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JORGE LUIZ VARGAS MONTARDO
DO PECADO AO PERIGO: DISCURSOS SOBRE EDUCAÇÃO
SEXUAL PARA ADOLESCENTES BRASILEIROS NO SÉCULO XX
IJUÍ (RS)
2008
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1
JORGE LUIZ VARGAS MONTARDO
DO PECADO AO PERIGO: DISCURSOS SOBRE EDUCAÇÃO
SEXUAL PARA ADOLESCENTES BRASILEIROS NO SÉCULO XX
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação nas Ciências do
Departamento de Pedagogia da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul UNIJUÍ como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação nas
Ciências.
Orientadora: Dr
a
. Ana Maria Colling
Co-Orientadora: Dr
a
. Maria Cristina Pansera de Araújo
Ijuí (RS)
2008
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2
AGRADECIMENTOS
Às Dr
a
. Ana Maria Colling e Dr
a
. Maria Cristina Pansera de Araújo pela paciência,
dedicação e competência na orientação desta dissertação e por tudo o que me possibilitaram
aprender durante nossas aulas e encontros, inclusive a duvidar das verdades e a assumir as
incertezas.
Ao Dr. Paulo Evaldo Fensterseifer e à Dr
a
. Helena Copetti Callai por suas
significativas contribuições ao texto desta dissertação.
À Doris, pelo carinho e apoio durante a realização deste mestrado.
À Dona Morena, exemplo de dinamismo, perseverança e boa vontade, estímulo para
que seus filhos, netos e bisnetos continuem andando pelos caminhos da vida.
Jorge Montardo
3
“A história da sexualidade [...] deve ser feita, antes de mais nada, do ponto de vista de uma
história dos discursos”.
Michel Foucault (1988)
1
“Só no matrimônio e para fins naturais, o homem tem direito à função sexual. Fora disso a
função é um grave abuso e um pecado mortal”.
Padre Álvaro Negromonte (1937)
2
“... a informação sobre sexualidade não é importante, mas sim a compreensão do educador, a
palavra amiga que reduz a angústia num momento de conflito, de dúvida, de perigo.
Maria Martins da Silveira (1999)
3
1
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I – a vontade de saber. 16. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal.
2005 (p. 67).
2
NEGROMONTE, Álvaro. A educação sexual para pais e educadores. 7. ed. Rio de Janeiro: José Olympio.
1951 (p. 123).
3
SILVEIRA, Maria Martins. A formação do educador sexual. Vidya, n. 31, v. 18, p. 35-42, jan-jun 1999.
4
RESUMO
A partir da leitura de livros publicados no Brasil durante o século XX sobre o tema
educação sexual para adolescentes, esta dissertação foi estruturada com o objetivo de
descrever como se constituíram as experiências desenvolvidas por diversos setores da
sociedade no sentido de transmitir aos adolescentes conceitos sobre sexualidade. Através da
análise das origens e dos motivos da necessidade de uma educação sexual para adolescentes,
das personagens, dos assuntos abordados e das metodologias desenvolvidas nesta atividade,
descreve-se os discursos sobre o tema. Faz-se a comparação entre os discursos das décadas
iniciais, intermediárias e finais do século XX e entre os religiosos e os leigos. Os subsídios
teóricos desta pesquisa estão fundamentados principalmente nos escritos de Michel Foucault.
Palavras-chaves: educação sexual, adolescência, sexualidade.
5
ABSTRACT
From reading books published in Brazil during the XX Century about sexual education
for adolescents, the present dissertation had its configuration among the aim of characterize
how was the foundation of experiences improved by various society segments in direction of
the adolescent’s concepts of sexuality spread. This subject speech’s evolution is described
through analysis of the founts and the reasons of the sexual education needs intended by
adolescents, of the characters, the approached subjects and the developed methodologies on
this action. The comparison between the speeches of the early decades, the middles ones and
the end of the XX Century and between religious and laic was done. This research’s
theoretical subventions was mainly supported by Michel Foucault’s writes.
Key words: sexual education, adolescence, sexuality.
6
RESUMEN
A partir de la lectura de libros publicados en Brasil durante el siglo XX sobre el tema
educación sexual para adolescentes, esta disertación fue estructurada con objetivo de describir
como se constituirán las experiencias desarrolladas por los distintos sectores de la sociedad
con miras de transmitir a los adolecientes conceptos sobre sexualidad. Con la análisis de las
orígenes y de los motivos de la necesidad de una educación sexual para adolecientes, de las
personajes, do los temas abordados y de las metodologías desarrolladas en este actividad, es
descrita la evolución de los discursos sobre el tema. Fue hecho la comparación entre los
discursos de las décadas iniciales, intermedias y finales del siglo XX y entre los religiosos y
laicos. Los subsidios teóricos de esta investigación están fundamentados principalmente en
los escritos de Michel Foucault.
Palabras claves: educación sexual, adolescencia, sexualidad.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................8
1 AS ORIGENS DA EDUCAÇÃO SEXUAL ........................................................................17
2 AS RAZÕES DA EDUCAÇÃO SEXUAL.........................................................................................22
2.1 Conflitos de gerações...................................................................................................................23
2.2 As dificuldades perante o instinto................................................................................................27
2.3 Os perigos da sexualidade............................................................................................................31
2.4 Outras justificativas......................................................................................................................35
3 OS RESPONSÁVEIS PELA EDUCAÇÃO SEXUAL.......................................................................39
3.1 A família e a sexualidade.............................................................................................................41
3.2 A escola, os professores e a sexualidade......................................................................................46
3.2.1 PCNs: o reconhecimento oficial............................................................................................53
3.3 Os especialistas ............................................................................................................................57
4 OS TEMAS DA EDUCAÇÃO SEXUAL ..........................................................................................61
4.1 Puberdade e adolescência.............................................................................................................62
4.2 Castidade / Relação sexual...........................................................................................................69
4.3 Masturbação.................................................................................................................................77
4.4 Orientação sexual.........................................................................................................................86
4.5 Gravidez na adolescência.............................................................................................................91
4.6 Doenças sexualmente transmissíveis e Aids................................................................................95
4.7 Relacionamentos ..........................................................................................................................99
4.8 Gênero........................................................................................................................................103
4.9 O prazer com responsabilidade..................................................................................................107
5 A METODOLOGIA DA EDUCAÇÃO SEXUAL...........................................................................111
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................................120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................129
APÊNDICE..........................................................................................................................................138
8
INTRODUÇÃO
Costuma-se afirmar que todo começo é difícil, repleto de incertezas e dominado pela
insegurança. Incluo-me entre aqueles que compartilham o desejo de não ter de começar e de
se encontrar, logo de entrada, do outro lado do discurso. Para enfrentar e tentar diminuir esta
angústia, que insiste em associar-se a este momento, adoto a percepção de que este começo
não existe: estas linhas não representam um início, elas se constituem em parte de um
processo do qual não seria possível determinar qual foi o primeiro movimento e muito menos
qual vai ser o último. O relevante não é o começo, como também pouco importa quando e
como será o fim. Este é apenas mais um momento entre tantos outros: o do registro, o de
soltar as amarras de um processo de pesquisa para que ele possa, agora sem controle do
autor, ser lido e interpretado por outros.
Há, evidentemente, uma história pessoal, da qual esta dissertação é tanto personagem
como conseqüência. Personagem enquanto altera os rumos desta história, interfere em seus
registros, deixa marcas em seus caminhos. Conseqüência enquanto sua produção só foi
possível porque esta história existe e cujos rumos proporcionaram sua concretude. Como toda
história precisa de alguns marcos, de pontos de ancoragem nos quais possamos identificar não
os começos ou os términos, mas os momentos nos quais algumas escolhas foram feitas,
decisões foram tomadas, novas experiências foram encaminhadas, alguns deles são descritos a
seguir.
Um destes pontos está localizado em maio de 2002, quando assumi, como médico da
Secretaria Municipal da Saúde, a coordenação do Centro de Atendimento aos Adolescentes do
Município de Ijuí
4
(CAAMI). Tendo atuado desde 1981 na atividade de clínica pediátrica, na
qual o envolvimento é predominantemente com crianças nos primeiros anos de vida, a
4
O CAAMI é um ambulatório da Secretaria Municipal de Saúde de Ijuí exclusivo para atendimento de
adolescentes através do Sistema Único de Saúde. Profissionais das áreas de medicina, psicologia, nutrição,
enfermagem e pedagogia realizam atendimentos individuais no ambulatório e atividades coletivas em escolas do
município.
9
possibilidade de desenvolver um trabalho com adolescentes foi importante ao proporcionar
novas frentes de leituras e pesquisas e, conseqüentemente, novos desafios.
Além do atendimento clínico individual, o CAAMI possibilitou o desenvolvimento de
um programa de educação sexual, cuja demanda foi constatada em pesquisa com alunos do
município de Ijuí
5
. Em 2003, foi realizada a primeira edição do Projeto Encontro, um
programa continuado de educação sexual para as sextas, sétimas e oitavas séries das escolas
de Ijuí
6
, no qual são realizados módulos temáticos com grupos de alunos multiplicadores.
Após a participação nos módulos, estes alunos assumem a função de desenvolverem as
atividades com seus colegas em sala de aula, com o apoio de professores envolvidos no
programa.
Os módulos do Projeto Encontro incluem os temas adolescência e puberdade,
reprodução humana e métodos anticoncepcionais, doenças sexualmente transmissíveis e Aids,
relações de gênero e outras questões vinculadas à sexualidade, como virgindade, masturbação
e orientação sexual. Sua estrutura teórica foi construída a partir de manuais produzidos para o
desenvolvimento de programas de educação sexual em escolas
7
, dos quais o mais relevante
foi o Guia de Orientação Sexual – Diretrizes e Metodologia
8
.
O mestrado, vinte e seis anos após a graduação em medicina e vinte e quatro após a
especialização em pediatria, é um outro ponto de ancoragem desta história. Ele tem vínculos
significativos com a atividade desenvolvida com adolescentes no CAAMI, tendo sido este o
fator que proporcionou a escolha do tema da pesquisa, mas significa também outras
perspectivas que se situam além do atendimento diário nos consultórios, privado ou público, e
que poderiam ser incluídas na necessidade de ouvir outras opiniões e outros autores além
daqueles que escrevem manuais médicos.
5
Esta pesquisa foi realizada em 2001, antes do início das atividades do CAAMI, com alunos de 18 turmas de
quintas, sextas, sétimas e oitavas séries do ensino fundamental de uma escola municipal, aos quais solicitamos
relacionarem os temas de seu interesse. Constatou-se que os temas vinculados à sexualidade constituíram-se na
maioria.
6
Município da região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
7
Nesta dissertação o termo “manuais” refere-se aos livros ou publicações de ONGs consultados e cujo conteúdo
é dirigido a orientar professores ou outros profissionais a desenvolverem programas de educação sexual em
escolas; a referência a “programas de educação sexual” vincula-se de um modo geral a atividades planejadas
desenvolvidas em escolas.
8
O “Guia de Orientação Sexual” é uma tradução e adaptação do “Guidelines for Comprehensive Sexuality
Education”, publicado pelo Sex Information and Education Council of United States (SIECUS), realizadas por
integrantes de ONGs brasileiras (descritas no capítulo 3 desta dissertação) e cujo objetivo é servir de instrumento
para planejamentos de programas de educação sexual.
10
Insisto que não importa o começo e sim a história pessoal na qual ocorrem
entrelaçamentos, interferências, influências. Casualidades, talvez. Embora a proposta de
pesquisa tenha sido, desde os primeiros encaminhamentos no sentido de cursar o mestrado, a
educação sexual para adolescentes, a decisão de pesquisar a evolução dos discursos sobre este
tema durante o século XX foi decorrência da combinação de dois fatores: um componente
curricular e dois livros. O componente curricular foi Sujeito e Poder na Educação com a
Profª. Dra. Ana Maria Colling, na qual fui apresentado às teorias de Michel Foucault. Os
livros foram A educação sexual para pais e educadores, do padre Álvaro Negromonte, de
1951, e Catecismo da Educação Sexual, do médico José de Albuquerque, de 1940.
Tomar conhecimento das obras de Michel Foucault e penetrar em seus descaminhos
sobre disciplina, relações de poder, práticas discursivas e não discursivas, sujeito e
sexualidade, proporcionou a possibilidade de um médico constituído de forma essencialmente
cartesiana pensar de modo diferente. Perceber que é possível questionar as verdades
estabelecidas e datadas e que as evidências predominantes podem ser deslocadas de seus
pedestais, significa envolver-se num caminho no qual não a possibilidade de um retorno
sem modificações ao modo anterior de pensar e de analisar a sociedade, as instituições ou a
vida que nos envolve.
Aprende-se com Foucault a acreditar que se pode ser mais livre do que geralmente se
imagina, a olhar as coisas de uma maneira diferente, a perceber que estas coisas são resultados
de uma construção histórica, que não se constituíram sempre da forma como hoje as vemos e
que, portanto, não precisam necessariamente continuar como estão. São conceitos que nos
proporcionam a possibilidade de pensar e ver de forma diferente de como se pensa e de como
se enxerga e estratégias importantes para se continuar a viver, perceber, refletir e aprender.
A leitura do livro do padre Álvaro Negromonte, cuja primeira edição é de 1937, foi
outro fator a influenciar os rumos desta dissertação. Trata-se, provavelmente, da primeira
publicação católica sobre educação sexual e seu objetivo era contrapor-se às publicações
leigas que na mesma época adotavam conceitos contrários aos católicos, principalmente sobre
castidade. A autorização para a publicação de um livro católico sobre educação sexual foi
referendada no prefácio escrito por Helder Câmara, na época Assistente Eclesiástico do
Secretariado Nacional de Educação da Ação Católica, no qual estão registrados elogios à
postura de Negromonte na defesa das posições católicas a respeito da sexualidade.
11
Provavelmente um dos autores que a igreja procurou neutralizar foi o médico José de
Albuquerque, promotor na década de 30 do primeiro movimento organizado de educação
sexual destinada ao público em geral, tendo introduzido na sociedade brasileira conceitos
bastante inovadores para a época, dos quais alguns exemplos estão descritos nesta dissertação.
Em 1933 ele fundou e presidiu o Círculo Brasileiro de Educação Sexual (CBES) no Rio de
Janeiro. Este Círculo publicou boletins, cartões postais e colunas em cerca de 700 jornais
brasileiros, promoveu palestras e a “Semana da educação sexual”, produziu programas
radiofônicos (“Divagações sexológicas”) e um filme (“A educação sexual nos diversos
períodos da vida”), fundou um “Posto Gratuito de Conselhos de Higiene e Psicologia Sexual”,
manteve uma “Pinacoteca de Educação Sexual” e um “Museu de Educação Sexual”
(RIBEIRO, 1990; VIDAL, 2003). José de Albuquerque publicou 13 livros, quase todos nos
anos 30, com temas relacionados à sexualidade dos quais analisei “Para nossos filhos varões
quando atingirem a puberdade” e “Catecismo da educação sexual”, ambos com temática para
adolescentes.
A leitura destes livros, encontrados em busca no acervo da Biblioteca Mario Osório
Marques da Unijsobre o tema educação sexual, foi fascinante por revelar as distâncias e as
proximidades do que se dizia sobre educação sexual no início e no final do século XX. Foi
esta percepção que proporcionou o projeto de pesquisar os discursos sobre educação sexual
para adolescentes brasileiros durante o século XX. Para desenvolver esta análise encontrei
subsídios em outros livros cujos critérios para inclusão nesta pesquisa foram abordar o tema
proposto (educação sexual para adolescentes).
Para dar conta desta pesquisa cujos dados empíricos se distribuem por diversos livros e
autores e por diferentes décadas do século XX, busquei os subsídios teóricos em Michel
Foucault. Foi de sua caixa de ferramentas que utilizei os conceitos de discurso, sexualidade,
dispositivo, bio-poder e disciplina, os quais descrevo sucintamente nos parágrafos seguintes
com o suporte teórico de autores como Silva (2000), Castro (2004) e Revel (2005).
Falar sobre discursos é abordar um “conjunto de enunciados que podem pertencer a
campos diferentes, mas que obedecem, apesar de tudo, a regras de funcionamento comuns”
(REVEL, 2005, p. 37) e cuja função não é descrever objetos que lhe são exteriores, mas
construir e interligar verdades e sujeitos e obter determinados efeitos sociais. A produção dos
discursos não é aleatória, pois se vincula a rigorosos sistemas de organização, regulamentação
12
e seleção, os quais administram elaboradas relações entre poder e saber. Este sistema
determina qual, quando e em que lugar um discurso vai proliferar e conduzir outros à
condição de obscuridade e esquecimento. Somente alguns discursos adquirem a condição de
consenso e conduzem, através da produção de práticas e de estratégias alicerçadas sobre
determinados saberes, ao estabelecimento de pensamentos, de atitudes e de costumes
homogêneos e predominantes numa época específica.
Os discursos, considerados por Foucault (2006-b) como séries regulares e distintas de
acontecimentos responsáveis pela construção do sujeito e das verdades, podem ser descritos
como um dos elementos mais relevantes das estratégias das relações de poder, pois estas
atuam essencialmente por seu intermédio e através de suas repercussões. As instituições que
falam sobre educação sexual, como a igreja e a escola, utilizam o discurso como um
instrumento, cuidando da sua aparição, designando o seu lugar, reforçando-o como verdade
com a ajuda de outras instituições como a medicina e a psicologia.
A sexualidade, como a loucura e tantas outras, é uma forma particular de discurso
(SILVA, 2000). O desvelamento de que nos últimos quatro séculos a história da sexualidade
não é a da repressão e sim a de uma permanente indução a transformar o sexo em discurso é
fator fundamental para o entendimento da história da educação sexual no Brasil do século
XX. Segundo Foucault, a sexualidade não foi ocultada, proibida ou condenada. Ela foi
produzida através de múltiplos discursos para atuar “como um ponto de passagem
particularmente denso para as relações de poder entre homens e mulheres, jovens e velhos,
pais e filhos, educadores e alunos, administradores e população” (CASTRO, 2004, p. 326)
9
. A
história da sexualidade e a história da educação sexual se confundem com a história dos
discursos, nas quais o estímulo a falar de sexo construiu as suas verdades.
O termo sexualidade é recente, tendo surgido no início do século XIX e se estabelecido
através de nculos com diversos campos de conhecimento e de instituições como igreja,
justiça, medicina e pedagogia e de mudanças no modo pelo qual os indivíduos são levados a
dar sentido e valor a sua conduta, seus deveres, prazeres, sentimentos, sensações e sonhos
(FOUCAULT, 2003). Quanto ao sexo, entendido como algo mais que os corpos, os órgãos, as
funções, os sistemas anátomo-fisiológicos, as relações inter-individuais, as sensações, os
9
As citações de Edgardo Castro nesta dissertação foram livremente traduzidas por mim do espanhol.
13
prazeres, constitui-se numa idéia complexa e um conjunto heterogêneo, que se formaram
historicamente através das estratégias de poder que constituem o dispositivo da sexualidade:
A idéia de sexo desempenhou três funções no dispositivo da
sexualidade. Em primeiro lugar, permitiu agrupar em uma unidade
elementos anatômicos, funções biológicas, condutas, sensações, prazeres;
esta unidade fictícia tem funcionado como princípio causal, significado
presente em todos os segmentos, segredo que é preciso descobrir. Em
segundo lugar a idéia de sexo tem servido para marcar a superfície de
contato entre o saber da sexualidade e as ciências biológicas; deste modo, o
saber da sexualidade recebeu, por vizinhança, a garantia de um saber
biológico e fisiológico como princípio para estabelecer a sexualidade
normal. Em terceiro lugar, a idéia de sexo permitiu inverter a representação
das relações entre o poder e a sexualidade. De fato, se pensou esta relação
em termos de repressão, de lei, de proibição; deste modo, sua dinâmica
produtiva se tornou disfarçada (CASTRO, 2004, p. 328).
A sexualidade assumiu a função de elo de ligação entre dois eixos da tecnologia política
da vida técnicas de biopoder e disciplina –, articulando-se diretamente sobre o corpo e suas
funções e processos fisiológicos, sensações e prazeres: “[...] a sexualidade não é
fundamentalmente aquilo de que o poder tem medo; [...] ela é, sem dúvida e antes de tudo,
aquilo através de que ele se exerce” (FOUCAULT, 2006-a, p. 236). Mas o dispositivo da
sexualidade não tem como função primordial a imposição disciplinar sobre o indivíduo, pois
seu campo deão é bem mais abrangente, incluindo a regulação de grupos populacionais e a
sua sobrevivência.
Descrever dispositivos é falar de “operadores materiais do poder, isto é, as técnicas, as
estratégias e as formas de assujeitamento utilizadas pelo poder” (REVEL, 2005, p. 39). Trata-
se de um conjunto heterogêneo que engloba discursos, práticas, instituições, organizações
arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos,
proposições filosóficas, morais e filantrópicas: "o dispositivo é a rede que se pode estabelecer
entre estes elementos(FOUCAULT, 2006-a, p. 244). A sexualidade é, segundo Foucault, o
nome que se pode dar a um dispositivo histórico, no qual "a estimulação dos corpos, a
intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação de conhecimentos, o reforço
dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes
estratégias de saber e poder” (FOUCAULT, 2005-b, p. 100).
14
Quando questões como saúde, higiene, alimentação, natalidade e expectativa de vida
tornam-se preocupações social e política, ocorre a atuação de políticas públicas que intervêm
no conjunto da população. Constitui-se aqui o bio-poder, ou o poder sobre a vida,
consolidando uma “grande medicina social que se aplica à população a fim de governar a
vida: a vida faz, portanto, parte do campo do poder” (REVEL, 2005, p. 27).
A partir do século XVII, o poder se organizou em torno da vida,
através de duas formas principais que não são antiéticas, pois estão
atravessadas por um complexo de relações: por um lado, as disciplinas (uma
anatomo-política do corpo humano), que tem como objeto o corpo
individual, considerado como uma máquina; por outro lado, a partir de
meados do século XVIII, uma biopolítica da população, do corpo-espécie,
cujo objeto será o corpo vivente, suporte dos processos biológicos
(nascimento, mortalidade, saúde, duração da vida) (CASTRO, 2004, p. 43).
Grifos do autor.
Sobre disciplina, trata-se de técnicas de individualização do poder: “como vigiar
alguém, como controlar sua conduta, seu comportamento, suas atitudes, como intensificar sua
performance, multiplicar suas capacidades, como colocá-lo no lugar onde será mais útil”
(FOUCAULT, apud REVEL, 2005, p. 35). O termo refere-se às formas de controle e
regulação social cujos objetos são os corpos e objetivos a sua organização interna, a eficácia
de seus movimentos e a sua normalização, ou a produção de “corpos úteis e ceis, ou se
preferirmos, úteis na medida de sua docilidade” (CASTRO, 2004, p. 87). A disciplina é uma
tecnologia utilizada pelo poder e exercida através das escolas, igrejas, hospitais, penitenciárias
e famílias.
Algumas palavras a respeito de dois termos que têm sido utilizados para definir o
processo de abordagem do tema sexualidade nas escolas: educação e orientação sexual.
Alguns manuais desenvolvidos por Organizações Não Governamentais (ONG) e livros mais
recentes de autores a elas vinculados adotam o termo orientação sexual, considerando-o como
o mais adequado, pois este definiria um processo sistemático, planejado e desenvolvido por
profissionais capacitados, ao contrário de educação sexual, que consistiria num processo
informal construído ao longo de toda a vida do indivíduo com a participação de familiares,
amigos, comunidade e mídia.
15
Entretanto, educação sexual permanece como o termo mais utilizado na maioria dos
países, pela imprensa, pelo público em geral e pelas pessoas envolvidas com este tema nas
escolas. Outro fator que considero desfavorável ao uso de orientação sexual é que esta é a
mesma expressão utilizada para definir a identidade erótica dos indivíduos em heterossexuais,
homossexuais ou bissexuais. Nesta dissertação adoto o termo educação sexual, por considerar
que o mais adequado é utilizar os conceitos de educação formal e informal. O primeiro
preenche os requisitos que estão sendo requeridos para a orientação (planejado, sistemático,
organizado, efetuado por pessoas tecnicamente preparadas), enquanto que o segundo se
enquadra na educação adquirida na vivência individual, nas trocas com pais, amigos, colegas
e meios de comunicação.
Quanto à estrutura desta dissertação, ela está organizada em tópicos que, a partir da
leitura de livros sobre educação sexual para adolescentes publicados durante o século XX
10
,
pretendem responder as questões sobre as origens, as razões, em quais locais ela ocorre, o que
é ensinado e qual metodologia é adotada. A primeira questão é analisada no capítulo um,
sobre as bases iniciais da educação sexual no Brasil, situadas no final do século XIX e início
do XX através das ações do movimento médico higienista sobre a sociedade brasileira.
Os motivos que justificam a educação sexual para adolescentes estão relatados no
capítulo dois e incluem a necessidade de enfrentar a distância entre os comportamentos dos
jovens e os dos adultos, de controlar o instinto sexual, de reduzir os perigos do exercício da
sexualidade e de repassar informações aos adolescentes. No capítulo três, relato a trajetória
que durante o século XX definiu os locais considerados mais adequados para a educação
sexual, tema que se manteve entre a família e a escola, e os responsáveis por esta educação,
entre os quais estão incluídos principalmente os pais, os padres, os médicos e os professores.
O capítulo quatro descreve quais temas foram definidos como relevantes dentro de
programas de educação sexual e aborda questões como adolescência, castidade e relação
sexual, masturbação, orientação sexual, gravidez na adolescência, doenças sexualmente
transmissíveis e Aids, relacionamentos, gênero e a associação entre prazer e responsabilidade.
10
Além das referências bibliográficas, onde constam os livros citados no texto desta dissertação, estão
relacionados no apêndice todos os livros sobre educação sexual consultados, incluindo informações sobre a
formação do autor, data da primeira edição e país da publicação original. Alguns destes livros são manuais com
orientações para professores ou outros profissionais atuarem com educação sexual, outros são textos dirigidos
aos pais ou aos adolescentes.
16
No capítulo cinco analiso as propostas de metodologias para a educação sexual de
adolescentes que durante o século XX foram consideradas como as mais adequadas.
Estes são os elementos que constituem esta dissertação, na qual analiso a constituição
dos saberes sobre educação sexual para adolescentes, quando eles apareceram e em que
circunstâncias se transformam e se relacionam entre os diversos segmentos envolvidos. Nesta
tentativa de arqueologia, procuro “escavar verticalmente as camadas descontínuas de
discursos já pronunciados, muitas vezes de discursos do passado, a fim de trazer à luz
fragmentos de idéias, conceitos, discursos talvez já esquecidos” (VEIGA-NETO, 2005, p. 54).
O resgate deste processo, ao permitir a percepção de que os discursos não descreveram a
educação sexual, mas a produziram através da definição de conceitos, de atitudes e costumes
considerados adequados, pode se constituir em contribuição para viabilizar um modo de
educar onde predomine o sentido crítico e o relativismo, em detrimento das verdades
absolutas, dos dogmas e dos preconceitos.
17
1 AS ORIGENS DA EDUCAÇÃO SEXUAL
O objetivo deste capítulo é evidenciar o elo de ligação entre os textos sobre educação
sexual analisados nos capítulos seguintes e o movimento denominado médico-higienista, cuja
influência sobre a sociedade brasileira no final do século XIX e início do XX foi significativa,
com reflexos no cotidiano das famílias e dos indivíduos que ainda persistem. Este elo se
configura ao constatarmos que vários temas e seus respectivos modos de abordagem pelos
autores dos livros sobre educação sexual estão muito próximos aos discursos defendidos pelos
médicos higienistas, mesmo considerando-se as alterações de alguns costumes e valores
sociais e da aquisição de novos conhecimentos científicos e tecnológicos que ocorreram no
transcurso das décadas. Detalhes sobre o movimento médico-higienista brasileiro são
descritos com profundidade no livro “Ordem Médica, Norma Familiar”, de Jurandir F. Costa
1
,
mas alguns aspectos relevantes sobre a associação entre os discursos são evidenciados neste
texto.
Com o apoio do Estado, este movimento enfatizou, entre outras, as propostas de
diminuir os altos índices de mortalidade infantil e melhorar as precárias condições de saúde
dos adultos, impondo à família brasileira uma educação física, moral, intelectual e sexual,
visando “assegurar a saúde e o vigor dos corpos; aumentar a reprodução e a longevidade dos
indivíduos, incrementar a população do país e melhorar os costumes privados e a moral
pública” (COSTA, 1979, p. 211). Num país que ainda se organizava politicamente em seus
primeiros passos como nação independente e a seguir como república, os médicos, apoiados
numa combinação de interesses corporativos e estatais, assumiram o papel de autoridade e seu
discurso descreveu a sociedade “como um organismo caótico que necessitava ser regrado,
estabelecendo uma oposição entre a desordem real e uma ordem ideal, onde a interferência do
médico seria indispensável” (MATOS, s/d). Buscando a correção dos problemas que eles
consideravam como herdados de um país colonial, agravados pela diversidade na composição
étnica da população e sem soluções devido à inoperância dos setores públicos, os higienistas
ultrapassaram os limites do debate sobre saúde e formaram amplas representações sobre a
1
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Edições Graal. 1979.
18
sociedade (LIMA e HOCHMAN, 2000), utilizando-se de um discurso estereotipado e com
intensa conotação moral.
A necessidade de corrigir problemas como altos índices de mortalidade infantil e
precárias condições de higiene da população foi o motivo alegado pelos médicos para
justificarem a sua interferência na dinâmica das famílias, onde a implantação de novas regras
sobre sexualidade foi apenas um dos eixos que moveram o movimento higienista.
Progressivamente eles implantaram sua autoridade sobre a população, trazendo para seus
domínios áreas antes abandonadas ao arbítrio das famílias, tais como tipos de alimentação e
cuidados com os bebês. Transformaram o que não era feito sob supervisão médica em atos
ilegais e de alto risco por não serem científicos, iniciando um combate permanente a todo
cuidado do indivíduo sem o seu aval. Esta atribuição de educar assumida pelos médicos tem
suas origens nos primórdios da medicina, mas se consolida no Brasil a partir dos higienistas,
os quais assumiram, com seus conhecimentos, meios materiais e direitos adquiridos com o
respaldo oficial, o poder sobre a família. E, esta, induzida a aceitar a sua vontade,
desapropriou-se de suas doenças e até mesmo, de certo modo, de seu corpo e sensações
(BOLTANSKI, 2004).
À medida que investiam nessas áreas, os médicos foram substituindo ou dividindo
espaço com os padres no acesso à intimidade das famílias, trazendo para a vida o valor que a
igreja postergava para após a morte. O higienismo inaugurou no Brasil um novo princípio:
não é mais “o corpo do rei, mas o ‘corpo da sociedade’, o ‘corpo populacional’, que era
necessário proteger classificando e excluindo doentes, infectados, delinqüentes e
degenerados” (FISCHER, 1996, p. 89). O corpo passou a ser objeto de investimento das ações
políticas e sociais e foi induzido a se adaptar às exigências dos critérios higiênicos, morais e
estéticos em nome de um processo que alegou atuar em defesa da sociedade. Até chegarmos
aos padrões atuais de privilegiar a juventude e um determinado tipo de beleza, muito foi
trilhado nos caminhos que produziram a disciplina dos corpos, pois estes estão sempre e
diretamente imersos num campo político, “de tal forma que as relações de poder se dirigem
prioritariamente a ele, marcando-o das mais diferentes formas” (ibidem, p. 100). Estas
marcas são resultado de uma coerção sem folga e de um poder infinitesimal sobre o que o
indivíduo tem de mais concreto, o seu corpo ativo, e de uma grande atenção dedicada a este
19
“corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas
forças se multiplicam” (FOUCAULT, 2006-c, p. 117)
2
.
A medicina nunca se restringiu à prática de intervenção em casos de doenças que
necessitam de tratamento através de medicamentos ou cirurgias e sua atuação expandiu-se até
a elaboração de normas ou maneiras de viver, nas quais se incluem as relações do indivíduo
consigo mesmo, com o seu corpo, com sua alimentação, atividade física, vigília e sono.
Assim, a medicina tomou a si a responsabilidade de ditar a cada instante o bom regime da
vida” (FOUCAULT, 2005-a, p. 107). A promessa de redução do sofrimento humano e da
melhoria das condições de vida, um dos fundamentos do pensamento cartesiano que foi e
continua sendo tão caro à medicina, permitiu o desenvolvimento e a ampla aceitação de
teorias baseadas em procedimentos metodológicos e científicos, os quais proporcionariam a
felicidade tão almejada pela humanidade. E a medicina, assim como outros campos de saber,
buscou na incorporação do método sua dignidade, que se traduziu em seu reconhecimento
enquanto ciência (FENSTERSEIFER, 2001) e, portanto, aptidão para construir e desconstruir
verdades. Assim, os médicos higienistas inauguraram a dominação do argumento científico
como a verdade incontestável que vai se manter praticamente hegemônica mesmo após duas
viradas de séculos.
Argumento que não se desvinculou dos aspectos morais e, pretextando dizer a verdade,
inclusive ajudou a reforçá-los. A medicina tornou-se coadjuvante na elaboração dos discursos,
e de uma forma “mais servil ante às potências da ordem do que dócil às exigências da
verdade”, os médicos, plenos de conteúdos de biologia e fisiologia, de uma forma
“involuntariamente ingênua nos melhores casos e voluntariamente mentirosa nos mais
freqüentes” (FOUCAULT, 2005-b, p. 54), socorreram a lei e a opinião dominantes,
contribuindo decisivamente para a construção do conceito de sexualidade como algo
suscetível de processos patológicos a exigir controle, intervenção e tratamento.
Segundo Ussel (apud Costa 1979, p. 192), a partir do século XIX, “o aburguesamento
da sociedade criou, como ideal humano da sexualidade, a unidade entre sexo, amor,
2
Os estudos culturais têm concedido ao corpo um lugar central na análise social contemporânea, entendendo-o
como resultado de uma construção cultural, social e histórica que lhe proporciona pleno sentido e significação. O
corpo deixa de ser apenas um substrato biológico estanque e definitivo para assumir um envolvimento com a
estética pessoal, com a atividade física, com o uso de medicamentos, com as cirurgias, os implantes, os adereços,
as doenças e a vivência sexual dos sujeitos (SILVA, 2000).
20
matrimônio e procriação”, desencadeando um processo que levou à ilicitude a sexualidade
não vinculada ao casamento e à reprodução, como a masturbação, considerada como crime e
descrita como grave risco para a saúde física, moral e intelectual dos jovens, e o
homossexualidade, incluída na categoria de atitudes “infames”. Com o objetivo de
“transformar homens e mulheres em reprodutores e guardiões de proles sãs e ‘raças puras’”
(ibidem, p. 14), o movimento higienista restringiu a sexualidade de homens e mulheres às
funções de pai e mãe, definindo ainda as características masculinas e femininas a partir de
conceitos cujas origens estariam na natureza. Foi esse discurso que construiu o homem forte,
macho e agressivo, ideal para sustentar e defender a família, e a mulher passiva e fecunda,
ótima para desenvolver a maternidade. Este conjunto de ações explica porque,
as sucessivas gerações formadas por essa pedagogia higienizada produziram
o indivíduo urbano típico do nosso tempo. Indivíduo física e sexualmente
obcecado pelo seu corpo; moral e sentimentalmente centrado em sua dor e
seu prazer; socialmente racista e burguês em suas crenças e condutas;
finalmente, politicamente convicto de que da disciplina repressiva de sua
vida depende a grandeza e o progresso do Estado brasileiro. (COSTA, 1979,
p. 214).
Os médicos higienistas não defenderam a necessidade de uma educação sexual para as
crianças e os jovens, mas entre seus objetos de regulação estava a normatização dos
comportamentos sexuais dos homens e das mulheres, a delimitação das fronteiras entre o
normal e o patológico, os papéis masculino e feminino na família e na sociedade, a
condenação da masturbação e da homossexualidade, a definição da idade adequada para o
casamento e a gravidez, a preocupação com os índices de natalidade e de contaminação por
doenças venéreas. O sexo foi reconhecido como um objeto útil e incluído no rol dos interesses
públicos, não devendo ser apenas julgado, mas administrado, submetido a procedimentos de
gestão, estar inserido em sistemas de utilidade e funcionar segundo um padrão ótimo
(FOUCAULT, 2005-b).
O poder sobre a vida do indivíduo assume o seu lugar de honra: “novos procedimentos
de poder que funcionam, não pelo direito, mas pela técnica, não pela lei, mas pela
normalização, não pelo castigo, mas pelo controle” (FOUCAULT, 2005-b, p. 86). Através da
disciplina do corpo, do controle da saúde dos indivíduos, dos registros dos índices de
21
nascimento e óbitos, o bio-poder se instala como um poder para todos e cuja promessa é
garantir a vida:
... a particular forma de poder que nossa sociedade tão bem aprendeu a
realizar e que tanto soube aperfeiçoar, ao longo de três séculos: um poder
preocupado com o bem-estar da população e a saúde de cada um em
particular, um poder que se reveste de ‘bondade’ e sincera dedicação a toda a
comunidade, mas que o tem condição de exercer-se senão munindo-se de
toda a informação sobre cada grupo, sobre o que pensam e sentem todos os
indivíduos e como estes podem ser melhor dirigidos (FISCHER, 1996, p. 71-
2).
Os saberes sobre o sexo deixaram de ser algo vinculado à intimidade dos indivíduos e
das famílias e foram apreendidos, formatados e devolvidos à sociedade através de discursos e
definições de normas engendradas com o objetivo de integrá-los aos interesses da sociedade,
inclusive como preocupação em termos de saúde pública. Seja como pecado, seja como
perigo, o sexo dos brasileiros nunca mais deixou de ser produzido por saberes que definem a
idade ideal para o início da atividade sexual, do casamento e da gravidez, regulam as taxas de
natalidade, definem as interdições e o que é lícito ou ilícito, normal ou anormal. E, que
retorna para a intimidade do indivíduo após ter sido analisado, pesquisado, comparado e
planejado.
No Brasil, o trinômio educação-saúde-sexualidade não é uma característica ou
preocupação de gerações recentes, pois, desde o final do século XIX, é constante a elaboração
de discursos cujos enunciados produzem uma sexualidade considerada normal, mesmo que os
parâmetros que constituem esta normalidade tenham se alterado com o decorrer das décadas.
Embora atualmente os critérios de uma sexualidade heterossexual, familiar e reprodutora, que
definiam os padrões normais na primeira metade do século, não estejam mais em pleno vigor,
outros foram designados para substituí-los, como os que privilegiam a individualidade, o
denominado “sexo seguro” e a condenação da gravidez na adolescência.
22
2 AS RAZÕES DA EDUCAÇÃO SEXUAL
O primeiro aspecto a respeito dos livros sobre educação sexual para adolescentes que
analiso refere-se às respostas que os autores deram à pergunta “por que é necessário transmitir
aos jovens ensinamentos sobre sexualidade?” e quais foram os argumentos utilizados para
fundamentá-las.
É preciso assinalar que nem todos concordam com a idéia da educação sexual ser algo
indispensável. Há relatos sobre pareceres de secretarias de educação contrários a propostas de
implantação de projetos nesse sentido em algumas escolas na década de sessenta, restrições
associadas ao clima político do país que vivenciava o início do regime militar
1
e justificadas
com argumentos como imoralidade, irresponsabilidade e inutilidade (RIBEIRO, 1990).
também o parecer da Comissão de Moral e Civismo
2
do Ministério da Educação e Cultura, em
1968, contrário ao projeto de lei da deputada federal Júlia Steinbruck que instituía a educação
sexual em todas as escolas do país, no qual seus integrantes utilizaram argumentos como “a
inocência é a melhor defesa para a pureza e a castidade” e “não se abre à força um botão de
rosa, sobretudo com as mãos sujas” (ibidem, p. 13), numa associação entre as representações
de infância assexuada e pura, que deveria ser resguardada, com a dos temas sexuais
impregnados de aspectos imorais.
Pesquisa realizada em 1993 pelo Instituto Datafolha em dez capitais brasileiras
encontrou um percentual de 86% dos entrevistados que se manifestaram favoráveis à
1
Entre 1964 e 1985 o Brasil foi submetido a uma ditadura militar, tendo as cadas de 60 e 70 se caracterizado
por uma intensa repressão política durante a qual, sob a égide da Lei de Segurança Nacional, tornaram-se
comuns as prisões e a tortura de opositores políticos do regime. Em 1968 o regime militar editou o Ato
Institucional número 5 (historicamente conhecido com AI-5), o qual permitia ao governo decretar o recesso
legislativo e intervir nos estados sem as limitações da constituição, cassar mandatos eletivos e suspender por 10
anos os direitos políticos de qualquer cidadão (Fonte: Wikipédia).
2
A Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC) foi criada em 1969 durante o regime militar pelo Decreto-
Lei 869 e tinha entre suas funções executar a implantação da disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC) em
todas as escolas do país, elaborando suas doutrinas e parâmetros pedagógicos e didáticos. Esta disciplina, cujo
mesmo decreto definiu como obrigatória em todos os níveis de ensino, tinha como objetivo promover o
nacionalismo e a idéia de uma nação forte, ressaltando os valores morais, familiares e religiosos, enquanto
promovia a defesa da pátria e valores anticomunistas para crianças e jovens. Também com este mesmo viés
foram criadas as disciplinas de Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Estudos dos Problemas
Brasileiros (EPB), as quais permaneceram no currículo escolar durante 24 anos, até 1993, quando foram
suspensas pela Lei n° 8.663 (FILGUEIRAS, 2006).
23
educação sexual nas escolas, sendo esta aprovação maior entre espíritas e protestantes do que
entre católicos, entre indivíduos com menos de 41 anos e com maior nível de instrução e de
renda (SUPLICY et al., 2000). Este resultado provavelmente reflete a vinculação que vem de
longa data do catolicismo com restrições mais amplas relacionados ao sexo (castidade e uso
de métodos anticoncepcionais, por exemplo) e, ao contrário, às restrições menores geralmente
encontradas em pessoas mais jovens, mais propensas à adoção de novas regras e valores.
Percebe-se nesta pesquisa, portanto, a aprovação de uma maioria significativa, embora não
unânime, em relação a programas de educação sexual.
Esta maioria favorável está em consonância com uma constatação desta dissertação: os
livros pesquisados registram críticas quanto a alguns métodos adotados, controvérsias entre
princípios considerados cristãos e científicos, debates sobre a quem cabe a responsabilidade
de mostrar o caminho aos jovens e o que deve ser ensinado, entre outras divergências, mas
nenhum autor condena a educação sexual. O argumento contrário provavelmente cedeu seu
espaço ao ser deslocado pelo discurso predominante a favor, deixou de ser inserido no critério
do verdadeiro e, consequentemente, perdeu o direito à visibilidade.
Em todos os textos pesquisados, os autores padres, médicos, psicólogos, professores –,
defendem a educação sexual como algo indispensável, mesmo que para isso se utilizem de
motivações, argumentos e metodologias diferentes. Os motivos alegados para esta
necessidade são muitos e circulam por questões sociais como evolução dos costumes, pelos
riscos considerados inerentes à vivência da sexualidade, pela necessidade de controlar o
instinto e pela desinformação dos jovens quanto às questões relacionadas ao sexo.
2.1 Conflitos de gerações
Numa generalização talvez apressada, pode-se dizer que o indivíduo adulto, ao tecer
considerações sobre questões morais e éticas, tende a prestigiar os valores de sua geração,
24
criticar de forma relativamente amena os das anteriores (seus pais), considerados como
ultrapassados, e condenar os que estão sendo adotados pelos jovens contemporâneos (seus
filhos). Não se trata de novidade, pois, dizendo de outra forma, sabe-se que cada época cria a
sua verdade, deslegitima as demais e com certa freqüência as inclui na infração ou na
anormalidade. Cada geração elabora um processo que envolve a assimilação e a análise dos
conhecimentos, costumes e valores estabelecidos e, ao mesmo tempo, desenvolve
ferramentas que lhe permitem mudar, transgredir e construir novas regras, atitudes e práticas,
alterando as fronteiras comportamentais. Nesse constante evoluir, embora os adolescentes
estabeleçam comportamentos baseados em regras e conceitos previamente definidos pelo
meio cultural no qual estão inseridos, estes não serão iguais entre gerações diferentes e as
rupturas tornam-se inevitáveis.
Segundo Marin (2006), pesquisadores da América Latina têm analisado a transgressão e
o protagonismo juvenil e descrito como a juventude, historicamente, infringindo a ordem
estabelecida e resistindo às imposições das gerações anteriores, tem assumido o papel de
protagonista de seu tempo, mesmo que isto implique no estabelecimento de rótulos como
rebeldia, violência ou delinqüência. A tentativa de conter, estabilizar padrões e normas e
produzir indivíduos previamente formatados tem, em relação à juventude, encontrado uma
resistência constante, pois “quanto mais as instituições a controlam, mais ela vaza, escapa,
escorre” (ibidem, p. 32).
O papel da juventude como transformadora do seu tempo e como produtora de novos
discursos que tornam os das gerações anteriores defasados e vencidos, mesmo com o custo de
conflitos, ressentimentos e condenações, parece ter se consolidado. Esta tendência conduziu à
conclusão de que é correto afirmar que “novas técnicas de controle sobre a vida são
permanentemente criadas, que novos discursos são produzidos e veiculados, de tal forma que
se tornam verdades, nas quais os sujeitos reconhecem a pauta de seu comportamento
cotidiano” (FISCHER, 1996, p. 59).
Todas as sociedades se defrontam com a necessidade de estabelecerem as condições
para a manutenção de sua própria estrutura, normas e valores, e todos os seus indivíduos são
preparados para garantirem certo grau de continuidade do sistema social vigente. Este
objetivo, que é movediço, é possível devido ao fato do comportamento humano não ser
determinado pela natureza, ou herdado biologicamente, mas adquirido através da
25
aprendizagem com outras pessoas (EISENSTADT, 1976). Mas este equilíbrio não é estável.
O não reconhecimento dos papéis sociais desempenhados pelos jovens e a comunicação e as
relações instáveis entre esses e os adultos na sociedade moderna ocidental, geram com
freqüência a possibilidade de conflitos intergeracionais (idem).
Este desajuste entre os papéis desempenhados pela juventude e pelos adultos leva ao
surgimento de comportamentos que, em suas origens, se restringem a uma determinada faixa
etária, na qual são permitidos e aceitos. Através deste mecanismo, os jovens desempenham a
função de fundar novas regras sociais através de um mecanismo de ajuste, que poderá ou não
levá-las à condição de normalidade ou aceitação generalizada.
As alterações de comportamentos e de costumes entre as gerações podem ser entendidas
através do mecanismo descrito por Michel Foucault (2002) no qual o indivíduo, ao tomar seu
lugar em sua respectiva sociedade e cultura, mesmo tendo recebido uma espécie de manual
com os códigos estabelecidos e justificados pelo aval científico, filosófico ou religioso,
pode distanciar-se deste manual, fazer uma nova leitura de suas prescrições e interpretá-las de
maneira diferente. Este distanciamento possibilita a percepção de que “essas ordens não são
talvez as únicas possíveis nem as melhores” (ibidem, p. XVI).
Cada época elabora através dos discursos as suas verdades, o que as vincula de forma
inevitável a um estado de permanentes transformações, deslocamentos e recomeços. Uma
verdade existe enquanto é sustentada pelos discursos de sua época, sendo de mais valia
entendê-la como algo que tem a sua própria história, e não um elemento que proporcione
validade à história. Como uma construção social intersubjetiva em permanente reinvenção
(SAVATER, 2004), toda verdade tem prazo de validade.
A leitura dos escritos sobre educação sexual revela a constante preocupação das
gerações em tentar evitar que as suas verdades sejam substituídas por outras, novas,
diferentes, cujas raízes vão se infiltrando e sufocando as mais antigas. Mediante pequenas
atualizações nos textos (substituindo o rádio pela televisão, por exemplo), percebe-se uma
aproximação significativa entre textos de diferentes décadas nos quais os autores descrevem o
que eles consideram como uma constante e progressiva degradação moral.
26
Diversos foram os padres que justificaram a educação sexual com argumentos como a
necessidade de “combater a miséria moral em que se submerge cada vez mais a nossa
juventude indefesa” (ALMEIDA, 1946, p. 47), a preocupação com o ambiente “saturado de
sexualismo” no qual os jovens se desenvolvem, com as “hecatombes morais da impureza” e
com a “tumultuosa onda de imoralidade que alagou o mundo”, propagada pelo teatro, cinema,
rádio, praias, piscinas e literatura, os quais determinam um “combate audacioso à bela virtude
da pureza” (CAMPOS, 1951, p. 16). A opinião do padre Negromonte é no mesmo sentido:
Agora os tempos mudaram. Hoje se fala das questões sexuais com
uma liberdade tão grande que é, de certo, para lamentarmos, mas nunca será
para desprezarmos. A liberdade na educação de nossos dias, a imensa
difusão da imprensa abordando os assuntos que antigamente se guardavam
nos tratados científicos, a irreprimível ação das propagandas radiofônicas, a
literatura crescente sobre temas sexuais caindo em todas as mãos, com a
facilidade com que hoje se conversa nos salões de coisa que, 50 anos, os
maridos não falavam às próprias esposas tudo isto conspira para o
conhecimento prematuro de um assunto eminentemente perigoso, o qual,
uma vez conhecido, deve ser bem conhecido, para evitar as desastrosas
conseqüências a que sempre se expõe (1951, p. 13).
É nessa mesma linha de argumento que, na década de oitenta, o padre Charbonneau
(1985, p. 17) argumenta que o adolescente precisa de proteção, pois estaria vivendo numa
época na qual “a sexualidade é venerada, desenfreada, cultivada sob as formas mais
aberrantes” ou até mesmo “enlouquecida”. Segundo ele,
não dúvidas de que vivemos um momento de ruptura. A sociedade tal
como se apresentava na primeira metade do nossoculo XX era uma
sociedade nitidamente estruturada. Os parâmetros de toda ordem, sociais,
econômicos, educacionais, estavam rigorosamente definidos e, talvez mais
definidos que todos, os parâmetros morais. Entre o que era moral e o que era
imoral, a linha era claramente definida. Havia o pecado e a virtude, que eram
irreconciliáveis. Havia o permitido e o proibido, o tolerável e o intolerável, o
admissível e o inadmissível. Em suma, os caminhos estavam traçados e deles
não podíamos nos afastar, sem sofrer o ostracismo, a condenação, o
desprezo. Esse era o mundo onde vivemos nossa infância e nossa juventude.
Tratava-se, por assim dizer, do mundo da clareza (ibidem,
p. 39).
27
Preocupação que não se restringiu à igreja e nem a décadas específicas. Médicos
“Vivemos uma época de crise dos valores morais e éticos, uma crise econômica e política.”
(VITIELO, 1997, p. 27), psicólogos “há muito estímulo, muita excitação, mas pouca ou
nenhuma reflexão” (EGYPTO, 2003, p. 17), entre outros, registram a mesma apreensão dos
autores de várias décadas anteriores com aquilo que, de forma repetitiva, é classificado como
degradação de costumes ou deterioração da sociedade.
2.2 As dificuldades perante o instinto
Aqui nos deparamos com um motivo que justifica a educação sexual apenas para os
autores da primeira metade do século XX, nos quais predominava a valorização da natureza e
do instinto sexual no condicionamento humano, aspectos fundamentais para justificar,
reforçar e valorizar as diferenças entre os indivíduos. A lógica desse argumento defendia a
geração de filhos e a conseqüente perpetuação da espécie humana como dependentes do
instinto, ao qual a natureza teria associado o prazer para facilitar e garantir a procriação.
Entretanto, era justamente esta conexão entre instinto e prazer que freqüentemente induzia o
indivíduo a esquecer e desrespeitar aquela que, segundo a igreja católica, era a verdadeira
finalidade que a natureza teria definido para o instinto: a reprodução da espécie. Fora disso, a
função era considerada antinatural e a “natureza mesma condena a emoção sexual fora dos
meios naturais da procriação” (NEGROMONTE, 1951).
Predominante algumas décadas, mas ainda freqüente no cotidiano das conversas
formais ou informais, a noção de natureza tem raízes sólidas no pensamento ocidental,
atuando, entre outras tantas funções, simultaneamente como esteio e como produtor de
sentido aos códigos morais adotados pela sociedade. As justificativas para validar
comportamentos considerados adequados ou condenar os inadequados muito se valeram, e
28
continuam se valendo, do conceito de natureza, bem como a consolidação das características
do homem e da mulher, da criança e do adolescente.
Em relação à adolescência, é prevalente entre pais, professores e outros profissionais a
justificativa de condutas individuais como “típicas” da idade, como a “natureza” rebelde,
imatura, inconseqüente ou irresponsável, conceitos que se organizam para proporcionar a
construção do discurso que constitui a adolescência. Atualmente pouco se utiliza o conceito
de instinto, mas a justificativa mais freqüente para o comportamento dos adolescentes é a ação
hormonal, a qual além dos aspectos biológicos determinaria um amplo conjunto de
comportamentos.
O comportamento sexual humano é e sempre foi uma questão de opção e não de
determinação genética, contando com a presença constante de aspectos como padrões de
beleza, gênero, poder, controle, racismo e exploração (TAYLOR, 1997). O fato do ser
humano do sexo masculino ter um pênis três a quatro vezes maior do que os de outros
primatas, como gorilas e orangotangos, pode ser resultado de uma evolução induzida por
fatores não apenas genéticos, mas como resultado de escolhas que foram selecionando
indivíduos influenciadas por representações de poder ou força física. O que confirmaria a
opinião de Vincent (1992, p. 387) de que “a astúcia [...] dos homens sempre consistiu em
atribuir à ‘Natureza’ aquilo que pertencia à ‘cultura’”.
O humano não pode ser produzido sem intervenções, imposição de comportamentos,
delimitação de padrões e modelos e sem freios em sua espontaneidade. O custo desta
produção do humano foi a constatação cada vez mais sólida de que muito pouco de natural lhe
restou e de que ele próprio e todas as suas características são resultados de múltiplos
processos históricos, sociais e culturais. A vinculação da natureza com os conceitos de
moralidade, religiosidade e padrões organizacionais da sociedade está lentamente ruindo, mas
ainda está longe o desaparecimento deste discurso poderoso que edifica representações e
simultaneamente esconde as marcas de sua construção.
Esta necessidade de dominação do instinto sexual, considerado como algo natural e de
difícil controle, foi uma das justificativas para a educação sexual adotada principalmente
pelos padres católicos. Ensinar o jovem a assumir perante o instinto uma atitude correta,
racional, moral e cristã, a viver de acordo com a razão e a consciência, era considerado um
29
imperativo para que ele conseguisse dominar “os impulsos cegos do instinto genésico e
vivenciar uma vontade esclarecida e disciplinada” (CAMPOS, 1951, p. 21).
Uma das características desta preocupação com o instinto é a sua vinculação com o
gênero, pois é no rapaz que recaía a necessidade de solucionar o que era considerado um
problema difícil: a continência enfrentada por todos os solteiros. O padre Barros (1956)
explica a diferença: no homem não entra a razão, ele se apaixona pelo aspecto físico, seu
sentimento é apaixonado, de curta duração, mais intenso no começo e que diminui com o
tempo, ele pode ser arrastado simultaneamente por diversos amores, sente necessidade de
conquistar e sentir-se como caçador. Já a mulher, ainda segundo o mesmo autor, tem um
embate mais ameno com o instinto, pois nela o interesse não é pela beleza física, pois se
baseia mais sobre o caráter e a personalidade moral do ente querido, sendo seu traço
dominante a dedicação, o carinho dispensado, um devotamento a suavizar os sofrimentos e
fadigas dos outros, caracterizando-a como essencialmente casta, monógama, mãe e
sentimental.
É o jovem masculino que precisa ser preparado para encontrar forças que lhe permitam
resistir ao “instinto copulador de macho” (ALDUC, 1951, p. 39), no qual o coito se torna uma
necessidade imperiosa e onde “o excesso de seiva que nele borbulha” exige uma solução. O
padre Negromonte (1951) justifica a atração carnal mais forte no homem como disposição da
Divina Providência, pois o resultado desse comportamento agressivo e ativo seria a geração
dos filhos. Segundo esse autor, se no homem a grande força sexual, a primeira que aparece, a
que mais se salienta, é o desejo do prazer, na mulher este desejo é muito atenuado e vago,
permanecendo quase sempre silencioso e adormecido antes do casamento:
A mulher é muito mais calma, muito mais tranqüila, muito mais
sentimental e a bem poucas interessa e preocupa direta e energicamente a
vida sexual. Nas suas leviandades com o rapaz querem apenas acariciar e ser
acariciadas e, salvas as exceções, passam muito pouco além desse desejo.
Entretanto, elas não sabem que através dessas carícias inocentes estão
acendendo no rapaz uma fogueira de concupiscência. A diferença é enorme.
Enquanto a moça quer apenas sentir que é amada, quer o carinho de um
gesto, o amparo de um braço a que se apóie, de um ombro a que se acoste, o
rapaz, mesmo que procure o conforto deste amor puro, a presença desta que
lhe será a companheira, nunca excluirá disso a preocupação sexual. Aquelas
carícias que para as moças talvez sejam inocentes e quase diríamos infantis,
que não lhes deixam senão a impressão agradável e até pura de que são
30
amadas, estão provocando incêndios no coração do rapaz. A moça, porque
“não sente nada com aquilo”, porque “aquilo não lhe faz mal nenhum”, não
imagina, e nem pode mesmo imaginar o que sente o moço, o mal que faz
aquilo. Ele arde, as mais das vezes, em desejos sexuais. O que para ela é uma
carícia, é para ele uma provocação (NEGROMONTE, 1951, p. 152).
Trata-se de, seguindo a mesma linha desenvolvida pelos médicos higienistas, de
produzir discursos que visam construir as características de cada sexo, fundamentando a
representação da adolescente como assexuada e a da futura mulher como esposa, mãe e
cuidadora, para a qual o sexo teria a função exclusiva de reprodução
3
.
Uma das funções da educação sexual seria, portanto, a de ensinar que o instinto sexual,
como todos os outros, deveria ser submetido ao domínio da vontade e da razão e de instinto
puramente animal, transformado em instinto humano. E o rapaz, segundo Barros (1956)
precisava saber que a solução não era fugir quando sentisse o embate do desejo erótico, mas
sim enfrentá-lo com espírito varonil, alegrando-se em possuir no corpo essa força e mantê-la
em sujeição, reservando-a para aplicá-la ulteriormente na vida conjugal. Uma vida
inteiramente instintiva, que não se submetesse a qualquer regulação, seria contrária à
felicidade, pois era necessário sujeitar todos os instintos a certas limitações e impedir que o
impulso sexual se exprimisse livremente (idem).
Um livro publicado no Brasil no início da década de sessenta, traduzido do francês, traz
um discurso mais relativista em relação ao instinto ao destacar a necessidade de se evitar que
a educação sexual tome uma forma negativa e transmita aos jovens a idéia de que o instinto
sexual é algo temível que, não sendo reprimido, “ameaça arrastá-los para toda espécie de
perversões e arruinar o equilíbrio moral da sociedade” (BERGE, 1960, p. 30). Tarefa que iria
requerer certa habilidade, pois o mesmo autor ressaltava que embora a educação sexual não
devesse combater sem trégua um instinto normal, nem por isso deixaria de haver para o
educador uma espécie de antinomia a resolver, porque se, por um lado, devia permitir que o
instinto sexual se desenvolvesse naturalmente para a maturidade, devia, por outro, ter o
cuidado de impedir que se manifestasse de forma incompatível com as exigências sociais.
3
Em relação a esta questão de gênero, mais considerações estão registradas no capítulo 4 desta dissertação.
31
Nos autores mais recentes, este tema perde importância na justificativa da educação
sexual, novas representações sobre gênero vão ser adotadas e as preocupações se deslocam
para outros tópicos, como a epidemia de Aids e a gravidez na adolescência. E a relação com a
biologia vai assumindo novos contornos e novos entendimentos, mais próximos do
pensamento de Savater (2004) ao afirmar que a nossa dotação genética nos constitui enquanto
seres, mas não enquanto humanos.
2.3 Os perigos da sexualidade
As frases do médico francês Daniel Alduc (1951 p. 32) - “O amor, propagador da vida,
é, também, um poderoso difundidor da morte” e “este incansável semeador é um rude
manejador de foice” sintetiza e leva ao extremo o conceito de sexualidade como uma área
de alto risco, plena de ameaças e armadilhas, que esconde graves conseqüências para aqueles
que nela se aventuram sem a devida orientação. Entre os argumentos em defesa da educação
sexual, antes e depois da metade do século, está a necessidade de preparar o jovem para
ingressar nesse território representado como perigoso e fornecer-lhe uma espécie de mapa
para o seu desbravamento.
A maioria dos autores defende a idéia de que o silêncio sobre o tema sexualidade expõe
o adolescente a riscos cujas conseqüências incluem desvios comportamentais, doenças e
gravidez não planejada, além de não evitar o medo, a angústia e a desproteção. A
consolidação desta representação de vulnerabilidade ocorre através da caracterização do
adolescente como um ser incompleto e imaturo, o que exige da sociedade e dos profissionais
das áreas de saúde e de educação a preocupação com as “sérias conseqüências do exercício da
sexualidade por jovens que, pelas próprias características peculiares dessa faixa etária, não
são capazes de avaliar e assumir os riscos de uma vida sexual ativa” (VITIELO, 1997, p. 49).
32
Comparando-se os escritos dos autores da primeira e da segunda metade do culo,
percebe-se algumas diferenças quanto aos aspectos considerados como perigosos quando da
inserção do adolescente na atividade sexual, tanto quanto a prática sexual propriamente dita
como quanto as diferenças de preocupações em relação a rapazes e moças. Até a década de
sessenta, os autores se preocuparam em relacionar a sexualidade “inadequada” com distúrbios
comportamentais, como a “vultosa porcentagem dos fracassos escolares devidas ao vício
impuro” (CAMPOS, 1951, p. 16), os desajustes sociais e familiares, a prática de atos ilegais
como roubos e assassinatos, que estariam freqüentemente associados a indivíduos com
desvios mórbidos de sua sexualidade (ALBUQUERQUE, 1940, 15), as esquisitices, o mau
humor, a irritabilidade e o fracasso familiar e social do indivíduo motivados por insatisfações,
desajustamentos e anomalias no comportamento sexual (NÉRICE, 1961, p. 12).
Ainda segundo o entendimento da maioria dos autores até os anos sessenta, a
preocupação quanto à vulnerabilidade era com os rapazes, pois estes seriam mais suscetíveis
aos clamores do instinto, enquanto que as adolescentes não estariam incluídas nesta situação
de risco por não apresentarem comportamentos nesse sentido. Apenas aos rapazes era exigido
um controle sobre a atividade sexual, evitando a procura de prostitutas e o contágio com
doenças venéreas, valorizando a castidade como uma atitude que enobrece o indivíduo.
Nesse período, as jovens recebiam orientações sobre menstruação, cuidados higiênicos e
postura social, conduzindo-as para o futuro papel de esposas e mães. Não havia preocupações
quanto à possibilidade de atividade sexual, algo considerado improvável para uma moça
solteira. Delas não era exigido o combate ao próprio instinto sexual, mas precisavam enfrentar
o dos namorados e noivos e para isso eram orientadas a não cederem às pressões destes, que
muitas vezes exigiam prova de amor ou ameaçavam com a ruptura da relação. Aquela que
ignorasse esse código, que “anda por com uma blusinha branca e uma saia azul e não
possuí mais a veste álvea da inocência”
4
(ALMEIDA, 1946, p. 103), vivenciava grande
desgraça familiar e social, tornava-se motivo de vergonha para seus pais e geralmente era
excluída do convívio familiar.
4
A blusa branca e a saia azul eram o uniforme característico das alunas do Curso Normal, atualmente
denominado Magistério e correspondente ao Ensino Médio, que preparava moças para a profissão de professoras
no curso primário. Estas alunas eram conhecidas como “normalistas” e muito valorizadas pela sociedade até o
final da década de sessenta. Nelson Gonçalves cantava em sua homenagem: "Vestida de azul e branco / trazendo
um sorriso franco / no rostinho encantador / minha linda normalista / rapidamente conquista / meu coração
sofredor...”.
33
Apenas nos livros publicados na década de oitenta é que a atividade sexual das jovens
começa a ser reconhecida e o “sexo fora do casamento não escandaliza mais as ‘boas’
famílias quando é banalizado nas novelas de televisão” (COLLING, 1997, p. 42). A partir de
então a gravidez na adolescência torna-se um problema a ser prevenido e motivo de
preocupação para os profissionais da saúde, educadores, pais e sociedade em geral. Os autores
abordam este tema destacando a incidência, considerada alta e em constante crescimento, ao
contrário da tendência de diminuição nas taxas de natalidades nas mulheres adultas, e os seus
aspectos caracterizados como negativos (problemas obstétricos, abandono dos estudos,
prejuízos profissionais futuros, conflitos familiares, entre outros).
No seu livro escrito para adolescentes, cujo título “Gravidez na adolescência ai como
eu sofri por te amar”, a médica Albertina Duarte (2002) considera que as jovens que
engravidam tornam pública uma conduta clandestina, vivem uma situação conflitiva e penosa
e define mais de 20 anos como idade ideal para a mulher engravidar, consolidando o consenso
de que uma gravidez deve ser postergada para um período no qual a mulher estivesse com
seus estudos concluídos e inserida no mercado de trabalho.
A partir dos anos setenta, com o uso de novos antibióticos, cuja eficácia e acessibilidade
por receita médica ou livre acesso nas farmácias evoluíram rapidamente, a incidência e a
gravidade das doenças venéreas diminuíram significativamente e com isso a preocupação com
a sua disseminação. Mas esta situação não durou por muito tempo. No início dos anos oitenta
a Aids surgiu como ameaça à vida, inicialmente para os então denominados “grupos de risco
e a seguir para toda a população. E as doenças venéreas ressurgiram (agora com outro nome:
doenças sexualmente transmissíveis) como o grande perigo a ameaçar os jovens em suas
experiências sexuais.
Novos tempos, novos perigos. Considerando-se os desajustes e as anomalias
comportamentais, a possibilidade de contaminação pelas doenças venéreas, a epidemia da
Aids e a possibilidade de uma gravidez considerada como precoce, percebe-se que o sexo
nunca deixou de ter a seu lado “más companhias”. O que nos leva à compreensão da
sexualidade como uma produção histórica, cultural e social, que perde qualquer significado ou
simplesmente inexiste como algo autônomo sem o suporte indispensável do que realmente a
descreve, produz e lhe dá sustentação: os diversos discursos religiosos, médicos, psicológicos,
pedagógicos ou jurídicos. São eles que ao longo dos tempos se articulam para vigiar,
34
demarcar e julgar o sexo, definir as mais diferentes formas de controle e quais são os
resultados esperados, estipular quais são as atitudes adequadas, qual é o divisor entre o
permitido e o ilegal e entre o decente e o indecente.
O sexo consolidou-se como um dos mais apropriados instrumentos aos sistemas de
poder e controle da sociedade, sendo simultaneamente descrito e modelado, preparado a atuar
no corpo e no espírito, a servir de foco de vigilância, de controle, de exames médicos e
psicológicos, fonte de dados estatísticos e objeto de intervenções que permitem o acesso, ao
mesmo tempo, “à vida do corpo e à vida da espécie” (FOUCAULT, 2005-b, p. 137). É dele
que se valem as relações de poder que regulam as ações e definem as estratégias entre pais e
filhos, homens e mulheres, padres e leigos, professores e alunos, governo e população,
consolidando os discursos sobre a castidade, o adolescente, a gravidez na adolescência ou a
Aids e as práticas que definem o controle da natalidade, a idade ideal para o casamento e a
necessidade de exames médicos e laboratoriais para o diagnóstico e tratamento das doenças
vinculadas ao sexo.
O estímulo a falar de sexo foi o que construiu o discurso e a verdade sobre o sexo. Os
manuais médicos sobre atendimento ao adolescente recomendam que durante a entrevista
individual o paciente seja questionado sobre namoro, envolvimento físico, preferências sobre
práticas sexuais, número de parceiros, conhecimento e/ou uso de métodos anticoncepcionais e
doenças sexualmente transmissíveis, conduta compatível com o discurso generalizado de que
ao chegar à adolescência o sexo torna-se algo intenso, forte, inevitável, que precisa de ajustes,
controle e supervisão. Mas isso não é uma característica de todos, como podemos constatar
nas entrevistas médicas com adolescentes no Centro de Atendimento aos Adolescentes do
Município de Ijuí (CAAMI), nas quais muitos deles, de todas as idades, não estavam
preocupados ou envolvidos com estas questões.
A preocupação, aprendida nos manuais médicos e assumida como correta e adequada,
de investigar sobre sexo, fazer perguntas, desvendar os segredos, nos trouxe não a resposta
esperada de desvelamento do “mundo sexual dos adolescentes”, mas um questionamento de
que talvez sejamos nós adultos, enquanto pais, professores e profissionais, que estamos mais
preocupados do que os próprios jovens e produzindo um contexto de “importância do sexo”.
E nessa prática de estimular a falar de sexo, estamos dando continuidade ao processo de
construção dos discursos e da verdade sobre o sexo.
35
O trabalho com adolescentes, portanto, insere o profissional na estratégia de produzir
um problema (a sexualidade adolescente), caracterizar este problema como uma patologia (o
comportamento sexual do adolescente perigoso e em perigo), investigar, vigiar e entender
(durante a consulta) e providenciar as medidas necessárias (tratamento) para corrigir o
problema criado, consolidando o “... discurso onde a conduta sexual da população é tomada,
ao mesmo tempo, como objeto de análise e alvo de intervenção” (FOUCAULT, 2005-b, p.
29):
Cumpre falar do sexo como de uma coisa que não se deve
simplesmente condenar ou tolerar, mas gerir, inserir em sistemas de
utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão
ótimo. O sexo não se julga apenas, administra-se. Sobreleva-se ao poder
público; exige procedimentos de gestão; deve ser assumido por discursos
analíticos (FOUCAULT, 2005-b, p. 27).
Intervenção que se materializa através de discursos e instituições e cujo objetivo é
consolidar uma administração eficiente sob a qual devem se organizar os tipos de falas,
atitudes e características autorizadas para homens e mulheres, as definições dos padrões
sexuais considerados normais e os investimentos sobre os corpos dos indivíduos.
2.4 Outras justificativas
Além dos temas relacionados nos tópicos anteriores, há outras justificativas para a
educação sexual: a) o risco de receber orientações inadequadas “Os colegas sempre são
maus mestres neste assunto” (NEGROMONTE, 1951, p. 76) e “o silêncio precipitará os filhos
nas mãos dos corruptores” (ibidem, p. 19); b) as influências negativas dos “perigosos contatos
com o cinema, as revistas ilustradas, os cartazes, as conversas levianas de casa, a semi-nudez
36
das praias e piscinas” (ibidem, p. 91), das leituras pornográficas (NÉRICE, 1961) e dos meios
de comunicação que usam e abusam da sensualidade como técnica de marketing (VITIELO,
1997); c) a precocidade do envolvimento com as questões sexuais desencadeada pelo meio
social, fazendo com que “a inquietação sexual, que deveria chegar com a puberdade” se
antecipe e faça “dos nossos meninos uns precoces sexuais” (NEGROMONTE, 1951, p. 91);
d) os perigos que o segredo pode representar ao gerar curiosidade, insatisfação e
intranqüilidade, pois a idéia de que a inocência protege é falsa e a ignorância freqüentemente
gera angústia, culpa e gravidez indesejada (SUPLICY et al, 2000).
São justificativas que caracterizam o adolescente como despreparado nesta área, sendo o
seu desconhecimento uma realidade que “é triste e desoladora entre nós, [...] levando o
adolescente a percorrer caminhos penosos, quando em seu lugar poderia ter gratas alegrias e
uma vida mais sadia” (COSTA, 1986, p. 7). Vitielo (1997, p. 63) ressalta ser chocante o nível
de desinformação exibido por adolescentes numa sociedade como a nossa que tanto preza e
valoriza o fato de estar bem informado, o que leva a sexualidade a ser exercida, em todas as
camadas sociais, sem qualquer preparo formal ou informal, “iniciando-se habitualmente na
hora errada, com a pessoa errada e pelos motivos errados”.
Percebe-se nesta construção de uma imagem de incompletude como característica da
sexualidade adolescente a justificativa para a necessidade de fornecimento das devidas
informações, pois sem elas, conforme Suplicy (2000), o indivíduo poderá ver comprometida
as suas possibilidades de ter uma vida sexual harmoniosa e ser conduzido a uma vida sexual e
afetiva infeliz e empobrecida. Outra opinião que segue o mesmo argumento é o de Egypto
(2003), ao afirmar que a ignorância não protege ninguém de nada, ao contrário, torna o jovem
mais vulnerável às situações por não saber lidar adequadamente com elas ou por não dar conta
dos medos, das ansiedades, das dúvidas e dos questionamentos que vão se desenvolvendo ao
longo da vida. Em relação a esta preocupação com os perigos da desinformação, percebe-se
que mesmo quando associamos o final do século com novos tempos, os discursos
permanecem velhos.
É sobre esta etapa da vida do indivíduo, a adolescência e sua sexualidade considerada
imatura (tendo sempre como ponto de comparação a do adulto), que Calligaris (2000)
desenvolve sua teoria de moratória. Segundo este psicanalista, ao longo de 12 anos as crianças
se integram em nossa cultura e aprendem, entre outras coisas, que para chegar à felicidade
37
precisam se destacar, entre outros campos, nas relações amorosas/sexuais e que é necessário
ser desejável. No momento em que o aprendizado mínimo está solidamente assimilado, seus
corpos estão prontos para serem desejantes e desejáveis, o adolescente é comunicado que não
está bem na hora ainda.
Enfim, afirma Calligaris, um sujeito capaz, instruído e treinado por mil caminhos
(escola, pais, mídia) para adotar os ideais da comunidade, mas não é reconhecido como
adulto. Ele permanecerá sob a tutela dos adultos, preparando-se para o amor, para o sexo e o
trabalho, sem produzir, ganhar ou amar; ou então produzindo, ganhando e amando, que
marginalmente. “Não é difícil verificar que, em épocas nas quais a moratória não era imposta,
jovens de 15 anos já levavam exércitos à batalha, comandavam navios ou simplesmente
tocavam negócios com competência” (ibidem, p. 17).
Mas se a ausência de informações é uma ameaça à possibilidade de felicidade e de
equilíbrio pessoal presente e futuro, pois sem elas seria difícil para o adolescente viver sua
sexualidade sem conflitos, sentimentos de culpa, ansiedade e dúvidas, uma pergunta atual
seria: não estaria a juventude suficientemente esclarecida através dos meios de comunicação
(revistas, televisão, internet), nos quais se observa uma ampla liberdade para expor e discutir
temas sobre sexualidade? Aparentemente não, pois os dados a respeito “da alta incidência de
gravidez precoce, do elevado número de mortes ou seqüelas em mulheres provocadas por
aborto clandestino, do crescente número de recém-nascidos infectados pelo vírus HIV”
5
são
indicadores do “analfabetismo da sexualidade da adolescência contemporânea” (BOARINI,
2004, p. 188-9).
Conclui-se que a educação sexual, segundo esses autores, é necessária porque o
adolescente precisa ter acesso às informações adequadas e de alguém que lhe mostre o
caminho, que lhe diga como agir, o que fazer e o que evitar, caso contrário ele será
incompetente sexualmente, talvez não seja feliz, não fará o outro(a) feliz, além de estar
correndo graves riscos quanto à sua integridade física. Inserido nesta linha de pensamento está
o conceito do acesso à informação repassada pelos adultos como condição indispensável para
que os jovens tenham aptidão para tomarem decisões com responsabilidade.
5
Os exemplos citados pela autora vinculam-se a questões de políticas públicas e alvos das ações de um bio-
poder preocupado com os índices de natalidade e de mortalidade infantil e puerperal. Em relação a estes temas, o
conhecimento dos indivíduos aparentemente nunca atinge os níveis almejados pelos gestores.
38
Ainda nesta mesma linha de argumentação, eles precisariam, portanto, de um
passaporte, um salvo-conduto que lhes permita, futuramente, ingressar no mundo da
sexualidade adulta, mundo no qual, finalmente, seus integrantes estariam em condições
privilegiadas de controlar os instintos, tomar decisões, desviar-se das situações de risco e estar
consolidado na prática da virtude.
39
3 OS RESPONSÁVEIS PELA EDUCAÇÃO SEXUAL
Estabelecidos os motivos que justificam e consideram indispensável a educação sexual,
a questão agora é analisar a trajetória dos discursos cujo objetivo era definir quem deve
desempenhar a função de educador e em que local esta educação deve ocorrer, ou seja, quais
espaços vão ser legitimados como portadores de saber sexual. As primeiras proposições datam
da década de 20, tendo ocorrido no desenrolar do século e de suas mudanças sociais e
culturais, debates sobre os papéis a serem desempenhados por pais, padres, professores,
médicos, família e escola. No final do século XX consolidou-se a supremacia dos argumentos
que exigem da escola a produção de uma educação sexual com metodologia diferente daquela
que tradicionalmente adota para os demais temas do currículo, necessitando para isso que seus
professores sejam adequadamente capacitados por especialistas.
Pais, padres, médicos, professores e psicólogos são os principais personagens na história
da educação sexual no Brasil. Há outros, como os amigos e colegas, mas estes não são
reconhecidos e geralmente são citados apenas para ressaltar suas possíveis influências
negativas e a importância de uma educação formal e séria proporcionada pelos adultos. As
considerações sobre os pais e os professores estão incluídas nos itens seguintes deste capítulo,
sobre a família e a escola, e no último, abordo os especialistas. Nos parágrafos seguintes
descrevo a disputa protagonizada durante muito tempo por dois segmentos da sociedade pelo
direito de atuar como educadores sexuais: os padres e os médicos.
Os padres Negromonte (1951) e Campos (1951) consideravam os médicos como
portadores de autoridade, de conhecimento e do rótulo de científicos, além de contarem com a
confiança das pessoas, mas não como profissionais adequados para atividades coletivas.
Segundo eles, o médico, por ofício e por estar habituado a tratar o assunto com adultos,
geralmente usava de termos realistas nem sempre adequados à psicologia do adolescente.
Além disso, acrescentavam esses padres, uma “lastimável” porcentagem de médicos carecia
de sólida orientação filosófica, moral e religiosa, e, sem fundo moral, a ação do médico seria
contraproducente.
40
Mas a crítica mais contundente era aos médicos que “vão ao criminoso extremo de
aconselhar os meios para evitar os contágios, para que os jovens possam continuar, sem
perigos mais graves para o corpo, a vida de perdição moral” (NEGROMONTE, 1951, p. 57)
1
.
Os padres defendiam a opinião de que os pais eram os educadores natos, um professor amigo
poderia substituí-los em sua falta, mas o concurso do sacerdote seria indispensável por ser
merecedor de toda a confiança. O confessor, segundo a igreja, era o melhor auxiliar dos pais
na educação sexual, superior ao professor e ao médico.
O médico José de Albuquerque (1940) defendia o ensino individual pelos pais a seus
filhos menores, pelos médicos a partir da puberdade, o coletivo pelos mestres nas escolas nas
disciplinas em que o assunto naturalmente se apresentasse e pelos médicos nos cursos de
educação sanitária ou em conferências especiais sobre educação sexual. E, cinqüenta anos
após, os médicos Ronald de Souza e Luiz Osório (1993, p. 108), ao definirem as
características fundamentais para o bom orientador, não consideraram como apropriado
entregar a responsabilidade de educar sexualmente os alunos a “pessoas comprometidas com
determinado credo ou confissão religiosa nem a pessoas que apresentem conduta dúbia ou
revelem franco conflito nesta área, adotando atitudes não condizentes com o habitual e
dominante ao respectivo sexo”. Na opinião desses autores, os alunos não conseguiriam
entender como é que alguém pode lhes ensinar alguma coisa, neste particular aspecto da vida,
sem a experiência vivida, sem constituir família ou adotando comportamento socialmente mal
aceito.
Padres e médicos adotaram em suas argumentações idéias restritivas e preconceituosas,
no qual padres condenam médicos e esses restringem às pessoas casadas e heterossexuais a
possibilidade de ensinarem questões sobre sexualidade. Enquanto isso, outros atores foram se
envolvendo no tema, trazendo novas propostas e sistemáticas diferentes de educação sexual e
organizando entidades com a finalidade de capacitar professores e produzir materiais
educativos.
1
Em maio de 2007, no final de seu mandato e poucos dias antes da visita do papa Bento XVI ao Brasil, o
presidente da CNBB, cardeal dom Geraldo Majella, afirmou em entrevista à BBC Brasil que o programa de
educação sexual do governo federal induz à promiscuidade e estimula a precocidade da criança e do adolescente
(fonte: http://noticias.correioweb.com.br/materias.php?id=2706534&sub=BBC, acesso em 10/05/07).
41
3.1 A família e a sexualidade
A família, esta instituição em permanente metamorfose, cujas principais características
atuais têm pouco mais de dois séculos, tem sido incessantemente estudada, interpretada,
louvada e criticada. Foco de tantas ações e transformações, local no qual muito se investe
tanto para saber o que ocorre no seu interior como para determinar o que realmente deve
ocorrer, foi e continua sendo um dos mais importantes instrumentos das relações de poder na
sociedade. Estado, igreja, medicina, justiça e educação atuam na família no sentido de
interferir nas suas ações, designar os papéis de seus integrantes, definir quais normas ela deve
seguir, quantos indivíduos deve conter, qual tipo de vestuário deve usar, o que deve consumir,
em quantos e quais cômodos deve viver e como e com quem deve se relacionar. Esta atuação
das instituições sobre a família é perceptível do casamento à separação, do nascimento dos
filhos ao óbito de seus integrantes, da aquisição à venda de bens, da renda familiar às
despesas efetuadas, sendo constante a exigência de que tudo seja documentado, registrado em
cartório, assinado com testemunhas e comprovado com recibos.
Como analisado no capítulo um desta dissertação, a família brasileira foi objeto de
ampla intervenção e de profundas modificações a partir do século XIX por ação do
movimento higienista, a exemplo do que já ocorria na Europa nos séculos XVIII e XIX, época
em que a família moderna consolidou suas características de valorização da infância, de
preocupação com a educação de seus filhos, de identificação de classes sociais e de defesa da
sua privacidade (ARIÈS, 1981).
A família é o foco indispensável do dispositivo de aliança descrito por Foucault (2005-
b), necessário para a manutenção da homeostase do corpo social. É nela que se estabelecem as
regras dos sistemas de matrimônio, de parentesco e de aquisição, manutenção e transferência
de bens materiais. Mesmo alterada em muitas de suas características com o passar do tempo,
mesmo tendo os papéis de seus integrantes se deslocado, mesmo tendo ampliado seus
sistemas de reprodução, mesmo que hoje muitos não se reconheçam dentro da família padrão
42
homem/pai, mulher/mãe, heterossexuais, brancos e católicos, ainda assim, é no seu interior
que se costuma localizar as causas dos sucessos e dos fracassos não só dos indivíduos, mas de
toda a sociedade
2
.
A parte mais substancial do investimento no dispositivo da sexualidade aplicado pela
igreja, pelo Estado e por outras instâncias, como a mídia e a propaganda, foi aplicada na
família. É no seu interior e nas relações entre seus integrantes que se ergueram as regras mais
elaboradas e as interdições mais sólidas a respeito do sexo. É onde também se detectaram os
maiores problemas, os desvios mais sérios e a necessidade de intervenções terapêuticas mais
amplas.
É ainda a família o eixo que liga os dispositivos da aliança e da sexualidade. Enquanto o
da aliança está relacionado ao matrimônio, à reprodução, ao parentesco, à transmissão de
nomes e bens e estrutura-se em regras para manter a homeostase social, o da sexualidade,
apesar de também se articular entre parceiros sexuais, está vinculado ao prazer e à economia
do corpo que produz e consome (FOUCAULT, 2005-b). Através do corpo feminino, da
sexualidade infantil, do controle da natalidade e dos comportamentos perversos, os discursos
articularam estes dispositivos através da família, os quais se materializaram na mulher
nervosa, frígida e indiferente, no marido impotente ou perverso, na criança precoce e no
jovem homossexual. (idem).
Desde a consolidação, no final do século XIX e início do XX, da família brasileira
como local de investigação, de controle e de permanente vigilância a respeito da sexualidade
infantil e adolescente, dos quais devia exigir as confissões mais íntimas e a temer suas
manifestações sexuais, algumas mudanças ocorreram. Mas se estas mudanças resultam do fato
de alguns valores, costumes e normas não serem mais os mesmos, não significaram a perda da
vigilância sobre a família nem o fim da necessidade de intervenção. Agora os medos deixaram
de ter origem nas crianças e nos adolescentes do sexo masculino, e se deslocaram para a
gravidez considerada precoce da adolescente e o desejo sexual dos pais e o que estes “gostam
de fazer com (e a) seus filhos”, os quais passam a ser considerados principalmente objetos
sexuais e vítimas potenciais de seus pais como sujeitos sexuais (BAUMAN, 1998, p. 187). A
2
Considerações sobre a família ocidental (descontruída, recomposta, monoparental, homoparental, clonada,
gerada artificialmente) estão em: ROUDINESCO, Elisabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Zahar.
2003.
43
gravidez na adolescência e o abuso sexual, temas vinculados a políticas públicas, assumiram
uma visibilidade antes nunca experimentada, desencadeando campanhas na mídia, programas
preventivos e medidas punitivas.
Pode-se afirmar que muito mudou no cenário que envolveu família e sexualidade
durante o século XX. Os papéis desempenhados principalmente pelas mulheres e pelos jovens
atualmente estão distantes daqueles idealizados pela igreja e pelos médicos do movimento
higienista do século XIX. As regras, os arranjos, os roteiros são outros. Mas pode-se afirmar
também que a instituição familiar, mesmo que reestruturada em novos modelos, permanece
como foco essencial do dispositivo da sexualidade, tendo ocorrido o deslocamento para novos
alvos de vigilância e intervenção.
Desde o início do século XX, quando surgiu a discussão sobre educação sexual na
sociedade brasileira, a instituição familiar foi, para alguns, considerada como o único local
adequado para a orientação dos filhos, e, para poucos, continua sendo. Atualmente, na opinião
de muitos, o seu lugar é o de coadjuvante, e na de outros, situa-se no limbo entre a omissão, a
incompetência e a situação de risco. Considerada muito tempo como o local ideal para a
intervenção de ações religiosas, médicas, políticas e econômicas, a família não poderia deixar
de ser envolvida na formação sexual de seus filhos, e, mesmo quando a escola é convocada
para assumir essa função, ela não deixa de participar, seja como produtora, permissionária ou,
mais recentemente, como estorvo.
Na família, o enfoque sobre sexo tende a tomar formas indiretas, pouco claras,
envolvidas em subterfúgios, reticências, segredos, as quais nem sempre se caracterizam como
diálogos entre pais e filhos (BRANDÃO, 2004). A desigualdade hierárquica, o envolvimento
afetivo, o tipo de relacionamento conjugal e parental, são fatores que determinam uma
especificidade à educação sexual familiar que a torna única e insubstituível, pois ela estará
ocorrendo sempre, mesmo que não utilize palavras ou prescrições.
Os padres católicos foram os principais defensores da família como educadora sexual,
conforme se constata na leitura de seus argumentos registrados nos livros por eles publicados
e analisados nesta dissertação. Para a igreja, a família foi e continua sendo um esteio da
moralidade, onde o relacionamento entre pais e filhos deve ser de respeito e confiança. Esta
idealização da família é a principal justificativa para defini-la como o local adequado para a
44
formação integral da criança e do adolescente, incluindo os temas relacionados à sexualidade.
Negromonte (1951) classificava os pais que abdicassem dessa função de imprudentes ou
comodistas, pois ao cederem este papel a outros, estavam expondo seus filhos a mestres
considerados incapazes ou até mesmo nocivos:
Como educação, que não pode diferir da educação geral, da qual é
apenas um ramo, a formação para a castidade deve caber àqueles a quem
compete por natureza o grave dever de educar (os pais). Portanto cabe aos
pais fazer a educação sexual dos próprios filhos, inclusive por uma questão
de confiança
(NEGROMONTE, 1951, p. 39).
A partir dos anos 80, os discursos favoráveis a consolidação da escola como local para a
educação sexual e à necessidade de formação de professores para desenvolverem programas
nesta área deslocam a família para um papel secundário. Neste sentido, ocorreu a
descaracterização da competência dos pais como educadores sexuais e a família não apenas
perdeu a autonomia sobre a sexualidade de seus filhos, como foi responsabilizada por enviar
às escolas alunos desinformados e com atitudes negativas em relação ao sexo. Neste cenário,
a escola é incumbida da função de reverter um quadro considerado tenebroso, no qual os
alunos são recebidos com uma forte carga de tabus, preconceitos, conflitos, sentimentos de
culpa e dúvidas:
Parece-nos claro que a melhor educação seria a que fosse propiciada
pelos próprios pais, pois nenhuma estrutura social consegue atuar tão
precocemente, com adultos tão significativos, por tanto tempo e de forma tão
importante sobre o ser humano em sua fase de formação de personalidade,
como a família. No entanto, como regra geral, os pais têm notória
dificuldade em falar de sexo com os seus filhos. [...] São dificuldades de
cunho cultural, que somente serão superadas com muito esforço pessoal e
grandes lutas internas pois nós, adultos, somos filhos de nosso meio e de
nossa época, sendo ao mesmo tempo agentes e vítimas dos preconceitos
vigentes. Assim sendo, pelas dificuldades enfrentadas pelos pais, somos
obrigados a nos valer do ensino formal, que nos parece ser, a médio e longo
prazo, a solução mais viável no momento histórico que nossa sociedade está
vivendo (VITIELLO, 1997, p. 101-2)
45
Além da alegada incompetência dos pais, surgiram outros argumentos em detrimento da
família. Um deles é defendido por Suplicy (2000, p. 33) ao caracterizar a adolescência como
problema e durante a qual “normalmente a família se constitui num lugar de tensão e
conflito”, dificultando a abordagem de certos assuntos pelos pais, os quais poderiam ser
discutidos na escola com mais liberdade.
A família foi, com o evoluir das décadas do século XX, de certo modo deslocada em
relação à função de educadora sexual e, além de ceder esta função para a escola e assumir sua
condição de incapacidade e de produtora de tabus e insegurança, passou à condição de
suspeita. Estes e outros discursos conduziram os pais a se convencerem de sua incapacidade e
da necessidade de terceirizarem a educação sexual de seus filhos, levando-os a confirmarem
nas pesquisas que sim, preferem que a escola assuma essa função. E, de certa forma, a
desconsiderarem que em sua convivência diária são responsáveis por alguns aspectos da
educação sexual:
A educação sexual informal que se realiza no âmbito da família tem
importância particular sobre o desenvolvimento da criança e a formação de
grande parte de suas idéias sobre família, amor e sexualidade, dependendo
da organização e estrutura da família, pelas suas condições de vida, pelas
dinâmicas de relacionamentos entre seus membros e pelas características
individuais de pais e filhos.
Os pais desempenham o papel de educadores do domínio da
sexualidade, muitas vezes inconscientemente, educando mais pelo que fazem
do que pelo que dizem. São modelos de homens e mulheres, marido e
mulher e como pessoas sociais, que ensinam o que cada um destes papéis
representa, incluindo os conceitos de masculinidade e feminilidade,
construindo ou reforçando estereótipos (WEREBE, 1998, p. 148).
A escola, ao ser designada no final do século XX como responsável pela educação
sexual de seus alunos, vai atuar sobre indivíduos que trazem para a sala de aula muitas marcas
sobre sexualidade que se constituíram a partir de suas famílias e que evidenciam uma
heterogeneidade que esta mesma escola vai ter dificuldade em harmonizar.
46
3.2 A escola, os professores e a sexualidade
Entre outras concepções de escola, ressalto aquela que evidencia seus objetivos para
além de educar ou transmitir conhecimentos, visando produzir um aluno disciplinado e em
condições de se tornar um ser social igual aos demais e adaptado às características
homogêneas do meio social no qual está inserido. De forma semelhante ao que ocorre com a
família, é no seu interior que vão ecoar os discursos que determinam a necessidade de impor
uma disciplina, de corrigir o que é considerado como desvios da conduta humana e de
valorizar o conhecimento científico como único aceitável, pois a desordem, a diferença e a
cultura popular se tornaram insuportáveis para a sociedade contemporânea.
Esta exigência da sociedade produziu uma demanda de múltiplas atividades na escola as
quais ela nem sempre está em condições de executar, o que tem gerado críticas por um
desempenho considerado ineficiente. Exige-se hoje da escola não apenas a produção, a
transmissão e a aquisição de conhecimento, mas a solução de inúmeros problemas
relacionados a questões tão diversificadas como saúde e higiene, prevenção do uso de drogas,
preservação do meio ambiente, disciplina e comportamento, as quais antes eram assumidas
pelas famílias.
É inserida neste contexto e conduzida por professores com suas próprias histórias,
convívios, inseguranças, sentimentos e ações produzidas por múltiplos discursos e exigências
que a escola é convocada para elaborar uma educação sexual para seus alunos. A sua função é
difícil, pois a sociedade exige que nesta tarefa a escola “precisa se equilibrar sobre um fio
muito tênue: de um lado incentivar a sexualidade ‘normal’ e, de outro, simultaneamente,
contê-la” (LOURO, 2001, p. 26).
Na escola, professores e alunos vivenciam as questões sexuais de múltiplas formas.
Uma delas é invisível numa análise superficial, e, por isso mesmo, geralmente não associada
às suas conseqüências. É por esta forma que o sistema educacional se empenha em
transformar seus alunos em homens e mulheres “de verdade”, formatados dentro de conceitos
47
estritos de masculinidade e feminilidade e preocupados em não se desviarem das normas
estabelecidas.
uma outra forma que, embora explícita, também não é reconhecida. Ela se nos
interstícios da escola e dos relacionamentos, deixando seus rastros nos corredores, nos pátios
de recreios ou nos locais de atividades físicas. Suas marcas mais visíveis ficam nas classes
rabiscadas, nas portas e paredes dos banheiros, nos bilhetes trocados e nas agendas
compartilhadas. E as mais sutis, mas também duradouras, se instalam nos corpos e nas mentes
daqueles que se empurram, se tocam e se abraçam.
A única maneira em que as questões sexuais são formalmente admitidas na escola,
recebidas com solenidade na porta da frente e divulgadas como investimento no bem estar dos
alunos é quando ela convida um profissional para proferir uma palestra ou quando assume um
programa de educação sexual.
Em seu cotidiano, a escola finge que ignora o sexo e diz que, no seu interior, sobre ele
não se fala. E quando ele aparece e assinala sua presença de forma que não possa ser
ignorado, é considerado como um intruso cuja responsabilidade é das famílias
“desestruturadas”, que não souberam contê-lo em seus filhos, ou de uma sociedade e uma
mídia que o banalizam e estimulam comportamentos inadequados. A escola não se reconhece
como produtora de atitudes sexuais, mas apenas como responsável por corrigir os
comportamentos considerados desviantes e de risco que seus alunos trazem para dentro de
seus muros:
A partir do século XVIII, o sexo das crianças e dos adolescentes
passou a ser um importante foco em torno do qual se dispuseram inúmeros
dispositivos institucionais e estratégias discursivas. É possível que se tenha
escamoteado, aos próprios adultos e crianças, uma certa maneira de falar do
sexo, desqualificada como sendo direta, crua, grosseira. Mas, isso não
passou de contrapartida e, talvez da condição para funcionarem outros
discursos, múltiplos, entrecruzados, sutilmente hierarquizados e todos
estreitamente articulados em torno de um feixe de relações de poder
(FOUCAULT, 2005-b, p. 32).
48
Durante uma atividade do Projeto Encontro, desenvolvida na biblioteca de uma escola
pública de Ijuí, constatei a ausência de livros sobre sexualidade. Questionada sobre a falta
destes livros, a funcionária informou que os mesmos estavam guardados em um armário em
outra sala e disponíveis apenas sob a responsabilidade de um professor. O “Index”
3
ainda
existe. A biblioteca da escola separa os livros que podem ser lidos livremente pelos alunos e
aqueles “proibidos”, com acesso restrito, cujo conteúdo pode representar uma ameaça aos
discursos promovidos pela escola. Ou, como afirma Foucault no texto acima citado, este
ocultamento é uma das estratégias necessárias para o funcionamento dos discursos sobre sexo
promovidos pela escola. Ocultar livros não significa uma prática repressiva, mas um dos
muitos métodos de agir e normatizar:
Preocupada em disciplinar e normalizar os indivíduos, a escola, ao
longo da história, ao mesmo tempo em que negou seu interesse na
sexualidade, dela se ocupou. As instituições escolares constituíram-se, nas
sociedades urbanas, em instâncias privilegiadas de formação de identidades
de gênero e sexuais, com padrões claramente estabelecidos, regulamentos e
legislações capazes de separar, ordenar e normalizar cada um/a e todos/as.
Por muitos anos, mesmo afirmando que essa dimensão da educação dos
sujeitos cabia prioritariamente à família, as escolas preocuparam-se,
cotidianamente, com a vigilância da sexualidade de seus meninos e meninas.
Não resta dúvida de que houve muitas transformações nas formas de
exercício dessa vigilância e regulação, mas a escola continua sendo, hoje,
um espaço importante de produção dessas identidades (LOURO, 1999, p.
40).
A escola é, portanto, um espaço sexualizado, onde alunos e professores vivenciam
experiências, definem conceitos de normalidade, determinam as diferenças e estabelecem
verdades sobre sexo, gênero e relacionamentos. O resultado da influência de múltiplos
discursos produzidos ou reproduzidos em seu interior foi situar essas ações na penumbra e no
3
Criado em 1559 pela “Sagrada Congregação da Inquisição” da igreja católica (posteriormente denominada
“Congregação para a Doutrina da Fé”), o “Index Librorum Prohibitorum” (índice ou lista de livros proibidos)
continha a relação dos livros proibidos pela igreja. Foi atualizado até a 35º. edição em 1948 e abolido em 1966
pelo Papa Paulo VI (fonte: Wikipédia).
49
indizível, ao mesmo tempo em que anuncia o “problema” da sexualidade dos alunos e a
necessidade de uma educação sexual.
As primeiras propostas de envolvimento da escola na educação sexual podem ser
encontradas no início do século XX, quando, na década de 20, Berta Lutz
4
, defendeu a
educação sexual com o objetivo de proteção à criança e à maternidade. Também na mesma
época, em Belo Horizonte, em 1928, a Segunda Conferência Nacional de Educação aprovou
propostas de programas de educação sexual nas escolas, embora esta aprovação não
representasse o consenso entre os professores. Evidenciou, entretanto, que naquela época o
assunto era debatido e havia divergências entre os que defendiam a educação sexual como
função da família e dos pais, vinculada à educação moral, e os que propunham um processo
mais formal na escola (VIDAL, 2003).
no início do século XX a sociedade demonstrava preocupação com o tema e muitos,
embora discordando da sistemática, concordavam sobre sua necessidade. Esta discordância
refletia na época outras questões e disputas mais abrangentes, entre elas a que ocorria entre a
autonomia da família e a intervenção do Estado e entre o discurso religioso e o laico (idem).
Autores como Ribeiro (1990), Sao (1997) e Reis e Ribeiro (2004) relatam a história dos
programas pioneiros em educação sexual em diversas escolas de algumas capitais brasileiras
até os anos sessenta, tendo o Colégio Batista, no Rio de Janeiro sido o primeiro a incluir em
seu currículo o ensino da evolução das espécies e da educação sexual em 1930, embora
posteriormente o professor responsável pela iniciativa tenha sido processado e demitido.
Em São Paulo, entre 1954 e 1970 o Serviço de Saúde Pública do Departamento de
Assistência ao Escolar ministrou aulas de orientação sexual às meninas da quarta série
primária e professores davam informações sobre as transformações da puberdade também às
mães. Outros registros são encontrados nos anos sessenta, quando diversas escolas, como o
Colégio de Aplicação Fidelino Figueiredo, vinculado ao Departamento de Psicologia
Educacional da USP, em São Paulo, os Ginásios Vocacionais de São Paulo, o Grupo Escolar
4
Berta Lutz, (1894 1976) era zoóloga e advogada, fundou a Federação para o Progresso Feminino, iniciando a
luta pelo direito de voto para as mulheres brasileiras; organizou o I
o
Congresso Feminista do Brasil, criou a Liga
Eleitoral Independente, a União Profissional Feminina e a União das Funcionárias Públicas; publicou o livro “A
nacionalidade da mulher casada”, no qual defendia os direitos jurídicos da mulher; foi deputada federal, quando
propôs igualdade salarial, licença de três meses à gestante e redução da jornada de trabalho, naquela época de 13
horas. (Fonte: FGV, http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_bertalutz.htm, acesso em
07/12/06).
50
Barão de Rio Branco, em Belo Horizonte, os Colégios José Bonifácio e André Maurois no
Rio de Janeiro, desenvolveram programas que incluíam discussões sobre valores, virgindade e
uso de pílulas anticoncepcionais.
Estas iniciativas enfrentaram a resistência de alguns segmentos da sociedade, tendo as
restrições mais veementes partido da igreja católica com o objetivo de manter sua hegemonia
sobre a família. O padre Negromonte (1951, p. 76) condenou a abordagem de temas sexuais
de forma coletiva, consideradas como contraproducente por colocar em circulação entre os
alunos “um assunto de que seria conveniente eles nunca falarem entre si”. Negromonte
afirmava que a educação sexual em classe, pelo professor, devia ser rejeitada, pois a sua
função era desenvolver uma formação geral, ensinando o aluno a vencer a natureza
desorganizada e viver segundo a razão e a fé: “[...] longe de nós querermos a questão feita
matéria escolar. Repugna-nos pensar como é que educadores reclamam para a escola a
livre discussão dos problemas sexuais em grupo” (ibidem, p. 48).
Havia uma concessão em relação ao ensino coletivo: as escolas católicas poderiam
abordar questões sexuais, pois eram as únicas capazes de desempenharem esta função, ao
contrário dos ginásios e escolas não religiosos, “onde meninos e meninas, rapazes e moças
brincam encurralados, numa promiscuidade sem par, [...] não são portas escancaradas à
perdição?” (ALMEIDA, 1946, p. 27). Esta concessão era viável porque nas escolas católicas
existia a possibilidade de por em ação o discurso religioso sobre sexualidade, no qual se
louvava a castidade e defendia a reprodução como única finalidade do ato sexual.
Reforçando a posição dos padres católicos, o professor Ernesto Barros (1956, p.192)
condenava a instrução sexual em classes devido à diversidade dos alunos quanto à idade e à
mentalidade e que este tipo de ensino, para não ser nocivo, deveria se desenvolver num
ambiente “de perfeita serenidade e com ausência de qualquer laivo de malícia, de modo que
se tornasse um calmante à curiosidade natural e não um estimulante ao erotismo”, o qual,
segundo o autor, dificilmente seria encontrado em uma escola.
Entretanto, não foram os argumentos da igreja que interromperam as iniciativas que
introduziram programas de educação sexual nas escolas. Um outro fator associou-se às
restrições católicas e das famílias mais conservadoras: o regime militar, o qual, embora não
tenha formalizado uma proibição em relação à educação sexual, instaurou um clima de medo,
51
repressão e moralismo que sufocou as iniciativas que estavam se desenvolvendo. Entre 1964 e
1979
5
, peças de teatro, filmes, músicas e livros foram objetos de censura e de mutilação,
debates universitários sobre a realidade brasileira tornaram-se “atos de subversão” e atitudes
consideradas como subversivas foram associados à imoralidade, ampliando o discurso da
ditadura para muito além dos aspectos políticos e econômicos ao incluir os comportamentos
dos indivíduos (COLLING, 1997). Ao descer a cortina da ditadura decretou-se informalmente
uma pausa na defesa da escola como educadora sexual, pois o país tinha outras questões a
resolver.
De uma forma semelhante ao processo de abertura política e redemocratização
vivenciado pelo Brasil a partir do governo Ernesto Geisel (março de 1974 a março de 1979)
lento, gradual e seguro, conforme as declarações do presidente militar –, a sociedade
recomeçou a discutir questões sexuais através de revistas, livros e programas de televisão
6
. A
abertura política e a influência da dia possibilitaram maior visibilidade às posturas que
defendiam a escola como espaço ideal para a educação sexual. O enfrentamento ao discurso
religioso e sua “reserva de mercado” para a família passou a tomar formato mais veemente,
conseguindo silenciar antes do final do século XX os discursos em contrário. A escola agora
vai ser nomeada como o lugar onde se discute conhecimento, se produz o diálogo e a reflexão,
ou seja, “um espaço privilegiado para discutir a sexualidade com crianças e adolescentes”
5
Durante a ditadura militar (1964 1985) ocorreu um processo conhecido como abertura política, através do
qual o país retomou o caminho da democratização, com início em 1974 e seu ponto forte em 1979, quando foi
decretada a anistia (Fonte: Wikipédia).
6
Duas publicações de grande circulação nacional que começaram a abordar temas sexuais de uma forma
considerada “profissional e científica” foram as revistas Nova e Cláudia, ambas da Editora Abril. A revista Nova
foi lançada em setembro de 1973 e seu público alvo era mulheres solteiras das classes média e alta suscetíveis a
um novo discurso sobre o papel da mulher na sociedade. Com uma linha editorial inovadora a revista abordou
questões sexuais de forma objetiva, sugerindo às suas leitoras condutas consideradas adequadas para um
primeiro encontro e durante o namoro, além de técnicas para incrementar o relacionamento. A revista Cláudia é
direcionada à mulher mais madura e casada, mas também inovou em publicar em sua seção de cartas respostas às
duvidas de suas leitoras sobre questões sexuais.
Em 1978 foi publicado no Brasil o livro O relatório Hite, de Shere Hite (HITE, Shere. O relatório Hite um
profundo estudo sobre a sexualidade feminina. 10ª ed. São Paulo: DIFEL. 1980) o qual aborda a sexualidade sob
o ponto de vista feminino a partir de entrevista com 3.000 mulheres norte-americanas entre 14 e 78 anos e
discute temas como masturbação, orgasmo e estimulação do clitóris.
Em 1979 a Rede Globo iniciou a produção do seriado Malu Mulher, veiculado semanalmente entre maio de 1979
e dezembro de 1980. Interpretada pela atriz Regina Duarte, Malu era uma socióloga separada do marido que
reconstituiu sua vida e criou sua filha adolescente. Este perfil abalou o conceito social ainda prevalente na época
de que mulheres separadas eram as culpadas pelo fim do casamento e discriminadas pela sociedade (muitos
vizinhos proibiam seus filhos de brincarem com os “daquela mulher deixada pelo marido”). O seriado, mesmo
com algumas dificuldades com a censura, foi ousado em abordar temas como aborto, pílula anticoncepcional,
virgindade e as dificuldades enfrentadas pelas mulheres brasileiras.
Outro marco importante na retomada de temas sexuais na imprensa foi o quadro Conversando sobre sexo do
programa matinal da Rede Globo TV Mulher, levado ao ar entre 1980 e 1986, no qual Marta Suplicy respondia
cartas de telespectadores de todas as idades com perguntas sobre sexo.
52
(EGYPTO, 2003, p. 16) e cuja omissão deixará o jovem “na dependência de fontes informais,
de pessoas que ele encontra ao longo da vida, dos amigos que terá, das coisas que ler e assistir
e da família que tem” (ibidem, p. 14).
A partir da cada de oitenta outros fatores reforçaram a posição da escola na educação
sexual: o surgimento da epidemia de Aids e a preocupação com os índices de gravidez na
adolescência. Estas questões foram importantes para legitimar a educação sexual na escola e
justificar os discursos em sua defesa, os quais receberam a conotação científica necessária
para superar as opiniões em contrário. Simultaneamente, a família foi definida como uma
instituição incompetente para proporcionar informações adequadas, reforçando a sua condição
de ambiente produtor de tabus, preconceitos, medos e insegurança quanto à sexualidade de
seus filhos.
É nessa linha de argumentação que no livro “Sexo se aprende na Escola” (SUPLICY et
al., 2000), os autores defendem ser função do Estado propiciar à sociedade informação e
orientação sobre sexualidade, bem como o acesso aos meios de anticoncepção, além de definir
alguns objetivos da educação sexual na escola: a) reverter a freqüente situação de infelicidade
na vida sexual e afetiva das pessoas, pois a falta de informações deixa o aluno enredado em
medos e preconceitos; b) proporcionar o bem-estar sexual, ajudar na formação da identidade,
abrir canais de comunicação e ajudar a repensar valores; c) desenvolver o potencial de
felicidade a que os alunos têm direito.
E os argumentos em defesa da escola se multiplicam. No mesmo livro acima citado, os
autores afirmam que a escola não pode fugir à responsabilidade, pois além de transmitir a
noção de que o assunto é um tabu, sobre o qual não se pode falar, perpetuando a vivência de
uma sexualidade empobrecida, estaria sendo omissa em relação à influência da mídia e às
ameaças representadas pela Aids, pela gravidez indesejada e pela violência sexual dentro e
fora de casa. E acrescentam ser função da escola contribuir para uma visão positiva da
sexualidade como fonte de prazer e realização do ser humano e que na ausência de um espaço
para discussão, esta “se transforma em fonte de agressão, balbúrdia e exibicionismo” (ibidem,
p. 13).
53
Para defender a idéia de que são os pais que devem proporcionar a formação sexual de
seus filhos, a igreja católica idealiza a família. Os defensores da escola também se utilizam de
uma descrição idealizada da realidade escolar em seus argumentos, descrevendo-a como um
ambiente no qual o aluno pode “desenvolver o pensamento e a capacidade crítica, no sentido
de não aceitar nem rejeitar valores sem antes analisá-los” (SUPLICY et. al., 2000, p. 13) e
onde a educação sexual pode ser abordada com “ampla liberdade de expressão, num ambiente
acolhedor e num clima de respeito” (ibidem, p. 8-9). Se a igreja ignora que a família pode ser
uma situação problemática e conflituosa, também em relação à escola fica obscurecida uma
realidade que não se caracteriza por ser relativista, estimulante e afável.
Dois fatores são fundamentais para proporcionarem a sustentação necessária aos
discursos em favor da educação sexual nas escolas: um vinculado à doença (antes a sífilis e
atualmente a Aids); outro pelas alterações comportamentais (antes defesa da castidade, hoje
de uma sexualidade responsável). Discursos que não são os mesmos e que aparentemente
tratam de coisas diferentes, mas que deixam transparecer “o que de desconcertante na
proximidade dos extremos ou, muito simplesmente, na vizinhança súbita das coisas sem
relação” (FOUCAULT, 2002, p. X). Discursos que evidenciam as intervenções sobre o
indivíduo e sobre o corpo social, definindo o que é comportamento de risco ou desviante e
produzindo sujeitos preocupados em vivenciar suas sexualidades de forma disciplinada.
3.2.1 PCNs: o reconhecimento oficial
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), publicados pelo Ministério da Educação
e Desporto em 1997, têm, entre outros, os objetivos de constituir-se numa ferramenta
disponibilizada aos professores brasileiros para ser utilizada no sentido de promover uma
reflexão sobre os currículos escolares e como um referencial para a renovação e reelaboração
da proposta curricular, além de apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o
mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e
54
deveres (BRASIL, 1997). Constituído por dez volumes distribuídos às escolas, os PCNs
contêm um documento introdutório, seis documentos referentes às áreas de conhecimento
(língua portuguesa, matemática, ciências naturais, história, geografia, arte e educação física) e
seis documentos referentes aos Temas Transversais (ética, meio ambiente, pluralidade
cultural, saúde, orientação sexual e trabalho e consumo)
7
.
Os Temas Transversais procuram, segundo o texto introdutório dos PCNs, traduzir as
preocupações da sociedade brasileira e correspondem à questões importantes, urgentes e
presentes sob várias formas na vida cotidiana. Propõem, também, um desafio às escolas para
que estas promovam um debate sobre estes temas introduzindo-os nas áreas existentes nas
atividades educativas da escola, sem criar novas disciplinas, organizando o trabalho didático
na forma de transversalidade.
Os PCNs reconhecem a escola como local importante de discussão sobre questões
contemporâneas que envolvam a dignidade do ser humano, a igualdade de direitos, a recusa
categórica de formas de discriminação, a importância da solidariedade e do respeito.
Reconhece também que cabe ao campo educacional propiciar aos alunos as capacidades de
vivenciar as diferentes formas de inserção sociopolítica e cultural e consolidar-se como
espaço social de construção dos significados éticos necessários e constitutivos de toda e
qualquer ação de cidadania.
É neste amplo contexto proposto pelos PCNs que a escola recebeu o aval oficial como
local para o desenvolvimento de programas de educação sexual, refletindo principalmente a
preocupação do Estado com as questões relacionadas à disseminação da Aids e à gravidez na
adolescência. Ao sugerir a educação sexual como tema transversal a ser trabalhado nas
diversas disciplinas, os PCNs buscam englobar “o papel social do homem e da mulher, o
respeito por si e pelo outro, as discriminações e os estereótipos atribuídos e vivenciados em
seus relacionamentos, o avanço da AIDS e da gravidez indesejada na adolescência, entre
outros, que são problemas atuais e preocupantes” (BRASIL, 1997, p. 107). A proposta é que
os programas sejam organizados através de três eixos: "Corpo: matriz da sexualidade",
"Relações de gênero" e "Prevenção de doenças sexualmente transmissíveis/AIDS".
7
Os PCNs foram definidos como uma proposta às escolas brasileiras, não se tratando de uma normativa a ser
obrigatoriamente adotada e sim como um material aberto e flexível a adaptações regionais que pode ou não ser
utilizado, preservando a autonomia de professores e equipes pedagógicas.
55
Os PCNs consideram como objetivos gerais dos programas de educação sexual para o
ensino fundamental proporcionar ao aluno condições de, entre outras habilidades, respeitar a
diversidade de valores, crenças e comportamentos existentes e relativos à sexualidade;
compreender a busca de prazer como uma dimensão saudável da sexualidade humana;
conhecer seu corpo e valorizar e cuidar de sua saúde; reconhecer como determinações
culturais as características socialmente atribuídas ao masculino e ao feminino; proteger-se de
relacionamentos sexuais coercitivos ou exploradores; conhecer e adotar práticas de sexo
protegido; ao iniciar relacionamento sexual evitar contrair ou transmitir doenças sexualmente
transmissíveis, inclusive o rus da Aids; desenvolver consciência crítica e tomar decisões
responsáveis a respeito de sua sexualidade e procurar orientação para a adoção de métodos
contraceptivos (BRASIL, 1997)
8
.
A legitimação da escola como educadora sexual proposta pelos PCNs (publicado por
um órgão oficial Ministério da Educação) é reforçada por autores vinculados às ONGs que
adotam o mesmo discurso (SUPLICY et al., 2000; EGYPTO, 2003), inclusive com a adoção
do termo “orientação” no lugar de “educação”. Expressões como “a escola não pode se omitir
diante da relevância dessas questões, constituindo local privilegiado para a abordagem da
prevenção às doenças sexualmente transmissíveis/AIDS” (BRASIL, 1997, p. 114), a proposta
do tipo de abordagem, a postura adequada do professor, entre outras colocações, evidenciam a
similitude dos discursos e a consolidação de uma sistemática que se tornou dominante no final
do século XX.
Mas apesar deste aval, e do consenso entre os professores sobre a importância dos
temas, grande parte das escolas ainda não se considera autorizada a incluir em seus currículos
programas de educação sexual, restringindo as incursões nesta área à promoção de palestras
eventuais com profissionais não integrantes do corpo docente. Uma complexa rede de fatores
8
Uma observação pertinente aos PCNs em sua abordagem sobre sexualidade é que, apesar de afirmar que a
considera em suas dimensões biológica, psíquica e sociocultural, uma nítida ênfase à concepção de
sexualidade como um dado da natureza. Expressões que conduzem a esta constatação podem ser encontradas em
vários parágrafos e dizem que “as manifestações da sexualidade afloram em todas as faixas etárias” (p. 112); (a
sexualidade) entendida como algo inerente(p. 117), e, quanto à puberdade, diz que “as mudanças físicas
incluem alterações hormonais que, muitas vezes, provocam estados de excitação incontroláveis(p. 118), grifos
meus.
56
sociais e culturais
9
influencia esta aparente resistência que os próprios autores dos PCNs
procuram romper através de colocações genéricas não referenciadas para reforçar a opinião
favorável à educação sexual na escola: Diversos estudos já demonstraram os parcos
resultados obtidos por trabalhos esporádicos sobre a questão” (p. 114), Inúmeras pesquisas
apontam também que apenas a informação não é suficiente para possibilitar a adoção de
comportamentos preventivos”( BRASIL, 1997, p. 114, grifos meus), ou ainda:
Experiências bem-sucedidas com Orientação Sexual em escolas que
realizam esse trabalho apontam para alguns resultados importantes: aumento
do rendimento escolar (devido ao alívio de tensão e preocupação com
questões da sexualidade) e aumento da solidariedade e do respeito entre os
alunos. Quanto às crianças menores, os professores relatam que informações
corretas ajudam a diminuir a angústia e a agitação em sala de aula (ibidem,
p. 122).
Mas uma análise das propostas metodológicas incluídas no tema transversal “Orientação
Sexual”, bem como das sugestões de envolvimento dos professores, revela uma distância
entre o conteúdo dos PCNs e as condições de sua utilização na escola. No atual contexto
escolar brasileiro, a transversalidade, proposta que implica num processo de estreita inter-
relação entre os componentes curriculares, encontra dificuldade de aplicabilidade diante da
vivência pedagógica real da maioria das instituições escolares do país. Outro aspecto refere-se
à necessidade de capacitação sistemática de professores. No tema relacionado com a educação
sexual, os PCNs destacam a figura do professor, mas não um professor qualquer: “espera-se
um professor capaz de postura crítico-reflexiva sobre seus valores e dos valores socialmente
atribuídos à sexualidade e aos papéis de gênero, e ainda respeitoso e compreensivo com os
posicionamentos dos alunos” (ARILHA e CALAZANS, 1998, p. 699).
Ao ressaltar que a educação sexual deve abordar a gravidez e a anticoncepção, as
relações de gênero e as doenças sexualmente transmissíveis, os PCNs sugerem temas
fortemente vinculados às demandas da saúde pública e considerados relevantes e urgentes
pela sociedade, como a gravidez na adolescência, a epidemia de Aids ou a violência contra a
9
Exemplos destes fatores são a dificuldade de professores em abordar temas relacionados à sexualidade e receio
de reclamações dos pais, ambos decorrentes de como o sexo foi discursivamente organizado na sociedade, a
pouca disponibilidade de tempo no calendário escolar e o excesso de funções designadas à escola.
57
mulher. Os discursos que construíram esta relevância revelam a necessidade do
estabelecimento de normas de controle sobre a população, aqui especificamente sobre a
sexualidade adolescente, e, de forma muito próxima àqueles produzidos pelos médicos
higienistas, traduzem a preocupação do Estado em manter os padrões socialmente
estabelecidos de normalidade e bem estar. Nesta interpretação, os PCNs se constituem em
mais um instrumento do bio-poder, através do qual os professores são instados a produzirem
em seus alunos a prática de condutas sexuais consideradas adequadas.
3.3 Os especialistas
10
Os discursos que estabeleceram a necessidade da escola incluir a educação sexual em
seu currículo conduziram também à exigência de capacitação dos professores. Nem a família,
que não está preparada, nem a escola sem assessoria de especialistas: “É essencial que haja
uma preocupação primeira com a formação daqueles profissionais (psicólogos, professores,
orientadores educacionais, etc.) que irão trabalhar na área” (RIBEIRO, 1990, p. 19):
O agente social ideal para realizar essa educação é sem dúvida, a
família. O núcleo familiar porém não está preparado para o mister, deixando
para a escola esse encargo. Na escola, os professores encarregados da
educação sexual não recebem qualquer apoio ou orientação. Na maioria das
vezes são adultos que exibem os mesmos preconceitos dos pais, e tem
grande dificuldade em lidar com o tema. Tendem por isso a falar da
biologia da reprodução, pois de fato é muito mais cômodo explicar que o
espermatozóide sobe pela trompa e fecunda o óvulo, do que falar como
aquele espermatozóide foi parar ali (VITIELLO, 1997, p. 52).
10
Nesta dissertação adoto o termo “especialista” para designar aqueles que se dedicam à realização de cursos de
educação sexual e à formação de professores de educação sexual, estando aqui incluídos profissionais de
diferentes áreas, como médicos, psicólogos, pedagogos e outros.
58
A constatação de que o despreparo e os valores preconcebidos e irrefletidos dos
professores poderiam levar qualquer atividade de educação sexual a tornar-se “inoperante
no melhor dos casos e, muito provavelmente, desastrosa” (MAIA, 2004, p. 174), é o motivo
para a consolidação da necessidade de investimento na formação de professores para que estes
possam desenvolver adequadamente as atividades com os alunos.
As características definidas do educador sexual são muito diferentes daquelas que a
maioria dos professores apresenta, pois ele deverá estar preparado para polemizar, lidar com
valores, tabus, preconceitos e informar sobre as dúvidas, em vez de simplesmente transmitir
conteúdos. Vários autores (EGYPTO, 2003; VITIELLO, 1997; SUPLICY et al, 2000)
descrevem este perfil como o de uma pessoa coerente com a sua proposta, que não tente
passar modelos, seja verdadeiro sem se achar portador da verdade absoluta, tenha
conhecimento sobre o assunto sem ser onipotente, seja sensível para perceber as necessidades
dos alunos e analise com estes as diferentes situações e visões que existem sobre o tema.
O perfil mais detalhado está definido no livro “Sexo se aprende na escola” (SUPLICY
et al., 2000), no qual, embora esclareça não haver uma exigência profissional específica, a
escolha definida como a mais adequada é pelo próprio professor ou professora, não
necessariamente o de ciências. E suas características seriam: facilidade para formar vínculos
com o grupo; saber conduzir debates e dar aulas; ter uma atitude positiva frente à própria
sexualidade; tratar com naturalidade as questões levantadas; criar oportunidades de expressão
e ajudar a refletir; questionar os próprios problemas; incentivar a troca de opiniões; conhecer
e respeitar os jovens (modo de vida, valores, idéias e anseios); eliminar posturas
eventualmente inadequadas, autoritárias e paternalistas; não ditar regras de comportamento
nem se colocar como modelo; utilizar jogos e dinâmicas para tornar as aulas mais atraentes e
diminuir a inibição.
Para suprir a necessidade de formação de professores foram criadas nas décadas de
oitenta e noventa Organizações Não-Governamentais (ONGs) que proporcionam
treinamentos, publicam manuais e materiais educativos (como livros, vídeos, jogos),
promovem palestras e oficinas e formam multiplicadores. Priorizando os temas Aids e
gravidez na adolescência, estas organizações receberam apoio de fundações internacionais
(como Ford e MacArthur), sendo que atualmente no Brasil se destacam a Comunicação em
59
Sexualidade (ECOS), Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) e Grupo de
Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS).
A ECOS
11
se posiciona na defesa dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres
adolescentes e jovens e desenvolve projetos nas áreas de gravidez na adolescência,
masculinidades, prevenção às doenças sexualmente transmissíveis, participação juvenil e
prevenção ao uso indevido de drogas e violência. Seus projetos são realizados em parceria
com outras entidades, como Ministério da Saúde e UNESCO e produz materiais educativos
como vídeos, livros e boletins.
A ABIA
12
é direcionada às questões da Aids e à mobilização da sociedade brasileira
para enfrentar a epidemia e estabelecer uma rede de solidariedade aos portadores do rus e
aos doentes. Foi criada em 1986 pelo sociólogo Herbert de Souza e um grupo de profissionais
de diferentes setores da vida política e de movimentos sociais brasileiros.
O GTPOS
13
, fundada em 1987 por psicólogos, pedagogos e psicanalistas, atua
principalmente na implantação de projetos de educação sexual em escolas e na formação de
multiplicadores. Publicou os livros “Guia de Orientação Sexual Diretrizes e Metodologia”
(1994), traduzido e adaptado do original americano, atualmente em sua 10ª edição, e “Sexo se
aprende na escola” (1995) e desenvolveu programas de educação sexual em escolas de
diversas cidades brasileiras, a maioria pública, através de convênios remunerados por
governos estaduais e municipais. Em 2003 esta ONG efetuou contrato com a Prefeitura de
São Paulo no valor de aproximadamente dois milhões de reais
14
.
A sociedade brasileira passou a conviver com os especialistas a partir do século XIX,
quando os médicos higienistas promoveram profundas mudanças na estrutura, hábitos e
relacionamentos familiares. Desde então, a família e os indivíduos administram suas condutas
mediante a orientação de peritos, dos quais emanam as normas, os conceitos de certo e errado
11
http://www.ecos.org.br
12
http://www.abiAids.org.br
13
http://www.gtpos.org.br
14
Este contrato foi criticado pela oposição à então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, por ter sido efetuado
sem licitação e pelo seunculo com a GTPOS (ela foi uma das fundadoras em 1997 e presidente de honra até a
sua eleição para a prefeitura no ano de 2000). Em decorrência deste contrato a prefeita teve seus direitos
políticos suspensos por uma juíza da 14ª Vara da Fazenda Pública, decisão anulada posteriormente em outras
instâncias. (Fonte: várias edições dos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo).
60
e quais são as opções disponíveis, abdicando de resolver suas dificuldades por conta própria.
Através de consultas, exames, entrevistas, interrrogatórios e testes a figura do especialista se
consolidou. As especialidades, que no decorrer do século XX se fragmentaram e envolveram
praticamente todas as atividades humanas, constituiram-se no mecanismo contemporâneo do
trinômio disciplina-saber-poder e colocaram a ciência no pedestal de autoridade máxima.
As viradas para os séculos XX e XXI não alterou a necessidade de corrigir os problemas
familiares e os especialistas permanecem empenhados em estabelecer medidas de controle,
interpretar os problemas das famílias consideradas como desestruturadas, normatizar o sexo e
prescrever exercícios. Os especialistas contemporâneos permanecem fortemente vinculados
ao cienticifismo e, segundo Costa (1979, p. 16), ao repetirem os mesmos discursos dos
higienistas, promovem “maior disciplina, maior vigilância e maior repressão”. As ONGs e os
especialistas assumiram a função dos higienistas.
61
4 OS TEMAS DA EDUCAÇÃO SEXUAL
Ao propor a organização dos programas de educação sexual em três eixos corpo,
relações de gênero e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis/Aids os Parâmetros
Curriculares Nacionais definiram os temas considerados fundamentais e que servem de base
para outras demandas incluídas pelos alunos em cada escola ou turma. Estes temas foram
sistematizados pelos PCNs, possibilitando uma padronização de metodologias e unificação de
discursos sobre educação sexual em todo o país, não adotado integralmente apenas pelo
segmento católico. Esta padronização é também a adaptação necessária a uma realidade social
cujas características atuais envolvem novos papéis femininos, a disseminação da Aids e a
prevenção da gravidez na adolescência.
No eixo vinculado ao corpo, a proposta dos PCNs é abordar não apenas os aspectos
biológicos – anatomia, fisiologia, mudanças decorrentes da puberdade, gravidez e parto – mas
desenvolver o entendimento de que é através dele que se integram sentimentos, emoções e
sensações ligadas ao bem estar, prazer e ao cuidado pessoal. Nas relações de gênero, o
indicativo é proporcionar a discussão sobre a diversidade de comportamentos de homens e
mulheres em função de épocas e locais, as variadas expressões do masculino e do feminino e
a necessidade de respeito entre os indivíduos de sexos diferentes. O último eixo tem como
objetivo proporcionar o conhecimento sobre as doenças sexualmente transmissíveis, os modos
de preveni-las e a diminuição do preconceito contra portadores do vírus HIV ou doentes de
Aids (BRASIL, 1997).
No transcorrer do século XX os temas da educação sexual foram objetos de mudanças
conceituais, trocas de nomes e alterações de conteúdo. A masturbação e a homossexualidade
foram desvinculadas do conceito de anormalidade, as doenças venéreas atualmente são
doenças sexualmente transmissíveis (DST), os discursos para os rapazes e as moças se
tornaram semelhantes e ocorreu a inclusão dos temas gênero, gravidez na adolescência e
relacionamentos. São adaptações necessárias a uma aproximação aos constantes
deslocamentos sociais e comportamentais que produzem, por exemplo, novos tipos de
62
relacionamentos afetivos, diferentes interações entre homens e mulheres e a exigência de
reconhecimento dos direitos das minorias.
É impreciso o limite entre o que a educação sexual, através de seus discursos, contribui
para construir, como o conceito de gravidez precoce, e o que ela primeiro precisa entender e
assimilar, para então incluir em seus textos, como é o caso do comportamento relacional
entre adolescentes contemporâneos denominado ficar. Mas mesmo que estejam ora
produzindo cenários no qual organiza a condução de seus atores, ora atuando no entorno
destes cenários e atores, os discursos sobre educação sexual não se diferenciam dos demais ao
não se tratarem simplesmente de descrições dos atos, mas da incessante produção dos roteiros.
Os temas incluídos nos livros e programas contemporâneos de educação sexual para
adolescentes dizem respeito a diversas dimensões do desenvolvimento humano, como as
biológicas, as psicológicas, as sociais e as culturais. A apresentação didática dirigida aos
jovens exige uma segmentação, ou seja, uma abordagem dos temas de forma separada, um de
cada vez. Segmentação da qual também se vale esta dissertação, embora estas dimensões
estejam intimamente interligadas, uma influindo nas outras de tal maneira que será sempre
uma tarefa impossível estabelecer os limites de cada uma, se é que eles existem.
4.1 Puberdade e adolescência
O conceito de puberdade vincula-se aos aspectos biológicos da adolescência e inclui as
modificações que ocorrem no corpo do indivíduo neste período da vida rápido crescimento
estatural, mudança nas características da voz, modificação nas proporções corporais,
desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, maturação sexual –, as quais o
conduzem à condição de adulto. Costuma-se afirmar que, ao contrário das demais
caraterísticas da adolescência (diferentes em cada indivíduo), a puberdade assume certa
homogeneidade no ser humano. Ou seja, na maioria dos indivíduos, ressalvando-se a variação
63
de idade em que o processo de puberdade inicia, o desenvolvimento puberal é praticamente
igual em todos os seres humanos, em todas as gerações, em todas as sociedades.
Esta constatação baseia-se no fato de que praticamente em todas as meninas, por
exemplo, numa determinada idade, ações hormonais promoverão o desenvolvimento dos seios
e dos pelos pubianos, o amadurecimento dos óvulos que se encontram no interior dos ovários
e o início dos ciclos menstruais, durante os quais ocorrerão períodos férteis e a menstruação.
Estas alterações no corpo da menina caracterizam o processo puberal cuja evolução estabelece
as características biológicas típicas de um indivíduo adulto apto a se reproduzir.
Entretanto, estas características podem ser modificadas ou interrompidas por fatores
ambientais, incluindo situações de estresse (medo, ansiedade, depressão, perdas afetivas),
atividade física intensa, desnutrição ou uso de substâncias químicas lícitas ou não. Além
disso, com afirma Eisenstadt (1976, p. 1), “[...] em todas as sociedades humanas, este
processo biológico de transição através das diferentes fases etárias, o processo de crescimento
e envelhecimento, está sujeito a definições culturais”.
Os seres humanos, portanto, costumam transformar o seu suporte biológico numa
sofisticada rede de significados e interpretações, vinculando a biologia aos aspectos mais
diversos como moral, ética e política. Encontramos também na puberdade exemplos destes
limites imprecisos entre o que é transmitido entre as gerações por intermédio dos genes e
através do ensino e do aprendizado, ou entre o que é interpretado como causado pela genética
ou pela cultura.
A menarca (a primeira menstruação) é um dos marcos do desenvolvimento da mulher,
assinala uma das mais simbólicas transformações do organismo feminino e, durante algum
tempo, foi considerada como um rito de passagem entre a menina e a mulher adulta: “Um dia,
ao deixar o leito, tingiu de sangue as cobertas e saltou em terra mulher feita” (HIRSCHFELD,
1974, p. 30). Durante muito tempo a menstruação foi vinculada a inúmeros aspectos
negativos, como doenças e até mesmo à loucura, o que desencadeou recomendações às jovens
sobre a necessidade de cuidados para evitar problemas de saúde durante os dias de fluxo
menstrual, como não tomar banho frio, não lavar a cabeça e reduzir as atividades físicas.
64
Schwartz (1974, p. 145) reconhecia que não era verdade ter o fluxo menstrual um
caráter venenoso como lhe foi atribuído durante séculos, mas afirmava que a “mucosidade
nele contida parece possuir, às vezes, qualidades irritantes e capazes de fazer mal”. Segundo
este autor, a menstruação poderia estar ainda relacionada às doenças venéreas: “Numerosos
fatos parecem comprovar, realmente, que a secreção de pus pela uretra do homem pode provir
do contato com o fluxo menstrual”. Esta associação entre menstruação e os mais diversos
problemas estão vinculadas a muitos outros discursos produzidos pelos homens que tinham
como objetivo desqualificar a mulher e ressaltar a diferença entre os sexos, em que os
atributos femininos ocuparam o lugar negativo, inferior e produtor de doenças.
No final do século XX a menstruação perdeu a vinculação com doenças e deixou de
requerer cuidados especiais ou a suspensão de atividades habituais. Entretanto, permanece
inclusive entre jovens, a associação dos períodos pré-menstrual e menstrual com os aspectos
emocionais e comportamentais da mulher, principalmente para justificar condutas
consideradas agressivas, vinculadas ao mau humor ou indisposição.
Outra representação relevante e persistente em relação à menstruação é o vínculo desta
com o período fértil da mulher. As orientações técnicas de médicos e enfermeiros sobre
ovulação e dias mais prováveis para ocorrer uma gravidez têm sido reinterpretadas,
principalmente nas classes populares, dando origem ao entendimento de que o período fértil
se justapõe ou está imediatamente vinculado ao período menstrual. A equivalência simbólica
entre sangue e esperma como substâncias férteis feminina e masculina e a representação de
um corpo feminino aberto durante a menstruação e, portanto, propício à gravidez –, têm
reforçado a condição de fecundidade do sangue menstrual (LEAL, 1995) (VICTORA, 1995).
No menino geralmente as primeiras caraterísticas da puberdade observadas (mas não a
primeira a ocorrer, que é o aumento dos testículos), são a mudança de voz e o crescimento em
altura. No sexo masculino não um evento marcante como a menarca feminina, mas nem
por isso a puberdade deixa de ter suas representações, inclusive como fator desencadeante de
alterações súbitas: “nesta idade o caráter e os hábitos sofrem repentina transformação, [...]
desperta a voluptuosidade que desperta o instinto” (SCHWARTZ, 1974, p. 26). Em
publicação do final do século encontram-se afirmações semelhantes: “as mudanças físicas
incluem alterações hormonais que muitas vezes provocam estados de excitação
65
incontroláveis” (SUPLICY et al, 2000, p. 33). Costa (1986, p. 52) afirma que o “desejo sexual
aflora imperiosamente, inclusive através de sonhos, provocando freqüentemente poluções”
1
.
Embora a puberdade ocorra mais tardiamente no menino em relação à menina da
mesma idade, durante muito tempo prevaleceu o conceito de que no sexo feminino o instinto
sexual se manifestava muito depois do início das transformações pubertárias, ao contrário do
que ocorria no sexo masculino, no qual o instinto era imediato e exigente. Este conceito era
coerente com a construção da representação feminina de passividade e submissão e de que
durante a adolescência a jovem deveria apenas esperar para ser iniciada nos saberes do sexo
pelo marido após o casamento.
A argumentação científica para esta diferença encontra-se no texto da “Enciclopédia de
Educação Sexual” (HAYS, 1974), na qual há o relato de estudos sobre a localização do
instinto sexual que levaram à conclusão de que o centro da sexualidade encontra-se no
cerebelo. A argumentação se justificaria pelas características deste órgão: é pouco
desenvolvido na infância, apresenta um crescimento maior na adolescência, diferenças
individuais em seu tamanho e, em média, ele é mais desenvolvido no homem do que na
mulher.
De todas as transformações que ocorrem nos corpos dos adolescentes, aquelas
vinculadas à possibilidade de início de uma vida sexualmente ativa são as que mais recebem
atenção, análise e descrição. Nas publicações sobre educação sexual da primeira metade do
século XX constata-se que esta preocupação estava mais vinculada aos atos que o adolescente
do sexo masculino poderia praticar através do seu corpo, como a masturbação e o ato sexual,
sob a influência do instinto sexual. À menina eram dirigidas orientações sobre como agir
durante o período menstrual e cuidados de higiene.
Nos livros mais recentes, predomina a recomendação para que os adolescentes
conheçam, cuidem e usem os seus corpos para serem felizes e terem prazer. Como um dos
eixos temáticos dos PCNs, o corpo adolescente assume lugar de destaque nos programas de
educação sexual devido ao reconhecimento de sua permanente participação nos processos de
crescimento e maturação, nos sentimentos e nos desejos, nas experiências vividas e na
1
Polução noturna é a eliminação involuntária de sêmen durante o sono, freqüente nas fases iniciais da puberdade
em adolescentes masculinos.
66
construção da identidade. É por isso que agora não é suficiente ensinar anatomia, de forma
abstrata ou fragmentada, mas a “totalidade corporal, que inclui a dimensão psíquica, afetiva e
emocional” (SUPLICY et. al, 2000, p. 46).
Se a definição de puberdade não apresenta dificuldades por sua vinculação essencial aos
aspectos biológicos, quanto à adolescência
2
a situação é diferente. Trata-se de uma das etapas
do desenvolvimento humano com limites de idade imprecisos e caracterizada por alterações
físicas e emocionais, sendo que estas últimas recebem interpretações e significados diferentes
dependendo do olhar profissional, da época e da cultura na qual está inserida.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, adolescente é o indivíduo que se encontra
entre dez e vinte anos de idade. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece
outra faixa etária: dos doze aos dezoito anos. o IBGE realiza o censo populacional
subdividindo a população entre as faixas de 10 a 14 e 15 a 19 anos. São limites evidentemente
imprecisos e variáveis, mas necessários para sistematizar pesquisas, estabelecer programas
públicos e para a legislação
3
.
A adolescência é interpretada de diferentes formas de acordo com a área profissional
que a está avaliando. No direito, ela receberá importância legal e estará vinculada a definições
sobre legislação, maioridade, idade penal, direitos, proteção e condutas frente a infratores. Na
pedagogia, o desenvolvimento cognitivo e as relações entre professores, escola, alunos e
famílias assumem a maior relevância. A sociologia e a antropologia preocupam-se com as
diferenças sociais e em ver a adolescência inserida em culturas específicas. A psicologia e a
psicanálise descrevem os lutos - pelo corpo infantil, pela identidade infantil e pelos pais da
infância –, e delimitam as características incluídas na “síndrome da adolescência normal”
descritas por Knobel (1992) busca da identidade, tendência grupal, separação progressiva
dos pais, instabilidade afetiva, rebeldia e flutuação de humor, entre outras –, e a
psicopatologia.
2
Encontramos com freqüência nos textos pesquisados o uso das palavras puberdade e adolescência como
sinônimos, embora aquela represente um dos aspectos desta (o biológico). Neste capítulo as citações que contém
a palavra puberdade não se referem apenas aos aspectos biológicos.
3
Como construções históricas, infância e adolescência não podem ser definidas estritamente por faixas etárias,
pois estas são móveis de acordo com os valores sócio-culturais de cada época. É neste sentido que se torna
essencial ressaltar não ser possível considerar como adolescentes indivíduos na mesma idade que tenham vivido
em períodos diferentes do século XX. A confirmar esta consideração estão o surgimento de um novo período de
67
Na medicina o adolescente é visto por uma sub-especialidade da pediatria ainda pouco
conhecida, a hebeatria, que se ocupa de questões como desenvolvimento puberal, doenças nos
diversos órgãos e sistemas, acidentes, vinculação a hábitos como fumo, álcool e uso de drogas
ilícitas, doenças sexualmente transmissíveis e Aids, anticoncepção e gravidez.
A maioria dos textos se refere à adolescência como uma fase ou estágio de transição
entre a infância e a idade adulta, ressaltando um aspecto de transição que não a diferencia das
demais etapas da vida, pois se excetuando o momento da fecundação do óvulo pelo
espermatozóide e da morte (e para alguns esta é apenas uma passagem para outra vida), em
todas as demais idades o ser humano está em constante mudança e vivenciando períodos de
transição.
Outra constatação é a vinculação da adolescência a diversos rótulos e estereótipos,
caracterizando-a como um período confuso, ambivalente e de contradições, sendo a descrição
de Zagury (2000, p. 17) um exemplo desta representação: “(aos pais) parece ter ao seu lado
não mais o companheiro, o filho que tanto os amava e admirava, mas sim uma pessoa
diferente, espinhenta, meio desajeitada, crítica, ácida, irônica, às vezes debochada – um
estranho que você não reconhece – seu filho adolescente”.
Suplicy (2000, p. 30) afirma que as mudanças do corpo e a insegurança psíquica são
vividas como “algo incontrolável, que ele (adolescente) não domina e cujas conseqüências
nem imagina” e que as mudanças hormonais desencadeiam alterações de humor, sentimentos
de vergonha ou orgulho, interferem na auto-imagem e na auto-estima. Representação que
aparentemente não mudou com o transcorrer do século: “Ah! Quantos pais, pouco
contentes e felizes com a conduta do filho ou da filha, entristecem-se de chofre, ao
experimentar a transformação completa porque passam. Dantes carinhosos e corteses,
obedientes. Agora, desalmados, estúpidos, insuportáveis” (Almeida, 1946, p. 21).
Knobel (1992, p. 27), citando Anna Freud, assinala que “seria anormal a presença de um
equilíbrio estável durante o processo adolescente”, pois estes desequilíbrios e instabilidades
extremas seriam necessários para o estabelecimento da identidade. E Osório (1992, p. 47)
vida denominado pré-adolescência, que se situa entre a infância e a adolescência e o adiamento do que em
décadas anteriores era considerado como marco da fase adulta: a conclusão dos estudos e o casamento. Estes
eventos deslocam as idades que definem a infância e adolescência, bem como a do ingresso na idade adulta.
68
considera que “sem rebeldia e sem contestação não adolescência normal”. São argumentos
que contribuem para estabelecer um conceito de adolescência no qual o adolescente
emocionalmente equilibrado, sem crises de identidade e com bom relacionamento com seus
familiares deveria ser enquadrado como desviante ou anormal.
Assim é que rebeldia, irresponsabilidade, imaturidade, contradições, predisposição a
situações de risco e desequilíbrios emocionais vão condicionando o conceito de adolescência,
constituindo-se em características indispensáveis para incluir a adolescência na patologia e o
adolescente na situação de perigo que requer vigilância, intervenção e tratamento.
No decorrer do culo XX, os textos sobre educação sexual contribuíram para
consolidar a adolescência como a conhecemos hoje, este “mito, inventado no começo do
século vinte, que vingou sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial” (CALLIGARIS,
2000, p. 9). A adolescência foi, portanto, “criada historicamente pelo homem, enquanto
representação e enquanto fato social e psicológico” (OZELLA, 2002, p. 21).
A adolescência é apenas um dos exemplos de como as faixas etárias são invenções cujas
datas de surgimento podem ser localizadas no transcorrer da história e cujas características
são suscetíveis de alterações decorrentes de transformações sociais. O relato de Philippe Ariès
(1981), que descreve quando a infância começou a ser reconhecida como uma das etapas da
vida, é um dos marcos que denunciam o fato destas construções, que na contemporaneidade
inventaram a terceira idade e estão consolidando a pré-adolescência, poderem ser datadas.
Esta invenção histórica construiu uma falsa adolescência descrita pelos discursos como
algo único, padronizado e estável. Abaixo do limiar visível destes discursos proliferam
múltiplas adolescências, as quais se caracterizam por nuances específicas determinadas por
distintas influências, como o período histórico, a etnia, o gênero e a classe social, as
características familiares e individuais. Adolescentes não têm como se constituírem, portanto,
num grupo homogêneo e estereotipado, mas os discursos neste sentido são necessários para
normatizá-los e enquadrá-los em comportamentos considerados universais.
A organização e a classificação são essenciais para uma efetiva ão das instituições. É
necessário ordenar a multiplicidade para diminuir os custos, incrementar os efeitos e induzir a
uma maior docilidade e utilidade. Tudo precisa ser compartimentalizado, classificado,
69
catalogado, especificado e descrito, inclusive as faixas etárias, incluindo a adolescência: “A
primeira das grandes operações da disciplina é então a constituição de ‘quadros vivos’ que
transformam multidões confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas”
(FOUCAULT, 2006-c, p. 126-7).
É neste contexto idealizado como universal e a-histórico que o adolescente é concebido
por um discurso que diz compreender sua essência e ser portador de alternativas para corrigir
os seus problemas (CÉSAR, 1998). E é neste mesmo contexto que o adolescente é objeto de
uma educação sexual cuja utilidade é inseri-lo numa sexualidade adulta e responsável, livre
dos riscos considerados típicos desta fase da vida ainda em construção. Do início ao fim do
século, e talvez durante os próximos, os discursos sobre educação sexual não se afastarão do
princípio de falar com um adolescente único.
4.2 Castidade / Relação sexual
Abordar a relação sexual significa aproximar-se de um dos temas mais densos entre
aqueles que integram a educação sexual, pois é a partir dele que os demais adquirem
relevância e se relacionam entre si e entre os personagens envolvidos. O ato sexual é um
divisor de categorias e determinante de opostos como ser ou não virgem, ser ou não
vulnerável, ser homem ou mulher, classificações que são tão caras às normas sociais. É, em
décadas passadas, na sua positividade que vai estar representada a “prova de ser homem” e, na
sua negatividade, a “honra de uma moça”. E, nas mais recentes, o seu vínculo é com as
situações consideradas de risco, como exposição a doenças sexualmente transmissíveis ou a
possibilidade de uma gravidez não planejada.
A leitura do que os diversos autores pesquisados registraram em seus livros, quando
orientam os pais para que não abdiquem de suas obrigações como vigilantes atentos ou
quando se dirigem aos adolescentes sugerindo o exercício de uma sexualidade com
70
responsabilidade, mostra uma trajetória cujas características são as alternâncias dos discursos,
o instável predomínio dos consensos e a presença constante das opiniões divergentes.
A igreja católica no desenrolar do século reposicionou a finalidade do ato sexual,
agregando à função inicialmente exclusiva de reprodução a de coadjuvante no relacionamento
do casal e de expressão do amor conjugal. Mas não o deslocou do único lugar considerado
legítimo: o casamento. Contrária a prática informal de iniciação sexual dos rapazes, que
contava inclusive não apenas com o estímulo, mas em alguns casos com a própria iniciativa
dos pais, a igreja católica providenciou a publicação de livros de educação sexual para as
famílias nos quais defendia a castidade. Utilizando-se de argumentos como os do padre
Negromonte (1951, p. 35) que afirmava ter o instinto sexual a única finalidade de promover a
reprodução e sugeria ser necessário aprender a “subordinar a emoção à sua finalidade
monogâmica e procriadora”, a igreja enfatizava aos seus fiéis que os órgãos sexuais foram
criados por Deus e pertenciam mais à espécie do que ao indivíduo.
Em defesa da castidade, de sua importância e benefícios, os pais eram instados a
manterem uma vigilância constante sobre seus filhos e a adotarem medidas preventivas, como
evitar que eles freqüentassem cinemas e bailes ou tivessem contato com pessoas do outro
sexo. Era também aconselhado aos jovens tomar duchas frias, dormir em cama dura, usar
pouca roupa, praticar atividades físicas e abster-se de fumo e de bebidas alcoólicas, além de
buscar constantemente a confissão e a comunhão. O padre Campos (1951, p. 46) enumera
alguns conselhos práticos para evitar as manifestações sexuais consideradas precoces:
1) O mais cedo possível habituar os meninos ao banho frio. Além de ser preceito de
higienistas é excelente preservativo da pureza, pois o banho morno é o escolho onde a maioria
dos adolescentes perde a castidade.
2) Evite-se também o hábito burguês do sono excessivamente prolongado. É causa certa
de sensualidade exasperada, diz um grande mestre moderno.
3) Em nenhuma hipótese permita-se aos meninos (o mesmo se diga aos adolescentes)
ficarem juntos sozinhos em banheiro ou outros compartimentos fechados.
71
4) Meninos grandinhos e, sobretudo se um bastante mais velho, jamais se consinta
dormirem no mesmo leito.
5) O irmãozinho crescido, de nenhum modo deve dormir no mesmo quarto com o
irmãozinho menor.
6) Enquanto possível, durmam as crianças em casa. Se as mães conhecessem os “casos”
que conheço, acontecidos com priminhos e priminhas dormindo em “casa da titia”...
7) É bem preferível perder o cinema ou o teatro a deixar meninos e meninas já crescidos
sozinhos em casa, sob pretexto de que são inocentes ou estão dormindo.
Outro aspecto considerado importante era chamar a atenção dos pais de que a defesa da
castidade era uma tarefa contínua e difícil. Nesse sentido Almeida (1946, p. 77) prevenia que
não se devia, ao preparar os jovens, mostrar que a castidade era algo fácil, pois isso seria um
erro: “[..] podemos encorajá-lo, sugestioná-lo até, dizendo-lhe que sairá vencedor, que a
castidade é possível, que muitos venceram, etc., [...] mas devemos inteirá-lo também que a
refrega não é fácil, mas exige muita força de vontade; que só os fortes é que saem vitoriosos”.
Sendo reconhecida como uma prática difícil, haveria uma recompensa: vencido “o animal
bravio, pertence-lhe o fruto da vitória receber nos braços a figura feminil de seus sonhos
(BARROS, 1956, p. 144).
Para combater a crescente publicação de livros leigos que minimizavam a importância
da castidade para a juventude, os padres acrescentaram informações com certo grau de
cientificidade, como Campos (1951, p.139) que informa ter a “Conferência Internacional de
Profilaxia e Sanitária”, realizada em Bruxelas no ano de 1902 concluído pela necessidade de
“ensinar à mocidade que a castidade e a continência não são, de modo algum, danosas, e sim
virtudes das mais recomendáveis até mesmo sob o ponto de vista médico”. E Gonçalves
(1976, p. 70) afirma que a castidade é uma virtude e uma reserva de energia, pois “com a sua
preservação no corpo um aumento de testosterona, que é o elemento virilizante masculino,
provocando um rendimento maior de todas as funções do homem”.
A mudança de postura da igreja em relação à finalidade do ato sexual consolidou-se no
Brasil a partir das publicações do padre Paul-Eugène Charbonneau, na cada de 80. A partir
72
de então, embora ainda interditada antes do casamento, a relação sexual foi vinculada também
ao amor entre o casal e não mais exclusivamente à reprodução: [...] “foi apenas no século XX,
ao termo de uma longa evolução, que a Igreja Católica proclamou o amor entre os cônjuges o
fundamento do casamento, e a relação sexual uma expressão do amor conjugal” (BOZON,
2004-a, p. 33). As marcas do pecado inerentes ao ato sexual se desvanecem pela absolvição
do casamento.
O padre Charbonneau (1985, p. 47) escreve para os jovens e, ao defender a castidade
como uma virtude, sugere aos rapazes e moças perceberem que o “ser-virgem de hoje é uma
garantia do ser-feliz de amanhã” e que “a ligação entre o ser-virgem e o ser-feliz é tão estreita
que não podemos rompê-la sem ferir a felicidade e toda a vida conjugal” (ibidem, p. 54). Em
seus conselhos ele orienta que o namoro deve ser conduzido de modo racional, sem liberdades
exageradas que possam levar a situações insensatas, estando sempre presente que “certos
gestos são definitivos, certos comportamentos irrecuperáveis, e que jamais se pode voltar
atrás quando se foi muito longe” pois “viver o presente como se fosse o futuro pode vir a
ser catastrófico” (ibidem, p. 26). Outro aspecto que chama atenção no livro do padre
Charbonneau é que nele surge a preocupação em defender a castidade feminina,
aparentemente desconsiderada como problema pelos autores anteriores. É a elas que o padre
se refere ao escrever que,
de certo modo toda virgindade traz em si um sinal de ‘resistência’. Ela é
possível se foi protegida por repetidas recusas. E aquele que vencer essa
resistência, aquele que romper o dique, estará presente para sempre na
interminável corrente de vagas que nascem da primeira relação, como as que
nascem de uma fonte (CHARBONNEAU, 1985, p. 46).
O mesmo autor tece ainda comentários sobre aquela jovem que, por prova de amor ou
ameaça de ruptura do namoro ou noivado, tomada de pânico, ao ceder à pressão do rapaz,
“[...] paga preço exorbitante que lhe é pedido para manifestar seu amor, sem a menor
consideração para consigo mesma. Para ela restará um corpo murcho, envelhecido e ferido”
(CHARBONNEAU, 1985, p. 54). Surge também nos textos de Charbonneau a descrição da
frigidez feminina em decorrência de uma iniciação sexual inadequada:
73
... a imaturidade sexual generalizada que vemos nos tempos atuais [..]
se revela por uma frigidez feminina cuja freqüência surpreende. Considera-
se que quase 80% das mulheres sofrem de frigidez. É alarmante que tantas
delas estejam fechadas dentro de uma sexualidade contida por tais rédeas e
que jamais chegaram a desabrochar. Não devemos nos espantar se
verificarmos que, desde sua primeira relação, a mulher sentiu-se agredida e
sua defloração foi mais uma violação do que um momento superior de amor
(CHARBONNEAU, 1985, p. 52).
Sendo evidente que na prática o fato de não ser virgem não deixa marcas visíveis (não é
raro peritos terem dificuldades para definirem se uma mulher manteve relações sexuais ou
não), a função destes discursos como os do padre Charbonneau descritos acima é o de agir
sobre os sujeitos para que estes assumam as características definidas como típicas de quem
cometeu o ato ilícito, pois isso evidenciaria uma confissão de culpa. Esta metodologia que
induz o indivíduo a incorporar o perfil de culpado é também freqüente nas estruturas escolares
ou familiares onde os alunos ou filhos são induzidos a cumprirem a profecia que lhes foi
designada, assumindo as características típicas que lhes são diariamente imputadas, como as
de um indivíduo incompetente, incorrigível, rebelde, doente, problemático, entre tantas outras.
Um texto do papa João Paulo II intitulado “Carta às Famílias” e divulgado em 1994
reafirma a posição da igreja no sentido de que a educação sexual deve estimular a disciplina
de guardar-se sexualmente para a pessoa amada:
A educação sexual, direito e dever fundamental dos pais, deve fazer-se
sempre sob a sua solícita guia, quer em casa quer nos centros educativos
escolhidos... Neste contexto é absolutamente irrenunciável a "educação para
a castidade" como virtude que desenvolve a autêntica maturidade da pessoa e
a torna capaz de respeitar e promover o 'significado nupcial' do corpo.
Por isso a Igreja opõe-se firmemente a uma certa forma de informação
sexual, desligada dos princípios morais, tão difundida, que não é senão a
introdução à experiência do prazer e um estímulo que leva à perda ainda
nos anos da infância – da serenidade, abrindo as portas ao vício.
O conhecimento deve conduzir a educação para o autocontrole: daqui
a absoluta necessidade da castidade e da permanente educação para ela.
Segundo a visão cristã, ela significa antes a energia espiritual que sabe
defender o amor dos perigos do egoísmo e da agressividade e sabe voltá-lo
74
para a sua plena realização. O resto é incitar o sexo fora de hora e fora de
lugar.
4
Enquanto o discurso católico promoveu apenas uma reordenação conceitual quanto à
finalidade do ato sexual, a literatura leiga ao longo do século XX alterou substancialmente seu
discurso sobre o tema, adaptando-se aos novos comportamentos adotados pelos adolescentes.
No final do século os livros que falam sobre a relação sexual não se dirigem apenas aos
rapazes e abordam questões como prazer, escolhas e técnicas.
Em livros publicados em 1935 e 1940, de autoria do médico José de Albuquerque,
encontramos a argumentação de que a vida sexual não poderia ser conduzida “senão à luz dos
postulados da ciência” e a critica as opiniões que afirmavam ser a reprodução a única
finalidade da “função sexual”. Segundo Albuquerque, as relações sexuais ajudam a manter o
equilíbrio geral do organismo e a continência sexual, “que em nome de uma suposta moral se
impõe aos indivíduos”, era causa de um grande número de danos ao organismo,
“incapacitando-o posteriormente para a realização normal da vida sexual”
(ALBUQUERQUE, 1940, p. 100). No livro “Para nossos filhos varões quando atingirem a
puberdade” (idem, 1935), o médico orienta os rapazes sobre como se prevenir do contágio das
doenças sexualmente transmissíveis, mas não se preocupa em orientar sobre prevenção de
gravidez pelo motivo que analisaremos a seguir.
A atividade sexual dos rapazes solteiros constituía-se num comportamento ambíguo, por
um lado condenado pela igreja e pelas instâncias formais e conservadoras da sociedade, mas
por outro estimulado e aceito como algo considerado natural a partir de certa idade.
Entretanto, como era adequado apenas para os rapazes e interditado para as “moças de
família”, podia ser aceito quando praticado com prostitutas. Por este motivo não
encontramos nos autores da primeira metade do século a preocupação quanto à prevenção de
gravidez.
Os demais autores que escreveram livros sobre educação sexual antes dos anos sessenta
demonstraram certa ambigüidade em relação ao tema como pode ser constatado no texto do
4
Disponível em http://www.cancaonova.com/portal/canais/formacao/internas.php?id=&e=4297 (acesso em
28/01/07).
75
professor Ernesto Barros, de 1956. O autor afirma que todas as relações fora do casamento
são moralmente condenáveis e que nas “sociedades humanas o casamento é o meio normal de
satisfazer os justos reclamos do instinto sexual” (BARROS, 1956, p. 120). Em outros
parágrafos, entretanto, o autor afirma que “durante os anos de formação, até ser atingido o
completo desenvolvimento da virilidade e da personalidade, recomenda-se a continência”
(ibidem, p. 120), sem se referir mais ao casamento. E torna-se mais definido ao afirmar que
não condena de todo a continência, mas é partidário da função sexual “perfeitamente bem
completada, vencidos naturalmente os embaraços que defluem das convenções sociais, das
leis e dos costumes” e “respeitados os imperativos de consciência religiosa” (ibidem, p. 120).
A interpretação atual do tema castidade começou a se constituir nos livros publicados a
partir da década de oitenta. Autores como médicos e psicólogos escrevem para os leitores
adolescentes que a castidade não é uma imposição e sim uma opção para ambos os sexos. O
psiquiatra Costa (1986), num dos capítulos de seu livro intitulado “Virgindade: necessária ou
obsoleta?”, aconselha que a decisão dos adolescentes (masculinos e femininos) sobre a
conservação ou não da virgindade deve ser uma opção definida por escolha pessoal e não
partir de um condicionamento, preconceitos ou pressão familiar e social.
E a psicóloga Sayão (1995, p. 19) afirma aos seus leitores que “sexo é bom, é gostoso, é
natural, prazer” e que muitas maneiras de contato sexual - “tem o tradicional papai-
mamãe, tem sexo oral, tem sexo anal, tem 69, tem tantas coisas!” (ibidem, p. 61) -,
ressaltando que o mais importante é aquilo que cada um está a fim de curtir, reconhecendo o
que deseja, pode e consegue fazer, desde que respeite seus limites e os de seu par. A autora
desvincula o ato sexual do amor e sugere aos adolescentes desfrutar do sexo o que ele pode
dar de positivo, não transformando ou permitindo que transformem uma “coisa tão legal em
algo assustador, aterrorizante” (ibidem, p. 125).
Durante muito tempo a virgindade feminina necessitou de proteção e vigilância.
Somente a partir da segunda metade do século XX, quando os métodos contraceptivos mais
eficazes e de acesso mais fácil romperam o vínculo secular entre o ato sexual e a reprodução,
que a interdição do ato sexual antes do casamento deixou de prevalecer para ambos os sexos.
É verdade que ainda permanece certo limite quanto ao número de parceiros com os quais a
adolescente se relaciona, capaz de ser o fator divisor entre o comportamento socialmente
aceitável e o que ainda é considerado promiscuidade, mas os textos leigos a partir dos anos 80
76
sobre educação sexual não ignoram que manter atividade sexual antes do casamento não é
mais prerrogativa dos rapazes.
Atualmente os livros sobre educação sexual trazem propostas de debates sobre um
conceito (virgindade), uma escolha (ser ou não virgem) e um momento simbólico: a primeira
vez. Em suas páginas é possível constatar o grande investimento sobre este marco na vida do
indivíduo através de orientações que se constituem em algo semelhante a um manual de
instruções: o que fazer, não fazer e como fazer, quais são os medos e as dúvidas, o
acontecimento ou não de sangramento e dor, quais as posições e o local adequados.
O padre Charbonneau (1985, p. 50) já fazia uma série de recomendações para este
momento, mas suas preocupações estavam vinculadas aos aspectos espirituais. Ele afirmava
não ser indiferente que “a primeira oblação seja vivida em qualquer lugar”, pois se realizada
em local inadequado, como um quarto de hotel anônimo e comercial, será lembrada “mais
como um arrombamento do que como o primeiro e supremo momento de oblação” (ibidem, p.
50). Quanto às condições de tempo, sua recomendação era de que este devia ser o necessário
para evitar que “um sabor de violação se assente sobre esses momentos que deveriam ser
vividos com tranqüilidade, alegria e profunda quietude” (ibidem, p. 50). E o ambiente
silêncio, condições da cama, iluminação fariam a diferença entre “um ninho ou um antro
semelhante a uma caverna odiosa, um perfume agradável ou um odor que sufoca” (ibidem,
p.50).
Os autores leigos também se preocupam com a alma, mas suas recomendações
relacionadas à primeira relação sexual estão mais associadas ao corpo suscetível de se
contaminar ou engravidar: “A primeira vez é um tema importante, pois se constata que muitos
jovens iniciam suas relações sexuais sem observar os cuidados necessários” (SUPLICY et. al,
2000, p. 92).
É neste viés preventivista que os textos contemporâneos sobre educação sexual
propõem uma discussão sobre as opções de ser ou não virgem, algo que deve estar vinculado
a uma decisão pessoal e às crenças, valores e sentimentos individuais. Mas não inclui como
opcional e sim como obrigação o uso do preservativo e de métodos anticoncepcionais para
aqueles que optaram pela segunda alternativa. Os espectros da Aids e da gravidez não
planejada conduziram a prevenção à instância privilegiada nos programas de educação sexual.
77
Ainda sobre a primeira vez, encerro esta seção sobre castidade e ato sexual com um
texto que foi utilizado como argumento em defesa da necessidade de uma educação sexual
para todos os adolescentes:
Depois foi a zona. Na casa da Gaúcha, uma peituda. A gente ia para lá
com mil informações ‘corretas’ dos amigos. Não beijar na boca, lavar logo
depois e, na primeira urinada, tapar a saída até não agüentar mais para soltar
tudo num jato só, para não pegar gonorréia. E as putas queriam fazer o
serviço rápido. Tinha gente na sala esperando. Pronto, a minha geração foi
toda educada na base da ejaculação precoce. Amor com sexo? Imagina. O
negócio era depositar logo os espermatozóides dentro. Nem beijo, nem
carinho, nenhuma palavra. Jogo rápido, jogo sujo, jogo feio. Isso, sem contar
os campeonatinhos para ver quem gozava mais rápido se masturbando.
Se nós, os meninos, tínhamos a zona da cidade, as meninas nem isso.
Faziam o curso ‘normal’ e esperavam maridos, sem nenhuma informação
sobre o que fosse sexo. E olha que isso não foi no começo do século não. Foi
outro dia. O que acontecia então? Na noite de núpcias, as meninas assustadas
com aquilo, os meninos naquela rapidez de zona. Começava tudo errado.
5
4.3 Masturbação
A educação sexual do século XX descreve a trajetória dos conceitos sobre a
masturbação, os quais se modificaram de uma veemente condenação por se tratar de um vício
perigoso para a saúde e uma perda inútil da fonte da vida, praticado por meninos precoces e
adolescentes influenciados por amigos e colegas pervertidos, até a sua valorização como um
ato inofensivo que possibilita o auto-conhecimento, proporciona prazer e prepara ambos os
sexos para uma vida sexual saudável em todas as idades.
5
“Coisas feias”, texto de Mário Prata publicado na revista Interação (São Paulo, Difusão Nacional do Livro, ano
1, número 6, outubro de 1984) e citado por Suplicy (1988). O autor nasceu em 1940.
78
Como uma das estratégias, manobras e ponto de apoio do dispositivo da sexualidade e
das relações de poder entre administração e população, instituições e indivíduos, a
masturbação foi, ao lado da mulher histérica, das regras reprodutivas e da inclusão de
determinadas condutas no rol das perversões, amplamente utilizada como um objeto
privilegiado de saber (FOUCAULT, 2005-a). Definida como algo perigoso, a masturbação
proporcionou visibilidade à sexualidade infantil e adolescente, alterando as relações entre pais
e filhos e professores e alunos e desenvolvendo uma vigilância constante da família e da
escola sobre a criança e o adolescente e a necessidade de acesso a informações sobre o tema.
Foi para atender esta demanda e ensinar aos pais e professores como prevenir, combater,
vigiar e se integrar a essa rede de zelo permanente, é que padres, médicos e professores
escreveram sobre a masturbação até a primeira metade do século XX adotando os critérios da
ameaça, do medo e da culpa. Os primeiros resguardados pelo conceito de pecado. Os demais,
sustentados pelos conhecimentos científicos de suas épocas, pela ameaça do perigo.
Os argumentos utilizados para condenar a masturbação se basearam em associações
com eventos normais da puberdade (como o crescimento de pelos nas mãos e o surgimento de
espinhas), com doenças (como a cegueira e a loucura) e em argumentos biológicos como o
consumo de espermatozóides (que iriam faltar mais adiante). Estas associações oportunistas,
falsas e ameaçadoras desencadearam nos pais a necessidade de vigiar e investigar e, nos
jovens, a angústia da culpa e a necessidade da confissão.
Aqui encontramos um aspecto onde os padres e os demais autores mostram sinais de
convergência no sentido de condenar a masturbação. Esta tendência predominante nas
primeiras décadas do século XX teve, entretanto, uma voz dissonante: a do médico
Albuquerque.
De forma similar aos debates sobre castidade, nas décadas de 30 e 40, Albuquerque
antecipou conceitos que iriam se tornar predominantes apenas nas publicações posteriores a
1970. O autor considerava que a masturbação era até certo ponto fisiológica nos primórdios
da vida genital do homem” (ALBUQUERQUE, 1940, p. 96), pois nesta época o homem não
sente necessidade de mulher e pode utilizar-se das excitações auto-eróticas sem que isso lhe
causasse prejuízos. Em defesa de seu argumento, Albuquerque criticava os autores que
exageravam os malefícios que a prática da masturbação poderia acarretar ao organismo com o
“intuito louvável, mas errado, de defender a saúde dos indivíduos, mas com isso lhes causam
79
na maioria das vezes mais malefícios que benefíciose ressaltava que o perigo residia apenas
no “prolongamento além do período a que habitualmente se realiza” (ibidem, p. 96).
No entanto, a maioria dos médicos da época condenava a masturbação e a igreja
católica utilizou-se tanto da argumentação religiosa como da científica para reforçar um
discurso que reproduzia a linha de orientação dos higienistas, para os quais a masturbação era
associada a grandes prejuízos pessoais:
... a própria ciência dirá os males produzidos pelas perdas seminais
dos mocinhos, cujo organismo em formação deve economizar todas as forças
necessárias ao próprio crescimento. É evidente prejuízo ao organismo privar-
se do que constitui sua mais rica substância, como é sem dúvida, aquela a
que Deus confiou a produção de uma nova vida (uma perda seminal vale por
uma perda de sangue vinte vezes maior). Crescido no desperdício de tão
precioso elemento, o moço se verá prejudicado tanto nas resistências do
corpo como nas faculdades superiores da inteligência e da vontade
(NEGROMONTE, 1951, p. 192).
O padre Negromonte afirmava ainda que os pais precisavam mostrar aos filhos o mal
que a masturbação causava, a ruína que se preparava para o futuro e o pecado que se cometia.
Segundo ele o jovem “viciado” se tornava pálido, desconfiado, evitava olhar para as pessoas,
perdia a capacidade de trabalho, principalmente a intelectual, fugia dos amigos, preferindo a
solidão e não apresentava mais aquelas expansões de alegria típicas dos adolescentes. Nesta
mesma linha de argumento o padre Almeida acrescenta:
No domínio psicológico conduz ao desequilíbrio, à desarmonia, ao
desgaste, à depressão nervosa, à irritabilidade psíquica, produz os débeis, os
pedantes, os nevropatas, os abúlicos, os tardos morais. No domínio físico
leva ao depauperamento geral, ao desgaste orgânico, à devastação das
reservas da energia formadora; faz os enfezados, os retardados, os
impotentes, os frágeis, os depauperados, os candidatos às doenças em geral e
à tuberculose em particular (ALMEIDA, 1946, p. 15).
80
Num relato pessoal, o médico Alduc (1951) conta que ficou muito angustiado quando
sua mãe descobriu manchas em suas roupas de cama ocasionadas, segundo ele, por polução
noturna. A angústia foi desencadeada porque sua mãe associou indevidamente a mancha em
seus lençóis aos “maus hábitos”, tendo lhe dito, num tom de crítica, que “essas manchas no
lençol provém da parte mais pura do seu sangue”. E, num desabafo com um de seus
professores sobre o ocorrido, este lhe disse as seguintes palavras em relação à masturbação:
... enquanto você não realizar tal ato (sexual, com a esposa), o maior,
o mais belo, o mais nobre da vida humana, você deve zelar ciosamente por
esse líquido, não permitindo que ele se adultere, pois ele encerra, em
potencial, as qualidades físicas e morais, as virtudes do coração e do espírito
de toda a linhagem de ancestrais de que você provem. Todas as suas
aquisições intelectuais, todas as suas tendências, todos os seus sofrimentos,
estão nele amalgamados. Todos os atos graves de sua vida de jovem e de
homem estão nele mais ou menos sintetizados (ALDUC, 1951, p. 29).
O objetivo dos textos escritos para pais e professores não se restringia a orientar o
controle permanente para evitar a prática do que era conhecido como vício solitário, mas
desenvolver estratégias para evitar o que era chamado de primeira queda. Evitar esta primeira
queda era essencial para prevenir conseqüências consideradas desastrosas. O padre Almeida
(1946, p. 76) recomendava aos pais uma preocupação permanente para impedir que o menino
contraísse o vício, pois “se ele experimentar uma vez o prazer, facilmente há de querer repeti-
lo, e se contrair o hábito, dificilmente se corrigirá”. Ele ressaltava que, se não esclarecidos,
mesmo os meninos não pervertidos, bons e honestos, poderiam ficar inquietos e inseguros
quando sentirem ereções involuntárias, e ao tentarem comprimir ou conter estas agitações
estariam cometendo um grave erro, pois ficariam mais excitados e acabariam por “descobrir
como recuperar o sossego ante excitações incômodas, sem saberem com clareza, que isto não
é permitido” (ibidem, p. 79). Também o padre Campos ressalta a importância da orientação:
Muitos foram iniciados nele (vício secreto, masturbação)
inconscientes do mal, ignorando o sorvedouro que iria tragá-los. Um
companheiro corrompido, um prazer descoberto por acaso em certos tatos,
podem determinar uma primeira queda, seguida por outras e ei-lo, o
pobrezinho, mosca imprevidente e ilaqueada pelos fios envolventes da
aranha insidiosa e voraz (CAMPOS, 1951, p. 87).
81
Como métodos para evitar o hábito, os autores condenavam as atitudes consideradas
selvagens praticadas anteriormente, como ameaças de cortar o pênis do menino com facas e
tesouras, a aplicação de anéis metálicos sobre o prepúcio, a cauterização da uretra ou a
infibulação nas meninas (Lucenay 1954), e destacavam a conversa franca com o jovem como
o mais adequado. Recomendavam ainda não deitar de bexiga cheia (predispõe a sonhos
eróticos), dormir de lado (homens) e de costas (mulheres), dormir cedo e levantar cedo, deixar
o leito imediatamente ao acordar, dormir em leito duro e não macio demais e cobrir-se pouco
para não concentrar muito calor no corpo. Tais recomendações eram consideradas relevantes
devido à associação do ato da masturbação com temíveis conseqüências:
O uso imoderado ou o abuso da função glandular faz desviar do
caminho normal todas essas energias que seriam fontes de vitalidade, de
vigor e reserva de crescimento. [...] Por se escoará o fluxo energético que
devia aproveitar ao crescimento e fortalecimento do ser; e se esse abuso é
excessivo e prolongado, [...] acabará por esgotar a fonte dessa energia, por
cansar essas células secretoras, e a seiva, por tanto correr da ferida sempre
aberta, acabará por fazer secar a árvore... O abuso da função genésica, a
freqüente repetição dos atos sexuais, tem assim, de certo modo, o efeito de
castrações parciais e periódicas (ALMEIDA, 1946, p. 16).
Martin de Lucenay (1954), um médico espanhol, escreveu um livro traduzido para o
português e publicado no Brasil em 1954 com o título “Masturbação e auto-erotismo para
pais e educadores” no qual inclui os conceitos sobre as conseqüências danosas da
masturbação, considerada como a perversão sexual mais difundida e a mais antiga, praticada
por todos os seres humanos, sem distinção de sexo, civilização, educação ou condições de
vida.
Lucenay (1954, p. 37) localiza o início do hábito na infância, quando a criança descobre
em seus genitais a “existência de um foco de emoções nunca suspeitadas”, levando-a a repetir
o ato muitas vezes. É esta repetição que provoca a perda da cor da face e do brilho natural dos
olhos, além do surgimento de dor de cabeça, de tremores nas mãos, da perda de apetite, de
interesse e de aplicação nos estudos. O autor reconhece o exagero de alguns autores quanto
aos problemas causados pelo hábito, afirmando que “os transtornos que produz não são nem
graves nem irremediáveis como sustentam e ainda continuam a sustentar escritores
82
ignorantes” (p. 64). Mas acrescenta nos parágrafos seguintes que a masturbação abusiva pode
causar danos no coração, rins, intestinos e no sistema nervoso daqueles indivíduos com
alterações neurológicas prévias, assegurando que não era mais possível admiti-la como causa
da loucura.
O autor conclui que a masturbação praticada “moderadamente em casos de evidente
necessidade em conseqüências de excitações naturais” (LUCENAY, 1954, p. 69) não produz
maus resultados no homem e nenhum efeito desfavorável na mulher. Mas ressalta que essas
considerações são válidas para aquelas pessoas “completamente normais”, que “sabem
dominar-se”, que sabem distinguir entre necessidade e perversão.
O professor Ernesto Barros (1956) também considera a masturbação como a mais
comum das perversões e que os jovens devem ser persuadidos de que se trata de mau emprego
da energia sexual e sua prática não traz o contentamento de espírito que a função normal do
sexo proporciona. Critica, entretanto, o exagero com que alguns educadores a condenam e a
sua caracterização como um “vício horrível, de terríveis conseqüências, tanto para a saúde
como para o caráter” (p. 39), afirmando ser errado a tentativa de corrigir “esse desvio com o
anátema da religião e o espantalho da perda da saúde e do caráter” (p. 146). Sugere que os
jovens sejam orientados a canalizarem suas forças sexuais para suas “expressões normais” e
que a masturbação deixe de ser considerada como um vício adquirido e sim a “expressão
comum da sexualidade refreada e mal dirigida” (p. 146). Apesar de usar os termos perversão
ou desvio, o autor considera que, pelo fato de sua freqüência, ela deve ser considerada normal
ou regra geral, resumindo seu problema não às perdas seminais, mas ao sentimento de culpa.
O professor Imídeo Nérici (1961, p. 132) descreve a masturbação como um fenômeno
tão generalizado nessa idade que, “dentro de certos limites, é considerado como uma das
características do comportamento sexual do adolescente”. Recomenda não intimidar o jovem
para que abandone esta prática ou incutir idéias de mal ou de perversão nem apontá-lo como
um fraco de caráter e de vontade, pois essas medidas poderiam se tornar contraproducentes ao
o induzirem, abatido pelas ameaças e críticas, a entregar-se totalmente a esse hábito.
Na opinião de Nérice (idem, p. 132) algumas medidas poderiam, se não produzir o total
abandono da masturbação, pelo menos a diminuição de sua prática: a) terapêutica ocupacional
(“procurar atribuir ao adolescente atividades segundo as suas possibilidades e preferências,
83
para, ocupando-lhe as horas e as energias, fazê-lo esquecer o hábito”); b) práticas higiênicas
(“não físicas, como mental, evitando estímulos perniciosos sobre o psiquismo do
adolescente: trabalho, repouso, banhos, tranqüilidade, conversas, leituras sadias e boas
amizades”); c) assistência moral, religiosa e afetiva (“o adolescente deve ser assistido moral,
religiosa e afetivamente, a fim de sentir-se amparado e compreendido”). Nérice recomendava
ainda uma vigilância cuidadosa:
A vigilância deve ser estendida até as instalações sanitárias.
Professores, diretores e inspetores de alunos devem, de quando em quando,
dar uma volta pelas instalações sanitárias dos alunos. Estas visitas
imprevistas darão aos alunos a sensação de que ‘não estão sós’. É claro que
esta vigilância deve ser discreta. Haverá, assim, a vantagem de não oferecer
oportunidade a práticas indesejáveis nas instalações sanitárias, bem como
poderão ser dadas orientações de ordem higiênica, aos alunos, quando
necessário (NÉRICE, 1961, p. 182).
6
O enfoque também se altera nos livros escritos pelos padres. Gonçalves (1976)
reconhece que na prática todo rapaz se masturba e dirige seus argumentos no sentido de
ressaltar ser o sexo uma coisa feita para dois enquanto que a masturbação é um ato solitário e
de egoísmo, pois o indivíduo se satisfaz sozinho. Segundo este padre, a masturbação indica
um desvio de caráter, uma vida social restrita ou uma fase de depressão. E Charbonneau
(1985) chama a atenção dos jovens quanto à possibilidade da masturbação desencadear uma
“sexualidade desenfreada”, mas também não faz nenhum comentário sobre prejuízos à saúde.
O processo que vai desencadear a absolvição da masturbação tem como um dos marcos
iniciais o livro do psicólogo francês AndBerge, traduzido para o português em 1960, no
qual se percebe a ruptura com os conceitos higienistas de doença ou perversão. O autor, ao
comentar o tema, condena a “luta encarniçada contra ‘os maus hábitos’ na qual qualquer meio
era adequado para desenvolver uma educação sexual pelo medo”, inclusive com o apoio dos
médicos, que demonstraram uma “fantasia quase delirante para apoiar os esforços dos
6
Identifica-se aqui o panoptismo, o dispositivo disciplinador descrito por Foucault (2006-c) que induz o
indivíduo ao estado de permanente visibilidade e à tendência de agir de acordo com as normas consideradas
corretas, mesmo quando a autoridade não está visível.
84
pedagogos, agitando o espectro das doenças e enfermidades mais aterradoras” (BERGE,
1960, p. 22).
O conceito de normalidade encontra-se definido no livro publicado em 1986 pelo
psiquiatra Moacir Costa:
A masturbação é um meio de integração biopsíquica do adolescente e,
através dela, tanto o garoto como a garota começam a tomar contato com o
seu próprio corpo, reações, sensações e sentimentos até então desconhecidos.
Esse contato com o próprio corpo facilita a aceitação e a consciência de que
estão ocorrendo mudanças. A assimilação desse novo corpo, ainda em
transformação, cria uma pessoa saudável, disponível, sem preocupações
neurotizantes pelo conhecimento de seus limites e possibilidades de
realização (COSTA, 1986, p. 44).
No final do século, os livros de educação sexual adotaram este conceito de normalidade
em relação à masturbação e o “Guia de Orientação Sexual” (SUPLICY et al.,1994) inclui as
seguintes informações: meninos e meninas se masturbam porque é gostoso, ela ajuda a
conhecer o próprio corpo e suas sensações, não faz mal nem causa problema físico ou mental,
é comum entre homens e mulheres de todas as idades, é uma atividade íntima e deve ocorrer
em local reservado, pode ser um problema quando impede a socialização ou dificulta a
aprendizagem, sua freqüência é variável entre os indivíduos, é uma prática de sexo seguro
adequada aos tempos de Aids.
As mensagens destinadas aos adolescentes esclarecem sobre a normalidade de meninos
e meninas se masturbarem, explicam que ela ajuda a conhecer o próprio corpo e a ter mais
intimidade com ele, não causa nada de ruim, além de ser uma descoberta e um grande
encontro (SAYÃO, 1995). Harrison (1996, p. 77) afirma aos seus leitores que eles não
“pegarão doenças” e nem terão bebês se acariciando, e que a masturbação “não causa nenhum
mal para você e nem para qualquer outra pessoa; e é muito gostoso também”. Bouer (2002, p.
123) acrescenta que a masturbação faz parte de vida sexual, é aprendizado, sendo necessário
“conhecer primeiro o corpo da gente para depois conhecer o corpo do outro”.
85
No final do século, transferida definitivamente para a condição de atividade normal, a
masturbação deixa de ser algo a ser prevenido e passa a ser valorizada pela oportunidade que
proporciona ao adolescente de explorar seu próprio corpo e os caminhos do prazer. A doença
ou a perversão de ontem se transformaram num hábito saudável.
... a difusão das idéias psicanalíticas e antropológicas, o movimento da
contracultura, o feminismo, as políticas de identidade sexual e, por último, as
‘novas descobertas’ médicas terminaram por reverter a tendência dominante.
A masturbação deixou de ser ‘um vício doentio’ para se tornar, nas décadas
de 70 e 80, quase uma virtude sanitária. Finalmente, nos dias atuais, o relevo
moral da masturbação caiu em desuso (COSTA, 2003).
Relatamos nos parágrafos anteriores uma pequena parte de um longo processo, apenas
aquela incluída nos textos sobre educação sexual publicados no Brasil a partir do século XX.
Uma pesquisa mais detalhada sobre o tema masturbação nos levaria pelo menos até o século
XVIII, quando surgiram as primeiras publicações associando o hábito então conhecido como
onanismo a problemas graves, caracterizando-o como objeto de apreciação científica,
epidemia a ser combatida e motivo para o desenvolvimento comercial de produtos como
poções e pílulas anti-masturbatórias, alarmes contra a ereção, bainha para pênis e luvas de
dormir para combater o “vício secreto, solitário ou auto-estupro” (COSTA, 2003).
Este recorte, entretanto, parece ser suficiente para demonstrar como o que era
aparentemente um objeto de proibição e restrição, tratava-se, e ainda se trata, de um
mecanismo que permanece nos tempos atuais permitindo uma penetração infinita na
sexualidade do adolescente através de discursos que falam de suas origens e efeitos, seus
riscos e benefícios, que mantém, enfim, o assunto como algo do qual se deve falar, comentar
ou confessar. O perigo, o vício, o mau hábito não era e continua não sendo um inimigo, um
mal a ser evitado, pois a reconhecida impossibilidade de eliminá-lo nos conduz à conclusão de
que se trata de algo que, ao contrário de desaparecer, deve persistir e proliferar até os limites
do visível e do invisível (FOUCAULT, 2005-a).
O ato masturbatório não teria se constituído da importância que lhe foi devida se, como
tantos outros hábitos humanos, não tivesse proporcionado a possibilidade da indução da
86
vigilância permanente e com ela a penetração no íntimo das famílias e dos indivíduos,
estratégia tão cara aos sistemas de poder. Tratou-se na verdade não de combater, evitar ou
condenar, mas de estimular e valorizar como algo íntimo, um segredo, algo que exige da
consciência um constante envolvimento e atenção em relação ao corpo e uma permanente
necessidade de confessar seus excessos.
4.4 Orientação sexual
A abordagem do tema homossexualidade nos livros de educação sexual é um dos
exemplos da transitoriedade não apenas dos discursos, mas das verdades científicas. Durante
o transcorrer do século XX é possível observar os deslocamentos discursivos que conduziram
a homossexualidade da condição de perversão ao reconhecimento de que se trata de uma das
maneiras do indivíduo vivenciar sua sexualidade, tendo transitado também pela categoria de
doença.
Os primeiros livros sobre educação sexual abordavam o tema homossexualidade (na
época ainda denominada de homossexualismo) com o intuito de destacar o seu caráter de
anormalidade e de chamar a atenção para o fato de que ela poderia se manifestar
eventualmente em qualquer indivíduo que não tomasse certos cuidados, seja em conseqüência
de problemas de saúde, seja por comportamentos inadequados. A vigilância tanto dos pais
como dos próprios adolescentes era necessária para preservar a heterossexualidade.
Nérice (1961) aconselhava para prevenir o aparecimento de tendências homossexuais a
indução, de forma discreta, da formação de grupos de três ou mais adolescentes, evitando os
pares. Quando os pares estivessem formados, os pais deviam providenciar a introdução de um
terceiro elemento, o qual funcionaria como supervisor do grupo. As normas que este autor
recomendava para evitar, ou, pelo menos, para atenuar as fixações de amizades homossexuais
eram as seguintes:
87
1) As amizades a dois devem ser discretamente controladas, não dando oportunidade
para que fiquem a sós.
2) A introdução de um terceiro elemento nessas duplas é conveniente, pois então cada
qual passa a desempenhar a função de vigilante involuntário.
3) Deve-se, de modo geral, favorecer a formação de grupos de três ou mais adolescentes
e opor dificuldades à formação de camaradagem em grupos de dois.
4) Outra medida, de ordem geral, é procurar realizar, aos poucos, a aproximação dos
dois sexos, através de trabalhos em grupo, de festinhas etc. (NÉRICE, 1961, p. 136).
Inserida num contexto de anormalidade, a inversão sexual, termo usado para identificar
a homossexualidade no início do século, demandava dos autores o esclarecimento de uma
procedência, tendo sido predominante a explicação biológica. Na metade do século a
possibilidade da outras explicações vinculadas ao ambiente no qual a criança se desenvolvia
começaram a ser consideradas.
O homossexualismo inato pode também ser proveniente de graves
perturbações nervosas que igualmente produzem a epilepsia, a demência e a
idiotia. Pode também ser adquirida devido a certas emoções ou choques
nervosos produzidos na infância pela vista de violências sexuais, do
onanismo ou do coito normal (BARROS, 1956, p. 40).
A mudança de atitude em relação à orientação sexual nos livros sobre educação sexual
foi se constituindo gradualmente a partir de decisões de influentes entidades mundiais de
saúde que descaracterizaram a homossexualidade como doença
7
. Durante algum tempo a
ambigüidade sobre o tema foi predominante, como no texto de Costa (1986, p. 94), onde o
7
Desde 1973, a homossexualidade deixou de ser classificada como doença pela Associação Americana de
Psiquiatria e, na mesma época, foi retirada do Código Internacional de Doenças (CID); a Assembléia-Geral da
Organização Mundial de Saúde (OMS) adotou a mesma postura em maio de 1990, declarando que "a
homossexualidade o constitui doença, nem distúrbio e nem perversão" e que os psicólogos não colaborarão
com eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade. Fonte: Wikipédia (Disponível
em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Homossexualidade>, acesso em 25/02/2007).
88
autor reconhece a existência de certa tendência no sentido de aceitar a “homossexualidade
adulta como uma variante da expressão sexual normal, não menos natural ou saudável que a
heterossexualidade, mas como algo ligado à resolução individual” (grifos meus). E Vitiello
(1997, p. 44) explica que “assim tecnicamente falando, a homossexualidade é apenas um
desvio da orientação sexual” (grifos meus). Marta Suplicy (1988), em seu livro para
adolescentes, justifica que é o ambiente no qual a pessoa vive as experiências emocionais com
os pais que vão definir se ela vai desenvolver a hetero ou a homossexualidade, mas reconhece
que os relacionamentos homossexuais podem ter a mesma intensidade e serem tão
gratificantes quanto os heterossexuais.
A opinião da igreja, entretanto, não acompanhou esta trajetória de absolvição.
Apoiando-se na Sagrada Escritura, os textos católicos ainda incluem a homossexualidade na
categoria de depravação grave e contrária à lei natural ao fechar o ato sexual ao dom da vida.
Este comportamento considerado anormal e oposto à lei de Deus é, segundo os autores
católicos, devido a desequilíbrios que se desenvolvem na criança ou no jovem por problemas
familiares separações, brigas dos pais, mãe dominante, pai fraco, obsessão da mãe pelo
filho, desinteresse e grosseria do pai, forte insegurança, experiência sexual fracassada ou
traumática na adolescência ou educação sexual mal conduzida. (AQUINO, 1996).
Considerando este conjunto de fatores desencadeantes, a igreja defende que a prevenção é a
melhor terapia.
A inexistência de uma explicação definitiva, ou de uma causa específica que possa ser
definitivamente comprovada para o fato de alguns indivíduos apresentarem comportamento
homossexual, diferentes da maioria, tem sido algo que desnorteia o pensamento cartesiano:
“[...] depois de 150 anos de estudos e polêmicas, ainda não sabemos definir com precisão esse
comportamento fluido e multiforme, cuja origem não se conhece claramente” (BADINTER,
1993, p.106). O que conduz a uma argumentação ambígua a respeito do tema, inclusive a
desenvolvida por médicos:
Segundo as próprias vertentes instintivas, podemos considerar normais
as fantasias e os sentimentos ou desejos homossexuais de qualquer indivíduo
na idade adulta. Entretanto, o comportamento habitual regido pelas
conveniências sociais e seguido pela maioria dos indivíduos considerados
normais é a elaboração das tendências homossexuais durante o
89
amadurecimento e sua substituição progressiva pela atividade heterossexual.
À luz da ciência médica, portanto, apesar de ser considerada matéria
controvertida na atualidade, a homossexualidade ainda tem sido considerada
por muitos como um desvio do comportamento sexual do indivíduo adulto e
está inserida no contexto dos distúrbios de conduta. (SOUZA E OSÓRIO,
1993, p. 96).
Um dos caminhos adotados no trajeto cujo destino era a absolvição da
homossexualidade como desvio ou anormalidade foi o do reconhecimento do direito da opção
individual. Caminho que não obteve sustentação por muito tempo devido à conclusão de que a
homossexualidade ou a heterossexualidade não o objetos de escolha pessoal, de que não
um momento na vida do indivíduo no qual ele possa escolher entre as duas alternativas e de
que provavelmente poucos homossexuais, se essa opção lhes fosse proporcionada, teriam
escolhido o caminho da exclusão, discriminação e vitimização que lhes é imposta.
Esta trajetória para liberar a homossexualidade do estigma de anormalidade lembra
uma outra que muito atingiu seu objetivo: a questão da lateralidade. Aproximadamente
dentro dos mesmos índices reconhecidos de indivíduos homossexuais (cerca de 10% da
população), os canhotos foram durante muito tempo discriminados, corrigidos inclusive
com o uso de violência e classificados de anormais. Atualmente o fato de escrever com a
mão esquerda pode até chamar a atenção de algumas pessoas, mas está distante dos rótulos
pejorativos e não se cogita em corrigir a criança com esta característica. Por algum motivo,
que não cabe aqui desvendar, a necessidade de repressão aos canhotos deixou de ser
interessante.
O reconhecimento de que existem diversas formas de relacionamentos amorosos, sem
que nenhum deles esteja no centro ou na periferia da normalidade consolidou-se nos livros
sobre educação sexual do final do século XX. O discurso considerado politicamente correto
que condena qualquer tipo de discriminação e defende o respeito pelas diferenças torna-se
preponderante e os autores adotam a defesa da diversidade, desvelando mais uma vez a
mobilidade dos marcadores que definem as fronteiras entre o normal e o desviante.
Nas atividades com adolescentes sobre o tema orientação sexual desenvolvidas no
Projeto Encontro a ambivalência em relação à homossexualidade ainda é evidente. O que
observamos durante a realização dos módulos é provavelmente o reflexo de um momento de
90
transição no qual as atitudes de crítica, ridicularização, discriminação e condenação estão
permeadas por outras que surgem nas falas dos adolescentes durante debates considerados
sérios e que demonstram tolerância, reconhecimento da diversidade humana e dos direitos das
minorias. Ou seja, na conversa informal entre iguais o gay continua um desviante, motivo de
piada e ironia, mas durante uma atividade coletiva formal são raros aqueles que ainda
defendem uma postura condenatória.
O que foi transmitido aos jovens brasileiros durante o século XX sobre orientação
sexual partiu do conceito de que a homossexualidade era uma perversão passível de
condenação, transitou pela doença que precisava ser compreendida e tratada para conduzir o
indivíduo à normalidade, até atingir o padrão contemporâneo onde os “valores e as normas
dissociam o ato sexual da reprodução, [...] a prática homossexual se aproxima da
heterossexual” aparecendo “como uma maneira legítima de assumir a própria sexualidade”
(VINCENT, 1992, p. 368-9).
Esta transição tem as marcas de uma longa trajetória de homofobia. Ao receber a
inscrição de diferente a homossexualidade foi indispensável para estabelecer a norma
predominante. Norma esta que necessitou, mesmo considerada como natural e normal, da
“mais meticulosa, continuada e intensa vigilância, bem como do mais diligente investimento”
(LOURO, 2001, p. 17). A constituição do normal sempre precisou não apenas de constante
vigilância, mas da condenação do que nele não se enquadra, tendo sido a homossexualidade o
objeto necessário de rejeição para permitir a produção da heterossexualidade. Mesmo quando
ocorreu o deslocamento da perversão para a doença, o indivíduo homossexual permaneceu
estigmatizado. Segundo Badinter (1993, p. 106), “uma vez que a nossa concepção de
masculinidade é heterossexual, a homossexualidade desempenha o útil papel de contraste, e
sua imagem negativa reforça a contrário o aspecto positivo e desejável da
heterossexualidade” (grifo da autora).
A homofobia é a manifestação visível da necessidade de fixar aqueles que se mostram
diferentes e que não se enquadram na identidade sexual predominante, a qual, como todas as
outras racial, étnica, etc. foi historicamente constituída. E a história desta construção
exigiu, por não se tratar de algo natural, que houvesse um contrário, um diferente a ser
nomeado, regulado e mantido aprisionado na ilegalidade, cuja função é desempenhar o papel
de desqualificado num sistema binário que não admite intermediários ou nuances.
91
A proposta atual dos textos de educação sexual, ao reposicionar o conceito de
orientação sexual, exige a reversão de uma formação dos indivíduos cuja tendência sempre foi
no sentido de impor barreiras, empecilhos e discriminação àqueles diferentes da maioria.
Pretende ainda revogar o julgamento da homossexualidade constituído por décadas de
opiniões científicas e doutrinação religiosa no sentido de condená-la à perversão, à
anormalidade ou à doença. E precisa ainda incluir este novo conceito dentro da escola, local
onde tradicionalmente ocorre a legimitização de algumas práticas e identidades sexuais e o
ocultamento de outras.
Demarcar o quanto os adolescentes contemporâneos, ao assumirem uma postura menos
homofóbica em relação às gerações anteriores, estão repercutindo o discurso presente na
mídia e nos programas de educação sexual sobre os homossexuais é algo de difícil
mensuração. Mas as atividades com grupos de adolescentes são evidentes no sentido de
demonstrar que uma postura mais tolerante com os diversos tipos de vivência da sexualidade
está se consolidando neste início de século. E que talvez no futuro se possa ter a mesma
referência à homossexualidade quanto se tem àquela minoria que usa a mão esquerda para
escrever.
4.5 Gravidez na adolescência
Ao lado da Aids, que se tornou no final do século XX a metonímia das doenças
venéreas, a gravidez na adolescência ocupa o lugar mais relevante na educação sexual, sendo
mencionada freqüentemente na mídia, comentada pela sociedade e, na maioria das vezes,
incluída na categoria do inconveniente, do imprevisto e até mesmo do desastre.
Preocupação que é recente, pois é apenas nos livros do final do século que os autores
vão repercutir os discursos que denunciam altos índices de gravidez nesta faixa etária e as
conseqüências classificadas como danosas para quem deveria estar investindo em outros
92
projetos de vida
8
. Discursos que, ao tomarem todos os lugares, destituíram de muitas
adolescentes o direito de vivenciarem a gravidez e a maternidade como algo positivo e
desejável.
Nos primeiros três quartos do século XX o enfoque sobre a gravidez tinha outras
características. Uma delas estava relacionada às adolescentes casadas, das quais a sociedade
não esperava outro comportamento que não o matrimônio e a gestação imediata, pois esta era
a perspectiva das mulheres de todas as classes sociais, principalmente até a década de
sessenta. Para as não casadas, a gravidez era algo improvável em virtude de restrição social
predominante na época quanto à atividade sexual das mulheres antes do matrimônio.
Inserida nesta configuração social, a educação sexual preocupava-se em proporcionar
diretrizes para os adolescentes futuramente constituírem um casal e desempenharem
adequadamente, segundo os padrões da época, os papéis de pai e mãe. Um pai responsável
pela manutenção econômica e moral da família, por estabelecer as regras e impor as sanções
aos faltosos, e por ser o elo de ligação entre a vida privada da família e a vida pública da
profissão. E por uma mãe educada para ser a rainha do lar, hábil nos cuidados com a casa, o
marido e os filhos.
No último quarto do culo diversos deslocamentos sócio-culturais, como o uso da
pílula anticoncepcional, o ingresso da mulher no mercado de trabalho, a afirmação dos
direitos femininos, as alterações nos critérios sobre índices de natalidade adequados, ente
outros, conduziram a mudanças significativas nos conceitos sobre a idade apropriada para o
casamento e a gravidez, o número de filhos e os papéis de marido e esposa. Instituiu-se a
partir de então o consenso de que uma gravidez deveria ser postergada para um período no
qual a mulher já estivesse com seus estudos concluídos e inserida no mercado de trabalho.
A partir deste novo contexto, os argumentos contrários à gestação na adolescência
foram sendo construídos e divulgados, contando com o apoio essencial de considerações
médicas sobre o assunto, o que contribuiu para torná-la semelhante a uma enfermidade a ser
evitada e controlada em termos epidemiológicos. Os meios de comunicação abordam este
tema com freqüência, geralmente adotando o discurso alarmista da precocidade, dos riscos, da
8
A sociedade contemporânea entende como projeto de vida mínimo para adolescentes de ambos os sexos o
estudo até a conclusão de um curso de graduação e a inserção no mercado de trabalho.
93
irresponsabilidade, das conseqüências danosas e da necessidade da prevenção, reforçando o
senso comum destas gestações como problemas a serem evitados. Foi dentro deste contexto
que a gravidez adolescente teve seu perfil alterado e foi incluída no rol da ilegitimidade, da
irresponsabilidade, do mal a ser incessantemente combatido.
Entretanto, seria inadequado dizer que esta evolução sócio-cultural modificou a
gravidez na adolescência de algo previsto e normal para a condição de inadequada, afirmação
que talvez numa análise superficial pareceria evidente. É necessário ressaltar que durante as
décadas iniciais do século XX a mulher entre 15 e 18 anos era considerada como adulta e apta
a estabelecer vínculos conjugais e maternais, evidenciando a mobilidade dos limites etários da
adolescência conforme a época.
A mudança conceitual sobre a adequação da gravidez antes do 18 anos deve-se a fatores
que estão mais vinculados a questões sócio-econômicas do que a idade cronológica. Em
conseqüência, o conceito de adolescência torna-se variável em decorrência destas questões e a
educação sexual vai refletir, através de seus textos e recomendações, a necessidade de reforçar
a idade considerada adequada para o casamento e seu corolário, a paternidade e a
maternidade.
O contexto do final do século XX conduziu a educação sexual no sentido de adotar seus
maiores e mais contundentes investimentos na prevenção da gravidez na adolescência.
Compatibilizando uma liberdade sexual, na qual todos os adolescentes têm o direito de, se
esta for a vontade, ter uma vida sexual ativa, com a inadequação de uma gravidez não
planejada e não inserida num relacionamento conjugal, a educação sexual proporcionou uma
contribuição efetiva para a construção de um discurso incisivo de condenação da gravidez na
adolescência. Neste tema, como em outros incluídos na educação sexual, os discursos adotam
o critério do conceito único, válido para todos, de todas as idades e contextos sócio-
econômicos. A regra geral e que deve ser adotada por todos é evitar a gravidez.
Entretanto, diversas pesquisas (CHEMELLO, 1999: LIMA, 2004, MONTARDO, 2006,
PANTOJA, 2003) têm demonstrado que em um número significativo de adolescentes, longe
de significar um problema, a gravidez está inserida dentro de um projeto de vida no qual a
convivência conjugal e a maternidade são fatores importantes. Nestas situações, a gravidez,
independentemente da idade materna, está longe de representar uma crise, pois se situa dentro
94
de um contexto de normalidade, considerando-se este conceito como algo previsível,
esperado, desejado e não causador de conflitos. Os dados destas pesquisas mostram um perfil
da gravidez na adolescência diferente do conceito de gestação imprevista, indesejada ou
conflituosa, e sugerem que muitas adolescentes das classes populares mantêm um
comportamento semelhante aos das mulheres de gerações anteriores em relação à idade
adequada para assumirem a maternidade e o matrimônio.
Embora não seja em todas as oportunidades algo positivo e isento de riscos ou
problemas, a gravidez na adolescência não é sempre acidental, irresponsável ou problemática
como a educação sexual e o senso comum tendem a estabelecer como verdade.
circunstâncias significativas que precisam ser ressaltadas, entre elas o relacionamento entre o
casal, o contexto e as expectativas familiares em relação à gravidez, as condições prévias de
saúde, o nível de escolaridade e a vinculação com os estudos, a classe social, as condições de
acesso aos serviços de saúde, os projetos pessoais, entre outras. O fato da mãe ser adolescente
não se constitui no único fator a determinar as características de uma gravidez.
O discurso único da educação sexual sobre a gravidez na adolescência, ao promover a
conscientização dos adolescentes para que adiem uma gravidez para mais tarde, traz consigo o
efeito colateral de conduzir à discriminação e à condenação social àquelas adolescentes que,
juntamente com seus companheiros, gostariam de vivenciar com alegria e felicidade a sua
gestação.
Condenação que pode ser um dos principais motivos do elevado índice de abandono
escolar das adolescentes grávidas, ao lado de fatores como baixo rendimento escolar e várias
repetências (AQUINO, 2003; CAMARANO, 1998; SABROZA, 2004). Ao adotar o
argumento da inadequação, poucas escolas conseguem sustentar em sala de aula uma aluna
que, voluntária ou involuntariamente engravidou.
Outro aspecto que se associa à justificativa de prevenir a gravidez não planejada em
adolescentes, nesta educação sexual que adota o discurso amplamente condenatório, é a
substituição do impedimento da relação sexual antes do casamento imposto às jovens. Se
antes a adolescente não podia ter atividade sexual, hoje ela não pode engravidar, mesmo
quando mantém um relacionamento estável com seu companheiro e deseje esta gravidez, pois
esta não será reconhecida como legítima.
95
4.6 Doenças sexualmente transmissíveis e Aids
Em 1935, o médico José Albuquerque escreveu um livro para rapazes no qual aborda as
doenças venéreas, suas formas de contágio e os riscos a elas associados, como a possibilidade
da contaminação dos descendentes até a segunda e terceira gerações. O autor condenava o uso
da “camisa de vênus”, prática por ele considerada inútil e nociva: inútil porque além da
possibilidade de se romper, não protegia senão uma parte limitada dos órgãos sexuais, o pênis,
deixando completamente a descoberto as regiões vizinhas, e nocivo, porque conduzia o
indivíduo, ao terminar o ato sexual, a uma sensação de insatisfação que pela freqüência de sua
repetição poderia conduzir à neurastenia. Desaconselhava também o uso de injeções
antissépticas no canal da uretra, por desnecessárias e prejudiciais e recomendava como único
recurso digno de ser posto em prática após o ato sexual para evitar as doenças venéreas a
imediata lavagem com água e sabão de toda região genital, seguida da aplicação de uma
pomada com a fórmula de Gaudeaucheau
9
(ALBUQUERQUE, 1935).
Os discursos incluídos na educação sexual para os adolescentes contemporâneos trazem
algumas diferenças em relação às ponderações de Albuquerque. Uma delas é que eles não se
dirigem apenas aos rapazes. Outra é que as doenças venéreas passaram a ser denominadas
doenças sexualmente transmissíveis (DST) e incluíram em sua relação uma enfermidade ainda
mais ameaçadora do que as conhecidas até então: a Aids. A pomada de Gaudeaucheau foi
definitivamente substituída pelo preservativo de látex, atualmente considerado um método
preventivo seguro.
No Brasil, desde o início do século XX, dois tipos de discursos defendem métodos
diferentes de prevenção das doenças decorrentes do contato sexual. Um deles reconhece e não
9
A fórmula de Gaudeaucheau, cujos componentes não estão descritos no livro, protegeria contra a blenorragia e
a sífilis, poderia ser facilmente manipulada em qualquer farmácia, era de baixo custo e de fácil transporte, pois
poderia ser conduzida no bolso, segundo a descrição de Albuquerque (1935).
96
restringe a atividade sexual dos jovens. É a linha adotada por Albuquerque e que no final do
século, com o respaldo do Ministério da Saúde, ampliou-se para abranger ambos os sexos e
estimular o uso do preservativo através de campanhas publicitárias e de distribuição gratuita
em postos de saúde e em épocas especiais, como o carnaval.
O outro discurso é o da igreja católica, que considera a abstinência como a única
conduta aceitável na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e condena o incentivo
ao uso do preservativo, pois isto estaria induzindo a promiscuidade. Esta postura tem se
mantido ao longo do século e está presente em textos escritos por Barros (1956, p. 132) “a
continência é o único meio de se garantir a si e à própria descendência contra os desastres de
infecções que envenenam” e de Campos (1951, p. 121) ao reconhecer que “quando bate o
rijo vendaval das paixões, o medo do contágio não é âncora suficientemente forte para reter a
nau desgovernada”, e que a força da cris e de um ideal religioso são capazes de
garantir a castidade e evitar a promiscuidade.
A igreja defende que a educação sexual para os adolescentes deve se fundamentar na
moral, na ética e no ensino do autodomínio e que a outra face do discurso do sexo seguro seria
o incentivo ao sexo livre e à imoralidade. Em nota oficial sobre a distribuição de preservativos
em escolas, uma proposta dos Ministérios da Saúde e Educação, a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) declara que há urgência de um verdadeiro plano de educação sexual
que valorize a afetividade, a responsabilidade e a fidelidade. A nota
10
afirma também que a
verdadeira e plena expressão da relação sexual se encontra no matrimônio e que a população,
especialmente dos adolescentes e jovens, deve ter acesso às informações necessárias que
proporcionem um estilo de vida saudável e comportamentos pautados nos valores humanos e
cristãos e não apenas na distribuição de preservativos
11
.
10
Nota da CNBB sobre o programa de distribuição de preservativos, 28 de agosto de 2003, disponível em
<http://www.cnbb.org.br/index.php?op=pagina&chaveid=253.10>, acesso em 17/02/2007.
11
Divulgada em março de 2007, a exortação apostólica Sacramentum Caritatis (Sacramento do Amor) publicada
pela igreja católica e assinada pelo papa Bento XVI, reafirma os princípios básicos do catolicismo, incluindo a
defesa da família tradicional (aquela formada por um homem e uma mulher com o intuito de ter filhos) e a
condenação do divórcio. A íntegra do documento encontra-se em <http://www.veritatis.com.br/article/4179>
(acessado em 05/04/07). Na mesma época da divulgação do Sacramentum Caritatis, a imprensa divulgou a
possibilidade da igreja liberar o uso do preservativo dentro do casamento no caso de um dos parceiros estar
contaminado pelo vírus HIV. Entretanto, ao
a data da apresentação desta dissertação, a posição oficial da
igreja é a de proibir os católicos de utilizarem o preservativo.
97
Com os nomes de doenças venéreas ou doenças sexualmente transmissíveis (DST), a
prevenção das doenças vinculadas ao sexo acompanhou a trajetória da educação sexual
durante todo o século. Vincent (1992, p. 382) relata que a primeira metade do culo viu-se
assombrada pelo avanço da sífilis e por discursos apocalípticos que anunciavam a “sifilização
de toda a espécie humana, caso a moral não prevaleça sobre os impulsos”, situação que
começou a se reverter após a Segunda Guerra Mundial com o surgimento dos antibióticos. Na
segunda metade do século a sífilis e as outras doenças sexualmente transmitidas perderam
importância no contexto da saúde pública.
A partir de 1980, quando surgiu a epidemia da síndrome de imunodeficiência adquirida,
causada pelo vírus HIV e cujos primeiros casos brasileiros foram constatados em 1984, as
doenças vinculadas ao sexo retomaram a posição de eventos importantes a serem combatidos.
Nesta época, a doença foi vinculada aos indivíduos incluídos nos denominados grupos de
risco: “as possibilidades de contrair AIDS são maiores entre os homossexuais e bissexuais que
trocam intensamente de parceiros, os viciados em drogas injetáveis e os hemofílicos”
(COSTA, 1986, p. 153). A associação com o comportamento homossexual foi predominante e
o uso do termo “peste gay” disseminou-se rapidamente, embora tenha ocupado espaço
significativo o discurso que buscou associar a Aids ao castigo divino em decorrência do que
alguns consideram como promiscuidade sexual da sociedade do final do século.
O perfil da doença alterou-se nos últimos anos do século XX induzindo a uma nova
abordagem que excluiu os grupos de risco como os mais vulneráveis e a campanhas
preventivas direcionadas a todos os indivíduos. Esta mudança de postura, entretanto, segundo
Pizarro (2006, p. 64), pouco mudou em termos de preconceito, apesar de todos os debates e
informações sobre a transmissão e o tratamento da Aids: “[...] ainda hoje se associa Aids à
homossexualidade, promiscuidade, drogadição, numa atitude excludente que relaciona Aids a
um comportamento irresponsável, delinqüente ou de opção sexual divergente ou pervertida”.
A Aids não apenas ocupou o lugar deixado temporariamente vago pela sífilis como
grave ameaça à saúde dos indivíduos, mas ampliou a possibilidade de atuação cada vez mais
eficaz das disciplinas dos corpos e das populações. A partir da década de oitenta todos os
textos sobre sexualidade adolescente mencionam a possibilidade de contaminação pela Aids e
a necessidade do uso de preservativo nas relações sexuais. São tempos “[...] em que amor e
doença, sexo e morte, descoberta do prazer e iminência de destruição vêm, mais do que
98
nunca, intimamente ligados” (FISCHER, 1996, p. 99). Harrison (1996, p. 8) lembra seus
leitores que o sexo pode ter sido “apresentado como o caminho para a felicidade, mas ele
também contém a ameaça de morte por AIDS”
12
.
O poder sobre a vida dos indivíduos e sua indispensável normatização definiu como
essencial a recomendação quanto ao uso do preservativo em todas as relações sexuais e a
redução do número de parceiros. Esta diretriz é coerente com os diversos mecanismos
desenvolvidos no século XX que evidenciam a preocupação dos governos com a população e
a importância que assumem os problemas de saúde neste contexto. Exemplos destes
mecanismos são a obrigatoriedade das vacinas e das carteiras de saúde para as crianças e o
acompanhamento médico das gestantes. Por se encontrar simultaneamente vinculado às
esferas privada e pública, o domínio da saúde torna inevitável que, quando um problema
assume importância relevante, o Estado intervenha (PROST, 1992). A Aids foi, sem dúvidas,
incluída como um destes problemas.
Inserida nesta diretriz, a educação sexual assumiu a função essencial de atuar como um
dos instrumentos através dos quais os adolescentes são induzidos a modificar os
comportamentos considerados de risco e assimilarem o uso do preservativo como uma atitude
racional e responsável. O sexo seguro tornou-se o aval da sociedade para o exercício da
sexualidade adolescente.
Como ocorre em outros de seus temas, também aqui os textos da educação sexual
desenvolvem uma argumentação que não incluí o contexto sócio-cultural, as influências
econômicas e as condições de acesso aos serviços de saúde daqueles que serão seus focos. A
educação sexual tem se caracterizado pela dificuldade em reconhecer que se encontra inserida
em muitas circunstâncias de exclusão social e econômica, das quais parcela significativa dos
adolescentes brasileiros faz parte e para os quais o risco de contaminação pelo rus HIV é
uma entre tantas outras situações de vulnerabilidade. E que em certos momentos, como os da
vivência de prazer sexual, a não disponibilidade de um preservativo talvez não seja fator
suficiente para retirar da Aids a vinculação com um risco a mais entre tantos outros.
12
Esta afirmação é semelhante à do médico Daniel Alduc (1951) citada no capítulo 2, item 3 (Os perigos da
sexualidade): “o amor, propagador da vida, é também, um poderoso difundidor da morte”.
99
O investimento das campanhas e dos textos para adolescentes com o intuito de prevenir
a Aids é no indivíduo, o qual deve assumir como sua a responsabilidade de evitar a
contaminação. A conseqüência desta linha de ação é a não aceitação da possibilidade do
indivíduo ter um comportamento ambivalente em relação à proteção e de que não tenha
interiorizado a norma da responsabilidade, o que tem conduzido à condenação moral
inflexível aqueles que se contaminam (BOZON, 2004-b)
13
.
A preocupação com a questão dos prazeres, principalmente os sexuais, a relação que se
pode ter com eles e o uso que deve ser feito deles, permanece atual. Como atual ainda é a
constatação de que não são as interdições, mas a insistência sobre a atenção que convém ter
para consigo mesmo, a importância de se respeitar a si mesmo, suportando a limitação e a
privação dos prazeres.
A educação sexual reproduz textos que valorizam o cuidado de si, esta “intensificação
da relação consigo pelo qual o sujeito se constitui enquanto sujeito de seus atos”
(FOUCAULT, 2005-a, p. 47). E mantém, para intensificar e valorizar esta relação de si para
consigo, vínculos estreitos com o pensamento e a prática médica, os quais definem maneiras
de viver com o próprio corpo, com o alimento, com a vigília e o sono e com o sexo –,
propondo “sob a forma de um regime, uma estrutura voluntária e racional de conduta
(ibidem, p. 106).
O ato sexual é, muito tempo, considerado algo perigoso, localizado muito próximo
do pecado ou da doença, necessitando ser constantemente vigiado e inserido num sistema de
permanente controle.
4.7 Relacionamentos
13
É constante a tendência de responsabilizar o indivíduo pela contaminação por doenças, pela obesidade, pela
gravidez considerada inoportuna, pelos acidentes –, sem uma análise mais adequada das condições sociais que
determinam a vulnerabilidade deste indivíduo a estas situações.
100
Adultos e adolescentes, nos papéis de pais e filhos ou professores e alunos, estão
muito tempo em jogos constantes nos quais uns defendem as suas regras e outros insistem em
transgredi-las e inventar novas. O relacionamento afetivo-sexual dos adolescentes é um destes
jogos cujas regras se caracterizam por ajustes permanentes, desestabilizando outras questões
como relações de gênero, envolvimento do corpo, coabitação e durabilidade das relações. Esta
instabilidade que induz os adultos a constatarem a transgressão de normas por eles
vivenciadas é o mecanismo necessário para o equilíbrio entre as regras, limites e valores
impostos pelos pais e a busca de autonomia e liberdade por parte dos filhos, numa permanente
negociação inter-geracional e realização de acordos (BRANDÃO, 2004).
A educação sexual refletiu no transcorrer do século XX as modificações nos
relacionamentos entre adolescentes. As recomendações para a condução de um namoro
marcado pela estrita vigilância dos pais da moça e do qual a relação sexual não estava
prevista, cederam espaço para textos que agora abordam uma outra modalidade de
relacionamento que escapou do controle familiar e cujos contornos são definidos pelos seus
protagonistas.
Os livros dos padres Negromonte (1951) e Charbonneau (1985) trazem uma intensa
preocupação com a possibilidade de ocorrer durante o namoro ou o noivado a precipitação, o
gesto impensado, as concessões levianas, a imprudência, antecipando algo que deveria estar
reservado para após o casamento. O ato sexual era considerado, portanto, como algo muito
provável de acontecer entre os namorados, o que requeria dos pais tanto a orientação prévia
da moça para se resguardar como a vigilância permanente.
Os rapazes eram orientados no sentido de se preparem para exercerem os papéis de pais
e chefes de família, aos quais as mulheres seriam subordinadas. Campos (1951) recomendava
que assim como a igreja era sujeita a Cristo, as mulheres deveriam se sujeitar aos seus
maridos. Mas estes deviam amar suas mulheres, servindo-se serenamente de sua autoridade,
sem escravizá-las.
O processo que envolvia diversas etapas em gerações anteriores, como o flerte, o pegar
na mão e o namoro, foi substituído pelo relacionamento afetivo-sexual típico dos adolescentes
101
contemporâneos. O ficar é um tipo de relacionamento cujas marcas são o descompromisso, a
transitoriedade e onde o contato corporal entre os envolvidos é assumido como um
componente esperado desde o primeiro encontro. O desejo de manter contato físico, tocar e
ser tocado, sentir excitação e prazer, explorar, conhecer tudo num momento, não está
vinculado a qualquer necessidade de interações posteriores entre os pares.
O ficar não é apenas uma nova maneira dos adolescentes se relacionarem. Em seu
entorno encontram-se mudanças comportamentais cujas repercussões mais significativas têm
sido sobre as jovens. A liberdade de fazer escolhas, de tomar a iniciativa, de assumir sua
condição de sujeitos com direito ao prazer são pontos significativos na mudança cultural dos
relacionamentos, mesmo com certas limitações
14
, que as adolescentes conquistaram. Uma
destas conquistas é um direito que historicamente lhes foi negado: o de vivenciar a
sexualidade sem consolidar vínculos afetivos ou amorosos, o que sempre foi uma prerrogativa
do sexo masculino.
Coerentes com este tipo de relacionamento, os textos de educação sexual destacam
objetivos como ensinar o adolescente a identificar e expressar seus sentimentos, usufruir de
intimidade e prazer, defender-se de vínculos nos quais se sinta manipulado ou explorado e
desenvolver relacionamentos significativos (SUPLICY et. al, 1994). Agora os amores não são
necessariamente únicos e podem ter prazo de validade. Os relacionamentos eventuais são
nomeados como possibilidade de vivenciar intimidade, prazer e também, mas não
necessariamente, amor.
A aparente distância entre as recomendações de Negromonte e as dos programas de
educação sexual do final do culo seria o reflexo de um progressivo relaxamento de regras e
de controle paterno sobre o comportamento sexual dos jovens. Mas a configuração desta
distância não se constitui a partir da ausência de controles e sim na forma sistemática pelas
quais eles atuam.
Os novos padrões de relacionamentos - o ficar com sua transitoriedade, o namoro do
qual a relação sexual é um componente socialmente aceito, a coabitação que desloca o
14
Entre as limitações que ainda persistem está a restrição ao número de parceiros, pois enquanto ao rapaz a
quantidade ainda pode significar um reforço da masculinidade, para a jovem pode estar sendo um divisor entre o
socialmente aceitável e ao “exagero”, este associado a termos pejorativos.
102
casamento formal e oficial para segundo plano seriam algumas das marcas de uma
revolução sexual que marcou o final do século. Revolução que teria revogado as obrigações e
as normas até então vigentes em termos de sexualidade.
Entretanto, os deslocamentos estão mais vinculados aos sujeitos do que às normas e
obrigações. As transformações ocorridas nas últimas décadas não são decorrentes da
emancipação, da liberação ou supressão de normas, mas de um reposicionamento das
exigências e dos controles sociais no sentido do indivíduo ou de uma interiorização, tendo
ocorrido “[...] a passagem de uma sexualidade estruturada através de controles e disciplinas
externas aos indivíduos a uma sexualidade organizada através de disciplinas internas”
(BOZON, 2004-b, p. 119).
A educação sexual do adolescente do final do século não está dirigindo seus discursos a
um universo adolescente sem normas ou controles. Pelo contrário, se aos jovens não se
restringe a atividade sexual, por outro lado estes estão submetidos a julgamentos sociais
estritos, nos quais eles mesmos, através do que Bozon (idem) denomina de “norma de grupo
de idade”, definem quais comportamentos são aceitáveis e quando eles devem ocorrer.
Uma das normas atuais é a necessidade ou obrigatoriedade da proteção no início dos
relacionamentos sexuais, passando a ser consideradas desviantes, problemáticas ou de risco as
relações desprotegidas. A exigência do uso do preservativo vai além do medo da
contaminação ou de uma gravidez indesejada ao se configurar numa atitude socialmente
responsável e que representa o cuidado consigo que o indivíduo desenvolveu. A substituição
de controles e disciplinas externos praticados pelos pais para mecanismos internos dos
indivíduos transferiu aos jovens a responsabilidade de conciliar a exigência de reciprocidade
com a realização individual; manifestar simultaneamente espontaneidade e autocontrole;
comprovar flexibilidade e coerência em todas as situações” (BOZON, 2004-a, p. 152).
Esta nova normatividade, na qual prevalece a individualização
15
da sexualidade e a
multiplicidade de normas ao contrário de uma suposta ausência, tem conduzido os indivíduos
a desenvolverem um trabalho sobre si, no sentido de estabelecerem por si mesmos a coerência
de suas experiências íntimas. Esta nova sistemática normativa apoia-se sobre controles
103
internos, elaborados dentro das redes de amigos e confidentes ou diretamente na interação
entre parceiros, em seguida praticados e interiorizados pelos indivíduos (BOZON, 2004-b).
Nesta reorganização de elementos que destaca o indivíduo e ressalta os seus direitos, o
sentido determinista das normas em muitos aspectos apenas se deslocou do proibido para o
obrigatório. A possibilidade pode ter se tornado um imperativo no qual o sujeito é induzido a
perceber que aquilo que antes era proibido, agora não é apenas permitido ou opcional, mas
tornou-se a única opção possível. Ao assumir o conceito de que “se eu posso, eu devo”, o
indivíduo adota a obrigação de ter prazer e um bom desempenho sexual como norma,
levando-o a buscar recursos artificiais que estimulam uma demanda por medicamentos, como
o uso de Viagra por jovens, por implantes de silicone e por métodos que proporcionem o
aumento dos órgãos genitais masculinos.
Entre as críticas à sexualidade contemporânea – nomadismo sexual dos indivíduos,
tirania do prazer e do desejo, permissividade e promiscuidade e os elogios - consagra o
direito ao prazer, liberação das minorias sexuais, igualdade sexual entre mulheres e homens,
acesso generalizado à contracepção –, Bozon (2004-a) considera que a parte essencial das
transformações dos comportamentos sexuais a partir dos anos 60 decorre de mudanças que,
em princípio, não dizem respeito à sexualidade, como a massificação da educação ou o
crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho. E que, por outro lado, as
transformações das relações sociais, na e pela sexualidade, talvez sejam menos radicais do
que se tem afirmado: elas antes constituem uma interiorização do que um relaxamento dos
controles sociais.
4.8 Gênero
16
15
O Estado moderno permitiu que a sociedade reconheça o indivíduo, desde que este apresente como credencial
a inserção em determinados modelos (FOUCAULT, 1995).
16
O conceito de gênero decorre da interpretação de que fêmea não tem o mesmo significado de mulher, ou
macho de homem, e que o sexo biológico não determina a priori os comportamentos, atitudes, interesses ou
papéis sociais de um indivíduo. Gênero é então utilizado para se referir à organização social da relação entre os
104
Uma das atividades do Projeto Encontro, no módulo sobre gênero, é apresentar aos
alunos participantes perfis de indivíduos para que eles identifiquem o sexo. Em todas as
oportunidades em que esta atividade foi desenvolvida, a maioria dos alunos definiu um dos
sexos com base em características como profissão, hábitos, postura social, temperamento e
emotividade. A opção “não sei” ou “não é possível definir com base nas informações
prestadas” raramente foi manifestada, embora durante o debate sobre o tema tenha ocorrido o
consenso de que estas eram as respostas mais adequadas a partir das informações fornecidas.
Esta postura ambígua dos adolescentes contemporâneos, que num momento reconhecem
identidades sexuais e logo a seguir concordam que elas não estão fixas no homem ou na
mulher, reflete a transição entre uma sociedade que ainda determina características específicas
para cada sexo e, simultaneamente, tenta desconstruir os conceitos de natureza masculina e
feminina, num processo lento onde certas representações proporcionam “uma visibilidade e
uma força tão grandes que deixam de ser percebidas como representações e são tomadas
como sendo a realidade” (LOURO, 2001, p. 46).
Durante muito tempo os adolescentes de sexos diferentes receberam educação sexual
diferenciada, atitude coerente com uma sociedade que começa a construir meninos e meninas
antes de seus nascimentos. Foi somente nas duas últimas décadas do século XX que os livros
de educação sexual começaram a adotar um discurso compatível com os novos conceitos
sociais sobre os papéis masculino e feminino, e unificaram seu conteúdo para ambos os sexos.
A constatação de que os adolescentes estão assimilando novos conceitos sobre gênero, mas
que ainda se encontram emaranhados nos mais antigos, se justifica pela influencia de diversos
discursos que proliferaram durante o culo passado, como aqueles produzidos pelo
movimento médico-higienista brasileiro, produtor dos papéis masculino e feminino na família
e na sociedade
17
.
Em capítulos e seções anteriores desta dissertação incluímos exemplos de como era a
abordagem da educação sexual para cada sexo nos livros da primeira metade do século XX e
o quanto ela era diferenciada. São textos dirigidos aos pais, professores e aos próprios
sexos, tratando-se, portanto, de uma construção social e histórica e dependente de como cada sociedade constitui
um homem a partir do macho e uma mulher a partir da fêmea (SCOTT, 1995).
17
Ver capítulo 2 sobre o movimento médico-higienista.
105
adolescentes, que proporcionam visibilidade às estratégias que se articularam para definir a
construção de determinados tipos de rapazes e moças, onde se contata, por exemplo, que para
as meninas a preocupação se restringia a prepará-las para o casamento e a maternidade, não
sendo necessário discorrer sobre sexo, pois sobre este elas seriam iniciadas apenas pelos
maridos. Era para os rapazes que a educação sexual aplicava seus investimentos mais
consistentes, ora tentando valorizar a castidade, ora alertando sobre os riscos das doenças
venéreas.
O conceito de que homens e mulheres são diferentes, mas não desiguais está presente no
livro de Suplicy (1988), no qual a autora apresenta comentários sobre os papéis sexuais,
esclarecendo que eles são determinados pela cultura e pela sociedade e m mudado através
dos tempos. O livro contem afirmações como garotas não nascem com tendência para lavar
pratos nem garotos com inclinação para sustentar as mulheres” (p. 84), mas ainda estão
presentes representações sobre posturas masculinas e femininas:
As expectativas num namoro o, na maioria das vezes, muito
diferentes para meninos e meninas. Enquanto a maioria dos rapazes está
doida para beijar, tocar a menina e ter o máximo de intimidade sexual que
puder, ela geralmente está interessada em sair com ele, namorá-lo, apreciar
sua companhia. Mas a relação sexual ainda não faz parte de suas vidas. As
meninas também querem descobrir o sexo, mas num ritmo diferente dos
garotos (SUPLICY, 1988, p. 82).
18
O Guia de Orientação Sexual (SUPLICY et al, 1994) é o manual que introduz na
educação sexual o conceito de gênero e destaca que as sociedades, ao estabelecerem modelos
de conduta específicos e distintos para as pessoas em função do seu sexo, determinam
estereótipos gidos a respeito do que é ser homem ou mulher. Os textos de educação sexual
começaram a destacar a necessidade de se distinguir a dimensão biológica dos atributos
culturais de cada um dos sexos e de se reconhecer que há múltiplas maneiras de um indivíduo
ser homem ou mulher. As discussões sobre relações de gênero foram, no final do século,
incluídas nos programas de educação sexual com o objetivo de possibilitar a “análise de
18
Embora com razões diferentes entre os autores, este texto é semelhante ao escrito pelo padre Negromonte
citado na página 29.
106
antigas (mas ainda presentes), definições do que é ser homem ou mulher na nossa sociedade,
assim como a construção de novas definições possíveis” (SUPLICY, 2000, p. 60).
Sem desvalorizar a biologia, pois é nos corpos masculino e feminino que as
transformações da puberdade se manifestam, que uma gravidez tem sua origem e
desenvolvimento e as doenças sexuais se estabelecem, a educação sexual assumiu os
discursos que reivindicam atenção sobre a configuração histórica e social que ao longo do
tempo se estabeleceu sobre estes eventos biológicos. A inclusão do eixo “relações de gênero”
na proposta de educação sexual dos Parâmetros Curriculares Nacionais atende a esta
necessidade de reverter alguns e validar outros conceitos.
Nesta redisposição dos papéis sexuais é perceptível que as transformações de maior
significado se refletiram mais no comportamento feminino do que no masculino. Esta
influência é evidente no rompimento da exigência do casamento para que a mulher tivesse
direito à atividade sexual, na autonomia para iniciar e desfazer relacionamentos, na liberdade
de decidir sobre o momento adequado para assumir a maternidade. Mas alguns conceitos
ainda prevalecem, como o de que os homens se encontram submetidos a impulsos sexuais
incontroláveis enquanto as mulheres detêm maior domínio sobre sua sexualidade e de que a
multiplicidade abusiva de parceiros sexuais continua comprometendo a honra feminina:
Enquanto os homens são encarados como sujeitos do desejo
independentes, as mulheres continuam a ser vistas como objetos a serem
possuídos, ou como sujeitos cujo desejo é moderado. Incumbe às mulheres
resolver as tensões da sexualidade: espera-se que elas tentem estabilizar e
regular o desejo dos homens, contendo-os dentro de uma relação amorosa ou
dentro de um casal (BOZON, 2004-a, p. 94).
Silva (2001) relata em sua dissertação de mestrado um tipo de festa freqüentada por
adolescentes de sétimas e oitavas séries caracterizada pelo uso de um selinho, o qual
geralmente tem as três cores dos sinais de trânsito. O selinho verde é usado pelas meninas que
estão disponíveis para estabelecer relacionamentos, o amarelo, é para as que estão
envolvidas com alguém, mas eventualmente, dependendo do interessado, poderão trocar de
parceiros. O selo vermelho é um indicativo de que a menina não está disponível, ou porque
107
tem namorado ou porque não está interessada em se relacionar naquela oportunidade. Os
meninos não recebem selo, porque eles devem estar sempre disponíveis para eventuais
relacionamentos, caso contrário serão discriminados pelos amigos e pelas meninas.
É possível perceber neste comportamento a permanência de valores que, apesar de
diversas mudanças nos relacionamentos entre parceiros, ainda se mantêm presentes com
significado importante. No aspecto masculino, persiste a percepção de que o homem não pode
negar, dizer não, sob pena de ser julgado como um transgressor de regras. No feminino, ainda
está presente a necessidade de evitar a rotatividade e a responsabilidade de determinar os
limites até onde o rapaz pode ir (SILVA, 2001).
Esta coexistência de valores resulta de um processo demorado que tenta reverter
conceitos consolidados mais de um século
19
. Contribui também para esta ambivalência a
distância ainda presente entre o que diz a educação sexual e o que a escola produz, fala e
pratica. Definida como o local mais adequado para o desenvolvimento de programa de
educação sexual, a escola, em geral, “não disponibiliza outras formas de masculinidade e
feminilidade, preocupando-se apenas em estabelecer e reafirmar aquelas consagradas como
sendo ‘a’ referência” (FELIPE e GUIZZO, 2004, p. 33). Os modos diferentes daqueles
estereótipos masculino e feminino definidos como adequados desde a intervenção higienista
na sociedade não têm visibilidade no espaço da escola, onde ainda predomina o investimento
na produção de um determinado tipo de homem e mulher e não de outros.
4.9 O prazer com responsabilidade
19
Estes conceitos estão fundamentados em décadas de produção da concepção da inferioridade biológica das
mulheres, para a qual argumentações como as de Cesare Lombroso foram fundamentais. Lombroso foi um
médico criminologista e professor de psiquiatria italiano que em publicação de 1893 descrevia a mulher como
portadora de inúmeras deficiências, como mais infantis, com menor sensibilidade moral e com inteligência
menor do que os homens. Ele considerava que a mulher era capaz de manter a castidade, algo impossível ao
homem, e, com esta argumentação, justificava que as leis sobre o adultério fossem aplicadas às mulheres
(COLLING, 2000).
108
É neste último item sobre os temas incluídos na educação sexual para adolescentes que
se encontram as semelhanças mais próximas entre os escritos da primeira e da segunda
metade do século e entre os discursos católico e leigo. A preocupação de que a
responsabilidade estivesse associada ao sexo manteve-se presente mesmo quando o prazer foi
reconhecido como um direito de todos e muitas das restrições do início do século adotaram
outros critérios. Embora o instinto tenha perdido importância no decorrer das décadas, a
necessidade de um comportamento responsável permaneceu necessária para preservar o bem
estar dos adolescentes:
O maior esforço educativo deve ser dirigido para mostrar ao jovem
que o sexo não é fonte exclusiva de prazer e sim principalmente de
responsabilidade. O aviltamento do homem está em transformar uma de suas
mais importantes funções, que é a sexual, em apenas fonte de gozo, com o
desvirtuamento completo de suas autênticas finalidades. Na verdade, o sexo,
com suas conseqüências individuais e sociais, é fonte de responsabilidades.
[...] Assim sendo, homem e mulher precisam considerar o sexo como fonte
de responsabilidades com relação a eles mesmos, aos filhos e à sociedade
(NÉRICE, 1961, p. 161).
Na década de noventa é no mesmo sentido que os pais são orientados a proporcionarem
condições para que seus filhos adolescentes possam “usufruir de uma sexualidade com afeto e
responsabilidade, o que significa valorizar as relações amorosas, respeitar os parceiros e
tomar as medidas para evitar uma gravidez indesejável e doenças sexualmente transmissíveis”
(SOUZA e OSÓRIO, 1993, p. 99). O sexo nunca perdeu a característica de estar associado ao
risco, à possibilidade de queda e a ameaças de doenças e morte, o que tornou permanente a
exigência de cuidados. A responsabilidade para consigo e com o outro nunca pode ser
minimizada.
Parceira inseparável da responsabilidade é a condenação do exagero. O médico
Albuquerque (1940), mesmo considerando a abstinência um comportamento inadequado aos
indivíduos, acentuava que os excessos sexuais também eram prejudiciais. Esta também era a
opinião do padre Charbonneau (1985, p.7) ao escrever que “não se pode ser feliz quando se
vive mergulhado numa sexualidade exagerada”.
109
Mesmo quando os textos sobre educação sexual descortinaram o prazer como uma
possibilidade e um direito, numa relativa compensação aos temas prevalentes de prevenção de
gravidez e Aids, “a grande mudança que um trabalho de orientação sexual na escola traz é
poder discutir a questão do prazer” (EGYPTO, 2003, p. 18), ainda é necessário reconhecer
até onde é possível e se quer, pode e consegue ir, respeitando os limites próprios e do outro,
valorizando escolhas individuais e assegurando o direito de dizer não (SAYÃO, 1995).
A educação sexual sempre pretendeu falar do sexo sobre o ponto de vista purificado e
neutro da ciência, mesmo quando incluiu o corpo erótico como indissociável do reprodutivo.
Uma ciência feita de esquivas que conduziu a abordagem do sexo pelo viés das perversões,
aberrações, patologias e extravagâncias, da vinculação essencial a normas médicas e que “a
pretexto de dizer a verdade, em todo lado provocava medos” (FOUCAULT, 2005-b, p. 54).
Esta ciência do sexo preocupou-se em pesquisar, ouvir, catalogar e decifrar, embaralhando as
relações entre poder, prazer e verdade para administrar o sexo através de discursos úteis e
normativos, mantendo-o na função de atuar na integração social, na saúde pública e na
reprodução da população.
Na educação sexual essencialmente científica não espaço para o erotismo, o qual foi
deslocado para o subterrâneo da ilegalidade da pornografia
20
. Era lá, na clandestinidade,
longe da família, que a liberdade, rompendo com o higienismo, com as normas e com as
regras que definem o que é normal, pode se manifestar durante muito tempo. Foi somente no
contexto social do final do século XX que a necessidade de permanecer exigindo do indivíduo
um comportamento responsável conduziu a uma imprecisão dos limites entre o que é de foro
íntimo e o que é de domínio público e a uma reestruturação do conceito de normalidade em
questões sexuais:
Em resumo, poderíamos dizer que o ‘normal’ em sexualidade se
resume ao satisfazer-se e satisfazer sexualmente seu parceiro ou parceira,
desde que isto não traga riscos ou danos a si mesmo, ao (ou à) parceiro e ao
meio social. Dentro desse princípio, o que cada pessoa ou cada par faz no
âmbito restrito de suas vida privadas a eles próprios interessa, cabendo a
nós, como indivíduos e como membros da sociedade, respeitar as naturais e
20
Segundo Vincent (1992, p. 378) “é fluída a fronteira entre o erotismo (aceito) e a pornografia (condenada)”; a
pornografia, ao contrário do erotismo, não sugere nem desvela, exibe tudo, não interpõe nada entre o espectador
e o objeto de seu desejo.
110
enriquecedoras diferenças que fazem do ser humano algo de tão maravilhoso
(VITIELLO, 1997, p. 48).
O conceito de comportamento normal rompeu barreiras e segundo Sayão (1995, p. 99),
“se prazer para os dois, se os dois se curtem, não machuca o corpo, não humilha, não
extrapola os limites de cada um, não perturba ninguém, está valendo! Os dois, juntos, é que
decidem o que deve ser normal para o casal”. Esta maleabilidade da educação sexual em se
adaptar às novas verdades aparenta uma preocupação com o indivíduo e sua liberdade. Mas se
é para o sujeito que as orientações, os conselhos e as normas apontam, é no seu corpo que elas
se fixam. É “no seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças,
no crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de
controle eficazes e econômicos”, é neste corpo enquanto suporte de processos biológicos
“os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde, a duração da vida, a longevidade” –, que se
instalou uma tecnologia “recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da
vida” (FOUCAULT, 2005-b, p. 131).
111
5 A METODOLOGIA DA EDUCAÇÃO SEXUAL
A última questão analisada nos livros que foram objetos desta pesquisa foi a respeito
dos métodos sugeridos pelos autores para o desenvolvimento da educação sexual, ou seja,
como transmitir aos jovens as informações consideradas necessárias. Constata-se que, assim
como em muitos dos tópicos anteriores, as principais divergências estão entre as proposições
católicas e as dos autores leigos, ou, dito de outra forma, entre os discursos religioso e aqueles
considerados científicos produzidos e reproduzidos por médicos, psicólogos e professores
com o respaldo do Estado.
Entre estas duas posições percebe-se como mais restritiva aquela adotada pela igreja
católica, pois, assim como defendia a família como o local adequado para a formação sexual
dos indivíduos e combatia a educação coletiva nas escolas, os padres adotaram a proposta de
uma educação sexual vinculada apenas aos aspectos morais e religiosos. Os demais autores
ampliaram as perspectivas da educação sexual ao, mesmo considerando relevante a questão
religiosa sob o ponto de vista do indivíduo, investirem numa abordagem que inclui aspectos
vinculados à biologia, fisiologia, relacionamentos e comportamentos.
Os livros escritos pelos padres na primeira metade do século XX são explícitos no
sentido de não condenar a educação sexual, mas ressaltam a contrariedade da igreja a certos
métodos adotados pelos autores leigos como, por exemplo, a educação coletiva, a precoce, a
que é realizada sem os elementos “sobrenaturais”, a restrita aos aspectos intelectuais,
fisiológicos ou técnicos, a que estimula o pecado ou a que desrespeita o pudor
(NEGROMONTE, 1951).
Com o objetivo de desqualificar os métodos considerados científicos, os padres
desenvolveram argumentos contrários a utilização de palestras e de prospectos
governamentais que divulgam métodos para a prevenção das doenças venéreas, como os de
Negromonte (1951, p. 71) ao escrever que “estes educadores querem assegurar a saúde do
corpo com o sacrifício da saúde moral”, os de Campos (1951, p. 25), “o que importa não é
instruir, é formar”, e “não se trata de ciência, mas de consciência”.
112
Na mesma época em que os padres publicavam seus livros com a posição católica a
respeito de como ensinar temas sexuais aos jovens, o médico José de Albuquerque estava no
auge de suas campanhas que visavam difundir uma educação sexual cujo enfoque privilegiava
a ciência como elemento fundamental para orientar o indivíduo em suas escolhas:
Porque os problemas sexuais não podem ser resolvidos isoladamente
pela biologia, pela moral, pela religião ou pela sociologia. [...] Porque
constituindo a sexualidade como que uma pirâmide de várias faces, não
podem ser os problemas sexuais resolvidos pelo observador que se apegar
apenas à análise de uma delas. [...] Para resolvê-los tem o observador que dar
uma volta em torno da pirâmide, analisando face por face, e, depois de
perfeitamente esclarecido a respeito de como cada uma delas se apresenta,
colocar-se no seu ápice, para que, vendo em conjunto as verdades parciais
que cada face reflete, possa, na mais bela das sínteses, fazer brilhar de forma
resplandecente, como um farol para a humanidade, a solução verdadeira, que
iluminará sem deixar sombra os homens e os povos! [...] O grande erro em
que incidiram muitos dos apologistas da educação sexual foi terem-na
encarado unilateralmente à luz da biologia, da moral, da religião ou da
sociologia. [...] A biologia deve ser a primeira a se consultar, porque,
girando a educação sexual em torno da função sexual, é imprescindível que
se conheça primeiro quais os seus fundamentos e destinos biológicos, para
poderem depois ser prescritas normas que a ponham em harmonia com os
postulados da moral, da religião e da sociologia (ALBUQUERQUE, 1940, p.
22).
Dois autores que publicaram livros sobre educação sexual na cada de sessenta
registraram suas opiniões sobre métodos a serem adotados. E ambos, o psicólogo francês
Berge e o professor Nérice concordam que as questões científicas e morais são indissociáveis,
mas ressaltam suas posições contrárias às da igreja católica, mesmo sem citá-la em seus
textos. Berge (1960, p. 92), por exemplo, critica os educadores que, em relação à sexualidade,
adotam uma postura moral negativa, insistem nas interdições e “chegam a deformar a verdade
para que seus argumentos sejam mais convincentes”, ressaltando a necessidade dos jovens
receberem noções positivas as quais permitam a compreensão dos fatos que observam em si
mesmos e no seu entorno e o desenvolvimento de seus aspectos intelectuais, afetivos e
morais. E Nérice (1961) destaca a necessidade de se dar um sentido socialmente positivo e
responsável à sexualidade e de não desajustar o indivíduo com fantasias e falsos temores. A
vinculação de seus argumentos com a ciência possibilitou a estes autores assumirem uma
posição que eles consideravam neutra, pois, sem descartar a importância dos aspectos
113
religiosos e morais, o que lhes evitava o confronto direto com a igreja, ressaltavam algo cada
vez mais valorizado pela sociedade: os conhecimentos científicos.
Nos livros publicados a partir da década de oitenta, o enfoque sobre como realizar a
educação sexual investiu na formação de professores e outros profissionais, estabelecendo
diversas normas e práticas que seriam essenciais nesta atividade. Vão aparecer nestes livros as
orientações metodológicas estabelecidas pelos especialistas em educação sexual, muitos deles
vinculados às Organizações Não Governamentais. Entre as prescrições vamos encontrar as
que determinam a necessidade da abordagem ser crítica, refletir os enfoques sócio-cultural,
psicológico e biológico “sempre levando em consideração a importância fundamental do
diálogo, ampliando o senso crítico e a visão de mundo do jovem, permitindo discussões e
debates” (RIBEIRO, 1990, p. 18).
Entre as exigências para que os programas de educação sexual nas escolas atinjam seus
objetivos estão as de que eles devem ter planejamento e ação pedagógica sistemática; ser
adequados à idade dos alunos; utilizar técnicas lúdicas e criatividade; estimular a participação;
respeitar a intimidade, os limites e os posicionamentos dos alunos; ser um instrumento para
que os adolescentes tomem decisões e façam escolhas e combater preconceitos e tabus. A
ênfase, entretanto, encontra-se na exigência de que estes programas sejam continuados,
sistemáticos e regulares, ao longo de toda a seriação escolar, e que palestras realizadas por
médicos, enfermeiras, psicólogos ou assistentes sociais não se constituem em educação sexual
verdadeira, pois nestas oportunidades estes profissionais estão “funcionando como meros
informadores” (VITIELLO, 1997, p 96).
Estes programas vão propor uma educação sexual que promova a idéia da sexualidade
estar vinculada ao prazer, ou, como afirma Ribeiro (1990, p. 42), “contribuir para tornar a
transmissão dos valores mais próxima de um padrão de comportamento voltado para o
exercício de uma sexualidade sem culpa (na esfera pessoal) e sem opressão (na esfera
social)”, pois, segundo este autor, investir na educação sexual é investir no crescimento global
do indivíduo e aprimorar as relações humanas. Os manuais para a formação de professores
educadores sexuais ressaltam a importância de fornecer aos alunos informações associadas à
prevenção, a preservação da vida e da saúde e ao prazer, e não aquelas vinculadas à doença, à
morte ou ao castigo.
114
Uma das conclusões freqüentes entre os autores é de que apenas a informação não muda
comportamentos e isto estaria evidente, segundo eles, no fato dos adolescentes engravidarem
e se contaminarem, mesmo sabendo como evitar uma gravidez ou uma doença sexualmente
transmissível. As mudanças comportamentais esperadas somente ocorreriam quando o
adolescente integrar o conhecimento ao seu saber e ao seu cotidiano, o que seria mais factível
de ocorrer através de debates sobre as dificuldades para o uso da camisinha entre os alunos do
que uma palestra alertando sobre os riscos inerentes à negativa de usá-las nas relações sexuais
(SUPLICY et. al, 1994).
Para uma análise sobre os adolescentes não assimilarem de forma sistemática as
informações que lhes o repassadas, o que justificaria as gestações e as contaminações por
doenças sexualmente transmissíveis “apesar de acesso a todas as informações” que atualmente
estariam disponíveis, avalio como oportuno incluir as considerações do antropólogo Hugo
Lovisolo e da professora norte-americana Elizabeth Ellsworth.
Segundo Lovisolo (2000), a adoção de comportamentos está vinculada a instâncias mais
amplas do que no geral estamos habituados a levar em consideração e nossas ações são
orientadas e compreendidas pela linguagem da norma, da utilidade ou do gosto, sendo que as
pessoas acreditam que fazem as coisas ou agem porque: a) seguem uma norma (valor, lei,
regra, regulamentação, hábito ou costume); b) pretendem alcançar algum objetivo ou
finalidade utilitária, no campo da esfera das necessidades ou da sobrevivência e c) gostam ou
derivam algum prazer daquilo que fazem (ibidem, p. 97). Neste viés, a utilização do
preservativo, por exemplo, encontraria certa resistência por não ser de fato uma lei e não se
enquadrar em algo que o usuário goste de usar, restando a sua classificação como utilidade, ou
algo que se usa, às vezes, porque se tem a noção de que proporciona algum benefício.
Ellsworth (2001), ao descrever a teoria de endereçamento
1
, analisa a resistência dos
alunos ao conhecimento oficial, ou àquilo que estão aprendendo. Esta resistência
freqüentemente é analisada como algo que os estudantes fazem depois que eles alcançaram
a compreensão, ou seja, os estudantes “pegam” o conteúdo, mas, por questões que envolvem
contextos sociais e culturais de desigualdade que incidem sobre a relação estudante/professor,
1
“Modo de endereçamento” é um termo tomado emprestado do cinema para se referir à “relação entre o ‘sujeito’
que supostamente é a fonte de um texto e o sujeito que supostamente é o seu destinatário” (SILVA, 2000, p. 80),
ou entre um emissor e um receptor. Esta análise desenvolve considerações sobre que tipo de sujeito o emissor
pensa ou imagina que o receptor é ou deveria ser, ou ainda qual sujeito poderá ser constituído a partir do texto.
115
se recusam a se conformar ou aceitar. Nesta perspectiva, quando o aluno resiste mesmo
quando compreende o que supostamente deveria aprender, esta resistência é freqüentemente
patologizada como alguma disfunção em sua capacidade de aprender ou assimilar conteúdos,
resultante de problemas com suas capacidades cognitivas, grau de atenção ou motivação.
Esta interpretação equivocada ocorre, segundo Ellsworth, porque esta resistência não é
analisada em termos do que acontece no espaço da diferença entre o lado de fora (o social, o
currículo) e o lado de dentro (a psique individual, o estudante); porque o espaço da diferença
entre o texto daquele que fala e a resposta daquele que escuta é ignorada; porque não há ajuste
perfeito entre texto e leitura, modos de endereçamento e interpretações do espectador,
currículo e aprendizagem, o estudante ideal ou imaginado e o real. O desenho da relação entre
currículo e compreensão do estudante não pode ser o de uma estrada linear, de mão única, no
qual o currículo determina a compreensão, pois esta relação deve ser “desenhada como
constituída de oscilações, dobras e reviravoltas, voltas e retornos inesperados” (ibidem, p. 68).
A autora afirma ser impossível o ajuste perfeito entre o que um professor ou um
currículo quer e aquilo que um aluno compreende; entre o que uma instituição educacional
quer e aquilo que o corpo estudantil responde; entre o que um professor ‘sabe’ e aquilo que
ele ensina e entre o que o diálogo convida e aquilo que chega sem ser convidado. Além das
informações não serem transmitidas para indivíduos “virgens” de conhecimentos sobre o
tema, elas não serão apenas assimiladas, mas interpretadas de forma individual e misturadas a
muitos outros componentes da vivência de cada aluno.
A informação nunca é repassada para uma pessoa portadora de um espaço vazio a ser
preenchido. O que ela recebe são novas informações, as quais dividirão espaço com todas as
outras que foram se acumulando através da história, das vivências e das experiências que o
indivíduo foi adquirindo em seu viver. E esta convivência de informações, as mais antigas
com as mais novas, produz a interpretação, uma espécie de resultado final que freqüentemente
mantém distância daquilo que foi originalmente informado. Quem recebe uma informação a
interpreta, modifica, assume outros valores, o que explica porque muitas vezes ela não produz
o resultado que sua fonte esperava.
A pesquisa de Santos (2002) exemplifica estas considerações. A autora tinha como
certo o fato de ter ensinado os conceitos científicos de reprodução humana e a adoção de
116
métodos anticoncepcionais aos seus alunos. Ao entrevistar oito desses alunos (adolescentes
entre 15 e 17 anos dos quais seis eram mães ou pais), ela constatou, para sua surpresa, que
apesar dos alunos pesquisados terem demonstrado nos diferentes meios de avaliações
curriculares que haviam assimilado o conteúdo proposto sobre reprodução humana, eles
tinham engravidado e apresentavam nas entrevistas dificuldades em associar o evento ao
desenvolvimento de seus corpos. Foi somente através da entrevista que estes alunos
estabeleceram um novo significado para os conceitos aprendidos, conseguindo transpor o
corpo biológico da aula e do livro para o seu próprio corpo.
Ainda algumas considerações sobre informação, cujo acesso a sociedade reivindica
como um direito do indivíduo para melhorar suas condições de vida, modificar suas atitudes,
comportamentos e práticas individuais e coletivas. Em relação à vida sexual deste indivíduo,
incluindo suas relações, genitalidade, planejamento familiar ou prevenção de doenças, o
quanto ele precisa de informação para ser competente? Mas é provável que o mais importante
não seja realmente o “quanto”, pois a finalidade desta transferência de conhecimentos sobre o
sexo pode estar em produzir um cerceamento ao indivíduo no sentido de induzi-lo a agir
dentro das normas esperadas quanto aos seus desejos e comportamentos, ou por outro aspecto,
incluí-lo como desviante se agir sem ter recebido/assimilado as informações “corretas”.
A educação sexual nas escolas é colocada como um meio para socializar o aluno, ou,
em outras palavras, para que este aprenda a viver em sociedade, o que não difere dos
objetivos dos demais conteúdos do currículo. O que se observa nas prescrições dos programas
de educação sexual é a possibilidade do aluno se transformar num agente de modificação
dessa sociedade à medida que, com os subsídios adquiridos, possa desenvolver uma
capacidade crítica que lhe permita abandonar padrões antigos e reinventar novos, mais
adequados (VITIELLO, 1997). Para atingir esse objetivo as aulas sobre temas sexuais não
devem manipular a opinião dos alunos com receitas, teorias ou conceitos prontos, mas sim
disponibilizar subsídios para que esses possam fazer suas próprias escolhas, desde que estas
escolhas sejam “conscientes e responsáveis” (STRAUCH, 2003).
A proposta de interdisciplinaridade, enfatizada pelos PCNs, também está presente nos
manuais sobre educação sexual. Autores como Egypto (2003) sugerem que todos os
professores se envolvam no processo de educação sexual, como estudar a incidência da Aids
nas aulas de geografia, relações amorosas nas aulas de literatura, as relações de gênero nas de
117
história. Proposta que recupera sugestões presentes em autores da primeira metade do século
XX, como as de Fernando de Azevedo em 1923, Sebastião Barroso em 1934 e José
Albuquerque em 1940, os quais sugeriram a inclusão de temas de educação sexual durante o
desenvolvimento de outras disciplinas ou até mesmo em atividades recreativas (VIDAL,
2003). Outros autores propõem a espontaneidade, ou seja, que a transmissão dos saberes sobre
sexualidade ocorra de maneira casual entre professor e aluno, no decorrer de um diálogo
surgido em qualquer momento e em qualquer disciplina (DUNLEY, 1999), acreditando na
possibilidade de que todo o corpo docente possa ser qualificado e se considerar habilitado
para debater sobre questões sexuais com seus alunos.
Esta idealização de uma escola cujo corpo docente tenha discernimento para detectar os
momentos adequados para introduzir questões sobre sexualidade, na qual o diálogo entre
alunos e professores seja adequadamente aberto para proporcionar amplos debates sobre
gravidez, aborto e Aids, onde a formação dos alunos permitirá a constituição de sujeitos
conscientes e responsáveis, aptos a serem agentes transformadores da sociedade, tem
dificuldades para se sustentar frente à realidade dos educandários brasileiros. Há vários
motivos a reforçar esta dúvida sobre a capacidade da escola desenvolver programas de
educação sexual dentro da metodologia proposta.
Um deles nos mostra que, enquanto o objetivo destes programas é produzir um aluno
livre e suficientemente orientado para fazer suas próprias escolhas, sua inserção ocorre no
interior de práticas escolares que ainda atuam, em sua maioria, no sentido de definir o sujeito
como centrado e unificado. Nas próprias propostas de programas de educação sexual, embora
aqui e ali se perceba alguns breves destaques à pluralidade da adolescência, os autores adotam
em geral a idéia do receituário único, onde falar é igual a falar para todos, não se detendo no
entendimento de que os sujeitos / alunos são resultados de seus múltiplos relacionamentos, de
seus recortes étnicos, de gênero, sociais e religiosos e produzidos no interior de
agenciamentos
2
. Estas propostas de educação sexual centradas no conceito de sujeito único,
universal, estável e unificado, que buscam a formação de “homens e mulheres de verdade” ou
detectar o “quanto cada menino ou menina ou adolescente está[va] se aproximando ou se
2
O termo agenciamento está aqui sendo utilizado de acordo com a definição de Silva (2000), como ato de
arranjar, organizar ou dispor um conjunto qualquer de elementos entre os quais não há hierarquia ou organização
centralizada. Este conceito de Silva baseia-se na terminologia introduzida por Giles Deleuze e Félix Guattari no
livro Mil platôs a qual contribuiu para definir o sujeito como constituído por composições e recomposições de
forças, práticas e relações.
118
afastando da norma desejada” (LOURO, 2001, p. 18) permanecerão distantes das formas
como cada indivíduo se constitui como ser social e sexual.
Outra dúvida quanto às condições da escola em produzir a educação sexual proposta
pelos manuais pode estar relacionada com a característica das práticas escolares que se
posicionam muito próximas de um contexto autoritário e discriminador, dificultando o
desenvolvimento de um processo educativo com características diferentes.
No ano de 2005, durante o desenvolvimento do Projeto Encontro, um aluno da sexta
série vivenciou as conseqüências de ignorar as diferenças de discursos entre um programa de
educação sexual e o do corpo docente de sua escola. Este aluno, que havia participado como
monitor do módulo que apresentava o tema puberdade, no qual os participantes foram
estimulados, numa atividade em grupo, a desenhar os corpos masculinos e femininos com
ênfase nos detalhes que se alteravam na puberdade, ao receber, semanas após, como tema da
professora de artes desenhar o corpo humano, cometeu o “erro” de ignorar as “normas
escolares” de moralidade. Seu desenho do corpo masculino incluiu, com detalhes, os órgãos
genitais, algo que lhe tinha sido praticamente exigido durante o módulo do Projeto Encontro.
A professora de artes, entretanto, tinha uma outra perspectiva sobre o tipo de desenho que ela
tinha solicitado e, ao ver o trabalho deste aluno, o classificou como “um psicopata que estava
no local errado, pois seu lugar deveria ser onde a pornografia era aceita”. Final da historia: o
aluno foi levado à sala da direção onde um registro da ocorrência em um caderno específico
para esse fim foi efetuado, os pais e o Conselho Tutelar foram chamados e uma pena de
suspensão por três dias foi instituída.
Os discursos do final do século XX sobre como desenvolver uma educação sexual para
os adolescentes desvincularam de seus argumentos o medo e o pecado e investiram na
produção de um aluno mais preocupado com os aspectos científicos relacionados à
reprodução humana e o contágio com o vírus da Aids. E mais, muito mais, preocupado
consigo mesmo. Ele agora é protagonista e neste papel deve ter condições de decidir,
preocupar-se com seu próprio corpo e com o do outro, seus sentimentos e os do outro, mudar
rumos, destituir verdades que considerar obsoletas e construir as suas próprias.
119
Estes discursos, entretanto, se mudaram de rumo, se excluíram o pecado, não perderam
suas características fundamentais de definir, enquadrar e rotular a sexualidade adolescente e,
de algum modo, continuar a representá-la como algo que precisa ser vigiado e temido por suas
possíveis transgressões. O objetivo, como escreveu Foucault (2006-c) em relação à
sexualidade da criança no século XVIII, não é proibir, mas constituir, através da sexualidade
adolescente, destacada como importante e perigosa, uma rede de poder sobre a juventude. A
sexualidade adolescente não é apenas objeto de análise, condenada ou tolerada, mas alvo de
intervenção e inserida num “sistema de utilidade”, regulada para o bem de todos e induzida a
funcionar segundo um padrão ótimo (FOUCAULT, 2005-b).
Os manuais que orientam a implantação de programas de educação sexual nas escolas
extrapolam o objetivo de informar ou esclarecer. Os textos dos livros consultados em geral
representam a sexualidade adulta como a “normalou o padrão a ser atingido e a adolescente
como a diferente, imatura e incompleta, que precisa ser constantemente desvendada, cuidada e
contida.
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisar a educação sexual é uma proposta em que a meta é constituir uma descrição de
suas características atuais e seus vínculos com as situações sociais, políticas e econômicas.
São estas situações que determinam e justificam as preocupações, as definições de prioridades
e a delimitação de normas, ou seja, a estrutura que sustenta a educação sexual numa
determinada época. Neste início de século, por exemplo, pensar em educação sexual é
promover estratégias para diminuir os índices de gravidez na adolescência e de contaminação
pelo vírus da Aids. Preocupações que não teriam o menor sentido na primeira metade do
século XX.
Analisar a evolução da educação sexual é outra proposta. O foco não é mais o objeto,
mas a trajetória histórica cujo desenrolar proporcionou as condições para que na avaliação
atual a educação sexual tenha as características que a configuram. Nesta perspectiva, ela não
se restringe mais à prevenção da gravidez ou da Aids e vai agora desvendar o que ocorreu
num determinado período de tempo, o que mudou, o que permaneceu, o que foi valorizado e
desvalorizado, onde e quais rupturas ocorreram ou quanto tempo algumas verdades se
mantiveram viáveis. Esta foi a meta desta dissertação: começar lá atrás, naqueles livros
esquecidos nas prateleiras das bibliotecas, e ir reconstruindo um caminho que conduziu até as
características atuais da educação sexual.
O objetivo destes parágrafos finais é o de descrever algumas considerações pessoais
sobre o que foi pesquisado e, com a ajuda de outros autores, tentar unir as diversas pontas que
se constituíram através das leituras e esboçar uma idéia de conjunto. Trata-se, portanto, de
uma interpretação ou de uma análise particular, constituída num determinado momento e sob
diversas influências, entre elas a profissão de dico pediatra e as atividades desenvolvidas
com adolescentes envolvendo a educação sexual, além da leitura de autores, como e
principalmente –, Michel Foucault. E, através desta interpretação, descrever como se
constituiu a experiência de transmitir aos adolescentes conceitos sobre sexo.
121
Na introdução desta dissertação apresentei uma conceituação de bio-poder e, em outras
passagens, a relação deste com alguns aspectos da educação sexual. Este poder sobre a vida
das populações e dos indivíduos preocupa-se com o seu bem estar, com a sua saúde e
segurança e, ao contrário da pregação católica, promete a boa vida e a salvação aqui na Terra.
Para cumprir esta promessa, busca reforços em diversas instituições e utiliza alguns
instrumentos, entre os quais o sexo é de importância fundamental.
A relevância do sexo como ferramenta para ações sociais, medidas sanitárias, controles
e padronizações está reconhecida de longa data. A igreja muito tempo, desde os primeiros
séculos cristãos, percebeu a utilidade do sexo como um foco através do qual é possível atingir
os indivíduos e as famílias, vinculando-o ao pecado e à necessidade de confissão. A partir do
século XVIII, este tipo de influência foi assumido pelo Estado, o qual através da pedagogia
(sexualidade da criança), da medicina (sexualidade das mulheres) e da demografia (regulação
dos nascimentos), consolidou-se como o substituto do poder pastoral, alterando a metodologia
e os objetivos, mas mantendo o foco.
no sexo tantas implicações cujas repercussões transitam do indivíduo até a
sociedade, que sua importância é constantemente valorizada. A relação sexual estabelece
vínculos entre as pessoas, muitas vezes através de laços afetivos intensos; é a base dos índices
de natalidade e da preocupação com a qualidade do pré-natal vivenciado pelas gestantes; é a
fonte de doenças que se difundem com relativa facilidade, sendo algumas de acentuada
morbidade e mortalidade; vincula-se a aspectos econômicos relevantes quando o sexo torna-se
um produto a ser consumido. Estas implicações desencadeiam uma multiplicidade de
discursos que tratam da sexualidade, sendo possível nomear entre eles os religiosos, os
psicológicos, os médicos, os jurídicos e os pedagógicos, cujos objetivos aparentes são
descrever e explicar, mas que na verdade nomeiam, elaboram e julgam. Trata-se de uma
ampla mobilização para construir a verdade sobre o sexo, delimitar o terreno onde os
indivíduos podem transitar em relação a ele, definir as leis e as normas a serem cumpridas e
estabelecer as penalidades aos infratores.
Entre estes discursos, a relevância daqueles produzidos pelos médicos com o respaldo
da ciência é essencial e está presente durante todo o transcorrer do século XX. Foram os
médicos higienistas do começo do século que ao transformarem as características
122
epidemiológicas da sociedade brasileira e melhorarem as condições de higiene e saúde da
população, estabeleceram as bases para os conceitos de comportamentos normais, sadios e
adequados em relação à sexualidade dos brasileiros. Foi também com a contribuição dos
médicos que as doenças sexualmente transmissíveis foram prevenidas e tratadas de forma
mais adequada, que os conceitos transitaram entre a perversidade e a normalidade da
masturbação e da homossexualidade e a idade adequada para a gravidez foi adiada para após a
adolescência. Fundamental para o exercício do bio-poder, a medicina contribuiu para que a
sociedade, na busca de segurança e bem estar, concordasse em abdicar de parte da liberdade e
da espontaneidade e de acreditar em outras verdades.
Uma análise que promova esta interligação entre o bio-poder e a importância do sexo
conduz ao significado do papel da educação sexual neste contexto. Quando a preocupação é
com a vida do indivíduo e com as condições de saúde da população e o sexo é um dos pontos
de apoio desta estratégia, a educação sexual posiciona-se na função de instrumento de
divulgação dos discursos preventivos e normativos. E, embora em muitos autores esta
vinculação não esteja evidente, estes discursos têm um foco específico: o corpo dos
adolescentes, local onde os acontecimentos inscrevem suas marcas. Não como pensar uma
educação sexual desvinculada do corpo, pois é nele que tudo repercute, mesmo quando se fala
em questões de gênero, em responsabilidade, em relacionamentos. É nele que vão se fixar as
marcas, não as da gravidez ou da doença decorrente de uma contaminação, mas também
aquelas vinculadas aos sentimentos e até mesmo aos ressentimentos. São também sobre o
corpo que os discursos produzem os critérios de comportamentos, gestos e prazeres
considerados normais.
O humano não se constitui sem educação e esta, seja na família ou na escola, se
organiza num processo cujo objetivo é educar para a vida e formar indivíduos adaptados às
normas e às regras vigentes na sociedade, tentando manter os padrões de comportamento
dentro de estritos limites de variação. A necessidade de educação pressupõe que o educando,
se não for educado, agirá errada e perigosamente e que é necessário barrar esta tendência
considerada inata ao erro e ao perigo. Num outro flanco, a educação promove ações para que
o educando, no futuro, sem supervisão, assuma as condutas definidas como adequadas sem a
presença dos pais ou professores, numa situação onde a presença física da autoridade não
será mais necessária. A educação sexual em nada difere destas características: atua no sentido
123
explícito de prevenir os erros e as prováveis situações de perigo e, nas entrelinhas de seu
discurso, constituí o futuro sujeito adulto como responsável por seus atos.
Uma questão que poderia ser incluída na discussão sobre educação sexual para os
adolescentes é se ela é boa ou ruim, construtiva ou destrutiva, positiva ou negativa. Desvendar
aos jovens que a atividade sexual implica em alguns riscos, como uma gravidez não planejada
ou a contaminação por uma doença potencialmente grave é algo inadequado ou condenável?
Colocada nestes termos, uma resposta baseada num mínimo de bom senso certamente seria
negativa. Disponibilizar o acesso às informações e aos conhecimentos adquiridos, mesmo
que estes sejam reconhecidos como transitórios, é um dever da sociedade para com os mais
jovens, tendo a atitude contrária se constituído em fator preponderante para o estabelecimento
de desigualdades sociais, discriminações e sofrimentos físicos e emocionais desnecessários. E
esta postura deve ir além de simplesmente transmitir informações, pois seus objetivos devem
incluir ensinar o educando a localizar, analisar, interpretar, reconhecer a credibilidade da fonte
e fazer uso adequado informação.
A autogestão nem sempre será bem sucedida. Proporcionar uma direção, mesmo que
reconhecidamente transitória e sujeita a desvios de rota, pode ser uma contribuição valiosa na
busca da liberdade e da autonomia dos indivíduos. Segundo Foucault (2004, p. 284) não
mal “na prática de alguém que, em um dado jogo de verdade, sabendo mais do que o outro,
lhe diz o que é preciso fazer, ensina-lhe, transmite-lhe um saber, comunica-lhe técnicas”,
desde que neste exercício positivo e benéfico de poder não ocorra uma dominação e sujeição a
uma autoridade arbitrária e inútil ou, em outros termos, que esta orientação não se constitua
em manipulação. A necessidade de educação não significa bloquear espaços para o exercício
da liberdade e da busca individual por outros caminhos e, como afirma Savater (2005), deve-
se estimular certo cepticismo científico e uma relativa dessacralização dos conteúdos para
proporcionar um máximo de conhecimento com um mínimo de preconceito.
Ao concordarmos em definir a sexualidade como um dispositivo um dos operadores
materiais do poder –, e a educação sexual como um dos elementos deste dispositivo, estamos
corroborando a assertiva de que o poder não poderia sustentar-se apenas reprimindo,
censurando, excluindo, impedindo, ou seja, exercendo-se de modo negativo, pois assim seria
124
muito frágil: “Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos a nível do desejo [...] e também
a nível do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz” (FOUCAULT, 2006-a, p. 148).
Mas a percepção que se consolida nesta pesquisa é de que a educação sexual está longe
de se restringir a informar, esclarecer e de proporcionar apoio ou condições de evitar situações
indesejadas pelos sujeitos aos quais ela se dirige. A igreja com sua perspectiva espiritual e as
demais instituições com o discurso científico procuram alcançar objetivos que se situam além
de apenas salvar almas ou corpos. Algumas considerações que podem ser enunciadas a partir
dos discursos sobre educação sexual para os adolescentes estão a seguir descritas:
a) A representação
1
da adolescência como problema. A sexualidade adulta é classificada
como a normal e a do adolescente é representada como a diferente e subordinada, sempre
suscetível a desvios da normalidade. A sexualidade adolescente é representada pelos adultos,
que falam por ele, determinam conceitualmente suas características, definem o que é normal e
anormal e classificam o que é adequado e o que é desvio.
Esta análise contemporânea da sexualidade adolescente nos conduz a uma comparação
com o sexo das mulheres, as quais através de um movimento antigo que se acelerou no século
XVIII foram caracterizadas como portadoras de um sexo frágil, quase sempre doente e
geralmente indutor de doenças. O corpo da mulher tornou-se objeto médico por excelência e o
seu sexo tornou-se patológico por “natureza” (FOUCAULT, 2005-b). Esta mesma frase
poderia ser repetida atualmente substituindo-se a mulher pelo adolescente.
b) A construção da sexualidade como um domínio privilegiado do conhecimento por
determinados segmentos, como médicos, psicólogos ou de instituições como a igreja católica
e as ONGs. Na disputa por este domínio, sobressaem as posições antagônicas e
irreconciliáveis entre a igreja católica e os demais segmentos leigos, cujos valores, conceitos e
estratégias divergem de forma constante nesta análise que percorreu o século XX. No final
deste século o predomínio dos discursos leigos entre a população é evidente, sendo aqueles
pronunciados pelas ONGs os que se tornaram padrão para os programas de educação sexual
1
Entendemos aqui representação como inscrição, marca, traço, ou como a face material e visível daquilo que é
representado, ou ainda a relação entre “de um lado, o ‘real’ e a ‘realidade’ e, de outro, as formas pelas quais esse
real’ e esta realidade’ se tornam “presentes” para nós” (SILVA, 2006, p. 32). Esta representação, ao produzir
sujeitos, identidades e diferenças, se utiliza de estereótipos, estas fórmulas que imobilizam, fixam e congelam o
outro, reduzindo-o a um conjunto mínimo de signos.
125
no Brasil. É relevante registrar que este discurso atualmente dominante pertence a instituições
cuja caracterização é difícil de precisar, pois se tratam de entidades cujos integrantes,
objetivos, fontes de recursos e metodologias não são uniformes e cujas faces não são
perceptíveis ao público em geral.
c) A ênfase na prevenção que caracteriza os programas de educação sexual. Esta postura
predomina nos discursos durante o século XX, nos quais o objetivo constante é prevenir algo:
o sexo antes do casamento, a masturbação, as doenças sexualmente transmissíveis, a gravidez
e, nos discursos mais recentes, a homofobia, o racismo, os estereótipos, a misoginia e a
violência. A finalidade de que os sujeitos internalizem a possibilidade de que suas vivências
se constituirão em situações de risco se não forem baseadas em instruções previamente
recebidas através de especialistas é nítida na maioria dos discursos sobre educação sexual para
adolescentes.
d) A pedagogia que produz uma normalidade que homogeneíza condutas e opiniões,
eliminando ou obscurecendo as diferenças individuais. A maioria dos textos de educação
sexual, incluindo desde os mais antigos até os mais recentes, adota uma linguagem
padronizada e dirigida a um hipotético público adolescente uniforme, constituída por
indivíduos brancos, de classe média, católicos e heterossexuais, desconsiderando fatores cuja
influência nos comportamentos sexuais dos sujeitos, incluindo todas as suas práticas,
significados e relacionamentos, são relevantes. Entre estes fatores, além da idade e das
características individuais, estão os contextos sócio-econômico e cultural, os quais são
preponderantes para definir como a vivência sexual vai ocorrer em cada indivíduo
2
.
Embora os modelos a serem seguidos se modifiquem no transcorrer do século XX, eles
permanecem como base desta pedagogia que transita entre o “não deve” e o “deve fazer isto
ou aquilo”, obscurecendo a visibilidade das escolhas pessoais. Esta tendência decorre de uma
sistemática que tenta resistir às mudanças culturais e que se vale atualmente da escola como
lugar privilegiado de saber sexual por ter esta instituição a característica ímpar de produzir
uma homogeneização dos indivíduos que a família não pode proporcionar. A consolidação da
2
Alguns exemplos desta variabilidade na vivência sexual estão em constatações como início mais precoce da
atividade sexual e índice de gravidez mais elevado nas classes populares, a associação entre um forte laço com a
religião e o início mais tardio da atividade sexual e o adiamento da idade ideal para o casamento e a maternidade
nas classes sociais média e alta.
126
escola nesta função exigiu a desvalorização dos conceitos transmitidos entre as gerações e o
vinculo do ambiente familiar à produção de diversos desvios na sexualidade do indivíduo.
Esta ânsia de determinar e vigiar o normal, de estigmatizar os diferentes, de colocar a
maioria dentro de padrões definidos, muito nos confunde e atrapalha. Enquanto discutimos
se somos brancos ou pretos, masculinos ou femininos, hetero ou homossexuais, não
percebemos quantos indivíduos são vítimas desse discurso único ao serem focos de censura e
discriminação e ao não conseguirem evitar sentimentos de culpa e vergonha. E enquanto
tentarmos fazer com que os adolescentes comportem-se como os seus pais quando
adolescentes, estaremos andando em círculos e ignorando que “é preciso tornar-se adulto, ou
seja, capaz de inventar, de certo modo, a própria vida, e não simplesmente de viver a vida
inventada pelos outros” (SAVATER, 2005-a, p. 42). Nos momentos iniciais de nossas vidas,
imaturos e inexperientes, precisamos nos submeter ao poder dos pais ou dos mestres poder
que não tem com objetivo prejudicar ou apenas dominar–, mas é necessário aprender a soltar
as amarras com o passar do tempo e fazer, quando possível, nossas próprias escolhas.
e) A resistência é permanente. Os discursos cumprem em parte seus objetivos,
estabelecendo normas de conduta, mas não impedem que mudanças comportamentais
ocorram a sua revelia. Os comportamentos adolescentes se caracterizam por mobilidade,
inovação e desafio às regras vigentes, num jogo constante de negociação entre quem enuncia
e quem é foco dos discursos. Os jovens estão constantemente sinalizando em seus corpos e
atitudes uma inconformidade com a homogeneização que a sociedade e a escola tentam impor
mesmo que para isso criem novas homogeneizações.
Esta relação entre educação sexual e adolescentes ou generalizando, entre escola e
alunos –, não pode ser interpretada como uma via de sentido único cujo destino é a disciplina,
a formação de indivíduos obedientes, conformados e defensores dos conceitos vigentes. Esta
interpretação restritiva não vislumbra outras características destas relações que se tornam
evidentes na análise dos espaços por onde emergem as dúvidas, as contestações, as práticas de
liberdade e o surgimento de novos estilos de vida. Quando se pensa no relacionamento
contemporâneo dos jovens denominado ficar”, percebe-se que ele não se originou nas
recomendações da educação sexual ou das falas de professores, médicos ou psicólogos, mas
emergiu dos próprios adolescentes que, de alguma maneira, “inventaram” este novo
127
comportamento e, aqueles que se consideram especialistas e falam para os adolescentes,
foram instados a procurar entender e adaptar seus discursos a esta nova realidade. Em suas
vivências, os adolescentes convivem com normas estabelecidas, mas percebem que elas
podem ser modificadas e que vivemos no deliberado, não no fatalmente imposto (SAVATER,
2004).
Uma distância entre ritmos é perceptível entre a evolução dos discursos da educação
sexual e dos comportamentos dos adolescentes. Enquanto no decorrer do século XX os modos
de conviver e de se comportar dos jovens experimentaram transformações significativas que
repercutiram dentro das famílias e das escolas, os textos sobre educação sexual evidenciam
mais similitudes do que rupturas. Quando reclamam dos comportamentos das gerações mais
jovens, ressaltam as ameaças e os riscos e investem num discurso único e padronizado, os
discursos do início ao fim do século XX, ao tentarem manter os mais jovens dentro de certas
normas, são repetitivos e evidenciam a incompletude das características geracionais.
Entre tantos aspectos vinculados à educação sexual, como os deslocamentos dos
conceitos de falso ou verdadeiro, de certo ou errado, de normal ou anormal, lembro aqui da
manifestação de um dos adolescentes participantes do Projeto Encontro, o qual, instado a
dizer quais eram as suas expectativas em relação ao programa de educação sexual, respondeu:
“ser feliz”. Este jovem certamente concordaria com as palavras de Costa (1995):
Em vez da tediosa pergunta ‘quem é você sexualmente?’,
deveríamos perguntar ‘como podemos ser mais solidários entre nós?’. O que
fazer para reinventar uma amizade, no sentido pleno da palavra, onde sexo
deixasse de ser bicho-papão e pudesse ser mais um ingrediente de nossas
possibilidades de auto-realização? Por que, em vez de educação sexual, não
começamos a pensar em novos experimentos sentimentais, amorosos,
amigáveis? Quem sabe, assim, pudéssemos ver-nos livres de 200 anos de
sexualidade que só produziram intolerância, violência e perda de tempo.
Viveu-se um século inteiro, e ainda se vive, condicionados a considerar as questões
sexuais ora como pecado, ora como perigo, preocupados em estabelecer verdades e restringir
o espaço para o desenvolvimento da liberdade. Não se evoluiu de uma etapa de pecado para
uma outra de perigo, pois para a igreja católica muitos comportamentos sexuais permanecem
128
pecaminosos, enquanto que para os leigos, eles nunca deixaram de ser perigosos. Transitou
por todo o século XX e permanece atual o enfrentamento entre os discursos católico e leigo,
os quais falam de modo diferente das mesmas coisas. O primeiro condena o segundo por
considerar que este induz à promiscuidade ao estimular o uso de preservativo. O segundo
condena o primeiro por expor os adolescentes aos riscos de contaminação pelo vírus HIV e de
uma gravidez indesejada ao condenar os métodos preventivos. O que se observou de
deslocamento foi uma maior visibilidade aos argumentos leigos, aqueles que fazem a apologia
do perigo.
A interligação entre a necessidade permanente de ensinar os adolescentes a tomarem
cuidados em suas atividades sexuais e as também constantes esquivas destes a estas
recomendações, as quais se caracterizam pela permanente reinvenção de costumes, regras e
valores, sugere que uma pesquisa no sentido inverso do realizado nesta dissertação pode
proporcionar uma outra perspectiva à respeito da educação sexual. Analisei aqui um sentido
desta relação: a que leva a informação, o conselho e as determinações dos adultos, sejam eles
pais, professores ou médicos, até os adolescentes. Quando me refiro a um sentido inverso,
estou pensando na investigação de como os adolescentes, aqui pensados como indivíduos que
se tornam sujeitos de uma educação sexual, atuam e se constituem nesta relação. Pensar esta
educação através do antagonismo das estratégias, das formas de resistência e das lutas contra
as formas de sujeição.
Mas estas são, na verdade, idéias que me fazem retornar às primeiras linhas desta
dissertação, nas quais afirmei ser relevante não o começo ou o fim, mas o caminho que se
deve seguir. Não na expectativa de encontrar a verdade ou a solução definitiva, mas de
contribuir para que outros possam construir os seus próprios caminhos e fazer uso dos
conhecimentos adquiridos de um modo que lhes seja o mais conveniente.
129
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psicólogo
Sexualidade na escola – alternativas
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Barros, Ernesto Thenn de /
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francês)
Berge, André / psicólogo A educação sexual da criança 1960 (original
francês de 1952)
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adolescente em tempos de Aids.
1998
Bernardi, Marcello / ? A deseducação sexual 1985 (original
italiano)
Bouer, Jair / médico
psiquiatra
Sexo & Cia 2002
Campos, Casemiro / padre Educação sexual a luz dos princípios
cristãos
1951
Charbonneau, Paul-Eugène /
padre
Namoro e virgindade 1985
Costa, Moacir / médico
psiquiatra
Sexualidade na adolescência –
dilemas e crescimento
1986
Duarte, Albertina / médica Gravidez na adolescência – ai como
eu sofri por te amar
2002 / 1998
Dunley, Gláucia (org) /
médica psicanalista
Sexualidade e educação – um diálogo
possível
1999
Egypto, Antonio Carlos /
psicólogo
Orientação sexual na escola – um
projeto apaixonante
2003
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Garcia, Maria Carolina /
jornalista e estudante de
história
Quando pinta o amor 1997
Geiling, Kátia / estudante de
jornalismo e ciências sociais
Essa tal primeira vez 1995
Golberg, M Amélia A. / ? Educação sexual – uma proposta, um
desafio.
1988 / 1982
Gonçalves Filho, José / padre
e psicanalista clínico
Método de educação sexual dirigido à
juventude
1976
Gravelle, Karen / ? O que está acontecendo aí em baixo? 2000 (original
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Harrison, Michele / médico
psiquiatra
O primeiro livro do adolescente sobre
amor, sexo e Aids.
1996
HAYS, Arthur Garfield et.
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Enciclopédia da educação sexual 1974
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Michele / ?
O planeta eu: conversando sobre sexo
2003
Lucenay, Martin de / médico
Masturbação e auto-erotismo 1954
Matthews, Deborah P. / ? Educação sexual: perguntas e
respostas (para crianças acima de 10
anos)
1992 (original
belga)
Mayle, Peter O que está acontecendo comigo 1984 (original
americano)
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Sexualidade e educação –
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Marçal / psicólogo
Educação sexual além da informação 1990
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Souza, Ronald Pagnoncelli
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médicos psicanalistas
A educação sexual de nossos filhos. –
uma visão contemporânea
1993
Suplicy, Marta / sexóloga Sexo para adolescentes: amor,
homossexualidade, masturbação,
virgindade, anticoncepção, Aids.
1988
Suplicy, Marta e outros. Sexo se aprende na escola 2000
Syplicy, Marta e outros Guia de orientação sexual – diretrizes 2001 / 1994
140
e metodologia
Vasconcelos, Naumi de /
psicóloga
Amor e sexo na adolescência 1985
Vitielo, Nelson / médico Sexualidade na escola – quem educa
o educador
1997
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