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João Pessoa
UNIVERSIDADE FEDERAL
DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIA
S
HUMANAS, LETRAS E A
RTES
PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO
LINGUAGEM E ENSINO
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MESTRANDO:
PLÍNIO ROGENES DE FR
ANÇA DIAS
ORIENTADOR:
PROF. DR. JOSÉ HÉLDE
R PINHEIRO ALVES
JOÃO PESSOA
MAIO DE 2007
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1
PLÍNIO ROGENES DE FR
ANÇA DIAS
A RECEPÇÃO DE MANUEL BANDEIRA NA SALA DE AUL
A:
Entre a fragmentação de poemas e a libertação do lirismo
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal da Paraíba, como
requisito parcial para a obtenção do título de
mestre em Letras.
Área de C
oncentração: Linguagem e Ensino.
Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro
Alves.
JOÃO PESSOA
MAIO DE 2007
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2
D541r Dias, Plínio Rogenes de França.
A recepção de Manuel Bandeira na sala de
aula: entre a fragmentação de poemas e a
libertação do lirismo / Plínio Rogenes de França
Dias.
João Pessoa, 2
007.
140 p.
Orientador: José Hélder Pinheiro Alves
Dissertação (mestrado) UFPB/CCHLA
1.
Literatura brasileira. 2. Poesia
Manuel
Bandeira. 3. Literatura
ensino
UFPB/BC
CDU: 821.134.3(81)(043)
3
4
Dedico esta pesquisa e toda minha formação
aos educandos, ra
zão de ser do meu trabalho
e condição de existência do meu sonho por
um mundo melhor.
Dedico meus esforços e orgulho de minhas
vitórias à lembrança daqueles que não
podem participar materialmente delas hoje:
meu pai, Francisco das Chagas Cavalcante
Dias,
e meu irmão, Ronald França Dias.
Dedico minha vocação à minha mãe, Maria
Anízia de França, que me ensinou o sublime
e a doação.
Dedico o que sou a quem me completa:
Clédia Inês Matos Veras
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Gonzaguinha pois sinto sua poesia em mim: E aprendi que se depende sempre
de tanta muita diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras
tantas pessoas
(in Pessoa = pessoas).
É impossível, para mim, reconhecer tudo o que aprendi e com quem aprendi nesses anos d
e
formação humana e formação pedagógica. Porém, tento aqui fazer, ora fácil, ora leve, um
esforço de agradecimento àqueles e àquelas que carrego dentro de mim como verdadeiros
tesouros para a vida:
Agradeço a meus familiares, queridos e de quem tenho muitas saudades: meus avós,
padrinhos, tios e primos, além de sogro, sogra e cunhados. Família grande, do tamanho da
minha felicidade quando estou com ela.
Agradeço a meus amigos de vida e de consolos, que muitas vezes estiveram ao meu lado
contra tudo e contra
todos.
Agradeço aos meus novos amigos, construídos e aprendidos no dia-a-dia da pós-
graduação:
Vlader e Fabíola; Josivaldo, Hildênia, Edvânea, Brígida, Fábio e Moama; Zonda, Fanka,
Bernardina e Andréia.
Agradeço a vocês, professores, que um dia me ensinaram e/ ou hoje são meus companheiros
de trabalho: Profa. Leoneide; profa. Priscila; Prof. Frâncio; Prof. Alfredo Codevilla; Prof.
Antônio; Prof. Pedro Nunes e companheiros do fazer pedagógico cotidiano, principalmente
ao prof. Túlio, pelo espaço e grande apoio no momento crucial; Tia Áurea; Profa. Arminda
Serpa; Profa. Maria Luíza Amorim; Profa. Lena Espíndola; e, especialmente, meu professor-
pai, Prof. Morais.
Ao PPGL e aos professores que compartilharam sua sabedoria comigo nesse período do
mestrado: Profa. Elisalva Madruga Dantas; Prof. Diógenes Maciel; Profa. Ana Cristina
Marinho Lúcio; Profa. Genilda Azeredo; Profa. Wilma Mendonça e Profa. Fátima Batista.
Agradeço de coração, a vocês, professores, que aceitaram me avaliar, na qualificação e na
defesa, e que souberam e saberão reconhecer com sinceridade em meu texto as falhas e as
qualidades que me farão crescer, Profa. Genilda Azeredo; Profa. Marta Nóbrega; Profa.
Socorro Barbosa e Prof. Humberto Hermenegildo de Araújo.
Agradeço a você, excelente profes
sor Hélder Pinheiro, meu orientador e já um grande amigo,
homem em que pesam o diálogo, a simplicidade e a compreensão, e cuja voz faz com que eu
acredite que a poesia ainda pode fazer diferença na humanidade.
Agradeço a você, Clédia, minha amada, minha am
iga e minha amante, companheira de tantas
realidades diárias e que constrói comigo uma realidade cada dia mais feliz, porque me
mostra que o sonho pode ser real! Por me dar esperança e também porque cedo ou tarde vai
enriquecer minha existência com os filh
os!
Agradeço à senhora, mãe, porque é o meu espelho e sou o seu espelho. Porque a senhora é
tudo que sou e tudo que serei. Porque um dia poderiam faltar todas as coisas na minha vida e
uma única coisa me sustentaria: o seu amor por mim, e o meu orgulho de
ti!
Agradeço a Deus por tudo isso que acima agradeci, e mais nada preciso dizer, porque no
absoluto amor, palavras não se pronunciam...
6
Terás então de ler doutra maneira, Como, Não serve
a mesma para todos, cada um inventa a sua, a que
lhe for própria, quem leve a vida inteira a ler sem
nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam
pegados à página, não percebem que as palavras são
apenas pedras postas a atravessar a corrente de um
rio, se estão ali é para que possamos chegar à outra
margem, a outra margem é que importa, A não ser, A
não ser, quê, A não ser que esses tais rios não tenham
duas margens, mas muitas, que cada pessoa que
seja, ela, a sua própria margem, e que seja sua, e
apenas sua, a margem a que
terá de chegar...
José Saramago. In: A Caverna. (p. 76)
7
RESUMO
Com a presente dissertação, venho discutir teorias e práticas que fazem parte do
cotidiano pedagógico da disciplina literatura em salas de aula do ensino médio.
Contextualizando a minha realidade dentro de escola particular, procuro refletir sobre
questões que perpassam a práxis de professores e estudiosos. O problema central de
todo este trabalho diz respeito à aplicabilidade do conteúdo de história da literatura na
formação de leitores pela escola. A partir da identificação dos problemas que
envolvem a metodologia e o currículo no ensino médio, focalizo a fragmentação do
texto poético como um dos problemas mais graves do nosso trabalho. Esse problema se
manifesta sobretudo nos livros didáticos e demonstra o caráter de pura informatividade
com que a disciplina vem sendo administrada. Daí que faço um estudo de caso sobre
um livro didático, analisando a abordagem que ele faz de um poeta que compõe o
cânone literário brasileiro
Manuel Bandeira. Mostro, com uma interpretação dos
poemas Os Sapos e Poética , que a história da literatura se constrói a partir da
leitura e não necessariamente das informações prévias que os livros didáticos veiculam
sobre o autor e seu contexto. Essa idéia se confirmou na aplicação dos poemas em
salas de aula de terceiro e de primeiro ano, nas quais utilizo uma abordagem
recepcional com estratégias diferentes de apresentação dos textos aos jovens leitores.
PALAVRAS
-CHAVE: Ensino de literatura; Livro didático; Poesia de Manuel Bandeira;
Fragmentação.
8
ABSTRACT
Through
this dissertation, I hope to discuss the theories and practices that are involved in the daily
pedagogical exercises of Literature in the secondary school classroom. Contextualizing my reality
insi
de a high school classroom, I try to reflect on questions as far as teachers and scholars are
concerned. The main problem of this work is on the applicability of the history of literature in the
formation of readers by the school. From the moment the problem involving methodology and the
high school curriculum was identified, focusing on the fragmentation of poetic texts as one of the
most serious problems in our work. This problem is clearly demonstrated in didactic books and
demonstrates the character of pure informativity with which this discipline is being administrated.
This is the main reason as to why this case studies on a didactic book, analyzing its approach
towards a poet, the Brazilian literary canon
Manuel Bandeira. I am trying to show through the
interpretation of the poems Os Sapos and Poética , that the history of literature is constructed
through the practice of reading, but not necessarily from the previous information on the author and
his context. This idea is confirmed through the application of poems in classrooms of the first and
the third years, where I use a receptive approach with different text presentation strategies to young
readers.
KEYWORDS:
literature teaching; didactic book; lyric poetry of Manuel Bandeira;
fragmentat
ion.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
.............................................................................................................
10
1º CAPÍTULO
LITERATURA E ESCOLA: UMA PRÁTICA
ENTRE TEORIAS
.............................
15
1.1. As vozes da leitura literária e a história da literatura na prática escolar
.....................................16
1.2. A estranha voz crista
lizada
..........................................................................................................29
1.3. A recepção e o efeito da leitura e da história da literatura
..........................................................37
2º CAPÍTULO
A
LEITURA DE MANUEL BANDEIRA ENTRE A FRAGMENTAÇÃO E A
LIBERTAÇÃO DO LIRISM
O
......................................................................................
48
2.1. Lendo Manuel Bandeira. Libertando o lirismo.
..........................................................................49
2.2. Marginalizando do texto o que está retratado no texto como marginal.
.....................................59
2.3. O sorriso e a exclusão da sociedade na história da literatura
......................................................65
3º CAPÍTULO
POSSIBILIDADES E LIM
ITES
...................................................................................
71
3.1. No espaço instituído
....................................................................................................................72
3.
2. Outro espaço. Outras leituras
......................................................................................................84
3.2.1. Identificação e ruptura com o Horizonte de Expectativas
...................................................86
3.2.2. O retorno da histor
icidade e as barreiras da metalinguagem
.............................................100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
......................................................................................
110
REFERÊNCIAS BIBLIOGR
ÁFICAS
........................................................................
115
ANEXOS
.....................................................................................................................
120
Anexo 1: Plano de Aplicação Didática
-
3º ano do Ensino Médio
..............................................121
Anexo 2: Mat
erial didático extraído do livro
Português (Faraco & Moura)
-
Série Novo Ensino
Médio.
..........................................................................................................................................122
Anexo 3: Plano de Aplicação Didática
-
1º ano do Ensino Médio
..............................................125
Anexo 4: Antologia aplicada ao 1º ano do Ensino Médio
...........................................................126
Anexo 5: Questão proposta em prova de 1º ano sobre Poética
...................................................130
Anexo 6: Registros avaliativos de alunos do 1º ano sobre
Poética,
destacando sua desaprovação
porque o poema apresenta linguagem difícil
...............................................................................131
Anexo 7: Registros avaliativo
s de alunos do 1º ano sobre
Poética,
destacando sua desaprovação
porque discordam da opinião do poeta/eu
-
lírico
..........................................................................132
Anexo 8: Registros avaliativos de alunos do 1º ano sobre
Poética,
destacando
sua desaprovação
porque preferem formas tradicionais de versificação
..................................................................134
Anexo 9: Registros avaliativos de alunos do 1º ano sobre
Poética,
destacando sua aprovação do
poema
...........................................................................................................................................135
Anexo 10: Registros avaliativos de alunos do 1º ano sobre
Poética,
destacando respostas
originais sobre o poema
...............................................................................................................137
Anexo 11: Registros avalia
tivos de alunos do 1º ano sobre
Poética,
destacando a má interpretação
das idéias
......................................................................................................................................139
10
INTRODUÇÃO
Trabalho numa escola particular de grande porte da cidade de João Pessoa -
PB. Ensino especificamente literatura para oito turmas de primeira série do Ensino
Médio. Em nossa escola, o aluno tem contato com essa disciplina na oitava série do
Ensino Fundamental e, além disso,
assiste
a aulas específicas para interpretação de
texto, aulas estas que s
ão
mais voltadas para o estudo das obras do vestibular. Situo
minha realidade
escolar
por julgá-la importante na definição dos problemas que
direcionam este trabalho como relato de experiência e como teorização para o ensino
.
Além do que, como ressalta Maria Célia Ribeiro da Silva, destacando a importância da
observação do contexto para a construção de pesquisas em literatura e ensino:
Pode
-se começar a definir a experiência com o texto literário
(re)conhecendo a situação concreta em que vivem aluno e professor-
pesquisador. No caso do aluno, interessa investigar qual a natureza do meio
social em que vive, qual a sua procedência econômica, que imaginário ou
expectativas guarda em relação à aula de literatura ou, em especial, ao
texto literário em si, que dificuldades apresenta na qualidade de leito
r
iniciante desse tipo de texto
(2003, p. 127).
Dentro da realidade descrita e assim como qualquer professor
,
vivenci
o
vários
problemas que interferem sobre minha prática de maneira peculiar, entre eles
:
uma aparente
falta de sintonia ent
re
as avaliações
e a
s expectativas dos alunos; o pouco
relacionamento entre os professores até dentro da própria disciplina (indo à direção
oposta à interdisciplinaridade); a pouca leitura
.
Quando escutados, os
jovens
manifestam suas próprias angústias
.
Em
alguns
casos, alunos de boa participação chegam a dizer: estudei bastante, passei em todas as
matérias e não consegui passar na prova de Literatura . É claro que afirmações como
estas assustam qualquer professor preocupado com o rendimento de seu trabalho. Para
alguns, seria mais fácil seguir o senso comum e afirmar categoricamente que esses
11
jovens de hoje não querem mais estudar, passam o dia brincando ou batendo papo na
internet
e nem querem se interessar por ler . Para questionar, em parte, tais postu
ras,
farei aqui um cotejamento de dados, levantados por questionário e observação
participante
, que discutirão o problema da leitura nessa realidade
e,
em seguida,
buscarei aprofundar a discussão
através do cruzamento de teorias sobre o livro didático
e
os
estudos da recepção da obra literária
.
Ao escutar dos meus alunos alguns dos comentários como o
citado
mais
acima, procuro explicar, em linhas gerais, que aprender literatura requer mais do que
somente o gesto de estudar o livro didático ou anotações de c
aderno.
Isso seria
entender nosso trabalho como o de gestores de informação . E é isso que se critica na
esco
la tradicional: o seu caráter de transmissão de conteúdos. A aprendizagem da
Literatura exige mais: exige leitura, como um ato indispensável ao vi
ver em sociedade.
E leitura literária, por sua vez, não acontece sem um exercício mental de interpretação,
realizado lado a lado com o estímulo sensorial à experiência com os dramas humanos
representados no texto
.
No dizer de Janilto Andrade:
A relação le
itor
-
texto artístico dá
origem a uma experiência cognitiva cuja discussão envolve, de um lado, a vivência
prazerosa do sujeito, do outro, a capacidade criativa da palavra na obra
(2001, p. 14).
Daí que, em sala de aula, várias vezes escuto comentários como
ele
viaja
demais . Na comunidade que meus alunos criaram sobre mim, no
site
de
relacionamentos
Orkut
, perguntada sobre o que gosta em meu trabalho
,
uma aluna
afirma
: as viagens mirabolantes que ele consegue fazer tentando encontrar
explicação para a
queles poemas toscos
1
.
A aluna afirma gostar das viagens , mas está claramente expresso o seu
desgosto pelos poemas. Não me contenta, então, que alunos gostem de uma ou outra
aula e não gostem do texto literário. E ainda me questiono: se realizo viagens
1
O comentário pode ser acessado no endereço eletrônico:
http://www.orkut.com/community.aspx?cmm=5242161
. são vários professores homenageados ou criticados
nas comunidades do
Orkut
. Acredito que não devemos ignorar essa realidade e que, direta ou indiretamente, pode
indicar
variad
as
representações e
relações entre professores e alunos.
12
mirabolantes , estarei extrapolando os limites interpretativos do poema? Ou por outra
percepção: se interpreto os poemas de acordo com os seus sentidos permitidos, o que
falta para meus alunos acompanharem essa interpretação? E, além do mais: Será que
est
ou fechando para os alunos o espaço para eles próprios interpretarem? Ou será que
eles (alguns ou vários, mas nunca todos) não querem concretizar, através do
esforço
e
da
sensibilidade
, alguma interpretação sobre os textos que lhes são apresentados?
Essas
questões têm apontado para a existência de um grande choque que
perpassa o ensino de literatura
e que
diz respeito às diferenças entre o
modo de leitura
dos estudantes e a aplicabilidade dos conteúdos de ensino de literatura. Os dados
numéricos e as falas dos alunos que reproduzirei aqui nos apontarão para essa
dicotomia.
o decorrer dos passos de nossa pesquisa procurará discutir a necessidade
de revisão de ambos. Ou seja, é preciso focalizar o problema n
a
composição
curricular (1º capítulo)
e na
formaçã
o
do aluno
(3º capítulo)
.
Daí que uma categoria fundamental desta pesquisa se baseie na
fragmentação do texto poético. Se o conteúdo da disciplina se pauta nessa
configuração do seu objeto de estudo mais elementar, o que se espera que o aluno
apreenda? A resposta mais imediata que podemos aferir é
informação
. É por isso que
o nosso olhar se volta para a formação do leitor nesse contexto. Sem a efetiva vivência
com o texto literário, haverá experiência estética na formação dos nossos alunos?
Concordamos com Luiz Percival Leme Britto quando este questiona o caráter
informativo das práticas leitoras na formação efetiva de leitores:
Não se pretende
(...)
sugerir que tais práticas leitoras não produzam
conhecimento, mas sim que o conhecimento que produzem é ess
encialmente
aceitação de uma representação de mundo em que as coisas são
naturalmente como são (
2001, p. 88).
As atividades que s
er
ão aqui detalhadas na tentativa de
discutir
essas
questões
têm exigido um referencial que privilegie a recepção. Nesse caso, procurei
realizar
uma aproximação dos dados colhidos com interpretações baseadas na teoria da
estética da recepção e nos debates entre literatura, ensino e história.
13
No primeiro capítulo, percorro teorias e práticas que cercam nossa atividade
para quest
io
nar o estatuto da disciplina literatura e sua principal vertente no ensino,
qual seja, a história da l
iteratura.
Procur
o definir uma posição dialética dentro de uma
dicotomia
entre
a
afirmação ou
a
negação desse conteúdo no e
nsino
médio. O caminho
aqui
ado
tado
observa as vozes implicadas na aula de literatura (do aluno, a minha, a da
escola, do livro didático, dos Parâmetros Curriculares Nacionais) através da
observação participante para chegar a uma construção teórica com a estética da
recepção
.
A respeito desse paradigma teórico, o percurso metodológico desta pesquisa
evidenciou, durante o seu correr, uma questão, a meu ver, pouco discutida sobre
metodologia de pesquisa em literatura e ensino: não foram de todo claras (pelo menos
para mim) as diferenças entre método de
pesquisa
, método de
aplicação
em sala de
aula
e método de análise dos poemas
.
No caso deste trabalho, as
proposi
ções da
chamada Escola de Constança
contribuíram mais fortemente como método de
pesquisa
e de análise das falas dos sujeitos da sala de aula, pela possibilidade que ela
abre
para
compreender a
s
elaborações
do leitor
sobre
a obra literária.
Essas elaborações permitem analisar o problema da história da literatura de
vários pontos de vista,
cada um se evidenciando em uma parte diferen
te deste trabalho.
No segundo capítulo, realizo, a partir da análise literária,
um
a percepção, na
leitura, dos prejuízos da apresentação fragmentada de
poema
s pelos livros didáticos.
Para isso, foi estabelecido um recorte de um autor (Manuel Bandeira) no livro didático
adotado na escola em que leciono. Os poemas em destaque
Poética
e
Os Sapos
permit
em
uma interpretação que exige do jovem leitor mais do que as informações
prévias (de natureza historicista) que os livros didáticos comumente oferecem
.
Porém,
os mesmos textos evidenciam a necessidade de um recorte histórico para uma efetiva
leitura literária.
Essa necessidade também se apresenta na aplicação dos poemas
n
as aulas do
ensino médio. A experiência foi vivenciada em turmas de terceiro ano, o q
ue
obedece
u
ao critério lógico do currículo instituído, que o Modernismo e, especificamente,
14
Manuel Bandeira são assuntos vistos comumente nessa etapa do ensino. Como
contraponto às conclusões dessa aplicação, experiment
e
i apresentar os mesmos poem
as
e
outros do mesmo autor a turmas de primeiro ano do ensino médio, verificando a
diferença na produção de sentidos que pode ocorrer que este público ainda não foi
oficialmente submetido ao discurso historicista tradicional das escolas e estilos de
época.
Além disso, procurava realizar, em caráter laboratorial, uma proposta curricular
mais atual, que procura colocar como primeiro plano no ensino de Literatura o estudo
dos diferentes gêneros literários.
Assim, a observação participante, o estudo teórico, a análise literária e a
aplicação de poemas em sala de aula podem nos levar a revisões de posturas didáticas
e
à re
formulação
do componente curricular da história da literatura como não menos
importante que qualquer outro conteúdo a ser ministrado durante o ensino médio. Na
verdade, sua significância acabou revelando
-
se no
método
, e não no
produto
.
15
1º CAPÍTULO
LITERATURA E ESCOLA:
UMA PRÁTICA ENTRE TEORIAS
A enciclopédia que pai e filha acabam de abrir
sobre a mesa da cozinha foi considerada a melhor
na época da sua publicação, enquanto hoje
poderá servir para indagar em saberes fora de uso
ou que, nessa altura, estavam ainda a articular as
suas primeiras e duvidosas sílabas. Colocadas em
fila, uma após outra, as enciclopédias de hoje,
de
ontem e de transantontem representam imagens
sucessivas de mundos paralisados, gestos
interrompidos no seu movimento, palavras à
procura do seu último ou penúltimo sentido. As
enciclopédias são como cicloramas imutáveis,
máquinas de mostrar prodigiosas cujos carretes se
bloquearam
e exibem com uma espécie de maníaca
fixidez uma paisagem que, assim condenada a ser
só, para todo o sempre, aquilo que tinha sido, se
irá tornando ao mesmo tempo mais velha, mais
caduca e mais desnecessária.
José Saramago.
A
Caverna
(p
.
7
4)
16
1.1.
A
s vozes da l
eitura
literária e a h
istória da
l
iteratura na prática escolar
Se a reflexão de José Saramago, epígrafe deste capítulo, puder ser postulada
como verdade, o saber que as enciclopédias carregam será sempre considerado
con
sumível e, em conseqüência, passageiro, datado. Dentro deste raciocínio, toda
leitura, como conhecimento de uma realidade, apesar de acumulável, de ser sempre
alvo da ação do tempo, podendo ver reduzida, mais cedo ou mais tarde, a sua
significância para
as futuras gerações?
Apesar de os saberes e a realidade humana serem completamente mutáveis
de acordo com a história e as distâncias, a modalidade discursiva a que chamamos
L
iteratura
parece ser a mais capacitada a realizar um diálogo entre duas pessoas
totalmente separadas pelos séculos e séculos. Mesmo composta de linguagem também
mutável, alguma coisa nela se perpetua e, vez por outra, reencanta um novo leitor,
descobridor descoberto de um mundo que não é o real, mas que, paradoxalmente, lhe
revela a re
alidade.
Eu creio nisso. E acredito que esse reencantamento, essa descoberta, se
revela, também vez por outra, nas nossas salas de aula, desde que sejam dadas as
condições necessárias a esse fenômeno. Uma forma de proporcionar isso é a
priorização do ato da leitura em si. Leitura essa que muitas vezes carece de motivação.
Um nome que se a uma das formas de
ssa
motivação é
prazer
. Mas se a escola
precisa priorizar o acúmulo do saber, até porque essa parece ser sua condição sine qua
non
? o saber corre o risco de se chocar com o prazer, representados na Antigüidade
por Apolo e por Dionísio, respectivamente. Na dúvida, a sociedade (optou por ser
apolínea) fica com o saber, marginalizando
a dimensão dionisíaca da aprendizagem.
Marisa Lajolo e
Regina
Z
ilber
man
(2003), sobre o espaço dos interesses do
leitor no ensino, afirmam que raras vezes as leituras que produzem prazer circulam
em ambiente sancionado, como a escola
(p. 219). Segundo a estética da recepção,
principal
suporte
teórico deste trabalho, e
ssa
desconsideração do leitor é muito própria
das sociedades autoritárias
:
17
O método recepcional é estranho à escola brasileira, em que a preocupação
com o ponto de vista do leitor não é parte da tradição. Via de regra, os
estudos literários nela têm se dedicado à exploração de textos e de sua
contextualização espaço-temporal, num eixo positivista. O relativismo de
interpretação e, portanto, de leitura não é tópico de consideração no âmbito
acadêmico, o que se explica pela tendência ao autoritarismo da própria
cultura brasileira, que
endeusa
seus expoentes, temerosa de expô-los à
crítica (BORDINI e AGUIAR, 1987, p. 81, grifo nosso).
A valorização da voz dos jovens leitores, nossos alunos, requer posturas
teórico
-metodológicas diferenciadas. De acordo com as idéias acima expostas,
considerar esse sujeito é também reavaliar toda a postura positivista
de conhecimento e
vivenciar um novo fazer pedagógico, fundado sobretudo num dialogismo que respeite
a voz do educando, permitindo que eu possa aprender com ele e
faze
ndo eu me
reconstruir todo dia como aprendiz, pois ensinar exige consciência do inacabamento
(FREIRE,
1996, p. 50)
.
No caso da literatura enquanto disciplina escolar (saber que se funda num
pouco reconhecido prazer), temos uma organização curricular engessada em modelos
persistentes desde o século XIX, em que a história das condições de produção artísticas
é o foco principal. Em muitas de nossas escolas de Ensino Médio, é comum haver um
professor específico para Literatura. Normalmente, seu plano de conte
údo
(e, de certa
forma,
o meu também) para todas as séries se resume em estudar exclusivamente as
escolas
literárias
, sintetizando-as em contexto de época
,
principais características da
escola
e principais autores. Essa organização encontra eco em vários vestibulares e se
resume nos livros didáticos. Nessa repetição de uma metodologia tradicional, o que
está sendo priorizado é a transmissão de conteúdos, mas não necessariamente a
produção de saberes, muito menos a construção de sentidos e menos ainda a refl
exão
sobre a natureza humana e suas pulsões.
Essa situação caoticamente estável (antítese proposital) do ensino de
Literatura se insere
, no Brasil,
num contexto de desaparelhamento e mercantilização do
conhecimento. Como nos informa Lígia Chiappini:
Essa
separação entre aulas de redação, de gramática e de literatura começa a
ficar marcada na escola pós-1970, havendo, inclusive, profissionais
18
diferentes para dar essas coisas todas. Paradoxalmente, elas se misturam
num livro só. No manual, pega
-
se um texto l
iterário e, a partir dele, começa
-
se a fazer exercícios gramaticais. É preciso, pois, refletir sobre o aparente
paradoxo que se instaura aí (2005, p.114).
O quadro de desagregação disciplinar descrito se agrava ainda mais pela
destituição do ensino de filosofia e sociologia da escola básica. Quer dizer, para os
centros de poder que recrudesceram com a ditadura militar, um pensamento humanista
e interdisciplinar não é necessário à formação para esta sociedade. Essa exclusão da
filosofia se manteve até os dias atuais, quando, depois de muitos debates e um veto do
presidente Fernando Henrique Cardoso em 2001, foi finalmente reinstituída pelo
governo Lula em 2004, mas ainda num contexto de cada vez maior mercantilização do
conhecimento
, autorizado pela Lei d
e Diretrizes e Bases de 1996
.
As tentativas de integrar a um currículo moderno (que a economia neo-
liberal pretende como qualificador para o mercado de trabalho) os paradigmas de
pensamento que muitas vezes são confundidos como tradicionais por vezes têm
gerado
dissensos que chegam ao professor da escola básica como modelos sazonais. Ou seja, a
grande discussão de modelos teóricos que se deve aplicar ao ensino gera, muitas vezes,
o pensamento de que a teoria é uma coisa, a prática é totalmente outra . Fica, de fato,
a muitos
professor
es
a sensação de que,
na dúvida, é melhor deixar como está .
O estabelecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais a partir de 1996
tem sido uma tentativa de dialogar essa necessidade de mudança a partir de uma
proposta c
ol
etiva, nacional, que democratize o conhecimento. E, para o Ensino Médio,
o primeiro foco
foi
a proposta de agrupamento das disciplinas vinculadas à língua
portuguesa:
A disciplina na LDB nº 5.692/71 vinha dicotomizada em Língua e Literatura
(com ênfase na literatura brasileira). A divisão repercutiu na organização
curricular: a separação entre gramática, estudos literários e redação. Os
livros didáticos, em geral, e mesmo os vestibulares, reproduziram o modelo
de divisão. Muitas escolas mantêm professores especialistas para cada tema
e até mesmo aulas específicas como se leitura/literatura, estudos
gramaticais e produção de texto não tivessem relação entre si. Presenciamos
situações em que o caderno do aluno era assim dividido (
PCN
s, 2002, p.
138).
19
Conc
ord
o com a perspectiva de reagrupamento da disciplina e, muito
me
incomodo com a instituição de aulas específicas também para interpretação de texto,
muitas vezes voltadas para o vestibular. Quer dizer, agora Literatura é uma coisa e
Interpretação de texto é outra?
2
Porém, aquela versão dos PCNs propôs o
agrupam
ento
de
todas as atividades
de
língua, literatura e produção textual como um conjunto único
de trabalho com a linguagem, desconsiderando as
especificidades
de ambas
.
Decorre
disso o nosso pouco estranhamento para com as conclusões drásticas que são feitas
sobre
o conteúdo de história da Literatura:
A história da literatura costuma ser o foco da compreensão do texto; uma
história que nem sempre corresponde ao texto que lhe serve de exemplo. O
conce
ito de texto literário é discutível. Machado de Assis é literatura, Paulo
Co
e
lho não. Por quê? As explicações não fazem sentido para o aluno.
Outra situação de sala de aula pode ser mencionada. Solicitamos que alunos
separassem de um bloco de textos, que iam desde poemas de Pessoa e
Drummond até contas de telefone e cartas de banco, textos literários e não-
literários, de acordo como são definidos. Um dos grupos não fez qualquer
separação. Questionados, os alunos responderam : Todos são não-
literários,
por
que servem apenas para fazer exercícios na escola. E Drummond?
Respond
eram: Drummond é literato, porque vocês afirmam que é, eu não
concordo. Acho ele um chato. Por que Ramalho não é literatura? Ambos
são poetas, não é verdade? (op cit., p. 138)
De
fato, é natural que nossos alunos não compreendam porque os textos que
lhes atraem não podem ser considerados sob um critério de valoração estética. É que
tal valor, muitas vezes, também é
des
considerado na composição de nossas aulas.
Ficamos com o que é tido como certo e que foi estabelecido pelos críticos (outras
vozes,
quase
nunca as nossas) como o cânone literário brasileiro . Até mesmo a não-
leitura desses textos como fuga do trabalho árduo tem acontecido com freqüência nas
salas de aula. É comum, por exemplo, ver professores qualificarem Camões como o
maior escritor de nossa língua, mas poucos realmente leram a obra que o consagrou
Os Lusíadas. Daí que também não nos espantamos com a proposta conclusiva d
os
PCNs
de 1996
:
2
Já aludimos a essa situação em nossa escola na int
rodução, mas ela volta aqui como uma realidade que ressalta
a fragmentação que queremos atacar.
20
Os conteúdos tradicionais de ensino de língua, ou seja, nomenclatura
gramatical e história da literatura, são deslocados para um segundo plano. O
estudo da gramática passa a ser uma estratégia para
compreensão/interpretação/produção de textos e a literatura integra
-
se à área
de lei
tura (p. 17).
Como vemos, várias posições teóricas apontam para uma crise disciplinar
dos conteúdos de Literatura. Elas explicitam a visão de que o cânone literário se
apresenta como uma instituição anacrônica e ilógica, pois se concentra em gêneros
que,
pouco aproximados da realidade dos jovens, não lhes fazem sentido . Fica a
impressão da necessidade de uma revisão crítica
(...)
do cânone literário estabelecido
(JAUSS, 1974, p. 40).
Realmente, entre os dados que levant
ei
sobre os interesses de leitura de
meus
alunos através de um questionário, certos gêneros literários ficam extremamente
estigmatizados. Como podemos perceber pelo quadro a seguir:
Preferência por gênero:
3
Pergunta:
Qual Gênero literário mais atrai a sua atenção?
Gênero:
Recorrência
romance policial / suspense
66
romance romântico / amoroso
43
crônicas
27
contos
19
peças teatrais
10
poesia
9
outros tipos de romance
7
romance histórico
4
auto
-
ajuda / romance espírita
2
filosofia
1
Foram
inquiridos
96 alunos de duas turmas de primeiro ano do Ensino
Médio
, tomadas de forma aleatória. É notável o exacerbado gosto pelo gênero
romance, qualquer que seja sua espécie e tema, como também é notável a pouca
atratividade pela poesia ou mesmo a peça teatral. Mas desses dados questiono qual a
representação que é feita para o jovem leitor e, conseqüentemente, por ele, sobre o que
3
Para esta pergunta, os jovens podiam marcar mais de uma resposta entre as opções que iam desde o romance
policial até a poesia. Os itens que se situam ao fim da tabela foram de respostas próprias dos alunos que não
foram contemplados pelas opções disponíveis.
21
é poesia ou
dramaturgia
. Lembro-me de meu próprio caso, que tive de ouvir
comentários preconceituosos e gracejos de amigos quando, na adolescência, tentei
part
icipar de um grupo de teatro e de poesia. Diziam-me muitas vezes que aquilo era
atividade de efeminados (para usar uma expressão branda que não chega a ser
metade da grosseria dos termos reais).
Desse modo, quando muitos adolescentes dizem que não gostam de poesia e
preferem romances, cumpre entender como se forma (ou de-forma) esse gosto.
Influências, convivência familiar, realidade sócio-cultural e sentimentos suscitados
pela leitura são categorias muito difíceis de serem mapeadas. Numa tentativa de
con
struir um registro aproximado dessas dimensões, venho propo
ndo
aos
meus
alunos
um projeto em que eles apresentem aos colegas as leituras que estejam fazendo fora
das obrigações escolares. Entre as perguntas de um questionário
aplicado
durante esse
processo
, uma desejava fazer uma lista de, pelo menos, três livros que os entrevistados
têm pretensão de ler. As dez obras mais desejadas foram, pela quantidade de vezes
citadas:
Lista de interesse:
4
Pergunta:
Você pode citar três livros que tem interesse
de ler?
Livro
autor
Recorrência
O Código Da Vinci
Dan Brown
26
Assassinatos na Academia Brasileira de Letras
Jô Soares
9
O diário da Princesa
Mag Cabot
8
O Senhor dos Anéis
J R R Tolkien
7
Harry Potter
H G Rowling
6
O Homem que Matou Getúlio Var
gas
Jô Soares
6
Senhora
José de Alencar
6
Fortaleza Digital
Dan Brown
5
O mundo de Sofia
Jostein Gaarden
5
Silmarillion
J R R Tolkien
5
Muito tem a dizer esta lista. A começar pela ruptura com uma opinião que se
tem de que o aluno tem medo de volume , pois algumas das obras aí citadas possuem
4
A lista completa consta, para os 96 jovens, de 113 obras referidas entre os mais variados tipos de leitura, o que
configura um amplo painel de variação de Literatura que, por inúmeras questões, a escola dificilmente terá
condições de conhecer.
22
mais de 400 páginas, o que é considerado extenso para uma maioria dos leitores. Mas o
que interessa nesse recorte é mais exatamente a capacidade de influência que tem a
leitura de um jovem sobre outros. Os livros que na lista estão em negrito foram
comentados em sala dentro do projeto de comentários sobre as leituras extra-
escolares.
Até estaríamos trabalhando para evidenciar apenas o óbvio, se não fosse a presença
do romance
Senhora
, de José de Alencar. Mesmo sendo tão canônico quanto o papa,
ele foi apresentado por uma aluna por volta do mês de maio e veio a constituir o
interesse de alguns no mês de agosto, época em que foi aplicado o questionário.
Eis aí, finalmente, uma esperança de diálogo, em que uma obra que se
constitui cristalizada no saber escolarizado pode ser bem recebida pelos leitores que
muitas vezes priorizam os
best
-
sellers
? Vejamos
isso
como um sinal, um dado que
encontra ecos na tabela a seguir, que ilustra os livros mais citados como preferidos
pelos alunos questionados:
Livro da preferência dos sujeitos
5
Pergunta:
Até hoje, qual livro você pode considerar como seu preferido?
Ele foi lido por indicação da escola ou por leitura independente?
Livro
autor
tipo
Recorrência
Harry Potter
H G Rowling
independente
10
O Senhor dos Anéis
J R R Tolkien
independente
8
O Código Da Vinci
Dan Brown
independente
7
Dom Casmurro
Machado de Assis
4escolar/1independente
5
O Escaravelho do Diabo
Lúcia M. de Almeida
escolar
4
A Escrava I
saura
Bernardo Guimarães
1independente/1escolar
3
Comédias para se Ler na Escola
Luís Fernando Veríssimo
escolar
3
Iracema
José de Alencar
escolar
3
Menino de engenho
José Lins do Rego
escolar
3
O guarani
José de Alencar
independente/escola
3
O Pequen
o Príncipe
Saint
-
Exupèry
indep. 2 /esc. 1
3
Pollyana
Eleanor H. Porter
3
Senhora
José de Alencar
2independente/1escolar
3
No quadro estão d
estaca
das
as obras tidas como canônicas, dentre as quais
a liderança de Machado de Assis, que mesmo podendo ter sido lido através de uma
5
Harry Potter é o preferido da moçada, mas a lista consta de 67 obras citadas pelos 96 sujeitos. Poucos alunos
listaram mais de uma obra e logo abaixo dessa lista
dos
treze mais vêm, entre outros: Capitães de Areia
,
Odisséia
,
Olhai os Lírios do Campo
,
Fogo Morto, etc. É bem verdade que algumas dessas obras possam ser
adaptações.
23
adaptação, o prazer pela história narrada é que acabou se evidenciando. Não é o caso
de
concordar aqui (e, sobretudo, para o Ensino Médio não se deve concordar) com a
adoção das adaptações, mas o que se pode esperar é que o jovem, ao travar contato
com o texto original no seu percurso de leitor, tenha um horizonte de expectativa
sobre a obra.
A partir desses dados, podemos recontextualizar as questões que os geraram:
a voz do leitor deve ser ouvida e deve constituir uma preocupação no momento de
elaboração do plano de ensino. Mas antes que este discurso se revele
cegamente
a
favor
da perspectiva que coloca prioridade sobre os interesses do jovem, como
defendido
na primeira versão dos PCNs, é preciso ressaltar que o que se
quer
desconstruir
não é uma disciplina, mas sim a forma antidialógica como ela se constitui
no currículo escolar. Imposta e normatizada, a história da literatura não tem condições
de
produz
ir
efeito estético no leitor que não possua um horizonte de expectativas sobre
qualquer texto literário. Por outro lado, os próprios autores da primeira versão dos
Parâmetros defendem a importância da transdisciplinaridade para os estudos de
linguagem (BRASIL, 2002
, p.16). Como, portanto, deixar de observar as relações entre
linguagem literária e história humana?
Neste ponto, portanto, é preciso realizar uma diferenciação básica: história
da literatura como conteúdo tradicional de literatura não é necessariamente o none
literário . Este é pautado numa série histórica de recepções que o consagram e o
ressignificam nas várias épocas. Dessa forma, Machado de Assis é literatura sim,
não porque alguém disse que é, mitificando-o, mas porque uma série de leitores
(i
nclusive
vários de meus alunos)
6
, pautados em critérios estéticos e ideológicos
diferenciados, o elegem como referencial.
Essas idéias se ancoram na teoria da estética da recepção, sobretudo com
Hans Robert Jauss, o mesmo estudioso
citado
mais acima e que, naquele contexto,
falava em revisão do cânone . Mas essa revisão se pauta na idéia de que a qualidade
6
Gosto muito de exemplificar uma aluna que tive ano passado. Apaixonada por José de Ale
ncar, até então ela já
havia lido
O Guarani
, no original, cerca de dezessete vezes.
24
estética não se resume em termos de processo ou evolução, mas renova seus efeitos à
medida que sua importância (da obra) cresce ou diminui no tempo, determinando a
revisão das épocas passadas em relação à percepção suscitada por ela no presente
(ZILBERMAN, 1989, p. 37). Assim, determinados autores podem ser desconsiderados
ou reconsiderados a cada geração, numa interação que
varia
através da representação
da realidade concreta a partir da realidade metafórica do te
xto literário.
O que é preciso considerar, de acordo com essas afirmações, é que, no ato da
leitura
l
iterári
a, o leitor coloca-se historicamente em diálogo com outros leitores, à
medida que os juízos estéticos são diferenciados a cada época. A interpretaçã
o da obra,
dessa maneira, se ancora na percepção estética e no diálogo histórico ao mesmo tempo.
Posto que a história passa a ser vista de forma viva e ativada pela consciência de que
histórico não é o que passou, mas o que ficou na consciência do leitor (BOSI, 2002,
p.53).
Decorre daí uma série de imbricações que nos aproximam de outras
dicotomias. Uma forte questão que se coloca para o ensino, por exemplo, é o problema
do conteúdo. Taxada de conteudista, a escola tradicional brasileira (incluindo muitas
particulares preparadoras para o vestibular) reclama a ausência de materialidade (falta
de assunto) num modelo moderno de educação. De fato,
tanto
as tendência
s
pedagógicas
liberais, quanto a construtivista, a sócio-interacionista e a libertadora não
se con
centra
m no o
que
, mas no
como
se deve ensinar. Ou seja: sem esquecer o
conteúdo, importa mais o método
com o qual o s
ujeito
debruça
-
se sobre ele.
No caso da história literária, a escola tradicional lhe considera como a única
abordagem concreta (objetiva e
mensurável
) para o ensino de literatura. Desse modo, a
historiografia positivista serve de apoio a um modelo pedagógico viciado em fórmulas
e informatividade sem reflexão. Ocorre uma espécie de
mitificação
do texto tido como
canônico
, que é chamado assim sem questionamento. Por outro lado, algumas
das
idéias
que orientam a primeira versão dos PC
NEM
relativizam a concepção de texto
literário
,
propondo
uma espécie de
ritualização
do processo de leitura.
25
De acordo com essa perspectiva, o aluno-leitor passa a ter voz sobre o que
seja o fenômeno literário, pois na seleção de textos, a sua opinião passa a ser
considerada
. Porém, se para esse aluno, a seleção textual
for
apenas aquilo que não se
confronta com seu horizonte de expectativas, a leitura não estará co
ntribuindo
satisfatoriamente com a sua formação
. Como Bordini e Aguiar muito bem discutem:
Se a obra corrobora o sistema de valores e normas do leitor, o horizonte de
expectativas desse permanece inalterado e sua posição psicológica é de
conforto. Não admira que a literatura de massas, pré-fabricada, para
satisfazer a concepção que o leitor tem do mundo dentro uma certa classe
social, alcance altos níveis de aceitabilidade. Por outro lado, obras literárias
que desafiam a compreensão, por se afastarem do que é esperado e
admissível pelo leitor, freqüentemente o repelem, ao exigirem um esforço de
interação demasiado conflitivo com seu sistema de referências vitais.
Todavia, a obra emancipatória perdura mais no tempo do que a
conformadora, devendo haver uma justificação para o investimento de
energias na comunicaçã
o que estabelece com o sujeito (1987, p. 84).
Dessa maneira, as atividades de estímulo à leitura devem visar à criação do
horizonte de expectativa em torno de uma obra, como motivação. Porém, a leitura da
obra em si deve se constituir como ruptura desse horizonte de expectativa para o
posterior estabelecimento de um novo horizonte, numa atividade em que o leitor está
em processo de diálogo cada vez mais profundo com o texto. Se essa ruptura não
aconte
cer, não haverá, portanto, uma renovação do seu horizonte de expectativas e,
dessa maneira, o aprendizado da leitura pode não se concretizar como
em
um
processo
.
Daí, não podemos nos deixar enganar pelo virtuoso discurso de que é
preciso ouvir a voz do aluno , ou de que o aluno deve encontrar prazer ao ler o texto
literário . Se a dimensão prática dessa perspectiva for a de facilitar ou simplificar o
discurso literário com adaptações e recontextualizações que manifestem uma
simplificação da linguagem, a leitura literária acontecerá
em
fragmentos
. E os
mesmos preconceitos que se afirma de que os historicistas tradicionais pratiquem tanto,
também estarão sendo cometidos p
elos defensores
da leitura como processo.
26
Felizmente, uma nova versão dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio já tem procurado revisar as posturas anteriores de apagamento dos
conteúdos tradicionais de literatura, sem necessariamente desconsiderar todos os
aspectos
d
aquela proposta.
Segundo esse novo documento:
Nesse mundo dominado pela mercadoria, colocam-se as artes inventando
alegriazinha , isto é, como meio de educação da sensibilidade; como meio
de atingir um conhecimento tão importante quanto o científico
embora se
faça por outros caminhos; como meio de pôr em quest
ão (fazendo
-
se crítica,
pois) o que parece ser ocorrência/decorrência natural; como meio de
transcender o simplesmente dado, mediante o gozo da liberdade que a
fruição estética permite; como meio de acesso a um conhecimento que
objetivamente não se pode mensurar; como meio, sobretudo, de
humanização do homem coisificado: esses são alguns dos papéis reservados
às artes, de cuja apropriação todos m direito. Diríamos mesmo que m
mais direito aqueles que têm sido, por um mecanismo ideologicamente
pervers
o, sistematicamente mais expropriados de tantos direitos, entre eles
até o de pensar por si mesmos
(BRASIL, 2006, p. 52
-3
, grifos nossos
).
Dessa
forma, colocar os conteúdos de literatura (sejam eles tradicionais ou
não) em um segundo plano significa a possibilidade de excluir do jovem o seu direito
ao pensamento livre e ao acesso ao patrimônio cultural historicamente construído e que
é, também, uma das
inportantes
fontes de reflexão sobre o Brasil e nossa formação
enquanto sociedade. Negar essa possibilidade do trabalho com a Literatura em nome
do argumento de que o aluno não tem prazer com o cânone literário (seja porque é
obrigado a
receber
esse conhecimento, seja porque está aparentemente distante de sua
realidade),
é não aceitar a idéia de que o prazer estético é propriedade inseparável do
esforço intelectual, além de não aceitar a capacidade do fenômeno literário de
aproximar pessoas tão distantes na linha do tempo
. E se o aluno ainda não percebe essa
relação, a culpa não é necessariamente de um ou outro escritor ou poeta secular, mas
do processo de mediação entre o texto desse autor e o jovem leitor.
Vejamos, como dado representativo, como se posicionam os alunos quando
o assunto é ler por obrigação. Perguntamos: Como você se comporta ao ter de ler um
27
livro por obrigação?
7
Pergunta para a qual registramos que cerca de 43% de alunos
lêem quando são obrigados, mas não gostam do que estão lendo. Outros 40%
afirmaram ler sem se interessar pela obrigação. Os outros alunos (menos de 18%)
responderam que só lêem se forem obrigados e/ou que sentem muita dificuldade
quando têm de ler qualquer coisa por obrigação. Esses números mostram uma visão de
mundo pautada na necessidade da maioria de aprender pelo prazer, que, muitas
vezes, os alunos se manifestam cansados dos mesmos modelos de trabalho dos
repetidos anos pela escola (SOUSA, 2005, p. 5).
Ocorre, porém, que a dimensão do prazer na leitura, mesmo que precise ser
entendido como essencial, também esconde suas falácias. Nas palavras de Hélder
Pinheiro: prazer quando descobertas de sentidos e só há descoberta de
sentidos quando somos capazes, diante da obra, de nos emocionarmos, nos irritarmos,
nos incomodarmos, enfim, ficarmos inquietos (PINHEIRO, 2001, p. 22). Idéias que
corroboram a nova versão d
os Parâmetro
s
Curriculares Nacionais:
Estamos entendendo por experiência literária o contato efetivo com o texto.
assim será possível experimentar a sensação de estranhamento que a
elaboração peculiar do texto literário, pelo uso incomum de linguagem,
consegue produzir no leitor, o qual, por sua vez, estimulado, contribui com
sua própria visão de mundo para a fruição estética. A experiência construída
a partir dessa troca de significados possibilita, pois, a ampliação de
horizontes, o questionamento do já dado, o encontro da sensibilidade, a
reflexão, enfim, um tipo de conhecimento diferente do científico, que
objetivamente não pode ser medido. O prazer estético é, então,
compreendido aqui como conhecimento, participação, fruição (op cit., p.
55).
Id
entifiquemos a presença da inquietação e fruição na representação de uma
aluna sobre o romance
O Seminarista
, de Bernardo Guimarães:
O Seminarista é um livro que você olha e não dá muito por ele não, mas eu
sei que é uma história bem massa. É a história d
e Eugênio e Margarida. Eles
viviam no interior de Minas e eles foram sempre criados juntos. O pai de
Eugênio era dono de uma fazenda e Margarida morava no arredor dessa
fazenda. Eles cresceram como amigos, dividiam uma porção de coisas... era
7
E vale ressaltar que
obrigação
é outro equívoco quando se pensa no esforço. Ler por obrigação realmente
demanda uma dificuldade, mas não necessariamente toda dificuldade
de leitura advém dessa obrigação. Podemos
ter prazer ao ler um livro obrigatório, e podemos detestar um livro lido por conta própria.
28
como se fosse irmãos. aconteceu um dia um episódio em que, numa
festa, numa festa dessas de interior, uma cobra... uma jibóia pegou e se
enroscou em Margarida. Eles tinham uns seis anos. Eugênio ficou
apreensivo, ficou desesperado, imagina: a irmãzinha dele ameaçada por
uma cobra... ficou gritando. Quando os pais deles chegaram e viram a
cobra ao redor dela e não sabiam o que fazer: se faziam movimento e a
cobra picava ela ou se tentava tirar a cobra e ela podia atacar alguém. A mãe
dela começou a ficar de
se
sperada, quase desmaiou e ela ficou
brincando com a cobra até que a cobra se cansou, se cansou dela e foi
embora. Nisso a mãe de Eugênio ficou preocupada com aquilo, porque ela
acreditava muito em superstição e ela pensou: não alguma coisa erra
da
com essa menina... uma cobra ... e ela pensou logo no conto de Adão e Eva,
da serpente...e passou o tempo todo assim... E então eles foram crescendo,
ele saiu de casa pra estudar na cidade mais próxima... e foi passando... Até
que um dia ... a mãe dele era muito católica, ela avisou que ia mandar ele
para o seminário pra virar padre. Ele pegou e... certo ... gostava muito
daquilo e quando chegou a hora ele ficou com muito, muito, muito, muita
depressão, porque eles iam se separar. que quando ele chegou no
seminário ele gostou muito, só que ele fazia poemas assim... como criança...
poeminha besta... dedicados para Margarida, assim com um sentimento
fraternal. um dia um padre pegou encontrou os poemas, disse
esculhambação, disse que o menino não prestava, que ele era falso, que ele
soubesse o que era realmente o que era que ele queria da vida dele. Aí,
fizeram um estardalhaço tão grande, tão grande, que ele era um menino que
não podia ser um padre apaixonado, que ele acabou se apaixonando por el
a.
ele volta e ... começa... cada vez se apaixonando mais, o tempo vai
passando e ele volta pra lá. Depois de muitos anos e ele que realmente
tão apaixonados. começa a se encontrar às escondidas... Ele mente, ele
chega a mentir pro pai, dizendo visitar um doente e vai pra casa dela. os
pais descobrem e empurram Margarida para um outro cara. Aí inventam que
Margarida se casou. ele volta pro seminário... ele entra em depressão...
ele fica muito triste a ponto de morrer. o tempo foi passando e ele foi
crescendo até que ele... agora vira padre e chega na cidade para virar padre.
Mas eu também não posso contar o final dessa história porque tem graça
se você ler o livro (BALBÚRDIOS NA SALA, PEDIDOS PARA QUE
ELA CONTE). Mas assim ninguém dá nada pelo livro. Eu passei um mês
pra ler o livro, mas quando comecei a ler, não deu vontade de parar.
(PALMAS)
Percebemos logo pelo início da fala que o romance
surpreend
e
a leitora, pois
ela
não esperava muito dele . Isso, por si só, representa um horizonte de
expectativas rompido para dar lugar a outra representação sobre o texto. Vemos, aí, um
texto ser tomado em sua relação de prazer com a leitora para, conseqüentemente,
instalar
-se como referencial e ativado pelas significações históricas. Também po
demos
perceber a dificuldade em transpor os limites da linguagem à medida que foi gasto um
29
longo tempo para a leitura, o que representa uma
ação
que superou percalços para
construir sentidos.
Destaque
-se ainda que a leitora percebe uma matriz do romance que seria a
inocência (mesmo que sem uma enunciação acentuada
)
com
que o amor surge nas
atitudes ingênuas das personagens. Como também os percalços desse amor aparecem
nas interpretações de quem não se considera ingênuo na história (a mãe, o padre).
Assim,
apesar do fato da obra lida estar historicamente distante da leitora,
representar um momento da tradição literária brasileira e não possuir uma linguagem
plenamente acessível aos leitores do século XXI, houve uma confirmação do cânone
pela jovem, o que de t
odo modo faz
o valor estético do texto ressoar por novas épocas.
Mas se a experiência com o texto literário for intermediada por um suporte
facilitador? Ou então, se a vivência ocorrer através do livro didático que apresenta o
texto em fragmentos para just
ificar
um
a simples informatividade da
história
da
literatura? Se o suporte do texto muda? Se a linguagem ali expressa muda de contexto
com finalidades outras? E que finalidades são essas? Discutiremos esses aspectos a
seguir.
1
.2. A estranha voz cristalizada
Em 1965, Osman Lins publicava alguns dos primeiros importantes trabalhos
analíticos sobre a composição das obras didáticas de língua portuguesa em circulação
no Brasil, preocupado principalmente com os aspectos da concepção sobre o cânone
literário brasileiro e a abordagem crítica feita aos escritores de até então. Na obra
Do
Ideal e Da Glória: Problemas Inculturais Brasileiros (1977), reúnem-se vários artigos
de crítica à composição dos volumes, à desvalorização do escritor, à (de-) formação do
profe
ssor, à situação caótica da leitura no Brasil (inclusive na universidade) e aos
interesses editoriais na manipulação e adoção dos títulos.
30
Reflexo de uma sociedade que ainda não encontrou a democracia, o ensino
de nossa literatura até hoje enfrenta tais problemas, revelando a atualidade das idéias
de Osman Lins. Dizia o escritor que os autores de livros didáticos não lêem a nossa
literatura contemporânea; que os mesmos estabelecem precários juízos de valor quando
se referem mesmo a autores consagrados; que as ilustrações e a forma como esses
autores se dirigem ao estudante configuram a natureza desse livro como um bem de
consumo; daí que Osman alerta para a perigosa visão do aluno como consumidor,
nunca necessariamente pensado como um leitor real e, inclusive, um pensador em
potencial da cultura brasileira (mais um ângulo de essencialidade dos estudos
literários). E arremata:
Todos os brasileiros que ultrapassam os primeiros anos de escola passam
anos às voltas com os seus manuais de Comunicação e Expressão; e
dificilmente, vê-se pela amostra, terão a sorte de estudar em compêndios
feitos com inteligência, sensibilidade, respeito, zelo e, principalmente, por
mestres que conheçam e amem a nossa literatura. Note-se que, para a
imensa maioria dos alunos, como escrevia, são esses textos os primeiros e
até, às vezes, os únicos que vêm a conhecer. Pode ser, não discuto, que esses
livros ensinem Português com eficiência. Mas os que neles estudam,
fatalmente, a não ser por um milagre, passarão a considerar a literatura, esse
importante produto do espírito humano, como algo desprezível e secundário.
E se tal situação não for modificada, seremos, até o fim dos tempos, um
povo avesso à leitura, continuando a ignorar, como ignora, os seus próprios
escritores.
Um povo surdo à sua própria alma (LINS, 1977, p. 143-
4,
grifo nosso).
Nesses últimos quarenta anos, em que uma espécie de encantamento com
a redemocratização e globalização, o ensino de língua assistiu a uma espécie de
modernização, em que aqueles erros outrora descritos são cada vez mais execráveis.
Professores parecem ter uma formação mais teórica e o acesso à leitura se amplia com
a internet. A disciplina agora se chama
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
, como
vimos
. Existe um maior controle, inclusive governamental, dos livros didáticos que
circulam, no sentido de reprová-los em suas informações de ordem cientificamente
ultrapassadas ou mesmo ideologicamente irresponsáveis. Contudo, os meios de
manipulação econômica do saber continuam se desenvolvendo de v
ento em popa.
31
O livro não deixou de ser objeto do consumo, agora com seus autores e
editores aproveitando-se da avaliação governamental para estampar em suas capas
propagandas como de acordo com os PCN , ou altamente recomendável - PNLD .
Como forma de, muitas vezes, se esquivar da avaliação dos órgãos governamentais, ou
mesmo lucrar mais com esse produto, muitas instituições de ensino adotam o sistema
de apostilas, tornando muito difícil uma observação crítica do trabalho didático e dos
efeitos desses ma
teriais.
Paralelamente, assiste-se, como há já muito tempo, a uma enxurrada de
propostas teóricas que alugam os espaços das salas de aula, como um desfile de moda
(LIMA, 1981), em que cada grife se autodenomina aplicável do ponto de vista
metodológico.
T
rata
-
se, como vimos, de algumas
idéias
que orientam
a primeira versão
dos PCNEM
, chega
ndo
mesmo a desconhecer a importância da literatura para o ensino
e a formação do povo brasileiro, defendendo uma prioridade da leitura de todos os
gêneros de circulação social, pela perspectiva da língua em uso . Perspectiva que
também se aplica à literatura, mas esta normalmente acaba sendo mal-vista e até
entendida como atividade de iniciados e diletantes. Nesse caso, ocorreu uma
simplifica
ção
ou até mesmo redu
ção
da linguagem literária à mera manipulação de
enunciados em sentido conotativo. De acordo com Socorro
Barbosa
:
Uma última observação sobre a Denotação/Conotação diz respeito ao fato
de que a maneira como se encontra discriminada nos PCNEM+ (2002) é
idêntica àquela com que os autores dos LD costumam utilizá-la. Chamada a
auxiliar no conceito do que seja a linguagem literária, a conotação deixa de
ser utilizada nas análises e compreensão dos textos da literatura e passa a se
constituir como matéria de memorização. Eis porque, a literatura deve ser
compreendida como processo de interação social, linguagem estruturada
sobre relações sociais, que materializam simbolicamente aspectos históricos,
culturais e psicológicos, dos sujeitos participantes dessa prática soci
al
(VILAR, 2004, p. 120
-
1).
Muitas podem ser as posturas sobre
esses
problema
s
da Literatura no ensino,
mas
enquanto a
academia
se digladia em teorias muitas vezes importadas ou mal
interpretadas (LIMA, op cit.), os nossos estudantes continuam
a consumir
o
conhecimento e a leitura de acordo
com
interesses comerciais e editoriais. Continuam
32
se deparando com livros que mudaram na forma, se modernizaram nas informações,
mas, por insólito que pareça, como profetizava Osman Lins, continuam não formando
leitores
. Principalmente leitores literários.
Nosso trabalho consiste em analisar apenas um aspecto dessa não-
formação:
a fragmentação do texto literário por esses compêndios, discutindo como sua
informatividade continua superficial, atendendo a interesses mercantis e, por vezes,
autoritários.
De acordo com Cyana Leahy
-
Dios:
Os conteúdos nos livros didáticos geralmente são organizados em unidades
menores de controle do tempo; assim, espera-se evitar o desperdício de
informações a serem dominadas . Com isso, professores são levados a crer
que fragmentos e retalhos de informação literária disfarçados como
conhecimento literário, do tipo que enche as páginas dos livros didáticos de
literatura, é tudo o que realmente interessa, de modo a alcançar o fim maior,
que é
o maior número de aprovações no
s
vestibulares. A prática docente dos
fragmentos e retalhos, vista abertamente nas salas de aula inglesas,
assume
na escola brasileira, a forma de poemas esparsos, fragmentos de jornal,
excertos de contos adicionados aos prog
ramas
(
LEAHY
-DIOS, 2004, p.
170)
.
Pela reflexão da autora, o problema da fragmentação não é apenas da
realidade brasileira. No ensino britânico, mais pautado pela tradição, o conteúdo
história da literatura também é fortemente visto como informação.
Dessa
forma, o
texto literário deve ser um exemplo, uma ilustração do estilo de um autor. E esse autor
deve ser considerado um modelo a ser seguido, se não no comportamento, pelo menos
nas idéias. I
déias
estas que acabam sendo, ainda por cima, vistas sob a forma de uma
cadeia evolutiva e temporal, mas não necessariamente
histórica
. Recorremos
novamente a Socorro
Barbosa
:
Neste trabalho de arrolar todos os autores que aqui produziram ao longo de
quinhentos anos de história, criou-se uma exigência de tomar a abor
dagem
dos textos no sentido diacrônico. Talvez por termos uma história tão curta, a
tradição dos estudos da literatura brasileira obriga os alunos do Ensino
Médio a tomarem conhecimento da existência de autores e títulos de
algumas obras que ele só chega a
conhecer através de pequenos trechos,
descontextualizados de suas condições de produção. Se em qualquer ato
de linguagem, o objetivo principal é a produção de sentido, ler um texto
literário, como qualquer outro, deve portanto incluir o leitor na produção
desse sentido. Isso significa retirar os estudos literários dos sentidos
33
previamente dados, como os que são apresentados pela História da
Literatura e sua classificação em escolas literárias (VILAR, op cit. p. 124-5,
grifo nosso).
Dessa forma, para o texto literário ser histórico, ele precisa se realizar junto
a uma
recepção
, um leitor, que o atualiza no que ele possuir de mais dialógico para os
variados momentos históricos. É o que é preciso fazer, por exemplo, com os textos de
Osman Lins: exercitar o olhar sobre suas percepções mais radicais, observando a força
do que elas têm de novo. É por isso que, em literatura, o
novo
não é necessariamente
contemporâneo, mas é, sobretudo, radical
. De acordo com Luiz Costa Lima:
A permanência do objeto estético está diretamente ligada à variabilidade da
sua recepção. A obra que é permanente permanece diferenciando-se. O que
nela se mantém é o homem captado no seu cleo, a que ela acompanha no
seu devir com ele também se transformando (1969, p. 33).
Cabe aqui um diálogo e ao mesmo tempo retomada: quando Osman Lins
falava que a ausência da literatura em nossa formação é um caso de surdez, afirmando
que nós somos um povo surdo à sua própria alma , não estava buscando defender o
que Costa Lima ressalta ao falar do homem captado no seu núcleo ? Daí que não
podemos nos contentar com posturas didáticas superficiais sobre o texto literário. Nem
tampouco com propostas metodológicas simplificadoras da importância dessa leitura.
Os textos significativos da literatura brasileira nos surgem como essenciais pelo seu
poder de construção da identidade deste povo, porque naqueles é que podemos nos
ver representados.
Portanto, em se tratando de ensino de literatura, nossa atenção deve ser
redobrada sobre a informatividade superficial dos livros didáticos. Como bem
salientava Socorro
Barbosa
em sua afirmação anterior, o texto literário é visto
descontextualizado e em trechos, ocasionando em uma
sacralização
do texto e do
autor para o aluno, sobretudo do Ensino Médio, que às vezes por não entender porque
tal autor é reverenciado, não consegue produzir mínima simpatia por sua produção.
Assim, não é raro encontrarmos os autores mais citados dos livros didáticos (Machado
de Assis e José de Alencar na ficção; Carlos Drummond de Andrade e
Manuel
34
Bandeira na poesia) sendo considerados como os mais chatos entre muitos alunos.
Porém não podemos atribuir uma responsabilidade dessa fragmentação superficial
so
mente ao conteúdo de história da literatura. É preciso, de fato, repensá-lo, mas não
excluí
-lo. A nova versão dos PCNEM comenta os pontos positivos e negativos dessa
articulação do conteúdo:
Podem
-se destacar alguns pontos positivos e simultaneamente negativos da
adoção da história da Literatura no ensino tal qual se tem cristalizado: 1.
res
olve o problema da seleção de obras, pois constitui um
corpus
de
fi
nido e
nacionalmente instituído, mas elimina as peculiaridades regionais; 2. resolve
o problema da falta de preparação e de conhecimento literário que possa
existir entre os professores, que esses lidam com a reprodução de uma
crítica institucionalizada, porém esse procedimento impede o professor de
ser ele próprio um leitor crítico e estabelecer suas próprias hipóteses de
leitura para abraçar as investidas mais livres de seus alunos na leitura; 3.
permite cobrir um tempo extenso, numa linha que vai do século XII ao
século XXI, destacando momentos reconhecidos da tradição literária, porém
tal extensão torna-se matéria para simplesmente decorar, e características
barrocas, românticas, naturalistas, etc. confundem-se freneticamente, sem
nada ensinar; 4. permite tomar
conhecimento
de um grande número de
títulos e autores, mas, em virtude da quantidade e variedade, a leitura do
livro é inviabilizada e entendida como secundária; e 5. permite ao aluno o
reconhecimento de características comuns a um grande número de obras,
porém obriga a obra a se ajustar às peculiaridades da crítica e não o
contrário
(2006, p. 76)
.
Como forma de aproveitamento, a História da Literatura permite uma forma
ampla de abordagem do conjunto literário da sociedade, mas de fato, da forma como
vem sendo trabalhada, não nos ajuda a formar leitores, simplifica a maioria dos textos
e conduz a uma visão
harmônica
das características de estilo e de ideologia dos
autores. Mas
é
bom
pergunta
r
se esse prejuízo estaria mesmo no conteúdo. Na verdade,
o que vemos como prejudicial talvez se encontre nos portadores e expositores
do
conteúdo
(o livro, a escola, as avaliações, o professor). Se adotássemos, por exemplo,
uma antologia com um mínimo de poemas e trechos de romances, contos e peças de
vários
d
os
significativos
autores nacionais e regionais, estaríamos negando ao aluno a
possibilidade de construir seus próprios sentidos sobre o texto, reduzindo essa
literatura?
35
Pensamos que é possível ver o texto literário em seu contexto histórico, sim.
Concordamos com a nova versão dos Parâmetros de que é preciso reverter a ordem
e
deixar
o estudo das condições de produção subordinado à apreensão do discurso
literário
(op. Cit., p. 77). Porém, acreditamos que devemos começar desconstruindo o
manual didático, esse antilivro, mal necessário
8
. Nas palavras de Lígia Chiappini:
uma ilusão enciclopédica de que ele pode conter todo o saber, de que a pessoa, lendo
aquele livro, não precisa buscar outros. Um livro para fazer isso, para colocar o saber
ao alcance da mão, tem que comprimir, diluir, homogeneizar, congelar,
desistoricizar
o saber
(2005, p. 111
-
2, grifo nosso).
Esse, o contexto histórico que determina as condições concretas do nosso
traba
lho. É ele a que recorremos para analisar a realidade de nossa experiência.
Comecemos por procurar os textos no livro didático adotado pela escola em que
lecion
o. Utilizo aqui alguns critérios estabelecidos em trabalho anterior (DIAS, 2004)
sobre o modo co
mo o manual apresenta e aborda o texto literário.
O aspecto geral do livro, de autoria dos professores Carlos Faraco e
Francisco Moura (2001), é a abordagem, em volume único, de Gramática, Literatura e
Redação, mas com foco central nas informações literárias. Deve-se dizer
informações porque é essa a prioridade do livro. Informar ao estudante a presença de
determinados autores e obras da nossa literatura, bem como mostrar alguns textos ou
trechos representativos desses autores. Curiosamente ao contrário dos livros de ensino
fundamental
, é natural que o texto em verso apareça com mais freqüência do que o em
prosa, pela sua extensão e, muitas vezes, possibilidades de interpretação que podem ser
discutidas no espaço de tempo de uma aula. Busquemos os poemas.
Através de um critério de apresentação, observamos que o manual
concentra
-se em apresentar
um
poema ou trecho de cada poeta até o século XIX,
ampliando esse número quando o conteúdo toca o modernismo. Essa é uma tendência
comum em livros didáticos, o que revela uma atitude de privilégio para com certos
8
Instrumento de uma política de democratização do conhecimento, é preciso que o livro didático continue sendo
distribuíd
o, mas não da forma massificada com a qual atende mais a interesses editoriais do que à própria
estruturação da escola e preparação dos nossos jovens.
36
autores, considerando-os segundo critérios que não são esclarecidos para o aluno. Não
é o caso
aqui
de criticar gratuitamente o fato de que o livro traz apenas um trecho de
um poema de Castro Alves ou um soneto de Augusto dos Anjos, etc., mas ressaltar (e
caberia questionar os motivos), em comparação, que os poetas mais citados são Carlos
Drummond de Andrade (o manual traz dez poemas, sendo cinco em fragmentos) e
Manuel Bandeira (cinco poemas, sendo dois fragmentados), seguidos de Vinícius de
Moraes (quatro poemas, um fragmentado), Murilo Mendes (quatro poemas inteiros) e
Cecília Meireles (três poemas, sendo 1 fragmentado).
Procuremos entender um possível critério de seleção: a cristalização pela
recepção, que apresenta não os textos mais conhecidos dos poetas, mas também
aqueles que representam para a crítica os momentos mais significativos dos autores.
Porém, esse argumento, que é considerável, embuça a realidade do livro
didático
, que vimos discutindo
:
o excesso de informatividade, acrescido de um
exacerbado historicismo, o que desvia a atenção do estudante do texto para um
contexto empobrecido em que as prioridades são: o movimento ou estilo de época
;
depois a vida do autor e seus livros publicados; e, em última instância, os temas
mais trabalhados pelo escritor
.
Daí que, mesmo com relação a autores mais conhecidos e mais estudados, os
poemas são vistos como um detalhe que deve ser apenas
reconhecido
(no sentido de
ser admitido como legítimo), mas não ne
cessariamente
conhecido
. Segundo
Hélder
Pinheiro:
Enquanto não se compreender que a poesia tem um
valor
, que não se trata
apenas de um joguinho ingênuo com palavras, ela continuará a ser tratada
como gênero menor e, pior ainda, continuará a ser um dos gêneros literários
menos apreciados no espaço escolar (2002, p.62).
Vale acrescentar que aqui estamos tratando de um objeto lingüístico e
estético, o que requer, acima de tudo, as faculdades interpenetráveis da interpretação e
da sensibilidade. Por sua vez, exigem que o leitor reconheça tanto os constituintes
contextuais que o formaram quanto os elementos textuais que o enformam. Alfredo
37
Bosi nos propõe uma base analítica que reconheça justamente os elementos formais e
os determinantes sócio
-
psicanalíticos de
um texto poético:
Na invenção do texto enfrentam-se pulsões vitais profundas (que nomeamos
com os termos aproximativos de
desejo
e medo, princípio do prazer
e
princípio de morte) e correntes culturais não menos ativas que orientam os
valores ideológicos, os padrões de gosto e os modelos de desempenho
formal (BOSI, 2003, p. 461, grifos do autor).
É esse diálogo do intrínseco e do extrínseco que nossos alunos devem
aprender a compreender. É por isso que a avaliação da abordagem do poema pelo livro
didáti
co requer nossa atenção. Não pode haver perspectivas reducionistas por parte dos
autores, como o fazem várias vezes Faraco e Moura, o que tentarei mostrar sobretudo
no segundo capítulo. que estamos partindo do mais geral (nossa realidade escolar e
os sujeitos a quem nos dedicamos) para o mais específico (a abordagem de poemas
no
livro didático), verifi
caremos
como se dá a abordag
em de poemas de Manuel Bandeira,
utilizando, como referencial teórico os estudos de Estética da Recepção, que a seguir
explicit
a
remos
.
1.
3
.
A
recepção e o efeito da leitura e
da história da literatura
A teoria da Estética da Recepção vem
valorizar
,
em
diálogo com as idéias
estruturalistas e f
orma
listas
e com a contribuição da hermenêutica de Hans Georg
Gadamer
, a presença implícita do leitor na composição do texto, bem como a
valorização do seu papel na construção dos sentidos. Essa construção é trabalhada
através
d
as categorias do
efeito
e da
historicidade
do texto literário.
Vem, por conseguinte, re
pensar
toda a tradição da história da literatura, não
colocando um ponto final nas afirmações teóricas, mas resgatando-
as
como
esforço de
interpretação
dentro dos movimentos ideológicos da história. Não se trata de manter os
estudos de literatura como estudos de história da literatura. Pelo contrário, um dos
38
principais teóricos dessa corrente, Hans Robert Jauss, se opõe veementemente ao
s
historiadores
da literatura que até então (e podemos dizer a
hoje
) prevalecem na
tradição
dos estudos e que, conseqüentemente, têm suas concepções predominantes no
currículo
escolar.
Essa tradição, marcada
exclusivamente
por abordagens extrínsecas,
relaciona autores e obras numa composição cronológica
pautada
no ideal positivista de
objetividade.
Afirma Jauss que o historiador da literatura prefere
ajustar
-
se ao ideal da
objetividade descritiva, que tem de comprovar explicando apenas como sucederam os
fatos e as coisas (1974, p. 12). Bem de acordo com o teor enciclopédico dos nossos
manuais didáticos
, como
já questionado acima
.
Para além d
essa tradi
ção
,
as duas correntes dominantes nos estudos literários
durante o século XX
os
marxism
os e os formalismos
ensaiaram outras
possibilidades de análise dos fenômenos literários que, cada uma a seu modo,
foram
enriquecidas ou negadas
pelas
elaborações da estética da recepção. Para Jauss, esses
paradigmas teóricos ampliaram a distância entre o poético e sua relação com a história.
Se vários estudiosos marxistas procuraram ver a literatura dentro de uma inserç
ão
global na história (a da luta de classes), lim
itaram
-na, não vendo as especificidades da
arte como um produto da subjetividade que não somente é determinada pela condição
sócio
-histórica, mas também a determina. E se outros tantos formalistas observaram a
arte literária do ponto de vista funcional, subjugaram a poética a um mero fazer
comunicativo e, para alguns, desnecessário de sua relação com o contexto histórico
para realizar
-
se. Pelas palavras de Jauss:
Para a escola formalista, o leitor não é nada mais que o indivíduo que
percepciona, que, segundo as instruções que lhe o texto, distingue as
formas ou descobre a técnica. Impõe-lhe a introspecção do filólogo que,
tendo
um maior conhecimento dos instrumentos artísticos, poderá atingir
uma reflexão mais profunda. A escola marxista, por sua parte, identifica a
percepção espontânea com o interesse científico do materialismo histórico
de verificar as relações entre superestrutura e base da obra literária. Temos
que dar-nos conta de que nunca nenhum texto foi escrito para ser
submetido a uma interpretação filológica, nem tampouco a uma
interpretação histórica. Nenhum destes dois métodos realiza a função
própria do leitor, que é igualmente indispensável para a exatidão dos
39
conhecimentos estéticos e históricos: o leitor é o primeiro destinatário da
obra l
iterária (1974, p. 38, grifos do autor).
Estamos, portanto, trabalhando com um referencial teórico que re
aliza
uma
síntese dialética entre o empirismo formalista e o historicismo marxista. A chave para
esse diálogo estaria, não no texto, nem no autor, mas no leitor. Essa consideração
teórica se torna possível a partir das elaborações semióticas sobre o processo de
comunicação
,
seus elementos e funções
.
Jan Mukarovsky, um dos principais
formalistas russos, antevia a relação entre uma função estética da obra de arte e a
estrutura de apelo do texto. Pelas suas palavras:
Toda obra poética é, pelo menos virtualmente, uma representação, uma
expressão e um
apelo
. Essas funções práticas adquirem relevo numa obra de
arte, como, por exemplo, a função representativa no romance e a função
expressiva na poesia lírica. Por outro lado, nenhuma ação prática é de todo
desprovida da função estética. Podemos dizer, ao menos potencialmente,
em todo ato humano (
1978, p. 162
, grifos nossos
).
A caracterização estética da obra literária, portanto, é uma responsabilidade
do receptor, aquele para quem o texto se dirige. Esse texto, portanto, possui estruturas
internas voltadas para o leitor, que nesse caso, evidencia-se como essencial na
determinação do valor artístico. Wolfgang Iser, outro importante teórico da estética da
recepção, é quem retoma essa presença do leitor na estrutura textual para formular o
importante conceito de leitor implícito frente aos pouco-elucidativos estudos que até
então não conseguiam compreender esse sujeito do texto. Em seu livro O Ato da
Leitura
, Iser reflete sobre vários conceitos de leitor, dentro e fora de sua corrente
teórica, trabalhando com o seguinte problema: podemos estudar o leitor de forma
concreta
ou é possível
idealizar
a sua presença no processo de leitura? Dentro da
estética da recepção, essa questão formula duas possibilidades teórico-
metodológicas,
que são, ao mesmo tempo, distintas e complementares:
A recepção, no sentido estrito da palavra, diz respeito à assimilação
documen
tada de textos e é, por conseguinte, extremamente dependente de
testemunhos, nos quais atitudes e reações se manifestam enquanto fatores
que condicionam a apreensão de textos. Ao mesmo tempo, porém, o próprio
texto é a prefiguração da recepção , tendo com isso um potencial de efeito
40
cujas estruturas põem a assimilação em curso e a controlam até certo ponto
(ISER, 1996, p.7)
.
Dessa forma, Iser propõe uma análise do leitor subscrito ao texto, através de
métodos teorético-textuais, na descrição do fenômeno l
iterário
em busca de seu
efeito
.
Segundo o mesmo, a modernidade e o movimento estudantil pressionaram por uma
mudança
na
observação teórica que antes se pautava no critério clássico da
significação
,
e
que
, por sua vez,
não
dava conta de uma dimensão fun
damental
da
arte moderna, posto que esta agora se centralizava no impacto que poderia ser causado
no observador
(op. Cit., p. 10)
.
Jauss deseja, através de um método histórico-
sociológico
, resgatar a
historicidade
da literatura partindo do prisma da história da recepção dos textos
literários por parte dos leitores e formadores de opinião das mais variadas épocas. No
Brasil, Antônio Candido, à sua maneira,
também
expressa esse posicionamento
valorizador da recepção nesta definição:
A literatura é, pois um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e
sobre os leitores; e vive na medida em que estes a vivem, decifrando-
a,
aceitando
-a, deformando-a. A obra não é produto fixo, unívoco ante
qualquer público; nem este é passivo, homogêneo, registrand
o
uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre o outro, e
aos quais se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação
literária, para configurar a realidade da literatura atuando no tempo
(
MELLO e SOUZA
2000, p.74)
.
Nessa fala, o mestre brasileiro ilustra as duas posições de leitura como um
processo em que o leitor interage com o texto, mergulhando (ou aceitando ) em suas
instâncias fictícias. Realiza, dessa forma, uma suspensão da realidade (ISER, op. Cit.,
p. 77). Mas nenhum leitor (a não ser que estejamos falando do mais alto grau de
alienação) realiza essa suspensão sem voltar-se para sua experiência anterior à
leitura, relacionando o lido com sua visão de mundo prévia, comparando
,
acrescentando ou negando. E, no diálogo com outros leitores, cada um de construir
uma infinitude de sentidos sobre a obra que não necessariamente responderão aos
interesses de leitura de outras pessoas em outros momentos históricos.
41
Portanto, a grande contribuição desses suportes teóricos (a focalização do
sentido em um receptor), vem participar da consolidação das modernas posições
lingüísticas e pedagógicas sobre leitura. O leitor é, segundo essas disciplinas, um
sujeito
da aprendizagem e, portanto, um construtor de significados. Tal posição
se
enriquece nas palavras de
Maria do Rosário Magnani:
Sob o olhar interacionista, (a leitura) é um processo de construção de
sentido. Oscilando numa tensão constante entre paráfrase (reprodução de
significados) e polissemia (produção de novos significados), ela se constitui
num processo de interação homem/ mundo, através de uma relação
dialógica entre leitor e texto(...) (MAGNANI, 1989, p. 34).
Uma teoria poética que tenha relevância para o ensino de literatura não
pode, portanto, concentrar-se somente nas propriedades internas do texto literário. Não
se trata de ser indiferente à
mímese
(que se manifesta sobretudo na obra de arte), mas
acrescentar à ela a importância da
katharsis
, da
poíesis
e de outro conceito retomado
pela hermenêutica: a
aisthesis
. Essas três últimas funções evidenciam a
interacionalidade da natureza literária. Explicamos a seguir a relevância de tais
conceitos.
A
mimese
é a faculdade que a arte possui de representar a realidade. Parte do
princípio de que a arte imita a vida e é condição primeira da perspectiva marxista. A
mímese
não é objeto de interesse de Jauss porque este se concentra na importância do
leitor para a constituição da obra literária, razão porque ênfase à
katharsis
.
Entendida como a concretização de um processo de identificação que leva o
espectador a assumir novas normas de comportamento social, numa retomada de idéias
expostas anteriormente (ZILBERMAN, 1989, p. 57), a
katharsis
é, em última
instância, um potencial da literatura para a emancipação, porque expande a
compreensão que o ser humano possui do mundo dentro do indescritível espaço do
instante
, que responde intimamente à sensação de prazer
.
Assim Jauss nos explicita:
O espectador pode ser afetado pelo que se representa, identificar-se com as
pessoas em ação, dar assim livre curso às próprias paixões despertadas e
sentir
-se aliviado por sua descarga prazerosa, como se participasse de uma
cura (
katharsis
). Esta descoberta e justificação do prazer catártico, com a
42
qual Aristóteles corrigia o mecanismo do efeito direto , sobre o qual Platão
apoiara sua condenação da arte, é por certo a herança mais provocante da
teoria antiga do poético (
JAUSS, 1979, p. 87)
Dito dessa maneira, qualquer elaboração teórica sobre o prazer, porém, corre
o risco de ser confundida com a defesa indiscriminada da fruição na leitura. Essa
eventualidade constitui grande debate desde Platão, que via como perigosa a atividade
do
s poetas, pois eles teriam o poder, através das palavras, de iludir, ludibriar e, para
usar um termo mais atual, alienar. no século XX, Adorno condenava esse mesmo
aspecto alienante do prazer da leitura, ressaltando sua adequabilidade à sociedade
burguesa. É necessário considerar essa ponderação, posto que o fenômeno da leitura de
consumo se coloca como cada v
ez mais evidente.
Mas o prazer estético também possui outras dimensões intrínsecas ao status
de humanidade. Antônio Candido, por exemplo, aponta, entre as funções
humanizadoras da literatura a fantasia (1972). Jauss, por sua vez, resgata em Freud o
caráter
de alteridade que no prazer estético: o prazer estético da identificação
possibilita participarmos de experiências alheias, coisa de que, em nossa realidade
cotidiana, não nos julgaríamos capazes (1979, p. 99).
Dentro do processo de identificação que se compõe como
katharsis
, estão
inseridas a
poíesis
e a
aisthesis
. A primeira, segundo Jauss, é uma espécie de
presença implícita do leitor na constituição da obra, para o qual, o autor tenciona
realizar uma transformação lingüística e filosófica nos padrões literários vigentes.
Assim, por esse princípio também se pode compor a noção de vanguarda. Já a
aisthesis
compõe
-se como experiência do
efeito
que a obra de arte pode provocar no leitor,
assim como a capacidade que a mesma tem de renovar a forma de percepção do
indivíduo sobre a realidade. Explica
-
nos Regina Zilberman:
Como a
poíesis
, também a
aisthesis
justifica a orientação da arte
contemporânea. Atribuindo a ela a finalidade de renovar a percepção, que
sempre foi uma das funções da arte descobrir novos modos de experiência
na realidade mutável ou propor alternativas para ela
(ZILBERMAN, 1989,
p. 56)
.
43
Das propriedades da literatura e da arte expostas acima, desdobram-
se
alguns dos mais importantes conceitos metodológicos para os estudos de recepção. É
nesse momento da formulação teórica que a Estética se aproxima da Hermenêutica
enquanto possibilidade de análise conjunta. Toda a base metodológica resultante dessa
aproximação consiste em três ações, a saber:
Compreensão
,
Interpretação
e
Aplicaçã
o. De tais ações, desdobram-se as três etapas do chamado processo de leitura,
como nos esclarece Jauss:
As três etapas de minha interpretação (...) estão fundamentadas na teoria de
que o processo hermenêutico deve ser compreendido como uma unidade dos
trê
s momentos da compreensão (
intelligere
), da interpretação (
interpretare
)
e da aplicação (
applicare
). (JAUSS, 2002, p. 875).
O momento da
compreensão
deve ser entendido como horizonte de
primeira leitura, no qual o leitor se depara com o texto literário e o percebe como
objeto estético. É, dessa forma, o momento em que é possível perceber os
efeitos
provocados pelo texto no receptor. Como o caráter do objeto estético também é
composto pelo prazer, é na primeira leitura que se pode observar se o texto literá
rio
mobiliza as
estruturas afetivas
do leitor
:
Estruturas afetivas compreendem a atitude geral face à leitura e aos
interesses desenvolvidos pelo leitor. Fora de qualquer situação concreta de
leitura, o indivíduo sente atração, indiferença ou repulsa pela leitura. Esta
atitude geral manifestar-
se
de cada vez que o indivíduo for confrontado
com uma atividade que põe em jogo a compreensão de um texto
(GIASSON, 2000, p. 31)
.
É na investigação sobre a identificação do aluno com textos literários que
devem
os sentir necessidade de avaliar e propor práticas sob a ótica do gosto pela
leitura
. Não se trata apenas de avaliar se uma atividade pode causar ou não o prazer
.
Trata
-se também de perceber que, sendo sujeito da sua recepção, o nosso aluno
constrói, através da compreensão, o insaciável prazer de aprender e aprender a pensar
com o texto literário. Segundo Regina Zilberman:
Jauss não acredita que o significado de uma criação artística possa ser
alcançado, sem ter sido vivenciado esteticamente: não há conhec
imento sem
44
prazer, nem a recíproca, levando-o a formular um par de conceitos que
acompanham suas reflexões posteriores: os de fruição compreensiva
(verstehendes geniessen) e compreensão fruidora (geniessendes verstehen
),
processos que ocorrem simultaneamente e indicam como se pode gostar
do que se entende e compreender o que se aprecia
. (ZILBERMAN, 1989,
p.53, grifo nosso).
Além da instauração da perspectiva fruidora (da leitura que se realiza pelo
prazer que o leitor manifesta), o horizonte de primeira leitura também compreende a
percepção formal do texto literário. Aqui, Jauss parte de princípios estruturalistas, mas
os inverte:
O texto poético se torna compreensível na sua função estética apenas no
momento em que as estruturas poéticas, reconhecidas como características
no objeto estético acabado, são retransportadas, a partir da objetivação da
descrição
, para o processo da experiência com o texto, a qual permite ao
leitor participar da gênese do objeto estético. Em outras palavras(...):
doravante o texto, descrito pela poética estrutural como ponto final e soma
dos meios nele realizados, deve ser considerado o ponto de partida de seu
efeito estético. Este deve ser examinado na seqüência dos pré-dados da
recepção, os quais orientam o processo da percepção estética e assim
limitam a arbitrariedade da leitura apenas supostamente objetiva (JAUSS,
2002, p. 876
-
7, grifos nossos).
O professor Alfredo Bosi traduz tal idéia de objetivação da descrição das
estruturas poéticas no processo de experiência com o texto através da formulação do
que chama de
andamento
, que é um
efeito móvel da compreensão.
Modo sonoro pelo
qual se a empatia entre o leitor e o texto. Nele se conjugam fôlego, intenção,
duração. Dele dependem, na leitura e na execução musical, as medidas internas do
ritmo (BOSI, 2000, p. 105, grifo nosso).
Dessa forma, essa leitura de compreensão se sucede na etapa de
interpretação
(segundo horizonte de leitura), hermeneuticamente complementar à
primeira. Na verdade, enquanto a primeira etapa desse processo metodológico faz uma
busca dos constituintes formais do texto, juntamente com um sentido
geral
do que
está sendo dito, a segunda leitura, a interpretativa, fará um retorno do fim ao início,
do todo para as partes , agora em busca do sentido glob
al
, como nos explica Jauss:
45
Agora a mudança de horizonte entre a primeira e a segunda leitura pode ser
descrita da seguinte maneira: o leitor que realizou receptivamente, verso por
verso, a partitura do texto e chegou ao final, antecipando constantemente,
a
partir do detalhe, a virtualidade do todo de forma e significado,
apercebendo
-se da forma plena da poesia, mas ainda não do seu significado
igualmente pleno, quanto menos do seu sentido global (...)A partir da
forma realizada, o leitor agora irá procurar e produzir o significado ainda
incompleto por meio de uma leitura retrospectiva, voltando do fim ao
início, do todo ao particular
(JAUSS, 2002, p. 880
-
1. Grifos nossos).
Todo e partes se articulam simultaneamente no processo, solicitando
respostas do l
eitor
às perguntas que ele mesmo tece durante o seu primeiro contato
com o texto, e às quais supõe-se cada vez mais aproximadas das questões que
motivaram a origem do texto
. O que se espera, então, é que o leitor seja uma espécie de
investigador dos sentidos, realizando constantemente a busca de coerência entres as
partes integradas no todo. É preciso considerar, pois, que o processo de leitura não se
de forma linear. Trata-se de um movimento cíclico, como podemos perceber em
Bosi um
diálogo
com
as idéia
s de Jauss, supracitadas:
O sentido para onde se move um poema não é obtido pela soma de fonemas
e morfemas incluídos serialmente no texto. A hipótese do círculo filológico
,
elaborada por Leo Spitzer, na esteira de Schleiermacher e Dilthey,
desfazia o equívoco dessa técnica rudimentar e recomendava um
ir
-e-vir do
todo às partes, e das partes ao todo: uma prática intelectual que solda na
mesma operação as tarefas do analista e do intérprete (BOSI, 2003, p. 471.
Grifo nosso).
Eis porque, através de teorias que se debruçam sobre a recepção, podemos
comprovar a falência de uma atividade de leitura que se paute em um texto
fragmentado. Não há processo cíclico e, por conseguinte, interpretação, sem que haja a
percepção do todo manifestado em cada parte. Jauss também valoriza o pormenor
porque sabe que sem sua presença na estrutura textual,
impossibilitam
-
se
os
meios para
o leitor real
izar sua interação com o texto.
A amplitude dessa interação se manifesta n
o
terceiro horizonte de leitura
,
em que se realizará a reconstrução dos condicionantes históricos do texto. O leitor
pode
fazer
, portanto, através
da
lógica da pergunta e da resposta , a tentativa de
compreensão do texto no momento em que ele foi concebido, como também pode
46
analisar a recepção do mesmo texto em vários outros momentos históricos. Regina
Zilberman ressalta a importância desse momento: este gesto hermenêutico faz com
que o texto, até então mudo, volte a falar, ou seja, resgata o diálogo original a que ele
se propunha (ZILBERMAN, 1989, p. 68). É por isso que a perspectiva do leitor é tão
revolucionária para os estudos de teoria literária. Por que somente através dele se
poderá enxergar o texto no verdadeiro movimento histórico que determina a literatura.
A etapa da aplicação é indispensável, porque durante a leitura reconstrutiva o
intérprete verifica seu lugar na cadeia temporal (ZILBERMAN, 1989, p. 69).
Mas é necessário especificar melhor o que se estabeleceu por lógica da
pergunta e da resposta
. Jauss cita uma frase de R. G. Collingwood, q
ue corrobora seu
programa de ação: compreende-se o texto, quando se compreendeu a pergunta a que
ele resposta (ZILBERMAN, 1989, p. 37). Assim, fica possível a interpretação de
um texto pela reconstituição do diálogo entre seu público original e o sub
seqüente.
(ZILBERMAN, 1989, p. 114).
A retomada do horizonte de compreensão é conseqüência natural do terceiro
horizonte, pois quando o leitor se reporta às condições de recepção das várias épocas
em que o texto reanimou-se, reativa os problemas de sua própria recepção e dialoga
ideol
ogicamente com a cultura em si:
Ao reformular a resposta tradicionalmente admitida pelo autor, em busca, de
uma significação que não se encontrava no texto e que a recepção lhe deu
,
tão
-somente a mudança do horizonte de experiência estética faz com que a
questão implicada nesta resposta incorpore respostas que se ampliam com as
marcas de cada época, ou seja, não necessariamente a mesma da origem do
texto, mas aquela outra que se situa entre o passado e o presente
(
CORDEIRO, 200
3, p. 40).
Como podemos ver, os três horizontes de leitura não ocorrem de maneira
estática, isolados um do outro. Eles se interpenetram e, muitas vezes, são
imperceptíveis. Como novamente fica claro com Regina Zilberman:
Reconhecendo as etapas mencionadas, (Jauss) chama a atenção para a
interpenetração que acontece entre os diferentes momentos: na
compreensão está o início da interpretação e a interpretação é, portanto, a
forma explícita da compreensão . Como a compreensão deflagra o processo
47
inteiro,
a explicitação desse começa por aí, fundamentada na lógica da
pergunta e da resposta (ZILBERMAN, 1989, p. 67).
Vemos, portanto, que a lógica da pergunta e da resposta, chave da estética
da recepção, é um evento dialógico que parte da idéia de que o texto é sempre a
manifestação de uma resposta a uma pergunta. Compreender essa pergunta faz parte
da compreensão do texto. Mas se a pergunta é mutável? Se não simultaneidades no
encontro dos leitores e dos autores? Como viver essa fusão de horizontes? E se
quem
porta o texto o manipula, descontextualizando e fragmentando, na falsa pretensão de
compor uma história?
Nos capítulos a seguir, analiso situações concretas dessa manipulação
informativa, o que interfere no efeito
estétic
o.
48
2º CAP
ÍTULO
A LEITURA DE MANUEL
BANDEIRA ENTRE A FRA
GMENTAÇÃO E A
LIBERTAÇÃO DO LIRISM
O
Assim, imitaríamos os retóricos de nosso tempo, que
se acham deuses por usarem duas línguas, como as
sanguessugas, e consideram uma maravilha inserir
em seu latim alguns pequenos vocábulos gregos,
mosaico amiúde fora de propósito. Se as palavras
estrangeiras lhes faltam, arrancam de bolorentos
pergaminhos quatro ou cinco expressões arcaicas
que deitam poeira nos olhos do leitor, de maneira
que os que os entendem se pavoneiam, e os que o
os entendem os admiram ainda mais. As pessoas,
realmente, encontram um prazer supremo no que
lhes é supremamente estranho. Sua vaidade tem
parte nisso; riem, aplaudem, mexem a orelha como
os asnos, para mostrar que compreenderam
bem; é
isso, é isso mesmo!
Erasmo de Roterdam. Elogio da Loucura
49
2.1. Lendo Manuel Bandeira. Libertando o lirismo.
A leitura literária que neste capítulo se busca é uma leitura que envolva
vários contextos, de acordo com as realidades intermediadas pelos textos e pelos
suportes de que dispomos. Em primeiro lugar, temos a leitura dos poemas por si sós,
eles próprios como uma realidade codificada em linguagem. Contudo, deles emerge
uma realidade que se reflete, uma vida, um mundo de descobertas e represe
ntações
líricas. Em terceiro lugar, o foco deste trabalho exige uma leitura do suporte didático
que procura intermediar o aluno e o poema. Embora muito abrangentes, esses modos
de ler se complementarão para chegarmos a uma visão ampla, ainda que parcial, da
representação da poesia de Manuel Bandeira em um livro didático.
No manual dos professores Carlos Emílio Faraco e Francisco Moura, a vida
do São João Batista do modernismo é apresentada em linhas gerais: nasceu em
Pernambuco; estudou no sudeste; teve tuberculose; tratou-se na Suíça; na Suíça
conheceu vários poetas simbolistas. Em seguida é apresentado o poema
Pneumotórax
(do livro
Libertinagem
, 1930). vem outra informação da
sua
vida:
Voltando ao Brasil, Bandeira passou o resto da vida no Rio de Janeiro, onde morreu
(FARACO e MOURA, 2001, p. 336).
Da forma como se dispõe o poema junto das informações, parece que o
poeta compôs
Pneumotórax
quando de seu tratamento na Suíça, o que não é verdade.
Outra ressalva que precisa ser feita é na forma como se apresenta a vida do poeta.
que se está falando de informações biográficas, que sejam apresentadas de maneira a
contribuírem de fato com a compreensão do poema. No caso de Manuel Bandeira, seu
tratamento na Suíça lhe aproximou de todo um arcabouço simbolista que se
manifestaria, sobretudo, nos seus primeiros livros, Cinza das Horas (1917) e
Carnaval
(1919). Nesse primeiro momento, o tema da tuberculose se manifesta de maneira
melancólica e até mesmo trágica, visto que a doença arrebata de seu convívio sua mãe,
50
sua irmã e logo em seguida seu pai. Tais informações são importantes, mas não são
apresentadas pelos autores didáticos.
A partir de seu terceiro livro, Ritmo Dissoluto (1924), o poeta inicia uma
outra forma de manifestação do tema da morte e da tuberculose (já tão trabalhado por
todo o século anterior), como nos ressalta Davi Arrigucci Júnior:
Quando se imagina a situação de um poeta moderno como Bandeira, cuja
obra lírica nasce diante da circunstância dramática da ameaça da morte
iminente, como se preenchesse o vazio de uma existência condenada pela
doença fatal, na obrigada espera do desfecho iniludível,
pode
-se avaliar a
importância não do aproveitamento de um tema como esse, casado à
condição básica da experiência poética bandeiriana, mas também de toda a
linha de reflexão que ele envolve como um fator essencial para a
compreensão do sentido mesmo da poesia na existência desse poeta.
O aproveitamento levado a cabo por Bandeira representa uma renovação
profunda do tópico, pela sabedoria construtiva com que soube inseri-
lo
numa nova situação histórica e pessoal, particular e concreta, para ele extrair
sua mais íntima experiência, configurando, através da dicção humilde que
lhe é característica, apoiado no lastro cotidiano de sua própria infância, uma
atitude fundamental diante da morte (ARRIGUCCI JÚNIOR, 1990, p. 225,
grifo do autor).
Essa atitude fundamental diante da morte justifica o modo irônico com
que o poeta trata a doença em
Pneumotórax
. Pela mesma linha de raciocínio,
também se deve notar o tom de naturalidade e pureza com que outros poemas abordam
o mesmo assunto: O Menino Doente
,
Felicidade
,
Os Sinos
,
Anjo da Guarda
,
Profundamente
, entre vários outros. Trata-se da concretização de um discurso
humilde composto no/do/sobre o
cotidiano
e a
memória
com que o poeta prepara-
se
para a morte. É nesse mesmo sentido que Faraco e Moura afirmam:
muito
provavelmente por causa da doença, a perspectiva da morte se exacerba na vida do
poeta bem como em sua obra. Um de seus mais conhecidos poemas trata disso
(op.
Cit., p. 337). Em seguida apresentam
Consoada
, sobre o qual poder-
se
-ia trabalhar
fortemente as determinações do cotidiano como uma forma de enfrentar a Indesejada
das gentes . Lição que pode ser enriquecida com a seguinte declaração de Ribeiro
Couto:
51
Tendo atingido o máximo de angústia pessoal com a enfermidade, a perda
iterativa dos entes mais caros e talvez outros dramas, sua desesperança
assumiu uma forma violenta de falso cinismo, desenvolvendo assim o
sarcasmo que já
era patente em muitos dos seus versos. A partir desse tempo
(que se pode fixar mais ou menos entre 1920 e 1922), ele realizará uma
espécie de integração no natural. Sua poesia se enche do quotidiano, o
quotidiano que às vezes é comovente, às vezes é ridículo. É quando nos
falará de sua humanidade irônica de tísico . Todas as confissões de
amargura passarão para a ordem indireta: ele as fará através das coisas, o
córrego que chora como a voz da noite , o balão que cai nas águas puras
do mar alto (...) Essa incorporação da vida cósmica que o cercava era um
esforço para a libertação daquela queixa, daquele tormento obscuro e
impressentido , seu
leitmotif
(COUTO, 1980, p. 49
-
50, grifo nosso).
A ânsia para libertação é, de fato, um foco central na obra poét
ica de Manuel
Bandeira, mas é também o eixo das oposições (porque não falar em contradições?) que
sustentam seus poemas. É o que choca em Momento num Café , quando é a matéria
que está liberta para sempre da alma extinta , ou quando o corpo pode se
co
municar em Arte de Amar . Também é o que enternece em Na Rua do Sabão
,
posto que nosso desejo mais imediato e sincero é que aquele balão, sendo uma dupla
representação (representa o menino que o fez e também o próprio poeta, ambos
tísicos), ganhe os mais altos espaços, mesmo sabendo que fatalmente cairá. Outros
efeitos do eixo-libertação podem ser: aquilo que provoca fortes exclamações em
Boi
Morto
; a sublimação e o erotismo em poemas de Carnaval e outros como Estrela da
Manhã
. A evasão para outras realidades, como em
Vou
-me Embora pra Pasárgada
;
ou ainda a desconstrução de uma linguagem poética obsoleta e a conseqüente
necessidade de novos princípios para a construção do verso, como é o caso dos tão
distintos
Os Sapos
e
Poética
. Estes três últimos, sem dúvida, os mais encontrados
nas antologias escolares para o ensino médio.
Temos aí uma possibilidade para fazer um belíssimo trabalho no ensino
médio. Mostrar, por exemplo, como Manuel Bandeira busca uma libertação e a
constrói em seu lirismo de maneira a também libertar a forma do poema. Qual jovem
leitor imaginaria que uma declaração de amor, sempre construída com a clássica
idealização da pessoa amada poderia ser feita como em Madrigal tão Engraçadinho
,
52
em que o verso e as relações sintáticas são livres porque a declaração de amor
também o é:
Teresa, você é a coisa mais bonita que já vi até hoje na minha vida, inclusive o porquinho-
da
-índia que me deram quando eu
tinha seis anos. (BANDEIRA, 1993,
p. 140)
Eis um poema que, assim como
Na
morados
e
Teresa
, deve constar
naturalmente em qualquer antologia escolar, porque rompe com uma tradição,
libertando o modo de ver a realidade através do atributo da impertinência (termo de
COHEN, 1978)
importante motivo para estudarmos a poesia
9
. Tra
ta
-se de poemas
bem conhecidos, mas, curiosamente, não os encontro em várias edições didáticas dos
mais diversos e conhecidos autores e editoras
10
. Enfim, não se pode esperar uma
totalidade de abordagens, principalmente de um poeta marcado pela unidade na
variedade , como diria Sérgio Buarque de Holanda (1987).
Procuremos, então, no material em que estamos detidos, uma abordagem
que se possa dizer mínima. Tratemos da versão fragmentada de
Poética
.
O poema vem antecedido por esta frase: um poema metalingüístico de
Bandeira sintetiza sua proposta literária:
(FARACO e MOURA, op. Cit., p. 337). Seja
ela, então, nosso horizonte de expectativas. Vejamos agora como o texto se apresenta
ao aluno:
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
[protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no
[dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo
9
Segundo Adorno, a lírica se mostra mais profundamente assegurada, em termos sociais, ali onde não fala
conforme o gosto da sociedade, ali onde não comunica nada, mas sim, onde o sujeito, alcançando a expressão
feliz, chega a uma sintonia com a própria linguagem, seguindo o caminho que ela mesma gostaria de seguir
(2003, p. 74)
10
como exemplo, posso citar, nas suas várias edições: FARACO e MOURA; TERRA e NICOLA; INFANTE;
CEREJA e MAGALHÃES, pra ficar entre os mais adotados.
53
............................
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos
clowns
de Shakespeare
Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
O título
Poética
aponta de fato para um poema que se queira
me
talingüístico, posto que consolida uma proposta literária e que pode ser resumida
nos versos a serem lidos. Por que a proposta literária de Manuel Bandeira se resume
nesse texto? Eis uma primeira questão ao nosso horizonte de expectativas. Nossa
análi
se tentará apontar possíveis respostas. Comecemos pela percepção dos elementos
formais.
É o verso livre que primeiro chama a atenção, mas certamente isso não torna
o poema livre de significância. Pelo contrário, esta opção pela ausência de métrica
aponta ritmos que darão o tom do poema. Também não rimas, levando-nos a recuar
em nossa procura pelos efeitos sonoros que sempre nos encantam. Outras
possibilidades? Assonâncias? Aliterações? Não se mostram. Mas na estrutura geral do
poema, observando a construção sintática dos enunciados, identificamos um
poderoso recurso capaz de prender nossa atenção: o paralelismo. Eis aí um dado formal
relevante que de integrar nossos sentidos. A expressão estou farto se repete, mas
também se oculta, ocasionando um zeugma. Isso também ocorre com a expressão
quero antes . Tais recursos estabelecem com o leitor uma sensação de conforto, tão
mais comum nos textos em prosa, em que o sentido apresenta-se mais denotativo
11
.
Isso parece ser intencional, posto que encontramos versos de grande extensão na
primeira parte do poema, num gesto de aproximação programática da poesia para a
prosa.
11
Diz-nos Jean Cohen: A função da prosa é denotativa, a função da poesia é conotativa. A teoria conotativa da
linguagem poética não é nov
a. A bem dizer, atualmente, encontramo
-la em toda parte (op. Cit., p. 165).
54
Na verdade, apenas esses elementos formais já nos permitem a dedução
tonal do poema
12
.Trata
-se de um manifesto, em que se enuncia uma formulação crítica
sobre uma realidade literária e, paralelamente, propõe-se uma nova forma de fazer
poético. Segundo Gilberto Mendonça Teles, o manifesto compõe-se de linguagem
poética e linguagem crítica, numa fusão das intencionalidades metalingüística, poét
ica
e conativa, culminando num gênero novo, múltiplo e paralelo. Pelas suas próprias
palavras:
A diversidade desses manifestos, às vezes também em forma de prefácio ou
de poema, põe em cena um desdobrado horizonte de atitudes programáticas
que estruturam o que se pode denominar de ideologia do novo, da qual não
se foge impunemente. É dentro desse contexto ideológico que se percebem
melhor as relações do jogo literário e o (des)contínuo movimento das idéias
e das formas em disponibilidade para a obra literá
ria (TELES, 1997, p. 10).
A leitura de
Poética
, portanto, deve ser feita em tom de proposição firme
de uma ideologia do novo , enfatizando o que não se quer, ressaltando o que se
precisa para mudar o que está. Essa solução sonora intensifica o sentido textual
expresso pelo seu conteúdo central ( estou farto ). Mas o que não se quer? O que deve
ser evitado para se construir um poema novo? Um lirismo novo?
Na versão fragmentada que estamos abordando, o poema está dividido em
duas partes. É na primeira que Bandeira relaciona o que não quer. Não quer o lirismo
comedido, característica que ele retoma um verso depois como bem comportado .
Para Bandeira, então, será importante que o comportamento dos poetas (metonímia de
lirismo) não esteja de acordo com padrões pré-estabelecidos. No terceiro verso, inicia-
se um elenco desses padrões que precisam ser alterados classificando o lirismo de
funcionário público . E acrescenta: com livro de ponto expediente e manifestações
de apreço ao sr. diretor . Assim, está deflagrada a crítica a toda postura clientelista
praticada pelos homens de letras da época. Nessa seqüência prosaica, porém sem
vírgulas e totalmente nominal (o que subverte o próprio prosaísmo da estrutura), o
poeta subverte a gramática e cria imagens que se acrescentam à idéia adjetiva inicial
12
Segundo a orientação de Alfredo Bosi: Se o leitor conseguir dar, em voz alta, o tom justo ao poema, ele
terá feito uma boa interpretação, isto é, uma leitura afinada com o espírito do texto (op. Cit. p. 469).
55
( funcionário público ). Não se trata apenas de um modo lírico próprio de funcionários
públicos, mas de toda forma de produzir o conteúdo lírico a partir do burocrático (livro
de ponto e expediente) e do bajulatório (as manifestações de apreço). Estas afirmações
convergem com as de um brilhante ensaio de Roberto de Oliveira Brandão (1987), que
acrescenta:
Trata
-se, pois de um lirismo que tem seu centro motivador fora do sujeito,
modo subserviente e subalterno de pro
ceder.
É necessário apontar também, embora apenas de passagem, que ao empregar
uma enumeração sem a separação das vírgulas, o poeta desorganiza e
subverte, ao nível da linguagem, aquilo que está pressuposto na imagem do
lirismo que ele recusa: a ordem e a mesmice como procedimentos
mecânicos que destroem a originalidade (BRANDÃO, 1987, p. 24).
A estrutura de
Poética
afina-se com as idéias manipuladas pelo discurso,
numa concretização da ânsia de libertação que foi dita logo acima. Assim, Manuel
Bande
ira liberta a forma do poema bem como tenciona libertar também os
constituintes mais p
rofundos dos sentidos poéticos.
O que busca, então, esse poeta? O quarto verso antecipa, mesmo que mais
uma vez negando. Quando se critica um poeta que surta o momento da criação na
busca de uma palavra dicionarizada (ou seja, estática, não dinâmica porque não
utilizada nos movimentos do dia-a-dia), está-se procurando estabelecer a necessidade
do criar poeticamente pela inspiração, ou seja, pelo mergulho dentro de si. E
ap
rofundando: é o instante poético que está em jogo. No mergulho que busca, através
da visão, a cristalização de uma experiência pela linguagem, não tempo que flua
naturalmente, horizontal como a prosa. O tempo da experiência poética é vertical,
instantân
eo e reúne em si uma ruptura com a naturalidade das outras pessoas, das
coisas e da vida em geral (BACHELARD, 1994).
A criação poética carece, portanto, de instantes que se descompassam do
mundo. É por isso que o poeta é, muitas vezes, relacionado aos loucos. É por isso
mesmo que Bandeira enumera na segunda parte do poema uma necessidade do lirismo
dos loucos, dos bêbados e dos
clowns
. Posto que estes não acompanham o correr
natural (social, habitual) das horas e refazem na experiência marginal (ou
56
marginal
izada, na forma apassivada), o percurso fenomenológico da (re-
)descoberta
das coisas
13
.
É o percurso marginal de descoberta uma maneira de estabelecer uma
libertação do lirismo. E o poeta sintetiza isso com o último verso: Não quero mais
saber do lirismo que não é libertação . Esta última palavra fecha o poema, deixando
claro o que se quer, mas só aparentemente visível a totalidade da proposta. Se o tom do
poema é o de um manifesto, ele se exalta com esse verso, o que é característica
marcante da poesia de
Bandeira, segundo Alcides Villaça (1987). Ainda de acordo com
este, vários versos conclusivos de poemas bandeirianos que são versos em que o
espírito, tendo atravessado o alvoroço da inquietação poética, parece encontrar
repouso. Catarse discreta em que, se fica ainda uma certa amargura, não permanece
ressentimento
(p. 32).
O modo da exaltação e da catarse acha-se em uma dupla negação (
não
querer o lirismo que
não
é) que contém em si a radicalidade da afirmação (querer o
lirismo que é) mantida pela insatisfação. Esta idéia deve-se novamente a Brandão, o
que não custa citar diretamente:
A dupla negação projeta para fora de si o seu oposto positivo, sem perder,
contudo, a raiz da negatividade que o alimenta. Do interior da negação surge
a forma ambicionada, não como coisa cristalizada, pois o sentido que é
apenas sugerido e evocado conserva uma disponibilidade permanente, fonte
do eterno lirismo. Atualizar a forma sugerida, isto é, dizer, por exemplo, que
o último verso do poema tem o sentido de apenas quero o lirismo que é
libertação seria eliminar aquilo que ele tem de mais significativo, que é a
sua
insatisfação
, sua
incompletude
, componentes que perpassam toda a
poesia de Bandeira (op. Cit., p. 28. grifo nosso).
Voltemos ao nosso horizonte de expectativas, aquele dado prévio do livro
didático de Faraco e Moura: Um poema metalingüístico que sintetiza a proposta
literária de Manuel Bandeira . As considerações levantadas sobre todo o trecho lido
13
O próprio Bachelard receia, por vezes, fazer uma leitura mais profunda (potencializada pelo instante) do
poema
O Corvo, de Edgar Alan Poe, porque afirma não poder romper tanto com o mundo e a realidade, e cria
uma grande imagem ao fim deste depoimento: Raras são as noites em que tenho coragem de ir ao fundo(...)
Então retorno ao tempo plano; eu acorrento, volto para junto dos vivos, para a vida. Para viver é preciso trair
fantasmas
.
(op. Cit., p. 187, grifo nosso)
57
apontam realmente para uma síntese, pelo título e pelas negações que são levadas ao
extremo, de uma proposta poética pautada na incompletude e na amargura .
Vejamos, porém, o que faltou para Faraco e Moura nos apresentarem:
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as con
struções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidad
e tabela de co
-
senos secretário do amante exemplar com cem modelos de
cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres,
etc.
Se o trecho a que tivemos acesso nos trazia muitos elementos para analisar,
esses versos do interior do poema que foram ocul
tados do leitor nos acrescentam muito
mais. A reiteração não é um recurso desnecessário. Se os versos ocultados confirmam
o dito, não necessariamente a repetição das idéias e da estrutura compõe algo que
pode ser esquecido. A lição de Alfredo Bosi nos e
nsina com clareza:
Entre a primeira e a segunda aparição do signo correu o tempo. O tempo que
faz crescer a árvore, rebentar o botão, dourar o fruto. A volta não reconhece
apenas o aspecto das coisas que voltam: abre-nos também, o caminho para
sentir o seu ser. A palavra que retorna pode dar à imagem a aura do mito. A
volta é um passo adiante na ordem da conotação, logo na ordem do valor
(BOSI, 2000, p. 42).
Quando o eu-lírico afirma que está farto , está evocando uma sensação que
será potencializada justamente pela repetição. É preciso que a expressão não apenas
evoque o cansaço. É preciso que ela canse. Eis aí, portanto, uma sensação constante no
poema. Atestamos o cansaço não somente pela reiteração do estou farto , mas
também pelos versos de ritmos inumeráveis com os quais nos deparamos. E até
mesmo a rima esdrúxula ( político, raquítico, sifilítico ) é capaz de cansar. que a
58
enumeração explicita as causas do enfraquecimento de um lirismo rotinizado à
exaustão (GARBUGLIO, 1987, p. 36).
Na verdade, o poema busca a exaustão justamente quando atribui
qualificativos para o lirismo. Defender um lirismo político, ou namorador, etc. é pensar
numa forma de expressão lírica que dependa de um motivo para existir. Como se
pudesse haver uma fórmula para expressar os sentimentos, e o amante exemplar
pudesse delegar a um secretário essa incumbência que já não cabe mais em sua
atividade. O lirismo, dessa maneira, está à margem. Daí que, quando se manifesta
preferência pelo lirismo dos marginais (loucos,
cl
owns
e bêbados) apenas se estará
buscando o lirismo onde ele realmente se encontra, pra onde o mandaram. É o que
Roberto de Oliveira Brandão antecipou, como interpretação, ao afirmar que o lirismo
criticado é aquele que possui seu centro fora de si. Mas o próprio poema diz isso num
verso que não é apresentado pelo livro didático:
De todo lirismo que capitula ao que
quer que seja fora de si mesmo
.
Dessa forma, o livro didático ocultou do aluno um importante verso que,
dentro do contexto, ajuda
-
nos a compre
ender o próprio caráter libertador (ou libertário)
da poesia lírica. É que apenas no mergulho dentro de si é possível realizar a observação
individual da realidade, aquela que não é regida por nenhuma ordem, nenhuma regra
social, nenhum motivo pra existir.
Existe por que não é possível ao homem livre a não
-
criação. Faz parte de sua própria natureza e quando essa busca, o homem encontra-
se em sua raiz, que existe mediante a linguagem. Essa raiz também se vincula ao
mito. Porém, cada vez perdemos mais essa noção à medida que a tecnocracia
capitalista e burguesa rotinizou a comunicação, banalizou a imagem, esvaziou o
símbolo e fetichizou o ser. Tais considerações se acrescentam às de Alfredo Bosi:
A poesia muito que não consegue integrar-se, feliz, nos discursos
correntes da sociedade. Daí vêm as saídas difíceis: o símbolo fechado, o
canto oposto à língua da tribo, antes brado ou sussurro que discurso pleno, a
palavra
-esgar, a auto-desarticulação, o silêncio. O canto deve ser um grito
de alarme , era a exigência de Schönberg (...) A poesia moderna foi
compelida à estranheza e ao silêncio. Pior, foi condenada a tirar de si a
substância vital! Ó indigência extrema, canto ao avesso, metalinguagem!
(BOSI, 2000, p. 165
-
6, grifo nosso).
59
Eis que a metalinguagem em Bandeira configura-se como um uso literário
de resistência. O mesmo recurso que pode fechar também pode abrir as possibilidades
do poema. Se a expressão purista da metalinguagem parnasiana exclui o homem do
poema, Manuel Bandeira faz uso do recurso para libertar esse homem para o poema. E
novamente nos respaldamos em Alfredo Bosi:
Toda vez que por metalinguagem entendo o domínio antecipado e
vinculante de um código, estou diante de um estágio avançado de reificação
do fazer poético: é a ideologia acadêmica que, na fase tecnicista, põe a nu
o seu
know
-
how
.
No entanto, posso entender por metalinguagem não a ostensão positiva e
eufórica do código; não a norma, a regra abstrata do jogo, mas exatamente o
contrário; o momento vivo da consciência
que me aponta os resíduos mortos
de toda retórica, antiga ou moderna; e com a paródia ou com a pura e irônica
citação, me alerta para que eu não caia na ratoeira da frase feita ou do
trocadilho compulsivo. Aqui a consciência trava mais uma luta e cumpre
ma
is um ato de resistência a essa forma insinuante de ideologia que se
chama gosto (op. Cit., p. 172-
3).
A negação dos gostos líricos determinados pelas convenções sociais é o que
está manifesto no poema, o
dito
. Porém, segundo Naief Sáfady (1980), a expr
essão
lírica é enunciado
e
sugestão
:
Lirismo é tudo que sugere e diz simultaneamente, num
todo estrutural compacto
(p. 293). O que
Poética
nos sugere através do discurso
metalingüístico é a necessidade de trazer para dentro do poema aquilo que está for
a, ao
mesmo tempo que criticando aqueles que se julgam puramente dentro de um lirismo
que está voltado para fora de si mesmo.
Na mesma expressão dessa matriz
centro
-
margem
, se encontra o poema Os
Sapos que analisaremos a seguir.
2.2. Marginalizando
do
texto o que está retratado
no
texto como marginal.
Faraco e Moura apresentam o poema
Os Sapos
da seguinte forma:
A principal característica formal da obra de Bandeira é o emprego do verso
livre.
60
Bandeira não participou diretamente da Semana de Arte Moderna, mas seu
poema Os Sapos , lido por Ronald de Carvalho, provocou reações radicais
na platéia da segunda noite da Semana.
Os sapos
1.
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
2.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo
-b
oi:
-
"Meu pai foi à guerra!"
-
"Não foi!"
-
"Foi!"
-
"Não foi!".
3.
O sapo
-
tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz:
-
"Meu cancioneiro
É bem martelado.
.....................................
O ataque aos parnasianos configurava, mais uma vez, a disposição do
s
participantes da Semana de provocar uma ruptura com a arte do passado
(FARACO e MOURA, 2001, p. 336
-
7).
Neste duplo diálogo que estamos realizando (diálogo com o poema e com os
autores Faraco e Moura), cumpre primeiramente perguntar:
Os Sapos
ilustra
o verso
livre como principal característica de Manuel Bandeira? Se aí uma utilização de
um verso metrificado, como e porque Bandeira o utiliza? Porque Bandeira não
participou da Semana de Arte Moderna? Manuel Bandeira escreveu o poema
Os
Sapos
somente para criticar os parnasianos? Temos apenas uma disputa entre
poetas tradicionais e novos poetas? Porque a leitura do poema provocou reações
radicais (terá sido só ele?)?
Várias outras perguntas podem ser feitas sobre o trecho lido e as
informações
prestadas pelos autores, sobretudo se considerarmos a sala de aula um
espaço de imprevisibilidade. Porém, será que o trecho do poema que foi apresentado
pode gerar sentidos que não precisem da confirmação na totalidade do poema? É justo
que o professor ou o autor do livro didático retirem do aluno o seu direito de construir
seus próprios sentidos sobre o texto?
61
Assim procedendo, dialoguemos diretamente com o poema. Eis aqui sua
continuidade:
4.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os t
ermos cognatos.
5.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
6.
Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
7.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes po
éticas..."
8.
Urra o sapo
-
boi:
-
"Meu pai foi rei!"
-
"Foi!"
-
"Não foi!"
-
"Foi!"
-
"Não foi!".
9.
Brada em um assomo
O sapo
-
tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
10.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no
martelo".
11.
Outros, sapos
-
pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
-
"Sei!"
-
"Não sabe!"
-
"Sabe!".
12.
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
62
13.
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profund
o
E solitário, é
14.
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo
-
cururu
Da beira do rio...
(BANDEIRA, 1993, p. 80
-
1).
No conjunto do poema, alguns elementos nos fazem acreditar que seu
discurso é evidente e, nesse caso, pode assumir também um tom de manifesto, bem ao
estilo próprio da Semana de Arte Moderna. É verdade que foi uma boa escolha para
realizar as críticas que a cultura belle époque precisava ouvir. Porém, é preciso atentar
para os elementos da própria forma do poema para aprofundar nossa percepção
dessas
críticas.
Segundo percebemos, o poema se divide em duas partes, de acordo com o
foco retratado pelo eu-lírico: a primeira é predominante e vai até a estrofe 11. A
segunda é regida por um novo olhar, uma nova descrição, levantados nas três últimas
es
trofes. A rigor, não diferença formal entre as duas partes: todas as estrofes do
poema são quadras de redondilhas menores (versos de cinco sílabas), e com variação
rítmica. Ora têm-se a cadência nas sílabas 3 e 5, ora 1 e 5, ora 2 e 5. Pode parecer
pouc
o, mas isso é uma novidade para a época. Como afirma Norma Goldstein:
Dentre as inovações rítmicas do segundo livro (intitulado
Carnaval
)
,
inúmeros
casos de deslocamento de acento. Como no tão comentado
Os Sapos
(1987, p. 17).
Assim, pode-se perceber que mudanças na composição formal dos poemas
não eram muito comuns para a época dessa publicação, em 1918. Não obstante,
Manuel Bandeira produz um expressivo poema através de recursos bastante
utilizados até então, e, assim como vimos em
Poética
, até abusa de fórmulas que
parecem surgir para provocar cansaço e enfado. Como exemplos, vejamos o uso das
aliterações e assonâncias. Na primeira estrofe, temos uma repetição das consoantes
oclusivas bilabiais surdas
/b/ e /p/
para gerar os sons da algazarra dos sapos.
Fórmula comum, essa sugestibilidade não era nada nova para uma época tão
63
acostumada com a palavra-símbolo e sua musicalidade. Mas Onestaldo de Pennafort
(1980, p. 106) nos mostra que o poema surpreende com uma antítese a partir da
assonância das vogais /a/ (sugere claridade) e /u/ (sugere escuridão), que se tornam
evidentes se percebidas
principalmente
nas sílabas tônicas dos primeiros versos.
Enf
una
ndo os p
a
pos,
Sa
em da pen
u
mbra,
Aos p
u
los, os s
a
pos.
A l
u
z os desl
u
mbra.
Já como
elemento de representação, esse dado sonoro nos ajuda a localizar o
jogo de oposições do poema. Os sapos são seres de ambiência noturna, mas desejam
ardentemente aquilo que não podem ter
a luz. São criaturas da noite, mas se
encantam com o dia. aqui uma direta ligação entre a forma poética (as assonâncias
e aliterações), seu sentido imediato (as sugestões pela antítese luz X escuridão), e os
seres representados metaforicamente. E se temos, como horizonte de expectativa,
o fato de que os sapos estão representando poetas, antecipamos como conclusão
que os poetas representados são de uma esfera de aparências, voltados para algo que
não lhes é real.
Pois bem, saem da penumbra . E então vão cantar ou coaxar? A seleção
vocabular nesse caso é primorosa: Berram , dizem , urram , bradam , falam
pelas tripas ... soluça . As ações oratórias dos sapos são atividades representativas
dos estados humanos. São, então, metáforas de uma condição antes de tudo social:
agem pelo grito para se impor, se mostrar. O grito é disputa de atenções num espaço
onde não quem queira dar atenção, como o único recurso existente para aquele
grupo existir naquele lugar.
E o que gritam os tais sapos? O que desejam expor em tal algazarra? A auto
-
proclamação de seus méritos por títulos, parentescos e posses (inclusive de saberes). O
sapo-tanoeiro pinta-se como grande poeta, de versos puros ( frumento sem joio ),
rimas raras ( com consoantes de apoio e com palavras não-cognatas) e proximidade
ao trabalho dos artistas pl
ásticos. É o sapo mais representativo do grupo, já que é o que
fala mais. É também aquele que podemos distinguir mais facilmente entre as pessoas
64
criticadas pelo poema, que seu discurso parafraseia a Profissão de , de Olavo
Bilac, poema considerado
como o hino da arte pela arte.
Os outros sapos descritos na primeira parte do poema são menos
identificáveis e aparecem como co-adjuvantes do tanoeiro, mas ilustram posturas
sociais definidas. O sapo-boi canta seus títulos de parentesco. Os sapos-pipas
batem palmas, como na postura descrita por Erasmo de Rotterdam, na epígrafe deste
capítulo:
os que os entendem se pavoneiam, e os que não os entendem os admiram
ainda mais
(op cit.)
14
.
Mas é no festival de vaidades que o poema está concentrado? O poema s
e
encerra nessa visível antítese (a mediocridade de quem se declara superior)? Se fosse
apenas isso, talvez pudéssemos anos contentar com as três primeiras estrofes, como
aparecem no livro didático. Mas, como em uma pintura, em que o centro nunca é
nece
ssariamente o ponto geométrico mediatriz, mas o foco de luz advindo da relação
claro
-escuro, a segunda e menor parte dOs Sapos
reserva-se como o seu centro. E
ainda em antítese: o centro é aquele que está na periferia, na margem, na beira do
rio , é o Sapo-Cururu , em cuja sonoridade se concentram todas as sugestões de
inferioridade pela vogal /u/.
A propósito dessas sugestões fonéticas, Alfredo Bosi nos adverte com
toda a tradição estilística que
o que desnorteia os que buscam uma relação constante
e
congruente entre tal som e tal sentido é a maleabilidade infinita com que o homem
trabalha a matéria fonética
(2000, p. 75). Portanto, a palavra
cururu
parece ter ganho
em nossa cultura um aspecto de escuridão, tristeza, mal-aventurança, negatividade (
op
cit. p. 56-61), mas, potencializado no poema, Manuel Bandeira o torna o centro das
14
A título de curiosidade e em acréscimo a essas informações, procuramos no dicionário Aurélio Eletrônico, as
particularidades dessas espécies. Sapo-Tanoeiro é a chamada
perereca
; Sapo-Boi é também conhecido como
sapo gigante, um dos maiores do mundo. Sapo
-
pipa vive na água e não tem língua. O interessante dessa busca, na
verdade, é a
etimologia
dos termos: tanoeiro vem do gaulês tanoer , indicando aquele que faz tonéis, trabalho
minucioso,
boi
vem do latim e
pipa
vem do latim vulgar. Cururu, o sapo mais comum no Brasil, seria o único
etmo propriamente brasileiro, vindo do
tupi
. Esse não nos parece ser um dado de todo irrelevante.
65
atenções, remotivando a vogal /u/ para a claridade antitética já prevista no quarto verso
da primeira estrofe (
A l
u
z os des
lu
mbra
), sobre o qual já dizia Onestaldo de Pen
nafort:
Encontra representação magnífica a ambiência noturna e, pois, batraquial,
da poesia, mercê, talvez da assonância da quinta vogal e quem sabe também
da encantação operada pela sugestão latinizante
lux
-
lumbra
das suas duas
palavras tônicas, em curio
sa antilogia. Esse quarto verso do poema, unido ao
contexto, com o qual contrasta artisticamente, no sentido como nos seus
veículos expressionais, produz uma admirável impressão de contemplativo
alumbramento noturno (op cit. p. 106
-
7).
Essa sugestão de Pennafort serve-nos de pista para a oposição básica no
nível discursivo do poema: As relações
central
-
marginal
do plano de conteúdo
relacionadas com a sonoridade plástica (plano do enunciado) que sugere
iluminação
-
escuridão
.
Daí que não podemos acomodar nossa leitura literária sobre Manuel
Bandeira com as três primeiras estrofes dOs Sapos . Esquecer as três últimas estrofes
é esquecer uma das matrizes do texto, a que trata justamente de quem é esquecido no
Brasil, quem está à margem, na obscuridade de uma noite imensa .
2.3.
O sorriso
e
a
exclusão
da sociedade
na história da literatura
Até aqui pudemos observar como os poemas manifestam um jogo de
exclusão social representado pela oposição entre
centro
e
margem
, refletindo uma
realidade do início do século XX, sendo fácil, até certo ponto, identificar os atores
daquela sociedade em questão. Também temos uma boa oportunidade de
compreender em que aspectos a escola parnasiana é um alvo imediato do poema, à
medida que, na voz preferencial de um sapo-
poeta,
distingue-se uma doutrina que
privilegia a forma, exclui a emoção, tende a reduzir o conceito de beleza estética com
teorias e acaba matando o lirismo. A única coisa que ainda conseguia criar eram
convenções. E aqui cabem as considerações de José Carlos G
arbuglio:
66
Convenção em arte é igual a convenção em sociedade. Ambas têm a
finalidade de guiar conforme o uso, devido ou indevido. Ao corroer a
convenção poética pelo espírito satírico do poema, Bandeira está ao mesmo
tempo se insurgindo contra a prática social que lhe sustento. Rebelar-
se
contra a poética e suas convenções significa investir contra a ordem social
responsável pelas formas gerais do aprisionamento e ao mesmo tempo
orientar a linguagem para a libertação (op. Cit., p. 35).
E libertação é uma tônica do modernismo que não implica somente em
novas formas de escrita, o que indica que o fazer literário é um agir dentro da vida. Era
e ainda é
preciso, pois, compreender o modo de vida, os interesses e as relações
sociais implicados nas posturas literárias para poder haver uma efetiva libertação.
Neste caso, o que se convencionou chamar de parnasianismo é mais do que o nome
pode expressar. Se o nome
designa
os cultores da forma e da objetividade como
processos de construção poética, seguindo os modelos franceses a partir de Baudelaire
e Leconte de Lisle, o grupo em si é a opulência de uma burguesia pós-
colonial
envolvida por um clima de ostentação urbana. Se o ideal da arte pela arte
representa
um conjunto de poemas descritivos sobre vasos, paisagens e jóias, essa pregação é o
pleno consumo. Pelas palavras de Antônio Candido:
É possível mesmo perguntar se a visão luxuosa dos parnasianos (e de alguns
simbolistas), a sua descrição de vasos de porcelana, salas de mármore,
metais preciosos, jóias, tecidos raros não representava para as classes
dominantes uma espécie de correlativo da prosperidade material, e, para o
comum dos leitores, uma miragem compensadora que dava conforto. Essa
visão externa e opulenta aparece também no tratamento que os parnasi
anos
deram ao corpo feminino, descrevendo-o com extrema sensualidade como
se fosse estátua viva
portanto (numa leitura desmistificadora) reduzida ao
nível dos objetos preciosos (2004, p. 75
-
6).
Em complemento, Alfredo Bosi nos esclarece que:
Baudelaire
falava em moral das coisas , o que não significava
impassibilidade, mas objetividade. Desta última, mal-entendida, passou-
se
em pouco tempo, ao fetichismo do objeto, à
reificação
, de que fala a crítica
dialética ao analisar o espírito da sociedade burguesa nos seus aspectos
autofruidores (1999, p. 221).
Assim, o parnasianismo configura-se como uma arte de e
para
uma classe
específica no Brasil, mas serve-nos historicamente como observação das raízes de um
67
comportamento colonial resistente ao tempo. Justamente por ser colonial, é que se
trata, no dizer de Luiz Costa Lima, de uma cultura voltada para fora (1981, p. 20), em
que não havia um público formado para a palavra escrita, contentando-se com o
discurso oralizado (e não oral), ou mesmo lido, o que gerou uma ênfase na palavra
embelezada, mas não necessariamente entendida. Ainda com Luiz costa Lima:
O efeito de impacto produzido consistia em impressionar o auditório, em
esmagar a sua capacidade dialogal, em deixá-lo pasmo e boquiaberto ante a
perícia verbal e a teatralização gesticulatória, maneiras de rapidamente
subjugar o auditório. Pois a cultura
auditiva
15
é profundamente uma cultura
de persuasão. Mas de persuasão sem o entendimento (op cit., p. 16).
À palavra, então, refém de uma cultura de dominação pela dimensão da
ostentação, restava a exclusão de sua significância. Não precisava, no contexto aqui
descrito, haver compreensão, mas beleza. Não precisava haver poesia, mas artes
poéticas. Ao poeta, restava a aceitação da fôrma. E expressar-se liricamente, expor
uma motivação subjetiva, representaria banimento, esquecimento, a margem.
A realização da crítica aos cultores da forma (comumente identificados pelo
nome de parnasianos) por parte do poema Os Sapos
é, em conclusão a essa incursão
histórica
, realização de uma crítica de classe, à medida que, paralelamente, concretiza-
se uma operação de solidariedade ao excluído, que é, certa maneira, identificação de
classe. É claro que não podemos negar a origem aristocrática de Manuel Bandeira, mas
suas experiências de vida, expressas na sua poesia de circunstâncias e desabafos ,
revelam
-nos um homem inserido num violento processo de perdas e descobertas, num
caminho em que seus pares são os meninos carvoeiros, o menino tísico José de
Na rua
do sabão , Irene, João Gostoso, entre outras personagens de alguns dos seus poemas
mais famosos.
É assim que Os Sapos
pode também ser entendido como um prenúncio do
que virá com a cristalização do modernismo
muito claro em Ritmo Dissoluto e
incontestável em
Li
bertinagem
. Não se trata somente da libertação das amarras
15
Luiz Costa Lima não se refere com esse termo a uma cultura oral. Pelo contrário, diferencia cultura
auditiva
de
cultura oral,
atribuído àquela um sentido de dominação pela palavra escrita.
68
parnasiano
-simbolistas. Trata-se mais propriamente da valorização do estilo humilde,
modo poético que reflete a escolha temática da pobreza vista e vivida pelo poeta em
sua permanência carioca pós
-
tratamento de tuberculose. Segundo Davi Arrigucci Jr:
Os exemplos esparsos de emoção social do poeta , na verdade, são poemas
em que a pobreza aparece como objeto da representação literária, isto é,
como um assunto a que não se pode furtar um poeta com os olhos voltados
para a realidade brasileira, onde a miséria é o prato de cada dia. Mas não é
como tema que a pobreza, aqui importa. É essencialmente no modo de
representação que se afirma sua importância fundamental: concebida como
um valor ético de base, um modo de ser exemplar, a humildade se converte
ainda num princípio formal do estilo (1983, p. 113).
Dessa forma, Manuel Bandeira concretizará um processo estilístico de
simplicidade da forma refletindo a simplicidade da vida. É assim que se apresentam
os
poemas
Na Rua do Sabão
e Meninos Carvoeiros , por exemplo, em que o verso
livre é uma exigência dos sentidos atingidos.
Os Sapos é anterior a isso, não possui verso livre, demonstra preocupação
formal de formação simbolista, mas não pode deixar de ser percebido como um ponto
de partida desse processo de formação do estilo humilde. Já aqui se representa a tensão
entre
centro X margem
e, em acréscimo:
pompa dos sapos X humildade do cururu
.
Há, portanto, uma profunda identificação do poeta com o sapo excluído, que é, por sua
vez, metáfora
pela sonoridade e etimologia
de várias parcelas da população
brasileira
, sofrid
as
como Manuel Bandeira (guardadas as devidas distinções). E essa
percepção fica bela novamente nas palavras de Arrigucci:
Neste confronto entre a ameaça inevitável de destruição e a fragilidade da
resistência humana, pelo trabalho cotidiano e humilde, Bandeira de certo
resgata um sentido de sua própria arte poética: a função social de sua
palavra fraterna, solidária com a pobreza. Nisto sua poesia parece encontrar
sua razão de ser, pois o poeta se sente amparado na experiência comum com
os outros homens e pode reconhecer na força da fraqueza um poder
paradoxal de expressão
(op cit. p. 122, grifo nosso).
Esse poder vivo e constante do estilo de Manuel Bandeira pode e deve ser
entendido como essencialidade de sua obra. Por isso lutou, mesmo sem participar
69
ativamente da Semana de 22, pela libertação da palavra dos modelos pré
-
estabelecidos.
Não verso
-
livre, mas verso
-
libertação
.
E é nesse sentido que o poema nos impõe uma questão à historicidade do
texto literário, para a qual esperamos estar respondendo: se Os Sapos
enforma uma
realidade da convencionalidade poética dos parnasianos e se o mesmo representa um
manifesto contra o parnasianismo, qual a sua contemporaneidade, visto que aquela
realidade descrita não é a nossa realidade atual?
A pergunta acima põe em cheque a importância da leitura do poema, ou seja,
sua significância
16
, se, abordado da forma como é feita por Faraco e Moura, essa
leitura me serve apenas como fonte de conhecimento, ou melhor, de informação.
Porque para obter uma
informação
sobre
a literatura, talvez não seja preciso mesmo o
poema, e apenas seus trechos sejam suficientes. Contudo, é somente conhecimento
sobre a literatura o que nos interessa? Apenas esse conhecimento é capaz de formar
leitores? Forma, em conseqüência, pensadores da cultura brasileira, que, pela mais
importante lição de Paulo Freire, ler é, antes de tudo, ler a realidade?
Não podemos conceber como história da literatura uma postura que
fragmenta o texto ao nível da informatividade, regulando o que o estudante deve
conhecer sobre o texto literário e simplificando sua significância.
A realidade descrita no poema
Os Sapos
é a realidade de uma exclusão,
de
dominação da cultura por uma classe. E não nos consta que a realidade brasileira tenha
deixado de ser assim. Assunto que parece um tanto silenciado (ou mascarado) na
escola.
É possível concretizar interpretações de outras ordens sobre esses tão
express
ivos (e ao mesmo tempo sui generis) poemas de Manuel Bandeira. Mas o
percurso realizado até aqui ilustra o propósito central deste capitulo, qual seja, a
16
Conceito estabelecido por Rifaterre, que nos diz: todo constituinte do poema que dirige nossa atenção para
outra coisa significada será então uma constante e, como tal, será perfeitamente possível de a distinguir da
mimese. Esta unidade formal e semântica que contém os índices de obliqüidade, chamá
-
la
-
ei, de agora em diante,
de
significância
. Reservarei o termo
sentido
para a informação fornecida pelo texto ao nível mimético. Do ponto
de vis
ta do sentido, o texto é uma formação linear de unidades informativas. Do ponto de vista da significância, o
texto é um todo semântico unificado (1989, p. 97-
8).
70
demonstração de que o texto fragmentado pelo livro didático pode até permitir uma
compreensão do dito, estabelecido na superfície mais imediata do poema. Porém,
outros elementos a que o jovem leitor não tem acesso acrescentam possibilidades de
interpretação das sugestões do texto, o que deve ser a nossa meta como professores.
71
3º CAPÍTULO
POSSIBIL
IDADES E LIMITES
três classes de leitores: o primeiro, o que goza
sem julgamento, o terceiro, o que julga sem gozar, o
intermédio, que julga gozando e goza julgando, é o
que propriamente recria a obra de arte.
Johan Wolfgang Goethe
Apud
JAUSS, 1979, p.
103.
72
3.1. No e
spaço
i
nstituído
Depois dos estudos teórico e a análise literária, procedi com a aplicação dos
poemas Os Sapos e Poética em salas de aula do terceiro ano do e
nsino
m
édio
em
setembro de 2006. Essa aplicação relevou todos os aspectos institucionais da
escolarização do texto literário. Em primeiro lugar, obedeci ao currículo oficial e que
também concerne ao programa vestibular, que especifica o assunto modernismo e
Manuel Bandeira para a última série do programa escolar, de acordo com o critério
historicista
17
. Por conseguinte, as aulas foram trabalhadas em consonância com o
planejamento do professor regular de literatura para aquelas turmas da escola
18
. Foram
aproveitadas as suas aulas em cada uma das turmas de terceiro ano, perfazendo sete
aulas, sendo uma como observação livre dos procedimentos do professor, cinco dentro
do próprio planejamento de aplicação desta pesquisa e uma última aula ministrada em
conjunto (o professor e eu).
Em razão da oficialidade dos conteúdos e do ritmo de aulas do terceiro ano
da escola particular, foi possível realizar a aplicação dentro desse espaço de tempo,
ou seja, uma aula em cada turma. Esse fato marcou sobremaneira a experiência, pois,
apesar de conhecer aqueles alunos (fui professor deles dois anos antes), o espaço de
diálogo e de conhecimento prévio não foi tão positivo para mim quanto evidentemente
é para o professor estabelecido no dia-a-dia das turmas. De maneira que não foi
possível realizar observações do ponto de vista da pa
rticipação
. Assim, creio que as
reflexões que levantarei aqui podem ser relevadas apenas de maneira geral e talvez
contribuam mais como teorização do que como metodologia de ensino, embora saiba
que ambas são complementares.
17
Mesmo tendo em vista um crescente movimento de mudança dessa perspectiva, bem de acordo com os
Parâmetros Curriculares Nacionais, vários vestibulares e, mais recentemente publicados, os
Referenciais
Curriculares da Paraíba.
18
Aliás, a participação desse professor abriu várias possibilidades para o encaminhamento das aulas.
73
Os conteúdos e objetivos das aulas seguiram o historicismo
19
que foi
enfatizado nos capítulos anteriores. A intenção era observar como o parnasianismo era
discutido e criticado em Poética e Os Sapos , bem ao modelo que muito
observamos nos livros didáticos. Por isso, os poemas fora
m apresentados aos alunos da
forma como estavam, manipulados pelo material indicado pela escola, ilustrando os
conteúdos da 1ª Geração Modernista e a crítica ao parnasianismo.
Na seqüência, o plano previa que depois da leitura e discussão dos poemas
fragm
entados, seriam apresentados os trechos que faltavam através de retroprojetor. A
intenção era, de acordo com a proposta recepcional de Bordini e Aguiar (1987),
estabelecer uma leitura no nível da compreensão do texto (primeiro horizonte de
leitura), de maneira a satisfazer o horizonte de expectativa dos alunos com os poemas
em seus trechos. Em seguida, era preciso questionar esse horizonte de maneira a
estabelecer uma procura por aspectos que ficaram em aberto com o trecho. Assim, a
interpretação e a fusão de horizontes (segunda e terceira leituras) poderiam ser
concretizadas com o trecho complementar. Essa concretização é que seria responsável
pelo alargamento do horizonte de expectativas dos leitores. Segundo as mesmas
autoras:
O processo de recepção se completa quando o leitor, tendo comparado a
obra emancipatória ou conformadora com a tradição e os elementos de sua
cultura e seu tempo, a inclui ou não como componente de horizonte de
expectativas, mantendo-o como era ou preparando-o para novas leituras de
mesma ordem, para novas experiências de ruptura com os
esquemas
estabelecidos
(p. 85, grifo nosso).
Segundo planejava, esses esquemas poderiam se estabelecer durante a
própria dimensão da aula, à medida que os alunos discutiam os aspectos do texto
fra
gmentado e esperavam mais dele. A possibilidade de trabalhar com poemas
fragmentados residia nessa perspectiva de usar o próprio trecho como proposição do
horizonte de expectativa e o complemento do poema como ruptura. Conheceria o
horizonte de expectativas à medida que, dialogando sobre a crítica modernista, seria
19
Ressalte-se que a intenção de trabalhar com o historicismo não necessariamente o nega ou defende, mas acima
de tudo procura refletir didaticamente sobre suas possibilidades.
74
possível saber o que os alunos pré-viam como básico conhecimento dos poemas
propostos. Atenderíamos ao horizonte de expectativas quando fosse dada aos alunos a
estrutura fragmentada dos poemas para satisfazer o conhecimento de que eles
estabelecem críticas aos poetas parnasianos. Supunha uma ruptura com o horizonte
expectativas quando propuséssemos a leitura dos complementos dos poemas. E
estaríamos questionando e ampliando o horizonte de expectativas à medida que fossem
levantadas com os alunos outras possibilidades de leitura a partir dos fragmentos
ocultados.
Eu contava que o trecho do livro didático se revelaria insuficiente,
principalmente para o poema Os Sapos ; que os alunos iriam demonstrar seus
horizontes de expectativas quando imediatamente questionados; que expressariam
incertezas no momento da leitura; e que poderiam se surpreender com os trechos dos
poemas que não lhes foram apresentados de início.
Contudo, o que se sucedeu foi, em
boa
parte do tempo, um silenciamento
pouco produtivo no que tange às falas de alunos. Por vários momentos eu fazia
perguntas e esperava, em vão, por respostas que, quando vinham, diziam pouco sobre o
que de fato aqueles jovens leitores poderiam estar elaboran
do sobre os textos
20
. Mesmo
assim, o silêncio não é necessariamente pouco significativo em uma pesquisa de
aplicação de poemas em sala de aula.
Num primeiro momento eu pensei que aquela situação era plausível, pois se
tratam de alunos que estão na etapa final de um processo silenciador, que o caráter
da escola (e da maioria do sistema escolar, de forma geral) é conteudista e informador.
Pensei ainda que a necessidade imediata que aqueles jovens tinham era de esquemas
facilitadores que pudessem resumir as idéias gerais dos poemas. Além do mais,
acreditei que, se Manuel Bandeira não estava listado entre os autores indicados pro
20
Algumas hipóteses podem ser levantadas para a pouca participação dos alunos. Por exemplo: as diferenças de
turmas por interesses das áreas do vestibular (humanas, exatas, biomédicas); alguns alunos talvez não
simpatizassem com minha figura ou subestimassem minha capacidade em comparação com a do professor (que
certamente possuía muito carisma entre os alunos); foi avisado desde o começo que aquelas aulas seriam
gravadas. Enfim, muitas podem ser as variáveis que determinam a participação, sobre as quais não podemos nos
concentrar.
75
vestibular da Universidade Federal da Paraíba (principal interesse da maioria), não
haveria motivação de muitos dos alunos para assi
stir àquela aula.
Essas primeiras reflexões, de certa maneira intuitivas e apenas preliminares,
somavam
-se com o levantamento que fiz paralelamente às aulas. Com um
questionário, eu procurei levantar as preferências de leitura dos alunos. O quadro a
seguir
mostra os poetas que mais despertaram o interesse dos alunos durante sua
passagem na escola. Por ordem de vezes em que foram citados:
Mais citados:
nº de vezes
Augusto dos Anjos
31
Castro Alves
19
Carlos Drummond de Andrade
11
Mário Quintana
11
Gregó
rio de Matos
9
Vinícius de Moraes
7
Cecília Meireles
5
Manuel Bandeira
5
Álvares de Azevedo
4
Olavo Bilac
3
Ronaldo cunha Lima
3
Aluísio Azevedo
2
Ariano Suassuna
2
Machado de Assis
2
Mário de Andrade
2
Cartola
1
Cruz e Sousa
1
Fernando Pessoa
1
Francisca Júlia
1
Giordano Fontes
1
Gonçalves Dias
1
Graciliano Ramos
1
Guimarães Rosa
1
Luiz Fernando Veríssimo
1
Lupicínio Rodrigues
1
Maiakóvsky
1
Modestino de arruda fontes
1
Paulo Coelho
1
Pixinguinha
1
Renato Russo
1
Shakespeare
1
To
más Antônio Gonzaga
1
Nº total de questionados:
175
76
À primeira vista esse quadro me indicava que os poetas que foram mais bem
recebidos pelos jovens (à exceção de Augusto dos Anjos) eram aqueles que estavam na
lista do vestibular da UFPB (primeira opção de vestibular em João Pessoa) durante sua
passagem pelo ensino médio (poetas em negrito). Estaria, dessa forma, explicado o
desinteresse pela aula sobre Manuel Bandeira que eu estava ministrando, já que ele não
constava entre as leituras obrigatórias que tão comumente fazem os alunos clamarem
por resumos?
Não posso me satisfazer com essa leitura simplista, mesmo que ela apresente
argumentos até certo ponto verdadeiros. Também preciso observar que a maioria dos
alunos que responderam ao questionário não gostam de ler poesia, o que leva a outras
reflexões sobre o processo inteiro de sua formação. Por isso, preciso refletir também
onde eu estava me equivocando no encaminhamento daquelas aulas. Por exemplo, em
nenhum momento eu dei aos alunos a oportunidade de ler os textos. Era sempre eu
quem os lia e dava a minha realização sonora. Por sua vez, os alunos, talvez
habituados, não chegaram a pedir para ler, o que oportunizaria experiências de
interpretação pela entonação das palavras no decorrer da enunciação, que, com
Alfredo Bosi, sabemos que se o leitor conseguir dar, em voz alta, o tom justo ao
poema, ele terá feito uma boa interpretação, isto é, uma leitura afinada com o
espírito do texto
(2003a, p.469).
Eram constantes as perguntas que eu fazia e para as quais esperava respostas
específicas. Não ouvindo as respostas, então, repetia as mesmas perguntas do mesmo
modo, o que aumentava a tensão da aula. Estaria eu fazendo as perguntas adequadas ou
estimulantes? Para as questões que eu levantava, aceitaria outra resposta que não fosse
a que eu pré
-
concebia?
Um exemplo disso se deu, mesmo em uma discussão sobre vocabulário,
quando eu perguntava: gente, o que quer dizer
capitular
? que aparece no verso
de
todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo. Uma aluna
respondeu: é se render . Não considerando suficientemente o que dizia a aluna,
procedi com a explicação que eu julgava mais cabível à idéia do verso:
capitular
vem
77
de
capítulo
, que por sua vez vem de
cabeça
, ou seja, o lirismo que centraliza-se em
tudo que está fora de si mesmo . Mas porque não podia ter aceitado a resposta da
aluna? No momento eu não considerei que a idéia de se render aplicava-se no verso, o
que tem
relevante
sentido.
Percebo então, em uma simples situação de vocabulário, como podemos,
inconscientemente
, contribuir com uma cultura de silêncio imposta à juventude,
marcada pela imposição de uma voz que poucas vezes deixa de ser a nossa e a do livro
didático
. E vejo hoje, com a teoria, que essa voz é sempre nossa porque muitas vezes
não temos suficiente autocrítica que seja baseada em uma suficiente concepção teórica.
No caso da leitura literária, é preciso compreender a dimensão da nossa real tarefa ao
levar o poema para a sala de aula. Para que poesia? Por que ler um poeta de
determinada escola literária e outro não? Tais reflexões envolvem as questões de
formação do cânone e conduzirão a um certo relativismo, mas que precisa fazer algum
sentido para quem participa das nossas aulas.
Em primeiro lugar, é preciso considerar que
em
boa parte das nossas
experiências
ainda
manifestam
modelos teóricos muito tempo questionados, mas
que, pela própria natureza do processo de mudança, ainda persistem. Um exemplo é a
explication de texte que, segundo Alfredo Bosi (2003b), parecia uma técnica estreita
saída de uma tradição escolar em que a raison raisonnante levara sempre a melhor
sobre a intuição e o sentimento (p. 18-9). Essa perspectiva pressupunha o texto como
uma unidade de idéias que se concretiza totalmente na organização dos enunciados.
Concebia
-se, dessa forma, o trabalho da leitura literária apenas como uma ação
racional, em que a interpretação nada mais seria do que uma explicação (por isso o
nome) do que o texto (ou autor) está querendo dizer. Mesmo com suas vant
agens
21
, a
explication
não abre possibilidades para a experimentação das sonoridades e das
imagens. Além disso, a observação da historicidade do texto fica comprometida, pois o
máximo que o professor pode discutir em sala é o contexto histórico em que ele f
oi
21
Às vezes, esse modelo me ajuda a compreender, junto com os alunos, alguns poemas que me deixavam mudo.
Posso dizer que sou mesmo levado a percepções reveladoras. Acontece
-
me bastante com Camões, por exemplo.
78
criado. Ainda segundo Bosi, para que a imbricação de texto e contexto se efetuasse
com rigor metodológico, seria necessário que o
explicador
primeiro relativisasse suas
categorias de análise em vez de assumi-las como critérios de valor (op. Cit., p. 21,
grifo nosso).
Essa oportuna fala de Bosi identifica bem a situação em que nos
encontramos, ainda que a explication de texte não seja mais a única instância
engessada na tradição escolar. Na verdade, interessa bastante aqui a questão da
relativização das categorias de análise , além do uso do termo explicador . Com esta
palavra, ficam bem aproximadas as figuras do
crítico
e do
professor
como indivíduos
que precisam ter uma leitura em quantidade e qualidade acima da média, e
normalmente utilizam esse atr
ibuto para desvendar os mistérios do texto. Segundo Ivan
Teixeira, uma visão comum e superficial que se tem do crítico é de que ele seja o
indivíduo que melhor do que a média das pessoas, e sua função primordial seria
transmitir noções que orientassem a leitura, o estudo, a análise, a interpretação e a
avaliação de uma obra de arte literária (1998, p. 37).
Na verdade, pensarmo-nos como explicadores significa uma tarefa de
observar os dados discursivos do texto em toda a sua amplitude, simplificando-os para
um outro leitor que, por motivos tão variados quanto desconsiderados, hipoteticamente
não têm uma leitura tão apurada quanto a nossa. A prova incontestável dessa visão do
professor como explicador é a existência do resumo, que aparece até como um
a
exigência de muitos alunos.
Dessa forma, ser explicador é ser uma espécie de portador do sentido do
texto literário, de maneira que, sem esse sujeito, a leitura se processa pobremente.
Wolfgang Iser, em O Ato da Leitura, desmistifica essa perspectiva, colocando em
xeque o trabalho desse crítico (que aqui aproximamos do professor) como o intérprete
portador do sentido:
79
Se o autor sofre uma perda através da significação desvelada pelo crítico
(...) então o sentido é algo que pode ser subtraído do texto. Ao extrair o
sentido, enquanto núcleo próprio da obra, esta se esvazia; por isso, a
interpretação coincide com a consumptibilidade da literatura. Tal
esvaziamento, contudo, não é apenas fatal para o texto, pois é suscitada a
pergunta: em que se pode fundar ainda propriamente a função da
interpretação, se ela, através da significação tirada da obra, a abandona
como uma casca vazia? (1996, p. 25
-
6).
Em outras palavras: se for possível a um explicador a capacidade de
explicar um texto literário por completo, ou seja, resumir todo o seu conteúdo e
facilitar isso a alguém, de que servirá a esse alguém a leitura da obra em si? Para que
ler um texto que está decifrado? Portanto, essa perspectiva na Estética da Recepção
questiona, na raiz, o trabalho de interpretar, posto que, se compreendido como
intermediador ou explicador , o intérprete se estabelece soberbamente dentro do
modus operandi da comunicação atual, p
oi
s a pragmática das relações nesta realidade
orienta para a explicação imediata, avessa a viagens , onde o texto literário deve ser
acessível. E entenda-se por acessibilidade a referencialidade do significado. Não é
precisamente isso que muitos alunos pedem quando querem um resumo ou um bizu
para o vestibular?
É aqui que vejo um contraste entre o ensino de literatura e a realidade
educacional em que estamos. Já que o sentido não é redutível a um significado
referencial e o significado não se deixa reduzir a uma coisa (op. Cit., p. 29), a procura
pela explicação da obra literária não pode se fundamentar na descoberta de um
sentido oculto , um segredo que o autor escondeu nas malhas do texto. De acordo
com essa mesma proposição, a leitura do texto literário vai além da relação Sujeito-
Objeto, pois o sentido de uma obra nunca é somente um objeto a ser assimilado pela
consciência de um sujeito. Na verdade, todo leitor, sendo sujeito de uma relação de
comunicação com a obra, deve satisfazer a um estado de suspensão da realidade que
a obra propõe. Esse jogo de adentramento ao texto requer que o seu sentido seja antes
uma imagem do que uma idéia ou conhecimento referencial. Sendo assim, o sentido
não é mais algo a ser explicado, mas sim um efeito a ser experimentado (op. Cit., p.
34, grifo nosso).
80
Por essas considerações, concluímos que o ato intelectivo do crítico ou do
professor de explicar o sentido da obra pode esvaziar o possível efeito que ela provoca
no leitor. Isso certamente derruba o trabalho de uma grande variedade de professores
que preparam suas aulas na expectativa de fazer com que os alunos compreendam o
sentido do texto que estiver posto em questão. Desmistifica também muitos materiais
didáticos que se concentram na apresentação de um conteúdo, uma informação
sobre
algo, sendo esse algo precisamente o texto literário, ou pior, sobre o autor. Mas então,
diante dessa realidade, o que nos resta fazer?
Se o papel do professor não é necessariamente orientar a leitura, o estudo, a
análise, a interpretação e a avaliação de uma obra de arte (ainda que muitas vezes seja
preciso realizar esse esforço porque o horizonte de expectativas do jovem leitor pode
não entrar em sintonia com a obra e ele acaba por rejeitá-la); se também não podemos,
como criti
quei
no primeiro capítulo, resumir nossos conteúdos no historicismo e nos
fragmentos confirmadores das características das escolas, uma forma de enfrentar o
impasse pode ser a
ado
ção
da postura de que o professor é, antes de tudo, um ser
humano debruçado sobre uma realidade. Ou seja, não se trata de um profissional do
acúmulo do saber; nem tampouco se espera que seja um intérprete de voz superior à
das outras pessoas.
Contudo, podemos perceber que muitos alunos estão acostumados com essa
visão do professor, bem como com a concepção historicista do conteúdo, que por sua
vez é o acúmulo de saber a que me referi. Tanto que, na hora de interpretar Os
Sapos , por exemplo, alguns alunos de uma turma internalizaram ao poema
exatamente uma concepção dos embates entre as escolas literárias que eles tanto se
acostumaram a ver no ensino médio. Quando perguntados sobre o sapo-cururu que o
poema destaca, pensavam que ele poderia ser um poeta romântico ou mesmo
modernista, desde que não estivesse incluído no grupo dos poetas parnasianos ou
simbolistas, os alvos do poema. Em outra ocasião da mesma turma, um alun
o
afirmou que entendia que a luz que está dita no quarto verso da primeira estrofe ( a luz
os deslumbra ) poderia ser, metaforicamente, a luz da modernidade, da novidade. Ele
81
não percebera que os poetas parnasianos não podiam se deslumbrar com aquilo que
eles preferiam ignorar. De toda forma, também era válida a
leitura
desse aluno, que
ele destacava uma poderosa metáfora do texto, à qual nos referimos no segundo
capítulo. Dentro da estética da recepção, podemos dizer que ele compreendeu, mas não
interpr
etou.
Infelizmente não aproveitei essa percepção, já que estava mais preocupado
com o tempo da aula.
É importante considerar as questões históricas determinantes ao texto, mas
por outro lado é essencial que a análise se paute nos elementos internos a ele,
primeiramente de dentro pra fora. na ordem oposta, de fora pra dentro, a história da
literatura de ajudar, no caso de leitura aqui estudado, para compreender situações
descritas e metáforas que projetem a realidade e as condições de produção do texto
.
Ivanda Martins afirma que ensinar literatura não é apenas elencar uma série
de textos e autores e classificá-los num determinado período literário, mas sim
revelar
ao aluno um caráter atemporal, bem como a função simbólica e social da obra literária
(2
006, p. 91, grifo nosso). De fato, repensar o conteúdo é importante (e é o que
fizemos no primeiro capítulo), mas também precisamos repensar as atitudes do
professor. Penso que se apenas revelarmos as significâncias simbólicas, históricas e
sociais de uma obra aos alunos, estaremos ainda satisfazendo a transmissão de
conteúdos, porque os portadores do saber ainda seremos nós. Talvez, em vez de
revelar
a professora devesse dizer, nesse caso, discutir , ou possibilitar que os
alunos tenham revelações so
bre o texto .
Estou convencido de que o papel do professor é, tomando uma posição
coerente entre as correntes ideológicas do seu tempo, dedicar-se à análise dos
contextos e de como a obra encerra essa realidade dentro de si. Buscar a pergunta
original a que o texto responde, para de posse do
problema
, compartilhá-lo com o
aluno, e deixar que ele busque suas respostas, usando a leitura como metodologia
essencial, num gesto de pesquisa filosófica tão contrário às tecnologias da informação.
Evidenciam
-se aqui, em diálogo, as perspectivas: sociológica de Antônio Candido; e a
valorização do leitor, com a estética da recepção.
82
Em suma, nosso trabalho é problematizar a realidade. Como dizia o
grande educador:
Quanto mais se problematizam os educandos, como seres n
o mundo e com o
mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais
obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na
própria ação de captá-lo. Mas precisamente porque captam o desafio como
um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não
como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-
se
crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada (FREIRE, 1987,
p. 70).
E problematizar a realidade não significa optar por uma ação sociológica em
detrimento do texto e da formação de analista da linguagem. Pelo contrário, quanto
mais possibilitarmos que o aluno assuma também a posição de um analista da
linguagem, mais aprenderemos e nos aproximaremos da posição defendida por Paulo
Freire, que é sermos educandos-educadores. Além disso, é preciso deixar o aluno
realizar com o texto a sua própria problematização da realidade para, em seguida,
discutir coletivamente os problemas da linguagem ali manifestados, porque a
compreensão dos s
ujeitos no processo vai se tornando crescentemente crítica .
De fato, parece que nessa perspectiva de debater linguagem e realidade
numa manifestação coesa (ou seja, debater como a realidade que se enforma no texto
se relaciona com a realidade externa a ele) pode ser possível vincular Literatura e
Educação, pois se o professor atua como crítico explicador , estará assumindo apenas
seu sistema de valores e os impondo aos alunos, trabalhando assim com um conceito
absoluto (e falho) de verdade. Estará, conseqüentemente, alimentando uma educação
bancária que, como identificada por Paulo Freire, é aquela em que o educador é o
sujeito, e o conhecimento é um produto, exato e quantificável.
Nesse conjunto de desencontros é que ocorre, conseqüentemente, o
desencont
ro de maiores proporções: entre o jovem e a poesia. Pelo questionário que foi
aplicado com as turmas de terceiro ano, pude observar a aversão pelo gênero, ainda
que a maioria dos alunos manifestasse que gostam de ler e que, saindo do ensino
médio, continua
rão lendo literatura:
83
discutimos
várias
noções do que leva a esse desencontro: livro didático,
sala de aula, provas, leituras obrigatórias, exercícios pouco inspiradores, etc. Mas é
difícil precisar no dia-a-dia o que fazem a escola, ou os professores, ou a teoria
literária, para que o jovem não afirme tanto interesse pelo texto poético. Segundo
pesquisa de Euda de Araújo Cordeiro (2003), que entrevistou alunos e professores da
1ª série do ensino médio de escolas públicas e particulares de Campina Grande (PB) no
ano 2000, um dos fatores determinantes desse problema era a metodologia de muitos
professores, centrada quase sempre no roteiro oficial da história da literatura,
respaldada pelo vestibular. Segundo a estudiosa, também amparada na estética da
recepção, a seleção do texto literário que deve ser trabalhado deve dialogar com os
interesses dos alunos, dialogando com sua realidade.
Essa perspectiva, já aqui discutida, serve de argumento para a segunda
experiência desta pesquisa, que é a reversão do conteúdo discutido (Manuel
Bandeira), sendo
aplicado, agora, para a primeira série do ensino médio, procurando
-
se
obedecer ao princípio de que é preciso ouvir a voz do aluno.
1. Dimensão do interesse independente pela leitura
Pergunta: Ao término dos seus estudos de Ensino Médio, você
procurará fazer habitualmente a leitura de textos literários?
(sim)
111
63,30%
(não)
59
34,70%
Total
170
100%
2. Dimen
são do interesse por poesia
Pergunta: Você gosta de ler poesia?
(sim)
67
38,30%
(não)
108
61,70%
Total
175
100%
1 aluno enfatizou que odeia poesia; 1 não soube opinar e 2
disseram que gostam de poesia mas não a entendem.
84
3.2. Outro espaço. Outras leituras
Iniciei o ano de 2007 com minhas turmas de primeiro ano discutindo
algumas relações básicas entre literatura, arte e realidade. Uma das questões que foram
postas desde o princípio era a dimensão do gosto e sua formação. Perguntava aos
alunos se é possível discutir os gostos pessoais das pessoas, atrelando a essa discussão
o próprio
status
do que seja o fenômeno artístico ou literário. Muitos diziam que
questão de gosto não se discute e que gostar ou não de uma obra depende sempre do
ponto de vista . Procurei não fechar essas discussões, que elas são a base da estética
e da hermenêutica, mas propus uma reflexão sobre como a formação de nosso gosto é
inconclusa, e que discutindo-o, compomos novos gostos, que ninguém nasce com
seus interesses pré
-
definidos
22
.
Essas perspectivas culturalistas e estéticas constituíram, de certa maneira, o
método de aplicação dos poemas de Manuel Bandeira àquelas turmas. Além disso, eu
procurava pensar, segundo as propostas de Pinheiro (2001), dos PCNEM (2006) e de
outros estudiosos, que era preciso partir da realidade dos alunos e privilegiar a leitura
das obras, possibilitando, mais do que decorar as características dos estilos de época,
compreender, a partir do contato com os diferentes
gêneros
literários, o seu efeito.
Manuel Bandeira parecia um bom autor para essa perspectiva, por sua produção ser t
ão
diversa e tão formalmente refletida.
Essa diversidade foi um dos primeiros critérios para a seleção dos textos que
deveriam ser apresentados. Por isso, compus a antologia inicialmente com
Desencanto , poema que enforma um modo tradicional de versificação, bem como
tematiza e conceitua o lirismo por uma comum idéia de que a poesia se constrói com a
dor, pelo menos para Bandeira e para uma grande variedade de poetas. Além disso,
poderia trabalhar também alguns conteúdos tradicionais como rimas, metrificação e
ritmos. A intenção não era priorizar essas dimensões formais, mas observar a maior ou
menor aceitação, pelos alunos, dessa formatação do texto poético. Com essa
22
No momento das aulas, intui essa dimensão, à qual ainda não tinha dado conta.
85
observação, eu me propunha a identificar o horizonte de expectativas dos jovens, o
que ser
viria de base para realizar as discussões posteriores.
Outro conteúdo que se fez necessário como pressuposição a essa experiência
foi o de funções da linguagem, que em vários contextos utilizamos para evidenciar as
dimensões objetivas das várias manifestações discursivas. Nesse caso, o meu trabalho
se concentrou em, após explicar as funções referencial, emotiva, conativa, fática e
metalingüística, evidenciar a desbanalização
23
das mensagens cotidianas através da
função poética da linguagem. Para isso, usei como exemplo a música Eu te amo , de
Vinícius de Moraes e Chico Buarque, o que provocou bastante prazer nos alunos, que
apenas me ouviram recitando, mas logo pediram fontes para ouvir com calma a
música. Nesse caso, um ponto alto do poema, identificado pelos alunos, era o verso
teus seios inda estão nas minhas mãos , que causou certa agitação entre os jovens de
ambos os sexos. Outro ponto do horizonte de expectativas se delimitava aí.
Para observar como Manuel Bandeira construía a função poética pela
des
banalização da linguagem, listei na seqüência da antologia os poemas Madrigal tão
engraçadinho , Porquinho-
da
-Índia e Namorados . Dessa forma, eu esperava uma
ruptura com o horizonte de expectativas, que também ocorre nesses textos uma
manifestação
de concepções amorosas bastante intrigantes, além da ruptura formal
(verso
-livre) e da tão rara (até a época em que os poemas foram lançados) presença do
humor.
Depois de toda essa preparação é que julgava que poderia ser interessante a
leitura de Os Sapos e Poética (dessa vez vistos sem a fragmentação) com aquele
público. Não queria realizar muitas discussões de caráter historicista no decorrer do
23
Esse foi, apesar de criado no calor da aula, o melhor termo que surgiu para, na linguagem dos alunos, explicar
o estranhamento e a quebra de expectativas que a poesia moderna carece para transformar a realidade
transformando a linguagem. Pelas próprias palavras de um poeta:
Na linguagem prosaica as palavras se tornam imperceptíveis porque estão ajustadas
a uma ordem habitual; o poeta introduz entropia (desordem) na linguagem e assim
revela de novo as palavras. certa verdade nisto: o poeta de fato bagunça um
pouco o coreto da linguagem. Mas não para que as palavras se tornem perceptíveis.
Desarruma
-o para romper a crosta verbal que impede o aflorar, na linguagem, da
experiência viva (GULLAR, 1989, p. 42).
86
trabalho, por isso, o material apresentado aos alunos foi todo composto sem
explicações ou comentários para que, diretamente apresentada aos poemas, qualquer
pessoa pudesse fazer suas observações e, se possível, pelo tempo e pelo
encaminhamento das aulas, construir seus próprios significados sobre a leitura. O
pressuposto desse encontro do respeito à construção dos alunos com a vontade de
experimentar coisas novas deveria evidenciar o prazer da leitura literária como está
dito na epígrafe deste capítulo
no intermédio entre o julgar sem gozar e o gozar sem
julgar, ou seja, recriando a obra de arte através da f
ruição crítica sobre o texto.
Assim, eu também teria que realizar um trabalho muito forte comigo
mesmo, no sentido de que aqueles jovens leitores
deveriam
se expressar o máximo que
quisessem, e a minha voz não deveria se impor como uma autoridade inquestio
nável
(como discutido no item anterior). Isso também pedia uma contrapartida dos alunos,
que seria preciso que eles ainda não fossem totalmente moldados ao ensino bancário,
esperando que eu lhes desse respostas e informações prontas para eles decorarem.
3.2.1. Identificação e ruptura com o Horizonte de Expectativas
Para iniciar as discussões sobre o lirismo manifesto nos poemas de Manuel
Bandeira, recorri a saberes tradicionais, como por exemplo: gênero lírico vêm da
palavra lira , que era um instrumento musical da Antigüidade, usado no
acompanhamento das canções sentimentais da época. Com o desenvolvimento das
artes, sobretudo no Renascimento, a música e a poesia começam a ser cultivadas
separadamente e as duas se tornam manifestações artísticas independentes, mas a
poesia vai guardar muitos recursos musicais em sua estrutura...
24
Então comentava
didaticamente que os recursos do texto poético podem ser, de forma geral, de
composição sonora, sintática, semântica ou visual. Mas não queria fazer uma lista de
24
Hênio Tavares elenca, entre outros, vários poetas e críticos que definem a poesia a part
ir de sua relação com a
música. Cf. 1974, p. 162.
87
figuras de linguagem ou outros recursos. Na verdade, procurei discutir tais recursos à
medida que cada um aparecesse nos poemas que fôssemos lendo.
Durante as discussões sobre o poema Madrigal tão engraçadinho , eu
perguntava se os alunos consideravam aquele texto um poema. Aprofundaremos essas
reflexões adiante, mas agora é oportuno comentar que algumas respostas dos alunos
declaravam com convicção que faltava àquele texto as rimas, a estruturação em
estrofes e o falar de amor e sentimentos profundos . Essas colocações nos ajudam a
conhecer o horizonte de expectativas dos jovens, que eu pressupunha que indicariam
como elementos essenciais: a musicalidade como forma e o sentimentalismo como
tema. Por isso é que iniciei as leituras com Desencanto :
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói
-
me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, d
o coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
Eu faço versos como quem morre.
(BANDEIRA, 1993, p. 43)
Após a leitura silenciosa do texto, senti didaticamente que a primeira coisa
que precisava ser feita era o reconhecimento do vocabulário. Depois disso visto pelos
próprios alunos com a ajuda do dicionário, partimos para a leitura em voz alta do
poema. Houve turmas em que alguns alunos não se concentraram, ou alguns até
mesmo riam enquanto liam. Não chamei atenção ou desvalorizei a tentativa, mas vejo
hoje que essa postura de alguns dificulta sobremaneira qualquer contato de prazer com
o texto, que é preciso que ocorra uma identificação. Segundo Jauss, o prazer
estético da identificação possibilita participarmos de experiências alheias, coisa que,
em nossa realidade cotidiana, não nos julgaríamos capazes (2002a, p. 99).
88
A pouca identificação me parece justificada pela pouca convivência
daqueles jovens com as dores descritas no poema, seja por sua idade, por sua classe
social ou mesmo pelas vivências que têm na atualidade. O sofrimento de Manuel
Bandeira, ocasionado por tantas perdas familiares e pela doença mortal da época
a
tuberculose
, não se aproximam, de modo geral, da realidade da juventude do século
XXI. Quando perguntados se gostaram, a maioria expressava duas respostas: que
gostavam porque é um poema profundo ; ou que não gostavam porque era muito
triste . Com isso, cheguei a pensar que aquela não tinha sido uma boa escolha para a
percepção do horizonte de expectativas.
Contudo, pelo aspecto formal, a experiência pôde ser válida pela aceitação
irrestrita daquele poema como belo e sua enunciação como totalmente poética. Daí que
trabalhei um pouco como conteúdo
25
o jogo de rimas do poema (classificando-
as como
alternadas), a metrificação e o ritmo (com a explicação do conceito de cesura e sua
clara identificação no texto, depois da quinta sílaba de todos os versos, que eu somente
percebi quando ministrava as primeiras aulas). Apesar da maioria ter visto os dois
primeiros assuntos no ano anterior, manifestaram interesse por inclusive praticar no
quadro a separação de sílabas poéticas.
Mas em algumas salas pudemos ir além dessas observações tradicionais. Por
exemplo, a aluna Rosa
26
(turma A) questionou curiosamente o porquê da presença do
travessão no final do poema, elemento sintático que até então não fazia diferença
nenhuma pra mim e me deixou
naquele
moment
o sem resposta. Assim, devolvi a
questão para a turma, acrescentando que não parecia haver ali uma espécie de outra
fala, como comumente é visto no texto ficcional. A aluna Dália respondeu que o
travessão t pra dar ênfase . Outra aluna, Margarida foi ainda mais longe, ao
perceber que o último verso é uma espécie de síntese de todas as formas de fazer
25
Considero inevitável trabalhar esse e outros conteúdos, que ele emerge da situação de leitura e a dimensão
avaliativa que nos cerca exige alguma cobrança.
26
Este e todos os nomes de alunos e alunas foram substituídos por nomes fictícios, baseados em pássaros e
flores, para preservação da identidade.
89
poético que foram enunciadas no decorrer do poema
27
, no que teve sua opinião
totalmente aceita pela turma. Procurei valorizar as duas possibilidades, posto que são
plausíveis à construção dos sentidos.
Dessa forma, a capacidade interpretativa dos jovens leitores pode ir se
ampliando no decorrer da leitura e do questionamento aos seus olhares. Quando são
problematizados alguns aspectos sobre os quais o professor não tem respostas fica
instaurada a dimensão do
desafio
de que Paulo Freire falava. E daí podem surgir
percepções muito interessantes sobre a obra.
Outra fala interessante sobre o mesmo poema demonstrava uma leitura
comparativista de Desencanto com os outros poemas da antologia. O aluno Acauã
(turma A) não concordava com a seguinte afirmação de uma questão de verdadeiro-
falso que propus sobre o poema: A poesia é a manifestação dos sentimentos mais
profundos. Ela se manifesta para Manuel Bandeira principalmente através da tristeza e
da solidão . Ele argumentava que essa relação da poesia com a tristeza e a solidão não
se aplica totalmente a Manuel Bandeira porque essa perspectiva não se manifesta nos
outros poemas da antologia.
Tal comentário demanda paciência no trabalho de análise, já que seria
preciso analisar coletivamente cada um dos textos seguintes para reconhecer ou não se
a tristeza e a solidão são constantes ou não da poética de Manuel Bandeira. O que
conseguimos construir, de acordo com o comentário da leitura dos poemas a seguir, é
que o humor bandeiriano se revela como uma resposta madura e com um estilo
humilde à ameaça da morte iminente.
Daí que avançar o estudo de Manuel Bandeira para a leitura de Madrigal
tão engraçadinho , vários anos distante de Desencanto , pode se configurar
simultaneamente como
quebra
e co
mo
conseqüência
. Se ao final das aulas essa
duplicidade ficasse exposta aos alunos pelas suas próprias percepções, estaríamos
construindo muitas significações interessantes.
27
Seria interessante reproduzir a fala da aluna e outras diretamente aqui, porém, as condições das gravações não
foram suficientes para que as falas fossem coletadas integralmente. O melhor que eu podia fazer era repetir com
o máximo de fidelidade a fala de cada um para a sala toda ouvir e para garantir o registro.
90
Assim foi que prosseguimos, com a leitura de Madrigal tão engraçadinho :
Tere
sa, você é a coisa mais bonita que já vi até hoje na minha vida, inclusive o porquinho-
da
-índia que me deram quando eu
tinha seis anos.
(BANDEIRA, op.cit., p. 140)
Grandes exclamações e interrogações causou este poema: esse homem é
retardado! ; comparar a mulher com um porquinho-
da
-índia é imoral! ; muito inútil,
não tem graça, não rima, não tem sentido! ; por que esses poemas todos tronchos
podem ser considerados poemas? ; eu dava uma tapa se ouvisse uma coisa dessas!
tem uma bobagem! ; é uma droga! . Exatamente como eu esperava, não tinha
possibilidade do horizonte de expectativas não ser quebrado com esse poema. O
desafio agora era estabelecer uma aceitação mínima do texto, tentando acima de tudo
não impor nenhuma perspectiva injustificada. Ou seja, o processo tinha que garantir
algum re-encantamento, ou estaria em jogo a imagem do poeta Manuel Bandeira (uma
aluna falou: Eu acho que ele fez porque ele é Manuel Bandeira. porque é dele,
ninguém questiona ) junto àqueles jovens leitores.
Em
algumas turmas, isso foi possibilitado por deixas que os próprios alunos
deram: eu acho que ele pode não ter rima, não ter nada, mas ele é engraçado! ; ele
pode estar falando de alguma coisa que a gente não entendeu . Era que eu poderia
começar o jogo de análise, perguntando por pontos mais específicos do texto ou
aproveitando perguntas dessa natureza que eles fizessem. Quando, em uma sala, um
aluno perguntou: o que é um madrigal? , aproveitei a presença do dicionário e
iniciamos a análise por esse el
emento indefinidor.
Segundo o dicionário Aurélio, Madrigal é uma composição poética e
galante; galanteio dirigido às damas (1993). Segundo Hênio Tavares, desde o século
XVI, o madrigal é uma forma poética que não possui regras pré-fixadas de
versificação
, mas consiste tematicamente na sutileza da declaração amorosa (1991, p.
288). Era preciso, então, levar os alunos à percepção das sutilezas do poema.
91
Um dos elementos do poema que eles mais perceberam foi a
comparação
,
com a qual alguns se equivocaram ao
achar que o porquinho
-
da
-
índia era parecido com
Teresa. Uma aluna chegou a dizer que Teresa deve ser gorda , confundindo inclusive
a idéia de porquinho-
da
-índia com um porco. Não compreenderam de imediato que
havia ali um comparativo de superioridade para Teresa. Ou seja, Manuel Bandeira
desvia o olhar do leitor para o porquinho-
da
-índia, fazendo esse leitor esquecer
momentaneamente que a pessoa que está sendo galanteada no poema não deixou de ser
a coisa mais bonita que já foi vista.
Uma atitude necessária para o encaminhamento da análise foi a divisão do
texto em duas partes. A primeira seria: Teresa, você é a coisa mais bonita que já vi até
hoje na minha vida
. Sobre ela a aluna Violeta (turma H) afirma que até quando ele diz
minha vida o texto é lindo, depois é que fica feio! . Procurei fazer algumas reflexões
observando a aparente banalidade da frase. De fato, cumpriu perguntar o que de
especial num enunciado tão comum, embora considerado bonito pela aluna. Tão bonito
e tão comum que qualquer pessoa pode dizer. Ou seja, banalizando a mensagem,
banaliza
-se também o sentimento que ela manifesta. É como se não dizer as coisas da
forma como todo mundo diz implicasse numa avaliação mais apurada daquilo que
realmente sentimos.
Procurei fazer com que con
cordassem com esse raciocínio para demonstrar a
função poética manifestada no contraste entre a primeira e a segunda parte do texto
(inclusive o porquinho-
da
-índia que me deram quando eu tinha seis anos). É aqui
que Manuel Bandeira impõe ao nosso olhar a equivalência do eixo da seleção sobre o
eixo da combinação (JAKOBSON, 1995, p. 130), marcando o fenômeno poético
como um jogo de escolhas. Para exemplificar essa explicação dentro da linguagem dos
alunos, identificamos dois recursos marcantes nesse tex
to.
Sintática e semanticamente, a seleção do termo
inclusive
marca o enunciado
porque não correlação direta da idéia de incluir o porquinho-
da
-índia no ato
comparativo entre Teresa e todas coisas que o eu-lírico viu. É necessário, portanto,
reconhe
cer um termo elíptico para que essa inclusão possa acontecer. A ausência de
92
mais bonita que (ficando inclusive mais bonita que
o porquinho-
da
-índia... ) é a
base do
estranhamento
que tem seu ápice na imagem do bichinho de estimação.
Esse termo ( estranhamento ) foi diretamente usado para ressaltar aos
alunos a função poética presente no texto, rompendo com a idéia clássica de que o
discurso poético deve ser antes de tudo, engenhoso. Segundo Roman Jakobson, a
poeticidade não consiste em acrescentar ao discurso ornamentos retóricos; implica,
antes, numa total reavaliação do discurso e de todos os seus componentes, quaisquer
que sejam (op. Cit., p. 161). No caso do Madrigal tão engraçadinho , o discurso
reavaliado consegue se apresentar ao leitor como desprovido de qualquer recurso,
numa forte manifestação do estilo humilde de que Davi Arrigucci Jr. (1990) nos fala
tão enfaticamente.
No caso do
Madrigal tão engraçadinho
, a escolha da composição textual em
um verso, mesmo apresentando duas informações bem distintas que poderiam ser
separadas em mais de uma linha, aproximando-se da prosa, pode ter também um
caráter visual até hoje pouco percebido. Esse elemento foi identificado pelo aluno
Pardal (turma D):
Se a gente olhar bem o poema, ele apontando ó. Com a mão apontando...
Se fosse pro futuro, ele estaria apontando pra onde? Pra direita. Aqui ele
apontando pra onde? Pra esquerda, pro passado... Se a gente perceber que ele
tá falando do porquinho-
da
-índia, ele o quê, lembrando do passado...
dir
eita o futuro, esquerda o passado.
Apesar de ter causado grande celeuma na turma, a declaração do aluno não
se rejeita. Alguns disseram que ele foi na lua duas vezes e voltou ou que ele me
venceu . O que era preciso fazer? Reconhecer a contribuição do jovem e levar a
turma a uma ponderação coletiva. Defendi que, se estávamos vendo uma coisa nova
sobre o poema, quem estava ganhando era eu
28
. Além disso, essa interpretação não
28
Muito refleti sobre essa idéia de ganhar ou perder para o aluno. Se as novas gerações são capazes de ver o
texto mais do que eu e os meus antecessores, é sinal de avanço, o que é altamente positivo. Em outras
circunstâncias e com outros professores talvez não houvesse esse diálogo pela natureza do saber como posse que
se acumula: Eu sei mais, portanto você está errado!
93
nega nenhum aspecto semântico do poema. Consideração esta que se enriquece quand
o
compreendemos o conceito de isotopia:
A isotopia, que se define como a redundância de traços semânticos que
vinculam as diversas figuras e temas espalhadas pelo texto, é o fator
responsável pela coerência semântica. Situada no nível do discurso, a
isoto
pia permite solucionar a questão das várias possibilidades de leitura que
um mesmo texto traz, dissolvendo ambigüidades locais a partir do confronto
entre as diversas unidades do discurso, indicando os planos de leitura que se
encontram inscritos no próprio texto. A noção de isotopia oferece, portanto,
ao professor uma base segura para o controle e a avaliação das
interpretações realizadas... (GOMES, 1996, p.134).
A fala de Pardal não nega sob hipótese alguma a construção temática e
figurativa que estávamos construindo conjuntamente. Pelo contrário, confirma-
se
dentro do jogo isotópico e coloca em evidência a importância do diálogo na sala de
aula
como fundamento da literatura, pois, como nos esclarece Vincent Jouve, se a
isotopia como fenômeno semântico, é fornecida pelo texto, ela pode ser percebida,
entretanto, graças às hipóteses interpretativas do leitor (2002, p. 74). E a única
instância interpretativa que está sendo confirmada aí é a isotopia do retorno à infância.
Assim, começava a se evidenciar essa dimensão do retorno à infância como
tema recorrente da poética de Manuel Bandeira. Contudo, não foi evidenciada por
nenhum sujeito (inclusive eu) em aula alguma o caráter irônico que há entre o título e a
enunciação poética, o que aproxima construção literária do adulto com a
aparentemente distante profusão lírica da criança eternamente procurada por Bandeira.
De acordo com Telê Porto Ancona Lopez:
A ironia, voltada para a própria obra, tomava, inclusive, palavra fora do
vocabulário do leitor comum, em contraste com a simplicidade do madrigal.
Na refusão feita, título e texto se adequam, crescendo o lirismo na união das
experiências do adulto e da criança, percebidas pela consciência estrutural e
estilística que bem distingue cada qual (1987, p. 171).
Esse lirismo resultante da união das experiências foi buscado também no
poema Porquinho-
da
-índia , que vários alunos inferiram de imediato que era
precedente ao Madrigal tão engraçadinho , e que o explicava sobremaneira, de forma
que um poema não parece poder ser lido sem a presença do outro. A fala a seguir, da
94
aluna Papoula (turma B), sobre o madrigal, demonstra que o leitor precisa dessa
contextualização:
Muita gente não gostou porque achou que comparar a menina com o
porquinho
-
da
-índia ia desvalorizando a menina ... Mas se ele tivesse
comparado ela a um espelho, ao mar, ou à Lua ... nada disso pra ele tem um
valor grande demais, porque no dia que tiver ausente dele, ele não vai morrer
por isso. Mas o porquinho-
da
-índia tinha um valor sentimental importante
pra ele. Era uma coisa que, pra ele era especial, embora não fosse pros
outros. Pra quem o poema, não acha graça... mas pras pessoas que
perderam, o porquinho
-
da
-
índia é importante. (...)
Ao olhar de Papoula, essa aproximação de um bichin
ho tão específico com o
ser humano pode ser algo natural, de acordo com o cuidado, o afeto e a memória. Essas
dimensões podem ajudar o leitor a receber melhor o poema à medida que ele
desenvolve sua capacidade de alteridade ( pras pessoas que perderam ),
compreendendo o jogo de retomada do passado do poeta. Tal passado é mais
concretamente recuperado pelo poema que preferi discutir na seqüência do madrigal,
para causar alguma expectativa pela continuidade:
PORQUINHO
-
DA
-
ÍNDIA
Quando eu tinha seis anos
Ganh
ei um porquinho
-
da
-
índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ter
nurinhas . . .
O meu porquinho
-
da
-
índia foi minha primeira namorada.
(BANDEIRA, op. Cit., p. 130)
Também dividimos este poema em dois segmentos para discutirmos o
contraste entre a referencialidade/emotividade da primeira parte (do primeiro ao
penúltim
o verso) e o evidente estranhamento da metáfora na segunda parte. Foi com
este poema que o trabalho com a discussão textual mostrou-se mais emergente, pois
entraram em choque as estruturas do texto com as visões de mundo dos leitores. Por
95
exemplo, Pintassilgo (turma H) falou instintivamente após a leitura do poema: vi
até com uma garrafa, mas com um porco-espinho é a primeira vez... no interior é com
bode . Apesar de ser um simples gracejo de um aluno querendo chamar atenção, não
deixa de ser interessante uma observação dessa fala. Ela ilustra a leitura mecânica do
jovem, que no reconhecimento visual dos caracteres da palavra porco , seguidos de
uma designação hifenizada, processou imediatamente porco-espinho . Além disso,
projetou a imagem de namorada como as primeiras aventuras sexuais. Esse
comentário, mesmo sendo levado na esportiva por mim e por toda a turma, ajudou a
construir outra aceitação do poema, que expôs o exagero de uma interpretação que
entendesse primeira namorada como as primeiras relações íntimas entre dois seres
humanos. Nesse momento, ficou visível a todos que namorada estava metaforizada,
o que retira o leitor de uma visão imediata, exigindo
-
lhe uma segunda leitura.
A questão dessa leitura do poema, então, se concentrou em, após uma
definição de metáfora, interpretar a idéia de primeira namorada para o eu-lírico.
que à primeira vista a namorada foi percebida apenas como objeto do carinho do poeta
(que é uma leitura plausível), foi preciso conduzir os alunos para além, a partir do
verso não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . Esse retorno essencial é que
pode projetar uma interpretação do humor bandeiriano, baseado na simplicidade do
enunciado metafórico, e que ilustra namorada como aquela que não retribui o carin
ho e
a atenção que recebe.
Construir essa visão de namorada era ir além de uma leitura imediata, a qual
era responsável pelo pouco reconhecimento daquele texto como poema. Assim como
no anterior, a aluna Malmequer (turma G) considerou que esse homem é um
louco.
Ele não deve ter tido nunca uma namorada, então deve ser um amor platônico. Porque
eu também gosto muito do meu cágado e nem por isso vou pensar dessa maneira .
Mesmo depois de discutida a metáfora, a aluna não abstraiu as relações.
Na outra ponta dessas interpretações, o aluno Bicudo (turma D) viajou na
imagem do fogão, pensando que ele poderia ser uma metonímia de mãe. A essa visão
Pardal (o mesmo que viu a forma da mão apontando no madrigal) acrescentou outras
96
idéias quando interpretou que a relação entre o eu-lírico e o porquinho-
da
-índia era de
pureza
versus
indecência, sendo o fogão um elemento metafórico que representa a
sujeira e o indevido, correspondendo ao oposto das boas intenções do menino
( ternurinhas e todas as formas tratamento em diminutivo). Entre uma fala e outra,
concluíram que o porquinho-
da
-índia poderia ser, de fato, uma namorada metaforizada
que queria levar o eu
-lírico para o mau caminho
29
.
De forma geral, essas opiniões foram veementemente refutadas pela turma.
De minha parte, procurei não negá-las radicalmente, mas argumentei pela idéia de
namorada como aquela que não corresponde à dedicação, o que talvez não possa
aceitar a idéia de uma pessoa querendo levar o eu-lírico para lugar algum. Além disso,
é preciso ler o poema com a constante idéia da aproximação do adulto à criança e,
além do mais, estamos falando de uma infância no fim do século XIX, ou seja, há uma
enorme distância cultural entre a experiência narrada, a fala do narrador e a elaboração
do leitor. A fusão de horizontes se evidencia aqui e começa a fechar um ciclo de
leituras.
Reiterando o trabalho até realizado, começamos a discussão de
Namorados , mesmo sabendo que a concentração de muitos jovens pede novidades e
que muitos começavam a querer outras perspectivas
30
. A reprodução a seguir do
poema contempla a marcação do tom que dois alunos da turma B construíram no
decorrer de sua leitura:
NAMORADOS
O rapaz chegou
-
se para junto da moça_ e disse:
-
Ant
ô
nia, ainda não me acostumei com o seu
corpo,_ com a sua cara.
A moça o
lhou
de lado_ e esperou.
-
Você não sabe quando a gente é cri
an
ça e de repente vê uma
lagarta listada?
29
Como essas falas causaram grande impacto no resto da turma,
a balbúrdia
não poss
ibilitou seu registro
.
30
Até então já contávamos mais ou menos 5 aulas, dependendo da turma.
97
A moça se lembrava:
-
A gente fica olh
an
do...
A meninice brincou de
novo
nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu
_ com
mui
ta
doçura:
-
An
nia, você parece uma lagarta listada.
A moça arregalou os
o
lhos
, fez exclama
ções
.
O rapaz concluiu:
-
Antônia, você é engra
ça
da,_ você
pare
ce louca.
(BANDEIRA, op. Cit., p. 142
-
3)
31
Nessa turma o trabalho de realização da leitura foi vivido intensamente.
Tanto que os alunos logo aplaudiram ao perceber a diferença dada pela leitura de
Orquídea e Curió. O destaque principal se deu no verso A meninice brincou de
novo
nos olhos dela , em que a aluna demonstrou compreender bem a dimensão de
retorno à infância que o poema pede. Empolgado nessa entrada de Orquídea, Curió
entoou bem o verso seguinte, fazendo ressoar a intensidade com que o rapaz expunha
sua doçura. Essa intensificação da doçura contrasta fortemente com a dec
laração
sucessiva ( -
An
nia, você parece uma lagarta listada ).
Graças à leitura motivadora, essa foi uma das turmas que melhor receberam
o poema, compreendendo a comparação esdrúxula dentro da discutida quebra de
expectativas. Daí que foi mais tranqüilo trabalhar a dimensão de resgate constante da
simplicidade e da infância dentro da poética de Manuel Bandeira, inclusive pondo em
diálogo os três poemas em bloco ( Madrigal tão engraçadinho , Porquinho-
da
-índia
e Namorados )
32
.
31
O que está em
negrito
indica o aumento do volume de voz dos leitores, para destacar; O subscrito ( _ ) orienta
as palavras que foram lidas mais lentamente; o traço sobrescrito ( ) marca as palavras que foram pronunciadas
com rapidez.
32
Confesso que não esperava tanto de Namorados e dos poemas em conjunto, tendo somente como princípio
de trabalho a necessidade da quebra do horizonte de expectativas para preparar a leitura de Os Sapos e
Poética . Por isso é que pensava que poderia trabalhar os três textos em no máximo duas aulas. Acabei levando
trê
s a quatro aulas e descobri muita coisa da poética de Manuel Bandeira que ainda não tinha descoberto.
98
Levando algumas reflexões de uma sala para outra, fui enriquecendo esse
trabalho com algumas informações mais bibliográficas de Manuel Bandeira,
apresentando o livro em que ambos os textos foram publicados
Libertinagem
, de
1930
e discutindo, a partir desse título, o clima geral da literatura brasileira naquela
época. Perguntei pelo significado da palavra libertinagem , projetando com os alunos
a idéia de liberdade excessiva, molecagem . Essa perspectiva moldou tanto forma
com o verso livre
quanto tema
com o retorno à infância. De um lado, era preciso
romper com as amarras parnasianas que se contentavam em descrever com perfeição
vasos, estátuas e paisagens, e do outro era preciso propor uma temática e um estilo que
trouxessem o
ser humano
para o centro do poema.
Acr
edito que tal contextualização histórica ampliou as possibilidades de
leitura do poema, mas da forma como trabalhamos
colocando-a como informação
que
ajuda
, e não que determina
pudemos construir um perfil geral de
reconhecimento do estilo de Manuel Bandeira. Mas essas questões eram mais
enfatizadas onde a recepção dos alunos se fechava na idéia de que tais poemas eram
sem graça .
Na mesma turma B, quase não foram destacados esses pontos históricos,
visto que vários alunos estavam mais empolgados nas comparações dos três poemas,
percebendo coisas que eu ainda não tinha dado atenção. Por exemplo, os três poemas
concretizam comparações entre seres humanos e bichos pouco comuns, configurando
um tom cômico às relações amorosas. Essa comicidade se evidenci
a na volta à infância
como a recuperação das descobertas. O aluno Sabiá, respondendo à questão do porquê
de não estar explicado o fato de Antônia parecer uma lagarta listada , ressaltou que
antes que houvesse a comparação, o rapaz restaurou na moça um olhar de surpresa que
ela possuía na infância, ao olhar pela primeira vez para uma lagarta listrada. Em
ampliação (não sei se reflexão continuada do rapaz ou independente), a aluna Papoula
pensou que o parecer uma lagarta listrada era uma declaração de
surp
resa
do
próprio rapaz, como se ele estivesse dizendo: vejo você como quando eu vi uma
lagarta listrada pela primeira vez . Empolguei-me com essa percepção, porque ela
99
confirma a perspectiva do discurso humilde de Bandeira e da utilização, própria do
moder
nismo, de elementos comuns da fala (cheias de elipses) das pessoas.
E foi então que um poema começou a puxar outro. E quando um aluno
reforçou o verso ainda não me acostumei com seu corpo, com sua cara , refletindo na
surpresa
cada vez mais clara, lembrei-me de apresentar para a turma o famoso poema
Teresa :
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os
olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
(BANDEIRA, op. Cit., p.136)
Na turma C este poema foi mais bem recebido do que os anteriores,
inclusive pela sincera aluna que havia dito que eram retardados . Essa mesma e os
seus colegas gostaram ainda mais quando a discussão de infância me lembrou de
apresentar
O Impossível Carinho
:
Escuta, eu
não quero contar
-
te o meu desejo
Quero apenas contar
-
te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-
Eu soubesse repor
-
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
(BANDEIRA, op. Cit., p. 144)
Sem dúvida, esse foi um gran finalle para a discussão dos três poemas
retardados . Na verdade, concluímos juntos que eles buscam construir uma espécie de
alegria retardada (pensando essa palavra no sentido de atrasada)
ou melhor dizendo:
nostalgia
porque saltam ao nosso olhar reflexões do simples que se converte em
especial e, conseqüentemente, grandioso, como uma lagarta que se converte em
100
borboleta, transformando
-
se, mas sendo o mesmo ser, só que agora outro aos olhos dos
outros. Aliás, essa visão de metamorfose da lagarta para a borboleta foi percebida em
Namorados por um aluno na turma H, o que enriqueceu sobremaneira a análise do
poema.
Assim, entre protestos e surpresas, muitos alunos e alunas reconheceram
novas perspectivas de composição literária sem a presença dos recursos tradicionais,
como rima, métrica, ritmo, etc. Outros preferiram fechar-se na opinião de que tais
textos não possuíam valor, chegando mesmo a dizer que odiavam o tal porquinho-
da
-índia, embora eu não tenha ouvido de ninguém um certo enjôo por Manuel
Bandeira. Era necessário, assim, mudar o rumo dos debates e do método, para que os
poemas Os Sapos e Poética não tivessem a sua aceitação previamente recusada
pelas turmas.
3.2.2. O retorno da historicidade e as barreiras da
metalinguagem
A proposta era fazer uma leitura dinâmica e bem humorada de Os Sapos
,
numa atividade que proporcionasse um contato mais leve dos adolescentes junto a esse
poema. que a categoria central da experiência não era a história da literatura, mas a
diversidade das expressões líricas, as vozes dos sapos do poema tinham que ser de
responsabilidade dos próprios alunos. Assim, era necessário um contato muito paciente
dos leitores, além de uma organização muito esclarecedora de como o poema deveria
s
er lido.
É imperativo que a primeira leitura seja silenciosa, e que os alunos possam
tirar todas as suas dúvidas sobre a enunciação. Por isso, foi preciso gastar
bastante
tempo com o vocabulário do poema, que acabou mostrando-se quase inacessível.
Praticam
ente todos os versos possuíam palavras desconhecidas para uns e outros
jovens, fazendo com que o reconhecimento de caracteres dificultasse o processamento
do texto. Com paciência, tentei deixar os alunos à vontade, mas num universo de
101
cinqüenta sujeitos é difícil que todos ou a maioria se concentrem quando a superfície
textual representa barreiras à sua leitura.
De todo modo, procuramos reconhecer as vozes do texto, um trabalho
importante nesse momento do encontro, para em seguida realizar uma leitura
co
letiva do poema. Em algumas salas eu não atentei para esse detalhe e conduzi a
leitura coletiva antes de discutir as vozes, causando maior dificuldade no trabalho.
Dessa forma, a polifonia construída na superfície de Os Sapos , sobre a qual eu tinha
dado
pouca atenção na minha análise prévia, se mostrou um elemento essencial
durante a sua didatização, pois a representação que a obra propõe é o que permite que
o leitor mergulhe no jogo de contrários (centroXmargem; soberbaXhumildade) que
todo discurso possu
i, mas que Os Sapos oculta ao mesmo tempo que evidencia.
Os alunos problematizaram bastante essas vozes, perguntando pelas falas
dos sapos, sobre as quais eu identifiquei na maioria das vezes, facilitando assim um
trabalho que era deles, mas que, para contemplar o tempo das aulas, precisava ser
simplificado. Daí que a leitura coletiva não fluiu como poderia e, conseqüentemente,
esse poema oportunizou poucas sensações (conseqüentemente, poucos efeitos) em sala
de aula.
Quando perguntados acerca de seus gostos pelo poema, vários alunos
responderam que não gostaram porque não entenderam . Contudo, alguns perceberam
com clareza elementos que o
texto
põe em evidência. Mélia (turma B) ressaltou que o
poema ilustra uma situação de presunção e de arrogância, em que os sapos são pessoas
que menosprezam a arte . Na mesma sala, Curió observou uma certa hierarquia
entre os sapos. Ambas as falas mostram que os alunos percebem desde o princípio que
o poema realiza representações sociais, em que os seus personagens po
ssuem
comportamentos divergentes (sobretudo entre o cururu e o sapo-tanoeiro), além de
terem posições diferentes com relação à arte.
Daí então nos dedicamos a descrever esses sapos, com os alunos destacando
o sapo-boi como orgulhoso, o tanoeiro como presunçoso, os pipas como medíocres e o
cururu como excluído. Mas essas relações não ficaram tão claras em todas as turmas,
102
sendo necessário muita discussão para chegar a tal ponto, que foi o máximo que
conseguimos realizar com
Os Sapos
dentro do tempo que tín
hamos.
As poucas contribuições que alguns alunos deram como avanço a esses
sentidos principiavam por compreender o texto dentro dos seus determinantes
históricos. Tulipa (turma B) percebeu que Manuel Bandeira queria colocar em
evidência para o leitor a diversidade dos estilos daquela época. E Sabiá acrescentou
que não há para o leitor um objetivo direto sobre o que é que está sendo comparado no
poema, ficando muito livre a interpretação desses sapos.
Essas considerações ressaltam a necessidade de conhecimentos da história
da literatura e dos estilos de época para realizar um avanço na compreensão do poema.
Dialogando aqui com a estética da recepção, é como se a leitura ficasse estanque e sem
profundidade, pois as três etapas do processo hermenêutico (compree
nsão,
interpretação e aplicação) não têm como se completar. O máximo que naquela situação
era possível concretizar era uma compreensão das situações representadas no texto,
com alguma sinalização interpretativa sobre o jogo de oposições do poema.
Os próprios leitores, qualquer que fossem as suas idades, careciam da
compreensão da dinâmica histórica que envolvia as condições de produção daquele
poema. A aula precisava contemplar, portanto, o horizonte de terceira leitura, que é o
momento em que o leitor reconstitui os aspectos contextuais que condicionaram a
gênese e o efeito da obra e que, por outro lado, limita a interpretação do leitor
contemporâneo (JAUSS, 2002, p. 881). Isso articularia melhor a leitura em que Sabiá
percebia o poema como livre e sem objetivos . Mostraria-lhe, dessa forma, a
metaforização das dimensões da sociedade de 1918, realidade em que Os Sapos
foi
publicado.
Não se trata de fechar a significação do poema a uma leitura determinada
pelos condicionamentos históricos, mas limitar os sentidos às estruturas enunciativas
que a obra carrega, o que inclui o seu contexto.
Dessa maneira, a leitura, quando oportunizada de maneira dialógica e
coletiva, conduz o leitor por questões que desenbocam, menor ou maior grau, na
103
historicidade da obra. Melhor dizendo: não é o texto que necessita de um aparato
histórico para ter sua compreensão realizada, mas o leitor e o processo de sua leitura
que conduzem a dimensão histórica da obra.
Dessa forma, aqui é possível iniciar as conclusões desta experiência, que
procura dialogar: o processo estético e a análise das estruturas textuais a que todo texto
deve ser submetido com a historicidade que a natureza literária comporta em sua
contextualização. Segundo Jauss:
O caráter estético dos textos (...) é a condição para a compreensão histórica
da arte, além da distância no tempo. (...) Por causa disso, o caráter estético
deve ser introduzido como premissa hermenêutica na realização da
interpretação. No entanto, reciprocamente, também a compreensão e
interp
retação estética necessitam da função controladora da leitura de
reconstrução histórica. Esta evita que o texto do passado seja adaptado
ingenuamente aos preconceitos e às expectativas de significado de nossa
época (op. Cit., 881
-
2).
Segundo Jauss, a chave para esse diálogo é uma interpretação do texto
como resposta , de maneira que os sentidos produzidos aproximem as questões que
enformaram a obra quando de sua criação com as questões que levam o texto a dizer
algo para mim e que me levam a dizer algo sobre o texto (op. cit.). O próprio Jauss
reconhece as dificuldades desse trabalho de reformulação, à medida que ele requer
uma forte dimensão de alteridade a partir da superação das distâncias históricas entre
leitor e obra. Sem isso, a leitura não se concretiza nem de maneira histórica, nem
estética. E não fará diferença para o leitor. Ou como disse uma aluna: esse poema,
para mim, não fede nem cheira .
Essas colocações mais diretas e gerais foram colhidas em torno de
Poética
.
Pela carência do tempo, foi preciso pôr o poema numa avaliação, sem discussão prévia
em sala de aula. Na verdade, houve uma aula-extra para dar orientações gerais sobre
como seria a tal prova, aula para a qual compareceram um quarto de todos os alunos do
primeiro ano (cerca de cem jovens). Em meio a tamanho público, o diálogo não pôde
ser produtivo, de maneira que expus uma visão geral do poema, seu caráter de
manifesto, as funções da linguagem predominantes, os recursos trabalhados e as idéias
104
centrais. Foi basicamente isso o que avaliei na prova (ver anexo 5), esperando que tais
informações predominassem nas respostas.
Para emitir nota, quantificando o valor das respostas (fato inexorável no
contexto), estabeleci que: a manifestação do gosto justificado valeria 0,5; a
interpretação
das idéias do poema valeria 0,8; e a identificação dos recursos utilizados
valeria 0,7; perfazendo uma nota máxima igual a 2,0. No entanto, identifiquei respostas
que superavam o esforço de manifestar gostos e identificar recursos e idéias, para as
quais
eu valorizei com pontuação que chegava a 2,5.
Como esperava, a maioria das respostas
concentrava
-se em exclusivamente
reproduzir por escrito as informações que eu havia ministrado na aula-
extra
preparatória. Poucos alunos revelaram um ir além do que o professor explicou. Ou
seja, utilizaram o dado prévio como informação, como produto, mas não como
instrumento para sua própria leitura. É claro que isto é uma constatação, um
diagnóstico, que não revela uma crítica aos jovens leitores, posto que estão em
for
mação. Na verdade, a reflexão é fundamentalmente centrada no caráter informativo
que estamos impondo em nossas avaliações para essa juventude. Afinal, os alunos
apenas cumpriram com seu dever bancário, e nisso foram bem sucedidos.
Ocorre, porém, que o espaço preparado para a resolução da questão sobre o
Poética também abria para a livre manifestação de leituras. Entre as respostas mais
diferenciadas, selecionamos algumas e reproduzimos nos anexos 6 a 11, de acordo com
as concepções gerais da maioria das respostas. Assim, selecionamos: respostas que
desaprovam o poema por que ele manifesta uma linguagem difícil (anexo 6);
respostas que desaprovam o poema porque seus autores discordam de Manuel
Bandeira (anexo 7); respostas que desaprovam o poema porque seus autores preferem
as formas tradicionais de versificação (anexo 8); respostas que aprovam o poema
(anexo 9); respostas que ensejam certa originalidade das idéias (anexo 10); respostas
em que há uma má interpretação das idéias do poema (anexo 11).
Mesmo compondo um instrumento bancário e tendo sido pouco discutido
previamente, a questão totalmente aberta sobre Poética permitiu algumas respostas
105
interessantes e originais. Como no caso de Orquídea (turma B), que percebeu o jogo de
contrários do poema e se
expressa muito bem com relação a isso:
O poema Poética é bem interessante pois ele mostra o seu gosto, as suas queixas, mostra
também os tipos do lirismo e suas várias formas. O eu-lírico faz uma crítica ao lirismo
forçado e defende o lirismo natural e espontâneo. O mais interessante é que ele gosta do
mais simples e deixa o sofisticado ou apurado de lado! (ver anexo 10)
Embora nem todas as pessoas tenham tido essa percepção, ela demonstra
que um leitor jovem tem plena capacidade de compreender aspectos não tão claros dos
poemas. Bacurau (turma C) afirma que há essa clareza no poema:
Achei interessante pois o autor volta para as raízes da poesia, para o ser humano com
uma
poesia clara e objetiva. Acredito que seja uma manifestação do movimento de
li
bertação e critica o clássico que usa palavras excêntricas, que tem quase sempre recorrer
ao dicionário para entendê-las. O poema é completamente não-simétrico, para quebrar o
protocolo do clássico e dá mais ênfase ao sentido de libertação (ver anexo 10)
Embora seja uma voz singular, o aluno entende que as mensagens do texto
se manifestaram de uma maneira mais prosaica, pois compreende a natureza de
manifesto do poema. Utilizando termos bem selecionados (por exemplo, quebrar o
protocolo do clássico ), Bacurau percebe a matriz geradora do sentido, quando afirma
a Ênfase ao sentido de libertação , que se concentra em voltar para as raízes da
poesia .
Mas nem todos os alunos puderam visualizar tais idéias. Na verdade, uma
boa parte das soluções evidencia somente as informações dadas na aula anterior à
prova. Pude observar também que, na maioria das respostas, os alunos comentavam o
poema em sua forma geral, sem focalizar maiores detalhes, não reconhecendo as visões
gerais do todo manifestando-se nas partes. Mas ao falar em lirismo, tocavam
exclusivamente um aspecto relacionado em um ou outro verso específico. Como
exemplo, vejamos esta resposta de Colibri (turma C):
Não gostei deste poema, pois ele repete muitas palavras, como por exemplo lirismo.
Também p
or que ele critica muito o lirismo dos
namoradores, políticos
, etc. (ver anexo 8)
106
Ou nesta resposta de Bromélia (turma E), cuja observação serve também
para várias outras reflexões:
Não gostei do poema pelo fato do poeta ter usado um vocabulário difícil, no qual temos
que averiguar no dicionário em todos os seus versos. O poeta fala que está cansado do
lirismo que tem ficar parando em todo verso para olhar o significado da palavra no
dicionário, mas ele comete o mesmo erro, e nós também estamos fartos disso. Ele defende
o lirismo dos loucos, o lirismo dos palhaços que não falam de Shakespeare, mas não seria
um bom poema se não fizessem a gente rir ou mexessem com nossos sentimentos. Não
rimas, nem comparações, não metáfora, nem antítese, não foram utilizados recursos.
Digamos que é poema sem graça (ver anexo 6).
Nessa total reprovação que a aluna faz de Poética , ressalto inicialmente
uma compreensão problemática dos
clowns
de Shakespeare , como se o eu-
lírico
estivesse criticando o bardo inglês. que foi dada a informação de que
clown
é um
palhaço que não fala, então, ela concluiu que não fala de Shakespeare , ou seja, o
nega. O fato é que estamos tratando de um verso cuja análise é bastante evitada. Ainda
não li nenhum estudo em que se procure discutir essa imagem. Se pensarmos que as
personagens do poeta em questão tinham muitas falas monológicas e altamente bem
elaboradas, as personagens mudas não se destacam. Portanto, valorizar os
clowns
de
Shakespeare pode mesmo significar uma preferência pelo personagem marginalizado
entre os que possuem tantas falas eloqüentes, criticando um estilo clássico de
composição.
Outra questão da fala supracitada que merece destaque é que ela
acredita que
ali se manifesta uma contradição do poeta. Pensa a jovem que o poeta critica os que
usam vocabulário difícil, mas ele próprio também utiliza. Ora, uma coisa é vocabulário
difícil para mim, outra é vocabulário difícil para um adolescente daqui a noventa anos.
Tal relatividade não é levada em conta. Além disso, é preciso construir com os jovens
a idéia de que o poeta não está criticando o uso de palavras difíceis. Ele na verdade
problematiza a construção poética que prioriza a palavra rara para demonstrar
erudição, sem um compromisso real com o verdadeiro liris
mo. Vale acrescentar aqui as
palavras de Jorge Koshiyama:
107
O lirismo em si mesmo é aquela experiência com a linguagem, em que se
funda, para nós e para os outros, a lembrança e a possibilidade de uma
comunhão autêntica. E o canto, que é feito da mediação entre vida, mundo,
linguagem, da escolha nossa, é palavra de um vivente (2003, p. 90)
No entanto, vários alunos interpretaram que esse lirismo que precisa
compor-se de uma comunhão não ocorre nem a partir de Manuel Bandeira por causa
dessa questão de acesso ao vocabulário. Na fala a seguir, essa mesma dimensão fica
reafirmada:
eu não gostei do texto pois ele usa palavras difíceis , como se estivesse querendo
ridicularizar as pessoas que não estudavam o suficiente ou por algum outro motivo não
conse
guem interpretá-lo sem a ajuda de um dicionário ou coisa parecida (Canário, turma
C
ver anexo 6).
Para o rapaz, o uso de palavras difíceis demonstra uma certa soberba, a
mesma que Bandeira criticava nos poetas de sua época. Nessa leitura, ele é quem
en
carna essa posição elitista. Fato irônico, para não dizer triste, que estamos falando
do poeta que buscou na simplicidade a sua grande força expressiva.
Pensando um pouco mais sobre tal situação, reflito: às vezes, na nossa ânsia
de sermos modernos , parece que trabalhar vocabulário se tornou uma atividade
anacrônica e tradicional, sobretudo no ensino médio. Se cotejarmos vários livros
didáticos, acharemos poucas atividades que visem a essa dimensão. Mas, sem esse
trabalho, que deve ser cada vez mais contextualizado, todo o resto
poderá
soar
incompleto e o jovem poderá ser levado a ver um aparente intelectualismo que o
afasta
.
Isso ilustra uma forte dificuldade em trabalhar a metalinguagem com essa
faixa etária. Desavisados, os alunos demonstram pouca co
mpreensão da necessidade de
tratar da própria linguagem, como na fala a seguir:
Para mim, o poema nem fede nem cheira , pois não me comove ou me enraivesse, não
nada nele que me chame atenção. A raiva, a repugnação do autor é evidente mas isso é
prob
lema dele. Não sou poetisa ou autora para que isso mude algo em mim. Pois,
além de tudo, concordo com o autor, também sou a favor dos gêneros em que foge-se da
regra, mesmo que um pouco mas sem perder a lógica e o rumo, é claro (Copo de Leite,
turma D
v
er anexo 7)
108
Da mesma maneira se manifesta Pintagol (turma H):
Eu não gostei desse poema, pois ele não me apresentou interesse em seu conteúdo
além de falar que está farto do lirismo comportado e nisso eu não concordo pois o lirismo
tem sim que ser compo
rtado para que qualquer pessoa o leia e se sinta bem com aquilo que
ele leu. Esse poema também não apresenta rimas nem métrica, formando um poema feio
(ver anexo 7).
Uma variedade de falas como essas afirmaram que o poema fica feio, ou
sem graça, se não tiver rimas nem métrica. Prevalecendo, ainda, e mesmo depois do
trabalho de quebra do horizonte de expectativas, a preferência pelo verso tradicional. É
natural que um trabalho no início da primeira série do ensino médio não seja capaz, por
si só, de estabe
lecer uma ampliação dos interesses de leitura.
A atmosfera dos interesses da juventude mostra-se, então, avessa a
abstrações que dificultam seu progresso na leitura
33
. Daí a importância da seleção
apurada da antologia por parte do professor, que deve ter u
ma noção bastante ampla do
que pode agradar e do que pode desagradar seu público, planejando, também, uma
média de tempo para análise que se concentre em uma aula por poema, que a
juventude muitas vezes quer novidade. Mas não se trata somente de agir conforme os
interesses da juventude, pois muitas vezes ocorre o agrado por aquilo que for mais
fácil. Trata-se, antes, de cuidar para que o poema que de representar desafios à
recepção seja minimamente trabalhado, priorizando o questionamento do todo em s
uas
partes, contextualizando vocabulário, refletindo a historicidade e, sobretudo, ouvindo o
aluno.
Isso significa também repensar o cânone no sentido de rever o que a
recepção anterior à nossa época marcou como o mais importante de cada autor. Na
verdad
e, bom mesmo seria desconstruir o pseudo-cânone que os livros didáticos
impõem ao nosso cotidiano, apresentando o que seus autores acham que seja
superficial, e que superficializam muitas vezes com pura informação sobre fragmentos
33
No segundo capítulo, discuti a partir de Bosi as questões ideológicas da metalinguagem, como um uso da
linguagem voltado à dominação tecnocrática e elitista. Porém, a modernidade (e Poética é um exemplo disso)
demonstrou que a metalinguagem também é um uso de resistência, tornando-se necessária à compreensão das
questões sociais imbricadas nas obras literárias do século XX.
109
descontextualizados. Se sem contextualização, Poética lido integralmente foi pouco
apreciado, que dirá em trechos. Daí a importância de uma formação de qualidade que o
professor deve ter, para que conheça e coloque em diálogo: com profundidade o
cânone; com curiosidade o que não é cânone; e com humildade o que seus alunos
gostariam que se tornasse cânone.
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na escola, a disciplina língua portuguesa situa-
se entre estranhas dicotomias,
por exemplo: prazer
versus
conhecer; ler
versus
estudar; cronologia
versu
s
historicidade; especificidade e permanência da literatura
versus
interdependência dos
discursos. Digo dicotomias ,
pois
o que é muitas vezes tratado como divergente na
verdade deve ser visto como complementar. Creio que, quaisquer que sejam as
abordagen
s e os métodos, podemos buscar um objetivo comum para o nosso trabalho
em sala de a
ula: proporcionar cada vez mais
interesse pela leitura, pois com ela o leitor
poderá aprender com
crescente
independência, sem esperar que alguém lhe apresente
um conteúdo
q
ue lhe possibilite
compreender esta ou aquela realidade.
Estou pensando em um conjunto de experiências de leitura que
ressignifi
que
m a cada instante, contrariando de certa maneira, uma tendência que nós
temos de querer que os outros sejam leitores como nós
(talvez essa seja uma motivação
minha, mas não acho que seja só minha). É preciso compor nossos currículos pensando
no método tanto quanto pensamos no conteúdo. Mas a premissa básica desse método
deve ser a possibilidade de integração das vozes da juventude, realizando um diálogo
de infinitas
e incomensuráveis conseqüências.
Em se tratando da disciplina literatura, esse diálogo certamente faz repensar
o cânone, mas com cautela, para não correr o risco da simplificação
e cair
numa
armadilha representada por uma palavra muito usada atualmente: facilitação.
Essa
perspectiva
encontra uma dimensão muito clara, por exemplo, quando observamos os
livros didáticos: a fragmentação. Ela coloca a informação como uma prioridade e
mistifica o texto literário
, podendo tor
-
lo
inacessível.
Não podemos
ser
facilitadores.
Temos que ser problematizadores da
realidade
. E a poesia pode ser um importante instrumento nesse processo.
Mas, segundo dados aqui colhidos e vários outros relatados por tantos
estudos, a poesia ainda não conseguiu ecoar numa grande parcela da juventude.
Isso
111
por causa da metodologia, como também da pouca vontade dos vários professores
de
experimentar
novas possibilidades. Como foram significativas algumas aulas em que
levei poemas que até então não entendia nada, mas aprendi tanto durante a discussão
em sala!
Não surpreende que os alunos cheguem ao final dos seus estudos sem
sentimentos por esse gênero literário. Para eles, salvas as exceções construídas com a
leitura intensa e cotidiana, a obra literária é um objeto irreal, em que pesam as
elaborações do professor. É como se, para o aluno, o professor fosse um leitor ideal
(
superreader
). E como leitor ideal, diz-nos Iser, o professor (na visão do aluno
acostumado à abordagem tradicional):
Não deveria realizar o potencial de sentido do texto independentemente
de sua própria situação histórica, mas também deveria esgotá-lo. Se ele
consegue isso, o texto é consumido nesse ato
o que seria uma idealidade
fatídica para a literatura. Mas há textos que podem ser consumidos dessa
maneira, como é comprovado com a literatura de consumo (1996, p. 66).
Essa perspectiva tira do aluno o seu
status
de leitor, confere ao professor
uma imagem sacralizada e falsa (mas que a muitos satisfaz) e se afina com os
interesse
s do mercado
tanto o editorial quanto o de preparação para o vestibular.
Busquei compreender como essa realidade se plasma no livro didático,
analisando uma abordagem de Manuel Bandeira por um livro de circulação ampla.
Mostro
um
prejuízo da fragmentação: a impossibilidade do leitor reconhecer a matriz
centroXmargem
nos poemas Os Sapos e Poética , pois manifestava-se tanto o
estilo humilde do poeta menor quanto a tentativa de libertar o lirismo de uma série
de amarras (as convenções sociais, as fa
lsas motivações poéticas, etc).
Levar os poemas de Manuel Bandeira para a sala de aula compôs um
desafio, pois eu não poderia repetir o discurso comum do livro didático. Adotei como
método de aplicação as perspectivas da estética da recepção, compondo duas
experi
ências diferentes.
No espaço instituído em que Manuel Bandeira é estudado (terceiro ano),
procurei utilizar a fragmentação como estratégia para o percurso de formação de novos
112
horizontes de leitura, problematizando os trechos para ampliar o horizonte de
expectativas dos alunos. Apesar de a proposta ter possibilidades interessantes, não foi
possível obter um número significativo de falas dos alunos, marcando uma aula
monológica, o que se justifica pelo fato do terceiro ano ter muitas vezes uma dimensã
o
informativa da preparação pro vestibular
.
Na tentativa de composição de um outro espaço para estudar
Manuel
Bandeira, busquei levar os mesmos poemas ( Os Sapos e Poética ) antecedidos por
outros ( Desencanto , Madrigal tão engraçadinho , Porquinho-
da
-Índia e
Namorados ) para que as discussões pudessem demonstrar o alargamento do
horizonte de expectativas. Nessa experiência, foram necessárias informações sobre o
conjunto da obra e a historicidade veio à tona com mais naturalidade. Em oposição, os
ado
lescentes (15 anos, em média) mostraram-
se
pouco afeitos à dimensão
metalingüística da poesia moderna.
Mas o principal ganho dessa experiência foi a observação do efeito da leitura
dos poemas que causa
ra
m impacto na juventude. Os humildes poemas de estilo
humilde de Manuel Bandeira revelaram sua complexidade à medida que se chocaram
com as concepções de mundo dos alunos e colocaram-nos em situação
perturbadora
(
marcando
-se por perguntas como: Por que esses textos podem ser considerados
poemas
? ). Ou seja, houve um forte exercício de crítica, em que as idéias construídas
nasciam da manifestação livre dos gostos, do como se e da aceitação das
experiências descritas no poema.
Acredito que estas experiências nos ajudam a construir um outro caminho de
leitura
s no ensino médio, sem procurar romper com o conteúdo de história da
literatura, mas colocando o texto poético como prioridade e valorizando mais a voz do
aluno na construção da aula.
Em síntese, procurei compreender alguns aspectos escolares da formação d
e
leitores em sua fase adolescente. Com as realidades descritas, a abordagem literária
e a aplicação didática, as categorias que pareciam diversas agora contextualizam um
diagnóstico abrangente: a fragmentação e o historicismo nas aulas de literatura
o
113
manifestações da educação bancária que prioriza informação e resultado nos
vestibulares. Não parece que devemos evitar totalmente essa realidade, mas
refletir
sobre o que deve ser prioritário dentro dela: a leitura é que deve ser o principal
instrumento
de nossas aulas, pois nela, estão contempladas
a
informativ
idade
e uma
dimensão histórica. Mas se os alunos não têm o prazer de ler?
Vejo que o prazer estético (mola para impulsionar a leitura) se forma
com
o
próprio ato da
leitura
. Até a que for obr
igatória. Daí que na sondagem pergunt
ei
quais poetas despertaram mais o gosto na leitura dos nossos alunos durante o
en
sino
médio. As respostas mais observadas centralizam aqueles autores que, pelo peso da
cobrança no vestibular, foram trabalhados mais verticalmente (Gregório de Matos que
viram comigo no ano, Mário Quintana, Castro Alves, etc). Isso talvez se configure
em uma obviedade (a pessoa gosta mais daquilo com que trava mais contato), mas se
pensarmos nesse óbvio com humildade, perceberemos uma conclusão interessante: a
leitura mais significativa para os alunos é aquela em que os textos (não um, mas
vários) o trabalhados com constância e esforço. Daí que é possível
formar
leitores
com os conteúdos de história da literatura sim (mesmo sabendo que talvez não seja
formar todos os leitores, porque nunca devemos crer em unanimidades
).
Posto que o termo utilizado é
formação
, temos que atentar ainda para o
caráter indefinido desse processo:
formar
-
se
não é o mesmo que
educar
-
se
.
Educar é um processo programático que segue métodos e estabelece
conhecimentos que o indivíduo precisa adquirir para o viver em sociedade. Formar-
se
é freqüentar um processo global de vivências, valores e conhecimentos (inclusive
educacionais
-escolares, ou curriculares) cujo resultado eu creio que não seja possível
pré
-ver. Um programa educativo de literatura pode, desta feita, dotar os alunos de
informação literária e, até, de acordo com uma série de variáveis indefinidas (ou
infinitas
a família, a leitura externa, o cinema, os colegas, o trabalho, uma novela,
músicas, um(a) namorado(a), etc), pode resultar esporadicamente em leitores
formados. um programa formativo de leitura literária, creio, pode fornecer
in
formação e ir além, buscando incessantemente, pela ativação
de estímulos sensoriais,
114
pragmáticos, filosóficos, religiosos, lúdicos, etc. preparar o sujeito à selva escura , à
descoberta autônoma do mundo representado no texto literário
115
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120
ANEXOS
121
Anexo 1: Plano de Aplicação Didática
-
3º ano do Ensino Médio
Objetivos da aula:
Praticar a leitura e a compreensão da po
ética de Manuel Bandeira;
Observar a representação do parnasianismo nos poemas
Poética
e
Os Sapos
;
Ampliar os horizontes de expectativas dos alunos no que se refere ao poeta Manuel
Bandeira e à crítica ao parnasianismo tida como constante nos poetas da
geração
modernista.
Conteúdo previsto:
1ª Geração Modernista;
Representação do Parnasianismo e sua crítica;
Metalinguagem como instrumento de libertação e exclusão.
Metodologia:
Esta aula toma por base teórico-metodológica a Estética da Recepção. Utilizando como
referência as propostas das professoras Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar,
construiremos a leitura dos poemas citados de Manuel Bandeira. Tendo como foco o conteúdo
de história literária, nosso primeiro passo será identificar os horizontes de expectativas dos
alunos, isto é, suas representações e conhecimentos prévios sobre o modernismo, Manuel
Bandeira e a crítica aos poetas parnasianos. Pela leitura efetiva dos poemas Os Sapos e
Poética
, fragmentados pelo livro didático, realizaremos leituras no vel da compreensão e
procuraremos
chegar a uma interpretação (segundo vel de leitura, de acordo com Hans
Robert Jauss). Na seqüência da compreensão que esperamos mínima, procuraremos apresentar
aos alunos os complementos dos poemas que o livro didático não apresenta. Esperamos
construir, com essa atitude, um eficaz nível interpretativo de leitura e, se permitido pelos
limites do tempo, ler também num terceiro nível, que é o do diálogo histórico com outros
leitores.
Esperamos, dessa forma, realizar as etapas propostas por Bordini e Aguiar, no que diz
respeito ao
conhecimento, atendimento,
ruptura,
questionamento
e
ampliação
do
horizonte de expectativas dos alunos. Conheceremos o horizonte de expectativas à medida
que dialogando sobre a crítica modernista, poderemos saber o que os alunos pré-vêem como
básico conhecimento dos poemas propostos. Atenderemos ao horizonte de expectativas
quando dermos aos alunos a estrutura fragmentada dos poemas para satisfazer o conhecimento
de que eles estabelecem críticas aos poetas parnasianos. Romperemos com o horizonte
expectativas quando propusermos a leitura dos complementos dos poemas. E estaremos
questionando e ampliando o horizonte de expectativas à medida que levantarmos com os
alunos outras possi
bilidades de leitura a partir dos fragmentos ocultados.
122
Anexo 2: Material didático extraído do livro Português (Faraco & Moura) - Série
Novo Ensino Médio.
Manuel Bandeira (1886
-
1968)
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasceu em Recife (PE). Es
tudou no Rio
e em São Paulo, tendo abandonado o curso da Escola Politécnica em virtude da
tuberculose que o acometeu. Viajou para a Suíça em busca de cura para a doença e lá
conheceu alguns importantes poetas do pós
-
simbolismo francês. A tuberculose
marcar
ia, de fato, sua vida ...
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
-
Diga trinta e três.
-
Trinta e três ... trinta e três ... trinta e tr
ês ...
-
Respire.
....................................................
-
o senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
-
Não. A única coisa a fazer é tocar um tango arg
entino.
Voltando ao Brasil, Bandeira passou o resto da vida no Rio de Janeiro, onde morreu.
Obra
Poesia:A
cinza das horas
(1917);
Carnaval
(1919); O ritmo dissoluto
(1924);
Libertinagem
(1930); Estrela da manhã
(1936);
Lira dos cinqüent'anos
(1940);
Estrela da tarde
(1963);
Estrela da
vida inteira (1966).
Prosa:
Crônicas da província do Brasil
(1937);
Guia de Ouro Preto
(1938);
Itinerário de
Pasárgada (1954).
A principal característica formal da obra de Bandeira é o emprego do verso livre.
Bandeira
o participou diretamente da Semana de Arte Moderna, mas seu poema "Os sapos",
lido por Ronald de Carvalho, provocou reações radicais na platéia da segunda noite da Semana.
Os sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os d
eslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo
-
boi:
-
"Meu pai foi à guerra!"
123
-
"Não foi!"
-
"Foi!"
-
"Não foi!"
o sapo
-
tanoeiro,
Pamasiano aguado,
Diz:
-
"Meu cancioneiro
É bem martelado."
Vocabulário:
enfunar: inflar. inchar.
sapo
-
tanoeiro: sapo
cujo coaxar lembra o som do bater de ferro contra ferro.
O ataque aos parnasianos configurava, mais uma vez, a disposição dos participantes da Semana de
provocar uma ruptura com a arte do passado.
Muito provavelmente por causa da doença, a perspectiva da
morte se exacerba na vida do
poeta bem como em sua obra. Um de seus mais conhecidos poemas trata disso.
Consoada
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
-
Alô, iniludível!
O me
u dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar
.
Vocabulário:
consoada: pequena refeição noturna, em dia de jejum.
caroável: meigo, carinhoso.
so
rtilégio: trama; mistério; bruxaria.
Um poema metalingüístico de Bandeira sintetiza sua proposta literária:
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e
mani
festações de [apreço ao
senhor diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no
dicionário o cunho
[vernáculo de um
vocábulo.
................................
Quero antes o lirismo dos loucos
124
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente
dos bêbedos
O lirismo dos
clowns
de Shakespeare
-
Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Vocabulário:
vernáculo: linguagem correta, pura.
clown:
palhaço, bufão.
pungente: comovente, doloroso.
Responda:
1.
Que estilo de época é rep
udiado no poema? Justifique.
2.
Quando o eu-lírico invoca o lirismo dos loucos, dos bêbados e dos palhaços, de que
estilo de época da vanguarda européia se aproxima? Explique.
3.
O emprego do verso livre é uma das caractesticas da poesia de Bandeira.
Identifique
no poema a ocorrência de verso livre.
Outra característica marcante da poesia de Bandeira é a incorporação de fatos do cotidiano bem
como da notícia de jornal.
Totalmente extraído do livro: FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco
Marto de.
Português (Faraco & Moura)
-
Série Novo Ensino Médio
.
São Paulo: Ática, 2001.
125
Anexo 3: Plano de Aplicação Didática
-
1º ano do Ensino Médio
Objetivos das aulas:
Conhecer variedades da expressão lírica através de poemas de Manuel Bandeira;
Discutir os aspectos formais do gênero lírico e seus sentidos constituintes (com o poema
Desencanto
);
Construir, questionar e reconstruir o horizonte de expectativas sobre as concepções de
eu-
lírico
e
amor
tão comuns ao gênero lírico (com os poemas Madrigal Tão
Engraça
dinho,
Porquinho
-da-
índia
e
Namorados
), notabilizando o
humor
do poeta;
Praticar o jogo dramático e os potenciais lúdicos que podem se manifestar no gênero
lírico (com o poema Os Sapos
)
Refletir sobre as concepções sociais que podem ser veiculadas pelo poema (com o
poema
O Bicho
);
Concluir o trabalho construindo reflexões gerais sobre lirismo e sua presença na
formação do ser humano (com
Poética
)
Conteúdo previsto:
Gênero Lírico;
Poética de Manuel Bandeira;
Ludismo da leitura literária;
Metalinguagem co
mo instrumento de libertação e exclusão.
Tempo Necessário:
3
aulas
Metodologia:
Nessa seqüência didática, o assunto Gênero Lírico ganha destaque, à medida que, a partir
da leitura prioritária dos poemas de Manuel Bandeira, serão estabelecidos vários
modos de ler,
conhecer, conceber e pronunciar a poesia de Manuel Bandeira. A ordem em que os textos se
encontram no td é proposital, posto que pretendo partir do possível Horizonte de Expectativa
dos alunos (o poema
Desalento
, de estrutura clássica, metrificado, rimado, falando do eu e
seus sentimentos) para romper com essa visão de mundo prévia (com os poemas
Namorados,
Madrigal Tão Engraçadinho e Porquinho-da-
Índia
), despertando para o humor e para o
lúdico dos textos (com Os Sapos). A finalidade última do trabalho se concentra na formação
de uma nova concepção de poesia e fazer poético, a partir do olhar para o social e a exclusão
(com os poemas
O bicho
e
Poética
).
126
Anexo 4: Antologia aplicada ao 1º ano do Ensino Médio
O Gênero Lírico com Manuel Bandeir
a
DESENCANTO
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói
-
me nas veias. Amargo e quente,
Cai
, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
Eu faço versos como quem morre.
MADRIGAL TÃO ENGRAÇA
DINHO
Teresa, você é a coisa mais bonita que já vi até hoje
na minha vida
, inclusive o
porquinho
-
da
-
índia que me
deram quando eu tinha seis
anos.
PORQUINHO
-
DA
-
ÍNDIA
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho
-
da
-
índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os
lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . .
O meu porquinho
-
da
-
índia foi minha primeira
namorada.
NAMORADOS
O rapaz chegou
-
se para junto da moça e disse:
-
Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo,
com a sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
-
Você não sabe quando a gente é criança e de
repente vê uma lagarta listada?
A moça se lembrava:
-
A gente fica olhando...
A meninice brincou de
novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
-
Antônia, você parece uma lagarta listada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
-
Antônia, você é engraçada, você parece louca.
OS SAPOS
Enfunando os papos,
Sae
m da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo
-
boi:
-
"Meu pai foi à guerra!"
-
"Não foi!"
-
"Foi!"
-
"Não foi!".
O sapo
-
tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz:
-
"Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede
como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a sapa
ria
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
127
Urra o sapo
-
boi:
-
"Meu pai foi rei!"
-
"Foi!"
-
"Não foi!"
-
"Foi!"
-
"Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo
-
tanoeiro:
-
A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem
de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos
-
pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
-
"Sei!"
-
"Não sabe!"
-
"Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra im
ensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo
-
cururu
Da beira do rio...
O BICHO
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava al
guma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário pú
blico com livro de ponto
expediente protocolo e
manifestações de apreço
ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no
dicionário o cunho
vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos
univers
ais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de
exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
S
erá contabilidade tabela de co
-
senos secretário do
amante exemplar com cem
modelos de cartas e as
diferentes maneiras de
agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos
clowns de Shakespeare
Não quero mais saber do lirismo que não é
libertação.
Todos os poemas foram retirados de:
Manuel Bandeira. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 199
7.
130
Anexo 5: Questão proposta em prova de 1º ano sobr
e
Poética
O POEMA A SEGUIR DEVE SER ANALISADO NA QUESTÃO 8.
POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao
Sr. diretor.
Estou farto do
lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Est
ou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co
-
senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as
difere
ntes maneiras de agradar às
mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
1.
Esta é a questão mais importante da avaliação porque pretende estimular e
desenvolver sua capacidade crítica. Ela vale 2,0 (dois pontos). Para respondê-la, você
deve elaborar uma pequena e organizada redação (com no mínimo 5 linhas), em que
comente:
1)
seu gosto (ou não) pelo poema
(e os porquês);
2)
as idéias centrais do texto (assunto; se nele há críticas; se ele defende opiniões; os
sentimentos manifestados; além de tudo que você achar interessante);
3)
os recursos (sonoros, sintáticos, de sentido, ou visuais) que foram utilizados.
__
_____________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
_____________________________________________
__________________________
_______________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
Vocabulário:
Poética
: regras da versificação que
podem variar a cada poeta, a cada estilo
ou cada época
Comedido
: prudente; moderado
Vernáculo
: o que é próprio da nossa
língua; puro e correto nos padrões cultos
Barbarism
o
: o que não é próprio da
língua, estrangeiro
Sintaxe de exceção
: construção frasal
que não se adequa às leis da gramática
Raquítico
: franzino; inexpressivo
Sifilítico
: que tem sífilis, doença
sexualmente transmissível
Capitula
: do verbo
capitular
: render
-
se,
entregar
-
se, ceder
Clowns
: palhaço que não fala
131
Anexo 6: Registros avaliativos de alunos do ano sobre
Poética,
destacando sua
desaprov
ação porque o poema apresenta linguagem difícil
Resposta de
Canário
, turma C, em que se destaca:
eu não gostei do texto pois ele usa palavras difíceis , como se estivesse querendo
ridicularizar as pessoas que não estudavam o suficiente ou por algum outro motivo não
conseguem interpretá
-lo sem a ajuda de um dicionário ou coisa parecida .
Resposta de
Calêndula
, turma C, em que se destaca:
é um poema um pouco difícil de compreender, pois nele foi usada uma linguagem formal .
Resposta de
Bromélia
,
turma E, em que se destaca:
Não gostei do poema pelo fato do poeta ter usado um vocabulário difícil, no qual temos que
averiguar no dicionário em todos os seus versos. O poeta fala que está cansado do lirismo que
tem ficar parando em todo verso para olhar o significado da palavra no dicionário, mas ele
comete o mesmo erro, e nós também estamos fartos disso. Ele defende o lirismo dos loucos, o
lirismo dos palhaços que não falam de Shakespeare, mas não seria um bom poema se não
fizessem a gente rir ou mexes
sem com nossos sentimentos. Não há rimas, nem comparações, não
há metáfora, nem antítese, não foram utilizados recursos. Digamos que é poema sem graça .
Também é possível observar uma interpretação indevida das idéias do poema.
132
Anexo 7: Registros avaliativos de alunos do ano sobre
Poética,
destacando sua
desaprovação porque discordam da opinião do poeta/eu
-
lírico
Resposta de
Tucano,
turma B, em que se destaca:
Para compreender este poema é necessário analisá-lo com cautela. Não gostei do poema,
por
que o eu
-
lírico parece estar revoltado e faz da poesia, uma forma de se manifestar. Quando se
fala de poesia, já vem à cabeça uma imagem boa, da pessoa amada, e não de revolta, manifesto
Resposta de
Crisântemo
, turma C, em que se destaca:
O poema é muito confuso, ele critica muito regras que não para mudar e todo seu conjunto é
criticado e quer ser mudado, ele deseja um lirismo livre, dos loucos, mas sem as regras sem um
certo como teremos modelo de algo para podermos fazer corretamente? .
Respos
ta de
Copo de Leite
, turma D, em que se destaca:
Para mim, o poema nem fede nem cheira , pois não me comove ou me enraivesse, não há nada
nele que me chame atenção. A raiva, a repugnação do autor é evidente mas isso é problema dele.
Não sou poetisa ou au
tora para que isso mude algo em mim. Pois, além de tudo, concordo com o
autor, também sou a favor dos gêneros em que foge-se da regra, mesmo que um pouco mas sem
perder a lógica e o rumo, é claro .
Note
-
se alguns trechos pouco claros, mas sobretudo num nív
el sintático.
133
Resposta de
Papagaio
, turma H, em que se destaca:
A maneira de como esse poema foi organizado me parece um tanto quanto irracional .
Resposta de
Pintagol
, turma H, em que se destaca:
Eu não gostei desse poema, pois ele não me apresent
ou interesse em seu conteúdo além de falar
que está farto do lirismo comportado e nisso eu não concordo pois o lirismo tem sim que ser
comportado para que qualquer pessoa o leia e se sinta bem com aquilo ele leu.
Esse poema também não apresenta rimas nem m
étrica formando um poema feio .
Resposta de
Beija
-
Flor
(turma H), em que se destaca:
Este poema não me agrada, pois o autor está farto de tudo, acho que uma pessoa não pode ser
contrário a tudo, temos que concordar com a nossa sociedade, que está difícil de mudá-
la,
acho que tanto minha opinião quanto a do autor não estão muito certas .
Note
-
se a dialética desta opinião.
134
Anexo 8: Registros avaliativos de alunos do ano sobre
Poética,
destacando sua
desaprovação porque preferem formas tradicionais
de versificação
Resposta de
Fogo
-
apagou
, turma C, em que se destaca:
Não gostei muito porque prefiro os poemas com rima e inteligência entrelinhas. Ele faz um
poema criticando os outros poemas, isso é um poema só mais crítico, não tem beleza poética .
Resposta de
Colibri
, turma C, em que se destaca:
Não gostei deste poema, pois ele repete muitas palavras, como por exemplo lirismo. Também
por que ele critica muito o lirismo dos namoradores, políticos, etc. Ele se concentra em um
assunto o lirismo , não agüento mais falar em lirismo. E se, pelo menos ele rimasse poderia
ser até melhor, pois poema sem rima é muito feio .
Resposta de
Bem
-
te
-
vi
, turma E, em que se destaca:
Não gostei do poema pelo simples fato de não haver nenhum recurso que te
nha chamado minha
atenção pra idéia central de que o autor está farto do lirismo onde são respeitados todos os
recursos gramaticais e que não se liberta da idéia convencional de lirismo .
Resposta de
Flor
-de-
Lótus
, turma E, em que se destaca sua construç
ão em rimas.
135
Anexo 9: Registros avaliativos de alunos do ano sobre
Poética,
destacando sua
aprovação do poema
Resposta de
Gerânio
, turma C, em que se destaca:
Pela primeira vez eu gostei de um poema. Antes eu achava que todos os poemas eram idiotas
,
mas dessa vez eu concordo com o ponto de vista do escritor... O mais interessante desse texto é
quando ele fala do lirismo dos bêbados, deve ser sensacional ouvir histórias malucas de um
lirismo que expressa libertação .
Resposta de
Magnólia
, turma G,
em que se destaca:
O poema é bem interessante, porque apresenta um estilo e estrutura bastante diferentes dos
poemas comuns. Ele desperta a curiosidade do leitor (...) defende o poema feito sem motivação
(...)
136
Resposta de
Flor
-de-
lis
, turma
A, em que se destaca:
O poema Poética me agradou bastante. Pois ele é totalmente subjetivo, isto é, o autor revela
suas opiniões pessoais, o que neste caso está relacionado ao lirismo. Ele é um tipo de
manifestação, o autor faz críticas no que se diz respeito ao lirismo que todos estão
acostumados . Utiliza, em seus versos, informações que visam chocar quem o lê. Faz uso
também de recursos como elipse e zeugma, por exemplo, na maioria dos verbos ele repete o
mesmo conectivo com o objetivo de dar ênfase,
intensificar o choque . Em relação aos recursos
visuais, ele os estrutura em versos que vão quebrando-se ao transcorrer da leitura .
Resposta de
Acácia
, turma A, em que se destaca:
No poema ele critica a preocupação dos poetas com o fato de que tudo deve estar corretamente
bem colocado, sem erros, sem distorção, sem defeitos. O que acaba tornando o poema sem
emoção, sem graça .
137
Anexo 10: Registros avaliativos de alunos do ano sobre
Poética,
destacando
respostas originais sobre o poema
Resposta de
Orquídea
, turma B, em que se destaca:
O poema Poética é bem interessante pois ele mostra o seu gosto, as suas queixas, mostra
também os tipos do lirismo e suas várias formas. O eu-lírico faz uma crítica ao lirismo forçado e
defende o lirismo natural e espontâneo. O mais interessante é que ele gosta do mais simples e
deixa o sofisticado ou apurado de lado! .
Resposta de Aleli
, turma E, em que se destaca:
É possível sentir o mesmo que o eu-lírico sente em meio ao mundo em que vivemos, onde os
que seguem o modelo ganham elogios e os que inovam (poucos) são considerados estranhos. Ele
diz que quer liberdade e inovação, quer que as pessoas se desprendam dos modelos .
Resposta de
Bacurau
, turma C, em que se destaca:
Achei interessantes pois o autor volta para as raízes da poesia, para o ser humano com uma
poesia clara e objetiva. Acredito que seja uma manifestação do movimento de libertação e critica
o clássico que usa palavras excêntricas, que tem quase sempre recorrer ao dicionário para
e
ntendê
-las. O poema é completamente não-simétrico, para quebrar o protocolo do clássico e
mais ênfase ao sentido de libertação .
138
Resposta de
Pica
-
pau
, turma D, em que se destaca:
Gostei do poema como poema, mas não nele nada que me edifique, nada que divida a
história da minha vida em duas partes: antes de lê-lo e depois disso. Aliás, é impressionante a
habilidade da literatura de transformar qualquer pensamento vil em um grande relógio, o qual
não conhecemos o funcionamento, mas precisamos analis
á-lo .
A temática do texto fala da importância da liberdade de composição para que a literatura
produza, de fato, textos literários, espontâneos. Aliás, a rebelião contra incoerência é sempre
bem vinda. Como podemos produzir textos literários, que devem ser espontâneos, dentro de
fôrmas que não conduzem com a nossa maneira de escrever?
Resposta de
Pardal
, turma D, em que se destaca:
Cansei de lirismo bem comportado, desse mundo de boa aparência, mas que por dentro é todo
incorreto, desestruturado, o que explica a desorganização do poema (...) O que o autor quer
realmente é um mundo, um lirismo atrapalhado por fora, mas que por dentro exprime a
organização do estado de espírito das pessoas e do eu
-lírico
139
Anexo 11: Registros avaliativos de alunos do ano sobre
Poética,
destacando a
má interpretação das idéias
Resposta de
Fura
-
buxo
, turma G, em que se destaca:
O autor expõe suas idéias sobre estarmos utilizando palavras estrangeiras em nosso cotidiano,
aceitando como nossas é um absurdo, ele também expressa seu sentimento de revolta,
utilizando a rima para isso
Resposta de
Paturi
, turma G, em que se destaca:
Ele trata com o lirismo que parece um ser humano e até namorada tem e diferencia o lirismo
com cálculos matemáticos, que relaciona o lirismo louco, bêbado, e que depois ele desiste do
lirismo e diz que o lirismo não é libertação .
Resposta de
Patativa
, turma A, em que se destaca:
Ele prefere o lirismo dos marginais do que o lirismo que faz bem para a sociedade. Pois suas
idéias centrais é: critica a bajulação, critica o lirismo puro e correto nos padrões cultos. Ele
prefere o lirismo dos marginais
140
Resposta de
Sanhaçu
, turma B, em que se destaca:
Passa a mensagem que está cansado dessa vida sofrida no país e dessa mesma sofrida e
cansativa rotina de todos os dias, ele quer virar louco bêbado e ter uma vida de prazeres e
diversões .
Resposta de
Alfazema
, turma C, em que se destaca:
O poema fala que o escritor está cansado de leitores que só sabe namorar, falar de Shakespeare,
raquítico, que os leitores para ler o texto tem que ficar olhando no dicionário. Fala também que
para agradar as mulheres é muito complicado, tem que escrever uma coisa do dia-a-dia para
agradar as mulheres .
Resposta de
Artemísia
, turma D, em que se destaca:
O poema fala que estamos acostumados a aceitar tudo que nos é proposto. Ele faz crítica a
política, mas também condena as pessoas com doenças sexualmente transmissíveis. Concordo
em condenar os bandidos, mas as pessoas tem que ser tratadas de forma igual, seja ela portador
de uma doença ou não .
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