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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
MOACIR JULIANI
AS VICISSITUDES DAS PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS
ESPECIAIS: Fragmentos de Histórias de Vida que chegam ao Ensino Superior.
Ijuí (RS)
2008
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MOACIR JULIANI
AS VICISSITUDES DAS PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS
NO ENSINO SUPERIOR: Incluídos nos tempos e espaços educativos ou espectadores?
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação nas
Ciências na Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUÍ, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Dra. Anna Rosa Fontella Santiago.
Ijuí (RS)
2008
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho de pesquisa aos meus filhos Victor
e Bárbara, na esperança de que quando crescidos
possam espelhar-se no pai e investirem seus esforços na
pesquisa como pressuposto básico para a busca das
respostas que lhes dêem o rumo que pretendem seguir; à
minha esposa Marianice, meu grande amor e porto
seguro; aos mestres da Unijuí que apostaram nas minhas
capacidades, apesar das minhas limitações como ser
humano, e aos meus amigos acadêmicos que são os
sujeitos dessa pesquisa por me confiarem informações
valiosas a respeito de suas vidas.
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente a Deus pelo dom da vida; aos meus filhos Victor e Bárbara pelas
horas que não puderam ter minha atenção e mesmo assim dedicaram-me sua compreensão e seu
carinho; à minha esposa Marianice pelo incentivo durante a caminhada; à minha professora Anna
por me guiar pela mão amparando-me e ajudando-me a prosseguir como as pessoas sensíveis
sabem fazer; aos acadêmicos que confiaram suas histórias de vida e atualmente posso chamá-los
de AMIGOS; aos colegas de escola, familiares e amigos que suportaram meu stress nas horas de
dificuldades.
“Temos que olhar com outro jeito
Quem nasceu diferente
E venceu preconceito
A gente tem que admirar
Harmonizar pra ser feliz
Diferença social, pra quê?
Tá na cara que a beleza
Está nos olhos de quem vê”.
(Samba enredo da Império Serrano/2007)
7
RESUMO
Este trabalho trata da investigação realizada com um grupo de acadêmicos que vivenciam
situações de inclusão no Ensino Superior da Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. A
pesquisa procurou entender como se processou a escolarização desses acadêmicos por meio da
escuta de suas histórias de vida, ao mesmo tempo em que busquei embasamento nas construções
teóricas sobre a escola, a educação e a inclusão. Como opção metodológica, adentrei no universo
do grupo em estudo, constituindo-me como sujeito que dialoga, observa e interpreta numa
abordagem da pesquisa qualitativa. Desse modo, as histórias de vida elaboradas mediante
depoimentos gravados constituíram-se instrumentos na coleta dos dados que foram transcritos e
interpretados na interlocução com os estudiosos que têm se dedicado a pesquisa sobra a inclusão,
tais como: Ainscow, Skliar, Mantoan, Carvalho, Benvenuto, Boneti, Santiago. Vigostky e Skliar
foram referências teóricas importantes na análise da linguagem e na construção de interpretação e
sentido. A contribuição de Foucault permitiu teorizar sobre os mecanismos de poder e
disciplinamento no interior da escola e na produção da exclusão educacional, mas é em Freire
que como pesquisador obtive a maior descoberta desse estudo: a possibilidade da inclusão
educacional baseada no verdadeiro diálogo, na qual sujeitos em interação, expectadores de suas
vidas são escutados no que têm a dizer e respeitados nas suas escolhas e decisões como premissa
básica para que a metamorfose – transformação possa acontecer.
Palavras-chave: Inclusão, Ensino Superior, Diálogo, Metamorfose
8
ABSTRACT
This work deals with the investigation carried through with a group of college students who live
deeply situations of inclusion at the College Teaching from the Northwest Region of the State of
Rio Grande Do Sul. The research wanted to understand how was the schooling of these college
students processed through the listening of their histories of life and at the same time in which it
searched basement in the theoretical constructions about the school, the education and the
inclusion. As methodological option the researcher entered in the universe of the group in study
consisting as a subject that dialogues, observes and interprets in a qualitative approach. Thus, the
histories of life elaborated by recorded testimonies had constituted instruments in the data
collection that had been transcribed and interpreted in the interlocution with studious people that
have dedicated themselves to the research about the inclusion such as: Ainscow, Skliar, Mantoan,
Oak, Benvenuto, Boneti, Santiago. Vigostky and Skliar had been important theoretical references
in the language analysis and in the construction of interpretation and sense. The contribution of
Foucault allowed theorizing about the mechanisms of being able and discipline inside the school
and the production of the educational exclusion; but it is in Freire that I as a researcher get the
greatest discover of this study: the possibility of the educational inclusion based in the true
dialogue, in which people in interaction, expectant of their lives are listened to in what they have
to say and respected in their choices and decisions as basic premise so that the metamorphosis -
transformation can happen.
Key words: Inclusion – College – Dialogue - Metamorphosis
9
SUMÁRIO
RESUMO.........................................................................................................................................5
ABSTRACT....................................................................................................................................6
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................9
1. A ESCOLA E OS ALUNOS “ESPECIAIS”..........................................................................19
1.1 - Situando o problema ..........................................................................................................19
1.2 - Inclusão: perspectiva histórica ..........................................................................................27
2. DO FRACASSO À INCLUSÃO ESCOLAR: UMA NOVA RACIONALIDADE PARA A
EDUCAÇÃO ESPECIAL ...........................................................................................................37
2.1 - O fracasso escolar e a crise da racionalidade moderna ....................................... .............40
2.2 - A Educação Especial..........................................................................................................45
2.3 – Inclusão/exclusão: a natureza do conflito... .....................................................................48
2.4 - A inclusão e o Ensino Superior .........................................................................................52
3. INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR – METAMORFOSE OU METÁSTASE? ......... 55
3.1 - O Núcleo de Inclusão da Universidade............................................................................. 56
3.2 - Os Sujeitos da pesquisa .....................................................................................................58
3.2.1 - Acadêmico 1 - (CI) Quem é você? .......................................................................58
3.2.2 - Acadêmica 2 - (KK) Teu Olhar..............................................................................63
3.2.3 - Acadêmico 3 – (MF) Perseverança é meu nome ..................................................72
4. ALUNOS “ESPECIAIS” NO ENSINO SUPERIOR DE EXPECTADORES A
ESPECTADORES ......................................................................................................................79
4.1 - Barreiras atitudinais ........................................................................................................80
4.2 - A linguagem – interpretação e sentido ...........................................................................84
4.3 - Língua e identidade .........................................................................................................92
4.4 - A alteridade .....................................................................................................................94
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................97
6. REFERÊNCIAS ....................................................................................................................106
10
7. ANEXOS ................................................................................................................................111
Termos de aceite dos acadêmicos entrevistados na pesquisa.
9
INTRODUÇÃO
Acredito que no trabalho docente deve estar presente a preocupação de conhecer e
aprender sempre, de ter a pesquisa como prática constante permeada de reflexividade crítica
(compreensividade) sobre as questões que envolvem os sujeitos em seu contexto e
problematizando essas questões em confronto com as teorizações acerca da sociedade atual.
Isso significa estar permanentemente investigando novas formas de intervenção
pedagógica, de motivação e interação no processo educativo, sobretudo, como um pesquisador da
própria vivência. Creio que, com a pesquisa e a reflexão sobre o trabalho docente com
acadêmicos com necessidades especiais que freqüentam cursos universitários, poderão ser
fomentadas políticas que promovam mudanças nos paradigmas que sustentam uma visão
discriminatória acerca destes sujeitos.
Paralelamente a esse objetivo, o que motivou a construção desse estudo foi a minha
vivência e a prática docente em Escola de Educação Especial desde o ano de 1991 até 2006.
Aliada a essa vivência, está a constatação de que estudantes com necessidades educacionais
especiais, inclusos nas escolas da rede regular comum e que passaram pela Escola de Educação
Especial Helen Keller de Três de Maio - RS encontram-se ingressando e freqüentando as
Universidades da Região Noroeste do Rio Grande do Sul.
Uma política da atualidade mundial discutida e incentivada é a inclusão de pessoas com
necessidades educacionais especiais, na vida social e, em conseqüência, na escola. Mas o que é a
inclusão educacional? Penso que a inclusão seja mais do que a convivência de pessoas com
necessidades diversas nos mesmos tempos-espaços educativos. Além da convivência, é a
10
oportunidade de participar de todas as atividades que a escola oferece, sejam elas pedagógicas
artísticas ou esportivas e que ocorra nestas a possibilidade de todos re-significarem seus valores a
respeito do homem e do mundo, apropriando-se de conhecimentos que lhes serão úteis em sua
vida para que, percebam-se cidadãos.
Dada a importância dessas considerações, esse estudo primou por fazer uma análise
criteriosa de significativos depoimentos de sujeitos de pesquisa, que inseridos no contingente de
Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais, contribuem sobremaneira com suas vozes na
constatação de resultados e contribuições que superam visões simplistas, que ainda permeiam
práticas curriculares em escolas e universidades.
Com a seriedade necessária, comprometida, sensível e reflexiva realizei a escuta das
vozes dos sujeitos da pesquisa que trazem relevantes contribuições na abordagem do tema, em
busca de respostas a questão de pesquisa, a partir de significados que os mesmos produzem e de
seu imaginário a respeito de sua trajetória educacional.
Meu olhar de pesquisador também voltou-se para os aspectos legais da Educação. Embora
a legislação educacional garanta o direito à educação para todos e salienta que preferencialmente
eles sejam incluídos na rede regular do ensino (artigo 58 da LDB 9.394), o que se observa na
prática é a polêmica quanto a essa inclusão aliada à falta de preparo na formação e na ação
docente. Essas são apenas algumas das barreiras que dificultam e muitas vezes impedem esses
estudantes de acessarem conhecimentos acadêmicos e de freqüentarem esses espaços
tempos/educativos.
Além disso, volto o olhar para o ensino superior, tempo-espaço educacional em que
atualmente os sujeitos vivenciam suas experiências educacionais atuais. Constato também, pela
representação sobre os outros a incluir, historicamente as instituições de ensino têm dificuldades
de implantar mudanças que permitam a inclusão, por uma série de fatores: formação dos
docentes, falta de recursos humanos capacitados, recursos materiais (tecnologia), fixidez e
formalidade dos currículos, e a crise dos paradigmas no interior da escola – educar para a vida ou
para o mercado?
11
A proposta de inclusão educacional tem sido amplamente discutida no Ensino
Fundamental e Médio (e existe uma gama de estudos e investigações que procuram estabelecer
aspectos basilares, amparar, dar suporte a ela), o mesmo não se pode afirmar em relação à
inclusão no ensino superior. Percebe-se que este é um caminho que está sendo construído no
caminhar e as teorizações vão acontecendo ao longo desse caminhar.
Quanto ao enfoque de investigação, que é a inclusão de pessoas com necessidades
educacionais especiais nas universidades da Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul,
percebe-se que são poucos os estudos nesse campo. Constitui-se, portanto, esse estudo em uma
investigação que busca entender a realidade da inclusão no ensino superior através da escuta dos
sujeitos envolvidos neste processo e que teve pretensões de conhecer a concepção/percepção das
pessoas com necessidades educacionais especiais envolvidas na ação de ensino-aprendizagem,
como sujeitos em formação em um curso superior.
Nessa busca entrevistei acadêmicos de uma Universidade Comunitária do Noroeste do
estado do RS e de uma Faculdade da mesma região que mantém curso superior, nos quais
frequentam alunos deficientes.
Embora tenha obtido o consentimento das instituições e também seu apoio para a
realização da pesquisa, não os nomeio no texto para preservar suas identidades. Serão assim,
identificadas no processo descritivo desta pesquisa como Universidade e IES (Instituição de
Ensino Superior) ou simplesmente faculdade, respectivamente.
Ambas as Instituições são de meu interesse enquanto pesquisador pela proximidade
geográfica e pelo fato de que ambas têm contribuições na minha formação acadêmica. Nessa
direção, esse estudo poderá ampliar a perspectiva de sucesso de outros acadêmicos que
vivenciam situações semelhantes, bem como servir de fonte de pesquisa e informação para
demais profissionais interessados no assunto.
12
A característica marcante desse projeto investigativo é a de que o foco principal de estudo
é o ser humano, não passivo, conformado, isolado no mundo do seu dia-a-dia, mas que age, atua
neste mundo, interpreta e reinterpreta, significa e ressignifica a si e ao seu meio continuamente.
Trata-se, portanto, de um projeto de estudo situado na área das Ciências Humanas sub-área
Educação.
Não foi objetivo dessa proposta de trabalho simplesmente realizar mensurações ou
quantificações, mas refletir sobre a situação de inclusão sentida e percebida por essas pessoas,
tomar ciência de suas histórias de vida, pelo relato de suas experiências conquistas e entraves
encontrados nessa trajetória e dos caminhos pelos quais chegaram ao ensino superior. Com essas
considerações pretende-se destacar o tipo de pesquisa realizada: a pesquisa qualitativa.
A partir das informações obtidas junto às instituições, foram entrevistados 03 acadêmicos
com necessidades especiais, (escolhidos de forma intencional) que freqüentam cursos superiores
nas instituições referidas anteriormente, os quais aceitaram participar da pesquisa.
O campo dessa pesquisa situou-se exatamente na vida acadêmica dessas pessoas com
necessidades educacionais especiais freqüentando o ensino superior, nas suas relações com as
outras pessoas desse meio (colegas, professores), nas formas como expressam suas opiniões, nas
suas interações, na sua constituição enquanto sujeitos, na forma como se percebem
incluídos/excluídos, na forma como lidam com seus sucessos, fracassos e conflitos.
Preocupei-me também com a identificação de como e em que situam suas dificuldades:
problemas de relacionamentos, aceitação (barreiras atitudinais) no acesso às salas de aula e
demais dependências (barreiras arquitetônicas), nos métodos de ensino: aulas extremamente
teóricas e centradas na retórica do professor, linguagem do professor e colegas, ritmo das aulas,
formalidade dos currículos (barreiras estruturais), na forma como vivificam as situações de
produção do conhecimento ou se acreditam estarem somente tendo acesso a informações que não
conseguem entender muito menos elaborar/significar.
13
Como se pode constatar, esse campo da pesquisa segundo Paul de Bruyne é concebido
como “[...] lugar efetivo do trabalho dos pesquisadores é um lugar dinâmico e dialético no qual se
elabora uma prática científica que constrói objetos de conhecimentos específicos [...](1977, p.
28), é constituído pela realidade da freqüência das pessoas com necessidades educacionais
especiais no ensino superior das instituições já citadas e sua vasta gama de possibilidades.
É conveniente mencionar que os resultados dessa investigação são ímpares e relativos à
realidade em questão o que não diminui sua importância, posteriormente, como referência de
pesquisa e análise. Isso porque situam-se dentro de um contexto territorial, histórico, político e
social (municípios com sua história de formação e emancipação, população que os formam,
situação econômica e política diferentes entre si e dos demais municípios da Região Noroeste).
Outro aspecto importante que como pesquisador estou ciente é o que aborda Fred N.
Kerlinger:
Todo conhecimento do mundo é afetado, e até distorcido de certa forma,
pelas predisposições dos observadores. Quanto mais complexas as
observações, mais se afastam da realidade física e quanto maiores as
inferências feitas, maiores as probabilidades de distorção
(1980, p. 10)
.
Este aspecto assume grande importância quando o investigador se propõe a trabalhar com
base nas declarações das pessoas a respeito de suas opiniões, observações, percepções, situações
vivenciadas (histórias de vida) as quais utilizo nas contraposições com a inclusão em outros
níveis de ensino que estão mais consolidados. Esses relatos constituem-se por locuções
discursivas impregnadas da subjetividade do entrevistado. Aliando-se a esse aspecto, trama-se a
minha história de vida como pesquisador com minhas vivências, conhecimentos e predisposições
e possuir experiência profissional como docente em Escola de Educação Especial.
A técnica de pesquisa escolhida foi a entrevista semi-estruturada, conceituada por Moreira
“como uma conversa entre duas ou mais pessoas com um propósito específico em mente. O
pesquisador quer obter informações que o respondente supostamente tem” (2002, p.54). O
mesmo autor afirma que “o entrevistador pergunta algumas questões, mas dentro de cada questão
é grande a liberdade do entrevistado” (2002, p. 55).
14
Com a preocupação de que os resultados da pesquisa reflitam a realidade, minha atenção
foi redobrada no sentido de realizar uma transcrição do sentido e da forma como foram expressos
as idéias e sentimentos pelos pesquisados. Com essa intenção, após o consentimento das pessoas
envolvidas e da autorização do Conselho de Ética da UNIJUI, os entrevistados tiveram gravadas
suas falas e, no caso dos 02 surdos, transcritas com a utilização de intérprete.
A submissão do projeto de pesquisa ao Conselho de Ética esteve ligada à preocupação de
realizar um estudo sério, ético e legal do ponto de vista normativo.
De posse desse Parecer entrei em contato com a Coordenação do Ensino Superior das
instituições/campo da pesquisa em que escolhi intencionalmente os acadêmicos que poderiam
contribuir de forma significativa para a pesquisa. Após, entrei em contato com os acadêmicos a
serem entrevistados com o propósito de explanar sobre o projeto de estudo, seus objetivos, sua
importância para o meio acadêmico. Mediante essas argumentações e o consentimento de todos
para divulgar informações, foram escolhidos locais e datas, bem como foi feito o roteiro das
entrevistas que foram realizadas.
Nessa perspectiva indaguei algumas questões conforme o roteiro. Os entrevistados
dispuseram de grande liberdade para discorrer sobre o assunto. Conforme emitiam suas respostas,
percebia que existiam demandas interessantes que necessitavam de aprofundamento e de maiores
informações e que não foram previstas no rol de questões. Assim foram realizadas novas
interrogações, necessárias para alcançar o propósito específico do estudo. O número de
entrevistas foi definido com o aceite dos pesquisados, observando-se espaço, tempo e as
interrogações sobre o assunto.
Como pesquisador, fiz anotações “in loco” de tudo que pensei ser pertinente. Após cada
entrevista realizei a transcrição das gravações, as quais foram utilizadas para análise,
estabelecendo nexos com o que abordam as teorias sobre inclusão das pessoas com necessidades
educacionais especiais nos demais níveis de ensino.
15
As questões das entrevistas foram simples e objetivas com a finalidade de serem
devidamente entendidas por esses acadêmicos especiais e respondidas de forma a possibilitarem
uma interpretação da realidade investigada. Nesse sentido, quanto maior a riqueza e a coerência
de suas respostas com a situação real de inclusão no ensino superior, maior a relevância do
estudo.
Lendo e relendo a minha própria trajetória profissional, optei por um estudo descritivo
em que realizo interface temática, a qual permitiu uma atitude reflexiva primordial no estudo das
Ciências Sociais como é o caso; essa atitude compreende um conjunto de diferentes técnicas
interpretativas que visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema complexo de
significados; estimula os entrevistados a pensarem livremente sobre um objeto ou conceito.
Também levantei dados sobre a História de Vida até chegarem a Universidade um relato de
suas experiências – conquistas e entraves encontrados nessa trajetória. Na primeira fase de
entrevistas procurei construir os vínculos necessários para que o pressuposto básico da confiança
se instalasse em ambas as partes.
Em termos de história de vida, foram pesquisadas as questões: quais as ocupações diárias
destes acadêmicos além do ensino superior? O que fazem nas horas de lazer? Com quem se
relacionam com maior freqüência além da família? Desempenham alguma função na comunidade
onde vivem? Em que tipo de escola os acadêmicos concluíram seus estudos fundamental e
médio? Encontraram dificuldades nesses níveis de ensino? Essas dificuldades (barreiras à
aprendizagem) caracterizavam-se como atitudinais? Estruturais? Arquitetônicas? Suas escolas
anteriores dispunham de recursos pedagógicos auxiliares como a Libras? Impressoras em braile?
Intérpretes? Que formação tinham seus professores? Como era o relacionamento com os colegas?
A respeito de suas vivências e experiências no Ensino Superior: Estão satisfeitos no curso
que estão freqüentando? Encontram algum tipo de dificuldade no ensino superior? Como é o
relacionamento com colegas e professores? Estão se sentindo aceitos na turma? O ritmo da aula é
compatível ao ritmo do aluno? Conseguem entender a linguagem usada pelos professores e
colegas? Os colegas e professores entendem a sua linguagem e sua forma de se expressar? Como
reagem os professores frente às suas indagações? A sala de aula é acessível arquitetonicamente?
16
As instituições oferecem algum recurso para facilitar a sua aprendizagem? Participam das
programações da universidade?
O enfoque de todas estas nuances no levantamento de dados teve a pretensão de propiciar
a construção de um estudo da realidade a respeito da constituição desses sujeitos, bem como,
responder a questão central desse estudo: inclusos ou espectadores? Essa resposta não será do
pesquisador, mas das pessoas com necessidades educacionais especiais que freqüentam o ensino
superior nessas instituições.
Analisei e confrontei as respostas com teorias a respeito da inclusão nos demais níveis de
ensino e que têm sido debatidos de forma mais ampla para traçar parâmetro as limitações
corriqueiras, habituais e as encontradas na universidade.
A metodologia foi concebida como a forma organizada de responder às dúvidas iniciais e
de proceder a um sério construir de dados frente a uma realidade tão complexa. Também foi a
metodologia que permitiu realizar análise das informações obtidas de forma que outro
pesquisador possa seguir os passos e o viés de pesquisa e tecer comentários se em circunstância
semelhante à conclusão chegada, tem um poder de proximidade com a realidade.
Desse modo, esse texto dissertativo está organizado da seguinte forma:
No primeiro capítulo a preocupação foi a de tecer uma abordagem histórica da escola e de
suas práticas pedagógicas ao longo dos tempos, bem como dos alunos considerados “especiais”
com a finalidade de entender como emerge a necessidade de um redimensionamento da educação
e as teorizações sobre a inclusão e para tal, utilizei as contribuições de Mantoan de forma mais
intensa, contrapondo com as interlocuções de Skliar e suas contribuições a respeito da Educação
Especial. Adoto o conceito de inclusão concebido por Ainscow, como aquele que vem ao
encontro de minha concepção de inclusão. Quando abordo as barreiras à inclusão trago as
contribuições de Carvalho.
17
Também apresento no texto os movimentos pró-inclusivos ocorridos no mundo até a
Declaração de Salamanca que vai influir na política educacional brasileira, principalmente na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9394/1996.
No segundo capítulo evidencio as abordagens sobre o fracasso escolar e a exclusão como
conseqüências da crise da racionalidade moderna e a forma como o sujeito é assujeitado pelo
discurso, utilizando nessa análise as contribuições de Foucault e Skliar. Procuro fazer uma análise
sobre a educação especial, bem como dos conflitos que ocorrem no interior da escola em torno da
inclusão/exclusão e a inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais no ensino
superior (na grande maioria, acadêmicos surdos) como realidade recente.
No terceiro capítulo o foco é o Ensino Superior da Região Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul e as iniciativas que buscam a transformação do cenário educacional como a
criação do Núcleo de Educação Inclusiva na Universidade. A reflexão gira em torno da inclusão
no ensino superior em que, na análise interrogo se essa realidade é efetivada em mudança ou se
na prática ocorrem as mesmas dificuldades que se evidenciam nos demais níveis de
escolarização. Com essa finalidade trago as histórias de vida e as vicissitudes da escolarização de
03 acadêmicos (02 surdos e 01 PC – Paralisado Cerebral).
No quarto capítulo a reflexão traz aspectos da educação no ensino superior que acabam
fazendo com que os acadêmicos passem de expectadores
1
a espectadores
2
neste nível de ensino.
Foram conceituadas algumas categorias usadas como ferramentas teóricas nas conclusões que
proponho, tais como: as barreiras atitudinais, a linguagem, a identidade e a alteridade,
principalmente com relação aos acadêmicos surdos que formam a grande maioria de estudantes
que demandam o ensino superior. Além dessas considerações, o capítulo é ilustrado pelas falas,
narrativas e reflexões teóricas nas quais alguns autores foram por mim utilizados como
referência, principalmente, Vigotsky quando abordo a questão da língua dos surdos.
1
Expectador: Aquele que tem expectativas, imaginário com ideais que deseja alcançar ou atingir.
2
Espectador: Aquele que assiste de forma passiva o que lhe é posto sem a oportunidade de agir concordando ou
discordando. Mesmo que se manifeste, suas ações não são levadas em conta e não produzem nenhum efeito ou
mudança.
18
Nas considerações finais faço uma reflexão sobre a educação e inclusão no Ensino
Superior com o objetivo de buscar respostas para a questão inicial: incluídos ou espectadores? A
experiência dessa pesquisa me possibilita afirmar, que os acadêmicos vivenciam situações de
inclusão e de exclusão. As situações de inclusão metamorfose transformação, se
apresentam nos momentos em que o verdadeiro diálogo acontece como aborda Freire (1983).
Somente nessas situações os acadêmicos são percebidos e qualificados como sujeitos que têm
algo a dizer, no momento em que são consideradas as suas decisões e escolhas.
19
1. A ESCOLA E OS ALUNOS “ESPECIAIS”
Gestores de sonhos somos seres prenhes de história;
Reinventamos-nos a cada instante;
Ressignificamos nosso mundo, nossa trajetória,
Mas não perdemos jamais a lembrança do que somos e do que vivemos.
(Moacir Juliani, março/2008).
1.1 - Situando o problema
Nesse primeiro capítulo volto o olhar para a escola atual e sua história quanto ao
atendimento dos sujeitos que batem às suas portas e, principalmente, a forma como esta
instituição deixa à margem de suas iniciativas e apostas as pessoas que não se enquadram no
modelo de aluno concebido pela racionalidade científica moderna, ou seja, na forma como os
exclui.
O século XX pode ser caracterizado como o mais importante momento histórico para a
definição de normas de respeito aos direitos humanos, ao ambiente e à diversidade humana.
Tempo da modernidade e ambivalência, época de incertezas em todos os campos da vida
humana, marcado principalmente pela globalização X movimentos políticos de minorias que não
20
encontravam ecos de suas vozes anteriormente. Com a valorização dos conceitos de ecologia, de
biodiversidade chegamos ao fim do século dando ênfase também, à diversidade humana.
Segundo Mantoan (2003):
As diferenças culturais, sociais, étnicas, religiosas, de gênero, enfim, a
diversidade humana es sendo cada vez mais desvelada e destacada e é
condição imprescindível para se entender como aprendemos e como
compreendemos o mundo e nós mesmos (p. 16).
A escola, lugar específico da produção do conhecimento da modernidade, da compreensão
do mundo e do homem, reflete em todos os níveis de ensino situações de dificuldades no seu
fazer pedagógico. O mundo fora da escola evoluiu de forma muito rápida. Estabelecem-se
diariamente redes de relações cada vez mais complexas. As comunicações e informações numa
velocidade incrível rompem fronteiras e se constituem na argumentação teórica e discursiva do
ser humano contemporâneo, mas o movimento no interior da escola não acompanha a evolução
da vida fora dela, muito menos as manifestações da diversidade.
Diante dessas novidades, a escola não pode continuar ignorando o que
acontece ao seu redor nem anulando e marginalizando as diferenças nos
processos pelos quais forma e instrui os alunos. E muito menos desconhecer
que aprender implica ser capaz de expressar, dos mais variados modos, o que
sabemos, implica representar o mundo a partir das nossas origens, de nossos
valores e sentimentos (MANTOAN, 2003, p. 17).
A expressão dessa dificuldade da escola em seu modelo de produção do conhecimento,
constituído a partir dos moldes da racionalidade moderna passa a ser a exclusão do que se desvia
desses padrões.
A exclusão escolar manifesta-se das mais diversas e perversas maneiras, e
quase sempre o que está em jogo é a ignorância do aluno diante dos padrões
de cientificidade do saber escolar. Ocorre que a escola se democratizou
abrindo-se a novos grupos sociais, mas não aos novos conhecimentos. Exclui,
então, os que ignoram o conhecimento que ela valoriza e, assim, entende que
a democratização é massificação de ensino e não cria a possibilidade de
diálogo entre diferentes lugares epistemológicos, não se abre a novos
conhecimentos que não couberam, até então, dentro dela (MANTOAN, 2003,
p. 18).
21
Creio ser importante a compreensão do que chamamos de exclusão. Segundo Skliar
(2003):
[...] o termo excluído provém do verbo latino excludere, que significa
expulsar alguém ou uma coisa para fora de um sistema fechado ou para
fora do lugar que (hipoteticamente) ocupa ou deveria ocupar. [...] não está no
sujeito, circula na cultura, ou melhor, num fragmento pontual dela como um
significado que não é natural e que foi naturalizado. É um mecanismo de
poder centralizador que consiste em proibir pertencimento e atributos aos
outros (p. 92).
O sistema utiliza-se de uma série de situações de dificuldades que acabam impedindo esse
pertencimento e que produzem esse sujeito expulso em todos os âmbitos do social e
principalmente da escola. Para Skliar (2003), esse sujeito perde sua visibilidade, não porque o
nos deparamos com ele diariamente, mas porque sua presença fica privada de linguagem e
principalmente de suas manifestações e passamos a não qualificá-los mais como sujeitos.
Essa exclusão é sentida, percebida em todos os níveis de ensino e de maneira muito
peculiar quando se trata de pessoas com necessidades especiais. No Ensino Fundamental, o
contingente de população com necessidades educativas especiais é maior que no Ensino Médio, o
que indica haver ainda, uma grande barreira no percurso escolar e na formação dessas pessoas. O
percentual de acadêmicos com necessidades especiais freqüentando o Ensino Superior é, ainda,
mínimo.
Conforme estudos realizados pela Organização das Nações Unidas (ONU), 10% da
população mundial 600 milhões de pessoas apresentam algum tipo de limitação. Contudo,
sabemos que os critérios de acesso ao ensino superior não contemplam esses sujeitos. O processo
educativo é rigorosamente excludente, apesar de, mais de uma década se falar em inclusão e
políticas de eqüidade. Os dados reforçam a necessidade de políticas mais incisivas para a inserção
desses cidadãos em todos os campos da sociedade, inclusive no ensino superior.
O Censo Demográfico 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelou que
14,5% da população brasileira era portadora de, pelo menos, uma das deficiências investigadas
22
pela pesquisa. Mas, apesar disso, a porcentagem de inscritos que pediram condições especiais nos
grandes vestibulares é muito baixa.
No ENEM, (Exame Nacional de Ensino Médio), dos mais de 1,8 milhões de inscritos,
apenas 0,066% fizeram a prova em condições especiais. Essa pouca presença no ensino médio e
superior, segundo especialistas, é reflexo da precariedade do atendimento a essas pessoas desde
as primeiras fases da educação, além da falta de informação dos pais e de toda a sociedade.
A evasão escolar, a repetência, o analfabetismo funcional
3
, a fragmentação dos
conhecimentos, a agressividade como forma de reação dos alunos frente a conteúdos pouco
atraentes, a dificuldade de interpretar o mundo, de trabalhar com conceitos abstratos, de
relacionar com o dia-a-dia o que se quer ensinar na escola, são alguns fatores que fazem parte do
grande elenco da exclusão.
O mal-estar docente, a sensação de inoperância e impotência frente aos desafios que a
prática pedagógica promove diariamente, também são sintomas de que o trabalho da escola não
está de acordo com o desejado.
A partir dessas questões constata-se que a escola se encontra enferma na sua premissa
básica: a produção do conhecimento da racionalidade moderna. Priorizou-se a norma, a
burocracia na forma da estrutura organizativa dos currículos, em detrimento das subjetividades
dos alunos.
Sobre essa estrutura organizacional diz Mantoan:
A escola se entupiu de formalismo da racionalidade e cindiu-se em
modalidades de ensino, tipos de serviço, grades curriculares, burocracia. Uma
ruptura de base em sua estrutura organizacional, como propõe a inclusão, é
3
O V Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (INAF), divulgado pelo INEP em 8 (oito) de setembro de
2005, apresenta pesquisa realizada pelo IBOPE, entre os meses de junho e julho do mesmo ano, dando conta de que
“só 26% da população brasileira de 15 a 64 anos têm domínio pleno das habilidades de leitura e escrita exigidas pela
vida cotidiana, no universo do trabalho e da participação social e política” (SANTIAGO, 2000 p. 22).
23
uma saída para que a escola possa fluir novamente, espalhando sua ação
formadora por todos os que dela participam
(2003 p. 15).
Mantoan (2003) aprofunda a reflexão sobre a estrutura organizacional da escola:
Os sistemas escolares também estão montados a partir de um pensamento que
recorta a realidade, que permite dividir os alunos em normais e deficientes, as
modalidades de ensino em regular e especial, os professores em especialistas
nesta e naquela manifestação das diferenças. A lógica dessa organização é
marcada por uma visão determinista, mecanicista, formalista, reducionista,
própria do pensamento científico moderno que ignora o subjetivo, o afetivo, o
criador, sem os quais não conseguimos romper o velho modelo escolar para
produzir a reviravolta que a inclusão impõe
(p. 19)
.
Diante dessa realidade, tornou-se necessário pensar uma educação que atendesse com
qualidade estudantes com as mais variadas necessidades, incluindo a todos de alguma forma.
Essa idéia é que motivou e impulsionou a inclusão educacional no mundo todo. As palavras de
Mantoan indicam o esgotamento do modelo organizativo da escola moderna e a necessidade de
pensar uma educação que atenda com qualidade todos os estudantes sem discriminação. Essa,
certamente, não é uma reivindicação nova, pois o direito à igualdade e à cidadania é preconizado
desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos divulgados pela ONU em 1948.
Todavia o conceito de inclusão somente ganhou grande importância efetiva nas últimas
décadas, e pode-se dizer que, neste início de século, ele está na “moda”, no Brasil. Em relação às
escolas, a idéia é de que as pessoas com necessidades educacionais especiais sejam incluídas em
processos de educação regular, quer dizer, em escolas para pessoas “normais”, aqui entendidas
como pessoas que, não possuem limitações sensoriais (visuais, auditivas, múltiplas ou físicas
causadas por Paralisia Cerebral – PC e outras...).
Do ponto de vista pedagógico, existem aspectos positivos e negativos sobre os processos
de inclusão. As grandes vantagens envolvem a oportunidade que é dada às pessoas que
apresentam diferenças marcantes de interagirem com pessoas consideradas “normais”. Quanto
aos considerados “normais” também se observa que ao relacionar-se com o outro que possui
dificuldade desenvolve o senso de cooperação, além de tornarem-se pessoas com maiores noções
24
a respeito da diversidade do ser humano. O ambiente escolar é um espaço privilegiado para que
ambos experimentem as várias possibilidades desse relacionamento.
São essas oportunidades que favorecem a construção de competências para todas as
pessoas envolvidas nessa situação. A participação em atividades sejam elas pedagógicas,
esportivas, recreativas, culturais que a escola oferece oportunizam a todos vivenciarem situações
que ampliem seus conhecimentos de vida, de homem e de mundo. Acredita-se que essa gama de
experiências propicia condições para que as pessoas se construam como cidadãos, sujeitos de sua
história.
As interações pedagógicas entre os diferentes evitam que eles fiquem em espaços
separados e oportunizam uma experiência marcante para todos os estudantes: a convivência em
igualdades de direitos e o respeito à diferença.
A negatividade, nesse caso, diz respeito, especialmente, à dificuldade que as escolas
encontram para integrar esses estudantes em virtude da existência de barreiras atitudinais,
estruturais, arquitetônicas e de linguagem, as quais são tomadas na pesquisa como categorias para
refletir sobre as condições de inclusão.
As pessoas com necessidades educacionais especiais que vivenciam situações de inclusão
escolar correm riscos de se tornarem simples expectadores de processos aos quais não conseguem
se integrar, em virtude de enfrentarem dificuldades de várias ordens. Expectadores no sentido de
assistirem as atividades que a escola oferece sem que as mesmas tenham real significado para sua
vida, também no sentido de vivenciarem a escolarização sem apropriação e elaboração do
conhecimento. Assim continuarão sendo expectadores enquanto participarem das atividades as
quais não conseguem entender, por não terem sido planejadas visando a sua real participação.
Quando me refiro às barreiras atitudinais, penso na não aceitação por parte dos colegas ou
na dificuldade das pessoas com algum tipo de deficiência em se incluírem. Na maioria das vezes
constituem-se num grupo de diferentes, separados pela linguagem e interação, pela falta de
atenção que necessitam para a produção de seus conhecimentos, dificuldades de relacionamento
25
ocasionadas pelo desconhecimento de sua linguagem (no caso dos surdos), pela manifestação de
preconceito ante as dificuldades, pelo desrespeito à sua condição humana. São as barreiras
atitudinais que deixam marcas profundas nas histórias de vida das pessoas.
Também são responsáveis pela exclusão, as barreiras estruturais. A metodologia da aula
que privilegia a percepção de estímulos por algum sentido em detrimento dos outros, atividades
de elaboração do conhecimento realizadas de forma individual, a falta de interação e discussão, a
linguagem inapropriada por vezes utilizada na aula, desconhecimento da escrita e da Língua
Brasileira de Sinais LIBRAS, a falta de recursos auxiliares como impressora e literaturas em
braile e softwares ledores de tela acionados pela voz. Também o ritmo inadequado da aula, as
aulas extremamente teóricas centradas na fala do professor e a extrema formalidade dos
currículos, são exemplos clássicos dessas barreiras.
As barreiras arquitetônicas são explicitadas pela inviabilidade de acesso a todas as
dependências da escola, inexistência de rampas, elevadores, banheiros adaptados, a inexistência
ou pouca informação nos recintos escolares utilizando as diferentes linguagens como a LIBRAS,
também são barreiras que dificultam o acesso e a permanência na escola, principalmente, no
Ensino Superior.
Na atualidade, a literatura e as políticas de inclusão são pródigas quanto à inclusão de
pessoas com necessidades educacionais especiais nas escolas dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, mas o mesmo não se observa quando essa inclusão faz referência ao Ensino Médio,
e é incipiente no Ensino Superior. Esse fato se deve, talvez por acreditar que esse nível de ensino
esteja regido pelos mesmos princípios dos demais, ou talvez porque a histórica dificuldade de
acesso ao Ensino Superior no Brasil, mesmo para as pessoas consideradas “normais”, não permita
pensar que hoje, pessoas com alguma deficiência possam freqüentar esse nível de ensino. Trata-
se de um caminho ou vários caminhos de produção do conhecimento a serem construídos.
É consensual a idéia de que pessoas com alguma limitação sejam elas quais forem,
enfrentem uma série de dificuldades na construção de sua vida acadêmica. Ingressar numa
universidade e dar continuidade aos seus estudos é um privilégio de poucos. Heróis?
26
Sobreviventes? Vencedores? Inclusos? Permanecer na universidade então, torna-se uma das
peripécias ainda maiores, uma vez que a maioria das instituições não está preparada para acolhê-
los necessitando, com urgência, de uma política institucional de acompanhamento que disponha
de profissionais qualificados para atendê-los e que, sobretudo, possam identificar suas reais
necessidades.
Diante das considerações, é importante realizar a escuta desses acadêmicos para tomar
conhecimento e refletir sobre as formas como concebem a inclusão educacional e de como esta
afeta diretamente a sua história de vida. Realizar escuta implica refletir sobre os discursos que
são produzidos a respeito da escola, das pessoas com necessidades educacionais especiais e dos
significados que os mesmos produzem a respeito de sua vida acadêmica e a representação que
possuem da sua trajetória educacional. Pressupõe também re-significar o conceito de educação e
da própria inclusão educacional, tão amplamente alardeada pelos meios de comunicação social da
atualidade.
Santiago faz uma reflexão a respeito:
O conceito de inclusão rompe, assim, as fronteiras da segregação dos
“especiais” e os limites dos currículos fechados para abrir-se ao amplo
respeito às diferenças: sociais, individuais, culturais, étnicas, religiosas, etc.
Desse entendimento, associado às teorizações atuais sobre o currículo, resulta
a expectativa de que toda a educação deve ser sempre especial e propiciar
interações que oportunizem o desenvolvimento individual e a integração
social, obedecendo dois princípios básicos da cidadania: a igualdade de
direitos e o respeito à diferença
(2000, p. 22)
.
É notória a produção de discursos a respeito da inclusão educacional e das atribuições da
escola e de seu corpo docente para que ela ocorra. Mas a realidade do interior da escola agoniza
frente a essas questões. Terão esses discursos se traduzido em práticas ou a inclusão ainda é um
sonho, um devir? Estarão as pessoas com dificuldades contempladas em suas necessidades? E no
Ensino Superior os acadêmicos estão realmente inclusos? Quais adequações da escola e de seus
espaços-tempos foram feitas?
27
Com essas interrogações necessito voltar o olhar para o passado, para que me permita ter
um novo entendimento a respeito da realidade educacional que vivenciamos nos nossos dias.
1.2 - Inclusão - Perspectiva Histórica
Pelo artigo primeiro da Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação do Brasil) a
educação especial deve ser vista como um processo contínuo realizada, preferencialmente, na
escola regular a qual deve adaptar-se para oferecer a “todas” as crianças e jovens um ensino
coerente com suas necessidades. O oferecimento da educação escolar na rede regular de ensino,
para educandos com necessidades educacionais especiais é o que caracteriza o movimento de
inclusão. Desse modo, entende-se por inclusão, a transformação do sistema educacional, de
forma a encontrar meios de alcançar níveis de ensino que contemplem a todos. Todo o processo
de inclusão é um processo de construção de caminhos e de aprendizado, que não se limitam a
estrutura curricular. É necessário aprender a viver com os diferentes e essa aprendizagem
acontece na ação e dentro de um contexto (AINSCOW, 2005).
Segundo Ainscow (2005), a inclusão é um processo com três níveis ou etapas. O primeiro
faz referência à presença do estudante na escola, mas isso não é o suficiente. É necessário que
ele participe. O segundo nível é a participação efetiva nas atividades de produção do
conhecimento, o que desemboca no terceiro nível: a aquisição do conhecimento. Não tem
nenhuma validade estar presente, participando, e não estar envolvido integralmente com relação à
aprendizagem. Portanto, inclusão significa estar na escola, participar, aprender e desenvolver suas
potencialidades.
Outro aspecto importante da inclusão é identificar as barreiras que impedem os estudantes
de adquirirem seus conhecimentos acadêmicos. Essas barreiras podem ser: a organização da
escola, o prédio, o currículo, a falta de capacitação docente, a forma de ensinar, a inexistência ou
dificuldade de acesso aos recursos auxiliares e as barreiras que estão na cabeça das pessoas na
forma de conceito ou pré-conceito. A inclusão da pessoa com deficiência supõe uma reflexão a
28
respeito dos preconceitos, das metodologias de trabalho e do conhecimento científico. Os
profissionais de educação estão preparados para lidar com essa questão?
Para Rosita Edler Carvalho (2002), barreiras ou obstáculos podem ser intrínsecos aos
alunos, mas a maioria deles é externa, não sendo exclusividade dos que têm uma limitação
sensorial, ou limitação de outra natureza.
Barreiras à aprendizagem passageiras ou permanentes fazem parte do dia-a-dia dos
estudantes deficientes ou ditos normais, e se manifestam em qualquer etapa da escolaridade.
Considero que as barreiras mais significativas são as atitudinais. Carvalho (2002) destaca que, em
sala de aula, muitas barreiras podem ser enfrentadas e superadas graças à criatividade e a vontade
do professor.
Necessita esse educador saber o que é o processo de aprendizagem, como ele acontece,
além de conhecer o processo de desenvolvimento do ser humano. Salienta que muitas mudanças
estratégicas podem ser feitas para superar essas barreiras, priorizando a participação do aluno em
trabalhos em grupo, favorecendo a cooperação e trocas de experiências, não centrando a aula na
fala do educador.
Historicamente, na segunda metade do século XX, surgiram as leis de atenção às pessoas
portadoras de deficiências: em 1955 a Organização Internacional do Trabalho elaborou a
Recomendação nº 99 sobre a Reabilitação Profissional de Pessoas Deficientes e, em 1983,
estabeleceu a convenção 159 sobre a Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas
Deficientes; a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes foi aprovada em 1975, pela
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas e o direito à educação para todos foi
consagrado pela Organização das Nações Unidas, com a Declaração de Salamanca, em 1994.
É nesse contexto que surgem as políticas da Educação Especial, fruto de iniciativas
comunitárias e devido ao descaso do poder público e de grande parte do social para com a
educação de pessoas com deficiências.
29
Foi a primeira iniciativa de congregar pais que, sem respostas de oferta de acesso à
educação pública para seus filhos, organizaram-se em associações sem fins lucrativos e
construíram estratégias entre o governo e a sociedade civil organizada para garantir o direito à
educação para esse grupo de pessoas.
A Escola Especial foi criada para atender os alunos com deficiência em espaços
diferenciados da escola regular, assumindo esse compromisso sem uma definição clara de seus
objetivos. É importante esclarecer que houve um tempo em que se entendia que esses alunos não
eram capazes de arcar com o compromisso primordial da escola regular de serem introduzidos no
mundo social, cultural e científico, a não ser em condições muito específicas e fora dessa escola.
A partir dessa iniciativa, pessoas com necessidades educacionais especiais passaram a ter
um atendimento em escolas especiais, mantidas por associações de pais. Os estudantes que não se
enquadravam a essa classificação, normalmente classificados de acordo com testes de QI
(Quociente Intelectual)
4
continuaram a receber atendimento em escolas comuns, mesmo
apresentando grandes dificuldades de aprendizagem e a repetição do fracasso evidenciado pela
repetência.
As escolas de Educação Especial da nossa região sofreram influências de todos os
movimentos pró-inclusão ocorridos no mundo e começaram os seus trabalhos de inserção de seus
alunos nas escolas regulares, principalmente, a partir da década de 1990 com a Conferência de
Educação para Todos ocorrida em Jomtien/Tailândia. Esse esforço de inclusão teve uma
importância maior principalmente a partir da Declaração de Salamanca, na Espanha (1994) cujo
texto tem como princípio norteador que:
Todas as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentes de suas
condições físicas, intelectuais, sociais, lingüísticas ou outras. Deveriam
incluir crianças deficientes e superdotados, crianças de rua e que trabalham,
crianças de origem remota ou população nômade, crianças pertencentes a
minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos em
desvantagem ou marginalizados (CARVALHO, 1997, p. 56).
4
Os testes de Quociente Intelectual foram adotados como padrão de avaliação para enquadramento dos alunos da
Educação Básica e Ensino Fundamental e organização das classes.
30
Dessa Conferência resultou a publicação intitulada: Declaração Mundial sobre Educação
para Todos e Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem. Nesse
documento a educação é abordada como direito fundamental de todos os contribuintes na
formação de um mundo mais seguro; fundamental para o progresso pessoal e social; a educação
excludente necessitando ser repensada; destacada a importância da educação básica para o
desenvolvimento dos níveis superiores, formação científica e tecnológica; necessitada de
proporcionar às gerações futuras uma visão abrangente da educação básica.
Após essa declaração, conhecida no mundo inteiro como Declaração de Salamanca, surge
no Brasil alguns reflexos nas políticas de inclusão educacional. Um dos reflexos é o artigo 58 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9394/1996: “Entende-se por educação
especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente
na rede regular de ensino, para educandos que apresentam necessidades especiais”. (BRASIL. Lei
9.394 de 20 de dezembro de 1996).
A lei anterior, 4.024/61 preconizava que as pessoas com deficiência ou excepcionais,
deveriam enquadrar-se no sistema geral da educação com o fim de integrá-los à comunidade e
Lei 5692/71, bem como 7.044/81 assim se manifestavam em relação a essas pessoas:
Os alunos que apresentam deficiências físicas ou mentais, os que se
encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os
superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas
fixadas pelos competentes conselhos de Educação (apud CARVALHO, 1997,
p.66).
A partir desse contexto, as escolas de educação especial que até então trabalhavam com
vistas a adaptar seus alunos à realidade e às exigências da escola comum, buscam inserir um
contingente maior de seus alunos nestas escolas no intuito de que os que estão capacitados para
tal possam ter continuidade e terminalidade de seus estudos. São esses acontecimentos e a força
das leis anteriormente citadas que propiciaram encontrarmos atualmente no Ensino Superior
pessoas com deficiência em seus bancos escolares.
31
Quanto aos alunos especiais, entendia-se que esses alunos necessitavam de condições
escolares especiais o que incluía currículos e ensino adaptados, número menor de alunos por
turma, professores especializados e outras condições particulares de organização pedagógica do
processo educacional. Assim sendo, dada essa composição específica, a escola especial sempre
enfrentou o compromisso de substituir adequadamente o compromisso da escola comum. Por sua
vez, a insistência em buscar uma substituição que não se verificava de forma satisfatória na
prática, foi se descaracterizando e tomando ciência cada vez mais da dificuldade de construir uma
identidade própria no correr dos tempos.
A segregação passa a ter dois tipos de clientela: os considerados especiais recebendo
atendimento separado em escola especial e os repetentes e fracassados da escola comum,
segregados em classes especiais, normalmente rotulados pelo fracasso e repetência, constituindo-
se alunos de ninguém; pois nem a escola comum acredita ser responsável pelos mesmos, nem a
escola especial que atende preferencialmente os que possuem limitações mentais ou sensoriais.
A ênfase básica deste “atendimento especial” é a preocupação numa perspectiva
assistencialista na qual prepondera o modelo médico-clínico com o objetivo de normalizar o
estudante tornando-o apto a inserir-se às classes da escola regular.
Nessa perspectiva as dificuldades e o fracasso estão centrados no aluno, com a isenção da
escola e dos profissionais da educação, bem como das metodologias que norteiam as práticas
pedagógicas.
Nesse universo educacional é comum que frente às mínimas dificuldades encontradas com
os alunos da escola regular e não sabendo resolvê-las, os educadores os encaminhem para
avaliações com os especialistas. Entram em cena médicos, psicólogos, terapeutas, fisioterapeutas,
neurologistas com uma gama variada de testes e provas que conforme Oliveira (1997):
Catalogam-nas como possuidoras de distúrbio de aprendizagem (nome mais
comum) e passam a reeducá-las como tais, como se fossem portadoras de
alguma doença. Está instalada aí o que Collares e Moysés (1995) chamam de
“medicalização do fracasso escolar”. Para estas autoras “a medicalização de
32
uma questão consiste na busca de causas e soluções médicas, a nível
organicista e individual para problemas eminentemente social (
p. 13).
Diagnosticadas as causas do fracasso escolar, nesse caso o aluno, estabelece-se o
tratamento: atividades pedagógicas repetitivas e principalmente a medicação.
A medicalização tem uma importante função neste cenário:
A medicalização do fracasso escolar encontra aqui um meio explicativo que
se adapta à tendência de isentar o sistema escolar e as condições familiares e
sociais da criança para colocar ao nível individual, orgânico, a
responsabilidade pelo mau rendimento (SUCUPIRA apud OLIVEIRA, 1997,
p. 13).
O aluno leva uma marca, um diagnóstico de que será fadado ao fracasso pesando única e
exclusivamente sobre seus ombros, necessitando de um atendimento separado dos demais,
diferenciado, protegido, escondido na segurança de seus lares ou em escola de educação especial;
aluno que é diagnosticado com limitações deixa de ter direito a uma aposta maior em seu
potencial.
O diagnóstico sentenciatório que desmotiva o professor a empreender uma aposta maior
nas potencialidades de alunos com necessidades especiais e que isenta de falhas o sistema
educacional, ainda é responsável pelo número reduzido de pessoas com necessidades especiais
ocupando espaços no Ensino Médio e principalmente no Superior.
No final da década de 60 começam a ser veiculadas no mundo as idéias de integração:
Os movimentos em favor da integração de crianças com deficiência surgiram
nos Países Nórdicos, em 1969, quando se questionaram as práticas sociais e
escolares de segregação. Sua noção base é o princípio de normalização, que,
não sendo específico da vida escolar, atinge o conjunto de manifestações e
atividades humanas e todas as etapas da vida das pessoas, sejam elas afetadas
ou não por uma incapacidade, dificuldade ou inadaptação. [...] Pela integração
escolar, o aluno tem acesso às escolas por meio de um leque de possibilidades
educacionais, que vai da inserção às salas de aula do ensino regular ao ensino
em escolas especiais (MANTOAN, 2003, p. 22).
33
Com a circulação das idéias de integração e a sua consumação na prática, deparou-se a
escola com a seguinte realidade: nem todos os alunos oriundos da Educação Especial que passam
por processos de avaliação e seleção conseguem ser integrados às turmas da escola regular.
Conforme Mantoan (2003):
[...] Para esses casos, são indicados: a individualização dos programas
escolares, currículos adaptados, avaliações especiais, redução dos objetivos
educacionais para compensar a dificuldade de aprender. Em suma: a escola
não muda como um todo, mas os alunos têm de mudar para se adaptarem às
suas exigências (p. 23).
A proposta de integração também não resultou numa realidade na qual a escola atendesse
as necessidades de todos os alunos, independentes da natureza de suas dificuldades. O que se
verificava na prática era a exclusão contextualizada pela repetência, o fracasso e a evasão escolar;
a segregação caracterizada pela existência de alunos com dificuldades freqüentando espaços
diferentes (classe especial) dentro da escola regular ou em Escola de Educação Especial.
As soluções sugeridas para se reverter esse quadro parecem reprisar as
mesmas medidas que o criaram. Em outras palavras, pretende-se resolver a
situação a partir de ações que não ocorrem a outros meios, que não buscam
novas saídas e que não vão a fundo nas causas geradoras do fracasso escolar.
Esse fracasso continua sendo do aluno, pois a escola reluta em admiti-lo
como sendo seu (MANTOAN, 2003, p. 27).
No ano de 1994 a Organização das Nações Unidas, com a Declaração de Salamanca
legitimou essas estruturas da Educação Especial. No Brasil, no ano de 1996 foi aprovada a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação 9394/96 LDB, a qual em seu primeiro artigo define a educação
da seguinte maneira: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.
Após a Conferência de Educação para Todos em Jomtien (1990) a escola toda é posta em
análise, principalmente mediante a afirmação de que a mesma contém mecanismos que
dificultam a vida acadêmica de seus estudantes. As dificuldades que antes estavam centradas na
34
figura do estudante, que devia se adequar à escola e às suas propostas de ensino começam a ser
consideradas também de responsabilidade da escola, que deve ser lugar de “todos”.
A partir da reconceptualização da educação especial, feita a partir desse evento, quando se
fala em inclusão deve-se ter em mente a inclusão de todas as pessoas no processo de produção de
conhecimento e principalmente das pessoas com algum tipo de deficiência física, auditiva, visual;
que normalmente foram atendidas até então pelas estruturas da Educação Especial.
Santiago (2000):
Instituições internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas), a
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a educação a Ciência e a
Cultura) e o Banco Mundial foram protagonistas nessa “virada” conceitual
que passou a discutir a inclusão escolar como um direito, que todos os
cidadãos possuem, de acesso à educação escolarizada e a conceber a
educação especial não mais como um mero atendimento compensatório aos
portadores de deficiência ou, ainda, como assistencialismo e segregação dos
excepcionais e inadaptados, mas como obrigação do estado e, em
conseqüência, da escola pública de oferecer atendimento diferenciado a todos
aqueles que, por motivos diversos, necessitem de programas ou interações
pedagógicas especiais para o pleno desenvolvimento de suas possibilidades
educativas (p. 22).
Resultantes dessa mudança conceitual no que tange a inclusão educacional, na virada do
milênio, surgem leis destinadas a garantir o acesso e a permanência no Ensino Superior das
parcelas populacionais que antes não eram elencadas como detentores desse direito. Ressurge a
lei das cotas para negros no Ensino Superior, bem como a lei de cotas para pessoas com
deficiências no mercado de trabalho, criada na década de 60.
A lei de cotas, reformulada em 1991 e regulamentada por decreto em 1999, a Lei 8.213 é
um marco divisor no esforço de inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Ao
tornar obrigatória, para empresas com mais de cem funcionários, a reserva de 2% a 5% das vagas
para indivíduos antes marginalizados nos processos de recrutamento e seleção, essa lei contribuiu
para acelerar o processo de inclusão social e provocou empresas e organizações de terceiro setor
a se especializarem na capacitação profissional e na colocação desse público no mercado de
35
trabalho. A necessidade de cumprir a lei de cotas alavancou a implementação de uma rede de
serviços, inclusive o da qualificação profissional das pessoas com deficiência.
Essa lei não gera necessariamente consciência e sensibilização para a causa, mas constitui
um primeiro passo. Embora muitas instituições obedeçam a esses requisitos legais apenas por se
sentirem obrigadas a cumprir o texto legal, cresce a cada dia o número daquelas que “reconhecem
a inclusão” como um valor, uma estratégia para melhorar a própria empresa.
A baixa escolaridade das pessoas com deficiência representa, de fato, um entrave para a
efetivação da Lei de Cotas. Cursar o Ensino Superior torna-se a via de acesso ao mercado de
trabalho. Programar novas políticas para adequar o Ensino Superior às necessidades dos
acadêmicos torna-se necessário.
Com esse propósito surge a lei que regulamenta o ingresso através do vestibular para
todas as pessoas que têm necessidades educacionais especiais, considerando a necessidade de
assegurar aos portadores de deficiência física e sensorial condições básicas de acesso ao ensino
superior, de mobilidade e de utilização de equipamentos e instalações das instituições de ensino.
No ano de 1999 é sancionada a Portaria nº 1.679 que dispõe sobre os requisitos de
acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e
de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições.
Essa portaria visa à eliminação nas instituições de Ensino Superior das barreiras
arquitetônicas, estruturais, adaptação das dependências, bem como, destinação de salas de apoio
com recursos auxiliares.
No final de 1999 é publicado o Decreto 3.298, regulamentando a Lei 7.853 de 1989
que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência,
consolida as normas de proteção e outras providências. Conforme o artigo 27 do mesmo: “As
instituições de ensino superior deverão oferecer adaptações de provas e os apoios necessários,
36
previamente solicitados pelo aluno portador de deficiência, inclusive tempo adicional para
realização das provas, conforme as características da deficiência”.
37
2. DO FRACASSO À INCLUSÃO ESCOLAR – UMA NOVA RACIONALIDADE PARA
A EDUCAÇÃO ESPECIAL
Fragmento do que deveria ser.
Fragmento do que posso ser.
É uma questão de perspectiva,
de locução discursiva
ou de escolha: tua ou minha.
(Moacir Juliani, 2008)
Esse capítulo estará centrado nas questões de inclusão educacional. Com esse propósito
trago as contribuições de diversos autores como referências de interlocução para ajudarem a
entender o tema. Foucault mostra como a sociedade e a cultura constituem o sujeito. Vigotsky de
sua parte, quando coloca o conceito de inclusão teve a preocupação com o sujeito com
necessidade especial jogando a deficiência não no sujeito, mas na sociedade que não está
preparada para recebê-lo. Essa visão pode ajudar a entender a perspectiva do olhar dos sujeitos
com necessidades especiais sobre a sua inclusão na sociedade.
A idéia de Skliar é de que o processo de inclusão precisa ser acompanhado de uma
discussão que hierarquize os objetivos filosóficos, ideológicos e pedagógicos da educação
especial. Resultante dessa discussão tanto pode ser a possibilidade de inclusão como de exclusão;
ou ainda de inclusão que mantém a exclusão. Nesse sentido, Skliar reflete sobre a Educação
Especial e nos apresenta questionamentos importantes dessa modalidade educativa.
38
Conforme Skliar (2003), assim como no conto “O alienista” de Machado de Assis,
também a escola quando promove a separação entre Educação Especial e ensino comum o faz
como uma “missão redentora e normalizadora. A sociedade descobriu finalmente, com
assombro e horror, que aquilo a que deveria dedicar-se era sua própria cura, pois era ela quem
pecava pela perfeição e burocracia em excesso. O foco das dificuldades desloca-se então do aluno
para a escola que não sabe ao certo como lidar com limitações sensoriais, físicas ou mentais; com
lacunas na aprendizagem e com as carências humanas, sejam afetivas ou financeiras.
Essa separação entre escola comum e Escola Especial caracteriza a integração que,
segundo Mantoan:
Sua noção base é o princípio da normalização, que, não sendo específico da
vida escolar, atinge o conjunto de manifestações de atividades humanas e
todas as etapas da vida das pessoas, sejam elas afetadas ou não por uma
incapacidade, dificuldade ou inadaptação
(2003, p. 22).
Segundo a autora, esse processo de integração continua sendo excludente, separatório,
segregacionista. O sistema prevê serviços educacionais segregados, oferecendo ao aluno a
possibilidade de transitar no sistema escolar da classe regular ao ensino especial em todas as suas
modalidades de atendimento: “escolas especiais, classes especiais em escolas comuns, ensino
itinerante, salas de recursos, classes hospitalares, ensino domiciliar e outros” (MANTOAN,
2003). O modelo educativo para a mesma autora se constitui de situações ímpares.
Enquanto isso, a escola move-se lentamente, principalmente com a postura de educadores
preocupados com os fins da educação, com sua metodologia e com o modelo de homem que se
pretende formar e principalmente com o processo de produção do conhecimento. A realidade
proposta pela integração da pessoa com deficiência acaba não satisfazendo alguns segmentos
envolvidos nesse processo. Nesse segmento encontram-se pensadores da educação, estudantes
com deficiência, alguns pais e educadores. A sociedade de modo geral, escola e seu corpo
docente e discente e poder público acreditam inicialmente que a integração seja capaz de
promover a inclusão, pois em sua visão simplista, basta que o estudante esteja na escola, seja ela
dita especial ou comum e a produção de seus conhecimentos acontecerá, bem como a inclusão.
39
Nessa proposta de integração educacional o estudante com deficiência tem a possibilidade
de transitar da escola “especial” para a escola “comum” desde que ele se adeqüe, se adapte, se
“normalize para tal”. A dificuldade educacional é centrada no estudante e não na escola. O papel
da escola seja comum ou especial é o da reeducação, estando a escola baseada na gica do
disciplinamento. Um corpo bem disciplinado forma o contexto de realização do mínimo gesto.
Uma boa caligrafia, por exemplo, supõe uma ginástica – uma rotina cujo rigoroso código
abrange o corpo por inteiro, da ponta do à extremidade do indicador.” Foucault (p.130,
1983).
Como metodologia de reeducação de todas as pessoas que não se enquadravam nos
moldes da normalidade (cegos, surdos, paralisados cerebrais, limitados física ou mentalmente e
outros) são desenvolvidas estratégias de treinamento baseadas em repetições (condicionamento)
com o objetivo de adequar os estudantes à escola, treinar e assujeitar corpos para que ocorra a
subjetivação entendida como a constituição dos indivíduos em sujeitos.
As práticas pedagógicas centradas na repetição também servem como técnicas de controle
e adequação centradas no corpo vivo, lugar da subjetividade. Essas práticas evidenciavam o
propósito de construir conhecimentos específicos acerca do sujeito e de sua inscrição no social,
conforme Foucault (1983).
Nesse trabalho de reeducação são submetidos todos os estudantes desviantes
5
do perfil
idealizado pela escola, não somente as pessoas com deficiência, mas também negros, pobres,
carentes, homossexuais, agressivos, hiperativos
6
e uma infinidade de diagnósticos para enquadrar
5
O desviante é alguém a quem aquele rótulo foi aplicado com sucesso; outsider é o termo americano para designar
qualquer desviante das regras do grupo. Inicialmente foram identificados como rule-breakers (transgressores). É uma
concepção essencialmente estatística, que define como desviante tudo o se afasta significativamente da média. Outra
noção menos simples é o que identifica o desvio como algo patológico revelando a presença de uma “doença”
(BECKER apud OLIVEIRA, 1999, p. 66).
6
Pessoas com dificuldade de aprendizagem ocasionada pela hiperatividade onde a característica constante é a
impulsividade, a agitação e a dificuldade de realizar focos de atenção naquilo que é proposto pelo professor, fazendo
parte do quadro de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) (MATTOS, 2003).
40
e conceituar aqueles que a escola não entende e para os quais é fonte de conflito, fracasso
acadêmico e exclusão
7
.
Mas o que acontece? Ou melhor, por que acontece essa exclusão velada ou escancarada
pela escola? Que paradigma está pressuposto na prática excludente?
Segundo Mantoan (2003):
A exclusão escolar manifesta-se das mais diversas e perversas maneiras, e
quase sempre o que está em jogo é a ignorância do aluno diante dos padrões
de cientificidade do saber escolar. Ocorre que a escola se democratizou
abrindo-se a novos grupos sociais, mas não aos novos conhecimentos. Exclui,
então, os que ignoram o conhecimento que ela valoriza e, assim, entende que
a democratização é massificação do ensino e não cria a possibilidade de
diálogo entre diferentes lugares epistemológicos, não se abre a novos
conhecimentos que não couberam, até então, dentro dela (p. 16 -17).
A contradição entre o discurso idealizador da escola e a prática excludente é enorme.
Nesse contexto é urgente a necessidade de um novo discurso e uma prática que promova uma
redenção com esse passado-presente da educação mundial. Para isso, necessito entender como a
racionalidade que norteou práticas e discursos entra em crise.
2.1 - O Fracasso escolar e a crise da racionalidade moderna
Na atualidade vivemos as conseqüências do nosso passado, seja nas relações que
estabelecemos com nossos pares no âmbito de nossos lares, no social comunitário e
principalmente na escola; tempo e espaço específico de produção de conhecimentos. E a escola
como tal, oriunda de um passado histórico, espaço de interação e de contradições, de lutas, de
avanços e retrocessos, ocupa um lugar de destaque em nossas vidas. É dela que carregamos
marcas que nos foram produzidas ao longo de nossa vida acadêmica, sejam boas, de sucesso ou
de decepção e fracasso. A escola, como aborda Marques:
7
Análise da estrutura do termo exclusão. Ex = fora; cludere = fechar. Excluído alguém fechado fora do fenômeno,
impedido de exercer pertencimento, de participar e muito menos contribuir com sua perspectiva a respeito do fato ou
fenômeno. Alguém reconhecido no social como incapaz para ser, fazer, estar e ter. Skliar, p. 92, 2003.
41
Escola como lugar, tempo e recursos destinados às aprendizagens em
interação dialogal dos nela interessados com o Outro socialmente qualificado,
para compartilharem do entendimento, da organização e da condução dos
processos formais do aprender mediado pelo ensinar. E, quanto mais
complexa, isto é, plural e diferençada, se apresente a sociedade, mais se
exigem as aprendizagens sob a forma escolar, distinta das modalidades
próprias de outros contextos sociais e âmbitos lingüísticos (1995, p. 89).
Nesse tempo e espaço específico, entram em cena sujeitos que interagem de forma
ininterrupta, sujeitos qualificados, conceituados, catalogados, marcados pela prática pedagógica
em suas histórias de vida.
Legalmente a escola atual é conceituada como lugar de todos. Mas não foi sempre assim.
Passou por fases de elitismo nas quais poucos tinham acesso à produção do conhecimento, pois o
mesmo estava dado, pronto, acabado, com a supremacia dos conceitos científicos da
modernidade.
Segundo Marques, em sua origem a escola foi:
Lugar separado e tempo específico de uma formação proposital e sistemática
fundamentam-se a escola e o social no ideal de nobreza aristocrática, como
luz, sagacidade e penetração do espírito e como vigor e saúde corporal e se
destingue do aprendizado dos ofícios exigentes de instrução, mas não de
sabedoria, com a exclusão da maioria da população (escravos ou servos da
gleba) no que se refere a qualquer forma de aprendizado proposital (1993, p.
105).
Na sociedade capitalista a escola se constituiu como reflexo da demanda social,
principalmente na função de formar homens que atendessem a necessidade de estarem aptos ao
trabalho. Com a necessidade sempre crescente de produzir mais e com economia, principalmente
do tempo, transformado em parâmetro de avaliação da função da escola, tornou-se necessário que
um contingente maior de pessoas tivesse acesso a ela. Nesse contexto, segundo Marques:
Fábrica e escola nascem juntas e condicionam o processo de politização,
democratização e laicização da instrução e de uma reorganização do saber,
que acompanha o surgimento da ciência acoplada a indústria [...] educação se
42
faz intencional preparação para a vida e se deve moldar às exigências postas
ao homem capaz de produzir ativamente (1993, p. 106).
Com esses fins, a escola, espaço de instrução formal necessita verificar de forma
ininterrupta os resultados de sua ação. A disciplina e avaliação com suas sanções
“normalizadoras” entram na ordem do dia. Constituem-se formas de exercer vigilância, um
controle predestinado a garantir que fins preestabelecidos sejam alcançados.
O exercício da disciplina tem como base os métodos utilizados nos sistemas carcerários
tendo na panóptica seu modelo de vigilância e controle. Conforme descreve Foucault na sua obra
Vigiar e Punir, (1987):
A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que
toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumento de
exercício... Neste adestramento, o aluno comete uma falta quando apresentar
uma inaptidão ao cumprir suas tarefas (p. 143).
Essa inaptidão pode ser a dificuldade de produzir dentro de um tempo específico e sua
produção é comparada com a dos outros alunos. Todos devem apresentar um ritmo uniforme de
produção. A forma de constatação desta falta é pela observação direta do mestre, monitores,
adjuntos ou através dos exames.
Segundo Foucault (1987) o exame combina com as técnicas da hierarquia que vigia e as
das sanções que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar,
classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são
diferenciados e sancionados. É por isso que, em todos os dispositivos da disciplina o exame é
altamente ritualizado.
E quanto mais elevada a instância escolar que o aluno freqüenta, maior a preocupação
com a mensuração dos resultados, no Ensino Superior por excelência, primando pela garantia de
que concluirão os que se encontram aptos ao mercado de trabalho com sua crescente
competitividade.
43
Interessante que os alunos não são analisados na sua produção individual, levando em
conta momentos distintos: o antes e o depois, mas como Foucault aborda, seu rendimento é
comparado com os demais, estabelecendo-se um padrão, uma regra, a normalidade, a
homogeneidade. “O indivíduo tal como pode ser descrito, mensurado, medido, comparado a
outros e isso em sua própria individualidade; e é também indivíduo que tem que ser treinado e
retreinado, tem que ser classificado normalizado, excluído” (1987, p. 159), e os resultados da
mensuração quantificado em números, signos, são dispostos em arquivos e ampla documentação
descritiva, que o aluno carrega no seu percurso de escolarização desde os anos iniciais até o
ensino superior.
Aluno, indivíduo passível de mensuração, de sanção com fim normalizante. Essa
disciplina não passa de um elemento de um sistema duplo: gratificação nos seus progressos como
forma de estimular o sucesso permanente; sanção/punição nos seus fracassos, medida de garantir
que eles não se repitam. O exame está no centro dos processos que constituem o indivíduo como
efeito e objeto de poder, como efeito e objeto do saber.
Nessa perspectiva, o espaço conseguido pelas pessoas que apresentam dificuldade de
aprendizagem ou ritmo diferente, limitação física, sensorial ou mental se faz contraditório. O
mesmo ocorre com as pessoas com altas habilidades.
O ensino nessa concepção consiste em transmitir fielmente verdades aprendidas como
imutáveis; e a aprendizagem é assimilação passiva das verdades ensinadas. “Ensinar é repetir;
aprender é memorizar” (MARQUES,1993, p. 105).
Todo o conhecimento é baseado na racionalidade moderna. Na razão de uma
subjetividade individual, unilateral. A razão como um poder unificador, um poder que questiona,
que inquire. Mas essa razão sofre as conseqüências da evolução do pensamento e da interação
dos homens e de suas subjetividades. E isto leva a modernidade a entrar em crise. O embate com
a intersubjetividade arrastou não a razão, mas todo um sistema de condições de vida
(MARQUES, 1993).
44
Conforme Habermas (apud Marques (1993):
De inquiridora converter-se-á a razão em inquirida, posta a julgamento em
outros tribunais. A eficácia autolegitimadora da razão será posta em questão.
A modernidade entra em crise no que lhe é essencial: no exercício mesmo da
razão. Crise que culmina na pós modernidade de uma razão exausta,
esgotada... Impõe-se um recomeço, a reconstrução da razão centrada agora
não na subjetividade individual ou na particularidade, mas na
intersubjetividade da livre comunicação entre os atores sociais, numa
profunda revisão epistêmico-hermeneutica (p. 54).
Se na modernidade havia a crença da unidade através da razão cientificista, vista como luz
capaz de prover o homem de certezas: certeza no sucesso da ciência em busca de uma perspectiva
de perfectibilidade e felicidade; certeza de que todos os indivíduos cidadãos incluídos,
participando da vida democrática; incluídos porque vão ser educados com a garantia da
universalidade de direitos iguais, inclusive a educação. Mas o que acontece com os que não
repetem, não memorizam, não aprendem da mesma forma que os demais? Serão cidadãos felizes,
incluídos?
Com a verificação de que as perspectivas não estão se concretizando um ruir desta
crença e a modernidade entra em crise. Nessa crise da modernidade na qual todo o sistema de
condições de vida é posto em discussão, é que se constituem as condições de uma re-análise da
vida humana em seus diferentes aspectos; da educação como elemento constitutivo formador,
inclusivo ou excludente do ser humano.
A escola transitou por este período evidenciando algumas transformações, principalmente
na sua nomenclatura; escola tradicional na forma como foi descrita, com sistema de disciplina,
vigilância e examinação; escola nova, em que de novo tinha-se apenas o nome, visto que na
essência sua prática não diferia muito do projeto pedagógico anterior. O que se destaca no
período é que pensadores começavam a ventilar outras perspectivas e possibilidades da educação
como um todo, conseqüência das transformações filosófico-sociais.
Se as teorias norteiam o fazer diário na educação, são as questões não respondidas no real
que promovem novas demandas. A verificação de que na prática a escola não conta de ir ao
45
encontro das necessidades de todos, deixando muitos fracassados à margem do processo
educativo, promove um novo pensar sobre a mesma e suas ações pedagógicas.
Esse novo pensar contempla a realidade de que nem todos têm acesso a uma educação de
qualidade, de que são sujeitos assujeitados de um sistema que não compreendem. Paralelamente,
um contingente fica à margem da escola. São os excluídos devido à sua condição social, étnica,
opção sexual, gênero e principalmente pelas limitações físicas, sensoriais ou mentais. Essa
constatação impôs uma nova visão dos fins e objetivos da escola, os quais tanto na legislação
quanto nas políticas educacionais, passam a ser anunciados numa perspectiva inclusiva,
contemplando a “todos”, como foi visto anteriormente. Embora essa idéia não seja nova, tornou-
se uma bandeira e slogam da modernidade.
2.2 - A Educação Especial
O novo conceito de educação inclusiva coloca também em xeque a visão de “Educação
Especial”. Quando abordamos o atendimento da educação especial convém procurar entender que
instituições são essas e qual é sua perspectiva de trabalho pedagógico, bem como a que tipo de
clientela são destinadas e qual a implicação na vida dos alunos da Educação Especial, comumente
em escolas mantidas pelas APAEs: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.
Skliar (1997), ao refletir sobre Educação Especial questiona em que sentido se justificou
uma forma especial de entender e produzir educação para determinados sujeitos. Se são especiais
no sentido de serem deficientes o que impõe restrição, limitação ou o termo se refere a forma
diferenciada, particular e metodológica de sua pedagogia, que difere da educação geral.
Mas o que mais me intriga é que: “finalmente tem se falado de especial como sinônimo de
educação menor, irrelevante e incompleta no duplo sentido possível, isto é, fazendo menção ao
caráter menor e especial, tanto no sujeito como das instituições” (SKLIAR, 1997, p. 9).
Isso nos faz pensar sobre o tipo de aposta pedagógica que se faz frente a estes sujeitos. O
que se espera como produto desse trabalho. Não se tornam as instituições depósitos de sujeitos
46
desqualificados a mercê da bondade paternalista e beneficência de almas pedagógicas caridosas?
Guardados, cuidados como bibelôs em seus devidos lugares. Escondidos para não chocar a
sensibilidade alheia ante sua aparência.
Depósito no sentido que o esforço pedagógico muitas vezes é ainda, a busca da cura da
deficiência ou a redução de suas conseqüências sociais, ocupando a maior parte de seus
espaços/tempos educativos em atividades curativas: fisioterapia, terapia ocupacional,
atendimento psicológico. O que resta aos alunos que não alcançam esta cura senão a permanência
nesse modelo educativo?
Se a escola especial parte do pressuposto de que os sujeitos estão
naturalmente limitados, toda a orientação educativa está obrigada a orientar-
se em direção a essa idéia, e os resultados, finalmente, concordam com essa
percepção (SKLIAR, 1997, p. 12).
Minhas interrogações encontram eco quando Skliar (1997) pergunta por que determinados
sujeitos como os surdos, cegos, deficientes mentais são tidos como especiais e outros grupos não
foram enquadrados na classificação?
Se o critério para a singularização desses sujeitos é a separação pela sua deficiência, então
não estamos falando de educação nessas instituições, mas de intervenção terapêutica, o que
caracteriza o modelo médico, clínico. Seria a instituição uma escola ou um hospital?
Quando Skliar propõe que a Educação Especial deva ser colocada no debate geral da
educação não está querendo sugerir a idéia de integração com a escola comum, mas colocando a
idéia do debate institucional específico, no qual se discuta seus fazeres pedagógicos. Sua proposta
de inclusão está profundamente norteada pelo respeito ao ser humano e às suas potencialidades,
como fica demonstrado na perspectiva que coloca o direito à educação das crianças especiais:
Estou afirmando que este direito deve ser analisado, avaliado e planificado
conjuntamente a partir do conceito de uma educação plena, significativa,
justa, participativa; sem restrições impostas pela beneficência e a caridade;
sem a obsessão curativa da medicina; evitando toda a generalização que
pretenda discutir a educação a partir das míticas crianças normais
(SKLIAR,1997, p. 14).
47
Aliado a essa maneira de propor a discussão a respeito do direito inerente a todo o ser
humano à educação, Skliar, com intuito de problematizar as condições de possiblidade da
inclusão assim se pronuncia:
Incluir a educação das crianças especiais dentro da discussão educativa global
não significa, então, incluí-las fisicamente nas escolas comuns, mas
hierarquizar os objetivos filosóficos, ideológicos e pedagógicos da Educação
Especial (1997, p. 15).
Penso que essa afirmação, apesar de sua profundidade, corre alguns riscos quanto a sua
interpretação, assim como a Declaração de Salamanca e as leis que normatizam a educação como
um todo. Pode ser interpretada como um retrocesso ao defender o atendimento em espaços
separados ou para acomodação no velho modo de proceder da Educação Especial e nos
resquícios de suas mazelas. Mas sua proposição é clara: “hierarquizar, estabelecer luz nos seus
objetivos ideológicos, filosóficos e pedagógicos”. Em síntese: ter claro que homem pretende
formar e o que é essencial para que o sujeito tenha autonomia e possa interagir com seus
semelhantes, sem que sejam qualificados como necessitados de assistencialismo simplesmente.
Pode parecer que não haja necessidade da abordagem da Educação Especial dessa forma.
Mas, como poderemos perceber na análise de discurso de um acadêmico que teve sua trajetória
de vida escolar construída nessas vivências, poderemos compreender o porquê de sua docilidade,
de aceitar que outras pessoas decidam por ele, mesmo que essa decisão não ao encontro de
suas expectativas, tornando-o de expectador a espectador.
Somos expectadores a medida que temos um referencial de representações a respeito de
alguma coisa, temos sonhos e idéias pré-concebidas que nos movem em alguma direção. Nos
tornamos espectadores no momento em que deixamos de ser autores de nossas escolhas por
diferentes motivos e situações, passando a assistir a realidade sem que consigamos interferir nela.
48
2.3 – Inclusão/Exclusão – a natureza do conflito
Onde reside o problema da inclusão educacional? Problema que envia constantemente
sucessivas recidivas
8
, capazes de constituírem-se em metástases
9
aquilo que deveria ser
metamorfoses
10
?
Entendo que o problema se situa na existência de um discurso idealizado a respeito da
educação, redentora, capaz de atender com sucesso todas as demandas sociais, capaz de ir ao
encontro das necessidades de todos os estudantes na construção de um ser humano ideal, de
acordo com os padrões de exigência da sociedade contemporânea. Esse discurso utópico
constituiu-se nos ideais de igualdade da modernidade cientificista. E também é fruto da
racionalidade científica, dessa mesma modernidade que propôs a eliminação de conflitos através
do conhecer o outro, de nomeá-lo, de quantificá-lo e de sujeitá-lo, o que remete a uma aparente
paz no paraíso educacional.
A existência do outro, diferente, híbrido, inominável, não quantificável, desconhecido em
sua essência é que desestabiliza, provoca o estranhamento e a necessidade de conhecê-lo, dissecá-
lo, para que possa ser enquadrado de alguma forma no contexto pronto, acabado. Esse
enquadramento tanto pode ser a possibilidade de inclusão como de exclusão. Não existe um
espaço alternativo para ele fora dessas fronteiras.
O que do outro provoca metástases ou metamorfoses? Penso que a observação realizada
de forma distanciada, o voltar o olhar sem que este seja de duas vias, sem que este me toque e me
convoque, resulta numa série de intermináveis metástases a respeito da inclusão educacional,
8
Recidiva: termo utilizado para caracterizar o reaparecimento daquilo que se supunha não existir mais, com
características iguais ou modificadas. Sinônimo de reincidente. Entendido na reflexão do texto como ações que
produzem o mesmo resultado obtido anteriormente e que não resultam na transformação-metamorfose tão
pretendida.
9
Metástase: termo utilizado na área da saúde, principalmente na oncologia, designando o aparecimento da doença já
diagnosticada em outros órgãos do organismo humano e que não haviam sido infectados inicialmente pela patologia.
10
Metamorfose: concebida como mudança profunda que possibilita ocorrer as transformações necessárias na
educação de modo geral e que propiciem que “todos” tenham acesso à escolaridade com qualidade; que desenvolva
suas potencialidades educativas independente da natureza de suas limitações e dificuldades.
49
evidenciadas e reforçadas por um travestismo discursivo
11
caracterizado por aquele que de novo
tem somente a roupagem. Nesse travestismo, adotamos uma linguagem um pouco diferente da
que usávamos anteriormente e que acaba se tornando incoerente se comparada com a prática que
se torna repetitiva. Com a intenção de nos transformarmos, bem como ao nosso fazer pedagógico,
acabamos produzindo metástases, porque esta nova “prática” não passa de um maquiar constante
das velhas práticas.
Penso que a metamorfose, sinônimo de transformação para melhor e que se constitui no
meu discurso idealizado, possa acontecer através do diálogo/interação/discussão entre o Outro e
Eu. Importante para que isso ocorra é a posição que assumo neste diálogo e a forma como
significo o que o Outro tem a dizer. significação se a premissa básica do diálogo é que ele
ocorra entre Sujeitos.
Ao pensarmos a respeito da inclusão educacional, o que nos vem a mente é: inclusão de
quem? Por que não estamos todos automaticamente incluídos que segundo a lei a educação é
um direito de todos e um dever do Estado?
A resposta que nos é dada é a de que somos diferentes e alguns são mais diferentes que os
outros. Realmente somos diferentes uns dos outros, diferimos na cor, no gênero, na situação
social, nas nossas experiências e visões do mundo, nos nossos credos religiosos e crenças
políticas. Sim, somos diferentes. Uma constatação universalista da situação. Mas não nos
satisfazemos com isso, passamos a fabricar o outro, aquele que nos coloca em atitude de
estranhamento:
Para existir a figura do estranho, precisamos antes nomeá-lo, colocá-lo
“junto” com aqueles que para determinados grupos e em tempos distintos, são
tidos como “normais”, “comuns”, “anormais”, “deficientes”... O estranho
toma sua forma quando não é possível enquadrá-lo em diagnósticos
conhecidos por especialistas. A sua existência perturba a ordem, pois o
sabemos o que fazer com aquele que não conhecemos. O colocar junto”
além de servir de estratégia de tornar o estranho um conhecido, também traz o
11
Travestismo discursivo: Termo utilizado nas produções discursivas de Skliar significando um esforço constante de
adequação do discurso conforme a época histórica, sem que a prática seja expressão desse discurso, muito menos de
mudança.
50
espaço, geralmente institucional, como limite entre a possibilidade do
(des)estranhamento e da normalidade (LOPES & FABRIS, 2007, p. 3)
.
A partir do momento em que o estranho tem acabada a sua fabricação, a nossa pergunta a
respeito de quem incluir tem uma resposta momentânea. Mas será que a inclusão de que tantos
autores falam e que virou modismo na atualidade diz respeito somente a essas pessoas? Afinal, de
quem é o problema da inclusão?
Muitos autores têm se manifestado a respeito da inclusão educacional de maneira bastante
diversa conforme a posição de sua perspectiva. Nesse sentido destaco a posição bastante
controvertida de Mantoan, que assim se expressa:
Não deixar ninguém no exterior do ensino regular, desde o começo da vida
escolar. As escolas inclusivas propõem um modo de organização do sistema
educacional que considera as necessidades de todos os alunos e é estruturado
em função dessas necessidades (MANTOAN, 2003, p. 24).
Esse posicionamento da autora é considerado controvertido se imaginarmos a escola
pública e a inexistência, em sua grande maioria, de condições de acesso (rampas, elevadores),
bem como de recursos materiais e humanos capacitados ao atendimento pedagógico de qualidade.
Mas é interessante sua abordagem no que segue:
A inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não atinge
apenas os alunos com deficiência e os que apresentam dificuldades de
aprender, mas todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente
educativa geral. Os alunos com deficiência constituem uma grande
preocupação para os educadores inclusivos. Todos sabemos, porém, que a
maioria dos que fracassam na escola são alunos que não vem do ensino
especial, mas que possivelmente acabaram nele! (MANTOAN, 2003, p. 24).
Considero interessante a perspectiva na medida em que a preocupação é voltada para
todos os alunos mesmo os que não apresentam momentaneamente nenhuma dificuldade em sua
vida acadêmica. Normalmente observa-se que na maioria dos discursos sobre a inclusão, esses
alunos são esquecidos. A própria autora reconhece que a sua proposta de inclusão é radical:
O radicalismo da inclusão vem do fato de exigir uma mudança de paradigma
educacional. Na perspectiva inclusiva, suprime-se a subdivisão dos sistemas
51
escolares em modalidades de ensino especial e regular. As escolas atendem as
diferenças sem discriminar, sem trabalhar à parte com alguns alunos, sem
estabelecer regras específicas para se planejar, para aprender, para avaliar
(currículos, atividades, avaliação da aprendizagem para alunos com
deficiência e com necessidades educacionais especiais (MANTOAN, 2003, p.
25).
Essa manifestação, radical segundo a própria autora provoca estremecimentos nas
estruturas da escola, em todos os seus âmbitos e níveis, surgindo contraposições preocupadas
com os rumos que esta irá tomar caso isso seja realidade.
Na base dessas argumentações destacam-se como explicitei a preocupação com os
excassos recursos da escola comum, mas principalmente com a falta de preparação do
profissional docente e o desconhecimento a respeito das necessidades pedagógicas da pessoas
com necessidades educacionais especiais. Esse desconhecimento deve-se ao fato de que as
pessoas com deficiências até então tiveram seu atendimento feito em espaços separados na escola
especial, assistidos por uma gama de profissionais técnicos (fisioterapeuta, psicólogo, assistente
social, pediatra, neurologista, terapeuta ocupacional, psicomotricista, etc) além do pedagógico.
Quando Mantoan (2003) refere-se a uma mudança de paradigma educacional quanto à
inclusão, refere-se à crença criada ao longo do tempo que a pessoa com deficiência necessita de
um atendimento composto por uma vasta multiplicidade de profissionais de suporte, além do
pedagogo com o conhecimento de várias técnicas.
Conforme Burigo, (2000):
Na história cultural construída, de uma educação especial que se desenvolveu
à parte do ensino regular, reforçou-se o mito de que os alunos com
“deficiência” aprendem de maneira tão diferente que requerem métodos de
ensino-aprendizagem distintos daqueles usados no ensino regular (p. 128).
Será que para todos os alunos, independente da natureza de suas diferenças/características,
freqüentar a escola regular comum é suficiente para que a inclusão aconteça? Até que ponto, indo
por esse viés do estar junto” acontece a inclusão? Não será uma redução simplista de uma
questão tão complexa?
52
A escola, como instituição obrigatória, é colocada no lugar de promotora de
condições de igualdade para todos. Uma igualdade que muitas vezes é lida
como sendo o outro da diferença. Nessa linha a diferença segue o rumo do
indesejado e, portanto, deve ser banida por constituir uma ameaça à inclusão.
A diferença vista de tal forma, precisa ser traduzida em diagnósticos e o
“estar junto” basta para que comparações aconteçam, delimitando uma
inclusão presa na materialidade física dos corpos. Perdemos a perspectiva dos
sujeitos para falar e tratar as possibilidades de diagnósticos montados cada
vez por um mero maior de especialistas, assim como perdemos a
perspectiva política e cultural da inclusão para pensá-la pelo viés simples do
“estar junto” (FABRIS & LOPES, 2007, p. 7).
O que se observa na prática é a inclusão centrada na figura do professor, como se ele
sozinho fosse capaz de incluir quando a escola como um todo não inclui. A ele cabe a
responsabilidade pelo sucesso ou fracasso. Devido a isso, poucos são os que promovem práticas
inclusivas, desafiando seus alunos a contribuírem de forma compatível com suas condições e
possibilidades.
Outros professores principalmente no Ensino Superior que até pouco tempo era
entendido como local da produção do conhecimento dos ditos “normais” vivenciam resistência a
este movimento. Demonstrando medo do desconhecido, argumentam que há lacunas na sua
formação quanto ao atendimento de pessoas com necessidades especiais, por entenderem que a
tarefa cabe a educadores e escolas especiais.
Quanto aos alunos inseridos, “estão juntos” nesse espaço e tempo educativo, mas o
resultado da interação no contexto é uma incógnita que pode ser decifrada fazendo a escuta
dos sujeitos. Creio que o Ensino Superior deve ser por excelência o espaço/tempo dessas
reflexões.
2.4 - A Inclusão e o Ensino Superior
A história de exclusão que sofreram as pessoas com necessidades educativas especiais e
as recentes políticas de inclusão são responsáveis pela pequena parcela de acadêmicos com
necessidades educacionais especiais freqüentando Instituições de Ensino Superior. Esta parcela
53
acadêmica é composta por deficientes físicos, surdos, paralisado cerebral (PC), cego e pessoas
com altas habilidades.
Como conquistas recentes surgem leis destinadas a garantir o acesso desses acadêmicos
no Ensino Superior. O Ministério de Educação e Cultura assim se manifesta no Programa Incluir-
igualdade de oportunidade e direito à universidade:
Acessibilidade na Educação Superior, iniciativa da Secretaria de Educação
Especial e da Secretaria de Educação Superior, tem como objetivos:
promover ações para que garantam o acesso pleno de pessoas com deficiência
às Instituições Federais de Educação Superior; apoiar propostas
desenvolvidas nas IFES para superar situações de discriminação contra os
estudantes com deficiência; fomentar a criação e/ou consolidação de núcleos
de acessibilidade nas instituições federais de ensino superior; implementar a
política de inclusão das pessoas com deficiência na educação superior; e
promover a eliminação de barreiras atitudinais, pedagógicas, arquitetônicas e
de comunicações (MEC, edital 3/2007 – Programa Incluir).
Legalmente, as instituições de Ensino Superior do país precisam dar condições especiais
em seus vestibulares, além de um tempo maior para a prova, aos vestibulandos com deficiência.
Os candidatos que precisam de condições especiais devem avisar as pessoas encarregadas
da organização da prova com antecedência para que possam ser preparados os exames e os locais
da prova. Quando necessário, as provas devem ser impressas em braile ou em letras ampliadas,
para o caso de pessoas com deficiência visual.
Para os surdos, os vestibulares têm de colocar à disposição intérpretes de língua de sinais
para, caso o candidato tenha alguma dúvida, poder perguntar. Já para os que têm problemas
motores, os locais de aplicação devem ser adaptados arquitetonicamente, com rampas, elevadores
e banheiros adequados.
Durante a graduação, as faculdades também têm de cumprir alguns requisitos
relacionados ao tema para terem autorização do MEC. Enquanto para a inclusão dos surdos na
universidade são necessários intérpretes nas aulas, para os deficientes visuais no mínimo uma
sala de apoio equipada de máquina de datilografia em braile ou computador com impressora em
54
braile. No caso dos deficientes físicos é necessário permitir que eles consigam chegar até a sala
de aula, aos laboratórios, bibliotecas e outros espaços importantes.
Também o espaço intelectual precisa estar preparado para o atendimento com qualidade
desses acadêmicos para dar condições de sua permanência. Esta preparação inclui uma rigorosa
revisão do currículo para que ao encontro das necessidades dos acadêmicos, a
preparação/qualificação dos profissionais da educação que irão atendê-los na Língua de Sinais e
escrita em braile, assim como, acervo bibliográfico para dar suporte nas eventuais dificuldades
docentes e de enriquecimento do saber discente.
Trabalhar de modo a prever situações e se preparar para elas faz parte das atribuições das
universidades, que desempenham um importante papel no contexto. Formar profissionais
preparados para a prática docente consciente da diversidade humana é condição essencial.
Mesmo assim, ainda são poucas as instituições de ensino que se adaptam às exigências dos
acadêmicos com necessidades educacionais especiais.
As dificuldades de se adequarem às leis não devem ser creditadas à falta de interesses das
instituições de ensino superior, mas à falta de recursos humanos qualificados, à falta de uma
política de destinação de recursos. Recursos que possibilitem a adequação arquitetônica, a
aquisição de recursos metodológicos auxiliares e, principalmente, as dificuldades impostas pelo
novo e inesperado que a relação produz.
55
3. INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR: METAMORFOSE OU METÁSTASE?
Me faço e me refaço a cada instante;
Eu que sou fragmento, sou delírio, sou promessa.
Sou sonho no amanhecer.
No pôr-de-sol sou recomeço.
(Moacir Juliani, 2008)
Este capítulo traz à reflexão a realidade da inclusão em duas instituições de Ensino
Superior da Região Noroeste do Rio Grande do Sul. A reflexão pretende enlaçar a história de
vida dos acadêmicos com necessidades especiais, coletadas através da escuta de suas narrativas
com a intencionalidade pedagógica da inclusão expressa na proposta das instituições. Essa trama
de histórias, tecida com os fios da minha experiência e do referencial teórico dos autores
consultados que se constituirão em informações que estabelecerão luz para o entendimento das
práticas de inclusão como metamorfose, que transformam os excluídos em cidadãos, ou em
metástases que trazem de volta as marcas que os fazem “especiais”.
Dessa forma, neste capítulo serão dadas vozes aos sujeitos da pesquisa, as quais são
impregnadas de conhecimentos, discernimentos e tantas outras características que somente esses
sujeitos possuem.
56
3.1 - O Núcleo de Inclusão da Universidade
A história da inclusão educacional no Ensino Superior da Universidade pesquisada passa
a ser uma realidade concreta no ano de 2003 com o ingresso de 04 acadêmicos surdos dos quais
03 passaram a cursar Administração e 01 o curso de Filosofia.
O ingresso foi através de vestibular no qual prestaram prova escrita e a Universidade
pesquisada já estava preparada para avaliar seus desempenhos. Esta preparação teve início no ano
anterior quando um grupo de professores da instituição procurou criar condições para receber
esses novos acadêmicos.
Foi realizado um curso de 60 horas em Língua Brasileira de Sinais, freqüentado por
professores e funcionários da instituição (nem todos), para propiciar a interação destes no meio
acadêmico e oportunizar as aprendizagens iniciais.
A universidade através de seu corpo docente estreitou as relações com a Escola Especial
para Surdos mantida pela APADA
12
, instituição de origem desses acadêmicos, oportunizando que
os mesmos viessem conhecer a universidade e interagir com os profissionais mesmo antes de
prestar vestibular.
A correção da prova escrita teve o cuidado de tomar ciência do modo próprio do surdo de
efetuar a sua produção escrita. Além disso, preocupou-se em efetuar o processo seletivo para
contratação de um funcionário que realizasse o trabalho de interpretação nas aulas. Também foi
acordado com os professores que, a cada 15 dias seria realizado encontro de estudos e de
planejamentos da ação pedagógica, conscientes que a inclusão exige a capacidade de ressignificar
os modos de conduzir o processo ensino-aprendizagem focando para o que no seu modo de ver é
central na convivência humana – a possibilidade de todos aprenderem.
No vestibular de verão de 2003/2004 ingressaram 05 acadêmicos no curso de Pedagogia e
01 no de Educação Física sendo que este último, posteriormente, pediu transferência para o curso
12
APADA – Associação de Pais e Amigos do Deficiente Auditivo.
57
de Administração, totalizando 10 alunos nos cursos de Administração, Pedagogia e Sistemas de
Informação e filosofia.
A realidade motivou a contratação de mais uma funcionária com domínio de LIBRAS e
qualificação em Pedagogia com a finalidade de auxiliar os acadêmicos nas disciplinas que se
tornaram específicas de cada curso.
Com a finalidade de vivenciar e proporcionar à comunidade acadêmica um conhecimento
da realidade da inclusão na instituição realizaram-se com freqüência encontros com professores e
funcionários para enfatizar a inclusão e seu contexto.
A ênfase dos encontros foi a constatação de que, para esse trabalho alcançar seus
objetivos de proporcionar a inclusão, de fato, houvesse a comunicação entre professores,
funcionários e alunos. A premissa básica da comunicação é o conhecimento da Língua Brasileira
de Sinais o que foi feito através de cursos com instrutora credenciada à FENEIS (Federação
Nacional de Educação e Integração dos Surdos) para embasamento nesse sentido.
O projeto inicial de inclusão da instituição foi ampliado com o desenvolvimento do
Projeto de Inclusão Digital aberto à comunidade surda da região, que engajou trinta participantes,
dos quais cinco eram analfabetos, necessitando atenção especial dos professores e trabalho
individualizado.
No início do ano de 2005 os profissionais docentes da instituição tomam ciência, através
de correspondência elucidativa, a respeito das atribuições dos profissionais de apoio e do trabalho
desenvolvido pelo Programa de Inclusão Educativa da Instituição
13
direcionada a auxiliar os
acadêmicos surdos e cegos.
.
13
Programa de Inclusão Educativa desenvolvido pelo Núcleo de Inclusão da Universidade.
58
Foram repassadas também as informações cnicas pertinentes ao trabalho, como a
utilização da luz, de vídeos com legendas e o uso do retro-projetor. Salientou-se também, a
maneira mais produtiva de realizar a interpretação nas aulas, além da interpretação da língua
portuguesa escrita nos momentos das provas.
Igualmente foram pormenorizadas informações importantes no trabalho pedagógico de
estudantes com limitação visual e cegos, bem como as tecnologias que os acadêmicos utilizam
em aula. Justifica-se a atenção pela presença de acadêmicos com limitação, no caso a visual que
utiliza o Sistema de Escrita e Leitura Braile e de sua monitora que a instituição contratou com a
função de leitora e de transcrição para a tinta (do braile para o português).
Em dezembro de 2005 foi construído de forma conjunta com os acadêmicos surdos, cegos
e funcionárias do Programa de Inclusão Educativa da UNIJUÍ Campus Santa Rosa, a Proposta
de Educação Inclusiva no Ensino Superior. São elencados na proposta os acadêmicos surdos e
questões como a identidade surda; a língua de sinais e o surdo na universidade.
A partir dessa realidade, 02 desses acadêmicos surdos da Universidade juntamente com
01 acadêmico da IES (Faculdade pesquisada) são os sujeitos da pesquisa que nos trazem agora
suas contribuições.
3.2 - Os Sujeitos da pesquisa
3.2.1 - Acadêmico 1- (CI) Quem é você?
Quem é você?
Que me intriga, me assusta, distancia e aproxima?
Que me desperta medo, repulsa e me atrai?
Que em meio a tantos outros, hipnotiza meu olhar;
Me angustia, me faz tremer as pernas e a voz então!
Que planeta habitou?
Que histórias viveu?
Teve amores? Teve dores?
59
Pôr-de-sol? Amanhecer?
Quem é você?
Será um eu em outra face?
Ou a face do outro em mim?
Porque me obceca, me alucina?
Me causa desgosto e me fascina?
Mas, afinal de contas:
Quem é você?
(Moacir Juliani - junho/2007)
C. I. 31 anos, universitário, semestre do curso de pedagogia. Hipótese diagnóstico:
Lesão Cerebral ocasionada por Paralisia Cerebral por falta de oxigenação.
Em sua auto-definição: vitorioso, uma pessoa pacífica, de muita paz, que corre atrás de
seus sonhos, lutador. Que acredita ser possível realizar aquilo que sonha.”
14
(C.I. 31 anos).
Nasceu no ano de 1975. Quando tinha um ano e 3 meses teve febre alta e convulsão. A partir do
fato não falava mais e nem caminhava.
Freqüentou a Escola de Educação Especial a partir dos sete anos, na qual recebeu
atendimento clínico e pedagógico. Foi nessa época que começou a falar novamente com o
trabalho de fonoaudiologia. Com o trabalho de fisioterapia reiniciou a andar. Também foi
alfabetizado nessa época. Em outro turno recebia atendimento pedagógico em classe especial em
escola pública estadual.
Foi dessa forma, durante todo o ensino fundamental, marcado por algumas repetências.
Relata que sempre realizava as avaliações da aprendizagem da mesma forma que os outros
alunos. “Os professores sabiam das minhas dificuldades e me auxiliavam”. Quanto aos
colegas: “Alguns colegas me judiavam, me remedavam. Eu sentia raiva, porque ninguém
gosta de ser judiado” (C.I. 31 anos).
14
Todas as falas dos acadêmicos entrevistados foram colocadas na íntegra, da forma como eles se expressaram para
facilitar o entendimento do teor de cada informação, mesmo que com isso hajam repetições de termos e vocábulos.
60
Ele não considera que tivesse dificuldades maiores que os outros alunos. Procurava ler
sempre mais e estudar bastante. Percebia que os outros colegas também tinham dificuldades.
Quando estava concluindo o ensino fundamental foi inserido no mercado de trabalho
através de parceria da Escola de Educação Especial e a Cooperativa
15
de seu município, passando
a exercer um turno de oito horas de trabalho diário no supermercado, onde repõe mercadorias nas
prateleiras e no turno da noite cursava o Ensino Médio.
A colocação no mercado de trabalho foi um fato marcante em sua vida:
Esse trabalho mudou minha vida, meu sonho, meu futuro, porque jamais pensei numa
empresa como esta. Jamais pensei que tinha capacidade para trabalhar nesta empresa, talvez
numa prefeitura, loja de roupa ou fábrica de móveis. Imaginava que cada ano eu trabalharia
em um outro setor do supermercado, que cada ano seria um serviço diferente. Trabalho a sete
anos no mesmo setor. ( C.I. 31 anos)
Gosto de trabalhar no supermercado. Acho engraçado quando tenho um dia de folga.
No outro dia meus colegas dizem que fiz falta no trabalho. Que sentiram falta do meu
cumprimento, do meu bom-dia no início da manhã, porque não são todas as pessoas que
cumprimentam as outras. Que meu bom-dia transmite alegria pra gente. (C.I. 31 anos)
Quando perguntado sobre o que faz no seu tempo livre, finais de semana: “Quando estou
em casa ajudo em todos os serviços domésticos, lavo roupa, limpo a casa. Nos finais de semana
eu caminho, faço física, jogo bola com meus irmãos quando eles vêm passear, ou com meu
vizinho. Moro sozinho com minha mãe” (C. I. 31 anos).
Os cinco irmãos mais velhos estão casados e encaminhados. O irmão que trabalha na
Brigada Militar é o que se relaciona com mais freqüencia com ele. Vai à igreja no final de
semana, faz leituras.
A respeito de suas lembranças de sua trajetória educacional antes de concluir o ensino
médio:
15
Cooperativa Agropecuária Alto Uruguai Ltda - Cotrimaio, com sede no município de Três de Maio – RS.
61
Antes de concluir o ensino médio, ficava imaginando fazer uma faculdade porque acho
importante estudar para aprender mais e melhorar no meu trabalho. Quando terminei o
ensino médio, fui com a ajuda de um professor conhecido fazer a inscrição no vestibular. Fui
escondido de meus familiares que me haviam desencorajado a fazer vestibular com a
afirmação de que eu não conseguiria passar no vestibular. Fiz o vestibular e se não passaria,
faria novamente tantas vezes quanto fosse preciso para ser aprovado. Quando fiz a inscrição
ninguém percebeu que eu tinha dificuldade porque esse professor fez a inscrição para
mim.(C.I. 31 anos).
O curso escolhido foi Sistema de Informações. A prova foi realizada da mesma forma que
os demais candidatos. Devido a sua dificuldade motora quanto à motricidade fina, sua letra é de
difícil compreensão. Neste sentido conforme C. I. a coordenação do vestibular teve dificuldade
de proceder a leitura de sua redação. Mesmo assim conseguiu sua aprovação ante a incredulidade
e alegria de seus familiares.
Após a aprovação do acadêmico no vestibular para o curso de Sistema de Informações, a
coordenação do curso e a chefia de recursos humanos da empresa em que ele trabalha reuniram-
se e discutiram a respeito do aproveitamento do acadêmico no curso, devido ao grau de
dificuldades e exigências do referido curso. “Me disseram que eu teria muitas dificuldades, por
causa da minha fala, da minha letra, que o curso é muito difícil e que seria mais fácil pra mim
se eu fizesse o curso de pedagogia” (C.I. 31 anos).
Decidiram que para o acadêmico seria mais fácil e proveitoso se cursasse o curso de
Pedagogia. Após conversa com o acadêmico, esse passa para o curso de Pedagogia.
Na faculdade encontrou motivação dos professores e colegas. Considera ótimo o
relacionamento com todas as pessoas. “Lá ninguém é mais do que o outro. somos todos
iguais. Todos os meus professores disseram que se eu sentisse alguma dificuldade deveria
pedir ajuda que eles estão prontos a me ajudar. Consigo acompanhar o ritmo da aula e
entendo o que eles estão falando.” (C.I. 31 anos).
A respeito da metodologia das aulas no curso de pedagogia: “Eu gosto de todo o tipo de
aula, expositiva, vídeos, slides. Mas a aula que eu mais gosto é quando tem trabalho em grupo,
62
porque se um não sabe o outro sabe e ajuda a gente a ir pra frente. Porque fazer trabalho
sozinho você não tem muitas idéias quando fazemos trabalho em grupo, surgem muitas
idéias”. (C.I. 31 anos) Na realização de trabalhos em grupo ajuda a pesquisar, escrever e
apresentar.
C. I. tem dificuldade na linguagem expressiva oral, mesmo com todos os exercícios
fonoaudiológicos realizados. Nesse sentido relata que os professores o entendem quando fala
devagar e com calma.
Para o futuro, C. I. pretende prestar concurso público do magistério estadual para
funcionário de escola, na qual devido a sua formação poderá desempenhar serviço burocrático em
secretaria de escola. “Trabalhar em escola não seria o meu sonho. O meu sonho é trabalhar
num banco, ser bancário. Eu ainda vou fazer uma faculdade de sistema de informações e
também pretendo fazer faculdade de direito. Não penso em parar de estudar”. (C.I, 31 anos)
Considera que o curso de pedagogia lhe ajudou a crescer profissionalmente,
principalmente no relacionamento com as pessoas do seu trabalho, colegas, chefia e clientes.
Além de continuar estudando, no futuro, ele sonha com um país com menos violência e
criminalidade. Sonha em casar e ter um carro mesmo que seja usado. No momento está sem
namorada, mas acredita encontrar a pessoa certa.
Tem noção de que tem dificuldades, principalmente de linguagem. “Tenho uma falha.
Me incomoda um pouco, me deixa um pouco nervoso. Mas as outras pessoas também têm
dificuldades, porque ninguém é perfeito”. (C.I, 31 anos)
Quando pensa a respeito de trabalhar em escola como professor assim ele coloca: “As
vezes me imagino dando aula, sei que é difícil, mas não impossível. A grande dificuldade é a
minha fala”. (C.I, 31 anos)
63
Na faculdade, quando teve mais dificuldades, realizou trabalho separado com atendimento
individual na sala da coordenação pedagógica, em que suas dúvidas foram aos poucos sendo
resolvidas.
C. I. participa de todas as programações da faculdade onde estuda. É conhecido por todos
os colegas e setores da instituição. As pessoas o admiram pela postura correta como pessoa e o
grande ser humano que é: respeitoso, amável, gentil, incapaz de magoar alguém. No seu trabalho
também não é de outra forma, os colegas, a chefia e a clientela externam constantemente elogios
pelo seu esforço, pela forma carinhosa com que trata as pessoas e pelo humor diário que contagia
a todos.
Quando abordado sobre os termos excepcionalidade e deficiência o entrevistado diz:
Não me considero nem uma coisa, nem outra. Concordo que tenho dificuldades na fala, mas
posso me deslocar, trabalhar, estudar e fazer o que tenho vontade. Para mim deficientes são
as pessoas com limitação física como os cadeirantes e excepcionais, são as pessoas que
dependem de outras em todas as atividades (C.I, 31 anos).
Das disciplinas que freqüentou, reprovou somente em uma. Recebeu a proposta da
coordenação do curso de realizá-la novamente nos sábados à tarde para terminar o curso junto
com sua turma. Também foi proporcionado para que o acadêmico tivesse curso de computação, o
que o ajudou nas pesquisas e realizações dos seus trabalhos escritos. Demonstra grande felicidade
com o fato de estar no ensino superior. “Nunca imaginei que eu realmente pudesse ir tão
longe” (C.I).
3.2.2- Acadêmica 2 - (KK) Teu Olhar
Teu Olhar
Teu olhar me inquieta.
Tento te olhar e sou olhado.
Tento te decifrar, mas é você quem me decifra;
Teu olhar me desnuda
Percebe coisas em mim que nem eu havia percebido.
64
E tuas mãos?
Tuas mãos são dádivas
Misteriosamente eloqüentes.
Tuas mãos me dizem coisas;
E tantas outras que não entendo.
Expõe mistérios;
e principalmente que me tornam pequeno.
Incompleto, em puro devaneio.
Minhas mãos tão vazias
frente às tuas que dizem tanto.
Teu olhar e tuas mãos.
Quanta riqueza de detalhes,
De particularidades,
Singularidades,
Generosidade.
Que estranho!
Eu, que acreditava no poder de minhas falas
e da minha argumentação,
me torno calado, embasbacado;
pasmadamente mudo.
Disseste tanto;
Mostraste um mundo em detalhes,
Uma vida inteira.
Um universo inteiro descoberto
Na perspectiva de tuas mãos e de teu olhar.
(Moacir Juliani - junho/2007).
Universitária, 24 anos, surda a quem vou me referir como KK no decorrer da dissertação.
Filha única, com surdez congênita ocasionada por um surto de rubéola que teve no município
quando sua mãe estava no primeiro trimestre da gravidez. Define-se como uma pessoa simples,
65
querida. “Uma pessoa com vida normal igual outra pessoa ouvinte, sou feliz, sou feliz por ser
surda também” (K.K, 24 anos).
Considera importante fazer faculdade para aprender mais e no futuro ter uma profissão,
pois tem capacidade para interagir na sociedade. Faz o curso de sistema de informações porque,
segundo ela a informática é utilizada em todos os trabalhos dentro das empresas. Concebe que
pode direcionar seus projetos no sentido de facilitar a vida e o trabalho para a pessoa surda.
Seu primeiro contato com a escola foi aos 3 anos na Escola da APAE (Associação de Pais
e Amigos dos Excepcionais mantenedora da Escola de Educação Especial Helen Keller de Três
de Maio RS), pois não havia outra escola que atendesse as pessoas surdas. Esse direcionamento
foi dado pelo médico que fazia seu acompanhamento. O trabalho era realizado de forma lúdica,
teve contato com as primeiras letras e em torno dos 7 anos passou a freqüentar escola própria
para surdos, da Rede Concórdia
16
.
Percebia que as pessoas fora da escola a olhavam de forma diferente, algumas
discriminavam, outras tinham interesse em ajudar, ou não tinham conhecimentos a respeito do
assunto e o preconceito era decorrente dessa falta de conhecimentos. Hoje, com as lutas na
sociedade as pessoas da comunidade estão vendo que os surdos têm potencial igual às outras
pessoas.
Utilizava os sinais para se comunicar com seus amigos de infância, com os quais brincava
normalmente. Na escola a comunicação utilizada era a língua de sinais, LIBRAS
17
.
Após o término do ensino médio fez vestibular em 2006 na Unilasalle em Canoas - RS e
na Universidade campo desta pesquisa, tendo sido aprovada em ambos. Em Canoas fez vestibular
para Ciência da Computação e em Santa Rosa, Sistemas de Informação. Nos dois casos, no
momento do vestibular teve a presença de intérprete para a interpretação da prova escrita.
16
Rede de Escolas Privadas do Estado do Rio Grande do sul que oferecem Ensino Especial para as pessoas surdas.
17
Língua Brasileira de Sinais.
66
Freqüentou dois semestres na Universidade pesquisada e pediu transferência para outra
faculdade mais próxima de casa e principalmente porque queria fazer mais que três disciplinas
por semestre, e na Universidade havia a dificuldade de intérprete, o que impedia que freqüentasse
mais de 3 disciplinas, nas quais, a universidade proporcionava que todas as pessoas surdas
assistissem as mesmas disciplinas, sendo atendidas por um único intérprete.
Manifesta certo ressentimento nesse sentido, alegando que a universidade fazia grande
divulgação do trabalho de inclusão, mas que na realidade não acontecia como era divulgada,
sendo que os surdos eram obrigados por força das circunstâncias devido à falta de intérpretes, a
assistirem a essas disciplinas, somente no curso de administração e pedagogia e os surdos querem
outros cursos.
No curso superior, inicialmente relacionava-se com os intérpretes e os colegas surdos:
Os demais nos olhavam com certa curiosidade, admiração. Mais tarde passaram a manifestar
a curiosidade pra ver se estávamos lendo, se conseguíamos entender, se estávamos
aprendendo. A impressão que tive foi que os colegas ouvintes tinham certo medo de
relacionar-se com os surdos por não terem conhecimento. Depois passaram a ter mais
contato. Alguns até se interessaram em aprender a língua de sinais para haver uma
comunicação mais efetiva (K.K, 24 anos).
KK alega que em algumas disciplinas, quando o intérprete não tem o conhecimento
específico, fica mais difícil a compreensão do conteúdo, pois não existe um sinal próprio para
aquelas palavras desse conteúdo. Além desse conhecimento específico são necessários outros
fatores, condições para o professor, intérprete e colegas com a sensibilidade, a abertura, o
respeito, o afeto e a flexibilidade.
Se a acadêmica tivesse poder de decisão na universidade seu trabalho para a inclusão do
surdo seria no sentido de:
Propor campanhas de esclarecimento a respeito das pessoas com necessidades especiais como
o surdo, para a promoção de mais respeito, mais atenção para ajudar o surdo, menos
divulgação e mais trabalho prático, organização de propostas acadêmicas que vão ao
encontro dos interesses desses, melhorar a comunicação dentro da universidade, contratação
de mais intérpretes, oficinas sobre as deficiências e de como é o trabalho pedagógico com
essas pessoas, oferecer curso de intérprete de LIBRAS para professores e funcionários,
realizar trabalho de esclarecimento a respeito das pessoas com necessidades especiais no
67
início de cada semestre, a coordenação do curso assessorar-se de pessoa surda que manteria
um canal de comunicação permanente com colegas para sanar dificuldades, criar mais
espaços para que o surdo expresse suas idéias e aspirações enquanto acadêmico. (K.K, 24
anos).
A acadêmica percebe, que todo trabalho nesse sentido realizado com grupos menores e
em que haja maior proximidade física e menor formalidade surte efeito maior. Facilitar acesso a
bolsas de estudo e crédito para estudantes surdos também facilita o acesso e permanência dos
mesmos no ensino superior. Criação de espaços e tempos educativos nos quais o surdo possa
ensinar LIBRAS a seus colegas acadêmicos. Garantir que um percentual de vagas da faculdade
seja ocupado por pessoas com necessidades educativas especiais, pois o que se percebe é que
sobram vagas nos concursos para trabalho, por falta de pessoas capacitadas.
Quando a abordagem é a respeito da figura do professor na universidade assim ela se
manifestou: “Alguns professores aceitaram o trabalho com os surdos, estavam preocupados
procuravam ajudar, entender sua língua, procurar a solução para seus problemas e
dificuldades, outros não estavam nem aí, explicavam rápido, não se preocupavam com os
surdos” (K.K, 24 anos).
Considera que a Universidade tem méritos, por ser pioneira na região a aceitar surdos nos
seus bancos escolares e a se preocupar com o acesso e permanência dos mesmos, bem como com
o seu sucesso acadêmico, restringindo inicialmente aos acadêmicos surdos assistirem a
disciplinas específicas nas quais havia o profissional de intérprete atuando.
Por questões de proximidade geográfica, razões econômicas e de laços afetivos mudou-se
para o Curso de Sistemas de Informações da Faculdade que atualmente freqüenta, na cidade onde
reside com os pais. “Quando mudei para a faculdade, senti que é diferente da universidade. A
coordenação estava preocupada, pois era a primeira pessoa surda que a faculdade atendia
(K.K, 24 anos).
A tulo de experiência a acadêmica assistiu somente a uma disciplina na qual ficou
demonstrada sua capacidade de entendimento e sucesso acadêmico. Agora está fazendo mais
disciplinas e a faculdade manifestou interesse que mais pessoas surdas freqüentem seus cursos.
68
“Notei o grande interesse dos professores, sendo que um deles fez curso de LIBRAS, pesquisou
a respeito da docência para surdos para trabalhar da melhor maneira possível. Os demais
professores também manifestam interesse de aprender LIBRAS” (K.K, 24 anos).
Relaciona-se com todos os colegas e setores da faculdade havendo a comunicação através
de sinais e compreensão por todos.
Considera que tem algumas dificuldades porque algumas disciplinas têm maior
complexidade, bem como os professores têm ritmos e metodologias diferentes. “Sempre que
sente dificuldade quanto ao ritmo da aula, a intérprete alerta o professor que imediatamente
procura adequar de forma que seja satisfatório para todos os acadêmicos” (K.K, 24 anos).
Destaca como extremamente positivo o fato de que no início do curso na Faculdade
pesquisada teve que expor o seu projeto de pesquisa para o Trabalho de Conclusão de Curso , o
que oportunizou que expusesse suas idéias angariando o respeito dos colegas e professores, bem
como, as aulas práticas no laboratório de informática. (Informação que me foi passada por e-mail
posteriormente a entrevista).
Manifesta que está adorando o curso, gosta muito quando os trabalhos são virtuais.
Realiza trabalho em grupo, vai à casa de colegas para realizar trabalhos de pesquisa,
principalmente da colega que reside próxima à sua casa.
Além de cursar a faculdade, a acadêmica é docente na escola de surdos da Rede
Concórdia na cidade de Santa Rosa – RS onde leciona informática para os surdos e LIBRAS para
oitava série e ensino dio. Em casa é assídua ao computador e internet. muito. jornal,
conversa na sala de bate-papo com surdos e ouvintes de forma natural.
Relaciona-se com maior freqüência com pessoas surdas. Atualmente é presidente da
Associação dos Surdos da Região Noroeste. foi presidente do primeiro LÉO CLUBE dos
surdos que foi fundado em Santa Rosa-RS, ministrou cursos de LIBRAS, ajuda nos cultos
fazendo interpretações principalmente das canções.
69
Segundo ela não encontra dificuldade nenhuma no dia-a-dia. Viaja sozinha, faz compras,
é independente. Quando sente alguma dificuldade de comunicação faz-se entender através da
escrita. Quando percebe manifestação ou atitude que julga preconceituosa ela ignora, não
importância. Julga o preconceito como atitude de quem não tem conhecimento. Futuramente,
pretende mudar para Porto Alegre, morar sozinha, depois de terminar a faculdade.
Abordado novamente sobre a inclusão do surdo, a acadêmica assim se expressa:
É muito difícil dizer o que é certo ou errado, existe muita discussão em relação à educação e
à inclusão. Uns dizem que é bom, outros dizem que não. Esta é minha opinião: desde
pequeno até o ensino médio é melhor o surdo estar numa escola própria para surdos, depois
incluir em outra escola. Quando criança ele não consegue acompanhar junto com os outros.
Quando é uma escola própria para surdos, que ensina através da língua de sinais, ele tem
mais facilidade de aprender. O surdo ou qualquer outra pessoa com alguma deficiência é
igual na sociedade, na educação, na escola, o trabalho é diferente, a escola especial é
diferente. O surdo quando estuda fora de escola própria para surdo vai aos poucos perdendo
contato com os surdos, vai perdendo a forma de sinalizar. Se comunica com o ouvinte e não
tem uma perfeita identidade surda, quando está junto com os surdos sim, casos de amigos
estudam junto com ouvintes, mas têm amigos surdos com os quais se relacionam então não
perdem a identidade surda. (K.K, 24 anos).
Na escola própria para surdos, além da metodologia os estudantes recebem atendimento
do trabalho de profissionais como fonoaudióloga, psicóloga e assistente social. Além disso,
quando o aluno necessita ir a uma repartição pública, ou a um atendimento como médico, a
escola proporciona o acompanhamento de um professor que desempenha a função de intérprete.
Quando questionada se considera estar incluída no ensino superior a acadêmica manteve-
se em silêncio, após o qual manifestou-se:
Não tem uma faculdade própria para surdos, nos Estados Unidos tem, aqui no Brasil não
tem. Então eles têm que estar incluídos. Está melhorando. É uma experiência nova. Precisa
ter mais contato. Estamos cansados ver falar sobre educação, inclusão política, identidade,
mas na verdade o sentimento do surdo é próprio do surdo. Por isso é interessante escutar o
que o surdo tem a dizer, fazer pergunta, ouvir opinião deles. Estamos cansados, cansados,
porque falam, falam, falam, mas como imaginam diferente do que nós, a prática ocorre
diferente do que sonhamos e imaginamos. Utilizam metodologias diferentes e fazem de
acordo com a sua opinião, diferente da nossa. (K.K, 24 anos)
70
No Brasil acontece a inclusão, no Rio Grande do Sul, a FENEIS
18
não aceita esta forma de
inclusão. Está fazendo esforço pra continuar a educação do surdo como vem acontecendo em
escola própria para surdo. No Rio de Janeiro e São Paulo acontecem muitos problemas na
questão da metodologia e trabalho, por isso, a metodologia utilizada no Rio Grande do Sul
está servindo de modelo aos demais estados, devido ao seu estágio de desenvolvimento e o
trabalho realizado pela FENEIS. (K.K, 24 anos).
Quando o movimento da inclusão se tornou mais forte houve reação por parte de parcela
da população surda da sociedade, principalmente do Rio Grande do Sul. Para eles:
O ensino fundamental e ensino médio é melhor fazer em escola própria de surdos, que lhes
oferece uma base melhor. Pessoas surdas do Rio de Janeiro, Maceió, Recife, São Paulo,
Fortaleza vêm estudar aqui em Porto Alegre. Os outros estados estão vendo que o pólo é aqui
no Rio Grande do Sul. A grande briga é a dificuldade de intérpretes. Eles não têm intérpretes
(KK, 24 anos).
O município de Santa Rosa é considerado pólo. Esta posição também se explica pelo fato da
existência da escola própria para surdos da Rede Concórdia que há muitos anos vem
realizando seu trabalho. Mesmo nos finais de semana é para este município que as pessoas
surdas se dirigem para se encontrar com seus amigos e na Associação dos Surdos da Região
Noroeste. (KK, 24 anos)
Em outras cidades não têm associação e os surdos então se encontram em volta e em função
dela. Além das discussões na Associação o que os surdos mais gostam é bater papo, fazer
festa, jogar. Eles jogam no ginásio de esportes do Bairro Cruzeiro de Santa Rosa, através de
sua Associação
. (KK, 24 anos)
Alguns surdos que moram em municípios distantes têm dificuldades de virem para a escola,
mas através da Associação mantemos contato e eles vêm para estes encontros, onde mantém
um contato maior com os surdos e facilita a sua comunicação. Têm alguns que não estão
estudando, outros de mais idade que não vem para a escola, então nestes encontros eles se
relacionam com os outros surdos. (KK, 24 anos)
Alguns manifestam interesse em fazer faculdade. Deste ano nenhum deles quer fazer
faculdade. querem fazer curso técnico. Acredito que s perspectiva de um ensino superior
que contemple as necessidades das pessoas surdas também depende que estas continuem
estudando, ter um conhecimento mais profundo para ter um trabalho, uma profissão futura,
continuar organizados lutando por melhorias, não perder o contato com outras pessoas
surdas. (KK, 24 anos)
Quanto ao acesso aos cargos de emprego através de concurso público no qual existe um
percentual de vagas para pessoas com deficiências garantidas por lei quando se refere ao surdo
18
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos.
71
ela diz: “ele faz o concurso, mas tem muita dificuldade na questão do português,
principalmente na interpretação. Muito poucos são os que fazem o concurso e são aprovados
devido a esta questão” (K.K, 24 anos).
A interpretação das provas nos concursos é a nossa maior dificuldade. “Eu mesma fiz
vários concursos e sempre este é o maior problema. O intérprete que acompanha as provas faz
uma interpretação inicial e tira dúvidas se alguém tiver. Mas na hora da prova mesmo, ele não
pode interpretar a questão. A dificuldade são os vocabulários da língua portuguesa” (K.K, 24
anos).
Se as questões fossem interpretadas, com certeza os surdos teriam um índice de aprovação
maior. As provas escritas são em língua portuguesa igual para todos. Ainda não existem
prova escrita através de LIBRAS, principalmente as do vestibular (K.K, 24 anos).
Tenho informações de amigos surdos que fizeram na ULBRA prova do vestibular em sala
própria através da ngua de sinais. Claro que passou, porque fica fácil. Recentemente,
prestei concurso em Porto Alegre, o primeiro concurso de pró-libras, onde as perguntas
foram todas através de sinais em telão e as pessoas respondiam de forma escrita,
participaram professores ouvintes que fizeram o concurso para ser intérpretes e os surdos que
prestaram concursos para serem instrutores. A prova era igual para todos, que olhavam para
o telão onde a pergunta era sinalizada.
(K.K, 24 anos).
Sei que em Santa Maria, no curso de letras que é direcionado também para surdos também
utilizam esta metodologia, que também poderia ser usada na prova escrita para obtenção da
habilitação da carteira de motorista. (K.K, 24 anos).
Quanto ao uso da escrita em LIBRAS, KK assim se manifesta:
É uma experiência muito boa, vi na internet, a gente digita a mensagem normal em
português e um programa do computador faz a transcrição escrita em LIBRAS. É o projeto
de trabalho que iniciei com meus alunos pequenos na Escola Concórdia o qual darei
continuidade e aprofundamento. A primeira parte do projeto foi a importância da
comunicação. O conhecimento em LIBRAS. Esta primeira parte apresentei na banca do
Curso de Sistemas de Informações daFaculdade. (K.K, 24 anos).
Entendo que esta área pode ter um futuro de trabalho promissor. Considero que
viabilidade para prova de vestibular escrita através de libras para o surdo, nos moldes da
prova do pró-libras que fiz na UFRGS (K.K, 24 anos).
72
A fonte de informações que utilizo são as leituras. Tenho bastante informações da internet e
o contato com os surdos, principalmente de Porto Alegre, da Associação, quando o grupo vai
visitar outras associações (K.K, 24 anos).
KK esclarece informações sobre a Associação de Surdos, da qual é presidente: “A
associação de Surdos tem 5 anos de existência, 74 sócios de municípios da região, reúne-se
duas vezes por mês, organiza encontros com outras associações” (K.K, 24 anos).
Como presidente, cuido da organização da associação, entro em contato com associações de
outras cidades, elaboramos projetos para as prefeituras para a contratação de intérpretes nos
municípios e elaboramos e encaminhamos projeto para ter uma central de intérpretes na
prefeitura em Santa Rosa, porque atualmente o surdo necessita ficar pedindo auxílio neste
sentido aos professores da Escola Concórdia. Por exemplo: quando um surdo precisa ir num
médico ou num cartório, ele vai nesta central de intérprete e pede uma pessoa para
interpretar
(K.K, 24 anos).
A associação também realiza um trabalho no sentido de ir à busca de pessoa surda que não
está integrado, não tem escola e nunca foi numa associação, então vamos e o convidamos
para participar. Vemos que primeiro ele tem medo, mas na medida em que toma mais contato
o seu desenvolvimento vai melhorando. Porque tem muitos surdos ainda que ficam muito
fechados, ficam só em casa, não saem passear.
(K.K, 24 anos).
Então chamamo-los pra virem, entrar em contato, vir nas festas. Ele fica muito mais alegre,
feliz, começa a jogar, bater papo, ajuda a fazer coisas, a auto-estima dele também melhora.
Também explicamos para as famílias o que a associação faz e então as famílias deixam seu
familiar surdo participar, explica que a pessoa surda precisa participar, precisa de liberdade,
de ter o caminho dele, viver. (K.K, 24 anos).
A faculdade hoje representa oportunidade de acesso ao conhecimento. Também a
oportunidade de ser um modelo para os outros surdos para mostrar que todos são capazes,
porque os surdos têm muito disso de precisar um modelo porque às vezes se acomodam e não
querem estudar, quando vêem que um está conseguindo eles se motivam a fazer também.
(K.K, 24 anos).
3.2.3- Acadêmico 3 – (MF) Perseverança é meu nome
Perseverança é meu nome!
Para muitos, teimosia.
73
Para outros, rebeldia.
Mas sou perseverança, energia, esperança.
Como erva daninha, que viceja entre paralelepípedos,
Onde outros tantos pereceram.
Floresço na adversidade,
Eu que sou diversidade.
Vou tecendo a minha história.
Transpondo obstáculos,
Levantando a cada queda, sou sempre recomeço.
Teimosia? Rebeldia? Esperança?
Me chamo perseverança!
(Moacir Juliani - junho/2007)
M F. tem 25 anos, surdo, ao qual vou me referir nesse estudo como acadêmico 3. Trabalha
em supermercado. Sua função é conferencista. Confere as mercadorias que chegam à empresa.
Trabalha 7 anos e meio. Estava estudando ainda na Escola Concórdia quando abriu vaga para
um aluno surdo que tivesse interesse em trabalhar no Supermercado Nacional.
19
Em Porto
Alegre - RS no mercado Nacional havia uma pessoa surda trabalhando e o gerente estava
interessado em trabalhar com pessoa surda. Entraram em contato com a direção da Escola
procurando surdo que tivesse o perfil da empresa, ser dinâmico, trabalhar bem e ser
comunicativo. “Fui apresentado pelo gerente em todos os setores da empresa e inicialmente era
difícil conciliar trabalho e estudo” (M.F, 25 anos).
Inicialmente os colegas de trabalhos me faziam provocações através de gestos, risos irônicos.
Falavam bobagens, o que eu achei estranho. Percebi que meus colegas de trabalho achavam
que eu não entendia o que falavam e me provocavam e eu revidava provocando também.
Depois que me conheceram e em virtude de haver provocação da minha parte, chegaram a
um consenso e me pediram desculpas. Hoje sabem que o surdo não é bobo, que têm
capacidade, que sabe fazer as coisas. Todos me tratam muito bem. Os que ouviam e que
falavam bobagens foram flagrados pelo gerente que chamou atenção e um foi mandado
embora, despedido. A empresa acreditou no meu trabalho. Trabalhava no início em um turno
e estudava no outro (M.F, 25 anos).
19
Supermercado Nacional pertence a rede tradicional de Supermercados no Estado do Rio Grande do Sul.
74
Sabe que tem liderança de equipe e que no futuro quer ser chefe de um setor. Em
novembro passado participando de um programa de qualificação do Supermercado Nacional onde
trabalha, fez avaliação escrita sobre liderança em Ijuí - RS, entrevistas, exames psicológicos,
curso de liderança, motivação, como organizar o trabalho com empregados.
Estudou desde o começo de sua vida escolar na Escola da Rede Concórdia. Um ano
estudou no maternal de uma escola regular comum onde encontrou dificuldades. Na escola
própria para surdos não encontrou dificuldades porque a língua utilizada era a de sinais, entendia
bem, se fosse só com gesto ficaria difícil, a comunicação ficaria bloqueada.
Fez vestibular em julho de 2003 na Universidade e também uma IES da mesma cidade, no
mesmo mês que fez formatura de Ensino Médio. Em agosto começou o curso Superior na
Universidade.
Na Universidade ele se adaptou com o trabalho do professor. “O professor falou para os
outros a respeito da língua de sinais, mostrou que é importante a integração das pessoas.
Ensinou sinais que pudessem facilitar essa comunicação com sinais como oi, eu te amo” (M.F,
25 anos).
Não são todos que tem interesse em se comunicar com o surdo. O professor fala e o
intérprete explica e eles ficam prestando atenção no intérprete. Os professores perguntam:
porque não estão prestando atenção no professor? Eles dão risada. Porque estão prestando
atenção nos sinais do intérprete. A maioria dos colegas mantém o contato com os surdos
através da escrita. Outros colegas falam com o intérprete e este intermedia o diálogo (M.F, 25
anos).
Quando fez vestibular tinha intérprete. A prova escrita era igual e nas mesmas condições
dos ouvintes.
A maior dificuldade que encontra hoje no ensino superior é a de convencer o ouvinte de
que o surdo é capaz. “As pessoas olham e acham que o surdo não é capaz. Que entraram na
faculdade, mas que vão ter muita dificuldade. Alguns entendem, sabem, confiam, acreditam
neles. Eu percebo que alguns acham que os surdos não têm capacidade” (M.F, 25 anos).
75
Ele não fica triste quando percebe a forma como os outros o percebem. Ele sabe que tem
que lutar, pois a vida é dele.
Quando alguém fala que o surdo não tem capacidade eu revido, provoca escrevendo alguma
coisa em relação a isso, principalmente por e-mail e quando essa troca de e-mail eles
começam a entender que o surdo tem capacidade. Fora isso, na faculdade não nenhuma
outra barreira de atitude. A comunicação escritas ajuda a se comunicarem melhor e quando
há conhecimento de ambas as partes a língua de sinais é utilizada (M.F, 25 anos).
Com relação aos professores, ao ritmo da aula diz que:
Quando eles falam rápido o intérprete pede um tempo para poder interpretar e os professores
percebem que precisam mudar a metodologia, porque são acostumados com os ouvintes, mas
precisam entender que têm surdos na sala. Que precisam respeitar essa condição. Alguns são
perfeitos, explicam, usam metodologias para auxiliar os surdos. Outros são mais
acostumados com os ouvintes. Esquecem do intérprete, esquecem que têm surdos na sala de
aula. Usam a sua metodologia. Alguns mais velhos não estão acostumados à essa realidade
(M.F. , 25 anos).
O aluno surdo sente dificuldades quando os professores brincam na aula, falando piadas
ou bobagens. “Os surdos não sabem se é verdadeiro ou se é brincadeira. Se é de verdade, se
estão falando sério. Principalmente se a piada é colocada depois de uma explicação a respeito
de uma pergunta importante. Aí não sabem se é verdade, se estão falando sério ou se é
brincadeira” (M.F, 25 anos).
Os surdos sentem dificuldades devido a língua portuguesa, na construção frasal e no
sentido das palavras, fazendo com que o intérprete tenha que usar mais argumentos para que
consigam entender o significado de uma palavra. Dependendo do sentido da frase a tradução
acaba não combinando, não conseguem então entender bem. O intérprete interpreta e eles
precisam ler mais e mais até entender o sentido. estão tão acostumados que não sentem mais
dificuldades com o contato com o ouvinte.
Gosto do curso de administração porque se relaciona com o meu trabalho. Quando fiz o
vestibular estava em dúvida sobre optar por três cursos, direito, administração e informática.
Escolhi administração porque entendia que dentro do meu trabalho, teria mais respostas para
os problemas do dia-a-dia (M.F, 25 anos).
76
Está gostando de todas as disciplinas, entendendo o que ele pode utilizar mais tarde,
percebendo dentro dos recursos até a questão de relacionamento com os colegas de trabalho. Se
tiver algum problema ele vai saber como ajudar e mandar ou para melhorar o movimento dentro
da empresa, a atenção, os cuidados, como entender, administrar, como usar a comunicação
também, a visão, planejar e outras coisas que encontra no ambiente de trabalho. As estratégias
para longo prazo.
Se tivesse poder de decisão com relação à inclusão:
Realizaria mais palestras para mostrar e entender os surdos. Oitenta e nove por cento da
população ouvinte e 11%
20
da população são os que têm problemas de audição. Fazer
palestras explicando sobre cada deficiência, ter curso de Libras, mostrar que os surdos se
comunicam através dela, ter disciplinas com curso de língua de sinais, pois no futuro pode ter
mais acadêmicos surdos em todas as disciplinas (M.F, 25 anos).
As avaliações são feitas através de trabalhos da mesma forma para surdos e ouvintes.
“Primeiro a intérprete explica toda a prova e depois a gente faz sozinho. Se tiver alguma
palavra que não entendemos perguntamos ao professor o significado da palavra. Ele não vai
dar uma explicação profunda do assunto.” (M.F, 25 anos).
Falando a respeito da interação com os colegas no momento de trabalhar em grupo:
“Quando fazemos trabalho em grupo, primeiro fazíamos de surdos. Depois que discutimos
questões de relacionamento começamos a fazer grupos com ouvintes e intérpretes junto, para
podermos discutir” (M.F, 25 anos).
O meu maior desejo é de poder fazer uma pergunta direto ao professor e este me entender,
bem como a minha linguagem, como era acostumado a fazer na escola Concórdia, se o
professor sabe a língua de sinais fica muito mais fácil para explicar uma dúvida na aula, na
prova ou nos trabalhos (M.F, 25 anos).
Percebe que a faculdade mudou completamente a sua vida. Até no trabalho não se sentia
muito bem. Agora com a faculdade está tendo mais informações, conhecimentos e o seu
comportamento está evoluindo. Está mais seguro de si. Com isto está bem mais calmo. Antes ele
20
Esses dados percentuais foram referidos pelo acadêmico, tem como fonte de pesquisa as informações que lhe são
passadas através da Associação de Surdos da Região do Grande Santa Rosa – RS.
77
tinha um pouco de teimosia e está sabendo usar isso. “Na faculdade estão aprofundando os
diversos conhecimentos que tivemos de forma mais básica no ensino médio. Gosto da forma
como está estruturada a faculdade e não tiraria nada desta estrutura” (M.F, 25 anos).
Sobre a inclusão acredita que está acontecendo uma adaptação:
Vejo como normal. O contato com os surdos é mais rápido. É possibilitada porque foi
educado em escola de surdos que facilita este trabalho agora. Mesmo assim pela falta de
conhecimento dos demais da linguagem de sinais, acontece de não ser informado de coisas
que acontecem dentro da faculdade e que gostaria de estar informado. Os colegas não sabem
os sinais (M.F, 25 anos).
Defende que os surdos devem terminar o ensino médio em escola própria para surdos para
depois ingressarem em faculdade junto com ouvintes. “Surdos e ouvintes tem comportamentos
diferentes e isso nos deixa confusos, por isso até o ensino médio deve ser em escola própria
para surdos. Caso contrário é muito complicado. dificuldade de entendimento entre surdos
e ouvintes mesmo com intérpretes” (M.F, 25 anos).
Quando o professor usa a língua de sinais é mais rápido. É facilitada a aprendizagem. Sem
língua de sinais é bem mais difícil. Seria melhor se tivesse uma faculdade própria para
surdos, teria mais informações, com mais pessoas surdas discutindo, mas é nos Estados
Unidos que tem (M.F, 25 anos).
Entende que no futuro deve continuar estudando porque não tem uma etapa fim de tudo e
que no futuro irá definir esta questão, fazendo uma pós, um mestrado, um doutorado. Vai
continuar sempre estudando.
Com a faculdade, hoje, é uma pessoa mais tranqüila, mais calma, mais segura, menos
teimosa. “Antes não acreditava, não confiava quando falavam que precisava mudar algumas
atitudes. Hoje trabalho com mais segurança e preocupado com a segurança de meus colegas
no trabalho. Confio mais em mim e nos outros. Estou mais maduro, confiante” (M.F, 25 anos).
As histórias de vidas que nesse capítulo foram descritas serão tecidas com reflexões
teóricas no capítulo seguinte fazendo uma análise das condições destes acadêmicos no Ensino
Superior. Serão eles expectadores, no sentido de esperar uma verdadeira inclusão social e acesso
78
ao conhecimento acadêmico em igualdade de condições? Ou apenas espectadores que assistem ao
que se passa ao seu redor, sem participar como sujeitos/atores nesse processo?
79
4. ALUNOS “ESPECIAIS” NO ENSINO SUPERIOR - DE EXPECTADORES A
ESPECTADORES
Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.
(Metade - Oswaldo Montenegro)
Nesse quarto capítulo volto o olhar para as instituições de Ensino Superior freqüentadas
pelos sujeitos da pesquisa. A análise é tecida sobre as práticas pedagógicas que são realizadas nas
instituições sob o prisma dos acadêmicos entrevistados. Sob essa ótica, realizo considerações a
respeito das barreiras com as quais esses acadêmicos se deparam e abordo questões da
linguagem, identidade e alteridade.
As duas Instituições pesquisadas Universidade e Faculdade, campo empírico deste estudo,
não apresentam tradição de inclusão. A existência de acadêmicos vivenciando situações de
inclusão é uma realidade recente, levando-se em conta que essas instituições nasceram num
contexto histórico, em que a diversidade, aqui representada pelas pessoas com necessidades
educacionais especiais não eram contempladas com a possibilidade de participação efetiva no
social, muito menos concretizarem a terminalidade de sua escolaridade no ensino superior.
80
Inicialmente, a curiosidade me moveu no sentido de refletir sobre quais as expectativas
dos acadêmicos entrevistados a respeito do ensino superior; o que essa modalidade de ensino
representa para eles.
Constatei nas entrevistas que todos os acadêmicos tinham expectativas a respeito de sua
vida escolar no ensino superior. Para eles, este representava a oportunidade de evoluir
qualificando-se através da graduação, além de acessar conhecimentos que lhes possibilitasse
integrar o mercado de trabalho o que melhoraria sua qualidade de vida. Além disso, os
acadêmicos surdos sabiam que estariam sendo modelos para outros surdos que veriam neles
exemplos a serem seguidos.
A escolha do curso foi feita com base no conhecimento que os acadêmicos tinham a
respeito do mesmo, pois tinham uma idéia preconceituosa do ensino superior e do que representa
para suas vidas cursá-lo. Para eles, o ensino superior representa acesso à produção do
conhecimento, respostas para suas dúvidas e demandas do trabalho diário, bem como, melhoria
das condições de vida oportunizando acesso ao mercado de trabalho com qualificação
profissional.
Na análise dos dados construídos na pesquisa creio ser de fundamental importância
categorizar as barreiras que acabam transformando os acadêmicos entrevistados de expectadores
(aqueles que têm expectativas) em espectadores (aqueles que assistem) situações que não
conseguem compreender nem significar.
4.1- Barreiras atitudinais
As barreiras no meu entender são obstáculos que encontramos na nossa caminhada da
escolarização e que dificultam o acesso ao que pretendemos. Essas barreiras são expressas na
atitude das pessoas que integram a sociedade e em conseqüência no contexto do Ensino Superior.
Relataram que durante sua trajetória escolar foram vítimas em alguma ocasião de situações
constrangedoras em virtude das atitudes das pessoas ao seu redor. Olhares de curiosidade e
descrença frente ao seu potencial foi o que mais os marcou. Olhares de medo e de preconceito
81
também foram percebidos no ambiente do ensino superior e que mais tarde passaram a ser
substituídos pelo de respeito e de valorização. Mas o que mais os mobiliza é o olhar de
desinteresse ou o não olhar por parte do outro, o que não os qualifica como sujeitos singulares
que são.
Conforme essas declarações, constatamos algumas reações dos demais acadêmicos em
relação aos entrevistados: medo, ironia, risos, descrença no potencial do outro, provocações e
situações de preconceito explícito ou velado.
Está na base dessas reações atitudinais, segundo os entrevistados o desconhecimento a
respeito do outro, de suas dificuldades, de suas possibilidades.
Quando o ritmo da aula é inadequado com as necessidades dos acadêmicos surdos o
intérprete informa ao professor que este precisa ser mudado. Relataram também que alguns
professores são muito bons em sua metodologia, cientes que precisam atender às necessidades de
toda a diversidade presente na sala de aula. Outros, mais velhos, apresentam grande resistência à
mudança e continuam com sua metodologia sem se importar se está sendo eficiente para todos.
Para eles, é como se não houvesse surdos na sala de aula.
A maior dificuldade que encontram hoje no ensino superior é a de convencer o ouvinte de
que o surdo é capaz. Nesse sentido, os colegas procuram testar o surdo com perguntas a respeito
do assunto para ver se ele realmente está entendendo. O olhar é de descrença de que o surdo
possa ter sucesso na aprendizagem acadêmica.
Segundo Molon o reconhecimento do outro acontece pela:
[...] relação constitutiva Eu-Outro enquanto conhecimento do eu e do outro
(eu alheio) e do auto-conhecimento e reconhecimento do outro são vistos
como mecanismos idênticos, isto é, temos consciência de nós porque temos
dos demais, porque nós somos para nós o mesmo que os demais são para nós,
nos reconhecemos quando somos outros para nós mesmos (2007, p. 3).
82
A oportunidade de interação é que possibilita uma mudança de visão e de paradigmas a
respeito do outro. É essa mudança que propicia a alteração das atitudes a respeito desse outro;
que possibilita através do diálogo a significação de sujeitos, que têm história e que através de
suas manifestações inscrevem-se na cultura educacional.
Mesmo que a inclusão educacional ainda não esteja dentro dos parâmetros considerados
ideais segundo os acadêmicos entrevistados, essa oportunidade de interação social e educacional
começa a dar resultados na construção de caminhos inclusivos na constituição de sujeitos. Para
Molon, “Neste contexto, o sujeito é constituído através da experiência social, histórica e pelo
desdobramento da consciência, que acontece através do desdobramento na consciência do eu e
outro, no sujeito consciente” (2007, p. 3).
Não oportunizar a manifestação dos acadêmicos a respeito dessa interação, bem como,
não refletir sobre ela é permitir que a exclusão continue acontecendo. Examinar essa relação com
propósito de nos orientarmos para a produção de novas formas de intervenção pedagógica
alicerçada no diálogo entre as partes pode ser extremamente interessante no trabalho da educação
inclusiva.
Refletindo sobre as barreiras atitudinais de acordo com os relatos dos acadêmicos, outro
relato me chama atenção: “Me disseram que eu teria muitas dificuldades, por causa da minha
fala, da minha letra, que o curso é muito difícil e que seria mais fácil pra mim se eu fizesse o
curso de pedagogia”. (CI, 31 anos).
O fato marcante é que esse acadêmico que prestou concurso vestibular nas mesmas
condições dos demais e convicto do curso que desejava cursar, pleno de expectativas, se deixa
convencer a trocar de curso. Sua explicação para o fato é confusa, crente nas boas intenções de
quem a propôs.
Segundo ele, a chefia de recursos humanos da empresa onde trabalha e a coordenação do
curso de sistemas de informações em reunião com o acadêmico alegaram-lhe que teria grandes
dificuldades pelo grau de exigências do curso. Somado a isso, falaram-lhe a respeito de suas
83
dificuldades na linguagem expressiva oral e escrita o que aumentaria ainda mais as suas
dificuldades. Orientaram-lhe a mudar do curso de Sistemas de Informações para o curso de
Pedagogia.
Algumas questões a esse respeito são necessárias ao meu entender serem expressas, o que
tange a análise das motivações desse fato. As dificuldades estariam centradas no acadêmico ou no
curso dessa instituição que não estaria preparado para atender as necessidades que se
impusessem? Estaria a coordenação do curso e chefia de recursos humanos da empresa
preocupados em facilitar a vida desses acadêmicos, protegê-los ou transferindo suas dificuldades
e responsabilidades para outro setor da instituição?
O curso de Pedagogia que forma profissionais docentes estaria mais preparado para
atender às necessidades do acadêmico ou seria visto dentro da instituição como um curso que
todos ou qualquer um pode fazer e se formar? Os demais acadêmicos do curso de sistema de
informações que apresentarem dificuldades também são orientados a mudarem de curso? Essa é
uma prática corrente no cotidiano desse curso ou foi específico desse caso?
Muitas outras questões podem ser suscitadas, não no sentido da crítica pela crítica ou em
tom de denúncia, mas única e exclusivamente objetivando a análise dos fatos porque colaboram
para o entendimento do todo no que se refere à inclusão no Ensino Superior nessa instituição,
principalmente, porque não conhecimento de que outro acadêmico tenha passado por situação
semelhante.
O desconhecimento de suas possibilidades, bem como de suas reais necessidades por
parte dos demais membros da comunidade escolar; professores, coordenadores de curso, colegas,
funcionários, no caso do Ensino Superior, acaba potencializando suas dificuldades, tanto nas
práticas pedagógicas como no acesso e utilização dos serviços que a universidade oferece.
Também é o desconhecimento que está na base do preconceito velado ou explícito dentro das
Instituições de Ensino Superior.
84
As dificuldades que se apresentam no embate diário das salas de aula do ensino superior
também advêm do fato de a escola de educação especial, escola de origem dos acadêmicos, ter se
constituído em tempo e espaço de escolarização separada.
Conforme Boneti, (2000):
Escolarizar junto e em conjunto com o outro implica reconhecer que o
desenvolvimento e a aprendizagem da criança acontece essencialmente a
partir das interações que ela estabelece com o outro e com o meio. A escola é
um espaço privilegiado para esse desenvolvimento. É pelo enfrentamento do
outro, dos desafios, das solicitações do meio que a criança se constitui e
constitui o outro como sujeito. O impedimento desse convívio social, que é
tão rico, tão desafiador, impede e limita o seu desenvolvimento (p. 16).
Se por um lado, estar privado dessa interação com os demais, ditos “normais” protege de
situações desagradáveis, de ser objeto de olhares e discursos que não o qualificam, por outro
lado, acabam tornando as pessoas despreparadas para lidar com essas situações. No meu
entender, a escola de educação especial com sua preocupação de proteger seus alunos, acaba
tornando-os indefesos e não preparados para a vida nos outros níveis de escolaridade.
A premissa básica ao meu entender para que a inclusão ocorra é o diálogo; os mecanismos
de escuta dos acadêmicos e suas manifestações dentro das instituições de Ensino Superior, o que
parece não ter acontecido na situação que ora analiso. O acadêmico sofreu uma violência
simbólica ocasionada pela crença das pessoas envolvidas que ele não poderia fazer aquilo que ele
realmente queria, no caso, o curso de Sistemas de Informações e dar conta das dificuldades que
poderia enfrentar. Acabam induzindo que ele faça outro curso porque não acreditam que ele tenha
possibilidades, capacidades de levar a termo aquilo que aspira, que não é trabalhar em escola e
sim num banco ou ser advogado.
4.2- A Linguagem – interpretação e sentido
No contexto do espaço-tempo do ensino superior, espaço-tempo de produção de
conhecimento, de constituição e singularização de sujeitos, mediados pela linguagem, ocorrem
situações de confronto, de agonismos e antagonismos entre acadêmicos ouvintes e surdos.
85
Esses confrontos ocorrem devido às históricas construções teóricas e metodológicas de
um mundo dominado pelos ouvintes. Conseqüentemente a pessoa surda enfrenta em seu
cotidiano escolar e de trabalho constantes variações ideológicas postas pelos ouvintes que
acabam impondo a esses uma língua e uma cultura que não lhes são próprias.
Exemplos dessa tentativa de imposição do mundo ouvinte com sua língua e cultura podem
ser descritos como o oralismo que, supõe ser possível ensinar a linguagem defendendo a idéia de
que existe uma correlação e dependência entre a eficiência oral e o desenvolvimento cognitivo.
Baseado nessa suposição a surdez passa a ser medicada e é produzida uma vasta gama de
esforços no sentido da “cura do problema auditivo através da correção dos defeitos da fala,
treinamento de habilidades como a leitura labial e a interiorização de instrumentos culturais como
a Língua de Sinais”. (SKLIAR, 1997, p. 111).
Para Vigostky apud Skliar (1997) a Língua de Sinais “é o meio natural de comunicação e
o instrumento de comunicação dos surdos; a poliglossia ou habilidade para usar várias formas
de língua oral e Língua de Sinais é a forma mais eficiente para o desenvolvimento da criança
surda” (p. 121). Nesse sentido, Vigostky defendia no princípio de seus estudos que a partir da
linguagem gestual como língua de mais fácil acesso ao surdo deveria se insistir na língua falada,
sendo a primeira considerada pobre e limitada.
Pensar a Língua de Sinais como um repertório baseado na substituição de cada palavra
falada por um sinal equivalente alerta Skliar (1997), demonstra o desconhecimento a respeito da
mesma e tem a ver com o contexto histórico e científico vivido por Vigotsky. Isso explicaria a
definição do mesmo da Língua de Sinais como sistemas pobres, primitivos e limitados de
linguagem, fazendo supor a existência de uma relação direta entre os limites da língua de sinais e
o pensamento do surdo. Segundo Skliar “uma coisa é a potencialidade expressiva de uma língua e
outra, muito diferente, o estado cognoscitivo, informativo e cultural, no qual se encontra quem
usa essa língua” (1997 p. 26-27). E complementa essa afirmação de forma contundente
Se os surdos foram excluídos de aprendizagens significativas, obrigados a
uma prática de atividades sensório-motoras e perceptuais, mas não de
86
conteúdos de abstração, se foram impedidos de utilizar a Língua de Sinais em
todos os contextos de sua vida, então nada têm que ver os surdos nem a
língua de Sinais com as supostas limitações no uso dessa língua, na aquisição
de conhecimentos e no desenvolvimento de seu pensamento. Não é a natureza
restrita da Língua de Sinais a causadora das limitações dos surdos, mas as
razões sócio-educativas que levaram os surdos a ter que usar sua língua só em
ambientes específicos e sob certas condições. [...] se aos surdos foi negada
historicamente sua identidade e sua língua, seria um simples reducionismo
acusá-los de ter limitações em seus processos psicológicos superiores
(SKLIAR, 1997, p. 127).
Em seus estudos posteriores, Vigotsky modificou essa perspectiva em relação aos surdos
e a Língua de Sinais afirmando:
A luta entre a linguagem oral e a gestual, apesar de todas as boas intenções
dos pedagogos, acaba sempre com a vitória da mímica; isto não é porque a
mímica constitua, desde o ponto de vista psicológico, a verdadeira língua do
surdo-mudo, nem porque seja mais fácil como dizem muitos professores
mas porque ela é uma verdadeira língua em toda a riqueza de seu significado
funcional, enquanto a pronúncia oral das palavras inculcadas artificialmente
representa um modelo morto da linguagem viva. (VIGOSTKY apud
SKLIAR, 1997, p. 123).
A linguagem, seja ela qual for, exerce importante função na constituição dos sujeitos,
que é na relação eu-outro que o sujeito se constitui na possibilidade de reconhecimento do outro,
sejam surdos ou ouvintes. Entretanto, por muito tempo predominou a idéia de que a linguagem
identificava-se especificamente com a percepção e produção auditivo-oral, prevalecendo a
concepção logocêntrica como natural ao homem. Mais tarde, mediante estudos filosóficos
(Cartésio e Saussure) afirma-se que não é a linguagem falada natural ao homem, mas a
capacidade de constituir uma Língua como a de Sinais (Skliar, 1997), seja ela baseada na
gestualidade ou fala. Citando Habermas, Marques (2006) reforça essa relação constitutiva de
sujeito e sociedade mediados pela linguagem:
O indivíduo e a sociedade constituem-se reciprocamente. Toda a integração
social de conjunto de ação é simultâneamente um fenômeno de
socialização/individualização para sujeitos capazes de ação e fala, os quais se
formam no interior desse processo e, por seu turno, renovam e estabilizam a
sociedade como totalidade das relações interpessoais legitimamente
ordenadas... Processos de formação e de socialização são processos de
aprendizagem que dependem das pessoas (
HABERMAS apud
MARQUES, 2006 p.
31).
87
Conviver é uma aprendizagem social. O ensino superior constitui-se em espaço-tempo de
aprender a conviver com o outro. Nesse espaço-tempo, a linguagem é de fundamental
importância na aprendizagem em que, na ação se constituem sujeitos singulares. Ela é uma das
formas mais significativas de mediação social.
Para que sujeitos singulares possam se constituir no ensino superior, é necessário que
sejam visualizados como portadores de um referencial lingüístico próprio, quer sejam ouvintes ou
surdos. No caso desses, a Língua Brasileira de Sinais precisa ser considerada língua pátria, assim
como o idioma português é para os ouvintes.
Para Marques (2006):
A língua constitui-se em repertório objetivo das realizações culturais, um
acervo social de experiências e significados em totalidade viva, condição
necessária para a transmissão/aprendizagem e para a conservação/atualização
das forças produtivas e das formas de sociabilidade (p. 27).
A língua representa a possibilidade de o indivíduo realizar sua inscrição como sujeito
cultural. Conforme Marques (2006):
Ter língua significa ter mundo, um mundo articulado na realização do ato
comunicativo, razão pela qual é fundamental a aprendizagem da competência
comunicativa. [...] Na aprendizagem da competência comunicativa aliam-se a
concriatividade do grupo, a objetividade, a intersubjetividade e a
subjetividade distintiva de cada um, na construção das relações sociais (p.
27).
Significa ainda, ter um referencial, um banco de dados mentais, composto por imagens e
sensações que são suscitadas, relembradas, sentimentos, emoções, cores e sabores ao qual o
sujeito que se envolve em diálogo possa se reportar acessando essas informações; enfim, um
referencial teórico vivido que colabora na composição das expectativas de todo o ser humano
quanto ao que está por vir.
88
Skliar (1997) manifesta em seus estudos que a “surdez como déficit biológico, não priva
os surdos da faculdade da linguagem, mas total ou parcialmente, da língua oral” (p. 127).
Reconhecer que o acadêmico surdo seja portador de linguagem de capacidade de comunicar-se
torna-se necessário para que este seja incluído no meio acadêmico.
A capacidade de comunicar-se com eficiência é exigida a cada instante neste embate
diário da produção e apropriação do conhecimento desses acadêmicos. O desconhecimento da
LIBRAS pelos colegas e professores dificulta o entendimento daquilo que é essencial para a
aprendizagem e desenvolvimento.
Para facilitar a comunicação no Ensino Superior às instituições procuram na medida do
possível oferecer o serviço profissional do intérprete que faz a mediação entre o professor e o
acadêmico surdo. Essa mediação acaba gerando algumas dificuldades e impasses. Segundo o
relato dos acadêmicos, o professor acaba, na maioria das vezes, dirigindo a sua fala e seu olhar
somente para o intérprete, bem como os colegas, e nesse contexto interativo o acadêmico sente-se
excluído.
Mesmo entendendo a necessidade do intérprete para a mediação do diálogo, os
acadêmicos surdos se permitem sonhar com uma realidade na qual possam dirigir-se diretamente
aos professores e colegas e estes entendê-los como fazem com os demais. “O meu maior desejo é
de poder fazer uma pergunta direto ao professor e este me entender, bem como a minha
linguagem” (MF, 25 anos).
Outra dificuldade se faz presente na hora da avaliação da aprendizagem. Diante da
produção do acadêmico surdo, o professor não consegue visualizar se a causa da dificuldade
quando ela se apresenta é da ordem do entendimento do conteúdo propriamente dito ou se é
originário da falha de comunicação-tradução do intérprete e do conhecimento específico do
componente curricular que este deva ter de forma prévia.
Nesse sentido, os acadêmicos surdos manifestam a dificuldade ocasionada pela falta de
intérpretes capacitados para a tradução dos componentes curriculares. O profissional necessita de
89
conhecimentos prévios sobre os componentes curriculares para que a tradução da linguagem
técnica específica de cada disciplina seja a mais fiel possível.
Quanto à oferta dos serviços do profissional intérprete, são poucas as instituições que
disponibilizam o serviço. Em algumas, como é o caso das instituições pesquisadas, o serviço
existe.
Dada a pouca oferta do serviço no mercado, em algumas situações torna-se inviável a
tradução de todos os componentes curriculares. Os acadêmicos vivenciam situações em que são
obrigados a freqüentarem somente as disciplinas em que o serviço é oferecido, situação esta que
ocasiona desgosto a estes por verem-se privados de sua liberdade de escolha das disciplinas que
querem freqüentar.
As condições impostas pelos sistemas de comunicação criados artificialmente pelos
educadores e terapeutas ouvintes conforme Skliar (1997) levam a uma gama de confusões para a
criança surda comunicar-se, visto que é um sistema posto de fora necessitando considerar a
perspectiva pluralista de visão de cultura e de conhecimentos ontologicamente considerados.
Também no ensino superior no qual ocorre o domínio da comunicação dos ouvintes, essas
confusões se transformam em obstáculos para o acesso à informação e ao entendimento do teor
da comunicação com os demais acadêmicos.
Conforme relato, os surdos na universidade sentem dificuldades de entendimento quando
os professores ilustram a aula com alguma brincadeira, ou piadas tão comuns para o ouvinte. O
repertório de humor do surdo é diferente do ouvinte. Essas situações precisam ser sinalizadas,
esclarecidas ao surdo no momento em que ocorrem.
Ficam a mercê de situações confusas de comunicação, ainda, os acadêmicos com
dificuldades na linguagem expressiva, como é o caso do aluno com lesão cerebral ou paralisia
cerebral. O ritmo inadequado da aula, na maioria das vezes acelerado conforme relatado,
privilegia as pessoas com facilidades na oralidade e dificulta para os que convivem com situações
de dislalias, comum ao paralisado cerebral.
90
As situações de aprendizagens que têm sua metodologia centrada na oralização fala do
professor, tão comum no ensino superior - é outra dificuldade apontada. A utilização de
intervenções pedagógicas nas quais ocorre a discussão e produção em grupo, projeção de slides e
imagens explicativas facilitam o entendimento do que é proposto, facilitam também o acesso às
linguagens das ciências, aos conhecimentos filogeneticamente produzidos e validados.
Os acadêmicos surdos entrevistados sentem dificuldades devido a língua portuguesa, na
construção frasal e no sentido das palavras, fazendo com que o intérprete tenha que usar mais
argumentos para que consigam entender o significado de uma palavra, o sentido.
As situações em que os acadêmicos têm acesso à aulas práticas no laboratório de
informática são apontadas como facilitador da aprendizagem. A constituição de espaços-tempos
de participação, de explanação de sua perspectiva a respeito do que é proposto beneficia a
inclusão educacional como se referem os acadêmicos.
A possibilidade de participar em tempos-espaços explanando aos colegas e professores a
respeito de seus projetos de pesquisa, segundo eles, é outra situação extremamente positiva.
Favorece a que se constituam como sujeitos capazes, o que melhora sua auto-estima e auto-
imagem. “Os colegas percebem que estamos entendendo o que estamos falando” (KK 24 anos).
Quando abordado o diálogo e a forma de como ocorre a comunicação nos espacos-tempos
do ensino superior, os acadêmicos entrevistados manifestaram que alguns professores além de
aceitarem esse trabalho demonstraram preocupação no sentido de que os surdos estivessem
entendendo. Alguns procuraram entender a linguagem do surdo para facilitar a comunicação e a
aprendizagem, enquanto outros não mostraram interesse nesse sentido.
A universidade consciente da importância da língua de sinais ofereceu um curso
preparatório aos professores e funcionários devido ao ingresso dos acadêmicos surdos no
vestibular de 2003. Também houve a preocupação de um estudo pormenorizado da forma de
91
produção escrita própria da pessoa surda visando a compreensão e a elaboração das
aprendizagens iniciais.
Quando a língua de sinais mediada pelo intérprete não é suficiente para que ocorra uma
comunicação efetiva, principalmente entre os acadêmicos, a escrita preenche as lacunas da língua
falada. Com a escrita a parcela acadêmica que ainda não domina a LIBRAS tem oportunidade de
interagir com os acadêmicos surdos e o faz também através de bilhetes e e-mails.
Para muitos acadêmicos que não dominam a Língua de Sinais a escrita significa a
oportunidade real de comunicação com o surdo. Os que manifestaram interesse em conhecer essa
forma de comunicação já conseguem realizá-la de forma satisfatória. Outros preferem comunicar-
se através da escrita ou do intérprete, o que pode ser interpretado como uma tentativa excludente,
pois não demonstram interesse em comunicar-se, dialogar com o sujeito surdo na sua própria
língua.
Os acadêmicos surdos também utilizam-se da escrita para se fazerem entender e para
revidar os confrontos que ocorrem em sala de aula. As situações de conflitos e provocações que
normalmente ocorrem entre os acadêmicos e que são salutares à aprendizagem são revidadas pelo
surdo através da escrita. Suas argumentações constituídas de teor e coerência após a análise das
partes e fazem com que estes se constituam sujeitos aos olhos dos demais acadêmicos, buscando
a sua emancipação.
Nesse contexto, o sujeito se constitui e é constituído através da experiência social. Nessa
experiência qualifica e é qualificado como sujeito que tem algo a dizer na medida em que é
escutado pelo outro. Antagonizar, reagir passa a ser a forma com que esses sujeitos passam a
explicitar e tornar o outro consciente de sua presença.
92
4.3- Língua e identidade
Através da linguagem o homem tem a oportunidade de estabelecer relações em contato
com o outro; expressar suas idéias, sentimentos e identificar-se ou não com esse outro que lhe é
semelhante porque é humano. É a linguagem nos permite entrar em contato com alteridade do
outro, que segundo Silva (p. 16, 2000) é concebida como “a condição daquilo que é diferente de
mim, a condição de ser o outro”. A linguagem cumpre então a sua função, permitindo que
sujeitos possam se inscrever no social, no seio de comunidades lingüísticas.
Os surdos formam uma comunidade lingüística minoritária caracterizada por
compartilhar uma Língua de Sinais e valores culturais, hábitos, e modos de
socialização próprios. A Língua de Sinais constitui o elemento identificatório
dos surdos, e o fato de se constituir-se em comunidade significa que
compartilham e conhecem os usos e normas de uso da mesma língua já que
interagem cotidianamente em um processo cognitivo eficaz e eficiente
(SKLIAR, 1997, p. 141).
Essa afirmação vem ao encontro do que coloca a acadêmica surda que desempenha a
função de presidente da Associação dos surdos. A associação constitui-se num território e espaço
da linguagem do surdo e de interação com outras identidades surdas. Nesse espaço interativo são
discutidos os assuntos pertinentes ao surdo, sua identidade, seu ideário de vida. É o espaço de
resistência às dificuldades colocadas pelo mundo dos ouvintes e de florescimento da identidade
surda.
Conforme nos coloca Skliar (1997) as associações como expressão da comunidade surda
“reforçam o sentimento de identidade grupal, o auto-reconhecimento e identificação como surdo,
a definição da surdez como diferença e não como uma deficiência” (p. 142).
O fato de eles se assumirem como surdos e organizarem-se em associação, reivindicando
seus direitos, contribuem para que formem uma comunidade com mais potencial para chegar ao
ensino superior.
Essas associações manifestam-se também dentro da universidade no momento de interagir
e de trabalhar em grupo. Conforme esses acadêmicos, inicialmente tinham resistência a
93
trabalharem em grupo com os ouvintes. O trabalho em grupo misto com surdos e ouvintes
passou a ser realidade após a discussão sobre a importância do relacionamento no ensino
superior, realizada no Campus da Universidade freqüentada pelos acadêmicos surdos.
A identidade grupal não apaga as particularidades de cada um. São essas diferenças que,
somadas no grupo, permitem que a diversidade ocorra dentro desse grupo. Nesse sentido Skliar
(1998) nos coloca:
Seria um equívoco conceber os surdos como um grupo homogêneo, uniforme,
dentro do qual se estabelecem sólidos processos de identificação. Também
fazem parte dessa configuração que denominamos “surdos”, os surdos das
classes populares, os surdos que não sabem que são surdos, as mulheres
surdas, os surdos negros, os surdos meninos de rua, entre outros, e, ainda, os
receios, as assimetrias de poder entre surdos, os privilégios, a falta de
compromisso com reivindicações sociais, etc (p. 14).
Conforme a acadêmica, a associação tem uma visão clara de si mesma como espaço de
emergência da identidade surda e busca ser a expressão de todos os seus associados. Não busca
apagar essas diferenças, mas permitir que elas se expressem e se manifestem. Incluir a todos têm
sido um dos trabalhos da associação. Buscar os que estão fora dela é uma das prioridades do
grupo.
As associações segundo Skliar (1998) são formas de reação frente ao poder instituído pelo
mundo ouvinte. “O surgimento das associações de surdos enquanto territórios livres do controle
do ouvinte sobre a deficiência, o matrimônio endogâmico [...]” (p. 17).
Relacionar-se afetivamente com pessoa surda também passa a ser expressão da reação
frente ao mundo ouvinte e a desconfiança que esse lhes inspira. Relatam que percebem as
traições que ocorrem nos relacionamentos dos ouvintes e não se sentem seguros no
relacionamento com eles porque não conseguem entendê-los de forma clara. Preferem relacionar-
se com pessoa surda porque o sentimento do surdo é entendido mais facilmente por outro surdo.
Além das associações, outra forma de reação é a crença e a defesa do surdo para que sua
escolarização ocorra em escola própria para surdo, conforme relatado pelos acadêmicos surdos.
94
Os dois surdos entrevistados defendem que o surdo deva freqüentar escola própria para
surdos e serem incluídos no Ensino Superior em Instituição que também atenda ouvintes.
Entendem que dessa forma conseguem constituir sua identidade surda além de terem uma
compreensão maior pelo uso da linguagem própria do surdo.
Nessa questão percebo a contradição do surdo quando manifesta idealizar um mundo
separado para surdos e ouvintes. Nesse mundo haveria escola própria para surdos em todos os
níveis. Essa não seria uma inversão da lógica atual, havendo apenas uma troca de lugares entre os
atores e permanecendo a exclusão?
4.4 - A alteridade
A alteridade segundo Silva (2000, p. 16) é conceituada como “a condição daquilo que é
diferente de mim; a condição de ser outro”.
Refletir sobre a alteridade e sobre a sua invenção pressupõe pensar sobre as soluções que
o mundo moderno encontrou para legitimar as exclusões produzidas pelas tentativas de
homogeneização, pela construção de padrões estéticos, de comportamento e de linguagem
segundo os quais produzem a nossa suposta normalidade. Essa antagoniza com a normalidade do
outro que sempre difere, se contraposta com a nossa. Diante disso, a alteridade deficiente é
invenção do mundo atual na busca desenfreada de responder e justificar de forma satisfatória às
interrogações a respeito do que está posto social e educacionalmente. “A alteridade deficiente é
um exemplo da voracidade com que o mundo moderno sem soluções inventa e exclui a esses
outros” (SKLIAR, 1999, p.16).
Todas as pessoas que o se enquadram nesse projeto de homogeneização constituem o
universo das pessoas excluídas pela sua alteridade deficiente. Habitam esse universo, conforme
Skliar, (1999): mulheres, surdos, indígenas, meninos e meninas de rua, negros, mestiços,
desempregados; deficientes sensoriais, físicos, depressivos, pessoas com transtornos mentais e de
95
conduta, enfim, todos os que por alguma condição ou situação ficam à margem no social e
educacional, não participando das decisões políticas de sua comunidade ou país.
As pessoas que têm alguma limitação ou deficiência sofrem duplamente a exclusão: no
social e na sua história de vida educacional. Quanto à educação lhes é reservado a educação
especial que segundo Skliar (1999) continua sendo uma sub-área da educação: [...] “e os sujeitos
que são forçados a incluir-se nessa forma particular de pedagogia, não formam parte, de fato, das
agendas políticas, sociais, culturais e educativas contemporâneas”.
Essa constatação explica a grande dificuldade de entendimento e inclusão no ensino
superior, que a priori, deveria ser por excelência, espaço/tempo educativo de reflexão e de
conhecimento que permitisse o entendimento do sujeito que é sempre plural e diverso, não
homogeneidade na pluralidade. Não espaço de conformação, de ajustamento e
condicionamento do que está posto.
O discurso sobre a alteridade deficiente não afeta somente as pessoas com deficiência;
“regula também a vida das pessoas consideradas normais” (SKLIAR,1999, p.19). Condiciona-nos
diariamente a produzir e reproduzir comportamentos e modos de vida estereotipados,
padronizados, para legitimar a nossa suposta condição de normalidade.
Nesse aspecto entra em cena segundo Skliar (1999), um cenário preocupante dentro e fora
da educação especial:
Um neocolonialismo se faz vigente dentro e fora da educação especial,
através de discursos e de práticas normativas ao referir-se, por exemplo, aos
sujeitos com ausência de linguagem, inteligência primitiva, imaturidade
afetiva e cognitiva, comportamentos agressivos e perigosos, ritmos lentos de
aprendizagem, labilidade emocional, problemas nas relações interpessoais
(p.19).
Somos social e educacionalmente produtos desse neocolonialismo de nossa época.
Sofremos e nos esforçamos para responder de forma satisfatória a esse modelo de sociedade
tecnicista. Lançamos nossos olhares ao outro de forma a classificá-lo, enquadrá-lo, a recriminá-lo
96
e a excluí-lo, caso ele não se adeqüe a esse molde. Nomeamos esse outro como deficiente e o
condenamos a permanecer à margem no social.
A deficiência segundo Skliar “não é uma questão biológica e sim uma retórica social,
histórica e cultural. A deficiência não é um problema dos deficientes ou de suas famílias ou dos
especialistas. A deficiência está relacionada com a própria idéia de normalidade e com sua
historicidade” (1999, p. 18).
Creio então que o problema da deficiência e o da exclusão segundo esses parâmetros deva
ser resolvido no social como um todo, pois é nesse âmbito que sujeitos expectadores são
relegados à condição de espectadores.
Individualmente, as pessoas não se percebem como deficientes excepcionais ou limitados,
conforme o que nos coloca o acadêmico CI, quando manifesta que todos têm dificuldade em uma
ou outra situação. Considera excepcionais as pessoas que apresentam locomoção condicionada a
ajuda de outras pessoas para realizar as atividades da vida diária.
Isso concorda com o que Skliar (1999) afirma na citação anterior e reforça a idéia do
mesmo autor que a alteridade deficiente é uma invenção retórica da modernidade e é externa ao
sujeito.
97
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Que as palavras que falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
(Metade - Oswaldo Montenegro)
Para finalizar a reflexão e a conversa necessito situar-me e refletir sobre o que de fato é a
inclusão. É simplesmente o estar junto em tempos e espaços educativos realizando atividades
pedagógicas? Acredito que não. É isso também, mas não somente isso.
Acredito que seja o estar junto, nos tempos e espaços educativos realizando atividades que
nos constituam como sujeitos singulares. É estar em interação com a possibilidade de que as
nossas ações e nossos discursos possam se confrontar com o que está posto, produzindo novas
interações e discursos.
Os 15 anos de prática pedagógica em educação especial por mim vivenciada não
produziram tantas inquietações quanto a pesquisa e a prática docente com os sujeitos envolvidos
nesta investigação. Talvez tenha sido a primeira vez em que eu tenha ouvido de fato o que as
pessoas envolvidas, no caso os surdos e um Paralisado Cerebral, têm a dizer.
98
A mudança de paradigmas efetuou-se em mim logo no início da investigação com os
acadêmicos surdos do ensino superior. Primeiro: muito preocupado com a linguagem, defrontei-
me com os acadêmicos qualificando-se como “surdos” e ponto final e não deficientes auditivos
como até então eu os nomeava preocupado com uma nomenclatura politicamente correta. Afinal,
quem é esse sujeito que se identifica como surdo? Que afirma: Minha identidade é surda?
A partir do momento em que me proponho a interagir com esses sujeitos eles deixam essa
condição de surdez, pois a dificuldade não estava mais centrada neles. Ocorre a mudança de foco:
eu é que não conseguia escutá-los.
Parece-me que a partir dessa perspectiva, na maioria das vezes não realizei um diálogo
verdadeiro quando se trata dos sujeitos surdos. Suponho que a minha falta de sensibilidade no
aspecto tenha feito com que eu realizasse monólogos na maioria das vezes. Falava, escutava, mas
não os ouvia. Não entendia as entrelinhas.
Esse aspecto vem ao encontro daquilo que senti ao ouvir e ver pela primeira vez entre
tantas, o sujeito surdo. A partir dessa prática nasceu ante meus olhos um novo sujeito que
pronuncia seu mundo, suas verdades com a mesma paixão com que eu verbalizo as minhas
crenças.
Quem sabe nesse estudo possa me redimir dessa falta. Minhas ações devido a isso
acabaram em ativismos, práticas destituídas de uma profunda reflexão, outras vezes em
verbalismos; palavras destituídas da ação, ou seja, realizei metástases discursivas recidivantes
que sempre foram alvos de minha crítica.
Parece-me que até então não havia feito de fato uma escuta desses sujeitos e se não os
havia escutado não concebia que os mesmos podiam produzir discursos a respeito de si, do
mundo e das coisas e nesse sentido, na minha míope visão, me propus a pesquisar a inclusão,
questionando a respeito da existência de expectadores na educação do Ensino Superior. Constato
que, nesse caso, o maior expectador tenha sido eu.
99
O segundo aspecto que me causa perplexidade: a constatação de que eles não são meros
espectadores, ou seja, minha hipótese inicial de que esses sujeitos, ao alcançar o Ensino Superior
passam da condição de expectador (aquele que tem expectativa) à espectadores (aquele que
assiste) não se confirmou. Engano mítico, meu, como pesquisador. Não espectadores, porque
não estamos trabalhando com seres passivos a espera da nossa boa ação. Estamos sim
trabalhando com pessoas que se qualificam como surdas e que produzem discursos, que têm
expectativas, imaginário, identidade, concepções, aspirações, que agem e reagem, que realizam
movimentos de agonismos e de antagonismos.
A reflexão e a releitura começam a produzir alterações na minha concepção de
pesquisador e na minha forma de ver a escola, as pessoas, o mundo e principalmente a questão da
deficiência e da inclusão.
A partir desse enfoque começa a se delinear na minha mente que existem expectadores
em um processo educativo e que é essencial acontecer a escuta dos envolvidos. Essa não escuta
pode acontecer se não há interesse no que o outro tem a nos dizer e isso pode deslocar a
dificuldade que estava centrada no outro, neste outro que deveria ter efetuado a escuta e não o
fez. Essa constatação provoca mal-estar. Talvez seja por isso que tem sido evitada a todo custo no
decorrer da história.
Se a realidade colocada pelos acadêmicos envolvidos nessa investigação não é a mais
agradável e esperada, não se trata de procurar culpados pelo não acontecimento daquilo que
imaginamos como o ideal da escola e da educação. Essa reflexão talvez possa sensibilizar outros
educadores que venham a cometer os mesmos erros de análise não aprofundada.
A constatação de que ocorre, conforme relatado pelos acadêmicos, confrontos e
movimentos de antagonismos se evidencia no fato de que quando provocados pela incerteza dos
colegas quanto ao seu entendimento daquilo que está sendo colocado em aula, estes reagem com
provocações no sentido de chamar para a discussão através da escrita e de e-mails.
100
Os surdos utilizam-se da escrita, que nem todos os colegas têm o domínio da LIBRAS
para que a escuta destes possa ser efetivada, para que sua produção discursiva possa ser colocada
em análise. Essa tão salutar confrontação só acontece devido à interação. O acadêmico PC
utiliza-se da linguagem oral e da paciência de seus interlocutores quando manifesta dificuldade
maior de expressão, além da escrita como os demais acadêmicos.
Nesse sentido entrelaçam-se dois eixos: a interação e o discurso. Se o sujeito é assujeitado
pelo discurso, é através da interação e da confrontação que passam a ser produzidos novos
discursos a respeito de si mesmo e passa a ser qualificado de forma diversa da anterior porque há
acréscimo de valoração ao que ele tem a dizer. Passamos a visualizar cores que nossa cegueira
paradigmática impedia que víssemos.
Esse novo discurso é que passa a nortear as novas interações de forma que haja progressos
ou retrocessos. Também o retroceder se torna positivo no sentido de reavaliar práticas
cristalizadas pelo discurso anterior. As reavaliações produzidas neste repensar o que havia sido
realizado anteriormente, retroagem sobre a prática que se vai realizar podendo significar nova
possibilidade nas ações pedagógicas e educativas.
Somente através deste novo prisma, dessa perspectiva de pesquisadores de nossa própria
história e prática como docente é que estaremos abertos para compreender e visualizar as
mudanças, metamorfoses necessárias que tanto ansiamos. Metamorfoses estas que necessitam
ocorrer, não no sujeito considerado “deficiente” como pretendiam as intervenções clínicas, mas
na sociedade e nas culturas dos considerados “normais”.
Passamos a perceber a ambigüidade da inclusão-exclusão, a perceber autoritarismos de
ambos os lados. Cada um desses lados é impregnado de um mundo simbólico e imaginário tecido
com os elementos de sua cultura.
De um lado a escola e o corpo docente, crentes que em suas mãos está a tarefa de resolver
o problema da educação, da inclusão e exclusão. Do outro, o social e o discurso a respeito das
atribuições dos professores e da escola no sentido de resolver os problemas da exclusão, evasão
101
escolar, repetências e fracassos. Essa realidade é contraposta com a possibilidade da existência de
uma escola que, com suas práticas, resolva todas essas dificuldades que também se refletem no
cotidiano. Professores e escola encontram-se então em situação de impotência.
A impotência manifesta-se ante o social que propagandeia aos quatro ventos através dos
meios de comunicação social o evento da inclusão educacional de todos através de um discurso
idealizado de escola, de educação e de perfil do profissional da educação produzindo constante
mal-estar.
O mal-estar, estranheza ao diferente, inquietação, tão necessariamente saudável, produz
diversas maneiras de reação: impotência frente à análise reflexiva das práticas educativas;
acomodação como se sentenciados não pudéssemos interferir no curso do que está determinado; a
depressão nervosa
21
e por Bournot
22
.
A análise das práticas de inclusão precisa ser iluminada por outra racionalidade,
superando o cientificismo da razão moderna que produziu as hierarquias, estranhamentos e
exclusões. Um novo paradigma, como sugerem os documentos relativos a inclusão, pode
produzir uma caminhada tecidas nos projetos coletivos baseados na cooperação entre os sujeitos
envolvidos no processo educativo. Essa nova perspectiva do olhar sobre o outro diferente pode
traduzir-se em políticas institucionais que, verdadeiramente incluam através da interação
lingüística e cultural nas práticas pedagógicas.
Se de um lado encontra-se a escola e o corpo docente com suas representações e
concepções, de outro os estudantes também com seu mundo simbólico, suas expectativas, seus
elementos da cultura internalizados através de longos anos de vivência e condicionamento. O
21
Depressão nervosa: considerada pela psicologia e psiquiatria como um estado mórbido em que a mente ou o humor
se encontra abaixo do nível ótimo do indivíduo.
22
A ndrome de Bournot atinge 25% dos professores, de acordo com uma pesquisa realizada pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Essa síndrome faz com que o trabalhador perca o sentido de sua
relação com o trabalho, de forma que nada mais importa e qualquer esforço parece inútil, causando enorme
desmotivação.
102
esforço dialógico entre esses universos de significados é que pode tecer ações comunicativas
constitutivas de sujeitos que interagem na sociedade e na cultura.
Quando reflito a respeito dos sujeitos da pesquisa: surdos e lesionado cerebral concebo
que estou analisando categorias de sujeitos distintos pela sua história de vida e trajetória escolar,
mas, com muitas experiências em comum. Foram essas experiências e vivências que os
constituíram e que nos interessam na contemplação e interpretação de suas histórias de vida.
Todos experimentaram desde muito cedo em suas vidas as conseqüências da exclusão no social
para as pessoas que são diferentes daquilo que é padronizado como o “normal” da atualidade.
Nesse aspecto tiveram sua história escolar construída na escola de educação especial;
APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais e APADA - Associação dos Pais e
Amigos dos Deficientes Auditivos; respectivamente). Como usuários da modalidade educacional,
tiveram sua trajetória escolar marcada pelo atendimento em espaços tempos educativos separados
dos demais, dos “normais”.
Essas instituições promovem a inserção de seus alunos nas escolas comuns em tempos e
níveis de ensino diferentes. A escola dos surdos apresenta escolaridade e terminalidade, ao
contrário da escola especial que não apresenta seriação, sendo que seus alunos freqüentam a
escola comum em turno diferente para consegui-la. Nesse intento, os alunos são inseridos na
escola regular assim que demonstrarem o domínio da leitura e escrita, entrando na primeira série
do ensino fundamental, ao contrário dos alunos que freqüentam a escola de surdos, incluídos
nos níveis fundamental e médio, procurando o ensino superior por opção e iniciativa própria.
Ambas as escolas produziram suas marcas na vida dos acadêmicos entrevistados.
Conforme o relato do acadêmico 1, pode-se perceber a instabilidade da concepção de si mesmo e
de suas potencialidades intelectuais frente às situações educativas impostas pelo ensino superior.
Mesmo demonstrando espírito empreendedor e iniciativa de lutar por aquilo que acredita, acaba
deixando-se convencer por aquilo que o meio acadêmico e a comunidade a que pertence julga ser
melhor para ele. Essa passividade pode ser resultado do trabalho da escola especial com seus
103
longos anos de proteção e paternalismo, decidindo por ele, transformando-o de expectador a
espectador.
A premissa básica ao meu entender para que a inclusão ocorra é o
diálogo/interação/discussão, os mecanismos de escuta dos acadêmicos e suas manifestações
dentro das instituições de ensino superior, o que parece não ter acontecido na situação que ora
analiso: o fato do acadêmico (C.I. 31 anos) da pesquisa ter mudado de curso. O acadêmico sofreu
uma violência simbólica ocasionada pela falta de crença das pessoas envolvidas acerca de sua
capacidade para fazer aquilo que ele realmente quer (no caso o curso de Sistemas de
Informações) e dar conta das dificuldades que possa enfrentar. Acabam induzindo-o a fazer outro
curso porque não acreditam que ele tenha possibilidades, capacidades de levar a termo aquilo que
aspira. Nesse caso prevaleceu a racionalidade excludente e preconceituosa que enxerga apenas a
“deficiência” e não o sujeito com suas potencialidades e desejos.
Tudo nos leva a crer que muito em breve esse acadêmico conclua o curso de Pedagogia.
Mas na verdade, ser professor não é sua vontade, mesmo porque ele tem clara as suas
dificuldades na linguagem expressiva oral e na escrita. Ele manifesta que pretende dar
continuidade na sua vida acadêmica buscando outra graduação: Sistemas de Informações e
Direito. Novas interrogações assaltam-me: Esse acadêmico terá respeitada sua vontade de fazer o
devido curso depois que concluir o curso de Pedagogia ou será aconselhado a fazer outro curso
na instituição? Ou terá que mudar de instituição para fazer esse curso? Será que essas vozes que o
social coloca não ecoarão na forma de discursos excludentes em outras instituições?
Provavelmente sim. Caberá a ele tomá-las de outra forma: não na posição de espectador, mas de
autor.
O acadêmico (C.I. 31 anos) constata que o curso de Pedagogia lhe ajudou a crescer como
pessoa, ampliou seus conhecimentos, melhorou suas relações interpessoais. Mas é incisivo
quanto a dar continuidade à sua vida acadêmica demonstrando que na essência foi um acadêmico
expectador, não incluso, porque não foi ouvido em suas aspirações, não apostaram em suas
possibilidades. A inclusão educacional nesse caso poderá ser considerada como tal no
momento em que suas escolhas e decisões forem respeitadas e o ensino superior de fato ao
104
encontro de suas necessidades. Será que após cursar Pedagogia, estará esse acadêmico em lugar
de autoria, de não se deixar levar por essas vozes, sendo sujeito de suas escolhas?
Como inserir essa perspectiva de um re-educar enquanto reaprender a dialogar? Creio ser
necessário inserir idéias/posturas/práticas em currículos, programas de ensino/formação e em
práticas educativas a respeito da importância e do valor do diálogo/interação/discussão para que a
inclusão educacional possa acontecer. Tornar as pessoas preparadas para o diálogo significa
prepará-las para escutar o outro. Somente quem procede a escuta, dialoga de forma verdadeira. É
no verdadeiro diálogo que se constituem e se emancipam sujeitos singulares. E segundo Freire
(1997) o diálogo requer compromisso mútuo dos sujeitos com a “pronúncia” do mundo:
Porque é encontro de homens que “pronunciam” o mundo, não deve ser
doação do pronunciar de uns a outros. É um ato de criação. Daí que não possa
ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do
outro. A conquista implícita no diálogo, é a do mundo pelos sujeitos
dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos
homens. (p.93)
Por isso percebo que a inclusão educacional não acontece nas situações em que o
verdadeiro diálogo não se estabelece; nas situações em que decisões que afetam a vida dos
sujeitos são tomadas sem respeitar suas vontades e aspirações. Nesse sentido todos os envolvidos
no contexto educacional precisam aprender o valor do diálogo/interação/discussão e a
desenvolvê-los na prática. A exclusão educacional resulta dos nossos monólogos e da arrogância
de nos colocarmos na posição de sabermos o que é o melhor para os outros. Precisamos renascer.
Renascer
No início a escuridão;
Levanto-me, tateio ante a cegueira de meus olhos;
E a confusão das minhas crenças.
Além do temor do desconhecido
a incerteza é eterna companheira;
percebo que não estou só.
Meu mundo é habitado.
105
Os outros que aí estão, passam a acenar mensagens que meus olhos não decodificam sozinhos,
Gesticulam verdades nem sempre entendidas.
Se expressam numa língua que é preciso ser mais sentida do que ouvida.
Mente e olhos precisam estar atentos;
os sentidos aguçados.
Luzes tênues passam a se infiltrar em meu mundo de sombras e a delinear um caminho a frente.
É preciso andar, mas não consigo.
Sozinho sou incompleto, fragmento perdido.
Busco no outro, no que ele tem a me dizer a explicação para mim mesmo.
Preciso romper as barreiras do meu imobilismo;
Das minhas velhas crenças,
preciso renascer.
E no diálogo com o outro,
tão estranho, tão diverso;
que tem tanto a me dizer.
Me descubro e descubro o caminho.
(Moacir Juliani, março de 2008).
106
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VYGOTSKI, L, S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
111
7. ANEXOS
TERMO DE ACEITE
Declaro para os devidos fins acadêmicos e de pesquisa, que autorizo a utilização de todas
as informações por mim fornecidas em entrevista com objetivo de aprofundamento a respeito da
inclusão no Ensino Superior.
............................................................................................................................................................
Assinatura do acadêmico entrevistado
Três de Maio, março de 2007.
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