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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL - UNIJUÍ
JAQUELINE DOS SANTOS TREVISAN
A ARTE/EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO POPULAR DE
PAULO FREIRE
Ijuí
2008
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JAQUELINE DOS SANTOS TREVISAN
A ARTE/EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO POPULAR DE
PAULO FREIRE
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação nas
Ciências Mestrado, Departamento de Pedagogia
(DePe) da Universidade Regional do Noroeste do
Estado Rio Grande do Sul – UNIJUI, requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Educação nas Ciências.
Orientadora: Profª Dra. Cláudia Luiza Caimi
Ijuí
2008
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Dedico esta dissertação à todos os profissionais
educadores que buscam uma vida mais digna, justa e
igualitária para todos, e que acreditam que a Arte pode
fazer diferença. Ainda, dedico-a especialmente à minha
família, cujo apoio me fortaleceu e me fez crer que era
possível.
AGRADECIMENTOS
Escrever dói. E esta escrita doeu para muitas pessoas, quase como um parto. No
entanto, a dor passou, o “filho” nasceu e o alívio é imenso. A todos que sentiram dor
comigo, quero dedicar esta dissertação:
Marcelo, a você, meu esposo. Obrigada.
Helena, minha filha. Você nasceu durante o processo, e trouxe felicidade e a certeza
de que, pelo seu futuro, eu precisava concluir.
Pai e mãe, o que seria de mim sem vocês? Mãe, obrigada pelas palavras e atitudes de
incentivo e carinho constantes. Pai, além destas, obrigada pelo apoio técnico, por revisar o
português e se dispor a ler. Ah, e por eu existir!
Bea, minha irmãzinha, valeu! O que seria do meu bolso não fosse sua contribuição
imensa na revisão normativa? Obrigada! Inclusive por me importunar com frases do tipo
“minha dissertação está aqui, e a sua?”.
Scheila, minha irmã intelectual: sua leitura no início do processo foi um pontapé bem
grande para eu deslanchar. Valeu mesmo por todo o incentivo! E puxões de orelhas.
Nessa, minha irmã prática: perguntar nunca ofende, é o ditado. E você nunca cansou
de perguntar se eu estava escrevendo, quando e se ficaria pronto. Obrigada por apoiar e
incentivar!
Cunhados Nick, Gilnei e Claus, obrigada por se importarem.
Aos cunhados Jacque e Giovani, à sogra Maristela, obrigada por cuidar da Helena
quando precisei estudar. Valeu!
Comadre Débora: você está entendendo tudo de Paulo Freire, pois leu várias vezes
e me disse outras tantas: “isto aqui você falou, risca”. E eu risquei sem olhar. Deu certo!
Obrigada. E também à Gê, pela disposição de serem as duas minhas “office girls”, e pelo
apoio constante. Vocês são demais!
Professor Dr. Manfredo Wachs, sem o senhor acho que o Freire teria ficado no meio
do caminho. Agradeço imensamente sua disposição em ler e fazer os apontamentos devidos,
mesmo sem ter nada a ver com o processo. Obrigada!
Professoras Elza Falkembach e Marlene François, obrigada por acreditarem e por
contribuírem para que este trabalho fosse concluído.
Professor Ayrton Dutra Corrêa, agradeço a leitura e as palavras elogiosas na defesa
desta dissertação.
5
Professora Cláudia Caimi, minha orientadora, desculpe-me por fazê-la esperar tanto.
E muito, muito obrigada por acreditar em mim.
RESUMO
Esta pesquisa pretende contribuir para o desenvolvimento da Arte/Educação nas escolas de
educação popular a partir de dois relatos de experiências, de uma revisão teórica da educação
popular no Brasil em Paulo Freire e da Arte/Educação especialmente em Ana Mae Barbosa.
O primeiro relato, “Nós, Sebastião e a Comunidade” descreve um projeto relacionado a
fotografias de Sebastião Salgado em uma escola de periferia com educandos do Ensino
Médio. O segundo projeto, “A Arte Contemporânea: uma ponte com a comunidade local”
descreve um projeto em Arte Contemporânea na mesma escola, também com educandos de
Ensino Médio. Tais projetos motivaram a revisão teórica que se segue. Sobre educação
popular, aborda-se o histórico da mesma no Brasil, o que é educação popular a partir dos
pressupostos teóricos de Paulo Freire, conceitos freirianos como liberdade e dialogicidade e
o ser educador-educando freiriano. Permeando a revisão teórica, fazem-se ligações da
aplicação de tais conceitos nos projetos relatados. Sobre Arte/Educação, se faz um breve
histórico da mesma no Brasil, seguida da Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa e da
Educação do Sensível de João Francisco Duarte Junior, e como tais pressupostos teóricos
estão inseridos nas experiências relatadas. Aborda-se a seguir as dimensões do ensino da
Arte. Tem-se a convicção de que a Arte, abordada sob o prisma da Proposta Triangular, da
Educação do Sensível e sob a ótica freiriana da educação seja um viés para a emancipação
do cidadãos que, conscientes do seu ponto de partida, possam assumir seu papel na luta por
um mundo mais justo, que lhes dê condições de acesso a tudo e a todos.
Palavras-chave: Educação popular. Liberdade. Dialogicidade. Arte/Educação. Proposta
Triangular. Educação do Sensível.
ABSTRACT
This inquiry intends to contribute to the development of the Art / Education in the schools of
popular education from two reports of experiences, of a theoretical revision of the popular
education in Brazil in Paulo Freire and of the Art / Education specially in Ana Mae Barbosa.
The first report, We, Sebastião and the Community describes a project made a list of the
photographies of Sebastião Salgado in a school of periphery with students of the Secondary
education. The second project, “The Contemporary Art: a bridge with the local community ”
describes a project in Contemporary Art in the same school, also with students of Secondary
education. Such projects caused the theoretical revision that follows. On popular education,
the historical thing is boarded of same in Brazil, which is a popular education from the
theoretical presuppositions of Paulo Freire, “Freirianos” concepts like freedom and
“dialogicidade” and the being educator educating “freiriano”. Permeating the theoretical
revision, there are done connections of the application of such concepts in the reported
projects. On Art / Education, it is done soon historically of same in Brazil, followed from the
Triangular Proposal of Ana Mae Barbosa and from the Education of the Sensitive one of
João Francisco Duarte Junior, and such theoretical presuppositions are inserted in the
reported experiences. It is boarded following the dimensions of the teaching of the Art.
There has been the conviction of which the Art boarded through the prism of the Triangular
Proposal, of the Education of the Sensitive one and through the optics “freiriana” of the
education is a slant for the emancipation of citizens who conscious of his starting point,
could assume his paper in the struggle for a more just world, which gives conditions of
access to everything and to all.
Key Words: Popular Education. Freedom. “Dialogicidade”. Art / Education. Triangular
proposal. Education of the Sensitive one.
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 .................................................................................................................... 29
Fotografia 2 .................................................................................................................... 29
Fotografia 3 .................................................................................................................... 30
Fotografia 4 .................................................................................................................... 30
Fotografia 5..................................................................................................................... 31
Fotografia 6 .................................................................................................................... 31
Fotografia 7 .................................................................................................................... 32
Fotografia 8 .................................................................................................................... 32
Fotografia 9 .................................................................................................................... 33
Fotografia 10 .................................................................................................................. 33
Fotografia 11 .................................................................................................................. 34
Fotografia 12 .................................................................................................................. 34
Fotografia 13 .................................................................................................................. 35
Fotografia 14 .................................................................................................................. 35
Fotografia 15 .................................................................................................................. 35
Fotografia 16 .................................................................................................................. 36
Fotografia 17 .................................................................................................................. 36
Fotografia 18 .................................................................................................................. 40
Fotografia 19 .................................................................................................................. 40
Fotografia 20 .................................................................................................................. 42
Fotografia 21 .................................................................................................................. 42
Fotografia 22 .................................................................................................................. 45
Fotografia 23 .................................................................................................................. 48
Fotografia 24 .................................................................................................................. 51
Fotografia 25 .................................................................................................................. 52
Fotografia 26 .................................................................................................................. 52
Fotografia 27 ................................................................................................................. 54
Fotografia 28 .................................................................................................................. 56
56
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................
10
2 EXPERIÊNCIAS EMPÍRICAS NA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO
MÉDIO EMIL GLITZ.................................................................................................
13
2.1 A escola ............................................................................................................. 15
2.2 Apresentação do projeto “Nós, Sebastião e a Comunidade”.............................. 16
2.3 Atividades gerais com educandos - descrição pormenorizada das
atividades...................................................................................................................
19
2.3.1 Transcrição de textos............................................................................... 21
2.3.2 Considerações de duas educandas sobre o trabalho de campo ............... 27
2.4 Imagens fotográficas feitas pelos educandos ..................................................... 29
2.4.1 Considerações sobre a experiência ......................................................... 37
2.5 A arte contemporânea: um ponte com a comunidade local ............................... 37
2.5.1 Documentação: textos escritos pelos educando sobre o projeto e
respectivas fotografias .....................................................................................
39
3 EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL EM PAULO FREIRE ............................ 57
3.1 Um histórico ................................................................. 61
3.2 Paulo Freire – educação como prática da liberdade ........................................... 66
3.2.1 Sobre liberdade e dialogicidade na educação ......................................... 70
3.2.2 Sobre dizer a palavra .............................................................................. 75
3.3 O método Paulo Freire ....................................................................................... 79
3.4 O educador - educando Freiriano ....................................................................... 82
4 ARTE/EDUCAÇÃO BRASILEIRA ........................................................................ 94
4.1 Arte/Educação no Brasil .................................................................................... 94
4.2 Proposta Triangular e Educação do Sensível ..................................................... 109
4.2.1 Aplicabilidade da Proposta Triangular e Educação do Sensível ............ 115
4.3 Dimensões do ensino da arte .............................................................................. 117
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 120
6 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 124
125
129
1. INTRODUÇÃO
A presente reflexão foi construída a partir do desejo de embasar teoricamente uma
experiência do ensino da Arte em escola pública. Em outras palavras, após vários anos de
experiência docente em escola pública de periferia com Arte/Educação, sentiu-se a
necessidade de pensar o porquê do modo como estava se desenvolvendo o trabalho, bem
como buscar novas possibilidades de encaminhamento do ensino/aprendizagem, a fim de
torná-lo mais significativo para o educando.
O ponto de partida foi o relato de experiência de um projeto realizado em sala de
aula, que não é propriamente o objeto desta pesquisa, uma vez que se tratava de uma
proposta de ensino da Arte para educandos do ensino médio. Metodologicamente falando, tal
relato servirá para ilustrar como podem ser postas em prática as concepções teóricas
abordadas neste trabalho. Além disso, o relato torna-se fundamental à medida que possui em
si elementos que servem para a reflexão que ora pretende-se fazer.
O relato de experiência acima citado, traz textos produzidos em sala de aula que
dizem do processo de criação artística dos educandos, das imagens apreciadas e da reflexão
sobre os problemas que tais imagens revelam. Ainda, contém imagens fotográficas feitas
pelos educandos a partir da orientação da educadora responsável pelo projeto, que são
releituras da obra de Sebastião Salgado, bem como, imagens de criações artísticas dos
mesmos. Os textos e as imagens em questão foram produzidos no ano de 2002, sendo que os
autores não estão mais na escola. O projeto foi premiado pela Rede Arte na Escola –
Fundação Ioschpe e publicado, em partes, em diferentes meios de comunicação.
O objetivo da presente dissertação é contribuir para o desenvolvimento da
Arte/Educação nas escolas de educação popular. Isto porque acredita-se que através da Arte
o educando pode vir a expressar-se, representar a sua realidade, os seus medos, as suas
angústias, os seus anseios, a sua perspectiva de futuro ou falta dela; e tornar-se, ao mesmo
tempo, sensível à Arte, além de capacitar-se a produzir criações artísticas de qualidade. Por
isso, o objeto de pesquisa é a educação popular em Paulo Freire, a Arte/Educação
especialmente através da Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa e da Educação do
Sensível de João Francisco Duarte Júnior. A tentativa é de agrupar tais conceitos enquanto
uma possibilidade para o ensino da Arte nas escolas populares.
No que tange à educação popular optou-se por usar o termo em letras minúsculas,
11
uma vez que é assim que o próprio autor a utiliza Paulo Freire é a principal referência,
que se buscou nesta pesquisa resgatar a sua obra, no que se refere à educação. Nesse sentido
os conceitos de liberdade, dialogicidade, democracia, amorosidade, interação e outros
cunhados pelo estudioso baseiam esta reflexão. É perceptível, no decorrer de sua obra, que
Paulo Freire utiliza constantemente as expressões “opressor” para referir-se à ideologia
dominante e “oprimido” para dizer dos que sofrem a massificação. Optou-se em manter tais
expressões no decorrer do texto, mesmo que talvez até o próprio Paulo Freire se inclinasse a
utilizar expressões diferentes, dados os contextos atuais. Entende-se que o educando de
escola pública de periferia seja um “oprimido”, uma vez que lhe falta muito para que tenha
uma vida digna no sentido amplo da palavra, isto é, acesso pleno à saúde, educação,
moradia, emprego, bens de consumo e cultura. Aqui, a partir do teórico supracitado, serão
feitas considerações sobre esta realidade, e propostas alternativas para uma educação
libertadora e significativa.
Sobre Arte/Educação elaborou-se um breve histórico desta no Brasil, especialmente a
partir de Ana Mae Barbosa a fim de contextualizar e, então, discorrer sobre a Proposta
Triangular e a Educação do Sensível, situando-as na aplicabilidade do ensino. O objetivo é
entender como tais conceitos foram abordados nos projetos relatados, que motivaram esta
pesquisa. Também aponta-se para as mudanças que ocorreram no ensino da Arte em nível de
Brasil, principalmente no que se refere às mudanças que operaram-se nas duas últimas
décadas no nosso país. No que concerne à nomenclatura optou-se por usar o termo
Arte/Educação a partir da explicação de Ana Mae Barbosa ao comentar que “prefiro a
designação Arte/Educação (com barra) por recomendação de uma lingüista, a Lúcia
Pimentel, que criticou o uso do hífem como usávamos em Arte-Educação, para dar o sentido
de pertencimento”
1
. Entretanto observa-se nas bibliografias sobre o assunto o uso da
expressão arte educação e arte-educação. Por convicção e padronização usar-se-á sempre
Arte/Educação, salvo em citações de autores que empregam a outra expressão.
A escolha metodológica pouco convencional é proposital. Foi intencional relatar uma
experiência, fazer uma reflexão teórica sobre educação popular e Arte/Educação Educação
do Sensível trazendo elos de ligação entre a reflexão teórica e a experiência narrada, e, por
fim, tecer uma análise que integre as partes operando com dois conceitos trabalhados
1
BARBOSA, Ana Mae. Uma introdução à Arte/Educação Contemporânea in Barbosa, Ana Mae (org).
Arte/Educação Contemporânea : consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005.p.99.
12
teoricamente. Buscou-se não apenas a síntese do pensamento dos autores, mas uma escrita
reflexiva sobre temas por eles trabalhados.
Enfim, objetivou-se produzir um texto simples e claro, que possa dizer da
Arte/Educação na educação popular, através de uma análise da educação e da Arte/Educação
brasileiras. Para tanto tomou-se como exemplo projetos pedagógicos realizados em uma
escola que apresenta uma realidade pouco favorável economicamente, mas que ousou
experimentar práticas, especialmente em Artes, diferentes das tradicionais. Por esses motivos
enquadra-se no perfil denunciado e vivenciado pelos teóricos que respaldam este trabalho e
servem como exemplo de que ações pedagógicas diferenciadas e voltadas ao educando, são
possíveis e significativas.
2. EXPERIÊNCIAS EMPÍRICAS NA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO
EMIL GLITZ
No primeiro capítulo relatam-se duas experiências empíricas que serão
problematizadoras das questões teóricas que se pretende abordar: a Arte/Educação e a
Educação Popular no Brasil. O primeiro relato retrata um projeto envolvendo a arte da
fotografia que aconteceu no ano de 2002, em uma escola de ensino médio da periferia da
cidade de Ijuí, RS. Vale dizer que este foi agraciado com o primeiro lugar do III Prêmio
Nacional Arte na Escola Cidadã da Rede Arte na Escola, Fundação Ioschpe, nesse mesmo
ano.
É importante ressaltar que a experiência em questão foi, originalmente, pensada
como uma proposta de curso normal para a terceira etapa do Ensino Médio
2
, não tendo
pretensão de participar de concurso e, sim, ser algo que fizesse parte da prática pedagógica
cotidiana. Talvez tenha sido este aspecto que tornou o projeto tão significativo a ponto de
ter sido considerado o melhor entre os concorrentes e receber o prêmio acima citado. Nesse
sentido, o projeto em questão nasceu do desejo de abordar o ensino da Arte a partir da
vivência dos educandos, para que estes pudessem atribuir significados ao seu aprendizado.
Para tanto, procurou-se universalizar as condições de acesso ao mundo da Arte, pelo
menos no que concerne às reproduções de imagens de obras de arte e textos referentes ao
assunto.
Acredita-se que a Arte é um bem universal a que todos têm direito. Por isso entende-
se que a mesma deveria ser de domínio público. Não obstante, para o educando de uma
cidade do interior o contato com a Obra de Arte instituída se resume a reproduções. E o
espaço onde esse acesso às imagens da Arte Universal ocorre é, quase que exclusivamente,
a sala de aula. Por isso, o educando de periferia, normalmente, não possui a dimensão
exata do tamanho, da bidimensionalidade ou tridimensionalidade da obra, das cores, da
textura, dos materiais e objetos utilizados ou ainda do estilo próprio que cada artista
imprime à sua criação.
2
As explicações sobre a escola e seu funcionamento estão a seguir, inclusive sobre o que consiste uma etapa e
como ela funciona.
14
Para desenvolver atividades que propiciem o ensino/aprendizagem da Arte de forma
significativa e não de forma que este se resuma a discursos sem retorno, faz-se necessário
buscar subsídios em imagens e artistas que sejam de interesse do próprio educando e da
sua comunidade. Não é possível envolver os educandos no processo de aprendizagem
apresentando-lhes imagens que não os remetam à sua própria vivência, isto é: sem um
mínimo de identificação. Em outras palavras, a possibilidade concreta de trabalhar com
Arte/Educação em determinada comunidade, consiste da própria vivência dos educandos,
para assim, garantir o engajamento e a efetiva participação, em um processo de diálogo e
interação entre educador e educando, cujo resultado seja o conhecimento. Como diz Paulo
Freire, “educador e educandos (liderança e massas), co-intencionados à realidade se
encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não de desvelá-la e, assim,
criticamente conhecê-la, mas também no ato de recriar o conhecimento
3
. Neste caso,
recriar o conhecimento através da criação artística dos próprios educandos.
Na proposta de Arte/Educação apresentada e relatada nos projetos a seguir, poderá
verificar-se que o ponto central deu-se a partir da vivência do educando - para o mundo e
novamente ao seu local de origem - o que diz da educação popular em Paulo Freire. Para
tanto, foi necessário ouvir o educando, deixá-lo falar de seu modo de vida, perceber como
seria possível encaminhar reflexões que pudessem desencadear um aprendizado em Arte.
Em geral os temas selecionados versam sobre os problemas enfrentados, quais sejam:
drogadição, violência, desemprego, fome, prostituição e outros. A partir desta
problematização buscou-se na Arte, imagens e artistas que pudessem viabilizar tal
demanda, ou que representassem ou apresentassem situações dos temas em questão. A
contextualização histórica também fez referência aos acontecimentos da sociedade na
época em que a obra foi criada, fazendo-se, então, um paralelo com a atualidade. A criação
artística veio como uma resposta do educando à realidade que o rodeava, possibilitando-o a
utilizar sua criatividade, sensibilizar-se e conhecer novas possibilidades de materiais. Vale
adiantar que os passos acima remetem à Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa, sobre a
qual versará parte do quarto capítulo desta dissertação.
A segunda situação a ser relatada neste trabalho é um projeto em Arte
Contemporânea, realizado na mesma escola. Com sua descrição pretende-se demonstrar
que o educando tem a possibilidade de expressar o seu entendimento da Arte através de
manifestações contemporâneas, utilizando diferentes materiais e partindo do seu cotidiano,
3
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 23ª reimpressão. São Paulo: Paz e Terra, 1994, p. 36.
15
refletindo o seu pensar e agir. Isto em busca, sempre, da libertação de sua condição de
oprimido, conforme defende Paulo Freire, o qual terá suas teses mais aprofundadas no
terceiro capítulo.
2.1 A escola
A Escola Estadual de Ensino Médio
4
na qual foi realizado o projeto aqui descrito é
uma escola de periferia da cidade de Ijuí RS. Possui em torno de 1.100 educandos. Nos
turnos matutino e vespertino oferece o Ensino Fundamental. O noturno, por sua vez, está
reservado para o Ensino Médio. A escola caracteriza-se por ser voltada à Educação
Popular, sendo que os educandos, em sua maioria, são oriundos dos bairros próximos a
esta escola, considerados de baixa renda. A Proposta Político Pedagógica da escola como
um todo busca fundamentação teórica, dentre outros, no educador Paulo Freire, que afirma
que “nenhuma pedagogia realmente libertadora pode ficar distante dos oprimidos [...]. Os
oprimidos hão de ser o exemplo para si mesmos, na luta por sua redenção”
5
.
O Ensino Médio da escola em questão, desde sua criação, foi contemplado com uma
proposta diferenciada. Isto é, surgiu como uma alternativa para pessoas que haviam
interrompido seus estudos algum tempo, em especial, trabalhadores. No início a faixa
etária dos educandos era bem elevada (de até 60 anos). Aos poucos a escola foi recebendo
também educandos mais jovens, provenientes do Ensino Fundamental da própria escola e
de escolas vizinhas, pois não outra escola de Ensino Médio nas proximidades. No
segundo e terceiro anos de funcionamento do Ensino Médio trabalhou-se com EJA
Educação de Jovens e Adultos o que deixou de ser oferecido para que os educandos
menores de 18 anos freqüentassem o Ensino Médio noturno.
No ano de 2002 a escola optou por uma organização diferenciada das escolas formais
na modalidade de Ensino Médio. Ao invés de séries, desenvolveu o ensino em etapas. A
duração do Ensino Médio passou de três para três anos e meio, distribuídos em cinco
etapas que independiam do ano do calendário. As aulas aconteciam de segunda à quinta-
feira. A sexta-feira foi reservada para estudo e formação de professores e tempo-
comunidade para os educandos. Este tempo destinava-se a um projeto interdisciplinar que
pudesse gerar reflexão sobre a comunidade e resultar em ações dos educandos na própria
4
Os dados sobre a referida escola dizem da época na qual aconteceu o projeto, ou seja, o ano de 2002.
5
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, ,1987, p. 41.
16
comunidade. Nesta reorganização curricular uma conquista fundamental foi a igualdade de
carga horária para todos os componentes curriculares do Ensino Médio e a inserção dos
componentes curriculares: Sociologia e Filosofia. Ao todo, são doze componentes
curriculares, distribuídos em três blocos, com a duração de dez semanas cada um, sendo
contemplados quatro componentes curriculares em cada bloco.
Quanto à metodologia e ao planejamento da Escola, buscou-se uma interação entre os
componentes, ou seja, um enfoque interdisciplinar de forma que todos os conceitos e
conteúdos partissem da realidade do educando. Para que isto acontecesse fez-se uma
Pesquisa Participante na qual envolveram-se educadores, educandos e funcionários, que
consistiu em uma visita do grupo, nos bairros que compõem a comunidade escolar. Nessa
visita o grupo conversou com moradores e fez perguntas informais de modo a identificar as
demandas da comunidade na qual os educandos encontravam-se inseridos. As falas desta
comunidade foram anotadas da forma original e, a seguir, organizou-se uma rede temática,
sendo que uma fala tornou-se o tema-gerador, norteador de todo o projeto pedagógico do
Ensino Médio assim intitulado: A gente véve do jeito que dá”. A partir deste tema-gerador
originou-se o contra-tema: É possível viver de outro jeito construindo cidadania.Para
cada etapa escolheu-se um foco e uma fala, ambos retirados da pesquisa participante.
A comunidade escolar à qual se faz referência é muito carente em termos econômicos
e culturais, além de grande parte dela não estar inserida no mercado de trabalho formal. Os
educandos trabalham na construção civil, como empregados domésticos e babás, como
catadores de lixo, dentre outros. Três dos bairros que compõem esta comunidade são
formados por pessoas oriundas do Movimento dos Sem-Teto e outros movimentos
semelhantes. Portanto, as dificuldades financeiras são inúmeras. A Arte para eles está
distante, salvo esporádicas mostras de trabalhos escolares, algumas manifestações de
dança, principalmente gaúcha e artesanato. As áreas de lazer disponíveis são poucas: um
campo de futebol, um pequeno CTG (Centro de Tradições Gaúchas)
6
e a escola, que foi
apontada na pesquisa participante como o ponto principal de encontro e lazer.
2.2 Apresentação do projeto “Nós, Sebastião e a Comunidade”
6
No CTG a comunidade tem a possibilidade de se encontrar para festejar, dançar, conviver com os demais. É
um local que a família pode freqüentar em conjunto.
17
O projeto “Nós, Sebastião e a Comunidade” surgiu da necessidade de proporcionar
aos educandos conhecimentos em Arte e, ao mesmo tempo, conhecer mais profundamente
o contexto social da comunidade escolar, no intuito de valorizar as pessoas que a integram
como cidadãos. O projeto deu-se na terceira etapa do Ensino Médio, cujo foco era
“Alternativas de desenvolvimento cultural e mobilização social”, pautado na fala
muitos adolescentes e crianças sem ocupação. Precisam trabalhar e estudar para acabar
com a baderna no bairro”, retirada da pesquisa participante. Nesta etapa a faixa etária
variou entre 15 e 50 anos. Conforme Luis Camargo,
O primeiro mundo que buscamos compreender é o da família, a casa onde
moramos, o quintal onde brincamos, a pracinha, o bairro onde vivemos, a cidade,
o estado, o país. Tudo isso marcado fortemente por nosso lugar social, nossa
origem social. E, ao buscar compreender, estamos fazendo leituras desse mundo.
Leitura crítica, prazerosa, envolvente, significativa, desafiadora. Leitura, que
inserida num contexto social e econômico, é da natureza educativa e política, pois
nossa maneira de ver o mundo é modelada por questões de poder, por questões
ideológicas
7
.
Os educandos da terceira etapa já estavam familiarizados com algumas linguagens da
arte, outros porém (boa parte deles) haviam interrompido seus estudos muitos anos,
quando ainda não era obrigatório o ensino de Arte (ou Educação Artística). Destes, vários
conheciam a cópia ou a livre expressão. Então, desde a primeira etapa retomou-se os
elementos visuais, a leitura da imagem, a apreciação de obras/imagens e a vida de artistas
de todos os tempos, bem como, a contextualização histórica. Isto para que os educandos
pudessem visualizar a Arte em suas diferentes manifestações, mesmo que somente através
de reproduções. A criação a partir de diversas manifestações da Arte esteve sempre
presente. Durante o projeto os educandos tiveram acesso a um curso básico (teórico) de
fotografia oferecido por um laboratório fotográfico da cidade. Nenhum dos educandos
possuía máquina fotográfica e a maioria nunca havia tido contato com tal aparelho
8
.
7
CAMARGO, Luiz apud PILLAR, Analice Dutra (Org). A Educação do Olhar no ensino das Artes. Porto
Alegre: Mediação, 1999, p. 14.
8
A forma como foi conduzido o projeto, bem como, todos os passos, conceitos e conteúdos trabalhados serão
especificados a seguir.
18
A fotografia funcionou como mediadora uma “janela” pela qual o educando
visualizou, através da fotografia de Sebastião Salgado, o contexto social mundial. E,
através da lente da na qual “clicou” a sua realidade com outro olhar, o educando pôde
vivenciar a Arte. Neste sentido Analice Dutra Pillar reflete que:
O olhar de cada um está impregnado com experiências anteriores, associações,
lembranças, fantasias, interpretações, etc. O que se não é o dado real, mas
aquilo que se consegue captar e interpretar acerca do visto, o que nos é
significado. Desse modo, podemos lançar diferentes olhares e fazer uma
pluralidade de leituras do mundo
9
.
A fotografia se tornou a “releitura” que o educando fez de seu mundo, utilizando
outra linguagem que não a fala, a escrita ou a plástica. Releitura esta que diz da imagem e
do contexto social, econômico e cultural no qual está inserido, pois, conforme Analice
Dutra Pillar,
Tal imagem foi produzida por um sujeito um determinado contexto, numa
determinada época, segundo sua visão de mundo. E esta leitura, esta percepção,
esta compreensão, esta atribuição de significados vai ser feita por um sujeito que
tem uma história de vida, em que objetividade e subjetividade organizam sua
forma de apreensão e de apropriação de mundo
10
.
O
método fotográfico utilizado por Sebastião Salgado, o porquê das fotografias em
preto e branco, as modificações feitas durante a revelação, a interferência no próprio filme
e o conceito de fotografia artística e jornalística também foram abordados no decorrer do
projeto.
No que concerne aos objetivos específicos deste projeto, pode-se afirmar que estes
foram: conhecer o fotógrafo Sebastião Salgado e sua obra e alguns pintores brasileiros que
enfocaram questões sociais; oportunizar a experimentação de materiais diversos através da
criação de composições visuais; fotografar a realidade social e econômica que compõe a
9
PILLAR, Analice Dutra. (Org). A Educação do Olhar no ensino das Artes. Porto Alegre: Mediação, 1999,
p. 13-14.
10
Idem, ibidem, p.15.
19
comunidade escolar e utilizar a linguagem fotográfica como alternativa de
desenvolvimento cultural e mobilização social.
Para atingir tais objetivos, os seguintes passos foram dados: apreciação de obras de
artistas brasileiros que enfocaram questões sociais
11
; estudo do período Modernista
Brasileiro, com ênfase na Semana de Arte Moderna de 1922; conhecimento da obra de
Sebastião Salgado e sua vida através da exposição Êxodos
12
e do álbum Terra, bem como a
leitura de entrevistas e reportagens sobre o fotógrafo; leitura da imagem fotográfica e
comparação com a pintura modernista; produção artística (com materiais diversos e
escolhidos pelos educandos), na qual a idéia central da fotografia e obra escolhidas
estivesse contemplada; estudo da linguagem fotográfica a partir de textos; curso teórico
básico de fotografia enfatizando o uso de uma máquina fotográfica e como obter boas
imagens; trabalho de campo fotografias tiradas pelos educandos durante uma caminhada
por alguns bairros, em que as situações e locais foram escolhidos pelos próprios
educandos; análise e apresentação do trabalho.
A exposição “Êxodos”, de Sebastião Salgado, foi um marco para a maioria dos
educandos, pois a dramaticidade e a veracidade das fotografias, extremamente realistas,
possibilitaram aos educandos uma reflexão sobre os conflitos sociais, as guerras, a fome, a
miserabilidade e a impiedade humanas, ao mesmo tempo em que eles puderam apreciar a
beleza da imagem fotográfica. Talvez, como o próprio Sebastião Salgado, eles tenham tido
a percepção de que a fotografia representa, simultaneamente, um acontecimento e a forma
física dele. Não foi difícil para os educandos atribuir significado a estas imagens, pois
algumas delas eram muito semelhantes à realidade deles. Como disse Sebastião Salgado
em entrevista televisiva de 29 de março de 2002, “a fotografia é o idioma das imagens, a
verdadeira imagem universal”.
2.3 Atividades gerais com educandos - descrição pormenorizada das atividades
11
Anita Malfatti, Cândido Portinari, Lasar Segall, Tarsila do Amaral, Dejanira, Vicente do Rego Monteiro
todos os artistas foram escolhidos pelos educandos a partir da apreciação de diversas imagens.
12
A UNIJUI Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul estava sediando uma exposição de
reproduções de fotografias do referido álbum do fotógrafo Sebastião Salgado aberta ao público, à qual os
educandos tiveram acesso.
20
Neste subcapítulo serão descritas as atividades feitas com os educandos no decorrer
de todo o projeto. Inicialmente estudou-se a linguagem fotográfica e o Modernismo
Brasileiro, e, após a visualização das obras, cada educando escolheu uma obra que, em seu
sentido, fosse semelhante à fotografia escolhida durante a visita à exposição “Êxodos”. O
passo seguinte consistiu em compará-la a uma das imagens modernistas, e, a partir da
escolha, criar um projeto que resultasse em uma composição visual, na qual utilizariam
materiais alternativos. Algumas obras de artistas apresentados não foram escolhidas, sendo
que a escolha recaiu especialmente sobre obras de Cândido Portinari. A justificativa da
opção dos educandos foi de que este artista melhor retratou os problemas sociais. Por fim
iniciou-se a criação.
Miriam Celeste Martins comenta que:
Na linguagem da arte criação, construção, invenção. O ser humano, através
dela, transforma a matéria oferecida pelo mundo da natureza e da cultura em algo
significativo. Atribui significado a sons, gestos, cores, com uma intenção, num
exercício que mais parece um jogo de armar, um quebra-cabeça no qual se busca a
forma justa
13
.
A maioria dos educandos buscou materiais do cotidiano, principalmente lixo limpo e
orgânico para sua criação. No entanto, o passo que mais gerou ansiedade foi o de utilizar a
máquina fotográfica. Em uma tarde chuvosa, de um sábado do mês de agosto de 2002, fez-
se uma caminhada pelos bairros escolhidos pensando-se em buscar situações que pudessem
ser fotografadas. Nem todos os educandos puderam participar deste momento, que foi
acompanhado por dois educadores e uma voluntária. A caminhada aconteceu nos bairros
Alvorada e Getúlio Vargas 2 e 3
14
e consistiu em conversas informais com as pessoas
encontradas, solicitando sua autorização cada vez que se desejava fotografar uma situação.
Cada educando bateu de uma a três fotos, por não poder arcar com o valor de mais
13
MARTINS, Miriam Celeste; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Terezinha Telles. Didática do Ensino da
Arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998, p. 54.
14
À medida que o Bairro Getúlio Vargas foi crescendo a partir dos movimentos pela moradia, os próprios
moradores foram numerando os aumentos do bairro. Hoje, existe até o Getúlio Vargas 5. No entanto, esta
situação é exclusiva, pois os próprios moradores são preconceituosos com quem mora nos anexos do bairro.
21
fotografias. Alguns educandos conheciam bem a região, outros, entretanto, até se
espantaram com tamanha miséria: lixo, gente e animais convivendo no mesmo espaço.
Eles fotografaram as situações mais diversas. Um senhor incomodou-se por seu filho ter
sido fotografado sem licença. Como não havia nenhum adulto por perto no momento, um
educando fotografou o menino soltando pipa, com o consentimento deste. Ao perceber, o
senhor citado, pai do menino, quis quebrar a máquina fotográfica. Os educandos
desculparam-se, prometendo levar o negativo posteriormente, o que realmente foi feito.
Algumas pessoas estavam pouco à vontade com a presença dos educandos e perguntavam
o que queriam no seu bairro.
Sebastião Salgado em entrevista televisiva de 29 de março de 2002 afirmou que sua
“maior esperança é provocar um debate sobre a condição humana do ponto de vista dos
povos em êxodo de todo o mundo”. O mesmo artista ainda afirma que “minhas fotografias
são um vetor entre o que acontece no mundo e as pessoas que não têm como presenciar o
que acontece. Espero que a pessoa que entrar numa exposição não saia a mesma”. Os
educandos sentiram-se assim depois desta experiência: sensibilizados, pois a reflexão sobre
o que viram os fez repensar a prática e perceber que a realidade visitada era vivida por
alguns deles.
2.3.1 Transcrição dos textos
Serão transcritas as produções textuais de alguns dos educandos, as quais foram
elaboradas durante todo o processo. Para não descaracterizar a escrita dos mesmos, os
textos serão reproduzidos literalmente
15
.
Texto de educando A
“A foto exposta na exposição de Sebastião Salgado, que mais me chamou a minha
atenção a obra Na estação de Ivankow, 120 refugiados vivem numa longa composição
ferroviária Croácia 1994. Refugiados e migrados, que após vê-la me tocou por haver nela
15
Optou-se por colocar em itálico os textos dos educandos por estarem transcritos tal e qual foram escritos, e
serem em si palavras de outrem.
22
um garoto só, distanciado dos outros por ele estar no meio de uma das atitudes que os
povos tomam os conflitos dos sem-terra, a competência dos pais é pouca, por isso são
diminutas as possibilidades de mudar o que vimos nas fotos. E a foto que comparei, é de
um garoto tirando leite, de Cândido Portinari a sua obra é magnífica. A comparação, foi
por ele também ser um garoto sozinho trabalhador. As semelhanças são bem parecidas
pois criança sempre aparece, com jeito de sofrida, nestas fotos como minha pessoa me
chama atenção.”
Texto de educandos B e C
“Retirante (1944) Cândido Portinari: painel a óleo sobe tela 190cm x 190cm. Museu
de Arte de São Paulo.
Esta foto nos revela o estado em que as famílias sofridas do nordeste são famílias
inteiras em estado de grande pobreza, que não encontram trabalho e tem que fugir de sua
terra para outros lugares afim de encontrar alimento que mate a fome da sua família, pois
o seu rosto já estão cansados de ver tanta miséria, sm perspectiva de um futuro melhor.
Comparamos esta foto dos retirantes com a foto de Sebastião Salgado tirou dos
refugiados Ruandenses em Hdutu onde milhares de pessoas tinham que fugir por causa de
grande miséria ali existe que estava matando o seu povo de fome onde as pessoas estavam
muito desnutridas pois elas eram expulsos do seu habitat.”
Nosso projeto:
Nós, Sebastião Salgado e a realidade e a vida
Usamos isopor, palitos de picolé, plástico, caixas de papelão emitando casa e
galpão
Bonecos de plástico emitando pessoas
Flores de plástico
Animais de plástico emitando animais vivos
O tamanho é pequeno mas nos projeta para a realidade.
O projeto nosso mostra a realidade de um povo a procura do seu chão ou seja do seu
pedaço de terra onde possa tirar o seu sustento e de sua família. Pois a realidade é mais
nua e crua pois ainda existe muita pobreza neste país.”
Texto de educando D
23
“Estou abordando as supostas expectativas dos pequenos agricultores que em busca
de uma vida melhor na cidade, encontram pobreza, violência urbana, moradores
revoltados, uma política hipócrita, seja, desigualdade social e quebra de desrespeitos de
valores culturais e familiares, religiosos e distribuição de verbas públicas, causando
distúrbios, com um futuro sem muitos caminhos a seguir, em abismo sem beira em busca
de paz.
Várias pessoas morrem sem solução em seus caminhos, sem solução, ficam
revoltados, desgostosos para os familiares e comunidade em geral, nossa indignação nada
resolve. Eles querem acabar com a violência, querem paz, esta paz tão citada em
assembléia, mas denegrida com leis corruptas que causam dor para os não
beneficiados.”
Texto de educando E
“Obras de Sebastião Salgado
Uma das fotos que me chamou atensão foi a do cano de água que cruzava no meio
da favela que não tinha água.
A prova que o pobre ficara sem água no futuro ou totalmente sem água, a pobreza
não tem vez e vai ficar cada vez mais sem vez nesta sociedade desigual.
Vendo esta foto percebi que no futuro a doença que mais vai matar as pessoas cai
ser a falta de água.
A obra que vi mostrou uma favela onde as pessoas caminhavam com latas de água
na cabeça. Esta obra mostrava as pessoas com dificuldade para buscar água e em sua
maioria são pessoas de cor.
As duas obras são parecidas pois o pobre está em destaque de desemprego e miséria
e umilhaçao pelo rico.”
Texto de educando F
“Caixões
A idéia de fazer caixões veio da interpretação da foto de Sebastião Salgado: na
fotografia, caixões com integrantes dos sem terra mortos pela polícia em uma disputa de
fazenda.
24
A montagem são caixas transparentes, envolvidas por papéis, em forma de caixões.
para ver dentro das caixas, arroz em uma e feijão em outra: arroz e feijão significa o
alimento; o fruto do suor do lavrador; o caixão, a morte de quem planta o alimento.
Por que caixões com alimentos? Porque, morrendo o agricultor, a semente não é
cultivada, alimentos deixam de chegar à mesa: é o mesmo que morrer com o agricultor e
planta que ele poderia semear.
Pensando bem, um sem terra também pode ser comparado a uma semente dentro de
uma caixa fechada. Mesmo que se enterre a semente a planta não vai nascer, pois está
sufocada na caixa; assim também é o sem terra e qualquer outro colono: se dar-lhes terra,
sem incentivo e crédito para plantar, ele não terá como colher.
A foto que eu escolhi mostra caixões do massacre ocorrido numa invasão do
movimento sem terra.
Aparece na foto oito caixões na parte traseira de um caminhão presume-se que o
retrato tenha sido tirado da cabine, para trás. uma estrada, carros, motos, ônibus,
bicicletas. Nos lados da pista mato, postes. É noite, o céu escuro e pontos luminosos
dos faróis. Os caixões estão cobertos com a bandeira do MST.
É uma foto gelada, trágica; até a noite foi bem aproveitada; joga no espectador a
impressão da melancolia e tristeza.
Imagino os sem terra antes de invadir tal fazenda, dispostos a morrer para o êxito
dos colegas do movimento. Lutaram, guerrearam por um pedaço de chão e conseguiram,
conseguiram o chão onde foram enterrados. Depois de ser sem terra, em perspectiva, sem
um monte de coisas, sem vida foi só um “sem” a mais.”
Texto de educando G
“A foto Serra Pelada” de Sebastião Salgado mostra o sofrimento de pessoas, que
lutão por uma miséria, para ter na mesa ao menos um pedaço de pão. É chamado Serra
Pelada por causa de um garimpo onde buscavam ouro até chegar ao garimpo escalavam
uma serra.
A obra de Portinari mostra um mestiço com mãos fortes e calejadas pelo trabalho.
A semelhança entre as duas é o esforço e os traços de sofrimento, por uma vida
sofrida e sem oportunidades.
Projeto: que materiais serão usados: papel picado, cola, folhas ofício.
Tamanho: 2 folhas ofício juntas.
25
Como vai ser: 2 mãos mostrando o sofrimento de uma vida sem oportunidades.”
Texto de educando H
“Sebastião Salgado
No nordeste a fome e a seca esta cada vez mais difícil, principalmente no nordeste,
pessoas a procura de água, e o encontram um pouco de água nos cactos.
As pessoas descascam os cactos para tomar a água, os adultos estão com calçados e
as crianças, descalsas, e até o cachorro passando fome e sede.
Se não é os cactos no nordeste, muitos morrem de sede, pos a procura de água.
Pois mostra a fome e sede das pessoas no nordeste isso é muito triste.
Pintura a óleo sobre tela: Retirantes (Cândido Portinari)
Mostra sobre a seca, a pobreza do nordeste, muita criança passando fome, e pessoas
sem trabalho.
(sobre sua criação)
Esta estátua significa uma pessoa que vive no nordeste e convive com a seca, ele
trabalha, apesar de estar triste por que falta água para beber, poder sobreviver, eles
bebem a água dos cactos. Com seu chapéu velho, magro ele tenta levar a vida como dá,
vencer a fome e a sede não é fácil, apesar da pobreza, eles esperam pela chuva o único
jeito de ter uma água para beber etc.”
Texto de educando I
“Sebastião salgado – Movimento dos sem terra
Em primeira vista desta foto nos mostra um dos sem terra com seu braço direito
erguido em posse de uma foice, com a expressão de um vencedor. Em seguida seus
companheiros com muita ansiedade de chegar à tal terra tão sonhada por todos. Ao fundo
da foto tem uma imensa faixa de mata, a cerca que vai para a esquerda da fora e a direita
do a pisar na terra está aparecendo apenas 4 palanques numa divisão + - de 5 metros.
A porteira está completamente aberta para dentro da terra de posse dos ocupadores. A
terra parece estar um pouco seca e sua vegetação é rasteira.
Café – Portinari
É uma obra onde as pessoas negras (escravos) trabalham em uma colheita de café.
O canto esquerdo da obra à frente tem uma mulher com um lenço na cabeça e ao seu lado
26
esquerdo uma pilha de sacos de café prontos para o comércio. Entre vários negros
montes de café no chão e os escravos estão muito inchados porque eles não ganham o que
calçar. As mulheres trabalham na colheita do café, elas se vestem com vestidos longos.
Eles estão trabalhando sobre comando do patrão.
Comentário:
Na foto e na obra contém pessoas com algumas diferenças sociais bem grave.
Na foto do MST as pessoas são trabalhadoras mas querem lutar para ganhar lucro
com seu trabalho mas elas não tem como produzir pois elas não tem condições de comprar
seu chão.
Na obra café” nos mostra pessoas que trabalham sobre comando do patrão e são
obrigadas a fazer qualquer tipo de serviço. Por serem negros muitos acham que não
devem ter direito algum. Eles trabalham 24 hora por dia sem poder relaxar um minuto a
não ser para comer alguma coisa de vez em quando. Ainda assim estão sobre o comando
dos patrões. A diferença dessas pessoas não é grande pois são castigadas pelos que
possuem o poder.”
Texto de educando J
“Sebastião Salgado: Índios
A calma em levar a vida na pobreza ou seja na maneira em que vivem pois eles
gostão de levar a vida assim sem regalias.
O seio protetor de uma mãe que nunca abandonaria a cria por amá-la muito, a pesar
de seu rosto expressar um leve ar de tristeza ela parece feliz.
O olhar inocente da criança esperando a esperança de melhores tempos, ao mesmo
tempo sintindo o conforto e segurança que sua mãe o transmite.
O seu sustento tirado se suas próprias mãos com o artesanato, o plantiu, seus
utencilios domésticos a maioria artesanal também. O respeito que existe na tribo por
andar sem roupa só cobrindo seus órgãos genitais.
O mundo totalmente diferente deles do nosso eles vivem com tão pouco e não
reclamam nós enquanto mais temos mais queremos.
Mãe Preta – Lasar Segall
Tem muitas coisas parecidas o relacionamento entre mãe e filho, a simplicidade da
maneira de viver, a expressão dos rostos parecidas, tristes mais felizes a inocência da
27
criança, que apesar do preconceito que os mesmos vivem a força que eles tem com seus
objetivos, as vezes até a marca da luta expressa em seu olhar”.
2.3.2 Considerações de duas educandas sobre o trabalho de campo
Texto de educanda A
No sábado nós fomos fazer umas fotos nos bairros, para conhecer cada pessoa e
como vivem e reagem ao nosso trabalho escolar que é montar um “Êxodo” não tão
grande como o de Sebastião Salgado que são fotos de várias raças e estilos de vida
diferente daquele que muitos ignoram e não querem ver.
As fotos foi para aprendermos mais sobre as condições de vida de cada um por isso
que muitos dizem levamos a vida do jeito que dá.
Nossas fotos foi baseada nisto porque planejamos com a profe de artes que nos
acompanhou e conseguiu trazer câmera fotográficas e não conseguiu filme preto e branco
e tiramos fotos com o filme colorido. A profe B” e a mãe da profe A” nos acompanha
nesse passeio de trabalho e nos ajudou e motivos e, no nosso ofício de retratista naquele
dia.
Batemos fotos nos trilhos do trem, a educanda A” tirou com crianças, bateu foto
dum bueiro entre outra fotos que cada um que estava ali escolheu para bater.
Adorei ter ido, foi uma experiência muito boa para o meu aprendizado. batemos
fotos daquelas pessoas que permitiram tirar.
Foi uma beleza se pudéssemos continuar se nos dessem mais chance apezar daqueles
receio de aproveitar a oportunidade oferecida. E que cada um vive a vida do jeito que dá.
Eu bati foto da casa do bairro novo, de crianças e todos teremos nos trilhos do trem
entre outras.”
Texto de educanda B
“No dia 24 de agosto de 2002
28
Em continuidade com o trabalho encima das fotos de Sebastião Salgado. Nos aluno
da 3ª etapa do ensino médio EJA da Escola Emil Glitz fizemos um trabalho com a profe de
Artes “B” fomos visitar alguns bairros de Ijuí.
Numa caminhada que fizemos vimos a realidade de pessoas que vivem em plena
miséria. São casebres na beira dos trilhos. Ao mesmo tempo dessa nossa visitas
aproveitamos para testas nossos conhecimentos em fotografia. Vamos fazer uma exposição
na nossa escola.
Nos alunos e profe observamos que as pessoas estão preocupadas ao ver nos
fotografando imaginaram que era político nesse momento houve um pequeno mal
entendido pois foi fotografado uma criança brincando soltando pipa e o pai da criança
nos chamou atenção pois não tinha autorização nos entendemos o erro e se desculpamos.
Sentimos que a esclusão social não tem espectativa de vida não cuido da natureza jogam
vários detritos de lixo em redor de suas casas virando um verdadeiro lixão.
Pois para mim foi importante esse nosso trabalho que realizamos apena que foram
poucos alunos que participaram. Foram fotografado vários momento dessa caminhada. O
que me chamou a atenção foi fotografar um senhor bem idoso, e uma vovozinha com 98
anos, e um criança inocente brincando com a natureza coma a terra fazendo bolo de
barro.
Para mim e a segunda experiência que participo na escola conhecendo pessoas que
moram em alguns bairro de Ijuí. Entendo que são pessoas humilde e talvez analfabetos.
Eu me imprecionei foi ver tantas crianças brincando alegres e contentes com o
coração inocente.
Ao chegar em casa percebi com o perigo que ocorremos em ir naqueles arrebalde
seu que sozinha não passo lá. Coitados daquelas crianças que acredita no futuro com
melhor condições de vida.
Precisamos mudar essa sociedade que uns têm e os outros não tem nada.
Vamos colocar políticos que olhe por nos classe pobre excluída sem emprego e
moradia.
Não somos um Sebastião Salgado para fazer aquelas fotos tão lindas mas esperamos
que as nossas fotografia seja tão bem batida e que mostre a realidade a nossos colegas
que eles consigam analizar a situação em que essas família estão vivendo na mais
precarias pobresa”.
29
2.4 Imagens fotográficas feitas pelos educandos
Fotografia 1 - No meio do Bairro Getúlio Vargas 2, uma propriedade rural com gado e
cavalos. Uma casa grande e bonita de alvenaria contrasta com o restante do bairro.
Fotografia 2 - Duas senhoras idosas na porta de sua casa tomando chimarrão. Antes de serem
fotografadas quiseram se arrumar primeiro: pentearam os cabelos e trocaram de blusa, e não
30
permitiram que a fotografia fosse tirada da porta dos fundos (que aparece ao fundo na
fotografia) onde estavam quando da solicitação, mas na porta da frente
16
.
Fotografia 3 - Senhor na janela de casa, que dá para a ferrovia
.
Fotografia 4 - Igreja Pentecostal Jesus Cristo é Senhor, no Bairro Getúlio Vargas
17
.
16
Arte, escola e cidadania: um prêmio e seus premiados/Instituto Arte na Escola. – São Paulo : Instituto Arte na
Escola : Cultura acadêmica, 2006, p. 59.
17
Arte, escola e cidadania: um pmio e seus premiados/Instituto Arte na Escola. – São Paulo : Instituto Arte na
Escola : Cultura acadêmica, 2006, p. 59.
31
Fotografia 5 - Filhos de um educando acharam uma boneca em bom estado em frente a uma
casa em ruínas. Bairro Getúlio Vargas 2
18
.
18
< www.artenaescola.com.br/premio_2002 >. Acesso em: outubro/2007.
32
Fotografia 6 - Crianças sentadas nos trilhos do Bairro Alvorada. Durante todo o tempo em
que se permaneceu no bairro as duas crianças permaneceram neste local brincando.
Fotografia 7 - Vista parcial do Bairro Getúlio Vargas 3.
Fotografia 8 - Senhora de 98 anos, surda, comendo feijão e arroz no meio da tarde. Ela ainda
varre o pátio todos os dias. Não tem dentes, e sorri sem parar, gritando e fazendo gestos
demonstrando estar feliz com nossa presença. A pessoa que cuida dela, uma sobrinha, quis
tirar a touca para a fotografia, solicitou-se que a deixasse como estava para não
descaracterizá-la.
33
Fotografia 9 - Pessoas jogando baralho e rindo. Disseram que “durante a semana nóis
trabáia, final de semana é só alegria e deversão”.
Fotografia 10 - Mãe do menino que estava sentado nos trilhos. Ela estava lavando roupas
quando pedimos para fotografá-la. Consentiu, desde que o filho estivesse junto, e não quis
ser fotografada lavando as roupas, mas fazendo pose.
34
Fotografia 11 - Bueiro no Bairro Alvorada.
Fotografia 12 - Casa queimada no Bairro Getúlio Vargas 3. O morador ao lado disse que a
casa queimou pela quantidade de cachaça que nela havia. O fogão a lenha permaneceu no
mesmo lugar, intacto.
35
Fotografia 13- Casas populares de alvenaria construídas pelo governo estadual com verba
federal. As casas medem 3m x 4m e se constituem de uma peça com banheiro.
Fotografia 14 - Três meninas brincando com o bolo de barro que fizeram a pós a chuva.
36
Fotografia 15 - Galpão com entulhos, um cachorro e muitos gansos que fugiram na hora da
fotografia. Um garoto alimentava as galinhas e carregava esterco neste local, mas não quis
ser fotografado. Bairro Alvorada.
Fotografia 16 - Casa do Bairro Getúlio 2, com a roupa na cerca. Os homens que estão na
carroça pediram para serem fotografados com seu instrumento de trabalho: a carroça de
fretes
19
.
Fotografia 17 - Casa em construção no Bairro Getúlio Vargas 3.
19
< www.artenaescola.com.br/premio_2002 >. Acessoem: outubro/2007.
37
2.4.1 Considerações sobre a experiência
Para os educandos que participaram deste projeto a Arte foi mediadora de
conhecimento, gerou reflexão sobre o cotidiano de cada educando e apontou possibilidades
de mudança. Eles foram buscar na comunidade onde vivem uma realidade que, apesar de
ser a deles, não era observada com outro olhar que não o do cotidiano. Ver-se, ver o outro,
ver sua casa, seu bairro por meio de uma lente fotográfica os fez perceber que, mesmo
“feia”, esta realidade poderia ter beleza. Demonstraram o quanto haviam evoluído na
sensibilidade estética e no conhecimento de sua realidade, vista por outro ângulo. E nas
obras de arte que apreciaram, nas fotografias do Sebastião Salgado, eles puderam
reconhecer-se.
Várias imagens diziam daquilo que se todos os dias, como a pobreza, o
desemprego e as pessoas sem perspectivas de uma vida melhor. Comentários como “esse
parece meu vizinho”, ou “essa casa parece a minha”, ou “meu pai também faz isto”
indicaram a semelhança entre o cotidiano dos educandos e a realidade que ora se
apresentava. Foi um olhar diferente, pois mesmo nas dificuldades cotidianas, que são
muitas, foi possível perceber que há beleza e possibilidades de luta.
2.5 A arte contemporânea – uma ponte com a comunidade local
Este projeto originou-se na etapa do Ensino Médio, cujo foco também foi criado a
partir das falas da pesquisa participante, citada anteriormente. O foco foi Reflexão e
ação com inclusão”, e a fala que o desencadeou foi tem conversa, projeto”. Os
educandos que participaram do projeto estavam se encaminhando para o final do Ensino
Médio. Construíram conhecimento também em Arte, mesmo com a dificuldade de acesso
ao mundo formal da mesma.
A opção pela Arte Contemporânea nesta etapa aconteceu porque os educandos vivem
em um mundo contemporâneo e têm não o direito como também o dever de conhecer o
processo criador de seu tempo, as manifestações da Arte que existem, bem como, os
38
artistas e os espaços. Isto para que possam tornar-se sujeitos sensíveis e de apurado senso
estético. No primeiro momento o projeto foi exposto à turma para apreciação e
concordância ou não da realização do mesmo. Uma vez aprovado, iniciou-se com os
educandos a leitura de diversos textos sobre o assunto. Na semana seguinte os mesmos
vieram armados” de argumentos para desistirem do projeto, pois acreditavam ser muito
difícil. Ao explicar novamente como este funcionaria houve o entendimento da proposta e
com ela o consentimento para sua realização.
Começou-se a estudar as mais diversas manifestações da Arte Contemporânea e seus
significados: assemblages, ready-made, object trouvé, performance, happenings,
instalações, interferência urbana, land art, body art, dentre outros. Para cada conceito uma
imagem de um artista: performance de Joseph Beys; instalações de Tunga; móbiles de
Alexandre Calder; assemblages de Arthur Bispo do Rosário; esculturas de Lygia Clark;
bólides de Hélio Oiticicae outros. Buscou-se enfatizar as produções da Arte Brasileira. As
imagens acessíveis foram vistas e revistas, discutidas e refletidas. À medida que
aconteciam as apreciações, os educandos questionavam algumas obras quanto à sua
validade artística ou não.
Para refletir sobre os questionamentos, estudou-se um texto de Ferreira Gullar no
qual o autor afirma que “a arte não nasceu pronta, não foi presente dos deuses aos homens.
Ela é produto do trabalho humano, da imaginação e do fazer, da mente e da mão”
20
. As
respostas aos questionamentos foram sendo construídas ao longo de todo o processo de
criação. Os educandos pesquisaram as especificidades da Arte Contemporânea.
Descobriram a efemeridade, a diversidade de materiais, de linguagens, os diferentes
suportes ou a ausência destes, o uso de objetos industriais e muito mais. Não foi fácil
despir-se do conceito de Arte que se conhecia até então e reorganizá-lo. Após reflexões e
discussões sobre Arte, seguiu-se pensando sobre o contexto dos próprios educandos, no
sentido de como incluí-los socialmente a partir da Arte. Em grupos, os educandos
escolheram assuntos polêmicos relacionados ao seu cotidiano, discutiram e escreveram
sobre os mesmos. Dentre os temas escolhidos pôde destacar-se a “Prostituição”, o
“Casamento”, “A evolução tecnológica da Internet”, “Drogas”, ”A natureza pede socorro”,
“Pornografia na Televisão”, “A nossa versão de sociedade”, “Uma bomba social”. Em
seguida cada grupo elaborou um projeto de criação a partir do assunto escolhido, no qual
20
GULLAR, Ferreira. Argumentação Contra a Morte da Arte. 7. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p 30.
39
deveria constar a intenção, o assunto e o conceito, bem como, os materiais a serem
utilizados e as manifestações da Arte Contemporânea às quais fariam referência.
A Arte norteou a reflexão que os educandos fizeram da sociedade, e esta reflexão
serviu-lhes de instrumento para que pudessem externar suas preocupações, medos e
inseguranças. Ou seja, a partir da linguagem visual, ao mesmo tempo em que conheciam e
compreendiam a Arte de seu tempo, utilizavam sua capacidade criativa e criadora. Foram
várias semanas de trabalho e a maioria dos educandos envolveu-se. Na informalidade,
durante o processo criativo, as discussões sobre Arte tomaram corpo e enriqueceram e, na
interação de educandos e educador, construiu-se o conhecimento que se almejava.
O projeto como um todo foi muito compensador, pois houve envolvimento por parte
de todos e a produção de conhecimento foi satisfatória. Por fim discutiu-se Arte
Contemporânea com os educandos que construíram argumentos sólidos para sustentar a
discussão. Assim, a Arte tornou-se parte integrante de suas vidas.
2.5.1 Documentação: textos escritos pelos educandos sobre o projeto e respectivas
fotografias
Para os educandos do Ensino Médio noturno tornou-se natural escrever sobre sua
prática e explorar, na forma de textos, os assuntos tratados em sala de aula. Surgiram novas
possibilidades de abordagem de outros assuntos por parte dos educandos, e isto se deu
através das reflexões e discussões geradas a partir do trabalho.
Abaixo serão transcritos alguns textos escritos pelos educandos durante o processo do
projeto acima citado, bem como as fotografias relacionadas aos mesmos. Por vezes, cada
um do grupo escreveu um texto individual. Colocou-se primeiro o nome dos componentes
do grupo, e, posteriormente, os textos individuais. Os textos estão transcritos, mais uma
vez, sem alterações.
40
Fotografias 18 e 19 - A “Bomba Social” se constitui de uma caixa fechada com a inscrição
“abra” em cima. Ao abri-la, uma caixa com recortes de cenas de violência e espelhos em
volta para que todos pudessem se ver refletidos nas situações de violência.
Criação 1:
- Componentes: 4 educandos
- Título do Projeto: Bomba Social
- Intenção: fabricar uma bomba que represente um dos maiores problemas da
sociedade, a violência que começa dentro de casa e vai para as ruas e se transforma numa
bola de neve sem fim.
- Argumento: de fazer as pessoas pararem e pensarem nesta realidade, de se
chocarem e notarem que a situação é grave mesmo. Será que ainda poderemos mudar esta
realidade?
Texto 1
“Um dos problemas que mais afligem os seres humanos na atualidade sem dúvida
alguma é a violência, esta por sua vez abrange vários aspectos de nossa sociedade, indo
desde a família até os mais váriados segmentos da vida. Podemos enfocar a violência
verbal, física e também moral.
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Enfocando este assunto com relação ao bairro onde moro posso afirmar que em
relação aos demais bairros dessa cidade este é relativamente calmo, registrando baixo
índice de assaltos, disculssões entre vizinhos, agressões físicas mutuas ou comumente
chamados brigas.
A violência em si origina-se no seio da família, onde os filhos crescem debaixo de
agressões físicas e verbais de modo que seu crescimento e conduta são afetados por todo
esse clima negativo, gerando na criança a revolta, a inferioridade, que na adolescência
começa a ser e muitas vezes sem limite, aí começa a violência.
O bairro onde moro é formado por uma boa parte de pessoas cristãs que receberam
e passam para os filhos os ensinamentos de Deus entre os quais cito o amor e o perdão o
que anula a violência.”
Texto 2
“A violência é um dos maiores problemas sociais que existe na sociedade como um
todo.
Ela está presente em todos os lugares, dentro de casa, na rua, na escola, no bairro e
assim por diante.
No bairro onde moro a violência não é muito forte como alguns anos atrás foi, está
que acabou dando a fama de bairro violento.
Mas atualmente é mais calmo, lógico que brigas, assaltos, mas não muito
freqüentes. É bom de se conviver, mas como em todo o lugar violência, o Alvorada não
é diferente.
Acabamos nos acustumando e não tomamos atitudes para melhorar, acomodamos-
nos muito e a violência só aumenta.
Na luta contra a violência
Você faz a sua parte
Faço a minha, assim poderá ser possível passioná-la.”
Texto 3
“A violência esta cada veis mais presente em nossa sociedade, e não adianta mais
tentar esconder, por que a cada dia que passa ela aumenta mais nas escolas, nas ruas, nos
bairros.
42
No meu bairro havia muita violência até um tempo atráz, hoje não é muito mas tem,
roubos, assaltos, briga nas ruas quase sempre pessoas alcoólicas.
Eu acho que a principal causa dos roubos e assaltos é a falta de emprego na nossa
cidade, tem famílias com vários filhos o pai e a mãe desempregado passando fome, o últi
alternativo é roubar, assaltar. Tem os vadios que roubam para comprar drogas, bebidas,
etc...”
Criação 2:
- Componentes: 4
- Título do Projeto: Casamento
- Intenção: Nossa intenção é mostrar que o casamento hoje não é mais tradicional,
já não tem mais o objetivo de união para se ter filhos. O casamento hoje não é mais aquele
onde o pai sustenta sua família, mãe que cuida do marido, da casa e da educação das
crianças. A mudança de costume permitiu que à crianças educadas pelo pai, pela
mãe (mãe e pai solteiros). Sendo comum a união (casamento) entre homossexuais e que
seus filhos tenham direito a casa, educação, alimentação, valores comuns em qualquer
outra união.
- Argumento: Hoje em dia a gente houve muito falar e viver o casamento.
Um olhar uma paixão, nasce o amor apartir daí, começa o namoro e, juntos decidem
unir-se, casam, juntos partilharão as alegrais, as dificuldades do dia a-dia, compreender a
pessoa amada.
Fotografias 20 e 21 - Dois lados da instalação “Casamento”, uma armação de madeira com
colagens de fotografias de casamentos.
43
casamentos que dão certo, duram uma vida inteira até que a morte os separem.
outros por falta de amor ou falta de algum intendimento, respeito terminam e nunca
mais é o mesmo. E também há os casamentos que com um certo tempo vão perdendo o seu
brilho, mas a um dos dois que é persistente e faz com que esse mesmo se renove, mas na
verdade o que permaneci são os filhos.
Talvez algum dia, pessoas mais experientes, venham nós dizer que casamentos
perfeitos.
Hoje a maioria das pessoas não tem mais aquela compreensão com a outra, por
qualquer coisa faz crítica, encherga os defeitos, sem o mínimo respeito, deixa que o
orgulho a falta de humanidade e dão um fim aquilo que começou tão bonito sem defeito e
com tanto amor, ficando, restando dessa união que foi um dia, os filhos.”
- Montagem: comesarmos montando os casamentos tradicionais, depois as novas
formas de união de hoje e as conseqüências dessas uniões, através da montagem de um
labirinto. Com recortes, de vários veículos de comunicação.
Com jornais, madeira, papelão, etc.
- Manifestações da arte contempladas na criação: arte pôvera, assemblages e ready
mades.
Texto 1
“O casamento deixou de ser uma união duradoura, onde um homem e uma mulher se
uniam por amor, para terem filhos e formarem uma família.
Hoje o casamento é apenas um contrato, sem amor, sem objetivo. E os casais que
ainda se unem não se esforçam par preservar o casamento, não respeitam mais o
juramento feito na frente o padre e do juiz, não respeitam mais a palavra ‘família’. E na
primeira dificuldade a única saída que procuram é a separação.
São poucos os casais que realmente levam a sério o casamento. Que procuram se
espelhar nos avós, pais e realmente se unem com o objetivo de constituírem uma família.”
Texto 2
Entre um casal homem e mulher, depois do casamento não é mais o mesmo
relacionamento de quando eram noivos ou namorados, um tem que respeitar o espaço do
44
outro pasam a dividir praticamente tudo, ai que começa alguns atritos, no casamento
momentos bons, e momentos ruins, momentos em que o casal enfrenta dificuldades muitos
não percistem e acabam separando como nos tempos atuais.
Hoje o casamento está muito mudado não pe mais como antigamente, não mais o
respeito e a fidelidade em muitos casais, o casamento é uma coisa tão bonita acho que
devia ser uma coisa zelada e muito respeitada e vivida com muito respeito e entendimento
e principalmente com muito amor, amor em lugar sem amor nem um casamento vai
bem.”
Texto 3
“Conceito sobre casamento
Podemos notar que com o passar do tempo o casamento se torna cada vez mais
natural entre as pessoas, e com ele também o divórcio. Antigamente a união era feita
através de anos de noivado com namoro em cãs e após isso ocorria o matrimônio onde
seria para toda a vida.
Nos dias de hoje o casamento não é levado tão a sério, existe a união entre dosai
homens, e também duas mulheres.
Devíamos rever o conceito sobre casamento pois ele está acontecendo sem amor,
respeito sendo uma união somente por interesse onde os maiores prejudicados são os
filhos.”
Texto 4
“Quando duas pessoas se conhecem, apaixonam-se, começa a curtição, o namoro, a
sair, ... num determinado tempo, à entre elas um diálogo, como à coisas em comum, daí
vem a decisão de conviverem juntos, de formarem uma família, que assem chamamos de
casamento.
Mas não é trabalhar para manter o seu dia-a-dia. No meu ponto de vista, o
casamento tem que haver uma estrutura para se manter, como numa construção se começa
pelo alicerse. No casamento é preciso de uma base para erguelo, que é formado de
respeito, carinho, compreensão, entendimento, diálogo, amor, e em todas as horas, de
alegrias e de dificuldades.
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Ambas trabalhando, para adquirir bens materiais, para que ao passar do tempo,
venham ter menos dificuldades no seu dia-a-dia, e para quando descidirem ter os filhos
estejam mais estáveis.
Quando decidem ter frutos dessa união, é por que já estão prontos à ter uma
responsabilidade maior do que o compromisso que os uniu, ‘filhos não é para os
momentos e sim para o resto da vida’.
Então o casamento é bom, mas você tem que estar preparado para vivelo, não será
mais você, e sim você e ele, mais tarde serão uma família. É muito gratificante poder
dizer: -Eu estou feliz, que tenho ao meu lado uma pessoa que amo e que me ama, me
compreende... Claro que não há só momentos bons, há momentos de dificuldades também,
mas faz parte, você cresce, aprende, e principalmente que tenha claro em você, que quer
viver em família, vão haver momentos que tem que tomar decisões, e não mais dependerá
só de você, mas também de seu companheiro.”
Criação 3:
- Componentes: 3
- Título do Projeto: Pornografia na Televisão
- Intenção: É mostrar que a pornografia esta muito solto na televisão, você pode
mudar de canal e sempre vai ter uma cena de pornografia. É que tempos atráz não tinha
cenas de pornografia, ter tinha, mas não era tanto assim como agora pois tudo tinha limite
hoje não tem limite nos programas, não existe moderação pois os programas não tem
horário para ser exibido pois nem ligam se tem criança assistindo e o exibem no horário
nobre.
Fotografia 22 - Móbile com cenas de pornografia que aparecem na televisão.
46
Texto 1
“Pornografia na televisão influencia em muitas coisas dentro dos nossos lares,
começando pelas crianças que dançam as coreografias que as bailarinas dançam com
sensualidade, depois vem o sexo que é mostrado nitidamente, isso faz com que elas achem
tudo muito normal, a Internet que qualquer pessoa pode acessar traz mais cenas que
muitas vezes são copiadas. Os adultos vão aceitando tudo em silêncio achando que nada
disso vai influenciar em suas vidas, no entanto, as drogas , a pedofilia, os adolescentes
abortando, e sendo mães solteiras sem a menor responsabilidade. E as revistas
pornográficas e a televisão expõem cada vez mais o corpo femenino e masculino, como
mero objetos de uso, daí se pergunta, onde está a moral, os bons costumes e o respeito por
nós mesmos?
As mulheres perdem o senso e abusam nas roupas fazendo com que os homens
percam o respeito por elas mesmo, é comum ver uma mulher com poucas roupas se
insinuando para os homens não importa se ele seja casado ou não, elas querem saber é de
sexo coisas que elas vêem na TV ou em revistas e acham tudo natural.
O palavriado então nem se fala as crianças mal aprendem a falar e o vocabulário e
de dar inveja, tudo o que ouve no rádio ou na TV repetem pois são inocentes e nem sabem
o que dizem.
Essas cenas são vistas todos os dias na nossa cidade e em nossos bairros e são
incarada naturalmente por que a mídia é que esta impondo.”
Texto 2
“Pornografia no Bairro
Tudo o que se passa na televisão principalmente a pornografia que é nosso assunto
se reverte no dia-a-dia na sociedade.
As crianças, os adolescentes, e os jovens são os mais atingidos pela pornografia.
Tudo o que vêm na televisão querem fazer, nem que não seja igual. O que importa é
praticar o que para eles é aprender a fazer uma coisa nova.
Não importa a idade crianças de 2 anos pra cima são muito espertas. Tudo o que
vêem, ouvem querem fazer: dançar, cantar, se vestir como as crianças da TV se vestem.
47
O jovens e os adolescentes também gostam de fazer o que vêem na TV, dançar, se
vestir como os personagens da idade deles se vestem, as gurias que ouvem como “qual é
mui”, “ta ligado” em fim.
A pornografia não é de importância para os adultos os idosos, onde muitos
criticam , pois a televisão mostra muita coisa que no tempo deles não existia. Para eles
isso é muito errado pois pouca coisa se da para aproveitar da televisão.
A televisão não observa mais o horário no qual a pornografia aparece. Ela esta o
dia todo e em programas que imaginamos serem inofensivos.”
Texto 3
“A pornografia no Bairro
Quais os motivos que levam a pornografia no bairro? Será a televisão, o colégio,
etc?
Para mim a pornografia começa na televisão porque a censura está liberada,
programas absurdos, onde o sexo é a coisa mais natural do mundo, isso tudo passando
nos horários livres, onde crianças de todas as idades estão na sala. É ali que começa, eles
acham o máximo em assistir e fazer suas imaginações, pondo em prática fora,
mostrando para seus amigos suas ilusões. Em meu bairro acontece muito disso, meninos e
meninas de pouca idade já estão se exibindo, colocando seu corpo em disposição se
vendendo para emitar artistas de televisão, achando que tido isso é maravilhoso, está
na moda, muitas vezes nem sabendo o que estão fazendo.
Por isso nós pais de crianças e adolescentes temos o dever de alertá-los no que está
acontecendo e muitas vezes controlar os programas de televisão.”
Criação 4:
- Componentes: 3
- Título do Projeto: Prostituição
- Com quais manifestações da Arte Contemporânea se enquadra:
48
Fotografia 23 - Colagem com diversos desenhos relacionados à prostituição em cima de
jornal.
Nosso trabalho é feito de desenhos e se emquadra na Arte vera que é arte pobre:
em sua origem trabalha com materiais relacionados aos quatro elementos: terra, fogo,
água e ar, mais tarde que incrementou-se com materiais pobres.
E o nosso trabalho foi usado apenas jornal, papel pardo, folha de ofício e lápis 6B;
que são materiais simples.
Como os elementos visuais aparecem no trabalho:
O nosso trabalho tem muitos gris, as formas são arredondadas e linhas sinuosas, ele
tem muita textura visual, ela é lisa.
Nosso trabalho tem perspectiva, tem profundidade, claro-escuro, sobreposição e
diminuição ou seja o volume visual.”
Texto 1
“Prostituição
A prostituição em nossos dias é um meio de ganhar dinheiro, e muito dinheiro”.
que as crianças, jovens e mulheres que trabalham nesse ramo, não trabalham porque
querem ou gostam elas muitas vezes são obrigadas por seus pais e maridos, e muitas são
mães solteiras que precisan, sustentar a sua família.
Aqui em nosso bairro e na nossa cidade a prostituição é em grande número, mas a
maioria dessa pessoas estão em casa de programas, mas algumas delas são universitárias,
e que trabalham no comércio de Ijuí e que não parecem ser, mas são. A prostituição é um
vínculo de trabalho mas há riscos de doenças e outros más.
49
A prostituição não acaba aqui, para isso ter um fim tem que haver mais emprego
porque a prostituição também existe por causa do desemprego.”
Texto 2
“A Prostituição
Antigamente não se falava abertamente em prostituição. Em casa os pais evitavam
falar sobre o assunto e na sala de aula os professores não podiam comentar ou
argumentar com os seus alunos sobre prostituição e jamais colocavam o assunto em
questão tudo guardado em segredo pelos mais velhos.
Mas hoje tudo mudou, os pais comentam com seus filhos, sem nenhum medo ou
receio de serem julgados pela sociedade; nas escolas os professores falam sobre o
assunto abertamente, pedem trabalhos ou pesquisas pois estamos preocupados com algo
que se transformou em problema do interesse de todos.
A prostituição para muitos é uma maneira de se sustentarem, aqui em Ijuí por
exemplo temos várias moças que conseguem pagar fácil a faculdade aluguel, água, etc,
com essa maneira de ganhar dinheiro. Mas essas moças não usam o nome “prostitutas”,
mas sim garotas de programas ou acompanhantes, elas são contratadas por homens
geralmente mais velhos, casados para acompanha-los em festas da alta sociedade e é
claro para o divertimento deles.
Mas tem outras moças que trabalham em esquinas ou bares de bairros, geralmente
são moças novinhas com a idade entre doze e dezesseis anos, quase todas sonham com o
casamento, filhos, etc. Estas são consideradas prostitutas, vagabundas, rameiras e muitos
outros nomes, trabalham toda noite, ganham pouco e as vezes o dinheiro delas ainda fica
com os gigolôs.
Não podemos esquecer de falar que as vezes elas são prostitutas por opção, essas
sim vendem o corpo por mero prazer ou divertimento próprio mas quase sempre acabam
com doenças ou morrendo nas mãos dos gigolôs.
Na nossa sociedade é quase impossível nos vermos moças se prostituírem no centro
pois está cidade é uma cidade pequena e a maioria dessas moças se escondendo nos
bairros, boates ou as conhecidas “zonas”, mas nas grandes cidades é normal, em pleno
centro da cidade, a luz do dia ver elas se venderem os seus corpos. Esse “trabalho” nunca
dura muito tempo, não importa se são prostitutas ou acompanhantes, logo elas se vêem
velhas, usadas, não servindo mais para o ramo da prostituição.
50
Sem direito a aposentadoria, elas acabam na cama de um hospital e com sérias
doenças conhecidas como DST, ou morrendo de overdoses em qualquer canto de uma
cidade, passam despercebidas no meio de uma sociedade que desconhece suas existências,
pois não nos preocupamos com os problemas e sim com nós mesmos.
Campanhas contra prostituição não adiantam e sim uma conscientização
principalmente da parte delas.”
Criação 5:
- Componentes: 3
- Título do Projeto: A Evolução Tecnológica da Internet
- Manifestação Contemporânea: Nosso trabalho se enquadra dentro do ready mades,
que consiste em pegar um objeto industrial sem valor artístico e dar um sentido de arte a
ele.
Nosso trabalho é monocromático.
Esse objeto (computador) é um objeto real, tridimensional e por isso tem volume.
Sua textura é áspera e lisa, sua forma é geométrica e também encontramos linhas
retas.
- Conceito: Atualmente a evolução tecnológica da Internet tem ocorrido de forma
surpreendentemente, vem acompanhada de novas tecnologias e tendências, e buscas
incensaveis, de cada vez mais aprimorar relações comerciais, procura e oferta de
produtos, tudo isso num espaço de tempo muito curto.
Saber manejar o computador, e ter noção da grandiosidade que isso representa
passou a ser hoje uma necessidade de cada pessoa tanto no profissional quanto no
pessoal, hoje dispomos de muitas coisas escenciais quando acessamos a Internet,
principalmente empresas utilizam desse serviço para compra e venda de seus produtos,
não somente a nível regional mas sim a uma coisa muito mais ampla, se refere a nível
universal, pode-se oferecer produtos a vários países do mundo, consultar preços e
melhorar a qualidade de seus produtos através de pesquisas observa-se está tendo uma
boa cotação no mercado internacional.
A principal intenção é tentar demonstrar os benefícios da Internet, que com ela
dispomos de muitos recursos para aumentar o progresso em seu ramo profissional,
consultar, pesquisar, oferecer, e comprar produtos, toda essa tecnologia gira em prol do
capital, envolve relações comerciais a nível mundial.
51
As conseqüências disso são, que cada vez mais dispomos desses temas melhores e o
mundo evoluiu a passos largos.
Fotografia 24 - Ready made utilizando um monitor de computador sem vidro e um teclado
velhos, e dentro do monitor um pequeno mapa mundi.
Criação 6:
- Componentes: 2
- Título do Projeto: A Nossa Versão de sociedade
- Intenção: O pais inteiro vive hoje uma conjuntura massacrante, são cercada toda e
qualquer tipo de propriedade, cada vez mais pessoas são jogadas fora da chamada roda
da sociedade.
A obra tem a finalidade de desenhar e mostrar a roda da sociedade, quem são as
pessoas que ficam para fora, atrás das cercas cada mais descriminadas. tem vários
movimentos procurando atravéz de manifestos, marchas, alguns chegam até com
vândalos, isso mostra a revolta de certos segmentos da sociedade excluída.
Existe entre nós uma grande paixão pelo nosso país, fazemos parte de uma geração
inovadora, que almeja por um país que ao invés de excluir, inclui cada vez mais pessoas e
que os governantes possam ajudar aos que querem derrubar as cercas da opressão.
Estamos de luto, mas lutando para que a justiça reine em nosso país.
Tentamos representar através das transformações do mundo em um relógio. As
mudanças que estão ocorrendo em nosso meio, no meu bairro, na cidade, no estado, no
52
meu país. As transformações do dia-a-dia do povo brasileiro. A luta das mulheres, dos
sem terra lutando por um pedaço de terra, sendo chamados de invasores. Tentamos
representar na arte, o nosso o Brasil, com toda a sua pobreza, e com isso a nossa
indignação perante essa miséria e os nosso governantes não estão fazendo nada por essa
gente que é considerada, arruaceiros, bagunceiros, é não fazem nada por nós, por eles.
Do outro lado as cores da nossa bandeira do Brasil.
Fotografias 25 e 26 - Os dois lados da instalação do “relógio” social.
Texto 1
“A Nossa Versão de sociedade
São diversos os problemas existentes na nossa sociedade, problemas esses que vem
prejudicar ou refletir no meio em que vivemos. Se tem no governo alguém que detém o
poder e não o utiliza para beneficiar a grande população, maior parte é excluída. É tirada
desses seres humanos o direito de terem participação ativa no desenvolvimento da
sociedade. Podemos dizer que existe sim um regresso do progresso dessa sociedade.
Na nossa cidade não é diferente. As pesquisas indicam que esta cidade foi a que mais
empobreceu nos últimos dez anos. Isto quer dizer que a economia não acompanha o
avanço da população, com isso gera o aumento das periferias, pois os desempregados não
têm condições de permanecerem na cidade pagando aluguel, mantendo os filhos na escola,
a única saída são os biscates e muito mal pago.
53
Existe também um problema, que eu diria ser um dos mais graves: se investe em
presídios e em segurança pública ao invés de educação pública e gratuita, que é o mais
importante e o primeiro passo para o desenvolvimento de uma cultura mais globalizada.
Hoje, se formos ver nos presídios, 95% dos presos são a juventude, os jovens estão
deixando apagar a luz do horizonte, não se mais lugar para o jovem, que ele possa
plantar hoje e colher amanhã.
Nos preocupa bastante também o descaso do governo municipal para com a questão
das cooperativas, que são uma forma das famílias gerarem alguma renda para sua
subsistência, e fazendo o resgate da cidadania dessas pessoas, para que elas possam se
sentirem parte deste processo que chamamos de reingresso da população excluída do
nosso meio.
Estes itens colocados de forma alternativa para um progresso includente de nossa
cidade e a sociedade no todo, também é a única forma de fazer com que cais as cercas e os
muros que aprisionam as famílias. Diríamos que estas alternativas iriam ajudar a
erradicar a fome, a marginalização. As periferias teriam um novo sentido: ao invés de ser
um amontoado de casas, poderiam ser feitas frentes de trabalhos com as cooperativas de
forma que todos poderiam ter uma consciência mais voltadas para o solidarismo. Só assim
acreditamos numa sociedade reformada, onde todo cidadão terá direito de vez e voz. As
tarefas serão partilhadas assim como toda a produção.
Quando caírem os muros e as cercas que cercam o jardim, aí sim o povo será feliz.”
Criação7:
- Componentes: 3
- Título do Projeto: A Natureza pede socorro
- Intenção: Chamar a atenção de todos ao olhar essa obra sobre que está
acontecendo com a natureza e concientizar a todos nós cuidar e ter respeito com ela.
- Argumentação: para tudo que foi feito nessa obra foi extraído da natureza, como:
O papel, foi feito para fazer a bola e distinguir as cores amarelo que simboliza as
queimada que a cada dia aumenta para agricultores aumentar seus cultivos alguns
queimam folhas no quintal. A cor preta não são plantadas de volta, outros no local.
A cor verde, simboliza o que está ainda sendo preservado em outras regiões. A cor
laranja simboliza o que está sendo feito com as árvores derrubadas, são utilizadas para
construir casas, moveis, papel, etc. O galho de sustento serve para mostrar quantas
arvores foram tiradas da natureza.
54
O tronco simboliza todas as centenas de arvores, que todos os dias são derrubadas
em todo o território nacional por madeireiras algumas essas situação ilegal que visam
somente lucro, não se importando com a natureza.
Fotografia 27 - Instalação com galhos e papéis coloridos.
A fita preta amarrada ao tronco simboliza o luto dos defensores da natureza, os
índios, os agentes do IBAMA e toda a população, ao desmatamento.
A cruz simboliza a morte da natureza, da floresta amazônica e no mundo.
Texto 1
“A natureza pede socorro, o desenvolvimento esta atingindo toda a floresta
Amazônica.
Que planeta deixaremos para os nossos descendentes? Não terão eles o direito de
conhecer pelo menos, substanciais amostras da natureza original da terra?
O homem não criou e não pode criar a mais simples espécies vivas.
Portanto não deveria destruilas.
Com cada árvore derrubada o mundo se empobrece irreversivelmente.”
Salve a natureza.
A extinção é para sempre!”
Texto 2
“Para que preservar?
55
Como se da para vê, a natureza esta sendo desmatada aos poucos pela mão do
homem que não sabe aproveitar algo tão importante.
Existe poucas pessoas que ajudam a preservar as arvores, pois existe nelas a
conciência e o respeito que elas fazem ao meio ambiente dando mais ar puro para nos,
protege os barrancos para não desmoronar para dentro do rio, se tem um vento forte faz
ele chegar mais fraco a uma casa.
Pelo que eu sei se derrubar uma arvore terei que plantar mais 3 arvores, isso seria
bom se todos fizessem essa parte.
Devemos ter amor a natureza, que esta ai, no pátio de nossa casa, na rua, no colégio
em todos os lugares, para que ela continue sempre a nos dar um clima agradável até para
esse calor não aumentar cada vez mais.
Se continuar assim na Amazônia e aonde habitamos tudo ficara pior, o clima
aumentando, e as matérias primas terminarão.
Portanto devemos proteger a cada arvore pequena que esta em crescimento até mais
grande”.
Criação 8:
- Componentes: 2
- Título do Projeto: Drogas
- Intenção: mostrar que a droga não compensa, que leva a destruição, à um caminho
sem volta.
Pensamos em fazer uma armação de madeira revestida com plástico, dentro um dado
de papelão mostrando a trajetória da droga com recortes e figuras. A medida que o dado
vai sendo jogado as pessoas vão percebendo o caminho sem volta. Vamos fazer as bolas
do dado, com pedaços de litro descartável transparente.
- Manifestações da arte: Assemblages, porque foram usados elementos diversos
revistas, jornais, plásticos.
Arte Povera porque foram usados materiais pobres, plásticos, ripas, caixa, et.
- Elementos Visuais que aparecem:
Cor: primária, secundária, terciária
Linha: reta na horizontal e na vertical
Forma: quadrangular
Textura: visual, lisa, áspera
Volume: tridimensional, dimensão real
56
- Conceito: A droga é uma droga, está a cada dia crescendo mais em nosso meio,
isso nos preocupa pois com isso as pessoas perdem o raciocínio, vivendo num mundo de
ilusão. As pessoas não tem coragem de enfrentar os problemas ou inventam problemas
onde não existe e acha que a solução é a droga.
A droga é um problema de toas as classes sociais, isso tem um sentido, uma raiz
profunda, no funcionamento de nossa sociedade que vive desprovida de sentido de vida. A
juventude procura na droga um sentido par a sua existência, o que ela não está
encontrando na sociedade.
O final da vida de um usuário de droga é muito triste.
Fotografia 28 - A caixa transparente com o dado encapado com imagens referentes às
drogas.
Para os educandos que participaram deste projeto a experiência foi inovadora,
trazendo elementos da Arte aos quais eles ainda não haviam tido acesso, inserindo-os no
mundo contemporâneo dos elementos da Arte, e, concomitantemente, oportunizando a
reflexão sobre sua realidade. Ainda, o processo criativo e criador foi intenso, permeado por
questões teóricas referentes à Arte e aos problemas enfrentados na comunidade. Foi um
projeto significativo, embora não tenha trazido o elemento emocional tão à tona quanto o
projeto anteriormente citado.
57
3. A EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL EM PAULO FREIRE
A citação a seguir vem ao encontro dos anseios responsáveis por esta escrita sobre
educação, pois acredita-se ser impossível dissociar educação do cotidiano dos indivíduos.
Mais ainda, é impossível “engavetá-la” dentro de uma área do conhecimento apenas.
Educação diz da vida e a vida é complexa, não sendo possível dividí-la em fragmentos
disciplinares.
Educação tem a ver com a medida que damos aos homens e mulheres, tem a ver
com os sonhos que alimentamos em relação à sociedade. Por isso a tentativa de
compreender a educação ultrapassa os limites de uma área de conhecimento ou
disciplina acadêmica. A reflexão sobre educação é, pela própria natureza do
objeto, uma atividade interdisciplinar
21
.
Novas teorias e tendências na educação são constantes, especialmente em escolas
públicas. Não raras vezes um novo governo, ou um novo pensador da educação, faz
sucesso em instituições de Ensino Superior, propõe às escolas modificações em todo o seu
fazer pedagógico por uma nova “descoberta” teórica. A escola desfaz-se da proposta
pedagógica vigente e busca modificar a prática em torno de um novo fazer e pensar a
educação. Algumas vezes acerta, outras não. Os modismos tendem a ser substituídos logo
que outro aparece, pois não existe reflexão em torno da teoria proposta, nem um apanhado
de tudo o que se fez e faz na escola para ser complementado com a novidade. E a escola
caminha a passos trôpegos, ainda que sua prática se mantenha, pois a transformação não
atinge a base que a escola tem na institucionalidade que, por sua vez, não absorve a
mudança em si.
Entende-se que a escola pública tem se tornado local de experiências para novas
tendências pedagógicas. Entretanto, poucas vezes tem se levado em conta a realidade do
educandário e a condição sócio-econômica-cultural da população que compõe a
comunidade escolar. Os conceitos e conteúdos trabalhados nem sempre fazem referência
21
STRECK, Danilo Romeu. Correntes Pedagógicas. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 08.
58
direta à vida do educando, àquilo que o mesmo conhece e sobre o qual pode construir
significado
22
.
Quando se fala em educação popular pensa-se em educação do, para e com o
povo
23
. Sendo a escola um espaço de educação e de formação, acredita-se ser necessário
que a aprendizagem seja significativa para o educando, que diga de sua prática, de seus
anseios, das possibilidades que o mesmo tem de ser cidadão: de ter emprego, de continuar
os estudos, de ter casa própria, dentre outras. Insiste-se nesta tese: os conceitos e conteúdos
precisam ter significado para o educando.
Neste sentido, não se pode discorrer sobre educação popular no Brasil sem citar
Paulo Freire. O processo de educação popular protagonizado e defendido por este teórico
do conhecimento teve início na década de 1960, no contexto do Nordeste Brasileiro, no
qual o povo vivia, conforme o próprio Paulo Freire, na “cultura do silêncio”. Com tal
expressão o autor estava a indicar que a cultura do silêncio se refere não aos analfabetos
mas também aos que não têm coragem de falar. “Era preciso dar-lhes a palavra” para que
“transitassem” para a participação na construção de um Brasil, que fosse dono de seu
próprio destino e que superasse o colonialismo”
24
.
Conceição Paludo diferencia educação popular de educação do popular. Para a
autora, a educação popular está associada a um projeto alternativo de desenvolvimento do
campo democrático e popular, enquanto que a educação do popular é um projeto das elites
para a sociedade brasileira.
22
Ainda se apresentam nas escolas, como exemplo, os textos, desenhos, poesias referentes ao Natal com renas
e neve, enquanto em nosso país é verão. Um Papai Noel cheio de presentes e que entra pela lareira, enquanto
que alguns de nossos educandos sequer têm o que comer na noite de Natal (como no restante do ano), quanto
mais presentes embaixo de um pinheirinho.
23
Esta expressão já é freiriana, pois para Paulo Freire, povo, classe popular, oprimido, são os sujeitos que
sofrem a massificação, que são domesticados pelo capital e pelas ideologias dominantes (opressores) e que, em
virtude desta dominação, se tornam como marionetes a serviço dos mesmos, responsáveis apenas pela
prestação de serviços que geram capital. Ainda, que a escola foi, para este povo e por muito tempo (e não o
deixa de ser ainda hoje), apenas mais uma forma de apoderamento utilizada pelos opressores para formar
trabalhadores obedientes e regrados, sem respeitar a vocação ontológica do ser humano de ser sujeito. O ser
humano precisa integrar-se, pois à medida que isto acontece é que se torna sujeito. É no pensar conjunto que
acontece o diálogo, e com ele, a liberdade, a criação e a crítica. Integrar-se não é necessariamente adaptar-se ao
meio, visto que o meio é de dominação do opressor e não do povo.
24
GADOTTI, Moacir. A voz do biógrafo brasileiro A prática do sonho. Disponível em:
<www.paulofreire.org.br>. Acesso em: abril de 2005.
59
A educação popular é “(...) uma prática educativa que se propõe a ser diferenciada,
isto é, compromissada com os interesses e a emancipação das classes subalternas.”
25
Tal
concepção tem início, conforme Conceição Paludo, antes da Proclamação da República,
com a luta pelo fim da escravidão e o princípio do movimento operário; segue na Primeira
República com o movimento sindical dos socialistas e operários na busca por escolas
públicas, e mais adiante, pelo fim dela (tal idéia partiu dos anarquistas que acreditavam que
a escola favorecia os interesses da burguesia). Quando do movimento da Escola Nova, a
luta intensificou-se não mais somente por uma escola pública para todos, mas por uma
politização das massas. Para Conceição Paludo,
A emergência da concepção de Educação Popular pode e deve ser associada ao fato
de as classes populares existirem e às suas condições de vida; às opções que as elites
tiveram, de rumos para o desenvolvimento do Brasil; ao movimento internacional
dos trabalhadores; às idéias pedagógicas predominantes num determinado período;
ao desejo e esperança de construção de um mundo melhor; e às possibilidades de,via
educação, contribuir para a emancipação das classes subalternas par a sua entrada no
cenário político
26
.
A afirmação da concepção de educação popular acontece a partir da consolidação de
diversos movimentos populares, dentre eles o Movimento de Cultura Popular (MPC) do
qual Paulo Freire fez parte, e a luta destes diversos movimentos seriam a alfabetização, a
organização de base e a cultura popular.
A educação do popular é uma prática social construída historicamente, onde diversos
setores disputam entre si a direção para as práticas educativas (fins e meios) e articulam-
se de forma orgânica com a perspectiva de determinados direcionamentos (projetos)
econômico, político e cultural da sociedade no seu conjunto”
27
. Diz respeito à luta dos
camponeses e trabalhadores desde os tempos da colonização, cuja única possibilidade de
sobrevivência, conforme a autora, foi a venda de sua força de trabalho, até a concepção de
escola como principal instrumento de dominação e um bem de produção. Remete a Paulo
Freire e à sua concepção de educação bancária, da qual se falará adiante. Para Conceição
25
PALUDO, Conceição. Educação Popular em Busca de Alternativas : uma leitura desde o campo
democrático popular. Porto Alegre: Tomo Editorial; Camp, 2001. p.82.
26
Idem, ibidem, p.85.
27
Idem, ibidem, p.65.
60
Paludo, “a educação do popular que prescreve, que dirige, que manipula, jamais será
libertadora, que, em Freire, os sujeitos precisam tomar em suas mãos a história da
construção das suas caminhadas em direção ao ‘ser mais’”
28
.
No prefácio da obra Pedagogia do Oprimido o professor Ernani Maria Fiorin, ao
discorrer sobre a palavra em Paulo Freire, comenta da responsabilidade de ser homem.
Segundo ele, para isso, o homem “há de aprender a dizer a sua palavra, pois, com ela,
constitui a si mesmo e a comunhão humana em que se constitui; instaura o mundo em que
se humaniza, humanizando-o”
29
.
Em Que Fazer? – Teoria e prática em educação popular
30
Paulo Freire e
Adriano Nogueira dialogam. Um dos capítulos do diálogo versa sobre a definição de
educação popular, no qual Adriano Nogueira diz do seu entendimento sobre educação
popular:
Entendo a educação popular como o esforço de mobilização, organização e
capacitação das classes populares; capacitação científica e técnica. Entendo que
esse esforço não se esquece, que é preciso poder, ou seja, é preciso transformar
essa organização do poder burguês que está aí, para que se possa fazer escola de
outro jeito. Em uma primeira ‘definição’ eu a aprendo desse jeito. estreita
relação entre escola e vida política
31
.
Perguntado se é realmente isso que pensa, Paulo Freire reforça:
Certo, meu amigo. Agora... depois que a entendo como mobilização, depois que a
entendo como organização popular para exercício do poder que necessariamente
se vai conquistando, depois que entendo essa organização também do saber...
compreendo o saber que é sistematizado ao interior de um ‘saber-fazerpróximo
aos grupos populares. Então... se descobre que a educação popular tem graus
28
Idem, ibidem, p.95.
29
FIORIN, Ernani Maria. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 23ª reimpressão. São Paulo: Paz e
Terra, 1994, p. 13.
30
FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Que Fazer – Teoria e Prática em Educação Popular. 8. ed.
Petrópolis: Vozes, 2005.
31
Idem, ibidem, p.19.
61
diferentes, ela tem formas diferentes
32
.
Continuando o diálogo, Paulo Freire afirma que alguns conceitos, pensamentos e
atitudes foram o berço da educação popular. Ele exemplifica dizendo que ao invés de dizer
que os excluídos que deixavam a escola praticavam evasão escolar, melhor seria dizer que
“tinham gestos de resistência cultural”
33
. Outro exemplo: a educação não seria bancária
nem acúmulo de conhecimento, pois “haveria um tipo de estudo que pedisse aos
professores e alunos a participação e a criatividade”
34
. Afirma ainda que
Havia outro conceito que é bom lembrar: ação cultural. Isso quer dizer que a
cultura era entendida também dentro de movimentos e relações sociais dos
homens... Cultura seria, também, os gestos das pessoas se esforçando nos grupos e
no trabalho. Cultura seria o que dá sentido nas relações humanas
35
.
Portanto, a educação popular “nasceu da cultura que os movimentos populares
usaram e criaram em suas lutas”
36
.
3.1 Um histórico
Paulo Freire começou muito cedo a trabalhar com educação. O princípio de seu
método foi na cidade de Angicos/RN, em 1963, quando 300 trabalhadores foram
alfabetizados num período de 45 dias. A experiência foi de tal modo compensatória que o
então presidente do Brasil, João Goulart, convidou Paulo Freire para repensar a educação
de adultos no país e implantar seu método para alfabetização de cerca de dois milhões de
analfabetos.
32
Idem, ibidem, p.19-20.
33
Idem, ibidem, p.60.
34
Idem, ibidem, p.61.
35
Idem, ibidem, p.61.
36
Idem, ibidem, p.62.
62
A ditadura militar na década de 1960 inviabilizou a continuidade do projeto de
alfabetização de jovens e adultos, o qual, diga-se de passagem, vinha apresentando bons
resultados. Não era do interesse do governo militar que o povo aprendesse a palavra, pois a
palavra, conforme Paulo Freire, é também ação: compreender o mundo, significar o
mundo, agir no mundo. Em função da ditadura militar Paulo Freire foi exilado e viveu
como tal em vários países, durante 16 anos. No entanto, o exílio não o demoveu de seus
ideais, nem de sua prática e muito menos da escrita.
As primeiras experiências de Paulo Freire, com a educação de adultos, datam da
década de 50, no nordeste brasileiro, aplicando o método que leva o seu nome,
passando pelo Chile na década de 60 e auxiliando a reconstrução post-colonial de
novos sistemas educacionais em diversos países da África, na década de 70.
Voltando ao Brasil, depois de 16 anos de exílio, envolveu-se, na década de 80, na
construção democrática da escola pública popular na América Latina. A última
grande experimentação prática de suas idéias deu-se no início da década de 90 em
São Paulo (Brasil), onde ele foi Secretário de Educação, promovendo a formação
crítica do professor, a educação de adultos, a reestruturação curricular e a
interdisciplinaridade
37
.
Num contexto geral, os anos de 1950 do século XX (pós-ditadura de Getúlio
Vargas) foram o berço da organização dos movimentos sociais, o início da luta pela terra
(Reforma Agrária), época de “intensa atividade de militância política e cultural”
38
por
parte de estudantes e intelectuais. A vida brasileira movimentava-se e, parodiando o
escritor Roberto Schwartz, o Brasil estava irreconhecivelmente inteligente.
De um país irreconhecivelmente inteligente o Brasil passou a um estágio ultra-
conservador e ditatorial a partir do Golpe Militar de março de 1964, quando João Goulart
foi retirado do poder pelo exército e o General Humberto de Alencar Castello Branco
assumiu a Presidência da República. A manifestação de liberdade política e cultural aceita,
até então, torna-se alvo de perseguição. “De uma hora para outra, o discurso progressista e
revolucionário ficava emudecido [...]. Surpresa e perplexidade tomavam conta de
37
GADOTTI, Moacir. Cruzando Fronteiras teoria, método e experiências Freirianas. Disponível em:
<www.paulofreire.org.br>. Acesso em abril de 2005.
38
HOLLANDA, Heloisa B; GONÇALVES, Marcos A. Cultura e Participação nos anos 60. reimpressão
da 10. ed .de 1995. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 09. (Coleção Tudo é História, 41).
63
intelectuais e militantes. Passava-se da euforia à dúvida, da ofensiva ao recuo”
39
. A
ditadura, infelizmente, era mais permanente do que se poderia crer num primeiro
momento.
A intelectualidade brasileira protagonizou a resistência neste processo e
posicionou-se através de manifestações políticas e culturais. Musicais, teatros, poesia e
artes visuais faziam parte da arte engajada: “a idéia de que a arte é ‘tanto mais expressiva’
quanto mais tenha uma opinião”
40
. A Arte tornou-se espelho dos sentimentos, no sentido
de expressar para enfrentar. Por este motivo, um novo público se configurou após o golpe:
ao invés de operários e trabalhadores, estudantes e intelectuais. Verificou-se a formação de
uma nova massa política, na qual se deu o surgimento de uma cultura do protesto, que teve
os artistas como inspiradores e a arte como via de manifestação e resistência. Neste caso, a
Arte foi mais movimentação que reflexão mas surtiu o efeito desejado. Com esta mudança
de rumos, a Arte buscou manifestações nada convencionais, e que muitas vezes
interagiam
41
com o público. A produção cultural mostrou-se, seguidamente, uma expressão
coletiva.
A UNE – União Nacional dos Estudantes – foi uma das primeiras vítimas do golpe,
tendo sua sede invadida pelos integrantes do CCC Comando de Caça aos Comunistas
no dia de abril de 1964. Ainda assim a UNE não deixou de protestar, organizando
passeatas e manifestações nas quais inúmeros estudantes foram presos e torturados. Alguns
foram assassinados, como o estudante Edson Luis de Lima Souto, em 1968, e o presidente
da UNE efetivado em 1971, Honestino Guimarães, que foi preso e assassinado em 1973.
Foram dias muito difíceis. A maioria das lideranças estava presa ou exilada. Mas
em 65, apesar de todas as perseguições, A UNE realiza o seu 27º Congresso [...].
O quadro de repressão é completado com a promulgação da Lei Suplicy [...]. Esta
lei previa a transformação dos antigos Centros Acadêmicos em Diretórios
Acadêmicos, totalmente subordinados a direção das faculdades, o que tornava
obrigatório a votação dos alunos nas eleições dos DAs. Os estudantes, porém, não
se dão por vencidos e iniciam um boicote à lei, seja pela ausência nas votações;
seja pela criação dos CAs livres. [...]1966 é o ano das passeatas e do início da
39
Idem, ibidem, p.14.
40
Idem, ibidem, p.23.
41
É o caso dos parangolés e dos happenings, manifestações de arte nas quais o público era convidado a
participar.
64
intervenção norte-americana na Universidade Brasileira através dos Acordos
MEC-USAID. A idéia era transportar para cá, o modelo e os padrões da
Universidade Americana. Esta intervenção, aliada a repressão policial, é que levou
os estudantes às ruas, em todo o país
42
.
A UNE resistiu, mesmo que tropeçando, até 1971. Neste contexto de protestos, a
Igreja Católica teve papel relevante nos Congressos da UNE. Vários desses eventos
aconteceram em porões de igrejas ou em conventos, na clandestinidade
43
. A UNE
encabeçava a criação de Centros Populares de Cultura por todo o país, na intenção de
propagar uma “arte revolucionária” para o povo. O lugar não importava: qualquer espaço
era propício para uma apresentação teatral ou uma exposição. O que importava era
proporcionar espaços de cultura ao povo. A educação/alfabetização na forma de um
“amplo movimento didático-conscientizador”
44
buscava espaço, juntamente com a cultura,
a partir da educação política de Paulo Freire: “contra as infantilizantes ‘cartilhas’
tradicionais, procurava-se colocar a palavra política no comando do processo de
aprendizado como forma de deflagrar a tomada de consciência da situação social vivida
pelas populações analfabetas e marginalizadas”
45
. A política de esquerda florescia,
incorporando uma cultura crítica que permeou todo o período da ditadura militar.
Sobre este assunto, Alfredo Bosi
46
comenta que o governo da época tomou cinco
medidas oficiais para “calar” a cultura crítica. Primeira: preocupou-se em dar uma visão de
um país de progresso. Segunda: destituiu as escolas das disciplinas de História e Geografia
para transformá-las em Estudos Sociais. Terceira: destituiu o ensino da filosofia, no intuito
42
Histórico UNE 60 anos a favor do Brasil, p, 56. Das são Diretórios Acadêmicos e CAs, Centros
Acadêmicos.
43
Em 1965, o congresso se realizou na Igreja dos Franciscanos, em São Paulo, com o apoio destes. Os
estudantes chegaram e foram entrando no porão pelo confessionário ou se fazendo passar por coroinha. Desta
forma, cerca de 300 estudantes puderam estar presentes. Em 1967, o congresso foi no Convento dos
Dominicanos, e aconteceu dentro da normalidade. A polícia chegou depois e se voltou contra os freis,
depredando o convento e prendendo inúmeros deles.
44
HOLLANDA, Heloisa B; GONÇALVES, Marcos A. Cultura e Participação nos anos 60. 1ª reimpressão da
10. ed. de 1995. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 10. (Coleção Tudo é História, 41).
45
Idem, .ibidem, p. 10-11.
46
BOSI, Alfredo. Cultura Brasileira e Culturas Brasileiras. In. _____________. Dialética da Colonização. São
Paulo: Cia das Letras, 1992.
65
de acabar com o pensamento crítico
47
. Quarta: o ensino de línguas clássicas foi abolido em
favor de uma língua estrangeira moderna, no caso, o inglês. Por fim, como quinta medida,
unificou o Ensino Médio a partir do vestibular
48
. O intento do governo foi alcançado na
medida em que retirou as áreas humanas do ensino secundário e também do ensino
universitário para que os sujeitos não “precisassem” pensar.
Outros dois movimentos continuaram e deram significado ao processo cultural
desse momento, quais sejam, o Cinema Novo frente na reflexão política e estética e o
Tropicalismo renovação na produção da cultura. O Cinema Novo iniciou na década de
1950 e não tinha pretensões de formalismo técnico e estético, pelo contrário, buscava uma
linguagem alternativa, “uma mesma vontade de superar a indigência crítica do cinema
comercial através da afirmação de uma prática cinematográfica desmistificadora, engajada,
deflagradora”
49
.
No final da década de 1960, o país vivia sob o jugo da ditadura militar em sua fase
mais cruel de repressão. Caetano Veloso
50
explica que um grupo de músicos apoiados por
alguns poetas, jornalistas, artistas plásticos e cineastas, inquietos com os rumos que
tomavam o país e a música brasileira, buscavam um movimento que pudesse desestruturar
e reestruturar o que estava posto. Denominou-se este movimento de Tropicalista, ou
Tropicália, nome que se originou de uma instalação do artista plástico lio Oiticica. No
início, nem mesmo os protagonistas sabiam exatamente o que era o movimento, sabiam
apenas que propunha algo novo, universalizante, que fazia o uso de instrumentos elétricos
e uma estética muito semelhante a do Cinema Novo, além de grandes indícios de rock.
Alguns dos protagonistas do movimento como Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos
e exilados pela ditadura.
47
Pensa-se que esta medida surtiu um efeito mais forte e poderoso que o imaginado: o que se percebe nas
escolas atuais? O pensar não constitui prática efetiva dos educandos e, sente-se dizer, sequer da maioria dos
educadores. Não se criou a cultura do pensamento, da criticidade. Conseqüentemente, a cultura de massas tem
um poder de penetração muito superior a qualquer outra, pois não encontra barreira alguma que a impeça de
formatar, moldar, ajustar consciências à sua vontade.
48
Infelizmente, esta medida encontrou eco e persiste. Foi incorporada de tal modo pela sociedade brasileira que
se torna difícil projetar mudanças para esse sistema de ingresso no Curso Superior, e, conseqüentemente,
modificar o Ensino Médio.
49
HOLLANDA, Heloisa B; GONÇALVES, Marcos A. Cultura e Participação nos anos 60. reimpressão
da 10ª ed. de 1995. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 38. (Coleção Tudo é História, 41).
50
VELOSO, Caetano, Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
66
Os movimentos da época da Ditadura Militar foram, em sua maioria, movimentos
políticos que tiveram a intenção de fazer da Arte em geral uma Arte reconhecida pelo povo
e que, ao mesmo tempo em que acolhesse o que é popular, genuíno, tentasse se aproximar
das massas para popularizar a Arte, ou, ainda, tornar a Arte uma expressão própria do
povo. No entanto, por mais que estes movimentos utilizassem elementos populares, que
tentassem aproximar-se do povo com suas manifestações, eles não conseguiram fazer com
que a Arte deixasse de ser uma Arte para poucos, pois conseguiam alcançar grupos
restritos. A Arte acolhia o popular, mas não era um movimento popular. Havia um resgate
do popular, mas através de uma Arte erudita que se popularizou através da mídia e não
por ser ela própria popular.
Enquanto a UNE, os movimentos artísticos, o Tropicalismo, o Cinema Novo e
outros grupos conseguiam ter uma práxis de protesto, Paulo Freire estava exilado,
considerado subversivo. Não que isso o tenha calado, pelo contrário, sua voz tornou-se
mais propagada do que antes e por vários continentes. Mas, no Brasil, a educação popular
ficou, por anos, adormecida. A ditadura cortou um projeto de educação que mais tarde
precisou ser reconstruído.
3.2 Paulo Freire: educação como prática da liberdade
Educação como Prática da Liberdade
51
é o título de um dos livros mais
importantes de Paulo Freire. Ao apropriar-se do título desta obra de Paulo Freire como
subtítulo deste capítulo, quer-se reafirmar que toda a teoria freiriana, incluindo a proposta
do método, tem por princípio a liberdade. A liberdade de aprender, de ensinar, de
conhecer, de ser, de acertar e errar e de dialogar. Paulo Freire viveu o que escreveu e seus
textos claramente demonstram esta vivência. Toda a sua obra está repleta de exemplos de
situações empíricas (vivenciadas por ele) que sustentam sua teoria.
Este pedagogo-pensador-humanista condensou linhas de pensamento em uma teoria
do conhecimento própria, baseada numa práxis libertadora. Conforme Moacir Gadotti
52
,
Paulo Freire despertou nas pessoas a crença de que é possível mudar o mundo. A causa
51
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
52
Vídeo - coleção grandes educadores. Paulo Freire. Ata mídia e educação: Paulos: 2004.
67
maior de Paulo Freire é, repetindo suas palavras, “colocar o oprimido no palco da história,
com vez e voz”. Ter o ser humano pensado e acreditado em sua totalidade.
Paulo Freire tem como “personagens” de sua teoria o oprimido e o opressor. O
oprimido como aquele que sofre com os métodos de opressão e de dominação de
consciência e o opressor como aquele que luta pela manutenção de uma pedagogia de
dominação das consciências. Ambos não podem se complementar, uma vez que o opressor
precisa do oprimido para manter-se no poder e, precisando dele, usa-o ao invés de
compartilhar com ele. Sendo assim, não pode haver liberdade para o oprimido através do
opressor. Neste sentido, Ernani Maria Fiorin reflete no prefácio da Pedagogia do
Oprimido que:
Nessas sociedades, governadas pelos interesses de grupos, classes e nações
dominantes, a ‘educação como prática da liberdade’ postula, necessariamente,
uma ‘pedagogia do oprimido’. Não pedagogia para ele, mas dele. Os caminhos da
liberação são os do oprimido que se libera: ele não é coisa que se resgata, é sujeito
que se deve autoconfigurar responsavelmente. A educação libertadora é
incompatível com uma pedagogia que, de maneira consciente ou mistificada, tem
sido pratica de dominação. A prática da liberdade encontrará adequada
expressão numa pedagogia em que o oprimido tenha condições de reflexivamente,
descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação histórica.
53
No que se refere aos projetos destacados nesta reflexão, acredita-se que o educando
− referido no primeiro capítulo está na condição de oprimido, mas em um movimento de
tomada de consciência e despertar da alienação para a busca efetiva da consciência crítica e
da possibilidade de mudança, ou seja, quando constata sua realidade percebe tal
possibilidade. Ao registrar em fotografia o seu mundo, torna-se, possível, para ele, desvelar
a realidade através das imagens e construir uma nova condição, a de liberdade.
Para explicar a condição de dominação em que vivem os oprimidos, Paulo Freire faz
um resgate da constituição da sociedade brasileira desde o princípio da colonização
portuguesa. Para o estudioso as pessoas que vieram para não tinham a intenção de
53
FIORIN, Ernani Maria. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 23ª reimpressão. São Paulo: Paz e
Terra, 1994, p.09.
68
constituir povoamento efetivo, apenas a de explorar, especialmente a partir do trabalho
escravo e/ou exploratório
54
das grandes propriedades. Estas grandes propriedades só
ofereceram a dependência, pois era necessário viver sob o protecionismo dos senhores.
Paulo Freire aponta que nessas condições
...se encontram as raízes das nossas tão comuns soluções paternalistas.
também, o ‘mutismo’ brasileiro. As sociedades a que se nega o diálogo
comunicação
e, em seu lugar, se lhes oferecem ‘comunicados’, resultantes de
compulsão ou ‘doação’, se fazem preponderantemente ‘mudas’. O mutismo não é
propriamente inexistência de resposta. É resposta a que falta teor marcadamente
crítico
55
.
Seguindo esta lógica percebemos que nossa sociedade foi fundada no extremismo
das relações: senhor e escravo. Não houve o desenvolvimento de uma classe à “base de
desenvolvimento político”
56
, que se torna-se democrática. A grande propriedade ditou as
regras a partir dos senhores; em nenhum momento houve auto-governo, ou seja, o povo
governando por si mesmo. Conseqüentemente, não houve diálogo entre opressor e
oprimido. Como reflete Paulo Freire,
A distância social existente e característica das relações humanas no grande
domínio não permite a dialogação. [...] A dialogação implica na responsabilidade
social e política do homem. Implica num nimo de consciência transitiva, que
não se desenvolve nas condições oferecidas pelo grande domínio
57
.
A falta de diálogo, por sua vez, implica na composição de um sujeito fechado,
individualista e não-solidário, cujas relações humanas baseiam-se nestas características.
54
Os trabalhadores não eram escravos, mas extremamente dependentes do proprietário, o qual os explorava ao
máximo.
55
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 77.
56
Idem, ibidem, p.80.
57
Idem, ibidem, p.78.
69
Trata-se de um sujeito privado, cujas relações de solidariedade política inexistem. O
privado sobrepõe-se ao público. Na lógica freiriana, portanto:
O que nos importa afirmar é que, com essa política de colonização, com seus
moldes exageradamente tutelares, não poderíamos ter tido experiências
democráticas. Em que pesem alguns aspectos positivos, entre eles o da
miscigenação, que predisporia o brasileiro para um tipo de ‘democracia étnica’
58
.
A vinda da família real trouxe consigo as primeiras reformas educativas e culturais
com o “nascimento de escolas. Da imprensa. De biblioteca. De ensino técnico”
59
.
Entretanto, tais reformas não pretendiam alcançar o povo, mas os membros da corte, filhos
de portugueses residentes no Brasil e alguns ascendentes. Então, o advento de um estado
democrático trouxe uma nova condição ao país, sem alterar a condição do homem comum,
pois este não sabia exercer sua cidadania numa democracia visto que nunca houvera
condições para que aprendesse a exercê-la. Como reflete Paulo Freire,
A democracia que, antes de ser forma política, é forma de vida, se caracteriza,
sobretudo por ser forte dose de transitividade de consciência. Transitividade que
não nasce e nem se desenvolve a não ser dentro de certas condições em que o
homem seja lançado ao debate, ao exame de seus problemas e dos problemas
comuns. Em que o homem participe
60
.
Essas condições de um possível exercício de cidadania aparecem, para Paulo
Freire, após a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, com o surgimento dos grandes
centros urbanos. Segundo ele, “o país começa a encontrar-se consigo mesmo. Seu povo
emerso inicia as suas experiências de participação”
61
. O processo de participação foi um
tanto complicado, pois inicialmente emergiu um clima de “irracionalismo” e surgiram
posições sectárias. O povo, “emergente, mas desorganizado, ingênuo e despreparado, com
58
Idem, ibidem, p.83.
59
Idem, ibidem, p.85.
60
Idem, ibidem, p.88.
61
Idem, ibidem, p.91.
70
fortes índices de analfabetismo e semi-analfabetismo, passava a joguete dos
irracionalismos”
62
. As classes dominantes se uniram na defesa de seus privilégios
enquanto a classe média sentiu-se ameaçada pelas classes populares incitadas através de
um movimento popular pela classe média intelectual – por almejarem e vivenciarem
algumas regalias próprias das classes dominantes. A emersão das classes populares poderia
significar a perda da paz e dos poucos privilégios desta classe média.
Nessa sociedade em transição fazia-se necessária, mais do que nunca, “uma
reforma urgente e total no seu processo educativo”
63
. Uma reforma que levasse à
revolução, ou seja, a um processo democrático total, no qual o povo se auto-governasse,
mas com responsabilidade gerada através da participação em todos os veis da sociedade,
com diálogo e liberdade. Atualmente, a reforma para que a educação se torne via de acesso
à liberdade não tem sido prática na maioria das escolas públicas. Duarte Júnior aborda esta
questão ao afirmar que
Por isso nossas escolas iniciam-nos, desde cedo, na técnica do esquartejamento
mental. Ali devemos ser apenas homem pensante. As emoções devem ficar fora
das quatro paredes das salas de aula, a fim de não atrapalhar nosso
desenvolvimento intelectual. Os “recreios” e as “aulas de arte” são os únicos
momentos em que a estrutura escolar permite algumas fluências de nossos
sentimentos e emoções. E há jeito diferente
64
?
Acredita-se que, através de uma educação consistente que luta pela liberdade e busca
o desenvolvimento do educando como um indivíduo completo, é possível construir uma
sociedade sem oprimido e opressor, mas em igualdade de condições.
3.2.1 Sobre liberdade e dialogicidade na educação
Liberdade para Paulo Freire é tomada de consciência: uma vez os oprimidos
sentindo-se livres a conseqüência é o questionamento, o firme posicionamento frente às
62
Idem, ibidem, p.95.
63
Idem, ibidem, p.96.
64
DUARTE Jr. João-Francisco. Por que Arte-Educação? 17.ed. Campinas: Papirus, 2006. (Coleção Ágere).
71
injustiças e a luta pelo fim das desigualdades. Disto decorre o bater de frente com o
opressor, o que é incômodo e gera conflitos. Para o oprimido que teme a liberdade é
melhor viver como oprimido, acomodado e sem conflitos, mas também sem liberdade, pois
liberdade busca-se quando há consciência crítica ou tomada de consciência.
Paulo Freire acredita que não se pode deixar de ser oprimido para ser opressor. A
grande tarefa do oprimido, então, é libertar a ambos, oprimido e opressor, buscando a
humanização, pois tanto opressor quanto oprimido estão desumanizados. O primeiro
porque o pode ser humanizado quando vive da injustiça, da exploração e da opressão, e
o segundo, porque perde a humanidade ao sofrer o jugo do opressor. Os opressores
precisam da injustiça e da miséria para parecer gloriosos e se perpetuarem, usando do
assistencialismo e do paternalismo para mascarar a condição do oprimido. Paulo Freire
aponta que
O grande perigo do assistencialismo está na violência do seu antidiálogo que
impondo ao homem o mutismo e passividade, não lhe oferece condições especiais
para o desenvolvimento ou a ‘abertura’ de sua consciência que, nas democracias
autênticas, há de ser cada vez mais crítica
65
.
No entanto, a verdadeira generosidade está em lutar para que desapareçam as
situações que a obrigam. Isso pode vir do próprio centro de quem precisa da
generosidade, ou seja, o oprimido, que precisa descobrir-se a si e ao opressor por si
mesmo, e nesta liberdade o oprimido liberta o opressor. Se o comportamento do oprimido é
imposto pelo opressor, então o oprimido desumanizado precisa buscar o “ser mais”
66
para
si e para o opressor, que está também desumanizado.
reconhecer-se oprimido não basta; é preciso lutar para libertar-se e a luta
acontece com a práxis, que por sua vez é transformadora. Da mesma forma, para o
opressor que se reconhece como tal e deseja mudança, solidarizar-se com o oprimido não é
minimizar a culpa, é lutar junto. “O opressor se solidariza com os oprimidos quando o
seu gesto deixa de ser um gesto piegas e sentimental, de caráter individual, e passa a ser
um ato de amor àqueles”
67
. Para o opressor que não se reconhece como tal o desejo é que
65
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p.65.
66
Para Freire, o “ser mais” é a humanização dos homens, que se busca na comunhão e na solidariedade.
67
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.36.
72
a massa continue acrítica, oprimida.
Se a práxis é transformadora esta ação será humana quando somada à reflexão.
Torna-se necessário refletir sobre a ação e nesta reflexão é que surge uma pedagogia do
oprimido, uma vez que o oprimido reflete sobre sua condição e age para promover a
mudança. Paulo Freire conclui: “os oprimidos hão de ser exemplo para si mesmos, na luta
por sua redenção”
68
. Portanto, para Paulo Freire,
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois
momentos distintos. O primeiro em que os oprimidos vão desvelando o mundo da
opressão e vão comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação: o
segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser
do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente
libertação
69
.
Referindo-se às experiências empíricas, quando o educando desvela seu mundo físico
através da fotografia e tem a possibilidade de constatar seu mundo subjetivo através de
textos, consegue externar tal desvelamento e constatação na criação de objetos artísticos,
construindo um processo de luta pela libertação da opressão, uma vez que reflete sobre sua
realidade e age através da arte. As imagens têm para ele significado e sentido que dizem
do seu lugar.
Paulo Freire alerta para o fato de que saber-se oprimido e compreender sua condição
de opressão não é necessariamente a libertação em si, mas um passo importante para
superar a condição e lutar para modificá-la. A educação, portanto, em si não é capaz de
mudar o mundo, mas esta mudança passa, indubitavelmente, pela educação. Assim, a
liberdade só se dá no conjunto, com reflexão e ação. E a revolução para a liberdade tem um
caráter pedagógico, em que “educador e educandos (lideranças e massas), co-
intencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não
de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de recriar este
conhecimento”
70
. Acredita-se que a Arte tenha se tornado uma via de acesso de
compreensão da condição de oprimido aos educandos citado na experiência empírica.
Neste processo houve reflexão e ação a partir do cotidiano dos educandos, e uma busca
68
Idem, ibidem, p.41.
69
Idem, ibidem, p.41.
70
Idem, ibidem, p.56.
73
pela libertação de tal condição.
Paulo Freire denomina de bancária a concepção de educação do opressor. É um
mecanismo para oprimir, no qual o educador deposita conteúdos: é sempre ele quem sabe,
quem transmite valores e conhecimentos. Para o opressor é perigoso que o educador pense.
Criar um ser autômato ao invés de autônomo é a intenção primeira, pois se torna difícil
oprimir quem pensa, e pensando, se organiza. Não é do interesse do opressor a
transformação do mundo. A educação bancária pensa na consciência como uma “peça”
dentro dos homens, que os fará adaptados e passivos, e, portanto, adequados para o mundo.
A educação bancária educa para a morte, e não para a vida, constata Paulo Freire, que
resume a educação bancária em dez itens ao dizer que nela
o educador é o que educa: os educandos, os que são educados;
o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;
o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente;
o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
o educador é o opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a
prescrição;
o educador é o que atua; os educandos, os que m a ilusão de que atuam, na
atuação do educador;
o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta
escolha, se acomodam a ele;
o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que
opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às
determinações daquele;
o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos
71
.
A tomada de consciência não pode acontecer em uma educação bancária, que se
trata de um modelo de educação sem relações com a realidade, ou seja, engavetada, que
não busca no cotidiano e na vivência do educando os subsídios para ensinar. Também não
acontece com a “palavra oca”, memorizada e sem elaboração. A nossa cultura fixada na
palavra corresponde a nossa inexperiência do diálogo, da investigação, da pesquisa, que,
71
Idem, ibidem, p.59.
74
por sua vez, estão intimamente ligados à criticidade, nota fundamental da mentalidade
democrática”
72
.
Para que haja uma educação problematizadora e libertadora é necessário um
educador que se identifique com o educando e pense na humanização de ambos. Diferente
da educação bancária, que pensa em um sujeito no mundo, a educação libertadora pensa
em um sujeito no mundo, com o mundo e com os outros, afirma Paulo Freire
73
, e esta
educação “afirma a dialogicidade e se faz dialógica”
74
. O educador, então, precisa ter
humildade frente ao educando, reconhecendo que este também tem um saber. Além de
reconhecer-se, da mesma forma que o educando, como um ser inconcluso. Esta
consciência é responsável pela humanização que Paulo Freire acredita ser a vocação dos
homens. Assim, a educação nunca está pronta, conclusa, mas em constante processo de
mudança. Citando Paulo Freire, “para ser tem que estar sendo
75
.
É difícil para o educador reconhecer-se inconcluso, pois a formação dos educadores
brasileiros ainda é bancária. Nos projetos citados anteriormente fez-se a tentativa de ouvir
72
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p.104.
73
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.68.
74
Gadotti, no texto A voz do Biógrafo Brasileiro A prática a altura do sonho. Disponível em:
www.paulofreire.org.br em abril/2005 cita o filósofo alemão Wolfrdietrich Schmied-Koowarzik, que faz a
seguinte reflexão sobre o ser dialógico em Paulo Freire: “Paulo Freire, entrelaçando temas cristãos e marxistas
e referindo-se a Buber, Hegel e Marx, retoma a ligação originária entre dialética e diálogo e define a educação
como a experiência basicamente dialética da libertação humana do homem, que pode ser realizada apenas em
comum, no diálogo crítico entre educador e educando. Desta forma, ele vincula de um modo fecundo à própria
dialética de Litt, referida à respectiva situação educacional concreta com a determinação dialética da educação
em Kant, como experiência histórica da totalidade da sociedade. Ao mesmo tempo, na medida em que para ele
a teoria e a prática da educação somente são determináveis uma em relação a outra, escapa inteiramente de
abordagens unilaterais, em que a educação é concebida linearmente como processo evolutivo ou processo
produtivo. Neste sentido, a educação se torna um momento de experiência dialética total da humanização dos
homens, com igual participação dialógica de educador e educando. Aqui se manifesta por inteiro o caráter
absolutamente dialético da determinação da atividade educativa. A dialética não reside apenas como em
Schleiermacher no desvelamento heurístico e aporético da situação educacional, que exige do educador uma
‘ação criadora’ própria, mas simultaneamente na inclusão prática da atividade educativa na experiência
continuada do trabalho educacional com os educandos; experiência sendo entendida por Freire não somente
como refinamento dos meios educacionais como em Makaremko mas, como em Kant, embora sem se
restringir a ele, enquanto o trabalho basicamente dialógico e necessariamente comum de educador e educando
na libertação humana do homem.”
75
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.73.
75
o saber do educando, de extrair dele os conceitos que norteariam as discussões, de dialogar
entre iguais. Tal experiência teve o propósito de se tornar práxis, efetivando a busca da
superação das limitações que tornam os educadores pequenos opressores, e os educandos
depositários de saberes pouco significativos. Todavia, este processo não é tranqüilo, uma
vez que os educadores precisam identificar em si o que são atitudes opressoras e, no
reconhecimento destas, promover em si mesmos a mudança.
3.2.2 Sobre dizer a palavra
Para que haja efetivamente aprendizagem se faz necessário que o educando – e
qualquer outro sujeito consiga abstrair e significar conceitos a partir de experiências suas
para poder dizer a palavra. Exemplificando, ao escrever sobre as fotografias de Sebastião
Salgado, o educando não conhecia aquela realidade apresentada na fotografia, mas aplicou
conceitos já abstraídos e compreendeu o sentido da imagem. Sabia, por exemplo, o que é a
luta pela terra, como seria uma escola em um acampamento de sujeitos do MST
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra − sem nunca ter estado lá, e fez conexões
com seu cotidiano de luta por emprego, moradia e outras. Pôde dizer a sua palavra através
de textos e imagens. João Francisco Duarte Júnior afirma que
... por isso uma educação que apenas pretende transmitir significados que estão
distantes da vida concreta dos educando, não produz aprendizagem alguma. É
necessário que os conceitos (símbolos) estejam com as experiências dos
indivíduos. Voltamos assim à dialética entre o sentir (vivenciar) e o simbolizar.
Este é o ponto fundamental no método de alfabetização do educador brasileiro
Paulo Freire: aprende-se a escrever quando as palavras se referem às experiências
concretas vividas
76
.
Ser dialógico em Paulo Freire significa dizer a palavra verdadeira. Se a liberdade é
a base de formação de todo o processo educacional freiriano, a palavra é o fio condutor
76
DUARTE Jr. João Francisco. Por que Arte-Educação? 17.ed. Campinas: Papirus, 2006, p. 23. (Col. Ágere).
76
para que a liberdade aconteça, e dizer a palavra é dizer de sua inserção no mundo, no
contexto. Aprender a palavra só não basta, “não basta saber ler que ‘Eva viu a uva’, diz ele.
É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem
trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”
77
. Isto significa dizer que a
palavra não é só aprender a soletrar e a escrever um amontoado de vogais e consoantes, ou
perceber a sonoridade dela. É saber, sim, quem foi Eva, se ela era empregadora ou
empregada de uma vinícola, ou se conheceu a uva no supermercado. Se empregadora,
como produziu e o que ganhou com a uva, qual a relação que manteve com seus
empregados. Se empregada, quantas horas de trabalho diário fez para que a uva pudesse ser
produzida, qual a mais valia que lhe foi subtraída. Se a viu no supermercado, pôde comprá-
la ou não? Se não, precisa ter conhecimento de toda a cadeia produtiva e as implicações da
mesma para entender o motivo de seu não-acesso a este alimento.
Significa saber por que o educando conhece questões teóricas sobre Arte, cria a
partir dos elementos próprios da mesma, mas não tem acesso à Arte universal a não ser via
reproduções
78
. Saber por que a obra de Arte consagrada está muito longe de seu cotidiano,
geralmente em grandes centros, que implicações isso tem em sua vida, por que não
freqüenta um museu na capital, que custo tem o transporte até lá, quanto do seu salário
significa este valor, o que deixaria de adquirir para poder ir ao museu, e outras reflexões
mais.
É preciso discutir possibilidades para que este acesso se torne possível. Esta é a
palavra verdadeira, dialógica, que tem significado, que gera reflexão, que cria conflitos
possíveis de serem problematizados e, conseqüentemente, que leva a uma práxis possível
de transformar o mundo. Então,
... se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o
mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os
homens. Precisamente por isso, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho,
ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a apalavra aos
demais. O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para
77
GADOTTI, Moacir. A voz do biógrafo brasileiro – A prática a altura do sonho. Disponível em
<www.paulofreire.org.br>.
78
A UNIJUI oferece seguidamente exposições de Arte. A referência aqui é à Arte reconhecida pela crítica e
pela história.
77
pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu
79
.
Ana Maria Freire escreve um texto no qual, em um dos parágrafos, sintetiza a
concepção de Paulo Freire da relação “eu-tu” ao comentar que:
A compreensão de mundo de Paulo tem como um de seus pilares a relação EU-
TU. Par ele não sentido um EU e um TU, mas a relação, repito, EU-TU, que
implica necessariamente a aceitação da diferença e que, portanto, exige o diálogo.
De sujeitos amorosos e curiosos em torno do objeto a ser conhecido, e qualquer
natureza que este seja. È o diálogo consciente, intencional que faz com que nós
homens e mulheres nos tornemos de ontologicamente humanos em concretamente
humanos porque nos apropriamos do saber que nós podemos ter. Na pedagogia
de Paulo a diferença é o princípio e o fundamento para o diálogo entre o EU e o
TU, para o conhecer e o saber interferir no mundo séria e amorosamente. O ato
aprender-ensinar é este diálogo entre diferentes para resolvermos pela ão
consciente os conflitos de toda natureza e graus que nos deixam atordoados,
submetidos ou atemorizados ou nos levar às alegrias e aos gozos mais distintos
que a nossa criação vem podendo nos proporcionar através de nossas culturas
80
.
O diálogo na relação EU-TU implica na palavra dita, significada, transformadora,
libertadora. Uma vez dita, nesta relação, gera compartilhamento, porque não diálogo
verdadeiro sem compartilhamento, sem comunicação e sem troca, especialmente porque
não diálogo sem diferenças. Para Paulo Freire, “a diferença é o princípio e o
fundamento para o diálogo entre o EU e o TU, para conhecer e saber interferir no mundo
séria e amorosamente”
81
. É na diferença que se constrói uma verdadeira relação dialógica,
responsável, capaz de resolver conflitos e gerar novas possibilidades de diálogo ou de
ações.
O diálogo exige generosidade
82
. Segundo Paulo Freire, generosidade para,
79
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.78.
80
FREIRE, Ana Maria. O que Paulo Freire diria aos sujeitos comprometidos com a justiça, com a ética,
com os oprimidos que querem construir a Escola Democrática e Popular no Estado do Rio Grande do
Sul e que sonham e desejam uma nova sociedade. Governo do Estado do Rio Grande do Sul, caderno
pedagógico 2, Semana Paulo Freire, 2001, p.13.
81
Idem, ibidem, p.13.
82
Freire tem predileção por determinadas palavras de cunho bastante emocional, poético até, mas que refletem
78
dialogando, saber ouvir e ouvindo saber aceitar as diferenças de posicionamentos, e
aceitando-as, completar-se ao compartilhar com o outro. Nesta relação compartilhada é que
acontece a verdadeira educação, que resulta na práxis libertadora. E Paulo Freire se
expressa poeticamente quando diz: “Acho que uma das melhores coisas que podemos
experimentar na vida, homem ou mulher, é a boniteza em nossas relações, mesmo que, de
vez em quando, salpicadas de descompassos que simplesmente comprovam nossa
‘gentude’ ”
83
.
Para que estas relações dialógicas compartilhadas e fomentadoras da práxis
libertadora sejam verdadeiras, é necessário que haja amorosidade. “Nãodiálogo, porém,
se não há um profundo amor ao mundo dos homens. Não é possível a pronúncia do
mundo, que é um ato de criação e recriação, se o há amor que a infunda”
84
. E este amor
acontece no comprometimento com a causa do oprimido, qual seja, a libertação; e este
comprometimento exige humildade, solidariedade e respeito, além do reconhecer-se
inconcluso, de acreditar no outro e de buscar neste outro a complementaridade no EU-TU.
“Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não é possível o
diálogo”
85
.
Francisco Ortega, ao discorrer sobre a amizade, utiliza um termo que se adapta a
Paulo Freire quando este fala sobre as relações dialógicas: o agonismo. Tal termo se refere
à disposição de cada um em deixar-se questionar, modificar opiniões e crenças a partir de
um relacionamento de amizade. “Tratar-se-ia de sermos capazes de viver uma amizade
cheia de contradições e tensões, que permitisse um determinado agonismo e que não
pretendesse anular as diferenças”
86
. O agonismo diz do princípio fundamental do ser
dialógico em Paulo Freire, já citado anteriormente, qual seja: é na diferença que se
constrói uma relação dialógica. Então, a relação dialógica seria uma relação de amizade
agonística, que são, para Francisco Ortega, “(...) relações livres que apontam para o desafio
e condensam aquilo que é verdadeiramente a pedagogia freiriana. Generosidade é uma delas, como
amorosidade, boniteza, compartilhamento, dentre outras.
83
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança, - um reencontro com a pedagogia do oprimido. 10. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2003, p.64.
84
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.79.
85
Idem, ibidem. p.80.
86
ORTEGA, Francisco. Para uma política de amizade : Arendt, Derrida, Foucault. Rio de Janeiro : relume
dumará, 2000.p.80.
79
e para a incitação recíproca e não para a submissão do outro”
87
.
Não existe diálogo sem esperança, afirma Paulo Freire. A esperança está na própria
essência da imperfeição dos homens, levando-os a uma eterna busca. Tal busca, como
vimos, não se faz no isolamento, mas na comunicação entre os homens”
88
. A esperança se
mostra na luta, na busca constante pelo fim da condição de oprimido, no
compartilhamento.
A amorosidade na relação com o educando é imprescindível para que o diálogo se
“encharque”
89
de significados. Acredita-se que, quando o educador dispõe-se a dar um
pouco do seu tempo para o educando, a sair da sala de aula e inserir-se no cotidiano deste,
mostrando-se como ser humano em igualdade de condições, sabendo-se inconcluso e
disposto a aprender com o outro, está sendo amoroso. É importante dizer que esta
amorosidade precisa tornar-se intrínseca ao educador.
3.3 O método Paulo Freire – uma teoria do conhecimento
O método Paulo Freire não é uma cartilha estática que prescreve “receitas” prontas
sobre o fazer pedagógico. Trata-se de um método em constante renovação, pois surge do
princípio de que a educação deve partir da vivência do educando. Tal método prevê a
inserção do educando no mundo não apenas decifrando letras, mas descobrindo seus
significados no cotidiano, na sua vida, para em seguida interferir nela e buscar a libertação
através da palavra. Antes de ser um método, o próprio Paulo Freire o considerava uma
teoria do conhecimento, pois
O método Paulo Freire não ensina a repetir palavras, não se restringe a
desenvolver a capacidade de pensá-las segundo as exigências lógicas do discurso
abstrato: simplesmente coloca o alfabetizando em condições de poder re-
existenciar criticamente as palavras de seu mundo, para, na oportunidade devida,
87
ORTEGA, Francisco. Para uma política de amizade : Arendt, Derrida, Foucault. Rio de Janeiro : relume
dumará, 2000.p.89.
88
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p.82.
89
“Encharque” é mais uma das expressões de Paulo Freire e, para ele, o encharcar é mais do que se encher,
pois que dizer que o todo fica repleto e não só o interior.
80
saber e poder dizer a sua palavra
90
.
Quando da criação deste método Paulo Freire e sua equipe pensavam em alfabetizar
adultos num processo não muito lento, a partir do qual os educandos pudessem produzir
conhecimento, criticidade e significado a partir de suas próprias realidades, dos elementos
do cotidiano. Diz ele:
Pensávamos numa alfabetização direta e realmente ligada à democratização da cultura, que
fosse uma introdução a esta democratização. Numa alfabetização que, por isso mesmo,
tivesse no homem, não esse paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo paciência
para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe oferecem
para sua aprendizagem, mas o seu sujeito. [...] Pensávamos numa alfabetização que fosse
em si um ato de criação, capaz de desencadear outros atos criadores. Numa alfabetização
em que o homem, porque não fosse seu paciente, seu objeto, desenvolvesse a impaciência,
a vivacidade, característica dos estados de procura, de invenção e reivindicação
91
.
Da alfabetização de adultos o método estendeu-se para todos os níveis da educação,
da escola pública à privada, buscando a consciência crítica como meio possível do sujeito
tornar-se livre. E esta consciência viria da leitura da palavra, pois para Paulo Freire
A leitura e a escrita da palavra implicando uma re-leitura mais crítica do mundo
como ‘caminho’ para ‘re-escrevê-lo’, quer dizer, para transformá-lo. Daí a
necessária esperança embutida na Pedagogia do Oprimido. Daí, também, a
necessidade de alfabetização numa perspectiva progressista, de uma compreensão
da linguagem e de seu papel antes referido na conquista da cidadania
92
.
Retornando ao princípio do método, Paulo Freire e sua equipe buscavam uma
forma de que o adulto analfabeto saísse de sua ingenuidade oprimida para um estado de
90
FIORIN, Ernani Mari. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra,1987, p. 13.
91
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 112.
92
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança - um reencontro com a pedagogia do oprimido. 10. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 64.
81
criticidade. Mas como? Para Paulo Freire, “A resposta parecia estar: a) num método ativo,
dialogal, crítico e criticizador; b) na modificação do conteúdo programático da educação;
c) no uso de técnicas como a da Redução e da Codificação”
93
.
Paulo Freire dividiu o método em cinco fases de elaboração e execução, quais
sejam
94
:
1) Levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se trabalhará
é a busca do vocabulário cotidiano dos educandos, ligados a todos os
setores de suas vidas, dos sentimentos às expresses típicas, para daí serem
retiradas palavras geradoras. Para Paulo Freire, estas palavras são
aquelas que, decompostas, formarão outras;
2) Escolha das palavras selecionadas a partir de critérios como riqueza e
dificuldade fonética e teor da palavra;
3) Criação de situações existenciais do grupo situações próprias do
cotidiano dos educandos, nas quais os vocábulos geradores serão
utilizados para debate e alfabetização, dividindo-se as famílias fonêmicas
de cada um;
4) Elaboração de fichas-roteiro para o coordenador de debate;
5) Fichas de leitura com a decomposição das famílias fonêmicas
correspondentes aos vocábulos geradores.
A dificuldade, para Paulo Freire, é o educador/coordenador autorizar-se a uma nova
atitude pautada no diálogo, na relação “eu-tu”, para que haja “educação e não
domesticação”
95
. Uma relação agonista.
A pedagogia freiriana, uma vez implantada na escola em todos os componentes
curriculares e não na alfabetização leva ao engajamento, ao compromisso. O educador
93
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 115.
94
Idem, ibidem, p.120-22.
95
Idem, ibidem, p.123.
82
deixa de ser um trabalhador em educação somente, para tornar-se um sujeito engajado
socialmente comprometido com a busca de um mundo diferente. O educador questiona-se
sobre o que trabalhar, partindo do contexto do educando. Se para Paulo Freire educar é
impregnar de sentido nossa vida, o educador é o “profissional do sentido” que orienta, que
constrói sentido. É um organizador da aprendizagem, que auxilia o educando a ter
autonomia intelectual. Possuidor da autonomia intelectual, o educando torna-se cidadão, e
não apenas um consumidor. Torna-se protagonista, o que vai contra o sistema globalizante
da atualidade. Por este motivo talvez seja tão difícil implantar o método Paulo Freire nas
escolas, pois todos os lados negativos do mundo globalizado seriam desvelados, a partir do
desejo de conhecimento de um sujeito crítico e cidadão, inconformado com a
desumanização e as desigualdades.
O conhecimento, então, não é histórico, epistemológico e lógico: é também
dialógico. Novamente, é no diálogo que os sujeitos constroem e mudam o mundo. No
entanto, este diálogo não pode ser doutrinador, pois precisa ouvir todas as partes e deixar a
contradição vir à tona, sendo a contradição o berço da transformação. O diálogo gera
conflito, que, por sua vez, gera conhecimento e é nesta interação que há compartilhamento.
3.4 O educador-educando freiriano
Na obra Pedagogia da Autonomia Saberes necessários à prática educativa,
Paulo Freire escreve três capítulos sobre o ser educador/docente: o primeiro, “não há
docência sem discência”; o segundo, “ensinar não é transferir conhecimento”; e o terceiro,
“ensinar é uma especificidade humana. Em cada capítulo Paulo Freire comenta o que
exige o ensinar: formação, prática e reflexão, exigências para um educador-educando
preocupado com uma educação libertadora e problematizadora. Apropriar-se deste ser
docente em Paulo Freire e fazer uma síntese do que poderia ser a prática docente é o que
será feito a partir deste momento, não como receita, mas como princípios norteadores da
prática docente.
83
O educador freiriano precisa ser dialógico
96
. Precisa assumir-se enquanto educando
também, pois é na interação que o conhecimento se produz, sendo que o educador aprende
com o educando e vice-versa. Para Paulo Freire, “ninguém educa ninguém, ninguém educa
a si mesmo, os homens se educam entre si, midiatizados pelo mundo”
97
. Educando-se
entre si, não existe a possibilidade de o educador formar o educando, pois não existe a
transferência de conhecimentos. Paulo Freire afirma que
... quem forma se forma e re-formar ao formar e quem é formado forma-se e
forma a o ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos,
conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou
alma a um corpo acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam
e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição
de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina
ao aprender
98
.
Não é possível fazer educação sem diálogo, afirma Paulo Freire, pois
Desta maneira, o educador não é o que apenas educa, mas o que, enquanto
educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também
educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em
que os ‘argumentos de autoridade’ já não valem
99
.
O educador torna-se, para Paulo Freire, um mediatizador. Na educação
problematizadora e libertadora conhecimento a partir desta mediatização e da reflexão
crítica de educador e educando. Esta educação, aponta Paulo Freire, é um ato de
desvelamento da realidade, na qual acontece a emersão da consciência. O educando,
quanto mais problematizado, mais desafiado se sentirá, e mais obrigado a responder ao
96
Na releitura que Gadotti faz do da dialogicidade em Freire ele escreve que o diálogo consiste em uma relação
horizontal e não vertical entre as pessoas implicadas, entre as pessoas em relação. No seu pensamento, a
relação homem-homem, homem-mulher, mulher-mulher, e homem-mundo são indissociáveis.
97
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 68.
98
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. - saberes necessários à prática educativa. 28. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2003, p.23.
99
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 68.
84
desafio, de forma a gerar uma compreensão crítica e desalienada. Assim, quando o
educando problematiza sua realidade a partir da Arte e se desafia a criar a partir dessa
realidade, tende a emergir para uma consciência crítica, ou seja, acaba por ver a sua
realidade de forma crítica. Na educação bancária, já mencionada anteriormente, o processo
é inverso: manter a imersão da consciência.
No primeiro capítulo do referido livro, “Não há docência sem discência”, Paulo
Freire comenta o papel do educador aprendente e dos saberes necessários à prática docente.
Para ele, educador-educando não transmite conhecimentos, não se considera um formador,
pois ao mesmo tempo em que ensina, aprende. Assim, não é possível ao educador-
educando visualizar o educando como um poço de recebimento de informações que julga
importantes como na educação bancária e destituir o educando de um saber e um
pensar próprios, possíveis de serem compartilhados gerando o diálogo. É preciso que o
educador-educando estimule e oportunize ao educando a possibilidade de desenvolver a
curiosidade responsável pelo pensar crítico e conseqüente agir. “Quanto mais criticamente
se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve o que venho
chamando de curiosidade epistemológica’, sem a qual não se alcança o conhecimento
cabal do objeto”
100
.
Para aprender é necessário apreender, dar sentido. Então, o educador-educando é
responsável pelo que Paulo Freire chama de “rigorosidade metódica”, quando possibilita
ao educando condições para que este aprenda criticamente. Assim, não é tarefa do
educador-educando apenas ensinar conteúdos, mas “ensinar a pensar certo”
101
. E pensar
certo não é ter certezas absolutas. Para ensinar a pensar certo o educador-educando precisa
pesquisar. E, respeitando o saber do educando de senso comum, estimulá-lo à pesquisa, de
modo que a consciência crítica deste possa se desenvolver. A superação do senso comum
acontece quando a curiosidade ingênua torna-se criticidade. Mas, “a necessária promoção
da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigorosa
formação ética ao lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas”
102
.
Para pensar certo, comenta Paulo Freire, o educador-educando precisa agir conforme
suas palavras, fazendo com que seu discurso seja verdadeiramente um espelho de suas
100
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia - saberes necessários à prática educativa. 28. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2003, p. 24-25.
101
Idem, ibidem, p.27.
102
Idem,ibidem, p.32.
85
ações. Ser generoso e saber lidar com as diferentes formas de pensar e de agir sem
qualquer forma de discriminação. Além disso, para além de uma prática docente crítica, é
necessário que o educador tenha uma reflexão crítica, de tal maneira que a ingenuidade do
querer pensar certo seja substituída pela rigorosidade do pensar certo efetivo, para tornar-
se “capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de
curiosidade epistemológica”
103
. Mais que pensar sobre a prática, é necessário que este
pensar a prática com rigorosidade se reflita no estado emocional, o qual faz com que o
educador sinta vontade de continuar lutando por uma educação do pensar certo. “Está
errada a educação que não reconhece na justa raiva, na raiva que protesta contra as
injustiças, contra a deslealdade, contra o desamor, contra a exploração e a violência um
papel altamente formador”
104
. A raiva à qual se refere Paulo Freire é uma raiva no sentido
de resistência, e não de ressentimento.
Reconhecer-se enquanto indivíduo possuidor de uma identidade cultural própria é
imprescindível para o educador implicado no processo de ensinar a pensar certo. Paulo
Freire diz categoricamente que é preciso ao educador
... assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de
amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A
assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a ‘outredade’ do
‘não eu’, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do eu
105
.
Ao assumir-se, o educador conseqüentemente refletirá na práxis a sua assunção,
provocando em si mesmo a necessidade de, mais do que ensinar, educar. Educar com
amor, com curiosidade epistemológica, com respeito ao educando e à sua individualidade.
O segundo capítulo, “Ensinar não é transferir conhecimento”, versa sobre o educador
aberto ao diálogo, às estranhezas que possam surgir, à curiosidade do educando. E este
saber o de não transferir conhecimento, mas de educar precisa ser aprendido tanto pelo
educador quanto pelo educando. A teoria precisa estar sempre atrelada à prática. O
103
Idem,ibidem, p.39.
104
Idem, ibidem, p.40.
105
Idem, ibidem, p.41.
86
primeiro ponto é o do inacabamento do ser humano. “Na verdade o inacabamento do ser ou
sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde vida, inacabamento. Mas
entre mulheres e homens o inacabamento se tornou consciente”
106
. Saber-se inconcluso
possibilita a dúvida, possibilita a escolha. Pode-se escolher ser ético ou não, pensar certo
ou não, intervir no mundo ou não, implica num eterno buscar, uma eterna curiosidade de
conhecimento, de tornar-se educável. Esta busca curiosa implica em responsabilidade e
ética que traduz-se, para o educador, na sua postura em sala de aula, no tratamento com o
educando, na “transferência” do conhecimento ou capacidade de partilhar e ensinar a
pensar certo.
Ao educador que se reconhece como ser inconcluso em constante busca, é
imprescindível o respeito ao educando enquanto ser. Um educador autoritário não pode
considerar-se respeitador do conhecimento e da “gentude” do educando. “O respeito à
autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos
ou não conceder uns aos outros”
107
. Este respeito diz da ética, que significa tolerância,
liberdade, respeito às diferenças, questionamento responsável. E romper a ética, para
Paulo Freire, é romper com a decência. Aliado à ética, o bom senso é imprescindível à
prática do educador.
E o meu bom senso que me adverte de que exercer a minha autoridade de
professor na classe, tomando decisões, orientando atividades, estabelecendo
tarefas, cobrando a produção individual e coletiva do grupo não é sinal de
autoritarismo de minha parte. É a minha autoridade cumprindo o seu dever. Não
resolvemos bem, ainda, entre nós, a tensão que a contradição autoridade-liberdade
nos coloca e confundimos quase sempre autoridade com autoritarismo, licença
com liberdade
108
.
É o bom senso que vai indicar ao educador como resolver situações diferentes do
combinado, como “chegar” em um educando cujo comportamento difere dos demais, como
encarar pequenas “revoltas” em sala de aula e descobrir quais os motivos das mesmas. É o
bom senso também que vai indicar quando e como modificar um planejamento se este não
106
Idem, ibidem, p.50.
107
Idem, ibidem, p.59.
108
Idem, ibidem, p.61.
87
estiver significando para os educandos. Além disso, vai apontar como dialogar com as
diferenças, como explicar e chamar para a prática frente às injustiças do mundo. É o bom
senso que deve nortear o educador quando da avaliação do educando, sabendo que esse
deve primeiro avaliar-se a si mesmo, a sua prática e depois o educando. É o bom senso que
conduz ambos a uma maneira de avaliarem-se em conjunto e lutarem por condições dignas
de ensino-aprendizagem. O bom senso exige, acima de tudo, humildade e tolerância de
reconhecer quando desconhece, e de “amorosidade” com os educandos e com a própria
prática.
O educador, para além de ter condições dignas de ensino-aprendizagem, precisa lutar
por seus direitos. A luta faz parte do cotidiano do educador consciente, comprometido com
uma práxis libertadora. Nesse sentido Paulo Freire defende que
Se algo que os educandos brasileiros precisam saber, desde a mais tenra idade,
é que a luta em favor do respeito aos educadores e à educação inclui que a briga
por salários menos imorais é um dever irrecusável e não um direito deles. A
luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser
entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática
ética. Não é algo que vem de fora da atividade docente, mas algo que dela faz
parte. O combate em favor da dignidade da prática docente é tão parte dela
quando dela faz parte o respeito que o professor deve ter à identidade do
educando, à sua pessoa, a seu direito de ser
109
.
Constata-se que para ensinar a pensar certo o educador precisa ainda apreender a
realidade, sabendo-se inacabado, bem como educar para que o educando seja, ele mesmo,
o construtor de seu conhecimento. Construção esta mediada e instigada pelo educador, que
precisa fazê-lo com alegria e esperança, conforme Paulo Freire, para que o educando não
reconheça como justa a realidade que está posta e saiba ser possível a mudança. “O mundo
não é. O mundo está sendo”
110
. A palavra sendo traz em seu bojo a certeza de que está
acontecendo, e não de que está definido. Então, é possível construir a mudança em
conjunto. A reflexão e o diálogo são pontes para uma prática de mudança, seja em grupos
sociais, seja na escola.
109
Idem, ibidem, p.66-67.
110
Idem, ibidem, p.76.
88
Por fim, Paulo Freire aponta a curiosidade, novamente, como um pré-requisito para o
educador comprometido, afirmando que não há ensino nem aprendizagem sem curiosidade.
E trata-se da curiosidade de ambos, educador/educando, educando/educando, pois não é
possível ser curioso sozinho, e mais, não é possível ser curioso sem respeitar os limites do
outro. A curiosidade provoca inquietude, que a transforma de curiosidade ingênua em
curiosidade epistemológica.
O terceiro capítulo, “Ensinar é uma especificidade humana”, versa sobre a autoridade
democrática do educador que não necessita impor-se como tal, pois é sábio em sua
autoridade, movido pela curiosidade e pela liberdade em suas relações com os educandos,
do educador que sabe ouvir e que é consciente de suas decisões, da compreensão de que a
educação é uma intervenção no mundo e possui uma ideologia.
Ao educador comprometido é necessário segurança de seu conhecimento e sua
formação, competência profissional para ter autoridade sem ser autoritário, e generosidade
para ter respeito e humildade frente aos educandos, de forma a promover uma educação
libertária, na qual os educandos possam assumir com ética as responsabilidades de suas
ações no exercício mesmo da liberdade.
A autoridade coerentemente democrática, fundando-se na certeza de importância,
quer de si mesma, quer da liberdade dos educandos para a construção de um clima
real de disciplina, jamais minimiza a liberdade. Pelo contrário, aposta nela.
Empenha-se em desafiá-la sempre e sempre; jamais vê, na rebeldia da liberdade,
um sinal de deterioração da ordem. A autoridade coerentemente democrática está
convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos
silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança
que desperta
111
.
É neste exercício de liberdade que a autonomia vai sendo construída. “No fundo, o
essencial das relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdades, entre pais,
mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia. Me
movo como educador porque, primeiro, me movo como gente”
112
. A prática docente não
111
Idem, ibidem, p.93.
112
Idem, ibidem, p.94.
89
pode, conforme Paulo Freire, desvincular-se da “gentude”, da ética, do respeitar e ser
respeitado. Os conteúdos precisam estar vinculados a esta prática pedagógica baseada na
ética, formando um todo indissociável. “A boniteza da prática docente se compõe do
anseio vivo de competência do docente e dos discentes e de seu sonho ético”
113
. A prática
docente tem que ser vivida com intensidade, concretamente, para não se tornar discurso
apenas. E isto exige comprometimento, que significa dizer o que se faz e fazer o que se diz,
efetivamente. Significa não fugir às possíveis críticas dos educandos, não necessariamente
ditas, mas observadas na maneira como cada qual reage, questiona ou silencia. E estas
ações são o reflexo do que o educando pensa sobre o educador.
A educação é sempre uma intervenção no mundo e não pode sucumbir aos interesses
das ideologias dominantes em detrimento da defesa dos interesses e das necessidades
humanas como a fome, o desemprego e a moradia, dentre outros. Ensinar, pois, exige
posicionamento, escolha: não é possível ensinar sem comprometer-se com a prática. Paulo
Freire afirma:
Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o
autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a
ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra
qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos
ou das classes sociais. Sou professor conta a ordem capitalista vigente que
inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança
que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome
e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza da minha própria prática, boniteza
que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber,
se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo,
descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser
de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. Boniteza que se esvai de minha
prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de
me admirar
114
.
O posicionamento, a escolha, dizem também da autoridade do educador, no sentido
de que a forma como o educador vai exercer sua autoridade passa pela ideologia deste
113
Idem, ibidem, p.95.
114
Idem,ibidem, p.102-103.
90
educador. Por outro lado, esta autoridade precisa ser exercida sem autoritarismo, mas
também sem excessiva liberdade. A liberdade também tem limites, pois “quanto mais
criticamente a liberdade assume o limite necessário tanto mais autoridade tem ela,
eticamente falando, para continuar lutando em seu nome”
115
. Esta liberdade com
autoridade, acredita Freire, precisa ser exercida na família, na escola, em ambientes de
trabalho, em qualquer espaço de convivência, pois ela será a responsável pela constituição
e pelo fortalecimento da autonomia de cada indivíduo. O educador jamais deve ter medo
de apostar na liberdade.
O educador consciente do que exige seu ensinar sabe que a educação é, para Paulo
Freire, um “ato de intervenção no mundo”, no sentido de lutar por mudanças sociais em
todos os campos. Este ato de intervenção necessariamente precisa ser conduzido com
coerência, com respeito aos educandos. Sendo um ato de intervenção que por si
impossibilita a neutralidade, a educação se faz sempre política. Conforme Paulo Freire, a
educação se faz política porque somos seres inacabados, conscientes disto o que nos faz
históricos e temos, então, a possibilidade de tomar decisões e nos posicionarmos, de
sermos éticos ou não. Para que não fosse política, a educação teria que ser neutra, o que é
impossível, ainda mais em um país de tamanhas desigualdades e divergências. Todavia,
não é por isso que ela não pode ser neutra, mas porque em qualquer circunstância ela
estará sempre respondendo a interesses. Então, conclui Paulo Freire,
O que devo pretender não é a neutralidade da educação mas o respeito, a toda a
prova, aos educandos, aos educadores e às educadoras. O respeito aos educadores
e educadoras por parte da administração pública ou privada das escolas; o respeito
aos educandos assumido e praticado pelos educadores não importa de que escola,
particular ou pública. É por isto que devo lutar sem cansaço. Lutar pelo direito de
ser respeitado e pelo dever que tenho de reagir a que me destratem. Lutar pelo
direito que você, que me lê, professora ou aluna, tem de ser você mesma e nunca,
jamais, lutar por essa coisa impossível, acinzentada e insossa que é a neutralidade
116
.
É dever do educador democrático, coerente, crítico e esperançoso lutar por uma
115
Idem, ibidem, p.105.
116
Idem, ibidem, p.111-112.
91
educação na qual seja possível promover mudança, sabendo que é um trabalho árduo e do
qual aparecem poucos resultados, mas que deixa raízes profundas e atesta a possibilidade
de um mundo mais justo. Paulo Freire reafirma que
É por isso, repito, que ensinar não é transferir conteúdo a ninguém, assim como
aprender não é memorizar o perfil do conteúdo transferido no discurso vertical do
professor. Ensinar e aprender têm a ver com o esforço metodicamente crítico do
professor de desvelar a compreensão de algo e com o empenho igualmente crítico
do aluno de ir entrando como sujeito em aprendizagem, no processo de
desvelamento que o professor ou professora deve deflagrar. Isso não tem nada que
ver com a transferência de conteúdo e fala da dificuldade mas, ao mesmo tempo,
da boniteza da docência e discência
117
.
Ao educador que quer ensinar cabe defender uma ideologia a favor da vida, que não a
ideologia dominante que visa o lucro acima de tudo, que destitui de humanidade o ser
humano, que usa a ciência e a tecnologia para somar para poucos e não para o bem
comum. Isto é, um educador precisa ser rebelde contra tudo o que desumaniza. “A grande
força sobre que alicerçar-se a nova rebeldia é a ética universal do ser humano e não a do
mercado, insensível a todo reclamo das gentes e apenas aberta à gulodice do lucro. É a
ética da solidariedade humana”
118
.
A luta contra uma ideologia que desumaniza terá efeito se o educador estiver
disposto ao diálogo, consciente de suas convicções e aberto a novos saberes. O educador
testemunha a abertura do educando, sua curiosidade, suas descobertas, a construção de sua
autonomia. Pressupõe conhecer a realidade do educando para poder, partilhando dela,
dialogar sobre o que tem significado para este sujeito. Este compartilhamento com a
realidade do educando diz respeito à ideologia do educador e de sua vontade de lutar por
um outro mundo, sem exploração. O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura
com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade,
como inconclusão em permanente movimento na História”
119
.
117
Idem, ibidem, p.118-119.
118
Idem, ibidem, p.129.
119
Idem, ibidem, p.136.
92
Somente escutar e dialogar não basta: é preciso amorosidade, é preciso querer bem ao
educando e à própria prática educativa não permitindo, no entanto, que esta amorosidade
interfira no compromisso de ensinar. Freire refere-se à alegria de ensinar, que está ligada à
rigorosidade metódica da docência, ao conhecimento mesmo do educador progressista e
consciente, pois quanto melhor o educador ensina mais alegria terá ao ensinar, sem
descuidar de sua ideologia e da dignidade da tarefa docente.
Ensinar é uma especificidade humana, portanto,
... nada que diga respeito ao ser humano, à possibilidade de sua inteligência sendo
produzida e desafiada, os obstáculos a seu crescimento, o que possa fazer em
favor da boniteza do mundo como de seu enfeamento, a dominação a que esteja
sujeito, a liberdade por que deve lutar, nada que diga respeito aos homens e às
mulheres pode passar despercebido pelo educador progressista
120
.
Tais coisas não podem passar despercebidas porque o educador lida com gente.
Gente que cria e transforma e que pode ter na Arte um dos pilares da educação popular,
uma vez que esta traz consigo a amorosidade, a liberdade e a crítica, pois não é possível a
criação sem o pensar genuíno, sem fazer escolhas, sem incorporar na própria criação o ser
sujeito. É preciso pesquisa, é preciso conhecimento. A amorosidade diz da fruição, de ser
possível apreciar e embevecer-se com a estética, com a beleza, e reconhecer na Arte uma
necessidade mesma do sujeito, de ser ela parte integrante da boniteza da vida. A liberdade
diz do buscar na manifestação artística mais do que fruição e conhecimento: também uma
via de expressão que, para além da capacidade criadora de cada sujeito, possa ser também
uma via de denúncia, de protesto e de compreensão do mundo. E que destas vias resulte a
crítica, mas uma crítica construtiva, capaz de alimentar o ser sujeito e sua capacidade de
integrar-se, de ser no mundo, na busca também por uma arte popular e de acesso irrestrito.
Educar em Arte provoca no educador esta alegria mesma do ensinar. É um “ato
amoroso’: ‘ato’ como ação, prática, libertação, e ‘amoroso’ como bem-querer, confiança e
reciprocidade”
121
. Educar em Arte é também trazer a arte para perto do povo, esta arte que
é um bem universal, mas elitizado e distante do cotidiano. É buscar no meio do povo a arte
120
Idem, ibidem, p.143-144.
121
BOFF, Clodovis. Prefácio, In: FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Que Fazer Teoria e Prática em
Educação Popular. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2005, p.04.
93
que vem do próprio povo, para entendê-la como um bem cultural e procurar na educação
popular subsídios para que todos possam ter acesso a ela.
Paulo Freire faz da educação um momento artístico, uma experiência estética. Se a
educação é um exercício estético, podemos pensar que a Arte, em suas diversas
manifestações, desperta nos educandos novas possibilidades de ver/estar no mundo, pois
possibilita o desenvolvimento da apreciação estética deste mundo a partir do conhecimento
dos elementos estéticos/visuais próprios da Arte, e faz com que o educando torne-se mais
capaz de exprimir sentimentos e emoções, com habilidade de sensibilizar-se e estabelecer
interações através de diferentes linguagens. Então, para Paulo Freire,
Outro ponto que faz da educação um momento artístico é exatamente quando ela
é, também, um ato de conhecimento. Conhecer, para mim, é algo de belo! Na
medida em que conhecer é desvendar um objeto, o desvendamento dá “vida” ao
objeto, chama-o para a “vida”, e até mesmo lhe confere uma nova “vida”. Isto é
uma tarefa artística, porque nosso conhecimento tem qualidade de dar vida,
criando e animando os objetos enquanto estudamos
122
.
122
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e Ousadia O cotidiano do professor. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2003, p.145.
94
4. ARTE-EDUCAÇÃO BRASILEIRA
No capítulo anterior fez-se uma reflexão sobre educação popular no Brasil,
especificamente a partir de Paulo Freire. Neste capítulo pretende-se traçar um breve
panorama da Arte/Educação no Brasil, especialmente através dos textos da teórica em Arte
Ana Mae Barbosa. Conforme a autora, os subsídios teóricos sobre a história da
Arte/Educação no Brasil sobre a qual versa o primeiro subcapítulo são praticamente
inexistentes, a não ser por informações esparsas em textos referentes à educação como um
todo.
O subcapítulo seguinte enfoca a Proposta Triangular criada por Ana Mae Barbosa – a
qual foi escolhida como proposta para o ensino/aprendizagem da Arte, na escola referida
na experiência empírica. Essa proposta busca integrar, na Arte/Educação, a história da
Arte, a leitura da imagem e o fazer artístico. Ainda, faz referência à Educação do Sensível,
pois acredita-se não ser possível compreender a Arte sem que os sentimentos estejam ali
colocados.
O terceiro subcapítulo, por sua vez, versa sobre as dimensões da Arte, sua
importância e a necessidade que se tem dela. Trata também da tarefa do educador em Arte
e do Ensino da Arte no Brasil atualmente, buscando uma abordagem popular, a partir da
experiência empírica relatada nesta dissertação.
4.1 Arte/Educação no Brasil
A ausência de fontes de informação sobre a história do ensino da Arte no Brasil
impede um estudo minucioso. Conforme Ana Mae Barbosa, “as referências que se
encontram sobre Arte na escola e seu ensino são pouco freqüentes, esparsas e
excessivamente gerais”
123
. Este quadro modificou-se a partir da década de 1990, mas
ainda, nas reflexões sobre educação, a Arte/Educação é pouco valorizada, sendo vítima de
123
BARBOSA, Ana Mãe. Arte Educação no Brasil. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002, p.13.
95
preconceitos freqüentes com diminuição de seu valor enquanto ciência. Ana Mae Barbosa
pesquisou durante longo tempo sobre a evolução e o histórico do ensino da Arte nas
escolas do Brasil, encontrando raros registros e referências não específicas. Sendo assim,
neste subcapítulo tem-se a intenção de explanar, de forma resumida, especialmente a
pesquisa histórica de Ana Mae Barbosa para situar a Arte/Educação no Brasil desde os
tempos coloniais. Outros autores serão utilizados como suporte e Brent Wilson, teórico da
Arte e grande amigo de Ana Mae Barbosa, que auxilia ao apontar que
... embora a arte-educação seja apenas uma pequena parte do mundo da arte e
aos olhos de muitos, uma parte insignificante ela é, apesar disso, formada e
modelada pelo mundo da arte, e reflete suas crenças. A arte-educação tem muitos
valores em comum com o mundo da arte, os professores de arte reproduzem as
mesmas concepções de realidade que são encontradas também no mundo da arte.
Neste século, a arte-educação esteve baseada em crenças modernistas sobre a
natureza da arte, o papel da arte na sociedade, o caráter da criatividade artística, e
observações pertinentes à originalidade artística. Mas agora o clima do mundo da
arte mudou. Deixamos o período moderno e entramos no período ao qual
chamamos, por falta de melhor designação, período pós-moderno
124
.
Ana Mae Barbosa indica a Academia Imperial de Belas Artes como o princípio da
educação artística brasileira. Criada em 1816, só começou a funcionar em 1826. No
entanto, o advento da república trouxe importância ímpar para as Faculdades de Direito, e
“foi reiterado o preconceito contra o ensino da arte” que “estivera a serviço do adorno do
Reinado e do Império”
125
. Para Miriam Celeste Martins “o ponto forte dessa escola era o
desenho, com a valorização da cópia fiel e a utilização de modelos europeus”
126
.
Darcy Ribeiro em O Povo Brasileiro reintera o que diz Ana Mae Barbosa no
sentido de que a Arte estava exercendo um papel decorativo, no qual alguns artistas
124
WILSON, Brent. Mudando Conceitos da Criação Artística: 500 anos de Arte-Educação para crianças,
p.51.In: BARBOSA, Ana Mae; SALES, Heloísa M. (Org) O Ensino da Arte e sua História. São Paulo:
MAC/USP, 1990.
125
BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação no Brasil. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002, p.16.
126
MARTINS, Mirian C; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Terezinha Tellles. Didática do Ensino da arte: a
língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998, p.10.
96
produziam a partir dos movimentos da Arte Européia Clássica − ao afirmar que:
No plano ideológico ou seja, o relativo às formas de comunicação, ao saber, às
crenças, à criação artística e à auto-imagem ética -, a cultura das comunidades
neobrasileiras se plasma sobre os seguintes elementos[...]:- artistas que exercem
suas atividades obedientes aos gêneros e estilos europeus, principalmente o
barroco, dentro de cujos cânones a nova sociedade começa a expressar-se onde e
quando exibe algum talento
127
.
O advento da Missão Francesa só veio acentuar a distância entre a Arte e o povo, pois
os representantes europeus eram extremamente clássicos e não admitiram a Arte nacional,
encontrada aqui. Afirmavam ser “uma arte distinta dos originários modelos portugueses e
obra de artistas humildes. Enfim, uma arte de traços originais que podemos designar como
barroco brasileiro”
128
. O afastamento da Arte da camada popular legou um preconceito
que perdura até os dias atuais, qual seja, de que a Arte é supérflua, um acessório cultural e
museológico, e que está destinada às camadas mais elevadas da sociedade. Soma-se aqui o
modelo educacional da época baseado na educação jesuítica, a qual valorizava sobremodo
a literatura e “demonstrava acentuado preconceito contra as atividades manuais, com as
quais as Artes Plásticas se identificavam pela natureza de seus instrumentos”
129
. As
atividades manuais, para a sociedade, eram próprias de índios e negros. Então, muitos
artistas foram “importados” para compor a Academia Imperial de Belas Artes. Ana Mae
Barbosa alerta para o fato de que
... ao chegarem, os artistas franceses instituíram uma Escola neoclássica de linhas
retas e puras, contrastando com a abundância de movimentos do nosso barroco;
instalou-se um preconceito de classe baseado na categorização estética. Barroco
era coisa do povo; as elites aliaram-se ao neoclássico, que passou a ser símbolo de
distinção social
130
.
127
RIBEIRO, Darcy. O povo Brasileiro, São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.75-76.
128
BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação no Brasil. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002, p.18.
129
Idem, ibidem,.p.21.
130
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998, p.31.
97
Foi a partir da reforma do Marquês de Pombal no final século XVIII, que uma
abertura, ainda que pequena, se fez sentir no Ensino da Arte, resumindo-se ao desenho
geométrico e desenho da figura humana. Algumas academias adotaram estas cadeiras e em
algumas localidades tornou-se obrigatório às pessoas, “conhecidamente curiosas”, o estudo
da Geometria “com a pena de sentar praça de soldado pago para os que não cumprissem
esta determinação”
131
. O resultado de tais medidas no que tange ao ensino do desenho foi
o “desenvolvimento das profissões técnicas e científicas”
132
, não havendo qualquer
mudança significativa no que diz respeito às Artes propriamente ditas. “Restou à Arte
apenas o caminho estreito e pouco reconhecido de se firmar como símbolo de distinção e
refinamento”
133
, o que foi reiterado por Dom João VI ao introduzir no Brasil “as Artes na
educação dos príncipes”
134
. Com esta atitude apenas reafirmava-se o preconceito contra a
Arte, e Barbosa condensa este pensamento ao comentar que:
Uma vez que a arte como criação, embora atividade manual, chegou a ser
moderadamente aceita pela sociedade como um símbolo de refinamento, quando
praticada pelas classes abastadas para preencher as horas de lazer, acreditamos
que, na realidade, o preconceito contra a atividade manual teve uma raiz mais
profunda, isto é, o preconceito contra o trabalho, gerado pelo hábito português de
viver de escravos. Daí o fato de o preconceito contra a Arte ter-se concentrado na
Arte aplicada à indústria, na Arte como trabalho, durante as sete primeiras
décadas do século XIX, quando um quarto da população do país era composta de
escravos
135
.
Esse quadro de inutilidade e desrespeito em relação à Arte só começou a modificar-se
no início do século XX, após a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República e
quando a Arte fez-se necessária para a industrialização do país. Maria F. de Rezende Fusari
comenta que
... no final do século XIX, o desenho ocupa um espaço equivalente ao do mundo
131
BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação no Brasil. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002, p.24.
132
Idem, ibidem, p.25.
133
Idem, ibidem, p.26.
134
Idem, ibidem, p.26.
135
Idem, ibidem, p.27.
98
em industrialização, o que fica bem evidente no parecer feito por Rui Barbosa
sobre o ensino primário, em 1883, onde relaciona o desenho com o progresso
industrial. Aqui também o ensino do desenho adquire um sentimento utilitário,
direcionado ao preparo técnico de indivíduos para o trabalho, tanto de fábricas
quanto de serviços artesanais. Na prática, o ensino do desenho nas escolas
primárias e secundárias apresenta-se ainda com uma concepção neoclássica ao
enfatizar principalmente a linha, o contorno, o traçado, e a configuração
136
.
A Escola Nacional de Belas-Artes que norteou o ensino primário e secundário no
início do século XX ainda estava atrelada ao sistema educacional vigente no final do
século XIX. Esta situação começou a modificar-se com o advento do modernismo,
especialmente após a “chegada ao Brasil do pintor expressionista Lasar Segall, em 1913;
do artigo de Oswald de Andrade ‘Em prol de uma Arte Nacional’, publicado em 1917; e à
exposição da artista brasileira Anita Malfatti, também em 1917”
137
, mas ainda assim não
houve mudança significativa no ensino da Arte nos níveis primário, secundário e superior.
Ana Mae Barbosa explicita que:
A preocupação central a respeito do ensino da Arte, nos inícios do século XX, era
a sua implantação nas escolas primárias e secundárias e mesmo a sua
obrigatoriedade: não os argumentos reivindicatórios de um lugar para a Arte
nos currículos primários e secundários como também os modelos de implantação
estavam baseados principalmente nas idéias de Rui Barbosa, expressas em 1882 e
1883 nos seus projetos de reforma do ensino primário e do secundário, e no
ideário positivista extensamente divulgado no país, principalmente a partir da
segunda metade do século XIX. É com freqüência, portanto, que teremos que nos
referir ao século XIX, para tentar aclamar os princípios e praticas que regeram o
ensino da Arte na escola primária e secundária durante as primeiras etapas
cronológicas do século XX, quando vivemos um prolongamento ideológico do
século XIX. As idéias que levaram à República continuaram ativas no sentido de
assegurá-la, institucionalizá-la. É preciso esclarecer, antes de tudo, que o ensino
da Arte na escola secundária e primária se resumia ao ensino do Desenho
138
.
136
FUSARI, Maria F. de Rezende e; FERRAZ, Maria H. C. de Toledo. Arte na educação escolar. São Paulo:
Cortez, 1992, p. 24. (Coleção magistério 2° grau. Série formação geral).
137
BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação no Brasil. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002, p.32.
138
Idem, ibidem, p.33.
99
O ensino da Arte enquanto desenho linear, geométrico e figurado – que advinha do
século XIX continuou no início do século XX, especialmente porque foi considerado mais
uma forma de escrita do que de Arte propriamente dita. Foi uma forma de vencer barreiras
contra o ensino da Arte. Conforme Ana Mae Barbosa, a aplicação da Arte à indústria
trouxe novas possibilidades, inclusive referentes à profissionalização da mulher.
Esta identificação do Desenho com a escrita que ultrapassou as barreiras do
Modernismo, foi argumento não para tentar vencer o preconceito contra a Arte
como também argumento para demonstrar que a capacidade para desenhar era
natural aos homens ou, pelo menos, acessível a todos e não um dom ou vocação
excepcional
139
.
O ensino do desenho “redimiu” a economia, uma vez que capacitou
profissionalmente os cidadãos no que tange à indústria. Rui Barbosa, já citado
anteriormente, influenciou grandemente a educação brasileira do início do século XX. A
Arte/Educação ocupava um espaço bastante significativo no projeto de Rui Barbosa, pois
“para ele, a educação artística seria uma das bases mais sólidas para a educação popular”
140
. No entanto, esta educação artística está sempre relacionada ao desenho.
Rui Barbosa, por sua vez, foi influenciado pela proposta educacional americana de
Walter Smith, um americano que implantara a educação artística nas escolas de seu país e
vinha tendo bons resultados. Inclusive, para Ana Mae Barbosa, “Walter Smith foi o eixo
em torno do qual começaram a se formar as idéias de Rui sobre o ensino do Desenho,
literalmente aceitas no Parecer sobre Ensino Secundário e apresentadas como modelo a ser
seguido pelo Brasil”
141
. Tais idéias, publicadas no Parecer do Ensino Secundário
142
,
nortearam a educação artística brasileira por várias décadas, especialmente com a
139
Idem, ibidem, p.36.
140
Iden, ibidem, p.45.
141
Idem, ibidem, p.52.
142
Este parecer de Rui Barbosa foi apresentado em 13 de abril de 1882, e segundo AnaMae Barbosa, foi usado
nas escolas primárias brasileiras na primeira metade do século XX. Lembra-se que o referido parecer foi
elaborado a partir das idéias de Walter Smith, e grande parte do mesmo usa citações do próprio Smith, mesmo
que Rui Barbosa não as tenha indicado como citação. Ana Mae Barbosa comenta que o parecer foi a primeira
tentativa de educação de massa, tendo como intenção educar a massa para o trabalho industrial.
100
publicação do Primeiro Manual de Desenho Geométrico para as Escolas Primárias
143
,
escrito por Abílio Cézar Pereira Borges, que foi reeditado 41 vezes, um feito para um livro
didático. Outro parecer de Rui Barbosa, o do Ensino Primário, baseou-se em outras fontes
além de Smith, e “argumentava fortemente a favor da aprendizagem intuitiva através dos
sentidos, destacando a importância do Desenho para um ensino desta natureza”
144
. Ana
Mae Barbosa escreve que:
A educação popular para o trabalho era a finalidade precípua, e as recomendações
metodológicas se dirigiam à necessidade de desenvolver conhecimentos técnicos
de desenho acessíveis a todos os indivíduos, para que estes, liberados de sua
ignorância, fossem capazes de invenção própria. Educar o ‘instinto da execução
para que este não fosse empecilho à objetivação da invenção era o principio
básico que repercutiu profundamente na metodologia da Arte do século XX
145
.
Na mesma linha de pensamento João Francisco Duarte Júnior posiciona-se no que diz
respeito ao ensino da Arte ao apontar que:
O verdadeiro ensino da arte foi reservado às horas de ócio das classes superiores,
dando-se apenas nos “conservatórios” e “academias” particulares. Na escola
oficial a arte sempre entrou pela porta dos fundos e, ainda assim, de maneira
disfarçada. Teve ela de se disfarçar tanto que se tornou descaracterizada e deixou
de ser arte. Virou tudo: desenho geométrico, artes manuais, artes industriais, artes
domésticas, fanfarras, etc. Tudo, menos arte
146
.
Ao liberalismo de Rui Barbosa contrapôs-se o positivismo de Benjamim Constant,
responsável pela “primeira reforma educacional republicana denominada Reforma
143
Sobre o livro de Desenho de Abílio Cézar Pereira Borges, Ana Mae Barbosa comenta ainda que o mesmo
utiliza os princípios metodológicos de Smith, inclusive no que diz respeito aos professores, pois argumenta que
não seria necessário um artista para ensinar desenho, sendo que os professores regulares poderiam dar conta
disso.
144
BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação no Brasil. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002, p.56.
145
Idem, ibidem, p. 60.
146
DUARTE Jr. João Francisco. Por que Arte-Educação? 17.ed. Campinas: Papirus, 2006 p. 80. (Col. Ágere).
101
Benjamim Constant, aprovada em 22.11.1890 pelo Decreto-Lei n. 1075, e que atingiu
todas as instituições de ensino”
147
. No entanto, Benjamim Constant não deu ao ensino da
Arte a importância devida. Os positivistas buscavam um ensino da Arte mais realista.
Houve uma tentativa de unir ambas as propostas, o que resultou no “Código Epitácio
Pessoa, que vigorou de 1901 a 1910 e deu especial atenção ao ensino secundário”
148
. As
diretrizes do plano eram comuns à liberais e positivistas, porém cada qual interpretava
como lhe convinha.
Em 1911 a Lei Rivadávia Corrêa descentralizou o ensino determinando “a autonomia
didática e administrativa, fazendo cessar na Educação a intervenção do governo”
149
. Esta
autonomia didática acabou por aumentar o abismo entre as correntes liberal e positivista.
Foi esta lei, diz Ana Mae Barbosa, que instituiu o exame de admissão para a escola
secundária que vigorou até 1971, e os exames de vestibular, existentes até a atualidade.
Conforme a lei, “o Desenho deveria constar no currículo das quatro primeiras séries das
seis que compunham o curso secundário. Havia provas gráficas de Desenho para promoção
e exame final”
150
.
em 1915 a Reforma Carlos Maximiliano que vigorou até 1925 devolveu ao
governo a responsabilidade de fiscalizar a educação no intuito de, segundo Ana Mae
Barbosa, moralizar o ensino. Para o Ensino da Arte tal lei foi desestimulante, pois, ao tirar
a nota dos exames de Desenho, fez com que as aulas de Desenho fossem menosprezadas e
o professor de Desenho ficou a tal ponto em plano inferior, que, em muitos
estabelecimentos de ensino oficial, era excluído da congregação”
151
. Somente nos últimos
anos do ensino secundário era ensinada a Geometria, por ser exigência de prova de
vestibular. Por fim, o desenho estava sendo ensinado nas escolas primária e secundária
baseado essencialmente no estudo da Geometria.
Em São Paulo uma corrente demonstrava uma preocupação educativa com o ensino
do Desenho. Esta preocupação germinava especialmente em virtude da influência de
escolas criadas por imigrantes norte-americanos. Após um curso administrado por um
professor italiano que resultou na publicação de trabalhos referentes ao desenvolvimento
147
BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação no Brasil. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 66.
148
Idem, ibidem, p.77.
149
Idem, ibidem, p.86.
150
Idem,ibidem, p.87.
151
Idem,ibidem, p.92.
102
da criança através das relações que estabelecia com o desenho, destacou-se o trabalho de
Adalgiso Pereira, que procurou “averiguar de que modo se inicia, e como se desenvolve na
mente da criança, a representação figurada das coisas comuns que a circundam”
152
. A
pesquisa levou em conta, esclarece Ana Mae Barbosa, a memória visual, a memória
cinética e os centros grafo-motores da criança. Acredita-se que tal pesquisa era um
indício do que hoje é denominada leitura da imagem. Nela, o autor “demonstra ainda a
importância pedagógica do Desenho, porque ele representa um meio de o professor
descobrir as lacunas de cultura da criança que, de outra maneira, não descobriria”
153
.
A Semana de Arte Moderna trouxe a valorização do desenho da criança como
produto estético. Para Barbosa,
... entre os modernistas brasileiros Anita Malfatti e Mário de Andrade iriam
desempenhar atividades de grande importância para a valoração estética da arte
infantil e para a introdução de novos métodos de ensino de Arte baseados no
deixar fazer que explorava e valorizava o expressionismo e espontaneísmo da
criança
154
.
Foi Anita Malfatti, principal pintora representante da Semana de Arte Moderna de
1922, quem começou a inovar os métodos de ensino da arte “transformando a função do
professor em espectador da obra de arte da criança, e ao qual competia, antes de tudo,
preservar sua ingênua e autêntica expressão”
155
. Era o princípio da livre-expressão,
movimento que impedia o educador de interferir na criação da criança, deixando-a livre
para expressar-se.
A livre-expressão, entretanto, somente chegou à escola pública durante os anos 30,
“quando outra crise político-social, a mudança da oligarquia para a democracia, exigiu
reformas educacionais”
156
. Foi neste período que o movimento da Escola Nova
157
152
Idem, ibidem, p.103.
153
Idem, ibidem, p.108.
154
Idem, ibidem, p.112.
155
Idem,ibidem, p.114.
156
Barbosa, Ana Mae. Arte-educação: conflitos/acertos.o Paulo: Max Limonad, 1984, p.14.
157
A década de 1920, na área da educação, foi um período de grandes iniciativas. Foi a década das reformas
educacionais. Não havia ainda um sistema organizado de educação pública, como é hoje a rede de ensino
controlada pelo Ministério da Educação e do Desporto. Abriu-se assim um grande espaço para propostas em
103
explodiu no país, “numa tentativa de transformar o deficiente sistema de educação.
Fortemente influenciados por Dewey, Claparéde e Decroly os líderes do movimento
afirmavam a importância da arte na educação para o desenvolvimento da imaginação,
intuição e inteligência da criança”
158
. Estava a livre-expressão sendo implantada nas
escolas primárias quando o Estado Novo
159
do presidente Getúlio Vargas começou a
reprimir a educação, que ficou estagnada até a queda de Vargas, quando a campanha pela
recuperação de alguns princípios da Escola Nova trouxe de volta ao poder os líderes
daquele movimento”
160
. Foi então que o artista Augusto Rodrigues criou a Escolinha de
Artes do Brasil, em 1948, que estimulou artistas e educadores envolvidos na revitalização
da educação. Ana Mae Barbosa comenta que a escolinha, “além de continuar com suas
classes para crianças, adolescentes e adultos, tornou-se um centro para treinamento de
professores de arte, estimulando também a criação de outras escolinhas em diversos
estados”
161
.
Em 1958 foram criadas classes experimentais na escola primária e secundária, tendo
as Escolinhas papel importante, inclusive no treinamento de arte-educadores. Com a nova
LDB 5692/71 a educação artística entra para o currículo, mas como atividade. Por este
motivo, comenta Barbosa, o currículo é baseado principalmente na prática em atelier.
Maria F. de Rezende Fusari tece comentário sobre o assunto, diz que:
... no início dos anos 70, concomitante ao enraizamento da pedagogia tecnicista no
Brasil, é assinada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 5692/71,
que introduz a Educação Artística no currículo escolar de 1° e 2° graus. Os
professores de Desenho, Música, Trabalhos Manuais, Canto coral e Artes
Aplicadas, que vinham atuando segundo os conhecimentos específicos de suas
linguagens, viram esses saberes repentinamente transformados em ‘mera
atividades artísticas’. Desde sua implantação observa-se que a Educação Artística
prol da educação. Um dos movimentos mais importantes da época ficou conhecido com o nome de Escola
Nova. Defendia de uma escola pública, universal e gratuita. A educação deveria ser proporcionada a todos, e
todos deveriam receber o mesmo tipo de educação. Disponível em:
<www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos20/ev>. Acesso em: janeiro de 2007.
158
BABOSA, Ana Mae. Arte-educação: conflitos/acertos. São Paulo: Copirraite,1984, p 14.
159
O período autoritário que ficou conhecido como Estado Novo teve início no dia 10 de novembro de 1937
com um golpe liderado pelo próprio presidente Getúlio Vargas que eliminou as resistências existentes nos
meios civis e militares e formar um núcleo coeso em torno da idéia da continuidade de Vargas no poder.
<.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos30-37/ev_golpe_estado.htm>. Acesso em: janeiro de 2007.
160
BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação: conflitos/acertos. São Paulo, Max Limonad, 1984, p.14.
161
Idem, ibidem, p.15.
104
é tratada de modo indefinido
162
.
João Francisco Duarte Jr. Manifesta-se negativamente sobre a Lei 5692/71. Pode-se
perceber isso pela consideração que ele faz a respeito:
Em 1971 promulgou-se a (tristemente) famosa Lei 5692/71, que, verticalmente,
pretendia-se “modernizar” o nosso ensino. O seu objetivo último sempre foi – não
se pode negar a eliminação de qualquer criticidade e criatividade no seio da
escola, como a concomitante produção de pessoal técnico para as grandes
empresas. As grandes empresas que, com as benesses oficiais, vinham de todo
canto do mundo para aqui se instalarem (um paraíso para elas, já que não havia
greves, sindicatos, reivindicações, etc.). Havia que se preparar, desde os níveis
mais elementares, um pessoal que, não tendo uma visão totalizante e crítica da
cultura em que estavam, trabalhassem sem causar grandes problemas. Foi criado,
então, sem qualquer infra-estrutura, o ensino profissionalizante
163
.
Somente em 1973 surgiram os primeiros cursos universitários para arte-educadores,
sendo geralmente cursos de curta duração, bastante técnicos e sem embasamento teórico. A
formação dos arte-educadores deixou muito a desejar, e a bibliografia existente era
mínima. O currículo mantinha-se tal como no início do século XX. Os PCN Parâmetros
Curriculares Nacionais – de Arte abordam tal assunto ao constatar que:
Pode-se dizer que nos anos 70, do ponto de vista da arte, em seu ensino e
aprendizagem foram mantidas as decisões curriculares oriundas do ideário do
início e meados do século 20 (marcadamente tradicional e escolanovista), com
ênfase, respectivamente, na aprendizagem reprodutiva e no fazer expressivo dos
alunos. Os professores passam a atuar em todas as áreas artísticas,
independentemente de sua formação e habilitação. Conhecer mais profundamente
cada uma das modalidades artísticas, as articulações entre elas e conhecer os
artistas, objetos artísticos e suas histórias não faziam parte de decisões
162
FUSARI, Maria F. de Rezende e; FERRAZ, Maria H. C. de Toledo. Arte na educação escolar. São Paulo:
Cortez, 1992, p. 37. (Coleção magistério 2° grau. Série formação geral).
163
DUARTE Jr. João Francisco. Por que Arte-Educação? 17.ed. Campinas: Papirus, 2006 p. 80. (Col.
Ágere).
105
curriculares que regiam a prática educativa em Arte nessa época
164
.
Em 1986 o Conselho Federal de Educação retirou a Educação Artística da área de
comunicação e expressão, e esta deixou de ser básica apesar de exigida. Ana Mae Barbosa,
ao discorrer sobre o assunto, manifesta-se indignada e questiona o que seria Arte para os
indivíduos que promulgaram tal lei, pois
A roupa que vestem é produto do desenho, o tecido de suas roupas é produto das
artes na indústria têxtil, a cadeira em que sentam alguém desenhou, em geral
algum estrangeiro, mesmo que ela tenha sido produzida no Brasil, porque temos
pouca gente que foi educada para ser competente em desenho. E a culpa é dos
fazedores de currículo
165
.
Um movimento de Arte/Educação surgiu nesta mesma década, 1980, especialmente a
partir da Semana de Arte e Ensino na Universidade de São Paulo, que ampliou a
necessidade de organização dos arte-educadores enquanto profissionais, buscando junto
aos políticos e entidades governamentais as mudanças necessárias para o ensino da Arte.
O movimento Arte-Educação permitiu que se ampliassem as discussões sobre a
valorização e o aprimoramento do professor, que reconhecia o seu isolamento
dentro da escola e a insuficiência de conhecimentos e competências na área. As
idéias e princípios que fundamentaram a Arte-Educação multiplicaram-se no País
por meio de encontros e eventos promovidos por universidades, associações de
arte-educadores, entidades públicas e particulares, com o intuito de rever e propor
novos andamentos à ação educativa em Arte
166
.
164
BRASIL.Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: arte. 3. ed. Brasília: A Secretaria, 2001, p 29.
165
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva; Porto Alegre: Fundação
Ioschpe, 1991, p.02.
166
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: arte. 3. ed. Brasília: A Secretaria, 2001, p. 30
106
Ana Mae Barbosa comenta que tal movimento eclodiu após a ditadura militar, com o
processo de redemocratização que trouxe a preocupação com a multiculturalidade, baseada
na diferença de classes sociais e em respeito à produção destas.
O revigoramento das idéias de Paulo Freire, que voltou a o Brasil em 1980
com uma recepção popular nunca vista para um educador, assim como o
início do s-modernismo em Arte/Educação, no Festival de Inverno de
Campos do Jordão, em 1983, consolidaram o valor do reconhecimento das
diferenças (...)”
167
.
Em 1988 uma nova LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação - começa a ser
discutida, e em alguns projetos a Arte/Educação seria eliminada das escolas. Somente um
projeto, o do Conselho dos Secretários de Educação, tornava a Arte obrigatória. Em 20 de
dezembro de 1996 a nova LDB – Lei 9.394 é promulgada e torna obrigatória a
Educação Artística em todos os níveis da educação básica segundo o Art. 26 § 2º: “O
ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da
educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. No
entanto, a LDB não explicita que o ensino da Arte seja obrigatório em todas as séries da
educação básica (ensinos fundamental e médio), e no currículo de algumas escolas o
ensino da Arte aparece em uma série apenas, sem contemplar a totalidade das séries,
especialmente no Ensino Médio, quando se resume a uma série. Ana Mae Barbosa
comenta que “no Brasil, como vemos, nem a mera obrigatoriedade nem o reconhecimento
da necessidade são suficientes para garantir a existência da Arte no currículo”
168
.
Percebe-se que as universidades têm se aprimorado em seus cursos de graduação para
arte-educadores, investindo na formação de um profissional capacitado e a arte-educação
vem conquistando espaço nas escolas e universidades. O profissional da área tem se
tornado cada vez mais consciente nas discussões acerca da educação em Arte, buscando
novas metodologias e concepções. No entanto, a Arte/Educação ainda não atingiu um
patamar satisfatório para Ana Mae Barbosa, que comenta:
167
BARBOSA, Ana Mae. Uma introdução à Arte/Educação contemporânea in BARBOSA, Ana Mae (org).
Arte/Educação Contemporânea : consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005.p.15
168
BARBOSA, Ana Mae (Org). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002, p.14.
107
Contudo, não é incluindo arte no currículo que a mágica de favorecer o
crescimento individual e o comportamento de cidadão como construtor de sua
própria nação acontece. Além de reservar um lugar para a arte no currículo [...] é
também necessário se preocupar como a arte é concebida e ensinada. Em minha
experiência, tenho visto as artes visuais sendo ensinadas principalmente como
desenho geométrico, ainda seguindo a tradição positivista, ou a arte nas escolas
sendo utilizada na comemoração de festas, ma produção de presentes
estereotipados para os dias das mães ou dos pais e, na melhor das hipóteses,
apenas como livre expressão. A falta de preparação de pessoas para ensinar artes é
um problema crucial, levando-nos a confundir improvisação com criatividade. A
anemia teórica domina a arte-educação, que está fracassando na sua missão de
favorecer o conhecimento nas e sobre artes visuais, organizado de forma a
relacionar produção artística com apreciação estética e informação histórica. Esta
integração corresponde à experimentação, decodificação e informação. Esta
integração corresponde à epistemologia da arte. O conhecimento das artes tem
lugar na interseção: experimentação, decodificação e informação. Nas artes
visuais, estar apto a produzir uma imagem e ser capaz de ler uma imagem são
duas habilidades inter-relacionadas
169
.
Algumas mudanças significativas vêm acontecendo no ensino da Arte nas duas
últimas décadas, que têm melhorado a qualidade da educação em arte. Há, para Ana Mae
Barbosa, um maior compromisso com a cultura e com a história; uma preocupação com o
fazer, a leitura/interpretação da imagem e a contextualização; uma preocupação com o
desenvolvimento cultural dos educandos, e não só com uma possível sensibilidade; a
criatividade não enquanto fazer, mas como uma totalidade da arte; a necessidade de
alfabetização visual, da leitura da imagem não a partir dos elementos formais da arte,
mas do que mesmo a obra quer dizer; a diversidade cultural para além dos padrões dos
museus; o reconhecimento de que conhecer a imagem é importante profissionalmente
170
.
Ana Mae Barbosa ainda afirma que:
Atualmente, a abordagem mais contemporânea de Arte/Educação, na qual estamos
169
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998, p.15.
170
BARBOSA, Ana Mae (Org). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002, p.14.
108
mergulhados no Brasil, é a associada ao desenvolvimento cognitivo(...) Por meio
dele se afirma a eficiência da Arte para desenvolver formas sutis de pensar,
diferenciar, comparar, generalizar, interpretar, conceber possibilidades, construir,
formular hipóteses e decifrar metáforas
171
.
As tecnologias contemporâneas têm sido aliadas da Arte especialmente na última
década. No entanto, para Ana Mae Barbosa, “temos um longo caminho a percorrer para
fazer as tecnologias contemporâneas trabalharem mais eficientemente em favor da
educação”
172
. Para a autora, se faz necessário desenvolver a consciência da tecnologia e da
Arte para que o educando possa estabelecer uma compreensão das artes tecnologizadas, e
isto para além de um princípio operacional, pois ao que parece a educação tecnológica está
enfatizando o funcionamento da máquina, e não as possibilidades educacionais que esta
pode trazer. Os educandos precisam de uma nova escuta e um novo olhar, afirma Ana Mae
Barbosa, para compreender a Arte que é produzida pelos meios eletrônicos. Faz-se
necessário educar o educando para esta nova possibilidade de Arte, que estimula a
consciência crítica. Conforme Ana Mae Barbosa, “a participação que a máquina propõe é
limitada, enquanto a participação proposta pelo indivíduo não se conforma apenas à gica
da tecnologia, podendo conceitualizar seu uso”
173
. Assim, para a autora,
Com a atenção que a educação vem dando às novas tecnologias na sala de aula,
torna-se necessário não aprender a ensiná-las, inserindo-as na produção cultural
dos alunos, mas também educar par a recepção, o entendimento e a construção de
valores das artes tecnologizadas, formando um público consciente
174
.
Para finalizar, a autora comenta que as instituições culturais têm a responsabilidade
de “abordar os aspectos da tecnocultura, indo além da instrução rotineira, possibilitando a
reavaliação do sentido da criatividade, da percepção, da cognição, da educação”
175
no que
171
BARBOSA, Ana Mae. Uma introdução à Arte/Educação contemporânea in BARBOSA, Ana Mae (org).
Arte/Educação Contemporânea : consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005.p.17.
172
BARBOSA, Ana Mae. Dilemas da Arte/Educação como mediação cultural em namoro com as
tecnologias contemporâneas in BARBOSA, Ana Mae (org). Arte/Educação Contemporânea :
consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005.p.109.
173
Idem, ibidem, p.110.
174
Idem, ibidem, p.111.
175
Idem, ibidem, p.112.
109
se refere àqueles que não tiveram, no ambiente escolar, acesso às novas tecnologias. Para
ela,
A arte criada em ambiente tecnológico precisa ser discutida, tendo em vista as
ideologias e teorias da arte por ela geradas para ser melhor avaliada
humanisticamente. O que se impõe hoje não é somente o entendimento da obra de
arte, mas do campo do sentido da arte que não deixa resíduos permanentes
176
.
4.2 A Proposta Triangular e a Educação do Sensível
O ensino da Arte na escola tem a preocupação constante com a metodologia
utilizada pelos educadores, com o sentido dado a este ensino e com a necessidade de uma
proposta que venha ao encontro do que se acredita ser o conhecimento em Arte, pois,
conforme Ana Mae Barbosa, “sabemos que a arte na escola não tem como objetivo formar
artistas, como a matemática não tem como objetivo formar matemáticos [...]. O que a arte
na escola principalmente pretende é formar o conhecedor, fruidor, decodificador da obra de
arte”
177
.
Ana Mae Barbosa explica o que é conhecer Arte, na sua concepção ao dizer que
“quando falo de conhecer arte falo de um conhecimento que nas artes visuais se organiza
inter-relacionando o fazer artístico, a apreciação da arte e a história da arte. Nenhuma das
três áreas sozinhas corresponde à epistemologia da arte”
178
. De tal preocupação com o
ensino da Arte nas escolas surge a Proposta Triangular. O princípio se deu quando uma
nova proposta de abordagem do ensino da Arte apresentada por Ana Mae Barbosa foi
denominada por educadores de Metodologia Triangular. Ana Mae Barbosa explica que:
Este princípio de leitura como interpretação cultural, com muita influência de
Paulo Freire, foi inicialmente experimentado na organização, cursos e oficinas do
176
Idem, ibidem, p.112.
177
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Pesrspectiva; Porto Alegre: Fundação
Ioschpe, 1991, p.32.
178
Idem, ibidem, p.32.
110
Festival de Inverno de Campos do Jordão em 1983, que podemos considerar a
primeira experiência pós-moderna de ensino da arte no Brasil. Contudo, a
Proposta Triangular, como sistema epistemológico, foi sistematizada e
amplamente divulgada entre os anos de 1987 e 1993, no Museu de Arte
Contemporânea da USP, tendo como meio a leitura de obras originais. De 1989 a
1992 foi experimentada nas escolas da rede municipal de ensino de São Paulo,
tendo como meio de produções de obras de arte e visitas aos originais no museu.
Este projeto foi iniciado no período em que Paulo Freire foi Secretário de
Educação do Município de São Paulo
179
.
A palavra metodologia, no entanto, é delimitadora e, para Ana Mae Barbosa,
metodologia “é a construção de cada professor em sala de aula”
180
. A autora do “método”
deu-se conta rapidamente que tal designação era por demais equivocada, e a metodologia
tornou-se Proposta Triangular. Sobre a denominação inicial, de metodologia, Ana Mae
Barbosa comenta que:
Foi no esforço dialogal entre o discurso s-moderno global e o processo
consciente de diferenciação cultural também pós-moderno que, no ensino da arte,
surgiu a abordagem que ficou conhecida como Metodologia Triangular, uma
designação infeliz, mas uma ação reconstrutora
181
.
A Proposta Triangular foi influenciada por outras três abordagens: as Escuelas al
Aire Libre mexicanas, o Critical Studies inglês e o Movimento de Apreciação Estética
aliado ao DBAE (Discipline Based Art Education) americano”
182
. Ana Mae Barbosa
adaptou tais abordagens para a realidade brasileira, buscando uma proposta que pudesse
dar conta das necessidades de um país no qual o ensino da Arte tem pouca
representatividade e ainda há crianças e adolescentes fora da escola. A autora cita o
momento da alfabetização e da adolescência como os de maior necessidade da Arte para o
ser humano e comenta que “há uma alfabetização cultural sem a qual a letra pouco
significa. A leitura social, cultural e estética do meio-ambiente vai dar sentido ao mundo da
179
Idem, ibidem, p.35.
180
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998, p.33.
181
Idem, ibidem, p.33.
182
Idem, ibidem, p.33-34.
111
leitura verbal”
183
. Para ela,
Sem conhecimento de arte e história não é possível a consciência de identidade
nacional. A escola seria o lugar em que se poderia exercer o princípio democrático
de acesso à informação e formação estética de todas as classes sociais,
propiciando-se na multiculturalidade brasileira uma aproximação de digos
culturais de diferentes grupos
184
.
A Proposta Triangular, como adaptação, não é uma cópia, uma tradução das
abordagens acima citadas. Ana Mae Barbosa comenta que, no Rio Grande do Sul, alguns
educadores se opuseram ferrenhamente à sua proposta por designá-la cópia do DBAE. Mas
ele defende que
a Proposta Triangular se opõe ao DBAE porque este disciplinariza os
componentes de aprendizagem da arte, separando-os em fazer artístico, crítica de
arte, estética e história da arte, revelando inclusive um viés modernista na defesa
implícita de um currículo desenhado por disciplinas. É a contradição intrínseca do
DBAE, um sistema para o ensino da arte de idéias pós-modernas, mas de
construção modernista. Enquanto isto, a Proposta Triangular designa ações como
componentes curriculares: o fazer, a leitura e a contextualização
185
.
A Proposta Triangular consiste na triangulação de três vertentes: o Fazer Artístico, a
Leitura de Imagens e a História da Arte. O fazer artístico é o processo criativo do
educando, “encarado como interpretação e representação pessoal de vivências numa
linguagem plástica”
186
. Nele o educando pode descobrir as possibilidades e limitações de
sua capacidade expressiva, bem como, do uso de materiais e técnicas diversas. Para Ana
Mae Barbosa não se pode restringir o fazer artístico à releitura de obras, nem que haja a
obrigatoriedade de se fazer primeiro a leitura de uma obra e a contextualização histórica.
183
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Pesrspectiva; Porto Alegre: Fundação
Ioschpe, 1991, p.28.
184
Idem, ibidem, p.33.
185
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte, C/ Arte, 1998, p37.
186
PILLAR, Analice; VIEIRA, Denyse. O vídeo e a Metodologia Triangular no Ensino da Arte. Porto
Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Fundação Ioschpe, 1992, p17.
112
No projeto “Nós, Sebastião e a Comunidade” foi oportunizada aos educandos a
experimentação de toda a triangulação, mas o fazer artístico foi o ápice do processo,
especialmente quando do ato de fotografar. Ver o outro, cenas cotidianas, através da lente
fotográfica e mais, apreendidas no papel fotográfico, e saber-se autor de tal imagem fez do
educando um sujeito consciente da sua criação.
O fazer é uma das atividades que estimula a aprendizagem da história da arte e da
leitura de imagens. Por outro lado, a produção associada às imagens pode
colaborar para a construção de formas com maior força expressiva, ao mesmo
tempo em que estimula o pensar sobre a criação visual
187
.
A leitura da imagem propõe que o educando possa ler a imagem a partir de seus
diversos significados, significando-a conforme o contexto que se insere e dando a ela uma
interpretação pessoal, ao mesmo tempo em que busca os elementos visuais próprios da
arte. “A leitura da imagem, nesta proposta de ensino da Arte, quer desenvolver as
habilidades de ver, julgar e interpretar as qualidades das obras, compreendendo os
elementos e as relações estabelecidas no todo do trabalho”
188
. Ana Mae Barbosa ênfase
à leitura quando afirma que “num país onde os políticos ganham eleições através da
televisão, a alfabetização para a leitura é fundamental, e a leitura da imagem artística,
humanizadora”
189
. Fazer a leitura das imagens de Sebastião Salgado ou das reproduções
de Arte Contemporânea possibilitaram aos educandos envolvidos nos projetos citados
maiores subsídios para entender o apelo imagético atual, e mais, para saber selecionar o
que há de positivo e questionar o que não tem qualidade. Para a autora,
Leitura da obra de arte é questionamento, é busca, é descoberta, é o despertar da
capacidade crítica, nunca a redução dos alunos a receptáculos das informações do
professor, por mais inteligentes que elas sejam. A educação cultural que se
pretende com a Proposta Triangular é uma educação crítica do conhecimento
construído pelo próprio aluno, com a mediação do professor, acerca do mundo
187
Idem, ibidem, p.17.
188
PILLAR, Analice; VIEIRA, Denyse. O vídeo e a Metodologia Triangular no Ensino da Arte. Porto
Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Fundação Ioschpe, 1992, p.18.
189
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998, p.35.
113
visual e não uma ‘educação bancária
190
.
A história da Arte tem a intenção de contextualizar a obra no seu tempo, para que o
educando saiba o que acontecia quando o artista produziu sua obra, como era o modo de
vida, que visão da Arte e do artista aquele momento histórico possuía, que relação os
sujeitos da época tinham com a Arte, que materiais o artista utilizava, que influências o
modo de vida teve na obra do artista, pois “apesar de ser um produto da fantasia e da
imaginação, a arte não está separada da economia, da política e dos padrões sociais que
operam na sociedade”
191
. Ana Mae Barbosa afirma que “contextualizar é estabelecer
relações. Neste sentido, a contextualização no processo ensino-aprendizagem é a porta
aberta para a interdisciplinaridade”
192
. Ainda, que “a contextualização pode ser a medição
entre percepção, história, política, identidade, experiência e tecnologia, que transformará a
tecnologia de mero princípio operativo em um modo de participação, tornando visíveis os
mundos participatórios do consumo imediato”
193
. Contextualizar a obra de Sebastião
Salgado e de outros diversos artistas contemporâneos possibilitou aos educandos
envolvidos nos projetos citados uma maior percepção do mundo que os rodeia para além
do cotidiano. As imagens remetem a outros países, culturas, tecnologias, que abrangem um
mundo globalizado, mas ainda assim com particularidades que diferenciam realidades,
incluindo a deles próprios.
Acredita-se que à Proposta Triangular compete a formação mais acadêmica do
educando, mas que somente tal formação não é suficiente. Concomitante a ela, é necessário
educar a sensibilidade do educando, para significar seu cotidiano, que está repleto de
sensações e emoções, e que, seguidamente, são escondidas e mascaradas, pois a sociedade
prima pela razão, desconsiderando estados emocionais inerentes ao ser humano. A própria
Ana Mae Barbosa aborda a Educação do Sensível mais recentemente, e define
sensibilidade como desenvolvimento dos sentidos, dizendo ser esta a única concepção de
sensibilidade que interessa ao ensino da Arte. “Esta definição de sensibilidade como
conjunto de funções que buscam a inteligibilidade, o prazer, a sensualidade é a que
190
Idem, ibidem, p.40.
191
PILLAR, Analice; VIEIRA, Denyse. O vídeo e a Metodologia Triangular no Ensino da Arte. Porto
Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Fundação Ioschpe, 1992, p18.
192
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998, p.39.
193
Idem, ibidem, p.43.
114
responde às condições da pós-modernidade”
194
.
Educar para o Sensível não significa espezinhar os sentimentos, provocando emoções
superficiais como a mídia tem explorado abundantemente. Acredita-se que Educar para o
Sensível tenha relação com a vida, com as experiências cotidianas, com a “capacidade do
ser humano de sentir a si próprio e ao mundo num todo integrado”
195
. É a possibilidade de
agregar razão e sensibilidade, e a Arte “pode consistir num precioso instrumento para a
Educação do Sensível, levando-nos não apenas a descobrir formas até então inusitadas de
sentir e perceber o mundo, como também desenvolvendo e acurando os nossos sentimentos
e percepções acerca da realidade vivida”
196
. Os projetos citados, especialmente “Nós,
Sebastião e a Comunidade”, trouxeram aos educandos uma possibilidade de perceber o
mundo de uma forma mais sensível. Tais sentimentos remeteram ao cotidiano dos
educandos – seus problemas, angústias, sonhos, medos, alegrias, e refletiram no fazer
artístico. Duarte Jr. explica que:
... não será demais insistir que a Educação do Sensível, antes de significar um
desfile de obras de arte consagradas e de discussões históricas e técnicas perante
os olhos e ouvidos dos educandos, deve se voltar primeiramente para seu
cotidiano mais próximo, para a cidade onde vive, as ruas e praças pelas quais
circula e os produtos que consome, na intenção de despertar sua sensibilidade para
com a vida mesma, consoante levada no dia-a-dia. A Educação do Sensível é,
sobretudo e primeiramente, a educação dos nossos sentidos perante os estímulos
mais corriqueiros e até comezinhos que a realidade do mundo moderno nos
oferece em profusão – quantidade que, evidentemente, não significa qualidade
197
.
A racionalização deixou os sentimentos relegados a segundo plano. A busca
constante pelo conhecimento científico e técnico e a necessidade de trabalho (não
194
BARBOSA, Ana Mae. Dilemas da Arte/Educação como mediação cultural em namoro com as
tecnologias contemporâneas in Barbosa, Ana Mae (org). Arte/Educação Contemporânea : consonâncias
internacionais.o Paulo: Cortez, 2005.p.99.
195
DUARTE Jr. João Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. 2ed. Curitiba: Criar, 2003,
p.13.
196
Idem, ibidem, p.23.
197
Idem, ibidem, p.25.
115
realização profissional, mas emprego para garantir a sobrevivência) acabaram por
mecanizar os sujeitos. A vida torna-se uma seqüência de afazeres necessários e o espaço
para os relacionamentos, para os laços afetivos, para a indignação, para a apreciação frente
ao que é belo, fica relegado a outro plano. E, especialmente, o espaço de conhecer-se e
sentir o mundo.
A escola pode ter um importante papel na formação do Sensível se conseguir
destituir-se de ensinar apenas conceitos e valores universais para valorizar o conhecimento
inerente ao educando, o lugar onde ele vive e a cultura presente em sua comunidade. João
Francisco Duarte. Jr. Comenta, a respeito disso, que:
Para tanto, a inserção deste sujeito num dada realidade, numa dada comunidade e
cultura local não pode ser menosprezada em favor de um universalismo abstrato e
extirpador de raízes. Sentir o mundo consiste, primordialmente, em sentir aquela
sua porção que tenho ao meu redor, para que então qualquer pensamento e
raciocínio abstrato acerca dele possa acontecer a partir de bases concretas e, antes
de tudo, sensíveis. Porque tal desenraizamento, tal dessensibilização para com a
realidade da qual fazemos parte, caracterizou até aqui o grosso da educação oficial
a que nos submetemos, sempre ciosa em ensina as grandes verdades universais, o
grande pensamento, a grande ciência, desconsiderando todo e qualquer “pequeno
saber” detido pelos membros da cultura local
198
.
4.2.1 Aplicabilidade da Proposta Triangular e Educação do Sensível
A produção textual dos educandos nos projetos relatados no primeiro capítulo
consistem em reposta à Educação Sensível, uma vez que a Arte enquanto conhecimento
acadêmico não foi suficiente para dar conta da Arte enquanto conhecimento e ao mesmo
tempo enquanto prazer estético. Reportando-se ao relato de experiências do primeiro
capítulo, se quer fazer um exercício no sentido de perceber como a Proposta Triangular e a
Educação do Sensível aconteceram durante os projetos. Não se tem a intenção de afirmar
que a Proposta Triangular é a única possível, mas que é uma proposta que contempla as
necessidades do ensino da Arte na escola, e possibilita ao educando um real conhecimento
198
Idem, ibidem, p.175-176.
116
da Arte, sendo possível uma visão mais crítica e seletiva das imagens que estão à sua volta
diária e constantemente. Ainda, busca-se perceber como a sensibilidade do educando foi
aguçada e explorada para que houvesse um maior entendimento da realidade e uma
preocupação com ações possíveis para modificar tal realidade.
No primeiro projeto, “Nós, Sebastião e a Comunidade”, o processo não foi linear,
pois a leitura da imagem, a contextualização histórica e o fazer artístico aconteceram várias
vezes, num movimento constante no decorrer do projeto. A primeira ação foi a visita à
exposição das reproduções das fotografias do álbum Êxodos, de Sebastião Salgado. Na
exposição, os educandos fizeram anotações sobre as imagens, e em sala de aula
socializaram tais informações e fizeram uma leitura contextualizada das mesmas. Os
educandos estudaram a vida e a obra de Sebastião Salgado a partir de texto trazido pelo
educador. Algumas reproduções fotográficas de Sebastião Salgado foram apreciadas em
sala de aula, oportunizando aos educandos um contato mais direto com as imagens. Foi
possível fazer um exercício de trazer para a realidade do próprio educando o teor das
imagens, no sentido de como tais situações aconteciam no lugar de origem dos mesmos,
buscando atingir a sensibilidade. A leitura da imagem e a contextualização histórica
estiveram contempladas.
A seguir efetivou-se a leitura de imagens do modernismo brasileiro, quando cada
grupo de educandos fez leitura da imagem do artista escolhido e pesquisou sobre a vida e a
obra do mesmo a fim de fazer relações do conteúdo da obra com o cotidiano. Estudou-se
em conjunto o período modernista no Brasil, a Semana de Arte Moderna de 1922, os
acontecimentos históricos da época através de pesquisa em fontes disponíveis na biblioteca
da escola e de materiais fornecidos pelo educador. Foram feitas pinturas, desenhos e
objetos tridimensionais a partir do assunto. Não é possível esquecer que os educandos
tiveram momentos de reflexão sobre os assuntos em pauta e registraram em textos suas
impressões e sentimentos. Com efeito, acredita-se ter contemplado a triangulação: leitura
da imagem, contextualização histórica e fazer artístico, bem como, a Educação do
Sensível.
Dos conceitos próprios da Arte, a linguagem fotográfica foi o conceito mais
explorado. Os demais foram sendo estudados de acordo com a necessidade de cada
educando. Analisou-se a fotografia enquanto documento e enquanto criação artística, o
processo fotográfico, o processo de interferência na fotografia e o porquê da fotografia em
preto e branco. Acredita-se que a sistematização de todo o projeto ocorreu com o fazer
artístico utilizando a linguagem fotográfica e, por mais que não tenha sido possível, como
117
era a intenção inicial, documentar com filme preto e branco, o processo de fotografar. O
resultado plástico das fotografias foram imensamente compensadores para os educandos e
educador. Ainda, os textos dos educandos escritos durante todo o processo foram respostas
à sensibilização que perpassou todo o projeto, desde a apreciação de imagens até o fazer
artístico em si.
No segundo projeto, “A Arte Contemporânea – Uma Ponte com a Comunidade
Local”, pensando-se na Proposta Triangular, fez-se apreciação e leitura de imagens de
obras contemporâneas e o estudo sobre algumas manifestações contemporâneas. Os
educandos participaram deste processo ativamente, pois o educador deixou à disposição
materiais de pesquisa para que os próprios educandos conceituassem Arte Contemporânea.
O processo de contextualização histórica foi tranqüilo por ser a época vivida pelos
educandos. O fazer artístico aconteceu através de composições criadas conforme as
manifestações da Arte Contemporânea e de assuntos relacionados ao cotidiano dos
educandos. Também acredita-se que a Proposta Triangular tenha sido contemplada aqui,
mas pensa-se que a Educação do Sensível deixou a desejar em relação ao primeiro projeto,
mesmo tendo suscitado reflexões e textos sobre os problemas cotidianos. Isto porque
observou-se um envolvimento emocional menor por parte dos educandos.
Os projetos relatados não foram criados no intuito de pôr em prática a Proposta
Triangular como opção de proposta de ensino de Arte na escola e a Educação do
Sensível a partir da educação popular. Esta constatação deu-se posteriormente, quando em
pesquisa teórica mais profunda tais questões foram percebidas e repensadas. Apesar do
trabalho não ter sido feito com consciência teórica, de antemão, verificou-se que os
projetos foram significativos para os educandos que deles participaram, contribuindo para
a construção do conhecimento dos mesmos.
4.3 Dimensões do ensino da arte
A educação popular é uma possibilidade de mudança, de libertação. Ensinar é o ato
da educação em si, e ensinar arte perpassa por conceitos que podem permear toda a relação
do ensino-aprendizagem como beleza, estética, expressão, sentimento, criação, fruição, e
outros. Todavia, a educação tem se desvirtuado nas escolas, tornando-se mais uma fonte de
opressão e engavetamento, o que remete a Paulo Freire. Duarte Jr. aborda esta questão ao
118
dizer que:
A educação, que deveria significar o auxílio aos indivíduos para que pensem sobre
a vida que levam, que deveria permitir uma visão do universo cultural em que
estão inseridos, se desvirtua das escolas. Impõe-se uma visão de mundo e
transmite-se conhecimentos desvinculados das experiências da vida. Em suma:
preparam-se pessoas para executar um trabalho parcializado e mecânico, no
contexto social; pessoas que se preocupam apenas com o seu trabalho (com o seu
lucro), sem perceber como ele se liga a todos os outros no interior da sociedade.
No fundo isto se constitui mais num adestramento do que numa educação
199
.
Se a educação está gerando indivíduos mecanizados, engavetados e despreocupados
com o outro, para além de uma educação libertadora, a arte pode dar uma nova dimensão
aos sentidos. Para Ana Mae Barbosa,
A arte como linguagem aguçadora dos sentidos transmite significados que não podem ser
transmitidos por meio de nenhum outro tipo de linguagem, tal como a discursiva ou a
científica. Dentre as artes, as visuais, tendo a imagem como matéria-prima, tornam possível a
visualização de quem somos, de onde estamos e de como sentimos
200
.
No entanto, as aulas de Arte, em alguns estabelecimentos de ensino, ainda têm um
caráter de pouca seriedade enquanto conhecimento, sendo vistas como um componente
curricular no qual é possível brincar, conversar e aliviar a tensão advinda dos componentes
curriculares mais “pesados”. E o educador em Arte parece sempre mais tolerante, menos
preocupado com a nota ou o parecer. Acredita-se que a importância do conhecimento em
Arte transcende o espaço da escola, e que o educador é o mediador deste conhecimento.
Para Miriam Celeste Martins, “a arte é importante na escola, principalmente porque é
importante fora dela. Por ser um conhecimento construído pelo homem através dos tempos,
a arte é um patrimônio cultural da humanidade e todo ser humano tem direito ao acesso a
199
DUARTE Jr. João Francisco. Por que Arte-Educação? 17.ed. Campinas: Papirus. 2006, p. 34. (Col.
Ágere).
200
BARBOSA, Ana Mae. Dilemas da Arte/Educação como mediação cultural em namoro com as
tecnologias contemporâneas in Barbosa, Ana Mae (org). Arte/Educação Contemporânea : consonâncias
internacionais.o Paulo: Cortez, 2005.p.99.
119
esse saber”
201
. A Arte é conhecimento e contém em si informação, tradição, cultura. Para
além da educação e da cognição, ainda está intrinsecamente ligada a diversas profissões, o
que diz respeito ao crescimento do país. Então,
Arte não é apenas básico, mas fundamental na educação de um país que se
desenvolve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma
diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é
conteúdo. Como conteúdo a arte representa o melhor trabalho do ser humano. [...]
Precisamos de arte + educação + ação e pesquisa para descobrir como nos
tornamos mais eficientes no nosso contexto educacional, desenvolvendo o desejo
e a capacidade de aprender de nossas crianças
202
.
Ana Mae Barbosa afirma que “se a arte não fosse importante não existiria desde o
tempo das cavernas, resistindo a todas as tentativas de menosprezo”
203
. Se desde tempos
imemoriais a Arte faz parte do cotidiano do ser humano, se é uma produção do ser humano,
não é possível retirar dela sua importância histórica enquanto legado cultural e artístico da
humanidade, nem enquanto necessidade para a sobrevivência social e econômica dos
sujeitos. E:
A arte na educação como expressão pessoal e como cultura é um importante
instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento. Através das artes é
possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio
ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar a realidade
percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi
analisada
204
.
A Arte para o educando de uma escola popular, então, precisa ser um fator de
identificação deste com a cultura presente no seu espaço, e um identificador da cultura
201
MARTINS, Miriam Celeste; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Terezinha Telles. Didática do Ensino da
Arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998, p13.
202
BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 1991, p.04.
203
Idem, ibidem, p.27.
204
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998, p.16.
120
construída ao longo da história. Conhecer a Arte, a história, o contexto no qual a obra foi
criada, são imprescindíveis para o educando estar no mundo e agir nele. No entanto, é
fundamental que o educando faça relações com sua realidade, como aconteceu nas
experiências empíricas relatadas, quando os educandos criaram objetos artísticos os mais
diversos, fizeram fotografias do seu contexto e conseguiram registrar as impressões,
sentimentos e experiências através da escrita. O conhecimento se dá quando o todo é
contemplado: o sentido acadêmico, aqui entendido como a Proposta Triangular, mais a
Educação do Sensível e a escrita enquanto uma possibilidade de registro da reflexão sobre
todo o processo. Voltando à dificuldade de acesso à obra de Arte, Ana Mae Barbosa faz um
comentário bastante significativo ao abordar as possibilidades tecnológicas em relação ao
ensino e apreciação da Arte. Ela diz que:
Antes do computador, nosso remoto acesso às obras de arte dava-se apenas por meio
de livros caríssimos, que no Brasil eram produzidos principalmente pelos bancos par
presentear clientes no fim do ano, pois até os catálogos eram raros e em preto e
branco. Nós, professores e alunos de arte, ficávamos a ver navios. Que professor tem
capital suficiente para ser considerado bom cliente de instituições financeiras, tão
bom que justifique ganhar um presente do banco no fim do ano?
Os vídeos CDROM e DVDs produzidos sobre artistas, exposições e coleções vieram
democratizar muito o aceso à obra de arte visual, embora para usá-los em sala de
aula, freqüentemente, tive de passá-los primeiramente sem som, a imagem,
porque os textos supostamente críticos eram tão pobres, tão ufanistas, tão melosos e
inócuos que tinha medo que contaminassem a percepção e a capacidade de análise
dos meus alunos
205
.
Compete ao educador fazer as devidas ressalvas em relação às imagens e textos que
estão à sua disposição, e utilizar-se deles para inserir o educando no mundo das imagens de
qualidade, escapando da imagem televisiva somente.
A Arte é um fenômeno comum a todas as culturas, afirma João Francisco Duarte Jr.
Para ele, a Arte não é uma linguagem como a escrita e a falada, pois não comunica
significados, uma vez que não é possível explicar uma obra, mas atribuir sentido a ela. O
autor acredita que a Arte não seja um símbolo verdadeiro, pois simboliza “apenas e tão
205
BARBOSA, Ana Mae. Dilemas da Arte/Educação como mediação cultural em namoro com as
tecnologias contemporâneas in Barbosa, Ana Mae (org). Arte/Educação Contemporânea : consonâncias
internacionais.o Paulo: Cortez, 2005.p.105.
121
somente os sentimentos que existem nela própria”
206
. A Arte não pode ser compreendida
pela lógica e pela razão, mas pelo sentimento, pois além de ser conhecimento, também é
prazer, e diz da formação subjetiva dos sujeitos. Por exemplo, quando um educando observa
a obra de Sebastião Salgado, o fotógrafo não quer que este educando constate que há
depósitos de lixo nas periferias e que pessoas vivem dele, pois isto seria o significado da
fotografia. O fotógrafo está exprimindo sentimentos em relação à questão do “lixão”, e
buscou uma forma de mostrar tal sentimento. Assim, para João Francisco Duarte Jr.,
A Arte, então, não está regida por regras e convenções rígidas, explicitamente
formuladas, como a linguagem. Se a Arte, de certa forma, Simboliza sentimentos,
ela o faz de maneira diversa da simbolização lingüística: ela Simboliza apenas e
tão-somente os sentimentos que existem nela própria, engastados em suas formas.
Ela não nos remete a significados conceituais, mas a sentidos do mundo dos
sentimentos
207
.
A qualidade do conhecimento do educando perpassa pelo conhecimento do arte-
educador, que precisa ser conhecedor da Arte e ter uma proposta pedagógica para auxiliar
o educando em seu processo de aprender/ensinando em Arte: “a sua prática teórico-
artística e estética precisa estar conectada a uma concepção de Arte, assim como a
consistentes propostas pedagógicas”
208
. Conhecer Arte significa apreciar imagens, estar
em contato com o mundo teórico da Arte: os conceitos fundamentais da história da Arte, os
elementos formais que a compõem, bem como, ter uma proposta de projeto educativo. E,
para além destes elementos acadêmicos, conhecer Arte significa estar sensível ao mundo
vivido, ao cotidiano mais próximo e a temas universais, inclusive.
Faz-se necessário que o educador, para além do conhecimento, esteja comprometido
com o processo de ensinar, e ensinar aprendendo, pois
... os estudantes têm o direito de contar com professores que estudem e saibam
arte vinculada à vida pessoal, regional, nacional e internacional. Ao mesmo
206
DUARTE Jr. João Francisco. Por que Arte-Educação? 17.ed. Campinas: Papirus, 2006 p. 46. (Col.
Ágere).
207
Idem, ibidem, p.47.
208
FUSARI, Maria F. de Rezende e; FERRAZ, Maria H. C. de Toledo. Arte na educação escolar. São Paulo:
Cortez, 1992, p. 49. (Coleção magistério 2° grau. Série formação geral).
122
tempo, o professor de arte precisa saber o alcance de sua ão profissional, ou
seja, saber que pode concorrer para que seus alunos também elaborem uma cultura
estética e artística que expresse com clareza a sua vida na sociedade. O professor
de arte é um dos responsáveis pelo sucesso desse processo transformador, ao
ajudar os alunos a melhorarem suas sensibilidades e saberes práticos e teóricos em
arte
209
.
Além de buscar a possibilidade de contato direto com obras de Arte, freqüentar
museus, galeria e outros locais sempre que possível, para que seus saberes em Arte sejam
sempre renovados, o educador tem necessidade de alimentar-se de Arte para ensinar Arte.
Miriam Celeste Martins afirma que:
... como professores de Arte temos de conhecer desde os conceitos fundamentais
da linguagem da Arte até os meandros da linguagem artística em que se trabalha.
Temos de saber como ela se produz seus elementos, seus códigos - e também
como foi e é sua presença na cultura humana, o que implica numa visão
multicultural, na valorização da diversidade cultural. É preciso, ainda, conhecer
seu modo específico de percepção, como se estabelece um contato mais sensível,
como são construídos os sentidos a partir das leituras, como aprimorar o olhar, o
ouvido, o corpo
210
.
O arte-educador comprometido busca uma atualização constante, preocupa-se com a
qualidade das imagens – reproduções, pois para a maioria dos educandos é este o acesso ao
mundo da Arte às quais os educandos terão acesso quando do processo de
ensino/aprendizagem e com a significação que este educando dará a tal processo;
preocupa-se com os elementos visuais da Arte não apenas para serem usados na linguagem
proposta, mas para dizerem dos conceitos/idéias que estão embutidos no fazer do
educando. O educador em Arte torna-se, assim, um mediador do conhecimento, pois
... independente das possibilidades físicas e materiais, no encontro com a Arte
enquanto objeto de conhecimento, haverá sempre a necessidade de um educador
209
Idem, ibidem, p. 49.
210
MARTINS, Miram Celeste. In: BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São
Paulo: Cortez, 2002, p.52.
123
sensível, capaz de criar situações em que possa ampliar a leitura e a compreensão
de homens e mulheres sobre seu mundo, sua cultura. Capaz, ainda de abrir
diálogos internos, enriquecidos pela socialização dos saberes e das perspectivas
pessoais de cada produtor/aprendiz. O objetivo maior, então, não é simplesmente
propiciar que os aprendizes conheçam apenas artistas como Monet, Picasso ou
Volpi, mas que os alunos possam perceber e conhecer como o homem e a mulher,
em tempos e lugares diferentes puderam falar de seus sonhos e de seus desejos, de
sua cultura, de sua realidade e de suas esperanças e desesperanças, de seu modo
singular de pesquisar a materialidade por meio da linguagem da Arte
211
.
Esse educador/mediador remete a Paulo Freire de uma forma muito concreta, pois
para ele o educador precisa ser dialógico, interagir constantemente com o educando,
intermediar os saberes e assim, ensinar aprendendo. E ainda ser sensível, amoroso, tanto
em relação ao cotidiano do educando quanto à obra consagrada.
Existe um distanciamento, nesse país, da Arte/Educação e do artista em si. É muito
raro ter conhecimento do artista fala-se do artista vivo, que está em pleno processo de
criação – dentro da escola. Ana Mae Barbosa preocupa-se com esta ausência e com a visão
que alguns artistas têm da Arte/Educação ao pensarem que a mesma não é necessária, pois,
para eles, Arte não se ensina: tais artistas dão a impressão de que a arte é domínio
exclusivo do artista, e não um legado da humanidade para ela mesma, ao qual todos
deveriam ter acesso. A autora comenta que “na cultura artística brasileira, educação é
considerada sinônimo de mediocridade”
212
. Então, a autora propõe que “compete a nós,
professores de arte e artistas, numa ação conjunta, tentar através da educação pública uma
melhor distribuição do patrimônio artístico, da riqueza estética, elevando assim a qualidade
de vida da população”
213
. Ainda referindo-se ao assunto artista/escola, explicita o que,
para ela, seria a educação, referindo-se inclusive a Paulo Freire:
O ensino ou educação é um processo de auto-regulação dialógica com o meio
circulante, o que leva Paulo Freire a dizer: ‘ninguém educa ninguém, ninguém se
211
MARTINS, Miram Celeste. In: BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São
Paulo: Cortez, 2002, p.56.
212
BARBOSA, Ana Mae (org). Arte/Educação Contemporânea : consonâncias internacionais. São Paulo:
Cortez, 2005.p.102.
213
BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação: conflitos/acertos. São Paulo: Max Limonad Ltda, 1984, p.160.
124
educa a si mesmo. Os homens se educam entre si mediatizados pelo mundo’. O
professor é o facilitador desta mediação. Ensinar é, portanto, para mim, estimular
a imbricação dos processos de conhecimento objetivos, subjetivos e interpessoais.
[...] Aliás, um receio dos artistas com o qual compartilho: o medo da excessiva
psicologização do ensino da arte. Entretanto, é preciso não confundir
subjetividade com subjetivismo, com psicologismo. Tal confusão seria negar a
importância que a subjetividade tem no processo de transformação do mundo, da
história. Seria cair no simplismo ingênuo e admitir o impossível: um mundo sem
homens, tal qual outra ingenuidade, a do subjetivismo, que implica num homem
sem mundo, como afirma Paulo Freire
214
.
214
Idem, ibidem, p.160-61.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final desta dissertação, à guisa de considerações finais, faz-se importante retomar
alguns aspectos relevantes do que até aqui se pautou. Aspectos estes que se fazem
imprescindíveis, tanto para a reflexão quanto para a prática do ensino da Arte tal como se
defendeu e se ilustrou nesta análise.
Argumentou-se que a Obra de Arte deve ser contextualizada para que signifique.
Portanto, ao educador em Arte, mediador e sensível, cabe preocupar-se em não induzir o
educando quanto à leitura e interpretação da imagem, nem ao “pensar sobre” a obra e sim
auxiliá-lo no desenvolvimento de suas capacidades de entender, sentir, perceber, traduzir a
obra a partir de suas experiências. Sendo assim, o educador precisa estar atento aos saberes
que o educando traz consigo, aos sentimentos que a obra possa evocar nele, à conexão com
a realidade que o mesmo possa fazer. O educador precisa também saber ouvir. “Uma
mediação sea articulação entre as histórias pessoais e coletivas dos aprendizes em Arte,
enredada na teia sócio-histórico cultural da humanidade nessa área do conhecimento”
215
.
Destacou-se, nesse sentido, que educador e educando necessitam estabelecer diálogo,
entendendo que ambos são gente e enquanto gente são sempre inconclusos. Portanto
precisam trocar idéias e experiências que os construam como cidadãos. É fundamental
lembrar que ser dialógico para Paulo Freire significa dizer a palavra verdadeira. Se a
liberdade é a base de formação de todo o processo educacional freiriano, a palavra é o fio
condutor para que a liberdade aconteça. E dizer a palavra é dizer de sua inserção no
mundo, no contexto. É ir muito além da palavra soletrada e escrita, em um amontoado de
vogais e consoantes, ou perceber a sonoridade dela, pois o cerne do processo educativo é a
palavra viva, em diálogo. A palavra contextualizada, para que haja construção de sentidos,
para que as relações possam ser estabelecidas. A palavra como exemplo, porque para Paulo
Freire, o educador precisa dizer o que faz e fazer o que diz. Ou seja, sem exercer sua
própria cidadania, com ética e luta, sem ser livre é quase impossível contribuir na formação
de um cidadão igualmente ético, livre e lutador.
No que concerne à Arte, vale lembrar que o dito acima significa questionar sobre o
porquê do educando dominar a teoria, criar a partir dos elementos próprios da Arte, e
215
MARTINS, Miram Celeste In: BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São
Paulo: Cortez, 2002, p.58.
126
apesar disso continuar tendo acesso limitado à Arte Universal. Porém, sem esquecer que
não existe diálogo sem esperança, é isso também que ensina Paulo Freire. E a esperança
mostra-se na luta, na incorformidade, na inquietude, na curiosidade e no
compartilhamento. Esse processo de ouvir, articular e mediar foi experimentado nos
projetos relatados, quando se ouviu as situações de vida dos educandos, discutiu-se com os
mesmos sobre os problemas enfrentados no cotidiano e sobre seus anseios. A dialogicidade
se deu nas relações que estes fizeram das obras com sua vida e, por fim, no processo de
criação que sistematizou e tornou visível todo o processo reflexivo.
Crê-se que a Arte não estará sempre distante, restrita às galerias e museus, mas que as
manifestações de Arte próximas sejam igualmente valorizadas e que transformem-se em
objetos de estudo, tanto quanto aquelas consagradas pela história e pela crítica. A Arte na
escola tem a responsabilidade de inserir o educando no mundo da Arte Universal, de fazê-
lo sentir-se parte integrante do conhecimento historicamente construído. Esta inserção
precisa estar além da repetição da vida e obra de artistas, que são importantes, mas que
sozinhas não terão significado para o educando. É necessário que o mesmo consiga
conectar este saber com sua realidade, entender o porquê de o artista ter criado daquela
forma a partir do contexto histórico no qual vivia, reportar-se ao seu cotidiano e imaginar
como o artista faria se vivesse no tempo de agora. Isso não significa decifrar a obra, mas
sentí-la e entender que relações são possíveis fazer a partir dela. Assim, a percepção e
sensibilidade estão intrinsecamente ligadas ao cotidiano do educando, e serão fatores
decisivos quando do processo de criação deste sujeito. João Francisco Duarte Jr. se
manifesta, nesse sentido, ao escrever que:
... a atividade pretensamente estética desenvolvida hoje nas escolas vem se
resumindo a uma discussão sobre obras e artistas, distantes quase sempre da vida
da maioria, sendo que o estímulo para a (pouca) expressão própria decorre
exclusivamente desse contato com trabalhos já consagrados pela história. Para
esse tipo de ação educacional o nome “ensino da arte”, eleito como a
denominação up to date par a velha arte-educação, soa mesmo adequado, na
medida em que um mestre ensina ao aprendiz com ele deve ver e interpretar
trabalhos e tendências artísticas, sem qualquer preocupação de como vem se
dando sua percepção e sensibilidade cotidianas
216
.
216
DUARTE Jr. João Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. 2ed. Curitiba: Criar, 2003,
p.27.
127
Sobre as práticas relatadas, ressalte-se que valorizar a cultura e o conhecimento que o
educando trouxe consigo foi imprescindível para o bom andamento dos projetos. Ao saber-
se valorizado, o educando respondeu com propriedade, sem sentir-se diminuído perante a
cultura do outro. Assim conseguiu, lembrando os projetos relatados, fotografar seu bairro
sem constrangimento, vendo beleza nele. Conseguiu expressar-se, por meio da Arte, sobre
as situações-limite com as quais convive como a drogadição, a prostituição e demais
assuntos envolvidos. Ana Mae Barbosa comenta que:
No que diz respeito à cultura local, pode-se constatar que apenas o nível erudito
desta cultura é admitido na escola. As culturas de classes sociais baixas continuam
a ser ignoradas pelas instituições educacionais, mesmo pelos que estão envolvidos
na educação destas classes. s aprendemos com Paulo Freire a rejeitar a
segregação cultural na educação. A décadas de luta para salvar os oprimidos da
ignorância sobre eles próprios nos ensinaram que uma educação libertária terá
sucesso quando os participantes no processo educacional forem capazes de
identificar seu ego cultural e se orgulhar dele. Isto não significa a defesa de guetos
culturais, nem de excluir a cultura erudita das classes baixas. Todas as classes têm
o direito de acesso aos códigos da cultura erudita porque esses são os códigos
dominantes os códigos do poder. É necessário conhecê-los, ser versado neles,
mas tais códigos continuarão a ser um conhecimento exterior a não ser que o
indivíduo tenha dominado as referências culturais da própria classe social, a porta
de entrada para a assimilação do ‘outro’. A mobilidade social depende da inter-
relação entre os códigos culturais das diferentes classes sociais
217
.
No projeto “Nós, Sebastião e a Comunidade” foi possível aos educandos fazer
relações da sua realidade com a obra de Sebastião Salgado, construir conhecimento
histórico e contextualizar, especialmente por serem, obra e o artista, do seu tempo. Saber o
que acontece em outros lugares do planeta foi importante, especialmente para se colocar
como sujeito num mundo que não é só local. A percepção e sensibilidade destes educandos
foram aguçadas a partir do entendimento da obra, sendo de fundamental importância
quando da criação que, neste caso, se deu a partir da fotografia. Houve consciência dos
217
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte. 1998, p.14-15.
128
fatos vividos, pois as imagens e situações às quais as mesmas remetem, têm semelhanças
com o cotidiano do educando da escola pública na qual se fez o projeto.
No projeto “Arte Contemporânea: uma ponte com a comunidade local” as relações
com a realidade também foram intensas, pois as criações decorrentes do
ensino/aprendizado em Arte aconteceram a partir de situações desta realidade, de fatos
vividos e presenciados. No entanto, o envolvimento emocional, que diz do sensível, foi em
menor grau em relação ao primeiro projeto. o houve uma entrega dos educandos ao
projeto, no sentido de o tomarem para si como se fosse seu. Os educandos envolveram-se
em um processo de sala de aula, e não em um projeto de vida.
Vale dizer que as propostas pedagógicas realizadas e relatadas no primeiro capítulo
buscaram dimensionar a Arte a partir do que se acredita ser importante para o
ensino/aprendizagem do educando. Se a Arte é importante, se é imprescindível para o ser
humano, então é necessária dentro da escola, para que o educando que está construa um
conhecimento que contribua para que seja realmente sujeito de sua história. Isto é, tem-se
convicção de que a Arte, abordada sob o prisma da Proposta Triangular, da Educação do
Sensível e sob a ótica freiriana de educação, seja um viés para a emancipação dos
cidadãos. Cidadãos estes que, conscientes de seu ponto de partida, possam assumir seu
papel na luta de um mundo mais justo, que lhes dê condições de acesso a tudo e a todos.
Por fim, faz-se necessário dizer que os objetivos aos quais se tinha proposto ao
escrever tal dissertação foram atingidos, pois o embasamento teórico sobre a experiência
relatada aconteceu de forma satisfatória. Ainda, foi possível aprofundar-se no estudo da
educação popular de Paulo Freire e na Arte/Educação, fazendo relações de tais revisões
teóricas entre si e com os projetos relatados.
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