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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ (UFPI)
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS (CCHL)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS (PROPP)
MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS (MPP)
ALEXANDRE ASSUNÇÃO E SILVA
A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NA
EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS NO ESTADO DO PIAUÍ
Teresina
2008
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ALEXANDRE ASSUNÇÃO E SILVA
A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NA
EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS NO ESTADO DO PIAUÍ
Dissertação de Mestrado apresentada no
programa de Pós-Graduação em
Políticas Públicas da Universidade
Federal do Piauí – UFPI, como requisito
para obtenção do grau de Mestre em
Políticas Públicas.
Orientador(a): Profa. Dra. Guiomar de
Oliveira Passos
Teresina
2008
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S586a Silva, Alexandre Assunção e Silva
A atuação do Ministério Público Federal na efetividade dos
direitos sociais no estado do Piauí./ Alexandre Assunção e Silva.
Teresina: 2008.
94 fls.
Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) UFPI.
Orientador: Profa. Dra. Guiomar de Oliveira Passos
1. Ministério Público. 2. Direitos Sociais. 3. Efetividade. I.
Título.
C.D.D. 341.59
ALEXANDRE ASSUNÇÃO E SILVA
A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NA
EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS NO ESTADO DO PIAUÍ
Esta dissertação foi julgada adequada para
a obtenção do título de Mestre em
Políticas Públicas e aprovada em sua
forma final pelo Orientador e pela Banca
Examinadora.
Banca Examinadora:
____________________________________________
Prof(a). Dr(a). Guiomar de Oliveira Passos (Orientadora )
(UFPI)
______________________________________________
Prof. Dr. Robertônio Pessoa
(UFPI)
______________________________________________
Prof. Dr. Washington Luis de Sousa Bonfim
(UFPI)
Dedico este trabalho à memória de meu
avô, José Alves da Silva, pelo exemplo de
carinho, amor e dedicação à família
.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, a quem devo a vida e a formação.
Ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFPI, pela oportunidade de
realização desta dissertação em minha área de pesquisa.
Aos professores do mestrado em Políticas Públicas da UPFI, pelo conhecimento que
me foi transmitido ao longo do curso.
À Profa. Guiomar de Oliveira Passos, pelo seu auxílio na elaboração e revisão deste
trabalho.
A todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a presente realização, em
especial ao Procurador da República Kelston Lages, que me indicou o mestrado em Políticas
Públicas, e ao Juiz Federal Newton Ramos, que me enviou modelos de projetos de pesquisa.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 12
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS 15
2.1 Os direitos humanos 15
2.2 Os direitos fundamentais 16
2.3 A Constituição como norma eficaz 18
2.4 A eficácia dos direitos sociais 19
2.4.1 Esboço histórico 19
2.4.2 Classificação dos direitos segundo sua eficácia 21
2.4.3 Direito ao mínimo existencial 22
2.4.4 A reserva do possível 24
2.5 Os direitos sociais 26
2.5.1 Desigualdade social e direitos no Brasil 26
2.5.2 Os direitos sociais nas constituições brasileiras 28
2.5.3 Eficácia dos direitos nos tribunais 29
3 O MINISTÉRIO PÚBLICO 33
3.1 Surgimento e evolução no mundo 33
3.2 Ministério Público no Brasil 3
3.3 Características atuais do Ministério Público 38
3.4 Funções do Ministério Público 42
3.4.1 Defesa do regime democrático 45
3.4.2 Defesa da ordem jurídica 46
3.4.3 Defesa do interesse público 48
3.4.4 Controle da administração pública 50
3.4.5 Defesa dos direitos do cidadão 53
4 POLÍTICAS PÚBLICAS E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 54
4.1 A implementação de políticas e o ministério público 54
4.2 O controle das políticas sociais pelo Ministério Público 57
4.3 Os instrumentos de atuação do Ministério Público 61
4.3.1 Ação civil pública 61
4.3.2 Inquérito civil público 64
4.3.3 Termo de ajustamento de conduta 64
4.3.4 Recomendação 65
5 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO PIAUÍ NA
EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS
67
5.1 Introdução 67
5.2 Áreas de atuação social do MPF/PI 70
5.2.1 Fiscalização de recursos públicos 70
5.2.2 Defesa do direito à moradia 73
5.2.3 Defesa do direito a medicamentos excepcionais 75
5.2.4 Outros casos de atuação do MPF/PI 78
5.3 Análise da atuação do MPF/PI 82
6
CONCLUSÃO 84
REFERÊNCIAS 87
RESUMO
Este trabalho analisa a atuação do Ministério Público Federal na efetividade dos direitos
sociais no Estado do Piauí. Seu objetivo é verificar se o Ministério Público Federal no Piauí,
considerando sua atribuição de fiscalizar a administração pública, tem influenciado os órgãos
governamentais a implantarem os direitos sociais, quando omissos no cumprimento das
normas constitucionais a respeito. Através de pesquisa bibliográfica, analisa os direitos
sociais nos aspectos conceituação, classificação e eficácia, bem como a instituição Ministério
Público, a partir de sua evolução histórica no Brasil e no mundo até suas funções atuais. Ao
fim, apresenta o resultado de pesquisa documental realizada em inquéritos civis, ações
judiciais, recomendações e termos de ajustamento de conduta celebrados no MPF/PI entre
2001 e 2006, que tinham por objeto a implementação de direitos sociais, onde se verificou
que o MPF obteve resultados favoráveis em quase todos os casos, atuando na maioria das
vezes de maneira extrajudicial, por meio de sua simples intervenção ou com a elaboração de
recomendação e/ou Termos de Ajustamento de Conduta; em menor proporção, através de
ações judiciais, que aguardam julgamento final. Conclui-se que o Ministério Público Federal
contribuiu para a efetividade dos direitos sociais, exigindo a implementação de Políticas
Públicas no Estado do Piauí no referido período.
Palavras-chave: Estado. Ministério Público. Direitos Sociais. Efetividade
ABSTRACT
This work analyzes the performance of the Federal Public prosecution service in the
effectiveness of the social rights in the State of the Piauí. Its objective is to verify if the
Federal Public prosecution service in the Piauí, considering its attribution to fiscalize the
public administration, has influenced the governmental bodies to implant the social rights,
when omissive in the fulfilment of the constitutional ruleses the respect. Through
bibliographical research, it analyzes the social rights in the aspects conceptualization,
classification and effectiveness, as well as the institution Public prosecution service, from its
historical evolution in Brazil and the world until its current functions. At last, it shows
documentary research in civil inquiries, legal action, recommendations and terms of
celebrated adjustment of behavior in the MPF/PI between 2001 2006, that they had for object
the implementation of social rights, verifying itself that the MPF got resulted favorable in
almost all the cases, acting in the majority of the times in extrajudicial way was become
fullfilled, by means of its simple intervention or with the elaboration of recommendation
and/or Terms of Adjustment of Behavior; in lesser ratio, through legal actions, that wait final
judgment. One concludes that the Federal Public prosecution service contributed for the
effectiveness of the Public Politics in the State of the Piauí in the related period.
Keywords: State – Public Prosecution – Social rights – Fulfillment
12
1 INTRODUÇÃO
Trata o presente trabalho da análise da atuação do Ministério Público Federal na
efetivação dos direitos sociais no Estado do Piauí.
O Ministério Público é um órgão que tem dentre suas atribuições fiscalizar as
atividades governamentais e o processo de implementação de políticas públicas. De acordo
com o art. 129, inciso II, da Constituição Federal de 1988, cabe ao MP “zelar pelo efetivo
respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.
Ele é parceiro dos movimentos sociais na reivindicação e na defesa de direitos sociais
perante os órgãos públicos. Age freqüentemente em conjunto com aqueles na busca da
efetivação desses direitos, ora valendo-se do poder de expedir recomendações e celebrar
termos de ajustamento de conduta, ora da via judicial, através da propositura de ações civis
públicas.
O trabalho, assim, aprofunda estudos já existentes, tais como o de Alexy (1999),
Amaral (2001), Lopes (1998), no que tange à possibilidade de se exigir do Poder Executivo a
efetiva realização dos direitos sociais, por serem direitos humanos fundamentais. Ou ainda, no
que se refere à legitimidade do Ministério Público para influir em tal processo. Como
contribuição prática, mostra as ações do MPF no Estado do Piauí, na efetivação desses
direitos.
Esta obra, portanto, contribui para esclarecer a atuação do Ministério Público Federal
no âmbito da efetividade dos direitos sociais, principalmente, para fazer valer os interesses
das classes menos favorecidas, que são as que mais dependem da ação do Estado.
Partindo da hipótese de que que os direitos sociais constituem direitos fundamentais
que podem ser exigidos independentemente da vontade do Poder Executivo, constituem seu
objetivos específicos comprovar: 1) que o controle do Ministério Público Federal sobre as
políticas públicas sociais pode contribuir para a sua efetividade; 2) que o Ministério Público
Federal no Piauí tem influenciado órgãos governamentais a adotarem políticas públicas, ou
13
mesmo os obrigado a fazê-lo, através de ações judiciais, quando de suas omissões no
cumprimento das normas constitucionais.
O estudo da influência do MP na efetivação dos direitos sociais é feito através de
pesquisa bibliográfica e documental, como dois aspectos interligados.
A pesquisa bibliográfica tem por base obras de ciência política, de sociologia e de
ciências jurídicas relativas aos direitos fundamentais sociais, particularmente no que se refere
à obrigatoriedade de sua implementação, isto é, sobre a obrigação dos administradores
públicos de os efetivarem independentemente de suas vontades. Também recorre à
bibliografia para analisar o MP no Brasil, particularmente seu papel na efetivação dos direitos
fundamentais sociais, inserindo-o no contexto histórico atual.
A pesquisa documental foi realizada nos arquivos da Procuradoria da República no
Estado do Piauí. Foram observados os procedimentos administrativos, recomendações, termos
de ajustamento de conduta e ações judiciais propostas entre os anos de 2001 e 2006, que
tiveram por objeto a proteção dos direitos sociais ou o controle sobre políticas públicas.
A escolha do período decorre dos seguintes fatores: a Procuradoria da República no
Piauí até 2001, como a grande maioria das Procuradorias nos Estados brasileiros, adequava-se
à nova ordem constitucional, estruturando-se para dar conta das novas atribuições e,
principalmente, enraizava-se no tecido social, constituindo-se um canal de reivindicação dos
direitos sociais e de expressão e zelo de defesa da ordem constitucional, obtendo maior
expressão a partir daquela data.
Os dados coletados bem como as análises empreendidas encontram-se expostos neste
texto que possui a seguinte estrutura. No capítulo I - Direitos Fundamentais Sociais, aborda-se
inicialmente os direitos humanos de maneira geral, apresentando em seguida os direitos
sociais e seu enquadramento como direitos humanos fundamentais. São discutidas as posições
a respeito da eficácia dos direitos sociais no Brasil, conforme entendimentos doutrinários e a
jurisprudência da mais alta corte de justiça do país, o Supremo Tribunal Federal, ressaltando a
mudança recente no posicionamento desta corte sobre a eficácia de direitos previstos na
Constituição Federal que ainda não foram regulamentados.
14
No capítulo II – O Ministério Público, faz-se uma exposição da instituição Ministério
Público, a partir de sua história, no mundo e no Brasil, até suas características e atribuições
atuais. É analisada sua importância e papel em relação aos demais poderes do Estado,
inclusive sua eventual caracterização como um quarto poder. Estuda-se a forma de atuação do
Ministério Público na defesa do Estado Democrático de Direito, da ordem jurídica, do
interesse público e dos direitos do cidadão.
No capítulo III– Políticas Públicas e a atuação do Ministério Público, mostra-se que os
processos de avaliação das políticas públicas sociais são meios de que o Ministério Público se
vale para exercer o controle sobre desvios que venham a acontecer no processo de
implementação, para que sejam respeitadas as finalidades legais. Apresentam-se os
instrumentos que o Ministério Público têm a sua disposição, como a ação civil pública, o
inquérito civil, a recomendação e o termo de ajustamento de conduta, através dos quais pode
controlar as políticas públicas sociais, segundo uma postura de efetividade em relação às
normas constitucionais, para possibilitar a realização do direito e a concretização da sua
função social.
No capítulo final, são apresentados os resultados da pesquisa realizada no
Ministério Público Federal no Estado do Piauí, sobre sua atuação no período de 2001 a 2006,
com descrição e análise dos procedimentos e processos judiciais que trataram da defesa dos
direitos sociais.
15
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
2.1 OS DIREITOS HUMANOS
Direitos humanos, segundo Garcia (2004), são aqueles inerentes à pessoa humana pelo
simples fato de ser considerada como tal, trazendo consigo os atributos da universalidade,
imprescritibilidade, irrenunciabilidade e inalienalibilidade, reconhecidos em convenções e
tratados internacionais.
A evolução dos direitos humanos deu-se, conforme Bobbio (2004), em gerações. Os
da primeira geração são as liberdades civis e políticas, que surgiram das lutas dos indivíduos
contra os abusos poder estatal e pela busca na participação do poder e na produção do direito.
Dentre eles podem ser citados o direito de ir e vir e a liberdade de consciência e de crença.
Os direitos de segunda geração, ou sociais, vieram de movimentos da classe
trabalhadora, do proletariado e dos camponeses, que visavam melhores condições de vida, de
trabalho e contra o desemprego. Tem por fim o estabelecimento de condições mínimas de
educação, saúde e assistência, dentre outras necessidades da vida em sociedade. Requerem
uma intervenção ativa por parte do Estado e boas condições econômicas.
Os de terceira ou quarta geração dizem respeito à proteção de grupos humanos ou de
interesses da sociedade como um todo, como o meio ambiente equilibrado, o direito à
informação e ao desenvolvimento.
Segundo Hayek (1990), o respeito aos direitos humanos é característica do Estado de
Direito. Sem eles este não existirá, ainda que o poder seja exercido com base na lei. Por isso,
na Alemanha de Hitler, mesmo este exercendo o despotismo de forma legal, não existia
Estado de Direito, em virtude do desrespeito aos direitos da pessoa humana. Para Hayek, em
todo Estado de Direito deve haver uma limitação do campo legislativo, como forma de
garantir um respeito obrigatório do legislador a direitos mínimos do ser humano, além de uma
definição prévia de quem pode usar o poder coercitivo e de que modo.
16
A derrota do nazismo não pôs fim à luta pelo respeito aos direitos humanos, mas
atualmente direitos humanos básicos estão sendo menosprezados. Exemplo disso são os
direitos à liberdade e à auto-determinação dos povos, desconsiderados pelos EUA na invasão
ao Iraque e na manutenção de prisioneiros sem julgamento na base americana de
Guantánamo, em Cuba. Isso representa um retrocesso naquilo que foi conquistado, mas não
uma anulação das lutas anteriores, que devem ser renovadas incessantemente.
A integração entre os direitos individuais e sociais assegura que a liberdade valha
tanto como a igualdade. O desenvolvimento, um direito humano de terceira geração
reconhecido por Resolução da ONU em 1979, depende do respeito e implementação dos
direitos de primeira e segunda gerações. Esse é um direito-síntese, cujo objetivo, segundo Isa
(1999) é tornar possível a aplicação e a promoção do conjunto dos direitos humanos, pois não
há desenvolvimento sem que os direitos humanos, em sua integralidade, sejam respeitados.
As organizações internacionais, por exemplo, têm apontado que a melhoria das condições de
vida da mulher, o tratamento desta em igualdade com o homem, levam a um maior
desenvolvimento das nações.
Os direitos humanos, contextualizados em práticas sociais concretas, recuperam a ação
política dos indivíduos que têm necessidades reais insatisfeitas, e, quando positivados numa
Constituição, tornam-se direitos fundamentais, como será visto na no item seguinte, na
experiência brasileira.
2.2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
No Brasil, os direitos fundamentais, conforme o art. 60, § 4º, inciso IV da CF/88
(BRASIL, 1988), não podem ser suprimidos por emenda constitucional, uma vez que
constituem cláusulas pétreas. São Direitos tão relevantes que seu reconhecimento ou não-
reconhecimento não pode ser deixado à livre disposição do legislador ordinário, razão pela
qual são previstos expressamente na Constituição. São princípios constitucionais irrevogáveis
e, portanto, garantidos desde sua previsão na Constituição, e conforme Leivas (2006), se
protegidos por uma lei, a mesma não pode ser revogada, pois estará protegida por um
princípio constitucional, que impede retrocessos.
17
Na Carta de 1988, são, em regra, os previstos no Título II, que trata dos direitos e
garantias fundamentais, nos arts. 5º e 6º, mas alguns doutrinadores, como Sarlet (2007),
defendem sua existência em outros artigos e até mesmo fora do Título II da Constituição, tais
como o direito de greve dos servidores públicos e as limitações ao poder de tributar do
Estado.
Os direitos fundamentais recebem o adjetivo de sociais quando são reconhecidos por
determinado ordenamento jurídico e tratam de questões como trabalho, educação, saúde,
moradia, assistência e previdência sociais. No Brasil, estão previstos no art. 6º da CF/88. A
acolhida em capítulo próprio no mesmo título dos direitos fundamentais, conforme Sarlet
(2007, p. 79), comprova, “de forma incontestável sua condição de autênticos direitos
fundamentais, já que nas Cartas anteriores os direitos sociais se encontravam positivados no
capítulo da ordem econômica e social”.
Os direitos fundamentais são classificados em de defesa e prestacionais. Os primeiros
garantem ações omissivas, não interventivas, por parte do Estado, tais como os direitos de ir e
vir e de expressão. Os segundos, conforme Sarlet (2007), requerem ações positivas –
normativas ou fáticas – sejam elas: a) prestações sociais em sentido estrito, tais como a
assistência social, aposentadoria, saúde, fomento da educação e do ensino,etc.; b) subvenções
materiais em geral; c) prestações de cunho existencial no âmbito da providência social, como
a utilização de bens públicos e instituições; d) participação em bens comunitários que não se
enquadrem no item anterior, com recursos naturais de domínio público. Estes, de acordo com
Alexy (1993) se distinguem em direitos prestacionais em sentido amplo e em sentido estrito.
Em sentido amplo, dizem respeito à atuação do Estado no cumprimento dos seus deveres de
proteção, decorrentes da sua condição de Estado Democrático de Direito, não propriamente
como garantidor de padrões mínimos de justiça social; ao passo que direitos a prestações em
sentido estrito dizem respeito a prestações fáticas decorrentes de sua atuação como Estado
Social.
Os direitos sociais enquadram-se no conceito de direitos prestacionais, em sentido
estrito, pois exigem ações positivas do Estado, para alterar determinadas situações da
realidade. Sejam como normas ou princípios, esses direitos geralmente representam
preferências e desigualdades, ou seja, são discriminatórios e compensatórios, com o objetivo
de produzir justiça social. O alcance de tal meta, porém, dependerá do seu grau de efetividade,
18
ou seja, do grau de harmonia entre aquilo que foi previsto na norma jurídica e a realidade que
ela visa regular.
A efetividade dos direitos sociais previstos na Constituição será discutido a seguir.
2.3 A CONSTITUIÇÃO COMO NORMA EFICAZ
A eficácia dos direitos previstos na Constituição tem sido tema de estudos de diversos
autores, dentre os quais Lassale (1998). Segundo ele, a Constituição formal, escrita, não
possui meios de se sobrepor à Constituição real, que reflete os fatores reais do poder
existentes na sociedade, de forma que estes sempre prevalecem, podendo inclusive ocasionar
uma transformação na constituição escrita, ou sua própria ruína.
Tal compreensão, porém, extrai a eficácia da Constituição da sua aproximação com as
circunstâncias do poder. Esquece a potencialidade do Direito como instrumento de
transformação social, de modo que a Constituição real seja tudo e a jurídica nada. Nessa
perspectiva, o Direito Constitucional seria inútil como ciência do dever ser, na medida em que
o estabelecimento de regras se daria no campo dos fatos, dos poderes sociais atuantes, e o
Direito possuiria um papel meramente de espelho da realidade social.
Como observou Porto (2006), dizer que uma Constituição será cumprida se assim o
desejar os detentores do poder levará à admissão de contradições entre suas promessas e a
realidade, o que pode tornar o texto constitucional um programa que pode ou não ser
cumprido, ao bel prazer dos governantes.
Para Hesse (1991), a Constituição, como qualquer norma, foi criada para ser
cumprida, e melhor o será se não estiver divorciada da Sociedade. Uma vez que ela se
constitui de um conjunto de regras e princípios que indicam os sentimentos de determinado
povo em determinada época, bem como seu grau de consciência, a tendência da organização
política será cumprir suas metas.
Assim, a Constituição não é um programa de governo sem dia para iniciar nem para
terminar, nem seus valores podem ter sua concretização adiada ao infinito. Ela é a Lei
Fundamental de um país e todos os atos de governo extraem seu fundamento de validade dela.
19
Uma leitura da Constituição que torne desnecessário o respeito ao cumprimento de suas
promessas resultará em inviabilidade político-econômica.
O Estado tem a função de cumprir a Constituição, respeitar suas normas, seja em quais
sentidos forem, sem favorecimentos que não constem expressamente de seu texto. As
Constituições modernas, compromissórias, não são de ninguém, nenhuma classe social as
possui; são, na expressão de Clève (1995, p. 36), “de todos. As classes populares,
especialmente, as organizadas, estão na Constituição. Seus valores, suas lutas, seu sangue e
suor encontram-se na Constituição
Dessa forma, a gama de direitos existentes na Constituição constituem conquistas em
benefício do povo a serem respeitadas pelos aplicadores do direito. Esses, em vez de
proclamar o caráter ideológico ou inalcançável dos princípios democráticos no campo social,
deveriam, vaticina Soares Júnior (2004) forçar a sociedade a dar conta dos ideais professados,
assim contribuindo para a efetividade do texto constitucional. Esse posicionamento conecta a
norma às exigências fáticas, aumentando a vocação social do direito, seu conteúdo ético e a
dimensão solidária das respostas jurídicas. Faz com que a luta pela operatividade dos direitos
sociais não se esgote na sua pura entronização constitucional, ou com a simples consagração
retórica dos direitos sociais, ao contrário, exige o estabelecimento de táticas materiais de
efetivação destas prestações.
O grau de eficácia dos direitos sociais variou ao longo da história, como será mostrado
a seguir.
2.4 A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS
2.4.1 ESBOÇO HISTÓRICO
No período de ouro do liberalismo burguês, final do século XIX, uma perspectiva
formal da Constituição era bastante, uma vez que a sociedade estava em processo de
politização. Conforme Porto (2006), nessa época, o Estado era comprometido com o laisser-
faire, por conta da necessidade de romper com o sistema absolutista monárquico anterior.
Nesse momento, a burguesia, como classe hegemônica, domina o universo jurídico e político
e o Estado, sob seu domínio, voltava-se para a tutela das liberdades, instituindo garantias
formais, como o da igualdade perante a lei. Tratava-se, no geral, de um Estado Liberal que
20
possuía uma organização constitucional, com garantias formais de direitos que deveriam ser
por ele protegidos, mas sem exigências que o impelissem a executar ações para a realização
da Justiça Social.
O advento dos direitos humanos de segunda geração, ou direitos sociais, sob pressão
de grupos organizados que reclamaram do Estado prestações positivas, como o oferecimento
de saúde, educação e previdência pública, provocou modificações no Estado, principalmente,
no pós-guerra. Nessa época, a constitucionalização dos direitos sociais impôs ao Estado uma
ordem com o propósito de efetivar a Justiça Social, tornando-o um Estado Social ou Welfare
State, na tradição britânica, Estado Providência, na tradição francesa.
O Estado Social, conforme Porto (2006), foi uma evolução do Estado Liberal, que
atinge seu ápice com o Estado Democrático de Direito. Este tem por alicerce o princípio
democrático, previsto constitucionalmente, e significa mais do que uma técnica de escolha
dos governantes, pois é também um princípio normativo com vários aspectos políticos,
econômicos, sociais e culturais, que tem por fim ser o fundamento da sociedade.
De acordo com Bonavides (2005), o Estado Democrático de Direito é um padrão
estatal que visa não somente estruturar uma ordem jurídica, mas fazer um Direito justo e
legítimo. Tem por meta consagrar a busca pelo poder de forma legítima, através do respeito
ao Direito, e fazer valer o Direito na sociedade. Com esse fim, o poder atua de forma não
pessoal, atendendo-se ao primado da lei, que possui uma função superior no controle das
ações humanas, podendo transformar de forma positiva a sociedade civil, para ser alcançada
maior igualdade de oportunidades e de conquistas individuais e coletivas.
Mas, como já advertiu Bercovici (2003, p. 102), a “sobrevivência do regime
democrático depende do êxito da relativa homogeneidade social, sob pena de se transformar
em uma ditadura disfarçada dos setores privilegiados”. O acesso formal, mas não efetivo à
justiça, corresponde à igualdade apenas formal, não efetiva. A igualdade material, fática, deve
ser um dos principais objetivos do Estado e só pode ser atingida através de tratamento jurídico
diferenciado e ações positivas do Estado.
A efetividade dos direitos sociais consagrados pelo Estado de Bem-Estar é o assunto
seguinte
21
2.4.2 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS SEGUNDO SUA EFICÁCIA
Conforme Holthe (2007), eficácia social ou efetividade é o grau de observância da
norma no meio social, e eficácia jurídica é sua capacidade para produzir efeitos jurídicos.
Todas as normas constitucionais possuem eficácia jurídica, já a eficácia social ou efetividade
depende da necessidade e da existência de regulamentação. O que será tratado aqui é, em
primeiro lugar, a eficácia jurídica e, depois, com base em dados empíricos, a eficácia social ou
efetividade.
No que tange à eficácia jurídica, José Afonso da Silva (2002) classifica as normas
constitucionais como de eficácia plena, eficácia contida e eficácia limitada. As primeiras estão
associadas aos direitos de defesa, como liberdade e igualdade, garantias institucionais que
reclamam uma posição de abstenção dos poderes estatais. As últimas aos direitos sociais, por
dependerem da intervenção do poder público para terem sua fruição assegurada.
Para Bonavides (2005), as normas de eficácia limitada dependem de lei ordinária para
terem efetividade e a falta de regulamentação tornaria sua aplicação mais difícil; mas ainda
assim, complementa, seus parâmetros devem ser seguidos pelo administrador e pelo
legislador. Já para Eros Grau (1997), mesmo as normas de eficácia limitada, também
chamadas programáticas (dentre as quais se encontram alguns direitos sociais), podem ensejar
aplicabilidade imediata, independentemente de lei, pois os direitos fundamentais possuem
aplicabilidade imediata e existem instrumentos processuais aptos a combater a omissão do
legislador, como o Mandado de Injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Por sua vez, Barroso (2005) considera que os direitos sociais são imediatamente
aplicáveis, a não ser que a própria Constituição remeta o caso para o legislador, ou quando a
norma não tem os elementos mínimos para ser concretizada. Para ele, a interposição
legislativa só seria necessária quando se tratar de direitos sociais de eficácia contida, porque a
realização desses direitos depende da disponibilidade de meios, bem como da progressiva
implementação e execução de políticas públicas na esfera socio-econômica.
Muitos direitos sociais previstos na Constituição, tais como previdência social,
assistência social e moradia, dependem de intervenção legislativa, através de lei ordinária,
22
para serem concretizados, por isso são considerados regras de baixa densidade normativa.
Mesmo assim, sempre estarão aptos a gerar um mínimo de efeitos jurídicos, sendo, de acordo
com o caso, diretamente aplicáveis, até porque, como disposto no art. 5º, § 1º, da
Constituição, nenhuma norma constitucional é destituída de eficácia, por menor que seja sua
densidade normativa. Como diz Sarlet (2007), todos os direitos fundamentais sociais têm
eficácia, seja reduzida, seja plena.
Segundo Barroso (2001), as normas constitucionais que expressem uma finalidade a
ser perseguida, sem indicarem os meios para tanto, conferem aos particulares o direito de
obter decisões judiciais orientadas no sentido e na direção preconizadas. Ele adverte que a
formulação aberta e vaga dos direitos sociais não possui o condão de impedir sua
aplicabilidade imediata e plena eficácia, constituindo-se tarefa precípua dos tribunais a
determinação do conteúdo dos preceitos normativos, por ocasião de sua aplicação, pois a
dignidade humana é, conforme o inciso III do artigo 1º da CF de 1988 (BRASIL, 1988), um
dos objetivos da Federação, cabendo ao Estado garantir um patamar mínimo de direitos que
assegurem a sobrevivência humana.
2.4.3 DIREITO AO MÍNIMO EXISTENCIAL
A noção de mínimo existencial, como condição material que assegura uma vida com
dignidade, teve sua elaboração na Alemanha, com Otto Bachof, em 1950, em decorrência do
princípio da dignidade da pessoa humana. Posteriormente, o Tribunal Constitucional Federal
da Alemanha reconheceu tal direito em algumas decisões. Uma de suas definições é a
seguinte:
O mínimo existencial é a parte do consumo corrente de cada ser humano,
seja criança ou adulto, que é necessária para a conservação de uma vida humana
digna, o que compreende a necessidade de vida física, como a alimentação,
vestuário, moradia, assistência de saúde, etc. (mínimo existencial físico) e a
necessidade espiritual-cultural, como educação, sociabilidade, etc. (TREISH, 1999,
p. 01, apud LEIVAS, 2006, p. 135).
De acordo com Alexy (1993), podem ser exigidas do Estado prestações fáticas,
quando a competência orçamentária do legislador e os direitos fundamentais de terceiros
forem pouco afetados, mas ainda que existam restrições orçamentárias, devem ser satisfeitos
aquelas que correspondam a um padrão mínimo, o mínimo existencial, como é o caso dos
23
direitos à formação escolar e profissional, a uma moradia simples e a um padrão mínimo de
atendimento na área da saúde.
A garantia do mínimo existencial, conforme Sarlet (2007), independe de expressa
previsão constitucional para ser reconhecido, visto que decorre da proteção da vida e da
dignidade da pessoa humana, que tem amparo na Constituição Federal, em seu art. 1º, inciso
III.
Por seu caráter existencial e expressão do próprio direito à vida, o mínimo existencial,
integra aquilo que na esfera internacional tem sido designado de direito a um adequado
padrão de vida, vinculando o Estado, os poderes públicos e legisladores, conforme Canotilho
(1991, p. 34) à proteção do direito à vida, no que se refere, explica, “ao domínio das
prestações existenciais mínimas, escolhendo um meio (ou diversos meios) que tornem efetivo
este direito, e, no caso de só existir um meio de dar efetividade prática, devem escolher
precisamente esse meio”.
Para Barcellos (2002), os direitos que integram um padrão mínimo são os seguintes:
educação fundamental, saúde básica, assistência aos desamparados e o acesso à justiça. Sobre
isso, contudo, não há consenso, o limite vai depender da extensão da proteção social em cada
realidade nacional.
A existência de um patamar mínimo de direitos acarreta sanções ao Poder Público,
caso não haja prestação. Barroso (2005) diz que, no caso de não ser possível, por exemplo, o
acesso ao ensino fundamental público e gratuito pela inexistência ou comprovadamente
insuficiência dos recursos materiais disponíveis (escolas, salas de aula, vagas, professores,
etc.), é possível a condenação do poder público a uma obrigação de fazer, por exemplo, a
construção de uma escola, ou mesmo a matrícula em escola particular às expensas do poder
público, restando, ainda, a possibilidade de exigir-se do Estado o pagamento de uma
indenização pela omissão.
O Brasil é Estado Democrático de Direito e, como tal, comprometido com a proteção e
efetivação dos direitos fundamentais de todas as pessoas, por conseguinte, possui, no seu
arcabouço jurídico e institucional, mecanismos para evitar violações e repará-los. Há várias
maneiras de realizar as prestações vinculadas ao direito ao mínimo existencial, incumbindo ao
24
legislador dispor sobre forma, montante e condições de fruição e, conforme Sarlet (2007),
podem os tribunais decidir sobre o padrão existencial mínimo e, no caso de omissão ou desvio
de finalidade por parte do órgão legiferante, fazê-la cumprir, uma vez que cabe-lhes o dever
de dar efetividade a todas as normas de direitos fundamentais, dando-lhes eficácia plena. E se
o poder público não dispor dos recursos necessários? Esse é o aspecto enfocado a seguir.
2.4.4 A RESERVA DO POSSÍVEL
A implementação de políticas públicas necessita de recursos públicos, ou seja, só pode
ocorrer se houver disponibilidade orçamentária, constituindo-se a chamada reserva do
possível fática. Esta por seu turno, depende de previsão orçamentária, que é a reserva do
possível jurídica.
Para Amaral (2001), não se pode impor obrigações de fazer à Administração, que
requeiram investimento público, quando ausente disponibilidade financeira ou orçamentária.
Já para Sarlet (2007), a indisponibilidade de recursos precisa ser comprovada, total ou
parcialmente, assim como o não desperdício dos recursos existentes, em outras finalidades.
A realização dos direitos sociais, conforme Gomes (2003), pode até sofrer a incidência
da limitação fática da reserva do possível, desde que não se trate de proporcionar condições
existenciais mínimas, porque estas não geram excessiva carga para o orçamento público,
requerendo um mínimo de investimento. Para Eros Grau (1997), a alegação de reserva do
possível fática constitui uma inversão de valores, pois privilegia a legislação orçamentária em
detrimento de imposições constitucionais. Esta não pode constituir um limite intransponível,
até porque, se fosse assim, um direito social sob “reserva dos cofres cheios” equivaleria, na
prática, a nenhuma vinculação jurídica, e quem governa, num Estado Democrático de Direito,
é a Constituição, e os poderes constituídos são obrigados a respeitar a opção do Constituinte,
pelo menos no que diz com seus elementos essenciais, que serão os limites à liberdade de
conformação do legislador.
A alegação de falta de previsão orçamentária, de acordo com Gomes (2003), também é
inadequada, pois impossibilita a restauração da ordem jurídica violada, pela omissão
25
administrativa de incluir no orçamento o gasto público necessário para atender a uma
necessidade social, e a falta de controle ou correção de tal conduta não pode ser admitido num
Estado Democrático de Direito.
Assim, se a Constituição Federal já apontou determinada política como prioritária, tal
como a saúde, não pode o administrador deixar de alocar recursos para sua efetivação, e em
caso de omissão, pode ser obrigado a fazê-lo por decisão judicial. Desse modo, nada impede
que o Poder Judiciário “ordene a realização da incumbência devida pela administração e,
alternativamente, a disponibilização, em orçamento, do valor necessário para a consecução da
sua obrigação legal” (MARINONI, 2000, p. 119-120). Se a Constituição Federal,
complementa Garcia (2004), elege determinado interesse como especialmente protegido,
como a educação fundamental, não pode o estado ou o município alegar insuficiência
orçamentária para não ter escola no seu território, podendo nesse caso o Ministério Público
ajuizar ação civil pública para que tal serviço seja oferecido, para dar cumprimento à
exigência constitucional.
Há um núcleo de direitos positivos ligados ao mínimo existencial sempre exigível,
quedando os demais direitos positivos sob a reserva do possível. Tais direitos são tão
importantes que sua outorga ou não-outorga não deve ficar ao alvedrio dos governantes. Os
representantes eleitos através do princípio da maioria democrática não devem ser os únicos a
ditarem quais devem ser as políticas públicas a serem implantadas, pois a maioria pode não
ter sempre razão.
Num Estado em que o povo carece de um padrão mínimo de prestações sociais para
sobreviver, onde pululam cada vez mais cidadãos socialmente excluídos e onde quase meio
milhão de crianças são expostas ao trabalho e seus pais não tem nenhum, os direitos sociais
não podem ficar reféns de condicionamentos do tipo reserva do possível.
Não se trata de desconsiderar que o Direito não tem capacidade de gerar recursos
materiais para sua efetivação, tampouco negar que apenas se pode buscar algo onde algo
existe. Não é este o caso, pois aquele “algo” existe e sempre existirá, só que não se encontra
devidamente distribuído, cabendo, conforme Cunha Júnior (2004), ao Ministério Público e ao
Poder Judiciário, na atividade de controle das omissões do poder público, determinar a
redistribuição dos recursos públicos existentes, retirando-os de outras áreas (fomento
26
econômico a empresas concessionárias ou permissionárias mal administradas; serviço da
dívida; mordomias no tratamento de certas autoridades políticas, como jatinhos, palácios
residenciais, festas pomposas, seguranças desnecessários, carros de luxo blindados, comitivas
desnecessárias em viagens internacionais, pagamento de diárias excessivas, manutenção de
mordomias a ex-Presidentes da República; gastos em publicidade, etc.) para destiná-los ao
atendimento das necessidades vitais do homem, a fim de oferecer-lhe condições mínimas de
existência.
Assim sendo, a alegação de reserva do possível não pode prevalecer quando se tratar
da efetivação de direitos sociais necessários para garantir o mínimo existencial, que se
constitui das obrigações eleitas como prioritárias a serem atendidas pelo Poder Público
segundo a Constituição Federal.
Os direitos sociais, o mínimo existencial e a teoria da reserva do possível no cotidiano
brasileiro serão expostos a seguir.
2.5 OS DIREITOS SOCIAIS
2.5.1 DESIGUALDADE SOCIAL E DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios produzida
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2005, 59,1% da população
brasileira de pessoas com 10 anos ou mais de idade tinham rendimento de no máximo 2
salários mínimo, sendo que destes, 10,1% ganharam até ½ salário mínimo. Por outro lado,
11,5% não teve qualquer rendimento. Dessa forma, praticamente um quarto da população não
tem rendimento ou recebe até ½ salário mínimo.
O Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2006)
considera o Brasil o 10º país mais desigual do mundo, com Índice de Desenvolvimento
Humano - IDH de 0,580. Embora tenha havido uma redução da desigualdade e um aumento
progressivo do índice ao longo dos últimos anos, fica atrás dos países desenvolvidos, dos
países do Cone Sul da América Latina e da maioria dos países do Leste Europeu e do Sudeste
Asiático.
27
Tal realidade demonstra que ainda estão longe de serem alcançados os
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, definidos no art. 3º da Constituição
de 1988:
Art. 3º. [...]
I) construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II) garantir o desenvolvimento nacional;
III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais;
IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O papel do Estado na redução das desigualdades sociais e econômicas tem sido objeto
de discussão permanente dos mais diversos estudiosos. Para o cientista político norte
americano, John Rawls (2003), as desigualdades devem satisfazer duas condições: primeiro,
estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade eqüitativa
de oportunidades; e, em segundo lugar, beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos
da sociedade.
Por conseguinte, Rawls não é contrário à diferença de ganhos e riquezas, posto
que, para ele, as diferenças de posses levam a um aumento da produção e porque, com o
passar do tempo, os ganhos maiores servem para custear treinamento e educação, para
determinar responsabilidades e estimular as pessoas a assumi-las. Dessa forma, valem como
um incentivo aos cidadãos menos favorecidos. Mas, “o índice maior de bens primários de um
grupo [...] só se justifica se contribuir para o índice do outro grupo” e “as desigualdades
existentes devem efetivamente beneficiar os menos favorecidos, caso contrário, não são
permissíveis” (RAWLS, 2003, 88). Dessa forma, “Seja qual for o nível geral de riqueza [...]
as desigualdades existentes têm de satisfazer a condição de beneficiar os outros tanto como a
nós mesmos” (RAWLS, 2003, 91).
Portanto, empresários, funcionários de alto escalão, médicos, advogados e demais
profissionais liberais que conseguiram obter sucesso na vida, tem, nessa concepção, como
condição para obterem bens pessoais em excesso ou além de suas necessidades, que
empregar seus talentos para a melhoria da vida dos menos afortunados, como os trabalhadores
braçais, assalariados e funcionários públicos de baixo escalão.
28
Para isso, é preciso a intervenção do Estado, pois se as pessoas mais afortunadas
tiverem uma obrigação apenas moral de contribuírem com a melhoria de vida dos menos
afortunados, não se terá garantia alguma de que tal objetivo seja alcançado.
Nas Constituições brasileiras, como os direitos direitos sociais foram efetivados? A
resposta é o tema do item seguinte.
2.5.2 DIREITOS SOCIAIS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
Na Constituição Federal de 1988 os direitos fundamentais alcançaram significativa
relevância. Isso, em parte, por ter sido elaborada sob inspiração de movimentos que
postulavam não apenas o fim de uma ordem ditadorial, que vigorou por vinte e um anos, mas
também a instituição de um Estado Democrático de Direito.
A preocupação com os direitos sociais no Brasil tem origem na Constituição de 1934.
Nessa época, sob influencia das Constituições de Weimar e Bonn, da Alemanha, trataram-se
de temas como a subordinação do direito de propriedade ao interesse social, regulação da
ordem econômica, criação da Justiça do Trabalho, salário mínimo, direito de férias anuais ao
trabalhador, amparo à maternidade e à infância, socorro às famílias de prole numerosa. Além
disso, colocou, sob proteção especial do Estado, a educação e a cultura.
Essa preocupação foi mantida com a Constituição de 1946. Dessa feita, ressaltou-se o
primado da Sociedade sobre o Estado, com a valorização do homem como pessoa. Assim,
desde a década de 1930, o Estado brasileiro deixou de preocupar-se unicamente em garantir a
liberdade, o laisse-faire, para adotar uma postura ativa no desenvolvimento da democracia.
Porém, o ponto máximo da evolução dos direitos sociais no Brasil ocorreu com a
Constituição de 1988. Essa, no trato dos direitos fundamentais, inspirou-se na Constituição de
Bonn de 1949, na forma e na substância, mas ultrapassou-a, segundo Bonavides (2005). Ela
supera o Direito Constitucional clássico, substituindo sua imobilidade e indiferença aos
problemas de cunho social, pela previsão dos meios de juridicizar questões sociais relevantes,
como a proteção aos direitos sociais, através de mecanismos como o mandado de injunção,
previsto no art. 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal de 1988:
29
Art. 5º. [...]
LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;(BRASIL,
1988)
Além do mandado de segurança coletivo, previstos, no art. 5º, incisos LXX e LXXI:
LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de
seus membros ou associados;(BRASIL, 1988)
E da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, prevista no art. 103, § 2º:
Art. 103. [...]
§ 2º. Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar
efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção
das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo
em trinta dias.
Esses instrumentos jurídicos levaram o cumprimento dos direitos sociais para os
tribunais.
2.5.3 EFICÁCIA DOS DIREITOS NOS TRIBUNAIS
Um dos mais importantes instrumentos à disposição do cidadão é o acesso à justiça,
através da qual podem ser reclamados os direitos sociais. Segundo SANTOS (1996, p. 167), o
acesso à justiça é um direito:
cuja denegação acarretaria a de todos os demais. Uma vez destituídos de
mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os novos direitos sociais e
econômicos passariam a meras declarações políticas, de conteúdo e função
mistificadores.
Dentre outros Tribunais, o Supremo Tribunal Federal-STF, em julgamento de recurso
extraordinário, já se manifestou a respeito da eficácia de alguns direitos prestacionais, dentre
os quais a saúde e a educação. Quanto à primeira, o STF entendeu que o princípio de
obediência à competência orçamentária não tem valor absoluto e que, em detrimento desta, os
direitos fundamentais sociais têm uma relevância maior. Com esse fundamento, foi garantido
30
ao portador do vírus da AIDS, destituído de recursos financeiros, o direito de obter
fornecimento gratuito de medicamentos, no acórdão abaixo:
E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE
RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE -
FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER
CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) -
PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À
SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL
INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde
representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas
pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico
constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira
responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas
sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles
portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e
médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito
fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional
indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera
institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode
mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda
que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A
INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por
destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a
organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa
constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o
cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade
governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. -
O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita
de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus
HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República
(arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente
e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada
têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua
essencial dignidade. Precedentes do STF. (BRASIL, STF, 2006).
O mesmo entendimento tamm foi manifestado em recurso extraordinário que julgou
ser obrigação do poder público municipal assegurar o atendimento em creche e pré-escola de
criança até os seis anos de idade, não podendo ser oposta alegação de reserva do possível ou
da impossibilidade do Judiciário tomar decisões em matéria de políticas públicas:
E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ
SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA -
EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO
CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO
DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA
EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO
MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A educação
infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças,
31
a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa
do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola
(CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado,
por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a
obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira
concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o
efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de
configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por
inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe
impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-
se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de
concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública,
nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios -
que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art.
211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente
vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da
República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-
administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das
crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a
comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera
oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e
executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário,
determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de
políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas
pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento
dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório -
mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais
impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à 'reserva do possível'.
Doutrina. (BRASIL, STF, 2000)
Porém, como disse Rousseau (1991), assim como a vontade particular age sem cessar
contra a vontade geral, o Governo despende um esforço contínuo contra a soberania popular.
Embora a maioria dos direitos sociais estabelecidos na Constituição já tenham sido objeto de
regulação e implementação por diversas políticas públicas, alguns ainda não o foram, a
exemplo do direito de greve dos servidores públicos no Brasil. Nestes casos, caso o Poder
Legislativo não elabore a lei, o Poder Judiciário pode ser chamado para suprir a falta da
norma regulamentadora, por meio de Mandado de Injunção, previsto no art. 5º, inciso LXXI
da CF/88.
Mas o mandato de injunção, conforme Moraes (2005), até bem pouco tempo, era um
instrumento quase sem utilidade, pois a jurisprudência dominante no STF, atribuía-lhe
finalidade específica de ensejar o reconhecimento formal da inércia do Poder Público, tal
como a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Essa, no entanto, consiste numa
recomendação ao Poder Legislativo para que legisle, quando omisso na regulamentação de
um direito fundamental.
32
Assim, tal entendimento não estava conforme a nova ordem constitucional,
decorrendo, talvez, do fato de que os membros da cúpula do Poder Judiciário, ministros do
Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, serem escolhidos pelo presidente da
República, o que pode influenciar suas decisões contra os interesses governamentais.
Recentemente, porém, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento dos
Mandados de Injunção nºs 670, 708, 712, por maioria de votos, que o direito de greve no
serviço público pode ser exercido de imediato, aplicando-se a regulamentação prevista na lei
geral de greve para os trabalhadores da iniciativa privada, a lei n. 7.783/89. Os Ministros do
STF decidiram suprir a omissão do Congresso e aplicar a lei do setor privado enquanto não
for aprovada a lei específica do setor público. Também deliberou que, no exame de cada caso,
a Justiça poderá rejeitar a validade de determinadas normas da lei 7.783/89 que não valham
para o setor público. Os ministros chegaram a cogitar em dar 60 dias para Congresso aprovar
a lei, mas desistiram da fixação do prazo, já que a iniciativa de propor o projeto é exclusiva do
governo.
Esse novo entendimento, de que o direito de greve do servidor público pode ser
exercido de imediato, independentemente da existência de lei que o regulamente de modo
específico, resulta na prevalência da interpretação que privilegia a eficácia das normas que
instituíram os direitos fundamentais, ainda não regulamentadas por injustificável inércia do
Poder Legislativo.
A atuação do Ministério Público será analisada no ítem seguinte, desde seu
surgimento até sua função na atualidade.
33
3 O MINISTÉRIO PÚBLICO
3.1 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO NO MUNDO
O Ministério Público, como órgão organizado em corpo único, é uma instituição
recente. Mas já existiram outras instituições com características semelhantes ao longo da
história.
Havia já no antigo Egito empregados reais, ou inspetores, cuja função assemelhava-se
à do Ministério Público. Há mais de quatro mil anos atrás, a dinastia dos Ptolomeus criou
inspetores especiais que eram indispensáveis para iniciar e prosseguir qualquer processo,
chamados magiai. A eles competia também “castigar rebeldes, reprimir violentos e proteger
cidadãos pacíficos; acolher petições do homem justo e verdadeiro; fazer ouvir as palavras da
acusação, indicando as disposições legais em cada caso; proteger as viúvas e órfãos”, dentre
outras (PAES, 2003, p. 23)
Na Grécia antiga costuma-se dizer que não houve Ministério Público, porque não
havia um acusador público oficial. Deixava-se às vítimas do crime e a sua família a
instauração do processo contra o responsável. A acusação era exercida por grandes oradores,
sem uma imparcialidade própria da instituição atual. Por outro lado, a amplitude do exercício
da cidadania por aqueles que a possuíam e a consciência dos direitos por todos aqueles que
eram considerados cidadãos (os homens livres), tornava menos necessária a existência de uma
instituição com a função de defendê-los (PAES, 2003).
Em Roma, no tempo do império, aponta-se os procuratores Caesaris e os advocati
fisci, funcionários que tinham o dever de defender o Estado romano e o tesouro de César,
respectivamente, como precedentes do Ministério Público . Havia, porém, outras cinco
instituições romanas com alguma das características do Ministério Público, sem que
nenhumas delas se identifique com a instituição atual: os censores, vigilantes da moralidade
pública; os defensores da cidade, criados para comunicar ao imperador a conduta dos
funcionários; os irenarcas, oficiais de polícia; os presidentes de questões perpétuas; e os
procuradores dos césares (CUNHA RODRIGUES, 1999, apud PAES, 2003),.
34
Na Idade Média o direito visigodo possuiu os sayons, que tinham a característica de
órgão da acusação. Segundo João Monteiro (1956):
Ao lado das funções fiscais propriamente ditas, sentinelas do tesouro,
verdadeiros carrascos dos devedores da fazenda pública, tinham os saions franca e
permanente ingerência em longa série da mais rigorosa fisionomia civil. [...] 'eram
inspetores, diretores e executores de todas as sentenças dos tribunais; presidiam
juntos a abertura dos juízes; constrangiam aos contumazes; punham-se francamente
ao lado dos que tinham injustiças a reparar ou injúria a vingar; tutelavam o interesse
da lei e o de eqüidade; faziam restituir bens aos espoliados, indenizar os fiadores dos
devedores ingratos, ressarcir viúvas pobres e pupilos enganados por tutores
desleais'(apud PAES, 2003, p. 31-32)
Sob Carlos Magno, em 800 d. C., foram criados os missi dominici, que tinham por
função reprimir abusos dos funcionários do rei e ouvir queixas, exercendo a vigilância da
monarquia como enviados do rei no controle da administração e da justiça.
A origem do Ministério Público como instituição, todavia, deu-se na França, em 23 de
março de 1302, quando Felipe, o Belo, mediante uma ordennance, reuniu os procuradores
com atribuição de administrar seus bens, e seus advogados, que defendiam seus interesses
privados em juízo, numa instituição designada genericamente les gens du roi. Assim, foram
consagrados a defender unicamente os interesses do rei diante dos tribunais. Com o passar do
tempo, contudo, a instituição deixou de defender apenas os interesses privados do monarca,
começando a exercer a defesa dos interesses gerais da sociedade, o que constituía uma
ambivalência de funções. Pouco a pouco a segunda função acabou suplantando a primeira, e
os procuradores tornaram-se verdadeiros magistrados, cessando de defender os interesses do
rei para se consagrar à defesa dos interesses da sociedade perante os tribunais (ROGER
PERROT, 1986, apud PAES, 2003)
Posteriormente, após a Revolução Francesa, a legislação revolucionária, ao adotar
como princípio a separação dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, deu solidez à
instituição do Ministério Público, conceituando-o como órgão do Poder Executivo, ao qual
ajuntava funções de inspeção e gestão perante a administração da justiça. Estava criado um
órgão através do qual o governo do Estado velaria pelo correto curso da administração da
justiça em todos os ramos e como responsável pela legalidade na atuação de todos os tribunais
(ZAFRA, 1961, apud PAES, 2003). Tal ocorreu diante das desconfianças em relação ao
Poder Judiciário por causa dos excessos cometidos, embora o Ministério Público tamm
estivesse um tanto desgastado perante a opinião pública, pois em certas ocasiões tendia a
35
confundir os interesses públicos com os da realeza (REIS, 1905, apud PAES, 2003). Mesmo
assim, embora seus membros estivessem obrigados a executar instruções e ordens do rei,
tinham conseguido guardar uma certa independência, enfrentando por vezes o poder, com
recusa de efetivar ordens que lhes pareciam contrárias ao bem do reino (CUNHA
RODRIGUES, 1999)
A Assembléia Nacional Constituinte francesa de 1789 dividiu as funções do
Ministério Público em dois órgãos distintos: Comissário do rei, a quem correspondia a missão
exclusiva de vigiar a aplicação da lei e a regular execução das decisões judiciais; e o
Acusador Público, eleito pelo povo e que tinha a função de fazer a acusação dos réus. Estas
funções foram conservadas até nossos dias.
Dessa forma, depois da Revolução Francesa, e de acordo com seus novos princípios, o
Ministério Público se transformou de defensor dos interesses do rei, do Estado, a fiscal dos
interesses da sociedade, passando a ser um guardião da legalidade, da democracia e dos
direitos dos cidadãos.
Hoje, o Ministério Público na França é considerado uma magistratura especial com o
objetivo de representar a sociedade e em seu nome requerer a aplicação das leis, velar pela
legalidade, executar decisões judiciais que se referem à ordem pública e defender interesses
de incapazes. Uma de suas principais características é que seus integrantes são considerados
magistrados, para os quais se exige as mesmas qualificações dos juízes para ingresso na
carreira. Estão sob a autoridade do Ministro da Justiça (Garde des Sceaux), que pode solicitar
que a instituição apóie uma determinada posição de interesse do Estado ante o Tribunal
(PAES, 2003).
3.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL
Conforme Paes (2003, p. 169-170), no Brasil, a Constituição Política do Império,
outorgada após a proclamação da independência, em 25 de março de 1824, já continha uma
disposição a respeito do Ministério Público, em seu art. 48, que dizia: “no juízo dos crimes
cuja acusação não pertence à Câmara dos Deputados, acusará o procurador da coroa e
soberania nacional”.
36
O Código de Processo Penal do Império, de 1832, definiu o Promotor como órgão da
sociedade, titular da ação penal, enquanto a Lei n. 261, de 03 de novembro de 1841
estabeleceu que os promotores seriam nomeados pelo imperador no município da Corte e
pelos presidentes nas províncias, servindo por tempo indeterminado, enquanto conviesse ao
serviço público. A própria Lei do Ventre Livre, Lei n. 2.040 de 28/09/1871, deu uma função
ao promotor, a de protetor dos fracos e indefesos, estabelecendo que deveria velar para que os
filhos livres de mulheres escravas fossem registrados (PAES, 2003).
Na exposição de motivos do Decreto n. 848, de 11/10/1890, o Ministério Público foi
definido como instituição necessária em toda organização democrática e imposta pelas boas
normas da justiça, representada nas duas esferas da Justiça Federal, por um Procurador-Geral
da República e por procuradores seccionais, um em cada Estado, com a competência de velar
pela execução das leis, decretos e regulamentos que deviam ser aplicados pela Justiça Federal
e promover a ação pública onde ela conviesse, com independência resguardada (PAES, 2003,
p. 170).
Todavia, a primeira norma a dar tratamento de instituição ao Ministério Público foi o
Decreto n. 1.030, de 14-11-1890, através do estabelecimento de atribuições, garantias e
estabilidade a seus membros, tendo o Procurador-Geral da República como chefe. A
Constituição de 1891 fez-lhe apenas uma referência, dizendo que o Procurador-Geral da
República seria nomeado pelo Presidente da República dentre os membros do Supremo
Tribunal Federal (PAES, 2003).
A primeira Constituição a dar tratamento de instituição ao Ministério Público foi a de
1934, colocando-o em capítulo destacado dos três poderes tradicionais, como órgão de
cooperação das atividades governamentais. Dispôs que seria organizado a nível federal e
estadual. O seu chefe na órbita federal seria o Procurador-Geral da República, escolhido pelo
Presidente da República, com aprovação do nome pelo Senado Federal, dentre cidadãos que
cumprissem os mesmos requisitos dos ministros da Suprema Corte, com mesma remuneração
e exonerável a qualquer tempo, como aqueles. Os cargos dos membros seriam providos por
concurso, sendo que seus titulares não poderiam perdê-los, a não ser por sentença judicial ou
processo administrativo, após ampla defesa. Estabeleceu também a proibição do exercício de
outra função pública pelo membro do órgão, salvo o magistério (PAES, 2003, p. 173).
37
Já a Constituição de 1937 representou um retrocesso na organização do Ministério
Público, tratando-o num único artigo, situado dentro da organização do Poder Judiciário e
estabelecendo que o Procurador-Geral da República deveria ser ouvido no caso de pagamento
de dívidas pela Fazenda Nacional. Ainda assim, o Código de Processo Civil de 1939 dispôs
sobre a necessidade de sua intervenção em diversas situações, na condição de fiscal da lei, por
meio da apresentação de um parecer sobre a causa após a manifestação das partes.
Foi a Constituição de 1946 que deu tratamento ao Ministério Público como órgão
independente, separado dos demais poderes, mas previu que o mesmo representaria a União
em Juízo, exercendo a partir daí a função de advogado do Estado, o que lhe retirava a
independência necessária para atuar em defesa da sociedade. O Procurador-Geral era
escolhido pelo Presidente da República e exonerável a qualquer tempo e os membros
adentravam no cargo por concurso público, sendo estáveis após dois anos de exercício.
Na Constituição de 1967 o Ministério Público foi incluído no capítulo referente ao
Poder Judiciário, permanecendo o regime jurídico da constituição anterior, com a novidade de
equiparação entre os membros da instituição e os juízes, no que tange a salários e
aposentadoria, tal como foi feito em constituições européias como a italiana e a espanhola.
Esta última, porém, atualmente dá ao órgão uma natureza jurídica e política independente do
Poder Judiciário (PAES, 2003, p. 175).
A Emenda Constitucional n. 1, de 1969, considerada uma verdadeira Constituição,
alterou mais uma vez a disciplina da instituição ministerial, que voltou a integrar o Poder
Executivo, sujeitando-o, assim, à hierarquia interna do Governo.
Um Ministério Público independente só veio a existir com a Lei Complementar n. 40,
de 14/12/1981, (Lei Orgânica do MP). Até então, a principal função do órgão era a defesa dos
interesses do Estado, o que dificultava a defesa dos interesses sociais, inclusive pela
dependência em relação ao Poder Executivo, em virtude da qual não podia atuar contra a
administração pública.
Segundo Porto (2006), após o golpe militar de 1964, o Ministério Público encontrava-
se na difícil tarefa de tentar mudar o conceito de interesse público, para com base nele atuar, e
ser ao mesmo tempo o braço institucional do regime militar, que procurava institucionalizar a
38
revolução, para governar não só pela força, mas também pela lei. Nessa época, o Procurador-
Geral da República exercia uma função fundamental no regime, uma vez que possuía, apenas
ele, o poder de propor a representação de inconstitucionalidade de leis atos normativos
federais e estaduais, de modo que, quando a oposição tentou recorrer ao Supremo Tribunal
Federal para declarar inconstitucionais os Atos Institucionais, esbarrou no monopólio do
Procurador-Geral, que podia arquivar as representações feitas pela oposição.
Com a Emenda Constitucional de 1969, o Procurador-Geral passou a ser nomeado e
demitido pelo Presidente da República, e a possuir poderes que poderiam ser utilizados contra
membros do Congresso Nacional. A instituição adquiriu muito vigor, mas não tinha
autonomia, uma vez que estava sujeita ao Poder Executivo, que podia demitir seu chefe, o
Procurador-Geral. Essa é uma constatação de que o Ministério Público, em regimes
autoritários, nunca tem a mesma dimensão e importância que possui em regimes
democráticos, conforme Mazzilli (1999, p. 89):
O Ministério Público pode existir seja num regime autoritário, seja num
regime democrático; poderá ser forte tanto num como noutro caso; porém, só será
verdadeiramente independente num regime essencialmente democrático, porque não
convém a governo totalitário algum que haja uma instituição ainda que do próprio
Estado, que possa tomar, com liberdade, a decisão de acusar até mesmo os próprios
governantes ou de não processar os inimigos destes últimos.
Para Porto (2006), embora não possuísse autonomia, o Ministério Público, a partir de
então ocupou-se da função de tutor do interesse público, e permaneceu com ela após a
redemocratização. A instituição ministerial defendeu idéias vanguardistas na época da
ditadura, atendendo ao clamor por um órgão que protegesse os valores democráticos. Por isso,
Arantes (2002) entende que não foi a Constituição de 1988 que deu ao Ministério Público um
novo perfil, mas apenas formalizou uma característica que já se vinha observando :
O que hoje se valoriza no Ministério Público como contribuição para a
democracia no Brasil – seu novo perfil institucional – foi-lhe atribuído em grande
medida antes do pacto constitucional de 1988 [...] houve mais continuidade do que
ruptura em 1988, do ponto de vista tutelar do papel institucional do Ministério
Público, especialmente no que diz respeito à fiscalização do interesse público, cada
vez mais identificado com os interesses gerais da sociedade (apud PORTO, 2006, p.
46).
39
As funções do Ministério Público, porém, em instâncias superiores, eram exercidas
por membros do Poder Judiciário. Fora isso, deveria cumprir as ordens do governo da
República bem como defender os interesses da União, o que só deixou de ocorrer de fato em
1993, com a entrada em vigor das Leis Complementares do Ministério Público da União e da
Advocacia Geral da União, que regulamentaram essas instituições de forma separada, como
previsto na Constituição de 1988.
Nos Estados, a organização da instituição se dava de modo bastante diversificado, o
que prejudicava uma caracterização uniforme. Diante disso, para o fim de unificar a
organização dos Ministérios Públicos Estaduais, em 1981 foi publicada a Lei Complementar
n. 40, dita Lei Orgânica do Ministério Público. Tão importante foi a edição desta lei para a
caracterização atual do Ministério Público que a Constituição de 1988 praticamente apenas
repetiu a definição de Ministério Público e os princípios da unidade, da indivisibilidade e da
independência funcional, que nela já constavam.
Mas foi a Constituição de 1988, através da previsão expressa daqueles princípios em
seu texto, dentre outras disposições, que deu realmente autonomia e independência ao
Ministério Público Brasileiro, tornando-o uma instituição singular, o que será analisado no
item a seguir.
3.3 CARACTERÍSTICAS ATUAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público, na Constituição Espanhola, tem por função:
Promover a ação da justiça em defesa da legalidade, dos direitos dos
cidadãos e dos interesse público tutelado pela lei, de ofício ou por petição dos
interessados, assim como velar pela independência dos Tribunais e procurar perante
estes a satisfação do interesse social (PAES, 2003, p. 276).
Na Constituição Portuguesa, a atribuição é semelhante, mas ele acumula a função de
advogado do Estado, cabendo-lhe:
Representar o Estado, defender os interesses que a lei determina, assim
como [...] participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de
40
soberania, exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a
legalidade democrática (PAES, 2003, p. 276).
Já na Constituição italiana, sua função é restrita: obrigação de desenvolver a ação
penal (PAES, 2003).
No Brasil a Constituição de 1988 estruturou o Ministério Público dando-lhe
independência, autonomia e garantias para possibilitar um desempenho eficiente de suas
funções. Conferiu-lhe importância e estrutura no Estado, destinando-lhe um papel na
sociedade que não tem precedente nas Constituições anteriores. Situou-o dentro de um
capítulo próprio, intitulado “Das Funções Essenciais à Justiça” e conceituou-o como
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe da defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Desse modo, a função jurisdicional do Estado não pode ser exercida sem o Ministério
Público. No Direito Brasileiro, sempre que há um especial interesse a proteger, a lei lhe
confere atribuição de defender esse interesse (PAES, 2003)
O Ministério Público brasileiro não encontra similar em outros países, no que diz
respeito à autonomia que possui, à diversidade de suas funções, especialmente na área cível, e
à independência, de direito e de fato que seus membros dispõem.
Conforme Teixeira (2004), os princípios informadores do Ministério Público são a
unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. O primeiro, da unidade, significa
idêntica natureza e objetivo comum dos diversos ministérios exercidos por cada um dos
membros da Instituição, que é nacional, e cujo objetivo é a defesa da sociedade.
Organizacionalmente, não existe vínculo entre o Ministério Público da União e os dos
Estados, ou entre estes, constituindo-se o Ministério Público de cada ente um órgão
autônomo, segundo Mazzili (2001, p. 155):
unidade significa que os membros do Ministério Público integram um só
órgão sob a direção de um só chefe; indivisibilidade significa que esses membros
podem ser substituídos uns pelos outros, não arbitrariamente, mas segundo a forma
estabelecida na lei. Entretanto, nesse sentido, não há unidade ou indivisibilidade
alguma entre os membros de Ministérios Públicos diversos.
Já o princípio da independência funcional significa que o membro do Ministério
Público não está submetido a qualquer autoridade interna ou externa, a qualquer tipo de
41
hierarquia, devendo atuar conforme sua consciência na defesa da Constituição e das Leis, o
que não se dá da mesma forma no Ministério Público francês, que é uno, indivisível, mas
hierarquizado (PAES, 2003).
As garantias do Ministério Público estão previstas nos §§ 2º e 3º do art. 127 da
Constituição Federal, que conferem-lhe autonomia funcional, administrativa e e orçamentária:
Art. 127. [...]
§ 2º. Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e
administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder
Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por
concurso público de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira;
a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.
§ 3º. O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos
limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias (BRASIL, 1988).
Assim, foi-lhe assegurada autonomia funcional e administrativa, com possibilidade de
propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, assim
como autonomia financeira para elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites
estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
A instituição hoje é independente e autônoma em relação ao Poder Executivo, tendo
como sua atribuição principal defender a sociedade. Mas sua autonomia política é relativa,
pois o Procurador-Geral da República continua a ser nomeado pelo Presidente da República,
dentre membros da carreira, como prevê o art. 128, § 1º, da Constituição Federal.
O Ministério Público desfruta de liberdade de ação, razão pela qual pode voltar-se
para os temas mais relevantes na sociedade. Sua liberdade é atuação é maior que a da
magistratura, conforme Costa (2003, p. 163):
Acho que, na verdade, o que se deu ao Ministério Público não foi o que foi
dado à magistratura, porque essas garantias são garantias da função, e o Ministério
Público, diferentemente da magistratura, tem a iniciativa do exercício da sua função.
Isso, portanto, dá a ele um campo muito maior de atuação em que essas garantias
vêm a ser exercitadas. Na verdade, e se se considerar também que a atuação do
Ministério Público se faz, sim, perante o juízo, mas também e cada vez mais
extrajudicialmente, a dimensão dessas garantias, o âmbito e o alcance delas é muito
maior do que o da magistratura, embora sejam nominalmente as mesmas.
Alfredo Valadão (1973), chegou a dizer que se Montesquieu tivesse escrito hoje o
Espírito das Leis, por certo não seria tríplice, mas quádrupla a divisão dos Poderes. Isso numa
42
época em que o Ministério Público não possuía todas as garantias e atribuições que detém
hoje.
Mazzili (2001) diz que a Constituição de 1988 quase erigiu o Ministério Público num
quarto poder, ao desvinculá-lo dos outros poderes e incumbir-lhe de zelar pelo efetivo
respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos nela
assegurados. Além disso, previu ser crime de responsabilidade do Presidente da República os
atos que atentem contra o livre exercício do Ministério Público e assegurou-lhe o poder de
requisição de exames, periciais, documentos e informações, podendo constituir crime o não
atendimento.
O Brasil já conheceu um quarto poder, previsto na Constituição do Império, de 1824,
que era o Poder Moderador, exercido pelo Imperador. Dizia o art. 10 da Constituição Política
do Império do Brasil de 1824 que os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do
Império eram quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder
Judicial (BRASIL, 1824). Hoje, a maioria das faculdades do Poder Moderador fazem parte
das atribuições do Presidente da República, que é ao mesmo tempo Chefe de Governo e Chefe
de Estado, ou seja, exerce a chefia da Administração Federal e representa e toma decisões em
nome do país como representante da nação.
Contudo, uma das funções do Poder Moderador é, de certo modo, atualmente
competência atribuída ao Ministério Público. Dizia o art. 98 da Constituição de 1824:
Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é
delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu
Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da
Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos. (BRASIL, 1824,
grifo nosso)
Tal disposição é semelhante à do art. 5º, da Lei Complementar n. 75/93 (Lei Orgânica
do Ministério Público da União):
Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:
I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses
sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os
seguintes fundamentos e princípios:
.........................................................................................................
e) a independência e a harmonia dos Poderes da União; (BRASIL,
1993, grifei)
43
Assim, cabe ao Ministério Público, na tarefa de zelar pela ordem jurídica, observar a
independência e harmonia entre os Poderes, de modo que, quando a separação dos poderes
revelar-se não harmônica, ele deve atuar para reajustar o equilíbrio entre as funções estatais,
exercendo com isso o papel de Poder Moderador.
Como órgão estatal, o Ministério Público pode praticar alguns atos de império,
relacionados no art. 8º da Lei Complementar n. 73/95, tais como notificar testemunhas e
requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; requisitar informações,
exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;
requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios
materiais necessários para a realização de atividades específicas; requisitar informações e
documentos a entidades privadas e requisitar o auxílio de força policial.
Assim, o Ministério Público brasileiro é uma instituição cujas funções se ligam
diretamente à defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Suas atribuições são
expostas no próximo item.
3.4 FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO
As atribuições do Ministério Público encontram-se descritas na Constituição no art.
129:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as
medidas necessárias a sua garantia;
III – promover o inquérito civil e a ação civil, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos;
IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins
de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição
(BRASIL, 1988).
Essas funções foram detalhadas na Lei Complementar n. 75/93 (Lei Orgânica do
Ministério Público da União) e na Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público dos
44
Estados). Segundo o art. 5º da Lei Complementar n. 75/93 (BRASIL, 1993), são funções
institucionais do Ministério Público da União :
I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais
e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes
fundamentos e princípios:
a) a soberania e a representatividade popular;
b) os direitos políticos;
c) os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil;
d) a indissolubilidade da União;
e) a independência e a harmonia dos Poderes da União;
f) a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
g) as vedações impostas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios;
h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à
administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da
União;
II - zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:
a) ao sistema tributário, às limitações do poder de tributar, à repartição do
poder impositivo e das receitas tributárias e aos direitos do contribuinte;
b) às finanças públicas;
c) à atividade econômica, à política urbana, agrícola, fundiária e de reforma
agrária e ao sistema financeiro nacional;
d) à seguridade social, à educação, à cultura e ao desporto, à ciência e à
tecnologia, à comunicação social e ao meio ambiente;
e) à segurança pública;
III - a defesa dos seguintes bens e interesses:
a) o patrimônio nacional;
b) o patrimônio público e social;
c) o patrimônio cultural brasileiro;
d) o meio ambiente;
e) os direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades
indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso;
IV - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos serviços
de relevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias,
condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei,
relativos à comunicação social;
V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços
de relevância pública quanto:
a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos
serviços de saúde e à educação;
b) aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da
publicidade;
VI - exercer outras funções previstas na Constituição Federal e na lei.
Já conforme a Lei Orgânica do Ministério Público nos estados, constituem suas
funções, segundo o art. 25 Lei n. 8.625/93 (BRASIL, 1993):
Art. 25. [...]:
I - propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais
ou municipais, em face à Constituição Estadual;
II - promover a representação de inconstitucionalidade para efeito de
intervenção do Estado nos Municípios;
III - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
45
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio
ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais
indisponíveis e homogêneos;
b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio
público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas
administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem;
V - manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei
e, ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções
institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os
processos;
VI - exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que
abriguem idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência;
VII - deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do meio
ambiente, neste compreendido o do trabalho, do consumidor, de política penal e
penitenciária e outros afetos à sua área de atuação;
VIII - ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do
dinheiro público condenados por tribunais e conselhos de contas;
IX - interpor recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de
Justiça;
Verifica-se que as funções convergem para a defesa da ordem pública, da democracia,
da ordem jurídica, dos direitos difusos, coletivos e do cidadão e, especialmente no tocante à
defesa dos interesses coletivos, para a afirmação dos direitos sociais assegurados na
Constituição Federal.
O que são essas funções e como são exercidas é o que será tratado a seguir.
3.4.1 DEFESA DO REGIME DEMOCRÁTICO
Uma das funções do Ministério Público é proteger o Estado Democrático de Direito,
que se traduz numa ordem jurídica onde prevalecem os princípios democráticos e os direitos
humanos.
Com a CF de 1988, o Ministério Público ganhou autonomia para realizar o papel de
defensor da democracia e da Constituição. Para Goulart (1998 apud PORTO, 2006, p. 95),
nessas últimas décadas:
O Ministério Público muda de função ao transitar da sociedade política para a
sociedade civil. Ou seja, desvincula-se do aparelho coercitivo do Estado (do aparato
burocrático responsável pela dominação através da coerção) para integrar, no âmbito
da sociedade civil, parcela das organizações autônomas responsáveis pela elaboração,
46
difusão e representação dos valores e interesses que compõem uma concepção
democrática de mundo e que atuam no sentido da transformação da realidade (os
sujeitos políticos coletivos que buscam a hegemonia democrática na batalha
ideológica que se trava no seio e através da sociedade civil).
Nessa função, a Constituição e as leis podem ser interpretadas pelo Ministério Público.
A ampliação do rol de intérpretes só contribui para a satisfação do interesse público,
constituindo um exercício de cidadania política e social que dá lugar a uma cidadania
complexa com aumento da participação do cidadão na vida pública (VIANNA; BURGOS,
2002).
Além disso, o Ministério Público pode atuar como produtor do direito. Para Lorenzetti
(2003), a produção do direito pode dar-se de forma ascendente, partindo da organização social
e das ações do Ministério Público até o poder central. Assim, através de suas ações no meio
social, o Ministério Público pode buscar resolver conflitos não apenas através da aplicação da
norma jurídica, mas também de princípios jurídicos universais e da eqüidade.
Essa é uma forma de exercício de democracia semi-direta, na qual o poder é exercido
tanto de forma direta pelo o povo, como de forma indireta, através de representantes eleitos,
combinando, com isso, a representação política, eleitoral, com a funcional, legal.
Conforme Marcelo Júnior (1999), na defesa da democracia o Ministério Público
assemelha-se ao terceiro setor, constituído por organizações sem fins lucrativos e não
governamentais, que têm com objetivo gerar serviços de caráter público, pois atua de forma
autônoma em relação ao Governo e ao mercado, além de exercer atividades de promoção e
defesa dos direitos sociais e do cidadão. As Organizações não Governamentais–ONGs,
freqüentemente encaminham-lhe representações e oferecem apoio na realização de perícias e
laudos para a propositura de ações judiciais, embora também complemetem as tarefas
tradicionalmente exercidas pelo Estado, executando serviços que caberiam a este.
A lado da defesa da democracia, cabe ao Ministério Público a defesa do regime
jurídico, como será visto a seguir.
3.4.2 DEFESA DA ORDEM JURÍDICA
47
A defesa da ordem jurídica é uma função específica do Ministério Público, que não é
compartilhada, da mesma forma, pelos outros poderes públicos, conforme observou Paes
(2003, p. 100):
Só o órgão do Ministério Público foi desenhado e constituído
constitucionalmente para a defesa e manutenção da legalidade; esta tem um valor
funcional diferente para o promotor que para os demais poderes públicos. A
administração, sem dúvida, está submetida à lei, mas não tem por missão sua defesa
e atuação, dito com outras palavras, na lei tem seu limite, mas não seu objeto.
A defesa da legalidade, porém, não deve ocorrer de modo abstrato, mas com
observância dos valores superiores que dão sentido a esta mesma legalidade. Não é a letra da
lei, mas seu espírito, que precisa ser respeitado, tendo sempre em mente os fins sociais a que
ela se dirige e as exigências do bem comum (art. 5° do Decreto-lei n. 4.657/42).
A legislação não deve violar as liberdades dos cidadãos e seus direitos fundamentais,
sob pena de inconstitucionalidade. Num Estado Democrático, a lei precisa refletir as
características do Direito Social, que ao Ministério Público incumbe defender, segundo Ferraz
(1997, p. 55):
O papel do Ministério Público está diretamente relacionado com as novas
características do Direito Social, na medida em que o fundamento de intervenção do
promotor no âmbito do aparato judicial é o de defensor direto dos interesses sociais
(sejam eles coletivos, difusos ou individuais imbuídos de interesse social)
Por outro lado, o principio da legalidade não é mais suficiente, por si só, para impedir
os abusos da administração, nem é capaz de conter os excessos do Poder Legislativo, razão
pela qual a legalidade estrita cede espaço a todo o conjunto de princípios e regras jurídicas.
Com razão se disse que:
Ao ordenar ou regular a atuação administrativa, a legalidade não mais
guarda total identidade com o Direito, pois este passa a abranger, além das leis – das
regras jurídicas, os princípios gerais de Direito, de modo que a atuação do Poder
Executivo deve conformidade não mais apenas à lei, mas ao Direito, decomposto em
regras e princípios jurídicos, com a superação do princípio da legalidade pelo
princípio da juridicidade (MORAES, 2004, p. 29)
48
O membro do Ministério Público, uma vez que é um órgão que fiscaliza a aplicação da
Lei, tem como objeto de trabalho a interpretação dos mandamentos constitucionais que tratam
dos direitos fundamentais individuais e coletivos, da ordem social, com o fim de promover o
bem-estar e a justiça social, objetivos da República Federativa do Brasil. E, diz Frischeisen
(2000), como grande parte das leis infra-constitucionais necessárias à efetividade das normas
da Constituição relativas aos direitos sociais já foram editadas, cumpre ao Ministério Público,
como guardião da ordem jurídica, fazer com que sejam respeitadas.
O Ministério Público é, assim, fiscal da Lei e defensor dos interesses sociais, cabendo-
lhe, neste mister, zelar para que a ordem social constitucional se materialize, inclusive com a
implementação de políticas públicas, já que algumas leis (lei de Proteção aos Deficientes
Físicos, Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto do
Idoso, p. ex.) que regulamentam o exercício dos direitos sociais nomeiam-no como seu
guardião.
A defesa da ordem jurídica coexiste com a defesa do interesse público, conforme
veremos a seguir.
3.4.3 A DEFESA DO INTERESSE PÚBLICO
Embora caiba ao Poder Judiciário manter a ordem jurídica, ele não pode fazê-lo sem
provocação, em razão do princípio da inércia, previsto no art. 2º da Lei n. 5.869/73. Assim, se
ocorrer uma ilegalidade ou desrespeito ou ameaça de violação a um direito fundamental que o
interessado, individualmente, não possa defender, ou se se trate de um interesse social
disperso na sociedade, sem titular individualizado, o Poder Judiciário não pode agir de ofício
na adoção de alguma medida em seu favor. Por isso, para que tais interesses não fiquem
desprovidos de proteção, a Constituição atribuiu ao Ministério Público a tarefa de sua tutela.
Desse modo, ele defende interesses que não são seus: ou são da sociedade, inteira ou
parcialmente, ou são de indivíduos particulares, mas por serem indisponíveis (v.g., interesses
de menores), há interesse público na sua proteção.
49
Os interesses públicos que devem receber a proteção do Ministério Público são
aqueles relacionados aos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, conforme
Guimarães Júnior (1997, p. 155), o interesse público que existe na correta aplicação da lei
pelo juiz, presente em todos os processos, não é, por exemplo, suficiente para ensejar a
intervenção ministerial. Deve o Ministério Público, então, zelar apenas pelo interesse público
que se apresenta como mais relevante, porque relevantes são suas incumbências
constitucionais. Assim, se lhe incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis, apenas o interesse público qualificado deve
merecer sua fiscalização no processo civil, sob pena de um perigoso desvirtuamento da
missão constitucional da Instituição.
Dessa forma, o Ministério Público sempre está legitimado à defesa de interesses
difusos, que são os pertencentes à toda a coletividade ou parte dela. No caso de interesses
coletivos, referentes a grupos determinados ou determináveis, ou interesses individuais
homogêneos, sua atuação só pode ocorrer quando houver interesse social que a legitime, ou
quando convir à coletividade como um todo, a fim de que seja respeitada a destinação
constitucional do órgão. Nesse sentido:
O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais
homogêneos que tenham expressão para a coletividade, como: a) os que digam
respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou ao acesso das crianças e
adolescentes à educação; b) aqueles em que haja extraordinária dispersão dos
lesados; c) quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um
sistema econômico social ou jurídico (MAZZILLI, 2001, p. 516).
Não é a classificação legal ou doutrinária dos interesses (difusos, coletivos ou
individuais homogêneos), que legitima a atuação do Ministério Público e sim sua relevância
social e o objetivo de efetivação dos direitos fundamentais.
No que toca à defesa dos direitos individuais homogêneos, segundo Bedaque (2003, p.
108), não se deve excluir a legitimidade do Ministério Público pelo simples fato de se tratar
de um direito individual homogêneo, porque ele a possui, muitas vezes, para a defesa de
interesses tipicamente individuais, desde que eles tenham uma conotação pública, social,
conforme previsões na legislação ordinária a respeito. É cabível, por exemplo, a defesa do
50
direito à saúde de apenas uma pessoa, desde que portadora de doença crônica que exija
tratamento ou medicação especiais.
Por conseguinte, a defesa dos interesses individuais indisponíveis sempre será
possível, uma vez que se tratem de interesses relevantes perante a sociedade (VIGLIAR,
1998), como o direito à vida, previsto como direito fundamental na Constituição Federal.
Cabe também ao Ministério Público a defesa do patrimônio social, que significa o
patrimônio da sociedade como um todo (MAZZILLI, 2001), e envolve o controle da
administração pública, tema do item seguinte.
3.4.4 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O Ministério Público exerce o controle da Administração Pública através de diversos
instrumentos jurídicos, o que lhe faz muito parecido com o ombudsman existente na Europa.
O Ombudsman, segundo Medauar (1992), é um órgão de controle da Administração
Pública derivado, em geral, do Parlamento, que não apenas recebe petições ou recursos
administrativos, mas que pode apresentar reclamações e emitir, no mínimo, um parecer. Na
expressão de Barracho (1997, p. 59 apud MARTINS JÚNIOR, 2002, p. 79), é uma
“personalidade independente, designada, geralmente, por organismo legislativo, encarregado
da proteção dos direitos dos administrados e de regular os litígios que podem ocorrer entre
eles e a administração”
Através do ombudsman, os administrados podem exercer controle administrativo em
relação aos abusos do poder discricionário dos governantes. Sua força tem natureza moral e
pedagógica e depende do prestígio do Parlamento que o nomeia, da cobertura da imprensa e
da pressão popular .
A instituição do ombudsman teve origem na Suécia, em 1713, como agente de
confiança do Rei Carlos XII, e em 1809 foi instituído como delegado do parlamento
encarregado de controlar o respeito das leis e regulamentos pelos juízes e funcionários. Foi
previsto também na Filândia (1919), Noruega (1922), Dinamarca (1954), Inglaterra (1967),
51
França (1973), Portugal (1975), Espanha (1978), dentre outros Estados (MARTINS JÚNIOR,
2002).
No modelo sueco, seguido pela Espanha, o ombudsman é eleito pelo Parlamento,
dentre pessoas com experiência jurídica e administrativa. Na Inglaterra é designado pela
Coroa e na França nomeado pelo Conselho de Estado. Sua atuação varia uma pouco de acordo
com o país de origem. Na Suécia é independente em relação ao Parlamento e ao Executivo,
pode atuar de ofício, através de verificações pessoais ou inspeções, ou por provocação. A
partir daí, pode representar contra quem praticou atos ilegais ou negligenciou o dever; sugerir
a elaboração de projetos de leis, para correção de normas incompletas ou injustas; insistir
junto ao Poder Executivo para tomar medidas provisórias enquanto a matéria não for
deliberada no Poder Legislativo; acessar documentos, inclusive secretos; exigir a prestação de
informações por funcionário ou ter acesso a processos; e exigir ao Ministério Público a
promoção da ação penal contra autores de faltas graves.
O ombudsman examina a procedência de reclamações a respeito do funcionamento de
serviços públicos, que podem ser arquivadas se manifestamente improcedentes. Se não o
forem, pode solicitar novos esclarecimentos ao funcionário representado, e após nova análise,
se procedente a reclamação, pedir à Polícia ou ao Ministério Público a instauração de
sindicância completa para apurar caso. Além disso, pode oferecer à autoridade administrativa
representada a possibilidade de reforma do ato impugnado, com orientações sobre a nova
medida a adotar. Na Inglaterra e na França as reclamações são encaminhadas ao ombudsman
por meio de um parlamentar e ao final podem resultar na expedição de uma recomendação à
autoridade responsável. Em Portugal, recebe o nome de Provedor de Justiça, órgão
independente que conta com a cooperação de outros agentes públicos, tendo por função
receber queixas e reclamações sobre ações ou omissões dos poderes públicos, apresentadas
por cidadãos, individualmente ou em grupo e pode expedir recomendações para prevenir e
reparar injustiças (MARTINS JÚNIOR, 2002).
Além disso, tais autoridades elaboram anualmente relatórios contendo um resumo de
suas intervenções e dos casos analisados, que é distribuído às autoridades do país e divulgado
na imprensa. Isso certamente proporcionará maior efetividade à sua atuação, uma vez que os
nomes dos funcionários responsáveis pelos atos são mencionados.
52
No Brasil, conforme Martins Júnior (2002), a Comissão Provisória de Estudos
Constitucionais, quando da Assembléia Constituinte, encarregada de elaborar a Constituição
de 1988, apresentou anteprojeto prevendo a criação do Defensor do Povo, cuja atuação seria
de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos aos direitos assegurados na Constituição,
com competência para apurar abusos e omissões de qualquer autoridade e indicar aos órgãos
competentes as medidas necessárias à sua correção ou punição. Seria escolhido em eleição
secreta pela Câmara dos Deputados.
A proposta foi retirada, segundo Martins Júnior (2002) por pressão do Tribunal de
Contas e do Ministério Público, mas a função foi preservada no art. 129, II, da Constituição,
como uma das atribuições do Ministério Público. Daí, afirmar-se que o Ministério Público
exerce a função de ombudsman no Brasil, pois controla a atividade administrativa.
Essa é também uma função do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas. A eles a
Constituição brasileira comete o controle externo da administração pública, dando ao primeiro
competência para o recebimento de petições, reclamações, representações ou queixas de
qualquer pessoa, contra atos e omissões de autoridades públicas (art. 58, § 2º, IV, da
Constituição Federal), e ao Tribunal de Contas para receber denúncias de irregularidades ou
ilegalidades na administração de recursos públicos (art. 74, § 2º, da Constituição Federal).
Mas os Tribunais de Contas exercem suas funções centrados na área financeira e
orçamentária, enquanto o Parlamento em questões de interesse geral (HOLTHE, 2007),
diferentemente do Ministério Público, que pode agir, mesmo que apenas extrajudicialmente,
na defesa de direitos individuais.
Para o exercício do controle sobre a administração o Ministério Público não depende
de autorização do Poder Executivo. Embora não eleitos pelo povo, o Procurador-Geral e os
demais agentes do Ministério Público extraem sua legitimidade das leis feitas pelos
representantes do povo, o que não é menos importante da adquirida através de eleição. Por
outro ângulo, “se a tarefa de elaborar leis é nitidamente política, a de dar efetividade a essas
mesmas leis tem, necessariamente, igual dimensão política” (GUIMARÃES JR., 1997, p. 96)
Por outro lado, o Ministério Público deve zelar pelo respeito aos direitos do cidadão,
principalmente daqueles que se encontram à margem dos benefícios produzidos pela
sociedade (MAZZILLI, 1998), tema do item seguinte.
53
3.4.5 A DEFESA DOS DIREITOS DO CIDADÃO
Na estrutura do Ministério Público Federal há a função de Procurador dos Direitos do
Cidadão, que tem por objetivo defender os direitos constitucionais do cidadão, zelando pelo
seu efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância
pública. Eis sua disciplina legal, arts. 11 a 16 da Lei Complementar n. 75/93(BRASIL, 1993):
Art. 11. A defesa dos direitos constitucionais do cidadão visa à garantia do
seu efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de
relevância pública.
Art. 12. O Procurador dos Direitos do Cidadão agirá de ofício ou mediante
representação, notificando a autoridade questionada para que preste informação, no
prazo que assinar.
Art. 13. Recebidas ou não as informações e instruído o caso, se o
Procurador dos Direitos do Cidadão concluir que direitos constitucionais foram ou
estão sendo desrespeitados, deverá notificar o responsável para que tome as
providências necessárias a prevenir a repetição ou que determine a cessação do
desrespeito verificado.
Art. 14. Não atendida, no prazo devido, a notificação prevista no artigo
anterior, a Procuradoria dos Direitos do Cidadão representará ao poder ou autoridade
competente para promover a responsabilidade pela ação ou omissão
inconstitucionais.
Art. 15. É vedado aos órgãos de defesa dos direitos constitucionais do
cidadão promover em juízo a defesa de direitos individuais lesados.
§ 1º Quando a legitimidade para a ação decorrente da inobservância da
Constituição Federal, verificada pela Procuradoria, couber a outro órgão do
Ministério Público, os elementos de informação ser-lhe-ão remetidos.
§ 2º Sempre que o titular do direito lesado não puder constituir advogado e
a ação cabível não incumbir ao Ministério Público, o caso, com os elementos
colhidos, será encaminhado à Defensoria Pública competente.
O Procurador dos Direitos do Cidadão atua como mediador entre o cidadão e os
governantes, para que aquele, que é titular do poder, mas não o exerce, possa fazer valer seus
direitos.
Tal função é importante para a efetivação de direitos sociais como saúde, educação e
assistência social. No seu desempenho o órgão do Ministério Público não utiliza ações
judiciais, pois geralmente não tem legitimidade para isso, não pode defender em juízo pessoas
necessitadas ou interesses individuais não homogêneos ou disponíveis (art. 15 da Lei
Complementar n. 75/93, acima transcrito). Vale-se, nesses casos, de sua força moral,
exercendo uma intermediação entre o órgão público que porventura violou um direito
individual do cidadão, buscando que este, voluntariamente, corrija sua atuação. Mesmo assim,
após a intervenção do Ministério Público requisitando informações, os motivos pelos quais o
54
órgão público, ou a entidade particular prestadora de serviços públicos, não respeitou o direito
de determinado cidadão, o órgão pode voltar atrás e corrigir a irregularidade que cometeu.
Assim, essa forma de atuação extrajudicial do Ministério Público, sem propositura de
ação judicial, pode ser eficaz para a correção de irregularidades no serviço público.
É função semelhante à do ombudsman nos países europeus. Mas, no caso brasileiro,
admite-se que alguns direitos individuais fundamentais do cidadão sejam defendidos inclusive
através de ações judiciais (v.g., direito à vida, no caso de paciente que precise de determinado
remédio excepcional), enquanto o ombudsman, de regra, não possui legitimidade para
ingressar com ações judiciais.
No exercício dessa função podem ser publicados relatórios, como faz o ombudsman na
Europa, pelo Procurador dos Direitos do Cidadão, com os nomes de agentes ou órgão
públicos que mais foram objeto de denúncia ou representação por irregularidades no trato dos
direitos do cidadão (MARTINS JÚNIOR, 2002).
No cumprimento dessas funções, especialmente aquelas relativas aos direitos sociais e
aos direitos individuais homogêneos, o MP atua como um dos órgãos de controle das Políticas
Públicas. Como ele faz isso é o tema do próximo capítulo.
4 POLÍTICAS PÚBLICAS E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
4.1 A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E O MINISTÉRIO
PÚBLICO
Políticas públicas são criadas por um conjunto circunscrito de agentes, ocupantes de
cargos que possuam algum nível de centralização. Portanto, a formulação de uma política,
segundo Melo (1996), expressa as escolhas e objetivos de uma autoridade central, já a
implementação é um conjunto complexo de relações entre formuladores e implementadores, e
entre implementadores situados em diferentes posições na máquina governamental. As
55
vontades, interesses e concepções ideológicas destes diversos atores dificilmente serão
inteiramente coincidentes. Da convergência dos agentes implementadores em torno dos
objetivos e da metodologia, segundo Melo (1996), depende o sucesso da implementação,
associada à capacidade de obtenção de convergência dos agentes implementadores em torno
dos objetivos e da metodologia.
Conforme o citado autor, as referências, isto é, os princípios que efetivamente
pautam a ação dos agentes implementadores, deveriam ser as normas determinadas pela
agência formuladora. Mas, por razões da capacidade de informação da agência formuladora,
os agentes implementadores podem não conhecer efetivamente os objetivos do programa, o
que os levará a eleger uma outra referência para implementação: seus próprios objetivos ou os
dos financiadores. Também pode ocorrer que os implementadores discordem das prioridades
estabelecidas e elejam as suas próprias como referência de atuação, além de outras
dificuldades de realização. Por outro lado, problemas não previstos no momento da
formulação podem levar os implementadores a promover adaptações no desenho original,
para garantir a realização dos objetivos.
Em suma, a implementação efetiva é sempre realizada com base nas referências que os
implementadores de fato adotam para desempenhar suas funções. Aqueles que implementam
programas públicos têm ampla margem de autonomia para determinar a natureza, a
quantidade e a qualidade dos bens e serviços a serem oferecidos. Eles têm a prerrogativa, de
fato, de fazer a política.
A avaliação das políticas públicas é considerada parte integrante do processo de sua
implementação. Ela fornece os dados que irão dizer aos interessados, governo ou sociedade,
se determinada política pública conseguiu alcançar seu objetivo. Os resultados alcançados ao
longo do processo servem para informar o formulador das políticas públicas de modo a que
este permaneça ou não com o plano de realização inicial, corrija defeitos ou faça adaptações
(SILVA, 2001).
A avaliação, assim, tem por fim validar objetivos e metas sociais, “adequar os meios
utilizados aos fins propostos, quantificar e qualificar o atendimento realizado e os benefícios
gerados, identificar os impactos ou efeitos das ações nas condições de vida dos beneficiários”
(CARVALHO, 2003, p. 186).
56
Com estes objetivos ela distingue-se em duas modalidades: avaliação de processo e
avaliação de impacto. A avaliação de processo tem por meta “acompanhar e avaliar a
execução dos procedimentos de implantação dos programas e políticas e diferencia-se em
avaliação de eficácia e de eficiência” (CARVALHO, 2003, p. 186). Já a avaliação de impacto
“é aquela que focaliza os efeitos ou impactos produzidos sobre a sociedade e, portanto, para
além dos beneficiários diretos da intervenção pública, avaliando-se sua efetividade
social”(CARVALHO, 2003, p. 186).
Ambas são realizadas por órgãos estatais, que podem encaminhar seus resultados ao
Ministério Público, a fim de que o processo de implementação das políticas públicas siga a
seqüência inicialmente planejada. E como órgão de controle da atividade governamental, pode
o Ministério Público fiscalizar a prestação dos serviços públicos, requisitando de órgãos de
auditoria e do Tribunal de Contas da União informações, exames e perícias, conforme prevê o
art. 8º, incisos II e III, da Lei Complementar n. 75/93:
Art. 8º. Para o exercício de suas atribuições o Ministério Público da União
poderá, nos procedimentos de sua competência:
.......................................................................................................................
II – requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades
da Administração Pública direta e indireta;
III – requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus
servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas;
A população e os movimentos sociais também podem fornecer-lhe informações sobre
desvios no processo de implementação, uma vez que qualquer cidadão, partido político,
associação ou entidade sindical é parte legítima para, na forma da lei, delatar irregularidades
ao Ministério Público (art. 14 da Lei n. 8.429/92).
O povo, ainda que possua a possibilidade de fiscalizar a administração (art. 5°, inciso
LXXIII, art. 37, §3º, art. 74, § 2º, todos da Constituição Federal e Lei n. 4.717/65), se defronta
com extrema dificuldade para concretizá-las, primeiro porque a acessibilidade ao Poder
Judiciário não é ampla, necessitando da contratação de advogado, depois porque o processo
não é simples, demandando aptidão técnica e recursos que, efetivamente, não estão ao alcance
de pessoas e entidades desprovidas de uma estruturação adequada e advogados especializados
(PAZZAGLINI FILHO, 1999).
57
Dessa forma, embora a escolha das políticas públicas a serem adotadas caiba ao
legislador e ao governante eleito, é dever do Ministério Público interferir quando necessário
para que haja uma efetiva implementação das políticas públicas essenciais à comunidade,
assim como nos casos de desvio de finalidade ou má aplicação de recursos, como será visto a
seguir.
O Ministério Público, assim, atua como órgão de controle social, podendo intervir no
processo de implementação de políticas públicas. Não lhe cabe, a princípio, escolher quais
políticas serão adotadas, uma vez que isso fica ao critério do governante eleito, como função
típica do Poder Executivo. Entretanto, uma vez escolhida a direção a ser tomada, cabe-lhe
verificar se estão sendo cumpridos os princípios constitucionais na realização dos projetos,
assim como sugerir alterações e correções, ou até ingressar com ações judiciais, para fazer
respeitar o ordenamento jurídico nesse processo.
A forma como esse controle é exercido pelo Ministério Público será mais
minuciosamente analisado no item seguinte.
4.2 O CONTROLE DAS POLÍTICAS SOCIAIS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
O controle exercido pelo Ministério Público é externo, não hierárquico, e incide sobre
a atividades administrativas vinculada, discricionária, comissiva ou omissiva, com o fim de
verificar a legalidade e a eficiência dos atos da administração.
Conforme Medauar (2007), externo é o controle realizado por órgão, ente ou
instituição exterior à estrutura da administração, e por isso é não hierárquico, porque tal órgão
não é subordinado administrativamente ao Ministério Público. Vinculada é a atividade
administrativa executada em estrita obediência à lei, cuja conduta é ditada previamente pela
norma jurídica. Discricionária, por sua vez, é a competência dada pela lei à Administração
Pública para definir alguns elementos necessários para a aplicação de uma determinada norma
legal que necessite de integração, sempre com o fim de atender o interesse público. Nas
palavras de Mello (1996, p. 48):
Margem de liberdade que remanesce ao administrador para eleger, segundo
critérios consistentes de razoabilidade, um dentre pelo menos dois comportamentos
cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução
58
mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando por força da fluidez das
expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa
extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente .
Não pode haver discricionariedade quando a lei regula todos os elementos para a
prática do ato, não deixando espaço para análise de oportunidade e conveniência. Nesses
casos, diz-se que a atividade é vinculada. A administração deve praticar o ato exatamente da
forma prevista na lei (MELLO, 1996).
É possível tanto o controle da atividade administrativa vinculada como discricionária.
Nos atos administrativos vinculados, o controle faz-se pela verificação de ter a administração
pública tomado no caso concreto a medida imposta pela norma legal. Nos atos discricionários,
nos quais a administração pode decidir sobre sua conveniência, oportunidade e conteúdo, essa
decisão não deve ser contrária ao ordenamento jurídico e aos princípios constitucionais
(COELHO, 2002)
O Administrador, porém, sempre está vinculado à Constituição e à lei, ou seja, não
pode decidir em sentido contrário a estas normas. Sua função primordial é, inclusive, cumprir
as leis. Por outro lado, as leis que tratam dos direitos sociais regulam a própria
discricionariedade do administrador, apontando meios de atender a finalidade constitucional.
Daí se conclui que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a
oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas relacionadas aos direitos
sociais, quando existente lei que discipline a forma de implementação dos mesmos.
Conforme Mancuso (1991, p. 730-735, apud GOMES, 2003, p. 107), no atual estágio
de conhecimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema, a política pública pode ser
considerada como a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido
largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal,
sujeitando-se a controle jurisdicional amplo, especialmente no tocante à eficiência dos meios
empregados e à avaliação dos resultados alcançados. Hoje, o Estado nomocrático, produtor de
normas, vai sendo suplantado pelo Estado telocrático, que deve implementar, eficazmente, as
declarações contidas nas normas, para que estas desçam do plano teórico e se convertam em
políticas públicas idôneas e operantes. É dizer, o critério de exigibilidade vai se deslocando do
singelo enunciado expresso na norma legal/constitucional para o campo do programa
governamental estabelecido nessa norma, e por isso torna-se impositiva para o Poder Público
59
a busca dos meios idôneos para implementar efetivamente os objetivos estabelecidos, donde
resulta que a ineficiência na consecução desse mister sujeita o Poder Público à fiscalização
dos seus atos e omissões, e conseqüente responsabilização de seus agentes.
O exemplo abaixo, fornecido por Reis (2004, p. 373) é útil para se compreender a
vinculação do administrador às finalidades sociais e ao bem comum na aplicação dos recursos
públicos:
imagine-se que, em um determinado Estado, o titular do Poder Executivo
local, decida criar um 'salão de beleza popular', no qual todos os interessados
pudessem cortar o cabelo, fazer as unhas etc., tudo a custo irrisório, arcando o erário
com os subsídios necessários a complementar os gastos com tal 'projeto social'.
Leve-se em conta a situação caótica em tal Estado, no qual este falta com o
seu dever fundamental de prestar educação, existindo escolas públicas com alunos do
ensino fundamental sem professores de determinadas matérias, como matemática,
geografia, há meses, ou, em alguns casos, há anos, com os graves e deletérios
prejuízos ao corpo discente daí advindos. E mais, que em tal Estado a situação dos
hospitais públicos se encontrasse caótica, com falta de médicos, de equipamentos, de
remédios, etc.
Não resta dúvida que a política pública apontada consistente em subsídios
estatais a 'salão de beleza popular', por totalmente absurda e divorciada de qualquer
razoabilidade [...] não pode persistir, devendo ser impugnada pela via jurisdicional,e
, principalmente, por estar inserida em um contexto fático de flagrante inexistência
ou falha de políticas públicas aptas a atenderem às prioridades constitucionais.
Assim, conforme Mello (1996), a discricionariedade na efetivação das políticas
públicas constitucionais apenas poderá ser exercida nos espaços eventualmente não
preenchidos pela Constituição ou pela lei, e não poderá valer-se de conceitos cuja
interpretação não se coadune com os fundamentos e objetivos da República Federativa do
Brasil, como a dignidade da pessoa humana. Isso:
não leva ao 'engessamento' da Administração que, diante das múltiplas
demandas da coletividade, necessita ter espaço para implementar as políticas
públicas, em consonância com as diversas realidades sociais existentes em uma
mesma comunidade, mas que devem sempre atender à finalidade constitucional e
legal (FRISCHEISEN, 2000, p. 96).
Os governos têm a opção de escolher as políticas públicas mais adequadas diante de
situações peculiares, deixando de adotar outras. Uma omissão intencional, diante de um
impasse político, contanto que não resulte em prejuízo ao interesse social, pode não ser
passível de censura. O que não se deve admitir é a omissão pura e simples diante da
necessidade de adoção de alguma medida, em situação que pode produzir dano à coletividade.
De acordo com Gomes (2003, p. 89):
60
Se houver pura inércia ante os fatos de relevância social que demandarem
providências concretas, omitindo-se o administrador sem qualquer justificativa, sem
prévio juízo de valor acerca da necessidade, da forma ou do tempo em que será
implementada a medida respectiva, maior a probabilidade de desatendimento do
interesse público subjacente e, conseqüentemente, da incidência de controle externo,
pelo Ministério Público ou pelo Judiciário.
No caso dos atos discricionários, quanto maior a liberdade do administrador, menor
será o espaço sujeito a controle, e quanto menor o campo de escolha, maior sua viabilidade.
De qualquer modo, sempre existirá possibilidade de controle da finalidade do ato, ou seja, se
este visou uma finalidade pública ou não, pois, conforme Di Pietro (1991, p. 173):
o princípio da supremacia do interesse público exige da Administração
comportamentos que atendam às necessidades emergentes da vida em comunidade
não aos interesses dos entes que exercem a função administrativa, interesses estes
que são secundários e só podem ser atendidos quando não conflitem com os
interesses da coletividade.
O Ministério Público, no uso de suas prerrogativas, deve avaliar se no caso concreto o
agente público exercitou eficazmente a função administrativa que lhe foi atribuída. Sua
omissão será ilícita quando ele não exerceu adequadamente a competência que lhe foi
deferida, falhando no dever de atingir as finalidades requeridas pelo interesse público. Cabe
avaliar se a alternativa de não agir representa ofensa aos direitos fundamentais ou aos
princípios gerais de Direito, tomando como parâmetro que “somente serão assegurados os
direitos fundamentais e respeitados esses princípios se a conduta da Administração for
positiva” (MORAES, 2004, p. 167). Uma posição de omissão do Estado ou de um governo
em relação à implementação dos direitos sociais, na prestação de serviços públicos essenciais,
na execução de obras públicas de interesse geral e na defesa dos mais relevantes bens da
sociedade, certamente será causa de conflitos sociais.
O Ministério Público também pode orientar a decisão do administrador a
respeito de determinada política pública, como forma de garantir o cumprimento da Lei,
embora lhe seja vedada a consultoria jurídica e a representação judicial de entidades públicas,
pelo art. 129, inciso IX, da Constituição Federal. Porém, eventual aquiescência de algum de
seus membros em relação a determinada atitude da administração não vincula os demais nem
impede um posterior questionamento a respeito.
61
Os instrumentos jurídicos através dos quais o Ministério Público exerce o controle das
políticas públicas, judicial ou extrajudicialmente, são o tema seguinte.
4.3 DOS INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
4.3.1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA
A ação civil pública foi prevista na Constituição Federal como instrumento do
Ministério Público, em conjunto com o inquérito civil público e outros procedimentos
administrativos, para a defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos, encontrando-se processualmente disciplinada na Lei n. 7.347/85
(BRASIL, 1985). Tem por fim responsabilizar o agente público que, não cumprindo o seu
dever, desrespeitou direito alheio, coletivamente considerado, impondo-lhe uma obrigação de
fazer. É, assim, instrumento processual que pode ser usada para implementar direitos sociais
assegurados pela Constituição Federal.
A promoção da ação civil pública perante o Judiciário, porém, não é monopólio do
Ministério Público. União, estados e municípios, autarquias, empresas públicas, fundações e
sociedades de economia mista, associações civis e a defensoria pública também estão
legitimados a fazer uso dela. Tal legitimação, conhecida como concorrente, visa democratizar
o uso do novo instrumento, permitindo a defesa dos interesses coletivos por agentes públicos
estatais e pela sociedade civil.
Todavia, a experiência social recente tem demonstrado que União, Estados e
Municípios têm se apresentado mais no banco dos réus e menos na condição de autores das
ações. Por outro lado, as associações civis têm apresentado uma performance bastante tímida
até agora, talvez por desconhecimento ou mesmo por falta de condições adequadas à
utilização eficaz desse tipo de instrumento. É o Ministério Público quem mais tem se
destacado no uso da ação civil pública, em todas as áreas dos direitos difusos e coletivos.
62
Embora integrantes da instituição e juristas especializados no assunto afirmem que
quase 90% das ACPs em tramitação na Justiça seja de autoria do Ministério Público, o fato é
que não há dados estatísticos precisos a esse respeito. Algumas razões da aparente
predominância do MP em relação aos demais agentes legitimados pela Lei n
o
7347 podem ser
aventadas: (1) comparativamente, o MP tem muito mais experiência de acusação perante o
Judiciário (criminal, desde a sua origem, e agora também nas questões coletivas); (2) o MP,
por ser órgão estatal, tem poder de requisitar documentos e informações para formar opinião
sobre o problema, enquanto as associações civis não têm; (3) com a possibilidade de instaurar
o inquérito civil, o MP pode preparar o terreno para a propositura da ação civil pública de
modo muito mais eficaz do que as associações civis ou os demais órgãos públicos. Muitas
vezes, o Ministério Público soluciona problemas já na fase do inquérito civil, dispensando o
recurso à ação judicial. Por essas razões, é mais racional para as associações civis provocar o
MP através de representações do que ingressar diretamente com medidas judiciais
Quando o Ministério Público não é autor da ação civil pública, tem intervenção
obrigatória, nos termos do § 1º, do art. 5º, da Lei n. 7.347/85 (BRASIL, 1985), como fiscal da
lei, sendo essa atuação desvinculada e com ampla liberdade para o órgão do Ministério
Público. E na hipótese de abandono ou desistência infundada da ação civil pública, ele poderá
assumir como autor, na forma do § 3º art. 5º da Lei n. 7.347/85 (BRASIL, 1985).
Como a implementação de políticas públicas depende muitas vezes da atuação de
entes privados, que devem ser fiscalizados pela administração pública, algumas, segundo
Frischeisen (2000), ações civis públicas são propostas contra órgãos de fiscalização e
entidades particulares omissas.
Da mesma maneira, completa o autor (FRISCHEISEN, 2000) que o Judiciário
assegura o exercício de um direito individual ao julgar um habeas corpus ou mandado de
segurança, ele pode assegurar a fruição de um direito social ao julgar uma ação civil pública,
impondo obrigação de fazer ao administrador omisso na implementação de políticas fixadas
na Constituição ou nas Leis.
São exemplos de ações civis públicas propostas pelo Ministério Público Federal, em
matéria de políticas públicas, conforme Frischeisen (2000): ação contra a Caixa Econômica
Federal, que tramita sob o n. 1999.61.00.030576-2, na 12ª Vara Cível Federal de São Paulo,
63
para que não sejam aplicados aos contratos de financiamento de crédito educativo os valores
de correção monetária da TR, mas sim juros que não excedam a 0,6%, por não ser razoável
que um programa de caráter social cobre juros iguais ao da TR, e inclua os devedores nos
órgãos de proteção ao crédito; inúmeras ações civis públicas promovidas pelo MPF contra o
INSS e a União Federal, visando a implantação de benefícios de prestação continuada para
crianças, adolescentes e portadores de deficiência física, cujas famílias possuam renda
superior a ¼ do salário mínimo; ação proposta pelo MPF na 4ª Vara Federal de Porto Alegre,
visando a proibição do uso de produtos fumígenos (fumo) nas aeronaves brasileiras, para
efetivo cumprimento da lei n. 9.2494/96 e do Decreto 2.018/96 (esta ação foi julgada
procedente em 04/04/99, com efeito em todo o território nacional, determinando-se ao
Departamento de Aviação Civil que fiscalize as companhias aéreas, para que essas não
admitam o uso de produtos fumígenos a bordo de aeronaves, a não ser em espaços separados);
ação visando o cumprimento do art. 93 da lei n. 8.213/91, que prevê a reserva de 3% a 5% de
vagas para portadores de deficiência, nas empresas com mais de 100 empregados, proposta
pela Procuradoria do Trabalho na Bahia e em outros Estados, julgadas procedentes.
4.3.2 INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO
O inquérito civil público é um procedimento administrativo de natureza inquisitiva,
que tem por fim recolher elementos de prova que ensejem o ajuizamento de ação civil
pública, previsto no art. 129, inciso III, da CF/88 e no § 1º do art. 8º da Lei n. 7.347/85
(BRASIL, 1985). Conforme Mazzilli (2003, 1999. p. 46):
é uma investigação administrativa prévia a cargo do Ministério Público, que
se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão
ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura
de ação civil pública ou coletiva.
É dispensável, se por outros meios o Ministério Público já dispõe de elementos para a
propositura da ação. É um instrumento de cidadania cujo uso precisa ser incentivado, pois
evita a propositura de ações civis públicas sem provas para tanto, além de permitir a
negociação com a Administração ou com os entes privados responsáveis pela implementação
de políticas públicas.
64
No inquérito civil podem ser elaborados termos de compromisso, ou termos de
ajustamento de conduta, entre as várias partes envolvidas, o que torna desnecessário o
ingresso com ação judicial. De acordo com Frischeisen (2000), nele o Ministério Público
pode funcionar como órgão mediador e indutor de mudanças negociadas com a
administração, em procedimentos desta que, mesmo não sendo necessariamente ilegais,
mostram-se ineficazes.
Um exemplo de inquérito civil público foi o aberto na Procuradoria da República em
São Paulo, visando a implementação de Conselhos Municipais de Assistência Social, ICP n.
11/97, no qual foram notificados os municípios da grande São Paulo, para que em
determinado prazo elaborassem as leis municipais e elegessem os membros dos conselhos,
sendo vários deles implementados sem a necessidade de ações judiciais (FRISCHEISEN,
2000).
4.3.3 TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - TAC
Termo de ajustamento de conduta é o ato jurídico firmado perante o Ministério
Público através de instrumento escrito, pelo qual a administração ou ente privado se
compromete a cessar a conduta ilegal ou inconstitucional no prazo e condições negociados
(FRISCHEISEN, 2000).
Pode ser elaborado no curso de ação civil pública, inquérito civil público ou
procedimento administrativo correlato. Seu objetivo é obter, de órgãos públicos ou privados,
que estejam atuando de modo irregular, sua adequação às normas constitucionais e legais,
através de uma promessa de ajustamento de conduta formalizada, sob pena de imposição de
determinada penalidade ao infrator.
Nele podem ser discutidas condições de tempo e orçamento, mas sem que haja
renúncia de direitos por parte do ente público ou da coletividade (FRISCHEISEN, 2000).
65
4.3.4 RECOMENDAÇÃO
É o instrumento previsto no art. 6º, XX, da da Lei Complementar n. 75/93 pelo qual o
Ministério Público indica, instrui ou orienta pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou
privado, a prestarem serviços de relevância pública de acordo com as normas legais e em
respeito aos direitos do cidadão, ou a tomarem alguma providência de acordo com a norma
jurídica adequada, em determinado prazo (FRISCHEISEN, 2000). A recomendação é uma:
indicação, exortação, instrução ou orientão de conduta para o orientado.
Logo, este não está obrigado ao seu atendimento. Deve, contudo, até por uma
questão de cortesia, ser respondida [...]. Não é, em si, dotada de coercibilidade, pois é
apenas e tão-somente uma comunicação de que algo está errado, em dessintonia com
o ordenamento jurídico, carecendo, por isso, da adoção de providências saneadoras
(BARBOSA e MEDEIROS, 2003, p. 209)
Tem por objetivo prevenir responsabilidades da Administração e informá-la sobre
eventuais deliberações do Ministério Público. Pode ser expedida aos órgãos de fiscalização
para que instaurem os procedimentos administrativos cabíveis, no exercício do poder de
polícia, prevenindo-os das conseqüências de eventual omissão. Tem por fim evitar a
propositura de uma ação, através do incentivo a que o ente público ou particular observe,
voluntariamente, os mandamentos legais.
Na área dos direitos sociais, a recomendação possibilita à administração incorporar em
seu ordenamento o planejamento de políticas públicas e linhas de atuação que auxiliam o
efetivo exercício dos direitos assegurados na Constituição, possibilitando a conciliação de
interesses que foram levados pela sociedade civil ao Ministério Público (FRISCHEISEN,
2000).
O desatendimento injustificado às recomendações, representações, requisições e
propostas do Ministério Público pode levar a diversas conseqüências jurídicas, dependendo do
direito violado, tais como: responsabilidade civil do poder público, na forma do art. 37, § 6º,
da Constituição Federal; improbidade administrativa por omissão ou abstenção indevida de
providências obrigatórias, com base na Lei n. 8.429/92; propositura de ação civil pública para
obrigar o administrador a agir conforme a regra jurídica. Caso o “recomendado inicie a prática
da conduta reputada lesiva à ordem jurídica ou a ela dê continuidade [...] só resta ao
66
Ministério Público buscar a via judicial [...] para impedir o início ou a continuidade da
conduta” (BARBOSA e MEDEIROS, 2003, p. 216).
Como o Ministério Público Federal no Piauí tem utilizado esses instrumentos de
atuação na fiscalização das políticas públicas é o tema seguinte.
67
5 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO PIAUÍ PARA A
EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS
5.1 INTRODUÇÃO
A pesquisa realizada no Ministério Público Federal no Piauí foi feita por amostragem,
a partir da lista geral de procedimentos administrativos da Procuradoria da República no
Piauí, nos anos de 2001 a 2006, tendo sido selecionados aqueles que diziam respeito à defesa
dos direitos sociais.
Foram analisados procedimentos onde os direitos sociais pudessem ser atendidos de
forma direta e indireta, o que pode ocorrer, neste último caso, com a propositura de uma ação
de improbidade. Esta ação, se julgada procedente, após o julgamento dos recursos cabíveis,
acarretará a devolução ao patrimônio público das verbas desviadas, que poderão ser aplicadas
em novas políticas públicas. Por isso tal atuação produz um benefício social indireto.
A pesquisa não abordou a defesa dos direitos trabalhistas, um dos direitos sociais mais
importantes, em razão de ser objeto de atuação de um ramo específico do Ministério Público
da União, o Ministério Público do Trabalho, distinto do Ministério Público Federal.
Todos os procedimentos relativos à defesa direta e indireta de direitos sociais foram
analisados, um a um. O número total de procedimentos administrativos e inquéritos civis
públicos instaurados pelo Ministério Público Federal no Piauí, no período de 2001 a 2006, foi
o seguinte:
68
Tabela 1
Número de processos administrativos e inquéritos civis no MPF/PI 2001 - 2006
ANO PROC.
ADMINISTRATIVO
INQ.CIVIL PÚBLICO
2001 93 -
2002 490 02
2003 465 01
2004 407 02
2005 780 01
2006
914 05
Fonte: BRASIL. MPF/PI, Coordenadoria Jurídica do MPF/PI, julho de 2007
Verifica-se um aumento de 982,8% no número de procedimentos administrativos de
2001 para 2002 e de 2004 para 2006, que pode ser atribuído tanto ao progressivo crescimento
no quadro de Procuradores da República, que nesse período variou de 2 (dois) para 7 (sete)
Procuradores, como à maior visibilidade alcançada na mídia pelo Ministério Público, que leva
a população a procurar-lhe para reivindicar direitos e denunciar irregularidades.
O número de inquéritos civis públicos, contudo, foi constante, uma vez que sua
instauração ocorre geralmente em casos de maior repercussão. Na maioria das vezes
denúncias e representações são apuradas na forma de procedimentos administrativos.
Foram arquivados, por carência de direito ou inviabilidade da pretensão do
reclamante:
69
Tabela 2
Procedimentos arquivados no MPF/PI entre 2001-2006
ANO 2001 2002 2003 2004 2005 200
6
- 60 54 77 87 218
% 12,2% 11,59% 18,82% 11,13% 23,7
2
O número de procedimentos arquivados cresceu conforme o número de procedimentos
instaurados, sendo, dessa forma, uma conseqüência natural do aumento na demanda pela
população.
Quanto aos procedimentos com adoção de alguma medida extrajudicial, seu
quantitativo, no período, foi o seguinte:
Tabela 3
Número de medidas extrajudiciais entre 2001-2006
RECOMENDAÇÃO TERMO AJUSTAMENTO DE
CONDUTA
30 07
O número de recomendações é maior que o número de termos de ajustamento de
conduta em virtude daquelas geralmente precederem a realização destes. Como a
recomendação é uma advertência para que determinado agente público corrija sua atuação, ela
antecede a celebração de termos de ajustamento de conduta e a adoção de medidas judiciais,
evitando-as, se atendida.
O termo de ajustamento de conduta, por outro lado, necessita da concordância da parte
adversa para ser realizado, o que também justifica por que seu número é inferior ao das
recomendações.
Quanto aos procedimentos que resultaram na propositura de medida judicial:
70
Tabela 4
Número de ações judiciais propostas entre 2001-2006
ANO JUSTIÇA FEDERAL
2001 -
2002 08
2003 76
2004 72
2005 125
2006 121
O número de ações judiciais cresceu conforme o aumento de procedimentos
administrativos e na quantidade de Procuradores.
Considerando que o número de processos arquivados nunca superou o patamar de
24% (vinte e quatro por cento), conclui-se que o MPF atendeu a pelos menos 76% (setenta e
seis por cento) das representações que lhe foram feitas.
A quantidade de recomendações e Termos de Ajustamento de Conduta foi inferior ao
número de ações judiciais propostas, quando observada a atuação geral do MPF, que inclui
ações civis, criminais e eleitorais. No campo da defesa direta dos direitos sociais, porém, a
atuação do MPF foi predominantemente extrajudicial, como será visto a seguir.
5.2 ÁREAS DE ATUAÇÃO SOCIAL DO MPF/PI
5.2.1 FISCALIZAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS
71
Na tradição centralizadora da administração brasileira, grande parte das políticas
públicas são planejadas pelo governo federal e executadas pelos governos municipais, embora
os municípios tenham autonomia.
Segundo Medauar (2007), os Municípios obtém recursos através de
arrecadação própria (exercício da competência tributária); de transferências determinadas
constitucionalmente (Fundo de Participação do Município); por meio de convênios com os
governos federais, estaduais (Ministérios e Secretarias) e autarquias federais ou estaduais
(Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação-FNDE, por exemplo), dentre outros
entes da administração indireta.
Convênios são firmados a todo momento entre a União e os Estados, e entre a União e
os Municípios, visando o repasse de dinheiro público para realização de obras de saneamento
básico, sistema de abastecimento de água, educação, hospitais, escolas, assim como compra
de medicamentos, pagamento de pessoal para execução de serviços especiais, programas de
combates a epidemias e outras doenças, etc. Recursos da União são transferidos geralmente
com finalidades específicas, sendo que o administrador responsável pela execução de tal
objetivo deve prestar contas dos recursos recebidos, ao final da vigência dos convênios, e se
sujeitar à fiscalização do Tribunal de Contas da União.
O Tribunal de Contas da União julga as contas dos administradores públicos que
recebem recursos federais, como governadores, prefeitos, gerentes de empresas ou sociedades
de economia mista, ou mesmo de um diretor de organização não governamental, conforme
determina o art. 71, IV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Caso o Tribunal de Contas verifique que os recursos públicos foram mal aplicados, ele
julga irregulares as contas, impondo uma multa ao responsável e exigindo a restituição do
valor que foi desviado de seus devidos fins.
Uma vez que não caiba mais recurso da decisão do Tribunal de Contas que considerou
a prestação de contas do administrador irregular, aquele órgão envia uma cópia de seu
acórdão ao Ministério Público Federal do local onde ocorreu a irregularidade, para que este
proponha as ações cíveis e criminais cabíveis.
72
O Ministério Público, Federal ou Estadual, dependendo da origem dos mesmos, pode
atuar de ofício, caso a denúncia chegue ao seu conhecimento de modo não provocado,
conforme art. 6° da Lei n. 7.347/85 (BRASIL, 1985).
Constatada a irregularidade, o órgão do Ministério Público deve apurá-la, reunindo
provas de sua ocorrência. Para tanto, pode instaurar um procedimento administrativo ou
inquérito civil público e realizar sua instrução (coletar de provas). Terminada a instrução, e
tendo sido comprovada a irregularidade, o órgão do Ministério Público pode tomar
providências no âmbito civil e/ou criminal, conforme arts. 8°, § 1º e 9º da Lei n. 7.347/85
(BRASIL, 1985).
Segundo Frischeisen (2000), tomará providências no âmbito criminal se o fato
constituir crime, através da propositura da ação penal cabível. Se não for um fato criminoso,
mas tiver ocorrido um ilícito civil, o órgão do Ministério Público poderá tentar corrigi-lo
recomendando ao administrador responsável que adote as providências necessárias para sanar
o vício ou celebrando termos de ajustamento de conduta com o mesmo fim.
Não resultando frutífera a providência adotada na área administrativa, ou não sendo o
caso da resolução da questão desta forma, o Ministério Público ingressará com uma ação
judicial, geralmente denominada Ação Civil Pública, para que, através do Poder Judiciário,
seja determinada a correção da irregularidade.
Em regra, quando o fato constitui crime, também constitui improbidade
administrativa. A ação criminal geralmente ocorre por falta de prestação de contas e/ou
apropriação de recursos públicos pelo gestor público e particulares. A conseqüência civil é a
propositura de ação por ato de improbidade contra o administrador público, dentro da qual há
sempre o pedido de restituição dos valores a respeito dos quais não houve prestação de contas,
ou foram desviados, além de aplicação de multas, perda do cargo, suspensão dos direitos
políticos, e proibição de contratar com o poder público durante determinado prazo.
Desse modo, a fiscalização da aplicação de recursos públicos federais transferidos a
Estados e Municípios é exercida pelo Tribunal de Contas da União, inicialmente. Este julga as
contas e, em se deparando com irregularidades, comunica ao Ministério Público Federal, que
adotará as providências judiciais cabíveis contra o responsável.
73
As ações por ato de improbidade administrativa corresponderam a aproximadamente
90% (noventa por cento) da atuação do Ministério Público Federal no Piauí na área cível,
sendo o restante direcionado à defesa dos direitos sociais e dos cidadãos. A maioria das ações
judiciais, têm uma lenta tramitação, permitem vários recursos, o que retarda o retorno das
verbas desviadas do patrimônio público.
A seguir, foram selecionados casos de defesa dos direitos sociais de forma direta pelo
Ministério Público Federal no Piauí, relacionados aos direitos sociais previstos no art. 6.º da
CF.
5.2.2 DEFESA DO DIREITO À MORADIA
O direito à moradia traduz-se numa essencialidade, vindo a amparar fortes
movimentos sociais em busca da garantia de sua concretização. Pode-se citar o movimento
dos Sem-Terra e o Movimento dos Sem-Teto, que trazem a lume a busca desenfreada por um
espaço habitável mínimo.
Conforme Silva (2004), o direito à moradia não se restringe à ocupação de uma
edificação, requer uma habitação de dimensões adequadas, em condições de higiene e
conforto, com privacidade à família. Sob a acepção da dignidade humana, é o direito do
homem à ocupação de um espaço habitável, ao acesso a um habitat seu e de sua família. Mais
do que uma necessidade, a moradia integra o direito à subsistência, que representa um mínimo
necessário para garantir o direito à vida .
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 prevê, no seu art. 25, que
todos têm o direito a um padrão de vida adequado, à saúde e bem-estar de sua família,
incluindo a alimentação, vestimenta, moradia, cuidados médicos e os serviços sociais
necessários. De acordo com Silva (2004), a Declaração de Vancouver, de 1976, é outro
documento histórico que, de forma igual, reflete o reconhecimento da comunidade
internacional quanto ao direito à moradia. Ao lado de indicar aos governantes políticas
públicas que visam garantir uma melhoria progressiva da qualidade de vida e do bem-estar
74
humano, ela reafirmou a moradia adequada como um direito humano básico, apontando a
responsabilidade dos governos por ações para assegurar esse direito.
No plano nacional, a moradia foi incluída como direito social no art. 6º da
Constituição Federal, através da Emenda Constitucional n. 26, de 14-2-2000 (BRASIL, 2000).
O poder-dever do Estado de assegurar o direito à moradia pode ser efetivado por mecanismos
e políticas públicas de habitação, planos de ação e programas habitacionais realmente
eficazes, dotados de recursos públicos e privados, direcionados à parcela carente da população
e da classe média brasileira. Segundo Freire Júnior (2005, p. 67-68):
[...] mesmo sendo verdade que a Constituição não constrói casas, não se
pode, por outro lado, negar que expressar abertamente o direito à moradia possui
conseqüências relevantes como, por exemplo, uma releitura das normas do Sistema
Financeiro de Habitação, bem como deve implicar que o Executivo crie a política
pública que viabilize a efetivação desse direito.
O Ministério Público Federal no Piauí atendeu os seguintes casos relacionados ao
direito à moradia:
1 – Ação contra a forma de correção do saldo devedor de financiamentos imobiliários:
Ação Civil Pública n. 2001.2001-7. Proposta em 2001 pelo MPF contra a Caixa
Econômica Federal - CEF, com base em representações de diversos mutuários da CEF que se
queixavam de não ter como pagar as prestações de imóveis que haviam adquirido através de
financiamento. Eles reclamavam que embora pagassem as prestações, seus saldos devedores
estavam aumentando, em razão do critério de reajuste das parcelas, que se dava pela Taxa
Referencial-TR, índice bem mais alto, na época, que o da poupança. Ação do MPF: propôs
ação civil pública com o fim de que fosse declarada a nulidade das cláusulas dos contratos de
financiamento que prejudicavam os mutuários, em todo o Estado do Piauí, que determinavam
a correção do saldo devedor pela TR. Resultado: a ação foi julgada procedente em parte, para
que a correção não fosse feita mais pela TR, e hoje encontra-se no Tribunal Regional Federal
da 1ª Região, para julgamento de recurso.
2 – Fiscalização da aplicação de recursos para reconstrução de casas danificadas por
enchentes:
75
Procedimento administrativo n. 1.27.000.000547/2004-37, de 28/07/2004.
Representante: Federação de Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí –
FAMCC. Objeto: a aplicação de recursos públicos liberados pelo Ministério da Integração
Nacional para atendimento emergencial e investimento na recuperação de infra-estrutura,
construção e reconstrução de casas danificadas por enchentes. Representado: Caixa
Econômica Federal e Companhia de Habitação do Piauí-COHAB/PI. Segundo o
representante, teriam sido transferidos pelo governo federal para o Piauí mais de quinze
milhões de reais para a recuperação de casas devastadas por enchentes, porém, até o mês de
julho de 2004, nenhuma casa havia sido construída com tais recursos, havendo 420 famílias
desabrigadas. Ação do MPF: confirmou a existência de contratos de repasse entre o
Ministério da Cidades e o Estado do Piauí, tendo a CEF como intermediária, com o fim de
construir habitações para desabrigados. O valor repassado para o Piauí foi de R$ 3,6 milhões,
e a COHAB/PI tinha a incumbência de construir/reconstruir as casas. Oficiou, após, à
COHAB/PI e à CEF para explicarem as razões do atraso na execução das obras. Jornais locais
diziam que as casas seriam entregues inacabadas à população. A CEF informou que a
construção seguia conforme padrões e cronogramas previstos. O MPF, então, firmou Termo
de Ajustamento de Conduta com a CEF e a COHAB/PI, com o objetivo de agilizar o
procedimento de liberação de recursos, construção das casas e sua entrega à população, com
estabelecimento de prazo para os repasses e conclusão das obras. O MPF passou a
acompanhar todo o procedimento. A COHAB/PI pediu prorrogação de prazo para conclusão
das obras. Terminado o prazo, o MPF oficiou à COHAB/PI indagando a respeito da conclusão
das casas e surgiu nova denúncia de que as casas estavam sendo entregues inacabadas e sem
saneamento básico. A COHAB/PI respondeu que estava envidando todos os esforços para
concluir as casas. Resultado: resposta da CEF com relatório de vistoria das casas,
apresentando conclusão parcial das obras. O procedimento ainda não foi encerrado.
5.2.3 DEFESA DO DIREITO A MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS
O Sistema Único de Saúde - SUS, objetiva, segundo o art. 196 da Constituição Federal
de 1988, reduzir o risco de doenças e de outros agravos e assegurar a todos o acesso universal
e igualitário a ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Em síntese,
76
sua finalidade é implementar políticas sociais e econômicas eficazes em prol do bem-estar da
população.
A assistência farmacêutica faz parte do SUS, e é objeto de regulação na Política
Nacional de Medicamentos, pela Portaria MS n. 3.916/98 (BRASIL, 2007). O atendimento
integral à saúde, quanto à assistência farmacêutica, corresponde ao conjunto de medidas aptas
a fornecer os medicamentos adequados, de modo rápido e eficaz, conforme a demanda e as
especificidades de cada pessoa, grupo de pessoas ou da própria coletividade. Deve englobar as
atividades de seleção, programação, aquisição, armazenamento e distribuição, controle da
qualidade e utilização, conforme item 3.3 da Portaria MS n. 3.196/1998 (BRASIL, 2007).
Os medicamentos comuns compõem uma farmácia básica, normalmente de baixo
custo unitário, e que em seu conjunto são destinados ao tratamento da maior parte das
enfermidades que acometem a população brasileira. Denominam-se medicamentos
excepcionais os utilizados em doenças raras, geralmente de custo elevado, cuja dispensação
atende a casos específicos (DANTAS; SILVA, 2006).
Os Municípios, conforme Dantas e Silva (2006), fornecem os chamados
medicamentos essenciais, enquanto aos Estados compete distribuir os medicamentos de cunho
excepcional, listados especificamente. Ao Ministério da Saúde compete efetuar os repasses de
recursos destinados à aquisição desses medicamentos, de acordo com tabelas de co-
financiamento. Aos Estados incumbe a contrapartida de recursos financeiros para aquisição,
seleção e programação dos medicamentos, além da sua dispensação àqueles usuários do SUS
que vierem a necessitar dos mesmos.
Dantas e Silva (2006) sugerem que a atuação do Ministério Público contemple não
somente o fornecimento de medicamento específico, mas pleitos pela adoção de medidas de
caráter abrangente, considerando os deveres do gestor de saúde.
Abaixo, casos de atuação do MPF/PI na defesa do direito ao fornecimento de
medicamentos, nos quais muitas vezes a atuação do MPF mostrou-se positiva, sem
necessidade de propositura de ação judicial.
77
1 – Ações visando a regularização no fornecimento de medicamentos e atendimentos
médicos:
Procedimento n. 1.27.000.000591/2002-96, de 09/07/02. Representação formulada por
paciente portador de esclerose múltipla, que não obteve da Secretaria Estadual de Saúde do
Piauí o medicamento AVONEX (interferon alfa). Ação do MPF: oficiou à coordenação do
SUS no Piauí. O pedido do representante foi incluído em lista para aquisição da droga.
Resultado: houve comprovação do fornecimento do medicamento e o processo foi arquivado.
Procedimento n. 1.27.000.000670/2003-88. Representação do Prefeito de Parnaíba/PI
informando que o hospital municipal Dirceu Arcoverde em Parnaíba/PI deixaria de atender
procedimentos de urgência e emergência, por constituírem obrigações do Estado do Piauí.
Ação do MPF: pediu informações ao Estado do Piauí. Resultado: o processo foi arquivado
após resposta do Estado do Piauí dizendo que iria garantir os atendimentos de urgência e
emergência antes prestados por aquele hospital.
Procedimento n. 1.27.000.000561/2003-61. Representação de cidadão que se dirigiu
ao setor de medicamento da Secretaria Estadual de Saúde para requerer remédio para sua
filha, havia quatro meses, mas não tinha recebido resposta. Ação do MPF: recomendou o
fornecimento do medicamento. Resultado: o autor obteve uma dose inicial e não mais
compareceu ao MPF. Arquivado.
Procedimento n. 1.27.000.000594/2003-19. Representação a respeito da falta de
medicamento necessário ao tratamento do mal de Alzheimer, contra a Secretaria de Saúde do
Piauí. Ação do MPF: recomendação para fornecimento do medicamento. Resultado:
medicamento fornecido e o procedimento foi arquivado.
Ação Civil Pública n. 2002.6953-4, proposta em 2003 contra a União, o Estado do
Piauí e a Fundação Municipal de Saúde, com base em representação da Associação Nacional
dos Pacientes, doadores e transplantados renais. O pedido é de que fosse regularizado o
fornecimento de medicamentos aos pacientes renais crônicos e transplantados usuários do
SUS. Não houve deferimento de decisão liminar. Em audiência foi firmado acordo entre as
partes, e o Estado do Piauí assumiu o compromisso de repassar o montante de R$ 250.000,00
mensais para o programa de aquisição de medicamentos nos meses de outubro, novembro e
78
dezembro. Resultado: ao final, a ação foi julgada procedente, ordenando-se aos entes
governamentais que atendessem ao pedido, sob pena de multas. A ação encontra-se no
Tribunal Federal da 1ª Região para julgamento de recurso.
Procedimento n. 1.27.000.001335/2006-40, autuado 27/11/2006. Representação com
pedido de providências para regularizar a distribuição de medicamentos excepcionais para um
paciente portador de Hepatite C. Ação do MPF: recomendou a regularização do fornecimento.
Resultado: o fornecimento foi regularizado e o procedimento arquivado.
Procedimento n. 1.27.000.00284/2006-39, de 23/03/2003. Representação de
portadoras de doenças que necessitam de medicamentos excepcionais. Ação do MPF:
recomendou ao Gerente de Assistência Farmacêutica da Secretaria Estadual de Saúde que
regularizasse o fornecimento do medicamento. Resultado: houve resposta no sentido de que o
medicamento foi fornecido e que se encontrava disponível. Arquivado sem mais providências.
5.2.4 OUTROS CASOS DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
1 – Contra o racionamento de energia elétrica
Ação Civil Pública n. 2001.3381-4, proposta pelo MPF contra a União, visando por
fim ao racionamento de energia elétrica. A mesma não chegou a obter qualquer decisão
favorável e foi extinta sem julgamento de mérito, ou seja, sem que seu pedido fosse analisado.
2 – Contra o trabalho infantil
Procedimento n. 1.27.000.000971/2003-10, autuado em 18/12/2003. Representação da
Delegacia Regional do Trabalho no Piauí/DRT-PI sobre o Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil – PETI, em Demerval Lobão/PI, denunciando falhas no mesmo. Ação do
MPF: foi requisitada à Secretaria de Assistência Social – SASC, auditoria no PETI de
Demerval Lobão-PI, que confirmou diversas irregularidades. O MPF, então, fez
recomendação à Prefeitura para correção do problema. Após assunção de um novo Prefeito,
foi feita nova auditoria pela SASC, que recomendou diversas providências para regularizar o
79
programa. O MPF intermediou reunião entre a SASC e o novo Prefeito, visando estabelecer
prazos para correção das irregularidades. Ao final, foi celebrado Termo de Ajustamento de
Conduta-TAC, em que o município comprometeu-se a cumprir as recomendações da SASC.
Resultado: após nova fiscalização da SASC no município, verificou-se o cumprimento das
recomendações e a regularização do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI,
em Demerval Lobão-PI. O procedimento, então, foi arquivado.
Procedimento n. 1.27.000.000464/2004-59, autuado em 29/6/2004. Representação
acerca da regularidade do funcionamento do PETI em Monte Alegre do Piauí. Ação do MPF:
recomendação ao prefeito para, dentre outras providências, reativar a Comissão Municipal de
Erradicação do Trabalho Infantil. Resultado: a recomendação foi atendida. Arquivado.
3 – Em prol de portadores de deficiências
Procedimento n. 1.27.000.000385/2004-48 de 2004. Representação de deficientes
físicos. Objeto: conduzir e acompanhar as negociações e promover as ações necessárias à
garantia dos direitos assegurados às pessoas portadoras de deficiência. Ação do MPF: Termo
de Ajustamento de Conduta firmado entre o MPF e Secretaria Municipal de Trânsito –
STRANS, no qual a STRANS assumiu o compromisso de regulamentar e por em prática
transporte coletivo especial para pessoas portadoras de deficiência. Resultado: houve a
implantação do sistema, chamado Transporte Eficiente, para a realização do qual foram
adquiridas 3 Kombis.
Procedimento n. 1.27.000.000526/2004-22, autuado em 21/07/2004. Representação
encaminhada pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA. Objeto:
edificações desprovidas de adaptações com vistas a possibilitar a acessibilidade para pessoas
portadoras de deficiência, como prevê a Lei n. 10.098/2000. Ação do MPF: recomendou aos
órgãos e empresas que não estavam adaptadas, que o fizessem, na forma da lei. Em seqüência,
foi requisitado pelo MPF uma nova vistoria ao CREA, a fim de verificar se os órgãos haviam
feito as adaptações recomendadas. Resultado: ainda não foi concluído, aguardando resposta
do CREA, IBAMA, UFPI, HOSPITAL UNIV. INSS, BNB, TRT,TRE, CEFET, ECT, PF,
PRF, CEF, DRT, DNIT, FUNASA, OAB.
80
Procedimento n. 1.27.000.001068/2005-20, autuado 07/11/2005. Representação feita
por deficiente físico, sobre a negativa de concessão de passe livre pela empresa Guanabara,
com base na lei n. 8.899/94. Ação do MPF: investigou os fatos e constatou que faltava razão à
empresa para negação do passe livre. Recomendou, então, a concessão de passe livre aos
passageiros deficientes. Resultado: o advogado da empresa informou que cumpriria a
recomendação. Não houve impugnação pelo representante. Arquivado por cumprimento pelo
representado.
Procedimento n. 1.27.000.000358/2005-56, autuado 26/04/2005. Instaurado pelo MPF
de ofício. Objeto: instalação de telefones para surdos em locais como no AEROPORTO de
Teresina/PI. Ação do MPF: oficiou à INFRAERO no Piauí, obtendo como resposta que foi
instalado equipamento com esse objetivo em novembro de 2005 (TDA – Telefone de
Deficiente Auditivo). Resultado: arquivado.
4 – Correção de Irregularidades no programa bolsa-família
Procedimento n. 1.27.000.000591/2005-39, autuado em 04/07/2005. Representação do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Acauã/PI. Objeto: pessoas carentes do Município não
estavam sendo incluídas nos Programas de Transferência de Renda do Programa Fome Zero.
Ação do MPF: Através de diligências, o MPF tomou conhecimento de pessoas que estavam
recebendo o benefício sem se enquadrarem nos requisitos, como vereadores. O prefeito de
Acauã/PI não prestou informações ao MPF sobre os fatos. O MPF encerrou a instrução,
confirmando as denúncias. Recomendou, então, que o prefeito de Acauã/PI adotasse medidas
para regularizar a situação, o que não foi feito. Então o MPF ajuizou ação requerendo que
fosse determinado à Prefeitura de Acauã/PI que no cadastro de beneficiários do Fome Zero
desse prioridade às famílias em situação de extrema pobreza, com ampla divulgação, e que
cancelasse o cadastro de beneficiários pertencentes à administração pública, com renda
superior a R$ 400,00, ou com parentesco com autoridades municipais. Resultado: ação civil
pública ainda não julgada.
5 – Garantia do direito à educação adequada
Procedimento n. 1.27.000.001163/2005-23, do ano de 2005. O MPF verificou que a
Faculdade Rui Barbosa não tinha autorização do Ministério da Educação para funcionar. Ação
81
do MPF: propôs ação civil pública com o objetivo de impedir o funcionamento da referida
faculdade. Na ação foram feitos pedidos de suspensão de autorização para funcionar e
ressarcimento dos prejuízos decorrentes do pagamento indevido de mensalidades ou outras
taxas por alunos.
6 – Garantia de adequada prestação de serviço de saúde
Procedimento n. 1.27.000.000188/2005-18. Uma auditoria do DENASUS realizada na
Maternidade Dr. Marques Bastos, em Parnaíba/PI, descobriu irregularidades na aplicação de
recursos provenientes do Fundo Nacional de Saúde-FNS. Ação do MPF: propôs ação por ato
de improbidade administrativa contra um médico, a maternidade e o Estado do Piauí, e pediu
que a maternidade fosse descrendenciada, realizando-se nova licitação para filiação de nova
entidade para a prestação de serviços pelo SUS. Resultado: o processo ainda não foi
definitivamente julgado.
7 – Garantir o atendimento em postos do INSS
Procedimento administrativo n. 1.27.000.000423/2005-43. Representação de
advogado sobre a negativa de servidores do INSS de receberem petições e requerimentos de
benefícios que estivessem mal instruídas. Ação do MPF: pediu informações sobre a
orientação geral dada aos servidores que atuavam no protocolo do INSS, de não receber
petições, recebendo como resposta que houve descentralização dos protocolos, cabendo às
agências o recebimento de pedidos de benefícios. O MPF ouviu o Gerente Executivo do INSS
no Piauí, que se prontificou a regularizar a situação e instruir os servidores a receberem, no
protocolo geral, quaisquer requerimentos e petições relativos a benefícios. Resultado:
comprovado que o Gerente Executivo do INSS tomou as medidas cabíveis para corrigir a
irregularidade, o procedimento foi arquivado.
8 – Garantia do fornecimento de alimentação escolar
Procedimento n. 1.27.000.000141/2006-27, autuado em 20/2/2006, Representação do
Ministério da Educação denunciando que o Conselho de Administração Escolar do Município
de Cristino Castro/PI estava irregularmente constituído, o que acarretou a suspensão dos
recursos destinados ao Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. Ação do MPF:
82
oficiou ao prefeito de Cristino Castro/PI, recomendando que adotasse providências para
regularizar tal situação, obtendo como resposta cópia de ata de reunião do referido Conselho,
com nomeação de novos membros. Resultado: normalizada a situação, o feito foi arquivado.
Outro procedimento a respeito, de n. 1.27.000.000153/2006-51, sobre o município de
Teresina, foi concluído da mesma forma.
5.3 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO PIAUÍ
A atuação do Ministério Público Federal no Piauí, para que os direitos sociais sejam
efetivos e a norma constitucional alcance eficácia, resultou em ações punitivas, na expedição
de recomendações, na celebração de Termos de Ajustamento de Conduta e na propositura de
ações para salvaguarda de direitos.
Quando houve desvio de recursos públicos num determinado município, o MPF
coletou provas a respeito desse fato, propôs ação de improbidade administrativa contra o
administrador responsável, ou recomendou a correção das irregularidades. Assim, a atuação
do MPF tanto visou punir os culpados pelo mal funcionamento das políticas públicas como
regularizar sua prestação. O MPF instaurou procedimentos que na maior parte das vezes
resultaram na regularização de desvios, sem necessidade de propositura de ação judicial.
As providências que independeram de intervenção judicial ocorreram na defesa do
direito à saúde, no fornecimento de medicamentos, na garantia do funcionamento de
conselhos municipais que combatem o trabalho infantil, na garantia de acessibilidade dos
portadores de deficiência, e na garantia de atendimento em postos do INSS.
Dependeram da intervenção judicial atuações na defesa do direito à moradia, no
regular funcionamento do programa bolsa-família, dentre outros, uma vez que os responsáveis
não atenderam às recomendações do MPF.
Nos casos de defesa de direitos sociais que requeriam a realização de obras com
investimentos públicos, como o direito à moradia, a intervenção do MPF ou resultou numa
atenção maior das autoridades para o problema (caso das enchentes no Piauí que deixaram
vários desabrigados), ou numa solução judicial.
83
Em síntese, a atuação do Ministério Público Federal no Piauí na defesa dos direitos
sociais deu-se, em 67% dos casos, de maneira extrajudicial. Conseguiu-se sanar o problema
com a simples intervenção do MPF em 22% dos casos. Em outros 45%, as irregularidades
foram eliminadas após a elaboração de recomendação ou Termos de Ajustamento de Conduta.
Por fim, em 33% das atuações foram propostas ações judiciais, que aguardam julgamento
final.
A ação do Ministério Público Federal de modo extrajudicial e concomitante à
ocorrência da irregularidade mostrou-se mais benéfica à coletividade, uma vez que os
problemas foram corrigidos a tempo de evitar um dano maior às pessoas ou à sociedade. Os
resultados vieram de maneira célere, como nos casos de representações para fornecimento de
medicamentos, onde bastaram a expedição de ofícios ou recomendações para que o
fornecimento fosse regularizado. A atuação judicial, embora também tenha resultado eficaz,
deslocou o campo de discussão para o judiciário, e quando não houve uma decisão imediata,
por meio de liminar, a solução do problema prolongou-se.
Desse modo, concluímos que o Ministério Público Federal no Piauí atuou de forma
eficaz na defesa dos direitos sociais no período pesquisado, zelando pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na
Constituição Federal.
84
6 CONCLUSÃO
Constituem objetivos previstos no art. 3º da Constituição Federal de 1988 construir
uma sociedade justa e solidária, bem como erradicar a pobreza e a marginalização. Assim, a
ausência de políticas públicas voltadas para a efetivação dos direitos sociais, que visam
reduzir a pobreza, constitui omissão contrária à Constituição. Além disso, é preciso bem
aplicar os recursos públicos, dando prioridade à satisfação das necessidade básicas do ser
humano.
Nesse quadro, o Ministério Público Federal desempenha uma função de controle
social, sendo de grande importância seu papel na implantação de direitos sociais como a
educação, a saúde, a moradia, a proteção à infância, aos deficientes e a assistência social.
O MPF deixou de ser um simples fiscalizador da aplicação da lei para atuar como um
agente político. Não é mais o defensor do Estado, mas da sociedade e dos direitos sociais,
podendo atuar de forma repressiva ou preventiva.
Assim foi verificado na atuação do MPF no Piauí. Com efeito, constatou-se que o
MPF no Estado Piauí zelou para que os direitos sociais fossem respeitados pelos poderes
públicos e pelos serviços de relevância pública. Sua atuação resultou na efetivação do direito
à moradia, no fornecimento de medicamentos, na garantia de acesso às pessoas portadoras de
deficiências, na correção de irregularidades em programas sociais e na prestação do serviço de
saúde, dentre outros.
Em todos os casos, tratavam-se de direitos sociais que já haviam sido objeto de
regulamentação tanto através de legislações ordinárias quanto de políticas públicas. O que os
tornavam distantes dos cidadãos eram irregularidades no processo de implementação,
praticadas por agentes públicos, por meio de ações ou omissões.
O MPF se valeu principalmente de instrumentos extrajudiciais, como o termo de
ajustamento de conduta e a recomendação. Nesses casos, o percentual de sucesso obtido foi
maior que quando utilizou ações judiciais, pois quando a pretensão posta em juízo recebeu
acolhimento, o ente estatal recorreu, levando a resolução da questão para os tribunais de
segundo grau.
85
Desse modo, comprovou-se que os direitos sociais podem ser exigidos
independentemente da vontade do Poder Executivo em implementá-los, apesar da eficácia
limitada das normas constitucionais relativas aos direitos sociais. Isso, essencialmente, porque
esses são direitos fundamentais sociais, cabendo ao Estado prover as condições necessárias à
sua efetivação.
A ação do MPF, portanto, por um lado, fez valer a norma constitucional e, por outro,
conferiu maior amplitude à democracia, exercendo-a de forma semi-direta, ou melhor, como
parceiro dos movimentos sociais, porta-voz da sociedade civil ou dos excluídos das formas
tradicionais de representação. Assim, essa é uma atuação que efetiva os direitos sociais e,
conseqüentemente, assegura a democracia.
O MPF agiu quase sem precisar de ação judicial, mostrando a força moral e funcional
do órgão, algumas vezes em prol de indivíduos determinados (como na regularização do
fornecimento de medicamentos excepcionais); outras, de um grupo de pessoas (como os
mutuários da CEF e os desabrigados por enchentes); outras, do regular funcionamento de
políticas públicas sociais (como os conselhos de combate ao trabalho infantil, a inclusão de
deficientes físicos e auditivos, e a abrangência do programa bolsa-família).
Sua atuação talvez não tenha sido mais abrangente e eficaz em razão da precariedade
dos movimentos sociais locais e da ausência de um instrumento jurídico que permita ao MPF
impor aos administradores públicos a obediência às normas constitucionais,
independentemente de ação judicial, através, por exemplo, da aplicação de multas, como
ocorre com o Tribunal de Contas da União.
Conclui-se, assim, que o MPF no Piauí, entre os anos de 2001 e 2006, conseguiu
influir nas políticas públicas sociais, para fazer valer os interesses das classes econômicas
menos favorecidas, na implementação de direitos como saúde, moradia, na inclusão de
pessoas portadoras de deficiência, no combate ao trabalho infantil, além de fiscalizar a
aplicação de recursos do governo federal em programas sociais, atuando principalmente de
forma extrajudicial, através de recomendações e Termos de Ajustamento de Conduta.
86
A atuação do Ministério Público Federal sobre as políticas públicas sociais no Piauí
contribuiu para a efetividade dos direitos sociais, tendo conseguido fazer com que os órgãos
governamentais os respeitassem, através de sua atuação extrajudicial ou judicial.
87
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