Download PDF
ads:
1
UNIJ- UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL
RCIA TEREZINHA BARBOZA BREITENBACH
COMO A EXTENSÃO RURAL DESENVOLVIDA PELA EMATER-
RS/ASCAR TRABALHA COM AS CULTURAS LOCAIS: A
EXPERIÊNCIA DO TRABALHO COM MULHERES NO
MUNICÍPIO DE GARRUCHOS/RS
IJUÍ (RS)
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
MÁRCIA TEREZINHA BARBOZA BREITENBACH
COMO A EXTENO RURAL DESENVOLVIDA PELA EMATER-
RS/ASCAR TRABALHA COM AS CULTURAS LOCAIS: A EXPERIÊNCIA
DO TRABALHO COM MULHERES NO MUNICÍPIO DE GARRUCHOS/RS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação nas Ciências Mestrado, da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do tulo de
Mestre.
Orientadora: Profª. Drª. Elza Maria Fonseca Falkembach
Co-orientador: Prof. Dr. Walter Frantz
IJUÍ (RS)
2007
ads:
3
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências – Mestrado
A Banca Examinadora, abaixo-assinada, aprova a dissertação intitulada
COMO A EXTENO RURAL DESENVOLVIDA PELA EMATER-
RS/ASCAR TRABALHA COM AS CULTURAS LOCAIS: A EXPERIÊNCIA
DO TRABALHO COM MULHERES NO MUNICÍPIO DE GARRUCHOS/RS
Elaborada por
RCIA TEREZINHA BARBOZA BREITENBACH
como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.
Banca Examinadora
Profª. Drª. Elza M. F. Falkembach (Orientadora) Prof. Dr. Walter Frantz
Profª. Drª. Helena Copetti Callai Prof. Dr. Telmo Marcon
Ijuí(RS), 13 de dezembro de 2007.
4
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, por me proporcionarem a vida, carinho e incentivo moral;
À Força Suprema que habita o universo e que me concede coragem, ousadia e
capacidade intelectual, assim como me possibilita passagem nesse espaço
terreno o qual acredito ser o caminho para o nosso aprimoramento como seres
humanos;
À minha orientadora, Profª. Dra. Elza, pela amizade, compreensão, afeto e,
acima de tudo, por acreditar e fazer com que eu me sentisse segura durante a
escrita;
Ao meu co-orientador, Prof. Dr. Walter, pelo incentivo, carinho e atenção
dispensados durante o curso;
Aos agricultores e agricultoras do município de Garruchos, em especial ao grupo
de mulheres da comunidade de Passo da Tigra, pelos momentos de
aprendizagem, carinho e amizade;
Ao Erni, meu companheiro de caminhada, pelo carinho, amor e apoio
permanente;
Aos colegas, que se dispuseram a contribuir para a minha pesquisa por meio de
entrevistas, empréstimos de materiais e documentos;
Ao curso de Mestrado em Educação nas Ciências, seus funcionários e
professores, pelo acolhimento, aprendizagem e demonstrações de afeto em
momentos de turbulências;
À ASCAR/EMATER, em especial à Gerência da região de Ijuí, na pessoa dos
engenheiros agrônomos Srs. Peri Osmar Korb e Luiz Antonio Moresco, e à
Supervisão da microrregião de Três Passos, na pessoa do engenheiro agrônomo
Sr. João Schommer, assim como à Supervisão da microrregião de Pirapó
(ESREG Santa Rosa), na pessoa do engenheiro agrônomo Sr. Jacinto Geraldo
Tamiozzo, pelo apoio, compreensão e facilidades criadas para a conciliação de
minhas atividades profissionais e realização do mestrado.
5
RESUMO
Diante do contexto social, no qual se encontra inserido o processo de extensão
rural, no Estado do Rio Grande do Sul, levando em conta o papel que o mesmo é capaz
de desenvolver junto à população que aglutina e por constatar a inexistência de estudos
sobre a relação entre as culturas locais e as práticas pedagógicas da extensão rural
empreendidas pela Emater-RS/Ascar no estado, identificamos um campo de
investigação. O objetivo a que nos propusemos, através da presente pesquisa, foi o de
demarcar e trazer elementos para analisar a singularidade de uma prática extensionista e
os paradigmas que lhe dão sustentação; identificar as metodologias utilizadas nesta
prática; compreender o sistema no qual está inserida; além de buscar novas
metodologias para qualificar a prática educativa de um sistema educacional não-formal.
Foi acompanhada, para tal, uma experiência em andamento junto a um grupo de
mulheres rurais da comunidade de Passo da Tigra, no município de Garruchos, RS.
A discussão que desenvolvemos ocorreu mediante as seguintes perguntas: O
referencial de análise que orienta esta prática supõe um processo de educação dirigido
por uma lógica humanista e libertadora? Quais metodologias são utilizadas nesta prática
de extensão? Como está organizado o currículo desta prática extensionista? Como as
culturas locais estão sendo consideradas na elaboração deste currículo?
Nossas reflexões estão alicerçadas, especialmente, nos pensamentos de Paulo
Freire. Dialogamos também com Tomaz Tadeu da Silva, Moacir Gadotti e Néstor
Canclini. A pesquisa caracteriza-se metodologicamente como um Estudo de Caso. Foi
realizada com ênfase no caráter qualitativo dos fenômenos em questão e o uso das
técnicas de entrevista coletiva com um grupo de mulheres e também, entrevistas
individuais com extensionistas do sistema que realizaram trabalhos com o grupo. A
consulta a documentos do sistema de extensão rural antecedeu e sucedeu as entrevistas.
A pesquisa possibilitou-nos elementos para compreender e praticar uma nova
forma de trabalhar com extensão rural, com a intenção de contribuir para que homens e
mulheres possam se libertar de muitas das suas amarras e utilizar com criatividade
6
espaços educativos institucionais, constituindo-se sujeitos do seu fazer e tornando-se
cada vez mais seguros no exercício de sua profissão.
Palavras-Chave: Extensão Rural, Culturas Locais, Educação Rural.
7
ABSTRACT
Given the social context in which the process of rural extension is inserted, in
the State of Rio Grande do Sul, taking into account the role it is able to develop with the
people that it agglutinates, and for noting the lack of studies on the relationship between
local cultures and teaching practices of the rural extension developed by Emater-
RS/Ascar in the State, we identified a field of research. The goal that we proposed by
this research was to demarcate and bring elements to examine the uniqueness of an
extension practice and paradigms that give support to it, to identify the methods used in
this practice, to understand the system on which it is inserted, as well as to seek new
methods to characterize the educational practice of a non-formal educational system.
This way, an experiment in progress among a group of rural women community in
Passo da Tigra was monitored in the city of Garruchos, RS.
The discussion that we developed occurs by the means of the following
questions: Does the frame of analysis that guides this practice suppose a process of
education headed by a humanist and liberating logic?
What methods are used in this
practice of extension? How is the syllabus of this practice organized? How are the local
cultures being considered in the elaboration of this syllabus?
Our considerations are particularly based on the thoughts by Paulo Freire. We
also had dialogues with Tomaz Tadeu da Silva, Moacir Gadotti and Néstor Canclini.
The survey is methodologically characterized as a case study. It was done by giving
emphasis to the qualitative nature of the phenomena in question and by using the press
conference techniques with a group of women and individual interviews with people
from the rural extension system that accomplished works with the group. The
consultation to documents of the system of rural extension precedes and succeeds the
interviews.
The research made possible elements to understand and to practice a new way of
working with rural extension, with the intention of contributing so that men and women
8
can be freed of many of their cables, use with creativity institutional educational spaces,
becoming subject of their doing and becoming more and more secure in the exercise of
their profession.
Key words: Rural Extension, Local Cultures, Rural Education.
9
LISTA DE SIGLAS
ACAR-MG – Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais
AIA – American International Association
AID – Agency For International Development
ASCAR – Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural
ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
DMs – Demonstrações de Métodos
DR - Demonstrações de Resultados
EBES – Extensionista de Bem-Estar Social
EMATER/RS – Associação Riograndense de Empreendimentos e Assistência Técnica e
Extensão Rural
EMBRATER – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural
ESREG – Escritório Regional
ETA – Escritório Técnico de Agricultura
FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
GG - Grupos de Gestão
IICA – Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola
SAIC – Secretaria da Agricultura Indústria e Comercio
LBA – Legião Brasileira de Assistência
OEA- Organização dos Estados Americanos
UD - Unidade Demonstrativa
UO - Unidade de Observação
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................08
1 A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM EXTENSÃO RURAL EM GARRUCHOS..........13
1.1 Extensão rural em Garruchos: grupo de mulheres.....................................................13
1.2 O porquê do trabalho com grupos de mulheres.........................................................19
1.3 Garruchos: um município de fronteira.......................................................................32
1.4 Local, global e questões de culturas de fronteira.......................................................41
2 O PROCESSO HISTÓRICO DA EXTENSÃO RURAL NO RS................................52
2.1 Surgimento do sistema de Extensão Rural Brasil e RS..........................................52
2.2 Abordagens que orientam o processo educativo na extensão rural...........................66
2.3 Orientações pedagógicas do processo de educação em extensão rural.....................77
3 O PROCESSO DE EDUCAÇÃO EM EXTENSÃO RURAL EM GARRUCHOS....84
3.1 Uma prática em desenvolvimento.............................................................................84
3.2 Educação como prática da liberdade.........................................................................94
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................101
REFERÊNCIAS............................................................................................................108
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS................................................................................112
ANEXOS.......................................................................................................................114
INTRODUÇÃO
Como acadêmica da décima turma do Programa de Pós-Graduação stricto sensu
– Mestrado em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul UNIJUÍ, apresento esta dissertação, a qual aborda como
objeto de estudo o seguinte tema: Como a extensão rural desenvolvida pela EMATER-
RS/ASCAR trabalha com as culturas locais: a experiência do trabalho com mulheres no
município de Garruchos/RS.
1
O meu objeto de pesquisa é resultado de muitas indagações, que começaram a
surgir no decorrer do meu trabalho no sistema Emater, referentes ao trabalho da
instituição e à minha prática extensionista: Quais foram as orientações e os métodos
utilizados no início das práticas de extensão rural no Estado do Rio Grande do Sul?
Como esses passaram a fazer parte do sistema da educação agrícola? Estará sendo
levada em conta a questão das culturas locais para os traçados das práticas pedagógicas
da extensão rural? Como essa questão é observada e analisada pelos extensionistas que
hoje atuam no sistema no Rio Grande do Sul? Ou ainda: a extensão rural mantém os
traços da educação tradicional,
2
caracterizada por Paulo Freire como Educação
Bancária, a partir da qual os educadores levam informações e conhecimentos para a
1
Município localizado na região das Missões no Estado do Rio Grande do Sul/ Brasil. Seu nome deriva
da garrucha, lâmina em forma de meia-lua, presa na ponta de uma vara de madeira, e que era usada pelos
índios do século XVII (1600) para desgarronar os animais, especialmente o gado vacum destinado ao
próprio consumo.Essa garrucha foi inventada pelos próprios índios, por isso levou o nome deles e não
deve ser confundida com a garrucha, arma de fogo, que ali o existia nessa época
(www.garruchos.rs.gov.br, consultado em 28/11/2007).
2
Segundo Freire (2001), o paradigma que orienta a educação tradicional é baseado no ato de depositar, de
transferir, de transmitir valores e conhecimentos, nele não se verificando nem podendo verificar-se a
superação desse ato. Cabe a essa concepção adaptar os homens ao mundo: quanto mais adaptados, mais
educados. A prática da extensão rural está baseada nos princípios de uma educação conservadora. Mas
pelo fato dessa seguir os parâmetros currículares das teorias tradicionais, usa-se o termo “tradicional”
para referir-se ao sistema educacional que rege tal prática. Para Silva (2003, 30 p.) as teorias tradicionais
se concentram, pois, nas formas de organização e elaboração do currículo. Os modelos tradicionais de
currículo restringiam-se à
atividade técnica de como fazer o currículo, além, de tomar o status quo como referência desejável.
9
população rural, sem o reconhecimento dos saberes que os homens e mulheres que
reúne já desenvolveram e acumularam? E também: será possível interagir com o sistema
social e cultural de um grupo por meio das práticas pedagógicas organizadas a partir de
um currículo intercultural/definido? Como este pode ser elaborado? Quais são os
paradigmas educacionais que favorecem essa interação?
A partir dessas reflexões e buscas teóricas para alimentá-las, comecei a ver de
outra forma a realidade local onde se encontrava inserida a minha prática como
extensionista rural, procurei considerar os aspectos geográficos, sociais e culturais do
município onde residi (Garruchos, RS) e desenvolvi um trabalho voltado ao campo, o
qual estava vinculado ao processo de educação em extensão rural.
O município de Garruchos possui uma particularidade que o diferencia dos
demais municípios que integram a região das Missões do Estado do Rio Grande do Sul,
que sua localização geográfica em área limítrofe, na fronteira entre Brasil e
Argentina, é um fator que reúne culturas diferentes, possibilitando a existência de um
aglomerado distinto, em razão desta localização.
Buscando entender melhor essa realidade e contribuir para o desenvolvimento da
mesma, optei por realizar um Estudo de Caso, com enfoque participativo, em que
educadores (extensionistas) e educandos (agricultores) pudessem ter papel relevante nas
reflexões desencadeadas a partir das questões postas.
Os caminhos percorridos por este estudo para abordar o empírico foram
elaborados mediante uma triangulação de técnicas investigativas. Para isso foram
escolhidas as discussões e entrevistas com grupos de educandos, as entrevistas com
extensionistas e a consulta a documentos. A entrevista com o grupo de mulheres seguiu
um caráter coletivo e foi conduzida de maneira dirigida, sendo que a mesma foi gravada
e registrada também de forma escrita. O grupo foi organizado de maneira que todas as
participantes formassem um grande círculo e, antes do início da discussão, foi explicada
como seria feita a condução da atividade e a sua finalidade. as entrevistas com os
10
extensionistas ocorreu de forma individual e dirigida. Cada entrevistado recebeu um
questionário que deveria ser respondido e devolvido em um determinado período. O
critério utilizado para a escolha dos entrevistados, foi, a exigência de que todos os
extensionistas houvessem trabalhado no Escritório Municipal de Garruchos e,
também, as extensionistas da Área de Bem-Estar Social (EBES) mais antigas da casa. A
pesquisa bibliográfica recorreu a autores que discutem educação, cultura, sociedade,
educação em extensão rural e sujeito. O pensamento de Paulo Freire teve primazia na
abordagem do objeto de estudo.
No primeiro capítulo, é efetuada uma explicitação da prática pedagógica em
extensão rural em Garruchos. Para tanto, foi feito um relato, entremeado com
depoimentos obtidos nas entrevistas coletivas, realizadas com o grupo de mulheres da
comunidade de Passo da Tigra do referido município. Dessa exposição e análise da
prática, foi possível contextualizar o surgimento dos grupos de mulheres, como
“público” do processo de extensão rural, além de visualizar a forma como se apresenta a
questão das culturas locais nas práticas de extensão rural (no seu currículo), o que se
estendeu à pontuação de peculiaridades das áreas de fronteira, assim como a referências
sobre a localização do município onde o objeto de análise se expressa.
no segundo momento, foi realizada a análise de documentos sobre o processo
de implantação do sistema de educação em Extensão Rural, do qual originou-se o
segundo capítulo, que abrange o processo histórico da prática de extensão rural. Neste
capítulo será dada ênfase às abordagens que orientaram tal processo educativo, além do
contexto que propiciou o surgimento desse sistema no Brasil e no Rio Grande do Sul,
assim como as orientações pedagógicas que norteiam tal processo de educação em
extensão rural.
No terceiro momento, que engloba a análise do processo de educação em
extensão rural, se buscou analisar uma prática em desenvolvimento, com base no
trabalho realizado no município de Garruchos, além de discutir sobre a elaboração da
proposta de planejamento dessa prática, considerando a lógica de uma educação
11
libertadora, que busca valorizar o sujeito e a cultura local dos envolvidos em tal
processo. Sujeito esse visto como ser no mundo, inconcluso, ser da ação e reflexão e,
portanto, marcado por essas, como teoriza Freire (2001, p. 28).
No decorrer desta pesquisa se buscou analisar a prática de educação em extensão
rural, dando ênfase para a questão cultural, em especial como esta trabalha com a
cultura local no planejamento de suas atividades? Com base nos paradigmas de uma
educação de caráter libertador, como a trabalhada por Freire (1980, p. 38), “a cultura é
definida como sendo todo o resultado da atividade humana, do esforço criador e
recriador do homem, de seu trabalho de transformar e estabelecer relações de diálogo
com outros homens”. É de acordo com os seus costumes e hábitos que as pessoas
interpretam e visualizam o mundo ao seu redor. A cultura é como uma lente mediante a
qual o homem o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e,
portanto, têm visões por vezes desencontradas das coisas.
Na educação o-formal,
3
pautada por esses paradigmas, o mediador do
processo educacional irá relacionar-se com os sujeitos envolvidos a partir de um olhar
contextual, voltado para a diversidade dos saberes, com os quais irá interagir. Esse
deverá ser, portanto, um processo alicerçado no conhecimento de seres em constante
desenvolvimento, algo interativo e que proponha o alargamento de seus saberes, a
ampliação das suas possibilidades e o desvelamento de seus mundos, oportunizando a
prática da cidadania. Mundo considerado, então, como realidade objetiva, passível de
ser conhecido pelos sujeitos em processos educativos.
Esta pesquisa é, então, resultado de problematização e reconstrução pedagógica,
metodológica e técnica na área da educação rural, pois está inserida em um processo
educacional, identifica a necessidade de busca de novos fundamentos, novos conceitos
e, por que o dizer, novas possibilidades de ensino e aprendizagem nas práticas do
sistema de extensão rural.
3
Educação não-formal – gerada a partir da reflexão prática cotidiana de grupos sociais organizados em
movimentos e associações populares (Gonh, 1994, p. 8).
12
A educação na extensão rural é um processo em permanente construção. As
demandas das práticas produtivas agropecuárias e a reprodução da vida no âmbito das
famílias de agricultores são excessivamente dinâmicas, exigindo do conhecimento
subsídios para torná-las condizentes com as necessidades dos sujeitos que as realizam.
Necessidades que dependem das formas como essas famílias estão inseridas na
sociedade.
4
4
Sociedade - como objetivação das relações sociais em um tempo-espaço - apresenta-se ao sujeito, como
vivida e para ser conhecida, como realidade, singularidade dessas relações sociais mais próximas a ele.
13
1 A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM EXTENSÃO RURAL EM GARRUCHOS
Neste capítulo vamos abordar a questão da prática pedagógica em extensão
rural, dando ênfase ao trabalho desenvolvido no município de Garruchos no período de
2001 a 2005. Para tanto, vamos fazer uma sintética caracterização desse município,
contar um pouco do processo de extensão desenvolvido nesse período de quatro anos,
assim como discorrer sobre aspectos relacionados às culturas de fronteira. Esses temas
serão abordados no decorrer de quatro subitens: 1.1 Extensão rural em Garruchos: grupo
de mulheres; 1.2 O porquê do trabalho com grupos de mulheres; 1.3 Garruchos: um
município de fronteira e 1.4 Local, global e questões de culturas de fronteira.
1.1 Extensão rural em Garruchos: grupo de mulheres
A extensão rural em Garruchos começou antes mesmo da emancipação do
município, quando este ainda pertencia ao município de São Borja. Nesse período o
atendimento às comunidades era feito pelo Escritório Municipal da Emater/Ascar de
São Borja, porém, em virtude da distância da sede, a efetividade das atividades era
insatisfatória, ocorrendo ações esporádicas em algumas comunidades, como foi relatado
por algumas mulheres da comunidade de Passo da Tigra, durante entrevistas realizadas
aos dezesseis de junho de 2006.
Com o pessoal de São Borja as reuniões ocorriam a cada dois ou três meses, e
eram mais voltadas para os homens, nós participava junto, daí davam e
entre duas faziam roupas para a Campanha do Agasalho na comunidade.
Sobre agricultura falavam de fertilizantes para lavoura, plantio, curvas de
níveis. Aqui queimavam muito, vinham explicar para não queimar mais,
para não dar erosão. Os temas vinham de lá, eles não perguntavam o que nós
14
queria aprender. Dificilmente alguém perguntava alguma coisa, nós ouvia.
Nas reuniões não havia espaço para perguntas, apenas palestras(Entrevista,
grupo de mulheres, 2006).
As atividades realizadas pelo trabalho de extensão estavam mais relacionadas à
geração de renda, no que dizia respeito à produção de grãos. Os extensionistas
trabalhavam atividades de conservação do solo e aplicação de produtos químicos
(adubos e agrotóxicos), além disso, defendiam a extinção das queimadas, que era
uma prática permanente no cultivo das lavouras.
Nesse período pré-emancipacionista, havia também trabalhos relacionados à área
social, porém com ações esporádicas no território garruchense. Não se deu ênfase ao
fortalecimento da organização social em formas grupais, que poderiam se consolidar no
decorrer do tempo e conquistar autonomia de funcionamento.
Temos que salientar que, no período, as atividades trabalhadas nas comunidades
não eram planejadas junto com o “público”. Tudo fazia parte de um “pacote de
orientações” que vinha dos escritórios regionais ou estaduais, planejado e executado por
extensionistas e apresentado aos agricultores na forma de palestras em que a
participação em forma de questionamentos por parte do público” era inibida em virtude
da pouca “intimidade” com os extensionistas, desencadeada principalmente pela
metodologia empregada no trabalho.
Essa forma de agir refletia uma visão equivocada do processo de conhecimento,
este tido “como resultado do ato de depositar conteúdos em “consciências ocas” (Freire,
1977, p. 46). Segundo esse mesmo autor, existem rias maneiras de interagir, umas de
forma antidialógica e outras de forma dialógica. Quando ocorre uma situação como a
citada anteriormente, cujo público acaba sendo apenas o “receptor” das atividades, essa
ação antidialógica resulta no que Freire (2001, p. 41) denomina de invasão cultural:
15
Toda invasão sugere, obviamente, um sujeito que invade. Seu espaço
histórico-cultural, que lhe sua visão de mundo, é o espaço de onde ele
parte para penetrar outro espaço histórico-cultural, superpondo aos
indivíduos deste seu sistema de valores. O invasor reduz os homens do
espaço invadido a meros objetivos de sua ação. As relações entre invasor e
invadidos, que são relações autoritárias, situam seus pólos em posições
antagônicas.
Essa forma de atuação da extensão pressupõe a conquista do público, ou seja, os
técnicos se aproximam dos agricultores com o objetivo de conquistar a sua confiança.
Como decorrência disso vem a manipulação desses, por meio das práticas
desenvolvidas, o que muitas vezes ocorre por meio do messianismo por parte do
extensionista. Ou seja, ele torna-se, como afirmam os agricultores, “da família”, e nessa
familiarização ele impõe a sua ideologia.
Alguns aspectos podem, contudo, ser destacados como positivos nesse período
da extensão rural, principalmente no que diz respeito à prática de conservação do solo,
que resultou em diminuição das queimadas nas áreas de cultivo, e à correção da
fertilidade do solo, que aumentou a produtividade das lavouras, melhorando a renda e as
condições sociais dessas famílias.
Após a emancipação de Garruchos, no ano de 1993, o município ficou um
período de quatro anos sem equipe de extensão rural e a única comunidade atendida
nesse período era a do Assentamento São Domingos, na qual praticamente foi
trabalhado apenas o acesso ao crédito, instrumento de introdução de mudanças nas
formas de produzir, baseado no uso intensivo de insumos modernos.
Segundo algumas mulheres que se manifestaram no decorrer da entrevista, os
grupos de mulheres (clubes de mães), surgiram nesse período, incentivados pela
Secretaria Municipal da Saúde e Assistência Social, na época, sob a coordenação da
própria secretária. O objetivo principal desses grupos, era desenvolver ações voltadas à
prestação de serviços sociais nas comunidades rurais e urbanas. Ou seja, os recursos
financeiros arrecadados com as atividades desenvolvidas pelos grupos de mulheres ou
16
clubes dees, através de promoções do tipo chá colonial e reuniões dançantes, seriam
utilizados para custear despesas de pessoas em tratamento de saúde, por exemplo. Esta
era uma peculiaridade deste local, o uma orientação geral da área de bem-estar social
da empresa de extensão rural.
Quando foi inaugurado o Escritório Municipal da Emater-RS/Ascar em
Garruchos, no ano de 1997, foi designado para o trabalho somente um técnico agrícola
para atender todo o município, o qual, devido à grande extensão territorial do
município, não dava conta de atender à demanda de trabalho das comunidades. O
trabalho principal, desenvolvido, estava orientado pelo propósito de geração de renda,
através da mudança da matriz produtiva na pequena propriedade, incentivando
principalmente a bovinocultura de leite com a utilização de pastagens cultivadas e
insumos produzidos na propriedade. Esse período foi marcado por novas orientações
quanto à produção, porém o processo educativo não rompeu com a lógica extensionista.
Quanto aos trabalhos na área social, não faziam parte do cenário das práticas de
extensão no município.
Em junho de 2001, o trabalho na área de bem-estar social passou a ter mais
atenção no município com a chegada de uma extensionista para trabalhar
prioritariamente nessa área. Utilizando metodologias participativas, com ênfase em
práticas que buscavam a autonomia dos grupos, puderam ser alcançados alguns bons
resultados, quanto à participação e organização dos grupos.
Inicialmente, foram visitadas todas as líderes dos grupos já existentes para
apresentar a proposta de trabalho da equipe do escritório municipal. Em seguida, foram
realizadas reuniões “de motivação”, trabalhando “o que é bem-estar social”. Nesse
período, dos seis grupos existentes no município, apenas um ainda estava em atividade,
na comunidade de São Lucas; os demais estavam desativados. O apoio prestado aos
grupos trouxe ânimo às sócias e a participação nas atividades organizadas foi crescente
ao longo do tempo.
17
As atividades desenvolvidas eram planejadas em conjunto com as participantes,
com apoio da extensionista e coordenadas pelas presidentes dos grupos. Não eram
apresentados planejamentos prontos, e sim criado um plano utilizando metodologias que
faziam com que todas participassem, objetivando com esse procedimento o
desenvolvimento da autonomia de pensamento e a expressão das aspirações das
participantes. No final, o planejado tornava-se consenso, era pactuado por todas. O
compromisso de pôr o planejamento em prática era dos grupos, não da extensionista,
que colocava sua experiência profissional apenas como apoio na execução do planejado.
Esse planejamento era flexível, podendo sofrer alterações conforme as necessidades ou
realidades de cada grupo em particular.
Dessa maneira de atuação é que surgiu um diferencial nos trabalhos de extensão.
Havia a preocupação da extensionista, formada a partir de perspectivas pedagógicas
críticas, de realizar uma ão educativa democrática e participativa, com métodos e
técnicas que estimulassem a interação e com base em princípios de uma visão
agroecológica que permitissem um desenvolvimento rural sustentável, no qual a mulher
rural fosse vista como profissional do campo da agricultura, capaz de exercer funções
também na área da produção, assumindo a coordenação de algumas atividades, até então
designadas somente para os “chefes de famílias”.
Resultados positivos foram alcançados pelos grupos a partir da implementação
das atividades planejadas. Pode-se destacar a organização de atividades sociais nas
comunidades do interior do município de Garruchos, como é o exemplo de realização de
chás, seminários e encontros realizados no interior do município, visando integrar os
grupos internamente e com os grupos das demais comunidades. A participação de
atividades de lazer, como é o caso da realização dos “Jogos Rurais Sol a Sol”, não
levava a família a praticar somente atividades esportivas, como corridas, jogos de
futebol, de voleibol, de bolãozinho de mesa, de bocha, canastra, de cabo-de-guerra, de
salto em distância. Integrava a estas também práticas locais tradicionais, como tiro de
laço, debulha de milho e corte de lenha, como forma de resgate social e valorização das
atividades rurais e das culturas locais.
18
Além da participação local em atividades sociais, os grupos passaram a
participar de feiras, seminários, jogos e palestras nos níveis microrregional, regional e
estadual, proporcionando assim a expansão da sociabilidade e o desenvolvimento da
autoconfiança, já que muitas mulheres nunca haviam participado de atividades desse
tipo nem mesmo dentro do município. Grande parte delas nunca havia viajado, nem tido
a oportunidade de degustar pratos que, embora ouvissem falar, não conheciam de fato.
Viver em um local de difícil acesso dificultava experimentar diversas situações e ter
contato com coisas da vida contemporânea. Estavam inseridas em um tempo, mas as
circunstâncias que as envolviam não lhes davam oportunidade de participar ativamente
do que esse oferecia.
Aprendi muito, ganhei conhecimento, cultura, aprendemos muitas coisas
boas, acomi e aprendi fazer pizza, que nunca tinha comido na minha vida.
Contigo foi muito mais melhor, aprendi a conviver com as pessoas, viajei, me
desenvolvi, era muito tímida, perdi o medo. Aprendemos nos trocar receitas
do que sabíamos fazer e dividir aquilo que nós sabia. Antes quando nós tinha
uma dor se ia ao médico, agora não, aprendemos fazer remédios
caseiros,vamos para a apostila. (Entrevista, grupo de mulheres, 2006).
Outro traço metodológico, adquirido pelo trabalho com grupos de mulheres, foi
a integração da área social com a área técnica. Através principalmente de palestras,
visitas individuais e demonstrações de métodos, se tratava as propriedades rurais e a
comunidade como um todo, não separando os fatores de produção dos sociais, já que,
nas propriedades rurais, não só se cuida da reprodução da vida, o se trabalha e
produz, mas, sim, as atividades são paralelas, lá se vive, se cuida e, ao mesmo tempo, se
trabalha e produz. As orientações do trabalho procuraram afastá-las do estender,
depositar, transferir.
Verduras no verão, frutas depois das podas, minha parreira nunca tinha dado
frutas. Vocês [extensionistas] não tinham pregua de dar uma explicação.
Questão da renda familiar foi muito bem trabalhada. (Entrevista, grupo de
mulheres, 2006).
19
No ano 2005 os extensionistas que atendiam as comunidades foram transferidos
do município e substituídos por apenas um técnico de nível superior. Apesar de o
haver a presença de uma pessoa específica para o trabalho social, os grupos
continuaram, porém, a realizar algumas atividades nas comunidades, como é o caso de
Passo da Tigra, em que a comunidade recebe visitas constantes de turistas. Estes vêm de
vários estados brasileiros, como Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rio
de Janeiro e do próprio interior do gaúcho. Os turistas compõem os grupos
denominados pelos moradores de Garruchos como os “Os Peregrinos”, os quais fazem
parte das delegações que percorrem a “Rota das Missões,
5
em busca de visitas aos
vários pontos turísticos e passeios que essa região oferece, entre os quaisO caminho
das Missões,
6
que faz com que esse pessoal chegue até Garruchos, onde são acolhidos
pelo carinho e a culinária da cultura local, devido principalmente à capacidade de
organização atingida pelas famílias que habitam.
1.2 O porquê do trabalho com grupos de mulheres
A partir da década de 60, período da fase difusionista
7
da extensão rural no Brasil,
mais especificamente por volta de 1965, quando a área de Bem-Estar Social foi
tratada com mais intensidade no trabalho de extensão, o seu objetivo estava então
associado à educação
8
para o lar, que consistia em preparar a família para exercer as
necessidades fundamentais do ser humano, como, nutrir, vestir, habitar, manter a
saúde e administração do lar, como também à sociabilidade e à organização nos
espaços comunitários. Eram trabalhados tais assuntos por meio de cursos, palestras e
5
Rota das Missões Projeto de turismo que envolve os municípios de Bossoroca, Caibaté, Cerro Largo,
Dezesseis de Novembro, Entre-Ijuís, Eugênio de Castro, Garruchos, Giruá, Guarani das Missões,
Itacurubi, Mato Queimado, Pirapó, Porto Xavier, Rolador, Roque Gonzales, Salvador das Missões, Santo
Ângelo, Santo Antônio das Missões, São Borja, São Luiz Gonzaga, São Miguel das Missões, São
Nicolau, São Paulo das Missões, São Pedro do Butiá, Sete de Setembro, Ubiretama e Vitória das Missões.
6
Roteiro de caminhada pelos 7 Povos das Missões no RS, percorrendo em 3, 7 ou 14 dias, 72, 170 ou 325
Km, respectivamente. No trajeto que passa pelos municípios de São Borja, Garruchos, São Nicolau, São
Luiz Gonzaga, São Miguel das Missões, Entre-Ijuís e Santo Ângelo, além dos Sítios Arqueológicos
Missioneiros, tem-se um emocionante contato com o povo, a cultura e a gastronomia da região.
7
As fases da Extensão Rural são assim denominadas:
Assistencialismo Familiar
(até a década de 60);
Difusionismo (década de 60 a 80) e Repensar da Extensão (da década de 80 a o momento). Essas
fases serão melhor detalhadas ao longo do segundo capítulo.
8
Educar, dentro de uma visão difusionista, era “adestrar” os sujeitos, fazendo com que os mesmos
incorporassem novos conhecimentos, novas atitudes, oriundas de uma outra cultura substituindo o seu
saber/fazer. “A função da extensão é eminentemente educativa, pois tende a produzir mudanças nos
conhecimentos, atitudes e destrezas nas pessoas, para que possam conseguir o desenvolvimento tanto
individual como social” (Fonseca, 1985, p. 50).
20
demonstrações de métodos (DMs). Cada uma dessas áreas que compreendia a
Educação para o Lar, possuía suas subáreas nas quais eram trabalhados os aspectos
gerais da área afim.Vejamos o exemplo a seguir do organograma da área social (nº 1:
Organograma área social/Emater/Ascar/1965).
N°: 01
Título: Organograma área
social/Emater/Ascar/1965
Os recursos, quando bem usados, elevam a família nos níveis social e
econômico (Leite, 1978, p. 14). Para isso, a extensão rural trabalha com os grupos de
mulheres questões que possam ajudá-las a progredir. O fluxograma, construído a
partir da área da “administração do lar”, que indica como ocorre o trabalho, poderá
ser estendido para as demais áreas da Educação para o Lar – “nutrição e
alimentação”;vestuário”; “saúde: higiene e puericultura”, entre outras, substituindo
a temática e mantendo o tipo de recursos a serem mobilizados e os fluxos que os
acionam.
Administração do Lar
Planeja
Organiza
Usa
-
Controla
Recursos
Bens
Materiais
Dinheiro
Humanos
Conhecimento
Habilidades
Tempo
Energia
Comunitários
Escolas
Praças
Supermercados
A fim de alcançar o
Bem Estar da família
Fonte: Leite, 1978, p. 14.
21
Este foi o enfoque trabalhado ao longo da história da extensão, com o intuito
de atingir o “público-alvo: mulheres e moças”, desenvolvendo práticas pressupostas
como essenciais para a sua atuação na sociedade e o seu bem-estar, porém, sem a
participação ativa desses sujeitos.
Um dos principais objetivos do modelo difusionista de Assistência Técnica em
Extensão Rural nos diversos estados brasileiros, e mais especificamente no Estado do
Rio Grande do Sul, na região de abrangência da ASCAR-RS, foi consolidar o
processo de educação em extensão, na perspectiva da educação – entendida como
transferência de conhecimento. Esse processo de educação visava, segundo Fonseca
(1985, p. 58), “a melhoria do padrão de vida, de saúde e de educação”, através da
introdução e transmissão de técnicas adequadas à produção e à vida do lar, que eram
levadas até aos agricultores e suas famílias, informações capazes de proporcionar
mudanças de atitudes e aperfeiçoamento de aptidões.
Esse propósito de decidir pelo outro o que é melhor para ele, de forma persuasiva e
normalizadora, provém de uma visão (dos técnicos) em que Freire (2001, p. 45)
relata e denomina a existência de uma “dialogicidade inviável”. Isso porque os
resultados são lentos, duvidosos e demorados dentro de uma prática de diálogo, e a
grande maioria dos extensionistas é imediatista. Nesse sentido, pela lógica que
norteava tal processo, também paternalista, quem mais necessitava dessas mudanças
de comportamento e de atitude eram as mulheres e os jovens.
O modelo difusionista/tecnicista de extensão não comporta uma proposta libertadora
de educação na qual o sujeito possa ser agente de transformação e, enquanto tal,
transformar-se, desde que considerado ou reconhecido a partir da sua cultura, do seu
meio e do seu saber. É uma prática que consagra como corretas idéias tradicionais e
pragmáticas, em que se acredita que o desenvolvimento e o saber são exteriores à
realidade a ser trabalhada. Ou seja, presume-se que o educando é alguém que está
sedento de informações para atuar sobre sua realidade e quem possui conhecimentos
capazes de suprir suas necessidades são os pesquisadores, que estão longe da
realidade a ser trabalhada, e os extensionistas, que estão fisicamente próximos a ela,
mas têm sua representação social e culturalmente particular da mesma, que é distinta
das representações dos produtores e de suas famílias.
Nesse contexto, surge, no interior do processo de educação rural, um trabalho de
grupo, os chamados “Grupos 4 S” que eram grupos de jovens. Esse trabalho tinha
como meta principal difundir as quatro práticas: saber, sentir, saúde e servir, fazendo
assim sentido o nome e a sigla escolhidos. Em seguida, também foram iniciadas as
22
atividades, em parceria com a LBA (Legião Brasileira de Assistência), secretarias
municipais de Educação, de Saúde, entre outras, junto aos chamados clubes de mães,
os quais reuniam mulheres e moças. Essas práticas eram desenvolvidas
paralelamente
9
com aquelas da área econômica destinadas somente a grupos de
homens.
O trabalho nesses grupos visava, através de “metodologias apropriadas”,
10
fazer com
que a população adotasse novas práticas de trabalho na área doméstica, ou seja, ao
mesmo tempo em que (nessa lógica) melhorava a qualidade de vida, da alimentação,
do vestuário desses camponeses, se introduzia o exercício da lógica do consumo e se
implantava um processo de aculturação desses sujeitos, por meio de uma dinâmica de
supervalorização do exterior ao rural. O bom da vida estava lá fora, e aquilo que era
próprio do meio rural possuía as mais variadas deficiências, era desqualificado. Essa
prática, embora não se dirigisse claramente a um “desmonte cultural”, foi e é
responsável pela desvalorização da cultura do camponês em muitos espaços até os
dias de hoje. É uma forma de relação social que classifica, divide e desqualifica um
sujeito, na medida em que valoriza outro, ou seja, “um processo de inclusão de certos
saberes e de certos indivíduos, excluindo outros”,(Silva, 2003, p. 11-12).
Não é por acaso que se criou um sentido pejorativo para o ambiente que se constitui
cenário do dia-dia do agricultor ou da agricultora. Essa profissão, nos nossos dias, é
uma das menos desejadas, e poucos pretendem seguir uma carreira que não é
valorizada e que no meio social e econômico é considerada ultrapassada, grosseira e
nada tem de interessante para ser mostrado para a sociedade contemporânea.
Contudo, principalmente os movimentos sociais do campo se empenham, hoje, em
mostrar que a agricultura é a base da economia mundial, principalmente a agricultura
de caráter familiar, pois é ela que produz a maior parte dos gêneros alimentícios que
estão à mesa de cada ser humano, nas refeições realizadas diariamente. Essa atitude e
práticas decorrentes têm chegado e influenciado a extensão rural, não como um todo,
mas nos estados brasileiros e regionais do sistema que se sensibilizam com as lutas
populares. Com base em Gramsci (1971, p.41-42), poderia-se dizer que esta é uma
atitude contra-hegemônica, ou seja, diferente daquela que orienta a empresa de
extensão historicamente.
Essa forma de aculturação - “desmonte cultural” - foi implantada em consonância
com práticas e ideologia de uma cultura estrangeira, no caso, dos EUA.
9
Paralela no sentido de ser no mesmo dia, na mesma comunidade, mas as ações aconteciam separadas -
área social (extensionista e mulheres/moças), área técnica (técnico e homens/rapazes). As áreas
trabalhavam juntas “somente em funções específicas, como poda e proteção de fontes, mas não na
discussão de inclusão da mulher. Ainda hoje, salvo algumas exceções, o técnico o se envolve nessa
discussão, apenas quando tem relação técnica (agrotóxicos, leite, etc.). (Entrevista Escritório Municipal,
2006)”.
10
Conjunto de técnicas para facilitar a comunicação, entre elas a demonstração e instrumentos como “os
audiovisuais”.
23
Posteriormente, verificou-se também a influência da Inglaterra, a partir de práticas
relacionadas à economia doméstica: culinária, artesanato, vestuário, entre outros. No
momento em que mulheres e jovens foram incentivadas a abandonar o artesanato
local e a adotar produções manuais mais urbanas, como, por exemplo, o bordado-
padrão de uma época, precisaram ir às lojas comprar a linha, a agulha, o tecido e os
modelos de bordados. Isso estimulou a valorização e a dependência de produtos,
insumos e acessórios “importados” dos grandes centros e, ainda, uma “vida
doméstica” pautada pela lógica do mercado.
As mulheres rurais, historicamente, possuem uma participação menor, em relação
aos homens, no que diz respeito às atividades das áreas econômicas (questões de
produção agrícola, pecuária e comercialização de produtos). na área dita social
(que trata da reprodução), essa participação é bastante intensa. Por que esse tipo de
divisão ocorre no meio rural? Será que isso é resultado de um processo cultural?
Nesse sentido, se percebe que a reprodução é subalterna à produção, é pouco
verbalizada, dificilmente entrando como um tema de discussão na pauta do trabalho
extensionista, como se essa condição de subalternidade fosse natural. Mas, nos
parâmetros de uma perspectiva de educação libertadora e de uma cultura pautada
pelo diálogo, a reprodução se apresenta como um tema de discussão, para que a
subordinação à produção possa ser desvendada, e não só para que se possa perceber
como uma área afeta a outra. Mudanças culturais na forma de organizar a família
também deveriam estar demandando mudanças na forma de organizar a produção e o
trabalho na propriedade, buscando com isso umaão afim entre ambas e
desmistificando a masculinização do âmbito da produção e a feminilização do âmbito
da reprodução.
A ausência ou a participação marginal das mulheres rurais nesses processos
muitas vezes é justificada, pelos diversos atores envolvidos, como uma
decorrência “natural” das diferenciações de papéis de gênero existentes no
campo. Há uma divisão sexual do trabalho dentro da agricultura familiar, que
pressupõe, além da diferenciação das tarefas entre homem e mulher, uma
subordinação entre os gêneros. Entendemos gênero aqui no sentido de
relações sociais de poder entre homem e mulher, fundadas no acesso
diferenciado aos meios naturais e de subsistência, e cimentados pelas
crenças, valores, etc. que serão perpetuados pela educação, pela cultura e
pelo imaginário social. (Siliprandi, 2002, p. 3).
Nesse sentido, a extensão reproduz a desvalorização das atividades realizadas
pela mulher em relação ao setor da produção na agricultura familiar, e referenda a
supervalorização das atividades ditas masculinas no mesmo setor. Assim, cabe ao
homem o papel de responsável pela unidade familiar e, em função disso, cabe a ele
“representar a unidade familiar no ambiente público, para fora da propriedade”
(Siliprandi, 2002). No âmbito do trabalho da extensão, tratar desses assuntos, dentro
de uma lógica que propõe a igualdade entre homens e mulheres, é recente. Pouco se
24
preocupou, até hoje, em discutir isso nos grupos de mulheres, até porque os
paradigmas que regiam o processo de extensão não estimulavam essa visão.
O desenvolvimento rural, na perspectiva de um processo tecnicista, perspectiva
implícita no difusionismo e no modelo clássico de extensão, depende de soluções de
natureza diferenciada, que, de acordo com Fonseca (1985, p. 52), ocorre mediante
duas orientações:
Uma de ordem técnica, relacionada diretamente a objetivos econômicos e às
condições da produção (produtividade e exploração racional dos recursos), e
outra de ordem educacional, pois, segundo os modelos clássico e difusionista,
somente uma mudança na mentalidade do homem rural o tornaria apto para
uma vida moderna (racional, cômoda e tranqüila).
O programa de extensão rural do Estado de Minas (ACAR-MG), pioneiro no Brasil,
que depois difundiu seus princípios e suas tecnologias para os demais estados, tinha
como diretrizes as seguintes questões: tarefa – elevar o nível de vida rural no estado;
método – ajudar a população rural a ajudar a si própria; instrumentos – crédito aos
pequenos lavradores (agricultores), assistência técnica, ensino coletivo, ministrado
em cada comunidade por um agrônomo e por uma extensionista de economia
doméstica, hoje denominada de área de Bem-Estar Social (EBES).
Fonseca (1985, p. 83), com base no Relatório da Acar (1952, p. 53), afirma que, na
visão dos técnicos, a extensão rural possuía um significado muito mais amplo para o
agricultor, além do significado restrito de levar tecnologia à produção, pois era
através dela que esses tinham acesso aos empréstimos com juros moderados,
assistência à sua esposa e no cuidado e alimentação das crianças, orientações sobre
implantação de hortas e pomares domésticos, aulas onde suas filhas aprendem a fazer
suas próprias roupas. Essa foi a estratégia usada para preparar as famílias rurais para
o mercado de produtos e insumos, ou seja, para desenvolver a área da produção,
assim como a área da reprodução destinada ao aprendizado e afazeres domésticos.
É mister lembrar que, bem no início do processo de extensão (modelo clássico,
1948), o objetivo principal era a orientação e a assistência técnica articulada ao
crédito rural, com objetivo de levar informação e, ao mesmo tempo, persuadir o
agricultor a implantar novas tecnologias. O processo educacional só acaba sendo
implantado no momento da chamada reestruturação do modelo clássico, para o
modelo difusionista-inovador (1952). Como foi anteriormente explicitado, na
primeira fase de atuação da extensão rural no país esta visava apenas o avanço
econômico e, portanto, era trabalhada somente a área da produção (técnica). Já na
25
segunda fase, começa a ser trabalhada, junto à área da produção, a área da
reprodução (social), com um enfoque estritamente educativo-transmissivo, no
sentido de levar ao campo as “verdades” que vinham dos grandes centros, dentro de
uma visão de reprodução do sistema capitalista vigente e mediante métodos que
facilitassem a aprendizagem:
Os métodos utilizados eram práticos e simples, na divulgação do
conhecimento têm larga aplicação os “auxílios audiovisuais”, isto é,
flanelógrafos, cartazes, folhetos, programas de rádio, artigos de jornais,
projeções de filmes e fotografias. Estes recursos são essenciais dado o baixo
nível cultural do nosso homem do campo” (Fonseca, 1985, p. 84).
Por fim, na terceira fase se buscou unir mais essas duas áreas, trabalhando mediante
um enfoque que ressaltava a orientação do agricultor e da sua família e a construção
do saber segundo uma lógica humanista e libertadora. Historicamente a agricultura
foi descoberta pelas mulheres (Angelin, 2006, p.1), mas, por outro lado, quem
sempre a administrou no âmbito de sociedade moderna e contemporânea foi o
homem, assim como ocorre em relação à política, campo que ainda é visto como um
espaço dos homens e predominantemente pensado por eles. Isso também vale no que
diz respeito ao gerenciamento da propriedade rural.
Esse comportamento é ainda predominante no trabalho da Ascar/RS. Tanto em
campo quanto no que diz respeito às tarefas burocráticas dos Escritórios Municipais,
na maioria das vezes quem assume a chefia desses escritórios são os extensionistas
homens, principalmente onde há um engenheiro agrônomo realizando as tarefas da
área técnica. Pode-se recorrer à temática de “gênero” para compreender tal opção.
Outro aspecto importante a destacar é no que diz respeito a homens assumirem a área
de Bem-Estar Social, prática recente, pois até então não havia sido usada na empresa.
Até porque um dos critérios para realizar a seleção para Extensionista de Bem-Estar
Social (EBES) é possuir o magistério, e esse é um campo também com uma presença
masculina muito reduzida. Em relação às mulheres agrônomas e técnicas assumirem
a área técnica de forma ativa, essa é também uma prática recente, acredita-se que foi
em fins da década de oitenta; até então, estas realizavam o trabalho de EBES e,
ainda, recebiam o salário de acordo com o piso do técnico devel médio, no caso
das agrônomas, ou seja, havia uma desvalorização do trabalho feminino.
Tivemos durante décadas (e em muitos casos, temos ainda) a separação entre
a chamada área econômica ou técnica (do mundo da produção, da agricultura
comercial, da venda dos produtos, das tecnologias modernas, etc.) exercida
26
geralmente por homens agrônomos, técnicos agrícolas, veterinários, etc. e
voltada para os agricultores homens; e a área chamada social, que inclui os
temas ligados ao lar (alimentação, saúde, educação básica, relacionamento
familiar, saneamento), e atividades consideradas femininas (artesanato),
exercidas geralmente por mulheres assistentes sociais, professoras,
nutricionistas, etc. dirigidas às mulheres rurais – individualmente ou
organizadas em clubes de mães e grupos de senhoras (Siliprandi, 2002, p. 7).
A desvalorização do trabalho da mulher esteve presente, historicamente, tanto no
âmbito rural como no urbano, fosse ela agricultora ou funcionária pública, privada,
autônoma, etc., a mulher sempre foi tratada como ingênua, incapaz, subalterna, entre
outras características que foram a ela atribuídas. Na extensão rural, isto foi repassado
especialmente por meio do trabalho realizado nos clubes de mães, com grupos de
mulheres e moças, dentro de um paradigma difusionista/tecnicista, ancorado em
referenciais de ensino de economia doméstica, também denominado de Educação
para o Lar (ou Técnicas Domésticas), que visava a melhoria do padrão de vida
pessoal e familiar.
Fonte: Leite, 1978, p. 9.
Vestuários -
têxteis
Nutrição e
alimentação
Saúde: higiene e
puericultura
Administração
do lar
Habitação: arte,
decoração e
artesanato
Indivíduo
Comunidade
Família
N°: 02
Título: Educação para o
lar/Brasil/1966.
27
Essas práticas, na perspectiva difusionista/tecnicista da extensão na época,
objetivavam o “desenvolvimento integral do indivíduo e a sua preparação para a vida
em família e para a participação ativa na comunidade”(Leite, 1978, p. 9).
No presente, se percebe que há necessidade de realizar-se profundas
mudanças no que tange aos trabalhos da área de bem-estar social, visando um
processo mais participativo e “não mais a prática da simples transmissão de
tecnologias, mas a
promoção de processos sustentáveis
11
de desenvolvimento, que buscam ampliar a
cidadania no campo”(Siliprandi, 2002, p. 6).
Nos dias atuais, na extensão rural, se busca trabalhar mais a valorização da
mulher, procurando mostrar o porquê dessa segmentação no âmbito da divisão sexual
do trabalho. Inicia-se uma crítica à idéia dominante, que perpassa a sociedade,
principalmente no meio rural, que frisa a diferença entre o que é trabalho de homem
e o que é trabalho de mulher. Começa a se expressar a intenção de romper com essa
divisão, pois, afinal, homens e mulheres podem ser solidários uns com os outros,
inclusive no trabalho.
Outro aspecto que foi incorporado ao trabalho com grupos de mulheres foi o
tema da cidadania, nos seus aspectos social e legal, com o propósito do
reconhecimento do ser mulher, através da elaboração de documentos pessoais, que
muitas até então não possuíam e, também, na discussãoquanto ao reconhecimento
dessas trabalhadoras rurais para fins da previdência social. A participação, no que diz
respeito às atividades fora do lar, como reuniões, conferências e seminários, visa ao
desenvolvimento do exercício da autonomia das mulheres, processo de
amadurecimento que pressupõe a dimensão do engajamento social, mas também a
dimensão ética, do ser para si (Freire, 1996, p. 121). Nesse sentido, se busca uma
educação voltada para a libertação do ser humano por meio da participação e do
compromisso social que essas passam a exercer no seu lar, na sua comunidade e, por
fim, na sociedade. Os depoimentos obtidos com a presente pesquisa reforçam as
afirmações anteriores.
Nesses 25 anos de trabalho em extensão, muitas mulheres tinham como
documento somente a certidão de nascimento ou casamento e o titulo de
eleitor. Hoje é muito raro a mulher não ter CPF, carteira de identidade, bloco
de produtora. Claro que não foi somente o trabalho de extensão rural, os
sindicatos dos trabalhadores rurais (STR) foram muito importantes, mas nós
fizemos a nossa parte. Outro fator foi motivar as mulheres a conhecer os
caminhos da administração – contas em banco, créditos – hoje as políticas
11
Processos sustentáveis – processos que têm como base o equilíbrio econômico, social e ambiental.
28
públicas exigem isso - assinatura das Daps-,
12
mas antes, sem esse
conhecimento, a mulher, ao se separar ou enviuvar, tinha muito mais
dificuldades, precisando de um homem (pai, irmão, etc.) para ajudá-la. Até o
ano 2000 o maior foco de trabalho era quanto à valorização da mulher, sua
saúde, qualidade de vida, participação nas decisões, documentação. A partir
dessa data, o que se nota é mais o fator econômico buscando novas fontes de
renda e acesso a políticas públicas – Pronaf, Crédito fundiário, etc.
(Entrevista Escritório Municipal, 2006).
Muitas mulheres estão assumindo, hoje, o papel de administradoras e
gerenciadoras das suas propriedades ou de agroindústrias rurais implantadas nas
propriedades. Por isso, o “novo” papel da mulher, apesar de enfrentar resistências,
é visto de outra forma. Porém, as mais idosas cobram das extensionistas os cursinhos
de artesanato e culinária, os quais possuem seu grau de importância, mas, nos dias
atuais, em que os meios de comunicação estão acessíveis à maioria das famílias,
informações desse gênero podem ser acessadas através de programas de rádio e
televisão. As agricultoras, que possuem acesso a esses meios de comunicação,
poderão satisfazer seus anseios em relação aos referidos assuntos. O que precisa ser
pensada é uma forma de acesso coletivo a esses meios, que crie oportunidade de
“encontros”, o que era propiciado pelos cursinhos.
Entende-se que, nessa área social, há muita coisa que poderá ser trabalhada,
na busca de explorar mais essa capacidade da mulher como agente de mudança e de
sujeito ativo na sociedade. Em primeiro lugar, é preciso desmascarar os estereótipos
criados ao longo da história em relação à mulher, buscando construir uma outra
realidade, amparada em padrões sociais de direitos iguais para ambos os sexos,
revertendo assim a situação de empobrecimento, de desvalorização e de submissão
das mulheres em relação aos homens.
Ainda é muito forte o poder de decisão do sexo masculino, principalmente
nos municípios menores. O crédito, o perito, o gerente, o poder público, o
médico. Então o espaço da mulher ainda é restrito. Pra mudar alguns
paradigmas, como mudar a matriz produtiva, diminuir o uso de agrotóxicos,
leite sem antibióticos, somente após alguns conflitos nas propriedades.
(Entrevista – Escritório Municipal 2006).
Considerando esse cenário, é importante que haja uma valorização da mulher
por parte da sociedade, iniciando pelas próprias mulheres, através da auto-afirmação
de gênero,
13
conceito que trata da diferenciação entre os sexos a partir não só de
12
Declaração de aptidão para enquadramento como agricultor (a) nos programas de créditos rurais.
13
Gênero é o conjunto de características sociais, culturais, políticas, psicológicas, jurídicas e
econômicas atribuídas às pessoas, de forma diferenciada, de acordo com o sexo. As características de
gênero são construções sócioculturais que variam através da história e se referem aos papéis psicológicos
29
aspectos biológicos mas também sociais e culturais. A extensão rural e outras
organizações sociais do campo precisam mostrar essa valorização, por meio de
práticas inovadoras, pois “a tendência à exclusão das mulheres dos processos de
discussão se dá desde o momento em que essas discussões são iniciadas (ausência de
convites específicos para elas, horários inadequados de reuniões, ausência de infra-
estrutura para o cuidado dos filhos, sobrecarga de trabalhos domésticos, distância dos
locais onde se fazem as atividades)”. (Siliprandi, 2002, p.11).
Essa mudança no âmbito do trabalho da área social estará, porém, em
dependência dos agentes sociais envolvidos, das opções feitas pelas próprias
mulheres, e das opções também feitas pelos respectivos companheiros. O homem
precisa facilitar para que a sua companheira participe do processo de
desenvolvimento da sua propriedade como um todo, pois, afinal, um deverá
complementar e ajudar para o crescimento e bem-estar do outro e,
conseqüentemente, da família.
1.3 Garruchos: um município de fronteira
O município de Garruchos, localizado na Região das Missões do Estado do Rio
Grande do Sul, às margens do Rio Uruguai, possui uma área territorial de 830,9 Km².
Garruchos fica à 650 Km de Porto Alegre, capital do estado, e faz divisa ao sul com o
município de São Borja, ao norte e oeste com a Argentina, ao leste com os municípios
de São Nicolau e Santo Antônio das Missões. Apesar de fazer limite com três
municípios que estão situados em território brasileiro, o isolamento é um fator
predominante, já que, na região da pecuária extensiva o latifúndio ainda predomina, e a
dificuldade de acesso torna-se uma característica dessa região. No caso, a cidade mais
próxima é São Nicolau, que fica à 55 Km de distância e o deslocamento é feito em
estradas de chão batido em mau estado de conservação.
A cidade é deficiente, no que diz respeito à infra-estrutura: não hospitais,
“creches”/ escolas infantis, indústrias e o comércio local depende, em sua maioria, de
produtos oriundos de outras regiões, além de existirem poucos locais destinados ao lazer
e culturais que a sociedade atribui a cada um do que considera “masculino” ou “feminino”,
(www.mj.gov.br/sedh/ct/genero.ppt).
30
e diversão em família, impossibilitando assim uma vida mais cômoda e agradável aos
seus munícipes. Isso gera transtornos que causam insatisfação aos cidadãos residentes
no local. Em casos urgentes, como o de ocorrência de doenças que necessitem de
assistência mais especifica, existe a necessidade de deslocar-se aos municípios mais
próximos, como São Nicolau (55 Km ), São Luiz Gonzaga (90 Km) ou São Borja (110
Km).
Outro aspecto que dificulta o acesso a Garruchos é referente ao transporte
rodoviário (ônibus), já que, além das estradas serem mal conservadas, os veículos que
fazem o transporte coletivo são antigos e apresentam problemas mecânicos
freqüentemente, o que coloca em risco a integridade física dos passageiros, sem falar
nos transtornos causados por panes, que muitas vezes impedem as viaturas de
completarem o trajeto previsto. Somado a isso, é destacado que existe apenas um
horário diário que faz o trajeto de Garruchos ao município de Santo Antônio das
Missões, sendo que o mesmo sai de Garruchos às sete horas e retorna às dezenove
horas, sem contar que leva em torno de três horas para completar o trajeto. Para o
município de São Borja, o transporte diário tem saída às seis horas e o retorno é às
dezoito. para o município de São Nicolau o transporte é feito apenas duas vezes por
semana, sendo o horário de saída às oito com retorno às dezessete horas.
Em dias de chuvas intensas, principalmente no inverno, pela ssima
conservação das estradas, ocorrem períodos de até uma semana sem possibilidade de
tráfego de veículos, aumentando a sensação de isolamento territorial. Nesses períodos,
também podem ocorrer enchentes nos rios que cortam o município, impedindo inclusive
o tráfego de pedestres nas regiões interioranas.
Por motivo de não existir porto fluvial legalizado que passagem de veículos
para a Argentina, Garruchos é considerado como final de linha. Isso impossibilita um
escoamento maior de mercadorias e dificulta o tráfego de pessoas em maior escala, pois
a passagem do município à província de Corrientes é realizada sobre as águas do Rio
Uruguai somente por barcos a remo, chamados no local de “chalanas”.
31
No aspecto social, é importante destacar que, apesar do espaço territorial ser
grande, a população é de apenas 3675 pessoas (Censo IBGE, 2000), sendo que 1191
residem na área urbana e 2484 na área rural, uma densidade populacional de 4,55
habitantes por Km². São 2570 as pessoas alfabetizadas, o que resulta numa taxa de
alfabetização de 69,93%.
Por estar localizado em uma área de fronteira,
14
carrega consigo marcas da
história, como a estratificação fundiária, ou seja, a grande maioria das famílias
residentes no meio rural não é proprietária, apenas extraem produtos para a sua
sobrevivência das terras de seus patrões. Isso justifica a grande diferença entre as
benfeitorias que compõem a infra-estrutura social básica do município.
Esse aspecto é responsável por uma cultura que valoriza o econômico em
detrimento da ética, do ser” (sujeito/indivíduo) com suas idéias, seus saberes, seus
valores e suas relações. Ou seja, o patrão é o sujeito que sabe mais, consegue mais, pode
mais, pelo simples fato de ter acumulado bens e, por isso, exerce o poder sobre os
demais. Essa marca da relação entre senhores e servos ainda é difundida nos dias atuais.
É uma das razões pelas quais ocorre uma superioridade ideológica artificial e imposta
no município, que, na verdade, essas pessoas com maior poder aquisitivo assumem
posições, tomam e implementam decisões que resultam não raro apenas em benefício
próprio, em detrimento dos setores mais pobres da população.
Isso gera uma prática cotidiana distanciada do diálogo e reconhecimento das
singularidades humanas, que perpassa os diversos setores sociais, desde as fazendas até
14
Segundo Abínzano (2004), la frontera como trazado liminar o línea de frontera, es solo un aspecto de
las interacciones múltiplas entre sociedades para cuyo estudio es imprescindible definir algunas
categorias fundamentalmente relacionales y otras relativas a las dimensiones espaciales de las
formaciones sociales, tan descuidadas por ciertas escuelas socioantropológicas.
32
as repartições públicas. O poder se concentra “nas os” de poucos, e tudo é válido
para chegar ou manter-se em posições de direção ou comando. Nesse sentido, se faz uso
da ideologia da conveniência, exercendo-se a política de “quem não é conosco é contra
nós”. Isso é muito presente, principalmente porque a principal fonte de empregos no
município é a pecuária e a agricultura, e quem define as regras de convivência, em sua
maioria, são os proprietários das granjas e fazendas do município, mantendo assim uma
espécie de “coronelismo” atualizado. Esses fazem uso da ideologia do convencimento
“Você não precisa pensar. Vote em fulano que pensa por você” (Freire,1996).
Estes que oprimem, exploram e violentam, em razão de sua posição social,
não podem ter a força de libertação dos oprimidos nem de si mesmos. Só a
força que nasce da debilidade dos oprimidos será suficientemente forte para
libertar a ambos. Por isso é que a força dos opressores sobre os oprimidos,
quando estes pretendem amenizá-la, quase sempre se expressa como falsa
generosidade. Os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para
que a sua “generosidade” continue tendo oportunidade de realizar-se, da
permanência da injustiça. A “ordem” social injusta e aqueles que a mantêm
constituem-se na fonte geradora, permanente, dessa “generosidade” que se
nutre da morte, do desalento e da miséria (Freire, 2001, p. 31).
Nesse contexto, o espaço para o exercício da democracia participativa
15
é
limitado, pois as posições dos indivíduos no âmbito das relações de poder não o
eqüitativas. abusos e imposições pelos mais “fortes” em detrimento dos mais
“fracos”, através da democracia representativa:
16
compra de votos, troca de favores e
empregos. Raros são os agricultores que, ao serem “promovidos” a capatazes, não se
tornam mais duros opressores de seus antigos companheiros do que os próprios patrões.
Cabe à situação, a frase de Freire (1987, p. 33):
“É nisto que esses possuem o testemunho de ‘homem’. O seu ideal é,
realmente, ser homens, mas, para eles, ser homens, na contradição em que
sempre estiveram e cuja superação não lhes está clara, é ser opressores. Estes
são o seu testemunho de humanidade”.
15
É um regime onde se pretende que existam efetivos mecanismos de controle da sociedade civil sob a
administração pública, não se reduzindo o papel democrático apenas ao voto, mas também estendendo a
democracia para a esfera social. (www.pt.wikipedia.org/wiki/democracia_participativa).
16
É o ato de um grupo ou pessoa ser eleito, normalmente por votação, para “representar” um povo ou
uma população, isto é, para agir, falar e decidir em nome do povo”. Os “representantes do povo se
agrupam em instituições chamadas Parlamento, Congresso ou Assembléia da República.
33
Essa é a realidade de muitos homens e mulheres, principalmente camponeses
que se deixam humilhar pelo grupo dominante, na medida em que eles próprios
“hospedam” o opressor como modelo de ser humano capaz, bem-sucedido, ou seja, “é
impossível libertá-los enquanto vivem a dualidade na qual ser é parecer e parecer é
parecer com o opressor” (Freire, 1987, p. 32).
Em conseqüência de relações como essas, ocorrem atitudes que dizem respeito
ao gênero, abrangendo principalmente a família e a comunidade. Ao fazermos essa
afirmação,o queremos dizer que os moradores de Garruchos não estejam conscientes
dessa relação cultural que existe entre homens e mulheres, cria papéis e define posições
para ambos. Pelo contrário, sabem e aceitam, com uma grande naturalidade, o
favorecimento de uns em detrimento da opressão de outros, que vários são os fatores
que contribuem para tal, como, por exemplo: dificuldade de acesso, que impede a
participação em atividades de educação e socialização; a própria constituição de uma
cultura de fronteira, pelos aspectos de lutas históricas entre brasileiros e argentinos, que
faz com que se conservem os traços do homem “macho”, ou seja, aquele que laça, piala
e, em determinados casos, abusa do poder, em casa ou na comunidade. No caso, a
mulher, com freqüência, acaba assumindo atitudes submissas, recatadas, e realiza todos
os trabalhos domésticos, servindo o marido (ou pai ou irmão) quando este estiver em
casa.
Esses traços culturais evidenciam a valorização do masculino, presente na
cultura do tradicionalismo gaúcho, o qual também carrega consigo esse caráter de
dominar, comandar, aventurar-se. Nesse sentido, as festas gaudérias, como rodeios,
gineteadas, tiros de laço, peálos, domingueiras, castrações, assim como as atividades da
Semana Farroupilha (nos piquetes do município) tornam-se populares; porém, a
“diversão” é voltada para os homens, exceto as danças. Na maioria das vezes, as
mulheres, quando participam dos eventos, vão para ajudar no acampamento e para
cozinhar.
34
Esses costumes estão atrelados com grande ênfase à questão da origem étnica
desse povo: mestiços, ou seja, branco e índio (mamelucos), negro com índio (cafuzos),
branco e negro (mulatos), além de prevalecer nessa região uma mistura de nativos
(índios) com os bandeirantes (caboclos) os quais já carregavam consigo a mestiçagem
entre o branco e o negro. Esses, portanto, carregam nas suas origens a admiração e a
paixão pelas atividades do campo.
Os mamelucos e cafuzos apresentam as mesmas qualidades e as mesmas
deficiências: entre as primeiras, energia, coragem, espírito de iniciativa,
resistência a trabalhos e privações; entre as deficiências, imprevidência, total
despreocupação do futuro. Lembra que não se adaptam a trabalhos
sedentários, mas são eficientes nos trabalhos de pastoreio e de pesca (Leite,
1976, p. 197).
Como observamos nessa citação, as características atribuídas aos mestiços
condizem com a realidade do povo observado (agricultores familiares), pois eles são
unidos, se ajudam mutuamente quando necessário, são muito solidários, principalmente
em relação a questões de âmbito afetivo-social (doenças, misérias, tragédias, etc), mas,
por outro lado, carregam consigo uma falta de prudência, de precaução, ou seja, o se
preocupam com o futuro e muito menos no que diz respeito a questões de ordem
econômica.
Pelo fato de a etnia luso-brasileira, que ocupa grande parte das terras desse
município, estar atrelada a uma mestiçagem, segundo Prado Junior (1949), citado por
Brum (2005 p.21), a forma de vida que levam esses [mamelucos ou caboclos]
“embriões de uma classe média eqüidistante, tanto dos grandes proprietários como dos
escravos, e que teve papel importante na produção de subsistência,
17
está associada a
uma herança cultural.”
17
Segundo Brum ( 2005, p. 25) refere-se a produção para alimentação familiar.
35
Os principais produtos dessa agricultura são a mandioca, o milho, o arroz e o
feijão, além de frutos diversos, a caça, a pesca e a criação de pequenos animais
domésticos em pequena escala, basicamente para o sustento familiar. Percebe-se
nitidamente uma despreocupação em relação à construção de infra-estrutura, bens de
luxo e geração de excedentes, pois eles preocupam-se em apenas cultivar e produzir o
mínimo para o sustento das suas famílias assim como para as famílias dos seus
empregados. em relação às elites rurais compostas por aqueles que exploram
propriedades no interior do município, os quais são, na maioria, famílias que residem
em outros municípios e que apenas possuem suas fazendas em Garruchos, a
preocupação hoje já é bem outra: produzir o máximo e gerar lucros excedentes.
Outro fator que nos possibilita entender o porquê de certas tradições em
determinadas regiões como essa é o que diz respeito à questão da localização geográfica
do município. Nas regiões de fronteiras, historicamente houve a predominância de
latifúndios, cujos proprietários não tinham interesse nessa prática de cultivo de
subsistência e, pelo fato de serem herdeiros de tropeiros que receberam grandes
extensões de terras nas quais formaram suas estâncias de criação de gado, de onde
comercializavam o couro, o sebo e outros produtos, que eram exportados para a Europa.
Mais tarde estiveram envolvidos com a comercialização da carne desses animais, no
ciclo do charque, produto que também teve mercado externo.
A implantação de uma fazenda de gado não exigia grandes recursos. Sua
simplicidade contrastava com a fidalguia da casa-grande do engenho de
açúcar. Havia grande facilidade no estabelecimento de uma fazenda: uma
casa simples, geralmente coberta de palha extraída da carnaubeira, alguns
toscos currais, algumas centenas de cabeça de gado e cerca de uma dezena ou
pouco mais de homens para as lidas - estes recrutados entre índios, mestiços,
foragidos da polícia ou da justiça do litoral, escravos fugidos dos engenhos e
aventureiros (Brum, 2005, p. 23).
36
Associados às diversas características que o município apresenta, ocultam-se
vários momentos e lutas históricas que deixaram, ou ainda vão deixar, marcas em
muitas gerações. Também pela rebeldia, destacada por Cunha, referendado por Leite
(1976, p. 214), como sendo uma das principais características psicológicas do paulista
(tropeiro) e dos indígenas, assim como o egoísmo, o individualismo, a impulsividade, o
apego às tradições, à honra, à valentia, todas atribuídas aos povos que deram origem a
população da fronteira, elementos que são cultuados aos dias atuais.
Por essas e outras razões, talvez se explique o porquê da dificuldade do
“desenvolvimento”, da integração entre o Brasil e a Argentina na área fronteiriça. Os
valores associados às culturas de ambos o necessitam e o exigem que isso venha a
ocorrer, nem necessidade de maior exploração do meio em busca da acumulação do
capital, o que as diferenciam da cultura dos povos com descendência européia, que tem
outra lógica de produção.
Outro aspecto bastante saliente no garruchense, e que Leite (1978) destaca
também como característica forte no mestiço, é a religiosidade. A crença e o misticismo
que, de uma ou outra forma, marcam as culturas em questão são revelados com uma
força muito grande, principalmente pelos povos nativos do município.
Todos os aspectos culturais citados anteriormente são características que m
raízes na constituição étnica desse povo, pois a convivência entre várias culturas
resultou no chamado “hibridismo cultural” que, historicamente, é negado e ocultado
pelo processo de desenvolvimento sociocultural do nosso país. Segundo Canclini (2006,
p. 255), o desrespeito em relação aos aspectos culturais de diversos povos da América
começou no período da colonização:
A rigor, o processo de homogeneização das culturas autóctones da América
começou muito antes do rádio e da televisão: nas operações etnocidas da
conquista e da colonização, na cristianização violenta de grupos com
37
religiões diversas - durante a formação dos Estados Nacionais -, na
escolarização monolíngüe e na organização colonial ou moderna do espaço
urbano.
Em meio a essas afirmações, chegamos à conclusão de que, historicamente, a
cultura (em concomitância com as relações econômicas), assim como o mundo” dos
mais “fortes”, sempre se sobrepôs à cultura e ao “mundo” dos considerados mais
“fracos”. Os países hoje chamados de Primeiro Mundo constituíram seus impérios pela
exploração de novas colônias. Além de desapropriar os povos nativos de suas terras, os
desapropriavam de sua língua, costumes, valores, religião, enfim, de sua cultura local.
Entende-se que o autor se refere a esses aspectos, quando fala das categorias e pares de
oposição – “é nesses cenários que desmoronam todas as categorias e os pares de
oposições convencionais subalterno/hegemônico, tradicional/moderno, usados para falar
do popular”(Idem, 2006).
No entanto, uma grande divergência ao afirmar que o popular é algo
tradicional, e que apenas o “culto” é moderno. O que existe é um excessivo peso dos
binômios que, historicamente, foram sendo autogerados pela sociedade.
As leituras sobre cultura híbrida nos indicam que esse termo é usado para
denominar as culturas ou subculturas resultantes do cruzamento entre culturas de
diferentes povos ou, mesmo, como a tentativa de instituir uma hegemonia entre
indivíduos de diferentes culturas.
Sem dúvida, a expansão urbana é uma das causas que intensificaram a
hibridação cultural. O que significa para as culturas latino-americanas que
países que no começo do século tinham aproximadamente 10% de sua
população nas cidades concentrem agora 60 ou 70% nas aglomerações
urbanas? Passamos de sociedades dispersas em milhares de comunidades
rurais com culturas tradicionais, locais e homogêneas, em algumas regiões
com fortes raízes indígenas, com pouca comunicação com o resto de cada
38
nação, a uma trama majoritariamente urbana, em que se dispõe de uma oferta
simbólica heterogênea, renovada por uma constante interação do local com
redes nacionais e transnacionais de comunicação (Canclini, 2006 p. 285).
No entanto, apesar de serem destacadas algumas características ambíguas em
relação a esse povo, resultante dessa cultura brida, presente no município de
Garruchos, alguns fatores se tornam relevantes e passam a convergir para um perfil
sociocultural do povo nativo como único. As diversas dificuldades anteriormente
relacionadas os tornaram hospitaleiros, com uma solidariedade que parece estar presente
para além da convivência cotidiana superficial.
1.4 Local, global e questões de culturas de fronteira
Com o processo de integração mundial do capital, as formas de relação entre o
global e o local se complexificaram, até mesmo nas sociedades locais mais periféricas.
Nas regiões de fronteira esse impacto tem sido maior, porque produtos e efeitos do
desenvolvimento científico e tecnológico chegam a essas sociedades locais modificando
as relações até então vigentes na infra-estrutura econômico-social e produzindo
mudanças em aspectos das suas culturas. A complexificação fica mais evidente nessas
regiões de fronteira, justamente porque envolvem mais de uma sociedade organizada,
mais de um nicho de culturas. Contudo, há a integração dessas à dimensão macro de um
mundo globalizado, a qual permite e provoca maior relação entre as sociedades.
Esse cenário fronteiriço se define a partir de vários aspectos, dentre eles
distinguindo-se, por sua relevância, o que define essas regiões limítrofes como
regiões que assumem a peculiaridade de serem “fim de linha”. De um lado, localiza-
se uma determinada cultura, um determinado modelo econômico e social e uma
língua, o que distingue a comunicação entre os povos. Esses fatores, associados,
possibilitam que uma sociedade como essa assuma uma determinada singularidade, a
qual decorre da forma como as mais diversas questões de âmbito social, econômico e
cultural se integram.
39
O município de Garruchos, objeto da presente pesquisa, embora fazendo parte
desse mundo globalizado, como área de fronteira pode ser caracterizado como um
desses “fins de linha”. E mais: além de estar na fronteira, um rio que limita as suas
relações e a circulação de informações e conhecimentos (pontos fortes da globalização)
entre os dois lados (o brasileiro e o argentino). Informações e conhecimentos não
circulam com tanta intensidade, mesmo que o acesso a eles possa ocorrer de forma
indireta pelas mídias eletrônicas e digitais que, no caso, possuem sinal mais forte do
lado argentino.
Nesse sentido pelo fato dos meios de comunicação serem instrumentos de
fundamental importância no meio social globalizado, e por Garruchos estar localizado
em uma área geográfica que garante proximidade a regiões mais modernizadas que
pertencem a Republica Argentina, prevalece na maioria das vezes elementos dessas
regiões como o sinal telefônico argentino. Com isso, o telefone celular, que hoje é um
meio de comunicação acessível à grande maioria da população em outras cidades
gaúchas, em Garruchos é um meio de comunicação precário. Para captação do sinal
brasileiro é necessária a instalação de uma antena fixa, que a cidade está localizada a
uma distância significativa das torres de telefonia brasileiras e a torre vizinha, compete.
O mesmo ocorre com as redes de televisão e dios, o que possibilita ao Município
localizado na Região das Missões do estado do RS, pouca convivência e participação
nos acontecimentos da sua região, no Brasil.
Neste contexto da globalização as sociedades fechadas se tornam raras, porque
há mais informações, maior penetração de novas tecnologias, de novos conhecimentos e
valores. A circulação (troca) desses ocorre por dentro de cada casa e no interior das
instituições afetando as relações das forças locais em geral os investimentos produtivos
mais característicos da região e mais dinâmicos no passado perdem força; dão lugar a
outros, que usam mais tecnologia e que seguem os padrões produtivos da época. Grupos
e instituições que aglutinavam gente perdem intensidade, novas lideranças aparecem e
um novo padrão de consumo se constitui.
40
Isto é visível no que diz respeito às atividades agrícolas onde as áreas que eram
utilizadas com bovinocultura de corte, extensiva, cedem lugar para as culturas anuais
(principalmente soja e milho), atividades estas que estão dentro da agricultura
mecanizada, além de ceder espaço também para a implementação da bovinocultura
leiteira. Os que ainda permanecem com a pecuária de corte, também buscam novas
tecnologias melhorando o manejo das pastagens, inserindo forrageiras que
proporcionam melhor qualidade e quantidade de alimentos para os animais. Além disso,
ocorre suplementação alimentar através de rações e concentrados.
Dentro desse, contexto, pode-se perceber que a relação entre os latifundiários
(fazendeiros/granjeiros) e os agricultores familiares muda lentamente, na visão
extensionista (que, como reportamos anteriormente, é mais imediatista).No entanto,
para a população local esse avanço é significativo, pois grande parte dos pequenos
proprietários, que arrendavam suas pequenas áreas, acabam assumindo o cultivo de suas
áreas, enquanto outros adquirem suas próprias áreas por meio do Programa Nacional de
Crédito Fundiário (PNCF) e passam então a administrar a sua própria propriedade
investindo em culturas de subsistência e em atividades que lhes tragam maior
rendimento financeiro, como bovinocultura leiteira, hortigranjeiros, artesanato,
fruticultura, avicultura e suinocultura.
Essa mudança na cadeia produtiva possibilita a implementação de tecnologias
que fazem parte do cenário global, além de inseri-los nesse contexto com condições
sociais e econômicas favoráveis, pois traz melhorias na habitação, vestuário,
alimentação, lazer, cultura e manejo dos processos produtivos. Nesse sentido, a
extensão rural no município teve um papel importante desenvolvendo atividades como
seminários, dias de campo, cursos, palestras e acesso ao crédito; contudo, foram
fomentadas práticas de forma sustentáveis, as quais serão detalhadas no decorrer dos
outros capítulos. Surgiram várias mudanças no contexto social do município, mas a
essência da cultura das comunidades e das famílias não foi abalada, pois houve um
cuidado especial em manter vivas as atividades corriqueiras desse povo, mesmo
havendo certas implementações.
41
Com essas mudanças que ocorreram em relação aos padrões produtivos, sociais
e culturais do município em questão, percebe-se que o grupo de mulheres de Passo da
Tigra cresceu, no sentido de proporcionar à comunidade novas lideranças, novos
agentes do processo de transformação e novas personalidades do ser mulher. A partir de
então, essas mulheres organizaram um ambiente propício à abertura de novos horizontes
para a propriedade e também para a comunidade, aglutinando a discussão na família
sobre essas novas atividades, referidas anteriormente, bovinocultura de leite,
avicultura, pomares comerciais e agroindustrialização de produtos coloniais, assim
como assumindo o processo de implementação e coordenação destas dentro da cadeia
produtiva da sua propriedade rural. Deste modo, essas mulheres promovem, com sua
organização e participação, um movimento por vezes silencioso em sua comunidade e
no município em si, mas acabam ocasionando uma significativa implementação na
questão financeira, o que repercute nas diversas esferas do comércio local, ou seja, na
compra e venda de produtos para o consumo da família. A capacidade de organização
possibilitou a conquista de vários desejos até então impossíveis, como, por exemplo,
participar de seminários, encontros, excursões, atividades de lazer, aprimorar seus
conhecimentos por meio de cursos, buscando melhorar a qualidade de vida da família,
desde a alimentação até a auto-estima, incrementando a renda e possibilitando com isso
a aquisição de produtos que facilitam o trabalho do seu dia-dia e trazem conforto para a
família, como máquinas de lavar e aparelhos eletrônicos.
.
Lugares pouco conhecidos e isolados, hoje, pelo processo da globalização, têm
oportunidade de conviver com bens materiais e culturais desenvolvidos em diversas
partes do mundo. Isto, contudo, é possível, desde que façam uso dos diversos meios
tecnológicos que os atuais tempos oferecem, necessitando, para tanto, de um alto
investimento financeiro. Na maioria das vezes, o maior entrave para que municípios
pobres passem a integrar esse processo é a falta de recursos financeiros, prevalecendo
assim o seu isolamento, como é o caso do município pesquisado.
Nesse sentido o desenvolvimento técnico e científico aplicado à produção, o
desenvolvimento do mercado mundial e das empresas multinacionais, longe
42
de anularem o espaço, permite sua mundialização, pois os mecanismos
espaciais repousam na justaposição entre o local, o regional e o nacional e,
nesse sentido, o espaço inteiro torna-se o lugar da reprodução, que se realiza
tendo como pano de fundo o mundial que se sinaliza nas tendências pela
atenuação das fronteiras nacionais e na constatação de que o local se torna
global e o global se localiza no lugar, (Carlos, 1996, p.44).
O que foi previsto e refletido pela autora está sendo vivido hoje. Isso possibilita
uma relação mais próxima entre nós humanos e os mais amplos espaços do mundo, o
que implica em vantagens e desvantagens. Os lugares tornam-se mundos em miniaturas;
à sua maneira, cada lugar é, o mundo (Santos, 1999, p. 252).
Portanto, há uma tendência de adaptar as diversas atividades desenvolvidas
nesses locais, nas áreas econômica, social e política, para que as pessoas possam
experimentar mudanças, abrangendo e se inserindo cada vez mais nas práticas
implementadas e potencializadas no global, posto que, segundo Santos (1999, p. 251),
nossa relação com o mundo mudou. Antes, ela era local-local; agora é local-global. Mas
também não podemos cair na ingenuidade de desconsiderar, nesse processo, as
especificidades de cada lugar; por isso, esse autor destaca que os lugares o, pois, o
mundo, que eles reproduzem de modos específicos, individuais e diversos. Eles são
singulares, mas são também globais; manifestações da totalidade-mundo, do qual o
formas particulares.
Como a educação na extensão rural reconheceu e respeitou isto no processo de
educação? Como vimos anteriormente, a grande maioria das práticas pedagógicas de
extensão rural, realizadas a partir da teoria clássica/difusionista que serviu de modelo
para a implantação do sistema no Brasil e em grande parte dos países subdesenvolvidos
da América Latina, estavam ancoradas em um processo em que a diretriz geral era a
todos dirigida, a partir de uma mesma perspectiva. As orientações de como proceder em
determinada prática local eram sugeridas por um centro dominante, no caso, os Estados
Unidos da América, com base em sua realidade social, cultural e econômica.
43
As práticas de extensão sempre aconteceram em espaços locais comunitários,
mas, na grande maioria, seguiram diretrizes gerais que eram estipuladas externamente:
primeiro, pelos países que representavam o capitalismo em expansão, depois, por
organismos internacionais, globalmente ordenados e orientados. Mesmo reconhecendo
as comunidades locais, estas eram forçadas a se adaptar a uma lógica que lhes era
externa. Hoje, com o mundo globalizado, a maior parte do trabalho extensionista
continua se fixando no âmbito local, com ideologias configuradas a partir do sistema
global, e ainda se desenvolve como se esse local culturalmente não existisse. Pouco se
trabalha o vínculo entre o local e o global - visto a partir de uma dinâmica de interação,
singularização e não-dependência - com os agricultores. O local é trabalhado com os
pressupostos de uma cultura global, sem levar em conta as diferenciações que existem
nesses dois níveis. Mesmo que iniciativas como a de Passo da Tigra queiram fazer
diferente, e que autores apontem para a força do lugar, não é fácil para uma comunidade
se auto-afirmar, rompendo com as heranças culturais e com as forças da globalização.
Em relação ao trabalho da extensionista, ocorre algo semelhante para atuar de forma
educativa e libertadora, tem que enfrentar inclusive a expectativa do “seu público”
quanto ao seu trabalho em razão da história institucional.
O ambiente criado pela dominação econômica, política e cultural sobre os países
latino-americanos proporcionou a uma grande parte da população, especialmente a
rural, um processo ágil de aculturação, ou seja, a cultura local foi negada (e em parte
continua sendo), para que houvesse espaço de inserção de uma outra cultura. Nesse
sentido, Santos (1989, p. 263) afirma: “esse povo sentiu-se em um processo de
desterritorialização, e com isso precisou reaprender o que nunca lhe foi ensinado, e
pouco a pouco vai substituindo a sua ignorância do entorno por um conhecimento, ainda
que fragmentário”.
Essa situação, que se ancorou em parâmetros externos, hoje, tendencialmente
globais, “busca impor, a todos os lugares, uma única racionalidade. E os lugares
respondem ao mundo segundo os diversos modos de sua própria racionalidade”(Santos,
1999 p. 272). É mais prático inserir-se e praticar aquilo que já vem sendo realizado do
44
que readequar uma prática a novas demandas, a partir do “local” onde essa prática
deverá ser criada ou recriada. Santos (1999, p.272) faz a seguinte consideração:
A ordem global e a ordem local constituem duas situações geneticamente
opostas, ainda que em cada uma se verifiquem aspectos da outra. A razão
universal é organizacional, a razão local é orgânica. No primeiro caso, prima
a informação que, aliás, é sinônimo de organização. No segundo caso, prima
a comunicação. A ordem global funda as escolas superiores ou externas à
escola do cotidiano. Seus parâmetros são a razão técnica e operacional, o
cálculo de função, a linguagem matemática. A ordem local funda a escola do
cotidiano, e seus parâmetros são a co-presença, a vizinhança, a intimidade, a
emoção, a cooperação e a socialização com base na contigüidade. A ordem
global é “desterritorializada”, no sentido de que separa o centro da ação e a
sede da ação.
Mediante essa lógica, as práticas extensionistas, na maioria das vezes,
desconsideraram os potenciais que existiam nos diversos locais onde estas se faziam
presentes. Então, com esse modo de fazer a extensão rural e com a incapacidade dos
técnicos para resistir às forças externas e às suas propostas de mudanças, pode-se
afirmar que foram desconsideradas as formas de vida, os costumes e os valores que os
diferentes “públicos” possuíam, com muita propriedade. Hoje se sabe que é tão
necessário considerar os aspectos do local, assim como os aspectos de fora, pois esses
se interpenetram, já que vivemos em um mundo globalizado.
Contudo, a localização de Garruchos acaba por beneficiá-lo em dois aspectos:
por estar situado em uma região de difícil acesso, mantém um diferencial em relação a
outros municípios de mesmo porte, que é a conservação de alguns dos seus traços
culturais. Mesmo que isso ocorra pelo isolamento, produz marca, singulariza. O
segundo ponto vem do fato de se encontrar na divisa com a Argentina, na fronteira entre
os dois países e de estabelecer uma relação binacional. Sabe-se que, na relação entre
duas ou mais sociedades locais, o enriquecimento de umas sobre as outras. Este
enriquecimento dá-se por relações institucionais e pelo convívio informal, quando
45
alguma forma de troca ocorre. O convívio pode, inclusive, ajudar a absorver e situar o
que chega do global.
Essa singularidade, na maioria das vezes, atrai para junto da população brasileira
um determinado medo de absorção em demasia da cultura do outro (no caso, dos
argentinos), pois teme a perda da sua cultura, dos seus costumes. Isso faz com que eles
se fechem nas suas tradições, apenas cultuando os seus usos e costumes, fechando-se
para a integração e inserção no mundo globalizado. Uma minoria aceita participar, fazer
uso de certas vestimentas da cultura argentina, mas não tolera que isso venha a ser
partilhado pelos argentinos. Ou seja, o brasileiro pode imitar” o argentino, mas jamais
o argentino imitar o brasileiro. Isso é forte em relação ao vestuário e festas.
Esse contexto todo resulta então no que muitos chamam de isolamento, o qual
não ocorre por acaso, mas pela complexidade na qual o modelo econômico, cultural e
social em que vivemos nos coloca, com o passar dos tempos, através do processo
acelerado de modernização e mudanças tecnológicas influenciado pela globalização.
Portanto, se faz necessária a reconsideração do sistema local no âmbito do
trabalho da extensão rural, ressignificando e valorizando a cultura, os costumes, as
crenças. Os saberes locais que emergem das relações sociais e culturais que se fazem
presentes no cotidiano do povo que ali convive. Seria interessante que todas as
demandas, advindas dos setores ligados à questão agrícola e desenvolvidas em
diferentes municípios, fossem analisadas e readequadas conforme as necessidades e
potencialidades dos referidos locais. Proporcionariam, assim, um desenvolvimento local
a partir daquilo que se tem e se quer, buscando potencializar os saberes e demais
recursos desse local.
Sabemos que o processo de globalização, ao mesmo tempo em que inclui,
também pode excluir, dependendo do local, do momento, da classe social em que o
“indivíduo” se encontra inserido. O objetivo do trabalho da Emater é inserir os seus
46
assistidos nesse processo, mas nem sempre leva à reflexão dos técnicos e agricultores a
maneira de atingir esse objetivo. Para se basear nas propostas de Freire, as culturas
locais teriam que ser compreendidas e fortalecidas com o trabalho educativo que visasse
a inclusão social. Mas isto não é simples de ser feito, principalmente porque os técnicos
na extensão rural trabalham muito isolados e têm muitas atividades a fazer, inclusive as
burocráticas. Com isto, o trabalho pôde manter-se invadindo culturalmente os grupos
que atinge, como nos períodos clássico e difusionista da extensão rural ocorria. E então
a inclusão no processo de globalização pôde apresentar sua face excludente.
Se a extensionista vai a uma localidade para ministrar um curso de pizza mas
não explica a que cultura pertence esse prato, nem que ele possa sofrer alterações
conforme o costume de cada região. As mulheres saem com a receita, mas, mediante a
falta de algum ingrediente, acabam não a utilizando. Se elas vão trabalhar com um
bordado do qual ninguém da comunidade havia ouvido falar, mas que reproduz os
padrões de beleza da mídia, acabam, igualmente, deixando de lado o que alguém da
comunidade sabe fazer e que poderia ser visto como marca da cultura local.
O que se buscou fazer foi, por meio de palestras e reuniões, mostrar para essas
mulheres que elas estavam inseridas em um processo de globalização e que as coisas
acontecem ao mesmo tempo em lugares diferentes, e que o que fazem, comem e vestem
em Ijuí, Porto Alegre ou Buenos Aires, também poderia ser feito em Garruchos, mesmo
passando por algumas adaptações. Buscou-se instigar a curiosidade do grupo, e então se
trabalha a partir do que elas solicitaram, procurando deixar claro que poderiam ser feitas
adaptações a partir da cultura local. Isso justificaria a melhor aplicação dos recursos
públicos, contribuindo para o desenvolvimento do espaço global, de forma geral. Afinal,
esse é constituído pelos “diferentes” locais, assim como afirma Santos (1999, p. 273):
“cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local,
convivendo dialeticamente”.
Essa lógica de pensamento está relacionada ao processo de globalização no qual
nos encontramos inseridos. Mesmo tendo consciência do perigo que enfrentamos com
47
isso, inclusive o da desterritorialização,
18
o como pensar e organizar o viver, a
educação, a extensão, fora dessa dinâmica local-global. “Cada vez mais o espaço se
constitui em uma articulação entre o local e o global-mundial, visto que, hoje, o
processo de reprodução das relações sociais dá-se fora das fronteiras do lugar específico
até pouco vigentes”(Carlos, 1996, p. 14).
Contudo, também a possibilidade de alguma forma de resistência, para evitar
o expansionismo da sociedade mais complexa e mais dinâmica das duas em relação.
Essa resistência pode levar a um fechamento cultural de uma das “sociedades em
questão” para preservar os seus traços, a sua singularidade e, por que não, a sua
identidade. Isto pode diminuir um pouco sua predisposição às mudanças. Essa
resistência é perceptível em algumas atividades sociais dos residentes no município de
Garruchos em relação aos vizinhos argentinos, tendo como exemplo a participação em
bailes, festas e jogos. Mesmo que os visitantes normalmente apresentem uma postura
mais recatada para não causar discórdia, uma tendência a não aceitar que os
argentinos ajam como os brasileiros. Aparentemente é como se houvesse uma invasão
de território, como se a chegada de estrangeiros causasse um estado de alerta à
população local.
O lugar é também o espaço do vazio que se refere ao da
monumentalidade do poder (Carlos, 1996, p. 23). Trazendo essa idéia para a questão da
educação em extensão, quando o extensionista se empodera do saber intelectual, ele
acaba criando uma barreira que impede a interação dos camponeses nesse processo,
possibilitando assim uma relação de superioridade de uma categoria em relação à outra,
o que impede a riqueza de saberes que há nas relações de trocas e vivências dos
diferentes saberes (técnico/agricultor, técnica/agricultora). Isto porque, de um modo
18
O conceito de “desterritorialização” ocorre quando não se tem mais um ponto de referência exato: as
empresas, os trabalhadores, os produtos, passam a ser mundiais, estão em permanente mudança. A
desterritorialização seria, portanto, uma característica da sociedade global que se organiza neste início de
século. O fenômeno de globalização veio reforçar ainda mais a noção de desterritorialização, uma vez que
não se tem mais um ponto de referência para a infinidade de produtos que são fabricados pelas empresas
multinacionais, que dividem a produção por vários países. Dessa forma, não sabemos onde começou e
onde terminou a fabricação de um determinado produto. O mundo se desterritorializa como Nação e se
reterritorializa na cotidianidade como consumo, tecnologia, cultura mundial” de consumo e cultura de
massa.
48
geral, na extensão rural (no Brasil), a tendência histórica foi trabalhar a dimensão
técnico-científica desvinculada da educativa, como setratado adiante. Por isso, pode-
se dizer que o processo de educação em extensão rural, além de agir muitas vezes como
um mecanismo de imposição de novos saberes, também age como instrumento de
dominação e de poder. Segundo Carlos (1996), a leitura do mundo de hoje passa pelo
entendimento do processo de globalização da cultura, da economia, do conhecimento e
das idéias. O processo da globalização permite ao homem desenvolver novas atividades,
novas ões, que ultrapassam as fronteiras existentes no seu espaço de proveniência,
sejam elas econômicas, sociais, geográficas, enfim, uma fusão entre o local e o
mundial. E por essa razão, precisamos nos readequar a essa nova fase. Porém, cada
lugar possui características, elementos que revelam a sua história. Esses traços não
revelam apenas a história de um povo, mas as marcas das lutas de toda uma
humanidade. Mas isto ainda se apresenta para a extensão como um aprendizado que
começa a ser feito de forma tímida, em algumas localidades; ainda não está integrada às
orientações institucionais. A seguir, no segundo capítulo, vamos dar ênfase ao processo
histórico da extensão rural.
49
2 O PROCESSO HISTÓRICO DA EXTENSÃO RURAL NO RS
Neste capítulo, procuramos fazer uma síntese da história da extensão rural no
Brasil e no Estado do Rio Grande do Sul, assim como discorrer sobre as principais
metodologias adotadas ao longo desse processo e as orientações pedagógicas que
nortearam tal atividade ao longo de meio século. Essa análise acontecerá em três
subitens: 2.1 Surgimento do sistema de extensão rural no Brasil e no Rio Grande do Sul;
2.2 Abordagens que orientam o processo educativo na extensão rural; e 2.3 Orientações
pedagógicas do processo de educação em extensão rural.
2.1 Surgimento do sistema de extensão rural – Brasil e RS
Conforme levantamento bibliográfico, o processo de extensão rural brasileira
tem sua origem baseada nos moldes da extensão rural dos Estados Unidos da América
do Norte, que se iniciou por volta de 1621, quando um índio, chamado Squanto, ensinou
aos colonizadores a plantar milho (Vieira, 1988, p. 7). De acordo com o autor
pesquisado, esse fato, aparentemente insignificante, revestiu-se de extrema importância
face aos rigores do inverno, que dificultavam a sobrevivência de homens e animais.
Tal processo seguiu com atividades educacionais isoladas, nas quais as pessoas,
a partir de suas práticas e vivências cotidianas,
19
compartilhavam seus conhecimentos.
19
Práticas essas relacionadas às formas como cada um realiza o seu trabalho no dia-a-dia da propriedade
orientado por intencionalidades definidas. Vivência é o que cada um sabe do conhecimento popular, do
saber do senso comum, herdade de gerações e que vai sendo reestruturado, a partir das relações sociais
estabelecidas no âmbito social.
50
Segundo Vieira (1988, p. 7), no século XVIII foram criadas as primeiras instituições de
apoio à agricultura, entre elas a American Philosophical Society, em 1743. Essas
instituições tinham como objeto oferecer aos agricultores informações técnicas, fazendo
uso de dispositivos como palestras, feiras agrícolas, revistas, entre outros.
Essas práticas da extensão rural foram aperfeiçoadas e ressurgiram, de forma
mais institucionalizada, nos Estados Unidos da América do Norte, por volta dos anos de
1870, após a Guerra da Secessão,
20
, a qual, segundo Fonseca (1985, p.37), “representou
em última instância, para a agricultura americana, a passagem da estrutura escravista à
estrutura mercantil e capitalista”.
Conforme Fonseca (1985, p.38), a mudança então verificada no mercado
agrícola possibilitou uma ruptura no setor agropecuário, a partir da qual esses
agricultores começam a se organizar em grupos/associações para discutirem seus
problemas nos níveis de mercado e de produção”. Nesses locais surge o hábito de
realizarem reuniões e palestras sobre as dificuldades enfrentadas pelos agricultores,
buscando com isso técnicas adequadas para solucioná-las.
Os conhecimentos oriundos dessas iniciativas foram, assim, transmitidos pelo
extensionista aos agricultores, e a esse processo chamaram de extensão, ou seja,
estender os conhecimentos aos agricultores. Assim começa a expansão do processo de
extensão rural. São realizadas atividades diversas, concursos, conferências e feiras para
divulgar os resultados das discussões e pesquisas até então realizadas, assim como para
divulgar os novos produtos e insumos modernos para as lavouras. Junto a isso surge a
necessidade de mais estudos e pesquisas, por meio de órgãos de educação formal, como
universidades e escolas técnicas.
20
Guerra da Secessão – Momento em que a parte Sul dos EUA se separa da parte Norte (1861 – 1865): A
Guerra da Secessão é considerada a primeira guerra moderna da história, fazendo surgir os fuzis de
repetição e as trincheiras, que irão marcar de forma mais acentuada a Primeira Guerra Mundial entre
1914 e 1917.(www.texbr.com/mundodetex/epocahistorica/guerrasecessao.htm. Consultado em 13/10/07).
51
Nesta mesma época, consolidam-se as estações de pesquisas experimentais, as
quais realizavam pesquisas apoiadas em experimentos e sugeriam procedimentos que
pudessem auxiliar na melhoria da produção, técnica e economicamente. O objetivo
dessas estações era de experimentar, pesquisar e desenvolver conhecimentos técnicos
necessários para o aumento da produção.
Essa prática, adotada pelo modelo de extensão rural, no início de sua história, é
algo pragmático: tudo deveria ser primeiramente “comprovado na prática” pela
experimentação ou pesquisa experimental, para então ser repassado ao agricultor. Não
se construía junto aos agricultores a experiência, o assistido teria acesso a
determinados experimentos se eles fossem antes testados e aprovados na visão dos
técnicos. Ou seja, se a tecnologia fosse julgada, pelo técnico, como adequada aos
agricultores, a mesma era difundida/repassada a eles. Além do mais, “quem sabe o que é
melhor para os agricultores são os cientistas e os técnicos”, dizia Bordenave (1972, p.3),
conforme citação de Fonseca (1985, p.41).
Mensagem Mensagem
Mensagem Mensagem
“Segundo este modelo clássico, o conhecimento é transmitido das fontes de
origem ao povo rural. No contexto da Extensão, a comunicação é o meio pelo
qual o povo rural estabelece contato com a nova tecnologia, advindo, em
conseqüência, uma mudança tecnológica permanente. Portanto, o propósito
básico da Extensão dentro do contexto do modelo clássico é o de transmitir
conhecimentos ao povo rural e levar os problemas do povo às fontes de
pesquisa” (Fonseca, 1985, p. 40).
N°: 03
Título: Estações
experimentais/EUA/1865
Fonte: Fonseca, 1985, p. 40.
Estações Experimentais
Extensão
Extensão
Povo Rural
52
Nesse modelo não havia espaço para o erro, nem para a construção e
reconstrução do conhecimento. O modelo clássico de extensão rural pressupunha que o
conhecimento deveria ser levado pronto ao agricultor. Esse modelo serviu de base para
a implantação dos serviços de extensão rural nas regiões subdesenvolvidas”.
21
Passou,
contudo, por certas adequações, das quais surgiu o modelo difusionista/inovador, que
vai negar o desenvolvimento interno dessas regiões e respectivas culturas, criando uma
constelação ideológica através da qual esses povos menos desenvolvidos eram
analisados a partir de padrões e valores das ideologias das nações dominantes.
Nesta teoria difundir e adotar idéias novas significa a transferência de certos
traços de cultura de uma das áreas civilizadas a outra não civilizada. Se
distingue, geralmente, a difusão por migração da população e por contato da
população. O fato cultural que surge pode ser material (uma técnica, um
instrumento) ou moral (uma instituição, um costume, etc)(Fonseca, 1985, p.
44).
Freire (2001) caracterizou essa relação com o agricultor como sendo
domesticadora, pois parte do princípio de que o saber está com o extensionista, o qual
deverá levar ao agricultor esse conhecimento cnico para que haja um processo de
modernização por parte desse, que nesta visão o seu saber é deficiente.
As relações entre invasor e invadidos, que são relações autoritárias, situam
seus pólos em posições antagônicas. O primeiro atua, os segundos têm a
ilusão de que atuam na atuação do primeiro; este diz a palavra; os segundos,
proibidos de dizer a sua, escutam a palavra do primeiro. O invasor pensa, no
melhor das hipóteses, sobre os segundos, jamais com eles; estes são
“pensados” por aqueles. O invasor prescreve; os invadidos são pacientes da
prescrição. A propaganda, os slogans, os “depósitos”, os mitos, são
21
A classificação das Nações Unidas dos países menos desenvolvidos inclui os da América Latina, África
e Ásia, com a exceção do Japão, África do Sul e Nova Zelândia. Os países pouco desenvolvidos se
caracterizam, geralmente, por: 1) renda per capita relativamente baixa; 2) comparativamente, baixa
produtividade por pessoa; 3) pequeno comercio e alta auto-suficiência; 4) uma alta porcentagem de
analfabetismo; 5) transporte e meios de comunicação limitados; 6) alimentação inadequada; 7) pequenas
indústrias e poucos técnicos especializados; 8) governos politicamente instáveis; e 9) alta porcentagem de
nascimento e morte e curta expectativa de vida (Fonseca, 1985, p.41).
53
instrumentos usados pelo invasor para lograr seus objetivos: persuadir os
invadidos de que devem ser objetos de sua ação, de que devem ser presas
dóceis de sua conquista. Daí que seja necessário ao invasor descaracterizar a
cultura invadida, romper seu perfil, enchê-la inclusive de subprodutos da
cultura invasora (Freire, 2001, p. 41-42).
No Brasil, as primeiras atividades de extensão rural, foram desenvolvidas pelos
Padres Jesuítas, por volta de 1549. Estes ensinaram aos silvícolas práticas da
agricultura, através de cursos itinerantes, mas esta era uma das diversificações de suas
missões pastorais. Somente a partir do século XX (1912) começou a organização de
atividades continuadas e instituições ligadas ao setor agrícola, após a criação das
Escolas Agrícolas de nível superior, no Estado de Minas Gerais, as quais, desde o
início, desenvolveram atividades na área de extensão, como, semana de agricultura e
cursos para senhoras.
Muito antes dessa forma de atuar ser adotada no Brasil, esse modelo já era
difundido nos EUA, como adiantamos, momento em que grandes agricultores deixaram
de produzir alimentos para o consumo da propriedade - a chamada produção de
subsistência-, para produzir somente para fins comerciais. Isso desencadeou a
modernização da propriedade rural, precisando assim utilizar-se de quinas
automotivas, sementes e adubos produzidos fora da propriedade, além de o agricultor
ficar dependente do mercado para adquirir produtos para a sua alimentação.
Ao mesmo tempo em que a transformação geral das finanças, da produção,
dos transportes, obrigou o abandono de todas as formas de produção para o
próprio consumo e a produção exclusiva para o mercado, a expansão
gigantesca da agricultura baixou os preços dos produtos agrícolas. Enquanto
a massa de fazendeiros percebia que seu destino dependia do mercado, o
mercado agrícola da União americana, que era um mercado puramente local,
transformou-se num mercado mundial, onde começaram a atuar as empresas
capitalistas gigantescas e sua especulação (Luxemburgo, 1970, p. 351).
54
Os paradigmas que nortearam o início do processo de extensão rural no Brasil
eram condizentes com aqueles que orientavam práticas educativas de mesmo caráter nas
áreas rurais norte-americanas. Para tanto, havia a reprodução das metodologias também
trabalhadas. Durante o período da 2ª Guerra Mundial, Brasil e EUA organizaram uma
Comissão Brasileiro-Americana de Produção de Gêneros Alimentícios, com o objetivo
de desenvolver a produção de alimentos com base em modernas tecnologias. Para
implementar/fomentar tal atividade, foi preciso qualificar mão-de-obra, e, para isso,
foram enviados aos EUA vários técnicos brasileiros em busca de aperfeiçoamento na
área, sendo que alguns deles se especializaram em extensão rural.
Os serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) começaram a
expandir-se de forma mais elaborada no Brasil depois da Segunda Guerra Mundial,
em pleno período da Guerra Fria, e estavam vinculados a uma estratégia
desenvolvimentista internacional com características de norte/sul (estratégia em que
os dois blocos de poder lutavam por ampliar suas áreas de influência). Em
conformidade com essa estratégia, a política de ATER foi difundida rapidamente em
todo o país como uma espécie de solução para o desenvolvimento rural. Mas essa
estratégia não estava preocupada em desenvolver as ações com base nos interesses e
direitos dos “povos-alvo” dos programas de mudanças induzidas. Assim o objetivo
principal dessa política de ATER era difundir práticas ecnicas que levassem as
necessidades de consumo e uso de insumos externos às propriedades nas práticas
cotidianas dos produtores rurais.
Essa aproximação entre os países permitiu maior influência americana em
território brasileiro, sendo que, em 1947, aconteceram as primeiras experiências em
extensão rural no Estado de São Paulo, sob a orientação da AIA (American International
Association for Economic and Social Development). Esse trabalho tinha como objetivo
o aumento na produção de ca, ou seja, buscava um resultado estritamente econômico.
Os EUA tinham certo interesse econômico em relação ao Brasil no momento dessa
aproximação de práticas para o fomento do desenvolvimento agrícola e, por que não
dizer, também no ramo industrial.
O interesse dos Estados Unidos pelo Brasil não se devia apenas à grande
quantidade de suas riquezas inexploradas, mas também à conseqüência que
uma guerra poderia trazer à sua posição estratégica e sua produção. Um
55
informe da comissão técnica sobre a possível aplicação do ponto quatro”
22
aconselhava a melhoria dos transportes e a intensificação da produção
hidroelétrica para que as empresas petrolíferas norte-americanas pudessem
explorar as riquezas brasileiras em tal matéria. Deveriam também introduzir
na agricultura técnicas científicas modernas e mecanizar as lavouras do
campo(Fonseca, 1985, p. 86).
Havia, no entanto, uma necessidade de expandir práticas que proporcionassem o
desenvolvimento agrícola baseado no consumo de insumos externos para proporcionar
uma dependência maior entre as áreas do campo e da indústria, estimulando assim o
crescimento do processo industrial em curso. Com esse discurso se incentivou os
agricultores nas diferentes categorias (grande, médio e pequeno) a adotarem o modelo
da agricultura mercantil e capitalista, a qual foi e continua sendo o marco histórico da
desestabilização da agricultura, principalmente a de caráter familiar.
Assim, nascem os convênios com os Escritórios Técnicos de Agricultura do
Brasil e dos EUA, firmados a partir de então entre os dois países. Nesse período, vários
acordos desenvolvimentistas foram firmados, entre estes, o MEC/USAID. Na área
agrícola, um desses primeiros programas incentivados por esses acordos, foi o
denominado Ponto IV, que visava assistência técnica conjuntamente com assistência
econômica e financeira, executada pela AID (Agency For International Development) e,
mais tarde, por outros organismos, como OEA, BID, IICA, FAO e BIRD. Em meio a
esse processo, surge, em 1948, a primeira Associação de Crédito e Assistência Rural,
com sede no Estado de Minas Gerais ACAR-MG, a qual foi fundada pelo
representante especial da missão norte-americana no Brasil, Sr. Nelson Rockefeller.
Por volta de 1950, foram realizadas, no Estado do Rio de Janeiro, as missões
rurais de educação, com o objetivo de organizar as comunidades por meio da assistência
educacional nos moldes da extensão: trabalhos de grupo, clubes de jovens,
demonstração de métodos, uso de recursos audiovisuais, etc. Buscava-se com isso
22
Sistema de cooperação bilateral entre os governos do Brasil e dos EUA, pelo qual essas nações
realizaram um pacto dedicado ao fomento das riquezas dos países pouco desenvolvidos (Fonseca, 1985,
p.86).
56
aproximar mais os técnicos dos agricultores, através das atividades de extensão por
meio dos serviços de fomento agrícola e crédito rural.
Foi a partir desse modelo de agricultura que, em meados de século XX, se
incentivou muito a agressão ao meio ambiente, através de práticas de desmatamento e
de uso intenso de produtos químicos. Isso facilitou o processo de modernização da
agricultura por meio de incentivo e uso exagerado de máquinas e insumos agrícolas, o
que se denominou “revolução verde”. Brum (2004) define a revolução verde como um
programa cujo objetivo explícito foi contribuir para o aumento da produção e da
produtividade agrícola no mundo, através do desenvolvimento de experiências no
campo da genética vegetal, para criação e multiplicação de sementes adequadas aos
diferentes tipos de solos e climas. Ainda, resistentes às doenças e pragas, bem como da
descoberta e aplicação de cnicas agrícolas ou tratos culturais mais modernos e
eficientes. Serviu também como carro-chefe para ampliar no mundo a venda de insumos
agrícolas modernos: máquinas, equipamentos, implementos, fertilizantes, defensivos e
pesticidas.
Esse processo iniciou por volta de 1939 e se intensificou a partir de 1945, após a
Guerra Mundial, momento em que ocorreu a passagem da agricultura de modelo
tradicional para a agricultura modernizada. As grandes corporações patrocinaram e
comandaram tal processo, introduzindo-o de forma vertical no interior dos países
chamados subdesenvolvidos. A sua propagação deu-se em duas etapas: a primeira,
chamada de fase pioneira – quando foram realizadas pesquisas e experiências em alguns
países, entre eles o Brasil, com alguns produtos agrícolas. Nesta etapa, as principais
ações foram a introdução de sementes certificadas, adubos e equipamentos, além da
assistência técnica e orientação do crédito rural. Já a segunda etapa, denominada de fase
de grande expansão, é datada de 1965 e tem como metas três fatores difundir esse
processo em nível mundial, mudar a política de exportação de cereais do Governo norte-
americano e internacionalizar a pesquisa agrícola. Isso se deve aos bons resultados
obtidos no ramo das pesquisas agrícolas desenvolvidas em alguns países (México e
Filipinas), impulsionando a expansão desse pacote para atingir o maior número de
países nos diversos continentes.
57
O processo de implantação de novas Associações continuou e, em 02/06/1955,
depois de muita discussão e de várias tentativas, foi fundado, no Estado do Rio Grande
do Sul, o sistema de educação rural - Ascar - com cunho de pessoa jurídica, ou seja,
associação jurídica de direito privado. Durante o período de 1955 a 1960, esta
desenvolveu serviços do projeto denominado “ETA Projeto 11 Ascar”, constituído
por representantes do Escritório Técnico de Agricultura do Brasil e dos Estados Unidos,
além de representantes do Ministério da Agricultura, da SAIC Secretaria da
Agricultura Indústria e Comércio e da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural
Ascar. Cada convênio do ETA recebia um número. Por exemplo, o convênio da
ASCAR/RS era ETA Projeto 11, o Projeto ETA17 estava associado à ACARESC/SC,
e assim sucessivamente.
As frentes de trabalho que compunham o “ETA Projeto 11 – Ascar” eram
basicamente para a difusão das técnicas para o desenvolvimento agrícola e a
elaboração de projetos de crédito supervisionado em onze municípios do interior do
Rio Grande do Sul: Caí, Canguçu, Estrela, Lajeado, Pelotas, São Lourenço do Sul,
Bento Gonçalves, Taquara, Montenegro, Cachoeira do Sul e Santa Cruz do Sul.
no período de 1961 a 1969, o Escritório Técnico de Agricultura Brasil _ Estados
Unidos retirou-se do “ETA Projeto 11 – Ascar”, passando este a ser composto e a
funcionar apenas com as três partes remanescentes (Ministério da Agricultura, SAIC
e Ascar), com a seguinte denominação: “Programa Cooperativo de Extensão Rural –
Ascar”. O afastamento do ETA, deu-se em virtude de que venceram-se os cinco anos
de convênios, os quais não foram renovados. O Programa Cooperativo de Extensão
Rural – Ascar permaneceu em funcionamento por um período de apenas seis anos, de
1969 a 1975, momento em que se extinguiu, passando os seus bens (ativos e
passivos), acervos e documentos para a inteira responsabilidade da Ascar.
Assim, no ano de 1976, foi criada a EMBRATER – Empresa Brasileira de
Assistência Técnica e Extensão Rural, que tinha por finalidade a transferência de
tecnologias agropecuária e gerencial ao produtor rural. Dessa desencadeou, no ano de
1977, o sistema de extensão rural em vários estados, cada qual com sua denominação
específica, sendo, no Rio Grande do Sul, a Emater-RS (Associação Rio-Grandense de
58
Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural), estando relacionada com a
Secretaria Estadual da Agricultura, responsável pela formulação e execução da política
de assistência técnica e extensão rural oficial no estado.
Nesse período, houve o processo de incorporação da Ascar ao sistema Emater-
RS, cabendo a esta assumir incondicionalmente o ativo e o passivo da Ascar, bem como
receber sub-rogados os respectivos contratos, o seu pessoal e o respectivo acervo físico,
técnico e administrativo.
Foi estabelecido, em 1980, um protocolo de operacionalização conjunta entre a
Ascar e a Emater-RS, articulando-se as atividades das duas entidades, sem alteração da
constituição jurídica sica de qualquer delas, que passaram a desenvolver suas
atividades de forma solidária e justaposta. Coube à Emater-RS a efetiva execução das
medidas pendentes à persecução dos objetivos programáticos, para os quais ambas
foram criadas, ficando atribuída à Ascar a responsabilidade pela gestão do pessoal,
disponibilizado ao serviço comum, inclusive pelos encargos sociais, trabalhistas,
previdenciários e outras despesas correlatas.
Desta forma,, a Emater-RS e a Ascar tornaram-se duas associações civis de
personalidade jurídica de direito privado que atuam de forma conjunta nas atividades de
assistência técnica e extensão rural, através de convênios firmados com a União, com o
Estado e com os Municípios, não integrando a estrutura organizacional da União ou do
Estado do Rio Grande do Sul. Seus bens, sejam eles móveis ou imóveis, constituem-se
em patrimônio próprio, privado, e não em bens públicos. Seus empregados são regidos
pela CLT, possuindo seus contratos de trabalho com a Ascar, sendo esta a sua única e
legítima empregadora, ficando para a Emater-RS a função de exercer o papel de
representação da imagem externa e captação dos recursos necessários para custeio das
atividades desenvolvidas.
59
Nos primeiros vinte anos de extensão rural no Brasil (1948–1968), um dos
objetivos era desenvolver a prática da educação associada à transferência de novas
tecnologias para os produtores rurais, fossem eles de baixa renda, hoje os chamados
agricultores familiares, fossem eles os médios e grandes produtores. Esse também era
um dos principais objetivos da extensão rural norte-americana: “veicular, entre a
população rural americana, ausente dos colégios agrícolas, conhecimentos úteis e
práticas relacionadas à agricultura, pecuária e economia doméstica, para a adoção de
modos mais eficientes na administração da propriedade rural e do lar” (Fonseca, 1985,
p. 39). Esse processo educacional estava pautado pelo princípio e objetivos de: “ensinar
a ajudarem-se a si mesmos na busca de uma maior produtividade e de melhores
condições de vida” (p.25).Mas na perspectiva vigente quem sabia o melhor caminho a
ser seguido pelos agricultores eram os técnicos, que preconizavam os métodos e
técnicas a serem executadas pelos seus assistidos.
A compreensão do significado da Extensão Rural no Brasil como um projeto
educativo para a zona rural está, necessariamente, atrelada à compreensão da história
do avanço das relações capitalistas de produção no campo. No período de 1948–
1968, as relações que se articulavam, no nível da sociedade como um todo,
determinam o comportamento que as diferentes classes assumem internamente na
dinâmica do processo de acumulação nacional, principalmente depois da “Revolução
de 30” e da marcante influência que o expansionismo americano (econômico,
político e ideológico) passa a ter no período pós-guerra sobre a América Latina
(Fonseca, 1985, p.29 ).
O processo de extensão rural, orientado por um paradigma
difusionista/tecnicista, fazia suas escolhas quanto ao público a partir de critérios de
eficácia. Segundo a autora anteriormente citada, se priorizava no trabalho aqueles
agricultores menos resistentes à mudança. Os marginalizados, os mais pobres, ou seja,
os sujeitos mais carentes, os de origem cabocla, mulatos, eram excluídos, pois eram
considerados de uma “raça inferior”, não estavam aptos e nem possuíam condições de
assimilar determinadas práticas tecnológicas. Para alcançar esse estágio, eles
precisavam de um tratamento diferenciado, que envolvia práticas educacionais, como
cursos, demonstrações de métodos, palestras, etc. As práticas que requeriam um pouco
mais de habilidade e capacidade intelectual, no pensar dos técnicos, eram difundidas
60
somente para os médios e grandes, como, por exemplo: Demonstrações de Resultados
(DR); Unidade de Observação (UO); Unidade Demonstrativa (UD); Grupos de Gestão
(GG), sendo esses os métodos considerados mais eficazes.
Metodológica e epistemologicamente, toma-se como indicativo de práticas
pedagógicas para a extensão rural esse modelo. Um modelo tecnicista, que valorizava
muito mais as técnicas do que o saber propriamente dito, com o objetivo único de
repassar conteúdo. Com isso os saberes e a cultura do homem, da mulher e do jovem do
campo (rapazes e moças) não eram levados em consideração para o planejamento das
atividades e tampouco para as práticas em si. O agricultor se torna mero ouvinte e
objeto mecanicamente manipulado.
Nesse sentido, o processo de educação acaba por assumir um caráter
extremamente tradicional, em que o educando (agricultor) passa a ser um agente passivo
e o educador (técnico), um agente ativo. Na produção de Freire (1997, p. 12 )
encontram-se afirmações de:
que o próprio conceito de “extensão” engloba ações que transformam o
camponês em “coisa”, objeto de planos de desenvolvimento que o negam
como ser da transformação do mundo. E esse mesmo conceito substitui sua
educação pela propaganda que vem de um mundo cultural alheio, não lhe
permitindo ser mais que isso e pretendendo fazer dele um depósito que
receba mecanicamente aquilo que o homem “superior”, ( o técnico) acha que
o camponês deve aceitar para ser moderno”, da mesma forma que o homem
“superior” é moderno.
Foi nessa época que se dirigiu o trabalho a grupos de homens (HO), grupos de
senhoras e moças (SM) e grupos de jovens (chamados clubes 4S),
23
por meio dos quais
eram transmitidos conhecimentos relacionados à agricultura, à pecuária e à economia
doméstica, com o objetivo de aprimorar a administração da propriedade rural e do lar. A
23
4 S ( saber, sentir, saúde e servir).
61
prática extensionista, calcada em metodologias e paradigmas difusionistas/tecnicistas,
buscava somente o desenvolvimento econômico do meio rural e a modernização dos
costumes de sua população. Nesse sentido, toda e qualquer prática que resultasse em
acumulação de capital para a área agrícola era bem vista.
A proposta que orientava os trabalhos dos grupos de mulheres e jovens, por estar
atrelada a uma questão histórica de gênero e desigualdade social, forjava o
desenvolvimento de uma prática de extensão rural que visasse à homogeneização
desses sujeitos a práticas e vivências consideradas como fatores primordiais para o
desenvolvimento e ascensão social. No entanto, dentro dessa lógica, as pessoas que
mais precisavam de orientação de uma proposta de “educação” para a reprodução da
vida era o “público” feminino e jovem. Considerando essa proposta, os homens não
participavam das discussões de âmbito social; esses recebiam “orientações técnicas”,
dirigidas à produção, em vez de serem “educados”:
(...) além da assistência agronômica permanente e na sua propriedade, há uma
assistência especializada para o lar sobre economia doméstica, melhoramento
da habitação, nutrição, confecção de vestuário, construção de móveis
rústicos, higiene, saneamento, etc. E assim agindo, junto à família do
agricultor, busca a supervisora doméstica
24
elevá-la socialmente, enquanto o
supervisor agrícola,
25
seu companheiro de trabalho, objetiva principalmente o
progresso econômico (Emater, 2005, p. 38-39).
Percebe-se que um trabalho com a família, porém, dividido em áreas de
interesse estipuladas pelo órgão de extensão rural; neste caso, a Ascar. A concepção de
trabalho em “equipe” é a sua orientação, mas cada um dos integrantes desta equipe o
desenvolve com objetivos e metas bem definidas de acordo com a sua área de atuação e
seu “público” específico.
Por fim, parece claro o equívoco ao qual nos pode conduzir o conceito de
extensão: o de estender um conhecimento técnico até os camponeses, em
lugar de (pela comunicação eficiente) fazer do fato concreto ao qual se refira
o conhecimento (expresso por signos lingüísticos) objeto de compreensão
mútua dos camponeses e dos agrônomos. (Freire 2001, p.70)
24
Extensionista da Área de Bem Estar Social
25
Extensionista da Área Técnica.
62
Desta forma, fica difícil admitir como realmente educativo o processo de
“educação” que está presente na extensão rural.
26
Como o objetivo era estabelecer um
processo de educação, deveria haver uma discussão dos diversos assuntos da produção
com a família toda. Além do que, educar significa dialogar, conversar, e não apenas
transmitir “verdades”. Esse diálogo acontece quando existe alguém que pensa
(educador), um objeto pensado (idéias ou discussões) e outro sujeito também pensante
(agricultor, agricultora), com suas idéias e seus valores, talvez o mais importante de
todos, pois sem esse terceiro não haveria sentido se pensar a realidade.
O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-
participação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não um
“penso”, mas um “pensamos”. É o “pensamos” que estabelece o “penso e
não o contrário. Esta co-participação dos sujeitos no ato de pensar se na
comunicação. O objeto, por isto mesmo, não é a incidência terminativa do
pensamento de um sujeito, mas o mediatizador da comunicação (Freire,
2001, p. 66).
O modelo de extensão rural implantado de modo geral no Brasil e no Rio
Grande do Sul, como vimos anteriormente, assim como em toda a América Latina,
seguiu uma proposta alheia à demanda local por conhecimentos, e por isso não estava
alicerçada em paradigmas teóricos correspondentes a essa realidade. Segundo Caporal
(2006, p. 1), é importante ter claro que os modelos, objetivos e prática da extensão
rural brasileira o nasceram de uma demanda local e, ademais, também o se
desenvolveram apoiados em base teórica que correspondesse à realidade do meio rural e
do desenvolvimento agrário brasileiro”.
2.2 Abordagens que orientam o processo educativo na extensão rural
26
Na visão de Freire (2001, p. 65-69), o termo Extensão significa, como o próprio nome já diz, “estender
algo até alguém, ou seja, “seus conhecimentos e suas técnicas”. Neste caso existe apenas um sujeito
consciente no caso aqui, o extensionista, e o objeto cognoscível, pensado, sendo repassado para um outro
“sujeito paciente. Já, palavra
Educação
é definida como sendo um processo de comunicação, contudo,
implica uma reciprocidade que não pode ser rompida. Desta forma, não sujeitos passivos em processos
educativos. Os sujeitos co-intencionados ao objeto de seu pensar se comunicam seu conteúdo. A
educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro
de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados.
63
Desde os primeiros passos para a constituição da Ascar, o objetivo principal era
criar “uma associação que visasse ao desenvolvimento da agricultura e ao bem-estar das
populações rurais, através do crédito supervisionado ao pequeno agricultor e criador, e
dar assistência aos mesmos e às suas famílias” (Emater, 2005). Isso nos remete à análise
da abordagem pedagógica que estava aliada ao processo de extensão rural proposto no
início da década de 50, como algo impulsionador do desenvolvimento
27
do setor
agrícola gaúcho, o que fica claro no depoimento de uma das primeiras extensionistas da
Ascar:
Desde a fundação da ASCAR foram cumpridos os objetivos que o o
“desenvolvimento da agricultura e bem-estar das populações rurais, através
do crédito supervisionado ao pequeno agricultor e da assistência aos mesmos
e as suas famílias”. No cumprimento desses objetivos o trabalho com a
mulher e os jovens era imprescindível (Entrevista 2006 – Escritório Central).
O sistema de extensão rural tinha, portanto, objetivos claro em relação ao
trabalho a ser desenvolvido com o produtor rural e, também, a ânsia de melhorar a
qualidade de vida do produtor abrangendo aspectos diversos, como saúde, bem-estar,
segurança alimentar, geração de renda. A metodologia utilizada levou a uma invasão
cultural em relação às práticas adotadas pelos produtores rurais, como foi dito.
A extensão rural, no Brasil, iniciada em 1948, em Minas Gerais, constitui, em
si mesma, uma inovação institucional, dentro do processo de assistência
técnica ao produtor rural. Sua ideologia humanista se orientava,
precipuamente, ao melhoramento das condições de vida das famílias rurais,
através do aumento de sua renda e satisfação de suas necessidades básicas
(Emater, 2005).
27
Desenvolvimento no sentido do crescimento econômico baseado no aumento da produtividade de
grãos, focada nas monoculturas.
64
As práticas e políticas “curriculares” da extensão rural, no seu período clássico,
propunham abordagens pedagógicas baseadas em modelos tradicionais/tecnicistas que
naquele momento da história do país eram os hegemônicos. Essas políticas curriculares
determinavam metodologias conservadoras e a partir de práticas educacionais conforme
a chamada educação tradicional que visava a mera transmissão dos conhecimentos do
“sábio”, ou seja, do professor que detinha uma bagagem de conhecimentos e repassava-
os ao aluno que, nesta visão, nada sabia. Essa ideologia estava baseada no modelo de
educação vigente nesse período.
Segundo Silva (2003, p. 10)
O currículo é o espaço onde se concentram e se desdobram as lutas em torno
dos diferentes significados sobre o social e sobre o político. É por meio do
currículo, concebido como elemento discursivo da política educacional, que
os diferentes grupos sociais, especialmente os dominantes, expressam sua
visão de mundo, seu projeto social, sua “verdade”.
Essa “verdade” política e pedagógica de extensão rural com vistas ao
desenvolvimento acelerado do setor agrícola e, conseqüentemente, do bem-estar das
populações rurais, definida pelos pensadores da agricultura moderna nos países do
Primeiro Mundo, como Estados Unidos e Inglaterra, foi difundida para diversos países
“subdesenvolvidos”, em especial para os países da América Latina – Brasil, Peru, Chile,
Argentina. Revolucionários latino-americanos, já por ocasião da Revolução Cubana
afirmavam:
Por mais que vivamos em regiões, municípios, estados e até países diferentes,
analisando a nossa história, não existem fronteiras. No Brasil, assim como
em todo o continente da América Latina, somos todos mestiços e fomos
todos colonizados por descendentes de europeus (portugueses, espanhóis,
entre outros) (Salles, 2005, DVD).
65
No entanto, a prática de levar em consideração as idéias externas, em detrimento
das idéias locais, como alternativas viáveis, seguras e recriáveis”, faz parte da história
desses países, em especial do Brasil. Foi herdada do processo de colonização pelo qual
passou mais de 500 anos. Isso possibilitou que a cultura, assim como os demais
aspectos locais, fossem soterrados por uma ordem externa, configurando uma realidade
distante de grande parte das demandas locais, regionais e históricas.
As políticas curriculares da Extensão Rural trazem, nas suas vivências, as
ideologias dos grupos dominantes. Esta forma de operar não se distancia do que afirma
Silva (2003, p. 11), “as políticas curriculares, como texto, como discurso são no
mínimo, um importante elemento simbólico do projeto social dos grupos no poder”. O
autor ainda diz mais:
.
As políticas curriculares têm também outros efeitos. Elas autorizam certos
grupos de especialistas, ao mesmo tempo que desautorizam outros. Elas
fabricam os objetos “epistemológicos” de que falam, por meio de um léxico
próprio, de um jargão, que não deve ser visto apenas como modo, mas como
um mecanismo altamente eficiente de instituição e de constituição do “real”
que supostamente lhe serve de referente (Silva, 2003, p. 11).
É interessante considerar que essas políticas estão relacionadas a um momento
histórico no qual são geradas. Portanto, o meio e o momento de sua instituição vão
determinar a sua forma de ação social. Isso, conseqüentemente, vai gerar um grau de
autonomia para um determinado grupo que, na maioria das vezes, está conduzindo tal
processo.
Essa visão forjava uma prática de transmissão de técnicas e saberes,
condizentes com uma cultura do “poder” para uma cultura das classes mais
populares. Isso gerou uma nova forma de pensar e fazer educação, dentro dos
moldes de uma educação com caráter tecnicista, a qual “em muitos aspectos
similar à tradicional, mas enfatizando as dimensões instrumentais, utilitárias
e econômicas da educação” (Silva, 2003, p. 12).
66
Conforme o que foi exposto anteriormente, vimos que o processo de extensão
rural no RS, como nos demais estados brasileiros, se caracterizou até o momento em
três abordagens educativas, no que diz respeito ao processo educacional. Ou seja, da
década de 50 a 60, foi um período denominado de assistencialismo familiar, o qual
estava afim com uma prática pedagógica ancorada nos moldes do processo de uma
educação bancária e tradicional.
Esse período foi marcado por duas bandeiras específicas dentro do processo de
extensão rural: dar assistência ao pequeno agricultor e buscar deter o êxodo rural, o qual
estava se agravando em virtude do esgotamento da fertilidade do solo, além de incentivo
de práticas por meio do crédito supervisionado. O trabalho era desenvolvido mais no
âmbito da área técnica, pois os técnicos muitas vezes ficavam nas casas dos produtores
rurais, sendo que a área social começou seu trabalho a partir de 1955, mas em apenas 10
municípios-piloto,
28
e enfrentando muitas dificuldades e preconceitos, pois até então não
havia preocupação com a vida e o bem-estar das famílias rurais, mas apenas com a
produção.
Nesse período a assistência técnica, suas metodologias e suas cnicas eram
consideradas as únicas “salvadoras” de todos os problemas existentes no meio rural,
inclusive o controle do êxodo rural, que foi uma das maiores preocupações da extensão
rural da época. Se a permanência do homem no campo dependesse do aumento da
produtividade das culturas, o técnico detinha informações de práticas que melhorariam a
produção das culturas. Se o problema se referia ao ataque de pragas o técnico repassava
informações sobre o controle por meio de produtos químicos. Se o problema estava
associado ao acesso ao crédito para implementação dessas práticas para a mecanização
da propriedade, o técnico elaborava um projeto para que o agricultor financiasse essas
melhorias junto aos agentes financeiros.
28
Uma das pioneiras da extensão rural no estado, Guilhermina Petzhold, lembra um fato dessa época: na
primeira visita da equipe do Escritório de Bento Gonçalves ao pároco local, logo de início a equipe já teve
alguma dificuldade para explicar a natureza do trabalho em equipe, que foi interrompido pelo padre com
aquela observação: são casados, irmãos, parentes... escutem filhos, a carne é fraca, muito
cuidado”(Emater, 2005).
67
Neste período, que vai da institucionalização dos serviços até 1960, a
extensão centrou sua atenção nas famílias e comunidades mais pobres,
desenvolvendo um trabalho notadamente assistencialista. Os agentes
atuavam com um olho na família e outro na agricultura. O lar e as melhorias
nas condições gerais de saúde e bem-estar eram as preocupações centrais
dos extensionistas. O crédito rural orientado era uma ferramenta para ajudar
nos processos de mudança. A extensão adotava o chamado enfoque clássico.
Este enfoque priorizava ações tidas como educativas, cujo objetivo central
era melhorar a produção e a produtividade agropecuária, supondo que com
isto “naturalmente” se alcançariam melhorias na renda das famílias de modo
que estas pudessem ascender a um mais elevado nível de bem-estar
(Caporal, 2006, p. 2).
Essas formas de orientação utilizadas trouxeram alguns resultados positivos no
que dizia respeito ao controle da erosão, melhoria da produtividade e mecanização
agrícola. Porém, a propagação de que a assistência técnica “resolvia” os problemas das
propriedades tornou os agricultores muito dependentes do técnico, já que a metodologia
utilizada não levava em conta a importância do saber-compreender-apreender, tudo
fazia parte de um pacote ou receita que vinha de fora das comunidades e propriedades
rurais. Posteriormente, os agricultores passaram a exigir do técnico que soubesse
resolver todos os problemas da propriedade e, como o receita pronta para
problemas diversos, que passam por mudanças, houve um desgaste muito grande da
extensão rural. Muitos agricultores mantêm esta visão até os dias de hoje.
Da década de 60 a 80, foi configurado um período denominado de
difusionismo, o qual estava afim também com uma prática pedagógica ancorada nos
moldes da educação bancária ou tradicional, mas com ênfase no modelo tecnicista e
nos pacotes tecnológicos. Essa fase se concretizou mediante uma política com base
em uma lógica modernizadora do campo, por meio da transferência de novas
tecnologias de produção – máquinas e insumos visando resultados econômicos
imediatos.
Na década de 60, o período do difusionismo ou o período do produtivismo,
passou-se a exigir da extensão rural uma ação mais eficiente e intensamente
orientada a aumentar a produção e a produtividade da agricultura, em
particular dos produtos destinados à exportação. A partir de então, a extensão
passaria a dedicar-se à modernização agrícola, contribuindo para a introdução
de fortes mudanças na base técnica da agricultura brasileira e, em
conseqüência, para a crescente subordinação do setor agrícola a elos
estabelecidos à montante e à jusante da produção, no âmbito das cadeias
agroindustriais. A orientação teórica da extensão, desde este momento, foi a
68
“difusão de inovões”, e esta se apoiava em uma política de crédito rural
que priorizava os médios e grandes agricultores. Os agentes da extensão
passaram a focar sua atenção na agropecuária e em seus resultados imediatos,
o que levou a uma drástica redução de sua preocupação para com a família
rural (Caporal 2006, p.2).
Nessa perspectiva, os extensionistas foram “treinados”, capacitados para
exercerem a sua profissão, nas diversas regiões ditas subdesenvolvidas. Em decorrência
disso a extensão rural, embora se constituindo como processo de educação não-escolar
manteve, com algumas peculiaridades, um sistema condizente com as orientações
técnica e administrativa da educação escolar. Nessa lógica se desenvolveram práticas
direcionadas a grupos específicos e singulares, visando sempre estimular o consumo e o
uso de elementos exteriores e a busca desenfreada do acúmulo do capital.
As comunidades estratégicas eram selecionadas levando em conta: distância
da sede, número de famílias esituação econômica das famílias. A seleção era
feita pela Igreja, sindicato dos trabalhadores rurais, posto de saúde e,
naturalmente, pelas secretarias municipais e Câmara de Vereadores.
(Entrevista, 2006 – Escritório Central).
Nesse processo, havia a separação de grupos específicos de homens, mulheres e
jovens, como apontamos anteriormente, vistos como “sujeitos/objetos” diferentes uns
dos outros, com capacidades e aptidões específicas. Por isso, a área direcionada aos
homens, a chamada área técnica, era vista apenas como área da produção, ou seja, os
homens, nessa concepção, eram vistos como aqueles que possuíam mais facilidade
em assimilar os conhecimentos transmitidos. Os conhecimentos levados até esses
eram vistos como saberes únicos, imutáveis, capazes apenas de serem reproduzidos,
tal qual foram repassados, e estavam associados à área econômica ou de geração de
renda dentro da propriedade. Nesses termos, para os homens eram dirigidas
demonstrações de práticas relacionadas à questão agrícola, como preparo do solo,
práticas de plantar e colher; uso de insumos para produzir mais e controlar as pragas
que atacavam as lavouras: “Os trabalhos eram bem separados, salvo ações com
juventude, encontros e dias de campo que eram realizados com a ajuda de todos”
(Entrevista, 2006).
69
Esse repasse técnico utilizado para os homens não era chamado de educação?
Não, justamente por estar em jogo uma relação de nero, em que a área técnica, no
paradigma vigente na época, se sobressaía em relação à área social, ou seja, a área
“ditados homens possuía mais valor em relação à “ditadas mulheres. Pelo fato de
que os homens não precisavam de educação porque já estavam preparados para
absorver o repasse técnico, o processo educativo direcionava-se apenas às mulheres e
jovens.
Não como analisar o trabalho da extensão rural sem perceber que ele foi,
permanentemente, marcado por um viés de gênero. Assim como as
extensionistas mulheres sofriam uma série de restrições ao seu trabalho, no
caso das mulheres rurais, esse viés se manifestava basicamente na negação
do seu papel enquanto agricultoras. A elas era oferecida a possibilidade de
organização em grupos (clubes de mães, de senhoras e outros),
acompanhados pelas extensionistas de bem-estar social, e orientados, em sua
maioria, para os temas considerados "femininos". De forma geral, mesmo
que não fosse essa a intenção, os grupos ajudavam a consolidar a idéia de que
havia um lugar separado entre as mulheres e os homens no meio rural,
assumindo uma divisão sexual do trabalho que, na prática, negligenciava o
papel produtivo que as mulheres sempre desempenharam na agricultura. Essa
ação contribuiu para a exclusão das mulheres dos espaços onde se tratava das
questões tecnológicas e de financiamento da produção agrícola, embora
elas sempre tenham participado ativamente dessas atividades e sobre elas
recaíssem as conseqüências das mudanças ocorridas (Siliprandi, 2002,
p.40-41).
Como vimos, a área direcionada às mulheres e jovens era chamada de área social
e direcionada à educação. Porque esses “sujeitos/objetos” eram vistos como pessoas que
não possuíam uma cultura (vista como conhecimento) adequada aos padrões da
chamada agricultura moderna eram considerados carentes”. Nesse sentido, como
adiantamos, as pessoas que faziam parte desses dois grupos precisavam ser educadas
para se integrarem ao novo paradigma da agricultura moderna. E, para isso, as
mulheres, especificamente, acabavam tendo reuniões demonstrativas para preparo e uso
de alimentos e cardápios que o faziam parte da sua cultura (por exemplo: no lugar do
carreteiro de charque, passou-se a consumir a pizza), e que exigiam no seu preparo
“mantimentos” que o eram cultivados na propriedade rural, além de aprenderem a
70
costurar e a decorar suas casas com objetos e acessórios de decoração próprios de
culturas urbanas: pegadores de panelas, aventais, cortinas, bordados, etc.
Eu era normalista (professora) e a orientação e a prioridade eram a
valorização dos conhecimentos e habilidades das participantes dos grupos e,
nessa metodologia, inserir novos conhecimentos e habilidades como por
exemplo: nas DM’s (demonstrações de método) de uma prática de
alimentação eram discutidos com as participantes os aspectos dos valores e
higiene dos alimentos demonstrados, dos equipamentos etc. de acordo com as
carências das comunidades, (Entrevista, 2006 – Escritório Central).
Percebe-se que, no discurso pedagógico, um lugar reservado para a
valorização do saber local e para a valorização das demandas locais a serem trabalhadas.
No entanto, ao acompanhar as práticas, é possível detectar que esse discurso”, na
maioria das vezes, não se objetiva, pois os temas trabalhados estavam baseados na
lógica da difusão dos conhecimentos, nos conteúdos e normas curriculares condizentes
com o modelo agrícola e a vida cultural hegemônicos.
O enfoque era na promoção humana das comunidades rurais. No primeiro
plano anual de trabalho foram incluídos os seguintes projetos, tendo em vista
a realização de atividades: projetos selecionados através de reuniões com
agricultores, lideranças, senhoras e jovens controle da erosão; adubação;
combate à formiga; combate às doenças e preparo das lavouras; higiene dos
animais; melhoramento das culturas; alimentação dos animais; melhoramento
da cultura do feijão e do pêssego; melhoramento da cultura do milho;
melhoria das instalações; projetos de vestuário; projeto de nutrição; projeto
de conservação dos alimentos; projeto de puericultura e enfermagem do lar;
projeto de produção de alimentos; projeto de Clubes 4 S; projeto especial de
crédito rural supervisionado (Entrevista 2006 – Escritório Central).
A orientação metodológica que estava associada à parte teórica do sistema de
extensão rural defendia um modelo democrático participativo de promoção humana,
mas o que se percebe é que, na prática, este se reduzia a um modelo “democrático
representativo”,(cooptativo). Quem definia desde as questões de organização,
comunidades, famílias até assuntos e ões a serem executadas eram as principais
lideranças dos municípios, consolidando-se as relações e dificultando o surgimento de
71
novas lideranças. O trabalho como um todo obedecia a uma série de ações propostas por
meio de uma ideologia em vigor.
Normalmente era realizada uma série de demonstrações, mas, na maioria das
vezes, não resgatando o conhecimento local, mas sim o saber de fora para o
grupo (transferência de saber). Alguns temas eram sugeridos pela empresa,
outros no município definíamos, pela equipe e parcerias (secretarias da Saúde
e Educação), por exemplo: saúde água, piolhos, saneamento; alimentação –
aproveitamento e produção de alimentos; artesanato tricô e crochê; a
questão saúde era muito trabalhada (Entrevista 2006 – Escritório Municipal).
Esse distanciamento entre as culturas locais e a prática da extensão também está
associado à formação dos profissionais da área. Os depoimentos das extensionistas
entrevistadas demonstram que não um “discurso” único entre as profissionais;
diferentes concepções de educação, de aprendizagem, de sujeitos, de realidade,
perpassando as falas e as práticas dessas extensionistas. Mas esses não chegam a dar
conta de fazer a crítica ao discurso extensionista que devem reproduzir. Como diria
Freire (2001, p.83), ad-mirar as formas de ad-mirar”. Esse saber está atrelado aos
paradigmas que orientaram e, ainda nos dias de hoje, orientam o processo educacional
escolar e o processo de extensão rural, já que este faz parte de um contexto de uma
educação não-escolarizada que, como o primeiro, são reprodutores de um sistema
social. Vale lembrar que as abordagens metodológicas da extensão mudam a intervalos
de determinados períodos, mas, mesmo assim, permanecessem elementos que atrelam a
prática e os métodos utilizados, que às vezes tornam-se “repetitivos” e difíceis de serem
vencidos. No entanto, não colocam em ação outra forma de educar.
A terceira fase da extensão rural denominada “Repensar da Extensão”
baseada em uma perspectiva crítica, humanista, libertadora, conforme as propostas e
experiências freireanas, iniciou na metade da década de 70, mas o período em que
foram realizadas práticas mais coerentes com a referida perspectiva foi de 1985 até o
momento. Nesse período se buscou, e ainda se busca, discutir um outro enfoque para
a ação dos extensionistas, proporcionando práticas com maior participação dos
agricultores como agentes do processo. De 1998 a 2001, a extensão (no Brasil e
especialmente no RS) buscou seguir algumas novas diretrizes, como a: “reforma
72
agrária e assentamento de agricultores sem terra; mudança no modelo de
desenvolvimento rural, fortalecendo as demandas e o desenvolvimento de base local;
apoio à agricultura familiar e outros setores que tinham ficado à margem das
políticas de modernização” (Caporal, 2006, p. 5)
A partir de 1985, com a mudança na direção central da EMBRATER, toma
posse na presidência da empresa um seguidor da pedagogia de Paulo Freire,
que propõe, já no seu primeiro discurso, um outro enfoque para a ação
extensionista. Tratava-se de um processo radical de participação dos
agricultores, que propugnava pela necessidade de uma extensão rural
democrática e popular, orientada para o mercado interno, para a agricultura
de subsistência e que, portanto, priorizasse os pequenos agricultores
(Caporal, 2006, p.3).
Nesse período, buscou-se redefinir as práticas de extensão rural, possibilitando,
no decorrer do processo, modificar as metodologias, readequá-las às diferentes
realidades. Nesta perspectiva, havia o intuito de realizar as atividades de extensão, tanto
no âmbito da produção (área técnica) quanto no âmbito da reprodução (área social), de
forma conjunta e a partir das necessidades locais, evitando a dicotomia entre teoria e
prática.
Na cada de 80 surgem na extensão as chamadas “multiplicadoras”, ou seja,
algumas mulheres de cada comunidade eram assim chamadas. Representantes de cada
grupo se deslocavam a a sede do município, onde a extensionista repassava as
técnicas, e essas voltavam para as suas comunidades e repassavam-nas para as demais
integrantes dos grupos. Foi uma tentativa de inovar e buscar fazer diferente. Mais uma
vez, porém, foi constatada uma falha na concepção pedagógica do trabalho. A
extensionista, ao se ausentar por essa estratégia, afastou-se das comunidades e reforçou
o papel de liderança naquelas pessoas que se sobressaíam nas comunidades.
Reforçou-se, com isso, o modelo de “transmissão” do conhecimento, ao invés de
transformá-lo ou relativizá-lo.
1980 a 1987 foi o período das multiplicadoras. Trabalhava-se com essas
lideranças e, após, essas repassavam às demais dos grupos TEORIA X
PRÁTICA – Ex: Horta – alimentação correta preparo de pratos. (Entrevista,
2006).
73
Neste período começaram a haver avaliações e mudanças nas formas de
capacitação dos técnicos e cnicas da extensão rural do RS. Buscou-se constantemente
refletir sobre a prática da extensão rural de forma mais conjunta e integrada entre as
áreas técnica e social, assim como com os próprios agricultores. A partir dos anos 90, se
trabalhou fortemente sobre assuntos como organização social, por meio de encontros,
seminários e dias de campo. Pode-se afirmar que, em muitos regionais da empresa,
tanto as práticas como os processos de capacitação começam a adquirir características
mais participativas e centradas nas necessidades e demais manifestações das culturas
locais. Mesmo percebendo que cada vez mais os processos produtivos e as vidas
pessoais, familiares e comunitárias são regulados por mecanismos de mercado, tem
havido certa recuperação e recriação de formas de produção e consumo localmente
“situadas” que alimentam um micromercado paralelo. As orientações que m
sustentado essa dinâmica são condizentes com a educação como prática da liberdade,
com reconhecimento das culturas locais e superação da reprodução pedagógica.
2.3 Orientações pedagógicas do processo de educação em extensão rural
O trabalho desenvolvido no âmbito da educação, na extensão rural, se encaixaria na
linha de uma prática de educação popular? É um processo não-formal, ou seja, é
desenvolvido por “associações, organizações ou movimentos sociais”, no caso a
Ascar-RS/Emater, e, com isso, seus elementos constituidores (currículo,
29
sujeitos,
orientações e dispositivos pedagógicos) estariam propensos a arranjos mais flexíveis
do que os processos formais. A educação popular, a partir dos anos 50, passou a
acontecer mediante duas perspectivas, sendo uma a linha da educação libertadora e a
outra a da educação funcional, “isto é, treinamento de mão-de-obra.” (Gadotti, 1996,
p.7). Segundo este mesmo autor:
29
Para Silva (1999, p. 07 a 17), os elementos que integram o currículo estão relacionados a questões de
organização e método. É por intermédio do currículo que se corporificam os nexos entre saber, poder e
identidade. É o espaço onde se concentram e se desdobram as lutas em torno dos diferentes significados
sobre o social e sobre o político. É por meio do currículo, concebido como elemento discursivo da política
educacional, que os diferentes grupos sociais, especialmente os dominantes, expressam sua visão de
mundo, seu projeto social, sua “verdade”. É ele que define os papéis dos sujeitos envolvidos em um
processo de educação (professores e alunos) e suas relações, redistribuindo funções de autoridade de
iniciativa. Ele que determina o que passa por conhecimento válido e por formas válidas de verificar sua
aquisição. Enfim, ele efetua um processo de inclusão de determinados saberes e de certos indivíduos,
excluindo outros, e também fabrica os objetos de que fala: saberes, competências, sucesso e fracasso.
74
Pode-se dizer que até a segunda guerra mundial, a educação popular era
concebida como a extensão da educação formal para todos, sobretudo para os
habitantes das periferias urbanas e zonas rurais. Depois, nos anos 50, a
educação popular foi concebida como educação de base, como
desenvolvimento comunitário.
São várias as conotações que se pode atribuir ao termo popular, mas, para a maioria
da população, esse conota as classes mais baixas da população, em diversos aspectos,
como cultural, econômico e social, induzindo características pejorativas. “Popular
em uma primeira acepção genérica significa o que é característico do povo, que dele
se origina e pertence a ele” (Pinto, 1984, p. 87).
Se o objetivo da extensão rural no Rio Grande do Sul, assim como nos demais
estados brasileiros, a partir da década de 50, era de caráter educativo, como foi
destacado anteriormente, a mesma seguiu a linha de caráter funcional. Sua prática
estava alicerçada em paradigmas tradicionais, de cunho difusiocionista/tecnicista,
com o objetivo de aqui implantar os pacotes tecnológicos, que já estavam em
vigência fora do Brasil e buscavam a padronização do modelo de agricultura
moderna.
Com base nesse modelo de educação, foram então traçadas as linhas gerais que
nortearam o projeto pedagógico da extensão rural. Nesse sentido, foram adotadas
práticas de desenvolvimento local, que buscavam a mera transmissão de saberes dos
técnicos para os agricultores e seus familiares.
As ações desenvolvidas nesse sentido acarretaram significativas segmentações
no âmbito geral do trabalho de ATER. Pensava-se em desenvolver um trabalho coerente
e participativo e, por outro lado, por força do modelo em que essa prática estava
alicerçada, condicionava-se os profissionais a terem uma postura extremamente radical,
autoritária e com um acentuado corte de gênero, como vimos anteriormente. O lugar
atribuído (desvalorização) e a prática de uma postura extremamente conservadora, em
relação ao trabalho da área de BES (Bem-Estar Social), e a própria segmentação entre
esta e a área técnicao resquícios herdados desse modelo.
75
Tivemos durante décadas (e em muitos casos, temos ainda) a separação entre
a chamada área econômica ou técnica (do mundo da produção, da agricultura
comercial, da venda dos produtos, das tecnologias modernas, etc), exercido
geralmente por homens agrônomos, técnicos agrícolas, veterinários, etc. e
voltada para os agricultores homens; e a área chamada social, que inclui os
temas ligados ao lar (alimentação, saúde, educação básica, relacionamento
familiar, saneamento) e atividades consideradas femininas (artesanato),
exercida geralmente por mulheres assistentes sociais, professoras,
nutricionistas, etc.; dirigida às mulheres rurais individualmente ou
organizadas em Grupos de Senhoras (Siliprandi, 2002, p. 7).
Em relação à questão de gênero, assumiu uma atitude condizente com a adotada
pela nossa sociedade, na qual a divisão sexual do trabalho é bastante forte, independente
de classe social, de etnia e de grau de conhecimento intelectual. Isso é herança de uma
sociedade de modelo patriarcal, onde o sujeito de sexo masculino, considerado o chefe
da família, detém o poder sobre os demais. Em conseqüência disso, se desenvolveu o
hábito de a mulher se portar de forma submissa aos conselhos do seu companheiro. Essa
prática perpassa ainda, muito sutilmente, grande parte das instituições da nossa
sociedade, sejam elas familiares, de trabalho ou lazer.
No entanto, grande maioria de nós extensionistas crescemos ouvindo “padrões
estereotipados quanto aos papéis do homem e da mulher, como, por exemplo, que à
mulher cabe cuidar da casa e dos filhos e que ao homem cabe o sustento da família e a
tomada de decisões, ou que homem não chora e que mulher não briga” (Appelt, 2007,
p.50). Além de que homem veste azul, joga bola, brinca de carrinho, e a mulher veste
rosa, brinca de casinha e de boneca. Essas afirmações acabam tornando-se regras que
precisam ser seguidas à risca para que não haja oportunidades para situações
desagradáveis. E se tornam reais nas nossas relações e nos segmentos em que atuamos,
como no nosso ambiente de trabalho.
76
A partir disso, dentro da nossa empresa esse corte de gênero é bem demarcado.
Segundo Siliprandi (2002), entende-se aqui esse conceito como sendo a construção
social e histórica dos sexos, enfatizando o caráter social e relacional dos dois sexos;
conseqüentemente, o estudo da construção da feminilidade e da masculinidade. Assim,
gênero, dentro dessa perspectiva suposta, é utilizado para designar relações sociais entre
homens e mulheres, desmistificando a “inferioridade” biológica e intelectual feminina,
que por muito tempo foi a base para diferenciar de forma natural os indivíduos de sexos
diferentes. No entanto, existe sim uma separação no que diz respeito ao trabalho
desenvolvido entre as duas áreas, mas aos poucos está havendo mudanças em busca de
conquistar o respeito e aproximação no que tange às atividades que cada uma
desenvolve.
As ações voltadas para a área de Bem-Estar Social eram desempenhadas por
extensionistas mulheres, “as quais até a década de 70 eram impedidas de casar e, até a
década de 80, proibidas de dirigir os veículos da empresa; e durante um longo período,
o seu trabalho permaneceu subordinado ao dos técnicos” (Siliprandi, 2002, p.48). Essa
área era considerada de menor importância e, por essa razão, separada da área técnica.
O próprio termo extensão rural aponta para o sentido semântico de que é algo
“estendido” de alguém que, na maioria das vezes, detém o saber, àqueles que estão ali
para se apropriar deste saber, como alguém que nada sabe. De acordo com Freire (1977,
p.20), o sentido do termo extensão, no contexto educativo do serviço de extensão,
“indica a ação de estender algo a”. Assim o extensionista, por sua vez, é aquele que
estende algo (conhecimento e técnicas) para alguém (agricultores).
Esse leque de orientações que formam o eixo central dos paradigmas da
extensão rural brasileira nasceu e se desenvolveu em meio a uma conjuntura política e
social do país, alicerçada em modelos de desenvolvimento capitalista e regimes
autoritários, como foi falado anteriormente, os quais visavam o aumento da produção
e da produtividade agrícola baseada em métodos de transferência de tecnologia agrícola.
77
Para que haja um processo de educação popular, em uma perspectiva libertadora,
se faz necessário que haja participação de ambos os sujeitos (agricultor/técnico) no
processo educativo. O técnico precisa assumir a sua função social como profissional não
se subdividindo, “enquanto funcionário de estado e enquanto cidadão, parte da
sociedade civil”(Pinto, 1984, p. 95). E aos agricultores deverão ser criadas
oportunidades de decidir sobre a vida de sua propriedade e sobre sua própria vida.
Para Freire (1977, p. 15), o termo extensionista ironiza o termo educador,
portanto, no momento que os técnicos, tanto da área social quanto da área técnica, agem
baseados no significado semântico do termo “extensionista”, contrariando o caráter da
educação. Ser educador, para o autor, é construir com o educando os caminhos do
conhecimento, momento em que ele se sente parte ativa do processo.
O termo extensão, no contexto das práticas de extensão rural, possui um
significado, segundo Freire (1977, p. 20):
(...) de estender algo a, ou seja, indica a ação de estender e de estender em sua
regência sintática de verbo transitivo relativo, de dupla complementação. Não
há, portanto, nessa ação uma relação entre sujeitos, pois o Agrônomo
(extensionista) ocupa o lugar do objeto direto da ação verbal, ou seja, aquele
que dita os conhecimentos; e o agricultor ocupa o lugar do objeto indireto da
ação verbal, ou seja, aquele que recebe os conhecimentos.
Se a ação extensionista é assim caracterizada por Freire, podemos subentender
que, para ele, a prática extensionista não está apenas baseada em paradigmas
tecnicistas/difusionistas, mas também em paradigmas tradicionais da educação, onde
educador e educando não passam de meros objetos dentro do processo.
78
Outro aspecto importante que Freire (1977, p. 22) ressalta é sobre a análise
lingüística do termo “extensão”. Vejamos alguns exemplos a que ele nos remete para
reflexão:
Extensão Transmissão
Extensão Sujeito ativo (o que estende)
Extensão Conteúdo (que é escolhido porque estende)
Extensão Entrega (de algo que é levado por um sujeito que se
encontra “atrás do muro” àqueles que se encontram
“além do muro”, “fora do muro”. Daí que se fale em
atividades extramuros)
Extensão Messianismo (por parte de quem estende)
Extensão Superioridade (do conteúdo de quem entrega)
Extensão Inferioridade (dos que recebem)
Extensão Mecanismo (na ação de quem estende)
Extensão Invasão cultural (através do conteúdo levado, que reflete
a visão do mundo daqueles que levam, que se superpõe à
daqueles que passivamente recebem).
A partir do quadro, é visível a incompatibilidade entre o significado do termo
“extensão” e a proposta de educação baseada na dialogicidade, a qual almejamos.
Parece-nos, entretanto, que a ação extensionista envolve qualquer setor em que se
realize “a necessidade daqueles que a fazem, de ir até a ‘outra parte do mundo’,
considerada inferior, para, à sua maneira, normalizá-la. Para fazê-la mais ou menos
semelhante a seu mundo” (Freire, 1977, p. 22).
É essa força que opera nesse conceito que estamos discutindo, e esse fazer
“educativo” da extensão, por sua vez, ao mesmo tempo em que realiza a transmissão, a
invasão cultural, o mecanicismo, a manipulação, transforma também o homem em
quase “coisa”, negando-o como ser capaz de transformar o mundo. Portanto, o
significado que está por trás dessa prática é muito amplo, o que Freire (1977, p. 23)
chama de “campo associativo” de significação. E, por isso, ele diz que se depreende,
79
claramente, que esse conceito de extensão o corresponde a um que fazer educativo
libertador.
Assim, se fizer uso da persuasão, o extensionista e a extensionista estarão
seguindo a lógica de uma prática domesticadora, que induzirá os agricultores e seus
familiares a aceitarem e praticarem aquilo que, na visão desses profissionais, é a melhor
solução para seus problemas. “Isso, por sua vez, implica num sujeito que persuade desta
ou daquela forma, e num objeto sobre o qual incide a ação de persuadir. Nesse caso, o
sujeito é o extensionista; o objeto os camponeses” (Freire, 1977, p. 24).
Na medida em que temos claro o sentido semântico do termo extensão, podemos
afirmar que, no caso, não uma prática de extensão educativa com caráter libertador,
pois, nesse sentido, a educação somente poderá adotar uma forma de domesticação.
“Esse jeito de fazer extensão implica a ação de levar, de transferir, de depositar algo em
alguém, expõe uma forma mecânica de fazer educação. O que a extensão pretende,
basicamente, é substituir uma forma de conhecimento por outra” (Freire, 1977, p. 27).
De certo modo, todas as questões discutidas até agora estão de uma ou de outra
maneira entrelaçadas em um modelo de currículo,
30
que predominou para a
implementação do paradigma dominante da extensão rural. Deste modo, de se
concordar que o modelo hegemônico-tradicional de educação se viabilizou, na sua
prática, por meio de teorias de currículos as quais hoje são chamadas de tradicionais. Na
época em que se começou a questionar a extensão, se pensava que essas teorias, por
terem suas diferenças com as teorias críticas, poderiam estar equivocadas, mas apenas
seguiam outro jeito de fazer e de pensar o processo pedagógico. Porém, Freire mostrou
a incompatibilidade entre essa extensão e uma educação que não se propõe a domesticar
o educando.
30
Segundo (Silva, 1999), currículo é definido como conjunto de fatos, de conhecimentos e de
informações, selecionados do estoque cultural mais amplo de uma sociedade para serem transmitidos.
80
As teorias tradicionais buscavam apenas organizar e elaborar as demandas
estipuladas de fora do processo educativo em um currículo, tido como “conjunto de
fatos, de conhecimentos e de informações, selecionados do estoque cultural mais amplo
da sociedade, para serem transmitidos às crianças e aos jovens na escola. As teorias
tradicionais eram teorias de aceitação, ajuste e adaptação” (Silva, 2003, pg. 13) . O
autor também afirma que as teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamento
e transformação radical. Desta forma, o currículo é visto como uma ferramenta para
questionar a realidade exposta, buscando novas formas de visão e reestruturação da
mesma para a solução de problemas sociais. A seguir, no próximo capítulo discutiremos
a proposta baseada em uma teoria de educação libertadora.
81
3 O PROCESSO DE EDUCAÇÃO EM EXTENSÃO RURAL EM GARRUCHOS
Este capítulo retomará o processo de Educação em Extensão Rural em
Garruchos. Para tanto, será trabalhado esse aspecto em dois subcapítulos, sendo 3.1
Uma prática em desenvolvimento, momento em que esta em foco o trabalho
desenvolvido no município de Garruchos na área de extensão rural com grupo de
mulheres; e, também, com o subcapítulo 3.2 Educação como prática da liberdade. Será
analisada a valorização da cultura local para a elaboração do plano de trabalho com esse
grupo, dentro da lógica de um currículo humanista e libertador, que busca envolver e
valorizar os diferentes níveis de consciência.
3.1 Uma prática em desenvolvimento
O processo acelerado de mudanças e transformações sociais ocorrido nos
últimos tempos na vida social exige da extensionista uma nova postura frente às novas
tecnologias e seu uso. A reorientação do seu trabalho, considerando essas mudanças,
pressupõe levar em conta o meio onde atua. Porém, esse processo é lento, que é
preciso destruir uma barreira imaginária criada pela extensionista, pois as práticas
difusionistas não têm mais espaço nos dias de hoje.
É preciso conduzir um planejamento alicerçado em paradigmas que levem em
consideração as diferentes formas de pensar dos sujeitos envolvidos, bem como a
realidade local, considerando o desenvolvimento social como um processo em que a
relação global e local é mediatizada pela intercomunicação.
82
É essencial revermos as nossas ideologias, as nossas concepções sobre as
formas de organização social e política, levando esta revolução em conta.
Isto porque, à medida que este prodigioso aceleramento do tempo de
transformação se dá de forma profundamente desigual, os referenciais
tradicionais perdem boa parte do seu sentido, ou no mínimo se tornam
demasiado grosseiros e globais, frente a uma realidade muito mais
diferenciada. Não é a situação que mudou, exigindo novas políticas: não há
mais situação, e sim um processo de mudança permanente, exigindo formas
de gestão social radicalmente alteradas (Dowbor, 1998).
Como já foi comentado anteriormente, os agentes do processo de extensão rural
precisam repensar suas estratégias e seu modo de fazer planejamento envolvendo as
diferentes pessoas e entidades no trabalho de desenvolvimento que busca o exercício da
cidadania. Para isso, é preciso colocar em prática um novo currículo, uma nova forma
de se “fazer” extensão rural. Este currículo deve ser adaptado à realidade em que se
encontra o setor agrícola, considerando as características locais de cada comunidade, de
acordo com os fatores geográficos, culturais, sociais e étnicos e à lógica globalizada do
mercado que “comanda” este setor agrícola.
Nesta perspectiva, assim como considerando o processo pedagógico no qual se
encontra inserida a atual proposta da educação em extensão rural no RS, é possível
visualizar certa contradição no sistema. Tal proposta se diz embasada em um paradigma
construtivista
31
que estaria atento às peculiaridades dos novos tempos e dos seus
reflexos nas sociedades “locais”. No entanto, na prática, orienta-se por princípios e faz
uso de certas ferramentas condizentes com o paradigma da educação tradicional.
Tanto as leituras realizadas quanto minha prática extensionista têm-me levado a
entender que os currículos trabalhados pelo processo de extensão rural estão
historicamente alicerçados nas teorias tradicionais da educação. Vimos que essa prática
de educação não-formal foi implantada no Estado do Rio Grande do Sul, assim como
31
Segundo Freire (2001), este paradigma responde à essência do ser da consciência, que é sua
intencionalidade, nega os comunicados e existência a comunicação. O educador não é o que apenas
educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também
educa.
83
em grande parte da América Latina, com o objetivo de acelerar e financiar o processo de
modernização da agricultura, buscando com isso proporcionar o desenvolvimento rural,
a partir de incentivo ao crédito rural, da pesquisa, dos subsídios.
Ocorreu em um cenário social, econômico e político de mudanças, ou seja, foi
um período de transição da agricultura tradicional para uma agricultura moderna,
baseada na expansão do capital gerida por grupos econômicos internacionais que
buscavam expandir o mercado internacional. Para Brum (2005, p. 28), esse período
representava a possibilidade de expansão dos negócios das grandes corporações
econômicas, tanto no fornecimento das máquinas e insumos modernos como na
comercialização mundial e nas indústrias de transformação dos produtos agropecuários,
sem esquecer o financiamento aos paíises que aderissem ao processo de modernização”.
Como mostramos anteriormente, o conhecimento selecionado para ser
“repassado”, nesse período histórico do processo de expansão do capital, estava
ancorado em ideologias de grupos econômicos internacionais, com valores e metas
traçadas em consonância com o desenvolvimento econômico “estrangeiro”. Percebe-se,
que não havia interesse em implantar um modelo de agricultura forte e auto-suficiente, a
partir de ações que desenvolvessem o sujeito nos aspectos sociais, econômicos e
culturais. Havia, sim, o objetivo de introduzir insumos, equipamentos e ideologias que
viessem trazer desenvolvimento para os seus países. Mais uma vez, houve a exploração
dos países ditos “subdesenvolvidos” pelas grandes potências internacionais.
Com essa lógica, o currículo implantando foi justamente aquele considerado o
ideal para inserir o educando no mundo capitalista em desenvolvimento, que permitisse
que o desenvolvimento conduzisse a uma prática de consumo de bens, insumos e
serviços. A escolha dos temas desenvolvidos com os agricultores, na grande maioria,
era indicação do Escritório Central da Ascar, com sede em Porto Alegre. os
planejamentos das atividades com base nos referidos temas eram discutidos por alguns
sujeitos integrantes de entidades, como presidente dos clubes de mães, líderes
84
religiosos, presidentes de associações comunitárias, presidentes de cooperativas,
presidentes de sindicatos e até mesmo os próprios extensionistas.
No entanto, o grupo no geral deveria acatar o planejamento semipronto. Existia
uma participação representativa do grupo, que poderia ser ou não participativa
dependendo da ão do representante. Neste caso, é quase impossível considerar o
aspecto cultural, ou as potencialidades e dificuldades enfrentadas por um determinado
grupo social. Isso porque as diversidades de opiniões objetivas e percepções nem
sempre são levadas em consideração quando não uma participação democrática e do
grupo todo nas discussões e decisões das principais atividades que devem ser
desenvolvidas no interior dos mesmos.
Com isso uma tendência à generalização e à idealização da dinâmica social e
produtiva e, conseqüentemente, a realidade de cada região, município ou localidade nem
sempre é considerada dentro das suas particularidades. As culturas locais existentes nas
diversas instâncias de atuação dessas práticas educativas o são, portanto,
contempladas. Destaca-se, aquela cultura considerada desejável” por um determinado
sistema educacional que pretende a transformação dos sujeitos e do social seguindo as
perspectivas do paradigma moderno de educação: progresso, desenvolvimento,
modernização, crescimento e inserção.
A internacionalização do processo de extensão rural trouxe consigo um processo
de “interculturalização” dos povos da América Latina, ou seja, se introduziu por meio
de práticas diversas, como conservação e fertilidade do solo, economia doméstica e
crédito supervisionado, valores, conhecimentos científicos e tecnológicos, instrumentos
e práticas consideradas “superiores e de grande valia para o desenvolvimento
econômico de todas as sociedades. Não podemos negar que houve com isso grandes
avanços, principalmente na área econômica e industrial, mas também não podemos
deixar de enxergar a invasão cultural que isso proporcionou, pois as práticas nos
diversos âmbitos da sociedade até então executadas foram substituídas de forma
autoritária por práticas oriundas de uma cultura estrangeira.
85
Um exemplo está no livro Guia para currículo de economia doméstica 1951 e
que o tema Administração para o lar, no subtema Orientação para limpeza em geral,
em que algumas das tarefas listadas é demonstrar o uso do aspirador de pó; ver filmes
sobre cuidados com a geladeira; limpar a geladeira. Ou seja, práticas que instigavam o
agricultor a adquirir objetos e a implantar tecnologias diversas dentro da sua
propriedade, para enquadrar-se nos padrões exigidos pela sociedade moderna. No caso
do município de Garruchos, a energia elétrica nos dias atuais ainda não chegou a todas
as propriedades. Mesmo assim, as famílias do meio rural eram e são sensibilizadas a
consumir produtos que dependem desse tipo de energia.
Com isso fica evidente que o currículo emque a área social de extensão rural se
baseava para realizar suas ões no campo estava ancorado em teorias que não
condiziam com a grande parte da realidade rural do município. Estava voltado apenas a
uma minoria mais organizada economicamente, a qual era público alvo da extensão na
época, conforme avalia Brum (2005, p. 31): “a clientela era o produtor modernizado ou
modernizável, pois esse adquiria máquinas e insumos modernos e fornecia a matéria-
prima para as agroindústrias”.
Segundo Freire (2001):
A invasão cultural tem uma dupla face. De um lado, é já dominação; de
outro, é tática de dominação. Na verdade, toda a dominação implica uma
invasão, não apenas física, visível, mas às vezes camuflada, em que o invasor
se apresenta como se fosse o amigo que ajuda. No fundo, invasão é uma
forma de dominar econômica e culturalmente o invadido.
No entanto a extensão rural herdou esse modelo de currículo, algo absorvido e
adaptado por um determinado grupo, que elabora as linhas metodológicas e metas a
serem seguidas e/ou atingidas num sentido vertical, ou seja, de cima para baixo. Nesse
sentido, Silva (2003) afirma que “o currículo é uma questão de identidade, e de poder.
86
Ele reflete, além do conhecimento, a maneira de ser e de agir de quem o define, e por
que definem como sendo o ideal”. Desta forma o técnico/extensionista, muitas vezes
equivocadamente, interferiu na cultura e nos conhecimentos locais mediante práticas
pedagógicas tradicionais (educação bancária), nas quais o educador é considerado
sujeito e o educando objeto, ou seja, o educador detém o conhecimento e ensina
(transmite), e o educando, por ser visto como aquele que nada sabe, deve aprender tudo,
sem nada contribuir para o processo.
Contudo, minhas leituras e experiência levam-me a crer que a prática histórica
de extensão rural podia apresentar, e de fato mesmo apresentava, momentos de rupturas.
E mesmo que em sociedades que vão se tornando complexas, em decorrência
especialmente da globalização, as exigências que se põem à extensão rural apontam
para um currículo baseado em um paradigma crítico, em uma educação libertadora.
Considerando esse cenário, a partir de 2001 foi discutida, no município de Garruchos,
uma maneira diferente de planejar os trabalhos com os grupos de mulheres.
Para tal, a cada início de ano, durante os meses de janeiro ou fevereiro, era
realizada em cada grupo constituído uma reunião de planejamento. Nessa ocasião,
iniciavam-se os trabalhos com a saudação da coordenadora do grupo ou outra
integrante, a qual dava as boas-vindas e sugeria um tema a ser trabalhado no dia,
quando as integrantes do grupo podiam aceitar ou não a sugestão. Possibilitava-se
espaço para o exercício da participação, buscando romper resistências de se expor em
público, de coordenar atividades e organizar processos de organização social, rompendo
com preconceitos em relação aos saberes do agricultor e do extensionista.
Em seguida, a extensionista também dava as boas-vindas ao grupo, lia e
analisava no coletivo alguma mensagem que valorizasse a auto-estima e o
conhecimento local. Após, eram começadas as discussões do planejamento para as
atividades do ano, por meio de algumas perguntas orientadoras: o que acham necessário
trabalhar para melhorar a qualidade de vida de vocês e das suas famílias? Como vamos
87
realizar essas tarefas? Em seguida, em uma matriz, onde todos pudessem visualizar, era
descrito o planejamento das atividades do grupo.
Desta forma, alguns fatores, como a iniciativa e a complementação de papéis,
tornam-se relevantes nesse processo, pois educador e aprendiz ocupam o lugar de
sujeitos no decorrer da atividade, proporcionando interação no planejamento e na
execução das ações planejadas. Nesse sentido, havia uma participação ativa ao mesmo
tempo em que tinham oportunidade de sentir-se valorizadas como seres que detinham
certos conhecimentos, capazes de serem socializados no interior do grupo. Isso
desencadeou um processo de capacitação capaz de melhor contribuir para melhorar a
qualidade de vida, o bem-estar, agregar valor aos seus produtos e possibilitar uma nova
renda para o sustento das famílias rurais.
Práticas com esse caráter, além de diminuir a responsabilidade da extensionista
em questões educativas, pois esta em muitos momentos foi vista e esperada como
alguém que sabia ou deveria saber tudo, nesse momento do planejamento mais aberto,
democrático, que descentraliza as tarefas de executores também para os sujeitos
aprendizes, ela passa a assumir um papel de parceira nesse trabalho educativo e
evolução dos sujeitos, como pessoas capazes de se socializar e interagir em diferentes
espaços da sociedade.
Num primeiro momento, houve grupos que não conseguiram realizar o seu
planejamento, outros conseguiram planejar somente para o primeiro mês, e sugeriram
replanejar mensalmente. Isso ocorreu nos grupos mais carentes e, por isso,
desacreditados, tachados de vadios, acomodados, entre outros termos pejorativos. Como
de praxe ocorre nesses grupos, sempre alguém mais “entrosado”, que possui um
relacionamento mais denso com os líderes políticos e às vezes mais “esclarecido”, com
maior formação escolar, que assume o papel de porta-voz” do grupo, o qual toma
muitas decisões sem ao menos consultar os demais. A grande maioria das mulheres que
participavam desses grupos sentia-se retraídas frente a atuações como a descrita. A
cultura paternalista e autoritária que predominava nos espaços onde circulavam inibia a
88
participação ativa dessas mulheres e dificultava a implementação de um currículo aberto
às peculiaridades das suas histórias de vida.
Mas o importante foi a evolução que os grupos e, conseqüentemente, cada
sujeito que fazia parte destes, obtiveram em questão de um ano. No segundo ano, houve
grupos que ainda manifestavam um pouco de resistência em relação à nova maneira de
planejar suas atividades, mas com muito diálogo, informações e acolhimento, buscou-se
mostrar a oportunidade que elas estavam tendo de se capacitar, interagir, realizar
encontros mensais para trocas de idéias e conversas descontraídas. Isso foi
convencendo-as e as mesmas foram se dando conta de que aquele realmente era um
espaço delas, que precisavam ocupar para atingirem um grau mais elevado de bem-estar
individual e coletivo.
Como indicadores concretos de mudanças em relação ao planejamento, é
interessante destacar que o mesmo passou a contemplar os desejos dessas mulheres.
Com referência às questões de liderança, várias mulheres foram desafiadas nesse
sentido, assumindo papéis nas diretorias dos grupos, em que, na grande maioria, sempre
assumiam as mesmas pessoas. Todas, como já foi dito, tiveram oportunidade de
conduzir atividades realizadas nos grupos, como realizando a acolhida nos encontros,
outras sendo instrutoras de cursos, onde elas passavam a ensinar o que sabiam para o
grupo, em vez de continuarem sempre como espectadoras. Assim, mesmo quando
estavam realizando atividades sobre as quais elas detinham um determinado
conhecimento e estavam buscando aperfeiçoamento a opinião do coletivo era sempre
considerada. com relação aos temas trabalhados, a opinião do grupo era decisiva, ou
seja, era apresentado o espectro em que a Ascar/Emater tinha abrangência e, baseadas
nisso, elas realizavam as escolhas do que no momento era mais relevante. Com base
nesses procedimentos, muitas mudanças acabaram surgindo, como já foi comentado.
O cenário relacionado às atividades desenvolvidas pela empresa, o qual citamos
anteriormente, estava baseado dentro de uma perspectiva de Desenvolvimento Rural
Sustentável, considerando os princípios da agroecologia. Nesse sentido, os temas sociais
89
apresentados para o grupo foram os planejados no Marco Referencial da Ascar. No
entanto, segundo Silliprandi (2002, p. 42-46), a abrangência de ação de BES é
constituída por cinco grandes áreas, sendo:
A primeira denominada
Promoção da Cidadania e Organização
Social
, a qual abrange as questões de organização e participação ativa, no
que diz respeito à comunidade, município e espaço público em geral. A
segunda, Educação e Promoção à Saúde, que abrange a promoção e a
educação da saúde no meio rural, realizando atividades que buscam prevenir
as doenças e estimular esses sujeitos a buscarem seus direitos em relação a
esse tema nos órgãos públicos.
a terceira, denominada de Segurança e Soberania Alimentar, está
relacionada à produção sustentável de alimentos, à garantia de qualidade (e
de preço) dos alimentos que chegam aos consumidores, ações de combate ao
desperdício e de estímulo ao aproveitamento máximo dos alimentos); ações
que visem o acesso da população à alimentação (melhoria das feiras,
merenda escolar e mercado institucional, estímulo à produção para
autoconsumo, resgate da biodiversidade alimentar); ações para a garantia da
qualidade dos alimentos (dos pontos de vista biológico, sanitário,
nutricional). Na quarta área, Geração de Renda, se busca apoiar diferentes
tipos de atividades, que visam gerar rendas aproveitando os potenciais dos
espaços rurais para além da agricultura, tais como: turismo rural, nas suas
várias modalidades (ecoturismo, turismo colonial, histórico etc.); prestação
de serviços no meio rural (tais como ateliês de couro, móveis, serviços
profissionais); artesanatos com uso de matérias-primas disponíveis no meio
rural, como fibras, madeira, de ovelha, couro, peles, palha de trigo, milho e
arroz. E cabe ainda à extensão apoiar as iniciativas no campo da Economia
Solidária, tais como empreendimentos coletivos, participativos e
autogestionários, que distribuem renda a partir da cooperação e
solidariedade.
E na quinta área,
Gestão Ambiental,
entre as várias ações que podem
ser desenvolvidas sobre este tema, destacam-se as ações em Educação
Ambiental, Preservação e Manejo de Recursos Naturais, Saneamento Básico
e Saneamento Ambiental. As práticas de Saneamento Básico, por outro lado,
aparecem também como ações de preservação dos recursos hídricos
fundamentais para a promoção da saúde pública no meio rural. Incluem-se
aqui as práticas de abastecimento de água potável, disposição de esgotos
domésticos, resíduos de agroindústrias e das instalações para animais,
disposição adequada do lixo doméstico e resíduos das atividades agrícolas,
assim como o controle de vetores (ação associada ao saneamento ambiental,
relacionada à recuperação de matas ciliares e ao controle e disposição de
dejetos).
Com relação a essa forma de planejamento conduzido de forma participativa
junto ao grupo da comunidade de Passo da Tigra, com o qual foi realizada essa
pesquisa, é importante destacar, como exemplo, a realização dos IV Jogos Rurais Sol a
Sol, evento este que tem como objetivo a integração das comunidades rurais e é
coordenado pela Ascar/Emater. Essa comunidade sediou a competição e, para isso,
houve a participação das 20 sócias do grupo. Cabe destacar que foram elas que se
organizaram e discutiram na comunidade o desejo de realizar esse evento. Na reunião
90
do Comitê Municipal, quem representou a comunidade foi uma mulher que pertencia ao
grupo. No planejamento do evento com a comunidade, o grupo todo se envolveu
assumindo coordenações de equipes de trabalho, assim como ajudando na realização das
tarefas que antecederam e que ocorreram no dia dos jogos.
Cabe lembrar, que como foi destacado anteriormente, essa comunidade era uma
das mais carentes do município, e possuía como infraestrutura um pequeno pavilhão de
chão batido e a sede do grupo de mulheres. Portanto, para o evento era preciso melhorar
essa infra-estrutura, então aumentaram o pavilhão, instalaram banheiros, ventiladores,
frezzer, pia, fogão e churrasqueira. Foram construídos também uma cancha de bocha,
dois campos de futebol e um campo de voleibol. Todas essas melhorias foram
realizadas a partir de uma decisão que partiu da comunidade, pois sentiram-se capazes
de melhorar sua estrutura comunitária. Saliento que quando essa comunidade foi
convidada a participar da primeira edição do evento não demonstrou muito interesse.
Essa ação foi resultado de um trabalho coletivo entre extensionistas, grupos de mulheres
e comunidade. Esse grupo era assíduo nas reuniões, palestras e cursos. Elas eram
proativas, ou seja, discutiam, definiam e realizavam as tarefas do seus interesses.
Outras ões relacionadas à nova forma de planejamento de trabalho com o
grupo aconteceram, entre elas podemos citar o projeto de jardinagem e o curso de podas
e cuidados com o pomar, práticas do âmbito da “área cnica”, demanda que suscitou a
discussão do grupo de mulheres. Isso porque, para realização dessas ações foi necessária
a parceria entre os extensionistas e desses com o grupo, não havendo a separação dos
trabalhos da extensionista de bem-estar social com as mulheres e do técnico com os
homens, como vimos no primeiro capítulo nas orientações que perpassaram os trabalhos
da extensão dentro de um modelo difusionista/tecnicista. Dentro desse cenário, outra
ação de grande importância para o grupo foi o curso de pratos à base de carne de ovelha.
Foi possível visualizar nessa atividade os fatores culturais desse povo, pois a ovelha é
um animal que está entre as principais criações dessa região, e muitos sabiam apenas
prepará-la em forma de churrasco ou carne de panela. Com o curso, foi possível discutir
e realizar outras formas de preparo dessa carne gostosa e nutritiva, como o pão de carne
e a pizza.
91
Essa prática com relação à condução do planejamento possibilitou inúmeras
aprendizagens, além de muitos momentos de euforia e emoção por parte dos sujeitos
envolvidos. Houve uma inserção e uma participação ativa dos membros do grupo,
buscando sugerir, opinar e agir nas tarefas realizadas no decorrer do processo. Esse jeito
diferente de trabalhar a educação não-formal, dentro da prática de extensão rural,
mostrou que, com respeito ao saber do outro, coisas surpreendentes podem vir a
acontecer, pois pessoas humildes sentem-se reconhecidas e respeitadas e assim,
conseguem, com muito esforço, pôr em prática aquilo que é próprio do ser humano: o
pensar e o agir. Ou seja, as pessoas passam a ver o seu meio, e sentem-se capazes para
realizarem tarefas até então impossíveis, basta apenas essas mesmas pessoas serem
vistas como capazes de apreender e fazer mudanças no meio social onde vivem.
3.2 Educação como prática da liberdade
Um processo educacional que leve em conta a prática pela liberdade deverá ser
condizente com determinados elementos que fazem parte de um sistema de educação
libertadora. Nesse processo, educador e educando são agentes ativos na elaboração do
ato de aprendizagem. A relação estabelecida entre ambos é baseada no diálogo e
perpassa uma determinada horizontalidade onde acontece o processo de ensino-
aprendizagem.
Assim, esse ato educativo passa a ser também uma prática política. Segundo
Frantz (2004, p.1), a politização da educação acontece nas relações sociais, isto é,
quando se estabelece o debate entre as pessoas sobre como são feitas as coisas sociais, e
sobre o que acontece com elas nesse processo de construção de vida”. Desta forma, a
educação como prática política deve produzir ferramentas para que os sujeitos tenham
condições de interagir no meio social de forma consciente, desenvolvendo assim sua
capacidade de diagnosticar a realidade, traçando, junto com os demais agentes sociais,
as linhas deões pertinentes nas diversas áreas.
92
Essa relação considera o amor, humildade, esperança, fé, confiança, além do
respeito aos educandos, não somente enquanto indivíduos, mas também enquanto
expressões de uma prática social”,(Gadotti, 1996, p. 84). É diferente a relação educativa
proposta pela educação conservadora e pela cultura hegemônica em que a mesma é
trabalhada de forma vertical, sendo apenas o educador o sujeito ativo, enquanto o
educando fica impossibilitado de se manifestar, cabendo a este apenas escutar e
obedecer.
Na perspectiva defendida por Freire (1987, p.19), todo o conhecimento é
resultado de algo anterior, ou seja, o novo surge de algo existente. Assim, “não
homem absolutamente inculto: o homem “hominiza-se” expressando, dizendo o seu
mundo. começam a história e a cultura,.”. Dessa forma, elementos como a cultura
local, as relações estabelecidas entre sujeitos no meio social onde convivem e os
conhecimentos específicos desse grupo são extremamente valorizados nessa concepção
de educação.
Na perspectiva construtivista/humanista/libertadora, todo conhecimento novo
surge de um conhecimento anterior. Ele difere das concepções reducionistas, elencadas
por Freire como concepção bancária, a qual expõe os sujeitos a atitudes receptativas e
reprodutivistas dentro do processo educacional alienando e oprimindo os sujeitos.
A educação bancária é baseada em relações fundamentalmente dissertadora entre
sujeitos, ou seja, o educador narra os conteúdos, e os alunos – objetos pacientes, ouvem
e assimilam esses conteúdos, além de fixar, memorizar, sem saber, muitas vezes, o que
realmente significa. Esses são “vasilhas” a serem cheias de conteúdos mecanicamente
transmitidos pelo educador. E a eficiência do ensino é mensurada pelo todo
quantitativo: dessa forma, quanto mais conteúdo passar, melhor será o educador; e os
educandos, quanto mais docilmente receberem esses conteúdos, melhores serão.
93
Na concepção bancária (burguesa), o educador é o que sabe e os educandos,
os que não sabem; o educador é o que pensa e os educandos, os pensados; o
educador é o que diz a palavra e os educandos, os que escutam docilmente; o
educador é o que opta e prescreve sua opção e os educandos, os que seguem
a prescrição; o educador escolhe o conteúdo programático e os educandos
jamais são ouvidos nessa escolha e se acomodam a ela; o educador identifica
a autoridade funcional, que lhe compete com autoridade do saber, que se
antagoniza com a liberdade dos educandos, pois os educandos devem se
adaptar às determinações do educador; E, finalmente, o educador é o sujeito
do processo, enquanto os educandos são meros objetos (Gadotti, 1996, p. 85).
Relacionando as duas concepções de educação anteriormente citadas (bancária e
libertadora), com as práticas educativas da extensão rural, pode-se afirmar que a forma
mais adequada do extensionista interagir com as famílias rurais é utilizando-se das
metodologias e princípios baseados em uma educação de caráter libertadora. Portanto, o
extensionista (educador) deverá ser um mediador do conhecimento, utilizando-se de
ferramentas que envolvam os sujeitos de forma participativa, fazendo com que estes
analisem a sua realidade criticamente através do debate coletivo e do confronto de
diferentes modos de pensar e agir.
Essa postura de mediador e de organizador de experiências irá possibilitar um
espaço para que as pessoas envolvidas nesse processo comecem a pensar e entender a
sociedade, considerando suas diferentes estruturas, nos níveis social, político,
econômico e ideológico, assim como a inter-relação desses segmentos. Estimular os
sujeitos a pensar não significa que as pessoas devam pensar o mesmo que o educador
(mediador) pensa, mas desafiá-las à reflexão sobre determinadas formas de pensamento.
Nesses círculos de debates e discussões, além da dialogicidade [diálogo dentro
de uma relação horizontal em que existe a confiança de um sujeito no outro, visando,
por meio da interlocução, à busca de significados e não havendo apenas a transferência
94
de saber], outros elementos, como a cultura local, o conhecimento da realidade, a
valorização dos sujeitos como agentes do processo são considerados pelo mediador. O
planejamento passa a ser flexível, possibilitando sua adequação conforme o
amadurecimento das idéias do grupo.
No entanto, ao analisarmos as três fases da extensão rural
Assistencialismo Familiar, Difusionismo e Repensar da Extensão , percebemos que
apenas a terceira fase, a partir da década de 80, começa a incorporar, nas suas atividades
práticas, os princípios de uma educação libertadora, desde as orientações pedagógicas
até as ações que eram desenvolvidas no campo. Nos dois primeiros períodos, a extensão
dedicou-se a implantar um modelo de educação com base nas teorias
desenvolvimentistas, as quais estavam alicerçadas em concepções bancárias de
educação, atreladas aos ideais e orientações da classe hegemônica e do sistema
capitalista.
Contudo, o processo de educação libertadora não teve aceitação de todo o
quadro funcional, que o novo modelo didático-pedagógico é orientado por posturas
democráticas o que exige que o extensionista tenha um perfil” compatível com esse
princípio. Com isso, em determinados momentos houve forte resistência à aceitação do
novo, o que resultou em atividades isoladas, desenvolvidas em todo o estado de acordo
com os princípios filosóficos e as vivências de cada equipe dos Escritórios Regionais e
Municipais da Emater/Ascar.
A mudança de postura do sistema educacional de extensão rural perante as
famílias rurais, da-se principalmente porque o planejamento de forma vertical
desconsiderando as realidades e as culturas locais na maioria das vezes não tinha
viabilidade de ser implementado, e os resultados esperados inicialmente não eram
atingidos, principalmente porque os objetivos traçados propunham atingir as metas da
extensão e não da comunidade, da família e dos indivíduos. Estamos convencidos de
que a mudança histórica em perspectiva provirá de um movimento de baixo para cima,
tendo como atores principais o indivíduo liberado partícipe, novos organismos
95
(movimentos, ações coletivas, organizações) e não o homem acorrentado; o pensamento
livre e não o discurso único (Santos, 2000 p. 14).
Entende que os processos educativos, na lógica de uma educação de caráter
libertadora, democrática e participativa, elegem como a maneira mais correta para
mediar a liberação dos sujeitos que fazem parte de tal processo o envolvimento em
processos que visam a integração e a socialização destes no contexto sócio-cultural onde
residem. Portanto, ao se falar em educação libertadora dentro do processo de extensão
rural é primordial discorrer sobre as ferramentas utilizadas pelos educadores, no caso,
extensionistas. Para isso, podemos citar o exemplo da comunidade de Passo da Tigra no
município de Garruchos/RS local onde realizamos este estudo com o grupo de mulheres
que fazem parte do objeto de investigação da pesquisa.
A referida comunidade é uma das mais carentes do município, tendo maioria da
população posseiros, meeiros e diaristas que ali residem em pequenas áreas de terras
cercadas por áreas maiores, inclusive latifúndios. No ano de 2001, quando iniciamos
nosso trabalho, foi realizado um contato com a comunidade em forma de reunião, para
organização dos Primeiros Jogos Rurais Sol a Sol que seriam realizados em uma
comunidade vizinha (no caso, a comunidade de São José Velho). Durante esse contato,
pode-se perceber que a comunidade tinha dificuldades de relacionamento entre as
famílias e de organização social como principais entraves.
A partir daí no início de 2002 foi realizado na comunidade o Diagnóstico Rápido
Participativo
32
que foi um marco referencial na mudança de postura da comunidade em
questão. Através da sensibilização com enfoque na agroecologia
33
e na sustentabilidade,
a participação da comunidade foi ampliada a cada encontro realizado. As ferramentas
32
O diagnóstico rápido participativo pode ser descrito como um conjunto crescente de enfoques e
métodos para permitir que a população local partilhe, aperfeiçoe e análise seus conhecimentos sobre sua
vida e condições com o fim de planejar e agir. (CHAMBERS e GUIJT, 1995, p. 5).
33
Ciência ou disciplina científica ou seja, um campo de conhecimento de caráter multidisciplinar que
apresenta uma série de princípios conceitos e metodologias que nos permitem estudar, analisar, dirigir,
desenhar e avaliar agroecossistemas. Os agroecossistemas são considerados como unidades fundamentais
para o estudo e o planejamento das intervenções humanas em prol do desenvolvimento rural sustentável
(Caporal e Costa Beber, 2002, p. 14).
96
do diagnóstico puderam criar um vinculo maior entre os extensionistas e a comunidade
sem causar dependência, fazendo com que ambas as partes compreendessem melhor o
contexto das realidades onde estavam inseridos. Também foi possível resgatar
momentos relevantes da história da comunidade que contribuíram para torná-la no que é
hoje. E no final houve uma discussão sobre os aspectos da realidade atual e o que seus
membros sugeriam para resolver os seus principais problemas. O resultado foi que,
deste trabalho surgiram muitos outros, mas principalmente pode-se observar que a
organização social e as dificuldades de relacionamento interpessoais e interfamiliares
foram superadas e o nível de autonomia comunitária, familiar e individual tornou-se
maior. Entre os temas levantados pela comunidade, os de maior destaque são:
fruticultura, produção de alimentos para subsistência, organização social, saneamento
básico das propriedades rurais e reflorestamento.
Analisando o grupo de mulheres o trabalho desenvolvido foi no sentido de criar
autonomia para as participantes. Todas as atividades vinham ao encontro a uma lógica
de respeito aos conhecimentos, as necessidades e a cultura local, respeitando a
individualidade de cada uma. A cultura paternalista do local esconde mulheres com
grandes aptidões na área da organização social. No entanto as ferramentas utilizadas no
diagnóstico possibilitaram a libertação dessas mulheres, no sentido de terem maior
abertura para o diálogo com seus companheiros, com conseqüente resultado na
participação social.
A participação das mulheres da comunidade se tornou bastante expressiva
inicialmente nas atividades comunitárias e posteriormente nas atividades municipais e
intermunicipais. Esse nível de autonomia foi atingido pelo grupo de mulheres pela troca
de experiência proporcionada pelos encontros mensais do grupo, participação em
exposições, feiras, cursos, excursões, jogos e encontros municipais e intermunicipais de
mulheres. Nessas atividades buscou-se fugir das metodologias tradicionais que até então
vinham conduzindo o processo de educação em extensão rural nos grupos de mulheres.
Nesta perspectiva, a ação da extensão era de apoio na realização das atividades previstas
97
e a execução das tarefas dependia do empoderamento
34
do grupo. Nesse sentido por
inúmeras vezes as atividades elencadas pelo grupo foram mediadas por membros da
comunidade ou de comunidades vizinhas, descentralizando a capacidade do saber para o
local, quando para a educação bancária o saber pertence somente aos técnicos. Como
exemplo podemos citar um curso de corte e costura que foi realizado no grupo de
mulheres quando a instrutora era uma agricultora que residia em uma comunidade
vizinha, o linguajar, a posição social e as ferramentas utilizadas proporcionaram uma
facilidade de compreensão muito significativa para as participantes. Isso resultou no
aumento da autoconfiança, já que, a instrutora/mediadora do curso refletia a imagem das
participantes, possibilitando inclusive que pessoas analfabetas e semialfabetizadas
aprendessem, por exemplo, as técnicas de corte e costura. Isso pode não parecer
relevante, mas possibilitou geração de renda para as famílias e, principalmente, algo que
não pode ser medido em números, mas que é de fundamental importância para vida
social, que é a auto-estima. Esse trabalho foi desencadeador de processos que, no
entanto, o podem ser medidos em números, mas que é real na vida dessas mulheres,
em termos de afetividade – conseguiram demonstrar e estreitar laços de amizade; social
desencadearam um envolvimento com a comunidade e nas decisões dessa, assim
como o comprometimento com ações desenvolvidas na comunidade e no município; e
cultural, passaram a respeitar, valorizar e a gostar do local onde moram, dos costumes,
enfim, daquilo que pertence a elas.
34
De uma perspectiva sociológica, a expressão empoderamento refere-se ao processo crescente de
protagonismo individual e coletivo dos atores e grupos sociais, resultando em uma apropriação de
conhecimento e exercício efetivo de cidadania por parte dos envolvidos. No âmbito do desenvolvimento
rural, trata-se da efetiva participação dos agricultores e suas organizações em espaços de discussão e
decisão, como Conselhos Municipais de Desenvolvimento Agropecuário e Fóruns Regionais de
Desenvolvimento. Sob esse enfoque, o empoderamento surge da consciência dos indivíduos do seu
próprio poder (saber que sabem e que podem), que se potencializa em ações sociais coletivas (Siliprandi,
2002, p. 43).
98
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao desenvolver este trabalho, buscou-se descrever e analisar como o processo de
extensão rural desenvolvido pela Emater-RS/Ascar no Município de Garruchos
considera, no planejamento e desenvolvimento das suas ões, a cultura local, vista
como “criações e recriações humanas”, assim como os saberes e anseios dos
agricultores (educandos) envolvidos no processo. Além disso, traz à tona pontos
relacionados ao que diz respeito ao processo histórico da extensão rural no Estado do
Rio Grande do Sul e no País, considerando as linhas pedagógicas em que a extensão
rural baseia seus princípios etodos.
Considerando a proposta pedagógica que o processo de extensão rural no RS
tem privilegiado, é possível perceber certa contradição no sistema. Tal proposta se diz
embasada em um paradigma de educação libertadora, enquanto na prática ainda se
orienta por princípios e faz uso de certas ferramentas condizentes com o paradigma da
educação bancária. A capacitação dos técnicos se dá a partir de treinamentos, que visam
delimitar os parâmetros “corretos” e os “incorretos” para o processo de extensão rural.
O currículo seguido pelo processo de extensão rural está alicerçado nas teorias
tradicionais da educação. O conhecimento selecionado para ser “repassado” é
justamente aquele considerado o ideal para inserir o educando no mundo, hoje
globalizado. Pouco se leva em consideração a realidade particular de cada região,
município e mesmo localidade. As potencialidades culturais presentes nas diversas
instâncias de atuação dessas práticas educativas são, freqüentemente, ignoradas.
Pode-se perceber, ao concluir a pesquisa, que o sistema de extensão rural
permanece primordialmente embasado em princípios e orientações pedagógicas
99
difusionistas e tecnicistas. Utiliza ferramentas que são originárias do início da extensão
rural, ou seja, as linhas teóricas e metodológicas da extensão rural seguem um sistema
vertical e linear, principalmente motivado pela comodidade que essa verticalidade
proporciona ao sistema.
Como resultado da pesquisa, sugere-se que, na formação dos cnicos da
Ascar/Emater, haja maior preocupação com a coerência entre a dimensão técnica e
pedagógica da formação, levando em conta as normas, os conteúdos técnicos, as
ferramentas e o fazer pedagógico para desenvolver suas ações no campo da educação
em extensão rural. Entende-se por dimensão técnica da formação e atuação do
profissional saber reconhecer os conteúdos técnicos das práticas “assistidas”; colocar-se
à disposição dos agricultores os conhecimentos técnicos contemporâneos adequados ao
tipo de sistema de produção praticado. E, como dimensão pedagógica da formação e
atuação do profissional, saber reconhecer os conhecimentos dos agricultores,
acompanhar o desenvolvimento técnico e científico e saber interagir com os agricultores
e demais parceiros.
Deve, porém, ser destacado que a ação do extensionista não fica totalmente
atrelada ao sistema. A atenção aos fazeres-saberes locais e o respeito aos sujeitos
envolvidos no processo depende dos extensionistas que atendem as comunidades rurais
e, assim, o planejamento dos trabalhos desenvolvidos no campo pode ser elaborado de
forma horizontal, envolvendo os agricultores (educandos) e os extensionistas
(educadores) de forma participativa e dialógica. Nem tudo acontece, então, de forma
“bancária”,, ainda que poucas, aberturas que possibilitam a condução de um trabalho
dentro de uma metodologia participativa com enfoque libertador, que depende
basicamente da vontade e do desprendimento dos técnicos.
É evidente que as metodologias de extensão que respeitam as culturas e saberes
locais são as mais adequadas para possibilitar a participação dos sujeitos, já que o
extensionista não pode e o deve ser considerado o monopolizador dos saberes. não
mais espaço para a frase: “Se você tiver um problema em sua propriedade, procure o
100
técnico da Emater”, frase que foi e que ainda é muito utilizada. Os extensionistas,
muitas vezes, exultam ao dizer “esse produtor é meu assistido”, quando uma experiência
certo em alguma propriedade, desconsiderando que o resultado obtido no processo
dependeu muito mais do produtor, responsável pela implementação da atividade do que
do próprio técnico. Nessa perspectiva, o “assistido”, quando é “abandonado” pelo
extensionista, nem sempre consegue dar continuidade às atividades propostas, ou
iniciadas, que o saber não era do produtor e, sim, do extensionista. A libertação do
agricultor ocorre quando ele compreende os processos, apreende os conhecimentos
técnico-científicos e, independentemente da presença do extensionista, consegue exercer
suas atividades econômicas, sociais e políticas sem que os técnicos precisem estar
presentes a orientá-lo em todos os momentos.
A extensão rural, por sua vez, como processo de caráter educativo, o deve ter
sua eficiência medida somente pelo pragmatismo, pois os efeitos práticos da extensão
podem não ter uma perpetuação no tempo. Por exemplo, a prescrição de um inseticida
para uma determinada praga trará um efeito prático pido no controle de um
determinado inseto, mas isso o será permanente pelo fato desse inseto desenvolver
resistência a esse químico e voltar a atacar novamente as plantações do agricultor, o que
irá demandar novamente a presença do extensionista. Nesse caso, o produtor tem que
saber os motivos que vêm causar determinados ataques ao seu empreendimento. Esse
conhecimento se estabelece no momento em que o técnico discute com o produtor o
histórico da sua lavoura, tentando diagnosticar as possíveis causas do fato e tornando a
ação de extensão um processo de experimentação e educação, de preferência com a
família, uma troca de saberes que ocorre mediante uma prática e que resulta em
aprendizados que, muitas vezes, não podem ser medidos por resultados meramente
práticos.
Nesse sentido, considerando o trabalho com grupos de mulheres, nos dias atuais
não é mais aceitável trabalhar o artesanato, a culinária, a saúde e o saneamento básico
como práticas individualizadas e de forma isolada. Esses temas têm que estar
relacionados à nova forma de organização do trabalho familiar, a propriedade passa a
ser vista como uma unidade de produção, não propriedade agrícola. Afinal, o
101
trabalho desenvolvido nesses grupos é uma oportunidade impar para trocas de
informações e idéias e discussões envolvendo e oportunizando às mulheres exercitarem
a sua capacidade de entendimento da realidade local, dentro de um contexto global
e,ainda, de participarem dos processos que ocorrem na propriedade, sejam eles
produtivos, administrativos ou culturais.
De nada adianta trabalhar uma receita de um determinado prato culinário, se esta
for a única vez que as agricultoras vão produzi-lo, pois, além de estar muitas vezes
culturalmente descontextualizado, os ingredientes necessários para execução da receita,
não serão, em sua maioria, produtos oriundos da propriedade rural. É necessário que o
extensionista aproveite esses momentos para desenvolver trocas e intervenção
pedagógica incentivando agricultores e agricultoras a atuarem como protagonistas dos
processos dos quais participam. Assim, faz-se necessário envolver os próprios
participantes como executores do processo, trabalhando as áreas que integram a vida
rural, no sentido de resgatar os conhecimentos locais e aproveitando tais oportunidades
para discutir outros aspectos que venham a contribuir para a evolução do ser humano,
como as relações de âmbito social, familiar, ambiental e econômico.
Quanto à situação de cultura de fronteira, discuti-la para compreendê-la e, assim,
favorecer as trocas e a complexificação da própria vida das famílias e das unidades de
produção, é outra medida que se faz necessária. Como foi visto, a fronteira por vezes
facilita, mas também em alguns momentos dificulta, o trabalho educativo,
especialmente na família, porque o espaço que a mulher ocupa dentro dessa cultura está
relacionado com o ambiente ao redor da casa. Com o processo acelerado da urbanização
e da industrialização e, ainda, com o trabalho nos moldes que a extensão iniciou sua
atuação, o espaço, o conhecimento e o trabalho produzido pela experiência (de produção
de alimentos, de gestão da propriedade e outros) em muito já se perdeu, pois tudo
passou a vir de fora. Nesse foco se compreende que, hoje, as mulheres estão perdidas e
desmotivadas a ficarem na área rural, pois pouco resta daquilo que elas faziam como
profissionais. Nesse sentido, é necessário desenvolver um trabalho para resgatar,
revigorar e valorizar esse conhecimento que está se perdendo e, a partir dele, produzir
novos, recriar.
102
As discussões, debates e experimentação das diversas abordagens pedagógicas,
referentes às concepções bancária e libertadora, ainda não foram suficientes para
possibilitar a mudança no fazer pedagógico da extensão rural. Embora haja sido
levantada essa questão cerca de quatro décadas, momento histórico em que surgem
também no país os debates referentes à educação popular, ainda predomina na extensão
rural a abordagem didático-pedagógica de educação tradicional, onde o educador
(extensionista) é o que repassa os seus conhecimentos, por meio de palestras,
demonstrações de métodos, dias de campos, oficinas e outras ferramentas, sem que se
estabeleça a contextualização desse conhecimento mediante a exposição das
experiências dos sujeitos.
No entanto, mesmo que o modelo clássico de extensão - o qual permeou as
linhas gerais do seu processo educativo no final da década de 40 em nosso país -
permaneça presente nas dinâmicas pedagógicas do dia-a-dia, o modelo construtivista e a
pedagogia da libertação são as orientações que passam a conquistar espaço no discurso
do quadro cnico. Muitos dos cnicos reconhecem as contradições presentes tanto no
discurso como na prática do sistema e na relação entre discurso e prática e, por essa
razão, buscam direcionar o seu trabalho a partir de uma orientação pedagógica que
venha a contribuir para a libertação dos sujeitos como atores do seu meio social.
A mudança de postura tem-se mostrado associada às heranças culturais dos
extensionistas (educadores) e dos educandos (agricultores) e às provocações do
contexto. É necessário que haja um entendimento e um engajamento em busca de se
estabelecer uma determinada metodologia em que ambos possam exercer a sua função
de seres cognocentes capazes de elaborar o seu próprio conhecimento a partir da
interação com o meio. Sabe-se que, em muitos lugares ou momentos, existem aqueles
agricultores que desejam que o cnico utilize metodologias difusionistas, repassando a
eles a capacidade do fazer, do saber para fazer, ou seja, o cnico é o único que sabe e
ensina o que deve ser feito na propriedade do agricultor para que haja o
desenvolvimento que esses esperam.
103
Da mesma forma, existem técnicos que se realizam em apenas “estender” os
seus “conhecimentos”, pois assim é mais prático, não demanda a constante qualificação.
Estes, na maioria, estão despreparados para admitir e assumir no trabalho a
dinamicidade da prática educativa centrada no diálogo como base do processo de
ensino-aprendizagem.
Por sua vez, em outros lugares ou ocasiões, existem aqueles agricultores que
se negam a participar de atividades onde eles são apenas receptores de
técnicas e métodos, o que resulta muitas vezes numa grande abstenção de
participação nas programações do sistema (Entrevista 2006 Escritório
Municipal).
Nesse sentido, existe uma parte de técnicos que também se recusa a desenvolver
um trabalho embasado em uma mera transmissão decnicas e saberes. Essa recusa por
parcelas de representantes de ambas as partes faz com que emerja uma proposta
pedagógica baseada no diálogo e no respeito entre sujeitos, libertando-os para agirem e
interagirem no seu mundo de forma crítica e consciente. Esse modo de ser e de fazer
educação acaba superando a proposta educativa que gera ambivalência entre o discurso
pedagógico e a realidade dos educandos.
As transformações sociais contemporâneas impõem novos desafios para os
diversos setores, entre eles o setor agrícola. Portanto, nas últimas décadas, buscando se
adequar a essas mudanças que foram surgindo, o processo de extensão evolui muito,
principalmente quando se intentou desenvolver um trabalho com base nos princípios da
agroecologia, objetivando resgatar valores e costumes que estavam sendo perdidos e
valorizar a família como um segmento importante na vida social. Nesse sentido, vem
sendo trabalhado, em algumas comunidades, a valoração do sujeito, assim como do
contexto local, procurando alertar e capacitar os agricultores para que vejam que podem
104
evoluir de meros consumidores e receptores de técnicas e conhecimentos externos, para
produtores e executores de saberes.
Porém, ao finalizar essa pesquisa, tenho consciência de que apenas dei um passo
a mais para minha capacitação como extensionista rural, pois certeza de que ainda
muito o que trabalhar e que haverá muita resistência para que uma proposta de educação
libertadora possa ser aceita pela grande maioria que compõe o sistema que foi analisado.
Os questionamentos apresentados no início da pesquisa foram, em parte respondidos,
mas acredito que precisam ser aprofundados e talvez até analisados dentro de uma outra
realidade, ou seja, no interior de outro município. Essa tarefa ficará como um desafio
pessoal, na condição de extensionista que sou, hoje atuando no município de Barra do
Guarita. Este município também possui como característica a cultura de fronteira,
apenas com o diferencial de ser esta uma divisa interna, no interior de um mesmo país,
entre os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
105
REFERÊNCIAS
ABINZANO, Roberto Carlos. Antropología de los procesos transfronterizos: conocer y
actuar en la región de fronteras. Cuadernos de la Frontera, Posadas, Año I, num. 1,
2004.
APPELT, Jussara Pietczak. O cravo e a rosa: identidades generificadas na educação
infantil. Ijuí:Unijuí, 2007 (Dissertação de Mestrado).
A extension rural y el desarrollo del agro: una alternativa pragmática para una situacion
de crisis. Programa de Cooperación Técnica de la FAO TCP/ RLA/ 6658. Oficina
Regionalde la FAO para a América Latina y el Caribe 1987.
ASCAR. Análise da situação atual da área de bem-estar social e da função de agente
de extensão em economia doméstica. Porto Alegre: EMATER/RS- ASCAR, 1974.
BELATO, Dinarte. Os camponeses integrados. Dissertação de Mestrado. Campinas,
1985. 443 p. (p. 10-22 e 121-338).
BHABHA, Homi K. O local da cultura. 2. reimp. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2003.
BICCA, Eduardo F. Extensão Rural: da pesquisa ao campo. Guaíba: Agropecuária,
1992.
BRUM, Argemiro J. Agricultura brasileira: formação, desenvolvimento e perspectivas/
Argemiro J. Brum, Vera Lúcia Trennepohl. 3 ed. Ver. Amp. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005. 128
p. (Coleção Trabalhos Acadêmico-científicos. Série textos didáticos).
________________. História da agricultura no Brasil. Ijuí: 2004.
________________. Modernização da agricultura trigo e soja. Petrópolis: Vozes,
1988. p. 44-47.
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da
modernidade. Tradução Heloisa Pezza Cintrão e Ana Regina Lessa. 4 ed. 1. reimp. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. 372 p., p. 242-350.
CAPORAL, Francisco Roberto. A extensão rural e os limites à prática dos
extensionistas do Serviço Público. Santa Maria: Ed. UFSM, 1991. 221 p., p. 28 – 90.
106
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia: enfoque científico e estratégico
para apoiar o desenvolvimento rural sustentável. Porto Alegre: EMATER/RS, 2002.
CARLOS, Ani Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec, 1996.
CHAMBERS, R.; GUJT, I. DRP: depois de cinco anos, como estamos agora? In:
Revista Bosques, Árvores e Comunidades Rurais, n. 26, mar. 1995. p. 4-15 (tradução de
Maria Ruth Freitas Takahashi e Marcos Afonso Ortiz Gomes).
COLLET, Zenaide. Mulheres agricultoras construindo sua história. 1996.
DEL PRIORE, Mary (Org.); Carla Bassanezi (coord. de textos) Historia das mulheres
no Brasil. 7. ed.São Paulo: Contexto, 2004.
DOWBOR, Ladislau. A reprodução social: propostas para uma gestão descentralizada.
Petrópolis: Vozes, 1998.
EMATER. Rio Grande do Sul/ASCAR. 50 anos de extensão rural no Rio Grande do
Sul/ EMATER/ RS ASCAR; organizado por Eduardo Fernandes Bicca, Paul Heinz
Krahenhofer e Mariléa Pinheiro Fabião. Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR, 2005.
________________. Análise da situação atual da área de bem-estar social e da função
de agente de extensão em economia doméstica. Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR,
1974.
________________. Atividades da ABCAR, Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR,
1967. 73 p., 13 – 16 p.
________________. A dona de casa na cozinha. Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR
(documentos de circulação interna).
________________.Caderno da sócia. Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR
(documentos de circulação interna).
________________. Clube de Mães atividades de 1972. Porto Alegre: EMATER/RS-
ASCAR (documentos de circulação interna).
________________. Guia para currículo de economia doméstica. Porto Alegre:
EMATER/RS-ASCAR. 1951.
FONSECA, Maria Teresa Lousa da. A extensão rural no Brasi: um projeto educativo
para o capital. São Paulo: Loyola, 1985.
FRANTZ, Walter. Educação: uma introdução. Ijuí. 2004. (apontamentos de aulas a
partir de diferentes autores).
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução de
pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 1980
107
________________. Ação cultural para a liberdade. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra,
2001. (O mundo, hoje, v.10).
________________. Extensão ou comunicação? Tradução de Rosisca Darcy de
Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
________________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
________________. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1987.
GADOTTI, Moacir. Caminho da Educação Popular. In: VALE, Ana Maria do.
Educação Popular na Escola Pública. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
GADOTTI, Moacir et al. Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez:
Instituto Paulo Freire: Brasília, DF: UNESCO, 1996.
GONH, Maria da Glória Marcondes. Movimentos sociais e educação. 2. ed. São Paulo:
Cortez, 1994.
GRAMSCI, Antônio. Obras escolhidas. Lisboa: Ed. Estampa, 2 v. 1974.(Coleção
Teoria, 21).
JIMÊNEZ, Marco Raúl M. Educação popular: pedagogia e dialética. Tradução Beno
Fernandes. Ijuí: Unijuí, 1989.
LAITEM, H. Helen; MILLER, Frances S. Curso de Economia doméstica. Rio de
Janeiro: Ed. Globo, 1953.
LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro: história de uma ideologia. 3 ed.
rev. refundida e ampl. São Paulo: Pioneira, 1976.
LEITE, Denise B. Cavalheiro et al. Educação para o lar. Porto Alegre:
Premen/UFRGS/SEC, 1978.
LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital: Estudo sobre a interpretação
econômica do imperialismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.
NICOLA, Marcelo Porto. Desenvolvimento Rural: Evolução e Condicionantes. In:
Extensão Rural e Desenvolvimento Rural Sustentável. Porto Alegre, v. 1, n. 2/3,
jan./ago. 2005.
OLINGER, Glauco. Ascensão e decadência da extensão rural no Brasil. Florianópolis:
Epagri, 1996.
PINTO, João Bosco Guedes. Reflexões sobre as estratégias educativas do estado e a
prática da educação popular. In: Perspectivas e dilemas da Educação Popular/
introdução e organização de Vanilda Paiva. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.
108
PRATT, Mary Louise. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. Mary
Louise Pratt; tradução Jézio Hernani Bonfim Gutierre; revisão técnica Maria Helena
Machado, Carlos Valero. – Bauru, SP: EDUSC, 1999. 11-19 p.
REVISTA DE CIÊNCIAS HUMANAS (Temas de Nosso Século)/ Universidade Federal
de Santa Catarina. Centro de Filosofia e Ciências Humanas.v.1, n.1 (jan. 1982)-
Florianópolis: Editora da UFSC, 1982, 143 p. 82-106 p.
SALLES, Walter Jr. Diário de Motocicleta. Disney Vídeo, 2005. 1 DVD (126min).
SCHMITT, Wilson. As escolas pedagógicas da comunicação rural. Porto Alegre:
Emater, 1986.
SILVA, Tomas Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do
currículo. 2. ed; Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
SILVA, Tomas Tadeu da. O currículo como fetiche. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
SILIPRANDI, Emma. Desafios para a extensão rural: o “social” na transição
agroecológica. In: Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Porto Alegre, v.
3, n. 3, Jul./Set.; 2002.
SIMON, Álvaro Afonso; SCHEIBE, Luiz Fernando; POMPÊO, César Augusto. Fases
da extensão rural catarinense em relação ao uso dos recursos naturais (53-84 p.). In:
Desenvolvimento e conflitos no ambiente rural. Florianópolis: Insular, 2005. 296 p.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência
universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
________________. A força do lugar. In: SANTOS, Milton. A natureza do espaço:
espaço e tempo: razão e emoção. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
TAVARES, José Nilo. Educação e Imperialismo no Brasil. Revista Educação e
Sociedade, n. 7, Campinas: CEDES, set./1980.
TEIXEIRA, Archiminio A. Alguns apontamentos sobre a origem e a estrutura da
Ascar. Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR, 1977.
TORRES, Rosa Maria. Discurso e prática em educação popular. Tradução Américo R.
Piovesan. Ijuí: Unijuí,1988.
VASCONCELOS, Maria Lúcia M. Carvalho; BRITO, Regina Helena Pires de.
Conceitos de educação em Paulo Freire: Glossário. Petrópolis: Vozes, São Paulo: Mack
Pesquisa, 2006.
VIEIRA, Luiz Góes. Extensão Rural – origem, evolução, conceituação, filosofia e
princípios. Pernambuco: UFRPE, 1988.
109
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS
ANGELIN, Rosângela. Gênero e meio ambiente: a atualidade do ecofeminismo. Revista
EspaçoAcadêmico Nº 58, 2006. Disponível em:
<http:/www.espacoacademico.com.br>. Acesso em: 13 out. 2006.
CAPORAL, Francisco Roberto. A extensão rural no Rio Grande do Sul: da tradição
“Made in USA” ao paradigma agroecológico. Porto Alegre, 2006. Disponível em:
<http://www. Emater.tche.br> Acesso em : 9 agost 2006.
COELHO, Wilson. Um olhar sobre o hibridismo ou a garrafa em alto mar. Disponível
em: <http://www.ucm.es/info/especulo/numero31/hibridis> Acesso em: 15 maio 2006.
Democracia Representativa . Disponível em:
<http:/www.pt.wikipedia.org/wiki/democracia_representativa> Acesso em: 8 nov 2007.
Democracia Participativa. Disponível em:
<http:/www.pt.wikipedia.org/wiki/democracia_participativa> Acesso em: 8 nov 2007.
Garruchos: Paraíso dos dourados. Disponível em: <http:/www.garruchos.rs.gov.br>
Acesso em: 28 nov 2007.
Guerra de Secessão. Disponível em:
<http:/www.texbr.com/mundodetex/epocahistorica/guerrasecessao.htm> Acesso em: 13
out 2007.
MENDES, Rita. O controverso corpo da mulher. Disponível em:
<http://www.psolsp.org> Acesso em: 13 out 2006.
PEREIRA, Carmem R. Antunes. O rural televisivo nas apropriações de telespectadoras
camponesas. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt> Acesso em: 15 mai 2006.
SILIPRANDI, Emma. Mulheres rurais e políticas de desenvolvimento: considerações a
partir da extensão rural. Porto Alegre, 2006. Disponível em:
<http://www.emater.tche.br>. Acesso em 20 jan. 2006.
SOUZA, Marcos Aurélio; CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias
para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza
Citrão. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2000. Disponível em:
<http://www.uesc.br/icer/resenhas/marcosresenhacanclini.htm> Acesso em: 15 mai
2006.
110
Revolução Verde. Disponível em: <http://www.biopirataria.org> Acesso em: 17 jan
2006.
RUBIO, Eduardo Medina. Freire: consciência e libertação (a pedagogia perigosa).
Disponível em: <http://www.scielo.br> Acesso em: 6 ago 2006.
111
ANEXOS
N
°: 01
Título: Localização do Município de
Garruchos-RS
Fonte: <http:/www.garruchos.rs.gov.br>
Acesso em: 28 nov 2007.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo