. Diante da ordem compre uma vela, qual seria a
conduta do receptor: comprar uma vela de carro, uma vela de aniversário ou uma
vela de navio? Somente com a observação do contexto é que o destinatário da
mensagem irá compreendê-la adequadamente
124
.
Os termos possuem um significado de base e um significado contextual. Luis
Alberto Warat explica ambos: “O primeiro é aquele que reconhecemos no plano
teórico quando abstraímos a significação contextual e consideramos o sentido
congelado, a partir dos elementos de significação unificados por seus vínculos
denotativos. O segundo pode ser entendido como o efeito de sentido derivado dos
processos efetivos da comunicação social”
125
. Compulsando os léxicos, encontram-se
para vela os significados: (i) dispositivo dos motores de explosão, destinado a
produzir a centelha elétrica para inflamar a mistura combustível na câmara de
combustão ou cabeça dos cilindros; (ii) rolo de substância gorda e combustível com
pavio e que serve para dar luz; (iii) pano longo de linho ou de outro qualquer tecido
que se desfralda ao longo dos mastros ou das vergas para receber a ação do vento em
virtude do qual é impelida a embarcação
126
. Esses são os significados de base que a
palavra possui. Agora, diante da ordem compre uma vela, apenas com o seu
significado contextual é que se conhecerá a exata mensagem transmitida pelo
emissor. O contexto é que auxiliará a corrigir a ambigüidade de um termo.
Manfredo de Oliveira, analisando a segunda fase de Wittgenstein, ensina que
somente é possível compreender a linguagem se tiver como base o contexto em que
124
Outro interessante exemplo sobre a importância do contexto para a mensagem pode ser encontrado em Luis
Alberto WARAT. Um cartaz contendo a expressão “é proibido usar tanga” terá um sentido quando colocado na
praia de Ipanema e outro se estiver numa praia de nudismo. No primeiro caso, o contexto indica que o banhista
tem de usar um traje de banho maior, na outra situação o contexto enseja a compreensão de que nada devem
usar os freqüentadores daquela praia. Percebe-se que é o contexto que indica o exato comportamento que a
mensagem deseja que seja adotado, O direito e sua linguagem, p. 67.
125
O direito e sua linguagem, p. 65.
126
Caldas AULETE, Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, p. 5.239-5.240.
53
os seres humanos se comunicam
127
. Sendo assim, a significação das palavras e das
mensagens no processo de comunicação, será reconhecida pelo receptor em
conformidade com a intenção da informação que o remetente deseja transmitir, de
acordo com o contexto a que se referem.
Como foi enunciado, a finalidade do direito é regular condutas humanas
intersubjetivas. Para tanto, o legislador recorta fenômenos sociais imputando-lhes
efeitos jurídicos. Por isso, “para a realidade jurídica, a comunicação estará sempre
envolvida em um contexto social e cultural; as interações humanas constituem o
contexto que interessa ao Direito como sistema de regulamentação de condutas”
128
.
Posto isso, o contexto a que se refere a mensagem jurídica é o mundo social,
buscando regular as condutas humanas intersubjetivas de acordo com uma
ideologia
129
.
3.7 A interpretação do direito em conformidade com o modelo comunicacional
proposto
Paulo de Barros Carvalho, tomando como premissa a linguagem como o
dado constitutivo do direito, desenvolve um percurso de construção de sentido do
texto jurídico subdividido em quatro planos distintos, partindo da literalidade
textual (S
1
) até atingir a forma superior do sistema normativo (S
4
), passando pelo
plano dos conteúdos de significação dos enunciados prescritivos (S
2
) e pelo conjunto
das normas jurídicas (S
3
)
130
.
O primeiro plano para a construção do sentido do texto jurídico é o sistema
da literalidade textual visto como o suporte físico das significações jurídicas. É em S
1
que o intérprete tem o primeiro contato com o texto legislado, iniciando a sua
127
Reviravolta lingüístico pragmática na filosófica contemporânea, p. 132.
128
Clarice ARAUJO, Semiótica do direito, p. 57.
129
Com relação à análise da linguagem social e a linguagem jurídica, ver item 2.3.
130
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 61-66.
54
trajetória de interpretação.
Linhas acima, buscou-se apresentar um modelo de direito sob a óptica
comunicacional. Portanto, o sistema jurídico é estudado com base na elaboração de
uma mensagem jurídica pelo emissor, fazendo com que ela chegue ao destinatário
levando as informações que deseja serem transmitidas. Para isso, utiliza-se de um
código, que é o direito positivado, e um canal físico: o texto escrito. Todos esses
fatores estão inseridos dentro de um contexto social.
Com isso, o intérprete inicia o percurso gerador de sentido jurídico (S
1
) com o
canal físico: a literalidade do texto normativo. Como se disse, o canal físico do
modelo comunicacional do direito é a linguagem escrita, uma vez que todos os seus
atos, mesmo quando usada a linguagem verbal, são transportados para a escrita.
Em S
2
o exegeta já passa para o conteúdo de significação dos enunciados
prescritivos. “Lida, agora, com o significado dos signos jurídicos, associando-os e
comparando-os, para estruturar não simplesmente significações de enunciados, mas
significações de cunho jurídico, que transmitam algo peculiar ao universo das
regulações das condutas intersubjetivas”
131
. Entra em ação, portanto, o domínio do
código e o repertório do receptor da mensagem. Agora, começam a ser identificados
os signos jurídicos, associando-se a eles significações. Passa-se a reconhecer o que é
“circulação de mercadoria”, “contribuinte”, “fato gerador”, “tributo”, “base de
cálculo”, “alíquota”.
Feita essa correlação entre os enunciados prescritivos e o repertório do
destinatário, parte-se para estruturar a norma jurídica com a finalidade de produzir
unidades completas de sentido. O intérprete já se encontra em S
3
, construindo a
mensagem jurídica, com sua estrutura mínima de significação, no sentido de orientar
a conduta humana. Nesse plano é que se obtém a norma jurídica naquela sua
estrutura bimembre: antecedente que implica um conseqüente (fato jurídico que
implica uma relação jurídica).
O passo seguinte do intérprete é realizar a organização das mensagens
131
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 71.
55
jurídicas construídas no plano anterior. O nível S
4
permite que o destinatário
organize as normas jurídicas de forma hierárquica, pois essas unidades não podem
aparecer soltas, sem pertencer à totalidade do sistema jurídico. É que o exegeta
verificará se a mensagem recebida foi produzida de acordo com as normas de
estrutura que estabelecem como as normas jurídicas devem ser inseridas no
ordenamento. É a organização do direito como um sistema comunicacional.
A construção de sentido da comunicação jurídica se pelo percurso nos
planos S
1
, S
2
, S
3
e S
4
, iniciando-se com o canal físico do sistema comunicacional, para
logo em seguida se produzir a mensagem jurídica com a utilização do código e do
repertório do destinatário, organizando-a dentro do sistema comunicacional do
direito.
56
4 A FENOMENOLOGIA DA INCIDÊNCIA DA NORMA JURÍDICA
TRIBUTÁRIA
4.1 Ser e dever-ser: a importância do processo de positivação da norma jurídica
O direito e a realidade social são dois conjuntos distintos, cada um portador
de uma comunicação específica. Entretanto, tais sistemas mantêm uma ampla
conversação entre si, trocando informações. Com isso, aspectos do ambiente são
processados segundo as regras específicas de cada sistema. O sistema jurídico recebe
informações do seu ambiente (demais sistemas sociais) e as processa em
conformidade com as normas jurídicas. Note-se que os sistemas o vivem isolados,
sendo possível adquirir informações de outros sistemas, que neles ingressam por
operações próprias.
Para Celso Campilongo, política, economia e direito podem trocar
prestações, mas nunca atuar com lógicas intercambiáveis. Dito de outro modo: os
sistemas sociais particulares são funcionalmente isolados e, por isso, podem ser
autocontrolados e auto-estimulados”
132
. Assim, cada sistema opera segundo seus
próprios padrões, sem que sofra uma sobreposição de funções de outros. Os sistemas
executam suas operações de acordo com as suas estruturas e seus elementos, a fim de
garantir a função que lhes é inerente. Por isso que o direito, por meio de suas
estruturas (normas jurídicas), desempenha a sua função específica de garantir
expectativas normativas.
Luhmann defende que os sistemas são operativamente fechados, porém
abertos cognitivamente. Essa abertura permite uma correlação entre os sistemas, com
constantes trocas de informações que serão processadas conforme as estruturas
internas de cada sistema, em razão do seu fechamento operativo, ou seja, um sistema
132
O direito na sociedade complexa, p. 74.
57
não pode operar com as estruturas de outro. O direito é irritado pela economia, pela
política, pela religião e pelos demais subsistemas sociais em razão da abertura
cognitiva que possui. É o que ensina Lourival Vilanova: “o sistema jurídico é sistema
aberto, em intercâmbio com os subsistemas sociais (econômicos, políticos, éticos)”
133
.
Todavia, essa conversação do direito com o seu ambiente é realizada por meio de sua
comunicação específica, as normas jurídicas.
O direito não recebe informações dos outros sistemas, como também as
transmite para eles. Na política, por exemplo, é o direito que estipula a forma de
governo, as regras de eleição, quem pode votar, etc. Na economia, o direito cria
situações que favorecem o desenvolvimento de determinados setores, elevando ou
diminuindo a carga tributária, e estabelece formas de financiamento de imóveis.
Inúmeros outros casos poderiam ser descritos demonstrando o direito interagindo
com os outros subsistemas sociais. Entretanto, repita-se, é a estrutura de cada um
desses subsistemas sociais que determina a forma com que essa comunicação jurídica
será representada internamente, de modo que somente serão fatos políticos,
econômicos, etc., se forem constituídos de acordo com a comunicação específica de
cada subsistema em virtude do fechamento operativo que possuem.
Percebe-se, então, que o direito, por regular condutas humanas (econômicas,
políticas, religiosas, etc.), produz informação que age em outros sistemas sociais,
irritando-os. Em vista disso, o direito gera comunicação jurídica que será processada
pelas estruturas dos demais subsistemas sociais na autopoiese específica de cada um.
Em razão do fechamento operativo, o direito não consegue alterar a realidade social
diretamente, principalmente porque uma conduta prescrita em uma norma jurídica
pode ser desobedecida pelo seu destinatário. O simples fato de uma norma jurídica
proibir matar alguém não impede que essa conduta ocorra. É, portanto, o fechamento
operativo de cada subsistema que permite a Paulo de Barros Carvalho concluir que
“não se transita livremente do mundo do ‘dever-ser’ para o do ‘ser’”
134
.
133
As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 180. (grifo do original).
134
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 225.
58
Essas irritações de um sistema em outro são denominadas de acoplamento
estrutural por Luhmann: “fala-se de acoplamentos estruturais quando um sistema
importa determinadas características de seu ambiente”
135
. O direito provoca irritações
na sociedade, prescrevendo como deseja que determinadas condutas humanas sejam
materializadas. Acontece que essa informação vai ser processada pelo sistema social
de acordo com suas próprias estruturas, podendo alterá-lo ou não.
importa a distinção entre o mundo do ser e o mundo do dever-ser como
dois conjuntos distintos que operam conforme suas estruturas específicas: o sistema
jurídico e o seu ambiente. Paulo de Barros Carvalho alerta que “A mensagem
deôntica, emitida em linguagem prescritiva de condutas, não chega a tocar,
diretamente, os comportamentos interpessoais
136
, isto é, o “dever-ser” não atinge o
“ser”.
A lei jurídica é regida pelo modal “dever-ser”, podendo acontecer de o seu
efeito E (a conduta prescrita no conseqüente) vir a não se materializar. Isso porque o
destinatário da norma jurídica, em conformidade com sua vontade, pode realizar ou
não a conduta prescrita. Ao ler a regra “se causar dano deve indenizar”, o receptor
da mensagem, ao concretizar o fato de causar dano, terá duas opções de conduta:
indenizar ou não a vítima. A conduta eleita pelo direito positivo como lícita é a de
indenizar, entretanto nada garante que o sujeito assim procederá. Não meios de
assegurar que, uma vez realizado o fato descrito na hipótese, dar-se-á exatamente o
comportamento prescrito no conseqüente da norma jurídica. Nessa tentativa, o
direito sempre busca ferramentas para fazer com que seja cumprida a relação jurídica
instaurada. Muitas vezes utiliza a sanção, a coação, o acesso ao Judiciário, porém não
se pode afirmar com segurança que, ao final, a conduta executada será aquela
inicialmente prescrita.
Sabe-se que a finalidade do direito é regular as condutas intersubjetivas. Mas
como o fazer se ele não atinge o mundo do “ser”? reside a importância do que
135
El derecho de la sociedad, p. 508. (tradução livre). No original: “se habla de acoplamientos estructurales cuando
un sistema supone determinadas características de su entorno”.
136
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 225.
59
Paulo de Barros Carvalho denominou “processo de positivação do direito”, definido
como o “caminho, em que o direito parte de concepções abrangentes, mas distantes,
para chegar às proximidades da região material das condutas intersubjetivas, ou, em
terminologia própria, iniciando-se por normas jurídicas gerais e abstratas, para
chegar a normas individuais e concretas”
137
. Para Gregorio Robles é o fenômeno da
concreção: “Na medida em que se vai descendo a pirâmide normativa, passa-se do
mais geral ao mais particular, produz-se um processo de concreção ou determinação
do fenômeno normativo, até chegar, finalmente, aos atos individualizados de
aplicação”
138
.
A influência do mundo do dever-ser sobre o universo ontológico depende da
aplicação da norma geral e abstrata produzindo uma norma individual e concreta.
Somente com a produção desse instrumento normativo é que o direito positivo irá
direcionar o comportamento humano. É nesse sentido que conclui Paulo de Barros
Carvalho: “Uma ordem jurídica não se realiza de modo efetivo, motivando alterações
no terreno da realidade social, sem que os comandos gerais e abstratos ganhem
concreção em normas individuais.”
139
. É a norma individual e concreta, portanto, que
provoca maiores irritações nos demais subsistemas sociais.
4.2 O fenômeno da incidência e a produção da norma individual e concreta
O direito, a fim de produzir uma melhor conversação com os demais
subsistemas sociais, deve atingir níveis máximos de concretização e individualização
das normas gerais e abstratas, para assim influenciar de maneira mais incisiva as
condutas humanas.
137
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 226.
138
Teoría del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho, v. 1, p. 239. (tradução livre). No original:
“A medida que se va desciendo en la pirámide normativa, se pasa de lo s general a lo más particular, se
produce un proceso de concreción o determinación del fenómeno normativo, hasta llegar, finalmente, a los actos
individualizados de aplicación.”
139
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 227.
60
Ao analisar a positivação do sistema jurídico, não se pode deixar de registrar
que a norma jurídica é resultado do ato de aplicação realizado pelo homem. A idéia
de Alfredo Augusto Becker de que a incidência da norma é automática e infalível
140
encontra-se superada. Para Paulo de Barros Carvalho, aplicar o direito consiste na
produção de novas normas jurídicas com fundamento em regras superiores: “Aplicar
o direito é dar curso ao processo de positivação, extraindo de regras superiores o
fundamento de validade para edição de outras regras”
141
. Sem esse ato humano, não
o fenômeno da incidência, ou seja, sem a interferência do homem não é possível o
ingresso de novas normas no ordenamento. É o sistema comunicacional do direito
operando, com o emissor produzindo mensagens jurídicas de acordo com o que
prescreve o direito positivo.
Para que se a incidência da norma sobre o fato, é imperiosa a ocorrência
desse fato no mundo fenomênico. Aqui é importante destacar outra distinção feita
por Paulo de Barros Carvalho entre fato e evento. Apoiado nas lições de Tércio
Sampaio Ferraz Jr., o autor considera como fato a constituição lingüística que
organiza a realidade, e como evento o acontecimento concreto que se exaure no
tempo, que não deixa vestígios, a não ser com a sua constituição por linguagem, ou
seja, é o acontecimento despido de qualquer articulação lingüística
142
. Clarice Araujo,
analisando a distinção entre fato e evento sob o prisma da semiótica, conclui: “Um
fato jurídico, portanto, constitui-se em uma representação jurídica de uma situação
intersubjetiva, de um estado de coisas, de uma conduta praticada. Em sua condição
semiótica, o fato jurídico é signo de caráter indicial, ao trazer para o universo jurídico
vetores de espaço e tempo relativos à ocorrência do evento, em si mesmo
inapreensível e somente em parte representado”
143
.
Cada subsistema terá seus próprios fatos conforme o seu revestimento
lingüístico específico. Assim, um fato social para o sistema do direito seum mero
140
Teoria geral do direito tributário, p. 307 et seq.
141
Curso de direito tributário, p. 90.
142
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 93-4.
143
Fato e evento tributário uma análise semiótica, Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos
em homenagem a Paulo de Barros Carvalho, p. 355. (grifo do original).
61
evento, pois ainda não foi revestido pela linguagem jurídica. É o que afirma Paulo de
Barros Carvalho:
Com efeito, se as mutações que se derem entre os objetos da
experiência vierem a ser contadas em linguagem social, teremos os
fatos, no seu sentido mais largo e abrangente. Aquelas mutações,
além de meros ‘eventos’, assumem a condição de ‘fatos’. Da mesma
forma, para o ponto de vista do direito, os fatos da realidade social serão
simples eventos, enquanto não forem constituídos em linguagem
jurídica própria
144
.
Apesar da sua constituição em linguagem, o fato, para se tornar jurídico,
impõe a linguagem própria do direito, as normas jurídicas. Nas normas gerais e
abstratas, a abstração espresente no antecedente, em que estão contidos critérios,
notas, traços e características que possibilitam identificar o fato jurídico. Não inclui,
propriamente, o fato jurídico, mas apenas as notas que um acontecimento requer
para se transformar em tal tipo de fato. Por isso, afirma-se que o antecedente das
normas abstratas é composto por enunciados conotativos que se projetam para o
futuro, selecionando marcas, aspectos, pontos de vista, linhas, traços, caracteres
relativos a um número indeterminado de situações
145
.
Somente haverá a incidência da norma com a ocorrência efetiva do fato
jurídico; e a comprovação desse acontecimento é feita pela linguagem das provas em
direito admitidas. É o que ensina Fabiana Del Padre Tomé, em seu excelente trabalho
sobre a teoria das provas:
É por meio das provas que se certifica a ocorrência do fato e seu
perfeito quadramento aos traços tipificadores veiculados pela norma
geral e abstrata, permitindo falar em subsunção do fato à norma e em
implicação entre antecedente e conseqüente, operações lógicas que
caracterizam o fenômeno da incidência normativa
146
.
Primeiro, portanto, é preciso que se reconheça o fato jurídico de acordo com
as provas que o sistema jurídico prescreve para, depois, ocorrer o fenômeno da
144
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 97. (grifo do original).
145
Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 96.
146
A prova no direito tributário, p. 31.
62
incidência da norma jurídica sobre o fato
147
.
Percebe-se toda a complexidade do fenômeno normativo em sua dinâmica.
Tem de existir uma norma geral e abstrata que descreva as notas, os critérios e as
características que um evento precisa possuir para se tornar fato jurídico. Depois,
deve ficar comprovado que o evento realmente aconteceu no mundo fenomênico, por
meio da linguagem das provas. A partir de então é que haverá a incidência da norma
jurídica sobre o evento, produzindo-se uma norma individual e concreta que conterá
em seu antecedente a constituição do fato jurídico.
A fenomenologia da incidência da norma jurídica pode ser descrita por duas
operações lógicas:
a primeira, de subsunção ou de inclusão de classe, em que se
reconhece que uma ocorrência concreta, localizada num determinado
ponto do espaço social e numa específica unidade de tempo, inclui-se
na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral e abstrata;
outra, a segunda, de implicação, porquanto a fórmula normativa
prescreve que o antecedente implica a tese, vale dizer, o fato concreto,
ocorrido hic et nunc, faz surgir uma relação jurídica também
determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito
148
.
um ato humano que cria uma norma com alto grau de generalidade e
abstração. Posteriormente, em razão da ocorrência do fato descrito no antecedente da
norma geral e abstrata, tem-se outro ato humano, de aplicação, produzindo uma
nova norma, agora individual e concreta, com fundamento de validade naquela geral
e abstrata, determinando quais os efeitos jurídicos que devem ser imputados em
razão da ocorrência do fato. É o sistema jurídico como um fenômeno autopoiético
gerando a si mesmo, com as próprias normas que o ajustam determinando
mecanismos para criar novas normas e para transformar as existentes.
Desse modo, as normas jurídicas estão interligadas numa estrutura linear,
percorrendo um fluxo que vai da norma geral e abstrata até atingir níveis normativos
máximos de concretude e individualização, para buscar a sua finalidade de regular
os comportamentos humanos.
147
Gabriel IVO, A incidência da norma jurídica: o cerco da linguagem, Revista de direito tributário, n. 79, p. 195.
148
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 11.
63
Em suma, para que se tenha a produção de uma norma individual e concreta
que venha a irritar o sistema social, é preciso que se percorra o seguinte caminho: (i)
a existência de uma norma geral e abstrata que contenha no seu antecedente a
conotação do fato jurídico; (ii) a ocorrência do evento no mundo fenomênico; (iii) a
comprovação de que esse evento existiu e que seus critérios se encaixam na definição
do fato por meio da linguagem das provas jurídicas; (iv) a incidência da norma
jurídica, com a produção do fato jurídico e a correspondente implicação dos efeitos
jurídicos contidos (v) na norma jurídica individual e concreta produzida.
4.3 O fluxo da causalidade jurídica
O fenômeno da concretização do direito culmina com a produção da norma
individual e concreta. Entretanto, não é fácil presenciar um processo de positivação
do direito de forma linear e simples. Isso porque várias incidências concomitantes
na fenomenologia jurídica, sendo possível apenas o seu recorte para fins acadêmicos
de descrição do objeto.
Lourival Vilanova percebeu que no direito nem sempre uma só hipótese
implica uma conseqüência: “Várias hipóteses H’, H’’, H’’’... têm uma mesma
conseqüência C, ou, inversamente, várias conseqüências C’, C’’, C’’’, ... correspondem
a uma só hipótese H
149
. Diante da complexidade jurídica, um acontecimento social
pode desencadear diversos fluxos normativos, cada qual estabelecendo efeitos
próprios. É o que Eurico de Santi chama de fluxo de causalidade jurídica: “cordão,
ponto-posponto, formado de normas que se orientam em intermináveis cadeias
normativas e que se difundem nas mais diversas direções, compondo múltiplas
séries causais que entrelaçam, em sua urdidura, os diversos ramos do direito”
150
.
Cita-se, a título de exemplo, a ão de um filho assassinar o pai. Tal
149
Causalidade e relação no direito, p. 75.
150
Decadência e prescrição no direito tributário, p. 152.
64
acontecimento estará gerando efeitos na esfera criminal e também no âmbito civil,
com relação ao direito de herança. Há, nesse caso, dois fluxos normativos distintos,
cada qual dando seguimento a uma cadeia de normas distintas; uma delas culminará
com a aplicação ou não da sanção penal em virtude do assassinato, e a outra decidirá
sobre o direito do filho à herança. Assim, a causalidade jurídica pode se dar da
seguinte maneira: um antecedente implica um conseqüente; vários antecedentes
implicam um conseqüente; um antecedente implica vários conseqüentes; vários
antecedentes implicam vários conseqüentes.
O que se pretende deixar assente é que o fenômeno jurídico da positivação
das normas é sobremodo complexo, ocasionando diversos fluxos normativos, cada
um finalizando com a edição de uma norma individual e concreta. Com a edição
desse tipo de norma, o direito esgota o seu processo de positivação. Porém, nada
impede que essa norma início a um novo fluxo de causalidade jurídica, como no
caso das normas processuais, por exemplo
151
.
O presente trabalho vai se dedicar especialmente à análise da cadeia de
positivação de normas que versam acerca da compensação tributária. No entanto,
antes é importante traçar alguns comentários sobre a incidência da norma tributária
que constitui o crédito tributário, e a incidência da norma que culmina com o débito
do Fisco, construindo essas duas cadeias normativas, cada uma com sua
peculiaridade.
4.4 Fontes do direito positivo
Uma ambigüidade comum pertencente às palavras é a processo/produto. É
fruto da utilização do mesmo termo para designar dois significados: um relativo ao
processo, e o outro referente ao produto desse processo. Surge, relata Hospers,
porque “freqüentemente usamos uma palavra para representar um processo, e
151
Confira o tópico 3.2.1.4 do Capítulo 3.
65
usamos novamente a mesma palavra para representar o produto resultante de tal
processo. Quando alguém diz ‘foram ver a construção’, pode-se querer significar que
foram ver 1) as pessoas no processo de construir algo ou 2) a coisa que foi
construída
152
.
O direito convive com essa ambigüidade, pois facilmente se encontra uma
palavra significando ora o processo ora o produto decorrente desse processo. No
direito positivo é possível perceber a existência desse problema semântico. Para isso,
basta analisar o Código Tributário Nacional e se deparar com a expressão
“lançamento tributário”, usada para designar tanto o processo
153
como o produto
154
.
Na Lingüística é feita a diferenciação entre o produto e o processo, usando-se
os termos enunciado e enunciação. O enunciado, conforme Paulo de Barros Carvalho, é
“um conjunto de fonemas ou de grafemas que, obedecendo a regras gramaticais de
determinado idioma, consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor para
ser recebida pelo destinatário, no contexto da comunicação”
155
. É a expressão em seu
sentido material, o suporte físico de um signo, ou seja, o produto. o processo que
origina o enunciado é denominado enunciação; é o ato produtor do enunciado.
Assim, enunciação é definida como um conjunto de operações constitutivas de um
enunciado, o conjunto de atos que o sujeito falante efetua para construir, no
enunciado, um conjunto de representações comunicacionais”; e enunciado é o
“produto do ato de produção”
156
.
Acontece que a enunciação se perde no tempo e no espaço, restando apenas
os fatos enunciativos. Esses fatos possibilitam a reconstrução da enunciação por meio
152
Introducción al análisis filosófico, p. 29. (tradução livre). No original: “A menudo usamos una palabra para
representar un proceso, y usamos de neuvo la misma palabra para representar el producto resultante de tal
proceso. Cuando alguien dice ‘fueron a ver la construcción’, puede querer significar que fueran a ver 1) a gente en
el proceso de construir algo o 2) la cosa que ha sido construida.”
153
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento,
assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação
correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito
passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
154
Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo pode ser alterado em virtude de: I
impugnação do sujeito passivo; II recurso de ofício; III iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos
casos previstos no artigo 149.
155
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 22.
156
Patrick CHARAUDEAU; Dominique MAINGUENEAU, Dicionário de análise do discurso, p. 193-4 e 195.
66
das marcas lingüísticas encontradas no discurso identificando o emissor, o tempo e o
lugar da enunciação. Percebendo esse problema, Tárek Moussallem, com fulcro nas
lições de José Luiz Fiorin, identifica dois tipos de enunciados: a enunciação-enunciada,
que são essas marcas encontradas no texto que se referem ao processo de enunciação,
e o enunciado-enunciado, que é o texto desprovido das marcas da enunciação
157
.
Tomando como premissa que o mundo jurídico é construído num universo
de linguagem, tal distinção é importante porque é por meio da enunciação-enunciada
que o operador do direito irá identificar o órgão competente, o espaço, o tempo e o
procedimento do ato produzido
158
. É mediante a enunciação-enunciada que o jurista
reconstrói a atividade do processo de produção de normas jurídicas, que a
enunciação se esvai no espaço e no tempo. Em outras palavras, o ato de produção
utilizado pelo emissor da mensagem jurídica somente pode ser identificado pelas
marcas encontradas no texto da mensagem.
Feita essa identificação dos elementos que constituem uma mensagem
lingüística, e se inclui a norma jurídica, Tárek Moussallem afirma que a fonte do
direito é a enunciação, isto é, a atividade produtora dos enunciados do documento
normativo, porém ela desaparece no tempo e no espaço
159
. Assim, fonte do direito é o
processo, e o documento normativo é o produto advindo desse processo. Essa nova
visão sobre o tema fontes do direito rompe com a doutrina tradicional, que considerava
como fontes a lei, o costume, a doutrina e a jurisprudência; refuta-se, com isso, a
dicotomia fonte material/fonte formal
160
. Considerar-se-á fonte do direito o processo
de produção de normas jurídicas.
É sobremaneira importante a expressão elaborada por Paulo de Barros
Carvalho “instrumentos introdutórios de normas” ao invés de se usar “fontes
157
Fontes do direito tributário, p. 78-9.
158
Tárek MOUSSALLEM, Fontes do direito tributário, p. 80.
159
Ibid. p. 137.
160
Fontes materiais, segundo Maria Helena DINIZ, consistem no conjunto de fatores sociais e axiológicos que
determinam a elaboração do conteúdo das normas jurídicas, e fontes formais são os modos de manifestação do
direito, Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 280 e seguintes. Ruy Barbosa NOGUEIRA, de modo diverso,
define como fontes reais os suportes fácticos das imposições tributárias, Curso de direito tributário, p. 47 e
seguintes.
67
formais”
161
. É com a enunciação-enunciada presente no documento normativo que se
constrói a norma jurídica geral e concreta
162
, cuja finalidade é introduzir novas
normas no sistema. O ato de produção de normas, porque se esvai no tempo e no
espaço, reconstruído pelas marcas deixadas no documento normativo, apenas pode
ser identificado pela análise do instrumento introdutor de normas. Por isso, pode-se
falar em normas introduzidas e normas introdutoras, sendo no veículo introdutor de
normas que serão revelados os indícios do procedimento aplicado para a elaboração
do documento normativo, reconstruindo-se a fonte do direito. Contudo, o
documento normativo (produto) somente surge quando a enunciação (processo)
desaparecer.
Com isso, encontram-se em um documento normativo dois tipos de
enunciados: (i) a enunciação-enunciada, que são as marcas de espaço, tempo, emissor
e procedimento produtor do documento; e (ii) o enunciado-enunciado, que são as
disposições normativas.
É no canal físico do sistema comunicacional do direito que o receptor terá o
primeiro contato com a mensagem. se encontra a enunciação-enunciada que
permitirá a construção da norma jurídica veículo introdutor de normas. Retorna-se à
atividade produtora para verificar se o emissor era a pessoa competente e se utilizou
o correto procedimento estampado no direito. É também no canal físico que está
presente o enunciado-enunciado, entendido como o conteúdo da mensagem normativa,
ou seja, aquilo que o direito pretende regular.
A partir desse contato com o plano da literalidade, convencionado por Paulo
de Barros Carvalho como S
1
163
, é que o receptor irá produzir as mensagens jurídicas
(normas jurídicas em sentido estrito), em conformidade com o seu código e
repertório. Por isso, se diz que a partir de um único código (texto de lei) várias
161
Curso de direito tributário, p. 56.
162
Concreta, porque atesta, em seu antecedente, o fato jurídico exercício da competência, precisamente
delimitado em suas coordenadas espaço-temporais (agente x, dia y, na localidade w, praticou o procedimento z) e
geral, porque, em seu conseqüente, instaura uma relação jurídica que atribui a todos o dever jurídico (Op) de
observar as disposições introduzidas no sistema”, Daniel Monteiro PEIXOTO, Competência administrativa na
aplicação do direito tributário, p. 100-1.
163
Confira o Capítulo 3, tópico 3.7.
68
mensagens jurídicas (normas jurídicas) poderão ser construídas.
4.5 Competência tributária
A expressão competência tributária, como tantas outras no direito, é ambígua,
possuindo diversos significados. Cristiane Mendonça encontrou dez formas de uso
para o termo
164
. Realizando um processo de elucidação, a autora restringe o conceito
de competência tributária à “autorização conferida pelo direito positivo às distintas
pessoas políticas para a edição e a alteração de normas jurídicas tributárias em
sentido estrito, quer gerais e abstratas, quer individuais e concretas”
165
. Percebe-se
que a competência não es restrita à produção de normas gerais e abstratas. Há,
ainda, uma acepção mais ampla para a expressão: a autorização para a produção e
modificação de todos os demais dispositivos normativos que versem sobre matéria
tributária
166
.
Sendo assim, o termo competência tributária pode ser tomado em sentido
estrito, significando a autorização que as pessoas políticas possuem para produzir
novas normas cujo conteúdo trate apenas da instituição de tributos, e em sentido
amplo, quando a permissão é para a produção de qualquer tipo de norma tributária.
Roque Carrazza trabalha com um conceito restrito de competência tributária.
Segundo o ilustre professor, a competência tributária é apenas a legislativa, cujo
escopo é instituir tributos: “competência tributária é a possibilidade de criar, in
abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus
sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas”
167
. Ao se
exercer a competência tributária, observando as lições do autor, estão sendo inseridas
164
Competência tributária, p. 37-8.
165
Ibid. p. 79. Entretanto, em seu trabalho a autora se restringiu apenas ao estudo da norma de competência como
autorização para a produção de normas tributárias gerais e abstratas, Ibid, p. 86.
166
Ibid. p. 105. Nesse sentido, Daniel Monteiro PEIXOTO, Competência administrativa na aplicação do direito
tributário, p. 81.
167
Curso de direito constitucional tributário, p. 415.
69
normas gerais e abstratas que versam sobre tributos.
Entretanto, parece que a expressão competência tributária pode ser usada
não pra designar a aptidão de criar normas gerais e abstratas. Eurico de Santi e
Daniel Peixoto segregam as normas de competência dividindo-as em “competência
legislativa”, para a permissão de se colocarem no sistema normas gerais e abstratas;
“competência administrativa”, como a possibilidade de se criarem normas
individuais e concretas
168
; “competência privada”, que é a autorização para se
criarem atos no âmbito privado; e “competência judicante”, relativa à solução de
litígios
169
. Teriam, portanto, autorização para introduzir novas normas no sistema
jurídico os órgãos legislativo, administrativo e judicial, além do particular
170
. Percebe-
se que, enquanto a competência legislativa está atrelada à edição de normas gerais e
abstratas, as demais se vinculam à produção de normas individuais e concretas.
Trabalhando com a competência legislativo-tributária em sentido estrito, se
produz uma norma jurídica, que, em razão do princípio da homogeneidade
sintática
171
, possui a mesma estrutura bimembre de todas as normas, ou seja, um
antecedente que implica um conseqüente. Identifica-se como antecedente o fato de
ser pessoa política no território nacional em certo tempo, e como conseqüente a
autorização para distintos sujeitos de direito, de acordo com certos limites formais e
materiais, editarem enunciados prescritivos de tributos e o dever jurídico que a
168
Roque CARRAZZA distingue a competência tributária como a permissão editar normas jurídicas (em sentido
lato), da capacidade tributária ativa que consiste no direito de arrecadar o tributo. Curso de direito constitucional
tributário, p. 419.
169
PIS e Cofins na importação, competência: entre regras e princípios. Revista dialética de direito tributário, n. 121, p.
35-6. Cristiane MENDONÇA trabalha com a possibilidade de a competência tributária ser exercida pelos Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário. Deixa de fora os particulares em razão do objeto do seu estudo que
compreende apenas a autorização para a produção de normas gerais e abstratas que instituam tributos.
Competência tributária, p. 98-9.
170
O direito positivo não outorga competência para o particular criar normas gerais e abstratas que versem sobre
a criação de exações. Apenas é autorizado pelo sistema jurídico a expedir normas individuais e concretas, como o
autolançamento e o contrato.
171
Esse princípio determina que as normas jurídicas em sentido estrito (ou regras jurídicas) serão todas compostas
na mesma organização sintática: um juízo condicional, que contém um antecedente descreve um fato e o
conseqüente prescreve uma relação deôntica entre dois sujeitos de direitos. Opõe-se ao princípio da
heterogeneidade semântica, que postula o preenchimento das estruturas sintáticas da norma jurídica conforme
livre escolha do legislador.
70
comunidade tem de respeitar tal exercício
172
.
As outras normas de competência tributária (administrativa, jurisdicional e
privada) não são construídas com a edição de uma única estrutura lógica como
acontece com a competência legislativa. Alerta Daniel Peixoto que, em se tratando da
autorização para a produção de normas individuais e concretas, não é possível a
construção de uma única norma, mas sim o agrupamento de três normas gerais e
abstratas que irão traçar os critérios para a produção dessas normas: (i) a norma de
competência-desempenho; (ii) a norma de competência formal; e (iii) a norma de
competência material
173
. Assim, as competências administrativa, judicante e privada
derivam da incidência de três instrumentos normativos.
É importante registrar que as pessoas autorizadas a editar normas têm essa
atividade limitada pelo próprio direito. É o critério delimitador presente no
conseqüente da norma de competência legislativa, desenhado pelos limites materiais
e formais. Os primeiros são restrições quanto ao conteúdo da norma a ser inserida no
sistema; os formais dizem respeito ao procedimento a ser obedecido para a
realização do ato de produção de normas. Segundo Cristiane Mendonça, é a dupla
finalidade do critério delimitador da autorização: “i) regrar a forma de atuação do
sujeito ativo (enunciação) quando da produção dos dispositivos legais tributários
stricto sensu; ii) fixar o conteúdo dos versículos jurídico-tributários (enunciado-
enunciado) que serão imitidos no mundo jurídico”
174
.
Na produção de normas individuais e concretas, os limites são postos pelas
172
Cristiane MENDONÇA, Competência tributária, p. 69-70. Pouca diferença se encontra na norma construída por
Eurico de SANTI e Daniel PEIXOTO, apenas acrescentam no antecedente certas circunstâncias que devem ou não
ocorrer para surgir a autorização de produzir normas, PIS e Cofins na importação, competência: entre regras e
princípios. Revista dialética de direito tributário, n. 121, p. 37.
173
Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 85.
174
Competência tributária, p. 130. Para a autora são limites materiais: i) os critérios constitucionais relativos à
classificação dos tributos (vinculação à uma atividade estatal; destinação do produto arrecadado e a restituição do
valor recolhido); ii) os princípios constitucionais tributários, tanto na acepção de valores como de limite objetivo;
iii) as imunidades tributárias. Ibid, p. 181. Semelhante o posicionamento de Eurico de SANTI e Daniel PEIXOTO,
PIS e Cofins na importação, competência: entre regras e princípios. Revista dialética de direito tributário, n. 121, p.
38-9. Roque CARRAZZA assevera que o legislador, ao exercitar a competência tributária, está sujeito aos
seguintes limites jurídicos: a) observar as normas constitucionais; b) os princípios constitucionais; c) vedação ao
confisco; além de outras disposições indiretas, como o direito de propriedade, o direito de exercer atividades
lícitas, etc. Curso de direito constitucional tributário, p. 419 et seq.
71
três normas que traçam a aplicação do direito. Na norma de competência-
desempenho está a obrigação ou a faculdade de se produzir o ato. os requisitos
formais e materiais são descritos pelas outras duas normas.
Com isso, para se inserir uma nova norma no sistema, seja do tipo geral e
abstrata, seja do tipo individual e concreta, não basta que a sua elaboração ocorra por
meio de veículo introdutor próprio de acordo com o procedimento aplicável à
espécie. É imprescindível que os enunciados normativos produzidos tenham o
conteúdo em conformidade com a norma de competência. O emissor da mensagem
deôntica está condicionado ao cumprimento dessas exigências, sob pena de
invalidade da norma editada. Desse modo, uma lei poderá ser declarada inválida
formalmente quando elaborada por órgão incompetente ou quando não seguir o
procedimento descrito pelo sistema (inobservância da norma de competência formal
ou do critério delimitador da norma de competência legislativa); e poderá ser
declarada inválida materialmente quando houver incompatibilidade com o conteúdo
do ato normativo (inobservância da norma de competência material ou do critério
delimitador da norma de competência legislativa).
Analisando o processo de positivação das normas, pode-se dizer que ele se
inicia com o exercício da competência legislativa
175
, criando as normas gerais e
abstratas. O próximo passo da concretização consiste na aplicação das normas gerais
e abstratas, produzindo normas individuais e concretas, momento em que se
exercem as competências administrativa, judicante ou até mesmo a privada.
Percebe-se, portanto, que todo ato de produção de normas pressupõe uma
norma de competência contendo os requisitos formais e materiais a serem
obedecidos pelo órgão produtor de normas. É na norma de competência que estão
presentes o modo e o processo para se produzirem normas, o órgão competente e o
conteúdo a ser observado. A administração, para aplicar a norma geral e abstrata por
meio do lançamento tributário, produzindo uma norma individual e concreta que
175
É possível o Poder Judiciário e o Poder Executivo exercerem, atipicamente, a função legislativa. Aqui ficaria de
fora apenas a competência privada.
72
constitui o crédito tributário, deve seguir a norma de competência administrativa que
traz o procedimento a ser seguido pela autoridade administrativa, bem como qual o
conteúdo dessa norma.
É importante registrar que é na norma de competência que se encontram o
procedimento e o conteúdo para a aplicação da norma de compensação, conforme
será visto adiante.
4.5.1 A questão da validade na produção normativa
Várias teorias surgiram para interpretar a validade das normas jurídicas
176
.
Apesar dessa grande produção sobre o tema, para o presente estudo considera-se
validade como relação de pertinência de uma norma jurídica a um determinado
sistema jurídico
177
. Nesses termos, validade equivale à existência da norma jurídica.
Por esse motivo, classificar a norma jurídica como válida constitui um pleonasmo
segundo Luís Cesar Souza de Queiroz, que sua qualificação como não-válida é o
mesmo que dizer que a norma não é jurídica
178
. Afirmar a norma como jurídica
pressupõe a sua validade.
Essa posição de que as normas válidas são aquelas pertencentes à
determinado sistema decorre das lições de Hans Kelsen, para quem norma válida é a
produzida em conformidade com as regras ditadas por uma norma superior
179
.
Entretanto, um paradoxo presente no sistema jurídico: é possível encontrar
normas que foram introduzidas em desconformidade com os critérios da norma
superior. E essas normas permanecerão no sistema até serem retiradas por outra. É o
que afirma Marcelo Fortes de Cerqueira: “mesmo que as normas veiculadas não
sejam especificamente da competência direta do órgão habilitado que promoveu o
176
Cf. Paulo Roberto Lyrio PIMENTA, A validade e a eficácia das normas jurídicas, p. 63-86.
177
Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 81.
178
Sujeição passiva tributária, p. 124.
179
Teoria pura do direito, p. 232.
73
ingresso, ou que o procedimento utilizado não seja o adequado, não como negar
que houve nessa situação o ingresso de regra jurídica no ordenamento, embora de
forma irregular”
180
. Como está inserida no sistema, a norma irregular tem aptidão
para produzir efeitos que poderão ser desconsiderados depois com a edição de outra
norma.
Assim, a norma jurídica, uma vez introduzida no sistema jurídico de forma
regular ou irregular, permanecerá válida até que outra venha e a retire da ordem
jurídica. Basta pertencer ao sistema para ser considerada válida. Quando ingressam
no ordenamento positivo, as leis presumem-se constitucionais, ou seja, válidas. De
acordo com Pontes de Miranda, somente o Poder Judiciário é competente para retirar
uma norma do sistema por inconstitucionalidade. Se o Poder Executivo e o
Legislativo deixam de aplicar ou executar alguma lei por reputarem-na inválida
agem por sua responsabilidade. Qualquer poder pode recusar-se a cumprir a lei,
por lhe parecer contrária à Constituição; mas, se assim procede, é a seu risco que o
faz. ao poder a que incumbe sentenciar cabe decretar a inconstitucionalidade das
leis”
181
.
4.6 Ação, norma e procedimento
O direito positivo cuida das condutas humanas, ou, conforme diz Gregorio
Robles, o direito é um texto cuja função é dirigir as ações dos homens
182
. Essas ações,
consoante a classificação em normas de estrutura e normas de conduta, podem ser
ações que tratam da criação, modificação ou extinção de normas jurídicas, ou ações
que se referem aos comportamentos humanos propriamente ditos, qualificados pelo
direito como permitidos, proibidos ou obrigatórios. Gabriel Ivo também percebeu
essa dualidade: “Mas o direito não regula apenas a conduta das pessoas nas suas
180
Repetição do indébito tributário, p. 124.
181
Comentários à Constituição de 1967; com a emenda n. 1 de 1969, p. 102.
182
Teoría del derecho: fundamentos de teoria comunicacional del derecho, p. 251.
74
relações intersubjetivas. uma outra conduta também objeto da disciplina do
direito. A conduta de produzir normas, a ser promovida pelos órgãos competentes
para sua produção, que, por sua vez, são também competentes em face de outras
normas”
183
.
O direito seleciona quais condutas ou ações deseja regular. Trabalha, nesse
momento, no eixo paradigmático de organização do discurso jurídico
184
, em que o
legislador possui uma ampla liberdade de escolha dos fatos sociais para imputar à
sua ocorrência o surgimento de certas relações jurídicas. As escolhas feitas
caracterizam os atos de produção de normas ou os comportamentos humanos nas
suas relações intersubjetivas. Apesar de a produção de normas também ser um
comportamento humano, é possível distingui-las daquelas condutas ou ações
reguladas pelo direito que não se caracterizam por produzir normas. Assim, o gênero
condutas humanas (em sentido amplo) se subdivide nas classes comportamentos humanos
(condutas humanas em sentido estrito) e atos de produção de normas. Os comportamentos
são os eventos sociais eleitos pelo legislador para fazer parte do antecedente das
normas de conduta, regulando-os como permitido, obrigatório ou proibido. Por
exemplo: a ação de matar, a ação de realizar operações com produtos
industrializados, a ação de comprar, etc.
Tal elucidação é importante para esclarecer o uso do termo procedimento neste
trabalho. Porém, é fácil perceber a confusão, pois usa-se a mesma palavra para
designar situações diversas. É procedimento o conteúdo da norma de estrutura; é
procedimento a ação de produzir normas; como também é procedimento o
comportamento humano. Quando o emissor deseja produzir uma mensagem jurídica
(procedimento), sua ação deve necessariamente observar as regras descritas por uma
norma superior (procedimento). O destinatário da norma, para realizar um
comportamento humano (procedimento) nela descrito, deve seguir as notas
prescritas (procedimento). Para se concretizar a conduta de homicídio, o sujeito, no
183
Norma jurídica: produção e controle, p. XXVI.
184
Clarice ARAUJO, Semiótica do direito, p. 29.
75
universo ontológico, tem de matar alguém, e este será um comportamento
humano relevante para o direito, se o procedimento for realizado consoante aquele
descrito no art. 121 do Código Penal. Caso contrário, não se trata de homicídio.
Como é possível notar, procedimento, norma e ação são aspectos de um
mesmo fenômeno. Mais uma vez recorre-se a Gregorio Robles, para quem “onde
ação, procedimento, e também norma. São três conceitos que se co-implicam,
que vão acompanhados sempre. Não é possível pensar em um sem o relacionar de
imediato com os outros dois”
185
. Em razão dessa proximidade dos termos, muitas
vezes se utiliza a mesma expressão para designá-los. No direito, pode-se observar
esse problema com a palavra contrato, por exemplo, que pode significar: (i) a norma
geral e abstrata que traz os requisitos para se elaborar o contrato; (ii) o fato de se
elaborar um contrato; (iii) a norma individual e concreta produzida; (iv) o
instrumento contrato. Por isso, com a finalidade de se evitarem essas ambigüidades,
parte-se para elucidar ação e procedimento, que ficou consignado ser norma jurídica,
em sentido estrito, ou regra jurídica, aquele enunciado de estrutura dúplice,
composto por um antecedente e um conseqüente
186
.
Para esclarecer o uso da palavra ação, é preciso rememorar o binômio
evento/fato jurídico. Evento é aquele acontecimento do plano social despido de
linguagem jurídica e, portanto, situado fora do ordenamento. Fato jurídico é o
acontecimento relatado em linguagem competente, apto a produzir efeitos
jurídicos
187
. Para existir fato jurídico, é preciso uma norma jurídica concreta que o
constitua; antes, trata-se de mero evento. Percebe-se que há três momentos que
podem ser definidos por ação: (i) a descrição conotativa no antecedente da norma
geral e abstrata; (ii) o seu acontecimento no mundo fenomênico (evento); e (iii) o fato
jurídico. Regressando ao exemplo do homicídio: qual a ação de matar alguém? A
descrita na norma geral e abstrata, a sua ocorrência (evento), ou o fato jurídico?
185
Teoría del derecho: fundamentos de teoria comunicacional del derecho, p. 265. (tradução livre). No original:
“donde hay acción, hay procedimiento, y también hay norma. Son tres conceptos que se coimplican, que van
acompañados siempre. No es posible pensar uno sin relacionarlo de inmediato con los otros dos.”
186
Confira Capítulo 3, item 3.2.
187
Veja tópico 4.2 acima.
76
Utilizar-se-á ação como sinônimo de evento, que consagrada a expressão fato
jurídico. Mas, para designar os caracteres que um evento precisa ter para ingressar
no conjunto dos fatos jurídicos descritos no antecedente de uma norma geral e
abstrata, prefere-se o termo procedimento. Qual o procedimento para realizar a ação
de homicídio? Basta olhar o art. 121 do Código Penal.
Como se falou mais de uma vez, o direito regula dois tipos de condutas: os
comportamentos humanos (ação) e os atos de produzir normas. A falta de clareza no
uso de norma, procedimento e ação também aparece quando se trata da atividade
produtora de enunciados prescritivos. Nessa fenomenologia existe norma geral e
abstrata, evento e fato jurídico, tudo dentro do processo de positivação daquelas
normas que regulam as formas de criação, modificação ou extinção do direito.
Acima se restringiu o uso de ação para significar aquele acontecimento
ainda não relatado em linguagem jurídica. Dentro do processo de positivação das
normas de estrutura, a atividade produtora (ação) dos enunciados normativos,
também chamada de enunciação, é a fonte do direito. Esse é o entendimento de Tárek
Moussallem, que define como fonte do direito “a atividade exercida por órgão
credenciado pelo sistema do direito positivo, que tem por efeito a produção de
normas”
188
. Desse modo, ao se subdividirem as condutas humanas, encontrou-se a
subclasse dos atos humanos produtores de normas, o que nada mais é do que a fonte do
direito.
Para efetuar a produção de normas, o emissor tem de seguir o procedimento
traçado pelo direito tanto para produzir normas gerais e abstratas quanto para inserir
normas individuais e concretas. Assim, todo ato de produção de novas normas no
sistema jurídico pressupõe a observação a um procedimento prescrito pelo próprio
direito. São os limites formais previstos no conseqüente das normas de competência
legislativa, ou normas procedimentais. O emissor da mensagem jurídica não pode
produzi-la como bem entender, ao contrário, deve seguir uma série de diretrizes
impostas pelo direito. Diante da pergunta: qual o procedimento para se produzir o
188
Fontes do direito tributário, p. 138. Confira também item 4.4 desse Capítulo.
77
ato-norma de lançamento tributário?, deve-se procurar no próprio direito a sua
resposta: o art. 142 do CTN.
Ao produzir normas gerais e abstratas, o emissor (legislador) observará a
norma jurídica de competência legislativa. No conseqüente de sua estrutura
bimembre estão os critérios delimitadores da autorização de produção de novas
normas. está descrito o procedimento eleito pelo direito para se inserir uma nova
norma no sistema. Caso o legislador infraconstitucional deseje instituir uma lei
ordinária que verse sobre o imposto de renda, deverá necessariamente caminhar
conforme a norma de competência prescrita na Constituição Federal: (i) quem pode
apresentar o projeto de lei (art. 61); (ii) onde se inicia a votação do projeto: Câmara ou
Senado (art. 64); (iii) a forma de aprovação do projeto (art. 69); (iv) a revisão, por uma
Casa, do projeto de lei aprovado por outra (art. 65); (v) a sanção ou veto do
Presidente da República (art. 66).
Todo esse percurso, traçado pelo próprio direito, de ser percorrido pelo
legislador que quiser inserir um veículo introdutor de normas no sistema jurídico do
tipo lei ordinária. Esse foi o procedimento escolhido pelo constituinte. Caso o emissor
da mensagem jurídica venha a se desvencilhar desse trajeto, essa norma poderá ser
considerada inválida. Diz-se poderá, porque, mesmo não produzida pelo órgão
competente e sem seguir o procedimento, uma norma pode pertencer ao sistema até
ser dele retirada por outra norma.
Ao dar seguimento ao processo de positivação de normas, o ato de aplicação,
que gera a norma individual e concreta, também pressupõe um procedimento. É
nesse sentido a afirmação de Tércio Ferraz Jr.: “aplica-se o direito, por um
procedimento, à realidade social”
189
.
Para que exerça a competência administrativa, a Administração deve seguir à
risca os dizeres legais para colocar no sistema a norma individual e concreta do
lançamento tributário. É o direito que determina quem pode/deve efetuar o
lançamento; em que momento; de que forma e qual o seu conteúdo. O mesmo alerta
189
Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p. 93.
78
serve para os particulares ao criarem um contrato, por exemplo. Sem produzir o
contrato em conformidade com o Código Civil, esse instrumento não terá valor para
o direito. O juiz, ao emitir normas individuais e concretas por meio do veículo
introdutor sentença, não pode realizar essa ação de produção de normas como bem
entende, sob pena de tornar-las inválidas, já que há um rito específico a obedecer.
Eurico de Santi define procedimento como “o fato jurídico que se configura
pelo agir do agente público competente”
190
. Também é a afirmação de Gabriel Ivo,
para quem “procedimento, ou seja, a série de atos necessários para a postura de uma
norma jurídica, também significa fato jurídico”
191
. Acontece que esse procedimento
(como fato jurídico) tem de estar previsto, conotativamente, em uma norma de
estrutura, que determina como deve agir o emissor. Só será fato jurídico com a edição
do veículo introdutor, linguagem competente para constituí-lo.
Em posição diversa da dos autores, entende-se procedimento, em sentido
estrito, como as notas, os caracteres, os critérios presentes numa norma de estrutura
ou de competência, que traça qual o percurso que o emissor da norma deve obedecer
para inseri-la no sistema jurídico. É o aspecto formal da produção normativa.
Como deve proceder o cientista do direito para verificar se uma norma foi
produzida de acordo com o procedimento exigido pelo direito? Percebe-se que é no
veículo introdutor que se encontrarão os indícios do procedimento aplicado para a
elaboração do diploma normativo. É na enunciação-enunciada do documento
normativo que ficam as marcas indicadoras de como a norma foi posta no
ordenamento jurídico. Por é que o intérprete deve iniciar o processo de
investigação para se aferir a validade formal de uma norma.
O percurso de positivação do direito, mesclando ões, normas e
procedimentos, pode ser projetado da seguinte forma: (i) previsão na Constituição
para se produzir uma norma geral e abstrata de conduta (norma de competência
legislativa que descreve um procedimento); (ii) ão de produção da norma geral e
190
Lançamento tributário, p. 160.
191
A incidência da norma jurídica: o cerco da linguagem, Revista de direito tributário, n. 79, p. 190.
79
abstrata (fonte do direito); (iii) a norma geral e abstrata; (iv) ação de se realizar o fato
descrito no antecedente da norma geral e abstrata (evento ou fato social); (v) ão de
realizar a incidência do fato sobre norma (fonte do direito), conforme (vi) regras de
estrutura que versem sobre a produção de uma norma individual e concreta (norma
de competência administrativa, judicial ou particular, contendo um procedimento);
(vii) a norma individual e concreta. Somente após todo esse percurso é que uma
norma jurídica atinge seu nível máximo de concretude e individualidade, visando
irritar o subsistema social.
Retornando para a dualidade processo/produto, o procedimento está para o
processo e o seu resultado; o veículo introdutor espara o produto. Paulo de Barros
Carvalho, tratando do lançamento tributário, apresenta a sua distinção para norma,
ato e procedimento: “Norma, no singular, para reduzir as complexidades de
referência aos vários dispositivos que regulam o desdobramento procedimental para
a produção do ato (i); procedimento, como a sucessão de atos praticados pela
autoridade competente, na forma da lei (ii); e ato, como o resultado da atividade
desenvolvida no curso do procedimento (iii)”
192
.
Nesse percurso produtor de normas, preferem-se as expressões: (i) norma de
competência; (ii) fonte do direito ou ação de produção de normas; e (iii) veículo
introdutor de normas àquelas. Assim, reservar-se-á o termo procedimento para
significar os critérios previstos nas normas de estrutura que devem ser seguidos
quando se tratar da produção de novas normas jurídicas no sistema.
4.7 A fenomenologia da produção normativa
Há duas condutas que são regidas pelo direito: os comportamentos humanos
e a produção de normas. Ambas reguladas por normas jurídicas. A criação de
enunciados normativos depende da norma de produção jurídica. É o direito criando
192
Direito tributário, linguagem e método, p. 438.
80
suas próprias realidades. Como a norma jurídica para ser inserida no ordenamento
depende de uma atividade enunciação, esse processo será regulado pelo direito
positivo. A enunciação não permanece no sistema, restando apenas seu produto, ou
seja, o documento normativo produzido. Por isso Gabriel Ivo declara que a
enunciação não tem imanência
193
. Assim, para se estudar o processo de produção de
normas, parte-se da análise do produto, cotejando-o com as regras de estruturas
previstas pelo direito posto. Em outras palavras, somente a partir do momento em
que for inserida uma mensagem jurídica, abre-se a possibilidade de se conhecer o seu
modo de produção.
O direito é criado mediante ão realizada por uma pessoa competente
seguindo um procedimento previsto numa norma de estrutura. É um mero evento
para o direito. Acontece que esse agir humano desaparece no tempo e somente é
resgatado na enunciação-enunciada do documento normativo. A produção
normativa também é um fato jurídico que surge com a incidência da norma de
produção. Lourival Vilanova explica: “As normas de organização (e de competência)
e as normas do ‘processo legislativo’, constitucionalmente postas, incidem em fato e
os fatos se tornam jurígenos. O que denominamos ‘fontes do direito’ são fatos
jurídicos criadores de normas: fatos sobre os quais incidem hipóteses fácticas, dando
em resultado normas de certa hierarquia”
194
.
Gabriel Ivo também vê a produção de normas como fato jurídico: “A
incidência das normas de produção normativa ocorre no momento em que o fato
jurídico da enunciação é traduzido em linguagem. Isso ocorre por meio da
enunciação enunciada. O fato jurídico do processo de produção jurídica está
localizado no antecedente da norma concreta e geral, construído por intermédio da
enunciação enunciada”
195
. É, portanto, na enunciação-enunciada que se encontram as
marcas do processo de produção de normas.
Nota-se que a produção normativa também possui uma fenomenologia de
193
Norma jurídica: produção e controle, p. 40.
194
Causalidade e relação no direito, p. 56.
195
Norma jurídica: produção e controle, p. 42.
81
incidência de normas. normas que revelam como se deve agir para que outra seja
inserida no sistema, o que ocorre com a incidência da norma de estrutura. Descreve-
se a produção normativa desta forma: (i) norma de estrutura que contém as regras
referentes ao procedimento (norma de competência formal ou critério delimitador
formal da norma de competência legislativa); (ii) ação de produzir normas
(enunciação); (iii) norma geral e concreta veículo introdutor que constitui o (iv) fato
jurídico de produção de normas.
O veículo introdutor decorre da aplicação de uma norma geral e abstrata. É
da aplicação da norma de competência que surge a norma introdutora de outras
normas gerais e abstratas ou individuais e concretas. Nessa norma introdutora estão
presentes os elementos que permitem confirmar se a ação produtora foi realizada de
acordo com os limites formais estabelecidos pelo direito. “A construção dessa norma,
concreta e geral, que deixa evidente o processo de positivação do direito, sua faceta
dinâmica, é possível a partir da enunciação enunciada”
196
.
A atividade produtora de normas é limitada pelo próprio direito, tanto o seu
procedimento quanto o seu conteúdo estão prescritos por outras normas jurídicas.
Na norma de competência legislativa, são os critérios delimitadores que tratam da
forma de atuação do emissor na produção dos dispositivos legais, bem como fixam o
conteúdo dos enunciados inseridos no sistema. nas demais competências, a
administrativa, a privada e a judicante, que basicamente inserem normas individuais
e concretas no ordenamento, há, pelo menos, duas normas que regulam a produção:
a norma de competência formal e a norma de competência material
197
. A primeira é
formada por um antecedente que contém “os critérios que irão orientar a atividade
de enunciação (pessoa, espaço, tempo e procedimento) e, no conseqüente, a prescrição do
dever geral de obediência aos enunciados introduzidos em função daquela
atividade”
198
. Essa norma regula as ações que tratam da criação, modificação ou
extinção de normas jurídicas. Agora, a norma de competência material orienta as
196
Gabriel IVO, Norma jurídica: produção e controle, p. 66. (grifo do original).
197
Ver item 4.5 acima.
198
Daniel Monteiro PEIXOTO, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 135.
82
ações que se referem aos comportamentos humanos propriamente ditos, por isso
possui os critérios para a composição do fato jurídico no seu antecedente e, no
conseqüente, a relação jurídica a ser instaurada com o acontecimento do fato.
Percebe-se, então, que a enunciação é uma atividade regulada pelo direito.
Como ela não é perdurável, sua “reconstrução” somente é possível por meio da
enunciação-enunciada contida no documento normativo, originando-se uma norma
concreta e geral, o veículo introdutor de normas.
Mais uma vez entra em cena o princípio da homogeneidade sintática das
normas jurídicas: a norma veículo introdutor também é composta por uma estrutura
bimembre, o antecedente e o conseqüente ligados por um modal “dever-ser”. Por ser
concreta, traz descrito no antecedente o fato jurídico da produção de normas, em sua
feição denotativa, precisamente delimitado quanto ao sujeito, ao procedimento e às
coordenadas espaço-temporal. Esse fato implica o seu conseqüente, que instaura uma
relação jurídica obrigando todos, por isso geral, a observar o conteúdo (enunciado-
enunciado) introduzido no sistema.
O fato jurídico da produção normativa pode ser assim descrito: o exercício da
competência pelo sujeito x, em conformidade com o procedimento y, no dia z, no
local w. São esses elementos presentes na enunciação-enunciada que permitem a
(re)construção da enunciação como atividade produtora de normas. Tais marcas, que
remetem ao contexto extralingüístico do ato da enunciação, são denominadas
dêiticos pela lingüística.
Os dêiticos presentes na enunciação-enunciada do documento normativo
possibilitam identificar: (i) o agente emissor da mensagem normativa; (ii) o
procedimento utilizado; (iii) o local da produção; e (iv) o momento em que foi
produzido o documento normativo. O veículo introdutor será uma norma produzida
sem vícios formais se os dêiticos descritos observarem os critérios da norma de
estrutura.
O dêitico de autoridade refere-se à pessoa que emitiu o veículo introdutor.
Indica que a norma de competência foi aplicada pelo sujeito autorizado fazendo
83
surgir uma nova norma. “A enunciação-enunciada recorta, por meio do dêitico de
autoridade, parte da enunciação e lança-a para o enunciado, com a finalidade de
dizer que o texto produzido o foi por meio da autoridade autorizada a fazê-lo”
199
.
Outra informação que pode ser obtida com o dêitico de autoridade é sobre o
âmbito territorial de vigência do instrumento normativo inserido
200
. Assim, um
enunciado colocado no sistema por um Estado-membro somente poderá produzir
efeitos dentro dos limites desse Estado-membro. uma lei federal aplica-se em todo
o território brasileiro. É, portanto, no dêitico de autoridade que se encontram as notas
sobre a aplicação territorial de uma norma.
Mais uma vez se recorre às marcas da enunciação para demonstrar o dêitico
do procedimento. Aqui estão presentes as indicações sobre a forma a ser seguida
para se elaborar o documento normativo. O seu modo de produção é identificado
pelo nome que recebe o veículo introdutor. Desse modo, como salienta Gabriel Ivo,
um documento pertence à categoria de lei porque em seu corpo físico está grafado o
termo lei
201
. Daí decorre que foram aplicadas as normas reguladoras do procedimento
de criação de uma lei.
O local onde ocorreu o processo de criação do documento normativo é
identificado pelo dêitico de espaço. Essa marca na enunciação-enunciada define o
local onde foi exercida a competência para a criação de uma norma. A importância
desse dêitico ressalta que uma mensagem jurídica não pode ser emitida em qualquer
lugar, mas sim onde as autoridades estão juridicamente situadas.
Por fim, o dêitico de tempo revela o exato instante em que a norma ingressou
no sistema. A data presente no texto normativo aponta o fim da atividade de
enunciação. É fundamental para se definir quando o veículo criado passou a ter
validade no mundo do direito.
Após essa breve exposição, pretende-se identificar todos os elementos até
aqui mencionados no documento normativo abaixo colacionado:
199
Gabriel IVO, Norma jurídica: produção e controle, p. 72.
200
Ibid. p. 72.
201
Ibid. p. 69.
84
LEI Nº 11.687, DE 2 JUNHO DE 2008.
Dispõe sobre a instituição do “Dia Nacional do Imigrante Italiano”
e dá outras providências.
O VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do
cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o
Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. É instituído o “Dia Nacional do Imigrante Italiano” a ser
anualmente comemorado no dia 21 de fevereiro, em todo o
território nacional.
Art. 2º (VETADO)
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 2 de junho de 2008; 187º da Independência e 120º da
República.
JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA
Fernando Haddad
Gilberto Gil
No diploma normativo apresentado, a enunciação-enunciada possibilita
identificar: (i) o sujeito emitente da norma, no caso o Vice-Presidente e o Congresso
Nacional; (ii) o momento em que foi inserida no sistema, o dia 02 de junho de 2008;
(iii) o local onde foi produzida, Brasília; e (iv) o procedimento adotado, que é o
específico das leis ordinárias descrito na Constituição Federal. São os dêiticos que
permitem a construção da atividade de produção normativa. o enunciado-
enunciado é formado pelos artigos fonte de produção da norma jurídica em sentido
estrito de criação do dia do imigrante italiano.
A norma corretamente inserida no sistema deve seguir à risca o
procedimento descrito por este, sob pena de ser declarada inválida. Esse vício formal
é detectado pelo cotejo entre a norma geral e abstrata que apresenta as regras de
competência para produção de enunciados prescritivos e o veículo introdutor de
Enunciação
-enunciada
Enuncia
d
-
enunciado
Enunciação
-enunciada
Dêitico de
procedimento
Dêitico de
tempo
Dêitico de
autoridade
Dêitico de
autoridade
Dêitico de
espaço
85
normas (dêitico de procedimento). É pelo produto que se constrói a atividade de
produção de normas e se verifica se ela foi inserida corretamente no sistema.
86
5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA RELAÇÃO
JURÍDICA TRIBUTÁRIA
5.1 Uma breve análise sintática da relação jurídica
Podem-se definir relações como as funções proposicionais diádicas ou
poliádicas, compostas, portanto, de duas ou mais variáveis
202
. É uma das formas de
apresentação do predicado, que podem ser monádicos, ou unitários, quando
expressam propriedades que um único objeto pode possuir
203
, como “a árvore é
verde”, “José é feliz”, ou podem ser poliádicos (binários, ternários, etc.) conforme
apresentam relações entre dois ou mais indivíduos. Em linguagem formal, as
relações são descritas da seguinte maneira: x R y, que significa ”o indivíduo ou objeto
x tem a relação R com o indivíduo ou objeto y”; em que o tópico de predecessor é
ocupado por x e o de sucessor por y, sempre se referindo à relação R.
A relação jurídica, por ser relação antes mesmo de ser jurídica, requer seu
estudo com fundamento na lógica, precisamente no capítulo dos Predicados
Poliádicos, que investiga as regras de formação e transformação das relações. É nos
precisos termos do cálculo relacional que a relação jurídica, como espécie do gênero
relação, será modificada ou extinta. É, também, por esse ramo da lógica que se
analisam as três propriedades das relações aplicadas às relações jurídicas:
reflexibilidade, simetria e transitividade.
A relação será reflexiva quando acontecer que cada objeto esteja em relação
consigo mesmo
204
. Em outras palavras, o objeto tem relação perante si mesmo: x R x,
ou seja, a relação é válida para predecessores e sucessores idênticos. Entretanto,
vínculos que nunca podem ser reflexivos, tais como, “maior que”; “pai de”; “mais
202
Nicola ABBAGNANO, Dicionário de filosofia, p. 844.
203
W. H. NEWTON-SMITH, Lógica: um curso introdutório, p. 193.
204
Ibid. p. 196.
87
velho que”, etc. As relações jurídicas são exemplos de relações irreflexivas, pois não é
possível estar, juridicamente, em relação consigo mesmo
205
. Seria um sem-sentido
deôntico o sujeito estar permitido, proibido ou obrigado consigo mesmo. É o que
afirma Lourival Vilanova
206
, para quem:
Direitos, faculdades, autorizações, poderes, pretensões, que se
conferem a um sujeito-de-direito estão em relação necessária com
condutas de outros sujeitos-de-direito, portadores de posições que se
colocam reciprocamente às posições do primeiro sujeito-de-direito,
condutas qualificadas como deveres jurídicos em sentido amplo. Para
se marcar tais posições, reciprocamente contrapostas, denominam-se
sujeito-de-direito ativo e sujeito-de-direito passivo.
Sendo assim, no direito as relações se dão entre sujeitos distintos, já que o seu
objeto é regular condutas intersubjetivas; não interessa o comportamento do ser
humano perante si mesmo. Há, na relação jurídica, um sujeito ativo que possui um
direito subjetivo em face de um sujeito passivo detentor de um dever jurídico. Tal
relação pode ser formalizada da seguinte forma: Sa R Sp.
A simetria consiste na propriedade das relações que estabelece a igualdade
entre a relação e a sua conversa. A relação conversa é a obtida pela inversão da
ordem de seus membros, em que o sucessor passa para o lugar do predecessor e este
assume a posição do sucessor. Assim, “A é irmão de B” é o mesmo que “B é irmão de
A”. No direito não existe essa identidade, por isso é uma relação assimétrica. A
relação jurídica conversa é sempre distinta: o sujeito ativo tem um direito subjetivo
em face do sujeito passivo, enquanto o sujeito passivo tem um dever jurídico em face
do sujeito ativo. Os exemplos que comprovam a assimetria no mundo do direito são
inúmeros: se x é o locador em face de y, este será o locatário em razão de x; se w é o
credor de z, este será o devedor em relação a w, etc.
A propriedade da transitividade se configura quando um objeto x está numa
relação com y; e se y está em relação com w, pode-se concluir que x está em relação
com w. Por exemplo: “João é mais velho que Pedro”, e “Pedro é mais velho que José”;
205
Cf. Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 151.
206
Causalidade e relação no direito, p. 121.
88
então “João é mais velho do que José”. Tendo em vista essa propriedade, o direito,
em termos operacionais, se mantém indiferente, “podendo os vínculos jurídicos
apresentar-se com o caráter transitivo ou intransitivo, segundo os interesses políticos
atinentes à regulação da conduta”
207
. Por esse motivo, pode ser considerada com uma
relação semitransitiva.
5.2 Descrevendo a relação jurídica: um conceito fundamental
O conceito de relação jurídica é tido como fundamental, pertencendo o seu
estudo à Teoria Geral do Direito
208
. Conceito fundamental é aquele que delimita o
campo de objetos de uma ciência específica. Desse conceito, outros decorrem. Por
isso, afirma Lourival Vilanova que o conceito fundamental tem duas funções: (i)
delimitar o campo de objetos próprio da ciência; e (ii) articular a multiplicidade dos
conceitos numa coerente sistematização lógica
209
. Assim, o conceito de relação
jurídica permeia todos os âmbitos jurídicos, não sendo específico do direito civil,
penal, administrativo ou tributário, delimitando a própria ciência do direito. Os
conceitos fundamentais são indefinidos, sendo a única opção para o exegeta
descrevê-los, ora evidenciando suas notas essenciais constituintes, ora indicando seu
campo de aplicação
210
.
Com isso, descreve-se a relação jurídica
211
como um vínculo entre dois sujeitos
distintos com a finalidade de se cumprir certa prestação. De plano, identificam-se
dois elementos presentes na relação jurídica, o subjetivo e o prestacional. O primeiro
207
Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 153.
208
Lourival VILANOVA, Causalidade e relação no direito, p. 238.
209
Sobre o conceito de direito, Escritos jurídicos e filosóficos, p. 10.
210
Lourival VILANOVA, Causalidade e relação no direito, p. 234.
211
É importante ressaltar que a expressão relação jurídica é ambígua, possuindo vários significados. Luís Cesar de
Souza QUEIROZ encontrou sete acepções para o termo: a) relação entre o homem e a norma; b) relação entre a
norma e o fato; c) relação entre a norma e a conduta; d) relação internormativa entre normas; e) relação
intranormativa dentro da norma abstrata e geral, entre o antecedente e o conseqüente; f) relação existente no
conseqüente da norma abstrata e geral; g) relação determinada e individualizada, que é efeito da incidência da
norma abstrata e geral, Sujeição passiva tributária, p. 210.
89
consiste nos sujeitos postos em relação entre si: o sujeito ativo, titular do direito
subjetivo de exigir certa prestação, e o sujeito passivo, que possui o dever de cumprir
a conduta. O outro elemento, o prestacional, trata diretamente da conduta,
modalizada como obrigatória, proibida ou permitida. É aqui que se encontra a
prestação que satisfaz ao direito subjetivo do sujeito ativo e, ao mesmo tempo, ao
dever jurídico do sujeito passivo da relação jurídica. Esses elementos se entrelaçam
num vínculo abstrato, que pode ser representado da seguinte forma:
Sa Obj Sp
Direito subjetivo Dever jurídico
Os elementos de uma relação jurídica são cinco: (i) o sujeito ativo, titular de
um (ii) direito subjetivo de exigir uma (iii) prestação do (iv) sujeito passivo, que, por
sua vez, tem o (v) dever jurídico de cumpri-la.
5.3 A relação jurídica obrigacional
Uma classificação das relações jurídicas interessante ao presente estudo é
sobre o seu objeto, cujo critério seletivo é o caráter patrimonial da prestação. Assim,
segregam-se as relações jurídicas conforme a prestação ser ou não suscetível de
avaliação econômica. Na hipótese de ser possível essa avaliação, as relações serão
obrigacionais
212
; no caso de impossibilidade, serão vínculos não-obrigacionais. Dessa
212
Deve-se alertar que a palavra obrigação, como tantos outros termos no direito, também é multissignificativa,
conforme afirma Maria Helena DINIZ: “O termo obrigação contém vários significados, o que dificulta sua exata
delimitação na seara jurídica. (...) Juridicamente, emprega-se esse vocábulo em acepções diferentes; afirma-se, p.
ex., que o inquilino tem a obrigação de pagar o aluguel; que o mandatário é obrigado a aceitar a revogação do
mandato ordenada pelo mandante; que os cidadãos são obrigados a pagar imposto de renda, conforme sua
capacidade contributiva; que o réu tem obrigação de contestar o pedido formulado pelo autor ou os fatos em que
a pretensão se funda; que os rapazes, em certa idade, são obrigados a cumprir serviço militar.” Curso de direito
civil brasileiro, p. 29. Orlando GOMES também encontra diversas acepções para o termo obrigações, sendo
comumente usada para designar toda a relação obrigacional, Obrigações, p. 11.
90
feita, quando se fala em obrigação, significa dizer que se está diante de uma relação
jurídica cujo objeto prestacional é de natureza patrimonial. Maria Helena Diniz
afirma que a prestação da obrigação precisará ser patrimonial, “pois é imprescindível
que seja suscetível de estimação econômica, sob pena de não constituir uma
obrigação jurídica”
213
. Também tal entendimento pode ser observado em Orlando
Gomes: “a relação obrigacional é um vínculo jurídico entre duas partes, em virtude do
qual uma delas fica adstrita a satisfazer uma prestação patrimonial de interesse da
outra, que pode exigi-la, se não for cumprida espontaneamente, mediante agressão
ao patrimônio do devedor”
214
.
Como é possível notar, a relação jurídica tributária em sentido estrito é uma
obrigação, porquanto consiste na conduta de o contribuinte entregar uma quantia em
dinheiro ao Fisco. O art. do CTN estipula o tributo como uma prestação
pecuniária, garantindo o caráter nitidamente patrimonial ao vínculo tributário.
Entretanto, há outras relações na seara tributária que não tratam diretamente do
tributo. Seu objeto é uma prestação que consiste numa obrigação de fazer ou não-
fazer.
Esses dois tipos de relações jurídicas tributárias são denominados pelo CTN,
no art. 113, de obrigação principal e obrigação acessória. As primeiras seriam aquelas
relações que têm por objeto o pagamento do tributo. Já as obrigações acessórias
possuem como objeto as prestações, positivas ou negativas, previstas no interesse da
arrecadação ou da fiscalização dos tributos. A principal distinção entre ambas
consiste no fato de que o objeto da obrigação principal é de cunho patrimonial,
enquanto as acessórias não têm essa característica. Por esse motivo, Paulo de Barros
Carvalho achou melhor denominá-las deveres instrumentais ou formais, e assim
explica o porquê: “Deveres, com o intuito de mostrar, de pronto, que não têm
essência obrigacional, isto é, seu objeto carece de patrimonialidade. E instrumentais
ou formais porque, tomados em conjunto, é o instrumento de que dispõe o Estado-
213
Curso de direito civil brasileiro, p. 39.
214
Obrigações, p. 10.
91
Administração para o acompanhamento e consecução dos seus desígnios
tributários”
215
.
Com isso, reserva-se a expressão obrigação tributária para assinalar a relação
jurídica tributária que consiste no pagamento do tributo. Para as demais relações,
como o preenchimento de documentos, a formalização do crédito, usam-se deveres
instrumentais ou formais.
Deve-se ressaltar a posição de José Souto Maior Borges, para quem é possível
a existência de obrigações patrimoniais e não-patrimonias, porquanto a expressa
previsão no CTN de obrigações não-patrimoniais: as obrigações acessórias
216
. De
acordo com os ensinamentos do autor, somente pelo fato de a obrigação acessória
não ser patrimonial, atribuir-lhe outra denominação é uma mera troca de rótulos que
não atinge a linguagem-objeto
217
. Desse modo, existiria uma simples impropriedade
técnica, sem retirar a validade do § 2º, do art. 113 do CTN
218
. Demonstra a sua crítica
do seguinte modo:
A asserção de que toda obrigação é patrimonial consiste na
metalinguagem doutrinária por meio da qual se pretende descrever,
entre outros, o art. 113, § 2º, do CTN (linguagem objeto). E como esse
dispositivo contempla hipótese de obrigação não patrimonial, segue-
se que essa proposta não corresponde à realidade normativa que
pretende descrever. Noutros termos: não confirmação, na
linguagem do objeto, da metalinguagem que pretende descrevê-lo
219
.
Em suma, o autor não distingue as obrigações pelo seu objeto ser patrimonial
ou não, uma vez que o sistema do direito positivo prevê a existência de obrigações
não-patrimoniais. Entretanto, apesar da ressalva, manter-se-á a distinção entre
deveres instrumentais e obrigações tributárias.
215
Curso de direito tributário, p. 294.
216
Obrigação tributária: uma introdução metodológica, p. 81.
217
Ibid. p. 76.
218
Ibid. p. 63.
219
Ibid. p. 101.
92
5.4 Relação jurídica efectual e relação jurídica intranormativa
A relação jurídica foi descrita como o vínculo entre dois sujeitos distintos em
torno da prestação de um objeto (S’ R S’’). Na estrutura lógica das normas, compostas
por um antecedente e um conseqüente ligados pelo conectivo “dever-ser”, as relações
jurídicas estão presentes no suposto da norma, prescrevendo a conduta que o direito
deseja que seja realizada com o acontecimento do fato jurídico descrito no prescritor.
Na norma geral e abstrata há as notas, as características, os critérios que
possibilitam a construção da relação jurídica formal. Nesses termos, ainda não se tem
o vínculo jurídico concreto, caracterizado pela eficácia jurídica do evento descrito na
norma. Para Lourival Vilanova, para que existir a relação jurídica, não é suficiente a
sua previsão em uma norma jurídica, é também necessário o fato jurídico, resultado
da incidência da hipótese da norma jurídica
220
. É como conclui o saudoso professor
pernambucano: “sendo a relação jurídica eficácia de pressupostos fácticos, vindo
depois da realização do fato (pela causalidade jurídica), a relação jurídica é concreta,
individuada. É a realização, a concreção da conseqüência jurídica, como o fato jurídico é a
realização da hipótese ctica. Nesse sentido, descabe falarmos em relações jurídicas
abstratas
221
.
Em virtude dessa complexidade presente na identificação da relação jurídica,
Eurico de Santi elucida a distinção separando a relação jurídica em efectual
intranormativa: as efectuais não possuem revestimento lingüístico, enquanto as
intranormativas apresentam suporte físico lingüístico decorrente das normas
individuais e concretas
222
. As relações jurídicas efectuais decorrem do fato social e,
embora não revestidas de linguagem jurídica competente, possuem os elementos
da relação determinados. Porém, é com a constituição do fato jurídico que se
propagam os efeitos prescritos no conseqüente da norma, aptos a regular de forma
efetiva os comportamentos humanos, com a instituição da relação jurídica
220
Causalidade e relação no direito, p. 235.
221
Ibid. p. 187. (grifo do original).
222
Lançamento tributário, p. 78.
93
intranormativa, com conteúdo bastante preciso: direitos e deveres individualizados.
Para que exsurja a relação jurídica intranormativa, é necessário que a relação jurídica
efectual esteja relatada em linguagem jurídica competente.
Paulo de Barros Carvalho considera a relação jurídica como um enunciado
fáctico
223
. Desse modo, quando se afirma que ocorrido o fato nasce a relação jurídica,
têm-se aí dois fatos: o fato-causa (fato jurídico) e o fato-efeito (relação jurídica).
Assim, fato jurídico pode ser: (i) o fato jurídico stricto sensu, enunciado protocolar e
denotativo, declarando um evento que ocorreu no passado e que assume a forma
sintática dos predicados monádicos: S é P; e (ii) o fato jurídico relacional, igualmente
na forma de enunciado protocolar e denotativo, só que voltado para o futuro,
prescrevendo que, a partir de determinado momento, uma conduta será permita,
proibida ou obrigatória por um sujeito perante outro, revestindo a forma dos
predicados poliádicos: Sa R Sp
224
. Ambos estão previstos conotacionalmente na
norma geral e abstrata, com a diferença que os critérios determinantes que no fato
jurídico em sentido estrito estão localizados no antecedente, e os do fato relacional,
no conseqüente da norma.
Essa ressalva é sobremodo importante para o andamento do presente
trabalho, porquanto, uma relação jurídica, por ser um enunciado, somente será
modificada ou extinta por existência de outro enunciado. No direito, tal enunciado
será necessariamente de igual ou superior hierarquia. É o que afirma Paulo de Barros
Carvalho: “Um enunciado jurídico-prescritivo somente poderá ser alterado ou
extinto por força de outro enunciado jurídico-prescritivo de mesma ou de superior
hierarquia”
225
. Assim, uma norma somente poderá ser retirada do sistema por outra
norma igual ou superior hierarquicamente.
223
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 137-8.
224
Ibid. p. 141.
225
Ibid. p. 139.
94
5.5 A obrigação tributária
Feita essa singela abordagem acerca das relações jurídicas, pode-se seguir
adiante identificando os elementos da obrigação tributária. A obrigação consiste no
vínculo jurídico de conteúdo patrimonial entre dois sujeitos distintos, titulares,
respectivamente, de direitos subjetivos e deveres jurídicos correlatos. Desse modo, a
obrigação tributária, por também pertencer à classe das relações jurídicas, é
composta pelos elementos comuns a todas as relações jurídicas: o subjetivo e o
prestacional.
O elemento subjetivo é formado pelo núcleo ativo e passivo. Na obrigação
tributária os sujeitos de direito postos em relação são o ativo, que possui o direito
subjetivo de exigir um valor a título de tributo, e o passivo, com o dever de cumprir a
conduta que corresponda à exigência do sujeito ativo.
O segundo componente da obrigação tributária consiste no comportamento
de entregar certa quantia aos cofres públicos. Esse valor é determinado pelo cotejo da
alíquota com a base de cálculo, determinando o montante pecuniário a ser pago pelo
sujeito passivo para cumprimento da prestação. O objeto do comportamento consiste
no total a ser recolhido.
A obrigação tributária efectual está descrita no conseqüente da regra-matriz
de incidência tributária, em que se acharão os sujeitos ativo e passivo possíveis, bem
como a base de cálculo e a alíquota que, conjugadas, permitirão individualizar o
quantum debeatur. na obrigação tributária intranormativa, esses elementos estão
efetivados em linguagem jurídica competente, identificando os sujeitos da relação e
dando liquidez e exigibilidade ao objeto prestacional: o tributo.
Deve-se alertar que a relação jurídica tributária sempre envolve o tributo.
Mais uma vez o legislador foi infeliz ao determinar que a obrigação tributária tem
por objeto o pagamento de penalidade pecuniária (art. 113, § do CTN). O art. 3º do
CTN exclui do conceito de tributo a prestação decorrente de sanção de ato ilícito.
Essa confusão entre os artigos mencionados foi percebida por Ricardo Lobo Torres,
95
que assinala a seguinte solução: “Sucede que a penalidade pecuniária é cobrada junto
com o crédito tributário. Daí porque o CTN, impropriamente, assimilou-a ao próprio
tributo. Mas é irretorquível que tem ela uma relação de acessoriedade com referência
ao tributo e nesse sentido deve ser interpretado o art. 113, § 1º”
226
.
Acontece que essa parte final do § 1º, do art. 113, não pode ser confundida
com a relação jurídica tributária, sob pena de se desvirtuar o conceito de tributo. Na
verdade são dois vínculos distintos, a obrigação tributária e a relação jurídica
sancionadora, que não podem ser tratados com se fossem a mesma coisa. A
obrigação tributária não tem por objeto o pagamento de penalidade tributária.
226
Curso de direito financeiro e tributário, p. 236-7.
96
6 A CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
6.1 Definindo as expressões crédito tributário e débito do fisco
Reiteradas vezes foi explicitado neste trabalho que o direito não consegue se
expressar a não ser por meio de uma linguagem competente. Se não houver
linguagem, não haverá normas jurídicas e, por conseqüência, não haverá direito. Por
isso, somente haverá a constituição das relações jurídicas com a edição de uma
norma individual e concreta que apresenta, em seu antecedente, o fato jurídico como
um enunciado protocolar e, no seu conseqüente, o fato jurídico relacional que
estabelece a conduta devida.
No âmbito tributário, a relação jurídica determina que, uma vez ocorrido o
fato jurídico tributário, o contribuinte está obrigado a recolher certa quantia em
dinheiro aos cofres públicos, denominada obrigação tributária em conformidade com
o art. 113 do CTN. Todavia, podem-se encontrar outras relações jurídicas tributárias
diversas dessa que tratam da constituição e cobrança do tributo. É o caso da relação
jurídica em que o Fisco surge no pólo passivo, titular do dever jurídico de pagar uma
quantia ao contribuinte.
Note-se que essas são duas relações jurídicas existentes no direito tributário,
mas não as únicas. Entretanto, para esta dissertação, a relação que constitui o crédito
tributário e a que constitui o débito do Fisco são sobremaneira importantes, devendo
ser estudadas com maior afinco. Motivo que leva a utilizar termos distintos para
identificar de qual das duas obrigações está se tratando. Eurico de Santi as
denominou crédito tributário e débito do Fisco, usando como critério classificatório a
função do sujeito Fisco presente nessas relações: crédito tributário é o direito
subjetivo do Fisco de receber a prestação patrimonial; débito do Fisco, o dever jurídico
do Fisco de devolver determinada quantia em dinheiro ao sujeito passivo (direito
97
subjetivo do contribuinte)”
227
. Expressões estas que serão utilizadas neste trabalho. A
relação jurídica tributária que contém o crédito tributário é a obrigação tributária, e a
relação de débito do fisco é aquela em que o Fisco espresente no critério subjetivo
passivo.
Sabe-se, porém, que essas relações decorrem imediatamente do ato de
aplicação que curso ao processo de positivação do direito. São relações jurídicas
intranormativas. Sem a produção da norma individual e concreta, não existirá nem
crédito tributário nem débito do Fisco.
Doravante, utilizar-se-á a expressão relação de crédito tributário (ou obrigação
tributária) quando o Fisco figurar no pólo ativo da relação jurídica tributária e o
termo relação de débito do fisco sempre que o pólo passivo de uma relação jurídica
tributária for ocupado pela Fazenda Pública. Há relações de débito do fisco que podem
ser diferenciadas em razão da origem da prestação pecuniária objeto da relação
jurídica. Desse modo, é possível ter relação de débito do fisco quando (i) o fato
jurídico do pagamento indevido ou a maior; (ii) o fato jurídico dos créditos para fins
de não-cumulatividade dos tributos; (iii) o fato jurídico de antecipação do pagamento
do tributo (retenção na fonte); (iv) o fato jurídico do reembolso nos casos de
empréstimo compulsório. Mais adiante, tratar-se-á especificamente de cada relação
de débito do fisco, demonstrando o fato que ocasiona o seu nascimento
228
.
6.2 O processo de positivação de constituição do crédito tributário
Apesar de se demonstrar acima um uso para a expressão crédito tributário, é
evidente que ele não é o único em decorrência da ambigüidade do termo. Marcelo
Fortes de Cerqueira demonstra essa polissemia ao precisar algumas acepções para
227
Decadência e prescrição no direito tributário, p. 98.
228
Capítulo 8.
98
crédito tributário
229
.
Paulo de Barros Carvalho define crédito tributário de forma restrita,
representando apenas o direito subjetivo do sujeito ativo de uma obrigação
tributária
230
. Em contrapartida, em virtude da fenomenologia das relações jurídicas,
o dever de adimplir o objeto, que é designado de débito tributário. Com isso, a
obrigação tributária pode ser estruturada da seguinte forma:
Sa $ Sp
Crédito tributário Débito tributário
O crédito tributário, portanto, constitui um dos elementos da obrigação
tributária. Assim, com a inserção da norma individual e concreta que determina a
obrigação tributária, institui-se, também, o crédito tributário. Não há como ter uma
obrigação sem crédito ou crédito sem obrigação. Percebe-se que este estudo não se
coaduna com a teoria dualista, em que a obrigação surgiria com a ocorrência do
evento (fato gerador) e o crédito seria constituído apenas com o ato de lançamento
231
.
Defende-se aqui que o crédito tributário nasce no exato instante em que exsurge a
obrigação, ou seja, com o relato em linguagem competente do direito, em virtude da
aplicação da regra-matriz. É o que pensa também Ricardo Lobo Torres: “A obrigação
e o crédito não só se extinguem com também nascem juntamente”
232
.
O processo de positivação é o caminho percorrido desde as normas de maior
generalidade e abstração até chegar aos máximos níveis de concretude e
229
Repetição do indébito tributário, p. 187 et seq.
230
Curso de direito tributário, p. 366.
231
A teoria dualista considera distintos o momento da constituição do crédito e o da obrigação tributária. Nas
palavras de Ruy Barbosa NOGUEIRA: “O crédito tributário, em substância, tem a mesma natureza da obrigação,
por ser dela decorrente ou extraído. entre eles uma separação no tempo ou em dois momentos: a obrigação
nasce com a lei e a realização do fato tributável como ‘pretensão’; o crédito decorre da obrigação, mas depende
para sua determinação de um procedimento administrativo ou de constituição formal, isto é, de declaração de sua
existência, quantia, identificação do devedor, e para a sua exigibilidade ou eficácia depende da notificação deste ao
devedor para pagar o bito no prazo legal ou assinado. A obrigação, enquanto pretensão, é indeterminada, ao
passo que o crédito é sua própria determinação”. Curso de direito tributário, p. 291. (grifo do original).
232
Curso de direito financeiro e tributário, p. 237.
99
individualidade, com o escopo de regular as condutas humanas. No que tange ao
crédito tributário, a cadeia normativa se encerra com a norma individual e concreta
que constitui os elementos da obrigação tributária, identificando individualmente os
sujeitos ativo e passivo e o exato montante do valor a ser pago. Somente se diz que
surgiu o crédito tributário quando se der a aplicação da norma geral e abstrata que
contém as notas referentes ao fato jurídico tributário e à relação jurídica efectual,
fazendo-a incidir sobre um evento ocorrido concretamente. Daí irrompe o laço
obrigacional.
A análise da fenomenologia do crédito tributário identifica os seguintes
elementos do processo de positivação: (i) a norma geral e abstrata, ou, conforme a
denominação de Paulo de Barros Carvalho, a regra-matriz de incidência tributária
233
;
(ii) a ocorrência do evento no mundo social; (iii) o ato de aplicação; (iv) a norma
individual e concreta que constitui o crédito tributário.
6.3 A regra-matriz de incidência tributária
A regra-matriz de incidência tributária é norma jurídica geral e abstrata, cuja
finalidade é apresentar os critérios que permitem identificar o fato jurídico tributário
no seu antecedente e a relação jurídica tributária no seu conseqüente. Uma vez
concretizado, o fato jurídico descrito dará origem à relação tributária intranormativa,
caracterizando a obrigação tributária e definindo, assim, a incidência do tributo.
Pode-se verificar no antecedente da regra-matriz a presença dos elementos
que possibilitam reconhecer qual o evento que, ocorrido no mundo fenomênico,
ensejará a aplicação da própria regra-matriz, resultando numa linguagem individual
e concreta. O conseqüente dessa norma tributária em sentido estrito alude aos efeitos
jurídicos que tal acontecimento irá desencadear, estabelecendo os sujeitos da
obrigação tributária e o seu objeto.
233
Curso de direito tributário, p. 242.
100
Assim, por meio dos critérios da regra-matriz se identificam o fato jurídico
tributário e a relação jurídica a ser instaurada, definindo a incidência do tributo. Seus
elementos estão distribuídos desta forma: no antecedente os critérios material,
temporal e espacial, enquanto na conseqüência estão presentes o critério pessoal,
contendo o sujeito ativo e o sujeito passivo da obrigação, e o critério quantitativo
constituído, pela base de cálculo e pela alíquota do tributo.
6.3.1 O antecedente da regra-matriz de incidência tributária
Conforme referido, o antecedente da regra-matriz de incidência tributária
traz consigo as notas, os critérios, os caracteres que possibilitam identificar o evento
que, ocorrido, irá instaurar a relação jurídica tributária. Para isso, é composto pelos
critérios material, espacial e temporal. Aqui está previsto, de forma abstrata, o fato
jurídico tributário.
O critério material estabelece um acontecimento do mundo social, que, uma
vez relatado em norma individual e concreta, irá ensejar a relação jurídica tributária.
Pode ser considerado como o núcleo do antecedente, formado por um verbo e seu
complemento, por exemplo: “auferir renda”, “vender mercadorias”, “industrializar
produtos”, “importar produtos estrangeiros”, entre outros. Esse aspecto, conjugado
com o espacial e o temporal, permite identificar os caracteres que um evento precisa
ter para poder se tornar fato jurídico tributário.
101
no critério espacial se encontram as notas utilizadas para identificar o lugar
onde se deve dar a consumação do evento, para que seja possível a aplicação da
norma geral e abstrata. Somente poderá ser fato jurídico o evento que se realizar no
local determinado pelo critério espacial. Segundo Paulo de Barros Carvalho, a
delimitação desse elemento pode-se dar de três formas:
a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para
a ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério espacial
alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas
ocorrerá se dentro delas estiver contido; c) hipótese de critério
espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o
manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a
desencadear seus efeitos peculiares
234
.
Assim, o critério espacial serve para identificar onde o evento tem de ocorrer
para que se a sua subsunção à regra-matriz de incidência tributária. É mais um
aspecto a ser observado pelo enunciado protocolar que constitui o fato jurídico
tributário.
O último elemento do antecedente da regra-matriz, o critério temporal, é que
“permite identificar a condição que atua sobre determinado fato (também
representado abstratamente critério material), limitando-o no tempo”
235
. Geraldo
Ataliba define o critério temporal como a propriedade da hipótese de incidência
utilizada para “designar (explícita ou implicitamente) o momento em que se deve
reputar consumado (acontecido, realizado) um fato imponível”
236
. Aparece explícita
ou implicitamente porque tal critério pode vir expresso ou não no texto legal.
Enquanto o critério espacial traz as notas que permitem identificar onde deve
acontecer o evento, o critério temporal serve para identificar quando acontece o
evento. A partir de então, com a linguagem competente, surgirá a relação tributária
com o Estado no pólo ativo detentor de um direito subjetivo de exigir que o sujeito
passivo cumpra seu dever: o pagamento do tributo.
234
Curso de direito tributário, p. 262.
235
Paulo de Barros CARVALHO, Teoria da norma tributária, p. 134.
236
Hipótese de incidência tributária, p. 94.
102
6.3.1.1 Tempo do fato e tempo no fato
Aqui é importante apresentar uma distinção feita por Paulo de Barros
Carvalho entre tempo do fato e tempo no fato
237
. Na fenomenologia da incidência da
norma jurídica, percebe-se que a norma geral e abstrata é fundamento de validade
para a edição de uma norma individual e concreta, desde que aconteça no mundo
fenomênico o evento descrito no antecedente da norma geral e abstrata. Assim,
identificam-se os seguintes marcos temporais: o da ocorrência do evento no mundo
fenomênico e o da constituição do fato jurídico tributário.
Tempo do fato, segundo o ilustre professor da USP e da PUC/SP, serve para
demarcar o instante em que o enunciado denotativo ingressa no ordenamento
jurídico por meio das normas individuais e concretas, constituindo os direitos e
deveres correlatos. Por sua vez, tempo no fato consiste no momento da ocorrência de
um evento, porém somente haverá acesso a essa data com a linguagem competente.
Por isso, o antecedente da norma individual e concreta volta-se para o passado,
declarando um evento que ocorreu.
Um exemplo pode ajudar a compreender a distinção: (i) no sistema
jurídico uma norma geral e abstrata que determina: dado o fato de ser proprietário
de um imóvel na cidade de São Paulo no dia de janeiro de cada ano, deve ser a
obrigação de o proprietário pagar 3% do valor venal do imóvel à Prefeitura de São
Paulo a título de IPTU; (ii) acontece no mundo fenomênico o evento de João ser
proprietário de um imóvel em São Paulo no dia de janeiro do ano de 2008; (iii) no
dia 12 do mês de março de 2008, a Prefeitura de São Paulo efetua o lançamento
tributário (norma individual e concreta); dado o fato de João ser proprietário de
imóvel na cidade de São Paulo no dia de janeiro de 2008, deve ser a obrigação de
pagar o valor X para a Prefeitura a título de IPTU. Identifica-se em t(ii) o momento
em que ocorreu o evento, ou conforme a terminologia acima, o tempo no fato ocorre
em t(ii). em t(iii) o tempo do fato, pois é nesse instante que a norma individual e
237
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 130 et seq.
103
concreta ingressa no sistema jurídico.
Tal distinção é importante para determinar as normas a serem aplicadas, pois
duas condutas distintas envolvidas. A primeira consiste no comportamento
humano a ser regulado, e a segunda é a produção da norma individual e concreta do
lançamento. Assim, há a incidência de duas normas: a geral e abstrata, que determina
os critérios necessários para se conceituar um fato jurídico (norma de conduta), e a de
competência (no caso, competência administrativa), cujo conteúdo contém a forma
(procedimento) como o emissor da norma individual e concreta deve agir (norma de
estrutura). Trata-se de um problema de vigência. O aplicador faz incidir a regra em
vigor no momento em que se realizou o evento para se constituir o fato jurídico
(norma de conduta) que corresponde ao tempo no fato. E a norma de competência, a
ser aplicada, referente ao ato de produção de outra norma, é aquela em vigor no
tempo do fato, isto é, a vigente no momento da produção da norma individual e
concreta. Voltando ao exemplo do IPTU, a norma a ser aplicada para a constituição
do fato jurídico tributário é aquela em vigor no dia de janeiro de 2008; e a norma a
ser aplicada para a produção do lançamento é aquela em vigor no dia 12 de março de
2008.
O tempo do fato permite identificar o procedimento e o órgão competente para
a feitura de novos enunciados prescritivos, ou seja, “os atos relativos à estruturação
formal do enunciado jurídico serão governados pela legislação que estiver em vigor no
momento de sua realização
238
. O tempo no fato está relacionado com o acontecimento do
evento no mundo fenomênico, sendo a legislação aplicável a vigente na data a que o
fato se refere, ou seja, a data do evento
239
.
238
Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 131.
239
Ibid. p. 132.
104
6.3.2 O conseqüente da regra-matriz de incidência tributária
O conseqüente dessa estrutura lógica normativa indica a relação jurídica
tributária formal instaurada entre dois sujeitos-de-direitos que não se confundem, e
tem como objeto uma prestação pecuniária, o pagamento do tributo. Desse modo, no
conseqüente têm-se as notas que permitem a identificação do liame obrigacional,
reconhecendo os sujeitos ativo e passivo no critério pessoal e a importância da
prestação pecuniária a ser solvida no critério quantitativo.
É por meio do critério pessoal que se identificam os sujeitos da obrigação
tributária formal. Consoante demonstrado, o conseqüente de uma norma traz uma
relação jurídica entre dois sujeitos distintos, S’ R S’’, em que S’ não pode ser S’’: é o
seu caráter irreflexivo.
O sujeito ativo é o titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária.
Em regra, o sujeito ativo, como credor da obrigação tributária, é o Estado em sentido
amplo. Mas nem sempre isso ocorre. previsões no direito positivo que permitem
a outra pessoa figurar no pólo ativo; inclusive nada impede que venha a ser uma
pessoa sica
240
. Não se deve confundir o titular da competência tributária com o
portador da capacidade tributária ativa. O primeiro está autorizado a inserir novas
normas no sistema, enquanto o segundo é aquele que pode figurar no pólo ativo da
obrigação tributária. Não precisam ser necessariamente a mesma pessoa.
O sujeito passivo, contudo, é de determinação um pouco mais complexa do
que o sujeito ativo em virtude das figuras estipuladas pelo Código Tributário
Nacional. Via de regra é o contribuinte, ou seja, aquela pessoa de quem se exige o
cumprimento da obrigação tributária, o titular da capacidade tributária. Segundo
Luís Cesar de Souza Queiroz, o critério pessoal passivo “é o que informa os sinais
necessários para identificar o sujeito de direito da relação jurídica tributária,
denominado sujeito passivo, que está obrigado (modal obrigatório “O”) a entregar
(conduta modalizada “p”) certa quantia em dinheiro, equivalente à parte (alíquota)
240
Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 301.
105
da riqueza (base de cálculo) de que é titular, a outro sujeito de direito (sujeito
ativo)”
241
.
Em decorrência do princípio constitucional da capacidade contributiva, o
sujeito passivo de uma relação jurídica tributária pode ser o titular da riqueza
mensurável constante no critério material da regra-matriz de incidência tributária. É
o que reza a definição prevista no artigo 121, parágrafo único, inciso I, do Código
Tributário Nacional. E esse sujeito seria denominado contribuinte.
Entretanto, deve-se alertar que a própria legislação tributária trouxe outras
possibilidades de sujeição passiva. É o que aduz o artigo 128 do CTN: “Sem prejuízo
do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade
pelo crédito a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação,
excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter
supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. Desse modo, além
do contribuinte, é possível determinar a outrem a obrigação de se realizar a conduta
de pagar tributo
242
.
O outro critério presente no conseqüente da regra-matriz é o quantitativo,
cujas notas servem para dimensionar o valor do tributo a ser recolhido. É composto
pela base de cálculo e pela alíquota.
A base de cálculo é um critério abstrato que serve para mensurar a conduta
prevista no antecedente da regra-matriz. Empreendendo um maior rigor científico,
afirma Aires Barreto: “consiste a base de cálculo na descrição legal de um padrão ou
unidade de referência que possibilite a quantificação da grandeza financeira do fato
tributário”
243
. As funções da base de cálculo para Paulo de Barros Carvalho são: (i)
função mensuradora, quando serve para medir as proporções reais do fato; (ii)
função objetiva, porque a base de cálculo é usada para compor a específica
determinação da dívida; e (iii) função comparativa, em que a base de cálculo serve
241
Sujeição passiva tributária, p. 179.
242
Para maior análise das possibilidades de responsabilidade tributária ver: Luís Cesar Souza de QUEIROZ,
Sujeição passiva tributária, p. 184 et seq.
243
Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 51.
106
como parâmetro para confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material
do antecedente normativo
244
.
A alíquota é o aspecto quantitativo que, conjugado com a base de cálculo,
define o valor do tributo a ser recolhido aos cofres públicos. Esse critério “é a quota
(fração), ou parte da grandeza contida no fato imponível que o estado se atribui
(editando a lei tributária)”
245
.
6.4 O ato de aplicação da regra-matriz de incidência tributária
Para que surja a obrigação tributária e, conseqüentemente, o crédito
tributário é necessário um ato humano de aplicação que resultará na norma
individual e concreta em decorrência da operação lógica de subsunção do fato à
regra-matriz. Pelo sistema do direito positivo, esse ato de aplicação poderá ser feito
pela Administração mediante o lançamento tributário, ou pelo particular por meio do
lançamento por homologação ou autolançamento. São atos diversos, pois praticados por
sujeitos distintos. É o que ensina Paulo de Barros Carvalho: “o subsistema prescritivo
das regras tributárias prevê a aplicação por intermédio do Poder Público, em
algumas hipóteses, e, em outras, outorga esse exercício ao sujeito passivo, de quem se
espera, também, o cumprimento da prestação pecuniária”
246
. Entretanto, nada
impede que outras pessoas possam emitir a mensagem jurídica individual e concreta
que determinará a prestação pecuniária, desde que permitidas por lei
247
. Porém,
devido ao objeto do presente trabalho, restringir-se-á a análise da constituição do
crédito pelo particular e pela autoridade administrativa.
244
Curso de direito tributário, p. 330 et seq.
245
Geraldo ATALIBA, Hipótese de incidência tributária, p. 114.
246
Curso de direito tributário, p. 373.
247
Ressalta-se o disposto no art. 114 da CF, VIII, que estipula à Justiça do Trabalho a execução, de ofício, das
contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que
proferir. Nessa situação haveria a constituição do crédito pelo Juiz do Trabalho, nas palavras de Paulo Cesar Baria
de CASTILHO, o juiz irá executar de ofício, sem lançamento, o crédito tributário decorrente da sentença
condenatória proferia pela Justiça Especializada”. Crédito tributário sem lançamento e execução de ofício da
contribuição previdenciária pela Justiça do Trabalho, Revista dialética de direito tributário, n. 89, p. 63.
107
Embora esses dois atos sejam ponentes de normas individuais e concretas no
ordenamento do direito positivo, há duas cadeias distintas de positivação para a
constituição do crédito tributário, cada uma organizada por regimes jurídicos
diferentes: a realizada mediante ato de aplicação da autoridade administrativa, por
meio do lançamento tributário, e a movimentada por ato de aplicação do particular,
realizado pelo autolançamento. Passa-se, abaixo, a descrever esses processos de
positivação.
6.5 O processo de positivação da norma jurídica tributária mediante ato de
aplicação da autoridade administrativa
O art. 142 do CTN outorga a competência administrativa para a produção do
veículo introdutor lançamento tributário contendo a norma jurídica individual e
concreta denotando o fato jurídico e a obrigação tributária. O emissor dessa norma é
a autoridade administrativa e seu destinatário, o contribuinte. Eis mais um fluxo da
causalidade jurídica tributária, cujo enfoque está voltado para a constituição do
crédito tributário.
6.5.1 Acepções para a expressão lançamento tributário
Para se produzir uma norma individual e concreta, é imprescindível que o
emissor obedeça aos ditames legais que trazem as regras de elaboração do
documento normativo. Com o direito tributário não é diferente. O ato de aplicação de
produção de uma nova norma no sistema deve observar as normas de estrutura que
estabelecem o procedimento para a inclusão de nova norma no sistema, a pessoa
108
competente para produzi-la, bem com o lugar e o tempo de sua elaboração.
A norma individual e concreta que constitui o crédito tributário é inserida no
ordenamento segundo uma regra específica (procedimento e órgão competente). No
direito positivo dois procedimentos para a produção dessa norma: aquele
realizado pela autoridade administrativa, e aquele outro materializado pelo
particular. Note-se que a autoridade administrativa e o particular têm certos limites
formais e materiais a serem, obrigatoriamente, seguidos.
Descrevendo o eixo de positivação movimentado pela autoridade
administrativa, encontra-se no seu final a norma individual e concreta produzida
pelo lançamento tributário. A autoridade administrativa, diante de um evento
concreto que se subsume aos critérios contidos na regra-matriz de incidência
tributária, deve realizar o ato de aplicação, produzindo a norma que constitui o fato
jurídico tributário e prescreve a relação jurídica individualizada com o exato valor a
ser pago a título de tributo.
A autoridade administrativa, ao realizar o ato de aplicação, tem de observar
duas normas jurídicas: a regra-matriz de incidência tributária, e a norma
procedimental, ou de competência formal, segundo Daniel Peixoto
248
, que estabelece
o órgão fiscal e o procedimento para elaboração de outras normas.
O art. 142 do CTN dispõe que a autoridade administrativa deve constituir o
crédito tributário pelo lançamento e o define como o procedimento administrativo
tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o
sujeito passivo e, se for o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Apesar dessa descrição do que é lançamento tributário feita pelo art. 142 do
CTN, esse termo não escapa do problema da polissemia. Suas divergências
semânticas decorrem, principalmente, da fenomenologia da incidência da norma
jurídica tributária. Como se demonstrou, há a ação humana de se elaborar o
instrumento normativo; a norma jurídica que descreve a forma de se realizar esse
248
Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 88.
109
fato; a norma introduzida; e o seu veículo introdutor. aparece o problema: todos
esses fenômenos são chamados de lançamento tributário. Eurico Marcos Diniz de Santi
encontrou dez significações para o emprego do termo “lançamento”
249
. Dentre as
possíveis acepções apresentadas pelo autor, interessa, no presente estudo, esclarecer
duas: uma referente ao procedimento administrativo, cuja finalidade é constituir o
crédito tributário; e outra referente ao produto desse procedimento, a norma
individual e concreta que constitui o crédito. Eis a ambigüidade processo/produto
presente mais uma vez, em que o mesmo termo é usado para designar tanto o
processo quanto o produto resultado desse processo. Paulo de Barros Carvalho
considera lançamento tributário como a norma do veículo introdutor, ao defini-lo
como “o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e
vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira u’a norma
individual e concreta (...)”
250
. Mais adiante arremata: “O ato jurídico administrativo
de lançamento é ponente de u’a norma individual e concreta no sistema do direito
positivo, funcionando como um veículo introdutor”
251
.
Para elucidar a ambigüidade processo/produto, Eurico de Santi propõe a
seguinte convenção: ato-fato, ao fato da autoridade administrativa que configura o
fato jurídico suficiente do ato-norma; e este, ato-norma, à norma individual e concreta
produzida por esse ato-fato, deixando a expressão ‘ato administrativopara designar
o gênero que envolve estas duas espécies”
252
. Há, então, o ato-fato administrativo de
lançamento e o ato-norma administrativo de lançamento. O primeiro indica o
processo a que a autoridade administrativa deve obedecer para realizar o ato-norma
de lançamento, que, por sua vez, representa a norma individual e concreta que
constitui o crédito. Ainda falta a acepção de lançamento como o veículo introdutor
de normas.
249
Lançamento tributário, p. 145-6.
250
Curso de direito tributário, p. 390. Também acatam lançamento tributário na acepção de veículo introdutor
Daniel Monteiro PEIXOTO, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 167; e Marcelo Fortes de
CERQUEIRA, Repetição do indébito tributário, p. 199.
251
Curso de direito tributário, p. 410.
252
Lançamento tributário, p. 89.
110
Como já foi dito, o processo de produção de normas se esvai no tempo,
restando apenas suas marcas no enunciado, é com a enunciação-enunciada que se
constrói a norma do veículo introdutor. Eis a afirmação de Tárek Moysés
Moussallem: “Pela leitura das orações que compõem a enunciação-enunciada
construímos uma norma jurídica denominada veículo introdutor, que é resultado
da aplicação da norma sobre produção jurídica”
253
. Com isso, o ato-fato do
lançamento tributário é efêmero, sendo construído por meio da enunciação-
enunciada do documento lançamento. A norma do veículo introdutor que insere no
sistema a norma individual e concreta formalizadora do crédito tributário também se
denomina lançamento tributário. Nessa norma se encontram os dêiticos que permitem
construir o fato jurídico de produção dos enunciados prescritivos, confrontando-os
com o procedimento descrito na norma de estrutura.
Em suma, diante do eixo de positivação de normas que institui o crédito
tributário por meio de aplicação da autoridade administrativa, verifica-se o uso da
expressão lançamento tributário para designar: (i) o fato jurídico criador da norma
individual e concreta (enunciação); (ii) a norma jurídica veículo introdutor
(enunciação-enunciada); (iii) a norma individual e concreta que constitui o crédito
(enunciado-enunciado); e (iv) o suporte físico que contém os enunciados da norma
veículo introdutor e da norma individual e concreta. Com base nessas observações,
constata-se que a discussão acerca de o lançamento ser procedimento ou ato
254
é
estéril
255
, porquanto lançamento tributário significa tudo isso, dependendo do seu
emprego pelos utentes da linguagem.
Nunca é demais repetir que o nascimento da obrigação tributária só se dá por
253
Fontes do direito tributário, p. 138. Nesse sentido ver também Daniel Monteiro PEIXOTO, Competência
administrativa na aplicação do direito tributário, p. 100.
254
grande discussão doutrinária acerca de o lançamento ser ato ou procedimento. Parece que a discussão recai
na dualidade processo/produto. O lançamento será procedimento caso se faça alusão à forma da inclusão da
norma individual e concreta no sistema. Por outro lado, será ato que for o resultado do procedimento.
255
Para Guibourg, Ghigliani e Guarinoni os homens das leis são os campeões em inventar debates estéreis e
“dedicados desde hace muchos siglos a inventar clasificaciones y a trazar sutiles (y siempre convenientes)
distinciones, escriben extensos argumentos sobre la naturaleza jurídica del matrimonio, del préstamo a la gruesa o
de las asignaciones familiares. Todos estos problemas son insolubles si se los plantea de esa manera, porque su
solución no depende de la realidad ni de la naturaleza sino de ciertas decisiones clasificatorias y lingüísticas”,
Apud. Tárek Moysés MOUSSALLEM, Classificação dos tributos: uma visão analítica, Tributação e processo, p. 603.
111
meio de uma norma individual e concreta. Nesse caso, têm-se duas condutas: (i) o
fato jurídico tributário; e (ii) a produção do ato-norma lançamento. Com isso, há a
incidência de duas normas: (a) a regra-matriz; e (ii) a norma de estrutura do
lançamento tributário (art. 142 do CTN). Essa última estabelece o procedimento a ser
obedecido pela autoridade administrativa para produzir o documento normativo
lançamento tributário (enunciação-enunciada).
6.5.2 O processo de produção do ato-norma lançamento
A norma individual e concreta que constitui o crédito tributário é resultado
da atividade produtora de norma realizada pela autoridade administrativa. O ato-
fato lançamento tributário consiste no fato jurídico produtor de normas individuais e
concretas. Como é um ato de enunciação, o ato-fato se perde no tempo, restando
apenas as marcas registradas no enunciado. É construído pela enunciação-enunciada
presente no documento lançamento tributário, modelando o fato jurídico produtor
da norma lançamento tributário.
Essa conduta está descrita numa norma geral e abstrata que contém os
critérios de autoridade, procedimento, tempo e espaço conotativamente previstos.
Não fato ainda, apenas as marcas necessárias para se qualificar um evento como
fato jurídico. Essa norma esprevista no art. 142 do CTN, que descreve o trajeto a
ser seguido pela autoridade para inserir o ato-norma administrativo.
O procedimento a ser observado pela autoridade administrativa consiste na
verificação da ocorrência do fato jurídico por meio da linguagem das provas, com a
apuração do exato valor do tributo devido e a penalidade aplicável, se for o caso,
identificando individualmente o contribuinte. Conforme alerta Daniel Monteiro
Peixoto, por se tratar de atividades intelectivas, é preciso também “a formalização em
linguagem, ou seja, a atividade de enunciação de toda esta operação lógica de
subsunção, demonstrando-se os fundamentos de fato e de direito que levaram à
112
prática do ato, bem como as relações jurídicas com seus termos subjetivos e objetivos
devidamente identificados”
256
. É inevitável que a mensagem chegue ao destinatário,
por isso a necessidade da notificação expressa ao sujeito passivo para que se encerre
o procedimento.
Contudo, somente é possível atingir a atividade produtora do ato-norma
lançamento com os dêiticos encontrados no veículo introdutor de normas
(enunciação-enunciada). O fato jurídico produtor de normas é composto pelos
dêiticos de autoridade, de procedimento, de espaço e de tempo. O conseqüente é a
prescrição que todos devem respeitar a norma introduzida. Esses dêiticos e a relação
jurídica efectual, de forma abstrata, são prescritos por outra norma, a norma de
competência administrativa.
O lançamento é um ato administrativo e, portanto, pode ser expedido por
uma autoridade administrativa. Como diz Eurico de Santi, o agente competente para
realizar o ato-fato seria “aquele agente público (fiscal, auditor etc.) que constatando o
fato jurídico tributário (motivo do ato-fato) se vê na contingência legal de, mediante o
procedimento previsto em lei, constituir o suporte físico do ato de lançamento (o
documento de lançamento), conferindo suporte existencial à linguagem prescritiva
do ato-norma, para que assim ingresse no ordenamento jurídico”
257
. O emissor do
lançamento, na sua acepção como norma individual e concreta, tem de ser
necessariamente um ente público.
Desse modo, seguindo o art. 142 do CTN, a única pessoa competente para
expedir o ato-norma administrativo de lançamento é a autoridade administrativa.
Esse itico de autoridade serve para diferençar a norma individual e concreta
produzida pela autoridade administrativa daquela elaborada pelo particular, o
autolançamento.
Procedimento consiste nos critérios previstos na norma de estrutura que
determinam o percurso formal a ser observado pela autoridade administrativa para
256
Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 175.
257
Lançamento tributário, p. 160.
113
inserir o veículo introdutor no sistema. Assim, ao se verificar que o documento
normativo é um lançamento tributário, percebe-se que a autoridade administrativa
realizou aquela atividade descrita no art. 142 do CTN.
O dêitico de tempo presente na enunciação-enunciada serve para demonstrar
o exato instante em que o ato-norma lançamento foi inserido no sistema. É de suma
importância para se determinarem os prazos de decadência e de prescrição dos atos
de instituição e de cobrança do crédito tributário, bem como a legislação aplicável
regulando o seu procedimento (tempo do fato).
Por fim, o dêitico de espaço sinaliza o âmbito de atuação da autoridade
administrava para emitir a mensagem jurídica individual e concreta. É o local onde
pode ser exercida validamente a competência administrativa. Ressalte-se que todos
esses elementos são encontrados no veículo introdutor lançamento tributário,
possibilitando a construção da atividade de produção (enunciação) que se perdeu no
tempo.
6.5.3 O produto decorrente do ato-fato lançamento
O lançamento, tomado na sua acepção de ato-norma administrativo, possui a
mesma estrutura sintática de todas as demais normas jurídicas, ou seja, um
antecedente e um conseqüente ligados por um modal deôntico neutro: dever-ser. É
uma norma individual e concreta construída com base no enunciado-enunciado do
documento lançamento. O seu antecedente contém a descrição do fato já ocorrido no
tempo, tornando-o jurídico. É um enunciado protocolar denotativo que representa a
realização de um evento.
O conseqüente do ato-norma administrativo de lançamento, como relação
jurídica que é, é composto pelos seguintes critérios: sujeito ativo, sujeito passivo e
objeto. Esse enunciado institui uma relação jurídica de conteúdo patrimonial
perfeitamente individualizada quanto aos sujeitos-de-direito e à prestação. É também
114
um fato jurídico, relacional, que se projeta para o futuro estabelecendo a partir de
que momento a conduta estabelecida será devida. E essa conduta prescrita na relação
jurídica do ato-norma de lançamento “é a própria proposição que prescreve o
comportamento obrigatório do sujeito passivo pagar quantia líquida e certa ao sujeito
ativo”
258
.
Ressalta-se que essa norma decorre da aplicação da regra-matriz de
incidência tributária. Nela estão presentes todos os elementos abstratamente
descritos que dizem respeito à montagem do conteúdo do ato-norma de lançamento.
Na arquitetura formulada por Daniel Peixoto, é a norma de competência material
que serve para orientar a composição da norma introduzida-material
259
.
O ato-norma lançamento tributário é construído pelo enunciado-enunciado
presente no documento lançamento tributário. É por meio desses signos que se
constitui o fato jurídico tributário, bem como se individualiza a relação jurídica
tributária, especificando os sujeitos e o valor do tributo a ser recolhido
260
.
Para finalizar,a discussão sobre a natureza declaratória ou constitutiva do
lançamento tributário. Os defensores da eficácia declaratória usam como argumento
que compete ao lançamento declarar a obrigação tributária constituída com o
surgimento do fato
261
. Aqueles que segregam o crédito tributário da obrigação
tributária, como o faz Hugo de Brito Machado, sustentam a posição em que o
lançamento é constitutivo do crédito tributário e declaratório da obrigação
correspondente
262
. Diante das premissas adotadas, faz-se a seguinte descrição: o ato-
norma lançamento, em seu antecedente, declara a ocorrência do evento e constitui o
fato jurídico tributário, retornando-se à dicotomia tempo do fato/tempo no fato. o
conseqüente constitui a relação jurídica tributária, que, a partir de então, passa a ser
exigível.
258
Eurico Marcos Diniz de SANTI, Lançamento tributário, p. 171.
259
Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 148.
260
Ressalte-se aqui a posição de Sacha Calmon Navarro COÊLHO, para quem o lançamento não institui o crédito,
porquanto não é lei e sim forma de aplicá-la. Para o autor, o lançamento apenas confere exigibilidade para o
crédito tributário. Manual de direito tributário, p. 421-2.
261
Ricardo Lobo TORRES, Curso de direito financeiro e tributário, p. 276.
262
Curso de direito tributário, p. 201.
115
6.5.4 Descrição da fenomenologia da incidência da norma jurídica tributária com o
ato de aplicação realizado pela autoridade administrativa
A norma jurídica tributária para produzir efeitos também deve percorrer o
processo de positivação, isto é, aquela estrutura linear em que as normas jurídicas
gerais e abstratas chegam ao seu máximo grau de concretude e individualidade.
Passa-se, agora, a descrever a concretização da constituição do crédito tributário por
meio de ato de aplicação da autoridade administrativa.
Inicia-se o processo de positivação com a norma jurídica abrigando os
elementos da competência legislativa tributária que a Constituição Federal cuidadosa
e exaustivamente delineou. Na seara tributária, nossa Carta Magna discriminou os
tributos a serem criados e por quem podem ser criados. A competência tributária
consiste na permissão constitucional ao legislador infraconstitucional para instituir
tributos por meio de normas gerais e abstratas.
Entendido o direito como um fenômeno comunicacional, podem-se
encontrar nesse momento o emissor da mensagem jurídica, que é o legislador
constitucional; o destinatário, que é o legislador ordinário; e o conteúdo da
mensagem, a norma de competência legislativa desenhada da seguinte forma: o
antecedente é o fato de ser pessoa política no território nacional num tempo
determinado; e o conseqüente constitui-se da autorização para distintos sujeitos de
direito, de acordo com certos limites formais e materiais, editarem enunciados
prescritivos de tributos e do dever jurídico de todos em respeitar tal exercício.
Exercendo sua competência tributária, o Poder Legislativo de cada ente
político edita um texto legal, seguindo as regras prescritas pelo próprio direito, no
caso, o processo legislativo, que permitirá ao intérprete encontrar os critérios para a
construção da regra-matriz de incidência tributária.
A regra-matriz de incidência tributária, por ser norma geral e abstrata, traz
em seu antecedente a descrição do fato jurídico tributário e no seu conseqüente
prescreve os efeitos jurídicos advindos caso ocorra tal fato, a obrigação tributária.
116
Nessa norma jurídica estão previstos os enunciados conotativos que permitem
identificar o fato a ensejar efeitos jurídicos se ingressar no mundo do direito. Seus
enunciados são, portanto, voltados para o futuro, informando um comportamento
humano que ainda não ocorreu. Aqui, o emissor é o legislador ordinário; a
mensagem é a regra-matriz; e o destinatário é o aplicador, ou seja, a autoridade
administrativa.
O passo seguinte consiste na incidência da norma geral e abstrata, em razão
da ocorrência de um evento, gerando a norma individual e concreta que constitui o
crédito. Desse modo, dada a ocorrência do suporte fáctico, o aplicador analisa os
preceitos contidos na norma geral e abstrata fazendo-a incidir. O resultado dessa
operação é a norma individual e concreta que formaliza o fato jurídico tributário e
estabelece a conduta a ser seguida. Essa norma jurídica é composta por um
antecedente, descrevendo denotativamente o fato jurídico tributário, e por um
conseqüente, indicando com exatidão os sujeitos passivo e ativo da obrigação
tributária e o valor a ser desembolsado, resultado da operação matemática realizada
pelo cotejo da base de cálculo e alíquota. É o ato-norma de lançamento tributário. A
comunicação, nessa situação, ocorre entre a autoridade administrativa (emissor) e o
contribuinte (receptor), e a mensagem jurídica é o ato-norma lançamento tributário.
Para que se essa incidência, há outro fluxo normativo prescrito por uma
norma geral e abstrata procedimental ou de competência administrativa formal.
Trata-se da normatização da conduta de produzir normas. Existe, portanto, uma
comunicação entre o legislador infraconstitucional (emissor) e a autoridade
administrativa (destinatário) cujo conteúdo é a norma procedimental. Essa cadeia se
encerra com o produto: a norma veículo introdutor lançamento tributário, que é
emitido pela autoridade administrativa para o destinatário, isto é, toda a sociedade.
A mensagem jurídica contida no veículo introdutor é a norma geral e concreta. No
documento lançamento tributário é identificada pela enunciação-enunciada,
contendo os dêiticos responsáveis por permitirem a construção do fato jurídico
produtor de normas.
117
O sujeito passivo, identificado por meio da norma individual e concreta (ato-
norma lançamento tributário) expedida pela autoridade administrativa competente,
tem duas condutas observávies: ou realiza o seu dever tributário, extinguindo a
relação jurídica tributária; ou não a resolve, ficando devedor no Fisco. Realiza-se aqui
um corte, determinando um eixo de positivação do direito, encerrando-se com a
constituição do crédito tributário. A sua conseqüência, pagamento ou não, configura
outro fluxo normativo, que se finaliza com a expedição de outra norma jurídica apta
a extinguir a obrigação tributária. Em outros termos, o direito, visto pelo seu aspecto
dinâmico, enseja inúmeras cadeias normativas que vão se positivando a todo
instante, criando complexidades para descrever o objeto, possível apenas mediante
cortes metodológicos feitos pelo cientista do direito.
6.6 O processo de positivação da norma jurídica tributária mediante ato de
aplicação do particular (autolançamento ou lançamento por homologação)
O art. 150 do CTN apresenta uma modalidade de constituição do crédito que
gera grandes discussões na doutrina. Muitos defendem que o lançamento por
homologação previsto naquele artigo não é uma forma de o particular instituir o
crédito tributário no sistema. Para essa linha, o crédito somente pode ser inserido por
ato da autoridade administrativa. É o pensamento de Hugo de Brito Machado
263
:
A constituição do crédito tributário é da competência privativa da
autoridade administrativa. Só esta pode fazer o lançamento. Ainda que
ela apenas homologue o que o sujeito passivo efetivamente fez, como
acontece nos casos do art. 150 do CTN, que cuida do lançamento dito
por homologação. Sem essa homologação não existirá, juridicamente,
263
Curso de direito tributário, p. 199-200. Ives Gandra MARTINS também defende que o crédito é constituído
somente por autoridade fiscal: “Nem o Presidente da República, nem um Ministro do S.T.F., nem um Juiz federal
ou estadual, nem um membro do parquet’ federal ou estadual, nem o próprio legislador federal, estadual ou
municipal pode ‘constituir’ o crédito tributário, pois a lei complementar determina que esta constituição é ação
privativada autoridade fiscal”. Função privativa da autoridade fiscal de constituir o crédito tributário e declarar
a respectiva obrigação não sonegação fiscal sem crédito tributário constituído procedibilidade penal e
prejudicial, Revista dialética de direito tributário, n. 34, p. 90.
118
o lançamento, e não estará por isto mesmo constituído o crédito
tributário. Ainda quando de fato seja o lançamento feito pelo sujeito
passivo, o Código Tributário Nacional, por ficção legal, considera que
a sua feitura é privativa da autoridade administrativa, e por isto, no
plano jurídico, sua existência fica sempre dependente, quando feito
pelo sujeito passivo, de homologação da autoridade competente.
Acontece que o art. 142 do CTN não veda o particular de constituir o crédito
tributário, mas sim o proíbe de utilizar o lançamento tributário para fazê-lo. A
constituição do crédito tributário via lançamento é de competência privativa da
autoridade administrativa. O contribuinte tem de utilizar procedimento diverso que
resultará outro produto, ambos pré-estabelecidos pelo direito, para constituir a
obrigação tributária. Sendo o ato administrativo, classe a que pertence o lançamento,
privativo da Administração, “é claramente incoerente falar do lançamento de um
tributo efetuado pelo particular. Somente é lançamento, em sentido técnico-jurídico,
aquele ato emitido pela Administração que fixa, em concreto, a quantia do débito
tributário”
264
. Mas não é incoerente falar em constituição do crédito tributário por ato
do particular.
O posicionamento do STJ é também no sentido de ser possível o contribuinte
constituir o crédito tributário, sem qualquer intervenção da autoridade
administrativa:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TRIBUTO
SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO.
DECLARAÇÃO DO DÉBITO PELO CONTRIBUINTE. FORMA DE
CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, INDEPENDENTE
DE QUALQUER OUTRA PROVIDÊNCIA DO FISCO.
1. Segundo jurisprudência pacífica do STJ, a apresentação, pelo
contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários
Federais DCTF, de Guia de Informação e Apuração do ICMS GIA
ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de
constituição do crédito tributário, dispensada, para esse efeito,
qualquer outra providência por parte do Fisco. Precedentes EREsp
576661/RS, Seção, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 26.10.2006;
REsp 839220/RS, T., Ministro José Delgado, DJ de 26.10.2006; REsp
742524/RS, T., Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 30.04.2007; REsp
644802/PR, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 13.04.2007.
264
Estevão HORVATH, Lançamento e tributário e “autolançamento”, p. 79.
119
2. Recurso Especial a que se nega provimento. (Resp. 666.132/RJ, Rel.
Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 13.05.2008, DJ 28.05.2008, p.
1).
Distinguem-se, neste trabalho, o ato de produção de normas feito pelo
particular e o ato de homologação a ser realizado pela autoridade administrativa. Há,
portanto, dois eixos de positivação de normas presentes no art. 150 do CTN: (i) o que
autoriza o particular a emitir a norma individual e concreta do crédito tributário; e
(ii) o que autoriza a autoridade administrativa a homologar a atividade do particular.
Passa-se, então, a tratar dessas duas cadeias normativas.
6.6.1 O eixo de positivação da constituição do crédito tributário por norma
individual e concreta expedida pelo particular
algumas situações em que o direito positivo outorga competência para o
particular inserir norma individual e concreta no sistema jurídico. É o que acontece
quando dois particulares realizam entre si um contrato. O contrato é uma norma
individual e concreta com os sujeitos da relação individualizados com seus
respectivos direitos e deveres, bem como o objeto líquido e certo. Está tudo
denotativamente previsto no veículo contrato.
Com relação ao crédito tributário, o art. 150 do CTN autorizou o contribuinte
a emitir uma norma individual e concreta que o formaliza. Porém, não por meio do
lançamento tributário, porquanto essa é uma atividade privativa da autoridade
administrativa. O particular está autorizado a constituir o crédito tributário, que
para isso deve utilizar procedimento próprio, o autolançamento.
De acordo com Eurico de Santi duas formas de se produzir a relação
jurídica tributária, “uma formalizada por ato-norma administrativo, editado por
agente público competente; outra, formalizada em linguagem prescritiva por ato-
120
norma expedido pelo próprio particular e que, por isso, não é ato-norma
administrativo”
265
. Sempre buscando a precisão que a linguagem científica requer, o
autor denomina o ato do particular instituidor do crédito tributário de ato-norma
formalizador instrumental
266
. Em virtude de uma maior aceitabilidade da palavra
autolançamento na doutrina, prefere-se, neste trabalho, esta denominação àquela.
Mais uma vez se está diante do problema da multissignificatividade de um
termo no direito positivo. Autolançamento, assim como o lançamento tributário, pode
ser usado para designar: (i) a atividade (enunciação) de produzir a norma individual
e concreta (ato-fato); (ii) a norma de competência privada com as regras de emissão
dessa norma; (iii) a própria norma individual e concreta (enunciado-enunciado)
inserida no sistema jurídico que constitui o crédito (ato-norma); (iv) o veículo
introdutor (enunciação-enunciada); e (v) o documento normativo.
Desse modo, o particular pode, também, fixar o crédito tributário emitindo
uma norma individual e concreta. Essa competência para produzir o ato-norma
autolançamento tem de ser necessariamente outorgada por lei que, inclusive,
discrimina todo o procedimento seguido pelo contribuinte. É o próprio direito
dando “competência ao contribuinte para constituir o fato jurídico e a obrigação
tributária que dele decorre, pelo fenômeno da causalidade jurídica
267
.
Há, no direito positivo, mais precisamente no art. 150 do CTN, a autorização
para o particular formalizar o fato jurídico tributário e todos os elementos integrantes
da relação jurídica tributária, individualizados. É o particular que aplica a regra-
matriz de incidência tributária com o acontecimento do evento no mundo social,
inserindo a norma individual e concreta contendo o crédito tributário no sistema do
direito.
Na fenomenologia da incidência da norma posta no sistema pelo particular,
assim como no ato ponente de normas realizado pela autoridade administrativa,
existe uma norma geral e abstrata de competência privada, estabelecendo o
265
Lançamento tributário, p. 185.
266
Ibid. p. 185.
267
Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 257.
121
procedimento a ser obedecido, e a regra-matriz de incidência, cujo conteúdo são os
limites materiais para a constituição do crédito. De outra forma, o intérprete, ao se
deparar com o documento normativo, elabora pelo menos duas normas jurídicas em
sentido estrito: (i) a norma geral e concreta contida no veículo introdutor
(enunciação-enunciada do documento); e (ii) a norma individual e concreta presente
no conteúdo do texto (enunciado-enunciado do documento).
6.6.1.1 O ato de produção de normas
A atividade de produção de normas não é imanente. Por isso, sua
reconstrução ocorre com a enunciação-enunciada presente no documento
autolançamento. É por meio dos iticos que se chega à enunciação. Aqui reside a
principal distinção entre o ato-norma do lançamento tributário e o ato-norma do
autolançamento: o emissor de mensagem jurídica.
A norma de competência tributária privada é estruturada desta forma: o
antecedente contém conotativamente o fato de produção de normas pelo particular
(ato-fato autolançamento) formado pelos critérios: (i) subjetivo, que determina o
particular como emissor da norma individual e concreta; (ii) procedimental, descritor
do caminho a ser seguido pelo contribuinte; (iii) espacial, delimitando o âmbito de
aplicação da norma; e (iv) temporal, determinando o momento para se produzir a
norma. O conseqüente prescreve uma relação jurídica em que o particular está
obrigado a produzir a norma. É uma norma que estabelece um dever instrumental
por prescrever uma relação jurídica cujo objeto é um fazer: inserir uma norma no
sistema.
um procedimento específico para o particular produzir a norma. Diante
da autorização prevista na norma de competência e com a ocorrência do evento,
deve-se produzir a norma. Essa atividade de produção de enunciados, a enunciação,
desaparece no tempo. A constituição do fato produtor de normas é feita pela norma
122
geral e concreta veículo introdutor autolançamento. É, portanto, com a enunciação-
enunciada presente no documento normativo que se chega ao modo de elaboração
dos enunciados prescritivos.
Ao se deparar com o veículo introdutor autolançamento, percebe-se que o
dêitico de autoridade é preenchido pelo particular. Por isso não é ato-norma
administrativo. Afirma Marcelo Fortes de Cerqueira que “o ato administrativo de
lançamento é ato administrativo em sentidos material e formal, ao passo que o ato de
auto-imposição do contribuinte não pode receber a mesma denominação, embora
também seja ato de aplicação do direito. Em suma: o ato de auto-imposição não é ato
jurídico administrativo”
268
.
6.6.1.2 A norma introduzida: o ato-norma autolançamento
O ato-norma autolançamento possui a mesma estrutura sintática das demais
normas jurídicas: um juízo hipotético condicional associando à ocorrência do fato
jurídico uma relação jurídica. No antecedente dessa norma individual e concreta está
a constituição do fato jurídico tributário, e seu conseqüente contém a relação jurídica
tributária com os elementos especificados. É aqui que o crédito tributário aparece
com os sujeitos determinados e com a quantia a ser recolhida já calculada.
Diante do documento normativo, a norma que constitui o crédito é
formulada por meio dos enunciados-enunciados presentes. É nessa espécie de
enunciados que se identificam o fato jurídico tributário, o valor do tributo e os
sujeitos da obrigação tributária. A partir desse momento, o contribuinte pode seguir
a conduta prescrita pelo direito como lícita e pagar o tributo; ou pode não realizar o
comando contido na relação jurídica tributária e não pagar o tributo.
268
Repetição do indébito tributário, p. 208.
123
6.6.2 O ato de homologação na fenomenologia do autolançamento
O art. 150 do CTN prevê a possibilidade de o contribuinte realizar a
constituição do crédito tributário por meio do autolançamento
269
. Eis um eixo de
positivação de normas se encerrando com a imposição de uma norma individual e
concreta no sistema jurídico.
Acontece que o mesmo dispositivo prescreve outro eixo de positivação de
normas que se inicia com o fim da atividade de produção de normas pelo particular,
ou seja, com o produto. Essa nova cadeia de normas consiste no ato de homologação
a ser realizado pela autoridade administrativa.
O legislador do CTN outorgou à administração o poder para fiscalizar a
forma com que o particular instituiu a norma individual e concreta, bem como a
obrigação tributária constituída. E tal tarefa é realizada pelo “ato de homologação”.
Esse, sim, é de competência da autoridade administrativa, enquanto o ato de
constituir o crédito é realizado pelo contribuinte.
Note-se que não se deve confundir o ato de homologação com o ato-norma
administrativo de lançamento. O primeiro trata de um ato de fiscalização do
procedimento e da norma inserida no sistema pelo particular, “em que o Estado,
zelando pela integridade de seus interesses, verifica o procedimento do particular,
manifestando-se expressa ou tacitamente sobre ele”
270
. o lançamento serve para a
autoridade administrativa constituir o crédito.
Com a inserção da norma individual e concreta que constitui o crédito pelo
particular, encerra-se um eixo de positivação de normas e abre-se espaço para que
um fluxo normativo se inicie: a homologação.
Percebe-se a atividade de produção de normas, regulada por uma norma
geral e abstrata de competência administrativa, cujo conteúdo é o procedimento a ser
269
Deve-se mencionar a posição de Marcelo Fortes de CERQUEIRA, para quem é a homologação que constitui o
crédito tributário. Segundo esse autor, a homologação atinge o ato do contribuinte, constituindo o crédito; e o
pagamento antecipado, extinguindo a obrigação, Repetição do indébito tributário, p. 209 e 246.
270
Paulo de Barros CARVALHO, Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 259.
124
seguido pela autoridade administrativa quando ela desejar realizar a homologação.
Retorna-se à dualidade processo/produto mais uma vez. o processo de produção
do ato de homologação e a norma individual e concreta da homologação, o produto.
A atividade administrativa de fiscalização pode chegar a dois resultados
distintos: a conformidade do ato-norma autolançamento com as regras que o
disciplinam ou a irregularidade dessa norma produzida pelo particular. No primeiro
caso, a autoridade administrativa emite uma norma individual e concreta que
confirma o autolançamento (e o seu pagamento). Nesse caso, pergunta-se qual o
conteúdo da norma individual e concreta da homologação, ou seja, o que se
homologa: o crédito constituído ou o pagamento antecipado?
Defende-se aqui que a homologação é do pagamento, e não do ato de
produção do crédito
271
. Isso porque o crédito constituído pelo contribuinte é extinto
pelo pagamento antecipado. O Fisco, ao fiscalizar o ato de produção de normas
exercido pelo particular, vai verificar se o pagamento antecipado foi suficiente para
exaurir o crédito tributário. Caso se verifique alguma irregularidade na constituição
do crédito, o seu pagamento não será homologado devido a sua insuficiência para
eliminar a obrigação tributária. Outro argumento para se afirmar que a homologação
é do pagamento é que, caso haja a constituição do crédito pelo particular, mas esse
não efetive seu pagamento, o Fisco irá inscrevê-lo em Dívida Ativa para a sua
cobrança sem realizar qualquer ato de homologação da atividade produtora do ato-
norma autolançamento.
na hipótese de norma irregularmente produzida por não ter observado as
regras de estrutura que a fundamentam, o Fisco emitirá uma norma cuja finalidade é
retirar o ato-norma autolançamento do sistema e também constituir outra obrigação
tributária. É o que pensa Marcelo Fortes de Cerqueira: “constatada alguma
irregularidade no proceder do contribuinte, incumbirá ao Fisco, havendo tempo,
celebrar o ato administrativo de lançamento, alterando os termos da auto-imposição
271
Nesse sentido, Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 218;
Ricardo Lobo TORRES, Curso de direito financeiro e tributário, p. 283; Sacha Calmon Navarro COÊLHO, Manual de
direito tributário, p. 438.
125
(em algumas situações apenas é necessário o lançamento suplementar) além de
aplicar penalidades ao particular”
272
.
O CTN no § do art. 150 prevê a homologação tácita. Segundo esse artigo,
caso não haja previsão em lei de prazo para a homologação, será ele de cinco anos, a
contar da ocorrência do fato jurídico. Uma vez expirado esse prazo sem que haja
qualquer manifestação da Fazenda Pública, considera-se homologado o pagamento e
definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude
ou simulação.
Deve-se alertar que esse prazo é de decadência, consoante o pensamento de
Sacha Calmon Navarro Coêlho
273
:
É que a Fazenda tem cinco anos para verificar se o pagamento é
suficiente para exaurir o objeto da obrigação tributária, isto é, o
crédito tributário. Mantendo-se inerte, o Código considera esta
inércia como homologação tácita, perdendo a Fazenda a oportunidade
de operar lançamentos suplementares em caso de insuficiência de
pagamento (preclusão). Daí que no termo do qüinqüênio ocorre a
decadência do direito de crédito da Fazenda Pública, extinguindo-se
a obrigação.
Havendo o chamado pagamento antecipado, a autoridade administrativa,
portanto, tem o prazo de cinco anos para produzir o ato-norma de lançamento
substituindo o ato-norma autolançamento. Agora, não ocorrendo o pagamento
antecipado, a regra de decadência do direito de o Fisco lançar é outra. Nesse caso, o
prazo decadencial vem descrito no art. 173, I, do CTN, sendo de cinco anos contados
do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que tenha ocorrido o evento
272
Repetição do indébito tributário, p. 211.
273
Liminares e depósitos antes do lançamento por homologação: decadência e prescrição, p. 60-1. Também é esse o
posicionamento de Eurico da SANTI: O ‘fato gerador’ dessa regras decadencial iniciará seu curso de cinco anos
com a ocorrência do evento jurídico tributário, conforme dispões expressamente a primeira parte do § do Art.
150 do CTN.” Decadência e prescrição no direito tributário, p. 170. O mesmo pensa Ricardo Lobo TORRES, Curso de
direito financeiro e tributário, p. 283. Em sentido contrário, Luciano AMARO afirma: “O lançamento por homologação
não é atingido pela decadência, pois, feito o pagamento (dito ‘antecipado’), ou a autoridade administrativa anui e
homologa expressamente (lançamento por homologação expressa) ou deixa transcorrer, em silêncio, o prazo legal
e, dessa forma anui tacitamente (lançamento por homologação tácita). Em ambos os casos, não se pode falar em
decadência (do lançamento por homologação), pois o lançamento terá sido realizado (ainda que pelo silêncio)”.
Direito tributário brasileiro, p. 406-7.
126
tributário
274
.
274
Essa é a linha do STJ: “(...) 2. A partir da interpretação sistemática das normas jurídicas acima, o Superior
Tribunal de Justiça firmou sua jurisprudência no sentido de que o prazo decadencial para a constituição do
crédito tributário pode ser estabelecido da seguinte maneira: (a) em regra, segue-se o disposto no art. 173, I, do
Código Tributário Nacional, ou seja, o prazo é de cinco anos contados “do primeiro dia do exercício seguinte
àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado”; (b) nos tributos sujeitos a lançamento por homologação
cujo pagamento ocorreu antecipadamente, o prazo é de cinco anos contados do fato gerador, nos termos do art.
150, § 4º, do referido Código. Todavia, se o houver o pagamento antecipado, incide a regra do art. 173, I.
Confiram-se, a título de exemplo, os seguintes precedentes: AgRg nos EREsp 216.758/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Teori
Albino Zavascki, DJ de 10.4.2006; REsp 232.838/PB, Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 1º.7.2005.
(...)”. (AgRg. no Ag. 933.185/SC, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 04.03.2008, DJ 27.03.2008, p. 1).
127
7 FORMAS DE EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
7.1 Considerações sobre a extinção da relação jurídica
A relação jurídica é um fato jurídico instaurado por um enunciado
lingüístico, protocolar e denotativo. É com a produção da norma individual e
concreta que as relações jurídicas aparecem no sistema do direito positivo.
Assim, como os vínculos jurídicos nascem com os enunciados lingüísticos
das normas individuais e concretas posicionadas no conseqüente, suas eventuais
modificações e extinção também necessitam de um enunciado lingüístico para
operar. É com a edição de outra norma que as relações são extintas ou alteradas.
Lourival Vilanova salienta que “constituída uma relação jurídica obrigacional, em
decorrência de fato que uma norma o fez fato jurídico, essa relação, por outro fato
jurídico, se desconstitui
275
. É preciso, portanto, uma linguagem jurídica competente
para constituir uma relação jurídica e também para extingui-la.
Paulo de Barros Carvalho também assevera nesse sentido: “A derradeira
transformação, supressora do vínculo, também advirá numa camada de linguagem, o
que nos permite concluir que as relações jurídicas e, entre elas, as de cunho
tributário, nascem, vivem e desaparecem no plano das construções comunicativas,
mais precisamente, no estrato da linguagem jurídica competente”
276
. Ressalte-se que
um mero comportamento social não extingue um vínculo jurídico, a não ser se
devidamente documentado
277
.
Para ocorrer a extinção de uma relação jurídica, deve-se emitir uma nova
mensagem jurídica no sistema comunicacional do direito. Não é possível sua
275
Causalidade e relação no direito, p. 210.
276
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 196.
277
Tácio Lacerda GAMA, Obrigação e crédito tributário: anotações à margem da teoria de Paulo de Barros
Carvalho, Revista tributária e de finanças públicas, n. 50, p. 107.
128
supressão do ordenamento sem que se produza outra norma individual e concreta
com essa finalidade como seu conteúdo.
Como se viu, a relação jurídica é composta por cinco elementos: o sujeito
ativo; o objeto; o sujeito passivo; o direito subjetivo do sujeito ativo de exigir a
prestação e o dever jurídico do sujeito passivo em cumprir a prestação. É com a
reunião desses componentes que se tem uma relação jurídica.
A ausência de qualquer um dos elementos acima descritos prejudica a
relação jurídica, ou melhor, não se forma uma relação jurídica sem a presença dos
cinco componentes conjuntamente. Por isso, afirma Paulo de Barros Carvalho que a
privação de um deles faz a relação jurídica perder a sua configuração lógica,
esfacelando-a
278
.
Desse modo, para se extinguir uma relação jurídica, é imprescindível
dissipar pelo menos um dos cinco elementos que a constitui. Não espaço lógico
para outra possibilidade
279
além destas: (a) desaparecimento do sujeito ativo; (b)
desaparecimento do objeto; (c) desaparecimento do sujeito passivo; (d)
desaparecimento do direito subjetivo do sujeito ativo de exigir a prestação; e (e)
desaparecimento do dever jurídico do sujeito passivo possui de cumprir a prestação.
É necessário, portanto, para a extinção de uma relação jurídica, a produção
de outro enunciado prescritivo cuja relação que dele exsurge suprima um dos
elementos da relação a ser extinta. Note-se a presença de outro eixo de positivação de
normas em curso, agora com a produção de uma norma individual e concreta cuja
finalidade é extinguir a relação jurídica.
Na fenomenologia da extinção das relações jurídicas estão presentes pelo
menos duas cadeias de positivação de normas: N
1
que constitui a relação jurídica; e
N
2
, determinando a sua extinção. Ao se findar o segundo processo de concretização,
haverá duas normas individuais e concretas no sistema com conteúdos divergentes,
278
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 200.
279
Ibid. p. 200.
129
ou seja, relações jurídicas contraditórias
280
. Tome-se, a título de exemplo, a obrigação
tributária e seu pagamento. a N
1
, que constitui o crédito tributário, determinando
quem e quanto se deve pagar; e a N
2
, que descreve o pagamento. Assim, N
1
determina a conduta de pagar, e N
2
prescreve a ação de não-pagar.
7.1.1 A resolução do conflito de normas
Para que se dê a extinção, deve haver uma relação entre as relações jurídicas.
É o que Paulo de Barros Carvalho chama de “cálculo das relações”, cujo “objetivo
principal é o estabelecimento de leis formais que regem as operações por meio das
quais se constroem relações a partir de outras relações dadas”
281
.
Diante de duas normas que prescrevem conteúdos diversos, o próprio
sistema jurídico deve determinar o procedimento a ser observado para ocorrer o
cálculo entre as relações. Lourival Vilanova ensina que “o sistema do direito positivo
contém p-normativas de valências contraditórias e a invalidade elimina a
proposição contradizente quando o próprio sistema diz como e quando”
282
.
O direito positivo, dentro de sua auto-referencialidade, dita o caminho a ser
seguido quando um conflito de normas, que somente é resolvido pela produção
de outras normas. “O sistema do direito positivo está equipado com normas (sempre
em sentido amplo) que se voltam à solução dos conflitos entre normas”
283
. É o direito
atuando no seu aspecto dinâmico.
A antinomia aparece dentro do sistema do direito positivo quando se está
diante de duas normas válidas excluindo-se mutuamente. Tercio Sampaio Ferraz Jr.
280
Para a gica, o proposições contraditórias aquelas que o podem ser simultaneamente verdadeiras. Se
uma for verdadeira a outra deverá ser falsa necessariamente. ECHAVE, URQUIJO, GUIBOURG, gica,
proposición y norma, p. 115. No âmbito da Lógica Deôntica duas normas contraditórias não podem ser
simultaneamente válidas: “se uma é válida, a outra em conflito é necessariamente contra-válida”. Lourival
VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 28.
281
Direito tributário, linguagem e método, p. 107.
282
As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 80.
283
Tárek MOUSSALLEM, Revogação em matéria tributária, p. 192.
130
afirma que a antinomia jurídica é a pragmática, e decorre do preenchimento das
condições:
(1) forte relação complementar entre o emissor de uma mensagem e
seu receptor, isto é, relação fundada na diferença (superior-inferior,
autoridade-sujeito, senhor-escravo, chefe-subordinado etc.); (2) nos
quadros dessa relação é dada uma instrução que deve ser obedecida,
mas que também deve ser desobedecida para ser obedecida (isto é,
pressupõe-se uma contradição no sentido lógico-matemático e
semântico); (3) o receptor, que ocupa posição inferior, fica numa
posição insustentável, isto é, não pode agir sem ferir a
complementaridade nem tem meios para sair da situação
284
.
A antinomia surge sempre que houver incompatibilidade de normas
demonstráveis por meio de operadores deônticos opostos que modalizam uma
mesma conduta. Os modais deônticos, permitido, proibido e obrigatório, são
interdefiníveis
285
conforme a seguinte tabela:
P p O –p –V p
P p O –p V p
P –p –O p –V –p
P –p O p V –p
Sendo os significados: P é permitido; O é obrigatório; V é proibido; – é
negação; é o conectivo equivalente e p significa a conduta. Assim, a sentença é
proibido matar equivale dizer é obrigatório não matar ou ainda não é permitido matar.
A antinomia surge quando há duas normas determinando a mesma conduta,
mas modalizadas de forma oposta. Seriam conflitantes as normas é proibido matar e é
permitido matar. Havendo normas incompatíveis, qual deve prevalecer? A resposta é
encontrada no próprio direito, nas regras de estrutura cuja finalidade é determinar
qual das normas deve permanecer no sistema.
284
Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p. 209.
285
ECHAVE, URQUIJO, GUIBOURG, Lógica, proposición y norma, p. 123.
131
O ato de revogar consiste na retirada de uma norma do sistema
286
, o que
pode se dar de forma expressa ou tácita. O critério usado para distinguir as duas
espécies é a presença ou não do conflito de normas. Haverá revogação expressa
quando a lei revogadora atinge diretamente os enunciados prescritivos
mencionando-os expressamente; e será tácita em razão da existência de normas
incompatíveis no sistema. Nas palavras de Gabriel Ivo, “o que caracteriza, portanto,
a revogação tácita é que em seu contexto não a identificação expressa do
enunciado prescritivo que fica revogado”
287
.
Interessa particularmente ao presente estudo a revogação tácita. Tal motivo
decorre do fato de que para a extinção de uma relação jurídica estar-se-á diante de
duas normas contraditórias com conteúdos divergentes
288
: enquanto N
1
estabelece é
obrigatório pagar; N
2
prescreve é obrigatório não pagar. A revogação tácita acontece
no plano das normas jurídicas em sentido estrito
289
. Por isso, é importante a
interpretação dos enunciados prescritivos nesse tipo de revogação.
A solução das antinomias jurídicas é feita pelas regras presentes no sistema
jurídico, mais precisamente no art. do Decreto-lei 4.657/42 (Lei de Introdução ao
Código Civil). Do enunciado-enunciado desse artigo constroem-se as seguintes
regras: (i) a norma superior revoga a inferior, em virtude da hierarquia; (ii) a norma
286
Tercio Sampaio FERRAZ JR, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p. 204. Para Paulo de
Barros CARVALHO, a norma revogada permanece válida no sistema até se cumprir o tempo de sua possível
aplicação, afirmando que a regra ab-rogatória corta “a vigência da norma por ela alcançada, de tal arte que não
terá mais força para juridicizar os fatos que vierem a ocorrer depois da ab-rogação”, Direito tributário:
fundamentos jurídicos da incidência, p. 57. Tárek MOUSSALLEM, aplicando a teoria dos atos de fala, demonstra
que a revogação atinge a validade, a vigência e a aplicação de determinada norma, sempre na dependência de
qual sistema normativo se toma como referência. Revogação em matéria tributária, p. 186 et seq.
287
Norma jurídica: produção e controle, p. 105.
288
O STJ se manifestou entendendo que a revogação tácita decorre da incompatibilidade de normas:
“ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE CATORZE ANOS. CONTRADIÇÃO ENTRE A LEI 8072/90 (CRIMES
HEDIONDOS) E A LEI 8069/90 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). REVOGAÇÃO CITA,
POR INCOMPATIBILIDADE, DO PARÁGRAFO ÚNICO DOS ARTS. 213 E 214 DO CODIGO PENAL
(ACRESCENTADOS PELA LEI 8069/90) COM O NOVO SISTEMA DE PUNIÇÃO INSTITUÍDO PELA LEI
8072/90. Não é possível admitir-se tenha o legislador pretendido estabelecer benefícios em favor de atentados
sexuais contra crianças de tenra idade, em leis de objetivos manifestamente opostos a esse. Aumento de pena
previsto no art. 9. da Lei 8072 aplica-se apenas às hipóteses de lesão grave ou morte, ante a expressa remissão da
lei ao art. 223, "caput", e parágrafo do Código Penal, expressos quanto a exigência de "lesão corporal grave" ou
"morte". Pena a ser executada em regime fechado. Legalidade. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa
parte, provido”. (REsp 21.258/PR, Rel. Min. Jesus Costa Lima, julgado em 17.06.1992, DJ 05.10.1992, p. 17114).
289
Cf. Gabriel IVO, Norma jurídica: produção e controle, p. 104.
132
posterior, no tempo, revoga a anterior; (iii) a norma especial revoga a geral no que
esta tem de especial.
São esses os critérios eleitos pelo direito positivo que servem como
fundamento para se determinar qual das normas incompatíveis deve permanecer no
sistema. Trata-se, neste estudo, particularmente, de duas relações jurídicas inseridas
no sistema por meio de normas individuais e concretas. O conflito ocorre no nível da
individualidade e concretude das normas jurídicas dentro do processo de positivação
do direito. Está-se diante de uma antinomia em face do acréscimo de uma disposição
normativa nova no sistema, ou seja, uma norma individual e concreta posterior
incompatível com a anterior.
Nessa situação, a resolução do conflito se faz pela utilização da regra: a
norma posterior revoga a anterior. Essa também é a forma de pensar de Tácio
Lacerda Gama: “É o confronto (antinomia real) entre duas normas, uma anterior
estabelecendo a obrigação de pagar o tributo (N1) e outra posterior estabelecendo a
permissão de não pagar (N2), que promove a extinção das obrigações tributárias.
Neste caso, há duas normas que prescrevem condutas opostas para a mesma
situação, devendo, portanto, prevalecer a posterior lex posterior derrogat lex
anterior
290
.
Diante de duas normas individuais e concretas que prescrevem condutas
antagônicas, deve prevalecer no sistema aquela que nele ingressou por último. É uma
das regras postas pelo direito para a revogação tácita como forma de resolução de
conflitos de normas.
Deve-se fazer um alerta. A revogação de uma norma incompatível com outra
necessita sempre de uma terceira norma
291
. Somente com mais um eixo de
positivação o sistema poderá excluir uma norma, em razão de um conflito com outra
norma. Eis mais um ato de aplicação do direito que resultará na revogação de uma
norma de acordo com os critérios eleitos pelo ordenamento jurídico. Pode-se extrair
290
Obrigação e crédito tributário: anotações à margem da teoria de Paulo de Barros Carvalho, Revista tributária e de
finanças públicas, n. 50, p. 108.
291
Tárek MOUSSALLEM, Revogação em matéria tributária, p. 197.
133
esse entendimento das lições de Tárek Moussallem, para quem “a revogação (como
efeito do ato de revogação) não decorre automática e infalivelmente do conflito de
normas. É necessária a norma concreta que eleve o mero conflito de normas a
categoria de fato jurídico a ensejar a revogação de uma das duas normas conflitantes
de acordo com o prescrito no sistema normativo”
292
.
Ao se deparar com a existência de duas normas incompatíveis, o aplicador
do direito dará ensejo a produção de uma terceira norma individual e concreta para
fins de resolver o conflito. Isso porque o cálculo entre relações jurídicas o é
automático; requer-se a presença humana para solucionar a disputa. Nessa terceira
norma estarão presentes: o fato jurídico em seu antecedente, descrevendo o conflito
de normas; e no conseqüente, a relação jurídica que determina a norma a permanecer
no sistema. Sem a linguagem competente, portanto, não revogação tácita de
normas individuais e concretas.
7.2 A extinção da obrigação tributária
A obrigação tributária consiste numa relação jurídica de conteúdo
patrimonial, cujo objeto reside no pagamento de tributos. Ela surge no momento em
que a norma individual e concreta, produzida pelo particular (autolançamento) ou
pela autoridade administrativa (lançamento), ingressa no direito positivo. Em outras
palavras, com a ocorrência do fato jurídico há a instauração da obrigação tributária.
Desse modo, a obrigação tributária, por ser uma espécie de relação jurídica, é
extinta segundo o prescrito para todas as relações, isto é, pelo desaparecimento de
um de seus elementos, dissipando a sua estrutura lógica. É evidente que também não
prescinde da linguagem competente para a sua extinção, visto que a obrigação
tributária nasce, modifica-se e extingue-se por força de uma manifestação de
linguagem.
292
Revogação em matéria tributária, p. 200.
134
Diante da opção feita neste trabalho de que a expressão crédito tributário é
usada para designar apenas um dos elementos da obrigação tributária, o direito
subjetivo de o Fisco exigir o valor do tributo, deve-se advertir que a extinção é da
obrigação. O CTN, no art. 156, dispõe as situações que extinguem o crédito tributário,
mas, na verdade, a extinção é do todo (obrigação tributária). O crédito tributário faz
parte da obrigação tributária e, com seu desaparecimento, a obrigação tributária
decompõe-se, pois não pode persistir com a ausência de um de seus componentes
lógicos
293
.
Tal ambigüidade faz com que autores defendam a tese de que é possível a
extinção do crédito sem a extinção da obrigação. Essa posição advém principalmente
do entendimento de o crédito ser distinto da obrigação. É o que pensa Hugo de Brito
Machado, para quem a extinção do crédito nem sempre implica a dissolução da
obrigação tributária respectiva: “É possível, entretanto, que a extinção do crédito
afete apenas a forma, sem afetar o conteúdo. Neste caso, em face da subsistência da
relação obrigacional, persiste o direito de lançar, vale dizer, de constituir novo
crédito”
294
. Mais adiante, o ilustre autor apresenta duas situações em que pode não
ocorrer a extinção da obrigação, apesar do desaparecimento do crédito: “Nas
hipóteses de extinção do crédito tributário em decorrência de decisão administrativa
irreformável, ou de decisão judicial passada em julgado, não ocorrerá a extinção da
obrigação tributária se a decisão extinguir o crédito tributário por vício formal em
sua constituição”
295
.
O crédito tributário, ao ser extinto, acarreta também a supressão da
obrigação, porquanto é um elemento da sua estrutura lógica. Sem crédito não
obrigação e sem obrigação não existe crédito. Por isso, de acordo com as premissas
deste trabalho não é possível a extinção do crédito tributário sem implicar a extinção
da obrigação tributária.
293
Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 453.
294
Curso de direito tributário, p. 220-221.
295
Ibid. p. 221.
135
7.3 Formas de extinção da obrigação tributária
O CTN elencou, no art. 156, as seguintes formas de extinção da obrigação
tributária: (i) o pagamento; (ii) a compensação; (iii) a transação; (iv) a remissão; (v) a
prescrição e a decadência; (vi) a conversão de depósito em renda; (vii) o pagamento
antecipado e a homologação; (viii) a consignação em pagamento; (ix) a decisão
administrativa irreformável; (x) a decisão judicial passada em julgado; (xi) a dação
em pagamento de bens imóveis.
Dúvida que surge é se além dessas há outras causas que extinguem a
obrigação tributária. Para Hugo de Brito Machado, é possível aplicar causas
extintivas do direito privado em matéria tributária
296
. Ricardo Lobo Torres também
entende que o elenco das causas extintivas presente no art. 156 do CTN não é
exaustivo, podendo outras figuras, como a confusão e a morte do devedor, extinguir
a obrigação
297
. O STF também se posicionou favorável à não exaustividade do rol
do art. 156 do CTN
298
.
Ruy Barbosa Nogueira classifica as causas de extinção da obrigação tributária
em: 1) causas de fato, em razão de a extinção ocorrer em virtude de eventos ou
situações de fato, supervenientes; 2) causas de direito da extinção, por esta decorrer de
disposições legais que atingem o direito material, extinguindo o direito de lançar, e o
direito formal, extinguindo o meio de cobrança do crédito tributário
299
. Seriam,
portanto, modalidades de direito apenas a decadência e a prescrição, dentre todas as
numeradas pelo CTN.
Entretanto, todas as formas de extinção têm de estar previstas pelo direito
positivo e também necessitam da ocorrência fáctica no mundo fenomênico. Para que
se tenha a extinção de uma relação jurídica tributária, é preciso uma cadeia de
296
Curso de direito tributário, p. 220.
297
Curso de direito financeiro e tributário, p. 288. Luciano AMARO também entende por não ser taxativo o rol do art.
156 do CTN, Direito tributário brasileiro, p. 390.
298
“Extinção de crédito tributário criação de nova modalidade (dação em pagamento) por lei estadual:
possibilidade do Estado-membro estabelecer regras específicas de quitação de seus próprios créditos tributários”.
(ADI-MC 2405, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 06.11.2002, DJ 17.02.2006, p. 54).
299
Curso de direito tributário, p. 309.
136
positivação com a finalidade de instituir uma norma para esse fim. Mais uma vez se
está diante da fenomenologia da incidência de normas jurídicas. Cada uma das
formas de extinção da obrigação tributária pressupõe: (i) a previsão em uma norma
geral e abstrata; (ii) a ocorrência do evento de extinção no mundo fenomênico; (iii) o
ato de aplicação que resultará na (iv) produção de uma norma individual e concreta
que extingue a obrigação. Por isso, se fala em pagamento como norma, fato e relação
jurídica.
Adiante analisar-se-ão, de forma sintética, as causas de extinção da obrigação
tributária previstas no art. 156 do CTN, ficando de fora, nesse momento, apenas a
compensação, estudada com maior afinco em capítulo próprio.
7.3.1 O pagamento
A obrigação tributária tem como forma habitual de extinção o pagamento,
principalmente por se tratar de uma relação jurídica cujo objeto é a conduta de
recolher uma quantia em dinheiro a título de tributo. Motivo que levou o legislador
do CTN a dedicar mais espaço a essa modalidade de extinção em vista das demais.
Como se disse, uma relação é extinta apenas por outra relação. Assim, é
inevitável um processo de positivação de normas que culmine com a inserção de
outra norma individual e concreta cujo conseqüente possua uma relação jurídica
capaz de extinguir outra.
É o que acontece com o pagamento. Somente será forma de extinção com a
sua concretização. Sem a norma individual do pagamento, não há extinção da
obrigação tributária. O contribuinte, ao realizar o fato do pagamento em
conformidade com o procedimento prescrito pelo próprio direito positivo, estará
efetivando aquela conduta prevista no conseqüente do ato-norma lançamento ou no
ato-norma autolançamento. Ferreiro Lapatza define pagamento “como a realização
da prestação (a entrega de uma soma de dinheiro) que constitui o objeto da
137
obrigação”
300
.
Há o fato jurídico do pagamento, que é a ação de entregar dinheiro aos cofres
públicos em razão de uma conduta prescrita no conseqüente de uma norma
individual e concreta. Esse fato dá origem a uma nova relação jurídica: o contribuinte
tem o direito subjetivo de não pagar a dívida tributária
301
, e o Fisco tem o dever
jurídico de não cobrá-la. Eis mais um eixo de positivação do direito.
Identifica-se, portanto, a existência de duas normas individuais e concretas
no sistema: N
1
, que estabelece a obrigação de o contribuinte pagar o tributo; e N
2
,
prescrevendo o pagamento do tributo. Em N
1
tem-se a concretização do fato jurídico
tributário no seu antecedente e, no conseqüente, a prescrição da obrigação jurídica
tributária, figurando como sujeito ativo o Fisco, como sujeito passivo o contribuinte,
e o objeto é a conduta de pagar o tributo. N
2
contém o fato jurídico do pagamento
como seu antecedente implicando o conseqüente, isto é, a relação jurídica em que é
permitido o contribuinte não pagar o tributo para o Fisco. É do cotejo entre essas
duas normas que se dá a extinção da obrigação tributária.
Tem-se dito até agora que o direito é um fenômeno comunicacional, sendo a
linguagem seu elemento imprescindível. Para se construir uma norma, portanto, é
necessário o seu suporte físico, com a presença dos enunciados-enunciados que
permitirão ao intérprete elaborá-la. No caso da norma do pagamento, qual seria seu
suporte físico? Como dizer que o contribuinte realizou o comportamento de pagar? É
mediante o documento recibo que se obtêm essas informações. Ele serve para
identificar o fato protocolar do pagamento, com suas coordenadas de espaço e tempo
individualizadas. É o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho
302
:
300
Direito tributário: teoria geral do tributo, p. 313.
301
Tácio Lacerda GAMA, Obrigação e crédito tributário: anotações à margem da teoria de Paulo de Barros
Carvalho, Revista tributária e de finanças públicas, n. 50, p. 108.
302
Curso de direito tributário, p. 459. Ricardo Lobo TORRES se alinha ao esposado, explicando que a prova do
pagamento é feita mediante recibo ou documento passado pela repartição fazendária ou pelos estabelecimentos
bancários autorizado, contendo o nome do devedor, o valor e a espécie da dívida, Curso de direito financeiro e
tributário, p. 289.
138
Saliente-se, porém, que não é o evento do pagamento que extingue a
obrigação. Esta desaparecerá tão-somente quando aquele evento for
relatado na linguagem prevista pelo ordenamento jurídico, surgindo
aquilo que se chama de ‘documento de quitação’ ou ‘recibo de
pagamento’. Tal documento contém os enunciados necessários e
suficientes para a construção de uma norma individual e concreta,
cujo antecedente descreve o fato da existência de dívida e cujo
conseqüente prescreve um liame que, no cálculo das relações, anula o
vínculo primitivo.
A ação de pagar devidamente documentada em linguagem competente
suprime tanto o crédito tributário como o débito tributário. Com a concretização do
seu eixo de positivação, não mais o direito subjetivo de o Fisco exigir o valor do
tributo e tampouco persiste o dever jurídico de o contribuinte levar uma quantia em
dinheiro aos cofres públicos.
O fato jurídico suficiente do pagamento, para fins de extinção da obrigação
tributária, deve preencher alguns requisitos. Eusébio González e Ernesto Lejeune
apontam os seguintes: a) subjetivos; b) objetivos; c) formais; e d) temporais
303
.
O pressuposto subjetivo diz respeito aos sujeitos hábeis para realizar o
pagamento e aos sujeitos competentes para recebê-lo. Esses sujeitos nada mais são do
que aqueles previstos no conseqüente da norma individual e concreta instituidora do
crédito tributário: sujeito ativo (Fisco) e sujeito passivo (contribuinte).
Outro elemento da obrigação tributária, além dos sujeitos, é o seu objeto, a
prestação de pagar o tributo. Motivo pelo qual o pagamento tem de totalizar o valor
integral do tributo feito em dinheiro. É a identidade e a integralidade a que se
referem os autores espanhóis
304
. O pagamento efetuado pelo contribuinte somente
extingue a obrigação tributária se compreender a totalidade da dívida para com o
Fisco.
Os requisitos formais referem-se ao modo como deve acontecer o pagamento.
No direito brasileiro o recolhimento dos tributos é feito por meio de guias
preenchidas conforme procedimentos prescritos em normas jurídicas. Qualquer erro
303
Derecho tributario I, p. 281 et seq.
304
Ibid p. 283-284.
139
nesse ato descaracterizará a ão como pagamento do tributo. O art. 165 do CTN
estipula que o pagamento deve ser realizado em dinheiro, cheque ou vale postal e,
em casos previstos em lei, por estampilhas.
Por fim, o período para o pagamento dos tributos é preenchido pelo requisito
temporal. Com a constituição do crédito tributário, o contribuinte tem um prazo para
efetuar o recolhimento da dívida tributária. Segundo o art. 160 do CTN são trinta
dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento,
quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento.
Em suma, o pagamento tem de se realizar em conformidade com o prescrito
na norma individual e concreta do lançamento ou do autolançamento, com relação
aos valores e sujeitos. em se tratando do procedimento e prazo para efetuá-lo, são
normas gerais e abstratas que os regulam. Porém, somente com a expedição da
norma individual e concreta do pagamento haverá o cotejo entre normas: a que
obriga o pagamento do tributo e a que desobriga o pagamento do tributo.
7.3.2 A transação
Transação significa o instituto em que as partes interessadas, credor e
devedor, fazendo concessões mútuas, põem fim a um litígio extinguindo a obrigação.
Consoante Maria Helena Diniz, é um acordo amigável entre as partes, cada uma
abrindo o de parte de suas pretensões, com a finalidade de cessar suas
discórdias
305
.
Para fins do direito tributário, alerta Hugo de Brito Machado que a transação
necessita de previsão legal e é possível após a instauração do litígio, não servindo,
portanto, para evitá-lo
306
. Outra advertência a ser feita é acerca da acepção do
vocábulo litígio. Abrange a discussão administrativa ou apenas a judicial? Para Paulo
305
Curso de direito civil brasileiro, p. 311.
306
Curso de direito tributário, p. 237.
140
de Barros Carvalho independe o âmbito do conflito, seja judicial ou não, para a
possibilidade de existir a transação
307
.
Desse modo, a efetiva extinção da obrigação tributária pela transação
pressupõe a previsão legal e a existência de um litígio judicial ou não. Isso, porém,
não evita sua constituição em linguagem. A extinção de uma relação jurídica só é
possível quando ela entra em lculo com outra relação. Eis a necessidade da
positivação da norma geral e abstrata da transação.
Entretanto, deve-se observar que a transação geralmente não serve para
extinguir a obrigação tributária, mas para terminação do litígio. Hugo de Brito
Machado afirma que a transação tem com objetivo extinguir o litígio: “a transação
destina-se essencialmente a extinguir o litígio. Pode ocorrer, por exemplo, que em
face da transação seja concedido um novo prazo para o pagamento, de uma só vez ou
em parcelas, do crédito tributário respectivo. Desde que tenham sido feitas
concessões mútuas com o objetivo de terminar o litígio esta caracterizada a
transação”
308
.
De fato, nesses casos, a extinção da obrigação tributária dar-se-á pelo
pagamento. Para o STJ “O parcelamento do débito tributário é espécie de transação,
muito embora não determine a extinção imediata do crédito, que fica suspenso até o
seu adimplemento total pelo devedor”
309
. Note-se que a transação não extingue
propriamente a obrigação tributária, e sim cria novas condições para o seu
307
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 207. Também nesse sentido Hugo de Brito
MACHADO, A transação no direito tributário, Revista dialética de direito tributário, n. 75, p. 63.
308
A transação no direito tributário, Revista dialética de direito tributário, n. 75, p. 62-63. Um exemplo sobre a
transação pode ser visto em Ives Gandra da Silva MARTINS, Transação tributária realizada nos exatos termos do
art. 171 do Código Tributário Nacional – inteligência do dispositivo – prevalência do interesse público em acordo
envolvendo prestação de serviços e fornecimento de material rigoroso cumprimento da legislação
complementar federal e municipal, Revista dialética de direito tributário, n. 148, p. 143 et seq. Nesse texto, o autor
analisa a transação efetuada entre a Prefeitura de Santa Cruz do Rio Pardo e uma empresa de construção, sobre o
pagamento de ISS. Fica aventado, em lei, o recebimento do ISS devido em materiais e prestação de serviços.
Percebe-se que a extinção da obrigação é pela consignação em pagamento, e não pela própria transação. Outro
exemplo de transação são os parcelamentos concedidos pela legislação federal, REFIS, PAES e PAEX, em que se
exige a desistência da ação em curso para se incluir o crédito tributário nos referidos programas. “O REFIS,
espécie de transação, só autoriza a suspensão da execução quando homologado” (STJ, REsp. 427.358/RS, Rel. Min.
Eliana Calmon, julgado em 27.08.2002, DJ 16.09.2002 p. 177); e também Hugo de Brito Machado, A transação no
direito tributário, Revista dialética de direito tributário, n. 75, p. 68.
309
REsp. 399.703/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 03.04.2003, DJ 12.05.2003, p. 273.
141
adimplemento. “Transacionar não é pagar, é operar para possibilitar o pagar. É
modus faciendi, tem feitio processual, preparatório do pagamento”
310
.
Como é possível perceber, a transação consiste num novo eixo de positivação
de normas que tem a finalidade de modificar a dívida tributária anteriormente
prescrita para fins de seu pagamento. Esse, sim, um fluxo de normas que confirma a
extinção da obrigação tributária.
7.3.3 A remissão
Outra forma de extinção da obrigação tributária eleita pelo CTN é a
remissão, cujo significado consiste no perdão, isto é, na dispensa do pagamento. É
um direito exclusivo do credor, conforme ensina Maria Helena Diniz: “A remissão das
dívidas é a liberação graciosa do devedor pelo credor, que voluntariamente abre mão
de seus direitos creditórios, com o escopo de extinguir a obrigação, mediante o
consentimento expresso ou tácito do devedor”
311
.
O CTN, no art. 172, condiciona a remissão à lei que deve autorizar a
autoridade administrativa a concedê-la por meio de despacho fundamentado, desde
que atenda: (a) à situação econômica do sujeito passivo; (b) ao erro ou ignorância
escusáveis do sujeito passivo, quanto à matéria de fato; (c) à diminuta importância do
crédito tributário; (d) a considerações de eqüidade, em relação com as características
pessoais ou materiais do caso; e (e) a condições peculiares a determinada região do
território da entidade tributante.
O seu processo de positivação se encerra com a produção de uma norma
individual e concreta pela autoridade administrativa, cuja mensagem consiste no
perdão da dívida tributária. Essa norma é o despacho fundamentado a que faz alusão
o art. 172 do CTN. Sem a finalização dessa cadeia normativa, não a extinção da
310
Sacha Calmon Navarro COÊLHO, Manual de direito tributário, p. 472.
311
Curso de direito civil brasileiro, p. 337. (grifo do original).
142
obrigação tributária.
A remissão não deve ser confundida com a figura da anistia. Aqui há o
perdão do crédito tributário, enquanto anistia refere-se às penalidades. Duas relações
jurídicas distintas, dois institutos diversos. Entretanto, para Tercio Sampaio Ferraz
Jr., a diferenciação acima feita é uma fórmula muito pobre, pois “o exame da
sistematicidade orgânica exige, para além da estrutura do contexto normativo, a
consideração da gênese dos conceitos”
312
. Segundo o ilustre professor, é possível estar
diante do instituto da remissão mesmo no caso de cancelamento ou redução de
penalidades. O critério estrutural para identificar se é caso de anistia ou remissão é a
verificação das condições a que se vincula a concessão legal. Sendo assim, quando as
condições forem do art. 172 do CTN, será remissão; agora, se ela se reporta às do art.
181 do CTN, o caso é de anistia
313
. Em suma, o critério está voltado para a
contextualização dos institutos.
7.3.4 A prescrição e a decadência
A prescrição é a perda do direito de o Fisco exigir o crédito tributário
constituído; e a decadência é a perda do direito de o Fisco constituir o crédito
tributário, ambos em razão do decurso do tempo.
São dois eixos de positivação de normas encerrando-se com a produção de
uma norma individual e concreta para ocorrer a extinção do vínculo tributário. É o
que afirma Eurico de Santi, para quem a norma geral e abstrata da decadência e da
prescrição “requer, como as demais unidades desse jaez, a edição de normas
individuais e concretas que objetivem os fatos decadencial ou prescricional,
precisando seus termos e determinando o objeto da relação extintiva. E isso se faz
312
Remissão e anistia fiscais: sentido dos conceitos e forma constitucional de concessão, Revista dialética de direito
tributário, n. 92, p. 70.
313
Ibid. p. 73.
143
com a indigitada trajetória de positivação”
314
.
Somente haverá prescrição ou decadência com a produção das suas
respectivas normas individuais e concretas. Seu antecedente contém o fato do
transcurso de tempo em que o titular do direito permaneceu inerte, e seu
conseqüente prevê a perda do direito de constituir o crédito ou de cobrá-lo.
Para fins do presente trabalho, apresentar-se-ão apenas algumas
considerações acerca dos institutos separadamente, mas ressalvando a existência de
muita controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre decadência e prescrição, sem a
pretensão de resolvê-las aqui.
7.3.4.1 A decadência
O art. 173 estabelece para a Fazenda Pública o prazo de cinco anos para
constituir o crédito tributário, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele
em que o lançamento poderia ser efetuado; ou da data em que se tornar definitiva a
decisão anulando, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Os atos de
lançamento têm de observar essa norma. Sobre os lançamentos por homologação, a regra
decadencial a ser observada é a prescrita no art. 150, § 4º, também do CTN
315
.
A finalidade das normas de decadência é determinar o desaparecimento do
direito de a Fazenda exercer sua competência administrativa para constituir o crédito
tributário. Como é possível notar, nesse caso, a decadência não extingue o vínculo
jurídico tributário, apenas evita sua constituição pelo Fisco. A extinção da obrigação
tributária pela decadência pressupõe a constituição do crédito tributário. Sem a
norma individual e concreta que existência ao crédito, não é possível haver uma
314
Decadência e prescrição no direito tributário, p. 159. Veja-se, nesse sentido, o que pensa o STJ: “Entrementes,
impende ressaltar que a decadência, assim como a prescrição, nasce em razão da realização do fato jurídico de
omissão no exercício de um direito subjetivo. (REsp. 849.273/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 04.03.2008, DJ
07.05.2008 p. 1).
315
Eurico de SANTI, mesclando quatro critérios encontrados no direito positivo, encontra seis normas referente a
decadência de o Fisco lançar. Cada qual com sua peculiaridade referente a determinação do dies a quo para a
contagem do prazo decadencial, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 163 et seq.
144
norma decadencial extinguindo-o.
Desse modo, para fins da extinção da obrigação tributária, faz-se coro às
lições de Paulo de Barros Carvalho: “A caducidade será extintiva do vínculo apenas
nas circunstâncias em que tiver sido alegada pelo interessado e reconhecida pelo
órgão credenciado pelo sistema, depois de ter nascido a obrigação tributária. Aqui,
sim, o efeito se terminativo da relação”
316
. Para ocorrer a extinção da obrigação
tributária por via decadencial, é imprescindível mais uma cadeia de causalidade
jurídica, que culminará com a produção de uma norma individual e concreta cujo
conteúdo é rechaçar o vínculo jurídico do sistema em razão de o crédito tributário ter
sido constituído fora dos prazos previstos em lei.
7.3.4.2 A prescrição
Consoante disposição do direito positivo, mais precisamente do art. 174 do
CTN, a Fazenda blica possui cinco anos para ingressar com a ação de cobrança do
crédito tributário, contados da data da sua constituição definitiva. Surge, de plano,
uma primeira questão: quando o crédito é definitivamente constituído?
Hugo de Brito Machado demonstra a divergência doutrinária sobre qual o
momento em que se deve considerar constituído o crédito tributário: a) quando o
Fisco determinar o montante a ser pago e intimar o sujeito passivo para fazê-lo; b)
quando houver decisão, pela procedência da ação fiscal, em primeira instância
administrativa; c) quando existir decisão administrativa definitiva; e d) quando o
crédito tributário for inscrito como dívida ativa
317
. O autor opta pela posição c),
afirmando que “o lançamento está consumado, e não se pode mais cogitar de
decadência, quando a determinação do crédito tributário não possa mais ser
316
Direito tributário, linguagem e método, p. 489.
317
Curso de direito tributário, p. 238.
145
discutida na esfera administrativa”
318
.
Em virtude das premissas adotadas, entende-se que o crédito tributário fica
constituído com o ato-norma de lançamento ou de autolançamento
319
. Havendo
impugnação, se inicia outro eixo de positivação, que se encerrará com mais uma
norma individual e concreta no sistema, especificando se a formação do crédito
tributário foi de acordo ou não com os procedimentos eleitos pelo ordenamento
jurídico. O exercício do direito de o Fisco constituir o crédito foi exercido, tanto é
que o contribuinte pode optar pelo seu pagamento de imediato sem oferecer
impugnação. Caso a decisão administrativa final seja pela ratificação da forma de
constituição do crédito, não se está diante de um novo lançamento.
Em suma, para fins de contagem do prazo prescricional, considera-se
constituído o crédito tributário com a norma individual e concreta inserida no
sistema pelo particular ou pela autoridade administrativa. É o ensinamento de Eurico
de Santi, para quem “no caput do Art. 174 do CTN, há de se entender constituição
definitiva do crédito como o momento da constituição do ato-norma, seja aquele
administrativo efetuado pelo agente público competente, seja o ato-norma editado
pelo particular”
320
.
O que acontece quando há a interposição de recurso na esfera administrativa
é a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, de acordo com o art. 151, III, do
CTN. Nesse período, deve ser descontado o tempo em que o crédito ficou obstado
pela causa suspensiva
321
.
318
Hugo de Brito MACHADO, Curso de direito tributário, p. 239.
319
Ver Capítulo 6, tópicos 6.5 e 6.6.
320
Decadência e prescrição no direito tributário, p. 217.
321
Cf. Eurico de SANTI, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 219. O STJ assim se posiciona: “O Código
Tributário Nacional estabelece três fases distintas quanto aos prazos prescricional e decadencial: a primeira
estende-se a a notificação do auto de infração ou do lançamento ao sujeito passivo período em que o
decurso do prazo decadencial (art. 173); a segunda flui dessa notificação até a decisão final no processo
administrativo período em que se encontra suspensa a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, III) e, por
conseguinte, não o transcurso do prazo decadencial, nem do prescricional; por fim, na terceira fase, com a
decisão final do processo administrativo, constitui-se definitivamente o crédito, dando-se início ao prazo
prescricional de cinco anos para que a Fazenda Pública proceda à devida cobrança (art. 174)”. (REsp. 686.834/RS,
Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 18.09.2007, DJ 18.10.2007 p. 268).
146
7.3.5 A conversão de depósito em renda
O CTN determina que com a conversão do depósito em renda implica-se a
extinção da obrigação tributária. O depósito é uma das formas de suspensão da
exigibilidade do crédito tributário. Ao final do litígio, os valores depositados são
convertidos em renda do sujeito ativo concretizando o pagamento do tributo.
Concretizada a demanda com uma norma individual e concreta que
determina a obrigação tributária e tendo sido depositado no curso do processo o
montante integral do tributo discutido, o cdito restará extinto ao se converterem os
valores depositados. Por isso, o depósito convertido em renda nada mais é do que
mais uma forma de pagamento
322
.
Discute-se, se ao final da lide o autor dos depósitos tem o condão de levantá-
los quando a sentença judicial lhe é desfavorável. Em outros termos, é possível a
conversão automática do deposito em renda?
Hugo de Brito Machado defende que a conversão deve ser determinada de
ofício pelo juiz tão logo transite em julgado a sentença, em virtude dos princípios
processuais
323
. Segundo Maria Leonor Leite Vieira, por sua vez, nesse caso o
magistrado estará “imiscuindo-se em seara a que não espermitido, ou a que está
impedido, pois que, além de adentrar na propriedade do sujeito passivo (autor), estará
em muitos casos (quiçá em todos), lançando tributo cuja competência é exclusiva da
administração blica”
324
. Resolvendo a peleja, o STJ entende ser possível a
conversão, pertencendo o depósito ao contribuinte ou à Fazenda Pública, se a ação
322
O STJ julga da seguinte forma: “Deveras, a conversão do depósito em renda não deixa de ser uma modalidade
de pagamento, o que resta explícito no inciso II, do § 3º, do artigo 1º, da Lei 9.703/98, segundo o qual o valor dos
depósitos, repassados pela Caixa Econômica para a Conta Única do Tesouro Nacional, será transformado em
pagamento definitivo, proporcionalmente à exigência do correspondente tributo ou contribuição, inclusive seus
acessórios, quando se tratar de sentença ou decisão favorável à Fazenda Nacional, mediante ordem da autoridade
judicial ou, no caso de depósito extrajudicial, da autoridade administrativa competente, após o encerramento da
lide ou do processo litigioso”. (REsp. 797.387/MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 08.05.2007, DJ 16.08.2007, p.
289).
323
Curso de direito tributário, p. 247. Também defende essa linha de pensamento Sacha Calmon Navarro COÊLHO,
Manual de direito tributário, p. 479.
324
A suspensão da exigibilidade do crédito tributário, apud. José Eduardo Soares de MELO, Curso de direito tributário, p.
262.
147
for bem ou mal-sucedida:
Tributário. Depósito judicial. Indisponibilidade. A jurisprudência do
STJ se firmou no sentido de que, embora voluntário, o depósito dos
tributos controvertidos fica vinculado ao processo e sujeito ao regime
de indisponibilidade até o seu término, sendo o respectivo montante
devolvido ao autor ou convertido em renda da Fazenda Pública,
conforme a ação seja bem ou mal sucedida. Recurso especial
conhecido e provido. (REsp. 116.480/PE, Rel. Min. Ari Pargendler,
julgado em 15.05.1997, DJ 02.06.1997, p. 23782).
Portanto, resta ao contribuinte levantar o depósito apenas nos casos em que
for vencedor do litígio.
7.3.6 O pagamento antecipado e a homologão
O CTN estipula que o pagamento antecipado e a homologação do lançamento são
causa extintiva do vínculo tributário. Acontece que a homologação não é do
lançamento, pois o ato da autoridade administrativa nas hipóteses de lançamento por
homologação é emitir a norma individual e concreta da homologação, ou seja, não
lançamento nesses casos.
O chamado lançamento por homologação é forma de o particular inserir no
sistema jurídico norma individual e concreta formalizando o crédito tributário, sendo
facultado à autoridade administrativa realizar a fiscalização desse procedimento
efetuado pelo contribuinte mediante o ato de homologação
325
.
Consoante ficou expresso acima, o ato de homologação é do pagamento,
sendo infeliz a locução apresentada pelo CTN, pois não qualquer atividade de
lançamento aqui. O Fisco verifica se o pagamento foi suficiente para a extinção do
crédito. A lei determina que o contribuinte pague e um prazo de cinco anos à
Fazenda para verificar se o pagamento está correto
326
.
Assim, é o pagamento antecipado que extingue a obrigação tributária e não a
325
Confira Capítulo 6, item 6.6.
326
Veja o tópico 6.6.2 do Capítulo 6.
148
homologação do lançamento, que, na verdade nem existe. O ordenamento jurídico
expressamente prevê desse modo, com a inclusão da LC 118/05, que, no art. 3º,
específica que a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a
lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o
§ 1º do art. 150 do CTN. A homologação tácita, já se disse, é prazo decadencial para a
Fazenda constituir o crédito. Findo aquele prazo de cinco anos sem atuação do Fisco,
não poderá haver nenhum lançamento suplementar, decaindo seu direito ao crédito.
7.3.7 A consignação em pagamento
A consignação em pagamento pode ser vista como uma forma de
pagamento, porém com algumas peculiaridades. Diante da recusa de o credor
receber a prestação, ou no caso de o devedor ter dúvidas a quem pagar, o pagamento
pode ser efetuado pelo depósito judicial.
A extinção da obrigação tributária nesse caso é concretizada com o
pagamento, embora o seu procedimento seja diferente daquele descrito acima (item
7.3.1). Aqui se utiliza a via processual para depositar o valor devido a título de
tributo, com a conseqüente extinção do vínculo obrigacional por supressão do dever
jurídico do contribuinte em realizar a prestação.
De acordo com o art. 164 do CTN, o contribuinte pode efetuar o pagamento
em consignação nos casos de (i) recusa de recebimento, ou subordinação deste ao
pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação
acessória; (ii) subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências
administrativas sem fundamento legal; e (iii) exigência, por mais de uma pessoa
jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.
Diante dessas situações, o contribuinte ingressa no Judiciário com o fim
específico de se determinar o pagamento do tributo. Com a sentença proferida, ficará
extinta a obrigação tributária, e o depósito será convertido em renda.
149
7.3.8 A decisão administrativa irreformável
O processo administrativo, em que se discute a constituição do crédito,
consiste é mais um eixo de positivação do direito positivo. Diante de uma norma que
constitui o crédito, é possível buscar sua retificação ainda em âmbito administrativo,
cujo ato final é uma decisão que põe fim à discussão.
Essa decisão final nada mais é do que uma norma individual e concreta
determinando se a constituição do crédito tributário está de acordo com o sistema
jurídico. O emissor dessa mensagem é a própria Administração representada por
órgãos colegiados, e o seu destinatário é o contribuinte. Quando o conteúdo da
norma for favorável ao contribuinte, total ou parcialmente, extingue-se o crédito na
medida da decisão.
7.3.9 A decisão judicial passada em julgado
A decisão judicial também é uma norma individual e concreta que encerra
um processo de positivação, o da norma secundária. Com a decisão judicial
definitiva, o Judiciário insere uma mensagem jurídica cuja relação prescrita no seu
conseqüente determina a extinção da obrigação tributária. Assim, “na condição de
norma individual e concreta, produzida pelo Poder Judiciário, a decisão judicial
passada em julgado se sobrepõe à norma que prevaleceu até aquele momento,
expulsando-a do sistema”
327
.
7.3.10 A dação em pagamento de bens imóveis
Essa possibilidade de extinção da obrigação tributária foi inserida no CTN
327
Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 223.
150
pela Lei Complementar 104/2001. Tem como finalidade a entrega de coisa diversa de
dinheiro como pagamento de tributos. É um instituto do direito civil em que o credor
pode consentir em receber uma prestação diversa daquela que lhe era devida. Seus
requisitos são: (i) a existência de um débito; (ii) a intenção de efetuar o pagamento;
(iii) a diversidade de objeto oferecido em relação ao devido; (iv) concordância do
credor na substituição
328
.
A obrigação tributária nasce e se quantifica em dinheiro e consiste em
entregar uma soma em pecúnia. Mas o devedor pode cumpri-la executando outra
prestação, a entrega de bens imóveis. Desse modo, no âmbito tributário há uma
substituição na entrega da coisa, objeto da obrigação; ao invés de dinheiro, permite a
extinção da obrigação tributária com a entrega de bem imóvel.
É preciso a edição de uma lei
329
(norma geral e abstrata) determinando o
procedimento a ser seguido para que se concretize a norma da dação em pagamento.
Somente com uma norma individual e concreta que estabeleça o fato da dação em
pagamento é que exsurgirá a relação jurídica que extingue a obrigação tributária.
328
Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro, p. 272-3.
329
Sem uma legislação regulando e traçando o procedimento da dação em pagamento é impossível sua utilização.
O STJ já definiu que “o inciso XI, do art. 156 do CTN (incluído pela LC 104/2001), que prevê, como modalidade de
extinção do crédito tributário, ‘a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em
lei’, é preceito normativo de eficácia limitada, subordinada à intermediação de norma regulamentadora. O CTN,
na sua condição de lei complementar destinada a ‘estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária’
(CF, art. 146, III), autorizou aquela modalidade de extinção do crédito tributário, mas não a impôs
obrigatoriamente, cabendo assim a cada ente federativo, no domínio de sua competência e segundo as
conveniências de sua política fiscal, editar norma própria para implementar a medida”. (REsp. 884.272/RJ, Rel.
Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 06.03.2007, DJ 29.03.2007, p. 238).
151
8 A CONSTITUIÇÃO E EXTINÇÃO DO DÉBITO DO FISCO
8.1 A relação de débito do Fisco
Como se disse, diversas espécies de relações jurídicas tributárias. Duas
importantes para este trabalho são a que constitui o crédito tributário, definido como
o direito subjetivo de o Fisco exigir do contribuinte um valor pecuniário a título de
tributo, e a que constitui o débito do Fisco, em que o contribuinte possui um direito
subjetivo de exigir do Fisco uma importância em dinheiro. Essa classificação é feita
de acordo com a posição do Fisco na relação jurídica: se sujeito ativo, trata-se de
crédito tributário; se sujeito passivo, é relação de débito do Fisco.
O crédito tributário já foi analisado em capítulo anterior. Parte-se, agora,
para estudar a relação de débito do Fisco. Por também ser relação jurídica, é formada
por um sujeito ativo que possui um direito subjetivo de exigir uma determinada
conduta de um sujeito passivo, que, em contrapartida, tem o dever jurídico de
obedecer. O sujeito ativo é o contribuinte, que exige do Fisco, sujeito passivo, uma
quantia em dinheiro.
Acontece que essa relação jurídica somente ingressa no mundo do direito por
meio da linguagem competente. O direito não tem como escapar do cerco da
linguagem. Assim, de acordo com a ocorrência de um evento deve ser a aplicação da
norma que resultará na norma individual e concreta, que, por sua vez, constitui o
fato e a relação jurídica de débito do Fisco. A norma percorrerá todo o processo de
positivação do direito, partindo de normas gerais e abstratas até atingir os máximos
níveis de individualização e concretização.
Desse modo, deve existir uma norma geral e abstrata descrevendo um fato
jurídico e que, se comprovada a sua ocorrência no mundo fenomênico por meio das
provas em direito admitidas, ensejará a relação jurídica de débito tributário. É pelo
152
ato de produção de normas que exsurge a relação jurídica de débito do Fisco
intranormativa, composta pelos sujeitos individualizados e com o valor a ser pago
determinado.
8.2 As relações de débito do Fisco
Percorrendo o direito positivo, há, pelo menos, quatro fatos jurídicos
suficientes para o nascimento de relações em que o Fisco figura como sujeito passivo:
(i) o pagamento indevido; (ii) certas aquisições nos tributos não-cumulativos; (iii) a
antecipação do pagamento (retenção na fonte); e (iv) o reembolso dos empréstimos
compulsórios. Cada fato decorre de um fluxo normativo; são cadeias de positivação
do direito distintas que ensejam normas individuais e concretas cujo vínculo jurídico
consiste no dever que o Fisco possui de entregar uma quantia em dinheiro para o
contribuinte.
8.3 A relação de débito do Fisco nos tributos não-cumulativos
A Constituição Federal estabelece quatro tributos com técnicas de apuração
que permitem classificá-los como não-cumulativos: ICMS, IPI, PIS e COFINS
330
. A
criação de um tributo não-cumulativo visa evitar a chamada cobrança “em cascata”,
determinando apenas uma incidência do tributo por etapa da operação.
Para se atingir a não-cumulatividade, há a técnica de compensação dos
tributos devidos nas anteriores aquisições de bens e serviços com aqueles incidentes
nas operações e serviços praticados pelo contribuinte. Em que pese existam duas
técnicas distintas, uma para apurar o PIS e a COFINS e outra para definir o
330
Confira os artigos 153, § 3º, II; 155, § 2º, I; e 195 § 12, todos da Constituição Federal.
153
recolhimento do IPI e do ICMS
331
, entende-se que é possível determinar uma teoria
geral da não-cumulatividade comum a todos os tributos. Por isso, passa-se a analisar
de modo unitário a não-cumulatividade apenas para fins de se especificar a relação
de débito do Fisco nesses casos.
Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, tratando do ICM na Constituição
anterior, descreveram a apuração da não-cumulatividade da seguinte maneira: “O
esquema constitucional, portanto ao mencionar ‘abatimento’ pode ser visto como
um processo matemático de dedução no qual, por imposição constitucional, o
montante de ICM devido é o ‘minuendo’, e o montante de ICM anteriormente
cobrado é o ‘subtraendo’”
332
. Tal operação matemática pode ser visualizada em todas
as espécies tributárias sujeitas à não-cumulatividade.
A fenomenologia da não-cumulatividade pode ser traçada com a incidência
de três normas jurídicas: (i) a regra-matriz do tributo (ICMS, IPI, PIS e COFINS); (ii) a
norma que determina a relação efectual de débito do Fisco; e (iii) a norma jurídica
que determina a compensação entre o tributo e o débito. Em suma, “na entrada
tributada no estabelecimento nascerá um débito para o Fisco e um crédito para o
contribuinte, e na saída tributada um crédito para o Fisco e um débito para o
contribuinte”
333
.
Com relação ao PIS e a COFINS, já se escreveu:
A forma de apuração do PIS/COFINS não-cumulativo deve se dar
com o cotejo entre débito e crédito. podemos identificar duas
relações jurídicas presentes: i) a utilizada para apurar o valor do
débito (art. 1º, § c.c. art. 2º, das Leis 10.637/02 e 10.833/03); e ii) a
que gera o direito ao crédito (art. da Lei 10.637/02 e da Lei
10.833/03). Após a determinação desses valores (débito e crédito)
teremos uma terceira relação jurídica que identificará o valor do
tributo a ser recolhido, mediante o cotejo do débito com o crédito (art.
3º, caput, das Leis 10.637/02 e 10.833/03). Esta relação origina uma das
situações: (a) ou o valor do crédito é maior e utiliza-se o restante em
331
Nesse sentido: Fabiana Del Padre TOMÉ, Natureza jurídica da “não-cumulatividade” da contribuição ao
PIS/PASEP e da COFINS: conseqüências e aplicabilidade, PIS COFINS: Questões atuais e polêmicas, p. 544;
Ricardo Lobo TORRES, A não-cumulatividade no PIS/COFINS, PIS – COFINS: Questões atuais e polêmicas, p. 61-
62.
332
ICM – Abatimento constitucional – Princípio da não-cumulatividade, Revista de direito público, n. 29-30, p. 117.
333
Christine MENDONÇA, A não-cumulatividade do ICMS, p. 94.
154
operações posteriores; (b) ou o valor do débito é maior e recolhe-se a
diferença; (c) ou os valores são idênticos e não há importância a
recolher nem crédito a manter
334
.
Percebe-se, portanto, que a não-cumulatividade tem três eixos de positivação
de normas, que se encerram com normas individuais e concretas, que constituem a
relação de crédito; a relação de débito do Fisco e a relação de compensação entre
crédito e débito.
Apesar de serem consideradas duas técnicas distintas, uma para apuração do
PIS e da COFINS e outra para o IPI e o ICMS, é evidente que em ambas
necessariamente a presença do processo de positivação da norma que garante o
direito subjetivo ao contribuinte de exigir do Fisco um valor que pode surgir do fato
jurídico de adquirir mercadorias tributadas pelo IPI e pelo ICMS
335
e do fato da
aquisição de bens, serviços e insumos, no caso do PIS e da COFINS
336
. É, porém, com
a formalização das normas gerais e abstratas, cujo conteúdo descreve
conotativamente esses fatos suficientes, que nasce a relação de débito do Fisco.
Assim, ocorrendo esses fatos no mundo fenomênico e havendo a expedição
da linguagem competente, surge a relação intranormativa, em que o Fisco figura
como sujeito passivo com o dever de restituir certa importância ao contribuinte.
Ressalte-se que a extinção dessas relações jurídicas ocorre, em regra, pela
compensação, como técnica para se atingir a não-cumulatividade dos tributos.
8.4 A relação de débito do Fisco nos casos de retenção na fonte
Tem sido rotineira a inserção de enunciados prescritivos em nosso
ordenamento jurídico determinando o recolhimento antecipado dos tributos. É a
334
Tiago Cappi JANINI, PIS/Cofins: análise acerca da possibilidade de crédito nas operações com entrada ou
saída sem tributação. Aplicação à Zona Franca de Manaus, Revista dialética de direito tributário, n. 123, p. 81.
335
Cf. Christine MENDONÇA, A não-cumulatividade do ICMS, p. 137 et seq.
336
Cf. Fabiana Del Padre TOMÉ, Natureza jurídica da “não-cumulatividade” da contribuição ao PIS/PASEP e da
COFINS: conseqüências e aplicabilidade, PIS – COFINS: Questões atuais e polêmicas, p. 549-50.
155
chamada retenção na fonte. Essa forma trata de antecipação do tributo que poderá ser
abatida na sua apuração final. É o que ocorre, por exemplo
337
, com o imposto de
renda e com as contribuições sociais PIS, COFINS e CSLL.
Para fins do presente trabalho, tratar-se-á da retenção na fonte de forma
genérica, apenas para demonstrar o nascimento de uma relação de débito do Fisco
nessas situações. Alerta-se que tal sistemática é sobremodo complexa, coexistindo
diversos eixos de positivação de normas. Por isso, uma análise detalhada da retenção
na fonte fugiria aos propósitos desta dissertação
338
. Nesse sentido, afirma Julia de
Menezes Nogueira sobre o imposto de renda: “O legislador ordinário, tendo presente
sua liberdade para instituir diversas regras-matrizes de incidência tributária de
imposto sobre a renda, criou um intricado conjunto de normas relacionadas entre si,
com a finalidade de exercer de modo exaustivo sua competência tributária”
339
.
Percebe-se que essa fenomenologia, vista de forma sintética
340
, prevê a
existência de uma norma geral e abstrata que dará origem a uma cadeia normativa se
encerrando com a norma individual e concreta da retenção, e a possibilidade,
autorizada pelo direito, de se compensar o valor retido com o tributo.
A relação de débito do Fisco surge com a incidência da norma geral e
abstrata da retenção. Essa norma pode ser assim descrita: dado o fato de se efetuar
pagamentos, instaurar-se-á a relação jurídica em que a fonte pagadora deverá pagar
ao Estado tributo incidente sobre o montante dos valores pagos, de acordo com
certas alíquotas. É com a formalização dessa norma por linguagem competente que
surge o débito do Fisco.
337
Deve-se alertar que há outras formas de retenção previstas no sistema jurídico tributário.
338
Para um maior aprofundamento acerca do tema, sugere-se: Julia de Menezes NOGUEIRA, Imposto sobre a renda
na fonte, Aldo de PAULA JUNIOR, O perfil da retenção na fonte da COFINS, do PIS e da CSLL instituídas pela
Lei 10.833/2003 – natureza e efeitos, PIS – COFINS: questões atuais e polêmicas, p. 509-534.
339
Imposto sobre a renda na fonte, p. 125.
340
Diz-se de forma sintética, porque incidência de mais normas, originando outras relações jurídicas. Aldo de
PAULA JUNIOR encontrou as seguintes: “i) relação jurídica de substituição entre o tomador e a União; ii) relação
jurídica tributária entre o prestador e a União que tem por objeto o pagamento de tributo; iii) relação jurídica
entre o tomador e o prestador (que tem por objeto a retenção); iv) relação jurídica entre o prestador e a União que
tem por objeto o direito de compensação do valor retido pelo tomador”. O perfil da retenção na fonte da COFINS,
do PIS e da CSLL instituídas pela Lei 10.833/2003natureza e efeitos, PIS – COFINS: questões atuais e polêmicas,
p. 522.
156
Ao sofrer a retenção, o contribuinte tem o direito subjetivo de exigir do Fisco
o valor da importância retida conforme a apuração do tributo. É outro eixo de
positivação de normas que culmina com a produção de uma norma individual e
concreta cuja relação jurídica estabelece a compensação com o tributo apurado ao
final de certo período.
Assim, se o contribuinte sofrer retenção sobre pagamentos recebidos, terá
direito de compensar com o tributo devido o montante retido. O fato jurídico que
ensejo à relação de débito do Fisco é sofrer retenção. Essa relação é extinta por meio da
compensação com o tributo devido no final de um período de apuração. É o que se
extrai das lições de Julia Nogueira: A legislação pertinente evita a sobreposição de
incidências, seja mediante enunciados que excluem das respectivas bases de cálculo
os rendimentos tributados na fonte, seja através de norma que permite o crédito do
tributo retido contra aquele que se tornará devido em virtude de outra regra-matriz
(Normas de Crédito)”
341
.
É evidente que, para cada tributo sujeito à retenção na fonte, haveregras-
matrizes próprias e específicas cadeias normativas. Apenas traçou-se, de forma
genérica e simplória, um paradigma da constituição da relação de débito do Fisco
nos casos em que ocorre a retenção na fonte.
8.5 A relação de débito do Fisco nos empréstimos compulsórios
O empréstimo compulsório é considerado pela doutrina
342
e pela
341
Imposto sobre a renda na fonte, p. 186.
342
Nesse sentido confira: Eurico de SANTI, Classificações no sistema tributário, Justiça Tributária, p. 143; José
Eduardo Soares de MELO, Curso de direito tributário, p. 69; Márcio Severo MARQUES, Classificação constitucional
dos tributos, p. 192; Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 32; Roque Antonio CARRAZZA,
Curso de direito constitucional tributário, p. 480; Alfredo Augusto BECKER, Teoria geral do direito tributário, p. 394.
157
jurisprudência
343
como uma espécie de tributo. Tem como peculiaridade a previsão
de restituição da quantia arrecadada, conforme expressamente prevê o parágrafo
único do art. 15 do CTN. Márcio Severo Marques destaca que os empréstimos
compulsórios têm as seguintes características:
(i) não exigência constitucional de vinculação da materialidade do
antecedente normativo (hipótese tributária) a uma atuação por parte
do Estado, referida ao contribuinte, e (ii) exigência constitucional
de previsão legal de destinação específica para o produto de sua
arrecadação; e (iii) exigência constitucional de previsão legal de
restituição do produto arrecadado ao contribuinte, ao cabo de
determinado período
344
.
Na fenomenologia dos empréstimos compulsórios, duas incidências se
destacam: a do pagamento do tributo e a da restituição do montante pago. Já afirmou
Alfredo Augusto Becker a existência dessas relações, descrevendo-as do seguinte
modo: A primeira relação jurídica é de natureza tributária: o sujeito passivo é um
determinado indivíduo e o sujeito ativo é o Estado. A segunda relação jurídica é de
natureza administrativa: o sujeito ativo é aquele indivíduo e o sujeito passivo é o
Estado”
345
.
Desse modo, primeiro deve ocorrer o processo de positivação da regra-
matriz do empréstimo compulsório, com a formalização da relação jurídica
intranormativa em que o Fisco tem o direito de exigir do contribuinte uma quantia
em dinheiro. Para extinguir essa relação jurídica, o sujeito passivo deve realizar o
pagamento do tributo.
Com a concretização da regra-matriz do empréstimo compulsório e seu
efetivo pagamento, nasce outra relação, em que o Fisco figura no pólo passivo com o
343
O STF tem admitido a submissão do empréstimo compulsório às normas gerais de direito tributário, conforme
se extrai dos julgados RE 111.954 e RE 146.615. O min. Celso de Melo, no seu voto no RE 146.615 afirma: “Não
hesito em reconhecer que a figura do empréstimo compulsório, em nosso sistema jurídico-constitucional, assume
a qualificação de inquestionável espécie de ordem tributária, submetendo-se, em conseqüência, aos modelos
normativos que, inscritos no texto da Constituição, definem, regulam e limitam o exercício, pelo Estado, do seu
poder de tributar. (...) Torna-se digno de nota o registro de que também a orientação jurisprudencial do Supremo
Tribunal Federal, inclinando-se na linha desse magistério doutrinário, tem identificado, na figura do empréstimo
compulsório, uma pica modalidade tributária que se sujeita, por isso mesmo, ao regime jurídico-constitucional
inerente aos tributos em geral”.
344
Classificação constitucional dos tributos, p. 192.
345
Teoria geral do direito tributário, p. 395.
158
dever de restituir ao contribuinte o valor pago anteriormente. Aqui tem-se mais uma
relação de débito do Fisco, decorrendo do fato jurídico do pagamento do empréstimo
compulsório. Roque Carrazza assevera que “ao pagar o empréstimo compulsório,
nasce para o contribuinte o direito subjetivo de reaver a quantia recolhida. Em
contrapartida, surge para a União o dever jurídico de restituir o que recebeu,
observados, evidentemente, os prazos e as condições de resgate estipulados na lei
que instituiu o gravame”
346
.
Assim, constituído o fato jurídico do pagamento de empréstimo
compulsório, exsurge a relação jurídica intranormativa de débito do Fisco, que tem o
contribuinte (aquele que pagou o empréstimo compulsório) como sujeito ativo, com
o direito subjetivo de exigir a devolução do valor recolhido do Fisco, que tem o dever
jurídico de restituir a importância recolhida.
8.6 O pagamento indevido e a relação de débito do Fisco repetição
Para fins do presente trabalho, importa essa última relação. Por isso, dedicar-
se-á mais espaço para o estudo de sua normativa. O surgimento da relação de débito
do Fisco pressupõe a ocorrência de um fato jurídico com a incidência da norma geral
e abstrata. Sem o seu acontecimento no mundo fenomênico, não aplicação do
direito e, por conseguinte, não existe a produção da norma individual e concreta que
constitui a relação jurídica.
A norma individual e concreta, inserida no sistema pelo veículo introdutor
lançamento tributário ou pelo autolançamento, tem de observar estritamente o
prescrito nas normas superiores, gerais e abstratas, que lhe servem de fundamento de
validade. Existindo qualquer incompatibilidade nesse cotejo e tendo sido
concretizado o pagamento pelo contribuinte ou responsável, existirá o direito
subjetivo à restituição daquilo que foi indevidamente pago. O contribuinte tem o
346
Curso de direito constitucional tributário, p. 487.
159
direito de ser tributado com base em normas perfeitamente compatíveis com o
sistema jurídico.
Alguns doutrinadores defendem que o pagamento de tributo indevido não é
pagamento de tributo, mas simplesmente prestação indevida, por isso o se falaria
em indébito tributário. Ricardo Lobo Torres é dessa opinião, pois “Para que haja
tributo, portanto, é necessário que a lei o tenha instituído e que a autoridade
administrativa proceda ao lançamento de acordo coma norma preexistente. Se o
cidadão recolhe uma importância não prevista em lei ou exigida pela autoridade
administrativa em desconformidade com a lei, aquele prestação não será tributo, mas
erro, violência, engano, excesso, em suma, prestação de fato
347
.
Entretanto, ao ser inserida uma norma individual e concreta no sistema
determinando o pagamento de um tributo, ela é presumidamente válida, pertencente
ao sistema jurídico tributário, mesmo quando produzida em desconformidade com
as normas superiores. O tributo se torna indevido quando sobrevier norma
individual e concreta que assim o qualifique. “’Tributo indevido’ só haverá após a
expulsão da norma tributária relativamente válida do Sistema Tributário Brasileiro.
Antes, tem-se simplesmente tributo, cobrado por força de norma válida”
348
.
O fato jurídico do pagamento indevido faz surgir a relação jurídica de débito
do Fisco repetição
349
. Aqui é preciso uma norma geral e abstrata que contenha em seu
antecedente as notas que o evento precisa possuir para pertencer ao conjunto dos
fatos jurídicos pagamento indevido. Essa norma é construída com fundamento no
texto do artigo 165 do CTN
350
. É a regra-matriz de repetição do indébito.
347
Restituição dos tributos, p. 31. Gabriel TROIANELLI também entende que “Se a prestação exigida a título de
tributo for ilegal, não será tributo”, Compensação do indébito tributário, p. 12. Luciano AMARO afirma que “na
restituição (ou repetição) do indébito, não se cuida de tributo, mas de valores recolhidos (indevidamente) a esse
título”, Direito tributário brasileiro, p. 419.
348
Marcelo Fortes de CERQUEIRA, Repetição do indébito tributário, p. 240.
349
Expressão utilizada por Christine MENDONÇA, A não-cumulatividade do ICMS, p. 58.
350
Consoante alerta Marcelo Fortes de CERQUEIRA, como toda norma deve procurar seu fundamento de
validade na Constituição Federal em razão da estrutura escalonada do direito, a norma que garante a restituição
está fundamentada no princípio da estrita legalidade tributária, Repetição do indébito tributário, p. 308.
160
8.6.1 A regra-matriz de repetição do indébito
Construindo a regra-matriz de repetição, tem-se seu antecedente composto
por enunciados conotativos, que se referem às situações cticas do pagamento
indevido; são os elementos caracterizadores dos fatos jurídicos pagamento indevido.
O conseqüente prescreve a conduta de o contribuinte exigir o indébito, uma relação
jurídica efectual. Com isso, a regra jurídica pode ser estruturada desta forma: dado o
fato de ter ocorrido o pagamento indevido em determinado local e dia; deve ser a
relação jurídica de o contribuinte exigir do Fisco a restituição do tributo
indevidamente pago. É o pensamento de Marcelo Fortes de Cerqueira, para quem a
“regra-matriz de repetição do indébito demarca abastratamente no antecedente o
evento do ‘pagamento indevido’ e define formalmente no conseqüente os termos e o
objeto da relação jurídica de devolução do indébito efectual”
351
.
O comportamento humano regulamentado nessa norma é o “pagamento
indevido”. A definição conotativa desse evento esno antecedente da regra-matriz
de repetição. Esse pagamento efetuado pelo contribuinte, num primeiro momento, é
válido e eficaz, porquanto realizado com base em norma individual e concreta posta
no sistema, que pode ser invalidável, pois produzida em desconformidade com as
regras do sistema tributário. As normas inseridas no sistema jurídico são
presumidamente válidas, sendo passíveis de invalidação por meio da produção de
outra norma de igual ou superior hierarquia
352
. Por isso, Marcelo Fortes de Cerqueira
afirma que pagamento indevido “é expressão elíptica empregada para significar
pagamento (devido) realizado com fulcro em norma tributária individual e concreta
portadora de validade apenas relativa”
353
.
Desse modo, pagamento indevido, como suporte fáctico da obrigação
efectual de repetição, pode ser definido como a conduta realizada pelo contribuinte
de entregar uma soma em dinheiro aos cofres públicos, com base em norma
351
Repetição do indébito tributário, p. 312.
352
Cf. Capítulo 4, item 4.5.1.
353
Repetição do indébito tributário, p. 319.
161
individual e concreta irregularmente inserida no sistema por motivos formais ou
materiais.
Alerte-se que é preciso, mais uma vez, a presença do ser humano aplicando a
norma geral e abstrata (regra-matriz) do débito do Fisco repetição. Não basta a
simples ocorrência do evento do pagamento indevido
354
; para nascer a relação de
débito do Fisco repetição, é necessária a produção de uma norma individual e
concreta. A produção dessa norma requer outra norma geral e abstrata determinando
o procedimento a ser percorrido pelo emissor da mensagem. Assim, para se inserir
norma individual e concreta que constitua o débito do Fisco, é necessária a
observação das normas de estrutura que regulamenta a atividade produtora. É o
direito positivo ordenando o procedimento a ser seguido.
8.6.2 Hipóteses de constituição do débito do Fisco repetição
Para se constituir o débito do Fisco repetição, tem-se de realizar o ato de
aplicação, vertendo em linguagem competente a relação de débito do Fisco repetição,
formalizando os seus sujeitos e seu objeto, bem como o fato do pagamento indevido
que serve de fundamento para a sua implicação. É com a norma individual e
concreta que se constitui o fato jurídico do pagamento indevido e se determina o
valor a ser restituído pelo Fisco ao contribuinte.
Esse ato ponente da norma individual e concreta do pagamento indevido
pode ser elaborado pela autoridade administrativa, pelo Judiciário e pelo próprio
contribuinte. Eurico de Santi encontrou quatro veículos normativos que formalizam
o débito do Fisco repetição: (i) a decisão final em processo administrativo; (ii) a
decisão final em processo judicial; (iii) o ato-norma administrativo de invalidação do
354
Marcelo Fortes de CERQUEIRA também faz a distinção entre o evento do pagamento indevido e o fato do
pagamento indevido, “o primeiro consiste num acontecimento do mundo sensível, ao passo que o segundo reside
num articulado de linguagem que, referindo-se ao evento, existência jurídica formal ao mesmo”, Repetição do
indébito tributário, p. 325.
162
lançamento; e (iv) a norma produzida pelo contribuinte, que efetua a apuração do
débito do Fisco
355
.
A decisão em processo administrativo favorável ao contribuinte insere no
sistema jurídico uma norma individual e concreta, expedida pela autoridade
administrativa, que descreve, no antecedente, o fato jurídico do pagamento indevido
e, no conseqüente, estabelece a relação de débito do Fisco. Seu fundamento de
validade está previsto no art. 165, III, do CTN.
Outro procedimento usado é aquele que insere uma norma individual e
concreta por ato da autoridade judiciária. É mais conduta de produção de normas
contendo, no antecedente, o fato do pagamento indevido e, no conseqüente, a relação
de débito do Fisco repetição. O emissor é que se altera, no caso o Poder Judiciário.
Também o ato-norma administrativo de invalidação do lançamento é uma
forma de se emitir uma nova mensagem jurídica determinando o direito subjetivo
que possui o contribuinte em face de um pagamento indevido realizado. Esse ato
visa alterar o ato-norma de lançamento inserido no sistema jurídico em razão de
possuir algum vício formal ou material na sua constituição. Conforme afirma Eurico
de Santi, “a alteração do ato-norma de lançamento pressupõe a edição de outra
norma que o substitua ou que o invalide”
356
. De acordo com o art. 145 do CTN, esse
ato de invalidação é motivado por impugnação do sujeito passivo, recurso de ofício
ou iniciativa de ofício da própria Administração.
Por fim, pode o direito positivo autorizar o contribuinte a editar uma norma
individual e concreta constituindo o fato jurídico do pagamento indevido e a relação
de débito do Fisco repetição. É o que se pode extrair do disposto no parágrafo único
do art. 170 do CTN, permitindo ao contribuinte efetuar a apuração do débito do Fisco
para fins de compensação.
Note-se que o direito positivo prescreve diversos fluxos normativos sempre
se encerrando com a produção de uma norma individual e concreta apta a constituir
355
Decadência e prescrição no direito tributário, p. 141 e 142.
356
Lançamento tributário, p. 268.
163
o débito do Fisco. São processos distintos de produção normativa, cada um com suas
peculiaridades, mas cuja norma final, aquela mais próxima ao mundo do ser, contém
uma relação jurídica intranormativa que estabelece ao contribuinte o direito subjetivo
de exigir do Fisco a restituição do valor pago indevidamente.
São quatro procedimentos previstos por normas de estrutura que
regulamentam as ações humanas de produção de normas, se encerrando com o
veículo introdutor de normas. Vale ressaltar que o enunciado-enunciado presente no
documento normativo do veículo introdutor é que servirá de suporte para a
construção da norma individual e concreta do débito do Fisco. Com essa norma se
encerra mais um fluxo normativo do direito.
8.6.3 A extinção da relação de débito do Fisco
Com a norma individual e concreta inserida no sistema, fica formalizada a
relação de débito do Fisco. Diante disso, o contribuinte tem duas opções: exercer seu
direito subjetivo de exigir do Fisco a restituição do valor pago indevidamente ou
simplesmente ficar inerte e não realizar o direito que possui. É, portanto, a partir do
reconhecimento formal (linguagem) da ocorrência do evento do pagamento indevido
que surge o direito do contribuinte à restituição.
Caso escolha a primeira opção, ter-se-á início mais um eixo de positivação de
normas. Trata-se da fenomenologia da extinção da relação de débito do Fisco. O
direito positivo escolheu dois procedimentos que podem ser usados para dar fim à
relação de bito do Fisco repetição formalmente constituída, o pagamento ou a
compensação. Observe que, caso o contribuinte não manifeste seu direito subjetivo,
haverá a extinção da relação de débito do Fisco pela decadência ou prescrição.
Paulo Cesar Conrado alerta que ambas as situações (pagamento e
compensação) são concorrentes em virtude de possuírem objetivos idênticos,
cabendo ao contribuinte optar por apenas uma: ou a repetição ou a compensação. Eis
164
seus dizeres:
Deveras, tomando-se em consideração o regime de concorrência que se
hospeda entre tais institutos, é natural que o sistema imponha ao
titular do direito subjetivo de que se está cuidando o dever de optar
por outro caminho, providência que se espera seja executada para
que se encerre o próprio regime (de concurso, de concorrência), em
virtude do qual o sistema do direito positivo, embora o preveja, não
reserva tolerância desmedida, eterna, até porque prestigia, acima de
tudo, a idéia de segurança
357
.
Percebe-se a presença de duas cadeias de normas cuja finalidade é extinguir
a relação de débito do Fisco. Cada eixo de positivação possui suas peculiaridades,
com procedimentos próprios previstos em normas de estrutura. Ambas têm a mesma
finalidade: a restituição do pagamento indevido ao contribuinte.
Até o momento empregou-se as palavras restituição e repetição sem qualquer
critério. Porém, é preciso elucidá-las. Paulo Cesar Conrado utiliza a expressão
restituição do indébito tributário para designar o gênero que abrange as espécies
compensação e a repetição
358
. Analisando a monografia de Marcelo Fortes de
Cerqueira, Repetição do indébito tributário, pode-se concluir que ele usa essa expressão
para designar o direito do contribuinte à devolução daquilo indevidamente pago,
segregando as formas de sua extinção em pagamento e compensação
359
.
Elucidando a opção adotada neste trabalho, ter-se-á repetição ou restituição em
sentido amplo sempre que houver o direito subjetivo de o contribuinte exigir o
tributo indevidamente pago. A extinção dessa relação jurídica, ou seja, a devolução
do tributo pago indevido, pode se dar pela compensação ou pelo pagamento
(repetição ou restituição em sentido estrito). Percebe-se que se usarão os termos como
sinônimos, explicitando-os pelo sentido amplo ou estrito, conforme o seu emprego.
A extinção pela via do pagamento decorre da positivação de um eixo de
normas contendo o procedimento específico a ser seguido pelo contribuinte com a
finalidade de exercer o seu direito de receber o que pagou indevidamente em
357
Compensação e processo, p. 116. Para o autor repetição é a extinção pela via do pagamento.
358
Ibid. p. 116.
359
Repetição do indébito tributário, p. 309 et seq.
165
pecúnia. A sua norma geral e abstrata pode ser construída com fundamento nos
enunciados prescritivos contidos no art. 66, § 2º da Lei 8.383/91.
Diante de um débito do Fisco formalmente constituído, o contribuinte pode
movimentar uma cadeia de normas, exigindo o pagamento do recolhido
indevidamente a tulo de tributo. Acontece que essa forma de extinção do débito do
Fisco tem suas regras específicas por se tratar de uma despesa blica. É o
ensinamento de Marcelo Fortes de Cerqueira: “O pagamento sub examine constitui-se
numa despesa pública; como tal, deve inexoravelmente, vir precedido das fases
pertinentes à efetivação de toda e qualquer despesa pública”
360
. Por isso, quando se
tratar de débito reconhecido e apurado judicialmente, o pagamento realizar-se-á por
meio de precatórios, de acordo com o art. 100 da CF.
Entretanto, é somente com a norma individual e concreta do pagamento que
o Fisco extingue seu débito para com o contribuinte. Em outras palavras, a relação de
débito do Fisco é extinta com a produção de outro enunciado normativo: a norma
individual e concreta do pagamento.
No que tange à extinção pela compensação, mais espaço lhe será dedicado,
estudando-a com maior afinco em capítulo próprio.
8.6.4 O tributo indevido, a penalidade pecuniária indevida e a correção monetária
Muitas vezes a obrigação tributária é cumprida pelo contribuinte com o
acréscimo de penalidades pecuniárias, como juros e multas. Assim, não é somente o
pagamento indevido que pode ser restituído. Uma vez considerado indevido o valor
pago a título de tributo, também são indevidas as penalidades pecuniárias impostas
em sua decorrência.
O objeto da restituição não deve se ater apenas ao tributo indevido; o direito
subjetivo do contribuinte atinge também a devolução das penalidades pecuniárias
360
Repetição do indébito tributário, p. 428.
166
pagas indevidamente, ou seja, o Fisco tem o dever de ressarcir as multas e juros
cobrados de forma indevida.
A norma geral e abstrata que estipula a devolução das penalidades
indevidamente pagas é elaborada a partir do texto do art. 167 do CTN, que
prescreve: “A restituição total ou parcial do tributo lugar à restituição, na mesma
proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a
infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição”.
A questão que surge refere-se à atualização do débito do Fisco desde o
momento da ocorrência do evento do pagamento indevido até o tempo em que for
restituído o valor pago indevidamente. Percebe-se a existência de dois marcos
temporais: (i) a ocorrência do evento do pagamento indevido (tempo no fato
361
); e (ii)
o momento da restituição do pagamento indevido, quando se dá a extinção da
relação de débito do Fisco. Desde o pagamento indevido até o fato jurídico da
restituição, decorre um lapso temporal, pois nesse período deve se dar a positivação
de pelo menos dois eixos normativos: (i) o da constituição do fato jurídico do
pagamento indevido; e (ii) o da repetição ou compensação do débito tributário
constituído. Desse modo, questiona-se se deve haver a atualização do tributo pago
indevidamente do momento de seu acontecimento até a restituição.
A Lei 9.250/96, art. 39, § 4º, instituiu a incidência da Selic na compensação ou
restituição em sentido estrito do indébito tributário. Sobreveio a Lei 9.532/97, no art.
73, especificando que o termo inicial para o cálculo dos juros é o mês subseqüente ao
do pagamento indevido ou a maior que o devido.
Está claro que o valor pago a título de tributo indevido deve ser restituído
atualizado monetariamente. Mas, qual é o marco inicial? A dúvida surge porque o
termo pagamento indevido é usado para designar o evento e o fato jurídico
362
. Assim, a
atualização deve ocorrer a partir do momento da constituição do fato jurídico
tributário pela linguagem jurídica competente (tempo do fato) ou com a ocorrência
361
Sobre a distinção tempo do fato/tempo no fato veja Capítulo 6, item 6.3.1.1.
362
Ver item 8.6.1 deste Capítulo.
167
do evento no mundo fenomênico (tempo no fato)?
Como foi dito, há quatro procedimentos para a constituição do fato
jurídico do pagamento indevido: (i) a decisão final em processo administrativo; (ii) a
decisão final em processo judicial; (iii) o ato-norma administrativo de invalidação do
lançamento; e (iv) a norma produzida pelo contribuinte, que efetua a apuração do
débito do Fisco. Todos esses atos são produtores de normas individuais e concretas
que determinam a relação de débito do Fisco repetição e constituem o fato jurídico
do pagamento indevido. Antes, teria ocorrido o evento do pagamento indevido. É
a dualidade tempo do fato/tempo no fato. O momento em que ocorreu o evento é o
tempo no fato. o tempo do fato é o instante em que a norma individual e concreta
ingressa no sistema jurídico.
Consoante se afirmou, o fato jurídico é um enunciado descritivo de um
evento que ocorreu no passado. Refere-se, portanto, aos eventos comprovados
mediante as provas admitidas pelo direito. Desse modo, o pagamento indevido deve
ser atualizado desde o instante de sua ocorrência no mundo fenomênico, e não
quando ingressa para o mundo do direito. Inclusive, parece ser essa orientação do
STJ ao utilizar a expressão recolhimento indevido para identificar o termo inicial da
atualização monetária
363
.
No caso de pagamento indevido dos juros e das penalidades pecuniárias,
esses também são restituídos corrigidos monetariamente desde o momento do
evento pagamento indevido. Transcreve-se a posição do STJ sobre o tema:
363
A orientação prevalente no âmbito da Seção firmou-se no sentido do paradigma, podendo ser sintetizada
da seguinte forma: (a) antes do advento da Lei 9.250/95, incidia a correção monetária desde o pagamento
indevido até a restituição ou compensação (Súmula 162/STJ), acrescida de juros de mora a partir do trânsito em
julgado (Súmula 188/STJ), nos termos do art. 167, § único, do CTN; (b) após a edição da Lei 9.250/95, aplica-se a
taxa SELIC desde o recolhimento indevido, ou, se for o caso, a partir de 1º.01.1996, não podendo ser cumulada,
porém, com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque a SELIC inclui, a um
tempo, o índice de inflação do período e a taxa de juros real.” (EREsp. 267.080/SC, Rel. Min. Teori Albino
Zavascki, julgado em 22.10.2003, DJ 10.11.2003, p. 150 grifo nosso). Trecho do voto do Min. José Delgado no
EREsp. 72.479/SP deixa claro ao estabelecer o entendimento prevalente nesta Corte de Justiça no sentido de ser
devida a correção monetária a partir do desembolso”.
168
TRIBUTÁRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA INCIDENTE SOBRE
MULTA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO.
1. A correção monetária incide sobre o valor da multa recolhida
indevidamente, sob pena de enriquecimento ilícito da Fazenda
Pública.
2. "A correção monetária não se constitui em um plus; não é uma
penalidade, sendo, tão-somente, a reposição do valor real da moeda,
corroído pela inflação. Portanto, independe de culpa das partes
litigantes" (Primeira Turma, AgRg no REsp. 258.039/PR, relator
Ministro José Delgado, DJ de 23.10.2000).
3. Recurso especial improvido. (REsp 525.402/SC, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, julgado em 17.10.2006, DJ 07.12.2006, p. 284).
Asssim, tanto o pagamento indevido de tributos como o pagamento indevido
de multas ensejam a sua restituição, ambas corrigidas monetariamente desde o
evento, mediante provocação do contribuinte.
169
9 TEORIA GERAL DA COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA
9.1 Definição do conceito de compensação
A palavra compensação significa equilíbrio, igualdade, proporção
364
. Maria
Helena Diniz apresenta a etimologia do termo, derivado do substantivo latino
compensatio, onis, cujo significado é compensação, balança, remuneração. Esse
substantivo, por sua vez, se origina dos verbos compensare e compendere, que têm
como prefixo a preposição com, no sentido de pesar com, pesar ao mesmo tempo nos
pratos de uma balança
365
. É empregada no direito positivo e na ciência do direito com
significados distintos: fato, norma, relação jurídica, procedimento, veículo introdutor,
etc. Sabe-se que o art. 156 do CTN elegeu a compensação como forma de extinção da
obrigação tributária. Todavia, importa saber qual a acepção para o vocábulo
compensação de que legislador do código se valeu.
A doutrina geralmente define compensação como o encontro de contas entre
pessoas que são, ao mesmo tempo, credoras e devedoras umas das outras
366
. se
emprega a palavra como o fato jurídico que determina a extinção da obrigação
tributária
367
.
O art. 156 do CTN elege a compensação como uma das formas de extinção da
obrigação tributária. Porém, a compensação em que sentido? O fato jurídico da
compensação? A relação jurídica da compensação? A norma da compensação?
Conforme as premissas adotadas no presente trabalho, é somente com uma norma
individual e concreta que haverá a extinção do vínculo tributário
368
.
364
Caldas AULETE, Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, p. 871
365
Curso de direito civil brasileiro, p. 297-8.
366
JoEduardo Soares de MELO, Curso de direito tributário, p. 251; Orlando GOMES, Obrigações, p. 129; Hugo de
Brito MACHADO, Curso de direito tributário, p. 232; Ruy Barbosa NOGUEIRA, Curso de direito tributário, p. 315;
Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro, p. 298.
367
Cf. Eurico de SANTI, Compensação e restituição de “tributos”, Repertório IOB de jurisprudência, n. 03, p. 68.
368
Capítulo 7, item 7.1.
170
Para ocorrer a extinção de uma relação jurídica, deve-se emitir uma nova
mensagem jurídica, ou seja, produzir outra norma individual e concreta que
contenha essa finalidade. A extinção não ocorre automática e infalivelmente. Por isso,
entende-se que o legislador do CTN empregou o termo compensação no sentido de
norma individual e concreta cuja finalidade é suprimir a obrigação tributária do
ordenamento.
Registre-se que o contexto
369
será um elemento útil para se identificar qual o
uso da expressão compensação tributária. Para efeitos desta dissertação, sempre que
possível buscar-se-á elucidar em qual sentido está se empregando a locução.
9.2 Espécies de compensação
A compensação é um instituto que surgiu no âmbito civil, como forma de
extinção das obrigações em geral. O Código Civil de 2002, no art. 368, trata da
compensação: “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da
outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. Motivo que
levou a doutrina civilista, a tempo, enfrentar os problemas relativos ao fenômeno da
compensação.
Buscando identificar as espécies de compensação, os estudiosos do Direito
Civil encontram as seguintes classes: a) compensação legal, que possui efeitos que
operam de pleno direito; b) compensação judicial, quando declarada pelo Poder
Judiciário; c) compensação voluntária ou convencional, decorrente de acordo entre as
partes
370
.
Com base nessa classificação, os tributaristas enquadram a compensação
tributária na espécie compensação legal, “porque o tributo é ex lege, indisponível pelo
369
Capítulo 3, item 3.6.
370
Cf. Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro, p. 299 e Orlando GOMES, Obrigações, p. 130.
171
Estado-Administração”
371
.
Dentro da classe compensação tributária, buscar-se-ão critérios que
permitam subdividi-la em outras subclasses. Classificar
372
consiste numa operação
lógica com a finalidade de se agrupar determinados objetos em razão de possuírem
algum aspecto em comum. No que tange à compensação tributária, tomada como
norma individual e concreta, as subclasses serão separadas utilizando-se como
critério o seu emissor. Desse modo, poderão inserir a mensagem jurídica da
compensação no sistema jurídico a autoridade administrativa, o Poder Judiciário e o
particular.
Têm-se, portanto, a compensação de ofício, aquela realizada pela autoridade
administrativa; a compensação judicial cujo emissor da norma individual e concreta é o
juiz; e, por fim, a autocompensação produzida pelo próprio particular. Note-se que,
com o nome compensação encontram-se três diversas tipologias normativas, cada uma
com suas peculiaridades.
Outra forma de se classificar a compensação decorre da origem da relação de
débito do Fisco. Como se estudou, há pelo menos quatro fatos que implicam vínculos
jurídicos cujo pólo passivo é ocupado pelo Fisco
373
. Dentre essas situações, aparece a
compensação como forma da extinção da obrigação tributária em três: (i) no
pagamento antecipado de tributos (retenção na fonte); (ii) nos tributos não-
cumulativos; e (iii) no pagamento indevido.
Quando a retenção na fonte, o contribuinte possui o direito subjetivo de
exigir do Fisco o valor pago antecipadamente. Como forma de exercer esse direito,
foi criada a sistemática de compensar o valor retido com o tributo a ser apurado em
determinado período. Eis mais um eixo de positivação de normas presente no
ordenamento
374
.
No caso dos tributos não-cumulativos, há a possibilidade de se compensarem
371
Sacha Calmon Navarro COÊLHO, Manual de direito tributário, p. 470.
372
Cf. Capítulo 3, 3.2.1.
373
Capítulo 8.
374
Cf. item 8.4, do Capítulo 8.
172
os valores cobrados na cadeia anterior com o tributo apurado, como mecanismo para
evitar a incidência do tributo mais de uma vez dentro de cada etapa da cadeia de
produção. Há, portanto, três normas jurídicas tratando da matéria: (i) a regra-matriz,
que determina o valor do tributo; (ii) a relação de débito do Fisco, oriunda do fato
jurídico adquirir determinadas mercadorias e serviços; e (iii) a compensação, que
consiste na operação matemática de subtração do valor do tributo apurado na regra-
matriz com o valor do débito do Fisco, resultando na efetiva importância a ser
recolhida aos cofres públicos
375
.
O contribuinte, ao efetuar um pagamento indevido de tributo, contrai um
crédito com o Fisco a ser usado como forma de extinção de dívida tributária. Aparece
mais uma vez a compensação, realizando o encontro de contas: o crédito tributário
com o débito do Fisco.
Apesar de a fenomenologia da compensação ser semelhante nas três
hipóteses descritas, decorrente de uma relação entre as relações que originam o
crédito tributário e o débito do Fisco, cada compensação é regida por uma legislação
específica, contendo características próprias que as diferenciam. Pode-se dizer,
portanto, que a compensação na retenção na fonte, a compensação na não-
cumulatividade e a compensação dos pagamentos indevidos são distintas,
classificadas em razão da aplicação de normas diversas para a sua formalização. Este
trabalho elegeu a compensação decorrente do pagamento indevido como foco de
estudo.
9.3 A compensação tributária e o Direito Civil
Com a edição do novo Código Civil em janeiro de 2002, surgiu a discussão
sobre um possível conflito entre o direito tributário e o direito civil, isso porque a lei
privada trouxe em seu bojo o art. 374 prescrevendo que a compensação, no que
375
Cf. item 8.3, do Capítulo 8.
173
concerne às dívidas fiscais, é regida pelo capítulo específico da compensação
presente no Código Civil.
Porém, o mencionado dispositivo foi revogado pela MP 75/02. que, para
causar mais confusão, essa medida provisória foi rejeitada pelo Plenário da mara
dos Deputados sendo, depois, “reeditada” pela MP 104/03, por sua vez convertida na
Lei 10.677/03. Eis todo o emaranhado legislativo sobre a vigência do art. 374 do CC.
O principal problema é a inconstitucionalidade da MP 104/03 por vício de
procedimento.
O art. 62, § 10, presente na Constituição Federal veda a reedição de medida
provisória rejeitada pelo Congresso Nacional na mesma sessão legislativa. Desse
modo, como a MP 104/03 não observou essa restrição, surgindo na mesma sessão
legislativa que rejeitou a MP 75/02, sua produção não corresponde ao procedimento
eleito pelo ordenamento jurídico, que eivada de inconstitucionalidade. Portanto, o
resultado dessa afirmação é que o art. 374 do CC ainda estaria em vigor
376
. Sobre isso
pensa Nelson Nery Junior
377
:
Apesar de a L 10.677, de 22.5.2003, objeto de conversão da MedProv
104, de 9.1.2003, haver revogado o dispositivo [art. 374 do CC], ele
está em vigor porque referida revogação se deu de maneira
inconstitucional e não pode produzir nenhum efeito.
É inconstitucional por vício de origem (inconstitucionalidade formal),
porque a MedProv da qual se originou foi fruto de reedição pelo
Presidente da República, na mesma sessão legislativa na qual o
Congresso Nacional havia rejeitado anterior medida provisória
sobre a mesma matéria, procedimento absolutamente vedado pela CF
62 § 10.
Acontece que, como se vem salientando ao curso deste estudo, o direito é um
376
O STJ entende que o art. 374 do Código Civil está revogado: “Se as normas que regulam a compensação
tributária não prevêem a forma de imputação do pagamento, não se pode aplicar por analogia o art. 354 do
CC/2002 (art. 993 do CC/1916) e não se pode concluir que houve lacuna legislativa, mas silêncio eloqüente do
legislador que não quis aplicar à compensação de tributos indevidamente pagos as regras do Direito Privado. E a
prova da assertiva é que o art. 374 do CC/2002, que determinava que a compensação das dívidas fiscais e
parafiscais seria regida pelo disposto no Capítulo VII daquele diploma legal foi revogado pela Lei 10.677/2003,
logo após a entrada em vigor do CC/2002”. (REsp. 987.943/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 19.02.2008, DJ
28.02.2008, p. 89).
377
Compensação tributária e o Código Civil, Direito tributário e o novo Código Civil, p. 28 (explicou-se nos colchetes
grifo do original). O mesmo pensamento encontra-se em Fabio Artigas GRILLO, Compensação tributária e
direito privado, Direito tributário e o novo Código Civil, p. 497-8.
174
fenômeno comunicacional não conseguindo se afastar do cerco da linguagem. A
inconstitucionalidade da revogação do art. 374 do CC é evidente, segundo a
doutrina, mas, para operar no sistema jurídico, requer outra norma jurídica de igual
ou superior hierarquia, que declare efetivamente o vício da MP 104/03, restaurando o
art. 374 do CC. De outro modo, a Lei 10.677/03 permanece válida e em vigor,
rechaçando o dispositivo da legislação civil, até mesmo porque os enunciados
emitidos pela ciência do direito não possuem força para alterar o direito positivo.
Sendo assim, o art. 374 do CC está revogado, em que pese o procedimento para a sua
exclusão esteja em desacordo com o direito.
Outra questão aparece: é possível utilizar as disposições do direito privado
quando se tratar da compensação tributária? Dizendo de outro modo: qual a
legislação a ser aplicada quando o objeto for a compensação tributária?
Hugo de Brito Machado defende que é injustificável a revogação do art. 374
do CC, sendo a normatização da compensação de competência do Direito Civil, uma
vez que é um direito inerente às relações obrigacionais, e não própria da relação de
tributação
378
. Para Nelson Nery Junior, havendo confronto entre a compensação
prevista em lei tributária e o regime do Código Civil, este prevalece
379
.
O direito é uno, apenas divisível de forma didática, cortado e recortado pelos
seus estudiosos para fins de uma melhor aproximação ao objeto. Por esse motivo,
inúmeras vezes, ao trabalhar com institutos nitidamente tributários, o cientista do
direito se depara com questões que o fazem manusear livros referentes aos direitos
civil, administrativo, constitucional, etc. Com a compensação não poderia ser
diferente. Trata-se de um instituto jurídico pertencente à teoria geral do direito.
Assim, a compensação deve ser estudada com seus elementos básicos como
categoria da teoria geral do direito. Todavia, o regime jurídico aplicado será o
tributário quando penetrado nesse âmbito. A compensação tributária tem seu
fundamento de validade no art. 170 do CTN, e dele decorre toda a legislação
378
Curso de direito tributário, p. 232.
379
Compensação tributária e o Código Civil, Direito tributário e o novo Código Civil, p. 36.
175
ordinária. O que se defende aqui não é uma completa dissociação da compensação
tributária com as regras prescritas no Código Civil, até mesmo porque essas regras
são pertencentes à teoria geral das compensações. que nada impede que o direito
tributário eleja características peculiares à compensação tributária, como o fez no art.
170 do CTN, sem que isso cause vício na sua produção.
Guilherme Adolfo Mendes defende a separação entre a compensação
tributária e a prevista no Código Civil: “Apesar de a compensação tributária ter seus
esteios fixados na compensação do direito privado, não se aprisiona pelos seus
grilhões”. Reforça a tese lembrando que o art. 109 do CTN permite a modificação de
institutos do direito privado pela legislação tributária com o escopo de atender aos
anseios tributários. Desse modo, afirma que: Este dispositivo autoriza à legislação
tributária adaptar os institutos do direito privado conforme suas finalidades, desde
que não componham competência tributária”
380
.
Em suma, ao se adentrar na órbita tributária, o eixo de positivação das
normas de compensação deve seguir as diretrizes traçadas pelo CTN e pela
legislação tributária específica, aplicando-se, de forma subsidiária, o Código Civil
381
.
380
Compensação de ofício, Tributação e processo, p. 232. Paulo Cesar CONRADO também defende a aplicação, para
a compensação tributária, de regime específico, pois “quando penetramos na órbita tributária, o que se de
observar de verdadeiramente relevante é que o regime jurídico que se lhe aplicará será bem outro, que não o do
direito privado”. Compensação tributária e processo, p. 106.
381
Eis o ensinamento de Aroldo Gomes de MATTOS: “Admite-se, em tese, que as regras de Direito Privado
(princípios, institutos, conceitos e formas) sejam aplicadas subsidiária e interdisciplinarmente ao Direito
Tributário. A sua autonomia didática e estrutural, pois, não é absoluta, mas relativa, que ele se comunica com
todos os demais ramos da ciência jurídica, participando de sua unicidade global, como num sistema de vasos
comunicantes”. Repetição do indébito, compensação e ação declaratória, Repetição do indébito e compensação no
direito tributário, p. 64. Tratando do cotejo entre a prescrição prevista no Código Civil e aquela regulada no CTN, o
STJ definiu assim a relação entre os ramos do direito: “A prescrição, por definição do CTN, é instituto de direito
material, sendo regulada por Lei Complementar, a que a lei ordinária há de ceder aplicação. De conseqüência, o
art. 156, V, do CTN, por ser norma de natureza complementar, se sobrepõe às regras inseridas nos arts. 166 do
CC, e 128 e 219, par. 5., do CPC”. (REsp. 29.432/RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, julgado em 21.05.1998, DJ
29.06.1998, p. 26). Sobre o tema específico, o Colendo Tribunal definiu que “A compensação tributária deve ser
feita de acordo com as regras específicas estabelecidas para regular tal forma de extinção do débito. Não-
aplicabilidade do sistema adotado pelo Código Civil”. (REsp. 921.611/RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em
01.04.2008, DJ 17.04.2008 p. 1). Gabriel TROIANELLI defende a aplicação da legislação civil quando inexistir lei
específica estabelecendo as condições da compensação tributária, O indébito tributário e a compensação do
tributo indevidamente pago, Revista dialética de direito tributário, n. 6, p. 35.
176
9.4 Requisitos essenciais para a compensação tributária
Para que surja a possibilidade de se emitir uma norma concreta e individual
no sistema cuja finalidade é extinguir a obrigação tributária pela via da compensação,
é preciso preencher alguns requisitos essenciais comuns a todos os tipos de
compensação tributária (compensação de ofício, autocompensação e compensação
judicial).
A compensação pode extinguir as obrigações civis e as tributárias. A ciência
do direito civil descreveu os pressupostos e requisitos da compensação no âmbito
privado que, de acordo com Orlando Gomes, são: a) dívidas recíprocas originadas
em títulos diversos; e b) dívidas homogêneas, líquidas e exigíveis
382
.
Dívidas recíprocas porque é necessária a presença de dois sujeitos-de-direito,
credor e devedor, ao mesmo tempo, um do outro. A origem das dívidas em títulos
diversos decorre da impossibilidade de se admitir a compensação entre os vínculos
da mesma relação jurídica: o direito com o dever. “Se o vendedor pudesse recusar-se
a entregar a coisa vendida sob o fundamento de que essa obrigação se compensa com
a dívida do comprador representada pelo preço, o contrato seria uma farsa”
383
.
Para ocorrer a compensação, a dívida de ser homogênea, isto é, os débitos
devem ser fungíveis. A liquidez das dívidas significa que devem ser certas quanto à
existência e determinadas quanto ao objeto. Por fim, exige-se que as dívidas estejam
vencidas, por isso, exigíveis.
Ao se analisar a compensação tributária, verifica-se que o fundamento de
validade de toda a sua legislação é o art. 170 do CTN. Eis o seu teor:
A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja
estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa,
autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos
e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda
Pública.
382
Obrigações, p. 130.
383
Ibid. p. 130.
177
Passa-se, agora, a descrever com maior acuidade os requisitos essenciais para
que surja o direito à compensação tributária.
9.4.1 A exigência de existir a relação jurídica tributária e a relação de débito do
Fisco
O primeiro dos pressupostos necessários para fazer nascer o direito subjetivo
à compensação tributária é a existência de duas relações jurídicas, corretamente
formalizadas: a de débito do Fisco e a obrigação tributária, com sujeitos-de-direito
comuns. Tanto para a constituição do débito do Fisco quanto para a instituição da
obrigação tributária é imprescindível a linguagem jurídica competente. Com a norma
individual e concreta do lançamento ou do autolançamento exsurge a obrigação
tributária e, conseqüentemente, o crédito tributário. Essa relação pode ser descrita do
seguinte modo: o Fisco tem o direito subjetivo de exigir a conduta de pagar tributo
do contribuinte, que possui o dever jurídico de fazê-lo. Formalizando, chega-se à
seguinte estrutura: Fi Rob Co. Imputando valores semânticos aos símbolos, tem-se: Fi
é o Fisco figurando no pólo ativo; Rob é a obrigação tributária que determina o
crédito tributário; Co é o contribuinte como sujeito passivo.
A relação de débito do Fisco possui a mesma arquitetura lógica da relação
que constitui o crédito, que quem aparece como sujeito ativo é o contribuinte, e o
sujeito passivo, nesse caso, é o Fisco: Co Rjd Fi, em que Co indica o contribuinte; Rjd
significa a relação de débito do Fisco; e Fi consiste no Fisco ocupado o pólo passivo.
Esse vínculo pode ser descrito da seguinte forma: o contribuinte tem o direito
subjetivo de exigir certa quantia em dinheiro do Fisco, que possui o dever jurídico de
adimplir.
178
9.4.2 Reciprocidade da relação jurídica tributária e da relação de débito do Fisco
Não basta a existência das duas relações jurídicas mencionadas para
possibilitar a compensação. Requer-se, também, a identidade dos seus sujeitos.
Assim, o contribuinte, que é o sujeito ativo na relação de débito do Fisco, deve ser o
mesmo sujeito-de-direito que figura no pólo passivo na obrigação tributária. A idéia
de reciprocidade indica que o credor de uma obrigação necessariamente deve ser
devedor na outra, e vice-versa. Valendo-se da forma sintática, chega-se à estrutura:
Co (Rjd) = Co (Rob). O mesmo aplica-se ao Fisco: a autoridade administrativa da
obrigação tributária é aquela presente na relação de débito, porém em pólos inversos:
Fi (Rjd) = Fi (Rob)
384
. Não se trata de relações simétricas
385
. São duas relações jurídicas
assimétricas; na obrigação tributária, o Fisco é credor do contribuinte, e a sua relação
conversa é: o contribuinte é devedor do Fisco; na relação de débito do Fisco, o
contribuinte é credor do Fisco, cuja relação conversa consiste em o Fisco ser devedor
do contribuinte. A assimetria, como característica das relações jurídicas, não é afetada
por esse requisito.
9.4.3 Homogeneidade das relações jurídicas envolvidas na compensação
O terceiro requisito é a obrigatoriedade de ambas as relações jurídicas, Rob e
Rjd, apresentarem um objeto prestacional de conteúdo patrimonial, ou seja, as
prestações deverão ser da mesma natureza. “A fungibilidade das coisas
compensadas constitui conseqüência necessária do princípio legal de que ninguém
pode ser obrigado a receber coisa diversa daquela que lhe é devida”
386
. A conduta
regulada pelos vínculos jurídicos pode ser resumida assim: é obrigatório entregar
384
Cf. Eurico de SANTI, Compensação e restituição de tributos”, Repertório IOB de jurisprudência: tributário,
constitucional e administrativo, n.03, p. 65.
385
Cf. Capítulo 5, item 5.1.
386
José Eduardo Soares de MELO, Curso de direito tributário, p. 252.
179
uma quantia em dinheiro. São duas dívidas pecuniárias, portanto.
9.4.4 A liquidez e certeza do crédito tributário e do débito do Fisco
Outro pressuposto essencial da compensação são a liquidez e certeza do
crédito tributário e do débito do Fisco. Não é possível a compensação quando um
dos objetos da relação jurídica não tiver seu valor exato determinado. Isso decorre da
necessidade de se constituir o crédito tributário e o débito do Fisco. Em outras
palavras, antes das normas individuais e concretas que determinam o exato valor do
crédito tributário e do débito do Fisco, não é possível realizar a incidência da norma
de compensação. Isso porque a linguagem é o suporte existencial do direito e a
liquidez e certeza do crédito tributário e do débito do Fisco decorrem da ponência
das respectivas normas individuais e concretas no sistema, quantificando os valores
das prestações. É o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho
387
:
Do mesmo modo que crédito tributário líquido e certo é aquele
formalizado pelo ato do lançamento ou do contribuinte, débito do
Fisco quido e certo é o que foi objeto de decisão administrativa ou
decisão judicial, ou, ainda, reconhecido pelo contribuinte com
fundamento em expressa autorização legal. Tais atos, formalizando o
fato do pagamento indevido, introduzem-no no sistema. Tanto o
crédito tributário como o débito do Fisco são líquidos e certos quando
estão identificados (i) o credor e o devedor, (ii) o montante do objeto
da prestação e (iii) o motivo de surgimento do vínculo relacional.
Aqui é preciso mencionar a teoria de Paulo Cesar Conrado. Segundo o autor,
é impossível cogitar uma relação jurídica que não fosse líquida e certa, motivo que
retira a qualidade de tais itens como pressupostos para a compensação
388
. Por isso, a
questão da “liquidez” e “certeza” da relação de débito do Fisco é vista, pelo autor,
como aspectos da competência e do procedimento para inserir a norma individual e
concreta que constitui a relação de débito do Fisco. Eis a conclusão apresentada pelo
387
Direito tributário, linguagem e método, p. 479.
388
Compensação tributária e processo, p. 133.
180
ilustre professor
389
:
(...) tomada essa linha, seria possível reduzir a questão da ‘liquidez’ e
‘certeza’ a uma única indagação: a norma (individual e concreta) que
põe no sistema a relação de débito do fisco o foi por pessoa
competente e segundo o procedimento para tanto previsto? Se sim, o
débito é ‘líquido’ e ‘certo’; caso contrário, o débito não é ‘líquidoe
‘certo’, apesar de, no sentido usual desses termos, todo débito,
justamente por ser débito, estar dotado de tais elementos.
Entende-se, porém, que o problema de competência e procedimento está
voltado para a validez da norma jurídica no sistema. Se uma norma jurídica for
produzida por emissor não autorizado ou desobedecendo ao procedimento inscrito
no sistema jurídico, ela é passível de ser dele rechaçada. Assim, uma norma
permanece no ordenamento jurídico, mesmo quando elaborada em desacordo com as
regras de produção, até ser excluída por outra norma de mesma ou superior
hierarquia. Pode, inclusive, existir uma norma no sistema, individual e concreta, que
constitua o débito, porém produzida afrontando as normas de estrutura. Essa norma
formaliza a relação de débito do Fisco, tornando-a líquida e certa, mesmo que não
tenha sido criada por pessoa jurídica competente nem tenha sido usado o adequado
procedimento. Por isso, liquidez e certeza significa a formalização dos sujeitos-de-
direito do vínculo jurídico e do valor do objeto prestacional, bem como do fato
jurídico do qual se originaram
390
.
Menciona o art. 170 do CTN que a compensação pode ser efetuada com
créditos do sujeito passivo vencidos e vincendos. Fabio Grillo aponta ser esse aspecto
uma importante diferença entre a compensação descrita pela legislação tributária e
compensação do Código Civil: “Ao mesmo tempo em que o art. 170 do CTN autoriza
que lei discipline compensação de créditos vencidos ou vincendos, o artigo 369 do
389
Compensação tributária e processo, p. 145.
390
Registra-se a opinião de Hugo de Brito MACHADO, para quem pode haver compensação de créditos ilíquidos
e incertos, quando se tratar da compensação prevista no art. 66 da Lei 8.383/91. A compensação autorizada pelo
art. 66 da Lei 8.383/91, Repertório IOB de jurisprudência. n. 15, p. 273. O STJ tem decido exigindo a liquidez e certeza
dos créditos apurados: “A primeira turma do STJ, por maioria, em inúmeros precedentes tem assentado que a
compensação prevista no art. 66, da Lei 8.383/1991, só tem lugar quando, previamente, existe liquidez e certeza do
credito a ser utilizado pelo contribuinte”. (REsp. 128.631/PR, Rel. Min. José Delgado, julgado em 03.11.1997, DJ
15.12.1997, p. 66246).
181
NCC somente admite compensação entre dívidas vencidas
391
.
Urge, então, questionar o que seriam créditos vincendos para fins da
compensação tributária. se afirmou reiteradas vezes no curso deste estudo que o
direito tem a linguagem como elemento essencial à sua constituição. Somente há
crédito tributário e débito do Fisco com a edição da norma individual e concreta que
define quem deve pagar, para quem se deve pagar e quanto se deve pagar. Sem essa
norma não é possível se falar em crédito tributário nem em débito do Fisco. O art. 170
do CTN ao mencionar créditos vincendos está se referindo à relação de débito do Fisco,
pois nesse vínculo o contribuinte é o sujeito ativo que tem o crédito, ou seja, o direito
subjetivo de exigir a conduta prestacional contra a Fazenda Pública.
Nos léxicos, vincendo significa aquele crédito que está por vencer
392
, ou seja,
ainda não pode ser exigido. Acontece que essa hipótese não se verifica na
fenomenologia do débito do Fisco. A relação jurídica que constitui o débito do Fisco
decorre do fato jurídico pagamento indevido. Ora, construído esse fato jurídico por
meio da linguagem competente do direito, a dívida do Fisco se torna exigível pelo
contribuinte. Teria tido mais sucesso o legislador tributário se determinasse a
compensação dos créditos tributários vincendos. Isso porque, com a constituição do
fato jurídico tributário, o contribuinte fica obrigado a pagar o tributo ao Fisco. A
partir desse momento, o sujeito passivo possui o prazo de trinta dias para adimplir a
obrigação, salvo disposição em contrário (art. 160 do CTN). Aí, sim, existiriam
créditos vincendos, aqueles constituídos por norma individual e concreta (líquidos e
certos, portanto) que se encontram no curso do prazo para a sua quitação. Agora, são
créditos vencidos os que já tiveram o prazo para seu pagamento expirado.
Paulo Cesar Conrado propõe uma interpretação diferente para os créditos do
sujeito passivo vencidos e vincendos, tomando como ponto de referência o fato de a
obrigação tributária estar ou não constituída. Conclui o autor que “o débito do fisco
será tido como (i) vencido, se constituído antes ou simultaneamente com o crédito
391
Compensação tributária e direito privado, Direito tributário e o novo Código Civil, p. 500. (grifo do original).
392
Caldas AULETE, Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, p. 4227.
182
tributário; e (ii) vincendo, se constituído depois do crédito tributário”
393
.
9.4.5 A necessidade de expressa permissão legal
O ordenamento tributário, no art. 170 do CTN, exige lei expressamente que
autorize a compensação tributária. Sem a produção de enunciados prescritivos
disciplinando a forma de se proceder a compensação tributária, torna-se impossível
sua realização. autores que defendem ser uma norma de aplicação imediata. No
entanto, como existe legislação ordinária versando sobre o tema, acredita-se que tal
discussão carece de sentido.
9.4.5.1 Brevíssimo escorço histórico da legislação ordinária acerca da compensação
tributária
A Lei 5.172/66, denominada Código Tributário Nacional, acolhida com status
de lei complementar pela Constituição Federal de 1988, trouxe o fundamento de
validade para a legislação ordinária editar os enunciados que regulamentem a
compensação tributária.
Com base no art. 170 do CTN, foram inseridos diversos veículos introdutores
de normas, contendo em seus enunciados-enunciados dispositivos reguladores do
procedimento de compensação.
O primeiro deles foi o Decreto-lei 2.287/86, alterado pela Lei 11.196/05, cujo
conteúdo trata da compensação efetuada de ofício pela autoridade administrativa
quando verificadas, concomitantemente, a presença de pedido de restituição e a
existência de um crédito tributário em face do requerente.
Depois adveio a Lei 8.383/91, trazendo em seu bojo o art. 66, que veio
393
Compensação tributária e processo, p. 163-4.
183
regulamentar, na esfera federal, a previsão do CTN, apesar de existirem posições
distintas, entendendo que o art. 170 do mencionado diploma trata de hipótese
diversa daquela prevista no art. 66 da Lei 8.383/91, em razão de essa lei aplicar-se
unicamente aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Após alterações
trazidas pela Lei 9.069/95, a redação do mencionado artigo ficou da seguinte forma:
Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos,
contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas
patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação,
revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá
efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância
correspondente a período subseqüente.
§ A compensação poderá ser efetuada entre tributos,
contribuições e receitas da mesma espécie.
§ 2º É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição.
§ 3º A compensação ou restituição será efetuada pelo valor do tributo
ou contribuição ou receita corrigido monetariamente com base na
variação da UFIR.
§ As Secretarias da Receita Federal e do Patrimônio da União e o
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS expedirão as instruções
necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo.
Logo em seguida, a Lei 9.250/95 determinou que a compensação somente
seria possível com tributos ou receitas patrimoniais de mesma espécie e destinação
constitucional apurados em períodos subseqüentes. Também determinou a aplicação
da taxa SELIC como índice de juros para fins de compensação.
Posteriormente, surgiram os arts. 73 e 74 da Lei 9.430/96 regulamentando a
compensação. O seu conteúdo original foi substancialmente alterado pelas Leis
10.637/02, 10.833/03 e 11.051/04, conforme se verá adiante.
9.5 O processo de positivação da norma de compensação
O instituto da compensação tributária serve para sobrepujar a complexidade
em que se encontra envolto o direito. A compensação engloba um intricado conjunto
de relações jurídicas: (i) a obrigação tributária, constituindo o crédito tributário; (ii) a
184
relação de indébito, constituindo o débito do Fisco; e (iii) a relação de compensação,
cotejando as outras duas, extinguindo-as
394
.
Sem a constituição por linguagem jurídica competente do crédito tributário e
do débito do Fisco, é impossível utilizar-se do instituto da compensação. Paulo de
Barros Carvalho não deixou passar essa peculiaridade: “Para que a compensação seja
efetuada é imprescindível a existência de duas normas jurídicas individuais e
concretas: uma, constituindo o débito do contribuinte; outra, formalizando o débito
do Fisco”
395
. O emissor da norma individual e concreta da compensação somente
poderá dar início a essa cadeia de positivação quando estiver diante de duas relações
jurídicas intranormativas. Por isso, sobremaneira importante o estudo da
fenomenologia da incidência da obrigação tributária e da relação de débito do Fisco
nos capítulos anteriores para fins deste trabalho. Sem se precisar a constituição do
crédito tributário e do indébito, impossível atingir a compensação.
O início do processo de positivação da compensação tributária está no art.
170 do CTN. É nesse artigo que se encontra o enunciado prescritivo que autoriza o
legislador ordinário a emitir outros enunciados regulando o instituto de extinção do
vínculo jurídico tributário. Não se acredita que o fundamento da compensação esteja
diretamente previsto na Constituição Federal
396
. Aqui se faz coro às lições de Marcelo
Fortes de Cerqueira
397
:
394
Cf. Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário, linguagem e método, p. 480.
395
Direito tributário, linguagem e método, p. 481.
396
Sabe-se que a compensação, como forma de se efetivar a o-cumulatividade, está expressa na Constituição
Federal, porém não é dessa espécie que se está tratando, mas sim daquela que decorre o fato jurídico do
pagamento indevido. Schubert de Farias MACHADO defende que a compensação tem suas raízes no Texto
Magno, em decorrência dos princípios da moralidade e da equidade, O direito à repetição do indébito tributário,
Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 414. Hugo de Brito MACHADO encontra cinco
fundamentos para afirmar que o direito à compensação está previsto na Constituição Federal: cidadania, justiça,
isonomia, propriedade e moralidade, Curso de direito tributário, p. 234-5. Ainda a favor da base constitucional da
compensação, porém com fundamento nos princípios da legalidade, da moralidade, do direito de propriedade,
da vedação do confisco, e da responsabilidade objetiva do Estado por danos causados a terceiros, Alexandre
Macedo TAVARES, Compensação do indébito tributário, p. 30. Para Marcos Vinicius NEDER, apesar de a
Constituição ser o fundamento de validade da compensação tributária, em razão dos princípios da moralidade e
da eficiência, é necessário, para a sua instrumentalização, obediência aos limites estabelecidos pelo legislador,
Compensação tributária na perspectiva do conselho de contribuintes, Tributação e processo, p. 458.
397
Repetição do indébito tributário, p. 432.
185
O direito subjetivo à compensação, que apenas nasce quando
presentes tanto a obrigação tributária quanto a obrigação de
devolução (sendo inclusive disciplinado pela lei (ordinária) vigente à
época) não tem sede constitucional. Não consiste ele numa exigência
impostergável do Sistema Constitucional Tributário. Logo, em sendo
a sua previsão uma prerrogativa do legislador ordinário, aceitará
vedações, restrições e condicionamentos criados por este, desde que
mediante lei.
O direito à compensação decorre das disposições previstas na legislação
infraconstitucional, ao contrário do que se afirma acerca da restituição em sentido
estrito em razão do pagamento indevido. Essa sim encontra guarida no sistema
constitucional, pois o contribuinte só pode ser tributado por meio de regra individual
e concreta válida absolutamente (sem vícios); e qualquer pagamento realizado em
desacordo com essa sistemática ofenderá o sistema constitucional tributário, em
especial o princípio da estrita legalidade, devendo, portanto, ser restituído
398
. Caso
não houvesse qualquer menção acerca da compensação tributária na legislação
ordinária, não haveria como o contribuinte exigir a extinção do crédito tributário por
essa via. com relação à restituição dos valores que pagou indevidamente, seria
possível sua exigência com fundamento na Constituição Federal, principalmente por
afronta ao princípio da legalidade.
Retornando, o ponto de partida do fluxo normativo da compensação
tributária é o art. 170 do CTN. Consiste em verdadeira norma de estrutura
399
que
outorga ao legislador ordinário a competência para emitir enunciados prescritivos
versando sobre a compensação. Consoante se afirmou acima, sem a edição de lei não
é possível que o contribuinte exerça seu direito subjetivo à compensação. Ou melhor,
a norma individual e concreta da compensação pode ser expedida se tiver uma lei
ordinária regulando seu procedimento de produção e seu conteúdo.
398
Marcelo Fortes de CERQUEIRA, Repetição do indébito tributário, p. 302.
399
Pensam da mesma forma José Artur Lima GONÇALVES e Márcio Severo MARQUES para quem o art. 170 do
CTN é “norma jurídica de estrutura, dirigida ao legislador ordinário (produtor de norma de comportamento),
para autorizá-lo a disciplinar as hipóteses de compensação de créditos tributários (créditos da Fazenda Pública,
decorrentes de tributos) com ‘créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a
Fazenda Pública”, O direito à restituição do indébito tributário, Repetição do indébito e compensação no direito
tributário, p. 214. Segue a mesma trilha Oswaldo Othon de Pontes SARAIVA FILHO, Repetição do indébito
tributário e compensação, Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 295.
186
Assim, pode-se afirmar que o art. 170 é uma norma de competência
legislativa
400
contendo os critérios para se determinar a produção normativa acerca
da compensação ainda em plano abstrato e geral. A regra de competência legislativa
possui um antecedente prescritor, conotativamente, do fato: ser pessoa política no
território nacional em determinado período; e um conseqüente, cuja relação a ser
estabelecida consiste na autorização para os sujeitos-de-direito, em conformidade
com certos limites formais e materiais, editarem enunciados prescritos e o dever
jurídico que a comunidade tem de respeitar tal exercício.
O limite formal é o procedimento para a edição de leis ordinárias. Assim,
para inserir enunciados prescritivos, o legislador deve observar a Constituição
Federal nos artigos que regulamentam a atividade de produzir leis ordinárias (art. 60
e seguintes). Desse modo, o intérprete, ao se deparar com um documento legislativo
cujos enunciados-enunciados tratem de compensação tributária, deverá analisar seus
dêiticos presentes na enunciação-enunciada, para confirmar se a sua elaboração
ocorreu de acordo com o procedimento escolhido pelo direito para se editar leis
ordinárias.
O legislador ordinário o poderá inserir qualquer tipo de enunciado-
enunciado no documento normativo. Os limites materiais que restringem a emissão
da norma geral e abstrata acerca da compensação são aqueles acima descritos como
requisitos essenciais para o direito à compensação. Em outras palavras, a
compensação prevista na legislação ordinária não pode afrontar os dizeres do art. 170
do CTN. A norma geral e abstrata da compensação é que possibilitará o cotejo entre
duas relações jurídicas, a que constitui o crédito tributário e a que determina o débito
do Fisco, cujos sujeitos de direito sejam idênticos, e o objeto, uma quantia em
dinheiro, líquido e certo.
Não obedecer a esses limites, os materiais e os formais, faz com que a norma
inserida no sistema tenha sido produzida ilegalmente, portanto passível de ser
suprimida por outra norma, de igual ou superior hierarquia. As leis que tratam da
400
Cf. item 4.5 e 4.7., Capítulo 4.
187
compensação, principalmente as Leis 8.383/91 e 9.430/97, devem estar em
conformidade com o art. 170 do CTN. se nota que não se compartilha da teoria
traçada por parte da doutrina tributária e aceita pelo STJ
401
de que a compensação do
art. 66 da Lei 8.383/91 é distinta daquela prevista no Código Tributário Nacional.
Conforme Hugo de Brito Machado:
Enquanto o art. 170 do Código Tributário Nacional diz que a lei
poderá autorizar a autoridade da Administração Tributária a aceitar a
compensação, o art. 66, da Lei 8.383/91, é norma dirigida ao
contribuinte, facultando a este a utilização do valor de tributo que
tenha pago indevidamente, para a quitação de débito seu,
necessariamente concernente ao mesmo tributo, ou a tributo da
mesma espécie
402
.
Alexandre Macedo Tavares pensa de igual forma, explicando a distinção
entre o art. 170 do CTN e o art. 66 da Lei 8.383/91 do seguinte modo:
Ao passo que a primeira é norma dirigida à autoridade
administrativa e pressupõe a existência de créditos tributários
líquidos e certos devidamente constituídos pela regular atividade
administrativa de lançamento; a segunda prescrição normativa
constitui norma dirigida ao contribuinte, viabilizadora da utilização
do procedimento compensatório no âmbito do lançamento por
homologação, em decorrência de um recolhimento indevido ou a
maior de tributos
403
.
Gabriel Troianelli não qualquer incompatibilidade entre a compensação
de tributos sujeitos ao lançamento de homologação e os lançados de ofício, bastando que
401
“Não confundir a compensação prevista no art. 170 do Código Tributário Nacional com a compensação a
que se refere o art. 66 da Lei 8.383/91. A primeira é norma dirigida à autoridade fiscal e concerne a compensação
de créditos tributários, enquanto a outra constitui norma dirigida ao contribuinte e é relativa à compensação no
âmbito do lançamento por homologação”. (REsp. 820.38/DF, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, julgado em
13.06.1996, DJ 01.07.1996, p. 24035). Registre-se que a mesma Corte já decidiu de modo diverso: “O art. 66 da Lei
8.383/1991, em conseqüência, é derivado do art. 170, do CTN. o criou um novo tipo de compensação. Se o
fizesse, não seria acolhido pelo sistema jurídico tributário, por violar norma hierarquicamente superior”. (REsp.
128.631/PR, Rel. Min. José Delgado, julgado em 03.11.1997, DJ 15.12.1997, p. 66246).
402
A compensação autorizada pelo art. 66 da Lei 8.383/91, Repertório IOB de jurisprudência: tributária,
constitucional e administrativa, n. 15, p. 273.
403
Compensação do indébito tributário, p. 64. Cíntia de ALBUQUERQUE distingue as formas de compensação do
seguinte modo: a) a compensação do art. 170 do CTN é forma de extinção e a do art. 66 da Lei 8.383/91 o
implica a extinção do crédito tributário; b) a compensação do CTN pressupõe crédito constituído, e da Lei
8.383/91 tem por objeto créditos futuros; c) a compensação do CTN exige créditos líquidos e certos, e da Lei
8.383/91 não; d) a compensação do CTN atinge quaisquer tributos e contribuições, e da Lei 8.383/91 exige tributos
e contribuições da mesma espécie e destinação constitucional; e) a compensação do CTN exige prévio
requerimento, e da Lei 8.383/91 não. A compensação do indébito tributário como direito subjetivo do
contribuinte, Revista tributária e de finanças públicas, n. 41, p. 113.
188
aguarde, nesse último caso, o ato da autoridade administrativa para, então, efetuar a
compensação. E conclui o autor que “aplicando-se o artigo 66 da Lei 8.383/91 a
todo e qualquer tipo de tributo, e não apenas àqueles autoliquidáveis, em nada se
distingue, essencialmente, a compensação nele disciplinada daquela prevista no
artigo 170 do Código Tributário Nacional”
404
.
O art. 170 do CTN é uma norma que outorga competência para a elaboração
da norma geral e abstrata acerca da compensação. Esse dispositivo não pode servir
de fundamento de produção de enunciados individuais e concretos. O art. 66 da Lei
8.383/91, bem como os artigos 73 e 74 da Lei 9.430/97 são resultado do exercício da
norma de competência prevista no Código Tributário e, portanto, não podem ter
conteúdo que afronte aquele previsto no art. 170. Agora, para se produzirem as
normas individuais e concretas da compensação tributária, é preciso o exercício da
competência descrita pelas leis ordinárias. A validade dessas normas decorre do seu
cotejo com a legislação ordinária. Em outras palavras, a compensação prevista em
qualquer lei ordinária não pode ser diversa do que determina o art. 170 do CTN,
pois, se assim fosse, não respeitaria o modo de produção previsto, podendo ser
rechaçada do sistema jurídico tributário.
Desse modo, entende-se que não problema se a legislação ordinária
prescrever restrições ao exercício da compensação, desde que o afronte o art. 170
do CTN. Exercendo essa competência, o legislador ordinário criou enunciados
prescritivos versando acerca da compensação tributária. Conforme exposto, esses
enunciados podem ser agrupados de acordo com a pessoa competente para emitir a
norma individual e concreta da compensação. Com isso, haverá (i) a sistemática da
compensação de ofício; (ii) a sistemática da autocompensação; e (iii) a sistemática da
compensação judicial. Cada uma com regras próprias, que serão estudadas
separadamente, em capítulos individualizados.
404
Repetição de indébito, compensação e ação declaratória, Repetição do indébito e compensação no direito tributário,
p. 128.
189
9.6 A norma individual e concreta da compensação: a extinção da obrigação
tributária
O art. 156, II do CTN determina a extinção da obrigação tributária pela
compensação. No entanto, é indispensável uma linguagem jurídica de mesmo nível
hierárquico para que ocorra a supressão do vínculo do sistema jurídico. A
compensação tributária necessita de uma norma individual e concreta para produzir
efeitos jurídicos. Antes, é apenas uma relação jurídica efectual descrita de forma
geral. De acordo com Paulo de Barros Carvalho:
(...) o aplicar-se da norma de compensação gera a extinção do crédito
tributário e do débito do Fisco. Mas, para que esta se concretize,
necessário o relato em linguagem competente não apenas das
relações que se pretende compensar, mas também do fato da
compensação. Apenas se descrito no antecedente de norma
individual e concreta irradiará os efeitos previstos no conseqüente
normativo, operando-se a extinção dos vínculos obrigacionais
405
.
Como é possível notar, somente com a produção de três normas individuais
e concretas é que se operacionalizará a extinção da obrigação tributária pela
compensação. É essencial a existência de uma norma individual e concreta
constituindo o crédito tributário; de outra formalizando o débito do Fisco; e uma
terceira realizando o encontro entre essas duas.
A norma individual e concreta da compensação, independentemente de ser
inserida no sistema por ato da autoridade administrativa, do Poder Judiciário ou do
particular, tem aquela estrutura lógica comum a todas as regras jurídicas (ou normas
em sentido estrito): um antecedente que implica o seu conseqüente.
O fato jurídico descrito no antecedente da regra da compensação é composto
pelas relações jurídicas que constituem o crédito tributário e o débito do Fisco. É com
o surgimento desses dois vínculos que se tem o fato suficiente para produzir os
efeitos jurídicos da compensação: a extinção da obrigação tributária. Se um deles não
estiver devidamente relatado em linguagem jurídica, não a possibilidade de se
405
Direito tributário, linguagem e método, p. 481.
190
efetivar a compensação tributária.
Com o acontecimento do fato jurídico no mundo fenomênico e seu relato em
linguagem, haverá a relação jurídica da compensação. É no conseqüente da norma
individual e concreta que se encontra a relação jurídica da compensação, que pode
ser descrita da seguinte maneira: o sujeito ativo (contribuinte, Fisco ou Judiciário
406
)
tem o direito subjetivo de exigir a compensação dos créditos e débitos em face do
sujeito passivo (Fisco ou contribuinte), que terá o dever de se submeter a essa forma
de extinção da obrigação tributária. É evidente que esses elementos estarão
devidamente individualizados nos enunciados-enunciados do documento normativo
que contêm essa norma individual e concreta.
A fenomenologia da compensação, assim como todo o direito, é sobremodo
complexa. São três normas individuais e concretas no sistema, cada uma com
disposições próprias: a norma N
1
, que determina o contribuinte devedor do Fisco
(obrigação tributária) no valor exato $
1
; a norma N
2
, que determina o Fisco devedor
do contribuinte (relação de débito do Fisco) no valor exato $
2
; e a norma N
3
, que
determina o encontro entre os valores $
1
e $
2
.
Essa operação matemática do encontro de contas que resume a compensação
pode ter três diferentes resultados: (i) $
1
>$
2
, restando um crédito tributário; (ii) $
1
<$
2
,
persistindo um valor de débito do Fisco; e (iii) $
1
=$
2
, situação que não restará nem
crédito para o contribuinte nem para o Fisco.
Como se disse, a compensação tributária é forma de extinção tanto da
obrigação tributária quanto da relação de débito do Fisco. Assim, utilizando os
resultados obtidos com a compensação, haverá a extinção da obrigação tributária nas
situações (ii) e (iii) e a extinção da relação de débito nas hipóteses (i) e (iii) acima
descritas. É que a compensação só tem o poder de extinguir ambas as relações
quando seus valores forem idênticos. Por isso, em (i) a obrigação tributária não está
extinta, que a compensação não conseguiu suprimir por inteiro o direito subjetivo
406
Os sujeitos ativo e passivo são diversos conforme o tipo da compensação tributária. Ao se analisar cada espécie
individualmente identificar-se-ão com maior exatidão os titulares do direito subjetivo à compensação e aqueles
que deverão a ela se submeter.
191
do Fisco.
Paulo de Barros Carvalho ensina que, não havendo identidade entre os
objetos das relações, a compensação funcionará como um redutor, sem ser
considerada extintiva, pois “a compensação extingue relações jurídicas em que os
valores coincidam. Caso inexista essa parificação dos montantes prestacionais, algo
remanescerá para qualquer dos sujeitos, permanecendo vivo, juridicamente, o laço
obrigacional”
407
.
Somente haverá a extinção da obrigação tributária quando o objeto da
relação de débito do Fisco tiver seu valor maior ou igual ao previsto na relação do
crédito tributário. Caso contrário, quando o crédito tributário é maior que o débito do
Fisco, não haverá a sua extinção. Em todas essas situações não se nega que a
compensação operou-se e que produzirá um efeito: ou a extinção da relação de
débito do Fisco; ou a extinção da obrigação tributária; ou a extinção de ambas.
No caso em que remanesce um saldo do crédito tributário, o contribuinte
deve pagá-lo, ou extingui-lo de acordo com as outras formas previstas no art. 156 do
CTN. Se assim não proceder, a autoridade fazendária poderá cobrá-lo judicialmente,
inscrevendo em dívida ativa e executando, pois o crédito já consta devidamente
constituído, porquanto é requisito essencial para se proceder a compensação a sua
liquidez, certeza e exigibilidade.
407
Direito tributário, linguagem e método, p. 478.
192
10 A COMPENSAÇÃO DE OFÍCIO
10.1 A norma geral e abstrata da compensação de ofício
A compensação de ofício é a cadeia de positivação de normas cujo ponto final é
inserido pela autoridade administrativa. Esse é o órgão habilitado para colocar a
norma individual e concreta no sistema jurídico estipulando a compensação entre o
crédito tributário e o débito do Fisco.
Como se viu no capítulo anterior, a compensação tributária requer o
cumprimento de certos requisitos para poder ser efetivada. No caso da compensação
de ofício, o legislador ordinário, exercendo a competência do art. 170 do CTN,
estabeleceu outros pressupostos além daqueles essenciais a todos os tipos de
compensação, porém sem inviabilizar o seu procedimento. A norma de estrutura
tributária não impede a criação de uma espécie de compensação cuja estrutura seja
movimentada pela autoridade administrativa. Por isso, foi produzido o Decreto-lei
2.287/86, que, no art. 7º, com redação dada pela Lei 11.196/05, concede o direito
subjetivo à Receita Federal do Brasil, ao verificar a existência de débito em nome do
contribuinte e pedido de restituição ou de ressarcimento de tributos, de compensá-
los.
A análise da compensação de ofício inicia-se com esse dispositivo. Nele se
encontra o primeiro critério que a norma geral e abstrata da compensação de ofício
deverá possuir: o pedido de restituição de tributo pago indevidamente.
O contribuinte, ao realizar a conduta pagamento indevido, tem a escolha de
movimentar duas cadeias de normas para reaver o valor pago
408
: (i) o pedido de
restituição (em sentido estrito); ou (ii) o pedido de compensação. São opções
concorrentes; impossível realizar as duas. Dizendo de outra forma, há duas maneiras
408
Cf. Capítulo 8, item 8.6.3.
193
de se extinguir a relação de débito do Fisco: com o pagamento ou com a
compensação.
Ao eleger o pedido de restituição, o contribuinte tem de seguir o
procedimento que o direito positivo escolheu para receber os valores indevidamente
pagos. Percebe-se que se está diante de outro eixo de positivação de normas,
iniciando-se com o pedido de restituição e que se findará com a norma individual e
concreta do pagamento.
Eleita essa possibilidade, a autoridade administrativa federal, ao ficar diante
do pedido de restituição e verificar a existência de um crédito tributário líquido e
certo, ideterminar a compensação desses valores. Note-se que a relação de débito
do Fisco é formalizada, em linguagem competente, pelo pedido de restituição feito
pelo contribuinte. Eis o débito do Fisco líquido e certo. Com isso, o fato jurídico
suficiente para que o Fisco emita uma norma individual e concreta determinando a
compensação é acontecer o pedido de restituição pelo contribuinte e existir uma
relação de crédito. A diferença aventada é a forma como se apresenta a relação de
débito do Fisco, o veículo introdutor exigido é o pedido de restituição formalizado
pelo contribuinte.
Em razão do § do Decreto-lei 2.287/86 usar a palavra débito
409
, surge a
questão de qual tipo seria esse débito
410
. Como se viu, a compensação tributária deve
acontecer entre o crédito tributário e o débito do Fisco. Assim, o débito seria o crédito
tributário constituído pela linguagem do lançamento ou do autolançamento; quido,
certo e exigível, portanto. Por isso, não se pode realizar a compensação de ofício
quando o crédito tributário esteja com a sua exigibilidade suspensa por qualquer
uma das causas previstas no art. 151 do CTN. Os Tribunais Regionais têm
enveredado por essa trilha, conforme se verifica nos julgados:
409
Eis o seu teor: “Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será
compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito”.
410
Alexandre Macedo TAVARES, Compensação do indébito tributário, p. 80.
194
a) CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. DÉBITOS COM EXIGIBILIDADE
SUSPENSA. COMPENSAÇÃO DE OFÍCIO. PEDIDO DE
RESSARCIMENTO. PRAZO DE 30 DIAS. RAZOÁVEL. 1. A
jurisprudência desta Corte não admite a compensação de ofício de
créditos reconhecidos pela Fazenda Pública em favor do contribuinte
com débitos tributários cuja exigilidade esteja suspensa. 2. Em se
tratando processo de ressarcimento, afigura-se razoável o prazo de 30
dias para operacionalização do pedido, considerando a estrutura
administrativa da Fazenda Nacional. (TRF4, AG 2006.04.00.027290-7,
Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 06/12/2006).
b) (...) 4. O cerne da questão encontra-se na análise da possibilidade
de realização da compensação administrativa, de ofício, dos créditos
apurados de IPI com bitos previdenciários parcelados em face de
adesão ao programa Refis III, que implica na suspensão de sua
exigibilidade, na modalidade de parcelamento, prevista no inc. VI do
art. 151 do CTN, o que impediria a cobrança ou a retenção de
quaisquer valores sob esse título, enquanto vigente o parcelamento. 5.
O preceito legal acima mencionado possibilita a compensação de
débitos vencidos, de ofício, restringindo-se porém aos débitos em
aberto, não alcançando, entretanto, os débitos cuja exigibilidade esteja
suspensa, devendo prevalecer, in casu, o previsto no art. 151, VI, do
CTN. (TRF3, AMS 2006.61.13.003713-0, Sexta Turma, Relatora
Consuelo Yoshida, DJU 13/08/2007, p. 430).
A norma jurídica geral e abstrata da compensação de ofício pode ser
construída com os seguintes enunciados: dado o fato de haver pedido de restituição
pelo contribuinte e de existir um crédito tributário deve ser a relação jurídica em que
o sujeito ativo é a Secretaria da Receita Federal do Brasil, cujo direito subjetivo é
realizar a compensação dos créditos e débitos descritos no fato em face de um sujeito
passivo, o contribuinte, detentor do dever jurídico de aceitar a compensação.
Cotejando a norma geral e abstrata da compensação de ofício, produzida
com base nos enunciados prescritivos contidos no Decreto-lei 2.287/86, com o seu
fundamento de validade, que é o art. 170 do CTN, conclui-se que não há ruptura com
o sistema jurídico tributário da compensação. Isso porque a regra da compensação de
ofício não afronta os requisitos essenciais de toda compensação tributária. Prevê a
existência de duas relações jurídicas recíprocas, em que o sujeito ativo de uma é o
sujeito passivo da outra, e vice-versa. Ainda, são homogêneas, pois versam sobre
valores expressos em pecúnia. E, por último, requer a liquidez e certeza dos vínculos,
195
com exata identificação do credor e do devedor e o montante objeto da prestação.
Alexandre Macedo Tavares entende que a compensação de ofício é
inconstitucional, pois desrespeita o princípio do devido processo legal por ser um
meio coercitivo de cobrança das obrigações fiscais e afronta o art. 146, III, “b” da CF
em razão de criar uma nova modalidade extintiva de crédito tributário, matéria de
competência de lei complementar
411
.
Não parece que seja desse modo. A compensação de ofício encontra seu
fundamento de validade no art. 170 do CTN. Essa forma de extinção do crédito
tributário tem como peculiaridade a autoridade administrativa como sujeito-de-
direito competente para inserir a norma individual e concreta da compensação no
sistema. Isso não a caracteriza como um meio coercitivo de cobrança de tributos nem
um cerceamento ao direito de restituição do indébito tributário. O contribuinte tem
os instrumentos de defesa para questionar a compensação realizada pelo Fisco caso a
considere ilegal ou abusiva, o que descaracteriza esse tipo de encontro de contas
como um procedimento coercitivo. Em suma, o simples fato de ser efetuado pela
Secretaria da Receita Federal não quer dizer que o instituto da compensação teve sua
natureza jurídica corrompida. Trata-se, apenas, de um meio mais eficiente e
econômico de realização tanto do crédito tributário como do débito do Fisco.
Também não assiste razão o argumento de inconstitucionalidade por
violação do art. 146 da CF. A compensação de ofício possui todas as características
comuns ao gênero compensação tributária, e, por isso, não é uma nova forma de
extinção da obrigação tributária. Além disso, a competência da lei complementar é
para versar acerca da prescrição e decadência, e não de todas as formas de extinção
da relação jurídica tributária.
Assim, considera-se a compensação de ofício, instituída pelo art. do
Decreto-lei 2.287/86, com redação dada pela Lei 11.196/05, constitucional e legal, pois
esse veículo introdutor de normas foi produzido respeitando os limites formais e
411
Compensação do indébito tributário, p. 80 et seq.
196
materiais prescritos pela norma de competência
412
.
10.2 O procedimento da compensação de ofício e o Decreto 2.138/97
O Decreto-lei 2.287/86 atribuiu competência ao Ministério da Fazenda e da
Previdência Social para estabelecer os procedimentos a fim de se efetivar a
compensação de ofício. Porém, esse procedimento foi inserido no sistema usando-se
um veículo introdutor de normas diverso: um Decreto. Ddecorre uma dúvida:
há vício formal no Decreto 2.138/97 que regulamentou a compensação de ofício?
Entende-se que não qualquer problema no procedimento de produção do
Decreto 2.138/97. De acordo com o art. 84, IV, da Constituição Federal, o Presidente
da República é competente para expedir decretos e regulamentos para fiel execução
das leis. Exercendo essa competência, o Presidente da República editou o Decreto
2.138/97, estabelecendo a maneira que a Receita Federal do Brasil deve proceder para
realizar a compensação de ofício. O simples fato de uma lei determinar a competência
para o Ministério da Fazenda regular a compensação de ofício não retira a
autorização para se produzir normas constitucionalmente outorgada ao Presidente
da República. É o que pensa Guilherme Mendes
413
:
Apesar de a Lei atribuir competência ao Ministério da Fazenda, não
ilegalidade formal do Decreto. É do presidente da República a
competência constitucional (art. 84, IV) para editar decretos
regulamentares com o fio de promover a fiel execução das leis.
Assim, um diploma legal ao conferir tal competência a um ministro
não suprime a do presidente, apenas possibilita a disciplina direta
por ato ministerial. Evidentemente, se houvesse conflito entre o
presidencial e o do Ministério, prevaleceria aquele.
duas normas de competência no sistema: (i) a que autoriza o Presidente
412
Registra-se que o STJ entende ser impossível a compensação de ofício, porquanto a compensação deve ser uma
opção para o contribuinte, e nunca uma imposição, que se refere a uma parcela de seu patrimônio, ao qual o
Estado não tem livre disponibilidade (REsp. 938.097/PR, Rel. Min. José Delgado, julgado em 19.02.2008, DJ
16.04.2008, p. 1 – ver ementa transcrita abaixo).
413
Compensação de ofício, Compensação tributária, p. 78-9.
197
da República a emitir normas com a finalidade de executar o prescrito em veículos
introdutores da espécie lei, prevista no art. 84, IV da CF; e (ii) a que autoriza o
Ministério da Fazenda a emitir norma de estrutura contendo o procedimento para a
compensação de ofício. Por isso, a edição do Decreto 2.138/97 não violou nenhuma
das regras para a sua produção.
Diante do pedido de restituição e da existência de uma dívida tributária, a
autoridade administrativa pode emitir a norma individual e concreta da
compensação de ofício. Por ser uma espécie de compensação diversa das demais, ela
possui um procedimento específico trilhado pelo Decreto 2.138/97.
Acontece que o art. do Decreto 2.138/97 exigiu a notificação ao sujeito
passivo para se manifestar sobre a compensação de ofício, aquiescendo-a ou não
como condição para a Secretaria da Receita Federal do Brasil produzir aquela norma
individual e concreta. Aceita a compensação de ofício, o processo de positivação de
normas seguirá seu fluxo, extinguindo a relação do crédito tributário e a relação de
débito do Fisco, com a unidade da Secretaria da Receita Federal efetuando o encontro
das contas em conformidade com o disciplinado pelo art. 5º do mesmo diploma legal.
Agora, se o contribuinte não aceitar a compensação de ofício, o § do art.
do Decreto 2.138/97 prescreve que a autoridade administrativa reterá o valor da
restituição ou ressarcimento até a liquidação total do débito. Como é possível notar,
dois eixos de positivação previstos: (i) o da própria compensação, com a
aquiescência do contribuinte, que culmina com a extinção das relações jurídicas; e (ii)
o da retenção, quando o sujeito passivo não concorda com a compensação de ofício.
Esse procedimento de retenção não encontrou guarida no STJ. De acordo
com o Tribunal, o Decreto 2.138/97 extrapolou suas funções ao facultar que a Receita
Federal determine de ofício a compensação e violou a garantia constitucional do
respeito ao patrimônio individual ao prever a retenção dos créditos do contribuinte.
Eis o seu teor:
198
TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. DIREITO DO CONTRIBUINTE.
IMPOSSIBILIDADE DO FISCO REALIZA-LÁ DE OFÍCIO.
RETENÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE.
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. Inexiste dispositivo legal
autorizando a Fazenda Nacional a proceder compensação tributária
de ofício e, em caso de não-concordância do contribuinte com os
valores encontrados, proceder a retenção dos respectivos créditos. 2.
O Decreto 2.138, de 29.01.97, em seu art. 6º, extrapolou a sua função
regulamentadora. 3. A compensação é regida por dispositivos que
consagram ser um direito do contribuinte, a quem lhe é outorgado a
opção de realizá-la ou não. 4. A homenagem ao princípio da
legalidade tributária não autoriza a prática de compensação de ofício
pelo fisco e a retenção de créditos do contribuinte. 5. Recurso especial
não-conhecido. (REsp. 938.097/PR, Rel. Min. José Delgado, julgado
em 19.02.2008, DJ 16.04.2008, p. 1)
414
.
Da mesma forma que o Decreto foi além determinando a retenção, também
extrapola sua competência ao exigir a autorização do contribuinte para que a
autoridade administrativa efetive a compensação de ofício. Em momento algum, o
Decreto-lei 2.287/86, com a redação dada pela Lei 11.196/05, exigiu como condição a
manifestação do contribuinte para autorizar ou não a compensação de ofício. Por
isso, tanto a determinação da retenção como a exigência de aquiescência do
contribuinte são ilegais, ou seja, foram inseridas no sistema jurídico em desacordo
com sua norma de estrutura.
Entende-se que a correta interpretação da compensação de ofício não exige a
autorização do sujeito passivo tributário, sendo um ato unilateral da administração
pública. Isso não significa afirmar o tolhimento do direito de defesa do contribuinte.
Ele pode, e deve, movimentar tanto a esfera administrativa como a judicial, iniciando
novos eixos de positivação de normas, sempre que se defrontar com uma
compensação formalizada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil de forma ilegal
ou abusiva, questionando a sua atividade de enunciação.
Concluindo, consideram-se ilegais as exigências feitas pelo art. do Decreto
414
O TRF da Região também defende o excesso do Decreto 2.138/97, que “ao dispor sobre o procedimento de
compensação de ofício, admitindo a retenção do valor da restituição ou do ressarcimento até a liquidação do
débito, desbordou dos limites da lei”. (TRF4, AMS 2006.71.08.011814-3, Primeira Turma, Rel. Vilson Darós, D.E.
15/07/2008).
199
2.287/86, mas deve prevalecer o procedimento previsto para a compensação de
ofício a ser seguido pela unidade da SRF que a efetuar, que consiste na: (i)
certificação, no processo de restituição ou ressarcimento, do valor utilizado na
compensação e, se for o caso, do valor do saldo a ser restituído ou ressarcido; (ii)
certificação, no processo de cobrança, do montante do crédito tributário extinto pela
compensação e, sendo o caso, do valor do saldo remanescente do débito; (iii) emissão
de documento comprobatório de compensação, com a indicação de todos os dados
relativos ao sujeito passivo e aos tributos objetos da compensação necessários para o
registro do crédito e do débito; (iv) expedição de ordem bancária, na hipótese de
saldo a restituir ou ressarcir, ou de aviso de cobrança no caso de saldo do débito; (v)
realização dos ajustes necessários nos dados e informações dos controles internos do
contribuinte.
200
11 A AUTOCOMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA
11.1 A evolução legislativa no tempo
A autocompensação consiste no fluxo normativo cuja norma individual e
concreta da compensação tributária tem como emissor o contribuinte. O legislador
ordinário, exercendo a competência outorgada pelo art. 170 do CTN, inseriu uma
norma de estrutura, autorizando o particular a produzir normas individuais e
concretas para compensar o crédito tributário com o débito do Fisco.
O primeiro veículo introdutor tratando da autocompensação foi a Lei
8.383/91. O seu art. 66, com a redação dada pela Lei 9.069/99, prevê a possibilidade
de o contribuinte efetuar a compensação nos casos de pagamento indevido ou a
maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas
patrimoniais, ficando restrito aos tributos, contribuições e receitas da mesma espécie.
A Lei 9.430/96, no art. 74 em sua redação original, aludia à autorização da
autoridade administrativa para o administrado utilizar créditos que seriam
restituídos ou ressarcidos para a quitação de quaisquer tributos e contribuições sob a
administração da Secretaria da Receita Federal, mediante requerimento. Segundo
Alexandre Macedo Tavares, essa lei não revogou, na época, o art. 66 da Lei 8.383/91,
pois o são instrumentos incompatíveis entre si, contendo duas diferenças: (i) no
procedimento, a Lei 8.383/91 opera-se de forma automática e unilateral, e a Lei
9.430/96 exige um prévio requerimento e autorização fazendária; (ii) na abrangência,
enquanto a Lei 8.383/91 permite a compensação apenas com tributos da mesma
espécie, a Lei 9.430/96 viabiliza a compensação dos tributos administrados pela
Secretaria da Receita Federal do Brasil
415
. Essa distinção foi percebida pelo STJ:
415
Compensação do indébito tributário, p. 68-9. Maria Teresa LÓPEZ e Emanuel de ASSIS também identificam a
coexistência de dois regimes de compensação, um previsto pela Lei 8.383/91 e outro pela redação original do art.
74 da Lei 9.430/96, Compensação de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil. Regimes jurídicos
201
No regime da Lei n. 8.383, de 1991 (art. 66), a compensação podia
se dar entre tributos da mesma espécie, mas independia, nos tributos
lançados por homologação, de pedido a autoridade administrativa. Já
no regime da Lei n. 9.430, de 1996 (art. 74), mediante requerimento do
contribuinte, a Secretaria da Receita Federal está autorizada a
compensar os créditos a ela oponíveis “para a quitação de quaisquer
tributos ou contribuições sob sua administração” (Lei n. 9.430, de
1996). Quer dizer, a matéria foi alterada tanto em relação à
abrangência da compensação quanto em relação ao respectivo
procedimento, não sendo possível combinar os dois regimes, como
seja, autorizar a compensação de quaisquer tributos ou contribuições
independentemente de requerimento a Fazenda Pública. (Edcl. no
Resp. 118.570/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 04.08.1997, DJ
25.08.1997, p. 39344).
Assim, subsistiam dois procedimentos diversos para a autocompensação: (i)
o previsto na Lei 8.383/91, em que o contribuinte realizava a compensação
procedendo a extinção da obrigação tributária, com tributos da mesma espécie e
destinação constitucional; e (ii) aquele contido na Lei 9.430/96, segundo o qual o
particular deveria fazer um pedido de compensação condicionado à aceitação da
autoridade fazendária, momento em que se daria a extinção da obrigação tributária.
Percebe-se que a linguagem jurídica competente para extinguir a relação jurídica tem
características diversas: na Lei 8.383/96, é produzida pelo contribuinte
416
; e na Lei
9.430/96 quem emite é o Fisco, concordando com o pedido formulado pelo particular.
Em nenhuma das hipóteses a compensação ocorre automaticamente; é
imprescindível o ser humano produzindo a sua norma individual e concreta.
Porém, esse panorama legislativo foi alterado com a publicação da Lei
10.637/02, fruto da conversão da MP 66/02. A nova redação do art. 74 da Lei 9.430/96
passou a permitir ao contribuinte que apurar crédito relativo a tributo ou
contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição
diversos, a depender da data do pedido ou da PER/DCOMP. Prazo de homologação. Confissão de dívida.
Segurança jurídica e irretroatividade das leis, Compensação tributária, p. 91-2.
416
Na época, a norma individual e concreta da compensação era veiculada direitamente em DCTF. O STJ admite a
utilização desse veículo introdutor como forma de se viabilizar a compensação: “Comunicado pelo contribuinte,
na Declaração de Contribuições de Tributos Federais (DCTF), que o valor do débito foi quitado por meio da
utilização do mecanismo compensatório, não por que falar em confissão de dívida suficiente à inscrição na
dívida ativa”. (REsp. 419.476/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 23.05.2006, DJ 02.08.2006, p. 233).
202
ou de ressarcimento, utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a
quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele órgão. Foi incluído o §
determinando que a declaração de compensação entregue pelo particular extingue
a obrigação tributária sob condição resolutória de sua ulterior homologação pela
autoridade administrativa.
Como é possível perceber, com a modificação do art. 74 da Lei 9.430/96, a
extinção da obrigação tributária também passou a ser no momento da entrega da
declaração de compensação pelo contribuinte, não necessitando aguardar a aceitação
da Receita Federal. Com isso, entende-se que a sistemática da compensação tributária
efetivada pelo administrado é, atualmente, regida pela Lei 9.430/96 com suas
posteriores alterações
417
. Desse modo, o objeto de estudo do presente trabalho
restringir-se-á à análise da mencionada lei, principalmente do seu art. 74.
11.2 A aplicação da legislação da compensação no tempo
Como se viu, várias transformações atingiram a legislação que versa acerca
da compensação tributária. No decurso do tempo, considerando-se a partir da edição
da Lei 8.383/91, têm-se vários sistemas jurídicos diversos em razão das alterações
417
De acordo com Maria Teresa LÓPEZ e Emanuel de ASSIS, apenas parte do art. 66 da Lei 8.383/91 foi revogado.
Eis como se manifestam os autores: “A nosso ver, o que houve foi derrogação parcial. O art. 49 da MP nº 66/02, no
que introduziu o § 2º no art. 74 da Lei nº 9.430/96 para determinar que a entrega da nova declaração de
compensação (...) extingue o crédito tributário compensado, introduziu uma sistemática de compensação
aplicável o-somente aos tributos arrecadados pela antiga Secretaria da Receita Federal, que se mostra
incompatível com a anterior”, Compensação de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil. Regimes
jurídicos diversos, a depender da data do pedido ou da PER/DCOMP. Prazo de homologação. Confissão de
dívida. Segurança jurídica e irretroatividade das leis, Compensação tributária, p. 95. O STJ entende ser o regime em
vigor aquele previsto no art. 74 da Lei 9.430/96, com suas posteriores alterações, principalmente a efetivada pela
Lei 10.637/02. Porém, o Min. Teori Albino Zavascki, em seu voto no EREsp. 488.992, asseverou que as inovações
legislativas do art. 74 da Lei 9.430/96, em suas sucessivas redações, atinge apenas os tributos arrecadados pela
Secretaria da Receita Federal. Assim, ainda estaria em vigor a sistemática do art. 66 da Lei 8.383/91 acerca das
contribuições recolhidas ao INSS. (EREsp. 488.992/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 26.05.2004,
DJ 07.06.2004, p. 156). A mesma Corte decidiu que “O regime de compensação instituído pela Lei 8.383/91 foi
revogado com o advento da Lei 9.430/96, posteriormente alterada pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2002, de modo
que o contribuinte, na vigência das leis novas, não pode mais optar por qualquer dos regimes, devendo submeter-
se às regras vigentes quando formulado o pedido de compensação”. (REsp. 987.943/SC, Rel. Min. Eliana Calmon,
julgado em 19.02.2008, DJ 28.02.2008, p. 89).
203
sofridas. Diante dessa multiplicidade, aparecem enormes dificuldades para se
identificar qual sistemática deverá ser aplicada.
Tárek Moussallem diferencia o ordenamento do sistema jurídico,
especificando que o conjunto do ordenamento jurídico é composto por vários
subconjuntos de sistema do direito, sucessivos no tempo, modificados por outras
regras. Assim, haverá um sistema de direito positivo, SDP
1
, em determinado tempo
t
1
, contendo certas normas jurídicas. Em razão de sua modificação, em t
2
, haverá
outro sistema SDP
2
, distinto de SDP
1
, com conseqüências normativas diferentes. Essa
distinção entre os conjuntos não é total, “pois devem possuir ao menos um elemento
em comum (in casu, as regras constitutivas constitucionais)”
418
. Com isso, nada
impede que uma norma pertença ao SDP
1
, sem que seja incluída no SDP
2
, ou que
esteja nos dois conjuntos.
Útil essa breve explicação para fins de identificar a legislação aplicável.
Versando acerca do instituto da compensação tributária especificamente, têm-se as
Leis 8.383/91 e 9.430/96, com suas seguidas mutações, que permitem elaborar a
seguinte distribuição dos sistemas normativos de compensação no tempo: (a) a partir
de 30/12/91, t
1
, com a publicação da Lei 8.383, caracterizando SDP
1
; (b) a partir de
29/06/95, t
2
, com a publicação da Lei 9.069, alterando a Lei 8.383, caracterizando SDP
2
;
(c) 27/12/96, t
3
, com a publicação da Lei 9.430, caracterizando SDP
3
; (d) a partir de
30/12/02, t
4
, com a publicação da Lei 10.637, alterando a Lei 9.430, caracterizando
SDP
4
; (e) a partir de 29/12/03, t
5
, com a publicação da Lei 10.833, alterando a Lei 9.430,
caracterizando SDP
5
; e (f) a partir de 29/12/2004, t
6
, com a publicação da Lei 11.051,
alterando a Lei 9.430, caracterizando SDP
6
. São, portanto, pelo menos, seis sistemas
de direito positivo versando acerca da compensação tributária, principalmente da
autocompensação; SDP
2
e SDP
3
tiveram coexistência harmoniosa, que havia dois
procedimentos distintos possíveis para a autocompensação, consoante foi acima
descrito.
Não sendo suficiente a dificuldade em se conhecer a norma em vigor, maior
418
Revogação em matéria tributária, p. 131.
204
desordem é criada em virtude de a compensação tributária ser um plexo de relações:
a obrigação tributária; a do débito do Fisco; e a compensação entre as outras duas.
São três diferentes fatos ocorrendo no mundo fenomênico.
Assim, caso a norma que constitua a relação de débito do Fisco seja
produzida quando estiver em vigor SDP
4
, e o contribuinte deseja fazer a
autocompensação no mês de janeiro de 2005, em SDP
6
, qual a legislação a ser
aplicada? A dúvida surge em razão de o fato jurídico da compensação ser a
existência da obrigação tributária e da relação de débito do Fisco. Com a existência
dessas duas linguagens no mundo do direito, o contribuinte poderia efetuar a
compensação e, com isso, teria o direito adquirido ao regime vigente na época?
Para solucionar a divergência, é oportuno relembrar a distinção entre tempo
do fato e tempo no fato
419
. O tempo do fato serve para designar o exato momento em que
uma norma entra no sistema, constituindo o fato jurídico (refere-se à atividade
produtora de normas); o tempo no fato é usado para determinar quando se deu a
ocorrência do evento no mundo fenomênico (refere-se ao comportamento humano).
A distinção é relevante para fins da legislação a ser aplicada: o tempo do fato vai
disciplinar qual o procedimento e o órgão competente para a feitura de novos
enunciados prescritivos; o tempo no fato permite identificar a legislação aplicável na
data em que aconteceu o evento. Um exemplo para melhor esclarecer: o contribuinte
tem de inserir a norma individual e concreta de autolançamento no sistema
tributário. Nessa situação dois momentos distintos com legislações diversas
aplicáveis: (i) o acontecimento do evento tributário; e (ii) a produção do
autolançamento (veículo introdutor). Desse modo, o contribuinte se valerá da norma
em vigor no tempo do fato para seu ato de produção do veículo normativo; e da
legislação do tempo no fato para a constituição do fato jurídico e os efeitos que produz.
Utilizando a distinção acima na autocompensação, haverá o tempo no fato
referente ao aparecimento do crédito tributário e do débito tributário no mundo
social, o evento da compensação; e o tempo do fato, tratando da legislação a ser
419
Cf. Capítulo 6, item 6.3.1.1.
205
aplicada no momento da produção da norma individual e concreta da
autocompensação, ou seja, na emissão da declaração de compensação.
Antes de apresentar um entendimento acerca da matéria, analisar-se-á qual a
trilha seguida pelos tribunais e pela doutrina. Iniciando pelas decisões dos órgãos
judiciários superiores, encontram-se no STJ dois posicionamentos, que podem ser
demonstrados da seguinte forma:
a) a legislação que trata da compensação a ser aplicada é aquela vigente na data
do encontro de contas (tempo do fato). Nesse sentido podem-se mencionar os
seguintes julgados: “O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de
que a lei aplicável, na compensação, é a vigente na data do encontro dos
créditos e débitos, incidindo as limitações impostas pelas Leis nºs. 9.032/95 e
9.129/95, a partir de sua publicação”. (AgRg. no REsp. 237.728/SC, Rel. Min.
Garcia Vieira, julgado em 24.02.2000, DJ 27.03.2000, p. 77); “Reconhecido o
direito à compensação, os valores compensáveis até a data das publicações
(Leis 9.032/95 e 9.129/95) estão resguardados dos limites percentuais fixados
(art. 89, § 3º), enquanto que os créditos remanescentes, cujos débitos
venceram-se posteriormente, sujeitam-se àquelas limitações”. (EREsp.
227.060/SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, julgado em 27.02.2002, DJ
12.08.2002, p. 162);
b) as normas de compensação a serem aplicadas são aquelas em vigor no
momento da constituição do débito do Fisco (tempo no fato). Seguem essa trilha
as decisões: “TRIBUTÁRIO - COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA - LIMITAÇÃO
LEGAL - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. 1. As limitações das Leis ns.
9.032/95 e 9.129/95 incidem a partir da data de sua vigência. 2. Os
recolhimentos indevidos efetuados até a data da publicação das leis em
referência não sofrem limitações. 3. Embargos de divergência rejeitados”.
(EREsp. 164.739/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 08.11.2000, DJ
12.02.2001, p. 91); “Declarada a inconstitucionalidade da contribuição
206
previdenciária a cargo da empresa sobre os pagamentos a administradores,
autônomos e empregados avulsos, os valores a esse título recolhidos
anteriormente à edição das Leis 9.032/95 e 9.129/95, ao serem compensados,
não estão sujeitos às limitações percentuais por elas impostas, em face do
princípio constitucional do direito adquirido”. (AgRg. no REsp. 830.268/SP,
Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27.11.2007, DJ 27.02.2008, p. 163); “É pacífico o
entendimento desta Corte no sentido de que as limitações para a compensação
de créditos tributários instituídas pelas Leis ns. 9.032/95 e 9.129/95 se
aplicam a partir da entrada em vigor dos referidos atos normativos, não tendo
eficácia retroativa. Os créditos decorrentes de recolhimentos efetuados antes
da vigência das leis referenciadas devem ser compensados sem a limitação”.
(REsp. 412.776/RS, Rel. Min. Franciulli Netto, julgado em 21.05.2002, DJ
28.10.2002, p. 302).
Persiste, no Colendo Tribunal, como entendimento majoritário e mais
recente, a possibilidade de se aplicar a lei vigente no tempo em que surgiu o evento
da compensação. Assim, a legislação aplicável é aquela do instante em que ocorreu o
fato jurídico no mundo fenomênico, e não quando se o procedimento da
autocompensação.
Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal tem-se posicionado no sentido
de que “se o crédito se constituiu após o advento do referido diploma legal, é fora de
dúvida que a sua extinção, mediante compensação, ou por outro meio, de
processar-se pelo regime nele estabelecido e não pelo da lei anterior, posta aplicável,
no caso, o princípio segundo o qual não há direito adquirido a regime jurídico”
420
. A
manifestação do Colendo Tribunal tornou-se ambígua, pois o problema surge com o
crédito constituído antes da nova legislação. Maria Teresa López e Emanuel da Assis,
interpretando o citado trecho, entendem que o regime jurídico aplicável é o no
420
RE 254.459/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgado em 23.05.2000, DJ 10.08.2000, p. 12.
207
momento do encontro de contas
421
. Portanto, seria a sistemática existente no tempo do
fato a eleita pelo STF para reger a autocompensação. Porém, analisando o voto do
Min. Ilmar Galvão, parece que a opção é pela legislação do tempo no fato, pois o
ilustre Ministro registra como incensurável a decisão do acórdão recorrido, que assim
prescreve: “o limite de 30% não incidirá se o indébito e o crédito tributário com o
qual a parte pretenda efetuar a compensação forem anteriores à vigência daquelas
leis; ao contrário, se lhe forem posteriores, ainda que apenas o crédito tributário o
seja, têm pela aplicação as disposições das Leis nºs. 9.032/95 e 9.129/95 quanto à
limitação imposta”.
Para Alexandre Macedo Tavares, “o regime aplicável à compensação é o
vigente à data em que é apresentada à reclamada declaração para a Secretaria da
Receita Federal (Lei nº 9.430/96, art. 74, § 2º) e promovido o encontro entre o crédito
utilizado e os respectivos débitos compensados, vale dizer, a data em que a operação
de compensação é efetivada”
422
. Maria Teresa López e Emanuel de Assis defendem
que a lei que regulamenta a compensação não é aquela que originou o indébito, mas
sim a do momento da compensação, ou seja, se aplica a legislação da data do
encontro de contas, equivalente à realização da compensação pelo contribuinte
423
. Em
posição contrária situa-se Aroldo Gomes de Mattos, para quem a compensação rege-
se de acordo com a lei contemporânea ao pagamento do tributo indevido
424
.
Realizado esse breve apanhado acerca de qual sistema de direito deve ser
aplicado quando se tratar de autocompensação, passa-se a demonstrar a escolha feita
neste trabalho.
A Lei 9.430/96 contém enunciados prescritivos que permitem ao intérprete a
construção de duas normas jurídicas: (i) uma de estrutura, determinando a pessoa
421
Compensação de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil. Regimes jurídicos diversos, a depender
da data do pedido ou da PER/DCOMP. Prazo de homologação. Confissão de dívida. Segurança jurídica e
irretroatividade das leis, Compensação tributária, p. 103.
422
Compensação do indébito tributário, p. 119.
423
Compensação de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil. Regimes jurídicos diversos, a depender
da data do pedido ou da PER/DCOMP. Prazo de homologação. Confissão de dívida. Segurança jurídica e
irretroatividade das leis, Compensação tributária, p. 104.
424
Repetição do indébito, compensação e ação declaratória, Repetição do indébito e compensação no direito tributário,
p. 68.
208
competente, o procedimento, o tempo e o espaço para se produzir o veículo
introdutor da norma individual e concreta da autocompensação; (ii) outra de
conduta, referente ao fato jurídico que institui a relação jurídica da
autocompensação. Com a análise do produto, percebe-se a incidência dessas duas
normas gerais e abstratas. Ao se deparar com a declaração de compensação,
encontram-se dois tipos de enunciados: a enunciação-enunciada, que se refere à
atividade produtora da norma (veículo introdutor), e o enunciado-enunciado, que
constitui o conteúdo da norma (a norma individual e concreta da compensação).
São duas condutas distintas, produção de normas e o comportamento do
contribuinte em ser credor e devedor do Fisco, regulamentadas pela Lei 9.430/96. O
particular, diante do fato jurídico de ter uma relação de crédito tributário e ter uma
relação de débito com o Fisco, irá criar a norma da autocompensação, extinguindo as
relações. Percebe-se que somente com a expedição dessa norma individual e concreta
é que o fato jurídico da autocompensação surge para o universo jurídico, sendo,
antes, um mero evento. Tem-se o tempo no fato, que serve para identificar o momento
em que o contribuinte se tornou credor e devedor do Fisco; instante em que ocorre o
evento no mundo fenomênico. Nessa situação, como se viu, aplica-se a legislação
vigente na época do evento.
Demonstrada a existência de uma obrigação tributária e de uma relação de
débito do Fisco por meio das provas admitidas em direito, o contribuinte irá realizar
a conduta humana de produzir um veículo introdutor de normas. Esse é o tempo do
fato, demonstrando que a legislação a ser utilizada para identificar o procedimento de
autocompensação é aquela em vigor no momento da entrega da declaração à
autoridade fazendária.
Diante do produto, ou seja, do documento jurídico declaração de
compensação, verifica-se que na produção do veículo introdutor (norma geral e
concreta) as regras a serem observadas são aquelas existentes e aptas a produzir
efeitos no momento em que a declaração foi elaborada pelo particular (tempo do fato).
Cotejando os iticos presentes na enunciação-enunciada com a norma geral e
209
abstrata de estrutura presente na Lei 9.430/96 é possível identificar se o procedimento
de produção da norma foi realizado conforme a legislação em vigor. Já o conteúdo da
norma, o comportamento humano de possuir uma relação de crédito tributário e
uma relação de débito do Fisco, identificado pelo enunciado-enunciado do
documento, é constituído pelas leis em vigor quando o fato acontecer no mundo
fenomênico (tempo no fato), e não no instante em que for relatado em linguagem.
Supõe-se que um contribuinte C
1
tornou-se sujeito ativo na relação de débito
do Fisco cujo objeto referia-se à “crédito-prêmio de IPI” no dia 20/11/2004,
pertencendo a SDP
5
. O mesmo contribuinte C
1
, no dia 07/12/2004, situa-se no pólo
passivo na relação de crédito tributário que tem como objeto o pagamento de uma
soma a título de COFINS. Entretanto, realiza o procedimento de autocompensação
no dia 30/04/2006, com a Lei 11.051 em vigor (que considera a autocompensação
com crédito-prêmio de IPI não-declarada), criando outro sistema, o SDP
6
. Relembre-
se de que o fato jurídico da compensação é ser credor e devedor do Fisco, ao mesmo
tempo. A Lei 11.051/04 restringiu as hipóteses para um evento se tornar fato jurídico
da compensação ao versar sobre os créditos que não podem extinguir imediatamente
a obrigação tributária. Assim, o contribuinte C
1
, ao construir a norma individual e
concreta da autocompensação, deverá obedecer à legislação do dia 30/04/2006 acerca
do procedimento a ser seguido para se inserir o veículo introdutor no sistema (tempo
do fato) e à legislação em vigor no dia 20/11/2004 para se constituir o fato jurídico da
compensação (tempo no fato)
425
. Poderá, portanto, compensar o “crédito-prêmio” de
IPI com o débito da COFINS, utilizando-se da declaração de compensação prescrita
425
Luiz Roberto DOMINGO, tratando das alterações trazidas pela Lei 11.051/04, afirma que essas restrições à
compensação não são normas de cunho processual, e, portanto, não se aplica o primado do tempus regit actum.
Segundo o autor, o ato praticado pelo contribuinte declaração de compensação está regido pela lei vigente à
época da ação, ou seja, que autorizava a compensação sem as limitações do § 12”, Alterações do art. 74 da Lei
9.430/96 efeitos jurídicos, Compensação tributária, p. 144. A posição adotada por Luiz DOMINGO se assemelha à
defendida nesta dissertação, porém com uma pequena diferença no fundamento: o autor afirma que as alterações
referentes ao procedimento ou ao processo administrativo são aplicadas de imediato e as que tratam do instituto
jurídico da compensação não. Informa-se que o TRF da 4ª Região decidiu que a legislação a ser aplicada é a em
vigor no momento da apresentação da declaração de compensação: “Aplica-se ao caso concreto as limitações
trazidas pela IN SRF nº 460/2004 e pela Lei nº 11.051/2004, porquanto já estavam vigentes por ocasião do
protocolo das Declarações de Compensação”. (TRF4, AG 2005.04.01.029277-7, Segunda Turma, Rel. Dirceu de
Almeida Soares, DJ 26/10/2005).
210
pela Lei 9.430/96.
Em suma, o particular ao produzir a norma individual e concreta da
autocompensação tem de ficar atento para aplicar os enunciados prescritivos de
maneira adequada. Aqueles enunciados que versam sobre o fato jurídico da
compensação seguem a sistemática do tempo no fato para fins de aplicação; já a norma
jurídica que estabelece o procedimento para se produzir o veículo introdutor é
elaborada pelas leis vigentes no tempo do fato.
11.3 As normas gerais e abstratas da autocompensação
Como se viu, a Lei 9.430/96 traz os enunciados prescritivos que serão
utilizados para a construção de duas normas gerais e abstratas: (i) uma regulando a
conduta de produzir o veículo introdutor da norma individual e concreta da
autocompensação; e (ii) outra tratando do fato jurídico da compensação tributária, ou
seja, do comportamento humano
426
.
A norma individual e concreta da autocompensação pressupõe a atividade
de enunciação realizada pelo contribuinte. É uma ão humana regulada pelo art. 74
da Lei 9.430/96 que consiste na conduta de produzir normas jurídicas: a norma
individual e concreta da autocompensação, cuja finalidade é extinguir a obrigação
tributária. Acontece que essa atividade produtora tem o seu procedimento prescrito
pelo próprio direito positivo, no exercício de sua autopoiese. De outro modo, para o
contribuinte inserir a norma de autocompensação válida no sistema, tem de obedecer
ao disposto pelo ordenamento jurídico. A enunciação da autocompensação, como
atividade que resultará na ponência de normas no sistema, encontra-se
regulamentada no art. 74 da Lei 9.430/96.
É nessa norma de competência formal ou norma de estrutura da
autocompensação que estarão presentes os critérios orientadores da atividade de
426
São as normas de competência formal e de competência material. Cf. tópicos 4.5 e 4.7.
211
enunciação da norma individual e concreta da autocompensação. O seu antecedente
contém os critérios de pessoa, espaço, tempo e procedimento a ser seguido pelo
particular. No seu conseqüente, presencia-se a relação jurídica do dever de
obediência aos enunciados introduzidos.
A segunda norma geral e abstrata construída a partir do texto do art. 74 da
Lei 9.430/96 regulamentará um comportamento humano: o fato de o contribuinte ser
credor e devedor do Fisco ao mesmo tempo. Eis a regra que determina o limite
material (norma de competência material) para o exercício da competência particular,
ou seja, refere-se aos comportamentos humanos propriamente ditos. Diante disso,
caso o contribuinte possua crédito na Secretaria da Receita Federal do Brasil e débito
em relação a esse mesmo órgão haverá a relação jurídica da autocompensação. É essa
a norma geral e abstrata que determina, conotativamente, os critérios essenciais ao
fato jurídico da autocompensação para se instaurar o vínculo da extinção da
obrigação tributária e da relação de débito do Fisco.
Mais uma vez aparece a linguagem como elemento essencial ao direito. A
constituição do crédito tributário e do débito do Fisco o requisitos indispensáveis
para a autocompensação. Sem a presença dessas duas relações jurídicas
intranormativas, não como o contribuinte realizar sua atividade de produção da
norma individual e concreta da autocompensação.
Com isso, pode-se construir a seguinte norma, geral e abstrata, de conduta,
que contém o limite material para a produção da norma individual e concreta da
autocompensação: dado o fato de o contribuinte apurar crédito tributário e débito do
Fisco, deve ser a relação jurídica efectual, em que o contribuinte tem o direito
subjetivo de realizar o encontro das dívidas em face da Secretaria da Receita Federal
do Brasil.
212
11.3.1 A autocompensação das multas pecuniárias
Delimitado o fato jurídico suficiente para a autocompensação, surge uma
indagação: a expressão crédito tributário usada pelo legislador no art. 74 da Lei
9.430/96 abrange também as multas? O contribuinte pode efetuar a autocompensação
cotejando dívida decorrente de sanções pecuniárias?
O posicionamento do STJ tendia a negar essa possibilidade pelo fato de que a
multa não tem natureza tributária, e sim administrativa
427
, o que a exclui do conceito
de crédito tributário. Porém, o Colendo Tribunal modificou seu entendimento,
principalmente depois das inovações trazidas pela Lei 9.430/96. De acordo com as
novas orientações, a expressão crédito tributário prevista no art. 74 da Lei 9.430/96,
com redação dada pela Lei 10.637/02, deve ser interpretada de forma ampla, e não
restritiva. Outro argumento usado pelo STJ é que o CTN, no art. 113, alarga o
conceito de crédito tributário, incluindo também as penalidades. Transcreve-se a
seguinte ementa:
A compensação de tributos administrados pela Secretaria da Receita
Federal, originariamente admitida apenas em hipóteses estritas,
submete-se, atualmente, a um regime de virtual universalidade. O
art. 74 da Lei 9.430/1996, com a redação dada pela Lei 10.637/2002,
autoriza o aproveitamento de quaisquer “créditos relativos a tributos
ou contribuições” que sejam passíveis de restituição, para fins de
compensação com débitos próprios relativos a quaisquer tributos e
contribuições administrados por aquele Órgão”. Ora, o conceito de
crédito tributário abrange também a multa (CTN, art. 113, §§ 1º e e
art. 139; Lei 9.430/96, art. 43), razão pela qual, no atual estágio da
legislação, não se pode negar a viabilidade de utilizar os valores
indevidamente pagos a título de crédito tributário de multa para fins
de compensação com tributos administrados pela Secretaria da
Receita Federal. Tal possibilidade é reconhecida, inclusive, pelas
autoridades fazendárias (arts. 2º, §1º, 26, 28, §§ 1º e 2º, 35, pár. único e
51, § 8º, da Instrução Normativa-SRF 460, de 18 de outubro de
2004). (REsp 798.263/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em
15.12.2005, DJ 13.02.2006, p. 717)
428
.
427
“É pacífica a jurisprudência desta Corte, quanto à impossibilidade de compensação de multa moratória com
contribuição de caráter tributário”. (AgRg. no REsp. 469.919/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 16.09.2003,
DJ 10.11.2003, p. 172).
428
No mesmo sentido: EREsp 760290/PR, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 13.06.2007, DJ 19.05.2008, p. 1.
213
Muito embora também aqui se defenda que a compensação efetivada pelo
contribuinte pode ter por objeto as multas, não se concorda que o conceito de crédito
tributário abrange o de multa. São duas coisas distintas, devendo possuir nomes
diversos, portanto. Primeiro, porque a acepção para crédito tributário usada nesta
dissertação não deve ser confundida com a obrigação tributária: crédito é o direito
subjetivo que o Fisco tem de exigir a prestação pecuniária do contribuinte; é um
elemento da obrigação tributária
429
. Segundo, o art. 3º do CTN veda as condutas
ilícitas como fato jurídico dos tributos, motivo pelo qual elas não podem ser exigidas
por meio de relações jurídicas estritamente tributárias.
Sacha Calmon Navarro Coêlho, criticando a “conversão” da obrigação
acessória em principal, referida no § do art. 113 do CTN, conclui que “o legislador
expressou-se mal. Quis dizer uma coisa e acabou dizendo outra. Quis dizer, afinal,
que as multas tributárias seriam cobradas como se tributos fossem, gozando dos
mesmos privilégios do crédito tributário”
430
.
Assim, entende-se que o legislador ordinário empregou o termo crédito
tributário no mesmo sentido equivocado usado no CTN, abrangendo as multas
pecuniárias. Até mesmo porque a Lei 9.430/96 não poderia restringir o previsto no
art. 167 do Código Tributário Nacional, que prevê a restituição das multas
pecuniárias indevidamente pagas
431
.
11.4 O veículo introdutor da norma individual e concreta da autocompensação
São duas normas gerais e abstratas que podem ser construídas pelos
enunciados prescritivos previstos no art. 74 da Lei 9.430/96. Ao se dar seguimento
nesses eixos de positivação, resulta-se a produção de outras duas normas: (i) o
veículo introdutor da norma individual e concreta da autocompensação (enunciação-
429
Cf. Capítulo 6, item 6.2.
430
Teoria e prática das multas tributárias, p. 44.
431
Cf. Capítulo 8, item 8.6.4.
214
enunciada); e (ii) a própria norma individual e concreta da autocompensação
(enunciado-enunciado).
Para ingressar no ordenamento jurídico, a norma individual e concreta da
autocompensação necessita de um veículo introdutor. Consoante o § do art. 74 da
Lei 9.430/96, esse documento normativo será a declaração de compensação
432
, composto
por uma enunciação-enunciada, aquelas marcas presentes no documento para se
identificar a atividade produtora de normas, e o enunciado-enunciado, que irá
constituir o fato jurídico suficiente e a relação jurídica da autocompensação.
Percebe-se que a mencionada lei também regula a atividade de produzir
normas jurídicas, contendo, portanto, enunciados prescritivos referentes à norma de
competência formal que regula a elaboração da autocompensação. Tárek Moussallem
e Sergio de Castro descrevem essa produção do seguinte modo: “A enunciação do
contribuinte tem o condão de ejetar enunciados-enunciados no sistema do direito
positivo cujo objetivo é extinguir o enunciado-enunciado denominado crédito
tributário”
433
. Os critérios que irão orientar a enunciação referente ao órgão
competente, procedimento, tempo e espaço para a feitura de novas normas podem
ser encontrados no art. 74 da Lei 9.430/96. Não proceder da forma prevista significa
inserir uma norma passível de ser rechaçada do sistema.
A via eleita pela Secretaria da Receita Federal do Brasil para se inserirem as
normas individuais e concretas da autocompensação, de acordo com a Instrução
Normativa 600/06, foi o programa PER/DCOMP ou, na impossibilidade de sua
utilização, o formulário Declaração de Compensação. Transmitido o programa via
eletrônica ou entregue o formulário em uma Secretaria da Receita Federal, o
particular insere uma nova mensagem jurídica no sistema. Não usar um desses dois
caminhos significa que o procedimento eleito pelo contribuinte não está de acordo
com o que exige o direito positivo, podendo ser invalidado. A verificação se a
432
Karem Jureidini DIAS também considera a declaração de compensação como um veículo introdutor de
normas. Efeitos da declaração de compensação: constituição do crédito tributário, prazo decadencial e imposição
de multa, Tributação e processo, p. 331.
433
Do momento da extinção da relação jurídico-tributária pelo fato jurídico da compensação, Compensação
tributária, p. 173.
215
atividade de enunciação está em conformidade com o texto normativo ocorrerá
apenas com a análise do veículo introdutor produzido. É que se encontrarão os
dêiticos que permitem reconstruir a produção da declaração de compensação.
O documento da declaração de compensação conterá as informações
relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados, ou seja, é
essa a linguagem eleita pelo sistema do direito positivo para constituir o fato jurídico
da autocompensação: a existência do crédito tributário e do débito do Fisco.
11.5 A norma individual e concreta da autocompensação
Diante do acontecimento do fato jurídico descrito no antecedente da norma
geral e abstrata da autocompensação, o contribuinte pode produzir a norma
individual e concreta para extinguir os vínculos jurídicos. É nessa norma que se
identificarão os valores exatos compensados, bem como o contribuinte e a Secretaria
da Receita Federal do Brasil, que a Lei 9.430/96 trata apenas dos tributos por ela
administrados.
O fato jurídico da autocompensação conterá as relações jurídicas
intranormativas: (i) a que constitui o crédito tributário, especificando o valor do
tributo a ser recolhido; e (ii) a que constitui o débito do Fisco, quantificando o
pagamento indevido. A relação jurídica da autocompensação determina a extinção
das obrigações constantes no seu antecedente em razão do encontro dos créditos e
débitos.
O eixo de positivação da norma de autocompensação se encerra com a
produção da sua norma individual e concreta gerando seus efeitos jurídicos: a
extinção da obrigação tributária e da relação de débito do Fisco. Assim, basta a
produção da declaração de compensação com a notificação à autoridade fazendária
216
para que ocorra a extinção da obrigação tributária
434
. É o que afirma Tárek
Moussallem e Sergio de Castro: “Não se que negar que a apresentação da
compensação-enunciação-enunciada tem por efeito jurídico determinar que o
momento da extinção do crédito tributário ocorre na data da protocolização da
‘declaração de compensação’”
435
.
O fato de estar sujeita à homologação do Fisco não é condição suficiente para
evitar que a declaração de compensação produza os efeitos jurídicos que o
ordenamento lhe conferiu: extinguir a relação. Como afirma Karem Jureidini Dias, “a
extinção fica sujeita à posterior averiguação por parte da autoridade administrativa,
mas a averiguação posterior em nada prejudica a definitividade da extinção da
obrigação tributária, já que a definitividade é, sem dúvida, sempre provisória, até
que outra norma jurídica introduzida no ordenamento retire sua validade, alterando
a situação do fato jurídico”
436
.
Nada impede que se verifiquem, imediatamente, os efeitos jurídicos da
norma produzida pelo particular, até mesmo porque o § da Lei 9.430/96
determinou ser o ato de homologação condição resolutória e não suspensiva. Desse
modo, a extinção da obrigação tributária se no momento da entrega do veículo
introdutor da norma individual e concreta da autocompensação: a declaração de
compensação.
Encerrado esse eixo de positivação de normas, o agente administrativo
poderá agir de quatro formas: i) homologar expressamente a autocompensação; ii)
ficar inerte por um período de cincos anos, sendo homologado tacitamente o produto
da atividade do contribuinte; iii) não homologar expressamente a autocompensação;
434
Para Danilo Monteiro de CASTRO a extinção apenas acontece com a homologação da autocompensação, A
necessidade de constituição, via lançamento de ofício, dos débitos fiscais inseridos em declaração de
compensação desconsiderada pelo Fisco, Revista dialética de direito tributário, n. 139, p. 23. Guilherme CEZAROTI
entende que a compensação fica sujeita à condição suspensiva da homologação, Crédito tributário decorrente de
decisão judicial transitada em julgado. Compensação. Prazo prescricional, Revista dialética de direito tributário, n.
139, p. 42-3.
435
Do momento da extinção da relação jurídico-tributária pelo fato jurídico da compensação, Compensação
tributária, p. 173.
436
Decadência e prescrição para constituição e cobrança do crédito tributário objeto de compensação, Compensação
tributária, p. 34.
217
e iv) considerar não declarada a compensação apresentada pelo administrado. São
mais fatos jurídicos desencadeando novos processos de positivação de normas.
11.5.1 O emissor da norma individual e concreta da autocompensação e o art. 166
do CTN
Verificou-se que os sujeitos de direito envolvidos no fato jurídico da
compensação têm de ser recíprocos
437
, isto é, o credor em uma relação sedevedor
na outra relação jurídica. Para produzir uma norma individual e concreta que realize
o cotejo entre as contas, o contribuinte, que figura na obrigação tributária como
sujeito passivo, deverá ser o titular de um direito subjetivo de receber uma quantia
em dinheiro do mesmo órgão administrativo de que é devedor.
A importância em se individualizar o sujeito autorizado a produzir a norma
individual e concreta decorre do disposto no art. 166 do CTN, com o seguinte
conteúdo: “A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência
do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o
referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este
expressamente autorizado a recebê-la”.
Esse enunciado prescritivo surgiu principalmente em decorrência da
dicotomia contribuinte de fato/contribuinte de direito. Essa divisão nasce da
possibilidade de repercussão do tributo. A doutrina acolheu a distinção identificando
como contribuinte de fato a pessoa que suporta o ônus econômico do tributo; e o
contribuinte de direito é o sujeito passivo da obrigação tributária. Assim, tributos
como o IPI e o ICMS são exemplos práticos que permitem visualizar a distinção: o
vendedor de uma mercadoria coloca no seu preço final o valor do ICMS; o
consumidor, então, pagaria o valor do bem mais o tributo incluso no preço. O
contribuinte de direito seria o vendedor, aquele que efetivamente participa da
437
Cf. item 9.4.2.
218
relação jurídica do ICMS; e o contribuinte de fato é o consumidor, pois arca com o
ônus econômico do tributo.
Todavia, tal classificação não encontra amparo na ciência do direito por não
constar de elementos puramente jurídicos. Talvez fosse mais interessante para outras
ciências, como a econômica ou a financeira. Alfredo Augusto Becker tempos
qualificava essa divisão como falsa e impraticável pela falta de critérios científicos
para fundamentá-la
438
.
Apesar de ser uma classificação que não satisfaz os anseios jurídicos, ela vem
sendo amplamente difundida pela doutrina e aceita pelos Tribunais, motivo pelo
qual “a erronia das decisões dos tribunais em matéria tributária e a irracionalidade
das leis tributárias são devidas, em grande parte, à classificação dos tributos em
direitos e indiretos segundo o critério da repercussão econômica
439
.
Por isso, tem-se interpretado o art. 166 do CTN com base na repercussão
econômica do tributo, sendo a sua restituição (em sentido lato) somente possível com
a comprovação do encargo financeiro ou por meio de autorização expressa. Para a
doutrina de José Soares de Melo, “ocorrendo as hipóteses previstas no art. 165 (CTN),
e, em se tratando de tributos (IPI e ICMS) que impliquem a transferência do
respectivo encargo financeiro, torna-se imprescindível a autorização dos terceiros
(adquirentes dos bens) para receber os valores recolhidos indevidamente pelo sujeito
passivo”. Continua o autor, explicitando o escopo do art. 166 do CTN: “O preceito
do art. 166 visa obstar a duplicidade de reposição de valores ao sujeito passivo: a) do
terceiro, mediante o pagamento de preço dos produtos incluindo os valores
tributários; e b) da Fazenda, ao proceder à restituição desses mesmos valores”
440
.
No que tange à compensação, surgiu a discussão acerca da aplicabilidade do
art. 166 do CTN ou não. Se possível, somente poderiam ser compensados aqueles
valores economicamente suportados pelo contribuinte de direito.
Alexandre Macedo Tavares defende a impossibilidade de aplicação do
438
Teoria geral do direito tributário, p. 538.
439
Ibid. p. 537.
440
Curso de direito tributário, p. 249.
219
mencionado dispositivo, pois não se deve erguer analogicamente uma barreira para a
autocompensação, atribuindo-lhe a qualidade de espécie de restituição
441
.
O STJ tem enveredado pelo sentido de que o art. 166 do CTN atinge tanto a
restituição, em sentido estrito, quanto a compensação, conforme se pode verificar nos
seguintes trechos de ementas:
a) O art. 166 do CTN, que exige a comprovação da ausência de
repercussão financeira dos tributos ditos indiretos, aplica-se não
apenas aos casos de típica repetição de indébito, mas também aos
pedidos de compensação ou de creditamento na escrita fiscal
decorrentes de pagamentos indevidamente realizados. Precedentes.
(REsp 766.682/SP, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 01.04.2008, DJe
30.05.2008).
b) Em se tratando de devolução de ICMS (restituição ou
compensação), o contribuinte deve provar que assumiu o ônus ou
está devidamente autorizado por quem o fez a pleitear o indébito, nos
termos do art. 166 do CTN. (AgRg. no REsp. 1036508/MT, Rel. Min.
Humberto Martins, julgado em 17.06.2008, DJe 26.06.2008).
c) Conforme dispõe o art. 166 do CTN, nas hipóteses de tributos
indiretos, como é o caso do ICMS, em que se pleiteia a restituição ou
compensação de valores indevidamente pagos, é necessária a
comprovação do não-repasse do encargo financeiro a terceiros. (REsp.
784.264/SP, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, julgado em
15.05.2008, DJe 09.06.2008).
d) Conforme dispõe o art. 166 do CTN, nos casos de tributos indiretos
em que se pleiteia a restituição ou compensação de valores
indevidamente pagos, é necessária a comprovação do não-repasse do
encargo financeiro a terceiros. (REsp 797.870/SP, Rel. Min. Carlos
Fernando Mathias, julgado em 15.05.2008, DJe 09.06.2008).
Defende-se aqui não só a aplicação do art. 166 do CTN para fins de
compensação, bem como toda a seção do pagamento indevido prevista no diploma
tributário. Porém, a leitura que se faz do enunciado prescritivo mencionado não é a
mesma aduzida pela doutrina que diferencia contribuinte de fato e contribuinte de
direito.
441
Compensação do indébito tributário, p. 133. Entendem que não se aplica o art. 166 do CTN às compensações,
Schubert de Farias MACHADO, O direito à repetição do indébito tributário, Repetição do indébito e compensação no
direito tributário, p. 415; Gabriel Lacerda TROIANELLI, Repetição de indébito, compensação e ação declaratória,
Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 135. Já pela aplicabilidade, Ricardo Mariz de OLIVEIRA,
Repetição do indébito, compensação e ação declaratória, Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p.
388.
220
Entende-se que a repercussão a que alude o art. 166 do CTN é a jurídica e não
a
econômica. Ferreiro Lapatza alerta para essa dualidade: “Transferência econômica
e transferência ou repercussão jurídica do tributo são fenômenos diferentes, de modo
que pode haver transferência econômica ser repercussão jurídica e repercussão
jurídica sem transferência econômica”
442
.
E o que seria a repercussão jurídica? Para tanto, se vale aqui das lições de
Maria Rita Ferragut: “Repercussão jurídica é norma que permite ao sujeito passivo
transferir o encargo econômico do tributo a ser por ele pago”. E adiante conclui: “o
tributo comporta a transferência do respectivo encargo financeiro quando se verificar
que a norma autoria expressamente que o sujeito passivo transfira o ônus fiscal para
outras pessoas”
443
.
Percebe-se que somente haverá a repercussão jurídica com a sua previsão em
normas jurídicas, como no caso da substituição tributária para frente e na retenção na
fonte. A repercussão econômica, portanto, só é relevante para o direito quando por
ele normatizada. Por isso, o contribuinte de fato não é contribuinte, por não figurar
na relação jurídica tributária.
Assim, as decisões do STJ aplicando o art. 166 do CTN nas
autocompensações não estão de acordo com a interpretação que se almeja. O fato de
haver transferência econômica do tributo, como nos casos do ICMS e do IPI, não
enseja a autorização ou a comprovação do ônus para que o particular efetue o
procedimento compensatório. Deve, sim, ser aplicado, quando ocorrer uma retenção
indevida na fonte, a ser restituída pela compensação.
O emissor da norma individual e concreta da autocompensação não sofre
qualquer alteração em virtude do art. 166 do CTN, consoante a interpretação que se
propõe, pois será o sujeito de direito que realizou o pagamento indevido, bastando,
nos casos de repercussão jurídica, a comprovação do ônus.
442
Direito tributário: teoria geral do tributo, p. 244.
443
Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 43. (grifo do original).
221
11.6 A homologação da norma individual e concreta da autocompensação
Conforme expressamente prescreve o direito positivo no § 2º do art. 74 da Lei
9.430/96, a declaração de compensação produzida pelo particular extingue a
obrigação tributária a partir do momento de sua apresentação. Entretanto, o sistema
jurídico outorga à autoridade fazendária a oportunidade de realizar a homologação
do ato exarado pelo contribuinte.
Entregue a declaração de compensação pelo administrado, a Secretaria da
Receita Federal do Brasil tem o período de cinco anos para fiscalizar a produção da
norma individual e concreta da autocompensação de acordo com o disposto nos §§ 2º
e 5º da Lei 9.430/96.
Percebe-se o surgimento de mais um fluxo de normas no sistema decorrente
da fiscalização pela autoridade administrativa da declaração de compensação
produzida pelo particular. Essa cadeia normativa encerrar-se-á com a produção de
outra norma individual e concreta cujo conteúdo se ou a homologação ou o
expressa da autocompensação
444
. Alerte-se que a possibilidade de homologação tácita
decorre da inércia da autoridade administrativa no prazo de cincos após a entrega da
declaração de compensação. Então, se presume que a ação do particular
correspondeu aos anseios legais.
Trata-se de outro eixo de positivação de normas que não se confunde com
aquele referente à produção normativa feita pelo particular. A extinção da obrigação
jurídica se dá com a norma individual e concreta posta no sistema jurídico pelo
contribuinte por meio da declaração de compensação. A homologação consiste na
atividade fiscalizadora da autoridade administrativa, que irá inserir outra norma no
ordenamento, também individual e concreta, concordando ou não com o que foi
realizado pelo particular.
444
A não homologação, diferente da homologação da declaração de compensação, somente pode ser expressa. É o
que pensa também Karem Jureidini DIAS, para quem “a não homologação do fato jurídico da compensação deve
ser expressa”, Efeitos da declaração de compensação: constituição do crédito tributário, prazo decadencial e
imposição de multa, Tributação e processo, p. 334.
222
11.6.1 Conseqüências da não homologação da declaração de compensação
Em virtude de a autoridade administrativa concordar, expressa ou
tacitamente, com o ato do particular, não decorrem tantas divergências, já que apenas
se confirma a extinção da obrigação tributária. Importante, porém, analisar com
maior acuidade a seguinte hipótese: (i) norma individual e concreta da
autocompensação; e (ii) posterior norma individual e concreta da não homologação
do ato produtor de normas do particular.
A primeira vida que aparece é referente à possibilidade de a Secretaria da
Receita Federal exigir o crédito tributário de imediato ou se é imprescindível o
lançamento de ofício. Conforme se disse, para que o contribuinte produza a norma
individual e concreta da autocompensação, é pressuposto o crédito tributário
constituído por linguagem jurídica competente: o lançamento ou o
autolançamento
445
. Com isso, não homologada a atividade produtora do particular, o
Fisco já tem em mãos o sujeito passivo individualizado e o valor devido da obrigação
tributária, podendo executá-lo. Para se evitar a discussão que o lançamento por
homologação suscitou acerca de sua direta inscrição em dívida ativa, o legislador da
Lei 9.430/96 foi mais evidente, determinando expressamente: a declaração de
compensação constitui confissão de vida e instrumento bil e suficiente para a exigência
dos débitos indevidamente compensados.
Dessa forma, não homologada expressamente a autocompensação, o Fisco
pode incluir o débito na dívida ativa da União (art. 74, § 8º, da Lei 9.430/96) e
executá-lo, caso o contribuinte, devidamente cientificado da não homologação, não
realizar uma das seguintes condutas: (i) efetuar o pagamento (art. 74, § 7º, da Lei
9.430/96); ou (ii) apresentar manifestação de inconformidade (art. 74, § 9º, da Lei
9.430/96). Com o contribuinte não realizando o pagamento e não apresentando a
445
A própria declaração de compensação poderia ser instrumento introdutor da norma instituidora do crédito.
Karem Jureidini DIAS afirma que o veículo introdutor da compensação pode servir também como veículo
introdutor da norma que determina os créditos compensáveis. Efeitos da declaração de compensação:
constituição do crédito tributário, prazo decadencial e imposição de multa, Tributação e processo, p. 335.
223
manifestação de inconformidade, o Fisco encontra-se apto a cobrar o crédito
tributário mediante a Execução Fiscal.
Verifica-se a possibilidade de três novas cadeias de positivação se
instaurarem em razão da não homologação da declaração de compensação, cada uma
em razão de um fato diverso: (i) inclusão do débito tributário em dívida ativa e sua
posterior execução; (ii) o pagamento do débito indevidamente compensado; e (iii) a
apresentação de manifestação de inconformidade pelo contribuinte.
Caso inscreva o débito em dívida ativa, em conformidade com o art. 202 do
CTN, o eixo de positivação de normas é o prescrito na Lei 6.830/80, versando sobre a
cobrança do crédito tributário. Ao se tratar do pagamento, tem-se o modo habitual de
extinção da obrigação tributária, conforme visto no Capítulo 7, principalmente no
tópico 7.3.1.
No caso de apresentação de inconformidade pelo contribuinte, dá-se novo
fluxo normativo no âmbito processual administrativo, que culminará com mais uma
norma individual e concreta no sistema, tendo como emissor a autoridade
administrativa, e cujo conteúdo é a manutenção da norma de autocompensação no
sistema ou a sua exclusão. Tal possibilidade, conforme Marcos Vinicius Neder, “tem
natureza de recurso administrativo, cuja finalidade é atender a garantia
constitucional de ampla defesa administrativa prevista no art. 5º, inciso LV, da
Constituição Federal”
446
.
A Lei 9.430/96 ainda prevê a possibilidade de recurso no Conselho de
Contribuintes se houver decisão que julgar improcedente a manifestação de
inconformidade apresentada pelo contribuinte. Tanto o recurso como a manifestação
de inconformidade são exercidos pelo contribuinte e devem seguir o rito processual
do Decreto 70.235/72.
O que se deve ressaltar é que ambos os procedimentos se enquadram no
disposto no art. 151, III, do CTN, referente à suspensão da exigibilidade do crédito
tributário. Essa disposição foi acrescentada pela Lei 10.833/03, merecendo aplausos,
446
Compensação tributária na perspectiva do conselho de contribuintes, Tributação e processo, p. 461.
224
pois o STJ vinha considerando que o recurso administrativo em face de
indeferimento de pedido de compensação não produzia efeitos suspensivos
447
. Com
isso, após o ato de não homologação da autocompensação, a obrigação tributária
passa a ser exigível, porém poderá ser suspensa se houver manifestação de
inconformidade às Delegacias de Julgamento e de recurso voluntário aos Conselhos
de Contribuintes
448
.
Alerte-se que a suspensão é apenas do crédito tributário objeto da declaração
de autocompensação. Muitas vezes o contribuinte utiliza-se desse instrumento para
adimplir apenas parte de sua obrigação tributária, restando um saldo devedor no
Fisco. No caso de não homologação seguida de recursos administrativos, a suspensão
da exigibilidade irá atingir somente a parcela do crédito tributário objeto da
compensação, e não o seu valor total.
11.6.1.1 A prescrição do Fisco no caso de não homologação da declaração de
compensação
A suspensão da exigibilidade do crédito tributário é importante para
determinar a prescrição do Fisco. Com a não homologação da autocompensação, o
Fisco fica diante de um crédito líquido, certo e exigível, pois somente com essas
características é possível utilizá-lo para fins de compensação. A partir desse
447
“O recurso administrativo interposto em face de indeferimento de pedido de compensação não tem o condão
de suspender a exigibilidade dos débitos que se busca compensar, pelo que se mostra legítima a recusa do Fisco
em fornecer a CND no caso. Precedentes: Resp 637.850/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, T., DJ 21.03.2005; AgRg no
Resp 641.516/SC, Rel. Ministro José Delgado, 1ª T., DJ 04.04.2005; RESP 161.277/SC, Rel. MIN. Peçanha Martins, 2ª
T., DJ 13.10.1998; Resp 164.588/SC, Rel. MIN. Peçanha Martins, T., DJ 03.08.1998”. (REsp. 635.970/RS, Rel. Min.
Teori Albino Zavascki, julgado em 17.11.2005, DJ 05.12.2005, p. 226). Já sob a vigência da Lei 10.833/03, o Tribunal
concede efeitos suspensivos à manifestação de inconformidade: “a Lei 10.833/2003, ao acrescentar os §§ 7º a 12 ao
art. 74 da Lei 9.430/96, veio positivar no ordenamento jurídico a orientação jurisprudencial de que a ‘manifestação
de inconformidade’ suspende a exigibilidade do crédito tributário, conforme consta do § 11, transcrito a seguir: ‘A
manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9º e 10 obedecerão ao rito processual do Decreto
70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei 5.172, de 25 de
outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação’”. (AgRg. no REsp.
671.121/RS, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 19.04.2007, DJ 14.06.2007, p. 254).
448
Marcos Vinicius NEDER, Compensação tributária na perspectiva do conselho de contribuintes, Tributação e
processo, p. 462.
225
momento o Fisco pode-se valer do Poder Judiciário para exigir o seu adimplemento.
Porém, há um prazo para exercitar seu direito de ação sob pena de perdê-lo.
Duas são as situações que precisam ser analisadas para fins de determinar o
termo inicial de contagem do prazo que o Fisco possui para exigir o crédito tributário
por meio de seu direito de ação: (i) a não homologação sem manifestação de
inconformidade e sem recurso voluntário (causas suspensivas da exigibilidade do
crédito tributário); e (ii) a não homologação com manifestação de inconformidade e
com recurso voluntário.
O caput do art. 174 do CTN escolheu como dies a quo a data da constituição
definitiva do crédito tributário, ou seja, o momento em que ingressa no ordenamento
jurídico a norma individual e concreta que formaliza os sujeitos de direito e
quantifica a dívida tributária
449
. Assim, o Fisco possui cinco anos contados da
linguagem competente apta a constituir o crédito tributário.
Com a declaração de compensação, a extinção da obrigação tributária por
ato exarado pelo particular. Em seguida, por não concordar com esse procedimento,
o Fisco não homologa a autocompensação. Diante dessa complexidade jurídica,
indaga-se: qual o marco temporal inicial para a cobrança da dívida tributária? Qual a
linguagem competente nessa hipótese: lançamento/autolançamento, declaração de
compensação ou o ato da não homologação?
Já se exclui de plano, como marco inicial da contagem do prazo prescricional,
o lançamento ou o autolançamento, pois o próprio CTN, no art. 174, parágrafo único,
IV, considera como causa interruptiva o reconhecimento do débito pelo devedor. A
declaração de compensação constitui confissão de dívida, determinando o reinício do
prazo de prescrição anterior. Com isso, a dúvida se restringe à declaração de
compensação ou à norma de não homologação.
Da mesma forma, afasta-se a entrega da declaração de autocompensação
como dies a quo para a contagem do prazo que o Fisco tem para cobrar o crédito, pois
nesse momento lhe falta um dos elementos essenciais: a exigibilidade. Ora, se o
449
CF. Capítulo 7, item 7.3.4.2.
226
veículo introdutor da compensação emitido pelo particular tem, conforme
expressamente prevê o direito positivo, o poder de extinguir a obrigação tributária,
não é cabível contar o prazo para o exercício de ação se o Fisco encontra-se impedido
de exercê-lo. Como se falar em execução fiscal se não há crédito? O crédito tributário
será novamente constituído pelo ato de homologação, instante em que começa a fluir
o tempo para cobrá-lo.
Defende-se que o termo inicial de contagem da prescrição do direito de o
Fisco exigir o crédito tributário é a notificação ao contribuinte da não homologação
da declaração de compensação. Verifica-se que é concebido prazo decadencial para o
Fisco se manifestar acerca da autocompensação produzida pelo contribuinte,
homologando-a ou não. Exercido esse direito, nova norma ingressa no sistema,
contendo a relação jurídica de que a obrigação tributária o foi extinta na forma
desejada pelo particular, reconstruindo o crédito tributário. A declaração de
compensação é instrumento apto a extinguir a obrigação tributária, que somente
pode ressurgir para o direito por meio de outra norma individual e concreta, no caso,
o ato de não homologação. Essa norma individual e concreta da homologação é
condição resolutória, e, por isso, de acordo com o art. 117, II do CTN, os seus efeitos
retroagem à prática do ato de autocompensação.
Karem Jureidini Dias defende que a não homologação pela autoridade
administrativa interrompe o prazo prescricional
450
. Apesar de produzir o mesmo
efeito jurídico da opção que elegeu como início do fluxo temporal para a cobrança da
dívida tributária a notificação da não homologação, ainda se prefere este
entendimento àquele emitido pela autora, pois as causas interruptivas da prescrição
estão descritas no parágrafo único do art. 174 do CTN, e não se consegue incluir o ato
de não homologação nessas hipóteses.
Assim, o Fisco tem o prazo de cinco anos para ingressar no Judiciário
exigindo a dívida tributária, contado da notificação ao contribuinte do ato de não
450
Decadência e prescrição para constituição e cobrança do crédito tributário objeto de compensação,
Compensação tributária, p. 41.
227
homologação da declaração de compensação.
Agora, se acontecer de o contribuinte não concordar com a norma de não
homologação e apresentar manifestação de inconformidade e recurso voluntário,
causas suspensivas da exigibilidade do crédito tributário, a contagem do prazo
prescricional ganha um novo elemento.
Nessa hipótese o fluxo de cinco anos para o Fisco exercer seu direito de ação
conta da data em que for suprimida a condição que suspendeu a exigibilidade do
crédito tributário. Desse modo, o prazo prescricional iniciar-se-á com a decisão final
administrativa sobre a autocompensação não homologada.
11.7 A autocompensação considerada não-declarada
Uma novidade inserida na Lei 9.430/96 pela Lei 11.051/04 foi a hipótese da
compensação não-declarada. O § 12 do art. 74 da Lei 9.430/96 contém as situações
que aquela declaração de compensação apresentada pelo contribuinte não produz
efeitos jurídicos. Desse modo, a declaração de compensação não extingue a obrigação
tributária quando a relação de débito do Fisco presente no fato jurídico da
autocompensação se referir a (i) créditos de terceiros; (ii) “crédito-prêmio” de IPI; (iii)
título público; (iv) decisão judicial não transitada em julgado; (v) tributos não
administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB); (vi) saldo a restituir
apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física; (vii)
débitos relativos a tributos no registro da Declaração de Importação; (viii) débitos
relativos a tributos encaminhados à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para
inscrição em Dívida Ativa da União; (ix) débito consolidado em qualquer
modalidade de parcelamento concedido pela (RFB); (x) débito que já tenha sido
objeto de compensação não homologada, ainda que a compensação se encontre
pendente de decisão definitiva na esfera administrativa; ou (xi) pedido de restituição
ou de ressarcimento indeferido pela autoridade competente da (RFB), ainda que o
228
pedido se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa. Situações
em que o crédito tributário permanece no sistema jurídico, podendo ser cobrado pela
autoridade administrativa.
É um novo fluxo normativo. O contribuinte apresenta a declaração de
compensação, mas, em virtude da natureza dos débitos do Fisco, ela não produz o
seu efeito jurídico de extinção da obrigação tributária. O direito nega vigência a essa
norma individual e concreta desde a sua constituição. Acontece que para a
autocompensação ser considerada não declarada é preciso a autoridade
administrativa se manifestar, emitindo uma linguagem jurídica competente para
retirar os efeitos que o ordenamento jurídico lhe conferiu. Karem Jureidini Dias
concorda com essa necessidade asseverando que “para as compensações
consideradas ‘não declaradas’ haverá ato-norma administrativo (despacho decisório)
que assim a declare. Se não houver despacho decisório, não se tratará de
compensação ‘não-declarada’. A ausência de despacho decisório acarreta a
homologação tácita da extinção da relação jurídica obrigacional”
451
.
Diante do despacho decisório, norma individual e concreta expedida pela
autoridade administrativa que considerou a autocompensação inapta a produzir a
extinção da obrigação tributária, o contribuinte pode exercer uma das seguintes
condutas: (i) ficar inerte e ter sua dívida tributária cobrada pelo Fisco; (ii) pagar a
dívida tributária; (iii) se socorrer ao contencioso administrativo; ou (iv) se socorrer ao
Poder Judiciário.
Optando pelo contencioso administrativo, o particular irá encontrar um
obstáculo presente no § 13 do art. 74 da Lei 9.430/96. Esse dispositivo proíbe a
instauração e o prosseguimento do processo administrativo do Decreto 70.235/70,
iniciado com a manifestação de conformidade. Em outras palavras, o contribuinte
não se pode valer dos mesmos instrumentos colocados à sua disposição quando a
declaração de compensação não é homologada pelo Fisco.
451
Efeitos da declaração de compensação: constituição do crédito tributário, prazo decadencial e imposição de
multa, Tributação e processo, p. 353.
229
Porém, de acordo com Flávio de Munhoz, “o direito ao contencioso
administrativo deriva de norma de índole constitucional e concebida em acepção
ampla, o que revela nítida contrariedade entre as disposições da Lei nº 11.051 e o texto
constitucional, no que pretenderam estabelecer limitações à instauração do processo
administrativo
452
.
Em decorrência dessa inafastabilidade do contencioso administrativo,
Marcos Vinicius Neder defende que apesar de proibida a instauração e o
desenvolvimento do processo administrativo pelo rito específico previsto no Decreto
70.235/72 no caso das autocompensações não declaradas, mas não impede o acesso ao
contencioso administrativo pelo rito geral da Lei 9.784/99. Eis as palavras do autor:
“se determinado litígio não está abrangido pelas regras do Decreto nº 70.235/72,
aplicam-se as regras processuais gerais previstas na Lei nº 9.784/99”
453
.
Sendo assim, o contribuinte pode recorrer ao contencioso administrativo pelo
rito geral da Lei 9.784/99 para atacar a norma individual e concreta (despacho
decisório) da autoridade administrativa que considerou a autocompensação como
não declarada
454
.
Garantida a possibilidade de se recorrer, pelo rito geral da Lei 9.784/99, do
despacho decisório que considera não declarada a autocompensação, aparece a
dúvida se esse recurso suspende a exigibilidade do crédito tributário nos termos do
452
Compensação tributária e o processo administrativo fiscal federal, Compensação tributária, p. 311. (grifos do
original).
453
Compensação tributária na perspectiva do conselho de contribuintes, Tributação e processo, p. 456. NEDER
ainda cita o entendimento, no mesmo sentido, do Primeiro Conselho de Contribuintes, com a seguinte ementa:
NORMAS PROCESSUAIS - O Decreto 70. 235/72 segue rito processual distinto da regra geral de tramitação das
petições dirigidas à União, atualmente estabelecida no artigo 56 da Lei 9.784/99. Carece competência a este
Conselho para apreciar procedimento que envolve o reconhecimento do benefício previsto no art. 11 da MP nº
38/2002 não previsto nem no Decreto 70.235/72, tampouco no art. 25 do Regimento Interno desse Conselho
(Portaria MF nº 55/98). Recurso não conhecido. (1º Conselho de Contribuintes, Câmara, Acórdão 107-07.777 em
16.09.2004).
454
O TRF da Região infirma o entendimento acerca da possibilidade de recurso administrativo no caso de
compensação não declarada: “(...) 2. Quando a Lei determina que a compensação o se considera declarada,
sequer existe decisão não-homologatória. Por esse motivo, não há recurso cabível e a compensação jamais terá o
efeito de extinguir o crédito tributário sob condição resolutória de sua ulterior homologação. 3. A ausência de
previsão legal de recurso contra a decisão que não considerou declarada a compensação não implica afronta ao
contraditório e à ampla defesa, porque o crédito postulado não se reveste dos atributos de liquidez e certeza, para
que o contribuinte possa opô-lo ao Fisco”. (TRF4, REO 2005.72.01.003071-6, Primeira Turma, Rel. do Acórdão Joel
Ilan Paciornik, DJ 11/10/2006).
230
art. 151, III, do CTN.
se adianta que o art. 61 da mencionada lei determina que o recurso não
tem efeito suspensivo, a não ser que exista disposição legal em contrário. Esse
dispositivo não pode ser visto isoladamente, pois a Lei 9.784/99 está sendo aplicada
subsidiariamente ao procedimento administrativo tributário por não haver um
recurso específico para o caso de autocompensação não declarada. Por isso, a lei não
pode ser conflitante com os dispositivos do Código Tributário Nacional.
O art. 151, III, do CTN expressamente prevê: as reclamações e os recursos,
nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo, suspendem a
exigibilidade do crédito tributário. A expressão nos termos das leis reguladoras não
significa uma autorização ao legislador ordinário para escolher se o recurso ou as
reclamações podem ter efeito suspensivo ou não. Porém, esse foi o entendimento de
Daniel Carneiro ao defender que os recursos administrativos com efeitos de
suspender a exigibilidade do crédito tributário devem constar expressamente em lei.
Conclui o autor da seguinte maneira: “Destarte, o que ressalta com hialina clareza é
que o inciso III do art. 151 do CTN condiciona a suspensão da exigibilidade do
crédito aos termos das leis reguladoras do processo administrativo tributário”
455
.
Não parece que seja a melhor interpretação para o artigo em comento do
Código Tributário Nacional. A locução nos termos das leis significa que somente os
recursos admissíveis em conformidade com a legislação podem suspender a
exigibilidade do crédito tributário. Realmente,o é qualquer recurso administrativo
que tem esse efeito, apenas aqueles interpostos de acordo com as regras estabelecidas
pelo direito positivo. Todavia, isso não é o mesmo que condicionar o efeito
suspensivo à lei ordinária. Todos os recursos administrativos em matéria tributária
suspendem a exigibilidade do crédito tributário, desde que validamente interpostos.
Hugo de Brito Machado reforça esse entendimento, ao afirmar que: “As leis,
todavia, o podem negar oportunidade para reclamações e recursos. Podem
455
A suspensão da exigibilidade do crédito tributário pela manifestação de inconformidade a que alude a Lei
9.430/96, Revista dialética de direito tributário, n. 121, p. 12.
231
organizar o processo administrativo fiscal, mas, ao fazê-lo, devem respeitar o devido
processo legal, no qual se inclui o direito de defesa. Não podem as leis negar efeito
suspensivo às reclamações e aos recursos. Seja diretamente, seja por via oblíqua,
mudando o nome da reclamação ou do recurso”
456
. O STJ também condiciona o efeito
suspensivo quando pendente recurso administrativo interposto de acordo com a
legislação pertinente
457
.
Assim, os recursos administrativos em matéria tributária suspendem a
exigibilidade do crédito tributário sempre quando interpostos de acordo com o
procedimento eleito pelo direito positivo. Quando se tratar de autocompensação não
declarada, deve-se utilizar, de forma subsidiária, o procedimento previsto na Lei
9.784/99 para interpor recurso em face dessa decisão administrativa, que, em
conformidade com o art. 151, III, do CTN, suspende a exigibilidade do crédito
tributário.
Registra-se a posição de Maria Rita Ferragut, para quem o “recurso
eventualmente interposto em face de decisão que julgar o declarada a
compensação não terá o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário,
uma vez que tal efeito encontra-se previsto no § 11 (da Lei 9.430/96), inaplicável por
456
Curso de direito tributário, p. 217.
457
Cf. EDcl no REsp 701.553/RS. É importante ressaltar que o mesmo Tribunal determina que o recurso
administrativo suspende a exigibilidade do crédito tributário somente quando versar sobre a constituição do
próprio crédito. Desse modo, se o recurso não contestar a existência ou legitimidade do crédito não terá efeitos
suspensivos, isso porque o art. 151 tem sua localização topográfica no CTN no Capítulo que versa sobre o crédito
tributário. (REsp. 868.587/CE, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 27.02.2007, DJ 09.03.2007, p. 301). Entretanto,
parece que o se pode restringir o alcance dos efeitos do recurso administrativo em matéria tributária,
condicionando a suspensão do crédito tributário em razão do conteúdo do recurso interposto. Versando
expressamente sobre a compensação não declarada o TRF da e da Região, negam efeito suspensivo: “(...) 7.
Admitir a possibilidade de manifestação de inconformidade contra a decisão que considerou não declarada a
compensação, e ainda atribuir a tal recurso efeito suspensivo, além de ferir dispositivo legal, afigura-se contrária
ao princípio de que a ninguém é dado beneficiar-se com a própria torpeza, pois estar-se-ia legitimando conduta
do contribuinte, desde o início vedada por lei, e lhe concedendo a vantagem da suspensão da exigibilidade do
crédito tributário”. (TRF4, AMS 2006.72.01.001161-1, Segunda Turma, Rel. Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E.
01/08/2007). “Consoante preceitua o § 12, II, "d", c/c. § 2º, do art. 74, da Lei 9.430/96, será não declarada a
compensação na hipótese de crédito decorrente de decisão judicial não transitada em julgado, caso em que,
conforme o § 13, do art. 74, da Lei 9.430/96, a compensação não-declarada à Secretaria da Receita Federal não
extingue o crédito tributário, nem suspende, daí a impossibilidade de exclusão do nome da parte impetrante do
CADIN”. (TRF3, AMS 2002.61.09.005949-7, Quarta Turma, Rel. Alda Basto, D.E. 15/08/2007).
232
expressa determinação do § 13”
458
. O fundamento para se suspender a exigibilidade
do crédito tributário está previsto no Código Tributário Nacional, e não pode ser
negado pelo legislador ordinário. Assim, não se admite que o § 13 da Lei 9.430/96
possa restringir o efeito suspensivo concedido para o crédito tributário quando
interposto recurso no âmbito administrativo.
Paulo Camargo Tedesco concorda com a suspensão da exigibilidade do
crédito tributário objeto de autocompensação não declarada, porém com
fundamentos diversos. O autor apresenta dois argumentos para sua tese. No
primeiro, a ausência de efeito suspensivo na Lei 9.784/99 justifica-se pela ampla fase
de instrução que não é observada no caso das compensações. o segundo, parte da
consideração de que o CTN permite à legislação esparsa afastar a atribuição da
suspensão da exigibilidade do crédito tributário, porém, como a Lei 9430/96 é omissa
no que concerne ao recurso cabível, aplica-se o art. 151, III, do CTN, que não pode ser
revogado implicitamente pelo art. 61 da Lei 9.784/99
459
.
Proferido o despacho decisório pela autoridade administrativa, é necessário
o lançamento de ofício ou o crédito tributário já se encontra constituído com a
apresentação da compensação considerada não declarada? Tal situação não
apresentaria dúvidas se o § 13, do art. 74, da Lei 9.430/96 não prescrevesse
expressamente que o § 6º, cujo conteúdo concede efeitos de confissão de dívida à
declaração de compensação, não se aplica aos casos de compensação não declarada.
Por isso, Maria Rita Ferragut, considerando que não é qualquer linguagem
apta a produzir efeitos jurídicos, mas apenas aquela eleita pelo direito para esse
determinado fim, afirma que “o § do art. 74 da Lei nº 9.430/96 considera como
linguagem competente somente a relativa às compensações devidamente conhecidas
pelo fisco homologadas ou não razão pela qual entendemos ser imprescindível a
existência do lançamento de ofício na hipótese de compensação não declarada”
460
.
458
Compensação não declarada e lançamento de ofício, Compensação tributária, p 189. (explicou-se nos parênteses).
459
O efeito suspensivo do recurso interposto contra compensação o declarada, Revista dialética de direito
tributário, n. 144, p. 40-44.
460
Compensação não declarada e lançamento de ofício, Compensação tributária, p 191.
233
Posição semelhante é a adotada por Karem Jureidini Dias, que apenas
ressalta que a DCTF apresentada com saldo a pagar positivo constitui documento
hábil a amparar a execução fiscal, uma vez que conterá o crédito tributário declarado
e não pago; agora, se o dever instrumental deixa de constar saldo positivo a pagar, a
hipótese é de lançamento de ofício
461
.
Verifica-se que o direito positivo constrói suas próprias realidades em
virtude de ser um sistema que se auto-reproduz e se auto-organiza. Com isso, ao
retirar os efeitos de constituição de dívida do veículo introdutor da autocompensação
considerada não declarada, o direito inviabiliza a inscrição em vida ativa do
crédito tributário por não ser a linguagem competente. A autoridade administrativa
deve buscar outra enunciação-enunciada admitida pelo direito para constituir o
crédito tributário. Caso não exista, deverá emitir o ato norma de lançamento
tributário.
11.8 O prazo para o contribuinte produzir a enunciação-enunciada da
autocompensação
A legislação ordinária que trata da autocompensação não previu a norma
jurídica especificando o prazo para o administrado exercer seu direito ao cotejo do
crédito tributário e do débito do Fisco. De outra forma também não poderia agir, pois
a Constituição Federal concede à Lei Complementar a competência para versar sobre
prescrição e decadência, conforme o art. 146, III, b.
A respeito do prazo para se produzir a enunciação-enunciada da
autocompensação, a doutrina tem apresentado divergências. Alexandre Macedo
Tavares afirma que a compensação é um direito potestativo não podendo ser afetada
461
Decadência e prescrição para constituição e cobrança do crédito tributário objeto de compensação, Compensação
tributária, p. 51. Defende também a necessidade de lançamento de ofício para os casos de compensação
desconsiderada pelo Fisco, Danilo Monteiro CASTRO, A necessidade de constituição, via lançamento de ofício,
dos débitos fiscais inseridos em declaração de compensação desconsiderada pelo Fisco, Revista dialética de direito
tributário, n. 139, p. 29.
234
pelo decurso do tempo
462
. Outra crítica aduzida pelo autor é que o direito de o
contribuinte realizar a compensação tem sido associado, de forma equivocada, ao
direito de pedir a restituição, até mesmo no que diz respeito ao prazo para o seu
exercício
463
.
De acordo com Gabriel Lacerda Troianelli, as normas que impõem limites
temporais ao ressarcimento são ilegítimas, “não havendo, portanto prazo lícito de
caducidade para o contribuinte obter o justo ressarcimento do indébito tributário,
podendo, assim, o contribuinte, a qualquer tempo compensar o tributo
indevidamente pago ou requerer a sua restituição”
464
. Em trabalho posterior, o autor
condiciona a compensação aos créditos do contribuinte que não estejam prescritos
“bastando, para tanto, que a dívida de quem alega a compensação surja antes do
decurso do prazo de caducidade próprio do crédito objeto da compensação”
465
.
para alguns, como Ricardo Mariz de Oliveira, aplica-se o previsto no art.
168 do CTN, pois a compensação seria uma modalidade de restituição, e o prazo
decadencial é empregado tanto para a restituição em espécie quanto à
compensação
466
. Assim, o prazo seria contado da seguinte forma: a) nos tributos
lançados de ofício: o termo inicial é a data do pagamento indevido; b) nos tributos
lançados por homologação: o termo inicial é a homologação, tácita ou expressa, do
lançamento
467
; c) quando houver reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão
462
Compensação do indébito tributário, p. 91.
463
Ibid. p. 89. Schubert de Farias MACHADO alude aos mesmos fundamentos para concluir que “O direito à
compensação do indébito tributário nasce sem essa limitação originária de tempo para ser exercido. O art. 168 do
CTN trata apenas do direito de pleitear a restituição, não podendo ser aplicado ao direito de compensar, que, por
isso, não está sujeito ao prazo decadencial nele previsto”, O direito à repetição do indébito tributário, Repetição do
indébito e compensação no direito tributário, p. 420.
464
Compensação do indébito tributário, p. 131.
465
Repetição de indébito, compensação e ação declaratória, Repetição do indébito e compensação no direito tributário,
p. 137.
466
Ibid. p. 391.
467
Essa tese, conhecida com 5 + 5, foi aceita pelo STJ ao decidir que o prazo começaria a ser contado da
homologação; caso fosse cita, só começaria a fluir o prazo após cinco anos da ocorrência do fato jurídico,
somando-se mais cinco anos. “Está uniforme na 1ª Seção do STJ que, no caso de lançamento tributário por
homologação e havendo silêncio do Fisco, o prazo decadencial se inicia após decorridos 5 (cinco) anos da
ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais um qüinqüênio, a partir da homologação tácita do lançamento.
Estando o tributo em tela sujeito a lançamento por homologação, aplicam-se a decadência e a prescrição nos
moldes acima delineados”. (EREsp 435.835/SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Rel. p/ Acórdão Min. José
Delgado, julgado em 24.03.2004, DJ 04.06.2007 p. 287).
235
condenatória: o termo inicial é a data em que se tornar definitiva a decisão
modificadora
468
.
Para um melhor deslinde da questão, necessita-se precisar os termos
decadência e prescrição do direito do contribuinte. Ressalva-se à expressão decadência do
direito do contribuinte a extinção de se pleitear o valor constituído pela relação de
débito do Fisco pela via administrativa; e usa-se prescrição do direito do contribuinte
para significar a mesma extinção, porém, pela via judicial
469
. Note-se que, quando o
administrado o exercer seu direito de reaver o pagamento indevido no âmbito
administrativo em determinado lapso temporal, estará decaindo o seu direito;
quando o particular, por certo prazo, não movimentar o judiciário com o escopo de
recuperar a importância paga de forma indevida, estará prescrevendo o seu direito.
O contribuinte, diante do fato jurídico do pagamento indevido pode
extingui-lo juntamente com um crédito tributário, por meio da autocompensação.
Esse procedimento é feito no âmbito administrativo pela entrega da declaração de
compensação. Com isso, o prazo que o contribuinte possui para exercer o seu direito
subjetivo é decadencial, de acordo com a opção semântica acima.
Opta-se por usar o art. 168 do CTN para se determinar a decadência do
direito do contribuinte em produzir o veículo introdutor da autocompensação. Tal
escolha decorre de uma simples situação: o contribuinte, se pleitear a restituição em
pecúnia, está adstrito a um prazo para exercê-la, mas, pelo fato de não haver
previsão legal expressa acerca da compensação, poderia efetuar o encontro de contas
em qualquer tempo. Seria algo paradoxal. No direito positivo, o inegável direito
ao particular de reaver aquilo que pagou indevidamente a título de tributo, seja pela
restituição em sentido estrito, seja pela compensação tributária. Condicionar apenas
uma dessas opções à ação do tempo não parece ser a melhor interpretação do sistema
tributário.
Dois são os termos iniciais para a contagem do prazo decadencial que o
468
Repetição do indébito tributário e compensação, Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 289-90.
469
Eurico de SANTI, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 253.
236
contribuinte possui para realizar a autocompensação: (i) o pagamento indevido que
extinguiu o crédito tributário; (ii) a data da reforma, anulação, revogação ou rescisão
de decisão condenatória judicial ou administrativa que determinou o pagamento
470
.
Diante das premissas adotadas, inclusive nos casos de lançamento por
homologação, o termo em que se começa a contagem do prazo para o contribuinte
realizar a autocompensação é o pagamento indevido.
11.8.1 A decadência e a Lei Complementar 118/05
Nos casos do chamado lançamento por homologação, boa parte da doutrina
entendeu que a contagem do prazo decadencial iniciar-se-ia com a homologação, e
não em decorrência do pagamento. O fundamento usado para sustentar essa posição
era que a extinção do crédito se realiza com a ulterior homologação do
lançamento. Assim, no caso de ausência de homologação expressa, o prazo
qüinqüenal do art. 168 do CTN somente começa a contar após cinco anos da
ocorrência do fato jurídico do pagamento.
Tal tese foi acolhida pelo STJ, determinando que para os tributos sujeitos ao
lançamento por homologação o marco inicial é a própria homologação, expressa ou
tácita
471
. Porém, com o advento da Lei Complementar 118/05, cujo artigo estipula
que a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento
por homologação, no momento do pagamento antecipado, esse argumento perdeu o
sentido.
O mesmo diploma legal concedeu status de lei interpretativa ao artigo suso
mencionado, permitindo sua aplicação a fatos pretéritos, de acordo com o art. 106, I,
do CTN.
470
Cf. Eurico de SANTI, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 258.
471
Cf. nota 467.
237
Acontece que, segundo o Superior Tribunal de Justiça
472
, a LC 118/05 não
pode ser considerada como uma lei interpretativa, porquanto seus dizeres inovaram
o ordenamento jurídico tributário. É que as denominadas leis interpretativas
possuem eficácia declaratória quanto às leis interpretadas, sem poder de inovar, no
sentido de criar nova regra imprevista na lei anterior.
A partir da entrada em vigor da LC 118/05, tem-se a aplicação de dois prazos
distintos: i) nos pagamentos indevidos posteriores à vigência da LC 118/05, a
decadência para a sua restituição é contada do instante em que ocorre o pagamento
indevido; ii) nos pagamentos indevidos anteriores à vigência da LC 118/05, o prazo
decadencial se inicia com a homologação do lançamento.
Entretanto, independente do lançamento ser por homologação ou não,
entende-se que o termo inicial da decadência para o contribuinte efetuar a
autocompensação é de cinco anos contado do pagamento indevido.
11.8.2 Decadência na hipótese de a relação de débito do Fisco ser constituída por
decisão judicial
vários caminhos que levam à produção da norma individual e concreta
apta a constituir o crédito em favor do contribuinte em face do Fisco (aquilo que se
denominando débito do Fisco). Um deles é a via judicial, em que o Judiciário define o
credor e o devedor, bem como o montante do objeto da prestação a que o
contribuinte tem direito. A definitividade do débito surge com o trânsito em julgado
da decisão que reconhece essa relação jurídica.
Definido o débito, o contribuinte pode se valer da autocompensação para
liquidar possíveis créditos tributários que possui perante a Secretaria da Receita
Federal do Brasil, compensado-os. Regulamentando essa possibilidade, foi criado o
472
Cf. AgRg no Ag 783.645/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 07.12.2006, DJ 18.12.2006 p. 326. Paulo de Barros
CARVALHO também identifica o caráter inovador da disposição do art. 3º da LC 118/05, Direito tributário,
linguagem e método, p. 495.
238
“Pedido de habilitação de crédito reconhecido por decisão judicial transitada em
julgado” pela IN 600/05, segundo o qual o particular tem de informar à autoridade
fazendária o montante e a origem de seus créditos, que primeiro deverão ser
homologados pelo Fisco para, depois, serem usados na autocompensação.
A IN 600/05 criou mais um eixo de positivação de normas, também a ser
movimentado pelo contribuinte, requerendo do Fisco a expedição de uma norma
individual e concreta confirmando o direito subjetivo do contribuinte. Como é
possível notar, exige-se mais um requisito para o exercício da autocompensação: a
habilitação do débito do Fisco reconhecido judicialmente.
Contudo, a instrução normativa não é o veículo introdutor de normas
adequado para prescrever o procedimento da autocompensação. O máximo que
pode fazer é determinar o modo de operação, assim como fez com relação ao
PERD/COMP, e não criar outros requisitos para o fato jurídico da compensação
efetivada pelo particular. Em virtude do seu caráter secundário, o STF definiu que
esse tipo de ato regulamentar deve obediência aos contornos da lei. Eis como se
decidiu:
As Instruções Normativas, editadas por Órgão competente da
Administração Tributária, constituem espécies jurídicas de caráter
secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua
estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados,
convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que devem
constituir normas complementares. Essas Instruções nada mais são,
em sua configuração jurídico-formal, do que provimentos executivos
cuja normatividade está diretamente subordinada aos atos de
natureza primária, como as leis e as medidas provisórias, a que se
vinculam por um claro nexo de acessoriedade e de dependência. Se a
Instrução Normativa, editada com fundamento no art. 100, I, do
Código Tributário Nacional, vem a positivar em seu texto, em
decorrência de interpretação de lei ou medida provisória, uma
exegese que possa romper a hierarquia normativa que deve manter
com estes atos primários, viciar-se-á de ilegalidade e não de
inconstitucionalidade. (ADI-AgR 365/DF, Rel. Min. Celso de Mello,
julgado em 07.11.90, DJ 15.03.91, p. 2645).
Desse modo, a competência da autoridade administrativa para editar
Instruções Normativas e os demais instrumentos complementares a que alude o art.
239
100 do CTN deve ser exercida respeitando sempre o fundamento de validade: as leis.
Qualquer descompasso entre a Instrução Normativa e um instrumento primário é
condição suficiente para a sua exclusão do sistema jurídico tributário.
A IN 600/05, ao condicionar a autocompensação de débito do Fisco
constituído por decisão judicial à apresentação de pedido de habilitação de crédito,
não respeita os contornos da Lei 9.430/96, sendo, portanto, passível de ser excluída
do sistema jurídico.
Retornando ao foco principal deste tópico, o contribuinte tendo o crédito
constituído em seu favor por uma norma individual e concreta proferida pelo Poder
Judiciário, poderá utilizá-lo para fins da autocompensação, porém tem o prazo
decadencial de cinco anos para realizar a autocompensação, iniciado com o trânsito
em julgado
473
da sentença que constitui a relação de débito do Fisco.
473
Nesse sentido ver Guilherme CEZAROTI, Crédito tributário decorrente de decisão judicial transitada em
julgado. Compensação. Prazo prescricional, Revista dialética de direito tributário, n. 139, p. 54.
240
12 A COMPENSAÇÃO JUDICIAL
12.1 A compensação tributária em crise
Classificou-se a compensação tributária tomando-se como critério a pessoa
encarregada de produzir a norma individual e concreta necessária para a sua
efetivação e propagação de seus efeitos. Com isso, chega-se às seguintes espécies: (i)
compensação de ofício, realizada pela autoridade administrativa; (ii)
autocompensação, produzida pelo particular; e (iii) compensação judicial, emanada
pelo Poder Judiciário.
Essa terceira forma de se produzir a enunciação-enunciada da compensação
inicia-se com um conflito de interesses entre contribuinte e o Fisco a ser resolvido
pelo Poder Judiciário. É o que Paulo Cesar Conrado designou de compensação
tributária em crise: “fenômeno decorrente das potenciais divergências havidas entre
as normas pretendidas e/ou construídas por cada um dos sujeitos de direito atuantes
(Fisco e contribuinte)”
474
.
A norma individual e concreta da compensação se insere no sistema jurídico
tanto pela autoridade administrativa (compensação de ofício) quanto pelo particular
(autocompensação). Pode ocorrer, em virtude do fenômeno da interpretação, que o
Fisco não concorde com a autocompensação efetuada pelo administrado, resultando
na sua não homologação, conforme estudado no capítulo precedente. Assim, o Fisco
não reconhece a extinção da obrigação tributária pela norma do particular. É o
processo de interpretação feito pela autoridade administrativa colidindo com a
posição adotada pelo contribuinte
475
.
Diante desse conflito de interesses, o contribuinte pode se valer do Poder
Judiciário para requerer o reconhecimento do seu direito à compensação. Para isso, é
474
Compensação tributária e processo, p. 167.
475
Ibid. p. 168.
241
necessária a movimentação do aparato judicial, com a proposição da competente
ação judicial cujo pedido é a permissão de efetuar a extinção da obrigação tributária
pela via da compensação.
12.2 O prazo prescricional para o contribuinte se valer do processo judicial no caso
da compensação
Consoante a denominação adotada acima, designa-se prescrição do direito do
contribuinte para significar a extinção do direito de cobrar o débito do Fisco pela via
judicial. Reitere-se o alerta feito por Eurico de Santi de que “as normas gerais e
abstratas da decadência e da prescrição do direito do contribuinte são construídas,
basicamente, a partir dos mesmos dispositivos do CTN, coisa que pode parecer
estranha ao intérprete mais apegado ao plano da literalidade”
476
.
Desse modo, é possível a criação de três regras jurídicas de prescrição do
direito do contribuinte. A primeira determina o prazo de cinco anos com início na
data da extinção da obrigação tributária, ou seja, o contribuinte tem o lapso de cinco
anos a partir do pagamento indevido, para requerer a manifestação do Poder
Judiciário para declarar a relação de débito do Fisco.
A outra regra é fundamentada no art. 169 do CTN, que pressupõe uma
decisão administrativa que denegue a restituição. Diante dessa norma individual e
concreta inserida no sistema pela autoridade administrativa, o particular tem o fluxo
de dois anos para pleitear na via judicial a realização do seu direito ao ressarcimento
do pagamento indevido.
Por fim, a terceira norma jurídica em sentido estrito que pode ser construída
determina a contagem do prazo prescricional de cinco anos contados da data da
reforma, anulação, revogação ou rescisão da decisão condenatória judicial ou
administrativa que determinou o pagamento.
476
Decadência e prescrição no direito tributário, p. 253.
242
Reitere-se aqui aquilo dito acerca da chamada tese dos “cinco mais
cinco”
477
. O STJ elegeu, nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, como o
momento da extinção da obrigação tributária a homologação expressa ou tácita do
pagamento antecipado. Com isso, o administrado possui o prazo de dez anos,
somados os cinco anos da homologação tácita com os cinco anos da prescrição.
Em que pese o entendimento aqui defendido de que a extinção ocorre com o
pagamento indevido e não com a homologação, refutando-se a tese dos dez anos,
surgiu a LC 118/05 determinando expressamente esse marco como início para a
contagem do prazo.
O posicionamento do STJ pode ser resumido com a transcrição da seguinte
ementa:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PRESCRIÇÃO. TESE DOS
"CINCO MAIS CINCO". ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ERESP 644.736/PE.
1. A Corte Especial, ao julgar a Argüição de Inconstitucionalidade nos
EREsp 644.736/PE (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 27.8.2007),
sintetizou a interpretação conferida por este Tribunal aos arts. 150, §§
1º e 4º, 156, VII, 165, I, e 168, I, do Código Tributário Nacional,
interpretação que deverá ser observada em relação às situações
ocorridas até a vigência da Lei Complementar 118/2005, conforme
consta do seguinte trecho da ementa do citado precedente: “Sobre o
tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito
tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em
se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo
de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do
recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação
expressa ou tácita – do lançamento. Segundo entende o Tribunal,
para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é
indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção
albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa
homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não
havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito
acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador”.
(REsp. 1055903/SC, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 19.06.2008,
DJ 04.08.2008, p. 1).
Às situações ocorridas até 09 de junho de 2005 (momento em que a LC 118/05
477
Cf. Capítulo 11, tópico 11.7.
243
entrou em vigor), aplica-se, ainda, a tese consagrada no STJ, de que o contribuinte
tem o prazo de dez anos para ingressar com a ação judicial pleiteando a relação de
débito do Fisco. A partir desse instante, o fluxo inicia-se com o pagamento
antecipado.
12.3 A norma individual e concreta inserida no sistema pela autoridade judiciária
Conforme se apreende do que foi até agora apurado, o contribuinte pode se
valer dos meios disponibilizados pelo direito positivo para instar o Poder Judiciário a
se manifestar em razão de alguma divergência interpretativa acerca da compensação
tributária. Diante dessa provocação, a autoridade judiciária, por meio do veículo
introdutor de normas denominado sentença, irá inserir uma nova norma individual e
concreta no sistema, resolvendo o conflito de interesses surgido.
O conflito de interesses na compensação pode surgir de duas formas:
preventiva ou repressiva. Na primeira, o administrado pressupõe que o Fisco não i
aceitar o seu pedido de autocompensação e, por isso, de antemão, busca no Judiciário
garantir um direito subjetivo que eventualmente possui. no segundo caso, o Fisco
expressamente não homologa ou considera o declarada a autocompensação
apresentada pelo particular, o que o leva a ir ao Poder Judiciário.
Nesse contexto aparece a seguinte vida: qual o conteúdo da norma
individual e concreta inserida pela autoridade judiciária no sistema?
O STJ tem enveredado pelo sentido de que a autoridade judiciária pode
declarar o crédito como compensável uma vez reconhecido o recolhimento indevido.
Constituída a qualidade de compensável, prossegue-se com a compensação. O Min.
Ari Pargendler, em seu voto no REsp. 89.031/MG
478
, chega a afirmar que o acórdão
transitado em julgado serve de título para a compensação. A seguinte ementa bem
traduz o pensamento do STJ: “Sobre a questão da comprovação da liqüidez e certeza,
478
REsp. 89.031/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 12.09.1996, DJ 30.09.1996 p. 36620.
244
havendo prova nos autos de que houve o recolhimento indevido, com a juntada das
respectivas guias de recolhimento do tributo, não como não se declarar a sua
compensabilidade, ressalvado o direito da Administração de verificar a correção do
procedimento, exigindo, se for o caso, o débito tributário remanescente”
479
.
Alexandre Macedo Tavares afirma que o magistrado não pode declarar
extinto o crédito tributário por meio de uma decisão judicial reconhecendo apenas a
compensabilidade de uma relação de débito do Fisco, “pois, sendo o lançamento
uma atividade privativa da autoridade administrativa (inteligência do art. 142 do
CTN), não pode ele juiz fazer as vezes do administrador”
480
. Mesmo nos casos do
chamado lançamento por homologação a extinção ainda fica restrita a uma atividade da
autoridade administrativa (homologação expressa ou tácita), o que impediria o juiz
de determinar a compensação. A determinação da liquidez e certeza dos créditos e
débitos a serem compensáveis, por esse raciocínio, é de competência exclusiva da
administração pública.
Assim, de acordo com essa postura, a autoridade judiciária não poderia
emitir uma norma individual e concreta contendo no seu conseqüente a relação
jurídica com a finalidade de extinguir a obrigação tributária. Apenas produz uma
norma autorizando a compensação, que será efetivada por ato do particular ou do
Fisco. Tal conclusão se reflete na classificação adotada no nono capítulo, pois não
haveria o ato produtor de normas elaborado pelo juiz. Só se existiriam, então, a
compensação de ofício e a autocompensação.
Entretanto, apesar de ir de encontro com as orientações do Superior Tribunal
de Justiça, ainda se sustentam as três espécies de compensação eleitas anteriormente.
Não se encontra no ordenamento jurídico nacional enunciado prescritivo que proíba
o Poder Judiciário de emitir uma norma individual e concreta que fulmine a
obrigação tributária pela compensação. Ao contrário, há previsões permitindo a
produção da norma realizando o encontro de contas.
479
REsp 171.102/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, julgado em 05.03.2002, DJ 03.06.2002, p. 169.
480
Compensação do indébito tributário, p. 164-5.
245
se defendeu neste trabalho
481
que não só a autoridade administrativa tem
competência para constituir o crédito tributário, como também pode fazê-lo o
contribuinte por meio do lançamento por homologação. Ressalte-se que são duas fontes
produtoras de normas distintas que resultam fluxos normativos específicos. O fato de
a Lei 9.430/96 vincular a extinção da obrigação tributária ao ato de homologação não
é fator impeditivo para o Poder Judiciário proferir uma sentença cujo conteúdo seja o
encontro de contas. Não usurpação de funções entre os Poderes Administrativo e
Judiciário nessa situação. O juiz o está agindo como um administrador quando
determina a extinção da obrigação tributária pela compensação, apenas exerce a
função que a própria Constituição Federal lhe outorgou. A proibição à autoridade
judiciária é de realizar o lançamento tributário ou o ato de homologação da
autocompensação. Essas normas individuais e concretas, sim, são de competência
exclusiva da Administração Pública Fazendária. Tal como a sentença é de
competência exclusiva do Poder Judiciário.
Desse modo, diante das provas em direito admitidas que confirmem o fato
jurídico da compensação, ou seja, a existência da relação de crédito tributário e de
débito do Fisco, devidamente líquidas, certas e exigíveis, nada impede que a
autoridade judiciária, por meio do veículo introdutor sentença, produza a seguinte
norma individual e concreta: dado o fato da existência do crédito tributário x e do
débito do Fisco y, deve ser a relação jurídica de compensação envolvendo x e y.
Não se pode negar que a exigência de se determinar o crédito e o débito
objetos da compensação como líquidos, certos e exigíveis influencia no tipo de ão
judicial escolhida. Sabe-se que o mandado de segurança tem por característica
precípua a discussão apenas de direito, sem demandar provas, em razão de proteger
direito líquido e certo, que pode ser definido como “toda invocação de direito
subjetivo cujos respectivos fatos estejam comprovados documentalmente (prova pré-
constituída) ou não necessitem de prova, independentemente da complexidade
481
Capítulo 5, item 5.6.
246
jurídica da questão submetida à tutela mandamental”
482
.
Assim, o contribuinte pode eleger o mandado de segurança como o
instrumento adequado para requerer ao Poder Judiciário determinar a compensação
tributária, porém tanto o crédito tributário quanto o débito do Fisco devem estar
líquidos, certos e exigíveis, sem possíveis discussões. Se for necessária a
comprovação desses requisitos essenciais da compensação, o mandado de segurança
deixa de ser a via adequada. Nesse caso, poderá se utilizar desse instrumento para
declarar o débito do Fisco como compensável
483
. Desse modo, é possível impetrar o
mandado de segurança com o pedido de declarar o crédito compensável ou com o
pedido de extinguir a relação jurídica tributária pela compensação. Em ambos os
casos, é requisito essencial a prova pré-constituída.
12.4 A compensação judicial e o art. 170-A do CTN
Diante de uma divergência de interpretações, o STJ editou a Súmula 212, cujo
conteúdo é o seguinte: “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida
em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”. Segundo Márcio
Severo Marques, essa súmula resultou de uma confusão semântica causada em
relação aos pedidos de liminares e tutelas antecipadas envolvendo a compensação de
tributos
484
.
O art. 151 do CTN específica que as liminares e tutelas antecipadas são
482
James MARINS, Direito processual tributário brasileiro: administrativo e judicial, p. 467.
483
O STJ editou a Súmula 213 com o seguinte teor: “O mandado de segurança constitui ação adequada para a
declaração do direito à compensação tributária”. Para esse tribunal, não deixa de ser oportuno repetir, cabe à
autoridade administrativa o direito de fiscalizar a liquidez e certeza dos créditos compensáveis. A dualidade de
pedido no mandado de segurança já foi percebida pelo Min. Castro Meira, no seu voto no RMS 24.437/SE, em que
afirma: que se distinguir a impetração do mandado de segurança que visa declarar o direito à compensação
tributária (Súmula 213) do writ utilizado para efetivar a própria compensação. Nesta hipótese, cabe ao impetrante
oferecer prova documental hábil a demonstrar a certeza e a liquidez do crédito, o que não ocorreu no presente
caso, que também se ressente da ausência de comprovação de haver o contribuinte atendido os requisitos
administrativos necessários à realização da compensação”.
484
A Lei Complementar 104/01 o novo artigo 170-A do CTN e o direito à compensação, Revista dialética de
direito tributário, n. 69, p. 103.
247
causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Distintas são as causas
extintivas da obrigação tributária eleitas pelo art. 156 do mesmo estatuto. São duas
situações que se excluem “pois ou bem o crédito tributário foi extinto (e portanto não
que se falar em suspensão de sua exigibilidade; nem tampouco de lançamento) ou
bem se encontra suspensa a sua exigibilidade (e deve-se proceder ao lançamento),
razão por que logicamente não se poderia operar alguma das suas formas de
extinção, previstas pelo aludido artigo 156 do CTN”
485
.
Mesmo diante dessa clara incompatibilidade, os pedidos liminares para a
extinção da obrigação tributária pela compensação continuaram a se suceder,
inclusive, algumas vezes, com êxito. Com isso, o STJ se posicionou afirmando que “é
vedado o deferimento da compensação através de liminar em medida cautelar, tendo
em vista o caráter satisfativo da medida”
486
. Eis o motivo, de forma sucinta, para a
edição da Súmula 212 pelo Tribunal.
Logo em seguida, editou-se o art. 170-A do CTN, expressamente vedando a
compensação mediante o aproveitamento de tributo objeto de contestação judicial
pelo sujeito passivo antes do trânsito em julgado da respectiva decisão.
Paulo Cesar Conrado alerta que estando o Estado-juiz diante de uma
situação cujos requisitos que autorizam a concessão de liminar estejam presentes, o
sistema jurídico exige que seja outorgada a medida
487
. Isso significa dizer que o teor
do art. 170-A do CTN e da Súmula 212 do STJ não impede a concessão de liminar ou
tutela antecipada quando o objeto da lide seja a compensação. O que se proíbe é a
extinção da obrigação tributária em processo judicial ainda não transitado em
julgado. É o que pode ser observado nas seguintes lições do ilustre autor: “a
compensação tributária autorizada por medida liminar não faz outra coisa senão
suspender a exigibilidade do crédito tributário que constitui uma das pontas do ato
compensatório, ficando a extinção da correspondente obrigação tributária, assim como
485
A Lei Complementar 104/01 o novo artigo 170-A do CTN e o direito à compensação, Revista dialética de
direito tributário, n. 69, p. 103.
486
REsp. 116.555/PE, Rel. Min. Adhemar Maciel, julgado em 16.10.1997, DJ 17.11.1997, p. 59485.
487
Compensação tributária e processo, p. 222.
248
a da relação de débito do fisco que se lhe contrapõe, na dependência de um
provimento jurisdicional dotado de definitividade”
488
.
Tal conclusão pode fundamentar a posição de James Marins, para quem o
art. 170-A do CTN não inovou a ordem jurídica tributária
489
. O sistema jurídico
tributário veda a extinção da obrigação tributária por meio de medidas liminares
ou tutela antecipada, reservando-lhes apenas a condição de fatos jurídicos
suspensivos da exigibilidade do crédito tributário. O mencionado artigo, portanto,
não acrescentou nova regra no ordenamento tributário.
Duas situações precisam ser diferençadas: (i) a extinção da obrigação
tributária pela compensação; (ii) a suspensão da exigibilidade do crédito tributário
envolvido no processo de compensação. A norma individual e concreta da
compensação produzida pelo contribuinte não pode ser reconhecida por meio de
medida liminar ou tutela antecipada, porém não há fato impeditivo para o Poder
Judiciário conceder a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, desde que
preenchidos os requisitos exigidos em lei, por decisão que não seja definitiva
490
.
James Marins entende que a regra do art. 170-A está voltada ao particular e à
autoridade administrativa, sendo, portanto, uma regra de procedimento
administrativo, e não judicial. Ela veda a utilização de relação de débito do Fisco nos
casos em que o pagamento indevido esteja em discussão judicial sem que esta
transite em julgado. Assim, o contribuinte ao elaborar o veículo introdutor da
autocompensação encontra-se proibido de compensar o débito do Fisco não
transitado em julgado. A sentença transitada em julgado é que seria o veículo
introdutor competente do fato jurídico do pagamento indevido
491
.
Diante disso, a distinção entre os arts. 170-A e 151 do CTN, segundo Paulo
Cesar Conrado, pode ser apresentada da seguinte forma: “o art. 170-A explicita qual
488
Compensação tributária e processo, p. 223.
489
Direito processual tributário brasileiro: administrativo e judicial, p. 491.
490
Paulo Cesar CONRADO, Compensação tributária e processo, p. 231.
491
Paulo Cesar CONRADO, Compensação tributária e suspensão da exigibilidade do crédito tributário: confronto
e compatibilização dos arts. 170-A e 151 do Código Tributário Nacional, Revista dialética de direito tributário, n. 94,
p. 111.
249
ato (sentença) está capacitado a constituir o fato jurídico do pagamento indevido
(necessário à efetivação da compensação tributária), o art. 151, de outro, relaciona os
tipos de ato judicial constitutivos do fato jurídico da suspensão da exigibilidade da
obrigação tributária, inclusive da que estaria envolvida no contexto de eventual
norma individual e concreta de compensação tributária”
492
.
Pode-se apresentar, sumariamente, o seguinte fluxo normativo: (i) a não
aceitação pela autoridade administrativa da norma individual e concreta produzida
pelo contribuinte; (ii) a proposição de ação judicial pelo contribuinte com pedido de
liminar ou tutela antecipada; (iii) a emissão da norma individual e concreta pela
autoridade judiciária, dotada de provisoriedade, cujo conteúdo é a suspensão da
exigibilidade do crédito tributário a ser compensado (concessão da medida liminar
ou da tutela antecipada); (iv) a emissão da sentença judicial, que contém uma norma
individual e concreta, determinando a compensação tributária com a extinção do
crédito tributário e da relação de débito do Fisco, até onde se equivalerem.
492
Compensação tributária e suspensão da exigibilidade do crédito tributário: confronto e compatibilização dos
arts. 170-A e 151 do Código Tributário Nacional, Revista dialética de direito tributário, n. 94, p. 112.
250
CONCLUSÃO
1.1. Com o Giro Lingüístico alterou-se o foco dos pensamentos filosóficos,
passando-se a considerar a linguagem como elemento essencial ao conhecimento e à
realidade e não mais um simples instrumento para representar as coisas.
1.2. O conhecimento é uma relação que ocorre dentro de um processo
comunicacional, entre o sujeito cognoscente que emite enunciados sobre o objeto em
direção a outro sujeito, o destinatário, sendo-lhe imprescindível a linguagem.
1.3. O direito também é apreendido por meio da linguagem, sem ela não
existe: para se construir a realidade jurídica é necessária uma linguagem jurídica que
a realize. Requer uma linguagem jurídica específica capaz de introduzir no seu
sistema os acontecimentos sociais, prescrevendo as conseqüências jurídicas que eles
acarretarão.
1.4. o direito positivo e a ciência do direito são fenômenos lingüísticos, com
organização lógica e funções semânticas e pragmáticas diversas. O direito positivo
consiste em um discurso lingüístico prescritivo, composto por normas jurídicas
válidas num dado espaço territorial, cuja finalidade é comunicar aos seus
destinatários padrões de comportamentos sociais. A ciência do direito é formada por
um estrato de linguagem descritiva que se destina a estudar o direito positivo.
1.5. A linguagem jurídica traduz os acontecimentos do mundo social,
imputando-lhes efeitos jurídicos. Essa tradução não é perfeita, uma vez que o fato
social não é idêntico ao fato jurídico, mesmo que tenha servido de suporte para a
criação da norma jurídica.
1.6. O direito pode ser visto como um sistema autopoiético, pois regula a sua
própria criação por meio das normas jurídicas que prescrevem como novas normas
jurídicas devem ingressar no sistema jurídico. São normas que tratam do
procedimento para introduzir novas normas.
251
2.1. Como o direito se expressa por meio de linguagem, ele pode ser
estudado como um sistema de comunicação, em que a linguagem do direito positivo
é usada para comunicar à sociedade as condutas a serem seguidas.
2.2. O processo de comunicação, conforme a teoria de Roman Jakobson, conta
com a presença de seis fatores: remetente, contexto, mensagem, canal físico, código e
destinatário.
2.3. Aplicando-se o modelo comunicacional jakobsoniano ao direito,
identifica-se a mensagem como sendo a norma jurídica em sentido estrito (ou regra
jurídica), excluindo-se os enunciados prescritivos. Apenas será mensagem a norma
jurídica cujos enunciados estejam estruturados na forma de juízos hipotéticos
condicionais, regidos pelo princípio da imputação, em que o modal deôntico “dever-
ser” conecta uma conseqüência jurídica ao fato descrito na hipótese.
2.4. O código consiste no sistema de símbolos que, por convenção
preestabelecida, visa a transmitir uma mensagem entre a fonte e o ponto de destino.
Distinto do repertório, que se refere a um acúmulo de experiências, é a memória em
que os indivíduos registram as informações que absorvem. O código é um elemento
objetivo e o repertório é subjetivo, intrínseco a cada sujeito. No processo
comunicacional do direito, a função de código é exercida pelo direito positivo, assim
entendido como as normas jurídicas válidas numa determinada época e num certo
país.
2.5. O art. da Lei de Introdução do Código Civil, ao proibir a alegação de
que não se cumpriu a lei por não conhecê-la, presumiu que todos os emissores e
receptores de normas jurídicas possuem o mesmo código e repertório. O direito não
permite ao destinatário de uma mensagem jurídica alegar que não seguiu um
determinado comando legal por desconhecer o conteúdo de uma lei (código) ou por
não a compreender (repertório).
2.6. Os canais são as formas de transmissão dos sinais de um código. No
direito, o canal físico utilizado é a linguagem escrita.
2.7. Emissor é aquele que o sistema jurídico outorgou competência para
252
emitir normas jurídicas. Destinatário é o sujeito para quem as normas são
produzidas.
2.8. É dentro de um determinado contexto que se compreende plenamente
uma mensagem. Como a finalidade do direito é regular condutas humanas
intersubjetivas, o contexto a que se refere a mensagem jurídica é o mundo social.
2.9. O intérprete inicia o percurso gerador de sentido jurídico (S
1
) com o canal
físico: a literalidade do texto normativo. Passa-se, em seguida, em S
2
, a se identificar
os signos jurídicos, associando a eles significações. O intérprete, em S
3
, constrói a
mensagem jurídica, com sua estrutura mínima de significação, no sentido de orientar
a conduta humana. A norma jurídica em sentido estrito é obtida no plano S
3
construindo a mensagem jurídica. O nível S
4
permite que destinatário organize as
normas jurídicas de forma hierárquica.
3.1. O sistema jurídico é operativamente fechado, porém aberto
cognitivamente. É essa abertura que permite uma correlação com os outros
subsistemas, com constantes trocas de informações.
3.2. O direito provoca irritações na sociedade prescrevendo como deseja que
determinadas condutas humanas sejam materializadas, sendo processada pelo
sistema social de acordo com suas próprias estruturas, podendo alterá-lo ou não.
Tem-se a distinção entre o “ser” e o “dever-ser”, como dois conjuntos distintos que
operam conforme suas estruturas específicas, o sistema jurídico e o seu ambiente,
que somente se aproximam por meio do processo de positivação do direito, pois é
com a produção da norma individual e concreta que o direito positivo idirecionar
o comportamento humano.
3.3. A positivação do sistema jurídico é resultado do ato de aplicação das
normas jurídicas realizado pelo homem. Aplicar o direito consiste na produção de
novas normas jurídicas com fundamento em regras superiores.
3.4. Distingue-se o fato do evento. O fato é constituição lingüística que
organiza a realidade, e evento, o acontecimento concreto que se exaure no tempo, sem
deixar vestígios, a não ser com a sua constituição por linguagem. Assim, o fato, para
253
se tornar jurídico, impõe a linguagem própria do direito, as normas jurídicas.
3.5. A incidência normativa requer uma norma geral e abstrata que descreva
as notas, os critérios e as características que um evento precisa possuir para se tornar
fato jurídico. Depois, tem de ficar comprovado que o evento realmente aconteceu no
mundo fenomênico, por meio da linguagem das provas. então é que haverá a
incidência da norma jurídica sobre o evento, produzindo-se uma norma individual e
concreta que conterá, em seu antecedente, a constituição do fato jurídico.
3.6. Um acontecimento social pode desencadear diversos fluxos normativos,
cada qual estabelecendo efeitos próprios. São cadeias de normas que se difundem
nas mais diversas direções até atingir os níveis de individualidade e concretude
exigidos pelo processo de positivação.
3.7. A fonte do direito é a enunciação, isto é, a atividade produtora dos
enunciados do documento normativo. Fonte do direito, portanto, é o processo, e o
documento normativo é o produto advindo desse processo.
3.8. O termo competência tributária pode ser tomado em sentido estrito,
significando a autorização que as pessoas políticas possuem para produzir novas
normas cujo conteúdo trate apenas da instituição de tributos e em sentido amplo,
quando a permissão é para a produção de qualquer tipo de norma tributária. Todo
ato de produção de normas pressupõe uma norma de competência contendo os
requisitos formais e materiais a serem obedecidos pelo órgão produtor de normas.
3.9. O direito positivo cuida das condutas humanas que podem ser divididas
em ões que tratam da criação, modificação ou extinção de normas jurídicas, ou
ações que se referem aos comportamentos humanos propriamente ditos.
3.10. Na produção de normas, o emissor tem de seguir o procedimento
traçado pelo direito. São os limites formais previstos no conseqüente das normas de
competência legislativa, ou as normas procedimentais.
3.11. O termo procedimento é reservado para significar os critérios previstos
nas normas de estrutura que devem ser seguidos quando se tratar da produção de
novas normas jurídicas no sistema.
254
3.12. Para se estudar o processo de produção de normas parte-se da análise
do produto, cotejando-o com as regras de estruturas previstas pelo direito posto. A
produção normativa também possui uma fenomenologia de incidência de normas,
concretizada pelas normas que revelam como se deve agir para que outra norma seja
inserida no sistema, ou seja, com a incidência da norma de estrutura.
3.13. O fato jurídico da produção de normas, em sua feição denotativa é
precisamente delimitado quanto ao sujeito, ao procedimento e às coordenadas
espaço-temporal. O conseqüente instaura uma relação jurídica obrigando todos, por
isso geral, a observarem o conteúdo (enunciado-enunicado) introduzido no sistema.
4.1. A relação jurídica, por ser relação antes mesmo de ser jurídica, requer seu
estudo com fundamento na lógica, precisamente no capítulo dos Predicados
Poliádicos, que investiga as regras de formação e transformação das relações.
4.2. A relação jurídica é descrita como um vínculo entre dois sujeitos
distintos com a finalidade de se cumprir certa prestação. Eis os seus elementos: o
subjetivo e o prestacional. O primeiro consiste nos sujeitos postos em relação entre si,
o sujeito ativo, titular do direito subjetivo de exigir certa prestação, e o sujeito
passivo, que possui o dever de cumprir a conduta. O outro elemento, o prestacional,
trata diretamente da conduta, modalizada como obrigatória, proibida ou permitida.
Esses dois elementos estão presentes no conseqüente da estrutura lógica da norma
jurídica, prescrevendo a conduta que o direito deseja que seja realizada com o
acontecimento do fato jurídico descrito no antecedente.
4.3. A obrigação tributária é composta pelos elementos comuns a todas as
relações jurídicas: o subjetivo e o prestacional. O subjetivo é formado pelo núcleo
ativo e passivo que, na obrigação tributária, são: (i) o ativo, que possui o direito
subjetivo de exigir um valor a título de tributo; e (ii) o passivo, com o dever de
cumprir a conduta que corresponda à exigência do sujeito ativo. O segundo
componente da obrigação tributária consiste no comportamento de entregar certa
quantia aos cofres públicos.
5.1. A expressão relação de crédito tributário (ou obrigação tributária) é usada
255
quando o Fisco figurar no pólo ativo da relação jurídica tributária e o termo débito do
fisco significa a relação em que o pólo passivo de uma relação jurídica tributária for
ocupado pela Fazenda Pública.
5.2. O crédito tributário surge quando se der a aplicação da norma geral e
abstrata que contém as notas referentes ao fato jurídico tributário e à relação jurídica
efectual, fazendo-a incidir sobre um evento ocorrido concretamente.
5.3. A regra-matriz de incidência tributária é norma jurídica geral e abstrata
cuja finalidade é apresentar os critérios que permitem identificar o fato jurídico
tributário no seu antecedente e a relação jurídica tributária no seu conseqüente.
5.4. O tempo do fato permite identificar o procedimento e o órgão competente
para a feitura de novos enunciados prescritivos. O tempo no fato está relacionado com
o acontecimento do evento no mundo fenomênico, sendo a legislação aplicável a
vigente na data a que o fato se refere, a data do evento.
5.5. Para que surja a obrigação tributária e, conseqüentemente, o crédito
tributário, é imprescindível um ato humano de aplicação, que resulta na norma
individual e concreta, em decorrência da operação lógica de subsunção do fato à
regra-matriz. Pelo sistema do direito positivo, esse ato de aplicação poderá ser feito
pela Administração mediante o lançamento tributário, ou pelo particular, por meio do
lançamento por homologação ou autolançamento. São atos diversos, pois praticados por
sujeitos distintos.
5.6. O eixo de positivação movimentado pela autoridade administrativa
culmina com a produção da norma individual e concreta lançamento tributário,
constituindo o fato jurídico tributário e prescrevendo a relação jurídica
individualizada com o exato valor a ser pago a título de tributo. Para realizar o ato de
aplicação, a autoridade administrativa, tem de observar duas normas jurídicas: (i) a
regra-matriz de incidência tributária; e (ii) a norma de competência formal que
estabelece o órgão fiscal e o procedimento para elaboração de outras normas.
5.7. A expressão lançamento tributário é usada para designar: (i) o fato jurídico
criador da norma individual e concreta (enunciação); (ii) a norma jurídica veículo
256
introdutor (enunciação-enunciada); (iii) a norma individual e concreta que constitui o
crédito (enunciado-enunciado); e (iv) o suporte físico que contém os enunciados da
norma veículo introdutor e da norma individual e concreta.
5.8. A norma individual e concreta que constitui o crédito tributário é
resultado da atividade produtora de norma realizada pela autoridade administrativa.
O fato jurídico produtor de normas individuais e concretas é um ato de enunciação
que se perde no tempo, restando apenas as marcas registradas no enunciado. É
construído, portanto, pela enunciação-enunciada presente no documento lançamento
tributário.
5.9. O lançamento, tomado na sua acepção de ato-norma administrativo,
possui a mesma estrutura sintática de todas as demais normas jurídicas, cujo
antecedente contém a descrição do fato ocorrido no tempo, tornando-o jurídico, e
seu conseqüente institui uma relação jurídica de conteúdo patrimonial. É uma norma
individual e concreta, construída com base no enunciado-enunciado do documento
lançamento.
5.10. O ato de produção de norma individual e concreta que constitui o
crédito tributário feito pelo particular possui dois eixos de positivação de normas
presentes no art. 150 do CTN: (i) que autoriza o particular a emitir a norma
individual e concreta do crédito tributário; e (ii) que autoriza a autoridade
administrativa homologar a atividade do particular.
5.11. O particular está autorizado a constituir o crédito tributário, só que para
isso deve utilizar procedimento próprio: o autolançamento. Nessa fenomenologia
existe uma norma geral e abstrata de competência privada, estabelecendo o
procedimento a ser obedecido, e a regra-matriz de incidência cujo conteúdo é os
limites materiais para a constituição do crédito.
5.12. Com a inserção da norma individual e concreta que constitui o crédito
pelo particular se encerra um eixo de positivação de normas e abre espaço para que
um fluxo normativo se inicie, da homologação pela autoridade administrativa.
6.1. Os vínculos jurídicos nascem com os enunciados lingüísticos das normas
257
individuais e concretas, posicionadas no conseqüente, bem como as suas eventuais
modificações e extinção também necessitam de um enunciado lingüístico para
operar. Esse enunciado deveconter uma relação jurídica que faça desaparecer pelo
menos um dos cinco elementos da relação jurídica tributária.
6.2. Na fenomenologia da extinção das relações jurídicas estão presentes,
pelo menos, duas cadeias de positivação de normas: N
1
, que constitui a relação
jurídica e N
2
, determinando a sua extinção. Ao se findar o segundo processo de
concretização, haverá duas normas individuais e concretas no sistema, com
conteúdos divergentes.
6.3. Somente com a produção de outras normas, reguladas pelo direito
positivo, é que se soluciona um conflito de normas. Havendo normas incompatíveis,
o próprio direito determina qual deve permanecer no sistema. As regras que versam
sobre a revogação das normas incompatíveis no sistema jurídico brasileiro são: (i) a
norma superior revoga a inferior, em virtude da hierarquia; (ii) a norma posterior, no
tempo, revoga a anterior; (iii) a norma especial revoga a geral no que essa tem de
especial.
6.4. A obrigação tributária nasce, modifica-se e extingue-se por força de uma
manifestação de linguagem. O CTN elencou, no art. 156, onze formas de extinção da
obrigação tributária. Esse rol não é exaustivo, podendo outras figuras, como a
confusão e a morte do devedor, extinguir a obrigação tributária.
6.5. O pagamento é uma forma de extinção da obrigação tributária que se
efetiva com a sua concretização. Sem a norma individual do pagamento não há
extinção da obrigação tributária. A ão de pagar devidamente documentada em
linguagem jurídica competente suprime tanto o crédito tributário como o débito
tributário.
6.6. Transação é outra via de extinção da obrigação tributária que significa o
instituto em que as partes interessadas, credor e devedor, fazendo concessões
mútuas, põem fim a um litígio extinguindo a obrigação. Observa-se que a transação
geralmente não serve para extinguir a obrigação tributária, mas para terminação do
258
litígio.
6.7. A remissão consiste no perdão, na dispensa do pagamento. O seu
processo de positivação se encerra com a produção de uma norma individual e
concreta pela autoridade administrativa cuja mensagem consiste no perdão da dívida
tributária.
6.8. A prescrição é a perda do direito de o Fisco exigir o crédito tributário
constituído, e a decadência é a perda do direito de o Fisco constituir o crédito
tributário, ambos em razão do decurso do tempo. Para conseguir a extinção da
obrigação tributária requer-se a produção das suas respectivas normas individuais e
concretas. Seu antecedente contém o fato do transcurso de tempo em que o titular do
direito permaneceu inerte, e seu conseqüente prevê a perda do direito de constituir o
crédito ou de cobrá-lo.
6.9. O depósito é uma forma de suspensão da exigibilidade do crédito
tributário. Com o final do litígio, os valores depositados são convertidos em renda do
sujeito ativo, concretizando o pagamento do tributo.
6.10. O ato de homologação é do pagamento, fiscalizado pelo Fisco que
apenas verifica se esse pagamento foi suficiente para a extinção do crédito. É,
portanto, o pagamento antecipado que extingue a obrigação tributária e não a
homologação. O ordenamento jurídico expressamente prevê, com a inclusão da LC
118/05, que, no art. 3º, específica que a extinção do crédito tributário ocorre, no caso
de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento
antecipado de que trata o § 1º do art. 150 do CTN.
6.11. Diante da recusa de o credor receber a prestação, ou no caso de o
devedor ter dúvidas a quem pagar, o contribuinte se utiliza da via processual,
realizando a consignação em pagamento, para depositar o valor devido a tulo de
tributo, com a conseqüente extinção do vínculo obrigacional.
6.12. A decisão final em processo administrativo é uma norma individual e
concreta, determinando se a constituição do crédito tributário está de acordo com o
sistema jurídico. Quando o conteúdo da norma for favorável ao contribuinte, total ou
259
parcialmente, extingue-se o crédito na medida da decisão.
6.13. Com a decisão judicial definitiva, o Judiciário insere uma mensagem
jurídica cuja relação prescrita no seu conseqüente determina a extinção da obrigação
tributária.
6.14. A dação em pagamento de bens imóveis tem como finalidade a entrega
de coisa diversa de dinheiro como pagamento de tributos.
7.1. A relação de débito do Fisco é formada por um sujeito ativo, o
contribuinte que possui um direito subjetivo de exigir uma quantia em dinheiro do
Fisco, que, em contrapartida, tem o dever jurídico de adimplir.
7.2. A relação de débito do Fisco pode decorrer de diversos fatos jurídicos.
Nos tributos não-cumulativos a relação de débito do Fisco advém do fato jurídico de
adquirir mercadorias tributadas pelo IPI e pelo ICMS ou do fato da aquisição de
bens, serviços e insumos, no caso do PIS e da COFINS.
7.3. Nos tributos retidos na fonte, a relação de débito do Fisco surge com a
incidência da norma geral e abstrata da retenção. Assim, em virtude do fato efetuar
pagamento instaurar-se-á a relação jurídica em que a fonte pagadora deverá pagar ao
Estado tributo incidente sobre o montante dos valores pagos, conforme certas
alíquotas. Ao sofrer a retenção, o contribuinte tem o direito subjetivo de exigir do
Fisco o valor da importância retida, conforme a apuração do tributo.
7.4. O empréstimo compulsório tem como peculiaridade a previsão de
restituição da quantia arrecadada. Em sua fenomenologia, duas incidências se
destacam: (i) a do pagamento do tributo e (ii) a da restituição do montante pago.
7.5. O fato jurídico do pagamento indevido faz surgir uma relação jurídica de
débito do Fisco. A regra-matriz de repetição do indébito contém o fato jurídico de ter
ocorrido o pagamento indevido em determinado local e dia, e a relação jurídica de o
contribuinte exigir do Fisco a restituição do tributo indevidamente pago.
7.6. Para se constituir o bito do Fisco repetição tem-se de realizar o ato de
aplicação, vertendo em linguagem competente essa relação, objetivando os seus
sujeitos e seu objeto. com a norma individual e concreta é que se constitui o fato
260
jurídico do pagamento indevido e se determina o valor a ser restituído pelo Fisco ao
contribuinte. Tal norma pode ser inserida pelos seguintes veículos normativos: (i) a
decisão final em processo administrativo; (ii) a decisão final em processo judicial; (iii)
o ato-norma administrativo de invalidação do lançamento; e (iv) a norma produzida
pelo contribuinte, que efetua a apuração do débito do Fisco.
7.7. É a partir do reconhecimento formal (linguagem) da ocorrência do
evento do pagamento indevido que surge o direito do contribuinte à restituição.
7.8. Se o contribuinte exercer seu direito subjetivo de exigir do Fisco a
restituição do valor pago indevidamente, ter-se-á início mais um eixo de positivação
de normas. Trata-se da fenomenologia da extinção da relação de débito do Fisco, que
pode se dar com o pagamento ou com a compensação.
7.9. Diante de um débito do Fisco formalmente constituído o contribuinte
pode movimentar uma cadeia de normas, exigindo o pagamento do que foi recolhido
indevidamente a tulo de tributo. Acontece que essa forma de extinção do débito do
Fisco tem suas regras específicas por se tratar de uma despesa pública.
8.1. A expressão compensação tributária possui diversas acepções. Destaca-se a
usada pelo CTN, art. 156, como norma individual e concreta, e a empregada pela
doutrina, no sentido de encontro de contas, como fato jurídico.
8.2. Classifica-se a compensação tributária, utilizando-se como critério o seu
emissor, da seguinte forma: a compensação de ofício, aquela realizada pela autoridade
administrativa, a compensação judicial cujo emissor da norma individual e concreta é o
Juiz, e a autocompensação produzida pelo próprio particular.
8.3. A compensação, no âmbito civil, requer os seguintes pressupostos: a)
dívidas recíprocas originadas em tulos diversos; e b) vidas homogêneas, líquidas
e exigíveis. Dívidas recíprocas porque é necessária a presença de dois sujeitos de
direitos, credor e devedor, ao mesmo tempo, um do outro; ser homogênea, significa
que os débitos devem ser fungíveis; liquidez pressupõe a certeza quanto à existência
e determinada quanto ao objeto; e vencidas, por isso, exigíveis.
8.4. Na compensação tributária os seus requisitos estão previstos no art. 170
261
do CTN, que são: a existência de duas relações jurídicas, a de débito do Fisco e a
obrigação tributária, com sujeitos-de-direito comuns.
8.5. Outro requisito da compensação tributária é a identidade dos seus
sujeitos. O contribuinte que figura na relação de débito do Fisco deve ser o mesmo
contribuinte na relação de crédito, que em uma ele está presente no pólo ativo e,
na outra, encontra-se no pólo passivo da relação.
8.6. O terceiro requisito é a obrigatoriedade de ambas as relações jurídicas,
objeto da compensação, apresentarem um objeto prestacional de conteúdo
patrimonial, ou seja, as prestações deverão ser da mesma natureza.
8.7. A compensação exige a liquidez e certeza do crédito tributário e do
débito do Fisco, que decorrem da ponência da norma individual e concreta no
sistema, quantificando os valores da prestação.
8.8. O último requisito exigido pelo art. 170 do CTN é a exigência de lei
expressamente autorizando a compensação tributária.
8.9. A compensação engloba um intricado conjunto de relações jurídicas: (i) a
obrigação tributária, constituindo o crédito tributário; (ii) a relação de indébito,
constituindo o débito do Fisco; e (iii) a relação de compensação, cotejando as outras
duas, extinguindo-as.
8.10. O ponto de partida do fluxo normativo da compensação tributária é o
art. 170 do CTN. Consiste verdadeira norma de estrutura que outorga ao legislador
ordinário a competência para emitir enunciados prescritivos versando sobre a
compensação.
8.11. Para se produzir as normas individuais e concretas da compensação
tributária é preciso o exercício da competência descrita pelas leis ordinárias,
advindas do exercício da competência legislativa do art. 170 do CTN. A validade
dessas normas decorre do seu cotejo com a legislação ordinária.
8.12. A compensação tributária necessita de uma norma individual e concreta
para produzir efeitos jurídicos. O fato jurídico descrito no antecedente da regra da
compensação é composto pelas relações jurídicas que constituem o crédito tributário
262
e o débito do Fisco. A relação jurídica da compensação pode ser descrita da seguinte
maneira: o sujeito ativo (contribuinte, Fisco ou Judiciário) tem o direito subjetivo de
exigir a compensação dos créditos e débitos em face do sujeito passivo (Fisco ou
contribuinte), que terá o dever de se submeter a essa forma de extinção da obrigação
tributária.
8.13. A fenomenologia da compensação requer a positivação de três normas:
a norma N
1
, que determina o contribuinte devedor do Fisco (obrigação tributária) no
valor exato $
1
; a norma N
2
, que determina o Fisco devedor do contribuinte (relação de
débito do Fisco) no valor exato $
2
; e a norma N
3
, que determina o encontro entre os
valores $
1
e $
2
. A compensação só tem o poder de extinguir ambas as relações quando
seus valores sejam idênticos.
9.1. A compensação de ofício é a cadeia de positivação de normas cujo ponto
final é inserido pela autoridade administrativa, órgão habilitado para colocar a
norma individual e concreta no sistema jurídico estipulando a compensação entre o
crédito tributário e o débito do Fisco.
9.2. A compensação de ofício está prevista no Decreto-lei 2.287/86, com
redação dada pela Lei 11.196/05, que concede o direito subjetivo à Receita Federal do
Brasil, ao verificar a existência de débito em nome do contribuinte e pedido de
restituição ou ao ressarcimento de tributos, compensá-los.
9.3. O pedido de restituição de tributo pago indevidamente é requisito para
que a autoridade administrativa produza a norma da compensação. Assim, fica a
norma geral e abstrata da compensação de ofício: dado o fato de haver pedido de
restituição pelo contribuinte e de existir um crédito tributário deve ser a relação
jurídica, em que o sujeito ativo é a Secretaria da Receita Federal do Brasil cujo direito
subjetivo é realizar a compensação dos créditos e débitos descritos no fato, em face
de um sujeito passivo que é o contribuinte.
9.4. O Decreto 2.138/97 regulamentou a compensação de ofício. Para que seja
exercida, exigiu a notificação ao sujeito passivo para se manifestar, aquiescendo com
o procedimento do Fisco ou não. Se o contribuinte não aceitar a compensação de
263
ofício a autoridade administrativa reterá o valor da restituição ou ressarcimento até
que o débito seja liquidado. Tais exigências são ilegais, uma vez que o Decreto
2.138/97 extrapola sua competência quando as prescreve.
10.1. A partir da edição da Lei 8.383/91 rias transformações atingiram a
legislação que versa acerca da compensação tributária dificultando a identificação de
qual sistemática deve ser aplicada. A Lei 9.430/96 regulamenta duas condutas
distintas: a produção de normas e o comportamento do contribuinte em ser credor e
devedor do Fisco. Com isso, tem-se o tempo no fato a fim de identificar o momento em
que o contribuinte se tornou credor e devedor do Fisco, situação em que se aplica a
legislação vigente na época do evento; e o tempo do fato demonstrando que a
legislação a ser utilizada para identificar o procedimento de autocompensação é
aquela em vigor no momento da entrega da declaração à autoridade fazendária.
10.2. A norma geral e abstrata de conduta da autocompensação pode ser
construída assim: dado o fato de o contribuinte apurar crédito tributário e débito do
Fisco, deve ser a relação jurídica efectual em que o contribuinte tem o direito
subjetivo de realizar o encontro das dívidas em face da Secretaria da Receita Federal
do Brasil.
10.3. A norma individual e concreta da autocompensação constitui o fato
jurídico com as relações jurídicas intranormativas: a que constitui o crédito tributário,
especificando o valor do tributo a ser recolhido, e a que constitui o débito do Fisco,
quantificando o pagamento indevido. A relação jurídica da autocompensação
determina a extinção das obrigações constantes no seu antecedente em razão do
encontro dos créditos e débitos.
10.4. O veículo introdutor da norma individual e concreta é a declaração de
compensação prevista no § do art. 74 da Lei 9.430/96. O eixo de positivação da
norma de autocompensação se encerra com a produção da sua norma individual e
concreta gerando seus efeitos jurídicos, a extinção da obrigação tributária e da
relação de débito do Fisco. O fato de estar sujeita à homologação do Fisco não é
condição suficiente para evitar que a declaração de compensação produza os efeitos
264
jurídicos que o ordenamento lhe conferiu: extinguir a relação. É com a simples
entrega da declaração de compensação que a extinção da obrigação tributária ocorre.
10.5. Entregue a declaração de compensação pelo administrado, a Secretaria
da Receita Federal do Brasil tem o período de cinco anos para fiscalizar a produção
da norma individual e concreta da autocompensação, de acordo com o disposto nos
§§ e da Lei 9.430/96. inicia-se outro eixo de positivação de normas que não se
confunde com aquele referente à produção normativa feita pelo particular.
10.6. Com a não homologação da declaração apresentada pelo particular
existe a possibilidade de três novas cadeias de positivação se instaurarem: (i) a
inclusão do débito tributário em dívida ativa e sua posterior execução; (ii) o
pagamento do débito indevidamente compensado; e (iii) a apresentação de
manifestação de inconformidade pelo contribuinte.
10.7. O termo inicial de contagem do prazo que o Fisco possui para exigir o
crédito tributário, por meio de seu direito de ação, no caso da não homologação sem
manifestação de inconformidade e sem recurso voluntário (causas suspensivas da
exigibilidade do crédito tributário) é o ato de homologação proferido pela autoridade
administrativa, instante em que começa a fluir o tempo para cobrá-lo. Em se tratando
de não homologação com manifestação de inconformidade e com recurso voluntário,
o início do prazo prescricional decorre da data em que for suprimida a condição que
suspendeu a exigibilidade do crédito tributário.
10.8. A compensação não-declarada consiste na situação em que a declaração
de compensação apresentada pelo contribuinte não produz os efeitos jurídicos da
extinção da obrigação tributária. É por meio do despacho decisório que a autoridade
administrativa considera a compensação não-declarada.
10.9. Diante de um despacho decisório o contribuinte pode se socorrer no
contencioso administrativo. Porém, o § 13 do art. 74 da Lei 9.430/96 proíbe a
instauração e o prosseguimento do processo administrativo do Decreto 70.235/70,
iniciado com a manifestação de conformidade. Deve-se valer, nessa situação, do rito
geral da Lei 9.784/99, inclusive com a suspensão da exigibilidade do crédito
265
tributário.
10.10. O contribuinte tem o prazo decadencial, para realizar a
autocompensação, de cinco anos contados: (i) o pagamento indevido que extinguiu o
crédito tributário; (ii) a data da reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão
condenatória judicial ou administrativa que determinou o pagamento.
11.1. A terceira forma de se produzir a enunciação-enunciada da
compensação inicia-se com um conflito de interesses entre contribuinte e o Fisco, a
ser resolvido pelo Poder Judiciário, a compensação tributária em crise. Para isso, é
necessária a movimentação do aparato judicial, propondo a competente ação judicial.
11.2. A doutrina e o STJ entendem que a autoridade judiciária não pode
emitir uma norma individual e concreta contendo no seu conseqüente a relação
jurídica com a finalidade de extinguir a obrigação tributária. Apenas produz uma
norma autorizando a compensação a ser efetivada por ato do particular ou do Fisco.
Entretanto, não se encontra no ordenamento jurídico nacional enunciado prescritivo
que proíbe o Poder Judiciário de emitir uma norma individual e concreta que
fulmine a obrigação tributária pela compensação. Ao contrário, há previsões
permitindo a produção da norma realizando o encontro de contas.
11.3. Deve-se interpretar o 170-A do CTN entendendo-se que a proibição é da
extinção da obrigação tributária em processo judicial ainda não transitado em
julgado por medidas liminares ou tutela antecipada, e não impedir a concessão
desses instrumentos quando o objeto da lide seja a compensação.
266
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