Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ANOREXIA E BULIMIA NERVOSA:
um estudo de casos graves à luz
da Psiquiatria e da Psicanálise
Ana Raquel Corrêa e Silva
BELO HORIZONTE
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Ana Raquel Corrêa e Silva
ANOREXIA E BULIMIA NERVOSA:
um estudo de casos graves à luz
da Psiquiatria e da Psicanálise
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Ciências da Saúde, Área de
Concentração Saúde da Criança e do Adolescente da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Ciências da Saúde.
Orientador: Prof. Dr. Roberto Assis Ferreira
Belo Horizonte
2008
ads:
Silva, Ana Raquel Corrêa e.
S586a Anorexia e bulimia nervosa [manuscrito]; um estudo de
casos
graves à luz da psiquiatria e da psicanálise. / Ana Raquel
Corrêa e
Silva. - - Belo Horizonte: 2008.
143f.
Orientador: Roberto Assis Ferreira.
Área de concentração: Saúde da Criança e do Adolescente.
Dissertação (mestrado) : Universidade Federal de Minas
Gerais, Faculdade de Medicina.
1. Anorexia. 2. Bulimia Nervosa. 3. Estudos de Casos. 4.
Psiquiatria. 5. Dissertações acadêmicas. I. Ferreira, Roberto
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Reitor: Ronaldo Tadêu Penna
Vice-Reitora: Heloisa Maria Murgel Starling
Pró-Reitor de Pós-Graduação: Jaime Arturo Ramirez
FACULDADE DE MEDICINA
Diretor: Prof. Francisco José Penna
Vice-Diretor: Prof. Tarcizo Afonso Nunes
Coordenador do Centro de Pós-Graduação: Carlos Farias Santos Amaral
DEPARTAMENTO DE PEDIATRIA
Chefe: Profa. Cleonice de Carvalho Coelho Mota
Vice-Chefe: Profa. Maria Aparecida Martins
COLEGIADO DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE -
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Coordenador: Prof. Joel Alves Lamounier
Sub-Coordenador: Prof. Eduardo Araújo de Oliveira
Profª Ana Cristina Simões e Silva
Prof. Francisco José Penna
Profª Ivani Novato Silva
Prof. Lincoln Marcelo Silveira Freire
Prof. Marco Antônio Duarte
Profª Regina Lunardi Rocha
Ludmila Teixeira Fazito Rezende (Rep. Discente)
DEDICO ESTE TRABALHO
Aos meus pais
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, por acreditarem em mim e pelo apoio na realização dos meus mais
diferentes planos.
A minha mãe Cleunice, pela postura forte e positiva frente a todos os percalços da
vida. É exemplo por sua alegria de viver, empolgação e sabedoria. Obrigada pelo
amor, paciência, orientação e incentivo nas horas que mais precisei.
Ao meu pai Walter, pelo carinho e amor. Sua constante presença pela minha vida
tornou minha caminhada mais amena e segura.
Ao meu irmão Júnior, amigo e solidário, auxiliando-me sempre que preciso.
À minha irmã Piluzinha, agradeço pelo carinho, confiança e apoio. Obrigada por
estar sempre disposta a me ajudar. Ao Bê, que é pura alegria e renovação da vida
na nossa família.
À Cacaia e Rodrigo, pelo carinho nos momentos vividos em família.
À minha avó Letícia pelo amor e dedicação.
Vovô Vilson, vovó Lilita e vovô Nabuco: saudades!
A Nina e Serena, pela alegria do dia-a-dia.
Ao Professor Doutor Roberto Assis Ferreira, agradeço pelo incentivo, orientação e
paciência e por compreender meus diferentes momentos no decorrer deste trabalho.
Aos pacientes que se dispuseram a participar deste estudo, agradeço por
compartilharem comigo o saber único e próprio de cada um sobre si mesmo.
Aos colegas do NIAB, pela oportunidade de participar de um espaço de construção
coletiva e que muito tem contribuído para a minha formação. Muito do que aprendi
com vocês revela-se neste trabalho.
A nica Schettino Motta e Beatriz Espírito Santo, por terem feito comigo algumas
das discussões que resultaram neste estudo, pela confiança e por estarem sempre
disposta a me ajudar.
Aos meus amigos, pelos bons momentos, pela descontração, alegria,
companheirismo, crescimento, incentivo e apoio.
RESUMO
SILVA, Ana Raquel Corrêa. Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos
graves à luz da Psiquiatria e da Psicanálise. Belo Horizonte, 2008. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Saúde). Faculdade de Medicina, Universidade Federal de
Minas Gerais, 2008.
Este estudo tem como objetivo analisar casos graves de Anorexia e Bulimia, a partir
da abordagem psiquiátrica e psicanalítica. As questões que motivaram este estudo
foram essencialmente clínicas: dificuldade na abordagem e na condução clínica.
Caracteriza-se como um estudo clínico-qualitativo com referencial teórico nas
classificações psiquiátricas atuais, na psiquiatria clássica, na teoria psicanalítica
freudiana e lacaniana e nas contribuições teóricas de autores com experiência na
clínica da Anorexia e Bulimia. Foi cenário deste estudo o NIAB Núcleo de
Investigação de Anorexia e Bulimia da Universidade Federal de Minas Gerais,
situado em Belo Horizonte (MG). É característica do serviço o atendimento
interdisciplinar de orientação psicanalítica lacaniana. O estudo foi desenvolvido no
período de 2005 a 2007 e a fonte de dados foi o atendimento por mim, juntamente
com outros profissionais da equipe interdisciplinar do NIAB, a oito pacientes com
quadros graves de Anorexia e Bulimia. Foram considerados “casos graves” aqueles
quadros que põem em xeque o tratamento, ou seja, o caso que põe em jogo as
condições de sua tratabilidade, chegando até a risco de vida, desafiando a equipe e
exigindo esforços e inovações terapêuticos. A observação de fenômenos
psicopatológicos e clínicos associada a escuta psicanalítica foi o método de coleta
dos dados e o tratamento e a análise dos dados foram feitos com a construção do
caso clínico, discussões e supervisões dos casos nas sessões clínicas com a equipe
do NIAB. O resultado do estudo, através da observação e construção dos casos
clínicos de maior gravidade, aponta que a gravidade do caso não depende apenas
da estrutura psíquica do sujeito (neurose, psicose ou perversão), mas dos impasses
durante o tratamento. Os impasses revelados pelo estudo são definidos como o
empuxo para a morte, o rechaço do Outro, a deriva pulsional, a simbiose mortífera
resultando em uma relação transferencial difícil e o caso resíduo. O estudo permite,
por um lado, identificar o papel do sintoma anoréxico e/ou bulímico em cada caso,
que pode ser de expressão de um conflito ou sofrimento psíquico, de uma
característica estrutural (melancolia) ou de uma forma de estabilização na psicose
não-desencadeada (compensação imaginária ou suplência) e por outro, alerta que
cada caso deve ser considerado único em sua condução.
PALAVRAS-CHAVE: Anorexia, Bulimia, psiquiatria, psicanálise, gravidade,
impasses, equipe interdisciplinar, psicose, neurose, suplência, sintoma, serviço
público, prestação de cuidados de saúde.
ABSTRACT
SILVA, Ana Raquel Corrêa. Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos
graves à luz da Psiquiatria e da Psicanálise. Belo Horizonte, 2008. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Saúde). Faculdade de Medicina, Universidade Federal de
Minas Gerais, 2008.
This study aims at analyzing critical cases of Anorexia and Bulimia, based on
psychiatric and psychoanalytic approaches. The issues that motivated this study
were essentially clinical: difficulties in the approach and in the clinic conduction. It is
characterized as a clinic-qualitative study with a theoretical reference in the current
psychiatric classifications, in the classical psychiatry, in the Freudian and Lacanian
psychoanalytic theory and in the theoretical contributions of authors with experience
in Anorexia and Bulimia clinic. NIAB Nucleus of Anorexia and Bulimia Investigation
of Federal University of Minas Gerais (Núcleo de Investigação de Anorexia e Bulimia
da Universidade Federal de Minas Gerais located in Belo Horizonte, MG), was the
scenary of this study. The interdisciplinary service focused on Lacanian
psychoanalytic orientation is a characteristic of this service. The study was
developed between 2005 and 2007 and the source of data was built by me and some
other professional of NIAB team, through psychiatric treatment, to 8 patients with
critical Anorexia and Bulimia phases. The ‘critical cases’ were the ones that put the
treatment in jeopardy, in other words, the cases that almost jeopardized the
treatment leading to life risk, challenging the work team and demanding therapeutic
efforts and innovations. The observation of psychopathological and clinical
phenomena linked to psychoanalytic listening was the method of data collection and
the treatment and data analysis were done in the clinic case building, through
discussions and supervisions of cases in the clinical sessions with NIAB team. The
outcome of the study, through observation and the construction of very critical clinical
cases, points that the gravity of the case does not rely only on the psychic structure
of a person (neurosis, psychosis or perversion), but also on the impasses during
treatment. The impasses revealed by the study were defined as a trigger to death,
the rejection of the Other, the pulse drift, deadly symbiosis resulting in a difficult
transference relationship and the residual case. The study allows, in one hand,
identify the role of the anorexic symptom and/or bulimic in each case, that could be of
expression of a conflict or psychic suffering, of a structural characteristic
(melancholy) or of a way of settling down in non-triggered psychosis (imaginary
compensation or suppliance), and on the other hand, warn that each case should be
considered unique in its conduction.
KEY-WORDS: Anorexia, Bulimia, psychiatry, psychoanalysis, gravity, impasses,
interdisciplinary team, psychosis, neurosis, suppliance, symptom, public service,
health care supply.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
8
2. OBJETIVOS
10
3. METODOLOGIA
11
4. REFERENCIAL TEÓRICO
18
4.1
A Psiquiatria Hoje
18
4.2
A Psicanálise e o Diagnóstico Estrutural
27
4.3
O Sintoma Psíquico na Psiquiatria e na Psicanálise
32
4.4
O Corpo na Psicanálise
37
4.5
Considerações Históricas e Culturais sobre a Anorexia e
Bulimia Nervosa
41
4.6
Epidemiologia da Anorexia e Bulimia Nervosa
57
4.7
Classificações, Critérios Diagnósticos e Complicações
Clínicas na Anorexia e Bulimia Nervosa
61
4.8
A Abordagem Psicanalítica da Anorexia e Bulimia
71
4.9
Psicose: entre a Psiquiatria e a Psicanálise
79
4.10
A Dimensão Psicótica da Anorexia e Bulimia
95
5. ANOREXIA E BULIMIA - OS CASOS GRAVES
101
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
128
7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
131
8. ANEXOS
139
8
1. INTRODUÇÃO
A clínica da Anorexia Nervosa e da Bulimia Nervosa instiga a reflexão sobre a
prática clínica e sobre as articulações teóricas que a sustentam.
Apesar dos avanços sobre o tema nas últimas décadas nos estudos clínicos,
psiquiátricos, psicológicos e psicanalíticos, a Anorexia e a Bulimia ainda
representam um desafio aos profissionais de saúde, por sua natureza sindrômica,
não completamente esclarecida do ponto de vista etiológico e nosológico e pela
ausência de propostas terapêuticas bem consolidadas.
Os serviços de saúde brasileiros, públicos e privados, que prestam
assistência a pacientes com Anorexia e Bulimia, surpreendem-se com a crescente
demanda de pacientes de diferentes classes sociais e de uma ampla faixa etária.
Essa crescente demanda tornou necessária e atual a discussão a respeito das
estratégias de tratamento desses pacientes, atualmente diversas e controversas.
Um desses serviços, do qual faço parte, é o NIAB cleo de Investigação em
Anorexia e Bulimia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas
Gerais – serviço de referência do Hospital das Clínicas da UFMG.
As práticas clínicas e psiquiátricas detêm “um saber” sobre a Anorexia e a
Bulimia, mas separadamente se mostram insuficientes para a condução dos casos
graves. A escuta do sujeito com esses quadros ensina que a subjetividade insiste e
escapa à proposta terapêutica normativa.
O NIAB iniciou suas atividades de estudo e investigação em 1999 e em 2004
deu início à assistência a pacientes com sintomas anoréxicos e bulímicos,
acolhendo demandas provenientes de toda rede pública de saúde, de todo estado
de Minas Gerais.
Atualmente são atendidos no ambulatório do Hospital das Clínicas cerca de
duzentos pacientes, em sua maioria mulheres, com idade entre oito e sessenta
anos, com predominância de adolescentes e adultos jovens.
critérios para o diagnóstico de Anorexia e de Bulimia nas classificações
psiquiátricas (CID-10 e DSM-IV), que os consideram transtornos alimentares, porém
tal classificação pouco auxilia na condução dos casos, principalmente dos casos
graves.
A clínica da Anorexia e Bulimia é marcada pela gravidade e mostra que essa
compreensão universal e fenomenológica das classificações e o conseqüente uso
9
de fármacos são insuficientes para a assistência a estes pacientes. São freqüentes
as atuações, passagens ao ato, risco de auto-extermínio, empobrecimento simbólico
e rígida identificação com o sintoma.
Este é um estudo de casos graves de Anorexia e Bulimia, dos quais participei
do atendimento, no período de 2005 a 2007, juntamente com outros profissionais da
equipe interdisciplinar do NIAB.
A motivação pessoal em desenvolver este estudo está relacionada ao desafio
de conduzir casos de Anorexia e Bulimia, devido às formas de apresentação clínica
muito variáveis, gravidade de alguns quadros, conflitos psíquicos intrigantes e
problemáticas familiares complexas. As questões que motivaram este estudo foram
essencialmente clínicas.
A assistência a pacientes com Anorexia e Bulimia possibilita a integração das
áreas de minha formação: pediatria, psiquiatria e psicanálise, pois os acometimentos
psíquicos e somáticos exigem uma abordagem ampla e, ao mesmo tempo, singular.
A história da psiquiatria, servindo de referencial teórico para o atual estudo, foi
revisitada e algumas considerações sobre a psiquiatria atual e seus manuais de
classificação (DSM-IV e CID-10) foram feitas. No estudo teórico sobre a Anorexia e a
Bulimia, diferentes contextos históricos foram observados, além das apresentações
na contemporaneidade, dos dados epidemiológicos e dos critérios psiquiátricos das
classificações atuais. A teoria psicanalítica (de orientação Lacaniana) foi referencial
de todo o estudo, desde a contribuição psicanalítica à abordagem aos pacientes
com Anorexia e Bulimia e a importância do diagnóstico estrutural, até a presença
balizadora do discurso analítico na construção e a formalização dos casos graves,
para dar uma direção ao tratamento.
10
2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral:
Estudar os casos graves de Anorexia e Bulimia Nervosa, a partir da
abordagem psiquiátrica e psicanalítica.
2.2 Objetivos Específicos:
Trazer contribuição ao estudo de casos graves de Anorexia e Bulimia
Nervosa, a partir da interface psiquiatria e psicanálise, possibilitando melhor
condução interdisciplinar desses pacientes.
Dar contribuição ao cuidado desses pacientes e a estruturação do NIAB e de
outros serviços interessados no atendimento de pacientes com Anorexia e
Bulimia Nervosa.
11
3. METODOLOGIA
A metodologia se constitui do caminho e do instrumental próprios de
abordagem da realidade, incluindo as concepções teóricas, o conjunto de cnicas
que possibilitam a apreensão da realidade e o potencial criativo do pesquisador
(MINAYO, 1999).
Neste estudo a metodologia utilizada foi a clínico-qualitativa, baseada,
sobretudo, nas orientações do Tratado da Metodologia da Pesquisa Clínico-
qualitativa, do Turato (2003). Esse autor define assim o método clínico-qualitativo:
A partir das atitudes existencialista, clínica e psicanalítica, pilares do
método, que propiciam respectivamente a acolhida das angústias e
ansiedades do ser humano, a aproximação de quem a ajuda e a
valorização dos aspectos emocionais psicodinâmicos mobilizados na
relação com os sujeitos em estudo, este método científico de investigação,
sendo uma particularização e um refinamento dos métodos qualitativos
genéricos das ciências humanas, e pondo-se como recurso na área da
psicologia da saúde, busca dar interpretações a sentidos e significações
trazidos por tais indivíduos sobre fenômenos pertinentes ao campo do
binômio saúde-doença, com o pesquisador utilizando um quadro eclético de
referenciais teóricos para a discussão no espírito da interdisciplinaridade.
A pesquisa clínico-qualitativa enfoca sua atenção no específico, no peculiar,
no individual, buscando a compreensão dos fenômenos estudados. Baseia-se no
pressuposto da clínica: “Cada caso é um caso. o existem doenças, mas doentes.
A clínica é a ciência do singular”.
Segundo Cassorla (2003): “A ciência do homem é a ciência do particular.
Ainda que todos os homens tenham algo em comum, cada um é diferente. O
qualitativo enfatiza a diferença, o individual, e a contextualização dos particulares
leva a teorias gerais, mas que têm que ser adaptáveis a cada situação única”. Ainda
segundo esse autor:
Os métodos qualitativos se confundem com a clínica. E, um preceito da boa
Medicina nos diz que a ‘clínica é soberana’. Com os métodos qualitativos
retomamos essa máxima: será ao lado do paciente, que se darão as trocas,
conscientes e inconscientes, que permitirão o conhecimento do outro, de
ambos, numa investigação permanente, investigação em ação, um
descobrimento que leva a atos, e esses atos proporcionam mudanças, que
levam a novas ações, e assim por diante. Mas, de todo o ser humano, em
seu contexto vital, não isolado em órgãos, funções, processos biológicos,
físicos ou químicos.
Em épocas passadas, as pesquisas qualitativas frequentemente eram
rejeitadas pelos jornais médicos por serem consideradas não-científicas. Nas últimas
décadas, tornaram-se mais aceitas e são utilizadas por uma quantidade crescente
12
de pesquisadores, que reconhecem a contribuição da pesquisa qualitativa para
compreender melhor a vida dos pacientes. A história dos métodos qualitativos é
recente e, deve-se dar mérito a Marx e Freud, por terem propiciado importantes
cortes epistemiológicos e compreensões novas e profundas do ser humano.
Contribuíram decisivamente para a sustentação da cientificidade das Ciências
Humanas, nas quais se encontra o lócus da construção metodológica da pesquisa
qualitativa (TURATO, 2003).
No contexto da metodologia aplicada à saúde, emprega-se a concepção
trazida das Ciências Humanas, segundo as quais o se busca estudar o fenômeno
em si, mas entender o seu significado individual ou coletivo para a vida das pessoas.
O método clínico-qualitativo é uma particularização e um refinamento dos
métodos qualitativos genéricos das Ciências humanas, voltado especificamente para
os settings das vivências em saúde: “busca interpretar os significados de natureza
psicológica e complementarmente sócio-cultural trazidos por indivíduos, acerca
dos múltiplos fenômenos pertinentes ao campo dos problemas da saúde-doença”
(TURATO, 2003).
3.1 Referencial Teórico
As observações de fenômenos psicopatológicos e clínicos, associadas à
escuta psicanalítica, possibilitam abordagens diferentes de um mesmo paciente,
numa interação eclética da psicanálise, psiquiatria e clínica médica.
O Ecletismo, segundo Turato (2003), consiste em tirar de diferentes sistemas
de pensamentos elementos que possam referir o tema em estudo, o seguindo um
único referencial teórico.
Segundo Cassorla (2003), “examinar sob pontos de vista diversos implica em
criatividade na capacidade de observação e análise. A conseqüência acaba por ser
o apelo a interdisciplinaridade”.
No estudo e aprofundamento clínico dos casos foi utilizado como referencial
básico as classificações psiquiátricas atuais, principalmente a CID-10; a psiquiatria
clássica e atual; a teoria psicanalítica para o diagnóstico estrutural, proposta
inicialmente por Sigmund Freud e fundamentada por Jacques Lacan e as
contribuições teóricas, na psicanálise, de autores com experiência na clínica da
psicose e da Anorexia e Bulimia.
13
3.2 Cenário do Estudo
Este estudo foi desenvolvido, no período de 2005 a 2007. A fonte de dados foi
o atendimento a pacientes no NIAB Núcleo de Investigação de Anorexia e Bulimia
do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais a partir dos
quais foi conduzida a investigação.
Desde 1999, o NIAB vem se constituindo a partir da aglutinação de
profissionais de áreas diversas (pediatras, clínicos, psiquiatras, psicólogos,
psicanalistas) interessados no trabalho com pacientes com Anorexia e Bulimia,
constituindo um grupo de trabalho interdisciplinar.
Segundo Fernandes (2006): “o desafio colocado pela problemática da
Anorexia e Bulimia e pela reconhecida resistência em se deixar abordar de forma
unívoca levou profissionais das mais variadas especialidades a tentar se agrupar em
equipes”.
Em 2004, foi iniciado formalmente o ambulatório do NIAB, em uma parceria
do Setor de Saúde do Adolescente do Departamento de Pediatria, profissionais do
Departamento de Clínica Médica e do Setor de Psicologia do Hospital das Clínicas.
Os atendimentos são realizados em ambulatório no HC-UFMG (5º. andar do Hospital
Bias Fortes), contando também com o apoio desta instituição para propedêutica e
internações.
A motivação pessoal em desenvolver este estudo está relacionada ao desafio
de conduzir casos de Anorexia e Bulimia, devido às formas de apresentação clínica
muito variáveis, gravidade de alguns quadros, conflitos psíquicos intrigantes e
problemáticas familiares complexas. A clínica de assistência a pacientes com
Anorexia e Bulimia possibilita a integração das áreas de minha formação: pediatria,
psiquiatria e psicanálise, pois os acometimentos psíquicos e somáticos exigem uma
abordagem ampla e, ao mesmo tempo, singular desses pacientes.
No início de 2004, o trabalho como professora substituta do Departamento de
Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG facilitou a aproximação com o
NIAB e o início de minhas atividades no ambulatório. A participação efetiva, no
atendimento dos pacientes, como médica colaboradora, tornou possível a
investigação proposta.
14
3.3 Sujeitos da Pesquisa
Turato (2005) define, resumidamente, a amostragem, no método qualitativo,
como intencionada: busca proposital de indivíduos que vivenciam o problema em
foco e/ou têm conhecimento sobre ele.
O perfil da amostra é representado por poucos sujeitos, com características
de certa subpopulação. A preocupação com o ‘n’ (número de sujeitos da pesquisa) é
impertinente, pois o número de sujeitos será definido em campo. Não se pretende
uma amostra estatisticamente significativa, porque a proposta da análise é
descrever o alcance das respostas dadas.
O critério de inclusão/exclusão dos sujeitos está relacionado aos que detêm
os atributos que o investigador pretende conhecer. E quanto ao tamanho da
amostra: “em virtude de não ser muito grande, permite a profundidade e a análise
orientada para o caso, que é uma marca de todos os inquéritos qualitativos e que
resulta, por não ser muito pequena, numa nova e ricamente tecida compreensão da
experiência”. (TURATO, 2005)
“A amostragem proposital está para a pesquisa qualitativa como a
amostragem randômica está para a pesquisa quantitativa”, segundo Turato (2003) e
pode ser definida como “aquela de escolha deliberada de respondentes, sujeitos ou
ambientes, oposta à amostragem estatística, preocupada com a representatividade
de uma amostra em relação à população total”. O pesquisador escolhe quem são os
sujeitos que comporão seu estudo, segundo seus pressupostos de pesquisa.
Todas as pessoas que participam da pesquisa qualitativa são reconhecidas
como sujeitos (sujeito definido como: o “eu” enquanto ser pensante e atuante, na
posição de participante como objeto de quaisquer estudos sobre seres humanos)
que elaboram conhecimentos e produzem práticas adequadas para intervir nos
problemas que identificam. (TURATO, 2003)
Neste estudo, o modo de construção da amostra foi definido pela
“Amostragem por variedade de tipos”, descrita por Turato (2003) como: “os sujeitos
são incluídos e reunidos pelo critério da homogeneidade fundamental (pelo menos
uma determinada característica ou variável é comum a todos os sujeitos da
amostragem; a característica-chave que os une é o próprio tema do trabalho). A
amostra é fechada no número de tipos de informantes, segundo características
várias eleitas deliberadamente pelo pesquisador”.
15
Os sujeitos da pesquisa foram oito pacientes dos quais participei do
atendimento, juntamente com outros profissionais da equipe interdisciplinar do NIAB,
no período de 2005 a 2007, considerados “casos graves” de Anorexia e Bulimia.
A amostragem foi definida pela gravidade dos casos, que foram investigados,
com o objetivo de identificar indicativos clínicos, psiquiátricos e psicanalíticos que
possibilitassem evidenciar a estrutura psíquica e características de gravidade.
Usamos a definição de “casos graves” segundo Recalcati (2003): aqueles
quadros que põem em xeque o tratamento. O caso grave é, em outras palavras, o
caso que põe em jogo as condições de sua tratabilidade, desafiando a equipe e
exigindo grande esforço terapêutico, devido ao risco de vida geralmente presente.
3.4 Tratamento e Análise dos Dados
Partindo da situação singular de cada paciente, do estudo de caso a caso, a
construção do caso clínico possibilitou estudar, com referência teórica na literatura
psiquiátrica e psicanalítica, dados observados durante a evolução de cada caso.
Os instrumentos utilizados para a observação e o estudo aprofundado dos
casos clínicos incluíram as entrevistas e o acompanhamento psiquiátrico feito por
mim; a construção do caso clínico, confrontando dados obtidos pela minha
abordagem e observação, com os dados de observação dos outros profissionais do
NIAB que também acompanharam o caso; sessões clínicas para discussão do caso
na equipe do NIAB; e supervisão dos casos, numa interlocução com os psiquiatras e
psicanalistas, Francisco Paes Barreto e Celso Rennó Lima (supervisores das
sessões de casos clínicos do NIAB).
Os relatos dos casos neste trabalho são construções a partir de fragmentos
dos casos clínicos, com nomes e dados fictícios, impossibilitando a identificação dos
pacientes e mantendo o caráter confidencial das informações.
3.5 Sobre a Construção do Caso Clínico
O diagnóstico em psicanálise é menos uma classificação e mais um recorte
de fenômenos que, por este ato mesmo de recorte (nomeação), os inscreve numa
série que, a posteriori, revela uma estrutura.
16
À psicanálise interessa o desejo inconsciente e as relações do sujeito com
esse desejo. O trabalho analítico é, assim, a pesquisa clínica da posição do sujeito
face ao desejo inconsciente, e esta só se processa na e pela transferência.
Segundo Pamplona (2001), é no dito do sujeito e em como ele se localiza no
seu dizer que o psicanalista se orienta em relação ao diagnóstico e à construção do
tratamento: seja como sujeito suposto saber em cuja presença o neurótico vem
decifrar seus sintomas no desfilar da cadeia significante seja como testemunha,
lugar para o qual Lacan nos convoca diante do psicótico, que tenta a cifra impossível
em busca da estabilização no relato de seu delírio.
A construção do saber psicanalítico se faz num processo dialético entre a
clínica (o que é verificável no discurso) e a teorização, cuja finalidade é o retorno à
clínica e assim sucessivamente. (ZUCCHI, 2003)
A construção do caso clínico é um eixo importante do trabalho em equipe. É
um trabalho que tende a trazer à luz a relação do sujeito com o seu Outro e pode
levar a um ponto de orientação, um ponto que indique à equipe a direção do
tratamento. Direção essa, que se impõe a partir do saber que é extraído do paciente.
A construção permite uma margem de previsão, mas o efeito das intervenções
poderá ser avaliado depois das coisas realizadas.
O caso clínico é construído com os elementos teóricos que são avaliados e
com os elementos que foram extraídos da fala do paciente (enunciado e
enunciação). A lógica do caso aparece e o diagnóstico estrutural se impõe. A partir
disso torna-se possível fazer um prognóstico e propor uma orientação terapêutica
com base nos conceitos fundamentais da psicanálise. (QUINET, 2001a)
Construir o caso é preliminar à demanda do paciente. Em outros termos, é
colocar o paciente em trabalho, registrar seus movimentos, recolher as passagens
subjetivas que contam, para que o analista esteja pronto a escutar a sua palavra,
quando esta vier. A interpretação vai acontecer quando o sujeito começar a colocar
a sua pergunta para alguém. É importante registrar e não se apressar em interpretar,
pois assim esmagaríamos o sujeito com o nosso saber. uma escansão lógica do
tempo, do ver para compreender, onde o saber não precede a construção, mas
segue à construção. (VIGANÒ, 1999a)
A construção do caso clínico difere da supervisão, uma vez que o se tem
diante de si um analista expert, mas uma comunidade de saberes, de experiências e
17
de trabalho. Nestes termos, a construção do caso não exige um sujeito suposto
saber.
Segundo Zucchi (2003), apesar do caráter subjetivo, singular, poético mesmo,
apesar de sua natureza mais de desvio do que de regra, mais de recorte do que de
deposição de saber, a construção do caso (e seu relato) é o modo por excelência de
transmissão da clínica psicanalítica. Entre construção e relato, com seus efeitos de
depósito, é a operação da clínica que pode ser avaliada. Trabalhos dessa natureza
permitem uma maior transmissibilidade da psicanálise, não só entre os psicanalistas,
mas também entre outros interessados no uso da psicanálise.
3.6 O Processo de Validação Qualitativa Externa ou “Interpessoal”
Segundo Turato (2003), a validação externa é um processo envolvendo o
pesquisador em posse de achados da pesquisa e seus interlocutores acadêmicos,
de cuja interação/debate afetivo-intelectual provirão considerações favoráveis ou
adversas ao atributo de verdade destes achados.
Seguindo a orientação deste autor, as seguintes estratégias para
validação externa na construção dos casos foram envolvidas no processo: a
supervisão do orientador sobre as entrevistas realizadas e a montagem da análise
do conteúdo; a criação de uma rede de interlocutores (os casos clínicos foram
discutidos com a equipe do NIAB, possibilitando interlocuções ecléticas de achados
e observações, e também em sessões clínicas com a presença de um supervisor
psiquiatra e psicanalista); e a troca de idéias sobre resultados preliminares feitas
com audiência qualificada em eventos científicos (casos clínicos atendidos no NIAB
foram apresentados em reuniões do Núcleo de Investigação e Pesquisa em
Psicanálise e Medicina no Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de MG e a
produção teórica do NIAB teve divulgação em atividades acadêmicas e congressos).
18
4. REFERENCIAL TEÓRICO
4.1 A Psiquiatria Hoje
A revisão histórica da psiquiatria, neste capítulo, tem como objetivo tentar
compreender a lógica das classificações diagnósticas psiquiátricas atuais.
A prática médica se delimita a partir da nosografia, descrição das doenças e
das atribuições etiológicas de suas causas. A sistematização das doenças
acontece na idade moderna, com o advento da hegemonia da racionalidade, a partir
de Descartes, quando enorme desenvolvimento da ciência, em geral e da
medicina, em particular. (PIMENTA e FERREIRA, 2003)
A partir do século XIX, o paradigma anatomoclínico, correlacionando a clínica
com a anatomia patológica, forte impulso à medicina, com conseqüente
desenvolvimento de técnicas semiológicas e despontar de disciplinas biológicas
como a histologia, citologia, fisiologia e farmacologia.
Na medicina que precedeu o modelo anatomoclínico e que pode ser chamada
de pré-científica, o sintoma era a própria expressão da doença e em conseqüência,
ordenava a construção dos quadros nosológicos.
Com os avanços que a medicina vai incorporando, ao fim do século XIX, a
maneira de compreender a doença e produzir o conhecimento médico ultrapassava
o conhecimento anatomoclínico, chegando às alterações funcionais e bioquímicas.
Instituía-se o paradigma biológico na maneira de investigar e produzir
conhecimento na medicina.
Paralelamente, mas de forma diversa, os quadros psiquiátricos seguiram um
caminho próprio. (PIMENTA e FERREIRA, 2003)
Segundo Pessoti (1996), em O Século dos Manicômios, ao longo dos últimos
séculos, a história da loucura se faz de enfrentamentos entre as concepções
organicistas e mentalistas, maneiras diversas de conceber a alienação e, portanto,
tratá-la. Ao se lançar um olhar retrospectivo sobre a maneira como o mal-estar
humano tem sido tratado, é interessante observar os repetidos movimentos de
oscilação entre a ênfase no indivíduo, e a ênfase na sistematização de orientação
biológica.
Nos séculos XVII e XVIII predominavam doutrinas estritamente organicistas
sobre a loucura e, portanto não existia uma distinção muito clara entre o doente
19
mental e a vítima de uma doença convencional. O alienado, sujeito destituído de um
saber sobre o que lhe acontece, é identificado ao sujeito incurável e relegado aos
lugares mais inóspitos dos hospitais.
A psiquiatria teve um grande fundador: Philippe Pinel (1745-1826), um dos
grandes teóricos da história da medicina e o principal artífice das bases
epistemológicas da clínica: o método clínico. (BARRETO, 2005)
O método clínico desenvolvido por Pinel privilegia o olhar – a observação, que
visa os signos e que produziu uma linguagem semiótica.
Pinel dava ênfase aos contatos humanos do louco: a presença do médico, o
maior tempo possível entre os doentes, teria efeitos terapêuticos. O seu Tratado
Médico-fisiológico da Alienação Mental (1801) tornou-se a obra inaugural da
psiquiatria. Com Pinel, nasce a psiquiatria, que se constitui em um método de
investigação dos fenômenos psicopatológicos.
Apenas no culo XIX, em contrapartida a teoria de Pinel, que enxerga as
causas da loucura em distúrbios ou excessos das paixões, que acabam por provocar
lesões no intelecto e na vontade, consolida-se a prática de criar espaços exclusivos
para o tratamento da patologia mental. O manicômio deverá então corrigir as
paixões do alienado.
Pinel, influenciado pelas idéias humanistas da Revolução Francesa, ao
assumir a Bicêtre (1793) e a Salpetrière (1795), liberou os loucos de suas amarras e
aplicou o método clínico ao estudo das alienações mentais.
Da repressão às alienações mentais nas casas de internação, passou-se ao
poder médico, ao tratamento moral. Para alguns, ao definir o estatuto da loucura
simultaneamente como doença e erro (no sentido moral), Pinel teria fechado o cerco
em torno do louco com um rígido discurso dico e moralista. Prova disso são suas
hipóteses célebres: a loucura como discurso funcional do Sistema Nervoso Central,
as causas morais e o tratamento moral. (BARRETO, 2005)
O primeiro momento, em que vigorava o método clínico, com a nosologia
eminentemente sindrômica (pinel-esquiroliana), hipótese funcionalista e tratamento
moral, foi substituído pelo método anatomoclínico, desenvolvido por Bayle (1700-
1858) com a demonstração de correlação entre o quadro clínico e os achados
anatomopatológicos da paralisia cerebral. Apesar do entusiasmo inicial gerado pela
descoberta de Bayle, o método anatomoclínico não constituiu para a psiquiatria o
mesmo papel que desempenhou para a clínica médica. Os psiquiatras passaram a
20
sonhar com o dia em que a psiquiatria, tal como a medicina, estaria amplamente
assentada no método anatomoclínico.
A maioria dos psiquiatras da segunda metade do século XIX passou a
procurar uma causa orgânica para as doenças psíquicas e tentar esclarecer
relações histológicas objetivas entre elas. Apesar de o projeto inicial ter sido de uma
medicina mental e por mais que esse objetivo tenha sido ardorosamente perseguido,
os psiquiatras souberam que o estatuto da psiquiatria o era o mesmo da clínica.
Enquanto a clínica médica enraizou cada vez mais seus fundamentos no substrato
biológico, a clínica psiquiátrica, diante dessa frustração gerada pela natureza dos
fenômenos psicopatológicos, sempre precisou contar com a semiologia mental.
A psiquiatria clássica descreve exaustivamente os quadros clínicos
classificados e sistematizados, que vão constituir sua psicopatologia. Para os
autores, de Griesinger a Kraepelin, pela escola alemã e de Pinel a Clérambault pela
escola francesa, o sintoma mental era, de forma esquemática, um epifenômeno do
cérebro: as doenças mentais eram verdadeiramente doenças do cérebro. Segundo
Barreto (2005): “E, sobretudo, passaram a sonhar com o dia que a psiquiatria, tal
como a medicina, estaria amplamente assentada no método anatomoclínico”.
Porém, no final do século XIX, toda a tentativa violenta da terapêutica
corretiva, construída para enfrentar a loucura, demonstra sua impotência. Apesar do
modelo cientificista da medicina sempre resistir em aceitar que seu discurso não
desse conta inteiramente do sofrimento humano, a ciência médica mostra-se
incapaz de provar suas crenças organicistas e cede lugar para concepções
“mentalistas”.
O que se com Freud (1856-1939) é um corte epistemológico: o sintoma
pode ser lido não como uma secreção do cérebro, mas como formação do
inconsciente, como algo que remonta à estrutura da linguagem. (BARRETO, 2005)
A clínica psicanalítica fundada por Freud é herdeira da psiquiatria clássica, na
medida em que essa tenta articular a observação do paciente psiquiátrico com o seu
discurso, com o objetivo de encontrar um sentido e uma causa para o sofrimento.
No século XX, as grandes escolas se dividiam em dinâmicas, influenciadas
pelas contribuições de Freud e as fenomenológicas, que se inspiravam no legado de
Jaspers. Karl Jaspers (1883-1969) foi aluno de Kraepelin. Sua Psicopatologia Geral
(1913) é um marco muito importante.
21
Kraepelin (1856-1925), com seu rigor crítico e metodológico, redefiniu o
campo de trabalho da psiquiatria. Agrupou traços rbidos da conduta humana em
síndromes identificáveis e estava convencido que as alterações originadas no
cérebro e que o progresso da ciência permitiria o estabelecimento de uma
correspondência precisa entre as duas. Suas descrições clínicas buscavam uma
soma de alterações específicas e o sentido formal do comportamento patológico: o
objetivo era reunir um conjunto de anomalias e deficiências, onde cada conjunto era
estatisticamente característico de determinada doença. Kraepelin é o grande
sistematizador da psiquiatria e são dele os alicerces das classificações até hoje
utilizados.
Até os anos 1950/60, a psicanálise foi o ponto de referência fundamental da
psiquiatria. As grandes reformas psiquiátricas, tentativas de humanizar e transformar
a psiquiatria numa prática centrada no social, tiveram a psicanálise como
fundamento. (BIRMAN, 2001)
A descoberta da Clorpromazina em 1950, deu à psiquiatria a oportunidade de
ingressar na era científica. A psicofarmacologia oferece à psiquiatria tanto um
fundamento biológico quanto um instrumento terapêutico dotado de alguma eficácia
operatória.
A psiquiatria, mais uma vez, no afã de se cientificizar, se propõe como
biológica, desconhecendo a dimensão psíquica como específica de seu campo de
abrangência e como impossível de ser abordada totalmente por esta concepção de
ciência. (PIMENTA e FERREIRA, 2003)
Iniciada no campo das psicoses, a ofensiva teórica e clínica se estendeu com
a descoberta dos ansiolíticos e antidepressivos. Com isso, a psicofarmacologia se
tornou o suporte da prática psiquiátrica, conferindo-lhe uma identidade teórica e
epistemológica bastante afastada da psicanálise. Pela mediação do psicofármaco, a
nosologia psiquiátrica vigente se constituiu: uma psicopatologia centrada em seus
medicamentos. (BIRMAN, 2001)
Ainda, segundo Birman (2001):
Na construção realizada a partir dos psicofármacos, pode-se constatar com
certa facilidade que o ser da enfermidade é concebido numa perspectiva
marcadamente funcional, tornando-se secundária toda e qualquer visão
histórica sobre ele. Se o medicamento pretende regular um mero transtorno,
não por que se preocupar com qualquer construção temporal e histórica
sobre o ser da doença. Em outras palavras, o transtorno decorrente da
enfermidade é uma simples disfunção a ser regulada pelo psicofármaco.
22
A psiquiatria atual está determinada pela perspectiva universalizadora do
discurso científico, observado nas classificações internacionais de transtornos
mentais e de comportamento: Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e o
Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM-IV). A psiquiatria sempre com dificuldade
para estabelecer um sólido estatuto científico, tenta, com a Psiquiatria Biológica,
fundar este estatuto na descoberta dos neurotransmissores.
“Baseada no discurso das neurociências, a psiquiatria acredita ter finalmente
encontrado as bases irrefutáveis de sua cientificidade e alcançado, de fato e de
direito, suas antigas pretensões de ser uma modalidade da medicina”. (BIRMAN,
2001)
Segundo Birman (2001), a moderna psiquiatria biológica eliminou
completamente a presença da experiência subjetiva do doente no aparecimento da
enfermidade. Para a psiquiatria biológica, o sujeito é mero suporte de algo bem mais
vasto que lhe acontece e que dele se apossa, advindo de uma disfunção produzida
em seu organismo. A história da existência do sujeito nas suas complexas relações
com o espaço social em que ele se inscreve deixa de ter qualquer relevância para a
leitura do que ocorre em profundidade do organismo, em particular, no
funcionamento do sistema nervoso, sempre considerado a partir dos desequilíbrios
neuro-hormonais. As queixas do doente servem apenas para a realização de uma
estrita operação diagnóstica, com o objetivo imediato de definir o medicamento mais
adequado para a perturbação em questão, isto é, para a regulação funcional.
O DSM-IV e a CID-10 acabam sendo decorrência da posição atual da
psiquiatria que aspira obter um status de respeitabilidade científica sem uma
sustentação conceitual que justifique suas práticas pragmáticas. Muitas das
imprecisões e obscuridades existentes desde a época de Kraepelin acabam se
repetindo, e o resultado é dificultar ainda mais que a psiquiatria aceda a um nível de
conceituação em que o saber possa interrogar seus próprios fundamentos.
Alvarenga (1997) comenta que o próprio Kraepelin acaba reconhecendo em
seu trabalho final que o é possível transladar satisfatoriamente o modelo médico
de enfermidade à patologia psiquiátrica e que “a chave para decifrar este labirinto
nos é dada pela história de cada enfermo”.
As classificações atuais não conseguem ir além de Kraepelin, de uma
listagem de comportamentos à espera, não de alterações da estrutura cerebral
23
que não foram encontradas pela ciência médica, mas de alterações bioquímicas que
possam explicar cada um desses comportamentos. (ALVARENGA, 1997)
Na década do cérebro nos Estados Unidos (anos 90) a tendência e a
esperança eram de que os tratamentos biológicos pudessem resolver todos os
problemas clínicos de maneira rápida e econômica. As mudanças foram ditadas
pelos governos, pela indústria farmacêutica e pelos planos de saúde, sempre em
busca de cortar custos ou aumentar lucros.
Os conhecimentos conquistados anteriormente relacionados às abordagens
subjetivas foram esquecidos. A clínica psiquiátrica ganhou muito com as
descobertas fundamentais da psicanálise: escuta do paciente, associação de idéias,
interpretação…
Freud, em sua Conferência I Introdução (1916), diz que a medicina se
interessa pouco pela vida psíquica: “A psiquiatria como parte da medicina, se
empenha em descrever os distúrbios mentais que observa e em agrupá-los em
entidades clínicas. (...) A psicanálise vem, então, preencher essa lacuna, dar à
psiquiatria a base psicológica de que esta carece.”.
É impensável uma prática psiquiátrica sem inconsciente, sem levarmos em
conta a relação médico-paciente, os contextos histórico e social, o contexto familiar,
as questões transferenciais, a relação do paciente com sua doença.
Segundo Pereira (2001): “A psicanálise, herdeira da mais radical clinicidade
da prática médica, condiciona sua capacidade de tratar à condição de levar às
últimas conseqüências a máxima clínica “cada caso é um caso”, conduzindo o
paciente ao encontro com aquilo que o singulariza e o torna irredutível a uma
categoria geral.”
A perda das dimensões da história e do tempo no ser da enfermidade tem
como contrapartidas necessárias o silenciamento da linguagem do enfermo e o
conseqüente apagamento neste de qualquer saber sobre ela. Apenas o psiquiatra
sabe o que se passa com o doente, que desconhece o que ocorre consigo mesmo.
(BIRMAN, 2001)
Ao se substituir os tipos clínicos próprios da psiquiatria clássica (neurose,
psicose) por transtornos, os manuais de diagnóstico estão mais preocupados em se
constituir uma língua comum entre os psiquiatras do que numa clínica em cada caso
seja efetivamente um caso e onde os fenômenos sejam considerados formações de
compromisso entre as diversas instâncias do aparelho psíquico. Os manuais,
24
pretendendo ser um instrumento do máximo da descrição, tornam-se ateóricos,
criam entrecruzamento de quadros clínicos e favorecem a multiplicidade de
diagnósticos (comorbidades).
Pereira (2001) esclarece:
A associação de dois ou mais grupos sindrômicos em uma mesma
constelação clínica é denominada, no jargão da psiquiatria contemporânea,
‘comorbidade’: diante de certos sintomas mais possibilidades de
encontrar a ocorrência simultânea de uma outra síndrome ou transtorno. De
certa maneira, a comorbidade decorre da forma empírica e pragmática pela
quais as classificações psiquiátricas atuais recortam os fatos clínicos. Essas
classificações buscam, idealmente, constituir grupos sindrômicos,
estipulados segundo critérios objetivos e inequívocos, construídos tão-
somente a partir do plano empírico imediato. Elas não recorrem a teorias
psicopatológicas não diretamente verificáveis e têm dificuldade para explicar
manifestações clínicas complexas e com nuanças sintomatológicas.
Para Miranda-Sá Jr. (2001), o conceito de comorbidade não deveria ter
sentido no diagnóstico analítico-descritivo. Segundo ele, esta noção originou-se da
necessidade de fugir de nexos explicativos entre as manifestações clínicas e seus
mecanismos etiológicos.
Alvarenga (1997) aponta que a prática psiquiátrica, hoje, fica reduzida ao
tratamento do sujeito com “transtornos mentais” e as classificações atuais refletem a
tendência ao empobrecimento da clínica psiquiátrica, a favor de um tecnicismo
quantitativo apoiado em uma ética utilitarista. A maior parte dos quadros
relacionados foi elaborada através da constituição de grupos de sintomas cujo
elemento de ligação é a freqüência com que ocorrem, fazendo com que a
importância de cada sintoma seja função de um elemento estatístico e não leva em
conta o sujeito ou o sentido de seu comportamento. Elimina-se praticamente a
experiência e o juízo clínico, substituídos por manuais e protocolos de conduta.
Trata-se de síndromes clínicas e não de pacientes portadores de sintomas. A
perspectiva adotada não se preocupa, portanto em entender. Um método que levaria
a uma compreensão dos fenômenos psicopatológicos, consiste em evidenciar a
partir do discurso do paciente, uma causalidade, não necessariamente orgânica,
mas necessariamente psíquica.
Como observa Quinet (2006), uma prática diagnóstica baseada no consenso
estatístico de termos relativos a transtornos, que, por conseguinte, devem ser
eliminados com medicamentos, é abandonar a clínica feita propriamente de sinais e
sintomas que remetem a uma estrutura clínica, que é a estrutura do próprio sujeito.
Situando o problema no âmbito da ética médica, podemos nos perguntar se não
25
estaria havendo uma inversão do procedimento psiquiátrico: os medicamentos
determinando os diagnósticos.
Hoje, nas pesquisas psiquiátricas tornou-se exigência metodológica a
quantificação mediante validação estatística. Nos ensaios clínicos, para essa
quantificação, emprega-se escalas de avaliação, randomização, duplo-cego, grupos
de controle. No dia-a-dia da clínica, começam a se impor os protocolos terapêuticos.
(BARRETO, 2005)
O progresso das neurociências e das técnicas de neuroimagem, a evolução
genética e o surgimento de novos psicofármacos contemplam a evolução da visão
biologista da psiquiatria, que se caracteriza pela produção de conceitos empíricos
universais, pela validação estatística, pela adaptação social e pelo projeto
terapêutico.
A medicina com base científica só se tornou possível depois que o normal e o
patológico foram formulados em termos biológicos, ou seja, em termos anatômicos
e, principalmente, fisiológicos (Normatividade Biológica). Diferentemente da
medicina, na psiquiatria, o normal e o patológico não se fundam em termos
biológicos. (BARRETO, 2005)
Pela própria definição de transtorno no CID-10 (OMS,1993) fica claro que a
psiquiatria define o que é transtorno com base na norma social: “termo usado para
indicar a existência de um conjunto de sintomas ou comportamento clinicamente
reconhecível associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com
funções pessoais. Desvio ou conflito social sozinho, sem disfunção pessoal, não
deve ser incluído em transtorno mental, como aqui definido”.
Segundo Pimenta e Ferreira (2003): “Não podendo lançar mão da correlação
anátomo-patológica, muito menos ser auxiliados pelos exames e aparelhos, os
psiquiatras se vêem na condição da medicina pré-científica”.
O trabalho clínico psiquiátrico o pode ser reduzido a uma ciência, a uma
disciplina; é um campo transdisciplinar por excelência. O modelo médico é precário
e insuficiente quando se trata de desvendar os aspectos cruciais das doenças
mentais ou dos transtornos mentais e de comportamento. Psiquiatria é o campo em
que se estuda a consciência alterada, tendo em vista uma pré-condição que é o
cérebro e um mais além que é o inconsciente. (BARRETO, 2005)
Ainda, segundo Barreto (2005), a influência prejudicial da indústria
farmacêutica no ensino, nas pesquisas e na clínica psiquiátrica tem sido denunciada
26
por muitos autores. A medicalização da psiquiatria traz uma padronização massiva e
uma abordagem simplificadora. A clínica se reduz a uma clínica da medicalização e
os tratamentos evoluem para o molde. A suposição de saber passa para a indústria
farmacêutica. A medicalização da psiquiatria visa à adaptação social, com a abolição
do sintoma. “O sintoma é precisamente o que faz com que cada um não consiga
fazer absolutamente o que está prescrito pelo discurso de seu tempo”. Além de
alívio e reabilitação funcional da pessoa, a abolição do sintoma está a serviço da
restituição da normalidade, da conformidade e da adaptação social.
As críticas e questionamentos não são contra as hipóteses biológicas, sempre
em vias de trazer novos esclarecimentos ao funcionamento do cérebro humano, mas
contra abordar o louco como um simples terreno de distúrbios bioquímicos e
conseqüentemente como simples objeto de intervenção médica, sem que nenhuma
responsabilidade seja imputada ao sujeito (ALVARENGA, 1997).
O tratamento psicanalítico, em oposição ao determinismo biológico da
psiquiatria, refere-se ao conceito de acontecer singular e peculiar, como nos mostra
Barreto (2005). O diagnóstico em psicanálise interpreta a posição do sujeito,
marcada por radical singularidade: cada história é diferente da outra. Não há
validação estatística possível: prevalece a construção do caso clínico, em que a
validação é realizada pela estrutura lógica do caso.
Segundo Scarioli (1997), o objetivo habitual do tratamento médico-psiquiátrico
é fazer desaparecer os sintomas. O objetivo do tratamento psicanalítico não se
refere a um desaparecimento sintomático. A remissão do sintoma não é o objetivo
prioritário; mesmo porque, a rigor, o sintoma nunca é suprimido, mas substituído. O
que se busca, em primeiro lugar, é a emergência de um sujeito e a mutação
subjetiva, ou a modificação da relação do sujeito com seu desejo e seu gozo. Isso
implica e responsabiliza o sujeito naquilo que fala e faz. Conduz-se não à adaptação
social, mas à autenticidade do sujeito. Não protocolo terapêutico: não existem
dois tratamentos iguais.
Restituir a função diagnóstica no tratamento psiquiátrico a partir da clínica
psicanalítica é restituir a clínica do caso e retificar o processo em que se avalia, se
diagnostica, se trata. E assim retornar a uma nosografia baseada nos sintomas e
suas relações com as estruturas clínicas. (QUINET, 2006)
27
4.2 A Psicanálise e o Diagnóstico Estrutural
Freud dizia que a psiquiatria não se opõe à psicanálise e longe de se
excluírem, completavam-se. A relação por ele proposta é tal que a psicanálise está
para a psiquiatria, como a histologia está para a anatomia: “uma estuda as formas
externas dos órgãos, a outra sua estruturação em tecidos e células”. (FREUD, 1917)
Em outros termos, a estrutura é aprendida pela psicanálise e os fenômenos pela
psiquiatria.
Freud afirma que os médicos são adversários da psicanálise porque não
prestam suficiente atenção no que lhes dizem seus pacientes, e os conclama a ouvir
esse dizer, na esperança de com isso diminuir a resistência à psicanálise. (FREUD,
1916)
Freud construiu as entidades clínicas da psicanálise com base na nosologia
psiquiátrica clássica, o que foi continuado pelas diversas correntes de psicanálise,
inclusive por Jacques Lacan. Enquanto os critérios diagnósticos têm variado na
psiquiatria contemporânea, a psicanálise vem lidando com as mesmas referências
diagnósticas empregadas por Freud: neurose, psicose e perversão, ou seja,
conforme a maneira como o sujeito lida com a falta inscrita na subjetividade. O
“invólucro formal do sintoma varia segundo a época, acompanhando o
desenvolvimento da ciência.
A introdução do inconsciente freudiano proporciona uma nova inteligibilidade
do campo clínico, a partir de uma nova forma de causalidade psíquica,
metapsicológica. A psicanálise oferece um método, e um novo campo conceitual
capaz de abordar a clínica em geral e a psicose em particular de modo original e
efetivo. Construiu um tipo de saber único acerca do funcionamento da mente.
(SCARIOLI, 1997)
Freud mostrou que as leis do inconsciente estão presentes em todos os
sujeitos: neuróticos, psicóticos e perversos. O sintoma é concebido como formação
do inconsciente e as vias de sua formação foram elucidadas por Freud. O sintoma
não é mais índice de uma lesão, epifenômeno, ocorrido como produto de um
distúrbio cerebral, mas o sintoma passa a ter um sentido na medida em que se
relaciona com a história do indivíduo; sentido relacionado com a subjetividade de
quem o produz.
28
A formalização lacaniana estabelece um esforço diagnóstico além da
classificação fenomenal de uma sintomatologia. Propõe a relação com o Outro,
Outro da linguagem, como o índice da estrutura clínica. Trata-se da um
deslocamento da questão das formas do sintoma às modalidades da posição do
sujeito. (ALVARENGA, 1997)
Sujeito aqui entendido como um ser submetido às leis da linguagem que o
constitui e que manifesta de forma privilegiada nas manifestações do inconsciente. É
o sujeito do desejo, diferente do indivíduo biológico e do sujeito da compreensão.
Lacan introduziu o Outro com letra maiúscula para distingui-lo do outro que é o
semelhante, o parceiro imaginário. O Outro é da ordem da linguagem, o que é
anterior e exterior ao sujeito e que de alguma forma o determina.
A psicanálise se interessa, para além dos diagnósticos sindrômicos e
descritivos, pelo diagnóstico estrutural. É a partir dele que se pode falar numa clínica
do sujeito, pois o sujeito se posiciona na estrutura.
Para entender a utilização, em psicanálise, do termo estrutura, deve-se
entender as suas origens. Etimologicamente, estrutura vem do latim structura,
derivado do verbo struere, construir. A estrutura designa, no sentido original e
arquitetônico do termo, a maneira como um edifício está construído.
A partir do século XIX, a postura estrutural se apossa do campo das ciências
humanas e no início do século XX, deu origem ao chamado estruturalismo.
Ferdinand de Saussure, lingüista suíço, demonstrou que a língua tem caráter de
sistema, onde o importante são as relações internas entre os termos. Jakobson foi o
primeiro a empregar os termos estrutura e estruturalismo.
Nos anos 50, Lévi-Strauss transpõe o todo estrutural para a antropologia,
que consiste na investigação de invariantes para além da multidão de variedades
identificadas e no afastamento de qualquer recurso à consciência do sujeito falante.
Assim, vários efeitos de sentido podem ser produzidos por determinadas estruturas,
sem qualquer intervenção consciente do sujeito. O existencialismo e a
fenomenologia seriam os alvos de crítica do antropólogo, pois para eles, o sujeito
consciente, livre, produz e confere todo o sentido.
Lacan apropriou-se dos instrumentos conceituais de Saussure, Jakobson e
Lévy-Strauss, para formular que o campo psicanalítico é fundado na fala e na
linguagem. Mas ao importar o conceito de estrutura para a psicanálise, Lacan nela
inclui o sujeito. (ALVARENGA, 1995)
29
Quinet (1997) esclarece que para Saussure, o signo lingüístico decompõe-se
em significado (o conceito) e em significante (a imagem acústica de uma palavra):
s/S. Lacan inverte essa relação significado/significante, passando o significante a
anteceder o significado. O sujeito é representado por um significante para outro
significante, sendo a análise uma experiência de significação; trata-se para o sujeito
de atribuir significados aos significantes que marcaram sua história.
Lacan formula que o inconsciente é estruturado como linguagem, e o sujeito
do qual ele fala é efeito da linguagem, efeito dos significantes articulados em cadeia.
Na psicanálise, trata-se de encontrar a posição do sujeito na estrutura, pois ela é o
que coloca em cena uma experiência para o sujeito que ela inclui. Desta forma, o
estruturalismo psicanalítico implica a subjetividade.
Estruturas clínicas são as posições do sujeito diante do Outro. Se o
inconsciente é o discurso do Outro, a posição do sujeito pode ser definida a partir
de como ele se situa em relação a este discurso. Isso teconseqüências em suas
relações consigo mesmo, com os outros e com o mundo. (SCARIOLI, 1997)
A estrutura de linguagem do inconsciente é que possibilita a psicanálise
operar por meio da fala, através de uma ética relativa à implicação do sujeito, pelo
dizer, no gozo que seu sintoma denuncia. É princípio ético da psicanálise privilegiar
a fala, fazer surgir o sujeito no paciente, excluindo a possibilidade do sujeito ser
apenas falado pelo Outro.
Diferentemente do modelo médico que utiliza os métodos cognitivos
comportamentais e farmacológico, sem considerar o sujeito do inconsciente e
fazendo do paciente um objeto de cuidados, a psicanálise não dita condutas, regras,
modos de agir válidos para todos, mas faz surgir o sujeito que fica tamponado por
detrás do sintoma. Baseado na psicanálise, o psiquiatra agirá diferentemente diante
do sintoma apresentado pelo paciente, evitando o furor sanandi de querer atacar o
sintoma. Pois onde há o sintoma, está o sujeito. Abordar o sintoma como uma
manifestação subjetiva significa fazer emergir um sujeito, qualquer que seja sua
estrutura clínica. (QUINET, 2006)
O diagnóstico estrutural pode ser buscado no registro simbólico, onde são
articuladas as questões fundamentais do sujeito (sexo, morte, paternidade,
procriação, desejo) quando da travessia do complexo de Édipo. A inscrição do
Nome-do-pai no Outro da linguagem tem por efeito a produção da significação fálica,
permitindo ao sujeito inscrever-se na partilha dos sexos.
30
As três estruturas clínicas correspondem aos três modos de negação do
Édipo (negação da castração do Outro): recalque na neurose; desmentido na
perversão e a foraclusão na psicose. Cada modo de negação corresponde a um tipo
de retorno do que é negado. No recalque, o que é negado no simbólico retorna no
simbólico sob a forma de sintoma: o retorno do recalcado. No desmentido, o que é
negado no simbólico retorna no simbólico, pelo fetichismo do perverso. Na psicose,
o que é negado no simbólico retorna no real sob a forma de automatismo mental
(alucinações e delírios).
Na clínica estrutural, trata-se de investigar a relação estrutural do sujeito e
suas estratégias para lidar com o desejo e o gozo do Outro, a forma de inserção do
sujeito no discurso, sua relação com a autoridade, com o saber, com o outro do laço
social, com os objetos pulsionais excluídos da civilização e sua posição com respeito
ao gozo. (QUINET, 2001c)
O diagnóstico estrutural é a condição preliminar da prática clínica eticamente
conduzida. Do diagnóstico diferencial, sobretudo entre a neurose e a psicose, é que
podemos partir em direção ao tratamento.
Segundo Scarioli (1997), as conseqüências do diagnóstico estrutural para o
psiquiatra são de implicá-lo no diagnóstico. O psiquiatra sabe que a linguagem e
conseqüentemente a fala, tem efeitos sobre o sujeito, por isso, levará em conta a
posição de cada sujeito na estrutura e ficará atento às suas intervenções.
O desejo que levou Lacan, médico, psiquiatra, à Psicanálise é encontrar nos
fenômenos de sentido a lógica que comanda esse sentido, a lógica que lhes é
estrutural. A causa do sentido é a estrutura. onde não é mais possível
compreender, encontra-se a estrutura. O desejo do analista é um desejo de saber e
não de compreender. Se compreende, não precisa fazer falar. O desejo de saber de
Freud e Lacan é o desejo de saber fazer o Outro falar o mais possível. É preciso,
pois distinguir dois tipos de psiquiatria. A que faz falar e a que faz calar o paciente.
Fazê-lo calar é tratar o problema em termos de déficit e fazer uma clínica normativa.
Fazê-lo falar é tratar seus sintomas como uma produção. É a partir de sua fala, que
poderemos fazer o diagnóstico estrutural onde a clínica do sujeito é a clínica da
diferença e da singularidade. (ALVARENGA, 1995)
A clínica psicanalítica é uma clínica de perguntas. É no dito do sujeito e em
como ele se localiza em seu dizer que o psicanalista se orienta em relação ao seu
diagnóstico e à condução do tratamento: seja como suposto saber – frente ao
31
neurótico, que vai decifrar seus sintomas seja como testemunha, lugar para o qual
Lacan nos convoca diante do psicótico, que tenta a cifra impossível em busca da
estabilização no relato do seu delírio. Para Alvarenga (2005), o diagnóstico estrutural
é indispensável para operamos na clínica, que a estrutura diz respeito à relação
do sujeito com o Outro.
32
4.3 O Sintoma Psíquico na Psiquiatria e na Psicanálise
O estatuto do sintoma na psiquiatria e na psicanálise confere a um e outro
campo particularidades e diferenças. Diferenças tanto na maneira de abordar a
clínica, como de teorizá-la, como nas conseqüências práticas no manejo clínico.
Freud frequentemente comparava a Psicanálise à Medicina, no sentido de
apontar as diferenças, principalmente em relação aos conceitos de cura e de
sintoma nos dois registros. Em medicina, o sintoma, como diz Foucault, é um
significante atrelado à doença. Seu significado e sua causa são alheios ao sujeito. O
sintoma deve ser extirpado e o sujeito não tem responsabilidade sobre ele. A
definição de sintoma em Psiquiatria é tomada deste modelo médico. (PAOLIELLO,
1997)
Para a psiquiatria, o sintoma é apenas uma manifestação patológica. Ele é
constituído pelo psiquiatra, que o observa, descreve, classifica e por fim lhe o
nome. A psiquiatria clássica combinava os sintomas de maneira que formassem
quadros clínicos, pois diante do fracasso do método clínico (Pinel) e do método
anatomo-clínico (Bayle) gerado pela natureza dos fenômenos psicopatológicos,
precisava contar com a semiologia mental. O método descritivo nasceu da
fenomenologia de Husserl, que entendia a filosofia como uma ciência do homem, ou
seja, da percepção pelo homem daquilo que podia ver: o fenômeno. As funções
psíquicas, seus distúrbios e suas classificações eram apresentados como
descrições fenomenológicas; as manifestações patológicas classificadas e
agrupadas em quadros nosológicos, nos quais adquiriam sentido e especificidade.
Na relação com o todo, portanto, cada sintoma ganhava sentido. A teoria evolutiva,
representada pelo organodinamismo de Henri Ey, levava em conta ainda, nessa
classificação, a evolução da doença. (MONTEZUMA, 2001)
Em Jaspers, os “complexos sintomáticos” são uma sofisticada maneira de
pensar a incidência de determinados sintomas em alguns quadros clínicos e certas
correlações causais. Para Jaspers, complexos sintomáticos seriam aqueles sintomas
que aparecem simultaneamente com maior freqüência. Trata-se de uma tentativa de
reconhecer o que de comum e o que origem a certos sintomas. Jaspers
considera que na análise dos sintomas seria importante diferenciar aqueles que
brotam diretamente e imediatamente do processo mórbido (sintomas primários),
daqueles que surgem de uma resposta da personalidade do doente à patologia,
33
resultantes da alteração psíquica geral (sintomas secundários). Essa formulação
teórica isola, classifica cada tipo de sintoma, sem se preocupar com a configuração
singular do sintoma. É sobre o universal e não sobre o singular que ela se constrói.
(SCARIOLI, 1997)
Ainda segundo Scarioli (1997), mesmo em construções elaboradas como as
de Jaspers, o sintoma psiquiátrico não deixa de ser considerado como efeito de uma
causa estranha à textura de sua manifestação. uma extraterritorialidade de
etiologia frente ao sintoma, uma causalidade orgânica alheia à produção da
subjetividade.
O modelo de Jaspers no campo da patologia mental é seguidor do paradigma
médico, que pensa o sintoma como desregulação biológica, indicadora de uma
disfunção ao nível do corpo.
Montezuma (2001) aponta que após o advento do CID-10, o sintoma passou
a ser tomado como transtorno independente, associado ou não a outros transtornos
e cada um deles correspondendo diretamente a uma medicação. São cada vez mais
freqüentes os questionários de sala de espera, em que os próprios pacientes
redigem sua anamnese catalogando seus sintomas à medida que respondem a
perguntas objetivas.
Em psicanálise, o sintoma passa a ter sentido na medida em que se relaciona
com a história do indivíduo. Sentido relacionado com a subjetividade de quem o
produz. O que distingue a clínica psicanalítica, da psiquiátrica é a escuta daquilo
que o sujeito faz de seu sintoma, de como o insere em sua história e em seu
discurso.
A contribuição que a psicanálise oferece à medicina tem como fundamento a
crença de que a relação do sujeito com a linguagem afeta o corpo, ou seja, o corpo
marcado pela linguagem não corresponde ao corpo da anatomia-patológica.
No Seminário 1, Lacan (1953-54) diz:
Somos, pois, levados pela descoberta Freudiana a escutar no discurso essa
palavra que se manifesta através, ou mesmo apesar do sujeito. Essa
palavra, ele diz para nós não apenas pelo verbo, mas por todas as suas
outras manifestações. Pelo corpo mesmo, o sujeito emite uma palavra que
ele nem mesmo sabe que emite como significante. É que ele diz sempre
mais do que quer dizer, sempre mais do que sabe dizer.
O sintoma, para a psicanálise, não fica subordinado à fenomenologia clínica e
tem o caráter de enigma. O sintoma serve de ponto de partida para colocar o
paciente para produzir algo de novo. O paciente pode querer saber da sua angústia,
34
da sua dor. A partir do sofrimento, o sujeito poderá produzir uma saída. A escuta
psicanalítica e a construção do caso clínico permitem a procura de sentido dos
sintomas apresentados pelos pacientes, ou um trabalho a partir do gozo do sintoma.
O sintoma médico não é um sintoma analítico, pois para que este surja é preciso
que o sujeito se implique com o sintoma e se enderece a um suposto saber na
procura de uma saída.
É a partir da escuta que se pode desvelar a subjetividade relacionada aos
fenômenos clínicos, tornando-se assim possível a decifração do sintoma em sua
significação inconsciente. Inconsciente aqui entendido como um saber que não se
sabe.
Cabe lembrar o legado freudiano: a proposição de que a psicanálise trata
fenômenos que se furtam à compreensão, ou mesmo apreensão, por qualquer outro
saber, ou seja, o se conhece seu objeto de investigação, sendo necessário que a
pesquisa se efetue em um outro registro, da ordem de uma experiência original, e
em decorrência de uma relação singular chamada por Freud de transferência. A
direção do tratamento tem lugar de modo singular.
Segundo Quinet (2001b), a psiquiatria, porém, não precisa necessariamente
excluir os ensinamentos da psicanálise, e sim incorporá-los, uma vez que enquanto
aquela descreve os fenômenos, esta razão de sua estrutura sejam eles
neuróticos ou psicóticos e explica as manifestações transferenciais que ocorrem
no contato com o psiquiatra.
Nas palavras de Roudinesco (2000), “após ter servido de cimento, durante
trinta anos, à elaboração da nosologia psiquiátrica, a psicanálise foi finalmente
rejeitada em prol dos psicotrópicos e de outros modelos explicativos do psiquismo
fundados no DSM-IV ou em novas mitologias cerebrais”.
A psicanálise enfatiza a importância de estar atento, na prática psiquiátrica, às
manifestações do inconsciente, do desejo, da tristeza, da angústia e dos sintomas
em geral como manifestações subjetivas, que o se reduzem a um efeito orgânico,
e muito menos a um déficit. (QUINET, 2001b)
A posição da Psiquiatria como ciência é, cada vez mais, foracluir o sujeito. O
discurso da ciência rejeita o sujeito e não se questiona sobre o desejo, ignorando os
efeitos provocados no pesquisador pelo objeto de sua pesquisa. Nesta posição, o
psiquiatra ignora o fenômeno transferencial e se exclui do sintoma.
35
Até os psiquiatras biológicos que adotam critérios científicos para a correlação
sintoma-causa, reconhecem que ainda não é possível estabelecer definitivamente
essa correlação e trabalham com suposições empíricas. O psiquiatra não pode ficar
preso à vertente sintoma/doença. Ele deve fazer com que o sujeito queira saber
sobre a causalidade psíquica.
As diferenças do estatuto de sintoma na psiquiatria e na psicanálise têm
conseqüências práticas: o tratamento psiquiátrico se difere do tratamento
psicanalítico.
Para Barreto (2005): “Se a psiquiatria trata a doença, a psicanálise trata o
sujeito. Ponto que já no início marca a diferença radical da direção do tratamento”.
O tratamento psiquiátrico visa à eliminação do sintoma. Não se preocupa com
a ocorrência de certo tipo específico de sintoma, sua configuração singular. É sobre
o universal e não sobre o singular que o tratamento é construído. A abolição do
sintoma, portanto, além de alívio e reabilitação funcional da pessoa, está a serviço
da restituição da normalidade, da conformidade e da adaptação sociais.
A psicanálise propõe a clínica do singular, do “caso a caso”. Ao se desvelar o
envoltório universal do sintoma, encontra-se uma história particular. A escuta do
inconsciente permite a compreensão do sentido do sintoma para cada indivíduo, sua
singularidade, sua verdade, o que o difere de outro.
Segundo Barreto (2005), no tratamento psicanalítico, a remissão do sintoma
não é o objetivo prioritário. O que se busca, em primeiro lugar, é a mutação
subjetiva, ou a modificação da relação do sujeito com seu desejo e seu gozo.
Conduz não à adaptação social, mas à autenticidade do sujeito. Não protocolo
terapêutico: não existem dois tratamentos iguais. Prevalece a construção do caso
clínico.
Quanto ao lugar do psicofármaco no tratamento psicanalítico, Barreto (2002)
esclarece bem:
“Voltarei agora à pergunta: Haveria lugar para o psicofármaco no contexto
de um tratamento analítico? Eu diria que sim, deixando bem claro: é
radicalmente diferente o lugar ou a função do psicofármaco num tratamento
psicanalítico e num tratamento psiquiátrico de orientação biológica. No
último, como foi exposto, o medicamento visa a redução ou eliminação dos
sintomas, buscando a adaptação ou conformidade social. Por outro lado,
um emprego possível do psicofármaco, que estaria coerente com a
perspectiva psicanalítica, visaria seus efeitos não sobre os sintomas, mas
sobre o gozo. O psicofármaco estaria a serviço, então, de certa regulação
ou de certo tempero do gozo, operação essa de algum modo impossibilitada
de ser efetivada pela via do significante. E, o que é mais importante seria
36
uma intervenção sob a ética da psicanálise, buscando a autenticidade do
sujeito.”
37
4.4 O Corpo na Psicanálise
Ao tratar da interseção psicanálise-medicina, Freud demonstra em seus
artigos (1916-17) que a contribuição que a psicanálise oferece à medicina tem como
fundamento a crença de que a relação do sujeito com a linguagem afeta o corpo. Ou
seja, o corpo marcado pela linguagem não corresponde ao corpo da anatomia-
patológica.
Para a medicina são as leis fisiológicas que fornecem as fórmulas de
funcionamento do corpo, enquanto para a psicanálise, o modo de funcionamento do
corpo é ditado pela lei do desejo.
Na medicina delimita-se a clínica do olhar e na psicanálise a clínica da escuta,
que se interessa por aquilo que fala no sintoma. O sofrimento vai além, desafiando
as leis fisiológicas. Buscar uma outra significação para o sintoma, para além do seu
sentido manifesto, significa encontrar o sujeito.
O sintoma é considerado não como desvio de uma função, mas como índice
fundamental da verdade reprimida do sujeito. Segundo Benoit (1989), “o sofrimento
do corpo é relativo não apenas à própria doença, mas também à mobilização do
mundo arcaico do sujeito que funciona na própria base de sua estrutura.”
Pensar o corpo a partir de Freud significa situá-lo na lógica do erotismo. Os
sintomas histéricos inscritos no corpo levaram Freud à teorização sobre o
inconsciente e o caráter traumático da sexualidade. Freud identifica em tais sintomas
uma forma de defesa psíquica contra idéias de natureza erótica incompatíveis com a
natureza moral, cuja excitação é somatizada pelo mecanismo de conversão.
Ao comentar o artigo A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica
da visão (FREUD, 1910), no qual Freud aborda um caso de cegueira histérica e
evidencia que o olho deixou de servir à sua finalidade fisiológica e sofreu uma
perturbação sem fundamento orgânico, Miller (2001) diz:
Freud tenta mostrar que um órgão destinado a servir à vida encontra-se
sexualizado, ou seja, erotizado. Isso significa que o órgão deixa de
obedecer ao saber do corpo, ao saber que está a serviço da vida para se
tornar um suporte de um gozar”, com ênfase de auto-erotismo que vem
indicar, justamente, que o órgão não está mais a serviço da vida. Tudo
acontece como se o órgão fosse culpado por esse gozar, como se esse
gozar fosse uma infração. (...) O olho é a sede de um gozo do olhar.
No artigo O Instinto e suas Vicissitudes (1915), Freud diz que a fonte da
pulsão está no corpo, nos órgãos e que a pulsão é uma força constante que exige
38
satisfação, um estímulo para o psíquico a partir do corpo, que deixa marcas no
sujeito. Ao contrário da necessidade, a pulsão é sempre insatisfeita e seu objeto é
variável. A pulsão fixa no corpo algumas fontes de satisfação que permitem a
constituição de um corpo erógeno. As zonas erógenas estão localizadas nas bordas
anatômicas, tais como, “a boca, o olho, o ouvido, o ânus”, órgãos que deixam de
cumprir sua função fisiológica e colocam-se a serviço do prazer.
No Além do Princípio do Prazer, Freud (1920) fala sobre a pulsão de morte,
que se traduz numa satisfação do sujeito a sofrer, ou seja, o sujeito é arrastado para
algo que lhe faz mal. Movido pelos estímulos da pulsão, surge um conflito entre a
vida e a morte que desregula o sistema psíquico.
Freud reduz a dialética pulsional em recalque, sublimação, retorno ao oposto
e retorno ao próprio, que são mecanismos que incidem sobre a pulsão, sob a forma
de defesa e sob a forma de lei simbólica. Desse modo, o sujeito fica marcado por
uma divisão. O corpo incorporado pela linguagem, não coincide com o corpo
anatômico e seu funcionamento está articulado com o modo subjetivo de um “gozar”.
A prática médica desavisada sobre o corpo erógeno favorece a manutenção
do gozo no sintoma. Freud advertiu os médicos sobre a forma de satisfação do
sujeito na doença. Ao mesmo tempo que o sujeito demanda ao médico sua cura,
deseja no seu inconsciente permanecer doente.
Lacan na Conferência de Genebra destaca que “é sempre com a ajuda das
palavras que o homem pensa. E é no encontro dessas palavras com seu corpo que
alguma coisa se esboça.” (LACAN,1998)
Pensar o corpo, a partir de Lacan, significa situá-lo na lógica dos três registros
fundamentais, imaginário, simbólico e real.
O corpo na visão lacaniana se reduz por um lado à matéria, ao simbólico e
por outro se reduz ao gozo, à vida, ao imaginário. Cito Miller (2001):
O esquema L de Lacan é feito para salientar o eixo simbólico, ao passo que
tudo o que diz respeito ao corpo é uma resistência de ordem imaginária.
Essa disjunção entre o simbólico e o real é o bê-a-bá do lacanismo. Mas é
preciso perceber que o corpo, o corpo vivo é deixado no imaginário. Ele
somente poderá entrar no simbólico onde todas as coisas acontecem
como corpo simbolizado ou mortificado.
Neste momento da teoria lacaniana, o que está em primeiro plano é a
oposição entre o registro do simbólico e o do imaginário, relativo ao investimento
libidinal, que o sujeito faz em sua imagem. No entanto, posteriormente, Lacan faz
surgir outra dimensão do corpo, que desta vez não tem relação com o imaginário
39
nem com a forma harmônica do corpo. Trata-se do corpo relativo ao real da pulsão,
o corpo recortado em zonas erógenas, corpo que mortificado pela linguagem torna-
se causa do funcionamento significante.
A linguagem não confere vida ao corpo, pelo contrário, a incidência do
significante sobre o corpo é denominada por Lacan de mortificação. O que faz de um
corpo vivo é a libido, o gozo.
Segundo Quinet (1988): “Quando da entrada do sujeito no simbólico esse
gozo deserta o corpo e se concentra então nesses oásis de gozo definidas por
Freud como zonas erógenas, que se referem a um objeto causa de desejo que é
propriamente falando fora-do-corpo, o objeto perdido.”
Do ponto de vista imaginário, é no estágio do espelho que o indivíduo constrói
uma unidade corporal através de uma imagem apreendida no espelho. Esse
momento de constituição de um corpo pela imagem ao indivíduo a ilusão de um
corpo unificado e o registro imaginário se constitui.
Do ponto de vista do registro simbólico, surge o corpo significante. Inscreve-
se a marca do significante do Outro, que liga o corpo a um sujeito. A linguagem vai
dar uma designação ao corpo. Essa marca é a alienação do sujeito ao significante
do Outro que irá representá-lo face aos outros significantes. Escreve-se a
castração, uma perda de ser. Mas um resto de gozo. O sujeito se separa da
cadeia significante e recupera um prêmio de gozo, localizado nos orifícios corporais,
suporte das pulsões.
Do ponto de vista do real, o corpo seria sinônimo de gozo, definido não como
organismo, mas como pura energia psíquica ressoando pelo corpo orgânico.
A palavra se introduz no corpo e marca o sujeito inconsciente em duas
vertentes, a vertente do sentido, do significante e a vertente do fora-de-sentido, do
gozo. Isso quer dizer que, ao mesmo tempo, uma significação fálica, que aponta
para o desencadeamento de uma palavra em cadeia e há uma desarmonia no
encontro com o Outro, um mal-entendido, que aponta para o não-sentido da
relação sexual.
O corpo é afetado pelo inconsciente como fala e como gozo. Pode-se dizer
que isso acontece porque falta algo no campo da linguagem para que o sistema
simbólico esteja completo. Dizer tudo é impossível.
A escuta analítica do corpo remete à questão do limite entre o psíquico e o
biológico. Neste limite encontra-se a pulsão, o que dela pode ser formulado em
40
termos de significante, constitui o corpo simbólico e o que pode ser formulado,
atravessado pelo significante, no encontro sexual, constitui o corpo erógeno.
Assim, o corpo é marcado por uma imagem narcísica, no registro imaginário,
que se aproxima do corpo da estética médica, do bem estar, do bom funcionamento.
É marcado pelo registro simbólico, que aponta para o significante que constitui uma
zona erógena. Por outro lado, o corpo é marcado pelo registro do real, que aponta
para a impossibilidade do bem-estar e para a impossibilidade do encontro
harmônico, da alma gêmea.
O diálogo medicina/psicanálise, enquanto saberes distintos pode propiciar
encontros com significantes outros para além do corpo biológico, contribuindo para o
surgimento de questões relevantes concernentes à condução de casos,
especialmente naqueles denominados “difíceis” ou de “difícil controle”, onde a
ressignificação da demanda e o surgimento de um sujeito pode redirecionar a clínica
e os efeitos do encontro entre médico e paciente.
41
4.5 Considerações Históricas e Culturais sobre a Anorexia e Bulimia
Etimologicamente, o termo Anorexia deriva do vocábulo grego anorektos, que
significa “sem apetite, sem desejo”. Na língua portuguesa encontramos dois
adjetivos para designar “aquele que sofre de Anorexia”: anorético e anoréxico. O
vocábulo anorético deriva do grego anórektos. O vocábulo anoréxico é a tradução
para o nosso idioma do adjetivo francês anorexique e hoje em dia é o mais usado.
(FERNANDES, 2006)
Tida como “doença da modernidade” a Anorexia suscita, nas atuais
discussões psiquiátricas, a questão clássica sobre as relações entre doença e a
cultura, sobre o que se associa a uma característica mórbida invariável o
patogenético e o que é acessório e influência da cultura o patoplástico.
(CORDÁS, 2002)
O termo patoplástico foi introduzido nas discussões psicológicas por
Birnbaum, em 1923, que o aplicava aos fatores que colorem e dão características
particulares de cada indivíduo ao quadro mórbido.
A existência de transtornos alimentares em outros séculos e culturas sugere
um tipo recorrente de comportamento de mulheres, que através da história, têm
usado a restrição alimentar como uma linguagem simbólica em sentido amplo.
Também a possibilidade de que os quadros mudem com o correr do tempo sugere
que a doença encontra, na cultura, diferentes formas de expressão e que os ideais
variam segundo a época. (WEINBERG e CORDÁS, 2006)
Este entendimento está de acordo como que acredita Berrios (1999): todas as
classificações psiquiátricas são produtos culturais, funcionando como molduras
fornecidas por uma época para uma desordem mental.
Segundo Del Priore (2006), a definição social do corpo muda ao longo dos
tempos. Os corpos são esculpidos de acordo com a cultura na qual estão inscritos:
diferentes dos corpos das místicas plenos de fé, a evidência da magreza nos dias de
hoje está ligada ao consumo.
As anoréxicas trazem em si o novo e o antigo, o variável e o estável, num
constante desafio aos psicopatologistas. (WEINBERG e CORDÁS, 2006)
Segundo Hurtado (2003):
Uma olhada retrospectiva na história de nossas sociedades nos ensina que
sempre houve situações humanas que levaram pessoas destas épocas a
posições semelhantes a essas que hoje causam tanto espanto. Por outro
42
lado, também demonstram a enorme importância da alimentação, não
enquanto subsistência humana (plano biológico), como também ao se
converter em uma das maiores fontes de simbologia humana.
É na literatura teológica dos séculos V a XVI que apareceram as primeiras
descrições das jovens jejuadoras, que recusavam alimento. O jejum voluntário ou a
inanição auto-imposta eram inicialmente interpretados como escolha divina, comuns
às santas e beatas da Igreja católica. A finalidade do jejum era alcançar a santidade.
Fendrik (1997) fala de uma “epidemia do comportamento anoréxico” nesse
período. Uma das mais conhecidas é a Catarina de Siena (1347-1380), que aos 15
anos, após a morte de sua irmã, passou a comer pouco, a praticar a auto-flagelação
e a ocupar todo seu tempo rezando. Seus pais começaram a procurar-lhe um
marido, ao que Catarina respondeu com intensificação do seu ascetismo e da
religiosidade. Havia feito um voto de castidade quando ainda era criança, ao ter uma
visão de Jesus. Passou a comer apenas um punhado de ervas e, ocasionalmente,
colocava galhos na garganta para vomitar quando era forçada a se alimentar.
Alegava sentir-se mais forte e próxima de Deus estando em jejum. Catarina veio a
falecer de desnutrição aos 32 anos.
As práticas de jejum eram encorajadas pela Igreja Católica como forma de
santificação, de elevação espiritual. Em sua biografia observamos uma renúncia a
comida desde a infância, como recusa a um projeto de vida claramente decidido por
seus pais. Ao casamento imposto, ela se negará totalmente, ingressando numa
ordem religiosa. Como Catarina de Siena, várias outras jovens também se utilizavam
do jejum como meio de reação às imposições da época, como casamentos impostos
e arranjados.
A igreja cristã na idade média difundiu seus ideais de beleza, idéias essas
que não se destacavam sobre o corpo, e sim, sobre a alma. Uma alma pura, sem
pecados, digna de entrar para o reino dos céus. O jejum era uma maneira de
mortificação, a renúncia aos alimentos terrenos perseguindo um ideal de beleza
mostrava o triunfo da alma sobre a carne e uma maneira de identificar-se com
Jesus. O corpo das santas jejuadoras convertia-se num corpo deslibidinado
socialmente, manipulado pelas exigências religiosas. Corpo angelical, assexuado.
Corpo que renegou aos seus desejos, a sua vontade, ao mundo terreno, ao alimento
corporal para ser recebida nos braços de Deus após a morte.
43
Bell (1985), historiador americano, ao estudar as condições sociais do
aparecimento e declínio da Anorexia santa na Itália do século XIV, salienta a
importância do papel social como uma espécie de reação diante das estruturas
patriarcais dominantes no mundo medieval. As jovens também se utilizavam do
jejum como meio de reação às imposições da época, como, por exemplo, os
casamentos impostos e arranjados.
A partir da reforma protestante, a abstinência alimentar passou a ser
considerada obra do demônio e essas práticas deixaram de ser encorajadas pela
igreja. Com o desenvolvimento da ciência, os clínicos passaram a tentar relacionar o
jejum voluntário com causas orgânicas, e gradualmente esses fenômenos
começaram a ser interpretados como enfermidades físicas e/ou mentais. Em outras
palavras, de virgens miraculosas, as mulheres passaram a ser consideradas
pacientes histéricas. (WEINBERG e CORDÁS, 2006)
Richard Morton é o autor de um dos primeiros relatos médicos de Anorexia
Nervosa em 1691. No seu livro, “Tisiologia sobre a doença da consunção” -
descreve dois casos de se assemelham à Anorexia Nervosa contemporânea, com
critérios estritamente médicos. Os quadros clínicos se baseiam em três sintomas
principais: restrição alimentar, emagrecimento significativo e amenorréia. O autor se
mostra intrigado pela indiferença característica que essas pacientes denotam em
relação a seu estado de desnutrição e pela preservação de suas faculdades básicas.
Pela primeira vez e de uma forma muito esquemática, relata que uma causa física
que a determina não foi encontrada e atribui ao quadro, principalmente, a tristeza e
as preocupações da paciente, conceituando com o termo “consunção ou atrofia
nervosa”. Segundo o autor: “O sinal essencial da doença é uma diminuição da força
com uma perda total do apetite, cuja causa imediata deve ser buscada no sistema
dos nervos”.
Vários relatos médicos estão descritos na literatura desde então, porém sem
receberem a atenção merecida, como o trabalho de psiquiatra francês Louis-Victor
Marcé em 1860: “Note sur une forme de delire hypochondriaque consécutive aux
dyspepsie et caractérisée principalement par le refus d’aliments”. Marcé descreve o
que considera uma forma de delírio hipocondríaco em que se produzia de forma
preponderante uma recusa importante dos alimentos. Para ele, as pacientes não
seriam dispépticas, mas insanas e o tratamento exigiria uma intervenção médica
direta. Segundo Marcé: “As pacientes devem ser afastadas do meio familiar e seus
44
cuidados entregues a pessoas estranhas. Se a recusa em comer permanecer, deve-
se usar a intimidação e às vezes a força, sendo mesmo recomendada, se
necessário, a alimentação por sonda.
No começo do século XIX, Pinel considera a questão alimentar numa
dimensão social e cultural. As práticas alimentares participam de um conjunto de
regras, de rituais e de interdições que se situam no contexto de cada época. Ainda
segundo ele:
(...) o jejum pode integrar-se a dois tipos de diálogos: um vertical, pelo qual
torna-se uma arma de purificação na relação com os deuses das religiões,
instaurando uma distância e uma renúncia às ordens do mundo profano e
outro horizontal, interno a certas relações humanas. Essas mulheres
encontraram um modo de adquirir uma identidade própria e de não
submissão ao desejo do outro. nos primeiros relatos, o comportamento
dessas anoréxicas faz pensar que esse sintoma talvez tenha sido a forma
encontrada pelas mulheres para lidar com a angústia e as dificuldades
frente à sexualidade.
Na metade do culo XIX, a Anorexia nervosa emerge como uma entidade
clínica independente, com relatos quase simultâneos do médico inglês Gull, em
1868 e do psiquiatra francês Lasègue, em 1873. Lasègue, no texto L’anorexie
hystérique, enfatiza os aspectos emocionais da doença, as características relativas à
insegurança pessoal, a negação da doença e a contribuição familiar para a
perpetuação dos sintomas. Também, quanto ao tratamento, insistia na separação da
família e no “tratamento moral”. Já nessa época, Lasègue adverte os médicos: “Ai do
médico que, desconhecendo o perigo, tratar como um capricho passageiro e sem
importância essa obstinação que ele espera resolver através de medicamentos, de
conselhos amigáveis ou do recurso ainda mais ineficaz da intimidação.”
Gull, em seu trabalho Anorexia Nervosa”, descreve achados clínicos
decorrentes de inanição prolongada e aponta também o componente psicológico.
Indica a necessidade de que o responsável pelo tratamento assuma uma postura
moral mais autoritária perante a paciente.
Segundo observação de Caroline Eliacheff, citada em Bidaud (1998): “Pode-
se adiantar, sem grande risco, que sempre houve anoréxicas, mas pode-se afirmar
que elas existiam a partir do momento em que foram inscritas num discurso, o de
Gull e Lasègue, que constituiu um acontecimento no campo da medicina.”
Até o nascimento da psiquiatria dinâmica, no fim do século XIX, os médicos
estavam presos aos aspectos físicos da Anorexia Nervosa, ainda que os aspectos
emocionais envolvidos na doença começassem a chamar atenção. Sigmund
45
Freud e Pierre Janet estabeleceram a importante questão conceitual que não havia
sido formulada antes: “o que a falta de apetite significa?” (WEINBERG e CORDÁS,
2006)
Freud desenvolve o tema ao longo de sua obra. Muitos dos seus textos
demonstram interesse sobre o tema, às vezes descrevendo um caso de Anorexia,
outras abordando a recusa em alimentar-se como um sintoma dentro de um quadro
mais complexo.
Em Um caso de cura pelo hipnotismo, Freud (1892-93) descreve a história de
uma mulher que se tornou anoréxica após o nascimento do primeiro filho,
interrompendo a amamentação e que repete os mesmo sintomas após o nascimento
do segundo filho. Ela tinha dificuldades para amamentar e ao fazê-lo apresentava
vômitos e depressão. Após algumas sessões de sugestão hipnótica, em cada uma
das ocasiões, a mãe voltou a amamentá-los. Aparece aí a associação da relação
mãe-filho e o sintoma anoréxico.
Nos Estudos sobre a histeria, Freud (1895) descreve o caso de Emmy Von N.
e aproxima a recusa alimentar de sua paciente de um sintoma de conversão. “Ela
come assim tão pouco, porque os alimentos não lhe agradam e se o os acha a
seu gosto, é porque a idéia de comer está ligada desde sua infância a lembrança
repugnante, cuja carga afetiva não sofreu diminuição”. Nesse relato, Freud
considera a Anorexia como um sintoma histérico, passível de resolução definitiva
após sua interpretação.
No texto Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: uma
conferência, analisando formas e sintomas de histeria, Freud (1893) afirma que “um
dos sintomas mais comuns da histeria é uma combinação de Anorexia e vômito”.
Freud (1895), no Rascunho G, estabeleceu a relação entre Anorexia e
sexualidade, ao tratar a melancolia. Ali Freud afirmara que “existem notáveis
considerações entre melancolia e anestesia [sexual]” e que
(...) a neurose alimentar, dita Anorexia, pode ser comparada a melancolia. A
Anorexia mental das mulheres jovens, que é um distúrbio bem conhecido,
aparece, depois de uma observação prolongada, como uma forma de
melancolia nos sujeitos de sexualidade ainda o inteiramente
desenvolvida. A doente assegura que o come simplesmente porque não
sente fome. Há, pois, uma perda do apetite e, no domínio sexual, perda da
libido.
Por volta de 1899, em uma carta a Fliess (Carta 105), explicando o que
entende por sintoma “Um sintoma surge ali onde o pensamento reprimido e o
46
pensamento repressor conseguem juntar-se na realização do desejo”- Freud (1899)
interpreta a repulsa por alimentos como um sintoma de conversão. Freud referiu-se
à Anorexia nervosa como uma forma de melancolia pré-puberal causada por
conflitos sexuais reprimidos. Freud acreditava que a anoréxica sentia aversão a
alimentos porque a comida estava representando simbolicamente impulsos sexuais
e que os conflitos emocionais eram transformados em sintomas físicos. Interpreta a
Anorexia como sintoma de conversão, incidindo o recalque sobre o erotismo oral: “A
zona buco-facial fortemente erotizada faz surgir, na seqüência de uma inversão, a
repulsa alimentar”.
No caso Dora (FREUD, 1905), em quem a Anorexia é secundária (“Ela comia
com dificuldade e confessava sentir uma ligeira aversão pelo alimentos”), Freud
explica que “a repulsa corresponde a um sintoma de recalcamento da zona labial”
(recalcamento de uma fantasia de felação).
Porém, Freud se ocupou pouco da Anorexia, embora se possa encontrar ao
longo de sua obra uma série de referências a esses casos. O interesse pela
problemática da Anorexia pelos principais psicanalistas que a ele seguiram se reflete
numa variedade de trabalhos destinados à compreensão psicanalítica do tema.
Provavelmente, Charcot foi o primeiro a detectar, por volta de 1889, o aspecto
psicopatológico central que levava as mulheres anoréxicas a jejuar: a idée fixe
d’obesite”.
Pierre Janet, aluno de Charcot, foi importante praticante da psiquiatria
dinâmica, embora suas diferenças com Freud tenham sido marcadas durante toda
sua vida. No início do século XX, Janet distinguiu duas formas da Anorexia com
base na presença ou ausência de fome: a obsessiva e a histérica. Pelo estudo do
caso de Nadia, coloca em evidência o medo de engordar e designa a Anorexia como
a “doença da vontade”. Também salienta, no caso, a vergonha e a aversão ao corpo
feminino e o desejo de emagrecer como tentativa de retardar a maturidade sexual.
Assim como Freud, Janet acreditava que o apetite tinha significados na
psique do sujeito, tendo os dois autores dado origem à idéia psicogenética moderna
de que as meninas anoréxicas recusam comida para manter seus corpos pequenos,
magros e infantis. Ainda que Freud tenha entendido a Anorexia como repugnância
pelos alimentos e Janet como recusa, ambos defendiam a idéia de que falta de
apetite constituía uma forma de comportamento simbólico. No entanto a leitura de
Freud da Anorexia como um comportamento neurótico que expressa sexualidade
47
não desenvolvida ou reprimida, baseada no seu importante conceito de conversão
histérica, distanciou-o de Janet, para quem os comportamentos obsessivos da
anoréxica derivam da “crença de ser feia e ridícula”, “não ser como todo mundoe
“não poder ser amada”. (WEINBERG e CORDÁS, 2006)
A partir de 1914, a Anorexia nervosa passa a ser vista por uma doença
puramente orgânica, quando Simmonds, patologista alemão, descreve um caso fatal
de caquexia, no qual a autópsia revelou atrofia do lobo anterior da hipófise. A
Anorexia nervosa passa a ser confundida com a Doença de Simmonds
(hipopituitarismo). após 30 anos, Sheehan & Summers apontam que apesar de
existiram sintomas comuns entre os dois quadros, não havia evidência clínica de
redução da função hipofisária nem anormalidades histológicas significativas da
glândula na Anorexia nervosa.
No século XX, Melanie Klein desponta entre os autores pós-freudianos. Ainda
que não tenha se ocupado especialmente da Anorexia, a análise das relações do
bebê com a mãe, seu primeiro objeto, e com o alimento, trouxe nova luz à
compreensão do comportamento anoréxico, servindo de base para trabalhos que
atribuem à relação com a mãe um papel fundamental.
Também no século XX, Hilde Bruch trouxe importante contribuição para a
compreensão de aspectos psicopatológicos da Anorexia nervosa, propondo três
aspectos de perturbação do funcionamento: transtorno da imagem corporal;
transtorno da percepção ou interpretação dos estímulos corporais e uma sensação
paralisante de ineficiência que invade o pensamento e atividades da paciente.
Assim com Freud, Jacques Lacan tratou raramente da Anorexia, menos ainda
da Bulimia, porém, suas produções conceituais abriram vias de compreensão
dessas patologias. Situando o drama do sujeito na história do desejo e na relação
com o outro, onde se inscreve sua alienação, Lacan propõem uma nova leitura da
função materna ao enfatizar a distinção conceitual entre necessidade, demanda e
desejo. A partir de Lacan, a psicanálise nos permite articular o caminho que conduz
das necessidades ao desejo através da demanda e entender assim o paradóxico de
algumas patologias, dentre elas da Anorexia. (GARMENDIA, 2001)
A criança mantém uma extrema dependência do Outro (a mãe ou qualquer
pessoa que se encarregue de seus cuidados) para a satisfação de sua necessidade,
ao qual está ligado pelo uso comum da palavra e da linguagem. A mãe pode
satisfazer ou o privar seu filho da satisfação. A necessidade é da ordem do
48
fisiológico, visa o objeto e se satisfaz com ele. Pode ser traduzida na expressão: “é
preciso comer para viver”. Em oposição ao mundo animal, instintivo, o mundo
humano impõe ao sujeito demandar, isto é, encontrar palavras que serão dirigidas
ao outro. A demanda é, em essência, recurso ao outro, apelo. O fato da mãe poder
dar ou privar, poder ou não responder a demanda de satisfação das necessidades,
produz nessas uma transformação na medida em que o objeto de sua satisfação se
converte em objeto de dom (poder dar-se ou negar-se) e portanto em prova de
amor, o que converte a demanda sempre em uma demanda de amor. Quando o
sujeito se coloca na dependência do outro, a particularidade a que visa a sua
necessidade fica de certa forma anulada. O que lhe importa é a resposta do outro
como tal, sendo sua demanda transformada em demanda de amor e de
reconhecimento.
O desejo é a forma muito particular do ressurgimento da necessidade, muito
além da demanda, na medida em que ele encontra sua causa num objeto específico.
Este objeto, “supostamente perdido”, e por isso mesmo nem sempre ligado a uma
falta, nada mais é que o “desejo do Outro”.
Ao choro do filho, a e responde interpretando-o como uma demanda, um
apelo à satisfação. A criança, deste modo, passa a depender, desde os primeiros
dias, de um Outro, cuja conduta procede da linguagem. Se cabe à mãe responder
essa demanda, ela só tenta satisfazê-la porque supõe, além do grito, a demanda. Ao
supô-la, ela envolve a criança no campo da linguagem. Porém, a criança acede
ao desejo propriamente dito se isolar o objeto da sua satisfação: o mamilo. Mas ela
não poderá isolá-lo se este objeto estiver sempre presente. Para que se instaure o
desejo é preciso que ela se frustre, que a mãe lugar à falta, na satisfação da
demanda. Então o desejo advém, além da demanda, como falta de um objeto. É
pela cessão desse objeto que o filho irá se constituir como objeto desejante.
Partindo desse raciocínio, J. Lacan coloca o problema da Anorexia como
confusão dos cuidados com o dom de amor. A mãe do paciente anoréxico confunde
seus cuidados com o dom de seu amor e reduz assim a demanda da necessidade,
adiantando-se quanto a sua satisfação. Empanturrar com comida obtura a
possibilidade de pedir, de abrir os espaços que permitam ao sujeito encontrar-se
com seu desejo. Efetivamente, quando nada falta, nada pode desejar-se, por isso o
sujeito anoréxico com sua repulsa ao alimento tenta abrir este espaço de desejo. É
precisamente rechaçando a necessidade que se pode desejar. Solução patológica
49
que tem como efeito inverter a relação de domínio exercida pela mãe, que agora tem
que se perguntar: ‘Que quer este filho?’, pergunta que nunca pode ser formulada por
estar permanentemente recobrindo de cuidados. (GARMENDIA, 2001)
Lacan salienta que a anoréxica não pode suportar que toda demanda seja
interpretada pela mãe como necessidade, especificamente como necessidade
fisiológica. A criança, recusando satisfazer a demanda da mãe, está exigindo que a
mãe tenha um desejo fora dela. É a função paterna que precisa intervir nessa
dialética dual, nomeando a falta, legalizando a diferença e funcionando assim como
suporte da função simbólica. Para que a criança receba a marca da função do
Nome-do-pai, é necessário que esse lugar simbólico exista para a mãe (LACAN,
1958).
De fato é uma constatação clínica que as mães dessas jovens parecem ser
particularmente eficazes em dificultar a entrada do pai, o que, às vezes, torna-se
possível justamente quando eclode a dificuldade com a alimentação. Como se,
diante da eclosão da problemática alimentar, a desorganização do arranjo dos laços
familiares abrissse uma passagem para a entrada do pai, possível somente
mediante a idéia de um fracasso da mãe. Um fracasso que se anuncia através do
sintoma. (FERNANDES, 2006)
Alguns psicanalistas atuais (JEAMMET,1999; BRUSSET,1999; BIDAUD,
1998) articulam o estudo da Anorexia ao conceito do narcisismo, que representa
uma espécie de estado subjetivo, relativamente frágil e de equilíbrio facilmente
ameaçado, podendo ocorrer alterações no seu funcionamento. As psicoses, a mania
e sobretudo a melancolia são, para Freud, doenças narcisistas, caracterizadas tanto
por uma inflação desmedida do narcisismo como por sua depressão irredutível.
(WEINBERG e CORDÁS, 2006)
Jeammet (1999) acredita que não seria correto associá-la à histeria, mas sim
ao narcisismo e às relações objetais. Segundo esse autor, nenhum tipo de
personalidade ou organização psicopatológica pode explicar a gênese do transtorno
alimentar, uma vez que a relação que esses sujeitos mantêm com o alimento aponta
para um modo de relação com o objeto. A Anorexia nervosa, como a Bulimia,
apontaria para uma fragilidade narcísica, um arranjo defensivo em que as relações
com os objetos materiais substituem as relações humanas, sentidas como
perigosas.
50
Para Jeammet, a Anorexia e Bulimia são expressões manifestas de que os
transtornos alimentares constituem uma dinâmica específica das relações e dos
investimentos, revelando uma relação de tipo passional ou uma atitude de evitação e
retirada dos investimentos. O autor também enfatiza a relação entre o aumento de
Anorexia e Bulimia a partir dos anos 70 com as significativas transformações no
modo de vida e nas relações intrafamiliares. Ele salienta uma espécie de
antagonismo entre a necessidade do objeto e necessidade de salvaguarda
narcísica, destacando que a problemática do conflito dependência-autonomia
evidencia a necessidade de medidas defensivas precárias, tais como a recusa e a
clivagem.
Ao longo da história, a Anorexia Nervosa também foi vista como um sintoma
inespecífico, passível de manifestação em praticamente todos os diagnósticos
psiquiátricos com acentuada perda de peso ou como uma variante de outras
doenças psiquiátricas, principalmente da histeria, da esquizofrenia, do transtorno
obsessivo e do transtorno do humor. a partir de 1960, a Anorexia foi reconhecida
como síndrome psiquiátrica específica, com aspectos característicos que a
distinguem de outros transtornos.
Foi a partir de 1970 que os critérios operacionais para a Anorexia nervosa
começam a ser desenvolvidos, e ahoje o conceito segue em evolução. Gerald
Russell foi quem sugeriu os três critérios diagnósticos: comportamento dirigido a
produzir perda de peso, a preocupação mórbida com o risco de engordar, como
característica central e distúrbio endocrinológico (amenorréia em mulheres e
impotência sexual nos homens).
Existem controvérsias com relação à questão de ser a Anorexia nervosa uma
doença moderna, de nosso tempo, ou correspondente a um quadro existente
séculos. Alguns autores defendem que a Anorexia nervosa existiu historicamente,
sem o aspecto central “medo mórbido de engordar” e que as descrições clássicas de
Gull e Laségue contêm a essência da Anorexia nervosa. Existe, segundo eles,
portanto, uma mudança na psicopatologia da Anorexia entre 1870 e 1960. Russel
defende essa idéia com base no aumento da incidência da Anorexia a partir dos
anos 50 e pela mudança na forma da doença, exemplificada pelo aparecimento da
Bulimia. Russell acredita que o critério diagnóstico moderno de preocupação
excessiva com em relação à forma do corpo está correto para os tempos atuais, mas
não deve ser aplicado a pacientes descritos em outras épocas ou países. O autor
51
entende que os fatores socioculturais exercem uma influência “patoplástica” sobre a
doença, no sentido de modificar sua forma e “colorido”. Especula que no futuro, o
conteúdo psicopatológico da Anorexia pode não permanecer fixado no peso e na
forma do corpo.
O termo Bulimia vem do vocábulo grego boulimia (boul=boi + limos=fome) que
significa “fome de boi” ou “fome devorante”.
A Bulimia Nervosa é caracterizada, em sua forma típica, pela ingestão
compulsiva e rápida de grande quantidade de alimento, com pouco ou nenhum
prazer, alternada com comportamento dirigido para evitar o ganho de peso e medo
mórbido de engordar.
O vômito auto-induzido é um sintoma muito comum. O comportamento de
forçar o vômito é muito antigo e pode ser encontrado precocemente na história de
povos da Antiguidade. Os egípcios vomitavam e usavam purgantes todo mês, por
três dias consecutivos, julgando que “todas as doenças dos homens são oriundas da
comida”. Os romanos criaram o vomitorium, que lhes permitiam comer em excesso
durante os banquetes e posteriormente vomitar em local reservado.
As primeiras referências à Bulimia nos escritos médicos aparecem na
literatura, no começo do século XVIII. Os sintomas bulímicos são conhecidos
séculos, mas a tentativa de reconhecimento da Bulimia como síndrome começa por
volta de 1940.
O caso de Ellen West é o primeiro relato bem documentado a sugerir a
Bulimia como síndrome e foi descrito por Ludwig Biswanger em 1944. Os sintomas
bulímicos apresentados por Ellen possibilitariam o diagnóstico nos dias de hoje:
medo de engordar, marchas exageradas, apetite voraz alternado com dietas
restritivas e abuso de tabletes tireoidianos para perder peso.
Em 1979, a primeira descrição de Bulimia no campo da psiquiatria, como
entidade nosológica distinta foi proposta por Gerald Russell, que publicou o trabalho
Bulimia nervosa: an ominous variant of Anorexia nervosa, propondo uma nova
síndrome com três critérios: o paciente sofre de um impulso irresistível de comer
excessivamente, procura evitar os efeitos engordantes da comida induzindo vômitos
e/ou abusando de purgativos e tem um medo mórbido de engordar.
No ano seguinte (1980), o DSM-III introduziu a Bulimia como um novo
transtorno alimentar, mas não utilizou o termo Bulimia Nervosa como sugerido por
52
Russell. Nas classificações subseqüentes ocorreram algumas modificações nos
critérios diagnósticos e a síndrome foi denominada Bulimia nervosa.
Na prática clínica, observam-se nos pacientes bulímicos traços comuns que
parecem atravessar diversos quadros nosológicos; mas estes sujeitos formam uma
população heterogênea em muitas dimensões.
No que diz respeito à Bulimia, uma das primeiras referências de Freud
(1895c), “acessos de fome devoradora”, aparece ligada à problemática da angústia,
abordada na chamada neurose de angústia.
Segundo Fernandes (2006), é importante notar que as descrições clínicas da
Bulimia eram relativamente raras nessa época; portanto é possível que o
comportamento purgativo ainda o fosse percebido como freqüentes na conduta
bulímica, dando lugar assim “aos mais estranhos erros diagnósticos”. A autora ainda
destaca que a Bulimia aparece, nesse momento do texto freudiano, identificada ao
registro das neuroses atuais, diferentemente da Anorexia, que aparece ora
identificada à histeria e, portanto ao registro das psiconeuroses, ora identificada à
melancolia, que Freud localiza entre as neuroses narcísicas. O conceito de neurose
atual tem servido a alguns autores para pensar as psicopatologias da ação e do
corpo, em que o funcionamento habitual do aparelho psíquico parece nocauteado
pelo aspecto quantitativo da excitação. Incapaz de exercer suas funções em virtude
de carências mais ou menos profundas, o aparelho psíquico se vê, duradoura ou
momentaneamente, subutilizado, resultando em respostas comportamentais ou
somáticas. A problemática da Bulimia foi pensada pelo modelo das neuroses atuais,
pela impulsiva passagem ao ato através da ingestão desmedida de alimentos e dos
comportamentos compensatórios. A impulsão ao ato bulímico seria, desta forma,
uma tentativa de evacuar as tensões geradas pelas pulsões sexuais.
Em 1899, Freud expressa a idéia de que a compulsão para beber
(dipsomania) poderia ser uma substituição de uma pulsão sexual reprimida. Freud
nessa ocasião chama a atenção para essa característica da pulsão sexual de se
fazer substituir por outra, inaugurando o princípio da lógica de compensações que
atua no interior do parelho psíquico. Observa-se aqui uma referência à provável
associação entre os comportamentos aditivos.
Em 1926, ao se referir à função alimentar, a ênfase recai sobre a teoria da
libido e a inapetência alimentar corresponde a uma retração da libido. Além de
atribuir ao sintoma do vômito uma função defensiva de tipo histérico, Freud destaca,
53
ainda, a dimensão psicótica da recusa alimentar se esta vem acompanhada de
angústia e idéias delirantes.
Um ano depois, Freud (1927) coloca as adições e o humor como formas de
defesa contra a possibilidade de sofrimento. Freud não inclui explicitamente a
Bulimia, mas pode-se pensar que os comportamentos compensatórios na Bulimia,
como o excesso de exercícios físicos, por exemplo, podem ser compreendidos como
medidas de proteção.
Em 1930, referindo-se aos métodos usados pelo ser humano para evitar o
sofrimento, Freud se refere à influência química das substâncias tóxicas.
Estabelecendo uma comparação entre a mania, uma espécie de euforia sem droga,
Freud evoca o aspecto tóxico dos processos psíquicos, aqueles que se formam em
nossa química interior.
Fernandes (2006) destaca que a Bulimia, descrita como uma “toxicomania
sem droga”, pode ser pensada, a partir dessas colocações como uma tentativa de
evitação do sofrimento pela intoxicação alimentar.
A evolução dos modelos teóricos freudianos, particularmente a partir dos anos
20, traz nova luz sobre as vicissitudes do comportamento alimentar. De uma
teorização centrada na questão da oralidade e da sexualidade, o pensamento
freudiano vai avançando também em outras direções. As pistas lançadas por Freud
para a compreensão dos transtornos alimentares apontam inicialmente para dois
modelos: o da neurose e o das neuroses narcísicas. O raciocínio analógico de Freud
evoca, particularmente no caso da Anorexia, a comparação desta com a histeria e
com a melancolia. Com o transcorrer de sua teorização, particularmente em suas
considerações sobre a Bulimia, outros modelos começam a ocupar mais espaço: o
da neurose atual, da psicose e das adições.
Segundo Fernandes (2006), desde sempre, as contribuições psicanalíticas
insistem que as dificuldades das jovens anoréxicas e bulímicas não se referem à
alimentação em sua materialidade concreta, mas sim às dimensões fantasmáticas
que a alimentação desperta no funcionamento psíquico. É importante precisar que o
conflito não é entre a jovem e a comida, mas se refere às múltiplas significações a
que a alimentação reenvia. Para a psicanálise, elas engajam necessariamente o
corpo e o outro.
O que de novo na Anorexia e Bulimia, descritas séculos, que nos
convoca ao trabalho?
54
A Anorexia e Bulimia vestem roupagens da moda. O Outro social impõe sua
presença, modalizando as formas que adquirem. Trata-se de encontrar os traços
comuns entre as virgens fracas da idade média, os complexos sintomáticos que
Lasègue sistematiza como Anorexia histérica e as modelos de aparência “heroin-
look” que provocaram comoção nos desfiles em Nova York. E refletir sobre o lugar
que ocupou em outras épocas essas formas de sintoma e de gozo. Sua emergência
atual tem o floreio de um mal-estar calculado pela globalização uniformizante, que
marcou a passagem do século XX ao XXI. (RECALCATI, 2004)
Os sintomas alimentares possuem um caráter histórico, tomando emprestado
do campo da cultura os elementos que o constituem e o seu sentido como
mensagem de gozo. Aspectos da pós-modernidade ajudam a compreender esses
que são denominados novos sintomas. Eles não se oferecem à decifração e
inseridos no contexto da contemporaneidade buscam satisfação imediata,
apontando a falha epistemológica entre a teoria e a clínica e criando demanda de
trabalho. Os novos sintomas são principalmente formas de identificação e não
sintomas através do qual o inconsciente fala. A compreensão da particularidade de
cada caso, em seu contexto histórico cultural, pode ajudar na compreensão de
outros casos.
Fernandes (2006) afirma que “de fato, assim como a expressão do mal-estar
varia de um momento histórico a outro, ela também varia nas diversas microculturas
de uma mesma época”. Segundo a autora, a prevalência feminina nesses quadros
não nos deixa esquecer que, ao longo dos séculos, as mulheres recorrem aos seus
corpos, não apenas para expressar o enigma de sua subjetividade e as condições
do “ser” mulher que cada época lhes propõe, mas também como porta-vozes das
mazelas da dimensão subjetiva de seu tempo.
Segundo Teixeira (2007):
a histeria se modifica historicamente, como se verifica na ausência quase
completa dos quadros descritos por Charcot nos tempos de hoje. Em nossa
contemporaneidade marcada não mais pela repressão sexual, mas pelo
imperativo do gozo sexual imposto pelo culto ao corpo, a histeria parece se
manifestar, preferencialmente, através dos quadros de Anorexia e Bulimia
que vêm exprimir, na deformação que torna o corpo inapto ao gozo, um
modo de recusa da norma social.
Jeammet (1999) relata que se observam, no curso dos últimos decênios, de
maneira cada vez mais marcada na adolescência a predominância do vivido sobre o
pensado, as patologias do ato, tais como Anorexia, Bulimia, práticas
55
toxicomaníacas, atos suicidas, cujo número não pára de aumentar. Essa evolução,
provavelmente não deixa de ter relação com o questionamento da função paterna ou
de autoridade, a redução das barreiras entre as gerações, o hiperinvestimento e a
idealização dos filhos pelos pais; numa aprovação mútua que escamoteia os
conflitos fundamentais e seu potencial estruturante que a crise de valores, o
prolongamento da dependência e a insegurança ligada à crise econômica fazem
ampliar.
Segundo Criscaut (2000), a Anorexia e Bulimia, têm uma relação direta com
um fenômeno contemporâneo, um fato social evidente que não se pode
desconhecer: a dificuldade do jovem, em especial o púbere, na atualidade, de
encontrar no Outro paterno seus determinantes, ou a fragilidade do lugar na sua
constituição significante e emblemática, ou o extremo, é deixado cair pelo Outro.
Este é um aspecto de nossa cultura que pode ter um peso de carência estrutural.
Recalcati (2004) escreve que, a continuidade discursiva a partir de uma
perspectiva histórica dos sintomas anoréxicos-bulimicos não deve ser
desconsiderada no entendimento desses casos, mas a compreensão desse discurso
tal como se manifesta no contexto capitalista marca a especificidade desse
significante no nosso tempo: “O corpo magro é um significante que se inscreve no
interior de um discurso constituído, o qual garante a esse significante um
determinado valor”.
Na cultura contemporânea, destaca Brusset (1999), a Bulimia aparece como
um espelho invertido do culto do rendimento, ou seja, de uma alimentação racional,
exatamente determinada pelas necessidades biológicas. Ela se contrapõe à
preocupação da economia e da medida. Desafiando a fria racionalidade da ética que
se funda sobre a Ciência, ela oferece uma ilustração às vezes monstruosa dos
efeitos do consumo exagerado da lógica de mercado. Em contraposição, a
representação social valorizada que explora a publicidade é antes a da ligação com
a saúde e a eliminação, a magreza e a distinção, a frugalidade e a eficácia social.
Inversamente, a reprovação da obesidade faz desta uma forma de vulgaridade. Na
clínica, a Bulimia aparece como a busca de um gozo impossível, um tormento, um
sofrimento, uma doença. Inicialmente aceita, e mesmo escolhida e desejada, esta
conduta repetida torna-se fonte de angústia e causa de alienação. Ela mostra a que
ponto a busca pelo gozo é diferente e mesma oposta à da felicidade e mesmo do
prazer.
56
Ainda segundo Brusset (1999), a psicopatologia moderna explica a síndrome
de Bulimia, situando-a naquilo que se chamou uma “patologia de cruzamento”, que
não pode ser assimilada a nenhum dos grandes tipos de funcionamento psíquico ou
de estrutura, aproximando-se conforme o caso de um ou de outro: neurótico,
psicótico, perverso.
Seguindo Freud e Lacan, a experiência nos indica que Anorexia e Bulimia não
são patologias da alimentação, e sim uma problemática que diz respeito ao desejo e
ao gozo. É preciso localizar o sujeito, no que diz e no que não pode dizer, e no que
não tem correspondência. Ou como nos disse Jacques-Alain Miller, os efeitos que
tem para o sujeito a hiância entre o Real e a linguagem, que nunca é sem resto.
(GORALI, 2000)
A recusa a comer é um signo fenomênico que pode se apresentar em
qualquer estrutura pquica. Segundo Recalcati (2001), é central e decisivo na
prática clínica, o critério do diagnóstico diferencial da Anorexia como critério guia
para o tratamento. “A individualização do fenômeno anoréxico ou anoréxico-bulímico
é per si fácil. Não há nenhum enigma na sua posição e, mas, até, de preferência, um
excesso de evidência”.
O autor aponta a estrutura psíquica além da fenomenologia clínica:
Não podemos nos contentar com a evidência do fenômeno. Devemos levar
o fenômeno genérico da Anorexia à dimensão diferencial da estrutura.
Devemos extrair do monocromatismo dos fenômenos típicos (amenorréia,
perda ponderal, hiperatividade, recusa ao alimento, empuxo ao organismo)
o traço cromático específico da estrutura subjetiva. Se Anorexia no singular
não existe, existem, porém, as anorexias - Anorexia neurótica, psicótica,
perversa. Trata-se, sobretudo de conhecer o traço diferencial da Anorexia, o
traço que permite conhecer a função de compensação, suplência ou até de
expressão do delírio do sujeito (como ocorre na psicose), isto é, opor a sua
função de defesa ou de desejo que contra-distingue em geral a sua
inclinação neurótica.
57
4.6 Epidemiologia da Anorexia e Bulimia
Anorexia e Bulimia são cada vez mais foco da atenção dos profissionais da
área de saúde por apresentarem significativos graus de morbidade e mortalidade. O
prejuízo pessoal e social de indivíduos caracteristicamente jovens, o curso longo e
variável e os desafios clínicos que esses transtornos colocam à prática cotidiana
vêm impulsionando a multiplicação de estudos epidemiológicos e de
acompanhamento para observar a evolução dos quadros.
A baixa prevalência da Anorexia e Bulimia na população geral e a tendência
dos indivíduos de ocultar essas patologias e a evitação da busca de tratamento
dificultam os estudos populacionais, que exigem amostras grandes para gerar
estimativas de prevalência e incidência adequados. Assim, muitos dos estudos
realizados até o momento utilizaram estratégias metodológicas alternativas,
baseando-se em prontuários, estudo de casos ou em populações de risco.
(MORGAN, 2005)
Anorexia e Bulimia, segundo Madueño (2003), têm se convertido em
protagonistas de muitas páginas de jornais e de espaços na mídia. Existe um
importante alerta na sociedade e alguns meios falam até de epidemia no século XXI.
Segundo Ferreira, Motta & Silva (2008) evidência clínica do aumento da
prevalência de transtornos alimentares, fato visível com a criação de serviços de
referência, porém não estudos epidemiológicos conclusivos sobre o aumento da
incidência dessas sintomatologias, questionando-se a ocorrência epidêmica: “apesar
do aumento da visibilidade e da pressão crescente por atendimento clínico, há
estudos que questionam o aumento de incidência dessas entidades”.
Lucas et al. (1999) alertam que é preciso considerar com cautela as
informações sobre o aumento da incidência dos transtornos alimentares e segundo
eles, o desenvolvimento do conhecimento nessa área e a intensa divulgação sobre o
assunto podem ter levado a um maior reconhecimento dos casos e à maior
utilização dos serviços especializados, causando apenas aumento aparente das
taxas de incidência.
Madueño (2003) destaca que o existem dados para afirmar que exista um
verdadeiro aumento da incidência dos transtornos alimentares. E Hay (2002) afirma
que os estudos sobre a prevalência dos transtornos alimentares atingiram um
consenso e em geral não corroboram uma incidência ascendente atual.
58
No entanto, vários estudos vêm consistentemente demonstrando um aumento
da sua incidência nas sociedades industrializadas do Ocidente entre os anos de
1950 a 1980, quando parecem ter atingido um platô. (HSU, 1996)
Pesquisas epidemiológicas têm demonstrado que as taxas de prevalência da
Anorexia e Bulimia giram em torno de 0,5 a 1% respectivamente e os casos tratados
representam apenas uma minoria de todos os casos. (NUNES, 2006) Portanto, são
ainda hoje transtornos raros e que acometem principalmente mulheres
(adolescentes ou mulheres jovens) e que até o final da década de 1980 eram pouco
descritas em países não-ocidentais. (MAKINO, 2004)
Os transtornos alimentares parecem ser quadros “ocidentais”, uma vez que
ocorrem mais frequentemente em países desenvolvidos e industrializados, porém,
tem sido cada vez mais documentado o crescimento de casos em países nos quais
costumavam ser raros (países árabes, África e Ásia), talvez por influência de
modificações culturais. (LEE, 2003)
As síndromes parciais têm prevalências substancialmente maiores do que as
síndromes completas. Garfinkel e Garner (1982) ao traçarem o panorama dos
transtornos alimentares, destacaram a presença de comportamentos de controle de
peso e da forma física, que se apresentam num continuum com a Anorexia e Bulimia
e outros comportamentos normais. Os autores afirmam que existem formas mais ou
menos típicas que variam dentro de um espectro com diversos graus de gravidade,
embora não configurem, segundo os critérios diagnósticos adotados pelo DSM-IV e
CID-10, quadros completos.
Nielsen (2001), em extensa revisão de estudos epidemiológicos, estima que
entre mulheres a incidência de Anorexia seja de aproximadamente 8 por 100 mil
indivíduos e a incidência de Bulimia de 13 por 100 mil indivíduos, numa população
pareada por ano.
Os homens também são acometidos por Anorexia e Bulimia, mas em
proporções menores, numa prevalência média de relação homem: mulher de 1:10.
Poucos estudos reportam taxas de incidência no gênero masculino, porém, a taxa
de incidência aproximada da Anorexia e Bulimia em homens confere valores entre
0,1 e 0,8, respectivamente, por 100 mil indivíduos por ano.
Os casos masculinos têm despertado um grande interesse e vêm sendo cada
vez mais estudados; alguns autores salientam a semelhança com a Anorexia
feminina; outros insistem na proximidade da Anorexia masculina com a psicose;
59
outros, ainda, pretendem estabelecer relações entre a Anorexia masculina e a
homossexualidade.
Russel e Keel (2002) demonstraram que dentre os homens parece haver
associação específica entre a homossexualidade masculina e índices elevados de
sintomatologia bulímica e anoréxica. Segundo Di Pietro e Lobão (2005), entre os
homens acometidos por transtornos alimentares, aproximadamente 20% são
homossexuais. Também segundo esses autores, o risco de suicídio e transtornos
psicóticos é maior nos homens do que nas mulheres com Anorexia e Bulimia.
Crianças e pré-adolescentes também desenvolvem Anorexia e Bulimia e
quando o início do quadro se antes dos 14 anos, são denominados transtornos
alimentares com início na infância. Porém sintomas alimentares são comuns em
crianças pequenas e muitas vezes, representam manifestações temporárias das
etapas do desenvolvimento infantil.
Um estudo transversal com 901 escolares entre 8 e 11 anos, selecionados
por conglomerados, no Rio Grande do Sul, concluiu que a percepção de ser gordo,
mesmo com peso adequado, atinge crianças antes da adolescência, em especial
meninas de 11 anos de idade, com maior IMC, menos auto-estima e que pensam
que seus pais gostariam que fossem mais magras. (PINHEIRO, 2006)
Os dados existentes indicam taxas de 9 a 26 casos de Anorexia por 100 mil
habitantes, entre meninas de 10 a 14 anos. Assim como em adultos, a Anorexia é
mais freqüente em meninas do que em meninos, mas a proporção de membros do
sexo masculino com Anorexia é maior entre as crianças do que entre os adultos
(menina:menino = 6:1). Os dados epidemiológicos sobre a Bulimia em crianças são
bastante escassos, mas alguns estudos sugerem que ocorreu, na década de 1990,
aumento da incidência da Bulimia em pacientes do sexo feminino com idade entre
10 e 19 anos, paralelo à diminuição da incidência desse transtorno em mulheres
mais velhas. (FONTES, 2005)
Transtornos psiquiátricos comórbidos (principalmente os transtornos afetivos,
ansiosos, de personalidade e abuso de substâncias) são muito freqüentes aos
transtornos alimentares, sobretudo naqueles pacientes que procuram tratamento e
são considerados fator de pior prognóstico. (APA, 2006).
Fernandes (2006) questiona se seriam comorbidades e afirma que o sintoma
anoréxico pode estar presente numa grande diversidade de quadros
psicopatológicos. Segundo a autora, o diagnóstico diferencial precisa ser realizado
60
em relação a certos quadros psicóticos, em que aparece uma recusa alimentar
associada a preocupações hipocondríacas, a interpretações delirantes ou a um
negativismo mais geral. Ela ainda alerta que a Anorexia tem ligações de proximidade
com a histeria, a fobia, a neurose obsessiva e certos estados pré-psicóticos:
É a clínica, nossa fiel parceira, que nos permite observar numa certa
diversidade de casos, a predominância desse ou daquele aspecto e,
sobretudo, a associação de outros aspectos semiológicos que podem ser da
ordem histérica, fóbica, obsessiva, melancólica e mesmo psicótica.
No Brasil não existem dados populacionais sobre a prevalência e incidência
de transtornos alimentares, tampouco registros fidedignos do número de pacientes
que recebem esses diagnósticos na rede pública de saúde. Embora provavelmente
subdiagnosticados, os transtornos alimentares ocorrem, aparentemente, em nosso
país, com características semelhantes às descritas na literatura. (NUNES, 2006)
Epidemiologistas têm se interessado em investigar o desejo de emagrecer e o
nível de satisfação com o corpo e os estudos confirmam a impressão atual de que
grande parte das mulheres faz dieta e se sentem insatisfeitas com o próprio corpo.
Enfatizam que esses comportamentos têm se manifestado cada vez mais cedo,
inclusive em pré-púberes e crianças.
Em Belo Horizonte, Vilela et al. (2004) encontrou sintomas de preocupação
excessiva com a imagem corporal e dietas em aproximadamente 50% de escolares.
Além disso, certos grupos ocupacionais como atletas, atrizes, modelos,
bailarinas e nutricionistas parecem mais vulneráveis a Anorexia e Bulimia.
61
4.7 Classificações, Critérios Diagnósticos e Complicações Clínicas na
Anorexia e Bulimia
Embora descrita mais de 100 anos, a Anorexia teve critérios
diagnósticos específicos desenvolvidos no início dos anos 1970. A Bulimia foi
concebida como entidade nosológica separada da Anorexia apenas em 1979.
Anorexia e Bulimia, pelas classificações psiquiátricas atuais, são agrupamentos
sintomáticos, caracterizando síndromes clínicas.
As duas síndromes nosológicas Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa acham-
se intimamente relacionados por apresentarem aspectos psicopatológicos comuns:
alteração da percepção da forma e do peso corporais que se expressa como
preocupação excessiva com o peso e forma corporal (“medo mórbido de engordar”)
e como insatisfação constante com a aparência física, que leva o paciente a adotar
comportamento inadequado, dirigido à tentativa de perda de peso.
A última versão do DSM (DSM-IV-TR, 2000), sistema de classificação das
doenças mentais da Associação Psiquiátrica Americana, inclui no grupo dos
Transtornos Alimentares a Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa.
Na Classificação de Transtornos Mentais e do Comportamento da
Classificação Internacional de Doenças (CID-10), elaborada pela Organização
Mundial de Saúde e publicada em 1992, sob o título de Transtornos alimentares, as
duas síndromes estão bem definidas e descritas: Anorexia Nervosa e Bulimia
Nervosa.
Os critérios diagnósticos atualmente vigentes nestes principais sistemas
classificatórios (DSM-IV-TR e CID-10), apresentados nos quadros abaixo, estão
embasados nos critérios inicialmente sugeridos por Russell, tanto para Anorexia
(1970) quanto para a Bulimia (1979). Embora o diagnóstico clínico quase nunca
apresentar dificuldades, os atuais sistemas classificatórios apresentam algumas
diferenças nos critérios diagnósticos.
Nos anos 1980, começaram a ser descritas as síndromes parciais,
constituídas por sintomas num continuum entre a Anorexia e Bulimia, não
preenchendo exatamente os critérios da Anorexia e da Bulimia. Tais quadros
“atípicos” são até mais comuns que as síndromes típicas ou completas.
Tanto a Anorexia como a Bulimia são marcadas por uma dupla obsessão pelo
corpo e pela comida. Mesmo classificados separadamente, os dois transtornos
62
acham-se intimamente relacionados por apresentarem psicopatologia comum: uma
idéia prevalente envolvendo a preocupação excessiva com o peso e a forma
corpórea (“medo mórbido de engordar”) que leva os pacientes a se engajarem em
dietas extremamente restritivas ou utilizarem todos inapropriados para
alcançarem o corpo idealizado. (CLAUDINO, 2005)
A Anorexia, em geral, apresenta-se nos primeiros anos da puberdade e se
manifesta por uma recusa alimentar deliberada, que leva a comprometimento
intenso do estado nutricional. afetação da percepção da imagem corporal, com
busca incessante da magreza e medo intenso de engordar. Secundariamente,
ocorre transtorno endócrino com amenorréia.
A Anorexia de início na infância pode ter impacto no crescimento e
desenvolvimento da criança.
Geralmente, os indivíduos com Anorexia são obstinados, organizados,
estudiosos, falam pouco e são orgulhosos do seu sintoma. A perda de peso parece
ser vista como uma conquista importante, testemunhando a eficácia de seus
métodos e da sua autodisciplina, ao passo que o ganho de peso é percebido como
um inaceitável fracasso de seu autocontrole. Eles podem empregar uma ampla
variedade de técnicas para estimar seu peso, incluindo pesagens excessivas,
medições obsessivas de partes do corpo e uso persistente de um espelho para a
verificação das áreas percebidas como "gordas". A auto-estima deles depende
obsessivamente de sua forma e peso corporais.
Embora alguns pacientes com este transtorno possam reconhecer que estão
magros, eles tipicamente negam as sérias implicações de seu estado de
desnutrição. Um estranho comportamento em relação à comida pode ser exibido por
alguns desses pacientes. Eles costumam esconder comidas pelos armários,
banheiros, dentro de roupas ou podem preparar pratos extremamente elaborados
para amigos ou familiares. Ou ainda, podem procurar empregos como garçonetes,
cozinheiros ou simplesmente colecionar receitas e artigos sobre comida.
A preocupação crescente com alimentos e o conhecimento sobre eles ocorre
juntamente com a diminuição no consumo. Assim, intensifica o medo de ceder ao
impulso de comer e aumentam as proibições contra ela. Dentro da gica comum a
Anorexia é um quadro incompreensível, choca-se com o impulso da vida, ocorre em
adolescentes aparentemente saudáveis e sem motivo aparente, surpreendendo
amigos e familiares. (FERREIRA, MOTTA & SILVA, 2008)
63
Os desafios na abordagem e a possível evolução crônica associada à alta
mortalidade impulsionam a busca de sua compreensão.
Por sua vez, a Bulimia, segundo descrição de Ferreira, Motta & Silva (2008),
ocorre em adolescentes mais velhos e adultos jovens, nela também está presente a
obsessão como corpo e a preocupação constante com a comida, caracterizada por
episódios freqüentes de compulsão alimentar (Binge Eating), aos quais se segue um
forte sentimento de culpa e práticas purgativas. o comuns as auto-acusações e
auto-agressões, períodos de restrição alimentar, uso de medicamentos para
emagrecer e tendência às mais variadas formas de purgação (vômitos, exercícios
físicos exagerados, uso de laxativos e diuréticos). O peso corporal se mantém,
mesmo com os episódios de compulsão alimentar, devido aos comportamentos
compensatórios.
As bulímicas, em geral, o desorganizadas, queixosas, fazem transgressões
sociais com freqüência, envergonham-se e ocultam seus sintomas (até por anos),
sobretudo os vômitos e os episódios de compulsão alimentar. A auto-avaliaçao é
excessivamente influenciada pela forma do corpo e pelo peso do corpo, assim como
uma autocrítica severa frequentemente acompanha o sentimento de falta de
controle. O diagnóstico diferencial com doenças que levam à desnutrição (Anorexia)
e que possam provocar vômitos de repetição (Bulimia) é fundamental. E nos casos
atípicos impõe-se uma investigação clínica cuidadosa.
Segundo Fernandes (2006), os impasses terapêuticos colocados em
evidência pela gravidade dos transtornos alimentares têm levado diversos autores
do campo psiquiátrico a insistir na necessidade de uma formulação teórica mais
ampla dos processos psicopatológicos envolvidos no aparecimento destes sintomas.
Uma recusa a levar em consideração as dimensões mais abrangentes da
subjetividade acaba por limitar a compreensão desses casos e assim restringir o
alcance terapêutico a que se poderia aspirar. “As razões evocadas para tentar
compreender a evidência da Bulimia e da Anorexia na atualidade apenas assinalam
que tal pluralidade aparece junto com a diversidade psicopatológica encontrada
nesses casos clínicos. A pluralidade aparece também na multiplicidade de recursos
empregados no tratamento desses quadros.”
A autora alerta:
Se a impossibilidade de a anoréxica perceber sua magreza e sua insistência
em levar a cabo seu projeto de restrição alimentar são a prova de que o
corpo não pode ser reduzido meramente ao registro do que é somático, o
64
seu flerte com a morte e os riscos aos quais submete esse corpo assinalam
a necessidade de permanecermos atentos a esse corpo biológico.
Quadro 1: Critérios diagnósticos para Anorexia e Bulimia pela CID-10
Anorexia Nervosa
a. O peso corporal é mantido em pelo menos 15% abaixo do esperado (tanto
perdido quanto nunca alcançado) ou o índice de massa corporal de Quetelet [IMC =
peso (kg)/ altura² (m)] em 17,5 ou menos. Pacientes pré-puberes podem apresentar
falhas em alcançar o ganho de peso esperado durante o período de crescimento.
b. A perda de peso é auto-induzida por abstenção de “alimentos que engordam” e
um ou mais do que se segue: vômitos auto-induzidos, purgação auto-induzida,
exercício excessivo, uso de anorexígenos e/ou diuréticos.
c. uma distorção da imagem corporal na forma de uma psicopatologia específica
por meio da qual um pavor de engordar persiste como uma idéia intrusiva e
sobrevalorizada, e o paciente impõe um baixo limiar de peso a si próprio.
d. Um transtorno endócrino generalizado envolvendo o eixo hipotálamo-hipofisário-
gonadal é manifestado em mulheres com amenorréia e em homens como perda de
interesse e potência sexuais (uma exceção aparente é a persistência de
sangramentos vaginais em mulheres anoréxicas que estão recebendo terapia de
reposição hormonal, mais comumente tomada como uma pílula contraceptiva). Pode
também haver níveis elevados de hormônio do crescimento, níveis aumentados de
cortisol, alterações no metabolismo periférico do hormônio tireoidiano e
anormalidades de secreção de insulina.
e. Se o início é pré-puberal, a seqüência de eventos da puberdade é demorada ou
mesmo detida (o crescimento cessa: nas garotas, os seios não se desenvolvem e
uma amenorréia primária; nos garotos, os genitais permanecem juvenis). Com a
recuperação, a puberdade é com freqüência completada normalmente, porém a
menarca é tardia.
Bulimia Nervosa
a. uma preocupação persistente com o comer e um desejo irresistível por
comida; o paciente sucumbe a episódios de hiperfagia, nos quais grandes
quantidades de alimentos são consumidas em curtos períodos de tempo.
b. O paciente tenta neutralizar os efeitos “de engordar” dos alimentos por meio de
um ou mais do que se segue: vômitos auto induzidos, abuso de purgantes, períodos
alternados de inanição, uso de drogas como anorexígenos, preparados tireoidianos
ou diuréticos. Quando a Bulimia acontece em pacientes diabéticos, eles podem
escolher negligenciar seu tratamento insulínico.
c. A psicopatologia consiste de um pavor mórbido de engordar, e o paciente coloca
para si mesmo um limiar de peso nitidamente definido, bem abaixo de seu peso pré-
mórbido que constitui o peso ótimo ou saudável na opinião do médico.
freqüentemente, mas não sempre, uma história de um episódio prévio de Anorexia
nervosa, o intervalo entre os dois transtornos variando de poucos meses a vários
anos. Esse episódio prévio pode ter sido completamente expressado ou pode ter
assumido uma forma “disfarçada” menor, com uma perda de peso moderada e/ou
uma fase transitória de amenorréia.
65
Quadro 2: Critérios diagnósticos para Anorexia nervosa e Bulimia nervosa segundo
o DSM-IV-TR
Anorexia Nervosa
a. Recusa de manter o peso corporal em um nível igual ou acima do mínimo normal
adequado à idade e à altura (p. ex., perda de peso levando à manutenção do peso
corporal abaixo de 85% do esperado; ou incapacidade de atingir o peso esperado
durante o período de crescimento, levando a um peso corporal menor que 85% do
esperado).
b. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, mesmo estando com peso abaixo
do normal.
c. Perturbação no modo de vivenciar o peso ou a forma do corpo, influência indevida
do peso ou da forma do corpo sobre a auto-avaliação, ou negação do baixo peso
corporal atual.
d. Nas mulheres pós-menarca, amenorréia, isto é, ausência de pelo menos três
ciclos menstruais consecutivos. (Considera-se que uma mulher tem amenorréia se
seus períodos ocorrem apenas após a administração de hormônio, por exemplo,
estrógeno).
Especificar tipo:
Tipo Restritivo: durante o episódio atual de Anorexia Nervosa, o indivíduo não se
envolveu regularmente em um comportamento de comer compulsivamente ou de
purgação (isto é, indução de vômito ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou
enemas).
Tipo Compulsão Periódica/Purgativo: durante o episódio atual de Anorexia
Nervosa, o indivíduo envolveu-se regularmente em um comportamento de comer
compulsivamente ou de purgação (isto é, indução de vômito ou uso indevido de
laxantes, diuréticos ou enemas).
Bulimia Nervosa
a. Episódios recorrentes de compulsão periódica. Um episódio de compulsão
periódica é caracterizado por ambos os seguintes aspectos:
(1) Ingestão, em um período limitado de tempo (por exemplo, dentro de um período
de 2 horas) de uma quantidade de alimentos definitivamente maior do que a maioria
das pessoas consumiria durante um período similar e sob circunstâncias similares.
(2) Um sentimento de falta de controle sobre o comportamento alimentar durante o
episódio (por exemplo, um sentimento de incapacidade de parar de comer ou de
controlar o tipo e a quantidade de alimento).
b. Comportamento compensatório inadequado e recorrente, com o fim de prevenir o
aumento de peso, como indução de vômito, uso indevido de laxantes, diuréticos,
enemas ou outros medicamentos, jejuns ou exercícios excessivos.
c. A crise bulímica e os comportamentos compensatórios inadequados ocorrem, em
média, pelo menos duas vezes por semana, por 3 meses.
d. A auto-imagem é indevidamente influenciada pela forma e pelo peso do corpo.
e. O distúrbio não ocorre exclusivamente durante episódios de Anorexia Nervosa.
Especificar tipo:
66
Tipo Purgativo: durante o episódio atual de Bulimia Nervosa, o indivíduo envolveu-
se regularmente na indução de vômitos ou no uso indevido de laxantes, diuréticos
ou enemas.
Tipo Não-Purgativo: durante o episódio atual de Bulimia Nervosa, o indivíduo usou
outros comportamentos compensatórios inadequados, tais como jejuns ou exercícios
excessivos, mas não se envolveu regularmente na indução de vômitos ou no uso
indevido de laxantes, diuréticos ou enemas.
Nas pesquisas, a definição dos critérios classificatórios faz-se necessário a
fim de buscar um mínimo de concordância na definição das entidades nosológicas.
Porém, no âmbito da clínica, os limites das classificações se mostram evidentes. Os
sistemas classificatórios ressaltam os principais quadros, porém ainda não
conseguiram cobrir a variedade de alterações comportamentais alimentares. A
clínica nos mostra uma grande quantidade de casos, que por não preencherem os
critérios exigidos, não se enquadram nos diagnósticos, desafiando as tentativas de
categorização. Mesmo os critérios de Anorexia e Bulimia dão margem a
controvérsias e variações entre os dois principais sistemas classificatórios, refletindo
a existência de lacunas nas classificações diagnósticas.
Apesar da dificuldade classificatória, observada na clínica, os pacientes
seguem com seus sintomas, seu modo de funcionamento, a singularidade de suas
histórias subjetivas e seu sofrimento. Os critérios meramente descritivos das
classificações aprisionam o paciente na impossibilidade de atribuir sentido ao
sintoma e de criar algo de novo.
A formalização do diagnóstico em casos leves ou mal estabelecidos contribui
para a fixação dos sintomas. Observa-se uma hipervalorização da categorização
diagnóstica em detrimento da construção de um diagnóstico baseado na observação
e descrição cuidadosa do quadro clínico, operando um efeito de recusa da
singularidade e das dimensões subjetivas e da particularidade das histórias de vida
desses pacientes.
que se questionar qualquer instrumento que se proponha padronizar a
prática da clínica psiquiátrica, como as classificações diagnósticas atuais. O
diagnóstico psiquiátrico atual mostra uma fragmentação dos quadros nosológicos
em um mesmo paciente, num agrupamento de comorbidades. Percebe-se a
simplificação descritiva e a tentativa de uma listagem objetiva dos sinais e sintomas,
aliadas aos novos métodos diagnósticos: escalas.
67
A construção do conhecimento médico-científico atual tem privilegiado a
observação distanciada de coletividades agrupadas apenas por sintomas similares
(Medicina Baseada em Evidências). Os estudos estatísticos ampliam os números
para diluir o que é singular, procuram na resposta estatisticamente significativa um
evento que possa repetir-se no novo caso, independente de sua particularidade.
Privilegia-se a classificação e agrupamento estatístico ao estudo clínico singular de
cada paciente.
Segundo Fuks (2003), o modelo neo-organicista, que predomina na
psiquiatria atualmente, tende a suprimir a noção de processo psicopatológico. Trata-
se hoje de descrever e identificar síndromes, com base em um critério puramente
sintomático, concebido a partir de uma modificabilidade por um agente
neuroquímico. Porém, a mera identificação e ação sobre os comportamentos
alimentares e seus efeitos psíquicos e somáticos, sem levar em conta os aspectos
estruturais e históricos, leva a resultado nulo, pobre, com tendência à repetição ou a
uma substituição, não benéfica, da sintomatologia.
Apesar de o que de específico no homem é a impossibilidade de
especificar o comportamento humano, pois o homem está sujeito a sua realidade
subjetiva, ao ambiente e ao contexto em que vive, as classificações tentam tornar o
sujeito um elemento homogêneo, identificável, de comportamento previsível.
Também favorecem o aparecimento de sintomas por identificações, difíceis de
serem abaladas, como na Depressão, Anorexia e Bulimia, Drogadição. Essa
categorização rígida deixa os sujeitos sem questionar, sem se implicar, mudos, e
inanalisáveis. Dificultam o lugar da exceção, do particular, do sujeito: nada é
singular!
A psicanálise surge na contramão da classificação. Surge do inclassificável
(histeria) e vai operar a partir de um saber a ser produzido. A clínica psicanalítica
sustenta o sujeito em sua singularidade, diante da dissolução que lhe é imposta pela
medicina, de modo geral, e pela psiquiatria em particular.
O impacto que a Anorexia e a Bulimia causam sobre a saúde psíquica e física
é considerável e preocupante e leva a complicações importantes.
As complicações da Anorexia envolvem diferentes órgãos e sistemas, que por
sua vez respondem de forma característica ao grau de desnutrição alcançado. No
aparelho cardiovascular ocorre redução da massa cardíaca associada a diminuição
da pressão arterial e freqüência cardíaca. A bradicardia pode ser intensa e
68
chegando a parada cardíaca, sendo muitas vezes indicação de internação. O trato
gastrintestinal apresenta retardo do esvaziamento gástrico e constipação intestinal.
Pode haver alterações das enzimas hepáticas. Sua instalação no período pré-
puberal é causa de baixa estatura e atraso da maturação sexual. A associação entre
disfunção hipotalâmica, redução da porcentagem de gordura corporal, caquexia e
exercícios físicos excessivos pode ser causa tanto de amenorréia primária quanto
secundária. A osteopenia é secundária ao hipogonadismo hipotalâmico com baixo
estrogênio, levando, nos casos mais graves, a fraturas patológicas e compressão
vertebral. Ainda, a alteração hipotalâmica pode afetar os centros termo-reguladores,
de regulação da saciedade e a concentração urinária. também hipoglicemia por
deficiência de precursores para a gliconeogênese; hipoplasia de medula óssea com
leucopenia e anemia. Alterações dermatológicas secundárias a desnutrição são
semelhantes às observadas no marasmo: pele seca, cabelos quebradiços, alopécia
e unhas descamativas. Com exceção da baixa estatura quando o comprometimento
é na fase pré-puberal, as alterações podem ser reversíveis com a realimentação
adequada e recuperação da massa corpórea.
Na Bulimia Nervosa, as principais complicações clínicas são decorrentes da
forma como o paciente elimina o excesso de comida após o episódio de compulsão
alimentar. Os vômitos repetidos podem determinar quadros de esofagite, gastrite,
Síndrome de Mallory-Weiss, esôfago de Barret, hipertrofia de glândulas salivares e
desgaste do esmalte dentário. Pneumotórax, pneumomediastino e fratura de arcos
costais podem ocorrer por vômitos vigorosos. Catárticos e laxativos podem causar
esteatorréia, pancreatite aguda, hiperamilasemia e elevação da aldosterona sérica.
O sinal de Russel (lesão no dorso da mão pelo trauma repetido dos dentes incisivos
na provocação dos vômitos) é patognomônico. Raramente o paciente apresenta
comprometimento importante do estado nutricional.
Abaixo, estão listadas as principais complicações clínicas da Anorexia e
Bulimia. (ASSUMPÇÃO, 2002)
Metabólicas e hidroeletrolíticas
Hipocalemia, hiponatremia, hipernatremia, hipomagnesemia, hiperfosfatemia
Hipoglicemia, hipercolesterolemia
Alcalose metabólica, acidose metabólica
Neurológicas
Alargamento dos sulcos cerebrais
Dilatação dos ventrículos
Atrofia cerebral (reversível)
69
Oftalmológicas
Diminuição da acuidade visual
Degeneração da retina
Atrofia do nervo óptico
Cataratas
Endócrinas
Síndrome do eutiroidiano doente
Pseudocushing
Amenorréia, oligomenorréia
Diminuição da libido
Infertilidade
Osteopenia ou osteoporose
Atraso ou retardo do desenvolvimento ponderal
Gastrointestinais
Esofagite, hematêmese (S. de Mallory-Weiss)
Retardo do esvaziamento gástrico, redução da motilidade intestinal
Constipação
Prolapso retal
Dilatação gástrica
Alteração da função hepática
Hiperamilasemia
Hipertrofia das glândulas parótidas e submandibulares
Renais
Cálculo renal
Azotemia pré-renal
Insuficiência renal
Bucomaxilares e fâneros
Corrosão e cáries dentárias
Queilose
Ressecamento cutâneo, pele fria e pálida
Hipercarotenemia
Calosidade nos dedos ou no dorso das mãos (Sinal de Russel)
Acrocianose
Pulmonares
Taquipnéia e bradipnéia
Edema pulmonar
Pneumomediastino
Cardiovasculares
Hipotensão
Bradicardia ou taquicardia
Atrofia da musculatura cardíaca
Arritmias
Hematológicas
Anemia
Leucopenia
Trombocitopenia
Neutropenia
70
As alterações clínicas estão relacionadas a todos os sistemas e decorrem
principalmente do estado nutricional e da composição corpórea das pacientes, e dos
métodos compensatórios utilizados. As alterações estão relacionadas ao corpo não
só a nível de sua imagem, como também e sobretudo a nível de sobrevivência.
71
4.8 A Abordagem Psicanalítica da Anorexia e Bulimia
A psicanálise novamente ganha espaço no tratamento da Anorexia e Bulimia,
após alguns anos em que prevaleceram o discurso médico e o da psicologia clínica
de orientação cognitivo-comportamental, que consideravam o sujeito anoréxico-
bulímico fundamentalmente “inanalisável”. A psiquiatrização e a medicalização da
Anorexia e Bulimia foi por ela questionada, porque não levava em conta o singular
do sujeito. Neste aspecto, a psicanálise foi contra a segregação médico-psiquiátrica
imperante nas estratégias terapêuticas e contra a redução sociogica de ser uma
enfermidade causada pela indústria da moda. (CASTRILLEJO, 2004)
Contra o uso universal, anônimo e classificatório da categoria diagnóstica
“Transtornos Alimentares” e tendo a particularidade do sujeito como crucial para o
diagnóstico, a psicanálise entende a Anorexia e Bulimia como conjunto de
comportamentos a luz da estrutura do sujeito e de seus critérios diferenciais
(neurose, psicose e perversão).
Como as histéricas dos anos 1900, também as anoréxicas dos anos 2000 não
responderam a oferta do sujeito suposto saber de suas épocas. A abordagem
analítica associada à terapêutica, com ênfase no tratamento preliminar do gozo, no
ato analítico e na importância do tratamento da demanda, vem mostrando eficácia
na clínica da Anorexia e Bulimia. (RECALCATI, 2004)
A clínica da Anorexia e Bulimia se ocupa precisamente do sujeito do
inconsciente, por mais que se disfarce com as máscaras das novas formas de
sintoma e por mais que o discurso capitalista pretenda cancelá-lo.
O gozo é a satisfação de uma pulsão que envolve o corpo comprometido pela
ação do significante. O corpo é inseparável do gozo, é a sede do gozo. O sujeito
com sintomas anoréxico-bulímicos encontra-se diante do Outro, marcado por uma
posição fixa, fechado num circuito interno onde o gozo e sua mostração não
permitem a inclusão de laços sociais firmemente constituídos.
Viganò (1999c) situa a Anorexia e Bulimia entre os “novos sintomas”, para
diferenciá-los do sentido clássico do sintoma, ou seja, o sintoma como algo
enigmático, como metáfora que divide o sujeito e o envia à análise. Para ele, os
novos sintomas que se proliferam na contemporaneidade, não se constituem em
enigma para o sujeito, e sim em algo com que o sujeito se identifica, mas que ao
mesmo tempo o oblitera: “eu sou anoréxica” ou “eu sou bulímica”. Assim não
72
demanda de análise. Estes sintomas prescindem do Outro, rechaçam o
inconsciente, tamponam o sujeito e impedem o gozo fálico.
Para Tarrab (2006): “os ‘novos sintomas’ mostram os limites de nossa prática
sob transferência porque são paradigmáticos desta época de rechaço do saber, de
decadência das referências ligadas ao ideal, de vacilação dos semblantes da
cultura.” Segundo o autor, não desciframento da Anorexia e Bulimia. “O analista
tem de saber produzir um corte no circuito pulsional, para que o gozo que se
realiza possa tomar outra direção.”
Segundo Castrillejo e Rodrigues (2004): “Usar a psicanálise nas novas
situações que propõe a subjetividade de nossa época: se trata de uma política.
Fazer existir a psicanálise, na nossa época que não quer saber nada do que a
determina, sustentar a singularidade do sujeito frente aos ataques niveladores e
padronizadores do discurso da ciência, além de ser um dever ético do analista, é
uma política da psicanálise”.
O ensino de Lacan consiste em pensar a posição do sujeito em termos
estruturais. Anorexia e Bulimia não são estruturas. As estruturas sobre as quais se
funda a clínica psicanalítica em sua matriz freudiana são: neurose, psicose e
perversão. A Anorexia e Bulimia indicam um fenômeno. Um fenômeno que por
algumas características específicas monotonia discursiva, rigidez identificatória,
narcisismo exaltado tende a ocultar mais do que revelar a estrutura do sujeito.
Portanto, detrás do fenômeno anoréxico-bulímico deve-se sempre descobrir a
estrutura do sujeito.
O critério fundamental que orienta um diagnóstico em psicanálise é o critério
estrutural. A clínica psicanalítica deve poder mostrar a partir da fenomenologia
sintomática do sujeito – a partir da “envoltura formal do sintoma”, como diz Lacan – a
estrutura de fundo.
Segundo Recalcati (2004), é justamente por essa razão fundamental que o
diagnóstico de Anorexia e Bulimia não significa grande coisa por si mesmo, se não
se acompanha da individualização da estrutura correspondente (esquematizando,
haverá Anorexias e Bulimias com estrutura neurótica e Anorexias e Bulimias com
estrutura psicótica).
Um segundo critério orienta o diagnóstico em psicanálise. Na clínica
psicanalítica, afirmava Freud, deve-se tomar cada caso como se fosse o primeiro.
73
Deste modo ressalta-se a importância absoluta da subjetividade individual, não
universalizável, do paciente.
Diferentemente do diagnóstico de “Anorexia Nervosa” ou “Bulimia Nervosa”
baseados no universal-genérico das classificações psiquiátricas atuais, a clínica
psicanalítica se funda no particular do sujeito.
Trata-se principalmente de individualizar, a partir da série monótona e
genérica com a qual se manifesta o fenômeno anoréxico-bulímico, uma
diferenciação a nível de estrutura (pois, as anoréxicas e bulímicas se apresentam de
um modo repetitivo: as histórias, os rituais, as obsessões, as angústias, as relações
com os outros tendem a se reproduzir em ries uniformes). Este ó o ponto de
partida da clínica psicanalítica: a evidência anoréxico-bulímica encobre o aspecto
diferencial da estrutura.
A clínica psicanalítica foi organizada por Freud segundo um critério estrutural.
A diferença estrutural reflete a possibilidade de uma constituição diferente da
realidade: a constituição neurótica e a constituição psicótica.
A neurose toma a forma do recalque (Verdrängung). conflito entre o Ego
(ou Eu) e as cargas pulsionais. Existe um “abuso de poder” das exigências da
realidade externa sobre o Id (ou Isso) que impõe ao sujeito uma renúncia pulsional.
Nesse sentido, o Eu neurótico cumpre a função, para Freud, de reprimir uma parte
do Isso. A repressão intervém para afastar ou separar da consciência as cargas
pulsionais e seus representantes. O efeito desta operação sobre o sujeito é um
efeito de divisão: o que foi reprimido não pertence ao governo da consciência e
seu retorno dá lugar à produção de sintomas. Desta forma, a constituição do sintoma
neurótico coincide com o retorno do reprimido como efeito produzido pela repressão,
de natureza falida. É o fracasso da repressão que torna possível o retorno do
reprimido.
Portanto, a constituição neurótica da realidade do sujeito se realiza em dois
tempos: em um primeiro tempo se reprime um elemento pulsional (o tempo da
repressão propriamente dita) e num segundo tempo, o que foi reprimido, justamente
devido à causa da natureza falida da repressão, retorna na formação sintomática (o
tempo da constituição do sintoma neurótico).
O processo da formação da psicose é conhecido como “foraclusão”
(Verwerfung). Na psicose, o “abuso de poder” é do Isso. O reprimido não é o
empuxo pulsional e sim a realidade externa enquanto tal. O processo de constituição
74
da realidade do sujeito também se efetua em dois tempos: o primeiro tempo é o
tempo da rebelião do Isso ao principio de realidade, que tende a tomar a forma de
uma verdadeira ruptura com a realidade externa e com as leis simbólicas que a
governam. Esta rebelião pode tomar o aspecto de uma identificação imaginária
particularmente rígida através da qual o sujeito pode manter em “sua realidade”, até
que se verifica efetivamente o desencadeamento psicótico. O segundo tempo toma
então, depois do advento do desencadeamento, o aspecto de um trabalho de
reconstrução da realidade. Se trata de um trabalho de reparação, de recomposição
através do delírio, de uma nova realidade, de uma neo-realidade depois da ruptura
com a realidade que ocorre no momento do desencadeamento.
Para Freud, a alucinação indica um esforço do sujeito para fazer corresponder
suas próprias percepções com a neo-realidade que ele mesmo fabrica através do
delírio.
O problema diagnóstico é determinar qual a estrutura no discurso anoréxico-
bulímicos.
Segundo Deffieux (2005), pode ser difícil fazer o diagnóstico baseado
unicamente no ensino de Lacan dos anos 50 e demonstra a importância da segunda
leitura feita por Lacan das psicoses nos novos sintomas. “Esta clínica do sintoma
não vem contradizer em nada a barreira estrutural neurose/psicose estabelecida por
Lacan nos anos 50, mas permite classificar do lado das psicoses sujeitos aentão
classificados nas mais diversas categorias: borderline, transtornos do humor,
histeria, neurose narcísica.” Na clínica estrutural interessa a posição do sujeito
diante do Outro da linguagem.
Na clínica da psicose, a Anorexia e a Bulimia funcionam em efeito como
barreira a um Outro invasor que quer gozar do sujeito, ao Outro devorador da
psicose. A Bulimia tenta manter distância deste Outro através da purgação
compulsiva. A obsessão anoréxica pelo corpo magro se esgota em si mesma e não
nenhuma dialética com o Outro. Essa obsessão tenta funcionar para o sujeito
como suplência do Nome do Pai, porque é através dessa imagem de corpo magro
que o sujeito sustenta uma identidade própria. A Anorexia e Bulimia permitem que a
psicose não se desencadeie, oferecendo ao sujeito a possibilidade de se manter
estabilizado, através da identificação. Quando a barreira anoréxica ou da purgação
bulímica não são suficientes para conter o imperativo do gozo do Outro, as vivências
de fragmentação e de deformação do corpo tendem a aparecer. (RECALCATI, 2004)
75
Quando a estrutura subjetiva está no campo da neurose, a Anorexia funciona
como uma provocação, um desafio dirigido ao Outro, como uma interrogação sobre
o seu desejo. Na clínica da neurose encontramos versões obsessivas ou versões
histéricas da Anorexia e Bulimia.
Na histeria, o tema central para o sujeito é como poder inscrever no Outro
uma falta, como ter valor para o Outro, como poder fazê-lo desejar. Tomando a
forma de chantagem ao Outro, o sujeito histérico com Anorexia e a Bulimia quer
sentir que falta ao Outro, que é algo para o Outro, declarando, na realidade, a
impotência do Outro.
Na modalidade histérica, o sujeito “faz de si mesmo aquilo que pode faltar ao
Outro, joga com a morte, transforma-se em um espectro vivente, mostra
teatralmente seus estigmas para que provoquem no Outro, até então fechado sobre
si mesmo, uma falta, uma falta de amor”. (RECALCATI, 2004)
Na estrutura obsessiva, o problema para o sujeito é chegar à destruição do
desejo do Outro. A anoréxica não quer de maneira alguma que seu corpo seja
tocado pelo gozo, quer desapegar completamente o gozo, do corpo. Portanto o
problema da Anorexia e Bulimia com estrutura obsessiva é sobrepor o reino da
necessidade, da ordem ao reino do desejo, da contingência. E aqui se encontra toda
a fenomenologia obsessiva anoréxica-bulímica. Na Bulimia, o reino simbólico
destruído e transformado no contrário (corpo mal-cuidado, desordem, passagens ao
ato auto-destrutivas, empaturramentos compulsivos) assinala a irrupção do real
pulsional como aquilo que desarticula a ordem obsessiva.
Na modalidade obsessiva, o sujeito “renuncia ao desejo de modo definitivo,
aniquila-se na Imago, arrisca a vida antes de dar um sinal de seu próprio desejo ao
Outro, de mostrar sua própria falta, antes de ser atrapalhado na contingência do
desejo.” (RECALCATI, 2004)
A clínica psicanalítica da Anorexia e Bulimia é considerada uma clínica da
metáfora débil.
A clínica psicanalítica clássica, que nasce com Freud, é uma clínica
construída sobre o valor metafórico do sintoma. E na clínica da neurose o trabalho
analítico é de deciframento da cifra enigmática encarnada no sintoma, através da
transferência.
Numa espécie de antagonismo à clínica da neurose, Lacan introduz o
conceito de holófrase na clínica da psicose, marcando a possibilidade de existência
76
de outra clínica além da clínica construída sobre a primazia da metáfora. Holófrase é
uma palavra-frase, congelada, petrificada, que ao contrário da metáfora, não
representa nada. Segundo Lacan, holófrase é uma solidificação da cadeia
significante que imobiliza o discurso. O intervalo significante S1-S2 se fecha, se faz
um e o sujeito não está representado por um significante para outro significante. O
sujeito faz um com o Outro. A holófrase não metaforiza o sujeito porque o reduz a
uma identificação absoluta e neste sentido, anula a separação.
Em geral, segundo Recalcati (2004), a clínica, em suas formas mais atuais
(como exemplo, Anorexia, Bulimia, Drogadição, Depressão), se caracteriza pela
extrema debilidade da metáfora paterna. Trata-se de uma inclinação holofrásica do
discurso, que toma lugar do ordenamento metafórico e metonímico da linguagem.
Em vez do sintoma e de seu valor metafórico encontramos a dependência da
substância (Bulimia) ou uma identificação idealizante que carece de dialética,
absoluta, narcisista, mortífera (Anorexia). Nem a substância, nem a identificação
idealizante assumem para o sujeito o valor enigmático do sintoma. O sintoma
anoréxico-bulímico se impõe como evidência que obtura a divisão subjetiva. O
sujeito não se apresenta dividido, desconcertado pelo retorno do reprimido, mas
identificado holofrásicamente a seu significante-mestre. A des-subjetivação
holofrásica do sujeito produz o congelamento da cadeia significante, anulando o
intervalo entre S1 e S2. O sujeito fica confundido com o Outro, faz Um com o Outro.
O tratamento destas posições subjetivas constitui um desafio à clínica
psicanalítica na atualidade. A clínica evidencia uma fixação obstinada, sem dialética,
da posição anoréxico-bulímica.
A Anorexia e a Bulimia evidenciam o problema de uma inclinação holofrásica
do discurso que se opõe ao trabalho analítico. A inclinação holofrásica do discurso
provoca um efeito de bloqueio, de oxidação da dialética discursiva, indicando um
modo particular da identificação que a faz inanalisável.
A holófrase anoréxica se realiza no terreno da identificação, na qual a
holofrasização do discurso se configura como solidificação monolítica do sujeito a
um significante Ideal: a Anorexia como auto-coincidência imaginária do sujeito
com o Ideal, que exclui a divisão suscitada no sujeito pela pulsão. A suplência
anoréxica ao déficit da função paterna vem através do Ideal e se cumpre
narcisisticamente.
77
A Anorexia não faz sintoma, por si mesma, para o sujeito. A função lógica da
Anorexia é oferecer ao sujeito uma identificação que o resguarde da divisão. A
anoréxica não quer se curar da Anorexia, que funciona para ela como uma cura
auto-induzida. A anoréxica não é um sujeito dividido, enquanto sustenta a
identificação idealizante ao S1 da Anorexia. As anoréxicas que demandam
tratamento são aquelas que têm a função narcisística da identificação abalada.
Porém, a holófrase anoréxica não exclui a psicose. Segundo Recalcati (2004),
“justamente pela posição de imbricação a respeito do Outro materno na qual se
encontra o sujeito, haveria que pressupor sempre uma estrutura psicótica da
Anorexia e Bulimia, ao menos até que se prove o contrário.”
A psicose na Anorexia raramente toma a forma desencadeada do
descarrilamento metonímico do sentido que fica sem pontos de ancoragem, sem
amarras simbólicas pela forclusão do Nome do Pai. A psicose na Anorexia toma
principalmente a forma de uma psicose ordinária, branca, fria, fechada, na qual o
que chama a atenção não é o superaquecimento da cadeia significante (a
proliferação excedente de sentido que caracteriza o delírio psicótico), mas
principalmente o congelamento do valor semântico do discurso.
Na Bulimia, o curto-circuito holofrásico é entre o sujeito e o objeto. O sujeito
não constitui nenhuma metáfora, na compulsão e repetição dos empanturramentos
bulímicos: um empuxo acéfalo, pulsional, a um gozo em excesso, destrutivo, que
encadeia ao sujeito a uma série monótona. O alimento e a droga não funcionam
como objetos separadores. o transição entre o sujeito e o Outro; o sujeito fica
holofrasiado pelo Outro. O automatismo compulsivo da bulímica é apenas
aparentemente alternativo à recusa anoréxica. Ao nada se substitui o todo. Mas o
todo da Bulimia é inconsistente. É um todo feito de nada. Esta é a prova da qual se
submete a bulímica: mostrar que por mais que se negue a falta, por mais que o
corpo se reduza a forma de uma bolsa vazia, tem algo que não se satisfaz. Fica
sempre um resto da diferença da ilusão de uma redução mortífera do desejo ao
gozo. Neste sentido, a bulímica exibe o caráter puramente pulsional da oralidade
porque a satisfação que busca não a encontra no alimento.
Segundo Alvarenga (2003):
Os estados anoréxicos e bulímicos devem ser abordados como sintomas
em suspenso, ou seja, podendo ser encontrados de maneira contingente e
provisória, à espera de uma boa interpretação que os inclua em uma cadeia
significante, ou de maneira necessária e permanente, enquanto modos de
vida. Em cada caso, trata-se de verificar se podemos fazer deles sintomas
78
analíticos ou se estão fadados a cumprir para tal sujeito, a função
identificação da qual o sujeito não pode prescindir.
79
4.9 Psicose: entre a Psiquiatria e a Psicanálise
A história dos psiquiatras e neurologistas que escreveram e teorizaram sobre
a psicose (em especial da esquizofrenia) encontra paralelo na história da própria
psiquiatria.
“A história da esquizofrenia encerra os inúmeros dilemas e soluções
propostos pelo pensamento psiquiátrico nos últimos duzentos anos e ainda continua
desafiando a pesquisa, seus métodos e interpretações. Ela de algum modo reafirma
a parceria da psiquiatria com a clínica, com o sujeito e com o social.” (LAUAR, 2002)
A partir da psicanálise, retornaremos à psiquiatria clássica, resgatando a
riqueza da descrição das entidades clínicas; em outras palavras, faremos um retorno
à clínica, num resgate da tradição clínica e da dimensão subjetiva da psiquiatria.
A psicopatologia da psicose procura descrever fenômenos: alterações de
comportamento e de discurso próprios de cada tipo patológico. A maior parte dos
quadros nosográficos foi elaborada através da constituição de grupos de sintomas
aliados a um padrão evolutivo. Dentre eles, a esquizofrenia é considerada a psicose
típica, a mais enigmática e a mais grave.
Segundo Lauar (2002), a primeira psiquiatria clínica, do peodo pré-
Kraepeliano, organizada a partir da obra de Pinel e Griesinger, num interlúdio entre a
tradição francesa e a alemã, aborda um complexo heterogêneo no qual se pode
distinguir, pelo menos, os seguintes aspectos: a tradição clínica (metodologia), as
explicações etiológicas, os modelos nosológicos, as teorizações psicopatológicas, os
tratamentos e as instituições asilares. Neste ponto uma aproximação dos
fundamentos da clínica clássica: argumento metodológico consciente e sistemático
estruturado como experiência que privilegia o olhar, com vistas à análise e à síntese
dos fenômenos tidos como naturais, através da tradição positivista, no âmbito do
pensamento psiquiátrico.
A psiquiatria, a partir de 1845, procura estabelecer a nosografia de espécies
mórbidas, e a tarefa principal de todos os grandes clínicos foi a de descrever os
quadros clínicos e as evoluções típicas, fornecendo o esquema indispensável à
observação, diagnóstico e prognóstico da esquizofrenia.
Kraepelin e Bleuler são suas figuras fundamentais na história da
esquizofrenia.
80
Kraepelin, o grande sistematizador da nosografia psiquiátrica, estabeleceu,
em 1896, os primeiros critérios para a esquizofrenia. O critério sintomatológico
constituía na descrição dos sintomas observados: os distúrbios da atenção e da
compreensão, as alucinações, principalmente auditivas, o pensamento sonoro, a
vivência de influência, o comprometimento das funções cognitivas e do julgamento,
do fluxo do pensamento, a redução afetiva, indiferença e prejuízo consecutivo da
vontade e as alterações de comportamento (obediência automática, ecolalia,
ecopraxia, autismo, negativismo, furor catatônico, distúrbio da expressão verbal).
O critério evolutivo caracterizava-se pela evolução desfavorável e pela
invalidez psíquica. Usando o termo Dementia Praecox, ele descreveu uma síndrome
demencial que tendia a se iniciar cedo na vida e produzir dano difuso e persistente
em vários aspectos diferentes das funções cognitiva e comportamental: alteração do
pensamento, da afetividade e da vontade. Kraepelin não identificou qualquer
sintoma como patognomônico da esquizofrenia. O critério etiológico pressupunha a
existência de um quadro endógeno.
Eugen Bleuler, o inventor do termo esquizofrenia, recusa, em 1911, o termo
de Kraepelin por não concordar com a evolução inexorável para a demência. Ele
utiliza esquizofrenia (mente cindida) por considerar a dissociação das funções
psíquicas, uma das características mais importantes.
Apesar de supor uma base orgânica para os fenômenos, a esquizofrenia de
Bleuler é freudiana, pois ele busca um sentido para os sintomas à luz dos
mecanismos e da formação dos sonhos, levando em conta o sujeito do inconsciente.
Segundo Lauar (2002):
Eugen Bleuler seguiu com maior interesse o desenvolvimento dos conceitos
psicanalíticos de Sigmund Freud. Ele se valia das idéias “psicodinamicistas”
para se opor à orientação clínico-evolutiva de Kraepelin, se inquietando com
a evidência de que em cerca de 13% dos casos o havia evidência de
deterioração psíquica. Orientado pelos princípios da psicanálise, Bleuler
postulou então, pela primeira vez, a questão do transtorno fundamental
esquizofrênico e, com isso, introduziu a direção psicológica na
investigação da Esquizofrenia, enfatizando a importância do critério
sintomatológico-descritivo sobre o critério clínico evolutivo, que valorizava
apenas o curso e o desfecho da doença.
Bleuler estabelece uma distinção entre sintomas primários - onde se inscreve
e se exprime diretamente o processo patológico, e os sintomas secundários que
não decorrem desse processo. Os sintomas secundários são induzidos pelos
sintomas primários diretamente ou pela reação que lhes é oferecida pela
81
personalidade pré-psicótica. Esses sintomas são considerados amplamente
variáveis conforme o caso.
O primeiro sintoma primário é a perturbação radical do vínculo associativo. As
associações perdem suas afinidades lógicas e são produzidas associações que
nenhum princípio das associações justifica. Trata-se, pois, de uma perda do próprio
vínculo associativo.
O segundo sintoma primário é o estado de embotamento e aturdimento em
que o doente fica travado, a despeito dos esforços que parece fazer reunir seus
pensamentos e coordenar seus movimentos em direção a um objetivo.
Os sintomas secundários ou acessórios referem-se àquelas funções
psíquicas que complicam o quadro básico, às vezes permanentemente, outras
provisoriamente: ilusões dos sentidos, idéias delirantes, perturbações funcionais da
memória, sintomas catatônicos, peculiaridades de linguagem e escrita.
Segundo Bleuler, três perturbações básicas da esquizofrenia: o
pensamento, a afetividade e a subjetiva.
Bleuler ressalta, no pensamento esquizofrênico, diversas expressões e
descrições da perda do nculo associativo: o pensamento em símbolos, o
deslocamento de conceitos, a condensação de idéias, a preponderância das
associações secundárias, conexões falhas.
A perturbação da afetividade (dissociação, falta de conexão, harmonia
prejudicada da afetividade) é descrita como oscilação entre embotamento afetivo e
irritabilidade, paratimia, ambivalência, autismo.
A perturbação subjetiva é descrita por Bleuler como diversas perturbações do
sentimento do eu: transitivismo, a sensação de dissolução quanto aos limites do eu
(despersonalização, automatismo, idéias de influência), os acontecimentos externos
adquirem o significado de algo que lhe diz respeito.
Em Bleuler, a esquizofrenia envolve o ser como um todo: “o esquizofrênico
não é mais uma personalidade doente porque algumas funções psíquicas isoladas
estão alteradas. Muito pelo contrário, observamos nele funções alteradas isoladas
porque a sua personalidade como um todo está doente”. (SCARIOLLI, 1997)
Ainda segundo Bleuler: “Na esquizofrenia, então, é isso que significa seu
nome, a personalidade como um todo aparece afrouxada, dissociada e carente de
harmonia natural, o que se expressa igualmente na confusão (pensamento), na
paratimia e na despersonalização”. (SCARIOLLI, 1997)
82
Bleuler introduz, portanto, a causalidade psíquica na psiquiatria, situando a
esquizofrenia como uma reação do sujeito em um momento de sua história,
desencadeada por algo extremamente particular, concernindo-o diretamente.
(QUINET, 2001b)
Os quatros “A”s bleuleurianos descrevem os sintomas básicos da
esquizofrenia, segundo Bleuler: distúrbios das associações e da afetividade, autismo
e ambivalência.
Bleuler divide as esquizofrenias em vários subtipos (hebefrênico, catatônico,
paranóide) e adiciona o tipo simples.
Podemos observar que o critério utilizado por Bleuler é bem mais amplo que o
de Kraepelin, admite a recuperação parcial, valoriza os sintomas negativos e a
desorganização do pensamento, enfatiza o modelo de que a esquizofrenia é
heterogênea e de etiologia multifatorial.
Karl Jaspers foi psiquiatra e filósofo. Enfocou a psicopatologia com a idéia de
não existirem molduras conceituais firmes ou princípios fundamentais. Sua
contribuição foi devido ao seu interesse pelo conteúdo dos delírios dos pacientes
psiquiátricos. Em suas teorias envolvendo a esquizofrenia, Jaspers tentou
permanecer livre dos conceitos tradicionais e introduziu o método fenomenológico
(compreender x explicar), concebido para legislar sobre a autonomia do psíquico em
relação ao orgânico.
Em 1913, Jaspers, em seu tratado de Psicopatologia Geral, descreve o delírio
como sendo um juízo falso e patológico caracterizado pela incorrigibilidade,
convicção absoluta e impossibilidade do conteúdo. O delírio autêntico é incorrigível
devido a uma modificação na personalidade. Para Jaspers a vivência típica ou o
sintoma essencial das esquizofrenias são as vivências delirantes primárias. O
mundo esquizofrênico se transformou na medida em que nele domina um
conhecimento transformado em realidade. Essa seria a incorrigibilidade
especificamente esquizofrênica.
As idéias delirantes autênticas seriam aquelas que remontam, na fonte, a uma
vivência patológica primária ou exigem para sua explicação a transformação da
personalidade, expressão essencial da ruptura processual que caracteriza a
esquizofrenia.
A esquizofrenia é a psicose típica em Jaspers, sinônimo de processo
psíquico. Jaspers faz uma distinção entre sintomas primários e secundários.
83
Primário (ou elementar) é aquilo que é dado imediatamente, que a compreensão não
pode mais reduzir e secundário é o que empaticamente compreensível a partir do
que é dado. Primário é aquilo que resulta diretamente do processo mórbido e
secundário é o efeito na situação do perimundo. Jaspers distingue como sintomas
elementares: falsas percepções, distúrbios do pensamento, vivências delirantes
primárias, fenômeno feitos, roubo do pensamento. Como sintomas secundários,
identifica o sistema delirante que forma pelo trabalho racional, sintomas resultantes
de alteração psíquica geral que se originou da interação com o meio.
Na década de 30, as opiniões do psiquiatra europeu, Kurt Schneider,
discípulo de Jaspers, foram também decisivas para a conceituação da
Esquizofrenia. Schneider estava interessado em identificar sintomas
patognomônicos. Ele desenvolveu uma descrição de “sintomas de primeira ordem”
que acreditava possuírem valor especial para o diagnóstico. A esquizofrenia,
segundo Schneider apontou, também pode ser diagnosticada exclusivamente com
base nos sintomas de segunda ordem, juntamente com um quadro clínico típico. O
trabalho de Schneider foi principalmente importante no nível operacional e no
diagnóstico.
São sintomas de primeira ordem: pensar alto, ouvir vozes que dialogam entre
si, ouvir vozes que acompanham a própria atividade com comentários, vivência de
influxo corporal, fuga de pensamento e outras influências assim como tudo que é
feito e influenciado por outros no campo do sentimento, das tendências e da
vontade. Onde tais vivências ocorrem e não se encontram nenhuma enfermidade
básica, falamos de esquizofrenia do ponto de vista clínico.
Alguns desses sintomas podem-se reunir sob a permeabilidade do limite eu-
mundo, perda do contorno do eu. Os que representam os distúrbios do eu: fuga de
pensamento, influência sobre o pensamento, difusão do pensamento. Os enganos
dos sentidos e as percepções delirantes não podem ser considerados sintomas de
primeira ordem, segundo Schneider.
Quadro I: Definição de esquizofrenia, segundo Kraepelin, Bleuler, Jaspers e
Schneider.
Emil Kraepelin
Alterações da vontade
Embotamento afetivo
84
Alterações da atenção e da compreensão
Transtorno do pensamento, no sentido de associações frouxas
Alucinações especialmente auditivas
Sonorização do pensamento
Vivências de influência sobre o pensamento
Evolução deteriorante (83% dos casos), no sentido de um embotamento geral da
personalidade
Eugen Bleuler
Alterações formais do pensamento, no sentido de afrouxamento adissociação das
associações
Ambivalência afetiva: afetos contraditórios vivenciados intensamente ao mesmo
tempo
Autismo, como tendência a um isolamento psíquico global em relação ao mundo, um
“ensismesmamento” radical
Dissolução ideoafetiva, desarmonia profunda entre as idéias e os afetos
Evolução muito heterogênea, podendo muitos casos apresentar evolução benigna
Karl Jaspers
Idéias delirantes primárias, não deriváveis ou compreensíveis psicologicamente
Humor delirante precedendo o delírio
Alucinações verdadeiras primárias
Vivências de influência, vivência do “feito”
Ocorrência ou intuição delirante
Ocorre quebra na curva existencial, instauram-se surtos ou o processo insidioso que
transforma radicalmente a existência do doente
Kurt Schneider
Percepção delirante
Vozes que comentam a ação
Vozes que comandam a ação
Eco ou sonorização do pensamento
Difusão do pensamento
Roubo do pensamento
Vivências de influência no plano ideativo, afetivo, volitivo e corporal
Comparando os critérios descritos pelos autores Kraepelin, Bleuler e
Schneider, verificar-se que enquanto Kraepelin enfatizava a idade de início precoce
com uma deterioração progressiva e sintomas psicóticos graves (positivos e
negativos), Bleuler deu ênfase à heterogeneidade dos sintomas e aos tipos de
esquizofrenia, à desorganização do pensamento e às influencias da personalidade
na gênese da esquizofrenia, ampliando muito o conceito. Porém, ambos
concordavam que a evolução da esquizofrenia não cursava com recuperação total.
85
Schneider, por sua vez, deu ênfase às vivências delirantes, às alucinações auditivas
e à perda da autonomia do eu como sendo específicos da esquizofrenia.
(RAZZOUK, 2001)
Quanto à questão etiológica, todos esses autores estavam convencidos de
que as alterações orgânicas do cérebro eram a causa das psicoses em geral e da
esquizofrenia em particular. (SCARIOLI, 1997)
Ainda segundo a autora, as contribuições psiquiátricas clássicas não
possibilitam um entendimento dos quadros nosológicos além das descrições dos
sintomas, talvez por não disporem de aparelho conceitual próprio. Toda tentativa de
derivar esses fenômenos de certas lesões ou deficiências orgânicas não permite
articular a questão no plano da subjetividade, num sentido que dissesse respeito ao
próprio ser do homem.
Uma verdadeira compreensão dos fenômenos psicopatológicos pode
provir de um método oposto as das ciências naturais, evidenciando, a partir do
comportamento e do discurso do paciente, o sentido e a estrutura das modificações
ocorridas em suas relações consigo mesmo, com os outros e com o mundo.
Freud (1917) enunciava: “Tudo leva, no entanto, a crer que não está longe o
tempo em que as pessoas se darão conta que a psiquiatria verdadeiramente
científica supõe um bom conhecimento dos processos profundos e inconscientes da
vida psíquica”.
Por mais minuciosas que fossem as descrições clínicas e por mais úteis que
fossem seus critérios diagnósticos, antes da psicanálise, não havia clareza sobre o
fato psicótico. Com a psicanálise, o fato psicótico passa a ser entendido como o
efeito de emergência na realidade de um chamado a uma significação à qual o
sujeito não pode responder, na medida em que esta jamais fez parte de sua
estrutura.
Assim é que a concepção do inconsciente freudiano oferece para o
entendimento da psicose, uma contribuição e avanços consideráveis, sobretudo se
tomada à luz da obra de Jacques Lacan.
A psiquiatria, que desde Bleuler tem estabelecido um fértil diálogo com a
psicanálise, se viu renovada e ampliada pelo interesse criativo de Lacan. Herdeiro
da tradição clínica e do interesse da psiquiatria pela psicose, Lacan construiu sua
obra através dos parâmetros da experiência psicótica e da relação do sujeito com o
real.
86
Lacan, que era médico, jamais denegou sua posição, e considerava o
psicanalista o possível herdeiro da antiga posição do médico, aquela suposta de
acolher a demanda do paciente, escutá-lo, em oposição à sua atual posição de
técnicos de saúde, a serviço dos avanços da ciência (ALVARENGA, 1997).
Segundo Quinet (2001c), a esquizofrenia nasce no entrecruzamento da
psiquiatria com a psicanálise, uma vez que a concepção de seus mecanismos é
tributada das leis que regem o inconsciente e da teoria da libido de Freud.
A teoria edípica é definidora da posição do sujeito. Através da metáfora
paterna, a criança poderá sair da posição de objeto de gozo da mãe para se colocar
como sujeito, questionando sobre o desejo do Outro. Essa será a posição do
neurótico que tenta responder à questão do desejo da mãe, através da fantasia: “o
que o Outro quer de mim?”.
Na psicose, sem a metáfora paterna que barraria o gozo do Outro materno, o
psicótico será invadido por esse gozo sem lei. O desejo da mãe não será colocado
como questão, como na neurose, mas situará o psicótico como objeto de gozo do
Outro: perseguido ou amado.
Pensar a psicose enquanto estrutura clínica significa pensá-la como
decorrência do mecanismo específico, postulado por Lacan como “Foraclusão do
Nome-do-pai” e os fenômenos da psicose são as conseqüências clínicas dessa
postulação. A foraclusão do Nome-do-pai implica na abolição da lei simbólica: o
sujeito não é submetido à castração simbólica, não tendo, portanto, possibilidade de
a significação fálica advir. Sendo o Nome-do-pai o significante que permite ao sujeito
entrar na linguagem e articular sua cadeia de significantes, a não-inscrição desse
significante no Outro acarreta aquilo que é para Lacan a marca essencial da
psicose: os distúrbios de linguagem e, em particular, a alucinação.
A abordagem difere da abordagem fenomenológica, no sentido que se deve
procurar além do fenômeno, algo de mais subsistente que o explique: a própria
estrutura.
Para Freud, tudo o que se considera como manifestações da esquizofrenia
são na verdade, tentativas de cura do sujeito. É uma posição ética diante da
psicose, pois, trata-se de acolher os sintomas esquizofrênicos como uma
manifestação do sujeito e não de considerá-los como erro, déficit ou patologia a ser
abolida a qualquer custo. (QUINET, 2006)
87
Sustentar a possibilidade do psicótico produzir-se como sujeito é reconhecer
que a inteligibilidade própria à Psicanálise nos permite o acesso à verdade do ser. É
também resgatar um compromisso ético deixado por Freud e Lacan, que sempre
consideraram a história e o sentido da vida dos indivíduos. (SCARIOLLI, 1997)
Segundo sistematização de Jacques Alain Miller, a partir de Lacan, os
fenômenos elementares que podem servir de guia para um diagnóstico seguro da
estrutura psicótica são: fenômenos de mensagem e de código. Os primeiros
fornecem conteúdos; os últimos enunciam regras relativas à organização lingüística
dos primeiros. (SCARIOLLI, 1997)
Fenômenos de automatismo mental: irrupção de vozes, eco, roubo e
divulgação do pensamento.
Fenômenos que concernem ao corpo: influência, decomposição,
desmembramento, separação ou estranheza em relação ao próprio corpo.
Fenômenos que concernem ao sentido e à verdade: relatados pelos
pacientes como experiências inefáveis, inexprimíveis, ou de certeza absoluta
a respeito da hostilidade ou do amor de um estranho, fenômenos de sentido
ou significação pessoal. O paciente lê, no mundo, signos que lhe são
destinados, embora não possam precisar sua significação.
Lacan, nos anos 50, baseia o diagnóstico de psicose na presença ou
ausência do Nome-do-pai. “Na primeira clínica de Lacan, os tipos clínicos
clássicos, extraídos por Freud da nosologia psiquiátrica e demarcados por ele
com base na presença ou ausência do Nome -do -Pai.” (ALVARENGA, 2007)
Quando se Lacan dos anos 70, notadamente nos Seminários RSI e O
Sintoma, não se pode mais contentar em diagnosticar uma psicose apenas na
presença de fenômenos elementares, que confirmariam um desencadeamento.
Suspeita-se de um diagnóstico de psicose na ausência de desencadeamento
evidente e pode-se perceber em cada caso, a função de suplência de
determinado sintoma, ou pequenos detalhes que falam a favor de um diagnóstico
de psicose. Segundo Alvarenga (2007):
Nosso horizonte se amplia e se torna menos descontínuo com a segunda
clínica, a das suplências, em que cada um se arranja com seu sintoma, com
ou sem o Nome -do -pai. Nessa segunda clínica, Lacan fala de tipos de nós
que se aproximam do que chamamos de caso único ou singular. Entre os
tipos clínicos clássicos e os tipos de nós tecidos pelos sujeitos, tomados um
a um, existe toda uma gama de tipos consagrados na nossa
contemporaneidade, chamados de novos sintomas, entre os quais incluímos
88
anoréxicos, bulímicos, toxicômanos, hiperativos, deprimidos, bipolares,
aqueles que fracassam a escola, transgressores etc.
Estes sujeitos encontraram um modo de enlaçamento sintomático que se
sustenta geralmente bem, às vezes toda a vida, sem o apoio do Nome-do-pai e
“trazem uma verdadeira subversão à clínica da psicose, retirando-lhe qualquer
referência a uma noção de déficit, inclusive significante.” Os detalhes que nestes
casos permitem fazer um diagnóstico de psicose, não concernem problemas de
linguagem, mas efeitos clínicos de um enlaçamento precário entre real, simbólico e
imaginário. “Isso pode se manifestar, por exemplo, como pregnância do imaginário
em relação com uma ancoragem simbólica discreta, como relação de estranheza
entre o eu e o corpo, ou como o exercício desenfreado da pulsão, desconectado de
qualquer inserção numa dialética do discurso”. (ALVARENGA, 2007)
Para Zucchi (2007), o sintoma como mensagem foi substituído pelo sintoma
signo de gozo. “A constituição subjetiva parece dispensar o Outro e dar-se
inteiramente no âmbito do auto-erotismo.” Os ‘novos sintomas’ podem ser pensados
como constituições subjetivas que podem eventualmente, passar ao largo da mítica
edipiana, amarrando os registros simbólico, imaginário e real através de elementos
outros que não a metáfora paterna; dispensando o Nome-do-pai, porém servindo-se
dele.
Ainda segundo Zucchi (2007):
Em alguns casos, a despeito da não localização de fenômenos elementares
e do desencadeamento, a ausência de sustentação subjetiva através da
metáfora paterna revela que estas soluções seriam formas de compensação
imaginária que protegeriam o sujeito do contato com o vazio relativo à sua
origem subjetiva.
Os ‘novos sintomas’ não podem desvincular-se da cultura. São frutos da era
do Outro que o existe, o que obriga cada sujeito a apoiar-se no recurso a um
significante-mestre isolado, oferecido pelo mercado do qual o sujeito se serve para
nomear o real.
Alvarenga (2007) destaca que na Convention d’Antibes, realizada na França,
foi tirada uma maneira mais criteriosa para o diagnóstico das psicoses mais atípicas,
com desencadeamento não evidentes e com fenômenos mais discretos do que nos
quadros delirantes ou alucinatórios clássicos. O neo-desencadeamento, a neo-
conversão e a neo-transferência são neologismos criados para designar formas de
desligamento do Outro, fenômenos corporais pseudo-conversivos e laços
89
transferenciais observados em casos atípicos de psicose, ou nos casos
diagnosticáveis pela segunda clínica de Lacan, dos anos 70.
Uma nova perspectiva de abordagem dos casos difíceis que recebemos
hoje nos serviços de Saúde Mental se consolida e demonstra sua eficácia
através de numerosos exemplos clínicos que, para além da clínica das
psicoses apoiada na nítida forclusão do Nome-do-pai, vai buscar em cada
caso alguns índices de forclusão, às vezes silenciosos, ou nos momentos
em que um enlaçamento sintomático precário se rompe.
Zucchi (2007) afirma que os sintomas contemporâneos vem sido
considerados a partir do paradigma das psicoses ordinárias. “Estruturas cuja
fragilidade simbólica e a forte adesão ao mais-de-gozar fazem pensar em psicoses
não-desencadeadas, além de neuroses submersas no imperativo superegóico de
gozo, tão comum na contemporaneidade, obscurecendo a face de desejo
inconsciente do sintoma.”
Como lembrou Viganò (2001), a dificuldade diagnóstica nestes casos se deve
à dificuldade em localizar o trabalho do sujeito nesses sintomas, uma vez que por se
tratar de uma representação desmedida do mais de gozar, não se detecta
claramente o rastro do sujeito no sintoma.
Numa neurose clássica estes rastros aparecem claramente nas formações
do inconsciente. Mesmo na tentativa de localização subjetiva subjacente à
metáfora delirante, no caso das psicoses, o trabalho do sujeito é detectável.
Ao invés disso, nos novos sintomas, o sujeito encontra numa letra, num
significante isolado e portador de gozo, a marca de identidade enquanto
alternativa à articulação do desejo com a pulsão como demanda do Outro,
[...] esta letra se inscreve no corpo, mas não divide o sujeito [...] Esta letra
marca o objeto que não pode aceder à montagem pulsional completa e, em
conseqüência, não o separa de Outro e nem se torna causa de desejo.”
Um efeito disso é a deslocalização do gozo. O corpo não veicula desejo como
na histeria clássica, mas se torna suporte de ditos de valor superegóico para os
quais o sujeito o encontra nenhum sentido além da pura compulsão à repetição.
Essas identificações, ao sabor da cultura, exigem que o analista faça então passar o
fenômeno à estrutura. (ZUCCHI, 2007)
Quadro II: Esquizofrenia – segundo o DSM-V e a CID-10:
DSM-IV
295.xx Esquizofrenia
Critérios Diagnósticos:
A. Sintomas característicos: No mínimo dois dos seguintes quesitos, cada qual
presente por uma porção significativa de tempo durante o período de 1 mês (ou
90
menos, se tratados com sucesso):
(1) delírios
(2) alucinações
(3) discurso desorganizado (p. ex., freqüente descarrilamento ou incoerência)
(4) comportamento amplamente desorganizado ou catatônico
(5) sintomas negativos, isto é, embotamento afetivo, alogia ou abulia
B. Disfunção social/ocupacional: Por uma porção significativa do tempo desde o
início da perturbação, uma ou mais áreas importantes do funcionamento, tais como
trabalho, relações interpessoais ou cuidados pessoais, estão acentuadamente
abaixo do nível alcançado antes do início (ou quando o início se na infância ou
adolescência, incapacidade de atingir o nível esperado de realização interpessoal,
acadêmica ou profissional)
C. Duração: Sinais contínuos da perturbação persistem pelo período mínimo de 6
meses. Esse período de 6 meses deve incluir pelo menos 1 mês de sintomas (ou
menos, se tratados com sucesso) que satisfazem o critério A (i. é, sintomas da
fase ativa) e pode incluir períodos de sintomas prodrômicos ou residuais. Durante
esses períodos prodrômicos ou residuais, os sinais da perturbação podem ser
manifestados apenas por sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas
relacionados no Critério A presentes de uma forma atenuada (p.ex., crenças
estranhas, experiências perceptuais incomuns).
D. Exclusão de Transtorno Esquizoafetivo e Transtorno do Humor. O Transtorno
Esquizoafetivo e o Transtorno do Humor com Características Psicóticas foram
descartados, porque (1) nenhum Episódio Depressivo Maior, Maníaco ou Misto
ocorreu concomitantemente aos sintomas da fase ativa; ou (2) se os episódios de
humor ocorreram durante os sintomas da fase ativa, sua duração total foi breve com
relação à duração dos períodos ativo e residual.
E. Exclusão de substância/condição médica geral: A perturbação não se deve aos
efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p.ex., uma droga de abuso, um
medicamento) ou a uma condição médica geral.
F. Relação com um Transtorno Global do Desenvolvimento: Se existe um histórico
de Transtorno Autista ou de outro Transtorno Global do Desenvolvimento, o
diagnóstico adicional de Esquizofrenia é feito apenas se delírios ou alucinações
proeminentes também estão presentes pelo período mínimo de 1 mês (ou menos, se
tratando com sucesso).
30 Tipo Paranóide
Critérios Diagnósticos:
Um tipo de Esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios
A. Preocupação com um ou mais delírios ou alucinações auditivas freqüentes.
B. Nenhum dos seguintes sintomas é proeminente: discurso desorganizado,
comportamento desorganizado ou catatônico ou afeto embotado ou inadequado.
10 Tipo Desorganizado
Critérios Diagnósticos:
Um tipo de Esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios:
91
A. Todos os seguintes sintomas são proeminentes:
(1) discurso desorganizado
(2) comportamento desorganizado
(3) afeto embotado ou inadequado
B. Não são satisfeitos os critérios para o Tipo Catatônico
20 Tipo Catatônico
Critérios Diagnósticos:
Um tipo de Esquizofrenia em cujo quadro clínico ocorre predomínio de no mínimo
dois dos seguintes sintomas:
(1) imobilidade motora evidenciada por cataplexia (incluindo flexibilidade cérea ou
estupor)
(2) atividade motora excessiva (aparentemente desprovida de propósito e não
influenciada por estímulos externos)
(3) extremo negativismo (uma resistência aparentemente sem motivo a toda e
qualquer instrução, ou manutenção de uma postura rígida contra tentativas de
mobilização) ou mutismo.
(4) Peculiaridades dos movimentos voluntários evidenciadas por posturas (adoção
voluntária de posturas inadequadas ou bizarras, movimentos estereotipados,
maneirismo ou trejeitos faciais proeminentes)
(5) Ecolalia ou ecopraxia
90 Tipo Indiferenciado
Critérios Diagnósticos:
Um tipo de Esquizofrenia no qual os sintomas que satisfazem o Critério A estão
presentes, mas não são satisfeitos os critérios para os Tipos Paranóide,
Desorganizado ou Catatônico.
60 Tipo Residual
Critérios Diagnósticos:
Um tipo de Esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios:
A. Ausência de delírios e alucinações, discurso desorganizado e comportamento
amplamente desorganizado ou catatônico proeminentes.
B. Existem evidências contínuas da perturbação, indicadas pela presença de
sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas relacionados no Critério A para
Esquizofrenia, presentes de forma atenuada (p.ex., crenças estranhas, experiências
perceptuais incomuns).
CID-10
F20 Esquizofrenia
Os transtornos esquizofrênicos se caracterizam em geral por distorções
fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos
inapropriados ou embotados. Usualmente mantém-se clara a consciência e a
capacidade intelectual, embora certos déficits cognitivos possam evoluir no curso do
tempo. A perturbação envolve as funções básicas que dão à pessoa normal um
senso de individualidade, unicidade e de direção de si mesmo. Perplexidade é
também comum no início e leva frequentemente a uma crença de que situações
92
cotidianas possuem um significado especial, usualmente sinistro, destinado
unicamente ao indivíduo.
Os fenômenos psicopatológicos mais importantes incluem o eco do pensamento, a
imposição ou o roubo do pensamento, a divulgação do pensamento, a percepção
delirante, idéias delirantes de controle, de influência ou de passividade, vozes
alucinatórias que comentam ou discutem com o paciente na terceira pessoa,
transtornos do pensamento e sintomas negativos.
A evolução dos transtornos esquizofrênicos pode ser contínua, episódica com
ocorrência de um déficit progressivo ou estável, ou comportar um ou vários
episódios seguidos de uma remissão completa ou incompleta.
Não se deve fazer um diagnóstico de esquizofrenia quando o quadro clínico
comporta sintomas depressivos ou maníacos no primeiro plano, a menos que se
possa estabelecer sem equívoco que a ocorrência dos sintomas esquizofrênicos
fosse anterior à dos transtornos afetivos. Além disto, não se deve fazer um
diagnóstico de esquizofrenia quando existe uma doença cerebral manifesta,
intoxicação por droga ou abstinência de droga.
Os transtornos que se assemelham à esquizofrenia, mas que ocorrem no curso de
uma epilepsia ou de outra afecção cerebral, devem ser codificados em F06.2; os
transtornos que se assemelham à esquizofrenia, mas que são induzidos por drogas
psicoativas devem ser classificados em F10-F19 com quarto caractere comum. 5.
Exclui:
Esquizofrenia:
· aguda (indiferenciada) (F23.2)
· cíclica (F25.2)
Reação esquizofrênica (F23.2)
Transtorno esquizotípico (F21)
F20.0 Esquizofrenia paranóide
A esquizofrenia paranóide se caracteriza essencialmente pela presença de idéias
delirantes relativamente estáveis, freqüentemente de perseguição, em geral
acompanhadas de alucinações, particularmente auditivas e de perturbações das
percepções. As perturbações do afeto, da vontade, da linguagem e os sintomas
catatônicos, estão ausentes, ou são relativamente discretos.
Esquizofrenia parafrênica
Exclui:
Estado paranóico de involução (F22.8)
Paranóia (F22.0)
F20.1 Esquizofrenia hebefrênica
Forma de esquizofrenia caracterizada pela presença proeminente de uma
perturbação dos afetos; as idéias delirantes e as alucinações são fugazes e
fragmentárias, o comportamento é irresponsável e imprevisível; existem
freqüentemente maneirismos. O afeto é superficial e inapropriado. O pensamento é
desorganizado e o discurso incoerente. uma tendência ao isolamento social.
Geralmente o prognóstico é desfavorável devido ao rápido desenvolvimento de
93
sintomas "negativos", particularmente um embotamento do afeto e perda da volição.
A hebefrenia deveria normalmente ser somente
diagnosticada em adolescentes e em adultos jovens.
Esquizofrenia desorganizada
Hebefrenia
F20.2 Esquizofrenia catatônica
A esquizofrenia catatônica é dominada por distúrbios psicomotores proeminentes
que podem alternar entre extremos tais como hipercinesia e estupor, ou entre a
obediência automática e o negativismo. Atitudes e posturas a que os pacientes
foram compelidos a tomar podem ser mantidas por longos períodos. Um padrão
marcante da afecção pode ser constituído por episódios de excitação violenta. O
fenômeno catatônico pode estar combinado com um
estado oniróide com alucinações cênicas vívidas.
Catalepsia
Catatonia esquizofrênica
Flexibilidade cérea
Estupor catatônico
F20.3 Esquizofrenia indiferenciada
Afecções psicóticas que preenchem os critérios diagnósticos gerais para a
esquizofrenia mas que não correspondem a nenhum dos subtipos incluídos em
F20.0-F20.2, ou que exibam padrões de mais de um deles sem uma clara
predominância de um conjunto particular de características diagnósticas.
Esquizofrenia atípica
Exclui:
Depressão pós-esquizofrênica (F20.4)
Esquizofrenia indiferenciada crônica (F20.5)
Transtorno psicótico agudo tipo esquizofrênico (F23.2)
F20.4 Depressão pós-esquizofrênica
Episódio depressivo eventualmente prolongado que ocorre ao fim de uma afecção
esquizofrênica. Ao menos alguns sintomas esquizofrênicos "positivos" ou "negativos"
devem ainda estar presentes, mas não dominam mais o quadro clínico. Este tipo de
estado depressivo se acompanha de um maior risco de suicídio. Se o paciente não
apresenta mais nenhum sintoma esquizofrênico, deve-se fazer um diagnóstico de
episódio depressivo (F32.-). Se os sintomas esquizofrênicos ainda o aparentes e
proeminentes, deve-se manter o diagnóstico da forma clínica apropriada da
esquizofrenia (F20.0-.3).
F20.5 Esquizofrenia residual
Estádio crônico da evolução de uma doença esquizofrênica, com uma progressão
nítida de um estádio precoce para um estádio tardio, o qual se caracteriza pela
presença persistente de sintomas "negativos" embora não forçosamente
irreversíveis, tais como lentidão psicomotora; hipoatividade; embotamento afetivo;
passividade e falta de iniciativa; pobreza da quantidade e do conteúdo do discurso;
pouca comunicação não-verbal (expressão facial, contato ocular, modulação da
voz e gestos), falta de cuidados pessoais e desempenho social medíocre.
Defeito esquizofrênico (Restzustand)
Esquizofrenia indiferenciada crônica
94
Estado esquizofrênico residual
Restzustand (esquizofrênico)
F20.6 Esquizofrenia simples
Transtorno caracterizado pela ocorrência insidiosa e progressiva de excentricidade
de comportamento, incapacidade de responder às exigências da sociedade, e um
declínio global do desempenho. Os padrões negativos característicos da
esquizofrenia residual (por exemplo: embotamento do afeto e perda da volição) se
desenvolvem sem serem precedidos por quaisquer sintomas psicóticos manifestos.
F20.8 Outras esquizofrenias
Ataque esquizofreniforme SOE
Esquizofrenia cenestopática
Psicose esquizofreniforme SOE
Transtorno esquizofreniforme SOE
Exclui:
Transtornos esquizofreniformes breves (F23.2)
F20.9 Esquizofrenia não especificada
95
4.10 A Dimensão Psicótica da Anorexia e Bulimia
Segundo o estruturalismo de Lacan, a forma fundamental de tratamento do
gozo é a linguagem. A linguagem dita as condições ao ser de gozo do sujeito, mas o
gozo não respeita integralmente a ação da linguagem. O retorno do gozo sobre o
sujeito indica que certo gozo que a ação negativadora da linguagem não é capaz
de simbolizar.
Na neurose, o tratamento subjetivo do gozo não negativado pelo universal da
linguagem utiliza o dispositivo do Édipo como dispositivo simbólico para tratar o real
do gozo. O sintoma é que se configura como a modalidade típica de tratamento
subjetivo do gozo, na neurose.
Na psicose, a solução ao retorno do real do gozo não pode recorrer ao
recurso da castração simbólica, ao tratamento do Édipo. No momento contingente
do desencadeamento, nenhuma operação subjetiva pode de fato se opor ao retorno
do gozo. O sujeito psicótico pode, como alternativa ao efeito devastador do
desencadeamento, recorrer a três possibilidades de um tratamento não-edípico:
compensação imaginária, a suplência e a metáfora delirante.
4.10.1 Psicoses Não-Desencadeadas
O desencadeamento revela, sem dúvida diagnóstica, a existência de uma
estrutura psicótica do sujeito.
O conceito de psicoses “não desencadeadas” ou “ordinárias” ou “brancas” ou
“frias” ou “não delirante” define um funcionamento psicótico sem a localização do
momento efetivo de desencadeamento da psicose. Sendo assim, a categoria das
psicoses não desencadeadas prescinde do desencadeamento e de seus efeitos
clinicamente típicos (alucinações de delírios).
Sobre as psicoses não desencadeadas, Laurent (2007) diz: “Já não existem
mais as psicoses extraordinárias, como na psiquiatria clássica, antes do
medicamento. Na prática, os psicanalistas vêem muito mais pessoas que dão conta
da psicose ordinária. Então, entre as neuroses clássicas de um lado e as psicoses
extraordinárias por outro, se encontram fenômenos mesclados, mistos, que não são
facilmente reconhecidos, identificados. Há um campo de exploração clínica que deve
96
justamente ser qualitativamente explorado. Mas psicose e neurose devem ser
distinguidas como dois pólos completamente fundamentais.”
Na clínica das “novas formas” do sintoma (Anorexia, Bulimia, Toxicomania,
Depressão), estas novas formas de organização do gozo se apresentam como
modalidades subjetivas de compensação da psicose: modalidades através das quais
o sujeito afasta a possibilidade do desencadeamento, ou como afirma Lacan (1955-
6) se mantém à borda da psicose, mas sem cair dentro dela.
Nas psicoses não desencadeadas, a compensação imaginária e a suplência
se configuram como formas particulares de estabilização psicótica.
A metáfora delirante também é uma tentativa de estabilização psicótica,
porém pressupõe o prévio desencadeamento.
4.10.1.1 A Compensação Imaginária
Com a forclusão do Nome-do-pai, o significante que ordem a todos os
demais significantes não se inscreve simbolicamente no inconsciente do sujeito. O
Nome-do-pai não é operativo, não regula o gozo e não o articula à Lei.
Conseqüentemente a o operatividade do Nome-do-pai, não metáfora
paterna e, portanto, o desejo da mãe não é regulado pela ação normativa do Nome-
do-pai. Os efeitos sobre o sujeito são os de redução do mesmo a objeto real de gozo
do Outro.
Porém a forclusão do Nome-do-pai não é suficiente para produzir o
desencadeamento da psicose. Lacan (1966) é preciso a respeito: “para que a
psicose se desencadeie, é necessário que o Nome-do-pai forcluído, ou seja, sem ter
chegado nunca ao lugar do Outro, seja chamado ali em oposição simbólica ao
sujeito”. Ainda segundo Lacan (1955-6), a condição do desencadeamento se produz
quando o sujeito “em uma determinada encruzilhada de sua história biográfica tem
que se confrontar com esse defeito que existe desde o princípio”. A causa estrutural
deve, pois, somar-se a uma causa contingente.
A compensação imaginária pode assegurar ao sujeito certa estabilidade. Tal
compensação mantém fechada a psicose garantindo ao sujeito um apoio narcísico
através de uma identificação ao semelhante. Ela promove o enodamento entre o
imaginário e o real sem a ajuda da mediação simbólica.
97
Segundo Lacan (1955-6) a compensação identificatória funciona como uma
espécie de prótese imaginária, possibilitando ao sujeito uma identidade que possa
suprir o “Édipo ausente”. Porém, apesar da compensação imaginária responder a
ausência da metáfora paterna, esta resposta não é suficiente para garantir uma
simbolização efetiva. Ao ser o produto de uma identificação narcísica ao semelhante
situado como Eu ideal, o sujeito permanece como prisioneiro da relação especular e
sua identidade carece de uma subjetivação eficaz. Daí o caráter rígido e massivo da
identificação, que tende a reproduzir integralmente o objeto da identificação.
A compensação imaginária tende a dar-se em série, definida assim por Lacan
(1955-6): “série de identificações puramente conformistas com personagens que
darão (ao sujeito) o sentido do que necessita fazer para ser um homem” e tem como
característica ser uma identificação adesiva, integral, imediata, mimética, não
dialética, serial.
Segundo Lacan (1966), na “conjuntura do desencadeamento”, além da causa
estrutural e da causa contingente, é necessário a dissolução da compensação
identificatória. O fato de ser chamado pelo Outro a responder na primeira pessoa, a
tomar a palavra, ou seja, a subjetivar, sem o auxílio do companheiro especular, sua
própria posição em relação ao Outro simbólico, faz com que a compensação
simbólica que até o momento protege o sujeito da entrada na psicose, mostre-se
insuficiente para evitar uma descompensação psicótica.
4.10.1.2 A Suplência
Também é uma modalidade para impedir o desencadeamento. A suplência
implica num trabalho significante: a substituição de um significante ausente por
forclusão (significante necessário para que o conjunto dos significantes mantenha
uma ordem própria). Através da suplência o sujeito pode chegar a ter um “nome
próprio”, o que a diferencia da compensação. Na suplência, o sujeito não adere ao
ser do outro, não se engancha de forma narcísica a imagem especular do outro,
porém coloca em prática uma espécie de individualização. A suplência individualiza
esse sujeito diferenciando sua identidade da dos demais.
A natureza simbólica da suplência também se evidencia na produção de uma
obra pelo sujeito, que tem como objetivo forjar um “nome próprio”.
98
4.10.1.3 A Metáfora Delirante
a metáfora delirante pressupõe o prévio desencadeamento. É o modo que
o sujeito tem de reconstruir a realidade fragmentada pelo desencadeamento
psicótico.
Trata-se de uma produção imaginária, mas que pode assumir a função
simbólica de uma metáfora, ou seja, a função de localizar, de ordenar, de limitar a
invasão de gozo que o sujeito se vê obrigado a suportar.
Através da metáfora delirante o sujeito se empenha a desenvolver um novo
sentido ao mundo. Assim, o delírio se configura como um trabalho subjetivo para
reestruturar a realidade do sujeito e sua relação com o Outro.
4.10.2 Anorexia e Bulimia na Psicose
Certas formas graves de Anorexia e Bulimia parecem indicar um
funcionamento psicótico do sujeito, na ausência de um desencadeamento autêntico
e dos conseqüentes fenômenos elementares.
A ausência de transtornos da linguagem não deve ser um fator decisivo de
exclusão do diagnóstico de psicose. O modo particular com que o sujeito estrutura
sua relação com o Outro e com o gozo podem permitir chegar a um diagnóstico de
psicose, inclusive sem a presença específica dos transtornos de linguagem.
Segundo Recalcati (2003), algumas características e alguns fenômenos
corporais podem funcionar como referência para indicar uma posição psicótica.
Exclusão radical do Outro: marca a inclinação psicótica da Anorexia e Bulimia.
O ser do sujeito prescinde do ser do Outro; o ser do sujeito está em antítese, em
uma posição de rechaço ao ser do Outro. A posição do sujeito com Anorexia e
Bulimia é ‘fazer-se ser’ sem passar pelo Outro.
Mortificação real e não simbólica do sujeito: clinicamente se expressa como
uma des-erotização e uma des-vitalização do corpo. A mortificação real do corpo
não acentua a separação entre o desejo e o gozo, nem um gozo masoquista da
privação, mas uma espécie de abolição total do desejo ditada pelo predomínio
fora do discurso – da pulsão de morte.
99
Na clínica da neurose, o corpo é o lugar do Outro, no sentido de que o
tratamento significante do corpo é o que esvazia o gozo, o que o mortifica, mas
oferecendo como contrapartida a este esvaziamento uma erotização do corpo;
erotização que, como ensina Freud, se condensa nas zonas de borda do corpo,
nas chamadas zonas erógenas.
A não incorporação do significante não promove a alteração do corpo-
organismo, do corpo-biológico em corpo pulsional, corpo fabricado pelos
significantes do Outro. Assim, o corpo se mantém como Um fechado contra o
Outro, implicando num defeito da erotização do corpo, porque a condição da
erotização é a subtração do gozo com a conseqüente definição das zonas
erógenas como zonas nas quais o gozo perdido deixa uma espécie de vestígio
em torno do qual gira o movimento da pulsão.
Na clínica da psicose, portanto, a mortificação e a erotização se desligam. As
manifestações de agressividade, de hetero- e auto-destruição, as passagens ao
ato, as operações de anulação da vitalidade do corpo, tão típicas em certas
formas extremas de Anorexia, mostram como atua a desunião entre a pulsão de
morte e a pulsão de vida.
Transformação da falta em um furo no corpo percebido como real pelo
sujeito: O sujeito parece transformar o furo simbólico da forclusão em um furo do
corpo que é sentido como real, não significantizado. Trata-se aqui de um
indicador preciso da não localização do gozo nas zonas erógenas, uma vez que
a significação fálica não ordena simbolicamente o conjunto dos objetos pulsionais
(oral, anal, escópico e vocal). O ter que comer para preencher um furo do corpo,
percebido como real, é freqüente nas formas psicóticas da Anorexia e Bulimia.
Uso anaclítico da imagem do outro: ou seja, a presença constante na história
do sujeito de aderências identificatórias, de “pares imaginários” que funcionam
como suportes narcísicos. Estas compensações imaginárias indicam uma forma
de resposta do sujeito à forclusão do Nome-do-pai. A identificação maciça,
generalizada, mimética marca o vazio de ser que habita o sujeito psicótico e sua
intenção de preenchê-lo através do uso anaclítico da imagem ideal do outro.
Nestes casos, quando a parceria imaginária se desfaz, é freqüente a irrupção do
desencadeamento.
100
Práticas ou atuações sobre o corpo: que tem a finalidade de introduzir o real
da função da castração, uma vez que esta não pode se realizar simbolicamente.
Estas práticas são freqüentes nas psicoses não desencadeadas que utilizam a
Anorexia e a Bulimia como modalidade de realização da castração. A privação
anoréxica introduz no real uma desvitalização do corpo que põe em prática uma
espécie de castração do gozo excessivo, do gozo que o significante não separou
do corpo. Na Bulimia, ao contrário, a castração toma a forma real do vômito e do
abuso de medicamentos, laxante e diurético, como atuações que permitem ao
sujeito exteriorizar um gozo maligno no corpo. Também é possível observar, em
alguns casos, as auto-agressões (por exemplo: cortes no próprio corpo) como
forma de contenção do gozo.
Presença na história do sujeito de uma rie contínua de mudanças
bruscas: transformações, perambulações, dificuldade de se inscrever em um
vínculo social estável e metamorfoses contínuas da própria imagem. Trata-se de
uma desvinculação, de uma desconexão, de um desenlace do sujeito na relação
com o Outro (MILLER, 2005), em que o sujeito cai desvencilhando
progressivamente de seu vínculo social com o Outro, encontrando-se em uma
condição de isolamento progressivo. Neste sentido a Anorexia e a Bulimia
indicam uma espécie de metonímia não simbólica que corroe qualquer
possibilidade de um arraigamento simbólico do sujeito.
101
5. ANOREXIA E BULIMIA – OS CASOS GRAVES
A decisão de estudar os casos graves de Anorexia e Bulimia, utilizando
conhecimentos da psiquiatria e da psicanálise, foi motivada pela dificuldade de
abordagem e condução clínica. Ou seja, as questões que motivaram este estudo
foram essencialmente clínicas.
A clínica do gozo e da passagem ao ato nos convoca a trabalho, fazendo-se
cada vez mais freqüente a assistência e sujeitos que localizam no corpo seu mal-
estar, identificando-se como anoréxicos e bulímicos.
O mito edipiano enquanto modelo de interpretação da castração mostrava-se
insuficiente para esclarecer ou abarcar o conjunto de manifestações sintomáticas
apresentadas pelos pacientes com Anorexia e Bulimia. Citando Zucchi (2007):
“Buscamos recursos teóricos para compreensão destes sintomas que, ainda que
sempre tenham existido, respondem hoje a uma cultura com características bastante
específicas.” (...) “Um sujeito e suas experiências singulares ultrapassa sempre as
construções teóricas sobre ele”.
A clínica da Anorexia e Bulimia também se refere à dificuldade do trabalho
com a palavra, podendo-se observar uma certa desvalorização do poder da palavra.
Os mitos e narrativas em torno do sintoma ficam mais escassos com um predomínio
dos fenômenos corporais.
Casos clínicos como o de Lucia revelam, em parte, a dificuldade da clínica na
abordagem a pacientes com sintomatologia anoréxica-bulímica.
O caso de Lucia e os relatos seguintes são construções a partir de
fragmentos dos casos clínicos, com nomes e dados fictícios, impossibilitando a
identificação dos pacientes e mantendo o caráter confidencial das informações.
Lucia, adulta jovem, IMC oscilando entre 12 e 13 Kg/m² e exames
laboratoriais que denunciam abuso contínuo, crônico e intenso de diuréticos e
laxativos (alcalose hipoclorêmica grave, com HCO3
-
de 44 e BE de 18,
compensada com acidose respiratória PCO2 de 49; hipocloremia e
hipocalemia K
+
entre 1,6 e 2,9). Várias internações clínicas para reidratação
e reposição de potássio. Dúvida quanto ao uso da medicação psiquiátrica
prescrita.
Outros fatores também tornam a clínica da Anorexia e Bulimia desafiadora: a
falta de demanda e de insight, a recusa ao tratamento, o apego ao sintoma, as
102
freqüentes recaídas e a inespecificidade dos medicamentos utilizados, incapazes de
corrigir a distorção da imagem corporal e o medo mórbido de engordar.
Além das características da população mais acometida: adolescentes e
adultos jovens, predominantemente mulheres, supostamente hígidos até o início dos
sintomas, chama a atenção os riscos de morte conseqüentes não da
sintomatologia anoréxico-bulímica, mas também de sintomas psiquiátricos
associados (como comportamento impulsivo, ideação e tentativas suicidas, sintomas
ansiosos e depressivos).
Na literatura psiquiátrica atual, a quase totalidade dos artigos científicos sobre
Anorexia e Bulimia se refere a descrições de características universais e a propostas
de tratamento baseadas na questão alimentar, na recuperação ponderal e na
medicação psiquiátrica sintomática. Ao mesmo tempo, a avaliação criteriosa dos
estudos aponta insucesso terapêutico através de altos índices de recaída,
cronificação e mortalidade.
Bruch (2001), em sua larga experiência na condução de pacientes com
Anorexia, alerta que o ganho de peso rápido sem que se atenção às dificuldades
subjacentes poderia levar à depressão suicida. Quanto aos casos graves, também
dados universais extraídos da comparação dos pacientes são divulgados, porém
existe pouca orientação para condução desses casos.
A Anorexia e Bulimia estão associadas a uma série de sintomas que
comprometem a saúde do paciente, oferecendo riscos de desenvolverem seqüelas
permanentes ou ade morte. Em outras palavras, apesar de serem transtornos
“mentais”, têm a característica de implicar de modo profundo o real do corpo.
Estudos psiquiátricos falam de taxas brutas de mortalidade na Anorexia de 5
a 20 %, e de taxas comparativas de 6 a 12,8 vezes maiores que as esperadas para
a população com características pareadas, em pesquisa de dio e longo prazo.
(KEEL, 2003) Como causa das mortes, os estudos revelam 27% por suicídio, 54%
por complicações clínicas da própria doença e 19% por causas desconhecidas.
(NIELSEN, 2001)
Em geral, após intervenções terapêuticas, as taxas de recuperação completa
da Anorexia ficam em torno de 50%, de recuperação intermediária em torno de 30%
e de recuperação desfavorável de 20%, além de índices de recaída em torno de 12
a 27 % e taxa de cronicidade de 20%. (STEINHAUSEN, 2002).
103
Tais dados sobre a evolução e mortalidade sugerem um insucesso
terapêutico e levam a um questionamento crítico sobre a abordagem, as condições
terapêuticas e a condução desses casos.
Segundo a literatura médica a Bulimia parece ter evolução mais favorável que
a Anorexia, com índices de recuperação total entre 50 e 70%, após manejo
terapêutico. (KEEL, 1997)
Todavia, as taxas de recaída situam-se em torno de 30 e 50 %. As taxas de
mortalidade da Bulimia estão entre 0,3% a 3% e em geral é por causa de
complicações cardíacas causadas por hipocalemia, decorrente de algum
comportamento purgativo ou por suicídio. (PINZON, 2004)
Na experiência proveniente da observação e acompanhamento de pacientes
com Bulimia, por profissionais do NIAB, a evolução e a escuta cuidadosa sugerem a
ocultação por anos dos sintomas bulímicos. Algumas se dizem curadas, mas
mantém ocultas as práticas bulímicas. Daí a dificuldade de análise e credibilidade de
algumas estatísticas.
Nos estudos psiquiátricos sobre a Anorexia, alguns fatores estão associados
a pior prognóstico e aos casos graves: duração prolongada da doença (anterior ao
tratamento ou por intervenções mal sucedidas), início tardio do transtorno, presença
de sintomas bulímicos, peso inicial muito baixo, relações familiares problemáticas
prévias a Anorexia, estado marital (casada), abuso ou dependência de álcool e
transtorno afetivo no curso da Anorexia. Na Bulimia, aumentam a gravidade dos
casos e pioram a evolução os seguintes fatores: sintomatologia mais grave,
freqüência aumentada de vômitos no início do quadro, flutuações extremas de peso,
impulsividade, baixa auto-estima, conduta suicida e abuso de substâncias. (APA,
2006)
Os estudos psiquiátricos buscam definir o que se repete, o que é comum,
universal ao sintoma anoréxico-bulímico. À psicanálise interessa a singularidade de
cada caso, que é marcada pela posição única do sujeito na ordem familiar, pelo que
cada um representa no inconsciente dos pais, pelo que herda das gerações
anteriores, mas também pela posição ocupada pelo sujeito, como objeto ou sujeito
do próprio desejo.
A condução dos casos exige uma apreensão do que de mais singular em
cada caso, ou seja, o sintoma em sua articulação com o desejo e o gozo, para que
possa surgir alguma possibilidade de intervenção eficaz. Cada caso deve ser
104
considerado único em sua condução. Trata-se, não de encaixar o caso a regra, mas
sim de verificar qual a regra se aplica ao caso.
Ao se desvelar o envoltório universal do sintoma (série monótona e genérica
dos fenômenos anoréxico-bulímicos: rituais, restrições alimentares, purgação),
encontramos uma história particular; a Anorexia e Bulimia de cada sujeito. Apesar da
fenomenologia típica dos sintomas, cada um deles é particular e peculiar, o sentido
de um mesmo sintoma em diversos sujeitos é diferente.
A gravidade dos quadros clínicos continua desafiando os profissionais de
saúde. Os subsídios médicos, apesar de valiosos, são insuficientes à compreensão
e cuidado desses pacientes. Foi, frente aos vários impasses da clínica, com casos
clínicos muito graves e na tentativa de compreender esses quadros e conduzir o
tratamento, que, no trabalho desenvolvido no NIAB, as contribuições da psicanálise
foram associadas ao conhecimento clínico e psiquiátrico sobre o tema.
Segundo Fernandes (2006): “Os desafios que coloca a clínica da Anorexia e
Bulimia solicitam a capacidade inventiva da equipe e a disponibilidade para entrar
em contato com a estranheza das disparidades”. Ainda segundo a autora, “torna-se
fundamental apurarmos os ouvidos para escutar os pacientes, sem a surdez da
pretensão de encaixá-los, apressadamente, nas formulações teóricas conhecidas”.
O diagnóstico médico-psiquiátrico da Anorexia em geral não apresenta
dificuldade, pois está no registro da evidência: o paciente se mostra com seu corpo
magro. O comportamento anoréxico é sintoma para a medicina, mas não para o
próprio sujeito, que geralmente se apresenta convicto da recusa alimentar obstinada.
Na Bulimia, os sintomas podem ser ocultados por muitos anos e o paciente, muitas
vezes, só procura auxílio quando a função do seu sintoma bulímico falha.
É necessária a exclusão de quadros clínicos e psiquiátricos que provoquem
Anorexia, emagrecimento e vômitos. No caso clínico de Carlos a anorexia aparece
como um sintoma de um transtorno psiquiátrico (esquizofrenia).
Paciente de 18 anos, menor IMC de 9,38 Kg/m², emagrecimento secundário a
recusa alimentar iniciada após o falecimento da mãe, 2 anos e
intensificação dos sintomas 5 meses. “Eu era muito agarrado à minha
mãe”. Segundo o pai, Carlos sempre foi de poucos amigos, muito ligado à
família e agarrado demais à mãe. Mostrava desinteresse por relacionamentos
afetivos e sexuais.
105
Internação para extensa propedêutica clínica, com exames clínicos normais.
Durante a internação, paciente recusava alimentação e a medicação prescrita
e apresentava vômitos pós-alimentares. Após longo período de internação,
com persistência do quadro e sem alterações clínicas que justificasse a
caquexia, a suspeita de um quadro psiquiátrico de base foi questionada e uma
escuta mais atenta foi oferecida ao paciente. A equipe clínica que
acompanhava o caso levantou a hipótese de Anorexia Nervosa.
Carlos respondia às perguntas sem interesse, de forma concreta e
empobrecida. Foram percebidos pensamentos com conteúdo delirante,
persecutório (para ele a única explicação possível para a sua inapetência e
emagrecimento acentuado era a “macumbaria” ou “olho grande dos outros
porque eu era saudável”) e alterações na sensopercepção levando a idéias
delirantes sobre o movimento e funcionamento dos órgãos (a hiperestesia
cenestésica do trato digestivo leva a crenças delirantes sobre o movimento e
funcionamento dos órgãos: a ingestão de um biscoito oferecido por uma
vizinha teria fechado seu estômago e a comida não iria mais descer, por isso
tinha que provocar os vômitos). Achava que estava muito magro, preocupava-
se com seu estado de saúde e dizia querer ganhar peso.
O diagnóstico de esquizofrenia é baseado no embotamento afetivo,
negativismo, com tendência a apatia, pensamento concreto, empobrecido, com
conteúdo delirante persecutório, juízo crítico prejudicado, alteração na
sensopercepção levando a crenças delirantes. Também a ausência de medo
mórbido de engordar e ausência de distorção da imagem corporal afastam a
hipótese de uma Anorexia Nervosa. A anorexia aparece como um sintoma reacional
ou reforçado por delírios ou alterações da sensopercepção.
A anamnese e exame clínico cuidadosos são essenciais no diagnóstico
diferencial. Porém nem sempre esse diagnóstico pode ser definido prontamente.
Rotulações diagnósticas e investigações clínicas exaustivas podem colaborar para
fixar o sintoma alimentar.
Normalmente o paciente é levado para tratamento por membros da família,
após a ocorrência de uma acentuada perda de peso ou fracasso em obter os ganhos
de peso esperados. Quando o paciente busca auxílio por conta própria, geralmente
é em razão do sofrimento subjetivo acerca das seqüelas físicas e psicológicas da
inanição e das práticas purgativas. Raramente um paciente com Anorexia Nervosa
106
se queixa da perda de peso em si. Eles freqüentemente não possuem insight sobre
o problema, não se sentem doentes e muitos sentem-se vencedores por conseguir
controlar a ingestão de alimentos e o peso. A ausência de qualquer demanda e a
recusa ao tratamento pode levar ao desespero terapêutico e à desorientação de
profissionais. Até mesmo é possível, nos profissionais das equipes, o surgimento da
Síndrome de Burn-Out, descrita por Maslach como:
“uma reação à tensão emocional crônica por lidar excessivamente com
pessoas. É um construto formado por três dimensões relacionadas, mas
independentes: (a) exaustão emocional: caracterizada por falta de energia e
entusiasmo, por sensação de esgotamento de recursos ao qual pode
somar-se o sentimento de frustração e tensão nos trabalhadores, por
perceberem que não têm condições de despender mais energia para o
atendimento de seu cliente ou demais pessoas, como faziam antes; (b)
despersonalização: caracterizada pelo desenvolvimento de uma
insensibilidade emocional, que faz com que o profissional trate os clientes,
colegas e a organização de maneira desumanizada; (c) diminuição da
realização pessoal no trabalho: caracterizada por uma tendência do
trabalhador a auto-avaliar-se de forma negativa, tornando-se infeliz e
insatisfeito com seu desenvolvimento profissional, com conseqüente
declínio no seu sentimento de competência e êxito, bem como de sua
capacidade de interagir com os demais.
Uma das primeiras dificuldades é a que diz respeito à adesão do paciente ao
tratamento, pois, ocorre freqüentemente a negação do problema. Os pacientes com
sintomatologia anoréxico-bulímica em geral desconfiam dos médicos, que são
considerados como interessados apenas em realimentá-los, engordá-los e em fazê-
los perder a vontade de controlar o peso. Se o médico se coloca como alguém que
quer curá-lo, alguém que sabe o que o paciente quer ou precisa, se diante dele
encarnar a posição de mestre, provavelmente não terá êxito terapêutico. Diante
desses pacientes, o médico tem que sair da posição de mestria, de poder e tentar
fazê-los se questionar sobre o seu sintoma e sobre o que quer aquele que não quer
apenas curá-lo. Assim, o primeiro objetivo do profissional que atende esse paciente
é implicá-lo com seu sintoma, porém essa manobra sebem sucedida quando
se constitui uma relação de confiança com o médico.
Segundo Recalcati (2003)
Se a transferência é o indicativo da atribuição ao Outro do que falta ao
sujeito, nas novas formas de sintoma (como Anorexia, Bulimia e
Drogadição) se assiste a um colapso da transferência, a existência de um
circuito fechado da pulsão que suprime a dimensão de encontro com o
Outro sexo: o objeto de transferência se converte em um objeto de gozo
separado do Outro.
107
O fenômeno anoréxico-bulímico, entendido como aquilo que se manifesta, é
considerado, pela psicanálise, uma forma encontrada pelo paciente para lidar com
um mal estar psíquico, na impossibilidade de falar sobre ele. A escolha sintomática
não é alheia ao contexto sócio-cultural da contemporaneidade, caracterizada pela
sociedade de consumo, de culto ao corpo, marcada pelo discurso do capitalismo e
da ciência.
A Anorexia e a Bulimia são construções sintomáticas em resposta a conflitos
psíquicos, ou melhor, formas de defesa do sujeito frente à irrupção do Real. A
identificação com tais sintomas (“eu sou anoréxia” ou “eu sou bulímica”) impede que
o mal-estar psíquico faça questão para o sujeito. Se a abordagem desses pacientes
for restringida a uma questão de corpo e comida, ou seja, se a sintomatologia
anoréxico-bulímica for considerada e reduzida como “transtorno alimentar”, ficará
longe do verdadeiro problema, fixará o diagnóstico e propiciará a cronificação e um
pior prognóstico. O diagnóstico como um transtorno da alimentação desvia a
atenção das verdadeiras dificuldades do paciente. O médico na tendência de querer
alimentar a anoréxica fecha o circuito em torno do alimento.
O atendimento familiar pela equipe também é fundamental na condução do
tratamento, pois a família precisa compreender e participar do tratamento ciente de
que a questão central não é um distúrbio da alimentação, mas uma doença psíquica.
A literatura psiquiátrica, baseada no conhecimento médico-científico atual,
tem privilegiado a observação distanciada de grupos com sintomas similares. Os
estudos estatísticos ampliam os números para diluir o que é singular, procurando na
resposta estatisticamente significativa um evento que possa repetir-se no novo caso,
independente de sua particularidade.
O discurso da ciência e as explicações biológicas sobre a Anorexia e Bulimia
dão sentido (científico) ao sintoma, criando barreira à subjetivação e reforçando a
posição do paciente.
Atualmente, o saber valorizado vem das evidências estatísticas, em que a
singularidade do sujeito e a sua responsabilidade pelo seu mal-estar desaparecem.
A avaliação, as escalas, os testes classificatórios, as classificações psiquiátricas
atuais representam sintomas do nosso tempo: tentativas de tratar o sujeito como
unidade de equivalência, como comparáveis, com o objetivo de contabilizar,
quantificar em taxa de desempenho, encaixar num diagnóstico facilitando a
indicação de um determinado medicamento ou de um tratamento formatado.
108
Na avaliação dos pacientes com sintomatologia anoréxico-bulimíca, a
generalização e o tratamento padrão não são adequados, nem suficientes à
condução dos casos. Protocolos diagnósticos e escalas de avaliação lidam com o
calculável, comparável e universalizável. Um caso particular de Anorexia ou Bulimia
pode contrariar o que aparece como típico e padrão nesses casos.
evidentemente uma sintomatologia anoréxica-bulímica típica, mas o sentido dessa
mesma sintomatologia é diferente em sujeitos diferentes e está articulada à
singularidade de cada um.
Em oposição às classificações e protocolos diagnósticos e às escalas de
avaliação, o trabalho orientado pela psicanálise se interessa pelo único, buscando
em cada caso as características próprias, os detalhes e princípios que orientam o
diagnóstico, possibilitam a construção do caso clínico e dirigem o tratamento.
O que caracteriza a orientação psicanalítica na abordagem da Anorexia e
Bulimia é a demarcação entre o plano do fenômeno anoréxico-bulímico e o plano da
estrutura subjetiva. É sobre a estrutura subjetiva e não sobre o fenômeno que se
orienta a clínica. A orientação teórica se fundamenta sobre a clínica diferencial de
Freud (psicose, neurose e perversão) atualizada a partir das novas formas de
manifestação da psicose e da neurose.
O diagnóstico diferencial estrutural em psicanálise tem função de dar direção
ao tratamento, ou seja, serve de orientação para a condução terapêutica. Nas
entrevistas preliminares é importante, no que diz respeito à direção do tratamento,
ultrapassar o plano das estruturas clínicas (neurose, psicose, perversão) para se
chegar ao tipo clínico (histeria, obsessão), a fim de que a estratégia da direção do
tratamento possa ser estabelecida. A base da estratégia na direção do tratamento se
refere à transferência, à qual o diagnóstico deve estar correlacionado. Dado que o
profissional será convocado a ocupar na transferência o lugar do Outro do sujeito a
quem são dirigidas suas demandas, é importante detectar nesse trabalho prévio a
modalidade da relação do sujeito como Outro. (QUINET, 2000)
O diagnóstico estrutural é fundamental na condução do tratamento, pois,
diferentemente das anorexias e bulimias nas neuroses, as anorexias e bulimias nas
psicoses funcionam como compensação de uma psicose não desencadeada e a
pressa em remover o sintoma alimentar pode resultar em um desencadeamento
psicótico.
109
A sintomatologia anoréxico-bulímica é uma resposta ou solução
transestrutural, o que significa que pode ser encontrada em sujeitos com estrutura
neurótica, psicótica ou perversa. A solução anoréxico-bulímica tem, em cada
estrutura, um estatuto diferente. A distinção clínica estrutural entre neurose e
psicose permite diferenciar quando a sintomatologia anoréxico-bulímica é uma
suplência à forclusão do Nome do Pai, possibilitando a estabilização do sujeito, que
de outra forma se encontraria a mercê da vontade do gozo do Outro, ou quando se
trata do desejo do Outro e de seu enigma, com o qual o sujeito enfrenta
neuroticamente, ainda que nas formas extremas de uma posição subjetiva que põe
em perigo sua própria vida.
Apenas classificar em Anorexia ou Bulimia não é suficiente para definir a
terapêutica. Existe uma variedade de declinações subjetivas sob uma aparente
homogeneidade fenomenológica. É preciso circunscrever a questão subjetiva a que
responde o sintoma anoréxico-bulímico com base no diagnóstico estrutural,
possibilitando a construção do caso clínico e a abordagem terapêutica. Fatores
ligados à singularidade do sujeito, como as características do desencadeamento e o
contexto ou conflito vivido pelo paciente naquele momento do início dos sintomas
são fundamentais para o entendimento do sintoma alimentar como uma solução
subjetiva.
O que é próprio e singular de cada sujeito pode ser apreendido a partir da
análise do seu discurso. Para isso, é necessário além de possibilitar que o paciente
fale, também se interessar pelo que ele tem a dizer a respeito do seu sintoma e do
que lhe acontece. É fundamental não responder do lugar do suposto especialista em
transtornos alimentares que o paciente supõe encontrar, e colocar no centro não o
saber universalizado adquirido da ciência, mas o saber inconsciente contido na
palavra do sujeito doente que procura ajuda.
O percurso terapêutico visa a retomada da subjetividade e a construção de
uma verdadeira demanda de tratamento. A redução do sintoma o é o objetivo
inicial e configura-se como efeito da retomada da subjetividade.
Permitindo com que cada um produza a seu modo o descongelamento da
holófrase e fazendo surgir um funcionamento próprio do sujeito, capaz de um
investimento em objetos não consumíveis de maneira imediata e voraz, ou seja,
objetos marcados pela ação do Outro simbólico e que coloquem o sujeito em um
laço discursivo que implique em perda de gozo através da cadeia significante. É uma
110
lógica alternativa ao circuito fechado, sem perda de gozo do discurso anoréxico-
bulímico. Como efeito, deve advir a saída do isolamento e a retomada do laço social.
Viganò (1999c), em sua Conferência sobre Bulimia e Anorexia, destaca não
ser possível tratar a Anorexia e a Bulimia somente no plano alimentar, porque não
são comportamentos subjetivados, mas automáticos, defensivos. Por ser uma
defesa do sujeito, o médico não deve fazer uma intervenção muito forte, tentando
remover o sintoma, ou reeducá-lo. “É preciso esperar o sujeito que está atrás deste
distúrbio alimentar.” O autor continua: “quando a Anorexia e a Bulimia perdem a
capacidade de defesa do sujeito do gozo, neste ponto, pode-se estruturar um
sintoma neurótico ou aparecer sinais de uma psicose”.
O caso clínico abaixo ilustra essa afirmação de Viganò:
Pedro, 16 anos, com diagnóstico de Anorexia Nervosa. Início dos sintomas
coincide com a vinda para Belo Horizonte, para morar sozinho, estudar em um
bom colégio e tentar vestibular na UFMG. Na sua cidade de origem, era o
melhor aluno da classe e a esperança da família de ter um filho bem sucedido.
O pai sempre quis que ele fosse o melhor aluno, e assim Pedro conseguia ser
na sua cidade de origem. Porém, Pedro queixa-se de sempre ter tido poucos
amigos, de ser sozinho. Com a mudança de cidade e de colégio, Pedro
passou a ter dificuldades escolares e deixou de ser um bom aluno, o melhor
aluno. Neste momento, a sintomatologia anoréxica se inicia com
emagrecimento de 23 kgs em 3 meses. Anorexia que foi aprendida na
internet, quando Pedro buscava dicas para emagrecer, pois queria perder
peso e ter “um corpo mais definido”.
Um fato ocorrido na escola leva a mudanças. Pedro entra na sala de aula aos
gritos, vociferando contra uma colega e difamando-a frente aos demais
colegas. Ele se sente enganado por ela, que disse que gostava dele, mas não
sustentou essa fala. “O tempo parou, daquele momento até agora. Minha vida
parou daquele dia até hoje. É um antes de Cristo e um depois de Cristo. Estou
perdido, parece que o Pedro saiu. Eu era Pedro Silva Santos e me glorificava
disso. Agora não sou nada.”
Desde então, Pedro mostra-se muito angustiado, perplexo, discurso
fragmentado e monotemático. Pedro passou a ter ideação suicida: ameaça
pular do 11º. andar, caso não recupere suas notas. Sente que perdeu o
controle, não consegue estudar. Sua mãe diz que Pedro perdeu o caminho. O
111
sintoma anoréxico se desfez, voltou a comer, passou a devorar tudo. “Eu era
anoréxico, agora engordei... quando vou ter um corpo bom de novo?”
A mãe veio morar em Belo Horizonte, para cuidar de Pedro, que parou
inclusive de freqüentar as aulas. Pedro passa a ameaçar a mãe e a
chantageá-la. Mãe mostra marcas no corpo dos “chupões” e das agressões
do filho. Diz que o filho tenta mamar nela. O pai continua morando no interior
e diz não ter coragem de vir a BH. Alcoólatra, deprimido, se diz incapaz de
lidar com o problema do filho.
No caso clínico acima, a Anorexia parece ser uma resposta transitória do
sujeito que corre o risco de um desencadeamento psicótico. Pedro busca na
Anorexia, aprendida pela internet, uma tentativa de organização via identificação
imaginária do sujeito. Talvez ser “o melhor aluno” tenha funcionado, até então, como
suplência e garantido o bom funcionamento de Pedro, até sua mudança de cidade e
de colégio, quando passou a ser um aluno comum. Porém, a Anorexia, como
suplência, não impediu o desencadeamento psicótico.
Foi no encontro com real do sexo que esse arremedo de sustentação, tão
frágil, se desfez e deu-se o desencadeamento da psicose. Diante do que teria sido
uma demanda dirigida ao Outro e da resposta que advém, ele sem conseguir
elaborar o que lhe retorna, vocifera contra a colega, por quem se sente enganado. O
sujeito fica diante do vazio de significação e a decifração fica em suspenso, como
algo de enigmático. Falta ao sujeito o significante do falo que organizaria para o
sujeito um campo de significação sexual.
Nas psicoses não desencadeadas, a compensação imaginária e a suplência
se configuram como formas particulares de estabilização psicótica.
Segundo Recalcati (2003):
Nas Anorexias psicóticas é importante explorar a relação possível entre o
desencadeamento da psicose e da Anorexia. Existe uma variedade de
soluções possíveis: pode ocorrer que a Anorexia seja uma resposta
transitória do sujeito que tem risco de um desencadeamento psicótico ou
um modo para suturar de forma compensatória uma psicose
desencadeada. Às vezes, a Anorexia impede absolutamente o
desencadeamento psicótico ao estruturar uma identidade imaginária do
sujeito.
Neste caso, alguns dados contribuem para a hipótese diagnóstica psiquiátrica
de Transtorno psicótico esquizofreniforme agudo (pelo CID-10: F23.2) que se
diferencia da Esquizofrenia, pela duração dos sintomas menor que 1 mês: início
abrupto com alterações bruscas de comportamento; juízo crítico prejudicado;
112
perplexidade; retraimento social; pensamento vago, com interrupções;
agressividade. Risco para si e terceiros, exigindo medidas de contenção.
A compensação imaginária pela Anorexia não foi suficiente para evitar o
desencadeamento. Entretanto, assim como a suplência, a compensação imaginária
em alguns casos mantém a psicose sem um desencadeamento. Daí o risco da
remoção do sintoma, desconhecendo-se a sua função no caso clínico.
Na condução do tratamento dos casos graves, o profissional (Psiquiatra,
Clínico ou Psicanalista) deve trabalhar em equipe, pois o acompanhamento
psiquiátrico e clínico e a escuta psicanalítica se fazem necessários. A equipe
interdisciplinar funciona como uma rede de sustentação do paciente, abordando
aspectos psiquiátricos, clínicos e psicanalíticos.
Uma equipe não deve ser um amontoado de profissionais presos a suas
rotinas, por imposição e laço institucional. Uma equipe interdisciplinar se constitui
como conseqüência do trabalho de muitos em torno da clínica. o desafio, o
desconforto, o que faz obstáculo pode implicar e comprometer os profissionais,
constituindo uma equipe. O encontro e o diálogo entre diferentes disciplinas e
saberes é a construção do caso clínico, instrumento tão precioso na clínica da
Anorexia e Bulimia, sobretudo na condução do tratamento e na definição do lugar
ocupado por cada profissional.
O tratamento medicamentoso, a intervenção médica e a mesmo a
hospitalização são tentativas válidas, até mesmo imprescindíveis, para barrar o gozo
mortífero em pacientes com sintomas anoréxico-bulímicos. Até mesmo para que o
tratamento analítico se torne possível, o gozo mortífero a que muitos sujeitos com
sintomatologia anoréxica-bulímica se entregam deve ser barrado. No entanto, na
transferência é possível alguma intervenção que permita barrar o gozo, implicar o
sujeito e, em se tratando de sujeitos neuróticos, introduzir o desejo.
Os efeitos terapêuticos da farmacoterapia são frustrantes e desanimadores na
fase aguda da Anorexia, permanecendo como uma intervenção adjunta a outras
abordagens. o tratamento farmacológico da Bulimia é uma parte importante dos
recursos terapêuticos disponíveis que favorece a redução dos sintomas bulímicos.
A sintomatologia psiquiátrica associada ao fenômeno anoréxico-bulímico é muito
freqüente. Nestes casos, o uso de medicamentos na Anorexia e Bulimia visa os
aspectos sintomáticos e os quadros psiquiátricos estabelecidos (sintomas
113
depressivos, ansiosos, obsessivo-compulsivos e psicóticos, além das atuações
transgressivas).
O acompanhamento clínico também deve ser permanente e tem como
objetivo a estabilidade clínica e não o ganho de peso, a não ser em situações
particulares que o exijam. A hospitalização se justifica quando desequilíbrio
clínico ou metabólico com risco de vida imediato, ou em casos de urgência
psiquiátrica.
O corpo do paciente com Anorexia e Bulimia não é um corpo que fala, mas é
um corpo que margeia o abismo da morte. O caso clínico de Rose ilustra essa
afirmação:
Rose, 33 anos, com diagnóstico de Anorexia Nervosa mais de 15 anos,
IMC variando em torno de 12 kg/, rias internações clínicas prévias para
reidratação e até realimentação por sonda. “Só quero morrer e emagrecer.
Perdi a vontade e gosto de tudo”. Desvitalizada, voz fraca e baixa, caminha
amparada por familiares, discurso empobrecido, monótono sobre morrer e
emagrecer, humor deprimido. “Não gosto de sair, fico escondida para evitar o
contato com as pessoas, quero ficar sozinha, não quero mais nada, eu tenho
vontade de fazer nada.” “Sinto meu corpo grande. Minhas mãos, minhas
pernas e meus pés pesados e gordos.” Mostra conformismo e distanciamento
do seu drama. “Quero mesmo é morrer. Não me importo mais com nada.
Estou ocupando lugar dos outros aqui na Terra... não tenho lugar, estou
sobrando.” Desapego à vida, à sua família. Não demonstra preocupação com
os filhos, caso ela venha a faltar. Mãe de 3 filhos, ficou internada por 4 a 7
meses em cada gestação devido ao quadro de desnutrição. “Se como alguma
coisa, sinto remorso, como se eu tivesse fazendo alguma coisa errada.” Piora
do quadro após falecimento do sogro, “parei de comer”, sentindo-se culpada
por não ter evitado a sua morte. “Não quero melhorar, quero morrer, porque
tive muitas perdas na vida e não consegui superar nenhuma delas... não
consigo aceitar.” Associa essas perdas à morte do avô há 20 anos e do sogro.
Relata ter a sensação de ouvir a voz do sogro chamando por ela “é como se
ele tivesse me chamando para cuidar dele. Por isso tenho que sair desse
mundo.”
O caso de Rose prima pela gravidade e cronicidade do quadro e pela
dificuldade na condução clínica.
114
Humor deprimido, perda de auto-estima e prazer, fatigabilidade aumentada,
sentimentos de inutilidade e culpa, impossibilidade de continuar com suas atividades
domésticas, delírios e alucinação humor-congruentes, perda de peso auto-induzida,
medo mórbido de engordar e distorção da imagem corporal, além da evolução de
mais de 15 anos, levam, pela psiquiatria, à impressão diagnóstica de um Transtorno
Depressivo Recorrente Grave, com sintomas psicóticos, em comorbidade com a
Anorexia Nervosa, portanto, utilizando o CID-10: F33.3 + F50.0. para a
psicanálise, o fenômeno anoréxico de Rose está associado a estrutura psicótica,
melancólica.
Segundo Recalcati (2003), a forma extrema e mais habitual através da qual
consideramos clinicamente um caso como grave é o risco real de morte. O empuxo
para a morte pode assumir duas formas distintas: a inclinação a atuar (acting out ou
passagem ao ato) traduzido como empuxo suicida e a cadaverização progressiva do
sujeito. No primeiro caso, o empuxo à morte é direto, produz um curto-circuito no
real e adquire as formas de ato violento. No segundo caso, a extinção progressiva
da vida, numa mortificação progressiva do sujeito, produz um apagamento do
sentimento de vida, antes mesmo do corpo.
Esse é o que Lacan (1961) definiu como “suicídio adiado” para indicar em
certos sujeitos (anoréxicos e toxicodependentes) este empuxo para a morte como
inervado no corpo do sujeito. Essa inervação da morte não aparece localizada em
um órgão, mas generalizada sobre o sentimento vital do corpo.
A atuação suicida e a mumificação somática o duas formas da posição
holofrásica do sujeito. O sujeito tem acesso precário ao simbólico porque permanece
colado ao Outro. O defeito de simbolização deriva de um defeito de separação.
Recalcati (2003) sugere nestes casos uma outra modalidade de definição
para o caso grave: “o paralelismo integral entre a palavra e o gozo, ou seja, a
palavra transcorrendo por uma via distinta da via do corpo pulsional.” E explica a
causa deste paralelismo: “parece que não há possibilidade alguma de produzir uma
verticalização da palavra sobre o gozo e, portanto uma transformação da pulsão”.
O caso de Rose sugere um “suicídio adiado”, a mumificação somática, a
cadaverização progressiva de um sujeito identificado ao objeto perdido (“a sombra
do objeto cai sobre o eu” - FREUD, 1917), ao objeto rebotalho do simbólico, objeto
rejeitado. Sua vida se apresenta sem sentido.
115
O melancólico se acusa de ser responsável pela ruína, pelas perdas.
Entretanto, na melancolia o sentimento de culpa do sujeito não está relacionado com
seu fantasma. A idéia delirante de uma culpa absoluta, originária, com uma
indignidade moral holofrasiza o sujeito ao Outro: o sujeito se encontra cadaverizado
na posição de objeto de gozo do Outro. E o Outro do melancólico é um Outro que
não precisa de nada, inteiro, perfeito, não-castrado. O sujeito cai holofraziado ao
Outro, marcado por uma espécie de debilidade profunda, sem possibilidade de
separação.
No delírio melancólico a impossibilidade de separação assume a configuração
da impossibilidade para o sujeito de ter acesso à própria morte. Para o melancólico
morrer realmente é impossível, porque o sujeito cai reduzido em vida a objeto, a
morto vivo. Assim, o melancólico não quer se curar, não quer tratar, quer morrer.
Fora do lugar de simbolização, para além do princípio do prazer, um gozo não
localizado impossível de ser suportado. (RECALCATI, 2003)
A pulsão que prende o melancólico à vida parece ter se desprendido: é o
gozo do masoquismo que faz da melancolia a pura cultura da pulsão de morte.
(FREUD, 1917)
Segundo Quinet (2006):
Encontramos o sujeito identificado ao objeto que se situa onde reina o
silêncio da pulsão de morte. É essa situação estrutural do melancólico, que
faz com que ele fique não calado, mas também petrificado, o que se
expressa inclusive corporalmente, pois seu metabolismo abaixa e ele pode
chegar a o evacuar ou urinar. O delírio do melancólico é paupérrimo,
tende ao silêncio; o sujeito tende à mortificação, à cadaverização. Não
mais pulsão da vida porque Eros se retraiu e é Eros que está do lado da
vida, da cultura, da cadeia significante, da linguagem.
Recalcati (2003) observa:
Na Anorexia e Bulimia melancólica, a cola do sujeito ao objeto assume mais
que as formas clássicas do delírio de culpabilidade e de auto-acusação;
assume o aspecto fechado, a desvitalização, a identificação com o corpo
magro, o empobrecimento da palavra, a obsessão monótona da comida e
pelo peso, a anulação semântica do discurso, a ausência de subjetivação
do sentido... Traços que fazem pensar em uma espécie de psicose ‘sem
desencadear’, na qual a identificação idealizante à Anorexia funciona como
compensação ao buraco aberto no sujeito pela forclusão do Nome-do-pai.
Na prática clínica não é raro comprovar que a saída ou a debilitação da
identificação anoréxica pode provocar um autêntico desencadeamento da
psicose.
Nos casos de melancolia localiza-se um maldizer (do sujeito a si mesmo) e a
oferta de escuta vai possibilitar a proposição de um bem-dizer, que pode levar o
sujeito a se livrar dos grilhões que o atam a sua tristeza.
116
O caso Rose vem reforçar a necessidade do diagnóstico estrutural, além do
fenômeno anoréxico-bulímico, para construção do caso clínico e direção do
tratamento, que não passa por uma alimentação compulsória, apesar da desnutrição
grave e complicações clínicas, mas por um suporte clínico associado a uma oferta
de escuta. Esse caso também nos alerta sobre o risco da tentativa de remoção do
fenômeno anoréxico-bulímico por intervenções desvinculadas da construção do caso
clínico e a conseqüente possibilidade de agravamento da psicose ou passagens ao
ato (suicídio). Portanto a contenção do furor curandis do profissional pode evitar a
precipitação de uma psicose.
Outro fator que se destaca em alguns casos graves de Anorexia e Bulimia é o
rechaço do Outro. Na Anorexia e na Bulimia, a separação pode assumir a forma de
rechaço. Mas o rechaço do Outro não é uma modalidade efetiva de separação. O
rechaço é uma pseudo-separação, porque o sujeito, na realidade, continua
dependendo do Outro em seu rechaço.
Existem tipos diferentes de rechaço. Na clínica neurótica da Anorexia, o
rechaço pode ser um modo de chamar, provocar, interrogar, provocar a falta no
Outro. Este rechaço pode configurar-se como uma modalidade de relação com o
Outro, como no caso clínico a seguir:
Jane, 21 anos, com rápida perda de peso (mais de 30 kg em 4 meses),
desnutrição grave, IMC de 11 Kg/m². Encaminhada por um
gastroenterologista, após avaliação clínica e tentativa inicial de tratamento por
3 semanas, com persistência da gravidade. Prática excessiva de exercícios
físicos e “pânico de engordar”. Sem insight, recusa tratamento. Rigidez de
pensamento com temática de peso, comida, corpo. Muito apegada ao
sintoma, demonstrando grande preocupação em “perder o controle” e “voltar a
ser gorda”. Pais mostram-se muito angustiados e imploram intervenções.
Desencadeamento localizado com início de dieta para perder peso, junto com
a irmã: “a gente começou uma dieta”, mas Jane não se deu conta do
emagrecimento. “Quero perder mais 3 kgs, porque tenho barriga”. Pais com
atitudes controladoras e até invasivas. Mãe tenta entrar nos atendimentos, ou
manifesta-se mesmo no corredor, falando coisas que a filha deveria fazer e
buscando aval do médico ou do analista para suas intervenções. Foi proibida,
pelos pais, de sair sozinha, devido às condições físicas e passou a ser
controlada de perto pelos pais. Jane relata ser muito ligada à irmã; “sempre
117
vivi na sombra dela; fazia tudo que ela fazia”. A irsempre cuidou muito
dela, “como uma mãe”. Jane diz ter medo de magoar as pessoas e teme
contrariar os pais, pois “eles são ótimos pais, formam um par maravilhoso,
construíram uma família com muito amor”, e a irmã, que toda vez que é
contrariada deixa de falar com ela e a trata com indiferença. Ela e a irmã
sempre foram muito parecidas, mas agora depois que Jane emagreceu estão
diferentes. Quer voltar a fazer um curso de computação, mas num lugar
diferente da irmã. Sempre quis emagrecer, estudar e casar e agora que
emagreceu parece ter inviabilizado os outros dois projetos. Precisa ganhar
peso para que seus pais permitam que saia de casa sozinha. Jane relata que
já namorou aos 15 anos, mas terminou a pedido do pai.
A hipótese para o diagnóstico psiquiátrico de Jane é de Anorexia Nervosa
(pelo CID 10: F50.0), que leva em conta a sintomatologia alimentar, a perda de
peso, a distorção da imagem corporal e o medo mórbido de engordar. Uma escuta
orientada pela psicanálise sugere fenômenos anoréxicos numa estrutura neurótica,
histérica e um sentido para o adoecimento da paciente.
Jane, como as histéricas, não busca satisfazer seu desejo, mas interessa-se
pelo desejo do Outro, pelo que falta ao Outro. A recusa anoréxica na histeria pode
servir para salvar o desejo. Uma paciente que não quer do Outro a comida, o que o
Outro tem. Quer o amor, a dádiva do que não se tem.
O sintoma anoréxico da Jane está encobrindo questões do sujeito e
apontando para uma falta de sustentação simbólica. O despertar da sexualidade foi
impedido pelo pai e uma difícil separação simbólica dos pais (pais perfeitos). O
corpo anoréxico promove a anestesia do corpo sexual, sua dessexualização. “A
nadificação do corpo na lógica histérica busca, através do sacrifício extremo do
corpo, obter do Outro o signo de sua falta”. (RECALCATI, 2003)
O sintoma anoréxico e o emagrecimento como manobra de separação e
tentativa de reduzir a onipotência do Outro à impotência. Através do comer “nada”, o
sujeito com Anorexia barra o Outro, apontando a castração no Outro e lançando o
Outro numa impotência angustiante. O sujeito utiliza o sintoma para se separar da
demanda do Outro e mostra a diferença entre a dimensão do desejo e da demanda.
Este não é um caso de pura exclusão do Outro, mas de uma recusa, que vale como
apelo ao Outro (pseudo-separação). O corpo anoréxico é usado para horrorizar o
118
Outro, impulsionar o Outro a dar o que não tem, fazer signo de falta e obter um sinal
de amor.
Pela construção do caso clínico de Jane, a direção do tratamento aponta para
a implicação do sujeito ao sintoma e apostando que a escuta pode encontrar um
desejo, onde ali o nada habita.
na clínica do caso grave, o rechaço, ao contrário, parece dissociar-se do
chamado, da queixa, adquirindo a forma de um rechaço sem apelo ao Outro.
Na própria clínica do suicídio, podemos diferenciar essas duas formas do
rechaço. O ato suicida como alienação ao Outro, no qual o ato depende do Outro, é
causado pelo Outro e pretende remover o Outro. Desta forma, o empuxo para a
morte não pode ser dissociada do dizer. A ação é um querer-dizer. É uma forma do
sujeito chamar a atenção do Outro.
Mas, o ato suicida pode responder também à lógica da separação. Pode ser
um modo radical do sujeito para se separar do Outro de maneira absoluta e
irreversível. O sujeito pode não ter encontrado um lugar próprio no Outro e seu
rechaço pode ser então uma resposta ao rechaço originário do Outro.
Essa é a lógica da psicose: o sujeito rechaçado pelo Outro, sem uma
inscrição simbólica no Outro, rechaça radicalmente este Outro que lhe vetou
qualquer acesso.
A construção do caso clínico de Elis sugere esse rechaço radical do Outro, na
lógica da psicose:
Elis, paciente de 21 anos, com sintomas anoréxico-bulímicos exacerbados,
que se iniciaram, juntamente com sintomas depressivos, após rompimento de
seu primeiro envolvimento amoroso. “Tenho muita fome, como demais, não
consigo me controlar, e como não quero engordar, provoco vômito... vi na
televisão.” Recusa alimentar, vômitos provocados e exercícios físicos
excessivos levaram a um emagrecimento de 35 kg em 3 meses. A partir de
então, sucederam-se pelo menos 14 internações psiquiátricas após graves
tentativas de suicídio (2 tentativas de enforcamento durante internação no
próprio hospital psiquiátrico) e outras internações clínicas pelas graves
complicações das intensas práticas bulímicas (desidratação, hematêmase).
“Este corpo me fez sofrer muito, quero emagrecer... saúde para mim é
nada. Tenho raiva de quem me dá comida”. A combinação de dispositivos
clínicos como medicações de contenção em doses elevadas, internações e
119
oferta de escuta semanal possibilitavam estabilidade precária, com redução
da necessidade de freqüentes internações, porém as recaídas eram
freqüentes, geralmente acompanhadas de ideação e tentativa suicida grave. A
paciente dizia que a vida não era boa, especialmente nas casa dos pais, onde
ambos alternavam posturas de muita vigilância ou muita hostilidade com
relação a ela. Elis relata relação muito próxima com sua mãe: sempre fui
agarrada a minha mãe”. Quando criança, acompanhou a mãe em
peregrinações noturnas pelos bares a procura do pai alcoólatra. Relata que a
mãe a protegia do pai, impedindo-o de castigá-la pela enurese noturna, que
apresentou até os 14 anos de idade. “Ela sempre assumia toda a
responsabilidade”. A parceria com a mãe ainda se mantinha. Nunca viajou
sem a mãe. Descreveu um episódio recente, em que a mãe, na tentativa de
ajudá-la ao perceber sua tristeza, a chamou para mamar, oferecendo-lhe os
peitos. A última tentativa de suicídio foi justificada por Elis: “Não estava mais
agüentando minha mãe me vigiando 24 horas por dia; arrombei o armário
onde meus remédios ficam guardados e tomei o que pude... tudo junto”.
Pela psiquiatria, o caso Elis sugere a hipótese diagnóstica de Bulimia (F50.2)
em comorbidade com o transtorno de personalidade emocionalmente instável, do
tipo borderline ou limítrofe (F60.31). Este último descrito no CID-10 como um
transtorno de personalidade no qual uma tendência marcante a agir
impulsivamente sem consideração das conseqüências, junto com instabilidade
afetiva. A capacidade de planejar pode ser mínima e acessos de raiva intensa
podem, com freqüência, levar a violência ou a explosões comportamentais, estas
facilmente precipitadas quando atos impulsivos são criticados ou impedidos por
outros. Várias características de instabilidade emocional estão presentes; em
adição, a auto-imagem, objetivos e preferências internas do paciente são com
freqüência pouco claras ou perturbadoras. em geral sentimentos crônicos de
vazio. Uma propensão a se envolver em relacionamentos intensos e instáveis pode
causar repetidas crises emocionais e pode estar relacionada com esforços
excessivos para evitar abandono e uma série de ameaças de suicídio ou atos de
auto-lesão (embora esses possam ocorrer sem precipitantes óbvios).
Segundo Recalcati (2003):
A literatura psiquiátrica recentemente evidencia uma significativa
recorrência da Anorexia e Bulimia em pacientes, chamados borderline. A
compulsão a repetir, a inclinação à passagem ao ato, a ausência de
120
controle emotivo, a instabilidade afetiva, a sensação de vazio crônico e a
dispersão da identidade são signos fenomenológicos de um defeito de
ordem simbólica, um defeito da ação simbólica do Outro sobre o sujeito. A
distinção estrutural entre neurose e psicose permite esclarecer quando a
Anorexia e a Bulimia são uma suplência à forclusão do Nome do Pai, que
tenta a estabilização do sujeito ou quando se trata do desejo do Outro e de
seu enigma, com o qual o sujeito enfrenta neuroticamente, ainda que nas
formas extremas de uma posição subjetiva que põe em perigo a sua própria
vida.
O estudo do fenômeno anoréxico-bulímico neste caso, orientado pela
psicanálise, aponta para uma estrutura psicótica, principalmente pela adesividade de
Elis a sua mãe (manutenção de uma relação incestuosa original mantida entre ela e
a mãe). O pai alcoólatra, aposentado por invalidez: ganhou a vida parado”, não
orientou seu desejo à mulher, não sustentou a função paterna.
Na Bulimia em pacientes psicóticos, a purgação compulsiva (vômitos
provocados) é uma tentativa de manter distância do Outro invasor que quer gozar do
sujeito. Passagens ao ato tendem a aparecer quando a purgação bulímica através
dos vômitos não é suficiente para conter o imperativo maligno do gozo do Outro.
Segundo Laurent (2007), a criança ocupa o lugar de objeto na fantasia materna.
O que percebemos a partir das inúmeras passagens ao ato de Elis é uma
tentativa de fazer surgir uma separação que o adveio de uma metáfora paterna.
Se é pela separação que o sujeito pode inquerir sobre sua existência, condição de
instauração de sua condição de sujeito desejante, aqui nãoessa condição. Neste
caso, o ato suicida parece responder à lógica da separação, um modo radical do
sujeito para se separar do Outro de maneira absoluta e irreversível.
O caso grave pode assumir também a forma da deriva pulsional. A pulsão se
apresenta sem contenção, completamente desenfreada. No entanto, este desenfreio
da pulsão não é suficiente para o diagnóstico estrutural de psicose. É encontrado
nos casos graves de Anorexia e Bulimia, nos quais a pulsão aparece sem barreira,
sem contenção de uma borda simbólica. É o que pode assumir as formas típicas do
empuxo bulímico para a devoração. Segundo Recalcati, (2004), inclusive nos casos
onde o diagnóstico estrutural se orienta para a neurose, o desgoverno pulsional
grave pode ser encontrado (crises bulímicas de comer e vomitar várias vezes ao dia
e durante longos períodos de tempo).
Ao contrário da necessidade, a pulsão é sempre insatisfeita e seu objeto
variável. A Bulimia valor ao estatuto da satisfação pulsional como tal. Porém, é
preciso diferenciar os casos em que a Bulimia responde às condições de um
fantasma inconsciente ou prevalece a dimensão repetitiva do gozo atada a uma
121
fixação pré-genital, daqueles casos onde, ao contrário, o que está em evidência é
uma deriva pulsional que não se enlaça nem como fantasma, nem com a fixação
erógena.
A deriva pulsional pode ser observada no caso clínico de Clara:
Clara, com Bulimia de 11 anos de evolução e várias tentativas prévias de
tratamento, mas sem sucesso. “Tenho Bulimia desde os quinze anos e hoje
sei que estou doente. Como muito, escondido e depois vômito. Nem preciso
mais por o dedo na garganta. Depois que me entupo de comida, me
arrependo, sinto culpa e tristeza. Gasto muito dinheiro com comida. Ligo para
a padaria e peço para entregarem em casa o que quero comer. Esses
episódios se repetem rias vezes por dia. sinto muitas dores de
estômago. Mas, não consigo parar.” Clara apresentava complicações
decorrentes das práticas purgativas (exercícios físicos exaustivos e uso de
laxantes, diuréticos e anorexígenos). Fazia exercícios sicos por 2 a 3 horas
por dia: “só vou embora quando estou passando mal”. Além dos sintomas
bulímicos, apresentava queixas corporais inespecíficas, perda de memória,
ideação e tentativas de suicídio. Inúmeras atuações mostravam descontrole
em rios aspectos de sua vida: ingestão excessiva de medicamentos, brigas
familiares freqüentes, uso abusivo de álcool, endividamento e pequenos
roubos.
Ao procurar o NIAB, por ser um serviço de referência no tratamento de
Anorexia e Bulimia, pergunta sobre a formação do profissional que a atende e
pergunta se existem no serviço outros casos como o dela, casos tão graves
como o dela.
Clara dizia: “minha mãe é muito importante pra mim, é meu “porto seguro”,
apesar das brigas.” Sobre o pai, dizia: “Minha mãe se separou do meu pai
logo que nasci, e ele foi embora. Meu pai o valia muito, era traficante e
tinha problemas com a polícia.” Sua mãe se casou novamente. Sobre o
padrasto um relato de Clara de abuso sexual. Entretanto, Clara dizia que
procurava ser como ele queria, “porque ele ajudou minha mãe e toda a
família”; “ele me ensinou a chamá-lo de pai”. Ele era mais velho que sua mãe
e advogado no interior.
Clara mantém com o marido uma relação de amor e ódio, com graves brigas,
rompimentos e reinício do relacionamento. O marido, como o padrasto, é mais
122
velho que ela, advogado e mora no interior, sugerindo uma reprodução da
história da mãe e do padrasto.
Durante os atendimentos, a paciente “vomitava” suas queixas e relatos sobre
suas atuações, sem resposta às inúmeras tentativas de implicá-la a seus atos,
a suas falas e sem causar qualquer questão ao sujeito. Sedutora e teatral nas
suas falas. A paciente se colocava na posição vitimada, infantilizada, queixosa
e colada ao seu sintoma. Queixava-se da medicação prescrita e alterava a
posologia por conta própria. Clara demandava atendimentos longos e
freqüentes e nas rias do profissional que a acompanha no NIAB apresentou
acentuação das atuações, colocando-se em risco, o que fez que se família
tentasse localizá-lo para atendimentos de urgência.
O diagnóstico psiquiátrico de Clara é Bulimia (F50.2) associada ao Transtorno
de personalidade emocionalmente instável, do tipo borderline ou limítrofe (F60.31).
O mesmo diagnóstico psiquiátrico foi dado à Elis (caso clínico descrito
anteriormente). A literatura psiquiátrica sugere a mesma abordagem para a
condução dos dois casos, com base nos diagnósticos classificatórios semelhantes.
Porém, uma escuta atenta e a construção dos casos apontam para estruturas
clínicas diferentes e consequentemente direcionam para abordagens clínicas
específicas.
Pela história de Clara, o pai ausente e gozador é estruturalmente impotente e
sua presença não suscita a lei simbólica. Pai que não é eficaz como agente da
castração e que, pelo contrário, se apresenta como pai sedutor. O Nome-do-pai é o
que pode fazer barra ao gozo, mas nesse caso apresenta-se fragilizado e a barra
enfraquecida. Uma falha do recalque está presente na histeria, e na época
contemporânea, com o declínio do pai, isso se acentua, a ponto de se poder dizer:
uma fragilização da metáfora paterna.
A relação de Clara com a mãe é de devastação; também devastadora é a
relação com o marido. A demanda de amor retorna sob a forma de devastação. Pelo
relato de Clara é possível perceber impasses da dialética do desejo e caracterizar
bem o Édipo.
Pela construção do caso, evidencia-se a dificuldade de simbolização. Clara
tenta voltar-se para sua mãe, tenta repetir a mãe, numa busca identificatória. A
identificação idealizada e enrijecida tem como resultado a holófrase funcional: não
há espaço para a representação do sujeito e há impedimento à circulação da pulsão.
123
Neste caso clínico, com atuações que a colocam em freqüentes riscos de
morte, a falta de uma contenção pulsional por uma borda simbólica, devido à
holófrase funcional, faz com que a pulsão se apresente sem contenção,
completamente desenfreada. E a Bulimia tem correlação com essa deriva pulsional.
A demanda que se dirige ao Outro, no caso clínico de Clara, é uma demanda
de saber especializado, mas para mostrar ao final sua impotência. Ao procurar o
NIAB, por ser um serviço de referência no tratamento de Anorexia e Bulimia,
pergunta sobre a formação do profissional que a atende”.
Se o profissional nas primeiras entrevistas toma o caminho da resposta e
obtura a demanda (encarnando assim o Outro do saber), esvazia sua função, que é
aquela de deixar a demanda insatisfeita e se articular dialeticamente na
transferência. Um traço típico da cultura da especialização é a entrega do sujeito
que nada quer saber de si mesmo ao Outro onipotente que deve poder curá-lo. No
fundo o que quer o paciente, ao buscar respostas no saber do Outro, é se manter
fora do discurso, para seguir gozando do seu sintoma.
O tratamento preliminar da demanda, em vez de mobilizar o saber
especializado do Outro, deve colocar o sujeito a trabalho. Deve poder produzir o
evento da subjetivação do discurso. A condição mínima, mas essencial, para que
isso se verifique, é o vacilamento do Outro do saber. Encher o Outro de respostas
não produz senão o reforço da Anorexia como escapatória frente ao Outro que tudo
pode e ao risco da devoração. (RECALCATI, 2004) Se, na medicina, o
especialista em Anorexia e Bulimia, na psicanálise, esses quadros são muito mais
um ponto de partida e a possibilidade de encontro com um analista.
Nos casos graves, como o de Clara, em que o sujeito aparece como
avassalado pelo Outro, a especularidade imaginária entre um e outro e a absorção
recíproca é absolutamente dominante. O fundamento dessa imaginarização da
relação entre o sujeito e o Outro se encontra em uma identificação não edípica, não
constituída sob o Outro paterno, mas constituída como cola entre o sujeito e o Outro
materno. A angústia de um impede a separação do outro e vice-versa.
Segundo Brusset (1998) “uma identificação sustentada por um fantasma de
indiferenciação entre mãe e filha na qual a angústia da diferenciação se associa no
sujeito a um empuxo agressivo e matricida que, ao não poder elaborar-se
simbolicamente, dá lugar a comportamentos autodestrutivos que tomam como alvo o
corpo do sujeito”.
124
Esta dinâmica, muitas vezes, mantém todo o equilíbrio familiar. A intervenção
sobre o sujeito pode prescindir nestes casos do tratamento familiar.
O amor-ódio que caracteriza a simbiose mortífera da relação mãe-filha marca
a vida afetiva de muitas mulheres com Anorexia, como uma repetição caracterizada
por amor-ódio ao parceiro. É esse amor-ódio que também vai marcar a transferência
nos casos graves, produzindo fenômenos transferenciais tipicamente psicóticos. A
transferência psicótica conduz ao extremo da dialética de amor e de ódio e se
caracteriza como devoradora. Nesta, não domina o amor como atribuição ao Outro
do saber que escapa ao sujeito, mas a exigência imperiosa de sua presença. Porém,
a própria presença do analista se converte em objeto de devoração. Se o analista
não se deixa devorar, se converte automaticamente em devorador, em persecutório.
É esta a dificuldade que condiciona o manejo de transferência nos casos
graves, como de Clara. O analista não funciona aqui tanto no lugar de uma
suposição simbólica de saber, mas sim como “sujeito que se supõe presente”,
sujeito que sobrevive ao empuxo destrutivo do sujeito.
Segundo Santiago (2004), “as novas configurações da transferência o se
assentam do lado do sujeito dividido, ao contrário, elas parecem se colocar em
relação à proliferação da função de S
1
, em uma época em que o sintoma do tipo
anoréxico ou toxicomaníaco, não constitui, no sentido clássico do termo, formações
do inconsciente.”
O mesmo autor diz: “esses sintomas não se apresentam por meio do regime
significante ordenado pelo Nome-do-pai, mas sim, pelas práticas pulsionais que se
evidenciam como técnicas vitais de gozo que contrastam com o sujeito do
inconsciente. Se o sintoma aparece mais do lado de S
1
, ele dificilmente poderá se
articular à demanda, pois esta tem seu fundamento na privação do ser do sujeito, ou
seja, na sua divisão.”
Santiago ainda alerta que “a estratégia transferencial deixa de estar
inteiramente referida à articulação entre o sintoma e a demanda e, portanto, não
pode se restringir à demanda de significação dirigida ao saber inconsciente. É ,
neste sentido, que no caso dos novos tipos de sintoma, ela se configura como
articulada ao traço identificatório ou ao objeto de gozo preferencial do sujeito.”
O “caso resíduo” também pode se a forma assumida pelo caso grave: um
desafio trágico ao Outro do saber, na época do saber especializado. Enquanto se
multiplicam os saberes especializados no tratamento da Anorexia, esta variante
125
clínica do caso grave tende a encarnar-se no caso intratável, que derrota o saber do
Outro. Essa é uma forma contemporânea que a pulsão de morte tem assumido: o
sujeito não quer se curar.
O fragmento do caso clínico de Lucia, descrito no início desse capítulo,
poderia descrever um quadro de Anorexia típica, com uma desnutrição gravíssima e
um discurso fixado à imagem corporal, porém um aspecto particular de seu caso é o
fato de apresentar exames laboratoriais incompatíveis com a vida. Pode também ser
chamado de um “caso resíduo”. Foi trazida pela mãe para tratamento no NIAB, pela
característica de serviço de referência em Anorexia e Bulimia. História de várias
internações psiquiátricas e clínicas: “Sou internada por causa da baixa no sangue”,
que geralmente é do potássio.
Só é possível situar Lucia e dirigir seu tratamento de forma satisfatória a partir
do que tem de único, seu lugar na relação com o Outro.
Lucia, 41 anos, é marcada pelo significante morte: a morte do pai, aos dois
anos, e a do avô materno, aos quatro anos de idade, ambos considerados por
ela como homens fracos, impotentes. O avô era um homem simples que tinha
gastos financeiros apenas com doenças, atitude que considerava luxo.
Aos 13 anos, quando ela visitava o túmulo do pai, enroscou-se num espinho e
levou grande susto. Pensou que eram os mortos a puxando, foi um momento
de horror, teve enorme medo de morrer. Ficou “abobada”. No dia seguinte, foi
internada e feito o diagnóstico de coréia. Relata que fez uso de medicações
psiquiátricas e ficou marcada na sua cidade como doente da cabeça. Lucia
engordou e por isso, parou de tomar os remédios prescritos. Diz que a
preocupação do peso começou aí.
Dos 13 aos 30 anos de idade, fez laços sociais importantes. Casou-se
grávida, teve um filho, fez graduação e pós-graduação, trabalhou no serviço
público. Seu filho foi criado pela sua mãe. Entretanto, tinha crises depressivas
e tentou o suicídio algumas vezes.
Ela se refere sempre às perdas que lhe foram importantes como coisas que
lhe foram tiradas. Perdas que foram conduzindo-a em direção ao desenlace
com o Outro de forma expressiva.
Uma das perdas aconteceu no trabalho. Era a responsável pela criação de um
serviço público de saúde na cidade, e nessa função se sentia “como uma
médica, carimbava, receitava...”. No entanto, o novo prefeito cancelou tudo, e,
126
comentando o fato, ela reclama dizendo: “Ele veio e tirou o sistema de mim!
Sofri demais”. Na mesma época, morreu o piloto, de quem era fã. Alguns dias
antes, ela havia sonhado que Airton Senna sofrera um acidente. O fato a fez
se sentir culpada porque, em sua interpretação, ela deveria tê-lo avisado.
Chorou diariamente, durante um ano, no horário da morte do piloto. Nesse
contexto, pioraram as depressões, e ela iniciou a perda de peso. Aos 39 anos,
sofreu a retirada do útero e ovários e, revoltada, declara: “Me tiraram tudo! O
que é uma mulher sem útero e ovários? Eu não estava preparada!” Além do
mais, a histerectomia lhe tirou o sonho de ter uma menina, que tanto
desejava. Recebeu, então, o diagnóstico de Anorexia e passou a usar
laxantes e diuréticos após ouvir de uma nutricionista que todas as suas
pacientes os usavam. não conseguia trabalhar e ficava em casa sendo
cuidada por sua mãe, que lhe fazia uma sopa que ela não comia.
A mãe está sempre brigando para que ela largue os ‘venenos’, maneira como
chama os laxantes e diuréticos. Além disso, disse-lhe certa vez, ao tocar-lhe o
braço, que ali ainda tinha muita carne. Lucia conta que sua mãe adora ir a
velórios, não importa quem seja o morto.
Em rememoração, relata uma cena muito significativa acontecida aos sete
anos de idade, quando rouba dinheiro da mãe e se esconde no sótão, de
onde observa toda a família procurando por ela. Ao relatar a cena, ela ri e diz:
“eu era uma menina muito custosa!”
Pela descrição psicopatológica (muito emagrecida, com IMC entre 12 e 13;
medo mórbido de engordar; rigidez do pensamento; discurso restrito à temática
corpo e comida; vômitos provocados; relato de uso de laxantes e diuréticos; recusa
alimentar; humor algo deprimido; desmotivação; perda de prazer e interesse nas
atividades; ausência de delírios e alucinações), a hipótese diagnóstica é de Anorexia
(F50.0) em comorbidade com Episódio Depressivo recorrente moderado (F33.1),
além de complicações clínicas graves.
Lucia apresenta-se sempre entre a vida e a morte. Abusa dos laxantes e
diuréticos, mesmo com grave hipopotassemia além de outras alterações
hidroeletrolíticos e distúrbios do equilíbrio ácido-base, desafiando os médicos.
Durante atendimentos, comenta com certo orgulho o quão baixo está o seu nível
sérico de potássio. É realmente uma paciente “muito custosa”. Existe a desconfiança
da equipe se a paciente faz mesmo uso da medicação psiquiátrica prescrita. Apesar
127
do confronto freqüente com a morte, ela não faz disso sequer uma queixa, quanto
mais isso lhe é uma questão.
No caso da Lucia o se identificou a presença de fenômenos elementares,
nem de um desencadeamento clássico. O diagnóstico estrutural ainda é uma
questão: existem elementos de uma apresentação histérica e outros que apontam
para a hipótese de um funcionamento psicótico. Até o momento, esse é um caso
inclassificável: “É um verdadeiro inclassificável porque, se o classificamos num lado,
epa! ele pula para a outra categoria, e se o classificamos na outra categoria, epa! ele
pula para a primeira. É o inclassificável porque não se mantém tranqüilo.” (MILLER,
2005) A evolução do caso acompanhada por uma escuta atenta poderá fornecer
mais dados para o esclarecimento do diagnóstico estrutural.
Neste caso, o sujeito se desenlaça progressivamente do Outro e se agarra ao
“sou custosa” na tentativa de introduzir um intervalo com o Outro. Essa solução que
encontra, a partir dos acontecimentos que permeiam sua história, vai fixá-la cada
vez mais, de forma rígida, nesta sua posição frente ao Outro.
O que torna esse caso único e um ‘caso resíduo’ é a posição de “custosa”
frente ao Outro e a forma como faz disso sua realidade. A direção do tratamento
precisa levar em conta essa solução sintomática.
128
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A gravidade encontrada em alguns casos de Anorexia e Bulimia e a
dificuldade na abordagem e na condução desses casos motivaram esse estudo. O
generalizável e o universal da classificação dos pacientes em categorias
diagnósticas, como o CID-10 e o DSM-IV, mostram-se insuficientes para a condução
dos casos, sobretudo os graves.
A prática do diagnóstico médico, proposta pelas classificações, com critérios
gerais, possibilita uma nomeação, mas não acrescenta sobre a singularidade do
caso. Consequentemente, as classificações facilitam a identificação e a aderência
dos próprios pacientes aos diagnósticos nosológicos e simplificam e ampliam a
indicação e o uso de psicofármacos. Após a classificação como transtornos, uma
condução terapêutica normativa é indicada, à revelia do sujeito, sem possibilitar uma
escuta sobre o seu sofrimento e excluindo o saber do paciente sobre o seu mal. A
conseqüência da prática desvinculada do sujeito pode ser vista nos dados
estatísticos de insucesso terapêutico, com altas taxas de morbidade (incluindo a
cronificação) e mortalidade.
Inseridos na atualidade, a Anorexia e a Bulimia, sintomas contemporâneos,
parecem não querer dizer nada, não ter sentido e nem ser mensagem para
decifração, mas isso não quer dizer que não tenham função. Pensar na função deste
sintoma para cada sujeito é o eixo ético de orientação da clínica da Anorexia e
Bulimia. E para pensar a função desses sintomas para cada sujeito é imprescindível
o diagnóstico estrutural, ditado pelo estatuto do Outro para o sujeito. A
sintomatologia anoréxico-bulímica é transestrutural e tem em cada estrutura um
estatuto diferente. É sobre a estrutura subjetiva (neurose, psicose e perversão) e
não sobre o fenômeno que se orienta a clínica. A remoção do sintoma,
desconhecendo-se a sua função no caso clínico, pode ser desastrosa. O furor
curandis pode ter como conseqüência o desencadeamento de uma psicose até
então compensada pela Anorexia ou Bulimia.
A escuta do sujeito anoréxico-bulímico ensina que a subjetividade insiste e
escapa à homogeneidade fenomenológica e à proposta terapêutica normativa. A
construção do caso clínico provoca o avanço da teoria, estimulando a interlocução
dos diversos profissionais envolvidos. É na articulação entre a clínica e a teoria que
a direção do tratamento aparece e a transmissão ocorre, instigadas pelo detalhe
129
clínico que escapa ao saber constituído. Deste modo, a condução dos casos,
sobretudo dos casos graves, exige apreensão do que de mais singular em cada
caso, ou seja, o sintoma em sua articulação entre o desejo e o gozo, para que possa
surgir alguma possibilidade de intervenção eficaz. Cada caso deve ser considerado
único na sua condução. Trata-se, não de encaixar o caso a regra, mas de verificar o
que se aplica ao caso.
O deslocamento do quadro clínico ao caso clínico, desvela uma série de
vivências psíquicas que, através da escuta e da construção do caso clínico, aponta
para a singularidade do sujeito e reorienta a clínica. Citando Miller (2005a):
“Chamamos sujeito ao efeito que desloca o indivíduo da espécie, o particular do
universal, o caso da regra”.
Os “casos graves” são aqueles quadros que põem em xeque o tratamento, ou
seja, casos que põem em jogo as condições de sua tratabilidade, com risco real de
morte, desafiando a equipe e exigindo esforços e inovações terapêuticos. Os
impasses observados pelo estudo foram identificados como:
Empuxo para a morte, verificado por duas formas distintas: o empuxo suicida,
que assume forma de um ato violento e a cadaverização progressiva do sujeito. Nas
duas formas, o sujeito tem acesso precário ao simbólico e permanece colado ao
Outro.
Rechaço do Outro, também verificado em duas formas distintas: o rechaço
como uma modalidade de relação com o Outro, quando a recusa alimentar vale de
apelo ao Outro (pseudo-separação) e não como uma pura exclusão do Outro. E o
rechaço como um modo radical do sujeito para se separar do outro de maneira
absoluta e irreversível (passagem ao ato).
Deriva pulsional. A pulsão se apresenta sem contenção, desenfreada. Devido
a uma holófrase funcional ou estrutural, o espaço para a representação
simbólica que faça uma contenção pulsional.
A simbiose mortífera resultando em uma relação transferencial difícil. Uma
identificação não-edípica, não constituída sob o Outro paterno, mas constituída
como cola entre o sujeito e o Outro materno, leva a uma especularidade imaginária e
impede a separação do outro e vice-versa. A conseqüência aparece na dificuldade
do manejo da transferência, com a produção de fenômenos transferenciais
tipicamente psicóticos.
130
O caso resíduo, que assume a forma de um desafio trágico ao saber
especializado: o sujeito não quer se curar.
A observação e o estudo dos casos clínicos de maior gravidade com base na
literatura psicanalítica apontam que a gravidade do caso não depende apenas da
estrutura do sujeito, mas dos impasses durante o tratamento. Assim, o caso grave
caracteriza uma dimensão clínica mais ampla que implica uma disjunção
fundamental entre o campo simbólico e o real de gozo.
131
7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ALVARENGA, E. De Kraepelin a Lacan. In: Artigos III, Belo Horizonte, v. 3,
n. 3, p. 54-62, 1997.
ALVARENGA, E. Pulsão com ou sem o Outro? In: O Risco. Ano XII, 16: 17-
18. 2003.
ALVARENGA, E. Uma clínica estrutural? In: Artigos I, Belo Horizonte, v.1,
n.1, p. 10-15, 1995.
ALVARENGA, E. A Clínica do Sintoma. 2007. Texto xerocado.
APA, American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders (DSM-IV-TR), Washington, DC; 2000.
APA, American Psychiatry Association. Eating Disorders. In: Practice
Guideline for the Treatment of Psychiatric Disorders. Compendium, 2006.
ASSUMPÇÃO, C.L., CABRAL M.D. Complicações clínicas da Anorexia
Nervosa e Bulimia Nervosa. Rev Bras Psiquiatr 24 (Supl III): 29-33, 2002.
BARRETO, F. P. A monocultura e a paisagem O psicofármaco para a
psiquiatria e para a psicanálise. In: Revista Clique, 01, 2002.
BARRETO, F. P. Como vejo a psiquiatria hoje. Casos clínicos em
Psiquiatria, 6 (Supl): 6-11, 2005.
BELL, R.M. Anorexia Santa. Chicago: University of Chicago Press, 1985.
BENOIT, P. Os objetos da medicina. In: Psicanálise e Psiquiatria:
controvérsias e convergências. Antônio Quinet (org.). Rio de Janeiro: Rios
Ambiciosos, 2001.
BERRIOS, G. Classifications in psychiatry: a conceptual history. Aust
NZJ Psychiatry: 33(2): 145-160, 1999.
BIDAUD, E. Anorexia Mental, ascese, mística. Rio de Janeiro: Companhia
de Freud, 1998.
BIRMAN, J. Despossessão, saber e loucura: sobre as relações entre
psicanálise e psiquiatria hoje. In: Psicanálise e Psiquiatria: controvérsias e
convergências. Antônio Quinet (org.). Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.
132
BRUCH, H. The golden cage: the enigma of anorexia nervosa. 7th Edition.
Harvard: University Press. 2001.
BRUSSET, B. Anorexia mental e bulimia do ponto de vista de sua
gênese. In: Urrubari, R. (org.) Anorexia e Bulimia. São Paulo: Escuta. 1999.
BRUSSET, B. Psicopatologia da anorexia mental. Paris, 1998.
CASSORLA, R. M. S. Prefácio. In: Turato, E.R. Tratado da Metodologia da
Pesquisa Clínico-Qualitativa. Petrópolis, RJ. Vozes, 2003.
CASTRILLEJO, M., RODRIQUES, M.T., Presentacion. In: La última cena:
anorexia y bulimia. Buenos Aires: Del Cifrado, 2004.
CLAUDINO, A.M.; BORGES, M.B.F. Classificação e Diagnóstico. In: Guia
de transtornos alimentares e obesidade. Barueri, SP: Manole, 2005.
CORDÁS, T.A.; CLAUDINO, A.M. Transtornos Alimentares: fundamentos
históricos. Rev Brasileira de Psiquiatria: 24 (Supl III): 3-6, 2002.
CRISCAUT, J.J. Anorexia, clínica psicoanalítica y nuevos síntomas. In:
Estudios de anorexia y bulimia. Buenos Aires: Atuel-Cap: p. 81-93, 2000.
DEFFIEUX, J.-P. La Conversation d’Arcachon (Cas rares: Les inclassables
de la clinique) In: Los inclasificables de la clínica psicoanalítica. Buenos Aires:
Paidós, 2005.
DI PIETRO, M. C.; LOBÃO, B.F. Transtornos Alimentares em Homens. In:
Guia de transtornos alimentares e obesidade. Coordenação de Angélica
de Medeiros Claudino e Maria Tereza Zanella. Barueri, SP: Manole, 2005.
FENDRIK, S. Santa Anorexia. Buenos Aires: Corregidor, 1997.
FERNANDES, M.H. Transtornos Alimentares: anorexia e bulimia. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
FERREIRA, R. A.; MOTTA, M. F. S.; SILVA, A. R. C. Distúrbios Emocionais
na Adolescência. In: Lincoln Freire (org). Diagnóstico Diferencial em
Pediatria. Minas Gerais: Guanabara Koogan, 2008.
FONTES, B.V.; MORGAN, C.M.; MORAES, D.E.B.; Transtornos alimentares
na infância. In: Guia de transtornos alimentares e obesidade. Coordenação
de Angélica de Medeiros Claudino e Maria Tereza Zanella. Barueri, SP:
Manole, 2005.
133
FREUD, S. (1892-93) Um caso de cura pelo hipnotismo. In: Obras
psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira. Rio de
Janeiro: Imago, Vol.1,1996.
FREUD, S. (1893) Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos
histéricos: uma conferência. Op. cit. Vol.3, 1996.
FREUD, S. (1895a) Estudos sobre a histeria. Op.cit. Vol.2, 1996.
FREUD, S. (1895b) Rascunho G. Op.cit. Vol.1, 1996.
FREUD, S. (1895c) Sobre os fundamentos para destacar da Neurastenia
uma síndrome específica denominada “Neurose de Angústia”. Op.cit.,
Vol.3, 1996.
FREUD, S. (1899) Carta a Fliess. (Carta 105) Op.cit., Vol.1, 1996.
FREUD, S. (1905) Fragmento da análise de um caso de histeria. Op. cit.
Vol. 7, 1996.
FREUD, S. (1910) A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica
da visão. Op. cit. Vol. 11, 1996.
FREUD, S. (1915) Os instintos e suas vicissitudes. Op. Cit. Vol. 14, 1996.
FREUD, S. (1916-17) Conferência I: Introdução. In: Conferências
Introdutórias sobre a Psicanálise. Op. Cit. Vol.15, 1996.
FREUD, S. (1917a) Conferência XVI: Psicanálise e Psiquiatria. In:
Conferências Introdutórias sobre a Psicanálise. Op. Cit. Vol.15, 1996.
FREUD, S. (1917b) Luto e melancolia. Op.cit. Vol.14, 1996.
FREUD, S. (1920) Além do Princípio do Prazer. Op.cit. Vol.18, 1996.
FREUD, S. (1926) Inibição, sintoma e ansiedade. Op.cit. Vol.20, 1996.
FREUD, S. (1927) O Humor. Op.cit. Vol. 21, 1996.
FREUD, S. (1930) O mal-estar na civilização. Op.cit. Vol 21, 1996.
FUKS, M.P. O mínimo é o máximo: uma aproximação da anorexia. In:
Psicossoma III: interfaces da psicossomática. Volich, R.M. (org). São Paulo:
Casa do psicólogo, 2003.
134
GARFINKEL, P.E.; GARNER, D.M. Anorexia Nervosa: a multidimensional
perspective. Nova York, Brunner and Mazel, 1982.
GARMENDIA, J. Aspectos históricos, culturales y clínicos de la anorexia.
Pliegos: Revista de Psicanálisis 10: 39-43, 2001.
GORALI, V. (org.). Estudios de anorexia y bulimia. Buenos Aires: Atuel-
Cap: p.7-9, 2000.
HAY, P. J. Epidemiologia dos transtornos alimentares: estado atual e
desenvolvimento futuro. In: Rev. Brás Psiquiatria 24 (Supl III); 13-7, 2002.
HSU, L.K.G. Epidemiology of eating disorders. In: Psychiatry Clin. North
Am, vol.19, p.681-700, 1996.
HURTADO, J.A. Historia de la Anorexia. In: Anorexia y Bulimia Um
experiencia clínica. Madri: Diaz de Santos: p. 1-8, 2003.
JEAMMET, P. Abordagem psicanalítica dos transtornos e condutas
alimentares. In: Anorexia e Bulimia / Rodolfo Urribarri (org.) São Paulo:
Escuta, p. 29-51, 1999.
KEEL, P.K.; MITCHELL, J.E. Outcome in Bulimia Nervosa. Am J Psychiatry
154 (3): 313-21, 1997.
KEEL, P.K. et al. Predictors of Mortality in Eating Disorders. Arch Gen
Psychiatry 60 (2): 179-83, 2003.
LACAN, J. (1953-54) O Seminário 1 Os escritos técnicos de Freud. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986.
LACAN, J. (1955-6) O seminário: as Psicoses. Vol. 3. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1988.
LACAN, J. (1961) A direção do tratamento e os princípios do seu poder.
In: Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 1998.
LACAN, J. (1961) Os complexos familiares. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1997.
LACAN, J. (1966) De uma questão preliminar a todo tratamento possível
da psicose. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LACAN, J. (1975) Conferência de Genebra sobre o Sintoma. In: Opção
Lacaniana nº 23. São Paulo, 1998.
135
LAUAR, H. A psiquiatria da causalidade à verdade como causa. Belo
Horizonte: Edições do Campo Social, 2002.
LAURENT, E. La psicose ordinaria. In: Virtualia nº. 16 (Disponível em:
http://www. eol.org.ar/virtualia/ ) 2007.
LAURENT, E. Conferencias de Éric Laurent. In: Patologías de la
identificación en los lazos familiares y sociales. Grama Ediciones, 2007.
LEE, S.L.; CHAN, Y.Y.L.; HSU, L.K.G. The Intermediate-Term Outcome of
Chinese Patients with Anorexia Nervosa in Hong Kong. Am J Psychiatry
160 (5): 967-72, 2003.
LUCAS, A.R. et al. The ups and downs of anorexia nervosa. In: Int. J. Eat.
Disord., v.26, p.397-405, 1999.
MASLACH C. Burned-out. Hum Behav.; 5:16-22, 1976.
MADUEÑO, F.J.T. Anorexia y Bulimia: una experiencia clínica. Madri: Diaz
de Santos, 2003.
MAKINO, M.; TSUBOI, K.; DENNERSTEIN, L. Prevalence of Eating
Disorders: A Comparison of Western and Non-Western Countries. Med
Gen Med. 6(3): 49, 2004.
MILLER, J.A. Biologia Psicanalítica. In: Elementos de Biologia Lacaniana.
Belo Horizonte: EBP-MG, 2001.
MILLER, J.A. et al. La Conversation d’Arcachon (Cas rares: Les
inclassables de la clinique) In: Los inclasificables de la clínica psicoanalítica.
Buenos Aires: Paidós, 2005.
MILLER, J.A. El Ruiseñor de Lacan. In: Millar JA (ed). Del Edipo a la
Sexuación. Buenos Aires: Paidós, 2005 a.
MINAYO, M.C.S. et al. (Org). O desafio do conhecimento: pesquisa
qualitativa em saúde. 6ª. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: ABRASCO,
1999.
MIRANDA-SÁ L.S.Jr. O diagnóstico psiquiátrico. In: Compêndio de
Psicopatologia e Semiologia Psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
MONTEZUMA, M. 2001. A clínica na saúde mental. In: Psicanálise e
Psiquiatria: controvérsias e convergências. Antônio Quinet (org.). Rio de
Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.
136
MORGAN, C.M.; CLAUDINO, A.M. Epidemiologia e Etiologia. In: Guia de
transtornos alimentares e obesidade. Coordenação de Angélica de Medeiros
Claudino e Maria Tereza Zanella. Barueri, SP: Manole, 2005.
NIELSEN, S. Epidemiology and Mortality of Eating Disorders. In:
Psychiatry Clin. North Am 24(2): 201-14, 2001.
NUNES, M.A. Epidemiologia dos transtornos alimentares. In: Transtornos
Alimentares e Obesidade. 2ª. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2006.
OMS, Organização Mundial de Saúde. Classificação de Transtornos Mentais
e de Comportamento da CID-10. Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas.
Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.
PAMPLONA, G. Uma questão diagnóstica psicose ou histeria? In:
Psicanálise e Psiquiatria: controvérsias e convergências. Antônio Quinet
(org.). Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.
PAOLIELLO, G. O sintoma no início do tratamento. In: Artigos III, Belo
Horizonte, v. 3, n. 3, p. 49-53, 1997.
PEREIRA, C. M. E. O geral das estruturas clínicas e a singularidade do
sofrimento: encontros e desencontros. In: Psicanálise e Psiquiatria:
controvérsias e convergências. Antônio Quinet (org.). Rio de Janeiro: Rios
Ambiciosos, 2001.
PESSOTI, I. O Século dos Manicômios. São Paulo: Editora 34, 1996.
PIMENTA, C.P.; FERREIRA, R.A. O sintoma na medicina e na psicanálise
– Notas preliminares. Rev Médica de Minas Gerais: 13(3);221-8, 2003.
PINHEIRO, A.P.; GIUGLIANI E.R.; Who are the children with adequate
weight who feel fat? J Pediatr 82:232-5, 2006.
PINZON, V.; NOGUEIRA F.C. Epidemiologia, curso e evolução dos
transtornos alimentares. In: Rev. Psiq. Clínica 31(4); 158-160, 2004.
QUINET, A. O corpo e seus fenômenos. In: Papéis de Simpósio. Simpósio
do Campo Freudiano. Belo Horizonte, 1988.
QUINET, A. A apresentação de pacientes de Charcot a Lacan. In:
Psicanálise e Psiquiatria. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001a.
QUINET, A. A psiquiatria e sua ciência nos discursos da
contemporaneidade. In: Psicanálise e Psiquiatria: controvérsias e
137
convergências. Antônio Quinet (org.). Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos,
2001b.
QUINET, A. As 4 +1 condições da análise. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2000.
QUINET, A. Como se diagnostica hoje? In: Psicanálise e Psiquiatria:
controvérsias e convergências. Antônio Quinet (org.). Rio de Janeiro: Rios
Ambiciosos, 2001c.
QUINET, A. Psicose e Laço Social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2006.
QUINET, A. Teoria e clínica da psicose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
RAZZOUK, D.; SHIRAKAWA, I. A evolução dos critérios diagnósticos da
Esquizofrenia. In: O Desafio da Esquizofrenia. São Paulo: Lemos Editorial,
2001.
RECALCATI, M. Clínica del vacío. Anorexias, dependencias, psicosis.
Madrid: Editorial Síntesis, 2003.
RECALCATI, M. La última cena: anorexia y bulimia. Buenos Aires: Del
Cifrado, 2004.
RECALCATI, M. Os dois nada da anorexia. Correio: Revista da Escola
Brasileira de Psicanálise, 32, 26-36. São Paulo, 2001.
ROUDINESCO, E. Por que a psicanálise? Rio de janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2000.
RUSSELL, C.J.; KEEL, P.K. Homosexuality as a specific risk factor for
eating disorders in men. Int J Eat Disorders 31(3): 300-06, 2002.
SANTIAGO, J. Presentismo e novos modos de relato: efeitos sobre o
sujeito suposto saber. (Participações em eventos/Encontro). 2004.
SCARIOLI, S. O sintoma psicótico: entre a psiquiatria e a psicanálise. In:
Artigos III, Belo Horizonte, v. 3, n. 3, p. 77-86, 1997.
STEINHAUSEN, H.C. The Outcome of Anorexia Nervosa in 20th Century.
Am J Psychiatry 159(8): 1284-93, 2002.
TARRAB, M. Produzir novos sintomas. In: Asephallus, ano 1, nº. 2 (2006).
138
TEIXEIRA, A. Do Mesmo ao Outro sexo. In: A soberania do Inútil e outros
ensaios de psicanálise e cultura. São Paulo: Annablume, 2007.
TURATO E.R. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde:
definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Revista de Saúde
Pública 39(3): 507-14, 2005.
TURATO, E.R. Tratado da Metodologia da Pesquisa Clínico-Qualitativa.
Petrópolis, RJ. Vozes, 2003.
VIGANÓ, C. A Construção do caso clínico em Saúde Mental. Curinga, n.
13, Belo Horizonte, 1999a.
VIGANÓ, C. Conferência sobre Adolescência. Belo Horizonte, 1999b.
VIGANÓ, C. Conferência sobre Anorexia e Bulimia. Belo Horizonte, 1999c.
Vilela, J.E.M. et al. Transtornos alimentares em escolares. J Pediatria:
80(1): 49-54, 2004.
WEINBERG, C.; CORDÁS, T.A. Do altar às passarelas: da anorexia santa
à anorexia nervosa. São Paulo: Annablume, 2006.
ZUCCHI, M.A. A construção do caso clínico como instrumento de
avaliação em psicanálise. Latusa, Rio de Janeiro - Ed.EBP/Contra, v. 8, p.
61-77, 2003.
ZUCCHI, M.A. O real do sexo e o inconsciente nos sintomas
contemporâneos. In: aSEPHallus: Revista eletrônica do Núcleo SEPHORA,
ano 2, no. 4. Maio a Outubro de 2007. Disponível em
http://www.nucleosephora.com/asephallus/numero_04/artigo_06.htm
139
8. ANEXOS
140
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
Faculdade de Medicina da UFMG
NIAB – Núcleo de Investigação de Anorexia e Bulimia do Hospital das Clínicas
Título da Pesquisa: “Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da Psiquiatria
e Psicanálise”.
Pesquisadora: Ana Raquel Corrêa e Silva, CRM-MG 31891, Médica Psiquiatra do NIAB e Aluna do
Mestrado pela Faculdade de Medicina da UFMG. (tel. Contato: 3222-3422)
Orientador: Roberto Assis Ferreira, CRM-MG 4323, Professor Adjunto do Departamento de Pediatria
da Faculdade de Medicina da UFMG e Membro do NIAB. (tel. Contato: 3273-0770)
A pesquisa intitulada “Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da
Psiquiatria e Psicanálise”, através da observação de casos atendidos no NIAB, investigar os casos de
Anorexia e Bulimia, identificar as particularidades desses quadros, as possibilidades de condução do
tratamento e traçar estratégias terapêuticas mais específicas. Para se alcançar os objetivos da pesquisa,
serão utilizadas informações colhidas durante os atendimentos e discussões dos casos com a equipe do
NIAB.
Todos os dados pessoais dos participantes serão guardados em sigilo. Sendo assim, a identidade
dos participantes não será revelada em nenhuma publicação resultante desse projeto.
A participação nessa pesquisa é gratuita e voluntária, podendo ser interrompida a qualquer momento,
sem perda de nenhum benefício e sem prejuízo para seu atendimento no Hospital das Clínicas. O
procedimento não oferece qualquer risco ao participante, nem ao seu tratamento, e suas dúvidas poderão
ser esclarecidas quando desejar (COEP: Unidade Administrativa II, sala2005. Campus Pampulha da
UFMG. 3499-4592).
Poderá não haver nenhum benefício direto ou imediato para os pacientes incluídos nesse estudo,
mas poderá haver mudanças nos cuidados dados aos pacientes após a conclusão da pesquisa.
O relatório final estará disponível para todos quando estiver concluído o estudo, inclusive para
apresentação em encontros científicos e publicações em revistas especializadas.
Ana Raquel Corrêa e Silva, CRM-MG 31891
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA PARTICIPAÇÃO EM
PESQUISA PARA MAIORES DE 18 ANOS
(de acordo com a Resolução CNS 196/96)
Este termo, em duas vias, é para certificar que eu, .............................................................
............................................ concordo em participar, na qualidade de voluntário (a), do estudo
“Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da Psiquiatria e Psicanálise” realizado
pela Dra. Ana Raquel Corrêa e Silva, médica psiquiatra, durante os atendimentos no NIAB. Afirmo
que li o preâmbulo desse termo e tenho conhecimento dos objetivos desse projeto científico. Dou
permissão para que as informações obtidas durante meu atendimento sejam utilizadas em discussões
clínicas entre os profissionais da equipe, mas sempre submetidas às normas do sigilo profissional.
Declaro meu consentimento livre e esclarecido para essa participação, tendo assegurado o meu
direito de me retirar do experimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma,
concordando com a divulgação, para fins científicos, dos dados encontrados nos atendimentos, e
estando ciente do sigilo quanto a dados confidenciais envolvidos na pesquisa.
Belo Horizonte, ........de...............................de 200.....
Assinatura do participante maior de 18 anos: ..................................................................................
141
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
Faculdade de Medicina da UFMG
NIAB – Núcleo de Investigação de Anorexia e Bulimia do Hospital das Clínicas
Título da Pesquisa: “Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da Psiquiatria
e Psicanálise”.
Pesquisadora: Ana Raquel Corrêa e Silva, CRM-MG 31891, Médica Psiquiatra do NIAB e Aluna do
Mestrado pela Faculdade de Medicina da UFMG. (tel. Contato: 3222-3422)
Orientador: Roberto Assis Ferreira, CRM-MG 4323, Professor Adjunto do Departamento de Pediatria
da Faculdade de Medicina da UFMG e Membro do NIAB. (tel. Contato: 3273-0770)
A pesquisa intitulada “Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da
Psiquiatria e Psicanálise” propõe, através da observação de casos atendidos no NIAB, investigar os
casos de Anorexia e Bulimia, identificar as particularidades desses quadros, as possibilidades de
condução do tratamento e traçar estratégias terapêuticas mais específicas. Para se alcançar os objetivos
da pesquisa, serão utilizadas informações colhidas durante os atendimentos e discussões dos casos
com a equipe do NIAB.
Todos os dados pessoais dos participantes serão guardados em sigilo. Sendo assim, a identidade
dos participantes não será revelada em nenhuma publicação resultante desse projeto.
A participação nessa pesquisa é gratuita e voluntária, podendo ser interrompida a qualquer
momento, sem perda de nenhum benefício e sem prejuízo para seu atendimento no Hospital das
Clínicas. O procedimento não oferece qualquer risco ao participante, nem ao seu tratamento, e suas
dúvidas poderão ser esclarecidas quando desejar (COEP: Unidade Administrativa II, sala2005. Campus
Pampulha da UFMG. 3499-4592).
Este projeto científico foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal
de Minas Gerais, no dia (data).
Poderá não haver nenhum benefício direto ou imediato para os pacientes incluídos nesse estudo,
mas poderá haver mudanças nos cuidados dados aos pacientes após a conclusão da pesquisa.
O relatório final estará disponível para todos quando estiver concluído o estudo, inclusive para
apresentação em encontros científicos e publicações em revistas especializadas.
Ana Raquel Corrêa e Silva, CRM-MG 31891
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA PARTICIPAÇÃO EM
PESQUISA PARA O RESPONSÁVEL PELO ADOLESCENTES DE 13 A 17 ANOS
(de acordo com a Resolução CNS 196/96)
Este termo, em duas vias, é para certificar que eu, ...............................................................
.................................................................., na qualidade de responsável pelo (a) adolescente
....................................................................., concordo que ele (a) participe voluntariamente do estudo
“Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da Psiquiatria e Psicanálise” realizado
pela Dra. Ana Raquel Corrêa e Silva, médica psiquiatra, durante os atendimentos no NIAB. Afirmo que
li o preâmbulo desse termo e tenho conhecimento dos objetivos desse projeto científico.
Por meio desse, dou permissão para que as informações obtidas durante os atendimento sejam
utilizadas em discussões clínicas entre os profissionais da equipe, mas sempre submetidas às normas do
sigilo profissional.
Declaro meu consentimento livre e esclarecido para a participação do(a) adolescente, tendo
assegurado o seu direito de se retirar do experimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização
alguma, concordando com a divulgação, para fins científicos, dos dados encontrados nos atendimentos,
e estando ciente do sigilo quanto a dados confidenciais envolvidos na pesquisa.
Belo Horizonte, .....de.........................de 200...
Assinatura do responsável: ................................................................................................................
142
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
Faculdade de Medicina da UFMG
NIAB – Núcleo de Investigação de Anorexia e Bulimia do Hospital das Clínicas
Título da Pesquisa: “Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da Psiquiatria
e Psicanálise”.
Pesquisadora: Ana Raquel Corrêa e Silva, CRM-MG 31891, Médica Psiquiatra do NIAB e Aluna do
Mestrado pela Faculdade de Medicina da UFMG. (tel. Contato: 3222-3422)
Orientador: Roberto Assis Ferreira, CRM-MG 4323, Professor Adjunto do Departamento de Pediatria
da Faculdade de Medicina da UFMG e Membro do NIAB. (tel. Contato: 3273-0770)
A pesquisa intitulada “Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da
Psiquiatria e Psicanálise” propõe, através da observação de casos atendidos no NIAB, investigar os
casos de Anorexia e Bulimia, identificar as particularidades desses quadros, as possibilidades de
condução do tratamento e traçar estratégias terapêuticas mais específicas. Para se alcançar os objetivos
da pesquisa, serão utilizadas informações colhidas durante os atendimentos e discussões dos casos
com a equipe do NIAB.
Todos os dados pessoais dos participantes serão guardados em sigilo. Sendo assim, a identidade
dos participantes não será revelada em nenhuma publicação resultante desse projeto.
A participação nessa pesquisa é gratuita e voluntária, podendo ser interrompida a qualquer momento,
sem perda de nenhum benefício e sem prejuízo para seu atendimento no Hospital das Clínicas. O
procedimento não oferece qualquer risco ao participante, nem ao seu tratamento, e suas dúvidas poderão
ser esclarecidas quando desejar (COEP: Unidade Administrativa II, sala2005. Campus Pampulha da
UFMG. 3499-4592).
Este projeto científico foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal
de Minas Gerais, no dia (data).
Poderá não haver nenhum benefício direto ou imediato para os pacientes incluídos nesse estudo,
mas poderá haver mudanças nos cuidados dados aos pacientes após a conclusão da pesquisa.
O relatório final estará disponível para todos quando estiver concluído o estudo, inclusive para
apresentação em encontros científicos e publicações em revistas especializadas.
Ana Raquel Corrêa e Silva, CRM-MG 31891
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA PARTICIPAÇÃO EM
PESQUISA PARA ADOLESCENTES DE 13 A 17 ANOS
(de acordo com a Resolução CNS 196/96)
Este termo, em duas vias, é para certificar que eu, ..........................................................
............................................ concordo em participar, na qualidade de voluntário, do estudo “Anorexia e
Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da Psiquiatria e Psicanálise” realizado pela Dra.
Ana Raquel Corrêa e Silva, médica psiquiatra, durante os atendimentos no NIAB. Afirmo que li o
preâmbulo desse termo e tenho conhecimento dos objetivos desse projeto científico. Dou permissão
para que as informações obtidas durante meu atendimento sejam utilizadas em discussões clínicas
entre os profissionais da equipe, mas sempre submetidas às normas do sigilo profissional.
Declaro meu consentimento livre e esclarecido para essa participação, tendo assegurado o meu
direito de me retirar do experimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma,
concordando com a divulgação, para fins científicos, dos dados encontrados nos atendimentos, e
estando ciente do sigilo quanto a dados confidenciais envolvidos na pesquisa.
Belo Horizonte, ........de...............................de 200.....
Assinatura do adolescente de 13 a 17anos: .....................................................................................
143
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
Faculdade de Medicina da UFMG
NIAB – Núcleo de Investigação de Anorexia e Bulimia do Hospital das Clínicas
Título da Pesquisa: “Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da Psiquiatria
e Psicanálise”.
Pesquisadora: Ana Raquel Corrêa e Silva, CRM-MG 31891, Médica Psiquiatra do NIAB e Aluna do
Mestrado pela Faculdade de Medicina da UFMG. (tel. Contato: 3222-3422)
Orientador: Roberto Assis Ferreira, CRM-MG 4323, Professor Adjunto do Departamento de Pediatria
da Faculdade de Medicina da UFMG e Membro do NIAB. (tel. Contato: 3273-0770)
A pesquisa intitulada “Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da
Psiquiatria e Psicanálise” propõe, através da observação de casos atendidos no NIAB, investigar os
casos de Anorexia e Bulimia, identificar as particularidades desses quadros, as possibilidades de
condução do tratamento e traçar estratégias terapêuticas mais específicas. Para se alcançar os objetivos
da pesquisa, serão utilizadas informações colhidas durante os atendimentos e discussões dos casos
com a equipe do NIAB.
Todos os dados pessoais dos participantes serão guardados em sigilo. Sendo assim, a identidade
dos participantes não será revelada em nenhuma publicação resultante desse projeto.
A participação nessa pesquisa é gratuita e voluntária, podendo ser interrompida a qualquer
momento, sem perda de nenhum benefício e sem prejuízo para seu atendimento no Hospital das
Clínicas. O procedimento não oferece qualquer risco ao participante, nem ao seu tratamento, e suas
dúvidas poderão ser esclarecidas quando desejar (COEP: Unidade Administrativa II, sala2005.
Campus Pampulha da UFMG. 3499-4592).
Este projeto científico foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal
de Minas Gerais, no dia (data).
Poderá não haver nenhum benefício direto ou imediato para os pacientes incluídos nesse estudo,
mas poderá haver mudanças nos cuidados dados aos pacientes após a conclusão da pesquisa.
O relatório final estará disponível para todos quando estiver concluído o estudo, inclusive para
apresentação em encontros científicos e publicações em revistas especializadas.
Ana Raquel Corrêa e Silva, CRM-MG 31891
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA PARTICIPAÇÃO EM
PESQUISA PARA CRIANÇAS DE 7 A 12 ANOS
(de acordo com a Resolução CNS 196/96)
Este termo, em duas vias, é para certificar que eu, .............................................................
.................................................................., na qualidade de responsável pelo (a) menor
......................................................................................................................, concordo que ele (a)
participe voluntariamente do estudo “Anorexia e Bulimia Nervosa: um estudo de casos graves à luz da
Psiquiatria e Psicanálise” realizado pela Dra. Ana Raquel Corrêa e Silva, médica psiquiatra, durante os
atendimentos no NIAB Núcleo de Investigação de Anorexia e Bulimia. Afirmo que li o preâmbulo
desse termo e tenho conhecimento dos objetivos desse projeto científico.
Por meio desse, dou permissão para que as informações obtidas durante os atendimento sejam
utilizadas em discussões clínicas entre os profissionais da equipe, mas sempre submetidas às normas
do sigilo profissional.
Declaro meu consentimento livre e esclarecido para a participação do menor, tendo assegurado
o seu direito de se retirar do experimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma,
concordando com a divulgação, para fins científicos, dos dados encontrados nos atendimentos, e
estando ciente do sigilo quanto a dados confidenciais envolvidos na pesquisa.
Belo Horizonte, .....de.........................de 200....
Assinatura dos pais ou responsável: ................................................................................................
Assinatura da criança: ......................................................................................................................
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo