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Ana Paula Pinheiro Chagas Fernandes
CARACTERIZAÇÃO E CIRCUNSTÂNCIAS DA OCORRÊNCIA DE ÓBITOS
EM CRIANÇAS COM DOENÇA FALCIFORME TRIADAS PELO PROGRAMA
ESTADUAL DE TRIAGEM NEONATAL DE MINAS GERAIS, NO PERÍODO DE
MARÇO DE 1998 A FEVEREIRO DE 2005
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Medicina
Belo Horizonte
2007
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Ana Paula Pinheiro Chagas Fernandes
CARACTERIZAÇÃO E CIRCUNSTÂNCIAS DA OCORRÊNCIA DE ÓBITOS
EM CRIANÇAS COM DOENÇA FALCIFORME TRIADAS PELO PROGRAMA
ESTADUAL DE TRIAGEM NEONATAL DE MINAS GERAIS, NO PERÍODO DE
MARÇO DE 1998 A FEVEREIRO DE 2005
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais, Área de Concentração: Saúde da
Criança e do Adolescente, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre.
Orientador: Marcos Borato Viana
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Medicina
Belo Horizonte
2007
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Fernandes, Ana Paula Pinheiro Chagas
F363c Caracterização e circunstâncias da ocorrência de óbitos em crianças
com doença falciforme triadas pelo Programa Estadual de Triagem
Neonatal de Minas Gerais, no período de março de 1998 a fevereiro
de 2005/Ana Paula Pinheiro Chagas Fernandes. Belo Horizonte,
2007.
156f., il.
Dissertação.(mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais.
Faculdade de Medicina.
Área de concentração: Saúde da Criança e do Adolescente
Orientador: Marcos Borato Viana
1.Anemia falciforme/mortalidade 2.Causa da morte 3.Hiperesplenismo
4.Infecção 5.Acesso aos serviços de saúde 6.Triagem neonatal 7.Programas
governamentais/estatística & dados numéricos 7.Criança I.Título
NLM: WS 300
CDU:
61(043.3)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE MEDICINA
PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO SAÚDE DA CRIAA E DO ADOLESCENTE
Reitor: Ronaldo Tadêu Pena
Vice-Reitora: Heloisa Maria Murgel Starling
Pró-reitor de Pós-graduação: Jaime Arturo Ramirez
FACULDADE DE MEDICINA
Diretor: Francisco José Penna
Vice-diretor: Tarcizo Afonso Nunes
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE ÁREA DE
CONCENTRAÇÃO SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Coordenador: Prof. Joel Alves Lamounier
Subcoordenador: Prof. Eduardo Araújo de Oliveira
Colegiado:
Profª Ana Cristina Simões e Silva
Prof. Eduardo Araújo de Oliveira
Prof. Francisco José Penna
Profª Ivani Novato Silva
Prof. Joel Alves Lamounier
Prof. Lincoln Marcelo Silveira Freire
Prof. Marco Antônio Duarte
Profª Regina Lunardi Rocha
Rute Maria Velasquez Santos (Representante Discente)
"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural,
nada deve parecer impossível de mudar."
Bertold Brecht
Às crianças com doença falciforme e suas famílias,
pelo exemplo de coragem e esperança,
minha admiração
AGRADECIMENTOS
Durante a realização desse trabalho, recebi apoio de muitos amigos e
colegas. De maneira especial, agradeço àqueles cuja participação foi essencial para
a realização dessa pesquisa:
Às mães e pais que participaram das entrevistas e deram "alma" a esse
trabalho pelo simples desejo de contribuir, através do relato de suas vivências, para a
compreensão das dificuldades pelas quais passaram ao cuidarem de seus filhos e,
assim, ajudarem a outras crianças falciformes e suas famílias;
Ao Professor Marcos Borato Viana, meu orientador, pelas constantes e
incansáveis conversas, as quais contribuíram para o rigor na elaboração deste
trabalho, e pela disponibilidade e carinho com que me ensinou a lidar com as
dificuldades da pesquisa científica;
Ao NUPAD Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da
Faculdade de Medicina da UFMG –, pela aprovação deste trabalho e a todos os
funcionários, pela colaboração irrestrita: Daniela de Oliveira Dutra e Ana Maria Neres,
pela competência em suas atividades de busca ativa das famílias e pela amizade e
solidariedade; Maria de Fátima Oliveira, pela amizade, apoio e compreensão das
necessidades da pesquisa; Eugenio Alexandre Barata Elyseu e Armando Campos
Filho, por terem providenciado algumas informações do banco de dados do Nupad
necessárias à pesquisa e pela elaboração do banco de dados no Access; Cláudio
Moreira da Silva, pela paciência, atenção e companheirismo durante as longas
distâncias percorridas de carro para as entrevistas; Jacqueline Matos de Carvalho e
Andréia Marques Ladeira, pela atenção e disponibilidade para os encaminhamentos
feitos via Central de Projetos do Nupad; Maria Piedade Ribeiro Leite, pela ajuda na
normalização bibliográfica; Elza Hugo, pela ajuda na ficha catalográfica; Patrícia
Magalhães Viana e Diogo Leandro Marcelino, pela formatação dos mapas e gráficos
e Michelle Rosa Andrade e Cristiane Miranda Rust, pelo incentivo.
Ao professor José Nélio Januário, diretor geral do Nupad, pelo apoio dado
a essa pesquisa;
À Fundação Hemominas, pelo apoio e colaboração dos funcionários na
busca dos prontuários para a coleta de dados;
À Dra Mitiko Murao, pela importante colaboração ao encaminhar as
demandas na Fundação Hemominas;
Ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico -, pelo apoio financeiro;
Às acadêmicas de medicina que participaram dessa pesquisa com
interesse e responsabilidade: Júlia Freitas Villaschi, Camila Blanco Cangussu e
Daniela Lino de Macedo;
À professora Maria Helena Ferraz, pela presença constante, amizade,
interesse e incentivo;
À amiga e colega Célia Maria Silva pelas conversas constantes e pelas
idéias compartilhadas;
Meus pais e irmãos, pelo amor, presenças insubstituíveis e
disponibilidade para ajudar;
Carlos, pela paciência e companheirismo necessários para entender
minha falta de tempo e considerar minhas prioridades;
Fernanda e Juliana, maiores tesouros da minha vida, pelo amor e esforço
para compreender alguns momentos de ausência;
Laura, que está chegando agora, mas que pode sentir tudo porque está
bem juntinho de mim, pela força de vida e esperança;
A todos vocês, a minha gratidão!
ix
RESUMO
Objetivo: Caracterizar e descrever as circunstâncias associadas à ocorrência de
óbitos em crianças com doença falciforme triadas pelo Programa Estadual de
Triagem Neonatal de Minas Gerais (PETN-MG), no período de março de 1998 a
fevereiro de 2005.
Métodos: Foram incluídas todas as crianças triadas com doença falciforme, em
acompanhamento no PETN-MG, que faleceram no período do estudo. Os óbitos
foram identificados pela busca ativa das crianças que não compareceram às
consultas agendadas nos hemocentros. Os dados foram coletados através de
pesquisa no banco de dados do PETN-MG, prontuários da Fundação Hemominas,
documentos de notificação do óbito, base de dados do IBGE e DATASUS e através
de entrevista realizada com as famílias que foram localizadas, após assinatura de
termo de consentimento livre e esclarecido.
Resultados: No período estudado, 1.833.030 RN foram triados pelo PETN; 1.396
crianças tiveram perfil hemoglobínico compatível com doença falciforme e ocorreram
78 óbitos (5,6%). Os genótipos foram 63 SS (80,8%), 12 SC (15,4%) e 3 S/beta-tal
(3,8%). A mediana das idades à triagem neonatal foi de 9 dias; à primeira consulta,
de 2,1 meses e, ao óbito, de 13,7 meses. A distribuição dos óbitos por faixa etária
mostrou que 33 crianças (42,3%) morreram antes de 1 ano de idade; 23 (29,5%)
entre 1 e 2 anos; 10 (12,8%) entre 2 e 3 anos; 5 (6,4%) entre 3 e 4 anos e 7 (9%)
entre 4 e 7 anos; 52% foram do sexo masculino. Quanto ao local do óbito, 59 crianças
(77%) morreram em hospitais e 18 (23%), no domicílio ou no trânsito. 78% das
crianças residiam em área urbana e 22% em área rural. As causas dos óbitos, de
acordo com o documento de óbito foram: 30 crianças (38,5%) infecção, 16 (20,5%)
indeterminada, 13 (16,6%) seqüestro esplênico, 12 (15,4%) sem assistência médica e
7 (9%) outras causas. Em 62,5% dos casos, as crianças residiam em municípios de
pequeno porte (até 50.000 hab) e em 83,6% dos casos em municípios com IDHM
entre 0,5 e 0,8 (médio desenvolvimento humano). O total de consultas agendadas
(580) foi o recomendado de acordo com o protocolo da Fundação Hemominas e
houve 22,7% de absenteísmo. As entrevistas foram realizadas com 52 famílias. A
mediana da idade da mãe foi 25,5 anos e do pai, 29 anos. 13,5% das mães eram
não-alfabetizadas e 46% tinham, no máximo, a rie fundamental; 10% dos pais
eram não-alfabetizados e 57,8% até a série. As ocupações mais freqüentes dos
pais foram operário ou lavrador (71,2%); 78,8% das mães não tinham trabalho
remunerado. 19% das famílias tinham mais de um filho com a doença falciforme. A
média do número de membros da família foi 5,6. 96% das famílias tinham renda per
capita mensal de até 200 reais. Quanto aos domicílios, 44% moravam em casa
própria, 42% em casa cedida e 10% das famílias arcavam com aluguel; 52% das
casas tinham rede de esgoto; 94%, luz elétrica e 71%, filtro para água. Apenas 58%
das crianças faziam acompanhamento médico regular na unidade básica de saúde e
as demais procuravam os serviços de urgência e iam às consultas periódicas nos
hemocentros. 65% das crianças haviam sido internadas, pelo menos uma vez,
antes do óbito e 19% já haviam sido internadas mais de 3 vezes. Seqüestro esplênico
anterior ao evento que determinou o óbito foi relatado por 27% das famílias e crises
álgicas, por 67,3%. Os primeiros sinais e sintomas mais freqüentes relacionados ao
óbito foram febre, dor, vômito, prostração e piora da palidez. Em 57,7% dos casos, o
atendimento médico ocorreu nas primeiras 6 horas do início dos sintomas e 71%, em
até 24 horas; 19% faleceram sem assistência médica. Em 25 casos (48%) o primeiro
serviço de saúde procurado foi o hospital e em 23%, a unidade básica de saúde.
Infecção (19 casos) e seqüestro esplênico (17 casos) predominaram como causa
x
mortis. Pelo documento oficial de óbito somente em 7 casos o seqüestro havia sido
assinalado como causa de óbito. As principais dificuldades relatadas pelas famílias
foram: infra-estrutura dos serviços de saúde inadequada para o atendimento de
urgência, longa distância entre a residência e os serviços de saúde, dificuldades no
transporte, capacitação insuficiente das equipes de saúde e compreensão limitada da
doença pela família. As probabilidades estimadas (E.P., erro padrão da dia) de
sobrevida para as crianças SS, SC e S
+
tal, aos 5 anos, foram de 89,4% (1,4), 97,7%
(0,7) e 94,7% (3,0), respectivamente (SS versus SC, P < 0,0001).
Conclusões: A maioria dos óbitos ocorreu em crianças SS e as principais causas
foram infecção e seqüestro esplênico. O número de óbitos registrados com causa
indeterminada pode indicar dificuldades no reconhecimento da doença falciforme e
dos eventos agudos graves pela equipe de saúde. Considerando as características
da maioria dos municípios do Estado, os programas de atenção à doença falcifome
deveriam, estrategicamente, abranger de forma especial as unidades básicas de
saúde. Um programa de atenção integral à pessoa com doença falciforme associado
a ações educativas voltadas para o paciente e familiares e para a capacitação da
equipe de saúde teriam grande impacto na redução da mortalidade e melhora da
qualidade de vida desses pacientes. Mesmo com um programa de triagem que
engloba um rigoroso controle do tratamento, muitos óbitos seriam evitados por meio
da educação da família e da equipe de saúde e pela melhora das condições de vida.
xi
ABSTRACT
Objective: To characterize and describe the circumstances that surrounded the
deaths of children with sickle cell disease who were screened by the State Program of
Newborn Screening in Minas Gerais (PETN-MG) from March, 1998 to February, 2005.
Methods: All children who died during the afore mentioned period after having the
diagnosis of sickle cell disease and follow up by the PETN-MG were included. Deaths
were identified through active search for children who did not show up for their regular
scheduled visits to Hemominas Foundation clinics. Data were collected from the
PETN-MG data bank, Hemominas clinical charts, death certificates, IBGE and
DATASUS data banks, and personal interviews with a member of the localized
families, after her or his signing the informed consent form.
Results: During that period 1,833,030 newborns were screened by the PETN-MG;
1,396 cases of sickle cell disease were detected and 78 deaths were recorded (5.6%):
63 were SS (80.8%), 12 SC (15.4%), and 3 S
+
thal (3.8%). The median age at the
screening was 9 days; at first clinical visit, 2.1 months, and at death, 13.7 months. Age
distribution at deaths was as follows: 33 children (42.3%) died before 1 year of life; 23
(29.5%) between 1 and 2 years; 10 (12.8%) 2-3 y; 5 (6.4%) 3-4 y; and 7 (9%) between
4 and 7 y; 52% were males. Death occurred in hospitals for 59 children (75.6%) and at
home or in transit for 18 (23.1%). 78% of children lived in urban areas and 22% in
rural areas. The causes of death as recorded on the death certificate were: infection
for 30 children (38.5%), acute splenic sequestration for 13 (16.6%) and other causes
for 7 (9%). In 16 cases (20.5%) death certificate was not conclusive and 12 children
(15.4%) died without medical care. 62.5 of children who died lived in small towns (less
than 50,000 inhabitants) and 83.6% in cities with the Human Development Index
between 0.5 and 0.8 (medium index). The total number of scheduled clinical visits at
Hemominas (580) was the expected one as prescribed by the protocol but no show
reached 22.7% of those visits. Personal interviews were done with 52 families. The
median ages of dead children’s mother and father were 25.5 and 29 years,
respectively. 13.5% of mothers were illiterate and 46% had reached the 4
th
series of
fundamental school, at maximum. The numbers for the fathers were 10% and 57.8%,
respectively. 71.2% of fathers were manual workers; 78.8% of mothers were
housewives without any income. 19% of families had other children with sickle cell
disease. The mean number of members in the family was 5.6. Per capita monthly
income was less than 200 reais in 96% of the families. 44% of the families lived in
their own properties, 42% in handed-over houses, and 10% in rented ones. 52% of
houses had sanitary sewage, 94% electrical supply, and 71% water filtration devices.
Only 58% of dead children had regular medical follow-up at the Basic Health Unity; the
others only attended emergency rooms or Hemominas outpatient clinics for the
periodic visit. 65% of the children had been admitted to hospitals at least once before
the death event; 19% had been hospitalized for more than 3 times. Previous episodes
of acute splenic sequestration was reported by 27% of the families; previous episodes
of pain in 67.3%. Fever, pain, vomit, prostration, and increasing pallor were the most
frequent signs or symptoms heralding death event. Medical care in the first 6 hours
from the beginning of symptoms was possible for 57.7% of cases and in the first 24
hours for 71%; 19% died without any medical care. In 25 cases (48%) hospitals were
the first health unit to be looked for; in 23%, Basic Health Units. Infection (19 cases)
and acute splenic sequestration (17 cases) were the leading causes of death. When
compared to official death certificate, sequestration was reported as the cause of
death in only 7 out of those 17 cases. Inadequate infrastructure for health care in
xii
emergency situations, distant health care units, unavailable speedy ground
transportation and low understanding of the disease by health staff and families were
reported as contributing factors for death in personal interviews. The estimated
probabilities (S.E,, mean standard error) of surviving 5 years for SS, SC, and S
+
thal
children were 89.4% (1.4%), 97.7% (0.7%), and 94.7% (3.0%), respectively (SS
versus SC, P < 0.0001).
Conclusions: The majority of deaths occurred in infancy and in SS children. The
main causes of death were infection and acute splenic sequestration. The number of
reasons for death labeled as indeterminate may indicate insufficient knowledge of
sickle cell disease itself and of recognizing intervening acute crises by health staff
members. Taking into consideration the social and economic background of the
majority of small towns in Minas Gerais, future programs for sickle cell patients should
be strategically directed to Basic Health Units. Educational aspects, both for health
caregivers and for parents and children, should be an integral part of such a program.
Even after a carefully controlled newborn screening program the probability of SS
children dying was found to be still high. Most causes of deaths would be preventable
by education and improvement in the quality of health care and general social
conditions.
xiii
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................... ix
ABSTRACT............................................................................... xi
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÔNIMOS............ xvi
LISTA DE TABELAS................................................................. xix
LISTA DE FIGURAS.................................................................. xxiii
1
INTRODUÇÃO...........................................................................
27
2
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA..................................................... 34
2.1
Doença Falciforme: aspectos conceituais e fisiopatologia.......
34
2.2
Apresentação clínica................................................................
35
2.3
Eventos clínicos mais importantes na infância........................
36
2.3.1 Crises álgicas...........................................................................
36
2.3.2
Infecção....................................................................................
37
2.3.3
Seqüestro Esplênico Agudo.....................................................
38
2.3.4 Síndrome Torácica Aguda......................................................... 39
2.3.5 Acidente Vascular Cerebral....................................................... 40
2.3.6 Crise Aplásica............................................................................ 41
2.4
Mortalidade...............................................................................
41
2.5 Medidas para redução da morbidade e mortalidade................. 50
2.5.1
Triagem neonatal......................................................................
51
2.5.2
Orientação genética.................................................................
52
2.5.3
Diagnóstico pré-natal................................................................
53
2.5.4
Educação..................................................................................
53
2.5.5
Profilaxia para infecção pneumocócica....................................
54
2.5.6
Atenção integral ao paciente....................................................
56
xiv
2.5.7 Reconhecimento do risco de acidente vascular cerebral
(AVC)........................................................................................
57
2.5.8
Hidroxiuréia..............................................................................
58
2.5.9 Transfusão................................................................................ 59
2.5.10
Reconhecimento precoce da hipertensão pulmonar...............
60
2.5.11
Novas perspectivas.................................................................
62
3
OBJETIVOS.............................................................................. 64
3.1 OBJETIVO GERAL................................................................... 64
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS..................................................... 64
4
..........................................................
65
4.1 Delineamento............................................................................ 65
4.2
Programa de Triagem Neonatal para Doença Falciforme em
Minas Gerais............................................................................
65
4.3
Identificação dos óbitos...........................................................
68
4.4 População estudada................................................................. 69
4.5
Coleta de dados......................................................................
70
4.5.1
Entrevista.................................................................................
70
4.5.2 Documento de óbito..................................................................
71
4.5.3 Dados do acompanhamento da criança no Programa
Estadual de Triagem Neonatal..................................................
72
4.5.4 Dados dos Municípios............................................................... 72
4.5.5 Dados dos prontuários da Fundação Hemominas.................... 74
4.6
Aspectos Éticos.......................................................................
75
4.7 Análise Estatística..................................................................... 75
4.8 Financiamento........................................................................... 75
5
RESULTADOS........................................................................ 76
5.1
Caracterização da população estudada.................................
76
5.2
Idade ao óbito.........................................................................
79
xv
5.3
Óbitos segundo local e causa.................................................
80
5.4 Análise da sobrevida................................................................ 83
5.5 Seguimento das crianças....................................................... 85
5.6 Caracterização dos municípios de residência das 78
crianças..................................................................................
86
5.7 Caracterização socioeconômica das 52 famílias
entrevistadas............................................................................
90
5.8 Circunstâncias dos óbitos....................................................... 97
5.9 As dificuldades vivenciadas segundo o relato das famílias
(extratos de algumas entrevistas)...........................................
106
6
DISCUSSÃO..................................................................
........
118
7
CONCLUSÕES.......................................................................
131
8
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................
134
ANEXOS.....................................................................
...........
144
xvi
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÔNIMOS
AVC - Acidente Vascular Cerebral
Ben - haplotipo Benin
BH - Belo Horizonte
CAR - República Centro Africana (corresponde ao haplotipo Bantu ou CAR)
CDC - Centers of Disease Control and Prevention
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CSSCD - Cooperative Study of Sickle Cell Disease - Estudo Cooperativo em Doença
Falciforme
DATASUS - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde
DP - Desvio Padrão
E.P. - Erro padrão da média
EUA - Estados Unidos da América
GRS - Gerências Regionais de Saúde
H
+
- íon hidrogênio
Hb - Hemoglobina
Hb A – Hemoglobina A
Hb AC - Traço C
Hb AS - Traço S ou traço falciforme
Hb C - Hemoglobina C
Hb F - Hemoglobina Fetal
Hb S - Hemoglobina S
HEMOMINAS - Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais
HPLC - High Performance Liquid Chromatography - Cromatografia Líquida de Alta
Resolução
xvii
HU - Hidroxiuréia
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDHM - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IEF - Isoelectric focusing - Eletroforese por Focalização Isoelétrica
K
+
- íon potássio
MG - Minas Gerais
n - número de amostras
NIH - National Institute of Health
NO - Óxido Nítrico
Nupad - Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de
Medicina da UFMG
PETN - Programa Estadual de Triagem Neonatal
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PSF - Programa de Saúde da Família
SC – Genótipo duplo heterozigoto para hemoglobinas S e C
SCT - Setor de Controle do Tratamento
SD Punjab - Genótipo duplo heterozigoto para hemoglobinas S e
D Punjab
SEA - Seqüestro Esplênico Agudo
Sen - haplotipo Senegal
SO Arab - Genótipo duplo heterozigoto para hemoglobinas S e
O Arab
SRTN - Serviço de Referência em Triagem Neonatal
SS – Genótipo homozigoto para hemoglobina S
STA - Síndrome Torácica Aguda
SUAS - Sistema Único de Assistência Social
SUS - Sistema Único de Saúde
xviii
S tal - Genótipo duplo heterozigoto para hemoglobina S e talassemia
S
+
tal - Genótipo duplo heterozigoto para hemoglobina S e
+
talassemia
S
0
tal - Genótipo duplo heterozigoto para hemoglobina S e talassemia menor
tal - talassemia
UBS - Unidade Básica de Saúde
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
xix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Incidência dos fenótipos da doença falciforme, segundo o
Programa Estadual de Triagem Neonatal de Minas Gerais, em um
milhão de crianças triadas no período de 1998 a 2002...............................
66
Tabela 2 - Situação do acompanhamento das crianças triadas com
Doença Falciforme pelo Programa Estadual de Triagem Neonatal de
Minas Gerais, no período de março de 1998 a fevereiro de 2005.............. 69
Tabela 3 - Distribuição dos municípios segundo a população em Minas
Gerais e no Brasil........................................................................................ 73
Tabela 4 - Tipos de documentos enviados pelos municípios ao PETN
para notificar os óbitos de crianças com doença falciforme ocorridos no
período de março de 1998 a fevereiro de 2005 (n=78)............................... 76
Tabela 5 - Distribuição dos óbitos segundo a Unidade de Referência da
Fundação Hemominas (n=78)..................................................................... 77
Tabela 6 - Distribuição dos óbitos segundo perfil hemoglobínico
detectado na triagem neonatal das 78 crianças com doença falciforme
falecidas no período de março de 1998 a fevereiro de 2005...................... 78
Tabela 7 - Idade à coleta do sangue para a triagem neonatal das 78
crianças com doença falciforme falecidas no período de março de 1998 a
fevereiro de 2005......................................................................................... 78
Tabela 8 - Idade ao óbito e idade à primeira consulta no hemocentro das
78 crianças triadas pelo PETN com doença falciforme que faleceram no
período de março de 1998 a fevereiro de 2005.......................................... 79
xx
Tabela 9 - Distribuição e freqüência dos óbitos, de acordo com o
genótipo, das crianças triadas com doença falciforme no período de
março de 1998 a fevereiro de 2005.............................................................
83
Tabela 10 - Probabilidades estimadas de sobrevida (% ± EP*) de 1396
crianças diagnosticadas entre março de 1998 e fevereiro de 2005,
conforme o tipo de hemoglobinopatia e o tempo de sobrevida (1, 3 e 5
anos)............................................................................................................ 85
Tabela 11 - Dados hematológicos das crianças com doença falciforme
que faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de 2005,
pesquisados em 58 prontuários da Fundação Hemominas........................ 86
Tabela 12 - Distribuição das crianças diagnosticadas com doença
falciforme pelo PETN de Minas Gerais e dos 78 óbitos, por Gerência
Regional de Saúde (GRS), no período de março de 1998 a fevereiro de
2005............................................................................................................. 88
Tabela 13 - Classificação dos municípios de residência das 78 crianças
com doença falciforme triadas pelo PETN que faleceram no período de
março de 1998 a fevereiro de 2005, segundo o porte populacional
(n=61)
................................................................................................................................................................
89
Tabela 14 - Distribuição dos 61 municípios de residência das crianças
com doença falciforme triadas pelo PETN, que faleceram no período de
março de 1998 a fevereiro de 2005, segundo os valores do Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).............................................. 90
Tabela 15 - Idade dos pais das crianças triadas pelo PETN com doença
falciforme que faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de
2005 (n=52)................................................................................................. 91
Tabela 16 - Escolaridade dos pais das crianças triadas pelo PETN com
doença falciforme que faleceram no período de março de 1998 a
fevereiro de 2005 (n=52)............................................................................. 91
xxi
Tabela 17 - Ocupação, fora do domicílio, das mães das crianças triadas
pelo PETN com doença falciforme que faleceram no período de março
de 1998 a fevereiro de 2005 (n=52)............................................................
92
Tabela 18 - Ocupação dos pais das crianças triadas pelo PETN com
doença falciforme que faleceram no período de março de 1998 a
fevereiro de 2005 (n=52)............................................................................. 92
Tabela 19 - Número de membros das famílias das crianças triadas pelo
PETN com doença falciforme que faleceram no período de março de
1998 a fevereiro de 2005 (n=52)................................................................. 93
Tabela 20 - Situação da casa das famílias das crianças triadas pelo
PETN com doença falciforme que faleceram no período de março de
1998 a fevereiro de 2005 (n=52)................................................................. 94
Tabela 21 - Situação do saneamento básico das residências das
crianças triadas pelo PETN com doença falciforme que faleceram no
período de março de 1998 a fevereiro de 2005 (n=52)............................... 95
Tabela 22 - Uso do antibiótico profilático, ácido fólico e imunobiológicos
especiais pelas crianças com doença falciforme triadas pelo PETN que
faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de 2005 (n=52)......... 100
Tabela 23 - Ocorrência de seqüestro esplênico, crise álgica e transfusão
anteriores ao óbito nas crianças com doença falciforme, triadas pelo
PETN, que faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de 2005
(n=52).......................................................................................................... 101
Tabela 24 - Primeiros sinais e sintomas relacionados ao evento que
motivou o óbito das crianças com doença falciforme, triadas pelo PETN,
que faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de 2005,
segundo a freqüência com que foram citados nas 52 entrevistas.............. 102
xxii
Tabela 25 - Tempo decorrido entre o início dos sintomas e o
atendimento médico na ocasião do evento que motivou o óbito das
crianças com doença falciforme, triadas pelo PETN, que faleceram no
período de março de 1998 a fevereiro de 2005 (n=52)...............................
103
Tabela 26 - Tempo decorrido entre o início dos sintomas e o óbito das
crianças com doença falciforme, triadas pelo PETN, que faleceram no
período de março de 1998 a fevereiro de 2005 (n=52)............................... 103
Tabela 27 - Principais dificuldades encontradas durante o
acompanhamento médico das crianças com doença falciforme triadas
pelo PETN e falecidas no período de março de 1998 a fevereiro de 2005,
segundo a freqüência com que foram citadas nas 52 entrevistas.............. 106
Tabela 28 - Características dos domicílios das 52 famílias entrevistadas
e dados da PNAD 2004 para o estado de Minas Gerais............................. 125
xxiii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Distribuição geográfica das talassemias, anemia falciforme e
outras hemoglobinopatias.........................................................................
29
Figura 2 - Distribuição do gene da doença falciforme em todas as
partes do mundo, com setas indicando a sua expansão pela América e,
recentemente, pela Europa.......................................................................
29
Figura 3 - Incidência da anemia falciforme (Hb SS)(*) em nascidos
vivos, por Diretorias Regionais de Saúde DRS. Programa Estadual
de Triagem Neonatal - Minas Gerais - 1998/2001....................................
30
Figura 4 - Incidência da doença da hemoglobina SC (Hb SC) em
nascidos vivos, por Diretorias Regionais de Saúde DRS. Programa
Estadual de Triagem Neonatal - Minas Gerais - 1998/2001.....................
31
Figura 5 - Incidência do traço falciforme (Hb AS) em nascidos vivos,
por Diretorias Regionais de Saúde DRS. Programa Estadual de
Triagem Neonatal - Minas Gerais - 1998/2001.........................................
32
Figura 6 - Incidência da doença falciforme
(*)
em nascidos vivos, por
Diretorias Regionais de Saúde DRS. Programa Estadual de Triagem
Neonatal - Minas Gerais - 1998/2001.......................................................
33
Figura 7 - Manifestações clínicas da doença falciforme.......................... 35
Figura 8 - Localização das unidades da Fundação Hemominas
responsáveis pelo acompanhamento da Doença Falciforme...................
67
Figura 9 - Distribuição municipal do Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal (IDHM) Minas Gerais, 2000.......................................
74
xxiv
Figura 10 - Distribuição dos endereços de residência das 78 crianças
com doença falciforme falecidas no período de março de 1998 a
fevereiro de 2005 .....................................................................................
77
Figura 11 - Distribuição por faixa etária dos óbitos das 78 crianças
triadas pelo PETN com doença falciforme que faleceram no período de
março de 1998 a fevereiro de 2005..........................................................
80
Figura 12 - Local do óbito das 78 crianças triadas com doença
falciforme pelo PETN que faleceram no período de março de 1998 a
fevereiro de 2005......................................................................................
80
Figura 13 - Local do óbito das crianças triadas pelo PETN com doença
falciforme que faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de
2005, segundo as informações do documento de óbito e das
entrevistas (n=52).....................................................................................
81
Figura 14 - Causas de óbito das 78 crianças triadas pelo PETN com
doença falciforme que faleceram no período de março de 1998 a
fevereiro de 2005, segundo as informações do documento de óbito.......
82
Figura 15 - Causas de óbito das crianças triadas pelo PETN com
doença falciforme que faleceram no período de março de 1998 a
fevereiro de 2005, segundo as informações do documento de óbito e
das entrevistas (n = 52)............................................................................
83
Figura 16 - Curvas de sobrevida, por tipo de hemoglobinopatia, das
1396 crianças com doença falciforme, diagnosticadas entre março de
1998 a fevereiro de 2005 (método de Kaplan-Meier)...............................
84
Figura 17 - Distribuição das crianças com doença falciforme triadas
pelo PETN que faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de
2005 por Gerência Regional de Saúde, segundo o município de
residência (n=78)......................................................................................
87
xxv
Figura 18
-
Renda per capita mensal das famílias das crianças com
doença falciforme triadas pelo PETN que faleceram no período de
março de 1998 a fevereiro de 2005 (n=52)..............................................
94
Figura 19 - Característica do telhado das casas das crianças triadas
pelo PETN com doença falciforme que faleceram no período de março
de 1998 a fevereiro de 2005 (n=52).........................................................
96
Figura 20 - Característica do piso das casas das crianças triadas pelo
PETN com doença falciforme que faleceram no período de março de
1998 a fevereiro de 2005 (n=52)..............................................................
96
Figura 21 - Característica da parede das casas das crianças triadas
pelo PETN com doença falciforme que faleceram no período de março
de 1998 a fevereiro de 2005 (n=52).........................................................
97
Figura 22 - Local de realização da entrevista com as famílias das
crianças com doença falciforme triadas pelo PETN que faleceram no
período de março de 1998 a fevereiro de 2005 (n=52)............................
98
Figura 23 - Presença do Programa de Saúde da Família (PSF) na
cidade em que residia a criança na ocasião do óbito e atualmente
(n=52)........................................................................................................
99
Figura 24 - Freqüência das internações, anteriores ao evento que
motivou o óbito, das crianças com doença falciforme triadas pelo PETN
que faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de 2005
(n=52)........................................................................................................
100
Figura 25 - Primeiro serviço de saúde procurado na ocasião do evento
que causou o óbito das crianças com doença falciforme triadas pelo
PETN, que faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de
2005 (n=52)...............................................................................................
104
xxvi
Figura 26 - Meios de transporte usados nos 24 encaminhamentos para
hospitais das crianças com doença falciforme triadas pelo PETN,
falecidas no período de março de 1998 a fevereiro de 2005 (n=24)........
105
27
1- INTRODUÇÃO
A doença falciforme, descrita pela primeira vez em 1910 por HERRICK, é
uma doença de caráter genético, freqüente, mas não exclusiva, em indivíduos de
origem africana (SERJEANT, 1999). É decorrente de uma mutação no gene que
codifica a cadeia beta da globina, localizado no cromossoma 11. Como
conseqüência, ocorre a substituição do ácido glutâmico pela valina na posição 6 da
extremidade N-terminal da hemoglobina adulta (Hb A), dando origem à hemoglobina
S (Hb S) (SERJEANT, 1999).
O gene mutante da Hb S ocorre com maior freqüência na África Equatorial,
no Mediterrâneo, na Índia e em países para os quais houve migração desses povos
(DOVER & PLATT, 1998). Estima-se que 10% a 20% da população da África
Equatorial apresente o traço falciforme. Na população de recém-nascidos da
Jamaica, SERJEANT et al. (1986) relataram que a freqüência encontrada para o traço
da Hb S (Hb AS) foi de 10% e a do traço da Hb C (Hb AC), de 3,5%. Entre os negros
americanos, as freqüências para o traço da Hb S e da Hb C foram de 8% e 2%,
respectivamente (SERJEANT, 1992).
As figuras 1 e 2 fornecem uma dimensão da distribuição mundial da
doença falciforme, em áreas de maior prevalência.
No Brasil, o gene da hemoglobina S foi introduzido durante o regime
escravocrata (ZAGO et al., 1983). Embora sua real incidência não seja conhecida,
estima-se que 2% a 8% da população brasileira apresente o traço falciforme (ZAGO
et al., 1983). Segundo os dados do Programa Estadual de Triagem Neonatal do
Estado de Minas Gerais (PETN-MG), em mais de um milhão de crianças triadas, a
incidência do traço da Hb S foi de 3,3% e a do traço da Hb C, de 1,3% (JANUÁRIO,
2002). Entre doadores de sangue, um estudo realizado em 1994 pela Fundação
Hemominas, em Minas Gerais, encontrou uma freqüência de 4,7% de traço S e de
1,5% de traço C (CARVALHO et al., 1994).
A anemia falciforme é considerada pelo Ministério da Saúde como a
doença hereditária monogênica mais comum no Brasil (PROGRAMA DE ANEMIA
FALCIFORME - MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1996). Segundo dados do Ministério da
Saúde do Brasil, estima-se a prevalência de 25.000 a 30.000 pessoas com anemia
falciforme no País e a incidência de 3.500 novos casos a cada ano (CANÇADO &
JESUS, 2007).
28
No período de 1979 a 1995, ALVES (1996) analisou, no Brasil, os registros
de óbito do Sistema de Informações de Mortalidade e constatou que, em 80% dos
casos de óbito por anemia falciforme, as pessoas não haviam completado 30 anos de
idade e que 88% das pessoas que morreram em decorrência da doença não tiveram
o registro correto de sua causa de morte.
Em 1970, a mediana de sobrevida, para cidadãos norte-americanos com a
forma homozigótica (Hb SS) da doença, era de 20 anos (SCOTT, 1970). Após a
implantação dos programas de diagnóstico neonatal, educação e atenção integral ao
paciente, uma criança com a mesma condição (Hb SS) passou a apresentar 85% de
chance de sobrevida aos 20 anos (LEIKIN et al.,1989).
Em Minas Gerais, a incidência da doença falciforme é de 1: 1.400 recém-
nascidos triados, tendo como base o Programa Estadual de Triagem Neonatal
(PETN) que implantou a triagem para hemoglobinopatias em março de 1998. O PETN
de Minas Gerais abrange todos os municípios do Estado e sua cobertura é de 94%
dos recém-nascidos vivos (JANUÁRIO, 2002).
A distribuição regional dos genótipos SS, SC e traço falciforme no estado
de Minas Gerais são mostradas pelas figuras 3, 4 e 5, respectivamente. A figura 6
representa a distribuição da doença falciforme em Minas Gerais.
O acompanhamento das crianças com doença falciforme identificadas
pelo Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais é realizado pelos hemocentros
da Fundação Hemominas, todos seguindo o mesmo protocolo para pacientes com
doença falciforme e vinculados ao sistema de referência e contra-referência do
programa.
Este estudo tem como objetivo o conhecimento mais detalhado das causas
e circunstâncias dos óbitos ocorridos em crianças com doença falciforme triadas pelo
Programa Estadual de Triagem Neonatal de Minas Gerais, bem como a
caracterização socioeconômica e cultural das famílias.
Acreditamos que esse estudo possa evidenciar os diversos determinantes
do evento óbito, propiciando uma compreensão mais ampla da situação da doença
falciforme no nosso Estado e favorecer o planejamento de políticas públicas e outras
ações que possam contribuir para reduzir a morbi-mortalidade e melhorar a qualidade
de vida do doente falciforme.
29
Figura 1 - Distribuição geográfica das talassemias, anemia falciforme e outras
hemoglobinopatias.
Fonte: HOFFBRAND & PETTIT, 1994
Figura 2 - Distribuição do gene da doença falciforme em todas as partes do mundo,
com setas indicando a sua expansão pela América e, recentemente, pela Europa.
Fonte: SERJEANT, 1992
30
Figura 3 - Incidência da anemia falciforme (Hb SS)(*) em nascidos vivos, por
Diretorias Regionais de Saúde DRS. Programa Estadual de Triagem Neonatal -
Minas Gerais - 1998/2001
Incidência em 100.000
21
7
34
44
20
33
43
82
a
a
a
a
(*)
Inclui S/β
0
talassemia
Fonte: JANUÁRIO, 2002
31
Figura 4 - Incidência da doença da hemoglobina SC (Hb SC) em nascidos vivos, por
Diretorias Regionais de Saúde DRS. Programa Estadual de Triagem Neonatal -
Minas Gerais - 1998/2001
Incidência em 100.000
16
4
26
33
15
25
32
86
a
a
a
a
Fonte: JANUÁRIO, 2002
32
Figura 5 - Incidência do traço falciforme (Hb AS) em nascidos vivos, por Diretorias
Regionais de Saúde DRS. Programa Estadual de Triagem Neonatal - Minas Gerais -
1998/2001
Incidência em 100.000
2649
1533
3032
3532
2648
3031
3531
4771
a
a
a
a
Fonte: JANUÁRIO, 2002
33
Figura 6 - Incidência da doença falciforme
(*)
em nascidos vivos, por Diretorias
Regionais de Saúde DRS. Programa Estadual de Triagem Neonatal - Minas Gerais
- 1998/2001
Incidência em 100.000
47
10
54
82
46
53
81
147
a
a
a
a
(*)
Inclui fenótipos: Hb SS, Hb SC, Hb S/β
0
tal, Hb S/β
+
tal, Hb S/D
Punjab
Fonte: JANUÁRIO, 2002
34
2 - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2. 1 Doença Falciforme: aspectos conceituais e fisiopatologia
Por definição, doença falciforme é um termo genérico que engloba um
grupo de desordens genéticas, de elevada importância clínica e epidemiológica, cuja
característica principal é a herança do gene da hemoglobina S (gene
s
). Este gene
determina a presença da hemoglobina variante S nas hemácias (QUINN et al., 2004).
A anemia falciforme representa a forma homozigótica SS, sendo a forma
mais comum e grave. Os estados de dupla heterozigose ocorrem quando um
indivíduo herda um gene
s
e outro gene relacionado a outra hemoglobina variante,
como por exemplo o gene relacionado à hemoglobina C, configurando o genótipo SC.
A associação do gene
s
com outros genes mutantes como o da talassemia produz
os genótipos S
+
talassemia e S
0
talassemia (SERJEANT, 1992).
Os genótipos da doença falciforme mais comuns em nosso meio o: Hb
SS, Hb SC, Hb S
+
tal , Hb S
0
tal e Hb SD
Punjab
(JANUÁRIO, 2002). Apesar de
particularidades que as distiguem, todas estas doenças têm manifestações clínicas
semelhantes, porém com graus variados de gravidade (GASTON, 1987).
Os fenômenos vaso-oclusivos e a hemólise acentuada são os principais
determinantes das manifestações clínicas da doença falciforme (SERJEANT, 1992).
Em determinadas situações como hipóxia, acidose e desidratação, a
hemoglobina S pode sofrer polimerização e cristalizar-se no interior das hemácias,
alterando a sua forma bicôncava habitual para a forma de foice. As hemácias
falcizadas são mais rígidas e tornam mais lento o fluxo sanguíneo da microcirculação
pré-capilar, havendo adesão das hemácias ao endotélio, resultando nos fenômenos
vaso-oclusivos. Outros fatores vasculares e mediadores da resposta inflamatória
podem contribuir para a vaso-oclusão (STUART & NAGEL, 2004). Os fenômenos
vaso-oclusivos são responsáveis pela lesão tecidual aguda e crônica, levando às
crises álgicas, acidente vascular cerebral, infartos pulmonares e esplênico, priapismo
e comprometimento crônico de órgãos como os rins, coração, retinas, aparelho
locomotor e outros (REED & VICHINSKY, 1998).
A sobrevida das hemácias falcizadas é encurtada. Enquanto nos indivíduos
normais a vida média das hemácias é de 120 dias, na doença falciforme esta varia de
8 a 25 dias. A taxa de hemólise é influenciada pelo grau de polimerização da Hb S. O
35
nível de hemoglobina está relacionado ao balanço entre hemólise e eritropoiese, além
de ser influenciado pelo volume plasmático (SERJEANT, 1992). A anemia leva à
limitação, em graus variados, das atividades físicas e a alterações adaptativas do
sistema cardiovascular que se acentuam em pacientes mais velhos (SERJEANT,
1992).
2. 2 Apresentação Clínica
A doença falciforme é caracterizada por vaso-oclusão intermitente,
hemólise crônica e importante variação nas manifestações clínicas e grau de
gravidade entre os indivíduos doentes (REED & VICHINSKY, 1998). Apesar da
alteração principal estar restrita aos glóbulos vermelhos do sangue, trata-se de
doença sistêmica podendo acometer qualquer órgão.
As manifestações clínicas são primariamente relacionadas aos fenômenos
vaso-oclusivos e à hemólise, como mostra a figura 7.
Geralmente, não ocorrem manifestações clínicas até por volta dos 4 a 6
meses de vida porque até essa idade a concentração de hemoglobina fetal (Hb F) é
capaz de inibir a falcização. As primeiras manifestações na criança incluem anemia,
dactilite, seqüestro esplênico agudo e infecção pneumocócica (BAINBRIDGE et al.,
1985).
Figura 7- Manifestações clínicas da doença falciforme*
Hemólise crônica
Vaso
-
oclusão
Anemia Crises álgicas
Litíase biliar Síndrome torácica aguda
Crise aplástica (parvovirus) Acidente vascular cerebral
Icterícia Priapismo
Atraso no crescimento Retinopatia
Hipertensão pulmonar Necrose óssea avascular
Seqüestração esplênica
Asplenia funcional
Úlceras de perna
Hipostenúria e enurese
Nefropatia crônica
* Modificado de REED & VICHINSKY, 1998.
Entre os fatores genéticos que explicam a variabilidade da expressão
clínica da doença falciforme destacam-se a interação com a alfa talassemia,
persistência hereditária de hemoglobina fetal e os vários haplotipos do gene
s
.
36
A co-herança da -talassemia com a Hb SS modifica as manifestações
clínicas da anemia falciforme, com redução da hemólise e inibição da falcização
intravascular tornando os pacientes menos susceptíveis às úlceras de perna e à
síndrome torácica aguda (SERJEANT, 1992).
Segundo STEINBERG (1994), qualquer aumento da concentração da
hemoglobina fetal é benéfico para os pacientes falciformes, havendo uma relação
inversa entre o nível de Hb F e as manifestações clínicas. STEVENS et al., em 1981,
observaram que a incidência de dactilite e seqüestração esplênica aguda eram
maiores nos lactentes que, aos seis meses de idade ou antes, apresentavam menor
nível de Hb F. Observaram ainda que o baço se tornava palpável mais precocemente
nesses pacientes e que a incidência de infecções e morte era maior quando a
esplenomegalia ocorria mais cedo.
As manifestações clínicas podem variar conforme o haplotipo presente no
paciente. Segundo POWARS et al. (1990), os haplotipos Senegal (Sen) e Arábia
Saudita/Índia apresentam maiores níveis de hemoglobina fetal, com manifestações
clínicas leves. O curso da anemia falciforme é mais grave no haplótipo Bantu ou CAR
e mais leve no Sen, e intermediário no haplotipo Benin (Ben). No Brasil, ocorre a
predominância do haplotipo Bantu (FIGUEIREDO et al., 1994).
Fatores ambientais como a condição socioeconômica e composição
nutricional da alimentação também podem contribuir para variações na gravidade da
doença (SERJEANT, 1992).
2. 3 Eventos clínicos agudos mais importantes na infância
Os eventos agudos mais comuns na infância o crises álgicas, seqüestro
esplênico agudo, infecções, crise aplásica, acidente vascular cerebral e síndrome
torácica aguda.
2.3.1 Crises Álgicas
As crises álgicas são o sinal clínico mais marcante da doença falciforme.
São caracterizadas por episódios de dor recorrentes, com duração de horas ou dias,
podendo chegar a semanas, embora mais comumente tenham de 5 a 7 dias de
duração. O início é súbito ou precedido por um período prodrômico com dor de baixa
37
intensidade (SERJEANT, 1992). A dor é resultante do infarto e necrose avascular da
medula óssea, em consequência da vaso-oclusão na microcirculação da medula.
Vários fatores como acidose, infecções, exposição ao frio, desidratação,
estresse físico e emocional podem desencadear as crises álgicas, embora
freqüentemente nenhum fator seja detectado (OKPALA, 1998).
evidências de que a isquemia com lesão e necrose tecidual levem a
uma resposta inflamatória. Com a liberação de substâncias mediadoras da reação
inflamatória (íons K
+
e H
+
, histamina, bradicinina e prostaglandinas), os
nocirreceptores são sensibilizados. Via fibras aferentes da medula espinhal e tálamo,
os impulsos alcançam o rtex cerebral, manifestando-se a dor (BALLAS &
MOHANDAS, 1996).
As crises álgicas são a maior causa de morbidade entre os pacientes
falcêmicos, tanto crianças quanto adultos, e representam a principal causa de
atendimento em unidades de urgência e hospitalização (PLATT et al., 1991).
A dor óssea é a mais comum, afetando ossos longos, coluna vertebral,
articulações e pelve. Pode acometer mais de um local, ser migratória e muitas vezes,
envolver membros simétricos. Em crianças até os cinco anos de idade, as crises
podem manifestar-se como dactilites, ou síndrome mão-pé, freqüentemente sendo o
primeiro sinal da doença falciforme, com início por volta dos quatro meses de idade
(SERJEANT, 1992).
A dor visceral, manifestada pela síndrome torácica aguda (pulmões) e dor
abdominal (infarto intestinal), principalmente, é um outro tipo de dor que acomete a
criança com doença falciforme (BALLAS & MOHANDAS, 1996).
2.3.2 Infecção
As infecções determinam elevada morbidade e mortalidade nos pacientes
com doença falciforme. Os episódios infecciosos ocorrem com maior freqüência e
gravidade nas crianças menores de cinco anos de idade, principalmente nos
primeiros dois anos de vida.
A maior susceptibilidade dos pacientes com doença falciforme às infecções
é atribuída a vários fatores: perda precoce e gradual da função esplênica, formação
insuficiente de anticorpos, opsonização deficiente dos antígenos e baixa atividade
bactericida dos polimorfonucleares.
38
Os principais patógenos são as bactérias encapsuladas, sendo o
Streptococcus pneumoniae responsável pelo maior número de casos. Outros
patógenos importantes em crianças até os cinco anos de idade são: Haemophilus
influenzae, Staphylococcus, Neisseria meningitidis e Salmonella.
ZARKOWSKY et al. (1986) analisaram 178 episódios de bacteremia em
pacientes com doença falciforme acompanhados pelo Cooperative Study of Sickle
Cell Disease (CSSCD), nos Estados Unidos da América. A incidência de bacteremia
foi significativamente maior entre os pacientes com Hb SS em comparação com o
grupo com Hb SC, principalmente nas crianças com idade abaixo dos seis anos. As
crianças com Hb SC mostraram uma redução abrupta na incidência de bacteremia
após os 2 anos de idade, enquanto as crianças com Hb SS apresentavam redução
mais gradual entre 2 e 6 anos de idade. O principal patógeno abaixo dos 6 anos de
idade foi o pneumococo (66%). As bactérias gram-negativas foram responsáveis por
50% das bacteremias em pacientes acima dos 6 anos de idade. Em 77% dos casos
de bacteremia por Salmonella, havia associação com osteomielite. A taxa de
mortalidade por sepse pneumocócica no grupo de crianças abaixo dos 3 anos de
idade foi de 24%.
O uso das vacinas antipneumocócicas heptavalente e 23-valente e da
penicilina profilática são preconizadas para reduzir a incidência e a mortalidade por
infecção pneumocócica. GASTON et al. (1986) demonstraram que o uso da penicilina
profilática, iniciada precocemente, pode determinar a redução de até 85% na
incidência de sepse pneumocócica.
2.3.3 Seqüestro Esplênico Agudo
A seqüestração esplênica resulta do aprisionamento de sangue no baço,
em conseqüência da falcização e da obstrução do fluxo intravascular. O baço
aumenta de volume e queda aguda dos níveis basais de hemoglobina (redução
acima de 2 g/dl), podendo levar ao choque hipovolêmico. A etiologia é desconhecida,
embora a infecção de vias reas superiores tenha sido encontrada em 40% dos
casos (EMOND et al., 1985; SERJEANT & SERJEANT, 1993).
A criança apresenta piora clínica aguda, com acentuação da palidez,
esplenomegalia, fraqueza, taquicardia e até sinais de choque nos casos mais graves.
Exige diagnóstico precoce e adoção de medidas terapêuticas urgentes com correção
da volemia e transfusão sangüínea.
39
Na Hb SS ocorre, principalmente, nos dois primeiros anos de vida, sendo
rara após os seis anos de idade (TOPLEY et al., 1981). Nas outras ndromes
falciformes (Hb SC e S talassemia) a sua ocorrência é menos freqüente, embora
crianças mais velhas e adultos possam ser acometidos quando persistência do
baço.
EMOND et al. (1985) estudaram a história natural da seqüestração
esplênica aguda em crianças na Jamaica. Em 308 crianças portadoras de Hb SS,
observaram seqüestração esplênica aguda em 29%. A idade do primeiro episódio
variou dos três meses aos seis anos de idade. O índice de recorrência foi
aproximadamente de 50%. Nos casos de óbito, as crianças faleceram poucas horas
após o início dos sintomas, antes da possibilidade de receberem transfusão
sangüínea.
SERJEANT (1996) observou redução de 90% nos índices de mortalidade
após programa de educação de pais e responsáveis, capacitando-os a fazer palpação
esplênica e a detectar os primeiros sinais e sintomas da crise de seqüestração. Isso
permitiu a procura imediata de atenção médica e pronto tratamento.
A abordagem do paciente após uma crise de seqüestração aguda deve
levar em conta o grande risco de recorrência. TOPLEY et al. (1981) estudaram 52
crianças com a primeira crise de seqüestração esplênica. A mortalidade no primeiro
episódio foi de 12%. Quartoze pacientes tiveram um segundo evento cuja mortalidade
foi de 20%. Por isso, a indicação da esplenectomia é aconselhada após a segunda
crise de seqüestração esplênica ou até antes, dependendo da gravidade do primeiro
evento (SERJEANT & SERJEANT, 1993).
2.3.4 Síndrome Torácica Aguda
A síndrome torácica aguda (STA) é caracterizada pelo aparecimento de um
infiltrado pulmonar radiológico recente com sintomas respiratórios e dor torácica em
pacientes com doença falciforme. Geralmente ocorrem tosse, febre, dor torácica e
dificuldade respiratória. As alterações radiológicas são infiltrados ou condensações
que podem ser uni ou multilobares, com localização preferencial nos lobos superiores
e médio nas crianças e nos lobos inferiores nos adultos (VICHINSKY et al., 1996).
A etiologia é multifatorial, sendo implicados agentes infecciosos
bacterianos e virais, aliados a fenômenos de vaso-oclusão pulmonar com trombose in
situ, bem como embolia de tecidos necróticos ósseos durante as crises de vaso-
40
oclusão ósteo-articulares. O infarto pulmonar é mais raro na criança antes dos 12
anos de idade e mais comum no adulto.
A STA é freqüente causa de óbito tanto em crianças quanto em adultos
com doença falciforme (MILLER et al., 2000; THOMAS et al., 1982; GILL et al.,1989;
GRAY et al., 1991).
O tratamento da STA consiste na identificação da causa, quando possível,
e o uso de antibióticos, mesmo nos casos duvidosos. Deve ser feita monitorização da
função pulmonar com gasometria e oximetria de pulso (SERJEANT, 1993). O uso de
transfusões simples ou de exsangüíneo-transfusão em casos de queda acentuada de
PO
2
não deve ser protelado. A hidratação não deve ser excessiva (1.500 ml/m
2
/dia)
para não provocar sobrecarga cardíaca. Analgésicos narcóticos devem ser evitados
pelo risco de depressão respiratória, redução de trocas gasosas e atelectasias
(VICHINSKY et al., 1996).
2.3.5 Acidente Vascular Cerebral
O acidente vascular cerebral (AVC) é uma das mais sérias complicações
da doença falciforme. É caracterizado por lesões neurológicas que podem resultar em
déficits, frequentemente hemiplegia, afasia e paralisia de nervos cranianos. Ocorre
principalmente em pacientes com Hb SS, mas pode também ser observado em
portadores de Hb SC e S-talassemia. As crianças são mais afetadas, com incidência
de 5% a 10% até os 15 anos de idade. O AVC isquêmico é mais comum nas
crianças; nos adultos predomina a hemorragia intracraniana. Também podem ocorrer
ataques isquêmicos transitórios, definidos como eventos isquêmicos cujos sintomas
se resolvem em menos de 24 horas de evolução sem seqüelas aparentes.
O risco de recorrência do AVC é grande, principalmente nos primeiros
anos após o primeiro evento. POWARS et al. (1978) observaram 67% de recorrência,
sendo que 80% ocorrem nos três primeiros anos.
Várias alterações fisiopatológicas foram descritas no AVC. A alteração
mais comum é o estreitamento acentuado ou a oclusão completa das artérias
carótida, cerebral média e/ou anterior. Ocorre proliferação das camadas dia e
íntima dos vasos. A alteração endotelial atua como fator precipitante da adesão de
plaquetas e de hemácias falcizadas, com formação de trombos. Há comprometimento
do fluxo sangüíneo distal. O espasmo de vasos ou pequenos êmbolos pode levar à
41
sintomatologia neurológica transitória. A hemorragia intracraniana pode ser
intracerebral ou subaracnóidea e geralmente é decorrente de um aneurisma vascular.
As crianças que sofrem um episódio de AVC geralmente recebem um
regime de transfusões crônicas para prevenir recidivas. Os regimes de
hipertransfusão com o objetivo de reduzir a hemoglobina S para menos de 30%
conferem uma proteção significativa contra novos ataques (PEGELOW et al., 1995).
2.3.6 Crise Aplásica
A principal causa de aplasia medular nos pacientes com doença falciforme
é o Parvovírus B19, que acomete principalmente crianças na faixa etária de quatro a
dez anos, sendo rara após os 15 anos de idade (SERJEANT et al., 1981).
Manifestações prodrômicas podem ocorrer como mal-estar, mialgia,
cefaléia e sinais de infecção do trato respiratório superior. O Parvovírus necessita de
divisão celular para a sua replicação e a medula óssea constitui local adequado para
tal. Com a redução da eritropoiese, por lesão das células hematopoiéticas
precursoras e a reduzida sobrevida das hemácias, os pacientes apresentarão queda
acentuada dos níveis basais de hemoglobina e reticulocitopenia.
O tratamento consiste no diagnóstico precoce e transfusão sangüínea
simples para melhora da oxigenação tecidual e das condições hemodinâmicas. A
recuperação medular ocorre em cinco a dez dias, com característico aumento do
número de reticulócitos (SERJEANT et al., 1981).
2. 4 Mortalidade
A doença falciforme determina elevada morbidade e mortalidade,
principalmente nos primeiros 5 anos de vida (LEIKIN et al.,1989; PLATT et al., 1994;
SERJEANT, 1995; LEE et al., 1995; KOKO et al., 1998; THOMAS et al., 1996).
Entretanto, a mortalidade das crianças com doença falciforme nos primeiros 10 anos
de vida tem diminuído (BAINBRIDGE et al., 1985; POWARS et al., 1990; VICHINSKY
et al., 1988; ZARKOWSKY et al., 1986; DAVIS et al., 1997). Segundo POWARS et al.
(1990), pelo menos 90% das crianças têm expectativa de sobrevida a a terceira
década e mais comum está se tornando pacientes adultos alcançarem a idade de 50 -
60 anos. O aumento da sobrevida ao longo do tempo corresponde à implantação dos
42
programas de diagnóstico neonatal precoce (NATIONAL SICKLE CELL ANEMIA
CONTROL ACT, 1972) e das medidas profiláticas para infecção pneumocócica
(GASTON et al.,1986).
A maioria dos genótipos da doença falciforme está associada à diminuição
da expectativa de vida (THOMAS et al.,1982).
A anemia falciforme, estado de homozigose para hemoglobina S,
representa o genótipo mais comum e a apresentação clínica mais grave da doença.
Vários estudos mostram a maior incidência dos óbitos e menor sobrevida entre
pacientes com anemia falciforme (LEIKIN et al.,1989; PLATT et al.,1994; THOMAS et
al.,1982; MANCI et al., 2003).
Em 1970, nos Estados Unidos, a mediana de sobrevida para pacientes
com a forma homozigótica (SS) era de 20 anos (SCOTT, 1970). Em 1994, PLATT et
al. relataram 50% de sobrevida até a quinta década de vida.
Em 1972, SEELER analisou 19 óbitos ocorridos em pacientes com anemia
falciforme em um período de 5 anos, correspondendo a uma taxa de mortalidade de
8,4%. A idade variou de 7 meses a 13 anos, sendo que 68% dos óbitos ocorreram
nos primeiros 6 anos de vida. As causas de óbito relatadas foram infecção (6),
seqüestro esplênico (4), acidente vascular cerebral (3), insuficiência cardíaca
congestiva (3) e outras causas (3). Houve predominância dos óbitos no sexo feminino
(13 crianças).
DIGGS (1973), em um estudo retrospectivo baseado na revisão de 73
autópsias, estimou uma mediana de sobrevida de 14,3 anos, com 20% dos óbitos
ocorrendo nos primeiros 2 anos de vida, um terço antes dos 5 anos, metade entre 5 e
30 anos e um sexto após a idade de 30 anos. Infecção foi a causa de óbito
predominante nos primeiros 5 anos de vida.
ROGERS et al. (1978), em coorte realizada na Jamaica, encontraram taxa
de mortalidade para crianças SS de 10% no primeiro ano de vida, 5% no segundo e
cerca de 3% no terceiro. No primeiro ano de vida, os óbitos se concentraram entre 6 e
12 meses. Dos 15 óbitos de crianças SS até 24 meses de idade, 7 foram causados
por seqüestro esplênico agudo.
Na Jamaica, em 1982, THOMAS et al. estudaram retrospectivamente 276
óbitos de pacientes com doença falciforme (241 SS, 23 SC, 7 S
+
tal, 4 S
0
tal, 1 SO
Arab
) que tinham sido atendidos no hospital de referência, desde sua fundação, em
1952, até 1982, perfazendo um período de 30 anos. Segundo os autores, os critérios
diagnósticos da doença se tornaram cada vez mais precisos nesse período e desde
43
1957 o diagnóstico baseava-se na eletroforese de hemoglobina. Em 13 pacientes,
antes de 1957, o diagnóstico se baseou na apresentação clínica, ou seja, anemia
hemolítica com hemácias com morfologia característica ou alteração esplênica típica.
Dos 23 óbitos em pacientes com doença SC, 6 ocorreram até a idade de 5 anos.
Dentre os 241 pacientes SS, a distribuição da idade ao óbito mostrou maior
mortalidade nos grupos mais jovens e cerca de um terço dos pacientes morreram nos
primeiros 5 anos de idade. O número de óbitos foi de 24, 16 e 19 no primeiro,
segundo e terceiro anos de vida, respectivamente. Considerando separadamente a
mortalidade por ano de vida, observaram que a maior ocorrência se encontrava no
primeiro ano, sendo que a grande maioria dos óbitos concentrou-se entre 6 e 12
meses. Entre os 199 pacientes SS em que foi possível a determinação da causa do
óbito (autópsia ou história clínica), as principais causas, em ordem de freqüência,
foram: síndrome torácica aguda, seqüestro esplênico, insuficiência renal e meningite.
A síndrome torácica aguda (pneumonia, embolismo ou ambos) foi responsável por 60
óbitos e o seqüestro esplênico agudo por 23. A freqüência de embolismo pulmonar
aumentou com a idade. O seqüestro esplênico agudo foi a principal causa de óbito no
primeiro ano de vida. Insuficiência renal (21 casos) foi a causa de 18% dos óbitos
acima de 20 anos. Meningite ocorreu em 18 casos, predominando nas crianças
abaixo de 8 anos, assim como a septicemia. Em ambos os casos a principal bactéria
isolada foi o pneumococo. Quatorze pacientes tiveram acidente vascular cerebral,
geralmente associado a outros diagnósticos. Com o controle das complicações
agudas, o maior determinante da mortalidade pareceu ser o comprometimento
funcional dos pulmões, coração, cérebro e rins pelos fenômenos vaso-oclusivos.
BAINBRIDGE et al. (1985) relacionaram o óbito com a presença ou não de
eventos agudos prévios. Dentre as 305 crianças com doença SS acompanhadas
desde o diagnóstico pela triagem neonatal, na Jamaica, ocorreram 41 óbitos. Vinte e
sete crianças haviam tido eventos prévios, 10 faleceram com a ocorrência do
primeiro evento e, em 4 casos, a causa do óbito não se relacionava a eventos da
doença falciforme e as crianças não tinham apresentado sintomas até então. Dactilite
foi o evento inicial mais freqüente (50%), seguido por crise álgica (25%) e seqüestro
esplênico agudo (20%).
LEIKIN et al. (1989), em coorte realizada nos Estados Unidos, entre março
de 1979 e agosto de 1987, com 2.824 pacientes com doença falciforme e idade até
20 anos, relataram a ocorrência de 73 óbitos. A maioria dos óbitos ocorreu em
pacientes SS (61 casos). Houve um pico na incidência dos óbitos em crianças SS
44
entre 1 e 3 anos de idade. O número de óbitos em pacientes SS entre 1 e 3 anos e
entre 6 e 10 anos de idade foi significativamente maior quando comparado com
pacientes SC nesses grupos etários. Não houve diferenças entre pacientes SS e SC
nos outros grupos etários abaixo de 20 anos. Também não houve diferença na
incidência dos óbitos entre os sexos, na faixa etária estudada. A probabilidade das
crianças SS sobreviverem até 20 anos de idade foi, aproximadamente, de 85% e para
as crianças SC essa probabilidade foi maior que 95%. A determinação da causa do
óbito foi baseada na informação das circunstâncias que antecederam o óbito, revisão
de dados clínicos e laboratoriais, relatório da autópsia (se possível) e informações
obtidas através de entrevista. A causa principal de óbito foi considerada como sendo
o processo que levou diretamente à falência de órgãos vitais. A infecção bacteriana
foi a causa de óbito mais prevalente (38,4%). Todos os 28 pacientes tiveram a
bacteremia confirmada por hemocultura. Streptococcus pneumoniae foi identificado
em 23 casos, Haemophilus influenzae em 3, Salmonella em 1 e um paciente teve o S.
pneumoniae isolado do líquido céfalo-raquidiano. Nove óbitos (12,3%) foram
atribuídos ao acidente vascular cerebral e 7 deles ocorreram em pacientes entre 10 e
19 anos. Seis pacientes tiveram como causa principal do óbito a ndrome torácica
aguda, um caso foi relacionado à crise aplásica e um à seqüestracão esplênica. Em 9
pacientes, a causa do óbito não se relacionava com a doença (trauma e outras
patologias) e em 19 casos (26%) não foi possível a identificação da causa do óbito.
Apesar da infecção ser a principal causa de óbito entre os pacientes até 3 anos de
idade, também é responsável por cerca de 25% dos óbitos em crianças mais velhas e
adolescentes. Três fatores de risco foram identificados apenas para a coorte até 3
anos de idade: baixa concentração de hemoglobina, leucocitose acima de
15.000/mm
3
e baixos níveis de hemoglobina fetal (<15%).
Em 1978, teve início nos Estados Unidos um estudo colaborativo e
multicêntrico coordenado pelo National Institute of Health (NIH) com o objetivo de
investigar o curso clínico da doença falciforme desde o nascimento até o óbito. Entre
1978 e 1986, 600 crianças com menos de 6 meses de idade entraram nesse estudo.
Os eventos agudos mais comuns nessa faixa etária foram infecção (61,3%), crise de
dor (30%), síndrome torácica (30%) e anemia aguda (10,7%). A mortalidade nesse
grupo foi de 3,3%. A causa mais comum de óbito foi infecção. Episódios de anemia
aguda ocorreram em 10,7% das crianças. Apesar da crise de seqüestracão esplênica
aguda responder pela maioria desses eventos, não houve nenhum óbito. Os autores
concluíram que medidas educativas que visam ao reconhecimento precoce dessa
45
complicação pelos pais e a os cuidados médicos imediatos contribuíram para a
ausência de mortalidade por essa causa (GILL et al.,1989).
Em 1995, GILL et al., em estudo prospectivo com 694 crianças com
doença falciforme menores que 6 meses de idade e acompanhadas por 10 anos,
relataram maior freqüência de bacteremia em crianças SS abaixo dos 4 anos e em
crianças SC, abaixo dos 2 anos. Os 20 óbitos, todos de pacientes SS, se
concentraram na faixa etária entre 6 meses e 3 anos e mais de 50% foi causado por
infecção.
Em 1991, GRAY et al. estudaram 18 óbitos ocorridos em um grupo de 384
pacientes com doença falciforme na Inglaterra. Descreveram 11 óbitos em pacientes
com idade abaixo de 20 anos, 7 óbitos ocorridos no domicílio e 3 nas primeiras 24
horas da admissão hospitalar. A causa de óbito mais comum, isoladamente, foi a
síndrome torácica aguda. Os autores concluíram que a agilidade no reconhecimento
do evento agudo e a busca por atendimento médico devem contrapor-se à rapidez da
evolução dos sinais e sintomas graves da doença.
Em estudo prospectivo e multicêntrico, PLATT et al. (1994) acompanharam
3.764 pacientes, com idade variando entre o nascimento e 66 anos, no período de
1978 a 1988. A mediana da idade ao óbito foi 42 anos para homens e 48 anos para
mulheres com anemia falciforme. Para pacientes com doença falciforme SC, a
mediana de idade ao óbito foi 60 anos para homens e 68 anos para mulheres. A
maior sobrevida observada no sexo feminino é um achado típico em estudos com a
população negra africana e outras populações normais. Entre os pacientes com mais
de 20 anos de idade, o risco de morte não é facilmente determinado. Considera-se
que a mortalidade entre adultos varia de acordo com condições agudas e crônicas
como insuficiência renal, crises álgicas, convulsões e síndrome torácica aguda. Os
pacientes com doença mais sintomática têm maior risco de óbito. Níveis de
hemoglobina fetal acima de 8,5% se associam a maior sobrevida. Em 18% dos
óbitos, havia evidências clínicas de falência de órgãos (insuficiência renal,
insuficiência cardíaca congestiva ou seqüelas de acidente vascular cerebral) e em
33% dos casos, os óbitos aconteceram durante um evento agudo clássico (crise
álgica, síndrome torácica aguda ou acidente vascular cerebral) em pacientes
relativamente saudáveis. Alguns fatores associados a esses óbitos foram: embolia,
colapso cardíaco e falência aguda de órgãos silenciosa e cronicamente
comprometidos.
46
No Brasil, em 1996, ALVES publicou um estudo da mortalidade por anemia
falciforme baseado nos óbitos registrados pelo Sistema de Informações de
Mortalidade, no período de 1979 a 1995. Os resultados mostraram que 25% dos
óbitos ocorreram em crianças até 4 anos de idade e 50% até a idade de 16 anos. A
média de idade ao óbito foi de 18,6 anos. O sexo não foi um determinante
significativo de maior ou menor sobrevida. Provavelmente, a média dos 140
óbitos/ano, no período estudado, aponta para a existência de importante sub-registro,
considerando-se a estimativa de 1000 óbitos/ano por anemia falciforme.
KOKO et al. (1998), em estudo realizado no Gabão, no período de janeiro
de 1990 a dezembro de 1992, relataram uma taxa de mortalidade para a doença
falciforme de 7,2%. Dos 23 óbitos estudados, 60% ocorreram em crianças com até 5
anos de idade, sendo a anemia aguda (47,8%) e a infecção (30,4%) as principais
causas dos óbitos. Estima-se que no Gabão, África, 24% da população seja portadora
do traço falciforme e 2,2% tenham doença SS.
Segundo publicação do Centers for Disease Control and Prevention (CDC),
entre 1990 e 1994, foram identificados 2.487 crianças com doença falciforme pelos
programas de triagem neonatal de três estados americanos. Ocorreram 27 óbitos
entre as crianças com doença falciforme, sendo que em 20 casos a causa descrita na
certidão de óbito incluía ou tinha relação com a doença. A mediana de idade ao óbito
foi de 22 meses. A taxa de mortalidade, semelhante para cada estado, foi de 1,5 para
cada 100 crianças negras com a doença (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND
PREVENTION, 1998).
No trabalho de MILLER et al. (2000) foram analisadas prospectivamente
392 crianças diagnosticadas com anemia falciforme (SS) ou S
0
talassemia antes dos
seis meses de idade. Os dados clínicos e laboratoriais, foram coletados no período
médio DP) de 10 ± 4,8 anos e os resultados obtidos antes da idade de dois anos
foram avaliados quanto à possibilidade de predição da gravidade da doença. Quatro
eventos foram usados para definir a doença como grave: óbito; acidente vascular
cerebral; crises álgicas com freqüência maior ou igual a duas vezes ao ano, com
necessidade de assistência médica; e a ocorrência de pelo menos um episódio de
síndrome torácica aguda por ano. Os resultados mostraram que 70 crianças (18%)
evoluíram com gravidade. O evento mais comum usado na determinação da
gravidade foi o acidente vascular cerebral (36%). O óbito ocorreu em 18 das 70
crianças (26%). As principais causas de óbito foram infecção, síndrome torácica
aguda e seqüestro esplênico. A média de idade ao óbito foi 5,9 ± 3,6 anos. A crise
47
álgica e a síndrome torácica aguda recorrentes ocorreram em 17 (24%) e 10 (14%)
dos pacientes, respectivamente. Os autores concluíram que três manifestações da
doença falciforme, nos primeiros dois anos de vida, podem ser preditivas da
gravidade: dactilite antes de 1 ano de idade; anemia intensa com nível de
hemoglobina menor que 7 g /dl; e leucocitose na ausência de infecção.
Em 2001, WIERENGA et al. publicaram os resultados da estimativa da
sobrevida de pacientes SS. O estudo foi baseado na coorte de 3.301 pacientes SS
atendidos em clínicas de referência para doença falciforme na Jamaica. A mediana
de sobrevida foi de 53 anos para homens e 58,5 anos para mulheres.
Em 2002, ESCOFFERY & SHIRLEY realizaram o estudo retrospectivo de
841 casos de morte súbita natural na Jamaica, ocorridas em um período de 15 anos.
Esses óbitos aconteceram nas primeiras 24 horas da admissão hospitalar ou
ocorreram de forma inesperada, sendo o médico incapaz de determinar a causa.
Através da revisão das autopsias, concluíram que a doença falciforme foi a décima
principal causa de óbito, respondendo por 2,5% dos casos (21 óbitos). A idade variou
de 2 a 61 anos e a média foi de 20,9 ± 2,5 anos, havendo predominância dos óbitos
no sexo masculino. Também na Nigéria, a revisão de 487 autopsias realizadas em
pacientes com morte súbita natural revelou que em 2,5% dos casos a causa do óbito
foi a doença falciforme (AMAKIRI et al.,1997).
RAHIMY et al. (2003) em Benin, África, estudaram os efeitos de um
programa intensivo de educação para familiares em doença falciforme, associado a
um protocolo de cuidados clínicos, na evolução das crianças SS. Foi pressuposto que
a variabilidade clínica da anemia falciforme na África e em outras regiões estaria
relacionada não somente a determinantes genéticos como também ambientais.
Palestras educativas para cuidadores sobre a doença falciforme, enfatizando a
importância de manter as orientações médicas, o uso regular da profilaxia
antipneumocócica e imunização e orientações nutricionais foram repetidas inúmeras
vezes. As crianças SS (236) foram acompanhadas de julho de 1993 a dezembro de
1999. Observou-se redução marcante na freqüência e gravidade dos eventos agudos
e queda na taxa de hospitalização. Houve melhora do estado nutricional em 206
pacientes. Dos 10 óbitos, 7 ocorreram em menores de 5 anos. O seqüestro esplênico
agudo foi a causa de 4 óbitos. Em 2 desses casos, a e fez o diagnóstico em casa
e a criança foi encaminhada a um hospital onde não havia hemoderivados para
transfusão imediata; nos outros 2 casos, a criança não chegou ao hospital a tempo
para receber a transfusão. Os autores concluíram que o programa proposto não
48
requer grandes investimentos, pode ser implantado em comunidades com poucos
recursos onde a incidência da doença é alta, necessita de equipe treinada para as
ações de acompanhamento clínico e práticas educativas, podendo resultar na
melhora da evolução clínica de muitas crianças.
MANCI et al., em 2003, publicaram dados do estudo de 306 autopsias
realizadas em pacientes com doença falciforme que tiveram morte natural, no período
entre 1929 e 1996. A distribuição por fenótipos foi: Hb SS 79,7%, Hb SC 14,4% e S
tal 5,9%. Não houve diferenças significativas na distribuição por sexo. A média de
idade ao óbito (21,3 anos para pacientes SS e 28,2 anos para SC) foi
significativamente menor que em estudos clínicos prospectivos da mortalidade (SS
42-48 anos e SC 60-68 anos) (LEIKIN et al., 1989; PLATT et al.,1994).
Provavelmente, a diferença se justificou pelo fato de que em um estudo baseado em
autopsias ocorre uma seleção dos casos mais graves e complicados. O óbito foi
associado a algum evento agudo em 63,3% dos casos e o evento mais comumente
associado foi a crise álgica. Infecção foi a causa de óbito mais comum (33-48 %),
considerando as variações genotípicas e todos os agrupamentos etários. A porta de
entrada mais freqüente foi o sistema respiratório, principalmente nas crianças. A
segunda causa de óbito foi o acidente vascular cerebral (9,8%), sendo o tipo
trombótico mais comum na infância e o hemorrágico, entre os adolescentes e adultos
(OHENE-FREMPONG, 1991). Seqüestro esplênico agudo foi a terceira causa de
óbito (6,6%). Entretanto, foi responsável por 28,3% dos óbitos até 3 anos de idade.
Na maioria das vezes, o óbito foi repentino e inesperado (40,8%) ou ocorreu nas
primeiras 24 horas após a consulta médica (28,4%). Os autores concluíram que as
primeiras 24 horas após a apresentação para os cuidados médicos constituem um
período crítico para os pacientes com doença falciforme e eventos agudos.
QUINN et al., em 2004, publicaram os resultados da coorte de Dallas que
incluía 711 pacientes com doença falciforme diagnosticados pela triagem neonatal. A
mediana do tempo de acompanhamento no estudo foi de 7,4 anos (0,1-18,9 anos). A
mediana da idade na primeira avaliação foi 4,2 meses. Ocorreram 25 óbitos, sendo
15 relacionados à doença falciforme e 10 aparentemente não relacionados. A idade
média ao óbito foi 5,6 anos. Todos os óbitos relacionados à doença ocorreram em
pacientes SS. Sepse e síndrome torácica aguda foram as causas principais.
Ocorreram 30 episódios de acidente vascular cerebral (AVC), todos em pacientes SS.
A mediana de idade para o primeiro AVC isquêmico foi 4,2 anos. Houve apenas um
49
óbito decorrente de AVC, em uma criança com 7,8 anos com complicações de AVC
recorrente.
SHANKAR et al. (2005), em coorte realizada com 2.102 pacientes com
doença falciforme entre janeiro de 1995 e dezembro de 2002, observaram taxa de
hospitalização 7 a 30 vezes maior entre os pacientes abaixo de 60 anos quando
comparados com a população normal. Quanto ao atendimento em serviços de
emergência, a taxa é 2 a 6 vezes mais alta entre os pacientes falciformes sendo que
as taxas mais elevadas o observadas entre 10 e 19 anos e entre 40 e 59 anos.
Diferente de outros estudos (LEIKIN et al.,1989; DAVIS et al.,1997; SERJEANT,
1995), nessa coorte a maior prevalência de óbitos entre as crianças (abaixo de 20
anos), ocorreu na faixa entre 10 e 19 anos e a menor, entre 5 e 9 anos. Homens com
doença falciforme apresentaram taxa de mortalidade significativamente maior que as
mulheres entre 20 e 49 anos. Nas outras idades, não houve diferença entre os sexos.
LOUREIRO & ROZENFELD (2005) descreveram as características das
internações hospitalares por doença falciforme no Brasil. A população estudada foi de
9.349 pacientes com diagnóstico de doença falciforme, internados no período de
2000 a 2002. A mediana de idade foi de 12 anos e cerca de 70% das internações
foram abaixo dos 20 anos. O tipo de admissão mais freqüente foi pela emergência
(65,6 a 90,8 %). A mediana de idade dos pacientes internados que evoluíram para o
óbito foi de 26,5 a 30 anos. As taxas de óbito entre adultos ( 20 anos) foram cerca
de cinco vezes maior do que entre crianças e adolescentes.
Em três décadas, de 1970 a 1990, a sobrevida dia dos pacientes com
doença falciforme aumentou de 14 anos para cerca de 50 anos (DIGGS, 1973;
PLATT et al.,1994). Complicações da doença falciforme representam um problema
mundial de saúde pública, com a estimativa de 120.000 a 250.000 crianças nascidas
a cada ano com a doença (SERJEANT, 1997; WHO WORKING GROUP, 1983).
Sabe-se que a probabilidade de desenvolvimento de complicações é parcialmente
definida por fatores genéticos. Marcadores genéticos podem identificar subgrupos de
pacientes com maior ou menor risco de crises álgicas, infarto ósseo, lesões
irreversíveis em órgãos, hospitalização e morte (POWARS et al.,1990). Entretanto,
não se sabe se esses fatores, isoladamente, poderiam explicar as diferenças
geográficas observadas nas taxas de mortalidade. Essas podem ser influenciadas por
variações regionais no acesso e qualidade dos serviços dicos, na abordagem
médica para o tratamento das complicações, no comportamento dos pais em relação
aos cuidados que devem ser dispensados ao paciente, na adesão à profilaxia com
50
penicilina, na disponibilidade de programas educativos sobre a doença e na condição
socioeconômica das famílias (DAVIS et al., 1997).
Torna-se evidente que as políticas públicas para a abordagem da doença
falciforme não devem visar somente às questões assistenciais como o diagnóstico e
tratamento, como também considerar os aspectos socioeconômicos e culturais dos
pacientes como importantes determinantes da morbidade e mortalidade causadas
pela doença.
2. 5 Medidas para redução da morbidade e mortalidade
Geralmente, as ações preventivas para as doenças genéticas incluem os
níveis primário, secundário e terciário de prevenção (OLNEY, 1999).
A prevenção primária visa a evitar uma doença na população, ou seja, visa
à diminuição da incidência dessa doença. Na doença falciforme, a prevenção primária
engloba a triagem de portadores do traço, o aconselhamento genético e o diagnóstico
pré-natal. Esse último é alvo de controvérsias éticas porque coloca em debate a
interrupção voluntária da gestação.
A prevenção secundária visa a identificar o mais precocemente possível
uma doença, permitindo o desenvolvimento de ações para tentar recolocar o
indivíduo numa situação saudável. A triagem neonatal para doença falciforme cumpre
esse papel como o ponto de partida para o estabelecimento de estratégias de saúde
pública como educação dos pais, imunização e profilaxia com penicilina, que são
introduzidas antes do aparecimento dos sinais e sintomas da doença.
A prevenção terciária visa a reduzir o sofrimento e a incapacidade de forma
a permitir uma rápida e melhor reintegração do indivíduo na sociedade, aproveitando
as capacidades remanescentes. A maioria das intervenções terapêuticas na doença
falciforme pode ser classificada como prevenção terciária. O uso da hidroxiuréia para
melhora da anemia e diminuição da freqüência das crises álgicas, as transfusões
para evitar a recorrência do AVC, o uso de analgésicos e hidratação para o controle
da dor são exemplos de ações de prevenção terciária.
As possibilidades de cura da doença falciforme através do transplante de
medula óssea ou terapia gênica ainda estão em estágio inicial de desenvolvimento e
atualmente não têm impacto em saúde pública. A seguir serão feitas algumas
51
considerações sobre as medidas de maior importância para redução da morbidade e
mortalidade da doença falciforme.
2.5.1 Triagem Neonatal
A maioria das crianças com doença falciforme é saudável ao nascimento.
Os sintomas são raros antes de 3 meses de vida e pouco freqüentes antes dos 6
meses devido à concentração ainda elevada da hemoglobina fetal, que inibe a
falcização.
Segundo BAINBRIDGE et al. (1985), das 305 crianças SS com idade
variando de 17 meses a 10 anos, acompanhadas desde o diagnóstico pela triagem
neonatal, 256 desenvolveram sintomas específicos da doença, 22 tiveram somente
sintomas não específicos e 27 não desenvolveram sintomas até o momento da
análise. Quanto à época da manifestação dos primeiros sintomas, em 32% das
crianças aconteceram sintomas antes do primeiro ano de vida, em 62% das crianças
os primeiros sintomas já haviam acontecido até o segundo ano de vida e, aos 5 anos,
90% das crianças já haviam apresentado sintomas específicos da doença.
Na infância, as maiores taxas de mortalidade foram observadas na faixa
etária entre os 6 meses e 5 anos e a infecção foi a principal causa de óbito nesse
grupo (LEIKIN et al.,1989; SERJEANT et al.,1995; LEE et al.,1995).
Os resultados publicados por GASTON et al. (1986), comprovando que o
uso profilático da penicilina resultou em uma reducão de até 85% na incidência de
sepse pneumocócica, desencadearam o processo para implementacão da triagem
neonatal nos Estados Unidos (NATIONAL INSTITUTE OF HEALTH, 1987).
No ano de 1993, mais de 40 estados norte-americanos realizavam, de
forma parcial ou total, a triagem para identificação da doença falciforme (AGENCY
FOR HEALTH CARE POLICY AND RESEARCH, 1993). No Brasil, a Portaria 822 do
Ministério da Saúde, de junho de 2001, instituiu uma política nacional para a triagem
neonatal (PORTARIA 822 - MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).
Segundo VICHINSKY (1991), a implementação da triagem neonatal para
doença falciforme nos Estados Unidos tem sido considerada o maior fator para a
diminuição da morbidade e mortalidade entre as crianças com a doença. O
diagnóstico precoce através da triagem neonatal possibilitou o reconhecimento da
doença como um importante problema de saúde pública e evidenciou a necessidade
de desenvolver programas de atenção integral ao paciente. É consensual que o
52
diagnóstico pela triagem neonatal precisa estar acoplado a um programa de
tratamento que englobe cuidados médicos, abordagem multidisciplinar, orientação
genética, atividades educativas para pacientes e familiares para que haja impacto
sobre a mortalidade (VICHINSKY, 1991; OLNEY, 1999; DAVIS et al., 1997;
SERJEANT, 1996).
2.5.2 Orientação Genética
O diagnóstico de doença falciforme ou traço falciforme em uma criança
freqüentemente desvela o estado de portador de traço dos pais e de outros membros
da família. Essa possibilidade pode causar ansiedade e estigmatização se o for
comunicada cuidadosamente. Problemas também podem surgir quando a
paternidade é questionada (NATIONAL INSTITUTE OF HEALTH, 1987; AGENCY
FOR HEALTH CARE POLICY AND RESEARCH , 1993).
OLNEY (1999) recomenda que no processo de aconselhamento de pais de
crianças com doença falciforme sejam inicialmente abordadas as questões do
diagnóstico e da prevenção secundária, como o uso da penicilina profilática e
imunização anti-pneumocócica e, num segundo momento, o tipo de herança, a
probabilidade de recorrência da doença em uma próxima gestação e as opções
reprodutivas.
O traço falciforme não é considerado doença, mas as pessoas que o
possuem devem ser informadas sobre as implicações dessa condição para a própria
saúde e para o planejamento familiar. Quando um recém-nascido com traço
falciforme é identificado através da triagem, pelo menos um dos pais deve também ter
o traço. Neste caso, a orientação genética deve ter foco na educação para capacitar o
indivíduo a tomar decisões conscientes, de seu próprio interesse, sobre o
planejamento familiar (GROSSMAN et al., 1985).
O sucesso do aconselhamento genético não é determinado pela
diminuição na incidência da doença falciforme, mas pela extensão das informações
que são veiculadas para que as decisões sejam tomadas com autonomia e
segurança.
53
2.5.3 Diagnóstico Pré-natal
O diagnóstico pré-natal da doença falciforme pode ser realizado por meio
da coleta de pequena amostra do tecido fetal (líquido amniótico ou vilo coriônico),
entre 10 e 14 semanas de gestação, para estudo genético. Com a informação de que
o feto tem doença SS, a família tem, então, a opção de decidir sobre o
prosseguimento da gravidez. Vários aspectos éticos, legais e sociais geram
controvérsias sobre esse procedimento. Em Cuba, onde um programa de diagnóstico
pré-natal teve início em 1983, 74% das 243 gestações com fetos com a doença SS
ou SC foram interrompidas (GRANDA et al., 1994). Em outro estudo realizado na
cidade de New York, 21% das 25 gestações com fetos com doença SC e 51% das 83
gestações com fetos SS foram interrompidas (WANG et al., 1994).
Segundo SERJEANT (1996), os casais que já possuem uma criança com a
doença e, por isso, conhecem profundamente as implicações do diagnóstico,
geralmente decidem pela interrupção da gestação com diagnóstico pré-natal positivo.
os casais que não possuem um conhecimento aprofundado da questão, requerem
informações detalhadas, mas quando informados da grande variabilidade do curso
clínico da doença SS e da impossibilidade de prevê-lo, geralmente decidem
prosseguir a gestação.
2.5.4 Educação
A identificação de uma criança com doença falciforme pela triagem
neonatal proporciona a possibilidade de ensinar aos pais e a outros cuidadores
aspectos da doença antes do aparecimento dos sintomas. Os resultados de
pequenos estudos observacionais da aplicação das orientações por familiares
participantes de programas educativos para doença falciforme sugerem que essas
atividades ajudam a reduzir a mortalidade por seqüestro esplênico e infecção
(EMOND et al., 1985; VICHINSKY et al., 1988).
Segundo as orientações do National Institute of Health (2002) para os
programas educativos direcionados aos pais e cuidadores, inicialmente devem ser
abordados aspectos da fisiopatologia da doença e a importância de manter a
freqüência às consultas, a profilaxia com a penicilina e o esquema de imunização
recomendado, inclusive a vacina antipneumocócica. Orientações sobre a
necessidade de avaliação médica de urgência frente a quadros febris, acentuação da
54
palidez, aumento do tamanho do baço e dificuldade respiratória são importantes, pois
o reconhecimento de um evento agudo grave e a busca rápida pela assistência
médica podem salvar a vida da criança (NATIONAL INSTITUTE OF HEALTH, 2002).
Medidas simples como ensinar aos cuidadores a palpação do baço para a detecção
do seu aumento podem contribuir para redução da mortalidade por seqüestro
esplênico agudo (EMOND et al., 1985). Os cuidados preventivos para crise álgica
como hidratação, evitar exercícios físicos intensos e proteção ao frio também podem
determinar redução na incidência desse evento (SERJEANT et al.,1994).
A aproximação da adolescência e idade adulta redireciona os temas
abordados nas atividades educativas para o próprio paciente. Priapismo, enurese,
úlcera de perna, manejo da dor, hidratação, orientação vocacional, atividade física,
síndrome torácica aguda, colelitíase, infecções, hidratação, herança genética,
problemas neurológicos e ortopédicos, contracepção e gravidez o temas de
especial interesse nessa faixa etária. Os pacientes devem ter a oportunidade de
esclarecer, agora sob sua própria ótica, dúvidas sobre a doença. Esses grupos de
educação devem contar com profissionais de diversas áreas de atuação: medicina,
psicologia, serviço social, enfermagem, nutrição e outros (AGENCY FOR HEALTH
CARE POLICY AND RESEARCH, 1993).
2.5.5 Profilaxia para infecção pneumocócica
A infecção é uma das mais freqüentes causas de óbito relacionadas à
doença falciforme (ROGERS et al., 1978; THOMAS et al., 1982; LEIKIN et al., 1989;
GILL et al., 1989; 1995; ZARKOWSKY et al., 1986).
O risco de sepse pneumocócica é maior até os 3 anos de idade
(SERJEANT, 1999). A persistente agressão esplênica leva a alterações na
capacidade fagocítica mediada por opsoninas e na produção de anticorpos. Como
conseqüência da asplenia funcional, maior suscetibilidade a infecções por
organismos encapsulados, principalmente o pneumococo e o Haemophilus influenzae
tipo b. O risco de infecção por pneumococo em crianças com doença falciforme
menores de 5 anos é aproximadamente 30 a 100 vezes maior que em crianças
saudáveis, o que justifica o uso de profilaxia no primeiro grupo (SERJEANT, 1992).
Segundo GASTON et al. (1986), o uso profilático da penicilina resultou em
uma redução de até 85% na incidência de sepse pneumocócica. Entretanto, apesar
55
dessas medidas, as crianças com doença falciforme ainda devem ser consideradas
de alto risco para infecções graves (OLNEY, 1999). A falta de adesão ao tratamento,
o surgimento de resistência pneumocócica à penicilina e a infeccão por outros
organismos encapsulados pode explicar a ocorrência de infecção grave após a
introdução da profilaxia com penicilina (KNIGHT-MADDEN & SERJEANT, 2001).
Segundo NORRIS et al. (1996), a profilaxia com penicilina não parece
aumentar a taxa de colonização por cepas de pneumococos resistentes. A profilaxia
medicamentosa antipneumocócica tornou-se rotina em 1986 e seu início é
recomendado tão logo se faça o diagnóstico (SERJEANT, 1999; KNIGHT-MADEN &
SERJEANT, 2001; WIERENGA et al., 2001)).
O esquema para profilaxia, segundo recomendações do National Institute
of Health (2002) é:
- penicilina oral na dose de 125 mg para crianças até 3 anos e 250 mg para
crianças de 3 a 5 anos, diariamente, de 12 em 12 horas; ou
- penicilina benzatina a cada 21 dias, na dose de 300.000 UI para crianças
com peso inferior a 10 kg, 600.000 UI para aquelas com peso entre 10 e 27 kg, e
1.200.000 UI para aquelas com peso acima de 27 kg.
Para crianças alérgicas à penicilina, é recomendado o uso de eritromicina
na dose de 125 mg, duas vezes ao dia, diariamente, dos 4 meses aos 3 anos; e na
dose de 250 mg, na mesma forma de administração, dos 3 aos 5 anos de idade.
FALLETA et al. (1995) sugerem que a criança portadora de anemia
falciforme não submetida à esplenectomia e sem história de infecção pneumocócica
grave poderia interromper a profilaxia com penicilina aos 5 anos. Não é recomendada
profilaxia com penicilina para os pacientes adultos porque apresentam menor risco de
sepse e por possuírem sistema imune com maturidade suficiente para produção de
alguns anticorpos antipolissacarídeos tipo-específicos.
A psula polissacarídica é o principal fator de virulência do pneumococo,
e 90 sorotipos diferentes foram descritos. Sua prevalência varia com a faixa etária
e área geográfica. As vacinas conjugadas podem conter alguns sorotipos devido a
problemas de volume. Em 1983, foi licenciada a vacina antipneumocócica 23-valente,
indicada para crianças a partir de 2 anos de idade, principalmente as asplênicas
(WALD, 2001).
O esquema vacinal recomendado é:
- vacina antipneumocócica conjugada 7-valente aos 2, 4 e 6 meses, com
dose de reforço entre 12-15 meses; e
56
- vacina antipneumocócica 23-valente aos 2 anos, com dose de reforço aos
5 anos.
A vacinação antipneumocócica com a vacina 23-valente é recomendada
para crianças acima de 2 anos e adultos não vacinados previamente.
As crianças com doença falciforme devem receber todas as vacinas de
rotina, incluindo a imunização específica para hemófilos e hepatite B. Outros
imunobiológicos especiais como as vacinas para pneumococos, varicela, gripe,
meningococos e hepatite A também estão indicadas (PROTOCOLO PARA
PORTADORES DE SÍNDROMES FALCIFORMES/FUNDAÇÃO HEMOMINAS, 1998).
2.5.6 Atenção Integral ao paciente
A doença falciforme é uma patologia complexa, com manifestações
multissistêmicas, que requer cuidados abrangentes e especializados no
acompanhamento dos pacientes. A equipe ideal é formada por profissionais da saúde
com experiência no tratamento da doença falciforme, comumente um hematologista
pediátrico trabalhando com a ajuda de uma equipe multidisciplinar que inclui
pediatras, clínicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, odontólogos e
pedagogos. Os pacientes podem ser acompanhados no dia-a-dia pelo pediatra da
atenção básica e periodicamente por hematologista, para uma avaliação mais
detalhada e abrangente. Após o diagnóstico pela triagem neonatal, essa equipe de
profissionais deve iniciar e coordenar o acompanhamento médico e psicossocial do
paciente e sua família, além das atividades educativas e orientação genética. Outros
especialistas podem ser necessários para o acompanhamento de complicações
específicas (AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS, 2002).
Os eventos agudos da doença falciforme são caracterizados pelo
aparecimento de sinais e sintomas como febre, tosse, dor abdominal, palidez,
dificuldade respiratória, aumento do tamanho do baço, que evoluem rapidamente
podendo determinar risco de vida para o paciente. A avaliação inadequada e a
conseqüente falha no tratamento representa uma importante causa evitável de
mortalidade (VICHINSKY, 1999).
Segundo as orientações da American Academy of Pediatrics (1999), os
profissionais da saúde que atuam em serviços de urgência, precisam ter acesso
rápido a informações sicas dos pacientes como o genótipo da doença falciforme, o
tamanho basal do baço, e os valores basais de hemoglobina, reticulócitos e
57
leucócitos. As estratégias para disponibilizar tais dados incluem uma base de dados
informatizada com informações do paciente e “cartões médicos de alerta” que seriam
portados por cada paciente ou familiar nos quais constariam os dados basais mais
importantes. Para agilizar o reconhecimento das complicações e o acesso ao
atendimento médico, são importantes as atividades educativas e um guia de
orientações para o paciente frente à ocorrência de algum evento agudo, inclusive com
as referências médico-assistenciais e hospitalares com as condições necessárias
para o atendimento desses eventos (AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS,
1999).
2.5.7 Reconhecimento do risco de acidente vascular cerebral (AVC)
O AVC representa uma importante causa de mortalidade em crianças com
doença falciforme.
Em 1998, OHENE-FREMPONG et al. descreveram os fatores de
risco e a incidência do acidente vascular cerebral em pacientes com doença
falciforme. Este estudo multicêntrico foi baseado na coorte de 3647 pacientes. O AVC
foi mais prevalente entre pacientes SS (4%). A incidência de AVC isquêmico foi
menor entre 20 e 29 anos e maior nas crianças e pacientes mais velhos. A
mortalidade após 2 semanas de AVC hemorrágico foi de 26%. Os fatores de risco
para o AVC isquêmico incluem ataque isquêmico transitório prévio, baixa
concentração de hemoglobina basal, evento recente de síndrome torácica aguda e
pressão sistólica elevada.
Outro estudo descreveu os fatores de risco associados ao infarto cerebral
silencioso em pacientes SS. Foram estudadas 230 crianças com idade média de 8,2
anos. Infarto silencioso estava presente em 42 pacientes (18,3%). Os fatores de risco
foram baixa concentração de hemoglobina, alta contagem de leucócitos e reticulócitos
e a presença do haplotipo Senegal (KINNEY et al., 1999).
Com o objetivo de encontrar uma estratégia que poderia prevenir a
ocorrência do primeiro AVC, foi iniciado um estudo multicêntrico para determinar a
eficácia da triagem com o doppler transcraniano na identificação de crianças entre 2 e
16 anos com risco de AVC. As crianças com velocidade de fluxo cerebral maior que
200 cm/seg foram randomizadas para receber transfusões periódicas, a fim de
manter os níveis de hemoglobina S abaixo de 30%, ou manter os cuidados de rotina.
Após 2 anos do estudo, foi demonstrado que as transfusões periódicas foram
eficazes na prevenção do primeiro episódio de AVC nas crianças randomizadas para
58
tratamento transfusional. A partir dessa conclusão, a transfusão periódica foi indicada
para todas as crianças do grupo de risco (ADAMS et al., 1998).
O doppler transcraniano está indicado para todas as crianças com doença
falciforme sem sintomas neurológicos, a partir dos 2 anos de idade, para identificar
aquelas com velocidade de fluxo sangüíneo cerebral alterado (velocidade de fluxo
200 cm/segundo).
A terapia transfusional deve ser considerada para crianças com risco
aumentado de AVC (GOLDESTEIN et al., 2006). O estudo STOP II demonstrou que
não é seguro interromper as transfusões em crianças com elevado risco de AVC,
concluindo que as transfusões devem ser mantidas indefinidamente nesse grupo de
pacientes (ADAMS & BRAMBILLA, 2005).
2.5.8 Hidroxiuréia
O aumento na concentração da hemoglobina fetal pode inibir a
polimerizacão da hemoglobina S e conseqüente falcização da hemácia. Com base
nas evidências de que pacientes com pior prognóstico freqüentemente apresentavam
níveis baixos de hemoglobina fetal, várias drogas que poderiam induzir o aumento da
hemoglobina fetal foram pesquisadas como a 5-azacytidine, os butiratos e a
hidroxiuréia (NATIONAL INSTITUTE OF HEALTH, 2002).
Atualmente, a hidroxiuréia (HU) é a única droga amplamente usada para o
aumento da concentração da hemoglobina fetal na doença falciforme (STUART &
NAGEL, 2004).
A hidroxiuréia é uma droga citotóxica que altera a maturação dos
precursores eritróides e promove a produção de hemoglobina fetal indiretamente.
Outros efeitos da hidroxiuréia incluem a modulação das propriedades de adesão das
hemácias falciformes, redução quantitativa na contagem de leucócitos e aumento na
produção de óxido nítrico (STEINBERG & RODGERS, 2001).
No estudo de CHARACHE et al. (1995) realizado com pacientes adultos
com anemia falciforme, a terapia com hidroxiuréia reduziu a freqüência de crises
álgicas, síndrome torácica aguda, admissões hospitalares e necessidade de
transfusões.
59
STEINBERG et al., em 2003, relataram a redução de 40% na mortalidade
de pacientes adultos tratados com hidroxiuréia e acompanhados por 9 anos. Em
crianças com doença SS aconteceu o mesmo, segundo FERSTER et al. (2001).
Os efeitos tóxicos da hidroxiuréia são leves e reversíveis e não
evidências de prejuízo ao crescimento (MAIER-REDELSPERGER et al., 1999).
Apesar de não ser recomendada para crianças com idade até 2 anos, a
terapia com hidroxiuréia pode ser considerada cuidadosamente em crianças com alto
risco de complicações graves e óbito. Conforme o estudo de MILLER et al. (2000),
três manifestações da doença falciforme, nos primeiros dois anos de vida, podem ser
preditivas da gravidade: dactilite antes de 1 ano de idade, anemia intensa com nível
de hemoglobina menor que 7 g/dl e leucocitose na ausência de infecção.
Uma outra indicação seria a criança com AVC que precisou interromper a
terapêutica transfusional. Nessa situação, a HU poderia diminuir a recorrência do
AVC (WARE et al., 1999).
O início da terapia com hidroxiuréia deve obedecer protocolo de
acompanhamento médico rigoroso com assinatura de termo de concordância pelo
paciente ou responsável. As desvantagens são a falta de resposta terapêutica em
alguns casos, o potencial carcinogênico e leucemogênico e a necessidade de
contracepção durante o uso da HU (CHARACHE et al., 1995).
2.5.9 Transfusão
A terapia transfusional na doença falciforme é usada para aumentar a
capacidade de transporte de oxigênio do sangue e reduzir a proporção de hemácias
falcizadas, melhorando a perfusão microvascular dos tecidos (SERJEANT, 1992).
As indicações para transfusão são divididas em duas categorias:
episódicas, são transfusões para estabilizar ou reverter complicações agudas da
doença; e crônicas, são transfusões profiláticas para prevenir complicações graves
(OHENE-FREMPONG, 2001).
As principais indicações para terapia transfusional aguda são anemia
aguda causada por crise de seqüestração esplênica, crise aplástica ou hemólise
grave relacionada a infecção ou malária; síndrome torácica aguda evoluindo com
hipóxia; acidente vascular cerebral e preparo pré-operatório (TELEN, 2001).
A terapia transfusional crônica é indicada quando evitar complicações
potencialmente graves justifica os riscos de aloimunizacão, infecção e acúmulo de
60
ferro (STYLES & VICHINSKY, 1994). As principais indicações para transfusão crônica
são profilaxia para recorrência de AVC, prevenção de AVC quando a velocidade de
fluxo no doppler transcraniano estiver alterada, hipertensão pulmonar crônica
refratária a outras terapias, insuficiência cardíaca refratária, crises vaso-oclusivas e
síndrome torácica aguda grave e recorrente resistente ao uso de hidroxiuréia
(TELEN, 2001).
A transfusão pode prevenir a lesão de órgãos e salvar a vida dos pacientes
com doença falciforme. Entretanto, se usada sem critério, pode resultar em sérias
complicações. Em 1.814 pacientes com doença falciforme que haviam sido
transfundidos, a taxa de aloimunização para antígenos eritrocitários foi 18,6%. A taxa
de aloimunização aumentou de acordo com o número de transfusões (ROSSE et al.,
1990).
No Brasil, MURAO & VIANA (2005) estudaram a freqüência da
aloimunização eritrocitária em 828 pacientes com doença falciforme cadastrados no
Hemocentro de Belo Horizonte. A taxa de aloimunização eritrocitária foi de 9,9%.
Considerando-se os 292 pacientes com Hb SS e idade abaixo dos 14 anos, a
freqüência encontrada foi de 6%.
Outras complicações da terapia transfusional são acúmulo de ferro e a
conseqüente necessidade de quelacão; aloimunização para antígenos presentes nos
leucócitos, plaquetas e proteínas séricas e infecções transfusionais.
2.5.10 Reconhecimento precoce da Hipertensão Pulmonar
A hipertensão pulmonar, definida como a pressão média na artéria
pulmonar acima de 25 mm Hg, pode ser secundária à doença falciforme (CASTRO,
1996).
A freqüência de doença pulmonar crônica com cor pulmonale é de 4,3%
entre pacientes com doença falciforme. A prevalência da hipertensão pulmonar em
adultos com doença falciforme pode atingir 30% (SUTTON et al.,1994). As crianças
também podem ser afetadas.
Vários fatores podem estar envolvidos no desenvolvimento da hipertensão
pulmonar na doença falciforme: vasculopatia, dessaturação crônica de oxigênio ou
hipoventilação durante o sono, dano pulmonar causado por síndrome torácica aguda
61
recorrente, episódios de tromboembolismo ou alto fluxo pulmonar causado pela
anemia (SAMUELS et al.,1992; POWARS et al., 1988).
A alteração na homeostase do óxido nítrico (NO), conseqüência da anemia
hemolítica, pode ser responsável por algumas complicações da doença falciforme. A
hemólise intravascular diminui a biodisponibilidade do óxido nítrico, que é produzido
pela enzima NO sintetase, usando como substrato a L-arginina. A hemólise libera,
simultâneamente, hemoglobina, arginase e desidrogenase lática (LDH) dos
eritrócitos, no plasma. A hemoglobina livre inativa o óxido nítrico, gerando
metemoglobina e nitrato inativo. A arginase plasmática converte a L-arginina em
ornitina, diminuindo sua disponibilidade para produção de óxido nítrico. A LDH
liberada dos eritrócitos pela hemólise é um marcador da liberação de hemoglobina e
arginase. O óxido nítrico também é consumido através de reações com o oxigênio. As
funções homeostáticas vasculares do NO, tais como inibição da agregação
plaquetária e repressão das moléculas de adesão celular o prejudicadas pela
redução da biodisponibilidade. O equilíbrio normal entre vasoconstrição e
vasodilatação é desviado para vasoconstrição, ativação e proliferação endotelial. As
conseqüências da redução do NO - vasoconstrição e trombose - fazem parte da
fisiopatologia da hipertensão pulmonar (KATO et al., 2007).
A ecodopplercardiografia tem sido indicada periodicamente para adultos
com doença falciforme com o objetivo de detectar precocemente o desenvolvimento
da hipertensão pulmonar (MEHTA et al., 2006). Segundo KATO et al., 2007, o
aumento da velocidade do fluxo de regurgitação tricúspede ( 2,5 m/s) observado na
ecodopplercardiografia se correlaciona à hipertensão na artéria pulmonar.
AMBRUSKO et al. (2006) fizeram estudo retrospectivo de 224 pacientes
com doença falciforme e idade variando entre o nascimento e 21 anos. Quarenta e
quatro pacientes possuíam ecocardiograma com a medida da velocidade de fluxo de
regurgitação tricúspede. Desses, 31 apresentaram velocidade de fluxo normal e 13,
velocidade igual ou maior que 2,5 m/s. No grupo com velocidade de fluxo elevada, a
média de idade foi 14,8 anos, todos os pacientes possuíam Hb SS e 2 pacientes
apresentavam co-morbidade cardíaca.
O diagnóstico de hipertensão pulmonar deve ser considerado em pacientes
com doença falciforme evoluindo com quadro de dispnéia e hipoxemia associado com
hiperfonese de segunda bulha cardíaca ao exame físico e aumento do ventrículo
direito na radiografia do tórax. A ecodopplercardiografia transtorácica, com atenção
62
especial ao fluxo de regurgitação tricúspede, pode identificar pacientes com risco
aumentado de óbito (GLADWIN et al., 2004).
O tratamento é baseado na abordagem da hipertensão pulmonar primária:
bloqueadores dos canais de lcio, anticoagulação prolongada, oxigênioterapia
noturna ou contínua, terapia transfusional e óxido nítrico (KAUR et al., 2000; RICH et
al., 1992; STUART & NAGEL, 2004). A hidroxiuréia poderia agir diminuindo a
incidência de eventos vaso-oclusivos, mas não se sabe se ela poderia prevenir o
desenvolvimento da hipertensão pulmonar.
2.5.11 Novas perspectivas
Muitas outras abordagens terapêuticas têm sido propostas para a doença
falciforme. A terapia gênica é uma das mais promissoras (LEIDEN, 1995). Estratégias
para a introdução de genes normais da -globina assim como genes recombinantes
da -globina que poderiam inibir a falcização estão sendo estudadas (REED &
VICHINSKY, 1998).
O óxido nítrico tem papel importante nas complicações agudas e crônicas
da doença falciforme. Na parede dos vasos, o óxido nítrico induz o relaxamento da
musculatura lisa e vasodilatação. Outros efeitos são a inibição da agregação
plaquetária, da adesão e migração leucocitária e inibição da adesão eritrócito-
endotelial. A redução do óxido nítrico parece ser o mecanismo através do qual ocorre
a vasoconstrição pulmonar e a predisposição para a síndrome torácica aguda
(GLADWIN & SCHECHTER, 2001). A inalação de óxido nítrico pode ter efeito
benéfico em pacientes com síndrome torácica aguda (STUART & SETTY, 2001). A
redução do óxido nítrico e a hemólise crônica têm sido relacionados ao
desenvolvimento da hipertensão pulmonar associada à doença falciforme. Segundo
MORRIS et al., (2003), o uso oral da L-arginina, um precursor do óxido nítrico,
melhorou a função endotelial, e pareceu melhorar a hipertensão pulmonar
relacionada à doença falciforme. Apesar de promissor, o uso do óxido nítrico
necessita de maior número de estudos para resultados definitivos.
O transplante de medula óssea é a única terapia disponível que pode curar
a doença falciforme. O primeiro transplante de medula óssea em paciente com
doença falciforme foi realizado em uma criança de 8 anos cuja indicação primária
para o transplante foi leucemia mielóide (JOHNSON et al., 1984). A seleção dos
pacientes para o transplante deve considerar o risco do procedimento, cuja taxa de
63
mortalidade é de cerca de 10%. Provavelmente o transplante é mais seguro durante a
infância. A criança deve preencher os critérios de doença falciforme com evolução
potencialmente grave para justificar o risco do transplante (NAGEL, 1991). WALTERS
et al. (1996) publicaram os resultados da evolução de 22 pacientes com menos de 16
anos de idade transplantados com doador HLA idênticos. Com a mediana do tempo
de acompanhamento de 24 meses, 2 pacientes haviam falecido e dos 20 que
permaneciam vivos, 16 estavam estáveis. As indicações para o transplante nesses
pacientes foram o AVC, vários episódios de síndrome torácica aguda e crises álgicas
intensas e intratáveis. Os dois óbitos foram causados por hemorragia intracraniana.
Mais recentemente, o sangue do cordão umbilical tem sido considerado importante
fonte alternativa de células tronco para transplante (KELLY et al., 1997).
64
3 - OBJETIVOS
3.1 Objetivo geral
Caracterizar os óbitos ocorridos nas crianças com doença falciforme
triadas pelo Programa Estadual de Triagem Neonatal de Minas Gerais no período de
01/03/1998 a 28/02/2005.
3.2 Objetivos específicos
Determinar as principais causas de óbito nesse grupo de pacientes;
Determinar a freqüência de óbito quanto ao sexo, grupo etário, local de
ocorrência do óbito e tipo de hemoglobinopatia (HbSS, HbSC, HbSD e Sβ
+
talassemia);
Identificar outras circunstâncias associadas, tais como: tempo decorrido entre
o início dos sintomas associados ao desfecho óbito e o atendimento médico,
uso correto da profilaxia para infecção, tipo de assistência prestada à criança e
outras que venham a ser reconhecidas.
Identificar variáveis socioeconômicas e culturais associadas ao evento óbito.
65
4 - METODOLOGIA
4.1 Delineamento
Realizou-se estudo descritivo, transversal, a fim de conhecer e avaliar as
circunstâncias da ocorrência de óbitos em crianças com doença falciforme, triadas
pelo Programa Estadual de Triagem Neonatal de Minas Gerais (PETN), no período de
março de 1998 a fevereiro de 2005. Estudo de coorte foi realizado para apresentação
dos dados do acompanhamento das crianças no programa.
Os dados para essa pesquisa foram obtidos de várias fontes como o banco
de dados do PETN, documentos de óbito, base de dados DATASUS e IBGE,
prontuários médicos dos ambulatórios da Fundação Hemominas e entrevista com
familiares cuidadores da criança com doença falciforme que evoluiu para óbito.
4.2 Programa Estadual de Triagem Neonatal para Doença Falciforme de Minas
Gerais
O Programa Estadual de Triagem Neonatal de Minas Gerais foi implantado
em setembro de 1993 tendo como objetivo a identificação do hipotireoidismo
congênito e da fenilcetonúria. Em março de 1998, foi ampliado visando à triagem para
hemoglobinopatias e, em julho de 2003, a triagem para fibrose cística foi implantada.
O Núcleo de Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais - Nupad, designado por Portaria Ministerial
como Serviço de Referência em Triagem Neonatal/Acompanhamento e Tratamento
das Doenças Congênitas - SRTN, responde pela coordenação cnica e operacional
do programa (PORTARIA 386 - MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).
A coleta de sangue para triagem neonatal é realizada em 1.690 postos de
coleta localizados, em sua maioria, nas Unidades Básicas de Saúde de todos os
municípios do Estado. As amostras de sangue dos recém-nascidos são coletadas,
preferencialmente, no quinto dia de vida em papel-filtro tipo Schleicher & Schuell 903
®
(Dassel, Alemanha), e, após secagem, são acondicionadas em envelope contendo
todos os dados de identificação da criança e transportadas, por correio ou portador,
ao laboratório de triagem neonatal do Nupad, localizado no quinto andar da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo
Horizonte, segundo as normas técnicas do PETN (JANUARIO & MOURÃO, 1998).
66
Do início do programa até março de 2002, o laboratório de
hemoglobinopatias do Nupad utilizou, na determinação do perfil hemoglobínico,
exclusivamente o método de Eletroforese por Focalização Isoelétrica (IEF) através de
insumos e equipamentos de eletroforese RESOLVE
R
Systems, Neonatal Hemoglobin
Test Kit (PerkinElmer-precisely). Amostras com resultado alterado ou suspeito foram
imediatamente repetidas pelo mesmo método para confirmação.
A partir de março de 2002, o laboratório passou a trabalhar também com a
técnica de Cromatografia Líquida de Alta Resolução (HPLC), utilizando o
equipamento VARIANT da BIO-RAD e kit Sickle Cell Short. Amostras com resultados
alterados ou suspeitos por um dos métodos passaram a ser repetidos pelo outro para
confirmação.
A tabela 1 mostra a incidência dos diversos fenótipos da doença falciforme,
segundo o Programa Estadual de Triagem Neonatal de Minas Gerais, em um milhão
de crianças triadas no período de 1998 a 2002 (JANUÁRIO, 2002).
Tabela 1 - Incidência dos fenótipos da doença falciforme, segundo o Programa
Estadual de Triagem Neonatal de Minas Gerais, em um milhão de crianças triadas no
período de 1998 a 2002.
Modificado de JANUARIO, 2002
As crianças com perfil hemoglobínico compatível com doença falciforme ou
outras hemoglobinopatias são encaminhadas a um dos centros regionais da
Fenótipos
Interpretação
Número
de
nascidos
vivos
Ocorrências
Observações
(IEF)
% Proporção
Em
100
mil
FS
Anemia
Falciforme
411 0,039 1:2.581 39 Inclui S/ß
o
tal
FSC
Doença da Hb
SC
316 0,030 1:3.357 30
FSD
Punjab
Doença Hb
SD
Punjab
2 - - -
Confirmado
por PCR
FSA
Interação
S/ß
+
tal
35 0,003 1:30.307 3
Inclui SFA,
SAF
FS + FSC + FSD
P
+
FSA
Doença
Falciforme
(764) 0,072 1:1.383 72
Total de crianças triadas
1.060.757
67
Fundação Hemominas, com serviços ambulatoriais estruturados para atenção ao
doente falciforme, cabendo ao Nupad/SRTN a responsabilidade pelo controle do
acompanhamento. Os ambulatórios da Fundação Hemominas estão distribuídos
pelos Hemocentros de Belo Horizonte, Governador Valadares, Montes Claros,
Uberaba, Uberlândia, Juiz de Fora e pelos Núcleos Regionais de Sete Lagoas,
Divinópolis, Patos de Minas e, mais recentemente, Diamantina. O Hemocentro de
Pouso Alegre e o Núcleo Regional de Manhuaçu não são referências, atualmente,
devido a questões operacionais. O Hemocentro de Pouso Alegre foi responsável, na
ocasião, pelo acompanhamento de uma das crianças desse estudo. Em Ipatinga, a
Administração Municipal assumiu a responsabilidade pelo tratamento, sob supervisão
da Fundação Hemominas e Nupad.
A figura 8 mostra a localização das unidades da Fundação Hemominas
responsáveis pelo acompanhamento da Doença Falciforme.
Figura 8 - Localização das unidades da Fundação Hemominas responsáveis pelo
acompanhamento da Doença Falciforme.
68
Setor de Controle de Tratamento da Doença Falciforme - SCT/ Nupad - é
responsável pela comunicação dos resultados alterados da triagem neonatal,
solicitação de amostras demandadas pelo laboratório e outras para estudo familiar, a
critério clínico, agendamento das consultas nos hemocentros, investigação dos
motivos de ausência às consultas e controle do fluxo de referência e contra-referência
junto aos ambulatórios da Fundação Hemominas e municípios do Estado cadastrados
no programa. Para isso, mantém estreita relação com as equipes de saúde
municipais e desencadeia ações de busca ativa visando a identificar e resolver
problemas operacionais em nível local e garantir a adesão das famílias ao protocolo
de acompanhamento da Fundação Hemominas.
As ações desencadeadas pelo SRTN após a liberação dos resultados,
relacionadas à busca ativa dos casos suspeitos ou confirmados pela triagem, são
executadas pelas equipes de saúde dos 853 municípios do Estado.
4.3 Identificação dos óbitos
A informação do óbito resulta da investigação sistemática junto ao
município do motivo do não-comparecimento à consulta agendada no hemocentro,
sendo solicitado, nesse caso, o envio para o SCT/Nupad, por fax ou correio, de uma
cópia da certidão ou da declaração de óbito. As informações contidas nesses
documentos são registradas no sistema de informação do programa e repassadas
para o hemocentro responsável pelo acompanhamento da criança. As ações do
SCT/Nupad abrangem a totalidade dos pacientes triados com doença falciforme e
outras hemoglobinopatias em acompanhamento nos ambulatórios da Fundação
Hemominas. Portanto, é possível afirmar que todos os óbitos ocorridos no período do
estudo entre crianças em acompanhamento no PETN foram informados. A
informação de eventual óbito de crianças que saíram do programa por motivo de
mudança de Estado, opção por acompanhamento na rede privada ou abandono não
é conhecida.
A tabela 2 mostra a situação do acompanhamento das crianças triadas
com doença falciforme pelo PETN de Minas Gerais no período deste estudo. Foram
consideradas "em acompanhamento" as crianças que tinham realizado a primeira
consulta no período do estudo.
69
Tabela 2 - Situação do acompanhamento das crianças triadas com Doença
Falciforme pelo Programa Estadual de Triagem Neonatal de Minas Gerais, no período
de março de 1998 a fevereiro de 2005.
Total
Crianças triadas 1.833.030
Crianças triadas com doença falciforme 1.396
Distribuição por Fenótipo:
SS
SC
SD
S
+
talassemia
764
555
10
67
Saída 35
Abandono
3
Óbito 78
Crianças em acompanhamento: 1.214
Fonte: Nupad
É considerada saída do PETN o desligamento motivado pela mudança da
criança para outro Estado ou pela opção por tratamento na rede privada, desde que
informado através de documento oficial do município. Os casos de abandono são
definidos pela perda de contato com a família, não justificada, apesar de utilizados
todos os recursos de busca ativa disponíveis.
4.4 População estudada
No período de 01 de março de 1998 a 28 de fevereiro de 2005, foram
triadas pelo PETN de Minas Gerais 1.396 crianças com perfil hemoglobínico
compatível com doença falciforme. Considerando esse mesmo período e grupo,
foram identificados 78 óbitos, através das atividades rotineiras do SCT/Nupad. Todos
os 78 casos foram estudados com relação aos dados contidos no documento de óbito
enviado ao Nupad pelos municípios e dados de acompanhamento do tratamento
70
contidos no sistema de informação do Nupad. O número de famílias entrevistadas, 52
casos, é menor devido à impossibilidade de localização de algumas famílias (24
casos) ou recusa do cuidador em participar da entrevista (2 casos).
4.5 Coleta de Dados
4.5.1 Entrevista
A entrevista foi realizada com o responsável pela criança a partir de roteiro
semi-estruturado (anexo1), construído especificamente para a pesquisa e baseado no
Manual dos Comitês de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2004). A entrevista aborda quatro aspectos: (1) o evento óbito, (2) o
acompanhamento para doença falciforme e a ocorrência de outros eventos agudos,
(3) condição socioeconômica e cultural, (4) impressões sobre as experiências vividas
com a criança falciforme. Foram entrevistadas as es de 3 crianças que haviam
falecido mais recentemente, em período posterior ao delimitado para a pesquisa, a
fim de permitir ajustes no instrumento que seria utilizado.
O tempo para a entrevista não foi limitado, concedendo-se ao entrevistado
o tempo necessário para recordar os fatos associados ao evento óbito e às
intercorrências da criança durante o acompanhamento para doença falciforme. A
expressão de opiniões, sentimentos e impressões foi livre e propiciou uma avaliação
qualitativa dos fatos. Os intervalos de tempo descritos foram calculados a partir do
relato livre sobre os eventos ocorridos no dia do óbito. Portanto, os intervalos de
tempo entre o início dos sintomas e o atendimento médico, o início dos sintomas e o
óbito e tempos de permanência em unidades de saúde devem ser considerados
tempos aproximados, pela impossibilidade de determinação precisa dos mesmos.
A avaliação da condição socioeconômica e cultural considerou os dados de
renda familiar, número de membros da família, renda per capita (renda familiar
dividida pelo número de membros da família), escolaridade e ocupação dos pais e
condições da moradia.
Para a entrevista, foi feita a busca ativa das 78 famílias cujas crianças
evoluíram para óbito, utilizando-se as informações de endereço contidas no banco de
dados do Nupad. Inicialmente, a unidade básica de saúde de referência de cada
endereço foi contatada por telefone, a necessidade de localização da família e a
finalidade da pesquisa foram explicadas para a enfermeira da equipe do Programa de
71
Saúde da Família (PSF) correspondente. Foi solicitada à equipe a busca ativa das
famílias e visita domiciliar nos casos possíveis. Durante a visita domiciliar, foi
proposta à família a visita da pesquisadora para uma entrevista sobre o óbito da
criança. Foi dado à família o tempo que julgasse necessário para decidir sobre a
proposta. A decisão da família, positiva ou negativa, foi comunicada à pesquisadora,
por telefone, pela equipe do PSF. Durante a visita da pesquisadora, os objetivos da
pesquisa foram cuidadosamente explicados. A realização da entrevista foi
condicionada à leitura e assinatura de um termo de consentimento que abrangeu os
objetivos, os procedimentos e os possíveis benefícios e custos oriundos do estudo
(anexo 2). Esse termo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e da Fundação
Hemominas.
O agendamento das viagens para as entrevistas seguiu um roteiro que
considerou a concordância da família, a possibilidade da presença do(e) cuidador(a)
da criança e a localização geográfica dos municípios. Do total de 52 entrevistas, 47
foram realizadas pela pesquisadora e 5 por enfermeiros de equipes do Programa de
Saúde da Família, orientados pela pesquisadora, devido à localização das famílias
em endereços inacessíveis ou imprevistos.
Foram percorridos, pela pesquisadora, cerca de 10.000 km para realização
de 47 entrevistas em 41 municípios do Estado; as 5 entrevistas realizadas por
enfermeiros do PSF exigiram deslocamento nos limites dos municípios (Mato Verde,
Jaíba, Passos, Chapada do Norte e Setubinha).
Das 52 entrevistas realizadas, 44 foram gravadas e 8 tiveram registro
escrito. A mediana do tempo de duração das entrevistas foi de 25 minutos. O início da
gravação coincide com o início da entrevista, não estando gravados o acolhimento
inicial, procedimentos para assinatura do termo de consentimento, agradecimentos e
despedidas. Para as entrevistas com registro escrito foram observados os mesmos
critérios quanto ao tempo de duração.
4.5.2 Documento de óbito
Esse documento, enviado pelos municípios e arquivado no SCT/Nupad,
comprova a data de saída da criança do programa por motivo de óbito. Para essa
finalidade, são aceitos vários documentos: declaração de óbito, certidão de óbito,
ofício do município, guia para sepultamento e relatório de necropsia. Outros dados
72
como causa e local do óbito foram objetos de análise quando comparados com os
dados da entrevista por haver, em alguns casos, divergências entre eles.
4.5.3 Dados do acompanhamento da criança no Programa Estadual de Triagem
Neonatal
Cada consulta realizada nos ambulatórios de referência para
acompanhamento da doença falciforme no PETN gera uma ficha de contra-referência
informando dados clínicos e o comparecimento, ou não, da criança à consulta
agendada. Essas fichas, assinadas pelos médicos responsáveis pelo atendimento,
são encaminhadas, via fax ou correio, para o Setor de Controle de Tratamento do
Nupad e as informações o lançadas no banco de dados do programa. Através
desse fluxo, é possível desencadear a busca ativa dos faltosos, avaliar a adesão das
famílias ao protocolo de agendamento das consultas e conhecer as dificuldades das
famílias para o seguimento deste.
O banco de dados do Nupad foi a fonte das informações para localização
das famílias (endereço, município de residência, área urbana ou rural), avaliação da
adesão ao protocolo de agendamento de consultas, cálculo da idade de início do
tratamento (considerando a data de nascimento e a primeira consulta realizada),
cálculo do tempo entre o nascimento e a coleta de sangue para a triagem neonatal e
cálculo da idade ao óbito.
4.5.4 Dados dos Municípios
Os dados demográficos, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDHM), mortalidade infantil e mortalidade até os 5 anos de idade foram consultados
na base de informações do censo demográfico de 2000 (IBGE, 2002).
Para o estudo do porte dos municípios foi utilizada a classificação proposta
pela Norma Operacional sica do Sistema Único de Assistência Social que
considera o porte segundo a população (NORMA OPERACIONAL BÁSICA/SISTEMA
ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2005).
A tabela 3 mostra a distribuição dos municípios segundo o porte em Minas
Gerais e no Brasil, segundo os dados demográficos do IBGE, 2005.
73
Tabela 3 - Distribuição dos municípios segundo a população em Minas Gerais e no
Brasil.
Classificação dos
Municípios
População
N º de municípios (%)
Minas Gerais Brasil
Pequeno Porte 1 Até 20.000 674 (79,0) 4074 (73,0)
Pequeno Porte 2 De 20.001 a 50.000 115 (13,5) 963 (17,5)
Médio Porte De 50.001 a 100.000 38 (4,4) 299 (5,5)
Grande Porte De 100.001 a 900.000 25 (3,0) 211 (3,8)
Metrópole Mais de 900.000 1 (0,1) 17 (0,3)
Total 853 (100,0) 5564 (100,0)
Fonte: IBGE, 2005
O IDHM tem por objetivo representar a complexidade de um município em
termos do desenvolvimento humano que ele apresenta. Para tanto, são considerados
três componentes que são encarados como essenciais para a vida das pessoas,
quais sejam: educação, longevidade e renda (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA O DESENVOLVIMENTO, 2005). O IDHM se situa entre 0 (zero) e 1(um), os
valores mais altos indicando níveis superiores de desenvolvimento humano. Para
referência, segundo classificação do PNUD, os valores distribuem-se em 3
categorias:
- baixo desenvolvimento humano, quando o IDHM for menor que 0,500;
- médio desenvolvimento humano, para valores entre 0,500 e 0,800 e;
- alto desenvolvimento humano, quando o índice for superior a 0,800.
A figura 9 mostra a distribuição municipal do Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM) em Minas Gerais, 2000.
74
Figura 9 - Distribuição municipal do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDHM) Minas Gerais, 2000.
Fonte: ROMERO, 2006
As bases de dados do DATASUS e da Secretaria de Estado da Saúde de
Minas Gerais forneceram os dados sobre a organização e recursos humanos do
Programa de Saúde da Família (PSF) nos municípios.
4.5.5 Dados dos Prontuários da Fundação Hemominas
Os dados dos prontuários da Fundação Hemominas foram coletados pela
pesquisadora com a ajuda de duas acadêmicas de medicina da UFMG, selecionadas
através de concurso, para estágio no Nupad. Todo o trabalho das acadêmicas
durante a coleta dos dados foi orientado. As informações dos prontuários foram
75
digitadas em um banco de dados, que utiliza o programa ACCESS, construído
especificamente para a pesquisa.
4.6 Aspectos Éticos
O projeto de pesquisa relativo a este trabalho foi aprovado nas instâncias
acadêmicas da Faculdade de Medicina da UFMG e dos Comitês de Ética em
Pesquisa da UFMG (anexo 3) e da Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia
de Minas Gerais - Hemominas (anexo 4).
4.7 Análise Estatística
Os dados colhidos foram tabulados e ilustrados em gráficos. Comparações
das freqüências entre variáveis nominais foram feitas utilizando-se o teste de qui-
quadrado, sem correção de continuidade. As curvas de sobrevida foram baseadas no
método de Kaplan-Meier (KAPLAN & MEIER, 1958) e comparações entre curvas
foram feitas pelo método de logrank. Todos os 78 óbitos ocorridos,
independentemente de relacionados ou não à doença falciforme, foram considerados
eventos adversos. As crianças vivas em 15/02/2005 (n = 1318) foram “censuradas”
nessa data. Consideraram-se significativos os testes em que a probabilidade de erro
alfa foi igual ou inferior a 0,05.
4.8 Financiamento
Essa pesquisa recebeu o apoio logístico do Nupad e foi selecionada para
financiamento pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) através do edital MCT/CNPq/MS-SCTIE-DECIT nº 026/20
76
5 - RESULTADOS
5.1 Caracterização da população estudada
Os 78 óbitos foram comunicados ao PETN por meio de documentos
enviados pelos municípios ao setor de controle do tratamento.
A tabela 4 mostra os tipos de documento utilizados para notificação dos
óbitos, recebidos pelo PETN. Em 91% dos casos, o documento enviado foi a cópia da
certidão ou da declaração de óbito.
Tabela 4 - Tipos de documentos enviados pelos municípios ao PETN para notificar os
óbitos de crianças com doença falciforme ocorridos no período de março de 1998 a
fevereiro de 2005 (n=78)
Tipo de Documento n (%)
Certidão de Óbito 42 (53,8)
Declaração de Óbito 29 (37,2)
Ofício do município 3 (3,8)
Guia para sepultamento 2 (2,6)
Relatório de necropsia 2 (2,6)
Total 78 (100,0)
Dos 78 óbitos ocorridos, 3 crianças faleceram antes da realização da
primeira consulta no hemocentro de referência; 41 (52%) foram de crianças do
gênero masculino.
Os hemocentros de Belo Horizonte e Montes Claros foram referência para
a maioria das crianças que evoluíram para o óbito (69,2%). A tabela 5 mostra a
distribuição das crianças segundo a unidade de referência da Fundação Hemominas.
77
Tabela 5 - Distribuição dos óbitos segundo a Unidade de Referência da Fundação
Hemominas (n=78)
A figura 10 mostra a distribuição das crianças conforme o local de
residência no Estado. A maioria das crianças residia na área urbana dos municípios.
Figura 10 - Distribuição dos endereços de residência das 78 crianças com doença
falciforme falecidas no período de março de 1998 a fevereiro de 2005.
Unidade da Fundação Hemominas
n % Acumulado
Hemocentro de Belo Horizonte
42 53,8 53,8
Hemocentro de Montes Claros
12 15,4 69,2
Hemocentro de Juiz de Fora
7 9,0 78,2
Hemocentro de Uberlândia
5 6,4 84,6
Núcleo Regional de Divinópolis
4 5,1 89,7
Hemocentro de Governador Valadares
3 3,8 93,5
Núcleo Regional de Sete Lagoas
2 2,6 96,1
Núcleo Regional de Uberaba
1 1,3 97,4
Núcleo Regional de Patos de Minas
1 1,3 98,7
Núcleo Regional de Pouso Alegre
1 1,3 100,0
Total
78 100,0 100,0
Rural
17 (22%)
Urbano
61 (78%)
78
A tabela 6 mostra a distribuição dos óbitos de acordo com o perfil
hemoglobínico da criança, detectado na triagem neonatal. A maioria dos óbitos
(80,8%) aconteceu em crianças com perfil FS.
Tabela 6 - Distribuição dos óbitos segundo perfil hemoglobínico detectado na triagem
neonatal das 78 crianças com doença falciforme falecidas no período de março de
1998 a fevereiro de 2005.
A idade da criança por ocasião da triagem neonatal é mostrada na tabela
7. A mediana da idade à coleta do sangue para a triagem foi de 9 dias, sendo que
75% das crianças foram triadas até 18 dias de vida. A única criança triada com idade
superior a 3 meses (194 dias de vida) não apresentava sintomas da doença na
ocasião da coleta e fazia acompanhamento regular no PETN, por isso, optou-se por
não excluí-la deste estudo.
Tabela 7 - Idade à coleta do sangue para a triagem neonatal das 78 crianças com
doença falciforme falecidas no período de março de 1998 a fevereiro de 2005
Perfil Hemoglobínico n (%)
FS 63 (80,8)
FSC 12 (15,4)
FSA 3 (3,8)
Total 78 (100,0)
Idade à triagem neonatal (em dias)
Mínimo 4
quartil
5
Mediana 9
quartil
18
Máximo 194
79
5.2 Idade ao óbito
A tabela 8 mostra a média e mediana da idade da criança ao óbito (n=78) e
da idade da criança por ocasião da primeira consulta no hemocentro (n=75). Três
crianças morreram antes da realização da primeira consulta. A mediana da idade ao
óbito foi de 13,7 meses e a da idade à primeira consulta, de 2,1 meses.
Tabela 8 - Idade ao óbito e idade à primeira consulta no hemocentro das 78 crianças
triadas pelo PETN com doença falciforme que faleceram no período de março de
1998 a fevereiro de 2005.
Idade ao óbito
(em meses)
Idade à 1ª consulta
(em meses)
Média (±DP) 19,9 (±17,5) 2,5 (±1,6)
Mediana 13,7 2,1
Mínimo 0,6 0,8
Máximo 72,9 8,8
A figura 11 mostra a distribuição dos óbitos segundo a faixa etária.
Observa-se que cerca de 72% dos óbitos ocorreram em crianças de até 2 anos de
idade.
80
Figura 11 - Distribuição por faixa etária dos óbitos das 78 crianças triadas pelo PETN
com doença falciforme que faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de
2005.
5.3 Óbitos segundo local e causa
A figura 12 mostra o local do óbito das 78 crianças triadas com doença
falciforme que faleceram durante o período do estudo, segundo a informação do
documento de notificação do óbito. Apesar da prevalência dos óbitos hospitalares
(59), deve-se enfatizar a ocorrência de 15 óbitos domiciliares e 3 em trânsito.
Figura 12 - Local do óbito das 78 crianças triadas com doença falciforme pelo PETN
que faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de 2005.
59
15
3
1
0
10
20
30
40
50
60
70
Hospital Domicílio Trânsito Unidade Básica de
Sde
81
A figura 13 mostra o local da ocorrência dos óbitos das crianças das 52
famílias entrevistadas, segundo duas fontes de dados: documento de notificação do
óbito e entrevista. Segundo as informações do local do óbito obtidas através das
entrevistas, observou-se discordância principalmente em relação ao número de óbitos
registrados como domiciliares (n=12). Destes, 4 foram relatados como óbito em
trânsito e um como óbito hospitalar, pois a criança chegou ao hospital em estado
grave, mas ainda viva. Ao contrário, um dos óbitos documentado como hospitalar,
aconteceu em trânsito, segundo o relato da mãe da criança.
Figura 13 - Local do óbito das crianças triadas pelo PETN com doença falciforme que
faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de 2005, segundo as informações
do documento de óbito e das entrevistas (n=52)
37
12
2
1
37
7 7
1
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Hospital Domicílio Trânsito Unidade
sica de
Saúde
Documento de Óbito Entrevista
A figura 14 mostra a distribuição dos óbitos das 78 crianças falecidas no
período do estudo segundo as causas registradas nos documentos que notificaram os
óbitos. Infecção (incluindo pneumonia e septicemia) foi a principal causa dos óbitos
nesse grupo, seguida pelo seqüestro esplênico. Foi considerada como desconhecida,
a causa de óbito em cujo registro constava "sem assistência médica".
82
Figura 14 - Causas de óbito das 78 crianças triadas pelo PETN com doença
falciforme que faleceram no período de março de 1998 a fevereiro de 2005, segundo
as informações do documento de óbito.
30
16
13
12
3 3
1
0
5
10
15
20
25
30
35
Infecçã
o
In
det
erm
in
ada
S
eqüestro Esplên
i
co
Descon
he
ci
da
Gastroen
t
erite
Out
r
a
s
S
índrome Torácic
a
A
g
uda
Dentre as crianças das famílias entrevistadas (n=52), observam-se
algumas discordâncias entre as causas de óbito documentadas e as relatadas ou
sugeridas durante a entrevista. A figura 15 mostra essas diferenças. Pela entrevista é
possível identificar algumas causas de óbito registradas como indeterminadas ou
desconhecidas geralmente pela ausência de assistência médica no documento
do óbito. O seqüestro esplênico, por exemplo, é a causa de 7 dos 52 óbitos nesse
grupo de pacientes, quando se considera a informação do documento de óbito.
Quando se considera a entrevista, o seqüestro esplênico passa a responder por 16
dos 52 óbitos. As principais causas de óbito nesse grupo foram infecção e SEA. As
causas classificadas como outras foram pneumonite por aspiração de conteúdo
gástrico (2) e picada de escorpião (1).
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