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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE
DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ
LISETE FRANKE HARTMANN
CONCEPÇÃO COMUNICATIVA DO CONHECIMENTO NA AÇÃO
PEDAGÓGICA ESCOLAR
IJUÍ
2008
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2
LISETE FRANKE HARTMANN
CONCEPÇÃO COMUNICATIVA DO CONHECIMENTO NA AÇÃO
PEDAGÓGICA ESCOLAR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação nas
Ciências - Mestrado, da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(Unijuí), como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Educação nas Ciências.
Orientador: Prof. Dr. Celso José Martinazzo
IJUÍ
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
4
FOLHA DE APROVAÇÃO
O meu amor, o meu carinho e profunda gratidão:
Ao meu esposo Carlos, por ter acreditado, apostado e sempre incentivado.
Às minhas filhas Camila e Júlia, pelas ausências sempre sentidas.
In memoriam
Com saudades e esperanças do reencontro:
Aos meus pais, pela vida e lições nunca esquecidas.
À amiga Tânia Hendges, parceira de quase toda essa caminhada.
6
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências - Mestrado -
da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), nas pessoas
dos professores.
Em especial:
Ao orientador desta dissertação, Professor Doutor Celso José Martinazzo, pelo apoio,
pertinência e prontidão nas considerações e principalmente, pelo acolhimento.
Ao Professor Doutor Cláudio Boeira Garcia, pela amizade, pelas longas horas de
conversas e pelas valiosas e oportunas sugestões e críticas.
À família:
Meus sogros Gerda e Élio, pela fé e orações.
Aos demais, pelo incentivo.
Aos amigos:
Cristina Scherbaum e Viviana Deon Maronezzi, companheiras de mestrado, pelas
horas de cumplicidade e estímulo.
Maria da Glória Notargiacomo e Gelson Luís Bueno da Silva pela amizade, presteza e
adequadas correções desta pesquisa.
À Direção, professores e funcionários da Escola Estadual Abílio Lautert, de Santo
Ângelo, pelo estímulo e apoio.
7
“A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o
bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto,
salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda
dos novos e dos jovens. A educação é também onde decidimos se
amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso
mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar
de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e
imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência
para a tarefa de renovar um mundo comum” (ARENDT, 1992, p.
247).
À escola compete promover uma relação de intimidade e de
profundidade do aluno com as produções culturais, levando-o a
desenvolver uma apropriação rigorosa e crítica das mesmas. A escola
deve ser, efetivamente, uma esfera pública de acesso ao saber, em que
haja espaço para que o aluno, na interação com seus colegas e com o
professor, possa agir e reagir em relação aos dados culturais a que
passa a ter acesso, tendo direito a apropriar-se com rigor dos
conhecimentos existentes, de expressar sua compreensão e, caso sinta
a necessidade, de contradizer as “verdades reveladas”, evitando ser
mero consumidor ou receptor dos mesmos (MÜHL, 2003, p. 279/80).
8
RESUMO
A presente pesquisa bibliográfica propõe-se a fornecer bases para pensar a ação pedagógica
escolar tendo como referência a Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas e buscar
possíveis alternativas para o agir pedagógico em uma nova perspectiva educacional,
sustentado na interação mediada simbolicamente e atrelada no mundo da vida. Essa pesquisa
faz uma releitura dos caminhos percorridos por alguns filósofos e de como se relacionam
educação e conhecimento desde a modernidade e tece considerações da racionalidade
centrada nas relações intersubjetivas e da linguagem, no mundo da vida e nas tradições, em
face dos desafios dos novos tempos. Essa investigação procura construir um pano de fundo
para a reflexão da importância do pensamento habermasiano para a educação e, em especial,
para a construção de novas perspectivas para o conhecimento. O caminho apontado por
Habermas passa inevitavelmente pela reconstrução do projeto da modernidade a partir de uma
análise teórica e epistêmica da racionalidade intersubjetiva em contraposição à razão
instrumental. Na idéia de mundo da vida, Habermas mostra a racionalidade dos indivíduos
mediado pela comunicação e linguagem. Procura também analisar o mundo da vida como um
recurso central no combate da racionalidade sistêmica, procurando integrar conhecimentos do
mundo da vida e os conhecimentos necessários para atuar no mundo sistêmico, para que a
ação pedagógica e a escola possam reacoplar-se ao mundo da vida. Além disso, a pesquisa
propõe-se a examinar a possibilidade de uma ação comunicativa na escola, buscando entender
que saberes são necessários aos professores que nela atuam e aprofundar a reflexão sobre as
responsabilidades das ões pedagógicas na construção de novas aprendizagens exigidas na
atualidade. Na racionalidade comunicativa podemos perceber com maior clareza que ocorre
uma mudança estrutural de paradigma quando se desloca o entendimento que estava centrado
no sujeito para um acordo intersubjetivo baseado em uma racionalidade comunicativa. O que
ocorre é uma ação orientada ao entendimento. Diante desse olhar crítico, Habermas fornece
margens para a interpretação, em sua Teoria da Ação Comunicativa, de que seria possível a
educação retomar o seu papel transformador somente pela compreensão da prática concreta da
escola e da constituição da sala de aula como um espaço de comunicação, superando o caráter
instrumentalizador da educação e pela mudança de concepções tradicionalmente constituídas
na ação pedagógica escolar. Ampliando essas concepções na compreensão de que o
conhecimento se efetiva pela competência cognitiva, pelo diálogo, pelo consenso e
entendimento, pela possibilidade de troca, pela reflexão intersubjetiva, respeitando as
diferenças e partilhando o mundo vivido, na compreensão histórica dos acontecimentos em
seu contexto social, político e cultural.
Palavras-chave: Conhecimento; Racionalidade; Ação Comunicativa; Mundo da Vida; Ação
Pedagógica.
9
ABSTRACT
This literature search is proposing to provide the basis for thinking the action educational
school based on the Theory of Communicative Action of Jürgen Habermas and look for
possible alternatives to the teaching act in a new educational perspective, sustained in the
symbolically mediated interaction and tied the world of life. This research makes a rereading
of the paths traveled by some philosophers and how they relate to education and knowledge
from the modernity and considers the rationality focused on inter relations and language in the
world of life and traditions, facing the challenges of new times. This research seeks to build a
backdrop to the discussion of the importance of thinking Habermasian for education, and
particularly for the construction of new prospects for knowledge. The path indicated by
Habermas inevitably passes for the reconstruction project of modernity from a theoretical
analysis of rationality and epistemic intersubjective as opposed to the instrumental reason. In
the world of the idea of life, Habermas shows the rationality of individuals mediated by
communication and language. It also seeks to examine the world of life as a central resource
in combating the systemic rationality, seeking integrate knowledge from the world of life and
the skills to serve on the systemic world, seeking possible alternatives to the action and school
teacher-can reacoplar to the world of life. Moreover, the study proposes to examine the
possibility of a communicative action in school, seeking understand that knowledge is needed
for teachers who work and deepen the debate on the responsibilities of educational activities
in the construction of new learning required in the present. In communicative rationality can
understand more clearly that there is a structural change of paradigm shifts when the
understanding was that centered on the subject to an agreement intersubjective based on a
communicative rationality. What happens is an action oriented understanding. In this critical
eye, Habermas provides margins for interpretation, in his Theory of Communicative Action,
that it would be possible to resume its role education transformer only by understanding the
practice of school and constitution of the classroom as a forum for communication,
Surpassing the character of education and exploited by the change of concepts traditionally
constituted school teacher in action. Extending these concepts in the understanding that
knowledge is power for effective learning, through dialogue, consensus and understanding,
the possibility of exchange, the reflection intersubjective, respecting differences and sharing
the world lived in the understanding of historical events in their social context, political and
cultural.
Key words: Knowledge; Rationality; Communicative Action, World of Life; Pedagogical
Action.
10
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................................8
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................12
1. TEORIAS DO CONHECIMENTO: DA RAZÃO INATA À RAZÃO DISCURSIVA
EXPOSTA POR HABERMAS..............................................................................................20
1.1. O Racionalismo e o Empirismo.....................................................................................21
1.2. A Razão Prática e a Revolução Copernicana de Kant...................................................26
1.3. Da Psicogênese de Piaget à Teoria da Ação Comunicativa de Habermas ....................29
1.3.1. A Teoria da Racionalidade Habermasiana .............................................................37
1.3.1.1. Entendimento e Consenso ...............................................................................40
1.3.1.2. Argumentação..................................................................................................43
2. O MUNDO DA VIDA COMO HORIZONTE E PANO DE FUNDO DA AÇÃO
COMUNICATIVA .................................................................................................................48
2.1. Mundo da Vida ..............................................................................................................50
2.1.1. O Mundo da Vida como Pano de Fundo das Interações ........................................52
2.1.2. O Mundo da Vida como Relação Intersubjetiva de Entendimento ........................55
2.1.3. Os Componentes Estruturais do Mundo da Vida ...................................................57
2.2. Mundo da Vida e Mundo do Sistema ............................................................................66
2.2.1. As Patologias da Modernidade e o Reacoplamento do Mundo da Vida ao Mundo
Sistêmico ..........................................................................................................................71
11
3. O CONHECIMENTO COMUNICATIVAMENTE COMPARTILHADO NO AGIR
PEDAGÓGICO ......................................................................................................................74
3.1 – A Racionalidade Comunicativa e Mundo da Vida na Ação Pedagógica ....................82
3.2. Ação Pedagógica Comunicativa....................................................................................87
3.3. Ações Comunicativas e Interdisciplinares.....................................................................94
3.4. Novos entendimentos para a educação escolar............................................................100
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................104
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................110
12
INTRODUÇÃO
Como professora e coordenadora pedagógica de Escola Pública Estadual quase
vinte anos percebo a complexidade de ser professor e a enorme responsabilidade que isso
representa. Muito se tem investigado sobre a formação de professores, seus fazeres e os
constantes fracassos educacionais, demonstrando assim não uma situação de crise, mas a
urgente necessidade de repensar e buscar alternativas viáveis, como outra forma de
compreender e também de agir.
Abordar a temática da aprendizagem é assumir que aprender possui um caráter
dinâmico que exige ações de ensino em que os alunos aprofundem e ampliem significados,
captando sentidos que validem os conhecimentos, se engajando no sujeito, passando pelas
experiências e conhecimentos prévios. É dar uma nova significação, construindo
conhecimentos não somente sistematizados, mas, também, pela tradição, pela cultura, pelo
mundo da vida. Isso tudo visa à superação do fracasso, para que o aluno possa saber pensar e
aprender a aprender, como sujeito histórico capaz. Boufleuer complementa:
A ação educativa escolar não é um fazer por fazer, mas um fazer intencional. Trata-
se da intencionalidade de um coletivo de sujeitos. Essa intencionalidade coletiva,
porém, é impossível de ser construída sem que haja um mínimo de clareza teórica no
nível dos sujeitos participantes, isto é, sem que os envolvidos nessa construção
saibam dar as razões que motivam suas práticas (2001, p.10).
A prática na escola me mostrava, que na maioria dos casos, não havia conhecimentos
pertinentes. Ouvia professores dizendo que ensinavam, mas não percebia aprendizagens
efetivas nos alunos. Percebia que a base da educação atual estava reduzida à racionalidade
instrumental, o que impedia o desenvolvimento de uma educação emancipadora. A educação
perdeu o seu caráter inovador e sua dimensão crítica sob o jugo da racionalidade reduzida à
função de manipulação e controle e somente uma crítica rigorosa e profunda pode fazer a
educação retomar seu papel transformador.
13
Nesse viés, sempre me questionei sobre a necessidade de buscar mais. A partir dessas
falas dos professores e da insuficiente aprendizagem dos alunos sentia falta de um estudo
mais significativo sobre o assunto, para repensar a realidade escolar. Foi então que busquei o
aprimoramento de minha formação realizando o Mestrado em Educação nas Ciências, da
UNIJUÍ. Busco, assim, compreender a educação como prática concreta da escola e da sala de
aula como um espaço de comunicação que possibilite a superação do caráter
instrumentalizador da educação, promovendo a emancipação de alunos e professores.
Acreditando na aprendizagem como um processo de inter-relações onde não se
produzam somente saberes científicos, como também históricos, sociais e filosóficos, com
base em ações comunicativas é que procuro pensar o conhecimento e a ação comunicativa no
âmbito escolar. Examinando o que é necessário para que isso aconteça, considerando o
mundo da vida, vendo a escola na sua complexidade, intersubjetividade e interdisciplinaridade
e entendendo que saberes são necessários aos profissionais da educação que nela atuam.
Minha intenção na presente pesquisa é a de fazer uma revisão bibliográfica da Teoria
da Ação Comunicativa de Habermas, investigando como se relacionam educação e
conhecimento desde a modernidade
1
, a partir de uma razão instrumental ou da subjetividade,
até a razão comunicativa, centrada nas relações intersubjetivas e da linguagem, no mundo da
vida e nas tradições em face dos desafios dos novos tempos e examinando a possibilidade de
uma ação comunicativa na escola, numa concepção de racionalidade mediada pelas relações
intersubjetivas.
Pretendo, assim, aprofundar a reflexão sobre em que a Teoria da Ação Comunicativa
pode contribuir para a redefinição do processo de aprendizagem e que papel cabe ao professor
nesse processo. Analisando quais são as implicações conceituais e práticas da mudança de um
agir pedagógico orientado instrumentalmente e um agir orientado comunicativamente e que
potencialidade tem a ação comunicativa para orientar a prática pedagógica transformadora
diante do poderio e da eficiência da racionalidade instrumental, sistêmica.
1
- A modernidade tem origem em vários aspectos: ela é a transformação da comunidade tradicional nos âmbitos
da cultura, economia, política, etc. Segundo Max Weber, a modernidade se caracteriza como um processo
específico de racionalização. As novas estruturas racionais se liberam dos pressupostos normativos da tradição e
dos fundamentos do mundo vital. Assim aparecem a economia e a política modernas, bem como os novos
quadros do processo de racionalização. No sentido filosófico podemos seguir a sugestão de Hegel de que a
filosofia moderna começa com Descartes e com a afirmação da autoridade do nosso próprio pensamento, ou seja,
em lugar de seguir o mundo objetivo e procurar as soluções dentro da metafísica da objetividade, o pensamento
moderno procura a certeza dentro da sua própria estrutura. O nosso pensamento é o novo fundamento. Com isso,
Descartes abre a perspectiva da moderna metafísica da subjetividade (MILOVIC, 2005, p. 290/91).
14
Com a necessidade de se fazer um recorte visando à área da pedagogia e de como se
pensava a educação e o conhecimento, nesta pesquisa, não seria possível resgatar todos os
autores em que Habermas se baseia para desenvolver sua Teoria da Ação Comunicativa. A
pesquisa deteve-se em Descartes, Hume, Kant e Piaget, pois Habermas pretende incorporar os
princípios da modernidade em um conceito mais amplo de racionalidade. Não
desconsiderando seus colegas da Escola de Frankfurt
2
e tantos outros que incentivaram e
embasaram os estudos habermasianos, apenas considerando que Habermas detectou um
processo de atomização que decorria a partir dessa concepção filosófica metafísica.
Concepção essa, que desde Descartes punha o indivíduo como um ente solitário a descobrir o
mundo, em um paradigma tradicional da subjetividade, não podendo resolver o problema das
relações intersubjetivas que caracterizam o convívio social.
Com a revisão dessas teorias
3
Habermas colheu material para os seus conceitos de
racionalidade e de ação comunicativa, embasado numa nova concepção de sociedade,
2
- A Escola de Frankfurt surgiu da iniciativa de um grupo de pensadores alemães que formaram o Instituto de
Pesquisa Social de Frankfurt, em 1923. O objetivo desse instituto era proceder a um exame crítico da sociedade,
em geral, e em seus aspectos econômicos, culturais e de produção de conhecimento, a partir de uma perspectiva
marxista renovada, isto é sem estar presa, ao historicismo ou ao materialismo. Essa escola foi fundada em uma
época de grandes transformações da política germânica, que vinha de uma derrota arrasadora na I Grande Guerra
(1914-1918). Durante o período da efêmera experiência liberal da chamada República de Weimar (1919-1933), o
Instituto de Pesquisa Social pôde permanecer vinculado à Universidade de Frankfurt, mas depois de Adolf Hitler
(1889-1945) ter assumido o posto de chanceler, em 1933, o departamento sofreu várias mudanças, fixando-se
primeiro em Genebra (Suíça), depois Paris (França) e finalmente Nova York (EUA), onde permaneceu ao
final da II Guerra Mundial (1939-1945). Os principais membros da Escola de Frankfurt foram Walter Benjamin
(1892-1940); Max Horkheimer (1895-1973); Herbert Marcuse (1898-1979) e Theodor W. Adorno (1903-1969).
Depois da reconstrução da Universidade de Frankfurt e do retorno do Instituto de Pesquisa Social à cidade,
formou-se uma segunda geração de teóricos, dos quais se destacam Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas (SILVA,
2008).
3
-
Em 1962, Habermas, que fora assistente de Adorno entre 1956 a 1959, obteve seu doutorado com a
publicação da tese Mudança Estrutural da Esfera Pública. Até que Apel viesse a ingressar em Frankfurt, como
catedrático em filosofia, em 1972, o interesse de Habermas esteve voltado para discussão da relação entre
conhecimento científico e interesse, técnica e ideologia. Destacam-se desse período o artigo "Técnica e Ciência
como Ideologia" (1968) e o livro Conhecimento e Interesse (1968), obras que, como as anteriores, procuravam
resolver o problema do conhecimento em uma teoria crítica da sociedade, através de uma clarificação dos
métodos, nos moldes conceituais de uma filosofia da consciência tradicional. Com a segunda geração de
Frankfurt há uma guinada pragmática da argumentação, Habermas tratou de delinear um novo conceito de
racionalidade que tinha agora a comunicação como sua forma de sustentação. O discurso teórico, não mais
dependeria apenas de pressupostos sintáticos e semânticos - se uma proposição bem formulada tinha um valor de
verdade -, mas, sobretudo de uma compreensão intersubjetiva que precisa atender às condições pragmáticas do
discurso prático, onde, para ser bem sucedido, a mensagem tem de ser compreendida pelo seu receptor. Uma
nova concepção de verdade surgiu daí com o conceito de consenso argumentado que esteve no centro de uma
promissora Ética do Discurso (SILVA, 2008).
15
englobando o “mundo da vida” e o “mundo do sistema” em um mundo objetivo, social e
subjetivo e seus subsistemas: personalidade, sociedade e cultura.
A partir dessas concepções de Habermas procura-se, nesta pesquisa, repensar a ação
pedagógica buscando entender como atuam os sujeitos capazes de linguagem em interação
social, pela ação comunicativa, razão comunicativa e mundo da vida. Esses conceitos
necessitam ser vistos e estudados com a compreensão do todo onde figuram, em um trabalho
inter e transdisciplinar, pelo qual os envolvidos na ão pedagógica estejam engajados num
mesmo objetivo, transformando o ensino em aprendizagem, valorizando o diálogo e a
formação de sujeitos críticos e reflexivos no contexto das transformações do mundo e da
sociedade.
Esta pesquisa principia fazendo uma releitura dos caminhos percorridos por alguns
filósofos e das teorias do conhecimento que foram historicamente constituídas desde a
modernidade. Não com o objetivo de negar o passado ou de esquecer a tradição, mas
refazendo os caminhos andados, procurando resgatar o que em cada uma dessas teorias do
conhecimento foi significativo e que serviu de base à outra, pois elas se ligam e se
complementam.
O capítulo 1: Teorias do Conhecimento: Da Razão Inata à Razão Discursiva
Exposta por Habermas, inicia pela modernidade, pois é ela que, a partir de Descartes, abre o
caminho à emancipação do pensamento humano não mais centrado num mundo objetivo, mas
no sujeito, na subjetividade, tendo como fundamento o próprio pensamento, como um
processo específico de racionalização. Conforme Marques, nesse paradigma
a consciência conhece pela representação com que se relaciona com objetos que,
para melhor domínio, reduz e fragmenta em especialidades compartimentadas e
isoladas de todo o seu contexto natural e cultural. As disciplinas científicas fecham-
se em seus âmbitos estreitados e se tornam incomunicáveis entre si e inacessíveis
aos não iniciados em seus segredos (1994, p. 553).
A investigação Kantiana do sujeito abriu o caminho da razão, como uma certeza a
priori de si mesma, porém limitou-se a ela, não considerando a possibilidade de novas
experiências históricas e individuais, perdendo-se assim, com a ação instrumental e
estratégica da modernidade.
Se considerarmos como Prestes (1996, p. 113), que “o conhecimento tem uma estreita
ligação com a racionalidade, que ela se traduz como forma de saber, conhecer,
16
compreender, dar razões”, necessitamos compreender a aprendizagem como um processo de
construção do conhecimento originalmente explicado por Piaget na Epistemologia Genética.
Essa é a base de sustentação dos argumentos de Habermas de que a racionalidade é uma
aprendizagem e que assim os sujeitos se constituirão como capazes de conhecimento,
linguagem e ação.
Segundo Habermas (1987a) para que a ação comunicativa aconteça são necessários
sujeitos racionais. Sujeitos racionais são sujeitos com capacidades cognitivas, ou seja,
precisam pensar para que possam argumentar e chegar a consensos e entendimentos. Nesse
viés, Habermas apoiou-se nos estudos de desenvolvimento cognitivo de Piaget. Piaget, por
sua vez, apoiou-se nos estudos de Kant, no campo da teoria do conhecimento, que também
pensava que o conhecimento era produzido pela capacidade de organização do sujeito, indo,
assim, além do pensamento das idéias inatas e empíricas.
Na razão comunicativa os homens se constituem pela ação comunicativa, no mundo
da vida e nas tradições em face dos desafios dos novos tempos e na urgência da emancipação
humana. A intersubjetividade é uma referência para a questão da fundamentação de Habermas
para pensar na modernidade como um projeto inacabado, em que “[...] estão em crise os
fundamentos da razão e a própria noção de fundamentos, as condições mesmas da
possibilidade do conhecimento” (MARQUES, 1988, p. 83). Para Habermas, a razão ainda é
uma possibilidade e um processo de inter-relações onde se produzam o somente saberes
científicos, como também, os históricos, sociais e filosóficos.
Na segunda parte desse capítulo, A Teoria da Racionalidade Habermasiana, procura-
se compreender como Habermas elaborou um conceito de racionalidade comunicativa,
retomando a problemática da razão sob um novo ângulo, que somente pode manifestar-se sob
a forma de “ação comunicativa”, entendendo a intersubjetividade como uma referência para
pensar a modernidade como um projeto inacabado, onde a razão ainda é uma possibilidade.
As mudanças sugeridas pela neomodernidade
4
transformam radicalmente a noção de
conhecimento, alterando significativamente as relações entre sujeitos individuais e objetos,
4
A palavra neomoderno ou neomodernidade insere-se no interior do debate em torno da crise da modernidade,
assim como se assentam outras expressões, tais como: modernidade reflexiva, pós-modernidade,
hipermodernidade, entre outras. O diferencial básico entre estas proposições reside na tomada de posição perante
a modernidade, ou seja, aqueles que consideram esgotado o projeto moderno, os pós-modernos, e aqueles que
acreditam que esse projeto deva ser redimensionado, entre os quais coloca-se a perspectiva neomoderna. Sua
preocupação é restaurar a unidade da razão (ciência, moral e arte), evitando a transformação de uma de suas
dimensões em soberana (assim como ocorreu com a razão científica na modernidade) (FENSTERSEIFER, 2005,
p. 302/3).
17
percebendo-os agora na relação entre sujeitos sociais e seus pronunciamentos, visando o
entendimento. Desta forma a neomodernidade “é o clímax do sonho imperial da razão
moderna” (MARQUES, 1994, p. 556).
A filosofia é entendida como teoria da racionalidade, pelo entendimento
macroscópico e, principalmente, pelo paradigma da comunicação, ou seja, o paradigma do
entendimento entre sujeitos capazes de falar e de agir, numa concepção de racionalidade
capaz de esclarecer os conflitos que determinadas compreensões de conhecimento têm
provocado na humanidade, pois “o tema fundamental da filosofia é a razão. Essa é uma das
proposições iniciais e fundamentais da ‘Teoria da Ação Comunicativa’. E o objetivo da
filosofia em Habermas consiste em estabelecer os atributos que caracterizam a idéia da razão”
(DUTRA, 2005, p. 9).
A partir desses entendimentos discorrem-se, no texto, as noções de Habermans sobre a
ação comunicativa como ação lingüisticamente mediada e as condições de possibilidade
dessas ações, como: as pretensões de validade, as fundamentações do discurso racionalmente
argumentadas, entendimento e consenso.
No capítulo 2: O Mundo da Vida como horizonte e pano de fundo da Ação
Comunicativa, busca-se a visão da sociedade como um todo, desde a perspectiva do mundo
da vida até os imperativos do mundo sistêmico.
Nos capítulos anteriores o conceito de mundo da vida estava presente, porém nesse
Habermas o retoma em detalhes. Apesar de Habermas partir do conceito de Husserl
5
de
Mundo da Vida, na Teoria da Ação Comunicativa ele é complementar, é o pano de fundo
comum de todos os envolvidos numa situação, considerando que o horizonte social se compõe
do que é partilhado por todos, compondo-se de uma experiência comum, das mesmas
tradições, da língua e da cultura compartilhada e acessível a todos.
Considerando que o mundo da vida é o lugar transcendental onde os aspectos da vida
social podem ser questionados e redefinidos, permitindo o entendimento entre os sujeitos,
esboça-se também, no presente texto, as concepções do mundo objetivo, social e subjetivo do
Mundo da Vida. Oferece o sistema de referência que indica sobre que aspectos do mundo
pode haver entendimento, assim como os componentes estruturais do Mundo da Vida: cultura,
sociedade e personalidade.
5
- Husserl, conforme Pizzi (2006, p. 19), é um dos autores mais importantes do século XX, não só pela
coerência na análise do seu tempo, mas pela importância do programa fenomenológico do conhecimento e pelo
resgate do Lebenswelt (Mundo da Vida).
18
A segunda parte deste capítulo refere-se à interpretação habermasiana da estrutura da
sociedade dividida entre dois mundos: o Mundo da Vida e Mundo do Sistema ou Mundo
Vivido e Mundo Sistêmico. Habermas entende o “mundo vivido” como um espaço social em
que a ação comunicativa permite a realização da razão comunicativa através do diálogo, da
argumentação e do consenso, em espaços livres, sem coação. O “mundo sistêmico” é
complementar do “mundo vivido” neste, porém, a linguagem é secundária, predominando a
ação instrumental ou estratégica, pois assegura a reprodução material e institucional da
sociedade: a economia e o estado, ou seja, o dinheiro e o poder. O objetivo central do mundo
sistêmico é o êxito, o sucesso, a dominação.
A partir da diferenciação e conceituação desses mundos analisa-se o que Habermas
considera como “patologias da modernidade” e de como propõe o “desacoplamento” desses
dois mundos.
No capítulo 3: O Conhecimento Comunicativamente Compartilhado no Agir
Pedagógico, reflete-se sobre essas concepções de conhecimento, aprendizagem,
intersubjetividade, com as abordagens inter e transdisciplinares e com as novas exigências do
mundo atual, buscando novos entendimentos para a educação escolar através de uma
racionalidade comunicativa e do mundo da vida na ação pedagógica. Segundo Marques:
Trata-se de repensarmos o nosso pensamento pedagógico no que tem ele de
impensado, nos seus pressupostos esconsos. Para além, ou para mais fundo
do que costumamos denominar de pressupostos filosóficos, científicos ou
técnicos, para além dos modelos e teorias que decididamente esposamos,
torna-se imperioso repensar a educação nos seus paradigmas, entendidos
estes como as estruturas mais gerais e radicais do pensamento e da ação
educativa (2000, p. 11).
Procura-se verificar nesse capítulo quais as limitações na prática docente e na escola
quando predominância do mundo sistêmico e da racionalidade instrumental nas relações
escolares e porque o mundo da vida torna-se, na visão de Habermas, um recurso tão central no
combate contra a racionalidade sistêmica. Verifica-se, também, como a escola pode reacoplar-
se ao mundo da vida. Como ela deve defrontar-se com o mundo sistêmico e como integrar
conhecimentos do mundo da vida e os conhecimentos necessários para atuar-se no mundo
sistêmico.
Analisam-se, assim, as possibilidades das propostas pedagógicas estarem ancoradas
em um novo contexto, que contribuam para a mudança de concepções sobre educação e que
19
permitam uma visão mais clara da teoria, da prática e de suas inter-relações. Essa visão
apresenta uma preocupação no processo de constituição e ação docente; a necessidade de uma
formação que desenvolva a curiosidade epistemológica no docente, relacionando-a ao
processo de construção de estruturas cognitivas, bem como, a mudança de atitude pedagógica,
enfatizando a consciência de eterno aprendiz, onde os homens se constituem pela ação
comunicativa, no mundo da vida e nas tradições em face dos desafios dos novos tempos.
20
1. TEORIAS DO CONHECIMENTO: DA RAZÃO INATA À RAZÃO DISCURSIVA
EXPOSTA POR HABERMAS
Conforme Chauí (2000), a palavra filosofia procede da língua grega e significa
amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. O filósofo é movido pelo desejo do saber,
em constante busca pela verdade, de procedimentos corretos para usar o pensamento, pela
racionalidade dos conhecimentos, procurando, sempre, respostas para “questões filosóficas”.
O filosofar muda de problemática no decorrer dos tempos. A história do pensamento
humano é uma constante busca da verdade. Cada pensador tem seu lugar próprio no mundo,
sua própria situação histórica. Por isso cada um tem uma visão parcialmente própria da
verdade, embora ela possa coincidir com a do outro, em uma espécie de relativismo.
O pensamento filosófico principia quando o homem pergunta pelo sentido de sua
existência, pela busca da consciência de si mesmo e do universo: o que somos? De onde
viemos? Aonde vamos? Ou seja, com indagações sobre o sentido da vida humana e do
universo. Estas são questões filosóficas de ordem ontológica ou metafísica
6
, isto é, sobre a
relação do ser e do pensamento. Na Filosofia Moderna, com o surgimento do sujeito do
conhecimento, segundo Chauí:
A filosofia em lugar de começar seu trabalho conhecendo a Natureza e Deus, para
depois referir-se ao homem, começa indagando qual é a capacidade do intelecto
humano para conhecer e demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em outras
palavras, a Filosofia começa pela reflexão, isto é, pela volta do pensamento sobre si
mesmo para conhecer sua capacidade de conhecer (2000, p. 46).
A fim de estabelecer que valores têm nossos conhecimentos sobre o homem e o
mundo, os filósofos elaboraram uma Teoria do Conhecimento que estuda a origem, a essência
e a validade do conhecimento e que responde as perguntas: O que podemos conhecer? O que
6
- A ontologia estuda a origem, a essência do universo, da vida e do pensamento, enquanto que a metafísica põe
em questão a própria essência e existência do ser (CHAUÍ, 2000, p. 208).
21
é o conhecimento? Existe a verdade? Como podemos conhecê-la? Qual é o critério da
verdade? Qual é o valor dos nossos conhecimentos?
Conforme Bazarian (1985, p. 36), a Gnosiologia ou Filosofia do Conhecimento,
estuda a capacidade humana de conhecer
7
, levantando as seguintes questões: De onde nos
vêm às representações para compreender a realidade? De onde procede, fundamentalmente, o
conhecimento? Para que o conhecimento se possa considerar um autêntico conhecimento, é
preciso que seja universal e necessário e, ao mesmo tempo, se aplique à realidade, que é
singular e contingente. De onde deriva o conhecimento, de modo a satisfazer estas duas
condições? Se proceder apenas da experiência satisfará à segunda, ou seja, será universal e
necessário. Se for obtido pela razão terá caráter universal e necessário, mas não poderá ser
aplicado à realidade.
Essa foi uma das maiores dificuldades que dividiu todos os filósofos e duas grandes
correntes passam a figurar neste cenário: o racionalismo e o empirismo.
1.1. O Racionalismo e o Empirismo
O racionalismo valoriza, sobretudo, a razão, que organiza, unifica e dá sentido aos
dados recebidos espontaneamente da consciência, enquanto que no empirismo o
conhecimento advém dos sentidos e experiência.
Assim, o empirismo é considerado uma doutrina relativa à natureza do conhecimento
que enfatiza o papel da experiência, subordinando-lhe o trabalho posterior da razão. O
racionalismo afirma que a razão recebe certas idéias gerais que lhe servem para conhecer a
realidade, ou cria certos dados chamados apriorísticos, com os quais organiza e interpreta a
experiência - por isso se diz que o conhecimento é "a priori".
O racionalismo afirma que nascemos trazendo em nossa inteligência não só os
princípios racionais, mas também algumas idéias verdadeiras, que, por isso, são idéias inatas.
Teve como principais adeptos Platão, Descartes, Spinoza, Leibniz e outros. Para eles a
7
- Lógica estuda os meios ou métodos de investigação do pensamento correto e do pensamento verdadeiro.
Crítica estuda a possibilidade, origem, essência e valor do conhecimento. Epistemologia estuda a validade
do conhecimento científico, das ciências específicas (BAZARIAN, 1985, p. 34).
22
experiência sensorial é uma fonte permanente de erros e confusões sobre a complexa
realidade do mundo. Somente a razão humana, trabalhando com os princípios lógicos, pode
atingir o conhecimento verdadeiro, capaz de ser universalmente aceito. Para o racionalismo,
os princípios lógicos seriam inatos na mente do homem. Daí por que a razão deve ser
considerada como a fonte básica do conhecimento:
A tese central dos inatistas é a seguinte: se não possuirmos em nosso espírito a razão
e a verdade, nunca teremos como saber se um conhecimento é verdadeiro ou falso,
isto é, nunca saberemos se uma idéia corresponde ou não à realidade a que ela se
refere. Não teremos um critério seguro para avaliar nossos conhecimentos (CHAUÍ,
2000, p. 71).
Conforme Chauí (2000), Descartes pode ser considerado o fundador da filosofia dos
novos tempos e do racionalismo, procurando encontrar respostas para todas as questões
filosóficas importantes. Em seu texto mais famoso, Discurso do Método, Descartes, faz uma
exposição do método, ou das principais regras do método, que procedeu para alcançar a
verdade, partindo da idéia de que a razão é o único meio de chegar ao conhecimento seguro,
não podendo confiar nos sentidos, nem nos conhecimentos herdados.
Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta como uma via
para se chegar à certeza e não é dúvida sistemática, sem outro fim que o próprio duvidar, tais
como os céticos o fazem. Argumenta que tais idéias em geral são incertas e instáveis, sujeitas
à imperfeição dos sentidos. Algumas, porém, se apresentam ao espírito com nitidez e
estabilidade, e ocorrem a todas as pessoas da mesma maneira, independentes das experiências
dos sentidos. Isso significa que residem na mente de todas as pessoas e são inatas (CHAUÍ,
2000).
Na segunda parte do Discurso do Método de Descartes fica patente a prevenção, a
desconfiança, em relação a tudo o que nos foi ensinado e que aprendemos a nossa revelia,
antes de dispor do pleno uso de nossa razão. Suposição que revela a essência do
cartesianismo
8
, a crença em uma razão intemporal na qual seria possível restaurar em sua
pureza e integridade, desde que dela fosse excluído tudo o que se deve ao ensino, à leitura, à
educação. Confiando apenas na razão, na sua razão, individual e intemporal, Descartes
acrescenta que, em relação a todas as opiniões, que até então admitira, o melhor que pôde
8
- Movimento filosófico cuja origem é o pensamento do francês Renè Descartes.
23
fazer foi rejeitá-las, embora viesse a readmiti-las posteriormente, ou outras melhores, ou as
mesmas, desde que “ajustadas ao nível da razão”
(CHAUÍ, 2000, p.71).
O importante e o que constitui o preceito metodológico básico apontado no Discurso
do Método, é que se considere verdadeiro o que for evidente, ou seja, o que pode ser
intuído com clareza e precisão, porém na ampliação da área do conhecimento nem sempre é
possível a intuição, e, conseqüentemente, adequado à pronta aplicação do preceito da
evidência. Eis por que Descartes propõe outros preceitos metodológicos complementares ou
preparatórios da evidência: o preceito da análise (dividir cada uma das dificuldades que se
apresentem em tantas parcelas quantas sejam necessárias para serem resolvidas), o da síntese
(conduzir com ordem os pensamentos, começando dos objetos mais simples e mais fáceis de
serem conhecidos, para depois tentar gradativamente o conhecimento dos mais complexos) e
o da enumeração (realizar enumerações de modo a verificar que nada foi omitido). Tais
preceitos representam a submissão a exigências estritamente racionais. E justamente o que
Descartes prescreve como recurso para a construção da ciência e também para a sabedoria de
vida é seguir os imperativos da razão, que, a exemplo de sua manifestação matemática,
operam por intuições e por análises (ARANHA, 1996, p. 105).
Descartes inicia seu itinerário espiritual com a dúvida. Mas é necessário
compreender que essa dúvida tem outro alcance que a dúvida metódica do cientista. Descartes
duvida voluntária e sistematicamente de tudo, desde que possa encontrar um argumento, por
mais frágil que seja. Duvidemos dos sentidos, uma vez que eles freqüentemente nos enganam.
Duvidemos também das próprias evidências científicas e das verdades matemáticas, pois tanto
quanto podemos duvidar do Ser, sempre podemos duvidar do objeto (CHAUÍ, 2000).
Então, Descartes chega a sua primeira certeza: que existe, porém, uma coisa de que
não pode duvidar, mesmo que o demônio queira sempre lhe enganar. Mesmo que tudo o que
pensa seja falso, resta a certeza de que “eu sou, eu existo”. Se eu existo é porque estou
pensando, pois se deixasse de pensar não existiria, portanto, "Penso, logo existo". O cogito
de Descartes é, portanto, a descoberta do domínio ontológico, ou seja, estes objetos que são as
evidências matemáticas remetem a este ser que é meu pensamento, e não é o ato de
nascimento que tem o sujeito pensante e suas idéias como o fundamento de todo
conhecimento (CHAUÍ, 2000, p. 116).
Uma das pedras fundamentais para a filosofia foi lançada por Descartes para a
construção do edifício do saber moderno, pois até a modernidade, o objeto era considerado
com características que deveriam imprimir no sujeito o conhecimento verdadeiro.
24
Na interpretação de Aranha (1996), precisamente com seu dualismo substancial, ou
seja, com a descoberta da unidade simples do ‘eu penso’, Descartes instaurava a primeira
certeza indubitável da filosofia moderna, superando, com isso, a dúvida cética radical - sob
cuja suspeição houvera sido colocada a totalidade do conhecimento possível - e, desse modo,
viabilizava a recuperação das condições epistemológicas que transferia a possibilidade de
conhecimento para o sujeito e que tornariam possível a construção, em bases seguras, de uma
ciência. Para Descartes, justamente, a subjetividade é constituída pela inexplicável unidade de
duas substâncias de natureza distinta, a alma (intelecto, razão, consciência, mente) e o corpo
(substância material), já que, o sujeito antecede o objeto no processo de conhecimento e tem a
função ordenadora desse conhecimento.
“Enquanto o racionalismo de Descartes prioriza a razão, na consciência, como ponto
de partida para todo o conhecimento, Locke desenvolve uma concepção empirista, afirmando
que nada está no espírito que não tenha passado primeiro pelos sentidos” (ARANHA, 1996, p.
106), ou seja, ao contrário dos pensadores inatistas, os empiristas acreditam que a razão e as
idéias racionais somente são adquiridas por nós através da experiência.
O termo empirismo tem sua origem no grego empeiria, que significa experiência”
sensorial. Seus defensores mais fiéis foram os ingleses Francis Bacon, John Locke, George
Berkeley e David Hume e acreditavam que:
A razão, a verdade e as idéias racionais são adquiridas por nós através da
experiência. Antes da experiência, dizem eles, nossa razão é como uma “folha em
branco”, onde nada foi escrito; uma “tabula rasa” onde nada foi gravado. Somos
como uma cera sem forma e sem nada impresso nela, aque a experiência venha
escrever na folha, gravar na tábua, dar forma à cera (CHAUÍ, 2000, p. 71).
De um modo geral, o empirismo defende que todas as nossas idéias são provenientes
de nossas percepções sensoriais (visão, audição, tato, paladar, olfato). Em outras palavras,
ditas por Locke: “nada vem à mente sem ter passado pelos sentidos” (Apud, CHAUÍ, 2000, p.
72).
O filósofo empirista John Locke afirmava também que, ao nascermos, nossa mente é
como um papel em branco, completamente desprovida de idéias e que o vasto conjunto de
idéias da mente humana provém da experiência, que resulta da observação dos dados
sensoriais. Todo nosso conhecimento está nela fundado, ou seja, “as idéias trazidas pela
25
experiência, isto é, pela sensação, pela percepção e pelo hábito são levados à memória e, de
lá, a razão as apanha para formar os pensamentos” (CHAUÍ, 2000, p. 72).
David Hume queria eliminar todos os conceitos obscuros e raciocínios intricados dos
filósofos de então, retornando à forma original pela qual o homem experimentava o mundo,
tomando como ponto de partida para a sua reflexão o mundo cotidiano.
Uma das primeiras conclusões de Hume, conforme Chauí (2000), é a de que o homem
possui impressões, de um lado, e idéias, de outro. Por impressões ele entende a percepção
imediata da realidade exterior (queimar a mão no fogo). Por idéia ele entende a lembrança de
tal impressão (lembrança de que queimou a mão no fogo). A impressão é mais forte e mais
viva do que a lembrança que se tem dela, por isso pode ser chamada de original, enquanto que
a idéia, ou lembrança que se tem dela, uma cópia da original, pois temos idéias depois de
ter impressões. A impressão é a causa direta da idéia guardada na mente e para provar a
validade de uma idéia é preciso apresentar a sua relativa impressão porque “as idéias, trazidas
pela experiência, isto é pela sensação, pela percepção e pelo hábito, são levadas à memória e,
de lá, a razão as apanha para formar o pensamento” (CHAUÍ 2000, p. 72).
A razão, para Hume, é o hábito de associar percepções, tanto por semelhança, como
por diferença, pois quando descobrimos certa semelhança entre idéias que por outros aspectos
são diferentes, de tanto repetí-las criamos o hábito de associá-las. Forma-se assim, em nós, o
hábito de considerar unidas de alguma maneira entre si as idéias. Se a percepção repetida e
habitual de uma determinada impressão ou fato nos leva a elaborar idéias sobre os fenômenos
naturais, através de generalizações indutivas, que são percepções repetidas que nos chegam da
experiência sensorial, saltamos para uma conclusão geral, da qual não temos experiência
sensorial.
De acordo com Chauí (2000), Hume recomenda que os cientistas apresentem suas
teses como probabilidades lógicas e não como certezas irrefutáveis, pois todo o conhecimento
da realidade entra no domínio da experiência e da probabilidade e não do conhecimento
científico.
Desse modo, podemos perceber as diferenças entre as duas correntes filosóficas:
empirismo e racionalismo. Duas vertentes em busca do conhecimento, cada qual por seu
meio. Porém, nem o racionalismo nem o empirismo são respostas totais aos problemas que
pretendem resolver. A doutrina empírico-racionalista representa uma tentativa de estabelecer
a mediação entre estas duas, afirmando que o conhecimento se deve a experiência e a razão.
26
1.2. A Razão Prática e a Revolução Copernicana de Kant
Segundo Chauí (2000), o maior representante da corrente empírico-racionalista foi
Kant, um filósofo alemão do Século XVIII, que abordou a questão da origem do
conhecimento. Para Kant, todo o conhecimento começa na e pela experiência, mas não se
limita a ela. Os elementos múltiplos, diversos e contingentes fornecidos pela experiência são
integrados em conceitos que o próprio entendimento possui anteriormente. Deste modo, a
experiência fornece a matéria, o conteúdo do conhecimento, enquanto que o entendimento lhe
certa forma; o que significa que o conhecimento é sempre o resultado da junção de uma
forma com uma matéria.
Conforme Chauí (2000, p. 77), empiristas e racionalistas colocaram a realidade
exterior ou os objetos do conhecimento no centro, fazendo com que a razão ou o sujeito do
conhecimento girasse em torno deles. Kant propõe uma revolução copernicana
9
em filosofia,
colocando a razão no centro em vez de colocar no centro a realidade objetiva ou os objetos do
conhecimento, mostrando que o sujeito é a razão universal ou sujeito conhecedor.
Kant considera, pois, que o conhecimento não pode fundamentar-se unicamente na
razão, como pretendiam os racionalistas, mas também não pode reduzir-se unicamente aos
dados da experiência. Esta é antes fonte dos dados recebidos pela nossa sensibilidade, mas
devidamente organizados por determinados conceitos existentes no nosso conhecimento,
9
- “A tradição antiga e medieval considerava que o mundo possuía limites (ou seja, o mundo era finito), sendo
formado por um conjunto de sete esferas concêntricas, em cujo centro estava a Terra, imóvel. À volta da Terra
giravam as esferas nas quais estavam presos os planetas (o Sol e a Lua eram considerados planetas). Em grego,
Terra se diz Gaia ou Geia. Como ela se encontrava no centro, o sistema astronômico era chamado de
geocêntrico e o mundo era explicado pelo geocentrismo. A revolução copernicana demonstrou que o sistema
geocêntrico era falso e que: 1. o mundo não é finito, mas é um Universo infinito; 2. os astros não estão presos em
esferas, mas fazem um movimento (como demonstrará Kepler, depois de Copérnico), cuja forma é a de uma
elipse; 3. o centro do Universo não é a Terra; 4. o Sol (como fora demonstrado por outros astrônomos) não é
um planeta, mas uma estrela, e a Terra, como os outros planetas, gira ao redor dele; 5. o próprio Sol também se
move, mas não em volta da Terra. Em grego, Sol se diz lios e por isso o sistema de Copérnico é chamado de
heliocêntrico, e sua explicação, de heliocentrismo, pois o Sol está no centro do nosso sistema planetário e tudo
se move ao seu redor” (CHAUÍ, 2000, p. 77, grifo da autora).
27
conceitos que não derivam da experiência, que são os conceitos puros do entendimento e vêm
antes da experiência e não dependem dela. Porém, conforme Chauí:
[...] os conteúdos que a razão conhece e nas quais ela pensa, esses sim, dependem da
experiência. Sem ela a razão seria sempre vazia, inoperante, nada conhecendo.
Assim a experiência fornece a matéria (os conteúdos) do conhecimento para a razão
e esta, por sua vez, fornece a forma (universal e necessária) do conhecimento. A
matéria do conhecimento, por ser fornecida pela experiência, vem depois desta e por
isso é, no dizer de Kant, a posteriori. (2000, p. 78; grifo da autora).
Para Kant, conforme Aranha (1996, p. 123), o conhecimento é como que o resultado
de um processo de transformação de uma matéria-prima dada pela experiência e apreendida
pelo entendimento como tendo determinada significação, quer dizer que se não pode haver
conhecimento sem experiência, continuamos a não ter conhecimento se nos limitarmos
exclusivamente a esta. O mesmo se passa em relação à razão. O verdadeiro conhecimento é
aquele que, para além de permitir a sua adequação ao real que se quer conhecer, é também
universalmente válido e necessário. O primeiro aspecto pressupõe a experiência como modo
do homem contatar com a realidade. O segundo aspecto advém-lhe do fato de existirem
conceitos e categorias que são a priori e, como tal, possuem as características de
universalidade (válidos para todas as pessoas, todas as coisas e circunstâncias) e de
necessidade (indispensável para toda a atividade racional, pois é a condição necessária de
todo pensamento correto e verdadeiro).
A razão não pode supor que a partir de suas estruturas passe a conhecer a realidade
tal como é em si mesma. A razão conhece os objetos do conhecimento que recebeu as formas
e as categorias do sujeito, por isso ela está em nós e não nas coisas e é sempre razão subjetiva:
O erro dos inatistas e empiristas foi o de supor que a nossa razão alcança a realidade
em si. Para um inatista como Descartes, a realidade em si é espacial, temporal,
qualitativa, quantitativa, causal. Para um empirista como Hume, a realidade em si
pode ou não repetir fatos sucessivos no tempo, pode ou não repetir fatos contíguos
no espaço, pode ou não repetir as mesmas seqüências de acontecimentos. (CHAUI,
2000, p. 79)
No entanto, para Kant, jamais saberemos se a realidade em si é espacial, temporal,
qualitativa, quantitativa ou causal, mas podemos saber que a nossa razão é uma estrutura
universal necessária e como razão subjetiva pode garantir a verdade da filosofia e da ciência,
28
pois organiza a realidade nas formas da sensibilidade e os conceitos e categorias em
entendimento (CHAUÍ, 2000).
A revolução copernicana de Kant, na teoria do conhecimento, é a substituição de
uma hipótese idealista por uma hipótese realista
10
.
Tal como Kant, também Piaget considera que o conhecimento resulta de um processo
de transformação da matéria-prima dada pelos sentidos e elaborada pela capacidade
organizacional do sujeito; pelo que a sua teoria se enquadra na corrente empírico-racionalista
de que temos visto até o momento.
Contudo, Piaget vai além do pensamento Kantiano ao formular sua concepção do
desenvolvimento cognitivo da criança com os conceitos de “egocentrismo” e “descentração”
11
. São estes conceitos da psicologia genética de Piaget que atraem a atenção de Habermas
para formular se conceito de “racionalidade comunicativa”, fornecendo substrato
antropológico e biológico para a formulação de sua Teoria da Ação Comunicativa. É esta
adesão à epistemologia genética de Piaget, nem sempre manifesta em Habermas
12
, que
permeia toda a Teoria.
10
- O idealismo afirma que o objeto de conhecimento é produto do espírito, o que significa que o conhecimento
é produto do sujeito e que as coisas não são mais do que conteúdos de consciência. O idealismo não nega
propriamente a existência do mundo externo, mas o reduz às representações, ou seja, ao pensamento, às idéias.
Como tal, o nosso conhecimento atinge apenas as modificações subjetivas e não a própria realidade - atinge o
que pensamos e não o que é, portanto, afirma a existência apenas da razão subjetiva. Segundo Chauí [...] “a razão
subjetiva possui princípio e modalidades de conhecimento que são universais e necessários, isto é, válidos para
todos os seres humanos em todos os tempos e lugares. O que chamamos realidade, portanto, é apenas o que
podemos conhecer por meio das idéias da nossa razão” (2000 p. 69). O realismo é uma doutrina que afirma que
por meio do conhecimento atingimos uma realidade distinta da nossa representação e independente dela, mas
que lhe corresponde. Em outras palavras, o realismo admite a existência da realidade exterior (ou do mundo
externo) como sendo coisa distinta do pensamento ou das nossas representações, o que significa que, para o
realismo, o nosso conhecimento atinge a própria realidade e não apenas as representações subjetivas - atinge o
que é, e não o que pensamos que seja, portanto, afirma a existência da razão objetiva. Segundo Chauí [...] “falar
numa razão objetiva significa afirmar que a realidade externa do nosso pensamento é racional em si e por si
mesma e que podemos conhecê-la justamente por ser racional” (2000, p. 68).
11
- O conceitual da psicogênese infantil foi reformulado: a “descentração” cedeu lugar à lei dos estágios
(sennsório-motor, pré-operativo, operacional-concreto, e, finalmente, operacional-formal) e o “egocentrismo”
dispersou-se nos conceitos no pensamento pré-operatório, da moralidade heterogênea, da linguagem monológica.
Piaget justifica essa mudança de terminologia pela multiplicidade de equívocos, gerados especialmente pelo
conceito de “egocentrismo”. Na substância não houve, no entanto, modificações de peso. Em toda a obra
piagetiana persiste a idéia de que, subjacente ao processo de maturação biológica está uma crescente
“conscientização”. No processo psicogenético, ocorre uma construção sistemática e irreversível das estruturas
lógicas cada vez mais complexas, que atingem sua forma mais elaborada e sofisticada no pensamento formal do
adolescente (FREITAG, 2005, p. 54, grifos da autora).
12
- Sobre a “apropriaçãode Habermas à Epistemologia Genética de Piaget ver Freitag (2005), Capítulo II, A
Teoria da Ação Comunicativa e Psicologia Genética, p. 35/69. Este texto também foi publicado em: Piaget:
encontros e desencontros. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985, p. 103/159.
29
1.3. Da Psicogênese de Piaget à Teoria da Ação Comunicativa de Habermas
Ao estudar como se formam as estruturas e as categorias que permitem o
funcionamento da inteligência, Jean Piaget fundamenta o pensamento Kantiano empírica e
epistemologicamente. Segundo Freitag:
Em sua epistemologia genética, Piaget destaque à contribuição revolucionária de
Kant, no campo da teoria do conhecimento, ao levantar as duas questões centrais
para o conhecimento: (a) como a ciência se torna possível?; (b) como a sociedade é
(moralmente) possível?; buscando a resposta na atividade pensante do sujeito. Deste
modo, na opinião de Piaget, Kant assentou a teoria do conhecimento em novas
bases, sem as quais a moderna epistemologia genética seria inviável. A revolução
copernicana consistiu em ancorar no sujeito (epistêmico) a capacidade de construção
e reconstrução dos dois mundos: o da natureza e o dos costumes. As condições de
possibilidade do conhecimento científico e as condições de possibilidade de legislar
estão dadas nos instrumentos do pensamento do sujeito (2005, p. 76).
Segundo a teoria operatória ou psicogenética de Piaget, o organismo tem que possuir
determinadas características que tornem possível a troca de informação com o meio e a
construção de conhecimento que, deste modo, não é dado, nem é cópia do real. O
conhecimento é, assim, fruto de uma interação entre o sujeito e o meio implicando, por um
lado a experiência sensível e, por outro, as estruturas cognitivas de que todo o sujeito é dotado
e que lhe permite construir o seu conhecimento com base nessa mesma experiência.
Essa teoria contribuiu para a compreensão do fenômeno de conhecimento como
construção. Piaget retoma a idéia do conhecimento como uma construção por parte do sujeito
a partir dos dados fornecidos pela experiência, procurando a sua justificação psicológica.
Conforme Freitag (2005), para Piaget, Kant estava enganado quanto à natureza das
faculdades da razão, pois elas não são dadas como se fossem inatas, mas se constroem desde o
nascimento da criança até a idade adulta por uma longa gênese. Construindo e reconstruindo,
assim, o seu conhecimento e re-elaborando, na ação e interação, suas estruturas de
pensamento. O processo de construção do pensamento ocorre por maturação e equilibração e
30
por socialização e transmissão cultural, sendo impensável sem a participação ativa do sujeito
e sem a sua experiência e vivência no mundo. De acordo com Freitag:
Em oposição ao sujeito kantiano, o sujeito piagetiano não existe a priori (no sentido
da filosofia transcendental). O sujeito consciente de si, um ser racional, moral e
social, que “sabe” se relacionar com o mundo, situar-se nele e relacionar-se com os
objetos físicos e as pessoas que o constituem, que reconstrói as leis da natureza e
redefine as normas sociais, adquire todas essas qualidades e faculdades no decorrer
de sua psicogênese. Ao lado do processo de maturação biológica e auto-regulação
do sistema nervoso central, a psicogênese se beneficia do “desejo” de comunicação
da criança, mas se beneficia também da existência de um sistema lingüístico
preexistente, que garante a comunicação intersubjetiva, tornando possível o
esclarecimento do próprio ponto de vista e sua compreensão pelos outros (2005, p.
118).
A preocupação central de Piaget (1978) foi responder a questão de como se constrói
o conhecimento, estudando a gênese do conhecimento para aprender como o conhecimento
mais elementar progride até o mais abstrato e elaborado. A epistemologia genética procura
mostrar, com o apoio da experimentação, os processos fundamentais da formação do
conhecimento na criança. Piaget considera que não é possível compreender a conduta do
adulto sem a perspectiva evolutiva.
A criança constrói, ao longo de seu processo de desenvolvimento, suas estruturas de
pensamento, através da própria ação do sujeito, por um processo de construção interna, isto é,
de formação dentro de sua mente de uma estrutura em contínua expansão, que corresponde ao
mundo exterior; através de informações que ela conseguiu acumular, da forma como ela
elaborou essas informações e, sobretudo, de como ela explora a realidade através da ação
(PRESTES, 1996).
A concepção de Piaget sobre a inteligência remete a uma abordagem onde o
desenvolvimento do pensamento é um processo de autêntica construção. No desenvolvimento
das estruturas da inteligência, Piaget identificou quatro estágios que marcaram essa evolução:
sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal
13
.
13
- Na idade escolar a criança está no terceiro estágio, descrito por Piaget, como o estágio das operações
concretas. Neste estágio o raciocínio está mais presente que no estágio anterior, o pensamento lógico e objetivo
são predominantes. Uma das principais características do pensamento concreto é a capacidade de reversibilidade,
onde a ação pode ser internalizada, uma ação sobre qual a criança possa pensar, ou seja, é uma ação que tanto
pode ocorrer numa direção ou na direção inversa. Conforme Franco (2004), “pensar operatoriamente é ser capaz
de organizar informações em sistemas, conservando essas informações, e conseguindo lidar com as várias
relações possíveis nesse sistema, reversivelmente (indo e vindo)” (p. 47). Nesse estágio abrem-se os horizontes,
surge a linguagem escrita, o mundo dos números e da lógica. A criança consegue ter um pensamento menos
egocêntrico, distingue diferenças entre ela e outra pessoa, coordena as duas relações, intenção-ação e ação-
31
É preciso entender que para Piaget o importante é a sucessão das aquisições dos
estágios e não as idades em que elas ocorrem, para que se possa intervir e colaborar com o
desenvolvimento cognitivo.
Para que haja estágios é necessário, primeiramente, que a ordem de sucessão das
aquisições seja constante. Não a cronologia, mas a ordem de sucessão. Podemos
caracterizar os estágios numa população dada por uma cronologia, mas essa
cronologia é extremamente variável; ela depende da experiência anterior dos
indivíduos e não somente de sua maturação e depende principalmente do meio social
que pode alterar ou retardar o aparecimento de um estágio, ou impedir sua
manifestação (PIAGET, 1978, p. 235).
Os estágios possuem um caráter interativo. O conteúdo de conhecimento de um dado
nível é constituído pelas formas refletidas do nível anterior. Assim as estruturas sensório-
motoras são partes integrantes das estruturas pré-operatórias e estas das operatórias que, por
sua vez, integram-se nas operações formais.
No entanto, conforme Freitag (2005), essa mudança de patamar epistêmico não
decorre de um acréscimo de saber, nem de mudanças sociais e históricas, mas de uma
reinterpretação total dos fundamentos conceituais a partir de uma nova ótica (descentração e
perspectividade). Esse mecanismo foi identificado mais tarde como “abstração
reflexionante”, que leva a criança a descentrar-se da maneira de interpretar e compreender o
mundo, interpretando-o com base em novos conceitos.
Na abstração reflexionante o sujeito apóia-se sobre atividades cognitivas, esquemas,
coordenações de ações, operações, estruturas, para delas retirar algumas características e
modificá-las, ou seja, volta-se para si mesmo, modifica suas hipóteses e concepções
anteriores, face às perturbações provocadas pelas situações novas. Busca novas formas de
agir, física e mentalmente, sobre o objeto, novas formas de assimilação.
De acordo com Becker (2001, p.47), “o esquema assim refeito pode proceder, agora,
a novas assimilações ou retiradas (abstração) de características dos objetos, das ações e das
coordenações das ações; isto é, pode proceder a abstrações empíricas ou reflexionantes”.
conseqüência. Porém, todas essas operações ainda são limitadas, pois a criança ainda está bastante presa ao
concreto, atuando somente sobre os objetos e não sobre hipóteses. A criança só consegue pensar corretamente se
os exemplos ou materiais que ela utilizar para apoiar seu pensamento existirem concretamente e poderão ser
observados, ou pelo menos imaginado, na hora da elaboração desse pensamento. Portanto, nesse estágio, o
raciocínio se sobrepõe a intuição, a fantasia, a percepção e podemos dizer que a criança faz abstrações empíricas
ou pseudo-empíricas e que “vão ser um trampolim para a construção do pensamento operatório formal, quarto
estágio do desenvolvimento cognitivo” (FRANCO, 2004, p. 49).
32
Assim, pela acomodação, o sujeito age no sentido de transformar-se, em função das
resistências impostas pelo objeto. Nesse sentido, os desafios, as resistências, as perturbações,
os erros, são fatores importantes porque são desencadeadores do processo de reflexão, revisão
das hipóteses e ações, busca de novas formas de agir, de novas informações, de novos
caminhos. É um estímulo à exploração e à experimentação e, principalmente, provoca a
construção de novos esquemas mentais.
Para que o sujeito avance dos níveis de reflexão empírica para reflexionante é preciso
vivenciar concretamente os desafios, problemas, ou experiências. Que possa explicar o que
fez, no nível prático, pela fala, escrita, desenho, ou outra forma, mas sem voltar à situação
prática durante a explicação. Ao explicar sua ação o sujeito estará apropriando-se do
mecanismo de sua própria ação e através dessa tomada de consciência chegar a um nível de
generalização (compreensão) e da reversibilidade operatória.
Dessa forma o sujeito estaria realizando uma ação de segunda potência, ou seja, a
descrição da tarefa, usando apenas processos internos, realizando abstrações, tanto empíricas
como reflexionantes. Segundo Becker (2003), “esse processo, que embasa toda aprendizagem,
ocorre através de um processo endógeno (interno) de abstração reflexionante, e não, apenas,
no nível exógeno da ação prática” ( p. 66).
Quando o sujeito interage com os objetos e conclui a respeito de relação, a partir
dessa interação, não está abstraindo a partir dos objetos, mas está utilizando-os como apoio
para estabelecer relações. A essa abstração Piaget (1995), denominou de pseudo-empírica, ou
seja, ela parece empírica, por estar acompanhada da experiência prática sobre objetos, mas é
de fato reflexionante, pois retira o conhecimento não dos objetos, mas das coordenações. Essa
abstração faz parte da categoria reflexionante e não da categoria empírica.
Assim, podemos concluir que o conhecimento não vem da prática, mas da abstração
reflexionante apoiada sobre a prática. A prática é condição necessária da teoria, mas não sua
condição suficiente.
Segundo Franco (2004, p.38), quando o sujeito, através da abstração reflexionante,
toma consciência do processo de construção, a abstração passa a chamar-se refletida, ou seja,
há tomada de consciência do processo de reflexão.
A abstração refletida é constituída de dois processos inseparáveis: o reflexo, que
consiste na projeção superior daquilo que foi retirado de um inferior e a reflexão, que é a
construção mental daquilo que foi transportado no patamar superior.
33
Através do reflexo e da reflexão uma reconstrução de estruturas em um patamar
superior, não mais sobre estruturas antigas, mas novas estruturas construídas a partir dessas
antigas, possibilitando, assim, ao sujeito reconstruções sempre renovadas, construindo
reflexões sobre reflexões, por um processo de superação. Essa é a verdadeira aprendizagem,
pois somente nela o sujeito constrói novos conhecimentos gerando desenvolvimento
cognitivo.
Foi a teoria da abstração reflexionante de Piaget, também chamada, segundo Freitag
(2005), de Teoria do Egocentrismo Infantil, que forneceu os fundamentos para a “Teoria da
Gênese do Eu” e serviu de base para integrar correntes teóricas como a psicanálise, o
interacionalismo simbólico e o próprio estruturalismo genético, permitindo que Habermas
fundamentasse a sua teoria da competência comunicativa, que foi posteriormente elaborada
no contexto da Teoria da Ação Comunicativa, pois, segundo Habermas:
O estruturalismo genético de Jean Piaget parece-me oferecer um modelo instrutivo
para os próximos filósofos e para aqueles que gostariam de continuar a sê-lo. Piaget
concebe a “abstração reflexionante” como o mecanismo de aprendizagem que pode
explicar, na ontogênese, o desenvolvimento cognitivo que termina numa
compreensão descentrada do mundo (2003, p.24).
Habermas apóia-se nos estudos de Piaget para esclarecer as estruturas de
entendimento inerente ao agir comunicativo na medida em que a educação conserva seu papel
de constituir um sujeito com competência cognitiva, capaz de tomadas de consciência, pois é
essa competência que permitirá o desenvolvimento de argumentos na ação comunicativa:
O ator competente de Habermas é aquele que tem, em primeiro lugar, o domínio
das regras das operações formais, quais sejam, a capacidade de assimilar o mundo
objetivo e o mundo social em seu entorno, sabendo interiorizar ações e pontos de
vista dos outros (assimilação) e, concomitantemente, apresentando a capacidade de
reorganizar suas estruturas cognitivas e esquemas mentais (acomodação) com a
finalidade de interagir de forma cada vez mais reflexiva e consciente. Para tanto, o
ator deve ser capaz de: argumentar utilizando-se de regras intersubjetivas do uso
lingüístico de uma determinada comunidade lingüística; tornar compreensíveis
sintática e semanticamente suas proposições; justificar com razões as pretensões
levantadas e fazer com que suas justificações sejam aceitas responsavelmente por
todos (MÜHL, 2003, p.181).
A teoria piagetiana é bem-vinda para Habermas ao definir a racionalidade como
construída desde o nascimento da criança até sua fase adulta através de uma longa gênese que
34
se no interior do mundo físico e social. O sujeito não somente constrói e reconstrói seu
conhecimento acerca da natureza e da sociedade, mas elabora - na descoberta desses mundos,
na ação e interação
14
neles - os seus mecanismos de pensamento. A consciência articulada em
diversos discursos e em diversas culturas é uma consciência que se torna intersubjetiva:
Se utilizarmos o conceito piagetiano de descentração como fio condutor para
esclarecer as conexões internas entre as estruturas de uma imagem de mundo, o
mundo da vida como contexto dos processos de entendimento e as possibilidades de
um comportamento racional na vida, ou de um mundo racional de vida, voltamos a
topar-nos com o conceito de racionalidade comunicativa (HABERMAS, 1987a,
p.107).
Para Piaget (1978), em todos os estágios, a construção da inteligência se pela
atividade e essa construção é entendida em termos de significação. A inteligência constrói
significações, significado ao mundo na medida em que o sujeito interage com o meio e o
transforma e, transforma a si mesmo, ou seja, um contínuo processo de construção, auto-
regulação e auto-equilibração. Com o desenvolvimento, as ações tornam-se cada vez mais
interiorizadas, tornando as ações cognitivas cada vez mais reversíveis, esquemáticas e
abstratas, transformando-se assim em operações internas e fazendo uma reconstrução no
plano de pensamento. A tomada de consciência é um processo por excelência do pensamento,
permitindo sua expansão e é fundamental para a racionalidade comunicativa, pois sem ela é
difícil um discurso livre, dotado de autonomia e capacidade argumentativa.
Isso significa que um processo evolutivo permitindo a cada indivíduo e a espécie
humana como um todo implementar esquemas cognitivos e morais cada vez mais
descentralizados e universais, levando a racionalidade a atingir graus mais elaborados de
consciência coletiva, o que implicará na emergência de novas concepções e estruturas de
mundo, fazendo com que a sociedade e o indivíduo evoluam, não somente subjetivamente,
14
- A interação é concebida por Habermas como a ação comunicativa que se estabelece entre duas ou mais
pessoas, que, ao conversarem entre si sobre algo no mundo, levantam, com seus atos de fala, pretensões de
validez. Estas nada mais são do que as condições próprias de validação das manifestações lingüísticas proferidas
ao longo da fala. A estrutura da comunicação lingüística é designada, portanto, como um processo de
reconhecimento recíproco de pretensões de validez. Neste sentido, o entendimento (Verständigung) é concebido
por Habermas como um telos imanente à linguagem humana e, enquanto resultado de uma posição motivada
racionalmente, é um mecanismo real de coordenação da ação humana. O que caracteriza o entendimento é fato
de que os envolvidos na fala podem, racionalmente, aceitar ou não como corretas, as pretensões levantadas por
seus parceiros. Por isso, trata-se sempre de um acordo motivado racionalmente, uma vez que todos os
participantes da fala devem possuir, desde o princípio, o direito de pode dizer sim ou não, e sua tomada de
posição diante da situação de fala deve ser fundamentada com base em razões (HABERMAS, 1997, p. 516).
35
mas intersubjetivamente, pois segundo Martinazzo, “[...] na teoria habermasiana a
intersubjetividade é o ponto de partida para a subjetividade”. (2005, p. 201).
A tomada de consciência entendida com bases na racionalidade comunicativa é vista
como possibilidade de superar as contradições e reafirmar a emancipação por intermédio dos
atos de fala que produzam entendimento e consenso e ampliem a razão para além de uma
razão técnica, instrumental e monológica.
A fala ocupa lugar importante no processo educacional. O direito de dizer sua
palavra equivale ao direito de ser sujeito. Conforme Piaget (1995), a fala é construtiva da
subjetividade e da intersubjetividade, é o instrumento de troca entre os sujeitos, constituindo-
se numa ação de segundo grau, de tomada de consciência e de abstração reflexionante.
Para que haja “ação comunicativa”, para que possam surgir discursos (teóricos e
práticos), para que se possa falar em “razão comunicativa”, é preciso conhecer “Eus
competentes”. Trata-se, como vimos, de sujeitos dotados de competência interativa
(cognitiva, lingüística, moral e motivacional), capazes de conhecer o mundo da
natureza externa, diferenciando de sua natureza interna, de compreender o mundo
social, de utilizar-se de uma linguagem intersubjetiva. Graças a essas competências,
esses sujeitos tornam-se capazes de reconstruir as leis que regem o mundo natural
através da busca argumentativa e processual da verdade (FREITAG, 2005, p. 134).
A visão de mundo fragmentada que predominou na era moderna tem repercutido
seriamente na concepção de homem, por meio de dicotomias que opõem razão e sentimento.
O sujeito cognitivo tem sido esfacelado em múltiplas abordagens, dificultando o
desenvolvimento de um sujeito unificado. A epistemologia reconhece o conhecimento e a
racionalidade como uma construção do sujeito, porém ela precisa ser complementada sob o
risco de desconsiderar a dimensão de historicidade do ser humano e reduzir a complexidade
do processo de compreensão.
Habermas (1987a, 1987b), apresenta um novo entendimento acerca do
conhecimento, baseado em um novo modelo de racionalidade. Tem como preocupação central
revelar a visão reducionista que a maioria dessas teorias sustenta, buscando uma nova
concepção de razão, emancipatória e esclarecedora:
No paradigma da comunicação proposto por ele o sujeito cognoscente não é mais
definido exclusivamente como sendo aquele que se relaciona com objetos para
conhecê-los ou para agir através deles para dominá-los. Mas como aquele que,
durante seu processo de desenvolvimento histórico, é obrigado a entender-se junto
com outros sujeitos sobre o que pode significar o fato de “conhecer objetos” ou “agir
36
através de objetos”, ou ainda “dominar objetos ou coisas” (SIEBENEICHLER,
2003, p. 62; grifo do autor).
Assim, para Habermas, o importante é o entendimento intersubjetivo entre sujeitos
capazes de falar e de agir, pois no momento que um sujeito realiza um ato de fala e outro
sujeito se posiciona com relação a esta fala, eles entram numa relação interpessoal, numa
comunidade comunicativa, onde a razão não está mais centrada no sujeito, mas na
comunicação.
A razão, para Habermas, manifesta-se historicamente e de forma lingüística. Por
isso, a temática da razão remete à questão da linguagem. A linguagem torna-se como
a explicitação da razão, ou melhor, torna-se a própria razão. Por isso o tema da
consciência é substituído pelo da linguagem, caracterizando assim um novo
paradigma da filosofia. A filosofia deve ser agora entendida como a tematização das
condições formais da ação comunicativa (DUTRA, 2005, p. 9/10).
Habermas compreende o conceito de racionalidade cartesiano como um paradigma
reducionista e atrofiado, centrado exclusivamente no sujeito, onde a linguagem é utilizada
meramente como instrumento de transmissão de informações. Porém, Habermas não descarta
o conceito de racionalidade instrumental, mas amplia-o a uma racionalidade comunicativa.
A tarefa da filosofia atual consiste em delimitar uma concepção mínima de
racionalidade e de esclarecer as confusões que determinadas concepções de
conhecimento - inclusive dela própria - têm provocado na humanidade. Compete-lhe
o papel de buscar restabelecer a unidade da razão na diversidade de suas
manifestações, não negando a multiplicidade das suas expressões, nem aceitando a
visão reducionista a que o relativismo, o positivismo e o neopragmatismo querem
submetê-la. Em outros termos, seu atributo é esclarecer os fundamentos racionais do
agir, do pensar e do falar humano, explicitando o telos emancipatório que se mantém
presente em todo que-fazer dos indivíduos, e mediar a cultura dos especialistas com
o mundo da vida (MÜHL, 2008, p. 127).
A razão comunicativa proposta por Habermas é uma nova teoria da razão. Apóia-se
na comunicação lingüística, propondo uma nova visão de mundo e não mais na razão da
filosofia da consciência. A linguagem é a base de sua Teoria da Comunicação, visando
delinear o conceito de racionalidade em uma nova compreensão de mundo. A Teoria da Ação
Comunicativa desenvolvida por ele está centrada na noção de razão comunicativa, composta
por sujeitos capazes de interagir com bases em acordos racionais e não pela dominação de uns
e na submissão de outros.
37
1.3.1. A Teoria da Racionalidade Habermasiana
Habermas (1987a) retoma a problemática da razão, através de concepções filosóficas,
na qual procura desenvolver um conceito de “racionalidade comunicativa” ampliando a
concepção metafísica moderna de “racionalidade instrumental”.
Para construir sua concepção de racionalidade comunicativa, Habermas abastece-se
em diversos autores que tratam das questões da pragmática da linguagem,
destacando principalmente o segundo Wittgenstein, Searle, Austin, Chomsky e
Apel. Com essa base e contando com a contribuição de outros pensadores
preocupados com o problema do conhecimento humano, Habermas dedica-se a
estabelecer as condições formais da racionalidade comunicativa, procurando superar
as fundamentações do tipo ontológico ou dedutivo. O conceito de racionalidade
comunicativa de Habermas é explicitado por intermédio da reconstrução da
pragmática (MÜHL, 2003, p. 168).
Com a virada pragmática Habermas (1987a), demonstrou que o conhecimento
constitui-se pela ação lingüística comunicativa, onde a linguagem passa a assumir a função
central e constituidora do próprio saber, através de processos intersubjetivos de constituição
de conhecimento. Provoca uma nova maneira de fazer perguntas sobre o conhecimento
humano, passando a perguntar sobre o sentido do conceito de causalidade e não mais sobre a
essência. Pergunta também sobre as condições de possibilidade de sentenças intersubjetivas
validadas e não sobre a possibilidade de conhecimento verdadeiro (MÜHL, 2003).
Habermas constata que algumas abordagens da guinada pragmática ainda apresentam
limitações e constrói sua própria teoria pragmática, retomando os conceitos da pragmática da
filosofia transcendental e da filosofia da linguagem pragmática, tendo como tarefa apontar as
condições de possibilidade do entendimento humano. Desta reconstrução nasce a Teoria da
Ação Comunicativa.
15
15
- “Chamo ação comunicativa àquela forma de interação social em que os planos de ação dos diversos atores
ficam coordenados pelo intercâmbio de atos comunicativos, fazendo, para isso, uma utilização da linguagem (ou
das correspondentes manifestações extraverbais) orientada ao entendimento. À medida que a comunicação serve
ao entendimento (e não ao exercício das influências recíprocas) pode adotar para as interações o papel de um
38
A Teoria da Ação Comunicativa é o princípio de uma teoria da sociedade que se
esforça em dar razão às normas críticas que fazem uso. Habermas (1987a) entende a análise
das estruturas gerais da ação orientada ao entendimento não como uma continuação da teoria
do conhecimento com outros meios, mas de uma reconstrução da teoria da sociedade numa
perspectiva prática que
permite aceder a três complexos temáticos que se interligam entre si: trata-se, em
primeiro lugar, de um conceito de racionalidade comunicativa, que tenho
desenvolvido com suficiente ceticismo, porém que é capaz de fazer frente às
reduções cognitivas instrumentais que se fazem da razão; em segundo lugar, de um
conceito de sociedade articulado em dois níveis, que associa os paradigmas de
mundo da vida e sistema e não somente de forma retórica. E finalmente de uma
teoria da modernidade que explica o tipo de patologias sociais que hoje se tornam
cada vez mais visíveis, mediante a hipótese de que os âmbitos de ação
comunicativamente estruturados estão submetidos aos imperativos de sistemas de
ação organizados formalmente que se tornam autônomos. Dito de outra forma, que a
teoria da ação comunicativa nos permite uma categorização do plexo da vida social
com a qual é possível dar razão aos paradoxos da modernidade (p. 10).
Para Habermas (1987a), a racionalidade tem menos a ver com o conhecimento ou
com a aquisição do conhecimento do que com a forma como os sujeitos capazes de linguagem
e ação fazem uso desse conhecimento, ou seja, a racionalidade está mais ligada à capacidade
dos sujeitos de falarem e agirem empregando o saber, do que o saber propriamente dito. Nas
emissões ou manifestações lingüísticas se anunciam explicitamente um saber por isso “[...]
podem-se chamar mais ou menos racionais as pessoas que dispõe de um saber, as
manifestações simbólicas, as manifestações lingüísticas ou não lingüísticas, comunicativas ou
não comunicativas que encarnam um saber” (p. 24).
A relação que existe entre saber e racionalidade depende da confiabilidade do saber
que encarnam. Suas emissões ou manifestações se medem por suas reações internas, as
condições de validez e as razões que se podem alegar em favor da validez e da verdade do
enunciado ou da eficácia da regra de ação. Assim a racionalidade de uma emissão ou
manifestação fica reduzida à capacidade de fundamentação e deixa de explicitar aspectos
importantes, pois a racionalidade da prática comunicativa abarca um aspecto mais amplo:
mecanismo de coordenação da ação e com isso fazer possível a ação comunicativa” (HABERMAS, 1997, p.
418).
39
No lugar do sujeito solitário, que se volta para os objetos e que, na reflexão, se toma
a si mesmo por objeto, entra não somente a idéia de um conhecimento
lingüisticamente mediatizado e relacionado com o agir, mas também o nexo da
prática e da comunicação cotidiana, na qual estão inseridas as operações cognitivas
que têm desde a origem um caráter intersubjetivo e ao mesmo tempo cooperativo
(HABERMAS, 1987a, p. 25)
16
.
Para Habermas a ação comunicativa “constituiu-se no tipo de ação racional que, em
relação à tradição quer a renovação do saber cultural, em relação à ação social serve para o
estabelecimento da solidariedade e em relação à socialização pretende o desenvolvimento da
identidade pessoal” (BOLZAN, 2005, p. 76).
A referência aos fatos e a suscetibilidade da fundamentação da manifestação
possibilitam que os participantes da comunicação possam entender-se sobre algo no mundo.
Para a racionalidade da manifestação é essencial que mantenha em relação com o seu
enunciado uma pretensão de validez suscetível de crítica que pode ser acertada ou rechaçada
pelo ouvinte, assim como os fatos e as suscetibilidades de fundamentação das regras de ação
só são possíveis a partir de uma intervenção eficaz no mundo.
17
Para a racionalidade da ação é fundamental que um ator embase sua ação em um
plano que implique a verdade, conforme o que pode realizar no fim desejado pelas
circunstâncias dadas. Uma afirmação pode ser chamada de racional se um falante cumpre
as condições necessárias para entender-se, pelo menos com outro participante da
comunicação, sobre algo no mundo. Uma ação se pode chamar racional quando um ator
cumpre as condições necessárias para que possa intervir eficazmente no mundo
(HABERMAS, 1987a).
Essas tentativas de comunicação e de ação podem fracassar se não for possível
atingir o entendimento e o consenso ou que não se produza o efeito desejado, quando o falante
não tem boas razões para convencer os demais participantes da comunicação sobre a verdade
de um enunciado e chegar assim a um acordo motivado racionalmente (HABERMAS, 1987a).
16
- As traduções contidas no presente trabalho são traduções livres da autora.
17
- Conforme HABERMAS, 1987a, p. 28 - 1990, p. 81 e BOUFLEUER, 2001, p 39.
40
1.3.1.1. Entendimento e Consenso
Segundo Habermas (1987a, p. 29/30) é o entendimento comunicativo que aparece
como o telos imanente à racionalidade. A ação comunicativa não é mais como um fio
condutor das ações para a consecução de um propósito ou resolução de problemas. Não parte
simplesmente de um pressuposto ontológico de um mundo objetivo, porém que converte esse
pressuposto em problema perguntando-se sobre as condições mínimas que se constituem para
os membros de uma comunidade de comunicação a unidade de um mundo objetivo. O mundo
só cobra objetividade pelo fato de ser reconhecido e considerado como um mesmo mundo por
uma comunidade de sujeitos capazes de linguagem e ação, pois “[...] sem uma suposição de
racionalidade recíproca, não encontraríamos nenhuma base de entendimento suficientemente
geral” (HABERMAS, 2002, p. 80). Este conceito abstrato de mundo é condição necessária
para que os sujeitos que atuam comunicativamente possam entender-se entre si sobre o que
acontece no mundo ou o que é possível produzir no mundo. Com essa prática comunicativa
asseguram dentro de um contexto comum de suas vidas, o mundo da vida que
intersubjetivamente compartem.
Este mundo vem delimitado por uma totalidade de interpretações que são
pressupostos pelos participantes como um saber de fundo. Essa comunidade precisa se
orientar nesse mundo como algo essencialmente constante, como algo que é conhecido ou que
pode ser conhecido em comum como os demais. Nesse mundo sempre serão necessárias
situações de fala para o estabelecimento das comunicações entre os sujeitos envolvidos,
sustentando a mobilização para as ações desenvolvidas nas várias dimensões do nosso
cotidiano.
Segundo Rouanet (1989, p. 287), as situações de fala ou atos lingüísticos contêm
duas sentenças: uma dominante, a parte performativa que determina a modalidade da
comunicação, tornando-a possível ao estabelecer a relação intersubjetiva e ao determinar sua
natureza e outra dependente, a parte proposicional que constitui o conteúdo da comunicação,
permitindo descrever objetos ou prescrever comportamentos. Toda situação de fala gera
expectativas de validade, ou seja, todo locutor pretende que seus argumentos convençam o
41
interlocutor. Para que ocorra a interação espontânea é preciso que no conteúdo das falas haja
concordância entre os sujeitos da comunicação.
Assim, uma relação interativa entre dois ou mais atores consiste num intercâmbio de
atos lingüísticos, pelos quais se produzem enunciados. Tal relação se baseia num consenso
implícito com relação a quatro expectativas de validade: a de que o enunciado é
compreensível, a de que o conteúdo proposicional é verdadeiro, a de que o locutor é veraz e a
de que agiu corretamente ao empregar o ato lingüístico em questão, ou seja, que a norma
implícita é justa. Rouanet (1989), especifica:
Enunciado compreensível inteligibilidade da mensagem contida nos
proferimentos comunicativos, entendimento do idioma, das palavras, dos significados, dos
códigos, etc.
Conteúdo verdadeiro pretensão de que o conteúdo proposicional da mensagem
seja verdadeiro, que a fala esteja fundamentada em argumentos corretos, que o sujeito não
esteja enganado ou mal informado.
Locutor veraz pretensão de sinceridade e autenticidade nos proferimentos que
se dão através dos atos de fala.
Norma justa pretensão de correção, de justeza do conteúdo normativo e
valorativo da mensagem; as regras e normas relativas ao tema estão sendo seguidas” (p. 288).
A problematização da compreensibilidade dos enunciados e da veracidade dos
interlocutores se dá no próprio contexto da interação e pode nela ser resolvida, ou seja:
O princípio do discurso pode ser assim enunciado: nada pode ser reivindicado como
válido a não ser aquilo que possa ser fundamentado racionalmente mediante
argumentos. Essas quatro pretensões devem ser cumpridas para que haja ação
comunicativa, para que ocorra entendimento, consenso, bem como o princípio do
discurso deve também ser cumprido (DUTRA, 2005, p. 10).
Conforme Rouanet (1989, p. 289), para Habermas a reflexão discursiva não se limita
a problematizar proposições sobre fatos, mas é considerada igualmente apta para justificar ou
falsificar proposições sobre normas e valores. Quando, no contexto da interação, contestam-se
afirmações ou valores, surgem, respectivamente, explicações e justificações, que submetidas à
argumentação discursiva (as primeiras no discurso teórico e as segundas no discurso prático)
42
18
podem ou não se sustentar. O nível discursivo implica na “virtualização”, isto é, na
exclusão metódica, de todas as “coações interativas”, de todos os motivos, interesses e
deformações encontráveis nos contextos habituais de ação, de tal forma que a única
motivação lícita, em todos os participantes, é a busca cooperativa da verdade, à base do
melhor argumento. A argumentação discursiva tem como ponto de partida a suspensão radical
da crença na veracidade das afirmações (proposições sobre fatos) e recomendações
(proposições sobre normas): as expectativas de validade são postas entre parênteses, até que
se conclua o procedimento de discussão discursiva, que pode levar à confirmação, ou à
negação, de fatos afirmados como verdadeiros, e à justificação, ou à refutação, de normas
apresentadas como justas.
A verdade, para Habermas, é uma expectativa de validade que se revela fundada no
curso de um processo de argumentação discursiva. Uma afirmação verdadeira é
aquela em torno da qual se produz um consenso razoável, no contexto de um
discurso teórico, e uma recomendação válida é aquela que se justifica à base de um
consenso razoável, no contexto de um discurso prático (ROUANET, 1989, p. 290).
Quando as situações de fala causarem contestações, estabelece-se a perturbação do
consenso. A contestação geradora desta perturbação pode assentar-se no questionamento de
uma ou mais expectativas de validade. As perturbações geradas quanto à compreensão ou
veracidade podem ser problematizadas e resolvidas no próprio contexto da situação de fala. Já
as expectativas de verdade ou validade, por serem mais contundentes, necessitam que a
argumentação seja interrompida e que sejam buscados comprovantes no discurso teórico ou
prático, das falhas quanto às pretensões de verdade ou validade da fala do locutor
(ROUANET, 1989).
O impasse pode ser superado através da ação estratégica, pelo uso do poder, da
autoridade ou dando à ação comunicativa a forma de discurso, que é um tipo de ação
comunicativa que se estabelece quando o entendimento está temporariamente suspenso.
As manifestações racionais têm um caráter de ações plenas de sentido e
inteligibilidade em seu contexto. As condições de validez das expressões simbólicas remetem
a um saber de fundo, compartilhado intersubjetivamente pela comunidade de comunicação.
18
- Discurso Teórico - quando problematiza a validade de uma afirmação sobre fatos.
Discurso Prático - quando problematiza a justiça de uma norma ou de um sistema normativo (HABERMAS,
1987, ROUANET, 1989).
43
Para essa transformação de um mundo de vida compartilhado todo dissenso representa um
peculiar desafio (HABERMAS, 1987a).
Somente uma pessoa capaz de responder por seus atos pode comportar-se
racionalmente. No contexto da ação comunicativa somente será capaz de responder por seus
atos aquele que seja capaz, como membro de uma comunidade de comunicação, de orientar
sua ação por pretensões de validez intersubjetivamente reconhecidas. Um grau mais alto de
racionalidade comunicativa amplia as possibilidades de coordenar as ações sem recorrer à
coesão e de dissolver consensualmente os conflitos de ação.
Assim, conforme Habermas (1987a, p. 33), é chamado de racional, dentro do
contexto da comunicação, aquele que ao fazer uma afirmação é capaz de defendê-la frente a
um crítico, como também aquele que segue uma norma vigente e é capaz de justificar sua
ação frente a um crítico interpretando uma situação dada à luz de expectativas legítimas de
comportamento. Assim como aquele que expressa um desejo, um sentimento, um estado de
ânimo, que revela um segredo, etc. e que depois convence um crítico da autenticidade da
vivência e comportando-se de forma consistente com o que disse. Para Habermas (1987a, p.
36) a concepção de racionalidade comunicativa que faz referência a uma conexão sistemática
de pretensões universais de validez, tem que ser adequadamente desenvolvida por meio de
uma teoria de argumentação.
1.3.1.2. Argumentação
Segundo Habermas (1987a) argumentação é um tipo de fala em que os participantes
tematizam as pretensões de validez que se julgam duvidosas e vão esclarecê-las ou recusá-las
por meio de argumentos. A força de uma argumentação se mede em um contexto dado pela
pertinência das razões.
A argumentação deve ser capaz de convencer os participantes a uma aceitação de
validez, sendo que um participante da argumentação demonstra sua racionalidade ou falta dela
pela forma com que atua e responde às razões, se mostra aberto às argumentações ou se fecha
a elas.
44
A suscetibilidade de fundamentações das manifestações ou emissões racionais
responde, por parte das pessoas que se comportam racionalmente, pela disponibilidade a
expor-se a criticar, sendo necessária, a participar formalmente nas argumentações. Essa
susceptibilidade à crítica faz com que essas manifestações em emissões racionais sejam
também susceptíveis de correção.
O conceito de fundamentação está intimamente ligado ao conceito de aprendizagem.
Assim, “chamamos racionais uma pessoa que no âmbito cognitivo-instrumental expressa
opiniões fundadas e atua com eficiência; que essa racionalidade permanece contingente se
não está conectada com a capacidade de aprender os desacertos, as refutações de hipóteses e
os fracassos das intervenções no mundo” (HABERMAS, 1987a, p. 38).
Habermas chama também de racional uma pessoa que pode justificar suas ações
recorrendo às ordenações normativas vigentes, que atua com lucidez, não deixando levar por
suas convicções e seus interesses imediatos, podendo julgar imparcialmente as questões desde
um ponto de vista moral e resolvê-las consensualmente.
O discurso prático, portanto, é o meio argumentativo pela qual se pode examinar uma
norma de ação imparcialmente. Os discursos teóricos se referem às experiências interpretadas
de um observador, mas é preciso considerar também as manifestações de valor aprendidas em
sua cultura. “Chamamos racional a uma pessoa que interpreta suas necessidades à luz de
padrões valorativas aprendidos em sua cultura, porém, sobretudo, quando é capaz de adotar
uma atitude reflexiva ante os padrões de valor com que interpreta suas necessidades”
(HABERMAS, 1987a, p. 39).
A crítica estética exige um discurso argumentativo baseado nos valores e padrões
culturais nos quais o ator está diretamente envolvido. A forma de argumentação que serve
para dissipar auto-enganos sistemáticos Habermas (1987a) chama de crítica terapêutica, “pois
também qualificamos de racional o comportamento de uma pessoa que está disposta a, e é
capaz de libertar-se de suas ilusões, ilusões que não descansam tanto num erro (sobre fatos)
como em um auto-engano (sobre as próprias vivências)” (p. 41).
Assim sendo, a crítica terapêutica se porta como um olhar auto-reflexivo capaz de
julgar e atuar sobre erros cometidos e, acima de tudo, fazer com que se produzam
resultados positivos a partir de situações negativas. Forma de reflexão consciente e
crítica capaz de, num olhar retrospectivo, descobrir as causas dos enganos e ao
mesmo tempo aprender a corrigir-se e com isso poder dar continuidade ao processo
de aperfeiçoamento (BOLZAN, 2005, p. 88).
45
Por último temos o discurso explicativo como uma forma de argumentação em que
se busca explicar o significado das expressões simbólicas, pois sem ela nenhuma tarefa
hermenêutica de interpretação sobre a adequação normativa das expressões simbólicas pode
ser proferida pelos atores na comunicação. Assim, “chamamos racional uma pessoa que se
mostra disposta ao entendimento e que diante da perturbação da comunicação reage refletindo
sobre as regras lingüísticas” (HABERMAS, 1987a, p. 42).
Essas considerações podem resumir-se dizendo que a racionalidade pode entender-se
como uma disposição dos sujeitos capazes de linguagem e ação, justificadas por meio de boas
razões e adequadas pela argumentação, pois todo exame explícito de pretensões de validez
controvertidas requer uma forma mais exigente de comunicação que satisfaça os pressupostos
próprios da argumentação.
Segundo Habermas (1987a, p. 46/7), na fala argumentativa podem se distinguir três
aspectos:
Processo: é uma forma de comunicação infringente e rara, pois se trata de uma
forma de comunicação entendidos como determinação de uma situação ideal de fala,
onde os participantes da argumentação precisam descrevê-lo no sentido puramente
formal, livre de qualquer coação. Sob este aspecto a argumentação é entendida como
continuação por outros meios, do tipo reflexivo, como uma ação orientada para o
entendimento, cujo objetivo principal seja a busca cooperativa da verdade.
Procedimento: é uma forma de interação submetida a uma regulação especial, onde
o processo discursivo de entendimento está regulado em forma de uma divisão
cooperativa de trabalho entre proponentes e oponentes aonde tematizam uma
pretensão de validez livres da pressão da ação e da experiência adotando uma atitude
hipotética examinada com razões para verificar se procede ou não a pretensão
defendida pelo proponente. Produto: esta argumentação tem como objetivo produzir
argumentos pertinentes, que convençam a partir de suas propriedades intrínsecas
para validar ou rechaçar as pretensões de validez. Os argumentos são os meios para
obter-se um reconhecimento intersubjetivo para as pretensões de validez e onde uma
opinião pode transformar-se em saber.
De acordo com Habermas (1987a, p. 27), a prática comunicativa remete a diversas
formas de argumentação como a outras tantas possibilidades de ação comunicativa por meios
reflexivos. A concepção de racionalidade comunicativa possui conotações que remontam a
experiência central da capacidade de reunir sem coações e de gerar consenso que tem uma
fala argumentativa em que diversos participantes superam a subjetividade inicial de seus
respectivos pontos de vista e perante uma comunidade de convicções racionalmente
motivadas se asseguram por sua vez da unidade do mundo objetivo e da intersubjetividade do
contexto em que se desenvolvem suas vidas.
46
A razão comunicativa está apoiada numa determinada concepção de linguagem e
entendimento. Essa comunicação implica interação entre pessoas que são capazes de falar e
de agir e chegar a um entendimento, pois o homem pensa e produz em relação constante com
outros homens, jamais fora desse circuito social. É na órbita da construção política feita por
homens reais no mundo real que, segundo Habermas (1990, p. 76), a racionalidade
comunicativa se estabelece mediante o consenso social da realidade.
O que a ação comunicativa busca explorar é a relação dos sujeitos, através de uma
postura dialógica, compreensiva e democrática no âmbito de um consenso comunicativo,
construído dentro das relações sociais em função das racionalidades das ações:
O desenvolvimento de um vel de um pensamento formal viabiliza o processo de
ação intersubjetivamente reconhecida. É nessa perspectiva que o mundo da vida se
insere: os homens atuam comunicativamente, tendo como referência o horizonte que
compartem (PRESTES, 1996, p. 70).
É na esfera do universo da relação dos sujeitos que Habermas (1887a) parte de sua
concepção ontológica para a concepção da racionalidade, onde expressa uma relação entre
comunicação e interpretação no plano do entendimento e consenso entre as partes, dentro de
uma racionalidade que torna válido o ato comunicativo a partir do pressuposto da validade das
ações racionais no mundo da vida, “[...] não é mais a relação do sujeito isolado com algo no
mundo objetivo, representável e manipulável; o que é paradigmático é ao contrário, a relação
intersubjetiva que se instaura entre os sujeitos capazes de falar e de agir, assim que eles se
entendem entre si sobre alguma coisa” (p. 395).
Essa concepção de racionalidade acontece dentro de um processo de relacionamento
dos sujeitos no mundo da vida. O termo “mundo da vida” ou Lebenswelt” e seus conceitos,
Husserl resgatou e converteu em tema para a filosofia e Habermas os retoma, pois “o resgate
do conceito de Lebenswelt pode ser considerado como a tentativa que pretende concertar o
equívoco do pensamento moderno, que, segundo Habermas, coloniza e desmoraliza o mundo
da vida” (PIZZI, 2006, p. 20).
Segundo Habermas (1990, p. 88), “[...] o tema ‘mundo da vida’ dever ser introduzido
como um conceito complementar do agir comunicativo”, pois a teoria da constituição do
conhecimento tem relações com as diretrizes da pragmática da linguagem que abrangem
interações mediadas lingüisticamente. A situação interativa é o ponto de confluência entre o
47
mundo da vida e a ação comunicativa, sendo o lugar onde a tensão entre eles acontece. Esse é
o tema que abordaremos a seguir.
48
2. O MUNDO DA VIDA COMO HORIZONTE E PANO DE FUNDO DA AÇÃO
COMUNICATIVA
Habermas desenvolve uma concepção de mundo da vida como complementar a da
ação comunicativa, mas não com a intenção de prosseguir com uma análise pragmático-
formal
19
da ação comunicativa.
Habermas (1987b, p. 169), pretende, a partir da ação comunicativa, desenvolver e
explorar a questão de como o mundo da vida é o horizonte em que os agentes comunicativos
se movem e permanecem em parte delimitados no conjunto pela troca estrutural da sociedade
e como se transforma à medida que se produz essa troca. Habermas pensa a vinculação entre a
“teoria dos atos de fala” e o conceito de “mundo da vida” como foi trabalhado na
hermenêutica, na perspectiva lingüística de significação e não mais a partir do paradigma da
consciência
20
.
Nessa ótica, o mundo vivido é considerado a partir do processo de entendimento no
qual diferentes pessoas se entendem a partir de um pano de fundo comum sobre algo
no mundo objetivo dos fatos, no mundo social das normas de ação e mundo
subjetivo das vivências. O mundo vivido emerge, então, como condição de
possibilidade do processo comunicativo: ele é um reservatório de evidências e de
convicções inabaladas, que constitui o sentido intersubjetivamente partilhado a partir
do qual as pessoas podem comunicar-se (OLIVEIRA, 1996, p. 334).
Em primeiro lugar, Habermas (1987b, p. 170), procura clarificar como se relaciona o
mundo da vida com os três mundos que a ação orientada ao entendimento dos sujeitos utiliza
19
- pragmática formal consiste em identificar e reconstruir as condições universais do entendimento mútuo
[Verständigung] possível. Alcançar o entendimento mútuo exige que um falante e ouvinte operem não apenas no
nível da intersubjetividade em que falam um com o outro, mas também no nível dos objetos ou dos estados de
coisas sobre os quais eles comunicam um com o outro (HABERMAS, 1997).
20
- paradigma da consciência, também chamado de filosofia da consciência, é uma expressão utilizada por
Habermas, para se referir àquelas tradições filosóficas que, de Descartes a Sartre e a Merleau-Ponty, passando
por Kant, Hegel e Husserl, colocam a consciência, concebida como capacidade do ser humano de apreender o
mundo e a si próprio (auto-reflexividade) no centro de seus sistemas filosóficos (HABERMAS, 2000).
49
como base das definições comuns que fazem das situações. O sujeito pode relacionar-se com
algo que tem lugar ou que pode ser produzido no mundo objetivo, com algo que pode ser
reconhecido como obrigatório em um mundo social compartilhado por todos os membros de
um coletivo; ou como algo que os sujeitos atribuem ao mundo subjetivo do falante, ao qual
este tem um acesso privilegiado.
Em seguida, Habermas (1987b), analisa como estas relações do sujeito/mundo
voltam a aparecer nas ações orientadas ao entendimento, pois dependendo do emprego da
linguagem de um dos atos de fala estão estabelecendo uma relação pragmática: com algo no
mundo objetivo, como totalidade dos enunciados que podem ser verdadeiros; ou com algo no
mundo social, como totalidade das relações interpessoais legitimamente reguladas; ou como
algo no mundo subjetivo, como totalidade das próprias vivências que cada um tem acesso
privilegiado e que pode se manifestar verazmente ante um público.
Posteriormente Habermas (1987b), considera que as manifestações comunicativas
estão inseridas há um mesmo tempo em diversas relações com o mundo. A ação comunicativa
se embasa em um processo cooperativo de interpretação em que os participantes se referem
simultaneamente a um mundo objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo, mesmo
quando em suas manifestações aparece tematicamente um destes três componentes.
Falantes e ouvintes empregam um sistema de referência que constituem os três mundos como
marco de interpretação dentro do qual elaboram as definições comuns da sua situação de ação.
Não fazem mais referência a algo em um mundo, pois relativizam sua manifestação contando
com a possibilidade de que sua validez será posta em juízo por outro ator.
No entendimento de Aragão (1992), Habermas tem um posicionamento em relação à
razão, que determina sua teoria da evolução e sua teoria das sociedades capitalistas,
concebendo a razão não como uma, mas como duas razões. As razões do mundo da vida e as
razões do mundo do sistema. Estas razões operam de modo distinto, subjetivamente e
intersubjetivamente e podemos assim
deduzir dois interesses imanentes à humanidade, que correspondem a dois objetivos
sociais diferentes; que, por sua vez, determinam dois princípios sociais de
organização; que estabelecem duas linhas de evolução e duas gicas distintas; que
determinam dois campos funcionais da sociedade; em que se realizam dois tipos
básicos de ação social; que representam dois tipos de visão de sociedade (a
externalista e a internalista); que, representam dois paradigmas para a teoria social (a
teoria sistêmica e a teoria da ação); e, por fim, distinguem entre dois tipos de teoria
social (a teoria analítica e a teoria dialética) (ARAGÃO, 1992, p. 127).
50
A partir destas concepções de razão Habermas propõe a reconciliação destes dois
tipos de razão, conciliando os elementos do mundo sistêmico com as estruturas do mundo da
vida, da razão instrumental com a comunicativa. Assim, a razão instrumental não ficaria mais
dividida em razão dominadora e libertadora, em uma razão que diz respeito à necessidade e
outra à liberdade, mas se fundiria sob a forma de razão comunicativa, possibilitando uma
ampliação paradigmática da razão instrumental para a comunicativa, da subjetividade para a
intersubjetividade, da razão monológica para a dialógica, pois “[...] somente assim a
modernidade poderá ser compreendida corretamente, buscando-se, através da ação orientada
para a compreensão, as soluções para as patologias” (FREITAG, 2005, p. 174).
2.1. Mundo da Vida
Na interpretação de Aragão (1992, p. 46), para Habermas os falantes estão sempre se
movendo dentro do horizonte de seus mundos da vida. As estruturas do mundo da vida,
comum a todos, é que dispõem as formas de intersubjetividade do entendimento possível, pois
é destas estruturas que os participantes na comunicação retiram posições adicionais aos
assuntos mundanos internos, sobre os quais chegam a um entendimento, passando assim, a
adquirir um aspecto transcendental.
O mundo da vida é, por assim dizer, o lugar transcendental onde se encontram
falantes e ouvintes, onde podem erguer reciprocamente pretensões de que suas
asserções se adequam ao mundo (objetivo, social ou subjetivo) e onde eles podem
criticar e confirmar essas pretensões de validade, acertar seus desacordos e chegar a
acordos (HABERMAS, 1987a, p. 126).
No conceito de mundo da vida, da teoria de Habermas (1987a, p. 125/46), uma
classificação dos três aspectos do universo da existência do mundo dos sujeitos e como
resultado temos um mundo objetivo, um mundo social e um mundo subjetivo. Estes três
mundos intersubjetivamente partilhados formam o “pano de fundo” para a ação comunicativa,
definindo sobre o que é possível para haver entendimento.
51
As comunicações que os sujeitos estabelecem entre si, mediadas por atos de fala,
dizem respeito sempre a estes três mundos: o mundo objetivo das coisas, o mundo social das
normas e instituições e o mundo subjetivo das vivências e dos sentimentos. As relações com
esses três mundos estão presentes, ainda que não na mesma medida, em todas as interações
sociais (HABERMAS, 1987b).
Em primeiro lugar, as pessoas, ao interagirem, coordenam suas ações. Do
conhecimento que elas partilham do mundo objetivo depende o sucesso ou o insucesso de
suas ações conjuntas. Em segundo lugar, as pessoas interagem orientando-se segundo normas
sociais que existem previamente ou que são produzidas durante a interação. Essas normas
definem expectativas recíprocas de comportamento, sobre as quais todos os participantes têm
conhecimento. Esse tipo de ação não é avaliado pelo seu êxito, mas pelo reconhecimento
intersubjetivo e pelo consenso valorativo. Em terceiro lugar, em todas as interações as pessoas
revelam algo de suas vivências, intenções, necessidades, de seus temores etc., de tal modo que
deixam transparecer sua interioridade. Embora as pessoas, em maior ou menor grau, possam
controlar as manifestações de suas vivências subjetivas, das suas ações podem-se tirar
conclusões a respeito da sua veracidade (HABERMAS, 1987b).
A cada um desses mundos correspondem diferentes pretensões de validade. Ao
mundo objetivo correspondem pretensões de validade referentes à verdade das afirmações
feitas pelos participantes no processo comunicativo. Ao mundo social correspondem
pretensões de validade referentes à correção e à adequação das normas, e ao mundo subjetivo
das vivências e sentimentos correspondem pretensões de veracidade, o que significa que os
participantes do diálogo estejam sendo sinceros na expressão dos seus sentimentos
(HABERMAS, 1987b).
O mais importante como resultado desta separação classificatória é entender a
explicação conceitual delas e entender o processo de desenvolvimento destes três mundos, sob
uma ótica integral, processando-se num todo que é o mundo da vida.
[...] os atos de fala podem referir-se aos mundos objetivo, social e subjetivo. O
conceito de mundo, portanto, diz respeito àquilo sobre que os participantes da
interação se entendem entre si e que, em cada caso, não passa de um fragmento do
mundo da vida que é tematizado. Já, mundo da vida pode ser conceituado como
aquilo desde onde os participantes da interação iniciam e discutem suas operações
interpretativas. (BOUFLEUER, 2001, p. 45/6; grifo do autor).
52
O mundo da vida é o espaço onde se constrói a razão comunicativa, a partir das
relações intersubjetivas entre os sujeitos que se entendem acerca de algo no mundo, movendo-
se dentro do horizonte do seu mundo da vida comum como um pano de fundo. Assim, não
mais o sujeito isolado, mas participantes em interações, que tem um mundo de vida em
comum (se entendem), funcionando como um pano de fundo dessas interações, para que elas
de fato ocorram e que possibilitem a transposição de um abismo e constituam um horizonte de
sentido para o entendimento, perpassando todas as esferas separadas da vida (HABERMAS,
1987b).
2.1.1. O Mundo da Vida como Pano de Fundo das Interações
Como todo o saber não temático, o mundo da vida que serve de pano de fundo está
presente de modo implícito e pré-reflexivo. Habermas (1990, p. 92), considera como primeira
característica do saber do mundo da vida que serve de pano de fundo a imediatez, ou seja, um
saber do qual vivemos proximamente, que fazemos experiências, falamos e agimos, mas é um
saber não-temático, pois está presente de modo implícito e pré-reflexivo e ainda precisa de
ligação interna com a possibilidade de problematização para que haja pretensões de validade e
se tornar falível. Isso se no instante da pronúncia, formando o contexto indireto da fala,
do que é dito e discutido numa determinada situação, por isso sempre permanece como pano
de fundo. Constitui-se na bagagem que recorremos para apoiar nossas tematizações,
discursos, ações e opiniões.
Conforme Habermas (1990a, p. 92/3), a segunda característica do saber do mundo da
vida que serve de pano de fundo é a força totalizadora. O saber que aparece em primeiro
plano acerca de um horizonte e de um contexto retira o seu caráter do pano de fundo em que
está enraizado, tanto na dimensão da percepção como na do significado. As operações de
medidas, os espaços sociais e os tempos históricos são formados pelas situações comuns de
falas, num mundo compartilhado intersubjetivamente.
Como terceira característica do saber do mundo da vida que serve de pano de fundo é
o holismo e se relaciona com a imediatez e com a totalização. Esta característica do saber é o
mundo da vida emaranhado, um saber difuso, que através das experiências problematizadoras
53
serão desdobrados em diferentes categorias do saber. Com um olhar diferenciado ao mundo
da vida permite “concluir que, no âmbito do saber que serve de pano de fundo, as convicções
acerca de algo estão ligadas com o entregar-se a algo, com o ser tocado por algo, como poder
exercitar algo” (HABERMAS, 1990, p. 93).
A linguagem e a cultura são constitutivas do mundo da vida, pois são eles que
constituem o em queos sujeitos da comunicação se entendem sobre algo no mundo, por
isso é que Habermas fala de uma “quase transcendência” do horizonte de entendimento, pois
sendo horizonte ele é apenas espaço possibilitador e não propriamente tema do entendimento.
Entendimento (Verständigung) significa a obtenção de um acordo (Einigung) entre
os participantes da comunicação acerca da validez de uma emissão; acordo
(Einverständnis) é o reconhecimento intersubjetivo da pretensão de validez que um
falante vincula a ela (HABERMAS, 1987b, p. 171).
Mesmo quando uma manifestação só pertença aparentemente a um modo de
comunicação e tematiza claramente a pretensão de validez correspondente a este modo, os
modos de comunicação e suas correspondentes pretensões de validez formam entre si uma
rede de remissões que não se rompem por essa tematização. Assim, na ação comunicativa
uma regra de que se um ouvinte concorda com a pretensão de validez que ali se tematiza
reconhece também as pretensões de validez que implicitamente se colocam e, se não
concorda, é necessário que explique seu desacordo.
O pano de fundo de uma emissão comunicativa se constitui, para Habermas (1987b,
p. 173), em definições mínimas para que os participantes da comunicação possam se entender.
Se não houver estas definições mínimas esta comunidade tem que chegar a uma definição
comum da situação recorrendo a meios de ação estratégica empregados com a finalidade
comunicativa. Porém, quando isto não é necessário, cada nova emissão é como um teste: a
definição da situação de ação que prepõe o falante é confirmada, ou é modificada ou fica
temporariamente em suspenso, ou é posta decididamente em questão. Esse processo
incessante de definições e redefinições implica uma atribuição de conteúdos aos distintos
mundos, sendo que em cada caso concreto se reporte ao mundo objetivo como componente
em cuja interpretação se coincide, ao mundo subjetivo como componente normativo
intersubjetivamente reconhecido ou ao mundo subjetivo como componente privado a que cada
qual tem acesso privilegiado.
54
As situações possuem sempre um horizonte que se desloca com o tema. Uma
situação é somente um fragmento que os temas, os fins e os planos de ação realizam e
articulam em cada caso dentro de redes de remissões que constituem o mundo da vida, e essas
redes estão dispostas concentricamente e se tornam cada vez mais difusas ao aumentar a
distância espaço-temporal e a distância social.
21
De acordo com Habermas (1987b), um fragmento do mundo da vida é muito
relevante para uma situação, pois é a partir dele que surge a necessidade de entendimento em
relação às possibilidades atuais de ação. A situação de ação constitui em cada ocasião para os
participantes o centro de seu mundo da vida, essa situação tem um horizonte móvel que
remete para a complexidade do mundo da vida.
De certo modo o mundo da vida de cada participante da interação está sempre
presente, porém somente como um pano de fundo da situação atual. O mundo da vida
centrado na situação aparece como um depósito de auto-evidências ou de convicções
inquestionadas, que os participantes da comunicação fazem uso nos processos cooperativos de
interpretação. Porém, somente quando se tornam relevantes para uma situação pode esse ou
aquele elemento ou determinadas auto-evidências ser mobilizadas em forma de um saber
sobre o qual existe consenso e que por sua vez é suscetível de problematização
(HABERMAS, 1987b, p. 176).
Assim, o mundo vivido fornece o pano de fundo onde são conservadas as produções
interpretativas das gerações atuais, que constituem o conjunto de convicções não
problematizadas, que funcionam como contrapeso conservador contra o risco de
dissenso. Aqui, então, a subjetividade é gestada pela mediação da linguagem, que é
um reservatório de sentido simplesmente dado em princípio recebido sem problemas
com o “soloseguro e familiar a partir de onde se podem interpretar as diferentes
situações da vida (OLIVEIRA, 1996, p. 336).
Para Habermas (1987a, p. 104ss), ao atuar comunicativamente os sujeitos se
entendem em um horizonte de um mundo da vida. Seu mundo da vida está formado de
convicções de fundo, mais ou menos difusas, porém sempre aproblemático. O mundo da vida
é a fonte de onde se obtém as definições da situação que os implicados pressupõem como
aproblemático. Em suas operações interpretativas os membros de uma comunidade de
comunicação desvelam o mundo objetivo e o mundo social que intersubjetivamente
21
- Por espaço Habermas (1987b), entende o lugar, a região, o país, o continente, ou seja, um mundo
potencialmente acessível; por tempo entende o dia, a história pessoal, a época e por social entende os grupos de
referência que são a família, a comunidade local, a nação e até a sociedade mundial.
55
compartilham, frente aos mundos subjetivos de cada um e frente a outros coletivos. Os
conceitos de mundo e as correspondentes pretensões de validez constituem a estrutura formal
que os agentes se servem em sua ação comunicativa para enfrentar em seu mundo da vida as
situações que em cada caso vão tornando-se problemática, ou seja, aquelas sobre as quais
pode se chegar a um acordo.
O mundo da vida acumula o trabalho de interpretação realizado pelas gerações
passadas e é o contrapeso conservado contra o risco de discordância que comporta todo o
processo de entendimento que está em curso. Na ação comunicativa os agentes só podem
entender-se através de posturas de afirmação ou negação frente às pretensões de validade
susceptíveis de crítica.
O mundo da vida pode ser representado como um acervo de padrões de
interpretações transmitidos culturalmente e organizados linguisticamente. A linguagem e a
cultura são elementos constitutivos do mundo da vida. Ao realizar ou entender um ato de fala
os participantes da comunicação estão se movendo tanto dentro de sua linguagem que não
pode ser considerado como algo intersubjetivo, pois podem fazer experiência de um sucesso
como algo objetivo, em que pode topar-se com expectativa de comportamento como algo
normativo ou em que podem viver ou descobrir um desejo ou sentimento como algo
subjetivo. “A capacidade semântica de um ato de fala ou expressão tem que ser proporcionada
pela complexidade de seus conteúdos culturais, dos padrões de interpretação, avaliações e
expressões que esse ato acumula” (HABERMAS, 1987b, p. 178).
Esse acervo de saber fornece aos participantes da comunicação convicções de fundo
aproblemáticas, de convicções de fundo que eles supõem garantidas. Destas convicções de
fundo se forma, em cada caso, o contexto dos procedimentos de entendimento em que os
participantes fazem de definições acreditadas da situação ou negociam definições novas.
2.1.2. O Mundo da Vida como Relação Intersubjetiva de Entendimento
Na prática comunicativa cotidiana não situações absolutamente desconhecidas,
pois todas as novas situações emergem a partir de um mundo da vida que está construído a
56
partir de um acervo cultural de saber que é sempre familiar. Frente a este mundo os agentes
comunicativos não podem adotar uma posição extramundana, assim como também não
podem, na linguagem, fazer frente como meio dos processos de entendimento graças aos
quais o mundo da vida se mantém. Ao fazer uso de uma tradição cultural também a estão
perseguindo.
Com os conceitos formais de mundo falantes e ouvintes podem qualificar as
diferentes possibilidades de seus atos de fala de modo que seja possível referir-se a
eles como algo objetivo, como algo normativo ou como algo subjetivo. O mundo da
vida, pelo contrário, não permite qualificações análogas, com sua ajuda falantes e
ouvintes não podem referir-se a algo como “algo intersubjetivo”. Os agentes
comunicativos se movem sempre dentro do horizonte que é seu mundo da vida, dele
não pode sair. Os intérpretes pertencem, junto com seus atos de fala, ao mundo da
vida, porém não podem estabelecer uma relação “com algo no mundo da vida”, da
mesma maneira como podem estabelecer com fatos, normas ou vivências
(HABERMAS, 1987b, p.179).
As estruturas do mundo da vida fixam as formas de intersubjetividade do
entendimento possível. A elas devem os participantes da comunicação sua posição
extramundana frente ao intramundano sobre o que podem entender-se. O mundo da vida é,
por assim dizer, um lugar de encontro; em que pode projetar reciprocamente a pretensão de
que suas emissões concordem com o mundo (com o mundo objetivo, com o mundo social e
com o mundo subjetivo); e em que podem criticar e exibir os fundamentos dessas pretensões
de validez, resolver seus desentendimentos e chegar a um acordo (HABERMAS, 1987a,
p.126).
O mundo da vida fornece subsídios para o entendimento na ação comunicativa,
sendo a base de sustentação para que ocorra uma verdadeira ação comunicativa entre os
atores. Estes possuem no seu mundo da vida toda uma tradição cultural, um saber implícito,
pré-teórico, uma linguagem própria, um conhecimento subentendido. Conforme Boufleuer:
Somente a partir do saber que constitui o pano de fundo do mundo da vida é que os
comunicantes podem pretender chegar a um acordo sobre algo no mundo, seja ele o
objetivo, o social ou o subjetivo. A esses três mundos correspondem,
respectivamente, as tradições culturais, os ordenamentos sociais e as estruturas de
personalidade, que Habermas toma como componentes sicos do mundo da vida
(2001, p. 46).
57
Segundo Habermas (1990, p. 95), em qualquer ato de fala, pelo qual um falante se
entende com outro sobre algo, três referenciais com o mundo: o falante, o ouvinte e o
próprio mundo. Assim, uma relação interpessoal, buscando a interação social num mundo
de vida intersubjetivamente partilhado, numa comunidade de linguagem que não se detêm ao
mero processo de alcançar entendimento, mas também, com o objetivo de tomar parte em
interações onde desenvolvam, confirmam e renovam seu pertencimento a grupos sociais e
suas identidades.
2.1.3. Os Componentes Estruturais do Mundo da Vida
Para Habermas (1987b, p.190), segundo a concepção fenomenológica de Durkheim
22
estamos limitados a uma concepção culturalista de mundo da vida, onde os padrões culturais
de interpretação, valorização e de expressões servem de recursos que os participantes da
interação utilizam para negociar uma definição comum da situação para chegar ao consenso
sobre algo no mundo.
A situação de ação assim interpretada circunscreve um âmbito de alternativas de
ações aberta a um tema, ou seja, para a execução de planos. Porém, o mundo da vida
como recurso para a ação orientada ao entendimento, mantém nos atos restrições que
lhe impõe as circunstâncias da execução de seus planos como ingredientes da
situação e estes podem ser classificados dentro do sistema de referências das três
concepções formais do mundo como fatos, normas e vivências... (HABERMAS,
1987b, 191/2).
A concepção de mundo da vida estabelecido em termos de teoria de comunicação,
até então desenvolvida, se emancipa da filosofia da consciência, porém continua se movendo
em um mesmo plano analítico que a concepção transcendental de mundo da vida que a
fenomenologia propõe.
A concepção de mundo da vida desenvolvida a partir da perspectiva do participante
não resulta diretamente útil. Para fins teóricos não resulta apto para averiguar um âmbito
22
- Durkheim entende o mundo da vida como uma separação de cultura, sociedade e personalidade, enquanto
que Habermas entende estas estruturas como componentes estruturais do mundo da vida.
58
objetual próprio das ciências sociais, ou seja, daquela região dentro do mundo objetivo
constituído por uma totalidade de fatos históricos ou sócio-culturais. Para isso Habermas
(1987b, p. 193) prefere utilizar uma concepção de mundo da vida com cuja ajuda os agentes
comunicativos localizam e datam suas emissões em um espaço social e em um tempo
histórico.
Na prática comunicativa cotidiana as pessoas não somente se colocam mutuamente
ao encontro em uma atitude de participante, assim como também fazem exposições narrativas
do que lhes acontece no contexto de seu mundo da vida. Conforme Habermas (1987b, p.193),
a narração é uma forma especializada de fala constatativa que serve para a descrição de
sucessos e fatos cio-culturais. Na base de suas exposições narrativas os atores em um
conceito não teórico de mundo, num sentido de mundo cotidiano ou de mundo da vida, que
define a totalidade de estados de coisas que podem se manifestar em histórias verdadeiras.
Essa concepção cotidiana desvenda um mundo objetivo na região de sucessos
narráveis ou de fatos históricos. Porém, a prática narrativa não serve somente para
cobrir as necessidades triviais de entendimento de membros que vão coordenar sua
cooperação sendo que cumpre também uma função para a autocompreensão de
pessoas que vão objetivar seu pertencimento ao mundo da vida de que são membros
com os participantes atuais na comunicação, que somente podem desenvolver
uma identidade pessoal se se derem conta de que a seqüência de suas próprias ações
constitui uma vida suscetível de narrar-se e somente podem desenvolver uma
identidade social se se derem conta de que através de participações em interações
mantém seu pertencimento a grupos sociais e de que, com este pertencimento, estão
envolvidos na história narrativamente exposta pelos coletivos. Os coletivos
mantêm sua identidade na medida em que as representações de seu mundo da vida
se condensam em convicções de fundo de caráter aproblemático (HABERMAS,
1987b, 194).
Para Habermas (1987b) a análise das formas dos enunciados narrativos constitui um
ponto de partida metodologicamente fecundo para a clarificação de um conceito “profano” de
mundo da vida que se refere a uma totalidade de fatos sócio-culturais e que oferece, para
tanto, um ponto de engate pra a teoria da sociedade. A análise da gramática das narrações
permite ver como identificamos e descrevemos os estados e sucessos que se produzem em um
mundo da vida, como entrelaçamos e seqüênciamos em um espaço social e em um tempo
histórico as interações dos membros de um grupo dando lugar a unidades complexas, como
explicamos, desde a perspectiva do domínio da situação, as ações dos indivíduos e os
sucessos dos que sobrevivem, as façanhas dos coletivos e os destinos que estes sofrem. Em
virtude da própria forma de narrar, elegem uma perspectiva que nos força “gramaticalmente”
59
a colocar à base da descrição, como sistema cognitivo de referência, um conceito cotidiano de
mundo da vida.
O conceito cotidiano de mundo da vida que o narrador utiliza é sempre com uma
finalidade cognitiva, enquanto que na perspectiva dos participantes do mundo da vida esse
conceito será sempre como contexto que constitui o horizonte de uma situação. Para nos
servimos dele com fins teóricos podemos partir daquelas funções fundamentais que cumprem
por meio da linguagem na reprodução do mundo da vida.
Ao entender-se entre si sobre uma situação, os participantes se encontram em uma
tradição cultural que dela fazem uso e que simultaneamente renovam; ao coordenar
suas ações através do reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validez
suscetíveis de crítica, os participantes da interação estão se apoiando em
pertencimento a grupos sociais cuja integração simultaneamente ratificam; ao tomar
parte em interações com pessoas de referência, as quais já são agentes competentes,
a pessoa internaliza as orientações valorativas de seu grupo social e adquire
capacidades generalizadas de ação (HABERMAS, 1987b, p. 195/6).
Sob o aspecto funcional de entendimento, para Habermas (1987b), a ação
comunicativa serve à tradição e à renovação do saber cultural; sob o aspecto de coordenação
de ação, serve à integração social e à criação de solidariedade; e sob o aspecto de
socialização, serve à formação de identidades próprias. As estruturas simbólicas do mundo da
vida se reproduzem por via da continuação do saber válido, da estabilização da solidariedade
dos grupos e da formação de atores capazes de responder às suas ações. O processo de
reprodução envolve as novas situações com os estados do mundo existentes, e isso tanto na
dimensão semântica dos significados ou conteúdos (da tradição cultural) como na dimensão
do espaço social (de grupos socialmente integrados) e na do tempo histórico (da sucessão de
gerações). A estes processos de reprodução cultural, integração social e socialização
correspondem os componentes culturais do mundo da vida que são cultura, sociedade e
personalidade.
Para mim, cultura é o armazém de saber, do qual os participantes da comunicação
extraem interpretações no momento em que se entendem mutuamente sobre algo. A
sociedade compõe-se de ordens legítimas através das quais os participantes da
comunicação regulam sua pertença a grupos sociais e garantem solidariedade. Conto
entre as estruturas da personalidade todos os motivos e habilidades que colocam um
sujeito em condições de falar e agir, bem como de garantir sua identidade própria.
(HABERMAS, 1990, p. 96; grifo do autor).
60
Habermas (1987b, p. 197) analisa que a sociologia compreensiva concebe a
sociedade como mundo da vida, limitando a conectar, quase sempre, com somente um dos
três componentes estruturais do mundo da vida.
A unilateralidade desta concepção culturalista de mundo da vida resulta evidente
enquanto se considera que a ação comunicativa não somente é um processo de entendimento,
que os atores ao entenderem-se sobre algo no mundo estão participando semelhantemente em
interações através das quais desenvolvem, mas também confirmam e renovam tanto o seu
pertencimento a grupos sociais como a sua própria identidade.
As ações comunicativas não são somente interpretações em que o saber cultural fica
exposto ao “teste do mundo”; significam ao mesmo tempo processos de interação social e de
socialização. Nesse processo o mundo da vida que fica submetido à prova não se rege sob
forma imediata de pretensão de validez e nem diretamente por critério de racionalidade, mas
por critérios que se referem à solidariedade dos seus membros e a identidade do indivíduo
socializado. Quando os participantes da interação, direcionados ao mundo, reproduzem
através de suas operações que se entendem o saber cultural que se nutrem estão reproduzindo,
mais uma vez, seu pertencimento aos coletivos e a sua própria identidade. Enquanto um
destes aspectos passa a primeiro plano a concepção de mundo da vida volta a receber uma
versão unilateral, uma versão estreitada ou em termos institucionalistas ou em termos de
teoria de socialização (HABERMAS, 1987b, p. 198).
Se tomarmos o conceito de interação simbólica e o transformarmos, assim, em uma
categoria submetida a aprender as interações regidas por normas mediadas lingüisticamente e
a sua luz aproveitamos as análises fenomenológicas de mundo da vida podemos ascender uma
complexa conexão a estes três processos de reprodução.
A reprodução cultural do mundo da vida se encarrega de que, em sua dimensão
semântica
23
, as novas situações que se apresentam permaneçam postas em relação com os
estados de mundo existentes: assegura a continuidade da tradição e uma coerência do saber
que baste em cada caso para a prática comunicativa cotidiana. Essa continuidade e essa
coerência têm sua medida na racionalidade do saber aceito como válido. É isso que evidencia
as perturbações da reprodução cultural, que se manifesta em uma perda de sentido e
aumentam as crises de legitimação e de orientação. Em tais casos os atores não podem
cobrir a necessidade de entendimento que surgem com as situações novas, fazendo uso de seu
23
- O campo semântico dos conteúdos simbólicos, o espaço social e o tempo histórico constituem as dimensões
que as ações comunicativas compreendem (HABERMAS, 1987b, p. 196).
61
acervo cultural de saber. “Os esquemas de interpretação aceitos como válidos fracassam e o
recurso ‘sentido’ se torna escasso” (HABERMAS, 1987b, p. 200).
A integração social do mundo da vida se encarrega de que as situações novas que se
apresentam na dimensão do espaço social permanecem conectadas com os estados do mundo
existentes: cuida para que as ações fiquem coordenadas através de relações interpessoais
legitimamente reguladas e da continuidade à identidade dos grupos em um grau que seja
suficiente para a prática comunicativa cotidiana. A coordenação das ações e a estabilização
das identidades do grupo têm aqui sua medida na solidariedade de seus membros, no qual se
evidencia nas perturbações da integração social que se traduzem em anomia, ou seja, ausência
generalizada de respeito às normas sociais, devido à divergência entre eles, e nos
correspondentes conflitos. Nestes casos os atores já não podem cobrir a necessidade de
coordenação que as situações novas requerem, recorrendo as coordenações legítimas
existentes. “O pertencimento a grupos legitimamente regulados não bastam e o recurso
‘solidariedade social’ se torna escasso” (HABERMAS, 1987b, p. 200).
A socialização dos membros de um mundo da vida se encarrega, finalmente, de que
as novas situações que se produzem na dimensão do tempo histórico fiquem conectadas com
os estados do mundo existente: assegura as gerações seguintes à aquisição de capacidades
generalizadas de ação e cuida de sintonizar as vidas individuais com as formas de vida
coletivas. As capacidades interativas e os estilos pessoais de vida têm sua medida na
capacidade das pessoas para responder autonomamente por suas ações. É o que se patentiza
nas perturbações dos processos de socialização, que se manifestam em psicopatologias e nos
correspondentes fenômenos de alienação. Nestes casos as capacidades dos atores não bastam
para manter em pé a intersubjetividade de situações de ações definidas em comum. “O
sistema da personalidade somente pode salvaguardar sua identidade recorrendo a estratégias
defensivas que diminuem sua capacidade de participação em interações, mantendo desperto o
sentido de realidade, de maneira que o recurso ‘força do ser’ se torna escasso” (HABERMAS,
1987b, p. 201).
Assim, por exemplo, a falha na reprodução cultural se revela na perda de sentido, o
que por sua vez provoca crises de legitimação social e de orientação pessoal. Por
outro lado, a falha do processo de integração social prova o estado de anomia e as
crises correspondentes de insegurança da identidade coletiva e da alienação pessoal
(OLIVEIRA, 1996, p. 337).
62
Segundo Habermas (1987b, p. 203), uma vez feitas estas distinções, a questão que se
coloca é a de que ligam os distintos processos de reprodução à conservação dos componentes
estruturais do mundo da vida. Se a cultura fornece suficiente saber válido para que possam
ficar cobertas as necessidades de entendimento existente em um mundo da vida, o que a
reprodução cultural coloca à permanência dos outros componentes consiste em legitimações
para as instituições existentes. Por outro lado, em padrões de comportamento eficazes no
processo de formação individual que sirvam de sustentação para a aquisição de competências
generalizadas de ação. Se a sociedade está bastante integrada para que possam ficar coberta as
necessidades de coordenação existentes em um mundo da vida, a contribuição de um processo
de integração à manutenção dos outros dos componentes consiste, por um lado em
pertencimento dos indivíduos a grupos legitimamente regulados e por outro, em vinculações
de caráter moral ou obrigações: o núcleo de valores culturais institucionalizados nas
ordenações legítimas permanece incorporado a uma realidade normativa que, apesar de não
imune a crítica, pois é bastante resistente para fazer com que esse núcleo de valores se
submeta ao teste permanente de ação orientada ao entendimento. Finalmente, se os sistemas
de personalidade vão desenvolver uma identidade tão sólida que lhes permite dominar com
pleno sentido da realidade as situações que surgem em seu mundo da vida, a contribuição dos
processos de socialização à conservação dos outros componentes consiste, por um lado, nas
interpretações que os indivíduos produzem, e por outro, em motivações para atuar em
conformidade com as normas.
Conforme Habermas (1987b, p. 202), as dimensões em que se podem avaliar os
distintos processos de reprodução são a racionalidade do saber, a socialização dos membros e
a capacidade da personalidade adulta para responder autonomamente pelas suas ações.
Certamente que as medidas dentro destas dimensões variam segundo o grau de diferenciação
estrutural do mundo da vida. E dela depende também em cada caso da importância da
necessidade de saber compartilhado, da necessidade de ordenações legítimas e da necessidade
de autonomia pessoal. No âmbito da cultura as perturbações no processo de reprodução se
manifestam como perda de sentido, no âmbito da sociedade como anomia e no âmbito da
personalidade como psicopatologia. As perturbações em cada um destes âmbitos dão lugar
aos correspondentes fenômenos de privação em outros.
O fracasso nos processos de socialização se mostra nas patologias psíquicas, e nas
crises correspondentes de ruptura com a tradição e perda de motivação. Por outro
lado, tanto mais se diferenciam, sejam esses componentes estruturais do mundo
63
vivido, sejam os processos que contribuem para sua conservação, quanto mais as
conexões interativas se realizam sob condições de um entendimento racionalmente
motivado, isto é, de um consenso, que, em última instância, se apóia na autoridade
do melhor argumento (OLIVEIRA, 1996, p. 337).
Ou seja, quanto mais se diferenciam os componentes estruturais do mundo da vida
(cultura, sociedade e personalidade), que contribuem à sua conservação, tanto mais ficam
submetidos a perdas os contextos de interação das condições de um entendimento motivado,
fazendo com que o consenso se baseie em um melhor argumento.
Segundo Habermas (1987b, p. 205), o conceito de mundo da vida desenvolvido em
termos de teoria da comunicação está longe do grau de explicação de seu oponente
fenomenológico, pois para Habermas a carga de provas” que o conceito de mundo da vida
possui validez geral e de que, portanto, pode aplicar-se a todas as culturas e épocas, se desloca
para sua concepção complementar, a de ação comunicativa.
Desde a perspectiva interna de mundo da vida a sociedade se apresenta como uma
rede de cooperações mediadas comunicativamente. O que liga entre si os indivíduos
socializados e o que assegura a integração da sociedade é um tecido de ações comunicativas
que somente pode obter sucesso à luz das tradições culturais e não mecanismos sistêmicos
que escapem ao saber intuitivo de seus membros (HABERMAS, 1987b, p. 209).
O mundo da vida que os membros constroem a partir de tradições culturais comuns
é coextensivo com a sociedade. Coloca todos os processos sociais sob o foco dos processos
cooperativos de interpretação. Oferece a sociedade a transparência sobre o que se pode falar,
mesmo quando não se o entenda. Se concebermos a sociedade como mundo da vida nestes
termos, estamos concebendo sobre três ficções seguintes: estamos supondo a autonomia dos
agentes, a transparência da comunicação e a independência da cultura (HABERMAS, 1987b,
p.211).
Autonomia dos agentes - Como membros de um mundo sócio-cultural da vida os
atores cumprem um princípio de pressuposições de participantes na comunicação capazes de
dar razões de seus atos. O que quer dizer que podem orientar-se por pretensões de validez
susceptíveis de crítica. Desta ficção não se segue, naturalmente, que o tecido de interações
que cobre os espaços sociais e os tempos históricos pode explicar-se somente a partir das
interações e das decisões dos participantes. Os atores nunca controlam por completo suas
situações de ação. Não são donos nem de suas potencialidades de entendimento, nem de seus
conflitos, nem tampouco das conseqüências de suas ações, nem dos efeitos colaterais que
64
pode seguir-se delas, porém que, se vêem envoltos em histórias. Somente que em volta com
que em cada caso se encontram se constitui uma situação em que se orientam e que tratam de
dominar conforme seu bem saber e entender. Porém, se a sociedade consiste unicamente nas
relações que entre si estabelecem sujeitos capazes de atuar autonomamente, surge então a
imagem de um processo de socialização que se leva a cabo com a vontade e consciência de
seus membros adultos (HABERMAS, 1987b, p. 212).
Independência cultural - O conceito de mundo da vida sugere a independência da
cultura de coações externas. A força imperativa da cultura descansa sobre a convicção dos
atores que utilizam, submetem a prova e dão continuidade aos esquemas de interpretação, de
avaliação e de expressão recebidos. Do ponto de vista dos sujeitos que atuam
comunicativamente um simbolismo cultural que não pode ocultar nenhuma autoridade
ilegítima. O mundo da vida nesta situação de ação constitui-se num horizonte que não pode
ser ultrapassado, é uma totalidade sem reverso. Para os membros de um mundo sócio-cultural
da vida é necessário perguntar se a cultura, cuja luz hão de enfrentar-se com a natureza
externa, com a sociedade e com sua própria natureza interna, depende empiricamente de outra
coisa (HABERMAS, 1987b, p. 212/3).
Transparência da Comunicação Finalmente, os participantes da comunicação se
movem em um horizonte de possibilidades irrestritas de entendimento. O que em um plano
metodológico se apresenta como pretensão de universalidade da hermenêutica, nada mais é do
que a reflexão da compreensão que os leigos utilizam para orientar-se ao entendimento. Têm
que partir de que, a princípio poderiam entender-se sobre tudo. Enquanto mantiverem uma
atitude realizativa, os agentes comunicativos não podem contar com distorções sistemáticas
da comunicação, isto é, com resistências da própria estrutura da linguagem, que restrinjam,
sem que sejam advertidos, o espaço aberto à comunicação. Os membros sabem que podem
equivocar-se; porém em um consenso que depois resulta ser enganoso deve começar a ser
baseado em um reconhecimento não forçado de pretensões de validez susceptíveis de crítica.
Desde a perspectiva interna dos membros de um mundo sócio-cultural da vida não pode haver
um pseudoconsenso no sentido de convicções persuadidas a força; em um processo de
entendimento em princípio transparente e que também resulta transparentes a todos
participantes não podem arraigar violência alguma (HABERMAS, 1987b, p. 213).
Segundo Habermas (1987b, p. 214), estas três ficções se apresentam dissolvidas
enquanto abandonamos a identificação de sociedade e mundo da vida. Somente resultam
construtivas quando suponhamos que a integração de uma sociedade se efetua somente sob as
65
premissas da ação orientada ao entendimento. É assim que vêem as coisas os integrantes de
um mundo sócio-cultural da vida. Porém, na realidade quando atuam para realizar seus
propósitos, suas ações não somente se dão coordenadas através de processos de entendimento,
como também através de ligações funcionais que não são pretendidos e que na maioria das
vezes tampouco resultam perceptíveis dentro do horizonte da prática cotidiana.
Se entendermos a integração da sociedade exclusivamente como integração social
estamos optando por uma estratégia conceitual que parte da ão comunicativa e concebe a
sociedade como mundo da vida. Essa análise fica então ligada à perspectiva interna dos
membros dos grupos sociais e se obriga a vincular hermeneuticamente sua própria
compreensão a compreensão dos participantes. A reprodução da sociedade aparece então
como sustentação das estruturas simbólicas de um mundo da vida. Não é que os problemas da
reprodução material ficam excluídos; o mantimento do substrato material é condição
necessária para o mantimento das estruturas simbólicas do mundo da vida mesmo. Porém, os
processos de reprodução material somente se confrontam desde a perspectiva dos sujeitos
agentes que dominam suas situações com vista a um fim, excluindo-se, portanto, todos os
aspectos contra-intuitivos que a reprodução social implica. Uma crítica imanantemente ao
idealismo hermenêutico da sociologia compreensiva pode ser cobrar consciência destes
limites (HABERMAS, 1987b, p. 214/5).
Se por outro lado entendemos a integração da sociedade como exclusivamente
integração sistêmica estamos optando por uma estratégia conceitual que apresenta a sociedade
segundo um modelo de um sistema auto regulado. Vincula a análise à perspectiva interna de
um observador e nos coloca ante o problema de interpretar o conceito de sistema em termos
que podem aplicar-se as intenções de ação (HABERMAS, 1987b, p. 214/5).
Habermas (1987b. p. 215) faz uma diferenciação da teoria de Parson que redefine os
componentes estruturais do mundo da vida, a cultura, a personalidade e a sociedade
transformando-os em sistemas de ação que se constituem na proximidade de um com os
outros
24
. Habermas, em sua proposta, ao contrário trata de dar razão para a diferença
metodológica entre a perspectiva interna e externa que essas duas estratégias conceituais
comportam.
24
- Para Parson o conceito de mundo da vida, na teoria de ação, ficaria submetido a uma teoria de sistemas onde
os componentes estruturais do mundo da vida se transformam em subsistemas de um sistema geral de ação,
ficando assim integrado também ao fundamento físico do mundo da vida (Habermas, 1987b).
66
Assim, Habermas entende a evolução social como um processo de diferenciação em
que ao aumentar a complexidade de um e a racionalidade de outro, sistema e mundo da vida
não somente se diferenciam internamente como também se diferenciam simultaneamente um
do outro. Em um plano de análise sistêmica o desacoplamento de sistema e mundo da vida se
reflete em um mundo da vida, que a princípio é coextensivo com um sistema social pouco
diferenciado, se degradando pouco a pouco a um subsistema entre outros. Nesse processo
os mecanismos sistêmicos se desligam cada vez mais das estruturas sociais através das quais
se cumpre a integração social. Estes mecanismos sistêmicos controlam um comércio social
amplamente desvinculado de normas e valores, ou seja, os subsistemas de ação econômica e
administrativa racionais vão se distanciando de seus fundamentos prático-morais.
Porém, ao próprio tempo, o mundo da vida é o subsistema que define a consistência
(Bestand) do sistema social em seu conjunto. Daí que os mecanismos sistêmicos
tenham necessidade de um alcance no mundo da vida tenham que ser
institucionalizados. Esta institucionalização de novos níveis de diferenciação
sistêmica pode também ser percebida desde a perspectiva interna do mundo da vida
(HABERMAS, 1987b, p. 217).
Habermas (1987b), tenta ir além do pensamento de M. Luhmann e Parson que
relacionam o fenômeno de desvinculamento de sistema e mundo da vida na perspectiva em
que essa desconexão é percebida dentro do próprio mundo da vida, onde nas sociedades
modernas a realidade organizativa aparece como um fragmento de sociedade reintegrada,
assimilando a natureza externa que se interpõe entre cada situação de ação e no horizonte que
para cada situação de ação constitui o mundo da vida. Habermas entende que a desvinculação
de sistema e mundo da vida não poderá ser entendida como um processo de diferenciação de
segunda ordem, ou por uma perspectiva sistêmica ou por uma perspectiva de mundo da vida,
em vez de buscar as relações de transformação entre ambas.
2.2. Mundo da Vida e Mundo do Sistema
Conforme Freitag (2005), Habermas considera a estrutura da sociedade muito
complexa e a entende dividida entre dois mundos: o mundo da vida e mundo do sistema ou
67
mundo vivido e mundo sistêmico. O “mundo vivido” é o espaço social em que a ação
comunicativa permite a realização da razão comunicativa através do diálogo, da
argumentação e do consenso, em espaços livres, sem coação. O “mundo sistêmico” é
complementar do “mundo vivido” neste, porém, a linguagem é secundária, predominando a
ação instrumental ou estratégica, pois assegura a reprodução material e institucional da
sociedade: a economia e o estado, ou seja, o dinheiro e o poder. O objetivo central do mundo
sistêmico é o êxito, o sucesso, a dominação. De acordo com Bolzan:
A diferenciação entre mundo da vida e sistema impõe o confronto entre
racionalidades distintas: de um lado a comunicativa, orientada para a construção de
uma sociedade humana, fraterna segundo pretensões de validez criticáveis de
verdade, de justiça e de sinceridade, e de outro a instrumental, atenta para a
efetivação de regras e normas que dizem respeito ao correto funcionamento do
sistema, produza lucro e seja eficaz (2005, p. 115).
Habermas (1987b), procura analisar as conexões entre o aumento de complexidade
do sistema e a racionalidade do mundo da vida, descrevendo primeiro as sociedades
primitivas como mundos sócio-culturais da vida, depois descreve quatro mecanismos
sistêmicos que tem ocupado sucessivamente a sociedade primitiva que dão lugar a cada caso
novo níveis de integração e de como cada nível de diferenciação sistêmica precisa de uma
transformação na base institucional.
Segundo Habermas (1987b, p. 233), a diferenciação segmentária que acontece
através das relações de intercâmbio e sua estratificação e que acontece através das relações de
poder caracteriza os planos de diferenciação sistêmica. Os mecanismos sistêmicos somente
continuam intimamente ligados com os mecanismos de integração social se permanecerem
aderidos a estruturas sociais previamente dadas, ou seja, ao sistema de parentesco. Porém,
quando se forma um poder político que já não obtém sua autoridade ou prestígio de grupos de
descendência dominantes, precisa fazer uso de medidas de sansão jurídicas, ou seja, o
mecanismo de poder se desliga das estruturas de parentesco e o poder de organização se
converte em cleo de uma nova instituição: o Estado. No marco das sociedades estatalmente
organizadas surgem mercados de bens que se regem através de relações de intercâmbio
generalizadas simbolicamente, isto é, através do dinheiro.
A institucionalização de novos níveis de diferenciação sistêmica é percebida também
na perspectiva interna dos mundos da vida que são afetados. Sobre um nível de interação
68
simples (parentesco), as sociedades politicamente estratificadas se erguem com o Estado num
novo nível de intenções funcionais.
Estas intenções funcionais, desligadas de contextos normativos, e que se
independizam formando subsistemas, constituem um desfio para a capacidade de
assimilação para o mundo da vida. Coagula-se em uma segunda natureza, em uma
sociedade vazia de conteúdo normativo, que nos deixa passagem como algo em um
mundo objetivo, como um fragmento de vida social objetivizado (HABERMAS,
1987b, p. 244).
As formações sociais se distinguem pelos complexos institucionais que definem a
base da sociedade. Essas instituições básicas constituem uma seqüência de inovações
evolutivas que somente podem produzi-se se o mundo da vida for suficientemente
racionalizado, se a moral e o direito tiverem alcançado um vel evolutivo constante,
exigindo, assim, uma reestruturação permanente nas instituições encarregadas da regulação
jurídico-moral, isto é, na regulação consensual dos conflitos de ação.
A moral e o direito têm a função de preservar as ações orientadas ao entendimento,
juntamente com a integração social do mundo da vida, garantindo um nível de consenso, que
se pode recorrer, quando fracassa o entendimento no âmbito da regulação normativa da
comunicação cotidiana, não se produza a coordenação de ações previstas e ocorra um
enfrentamento violento. “Essa explicação pode obter-se analisando as tendências contrapostas
que se impõe no plano das interações e das orientações de ação à medida que avança a
generalização de valores” (HABERMAS, 1987b, p. 253, grifo do autor).
Segundo Habermas (1987b), no entendimento de Parson, a generalização de valores
é uma tendência consistente, em que as orientações valorativas que institucionalmente se
exigem das pessoas ficam cada vez mais gerais e formais no curso da evolução, havendo,
assim, uma maior necessidade de evolução dos valores morais e jurídicos que garantam o
consenso para os casos de conflito.
Na medida em que as pessoas são controladas pelas ações valorativas de parentesco,
Estado, leis, religião, etc., a generalização de motivos e valores a obediência abstrata ao
direito é a única condição normativa que podem cumprir nos âmbitos de ação formalmente
organizados, ficando, assim, cada vez mais desligada a ação comunicativa de padrões
normativos de comportamento concretos e recebidos e a carga de integração social se
69
distancia da meta de consenso através de entendimentos lingüísticos. Neste aspecto, de acordo
com Habermas:
[...] a generalização de valores é uma condição necessária para o desencantamento
do potencial de racionalidade que a ação comunicativa comporta. No qual é razão
bastante para entender a evolução da moral e do direito, pois que a generalização dos
valores depende, como um aspecto de racionalização do mundo da vida (1987b, p.
255).
A ação comunicativa orientada a valores implica simultaneamente a separação entre
ação orientada ao êxito e ação orientada ao entendimento. Somente quando se diferenciam
contextos de ação estratégicos pode a coordenação de ação ser assentada sobre meios de ação
comunicativa livres de coação, baseadas em pretensões de validez normativas, legitimadas por
argumentos morais e de direito, que possibilita o controle da ação social através de meios
sistêmicos, proporcionando seu desacoplamento. “Esse desacoplamento pressupõe no plano
da interação uma diferenciação não somente entre ação orientada ao êxito e orientada ao
entendimento, como também entre aos correspondes mecanismos de coordenação da ação
(HABERMAS, 1987b, p. 255, grifo do autor).
Sobre a base de orientações de ações mais generalizadas se tece uma rede cada vez
maior de interações que escapam de um controle normativo direto e que tem que ser
coordenado por outras vias. Para satisfazer essa crescente necessidade de coordenação pode-
se lançar mão do entendimento lingüístico ou de mecanismo de descarga que reduzem a
capacidade comunicativa, o consenso e o entendimento.
Habermas (1987b, p. 258), entende que a prática comunicativa cotidiana está inserida
em um contexto do mundo da vida que vem definido pelas tradições culturais, ordenações
legítimas e indivíduos socializados. As tarefas interpretativas que se desenvolvem no seu
contexto se nutrem de antecipação ou avanço de consenso que o próprio mundo da vida
supõe. À medida que progride a generalização de valores e motivos o potencial de
racionalidade de entendimento lingüístico se atualiza e se reduzem às zonas do aproblemático.
Quando cresce a racionalidade do mundo da vida, tornando-se problematizada, eleva a
necessidade de entendimento, com o qual aumentam as dificuldades de interpretação e o risco
de dissentimentos. Essas sobrecargas e perigos são os que os meios de comunicação se
encarregam de absorver. Porém, o funcionamento destes meios se distingue segundo a
centralização lingüística do consenso por meio de uma especialização em determinados
70
aspectos de validez e de uma hierarquização dos processos de entendimento, o que
desconectam a coordenação da ação da formação lingüística de consenso, neutralizando-à
frente a alternativa de acordo ou de falta de entendimento.
Assim, um controle no lugar da linguagem, uma desconexão da interação com os
contextos do mundo da vida. Os meios, dinheiro e poder codificam um trato racional com
objetivo a um fim e exercem uma influência estratégica sobre as decisões dos participantes da
interação, fazendo com que o mundo da vida, onde sempre estão inseridos os processos de
entendimento, fique desvalorizado e submetido a esses meios. “O mundo da vida não é
necessário para a coordenação das ações” (HABERMAS, 1987b, p. 259). Esse assentimento
aparece para muitos como um alívio à necessidade de comunicação e uma redução dos riscos
que a comunicação comporta, nesse sentido como uma tecnificação do mundo da vida.
Esse efeito não se baseia na confiança racionalmente motivada para a construção do
saber, pois não está ancorado nas intenções de um saber cultural compartilhado, nas normas
vigentes e motivações imputáveis, que constituem o mundo da vida e que servem como
recursos que caracterizam a formação lingüística do consenso.
Os meios de comunicação deslingüistizados, como são o dinheiro e o poder,
concatenam interações no espaço e no tempo produzindo redes, cada vez mais
complexas, que não se podem manter presente nem podem atribuir-se a
responsabilidade de nada. Pois se a capacidade de responder às próprias ações
significa, com efeito, que um pode orientar sua ação por pretensões de validez
susceptíveis de crítica, então essa coordenação da ação, desmundanizada e
desprendido de todo consenso alcançado comunicativamente, já não necessidade
de participantes na interação que sejam capazes de responder por suas ações no
sentido indicado (HABERMAS, 1897b, p. 260/1).
No entanto, os meios de comunicação, que valorizam o entendimento sem substituí-
lo, tendem a desenvolver as tecnologias de comunicação, porque estas possibilitam a
formação de espaços de opinião pública, ou seja, cuidam que as redes de comunicação
permaneçam conectadas com as tradições culturais e continuem dependendo da ação de
sujeitos capazes de responder por seus atos.
Neste viés, Habermas conclui que:
Podemos representar as coisas de duas maneiras: as instituições mediantes as que
foram ancoradas no mundo da vida mecanismos de controle tais como o dinheiro e o
poder canalizam, ou bem a influência do mundo da vida sobre os âmbitos de ação
formalmente organizados, ou, o inverso, a influência do sistema sobre as intenções
71
de ação estruturadas comunicativamente. Em um caso atuariam como marco
institucional que somente o mantimento do sistema às restrições normativas do
mundo da vida; e no outro, como a “base” (no sentido de Marx) que subordina o
mundo da vida às coações sistêmicas da reprodução material e deste modo o
mediatiza (1987b, p. 251/2).
Nesse empreendimento de entender os processos de troca entre sistema e mundo
vivido, Habermas (1987b), nota que os subsistemas da economia e da política passam a
regular suas trocas com os outros subsistemas sociais através dos meios "dinheiro" e "poder".
Muito embora o próprio Habermas enfatize o ganho em eficiência das novas formas
organizatórias, na medida em que elas resolvem melhor os problemas da reprodução material
do mundo vivido, a conseqüente monetarização e burocratização da vida impõem-se sob o
preço da destruição das formas de vida tradicionais. E é isso que ele chama de "patologias da
modernidade".
2.2.1. As Patologias da Modernidade e o Reacoplamento do Mundo da Vida ao Mundo
Sistêmico
A primeira patologia se quando a monetarização da força de trabalho e a
burocratização dos serviços estatais significam destruição violenta das formas de interação
tradicionais, sem a devida compensação, ou seja, sem implicar um aumento da eficiência no
atendimento das necessidades da reprodução material, fazendo com que os homens se
submetam às leis do mercado e à burocracia estatal e “[...] suas crises são percebidas e aceitas
como catástrofes da natureza (terremotos, erupções vulcânica, etc.) que escapam ao seu
controle e contra o que não nada a fazer” (Freitag, 2005, p. 169), reforçando, assim, o
processo de dissociação, onde a economia e o estado são controlados por homens de negócios
e políticos, sem a participação da maioria.
A segunda patologia é decorrente da primeira, pois o sistema vai impondo suas
regras e colonizando o mundo da vida, ou seja, a estratégia de ação instrumental do mundo
sistêmico vai invadindo os espaços do mundo vivido, desalojando e expulsando a ação
comunicativa. Os valores cultuados no mundo sistêmico como poder, dinheiro, sucesso e
72
prestígio vão “contaminando” o mundo da vida e desacreditando os valores familiares,
comunitários e das relações sociais.
Habermas propõe “reacoplar” o sistema ao mundo vivido revertendo os processos de
desengate e colonização, permitindo a visão do conjunto. Assim, segundo Freitag (2005),
o ‘reacoplamento’ se impõe para permitir a integridade e a complexidade do todo, a
ser controlado e corrigido por todos os ‘envolvidos’ (Betroffene). A
‘descolonizaçãose impõe para permitir a livre atuação da razão comunicativa em
todas as esferas e instituições do mundo vivido e na busca de ‘últimos fins’ do
sistema. As regras do jogo, para a sociedade como um todo, precisam ser buscadas
em processos argumentativos (tipo discurso) no qual todos participem, definindo os
espaços de atuação e a fixação de objetivos do sistema. Noutras palavras, a razão
comunicativa elabora coletivamente os espaços de atuação da razão instrumental
(p.
170; grifo da autora).
A teoria da ação comunicativa defende a descolonização do mundo vivido, postula a
contenção do mundo sistêmico em espaços rigorosamente delimitados, colocado a serviço do
mundo da vida e a restauração da sociabilidade, da espontaneidade, da solidariedade e da
cooperação, com base na ação comunicativa.
Habermas (1987b), procura distinguir as transformações no mundo vivido
(modernidade cultural) e no sistema (modernidade societária) dizendo que o mundo vivido se
concretiza na modernidade cultural como uma ação comunicativa, enquanto que no sistema a
modernidade societária se concretiza nos processos de racionalização da Economia e do
Estado (dinheiro e poder), ou seja, na racionalidade instrumental.
A modernidade cultural e a modernidade societária deverão ser bem compreendidas e
interpretadas para não obstruírem uma correta compreensão da modernidade na sua
complexidade, potencialidades e patologias e para não impedirem a implementação de um
projeto autêntico e emancipatório, retornando ao ponto de partida da modernidade histórica,
desde o seu projeto original e passando por todos os processos de modernização ocorridos até
então.
No entender de Habermas, segundo Freitag (2005, p. 165) “[...] o processo de
modernização refere-se às transformações ocorridas no sistema; a modernidade cultural, às
transformações ocorridas no mundo vivido”. Precisamos compreender e distinguir, por isso, a
modernidade societária e modernidade cultural.
73
Quando o guia da ação é a escolha racional e a razão instrumental, estamos falando
da modernização societária”. No que Habermas denomina de modernização cultural”, que
expressa o que ele mesmo designa de mundo da vida, ocorre o predomínio da razão
comunicativa. Em sua teoria da ação comunicativa, pensa a solidariedade social a partir de um
interesse comum e racionalidade obtida. Enquanto essa razão comunicativa se estrutura no
mundo da vida (relações espontâneas, pré-reflexivas, típicas das relações sociais quotidianas),
a razão instrumental se estrutura no universo sistêmico (pela esfera da economia mercado
e do Estado – poder administrativo). A teoria da ação comunicativa procura justamente
integrar o universo sistêmico ao mundo da vida.
Habermas com seu conceito de modernidade, vinculado com a Teoria da Ação
Comunicativa, propõe superar as patologias, reacoplar o mundo vivido ao mundo sistêmico,
aonde os objetivos políticos e a organização administrativa respeite a vontade e o bem-estar
de todos validada nas instituições do cotidiano do mundo vivido. Evitando que o sistema
“colonize” os espaços do mundo vivido, priorizando a liberdade, a autodeterminação e a auto-
realização de todos os membros da sociedade que deverão participar ativamente na política,
articulando seus interesses e vontades, liberdade e emancipação, através da ação comunicativa
e dos discursos, respeitando os direitos e deveres de todos.
74
3. O CONHECIMENTO COMUNICATIVAMENTE COMPARTILHADO NO AGIR
PEDAGÓGICO
As discussões até aqui apresentadas tiveram o propósito de estabelecer um pano de
fundo para pensarmos sobre a importância do pensamento habermasiano para a educação e,
em especial, para a construção de novas perspectivas para o conhecimento, as quais implicam
em nova concepção de racionalidade.
Sob a ótica da modernidade, o conhecimento desenvolveu-se pelo caráter
instrumental e com propósitos técnicos, não atingindo, porém, as perspectivas então
prometidas pelo projeto moderno. Nesse sentido, o conhecimento assumiu um caráter de
conhecimento científico, ancorado pela racionalidade admitida como válida, tal como o ideal
da visão utilitarista do mundo, a qual orientou não somente o conhecimento, mas toda a
prática educativa. Ao trazer sua contribuição filosófica, sociológica, política e histórica
Habermas (2000), considera que a modernidade deixou algumas promessas para trás e de que
seu projeto precisa ser corrigido e completado, o que ele próprio designa como um projeto
inacabado.
Habermas, em toda sua obra, fundamenta a crítica sobre as ciências que objetivaram
o conhecimento em um aspecto puramente instrumental, entre sujeito-objeto numa relação
sujeito cognoscente e objeto cognoscível e o entende como um sistema esgotado. Para ele
“[...] o que está esgotado é o paradigma da filosofia da consciência” (HABERMAS, 2000, p.
414), porém, avança na elucidação dos aspectos filosóficos e epistemológicos que contribuem
para o processo da construção do conhecimento, acreditando que esse esgotamento irá
dissolver-se na passagem para o paradigma do entendimento recíproco.
O paradigma do entendimento recíproco e da linguagem preza pela relação sujeito-
sujeito que juntos buscam se entender sobre algo. A relação sujeito-objeto é monológica,
porque não entendimento recíproco. A relação intersubjetiva provoca uma mudança
paradigmática da linguagem, cujos pressupostos são o sentido, a argumentação, o consenso,
75
as relações intersubjetivas e o discurso, trazendo como ‘resultado’ a própria ampliação do
conceito de racionalidade.
Com a distinção entre racionalidade orientada para um fim (ações teleológicas) e
racionalidade orientada para o entendimento (ações comunicativas), Habermas (1990, p. 70),
argumenta: “[...] a racionalidade orientada para um fim e a racionalidade orientada para o
entendimento não são intercambiáveis. Sob essa premissa, eu considero a atividade que visa
fins e o agir orientado para o entendimento como tipos elementares de ação, irredutíveis um
ao outro”. A partir de uma dessas ligações surge o que Habermas chama de agir
comunicativo. Dessa forma, no entender do autor, não se trata de negar a própria modernidade
na sua totalidade, mas sim identificar os desvios de seu projeto, sustentado por outro
paradigma – o da ação comunicativa.
A intersubjetividade é a base da Teoria da Ação Comunicativa proposta por
Habermas uma vez que é na linguagem que são assentados os alicerces para o
restabelecimento da razão no interior do pensamento e do conhecimento modernos. Ele
percebe a linguagem não estritamente como uma dimensão gramatical, mas a compreende
fundamentalmente como um meio de alcançar o entendimento recíproco acerca de algo, ou
seja, "no paradigma do entendimento recíproco é fundamental a atitude performativa dos
participantes da interação que coordenam seus planos de ação ao se entenderem entre si sobre
algo no mundo” (HABERMAS, 2000, p. 414).
Nesse viés, pode-se perceber que:
No paradigma da comunicação o fenômeno da razão é visto não como um atributo
em si da espécie humana, mas como o resultado do desenvolvimento de uma
capacidade comunicativa. Assim, não temos uma competência comunicativa porque
somos racionais, mas somos racionais pelo fato de termos desenvolvido essa
competência. Tal mudança de enfoque vai exigir uma revisão do modo de entender o
“operar da razãoe, por conseqüência, dos modos de entender as suas realizações,
como a cultura e a sociedade. A educação, ao compreender-se sob essa nova
perspectiva, passa a articular-se em torno de uma nova referência crítica, ensejando
outras preocupações, outras ênfases, outros entendimentos acerca de seus processos
e finalidades (BOUFLEUER, 2006a, p. 303).
A educação é um processo interativo e a escola é o espaço onde se desenvolvem as
ações interativas para que se efetive o entendimento. É o lugar do encontro, para o
estabelecimento de relações educativas viabilizadas através da linguagem, onde os sujeitos se
entendem e, juntos entendem o mundo, pois tudo que é conhecido pode ser re-conhecido, re-
aprendido, através das relações intersubjetivas, que visa a formação do sujeito e de acordo
76
com Prestes (1996, p. 13), “[...] a formação de sujeitos racionais com competência cognitiva e
moral, amplia-se pela interpretação hermenêutica, pela crítica da razão e pela comunicação
dialógica. Tais interpretações redesenham os fundamentos da ação pedagógica”.
Na prática pedagógica os conhecimentos não podem ser vistos como meras
transmissões, na qual os sujeitos aceitam passivamente o que lhes é dado. Os sujeitos
participam ativa e dinamicamente nesse processo, que se concretiza através do diálogo, numa
relação constante de ressignificações mediante o consenso e o entendimento, respeitando os
diferentes pontos de vista e enriquecidos por seus mundos da vida.
Habermas chama racionalidade, principalmente, a disposição de sujeitos falantes e
atuantes de adquirir e utilizar um saber falível e preocupa-se que os conceitos básicos da
filosofia da consciência impuseram que se compreenda o saber, exclusivamente, como saber
de algo no mundo objetivo, limitando o sujeito a uma racionalidade orientada aos conteúdos
de suas representações e de seus enunciados, enquanto que
[...] pelo contrário, entendemos o saber como transmitido de forma comunicacional,
a racionalidade limita-se à capacidade de participantes responsáveis em interações se
orientarem em relação a exigências de validade que se apresentam sobre o
reconhecimento intersubjetivo. A razão comunicacional encontra seus critérios no
procedimento argumentativo da liquidação direta ou indireta de exigências de
verdade proporcional, presteza normativa, veracidade subjetiva e coerência estética
(2000
,
p. 291).
Nesse sentido é necessário pensar a educação e a escola de modo que a racionalidade
se concretize como um processo interativo, formador de identidade de si mesmo e do mundo,
com vistas ao amadurecimento, conforme a formulação clássica de Kant
25
. Não esquecendo
que “[...] o sentido da educação é o de formar o homem, relacionando-o com a liberdade e
autonomia. É dessa inspiração que resulta a busca de outra justificativa. A filosofia Kantiana
não evoluiu do eu para o nós, permanecendo cativa de uma idéia individualista de homem”
(PRESTES,1996, p. 105).
Uma educação interativa, dialógica, baseada em ações comunicativas não se
harmoniza em uma razão instrumental, da dedução, pois é uma educação que apenas pode
efetivar-se como uma razão capaz de produzir entendimentos através de falas.
25
“Kant formula os princípios básicos que justificam a educação como um processo de amadurecimento do
homem, através da interação, fundamentado na razão humana que pode conduzir o homem a superar a sua
animalidade e tornar-se autônomo intelectual e moralmente” (PRESTES, 1996, p. 105).
77
Essa razão na concepção de Habermas (1987b), parte da intersubjetividade, na qual a
linguagem e o mundo da vida propiciam ao sujeito um encontro com o outro num mundo em
que compartilham significados e normas:
Isso tem validade para as diferentes instâncias do processo pedagógico, seja no
plano da relação professor-aluno, seja no plano da definição da política educacional,
da administração e da relação com outras áreas do conhecimento científico. A
educação escolar precisa fazer valer as formas de vida que possam dar sentido à
formação do sujeito racional, ou seja, garantir os processos de reprodução cultural e
de formação de identidade (PRESTES, 1996, p. 106).
Essa racionalidade tem significação na educação mediada pelas ciências humanas,
pela política, pelo currículo, pela administração do sistema educativo, de forma a
proporcionar aos envolvidos da interação pedagógica produzir acordos por meio de ações
coordenadas pelo entendimento e realizar a crítica das pretensões de validade.
Habermas (1987b, p. 170), propõe o recurso argumentativo em favor de uma
racionalidade comunicativa, na perspectiva de que seja possível resgatar pretensões de validez
envolvendo não apenas um mundo objetivo, mas também o mundo social e subjetivo
presentes no contexto vital. Ao conceituar o mundo lingüisticamente mediado, destaca o
mundo objetivo (de pretensões de validez/verdade), o mundo social (das ordens e da
convivência em grupo) e ao mundo subjetivo (dos sentimentos, das expectativas pessoais). O
conceito de ação comunicativa sugere a compreensão da ação encaminhada para o
entendimento recíproco, porque ela é concretizada como uma ão intermediada pela
comunicação entre os sujeitos que procuram entenderem-se entre si acerca do mundo
objetivo, social e subjetivo. É uma ação lingüística, em que falantes e ouvintes reconhecem
que os atos de fala implicam a realização de algo.
Conhecimento seja ele relativo ao mundo objetivo, ao mundo social ou ao mundo
subjetivo, é sempre uma produção intersubjetiva, uma relação social. É sempre
resultado de um entendimento dos sujeitos acerca de algo que faz parte de seus
mundos. Nesse sentido, conhecimento é uma construção sempre provisória e
passível de revisão (BOUFLEUER, 2006b, p. 372).
A verdade, para Habermas (1997), é uma pretensão de validade, vinculada aos
enunciados afirmados como atos de fala constatativos, o que pode ser realizado com razão ou
sem razão, mas sempre envolvendo a pretensão de ser algo verdadeiro. Portanto, não é o caso
78
de se verificar se as afirmações são verdadeiras ou falsas, mas se a pretensão de validade que
encerram é capaz de ser reconhecida ou deve ser rejeitada, implicando a conclusão de as
afirmações serem consideradas justificadas ou não. Uma pretensão pode se fazer valer, ser
discutida, rejeitada ou acatada. E muitas podem ser as razões ou causas efetivamente
encontradas numa circunstância para que uma pretensão de validez seja reconhecida.
O sentido da verdade possível nas afirmações pode evidenciar-se com clareza se
conseguirmos entender claramente o significado do desempenho ou das relações discursivas
de pretensões de validez, pois, em última instância, o consentimento potencial de todos os
demais é a condição para a verdade dos enunciados: "A verdade de uma proposição significa
a promessa de alcançar um consenso racional sobre o dito" (HABERMAS, 1997, p. 121).
Diante da multiplicidade de aplicações do termo verdade, frequentemente usado
como sinônimo de racionalidade, Habermas (1997), utiliza esta ampliação do significado para
observar que também se podem considerar racionais, além das afirmações, outras classes de
atos de fala, como as normas, as ações e as pessoas, propondo quatro tipos de pretensões de
validade: (a) compreensibilidade, (b) verdade, (c) retitude ou correção e (d) veracidade ou
autenticidade. Assim, esses quatro tipos de pretensões de validez formariam a rede do que se
pode chamar de racionalidade.
A compreensibilidade é uma pretensão de validez que afeta a qualquer comunicação,
haja vista ser a condição básica da compreensibilidade necessária ao entendimento recíproco.
Referente às afirmações ou aos enunciados, a verdade está inserida nos atos de fala
constatativos do mundo objetivo e é uma pretensão de validez característica do discurso
teórico, enquanto a retitude constitui uma pretensão de validez que diz respeito à legitimidade
das normas do mundo social (compõe os atos de fala regulativos) e, por isso, faz parte do
discurso prático. A veracidade ou autenticidade, por fim, estabelece a pretensão de validez da
relação do enunciador com o seu mundo subjetivo (atos de fala expressivos) (HABERMAS,
1997, p. 122).
No funcionamento da linguagem, em que se coordenam essas quatro pretensões de
validez, é construído um consenso de fundo. Quando esse consenso de fundo é perturbado, as
quatro pretensões de validez se convertem em temas problematizados através de perguntas e
respostas: sobre o significado da emissão (inteligibilidade), cuja resposta se constitui numa
interpretação; sobre a verdade do conteúdo proposicional, ratificada com afirmações e
explicações; sobre a correção da norma, que deve merecer justificações; e sobre a
autenticidade da emissão (HABERMAS, 1997, p. 122).
79
aqui o entendimento de que a mediação de processos pedagógicos de
aprendizagem se coloca no âmbito de uma necessária certificação social de tudo o
que apresentamos como pretenso conhecimento. É nesse sentido que se torna
imprescindível o aval de interlocutores para que algo possa ser tomado como
expressão verdadeira, correta ou autêntica do ou no mundo. Para a obtenção desse
aval, porém, requer-se o efetivo comparecimento dos interlocutores, no caso, dos
alunos, sob a forma de manifestação de suas impressões ou percepções. E é nesse
sentido que um não pode fazer pelo outro, aprender para o outro, a não ser como
processo de subjugação, de desumanização (BOUFLEUER, 2007, p. 9).
A racionalidade comunicativa é processual, encarnada no mundo vivido que,
histórica e cotidianamente, os sujeitos capazes de fala e da ação constroem. O mundo vivido,
apesar de regido pelas relações comunicativas, não se distancia das relações materiais de sua
existência. Neste sentido, o autor desenvolve a teoria consensual da verdade, apresentando a
verdade do mundo prático, a qual se apresenta no momento em que esse mundo prático
garante um processo de aprendizagem entre uns e outros, negando a possibilidade de outras
condições de verdade, mas sim, apostando na prática que o próprio mundo nos dá. Dessa
forma, Habermas (2000, p. 297) argumenta: “a teoria do agir comunicacional espera que a
reprodução simbólica do mundo vivido esteja junta com a reprodução material daquele”.
A partir da Teoria do Agir Comunicativo, sobre a educação podemos elencar,
minimamente, os seguintes pontos: uma ancoragem não metafísica para a práxis educativa;
uma atitude dialógica na relação entre educadores e educandos; um telos racional-
comunicativo para a educação. Em concordância com Prestes (1996), a racionalidade
comunicativa na educação demanda uma crítica constante concernente à responsabilidade
pedagógica dos profissionais e das instituições, de modo que seja possível não apenas
estabelecer critérios de racionalidade, mas, maximizar estruturas capazes, escreve ela, de:
“Promover a capacidade discursiva daqueles que aprendem;
Promover condições favoráveis a uma aprendizagem crítica do próprio conhecimento
científico;
Inocular a semente do debate, considerando os níveis de competência epistêmica dos
alunos;
Promover a discussão pública sobre os critérios de racionalidade subjacentes às ações
escolares, seja através dos conhecimentos prevalentes no currículo, seja pela definiçào de
políticas públicas que orientem a ação pedagógica;
80
Estimular processos de abstração reflexionante que permitam trazer a níveis superiores a
crítica da sociedade e dos paradoxos de racionalização social e, a partir daí, realizar
processos de aprendizagem não no plano cognitivo como também no plano político e
social;
Promover a continuidade de conhecimentos e saberes da tradição cultural que garantam os
esquemas interpretativos do sujeito e a identidade cultural” (p. 107).
Em um movimento dinâmico de produção e reprodução cultural, afirmação e
renovação de estruturas sociais e, finalmente, de formação da personalidade do sujeito, será a
educação, em sentido mais amplo, que efetivará esses processos. Se compreendermos a
escola como o complexo da educação formal em todos os níveis, devemos admitir que esse é
um espaço efetivo e de uma importância única e crucial para a concretização dos processos
aos quais nos referimos. Tendo em vista essas concepções, a educação e, em particular, a
escola são instigadas a repensar e reestruturar-se para a formação de sujeitos
comunicativamente competentes para o encaminhamento de seus próprios interesses no
interior de uma sociedade complexa (PRESTES, 1996).
Objetivamente, a práxis pedagógica, ao organizar currículos, ao elaborar projetos, ao
definir relações e procedimentos institucionais, se coerente com um horizonte democrático e
participativo, estimulará a conscientização da realidade social para mobilizar atitudes e
compromissos solidários. Promoverá a apropriação de informações e a produção de
conhecimentos, possibilitando intervenções práticas no real. A incidência do pensamento de
Habermas contribui no campo educacional para uma cidadania participativa e atuante no seio
da esfera pública, nos espaços da sociedade civil que se configuram como instância de
legitimidade do Estado democrático de direito, pressupondo o desenvolvimento de
habilidades e competências comunicativas.
A Teoria da Ação Comunicativa apresentada pelo filósofo parte de princípios nos
quais os participantes têm de sair de sua posição egocêntrica para o entendimento com o
outro, assumindo a responsabilidade sobre seus proferimentos. Na educação, os subsídios
dessa teoria levantam expectativas de contribuir para o agir das diferentes racionalidades
presentes na construção do conhecimento.
A questão da transcendência (capacidade do ser humano de construir conhecimento)
transborda os limites da mente para envolver a base de um saber compartilhado
intersubjetivamente, que implica o reconhecimento de que o mundo se a conhecer,
81
como coisa relatada, através da linguagem. Desta maneira, a idéia de um acesso direto ao
conhecimento do mundo não procede, pois, como salienta Habermas (2001, p. 45), "a
realidade com a qual confrontamos nossas proposições não é uma realidade ‘nua’, mas já, ela
própria, impregnada pela linguagem."
Esta mudança de paradigma, conhecida como "Guinada Lingüística", representou a
substituição da consciência pela linguagem, como critério de racionalidade por excelência. A
razão, restrita ao âmbito da subjetividade individual pela filosofia da consciência, passa a
poder ser concebida em um espaço que extrapola os limites do indivíduo isolado e que se
convencionou chamar de intersubjetividade, onde se tornou um produto humano coletivo
destranscendentalizado, ou seja, não mais resultado da ação de um sujeito transcendental
(HABERMAS, 2002).
A linguagem, portanto, passou a ser reconhecida como o meio efetivo onde a razão
se expressa e que distingue a humanidade da natureza. Isso significa não só que a
racionalidade se manifesta através do uso da linguagem, mas, sobretudo, Conforme Aragão,
(2002, p.90) "[...] só podemos conhecer a razão através desse seu meio privilegiado de
expressão (a natureza da linguagem se deixa analisar e nos revela aspectos da racionalidade)".
A partir dessa crítica que a filosofia da linguagem dirigiu sobre a filosofia da
consciência, modificou-se a fonte de legitimação que a filosofia clássica havia estabelecido
para os fenômenos de consciência, a autoconsciência do sujeito. Com isso, passou-se a exigir
que o acesso direto aos fenômenos de consciência, às representações, fosse substituído por um
exame indireto, através da análise das expressões lingüísticas utilizadas para transmitir
pensamentos. Assim, foi possível verificar que a forma das sentenças é determinada por
"razões sintáticas" e que nelas existe uma lógica inerente, o que possibilita a reconstrução
racional das regras gramaticais empregadas, tendo em vista a existência de uma estrutura
racional da linguagem que usamos inconscientemente (ARAGÃO, 2002, p. 92).
Assim, toda ação pedagógica que teve seus fundamentos estabelecidos na
subjetividade necessita reformular-se no âmbito da intersubjetividade, pela linguagem, pelo
diálogo, pelo entendimento compartilhado entre sujeitos num mundo da vida, visando a
promoção da capacidade discursiva de seus alunos, dotados de autonomia e capacidade
argumentativa, capazes de entenderem-se entre si acerca do mundo.
82
3.1 – A Racionalidade Comunicativa e Mundo da Vida na Ação Pedagógica
SE considerarmos o ato educativo como uma ação comunicativa e como um processo
voltado à busca do consenso através da fala e ao entendimento, a Teoria da Ação
Comunicativa tem grande importância na educação escolar, pois é nela que podemos
interpretar as tensões entre o mundo da vida e o mundo do sistema.
É importante ponderar que o ser humano realiza aprendizagens de natureza diversas
durante toda a sua vida e seu desenvolvimento prossegue pela contínua transformação
resultante de sua interação com o meio. A direção que tomará seu desenvolvimento é função
do meio em que ele nasce, das práticas culturais, das instituições de que participa e das
possibilidades de acesso a informações existentes em seu contexto, pois “[...] a aprendizagem
não é conformação ao que existe nem pura construção a partir do nada; é reconstrução
autotranscendente, em que se ampliam e se ressignificam os horizontes de sentido desde o
significado que o sujeito a si mesmo atribui” (MARQUES, 2000, p. 15).
Primordialmente é necessário considerar que na inserção do sujeito na escola há duas
implicações importantes: uma é que a experiência escolar insere-se num processo contínuo do
desenvolvimento do sujeito que se iniciou antes de sua entrada na instituição. Todas as
experiências vividas na escola ganharão significado quando articuladas ao processo global de
desenvolvimento do sujeito e não como um aglomerado de experiências independentes,
vividas exclusivamente no âmbito escolar. Outra, decorrente desta, é que a escola não é um
espaço independente de socialização e aprendizagem, mas um espaço que vem se somar aos
outros nos quais o ser humano transita, os quais de uma forma ou de outra, imprimiram
certas marcas nas formas de atividade que o indivíduo realiza e no uso que faz de seus
sistemas simbólicos e expressivos.
Conforme Marques (2000), na aprendizagem os indivíduos reconstroem o mundo da
vida.
Nela se reinterpreta a experiência cultural dos grupos e se insere em novas
totalidades de sentido; ressignifica-se cada um de seus elementos. Ao se
entrelaçarem os processos de socialização, da individualização e da singularização
do sujeito, os homens aprendem uns com os outros, constituem-se em sujeitos
sociais concretos de aprendizagem e adquirem, como pessoas, as competências que
83
os tornam capazes de linguagem e ação para tomarem parte nos processos do
entendimento compartilhado e neles afirmarem sua própria identidade (p. 16).
No paradigma do entendimento recíproco a linguagem possibilitaria a interação entre
os sujeitos e também a relação do sujeito consigo mesmo, pois “[...] é fundamental a atitude
performativa dos participantes da interação que coordenam seus planos de ação ao se
entenderem sobre algo no mundo” (HABERMAS, 1987b, p.414).
O mundo da vida é, em Habermas, um conceito complementar do agir
comunicativo; é o horizonte ou o pano de fundo não tematizável da condição do agir
comunicativo e, ao mesmo tempo, um celeiro cultural de convicções e idéias
básicas; constitui-se em um lugar quase transcendental onde se formam os processos
do entendimento e onde se movimentam os falantes e os ouvintes; é a instância
anterior a qualquer possibilidade de entendimento e de ação comunicativa (MÜHL,
2003, p. 205).
Na Teoria da Ação Comunicativa a razão é entendida como uma evolução, fazendo
com que a escola resgate a dimensão crítica em relação ao tipo de razão que promove,
incorporando na aprendizagem da racionalidade além de uma constituição epistemológica
uma “[...] dimensão hermenêutica, vinculada ao mundo da vida, um pano de fundo cultural,
que representa as bases do entendimento” (PRESTES, 1996, p. 113).
Nesse viés, a educação tem como objetivo resgatar os fragmentos de uma
racionalidade no próprio processo de aprender a razão, pois é no mundo da vida que o homem
tem as raízes de suas ações racionais para estabelecer o sentido e o entendimento
intersubjetivo.
Segundo Habermas (1997, p. 495), o mundo da vida como um saber de fundo
completa o conhecimento das condições de aceitabilidade das emissões lingüísticas para que
um ouvinte possa entender seu significado literal. É um saber implícito porque não pode
expor-se a uma infinidade de proposições. É um saber holisticamente estruturado, cujos
elementos remetem uns aos outros e é um saber que o está à nossa disposição, pois não
podemos fazê-lo consciente e nem colocá-lo em dúvida conforme a nossa vontade.
O mundo da vida não tem somente a função de formar um contexto, pois oferece
uma convicção de fundo em que os participantes da comunicação recorrem para cobrir com
interpretações possíveis de consenso a necessidade de entendimento surgida em uma
determinada situação. Na medida em que o mundo da vida entre em consideração como um
84
recurso dos processos de interpretação podemos representá-lo como um acervo
lingüisticamente organizado de suposições de fundo, que se reproduzem em forma de tradição
cultural (HABERMAS, 1997).
Os atos de fala abrangem simultaneamente os três mundos: objetivo, social e o
subjetivo. Nesse processo a formação do sujeito está em mútua dependência da mediação
social através da qual se reproduzem as estruturas simbólicas do mundo da vida. O saber, no
entendimento de Habermas (1997), é o resultado de uma comunicação compartilhada por
essas estruturas: a cultura (tradições culturais); a sociedade (ordenamentos sociais e a
personalidade (estruturas da personalidade). A concretização desses componentes estruturais
do mundo da vida depende diretamente do processo educativo, considerando ser ele capaz de
produzir competência interativa e autonomia. Esses componentes se reproduzem
exclusivamente pela ação comunicativa/discurso, sendo empregados como recursos e o fazem
na forma de reprodução cultural continuidade e renovação do saber válido; de integração
social - manutenção e criação dos laços de solidariedade e de socialização aquisição de
competências que tornam as crianças capazes de agir e de falar (p. 498).
Nós humanos somos seres de cultura (que corresponde aos conteúdos das ciências,
aos modos de entender e de agir sobre a realidade natural com vistas a sua
transformação) e constituímos sociedade (que corresponde aos modos de conviver
que foram estabelecidos e convencionados). Cultura e sociedade se configuram
como horizontes e confluências de percepções em função de habitarmos um mesmo
espaço, de estarmos submetidos às mesmas condições de existência, porque é nesse
mundo comum que a vida humana acontece. Falamos de horizontes de sentidos ou
de confluência de percepções porque nada nos autoriza a supor que estejamos
pensando a mesma coisa, mesmo que estejamos dizendo as mesmas palavras,
pretensamente utilizando os mesmos conceitos (BOUFLEUER, 2007, p. 6).
A reprodução simbólica da sociedade e de racionalização do Mundo da Vida,
representa todo o aprendizado social conquistado ao longo da história, de geração para
geração, produzindo/transformando a sociedade, os saberes, os sujeitos. Mas, a sociedade,
como a concebe Habermas (1997), não pode ser constituída pelo mundo da vida; ela é
também sistêmica, âmbito da sociedade auto-regulada, dentro da qual os indivíduos são
elementos abstratos, meras partes de uma engrenagem, automatizados em suas orientações e
motivações. No mundo da vida, a integração social é feita pelo compartilhamento
comunicativo das normas que orientam as ações dos atores sociais envolvidos. A integração
sistêmica é feita através dos mecanismos do dinheiro e do poder e depende das conseqüências
das ações que se desenvolvem no seu interior para a sua manutenção. Dessa forma, a evolução
85
da sociedade ocorreria como aumento da complexidade sistêmica, acima da vontade e das
possibilidades de intervenção dos sujeitos e como racionalização do mundo da vida, em que
os atores sociais são ao mesmo tempo, produto e produtores da história.
O mundo da vida faz com que tenhamos um consenso sobre o mundo dos objetos.
Consenso que provém de uma visão do mundo ensejada no entendimento, mundo esse
constituído através de um processo comunicativo e sujeito a sofrer abalos, pois para
Habermas, conforme hl (2003), “[...] apesar de ser um mundo constituído de certezas para
nós, entra em crise e modifica-se em decorrência do processo de comunicação que se
desenvolve permanentemente em seu interior” (p. 207).
As convicções que formam o mundo da vida são suscetíveis de contestação e
somente através de uma situação ideal de fala é que pode determinar a superação de situações
problemáticas que ameaçam a unidade do mundo da vida.
Nas sociedades modernas, ocorreria uma colonização do mundo da vida pelos
imperativos sistêmicos, à medida que as interações entre sujeitos que se comunicam tornam-
se cada vez mais permeadas, destruídas, e substituídas pelo dinheiro e pelo poder e a
linguagem natural pela tecnologia, pela linguagem codificada, sob o domínio dos meios de
comunicação, unidirecionais e massificadores. Como reprodução cultural, integração social e
socialização de sujeitos são processos que não podem ser desempenhados por esses meios,
essas sociedades são constantemente perpassadas por crises de racionalização, de motivação,
de sentido (HABERMAS, 1997, p. 504).
No entendimento de hl (2003), interpretando Habermas, a escola insere-se num
contexto em que se encontram tanto as estruturas sistêmicas do dinheiro e do poder como os
elementos que constituem o mundo da vida. Quando predominância de uma racionalidade
sistêmica ocorre a colonização do mundo da vida escolar, impedindo a ação comunicativa. Os
valores cultuados no mundo sistêmico como poder, dinheiro, sucesso e prestígio vão
contaminando o mundo da vida e desacreditando os valores familiares, comunicativos e as
relações sociais, reduzindo a liberdade e a participação de professores e alunos no processo
pedagógico:
O diagnóstico do autor é que o planejamento administrativo passa a afetar
crescentemente o sistema cultural, levando a escola a perder sua vinculação com o
mundo da vida, deixando de ser um contexto de construção comunicativa dos
conhecimentos. A escola perde o caráter de um espaço público em que os indivíduos
desenvolvem a racionalidade do saber de forma participativa e na qual aprofundam a
86
solidariedade humana e a autonomia individual na convivência democrática entre
todos. Ao invés de um espaço público de aprendizagem da convivência humana,
torna-se, predominantemente, um lugar de aquisição de habilidades e de
informações técnicas necessárias para a inserção do indivíduo no sistema do poder e
do dinheiro (MÜHL, 2003, p. 272).
Para Habermas (1987b), como conseqüência dessa colonização no contexto escolar
atual o conhecimento assume prioritariamente a dimensão de mercadoria ou recurso de
competitividade, como meio de ascensão econômica, perdendo seu valor epistemológico e
importância social, empobrecendo-o de sentido. À medida que o sistema econômico submete
a seus imperativos o modo de vida das pessoas o consumismo e o individualismo,
relacionados com a competitividade assumem uma força configuradora. Dessa forma, deixa-
se de ter chances de construção de sentido de contorno consensual através de debate livre
baseado na lógica do melhor argumento, pois todas as iniciativas tornam-se dependentes dos
recursos dos meios de controle sistêmicos (dinheiro das grandes corporações do mercado e o
poder do aparelho do Estado).
A escola vista como um espaço em que prevaleçam as ações comunicativas, na qual
o agir pedagógico sedimenta-se no agir comunicativo deve pensar em:
[...] desburocratizar o processo pedagógico. A constituição de uma legislação escolar
deve embasar-se em procedimentos de tomada de decisão que considere os
envolvidos no processo pedagógico, como tendo capacidade de representar seus
próprios interesses e de regular seus atos por iniciativa própria (HABERMAS,
1987b, p. 410).
Dessa forma, a escola deve primar pela democratização de suas decisões,
possibilitando que os envolvidos no processo pedagógico tenham voz ativa, permitindo que a
interferência sistêmica atinja somente os aspectos referentes às necessidades de manutenção
de estratégias necessárias para a sobrevivência individual e coletiva, porém essa interferência
deve passar sempre pela decisão participativa dos atingidos.
Na interpretação de Mühl (2003), conforme Habermas (1987b, p. 525/7) toda a vida
escolar, desde a sua regulação, a definição do currículo, a forma de avaliação, os
procedimentos e as formas de desenvolvimento do conhecimento devem ser definidos
participativamente, pois todos devem ser livres e capazes de defender seus interesses e de
regular os assuntos que lhe dizem respeito.
87
O referencial principal do processo pedagógico deve ser o mundo da vida da
clientela escolar, o qual deve ser a fonte da qual são retirados os conhecimentos, os
fatos, os valores e os problemas que precisam ser analisados e desenvolvidos
criticamente, buscando, com isso, atingir uma compreensão mais transparente da
realidade vivida e promovendo as transformações necessárias para que se tenha uma
vida melhor (MÜHL, 2003, p. 285).
Conforme Habermas, isso não significa negar a importância dos conhecimentos
científicos e os saberes sistematizados da ciência, da moral e da arte, mas respeitar o mundo
da vida como instância última que deve validar todos esses conhecimentos acatando-os ou
rejeitando-os em função da integridade do mundo da vida. Por isso é que “[...] o professor e
toda a comunidade escolar devem respeitar o mundo da vida de cada aluno, dele partindo para
em torno dele construir os conhecimentos e os valores imprescindíveis à realização de uma
vida digna e justa” (MÜHL, 2003, p. 288).
No entendimento de Mühl (2003, p. 296/7), a partir da reconstrução das pré-
compreensões do mundo da vida é que possibilidade de realizar uma educação criativa,
motivadora e transformadora.
3.2. Ação Pedagógica Comunicativa
A qualidade do trabalho do professor emerge dos princípios que sustentam e
orientam sua ação pedagógica. Ter clareza com os propósitos desses princípios e agir segundo
eles confere-lhe a necessária autonomia de ação, que é ao mesmo tempo individual e coletiva,
enquanto na e pela prática desenvolvida com a comunidade escolar, em contextos marcados
por características sócio-econômico-político-culturais pré-determinadas, tendo em vista a
construção de uma sociedade de todos, com todos e para todos.
O professor será um permanente tornar-se professor, num processo evolutivo, ao
longo do qual as experiências vão ganhando mais significado, com maior envolvimento
pessoal. O professor forma-se ao longo de toda a vida. Adquire conhecimentos, princípios e
valores que lhe são transmitidos pela família, pelo meio que o cerca, interiorizando-os na
convivência com os outros.
88
O papel do professor como agente da socialização tem sofrido relevantes
modificações devido às transformações do contexto social, o que causou um aumento
substancial das suas responsabilidades, pois cada qual aprende ao longo de toda a vida no seio
do espaço social constituído pela comunidade a que pertence. Uma das dificuldades atuais é
saber conciliar a extensão da informação, a variedade das fontes de acesso, com o
aprofundamento da sua compreensão. Temos informações em demasia e dificuldade em
selecionar e sistematizar quais são significativas para integrá-las em nossa mente e na nossa
vida.
A aquisição da informação, dos dados, dependerá cada vez menos do professor. As
tecnologias podem trazer hoje dados, imagens, resumos, de forma rápida e atraente. O papel
do professor - o papel principal - é ajudar o aluno a interpretar esses dados, a relacioná-los, a
contextualizá-los, a partir de conhecimentos do professor e de conhecimentos dos alunos,
estabelecendo diálogo entre eles, transformando esses conhecimentos em saberes. Assim,
percebemos a complexidade de ser professor e ter a sensibilidade de entender que o ser
humano está inserido no mundo complexo, no qual a cultura, a razão, o afeto e a vida em
sociedade podem conduzir os diversos caminhos da existência, constituindo-se assim como
professor, construindo seu espaço pedagógico apoiado na visão de mundo, de homem e de
sociedade.
Os processos de socialização dos adultos que têm e assumem papéis específicos no
processo educativo, como é o caso dos professores, enquadram-se nessas dimensões, pois vão
viver socializações variadas ao longo do seu percurso profissional e também precisam estar
conscientes da importância desses momentos e da sua contribuição para a construção pessoal
e coletiva, construção pessoal e profissional.
Trabalhar com a diversidade e com a pluralidade das vozes da razão ao nível da
unidade da escola, não no paradigma da redução a esquemas rígidos, mas no
paradigma da complexidade e da razão comunicativa, eis o desfio do pedagogo em
questão, apto a valorizar as distinções no contraprocesso das situações ideais de fala,
da autoridade do melhor argumento, da articulação em sínteses nunca conclusas
(MARQUES, 2003, p. 122).
Segundo Tardif (2005), os saberes profissionais dos professores provêm de diversas
fontes, como sua cultura pessoal, sua história de vida e cultura escolar anterior; dos
conhecimentos adquiridos na universidade, para sua formação profissional; pelos
89
conhecimentos curriculares dos programas, guias e manuais escolares; do saber ligado à sua
experiência e de outros colegas e nas tradições próprias ao ofício de professor.
Portanto, o saber dos professores não é o “foro íntimo” povoado de representações
mentais, mas um saber sempre ligado a uma situação de trabalho com outros
(alunos, colegas, pais, etc), um saber ancorado numa tarefa complexa (ensinar),
situado num espaço de trabalho (a sala de aula, a escola), enraizado numa instituição
e numa sociedade (TARDIF, 2005, p. 15).
O professor necessita de saberes abrangentes, saberes acadêmicos, saberes
especializados e saberes oriundos da experiência. Tardif (2005), denomina esses saberes de
“epistemologia da prática profissional”, ou seja, os saberes que são de fato utilizados pelo
professor em todas as suas práticas cotidianas escolares, apresentando assim “[...] à noção do
‘saber’ um sentido amplo, que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou
aptidões) e as atitudes, isto é, aquilo que muitas vezes foi chamado de saber, saber-fazer e
saber-ser” ( p. 255).
Além destes saberes é importante discutir a necessidade de que se configurem,
claramente, os valores éticos que devem orientar as relações profissionais. Esses valores,
embora possam ser percebidos na conduta do educador, não são sistematizados na sua
formação e na sua prática, daí a importância da explicitação de um projeto ético que oriente a
prática pedagógica.
A formação da capacidade discursiva e argumentativa do professor não o dispensa
de uma sólida formação científica. Ao contrário, a condição do desenvolvimento da
capacidade argumentativa vincula-se ao domínio científico e técnico dos saberes que
lhe compete trabalhar em sala de aula. É impossível o professor desenvolver uma
convincente argumentação sem o domínio consistente de conteúdos e de métodos
científicos. O que pode impedir um agir argumentativo em sala de aula não é o
excesso do saber, mas a falta dele. Aliás, o próprio Habermas demonstrou que um
dos fatores impeditivos da comunicação é a falta de domínio de uma determinada
linguagem – nesse caso, a científica (MÜHL, 2003, p. 323).
Ser professor é uma arte e ao mesmo tempo um talento que precisa ser completado
com formação profissional adequada. Esta formação deverá proporcionar aos professores de
todos os níveis de ensino a informação, os métodos e as técnicas científicas e pedagógicas de
base, assim como a formação pessoal e social que o prepare para o exercício da sua função.
Este tipo de formação tem as suas exigências em diferentes campos de competência, como a
90
científica, pedagógica e cultural, mas principalmente da matéria a ser ensinada, para não
termos que admitir como Hannah Arendt (1992) que “[...] como o professor não precisa
conhecer sua própria matéria, não raro acontece encontrar-se apenas um passo à frente de sua
classe em conhecimento” (p. 231).
A preocupação central é a de que o professor tem amplo conhecimento horizontal.
Sabem um pouco de muitas coisas, um pouco de tudo. Carecem de um conhecimento mais
profundo, mais rico, mais integrado; o conhecimento diferente, desvendador, mais amplo em
todas as dimensões.
Do educador se requer que ele tenha aprendido antes. Não como dar testemunho
de algo que não se aprendeu, de algo que apenas se copiou. É nesse sentido que se
propõe a pesquisa como princípio educativo. Princípio que deve ser adotado, acima
de tudo, pelo professor com vistas à construção de sua aprendizagem, indispensável
para a sua habilitação como educador (FREIRE, 1996). Nessa perspectiva, o “dar
aula” implica em o professor apresentar o texto de sua pesquisa, de sua
aprendizagem. Um “texto”, na verdade, não necessariamente escrito no papel, mas
que se esboça através de um conjunto de dinâmicas implementadas e enriquecidas
em situação interativa de sala de aula, em que o próprio professor mantém a
disposição de sempre aprender mais (BOUFLEUER, 2006b, p. 375).
São os conjuntos de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores
que constituem a especificidade de ser professor, isto é específico na ação docente, assim
como uma aptidão para estabelecer relação que se manifesta por uma qualidade do papel
assumido pelo professor no processo relacional: as atitudes, as expectativas. Os
comportamentos dos alunos exercem uma ação sobre ele e a sua conduta orienta-se pela sua
percepção na situação. Tratar da formação docente hoje exige de nós um esforço para
compreendermos as suas múltiplas interpretações e as suas mais variadas determinações. Por
formação docente não podemos entender somente o espaço/tempo vivido em cursos de
licenciatura ou em cursos normais, mas entender que esta formação é tecida a partir das mais
diversas possibilidades de produção e recriação de conhecimentos e de construção de
subjetividade e intersubjetividades, inerentes ao trabalho e à vida desse profissional.
Nessa perspectiva, é preciso compreender como a formação se faz na práxis
cotidiana desses sujeitos, onde saberes docentes são aprendidos / vividos / transformados a
partir das mais variadas situações por eles vivenciadas.
A formação de professores deve ser analisada no âmbito das diferentes campos nas
quais ela se desenvolve. Além da formação acadêmica, sempre tão lembrada, existiriam
91
outros, tão ou mais importantes para a constituição profissional do professor. É preciso
considerar também os campos das pesquisas em educação; os campos da organização
coletiva; os campos do cotidiano e os campos da sua vivência, afetividade e valores. Eles não
seriam, entretanto, elementos estanques. Pelo contrário, se relacionariam de forma complexa
na vida concreta desses sujeitos. Essa formação poderia ser entendida em sua
complexidade na medida em que se desvendassem as intrincadas organizações constituídas
pela confluência desses diferentes campos. Assim, a formação docente não se constrói de
maneira linear, sistematicamente organizada, absolutamente controlada e previsível.
Cada vez menos a formação do professor é vista como um mero processo de
transmissão de determinados conhecimentos teóricos, sistematizados por meia dúzia de
disciplinas. As discussões sobre essa formação têm sido centradas, mais e mais, na
perspectiva da construção de um “profissional investigativo”, que possa lidar com a
complexidade do mundo, aprendendo com ela, com a multiplicidade de vozes, saberes e
fazeres que muitas vezes foram silenciados pela pretensa superioridade do conhecimento
sistematizado pela academia.
Ser professor exige mais que diplomas, porque o conhecimento não pode ser dado
como algo finito, mas como uma possibilidade de constante reconstrução na interação com
outros sujeitos, pois, conforme Freire: “minha segurança se funda na convicção de que sei
algo e de que ignoro algo a que se junta à certeza de que posso saber melhor o que sei e
conhecer o que ainda não sei” (1999, p. 153).
É a clareza do professor quanto ao seu modelo pedagógico e a sua concepção
epistemológica que implicará no cidadão que deseja que seu aluno venha a ser: indivíduo
dócil, cumpridor de ordens sem questionar o significado das mesmas ou sujeito pensante e
crítico, que reflete sobre o significado de suas ações e das ações do coletivo, argumentando,
questionando, participando ativamente do processo no qual está inserido, para que mediante o
consenso e entendimento busque a real significação desse conhecimento, para incorporá-la
vivencialmente, emocionalmente.
A fundamentação teórica é imprescindível à prática docente, mas uma
fundamentação refletida e com mudança que vai além do discurso, mas que se efetive na sala
de aula, nas relações intersubjetivas, na linguagem e no entendimento, fazendo da educação
um processo de aquisição de saberes, onde os envolvidos assumam-se como seres em
construção e como sujeitos co-responsáveis nesse processo.
92
O papel do professor é o de organizar as propostas didáticas adequadas aos diferentes
conteúdos propostos, intervindo sempre, suscitando novos desafios, de forma que o aluno
esteja sempre aprendendo mais, estruturando seu conhecimento em níveis de pensamento
cada vez mais complexos. O compromisso com a educação e com o conhecimento capacita o
professor a organizar a interação do aluno com o meio e com os colegas, promovendo a
produção de saberes de forma ativa e crítica, comunicativamente mediada, argumentada,
visando o desenvolvimento da autonomia para o exercício da liberdade, mas principalmente
mudando de atitude diante do conhecimento e tendo o saber pessoal modificado.
Repensar a educação e a prática educativa requer uma formação reflexiva contínua
do professor, a ser desenvolvida individual e coletivamente, incidindo diretamente não na
melhoria da qualidade de ensino, mas também na melhoria da vida pessoal e profissional dos
professores nela engajados. Para isso alunos, funcionários e professores devem não apenas
considerar, mas acima de tudo concretizar e efetivar o espaço escolar como um lugar
destinado ao ensino-aprendizagem e como um espaço de reflexão, ação e participação
coletiva.
Segundo Mühl (2003, p. 321), “[...] o objetivo da educação com base nos
pressupostos do agir comunicativo consiste em aumentar a autonomia racional dos educadores
pela construção coletiva de suas compreensões de mundo e de suas práticas pedagógicas”.
Cabe ao professor, portanto, criar um conjunto de condições, um conjunto de regras, um
conjunto de gicas de trabalho coletivo dentro das escolas, a partir das quais através da
reflexão, através da troca de experiências, através da partilha – seja possível dar origem a uma
atitude pedagógica intersubjetiva e comunicativa.
A reflexão precisa transformar-se em forma de identidade e satisfação do professor,
pois ele não pára de refletir a partir do momento que consegue entender melhor sua tarefa e
que sua angústia diminui. Ele reexamina constantemente seus objetivos, seus procedimentos,
suas evidências e seus saberes, não se limitando apenas a atualização dos saberes
disciplinados, didáticos e tecnológicos. Necessita também de uma reflexão sobre a sua
responsabilidade pedagógica, promovendo “[...] uma consciência que se articula com os
diversos discursos, com as diversas culturas, que busca uma responsabilidade conjunta, além
das consciências individuais. É uma consciência que se torna intersubjetiva” (PRESTES,
1996, p. 116).
Refletir, ao mesmo tempo em que permite ao professor a oportunidade de se ver no
contato construtivo da própria identidade, talvez seja o meio de descobrir como as
93
construções individuais se compuseram com as condições sócio-históricas, remetendo-o à
forma como sua identidade foi construída, acreditando com Habermas (1990), que “[...] a
estrutura que torna compreensíveis a natureza e a história em sua essencial multiplicidade é,
ao mesmo tempo, a estrutura através da qual o Eu deve criar e manter a própria identidade”
(p. 89).
À medida que o professor foca seu olhar na formação de sua identidade ele pode ir
compreendendo a dinâmica da socialização, desvelando-lhe as formas de acesso que teve à
produção cultural, encaminhando-o à descoberta dos significados ideológicos que foram
sendo incorporados, levando-o à proximidade do contexto sócio-histórico-psicológico gerador
dessa identidade.
A reflexão requer que o professor confronte-se com as formas de organização de seu
pensamento, com os modos pelos quais as concepções de vida/mundo/educação compuseram-
se com as condições desafiantes de cada momento histórico de sua existência. Será preciso
olhar de frente seus medos e suas defesas, suas escolhas e as razões das mesmas. É um
processo por certo delicado, pois o obrigará a liberar-se das amarras de sua subjetividade,
compreendendo, fundamentalmente, que a prática reflexiva não pode ser monológica. Ela
deve ser um debate dialético, onde prevaleçam o consenso e o entendimento, alicerçados no
mundo da vida e num ambiente ideal de fala, porque “[...] a razão reflexiva exercitada sob
inspiração da racionalidade comunicativa é uma prática intersubjetiva, entre sujeito-sujeito,
com vistas ao entendimento” (MARTINAZZO, 2005, p. 65).
A compreensão da reflexão envolta nas tramas do cotidiano, nas condições
historicamente dadas, dá uma dimensão dinâmica a este processo, pois o carrega da
complexidade da própria vida cotidiana. A prática não é o objeto da reflexão; é também
objeto de outra significação, ou a possibilidade de uma ressignificação, de diálogo entre o ser
humano e o seu mundo.
A reflexão é o resultado de um processo de formação que se mediante uma
complexa rede de interações, numa interação dialógica, comunicativa. A aprendizagem se
organiza e se estrutura num processo dialógico de interlocução, por isso é necessário
possibilitar a discussão e o diálogo para que o saber se efetive. Nesta perspectiva “[...] a
reflexão envolve uma dupla dimensão: o descentramento do sujeito do conhecimento e o
desenvolvimento de uma visão reconstrutiva dos saberes” (MÜHL, 2003, p. 298).
94
O conhecimento passa a ser entendido como produção social, coletiva, implicando
em transformar os saberes em algo passível de reconstrução e a sala de aula em um espaço
coletivo de ação sobre os saberes, por meio de um processo participativo e do exercício
crítico, que transcendam a visão de mundo que possuem e que permitam refletir sobre as
falsas objetivações.
3.3. Ações Comunicativas e Interdisciplinares
Pensar a prática pedagógica ancorada na filosofia habermasiana apresenta
significativa importância para as diferentes instâncias do processo educacional, seja nas
relações educador-educando, modificando essas relações, seja na sala de aula, considerando-a
como um espaço das relações intersubjetivas e de resgate do mundo da vida, exigindo uma
constante crítica dos atores envolvidos junto as suas práticas, criando condições para outra
razão humana, social e reflexiva, pois, conforme Mühl (2008), “[...] a educação precisa
rearticular seu vínculo com a racionalidade comunicativa e com o mundo da vida,
restabelecendo o potencial de uma racionalidade soterrada sob os escombros de uma cultura
dominada pela racionalidade instrumental e estratégica” (p. 127).
Muitas formas de ensinar hoje não se justificam mais. Perdemos tempo demais,
aprendemos muito pouco e nos desmotivamos continuamente. Tanto professores quanto
alunos têm a clara sensação de que em muitas aulas convencionais o tempo não é
devidamente aproveitado.
É possível modificar a forma de ensinar e de aprender. Um ensinar mais
compartilhado, orientado, coordenado pelo professor, mas com profunda participação dos
alunos, individual e grupalmente, considerando o aluno como elemento ativo na reconstrução
de seu conhecimento, mediante o contato com o conteúdo e da interação feita no grupo, e o
professor como o responsável pela orientação/mediatização da construção de significados e
sentidos em determinada direção.
Para Morin (2004a, 2005), o papel da escola passa pela porta do conhecimento. É
ajudar o ser que está em formação a viver, a encarar a vida. A função da escola é nos ensinar
95
quem somos; situar-nos como seres humanos; situar-nos na condição humana frente ao
mundo, a vida; situar-nos na sociedade; é possibilitar conhecermos a nós mesmos. O papel da
educação é nos ensinar a enfrentar as incertezas da vida; é nos ensinar o que é o
conhecimento. Logo, é preciso saber estudar o problema do conhecimento. Em outras
palavras, o papel da educação é instruir o espírito a viver e a enfrentar as dificuldades do
mundo.
uma diferença considerável entre um aluno que recebeu um conhecimento, uma
informação e outro que transforma este conhecimento em saber
26
, compartilhando o
conhecimento com uma coletividade, estabelecendo a interação e potencializando a
aprendizagem. Uma coisa é ter a cabeça cheia de informações e imaginar que isso é
conhecimento, e o reproduzir. Uma cabeça bem-feita, segundo Morin (2004a), significa
uma cabeça que se posiciona, no seu pensar, na sua dúvida, no seu questionamento perante a
informação, pois “uma cabeça bem-feita dispõe de uma aptidão geral para colocar e tratar dos
problemas e de princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido” (p.
21).
Na reprodução não nos deparamos com problema, só cópia mecânica, imitação.
Numa cabeça bem-feita o sujeito é pensante, autor, se autoriza a discordar, a questionar, a
colocar, a se expor. Para isso é preciso ter cumplicidade, intimidade, confiança, grupo. Para
Morin (2004a), “o desenvolvimento das aptidões gerais da mente permite o melhor
desenvolvimento das competências particulares ou especializadas. Quanto mais desenvolvida
é a inteligência geral, maior é sua capacidade de resolver problemas especiais” (p. 23).
O objetivo da educação deve ser o de desenvolver aptidões para contextualizar e
globalizar os saberes e integrá-los na própria vida. É na escola que a sociedade atual aposta
para que o processo de socialização dos jovens se faça de uma forma adequada. Essa
26
- “Saber: ter conhecimento, ciência, informação ou notícia de; ter a certeza de; ser instruído em; prever; ter
meios ou capacidade para; compreender, perceber; reter na memória, saber de cor; ter conhecimento teórico e/ou
prático de; indagar, informar-se” (FERREIRA, 2001). O termo saber é usado, muitas vezes, como sinônimo de
conhecimento. É preciso fazer uma distinção entre conhecimento e saber quando se tem a preocupação de
ensinar. Enquanto conhecimento se refere às situações objetivas e pode originar formas de conhecimento mais
sistematizadas como a ciência, o termo saber aplica-se num sentido muito amplo aplicando-se a todo o tipo de
situações, objetivas ou subjetivas. O saber é uma forma de compreensão das coisas na qual se integram
conhecimentos particulares, numa perspectiva universalizante, sendo indissociável da consciência dos limites do
próprio saber. Informação é o que coletamos nos livros, na internet, nos jornais e nas revistas. Mas ela, por si só,
não tem valor. Só passa a ter valor quando nós a assimilamos e a colocamos dentro de s seletivamente. Aí, ela
se transforma em conhecimento. Mas é preciso dizer que o conhecimento também tem sua limitação. Ele é
valorizado na medida em que tem alguma aplicação, utilidade, transformando-se assim em saber.
96
socialização ultrapassa em muito os próprios alunos e é conhecida como algo que atravessa a
escola em várias direções.
As necessidades cotidianas fazem com que os alunos desenvolvam uma inteligência
essencialmente prática e, quando a escola potencializa essa capacidade de reconhecimento,
busca a seleção de informações, inter-relações, tomada de decisões e, conseqüentemente, o
desenvolvimento de uma ampla capacidade de obter aprendizagens pertinentes.
Para Rubem Alves (2001, p. 58), “[...] a memória é como um escorredor de macarrão
que deixa passar o que não vai ser usado”. É por isso que os alunos esquecem logo o que são
forçados a aprender. Aquilo que não lhes interessa, que não sabem o significado, quando não
interagem, quando não socializam, deixam passar. A ciência que se aprende a partir da vida, a
partir das inter-relações, não é esquecida nunca. É imprescindível que os alunos interajam e
não apenas tenham contato com os conteúdos. Que construam para si esses conhecimentos, ou
seja, superem a repetição com a construção, sejam capazes de operar e cooperar, pois assim e,
assim, os conhecimentos que construirão não desaparecerão através dos buracos do
“escorredor de macarrão”.
Compreendendo o conhecimento não como definitivo e acabado, mas provisório e
inacabado, e, nessa perspectiva, ninguém é dono da verdade, mas mediador do processo de
reflexão e crítica entre as ciências, onde a verdade passa a ser construída pela multiplicidade
das vozes num trabalho interdisciplinar e comunicativo é que
entendemos a interdisciplinaridade como princípio e como processo, que busca
superar o dualismo sujeito-objeto, teoria-prática e a fragmentação dos saberes
produzidos pelo paradigma científico da modernidade. Nesse viés, ela é uma
decorrência da necessidade da construção de um saber poliocular, multidimensional,
multirreferencial, globalizador e contextualizador. Para que isso venha a ocorrer, não
basta destacar o princípio da interdisciplinaridade como solução para a superação do
paradigma simplificador moderno. Faz-se necessária a indicação de métodos e
lógicas que deverão dar conta da compreensão e do enfoque interdisciplinar sobre a
realidade (MARTINAZZO, 2005, p. 61).
O imperativo de romper com a tendência fragmentadora e desarticuladora do
processo do conhecimento, explica-se pela compreensão da importância da interação e
transformação recíprocas entre as diferentes áreas do saber. Compreensão esta que deverá
contribuir para a superação da divisão do pensamento e do conhecimento, que vem
estabelecendo a educação como um processo reprodutor de um saber parcelado e na
desvinculação do conhecimento do projeto global de sociedade. É urgente e necessário
97
repensar a educação num contexto de totalidade. Dessa forma, a complexidade do mundo em
que vivemos, passa a ser sentida e vivida de forma globalizada e interdependente,
recuperando-se assim, o sentido da unidade a qual tem sido sufocada pelos valores constantes
do especialismo.
Para que isto se efetive Marques (2000), argumenta que necessitamos ter uma nova
visão de inter ou transdisciplinaridade, pois,
nenhuma disciplina, nenhuma região do saber existe isolada em si mesma, devendo,
depois, relacionar-se com as demais. se constituem as disciplinas na unidade do
saber, como totalidade em que se correlacionam os muitos saberes e se expressam as
múltiplas vozes da razão. No coração de cada ciência habitam as demais (p. 115).
É preciso superar a visão compartimentada, originada no cientificismo, mediante um
olhar transdisciplinar na busca de novos caminhos e de novas possibilidades de ver e analisar
com maior profundidade a complexidade do mundo atual, como uma abertura de todas as
disciplinas, que as atravessa e ultrapassa.
O uso freqüente de termos como multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade,
interdisciplinaridade, transdisciplinaridade
27
, precisa ir além do diálogo entre as áreas e
disciplinas científicas. É necessário que ocorra um diálogo mais profundo entre as ciências,
permitindo uma mudança de conceitos.
A pertinência de um estudo aprofundado sobre a interdisciplinaridade nos dias atuais
é uma idéia compartilhada por muitos pensadores se considerarmos que o ser humano tem
ocupado cada vez mais espaço e tempo e intervindo ilimitadamente na natureza por meio da
ciência e da técnica. No entanto, o saber humano entrou em fragmentação com o
conhecimento do mundo dividido em setores cada vez mais especializados de elementos a
27
- A multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade consiste basicamente numa associação entre disciplinas que
concorrem a uma realização comum, sem se integrarem, porém, num todo mais amplo e sintético, ligado à
cultura e ao meio social. Nesta perspectiva entram em cena várias disciplinas, com o objetivo específico de
estudar um mesmo tema sob ângulos variados e distintos, não conseguindo, entretanto, atingir o nível de uma
integração real entre as disciplinas. A interdisciplinaridade ou transdisciplinaridade procura descobrir e/ou
estabelecer conexões e correspondências entre as disciplinas científicas, isto é, entre os diferentes níveis de
descrição da realidade. Ela tem a ver, basicamente, com a procura de um equilíbrio entre a análise fragmentada e
a síntese simplificadora. Entre especialização e saber geral, entre o saber especializado do cientista, do expert, e
o saber do filósofo. A perspectiva interdisciplinar está orientada para dois objetivos principais: um objetivo a
longo prazo, que consiste em superar a fragmentação e buscar a mediação entre filosofia e as ciências, em
benefício da vida humana em geral; e um objetivo a médio prazo: o de tentar romper as barreiras levantadas
contra esta mediação (SIEBENEICHLER, 1989, p.156/58).
98
serem estudados, causando a multiplicação das disciplinas científicas nas universidades, que
se fragmentam e se subdividem em numerosas especialidades (SIEBENEICHLER, 1989).
Segundo Morin (2005), um dos grandes desafios postos à educação do futuro é a
contradição entre, de um lado, os problemas cada vez mais globais, interdependentes,
multidimensionais e planetários e, de outro, a persistência de um modo de conhecimento que
ainda privilegia os saberes fragmentados, parcelados e compartimentados, vistos de forma
isolada. Daí se originam, então, a necessidade e a urgência de promovermos o
desenvolvimento no ensino de um espírito propriamente transdisciplinar ou, pelo menos, de
valorizarmos os conhecimentos interdisciplinares para uma reforma do pensamento e da
educação.
No entender de Siebeneichler (1989), atualmente um dos projetos interdisciplinares
significativos é o de Georges Gusdorf. Em grande parte por suas pesquisas interdisciplinares
de vários anos e por defender uma racionalidade mais ampla, englobando não somente a
exatidão científica, mas também as significações do mundo vivido, superando o âmbito do
fracionável e do mensurável.
Para Gusdorf a interdisciplinaridade tem que ser vista como um postulado, ou
melhor, como uma exigência que se impõe face à constatada dispersão e
fragmentação das ciências e especialidade nos quais se subdivide o conhecimento
moderno. Ou seja, de face àquilo que ele caracteriza como sendo a patologia do
saber atual e que se traduz em diferentes manifestações (SIEBENEICHLER, 1989,
p. 160).
um ponto de convergência entre Gusdorf e Habermas no sentido da tomada de
posição em prol do humanismo radical que desemboca num projeto interdisciplinar. Nas
palavras de Siebeneichler (1989, p. 179): “Nesse ponto Habermas está com Gusdorf”. No
entanto, o projeto habermasiano opõe-se ao de Gusdorf, sendo contra a sua compreensão da
filosofia, contra o paradigma do sujeito e contra a sua tentativa de controlar filosoficamente as
ciências, delineando uma “mão única” a partir da filosofia que não se encaixa na
“interdisciplinaridade comunicativa” de Habermas.
No entender de Siebeneichler (1989), a filosofia habermasiana é uma filosofia
modificada a partir da compreensão de que a teoria da racionalidade não pode ser obtida
através da meditação solitária, não é monológica, pois, ela é “[...] constituída sobre a base de
99
uma coerência discursiva entre teorias distintas, as quais passam a ser tratadas como
fragmentos teóricos de um complexo interdisciplinar mais amplo” (p. 178).
Habermas parte do ponto de que o conceito de racionalidade freqüentemente
utilizado é tomado geralmente numa perspectiva estreita que a reduz às dimensões cognitivo-
instrumentais e propõe redimensionar a razão numa visão mais ampla e descentralizada,
apoiada num trabalho interdisciplinar que dependa da participação da comunidade científica
em geral.
Impõe atualmente, é convicção minha, a busca de outro caminho interdisciplinar,
que torne possível a mediação através de uma cooperação e de um entendimento que
ultrapassem as fronteiras do discurso entre filósofos e cientistas. Para chegar a tal
ponto é necessário evitar que o discurso interdisciplinar seja monopolizado por uma
determinada classe de intelectuais (SIEBENEICHLER, 1989, p. 164).
Na prática educativa, um grupo interdisciplinar/transdisciplinar deve ser formado por
sujeitos com diferentes formações, portanto de diferentes disciplinas, com seus conceitos,
razões, mundos vividos e linguagens, reunidos num objetivo de trabalho, cruzando
fronteiras da própria disciplina, valorizando o diálogo, visando à formação de sujeitos críticos
e reflexivos diante das transformações do mundo, aprendendo a contextualizar, concretizar e
globalizar.
De face às exigências da intercomplementaridade das ciências, as disciplinas do
ensino não podem mais desconhecer-se uma às outras. Não tem mais lugar na escola
aquele professor que se interessa por sua disciplina, por seus alunos, por seus
horários. Não importa quantos professores trabalham na escola. Importa, sim,
constituam-se eles em corpo docente, não um corpo informe, mas corpo ativo,
combativo, coeso em torno de lutas comuns, internamente mobilizados por seus
próprios conflitos em permanente busca de superação (MARQUES, 2002, p. 123).
Nas palavras de Morin (2004b, p. 491), quando nos limitamos às disciplinas
compartimentadas, temos a impressão de estar diante de um quebra-cabeça cujas peças não
conseguimos juntar a fim de compor uma figura. A partir do momento em que dispomos de
conceitos que permitam reorganizar os conhecimentos temos a possibilidade de começar a
descobrir o semblante de um conhecimento global, mas não para chegar a uma
homogeneidade no sentido holista, uma homogeneidade que sacrifique a visão das coisas
particulares e concretas em nome de uma espécie de névoa generalizada.
100
O pensamento é algo muito importante para nós e para a sociedade (Morin, 2004a), e
o papel da escola é ajudar o sujeito em formação a viver e encarar a vida, para tanto é
imperativo uma reforma do pensamento e do ensino. Numa visão de ensino que além do
saber parcelado das disciplinas, reconectando o saber científico e o saber humanístico, com
um olhar inter e transdisciplinar na busca de novos caminhos e possibilidades de ver e viver a
complexidade do mundo atual.
3.4. Novos entendimentos para a educação escolar
A legitimidade do conhecimento provém da aprovação pública, que se mediante a
participação livre e indiscriminada de todos os envolvidos na comunicação. Quando um
conjunto de conhecimentos é compartilhado de alguma maneira por uma coletividade,
estabelece-se a interação, na qual um conjunto de significantes e/ou significados permite que
a comunicação se estabeleça, de maneira não coerciva, cuja validade se mantém até o
momento em que for mantido o argumento que lhe dá sustentação.
A escola deve, então, ter o compromisso com a constituição das estruturas mentais,
com a formação de sujeitos capazes de operar formalmente para que se criem as
condições necessárias à tomada de consciência e, de forma articulada com a prática,
se dê a ruptura com o caráter ideológico, mistificador de uma racionalidade que
desumaniza (PRESTES, 1996, p. 59).
A interação comunicativa e intersubjetiva é responsável pelo desenvolvimento dos
sujeitos envolvidos e permite que a aprendizagem seja potencializada. É necessária uma
interação constante e contínua entre os processos internos e as influências do mundo social
que os participantes interpretarão/entenderão à sua própria maneira, pois é o social que
respaldará e alterará o saber. Dessa forma, a interação na sala de aula contribuirá
significativamente no processo de aprendizagem:
À escola compete promover uma relação de intimidade e de profundidade do aluno
com as produções culturais, levando-o a desenvolver uma apropriação rigorosa e
crítica das mesmas. A escola deve ser, efetivamente, uma esfera pública de acesso
ao saber, em que haja espaço para que o aluno, na interação com seus colegas e com
101
o professor, possa agir e reagir em relação aos dados culturais a que passa a ter
acesso, tendo direito a apropriar-se com rigor dos conhecimentos existentes, de
expressar sua compreensão e, caso sinta a necessidade, de contradizer as “verdades
reveladas”, evitando ser mero consumidor ou receptor dos mesmos (MÜHL, 2003,
p. 279/80).
A escola e a sala de aula se configuram como trama das relações intersubjetivas,
como espaço de entendimento compartilhado, como um pano de fundo que permite aos
sujeitos se comunicarem e se entenderem, percebendo esse espaço enquanto unidade onde se
imbricam o mundo físico-material, o mundo social das intersubjetividades e o mundo interior
de cada sujeito.
Para que esse espaço se efetive como um lugar de encontro para o entendimento
compartilhado é necessário ao educador perceber e entender as contradições existentes nesses
mundos. Na medida em que esse educador se relacione e construa, buscando a superação
dessas contradições, na perspectiva do entendimento, ele tem, também, por objetivo repensar
a sua prática, a sua ação docente e os seus saberes, visando concretizar um processo de
ensino-aprendizagem mais significativo para ele e para seus alunos.
A educação não pode ser vista apenas como qualificação de sujeitos de forma
individual, mas como uma qualificação de sujeitos capazes de atuarem através de uma ação
comunicativa competente visando à emancipação da sociedade. A educação é sempre um
processo onde se desenvolvem ações comunicativas, uma vez que para haver esclarecimento e
emancipação é necessária uma racionalidade comunicativa. Uma teoria pedagógica precisa
estar acompanhada de uma didática comunicativa, pois é ela que fundamentará a função do
esclarecimento e da racionalidade do agir educativo
28
.
Segundo Marques a capacidade comunicativa não é algo dado, ela deve ser
desenvolvida através da linguagem, na busca do entendimento compartilhado entre todos os
participantes de uma comunidade.
Interlocução de saberes significa que a educação se cumpre num diálogo de saberes,
não em simples trocas de informações, nem em mero assentimento acrítico a
proposições alheias, mas na busca do entendimento compartilhado entre todos os
que participam da mesma comunidade de vida, de trabalho, de uma comunidade
discursiva de argumentação (2002, p. 118).
28
- A Pedagogia codifica o conhecimento amplo sobre a educação e a Didática o decodifica para a realização do
ensino. O objeto da Pedagogia é a Educação e a Didática, disciplina da própria Pedagogia, é a teoria do ensino
(ARANHA, 1996, apresentação).
102
O aluno enquanto sujeito do processo de ensino deve ser capaz de conhecer,
reconhecer e problematizar sentidos e significados através da reflexão crítica, da razão
comunicativa e intersubjetiva. O entendimento intersubjetivo é que produz consensos
provisórios que garantam a continuidade do processo de entendimento.
A aquisição de conhecimentos e a transformação destes conhecimentos em saberes
são dadas por meio de interações: professores-alunos e alunos-alunos. A visão de que o
professor passa seus conhecimentos para os alunos e esses absorvem os conhecimentos do
professor sem nenhuma reflexão e socialização é superada pela visão de aprendizagem que
dinamize a interação e, conseqüentemente a aprendizagem, uma vez que é na interação e em
sociedades comunicativas, que o aluno constrói, modifica, interpreta e enriquece significados.
É fundamental ao professor saber o que ensina, compreender como o conhecimento
se constrói historicamente e conhecer o processo de pensamento que os alunos realizam para
construir, proporcionando-lhes: aprender a aprender, aprender o conhecimento; aprender a
fazer, associando a teoria e a prática; aprender a viver e conviver e aprender a ser, cultivar-se,
conhecer suas deficiências e seus valores e os dos outros, mas, principalmente resolver
adequadamente as complexas situações que envolvem a vida planetária;
A complexidade do real, que subentende que tudo está ligado a tudo, exige uma
prática pedagógica que possibilite a compreensão da teia de relações existentes entre
todas as dimensões das coisas. Só a mentalidade de uma ciência una e múltipla, local
e global, singular e universal pode resultar numa ciência global (MARTINAZZO,
2004, p. 95).
Não se trata de buscar o conhecimento geral nem a teoria unitária, mas sim de
detectar as ligações, as articulações. Trata-se de recusar a simplificação abstrata, aprender a
aprender, num contexto que integre as ciências por meio de redes interdisciplinares. A
articulação do conhecimento, o diálogo entre os estudiosos é hoje, mais que nunca, uma
necessidade imperiosa diante do mundo ameaçado pelas conseqüências da fragmentação do
conhecimento. É o caminho da inter e da transdisciplinaridade irrecusável para quem pensa
responsavelmente o ser humano, a natureza, o mundo, a sociedade.
A escola não é uma unidade monolítica e espaço uniforme; é, antes, um
agrupamento de grupos, onde se situam, no cotidiano da vida escolar e de maneira
103
diferençada, os educadores e os educandos, no espaço-tempo particularizado de cada
sala de aula, ou melhor, de uma turma de alunos e de uma equipe de professores em
tarefa comum definida por determinado estágio das aprendizagens sistematizadas
(MARQUES, 2000, p. 107).
Torna-se urgente uma mudança de paradigma e uma reforma do pensamento dentro
deste novo contexto de modernidade e de globalização, pela visão abrangente e universal do
pensamento complexo levando-se em consideração os problemas da humanidade na era
planetária e principalmente pela substituição das relações de autoridade e poder atuais por
processos argumentativos que perseguem o consenso.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta formulada por Habermas no paradigma da linguagem e da comunicação
tem a intenção de repensar os rumos do paradigma da consciência ou do sujeito. Nesse último
o conhecimento obtido pela racionalidade é centrado no sujeito, baseado em ações cognitivo-
instrumentais, em que o sujeito é um pensador solitário com a finalidade de conhecer os
objetos por meio de uma racionalidade utilitarista do mundo, que orientou - e ainda orienta -
por muito tempo a compreensão de conhecimento e também o agir pedagógico.
No paradigma da comunicação o conhecimento é obtido pela racionalidade centrada
na comunicação por meio de entendimentos entre sujeitos dialógicos, intersubjetivos, baseado
em ações comunicativas, com o predomínio da liberdade de expressão, numa atitude de
reciprocidade, promovendo um saber histórico, dialético e contextualizado, ou seja, da razão
comunicativa. Na filosofia habermasiana a razão é intersubjetiva, com ações concretas,
dialógicas, concebidas mediante reflexões, compartilhamentos, consensos e entendimentos.
O conceito de racionalidade normalmente é visto em uma concepção estritamente
cognitiva. Habermas, ao estudar a epistemologia de Jean Piaget, reconheceu a evolução do
pensamento lógico e da razão como um processo de construção e de tomada de consciência e
iniciou seus estudos sobre a racionalidade fundamentada nessas concepções. Porém, vai além
desse pensamento, pois a razão, para Habermas, não envolve apenas a interação sujeito-
objeto, mas a capacidade de sujeitos utilizarem a linguagem numa razão dialógica, resgatando
o sujeito unificado, inseparável do mundo em que vive.
As várias concepções da busca do conhecimento que foram aqui apresentadas estão
vinculadas diretamente com as mudanças históricas, tanto na estrutura e organização das
sociedades, como nas transformações no interior da própria filosofia. Elas nos mostram que as
mudanças possuem causas e motivos que as explicam e que a cada uma delas surge a
necessidade de reformular estas concepções para que o saber possa realizar-se.
105
A Teoria da Ação Comunicativa é o ponto culminante do pensamento de Habermas,
principalmente no que se refere à reconstrução do pensamento moderno, tornando a
linguagem a sua categoria central, não negando as condições sociais, culturais, subjetivas e
históricas dos sujeitos.
Nesse sentido, a filosofia assume uma nova dimensão, não mais oferecendo um
conhecimento totalizador, definitivo. Não tem mais a pretensão de ser a guardiã do saber, de
prever o futuro e de dizer como esse futuro se tornará possível. A partir das concepções de
Habermas a filosofia mantém-se atrelada a uma noção mais ampla de racionalidade,
resgatando a sua unidade que foi reduzida e fragmentada pela visão reducionista do
conhecimento.
A procura da verdade permanece e se conserva como o valor mais alto a que aspira
ao conhecimento, porém nenhum sistema filosófico pode ser único e definitivo porque
nenhum esgota a realidade. A filosofia é a busca da verdade que nos desenvolve, nos liberta,
nos realiza e nos desafia a buscar o conhecimento dos nossos próprios sistemas de idéias,
concebidos na sua organização e no seu modo de ser específico, mas, especialmente, como
resultado de uma construção social que se desenvolve e se transforma ao longo do tempo por
meio das relações intersubjetivas.
Com sua teoria comunicativa de verdade, e com a idéia de uma validação discursiva
tanto para questões teóricas como para questões práticas, Habermas sugere um
quadro de referência que permite repensar, numa nova perspectiva, sua crítica do
conhecimento e sua crítica da cultura. É possível, por um lado, reexaminar a questão
dos interesses cognitivos, integrando-os numa moldura que nos levem a distinguir
questões relacionadas com a constituição transcendental dos objetos e questões
relacionadas com a validade do saber, e refletir sobre o próprio estatuto
epistemológico de uma teoria crítica, que se proponha a denunciar a comunicação
sistematicamente deformada e propor projetos alternativos de organização social; é
possível, por outro lado, aprofundar a crítica da ideologia e a da cultura
(ROUANET, 1989, p.299).
Se considerarmos a inexistência de verdades universais, os diálogos propostos por
Habermas serão sempre entre desiguais, intensificando, assim, a responsabilidade que cada
envolvido na comunicação deve assumir pelo desenvolvimento de sua racionalidade crítica e
comunicativa. A partir dessa compreensão é que o processo de uma educação emancipatória,
que vise o conhecimento, se viabiliza.
Numa época, como a que vivemos, surge com ênfase a discussão em torno dos
desencontros e controvérsias que marcam a história do século das grandes transformações
106
científicas, tecnológicas e, sobretudo, culturais. Situando-se a problemática em torno do
conhecimento responsável por essas transformações e se quisermos falar em solidariedade e
em autonomia, temos de voltar, então, à linguagem, não ao seu uso deformado para exercer
domínio e sim ao seu uso comunicativo, por atores sociais que pretendem se entender uns
com os outros sobre algo no mundo. Então, é justamente nesse contexto que Habermas torna-
se um autor de grande suporte teórico, histórico e filosófico para nos auxiliar a compreender
esse tempo de incertezas e desalentos em torno da ciência e do conhecimento.
Embora na teoria de Habermas não encontremos indicações explícitas que oriente a
organização da escola, a formação do educador, o agir pedagógico e a relação com o
educando, o tema da razão e a formação de sujeitos racionais são centrais para a educação. A
Teoria da Ação Comunicativa é fecunda por recuperar o potencial crítico emancipatório da
razão ancorada na linguagem.
Nessa perspectiva, Habermas nos leva a pensar numa educação fundamentada em
intercompreensões, num contexto histórico dialético, onde o conhecimento é construído na
multiplicidade de vozes que ali se encontram. O conhecimento não é transmissão, nem
conformação ao que está dado, mas um processo intersubjetivo que vise à construção de um
conhecimento provisório, alicerçado em consensos e entendimentos comunicativos.
A compreensão do conhecimento como construção histórica e de ações pedagógicas
compartilhadas, objetiva pensar a educação como interação, numa racionalidade permanente,
concreta e solidária, compartilhada no mundo da vida. O mundo da vida tem um papel
constitutivo nos processos de entendimento, entendimento esse não puramente verbal, mas
existencial, na medida em que resguarda a unidade dos participantes da comunicação.
O agir pedagógico alicerçado em ações comunicativas é uma fonte inspiradora de
reflexões em torno de questões educacionais, que necessariamente nos remetem ao mundo
vivido, no qual o emprego da linguagem é fundamental para o entendimento compartilhado,
abrangendo simultaneamente o mundo objetivo, social e subjetivo dos envolvidos. Para
Habermas (1987b), o saber e o conhecimento são resultados de uma comunicação
compartilhada pelas estruturas simbólicas do mundo da vida: cultura, sociedade e
personalidade.
Com essas explicitações de conceitos do mundo da vida, Habermas nos oferece bases
norteadoras para o agir pedagógico, considerando a escola como um espaço para as ações
comunicativas, de interações, no qual os sujeitos trazem de seus mundos da vida experiências
107
e vivências que lhes são próprias. A constituição do mundo da vida dos sujeitos em interação
é que deverá orientar as ações pedagógicas de forma consciente, conservando e renovando os
conteúdos culturais mais significativos.
Necessitamos considerar também que a escola, como instituição burocrática, está
mais voltada ao mundo do sistema, na medida em que o dinheiro, o poder, o autoritarismo, a
burocratização ou monetarização regem as ações escolares e dominam os espaços do mundo
da vida.
A escola, em particular, e a educação, em geral, não estão conseguindo na esfera
social e cultural revalidar os valores e as normas vigentes do mundo da vida, pois o mundo
sistêmico está invadindo e se apropriando desses espaços. Na medida em que o currículo
programático, o tempo, o espaço, a reprodução material, o dinheiro e o poder tornam-se
concepções funcionalistas primordiais para a sociedade e para o conhecimento, torna-se
urgente o que Habermas (1987b), denomina de “descolonização do mundo da vida”.
Essas atitudes, para Habermas (1987b, p. 409), são “[...] uma ameaça à liberdade
pedagógica e a iniciativa dos professores”. Para que o mundo do sistema não colonize o
mundo da vida, a ação pedagógica não necessita, não deve e nem tem condições de
desprender-se do sistema. Perante essas ameaças, Habermas (1887b), propõe uma articulação
entre esses espaços do mundo da vida e sistema, onde ambos, em interações e entendimentos
lingüísticos, possam conviver pacificamente. Somente quando recuperarmos o terreno do
mundo vivido perdido para o mundo sistêmico será possível uma ação comunicativa
acreditando, conforme Freitag (1988, p. 63), em recuperar “[...] os momentos de racionalidade
comunicativa soterrados, esquecidos ou não lembrados”.
podemos conceber educação escolar de qualidade que se preocupe com
aprendizagem e não somente com ensino, quando a ação pedagógica for fundamentada para
entender o que acontece em sala de aula, para compreender os processos cognitivos dos seus
alunos, para que haja diálogo e religação de saberes, intersubjetividades,
interdisciplinaridades, e que permitam uma reflexão sobre essas ações, apontando-lhes
sentidos, ou seja, como escreve Marques (1994, p. 548): “vital hoje não é apenas aprender,
não é apenas reaprender, mas sim, reorganizar o nosso sistema mental para reaprender a
aprender”.
108
Os professores precisam saber sobre si, sobre a sua formação, as suas práticas, suas
relações, sobre seus alunos, sobre suas motivações internas e estímulos externos, envolvendo-
se num processo de transformação e reconstrução permanente.
Se repensarmos esse sujeito, na ação educativa, podemos entender que:
[...] no ato educativo, não basta a tomada de consciência e a crítica individual, mas,
sim, a promoção de uma consciência que se articula com os diversos discursos, com
as diversas culturas, que busca uma responsabilidade conjunta, além das
consciências individuais. É uma consciência que se torna intersubjetiva (PRESTES,
1996, p. 116).
É necessário que os sujeitos envolvidos na comunicação transcendam a visão de
mundo que possuem e reflitam sobre os pressupostos que sustentam suas objetivações, pois
elas podem ser falsas. Não é porque um saber é lingüisticamente elaborado e
intersubjetivamente obtido que se torna verdadeiro. O objetivo da educação fundamentada no
agir comunicativo é o de colocar o conhecimento, a cada instante, sob julgamento para
verificar a possibilidade de manutenção e seus critérios de validação. Isso significa repolitizar
o saber e recolocá-lo a julgamento, pois “[...] somente permitindo o questionamento
permanente dos saberes é que a educação podecontribuir para a inovação do conhecimento
e ajudar no aperfeiçoamento das vivências sociais” (MÜHL, 2003, p. 302).
Pensar o ser e o fazer pedagógicos e relacionar os sujeitos envolvidos no processo
educativo através da mediação dos conhecimentos do mundo da vida com os conteúdos a
serem desenvolvidos na interação entre professores e alunos no cotidiano da sala de aula
podem representar uma resposta significativa e viável para as inquietações que constituem o
processo pedagógico.
Assim, acreditamos na possibilidade de uma ação comunicativa na escola,
demonstrando como Habermas, conforme Freitag (1988, p. 65), “[...] uma inquebrantável
na capacidade do aprendizado dos sistemas sócio-culturais modernos, que ajustam seus
mecanismos de autocontrole e auto-orientação de acordo com os graus de complexidade e
diferenciações atingidos”.
Contudo, a educação e o conhecimento à luz de uma racionalidade comunicativa se
concretizarão, somente, pela mudança de visão e concepções de verdades epistemológicas
tradicionalmente constituídas na ação pedagógica. Ampliando essas concepções na
compreensão de que o conhecimento se efetiva pela competência cognitiva, pelo diálogo, pelo
109
consenso e entendimento, pela possibilidade de troca, pela reflexão intersubjetiva, respeitando
as diferenças e partilhando o mundo vivido, na compreensão histórica dos acontecimentos em
seu contexto social, político e cultural.
Nesta perspectiva entendemos que é necessário que se construa, no interior da sala de
aula, uma racionalidade vista como um processo permanente, concreto, compartilhado e
solidário com a pluralidade de vozes que ali se encontram, fundamentada em ações
comunicativas. Como um lugar em que todos sabem, todos trazem consigo experiências de
um mundo da vida que devem ser partilhadas, para se chegar a um conhecimento que nunca
será completo e definitivo, mas sempre provisório e relativo pautado em negociações e
entendimentos comunicativos compartilhados intersubjetivamente.
110
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