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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
MARCOS PEREIRA CASTRO
A POLÍTICA AGRÍCOLA NO ESTADO CONTEMPORÂNEO: OBRIGAÇÕES
JURÍDICAS ATINENTES AO DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL
FRANCA
2008
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1
MARCOS PEREIRA CASTRO
A POLÍTICA AGRÍCOLA NO ESTADO CONTEMPORÂNEO: OBRIGAÇÕES
JURÍDICAS ATINENTES AO DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL
Dissertação apresentada à Faculdade de História,
Direito e Serviço Social, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como
exigência parcial para a obtenção do título de
Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito
Obrigacional Público e Privado.
Orientadora: Profª. Drª. Elisabete Maniglia.
FRANCA
2008
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2
Castro, Marcos Pereira
A política agrícola no estado contemporâneo : obrigações
jurídicas atinentes ao desenvolvimento rural sustentável / Mar-
co Pereira Castro. –Franca : UNESP, 2008
Dissertação – Mestrado – Direito – Faculdade de História,
Direito e Serviço Social – UNESP.
1. Direito agrário – Brasil. 2. Direito ambiental – Brasil.
3. Desenvolvimento sustentável. 4. Política agrícola – Brasil.
CDD – 342.1243
3
MARCOS PEREIRA CASTRO
A POLÍTICA AGRÍCOLA NO ESTADO CONTEMPORÂNEO: OBRIGAÇÕES
JURÍDICAS ATINENTES AO DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para a obtenção do
título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Obrigacional Público e
Privado.
BANCA EXAMINADORA:
Presidente: _________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Elisabete Maniglia
1º Examinador: _____________________________________________________________
2º Examinador: _____________________________________________________________
Franca, ____ de _____________ de 2008
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pela força extra quando pensei que não iria conseguir.
Agradeço à Professora Elisabete Maniglia, pela atenciosa orientação, que soube
reconhecer minhas deficiências e meus limites e me ensinar a importância de uma visão
prospectiva do Direito Agrário. Embora ela me oriente tantos anos, a cada dia aumentam a
minha admiração e respeito, em razão do seu compromisso com a utilização do Direito como
instrumento de transformação social.
Agradeço a todos os professores do Programa de Mestrado em Direito da UNESP
e demais servidores dessa Instituição, de maneira especial aos funcionários da Biblioteca e da
Seção de Pós-graduação, pela atenciosa colaboração.
Agradeço aos meus pais - Helena e José - aos meus irmãos - Carlos e Márcio - e às
minhas cunhadas - Shirley e Maria José.
Também agradeço a todos os amigos que contribuíram para esta singela pesquisa,
de maneira especial às amizades de Dona Fátima, Hermes, Danilo Manhani, Luis Augusto,
André, Isis, Ana, Paulo, Diana, Dani, Cibele, Belmira, Marcel, Alcides e Rogério Pena.
Por fim, agradeço à Fernanda, pelo carinho e compreensão, e aos pequeninos João,
Bruno, André e Beatriz.
5
RESUMO
A presente pesquisa procurou analisar as orientações constitucionais atinentes a uma política
agrícola que favorecesse a concretização dos fins do Estado de Direito Contemporâneo. Para
tanto, o estudo teve como objetivos centrais discutir qual o paradigma de desenvolvimento
sustentável adotado pelo sistema jurídico brasileiro, avaliar se a forma de desenvolvimento
apregoada no ordenamento é suficiente para satisfazer os interesses coletivos e averiguar qual
a efetividade dos dispositivos normativos relativos à atividade agrícola sustentável. O trabalho
também buscou observar a possibilidade de o Direito participar, de maneira prospectiva, da
regulação e construção de uma atividade agrícola capaz de superar os problemas
socioambientais decorrentes da modernização conservadora do campo, a qual acentuou os
riscos relativos à perda ou diminuição do potencial produtivo dos recursos naturais
localizados no meio rural. A fim de realizar um estudo mais completo sobre esse tema,
também foram ponderados os valores norteadores da atividade agrícola, as normas que
condicionam a realização dessa atividade e as perspectivas de atuação do Estado, tanto na
função de controle, quanto na obrigação de agir na fomentação do desenvolvimento rural e na
prevenção de danos ambientais. Como resultado deste trabalho, constatou-se a existência de
fundamentos jurídicos para a defesa de um paradigma de desenvolvimento sustentável
tridimensional, uma vez que a própria Constituição Federal consagra a integração e
harmonização da proteção ambiental com o crescimento econômico e o bem-estar social.
Verificou-se, ainda, a existência de instrumentos estatais aptos a exigir que o produtor,
quando possível, exerça suas atividades em conformidade com as obrigações prescritas, bem
como a previsão e regulamentação de políticas governamentais destinadas à sustentabilidade
do empreendimento agrícola.
Palavras-chave: atividade agrícola; Estado de direito ambiental; desenvolvimento
sustentável; política agrícola; direito agrário; obrigações constitucionais do
Estado.
6
RIASSUNTO
Questa ricerca ha cercato di analizzare gli orientamenti costituzionali che riguardano ad una
politica agraria che favoriva la concretizzazione delle fine di l' Stato di Diritto
Contemporaneo. Per tanto, l' studio ha che obiettivi centrali discutere ciò che il paradigma di
sviluppo sostenibile adottato dal brasiliano sistema giuridico, valutare se la forma di sviluppo
proclamata in l' ordine è sufficiente a soddisfare gli interessi collettivi e d' indagare ciò che l'
efficacia dei dispositivi normativi relativi a l' attività agricola sostenibile. Il lavoro ha anche
cercato osservare la possibilità il diritto di partecipare, in modo prospettivo, del regolamento e
della costruzione d' un'attività agricola capace di superare i problemi socioambientais legati
all'ammodernamento conservarici del campo, che ha accentuato i rischi relativi alla perdita o
la diminuzione del potenziale produttivo delle risorse naturali situate nel mezzo agricolo. Per
realizzare uno studio p completo su quest'argomento, così sono stati riflessi i valori
norteadores di l' attività agricola, le norme che condizionano la realizzazione di quest'attività e
le prospettive di prestazione di l' Stato, in tale modo nella funzione di controllo, quanto in l'
obbligo d' agire nella fomentação dello sviluppo agricolo e nella prevenzione di danni
ambientali. Come risultato del lavoro, s' è constatata l' esistenza di basi giuridiche per la
difesa d' un paradigma di sviluppo sostenibile tridimensionnel, visto che la Costituzione
Federale stessa dedica l' integrazione e l' armonizzazione della protezione ambientale con la
crescita economica ed il benessere sociale. Egli s' è verificato, ancora, l' esistenza d' strumenti
d' stato atti ad esigere che il produttore, quando possibile, esercita le loro attività
conformemente agli obblighi prescritti, come pure la previsione e la regolamentazione di
politiche governative destinate allo sviluppo duraturo di l' impresa agricola.
Parole chiave: attività agricola; State di diritto ambientale; sviluppo sostenibile; politica
agrária; diritto agrário; obblighi costituzionali dello Stato.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................10
METODOLOGIA...................................................................................................................14
CAPITULO 1 O PARADIGMA CIENTÍFICO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL NO DIREITO ................................................................17
1.1 O momento sociogico contemporâneo: as causas e os efeitos da crise ambiental.........17
1.1.1 A crise ambiental como fenômeno da modernidade........................................................17
1.1.1.1 Sobre a escassez de recursos e o consumismo desenfreado.........................................20
1.1.1.2 Sobre as leis que regem o meio ambiente enquanto sistema........................................23
1.1.1.3 A participação do paradigma científico moderno na crise ambiental ..........................28
1.1.2 A sociedade do risco como o modelo sociológico diante da crise ambiental.................31
1.2 O conceito de desenvolvimento sustentável....................................................................37
1.2.1 As teorias do Desenvolvimento .......................................................................................38
1.2.1.1 Desenvolvimento como crescimento econômico (Economia de Mercado) .................38
1.2.1.2 Teorias negativistas do desenvolvimento.....................................................................40
1.2.1.3 Desenvolvimento como expansão de liberdades substantivas .....................................41
1.2.2 Sobre as fontes de privação das liberdades substantivas ...............................................43
1.2.3 Qualidade de vida e a promoção das liberdades substantivas .......................................45
1.2.3.l A essencialidade de segurança alimentar para o desenvolvimento...............................47
1.2.3.2 A questão da igualdade de oportunidades reais............................................................49
1.3 O mito do desenvolvimento econômico...........................................................................52
1.3.1 O processo de ocultação das causas do subdesenvolvimento.........................................52
1.3.2 O desenvolvimento como um mito...................................................................................55
1.3.2.1 Primeiro Mito: a possibilidade física do crescimento ilimitado...................................56
1.3.2.2 Segundo Mito: a possibilidade de generalizar o padrão de desenvolvimento dos
países avançados...........................................................................................................59
1.3.2.3 Terceiro Mito: todos podem alcançar essa forma crescimento econômico..................60
1.3.3 A medida do desenvolvimento .........................................................................................61
1.4 As teorias da sustentabilidade.........................................................................................63
1.4.1 Os fundamentalistas de mercado (ecotecnicistas) ..........................................................64
8
1.4.2 Os ecologistas exacerbados.............................................................................................65
1.4.3 Os ecossocialistas e a superação das contradições do capitalismo ...............................66
1.4.4 Os Antropocentristas moderados: “os caminhos do meio”............................................68
1.4.4.1 A Economia Ecológica.................................................................................................68
1.4.4.2 O Desenvolvimento Sustentável...................................................................................70
1.4.5 A medida da sustentabilidade..........................................................................................72
1.4.6 A necessidade de um desenvolvimento sustentável multidimensional ............................73
1.4.7 A consagração internacional do desenvolvimento sustentável.......................................75
1.4.8 Conceito tridimensional de desenvolvimento sustentável...............................................78
1.5 O desenvolvimento sustentável como um novo paradigma científico..........................82
1.5.1 Contribuições ao novo paradigma científico ..................................................................86
1.5.1.1 Pensamento sistêmico e o enfoque holístico ................................................................86
1.5.1.2 O comportamento jurídico do paradigma do desenvolvimento sustentável.................88
CAPÍTULO 2 A INFLUÊNCIA DO PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL MULTIDIMENSIONAL NAS OBRIGAÇÕES DO
ESTADO.......................................................................................................94
2.1 A atuação finalística do Estado .......................................................................................94
2.1.1 O conceito de Estado.......................................................................................................94
2.1.2 A evolução das funções do Estado Moderno.................................................................100
2.1.3 Os aspectos do Estado Democrático de Direito............................................................107
2.1.4 O Estado de Direito Ambiental .....................................................................................115
2.1.4.1 O Estado Democrático de Direito Ambiental na Constituição Federal de 1988........117
2.1.5 A crise do Estado...........................................................................................................118
2.1.6 Racionalidade Ambiental e Justiça Ecológica..............................................................120
2.2 A consagração constitucional do desenvolvimento sustentável..................................121
2.2.1 O sistema constitucional e a interpretação das normas que consagram a
multidimensionalidade do desenvolvimento sustentável...............................................127
2.2.1.1 A interpretação das normas insertas no sistema constitucional..................................128
2.2.1.2 A aplicabilidade das normas constitucionais..............................................................131
2.2.2 Os princípios estruturantes do desenvolvimento sustentável........................................133
2.2.3 Direito ao meio ambiente como direito subjetivo público e as obrigações estatais ..........140
9
2.3 As obrigações estatais para efetivar o paradigma de desenvolvimento consagrado
na Constituição Federal .................................................................................................143
2.3.1 A possibilidade de intervenção da Administração Pública...........................................143
2.3.2 Instrumentos de ação no ordenamento jurídico brasileiro...........................................145
2.4 A efetividade constitucional e a crise ambiental..........................................................155
2.4.1 A dificuldade de aferição do dano ambiental................................................................155
2.4.2 A efetividade da proteção ao desenvolvimento sustentável...........................................157
CAPÍTULO 3 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA ATIVIDADE
AGRÍCOLA...............................................................................................161
3.1 O objetivo do Direito Agrário no Estado Contemporâneo.........................................161
3.2 O conceito de atividade agrária.....................................................................................167
3.3 A realidade agrária no Brasil........................................................................................171
3.3.1 Os problemas socioeconômicos da atividade agrícola moderna..................................172
3.3.2 Problemas ambientais da atividade agrícola moderna.................................................176
3.4 O desenvolvimento sustentável na atividade agrícola.................................................183
3.4.1 A atividade agrícola sustentável....................................................................................184
3.4.2 As possibilidades técnicas de sustentabilidade na atividade agrícola..........................187
3.4.3 As possibilidades do desenvolvimento rural .................................................................190
3.4.3.1 Por uma reforma agrária sustentável..........................................................................192
3.4.4 O Direito como instrumento para a atividade agrícola sustentável.............................194
3.5 A consagração do desenvolvimento sustentável na função social da propriedade
rural.................................................................................................................................199
3.5.1 A funcionalização do direito de propriedade rural.......................................................200
3.5.2 Aspectos jurídicos da função social da propriedade rural ...........................................202
3.5.2.l A relação entre a função social e o direito de propriedade..........................................204
3.5.3 O conteúdo normativo da função social........................................................................209
3.6 A aplicação prospectiva do Direito nos conflitos agrários..........................................215
3.6.1 A interpretação constitucional da desapropriação-sanção..........................................215
3.6.2 As queimadas e a expansão da fronteira agrícola da cana-de-açúcar.........................220
3.6.3 A comprovação da função social da propriedade nas ações possessórias...................226
3.6.4 A atuação do Estado de São Paulo na defesa do solo agrícola....................................231
10
CAPÍTULO 4 A POLÍTICA AGRÍCOLA NO ESTADO CONTEMPORÂNEO.........235
4.1 As obrigações do estado atinentes à política agrícola..................................................235
4.1.1 A regulamentação infraconstitucional da política agrícola .........................................240
4.2 Os principais instrumentos de política agrícola ..........................................................243
4.2.1 O Zoneamento Agroecológico.......................................................................................243
4.2.2 A avaliação do impacto ambiental................................................................................247
4.2.3 O licenciamento ambiental............................................................................................252
4.2.4 A Auditoria e a Gestão Ambiental.................................................................................261
4.2.5 Certificação Agroecológica...........................................................................................265
4.2.6 A difusão do conhecimento sobre a tecnologia adequada............................................268
4.2.7 O financiamento público da atividade agrícola sustentável.........................................272
4.2.8 O seguro agrícola e a proteção à economia agrária....................................................279
4.2.9 Os mecanismos tributários de promoção da atividade agrícola sustentável................284
4.2.10 O Termo de Ajustamento de Conduta..........................................................................286
4.3 A proteção e subvenção à produção familiar...............................................................288
CONCLUSÃO.......................................................................................................................293
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................299
11
INTRODUÇÃO
A atividade agrícola comercial se tornou um fenômeno imprescindível para a
manutenção do padrão de vida desejado pela sociedade humana. Devido à complexa
organização da divisão do trabalho entre os homens, ao tamanho da população mundial e à
existência de limites ecológicos, fez-se necessária a produção de excedentes agrícolas com o
propósito de assegurar alimentos em quantidades suficientes para atender às novas demandas
sociais, bem como a fim de abastecer a indústria com matéria-prima e o meio urbano com
biocombustíveis.
Ocorre que, como a realização dessa atividade econômica exige a intervenção direta
do homem nos ecossistemas naturais e tal ingerência, mesmo quando o manejo dos recursos
naturais é racional e adequado, provoca desequilíbrios ecológicos significativos, é
fundamental a compreensão de que a produção agrícola precisa se integrar ao processo
biológico do meio ambiente onde ela é desenvolvida, até porque a ação humana não
determina sozinha o resultado dessa atividade, cuja viabilidade depende do tempo da
natureza, inclusive no que se refere à sua regeneração e à época de plantio e colheita.
Ao mesmo tempo em que não se pode deixar de produzir, sob o risco de prejudicar
todo sistema econômico com o desabastecimento do mercado e, conseqüentemente, o
aumento da insegurança alimentar, do preço dos produtos agrícolas e do número de
miseráveis no campo, é imprescindível a busca de mecanismos aptos a provocar a reversão
dos impactos ambientais decorrentes do exercício inadequado das atividades agrícolas.
Que pese a necessidade de compatibilizar a proteção ambiental com a produção
econômica e o atendimento das demandas sociais imediatas, já é possível verificar uma
preocupante limitação dos recursos naturais utilizados na produção agrícola. risco
concreto de insuficiência dos bens necessários ao desenvolvimento dessa atividade
econômica, maiormente em decorrência dos efeitos negativos da ausência de racionalização
do manejo do solo agrícola e da adoção de técnicas de cultivo predatórias.
Os impactos socioambientais das atividades agrícolas se avolumaram após a
denominada “modernização conservadora do campo”, decorrente da implantação do pacote
tecnológico proposto pelos teóricos da “Revolução Verde”. Com a disseminação desse
modelo de produção, houve aumento substancial da deterioração dos recursos naturais, seja
pelo uso intensivo de insumos químicos e maquinário pesado, seja pelas técnicas inadequadas
de preparo e cultivo do solo.
12
Do ponto de vista da produção imediata de alimentos e energia e do rendimento
econômico, essa modernização agrícola foi considerada bem-sucedida, mas não foi capaz de
promover o bem-estar social que havia justificado a sua implantação e, muitos menos,
assegurar o potencial produtivo dos recursos naturais.
Esse cenário levou à ampliação da discussão sobre a exigência de um modelo de
atividade agrícola sustentável, no qual o produtor rural seria estimulado ou forçado a adotar e
aprimorar instrumentos e técnicas produtivas, a fim de que a sua ingerência na natureza não
impedisse a regeneração dos recursos ambientais.
Tendo em vista que a produção agrícola foi afetada pela referida crise ambiental,
bem como a existência de alternativas ao modelo produtivo predominante, o presente estudo
procurou dar atenção especial ao tema da necessidade de consolidar um paradigma
tridimensional de desenvolvimento sustentável no âmbito da atividade agrícola com meios de
compatibilizar o fundamento conservacionista (proteção ambiental), o produtivista
(viabilidade econômica) e a necessidade de justiça social.
Acredita-se que uma pesquisa sobre esse tema é relevante para o Direito Agrário,
porque o desenvolvimento sustentável carece de uma decisão política que estabeleça as
orientações básicas e os instrumentos necessários a fim de se concretizar os valores
socialmente desejados. Decisão que, para ser efetiva, depende das prescrições e das sanções
existentes ou que devam existir no ordenamento jurídico brasileiro.
A presente pesquisa teve a pretensão de avaliar como ocorreu a construção do
paradigma de desenvolvimento sustentável no sistema constitucional brasileiro, bem como a
possibilidade de esse modelo servir de instrumento para a materialização das finalidades
consagradas na Constituição Federal. Basicamente, a definição dos objetivos e da
metodologia deste trabalho buscou atender às seguintes necessidades: a) estabelecer um
diagnóstico da realidade agrícola atual; b) avaliar o cenário tendencial para o caso de
manutenção das condições verificadas; c) definir um cenário desejado a partir do
reconhecimento dos valores éticos, no tocante à realização da atividade agrícola; d) analisar as
possibilidades de alcançar o cenário desejado diante dos instrumentos políticos e jurídicos
existentes, bem como as reformas indispensáveis, buscando a transformação ou a manutenção
das circunstâncias atuais.
É certo que qualquer discussão a respeito do desenvolvimento agrícola depende da
análise de todo o sistema social, pois as soluções dos problemas que formam a atual questão
agrária dependem do envolvimento de atividades econômicas não relacionadas diretamente ao
meio rural.
13
Também é perceptível a necessidade de considerar todas as obrigações estatais
consagradas e instrumentalizadas no ordenamento jurídico, pois não é possível estudar a
funcionalidade da atividade econômica agrícola sem considerar o modelo de sociedade
política e a sua produção jurídica. Não obstante, a fim de tornar os objetivos exeqüíveis, o
estudo centrou-se nas diretrizes jurídicas do desenvolvimento rural sustentável no âmbito da
produção agrícola. Evidentemente, não foram desprezadas as vantagens dos estudos
interdisciplinares que, aliás, forneceram importantes informações técnicas sobre o tema
proposto.
Nessa perspectiva, verificou-se o conteúdo jurídico concernente às obrigações dos
poderes estatais e dos produtores no âmbito da atividade agrícola, especialmente diante das
exigências de uma política agrícola voltada à concretização dos fins do Estado de Direito
consagrado na Constituição Federal de 1988.
Tendo em vista os objetivos propostos e os resultados obtidos ao longo do
desenvolvimento deste trabalho, acredita-se que a distribuição dos capítulos, na forma exposta
nos parágrafos abaixo, possibilitará uma visão sistemática do desenvolvimento rural
sustentável e da funcionalidade dos instrumentos de política agrícola previstos no
ordenamento jurídico brasileiro.
No primeiro capítulo, procurar-se-á apresentar o contexto contemporâneo, de
maneira a demonstrar a existência de uma grave crise ambiental que caracteriza o atual
momento sociológico. Também será avaliada a relação dessa crise com a forma de realização
das atividades econômicas e a distribuição da produção entre os homens, bem como com a
disponibilidade de recursos naturais e o consumismo irracional e supérfluo da sociedade.
Ainda nesse capítulo, apresentar-se-á uma análise sobre as possibilidades de
compreensão dos termos “sustentabilidade” e “desenvolvimento”. Além disso, será discutido
o conteúdo do desenvolvimento sustentável em sentido tridimensional, a sua consagração
normativa no âmbito internacional e se esse modelo pode ser defendido como um novo
paradigma científico.
No segundo capítulo, serão feitas algumas reflexões quanto à evolução do Estado
Moderno, no intuito de confirmar a consagração do Estado Ambiental Democrático de Direito
como um novo modelo político, ou seja, enquanto um instrumento capaz de materializar os
valores essenciais da sociedade humana, algo, até então, apenas prometido pelos paradigmas
políticos anteriores. Também se analisará qual a funcionalidade do modelo de Estado previsto
na Constituição Federal de 1988, especialmente suas indicações jurídicas no tocante ao bem-
estar socioeconômico e ao equilíbrio ecológico.
14
Esse capítulo será concluído com a avaliação da previsão constitucional do modelo
tridimensional de desenvolvimento sustentável. Averiguar-se-ão as contribuições jurídicas
para modificar o contexto de crise ambiental e as obrigações estatais referentes às funções de
fiscalizar, fomentar e regulamentar o paradigma de desenvolvimento contemplado na
Constituição Federal.
No terceiro capítulo, será considerada a atual realidade agrária do país com o
propósito de compará-la aos valores constitucionais e às diretrizes normativas escritas no
ordenamento jurídico. Para a consolidação desse objetivo, procurar-se-á proceder a um exame
da definição e da regulação jurídica da atividade agrícola no Direito Agrário Brasileiro.
O estudo também investigará a abordagem dada ao desenvolvimento sustentável na
legislação agrária, especialmente a apreciação das obrigações jurídicas atribuídas aos
proprietários e produtores rurais no âmbito da função social da propriedade rural.
No último capítulo, interpretar-se-ão as principais normas jurídicas pertinentes à
política agrícola brasileira, a fim de discutir as obrigações jurídicas do Estado em relação a
essa política e as possibilidades de tais normas satisfazerem as exigências do paradigma de
desenvolvimento almejado pela Constituição Federal. Essa investigação possibilitará a
ponderação acerca da legitimidade da forma de distribuição dos benefícios da política agrícola
no plano normativo, isto é, verificará se os programas estatais promovem-na de maneira
vinculada à responsabilidade socioambiental do produtor rural e aos valores norteadores do
desenvolvimento sustentável.
Por fim, dentro de uma visão prospectiva do Direito Agrário, analisar-se-ão as
formas como os atuais instrumentos de política ambiental e agrícola poderiam fomentar a
concretização do modelo de desenvolvimento rural consagrado no ordenamento jurídico, de
modo que a atuação estatal se volte à realização de medidas preventivas e à promoção de
bem-estar aos segmentos agrícolas com maior dificuldade para se consolidarem no mercado,
como a produção familiar e os assentamentos da reforma agrária.
15
METODOLOGIA
Embora a metodologia não tenha a competência teórica para fundamentar um
conhecimento, ela participa da construção do saber, da reflexão quanto ao objeto analisado e
do raciocínio da discussão, facilitando a sistematização lógica das idéias, a construção do
discurso e o cultivo da imparcialidade na análise dos resultados. Logo, legitima,
credibilidade e fundamenta uma conclusão científica.
Evaldo Vieira (1992, p. 29) leciona que a metodologia orienta a pesquisa e,
certamente, influencia nos seus resultados, na medida em que métodos diferentes podem
provocar uma compreensão distinta sobre a realidade fenomenológica de um mesmo objeto.
De acordo com os ensinamentos de João Maurício Adeodato (1989, p. 93), o
pesquisador se acerca da realidade por meio da metodologia. Ela consiste no modo como se
aproxima o objeto investigado do pensamento do autor. Foi essa a idéia pretendida na
definição da metodologia para este trabalho, isto é, um contato direto com vários
posicionamentos, no intuito de se chegar a uma análise reflexiva e verdadeira da realidade.
Alguns pontos teóricos nortearam a metodologia eleita. Primeiro, seguindo os
ensinamentos de Agostinho Ramalho Marques Neto (2001), o pluralismo de métodos - foram
utilizados vários métodos de acordo com cada fonte analisada. Outra questão foi a adoção de
uma multiplicidade de fontes; tal posição teve o intuito de buscar uma visão integral e
dialética do tema proposto.
Devido a essas finalidades e à interdependência dos aspectos que formam a
tridimensionalidade do conceito de desenvolvimento sustentável, buscou-se uma visão
holística e interdisciplinar
1
do tema, de maneira a considerar a formação de um sistema
sociojurídico aberto, no qual a proteção ambiental pudesse ser ponderada em relação às
pretensões econômicas e às demandas sociais.
A pesquisa se valeu do holismo que, enquanto método, representa uma totalidade
construída e reconhecida na interdependência dos seres entre si e com o seu meio ambiente,
1
Os processos de intercâmbio dos conhecimentos de uma ciência são utilizados ou incorporados por outra, como
conceitos e instrumentos de atuação (LEITE; AYALA, 2002, p. 43). No caso do tema ora proposto, destaca-se
a Ecologia, a Agronomia, a Sociologia Rural e a Economia Agrária.
16
um pensamento interligado com os desafios de superar e reaproveitar alguns efeitos do
paradigma da modernidade (BOFF, 2000, p. 72)
2
.
O procedimento metodológico foi dividido em três etapas. Na etapa inicial, foram
analisadas as normas jurídicas pertinentes ao tema. Para essa apreciação, utilizou-se o método
dedutivo, pois, como ensina Eduardo Carlos Bittar (2002, p. 17), ele possibilita a extração
discursiva do conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis em hipóteses concretas.
A análise da legislação, sopesando todo o processo social e histórico de positivação
de direitos, garantias e obrigações, permitiu a extração de premissas gerais. Esse estudo a
respeito da norma também foi sistemático e sociojurídico, a fim de se conhecer o
ordenamento jurídico vigente em sua unidade, coerência e adequação ao momento atual.
Na segunda etapa, foram examinadas as divergências quanto à interpretação
doutrinária dos problemas e das soluções no tocante à regulação jurídica da política agrícola.
Para a realização desse momento da pesquisa, fez-se a descrição analítica das diversas
correntes e a comparação das mesmas com a realidade agrária e os dispositivos normativos.
Utilizou-se o método histórico-dialético com o objetivo de contrapor as propostas
divergentes e obter os resultados dessa contraposição, sobretudo por ser a melhor forma de
considerar a evolução dos institutos de Direito Agrário do ponto de vista dos conflitos sociais.
Esse método também foi interessante para a investigação da efetividade do Direito,
por priorizar o real em relação ao racional, investigando a práxis histórico-concreta. Ocorre
que reflexão científica do Direito deve ocorrer dentro de um processo histórico (tempo e
espaço social), com permanente valoração e discussão do seu conteúdo. Uma teoria não pode
perder a sua ligação com o concreto, pois, se assim for, torna-se uma ideologia. Com a
utilização do método dialético, o trabalho pôde procurar formas de aproximar a teoria da
prática política.
Ainda, diante da multidimensionalidade do conceito de desenvolvimento
sustentável, procurou se realizar a integração de algumas orientações sistêmicas com os meios
de interpretação sistemática.
Sem a intenção de fazer uma análise mais profunda do método
sistêmico, foram considerados seus postulados, a fim de compreender o ordenamento jurídico
como um sistema complexo
3
, no qual existem propriedades que podem ser visualizadas
com a utilização de instrumentos capazes de permitir a compreensão do todo.
2
A visão holística defendida é aquela no sentido de globalidade, considerando todas as interações e
interdependências num ecossistema. Ressalta-se que o holismo não substitui as partes pelo todo, pois consiste
num sistema aberto, onde se integram e se inter-relacionam diversos elementos (PELIZZOLI, 1999, p. 135).
3
Complexidade como entrelaçamento de diversas ordens (física, biológica, social, política, cultural) ou também
como a existência de diferentes alternativas decisórias.
17
Na etapa final do desenvolvimento metodológico, procurou-se verificar a efetividade
das normas e as conseqüências dessa eficácia social ou da ineficácia, a partir da análise da
atuação estatal e da realidade agrária, mediante um procedimento empírico-indutivo. Dessa
maneira, foi possível aproximar a interpretação jurídica das necessidades sociais e ponderar a
carência de prescrições normativas gerais.
18
CAPÍTULO 1 O PARADIGMA CIENTÍFICO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL NO DIREITO
1.1 O momento sociológico contemporâneo: as causas e os efeitos da crise ambiental
1.1.1 A crise ambiental como fenômeno da modernidade
A crise ambiental passou a ser considerada uma questão de dimensões mundiais a
partir de 1960. Nesse período, houve a aceleração da preocupação ecológica em âmbito
internacional, embora com maior destaque na Europa. Começaram a surgir acordos e
declarações internacionais para fins de proteção ambiental e amenização das causas e
conseqüências dessa crise deflagrada em virtude de comportamentos antrópicos abusivos.
A crise ambiental é o resultado de um contexto sociocultural caracterizado por
problemas interligados e interdependentes, tais como a escassez de recursos naturais
4
e as
diversas catástrofes em nível planetário provocadas por ações degradadoras do ser humano na
natureza. A citação a seguir, extraída do trabalho de Michel Löwy (2005, p. 41, destaque do
autor), traz os principais problemas que formam tal crise:
Crescimento exponencial da poluição do ar nas grandes cidades, da água potável, do
meio ambiente em geral; aquecimento do Planeta, começo da fusão das geleiras
polares, multiplicação das catástrofes “naturais”; início da destruição da camada de
ozônio; destruição, numa velocidade cada vez maior, das florestas tropicais e rápida
redução da biodiversidade pela extinção de milhares de espécies; esgotamento dos
solos, desertificação; acumulação de resíduos, notadamente nucleares, impossíveis
de controlar; multiplicação dos acidentes nucleares e ameaça de um novo Chernobyl;
poluição alimentar, manipulações genéticas, “vaca louca”, gado com hormônios.
Todos os faróis estão no vermelho: é evidente que a corrida louca atrás do lucro, a
lógica produtivista e mercantil da civilização capitalista/industrial nos leva a um
desastre ecológico de proporções incalculáveis. Não se trata de ceder ao
“catastrofismo” constatar que a dinâmica do “crescimento” infinito induzido pela
expansão capitalista ameaça destruir os fundamentos naturais da vida no planeta.
No final da citação, o autor procura iniciar uma discussão sobre as causas da crise
ambiental. Esse debate norteará todo o capítulo. Por enquanto, basta apontar que os problemas
ecológicos surgiram e se agravaram devido ao uso inadequado da natureza pelo homem. Eles
foram os resultados dos comportamentos humanos para adequar a natureza aos seus
interesses, os quais nem sempre se voltam à preservação futura da própria espécie.
4
Recursos naturais como aqueles que não são reproduzíveis pela atividade humana.
19
As causas da crise ambiental, quando conhecidas, ainda são muito polêmicas. A
tendência é considerar uma série de fatores relacionados à insustentabilidade ecossistêmica,
entre eles: os limites físicos externos decorrentes do sistema de valores que propicia expansão
desenfreada do consumo material, especialmente em face das necessidades criadas e
supérfluas; o crescimento populacional elevado, com redução da disponibilidade de recursos
naturais; a concentração espacial da população, com elevada densidade no meio urbano; a
degradação e poluição decorrentes da industrialização, da urbanização, do uso de tecnologias
inadequadas e do alto gasto energético; o desconhecimento sobre a capacidade de o potencial
tecnológico compensar a degradação ambiental; o descontrole da finalidade da produção de
tecnologias; e o desconhecimento quanto à possibilidade de regeneração do meio no tempo e
no espaço.
A questão ambiental, por sua vez, denota aqui o fenômeno associado aos
desequilíbrios sistêmicos ocasionados pela persistência de padrões reducionistas de
regulação da dimensão econômico-política da vida social e pela natureza
exponencial das curvas globais de crescimento demográfico. Esses desequilíbrios
respondem pelo agravamento tendencial do volume de impactos destrutivos gerados
pela ação antrópica sobre o funcionamento dos sistemas ecossociais, numa escala
mais e mais planetarizada e capaz, dessa forma, de comprometer as próprias
precondições de sobrevivência da espécie (VIEIRA, P., 1998, p. 50).
A Ecologia trabalha com as inter-relações entre a espécie e seu meio ambiente
5
. Faz
parte de seu objeto de estudo as interações entre indivíduos de uma mesma espécie, a
interação entre espécies diferentes num mesmo espaço, e a relação de uma espécie com o
meio abiótico. Como as espécies e suas inter-relações estão em constantes mudanças, também
é perceptível que o equilíbrio entre elas deva ser dinâmico. O fluxo de energia e matéria entre
os atores de um ecossistema é imprescindível para compreender esse contexto de
dinamicidade, já que é a única forma de medir a interdependência e explicar a permanência de
um ecossistema no tempo.
A Ecologia Clássica tem trabalhado a crise ambiental utilizando uma espécie - a
humana - como bloco e discutindo a relação da mesma com o meio natural. Na percepção de
Guilhermo Foladori (2001, p. 44), tal procedimento não é a melhor maneira de explicar a
crise, porquanto deixa de avaliar as relações internas na sociedade humana.
A análise dessa crise não deve se pautar apenas em relações técnicas, pelas quais se
avalia a relação da espécie com o seu meio abiótico ou de uma espécie com as outras que
5
O meio ambiente em sentido amplo é a interação de elementos físicos, químicos, sociais e humanos. Em
sentido estrito é o ambiente natural (MONTIBELLER-FILHO, 2004, p. 31), que será mais abordado nesta
dissertação.
20
dividem o mesmo espaço. A completude da análise do contexto atual depende também da
apreciação das relações sociais que são estabelecidas entre os indivíduos de uma mesma
espécie, principalmente quando se debatem as conseqüências ambientais das atividades
econômicas.
As relações técnicas são estabelecidas por meio de um processo produtivo com o
propósito de gerar produtos úteis para atender às necessidades humanas. O homem se vale da
tecnologia a fim de explorar o meio e as relações com os outros seres vivos. Já as relações
sociais dizem respeito à organização do processo produtivo, como a distribuição do produto e
dos meios de produção. O estudo de um processo produtivo deve reconhecer que ele é
formado por relações técnicas e sociais (FOLADORI, 2001, p. 83).
Para grande parte dos ecologistas e economistas, a crise ambiental está relacionada
apenas às questões técnicas. A discussão gira em torno da forma como o homem vem se
relacionando com o meio e com as outras espécies por meio da tecnologia. Alguns autores
defendem que a tecnologia é a vilã da crise ambiental, pois, a partir da aplicação do
conhecimento humano na natureza, houve aceleração do processo de degradação, em vez da
pretendida independência e superação dos limites físicos. Embora exista alguma veracidade
nesse raciocínio (a tecnologia certamente é uma das causas da crise ambiental), não é razoável
negar a relevância da ciência quando aplicada com o objetivo de resolver os problemas
ambientais.
Guilhermo Foladori (2001, p. 84) vai de encontro a essa posição ao defender que o
problema está nas relações sociais, ou mais especificamente no modo de produção dominante.
O estudo da crise ambiental precisaria partir das contradições no interior da sociedade
humana, as quais não são biológicas, mas sociais, na medida em que se baseiam menos na
evolução genética e mais na história econômica sobre o sistema produtivo e na distribuição
dos bens.
Esperava-se que a tecnologia pudesse contribuir para o desenvolvimento da
sociedade humana. Isso até seria possível se fossem combatidos os mecanismos perversos do
seu uso e distribuição. Ao contrário do que foi proposto, o avanço tecnológico da civilização
humana provocou aumento da dependência humana em relação à natureza. Os padrões de
consumo exigiram maior gasto de energia, e, conseqüentemente, o aumento da degradação
ambiental.
Dois pontos equivocadamente pensados apenas como técnicos são apontados como
características da famigerada crise ambiental e, portanto, merecerão maior discussão nos
parágrafos abaixo: a) a impossibilidade de o meio fornecer a base material necessário ao
21
processo de crescimento econômico - a questão da disponibilidade limitada de recursos físicos
para atender às necessidades ilimitadas da sociedade humana; b) a incapacidade de o meio
regenerar todos os danos do processo de crescimento.
Uma observação mais atenta possibilita concluir que nenhum desses fatores é
meramente técnico, embora tal discurso tenha sido muito utilizado como um artifício retórico
para não se enfrentar as verdadeiras causas da crise ambiental.
1.1.1.1 Sobre a escassez de recursos e o consumismo desenfreado
Thomas Robert Malthus, em 1798, no seu famoso trabalho “Essay on the Principle
of Population”, defendia que a população cresce em progressão geométrica, enquanto os
meios de subsistência em progressão aritmética, com tendência à escassez. Os catastróficos
efeitos previstos por ele não ocorreram, apesar do substancial aumento da população mundial.
Mesmo sem a crise na produção, não é possível deixar de se preocupar com o
potencial produtivo do meio ambiente e o acesso aos bens, sobretudo aos alimentos, pois se
tem consciência da escassez moderada na disponibilidade de recursos naturais. Essa
constatação passa a nortear as teorias que discutem as relações sociais, o Direito e a Justiça.
A atividade econômica moderna provoca inúmeras externalidades, devido as quais
os comportamentos de algumas pessoas interferem, involuntariamente, no bem-estar de outras
- sem que os prejudicados sejam recompensados pelos danos suportados. As externalidades
são as conseqüências recebidas pela sociedade em virtude dos efeitos indiretos das ações
individuais; logo, são bens sociais que podem ser benéficos ou não. As externalidades
negativas consistem nos danos causados por alguma atividade a terceiros, sem que tais danos
sejam incorporados nos sistemas de preços; são efeitos incidentais e involuntários, embora
previsíveis, que não fazem parte dos custos da produção e não são individualizados nas
transações mercantis.
Devido à dificuldade de incorporar as externalidades negativas nos custos da
atividade, elas não são concebíveis no âmbito do direito de propriedade, de maneira que se
tornam prejuízos suportados pela sociedade. Por isso, tem ocorrido a intensificação da
discussão quanto às possibilidades de internalizar os custos sociais, no intuito de facilitar a
atribuição de responsabilidade aos beneficiados com as externalidades negativas da produção.
Toda ação humana tende a provocar externalidades, sobretudo ecológicas. Somente
a capacidade de sustentação do meio poderá definir a viabilidade de uma atividade
econômica. De outro lado, o impacto na natureza depende do modo de produção e da
22
distribuição dos bens em uma sociedade. Ocorre que, enquanto as necessidades humanas são
determinadas cultural e historicamente, a disponibilidade de recursos para satisfazê-las está
relacionada a um longo processo biológico.
A capacidade de suporte do meio ambiente depende de uma rie de fatores ligados
ao comportamento humano, tanto no sentido de atender ao consumo necessário, quanto,
principalmente, para atender ao consumismo cultural e mercadológico.
Existe um juízo de razoabilidade para definir as necessidades coletivas e as
desigualdades sociais aceitáveis conforme as possibilidades ambientais. O problema é que a
necessidade coletiva é um conceito mutável no tempo e no espaço, e sofre fortes influências dos
comportamentos dos grupos hegemônicos; inclusive a quantidade de consumo que o homem
precisa é calculada num processo de domínio hisrico-cultural (DERANI, 2001, p. 130). Como
o consumo produzido culturalmente pode ser desenfreado e supérfluo, ele pode intensificar o
impacto das atividades humanas sobre o meio comparativamente a uma situação voltada apenas
à satisfão das necessidades sicas.
Na discussão sobre a atual crise ambiental, a idéia predominante no discurso
ambientalista é a de que a disponibilidade de suporte físico para as atividades antrópicas é
limitada, de forma que a espécie humana, caso queira garantir a sobrevivência das futuras
gerações, precisa melhorar a administração dos recursos naturais existentes.
Essa idéia deve ser relativizada. Percebe-se que, tanto quanto a discussão ecológica
da insuficiência dos recursos naturais, merece ênfase a discussão sociológica e jurídica do uso
irracional e inadequado desses bens. O limite dos recursos é relativo e depende da concepção
do que são as necessidades humanas e dos mecanismos utilizados para satisfazê-las
6
.
A velocidade de exploração dos recursos naturais está ligada à utilidade do bem e às
necessidades criadas pela sociedade. O petróleo, por exemplo, em meados do século XIX, era
pouquíssimo utilizado. Hoje, a economia depende quase totalmente dessa energia. Num futuro
próximo, essa fonte energética poderá ser substituída, como já vem ocorrendo com a produção
de automóveis movidos a álcool ou outros biocombustíveis.
Esse exemplo energético serve para mostrar que tão importante quanto à
preocupação com os limites físicos é a preocupação com a capacidade humana de superar os
riscos, adotando meios de substituição das fontes ou dos recursos naturais esgotáveis.
6
Por isso, falar que desenvolvimento é a diminuição de consumo para o necessário se esgota nas palavras dos
seus interlocutores, o que permanece é a “questão fundamental de como se desenvolve uma coerente estrutura
social e ecomica capaz de realizar um equilíbrio entre reprodução dos sistemas naturais e reprodução e
distribuição da produção social” (DERANI, 2001, p. 140).
23
Nesse contexto, Guilhermo Foladori (2001, p. 123) entende que a crise ambiental,
além dos comprovados limites físicos externos pela diminuição da disponibilidade de recursos
naturais, está muito mais relacionada à forma de organização socioeconômica no interior da
sociedade humana. O autor nega os limites físicos absolutos como elemento fundamental da
crise, embora reconheça os relativos, pois, antes do esgotamento dos recursos, a sociedade
será marcada por uma série de conflitos interespecíficos que redirecionarão o relacionamento
do homem com a natureza, de forma a afastar o limite físico como problema central.
A interferência das relações sociais na crise ambiental fica mais evidente ao serem
verificados os fatores apontados como as causas do agravamento da crise ambiental: 1. O
crescimento populacional sempre esteve mais associado ao processo de industrialização e
urbanização, em virtude da maior oferta de trabalho, diminuição da mortalidade e aumento da
expectativa de vida. 2. Os limites dos recursos naturais estão ligados ao surgimento de novas
necessidades humanas e às formas de satisfazê-las. Um exemplo é a expansão agrícola a partir
do desmatamento de floresta, sem recuperação dos solos esgotados. 3. O fenômeno da
poluição que, enquanto aumento dos resíduos das atividades humanas, está diretamente
relacionado ao problema cultural decorrente do padrão de consumo combinado com o
aumento do gasto de energia, especialmente fóssil, devido ao uso de embalagens não-
biodegradáveis, a predominância do transporte individual sobre o coletivo, entre outros
comportamentos.
A discussão dos limites físicos precisa voltar-se às causas da crise ambiental. Torna-
se imprescindível reconhecer que “a questão ecológica é uma questão social; e hoje a questão
social pode ser elaborada adequadamente apenas como questão ecológica” (ALTVATER,
1995, p. 18). Em virtude da desigual distribuição dos bens, a sociedade humana é marcada
pela existência de contradições sociais e escassez de recursos, problemas que não podem ser
resolvidos somente por propostas técnicas. Não se trata de discutir se existem ou não limites
ambientais absolutos, que podem ser superados por uma parte dos homens, mas de dar
atenção aos enfrentamentos no interior dessa espécie, a fim de adiar o esgotamento relativo
dos recursos e promover o bem comum.
Existe uma relação dialética, pois o homem precisa modificar a natureza conforme
suas necessidades e, ao mesmo tempo, suas inter-relações são modificadas conforme a
disponibilidade do meio. O homem é compelido a utilizar a natureza para produzir bens úteis.
Concomitantemente, ele deve saber como evitar a perda do potencial produtivo da natureza.
O problema maior é a relação de produção, especialmente a forma como o sistema
econômico se desenvolve. Procura-se reduzir ao máximo os custos, tanto pela exploração
24
intensiva dos recursos e pela diminuição de salários ou dispensa de empregados, quanto
criando novas necessidades e padrões de consumo. Na busca desenfreada pelo lucro, o
dumping ambiental
7
e social possibilita maior competitividade. Ao mesmo tempo, a
propriedade privada garante até o direito de poluir, ainda que com o pagamento de tributos ou
a compra de créditos.
Essa argumentação a respeito da inter-relação entre os problemas ambientais, causas
técnicas e irracionalidade do sistema social norteará o estudo sobre o desenvolvimento
sustentável. Por meio do aprofundamento das críticas apresentadas acima, será possível
desenvolver um conteúdo jurídico mais condizente com a realidade e as perspectivas.
1.1.1.2 Sobre as leis que regem o meio ambiente enquanto sistema
A Ecologia ensina que o homem deveria manter relações harmônicas com outras
espécies integrantes da biosfera e com os elementos abióticos. Mas, infelizmente, essa não
tem sido a realidade. Evidencia-se uma situação de espoliação irresponsável da natureza e
degradação da qualidade de vida da maioria da população humana.
Proposta por Ernest Haeckel em 1866, a Ecologia é uma disciplina ligada à
Biologia
8
, e tem como função estudar as relações entre as espécies animais e o seu ambiente
orgânico e inorgânico (LAGO, 1984, p. 9). Segundo Guimarães Ferri (1981, p. 22), a
Ecologia é a ciência que estuda as relações entre os seres vivos entre si e com o meio onde
vivem
9
.
A Ecologia Natural foi a primeira a surgir e estava centrada no funcionamento e
limites do sistema natural. A base dessa escola é a idéia de ecossistema, pela qual todos os
seres se inter-relacionam, física e biologicamente, formando um sistema complexo. O
ecossistema pode ser entendido como o conjunto de condições físicas e químicas de certo
lugar, reunido a uma série de espécies de seres vivos que habitam esse mesmo local (FERRI,
1981, p. 22).
7
O dumping ambiental ocorre quando não internalização dos custos ambientais. Os produtores se valem da
degradação dos recursos naturais para reduzir os custos da produção e conseguir oferecer produtos a preços
baixos, de modo a inviabilizar a concorrência e aumentar os seus lucros.
8
A Ecologia aparece mais como uma disciplina da Biologia, daí porque não parece adequado falar em Direito
Ecológico, mas sim em Direito Ambiental.
9
Outras definições: para Roger Dajoz (1983 apud SILVA, J. A., 2003), “a Ecologia é a ciência que estuda as
condições de existência dos seres vivos e as interações de qualquer natureza existente entre esses seres vivos e
o meio”. Odum (1975, p. 22) entende que Ecologia é o estudo da estrutura e da função da natureza. De forma
mais analítica, Zamberlam e Fronchetti (2001, p. 79) define a Ecologia como a ciência que tem como objeto de
análise as condições de habitat e as interações entre as espécies e dessas com o meio abiótico de determinado
ecossistema - a unidade funcional básica da natureza.
25
O ecossistema é a unidade funcional básica resultante da interação de uma
comunidade (conjunto de populações, sendo as populações formadas pelo conjunto de
indivíduos de uma mesma espécie numa determinada área) com o meio ambiente. Um
ecossistema auto-suficiente é composto pela inter-relação entre produtores (autróficos),
consumidores e decompositores (esses dois últimos são heterotróficos) e elementos abióticos
(ODUM, 1975, p. 27).
O ecossistema representa uma espécie de vida coletiva de efeitos recíprocos e
organização própria. Considerando a natureza do ponto de vista mais funcional do que
estrutural, nota-se que os seres vivos estão interligados dinâmica e funcionalmente em
sistemas ecológicos de estabilidade bem definida, de acordo com os seguintes princípios
(LAGO, 1984, p. 19; ODUM, 1975, p. 26):
a) interdependência: cada parte está interligada ao todo, de modo que o equilíbrio do
todo será afetado ao se intervir sobre um indivíduo e as mudanças no sistema atingem as
partes;
b) ordem dinâmica: as condições ecossistêmicas se formam num processo, apesar de
o equilíbrio sistêmico depender da existência permanente de determinadas circunstâncias;
c) quanto maior e mais diversificado um ecossistema, maior a sua estabilidade: um
ambiente com maior biodiversidade tem maior possibilidade de estabilidade, pois maior
condição de adaptação às mudanças, inclusive climáticas (ODUM, 1975, p. 60).
A diversidade é interessante para o equibrio dinâmico, na medida em que
facilita a ocorncia de interões benéficas e compensões naturais, dispensando o uso
de insumos humanos externos, por ser mais fácil o controle biológico de pragas. Essa
constatação é um dos argumentos mais usados na crítica aos sistemas de monoculturas
(GLIESSMAN, 2005, p. 439).
d) Reciclagem permanente dos materiais ou ciclos biogeoquímicos: esses ciclos
significam caminhos, mais ou menos circulares, percorridos pelos elementos químicos,
passando pelo organismo e voltando ao meio ambiente e, posteriormente, retornando aos
organismos (ODUM, 1975, p. 83). Desse modo, diferente do fluxo energético, que é
unidirecional, a reciclagem de nutrientes é cíclica. Se uma quantidade excessiva de nutrientes
sair do sistema, pode ocorrer prejuízo ao ciclo biogeoquímico e, logo, à própria estabilidade
do sistema.
e) fluxo constante de matéria e energia, formando uma cadeia alimentar: a questão
energética pode ser mais bem entendida considerando as Leis da Termodinâmica. Essas leis
26
permitem avaliar o custo energético das atividades antrópicas, que é um dos temas mais
debatidos no tocante às causas da insustentabilidade do sistema produtivo.
São duas as Leis da Termodinâmica:
1ª – Lei da Conservação da energia: no sistema fechado, a energia total é constante -
não se perde, e sim, transforma-se e muda de forma e lugar.
Dissipação da energia: o fluxo de energia é unidirecional e com tendência à
dissipação na forma de calor de baixa temperatura, que não poderá ser reutilizado (ocorre o
fenômeno da entropia, que é a passagem de um estado de ordem para outro de desordem, o
qual é medido pela soma da energia não aproveitável para realizar trabalho). A cada
conversão da energia concentrada ou transformação da matéria, parte da energia acumulada é
liberada (dissipada) na forma de calor, salvo a parte absorvida pelo meio. Assim, quanto
maior a transformação, maior será a degradação da energia.
Entropia é a medida de quantidade de desordem de um sistema. A entropia é baixa
quando não há transformação da matéria em energia. Em sentido oposto, quando há processos
(transformação), ocorre aumento de entropia, pois aumenta o montante de energia não
aproveitável, e, conseqüentemente, da desordem (MONTIBELLER-FILHO, 2004, p. 116).
Quanto à pirâmide energética, mais energia nos níveis tróficos inferiores, pois,
conforme a aplicação da Lei da Termodinâmica, a energia vai sendo dissipada ao longo da
cadeia. De um nível trófico para outro maior, haverá perda de massa (matéria orgânica) cada
vez que um ser vivo consome outro, e, como transformação nesse processo, ele também
representa a perda de energia (FERRI, 1981, p. 96).
Em ecossistemas jovens, como uma área agrícola, a energia acumulada na matéria
orgânica é maior que a perdida na decomposição. No processo de transformação, uma
tendência à entropia, uma vez que se dissipa mais energia, a fim de promover a ordem.
Muitos cientistas sociais tentaram usar os conceitos da Física para analisar os
sistemas sociais, como o aumento da desordem resultante da dissipação de energia. Existem
alguns problemas nesse procedimento, pois os sistemas sociais não são fechados. Ainda que
as leis da Física e da Ecologia Natural contribuam significativamente no estudo das relações
sociais, inclusive para a produção e aplicação do Direito, não podem ser utilizadas sem
considerar as peculiaridades do sistema produtivo humano, como os conflitos de interesses e a
dinamicidade das relações em circunstâncias abertas às influências externas.
Mais recentemente, a partir da década de 60, surgiu a necessidade de uma Ecologia
Social, pela qual a reflexão ecológica deixou de se ocupar apenas do estudo do mundo natural
27
e passou a considerar os múltiplos aspectos das relações entre o homem e o meio ambiente,
sobretudo os efeitos perversos do “progresso” em relação à degradação dos recursos naturais.
A Ecologia Social representa um comprometimento com as políticas públicas
orientadas para a promoção do bem-estar social. Nessa perspectiva, os novos movimentos
sociais, especialmente aqueles militantes nos países pobres ou em desenvolvimento, ganham
papel de destaque, senão protagonistas, no processo de alteração da racionalidade econômica.
O Ecologismo moderno, enquanto disciplina, representa um projeto político de
modificação social com bases em valores ecológicos e comunitários. Ele reconhece que a
crise ecológica não será resolvida apenas com medidas de conservação ambiental, sem
mudanças na economia e nas relações do homem com o meio ambiente.
A ideologia do crescimento econômico, com o seu industrialismo ilimitado,
representou um gasto excessivo de energia e materiais, com tal elevação do desequilíbrio
ecossistêmico, que está acabando com as reservas de sintropia
10
. A industrialização, no
processo de transformação da matéria-prima, precisa de energia; para tanto, utiliza a energia e
a matéria das ilhas de sintropia
11
. Esse procedimento aumenta a emissão de resíduos e reduz a
disponibilidade de recursos naturais (ALTVATER, 1995, p. 120).
O sistema moderno se tornou altamente produtivo a partir da intensificação do
consumo de energia e material, especialmente de origem fóssil, a fim de transformá-los em
mercadorias e lixo. Houve significativa redução da sintropia em virtude do aumento do
consumo de energia para a transformação do produto, com elevação da desordem,
principalmente pela perda de energia dissipada em formas inadequadas para produzir
trabalho.
A idéia de crescimento como maior produtividade significa destruição das reservas
naturais de matéria e energia e aceleração da entropia do processo. Esse processo promove o
aumento das externalidades negativas, com transferência do custo social e ambiental para a
sociedade. Predominou uma concepção individualista do meio ambiente, pela qual os custos
sociais e ambientais não deveriam fazer parte do cálculo econômico privado.
Se, de um lado, se constata a poluição decorrente de um crescimento econômico
voltado à manutenção dos lucros das atividades produtivas ou à superação da crise provocada
pela automação, e a queda de renda da maioria da população; de outro lado, se verifica a
miséria e a degradação ambiental pela ausência de progresso socioeconômico, própria do
10
Em linhas gerais, sintropia pode ser definida como o estado de um sistema em ordem, com capacidade de
absorção de energia e material.
11
As ilhas de sintropia são espaços de reserva de matéria e energia. Por exemplo, as reservas petrolíferas.
28
conflito entre a necessidade de subsistência, a deficiência tecnológica para o manejo dos
recursos naturais e a carência de bens essenciais (MILARÉ, 2001, p. 49).
Portanto, dois aspectos de grande importância quando se pensam as relações do
homem com a natureza. Primeiro, a consideração do direito à vida enquanto existência
biológica em relação a qualquer outro direito; nesse caso, os limites físicos e a necessidade de
regeneração dos recursos se sobressaem, como a questão da segurança alimentar. Depois,
como segundo aspecto, a preocupação com a qualidade de vida, de forma a abordar temas
como a existência digna da pessoa e o acesso aos bens essenciais.
O Homem, que sempre tenta assumir o papel de protagonista do espetáculo da vida,
conseguiu a objetivação da natureza, a qual se tornou uma mercadoria de valor a partir do
momento em que representou alguma utilidade. A valoração da natureza pelo homem
significou o seu controle mediante o conhecimento das leis próprias da natureza, ou também o
uso de instrumentos de trabalho, a fim de diversificar o meio conforme as necessidades.
Houve aperfeiçoamento da capacidade de fabricar instrumentos com o objetivo de projetar as
atividades humanas para além do presente, com transmissão do conhecimento de geração para
geração, num verdadeiro diálogo entre tempos (FOLADORI, 2001, p. 88).
A adaptação e a distribuição da espécie humana no meio natural foram favorecidas
pelas suas peculiaridades biológicas e culturais. O homem cria uma relação diferente e até
transforma o meio com uma velocidade incrível, especialmente pela sua capacidade de
fabricar instrumentos que suprem suas limitações naturais. Até um ponto em que ele se
considera governante de tudo e capaz de satisfazer todas as suas necessidades, superar suas
limitações e inferioridades, de maneira que a seleção natural deixa de ser genética, e passa a
ser econômica.
O homem tem a extraordinária habilidade de promover a acumulação do
conhecimento e produzir cultura. Ao mesmo tempo, tem capacidade de transmissão do
conhecimento de geração para geração, através da educação ou objetivando as experiências e
os conhecimentos em coisas. No entanto, a transmissão não é igual, na medida em que a
distribuição dos meios de produção e dos bens é absurdamente desigual.
Isso permite pensar que a crise ambiental também representa o colapso do sistema
social, dos valores, do consumo, do modo de produção, da aplicação do conhecimento;
portanto, das relações sociais que determinam os usos dos instrumentos e a distribuição do
produto.
29
1.1.1.3 A participação do paradigma científico moderno na crise ambiental
Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 28) fala da necessidade da crítica à razão
indolente, ou seja, àquela razão descuidada, negligente e, por que não dizer,
descomprometida. Tal negligência está relacionada ao predomínio de um modelo de
pensamento para cujos efeitos não se atentou; efeitos flagelantes a serem suportados pela
grande maioria da população mundial. Basta notar, como afirmou o próprio autor, que o
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não representou desenvolvimento dos países
subdesenvolvidos, nem diminuiu a distância entre países centrais e periféricos, nem significou
distribuição de renda e qualidade de vida em benefício de todos.
Essa crítica é direcionada ao paradigma moderno, cuja hegemonia no pensamento
científico é incontestável. A racionalidade econômica, que caracterizou esse paradigma, é
indolente porque não deu a devida atenção à crise social e ambiental. As promessas da
modernidade (paz, liberdade, igualdade, fraternidade, qualidade de vida, entre outras) o foram
cumpridas. Nem mesmo se consegue visualizar uma solução dentro desse velho modelo
12
.
Para Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 56), o paradigma moderno propôs o
equilíbrio dinâmico entre dois pilares: a) o pilar do conhecimento-regulação, que ia do caos
(ignorância) para a ordem (saber) - resultado da interação e manifestação dos princípios do
Estado, da Comunidade e do Mercado (princípios da regulação); b) e o pilar do
conhecimento-emancipação, que ia do colonialismo (ignorância) para a solidariedade (saber) -
pelo qual o equilíbrio dependia da realização simultânea de três racionalidades
emancipatórias: cognitivo-instrumental (ciência e tecnologia), moral-prática (ética e Direito) e
estético-expressiva (arte).
A modernidade, valendo-se das racionalidades emancipatórias e dos princípios
regulativos, prometeu compatibilizar os dois pilares, a fim de promover um sistema justo e
libertário. Pela ciência e pelo Direito, acreditava-se na paz, no controle da natureza para o
bem do homem e a Justiça. Porém, as promessas não foram cumpridas, e a modernidade foi
marcada por guerras, crises ecológicas, concentração de renda e miséria.
Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 57) observou a ocorrência de um desequilíbrio
no interior de cada pilar, em vez da relação entre eles. No pilar da regulação, o mercado se
sobressaiu em relação ao Estado e à comunidade. No pilar da emancipação, predominou a
12
Não contradição. Intencionalmente os termos velho” e “moderno” foram misturados, pois, não obstante
todas as promessas de progresso, o paradigma dominante foi caracterizado pela manutenção de concepções
ultrapassadas.
30
crença na ciência e o formalismo jurídico. Entre os pilares, houve uma opção pelo aspecto da
regulação, de forma que os instrumentos estavam mais voltados a impor uma determinada
ordem das coisas do que a garantir formas de libertação humana. No paradigma moderno, o
predomínio da racionalidade cognitivo-instrumental (ciência) e sua característica mecanicista
e indolente permitiram o domínio da regulação sobre a emancipação e, com isso, a ordem e o
colonialismo tornaram-se saber, e o caos e a solidariedade tornaram-se ignorância.
A hipercientificação da emancipação combinada com a hipermercadorização da
regulação provocou a absorção da emancipação pela regulação, pois neutralizou as
expectativas de transformações alternativas. As incertezas existentes minaram o ideal de
regulação sem promover a emancipação. O avanço científico aumentou consideravelmente a
capacidade de ação sem aumentar com a mesma intensidade a capacidade de previsão. A
ciência, que deveria resolver problemas pré-modernos e controlar os novos riscos, nem
chegou a resolver questões vexatórias, como a fome, a miséria e os preconceitos raciais, e
ainda criou novos riscos concernentes aos avanços na área de biotecnologia, energia nuclear,
armas com poder de destruição em massa, entre outros (SANTOS, 2000, p. 58).
O paradigma moderno representou uma conquista importante no campo político,
como a garantia de procedimentos democráticos; ou mesmo no campo científico, com o
desenvolvimento tecnológico
13
. Todavia, a modernidade provocou desagradáveis surpresas ao
fazer a opção pelo crescimento econômico ilimitado, a acumulação do lucro, o consumismo e
a crença no potencial e na neutralidade do conhecimento científico.
O primeiro problema pode ser considerado um erro metodológico. A neutralidade da
ciência e a homogeneização dos seus métodos foram os grandes mitos do paradigma
dominante. Nas ciências naturais, houve completo predomínio da idéia de que a natureza está
regida por leis imutáveis, de maneira que o conhecimento científico era mecanicista -
determinista. Como essa visão do conhecimento foi transportada para as ciências sociais
14
, a
idéia de ordem (regulação) dominou as discussões metodológicas.
Houve o equívoco da adoção do método científico cartesiano, voltado ao rigor das
medições e à redução da complexidade, a partir da divisão e classificação do todo, o qual foi
entendido apenas como relações sistemáticas das partes estudadas separadamente (SANTOS,
2000, p. 63). Ocorre que a complexidade de um sistema não é apenas o resultado da
13
Por tecnologia entende-se o conjunto de saberes práticos, métodos, técnicas utilizados para atingir um
determinado objetivo. São os meios que somente os homens usam para produzir outros instrumentos e bens
para atender às suas necessidades atuais e futuras (LAGO, 1984, p. 61).
14
O empirismo, como comprovação via especulação de evidências, predominou nas ciências sociais na tentativa
de aproximar, se não igualar, a ciências sociais às naturais, por meio da unificação do método científico.
31
somatória de inter-relações, pois existem diferentes alternativas decisórias que podem ser
observadas numa visão holística; com isso, amplia-se o espaço de decisões equivocadas.
A maior crítica foi quanto à impossibilidade de se estabelecer leis universais para as
ciências sociais, as quais estão mais vulneráveis às questões espaço/tempo e aos aspectos
subjetivos do pesquisador e do pesquisado. Esse é um cuidado fundamental no estudo
científico sobre o desenvolvimento sustentável, a fim de não correr o risco de importar
modelos das ciências biológicas, apesar de se reconhecer que o Direito depende do trabalho
interdisciplinar.
As medidas tomadas pelo paradigma moderno são isoladas e ineficazes para
promover o desenvolvimento sustentável. O conhecimento está fragmentado, enquanto a crise
ambiental exige ações e conhecimento integrados.
Outra questão diz respeito à pretensa neutralidade da ciência moderna. De fato, essa
ciência evoluiu de tal maneira, que deu ao homem certa capacidade de agir em matérias até
então impossíveis ou atribuídas somente aos Deuses. Ocorre que essa evolução não
representou, necessariamente, maior progresso humano. As opções tecnológicas são políticas,
condicionadas por interesses de poder e de classes; portanto, não são necessariamente neutras
e justas.
A forma como se desenvolve a ciência e como ela é aplicada (tecnologia) é um tema
ideológico. A retórica é o meio utilizado para justificar a adoção de determinadas posições.
Isso ficou bem evidente na agricultura durante o período da revolução verde; a pesquisa, a
assistência e a propaganda se voltaram a um modelo de produção. O discurso da
produtividade manipulou as escolas, fez parecer científico algo que, de início, poderia ser
considerado insustentável. No mesmo caso dessa agricultura moderna, que aumentou a
produtividade com base em insumos químicos sintéticos e motomecanização, haveria a
possibilidade de uma alternativa de assistência técnica e de pesquisa. Os produtores poderiam,
por exemplo, ser orientados quanto à existência de um agroecossistema no qual o controle
biológico e o uso de insumos biodegradáveis manteriam a sua estabilidade e,
conseqüentemente, a produtividade.
Não resta dúvida de que a tecnologia da revolução verde foi uma escolha voltada a
determinados interesses. O modelo agrícola adotado beneficiou um tipo de produtor em
detrimento de outro, propiciou o aumento do desemprego para grande parte dos trabalhadores
rurais e o agravamento dos danos ambientais. A opção política foi pelo lucro concentrado no
grande produtor, e não por necessidades sociais, tanto que não houve difusão do
32
conhecimento técnico e do crédito subsidiado. Essa escolha foi ideológica, por ocultar a
existência de alternativas justas para todos.
Quando se percebe esse caráter ideológico da ciência, tanto no financiamento,
quanto na limitação da difusão dos resultados, fica mais fácil entender por que as causas e as
soluções da crise ambiental não são absolutas. Ao mesmo tempo em que a ciência é
considerada instrumento para resolver os problemas humanos, também pode causá-los de
forma ainda mais intensa. Mesmo nas ciências exatas, a ideologia é significativa, pois o
financiamento determinará as áreas prioritárias a serem pesquisadas, a distribuição e o uso do
conhecimento.
O paradigma moderno procura ressaltar o discurso da neutralidade científica, do
modelo político ideal (a Democracia Liberal), e do mercado perfeito (livre concorrência), a
fim de promover a uniformização da sociedade por meio de um pensamento único.
1.1.2 A sociedade do risco como o modelo sociológico diante da crise ambiental
No mundo contemporâneo, a grande intervenção do homem na natureza é uma
realidade que ultrapassa as suas necessidades físicas e, por ser assim, provoca determinadas
reações no meio. A realidade cultural está ligada à socialização da natureza. Por sua vez, a
cultura também é transformada ou limitada pelas possibilidades físicas de determinado
espaço.
A simples ação cotidiana de consumo de um produto pode significar a contribuição
para o crescimento econômico, emprego, dumping social e ecológico em partes distantes do
planeta (GUIDDENS, 1997, p. 75). Também decisões no âmbito da política internacional
podem determinar efeitos sobre o indivíduo singular e a conservação da natureza.
A sociedade moderna acreditou que a informação e a tecnologia permitiriam maior
controle sobre o processo histórico e o ciclo da natureza e, com isso, que a História da
humanidade se orientasse sempre no sentido da felicidade. Até então, apontava-se como
característica da Modernidade uma normalidade baseada na segurança e certeza, acreditava-se
que as escolhas preveniriam determinados efeitos e o futuro seria facilmente representado.
Percebe-se, no entanto, que a previsibilidade do futuro é um mito, pois, por mais
que se tente dirigir o futuro, ele sempre causará surpresas. Começa-se, então, a questionar se
os benefícios da sociedade industrial compensam os riscos criados, os quais poderão ir além
das fronteiras nacionais e serem potencialmente catastróficos, em relação àqueles de outrora.
33
A certificação da inexistência de risco tem sido atribuída à ciência. Porém, não se
pode ignorar que a ela também contribui para aumentar alguns riscos, além de não ser capaz
de conhecer todos os perigos, de modo que deve ser reconhecida a sua falibilidade e
incompletude. A própria escolha da teoria científica é um risco, haja vista a existência de
diferentes posições sobre um tema, como acontece na discussão sobre o aquecimento global.
A situação ainda é pior se for considerada a ciência de um ponto de vista holístico,
pois saber de uma área não significa conhecer o sistema global. Se o pesquisador for leigo no
todo, uma posição unidimensional pode ser catastrófica, apesar de parecer confiável segundo
os métodos da sua área de pesquisa. O cientista não pode prever todas as interconexões do seu
objeto. Por isso, o máximo que a ciência consegue é uma aproximação da realidade.
Desse modo, a ciência não é exata, e muito menos completa e irrefutável. Até a sua
pretensa imparcialidade é questionável, pois uma teoria científica ganha grande
respeitabilidade pelo consenso entre cientistas; logo, diante de certa subjetividade. Apesar
dessas críticas, o conhecimento científico ainda tem grande relevância para diagnosticar a
crise ambiental e as tendências e, sobretudo, ajudar nas decisões políticas e na construção do
Direito.
Esse contexto de incertezas que acompanha a sociedade moderna agrava ou provoca
os problemas que formam a crise ambiental, que é o resultado da impossibilidade e indolência
quanto à concepção ou compreensão do conhecimento sobre o meio.
Algumas idéias da sociedade industrial originaram alguns perigos, como a crença do
progresso e a abstração da questão ecológica (BECK, 1997, p. 16). No entanto, aqueles que
têm criado os perigos na sociedade contemporânea não assumem a sua responsabilidade; pelo
contrário, constroem um conjunto de discursos de isenção, a fim de tornar esses “perigos”
circunstâncias normais ou riscos assumidos, involuntariamente, por toda a sociedade.
Esse contexto provocado pelo sistema produtivo atual coma a ser questionado
do ponto de vista da sua legitimidade e viabilidade, e não poderia ser diferente. Questiona-
se, por exemplo, a injustiça de cercear o crescimento dos pses subdesenvolvidos para
conservar a biodiversidade, quando as grandes economias o o fizeram. Questiona-se,
também, o potencial de transformação da natureza pelo uso das novas tecnologias
(GUIDDENS, 1997, p. 215).
O cenário de crise ambiental relacionado ao perigo de existência e dignidade
humana não é necessariamente novo, apesar de recentemente ser compreendido pela
sociedade. Tal momento, marcado pela dificuldade de efetivar a precaução, tem recebido o
nome de sociedade do risco, que é um modelo sociológico defendido principalmente por
34
Ulrich Beck. Esse modelo representa a sociedade capitalista pós-fim do socialismo de Estado
no século XX, a qual aceitou produzir riscos pela necessidade de atingir fins produtivos e
lucros.
A sociedade industrial se autodestrói e produz uma outra Era - denominada
sociedade do risco. Da preocupação com o risco concreto passou-se à preocupação com os
riscos abstratos, globais e imprevisíveis. Essa sociedade é, portanto, o resultado da
modernização de uma realidade marcada pelos males da industrialização, como a poluição, os
riscos econômicos de mercado, e a dependência financeira. As bases da sociedade industrial,
como o controle linear e a crença no progresso, são substituídas por um modelo de incerteza e
estruturação dos riscos.
A sociedade do risco está ligada à imprevisibilidade de situações que podem causar
insegurança à coletividade. Ocorre perda da certeza e previsibilidade científica dos resultados
e perda até da capacidade de identificar ou responsabilizar aqueles que causam os riscos. Essa
dimensão dos riscos cria uma situação na qual não é fácil eliminar as conseqüências
indesejadas e que coloca em questionamento a capacidade do Estado de proporcionar
segurança. Até porque os perigos foram globalizados e não existe um sistema internacional
capaz de garantir a gestão dos riscos. Antes o controle estava a cargo dos Estados Nacionais;
agora não existem instrumentos materiais e processuais para a devida proteção ambiental em
nível internacional.
Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 181) observa que a situação de novos riscos é
o resultado do aumento da capacidade de ação sem a igual possibilidade de previsão. Essa
constatação será comprovada se for dada a devida atenção ao processo de criação e aplicação
tecnológica, e à destruição ambiental decorrente da intensificação das atividades econômicas.
O perigo é o resultado de uma atividade onde há possibilidade de se gerar danos. Os
perigos conhecidos e compreendidos são considerados riscos
15
. Embora o risco pudesse ser
afastado com atitudes alternativas, não se consegue prever a sua real ocorrência. Nesse
sentido, Raffaele De Giorgi (1998, p. 14) entende o risco como a probabilidade de ocorrência
de um dano futuro que uma outra decisão poderia evitar.
A sociedade dos riscos é o resultado do reconhecimento da crise ambiental e da
impossibilidade do crescimento econômico como proposto pela modernidade. O ponto central
desse modelo sociológico é que os membros da comunidade humana são incapazes de
15
“O risco tem sido entendido como eventualidade de sofrer um dano, de forma mais incerta do que aquela
contida no perigo. O risco é comumente definido como a probabilidade de certo efeito adverso, levando-se em
conta o nível de certeza.” (MACHADO, 2007, p. 44).
35
solucionar os riscos criados por eles mesmos. A sociedade chegou a uma situação de
irresponsabilidade organizada em virtude da falência dos valores dos próprios paradigmas da
modernidade: antropocentrismo, individualismo, progresso econômico e científico.
Segundo Ulrich Beck (1997, p. 12), a sociedade industrial destrói a si própria pela forma
como ocorre a produção de mercadorias e a orientação do desenvolvimento científico. A mudaa
dessa sociedade moderna foi menos em rao de uma revolução proletária, do que em virtude do
processo tecnológico da indústria e dos seus mecanismos de exploração da natureza.
Na sociedade do risco, as pessoas aprendem a conviver com riscos particulares
(como a instabilidade no emprego) e até globais (por exemplo, o efeito estufa, que produz
mudanças climáticas capazes de atingir a todos, mesmo as sociedades não-poluidoras). A
sociedade é marcada pela constante ameaça sem garantias quanto ao futuro.
A sociedade é paradoxal, pois, simultaneamente, reforçam-se opostos: certeza e
incerteza. Um conhecimento potencializa um desconhecimento (DE GIORGI, 1998, p. 192).
Se, de um lado, se consegue compreender e calcular a probabilidade de alguns perigos a partir
da previsibilidade das circunstâncias fáticas, humanas ou naturais, incidentes no cotidiano de
uma coletividade, de outro lado, há uma situação de impotência do Estado e da sociedade civil
para evitar ou diminuir a probabilidade de ocorrência das expectativas não desejadas, ou
mesmo para oferecer segurança e estabilidade em relação à aplicação do novo conhecimento.
Acreditava-se que a alternativa para o risco era a segurança, a qual seria possível a
partir do uso de tecnologias adequadas e do controle das conseqüências das decisões. Porém,
percebeu-se que não se criava segurança, mas novos riscos de outro gênero
16
. Na sociedade
contemporânea, o risco é visto como normal, tornou-se estrutura (DE GIORGI, 1998, p. 194).
O padrão cognitivo, a partir do qual se orientam as ações, não é mais a segurança
jurídica, mas as incertezas quanto ao futuro (AYALA, 2004, p. 237). A Sociedade depende da
gestão de riscos que, de forma dinâmica e permanente, são criados e superados. O futuro é
uma possibilidade diretamente relacionada com os riscos presentes e os processos decisórios
atuais. Conhecer esses riscos é de extrema relevância para a adequada regulação jurídica.
16
Nota-se que a questão da energia ganhou fôlego neste milênio. O álcool foi destaque no ano de 2007, inclusive na
grande imprensa norte-americana, a qual destacou a importância do combustível e da tecnologia desenvolvida no
Brasil na substituição da energia fossilizada. No entanto, esse conhecimento tecnológico cria novos riscos. A
questão do álcool, do biogás obtido do vinhoto da cana nas destilarias, e do programa brasileiro de biodiesel e H-bio
será preocupante se for acompanhada de uma expansão da fronteira agrícola com base no padrão moderno patronal,
que tende a ser estimulado com o aumento da frota de carros flexíveis ou mudança da estrutura dos transportes, ou
mesmo com o aumento na exportação desses combustíveis. Se o aumento da produção de biocombustível pode
representar importante conquista ambiental, sobretudo no meio urbano, por outro lado, favorece a expansão da
fronteira agrícola dos canaviais para fins de produção de energia e, logo, o aumento da devastação florestal e da
degradação do solo.
36
Quando se fala em perigo real, a primeira idéia é evitá-lo, mas os riscos
normalmente são aceitos, porque a atividade se tornou necessária; por exemplo, o uso de
automóveis é visto como indispensável, apesar do efeito atmosférico. Além da necessidade de
aceitar determinados riscos na sociedade contemporânea, a imprevisibilidade também pode
estar associada a um acidente, a uma sabotagem, ou a uma vontade política autoritária.
Na sociedade do risco, o futuro é uma possibilidade que depende dos compromissos
jurídicos, éticos, políticos e da solidariedade social. Riscos são imprevisíveis, até irreversíveis
em curto prazo, e de difícil dimensionamento quanto ao tempo/espaço/vítimas, de modo que
todos devem estar comprometidos com a proteção de gerações não-presenciais.
Apesar da imprevisibilidade das conseqüências de algumas atividades, a
compreensão dos perigos possibilita uma atuação racional do Estado e dos particulares no
sentido de criar modelos alternativos de segurança. Em havendo esses modelos alternativos,
também se faz necessário o comprometimento político, a fim de retardar ou diminuir os
riscos, de maneira que as escolhas ponderem o conhecimento da periculosidade do
comportamento, bem como apreciem a ofensividade e a extensão do dano potencial de uma
atividade econômica.
Sabendo que os acontecimentos sociais decorrem de decisões incertas dentro de
certa quantidade de possibilidades de escolha, quanto maior o conhecimento do risco, melhor
será a decisão para retardá-lo. Uma escolha diferente, com base na precaução, como exigir
licenciamento para autorizar plantio de sementes transgênicas, poderia evitar outros prejuízos.
O desenvolvimento da ciência e da informação diminui a probabilidade de perigos -
enquanto conseqüência previsível de uma ação externa/decisão. Mas não ocorre a superação
dos riscos, pois nem todas as possibilidades são antecipadamente testadas de forma empírica.
Nem a normatividade jurídica, nem o controle rigoroso da escassez pela Economia
conseguem responder pela estruturação dos riscos. O novo espaço de ignorância, resultante do
avanço do conhecimento, representa a potencialização de novos riscos, os quais não serão
superados apenas com medidas preventivas.
Um novo paradigma deve pautar-se na precaução, de forma a ser possível a
utilização do conhecimento e da nova ignorância no intuito de elaborar os programas
políticos, definir uma maior participação social e a atuação dos Poderes Públicos, bem como a
fim de orientar o exercício de direitos e deveres dos particulares.
Ainda que os riscos não possam ser eliminados, não dúvida de que podem ser
geridos. Contudo, este breve estudo não almejou se aprofundar na Teoria da Sociedade do
Risco, muito menos questionar a existência desse modelo sociológico. A intenção foi apenas
37
mostrar a existência de incertezas capazes de indicar como deve ser a construção e a aplicação
do Direito para afastar ou gerir determinados riscos.
Como analisado acima, a incerteza quanto ao futuro impede a real prevenção, no
sentido de excluir determinadas expectativas a partir de decisões presentes, embora seja
possível verificar situações nas quais os riscos serão menores. O Direito, por exemplo,
poderia operar como um sistema social decisório capaz de impedir que as incertezas sociais e
econômicas se tornem estrutura. Isso porque ele pode controlar tais incertezas através do
tratamento das expectativas, com base em decisões ou também com base no controle da
escassez de recursos.
O Direito tem uma função profilática. Quando um risco se torna tema político, está
próximo de sofrer regulação jurídica com o objetivo de proibir as atividades cujos riscos não
são percebidos ou são relevantes. No entanto, consoante Raffaele De Giorgi (1998, p. 245), ao
proibir a atividade porque os riscos não são conhecidos, pode-se criar uma regulação jurídica
desnecessária e que força a utilização de práticas alternativas e, por conseguinte, geram-se
outros riscos ainda não proibidos, como ocorre no caso dos transgênicos. É difícil saber qual é
o risco mais grave entre o proibido e aquele alternativo. Ao criar o direito (escolha), também
se cria o não-direito - conseqüência das ações permitidas, mas não conhecidas juridicamente.
O Direito permite a criação de vínculos com o futuro e em seu simultâneo
condicionamento por mecanismos normativos. No entanto, ele não resolve problemas, apenas
cria procedimentos para estabilizar as expectativas, embora não se saiba quais são as normas
necessárias na efetivação de um controle adequado dessas expectativas:
O Direito passa a ser vislumbrado não apenas como elemento corretivo, de
incidência post factum, mas também como instrumento de gestão de risco, atuando
preventivamente à efetivação de danos ambientais. O dano ambiental futuro consiste
exatamente na noção dogmática produzida pelo Direito Ambiental para potencializar
uma comunicação acerca dos riscos ambientais no Direito. A formação de uma
comunicação de risco no Direito, a que se destina a noção de dano ambiental futuro,
potencializa o Direito Ambiental, fomentando a construção de observações e
vínculos com o futuro, com o escopo de gerir os riscos ambientais produzidos pela
Sociedade de Risco (CARVALHO, 2007, p.73).
Os riscos se tornam jurídicos por meio de decisões políticas. Mas como
possibilidade de as escolhas serem erradas, o futuro continua incerto. Ao mesmo tempo, a
sociedade toma conhecimento dos riscos do futuro diante de comportamentos proibidos e
permitidos, ou seja, estabelece vínculos do presente com o futuro (intergeracionais) a partir
das decisões políticas.
38
As atividades humanas, quando possuírem relevância social decorrente dos seus
efeitos e do seu titular, estarão orientadas pelo Direito a realizar as expectativas escolhidas
politicamente para afastar os perigos. Inclusive com imposição de funções às atividades
econômicas para a realização do bem-estar atual e a possibilidade de uma existência humana
digna no futuro (BENJAMIN, 1993, p. 22).
Por isso, é preciso saber o conteúdo jurídico de um termo, pois certamente ele
poderá ter significados diferenciados no tempo. O fato de dizer que algo é direito subjetivo
não garante que os usos de instrumentos de ação serão suficientes para protegê-los; basta
verificar a inefetividade da proteção ambiental, apesar de toda a proteção jurídica ao bem.
A teoria dos riscos interfere na discussão da responsabilidade jurídica, pois não
mais a necessidade da concretização prévia de um dano para aceitar o risco; exige-se
antecipação do controle e, talvez, da responsabilidade, como se verifica nos crimes de perigo
e na exigência de estudo prévio de impacto ambiental. A sociedade do risco exige uma
mudança de paradigma ou mentalidade na produção e aplicação do Direito, por exemplo,
estabelecendo a responsabilidade civil com base no risco abstrato - sem necessidade de prova
do dano real.
1.2 O conceito de desenvolvimento sustentável
“Desenvolvimento sustentável” é uma expressão polissêmica, de modo que o seu
significado depende da lógica jurídica hegemônica ou mesmo da ideologia política. Fernando
Henrique Cardoso (1993, p. 6), por exemplo, sugere que “desenvolvimento” é uma palavrinha
mágica, a qual pode significar tudo ou nada. Por isso, afirmar que desenvolvimento
sustentável é a contínua melhora da qualidade de vida com o menor impacto ambiental, apesar
de ser correto, não diz muita coisa.
Ao longo do processo de evolução da sociedade humana, diferentes segmentos,
como os socialistas, capitalistas liberais ou social-democratas, propunham o desenvolvimento;
porém, não é apropriado acreditar que todos estavam falando do mesmo modelo de
desenvolvimento. Também se deve afirmar que poucas teorias encontraram fundamentação
racional, pois a discussão do modelo de desenvolvimento possui um sentido quando se
pauta numa atitude metodológica preocupada com o processo histórico, e capaz de reconhecer
a importância das Ciências Sociais, do Direito, da História, da Economia, e de tantas outras
disciplinas que discutem as relações sociais do ponto de vista material.
39
A situação de crise ambiental foi o resultado de algumas posturas ao longo do
processo histórico; por isso, é importante avaliar cada postura teórica e qual o resultado da
aplicação de determinada concepção, até porque a função do Direito só faz sentido no âmbito
do possível, na qualidade de fazer-se real.
De plano, é preciso informar que este trabalho defende a inexistência de redundância
na expressão “desenvolvimento sustentável”. Como será visto nos parágrafos abaixo, cada
termo possui um significado imprescindível para caracterizar o conteúdo que se entende
necessário para a realização do bem-estar social. A expressão possui um substantivo
(desenvolvimento) e um adjetivo (sustentável), o qual diferencia a forma como deve ser o
desenvolvimento; ela também possui um significado simbólico, em virtude da junção das duas
palavras.
1.2.1 As teorias do Desenvolvimento
1.2.1.1 Desenvolvimento como crescimento econômico (Economia de Mercado)
Tal teoria defende que o desenvolvimento é o resultado natural do crescimento
econômico e, para quantificar aquele, utiliza como critério os indicadores tradicionais,
principalmente o PIB “per capita”. Esse representa o conjunto de bens e serviços expressos
em moeda e colocados à “disposição” da comunidade e, caso se pretenda saber da renda
individual média, a riqueza será expressa por habitante.
Para os defensores da economia de mercado, o avanço econômico favorecerá,
automaticamente, o desenvolvimento social e de tecnologias capazes de aperfeiçoar o uso dos
recursos naturais. Veiga (2005) observa que essa posição caracteriza o chamado efeito cascata
(“tricke-down-effect”), pelo qual o livre jogo de mercado favoreceria o projeto de crescimento
econômico e, por conseguinte, haveria maior investimento em tecnologias adequadas.
Sem a necessidade de um projeto desenvolvimentista, acreditava-se que bastaria
aplicar os princípios da economia moderna. O aumento da taxa de lucro beneficiaria os
investimentos, que, por sua vez, permitiriam maior inclusão social e proteção ambiental.
A economia de mercado se desinteressou pela produtividade dos sistemas naturais,
pois percebia apenas a produtividade do trabalho humano e do capital investido, até por que o
crescimento econômico - e, por conseguinte, o lucro - era visto unicamente como aumento do
capital.
40
Embora fosse desejável o crescimento econômico, ele não representou uma solução
para a miséria. Surgiu a necessidade de decisões políticas mais eficazes no sentido de
promover distribuição de renda e outros direitos sociais. Com o fim da Segunda Guerra
Mundial, verificou-se a necessidade de reformas no capitalismo, e ganhou força a defesa do
Estado intervencionista - “Weafare State” - com bases nas propostas keynesianas e do New
Deal.
Todavia, a partir da década de 70 do século XX, com a eleição de Margareth
Thatcher na Inglaterra e Ronaldo Reagan nos Estados Unidos da América (EUA) e,
posteriormente, a queda do muro de Berlim, ocorre a “contra-reforma” do capitalismo - o
chamado neoliberalismo - especialmente com os programas paradigmáticos de
desenvolvimento que formam o Consenso de Washington que, na verdade, não promoveu o
desenvolvimento social, e, sim, mecanismos de “segurança” no comércio e nos investimentos
internacionais.
Voltada à produtividade, à busca de melhor tecnologia, à concorrência equilibrada e
ao consumo, esse modelo de desenvolvimento ficou totalmente dependente do capital
financeiro internacional, especialmente dos investimentos dos grandes conglomerados
comerciais.
Essa é uma concepção míope. Não avalia a real concentração de renda, a
mortalidade, o trabalho infantil e os efeitos ambientais. Até hoje, o crescimento econômico
não foi transformado em justiça social. A tecnologia, em vez de desenvolver as relações
sociais, permitiu o aniquilamento da força de trabalho e argumentações vazias e ideológicas
para manter o sistema, como a falta de qualificação do trabalhador e mudança do emprego
pela abertura de postos alternativos.
A crítica mais acirrada a esse modelo de crescimento econômico foi a de que ele
desconsiderou os aspectos sociais da sociedade. O caso emblemático foi o do culto à
automação. Com a diminuição da necessidade de mão-de-obra, houve também diminuição da
capacidade de consumir; portanto, promovia-se um crescimento excludente: dos postos de
trabalho, do mercado de consumo e da proteção social da vida política. Em contrapartida,
aumentava a necessidade de investimentos estatais nas áreas de serviços públicos e na criação
de mecanismos para absorver parte da mão-de-obra ociosa.
41
1.2.1.2 Teorias negativistas do desenvolvimento
Para esse segmento, o desenvolvimento é uma ilusão ideológica ou até uma crença,
pois é impossível o desenvolvimento desejado, em face dos limites ambientais. Essa posição,
de certa forma derrotista, argumenta existirem disfunções qualitativas estruturais, culturais,
sociais e ecológicas que impedem o desenvolvimento de nações subdesenvolvidas.
A defesa da restrição ao crescimento ganhou fôlego com o Clube de Roma, criado
em 1968, especialmente em razão da publicação do relatório “Os limites do crescimento”.
Esse documento, elaborado em 1972 por um grupo formado por empresários, políticos, altos
funcionários estatais e cientistas de rias áreas, todos sob a coordenação de Dennis
Meadows, alertou para o fato de que a sociedade chegaria a uma crise da capacidade
produtiva se mantivesse a tendência ao crescimento populacional, da demanda por alimentos,
da poluição e da degradação ambiental.
A teoria desse Clube baseia-se nos limites físicos e defende uma economia do estado
estacionário ou do crescimento zero, de maneira a manter constante o atual acervo de riquezas
físicas e pessoas, com progresso cultural e abreviação do trabalho humano. São incluídos
nessa posição os fundamentalistas ecológicos que, com posturas biocêntricas, defendem o
crescimento negativo ou estável sem avaliar os limites sociais causados pela restrição ao
desenvolvimento.
Essa teoria acaba sopesando apenas os critérios técnicos, como os avanços
tecnológicos, a disponibilidade de matéria-prima, o controle demográfico e dos níveis de
desemprego, a impossibilidade de exportar bens com valor agregado e a capacidade de
superar a seleção natural do mercado global. Os integrantes do grupo duvidam também que os
países subdesenvolvidos consigam controlar a natalidade, desenvolver tecnologia e promover
crescimento econômico sustentável. Eles agem como se os países pobres estivessem
condenados a aceitar apenas a sobrevivência, com mínima segurança alimentar, drica e
energética.
Como visto anteriormente no texto, especialmente na defesa feita por Guilhermo
Foladori (2001, p. 153), é questionável a existência de limites físicos quando se avalia a
disponibilidade de tecnologia combinada à possibilidade de mudanças nas relações sociais.
Existe um grande potencial de substituição de material, de energia e, principalmente, da forma
como se dá o consumo e a distribuição da produção.
Ainda que o problema ecológico seja grave, não desenvolvimento se for
considerada a proteção ambiental sem crescimento econômico e eqüidade social; nem mesmo
42
sustentabilidade. O culto ao belo, à estética, sem compromisso com as relações sociais é
prejudicial ao desenvolvimento. Até para um Estado mais intervencionista no âmbito social, é
fundamental o crescimento econômico, pois a arrecadação estatal está ligada às externalidades
positivas da atividade econômica. Quanto maior a riqueza social, maior será a arrecadação
estatal e a capacidade de investir no bem-estar da coletividade.
1.2.1.3 Desenvolvimento como expansão de liberdades substantivas
Um aspecto importante do desenvolvimento, segundo Eli da Veiga (2005, p. 35), é
não confundi-lo com mero crescimento, como fizeram os economistas clássicos e
neoclássicos até a década de 70 do século passado. Embora o crescimento econômico
enquanto aumento da produção e da renda bruta seja um fator necessário para o
desenvolvimento, esse ocorrerá se houver a concretização de um projeto social de natureza
substancial, de maneira que o crescimento esteja acompanhado de uma série de elementos
qualitativos.
O desenvolvimento precisa de um programa social ligado à eliminação das fontes de
privação da liberdade e oportunidades, como a pobreza, a falta de educação de qualidade, os
sistemas políticos não-democráticos e a ineficiência dos serviços públicos. Um projeto que
busque efetivar o acesso ao mercado de trabalho, que garanta possibilidade de o produtor
participar do comércio, e que promova os direitos sociais e as liberdades políticas.
Ignacy Sachs (2001b, p. 157) entende que o crescimento econômico é insuficiente
para esse projeto de desenvolvimento, notadamente quando não se questiona a concentração
de renda. No entanto, o autor reconhece que, não obstante a relevância da preocupação
ambiental, a intolerância ao progresso econômico, como propõem os defensores da economia
estacionária, não se justifica. Esse crescimento precisa existir, mas deve ser colocado a
serviço do bem-estar e da sustentabilidade, até porque é mais difícil distribuir renda quando o
PIB está estagnado.
Também trabalhando nesse contexto, Amartya Sen formulou a teoria do
desenvolvimento como expansão das liberdades substantivas e como a apropriação concreta
de todos os direitos humanos por todas as pessoas. Segundo Sen (2005, p. 10), a expansão da
liberdade é o principal fim e o principal meio do desenvolvimento, uma vez que ele consiste
na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades de a
pessoa efetivar a sua condição de agente - ser um sujeito histórico ativo. Além de constituir o
conceito de desenvolvimento (fim), as liberdades específicas são instrumentais (meio) para a
43
realização de outros tipos de liberdades. Assim, a privação de uma liberdade pode ser a causa
de resultados insatisfatórios em outros âmbitos - afetar outras liberdades.
dois pontos centrais na teoria do desenvolvimento defendida por Sen (2005,
p. 19):
1º) A necessidade de definição e adoção das liberdades substantivas. O próprio autor
apresenta uma relação do que pode ser considerada uma liberdade substantiva: I - as
liberdades políticas para escolher e criticar governos (direitos políticos); II - as facilidades
econômicas, que consistem no patrimônio necessário, a fim de permitir os acessos às
mercadorias, serviços e créditos; III - as oportunidades sociais, como o acesso à educação e
saúde; IV - a liberdade de informação e garantias de transparência (publicidade e
responsabilização do Estado); V - acesso ao mercado de trabalho e de produtos (capacidade
de produzir e comercializar); VI - seguridade social e serviços públicos suficientes; VII -
direitos individuais e civis;
2º) O reconhecimento da inter-relação e complementaridade entre os vários tipos de
liberdades citadas acima. É importante que se saiba, por exemplo, que a privação da liberdade
econômica pode resultar em privação de liberdades sociais e políticas; bem como, que a
privação dessas pode resultar na privação daquela. Assim, além de todas serem constitutivas
do desenvolvimento, são instrumentos umas para as outras (teoria da mão-dupla).
Dessa forma, desenvolvimento é a expansão das liberdades substantivas interligadas,
que as pessoas têm razão para valorizar e desfrutar. Não é a riqueza que mede a qualidade de
vida, mas a liberdade, pois a primeira não reflete a expansão das capacidades, a fim de
realizar funcionamentos valiosos para o enriquecimento da vida humana, os quais constituem
os elementos do bem-estar da coletividade (SEN, 2001, p. 82).
Não se deve perguntar se ou não liberdade, mas qual a quantidade de liberdade
existente. Assim, é muito difícil afirmar ou definir a existência de liberdade (ou
desenvolvimento) em determinada sociedade, mas é possível expressar as liberdades
existentes.
Tendo em vista as propostas de Ignacy Sachs, Eli da Veiga e Amartya Sen, na
seqüência, são apresentados alguns questionamentos fundamentais para a realização de
modelo de desenvolvimento qualitativo e includente.
44
1.2.2 Sobre as fontes de privação das liberdades substantivas
As fontes de privação das liberdades substantivas são as principais expressões do
subdesenvolvimento (SEN, 2005, p. 30). Entre as várias fontes, a pobreza é a principal e a
mais intolerável, seja no sentido de baixa renda, seja como falta de acesso aos bens essenciais.
A pobreza enquanto insuficiência de renda ainda é um critério de destaque para
avaliar o desenvolvimento, pois permite analisar o potencial de consumo da pessoa. Sem
renda, é impossível adquirir bens como saúde e educação privadas.
Quando a renda é baixa, se afeta a liberdade econômica; em seguida, dentro da
perspectiva de ligação entre as diversas liberdades substanciais, são afetados aspectos sociais
e políticos, como o aumento das doenças, o baixo nível educacional, a exclusão nos cargos de
representação e a suscetibilidade à manipulação política, o desemprego, o trabalho infantil e a
semi-escravidão - principalmente quando não existem serviços públicos efetivos.
Apesar dos efeitos da baixa renda, a pobreza é mais bem caracterizada como
deficiência das capacidades do que pela insuficiência financeira para satisfazer necessidades
básicas em mercadorias específicas. A pobreza representa a impossibilidade de alcançar
níveis aceitáveis de acesso às necessidades físicas e realizações sociais (SEN, 2001, p. 172)
17
.
Apesar do papel crucial das rendas nas vantagens desfrutadas por diferentes pessoas,
a relação entre, de um lado, a renda (e outros recursos) e, de outro, as realizações e
liberdades substantivas individuais não é constante nem, em nenhum sentido,
automática e irresistível. Diferentes tipos de contingências acarretam variações
sistemáticas na “conversão” das rendas nos “funcionamentos” distintos que podemos
realizar, e isso afeta os estilos de vida que podemos ter (SEN, 2005, p. 133, destaque
do autor).
Desse modo, a baixa renda não é o único critério para aferir a miséria de uma
pessoa. A situação é mais bem caracterizada como a falta das capacidades elementares, cuja
ocorrência pode se dar mesmo quando a renda não é tão baixa. Ao se avaliar a miséria como
privação de capacidades, além da renda, pode-se sopesar os diversos instrumentos, fins e
fundamentos para criar condições de expansão das capacidades humanas e o desenvolvimento
da sociedade.
Aplica-se o princípio da mão-dupla: o aumento da renda permite o acesso às outras
liberdades substantivas; por usa vez, essas favorecem o acesso à renda. Por isso, as políticas
estatais também devem estar atentas para a necessidade de expansão das capacidades do
17
O próprio Sen (2005, p. 117) defende que não adianta substituir o desemprego por auxilio renda, pois estão
associados ao trabalho a motivação pessoal, a saúde e a dignidade.
45
cidadão (sobretudo nos países em desenvolvimento, os quais precisam criar oportunidades de
acessos por meio de serviços públicos) e de expansão da economia interna.
Outra fonte de privação de liberdades substantivas é a tirania ou a anti-democracia.
Esse regime político significa a negação de direitos civis, sociais e políticos e está relacionado
à ausência de outros direitos, pois resulta na subordinação e manutenção dos interesses
oligárquicos. Considerando a inter-relação entre os diversos tipos de liberdade, uma sociedade
desenvolvida e plural somente se constrói com informação livre; imprensa capaz de
investigar, denunciar e orientar; e discussão das idéias, inclusive com a oposição.
Os problemas se agravam quando a necessidade de serviços públicos é maior.
Nesses casos, as liberdades políticas são fundamentais para decidir os rumos da
Administração. Também aqui se visualiza uma mão-dupla: as liberdades sociais visam
expandir liberdades civis e políticas; ao mesmo tempo, essas liberdades podem tornar as
disposições sociais mais apropriadas, como decisões pela maior dotação orçamentária em
favor das políticas públicas. Dificilmente fome em países democráticos, pois não se elege
após uma fome endêmica.
Outra fonte de privação é a restrição do acesso ao mercado a alguns tipos de
produtores. Esse procedimento reduz a possibilidade de progresso econômico, mormente no
sistema produtivo capitalista, no qual é imprescindível a liberdade real de produzir,
comercializar e ter oportunidade de trabalhar em atividades relevantes para o mercado.
Quando um produtor, por restrições preconceituosas ou mecanismos de violação da livre
concorrência, não consegue colocar a sua produção no comércio, ocorre privação da liberdade
concorrencial e da livre iniciativa; conseqüentemente, outras liberdades serão prejudicadas,
gerando a queda da renda e a falta de acesso aos serviços e produtos de que ele precisa.
Por fim, pode-se mencionar a falência dos serviços públicos como uma forma de
privação das liberdades substanciais, especialmente quando, em virtude do
subdesenvolvimento que assola algumas sociedades, o fornecimento estatal é a única forma de
a população gozar de serviços imprescindíveis para ter alguma qualidade de vida. Às vezes,
mesmo a renda “per capita” sendo baixa, ela poderia ser compensada com serviços públicos.
Ocorre que, não raro, casos em que a renda e os serviços são insuficientes - situação
bastante comum no Brasil.
Diante do exposto, pode-se afirmar que a liberdade substantiva está relacionada à
maximização de três dimensões: a oportunidade de obter resultados considerados vantajosos,
a garantia de participação livre nos processos de decisão, e o comprometimento do Estado e
da sociedade para se chegar ao desenvolvimento (SEN, 2005, p. 329).
46
1.2.3 Qualidade de vida e a promoção das liberdades substantivas
Segundo Sachs (2004a, p. 13), o desenvolvimento não ocorre com a mera
multiplicação da riqueza material. O objetivo maior é promover a redução das desigualdades e
maximizar os benefícios daqueles que, hoje, vivem nas piores condições, de forma a acabar
com a miséria da maioria da população, garantir os direitos sociais e a conservação dos
recursos naturais.
Uma sociedade desenvolvida é aquela que possibilita ao ser humano manifestar suas
potencialidades e buscar a sua felicidade, tanto em atividades produtivas, quanto em
atividades sociais e individuais não relacionadas ao trabalho. Deve-se instituir uma ordem
econômica que crie as condições de acesso aos meios de existência, suprindo as necessidades
materiais e espirituais, e que também transforme a ciência e a tecnologia em bem da
humanidade.
Tem crescido a convicção de que desenvolvimento envolveria todas as condições
materiais, a idéia de qualidade de vida e as políticas públicas estatais de fomento e serviços:
Desenvolvimento econômico é garantia de um melhor nível de vida coordenada com
um equilíbrio na distribuição de renda e de condições de vida mais saudáveis. A
medida de renda per capita não se demonstra como o mais apropriado indicador do
desenvolvimento econômico compreendido pela ordem econômica constitucional. O
grau de desenvolvimento é aferido, sobretudo pelas condições materiais de que
dispõe uma população para o seu bem-estar (DERANI, 2001, p. 242).
A distribuição da renda, por si, também não significa o fim da pobreza. Essa é, antes
de um problema econômico, um fenômeno cultural e, por isso, ligado à definição do sentido
de dignidade num tempo e espaço. Desenvolvimento é processo que, além de aspectos
quantitativos, exige padrões qualitativos e comportamentos dirigidos por fins éticos. Nesse
sentido, é esclarecedora a reflexão de Celso Furtado (2004, p. 484 apud VEIGA, 2005, p. 81):
[...] o crescimento econômico, tal qual conhecemos, vem se fundando na preservação
de privilégios das elites que satisfazem seu afã de modernização; já o
desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente. Dispor de
recursos para investir está longe de ser condição suficiente para preparar um melhor
futuro para a massa da população. Mas quando o projeto social prioriza a efetiva
melhoria das condições de vida dessa população, o crescimento se metamorfoseia
em desenvolvimento.
Em síntese, desenvolvimento é a mais ampla e igual liberdade individual de
coexistência que as pessoas racionalmente valorizam. Não resta dúvida, o desenvolvimento
ocorre quando há bases para que a pessoa tenha qualidade de vida na sociedade a que
pertence.
47
Talvez um dos conceitos de mais difícil definição no campo jurídico é o de
“qualidade de vida” ou, para os economistas, o de bem-estar. Algumas tentativas foram
frutíferas. Por exemplo, aquelas que adotaram aspectos mais qualitativos, enfatizando a
insuficiência dos critérios meramente quantitativos de acesso aos bens materiais. Isso porque,
a qualidade de vida inclui, além das necessidades materiais, a saúde física e psíquica, como o
lazer e a produtividade social da pessoa. Essa forma de desenvolvimento foi plenamente
acatada no ordenamento jurídico brasileiro, como defende Christiane Derani (2001, p. 81,
grifos do autor):
Portanto, qualidade de vida no ordenamento jurídico brasileiro apresenta estes dois
aspectos concomitantemente: o do nível de vida material e o do bem-estar físico e
espiritual. Uma sadia qualidade de vida abrange esta globalidade, acatando o fato de
que um mínimo material é sempre necessário para o deleite espiritual. Não é possível
conceber, tanto na realização das normas de direito econômico como nas normas de
direito ambiental, qualquer rompimento desta globalidade que compõe a expressão
qualidade de vida”, muitas vezes referida por sua sinônima “bem-estar”.
A qualidade de vida deve ter conteúdo histórico-material, o qual é construído
culturalmente. Também deve estar relacionada às condições e possibilidades de determinada
sociedade - tempo e espaço são diferentes. As pessoas não são iguais, as necessidades e
desejos variam por questões físicas, psíquicas, religiosas, culturais, ambientais e até
publicitárias.
Não se pode negar que a necessidade é uma construção sócio-cultural, cuja extensão
vai além de carências naturais, e que ela é dinamicamente alterada pelos homens. A questão é
se as necessidades naturais e sociais estão em harmonia com a reprodução dos sistemas
naturais e a distribuição do produto social (DERANI, 2001, p. 140).
Enrique Leff (1999, p. 148) entende que a qualidade de vida está relacionada às
necessidades humanas e às condições de satisfazê-las; por isso, envolve distintos aspectos: a)
a questão da superação da produção ideológica das necessidades a fim de definir o conceito de
bem-estar; b) a avaliação do processo cultural de massificação e homogeneização da produção
e do consumo; c) o questionamento da capacidade de manutenção do potencial regenerativo
do meio ambiente, pois ele é um limite para avaliar a qualidade de vida possível e desejada.
Eli da Veiga (2005, p. 39), com base em Amartya Sen, procurou mostrar que a
qualidade de expectativas de vida está mais relacionada ao efetivo acesso aos bens essenciais,
ainda que pelos serviços públicos. O autor lembra que países mais ricos do ponto vista
econômico podem não ter o mesmo desenvolvimento de países mais pobres, por não
distribuírem a renda individual e não terem serviços públicos complementares.
48
A busca da qualidade de vida pode ser impulsionada pelo crescimento econômico,
desde que exista repartição dos frutos. Porém, quando não se distribui adequadamente a renda
real, de forma que as pessoas não tenham condições de acesso, via mercado, a mecanismos de
consumo privado, elas devem ser atendidas por meio de serviços públicos. Não é preciso
esperar o crescimento econômico para começar a proporcionar bem-estar social (VEIGA,
2005, p. 41).
Os serviços públicos, mesmo em sociedades com baixo crescimento econômico, são
eficientes para o desenvolvimento. Nos países pobres, esse é o mecanismo mais utilizado,
porque os serviços têm custo menor, em virtude dos baixos salários pagos aos profissionais.
Claro, tanto melhor que o desenvolvimento esteja associado ao crescimento econômico e de
empregos, em vez de depender do custoso assistencialismo (SEN, 2005, p. 63).
1.2.3.l A essencialidade de segurança alimentar para o desenvolvimento
A segurança alimentar é um direito fundamental voltado à garantia de acesso ao
adequado nível nutricional, conforme necessidades biológicas para satisfazer a pessoa humana
e os índices almejados por uma cultura. Esse direito tem dois desdobramentos: quanto à
disponibilidade em quantidade suficiente, e como variedade e qualidade adequadas.
O tema foi consagrado na Declaração Sobre Direitos Humanos da Organização das
Nações Unidas (ONU) de 1948. A segurança alimentar enquanto acesso à alimentação
suficiente é direito fundamental de segunda geração (igualdade); também é direito
fundamental, mas de terceira geração (solidariedade), como garantia de acesso a alimentos
saudáveis conforme as necessidades biológicas e culturais.
A fim de atender a esse direito fundamental reconhecido nas declarações
internacionais de direitos humanos, o sistema alimentar deve atentar para os fatores que
seguem: eqüidade na distribuição da produção; padrões de consumo sustentáveis; controle do
crescimento populacional; auto-suficiência da comunidade local; interesses econômicos na
produção e estipulação de preços; necessidade de conservação ambiental; e a questão
qualidade.
Os catastróficos efeitos profetizados por Malthus não ocorreram, apesar do
significativo aumento da população. Isso não significa que seja possível deixar de se
preocupar com as potencialidades da produção e o acesso aos alimentos. Os neomalthusianos
estão com razão ao alegarem que a atuação irresponsável do homem tem criado riscos à
sustentabilidade.
49
Diversos fenômenos formam a questão da segurança alimentar, com destaque para a
produtividade insuficiente, a dificuldade de geração de renda, o aumento da população, a
carência de água e a desertificação. Também são causas da insegurança a deficiência no
acesso à terra para produzir, as intempéries que afetam uma safra e a ausência de tecnologia
adequada.
Tal segurança é vista em diferentes perspectivas. Para uma minoria da população
mundial, a preocupação é com a qualidade (sanidade e valor nutricional), sendo mais
importante o Direito do Consumidor. Porém, para a imensa maioria, o problema é a fome e a
falta de renda.
Quanto à questão da qualidade e variedade dos alimentos, o ordenamento jurídico
interno e as organizações mundiais do comércio adotam importantes medidas sanitárias, bem
como fazem o controle de biotecnologias, para afastar os riscos, e promovem campanhas, a
fim de melhorar a qualidade da produção. Também existem normas de defesa do consumidor
que ajudam a resolver eventuais problemas nessa seara.
No tocante ao acesso ao adequado nível nutricional, nem mesmo as declarações e
ações contra a fome têm sido suficientes. A distribuição de alimentos segue as regras do
mercado internacional, ou seja, a estipulação de preços conforme a demanda, a priorização
dos mercados com maior poder aquisitivo e o controle da produção de excedentes.
Como resolver o problema da fome diante das regras de mercado, da busca
desenfreada pelo lucro, das patentes, da dificuldade dos países pobres em desenvolverem ou
usarem tecnologias (sem dinheiro para comprá-las ou o direito de explorá-las)? Não adianta o
discurso do mercado livre para gerar acessos aos produtos de qualidade e preços baixos se
grande parte da população não possui condições de adquiri-los.
A questão social não pode ser encarada apenas como problema de relações técnicas,
especialmente a fome, que está diretamente relacionada aos baixos salários, ao desemprego, e
à indisponibilidade de alimentos, em virtude da orientação da produção e da comercialização.
A causa da fome não é a produção insuficiente, mas a má distribuição de renda e de oferta:
Subnutrição, fome crônica e fomes coletivas são influenciadas pelo funcionamento
de toda a economia e de toda a sociedade e não apenas pela produção de alimentos
e atividades agrícolas. É crucial examinar adequadamente as interdependências
econômicas e sociais que governam a incidência da fome no mundo contemporâneo.
Os alimentos não são distribuídos na economia por meio de caridade ou de algum
sistema de compartilhamento automático. O potencial para comprar alimentos tem
de ser adquirido. É preciso que nos concentremos não na oferta total de alimentos na
economia, mas no “intitulamento”
18
que cada pessoa desfruta: as mercadorias sobre
18
Intitulamento é entendido aqui como uma espécie de patrimônio individual juridicamente garantido - o
conjunto de capacidades de acessos de cada pessoa.
50
as quais ela pode estabelecer sua posse e das quais ela pode dispor. As pessoas
passam fome quando não conseguem estabelecer seu intitulamento sobre uma
quantidade adequada de alimentos (SEN, 2005, p. 190, grifos do autor).
O aumento da produção pode, sim, facilitar distribuição, desde que haja aumento de
renda da população e queda dos preços dos alimentos. Um dia, talvez, o mundo seja obrigado
a reconhecer que a concentração mundial da renda é tão irracional quanto a escravidão.
1.2.3.2 A questão da igualdade de oportunidades reais
A igualdade foi concebida principalmente sobre três aspectos: a igualdade de
oportunidades; a satisfação das necessidades fundamentais; e a concessão, a cada um, de
acordo com a sua capacidade para fazer algo estabelecido como valioso (mérito). É muito
difícil conseguir atingir um mesmo ponto de partida e condições iguais no percurso, porque os
homens são desiguais e todo o processo de formação da personalidade humana cria diferentes
situações para a disputa. Ademais, não é correto premiar o mérito quando as condições para
que uma pessoa obtenha maior sucesso que a outra não são as mesmas. Faz-se necessário
combinar os três critérios de justiça como igualdade: garantir oportunidades iguais, atender
necessidades fundamentais, e valorizar o mérito e a persistência.
Um dos maiores problemas relativos à igualdade é como reduzir as desigualdades. O
homem vive e convive com uma vasta diversidade, tanto por questões naturais (como sexo,
idade e físico), quanto por questões sociais, culturais, religiosas ou econômicas. Legitimar a
desigualdade sempre foi um tema relevante para os defensores e os críticos do capitalismo.
Ninguém mais pode defender que os homens são todos iguais, ou que devem ser tratados de
maneira absolutamente igual. As desigualdades humanas físicas (fruto da natureza) ou
políticas (resultado de convenções e privilégios) exigem um tratamento diferenciado das
pessoas.
Tratar as pessoas de forma desigual não pode significar dar privilégios em virtude de
uma melhor posição social ou estética. Pelo contrário, o objetivo é atender às necessidades da
coletividade. Nesse sentido, John Rawls (1981, p. 196) entende que qualquer decisão política
no intuito de estabelecer limites ao agir humano, sobretudo se for de forma desigual, somente
se legitima quando procura o bem-estar de todas as pessoas vinculadas aos processos
decisórios. Para tanto, é preciso respeitar outros fundamentos de um contrato social racional,
tais sejam: a igualdade de oportunidade para todos e uma liberdade igual e completa do ponto
de vista social.
51
A fim de atender a essa perspectiva, John Rawls, na sua obra clássica “Uma Teoria
da Justiça”, destaca dois princípios fundamentais para uma sociedade que pretenda
desenvolver a justiça enquanto eqüidade: o princípio da liberdade e o princípio da diferença.
Segundo Rawls (1981, p. 196), pelo primeiro princípio, cada pessoa deveria possuir
igual direito ao sistema mais extensivo de liberdades individuais básicas; porém, compatível
com um similar sistema de liberdade para todos. A total liberdade individual somente poderia
ser limitada, a fim de proporcionar a liberdade igual de todos. Quando for necessário que
uma parcela da população tenha sua liberdade diminuída em benefício da comunidade, os
cidadãos prejudicados em sua liberdade individual precisam também aceitar racionalmente a
limitação estipulada no contrato social original e serem recompensados por isso.
No tocante ao segundo princípio, referente à isonomia, John Rawls (1981, p. 282)
afirma que: a) as desigualdades sociais e econômicas precisam ser ajustadas de maneira a
resultar em benefícios para os menos privilegiados; b) as posições privilegiadas estarão
abertas a todos, em condições de eqüidade e igualdade de oportunidades. Dessa forma, o
encargo suportado por uma parcela dos cidadãos será democraticamente determinado e em
satisfação a todos, sobretudo dos menos privilegiados, que, de alguma forma, devem ser
recompensados
19
.
Esses princípios formam a concepção de justiça como eqüidade e deverão ser aceitos
pelas pessoas “contratantes” no momento do pacto social original
20
, estando elas numa
posição de igual ignorância quanto às vantagens pessoais e os indivíduos que suportarão os
encargos em benefício da coletividade (RAWLS, 1981, p. 121). Na posição original, as
pessoas se encontrariam em uma hipotética igualdade primordial, onde, sob o véu da
ignorância
21
, serão escolhidos os princípios justos.
Apesar da legitimidade da desigualdade, cada pessoa teria garantido o igual e
indispensável acesso a um mínimo de vantagens que, para o autor, seriam os bens primários;
19
Os dois princípios nas palavras do autor: “1. Cada pessoa tem igual direito a um esquema plenamente
adequado de liberdades básicas iguais que seja compatível com um esquema similar de liberdades para todos.
2. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições. Em primeiro lugar, devem estar
associadas a cargos e posições abertos a todos sob condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, em
segundo, devem ser para o maior benefício dos membros da sociedade que m menos vantagens.” (RAWLS,
1987, p. 5 apud SEN, 2001, p.129).
20
O contrato original é indispensável para a harmonia social e a justa distribuição dos bens, mas, para ser
eqüitativo, precisa ponderar alguns pressupostos: a) escassez moderada de recursos em relação à demanda,
cuja conseqüência é uma situação de conflitos entre os interesses e as possibilidades; b) existe pluralismo das
formas de vida (diversidades); e c) todos os indivíduos são racionais e razoáveis.
21
As pessoas (representantes) que realizarão o pacto social não conhecem seus interesses (véu da ignorância
quanto a suas concepções de bem); assim sendo, as decisões são racionais e razoáveis para a estabilidade
social.
52
isto é, os bens que qualquer pessoa racionalmente quer atingir no intuito de garantir a
igualdade de oportunidades.
Segundo Amartya Sen (2005, p. 86), definir Justiça é definir critérios para avaliá-la,
os quais permitirão ponderar os princípios e solucionar os casos concretos. Assim, critica
Rawls por ele ter adotado uma idéia de liberdade igual demasiadamente formal e, ainda, em
virtude de o princípio da diferença não atender as liberdades substantivas, porquanto a
maximização das vantagens para os que estão em piores condições pode afetar as vantagens
do todo.
Ainda no tocante à questão da igualdade, seguindo Amartya Sen, dois pontos devem
ser observados: a) por que se pretende uma igualdade (fundamento); e b) qual o tipo de
igualdade desejada, ou melhor, quais os seus critérios materiais e históricos e como medir a
relação desses critérios tendo em vista o acesso aos bens essenciais.
A própria justificativa ou fundamento da igualdade depende da definição do tipo de
igualdade buscada. Até porque, dependendo do critério adotado, poder-se-á criar outras
desigualdades justificadas. Isso é muito comum nas políticas afirmativas, nas quais se viola a
isonomia (no sentido formal) para beneficiar pessoas cuja desigualdade deve ser combatida.
A definição dos critérios que constituem a concepção de igualdade desejada é uma
questão de momentos e espaços nos quais se vai eleger uma igualdade fundamental, a fim de
legitimar a existência (resultado) de outras desigualdades (SEN, 2001, p. 52). A importância
da definição dos critérios, com a escolha dos valores desejados, precede a determinação do
conteúdo e da instrumentalização para exigir e promover a igualdade eleita.
diversidade de critérios para avaliar a igualdade pretendida: renda, felicidade,
liberdade, direitos, recursos, bens primários, qualidade de vida, entre outros. Segundo A. Sen,
esses critérios são meios para criar capacidades, mas não significam, por si, liberdades iguais,
muitos menos oportunidades iguais. A conversão de renda ou bens primários em bem-estar
está relacionada, ainda, às diferenças pessoais e sociais de cada um (desejos, estado físico e
psíquico), que podem resultar em variações interpessoais substanciais na conversão de
recursos e bens-primários em realizações objetivas. Conforme Sen (2001, p. 65), uma
tensão, ao mesmo tempo em que a conversão dos bens primários em igualdade de
oportunidades é o argumento para justificar a igualdade radical daqueles (o acesso universal);
de outro lado, as oportunidades também dependem do acesso aos bens primários.
Rawls teveritos ao defender a satisfação igual dos bens primários, os quais
abrangeriam necessidades sociais vitais, oportunidades, renda e direitos. Não obstante, o autor
ficou preso aos bens primários, sem considerar a capacidade de converter tais bens em
53
liberdades substantivas. Amartya (2001, p. 226) prefere como critério de igualdade real de
oportunidades as liberdades substantivas, ou seja, a capacidade de acesso aos bens desejados.
A concepção central de igualdade depende da efetivação dos valores segundo as
possibilidades e as necessidades reais. haverá realmente igualdade de oportunidades
quando houver liberdades substantivas.
Amartya definiu as liberdades substantivas como critérios de Justiça. Essa posição é
digna de ser adotada pelos juristas. Considerar Justiça apenas a partir dos aspectos jurídicos
formais diz muito pouco, sobretudo para quem não tem acesso real aos mecanismos de
realização da dignidade humana. Ainda assim, é difícil aceitar que pesos bem delineados
para os critérios da Justiça. O mais importante é tentar identificar e combater as fontes
extremadas de privação das liberdades substantivas.
Definidos os critérios de igualdade, o outro desafio é como realizá-los. Sem dúvida,
dar conteúdo para a igualdade de oportunidade é fundamental para a sua materialização. Além
disso, quanto mais houver igualdade, maior será o potencial de o crescimento econômico
reduzir a pobreza e gerar desenvolvimento; do contrário, o crescimento vai gerar mais
concentração.
1.3 O mito do desenvolvimento econômico
22
1.3.1 O processo de ocultação das causas do subdesenvolvimento
Sobre as concepções de desenvolvimento discutidas acima, dois aspectos exigem
uma atenção especial. Primeiro, independentemente do que se entenda por desenvolvimento,
nota-se que ele não tem atingido todas as nações de maneira igual. Depois, principalmente
quando o desenvolvimento é visto apenas como crescimento econômico, observa-se que ele
está relacionado a um processo de sustentação de mitos.
Tomando como base Celso Furtado (2000, p. 15), entende-se a teoria do
desenvolvimento, na perspectiva macroeconômica, como a tentativa de explicar as causas e os
mecanismos do aumento persistente da produtividade do valor trabalho e suas repercussões na
organização da produção e na forma como se distribui e utiliza o produto social. Isso exige
um confronto com a realidade que supere as construções abstratas apartadas do processo
histórico.
22
O presente trabalho utilizou a idéia de mito enquanto hipóteses que não são testadas, ou seja, postulados
enraizados num sistema de valores que não passam por comprovação científica.
54
A partir dessa concepção teórica e da metodologia voltada ao confronto com o real,
Furtado (2000, p. 101) percebeu que nem sempre o crescimento econômico corresponde ao
desenvolvimento. Numa economia dependente, por exemplo, em virtude da deficiência
tecnológica e da facilidade dos investidores dos países ricos de repatriarem o capital
investido, o crescimento pode não gerar desenvolvimento interno porque o lucro é remetido
para o exterior.
Segundo Furtado (2000, p. 196), o processo histórico de desenvolvimento dos países
subdesenvolvidos não pode ser concebido nas teorias econômicas dos países capitalistas
avançados, pois é tão peculiar, que precisa de uma economia política e estratégias de
desenvolvimento próprias.
De certa forma, essa posição de Celso Furtado fundamento à “teoria da
dependência” na América Latina, defendida por Fernando Henrique Cardoso. Esse autor
afirma que há, na América Latina, um processo histórico peculiar relacionado ao
desenvolvimento capitalista das economias centrais. Com isso, a discussão do
subdesenvolvimento pode ser feita ponderando as regras da inserção dos países
subdesenvolvidos, ou emergentes, no sistema econômico internacional.
O investimento nas economias periféricas supera o velho sistema de compra de
matérias-primas baratas e venda de manufaturas para uma minoria com recursos na
sociedade dependente. O investidor estrangeiro passa a aplicar seu capital na produção
industrial e procura vender seu produto nesse mercado. Para tanto, promove-se certa
participação local no progresso econômico, apesar de ainda se valer da população
“atrasada (CARDOSO, 1993, p. 196).
Apesar da mudança em relação à forma de exploração, a dependência permanece por
uma série de fatores: a) o controle tecnológico continua nos países “avançados”; com isso,
parte do capital a ser acumulado no capitalismo, resultante da produtividade dos meios de
produção, é exportado e acumulado nos países avançados sob o controle das grandes
instituições financeiras monopólicas; b) apesar de o investimento ligar-se ao capital local,
permitindo algum progresso interno, a exportação dos lucros supera a importação do capital;
c) o investimento interno e a exploração do potencial de consumo local, que não são mais
atraentes nas economias avançadas, só existem pela necessidade da reprodução do capital
(CARDOSO, 1993, p. 198).
O desenvolvimento implica uma autonomia crescente das decisões econômicas.
Essa condição inexiste quando o processo econômico se sujeita ao aumento do grau de
dependência interna. Ocorre que os países dominantes controlam o progresso tecnológico e
55
conseguem impor os padrões de consumo. Ainda que a produção industrial ocorra em
economias dependentes, o desenvolvimento não vai ser completo enquanto estiverem
presentes os fatores de dependência: domínio do processo decisório e da tecnologia,
acumulação e reinversão do capital.
Atualmente, o crescimento das economias dependentes está ligado à expansão de
atividades de empresas com centro de decisão no exterior, as transnacionais, e com padrões de
organização que obrigam, no âmbito internacional, por exemplo, o pagamento de direitos
intelectuais. O desenvolvimento, nesse caso, não passa de aumento da participação na
economia internacional das atividades das grandes empresas que controlam a difusão das
novas técnicas (FURTADO, 2000, p. 263).
A dependência existirá enquanto os países subdesenvolvidos quiserem manter os
padrões de consumo dos países desenvolvidos, com insuficiente progresso tecnológico e sem
acumulação do capital no próprio país subdesenvolvido. Ainda que economias
subdesenvolvidas conheçam algum crescimento econômico do produto global e “per capita”,
nem sempre isso significará a redução da dependência externa e mudança da estrutura
ocupacional interna, uma vez que só parte da população poderá ser beneficiada com a
indústria nacional, enquanto a maioria continuará em ocupações tradicionais (FURTADO,
2000, p. 203).
No subdesenvolvimento, tem coexistido um modo de produção avançado
(capitalista) com modos de produção atrasados (“pré-capitalistas”) como, por exemplo, a
indústria e a agricultura camponesa de subsistência. O dualismo marca os países
subdesenvolvidos que alcançaram certo grau de crescimento econômico (e o “status” de
países em desenvolvimento). O progresso veio para uma minoria que conseguiu participar
dessa acumulação do capital e diversificar o consumo, de maneira a usufruir do padrão
cultural ditado pelos países avançados. Enquanto isso, a massa miserável continua a viver sem
perspectivas de ascensão social.
A industrialização nos países periféricos, ao contrário das economias avançadas
23
,
em virtude da concentração quase total da renda nas mãos dos grupos empresariais
internacionais, não criou grande capacidade de consumo local. Mesmo a agricultura ficou à
mercê do mercado internacional (definição dos custos da produção, da demanda e dos preços
23
O adjetivo “avançadas” é melhor do que “desenvolvidas”, até porque o estudo critica o mito do
desenvolvimento, o qual se vale da degradação dos recursos naturais e da espoliação da mão-de-obra em
sociedades pré-capitalistas.
56
de alguns produtos), e não houve proteção aos produtores hipossuficientes prejudicados com a
modernização agrícola.
O ordenamento jurídico brasileiro permite a concentração do capital e da produção,
consagra a livre iniciativa e a concorrência e, salvo algumas restrições internas e
internacionais, não impede a formação de oligopólios e oligopsônios. Portanto, não pode
impedir o processo de dependência resultante da livre competição do mercado. Claro que o
Direito pode contribuir para o desenvolvimento da sociedade, criando mecanismos que
estimulem o investimento estrangeiro, a pesquisa, e a qualificação do trabalhador, ou mesmo
criando dificuldades para a repatriação dos lucros e facilidades para que o capital seja
reinvestido no país.
1.3.2 O desenvolvimento como um mito
“Desenvolvimento” ou mesmo “progresso”, que muitas vezes são palavras usadas
como sinônimas, comportam diferentes sentidos, inclusive negativos, principalmente quando
reduzidos a critérios econômicos que se confrontem com a manutenção do potencial
produtivo do meio. No geral, progresso e desenvolvimento - e adiante será utilizado apenas o
segundo vocábulo - têm sentidos positivos, voltados à busca dos fins benévolos à sociedade.
O desenvolvimento deveria ser um resultado natural na história da humanidade, considerando
que o acúmulo de conhecimento permite sempre avançar em relação ao conhecimento
anterior.
As doutrinas capitalistas e marxistas assumiram uma posição determinista.
Procuraram colocar o desenvolvimento como um fator certo, uma decorrência histórica do
sistema produtivo. Ocorre que não é real o sentido unidirecional do processo histórico em
benefício do desenvolvimento. Se, de um lado, houve conquistas tecnológicas e materiais que
melhoraram o bem-estar da coletividade, de outro, também se criaram riscos de extinção da
própria espécie, como o perigo de uma guerra nuclear, as catástrofes ambientais e o aumento
da miséria.
O processo de evolução da humanidade não está predestinado ao desenvolvimento
sustentável; muitas alternativas que poderão ou não ocorrer, dependendo das escolhas que
serão feitas. Por certo, o homem possui instrumentos para determinar o caminho que o
conduza às direções adequadas, como o estudo da História, do Direito, da Economia e da
Ecologia.
57
Na modernidade, por meio de propaganda, domínio da informação, “lobby” político,
criou-se a crença na imprescindibilidade do consumo e da expansão do capital no livre
mercado para atingir a felicidade. Não foi percebido que essa era apenas uma idéia de
felicidade; por sinal, também criada e recriada segundo a lógica da racionalidade
econômica
24
.
O desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico, proposto pelo
paradigma moderno, não passa de uma ideologia de grupos hegemônicos ligados a um Estado
que se apresenta como portador do interesse geral e adquire competência para dirigir um
sistema
25
. O discurso desse modelo de desenvolvimento aparece como manipulação das reais
motivações que movem a racionalidade desse sistema produtivo. Utiliza-se aqui um sentido
negativo de ideologia
26
, cuja concepção é atribuída a Karl Marx, enquanto manipulação da
representação da realidade, isto é, falsa consciência das relações de domínio entre as classes.
Por fim, torna-se interessante destacar, até para introduzir as críticas às promessas
ideológicas do desenvolvimento como crescimento econômico, que esse sistema é um mito,
pois: a) não é possível generalizar o padrão de consumo dos países centrais para os periféricos
por impossibilidade (relativa) física de produção; b) promove a concentração do capital nos
países centrais e agrava a miséria em países periféricos, de maneira a provocar perda da
capacidade de consumo; c) somente parte da população será beneficiada com o poder de
consumo e, portanto, de pressão, mesmo nos países centrais (FURTADO, 1981, p. 74).
1.3.2.1 Primeiro Mito: a possibilidade física do crescimento ilimitado
O capitalismo tem quatro pilares: a propriedade privada dos meios de produção; a
exploração da força de trabalho humana, com apropriação da mais-valia e da produtividade
tecnológica; o processo de reprodução do capital, a partir da transformação de matérias-
primas e a produção de mercadoria - bens com utilidade para os homens, na busca do lucro; e
a valorização das relações livres no mercado.
24
Gilberto Dupas (2006, p. 144) considera que essa idéia de progresso é um mito utilizado pelas elites
hegemônicas para legitimar o seu sistema produtivo - especialmente a acumulação do lucro no capitalismo. O
mito existe porque as promessas não são cumpridas, apesar da aplicação do conjunto de princípios desse
modelo paradigmático na orientação das atividades econômicas e na definição da atuação de alguns estados.
25
Quando se afirma que essa concepção de crescimento econômico é uma ideologia, quer se dizer que é um
conjunto de idéias capaz de conduzir um homem, ou o seu grupo, mediante a mistificação da realidade.
26
Torna-se sempre necessário dizer o que se pretende ao qualificar uma decisão como ideológica, pois nem
sempre dizer que ideologia em algo significa um julgamento depreciativo. um sentido positivo de
ideologia - como conjunto de idéias e valores respeitantes a uma ordem pública com a função de orientar os
comportamentos políticos coletivos (sistema de crenças políticas ou sistema de idéias). Nesse caso, também
existe um juízo de valor de situações com bases em interesses, mas que também pode representar o
comprometimento com boas causas.
58
Maiormente com ênfase no segundo pilar citado acima, Marx e Engels e todos os
marxistas posteriores desenvolveram a teoria de que existe uma contradição interna no
sistema capitalista, em virtude da forma como ocorrem as relações de produção. Observaram
que o capitalismo tinha mais lucro ao valorizar o capital constante (máquinas e tecnologia)
sobre o capital variável (salário). Ao mesmo tempo, como esse procedimento diminui a
capacidade de consumo do sistema, pode ocorrer uma crise mercadológica pela produção de
excedentes. Mais recentemente, foi preciso acrescentar ao marxismo uma segunda
contradição do capitalismo, a qual decorre da dimensão expansiva desse sistema, que ele
destrói as suas próprias condições. Por isso, a contradição do capital-trabalho está sendo
chamada de primeira contradição.
Na primeira contradição do capital, não foi considerado o elemento ambiental, a não
ser como matéria-prima e recurso explorável, até porque se buscava compreender a forma
como se dava o lucro e o seu efeito sobre a classe trabalhadora.
A derrocada do sistema [capitalista], segundo a abordagem marxista, seria fruto de
suas próprias contradições internas. Uma contradição fundamental decorreria da
tendência ao progresso tecnológico e o impacto deste sobre a força de trabalho, pois
ao mesmo tempo em que o capital necessita e depende da força de trabalho –
portadora de trabalho vivo, único capaz de criar valor, para produzir um excedente
ou sobretrabalho a ser apropriado pelo capitalista (na esfera da produção) em forma
de mais-valia e realizado (na esfera da circulação, ou mercado) na forma de lucro – é
ele levado a diminuir a participação ou excluir o trabalhador do processo produtivo e
a degradar suas condições de existência (MONTIBELLER-FILHO, 2004, p. 78).
A segunda contradição, levantada por James O’Connor, está ligada a circunstâncias
externas às relações produtivas. Ela diz respeito ao reconhecimento da necessidade de o
capitalismo produzir custos sociais, ambientais e econômicos: poluição, condições precárias
de trabalho, especulação financeira, capacidade ociosa, entre outros. O mercado não assume
esses custos socioambientais essenciais ao processo produtivo. A contradição existe porque o
avanço do capitalismo depende da piora dos elementos que lhe garantem lucro, como o meio
ambiente.
Tanto a questão ambiental quanto a mais valia social (exploração do trabalho
humano), na medida em que o custo ambiental (preservação ou dano intergeracional) não é
assumido pelo poluidor (empresário), formam o lucro. Ao assumir o custo ambiental,
diminuição da taxa de lucro e o empresário precisará compensar o prejuízo com mais
exploração de trabalhadores ou o uso de tecnologias que substituam os postos de trabalho, de
maneira a acelerar a primeira contradição. Em contrapartida, quando não estão presentes
outras formas de beneficiar o aumento das taxas de lucro, como infra-estrutura pública
(sistema eficiente de transporte, armazenagem e comunicação) ou existência de direitos
59
sociais (que dificultam a exploração), a tendência é acelerar a degradação dos recursos
naturais para manter as mesmas taxas de lucro
27
.
O progresso do país é, equivocadamente, considerado com base no nível quantitativo
da produção material, não levando em conta a qualidade de vida. A crise ambiental
questionou se esse crescimento ilimitado era possível em face dos limites físicos e, também,
se era desejável, diante de perspectivas qualitativas do desenvolvimento.
Quanto às bases materiais, percebeu-se que a disponibilidade de recursos era
limitada em face do ritmo de produção desejada. As regenerações dos recursos naturais não
acompanham a velocidade da lógica do crescimento acelerado e nem absorvem o lixo
produzido, de modo que essa ideologia é insustentável em longo prazo e pode levar ao
colapso ecológico.
A racionalidade econômica moderna utiliza o discurso da sustentabilidade e encobre
os limites da capitalização da natureza. Os homens são simbolicamente violentados, pois são
condicionados a aceitar essa racionalidade antidemocrática, homogeneizante e insustentável
(LEFF, 2001, p. 124). Jamais esse sistema reconheceu que o desenvolvimento de um espaço
estava relacionado com a miséria e a degradação da natureza. As fontes de privação das
liberdades substanciais foram ocultadas e não houve solidariedade entre as gerações.
A superação da segunda contradição depende de profundas mudanças no sistema
produtivo e de consumo, no sentido de melhorar a distribuição dos meios de produção e dos
produtos, ou mesmo, direcionar o progresso tecnológico a um modelo alternativo sustentável.
No entanto, até 1970, as teorias clássicas, ao analisar o capitalismo, não consideravam a
destruição ambiental (MONTIBELLER-FILHO, 2004, p. 81), não havia uma consciência
ecológica, até porque não se visualizava a irreversibilidade dos danos ambientais.
Somente com os ecossocialistas, houve análise e confrontação das duas
contradições. Além de afirmar a importância das críticas marxistas para um modelo de
desenvolvimento sustentável, eles reconheceram que a degradação ambiental é uma
externalidade negativa da produção. Ao mesmo tempo em que a apropriação de recursos
naturais é indispensável para a viabilidade do sistema (“mais valia natural”), o capital se
apropria e destrói a natureza de maneira a criar a situação de limites físicos relativos. De um
27
O caso da cana é emblemático por estar ligado às duas contradições do capital. A tecnologia pode diminuir os
impactos ambientais e aumentar a produção. No entanto, provoca diminuição imediata dos postos de trabalho
e, conseqüentemente, queda da capacidade de consumo interno. Como o desemprego tecnológico se torna
estrutural, as vagas não serão reabertas, até mesmo porque não são absorvidas nas outras fases do complexo
agroindustrial.
60
lado, busca-se a superprodução; de outro, destroem-se as condições dessa produção e as
fontes do lucro (custos sociais não pagos).
Enrique Leff (2001, p. 23) considera que a internalização dos custos ambientais,
conforme o capitalismo ambiental, sem mudar de uma racionalidade econômica para uma
ambiental, não garante a sustentabilidade, pois não reverte a tendência à entropia. Portanto,
para ele, a crença no capitalismo ecológico com base no progresso tecnológico e na
responsabilização do poluidor é um mito insustentável.
Montibeller-Filho (2004, p. 19) também entende que é impossível o
desenvolvimento sustentável no sistema capitalista, devido à existência dessa segunda
contradição, pela qual a dependência contínua de aumento dos lucros vai de encontro à
proteção ambiental. Esse sistema depende das externalidades econômicas e sociais negativas
para sobreviver, enquanto a sustentabilidade tende a exigir queda da taxa de lucro e o
aumento dos custos da produção. Segundo o autor (2004, p. 180), artifícios como
monetarização
28
dos recursos naturais, correção ecológica do PIB e amortização do capital
natural não atendem às necessidades capitalistas.
Esse sistema também não é compatível com os mecanismos de preservação
ambiental em longo prazo; isso significaria diminuição da mais-valia natural e, logo, da taxa
de lucros. Por todo o exposto, pode-se afirmar que a segunda contradição do capitalismo é a
base da argumentação do desenvolvimento sustentável enquanto um novo paradigma político-
científico.
1.3.2.2 Segundo Mito: a possibilidade de generalizar o padrão de desenvolvimento dos países
avançados
Quando se fala em consumo humano, ou mesmo em necessidades humanas, é
preciso reconhecer que, na maioria das vezes, não se está falando apenas da satisfação de
necessidades físicas ou biológicas. A espécie humana também cria artificialmente as suas
necessidades, de forma que existem diversos padrões de consumo, ligados mais à realização
de um sistema econômico do que à promoção de bem-estar coletivo.
A idéia de que os padrões de consumo dos países avançados poderiam ser
generalizados é um mito, tanto do ponto de vista dos limites ambientais, como discutido
28
Importante observar que o uso do termo “monetarização” não foi adotado no sentido de introdução de moeda,
e sim de atribuir valor mercadológico (preço) nos bens ou danos ao meio ambiente.
61
acima, quanto no tocante à forma de acumulação do capital e de valorização depreciativa dos
salários:
Cabe, portanto, afirmar que a idéia de desenvolvimento econômico é um simples
mito. Graças a ela tem sido possível desviar as atenções da tarefa básica de
identificação das necessidades fundamentais da coletividade e das possibilidades que
abre ao homem o avanço da ciência, para concentrá-la em objetivos abstratos como
são os investimentos, as exportações e o crescimento (FURTADO, 1981, p. 75,
grifos do autor).
A generalização das necessidades de consumo sofisticadas, que formam o novo
padrão das economias avançadas, provocou o desperdício de recursos naturais para atender às
necessidades supérfluas de uma minoria, a qual conseguia concentrar, ou melhor, apropriar-se
das taxas de crescimento econômico. Dessa forma, é inviável buscar a eqüidade social em
nível mundial tendo como base o padrão de consumo do Norte industrializado; isso seria
ambiental e economicamente insustentável.
1.3.2.3 Terceiro Mito: todos podem alcançar essa forma crescimento econômico
Seja dentro do próprio país ou em diferentes regiões do globo, o capitalismo
avançado depende de uma compensação proporcional, que é o subdesenvolvimento. O
consumo em excesso de um lado é a miséria do outro; o emprego de um lado é o desemprego
do outro. Na economia globalizada, para um ganhar, o outro precisa perder. O Mito do
desenvolvimento foi desconsiderar a essencialidade de tal contraste para o sistema produtivo
hegemônico.
O problema do subdesenvolvimento não é a globalização, nem a falta dela, mas um
tipo de integração sem autonomia política e valores éticos. Os países de economia avançada
têm maior poder de ação, valem-se de guerras, de protecionismo, de subsídios em prol de sua
economia. Não adianta fazer parte do comércio internacional sem amenizar o processo de
dependência e fortalecer a capacidade de competir em áreas de maior agregação de
tecnologia.
O sistema capitalista sempre buscou alternativas para manter a mão-de-obra com
baixos salários e reduzir os custos da produção, a fim de aumentar as taxas do lucro. Algumas
estratégias foram amplamente aplicadas: a liberação de mão-de-obra da agricultura até esgotá-
la; o investimento no progresso técnico, ainda que isso significasse aumento do desemprego
(primeira contradição); e o aperfeiçoamento da exploração dos recursos disponíveis (que
62
origem à segunda contradição). Todos esses procedimentos representaram o crescimento da
renda. Em contrapartida, houve aumento da miséria e manutenção do subdesenvolvimento.
É impossível entender o subdesenvolvimento fora do processo produtivo capitalista.
Se for considerado o desenvolvimento como acessos, perceber-se-á que a proposta desse
sistema é um mito, pois seu modelo de progresso econômico não foi e nem pode ser
difundido. Pelo contrário, depende de um processo compensador, um anti-desenvolvimento
capaz de absorver tudo o que for prejudicial ao progresso alheio, como a degradação do
trabalho e dos recursos.
O desenvolvimento no Brasil foi um processo de exploração da mão-de-obra e dos
recursos naturais, bem como de concentração do capital e do progresso técnico nas mãos da
minoria da população que, conseqüentemente, obtinha a maior produtividade e a maior
capacidade de adquirir títulos de propriedade.
O essencial é discutir a forma de apropriação dos excedentes, especialmente o
reinvestimento e a distribuição social dos lucros para transformar o excedente em capacidade
produtiva. Não basta falar em aumento dos investimentos estrangeiros se os lucros serão
concentrados nas mãos de poucos, ou pior, repatriados pelo país onde funciona o centro das
decisões do investidor.
1.3.3 A medida do desenvolvimento
A cômoda e exata tabela da renda per capita não reflete a realidade, pois não oferece
critérios suficientes para abranger todos os aspectos do desenvolvimento. Outro problema é
que, ao se reconhecer a existência de vários critérios para aferir a qualidade de vida, necessita-
se de uma base de informações reais e atualizadas, mas esses dados nem sempre estão
disponíveis.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado em 1990 pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cuja formulação teve a ampla participação
de Amartya Sen, merece destaque por utilizar mais critérios na sua definição: esperança de
vida (mortalidade e saúde), nível educacional e renda real “per capita”.
A principal crítica ao IDH, que é um índice sintético, refere-se à adoção de uma
fórmula aritmética para analisar a integração entre os seus critérios. Esse mecanismo compara
coisas diversas, quando as possibilidades do meio físico, associado às características políticas,
econômicas e culturais promovem tempos sociais diferentes no mesmo tempo cronológico. A
média aritmética dos desempenhos da renda “per capita”, saúde, e educação cria uma ilusória
63
competição entre realidades distintas. Veiga (2005, p. 98) observa que um PIB muito alto
pode elevar o IDH mesmo quando os índices sociais são pífios. Por isso, se defende índices
mais completos e analíticos, apesar das consistentes críticas quanto à limitação de qualquer
índice.
Eli da Veiga (2005, p. 98; 2006, p. 27) também considera que, em vez de médias
aritméticas entre diversos critérios, é fundamental procurar índices capazes de explorar ainda
mais critérios (renda, emprego, proteção social, educação, saúde, mortalidade, habitação,
entre outros), trabalhar com fontes de dados mais atualizadas, e que reúnam grupos
qualitativos - segundo a proximidade em determinados aspectos. Esse procedimento permitirá
dar valor a cada critério isoladamente e em grupos qualitativos e, assim, permitir comparações
com maior relevância empírica e capazes de superar discrepâncias comuns em índices
sintéticos.
Além de aumentar a quantidade de critérios, é importante definir mais aspectos
dentro de cada um. O critério ambiental, por exemplo, pode englobar desde a disponibilidade
de recursos, o investimento em pesquisa, o acesso à tecnologia, a assistência técnica, até a
educação ecológica. No âmbito social, é interessante considerar as desigualdades sociais, a
efetividade dos direitos sociais, e a qualidade e estabilidade do emprego.
A verdade é que nem a Economia, que tem toda uma metodologia para trabalhar
com representações numéricas, consegue determinar índices. Essa constatação já permite
imaginar a dificuldade que o Direito encontra no âmbito da verificação material dos
programas de desenvolvimento. Na análise jurídica é permanente o conflito entre a
consagração formal e a eficácia material, pois é muito difícil saber quando um valor está
sendo devidamente atingido.
O Direito é uma ciência social que se completa na aplicação. Para tanto, precisa de
certa exatidão; logo, depende de certos instrumentos de medida. Isso fica mais evidente se
forem sopesadas questões como a reparação do dano, a definição do montante das
indenizações, a exigência de certos parâmetros para ter acesso a alguns direitos - como na
desapropriação por descumprimento da função social da propriedade. A referida função
demonstra bem os limites jurídicos na medida de alguns valores, que o índice de
produtividade adotado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
não reflete a totalidade da função. O índice previsto no artigo da Lei 8.629, de 25 de
fevereiro de 1993, não é analítico e somente trabalha com o critério econômico. O mesmo
ocorre com os índices para determinar vantagens no pagamento do imposto territorial rural
pelo cumprimento dessa função social.
64
Nenhum dos índices de desenvolvimento dá a devida atenção à perspectiva da
sustentabilidade, pois avalia apenas a situação qualitativa do espaço atual. Por isso, é evidente
a inexistência de redundância quando se soma o adjetivo “sustentável” à palavra
“desenvolvimento”. Até a ONU, em suas declarações, separa os termos “meio ambiente” e
“desenvolvimento”, de maneira a compatibilizar as questões socioeconômicas com o respeito
aos recursos naturais.
Talvez a melhor saída seja criar um índice de desenvolvimento e outro de
sustentabilidade, os quais deverão ser analisados conjuntamente (VEIGA, 2006, p. 37). O fato
é que, mais do que criar um índice, é preciso que grande parte dos países o reconheça e que
ele tenha ampla base de dados.
1.4 As teorias da sustentabilidade
A existência de uma crise ambiental evidencia uma situação de perigo no tocante à
manutenção das atividades econômicas, de modo a atingir tanto a produtividade e o lucro,
quanto à qualidade de vida dos homens. Esse contexto ainda não exige a renúncia à utilização
dos recursos naturais. No entanto, também não se pode acreditar que o desenvolvimento é um
resultado natural do processo social e que a crise será facilmente superada.
O meio ambiente é considerado um direito humano fundamental, como ocorre na
própria Constituição Federal (artigo 5º, § 2º, combinado com o artigo 225, “caput”). Mas o
uso econômico dos recursos naturais não é proibido, embora deva ser adequado (artigo 170,
inciso VI, com conteúdo expresso, por exemplo, no artigo 225, ambos da Constituição).
Como o ordenamento legislativo não possui poder sobre as ciências e as ideologias,
e o Direito também não conseguem estabelecer conteúdos normativos com padrões fechados,
aparecem distintas propostas para se obter a sustentabilidade. Destacam-se quatro grandes
grupos, cujas diferenças são teóricas e até éticas: a) os fundamentalistas de mercado; b) os
fundamentalistas ecológicos; c) os ecossocialistas; e d) os antropocentristas moderados.
Essa divisão grosseira e descontextualizada não teve a pretensão de ser exaustiva.
Procurou-se apenas demonstrar a existência de diferentes concepções acerca da relação entre
desenvolvimento e potencialidade ambiental, sabendo-se, de plano, que, para cada uma das
teorias concernentes à sustentabilidade, existem diferentes escolas. Também não se pretendeu
abordar o tema no sentido de que cada escola representasse uma evolução no pensamento,
mas como se fosse possível analisá-las em face de um mesmo ideal de desenvolvimento.
65
1.4.1 Os fundamentalistas de mercado (ecotecnicistas)
Nessa teoria, o crescimento econômico possibilita e não prejudica a sustentabilidade
ambiental. Marcada por uma racionalidade economicista e pelo método cartesiano, ela
acredita no planejamento feito por especialistas para garantir a sustentabilidade. Defende-se a
existência de grande probabilidade de a tecnologia suprir a limitação do meio ambiente, ou
mesmo recuperá-lo.
Ademais, acredita-se que o pprio mercado realiza o controle dos limites físicos. Tanto
que, caso a degradação promova o aumento no valor do pro do produto, será inviabilizada uma
exploração irracional, de forma a estimular a substituição
29
. O mesmo ocorre quando aumento
dos lucros, os quais poderão ser reinvestidos em melhor tecnologia.
Na verdade, verificou-se que o aumento da renda abstrata e o avanço tecnológico
não favoreceram o meio ambiente, especialmente pelo alto gasto de energia e aumento do
consumo. Os problemas ecológicos não fizeram parte da contabilidade dessa Economia
Neoclássica.
Entre as posições que se propõem a resolver a questão dos limites físicos, a
Economia Ambiental Neoclássica, representada, entre outros, por David Pearce, é a teoria que
mais se aproxima dessa visão ecotecnicista, apesar de ter alguns pontos de superação. A
Economia Ambiental não supera os princípios da economia de mercado. Ela procura valorar
economicamente o meio ambiente, monetarizando os recursos naturais segundo os valores de
uso atribuídos a eles pelo sistema. A intenção é internalizar as externalidades negativas
ambientais, a fim de que os custos sociais sejam agregados ao valor do produto.
A Economia Ambiental Neoclássica, que atualmente é a posição majoritária, propõe
a solução dentro do sistema capitalista. Conforme Montibeller-Filho (2004, p. 86-93), o
conteúdo básico dessa escola inclui: a) a valoração monetária dos bens e serviços ambientais;
b) a internalização das externalidades para que os custos sociais e ambientais façam parte dos
preços dos produtos e serviços; c) a proposição do princípio do poluidor-pagador.
Também pode ser acrescentada como característica dessa escola a crença no
potencial tecnológico e no aumento da renda individual para favorecer a melhora na
29
A escassez é interessante na Economia de Mercado. Como argumenta Cristiane Derani (2001, p.117), na
abundância não lucro. Todavia, muitas vezes, o valor é definido socialmente tendo em vista outras formas
de contabilizar o lucro; por exemplo, o preço do petróleo, que pese sua escassez, não pode ser tão caro a ponto
de inviabilizar a indústria, de modo que não pode estar inserido na lógica da procura/oferta.
66
exploração ambiental - com dinheiro, as pessoas aceitariam pagar mais pela qualidade
ambiental, o que estimularia os investidores e os pesquisadores
30
.
A internalização dos custos não atinge o cerne da crise ambiental. Esse
procedimento apenas seleciona, do ponto de vista monetário, quem pode pagar pelo dano ou
consumir produtos mais saudáveis.
31
.
Montibeller-Filho (2004, p. 110) reconhece que a
monetarização ajuda na definição de indenização, mas não é imprescindível para a tomada de
decisões em favor da natureza
32
.
1.4.2 Os ecologistas exacerbados
A Escola engloba desde fundamentalistas ecológicos, que defendem o crescimento
negativo, até os defensores de uma responsabilidade ambiental radical a partir da
internalização das externalidades ambientais negativas da produção. Os fundamentalistas
ecológicos do crescimento negativo chegam até a defender um direito biocêntrico
33
, como os
juristas adeptos da Ecologia Profunda, independente da utilidade da tutela para a espécie
humana. O grupo acredita na necessidade de travar o crescimento econômico para conservar
os recursos naturais.
Não dúvida de que o crescimento econômico pode comprometer a
sustentabilidade do meio. O potencial produtivo futuro fica prejudicado quando há uma
exploração sem preocupação com a conservação dos recursos naturais. No entanto, é
equivocado acreditar que radicalismo de qualquer ordem possa ser a solução para essa crise
paradigmática.
30
O princípio do poluidor-pagador, consagrado no ordenamento jurídico brasileiro e nas convenções
internacionais sobre proteção ambiental, é o resultado da tentativa de contabilizar a degradação dos recursos
no custo da produção. Na medida em que as pessoas são forçadas a reparar o dano, como deixar de usar uma
área de preservação permanente, pagar indenizações, multas ou impostos, surge um custo dificilmente
repassado ao consumidor, pois, se fosse possível subir o preço, o mercado já o teria feito. A proteção ecológica
tende a provocar uma diminuição na taxa de lucro, salvo se houver criação de mercados e vantagens
comparativas.
31
Como ocorre no caso dos alimentos orgânicos, em que diminuição da concorrência e aumento dos preços,
discriminando os consumidores que podem adquirir o produto com tal qualidade. As técnicas orgânicas têm
em vista mais a saúde do consumidor qualificado (ou privilegiado) do que a proteção ambiental.
32
No caso do solo, aplicar um valor institucional ao bem (como a tão clássica e discutida renda fundiária) não
garante a sua conservação. Basta notar a produção de cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto-SP que,
baseada no contrato de arrendamento, consegue tornar o bem ambiental uma mercadoria com pouca pressão
sobre o mercado de preços.
33
Enquanto fenômeno sócio-cultural, não se pode afirmar a existência de um direito biocêntrico; no mínimo,
haveria o interesse do homem em garantir a independência existencial das outras formas de vida. O fenômeno
normativo continua voltado aos bens valiosos para a sociedade humana, apenas com maior racionalidade no
uso dos recursos ambientais.
67
As posições ortodoxas merecem críticas. O fundamentalismo ecológico é uma
posição descomprometida com os fatores do desenvolvimento, de maneira que deixa de
promover o bem-estar da coletividade nos termos discutidos. É inegável a necessidade de
crescimento em países mais pobres, que dependem de uma Economia e de uma Ecologia
solidárias.
1.4.3 Os ecossocialistas e a superação das contradições do capitalismo
O progresso destrutivo e mitológico do capitalismo foi visualizado por Marx e
Engels. Apesar de os problemas ecológicos não serem centrais na teoria deles, toda a crítica
que fizeram ao capitalismo serviu de diretriz para uma escola ecológica com fundamentos
marxistas.
Não obstante a acusação de que o marxismo seja antropocêntrico, uma vez que
coloca a espécie humana como dominadora da natureza, Marx o homem como parte da
natureza e dependente do conhecimento de suas leis. Conforme Michel Löwy (2005, p. 23), as
críticas formuladas por alguns ecologistas são infundadas no que diz respeito a um pretenso
desprezo do marxismo em relação à natureza - dizem que a teoria considerou apenas o
trabalho humano como imprescindível para a origem da riqueza. Na verdade, Marx só atribuiu
ao trabalho humano o surgimento do valor de troca, mas nunca negou o valor de uso aos
recursos naturais e, portanto, a importância desses para a origem da riqueza.
Outra crítica infundada às teorias de Marx e Engels, conforme Michel Löwy (2005,
p. 24), diz que esses autores valorizaram o produtivismo desenfreado. O marxismo foi o maior
combatente da exploração do trabalho com o objetivo de aumentar a produção e o acúmulo de
riqueza. Marx e Engels defenderam o valor humano e não apenas seu potencial de
acumulação de mercadorias. Löwy concorda, no entanto, que eles não visualizavam o
potencial destrutivo dos recursos naturais pelo sistema produtivo. Acreditavam na
possibilidade do crescimento econômico proposto pelo capitalismo, mas defendiam que
somente um outro sistema social poderia garantir que a riqueza fosse apropriada pelos
proletários, isto é, distribuída.
Guilhermo Foladori (2001, p. 112) defende a existência de um equívoco em relação
aos autores que dizem existir no marxismo um culto ao progresso e que, portanto, a natureza
sofreria a mesma exploração antropocêntrica do capitalismo. O erro existe porque Marx e
Engels não associaram o progresso, enquanto permanente produtividade do trabalho humano,
com negligência em relação à natureza, e, sim, com o avanço científico. Esses autores, ao
68
criticarem o capitalismo, pensaram na possibilidade de um progresso negativo; até porque a
produtividade deveria estar associada mais às necessidades do que à busca pelo lucro
34
.
Realmente não se visualiza uma teoria marxista do meio ambiente. Mas se percebe a
existência de alguma preocupação com o potencial produtivo futuro
35
. Além disso, nota-se
que o marxismo deu grande contribuição metodológica e argumentos para o aprofundamento
na análise da relação entre a produção no sistema capitalista e a crise ambiental,
especialmente através da crítica à lógica destrutiva da acumulação ilimitada do capital.
O progresso linear nem sempre é viável para um ecologismo socialista. A tecnologia
e a apropriação coletiva dos meios de produção também não são soluções eficientes para a
crise ambiental quando desacompanhadas de uma nova racionalidade econômica.
Nos termos dessa nova concepção de sistema econômico, os ecossocialistas colocam
o meio ambiente como condição da produção capitalista. A degradação ambiental é uma
externalidade negativa, ao mesmo tempo em que a apropriação de recursos naturais é
indispensável para a viabilidade do sistema. No capitalismo, os custos ambientais e a maior
parte do trabalho humano não são pagos, de forma que se tornaram lucros extras no comércio.
No ecossocialismo, uma intensa luta, a fim de internalizar o custo ambiental e
diminuir a mais valia natural e, além disso, são reconhecidos os efeitos tecnológicos na
questão social. Procura-se fazer com que as duas contradições dialoguem entre si e que exista
maior participação da sociedade civil (MONTIBELLER-FILHO, 2004, p. 190).
Os ecossocialistas defendem a necessidade de superação do capitalismo para se
chegar ao desenvolvimento sustentável. Esse sistema econômico não poderia resolver a crise
ecológica, pois teria que restringir a acumulação, procedimento inaceitável num sistema
dependente da reprodução do capital. Do mesmo modo, não basta limpar o capitalismo com
medidas de indução e fomento, como as taxas ecológicas e os créditos de poluição.
São fundamentos do Ecossocialismo: a) o reconhecimento da impossibilidade de
expandir, para todos os países, um desenvolvimento enquanto sistema de máxima e livre
acumulação de mercadorias e gasto de energia; b) a necessidade de respeitar o potencial
ambiental e os ciclos naturais; c) a revisão do consumo ostensivo e a separação das
necessidades autênticas das artificiais ou publicitárias (LÖWY, 2005, p. 49).
34
É difícil buscar a questão ecológica na Sociologia e Economia clássicas, pois não era um problema
reconhecido naquela época. Da mesma forma, ela não tinha a dimensão atual para a reprodução do capital; por
isso, não mereceu maior atenção na teoria marxista.
35
Marx, em “O Capital”, reconheceu que o progresso era destrutivo, especialmente por provocar perda da
fertilidade do solo. Da mesma forma que a indústria explorava o máximo do trabalhador, o agricultor tentava
retirar o máximo da terra, ambos não se preocupavam com o desenvolvimento desses meios produtivos
(LÖWY, 2005, p. 30).
69
1.4.4 Os antropocentristas moderados: “os caminhos do meio”
Não é o crescimento econômico que garante a proteção ecológica, apesar de ele
estimular os investimentos em tecnologia mais saudáveis. No entanto, também não é o
crescimento negativo que vai proteger o meio ambiente, embora possa desestimular a
expansão de alguns comportamentos. A proteção ambiental depende das características das
atividades econômicas, da atuação do Estado e da sociedade civil. Tanto que investir em
serviços públicos ou cobrar tributos ecológicos pode não proporcionar aumento do PIB, mas
são instrumentos importantes de fomento ao desenvolvimento social e à disponibilidade de
recursos ambientais.
Diante do extremismo ecológico ou econômico, a posição intermediária, também
chamada de antropocentrismo moderado, ganhou um espaço considerável, sendo a nova
tendência mundial. Para Morato Leite (2002, p. 56), esse é o sistema adotado pela
Constituição Federal do Brasil, a qual consagra a funcionalidade da exploração econômica
dos recursos naturais, como será analisado com mais profundidade no capítulo II.
Essa perspectiva reconhece que é fundamental rever as estruturas produtivas, de
forma a racionalizar a produção a partir da modificação das atividades que não manejam
adequadamente os recursos e da promoção do desenvolvimento para todos.
O desconhecimento da real disponibilidade de recursos naturais sempre possibilitou
diferentes discursos, dos mais catastróficos aos mais otimistas. As teorias que defendem um
desenvolvimento qualificado como sustentável conseguem superar as visões fragmentadas,
pois reconhecem a interdependência entre o desenvolvimento e a proteção ambiental.
1.4.4.1 A Economia Ecológica
A Economia Ecológica adota os princípios da ecologia geral para propor um
programa de desenvolvimento sustentável. Exemplo deles são: a visão sistêmica (considerar o
objeto de estudo segundo as possíveis esferas de inter-relações); a complexidade (variedade
das relações); a busca do equilíbrio dinâmico (controle do fluxo de energia e materiais nos
geossistemas econômicos); e o princípio da capacidade de suporte (MONTIBELLER-FILHO,
2004, p. 125).
Essa escola pensa o potencial do meio ambiente antes de pensar em distribuir os
custos das externalidades, de maneira que trabalha com o princípio da precaução, e com a
pretensão de recuperação do produto natural utilizado em benefício da qualidade de vida
humana.
70
A Economia Ecológica reconheceu a inter-relação entre os fatores de produção -
trabalho, capital, tecnologia e matéria-prima - para gerar bens e serviços que satisfaçam
determinadas necessidades. Os recursos naturais são essenciais para o crescimento
econômico; muitos deles são insubstituíveis por outros artificiais, além de terem a
regeneração mais lenta que a necessidade de consumo. Por isso, foi um grande erro acreditar
que o desenvolvimento ilimitado era possível se houvesse progresso técnico em velocidade
capaz de substituir artificialmente o uso de recursos naturais. O progresso gerou ainda mais
consumo desses recursos e provocou, no mínimo, uma limitação relativa quanto à
disponibilidade física do meio.
A Economia Ecológica defende que a sustentabilidade depende da compensação dos
espaços prejudicados através do pagamento de taxas ambientais, multas, direitos de
exploração, indenizações, entre outros. Essa Escola acredita na sustentabilidade do sistema
capitalista se houver preços ambientalmente corrigidos, através de multicritérios de
internalização ambiental, sem querer atingir um valor monetário correto como os economistas
ambientais neoclássicos. Também reconhece a dependência de tributos para valorar o meio
ambiente no preço do produto (obter os preços corrigíveis) e a necessidade de pressão externa,
como a dos movimentos sociais, a fim de criar mecanismos públicos no sentido de que haja
internalização dos custos ecológicos e de que as trocas não sejam desiguais
(MONTIBELLER-FILHO, 2004, p. 132).
Em síntese, a Economia Ecológica adota as seguintes diretrizes: a) a teoria do preço
corrigido - que não é necessariamente o correto - considerando a dificuldade de avaliar a
natureza com preços de mercado (a internalização dos custos ambientais depende de outros
critérios, tais como: a eqüidade social, a diversidade cultural, a democracia, o respeito ao
potencial do meio ambiente); b) a teoria das trocas desiguais no espaço ambiental, a fim de
considerar a situação ambiental em todos os locais que se relacionam economicamente e
compensar as trocas desiguais a partir da eqüidade internacional (princípio da cooperação); c)
a suscetibilidade às pressões externas, mormente da sociedade civil organizada; e d) a
necessidade de aperfeiçoar a exploração dos recursos e adequá-la à capacidade de regeneração
da natureza.
Essa escola, muitas vezes, tem sido criticada por não defender uma maior ruptura.
Cresce a posição no sentido de não existir garantia de um sistema econômico sustentável por
mudanças tecnológicas que não atinjam a estrutura da produção capitalista. Medidas como
monetarização do meio, reciclagem de materiais e energia, tributos ecológicos não resolvem
os problemas ligados às relações sociais. Além disso, é difícil afirmar que a internalização dos
71
custos ambientais é medida eficaz para reduzir degradação, seja pela dificuldade de aferir os
custos, ainda que corrigíveis, seja pela criação do direito de poluir.
1.4.4.2 O Desenvolvimento Sustentável
Se existe um “caminho do meio” alternativo diante dos dois sistemas antagônicos,
esse caminho é o paradigma científico do desenvolvimento sustentável, uma vez que ele
propõe a realização simultânea de dois valores fundamentais da sociedade humana: a
distribuição equitativa da produção material; e a solidariedade ética entre os membros de uma
geração e entre gerações diferentes.
A questão do desenvolvimento sustentável será objeto de análise nos itens abaixo.
Neste momento, pretende-se apenas fazer algumas considerações sobre qual o conceito de
sustentabilidade é necessário no desígnio de concretizar o bem-estar humano, atual e futuro.
Sustentabilidade é a permanência de um sistema no tempo. Para tanto, é
representada por um conjunto de ações teóricas e práticas no sentido de preservar o meio
ambiente. Compreende-se a sustentabilidade como a busca da “sincropia” que, grosso modo,
pode ser considerada um ecossistema em ordem, em equilíbrio dinâmico - estabilidade na
complexidade e diante das permanentes transformações das relações entre os seres vivos e o
meio.
A sustentabilidade é uma definição com viés político, depende do grau da
institucionalização da proteção ambiental e de uma ética comprometida com a “perpetuação”
da humanidade. A maioria das teorias anteriormente citadas não procede, tanto por ter uma
visão equivocada de necessidades físicas, quanto por deixar de atentar para a forma de
condução das relações produtivas, distribuição da renda e uso do conhecimento científico.
O problema da sustentabilidade “[...] reside na dificuldade de preservar e expandir as
liberdades substantivas de que as pessoas hoje desfrutam sem comprometer a capacidade das
futuras gerações de desfrutarem de liberdade semelhante ou maior” (VEIGA, 2005, p.146).
Essa visão, adotada neste trabalho, não deixa de ser antropocêntrica, ou melhor, humanista.
A sustentabilidade está ligada à capacidade de regeneração para atender à demanda
social, com base nos seguintes fenômenos, todos eles consagrados na Constituição Federal:
compreensão da potencialidade da natureza para a reprodução de recursos renováveis;
limitação do uso dos recursos não-renováveis; e respeito à capacidade de autodepuração dos
ecossistemas.
72
Neste sentido, Zander Navarro (2001, p. 89) defende que, na expressão
“Desenvolvimento Sustentável”, o termo “sustentável” diz respeito aos aspectos ambientais,
pois os aspectos sociais, políticos, e econômicos eram considerados para fins de
desenvolvimento. Também a citação abaixo expressa essa visão qualificada de
sustentabilidade:
Uma sociedade sustentável é aquela que mantém o estoque de capital
natural ou compensa, pelo desenvolvimento tecnológico, uma reduzida
depleção do capital natural, permitindo, assim, o desenvolvimento das
gerações futuras. Numa sociedade sustentável, o progresso é medido pela
qualidade de vida (saúde, longevidade, maturidade psicológica, educação,
ambiente limpo, espírito comunitário e lazer criativo), em vez do puro
consumo material (FERREIRA, 2003, p. 16, grifos nossos).
A sustentabilidade depende de uma série de fatores, como a redução do consumo
desenfreado de matéria e energia, a adoção de tecnologias com menor impacto ambiental, a
eficiência econômica, e a conquista da justiça social por meio de um sistema político
democrático. A política de desenvolvimento e a política de relações internacionais não
podem mais se esquecer da questão ecológica.
É possível optar politicamente por um crescimento econômico controlado,
estabelecido com base na sustentabilidade ambiental, que, segundo Ignacy Sachs (2004a, p. 15):
[...] é baseada no duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração
atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras. Ela nos compele a
trabalhar com escalas múltiplas de tempo e espaço, o que desarruma a caixa de
ferramentas do economicista convencional. Ela nos impele ainda a buscar soluções
triplamente vencedoras, eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de
elevadas externalidades negativas, tanto sociais quanto ambientais. Outras
estratégias, de curto prazo, levam ao crescimento ambientalmente destrutivo, mas
socialmente benéfico, ou ao crescimento ambientalmente benéfico, mas socialmente
destrutivo.
Por fim, no intuito de sintetizar as reflexões feitas nos parágrafos acima, destacam-se
as sete medidas para uma transição no sentido de uma situação mais sustentável, propostas
por Eli da Veiga (2005, p. 168-169), citando Murray Gell Mann (1996, p. 358): 1.
estabilização da produção global e regional; 2. crescimento em qualidade, avaliando o custo
ecológico; 3. tecnologia ambientalmente saudável; 4. distribuição mais equitativa da riqueza;
5. valorização da cooperação internacional e entre setores internos; 6. educação e informação;
7. respeito à diversidade biológica e cultural.
73
1.4.5 A medida da sustentabilidade
Tudo o que foi dito sobre a aferição do desenvolvimento pode ser aplicado à
sustentabilidade; ou seja, não é possível medi-la apenas utilizando índices sintéticos e
fragmentados. A análise feita sobre o IDH permite essa constatação, uma vez que países
podem ter bons índices de desenvolvimento e péssima sustentabilidade. Os Estados Unidos da
América, por exemplo, possuíam o IDH, mas eram o 45º no índice de sustentabilidade
apresentado no Fórum Econômico Mundial de 2002, enquanto o Uruguai era o 46º país em
IDH, mas o 6º em sustentabilidade.
O problema é ainda mais grave quando se discutem as questões jurídicas. Muitas
vezes, a aplicação do Direito depende de alguns parâmetros, como determinar a
responsabilidade e a indenização devida por quem causa um dano ambiental, medidas de
recuperação, ou mesmo definir o cumprimento de deveres jurídicos, como, por exemplo, a
função socioambiental da propriedade. Uma vez que é muito difícil valorar bens de caráter
extra-econômicos, o Direito não oferece segurança em temas tais como o custo da
conservação ou a restauração ambiental.
Não existem instrumentos precisos para se chegar aos preços corrigidos” da
Economia Ecológica e, em face da alta abstração na valoração das externalidades em termos
de mercado, menos ainda aos preços corretos. A definição desses valores depende muito da
consciência coletiva e de correlações de forças político-ideológicas.
Nesse caso, a racionalidade ambiental surge como paradigma alternativo de
desenvolvimento, pois reconheceu a incomensurabilidade do valor ambiental. O meio
ambiente deixa de ser visto como limite ecológico à economia para ser a representação do
potencial de uma nova racionalidade produtiva - com integração sinérgica entre a Economia
Ecológica e a política ambiental (LEFF, 2001, p. 74).
Além da definição política do valor do bem, outro problema da contabilidade dos
custos ambientais, especialmente para internalizá-los nos custos da produção ou no valor da
mercadoria, diz respeito ao conhecimento de qual evento pode ser considerado uma
externalidade negativa de uma atividade. Além do mais, dar preços às externalidades
reconhecidas acaba subordinando a proteção ambiental à lógica do mercado (oferta/procura),
como no crédito do carbono que, aliás, podebeneficiar o Brasil pelo seu imenso manto
verde.
74
A responsabilização é muito complicada, pela dificuldade em se verificar o tamanho
do dano, avaliar a melhor forma de reparar (isso quando é possível reparar), definir o
responsável, avaliar os riscos e estabelecer nexos de causalidade entre dano e atividade.
No entanto, toda a defesa do desenvolvimento sustentável será infrutífera se não
houver alguma alternativa concreta, pois as relações humanas, econômicas e jurídicas
precisam de determinados parâmetros. Ainda que os indicadores não expressem a realidade,
permitem imprescindíveis observações na aferição dos elementos da responsabilidade
36
.
O valor econômico total dos bens ambientais, além do valor uso, deveria contabilizar
o valor da existência, de opção e de uso futuro, de modo a representar aquilo que as pessoas
estão dispostas a pagar para garantir o uso efetivo do bem ambiental com qualidade, de
preservá-lo para o uso futuro delas ou das próximas gerações (MONTIBELLER-FILHO,
2004, p. 100). Não obstante, se já é difícil o cálculo de danos aos microbens ambientais, muito
mais complicado é avaliar um dano extrapatrimonial coletivo, ainda mais pelo seu valor
opção.
1.4.6 A necessidade de um desenvolvimento sustentável multidimensional
O desenvolvimento sustentável consiste num processo de conjugação simultânea e
sistemática de várias finalidades, de maneira a compatibilizar a satisfação das necessidades
sociais das gerações presentes com a manutenção do capital natural, para que as gerações
futuras existam e tenham os meios adequados de garantia de uma boa qualidade de vida. O
desenvolvimento precisa ser qualificado pela sustentabilidade, considerando a interação e a
dinamicidade de diversos aspectos num processo socioambiental
37
.
Para Ignacy Sachs (2004a, p. 15), esse desenvolvimento precisa, no mínimo, atender
às seguintes finalidades: a) a satisfação das necessidades básicas; b) a solidariedade em
relação às gerações futuras (eqüidade intergeracional); c) a participação da população afetada;
d) a conservação dos recursos ambientais; e) a elaboração de um sistema social capaz de
garantir emprego, educação, saúde, segurança social e respeito às diversidades culturais; f) e
36
No caso do solo agrícola, por exemplo, pode-se avaliar o uso adequado de agrotóxicos, queimadas ou
desflorestamento e, com isso, saber quais são as medidas capazes de evitar ou reparar a degradação desse bem.
37
Alguns autores consideram a existência de redundância na expressão “desenvolvimento sustentável”, pois a
sustentabilidade estaria implícita no conceito de desenvolvimento. Contudo, o termo “sustentável” possui uma
importância funcional na referida expressão, porquanto passa a idéia de integralidade das múltiplas
perspectivas do desenvolvimento e de vínculo com o futuro, independente da melhora proporcionada para as
gerações atuais. O desenvolvimento se refere à melhora econômica, social e ambiental para a geração presente,
mas não garante a sustentabilidade; esta pode resultar na restrição do gozo e do bem-estar atual em benefício
da vida futura.
75
instituições jurídicas adequadas, a fim de direcionar a produção e aplicação do conhecimento
e dos comportamentos humanos.
O desenvolvimento qualificado, segundo Ignacy Sachs (2004a, p. 15; 2000, p. 71),
se quiser atender às finalidades supracitadas, deve fazer algumas escolhas políticas e teóricas
no sentido de realizar, de maneira integrada e dinâmica, pelo menos seis pilares da
sustentabilidade:
1º) A sustentabilidade ambiental: abrange um conjunto de medidas (legais, técnicas
e políticas) direcionadas ao manejo sustentável e à preservação dos recursos naturais, no
intuito de manter o potencial produtivo do meio e a reprodução da espécie;
2º) A sustentabilidade social: esse aspecto é realizado quando se promove uma
sociedade mais igualitária no tocante à distribuição de bens e à qualidade de vida, pois não
desenvolvimento sem redução das desigualdades. Os cidadãos precisarão ter um patamar
razoável de acesso aos recursos naturais e a determinados bens materiais;
3º) A sustentabilidade espacial: aspecto pertinente à organização da sociedade,
como a distribuição territorial planejada dos recursos, atividades e populações em certo
ecossistema;
4º) A sustentabilidade econômica: o desenvolvimento também depende da
eficiência no aproveitamento dos recursos e da viabilidade econômica da produção de bens
comercializáveis;
5º) A sustentabilidade política: por meio das decisões políticas, torna-se possível
compatibilizar o aproveitamento socioeconômico com o manejo sustentável dos recursos
naturais, de modo a orientar a atuação estatal para a segurança alimentar, a capacidade de
modernização das unidades produtivas e a existência de pesquisa e de assistência técnica;
6º) A sustentabilidade cultural: impõe o respeito à diversidade cultural, valor
indispensável para o desenvolvimento. Esse aspecto precisa ser sopesado dentro de uma
razoabilidade. Não é aceitável manter, por exemplo, técnicas de cultivo tradicionais que
aumentem os danos ao meio ambiente em virtude do direito à diversidade e à livre iniciativa.
Como existem diversos aspectos que interferem na sustentabilidade de um sistema,
e como eles devem ser compreendidos de forma integrada, formando um sistema, deduz-se
que o desenvolvimento sustentável depende de uma interação multidimensional. Na verdade,
Sachs conseguiu agrupar esse desenvolvimento em três dimensões, de forma que ele foi
definido como a compatibilização da viabilidade econômica com a ambiental e a social.
Com base na tridimensionalidade do desenvolvimento sustentável proposto por
Sachs, e também adiantando a conclusão de que houve a consagração dessa modelo na
76
Constituição Federal, especialmente nos artigos 170, 186 e 225, pode-se traçar o seguinte
quadro sobre o desenvolvimento sustentável em relação às outras escolas analisadas
anteriormente:
TABELA 1 – As externalidades das diversas concepções de desenvolvimento sustentável
Impactos sociais Impactos econômicos Impactos ambientais
imediato mediato imediato mediato imediato mediato
Desenvolvimento
Insustentável
+ - + - - -
Fundamentalistas
de mercado
- - + - - -
Fundamenta
listas
ecológicos
- - - - + -
Fundamentalistas
sociais
+ - - - - -
Ecologia de
mercado
- - + - + +
Desenvolvimento
sustentável
+ + + + + +
Cabe destacar que, mesmo o sinal sendo positivo, o sucesso sempre é apenas uma
possibilidade; contudo, os sinais negativos são bem prováveis de ocorrer. Esse fato se deve à
necessidade de entender às diversas dimensões de forma dinamicamente integrada. Também é
preciso destacar que o quadro considera como impacto social o emprego e a diminuição da
pobreza; como impacto ambiental a manutenção da potencialidade dos recursos naturais; e
como econômico, o aumento do PIB e da renda “per capita”.
O quadro mostra bem as conclusões defendidas até aqui, ou seja, que a única
possibilidade de um resultado positivo para as gerações presentes (imediato) ou futuras
(mediato) é a integração entre os três elementos. Isso será mais bem analisado a seguir.
1.4.7 A consagração internacional do desenvolvimento sustentável
Na década de 60 do culo passado, houve aceleração da preocupação ambiental em
âmbito mundial, especialmente na Europa. Nessa época, começam a surgir acordos e
declarações internacionais para fins de proteção ambiental. Ganhou destaque o tema da
77
racionalização do uso dos recursos naturais e a ponderação quanto às necessidades
socioeconômicas em face dos limites do meio.
O desenvolvimento sustentável foi mencionado pela primeira vez na Conferência
das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972. O
documento mais importante dessa Conferência Internacional da Organização das Nações
Unidas foi a Declaração de Estocolmo, a qual consagrou essa nova forma de
desenvolvimento, notadamente nos princípios primeiro (defendendo que o direito ao bem-
estar deve incluir a proteção ambiental), quinto (que destaca a necessidade do uso sustentável
para não esgotar os recursos) e oitavo (o qual relaciona o meio ambiente ao desenvolvimento
socioeconômico).
Nessa convenção, o Brasil liderou um movimento de pses de terceiro mundo
para que o crescimento econômico não fosse limitado em nome da conservão ambiental,
como queria o Clube de Roma. Tal grupo alegava soberania nacional e alertava que o
poderia ser lesado pela industrializão já consolidada nos países desenvolvidos
(FERREIRA, 2003, p. 81).
Essa posição dos países subdesenvolvidos estava relacionada a uma concepção de
desenvolvimento como crescimento econômico, a qual predominou na política do governo
militar brasileiro, até para atrair as indústrias que estavam enfrentando problemas com o
crescimento da consciência ambiental na Europa. Porém, essa forma de desenvolvimento
econômico não promoveu a almejada justiça social.
Pouco depois, na década de 70, pós-Estocolmo, teve início a institucionalização da
luta pela preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável. O estudo do contexto
mundial da disponibilidade sica e a formulação de um conceito bem claro e genérico de
desenvolvimento sustentável proposto no relarioNosso Futuro Comum”, apresentado em
1987 pela Comiso Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU
(Comissão Brundtland
38
) tiveram papel fundamental para que o tema ganhasse conteúdo
capaz de estar inserido nos ordenamentos jurídicos internos e internacionais. Nesse
documento, o desenvolvimento sustentável foi definido como aquele “que responde às
necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de
satisfazer suas próprias necessidades” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO
AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 9).
38
Em homenagem à presidenta da comissão, a norueguesa Gro Harlem Brundtland.
78
De plano, duas críticas podem ser feitas ao Relatório Brundtland. Primeiro, por usar
o termo “necessidades”, quando as pessoas possuem valores e objetivos além do sentido
tradicional das necessidades, que, aliás, não são facilmente generalizáveis. Depois, em virtude
de não oferecer um conceito com conteúdo material, mas, sim, uma concepção tão genérica,
que não diz nada, embora se deva reconhecer a dificuldade em conseguir algo nesse sentido.
O desenvolvimento sustentável começa a ser visto como paradigma do
ambientalismo contemporâneo a partir da 2
a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992
(ECO-92). Esse evento foi motivado e orientado pelo Relatório Nosso Futuro Comum.
Também houve reuniões prévias para tornar a convenção mais frutífera, bem como a criação,
pela ONU, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Nessa segunda Conferência, foram produzidos quatro documentos: a Agenda 21, a
Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Convenção Sobre Mudanças
Climáticas e a Declaração de Princípios Sobre as Florestas e da Convenção Sobre a
Biodiversidade. Os dois primeiros documentos merecem destaque especial, por associarem os
problemas ecológicos ao tema do desenvolvimento socioeconômico.
A Agenda 21 tem sido relevante por enunciar princípios programáticos sobre
desenvolvimento sustentável, integrando a produtividade, a conservação do potencial
produtivo, o combate à pobreza e a segurança alimentar. Trata-se de um plano de ações,
objetivos, atividades e meios para alcançar o desenvolvimento sustentável. Nessa agenda, de
forma integrada e sistêmica, foram estabelecidas dimensões econômicas, sociais e políticas da
proteção ambiental. Entretanto, ela foi muito criticada por ser apenas uma carta de intenções e
não dispor de recursos para implementar os programas. Apesar de orientar as partes no âmbito
dos compromissos políticos e a produção do ordenamento interno, não possui caráter
vinculativo.
Não obstante, a Agenda 21 possui disposições interessantes, como o reconhecimento
de que a economia de países subdesenvolvidos, normalmente agrícola, é muito prejudicada
pelo protecionismo e subsídios das economias avançadas (SOARES, 2004, p. 145). Essa
agenda também traz um programa geral sobre desenvolvimento sustentável, inclusive para o
meio rural, a ser especificado em convenções, tratados e no ordenamento interno de cada país.
Ela ainda tem caráter denunciativo, dá prazos para solução de problemas e prevê
responsabilidades.
Outro documento importante foi a Declaração Sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, pois apregoava o desenvolvimento sustentável e algum conteúdo
79
axiológico em diversos princípios, entre eles: o primeiro (propõe um desenvolvimento voltado
ao bem-estar humano), o terceiro (consagra a eqüidade intergeracional), o quarto (estabelece
uma visão sistemática do desenvolvimento), o oitavo (prescreve a produção e o consumo
sustentáveis) e o nono (defende o investimento em pesquisa). Todos esses princípios, que
formam o sistema de desenvolvimento sustentável, estão consagrados na atual Constituição
Federal.
Nessa segunda Conferência, os Estados também não quiseram adotar nenhum
compromisso vinculante. O Norte ainda resistiu em diminuir seu padrão de compromisso,
enquanto o Sul exigiu compensação pelos danos causados pelo Norte e não admitiu abandonar
a busca pelo desenvolvimento.
A cúpula de Roma, realizada em 1996, foi outro momento importante na discussão
do desenvolvimento sustentável. O seu principal documento - a Declaração Sobre Segurança
Alimentar - reconheceu os dois principais aspectos da questão: 1º) a necessidade de aumentar
a produção e manter o potencial produtivo do meio ambiente; e 2º) a necessidade de
promoção de inclusão social, com geração e distribuição renda, emprego, acesso à terra,
crédito e tecnologia.
A Conferência sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em
Johanesburgo, em 2002, também chamada de “Rio + 10”, não avançou muito em termos de
conteúdo do desenvolvimento sustentável e vinculação jurídica das partes. Embora tenha dado
continuidade à discussão a respeito da questão ambiental e dos problemas socioeconômicos,
com abordagem de temas polêmicos e importantes, como a desertificação, a fome e a
segurança alimentar, não houve maiores compromissos jurídicos devido aos interesses
setoriais, especialmente das economias avançadas e seus grandes financiadores da iniciativa
privada.
Sem dúvida, as Conferências “sociais” e ambientais de órgãos da ONU demonstram
que o desenvolvimento vai além do crescimento econômico; ele exige cooperação entre
Estados e tratamento diferenciado para os países mais pobres. Mas a efetivação desses valores
não é tão fácil; depende da superação de interesses internos, compromissos éticos com o
futuro e, principalmente, do estabelecimento de vínculos jurídicos com conteúdo concreto.
1.4.8 Conceito tridimensional de desenvolvimento sustentável
O desenvolvimento sustentável surge como um conjunto de novas estratégias ou
práticas políticas de valoração e afastamento dos riscos. Não abandona o aumento da
80
produtividade, mas engloba o gerenciamento dos riscos, o manejo adequado dos recursos, a
eqüidade na distribuição de renda e o aumento das externalidades positivas da atividade
econômica, como o aumento da renda individual e a geração de emprego. maior interação
entre questão social, econômica e ambiental, com reavaliação de algumas posições
extremadas.
A questão ecológica é uma questão social, e a questão social pode ser
adequadamente trabalhada hoje quando toma conjuntamente a questão econômica e
ecológica. É neste sentido que se reclama um redimensionamento da prática
econômica, inserindo-a dentro de uma política mais abrangente, uma política social.
Da economia que privilegia a concorrência para a produção de valor, onde a
permanente pressão de modernização e conseqüente eficiência tecnológica requerem
não só melhor como maior apropriação da natureza e energia, exige-se uma adequação
a finalidades mais abrangentes abraçadas pelas expressões “qualidade de vida” e
“bem-estar” (DERANI, 2001, p. 22, destaque do autor).
Na primeira fase dessa idéia de conjugar desenvolvimento e sustentabilidade,
destacou-se o termo “ecodesenvolvimento”. Foi uma primeira reação ao economicismo e uma
demonstração dos equívocos da centralização das atenções no crescimento do PIB.
O ecodesenvolvimento possui como questão ética fundamental o desenvolvimento
voltado às necessidades sociais que dizem respeito à imediata melhoria da qualidade de vida
da população e, ao mesmo tempo, preocupa-se com a proteção do meio ambiente.
Montibeller-Filho (2004, p. 50), ao examinar com detalhes a proposta da Comissão
Brundtland, explica que o uso da expressão “desenvolvimento sustentável” avança em relação
ao ecodesenvolvimento, pela ênfase na política social e na responsabilização intergeracional:
[...] é desenvolvimento porque não se reduz a um simples crescimento quantitativo;
pelo contrário, faz intervir a qualidade das relações humanas com o ambiente natural, e
a necessidade de conciliar a evolução dos valores socioculturais com a rejeição de todo
o processo que leva à deculturação. É sustentável porque deve responder à eqüidade
intrageracional e à intergeracional.
A expressão “desenvolvimento sustentável” ganhou mais destaque do que o
vocábulo “ecodesenvolvimento”. Entretanto, de maneira nenhuma, esse fato significou a
depreciação da proteção ambiental. Muito pelo contrário. Percebeu-se que a efetiva proteção
ambiental só ocorre com o desenvolvimento sustentável em sentido tridimensional.
Ponderando a tridimensionalidade do conceito, Peter May (1999, p. 267) traz uma
definição analítica para o estudo proposto. Para o autor, o desenvolvimento sustentável é:
[...] um processo através do qual uma determinada sociedade caminha com o
propósito de garantir um nível de bem-estar e padrão de eqüidade distributiva no
mínimo constante para todos os seus cidadãos, tanto aqueles das gerações atuais,
quanto aqueles que ainda nascerão, garantindo, ao mesmo tempo, que o estoque e as
funções do capital natural sejam mantidos intactos. A sustentabilidade, assim, é
alcançada somente quando satisfaz, simultaneamente e de forma equilibrada, as
81
demandas do tripé: eficiência, eqüidade e qualidade ambiental. Para não se constituir
numa formalidade restrita unicamente ao discurso, o conceito de sustentabilidade
implica num processo constante de negociação entre os atores sociais, cujos valores
e pretensões entram em choque.
O desenvolvimento sustentável significa um desenvolvimento com limites, pois é
impossível baseá-lo em reducionismo econômico ou ecológico, o que geraria instabilidade e
insustentabilidade, à medida que são excluídos outros fatores essenciais.
Neste sentido, para Enrique Leff (1999, p. 78), desenvolvimento sustentável é o
manejo adequado dos recursos naturais, tecnológicos e culturais da sociedade, com
interdependência entre o processo produtivo, as relações econômicas e as condições de
regeneração dos recursos naturais. Segundo ele, faz-se necessário buscar a organização do
processo econômico a partir do desenvolvimento das forças ecológicas, tecnológicas e sociais
de produção, que sejam capazes de afastar “[...] a lógica de economias concentradoras, de
poderes centralizados e da maximização de lucros de curto prazo, abrindo a via para um
desenvolvimento igualitário, sustentável e sustentado.” (LEFF, 1999, p. 88).
A realização do desenvolvimento sustentável em sentido tridimensional vai ser
marcada por dois pilares: a composição material e a coordenação axiológica. Pelo primeiro,
busca-se o aproveitamento adequado dos recursos ambientais para produzir alimentos, energia
e renda, levando em consideração as possibilidades reais de uma determinada sociedade, a
partir da disponibilidade física, das necessidades criadas e do conhecimento tecnológico. Pelo
segundo, exigem-se condutas solidárias e éticas
39
, promovendo a justa distribuição da renda
(DERANI, 2001, p. 131).
O desenvolvimento sustentável, especialmente nos países mais pobres, não pode ser
pensado para garantir a preservação dos recursos naturais nem a fim de manter a situação
social atual. Não é aceitável, em nome do equilíbrio ecológico, garantir privilégios para uma
minoria e para os descendentes dessa minoria.
Nesse debate, três pontos são dignos de nota: 1. a visão antropocêntrica de
solidariedade intergeracional; 2. a dificuldade de efetivar um novo modelo de
desenvolvimento no sistema produtivo hegemônico; e 3. a impossibilidade de o Direito dar ao
tema um conteúdo específico.
1. A questão da visão antropocêntrica de eqüidade intergeracional: a
sustentabilidade também para as gerações futuras exige a concretização imediata do princípio
39
Concebe-se a ética como um conjunto de valores que devem ser respeitados, caso se pretenda a viabilidade de
um contrato social. Para tanto, exige-se a alteridade, a fim de garantir a efetivação dos dispositivos
constitucionais e determinam-se condutas nos limites do socialmente possível. Nem mesmo os direitos
individuais podem ser exercidos em prejuízo do bem comum.
82
da precaução. Com isso, quando uma atividade criar o risco de provocar relevante dano
ambiental, deverá ser impedida, ainda que o risco seja abstrato e não existam indícios da
potencialidade do perigo.
Geração futura pode ser traduzida como o respeito à vida em potencial, decorrente
do interesse da geração atual em ter uma outra geração, e ver seus descendentes com acesso
aos bens da vida. Para tanto, procura-se conservar o máximo de opções, o maior potencial
produtivo e os acessos essenciais dentro da mesma geração.
O antropocentrismo alargado ganhou um espaço estimável, sendo a nova tendência
mundial. Essa visão caracteriza-se pela funcionalidade da exploração dos recursos naturais, no
sentido de compatibilizar o crescimento econômico, com a justiça social e o manejo
ambiental. Para Morato Leite (2002, p. 56), é o sistema adotado pela Constituição Federal.
2. A crise do sistema capitalista: consoante entendimento de Montibeller-Filho
(2004, p. 291), esse sistema é insustentável em longo prazo, apesar dos efeitos imediatos
positivos em relação à produtividade, porquanto é incapaz de promover o desenvolvimento
sustentável em suas dimensões básicas de eqüidade intergeracional:
O desenvolvimento sustentável revela-se um mito, compreendendo dupla
dimensionalidade: o caráter universal, ao contemplar reflexão, pela maioria dos
povos - do mundo capitalista ou não -, de uma condição de eqüidade socioeconômica
e ambiental desejada, dando elementos para a construção de projeto civilizatório em
diferentes culturas e norteador de práticas sociais (conflituosas); e o caráter
particular, sendo no sistema atualmente dominante, e nas condições analisadas de
tendência secular e escala global, todavia, uma idéia sem correspondência direta,
sendo aconflitante, com a realidade. Este aspecto contribui na compreensão da
sociedade capitalista e seus limites em concretizar ideais socialmente construídos
(MONTIBELLER-FILHO, 2004, p. 292, grifos do autor).
Apesar do reconhecimento dos limites do sistema capitalista no tocante às questões
de proteção ambiental, justiça social e cooperação internacional, seria muita pretensão
assumir qualquer posição quanto à imprescindibilidade de superação do capitalismo para se
buscar o desenvolvimento sustentável. Mas é certo que somente um sistema mais justo do
ponto de vista socioeconômico e dos acessos aos bens ambientais pode efetivar o modelo de
desenvolvimento proposto. Além disso, mesmo o se conseguindo definir os anseios básicos
de uma coletividade, é possível consolidar garantias mínimas para a existência digna de
cada homem.
3. A dificuldade de o Direito definir um conteúdo jurídico concernente ao
desenvolvimento qualitativo: Montibeller-Filho (2004, p. 19), Marcelo Varella (2004, p. 5),
entre outros estudiosos do tema, entendem que o desenvolvimento sustentável é um conceito
polissêmico e complexo e, assim, permite apropriações ideologizadas por distintos segmentos
83
sociais de interesses. O verdadeiro significado da expressão depende da lógica jurídica e da
hegemonia política, de maneira que fica suscetível aos resultados dos embates ideológicos e
econômicos para a apropriação dos conhecimentos científicos e culturais sobre a natureza.
Não obstante, esses embates e a negociação entre os diversos atores sociais são
necessários para a construção do modelo de desenvolvimento considerado sustentável.
Ademais, mesmo sendo importante dar um conteúdo concreto, a generalidade é necessária
para possibilitar conflitos e correlação de forças, o que é próprio do processo democrático.
O Direito é útil e decisivo para que sejam escolhidas e exigidas as posturas mais
adequadas entre as possíveis. Como a idéia de desenvolvimento sustentável é muito genérica,
a sua realização depende da efetividade do próprio Direito, seja no aspecto das políticas
públicas, seja na realização adequada das atividades econômicas. Ocorre que, na produção e
aplicação do Direito, as posições também não são uniformes, e nem devem ser, apesar de
haver consenso quanto à relevância da consagração formal de alguns direitos ditos
fundamentais.
Justiça social, conservação ambiental e democracia política não encontram
resistência enquanto programas normativos. Mas quando se discutem os meios e o tipo de
justiça, surgem controvérsias. Nota-se que reconhecimento do desenvolvimento
sustentável, mas sua efetivação existe enquanto não prejudicar a economia nacional. As
tecnologias ambientalmente adequadas são tranqüilamente aceitas se não comprometerem a
competitividade. As restrições ao crescimento econômico, o auxílio aos países pobres, ou a
redução de subsídios são rejeitados quando isso representa desemprego ou crise econômica
em determinado país. Respeita-se a biodiversidade enquanto ela não prejudicar o progresso
biotecnológico e o direito de “royalties”.
A finalidade do Direito é a melhoria da vida em sociedade, objetivo que somente
pode ser conseguido se o sistema jurídico estiver voltado ao desenvolvimento sustentável do
sistema social; para tanto, é indispensável reduzir as externalidades negativas e distribuir as
positivas.
1.5 O desenvolvimento sustentável como um novo paradigma científico
Um paradigma pode ser entendido como “realizações científicas universalmente
reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma
comunidade de praticantes de uma ciência (KUHN, 1989, p. 13)”. Thomas Kuhn propõe dois
sentidos para a concepção de paradigma: a) como conjunto de valores e métodos, fundados
84
num sistema organizado e mediante o qual a sociedade define o conjunto de suas relações; b)
os exemplos de referência, as soluções concretas de problemas tidos como modelares, e que
substituem as regras explícitas na solução dos demais problemas da ciência normal.
Para o presente estudo, o paradigma consiste num conjunto de conhecimentos e
princípios que funcionam como o ponto de partida de uma pesquisa científica, sem que haja a
necessidade de “provar” ou refutar o referencial teórico utilizado, o qual é aceito por um
grupo de cientistas. Em síntese, paradigma pode ser visto como um modelo um pouco mais
rígido, um padrão, para apreciar (julgar), explicar ou agir diante de uma realidade (BOFF,
2000, p. 27).
Diante da diversidade de posições e experiências, é difícil a defesa de que é preciso
ou possível um novo paradigma no sentido proposto acima. Mas não resta dúvida de que, às
vezes, torna-se mister superar um paradigma, pois toda a base de uma pesquisa pode estar
afetada, por deixar de considerar fenômenos ou questionar as contradições do sistema
predominante.
Ao longo do processo histórico, houve situações de mudança na hegemonia de um
paradigma. O aristotélico lógico-formal, talvez o primeiro paradigma, que considerava o
universo como uma unidade orgânico-espiritual, foi superado pelo paradigma cartesiano, o
qual teve por base o positivismo e a crença na ciência moderna neutra. Hoje, como também
não se consegue oferecer respostas consistentes, há iminência da ascensão de um novo
paradigma.
A ciência moderna marginalizou a retórica (argumentação) para enfatizar a
comprovação empírica (método da experimentação). Porém, a crença acrítica nos postulados
dessa ciência se transformou em um mito sustentado também por um discurso retórico.
O caráter retórico da ciência moderna fica claro quando se reconhece que o cientista
“moderno”, mais do que convencer a universalidade da população, deve persuadir um grupo
de cientistas (a comunidade científica). Evidentemente, para tanto, busca argumentos e
métodos aceitos por esse auditório particular - ainda que seja preciso ceder em algumas
convicções e o pesquisador se deixe influenciar pelo auditório (SANTOS, 2000, p. 103)
40
.
Segundo Max Weber (2005, p. 52), a ciência é importante porque disponibiliza certo
número de conhecimentos que permitem ao homem dominar tecnicamente a vida através da
previsão. A ciência oferece instrumentos para se avançar nos métodos de pensamento, a fim
de solucionar determinados problemas, e, ainda, para possibilitar o controle de resultados
40
Retórica como uma forma de conhecimento que avança de uma premissa (verdade aceita - “topoi”) para
conclusões prováveis mediante o uso de vários argumentos no sentido de convencer um auditório relevante.
85
(causa e conseqüências). É questionável se o homem tem utilizado esses instrumentos para os
fins éticos, isto é, no intuito de promover segurança em benefício do bem-estar coletivo.
A crise de paradigma também é uma crise de retórica, a crise em relação à retórica
da ciência moderna neutra e suficiente para cumprir as promessas da modernidade (SANTOS,
2000, p. 98-99). O paradigma moderno conseguiu provar seus argumentos quanto à sua
capacidade para promover a eficiência econômica por meio da tecnologia, mas ainda deve
mostrar a possibilidade de realizar as promessas de qualidade ambiental e emancipação
humana.
A modernidade também produziu coisas boas. Não se pode ser radical ao ponto de
negar os ganhos com o conhecimento tecnológico, como as descobertas na área da medicina.
Entretanto, é preciso repensar um novo modo de dividir os ganhos e socializar esse
conhecimento (BOFF, 2000, p. 26). A crise ambiental exigiu uma reconstrução da
racionalidade que sustentava os velhos paradigmas: do domínio absoluto e ilimitado do
homem sobre a natureza, e do crescimento econômico como solução para a pobreza. A
racionalidade econômica não mais consegue resolver e explicar a realidade, pois não é capaz
de convencer os auditórios. A sustentabilidade dos princípios do paradigma moderno é
questionável, se não impossível.
Fala-se em um novo paradigma científico advindo da existência de um risco recente,
o de não se ter o que transmitir para as futuras gerações em virtude de uma crise ambiental
associada às relações interespecíficas da sociedade humana. Não é tarefa fácil criar um novo
paradigma; exige-se a superação de muitos mitos e preconceitos, e uma racionalidade
comprometida com a ética e atenta aos novos valores e ao diagnóstico da realidade.
O desenvolvimento sustentável está para um novo paradigma científico-normativo
da sociedade como a ordem e o progresso estavam para o positivismo: uma utopia
41
no
sentido de superar o industrialismo e orientar uma racionalidade ambiental a ser adotada pelo
Direito e pela Política, para fins de planejamento das ações e reavaliação dos valores e
instrumentos de ação.
Para Boaventura Santos (2000, p. 167), não se chegou ao fim da história, como
propôs Francis Fukuyama. Nem o capitalismo neoliberal e nem a democracia social liberal
triunfaram. Ainda que não se visualizem alternativas ao capitalismo, evidências dessa
emergência de novos paradigmas científicos. Mas é difícil defender um novo paradigma
41
Utopia como “a visão de futuro sobre a qual uma civilização cria seus projetos, fundamentando seus objetivos
ideais e suas esperanças.” (GORZ, A., 1988, p. 22 apud VEIGA, 2005, p. 193).
86
fechado (completo), pois a criação de um modelo científico é uma construção longa e de
difícil percepção.
Uma primeira conclusão pode ser de que o novo paradigma é, antes de tudo, uma
opção ética. Outra, mais pretensiosa, diria que é uma nova ideologia política - ao lado do
liberalismo e do socialismo. Com base em Enrique Leff (2001, p. 87), também é possível
afirmar que o novo paradigma é a superação da racionalidade econômica por uma ambiental e
uma ética para um desenvolvimento sustentável, com democracia e respeito às subjetividades.
Para esse controle na sociedade do risco, Ayala (2004, p. 244) reconhece a
necessidade de estruturação constitucional dos deveres fundamentais, como: o respeito ao
meio ambiente e a responsabilização jurídica compartilhada; a conquista da democracia
ambiental amplamente participativa e solidária; o acesso à informação; a precaução; e a
substituição da segurança científica pela segurança ética.
Quanto à produção científica, Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 78-79) fala que
o novo paradigma deve ser pautado num conhecimento prudente e comprometido com uma
vida decente. Não é o equilíbrio dinâmico entre a regulação e a emancipação que caracteriza
esse paradigma emergente (essa seria uma solução moderna e que não foi cumprida). O
essencial é que a emancipação se sobressaia com base na orientação científica para a
qualidade de vida. A emancipação via solidariedade será o saber, e que ocorrerá num
ambiente de caos, isto é, de dinamicidade, complexidade e ambigüidade.
O paradigma emergente reconhece que se vale da retórica para convencer um
auditório. que pressupõe um auditório também preocupado com um conhecimento
prudente para uma vida decente. A retórica é dialógica; haverá interação entre o orador e o
auditório a ser convencido (influências recíprocas), com criação de conflitos e expressão de
oposições (SANTOS, 2000, p. 105). Aqui também, como no paradigma moderno, não existe a
neutralidade científica. Não é possível desconsiderar que o pesquisador possui toda uma
trajetória social, valores que, mesmo inconscientemente, farão parte do seu discurso
científico. Diferentemente do paradigma moderno, o emergente assume sua postura de
conhecimento comprometido com uma nova concepção de mundo. Um conhecimento
prudente para uma vida decente é aquele que tenha a dignidade
42
como um critério de
relativização e limite do conhecimento científico e das atividades econômicas.
42
A dignidade humana é a expansão das liberdades substanciais que as pessoas valorizam. No mínimo, serve
para interpretar o Direito e orientar a produção legislativa. A dignidade é um valor, cujo conteúdo será
definido nas interações sociais; por isso, depende de compromissos éticos e decisões políticas.
87
1.5.1 Contribuições ao novo paradigma científico
O paradigma científico do desenvolvimento sustentável propõe uma nova forma de
dialogar com a totalidade dos seres e com suas inter-relações. Procura sopesar a realidade e
combinar possibilidades e interesses, na tentativa de construção de uma sociedade que garanta
dignidade aos seus membros e preserve as condições de reprodução da vida.
Para tanto, o paradigma precisa de uma determinada base teórica, capaz de
compreender e respeitar a interdependência entre as espécies e dessas com o meio, o que se
de maneira dinâmica e complexa. O novo paradigma científico precisa reconhecer e adotar
algumas posturas metodológicas e éticas: o respeito à totalidade e à diversidade, com
utilização de método holístico; a atuação no sentido de promover a solidariedade e práticas
integrativas, de forma a considerar a interdependência sistêmica e buscar a unidade na
diversidade; o respeito à complexidade enquanto variedade de relações e alternativas; e a
promoção do bem comum.
Por mais que se defenda um pensamento sistêmico e holístico, não é esse o objeto
de uma pesquisa jurídica. Não obstante, não há como se furtar de algumas reflexões sobre o
tema.
1.5.1.1 Pensamento sistêmico e o enfoque holístico
O novo paradigma também utiliza o método sistêmico, pois reconhece a necessidade
de sopesar todas as causas e conseqüências que determinam a realidade do sistema social
humano. Segundo Capra (1996, p. 40), as propriedades essenciais de um organismo ou
sistema pertencem ao todo, e não podem ser verificadas individualmente, haja vista que essas
propriedades surgem das interações interpartes. O todo não é a mera soma das partes; há uma
complexidade organizada com muitos elementos, diferentes veis e subsistemas, na qual se
verificam algumas propriedades só compreensíveis naquele contexto (do todo).
Assim como na teoria dos sub-átomos da Física Quântica, percebeu-se que, quando
se chega a umvel de fragmentação, não é possível entendê-lo isoladamente, mas apenas em
suas inter-relações somente avaliando o todo se pode explicar as propriedades e
comportamentos das suas partes. Essa constatação é a base do pensamento sistêmico e pode
contribuir para tornar as ciências sociais aptas a compreenderem e modificarem a realidade. O
Direito também tem propriedades sistêmicas não reconhecíveis na análise isolada de algumas
espécies normativas.
88
O pensamento sistêmico tem as seguintes características: 1º) mudança do enfoque
nas partes para o todo (Holismo). As propriedades do todo não podem ser reduzidas às partes,
ou seja, perdem-se as propriedades da interação quando os elementos são considerados de
forma isolada; ) existência de diferentes níveis de sistemas, cada qual com uma
complexidade e algumas propriedades próprias; 3º) o pensamento é contextual, analisa a
interação dos elementos em determinado espaço e tempo; 4º) mudança da análise dos objetos
para análise das relações; 5º) substituição do pensamento objetivo, estruturado em
fundamentos, pelo pensamento em “rede”, capaz de considerar o processo de conhecimento e
o observador humano (pensamento epistêmico); 6º) o conhecimento não garante a certeza,
haja vista a impossibilidade de conhecer o todo, mas pode aproximar-se dela; 7º) o sistema é
aberto, recebe elementos externos, como luz solar, oxigênio, água e nutrientes e também
influências das relações sociais.
Há mudança do paradigma mecanicista (proposto por Descartes e Newton) para uma
visão sistêmica e holística - com mudança de valores, práticas, percepções compartilhadas por
uma comunidade na definição de sua organização. O pensamento sistêmico, que Capra (1996,
p. 25) usa como sinônimo de pensamento ecológico, tem uma concepção holística do
conhecimento, o que permite conceber o fenômeno humano na Terra, considerando a
totalidade orgânica e dinamicamente interligada à diversidade de seres no meio ambiente.
É claro que analisar as partes é fundamental para entender essa inter-relação com o
todo, como ao conhecer a estrutura da planta que vai entrar no agroecossistema ou da lei a ser
usada na solução de um conflito. Ao se pensar em apenas um aspecto do desenvolvimento
sustentável ou da função social da propriedade, sem pensar a interação do conjunto de
elementos jurídicos, provavelmente nenhum será sustentado, e o caso concreto não terá a
melhor solução.
Somente haverá desenvolvimento rural sustentável se toda a sociedade também for
sustentável. Evidentemente, sem desvalorizar o conhecimento local, é importante o
planejamento central e generalizante, a fim de considerar as conseqüências sistêmicas e
definir valores e princípios programáticos.
A produção acadêmica moderna é extremamente fragmentada. Precisa de um
pensamento sistêmico, pois ele reconhece a interconexão de causas e conseqüências. Esse
pensamento trabalha com o holismo, por ser um método que permite reconhecer a
complexidade e suas interações, e que não promove a fragmentação do saber.
Enrique Leff (1999, p. 109) entende que, na crise ambiental, exigência de um
conhecimento capaz de captar todas as múltiplas causas e interdependência dos processos de
89
ordem natural e social que determinam mudanças socioambientais, a fim de construir uma
racionalidade socioambiental voltada ao desenvolvimento sustentável. No entanto, o autor é
contrário às idéias totalizadoras e uniformizantes das teorias dos sistemas. O mais importante,
segundo ele, é dar atenção especial à interdisciplinaridade e à transdisciplinaridade, mas com
o cuidado de considerar as metodologias e as teorias específicas de cada ciência.
São equivocadas as pretensões de unificar os métodos e conceitos de diferentes
áreas do conhecimento. Uma metodologia interdisciplinar significa construir, em conjunto,
uma teoria científica, confrontando os dados e os métodos. Uma ciência não pode absorver a
outra, mas contribuir para que a outra internalize em sua teoria ou metodologia o
conhecimento acerca de objetos comuns, apesar de estudados em distintas perspectivas.
Além disso, o novo conhecimento deve dar atenção ao procedimento
transdisciplinar. Esse consiste no intercâmbio de instrumentos, conceitos e teorias entre
diferentes ciências. A transdisciplinaridade também não pode significar generalização de
conceitos ou unificação dos métodos, mas uma atuação holística, a fim de fornecer um
conteúdo real aos novos paradigmas.
O Direito, por exemplo, pode importar conceitos que permitam fazer uma releitura
de seus institutos, ou mesmo buscar, nas outras ciências, instrumentos para efetivar os valores
consagrados, como prescrever técnicas adequadas de produção ou ações específicas para
gestão ambiental das atividades econômicas com o objetivo de promover a sustentabilidade.
1.5.1.2 O comportamento jurídico do paradigma do desenvolvimento sustentável
Todas as contribuições conseguidas até aqui permitirão explorar, nos capítulos
seguintes, a idéia de bi-tridimensionalismo do desenvolvimento sustentável, ou
tridimensionalismo ao quadrado. Existe a tridimensão dos aspectos, pois o desenvolvimento
sustentável é a interação de questões econômicas, sociais e ambientais. Ainda, será
considerada a ocorrência de tridimensão nos elementos que formam o contexto jurídico:
valores atuais da sociedade; os fatos (realidade ou práxis) e possibilidades de mudanças; e as
normas.
A intenção é procurar um sistema produtivo alternativo segundo a disponibilidade
de um espaço delimitado, que seja capaz de interar fatores ecológicos, culturais e econômicos
com respeito à diversidade dos agrupamentos humanos e à complexidade de suas relações. Ao
mesmo tempo, regulado por um Direito que supere o formalismo jurídico e que consiga
sopesar aspectos ticos, normativos e axiológicos. Por isso, abaixo são discutidas algumas
90
características de um Direito voltado ao desenvolvimento sustentável do ponto de vista
material.
1º) A imprescindibilidade de um Direito biocêntrico: diante da crise ambiental,
ocorreu aumento da necessidade de participação do Estado na condução das atividades
humanas, sobretudo com maior regulação jurídica. Foi preciso um processo de politização e
juridicização do problema ecológico, a fim de que o meio ambiente entrasse na pauta de
políticas públicas e fosse reconhecido como um direito fundamental. Houve o processo de
“ecologização” do Direito, da Política, da Economia, e de todas as ciências sociais.
Esse processo de “ecologização”, para parte dos juristas, significou mudar o foco do
Direito do homem para a natureza. Remi Soares (2004, p. 195), por exemplo, coloca no
mesmo patamar os direitos do homem e os da natureza. O novo paradigma deixaria de ser
centrado no homem e passaria a ser biocêntrico - centrado em todas as formas de vida,
independente da utilidade para a humanidade.
Teresa Giménez (2002, p. 81) chega a afirmar que, ao se proteger o meio ambiente
como essencial para a qualidade de vida humana, deixou-se de considerar que a visão
ecocêntrica é necessária para a devida proteção, negando o valor da natureza em si. A visão
da autora revela-se um tanto exagerada. Afinal, uma visão antropocêntrica também pode
reconhecer a dinâmica natural, como faz a atual Constituição Federal no seu artigo 225, que,
ao falar em meio ambiente com qualidade para a pessoa, consagra um antropocentrismo
moderado sem, no entanto, deixar de reconhecer a importância da proteção da natureza, ainda
que a ela não seja atribuída personalidade jurídica.
Falar que a Ecologia deva ser biocêntrica é natural, mas a Ciência Econômica e a do
Direito, ainda que devam proteger a natureza, são atividades do mundo da cultura, produzidas
pelo e para o homem. O novo paradigma não precisa ser biocêntrico como tanto se defende,
pois a ciência ainda não foi sequer humanista e antropocêntrica, mas economicocêntrica.
Para o Direito, a natureza só faz sentido se considerada junto com a sociedade e
com o homem em suas interações sociais. O Direito é produzido segundo os interesses
humanos e com o objetivo de proteger o homem (REALE, 1999, p. 111). Não se pode
esquecer que o homem depende da natureza, de forma que a proteção ambiental precisa estar
no conteúdo jurídico do desenvolvimento sustentável.
É necessário certo antropocentrismo no Direito, pois a dignidade humana norteará a
discussão e as escolhas políticas a serem realizadas democraticamente. Até hoje as decisões
jurídicas foram centralizadas nos interesses de grupos econômicos hegemônicos. Faz-se
91
necessário reconhecer que o objetivo da proteção ambiental é a manutenção da capacidade de
o homem permanecer em sua condição de existência ou melhorá-la.
2º) A primazia do interesse coletivo e a democracia participativa: a dicotomia deve
ser utilizada quando dois conceitos totalmente opostos, em que os elementos de um não
são aceitos no outro, de maneira que representam dois círculos totalmente separados. Quando
os dois conceitos dicotômicos são definidos, diz-se que são fortes. Quando um conceito é
definido e o outro é apenas o que não couber no primeiro, esse conceito negativo é
considerado fraco. Público e Privado são dois conceitos definidos e dicotômicos, mas o
privado é mais fraco, pois engloba tudo o que não for público ou proibido pelo Direito estatal.
Na esfera pública, a relação ocorre entre desiguais, entre o detentor do poder e os
devedores de obediência ou subordinados. Na esfera privada, a relação é de coordenação,
como ocorre no mercado e na sociedade natural - segundo os jusnaturalistas. Mas não há
essa distinção clara, pois nem tudo na esfera privada é relação de coordenação, como ocorre
na família e na religião; de outro lado, relações sob a égide do Direito Público
Internacional em que ocorre coordenação entre estados soberanos ou organizações
internacionais.
O discurso de sociedade entre iguais é apenas formal. desigualdade na esfera
privada que até se sobrepõe em relação ao falido poder público. Inicialmente havia a primazia
do privado, com a recepção ocidental do Direito Romano, sobretudo os institutos do contrato,
da propriedade, da família e do testamento. O valor do direito de propriedade absoluto foi um
forte exemplo do primado do privado sobre o público e da primazia do econômico sobre o
político.
O desenvolvimento do Direito Público ocorreu com o advento do Estado Social.
Houve a consagração de novos valores racionais e a criação de instrumentos no sentido de
oferecer alguma reação ao Estado Liberal mínimo. A redução da autonomia individual pelo
bem comum resultou na situação de primazia do público, com o reconhecimento de que a
totalidade não é a soma de interesses individuais, mas a contribuição de cada um junto aos
demais para o bem de todos. Com isso, criou-se um Estado intervencionista, que chegou a
absorver a sociedade civil, inverso ao Estado Liberal, e no qual o político tem primazia sobre
a economia.
Atualmente, visualiza-se um novo processo, com o surgimento de novas
organizações sociais com poder de contratar, como no contrato coletivo de trabalho - que não
é um mero contrato privado -, ou mesmo no contrato entre partidos para formar uma coalizão
92
e garantir a governabilidade do eleito. O Estado aparece como um mero intermediador e, por
isso, há o receio de que o público volte a ser absorvido pelo privado (BOBBIO, 1992a, p. 26).
Na verdade, não degeneração da esfera pública, mas uma nova representação do
“contrato social”. Ocorre publicização de alguns interesses privados para proteger o interesse
coletivo, ainda que no âmbito da sociedade civil. A função social da propriedade entra nesse
rol de direitos que pode ser incrementado com a maior participação da sociedade civil
43
.
A idéia de público como coletivo e privado com individualista está sendo superada
pela interação entre ambos. A democracia e o Direito são responsáveis pela interligação entre
as duas esferas. O Estado, mediante o Direito, ainda possui a inafastável função de gestão dos
riscos e, dessa gestão, depende o bem-estar coletivo. No entanto, a sociedade adquire mais
espaço de ação, tanto nas decisões institucionais quanto através de instrumentos de
transformação no âmbito privado; conseqüentemente, ela assume mais responsabilidades.
Nesse contexto de superação da dicotomia entre esfera pública e privada, começa a
ser defendida uma democracia política radical global para atingir múltiplos espaços. Essa
nova concepção política prescreve o reconhecimento do direito material de liberdade política,
o qual supera a idéia de que política se resume à relação com a escolha de representantes no
Estado, para aumentar a participação da sociedade civil na construção dos valores e criação da
moldura legal do sistema social.
3º O compromisso jurídico com a eqüidade: o desenvolvimento sustentável pode ser
considerado um direito, um dever e um princípio axiológico fundamental. Porém,
infelizmente, ainda não é um fato e, muito menos, um bem distribuído de forma equitativa.
Esse desenvolvimento depende da criação de vínculos jurídicos que propiciem uma
eqüidade não somente como acesso aos bens materiais, mas com a superação da ordem
econômica que limita o livre desenvolvimento e acaba com a diversidade cultural. Torna-se
imprescindível o respeito à diversidade cultural, a produção voltada às necessidades radicais e
a superação do consumo supérfluo.
O desenvolvimento exige tratamentos desiguais para os desiguais, a fim de
proporcionar os acessos negados pelo sistema produtivo dominante. No entanto, essa
eqüidade como tratamento desigual para os desiguais não representa muito, se deixar de
considerar o processo de formação das necessidades humanas, que provoca outras formas de
desigualdade.
43
A função social da propriedade (instrumento e fim imediato) está relacionada ao desenvolvimento rural
sustentável (fim mediato). Dessa forma, o direito de propriedade está relacionado à satisfação da dignidade
humana de todos os membros da coletividade, nos termos dos artigos 170 e 186 da Constituição Federal.
93
Como disse Rosseau (2005, p. 27), as desigualdades entre os homens podem ser
físicas ou políticas; estas decorrem de convenções e “privilégios”, enquanto aquelas são
decorrentes da natureza. Muitas vezes se confunde a desigualdade política com a natural, a
fim de tentar justificar privilégios na natureza que, na verdade, decorrem da civilização.
Conforme Rousseau, no clássico “A origem da desigualdade entre os homens”, os
institutos jurídicos, como o direito de propriedade, tiveram fundamental importância na
estabilização e legitimação das desigualdades. Hoje, esses mesmos institutos, somados aos
novos instrumentos consagrados pelo Direito, possuem papel de destaque na promoção da
concepção de eqüidade como justiça social, muito próxima ao princípio da diferença de
Rawls.
4º) O compromisso jurídico com a efetividade dos valores: a maior dificuldade para
o desenvolvimento sustentável enquanto paradigma alternativo é a sua comprovação empírica,
por ainda não existir sociedade que sirva de exemplo de como alcançá-lo, e nem meios para
mostrar qual a real disponibilidade dos recursos naturais.
O Direito racional moderno foi pautado no cientificismo (com influência do
positivismo científico) e no estatismo (contratualismo). Houve a preponderância do princípio
do mercado e do Estado em detrimento do princípio da comunidade (SANTOS, 2000, p. 145).
O Estado Moderno também é o Estado de Direito que fez predominar a dimensão da
regulação, de forma que desprezou a emancipação, ou a tornou subordinada à reprodução
social do sistema protegido pela regulação, a fim de manter o capitalismo com alguma
humanização; até por isso foi criado o Estado de Bem-estar. O Direito Moderno foi um
instrumento da ciência moderna para o predomínio da regulação, com a subordinação da ética
e do Direito à racionalidade cognitiva instrumental.
O modelo alternativo reconheceu a interdependência das diferentes dimensões
sociais, de maneira a formar um sistema coerente e que pode ser visualizado no todo. O
Direito desse momento do pensamento científico, além de consagrar novos valores
sociambientais, também incorpora os ideais éticos do contratualismo, como a democracia, a
liberdade, e a igualdade.
Apesar da consagração formal dos novos valores, o mais relevante será a superação
da visão legalista do Direito, pois ele não resolve conflitos, como também cria outros
conflitos e pode transformar realidades. Por isso, a preocupação com o processo legislativo e
os interesses (“lobbies”), com os obstáculos à efetividade jurídica e os efeitos da inefetividade
de um conjunto normativo. O novo paradigma procura orientar a definição das políticas
94
governamentais, a produção legislativa e a atuação do Poder Judiciário; possui diretriz
metodológica capaz de influenciar as estratégias de intervenção e os resultados teóricos.
Nesse contexto, ganha destaque o pensamento crítico-dialético, pelo qual se tem
maior preocupação com a aplicação do Direito segundo as necessidades reais (práxis).
Enquanto teoria crítica, esse pensamento jurídico significa a negação do Direito como
instrumento de regulação, tal como ocorreu na modernidade. O pensamento crítico procura
uma teoria do direito emancipatória, prospectiva e aplicável na prática forense. Enquanto
teoria dialética, esse pensamento promove a arte do confronto entre os diferentes, visando à
superação do conflito, bem como a construção e a reconstrução da realidade.
O pensamento crítico-dialético concebe o Direito como fenômeno emancipatório e
dinâmico, no sentido da superação dos conflitos sociais. Esse pensamento representa a
negação do Direito como controle e consenso. O fenômeno jurídico ocorre num processo
dialógico que envolve uma multiplicidade de inter-relações conectadas, como natureza,
cultura, economia e história
44
. Esse pensamento crítico, que não é o paradigma predominante,
tem sido acusado de não ser científico, em virtude do seu caráter ideológico. A crítica
procede, até é aceita por alguns defensores dessa teoria, mas é irrelevante, uma vez que
nenhuma ciência é neutra.
44
O Direito é um fenômeno (coisa por si, como ela aparece) complexo (engloba vários fatores além do
normativo) e dinâmico (mutável) animado dentro de lutas sociais (informação verbal, Antonio Alberto
Machado, maio/2005).
95
CAPÍTULO 2 A INFLUÊNCIA DO PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL MULTIDIMENSIONAL NAS OBRIGAÇÕES DO
ESTADO
2.1 A atuação finalística do Estado
A idéia principal deste capítulo é mostrar a relação intrínseca entre as finalidades
estatais e o tratamento jurídico conferido ao desenvolvimento sustentável. Acredita-se que a
regulamentação de alguns institutos jurídicos e as características atuais das diversas
dimensões dos direitos humanos fundamentais são resultados da evolução das funções do
Estado.
Apesar de também ser apresentada uma definição analítica da idéia de Estado,
pretende-se dar atenção especial à sua finalidade, sobretudo por ela ser o elemento capaz de
individualizar o modelo político adotado por uma determinada sociedade e possibilitar a
compreensão das implicações desse modelo na definição das funções estatais e nos
instrumentos para executá-las.
2.1.1 O conceito de Estado
muitas controvérsias quanto à definição da estrutura política denominada
“Estado”. Para alguns, pode ser entendida como uma forma de organização do poder social
existente desde os primitivos agrupamentos humanos. De outro lado, há autores que só
acreditam no Estado Moderno e, por isso, defendem que o poder político existente até então
não poderia receber essa designação. Esses pensadores consideram o Estado como uma
formação política recente, a qual tem como marco a celebração de diversos tratados no ano de
1648 (“Paz de Westphália”), a fim de formalizar o reconhecimento da soberania da ordem
jurídica e a independência e laicização das sociedades políticas.
Quanto à origem do Estado, basicamente predominaram duas teses: o Organicismo e
o Contratualismo. Pelo Organicismo, o Estado se origina e rege por leis sistematicamente
organizadas. O poder político não decorre de uma construção consensual da sociedade, mas
de uma ampliação ou evolução das relações entre as populações de um território e seus
comandantes ou, para outros, é o resultado da correlação de forças sociais - imposição de
autoridade pelo mais forte.
96
Apesar de certa analogia com o organismo humano, o Organicismo não chega a
defender uma formação determinista, uma vez que considera a construção histórica da
instituição, seja através do processo de evolução do poder familiar, seja através do próprio
desenvolvimento econômico da sociedade.
Já o Contratualismo, defendido por pensadores como Hobbes, Grotius, Locke e
Rousseau, parte da tese de que o Estado se originou da celebração de um contrato social com
a finalidade de garantir uma conservação que já não era possível no Estado Natural.
Segundo Rousseau (1996, p. 26), os homens nascem livres e iguais, mas têm suas
liberdades limitadas por uma ordem social decorrente das convenções. Tais convenções não
são naturais, mas voluntárias, e nelas “cada um de nós põe sua pessoa e poder sobre uma
suprema direção da vontade geral, e recebe ainda cada membro como parte indivisível do
todo”.
As convenções definem o movimento do corpo político para se chegar a
determinados objetivos. O homem perde sua liberdade natural e o direito ilimitado, mas
assegura a liberdade civil e outros direitos individuais, como a proteção do domínio
(ROUSSEAU, 1996, p. 53).
O Estado é a estrutura que representa o poder com legitimidade a fim de vindicar,
nos estritos limites das convenções, a obediência do homem e a redução da sua liberdade
natural. É oportuna certa racionalidade no conteúdo dessas convenções, pois, para que alcance
o bem-estar geral, elas somente devem restringir as liberdades que alguém poderia dispor.
Um contrato social unânime e que respeitasse as liberdades individuais
irrenunciáveis, intransferíveis e indisponíveis, cabalmente, configuraria um poder político
legítimo. Depois, bastaria o respeito ao princípio majoritário nas decisões, cuja função é dar
movimento à vontade geral. Todavia, não existe nem a pretendida unanimidade e, muito
menos, o respeito efetivo às liberdades individuais (racionalidade). Esse tipo de pacto coletivo
pode representar um ideal, mas não corresponde à realidade, a qual exige outras formas de
legitimação do poder.
Em Max Weber, a legitimação do poder no Estado Contemporâneo ocorre em
função da dominação racional-legal
45
, de modo que ela está mais ligada a um consenso social
(estatuto estabelecido) capaz de criar uma estrutura normativa que disciplina o uso da
violência:
45
Em Webber, o poder legítimo decorre de três formas de dominação: a carismática (respeito às virtudes do
soberano); a racional-legal (confiança na racionalidade da lei) ou a tradicional (crença na sacralidade do
soberano).
97
Entretanto, nos dias de hoje, devemos conceber o Estado contemporâneo como uma
comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território a noção de
território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado reivindica o
monopólio do uso legítimo da violência física. Sem dúvida, é próprio de nossa época
o não reconhecer, com referência a qualquer outro grupo ou aos indivíduos, o direito
de fazer uso da violência, a não ser nos casos em que o Estado tolere. Nesse caso, o
Estado se transforma na única fonte do “direito à violência. Por conseguinte,
entenderemos por política o conjunto de esforços feitos visando participar do poder
ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estado, seja no interior de um único
Estado (WEBER, 2005, p. 60, destaque do autor).
A convivência do homem em sociedade depende de uma normatividade que
expresse os valores sociais aceitos no “pacto constitutivo”. Se as prerrogativas criadas não
forem exercidas nos limites do contrato social, o exercício do poder político não é legítimo.
Giorgio Del Vecchio (1957, p. 199) não acredita que exista a expressão de vontade
proposta pelos autores contratualistas. Segundo ele, a síntese das necessidades pessoais que
formam e dão organicidade a uma sociedade política é espontânea, decorre da convergência
dos interesses individuais racionais num processo histórico. O contrato social como consenso
único é anti-histórico e irracional, pois não há legitimidade em relação às futuras gerações, as
quais não serão consultadas, além de ser inimaginável a manifestação de todos os
interessados.
Essas duas teorias não esgotam as discussões acerca da origem do Estado, até
porque ambas foram alteradas. Além delas, pode-se mencionar, ainda, a defesa da origem
teológica do Estado ou a discussão marxista de que ele seria uma imposição liberal burguesa
para legitimar um modo de produção econômico e de distribuição das riquezas.
Antes de delinear um conceito, é fundamental ressaltar que o Estado é, sobretudo,
uma das espécies de sociedade política, ou seja, um grupo humano organizado político-
juridicamente com poder próprio para realizar o bem comum de seus membros (AZAMBUJA,
1999, p. 23).
Em relação ao conceito, Dalmo Dallari (1972, p. 60) acredita que ele deve ser
abrangente, capaz de incluir critérios políticos, sociológicos e jurídico-formais, pois o Estado
é um fenômeno multifacetado, ele influencia e é influenciado pelo processo histórico.
Del Vecchio (1957, p. 24) concebe o Estado como uma espécie de sociedade
organizada que busca a unidade de um sistema normativo que tem em si o próprio centro
autônomo e que, por isso, é dotado de suprema qualidade de pessoa (em sentido jurídico). O
autor enfatiza o caráter de juridicidade estatal, o qual é responsável pela unidade orgânica do
ordenamento em torno de um centro e positivação dos direitos fundamentais do indivíduo.
Segundo Joaquim Gomes Canotilho (1998a, p. 86), o Estado é a forma histórica de
organização jurídica do poder com a qualidade de torná-lo soberano, de maneira que ele possa
98
exigir o cumprimento de comandos normativos em relação ao povo de determinado território
e, em nível internacional, apresentar-se como independente perante outros Estados soberanos.
Darcy Azambuja (1999, p. 27) defende que o Estado é uma sociedade organizada
sob a forma de governantes e governados, com território delimitado e poder próprio para
promover o bem de seus membros. A fim de atingir o seu objetivo, ele se submete ao conjunto
normativo que orienta a sua ação e disciplina as atividades dos indivíduos e grupos que o
compõem.
De maneira crítica, Antônio Carlos Wolkmer (1990, p. 13) diz que o Estado precisa
ser entendido como “a instância politicamente organizada, munida de coerção e de poder, que,
pela legitimidade da maioria, administra os múltiplos interesses antagônicos e os objetivos do
todo social, sendo sua área de atuação delimitada a um determinado espaço físico”. Trata-se
muito mais de um espaço político estratégico de exercício do poder e dominação, gerado por
múltiplos interesses e correlações de forças opostas, que se articula no conflito para manter a
instituição em certo equilíbrio.
Percebe-se que, dependendo da postura do autor, alguns aspectos do Estado são mais
valorizados no momento da apresentação de um conceito. Alguns, sobre o prisma filosófico
ou axiológico, enfatizam os fins éticos do Estado - as finalidades. Outros preferem ressaltar o
aspecto jurídico - a normatividade e a soberania. Por fim, existem aqueles que optam pelo viés
sociológico - o fato social ou a correlação de forças. As tendências contemporâneas tendem ao
tridimensionalismo, de forma a interagir os três aspectos citados.
Não obstante a importância dos ensinamentos expostos, na definição sintética do
Professor Dalmo Dallari, já é possível extrair os principais elementos do Estado: povo,
território, vínculo jurídico e finalidade. O autor (1972, p. 64) conceitua o Estado como a
ordem jurídica soberana voltada à realização do bem comum do povo de determinado
território.
Os elementos mencionados podem ser entendidos da seguinte forma:
a) Povo: diferente de população, que é um dado quantitativo (mera soma de
indivíduos), o povo consiste no conjunto de cidadãos, ou seja, de pessoas ligadas
juridicamente a determinado Estado, a fim de exercerem direitos e assumirem obrigações
46
.
46
Povo também é diferente de nação. O primeiro diz respeito a um nculo jurídico - a uma estrutura política por
meio de um sistema normativo uniforme e autônomo. A nação exige identidade moral das pessoas, a fim de criar
e manter um comportamento de fidelidade dos cidadãos à ideologia de um Estado (BOBBIO; MATTEUCCI;
PASQUINO, 2004, p. 797).
99
b) Território: consiste no espaço físico determinado onde o Estado exerce a sua
autoridade jurídica, o limite material à jurisdição, o qual, além do solo, envolve todas as
regras sobre mar e espaço atmosférico.
Quando se fala em território, sempre se discute a relação entre o espaço físico e o
tipo de sociedade. Esse aspecto também é importante para o presente trabalho, no qual o
espaço geográfico abre possibilidades (sobretudo quando zoneamento), mas não é
adequado o predomínio de uma concepção determinista da formação do Estado, até porque a
sociedade humana mais delineia as características do território do que é influenciada pelo
mesmo.
c) Vínculo jurídico: esse elemento é o responsável pela formação e legitimação de
governantes com poderes políticos (autoridade). A expressão mais importante do elemento
jurídico é a “soberania”. Por meio dela, fica estabelecido que o poder exercido pelos
dirigentes é o mais alto (supremo) dentro do Estado e que não outro, nem no âmbito
externo, a quem ele deva subordinação. A soberania é a expressão da independência em
relação a outros Estados.
A soberania não é o poder do Estado, mas uma qualidade desse poder: a de ser
supremo e definitivo dentro do domínio que lhe é reservado e de acordo com as condições de
busca do bem comum e definições de competência e uso da força coativa (AZAMBUJA,
1999, p. 81).
O Estado também é o resultado da formação de poder imperativo legal e legítimo. A
legalidade está no domínio formal, representa a consonância do poder com o ordenamento
jurídico. A legitimidade representa a justificação do poder legal, ou seja, as bases ideológicas
ou axiológicas que lhe garantem a submissão voluntária dos governados. O Poder Político:
É a possibilidade efetiva que tem o Estado de obrigar os indivíduos a fazer ou não
fazer alguma coisa, e seu objetivo deve ser o bem público. Quando o poder, no seu
exercício, não visa o bem público, não é maior o poder do Estado, não é mais um
direito, não obriga jurídica e moralmente; é a apenas a força, a violência de homens
que estão no governo (AZAMBUJA, 1999, p. 47).
De outro lado, o Estado, ainda que não seja o único a criar o Direito (fonte de
produção), precisa estabelecer um ordenamento predominante, capaz de criar vínculos
jurídicos entre governantes e governados e entre os demais Estados. Por meio do Direito, o
Estado poderá efetivar uma racionalidade lógica e um grau de validade e legitimidade.
A legitimidade do poder político está associada ao consentimento; no entanto este é
mais complexo do que parece, pois todos têm objetivos e reações diferentes quanto às
tentativas de controle da liberdade natural e orientação de comportamentos. O conteúdo do
100
vínculo jurídico tende a ser o resultado daquilo que se pretende definir como finalidades e
funções estatais.
d) Finalidade: existem interesses concretos do povo, enquanto vida coletiva em
sociedade, voltados ao aperfeiçoamento físico, moral e intelectual da pessoa humana. O
Estado surge como o principal instrumento para que esses interesses sejam satisfeitos.
O bem comum continua sendo a função essencial do Estado, de modo que ele deve
promover a satisfação das necessidades materiais e o respeito àqueles valores fundamentais da
pessoa humana reconhecidos como de interesse coletivo (PASOLD, 2003, p. 21).
É impossível dar um conceito analítico e perfeito de bem comum do ponto de vista
do seu conteúdo. No entanto, pode-se afirmar que ele não é a mera soma de interesses
individuais, mas o atendimento das necessidades legítimas dos membros da comunidade.
Não obstante exista grande dificuldade para delinear uma idéia de bem comum,
acredita-se que dois pontos são essenciais: primeiro, ele precisa ser consagrado no
ordenamento jurídico; depois, deve ser posto considerando o seu substrato material e
espiritual, que, no geral, reconhece como finalidade do Estado a proteção das relações sociais
através da manutenção da segurança jurídica e da ordem pública, a assistência social e a
fomentação do desenvolvimento.
Os caminhos para se chegar ao bem comum e o seu conteúdo mudam em cada
sociedade; logo, também são variáveis as obrigações dos particulares e do Estado. Não
obstante as peculiaridades regionais, o Direito deve consagrar a idéia de um mínimo ético
indispensável para o bem-estar do povo sob a sua jurisdição, que corresponde a um conjunto
de garantias e direitos fundamentais irrenunciáveis, os quais não podem ser negados às
minorias nem mesmo por decisão da maioria. Qualquer restrição na liberdade de uma está
condicionada à realização de um fim maior - em beneficio da coletividade.
A legitimidade do poder político em sociedades democráticas está ligada à sua
origem e ao seu exercício. Exige-se, basicamente, que seja respeitada a representatividade
definida em eleições realizadas conforme um procedimento democrático preestabelecido, e
que o exercício do poder busque promover as finalidades do Estado, nos termos fixados na
Constituição.
Como o Direito configura a limitação do exercício do poder estatal e está ligado à
promoção de uma idéia de justiça, a legitimação do Estado é a justiça e não a mera
racionalidade formal do idealismo absoluto (redução do Estado ao Direito) ou o positivismo
materialista (redução do Estado à dominação social).
101
Segundo Del Vecchio (1957, p. 140), o fundamento do Estado é o acordo de
vontade. Mas é imprescindível que tal acordo respeite uma necessidade racional e ética, a
qual, para o autor, seria o irrevogável e irrenunciável direito natural. É ilegítimo o Estado que
não reconheça a autonomia dos seus cidadãos ou que submeta os direitos fundamentais ao
arbítrio da maioria.
A legitimidade do poder será definida segundo sua capacidade para responder às
demandas da sociedade civil
47
.
Nessa sociedade, surgem poderes de fato, a fim de substituir
aqueles que são deslegitimados (as decisões não são válidas perante a coletividade). Portanto,
é nela que ocorre a relegitimação do Estado (BOBBIO, 1992a, p. 37).
O Estado, especialmente após o Contratualismo, é considerado uma função, de modo
que não tem fim em si mesmo. Tal função foi sendo transformada ou aumentada ao longo das
gerações de direitos humanos e da evolução das relações de convivência entre os homens.
2.1.2 A evolução das funções do Estado Moderno
Quanto à evolução da sociedade política, podem ser destacadas duas perspectivas: a)
a liberal-burguesa, de cunho político-jurídico, que analisa os Estados a partir de uma trajetória
natural, evolutiva e racional, delineada especialmente pela seqüência Estado Antigo, Medieval
e Moderno; b) a perspectiva marxista, de cunho socioeconômico, que define os tipos de
Estado em função do modo e das relações de produção, esboçando a seguinte evolução:
Escravista, Feudal, Capitalista e Socialista (WOLKMER, 1990, p. 23).
Ambas as perspectivas são importantes para o presente trabalho. A primeira, que
será especificada nos parágrafos abaixo, por reconhecer a proteção constitucional de
determinados valores; e a segunda, por questionar o conteúdo e a efetividade dos mesmos.
Sabe-se que o termo “Estado” ganhou destaque com Maquiavel (enquanto gênero
que engloba repúblicas e monarquias). No entanto, ainda muita discussão quanto à sua
existência antes da modernidade e, portanto, da denominação da estrutura política das
sociedades antigas (Grécia e Roma) e medievais. Ou seja, que se definir se o fim da
47
Em sentido negativo ou fraco, sociedade civil pode ser entendida como toda a esfera das relações não
reguladas pelo Estado: 1. Pré-estatal: formas de organização social dos indivíduos às quais o Estado vai se
sobrepor, mas não negá-las, como família, comunidade e associações civis; 2. Anti-estatal: luta pela
emancipação em relação ao poder político (negação da legitimidade do Estado); 3. Pós-estatal: idéia de
superação do Estado e reabsorção da sociedade política pela civil. Em sentido positivo ou forte, sociedade civil
é o lugar onde surgem conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos em que as instituições estatais têm
o dever de resolver, por mediação e/ou repressão formada por indivíduos ou grupos (associações, sindicatos,
movimentos sociais) ou mesmo por espaços onde a intervenção estatal deve ser limitada, como o mercado e as
garantias civis.
102
sociedade medieval é a origem do Estado ou se é necessário utilizar o adjetivo “moderno”
para definir um novo modelo de Estado.
A questão da continuidade ou novidade depende da definição dada ao termo
“Estado”. Quanto mais critérios forem utilizados, maior é a tendência em considerar o Estado
Moderno como a origem dessa forma de sociedade política, por exemplo, ao entendê-la como
aparato administrativo para prestar certas funções públicas (BOBBIO, 1992a, p. 69).
Porém, como salienta Norberto Bobbio (1992a, p. 71), mesmo que se adote a tese da
descontinuidade para defender que o Estado “Moderno” é um novo fenômeno, não se pode
negar a organização política e produção teórica nas sociedades antigas e na Idade Média. Sem
dúvida, aí nasceram institutos que serviram de base para os estudos dos clássicos modernos.
O Estado não é fruto de geração espontânea, tem sua organização decorrente da
evolução da teoria política e da filosofia antiga e medieval, bem como relação com os
conflitos socioeconômicos que exigiram novas formas de organização social.
Este trabalho vai enfatizar apenas o Estado Moderno, pois tal procedimento é
suficiente para a pretensão de discutir a formação do aspecto funcional contemporâneo e a
constituição de aparatos jurídicos voltados à concretização do desenvolvimento sustentável.
O Estado Moderno surge com a secularização dos modelos políticos predominantes
nos séculos XVI e XVII. Com a Renascença, houve a desintegração do mundo medieval, a
libertação espiritual do indivíduo, a Reforma Protestante e a modernização. Esse contexto,
somado às Revoluções Inglesa (1688), Americana (1776) e Francesa (1789), foi vital para a
mudança do paradigma de organização do poder político.
Tal modernização consistiu no processo de inovação das posturas políticas,
econômicas e sociais para que o homem conseguisse controlar a natureza e aperfeiçoar suas
atividades sobre ela, a fim de satisfazer as suas necessidades. Do ponto de vista político, ela
estava relacionada à expansão do direito ao voto e às novas formas de participação, ao
reconhecimento dos direitos civis e políticos e à organização administrativa racional e legal.
Na dimensão econômica, apresentava-se como eficiência e racionalidade do processo
produtivo. Por fim, no aspecto social, a modernização configurava a maior atuação estatal e a
responsabilidade privada (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 768-776).
O Estado Moderno foi uma realidade construída pela vontade da sociedade em
virtude de conflitos de um momento histórico específico. Ele representou a institucionalização
dos processos sociais de decisão, a normatização da intervenção no domínio privado e a
organização formal de órgãos oficiais. Ao mesmo tempo, esse modelo político produziu um
103
ordenamento unitário próprio, isento de toda e qualquer sujeição à Igreja e ao Império, e que
reconheceu um sistema de garantia dos direitos individuais.
Tendo em vista a teoria desenvolvida por Max Weber, a legitimidade jurídico-
racional é a única aplicada ao Estado Moderno. Nesse modelo, a obediência dos governados à
autoridade está associada ao fato de as determinações serem emitidas de acordo com normas
gerais válidas, as quais, obrigatoriamente, devem estar em conformidade com as regras
constitucionais. Segundo Weber (2005, p. 66), o Estado Moderno é um grupamento de caráter
institucional que adquire legitimidade pelo respeito às leis e que conseguiu, nos limites de um
território, monopolizar a violência física de dominação.
O poder no Estado Moderno está institucionalizado numa estrutura organizada para
cumprir funções específicas e exercer o controle da coerção física. Para tanto, ele se vale das
normas que foram instituídas pelo corpo social conforme procedimentos preestabelecidos
(Constitucional ou Legal), independentemente das vontades daqueles que exercem o poder.
O Estado absolutista, primeira fase do Estado Moderno, foi o modelo de transição do
“ancien regime” (do Estado Antigo e da sociedade pós-feudal hierarquizada) para o Estado
Liberal. Essa fase foi marcada pela grande intervenção do governante nos direitos individuais
e pelo dirigismo estatal de todas as esferas sociais.
O Estado Moderno começa a ganhar contornos jurídicos garantistas com o
reconhecimento de direitos fundamentais na “Virginia Bill of Rights”, de 1776; na Declaração
de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789; na pós-revolução Francesa; e na Constituição
Francesa de 1791. Nesse contexto, aparece o Estado Constitucional Liberal e, daí por diante,
todos os modelos políticos posteriores de Estado de Direito - que seguem as determinações
jurídicas.
O Estado Constitucional, o qual surge como contraponto ao Absolutismo, é aquele
que tem a sua atuação restringida por um conjunto de normas hierarquicamente superiores.
Esse Estado, delineado pelos princípios do constitucionalismo
48
, consagrou a limitação e
separação de poderes e a submissão do poder político ao Direito, mormente ao seu “Pacto
Constitutivo”.
O Estado Liberal foi o primeiro modelo do Estado Moderno Constitucional. Ele
surgiu da reação contra as oligarquias provenientes do clero e da nobreza, a fim de aniquilar o
Absolutismo e implantar um sistema de liberdades civis e políticas. O marco dessa reação foi
48
São características do Constitucionalismo: a) a Constituição escrita regulando o funcionamento dos órgãos do
Estado e consagrando os direitos fundamentais dos cidadãos; b) a supremacia e a rigidez da Constituição; e c)
o controle de constitucionalidade (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 255).
104
a Revolução Francesa de 1789, que colocou o cidadão como ator principal do processo de
construção da sociedade e o Estado a serviço do modelo econômico liberal pretendido pela
burguesia ascendente (PORTANOVA, 2002, p. 683).
O Estado Liberal de Direito foi o reconhecimento da primeira geração de direitos
humanos. Ele aparece como criação deliberada (por contrato social) com o objetivo de
realizar determinados fins, entre os quais a consagração formal dos direitos individuais
clássicos, como a propriedade individual plena e absoluta.
Em linhas gerais, podem ser destacadas como características do Estado Liberal: a
emergência social da classe burguesa enriquecida, a descentralização democrática, a
separação e interdependência dos poderes, a soberania popular e maximização da participação
no poder político, o governo representativo, a supremacia constitucional e o império da lei, a
doutrina dos direitos e garantias individuais também contra o poder político e o liberalismo
econômico.
O Estado Liberal dos séculos XVIII e XIX ficou marcado pelo formalismo jurídico e
abstencionismo, cuja única finalidade era manter a ordem e não intervir nas relações de
trabalho, na vida social e econômica. Ele foi muito criticado pela valorização exacerbada do
individualismo, falta de efetividade dos direitos e garantias formalmente protegidos e
insuficiência dos serviços que só o Estado teria interesse em promover.
O liberalismo econômico não significou igualdade social e política. O seu conceito
de liberdade foi meramente formal e não solucionou o problema da exploração do trabalhador
e da distribuição de renda. O repúdio à intervenção estatal no domínio econômico teve
efeitos negativos em relação àqueles que não se apropriavam da produção. Percebeu-se que o
crescimento econômico não era suficiente para realizar os direitos de liberdade e de
igualdade.
A insuficiência do Estado Liberal foi ficando visível pelas externalidades do
crescimento econômico, de modo que se passou a exigir maior intervenção do Estado no
intuito de regular o mercado - inclusive foram elaborados mecanismos para controlar as
desigualdades sociais e a concorrência desleal. Também houve novas demandas decorrentes
do crescimento da indústria, haja vista que foi exigido mais investimento em pesquisa, infra-
estrutura e trabalhadores qualificados, preferencialmente por educação especializada e
pública.
O Estado Social surge como alternativa ao falido modelo liberal, com o propósito de
favorecer a maior participação política e o acesso aos bens essenciais. O novo modelo foi
possível em virtude de o liberalismo econômico necessitar da social-democracia para manter a
105
sua estrutura fundamental e abrir mão do individualismo, a fim de reconhecer as demandas
dos trabalhadores e a evolução da concepção de justiça pretendida pela sociedade.
O Estado Social se caracterizou pela superação da idéia de suficiência das garantias
formais e pela consagração de um conceito de liberdade instrumental e substancial, vinculada
ao bem comum, o que exigiu maior ingerência dos governantes no domínio econômico.
Leciona Evaldo Vieira (1992, p. 82) que o Estado liberal começara a ceder lugar ao
Estado Providencial no final do século XIX. Em 1871, ano da Unificação Alemã e do
Primeiro Império, Otto von Bismarck inaugura o pioneiro sistema previdenciário estatal.
O Estado Social ganha destaque no período entre-guerras e torna-se predominante
no pós-guerra. Antes desses períodos, porém, merecem notas a Constituição do México de
1917 e a Constituição da República de Weimar, de 1919, que consagraram diversos direitos
sociais.
As décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial assistem ao crescente
intervencionismo estatal no campo econômico e social, especialmente pelos programas de
recuperação das economias dos países afetados pelos conflitos bélicos e a promoção do
desenvolvimento dos países pobres, inclusive com a criação de empresas estatais e a
hipertrofia da função administrativa.
O Estado Social assume novas funções, devido ao fato de as sociedades se tornarem
mais complexas e os indivíduos mais exigentes. Ele passa a controlar a produção e a
participar dela, o que provoca considerável aumento das despesas estatais:
Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a
impaciência do quarto Estado faz ao poder político, confere, no Estado
constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação,
intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os
preços, combate o desemprego, protege os enfermos, ao trabalhador e ao
burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as
exportações, concede o crédito, institui comissões de abastecimento, provê
necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as
classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em
suma, estende suas influências a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em
grande parte, à área da iniciativa individual, nesse instante o Estado pode com justiça
receber a denominação de Estado Social (BONAVIDES, 1961, p. 208).
Sobretudo após a industrialização, houve a exigência de um Estado interventor em
vários níveis: a) regulação: proteção aos direitos sociais, limitação do uso da propriedade
privada e previsão do dever jurídico de investir em infra-estrutura; b) investimento na
formação dos cidadãos e no fomento das atividades: educação e qualificação; e c) aumento
dos serviços públicos: sistema previdenciário, assistência social, saúde pública e educação
universal e geral.
106
O Estado Social foi o segundo modelo do Estado Moderno Constitucional. Ele
surgiu da reação contra a distribuição de bens de produção e dos produtos e contra a
exploração indigna do trabalhador. Esse modelo político propôs um governo intervencionista,
a fim de consagrar a liberdade e a igualdade em sentido material e promover um sistema de
direitos sociais (de segunda geração), como a proteção ao trabalho, a seguridade social, a
educação e o saneamento. Como referências dessa reação, é possível apontar as Revoluções
Russa e Mexicana e as constituições sociais do início do século XX, as quais promoveram à
coletividade a condição de sujeito principal do processo de construção da sociedade e
colocaram a estrutura política a serviço de um modelo de garantia social, voltado ao
desenvolvimento (PORTANOVA, 2002, p. 684).
O Estado Social possui como fundamentos: superação da crença na legitimidade
racional-legal do Estado de Direito Weberiano pela legitimidade jurídico-material; nova
concepção da relação entre liberdade e igualdade; a exigência de intervenção estatal para a
satisfação das necessidades existenciais mínimas, com busca de recursos mediante tributos ou
monopólios em algumas atividades; nova concepção sobre as relações entre os poderes
estatais (harmonia e interdependência); crítica ao liberalismo econômico; benefícios
específicos para as classes menos favorecidas; o mandato eletivo deixa de ser simples
representação independente, pois passa a criar vínculos entre governados e governantes;
funcionalização dos institutos jurídicos e dos poderes estatais; investimento em tecnologia,
qualificação e infra-estrutura.
Esse Estado abrange uma série de espécies, como o socialismo democrático e o
Estado de Bem-estar social. Em alguns países, esse modelo político representou uma reação à
propagação das doutrinas que defendiam a mudança do modelo de produção hegemônico. Em
outros, significou uma releitura da teoria marxista, como o socialismo democrático reformista,
criticado pelos marxistas ortodoxos e pelos neoliberais (BONAVIDES, 1961, p. 201)
49
.
O Estado de Bem-estar ou Assistencial (“Welfare State”) procura assegurar, como
direito político, o acesso a um nimo essencial de bens e serviços (saúde, educação,
alimentação, moradia, e outros) e renda. Surgiu nas liberais-democracias pós-guerra, a fim
utilizar os seus recursos para atender a necessidades da população via assistência
governamental. Contudo, o colapso fiscal do Estado, sobretudo pelo endividamento público,
49
O Estado Social é diferente do Estado Socialista. Neste tentativa de socializar/estatizar os meios de
produção. Aparece como um instrumento de superação do capitalismo enquanto transição marxista para o
comunismo. Ele é menos assistencialista, embora também seja intervencionista.
107
resultou na crise dessa estrutura política, em virtude da sua incapacidade para atender à
demanda da coletividade.
Outro modelo político que merece nota é o Liberal-socialismo, o qual respeita os
direitos individuais consolidados no liberalismo (legalidade, propriedade privada, liberdades
negativas, civis e políticas) sem se afastar do dever de buscar a justiça social defendida pelo
socialismo (direitos sociais de igualdade). O Liberal-socialismo entendeu que era possível
dispensar dogmas como o livre cambismo e a socialização dos meios de produção e
representou um sopro de vida ao sistema produtivo dominante
50
.
O Estado Social é importante, mas limitado, inclusive porque existem restrições
políticas e econômicas quanto à carga tributária suportável. Quando mais se precisava do
auxílio estatal por meio de serviços públicos e distribuição de renda, a arrecadação foi
diminuída por crises econômicas e aumento substancial da dívida pública. A alternativa para
evitar o colapso foi a privatização de alguns serviços estatais ou a sua prestação por meio de
novas formas de participação da iniciativa privada, como educação e saúde privadas.
Esse modelo também não foi plenamente democrático, devido à sua incapacidade
para fomentar a expansão das aptidões humanas e por facilitar que governos totalitários
obtivessem o apoio das massas. Ele recebeu críticas por constituir formas de controle das
liberdades civis e definir, arbitrariamente, as necessidades vitais (DALLARI, 1972, p. 186).
De um lado, o Estado Liberal, ao fundar o reconhecimento das individualidades
livres, mostrou-se impotente diante da reconhecida necessidade de imposição de uma ordem
concreta. De outro lado, o Estado Social se transformou mais em organizador das finanças e
do endividamento público do que provedor das liberdades de acesso aos bens (DE GIORGI,
1998, p. 68). Diante desse quadro, o Estado Democrático de Direito começou a ganhar
destaque, especialmente pela consagração do aspecto ambiental - tanto que alguns autores
preferem dizer que o paradigma atual é do Estado Ambiental ou do Estado Democrático do
Ambiente.
Apesar da importância dos aspectos formais, como a consagração dos direitos
humanos fundamentais, o controle de constitucionalidade e da administração estatal, o Estado
de Direito precisa de um substrato concreto, com fundamento na realidade concreta; do
contrário, pode ser um Estado legal, mas não é um Estado de Direito (STRECK, 2003, p. 89).
O Estado Democrático de Direito é o terceiro modelo do Estado Moderno
Constitucional. Ele surgiu da reação à crise ambiental resultante da sociedade industrial e das
50
Eros Roberto Grau (2004, p. 50) defende que o capitalismo se transformou para superar suas crises e se
legitimar; por isso, abandonou o liberalismo para consagrar um Estado Social.
108
dificuldades em se concretizar os valores protegidos nos ordenamentos jurídicos. Esse modelo
político propõe uma democracia com novas práticas de representação e participação, além de
aspirar à realização da justiça distributiva e de um sistema de direitos difusos, o qual tende a
promover a proteção do meio ambiente, do consumidor e das minorias e o desenvolvimento
sustentável como escopo primordial (terceira geração de direitos humanos).
Abaixo serão apresentados os principais aspectos desse Estado Democrático de
Direito, com destaque especial para o chamado Estado Ambiental, o qual é o resultado da
consagração material do princípio da solidariedade e do reconhecimento da legitimidade dos
novos movimentos sociais e dos procedimentos democráticos de participação efetiva.
2.1.3 Os aspectos do Estado Democrático de Direito
O modelo político contemporâneo, em sua estrutura formal, é um Estado de Direito,
de modo que norteia a sua atuação nas garantias e diretrizes do texto normativo que o
constitui. Do ponto de vista substancial, ele pode ser considerado um Estado Democrático e
Social, pois busca garantir a participação da sociedade civil na formação e no exercício do
poder político, além de promover uma forma de justiça que se propõe a distribuir de forma
equânime os valores imprescindíveis para a efetivação do bem comum.
Cada um dos elementos que define a atuação do Estado está relacionado à dinâmica
e dialética do processo histórico-sociológico. Por isso, os fins e instrumentos para realizar um
mesmo valor sofrem modificações. Atualmente, quatro aspectos devem ser destacados: a)
Estado de Direito; b) Democrático; c) Social; d) Material.
a) Estado de Direito: a atuação estatal também é limitada pela produção jurídica da
sociedade. Primeiro, pelo dever de respeito à supremacia das normas constitucionais, tanto em
relação ao seu aspecto formal quanto ao seu conteúdo; depois, pela necessidade de se valer de
instrumentos (poderes-deveres) legítimos, aceitos pelo ordenamento jurídico, com o propósito
de concretizar os direitos fundamentais e viabilizar um “pacto social” mais justo e
humanitário.
Priscila Rodrigues (2005, p. 477) ensina que, com o surgimento do Estado de
Direito, o mecanismo legitimador da dominação política estatal passa a ser o Direito. Ele se
torna a própria racionalização do poder político, em substituição às justificativas divinas e
carismáticas.
No Estado Contemporâneo, o aspecto “de Direito” é caracterizado pela superação do
positivismo lógico-formal na interpretação da Constituição. Torna-se mais importante o
109
conteúdo das normas e os mecanismos para satisfazê-las do que a previsão programática. Isso
significa dar conteúdo positivo para o próprio Estado.
Esse novo Estado de Direito estabelece uma estrutura formal do sistema jurídico
(garantias legais, competências e procedimentos) e uma estrutura material (livre iniciativa,
proteção ambiental, crescimento econômico e justiça social)
51
.
A legalidade foi uma das conquistas do Estado Liberal, pois criou mecanismos de
garantias frente ao poder político. Mas esse aspecto foi sufocado por um direcionamento
formalista do ordenamento jurídico, a fim de atender a determinados interesses hegemônicos.
Devido à necessidade de redistribuição dos direitos formalmente consagrados, reconheceu-se
que não seria possível pensar a intervenção estatal como necessariamente ruim.
No modelo de Estado atual aumentam-se as garantias, que são os instrumentos
normativos para a proteção dos interesses juridicamente reconhecidos. Além disso, elas
deixam de se relacionar apenas aos interesses individuais, a fim de proteger substancialmente
as instituições - enquanto um complexo de normas e processos fáticos voltados a
determinados fins da sociedade política - que foram consagradas ao longo das gerações de
direitos humanos.
O paradigma contemporâneo de Estado está em conformação com a estrutura
política denominada Constituição, que é o ordenamento superior destinado a tratar dos valores
fundamentais da sociedade e da organização do Poder Político o “Contrato Social”
constitutivo do Estado. Mediante as escolhas políticas dos cidadãos, teoricamente, a
Constituição revelará o consenso fundamental, o qual formará o sistema jurídico e definirá os
procedimentos democráticos de proteção dos bens e das novas escolhas.
Segundo Canotilho (1998a, p. 83), o Estado de Direito é um Estado Constitucional,
porque consiste numa organização que tem uma Constituição normativa como a estrutura
política conformadora da comunidade política, ou seja, responsável por dar forma ao Estado.
São pressupostos materiais do Estado Constitucional: a juridicidade (atuação
direcionada para a justiça social), a constitucionalidade (interpretação conforme o sistema
constitucional, supremacia e força normativa da Carta) e o respeito aos direitos e garantias
fundamentais (CANOTILHO, 1998a, p. 237).
51
Para Canotilho (1998a, p. 251), são garantias formais do Estado de Direito: a divisão de poderes, a legalidade
da administração, a independência dos tribunais, a vinculação do juiz ao direito, o acesso ao judiciário e a
igualdade perante a lei. O autor leciona, ainda, que são garantias materiais: a segurança jurídica e o respeito
aos direitos e garantias fundamentais.
110
b) Estado Democrático: no Estado Contemporâneo, uma nova concepção do
aspecto democrático, com novos instrumentos de participação popular e controle dos
governantes, além da vinculação do exercício do poder à concretização da justiça social.
Até então, a democracia fora concebida apenas do ponto de vista formal, de modo
que a soberania popular era satisfeita somente com o respeito ao procedimento eleitoral e
legislativo. A democracia liberal, com ênfase na igualdade formal entre os homens e no
sistema representativo, ofereceu grandes conquistas do ponto de vista do processo político,
mas não afastou a execrável desigualdade social e econômica.
A democracia concebida do ponto de vista material ao mesmo tempo em que se
compromete com o respeito aos procedimentos, procura satisfazer as necessidades sociais e
disseminar o acesso aos direitos e a qualidade desses acessos.
Em sentido substancial, a democracia precisar buscar alguns fins com base na igualização
de direitos do ponto de vista ético, judico, potico e econômico. A perfeão da democracia
depende de que ela seja, simultaneamente, formal e substancial - de forma a estabelecer um regime
político social e liberal (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 328).
Nesse sentido, Carlos Ayres Brito (1989, p. 50) acredita na imprescindibilidade do
combate à miséria para se chegar ao desenvolvimento, pois a igualdade material é um
pressuposto da liberdade. O excluído dificilmente vai se preocupar com uma cidadania
formal, com a ética, com a moral e até com o Direito, caso não se resolva seu problema
imediato de satisfação das necessidades básicas materiais. “[...] se não democracia no seio
da sociedade civil, também é obvio que a democracia do Estado não passa de uma
proclamação formal. No rigor das contas, não é um Estado democrático que faz democrática a
sociedade, mas o inverso”.
Em sentido descritivo, a democracia é conhecida como o governo de muitos. No uso
prescritivo, ela é comparada com outras formas de governo. enquanto elemento do Estado,
atualmente é mais bem compreendida como a liberdade de todos em participar das decisões
políticas, favorecendo a limitação do abuso do poder estatal (BOBBIO, 1992a, p. 146).
Evaldo Vieira (1992, p. 13) entende que a sociedade democrática é aquela em que há
efetiva participação de todos os indivíduos nos mecanismos de controle das expectativas, o
que exige real participação deles nos rendimentos da produção e nos processos decisórios.
Essa idéia de sociedade democrática é a única que tem condições de conservar o Estado de
Direito.
111
Pelo menos em tese, a democracia participativa amplia os espaços de avaliação para
além dos interesses imediatos do governo e permite modificar a pauta política em favor dos
interesses da coletividade.
A democracia é um pressuposto e uma orientação para a construção de um alto
potencial de seletividade e de estabilização evolutiva do sistema da política, pois é uma forma
de decidir racionalmente sobre a construção do futuro diante das inúmeras possibilidades
existentes em sociedades complexas (DE GIORGI, 1998, p. 51-56).
A democracia é o processo de produção de possibilidades de decisão, de modo que
uma escolha não resulte em seletividade e discriminação de outras. Ao mesmo tempo em que
ela aumenta o número de participantes dos processos decisórios, procura manter a
complexidade da sociedade - preservando certo número de alternativas.
c) Aspecto Social: a legitimação do Estado depende do exercício do poder segundo
os fins politicamente definidos por uma coletividade, o que implica a compatibilização dos
direitos e garantias individuais com as expectativas coletivas e o respeito aos limites materiais
e formais de interferência no domínio privado definidos no pacto constitutivo da sociedade
política.
O elemento social do Estado tem como base o princípio da socialidade, o qual terá
grande influência na interpretação e aplicação do Direito, sobretudo quando houver conceitos
jurídicos indeterminados, bem como na propositura da democracia econômica e social, ao
lado da democracia política, como obrigação estatal (CANOTILHO, 1998a, p. 323).
O Estado Contemporâneo é marcado pela ampliação da suas funções, de forma que
sua atuação é dirigida por fins preestabelecidos pelos governados. Essa atuação do Estado
inclui, por exemplo, o controle da utilização dos progressos científicos e da tecnologia no
controle de expectativas - como ocorre no caso dos alimentos transgênicos.
O elemento social do Estado Contemporâneo, na verdade, relaciona-se ao conteúdo
dos direitos postos no ordenamento constitucional, de maneira que o modelo político atual
obriga-se a promover todas as gerações de direitos fundamentais, que são aqueles direitos
universalmente garantidos aos homens, de caráter indivisível e irrenunciável.
Embora os direitos fundamentais sejam valores com conteúdo mutáveis no tempo e
espaço, é possível afirmar que eles possuem um sentido delineável decorrente da sua
configuração como condição imprescindível para efetivar a liberdade real e o
desenvolvimento das potencialidades individuais.
Esses direitos representam a acumulação histórica de experiências resultantes da
difusão das pretensões de classes que, até então, eram marginalizadas; da correlação de forças
112
em determinadas sociedades; e de movimentos filosóficos e políticos, como o jusnaturalismo,
o contratualismo e o constitucionalismo.
São três ou, para alguns, quatro gerações de direitos fundamentais. Porém, de plano,
vale ressaltar a preferência pela tese que defende o uso do termo “dimensões” em vez de
“gerações”, pois os direitos conquistados não pertencem a uma época, mas a todos os
humanos, até porque esses direitos não se perderam em gerações anteriores, e sim foram
acumulados.
Na primeira dimensão (geração) têm-se as garantias contra o poder arbitrário cujos
titulares são os indivíduos singularmente considerados. Ela é composta pelos direitos civis
(liberdade negativas) em relação ao Estado e pelos direitos políticos enquanto autonomia no
Estado. Entre os direitos de primeira dimensão podem ser mencionados: a liberdade, a
segurança, a propriedade privada e a resistência à opressão.
Na segunda dimensão, há uma dependência social do indivíduo em relação ao
Estado, o qual deve atuar a fim de diminuir o desequilíbrio de forças econômicas, promover a
igualdade material e a composição social da liberdade em favor de toda a coletividade.
Essa dimensão é formada pelos direitos econômicos e sociais pertencentes aos
sujeitos coletivos em virtude das conquistas dos trabalhadores e movimentos da sociedade
civil como, por exemplo: saúde, habitação, educação, salários dignos e seguridade social.
A partir da década de 60 do século passado, a solidariedade, o direito ao
desenvolvimento, o direito ao meio ambiente e o direito ao patrimônio comum do povo se
tornam os novos valores em evidência, fazendo surgir uma nova geração de direitos
fundamentais - a terceira dimensão.
Essa dimensão consagra os direitos de solidariedade, os quais representam o
reconhecimento da interdependência entre os homens e entre o homem e a natureza; tem o
desenvolvimento sustentável e a paz como fins mediatos e, para tanto, a proteção ambiental, a
democracia participativa e os acessos sociais como instrumentos.
Do ponto de vista judico-formal, constata-se que a terceira dimensão representa
a seguinte estrutura de direitos coletivos (em sentido lato), nos termos do artigo 81, da Lei
8.078, de 11 de setembro de 1990:
1. Direitos Difusos: os titulares são sujeitos indeterminados ligados apenas por uma
relação fática. Esses direitos são indivisíveis, cada pessoa é titular somente pelo fato de
pertencer a uma pluralidade de sujeitos.
Essa espécie de direito coletivo é o resultado da consagração dos interesses difusos,
os quais, segundo Mancuso (1997, p. 124), correspondem aos interesses metaindividuais, que,
113
não tendo atingido o grau de agregação e organização necessário à sua afetação institucional
junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses socialmente definidos,
ainda se encontram em estado fluido, disperso pela sociedade civil como um todo. Tais
interesses defluem de situações fáticas variáveis no tempo e no espaço, sem um vínculo
jurídico que lhes confira maior permanência e estabilidade:
Os interesses difusos apresentam as seguintes notas básicas: a) indeterminação dos
sujeitos, disseminados em coletividades ou segmentos sociais mais ou menos vastos;
b) indivisibilidade do objeto, que apresentando-se num estado fluido na sociedade,
não comporta atribuição diferenciada e exclusiva a indivíduos ou grupos
predeterminados; c) intensa litigiosidade interna, derivada da circunstância de que
esses interesses não m por parâmetro valores consolidados no interesse jurídico,
mas, antes, exsurgem de ‘escolhas políticas’ mutáveis e de largo espectro social, o
que enseja a sustentação das posições as mais diversas e antagônicas; d) tendência à
mutação no tempo e no espaço, por isso que esses interesses derivam de situações de
fato mutáveis, ao sabor das contigências que vêm alterar o ‘status quovigorante à
época em que se manifestaram originalmente (MANCUSO, 1997, p. 227, grifos do
autor).
Os interesses difusos assemelham-se aos interesses legítimos, que são aqueles que
gozam de certa proteção estatal, porém, não garantem a prerrogativa (situação jurídica) dos
direitos subjetivos (MANCUSO, 1997, p. 126).
2. Direitos Coletivos: o aqueles nos quais os titulares são indeterminados, mas
determináveis (por exemplo, moradores de um determinado bairro), e existe uma relação
jurídica básica entre os sujeitos. Esses direitos são indivisíveis e a fruição é coletiva.
3. Direitos Individuais homogêneos: são aqueles em que os sujeitos são
determinados e ligados entre si por relação jurídica base. Esses direitos são divisíveis e com
fruição individual, mas é possível a defesa conjunta em juízo.
4. Direitos Sociais: com sujeitos determinados ou determináveis, que consistem na
maioria da população ligada por uma relação jurídica base. Esses direitos são divisíveis;
contudo, é possível a defesa conjunta em juízo. integravam os direitos humanos de segunda
dimensão, porém sofreram modificações a partir da atuação dos novos sujeitos.
Alguns autores falam ainda na quarta dimensão de direitos fundamentais, que
incluiria o biodireito, a democracia, a diversidade, o pluralismo político e a informação
(SOARES, 2004, p. 214). Essa classificação não permite, pelo menos por enquanto, fazer a
mesma relação entre a evolução das funções estatais e a conquista de novos direitos, ou seja,
não se pensa em outro modelo político decorrente dessa recente dimensão dos direitos
humanos fundamentais.
Hoje, apesar da clássica discussão acerca da legitimidade dos direitos fundamentais
(jusnaturalismo “versus” positivismo), há algumas características desses direitos que não
114
podem ser omitidas, entre elas: a tendência à universalização dos valores axiológicos dos
agrupamentos humanos, diferente da universalidade metafísica e abstrata da ideologia liberal;
a maior juridicidade; a positivação de um conteúdo jurídico objetivo e dinâmico; a definição
do homem como beneficiário - independente da sua nacionalidade; e a efetividade além da
mera programaticidade, de maneira que possuem aplicabilidade imediata e conteúdo material.
Devido a essas características, o reconhecimento de um valor como direito
fundamental produz efeitos jurídicos importantes, como, por exemplo: a revogação dos atos
normativos anteriores contrários e o impedimento de produção de normas contrárias ao seu
enunciado; a influência na interpretação, aplicação e integração de todo o ordenamento
jurídico; promoção de alguns valores à categoria de direito subjetivo, o que permite a imediata
pretensão perante o Estado ou terceiros, ou mesmo alegar a omissão do Estado na realização
de suas funções; proibição da revogação das normas que consagram esses direitos (cláusulas
pétreas); e a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade dos atos normativos após a
vigência da Constituição, quando contrários aos seus princípios e regras.
Contudo, é certo que nem a consagração formal dos direitos fundamentais e nem
mesmo o fato de considerá-los como um direito subjetivo é suficiente para a garantia da
efetividade, que, normalmente, ultrapassa as capacidades dos instrumentos jurídicos.
Discutida a formação do conteúdo do elemento social do Estado, a qual está
diretamente relacionada à composição atual dos direitos humanos fundamentais, é preciso
voltar aos efeitos da utilização desse elemento na definição das funções estatais.
O elemento social, em sentido material, atribui ao Estado a responsabilidade pela
distribuição equitativa dos bens sociais entre as pessoas e gerações. Apesar de o Estado
atender aos direitos socioeconômicos à medida que recursos disponíveis, a garantia de um
mínimo necessário para a dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade
tornou-se um dever inafastável, elevado à categoria de direito subjetivo público. Com isso,
essas funções adquirem natureza jurídica, enquanto relação jurídica obrigacional, e deixam de
ser meros programas, de modo a permitir a imediata responsabilização do Estado até por
omissão.
Segundo Bandeira de Mello (2002, p. 89), a função representa um dever de
satisfazer finalidades em prol do interesse de outrem a partir do manejo de poderes
instrumentalizados. Quem desempenha uma função, na verdade, possui deveres-poderes. O
poder é secundário, se legitima até o momento em que é necessário para cumprir
determinados deveres (finalidades).
115
Existe função jurídica quando alguém dispõe de um poder ou atribuição decorrente
do desempenho de um dever para satisfazer o interesse alheio, embora também possa
favorecer o seu titular. Esse interesse alheio é a finalidade preestabelecida pelas normas
jurídicas e dirige as atividades humanas relevantes em sua totalidade. A função é uma
atividade
52
permitida direcionada para um fim - no caso, a atuação estatal.
Analiticamente, Benjamim (1993, p. 29) define a função como a atividade
qualificada: a) pelo traço finalístico, como instrumento para buscar um objetivo; b) pela
relevância global, de forma que todos os atos estejam integrados em determinada direção; c)
pelo regime jurídico unificado; d) pela determinação em lei; e e) pela manifestação de um
dever-poder exercido em proveito de terceiro - ainda que indiretamente beneficie o próprio
titular do “munus”.
O caráter instrumental da atuação estatal sempre existiu. A diferença é que, no
modelo político contemporâneo, o comprometimento com a satisfação material dos
valores. A vinculação ao bem comum é destacável tanto do ponto de vista da intervenção
estatal positiva, a fim de criar condições de acesso, quanto no que diz respeito ao conteúdo
dos direitos.
Devido à funcionalização da atividade estatal, percebe-se que a efetivação dos
direitos fundamentais representa a própria legitimação dos poderes sociais e políticos. O
desrespeito a esses direitos, de outro lado, produz a crise do próprio Estado.
Obviamente que a atual moldura da dignidade humana, que inclui o respeito ao meio
ambiente e a promoção da solidariedade intergeracional, além da funcionalização do poder
político, exige que todos os cidadãos titulares de direitos assumam deveres fundamentais,
pois, no Estado Contemporâneo, direitos e deveres são interdependentes.
d) Estado Material: O Estado é de Direito Material, haja vista que os valores devem
ser considerados na concreção das normas e não sua proteção formal. Espera-se a efetividade
imediata dos valores constitucionais (DIAS, 1981, p. 39).
As Constituições contemporâneas procuram compatibilizar a preocupação com a
realização dos direitos consagrados e a função garantista (segurança jurídica). Para tanto,
tentam dar conteúdo substancial às normas, em vez de deixar para as relações privadas e de
mercado. A legitimação do exercício do poder só existe se for compatível com esse conteúdo.
52
Para Comparato (1996, p.41), atividade, em direito, designa uma série de atos unificados em razão de um
mesmo objetivo global, com regime jurídico voltado ao conjunto de atos.
116
2.1.4 O Estado de Direito Ambiental
Como afirmado acima, a atuação do Estado depende dos valores da sociedade em
determinado tempo e espaço. Hoje a questão ambiental está em pauta. Por isso, se fala em
Estado Democrático de Direito Ambiental ou, mais freqüentemente, em Estado Ambiental
53
.
Não se trata propriamente de um novo modelo político, mas do Estado Democrático de
Direito com novas perspectivas decorrentes das exigências ecológicas, tanto no tocante à
consagração de outros valores e constituição de novos instrumentos jurídicos, quanto pela
exigência de mais requisitos para a efetivação substancial do bem-estar coletivo
54
.
No Estado Ambiental, reavaliação dos institutos jurídicos, por exemplo, com a
redefinição do conteúdo da função social da propriedade, tendo em vista reconhecimento dos
riscos ambientais e das incertezas das decisões e a necessidade de questionamento da ciência.
Esse Estado deve garantir maior participação e cooperação da sociedade e do poder público, e
estabelecer responsabilidades e programas voltados aos novos objetivos mediatos.
Para tentar configurar um Estado de Direito do Ambiente, é preciso que este detenha
um perfil de Estado de Direito, Democrático e Social, além do Ambiental. O exame
do Estado de Direito Ambiental e seus respectivos valores deve fundar-se em normas
constitucionais. Contudo, na tarefa de abraçar um exame de plano constitucional, é
necessário entender a eclosão dos novos direitos em que as instituições estão hoje
mergulhadas, em uma sociedade de risco em crise de representação e de insolvência
dos direitos constitucionais nacionais pelo global e comunitário. Desta forma,
evidencia-se que a discussão e a justificação do surgimento dos novos direitos e da
crise do Estado trazem maior complexidade ao debate do perfil constitucional do
Estado em questões ambientais (LEITE, 2000, p. 310).
Gomes Canotilho (1995, p. 93) propõe como dimensões do Estado Contemporâneo a
juridicidade, a democracia, a socialidade e a sustentabilidade. Este último requisito,
adicionado recentemente, qualifica o atual modelo político, embora mantidos os aspectos
consagrados.
O Estado de Direito Ambiental é aquele que estabelece instrumentos com o objetivo
de proteger efetivamente o meio ambiente e que, para tanto, consagra novos paradigmas para
uma concepção qualitativa de desenvolvimento sustentável, solidariedade substancial e
intergeracional, como o consumo responsável, a cidadania participativa e solidária, a
democracia com pluralismo comunitário e a maior participação da sociedade civil nos
53
Não obstante, tendo em vista o aspecto multidimensional da proteção aos direitos fundamentais, também seria
apropriado chamá-lo de Estado Democrático de Desenvolvimento Sustentável.
54
Quando se fala Estado Liberal, utiliza-se a idéia de liberalismo político e não a postura econômica. Do mesmo
modo, não se pretende discutir práticas econômicas neoliberais, mas a consagração axiológica do Estado
Ambiental como um paradigma político, independentemente do sistema produtivo predominante.
117
processos de decisão, a justiça social e a educação emancipatória - que é aquela capaz de
difundir a consciência dos direitos e da importância da ação e do cumprimento dos deveres.
O Estado Ambiental é definido por Vicente Bellver Capella (1994, p. 248 apud
LEITE, 2002, p. 28), como a forma de Estado “[...] que se propõe a aplicar o princípio da
solidariedade econômica e social, para alcançar um desenvolvimento sustentável orientado a
buscar a igualdade substancial entre os cidadãos mediante o controle jurídico do uso racional
do patrimônio natural”. Esse Estado representa a superação do modelo liberal e social, a fim
de colocar a proteção ambiental e todas as conseqüências práticas dessa postura como
elementos da definição do modelo político e como norteadores de suas funções e finalidades
imediatas.
Também merece destaque a concepção de Estado Ambiental defendida por Morato
Leite e Patrick Ayala (2002, p. 30, destaque do autor):
Estado de Direito Ambiental traz consigo um típico direito pós-moderno, fruto da
sociedade científico-técnico-industrial. Diversamente do que acontece com os
tradicionais direitos sociais, que visam compulsoriamente e positivamente criar e
realizar o que não existe (habitação, serviço de saúde), o Estado de Direito Ambiental
tem por finalidade garantir o que existe (bem ambiental) e recuperar o que deixou
de existir (dano ambiental). O Estado de Direito Ambiental diz respeito a um perfil
modificado de direito social, exigindo, fundamentalmente, ações de cidadania
compartilhada entre Estados e cidadãos, utilizando mecanismos precaucionais,
preventivos, de responsabilização, de preservação e reconstituição.
Seguindo as lições de Gomes Canotilho (2004, p. 3-12), podem ser apresentadas as
seguintes características desse novo paradigma funcional do Estado Constitucional Moderno:
a) Além de também ser Social e Democrático de Direito, esse Estado deve ser regido
por princípios ecológicos. Ocorre a juridicização dos conflitos ambientais, o reconhecimento
do meio ambiente como direito fundamental e a redefinição do paradigma de
desenvolvimento;
b) Nesse Estado, o Direito atua como instrumento de transformação da crise
ambiental, a fim de evitar riscos irreversíveis, pois permite o estabelecimento de vínculos com
o futuro e disponibiliza instrumentos de atuação imediata, como o Estudo Prévio de Impacto
Ambiental e os mecanismos de estímulos fiscais e creditícios;
c) Redefinição da concepção da titularidade dos direitos fundamentais, em que pese
a discussão quanto a possibilidade do biocentrismo, de maneira a abranger toda a sociedade
(sujeitos indeterminados) e incorporar as futuras gerações;
d) Nova perspectiva quanto aos deveres e responsabilidade, uma vez que, além do
Estado, a sociedade civil organizada e os cidadãos devem contribuir para efetivar o
desenvolvimento sustentável, por exemplo, cumprindo a função social da propriedade;
118
e) Busca da justiça material, que abrange a promoção da justiça distributiva (dar para
a coletividade, a partir da funcionalização dos direitos) e social (receber da sociedade, a fim
de acabar com a lógica de exclusão e privilégios);
f) Promoção da democracia ambiental participativa, no sentido de abrir os processos
decisórios aos cidadãos e transformar o direito de participação política em dever, tanto na
criação do direito (iniciativa popular), na participação em órgãos governamentais
deliberativos, na execução da política ambiental do Poder Executivo, quanto no acesso ao
Poder Judiciário, mediante a legitimidade para propor ações coletivas em defesa de interesses
difusos.
2.1.4.1 O Estado Democrático de Direito Ambiental na Constituição Federal de 1988
O artigo da Constituição Federal expressa apenas o modelo de Estado
Democrático de Direito. Não obstante, o sistema constitucional deixa evidente a consagração
do aspecto Social e do Ambiental, até porque ele procurou afirmar todas as dimensões de
direitos humanos fundamentais: individuais, políticos, sociais e difusos.
O Estado Contemporâneo é Social, pois a Constituição Federal estabelece uma
estrutura de proteção material com fundamento na dignidade da pessoa humana (artigo 1º,
inciso III), que é o valor fonte da sociedade política e de onde emergem todos os outros
valores. Esse valor supremo exige, de forma permanente e holística, o respeito a todos os
pressupostos éticos, políticos, jurídicos e socioeconômicos estabelecidos na Constituição
(REALE, 1999, p. 4).
O conteúdo da dignidade deve estar pautado nos direitos sociais (artigos ao 11) e
nas diretrizes da ordem econômica (artigo 170) e social (artigos 193 ao 232):
A ordem econômica (mundo do dever ser) produzida pela Constituição de 1988
consubstancia um meio para a construção do Estado Democrático de Direito que,
segundo o artigo 1º do texto, o Brasil constituiu. Não o afirma como Estado de
Direito Social é certo mas a consagração dos princípios de participação e da
soberania popular, associada ao quanto se depreende da interpretação, no contexto
funcional, da totalidade dos princípios que a conformam (a ordem econômica),
aponta no sentido dele (GRAU, 2004, p. 274, grifos do autor).
A Constituição Federal fez a opção por uma democracia social, procurando
assegurar a liberdade, sem abrir mão das questões sociais. O artigo 170 acolhe a liberdade
econômica, mas não como valor absoluto, que é exigido o contínuo balanceamento dos
valores postos por diversas conjunturas, como a livre iniciativa e os direitos coletivos
(REALE, 1999, p. 43).
119
A dimensão Ambiental também está na Constituição Federal, especialmente na
ordem econômica (artigo 170 e seguintes), no conteúdo da função social da propriedade rural
(artigo 186) e no capítulo sobre o meio ambiente (artigo 225).
2.1.5 A crise do Estado
Tendo em vista a mencionada perspectiva marxista da evolução política da
sociedade, percebe-se que o conceito de Estado e suas funções dependem do momento
histórico e do modelo de produção prevalecente, o qual determina a forma de dominação
(STRECK, 2003, p. 31). O Estado Moderno é um modelo de sociedade política praticado em
sociedades capitalistas, e isso teve influência direta na concepção dos elementos:
Democrático, de Direito e Social.
Os livros jurídicos, ao comentarem a evolução do Estado Moderno, não se
preocupam em caracterizar os modelos nacionais (Colonial, Patrimonialista, Populista,
Ditatorial, etc.), pois se apegam à evolução apresentada pela dogmática jurídica, que é
importante, mas não completa.
Quando se estuda a América Latina, nota-se a existência de certos modelos
peculiares não abordados na ciência política eurocênctrica (expressão utilizada no sentido de
projeção das idéias européias sobre povos de outros continentes), como as especificidades do
Estado Populista Latino-americano, o qual era uma mistura de bem-estar, controle corporativo
e carisma do comandante, e o Estado Militar, apoiado pela burguesia oligárquica, elites
militares locais, centros financeiros imperialistas e empresas transnacionais (ALMEIDA, D.,
2000, p. 66).
O Estado não é parte do que ele diz ser, e parte do que é ele não diz ser. Esse é o
contraditório decorrente do domínio de alguns interesses econômicos. Antônio Carlos
Wolkmer (1990, p. 46) diz que “projeta-se, assim, a imagem enganosa de uma instituição que
procura esconder sua verdadeira natureza, ou seja, emerge como produto histórico da vontade
das maiorias, mas acaba desvirtuando-se e servindo somente às finalidades dos grupos sociais
momentaneamente no poder”.
Nos países latino-americanos, a questão é ainda mais grave, porquanto a
independência jamais resultou em verdadeira soberania em relação ao centro (Euro-Norte).
Nem mesmo após o fim do colonialismo, esses Estados puderam se dar ao luxo e necessidade
de serem Liberais. Em vez de não-intervencionistas, foram oligárquicos (ALMEIDA, D.,
2000, p. 64).
120
Na América Latina, as propostas do Estado Liberal e do Estado Social ainda estão
em fase de implantação, sobretudo pela dependência econômica e pelas enormes carências
sociais. Não obstante, com a era Collor, tentou-se implantar um Estado Neoliberal, com
adoção do modelo empresarial de gestão pública, corte de gastos e não intervenção
econômica
55
. Mas o neoliberalismo
56
encontrou dificuldades para se consolidar no país, seja
por não ser consagrado no ordenamento jurídico brasileiro - que a Constituição Federal
exige que o Estado intervenha na economia em prol do bem coletivo - seja pela inafastável
necessidade de o Estado promover direitos essenciais para uma população miserável, os quais
não são distribuídos pelo Mercado.
Apesar do processo de privatizações e da falência de serviços públicos como saúde e
educação, o Estado brasileiro não abriu mão das suas funções sociais, inclusive implantando
programas de distribuição de renda, crédito e fomento à produção.
Considerando os limites deste trabalho, a intenção não foi aprofundar o debate sobre
a evolução do Estado, nem mesmo o brasileiro. Apenas pretendeu-se mostrar que, embora
tenha se reconhecido a questão ecológica, o Estado enfrenta novos problemas, entre eles: a
globalização da crise ambiental, o poder econômico privado e a necessidade de aceitar o
aumento da participação da sociedade civil.
O Estado contemporâneo, como forma política específica, está perdendo suas
prerrogativas políticas, sociais, culturais e, principalmente, jurídicas, numa tendência
preocupante ao esfacelamento. Isso tem ocorrido pela perda do poder de império da legislação
estatal e aquisição de poder decisório pelas macroformações de caráter regional e
internacional (RODRIGUES, P., 2005, p. 486).
A crise não é do Estado, mas de um tipo de Estado, até porque ele é somente um
instrumento cujos mecanismos de atuação podem ser modificados em virtude dos seus fins. O
fato é que, como ensina Rogério Portanova (2002, p. 686), os limites ambientais e sociais
existem no capitalismo ou no socialismo, mas um novo paradigma poderá usar valores bons
de ambos, a fim de transformar o Estado num instrumento garantidor e provedor do bem-
estar.
55
O Estado Neoliberal sacrifica as funções sociais (saúde, assistência, educação, etc.) em nome da estabilidade
econômica, flexibilidade das relações de trabalho e desregulamentação de garantias jurídicas. Nesse Estado, o
Direito passa a ser instrumento para o controle dos excluídos (ALMEIDA, D., 2000, p. 82).
56
O neoliberalismo, que é a base do Estado Neoliberal, é o resultado dos princípios estabelecidos no “Consenso
de Washington”, em 1989, no bojo de uma crise da dívida externa, arquitetado pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI), Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e outras instituições,
que “aconselharam” os países da América Latina a realizar rigorosa disciplina fiscal, privatização de empresas
estatais e alguns serviços, redução dos gastos públicos, reformas (tributária e previdenciária), liberalização
comercial, desregulação da economia e flexibilização de direitos trabalhistas (SILVA, I., 2003, p. 68).
121
2.1.6 Racionalidade Ambiental e Justiça Ecológica
A racionalidade ambiental, enquanto alternativa à criticada racionalidade econômica,
é mais do que uma teoria: consiste num conjunto de valores e práticas voltadas à promoção de
uma outra consciência do sistema produtivo, capaz de ponderar as novas demandas sociais.
Entre os novos valores, merecem destaque aqueles atinentes à definição e aplicação
de um conhecimento ecológico nas relações socioeconômicas. Por exemplo, a consagração do
meio ambiente equilibrado como direito fundamental, do direito à diversidade, da dignidade
humana, da democracia participativa, do dever de utilizar técnicas saudáveis, da eqüidade
intergeracional e da revalorização da funcionalização de antigos institutos jurídicos.
A complexidade das questões de sustentabilidade exige um conhecimento
holístico, sistêmico e interdisciplinar, o qual pode ser chamado de saber ambiental (LEFF,
2001, p. 147). Esse saber reconhece a insuficiência da ciência para solucionar alguns
problemas quando ela o está integrada com o conhecimento cultural local. Ele tamm
questiona a racionalidade econômica predominante, a legitimidade ética do individualismo
e o formalismo judico.
O saber ambiental não se restringe às descobertas científicas, pois valoriza saberes
culturais sustentáveis. Esse (re)conhecimento ambiental permite a reinterpretação
interdisciplinar das conclusões científicas a partir de uma nova concepção de
desenvolvimento, e uma nova concepção jurídica das funções do Estado e dos seus
instrumentos de ação.
No âmbito dessa racionalidade ambiental, pode-se pensar também numa nova idéia
de Justiça que, por ser um conceito normativo indeterminado, implica novos juízos de valor, a
fim de construir um conteúdo que represente essa noção ética.
Ao lado de tantas outras, existe uma justiça ecológica, a qual se caracteriza por ser
mais compreensiva em comparação com a justiça distributiva, e por ser a única capaz de
reconhecer a necessidade de um paradigma racional ecológico. A justiça ecológica, além de
ter uma dimensão de redistribuição, principal aspecto do combate à degradação ambiental nas
sociedades pobres, também está comprometida com a realização material da racionalidade
ambiental (GIMÉNEZ, 2002, p. 59).
Essa racionalidade e, sobretudo, a defesa da existência de uma justiça ecológica,
exige que o Direito, que é a expressão da regulação justa da atividade humana, volte-se à
realização da adequada proteção ambiental para manter o potencial de desenvolvimento. Caso
122
consiga consagrar esses valores e dispor de instrumentos de precaução e responsabilização, o
Direito contribuirá para que a justiça ecológica se torne um paradigma dominante.
De outro lado, somente a concretização desse modelo de justiça pode promover a
efetividade do Direito no sentido de concretização das garantias formais nas relações sociais e
da conquista material da sustentabilidade na perspectiva de eqüidade intergeracional.
2.2 A consagração constitucional do desenvolvimento sustentável
Sabendo que o Estado contemporâneo se legitima quando atua para concretizar as
diretrizes constitucionais na busca do bem comum, certamente não seria possível, pelo menos
no âmbito da consagração de valores na Constituição Federal, defender a existência de um
paradigma diferente do desenvolvimento sustentável em sentido tridimensional.
O Estado brasileiro, do ponto de vista teórico, propõe o desenvolvimento a partir da
harmonização e efetivação de direitos individuais, sociais e ambientais. A Constituição
consagrou o paradigma político defendido pelos teóricos do Estado Ambiental, o qual é capaz
de integrar justiça social, democracia, respeito ao ordenamento jurídico e proteção ambiental.
Foram criados programas e objetivos que vinculam a atuação do Poder Público e limitam o
exercício da liberdade de iniciativa e dos poderes do domínio à satisfação do bem comum.
Essa concepção de modelo político é perceptível no preâmbulo da Constituição
Federal de 1988, o qual expressa que foi instituído um “Estado democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e justiça como valores supremos [...]”.
A Constituição brasileira é dirigente, enuncia programas, diretrizes e fins do Estado,
tendo a dignidade humana como princípio político constitucional conformador. Os incisos do
seu artigo deixam evidente que ela consagra um modelo político expressivamente social,
pois tem, entre os seus fundamentos: a cidadania (II), a dignidade humana (III) e os valores do
trabalho (IV). Também salientando o elemento social, os incisos do artigo colocam como
objetivos do Estado a busca de uma sociedade justa e solidária (I), o desenvolvimento
nacional (II) e a redução das desigualdades (III). O conteúdo constitucional dessa dimensão
social vem disposto do artigo 6º ao 11 e em todo título XVIII, isto é, do artigo 193 ao 232
57
.
Também estabelecendo essa dimensão social e a interação multidimensional dos
requisitos do desenvolvimento sustentável, merece nota o artigo 170. Segundo essa norma,
57
Destaca-se, ainda, o artigo 192, o qual dispõe que o sistema financeiro deve servir aos interesses da
coletividade.
123
qualquer atividade econômica deve ser exercida em harmonia com os aspectos sociais (função
social da propriedade, dignidade humana, valorização do trabalho e redução das
desigualdades), a liberdade econômica (propriedade privada e livre iniciativa) e a conservação
ambiental.
O “caput” do artigo 170 da Constituição Federal estabelece princípios-essência, que
são aqueles que orientam a interpretação e execução das outras normas, bem como norteiam a
produção normativa; são valores capazes de dar coerência ao ordenamento jurídico, entre eles:
dignidade humana, livre iniciativa e valorização do trabalho (DERANI, 2001, p. 251).
Os incisos do artigo 170 da Constituição Federal estabelecem princípios-base, que
são necessários para estruturar a realização de determinadas atividades, bem como
materializam os princípios-essência a partir da qualificação do desenvolvimento (DERANI,
2001, p. 252).
No artigo 170, “caput”, a ordem econômica não aparece no sentido normativo
(regras jurídicas da economia), mas no sentido de relações econômicas reais (como atividade
econômica). No entanto, o próprio artigo estipula uma ordem no sentido jurídico, impondo
princípios e regras de conformação do processo econômico, ou seja, normas que
institucionalizam uma determinada ordem econômica com base nos fins políticos escolhidos
pela sociedade (GRAU, 2004, p. 61). Na Constituição, essa ordem pode ser concebida na sua
realidade sociológica, como atividade econômica (“ser”), ou como uma espécie de ordem
jurídica a partir de um conjunto de regras e princípios (conjunto de normas de “dever ser”).
Enquanto ordem jurídica econômica (“dever ser”), nos termos do artigo 170 da
Constituição Federal, ela será intervencionista, de maneira a servir de instrumento para que o
Estado, com base nas diretrizes estabelecidas no mencionado artigo, dirija institucionalmente
a atividade econômica (“ser”), a fim de efetivar um determinado paradigma de
desenvolvimento, que a Constituição qualifica como sustentável (GRAU, 2004, p. 228).
Considerando o desenvolvimento como redução das desigualdades e a expansão das
capacidades de a pessoa efetivar escolhas, não há como negar a importância da intervenção do
Estado na Economia.
A proteção da propriedade privada e da livre iniciativa (artigo 170, incisos II e IV)
não ocorre em prejuízo dos princípios essenciais, como a dignidade das gerações atuais e
futuras; afinal, esses são pressupostos da proteção de qualquer liberdade individual. O artigo
170 (ordem econômica) não pode ser entendido sem o artigo 193 (ordem social) e o artigo
225 (meio ambiente); todos devem ser relacionados sistematicamente, de maneira que os
124
direitos individuais de domínio não sejam exercidos em detrimento do trabalho humano e do
bem-estar social (DERANI, 2001, p. 233).
Confirmando esse entendimento, reza o artigo 170, inciso VI, como princípio da
ordem econômica, a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação”.
Esse princípio impositivo atua como norma-objetivo de caráter constitucional
conformador, justificando a exigência de uma função ambiental, ou seja, justificando todas as
imposições do artigo 225, que lhe dá conteúdo e efetividade (BENJAMIN, 1993, p. 57)
O ordenamento deve ser analisado em sua complexidade. O tratamento de oposição
é muito mais ideológico do que material, de maneira que não contribui para a
sustentabilidade. É preciso compatibilizar interesses aparentemente contrapostos, como
desenvolvimento socioeconômico e sustentabilidade. A interpretação constitucional exige que
os princípios do artigo 170 sejam operacionalizados de forma a garantir maior efetividade a
todos.
Apesar de o ordenamento jurídico não estabelecer a distribuição equitativa dos
recursos destinados à produção, os proprietários do capital produtivo têm o dever de
contribuir para o bem-estar dos trabalhadores e de manejar adequadamente os recursos
naturais.
No plano interno, as bases da política econômica brasileira estão inseridas num
contexto de proteção da liberdade de mercado, de reconhecimento do direito ao
desenvolvimento e da necessidade de preservação do meio ambiente. Contexto que é
coerente com a necessidade de imprimir compatibilidade às racionalidades
econômica e ambiental. A constituição do Brasil consagra o desenvolvimento como
um dos objetivos da República e reconhece a necessidade de proteção do meio
ambiente, como princípio da ordem econômica (CORRÊA, 2006, p. 194, grifo do
autor).
Para evidenciar a afirmação acima, basta atentar para os requisitos da função social
da propriedade privada, dispostos no artigo 186 da Constituição Federal. Além de procurar ser
compatível com o direito de propriedade e até legitimar a sua tutela, exige expressamente a
integração simultânea das demais dimensões do desenvolvimento sustentável.
A proteção ambiental está consagrada em diversos artigos do texto constitucional, de
forma que é impossível negar que seja possível uma concepção de desenvolvimento que não
respeite os preceitos ecológicos. Podem ser destacados os artigos que discriminam as
competências legislativa e material da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (artigos
23, 24 e 31), pois, em todos, existem expressas determinações acerca da distribuição de
125
atribuições no âmbito do Poder Legislativo e Executivo em relação à proteção dos recursos
naturais.
Como consagração constitucional categórica do desenvolvimento sustentável numa
perspectiva holística e solidária, menciona-se o artigo 225, “caput”, o qual proclama o dever
de proteger o meio ambiente equilibrado para as gerações atuais e futuras.
Nesse artigo, o meio ambiente foi elevado à categoria de direito fundamental. Para
alguns autores, um direito subjetivo público, uma vez que existe possibilidade de ações contra
o Estado ou setores da esfera privada para exigir condutas omissivas ou comissivas.
São aspectos da proteção constitucional ao meio ambiente: a) valor constitucional
material e qualificado, com vinculação do bem ambiental à qualidade de vida (artigo 5º,
“caput”), de forma que ele passou a ser uma dimensão da dignidade humana e, enquanto
direito humano fundamental, recebeu o atributo de cláusula pétrea
58
; b) bem de uso comum do
povo, distinto da classificação de acordo com a titularidade do domínio (públicos ou
privados); c) dever do Poder Público, do proprietário e da coletividade de respeitar o meio
ambiente; d) direito de todos os homens; e) bem garantido às futuras gerações (democracia
intergeracional); f) adoção da teoria da responsabilidade civil objetiva, na forma da teoria do
risco integral, obrigando a reparação do dano ambiental, mesmo na hipótese de condutas
lícitas.
O “caput” do artigo 225 é uma norma-princípio que anuncia o meio ambiente como
direito difuso e transgeracional, ambos direitos fundamentais. Ele consagra a necessidade de
uso sustentável ou de conservação integral para o bem comum. O meio ambiente, além de ser
um reflexo da proteção à vida, a qualifica no sentido de lhe dar certos atributos.
O § 1º do artigo 225 estabelece garantias e instrumentos, a fim de que sejam
controlados os empregos de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para o meio
ambiente, como os agrotóxicos e os transgênicos, de forma que impõe direito e deveres. as
normas presentes nos §§ 2º ao 6º do mesmo artigo estabelecem determinações setoriais
59
.
A constitucionalização do meio ambiente forma uma nova ética, na qual a avaliação
econômica dos recursos perde a primazia individualista em favor da sustentabilidade:
58
Sendo abrangido pelo artigo 60, § 4º, da Constituição Federal, que considera os direitos fundamentais das
quatro gerações como cláusulas pétreas (BONAVIDES, 2003, p. 641).
59
Segundo José Afonso da Silva (2003, p. 52), as normas constitucionais de proteção ambiental do artigo 225
podem ser classificadas da seguinte forma: a) norma-princípio: “caput”; b) normas-instrumentos: meios de
garantia da efetividade do direito estabelecidos no “caput” e nos incisos do § (cria deveres e direitos de
aplicabilidade imediata); c) determinações particulares: especificidades setoriais dos §§ 2º ao 6º.
126
Os Estados m o papel de guardiães da vida, da liberdade, da saúde e do meio
ambiente. Garantir a liberdade responsável: liberdade para empreender, liberdade
para descobrir e aperfeiçoar tecnologias, liberdade para produzir e comercializar, sem
arbitrariedades ou omissões dos Estados, liberdade que mantém a saúde dos seres
humanos e a sanidade do meio ambiente. A liberdade que engrandece a humanidade e
o meio ambiente exige um Estado de Direito, em que existem normas, estruturas,
laboratórios, pesquisas e funcionários, independentes e capazes. As gerações
presentes querem ver os Estados também como protetores do meio ambiente para as
gerações que não podem falar ou protestar. Os Estados precisam ser os curadores dos
interesses das gerações futuras. Então, não será uma utopia um Estado de Bem-estar
Ecológico, fundado na eqüidade (MACHADO, 2003, p. 92).
José Afonso da Silva (2003, p. 26, grifos do autor) corrobora a posição de que o
ordenamento jurídico brasileiro consagra o desenvolvimento sustentável, haja vista que a
Constituição Federal e, antes, a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, sobretudo do artigo
ao 4º, estabelecem que:
[...] o principal objetivo a ser seguido pela Política Nacional do Meio Ambiente é a
compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. A conciliação dos dois valores
consiste, assim, nos termos do dispositivo, na promoção do chamado desenvolvimento
sustentável, que consiste na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites
da satisfação das necessidades e do bem-estar da presente geração, assim como de sua
conservação no interesse da geração futura. Requer, como seu requisito indispensável,
um crescimento econômico que envolva equitativa redistribuição dos resultados do
processo produtivo e a erradicação da pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos
padrões de vida e melhor atendimento da maioria da população.
A Constituição Federal estabelece uma função ambiental em benefício do
aproveitamento humano, com fundamento na dignidade humana; no entanto, também protege
a capacidade funcional dos bens ambientais independente do interesse direto da geração
atual
60
.
Por todo o exposto, constata-se que não na Constituição a expressão
“desenvolvimento sustentável”, mas sua proteção multidimensional pode ser observada
quando a Carta é vista como um sistema, uma vez que todos os seus institutos jurídicos e
princípios formam uma unidade voltada à realização de uma concepção qualificada de
dignidade humana.
Partindo de um outro viés, é possível afirmar que o desenvolvimento sustentável é
corolário da consagração do direito à segurança, que ganhou relevância devido ao aumento
dos riscos provocados pela crise ambiental.
60
A proteção constitucional é destinada à pessoa humana. A natureza somente é portadora de direitos por via
reflexa. Mas o homem não pode explorar os bens ambientais de forma irresponsável (FIORILLO, 2001, p. 17).
127
O direito à segurança, em sentido lato, foi consagrado no artigo 5º, “caput”, da
Constituição Federal, e envolve garantias essenciais para a atuação de outros valores, como a
igualdade, a liberdade e o bem-estar:
O direito à segurança é o gênero das garantias, proteções, amparos, estabilidade
atribuídas ao Estado, para concretizar a paz e a harmonia em sociedade, posto que é
um direito natural, inerente à pessoa, cuja concretização é feita por meio de
aparelhamento de situações, proibições, limitações e procedimentos destinados a
assegurar o exercício e gozo de algum direito individual fundamental: vida,
liberdade, igualdade, propriedade, intimidade, incolumidade física ou moral, etc.
(BORGES, P. 2005, p. 42).
Existem diversas espécies de segurança (jurídica, nacional, social e da ordem
pública), que instrumentalizam o Estado para a proteção do bem comum. Paulo Borges (2003,
p. 40-42) avança na idéia de segurança num sentido muito menos técnico-jurídico do que a
idéia predominante de segurança, ou seja, mais voltada à capacidade de conservação e bem-
estar social, que o autor menciona os direitos sociais como conteúdo material do direito à
segurança em sentido lato (ou segurança social, em sentido estrito).
O direito à segurança é um direito fundamental relacionado à aspiração natural de
conservação humana, pois haverá harmonia social e bem-estar se houver uma existência
segura (BORGES, P. 2003, p. 90). Assim, pode-se defender que o desenvolvimento
sustentável está relacionado com praticamente todas as formas de segurança, pois,
dependendo da maneira como a ela é concebida, pode ser fundamental para qualquer outro
fim do Estado.
Não obstante, cabe reconhecer que a segurança precisa ser concebida diante das
incertezas dos riscos provenientes da atual realidade; logo, deve ser substituída a idéia de
segurança como afastamento dos perigos pela de instrumento de controle das expectativas.
Para concluir a presente discussão sobre a consagração constitucional do
desenvolvimento sustentável, acredita-se que é interessante apresentar os principais benefícios
da constitucionalização constatados por Antônio Benjamin (2002, p. 93): a) a criação da
obrigação de não degradar como contrabalanceamento do direito de explorar; b) a criação da
obrigação de intervenção do Estado, de modo que ele considere o meio ambiente em qualquer
decisão legislativa, administrativa ou judicial); c) o reconhecimento da legitimidade para a
sociedade agir; d) a garantia da hierarquia constitucional à proteção socioambiental; e) ainda
em termos formais, a criação de uma ordem pública ambiental constitucionalizada que
permite o controle constitucional e uma base de coerência na interpretação do sistema
jurídico.
128
Em contrapartida, o autor entende que a constitucionalização provocou dificuldade
técnica para definição dos conceitos e atualização das normas, inclusive pelo procedimento
rigoroso de alteração constitucional, além de não garantir a efetividade da sustentabilidade.
2.2.1 O sistema constitucional e a interpretação das normas que consagram a
multidimensionalidade do desenvolvimento sustentável
A Constituição é o preceito jurídico que revela os valores e diretrizes responsáveis
pela ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento
escrito - é a ordem
61
jurídica fundamental do Estado. Essencialmente, ela tem a função de
legitimação de uma política e dos que exercem o poder (discrimina os órgãos do Estado e a
sua competência), de ordenação (supremacia constitucional enquanto ordenamento estatal) e
de estabelecer os direitos e as garantias fundamentais (CANOTILHOa, 1998, p. 1334).
A Constituição deve ser vista como um sistema. Primeiro, pela sua complexidade,
pois decorre de uma multiplicidade de normas jurídicas que interagem e formam uma
unidade, a partir da síntese dos valores fundamentais da sociedade. Depois, por ser aberta e
coerente, expelindo as incompatibilidades decorrentes dos conflitos normativos segundo a
realidade no tempo e no espaço.
Contudo, não se deve conceber o Direito como um sistema auto-organizativo,
autopoiético e artificial de normas definidas politicamente (ou economicamente), ou seja,
capaz de gerar a si próprio, produzir seus elementos, fixar seus limites e estruturas
(CANOTILHO, 1998a, p. 1290). O Direito deve reconhecer a influência de outros sistemas e
internalizar as relações sociais emergentes da interação social espontânea dos seus agentes.
Para efetivar a pretensão de ser a ordem jurídica conformadora do Estado, a
Constituição, sem descuidar dos procedimentos formais (respeitos às cláusulas pétreas, ao
processo revisional e de controle), precisa captar a dinamicidade da vida política e social.
Segundo Canotilho (1998a, p. 1293), a Constituição Moderna ainda deve ser o
ordenamento fundamental, a fim de propor a melhor organização do Estado e da interação
deste com a sociedade, e orientar as relações privadas no âmbito da sociedade. No entanto,
também precisa ser uma norma mais aberta para possibilitar a harmonização de conflitos,
reconhecer e legitimar o dissenso e as diferentes opções políticas.
61
Ordem como o conjunto de práticas e prescrições normativas que moldam um aspecto do Estado e da
Sociedade.
129
O sistema constitucional, por abranger aspectos normativos, fáticos e axiológicos,
deve manter sua unidade na heterogeneidade e na interação com as relações sociais atuais. Ao
mesmo tempo, esse sistema deve ser coerente, em virtude de inexistir conflitos entre as suas
normas.
Apesar de se reconhecer que ele foi construído no meio de conflitos ideológicos, a
unidade e a coerência do sistema são possíveis pela existência de mecanismos de ponderação
e interpretação sistemática dos princípios e garantias constitucionais (GRAU, 2004, p. 177).
Somente essa concepção de sistema constitucional garantirá a efetividade do
substrato material do desenvolvimento sustentável. Não são apenas as normas que disciplinam
a ordem econômica, nem apenas aquelas referentes ao capítulo do meio ambiente. O Direito
precisa ser satisfeito como um todo, em todas as suas fontes.
Nenhuma forma ou instituto de Direito Constitucional poderá ser compreendido em
si, fora da conexidade que guarda com o sentido de conjunto e universalidade
expresso pela Constituição. De modo que cada norma constitucional, ao aplicar-se,
significa um momento no processo de totalidade funcional, característico da
integração peculiar a todo ordenamento constitucional. A Constituição se torna por
conseqüência mais política do que jurídica. Reflete-se assim essa nova tomada de
sentido na interpretação, que também “politiza” consideravelmente, no mesmo passo
que ganha incomparável elasticidade, permitindo extrair da Constituição, pela
análise integrativa, os mais distintos sentidos, conforme os tempos, a época e as
circunstâncias (BONAVIDES, 2003, p. 479, grifos do autor).
Por essa concepção de sistema constitucional defendida, a legitimidade do poder está
diretamente presa à efetividade do conteúdo dos valores sociais e ao respeito à
representatividade democrática. A teoria material representa a dialética entre o ser (realidade)
e o dever ser (normas). Para tanto, a norma constitucional deve passar por um processo de
interpretação, aplicação e concretização. Essa tríade forma o processo de construção da norma
concreta (CANOTILHO, 1998a, p. 1127).
2.2.1.1 A interpretação das normas insertas no sistema constitucional
Interpretar é compreender o conteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que
formam o texto legal. A interpretação ocorre a partir de um contexto e de um conteúdo
lingüístico, que formam as referências para a definição da norma aplicável a um caso
concreto.
130
A moderna interpretação constitucional considera tanto o pensamento sistemático,
voltado ao todo, quanto o aporético, que parte dos problemas e dos tópicos, extraindo a norma
da relação entre um conteúdo textual (lingüístico) e os dados reais.
Canotilho (1998a, p. 1147-1151) ensina que são diretrizes interpretativas da
Constituição: a) o princípio da unidade hierárquico-normativa: por meio dele, determinou-se
que inexiste hierarquia entre as normas constitucionais, as quais devem formar um sistema
coerente de regras e princípios; b) o princípio da máxima efetividade; c) o princípio da
harmonização ou ponderação: utilizado para resolver conflitos entre princípios e entre direitos
fundamentais; d) e o princípio da interpretação do Direito conforme a Constituição
62
.
Pietro Perlingieri (1997, p. 72), em defesa da interpretação sistemática, argumenta
que a “norma nunca está sozinha, mas existe e exerce sua função unida ao ordenamento e o
seu significado muda com o dinamismo do ordenamento ao qual pertence”. O princípio da
legalidade só é respeitado se a interpretação se dá nesse contexto de ordenamento unitário.
A Constituição protege valores que podem vir a entrar em conflito. Para a sua
coerência e unidade axiológico-normativa, é necessário que o valor de um princípio, ou
mesmo de um direito fundamental, possa ser relativizado/ponderado nos casos concretos.
Canotilho (1995, p. 90) não adota a classificação hierárquica dos direitos
constitucionais, por exemplo, não estabelece supremacia entre a proteção ambiental e o direito
de propriedade privada ou a livre iniciativa. Para o autor, quando houver colisão de princípios
ou direitos fundamentais, não é possível a aplicação das regras clássicas de antinomia e nem
existe fundamento para a teoria das normas constitucionais inconstitucionais, pois a coerência
e unidade do sistema exige o balanceamento dos interesses em conflito.
Na colisão entre direitos individuais e os direitos de solidariedade, é natural a
prevalência do interesse de índole mais ampla sobre o de índole limitada (direito subjetivo
público sobre o privado), mas sem negar a validade deste. No caso do direito ao meio
ambiente, um interesse difuso que pode prevalecer em relação ao bem particular. Mesmo
assim, a decisão vai depender da avaliação do caso concreto.
O direito de propriedade é um direito fundamental, mas a análise fática de uma
demanda possibilitará a verificação da legitimidade de sua proteção. Por exemplo, a
inexistência de hierarquia entre valores não existirá se o domínio for exercido de forma
abusiva.
62
As normas constitucionais possuem supremacia normativa, de modo que encontram validade jurídica em si
mesmas. Toda a produção normativa precisa estar conforme os parâmetros constitucionais; do contrário
perdem sua legitimidade e validade (CANOTILHO, 1998a, p. 1074-1075).
131
De outro lado, é preciso considerar que o Direito reproduz o jogo de forças sociais e
políticas, bem como os valores morais e culturais de uma determinada organização social, ou
seja, corresponde a um fenômeno social concreto que só pode ser entendido questionando-se a
realidade social e o processo histórico em que ele se desenvolve (WOLKMER, 2003, p. 155;
PERLINGIERI, 1997, p. 1; GRAU, 1991b, p. 43).
Cada espaço oferece diferentes limites e disponibilidade de recursos. Ademais, a
forma de organização de cada sociedade diante da realidade encontrada nunca é homogênea.
Por isso, é importante que uma pesquisa em ciências sociais conheça o espaço estudado; do
contrário, podem ocorrer equívocos ou deficiências nos resultados.
A construção do Direito, sobretudo aquele positivado em leis, reflete escolhas
políticas. Ao mesmo tempo, o Direito influencia na condução da Política. Essas escolhas
ocorrem dentro de um processo conflituoso, resultante da correlação de forças nas interações
sociais
63
. O Estado deveria ser uma espécie de síntese capaz de dar coerência e organicidade
ao concurso efetivo das consciências individuais e suas múltiplas associações.
O Direito precisa partir do pressuposto de que os fenômenos sociais não são
estáticos e estão em constante interação. Além de ser um fenômeno complexo, ele precisa ser
considerado em sua dinamicidade
64
.
O Direito também é um conjunto de normas com certa aceitação social
(reconhecimento ou, em certo sentido, legitimidade); no entanto, não se encerra no caráter
normativo, até porque um código comunicativo, como um conjunto de normas, é composto
por elementos constitutivos de uma sociedade, bem como pelas expectativas da mesma.
uma dupla instrumentalidade do Direito. Ele regula as estruturas do Estado e da
sociedade e, ao tratar de políticas públicas, aparece como instrumento funcional de ordenação
de situações conjunturais:
Embora seja tarefa essencial ao direito fixar as linhas das estruturas sociais, ele vem
assumindo sempre com maior intensidade uma postura de ordenação de situações
conjunturais, o que lhe impregna também uma função de instrumento implementador
das políticas públicas, revelando atualmente o lado funcional do direito paralelamente
ao seu conteúdo estrutural. Pois, se, por um lado, fixa e ordena as estruturas básicas
do desenvolvimento de uma sociedade, por outro impõe constantemente ações
visando a determinado objetivo social (DERANI, 2001, p. 57, grifos do autor).
63
O Direito posto é a tradução da correlação de forças produtivas de uma sociedade em sua realidade espaço-
temporal (GRAU, 1991b, p. 45).
64
O Direito é um fenômeno complexo por ser multidimensional (interagem fatos, valores e normas) e é dinâmico
por ter relação direta com as transformações de um tempo ou espaço social.
132
Uma interpretação dinâmica deve ser holística e multidimensional, bem como,
rejeitar a separação entre o texto normativo e o substrato fático. Não se pode entender
segurança jurídica como respeito à formalidade, mas como a aplicação do Direito nos termos
da Constituição.
O Direito não deve ser estudado como lógica (apenas no plano normativo do “dever
ser”), mas em sua realização, elementos, influências e no que influencia, pois ele é o resultado
de processos sociais dialógicos de interação e comunicação (DERANI, 2001, p. 20).
A vivificação exige uma análise histórico-teleológica dos conflitos concretos e das
normas. Estas devem ser tomadas como um instituto voltado a um problema/expectativa de
uma sociedade. Do contrário, apenas como garantias formais desvinculadas dos problemas
concretos da sociedade, são desnecessárias. Nesse sentido, um pensamento interessante de
Jacques Rousseau (1996, p. 131) sobre uma visão meramente formalista e estática das leis:
A inflexibilidade das leis que impede que estas se adaptem às circunstâncias, pode,
em certos casos, torná-las perniciosas e causar por meio delas a perda do Estado em
crise. A ordem e a lentidão do formalismo exigem um espaço de tempo que as
circunstâncias às vezes não consentem. Podem apresentar-se mil casos que o
legislador não previu e é uma previdência bem necessária conhecer que nem tudo se
pode prever. Não se deve, pois, intentar firmar as instituições políticas sem destruir
o poder de suspender seus efeitos.
A norma deve ser real e o ideal, tanto melhor se realidade e desejos se
aproximarem. Não adianta uma norma ideal o concretizada e nem uma realidade não desejada.
A norma que consagra um ideal (“dever ser”) precisa estar vinculada a uma realidade, seja no
intuito de conservar a mesma (se ela for desevel) ou modificá-la (quando ruim).
Mesmo seguindo todas essas diretrizes de interpretação, é necessário reconhecer que
a existência de normas não é suficiente para a transformação da atual crise ambiental. A
efetividade do desenvolvimento sustentável dependerá de uma série de ações que fogem à
esfera de produção e aplicação do Direito. Não obstante, se verificará, a seguir, que existem
diversos instrumentos jurídicos que fomentam a luta pela efetividade dos valores consagrados.
2.2.1.2 A aplicabilidade das normas constitucionais
Conforme lecionam José Afonso da Silva (1968, p. 75) e Luiz Roberto Barroso
(2000, p. 81), pode-se afirmar que todas as normas da Constituição possuem eficácia jurídica,
pois produzem efeitos, mesmo aquelas não dotadas de aplicabilidade direta e imediata.
Depois de um período de “vacatio legis”, se houver, uma lei existente, válida e
publicada adquirirá vigência. A norma apta a produzir efeitos nos termos do ordenamento
133
possui eficácia técnica, mas a eficácia social de uma lei vigente pode depender de uma
definição ou regulamentação posterior.
Existem vários critérios utilizados para classificar a aplicabilidade e eficácia das
normas jurídicas
65
. Abaixo, apresenta-se a classificação tripartite de José Afonso (1968, p. 76),
que tem em vista a produção de efeitos e a necessidade de regulamentação:
a) Normas de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral: existe a
possibilidade de produzir efeitos sociais desde a entrada em vigor, pois o legislador
constituinte criou uma normatividade suficiente para incidir sobre o objeto regulado.
Os direitos e garantias fundamentais, como a proteção ao meio ambiente, possuem
aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º, da Constituição Federal), independente de um ato
legislativo ou administrativo que anteceda sua efetividade, de maneira que se considera
inconstitucional ou não recepcionado, quando anterior, tudo o que lhe é contrário.
b) Normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata, direta e possivelmente
restrita: a aplicabilidade dessas normas não será integral se o legislador ordinário vier a
limitar sua eficácia, nos estritos termos previstos pela própria norma;
c) Normas de eficácia limitada: divididas em normas declaratórias de princípios
institutivos ou organizativos e normas programáticas. As primeiras contêm esquemas gerais
para a estruturação das instituições, cuja eficácia depende de norma integrativa. As
programáticas são princípios enunciativos de compromisso sociais do Estado; nesse caso, o
constituinte não pretendeu regular direta e imediatamente determinados interesses, mas traçar
diretrizes a serem seguidas pelo Poder Público.
As normas programáticas são abundantes nas Constituições modernas, maiormente a
partir do reconhecimento da segunda dimensão de direitos humanos fundamentais. Apesar de
as normas dessa natureza não terem força vinculante em relação aos interesses que regula,
possuem efeitos sociais, devido à existência de certa eficácia jurídica teleológica capaz de
nortear a produção e a aplicação do Direito (SILVA, J.A., 1968, p. 140)
66
.
65
Classificação de Luis Roberto Barroso (2001, p. 280): a) normas de organização: traçam a estrutura do Estado
e têm por objeto, essencialmente, a repartição do poder político e a definição de competência dos órgãos
públicos. Em certos casos, delas decorrem, reflexamente, direitos subjetivos; b) normas definidoras de direitos:
investem o jurisdicionado no poder de exigir do Estado ou de outro eventual destinatário da regra (direitos
políticos, individuais, sociais e difusos); c) normas programáticas: apontam os fins a serem perseguidos, mas
não precisam os meios para atingi-los.
66
Essas normas são diretas e imediatamente exigíveis, comportando pretensão judicial, individual ou coletiva,
para revogar as leis ou os atos anteriores conflitantes com os princípios que as substanciam. Elas se ocupam de
tornar inconstitucionais os atos e leis posteriores que são incompatíveis com os seus enunciados. Ainda,
condicionam a atuação da Administração Pública, informam a interpretação do Direito no Judiciário e
vinculam o legislador à sua realização
(BARROSO, L. R., 2000, p. 154).
134
Devido à concepção de sistema constitucional adotada, não resta dúvida de que
todas as dimensões do desenvolvimento sustentável produzem efeitos jurídicos imediatos e
concretos. Nem será preciso fazer um estudo detalhado da aplicabilidade das normas
constitucionais para perceber que, embora os elementos do desenvolvimento qualificado
sejam especificados em direitos fundamentais de aplicabilidade imediata e eficácia plena -
como os direitos sociais, o meio ambiente e o direito de propriedade -, uma Constituição
Federal precisa ser farta em normas-objetivos, que estabeleçam os fins do Estado (como
ocorreu no artigo 3º), e normas que incluam os valores da sociedade nos programas políticos.
A Constituição consagra o desenvolvimento sustentável como fim do Estado e
dispõe de um programa para efetivá-lo, o que é suficiente para a produção de efeitos
jurídicos, nos termos expostos para as normas programáticas. De outro lado, a própria Carta já
dispõe de normas de aplicabilidade direta, imediata e integral e eficácia plena com o propósito
de dar conteúdo e criar instrumentos para promover esse modelo de desenvolvimento, como
os instrumentos de política agrícola (artigo 187) e de política ambiental (artigo 225, § 1º).
2.2.2 Os princípios estruturantes do desenvolvimento sustentável
Neste momento, pretende-se apresentar os princípios mais relevantes no tocante ao
modelo de desenvolvimento consagrado no Direito brasileiro, a fim de evidenciar sua
tridimensionalidade, a qual abrange aspectos econômicos, sociais e ambientais.
Tantos as regras quanto os princípios são normas jurídicas. A norma jurídica é o
preceito que tutela situações subjetivas de vantagens ou de vínculo
67
. De um lado, ela confere
a faculdade de alguém realizar certos atos ou vantagens decorrentes da abstenção de outrem e,
de outro lado, vincula pessoas ou o Estado a se submeterem às pretensões do titular do direito.
Segundo Cristiane Derani (2001, p. 48), os princípios são as normas que dispõe de
maneira mais ampla a respeito de algo a ser realizado, mas dentro das relativas possibilidades
do Direito e dos fatos. as regras são normas com estipulações mais determinadas no plano
fático e normativo. A diferença entre regras e princípios não é de hierarquia, mas qualitativa -
o grau de aplicação e a dimensão axiológica.
Os princípios são as diretrizes supremas que garantem a coesão e a unidade do
sistema, de forma que instituem um regime jurídico específico para uma sociedade, segundo a
67
As normas constitucionais podem ser: a) princípios: normas com maior grau de abstração, generalidade e valor
e com um papel conformador no sistema, o que lhe dá certa hierarquia sobre as demais fontes. Os princípios
possuem maior dificuldade de aplicação direta do que as regras, as quais são mais funcionais; b) regras:
normas com maior grau de determinabilidade e concretude (CANOTILHO, 1998a, p. 1087).
135
realidade cultural e social do país. Eles constituem uma compreensão global da ordem
constitucional para fins de produção, interpretação, integração e validade do Direito.
Ao considerar o sistema constitucional segundo a concepção material defendida
acima, além de se reconhecer que os princípios são os responsáveis por dar coerência ao
sistema, é preciso compreender que a concretização dessas normas também depende de um
substrato material extraído do diálogo com os aspectos fáticos, as regras jurídicas e os valores
teleológicos da ideologia predominante nas decisões políticas.
Outro ponto interessante diz respeito à colisão entre princípios. Enquanto, no caso
das regras, a solução se no âmbito da validade, nos conflitos entre princípios, não
discussão nessa área, pois princípios válidos também colidem. A solução de conflitos está na
aplicação de algum princípio em determinada situação concreta, mas sem negar o outro. O
procedimento é a ponderação, de forma que se avalia a adequação das normas ao caso
concreto, a fim de satisfazer o bem-estar coletivo - princípio da proporcionalidade (DERANI,
2001, p. 51).
Os princípios coexistem, a aplicação de um não exclui o outro; apenas reduz sua
eficácia no caso concreto. Não existe antinomia como nas regras jurídicas. O conflito é
resolvido pela ponderação, o que causa maior suscetibilidade às interpretações e ao
equacionamento ideológico.
O princípio da proporcionalidade somente se completa a partir do respeito a alguns
subprincípios. Um deles é o da adequação, pelo qual se exige a escolha de meios apropriados
para realizar os fins perseguidos no caso concreto. Outro subprincípio é o da exigibilidade.
Por meio dele, exige-se a utilização dos mecanismos mais efetivos e menos gravosos ao
prejudicado. Por fim, a proporcionalidade em “sentido estrito” exige a ponderação entre
meios e fins, as vantagens e as desvantagens. Estas, em nenhuma hipótese, podem violar a
dignidade humana.
Podem existir conflitos entre o meio ambiente e os interesses privados do
proprietário (de caráter singular, pois o proprietário também está incluído entre os titulares
dos interesses sociais e difusos). Em tais casos, quando não for possível tal conciliação,
somente a ponderação poderá indicar qual desses interesses fundamentais deverá prevalecer
no caso concreto, de modo a causar o menor sacrifício possível ao interesse que não será
satisfeito.
Não oposição entre o direito de propriedade, a livre iniciativa, a função social da
propriedade e a proteção ambiental (todos proclamados no artigo 170 da Constituição
Federal), no máximo, um valor perde efetividade no caso concreto, mas nunca a sua validade.
136
Definida a concepção de princípios adotada neste trabalho, salienta-se que a idéia é
mostrar que eles, ao lado das regras, estabelecem um regime jurídico próprio para uma
determinada matéria. No caso, um sistema tridimensional de desenvolvimento sustentável, o
qual deve ser orientado pelos seguintes princípios:
a) Princípio da supremacia do interesse coletivo sobre o privado: consagrado no
artigo 170 e no “caput” do artigo 225, ambos da Constituição Federal, ele reconhece que o
desenvolvimento sustentável está relacionado à proteção do bem ambiental e da dignidade
humana, em face da liberdade econômica e dos poderes do domínio.
O desenvolvimento se relaciona ao bem-estar coletivo em seus múltiplos critérios e
a compreensão da interdependência do homem frente à natureza, que não pode ser subjugada.
O interesse particular, quando em conflito com o interesse de todos, deve ser depreciado.
O próprio Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002), especialmente no
“caput” e nos parágrafos do artigo 1.228, coloca os interesses sociais acima dos individuais,
pois consagra os princípios da eticidade, da socialidade e realizabilidade
68
.
b) Princípio da indisponibilidade do meio ambiente: como macrobem, o meio
ambiente é um bem imaterial de uso comum do povo (“res communes omminium”). Também
é um direito fundamental de terceira geração; portanto, irrenunciável e indisponível.
O meio ambiente pode ser encarado sob vários aspectos, especialmente se visto
como microbem. Todavia, ele possui uma noção unitária - que é o macrobem. Nesse caso, é
um bem imaterial de interesse plurindividual (coletividade indeterminada) e um direito difuso
no aspecto subjetivo (vários sujeitos são titulares) e no aspecto objetivo (bem indivisível que
cada indivíduo possui pelo fato de pertencer a uma pluralidade de sujeitos). O macrobem
aparece como bem incorpóreo, de uso comum do povo, autônomo em relação à classificação
clássica e que se concretiza em microbens
69
.
c) Princípio da precaução e da prevenção: ambos consagrados no artigo 15 da
Declaração do Rio de Janeiro e, de forma implícita, na Constituição Federal de 1988.
68
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder
de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1
o
O direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade
com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio
histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2
o
o defesos os atos que não trazem
ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem [...]”.
69
Num mesmo ato pode haver lesão ao microbem e ao macrobem, como na degradação do solo agrícola que
atinge o proprietário - normalmente o próprio produtor é o poluidor - e causa dano ao macrobem (por exemplo,
ao agravar o problema da segurança alimentar) e ao microbem de interesse coletivo (como na perda da
fertilidade do solo).
137
A prevenção consiste na eliminação de um perigo cujo nexo causal está provado
cientificamente (perigo concreto); ou seja, contra o risco real de potencial produção de efeitos
nocivos ao bem ambiental, pois se conhece a periculosidade inerente a determinada atividade.
Quanto à precaução, existe suspeição mesmo contra o perigo abstrato ou potencial,
inclusive aqueles não captados pelo atual conhecimento científico. As medidas são tomadas
quando ignorância da periculosidade da atividade (LEITE, 2000, p. 48). O princípio é
aplicado quando existir um receio de dano, independente de provas científicas ou de
ocorrências anteriores das quais não se sabe a causa originária.
A precaução foi proclamada na Declaração do Rio de Janeiro nos seguintes termos:
“Princípio 15 - Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza
científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas
eficazes em função das custas para impedir a degradação do meio ambiente”
70
.
A precaução está associada à busca da reversibilidade dos danos, práticas políticas
voltadas ao controle, planejamento e diminuição desses riscos, como o uso da melhor técnica.
A atividade pode ser liberada com absoluto conhecimento científico da ausência de riscos
ou quando, presentes indicações de riscos de degradação ambiental, eles sejam compatíveis
com o nível de proteção pretendido. uma espécie “in dúbio pro ambiente” que provoca a
inversão do ônus da prova, no sentido de exigir conclusão científica que afaste o nexo de
causalidade
71
.
O princípio da precaução tem três aspectos: o risco abstrato de dano (perigo
potencial), a ausência de certeza científica quanto à afastabilidade do dano e a necessidade de
medidas preventivas antes de conhecer ou medir os riscos. Nesse princípio, não se avalia
somente a suportabilidade do risco, mas a necessidade de criá-lo, isto é, a justificativa da
atividade, o seu custo/benefício (DERANI, 2001, p. 172).
A sustentabilidade está em tornar conseqüências não-premeditáveis em coisas
controladas/previsíveis. Isso significa ter mais racionalidade nas decisões políticas. A
“proposta para medidas institucionais específicas pode ser mais bem avaliada levando em
consideração a probabilidade de várias conseqüências impremeditadas.” (SEN, 2005, p. 293).
70
“A certeza equivale à ausência de dúvida e de imprecisão. O estado de certeza tem por objetivo nos dar
segurança, sendo que a incerteza gera a insegurança. A informação incerta é um dos motivos de apelar-se para
a aplicação do princípio da precaução.” (MACHADO, 2003, p. 37).
71
Inversão ônus da prova pelo princípio da precaução é relativa, não se inverte completamente em desfavor da
autoridade que deva tomar a decisão, pois possibilita decidir com base nos estudos científicos que tenham
adquirido certa posição na comunidade de cientistas.
138
A possibilidade da predição foi discutida por Dalmo Dallari no seu livro “O futuro
do Estado”
72
. Segundo o autor (1972, p. 29), é possível predizer o futuro conhecendo os
fatores concretos que poderão ter determinadas conseqüências. A idéia não é adivinhar o
futuro, mas usar várias ciências para definir e controlar as conseqüências de alguns atos. O
Direito trabalha com certa predizibilidade, uma vez que regula comportamentos antes de eles
ocorrerem.
A predizibilidade pode ser científica, sem, contudo, ser absoluta. Ela se baseia nas
probabilidades de acontecer um evento de certa maneira. As probabilidades são averiguadas
dentro de várias ciências, e podem ser úteis no intuito de orientar as decisões políticas, através
do controle das causas. A predição não precisa se realizar para demonstrar acerto; a finalidade
é até evitá-la quando for negativa, “pois, na medida em que forem encontradas as respostas
adequadas a cada indagação, o futuro deixará de ser o reino de incerteza e de perigo, para se
converter numa expectativa de progresso e bem-estar.” (DALLARI, 1972, p. 239).
Os princípios da precaão e da prevenção foram implicitamente consagrados na
Constituição (artigo 225, “caput” e § ) e no ordenamento jurídico infraconstitucional brasileiro.
Inclusive foi expresso no artigo 1º da Lei de Engenharia Genética (Lei nº 11.105, de 24 de março
de 2005). Tal constatação se evidencia pela exigência constitucional do estudo de impacto
ambiental (artigo 225, § 1º, inciso IV, da Constituição Federal), bem como pelos artigos 54, §
da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e , incisos II, III e IV, da Lei nº 6.938/81.
Os princípios da prevenção e precaução não podem ser considerados meras normas
programáticas, e também possuem mecanismos de aplicabilidade concreta e efetividade; por
exemplo, nas seguintes medidas previstas no ordenamento jurídico brasileiro: exigência de
licenciamento, educação ambiental, sanções administrativas, audiência pública e na proibição
de comercialização de transgênicos sem certificação.
O princípio da precaução também contribui na proteção ambiental no âmbito da
responsabilidade civil ou penal, pois estabelece critérios mais brandos para reconhecer o risco
criado (basta o risco abstrato). No âmbito do Direito Agrio, o princípio da precaução também
pode exigir mudaas em institutos fundamentais, a fim de que sejam tomadas medidas
preventivas, como o crédito rural, a desapropriação, a assisncia técnica e o seguro agrícola.
Não obstante tenha ganhado relevância nas convenções internacionais e na doutrina
ambientalista, infelizmente, o princípio da precaução não encontra a devida imperatividade
jurídica e nem a efetividade jurisprudencial desejada (NOGUEIRA, 2004, p. 211).
72
O autor prefere o termo “predição” ao termo “previsão”.
139
d) princípio da obrigatoriedade da participação da sociedade civil (artigo 225,
“caput” e § 1º, IV, da Constituição Federal) e da intervenção estatal (artigo 225, “caput” e §
e artigo 23, VI, da Constituição Federal): são corolários do princípio da precaução;
propõem que as atividades estatais e as condutas da sociedade civil se voltem aos novos
valores sociais.
A função ambiental não é exclusiva do Estado, de forma que a sociedade civil
também tem o dever-poder de proteger a natureza, tanto que tem meios jurídicos para isso.
e) Princípio da cooperação: consagrado no artigo 225, “caput”, da Constituição
Federal, expressa a maior exigência de cooperação entre as forças sociais - sociedade, todos
os níveis do Poder Público e até entre Estados soberanos. A efetivação desse princípio
depende de uma ação global em benefício da proteção ambiental, inclusive com o contraponto
entre interesses econômicos e soberania. A citação abaixo destaca bem a forma como
interesses individuais, coletivos e de nações soberanas estão inter-relacionados:
[...] é interessante salientarmos o fato de que, primeiro, o ganho de cada um depende
dos ganhos de todos; segundo, de que o ganho de cada um depende das escolhas de
todos, através da causalidade social geral; e, terceiro, de que a escolha de cada um
depende das escolhas de todos; através da antecipação e através do cálculo
estratégico (FERREIRA, 2003, p. 116).
f) Princípio do poluidor-pagador: consagrado no princípio 16 da Declaração do Rio
de Janeiro, no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, e também no artigo 4º, inciso VII, da
Lei 6.938/81, ele está relacionado à internalização dos custos ambientais, antes
considerados como externalidades negativas das atividades econômicas. Esse princípio
também inclui uma espécie de responsabilização prévia devido à exigência estatal do
pagamento de taxas, estudos de impactos e gastos com técnicas mais adequadas.
Combinando esse princípio com o da prevenção, constata-se que o seu objetivo
principal não é reparar, mas desestimular a produção de danos, ou seja, não é a punição, e sim
a distribuição dos prejuízos para quem causa a poluição - essa inexistência de punição é a
grande diferença em relação ao princípio da responsabilização.
Aquele que usa um recurso natural para lançar poluição se beneficia dos direitos de
todos os que não poluem, devendo pagar os custos da correção e prevenção do dano
(MACHADO, 2003, p. 53).
O princípio do poluidor-pagador ajuda na mudança do padrão produtivo. Ao mesmo
tempo, quando não recebe um conteúdo adequado, acaba sendo incorporado no preço do
produto e, nesse caso, a não ser que dificulte a concorrência, pode criar a possibilidade de
compra do direito de poluir - tributos, certificados de créditos do tipo carbono ou selos, etc.
140
g) Princípio da solidariedade intergeracional: consagrado no caput” do artigo 225
da Constituição Federal, com o propósito de conservação da qualidade ambiental e da
acessibilidade aos recursos para as gerações atuais e futuras.
A justiça intergeracional significa a exigência de que cada geração deixe para a
seguinte um nível de qualidade ambiental igual ou superior ao recebido da geração anterior
(LEITE, 2000, p. 78). Esse princípio inclui a responsabilidade da geração atual de não
extinguir a sua espécie - um direito coletivo de sobrevivência - e uma expectativa de direito
de as gerações futuras existirem.
A Justiça intergeracional não exige que a atual geração solucione problemas das
futuras gerações, mas que sejam criadas as condições para que elas possam remediar seus
problemas ou que recebam todas as potencialidades do meio
73
. Exige-se uma concepção de
Direito que reconheça a solidariedade e a responsabilidade como interesses difusos complexos
e independentes de um recíproco direito individual (GIMÉNEZ, 2002, p. 56).
h) Princípio da tridimensionalidade do desenvolvimento sustentável: mencionado na
declaração de Estocolmo (princípios 05 e 08), também foi proclamado em 11 dos 26
princípios da Declaração do Rio de Janeiro, especialmente nos princípios 03 e 04. O princípio
também foi consagrado na Constituição Federal, com destaque especial para os artigos 170,
186 e 225. É fato que o ordenamento definiu deveres do Estado e da sociedade, prescreveu
normas de conduta e objetivos e propôs alguns instrumentos para promover o
desenvolvimento qualificado.
i) Princípio da informação e da educação ambiental: presente na Declaração do Rio
de Janeiro, no artigo 225, § 1º, inciso VI, da Constituição Federal; também nos artigos 10 e 63
da Lei 6.368/76 e na Lei 9.795, de 27 de abril de 1999 (Lei de Educação Ambiental);
entre outros. Esses princípios são fundamentais no processo de conservação do potencial
produtivo, especialmente para quem exerce atividades que possam degradar o meio ambiente,
uma vez que a melhor informação permite escolhas mais adequadas.
j) Princípio da proteção à biodiversidade: esse tema foi digno de documentos
específicos nas conferências internacionais sobre o meio ambiente e o desenvolvimento. Na
Constituição Federal, foi contemplado no artigo 225, § 1º, inciso I, II, III e VII.
73
Duas idéias presentes no pensamento de John Rawls (1981, p. 221-226) são fundamentais para entender a crise
da sociedade e considerar a responsabilidade intergeracional como um princípio da Justiça: a) o
descumprimento do princípio da diferença, pois as desigualdades - inclusive nas relações internacionais - não
são legitimadas, ou seja, voltadas a proporcionar o bem-estar dos menos privilegiados; b) e a consciência da
escassez de bens (ausência moderada na disponibilidade de recursos), o que faz o autor defender a tese da
justiça como eqüidade.
141
l) Princípio da responsabilização: presente no princípio 13 da Declaração do Rio
de Janeiro, no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, e também no artigo 14 da Lei
6.938/81, e na Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, estabelece punições pelo desrespeito às
normas de proteção ambiental como mecanismo dissuasório, definindo tanto a
responsabilidade no âmbito penal quanto no administrativo.
m) Princípio da democracia participativa: nos termos do artigo 225, “caput”, da
Constituição Federal, o desenvolvimento sustentável garante e exige maior atuação dos
cidadãos nos processos decisórios. De outro lado, exige um comprometimento da sociedade
com os valores ambientais e estabelece deveres individuais em relação à coletividade.
n) Princípio da ubiqüidade: segundo Pacheco Fiorillo (2001, p. 41), esse princípio
estabelece que o meio ambiente deva ser levado em consideração em todas as políticas
públicas, na produção e aplicação de legislação sobre qualquer tema, e em atividades ou obras
que serão criadas ou desenvolvidas. Certamente esse princípio encontra respaldo
constitucional nos artigos 170, inciso VI, 186 e 225, além de possuir íntima relação com a
metodologia interdisciplinar:
A complementaridade das ciências jurídicas por outras ciências torna-se, a cada dia,
mais inquestionável. Neste caso, é inegável que o direito do Ambiente, assim como
os diferentes ramos do saber jurídico, não podem desconhecer e dispensar a
contribuição de outros saberes, porquanto se trata não apenas de ordenar de maneira
abstrata a convivência própria da espécie humana ad intra, mas também a
convivência ad extra, ou seja, é preciso não separar a sociedade humana da realidade
terráquea como se não houvesse interesses recíprocos. A sobrevivência da família
humana não se dará separadamente da sobrevivência do planeta terra (MILARÉ;
COIMBRA, 2004, p. 19).
o) princípio da função social da propriedade: presente em vários artigos da
Constituição Federal (artigos 5º, inciso XXIII, 170, inciso VI, 182, 185 e 186), como será
visto no próximo capítulo, esse princípio aparece como instrumento fundamental para exigir
condutas dos particulares em benefício da justiça social e da sustentabilidade.
2.2.3 Direito ao meio ambiente como direito subjetivo público e as obrigações estatais
A proteção ao meio ambiente segue o seguinte modelo de positivação constitucional:
a) normas programáticas, que servem para direcionar a atuação do Estado - embora não
exigíveis como direitos subjetivos; b) normas de organização, nesses casos não se aplicam
sanções jurídicas, mas importantes efeitos políticos, pois elas podem definir competência
no âmbito ambiental e do desenvolvimento sustentável; c) garantias constitucionais: normas
142
que vinculam o legislador e servem como elemento de interpretação da Lei ou da
Constituição; d) e direitos subjetivos públicos (CANOTILHO, 1998a, p. 445).
Luis Roberto Barroso (1992, p. 165) leciona que os direitos subjetivos resultam para
seus titulares situações jurídicas imediatamente desfrutáveis, efetivadas por prestações
positivas ou negativas, exigíveis do Estado ou de outro eventual destinatário da norma:
Por direito subjetivo entende-se o poder de ação, assente no direito objetivo, e
destinado à satisfação de certos interesses. Singularizam o direito subjetivo
distinguindo-o de outras posições, a presença cumulada das seguintes características:
a) a ele corresponde sempre um dever jurídico; b) ele é violável, ou seja, existe a
possibilidade de que a parte contrária deixe de cumprir o seu dever; c) a ordem
jurídica coloca à disposição de seu titular um meio jurídico - que é a ação judicial -
para exigir-lhe o cumprimento, deflagrando os mecanismos coercitivos e
sancionatórios do Estado.
O direito subjetivo faz parte de uma relação subjetiva, na qual existe um sujeito
passivo com um dever jurídico (do indivíduo, coletividade ou Estado) de não violar o
interesse alheio. Esse interesse é protegido por expressar um valor aferido de acordo com a
utilidade do bem para a satisfação das necessidades humanas.
Segundo Canotilho (1995, p. 91), o direito subjetivo público, em geral, pode ser
definido “como o poder jurídico reconhecido ao particular sobretudo através de normas do
direito público - que lhe permite exigir das autoridades públicas um determinado
comportamento para a presunção de interesses privados”.
O direito subjetivo público é uma categoria jurídica caracterizada por poderes-
deveres predominantemente de interesse coletivo que têm eficácia imediata e podem ser
exigidos pelos instrumentos jurídicos de proteção (CANOTILHO, 1998a, p. 1210).
Não para definir nem os direitos subjetivos, nem o seu conteúdo. Tudo o que
existe até hoje é extremamente metafísico - até porque o Direito é um fenômeno ideológico. É
preciso encarar os direitos subjetivos historicamente, de forma a reconhecer que eles são
dinâmicos e têm determinadas finalidades. Nessa visão, o meio ambiente, enquanto direito
fundamental, é um direito subjetivo público, mesmo em relação às pessoas privadas.
Porém, o conceito de direito subjetivo como interesse protegido do titular está em
crise, porque não pode ser analisado fora das situações subjetivas complexas, as quais limitam
os poderes pela funcionalização de uma categoria jurídica, ou melhor, exige-se do titular do
domínio o cumprimento de ônus, obrigações e deveres (PERLINGIERI, 1997, p. 108)
74
.
74
Categoria como conjunto normativo que tutela e regulamenta interesses juridicamente relevantes surgidos de
fatos concretos (PERLINGIERI, 1997, p. 105).
143
Essas situações subjetivas complexas possuem múltiplos aspectos incidentes no
conteúdo do Direito. Merecem nota o “aspecto estático”, que relevância jurídica a uma
situação com base no tulo existente, e o “aspecto funcional”, decorrente da qualificação
sócio-jurídica da situação segundo os interesses da coletividade, condicionando internamente
os direitos subjetivos (PERLINGIERI, 1997, p. 122).
O título é a causa da situação subjetiva que determina o aspecto funcional a ser
considerado e o conteúdo jurídico mínimo do Direito. Logo, o tulo permite a qualificação da
relação jurídica complexa, mas não garante a proteção sem o aspecto funcional.
A melhor abordagem do direito subjetivo público ao meio ambiente é vê-lo a partir
das relações, pois a tradicional análise apenas do ponto de vista do direito do titular pode
deixar de sopesar a importante questão dos deveres correlacionados aos poderes. O
ordenamento é um sistema de relações jurídicas - direitos funcionalizados que geram
obrigações para os beneficiados e para os demais membros da sociedade.
No ordenamento moderno, o interesse é tutelado se, e enquanto for conforme não
apenas ao interesse do titular, mas também aquele da coletividade. Na maior parte
das hipóteses, o interesse faz nascer uma situação subjetiva complexa, composta
tanto de poderes quanto de deveres, obrigações, ônus. É nesta perspectiva que se
coloca a crise do direito subjetivo. Este nasceu para exprimir um interesse individual
e egoísta, enquanto que a noção de situação subjetiva complexa configura a função
de solidariedade presente ao nível constitucional (PERLINGIERI, 1997, p. 121).
No conceito clássico, a relação jurídica aparece como o vínculo entre determinados
sujeitos, ligados por um feixe de direitos e deveres, tendo em vista a apropriação de algum
bem. Atualmente, há três pontos principais de uma crítica ao conceito tradicional de relação
jurídica: o sujeito precisa ser concreto (histórico ou contextualizado); deve existir uma
correlação de forças em desigualdade de condições; e deve haver uma estrutura complexa de
situações subjetivas correlacionadas que envolvem direitos e obrigações (deveres e ônus
75
).
Neste trabalho, o termo obrigação será usado no sentido de um nculo jurídico que
cria o dever de realizar alguma coisa (objetivo) em favor de um sujeito ativo. O sujeito
passivo dessa relação pode ser o indivíduo, a coletividade ou o Poder Público, e os credores
podem até ser sujeitos indeterminados. O vínculo jurídico é o resultado de uma disciplina
legal que estabelece o conteúdo das obrigações e as conseqüências da execução ou
inadimplemento dos deveres.
Ao se consagrar o direito ao meio ambiente como direito subjetivo público de
caráter difuso inserido numa estrutura de situação subjetiva, ficou estabelecido em lei que o
75
Ônus como a obrigação potestativa (ao arbítrio do obrigado) que atua como instrumento para o titular alcançar
um resultado útil (PERLINGIERI, 1997, p. 128).
144
Estado está obrigado a atuar em seu favor - essa postura é indispensável para formar um
Estado Ambiental.
2.3 As obrigações estatais para efetivar o paradigma de desenvolvimento consagrado na
Constituição Federal
2.3.1 A possibilidade de intervenção da Administração Pública
O desenvolvimento sustentável deve significar uma nova definição da
funcionalização do Estado, de maneira que a Administração Pública tenha, por exemplo,
mecanismos de promoção de tecnologias adequadas à otimização e conservação do uso dos
recursos naturais.
Em sentido amplo, a Administração Pública “[...] designa o conjunto de atividades
diretamente destinadas à execução concreta das tarefas ou incumbências consideradas de
interesse público ou comum, numa coletividade ou numa organização estatal” (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 10). Em sentido estrito, ela configura a Atividade
Administrativa, que é o desempenho de uma função através do exercício de poderes
executivos, sem os quais não se consegue atender às finalidades que estão no interesse público
ou coletivo, isto é, a polícia administrativa.
[...] atividade da Administração Pública expressa em atos normativos ou concretos, o
poder de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a
liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ão ora fiscalizatória, ora
preventiva, ou repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de
abstenção (“non facere”) a fim de conforma-lhes os comportamentos aos interesses
sociais consagrados no sistema normativo (MELLO, 2002, p. 733, destaque do
autor).
A atuação da Administração Pública, que não deixa de ser uma forma de intervenção
estatal, deve partir dos programas e dos objetivos anunciados pela Carta Magna e
regulamentados nas normas infraconstitucionais. De modo geral, a estratégia de ação do
Estado é definida nas suas políticas econômica, fiscal, cambial, agrária, ambiental, penal e
outras
76
.
Eros Roberto Grau (2004, p. 132-133) propõe, basicamente, três modalidades de
intervenção do Estado no domínio econômico: a) por absorção ou participação: o Estado
constitui uma pessoa jurídica para atuar em regime de monopólios sobre a produção ou
76
Política entendida aqui como o conjunto de objetivos, princípios e instrumentos que disciplinam determinada
área de atuação do Estado.
145
controle de trocas em determinado setor (absorção), ou operar em regime de competição com
o setor privado (participação); b) intervenção por direção: o Estado cria mecanismos e normas
de comportamento para os sujeitos que desenvolvem uma atividade econômica como, por
exemplo, o controle de preços; c) indução: o Estado manipula instrumentos conforme
permitem as “regras” do mercado e as normas jurídicas, a fim de incentivar alguns
comportamentos, normalmente por mecanismos premiais - isso também pode ocorrer por
meio de medidas negativas - para quem cumpre as prescrições, como os incentivos fiscais e as
subvenções.
Do ponto de vista legal, constata-se que a Administração possui diferentes
instrumentos de atuação. Entre eles, merecem nota: 1. O Poder de Polícia (artigo 174 da
Constituição Federal), que possibilita a limitação e a fiscalização do exercício de atividades
econômicas; 2. Os incentivos à iniciativa privada (artigos 174 e 187 da Constituição); 3. A
realização de serviços públicos; 4. A expedição de regulamento para dar exeqüibilidade às
leis.
A intervenção da Administração em favor do desenvolvimento sustentável pode ser
indireta (por indução), como a vinculação de isenções fiscais e a concessão de crédito à
adoção de determinados comportamentos ou à regulamentação normativa das atividades
econômicas, nos limites do artigo 174 da Constituição Federal: “Como agente normativo e
regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado”.
Outro instrumento de ingerência é o Poder de Polícia, que, conforme Toshio Mukai
(2004, p. 42), consiste na faculdade (dever-poder) para limitar atividades particulares, o uso
da propriedade e outros direitos individuais em prol da coletividade. Ele possui caráter
preventivo e atua sobre bens, direitos e atividades, nos estritos limites da legalidade
administrativa.
Na área ambiental, Leme Machado (2003, p. 309), define o Poder de Polícia como a:
Atividade da administração pública que limita ou disciplina direito, interesse ou
liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão do interesse público
concernente à saúde, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do
mercado, ao exercício das atividades econômicas ou de outras atividades
dependentes de concessão, autorização, permissão ou licença do Poder Público de
cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.
146
O Poder de Polícia permite à Administração Pública, respeitados os fundamentos
constitucionais e as restrições legais, exigir um fazer, uma omissão, conceder licenças ou
autorizações, fiscalizar e sancionar o particular em benefício do desenvolvimento sustentável.
Vale ressaltar que essa atuação estatal está prevista, substancialmente, na legislação
infraconstitucional, de maneira muito especial na Lei 6.938/81, que coloca o
desenvolvimento sustentável como fim da política ambiental (artigos e 4º, inciso I)
77
.
Também é digna de nota a Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto das Cidades), por
dispor do planejamento e dos planos de proteção ambiental para diagnóstico da realidade no
meio urbano.
2.3.2 Instrumentos de ação no ordenamento jurídico brasileiro
Como, nos próximos capítulos, serão abordados os instrumentos de intervenção
diretamente relacionados ao desenvolvimento rural sustentável, pretende-se apenas destacar,
em linhas gerais, as possibilidades de atuação estatal previstas no ordenamento jurídico.
I - Medidas de Comando (normativas): estabelecem padrões de qualidade a serem
seguidos, como regras para o exercício das atividades, restrição da época de uso dos recursos
e prescrição da tecnologia a ser adotada. Para tanto, o Estado precisa saber qual é a melhor
técnica, criar formas de disseminá-la e possuir condições de fiscalizar e controlar as
atividades.
II - Medidas Repressivas: tratam o poluidor como um infrator e, como tal, força-o a
cumprir a regra imposta sob a ameaça de sujeitar-se às penalidades aplicáveis após o devido
processo judicial ou administrativo. Fica estabelecida uma política de controle e reação
estatal.
A vantagem de tal política é a eficiência, pois prevê tanto a possibilidade de
cumprimento quanto de violação da norma e, neste último caso, preestabelece a sujeição do
infrator a uma sanção. A desvantagem das medidas repressivas é a ausência de distinção entre
as diferentes situações dos agentes individuais e os motivos da infração.
Pode-se afirmar que essas medidas, na hipótese de não estarem acompanhadas de
uma política preventiva promocional, serão meramente simbólicas, pois servirão apenas para
agradar grupos da sociedade que ainda crêem na rigorosidade das punições como forma de
retribuição e de prevenção geral e especial. Na prática, como nem sempre o dano ambiental
77
O Artigo , inciso I, da Lei 6.938/81, dispõe que a Política Nacional do Meio Ambiente visará: “I à
compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e
do equilíbrio ecológico”.
147
pode ser reparável, não basta punir o poluidor e compensar o prejudicado. É imprescindível
fazer com que a prevenção seja atraente. A punição, a reparação e o ressarcimento devem ser
estratégias dissuasórias, e tornadas mais onerosas em relação aos custos da prevenção.
A despeito das considerações acima, vale salientar que o ordenamento jurídico
nacional dispõe de sanções cíveis, administrativas e penais.
a) No âmbito cível, a responsabilidade é objetiva
78
e as sanções são de duas ordens:
a exigência de reparação do dano, que, às vezes, é impossível ou muito difícil; e condenação
do infrator a ressarcir os prejudicados (neste caso, a dificuldade é a valoração econômica do
dano).
A responsabilidade civil em maria ambiental é objetiva, consoante se constata da
alise do artigo 225, § 3º, da Constituição, combinado com o artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81.
Nem mesmo a licença ambiental libera o poluidor do dever de reparar o prejudicado direto e a
sociedade; apenas afasta a ilicitude da conduta. No entanto, predomina a teoria do risco
administrativo, de modo que a responsabilidade é afastada quando verificadas as seguintes
excludentes: culpa de terceiros ou exclusiva da tima, caso fortuito e força maior.
Alguns autores têm dado grande importância para a responsabilidade civil com base
apenas na potencialidade do dano ambiental danos futuros. Essa teoria possibilita a
materialização do princípio da precaução, pois é um eficiente instrumento de estímulo à
adoção de medidas preventivas. A responsabilidade civil por danos futuros encontra
fundamento nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil
79
e no artigo da Lei 7.347/85, o
qual possibilita a utilização de medidas, independentemente do dano real (basta risco
abstrato), como na hipótese de aplicação de multa cominatória e ou na imposição de
obrigações de fazer ou não-fazer.
Com fundamento no artigo 192 da Constituição Federal e no artigo 12, “caput”, da
Lei 6.938/81, a responsabilidade civil deve abranger as instituições, blicas ou privadas,
que financiam atividades que degradam o meio ambiente sem adotar medidas de precaução -
entre elas, a realização de estudo de impacto social e ambiental.
78
O cumprimento da obrigação é dever constitucional, o beneficiado com a atividade econômica não pode alegar
ausência de culpa pelos danos causados à sociedade.
79
“Art. 186. Aquele que, por ão ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em
lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem”.
148
A Lei 11.105/05 também prevê a responsabilidade civil em relação aos
transgênicos no § do seu artigo 2º, o qual estabelece que as organizações, públicas ou
privadas, que financiarem projetos de engenharia genética devem exigir o Certificado de
Qualidade em Biossegurança emitido pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio), sob pena de se tornarem responsáveis pelos efeitos do descumprimento dessa Lei.
b) No âmbito administrativo, tanto a União, como ocorreu através da Lei 9.605/98,
quanto os Estados-membros e os Municípios, podem estabelecer, respeitando a definição de
competência da Constituão Federal, normas administrativas que criem e regulamentem
infrações e penalidades no tocante ao meio ambiente. Em relação à atuação administrativa, a
Lei 9.605/98 estabelece normas gerais e infrações relativas à competência da União; os
Estados e Municípios podem e precisam produzir legislações complementares. Por conseguinte,
é impossível apresentar todas as condutas proibidas e as sanções administrativas existentes.
Apesar dessa realidade, é interessante verificar as principais sanções administrativas
aplicáveis nos casos de infrações ambientais, pois essa postura permitirá dimensionar a
eficiência dissuasória da atuação repressiva da Administração Pública.
A restrição de benefícios fiscais e do direito de obter financiamento nos
estabelecimentos oficiais de crédito, por exemplo, é uma sanção com notáveis efeitos
positivos de caráter preventivo em relação às atividades que dependem de créditos e subsídios
públicos.
A desapropriação por interesse social também é outro exemplo de medida
repressiva que atende às finalidades de prevenção, uma vez que força o proprietário a cumprir
seus deveres (de maneira especial, a função social da propriedade rural).
Do mesmo modo, a suspensão ou interdição das atividades econômicas e o embargo
de obras podem desestimular a aceitação do risco ambiental pela pessoa que pretende
desenvolver uma atividade econômica, pois atua diretamente na realização da mesma.
a multa prevista, entre outros, no artigo 72 da Lei 9.605/98, não impede a
realização da atividade, pois pode ser internalizada nos custos da produção ou suportada
mediante seguros ambientais e aumento da margem de lucro do produtor e, nesses casos,
perder o seu caráter dissuasório. De outro lado, ela pode ter relevante efeito preventivo,
especialmente para pequenos produtores rurais ou empresários, quando assume um caráter
educativo, como, por exemplo, ao ser suspensa mediante a imposição ao infrator de um
projeto para reparar o dano.
c) No âmbito penal: atualmente uma lei específica para os crimes ambientais - a
Lei 9.605/98. Também existem os crimes cometidos contra a liberdade do trabalho (por
149
exemplo, a redução à condição análoga à de escravo - artigo 149 do Código Penal), sanções
pelo cultivo ilegal de plantas psicotrópicas (como a expropriação prevista no artigo 243 da
Constituição Federal) e os crimes contra a ordem econômica. Enfim, todos os tipos penais
relacionados aos requisitos do desenvolvimento sustentável podem ser considerados
instrumentos repressivos de atuação estatal em favor desse novo paradigma.
Mais recentemente, o legislador considerou que o Direito Penal se faz
necessário para a proteção do meio ambiente. No âmbito rural, por exemplo, configura-
se crime de poluição as situações de erosão e esgotamento do solo, nos termos do artigo
54 da Lei 9.605/98.
Embora esse artigo o expresse especificamente a poluição do solo, não se faz
necessária à descrição das formas de poluição no tipo penal para que ele possua
aplicabilidade. Como esse crime decorre de uma norma em branco, basta verificar a
existência de dano compatível com o conceito de poluão delineado no artigo 3º, inciso III,
da Lei 6.938/81.
Com base nesse conceito, percebe-se que a queima da palha da cana-de-açúcar é
outro exemplo de poluição comum no âmbito rural, tanto em relação ao solo quanto à
atmosfera e, por conseguinte, viola o artigo 54 da Lei nº 9.605/98
80
.
Também nesse sentido, Pacheco Fiorillo (2001, p. 307) defende que a Lei nº 9.605/98
considera crime, com pena de reclusão, as atividades descritas no artigo 3º, inciso III, alíneas
“a” até “e”, da Lei n.º 6.938/81.
Em relação às sanções penais, merecem destaque aquelas previstas nos artigos 10 e
11 da Lei 9.605/98, as quais impedem que o infrator receba incentivos fiscais e de crédito
ou que possa contratar com o Poder Público, além da suspensão da atividade, sobretudo pelo
caráter dissuasório em favor da prevenção geral.
Quase todos os crimes da Lei 9.605/98 permitem a substituição da pena de prisão
por restritiva de direitos, que a máxima é inferior a quatro anos; pelo menos isso afasta a
falida pena de prisão como medida preventiva especial e geral em matéria ambiental.
É fundamental criar mais mecanismos que afastem a necessidade de uso de
instrumentos penais para proteger o desenvolvimento sustentável. Embora seja reconhecível a
função preventiva dos crimes de perigo e a necessidade de tipos abertos e normas penais em
branco para atender a dinamicidade e complexidade das questões sociais e ambientais, essas
80
Leme Machado (2003, p. 525) adota essa posição. O autor considera que a queima da palha da cana para
facilitar o corte é uma forma de poluição, criticando as licenças que permitem essa prática em nome da
produtividade.
150
posturas provocam insegurança jurídica e vão de encontro à função garantista do Direito
Penal
81
.
No âmbito das medidas repressivas, a questão do dano ambiental ganhou destaque
no tocante à destruição de Áreas de Preservação Permanente e da Reserva Florestal Legal
(artigos 2º, 3º e 16 da Lei 4.771/65 combinados com os artigos 38, 39 e 48 da Lei
9.605/98), que correspondem a crimes de menor potencial ofensivo e, portanto, sujeitos ao
procedimento do Juizado Especial Criminal. Tais comportamentos também configuram
ilícitos administrativos.
A ausência da área mínima a ser destinada à Reserva Florestal Legal (RFL) ou das
Áreas de Preservação Permanente (APP), na verdade, caracteriza um caso de omissão, ou
melhor, um ato comissivo por omissão, pois existe o dever legal de recuperar essas áreas. A
omissão pode ser da autoridade que não fiscalizou e delimitou o local protegido ou do
particular que não tomou as devidas providências para manter a floresta ou recuperar a área
desmatada.
As APP e a RFL são consideradas como espaços ambientais especialmente
protegidos, nos termos do inciso III do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal.
A RFL, instituída e disciplinada pelo artigo 16 da Lei 4.771/65, possui caráter
conservativo, só ocorre em propriedades privadas e pode ser explorada economicamente,
desde que o manejo seja racional
82
. A limitação de uso da RFL não propicia aos proprietários
qualquer tipo de indenização, pois não restringe o direito de propriedade. A proteção dessa
área está ligada à função social, para fins de combate à erosão e preservação da
biodiversidade.
As APP do artigo da Lei 4.771/65, que podem ocorrer em imóveis públicos ou
particulares, possuem caráter preservativo com rígida salvaguarda ambiental para manter a
integralidade e perenidade dos recursos, de modo que é vedada a exploração econômica
direta. Tais áreas consistem em limitações administrativas internas e de caráter geral -
vinculadas ao cumprimento da função social e, portanto, também não geram indenização aos
proprietários.
81
É preciso evitar o excesso de normas penas em branco, como os artigos 38, 39 e 54 da Lei 9.605/98, e tipos
abertos, como o artigo 68 também da Lei nº 9.605/98 e o artigo 487 da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.
82
A definição de manejo racional pode ter por base legal a concepção de uso sustentável adotada pelo artigo 2°,
inciso VIII, da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, e o disposto no artigo 9º, § 2º, da Lei n° 8.629/93.
151
A proteção dos espaços territoriais protegidos, impostos em caráter geral a todos os
proprietários, não constitui restrição ou intervenção no direito de propriedade, mas, sim,
condição para o reconhecimento jurídico deste último (PACCAGNELLA, 1997, p. 15)
83
.
Além da repressão penal e administrativa em relação àqueles que causam a
destruição das florestas, é interessante mencionar o mecanismo de proteção judicial por meio
da Ação Civil Pública. Esse instrumento tem sido constantemente utilizado, notadamente pelo
Ministério Público, para exigir a recomposição de áreas florestais e impedir que os
proprietários recebam incentivos fiscais e creditícios para explorar áreas que deveriam estar
cobertas por esse tipo de vegetação, bem como a fim de exigir averbação da RFL na matricula
do imóvel.
A ação civil pública permite, ainda, pleitear judicialmente a aplicação de multa
diária (cominatória) para que os proprietários adotem as medidas cabíveis, independente da
compra de imóvel rural sem a vegetação florestal. Tal entendimento encontra fundamento
legal no artigo 99 da Lei 8.171, de 17 de janeiro de 1993, que estabelece prazo para
recomposição da RFL, combinado com o artigo 11 da Lei 7.347/85, o qual disciplina a
ação coletiva em questão.
A obrigação de reflorestar tal área, quando inexistente a vegetação da reserva legal,
é do proprietário do imóvel, ainda que não tenha sido ele o causador do desmatamento. O
reflorestamento é uma obrigação “propter rem”, ou seja, uma obrigação que acompanha a
coisa, independente de quem seja o titular do domínio e de o atual titular não ter assumido
expressamente a obrigação (SANTIAGO, 2006, p. 61; PACCAGNELLA, 1997, p. 12).
É defeso ao proprietário utilizar essas áreas florestais para o cultivo, ainda que
desmatada no momento da aquisição do imóvel, pois há um prazo legal para o reflorestamento
(artigo 99 da Lei 8.171/93). O dever de reparar o dano encontra fundamento jurídico no
artigo 225, § 3°, da Constituição Federal e no artigo 14, § 1°, da Lei 6.938/81. Nesse
sentido, chegou-se à seguinte decisão do Segundo Grupo de Câmaras do Tribunal de Justiça
do Estado do Paraná na Ação Rescisória nº 106.318-3, proferida em 10 de abril de 2002 (grifo
nosso):
83
Evidentemente, quando as restrições provocam desapropriação indireta (inviabilidade do uso econômico, da
alienação ou da exclusividade do uso) cabe indenização enquanto justa reparação pública, como no caso das
APP do artigo da Lei 4.771/65, que são instituídas com fundamento no poder discricionário da
Administração e provocam limitação nos poderes de domínio de caráter especial. Agora, não é passível de
indenização a restrição de algumas atividades econômicas ou técnicas (BENJAMIM, 2005, p. 533;
MACHADO, 2003, p. 704).
152
Ementa: A reserva legal de 20% da área do imóvel rural, prevista no art. 16 do
Código Florestal, constitui limitação administrativa, com características de
obrigação propter rem, cujas expensas devem ser suportadas pelo proprietário do
imóvel, mesmo que tenha adquirido já desmatado, tratando-se de dispositivo legal de
eficácia plena e aplicabilidade imediata, que independe de regulamentação ou de
qualquer outra providência pelo Poder Público. Improcedente, portanto, a ação
rescisória proposta, com base no art. 485, V, do CPC, ante a ausência de violação
literal de disposição de lei.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também vem pacificando esse
entendimento, como na decisão da Câmara Especial de Meio Ambiente, proferida em 08 de
novembro de 2007, no julgamento da Apelação Cível nº 628.028.5/5-00 (grifo nosso):
Ementa: [...] As intervenções em área de preservação permanente sem licença das
autoridades ambientais devem ser desfeitas, única forma de reposição da área em sua
forma original - 2. Legitimidade passiva. A obrigação de conservação e
recomposição atinge o proprietário do imóvel, ainda que não tenha diretamente
causado a degradação. Obrigação “propter rem” e infração permanente. Hipótese
em que apenas o proprietário tem a possibilidade de recompor a área protegida,
não terceiros que perderam a posse da área. - Sentença de procedência parcial.
Recurso do réu desprovido.
Esse posicionamento foi reafirmado em 20 de dezembro de 2007, na Apelação Cível
nº 684.046-5/7-00, quando a Câmara Especial de Meio Ambiente decidiu que (grifo nosso):
Ementa: [...] A obrigação de recompor a cobertura decorre da LF 7.803/89 de 18-
7-1989 que, ao acrescentar o § ao art. 16 do Código Florestal, desvinculou a
reserva legal da preexistência de matas ao estabelecê-la em no mínimo 20% de cada
propriedade e ao determinar sua averbação no cartório imobiliário e criou
condições para a recomposição florestal ao nela vedar o corte raso (que implica na
não exploração e na recomposição da vegetação); e da LF n° 8.171/91 que, ao cuidar
da política agrícola, determinou no art. 99 a recomposição das matas na reserva
legal. A obrigação que decorre, ainda, do dever genérico de reparar o dano ambiental
(CF, art. 225 § 3°; LF 6.938/81, art. 14, § 1º; CE, art. 194, § lº; LE 9.989/98,
art. 1º). 2. Reserva legal Averbação. A obrigação de averbar a reserva legal na
matrícula do imóvel foi instituída pela LF 7.803/89. Seu cumprimento não
implica em aplicação retroativa às propriedades adquiridas antes dela ou em que as
matas já haviam sido derrubadas, mas simples aplicação imediata da lei nova.
Jurisprudência pacificada. 3. Multa. A cominação visa compelir os réus a cumprir a
obrigação de delimitar e averbar, não havendo razão para que a multa seja calculada
por hectare. Critério que, no caso dos autos, leva a multa a patamar exagerado. 4.
Restrições creditícias. O Protocolo Verde. O denominado Protocolo Verde, de 1995,
constitui a formação de um grupo de trabalho para analisar formas de introdução da
preocupação ambiental na concessão de crédito por entidades públicas e privadas,
entre elas a exigência de relatórios ambientais e a priorização de projetos que tragam
definida preocupação ambiental. Não implica em restrição de crédito como
mencionou o autor na inicial. Por falta de base legal e pelo rigor da medida, a
restrição foi corretamente rejeitada pelo juiz.
84
84
Esse entendimento foi reiterado nos seguintes julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo: Apelação
626.231.5/7-00 em sede de Ação Civil Pública da Comarca de Pederneiras - Câmara Especial de Meio
Ambiente, j. 20 de dezembro de 2007; e Apelação 558.262.5/8-00 em sede de Ação Civil Pública da
Comarca de Pedregulho - Câmara Especial de Meio Ambiente, j. 08 de agosto de 2007.
153
O Superior Tribunal de Justiça também se posicionou de forma semelhante ao
entendimento acima, como na decisão proferida em 16 de abril de 2002, no Recurso Especial
nº 282.781-PR, quando a sua 2ª Turma determinou que (grifo nosso):
EMENTA: 1. A responsabilidade pela preservação e recomposição do meio-
ambiente é objetiva, mas se exige nexo de causalidade entre a atividade do
proprietário e o dano causado (Lei 6.938/81). 2. Em se tratando de reserva florestal,
com limitação imposta por lei, o novo proprietário, ao adquirir a área, assume o
ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que
não tenha contribuído para devastá-la. 3. Responsabilidade que independe de culpa
ou nexo causal, porque imposta por lei. 4. Recurso especial provido.
Essa turma manteve o mesmo entendimento na decisão em sede do Recurso Especial
nº 343.741-PR, julgado em 04 de junho de 2002. Mais recentemente, no julgamento realizado
no dia 17 de outubro de 2006, no Recurso Especial 843.036-PR, a Turma também
adotou o posicionamento citado:
Ementa: [...] 2. O novo adquirente do imóvel é parte legítima para figurar no pólo
passivo de ação por dano ambiental que visa o reflorestamento de área destinada à
preservação ambiental. o importa que o novo adquirente não tenha sido o
responsável pelo desmatamento da propriedade. "Não como se eximir a
adquirente desta obrigação legal, indistintamente endereçada a todos os membros de
uma coletividade, por serem estes, em última análise, os beneficiários da regra,
máxime ao se considerar a função social da propriedade”.
Não obstante a predominância do entendimento acima, é preciso informar que essa
turma já se posicionou de forma contrária à obrigação de reflorestamento, como no Recurso
Especial nº 218.781-PR, relator Min. Milton Pereira, julgado em 05 de fevereiro de 2002:
EMENTA: Ação Civil Pública. Dano ao meio ambiente. Ilegitimidade do adquirente
de propriedade desmatada. Reflorestamento. Responsabilidade. Artigo 16, "a", da
Lei 4.771/65. 1 .Não tem legitimidade para figurar no pólo de ação civil pública o
proprietário de terras que já as adquiriu desmatadas, pois a ele não se pode impor o
ônus do reflorestamento, se não foi o agente do dano. 2.Precedentes da Primeira
Turma.
No mesmo sentido do julgado supra, tem-se a decisão dessa Turma proferida em
24 de agosto de 1999, no Recurso Especial nº 218.120-PR, relator Min. Garcia Vieira:
EMENTA: Não se pode impor a obrigação de reparar dano ambiental, através de
restauração de cobertura arbórea, a particular que adquiriu a terra já desmatada. O
artigo 99 da Lei 8.171/91 é inaplicável, visto inexistir o órgão gestor a que faz
referência. O artigo 18 da Lei 4.771/65 não obriga o proprietário a florestar ou
reflorestar suas terras sem prévia delimitação da área pelo Poder Público. Embora
independa de culpa, a responsabilidade do poluidor por danos ambientais necessita
da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano. Recurso improvido.
Também em contraposição à proteção das florestas, a Resolução do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) 369, de 28 de março de 2006, permitiu, embora
154
em caráter excepcional, a supressão das áreas florestais protegidas em casos de utilidade
pública, interesse social ou baixo impacto ambiental.
Em que pese todo o cuidado que essa Resolução manteve com a proteção florestal,
como, por exemplo, a exigência de licenciamento no órgão ambiental competente e a adoção de
medidas compensatórias, e mesmo considerando a importância da proteção aos pequenos
produtores, as autorizações administrativas para a supressão de vegetação com base em
conceitos de determinação difícil - como o de “baixo impacto ambiental” e de “interesse social”
- podem facilitar e fundamentar atividades que vão de encontro ao desenvolvimento sustentável.
Em conclusão às medidas repressivas, também se verifica a política de compensação.
De fato, ela não possui o mesmo efeito da recuperação, pois pode favorecer apenas a criação de
um ambiente artificial ou exótico. No entanto, a compensação enquanto forma de repressão é
capaz de contribuir para o financiamento de medidas preventivas, como no caso dos fundos
ambientais (artigo 13 da Lei 7.347/85), ou atuar de forma dissuasória em relação àquele que
pode vir a assumir a obrigação pecuniária em virtude de condenação civil
85
.
Também como mecanismo reparativo na área administrativa, a assinatura do Termo
de Compromisso de Recuperação Ambiental em substituição à penalidade pode ser um
instrumento interessante do ponto de vista da reparação ou compensação do dano e da
educação ambiental, como faz o Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais
(DEPRN), conforme Portaria do Estado de São Paulo 24, de 03 de junho de 1998, em
relação à manutenção de APP e RFL.
III - Medidas de prevenção e incentivo ao desenvolvimento agrícola sustentável:
sem dúvida, a prevenção é a melhor defesa para o desenvolvimento sustentável, pois nem
sempre o dano pode ser reparado com a rapidez e na quantidade necessárias. Ou seja, não
apenas porque a prevenção é mais barata, mas por ela ser imprescindível para combater a
crise ambiental.
Os instrumentos de intervenção estão na Constituição enquanto programas ou
princípios impositivos. Porém, eles foram regulamentados em normas infraconstitucionais,
de forma que adquiriram aplicabilidade imediata e eficácia plena.
Grande parte desses instrumentos será examinada no quarto capítulo, em virtude da
importância que possuem para o Direito Agrário e o desenvolvimento rural. Todavia, a título
exemplificativo, pretende-se apresentar os instrumentos de política ambiental mais relevantes:
85
Também existem fundos para a reparação ambiental (fundos de compensação). Nesses, os potenciais poluidores
pagam antecipadamente uma quota do financiamento para reparação (espécie de seguro). O problema é que esse
mecanismo tira o caráter dissuasório da responsabilidade civil, pois o agente deixa de arcar com o valor de
eventual condenação, salvo se garantido o direito de regresso ao fundo (LEITE, 2000, p. 223).
155
- Avaliação de Impacto Ambiental: mencionado no artigo 225, § 1°, inciso IV da
Constituição Federal e nos artigos 8º, inciso II, e 9º, inciso III, ambos da Lei n° 6.938/81, esse
instrumento inclui, entre outros, o estudo prévio de impacto, o licenciamento e as auditorias;
- Comunicação ambiental: expresso no artigo 225, § 1°, inciso VI, da Constituição
Federal e no artigo 9º, inciso VII, da Lei 6.938/81, tal instrumento abrange, por exemplo:
educação ambiental, assistência técnica e extensão rural, certificação e audiências públicas;
- Zoneamento Ecológico Econômico: por meio dele, se permite organizar, ordenar e
dividir espaços, bem como definir áreas de atuação específica. Esse instrumento foi previsto
no artigo 9º, inciso II, da Lei n° 6.938/81 e regulamentado no Decreto Federal 4.297, de 10
de julho de 2002, que, em seu artigo 4°, inciso I, vincula o zoneamento ao desenvolvimento
sustentável multidimensional; à democracia participativa; ao conhecimento científico
multidisciplinar; e aos princípios ambientais;
- Criação de espaços especialmente protegidos: previstos no artigo 225, § 5º, da
Constituição Federal e na Lei nº 9.985/00
86
;
- Estímulos fiscais e extrafiscais, subsídios e prêmios vinculados à proteção
ambiental: com fundamento legal no inciso VI do artigo 170 da Constituição Federal,
conforme a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de
2003, o qual possibilita “tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos
e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”, bem como no artigo 9º, inciso V, da
Lei n° 6.938/81.
Esses instrumentos consistem na disponibilização de recursos financeiros ou outras
vantagens, a fim de incentivar os poluidores a reduzirem a degradação ambiental, ou mesmo
para facilitar os agentes a cumprir o padrão fixado na política de controle. São usados os
seguintes mecanismos: 1. subvenções: forma de assistência financeira não-reembolsável
concedida na forma de créditos ou pagamento de prêmio de seguro; 2. empréstimos
subsidiados: mútuo a taxas de juros abaixo das oferecidas pelo mercado; 3. incentivos fiscais:
depreciação acelerada ou outras formas de abatimento de impostos para o caso de serem
adotadas medidas preventivas;
86
Espos Territorialmente Protegidos o áreas geográficas blicas ou privadas (porção do território nacional)
dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime judico de interesse blico que
implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e proteção da
integralidade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteção ao processo evolutivo das espécies, a
preservação e proteção dos recursos naturais.” (SILVA, J. A. 2002, p. 230, grifos do autor).
156
- Termo de ajustamento de conduta: previsto no artigo da Lei 7.347/85. Esse
instrumento, utilizado em conjunto com o inquérito civil, possibilita reparar e prevenir danos
futuros mediante a orientação técnica e o direcionamento das condutas dos poluidores.
IV - Medidas jurisdicionais: os direitos fundamentais, como aquele ao meio
ambiente equilibrado, possuem aplicabilidade imediata, ainda que a real proteção dependa da
atuação do Executivo ou do Legislativo. Por isso, é indispensável a criação de mecanismos de
acesso ao Poder Judiciário, o qual pode e deve dar efetividade a essas normas constitucionais.
O ordenamento brasileiro criou importantes mecanismos para efetivar o direito à
adequada prestação jurisdicional em relação aos novos direitos fundamentais, dispondo de
instrumentos como, por exemplo, a ação civil pública, a ação popular, o mandado de
segurança e de injunção e alguns procedimentos específicos para atender à urgência e à
plausibilidade do direito violado - entre eles, os pedidos liminares, a antecipação de tutela e as
medidas cautelares.
2.4 A efetividade constitucional e a crise ambiental
2.4.1 A dificuldade de aferição do dano ambiental
A preservação da espécie humana depende de uma série de posturas no sentido de
conservar os recursos ou reparar o dano ambiental. O Direito tem um papel fundamental na
consagração de mecanismos preventivos; da mesma forma, pode dispor de instrumentos de
recuperação desses danos e de responsabilização dos seus causadores.
Nesse cenário, o primeiro grande tema é o dano ambiental. Um dano pode ser
definido como a lesão de interesses juridicamente protegidos. Esses interesses correspondem
à posição da pessoa ou coletividade em relação a um bem suscetível de satisfazer-lhe um
anseio. O bem é concebido como o meio de atender a uma necessidade. Assim, o dano
ambiental pode ser considerado o resultado de uma lesão que provoca a diminuição ou
alteração do meio ambiente de interesse de uma pessoa, de verificação mais fácil e localizada,
ou de interesse difuso.
Dano ambiental deve ser compreendido como toda lesão intolerável causada por
qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como
macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e
indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e
que reflitam no macrobem (LEITE, 2000, p. 108, destaque do autor).
157
Até certo limite, as conseqüências da intervenção na natureza são aceitáveis e não
constituem um ato antijurídico. Mas, quando a capacidade funcional de uso e conservação
futura do bem começa a ser afetada, o dano deixa de ser tolerável e gera direitos e obrigações.
Como os parâmetros não são exatos e nem estáveis, a nocividade da poluição ou
degradação devem ser analisadas no caso concreto. Até porque, muitas vezes, o dano
ambiental vai além das fronteiras do Estado Nacional.
A dificuldade é ainda maior no tocante à avaliação do dano coletivo extrapatrimonial
ou moral ambiental. Esse dano é a desvalorização imaterial dos valores ecológicos em virtude
da ofensa ao sentimento coletivo de proteção ambiental
87
. O dano extrapatrimonial ambiental
foi consagrado no ordenamento pátrio, com fundamento no artigo 6º, incisos VI e VII da Lei
8.078/90; e no artigo , incisos I e IV, da Lei 7.347/85, nos quais o meio ambiente
sadio é tido como direito de personalidade, inclusive com possibilidade de responsabilização
objetiva pelo dano extrapatrimonial:
No contexto brasileiro, como visto, fundamento legal para este dano
extrapatrimonial difuso ligado à personalidade, que tem seu escopo na proteção de
um interesse comum de todos, indivisível e ligado por uma premissa de
solidariedade. Com efeito, os direitos da personalidade evoluem e já podem ser
visualizados e inseridos como valores ambientais de caráter difuso, posto que
atingem direitos essenciais ao desenvolvimento de toda a coletividade. Sendo o
direito ao ambiente um direito fundamental, conforme apreciado, pode ser também
qualificado como direito de personalidade de caráter difuso, que comporta dano
extrapatrimonial (LEITE, 2000, p. 297).
Se existem dificuldades para analisar o valor do dano material, pior será avaliar o
dano moral coletivo e o futuro, tanto no que se refere à aferição do valor econômico da lesão
ao macrobem, quanto no tocante à legitimidade passiva e responsabilização. A
responsabilidade jurídica dependerá do caso concreto, da eqüidade e da capacidade
contributiva do poluidor.
Ocorre que, tendo em vista o princípio da precaução e da solidariedade
intergeracional, não como desconsiderar a existência de danos futuros que atingirão a
coletividade indeterminada, pois uma ação pode provocar prejuízo à sociedade depois de
muito tempo:
[...] o dano ambiental futuro é a expectativa de dano de caráter individual ou
transindividual ao meio ambiente. Por se tratar de risco, não há, necessariamente,
dano atual nem necessariamente a certeza científica absoluta de sua ocorrência
futura, mas tão-somente a probabilidade de dano às futuras gerações. Nestes casos, a
constatação de alta probabilidade ou probabilidade determinante de
87
No caso do Direito Agrário, ao se reduzir a produtividade da terra por uso de técnicas inadequadas, pode
ocorrer um dano individual ao proprietário, causado por negligência do próprio produtor; ao mesmo tempo,
são possíveis danos de interesse coletivo ao macrobem (como risco à segurança alimentar) e ao microbem
(degradação do solo).
158
comprometimento futuro da função ecológica ou da capacidade de uso humano dos
bens ecológicos, ensejaria a condenação do agente às medidas preventivas
necessárias (obrigações de fazer ou não fazer) a fim de evitar danos ou minimizar as
conseqüências futuras daqueles já concretizados (CARVALHO, 2007, p. 74, grifos
do autor).
Não é necessária a certeza quanto ao dano futuro; a sua probabilidade é suficiente
para criar vínculos, de modo que ele é o fundamento para que o Direito estabeleça
mecanismos de controle das atividades que criem riscos de dano ambiental futuro.
A reparação do dano no Brasil é possível, que instrumentos para prevenção e
repressão. Mas não basta reconhecer o dano e dizer que o Direito estabeleceu mecanismos de
ação. A proteção real depende da adequação desses instrumentos para mudar uma realidade.
De outro lado, é preciso reconhecer a dificuldade de o Direito, assim como todas as
ciências sociais, estabelecer critérios a fim de avaliar o desenvolvimento sustentável. Nota-se
que nem os elementos da função social da propriedade rural estão sendo corretamente
aferidos.
2.4.2 A efetividade da proteção ao desenvolvimento sustentável
O Direito é um instrumento de interferência no domínio político, econômico e
social. Por meio dele, se procura conservar as situações desejadas ou transformar as estruturas
estabelecidas que não atendam aos anseios da sociedade.
Ele também é a estrutura de um sistema social que possibilita a generalização
coerente das expectativas comportamentais normativas, com o propósito de evitar a
ocorrência de determinadas situações e, por conseguinte, controlar alguns riscos.
A sociedade adota um conjunto de regras obrigatórias que disciplinam os
comportamentos humanos ou impõem sanções no caso do descumprimento da conduta
prescrita - esse anseio normativo da sociedade forma o que se conhece por Direito.
Conseqüentemente, o Direito pertence ao âmbito do dever-ser e aparece como um instrumento
coercitivo voltado à realização de sistemas ideais, segundo valores definidos politicamente,
que se exteriorizam por meio de normas jurídicas (NOVOA MONREAL, 1988, p. 68).
Quanto ao conteúdo, as decisões políticas consistem no conjunto de funções e
objetivos do Estado e da sociedade civil que se apresentam na forma de normas jurídicas.
Ocorre que o fato de dar juridicidade a essas decisões não é suficiente para a efetividade de
uma expectativa preestabelecida. Indubitavelmente, o poder coercitivo do Direito é
indispensável no propósito de concretização dos valores consagrados no ordenamento
jurídico, de maneira especial na Constituição Federal; no entanto, para isso, as escolhas
159
precisam se apoiar em conhecimentos científicos - possibilidade técnica de fazer-se real - e
em fundamentos éticos.
Como leciona Cristiane Derani (2001, p. 219), o ordenamento jurídico de um Estado
deve ser mais do que um conjunto de prescrições normativas. Ele precisará de uma
complementação extrajurídica para a sua legitimação democrática, uma vez que a realização
das escolhas políticas depende das condições materiais de uma realidade histórica.
Como discutido neste capítulo, o desenvolvimento sustentável foi o paradigma
escolhido pela sociedade para definir as obrigações do Estado Democrático de Direito
Material e dos particulares; inclusive foram estabelecidos instrumentos jurídicos para a
intervenção no plano social, econômico e ambiental. Tal modelo encontra respaldo no
momento sociológico contemporâneo, pois representa uma resposta aos riscos decorrentes da
crise ambiental.
A Constituição Federal possui normas programáticas, com o propósito de direcionar
a atuação estatal ou estabelecer objetivos que vinculam os poderes estatais, e um número
significativo de normas de aplicabilidade imediata, dispondo de direitos e deveres dos
particulares e do Estado, inclusive em relação ao desenvolvimento sustentável.
A questão não é mais de reconhecimento dos valores ou relativa à aplicabilidade
limitada de algumas normas constitucionais; até para estas existe substancial
regulamentação infraconstitucional. A dificuldade está em concretizar os direitos
conquistados.
O Brasil, afirma-se, tem hoje um dos mais avançados sistemas de proteção jurídica
do meio ambiente. Prioritário para o futuro (e para o presente) não é, no essencial,
legislar. o fizemos. O que se espera agora dos órgãos ambientais e dos cidadãos,
organizados ou não, é o cumprimento das exigências legais, que, com freqüência,
nada mais são do que letra morta (BENJAMIN, 1999, p. 82).
A efetividade do Direito representa a “materialização, no mundo dos fatos, dos
preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o “dever-ser”
normativo e o “ser” da realidade social (BARROSO, L. R., 2000, p. 85, grifo do autor)”, de
forma que o bem jurídico assegurado seja desfrutado pelo titular do direito. Para tanto, é
indispensável que haja uma racionalidade material na interpretação e aplicação do Direito, de
maneira a superar a lógica formal das legalidades e valorizar o resultado social das normas.
É rejeitável a idéia de dois mundos apartados: “ser” (realidade) e “dever ser”
(norma). necessidade de inter-relação dinâmica, pois o Direito não se encerra no termo
normativo. A norma é totalmente compreendida no seu processo de concretização
(DERANI, 2001, p. 214).
160
Essa concepção pode ser adequadamente satisfeita se a interpretação e aplicação
do Direito estiverem em consonância com o atual contexto sociológico, em sua dinamicidade
e complexidade, uma vez que ele está marcado, por exemplo, pela evolução e funcionalização
dos institutos jurídicos, a globalização e os novos sujeitos - movimentos sociais e
ambientalistas.
As normas relacionadas ao desenvolvimento sustentável não possuem a efetividade
esperada. De certa forma, as causas são as mesmas apontadas por Joaquim Gomes Canotilho
(1998a, p. 1045) em relação às demais normas constitucionais: excessiva generalidade e
polissemia dos conceitos, a carga político-ideológica dos enunciados e a teoricização que
dificulta a operacionalidade da aplicação dos métodos hermenêuticos.
A inefetividade também é conseqüência da dificuldade de tornar as normas
vinculantes, notadamente pela inexistência de sanções no âmbito internacional, e pela
impossibilidade de aferição precisa do impacto ambiental e do responsável pelo dano.
Edis Milaré (2001, p. 105) expõe, ainda, as seguintes causas: a falta de consciência
coletiva quanto às conseqüências do desastre ambiental; a deficiência funcional dos órgãos de
proteção do meio ambiente; a demora na prestação jurisdicional e a dificuldade para lidar com
as questões técnicas (especialização); a pressão dos lobistas em função do interesse em manter
o lucro resultante da produção desenfreada; a pouca parceira entre o setor público e o privado;
e a falta de uma política de implementação das diretrizes para a proteção ambiental.
A relação entre o Direito e a Política é complementar e instrumental. As escolhas
políticas legitimam direitos que legitimam escolhas políticas. O difícil é controlar todo esse
processo. Na seara de conceitos jurídicos indeterminados, a compreensão do Direito é
definida conforme os interesses predominantes - seja pela decisão da maioria, seja pelo poder
econômico.
A fim de que o Direito possa contribuir para a concretização do desenvolvimento
sustentável, é indispensável que ele consiga compatibilizar o ordenamento positivo tradicional
e a técnica normativa de proteção aos novos direitos.
O ordenamento positivo tradicional é o resultado de grande discussão científica e
tem predominado nas discussões levadas ao Poder Judiciário. Mas esse Direito não
acompanhou a evolução das necessidades coletivas. Logo, por mais que seja científico e
sistemático, não consegue resolver as novas demandas sociais (NOVOA MONREAL, 1988,
p. 20).
De outro lado, acreditava-se que a positivação dos novos interesses da coletividade
garantiria a eficácia social do Direito, mormente por reconhecer e tentar resolver as novas
161
demandas e promover a integração de sujeitos sociais antes excluídos. Todavia, o resultado
foi uma produção jurídica desprovida de uma melhor técnica legislativa, devido a fatores
como: os avanços tecnológicos, a mobilidade social em velocidade superior à produção
legislativa, a confirmação de novos direitos humanos fundamentais, e a maior intervenção
estatal.
O Direito Tradicional Formal, embora tecnicamente perfeito, não atendeu à
realidade social. Em contrapartida, a consagração dos novos direitos coletivos e difusos
pleiteados pela coletividade não produziu a aspirada efetividade no âmbito dos procedimentos
institucionais - especialmente pela falta de sistematização e estudos acadêmicos (NOVOA
MONREAL, 1988, p. 48).
Além dos problemas da produção normativa moderna devido à imprecisão, o
casuísmo e a prolixidade dos textos, a inefetividade dos novos direitos também é
conseqüência da resistência de alguns setores econômicos e do corporativismo político, que
conseguem criar obstáculos, até institucionais, à extinção de alguns privilégios.
Para solucionar essas questões, é fundamental buscar a sistematização da ampla
legislação existente e torná-la mais clara e concreta, por meio de regulamentação e criação de
instrumentos que respeitem o conhecimento multidisciplinar e favoreçam a maior participação
da sociedade.
A legislação moderna, felizmente, tem buscado um caráter social e prospectivo para
a norma. Mas ainda não conseguiu garantir a materialização dos valores constitucionais e
estabelecer um sistema de tutela capaz de superar a idéia de severa repressão como o
mecanismo dissuasório mais eficiente e de uma interpretação individualista do Direito.
O desenvolvimento sustentável precisa fazer parte de uma agenda governamental e
constituir-se prioridade na consciência coletiva. É evidente que o reconhecimento jurídico não
é suficiente para promover a transformação social. Afinal, a normatividade fica
caracterizada com a aplicação em casos concretos: decisão judicial, atos administrativos,
criação de uma disciplina regulamentadora ou uma lei conforme a norma interpretativa
superior.
162
CAPÍTULO 3 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA ATIVIDADE
AGRÍCOLA
3.1 O objetivo do Direito Agrário no Estado Contemporâneo
O Direito Agrário é o sistema de normas que disciplina a realização racional da
atividade agrária segundo o princípio conformador da função social da propriedade. Esse
conceito sintético alcança a complexidade e a dinamicidade que devem nortear qualquer ramo
do Direito, pois proporciona uma interpretação evolutiva dos aspectos axiológicos, os quais
formam o conteúdo multidimensional e variável da mencionada função, e dos elementos
fáticos imprescindíveis para a realização da atividade agrária
88
.
De forma analítica, entende-se o Direito Agrário como o ramo da ciência jurídica
que rege as relações decorrentes da atividade do homem sobre a terra e regula a apropriação e
o uso dos meios de produção, observando os princípios da produtividade, da conservação
ecológica e da justiça social. O objeto dessa disciplina jurídica é toda ação humana orientada
para a produção a partir da exploração e controle da natureza (ALVARENGA, 1985, p. 02).
Raimundo Laranjeira (1975, p. 58), além da atividade agrária, ressalta a finalidade
da proteção ambiental. Para o autor, o “Direito Agrário é o conjunto de princípios e normas
que, visando imprimir função social à terra, regulam as relações afeitas à sua pertença e uso, e
disciplinam a prática das explorações agrárias e da conservação dos recursos naturais”.
Luis Martin Ballestero Hernandez (1990, p. 21), com ênfase no aspecto normativo,
compreende o Direito Agrário como a regulação jurídica da atividade, de forma que ele é
“aquel conjunto de normas jurídicas, ya sean de Derecho Privado o de Derecho Público, que
regulan los sujetos, los bienes, los actos y las relaciones jurídicas pertinentes a la agricultura”.
Um regime jurídico é o conjunto de princípios e regras que dão sistematicidade a
uma ramificação do Direito, ou seja, que cria uma disciplina normativa peculiar. Pelas
definições do Direito Agrário apresentadas acima, percebe-se que o seu regime jurídico
decorre da interação de três aspectos: a atividade econômica agrária como objeto, a função
social da propriedade, e a conservação dos recursos naturais como princípios conformadores
da produção normativa.
88
O termo “agrário” refere-se à terra suscetível de produção, enquanto “rural” é utilizado apenas como contrário
de “urbano”, pouco importando a destinação da terra (ALVARENGA, 1985, p. 8). O trabalho optou pelo
termo “agrário” para nomear a atividade relativa à produção agropecuária e o ramo do Direito que regula essa
atividade.
163
A autonomia do Direito Agrário decorre, basicamente, das seguintes características:
a) peculiaridades da atividade agrária: os seus institutos jurídicos
89
devem satisfazer
o critério da agrariedade, de modo que se relacionem à organização da produção no imóvel
rural e ao ciclo agrobiológico - interação entre o respeito ao tempo da natureza e a
disponibilidade de recursos naturais no local com o desenvolvimento de uma atividade
econômica;
b) existência de valores e objetivos próprios, entre eles: garantia de segurança
alimentar, geração de renda no campo e conservação do potencial produtivo futuro
90
;
c) especificidades das normas quanto à esfera de aplicação - restrita à atividade
agrária e aos produtores rurais - e às fontes de produção do Direito - na medida em que
valorização das normas costumeiras e dos negócios jurídicos;
d) a funcionalidade dos bens e institutos, segundo a evolução das dimensões dos
direitos fundamentais e a evolução da concepção do direito de propriedade e posse de imóvel
rural.
O Direito Agrário sempre teve caráter social e humanista, em virtude da sua relação
com a evolução dos direitos humanos fundamentais e do Estado. Por isso, ele se tornou
indispensável na definição do conteúdo jurídico do desenvolvimento sustentável, haja vista a
possibilidade de adequar a produção de suas normas ao momento de crise ambiental.
Embora com institutos semelhantes aos do Direito Civil, o Direito Agrário possui
uma forma própria de regulamentá-los. A superação do liberalismo econômico e da idéia de
propriedade privada absoluta fez com que esse ramo jurídico se afastasse do Direito Civil e,
influenciado pelo Estado Social, buscasse dar um conteúdo diferenciado aos institutos ligados
à atividade rural, com especial atenção aos aspectos sociais e econômicos.
Enquanto a segunda dimensão de direitos fundamentais deu especificidade e
autonomia ao Direito Agrário, a terceira foi a responsável pela sua vinculação ao momento
sociológico hodierno. Essa dimensão estabeleceu novas funções estatais e incluiu a
conservação ambiental como objeto dessa disciplina jurídica, a qual deixou de ser apenas
promotora da distribuição de terras e controladora dos índices de produtividade, a fim de atuar
como instrumento do Estado Ambiental para concretizar o desenvolvimento sustentável.
89
Instituto como o conjunto normativo que regula determinadas relações em direção a um fim comum.
90
O Direito Agrário como ramo especial tem prinpios próprios, entre os quais são dignos de nota: a função social
da propriedade, a proteção à propriedade familiar, o dimensionamento eficaz das áreas exploráveis, o combate ao
minifúndio e ao latifúndio e a estimulação da produção cooperativista (LARANJEIRA, 1975, p. 145-158).
164
Atualmente, o Direito Agrário tem ênfase na atividade agrária sustentável, com
redefinição da função social da terra, dos contratos e da empresa agrária. Compreendeu-se a
multidimensionalidade que norteia os institutos relacionados a essa matéria.
Existe uma dimensão sociológica, pois a realidade rural influencia o conteúdo do
Direito Agrário. O reconhecimento do contexto social é imprescindível para que o Direito
possua efetividade e contribua no propósito de manter as condições almejadas e impedir a
ocorrência das expectativas indesejáveis, de forma a resolver os conflitos agrários (fatos).
Apesar da enorme influência que a realidade e os costumes possuem sobre o Direito
Agrário, também está presente a dimensão normativa. Procura-se formar um sistema coerente
de normas a partir da conjugação de diferentes fontes, entre elas: as leis e os contratos
agrários.
O Direito Agrário ainda possui uma dimensão axiológica que representa, acima de
tudo, a consagração de valores relacionados à produção agrária, os quais adquiriram
legitimação no momento em que se submeteram à avaliação democrática, como a função
social da propriedade e do contrato, a segurança alimentar, a valorização do trabalho e a
precaução.
As regras de Direito Agrário não se restringem à regulamentação da atividade
econômica e dos contratos privados referentes à produção. Embora ele possua normas de
caráter exclusivamente privado, também dispõe de normas de proteção social e de definição
de obrigações perante o Estado. O fato é que esse ramo vai além do aspecto econômico da
atividade agropecuária, exigindo maior intervenção estatal em face dos riscos do mercado e
das modificações que ela provoca no meio ambiente e na manutenção do potencial produtivo.
Por trás da atividade agrária está o bem-estar de diferentes sujeitos e o interesse da
coletividade. Cada instituto do Direito Agrário deve ser revisto a fim de se adequar às novas
necessidades e às possibilidades de satisfazê-las, como, por exemplo, a propriedade privada, a
posse, a usucapião, a reforma agrária, o cadastro rural, o crédito, a tributação e a
desapropriação. Assim, entende-se que os conceitos legais estabelecidos no artigo lº, §§ e
2º, da Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra) estão ultrapassados, pois
nem a reforma agrária se restringe à distribuição de terras, nem a política agrícola se limita à
promoção da produtividade.
Esse novo paradigma de Direito Agrário é centrado no desenvolvimento sustentável,
principalmente pela possibilidade de os seus instrumentos jurídicos influenciarem
positivamente em temas como segurança alimentar e manutenção do potencial produtivo
futuro.
165
O Direito Agrário teve que se aproximar do Direito Ambiental, o qual, até então, não
havia recebido a devida atenção da doutrina jus-agrarista. Como verificado no capítulo
anterior, o Direito Ambiental tem vocação para a interdisciplinaridade, pois não se
desenvolveu a partir de um instituto jurídico, mas da busca de um fim específico (a proteção
ambiental), ele se projeta sobre outras matérias com o propósito de prepará-las para uma nova
realidade.
No entanto, a preocupação ambiental não provocou a absorção do Direito Agrário
pelo Ambiental, assim como a agricultura comercial não representou a submissão do Direito
Agrário ao Comercial (ZELEDÓN ZELEDÓN, 2003, p. 167). A relação da atividade agrária
com o meio ambiente sempre existiu; apenas houve a necessidade de maior especialização das
normas jurídicas frente a especificidades da crise agrária hodierna, como a degradação dos
recursos naturais.
O Direito Agrário precisa inserir no seu conteúdo a obrigação de uso adequado do
solo. Isso pode ser feito, por exemplo, mediante a exigência do emprego de técnicas
adequadas, o controle de agrotóxicos e fertilizantes, bem como mecanismos de prevenção e
fiscalização das condutas dos produtores, e ainda aplicação de sanções em virtude da violação
das prescrições jurídicas.
O Direito Agrário também pode favorecer a difusão de uma modelo de produção
sustentável e competitivo, a partir do fomento do acesso ao conhecimento e à adoção das
novas tecnologias, bem como estimular a pluriatividade enquanto meio de complementação
da renda perdida com os limites ambientais para a expansão da atividade agropecuária.
Pelo exposto, com base nas lições de Juan Miguel (1993, p. 51), é possível visualizar
a seguinte instrumentalização do Sistema Jurídico Agrário:
- Mecanismos de controle geral: estabelecimento de obrigações a serem
assumidas por todos os produtores quanto ao uso do solo agrícola, o emprego de insumos
químicos e tudo mais o que for relacionado ao processo produtivo e à proteção do meio
ambiente rural;
- Mecanismos de proteção setorial: criação de espaços especialmente protegidos
com o propósito de imposição de limites ao cultivo, como as APP e as RFL;
Mecanismos de fomento e sanções: constituição de instrumentos de atuação do
Estado, seja por meio de promoção de medidas preventivas, como é o caso da política agrícola
e ambiental e da reforma agrária, seja através de medidas repressivas, entre as quais merece
destaque a desapropriação-sanção e a responsabilização civil, penal e administrativa.
166
Nas próximas subseções deste capítulo, serão esmiuçados os principais aspectos do
Sistema Jurídico Agrário, especialmente a definição da atividade agrária (objeto), do
desenvolvimento agrícola sustentável (valor fonte e objetivo mediato) e da função social da
propriedade (princípio conformador e instrumento jurídico).
Mas antes de discutir um conceito de atividade agrária como o principal objeto do
Direito Agrário Brasileiro, é preciso demonstrar porque é equivocada a defesa da empresa
agrária como o mais importante instituto dessa disciplina jurídica.
Alguns autores entendem que a empresa agria é o objeto central e o principal
instituto do Direito Agrário, posição que já está consolidada na Europa (MIGUEL, 1993, p. 59;
ZELEDÓN ZELEDÓN, 2003, p. 51; SCAFF, 1997, p. 33)
91
.
Essa teoria defende que a atividade agrária, a propriedade privada sobre um bem
imóvel rural e a sua função social são momentos de um empreendimento comercial, de modo
que a empresa agrária sintetiza os objetos setoriais do Direito Agrário.
Do ponto de vista legal, a empresa rural ou agrária é definida no inciso VI do artigo
4º do Estatuto da Terra como:
VI- “Empresa Rural” é o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condições
de rendimento econômico da região em que se situe e que explore área mínima
agricultável do imóvel segundo os padrões fixados, pública e previamente pelo
Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas, as pastagens, as
matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias
92
.
A empresa pode ser entendida no sentido de relação de trabalho entre empregados e
empresário, como os bens, materiais ou imateriais, utilizados para realizar a atividade
econômica ou um conjunto de funções contratuais e legais. A empresa agrária é a espécie de
empresa que se particulariza em razão das características da atividade produtiva realizada.
A empresa agrária, em sentido econômico, é atividade organizada profissionalmente
(não eventual) em estabelecimento que, conjugando capital e trabalho, busca o adequado cultivo
de vegetais ou a criação de animais para atender ao consumo ou mesmo que faz a mediação de
bens ou de servos para oferecê-los ao mercado. Ela é coordenada pelo empresário, que assume
os resultados e riscos da organização da atividade (SCAFF, 1997, p. 46).
91
Em Espanha, por exemplo, se pensa que o Direito Agrário deve-se preocupar com temas além da produção,
como o beneficiamento, a comercialização, a certificação e o rastreamento do produto (MIGUEL, 1993, p. 59).
92
A empresa rural é caracterizada pelo cumprimento da função social, na medida em que tem como elemento
essencial a finalidade econômica (lucro) da atividade agrária, realizada num imóvel maior que o minifúndio,
mediante exploração social e ambiental voltadas ao desenvolvimento sustentável.
167
A empresa agrária possui, basicamente, três elementos:
a) Estabelecimento: é o complexo de bens heterogêneos e interdependentes
destinados ao exercício da atividade produtiva. Ele consiste no imóvel rural e nos acessórios
do solo - instalações, móveis, ações imobiliárias, patentes e marcas.
Fernando Scaff (1997, p. 33) defende que o direito de propriedade deixou de ser o
instituto mais importante do Direito Agrário, pois o interesse jurídico nesse instituto decorre
do fato de ele ser o local da prática da atividade econômica. Já a empresa é o aspecto
dinâmico da produção, de forma que sempre se relacionará com as disposições desse ramo
jurídico.
b) Empresário agrário: é a pessoa física ou jurídica que exerce a atividade
econômica organizada de forma profissional (habitual e principal, ainda que não exclusiva)
através dos instrumentos oferecidos pelo estabelecimento e do exercício do poder de
destinação do bem produtivo, e que suporta os benefícios e prejuízos do empreendimento
(SCAFF, 1997, p. 96).
Procura-se justificar a valorização da empresa agrária em virtude das exigências dos
consumidores no tocante ao controle de qualidade dos produtos e da necessidade de inovações
técnicas na atividade produtiva, as quais passam a exigir produtores mais qualificados,
capazes de realizar uma gestão empresarial e utilizar a nova tecnologia (BALLESTERO
HERNANDEZ, 1990, p. 160).
c) atividade agrária: a empresa desenvolve uma atividade econômica caracterizada
pela agrariedade, que será analisada na subseção abaixo, até porque este trabalho não concebe
a atividade apenas como elemento da empresa, mas como o objeto central do Direito Agrário.
Fernando Scaff (1997, p. 36) entende que, embora a agrariedade esteja diretamente
ligada à atividade agrária, esta não é o principal instituto do Direito Agrário, pois a atividade
não pode ser separada dos demais elementos da empresa. Enquanto o estabelecimento e o
empresário formam o aspecto estático da empresa agrária, a atividade corresponde ao seu
aspecto dinâmico, que a qualifica e define o seu regime jurídico.
No Brasil, não é possível prosperar a idéia de Fernando Scaff (1997, p. 45) de que a
atividade produtiva praticada fora da empresa tem menor relevância para o Direito Agrário.
Pelo contrário, a maior parte da produção não é profissionalizada e nem tem a devida
organicidade, tanto que a reforma agrária e a exploração do trabalho ainda são temas
presentes nesse Direito.
168
3.2 O conceito de atividade agrária
A atividade agrária é, antes de tudo, uma atividade econômica. Porém, ela possui
uma relação mais íntima com a natureza, o que exige maior atenção ao uso dos recursos
naturais e a compatibilização da produção de alimentos e matéria-prima com a manutenção
dos bens necessários para a produção orgânica futura (SILVA, J. A., 2002, p. 222).
Antes de apresentar a estrutura da atividade agrária, é preciso destacar que,
independentemente de considerar o critério da localização ou da atividade para definir o
imóvel rural, existe um espaço agrário onde o Direito exerce o seu papel regulador e
fomentador.
O espaço agrário é aquele que possibilita a atividade produtiva econômica
relacionada à organização dinâmica de elementos diversos para a produção de matéria
orgânica, a fim de atender a uma demanda crescente de bens e serviços (BALLESTERO
HERNANDEZ, 1990, p. 149).
A concepção desse espaço não pode ser vista apenas como expressão territorial ou
um bem de produção, pois ele constitui uma expressão mítica de valores culturais assumidos
pelos homens do “campo”. A compreensão desse espaço está relacionada à concepção do
imóvel rural enquanto o lugar onde se desenvolve a atividade agrária e se o cumprimento
da função social.
No inciso I do artigo do Estatuto da Terra; no artigo do Decreto 55.891, de
31 de março de 1965; no artigo da Lei 5.868, de 12 de dezembro de 1972; e no inciso I
do artigo da Lei 8.629/93, o imóvel rural é definido como aquele destinado à atividade
agrária.
De outro lado, nos artigos 29 e 32, § 1º, do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172,
de 04 de julho de 1966), e no artigo 1
o
da Lei 9.393, de 19 de dezembro de 1996, o imóvel
rural é aquele localizado fora do perímetro urbano. Os autores que defendem essa posição
entendem que a Lei nº 5.868/72, por ser ordinária, não poderia revogar o cririo da localização
estabelecido no Código Tributário Nacional, o qual foi elevado à categoria de lei complementar.
Ocorre que o Código Tributário ainda era uma lei ordinária quando promulgado o
Decreto-Lei 57, de 18 de novembro de 1966, este também de natureza ordinária; logo, o
referido Decreto poderia revogar normas desse Código. Quando a Constituição Federal de
1967 erigiu o a Lei n 5.172/66 à categoria de Lei Complementar não represtinou os
dispositivos antes revogados. Destarte, o Decreto foi recepcionado pela Constituição de 1967.
169
Nesse sentido, Augusto Coelho (1991, p. 151) defende que, pelo menos no Direito
Agrário, prevalece o critério da destinação. O critério da localização presente no Código
Tributário foi revogado pelo artigo 15 do Decreto 57/66, posteriormente revogado pelo
artigo 12 da Lei nº 5.868/72, que também consagrou o critério da destinação no seu artigo 6º.
Em sentido contrário, Leandro Pausen (1997, p. 95) considera que o critério da
localização é aplicável tanto para fins fiscais quanto no Direito Agrário. Para o autor, é
inconstitucional a definição de imóvel rural do artigo 4
o
da Lei nº 8.629/03, na medida em que
a Constituição consagra o critério da localização no seu artigo 182, incumbindo ao plano
diretor municipal a tarefa de determinar o perímetro urbano e, por exclusão, a área rural.
Não obstante, seguindo Giselda Hironaka (1997, p. 102), além da localização, o
imóvel rural deve ser destinado à atividade agrária. Esse entendimento é corroborado pelos
artigos 14 e 15 da Lei nº 5.868/72.
A definição de zona urbana não deveria se basear predominantemente pelo
saneamento básico, mas pela atividade econômica principal e a finalidade. Apesar da
celeuma em torno dessa matéria, é certo que o imóvel rural e a atividade agrária são
indissociáveis.
A atividade agrária faz parte do setor primário, que corresponde às atividades que
produzem bens “in natura”, ou pouco processados, desde que também utilizem em grande
quantidade os fatores terra e trabalho
93
. Ela é indispensável para a concretização do
desenvolvimento rural sustentável, uma vez que é a única forma de garantir segurança
alimentar e disponibilizar algumas matérias-primas e energia; além de produzir e distribuir
renda; formar um mercado de consumo para os produtos industriais e prestação de serviços no
meio rural; gerar capital para diversificar a produção agrária, investir na qualificação do
trabalhador, comprar tecnologias adequadas, e equilibrar a balança comercial.
O artigo da Lei 8.171, de 17 de janeiro de 1991, utiliza a expressão “atividade
agrícola” como a produção, o processamento e a comercialização dos produtos, subprodutos e
derivados, serviços e insumos agrícolas, pecuários, pesqueiros e florestais. Hoje, prefere-se
usar o termo “agrário” como gênero para o qual a atividade agrícola é espécie.
A “[...] atividade agrária constitui uma forma de atividade humana que tem por
objetivo fazer a natureza orgânica produzir certos tipos de vegetais e de animais, com a
finalidade de aproveitar seus frutos e produtos.” (VIVANCO, 1967, p. 19).
93
Há atividades que aproximam o setor primário do secundário, como o agronegócio, o qual vincula a agropecuária
à transformação industrial do produto no próprio complexo agroindustrial (BACHA, 2004, p. 22).
170
Diversos critérios foram apresentados para definir a atividade agrária. A teoria
agrobiológica, de Carrera, pela qual essa atividade consiste no ciclo biológico para produzir
vegetais e animais a partir do cultivo da terra; a teoria da agrariedade, de Carroza, que
considera, além do processo agrobiológico, o risco de intempéries
94
; e a teoria da
acessoriedade, de Antonino C. Vivanco, definindo como agrárias todas as atividades
econômicas, conservativas e sociais ligadas ao cultivo do solo ou à criação de animais,
incluindo as atividades de beneficiamento e comercialização dos produtos quando essas forem
complementares à produção agrária (HIRONAKA, 1997, p. 34).
O inciso I do artigo 2° da Lei 8.171/91 diz que “a atividade agrícola compreende
processos físicos, químicos e biológicos, onde os recursos naturais envolvidos devem ser
utilizados e gerenciados, subordinando-se às normas e princípios de interesse público, de
forma que seja cumprida a função social e econômica da propriedade”.
Para uma análise jurídica da questão agrária, é suficiente adotar o rol taxativo
previsto no ordenamento jurídico, que também é a única classificação utilizada em relação aos
aspectos fiscais. Consoante rol previsto no inciso I do artigo da Lei nº 8.629/93, no qual
predomina o critério da acessoriedade, existem atividades agrárias típicas (a lavoura, a
pecuária, o extrativismo e a hortigranjeira) e atípicas, que são as atividades acessórias e
complementares à produção e ao escoamento, mas que devem possuir uma ligação funcional
com a atividade principal e ainda ter o produtor rural como seu executor (agroindústria).
Octávio Mello Alvarenga e Raymundo Laranjeira Barbosa foram os responsáveis
por um Anteprojeto de Lei que regulamentaria as disposições constitucionais a respeito da
política agrária. Esse Anteprojeto foi publicado no Diário Oficial da União, em 28 de
setembro de 1989, pela Portaria do Ministério da Justiça 544, de 26 de abril de 1989;
porém, infelizmente, não se transformou em lei, pois trazia enorme contribuição no sentido de
implantação de uma Justiça Agrária (artigo 3º) e da definição de sua competência, a qual
incluiria, por exemplo, controvérsias e litígios decorrentes da posse da terra e da prática da
atividade agrária.
Os artigos 5º e desse Anteprojeto de Lei conseguiam definir e classificar as
atividades econômicas tendo em vista as principais demandas existentes nos espaços agrários.
A norma considerava como atividade agrária aquela que pressupõe o uso do solo por uma das
seguintes formas: a) produção: hortigranjeira, lavoura, pecuária, exploração florestal,
extrativismos, ou pelas técnicas de beneficiamento ou transformação do produto no próprio
94
Agrariedade é processo agrobiológico combinado com os riscos correlatos, portanto, é um fenômeno
extrajurídico que afeta o controle da natureza pelo homem (HIRONAKA, 1997, p. 36).
171
imóvel rural; b) pesquisa e experimentação: desenvolvimento de melhor técnica; e c)
conservação e preservação de recursos naturais.
algum tempo, Raimundo Laranjeira (1975, p. 52) defende que a conservação e a
preservação da natureza, além de fazerem parte do conteúdo da função social da propriedade,
vêm ganhando contornos de atividade agrária e, portanto, objeto do Direito Agrário.
Giselda Hironaka (1997, p. 42) apresenta a seguinte classificação das atividades
agrárias: 1. próprias: a) produtiva (agricultura e pecuária); b) conservativa (manejo
adequado); c) preservacionista (proteção especial); 2. acessórias: a) extrativa; b) capturativa;
3. conexas (dentro de certos limites da área rural): a) manufatureira; b) transportadora; c)
processadora
95
.
Por ora, adota-se a classificação legal do inciso I do artigo 4º da Lei nº 8.629/93, que
considera como atividades agrárias a agricultura
96
ou lavoura, a pecuária, a hortigranjeira, o
extrativismo e a agroindústria, que é a única não considerada pica pela doutrina jus-
agrarista:
Lavoura é o exercício rurígeno afeto à semeadura ou plantio, cuidados
complementares, quando pertinentes, e à colheita dos vegetais que se mostrem de
serventia como gênero alimentício ou como fonte matéria prima de confecção
dum outro produto qualquer [...] Pecuária é o processo mediante o qual se criam
animais domésticos, objeto de uma finalidade econômica, que pressupõe, tanto como
a lavoura, a existência de uma ativação produtiva racional. Os produtos que
caracterizariam esse tipo de exploração agrária ora se comprazem na sua utilização
singela para carga, tração ou montaria, ora se destinam à pronta alimentação [...]
Hortigranjeira é a atividade de cultura fundiária, apropriada às pequenas glebas,
relativa aos cuidados com a criação de aves domésticas ou domesticáveis e, assim,
animais de pequeno porte, incluindo as abelhas, bem como afeta aos produtos
hortícolas e a certas variedades floríferas e frutíferas [...] O extrativismo rural
informa, somente, um mero apanho, ou captura de produtos vegetais e animais, que
nunca mereceram tratos anteriores a tal proveito (LARANJEIRA, 1975, p. 38).
Fernando Scaff (1997, p. 90), diferente de Hironaka, defende que o extrativismo
não é atividade agrária, pois não a agrariedade, ou seja, um ciclo biológico, através da
intervenção humana, sujeito aos riscos naturais. Segundo o autor, ele pode, no máximo, ser
atividade agrária por conexão se houver o vínculo com o empresário rural e a ligação
funcional com a atividade agrária. O autor se apega aos critérios técnicos e deixa de
considerar a realidade brasileira, na qual essa forma de atividade ainda tem grande relevância
na geração de renda e alimentos.
95
A Atividade produtiva tem relevante função econômica e social imediata. a atividade conservativa é
altamente mediata, pois garante o desempenho produtivo futuro (HIRONAKA, 1997, p. 118).
96
Entende-se que esta é a atividade agrícola “strictu sensu”, a qual foi escolhida para nortear este trabalho - pois
é na agricultura que ocorre maior discussão quanto à importância da manutenção da capacidade produtiva do
solo.
172
A atividade rural atípica é a agroindústria:
Agroindústria é aquela que, pressupondo um sentido eminentemente técnico,
presente na operação que venha a modificar a aparência exterior do produto agrário -
beneficiamento - ou alterar sua própria substância - transformação - labore tal
especificação (um ou outro, ou os dois juntos) no mesmo imóvel em que se
obtenham os resultados da lavoura, da pecuária, do extrativismo vegetal ou animal e
da hortigranjeira (LARANJEIRA, 1975, p. 47).
Hironaka (1997, p. 30) destaca que a atividade agrária, do preparo até a colheita,
envolve um processo agrobiológico em espaço rústico e a atuação do homem sobre os
recursos naturais, especialmente a terra, para a obtenção de matérias orgânicas e energia, a
partir do aproveitamento das substâncias físico-químicas.
Acontece que o avanço tecnológico, como a produção em estufas, tem diminuído os
riscos de intempéries e, de outro lado, atividades que não dependem do solo rústico (as
denominadas “extra-fundo”), até então, o principal critério para definir a atividade agrária,
como a criação de frangos em galpões, peixes em tanques artificiais e flores em estufa.
Nesse contexto, modernamente, procura-se verificar as inovações no meio agrário,
considerando o avanço tecnológico, o controle do ciclo biológico e o aspecto econômico da
produção, de forma que alguns autores incluem como atividades agrárias o agroturismo, uma
vez que o meio rural é usado como substrato - fonte de subsistência e renda -, e o
empreendimento de zootécnica, que é a empresa agrária especializada na criação de animais
(SCAFF, 1997, p. 65).
3.3 A realidade agrária no Brasil
A questão agrária sempre foi definida como um conjunto de conflitos
socioeconômicos referentes à forma de apropriação do solo, de distribuição da produção e das
relações de trabalho. Contudo, nos dias atuais, ela adquiriu uma relevante dimensão histórico-
sociológica em relação aos riscos de perda do potencial produtivo da natureza.
Acontece que o manejo sustentável dos recursos naturais, no geral, ainda o faz
parte do planejamento da produção agrária. As práticas alternativas somente são adotadas
quando se visualiza a possibilidade de melhorar a produtividade e, por conseguinte, o lucro.
Esse contexto favoreceu o surgimento de externalidades negativas decorrentes da
irresponsabilidade com que vem sendo tratado o processo produtivo agrário brasileiro e que
indicam a insustentabilidade do modelo de produção predominante com a implantação das
propostas da “Revolução Verde”.
173
3.3.1 Os problemas socioeconômicos da atividade agrícola moderna
A atividade agrícola moderna, em virtude dos avanços científicos e inovações
tecnológicas, teve efeitos positivos tanto do ponto de vista social quanto econômico, como o
aumento da produção sem expansão da área agrícola e a queda do preço dos alimentos.
No entanto, o desenvolvimento da atividade agrícola moderna criou ou consolidou
conflitos socioeconômicos que determinaram as características das relações produtivas no
campo, por exemplo, facilitando a concentração de terras, a exploração do empregado, a
expropriação do camponês, o êxodo rural, a grilagem como forma de aquisição da
propriedade, o conflito entre posseiros e o aumento da dependência de infra-estrutura e
insumos externos.
A consolidação dos problemas que formam a questão agrária atual tem estreita
ligação com a estrutura agrária brasileira, que consiste nas “[...] relações de trabalho
existentes na agropecuária e o regime de propriedade fundiária existente em uma nação. Essas
duas variáveis (relações de trabalho e estrutura fundiária) relacionam-se entre si e com o
processo de produção da agropecuária” (BACHA, 2004, p. 187).
A estrutura agrária pode ser analisada com base na propriedade e posse do imóvel
rural ou com base na forma como ocorre a exploração do estabelecimento agropecuário. Em
ambas, nota-se que enormes conflitos sociais decorrentes da desigual distribuição dos
direitos e obrigações.
A concentração de terras não é um problema recente, mas ainda persiste nos estudos
científicos e nas discussões políticas. comprovada discrepância entre as extensões das
terras dos pequenos proprietários, dos especuladores e das glebas disponíveis para agricultura
patronal, com reflexos na distribuição de renda no campo.
O índice GINI mede a concentração de terra na relação da proporção da posse da
terra pela de produtores. O máximo de concentração é 1, o qual representa a absoluta
concentração fundiária em favor de um proprietário. Quanto mais o índice se aproxima desse
valor máximo, maior é a concentração. No Brasil, o GINI é de 0,85, de maneira que fica
evidente a alta concentração de terras (BACHA, 2004, p. 203).
A estrutura fundiária sempre foi um enorme obstáculo para o desenvolvimento dos
pequenos produtores, seja pela quantidade de terras despendidas pelo modelo patronal, seja
por este concentrar todas as forças propulsoras da economia.
No Brasil, a disponibilidade de terra é abundante, mas o acesso é muito difícil do
ponto de vista econômico. Tal realidade favoreceu a acumulação das melhores terras pelos
174
latifundiários, de maneira que o pequeno produtor foi forçado a buscar terras menos férteis,
explorar abusivamente as áreas que podiam cultivar e expandir a fronteira via desmatamento
florestal e agricultura itinerante - que as terras se esgotavam ou eram adquiridas pelos
grandes proprietários, tanto pela grilagem (meios ilícitos) quanto pela facilidade de créditos
públicos, como ocorreu na década de 70.
Outro problema da estrutura agrária é a organização das forças produtivas,
notadamente o conflito trabalhista decorrente da luta pelo acesso aos direitos sociais. No
campo, a maioria não tem carteira assinada, além dos casos de trabalho infantil e análogo ao
de escravo.
A afirmação acima foi confirmada em matéria do jornal “Folha de S. Paulo”,
publicada em 29 de abril de 2007, no caderno “Dinheiro”, a qual constatou que o novo ciclo
da cana-de-açúcar está impondo uma rotina aos cortadores que equipara a sua vida útil de
trabalho à dos escravos. É o lado perverso do setor respeitado por ser um dos principais
responsáveis pela movimentação interna da economia e geração de empregos
97
.
A expropriação do camponês também é uma espécie de problema agrário. Ela
decorreu de uma série de fatores, como o desenvolvimento tecnológico restrito aos grandes
produtores, a concentração de terras, excluindo aqueles que não possuem créditos para
comprar, o desemprego devido à especialização dos complexos agroindustriais, a falta de
programas para o pequeno produtor e a expulsão dos posseiros por grileiros (LINHARES,
1999, p. 209).
Nos últimos anos, a questão ambiental tem se tornado um tema recorrente na
questão agrária. Isso porque, no Brasil, persistem os tradicionais todos de agricultura
itinerante com verdadeira extração e degradão dos recursos naturais em benefício do lucro
da atividade. Como forma de manter a produtividade, adota-se a prática de exploração
máxima do solo e, após o esgotamento, buscam-se novas terras virgens e férteis, de forma
que se consegue produtividade alta e de qualidade com pouco investimento, sem
preocupação em recuperar áreas esgotadas ou melhorar a técnica em áreas novas (PRADO
JÚNIOR, 2003, p. 335).
Assim, ele [o homem] derruba um longo trecho de mata e o queima com o arado e
rasga a superfície da terra e então planta o que deseja. Ao fim do ciclo dessa cultura,
obtém farta colheita. No ano seguinte, limpa a terra removendo plantas invasoras e
planta de novo. A colheita será menor. No terceiro ano será menor ainda. Então o
homem, que com duas ou três colheitas empobreceu demasiadamente a terra,
97
Preocupados com as condições de trabalho e com a repercussão das mortes nos canaviais, supostamente por
excesso de trabalho, as usinas estão mudando o sistema de contratação dos trabalhadores, fazendo exames
adicionais e adotando várias medidas de proteção à saúde.
175
abandona-a; derruba outro trecho de mata e o mesmo processo se repete, até exaurir
todas as terras de sua propriedade. Obteve lucros razoáveis, pois investiu um capital
pequeno. Mas destruiu todas a suas matas e a uma fauna determinada, tudo
desapareceu (FERRI, 1981, p. 117, destaque do autor).
Quando se tornou necessária a exploração das terras empobrecidas, procurou-se
adotar novas tecnologias com elevado consumo energético e de materiais. Com isso, novos
resultados compensadores surgiram, com notável aumento da produtividade.
Esse processo de modernização da atividade agropecuária foi iniciado em meados da
década de 60, com o propósito de aumentar a produtividade e diminuir a suscetibilidade da
produção aos condicionantes naturais. Alegava-se o risco de faltar alimentos para abastecer
toda a sociedade e de os preços dos produtos chegarem a valores socialmente inviáveis.
Essa agricultura moderna, decorrente da chamada “Revolução Verde”, passou a
predominar no meio agrário brasileiro. O aperfeiçoamento do padrão tecnogico resultou
na diminuição dos efeitos diretos das intempéries, adiando a insuficiência dos recursos
naturais, além de proporcionar o aumento imediato da prodão, mas sem mexer na
estrutura agrária
98
.
A implementação desse modelo de produção foi favorecida pela ampla participação
do Estado brasileiro, que interveio na produção por meio de leis, programas, criação de
instituições oficiais de pesquisa, desvalorização do câmbio, e que investiu em créditos e
incentivos fiscais para produção, exportação e melhoria da infra-estrutura rural (EHLERS,
1999, p. 38).
O governo militar contribuiu significativamente com incentivos ao desenvolvimento
de indústrias nacionais fornecedoras de meios de produção para a agricultura moderna
(agroquímicas e de máquinas) e na criação de agroindústria, tanto que melhorou a infra-
estrutura e ofereceu preços mínimos, seguros e pesquisa. No entanto, a política de subvenções
possibilitou a modernização apenas dos grandes produtores, já que buscou o controle de
movimentos camponeses e uma seleção ideológica dos produtos que seriam subsidiados.
Nesse contexto, o Brasil constitui o maior rebanho comercial do mundo. Além disso,
gerou supersafras e exportações recordes de matéria-prima de pouco valor agregado, que são
responsáveis pelo “superávit” da balança comercial. A grande produção moderna possibilitou
que os produtores mantivessem as taxas de lucros e pudessem competir no mercado
internacional, caracterizado pelo forte protecionismo e os baixos preços dos “commodities”.
98
A “Revolução Verde” consistiu num pacote tecnológico para a atividade agrícola, a fim de maximizar e
materializar lucro o mais rápido possível. Para isso, procurou aumentar a produtividade a partir da tecnologia,
da homogeneização das práticas produtivas, simplificação e artificialização do meio natural.
176
Porém, conforme Carlos Silva (2001, p. 23), a modernização foi conservadora, uma
vez que adotou novas tecnologias sem mexer na estrutura agrária, inclusive direcionando os
incentivos para os “commodities”, que dominam a pauta de exportação. Ela favoreceu a
concentração do espaço rural, que preferiu desenvolver tecnologia para grandes
propriedades, provocando o endividamento dos pequenos agricultores que tentaram competir
por meio da exploração intensiva do seu imóvel rural e dos recursos naturais.
A atenção restrita à produtividade para gerar excedentes, liberar mão-de-obra para o
desenvolvimento industrial e aumentar as exportações causou um inconseqüente desequilíbrio
social. A tecnologia adotada na atividade agrícola moderna favoreceu a concentração de renda
e terra no campo, diminuiu a necessidade de mão-de-obra, possibilitou a expropriação
camponesa e impediu o crescimento e desenvolvimento da agricultura familiar (GRAZIANO,
1999, p. 146).
Muitos autores, como Roberto Rodrigues (2001, p. 289) e Carlos Bacha (2004, p. 208),
utilizam o discurso da geração de emprego no sistema agroindustrial para justificá-lo. Porém, ao
contrário do que se discursa, a agricultura moderna mecanizada gera menos emprego que
a agrofloresta e a agricultura ornica. No caso da cana-de-úcar, cada colheitadeira
desemprega pelo menos 35 homens que cortam e colhem a cana queimada (SAUER, 1998,
p. 66).
Apesar do preço das máquinas, a sua vida útil e inexistência de encargos trabalhistas
e previdenciários compensam o valor investido. Não dúvida de que a mecanização gera
desemprego. Os países pobres, além de não conseguir competir em termos de tecnologia, não
absorvem o contingente de trabalhadores dispensados (ESPÍRITO SANTO, 2001, p. 316).
A crise agrária também se agravou porque as facilidades estatais entraram em queda,
a partir de 1980, devido às políticas de controle da inflação. Houve redução da
disponibilidade de subsídios para crédito e dos depósitos à vista em conta corrente, pois, com
a inflação, as pessoas passaram a dar preferência a outros rendimentos. Ocorre que, até então,
esses depósitos eram obrigatoriamente destinados para o crédito rural, inclusive sendo a sua
principal fonte.
Nesse momento, os produtores também têm dificuldade de comercialização da
produção. A venda de produtos agrícolas é marcada por oligopsônios (há muitos vendedores e
poucos compradores), os quais adquirem a produção para exportação ou beneficiamento. O
preço é terrível para os agricultores, que não conseguem internalizar o aumento dos custos
com a proteção ambiental e a implementação das inovações tecnológicas.
177
A conclusão a que se chega é que o Brasil está longe de favorecer um sistema
agrícola voltado ao desenvolvimento sustentável, pois ainda não utilizou a experiência e o
conhecimento tecnológico para superar o paradigma moderno. Não é o investimento e a
tecnologia importada que determinarão o desenvolvimento agrário, mas a capacidade de
transformá-los em benefícios sociais e agregação de valor no resultado final da produção.
3.3.2 Problemas ambientais da atividade agrícola moderna
No Brasil, desde que exista manejo racional do solo, possibilidade de dobrar a
fronteira agrícola sem precisar derrubar árvores, tal é a disponibilidade de área agricultável.
O solo é a parte superior da crosta terrestre, resultante da decomposição de rochas,
capaz de abrigar as raízes da vegetação. Ele é um componente complexo vivo e em dinâmica
transformação, o qual inclui matéria orgânica
99
e inorgânica oriunda de organismos vivos ou
mortos em intensa atividade biológica, especialmente no húmus
100
, que definem a fertilidade
do solo. Esse bem deve ser conservado por ser a fonte de onde a planta retira água, nutrientes
e oxigênio que ocupam os espaços entre as suas partículas (GLIESSMAN, 2005, p. 209).
Antes de entrar na discussão dos principais impactos no solo agrícola, propõe-se
uma reflexão a respeito da importância desse recurso natural para o homem, como nas
considerações de Ana Primavesi (2002, p. 142, grifos do autor) expostas a seguir:
Mesmo morando em cidades de concreto, vidraças e asfaltos, o homem não escapa
aos ciclos vitais, e o escapa de ser somente um membro do ciclo vital que rege
toda a natureza, do átomo até as estrelas. A luta contra a natureza é, portanto, a luta
do ser humano contra si mesmo. Todo ser vivo, por pequeno e insignificante que
possa parecer, tem alguma função no ciclo da vida, que reside basicamente na
formação de substâncias pelas plantas superiores e na destruição dessas substâncias
por microrganismos e micro e meso animais. Se não houvesse destruição, a vida não
poderia continuar, porque o mundo estaria atulhado de plantas e animais mortos, de
dejetos e de lixo. Deste ciclo de formação e degradação depende toda vida animal,
da ameba até o homem. E, quanto mais se aproxima da destruição total da substância
tanto mais se aproxima também do início de nova vida. Toda vida sobre a terra firme
inicia-se no solo, que determina a micro e meso vida, sendo estas, por usa vez,
fatores de formação do solo.
A perda da produtividade do solo é uma daquelas conseqüências que prejudicada
toda a sociedade, pois a degradação diminui a produtividade não para proprietários, mas
para a coletividade que se beneficia da segurança alimentar e da geração de renda.
99
“[...] Matéria orgânica é toda substância morta no solo, quer provenha de plantas, microorganismos, excreções
animais (da fauna terrícola), quer da meso e macro fauna morta” (PRIMAVESI, 2002, p. 108).
100
mus é o produto mais ou menos estável da decomposição da matéria orgânica, especialmente da fração lignosa,
enriquecida com nitrogênio,sforo e cálcio, somente solúvel em álcali (PRIMAVESI, 2002, p. 539).
178
O solo é o mais comum recurso para o desenvolvimento das relações sociais, uma
vez que é a base da atividade agrícola, a qual tem por finalidade a produção de bens
imprescindíveis para a vida humana. Apesar da necessidade de seu uso racional, os
prognósticos são preocupantes:
O inevitável aumento populacional projetado para os próximos cinqüenta anos
exigirá muito mais recursos terrestres, mesmo mantidos os atuais níveis de renda e
suas imensas disparidades entre países. Esse aumento populacional, eventualmente
adicionado a alguma melhora das condições de vida, terá impactos profundos na
agricultura. Mais comida será consumida, o que exigirá expansão das plantações,
elevação do consumo de água e da degradação do solo, acompanhada de mais
destruição de florestas e da biodiversidade (DUPAS, 2006, p. 241).
No relatório da ONU sobre as mudanças climáticas, divulgado em janeiro de 2008, a
expansão agrícola com a derrubada de florestas é considerada uma causa relevante do
problema climático. É imaginável que esse problema venha a se agravar, apesar da tecnologia,
em virtude da degradação de solo e da necessidade de aumentar a produção de alimentos e
biocombustíveis.
Faz pouco tempo que os danos ambientais ao solo agrícola começaram a chamar a
atenção. Primeiro, pela demora em se perceber os riscos da degradação desse recurso, depois,
pelos efeitos nesse microbem serem sentidos apenas pelas pessoas que o utilizam, dificultando
a fiscalização e a articulação de uma solução para o problema (SALLES, 2004, p. 9).
A atividade agrícola passou por um progressivo processo de diminuição do
“pousio”, que é o período de descanso da terra, pelo descobrimento de técnicas capazes de
reduzir o uso de trabalho humano intensivo e superar os limites naturais. O aumento da
exploração decorreu da necessidade de maior produção em razão do aumento da população e
das mudanças das estruturas sociais e exigências de consumo (VEIGA, 2005, p. 66).
O “dumping” ambiental passou a ser uma vantagem comparativa no comércio
agrícola. A redução da biodiversidade; o aumento da produtividade pelo uso de insumos
químicos e maquinários pesados; e a expansão da fronteira agrícola a fim procurar solos mais
férteis passaram a ser estratégias comerciais. Na busca do lucro e da competitividade,
procurou-se reduzir ao máximo os custos através da exploração intensiva dos recursos, da
diminuição de salários ou da dispensa de empregados, e da criação de novos padrões de
consumo.
É certo que países em desenvolvimento, como o Brasil, foram forçados a praticar o
dumping social e ecológico para competir com os subsídios e o protecionismo das economias
avançadas. Claro que esses procedimentos devem ser evitados, pois não promovem a
sustentabilidade, mas isso não pode justificar o discurso protecionista do Norte.
179
O problema é que não se têm tantos solos disponíveis para expansão agrícola e os
espaços disponíveis não são tão férteis. Também não se visualiza o aumento substancial da
produtividade pelo desenvolvimento tecnológico, como ocorreu na modernização agrícola.
A agricultura convencional se apóia em práticas insustentáveis, que deterioram os
elementos necessários para conservar o potencial produtivo dos recursos naturais, provocam a
contaminação dos bem envolvidos na atividade agrícolas e dos alimentos produzidos,
aumentam a dependência de insumos químicos e acarretam a perda da diversidade genética.
Esse processo causou o aumento dos danos ambientais, especialmente o
esgotamento e a poluição dos solos agrícolas, comprometendo a capacidade produtiva futura:
Contudo, as conseqüências de ignorar processos ecológicos estão agora se tornando
mais evidentes. Em nível de unidade agrícola, a mudança para mecanização pesada e
elevado uso de insumos químicos derivados de combustíveis fósseis conduziram a
problemas de perda de matéria orgânica, lixiviação de nutrientes, degradação e
aumento da erosão do solo. Os suprimentos de água que se tornaram poluídos e o
bombeamento excessivo do lençol freático conduziram ao esgotamento de aqüíferos
e conseqüentemente falta d’água. Pragas e doenças desenvolveram resistência à
torrente de agrotóxicos usados, e esses contaminaram tanto os ambientes agrícolas
quanto os ecossistemas naturais, causando problemas de saúde para produtores e
assalariados agrícolas, e destruindo populações de insetos e microorganismos
benéficos (GLIESSMAN, 2005, p.529).
No caso do pequeno produtor, a dificuldade em respeitar o meio ambiente decorre
menos da ausência de escrúpulos e mais do desconhecimento técnico e da falta de condições
financeiras para adotar as técnicas mais adequadas, até pela ausência de subsídios estatais.
Grande parte dos solos férteis está sendo perdida por um processo de esgotamento e
degradação em nível muito acima do tolerável
101
. A produtividade do solo decai a cada ano de
cultivo, especialmente porque ele tem a sua bioestrutura e a macroporosidade reduzida e,
conseqüentemente, maior dificuldade no abastecimento do solo e das plantas com
oxigênio, água, além de reduzir o desenvolvimento radicular (PRIMAVESI, 2002, p. 352).
De maneira exemplificativa, podem ser apresentados os seguintes problemas
ambientais decorrentes do manejo inadequado do solo na realização da atividade agrícola:
I. A poluição do solo: como mencionado no capítulo anterior, essa forma de poluição
se subsume no tipo penal previsto no artigo 54 da Lei 9.605/98, na medida em que se
enquadra no conceito do artigo 3
o
, inciso III, da Lei 6.938/81, ou seja, é uma modificação
adversa à qualidade ambiental, resultante de atividades que: a) prejudiquem a saúde, a
segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades
socioeconômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou
101
Como degradação do solo, entende-se tudo o que prejudica suas características físico-químicas e biológicas,
notadamente aquilo que danifica a sua potencialidade produtiva.
180
sanitárias do meio ambiente; e e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões
ambientais.
A poluição também é “um fenômeno que pode ser definido como a presença de
substâncias ou efeitos físicos estranhos a um determinado ambiente, em quantidade tal que
afete o seu equilíbrio, degradando a estrutura de sua composição e do seu funcionamento.”
(LAGO, 1984, p. 78).
Diante dessas definições, considera-se que a poluição do solo agrícola pode ser tanto
o seu esgotamento pelo manejo inadequado ou a contaminação resultante da aplicação de
substâncias estranhas a fim de melhorar a produtividade, quanto a degradação física
decorrente dos processos erosivos, queimadas e desmatamento.
A poluição do solo compromete a atividade agrícola, pois interfere na sua
produtividade. Embora a degradação possa ocorrer em virtude de fenômenos naturais, a ação
humana tem grande participação na catalisação e ampliação desse processo, que passou a
assumir dimensões catastróficas devido a uma forma de preparo inadequada e irracional.
Uma das espécies de poluição do solo é a sua degradação química, a qual consiste na
queda da fertilidade em razão da redução de macro e micronutrientes e pela utilização de
produtos químicos tóxicos.
A ausência ou insuficiência de nutrientes, devido à destruição da matéria orgânica e
inorgânica e alterações da qualidade química, é a espécie de poluição mais perigosa para a
perda da capacidade produtiva do solo. No âmbito rural, o esgotamento é provocado
principalmente pela atividade pecuária extensiva, o cultivo em minifúndios, o uso exagerado
de insumos químicos (agrotóxicos, fertilizantes e reguladores do crescimento), o extrativismo
intensivo e as queimadas. Essas técnicas de preparo e cultivo agrícola interferem na atividade
bioquímica do solo, provocando alcalinização, salinização, acidificação e até mesmo a
desertificação da área.
A agricultura é a forma de simplificação de um ecossistema para obter maior
produção vegetal líquida. Ela configura o início de uma sucessão ecológica com baixa
diversificação de espécies e, portanto, existe dificuldade para o controle biológico de pragas,
cuja aparição se de forma espontânea em virtude do desequilíbrio ecossistêmico (ODUM,
1975, p. 152).
Para reverter essa situação, em vez de aplicação dos princípios que regem a
ecologia, deu-se preferência ao uso de defensivos agrícolas e à correção artificial do solo.
Esse processo promoveu a contaminação química da terra e, conseqüentemente, das plantas e
do produto final destinado ao consumidor. Além disso, a contaminação alcançou as águas,
181
seja pelo escorrimento de produtos químicos em direção aos rios, seja pela infiltração deles
até os lençóis freáticos.
A desertificação representa o ponto mais significativo da perda da capacidade
produtiva por esgotamento do solo. Ela pode ser o resultado de um processo natural (sobretudo
em áreas de seca intensa) ou de práticas agrícolas inadequadas (MILARÉ, 2001, p. 723). O
desmatamento é uma das suas principais causas, pois deixa a área vulnerável aos raios solares e
ao impacto das chuvas, provocando o escorrimento das águas superficiais e a evaporação das
águas das camadas mais profundas, as quais trazem consigo sais que se precipitam na
superfície.
A degradação biofísica é uma outra forma de poluição do solo. Ela se caracteriza
pela alteração da estrutura desse microbem ambiental em razão do manejo inadequado. A
degradação do solo está relacionada à sua compactação (diminuição do volume e da
porosidade que dificulta aeração e penetração das raízes), o excesso ou falta de água e a
redução da biomassa do solo. A degradação biofísica do solo interfere na sua produtividade:
A produtividade do solo, que é a possibilidade de as plantas aproveitarem estes
nutrientes, podendo absorvê-los e metabolizá-los para produzir substâncias vegetais,
e, com isso, colheitas. Crostas superficiais, que impedem a circulação livre do ar no
solo, compactações e adensamentos que barram o caminho da raiz, bem como um
regime hídrico interrompido constituem fatores que influem negativamente sobre a
produtividade dos nossos solos. Exige-se, pois, a manutenção de uma estrutura
grumosa para permitir a circulação de ar, a infiltração e conservação de água no solo
e o desenvolvimento livre das raízes vegetais (PRIMAVESI, 2002, p. 355, grifo do
autor)
102
.
A compactação tem como principais causas o aumento da mecanização da produção
e o pisoteio pelo gado, que dificulta a infiltração e a circulação de ar e água no solo. O
aumento da produtividade pelo uso de máquinas é aparente, pois depende do aumento da
fronteira agrícola e é decrescente ao longo dos anos, que causa compressão da superfície
agricultável.
Outro fator da degradação do solo é o desmatamento florestal que ocorre em virtude
da expansão da fronteira agrícola e do desrespeito às APP e RFL, de maneira especial quando
a qualidade ou preço da terra estimular o cultivo intensivo.
A queimada também é uma técnica que provoca degradação química e biofísica do
solo, além de afetar outros recursos naturais. Essa técnica é usada em todo o Brasil com a
finalidade de expansão da fronteira pelos posseiros e pequenos produtores expropriados, para
facilitar a colheita da cana e até com o fim de renovação de pastagens e eliminação de pragas.
102
Grumoso são os solos mais férteis, formados por agregados transpassados por microporos, entrelaçados por
hifens de fungos e colados por substâncias mucilaginosas de bactérias e algas (PRIMAVESI, 2002, p. 539).
182
Sem dúvida, o caso mais grave de degradação do solo é a erosão, tanto que
legislação específica sobre esse tema em âmbito federal e estadual. Ela é um processo que
decorre da ação de agentes naturais - ou do uso de técnicas inadequadas pelo homem - que
removem e transportam parte do solo para terrenos mais baixos ou rios, provocando
degradação física, além de carregar nutrientes essenciais para a atividade agrícola (SILVA, J.
A. 2003, p. 102).
A erosão está relacionada à destruição das florestas para cultivos ou pastagens e à
compactação dos solos pelo preparo inadequado do mesmo. Essa forma de degradação resulta
em perda da capacidade de infiltração ou retenção de água, como é o caso das técnicas que
diminuem a matéria orgânica presente no solo e resultam na compactação do terreno, como a
queima da palha, a ausência de adubação orgânica ou verde, a aração profunda, as gradagens
sucessivas e o uso de maquinário pesado (PRIMAVESI, 2002, p. 241).
A redução da cobertura vegetal é uma das principais causas tanto da erosão quanto
do esgotamento dos solos, pois aumenta o impacto das chuvas e o escoamento das camadas
superficiais desse microbem ambiental. A vegetação florestal retém águas nas copas e reduz a
velocidade das enxurradas. a matéria orgânica sobre o solo beneficia a retenção hídrica,
favorece a reciclagem de nutriente e a atividade biológica do solo, e diminui o impacto da
radiação solar e das águas das chuvas diretamente no solo.
O custo ambiental e econômico da erosão é incalculável. O processo provoca a
lixiviação de nutrientes e matéria orgânica, resulta em perda do terreno para o plantio, além da
perda da produtividade e da elevação dos custos da produção.
Um grave erro do modelo agrícola brasileiro foi adotar tecnologias não adaptadas
aos solos tropicais. Sem atentar para as características locais, as modificações na técnica de
produção podem ser catastróficas ao ecossistema (PRIMAVESI, 2002, p. 354).
Outro problema da forma de produção agrícola moderna é a redução da
biodiversidade. Essa realidade decorre do desmatamento florestal, homogeneização dos
sistemas produtivos (monocultura), ação de toxinas utilizadas para eliminar pragas que
reduzem os microorganismos do solo, melhoramento das espécies e diminuição do número e
variedade genética das plantas utilizadas, inclusive por meio da engenharia genética.
Argumenta-se que a Biotecnologia permitirá ao homem resistir às deficiências do
solo, pragas e seca; ao mesmo tempo possibilitará a diminuição do uso de produtos químicos
e o aumento da produtividade e, por conseguinte, o combate à fome e garantia de segurança
alimentar. Esse discurso foi o mesmo apresentado para justificar a Revolução Verde
(FRITJOF, 2002, p.194).
183
No entanto, como questiona Fritjof Capra (2002, p.196), as empresas agroquímicas e
de biotecnologia na agricultura visam principalmente ao lucro e não à segurança alimentar,
até porque a fome nunca ocorreu devido à falta de alimentos, mas em função da concentração
de renda e deficiências na estrutura política. A ética não faz parte das estratégias empresariais.
O conhecimento tecnológico, ao contrário do discurso, tem causado maior dependência em
relação aos oligopólios que controlam a tecnologia de ponta por meio de propriedade
intelectual, patentes, “royalties” e sementes terminais (que não serão reaproveitadas em
colheitas futuras).
Ainda, como externalidade negativa das práticas agrícolas modernas, pode-se
ressaltar o aumento dos gastos energéticos decorrentes da motomecanização e uso de insumos
químicos, como, por exemplo, o maior consumo dos derivados do petróleo e de energia
elétrica.
Em contrapartida, Benedito do Espírito Santo (2001, p. 321) reclama do ecologismo
exacerbado, que atribui a responsabilidade pela insustentabilidade no âmbito rural ao produtor
agrícola, mas não reconhece as dificuldades que ele precisa superar. Além disso, denuncia um
tratamento privilegiado aos industriários, que também provocam impactos ambientais:
Às vezes lembra uma guerra envolvendo santos guerreiros contra satânicos
agricultores, que ousam produzir alimentos em condições difíceis, em escala que
abasteça o País, gera empregos e exportações. Em todo o mundo, é a sociedade que
paga ao produtor para que poupe parte de sua propriedade em nome da preservação
ambiental; mas no Brasil é o inverso. O Código Florestal vigente obriga o agricultor
a manter uma área de 20% do estabelecimento que ele pagou para ser proprietário e
à qual se deu o nome de Reserva Legal, para ser preservada às suas custas. A
imagem, para muitos, parece ser de alguém nocivo à nação, como se estivesse
praticando uma atividade indesejável. A propósito, porque será que não se ouve
notícia de um outro código que determine que 20% das máquinas de uma indústria
tenham que ser esterilizadas como reserva legal para efeito de proteção ambiental.
No mínimo, poder-se-ia imaginar uma chuva de liminares contra o que seria
apresentado como inconstitucionalidade.
O fato é que a poluição decorrente da atividade agrícola não pode ser justificada pelo
tratamento recebido pelos agentes que desenvolvem as atividades industriais. O autor até tem
bons argumentos socioeconômicos, por considerar que o excessivo controle da agricultura
brasileira atende aos interesses da produção de países de economias avançadas, mas deixou de
atentar para a necessidade de discutir as possibilidades ambientais na questão agrária
hodierna:
[...] mercados externos continuarão com acesso parcialmente bloqueado e o mercado
interno continuará crescendo lentamente. Evidentemente, não interessa aos
concorrentes, tais como União Européia e EUA, ter este adicional de oferta num
mercado já com excedentes que, por sinal, consomem elevados subsídios para escoá-
los. Assim, uma visão, nem ingênua nem conspiratória, enxerga ‘a necessidade de
adoção freqüente e criativa de barreiras tarifárias e não-tarifárias como o de
184
ecologistas, código florestal, exageradamente restritivo, aversão aos organismos
geneticamente modificados, multifuncionalidade da agricultura, etc. Tudo isto
convém e faz sentido, pois retarda o avanço comercial desse forte e indesejável
concorrente que é o Brasil (ESPÍRITO SANTO, 2001, p. 31).
Espírito Santo tem razão em relação ao importante papel que a atividade agrícola
teve no desenvolvimento da sociedade, por exemplo, no investimento em infra-estrutura
(ferrovias, iluminação pública), indústrias, trabalho assalariado e criação de consumidores.
Não custa nada o meio urbano retribuir esses avanços, não como pagamento, mas como
necessidade.
O alerta quanto aos efeitos da degradação ambiental no futuro da atividade agrícola
não é mera predição, nem mesmo um fenômeno recente. No século XIX, o Rio de Janeiro
perdeu a liderança na cafeicultura porque teve problemas com a insuficiente produtividade da
mão-de-obra escrava, a falta de terras para expansão agrícola e o esgotamento físico das áreas
plantadas (BACHA, 2004, p. 113). Portanto, é preciso desenvolver alternativas e torná-las
efetivas.
3.4 O desenvolvimento sustentável na atividade agrícola
Embora a expressão “desenvolvimento sustentável” não esteja presente na
Constituição Federal, não resta dúvida de que a sua proteção multidimensional foi consagrada
no sistema constitucional. Essa constatação é flagrante no âmbito rural. Basta atentar para os
requisitos da função social da propriedade privada dispostos no artigo 186, que, além de
procurar ser compatível e até legitimar a tutela do direito de propriedade (artigo 170), exige
expressamente a integração simultânea das dimensões do desenvolvimento qualificado
103
.
A sustentabilidade não deve ser buscada apenas porque foi consagrada no
ordenamento jurídico, mas em virtude da sua importância para resolver os problemas que
formam a questão agrária hodierna, como as conseqüências ecológicas sociais e econômicas
da degradação dos recursos naturais, inclusive para fins de segurança alimentar e de qualidade
dos alimentos, na medida em que a diminuição do potencial agrícola deixará mais pessoas
“desocupadas”.
Tendo em vista a existência de alternativas tecnológicas para as causas da
insustentabilidade, ainda que o Direito não defina um modelo fechado de produção, algumas
regras gerais podem ser afirmadas para orientar a atuação do Estado e do particular com
103
Na expressão “Desenvolvimento Sustentável”, o termo “sustentável” diz respeito aos aspectos ambientais - os
aspectos sociais e econômicoseram considerados para fins de desenvolvimento (NAVARRO, 2001, p. 89).
185
base numa visão sistêmica e na ponderação das possibilidades do espaço local. Por exemplo,
com a valorização do zoneamento agroambiental para o planejamento da atuação do Poder
Público e da instalação de atividades agrícolas, a redefinição da pesquisa e da assistência
técnica, e a vinculação dos créditos e incentivos fiscais à adoção das recomendações técnicas.
Novamente será necessária a atuação efetiva do Estado, a fim de orientar a produção
para a atividade agrícola sustentável e o bem-estar de todos os produtores rurais. Não é
aceitável que os instrumentos para a promoção do desenvolvimento qualificado sejam
controlados apenas pelos interesses de grupos com maior poder de pressão.
3.4.1 A atividade agrícola sustentável
Recentemente, foi reconhecida a gravidade das externalidades negativas causadas
pelos produtores rurais à coletividade. A falta de racionalização do manejo tem sido a
principal causa da degradação do solo. Por isso, aumentou consideravelmente a discussão
sobre um modelo de atividade agrícola sustentável.
Não obstante as incertezas conceituais e as divergências teóricas, alguns pontos se
destacam, como a manutenção da produtividade, o menor impacto ambiental, o bem-estar dos
produtores, a satisfação das necessidades socioeconômicas das famílias rurais, a abordagem
multidisciplinar do tema e o enfoque sistêmico e multidimensional do desenvolvimento.
O modelo agrícola brasileiro, indicado na interpretação sistemática da Constituição
Federal
104
e da Lei de Política Agrícola, vai ao encontro do conceito tridimensional construído
pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que entende o
desenvolvimento rural sustentável como (ALVARENGA, 1997, p. 124):
[...] o manejo e conservação da base dos recursos naturais e a orientação da alteração
tecnológica e institucional, de tal maneira que se assegure a contínua satisfação das
necessidades humanas para as gerações presentes e futuras. Este desenvolvimento
viável (nos setores agrícolas, florestal e pesqueiro) conserva a terra, a água e os
recursos genéticos vegetais e animais, não degrada o meio ambiente e é
tecnicamente apropriado, economicamente viável e socialmente aceitável.
Também o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) adota
um conceito multidimensional de atividade agrícola sustentável:
A sustentabilidade da agricultura e dos recursos naturais se refere ao uso dos
recursos biofísicos, ecomicos e sociais segundo sua capacidade, em um espaço
geográfico, para, mediante tecnologias biofísicas, econômicas, sociais e
104
A Constituição Federal dispõe de uma série de instrumentos voltados à atividade agrícola sustentável.
Merece
nota o artigo 187, primeiro, por propor a participação das pessoas envolvidas com a produção no planejamento
e execução dessa política; depois, por enumerar uma série de instrumentos destinados ao desenvolvimento rural.
186
institucionais, obter bens e serviços diretos e indiretos da agricultura e dos recursos
naturais para satisfazer as necessidades das gerações presentes e futuras. O valor
presente dos bens e serviços deve representar mais do que o valor das externalidades
e dos insumos incorporados, melhorando ou pelo menos mantendo de forma
indefinida a produtividade futura do ambiente biofísico e social. Além do mais, o
valor presente deve estar equitativamente distribuído entre os participantes do
processo (EHLERS, 1999, p. 106).
Para o Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos a reformulação agrária
deve ser mais radical, de forma a exigir qualidade dos alimentos e da vida das famílias rurais,
como se verifica no conceito analítico abaixo (EHLERS, 1999, p. 105):
Agricultura sustentável não constitui algum conjunto de práticas especiais, mas um
objetivo: alcançar um sistema produtivo de alimentos e fibras que: (a) aumente a
produtividade dos recursos naturais e dos sistemas agrícolas, permitindo que os
produtores respondam aos níveis de demanda engendrados pelo crescimento
populacional e pelo desenvolvimento econômico; (b) produza alimentos sadios,
integrais e nutritivos que permitam o bem-estar humano, (c) garanta uma renda
líquida suficiente para que os agricultores tenham um nível de vida aceitável e
possam investir no aumento da produtividade do solo, da água e de outros recursos e
(d) corresponda às normas e expectativas da comunidade.
Carlos Silva (2001, 44) entende que a atividade agrícola sustentável deve ser
entendida como o sistema de organização socioeconômica e técnica do espaço rural, a fim de
promover desenvolvimento com justiça social e equilíbrio ecológico. Para tanto, vale-se de
uma metodologia científica holística, que respeita a biodiversidade e a capacidade de
regeneração dos recursos naturais e considera as especificidades da realidade local.
Defendendo a necessidade de viabilidade econômica para a sustentabilidade das
atividades agrícolas, Roberto Rodrigues (2001, p. 298) ensina que “[...] uma agricultura
sustentável é aquela inserida no mercado mundial de forma competitiva, com qualidade e preços,
garantindo renda - e, portanto, estabilidade aos agricultores, sob a ótica das cadeias produtivas,
preservando os recursos naturais e cumprindo a função social da terra”.
Combinando o aspecto econômico com a proteção dos consumidores e do meio
ambiente, Charles M. Benbrook (1991, p. 116 apud EHLERS, 1999, p. 103):
Define-se como agricultura sustentável a produção de alimentos e fibras por um
sistema que aumenta a capacidade produtiva inerente dos recursos naturais e
biológicos em sintonia com a demanda, enquanto proporciona lucros adequados aos
agricultores, fornece alimentos saudáveis aos consumidores e minimiza os impactos
adversos sobre o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores agrícolas e dos animais.
Os sistemas de agricultura sustentável constituem um objetivo que todos os
agricultores devem empenhar-se por realizar, e os experimentos com sistemas
agrícolas alternativos são um meio comprovadamente eficaz de se atingir esse fim.
Stephen Gliessman (2005, p. 600), com base na definição do Centro de
Agroecologia da Universidade da Califórnia, reconhece a natureza sistêmica, dinâmica e
multidimensional da atividade agrícola sustentável, a qual deve compatibilizar as seguintes
187
condições: a) viabilidade ecológica: manejo racional, eficiência, disponibilidade e
regeneração dos recursos; b) viabilidade social: qualidade de vida, satisfação salarial,
diversidade cultural, preços justos do produto, qualificação do trabalhador, sistema econômico
igualitário e estrutura política democrática; e c) viabilidade econômica: geração e distribuição
de renda.
As definições apresentadas permitem concluir que se aplica a multidimensionalidade
proposta por Sachs. A atividade agrícola sustentável é aquela que promove, simultaneamente,
os seguintes objetivos: a) segurança alimentar (qualitativa e quantitativamente); b) bem-estar
do trabalhador (emprego, renda e condições dignas de trabalho); c) manutenção do potencial
produtivo e capacidade de regeneração do meio sem perturbar o equilíbrio ecológico; d)
redução e reversão dos impactos ambientais e socioeconômicos da atividade agrícola.
Deve-se reconhecer que, mesmo com a realização das atividades agrícolas nos
termos expostos acima, ainda assim não será possível concretizar o desenvolvimento rural
sustentável. Ele somente será alcançado se todo o sistema social conseguir promover justiça
social com respeito ao meio ambiente e eficiência econômica. Não obstante, somente um
estudo setorizado poderia compreender as especificidades e as contribuições do Direito
Agrário nesse tema
105
.
Em tal contexto, observa-se que, como meio de produção da atividade agrícola, é
fundamental a utilização econômica do solo. Mas esse recurso natural precisa ser preservado e
manejado adequadamente para garantir a própria produção futura.
Ainda não um modelo padrão. Alguns defendem um modelo convencional com a
racionalização do uso. Outros defendem mudanças radicais, como a diminuição da produção,
a reeducação do consumo, a redefinição da pesquisa e das políticas de crédito. A única certeza
é a imprescindibilidade de seguimento das diretrizes que compõem o conceito de atividade
agrícola sustentável segundo as necessidades de um determinado agroecossistema.
Apesar de as diretrizes envolverem termos polissêmicos, como justiça social,
viabilidade econômica e sustentabilidade ecológica, é possível visualizar algum conteúdo.
Desse modo, agricultura sustentável exige a redução dos efeitos negativos ao meio ambiente,
partindo das seguintes medidas: impedimento ou controle da liberação de substâncias tóxicas
no meio ambiente; preservação e recomposição da fertilidade solo; prevenção e combate da
erosão; uso da água de maneira a permitir a satisfação das necessidades do ambiente e das
105
O desenvolvimento agrário refere-se à base material para a produção agropecuária: área cultivada,
produtividade tecnológica e relações de trabalho. Ele abrange o desenvolvimento agropecuário, mas vai
além do sistema produtivo, de maneira a englobar a estrutura fundiária e política para todo o meio rural
(NAVARRO, 2001, p. 86).
188
pessoas; adoção de tecnologias adequadas; valorização da biodiversidade e de uma atividade
econômica agrícola auto-suficiente, a partir dos recursos do seu próprio agroecossistema, a
fim de diminuir o gasto de energia; e reciclagem dos nutrientes (GLIESSMAN, 2005, p.153;
EHLERS, 1999, p. 103).
Além disso, a sustentabilidade depende do desenvolvimento, que é conseguido a
partir do momento que a atividade agrícola favoreça o acesso aos direitos sociais. Esses
direitos devem orientar a política agrícola e o modelo de reforma agrária em favor do pequeno
produtor bem como orientar a viabilidade do espaço rural, ou seja, a existência de uma
estrutura social e institucional mínima, que disponha de infra-estrutura, energia elétrica,
educação, saúde e saneamento básico.
É possível praticar a atividade agrícola com redução dos impactos sociais e
ambientais, desde que haja preocupação com a recuperação do solo e conversão de modelo de
produção a partir da disseminação das informações agrícolas e do acesso e adoção de técnicas
adequadas.
O discurso conservacionista não vai conseguir os efeitos práticos necessários. O
produtor somente fará a conversão de modelo de produção para manter ou aumentar as taxas
de lucro. Por isso, o Direito tem um papel fundamental na promoção do desenvolvimento
rural sustentável, já que ele pode criar empecilhos para os produtores se manterem no sistema
agrícola atual, por exemplo, estabelecendo requisitos para o acesso às subvenções estatais.
3.4.2 As possibilidades técnicas de sustentabilidade na atividade agrícola
Os grandes projetos de expansão da fronteira agrícola foram feitos com base em
interesses econômicos, sem avaliar a capacidade do ecossistema e as pretensões da
coletividade. Por isso, não resultaram em maiores benefícios para o bem-estar geral.
A conservação dos solos faz parte do plano de desenvolvimento sustentável para a
atividade agrícola brasileira. Mas a manutenção do potencial produtivo desse recurso natural
depende do respeito aos processos ecológicos.
O uso adequado da terra é o primeiro passo para a sustentabilidade da atividade
agrícola, de forma que ela deve considerar a aptidão, a capacidade de sustentação e a
produtividade econômica desse recurso. O zoneamento agrícola, por exemplo, permite o
diagnóstico prévio e a definição das diretrizes a serem seguidas (MANZATTO, 2005, p. 13).
No desenvolvimento de um organismo, como uma planta, haverá interferência de
fatores naturais, de vegetais associados, do preparo do solo e outras intervenções humanas. O
189
sistema agrícola sustentável deve ser visto como um conjunto complexo de elementos bióticos
e abióticos em interação dinâmica. A complexidade representa a interação entre esses
diferentes elementos (GLIESSMAN, 2005, p. 329)
106
.
A atividade agrícola somente será viável quando compreendida conforme a sua
inserção no agroecossistema, ou seja, considerando todas as características do ecossistema
funcional onde ocorre a produção agrícola - normalmente um imóvel rural dentro de uma
bacia hidrográfica - segundo as relações complementares e as propriedades decorrentes
exclusivamente da interação de elementos vivos e abióticos
107
. Nesse sentido, o artigo 20 da
Lei 8.171/91 estabelece que as bacias hidrográficas constituem-se em unidades básicas de
planejamento do uso, conservação e recuperação dos recursos naturais, incluindo o solo.
No agroecossistema, diferentemente do modelo convencional, a manipulação dos
recursos naturais para a produção agrícola tende a valorizar as propriedades ecossistêmicas:
diversidade, complexidade e dinamicidade. Para tanto, procura respeitar os ciclos de
nutrientes, diminuir a dependência de energia externa, reciclar o material pertencente ao
próprio sistema, realizar o controle ecológico das pragas e adotar técnicas ambientalmente
viáveis. Essa postura é essencial para que a atividade agrícola se aproxime dos ecossistemas
naturais e adquira a desejada sustentabilidade enquanto permanência de um sistema no tempo:
[...] descrevemos um agroecossistema sustentável como o que mantém a base de
recursos da qual depende, conta com um uso mínimo de insumos artificiais vindos
de fora do sistema de produção agrícola, maneja pragas e doenças através de
mecanismos reguladores internos e é capaz de se recuperar de perturbações causadas
pelo manejo e colheita (GLIESSMAN, 2005, p.439).
O controle biológico é uma das técnicas que atende a essa concepção agrossistêmica.
Ele permite utilizar as condições naturais do ambiente em combinação com os fatores da
produção, a fim de dificultar a proliferação das espécies indesejadas e favorecer a cultura.
Também é importante manter a produtividade do solo a partir da busca de uma
bioestrutura grumosa na superfície do solo, por meio de aração e subsolagem adequadas,
rotação de culturas, retorno da matéria orgânica e adubação verde (PRIMAVESI, 2002,
p. 355).
Não resta dúvida que existem alternativas técnicas que, infelizmente, não poderão
ser esmiuçadas neste trabalho. No entanto, com base nas propostas de renomados
106
O ecossistema tende a se manter em equilíbrio, pois a sua complexidade e diversidade permitem estabilizar
situações de desordem e a constante transformação da sua estrutura organizativa (GLIESSMAN, 2005, p.74).
107
A bacia hidrográfica é a parte da superfície terrestre que é drenada por um rio principal e seus tributários. Ela
é considerada a unidade básica de planejamento da ocupação e uso racional e sustentável do solo, de modo
que deve ser vista como o microssistema aberto e dinâmico onde as atividades encontrarão condições
semelhantes.
190
profissionais
108
e órgãos oficiais de pesquisa, podem ser citadas diversas técnicas de produção
voltadas a uma atividade agrícola sustentável, embora não se possa dizer que elas formem um
novo padrão.
A título exemplificativo, destacam-se as seguintes técnicas: o plantio direto, a
rotação e diversificação de culturas e pastagens, o uso de adubação verde, o plantio
consorciado, a adubação orgânica, o terraceamento, o controle biológico de pragas e ervas
daninhas, a diminuição do uso de substâncias químicas, a substituição das queimadas por
técnicas apropriadas para o preparo do solo ou colheita, a seleção de sementes, a definição de
culturas e pastagens adequadas para o tipo de solo, o reflorestamento e o plantio contínuo, a
correção racional do solo, o cultivo alternado e em cordões de contorno, a precaução no uso
de transgênicos e uso de radiação, a recuperação de territórios erodidos e os processos de
adaptação do solo, como a irrigação em áreas secas ou a drenagem em áreas encharcadas.
Essas técnicas devem ser adotadas conforme as diretrizes estabelecidas no
ordenamento territorial rural e no zoneamento agroecológico, ou seja, de acordo com as
características do solo e as possibilidades de produção em determinado espaço agrário.
O sistema agroflorestal também é uma alternativa relevante, pois é uma forma de
produção que compatibiliza a produção agrícola com a preservação ou a introdução de
vegetação florestal, a fim de obter benefícios com a interação dos dois sistemas ou mesmo o
aproveitamento econômico da área de vegetação florestal pelo manejo sustentável.
O sistema agroflorestal favorece a reciclagem de nutrientes nas camadas superficiais
do solo, diminui a erosão e o impacto das chuvas, evita a lixiviação, favorece a atividade
biológica do solo, diminui a incidência de pragas e doenças, promove a diversificação da
produção, a distribuição temporal do uso de mão-de-obra familiar e a complementação da
renda.
As tecnologias alternativas representam um novo esquema de funcionamento das
atividades agrícolas e dependem dos valores buscados e, às vezes, das facilidades de que se
está disposto a renunciar.
Quando se fala num novo paradigma agrícola, as posições se dividem entre os que
defendem a mudança radical de paradigma - como a “agricultura agroecológica” - e aqueles
que acreditam na suficiência da reforma e racionalização do modelo convencional moderno.
Os reformistas ecológicos não acreditam na necessidade de modificação das relações
de produção e nem impõem um conjunto de técnicas agropecuárias. Todavia, eles reconhecem
108
Cf. Stephen Gliessman (2005), Zamberlam e Fronchetti (2001), José Graziano (1999), Ana Primavesi (2002)
e Ehlers (1999).
191
a imprescindibilidade de investimentos em programas de preservação e recuperação
ambiental. Nesse caso, o Direito poderia estabelecer normas legais e administrativas a fim de
direcionar a atividade produtiva, como a exigência de certificados de responsabilidade social e
ecológica.
O modelo convencional ecológico mantém o sistema produtivo químico-mecânico,
somando algumas técnicas ambientalmente saudáveis, como a diminuição do gasto de energia
e a organização de um processo de gestão ambiental economicamente viável.
O modelo agroecológico acredita que a agricultura moderna ecológica não garante a
sustentabilidade. Concebe o desenvolvimento a partir do agroecossistema e não de pacotes
impostos artificialmente para adiar a perversidade do sistema produtivo (ZAMBERLAM;
FRONCHETTI, 2001, p. 91; GLIESSMAN, 2005, p. 54). Esse modelo defende uma visão
holística da atividade agrícola e propõe o respeito às propriedades naturais do meio ambiente,
mantendo a fertilidade natural do solo ou o seu melhoramento a partir do uso de matérias
orgânicas em decomposição.
É certo que o meio ambiente deve integrar qualquer cálculo de eficiência econômica.
Ademais, as técnicas alternativas não são, em médio ou longo prazo, necessariamente, menos
lucrativas. A viabilidade de uma atividade agrícola que satisfaça a demanda global depende
da ponderação em relação aos impactos sociais, ambientais e econômicos nas mesmas
condições de crédito e pesquisa. É lógico que em condições desiguais de investimento,
assistência técnica e pesquisa, fica fácil argumentar contra o modelo agroecológico.
Além disso, é necessário que o conhecimento científico e as inovações tecnológicas
sejam levados ao produtor, bem como que existam incentivos do governo para a implantação
e o aperfeiçoamento de práticas voltadas à redução ou eliminação dos problemas ambientais.
Não se conseguirá efetivar a agricultura sustentável se o Direito apenas exigir dos particulares
resultados que eles não conseguirão alcançar sem a devida orientação e assistência do Poder
Público.
3.4.3 As possibilidades do desenvolvimento rural
Quando se fala em bem-estar social no campo, a questão primordial é considerar os
resultados efetivamente alcançáveis pela população. Isso significa avaliar o acesso aos bens
essenciais e também a capacidade de conversão dos mesmos em qualidade de vida.
Nesse desiderato, a criação de postos de trabalho é essencial para o
desenvolvimento. Com ele a pessoa tem a possibilidade de ampliar seus acessos aos bens que
192
deseja. O trabalho é uma forma de inclusão social não substituível pelo assistencialismo
(SACHS, 2004a, p. 37).
Se o crescimento econômico representasse desenvolvimento, os recordes de
produção agrícolas representariam empregos decentes no campo e distribuição de renda.
Porém, apesar de aumentar a produtividade, a modernização tecnológica fechou milhões de
postos de trabalho agrícola e não melhorou a qualidade do trabalho e da vida no campo
(SACHS, 2004a, p. 114).
Essa perda de postos de trabalho não foi totalmente absorvida em outras áreas rurais,
e a situação tende a ficar ainda mais grave em virtude da automação. Também não haverá
absorção do desempregado rural no meio urbano, nem é mais interessante investir no
assistencialismo urbano, uma vez que é mais barato e racional promover o progresso no
campo. O crédito para a agricultura familiar, por exemplo, é uma das fontes mais baratas de
geração de emprego, assim como uma reforma agrária de qualidade (SACHS, 2004a, p. 125).
A formalização do trabalho rural e o respeito aos direitos trabalhistas também podem
contribuir para o desenvolvimento. Com isso, consegue-se combater o trabalho infantil e a
informalidade que, até então, têm sido a regra, especialmente na agricultura camponesa.
A geração de renda é, sem dúvida, o principal instrumento para levar o
desenvolvimento ao meio rural, na medida em que ela permitirá o crescimento do setor não
agrícola, como o de serviços e entretenimento, além de fortalecer o mercado interno de
produtos agrícolas e industriais, pois aumenta o potencial de aquisição dos consumidores.
É importante mencionar as propostas de Roberto Rodrigues (2001, p. 298), em sua
maioria reconhecida pelo Plano Agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, muitas das quais serão analisadas no próximo capítulo: gerar renda ao
produtor, criar seguro da produção e financiamento de programas de modernização do uso e
conservação dos recursos naturais, oferecer crédito para investimento, custeio e
comercialização com juros adequados ao contexto internacional, garantir renda mínima ao
pequeno produtor, fomentar a pesquisa e a capacitação profissional, estabelecer uma política
fiscal racional (com desoneração da produção, concessão de isenções sobre insumos e
maquinários e eliminação do ITR em áreas de preservação florestal), criar a certificação e a
rastreabilidade dos produtos orgânicos e transgênicos, exigir a recuperação do solo e a
sanidade dos alimentos, apoiar a comercialização, investir em infra-estrutura e permitir a
participação do produtor nas negociações internacionais.
O Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável destaca, ainda, as seguintes
diretrizes para a regularidade da atividade agrícola: a) criação de órgão de caráter
193
multidisciplinar com representantes da sociedade civil para discutir os rumos da atividade; b)
realização de zoneamento por microbacia, a fim de diminuir a demora para julgar os
processos; c) apresentação de projeto pelo produtor que, se hipossuficiente, poderá solicitar
assistência técnica pública se o Estado oferece assistência judiciária para resolver conflitos,
também poderia manter um programa de assistência técnica gratuita voltada à precaução, até
porque o desenvolvimento sustentável pode evitar gastos sociais e jurídicos futuros; d)
realização do licenciamento ambiental de forma célere; e) exigência de deferimento de licença
prévia para solicitar crédito e seguro rural; e f) controle da produção por meio de auditórias e
fiscalização.
Por fim, salienta-se a relevância de investimentos em atividades não-agrícolas, de
forma a combinar a atividade agrícola com a conservação e outras formas de renda, como
construção civil, administração, educação, saúde, lazer (agroturismo, feiras agropecuárias e
outras), meios de comunicação, etc. A expansão dos serviços também ocupa um lugar
destacado no desenvolvimento rural, oferecendo, juntamente com as empresas agrárias, vagas
para empregos não-agrícolas e reduzindo a clivagem civilizacional entre cidade e campo.
3.4.3.1 Por uma reforma agrária sustentável
A reforma agrária enquanto concessão de uso por prazo determinado de imóvel rural
ao produtor hipossuficiente ainda é importante para combater o minifúndio, concretizar a
desconcentração da propriedade fundiária e incentivar a produção familiar.
Como ocorreu a diminuição da área plantada, inclusive no ano de 2005, apesar do
aumento de quase 6% da produção de grãos, é possível concluir que a redução da
improdutividade em áreas privadas não é a regra, como argumentam aqueles que defendem a
superação do discurso do latifúndio improdutivo e a irrealizabilidade da distribuição de terras.
A reforma agrária aumentaria a área plantada, geraria mais empregos diretos e
indiretos, na medida em que haveria maior consumo dos meios de produção e aumento da
renda da família e do consumo qualificado. A produção de excedentes seria facilmente
absorvida em virtude do aumento do consumo interno ou mesmo como matéria-prima na
indústria.
O governo percebeu que a reforma agrária, além da distribuição de terras, deve
estar inserida num programa de desenvolvimento rural sustentável, com investimentos em
assistência técnica, logística e direitos sociais. A definição de reforma agrária somente como
194
modificação da estrutura fundiária (artigo 1
o
, § 1
o
e artigo 16 do Estatuto da Terra) é
insuficiente.
A Constituição e a Lei nº 8.629/93 mantêm a classificação do imóvel rural a partir
do número de módulos fiscais e dos índices de exploração, de forma que fica evidente o
combate ao minifúndio (o ordenamento jurídico exige um tamanho mínimo do imóvel rural) e
ao latifúndio por exploração, embora não persista mais a restrição à extensão máxima da
propriedade.
A legislação agrária possui disposições que favorecem a insustentabilidade. A
desapropriação por descumprimento da função social da propriedade, por exemplo, está
associada aos imóveis improdutivos, mas não ao dano ambiental ou social na hipótese de o
imóvel ser produtivo. A legislação também não conseguiu estabelecer índices para aferir a
conservação ambiental e o bem-estar social (SILVA, C.E.M., 2001, 60).
A reforma agrária é uma política ambiental e econômica. Essa concepção difere da
comumente defendida por aqueles que, a fim de defender a agricultura patronal moderna e a
agroindústria, entendem que a reforma agrária é uma política social. Ao contrário, ela pode
gerar renda e contribuir no sentido de uso racional do solo.
Nos termos do artigo 187 da Constituição Federal e artigo 24 da Lei 8.629/93, as
ações de reforma agrária devem ser compatíveis com as de política agrícola. Na verdade, não
existe um modelo fechado de reforma agrária, que possa se valer de outros mecanismos
jurídicos que não a concessão de uso gratuita, segundo as peculiaridades regionais, como o
banco da terra, o arrendamento forçado (não amparado na legislação) e o crédito fundiário.
A reforma agrária deve procurar práticas ambientalmente saudáveis e prever
crédito para a exploração da terra que foi objeto da redistribuição
109
, consolidar e modernizar
a agricultura familiar, oferecer assistência social e serviços públicos, a fim de que se alcancem
níveis de vida, materiais e morais, mais elevados. Defende-se, também, que ela seja realizada
de forma planejada, com atenção às características regionais (VEIGA, 2005, p. 103).
Apesar das precárias condições de produção, os assentamentos afetaram
positivamente a economia agrária, na medida em que aumentaram a renda das famílias
beneficiadas e vem abastecendo considerável parte do mercado interno com produtos da cesta
109
Um exemplo é o Programa Nacional da Agricultura Familiar - PRONAF - que criou políticas interessantes
para os produtores hipossuficientes, concedendo um crédito inicial satisfatório para montar a estrutura
produtiva e abatendo um valor sobre o montante financiado, quando o pagamento for feito no prazo. O
programa também possui um período significativo de carência, taxas de juros subsidiadas e diminuição da
burocracia para a liberação do crédito.
195
básica. Por isso, tem razão Elisabete Maniglia (2002, p. 77) ao indignar-se com o fato de não
se dar a devida atenção aos resultados satisfatórios conquistados pela reforma agrária.
O Governo tem procurado consagrar a visão aqui defendida, tanto que no II Plano
Nacional de Reforma Agrária (II PNRA) houve maior preocupação com a sustentabilidade
rural, inclusive mencionando a necessidade de seguir um zoneamento econômico
agroecológico. O Plano também reconheceu a necessidade de assistência técnica com caráter
gratuito, universal e contínuo, bem como de crédito subsidiado vinculado à adoção de técnicas
adequadas.
Entre as nove medidas propostas pelo II PNRA, merecem nota: a) a “revisão do
conceito de propriedade reformável com a inserção de coeficientes de aproveitamento
ambiental e trabalhista, que também são itens do cumprimento da função social da terra”; b) a
“atualização dos índices de definição da improdutividade de terras passíveis de
desapropriação para fim de Reforma Agrária a ser analisada pelo Conselho de Política
Agrícola”.
3.4.4 O Direito como instrumento para a atividade agrícola sustentável
Quando não ocorrem transformações qualitativas dos métodos habitualmente
utilizados para a exploração agrícola dos solos eo se viola as prescrições normativas
referentes à proteção da natureza, fala-se na existência do privilégio agrário.
O privilégio agrário é a presunção relativa de que não agressão significativa ao
meio ambiente quando a atividade agrícola é desenvolvida por meio de técnicas
tradicionalmente reconhecidas como adequadas, ou seja, ecologicamente toleráveis
(CANOTILHO, 1995, p. 84).
No Brasil, o privilégio agrário não foi consagrado no ordenamento jurídico, mas
poderia ser útil para conflitos que envolvam o ônus de provar o cumprimento da função social
da propriedade, como as possessórias. Nesse caso, se o produtor atendesse aos dispositivos
técnicos, poderia se eximir do ônus de provar o aspecto ambiental da citada função.
Porém, o privilégio agrário não dispensa avaliação do impacto ambiental, até porque
é exatamente essa avaliação que indicará a técnica adequada e, por conseguinte, garantirá a
presunção de sustentabilidade norteadora do referido privilégio (CANOTILHO, 1995, p. 85).
O privilégio agrário vem perdendo valor em virtude do dano ambiental causado
pelas atividades agrícolas convencionais, mesmo aquelas que utilizam técnicas tradicionais,
196
haja vista os riscos sociais decorrentes da degradação dos solos relacionados à produção
agrícola.
No Brasil, o solo não vem sendo devidamente utilizado em razão da crença na
existência de grande área agricultável no país e a despreocupação com a implementação de
tecnologias alternativas, até pelo desconhecimento da tecnologia existente e o distanciamento
entre a extensão e a pesquisa.
O Direito não evitou a expansão do sistema agrícola moderno, pois não garantiu a
efetividade da função social e da proteção ambiental e trabalhista. Além disso, a ênfase na
produtividade econômica predomina nos julgamentos e na interpretação da legislação.
No entanto, como tecnologias disponíveis para a recuperação dos recursos
ambientais e o desenvolvimento da atividade agrícola de forma sustentável, acredita-se que a
solução da questão agrária dependa mais de um esforço político. As alternativas precisam se
tornar a regra, seja por meio de exigências legais, seja por intermédio de incentivos premiais.
Toda a produção agrícola já está permeada pelo Direito, prova disso são as restrições
de uso das áreas florestais, a determinação legal dos índices de produtividade, as normas para
o uso de agrotóxicos, as cláusulas obrigatórias nos contratos agrários e as leis que disciplinam
o crédito e o seguro agrícola. A questão agrária também recebeu disciplina em âmbito
constitucional, o que significou a valorização do tema e a atribuição de obrigações ao Estado
e aos particulares.
Apesar disso, o Direito não fez opção por um modelo de atividade agrícola; afinal,
sequer está evidente um padrão de desenvolvimento rural. Existem divergências e incertezas
quanto à viabilidade socioeconômica dos modelos alternativos em grande escala
110
e quanto à
possibilidade de os avanços tecnológicos garantirem a sustentabilidade do modelo
convencional.
É muito difícil para o Direito, enquanto instrumento para efetivar fins políticos,
optar e impor um modelo produtivo fechado. Não é sua função descrever uma técnica
completa de cultivo, até pelo caráter genérico das normas jurídicas. O Direito vai se restringir
à imposição de diretrizes gerais que, no entanto, poderão ser delimitadas em portarias e
resoluções normativas.
110
Entende-se por escala aquela produção que procura diminuir os seus custos a partir do aumento da dimensão
operacional e sem prejudicar o atendimento da demanda, a fim de conseguir maior produtividade e melhorar
condições de distribuição e comercialização.
197
Claro que, apesar de não se definir um modelo, é fundamental o reconhecimento da
efetividade imediata das normas relacionadas à precaução. Não se pode esperar os avanços
tecnológicos futuros para prevenir, recuperar ou compensar a degradação ambiental presente.
Mesmo com o apoio do Estado, o avanço da atividade agrícola sustentável será
gradual e não será imposto diretamente. Além da necessidade de maior investimento em
tecnologia e pesquisa, o declínio do modelo convencional deverá ser influenciado por fatores
externos, como a dificuldade de obter financiamento público, a ocorrência de pareceres
científicos desfavoráveis, os prejuízos com a recuperação ambiental e as custas processuais, e
a difusão da propaganda ecológica para atrair investimentos ou consumidores.
Sem embargo, o desenvolvimento rural sustentável exige uma decisão política
estabelecendo diretrizes básicas para se chegar aos fins socialmente desejados e apoio
institucional. Sobre o tema, vale citar a reflexão de Norberto Bobbio, (BOBBIO;
MATTEUCCI ; PASQUINO, 2004, p. 980):
Por isso se pode dizer que, se uma tecnologia é de tal ordem que modifique o
ambiente trazendo riscos para sujeitos diferentes daqueles que colhem os benefícios
dessa mesma tecnologia, as decisões que, de outro modo, seriam apenas de ordem
técnico-econômica e seriam tomadas pelo cidadão, passam a fazer parte da esfera
legislativa, administrativa e judiciária, ou seja, da esfera política.
Como visto, especialmente em função da interpretação sistemática dos artigos 170,
186 e 225 da Constituição Federal, não resta dúvida de que o caráter tridimensional do
desenvolvimento sustentável também orienta a realização da atividade agrícola.
Também em busca da sustentabilidade, o artigo 19 da Lei 8.171/91, que instituiu
a Política Agrícola, atribui ao Poder Público o dever de disciplinar e fiscalizar o uso racional
do solo (inciso II), realizar o zoneamento agroecológico para ordenar a ocupação espacial
pelas diversas atividades produtivas (inciso III), promover ou estimular a recuperação das
áreas em processo de desertificação (inciso IV).
O desenvolvimento agrícola sustentável deve manter o potencial produtivo do bem,
como dispõe o artigo 3º, inciso IV, e os artigos 19 ao 26, todos da Lei 8.171/91. A
prestação de serviços e a aplicação de recursos públicos em atividades agrícolas devem ter por
premissa básica o uso tecnicamente indicado e o manejo racional dos recursos naturais.
A Lei de Política Agrícola estabelece um programa de desenvolvimento sustentável,
definindo os instrumentos do Direito Agrário para promover a produtividade, a melhoria da
estrutura fundiária, o bem-estar do produtor e do empregado rural e o uso adequado dos
recursos ambientais. Essa norma estabelece uma série de instrumentos para o alcance desses
fins.
198
Antes, a Lei 6.225, de 14 de julho de 1975, cujo objeto central é a execução
obrigatória de planos de proteção do solo e de combate à erosão, havia imposto obrigações
ao produtor agrícola. Ela até fixou prazo para que o proprietário ou arrendatário adotasse
medidas de proteção ao solo, embora até hoje não se consiga visualizar a devida efetividade
do combate à degradação desse recurso natural. Além disso, consoante o artigo 3º dessa Lei, o
financiamento da produção por instituição de crédito somente pode ser concedido quando o
pedido vier acompanhado de comprovante de proteção do solo na forma instruída por órgãos
oficiais.
Também em defesa do solo agrícola existem importantes leis estaduais. Merece nota
a Lei do Estado do Paraná 8.014, de 14 de Dezembro de 1984, que prescreve algumas
técnicas conservacionistas e estabelece penalidades, e a Lei do Estado de Santa Catarina
8.676, de 17 de junho de 1992, a qual consagra a proteção ambiental como instrumento para o
desenvolvimento rural sustentável. Outra norma digna de destaque pelo seu conteúdo
moderno é a Lei do Estado de São Paulo 6.171, de 04 de julho de 1988, melhor analisada
abaixo.
Percebe-se, então, que o Direito Agrário pode regular a forma como ocorrerá a
atividade econômica no imóvel rural, até mesmo aplicando sanções como a desapropriação
por interesse social, prevista no artigo 2º da Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962.
A proteção jurídica da sustentabilidade na atividade agrícola é observada ainda nas
normas que disciplinam os contratos agrários, os quais devem prever cláusulas obrigatórias, a
fim de proteger o arrendatário (suposto hipossuficiente) e o meio ambiente:
Nos contratos agrários vemos nitidamente e de forma ainda mais acentuada a
presença do poder normativo do Estado, que tem por fim colimado a proteção do
débil econômico no liame contratual o rurícola, utilizando-se das chamadas
cláusulas obrigatórias e também das cláusulas proibidas, que devem os pactos conter
ou das quais estão adstritos a abster-se, conforme veremos adiante. [...] Este fator
evidencia ainda mais o Direito Agrário como ramo eminentemente de Direito
Público, e conduz os contratos agrários inevitavelmente ao cumprimento da função
social que devem desempenhar (BARROSO, L. A., 2001, p. 31).
A proteção criada nos contratos agrários é um exemplo de intervenção estatal com a
finalidade de obrigar o respeito à função social. A exigência de um prazo mínimo, por
exemplo, além de uma garantia social de tempo para o produtor auferir renda, é uma forma de
exigir o uso adequado do solo, evitando métodos de aceleração da safra (BARROSO, L. A.,
2001, p. 38-45).
A responsabilidade jurídica pode assumir peculiaridades interessantes no âmbito da
produção agrícola. Por um lado, pode-se pensar em exigir que o produtor que degradar o solo,
199
quando não for o proprietário, entregue o bem ambiental no estado em que recebeu ou
compense o prejudicado. De outro lado, o produtor precisa ser responsabilizado quando não
atender à qualidade exigida pelas normas governamentais, especialmente como fornecedor de
produtos com vícios no processo de produção - uso de insumos químicos proibidos ou de
sementes transgênicas sem licença, problemas de armazenamento, falso selo de orgânico, etc.
Outra contribuição do Direito é a exigência de uma função social da propriedade, a
qual condiciona o exercício dos poderes inerentes ao domínio à satisfação de condições
definidas como de interesse da sociedade. A exigência da função, por outro lado, força o
Estado a determinar o seu conteúdo e oferecer condições para que os proprietários possam
cumpri-la.
Por conseguinte, a função social deve ser considerada sob três aspectos:
a) Objetivo: garantia social de intervenção positiva do Estado, a fim de criar acessos
e condições para incorporar os interessados capacitados no processo produtivo, como a
reforma agrária sustentável e uma política agrícola prospectiva (ZELEDÓN ZELEDÓN,
2003, p. 44).
A Constituição e a Lei de Política Agrícola estabelecem uma série de instrumentos
voltados à realização das diretrizes do desenvolvimento sustentável, de modo que o Poder
Público deverá fomentar a educação, a assistência técnica, a aplicação dos conhecimentos
adquiridos no zoneamento agropecuário e criar programas de combates aos danos ambientais.
O § do artigo do Estatuto da Terra também prevê o dever de o Poder Público
promover o acesso à terra economicamente útil ao produtor rural e de criar condições para que
o mesmo consiga cumprir todas as exigências da função social;
b) Subjetivo: obrigações jurídicas do proprietário e do produtor rural, sobretudo a
função social prevista nos artigos 184 e 186 da Constituição Federal e em leis
infraconstitucionais;
c) Combinação do aspecto subjetivo com o objetivo: o Estado tem a função de
fiscalizar, aplicar sanções e promover a efetividade do Direito Agrário.
Nesse sentido, o artigo 18 do Estatuto da Terra já consagrava a desapropriação por
interesse social como instrumento para a realização da função social. Isso fica ainda mais
evidente no seu artigo 24, o qual determina a destinação das glebas desapropriadas vinculada
à realização de justiça social e recuperação ambiental.
Por fim, considera-se de grande importância mencionar a proteção disposta na
Agenda 21 Global, discutida e formalizada na ECO-92. Embora seja uma norma sem caráter
coercitivo, reconheceu os problemas resultantes da revolução verde e estabeleceu diretrizes
200
imprescindíveis na defesa de um desenvolvimento sustentável no âmbito rural, como o
planejamento do uso racional da terra, o controle da biotecnologia e do uso de insumos
químicos, o reaproveitamento de solos degradados, a destinação de mais espaços para a
preservação da biodiversidade, a formação e qualificação do produtor, inclusive para
atividades não-agrícolas no meio rural e o combate ao uso intensivo de áreas de extensão
insuficiente mediante disponibilização de terra por programas estatais e uma política agrícola
capaz de fomentar a agricultura funcional.
No capítulo 14 (promoção do desenvolvimento rural e agrícola sustentável) e no 32
(fortalecimento do papel dos agricultores) dessa Agenda, foram estabelecidas as principais
diretrizes e os planos de ação no tocante à atividade agrícola. Esse capítulos demonstram o
reconhecimento da importância da agricultura e da necessidade de otimização do seu
potencial produtivo a partir de interações entre as políticas ambiental, econômica e agrícola.
A Agenda propõe uma concepção holística da atividade econômica agrícola, com
respeito aos aspectos ecológicos e a valorização de mecanismos, como a cooperação
internacional, a participação da sociedade e a intervenção estatal.
Obviamente, conquanto a crise ambiental seja global, existem problemas localizados
que exigem soluções conforme as necessidades e as possibilidades de um determinado espaço.
Assim sendo, as diretrizes globais da Agenda 21 devem ser particularizadas em programas
regionalizados.
Por todo o exposto, percebe-se que o Direito pode contribuir de diversas formas para
a concretização de um modelo de produção agrícola sustentável. fundamento
constitucional e um rol significativo de instrumentos jurídicos para a adoção dessa postura.
3.5 A consagração do desenvolvimento sustentável na função social da propriedade rural
A função social tem para o Direito Agrário a mesma importância que o
desenvolvimento tem para a Economia. Nunca é redundante falar desses temas, pois, assim
como a pesquisa econômica sempre busca uma forma de desenvolvimento, o Direito Agrário
volta-se à função social, a qual corresponde ao reflexo jurídico do desenvolvimento
sustentável.
Contudo, é preciso entender que a realização da função social da propriedade,
embora também seja compreendida como instrumento, ocorre somente quando se alcança o
nível desejado de desenvolvimento sustentável. Evidentemente, para ambos, é muito difícil
201
definir critérios para aferição, pois não existem índices capazes de abranger todas as suas
dimensões.
A função social da propriedade, consagrada no artigo 170, inciso III, da Constituição
Federal, aparece como uma norma-objetivo e um princípio constitucional conformador de
conteúdo variável, segundo a natureza do objeto apropriado. Mas, atualmente, é certo que ela
tem caráter tridimensional, muito embora possam ser adicionadas novas dimensões no futuro.
A idéia de dimensionalidades faz sentido se o conteúdo da função social for
contextualizado, de forma a considerar as possibilidades e alternativas disponíveis em
determinada realidade; do contrário, a função social apenas continuará a servir de retórica.
Além disso, é preciso compreender que a função social da propriedade rural é apenas
uma espécie de função social dos institutos de Direito Agrário. No tocante ao
desenvolvimento sustentável, ainda é possível pensar na função social da posse, da empresa
111
e dos contratos.
3.5.1 A funcionalização do direito de propriedade rural
O direito de propriedade é um direito real que consiste na submissão de uma coisa,
em todas as suas relações, a uma pessoa. Embora único externamente, esse direito,
internamente, é complexo, englobando vários poderes (GOMES, 1995, p. 15).
O proprietário é aquele que tem o direito de usar (retirando os serviços que a coisa
pode prestar), gozar (explorando economicamente os frutos e produtos), dispor (alienando ou
gravando a coisa com ônus real) e reaver a coisa contra quem injustamente a possua - direito
de seqüela (COELHO, 1991, p. 7).
O indivíduo titular dos poderes inerentes ao domínio é o sujeito ativo e toda a
sociedade aparece como uma espécie de sujeito passivo da relação, posto que os poderes são
oponíveis “erga omnes”. A coletividade perde a possibilidade de apropriação, uso e fruição,
enquanto o proprietário exerce os poderes do domínio nos limites voluntários, legais e
constitucionais.
O direito de propriedade é subjetivo, pois existe uma norma protetora do interesse
privado diante de uma coletividade. O direito subjetivo faz parte de uma relação subjetiva, na
qual existe um sujeito passivo (que, nos direitos reais, é a coletividade e o Estado) com um
dever jurídico de não violar o interesse alheio (PERLINGIERI, 1997, p. 221).
111
Para Fernando Scaff (1997, p. 62), a função social da propriedade perdeu sentido; é mais relevante falar da
função da empresa, pois é esta e não a propriedade o âmbito de realização dessa função.
202
Esse interesse alheio é protegido por expressar um valor, medido de acordo com a
utilidade do bem para a satisfação das necessidades humanas. No entanto, o direito subjetivo
de propriedade também constitui deveres aos que exercem os poderes inerentes ao domínio.
O direito de propriedade tem aspectos normativos que dão relevância jurídica a uma
situação com base no título existente
112
e protegem as faculdades de usar, fruir e dispor.
ainda os aspectos funcionais, resultantes da qualificação jurídica da situação, segundo os
interesses da coletividade, os quais possuem caráter axiológico e dinamicamente variável
(PERLINGIERI, 1997, p. 122).
A propriedade pode ser entendida como um bem, objeto de uma relação jurídica, ou
como a relação individualizada e legalmente protegida do poder de um sujeito sobre uma
coisa, a qual qualifica o aspecto funcional do instituto (DERANI, 2002, p. 58).
Como relação, a propriedade é uma instituição
113
com conteúdo determinado pelo
Direito, de forma que o direito de propriedade é o direito à proteção da relação de um sujeito
sobre um objeto, desde que essa relação preencha os requisitos predeterminados.
A propriedade é uma instituição jurídica que foi criada por se entender que essa era a
melhor maneira de atender às necessidades econômicas. Entretanto, ao longo dos anos,
percebeu-se que surgiram outras necessidades, cujo principal efeito foi modificar a função
dessa instituição para atender aos novos valores almejados pela sociedade.
A evolução do Estado e, conseqüentemente, do direito de propriedade, está
relacionada à evolução dos direitos humanos fundamentais; com isso, o tratamento jurídico
dos poderes inerentes ao domínio foi do individualismo moderno para a solidariedade
contemporânea. Isso porque as dimensões de direitos fundamentais não consistem na soma de
direitos, mas numa relação dinâmica, em que os velhos valores são reinterpretados segundo as
necessidades atuais.
O tratamento jurídico da propriedade é o resultado da evolução das relações sociais
com as formas de apropriação e exploração dos bens. Tanto na concepção de propriedade
como direito natural, quanto de um direito histórico garantido após a constituição do Estado,
foi se consolidando a idéia de que essa instituição está vinculada a determinadas finalidades.
Atualmente, vem ganhando destaque o Estado Ambiental, o qual exige uma releitura
da função dos institutos jurídicos com base nos novos valores. O Poder Público passa a
intervir na esfera privada para condicionar o exercício dos direitos individuais, além atuar de
112
O título permite a qualificação da relação jurídica, de forma que determina o aspecto funcional a ser
considerado e o conteúdo jurídico mínimo do direito.
113
Que consiste num modelo de ação ou comportamento, um espaço de ligação do indivíduo com outras pessoas
da sociedade para a estabilização dos padrões de conduta (CANOTILHO, 1998a, p. 1020).
203
forma positiva na promoção do desenvolvimento sustentável. Com isso, o direito de
propriedade se tornou um poder ligado à realização dos direitos fundamentais de segunda e
terceira dimensões.
3.5.2 Aspectos jurídicos da função social da propriedade rural
A função social da propriedade é um dever instrumentalizado do indivíduo, a fim de
atender aos interesses da coletividade no exercício legítimo dos poderes intrínsecos ao
domínio. Ela é uma das expressões do princípio da supremacia do interesse público sobre o
privado.
A função social também é uma relação jurídica, na qual o Estado e a sociedade são
os sujeitos ativos (credores), o objeto é o imóvel rural, o vínculo de atributividade é a
atividade agrária e o sujeito passivo (devedor) é o produtor ou o proprietário (REZEK, 2006,
p. 69).
A função social da propriedade não é preenchida pelo resultado (finalidade), mas
pelos meios escolhidos para o exercício dos poderes inerentes ao domínio. Ela consiste na
escolha dos meios mais adequados para dar à relação um caráter social (DERANI, 2002,
p. 60).
O conteúdo da função social é o resultado da concepção do direito de propriedade
que, segundo Manoel Ferreira Filho (1992, p. 33), perdeu o caráter absoluto e individualista
de outrora e se tornou uma situação jurídica objetiva de subordinação de um bem a um fim,
coercitivamente assegurado para a sociedade. Essa também é a posição de Del Vecchio:
Outra importante missão do Estado é estabelecer uma ordem econômica que
convalide, mesmo neste domínio, a livre iniciativa individual, e assegure a
propriedade como natural e legítima extrinsecação da pessoa: mas que,
simultaneamente impeça os abusos da mesma e a torne de fácil aquisição a todos,
mediante o uso de instrumentos de trabalho e dos meios de produção, que a ninguém
deve ser negado. Portanto, o direito de propriedade não é ilimitado, nem deve ser
concebido, segundo a fórmula obsoleta, como jus utendi et abutendi. Seus limites
derivam racionalmente do fim do direito em geral, que é essencialmente social, e
deve harmonizar as faculdades de cada um com o respeito ao bem comum (DEL
VECCHIO, 1957, p. 107).
A função social da propriedade não é a função de um direito ou de um bem, mas a
vinculação dos efeitos da relação material sujeito-objeto com a sociedade. Ela é um
instrumento decorrente da relação de propriedade para efetivar valores da sociedade
(DERANI, 2002, p. 58).
204
Nesse contexto, Cristiane Derani (2002, p. 63) apresenta as seguintes conclusões: 1.
A propriedade é um poder individualizado e legalmente protegido que se exerce sobre um
objeto. 2. Esse poder possui restrições qualitativas no sentido de buscar determinados fins. 3.
Não direito de propriedade se o exercício do domínio não corresponder ao seu conteúdo
jurídico.
A função social no âmbito rural se desenvolveu a partir da necessidade de
interferência do Direito na atividade agrícola, em função dos riscos sociais e econômicos que
eram criados. Ela representou a institucionalização da proteção das determinantes básicas da
produção em busca do desenvolvimento sustentável, tornando-se o principal instrumento
desse paradigma.
Juan Miguel (1993, p. 51) diz que a função social da propriedade é eminentemente
jurídica e obriga o proprietário a exercer seu direito sem prejudicar a coletividade. No meio
rural, o uso da terra pode favorecer (produção de bens e renda) ou prejudicar (esgotar ou
degradar o bem) o interesse coletivo.
O conteúdo da função social deve ser aberto, a fim de acompanhar a dinâmica social
no tocante ao direito de propriedade. Atualmente, o exercício dos poderes do domínio precisa
ser compatibilizado com os deveres sociais e ambientais. No aspecto teleológico, a função é a
manifestação do interesse público
114
sobre o interesse privado do proprietário e, como
interesse público, a Administração não pode deixar de exigi-la e criar condições para a sua
concretização.
Em síntese, a função social da propriedade rural consiste num conteúdo normativo,
orientado por princípios e regras constitucionais impositivas. Ela se volta à regulamentação do
exercício dos poderes inerentes ao domínio, a fim de buscar a concretização do bem comum.
Para isso, a referida função impõe determinadas obrigações positivas e negativas ao Estado e
ao proprietário, afirmando a supremacia do interesse coletivo sobre o particular. É a
funcionalidade que legitima o título de domínio; sem o seu cumprimento, não proteção
jurídica desse direito.
Essa função é um instrumento para exigir a observância da tridimensionalidade do
desenvolvimento sustentável rural e consumar a dignidade humana, cujo conceito é
juridicamente indeterminado, mas passível de determinação no tempo e espaço considerados.
114
Segundo Celso Bandeira de Mello (2002, p. 71), o interesse individual particular é relativo às conveniências
de cada um nos assuntos da sua vida particular. no interesse público, existe igualmente o interesse pessoal
dessas mesmas pessoas ou grupos, mas que comparecem enquanto partícipes de uma coletividade na qual
estão inseridos e pelo simples fato de o serem, tal como estiveram as antigas e estarão as futuras gerações.
205
3.5.2.1 A relação entre a função social e o direito de propriedade
Os aspectos jurídicos da função social estão intimamente ligados à concepção do
direito de propriedade. Quanto à natureza desse direito, podem ser observadas três posições:
a) Dever-poder: a propriedade privada deixa de ser um direito subjetivo e passa a ser
uma função. Ela aparece como um dever para satisfazer as necessidades sociais;
b) Direito subjetivo limitado: o exercício dos poderes intrínsecos ao domínio fica
condicionado em virtude da natureza do bem apropriado. A função social aparece como limite
externo ao direito de propriedade;
c) Direito subjetivo especial: propõe a existência de uma modificação na estrutura
interna do instituto da propriedade. Nesse caso, a função social faz parte do conceito desse
direito e, portanto, é pressuposto para a proteção jurídica dos poderes inerentes ao domínio.
Tal posição engloba os autores que defendem uma estrutura interna dividida (entre momento
estático e dinâmico) e os autores que defendem a permanência da estrutura interna única, mas
com a incidência interna da função.
Leon Duguit considerava a propriedade como uma função social, até porque não
reconhecia a existência de direitos subjetivos para uma ordem realista de direitos-deveres,
mas como um poder-dever voltado à conciliação entre a satisfação de direitos particulares e
sociais. Para o autor, assim como as necessidades sociais e econômicas evoluem, os institutos
criados para atender a uma determinada realidade precisam acompanhar essas mudanças.
A propriedade enquanto instituição jurídica sofreu e continuará a sofrer influência
dos novos interesses. Mas a absorção dos direitos subjetivos pela função social não ocorreu
como Duguit pretendia, emboram tenha ocorrido restrições à utilização do direito de
propriedade.
Na Constituição atual, fica evidente a separação do direito de propriedade da sua
função social. Tanto que foi proibida a desapropriação do imóvel produtivo, reforçando a
idéia de propriedade como direito independente, embora condicionado pela função.
Apesar de a função social ser considerada um poder-dever, ou seja, um poder
condicionado a determinadas finalidades, não há incompatibilidade entre o direito subjetivo
de propriedade e a vinculação a uma função social. É no efetivo exercício dos direitos de
domínio que se pode verificar o respeito aos limites legais e às obrigações funcionalmente
estabelecidas.
Há uma diferença importante entre a limitação do direito de propriedade e sua
função social. Ambas constituem, “lato sensu”, condicionamentos do exercício dos poderes
206
relacionados ao domínio, mas a primeira não modifica o conteúdo do direito de propriedade.
Não existe o dever de fazer; apenas limites administrativos ou civis. Isto é, as limitações
condicionam o exercício, mas não o exigem. Já a função social promove uma modificação na
estrutura interna do direito de propriedade, exigindo um novo conceito desse direito.
Conforme Di Pietro (2006, p. 138), existem duas posições em relação à natureza da
função social: a) uma intervenção no direito de propriedade como espécie de Poder de Polícia
e, nesse caso, não se pode falar que o objetivo desse poder sejam apenas abstenções
(obrigações negativas), pois a função cria obrigações de agir; b) um novo instrumento distinto
do Poder de Polícia, pois este não pode estabelecer obrigações positivas.
A função social da propriedade não é mero limite para comprimir os poderes do
proprietário e nem se restringe ao Poder de Polícia. Consoante defesa de Pietro Perlingieri
(1997, p. 226), ela faz parte do conteúdo interno do direito de propriedade enquanto situação
subjetiva complexa e consiste na razão de atribuição e proteção desse direito.
Essa função é um instrumento promocional para atingir os fins do ordenamento. O
seu descumprimento faz com que falte razão para o reconhecimento e a garantia do direito de
propriedade. O direito subjetivo só será protegido se exercido em conformidade com as
regras, pois, do contrário, há abuso de poder (PERLINGIERI, 1997, p. 230).
Para Juan Miguel (1993, p. 443) íntima relação entre a função social da
propriedade e o abuso de direito, uma vez que a ocorrência de um significa a inexistência do
outro. Existe abuso do direito quando ele não é exercido conforme sua função - afasta-se dela
ou até segue em sentido contrário. O abuso consiste no prejuízo causado a outrem, que pode
ser coletividade, de quem não se poderia, em virtude do seu direito, exigir a concordância
com o dano suportado.
Cristiane Derani (2002, p. 61) defende a existência de um direito objetivo, que
protege a relação entre o sujeito e o objeto, e de um outro direito objetivo, que impõe uma
conduta socialmente responsável geradora de vantagens sociais nessa relação. Desses direitos
decorre o direito subjetivo do proprietário em ter a sua relação protegida e o direito subjetivo
da sociedade em ver frutificar dessa relação individualizada uma satisfação social. O direito
de propriedade deixa de ser exclusivamente um direito-garantia do proprietário e se torna uma
garantia social.
Também Antônio Benjamin (2005, p. 528) entende que a função social não consiste
apenas no conjunto de restrições externas ao domínio, na medida em que ela integra o direito
subjetivo de propriedade. Por isso, o autor entende que não é passível de indenização a
restrição funcional de algumas atividades econômicas ou técnicas:
207
[...] a proteção do meio ambiente, no sistema constitucional brasileiro, não é uma
incumbência imposta sobre o direito de propriedade, mas uma função inserida no
direito de propriedade, dele sendo fragmento inseparável. Em resumo, os limites
não aceitam a imposição do dever de indenizar, exatamente porque fazem parte do
feixe de atributos necessários ao reconhecimento do direito de propriedade
(BENJAMIM, 2005, p. 528, grifos do autor).
Não é passível de indenização a restrição de atividades econômicas ou técnicas com
o propósito de atender aos interesses da coletividade, pois não há desapropriação direta e nem
indireta. Tal posição está consagrada artigos 170 e 180, inciso II, da Constituição Federal
115
.
Em razão da modificação da estrutura interna do direito de propriedade em face do
reconhecimento da função social, pois ela aparece como um elemento indispensável para a
existência do domínio, necessariamente, haverá direito de propriedade se cumprida essa
função. Nesse sentido é que argumentam os renomados juristas Fabio Comparato, Cristiane
Derani, Eros Grau, José Afonso da Silva e Gustavo Tepedino.
Em sentido oposto, André Tavares (2005, p. 68) acredita que a limitação é da
propriedade enquanto bem e não do direito, pois este é apenas o contorno do instituto. O
direito é, por si, limitado à idéia de propriedade. A função social condiciona o direito de
propriedade, mas não integra o seu conteúdo, porquanto quem tem função é o bem e não a
relação subjetiva.
Seguindo tal perspectiva, Rezek (2006, p. 59) também discorda de quem coloca a
função social da propriedade na estrutura interna do direito de propriedade. O autor considera
que a função é do bem valorado pelo homem e não do direito subjetivo. Para o autor, o
existem diferentes estruturas do direito de propriedade, em virtude de a função não ser
elemento caracterizador desse instituto, pelo menos não do ponto de vista do seu conteúdo.
Embasado no ordenamento vigente, Fernando Scaff (1997, p. 33) argumenta que a
função social da propriedade não é condição para o direito de propriedade, pois, quando não
cumprido o artigo 186, apenas a opção de atuação da Administração Federal. Caso inexista
interesse estatal na desapropriação, o proprietário continuará usando a coisa normalmente.
Eros Grau (2004, p. 223) defende que a propriedade que tem função social, mas não
a cumpre, não terá proteção jurídica, uma vez que não fundamento jurídico para atribuir o
bem ao pretenso titular. Nesse sentido, Toshio Mukai (2004, p. 33) entende que não
conflito entre direitos sociais e a ordem econômica brasileira, de forma que “[...] o princípio
da propriedade privada (de sua garantia) é legítimo e constitucional quanto à invocação, na
115
Canotilho (1995, p. 86) também entende que não cabe indenização em função dos limites decorrentes da
função social da propriedade, haja vista o caráter geral dos deveres.
208
medida em que seu uso estiver conforme os demais princípios, notadamente o da sua função
social”.
Consoante Eros Grau (2004, p. 307), uma vez que, sem o cumprimento da função
social, não existe o direito de propriedade, é inadequado o termo “desapropriar”, o qual
deveria ser substituído pela expressão “perdimento do bem”. A indenização, assim, é um
pagamento indevido. Essa posição não foi acatada pelo texto constitucional, embora seja um
raciocínio mais coerente com a forma com que foi consagrada a função social da propriedade.
O sistema constitucional permite a distinção do direito de propriedade em aspecto
estático (título) e dinâmico (dever de cumprir uma função), sendo lícito afirmar que existe um
direito subjetivo de propriedade (título) sujeito à desapropriação, em benefício da sociedade,
quando ocorre o uso abusivo, ainda que em desrespeito ao momento funcional referente ao
direito subjetivo da sociedade de exigir do particular o cumprimento de deveres e obrigações.
O descumprimento da função social não faz desaparecer o direito, pois não é o seu
pressuposto, de forma que continua o domínio estático até que haja o devido processo de
desapropriação. Mas o direito de propriedade se legitima apenas ao cumprir um conteúdo
mínimo (aspectos formais) e atender a uma função; do contrário, não terá proteção jurídica.
Outro aspecto capaz de afastar a exigência da função social como pressuposição para
a existência do domínio decorre da classificação do direito de propriedade com base no objeto
apropriado, ou seja, como bem de uso individual e de produção.
Para os autores que defendem a existência de diferentes propriedades segundo o
objeto apropriado, poderá existir tanto propriedade sem função social, isto quando o bem for
de fruição individual, quanto propriedade com função social, pela fruição coletiva do bem.
Eros Grau (2004, p. 211), por exemplo, entende que a função social pressupõe o direito de
propriedade privada sobre um bem de produção; por isso, quando se pensa em propriedade
coletiva ou social, não há motivos para exigir uma função social.
A doutrina majoritária defende uma estrutura jurídica una, cujos diferentes perfis
(produção, uso e consumo) não seriam suficientes para fragmentar o conceito. Apesar da
unicidade, não se nega a função social e nem se defende um conteúdo único para todos os
objetos apropriados.
Para a corrente minoritária (GOMES, 1995, p. 96; GRAU, 2004, p. 213; ZELEDÓN
ZELEDÓN, 2003, p. 100; DERANI, p. 2002, p. 63), os bens que possuem função social são
somente aqueles relacionados à produção, pois somente eles possuem finalidades sociais.
Eros Grau (2004, p. 213) acredita que, como a propriedade prevista no artigo 5
o
,
inciso XXII, da Constituição Federal, consiste num direito fundamental de fruição individual,
209
não se justifica a exigência de uma função social no inciso seguinte. A propriedade com
função individual é aquela que garante os meios necessários para a satisfação pessoal, de
forma que não têm função social, apenas limites contra abusos dispostos no Direito Civil e
Administrativo.
Diante de tal postura, o inciso XXIII do artigo da Constituição Federal, que
consagra a função social, não deveria ser aplicado à propriedade sobre bens de produção -
que eles não estão no rol dos direitos individuais fundamentais - nem poderia se referir aos
bens de fruição somente individual, pois esses não teriam uma função social.
Eros Roberto Grau (2004, p. 223) considera que o inciso XXIII do artigo
alcança a propriedade de função individual que exceda o padrão qualificado ao qual se
destina. A função social dos meios de produção estaria consagrada tão-somente no inciso III
do artigo 170.
Na esteira de Pietro Perlingieri (1997, p. 330), acredita-se que sempre haverá função
social, pois os bens de uso pessoal realizam o interesse coletivo ao atenderem à sua utilidade
individual. O fato de a coisa ser de uso pessoal ou bem de produção e a quantidade apropriada
determinarão apenas a forma como sobre eles incidirão as escolhas políticas e o regime
jurídico.
Muitos autores defendem uma contradição na Constituição Federal ao consagrar a
função social e a propriedade privada. Sem razão, pois o ordenamento não pretendeu inibir o
direito de propriedade privada, mas fazer com que ele seja exercido para o bem social. A
função não é uma tentativa de coletivizar os bens de produção no sentido de criar um sistema
socialista.
A função social e o direito de propriedade podem e devem ser harmonizados. Os
direitos subjetivos individuais não deixaram de merecer a tutela jurídica. Porém, a
coletividade passou a exigir maior intervenção do Estado para efetivar os direitos sociais e
difusos, cobrando programas de inclusão e aplicação de sanções aos produtores que não
cumprissem essa função.
A função é inerente àquele que usufrui diretamente do bem
116
. Mesmo inexistindo o
direito de propriedade privada (propriedade estatal ou coletiva), ou quando o possuidor não
for o titular do domínio (“jus possessionis” - como o usufrutuário, o arrendatário ou na
116
A legitimação da relação jurídica com a terra, como pode ser visto em Locke e Rousseau, está intimamente
ligada à posse. O primeiro fala que a propriedade é o resultado do trabalho. O segundo também defende que
o trabalho ou a utilização direta - ocupação do bem - legitima a posse.
210
usucapião), sempre haverá determinadas obrigações para aquele que exercer a atividade rural
no imóvel.
O proprietário depende do apossamento do bem para expressar os poderes inerentes
ao domínio. A posse é protegida como exteriorização do direito de propriedade
117
. Mas a
posse agrária, como lembrou Roberto Marquesi (2001, p. 45), assume uma dinâmica maior do
que a civil, pois a terra é meio de produção essencial para a segurança alimentar e a geração
de riquezas no meio rural, sendo inadmissível a inércia do possuidor. Tanto na posse do
produtor não-proprietário, quanto na do proprietário, o descumprimento da função se na
qualidade de possuidor, decorre de ações que exigem relação direta com a coisa.
Por isso, em relação à caracterização da posse agrária, tem se destacado uma nova
teoria, exigindo, além dos requisitos da teoria de Ihering, o cumprimento da função social e o
exercício contínuo e racional de atividade agrária (GODOY, 1999, p. 112).
3.5.3 O conteúdo normativo da função social
A Constituição Federal vigente consagrou a propriedade qualificada, pois,
embora garantida como privada (artigo 5º, inciso XXII), estabeleceu uma função social
como condição de legitimidade do exercio do poder (artigo , inciso XXIII, e artigo
170, inciso III):
Art. - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes
termos: [...] XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade
atenderá a sua função social.
Segundo Carlos Ayres Brito (1989, p. 44), infelizmente, embora o “caput” do artigo
citado anuncie o direito à propriedade, a Constituição não garante o acesso à propriedade
privada, pois não criou mecanismos para distribuí-la. Assim, o acesso à propriedade é um
princípio programático, mas sua garantia é efetiva, salvo nos casos passíveis de
desapropriação.
O Capítulo III do Título VII da Constituição dispõe da política agrícola e da reforma
agrária, especialmente tratando da função social exigida nos imóveis rurais, a qual está
preceituada nos artigos 184 e 186.
117
Para Carlos Bittar (1991, p. 10), a posse é o direito de exercer de fato determinados poderes inerentes à
propriedade, por ter o poder físico e um direito legítimo sobre a coisa. A posse é um fato que gera efeitos
jurídicos, como, por exemplo, a proteção possessória e a aquisição do direito de propriedade (requisito da
usucapião).
211
O artigo 184 determina a competência da União para desapropriar, por interesse
social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não está cumprindo a sua função
social, mediante prévia e justa indenização em título da dívida agrária.
O artigo 186 expressa os requisitos que compõem a função da propriedade rural:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que forneça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Os elementos da função social da propriedade rural previstos no artigo 186 da
Constituição Federal são demasiadamente genéricos. No entanto, é possível verificar algum
conteúdo em leis infraconstitucionais e normas administrativas relacionadas ao
desenvolvimento rural, de forma que essa função, pelo menos no âmbito rural, tem
aplicabilidade imediata.
O aproveitamento racional e adequado previsto no inciso I da norma supracitada é o
primeiro requisito da função social - também denominado elemento econômico. Esse
requisito representa a exigência de uso sustentável da terra para manter o potencial produtivo.
Com fundamento na Lei 8.629/93, infelizmente, tem-se avaliado apenas a
produtividade econômica imediata. O seu artigo 9
o
, inciso I e § 1
o
considera racional e
adequado o aproveitamento que atinja simultaneamente os Graus de Utilização da Terra
(GUT) e de Eficiência Econômica na exploração (GEE), regulados nos §§ 1
o
ao 7
o
, do artigo
6
o
dessa Lei.
Nos termos do mencionado artigo: a) exige-se que a relação percentual entre a área
efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel seja superior a 80% (GUT); b) a
divisão da produção pelo índice estipulado pelo INCRA para determinada microrregião
homogênea ou atividade, cujo resultado é dividido novamente pela área efetivamente utilizada
e multiplicado por 100, deverá ser superior a 100% (GEE); e c) ficou determinado que
algumas áreas serão consideradas efetivamente utilizadas, notadamente as áreas de projeto
técnico de recuperação de pastagens e as áreas não classificadas como improdutivas em
virtude de a produção ser inviabilizada por força maior (art. 6
o
, §§ 3
o
ao 7
o
).
Foram estabelecidos critérios técnicos adequados para tornar o requisito da
produtividade aferível. No entanto, a norma não conseguiu definir mecanismos capazes de
permitir a adequada apreciação dos demais elementos do desenvolvimento sustentável.
212
Além disso, equivocadamente, não são consideradas como áreas efetivamente
utilizadas as terras cobertas por florestas nativas não submetidas à exploração direta e as
áreas úmidas - essenciais para formão da bacia hidrográfica. Essa postura legal o
estimula o produtor rural a preservar porções do ecossistema que não se enquadram em
áreas produtivas ou desconsideradas no momento da avaliação da produtividade
(ALVARENGA, 1997, p. 97)
118
.
Em virtude da necessidade de proteção florestal, o artigo 4°, parágrafo único, do
Estatuto da Terra não considera como latifúndio, independentemente da dimensão, o imóvel
ocupado por vegetação no qual se exige a restrição do uso ou a preservação integral. Essa
disposição deveria fazer parte da aferição da produtividade regulamentada pela Lei nº
8.629/93.
Giselda Hironaka (1997, p. 133) tem razão ao dizer que o artigo 6
o
da Lei nº
8.629/93 ignora as disposições do capítulo constitucional referente à atividade agrícola, pois
resumir o uso racional e adequado do solo à produtividade econômica é inconstitucional. Em
sentido contrário, Augusto Coelho (1991, p. 168) defende que a produtividade prevista no
artigo 185, inciso II pode ser definida em legislação ordinária, de forma que a norma
supracitada é constitucional.
Na forma como a função social está sendo exigida, a propriedade produtiva está
sendo premiada pelo cumprimento de um dever, como se o cumprimento da função não fosse
uma obrigação inafastável para legitimar o próprio direito (BRITO, 1989, p. 48).
A valorização do trabalho humano, o bem-estar das pessoas envolvidas na atividade
agrária e o acesso à terra previstos nos incisos III e IV do artigo 186 da Constituição Federal
formam o segundo requisito da função social - também designado como elemento social.
O inciso III do artigo 186 foi regulamentado no § 4
o
do artigo 9
o
da Lei nº 8.629/93.
Ele obriga o respeito aos direitos previstos nos artigos 6
o
e 7
o
da Constituição Federal e nas
leis trabalhistas aplicáveis ao trabalhador rural; além disso, abrange os direitos estabelecidos
nos acordos e convenções coletivas, bem como nas normas que disciplinam os contratos
agrários.
o inciso IV da mencionada norma constitucional se relaciona a todos os aspectos
que envolvem o bem-estar das pessoas envolvidas na atividade produtiva desenvolvida no
âmbito rural, tais como o respeito às normas de segurança, o acesso à terra para agricultura
familiar, o fim das tensões e os conflitos sociais rurais. Esse inciso, completado pelo disposto
118
O inciso IV do artigo 10 da Lei 8.629/93 considera não aproveitável as áreas de efetiva preservação
permanente e demais espaços ambientais especialmente protegidos.
213
no § do artigo 9
o
da Lei 8.629/93, pode ser entendido como uma síntese de todos os
elementos da função social enquanto consagração formal do desenvolvimento rural
sustentável.
A efetiva realização do inciso IV do artigo 186 da Constituição Federal depende do
respeito às disposições normativas referentes à tridimensionalidade do desenvolvimento rural,
como a proteção social do trabalhador e da sua família, e as diretrizes da ordem econômica.
Conforme Elisabete Maniglia (2002, p. 62), as relações de trabalho integram a
função social da propriedade, a qual somente se realiza quando atendidos todos os seus
requisitos:
Quanto aos dispositivos centrais referentes à questão trabalhista, torna-se óbvio que
esta integra a realização da função social. Muito embora sejam muitos os que
reduzem esse dispositivo à questão da produtividade, não importando os demais
itens, a lei é clara, afirmando que se pode falar em cumprimento da função social
da propriedade quando todos os seus itens são cumpridos, simultaneamente. Assim,
não que se falar que, mesmo sendo produtivas, as propriedades podem deixar de
cumprir os demais itens relativos às questões trabalhistas e ao meio ambiente. Muito
embora a Constituição Federal tenha sido infeliz e tendenciosa no item da
desapropriação, dizendo que não se desapropria a propriedade produtiva, já é sabido
que esta proteção só atinge a propriedade que cumpre a função social.
A utilização adequada dos recursos disponíveis e a preservação ambiental previstas
nos inciso II do artigo 186 da Constituição Federal formam o terceiro requisito da função
social - mais conhecido como elemento ambiental. Esse requisito foi regulamentado no inciso
II do artigo 9
o
da Lei 8.629/93 e abrange as normas ambientais incidentes na produção
agrária.
Nos termos do § do artigo da Lei 8.629/93, a utilização adequada se
quando é respeitada a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da
propriedade, isto é, quando ocorre o uso sustentável do solo agrícola
119
.
A preservação do meio está regulada no § 3
o
do artigo 9
o
e exige a manutenção das
características do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, tendo em vista o
equilíbrio ecológico, a saúde e a qualidade de vida das pessoas. Esse parágrafo é mais
abrangente do que o anterior, tanto nos bens atingidos, quanto na forma de proteção, pois
exige ora o manejo sustentável, ora a proteção integral.
O artigo da Lei 8.629/93 encerra os aspectos gerais do elemento ambiental da
função da propriedade. Somente considerando a legislação ambiental infraconstitucional,
observar-se-á o conteúdo específico no tocante a esse requisito (SANTIAGO, 2006, p. 53).
119
O uso adequado dos recursos naturais também é encontrado no artigo 2
o
e no artigo 61 do Estatuto da Terra,
nos quais se anunciam o condicionamento do uso voltado à sustentabilidade e a proteção de espaços
especiais.
214
A definição do conteúdo desse elemento da função começa na própria Constituição,
notadamente no artigo 225, que proclama o meio ambiente como bem de interesse público e a
sua proteção como um direito difuso cuja realização depende de ações do Estado e da
sociedade.
A conservação do meio ambiente, prevista na Lei nº 8.629/93, representa a proteção
individual do proprietário, seja em virtude de o seu cumprimento ser indispensável para a
garantia do direito de propriedade, seja porque a proteção ambiental resulta na manutenção do
potencial econômico do bem (BORGES, R., 1999, p. 116; SANTIAGO, 2006, p. 53).
Devido à relevância da atividade agrícola, apenas excepcionalmente o
impedimento do uso em áreas florestais específicas. Essa forma de restrição faz parte do
conteúdo da função social da propriedade, pois, nos termos do parágrafo único do artigo 1º da
Lei 4.771/65, as ações ou omissões contrárias a essa proteção especial caracterizam o uso
nocivo da propriedade.
Em relação ao conteúdo geral do elemento ambiental, deve-se destacar que é
irrelevante saber se a função ecológica é autônoma em relação à clássica função social. O
importante é destacar que a protão ambiental não corresponde a uma medida
expropriatória, mas a um condicionamento quanto ao uso dos poderes do domínio
(CANOTILHO, 1995, p. 86).
As normas que disciplinam o manejo sustentável e as condutas para a preservação e
recuperação ambiental compõem o elemento ambiental da função social da propriedade rural.
Nesse sentido, podem ser citadas a Lei 6.938/81, a Lei 9.605/98 e a Lei 4.771/65. As
normas administrativas municipais, estaduais e federais de proteção aos recursos naturais
também integram a função social, bem como as resoluções dos órgãos ambientais que exigem
licença para determinado cultivo ou indicam técnicas voltadas à sustentabilidade da atividade.
Essas normas ambientais abrangem uma série de bens naturais necessários para a
produção agrária (microbens). Contudo, em virtude do quadro de degradação do solo
apresentado nas seções anteriores deste trabalho e em razão da importância desse bem para a
sustentabilidade da atividade agrícola, merece destaque a exigência de uma resposta do
Estado, da sociedade e dos produtores rurais, a fim de fiscalizar e promover o seu uso
adequado.
O dever de evitar a degradação do solo e realizar a sua recuperação são obrigações
jurídicas “propter rem”, de maneira que se transferem ao adquirente da propriedade
imobiliária, embora não isentem o causador do dano de responsabilidade. O proprietário deve
215
reparar o dano e aprovar um plano de recuperação junto às autoridades competentes
(SALLES, 2004, p. 18).
A conservação do potencial produtivo do solo precisa ser ponderada em relação aos
demais critérios da função social. Tal compatibilidade foi consagrada no artigo 170 da
Constituição Federal, de maneira que a tutela ambiental não pode ocorrer de forma
fundamentalista, sem avaliar os demais interesses da coletividade humana.
Para encerrar essa subseção, como último ponto em relação ao aspecto normativo da
função social da propriedade, tornam-se necessárias breves considerações quanto à sua
eficácia técnica.
Em princípio, poder-se-ia pensar que a função social representasse uma contenção
do direito de propriedade pelo interesse social, de modo que esse direito fosse formado por
normas de eficácia contidas, as quais se submeteriam às limitações de situações objetivas pelo
Poder Público. No entanto, tal conclusão não procede, pois a função não é uma restrição
externa posterior ao direito, e sim um requisito de sua legitimidade, podendo até exigir o
exercício do domínio.
Em sendo as normas concernentes à função social de natureza programática, isso
evitaria que as atividades do Estado e dos proprietários fossem contrárias aos programas. Tal
situação, sequer obrigaria o legislador a regulamentar a concretização dessa função.
No caso da função social, a única exigência seria a não violação do bem comum.
Ocorre que, para não violar o bem comum no âmbito rural, é necessário cumprir
integralmente os requisitos dessa função. O desenvolvimento sustentável exige ações
positivas imediatas do Estado e dos proprietários, de forma que não é aceitável considerar as
normas referentes à funcionalidade da propriedade somente enquanto programas.
A função social exige determinadas condutas do proprietário e ações do Estado,
inclusive com a previsão de sanções, como a desapropriação para fins de reforma agrária e as
penas por crime de poluição ou multas administrativas em virtude da prática de queimadas.
Todavia, isso não significa o cumprimento e o reconhecimento desse preceito pela
comunidade. Na prática, nem mesmo são constatados os efeitos jurídicos das normas
programáticas.
A função social é um direito fundamental e, como tal, tem eficácia e aplicabilidade
imediatas (MORAN 1998, p. 80). Evidentemente, até por ser um princípio conformador do
216
Direito Agrário ou uma cláusula geral
120
, a função social também é uma norma programática,
a fim de orientar a política agrícola e ambiental e consagrar o desenvolvimento rural
sustentável.
Como cláusula geral, é norma de ordem pública e, por isso, deve ser aplicada “ex
officio”, conforme o objetivo estabelecido. Também permite a mobilidade de um direito
segundo os fatos econômicos e sociais, e a integração de lacunas nos casos concretos.
As normas relacionadas à função social da propriedade rural possuem efetividade
imediata. Elas gozam de eficácia formal e de um conteúdo que lhes permite interferir na
questão agrária
121
, até por existirem alternativas científicas para resolver as suas causas e
efeitos.
3.6. A aplicação prospectiva do Direito nos conflitos agrários
3.6.1 A interpretação constitucional da desapropriação-sanção
A desapropriação aparece como um instrumento de proteção e compatibilização
entre o direito de propriedade e a sua função social. É um ato que deve ser praticado nos
limites legais e como exceção ao direito de domínio (inciso XXIV do artigo 5
o
da
Constituição Federal).
A desapropriação é o procedimento pelo qual o Poder Público, por necessidade
pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente, despeja alguém de um bem
certo, mediante indenização prévia e justa (MELLO, 2002, p. 758).
Importa aqui a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, a
qual é um instrumento importante na efetivação da função social da propriedade e na
promoção da justa distribuição de terras e, por conseguinte, do desenvolvimento sustentável.
As normas constitucionais relativas a essa forma de desapropriação têm sido motivo
de acirrados debates, principalmente sobre a questão da incompatibilidade entre o artigo 184 e
o inciso II do artigo 185. O primeiro determina a desapropriação por interesse social como
sanção ao proprietário que não cumpre a função social. O segundo impede a desapropriação
do imóvel produtivo. O inciso II do artigo 185 seria uma simples exceção ao artigo 184 se a
120
Consiste numa norma-instrumento capaz de permitir a aplicação de princípios não-positivos e conceitos
indeterminados para resolver conflitos concretos. Essas normas impõem valores e diretrizes ao intérprete do
Direito, mas lhe dão a liberdade para decidir a forma de efetivar tais orientações (NERY, 2002, p. 142).
121
Já existe até regulamentação infraconstitucional no intuito de orientar a atuação dos proprietários. O fato de as
leis incidentes na matéria serem genéricas, não significa a inaplicabilidade dos deveres constitucionais, pois
cabe ao Poder Executivo atuar a fim de regulamentar os dispositivos legais.
217
produtividade não fosse um dos requisitos a serem cumpridos simultaneamente - como
preceitua o artigo 186.
Pela interpretão do artigo 184 combinado com o artigo 186, poder-se-ia afirmar
que só o será desapropriado para fins de reforma agria o imóvel cujo proprietário
esteja cumprindo, integralmente, os requisitos da função social. Porém, no artigo 185, que
trata das hiteses insuscetíveis de desapropriação para reforma agrária, foi concedida
imunidade a essa sanção na hipótese de a propriedade ser produtiva, na forma definida em
lei (Lei nº 8.629/93).
A principal divergência está em considerar a existência de antinomia real entre o
artigo 184 e o inciso II do artigo 185, pois não existe critério para solucioná-la na teoria geral
do Direito (normas presentes no mesmo ordenamento e tendo igual âmbito de validade - com
a mesma hierarquia, tempo e próximas quanto à matéria regulada). Existe uma contradição
lógica, pois uma norma protege contra a intervenção estatal e a outra sanciona situações de
imunidade.
A posição predominante não reconhece a antinomia referida. Esses juristas
defendem que a proteção da propriedade produtiva é uma exceção ao artigo 186, na medida
em que, se fossem aplicadas as duas normas, haveria contradição. Em tal perspectiva, a
propriedade é produtiva quando atinge os índices econômicos previstos na legislação
infraconstitucional.
Nesse caso, proteção do domínio independentemente do cumprimento da função.
Se esta não for cumprida integralmente, deverá haver sanções outras, que não a
desapropriação para reforma agrária (PAUSEN, 1997, p. 98; BASTOS, 1993, p. 32).
Essa posição vai de encontro à tridimensionalidade do desenvolvimento sustentável
consagrada na Constituição, pois torna impossível a desapropriação por questões sociais e
ambientais. Ocorre que, em havendo produção, a propriedade é inviolável; do contrário, na
hitese de os índices de produtividade o serem cumpridos, o ivel é desapropriado por ser
inculto e o pelos outros requisitos. Enfim, o inciso questionado reduz a desapropriação-sanção
ao critério da produtividade ecomica, deixando de ser um instrumento para se exigir a função.
Outra corrente defende a inconstitucionalidade do inciso II do artigo 185 por ser a
norma incompatível com os valores fundamentais. Porém, considerando como constitucionais
todas as normas presentes na Constituição, sem distinção entre materiais e formais, afasta-se a
possibilidade de estabelecer uma hierarquia entre as mesmas (CANOTILHO, 1998a, p. 1013).
Como não é possível uma interpretação que impeça a desapropriação da propriedade
produtiva em um artigo e, em outro, possibilite a aplicação dessa sanção se o imóvel
218
produtivo não cumprir os demais requisitos da função s, pode-se dizer que existe uma
antinomia real. Nesse caso, o intérprete pode, no momento da decisão, eliminar as duas
normas, eliminar uma delas ou manter as duas, conforme os fins do texto em exame
(BOBBIO, 1996, p. 80)
122
.
Eliminando as duas normas, indubitavelmente, permanecerá a necessidade de
cumprimento integral e simultâneo da função social (artigo 5º, incisos XXIII e XXIV, e
artigos 7º, 170, 186 e 225, todos da Constituição Federal). Esse efeito ocorrerá também, se
eliminado apenas o artigo 185, II. Sem dúvida, tal conclusão encontra respaldo no sistema
constitucional.
Compatibilizando as duas normas, pode-se reconhecer que o artigo 185, inciso II,
fala em produtividade em sentido amplo, abrangendo todas as dimensões da função social.
Consoante defesa de Renato Dresch (2006, p. 147), somente se consideraria produtivo o
imóvel que, além de cumprir os índices de GUT E GEE, respeitasse o meio ambiental e o
bem-estar dos proprietários e trabalhadores.
Apesar de essa interpretação gerar redundância formal e palavras supérfluas, pois o
referido inciso se tornaria dispensável em razão da existência de disposição idêntica no artigo
186, ela permite resolver a incompatibilidade em favor dos fins constitucionais. Pensam dessa
forma Alvarenga (1997, p. 98), Hironaka (1997, p. 133), Derani (2001, p. 254), Morato Leite
(2002, p. 27) e Roxana Borges (1999, p. 198).
A questão deve ser resolvida considerando a Constituição como um sistema e, nesse
caso, a desapropriação do imóvel para fins de reforma agrária somente não poderá ocorrer se
o proprietário cumprir todos os requisitos da função social. O descumprimento da referida
função consiste em abuso de direito, de modo que inexiste fundamento jurídico para a
proteção da produtividade em sacrifício aos demais elementos da função social.
Discussão mais acirrada tem sido quanto à desapropriação de propriedade produtiva
que descumpre a função sócio-ambiental. Para a jurisprudência, imunidade
objetiva, segundo o artigo 185, II, da CF, enquanto que a doutrina se divide, sendo
muitos os estudos, em interpretação sistêmica, que defendem a possibilidade de
desapropriação da propriedade produtiva em tais casos. Espera-se que os Tribunais
revisem seu posicionamento, pois basta imaginar um exemplo absurdo para
verificar a dificuldade de tal posição: visualize-se propriedade produtiva sem
reserva legal, área de preservação permanente respeitados, em que apenas crianças e
adolescentes trabalhem, ou escravos. Não poderá ser desapropriada? Somente as
improdutivas? Prevalecendo tal entendimento, está-se realmente diante da ‘mais
sólida das ficções, a que se chama propriedade’, como disse o saudoso Rubem
Braga (SANTIAGO, 2006, p. 63).
122
As normas não são ab-rogadas, continuam válidas. Apenas deixam de ser aplicadas no caso concreto.
219
Mesmo com toda essa exposição, deve-se reconhecer que o Supremo Tribunal
Federal (STF) e o governo entendem ser a propriedade economicamente produtiva
insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária. Os órgãos públicos responsáveis
pelos processos desapropriatórios sequer têm condições de analisar os demais requisitos da
função social.
Observou-se que os proprietários desapropriados têm impetrado mandados de
segurança para atacar os decretos desapropriarios. Normalmente, alegam-se cios na
fase administrativa do procedimento ou mesmo a produtividade do imóvel. Nessas ações,
o STF, embora se prenda às questões formais, demonstra a adão de uma interpretão
literal do artigo 185, inciso II, da Constituição Federal, apregoando a proibição da
desaproprião-sanção dos imóveis produtivos, independente da discussão dos demais
requisitos da função social, na medida em que consagra a constitucionalidade e a eficácia
do artigo 6
o
da Lei nº 8.629/93
123
.
Nos tribunais regionais federais, também prevalece a interpretação restrita do termo
“produtividade” e a vedação da desapropriação de imóveis produtivos. Entretanto, foram
encontrados resultados positivos em favor do desenvolvimento sustentável, como o acórdão
da 3
a
Turma do Tribunal da 1
a
Região na Apelação Cível n.º 054083-0/GO, decisão proferida
em 16 de outubro de 2001, o qual confirmou uma sentença desfavorável ao INCRA, apesar de
existir divergência quanto ao GEE. Nesse caso, o resultado da vistoria desse órgão foi
diferente da perícia realizada em primeira instância. A argumentação do prolator do acórdão é
digna de nota, não por dar provimento com base no laudo pericial
124
, mas por admitir a
preponderância da prova capaz de fornecer os elementos para uma decisão segundo as
exigências constitucionais.
A Apelação Cível n.º 9104185862/PR, julgada na Turma do Tribunal Regional
Federal da 4
a
Região, em 24 de março de 1999, apresentou argumentos capitais para entender
a função social no âmbito da sustentabilidade, principalmente por tentar compatibilizar os
diferentes dados da produtividade com a proteção ambiental, mesmo diminuindo a produção
do ponto de vista econômico.
123
O Supremo Tribunal Federal se manifestou nesse sentido nos seguintes Mandados de Segurança: n.º
22.478.9/PR. Tribunal Pleno, Rel. Min. Mauricio Corrêa, DJU 26.09.1997; n.º 23.738-4-DF. Tribunal Pleno,
Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 28.06.2002; n.º 22.278-6/RS. Tribunal Pleno. Rel. Min. Carlos Velloso, DJU
03.04.2002.
124
Questiona-se até que ponto os julgadores estão vinculados aos laudos técnicos, pois é notória a liberdade do
juiz em avaliar uma perícia, desde que motive suas decisões. No caso supracitado, o perito afirmou, como se
a função social fosse objetiva, ser proibida a desapropriação do imóvel rural. Contudo, até hoje, não estão
bem delimitados os critérios ambientais e sociais. Não há critérios absolutos.
220
No mesmo sentido, há uma decisão clássica do STF no Mandado de Segurança n.º
22.164/SP, julgamento de 30 de outubro de 1995, cujo relator foi o Ministro Celso Mello,
proferida em 30 de outubro de 1995. Nesse acórdão, o STF reconheceu a desapropriação
como uma garantia do proprietário e que o dever de cumprir a função social incide sobre
todos os proprietários de imóveis rurais, mesmo em áreas de uso sustentável, conforme o
trecho do voto do relator transcrito a seguir:
A defesa da integridade do meio ambiente, quando venha este a constituir objeto de
atividade predatória, pode justificar a reação estatal veiculadora de medidas como
desapropriação-sanção que atinjam o próprio direito de propriedade, pois o imóvel
rural que não se ajuste, em seu processo de exploração econômica, aos fins
elencados no art. 186 da Constituição, claramente descumpre o princípio da função
social inerente à propriedade, legitimando, desse modo, nos termos do art. 184 c/c o
art. 186, II, da Carta Política, a edição de decreto presidencial consubstanciador de
declaração expropriatória para fins de reforma agrária.
A decisão reconheceu o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como
direito humano fundamental. Porém, a grande importância do acórdão está no reconhecimento
da desapropriação-sanção com base no elemento ambiental da função social, uma vez que é
notável o predomínio da posição que restringe esse instrumento à produtividade econômica.
Os fundamentos do Acórdão supra citado foram confirmados em outra decisão do
Supremo, proferida na ADI-MC n.º 2.213/DF, em 04 de abril de 2002, cujo relator também
foi o Ministro Celso Mello:
Ementa: [...] O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que,
sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social
que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera
dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os
procedimentos fixados na própria Constituição da República. - O acesso à terra, a
solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural,
a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio
ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade. A
desapropriação, nesse contexto - enquanto sanção constitucional imponível ao
descumprimento da função social da propriedade reflete importante instrumento
destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo Estado na ordem
econômica e social. - Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico-social de
cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições
constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não
cultivados e/ou improdutivos, pois se tem por atendida a função social que
condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio
cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de
manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos
recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas
relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a
propriedade [...].
Contudo, é preciso criar mecanismos para a aferição imediata de todos os critérios
da função social. É de grande importância, além do reconhecimento pelo Poder Judiciário,
221
algumas providências no âmbito da Administração Pública, com o propósito de transformar os
paradigmas que impedem a disseminação desenvolvimento sustentável.
Fundamentalmente, considerando a função social da propriedade como um
instrumento de aplicabilidade imediata em sua integralidade, torna-se necessário que os
órgãos administrativos elaborem normas técnicas capazes de permitir a aferição dos requisitos
previstos no artigo 186 da Constituição Federal. As vistorias promovidas pelo INCRA devem
incorporar critérios de análise dos aspectos ambientais e trabalhistas, os quais poderão servir
como provas preconstituídas para fins de demonstração da legitimidade da propriedade junto
ao Poder Executivo e Judiciário.
Caso o INCRA não tenha estrutura para a aferição de todos os aspectos da função
social, também é recomendável a articulação normativa no sentido de permitir a atuação
conjunta com outros órgãos públicos de proteção do meio ambiente e das relações de trabalho.
3.6.2 As queimadas e a expansão da fronteira agrícola da cana-de-açúcar
A cana-de-açúcar, especialmente a queima da cana para colheita, é um desses casos
paradigmáticos para analisar um sistema jurídico. Nas queimadas, existe a discussão dos
impactos ambientais e econômicos da atividade agrícola, da geração de emprego em face da
automação e das questões que atingem a saúde e os demais direitos sociais do trabalhador
rural.
As queimadas têm sido combatidas por causar grave dano ecológico. Estudo
realizado por renomados cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,
Campus de Ribeirão Preto, concluiu que essa prática agrícola provoca efeitos nocivos para a
saúde dos moradores da região canavieira, maiormente no sistema respiratório (MARREY,
1995, p. 89).
A queima da palha da cana pode provocar poluição atmosférica, degradação do solo
e destruição de matéria orgânica. A alternativa posta para substituir as queimadas e manter a
produtividade da atividade agrícola é a mecanização do corte ou contratação de trabalhadores.
O problema da mecanização é que cada máquina desemprega 80 trabalhadores, o
que pode atingir mais de 300 mil empregos diretos, ou seja, as queimadas ainda garantem o
aspecto social da função social do ponto de vista imediato (GRAZIANO NETO, 2000, p. 69).
Conforme pesquisa de Adriano Marrey (1995, p. 88), os laudos técnicos dos órgãos
ambientais do Estado de São Paulo concluíram pela importância econômica da queimada para
222
a indústria sucro-alcooleira. Existe o custo decorrente do aumento do número de trabalhadores
e a impossibilidade de substituir tal técnica por máquinas, pelo menos em curto prazo.
De outro lado, não é possível justificar tamanha degradação ambiental para sustentar
a produtividade de uma minoria de produtores agrícolas. O interesse público estará sendo
violado para garantir benefícios econômicos insustentáveis em médio prazo e para uma
minoria.
Em relação à legislação federal, as queimadas da cana violam o artigo 3º, inciso III,
alínea “a” e o artigo 14, § 1º, ambos da Lei nº 6.938/81, e o artigo 27 da Lei nº 4.771/65. Essa
técnica agrícola é proibida por Lei, de forma que não cabe questionar se nexo de
causalidade entre as queimadas e os danos ambientais. Todavia, o parágrafo único do artigo
27 da Lei. 4.771/65, cuja recepção pela Constituição vigente é questionável, possibilita,
excepcionalmente, o emprego de fogo em práticas florestais ou agropastoris, desde que
devidamente autorizado pelo Poder Público para uma área específica e com o respeito às
medidas de precaução.
No Estado de São Paulo, reconhecendo o argumento dos produtores quanto à
inviabilidade econômica de substituir imediatamente a queima por mais trabalhadores ou
máquinas, foi definido que a eliminação das queimadas será gradual e as que forem realizadas
deverão ter autorização da Secretaria do Meio Ambiente
125
. Essa questão foi disciplinada na
Lei do Estado de São Paulo 10.547, de 02 de maio de 2000; alterada pela Lei 11.241, de
16 de setembro de 2002; e regulamentada pelo Decreto 47.700, de 11 de março de 2003.
O mérito das queimadas não foi discutido no STJ e STF, pois isso exigiria a
discussão fática e análise de provas que não são realizadas no âmbito dos recursos
extraordinários
126
.
Com isso, prevalecerá sempre a posição do Tribunal de Justiça que, pelo menos no
Estado de São Paulo, tende a pacificar a matéria no sentido de condenar os produtores rurais
que empregarem fogo na colheita da cana-de-açúcar sem a devida licença ambiental. Tal
postura está fundamentada no princípio da precaução, principalmente pela poluição do ar
(fumaça e fuligem), que o dano ao solo agrícola não tem sido valorado com a mesma
intensidade.
125
Em princípio, a eliminação total das queimadas ocorreria em 2031 (em áreas não-mecanizáveis); porém,
devido à pressão acadêmica e do Ministério Público e às decisões judiciais, esse prazo foi antecipado para
2014.
126
Como decidido pelo STJ no Recurso Especial n.º 4246263-SP. 1
a
T. - Rel. Min. José Delgado, DJU
11.04.2000.
223
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem discutido constantemente a
questão das queimadas, sobretudo pela dimensão econômica que envolve a indústria sucro-
alcooleira e a técnica agrícola predominante na colheita da cana-de-açúcar.
Em linhas gerais, os usineiros sustentam a indispensabilidade da queimada para o
desenvolvimento da atividade, pois, sem essa prática, haveria diminuição da produtividade do
trabalho. Sobre a possibilidade da contratação de novos funcionários, destacam que essa
solução aumentaria excessivamente os custos da produção, tornando a atividade agrícola
inviável. Quanto à possibilidade de automação da produção, os produtores argumentaram ser
inviável pelo alto custo imediato da substituição e por faltarem máquinas no mercado para
mecanizar todas as colheitas, além de que a mecanização resultará inevitavelmente em
redução dos postos de trabalho. Por fim, negam o dano ambiental, inclusive porque a
atividade canavieira tem produção líquida de oxigênio, eis que provoca uma sucessão
ecológica primária.
O Tribunal de Justiça Paulista reconhece a competência do Ministério Público para
promover ações coletivas contra a degradação ambiental e a mecanização como uma
alternativa viável para substituir essa técnica primitiva de colheita. Esse Tribunal também tem
confirmado a responsabilidade objetiva do proprietário do imóvel onde ocorreu a queimada e
a possibilidade de aplicação de multa cominatória diária prevista na Lei 7.347/85.
Predomina nos julgados do Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que as
queimadas são lícitas quando existir autorização do órgão ambiental competente. Essa posição
foi reiteradamente afirmada por esse Tribunal, como na decisão da Câmara Especial do
Meio Ambiente, proferida em 22 de março de 2007, no julgamento do Agravo de Instrumento
nº 596.574.5/0-00 (grifo nosso):
EMENTA: Ação civil pública ambiental. Imóvel rural com áreas de preservação
permanente e plantio de cana-de-açúcar. Liminar que proíbe a queima de cana-de-
açúcar nas áreas que indica, a exploração de APP e a de área de reserva legal, a ser
instituída de imediato. Possibilidade de queima controlada com a distância de
segurança prevista em lei. Instituição da reserva legal a ser feita com projeto
aprovado pelo órgão ambiental em prazo razoável. Agravo de instrumento provido
em parte.
Essa decisão negou provimento à apelação com base nos danos ambientais, inclusive
reconhecendo a ocorrência da poluição do solo, com fundamento no artigo 225 da
Constituição Federal, no artigo 191 da Constituição do Estado de São Paulo, no artigo 27 da
Lei 4.771/65 e nos artigos 3
o
e 14, inciso I, da Lei de Política Ambiental.
224
Nesse sentido, tem-se a seguinte decisão da mara Especial do Meio Ambiente,
proferida em 27 de julho de 2007, no julgamento da Apelação Cível n° 567.962-5/3-00:
Ementa: Ação civil pública - Condenação do réu a se abster de emprego de fogo para
preparo do plantio e colheita da cana de açúcar - Obrigação de se abster afastada,
porque proibida por lei a queima, mas com as exceções em que a pretensão da parte
pode vir a se enquadrar (pedido de permissão à autoridade administrativa, nas
condições em que é possível o deferimento) - Apelação do empreendedor acolhida,
passando o julgamento a ser o de improcedência da ação.
A mesma Câmara, em decisão proferida no dia 27 de setembro de 2007, no
julgamento da Apelação Cível com Revisão 351.248-5/5-00, entendeu que a licença pode
ser presumida quanto o pedido não foi apreciado pelo DEPRN, desde que atenda aos
parâmetros legais.
Mesmo com o licenciamento da prática da queimada, o órgão ambiental pode
responsabilizar o produtor pelo dano ambiental, pois a responsabilidade civil nessa seara é objetiva e
a ningm é cito adquirir o direito de poluir
127
. O Tribunal de Justa do Estado de o Paulo
expressou essa posão em decio da mara Especial do Meio Ambiente, proferida em 1º de
junho de 2006, no julgamento da Apelação vel com Revio 299.652.5/0-00:
Ementa: Mandado de segurança. Alegado direito adquirido à queima da palha da
cana. Falta de cumprimento dos requisitos legais. Ausência de medidas
compensatórias e de demarcação da reserva florestal. Direito líquido e certo
inexistente. Ordem denegada. Apelo da impetrante desprovido. Queima da cana. A
queima de palha de cana é prática poluidora que a lei pretende coibir e que
permite por exceção e de acordo com a observância de requisitos a serem atendidos
pelo interessado. Ausente o atendimento a essas exigências, não existe o direito à
queima ilegal. Ordem denegada. Apelo da impetrante desprovido. Mandado de
segurança preventivo. Pretensão a coibir emissão de autos de infração pela Cetesb
se houver queima de palha de cana, a licença não inibe a Cetesb de exercer o seu
dever de polícia ambiental. Ausência de direito certo e líquido. Ordem denegada.
Apelo da impetrante desprovida (grifos nossos).
A Primeira Câmara de Direito Público desse mesmo Tribunal de Justiça, em 14 de
agosto de 2007, no julgamento da Apelação Cível com Revisão 312.602-5/6-00, acolheu a
competência da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) para
fiscalizar e sancionar os responsáveis pelo emprego de fogo na atividade canavieira:
Ementa: Embargos à execução - imposição de multa pela CETESB - Possibilidade -
Hipótese de queimada para despalha de cana-de-açúcar - Existência de lei estadual
que regulamenta a prática e essa não padece de qualquer invalidade, que a
competência é concorrente, ou seja, Estado e União - Inocorrência de inobservância
dos princípios constitucionais Necessidade de adequação a legislação - Recurso
improvido.
127
A proteção ambiental é irrenunciável e imprescritível, “[...] a ninguém é lícito ‘adquiriro direito de poluir
sob o fundamento de que o faz ininterruptamente anos sem que o Estado o importune” (BENJAMIN,
1993, p. 81).
225
Não obstante a predominância do entendimento da legalidade das queimadas
autorizadas pelo Poder Público, é preciso informar que a Câmara Especial do Meio Ambiente
do Tribunal de Justiça Paulista já se posicionou de forma contrária, por exemplo, na Apelação
Cível com Revisão n° 363.571-5/1-00, julgada em 22 de março de 2007.
Essa decisão considerou que a queima da palha provoca impacto ambiental e,
portanto, as normas estaduais que permitem tal prática violam o conteúdo tridimensional da
função social consagrado na Constituição Federal. Para Renato Nalini, relator do Acórdão, a
eliminação gradual das queimadas é uma medida que não encontra respaldo no princípio da
precaução.
Paulo Leme Machado (2003, p. 525) também adota esse posicionamento. Segundo o
autor, independente de Decreto proibindo as queimadas, a prática é ilegal e as autorizações
concedidas são nulas, com base no artigo 3º, inciso III, da Lei nº 6.938/81.
Em recente Acórdão da Câmara Especial do Meio Ambiente, proferido em 20 de
dezembro de 2007, no julgamento dos Embargos Infringentes 567.928 5/0-01, foi mantido
o entendimento predominante, ou seja, concluiu-se pela a legalidade do emprego de fogo no
preparo do plantio e colheita da cana autorizado por órgão competente enquanto vigente o
cronograma legal para a substituição dessa prática pela mecanização, embora reconhecida a
danosidade ambiental. Todavia, a divergência esteve novamente presente e a decisão se deu
por maioria de votos.
Esse embate entre os desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
em relação às queimadas da palha da cana-de-açúcar também é verificado no julgamento das
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) impetradas contra leis municipais que
proíbem o emprego de fogo nas áreas rurais para o preparo do solo e a colheita da produção.
O Órgão Especial do Tribunal, em 24 de janeiro de 2007, no julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade de Lei 124.976-0/8-00, por maioria de votos, decidiu pela
procedência da ação e suspendeu a proibição das queimadas no Município de Ribeirão Preto:
Impossibilidade jurídica do pedido. Inocorrência. Violação à disposição
constitucional. Preliminar rejeitada. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigo
201 da Lei Municipal n° 1.616 de 19 de janeiro de 2004 que, instituindo o Código do
Meio Ambiente e os instrumentos de política ambiental, proibiu as queimadas nas
áreas rurais do Município, inclusive as queimadas associadas a práticas agrícolas e
ao preparo para a colheita da cana-de-açúcar. Afronta aos artigos 23 e parágrafo
único n° 14, 192 e § 1 ° e 193, incisos XX e XXI da Constituição do Estado de São
Paulo. Ação Procedente.
A divergência na matéria foi tão evidente, que a decisão decorreu do voto de
minerva do Presidente do Tribunal, o qual entendeu que o Município não pode contrariar
226
norma estadual, mas apenas complementá-la. Assim, como o Estado de São Paulo permite as
queimadas quando acompanhada de licenciamento ambiental, o Município não poderia proibir
tal prática.
Recentemente, também por maioria de votos, prevaleceu a tese oposta nesse mesmo
Órgão Especial, como se nota na ADIN nº 126.780-0/8-00, julgada em 24 de outubro de 2007,
e na ADIN 14 6.999-0/3-00, julgada em 14 de novembro de 2007, respectivamente em
relação às Leis do Município de Paulínia e de Botucatu. Ambas decidiram pela improcedência
da ação.
Essas decisões entenderam que a Constituição Federal consagra a competência
suplementar do Município para legislar sobre os aspectos locais do meio ambiente. Dessa
forma, em sendo constatado que os limites impostos na legislação estadual não atendem às
necessidades do Município, o mesmo poderá estabelecer proibições não previstas. Como, por
exemplo, a eliminação imediata do emprego do fogo nas atividades agrícolas na sua
circunscrição.
Essa posição permitirá que municípios vizinhos tenham procedimentos diferentes
em relação às técnicas de cultivo. De outro lado, com fundamento no princípio da precaução,
possibilitará maior participação da municipalidade na defesa do meio ambiente, inclusive com
o fomento de procedimentos sustentáveis e proibições de outras técnicas de cultivo
inadequadas.
A atuação do Judiciário induziu os outros Poderes do Estado a contribuírem para a
realização dos valores constitucionais, tanto que o Estado de São Paulo reduziu o prazo para a
extinção das queimadas. Também tem sido notável a participação do Ministério Público na
defesa do desenvolvimento sustentável, por meio de ações civis públicas que, sem dúvida,
foram responsáveis pela disseminação da proteção ambiental no âmbito da atividade agrícola.
Ainda sobre esse tema, é relevante salientar que a Secretária do Meio Ambiente do
Estado de São Paulo, por meio da CETESB, tem proibido queimadas da palha da cana-de-
açúcar em regiões específicas em momentos de baixa umidade do ar. Tal conduta encontra
fundamento na Lei Estadual 11.241/02, a qual permite a suspensão dessa prática agrícola
quando houver riscos para a vida, danos ambientais ou condições meteorológicas
desfavoráveis.
Outro aspecto importante do estudo do Direito no tocante à atividade agrícola é a
compreensão de que as necessidades hodiernas não podem legitimar sistemas insustentáveis.
Essa afirmação norteia uma crítica prospectiva sobre a defesa retórica dos biocombustíveis.
227
O Brasil precisa evitar que o crescimento da produção de biocombustíveis e a
abertura do comércio internacional em relação a esse produto não legitimem o sistema
monocultural de exportação e a expansão irracional da fronteira agrícola para essa forma de
produção.
A produção do biodiesel é a “menina dos olhos” do comércio internacional.
Todavia, é preciso evitar que o aumento do cultivo das matérias-primas utilizadas para a
produção dessa forma de energia não resulte em redução da produção de alimentos e aumento
do preço da cesta básica. Além disso, é aconselhável uma avaliação minuciosa dos danos
ambientais decorrentes da expansão agrícola, a qual certamente será incentivada e financiada
pelo Estado.
[...] o problema dessa idéia é que, embora a biomassa seja um recurso renovável, o
solo sobre o qual ela cresce não é. É certo que podemos contar com uma produção
significativa de álcool a partir de certas plantas, mas um programa de grande escala de
produção de álcool combustível pode exaurir o solo na mesma velocidade em que
estão sendo exauridos, atualmente, outros recursos naturais (FRITJOF, 2002, p. 257).
Roberto Rodrigues, em entrevista ao programa “Canal Livre”, da Rede Bandeirantes
de Televisão, em 11 de março de 2007, defendeu que não haverá redução da área para o
plantio de alimentos; segundo ele, pelo contrário, no local de plantio da cana, mediante
rotação anual de cultura em cerca de 20%, haverá plantio de leguminosas destináveis à
alimentação, inclusive com agregação de valor.
O autor esclareceu que o Brasil, ainda que expanda a fronteira agrícola ocupada
pelos canaviais, poderá dobrar a área de produção de alimentos, até porque, se continuar
pesquisando, o país aumentará a produtividade na mesma área agrícola explorada atualmente.
A celulose, a mamona, o dendê e outras palmeiras poderão substituir a cana, que
hoje é a melhor matéria-prima para o etanol. A grande vantagem dessas novas matérias-
primas é a possibilidade de produção de combustível combinada com agrofloresta ou via
agricultura familiar, de modo a gerar empregos, proteção ambiental e distribuição de renda.
3.6.3 A comprovação da função social da propriedade nas ações possessórias
Nesta subseção, pretende-se apresentar alguns julgados relacionados à tutela jurídica
da posse, uma vez que eles permitem discutir a legitimação dos poderes inerentes ao domínio
com base na função social da propriedade. Essa temática chegou ao Judiciário em virtude
da atuação dos novos movimentos sociais - sobretudo o Movimento dos Sem-terra (MST),
228
pois a reintegração de posse é o instrumento processual utilizado pelos proprietários rurais a
fim de retirar os ocupantes do seu imóvel.
Embora os julgados relacionados com a tutela da posse abordem temas como a
legitimidade das ocupações realizadas pelos movimentos sociais rurais, a discussão neste
trabalho se restringirá à discussão da exigência de cumprimento dos requisitos da função
social da propriedade para a proteção jurídica do bem “esbulhado”.
A Câmara do extinto Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, no Agravo de
Instrumento n.º 79998901175/55, impetrado por integrantes do MST contra uma decisão
liminar que concedeu a reintegração de posse, decidiu, em 22 de junho de 1998, que o
descumprimento da função social, além de não legitimar a ocupação dos imóveis rurais, não
precisa ser verificado na ocasião da apreciação de uma possessória. Conforme o Acórdão, não
há exigência de prova da função social para se legitimar a posse do “esbulhado”: basta o autor
comprovar o seu direito legal à posse. Por essa perspectiva, a reintegração de posse não seria
um instrumento processual voltado à proteção do desenvolvimento rural sustentável.
No mesmo sentido, a 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São
Paulo, na Apelação n° 0969219-1, decisão proferida em 27 de junho 2007, entendeu que não é
necessário demonstrar a produtividade do imóvel para solicitar a proteção jurídica do
domínio.
Seguindo essa posição, Rezek (2006, p. 76) defende que, ainda que a posse agrária,
além dos requisitos da posse civil, exigisse a efetivação de uma função social, como é o caso
do ordenamento brasileiro, somente o Estado poderia reconhecer o seu descumprimento. O
titular que não desempenha a mencionada função terá a proteção jurídica do imóvel até que o
Estado exerça o seu poder de sancionar o mau uso da propriedade, mediante o devido
processo legal.
A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da Região, em 23 de novembro de
2005, no julgamento da Apelação n° 2004.38.00.017181-7/MG, com os mesmos fundamentos
da decisão supra citada, decidiu que a aferição da produtividade não tem relevância para o
deferimento da reintegração de posse, pois a ocupação do imóvel não tinha autorização legal
ou judicial.
Nesse sentido, também merece nota a decisão da Sexta Câmara Civil do extinto
Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, em 25 de março de 2004, no julgamento do
Agravo de Instrumento n° 411.529-5, conforme os fragmentos do Acórdão transcritos abaixo:
229
Ementa: [...] - Em sede de ão possessória, é despicienda a prova da propriedade do
bem, haja vista que não se discute a propriedade, pouco importando para fins de
legitimidade de parte eventual decisão judicial que posteriormente cancela o registro
de transferência da propriedade para o autor [...] - Dúvida não se tem acerca da
possibilidade jurídica do pedido de reintegração de posse, sendo a questão atinente ao
efetivo cumprimento da função social pela propriedade invadida matéria de mérito [...]
- Apurada a ocorrência de esbulho da posse do autor, impõe-se sua reintegração no
terreno invadido, ainda que não se desconheça o postulado da função social da
propriedade, princípio este que deve ser efetivado pela Administração e não pelo
Judiciário, pena de se sacrificar a ordem jurídica [...] - Também irrelevante a iminência
de desapropriação do bem, uma vez que tal constitui mera expectativa de direito.
No entanto, o acórdão teve declaração de voto vencido, o qual negou o direito à
proteção possessória quando não ficar comprovado o cumprimento da função social da
propriedade, consoante se verifica no trecho do voto citado a seguir:
Nas demandas possessórias referentes aos conflitos agrários é necessário considerar
o exame da produtividade e efetiva utilização do solo, ponderando os direitos
inerentes à propriedade com as garantias constitucionais à vida, ao trabalho, à
moradia, ao bem estar social, à cidadania, à dignidade da pessoa humana, aos
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e, até mesmo o direito a um mínimo
de propriedade privada, se sobrelevando, ainda, os objetivos consolidados como
fundamentais da República, concernentes à erradicação da pobreza e redução das
desigualdades sociais [...] Incumbe ao julgador, como intérprete da norma, adequar,
em cada caso concreto, as disposições da lei infraconstitucional, material e
processual, às exigências constitucionais. A interpretação sistemática constitucional
da lei, em respeito ao dever social da propriedade determinado pelo art. 5º, inc. XIII
e 186, da Constituição Federal, impõe ponderar o cumprimento desse dever na
tutela jurídica do direito de propriedade e seus desdobramentos, dando efetividade à
ordem constitucional.
A Quinta Câmara Civil desse Tribunal, em julgamento proferido em 25 de
novembro de 2004, no Agravo de Instrumento n° 468.384-9, adotou fundamentos semelhantes
ao mencionado voto vencido:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO EFEITO ATIVO -
REINTEGRAÇÃO LIMINAR DA POSSE DENEGADA EM GRAU - GRANDE
PROPRIEDADE INVADIDA PELO MST - NÃO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO
SOCIAL DA PROPRIEDADE - IMÓVEL IMPRODUTIVO -
DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS ELENCADOS NO ART. 186 DA
CF/88 - NÃO SATISFAÇÃO DOS ELEMENTOS ECONÔMICO, AMBIENTAL E
SOCIAL NECESSÁRIOS AO ATENDIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL -
REQUISITO PARA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA - IMPROVIMENTO. - Não
havendo o agravante comprovado tratar-se seu imóvel de propriedade produtiva,
tem-se que dito imóvel não cumpre sua função social na forma prevista no art. 186
da CF/88; - Com a interpretação sistemática do texto constitucional, a função social
da propriedade passa a ser requisito para a proteção possessória, de forma que,
apenas se o imóvel atender aos requisitos previstos no art. 186 da CF/88, é que deve
ter ele plena proteção na forma dos arts. 1.210 do NCC e 927 do CPC.
Essa argumentação, reiterada pelo extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais,
vai de encontro à posição predominante, inclusive no STF, já que consagra duas teorias
jurídicas polêmicas: a) o direito de propriedade existe se cumprida a função social em sua
integralidade; b) existe uma função social da posse.
230
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também tem questionado a legitimação
do direito de propriedade e da tutela da posse que se confrontar com as normas
constitucionais. Em decisão clássica, a 19ª Câmara Civil desse Tribunal, em julgamento
proferido em 06 de outubro de 1998, indeferindo o agravo de instrumento n.º 598369402,
declarou a inexistência da tutela possessória em imóveis rurais onde for constatado o
descumprimento de algum dos requisitos do artigo 186 da Constituição Federal, ainda que a
terra seja produtiva.
O desembargador plantonista Rui Portanova suspendeu uma liminar de reintegração
de posse, porque os possuidores não provaram o cumprimento da função social da
propriedade, e nem a juíza procurou investigá-la. Ademais, os débitos fiscais dos proprietários
agravados com a União demonstravam o descumprimento dos dispositivos constitucionais.
No julgamento do mérito, por maioria de votos, o Tribunal negou a reintegração de
posse. O fundamento principal da decisão continuou sendo o descumprimento da função, pois
a comprovada produtividade não foi suficiente para garantir a proteção possessória.
Segundo o voto vencedor, a propriedade era produtiva, mas o reconhecimento de
débitos fiscais caracterizava o descumprimento da função social. Logo, a posse não era
legítima, faltando o fundamento jurídico exigido no artigo 282, inciso III, do Código de
Processo Civil.
Em decisão posterior, proferida em 06 de novembro de 2001, essa mesma Câmara
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não deu provimento ao Agravo de Instrumento
n.º 70003434388 contra liminar da Comarca de Passo Fundo/RS. O referido agravo atacava a
decisão de primeiro grau, que indeferiu o pedido liminar de reintegração de posse.
O juiz da primeira instância alegou ausência de prova quanto ao cumprimento da
produtividade
128
. Em segunda instância, o desembargador plantonista e, posteriormente, a
Câmara julgadora, por maioria de votos, não deram provimento ao agravo. Entenderam que a
prova do cumprimento da função social era requisito essencial para a proteção possessória.
De maneira contrária, para o prolator do voto vencido, entre as “[...] condições para
o ingresso da ação de reintegração de posse, nunca foi e nem encontra respaldo legal na
legislação processual (art. 926 e seguintes do Código de Processo Civil), a necessidade de o
128
Para o julgador, os proprietários deveriam ter juntado a chamada declaração de propriedade prevista no artigo
49 do Estatuto da Terra, no qual constam os dados indispensáveis para analisar a produtividade e o
cumprimento da função. Interessante observar nessa argumentação, diferente da anterior, a manutenção da
distinção entre a produtividade e a função social. Neste caso, em sendo o imóvel produtivo economicamente,
poder-se-ia aplicar o inciso II do artigo 185 da Constituição Federal, de forma a tutelar os poderes atinentes
ao domínio.
231
proprietário esbulhado ter que juntar comprovante oficial de que sua terra é tida como
produtiva”.
Esse desembargador seguiu a posição majoritária no Direito, afirmando a existência
de outros meios legais para cobrar o cumprimento da função social. Destacou que não era
oportuno invocar a função, na tentativa de justificar as invasões, pois isso causaria
insegurança jurídica.
O voto vencedor defendeu a construção de uma nova interpretação das normas,
tendo em vista os fins sociais do Direito. Entendeu que a tutela da propriedade dependia do
cumprimento do aspecto funcional da situação jurídica subjetiva.
Essa postura do julgador permite ao Judiciário construir uma nova hermenêutica da
tutela dos poderes inerentes ao domínio. Ademais, é plenamente possível que os órgãos
oficiais ambientais, agrícolas e trabalhistas mantenham cadastros atualizados e emitam
certidões que atestem o cumprimento da cada requisito da função. O juiz também pode
contribuir, oficiando os órgãos competentes
129
para, antes de deferir a reintegração, obter
dados sobre o exercício do direito de propriedade, ou mesmo recomendar providências no
âmbito administrativo.
As decisões supracitadas mostram uma tendência à valorização da função social.
Nos litígios coletivos pela posse de terras cumpre ao impetrante provar a sua posse, o esbulho
ou turbação e, além disso, ele deve demonstrar que o imóvel rural é produtivo, respeita as
normas ambientais e trabalhistas, bem como favorece o desenvolvimento sustentável da
comunidade.
Infelizmente, o Poder Judiciário tem se restringido a discutir a improdutividade dos
imóveis rurais, quando há problemas em todas as dimensões do desenvolvimento qualificado.
Como observou Benjamin (2005, p. 530), a idéia de função social da propriedade consagrada
no ordenamento jurídico ainda não faz parte da fundamentação dos julgados, sobretudo
ambientais. Os juristas ainda têm dificuldade de trabalhar com conceitos jurídicos
indeterminados.
Contudo, o Poder Judiciário não pode ser responsabilizado sozinho pela
inefetividade da proteção constitucional à atividade agrícola sustentável. Muitas vezes, os
conflitos sequer chegam ao Judiciário devido à falta de fiscalização e do reconhecimento do
dano decorrente da exploração inadequada do imóvel rural (ALVARENGA, 1997, p. 113).
129
Entre eles, poder-se-ia mencionar o INCRA, para avaliar a produtividade, as Delegacias Regionais do
Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, a fim de investigar o cumprimento da legislação trabalhista, e
um órgão do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), com o propósito de examinar as questões
ambientais.
232
A reversão dessa situação, além da postura comprometida e prospectiva dos
julgadores, exige um processo agrário capaz de atender às peculiaridades do meio rural,
caracterizado pela dependência de um ciclo agrobiológico e a hipossufiência da maioria dos
produtores rurais, de forma que é forçoso o oferecimento de soluções rápidas e econômicas.
Também é o momento de uma discussão nacional com vista à elaboração de uma lei
sobre desenvolvimento rural sustável que discipline sistematicamente todas as dimensões
essenciais da vida no campo, de maneira a integrar as políticas agrícola e ambiental e dar
conteúdo aos princípios de Direito Agrário com esteio nos novos interesses difusos.
3.6.4 A atuação do Estado de São Paulo na defesa do solo agrícola
A atuação da Administração Pública deve partir dos programas e objetivos
anunciados pela Carta Magna e regulamentados nas leis infraconstitucionais. Por isso, não
resta dúvida de que ela está vinculada à promoção do desenvolvimento rural sustentável.
O Poder Público possui poderes-deveres a fim de cumprir seus objetivos, por
exemplo, estabelecer planos de fiscalização, realizar zoneamentos, determinar estudos de
impacto ambiental e licenciamento das atividades, definir condições para a obtenção de
recursos públicos, orientar o financiamento da pesquisa científica e exigir determinados
resultados do produtor. A Administração também é competente para realizar a fiscalização de
determinadas atividades econômicas e aplicar sanções punitivas quando constatar a ocorrência
de infrações.
É imprescindível que a Administração conheça o sistema local e defina um
zoneamento das diferentes microrregiões rurais antes de exigir uma conduta do particular.
Esse procedimento permitirá o estabelecimento de obrigações capazes de efetivar a atividade
agrícola sustentável, bem como que o Estado crie condições para o cumprimento dos deveres
impostos aos produtores. Somente se a Administração oferecer a estrutura necessária para o
respeito à função social será legítimo responsabilizar o agente que descumprir as imposições
jurídicas.
Em relação à defesa direta do solo agrícola no âmbito da Administração Pública,
merece nota a Lei do Estado de São Paulo 6.171/88. Essa norma tem sido considerada
extremamente moderna, na medida em que a oportunidade de o agricultor afastar a
aplicação de multa na hipótese de aceitar o compromisso de recuperação do solo degradado.
A aplicação dessa Lei é de competência da Secretaria de Agricultura e
Abastecimento (SAA), através da Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA), nos termos
233
dispostos nos Decretos Estaduais n
os
41.719, de 16 de abril de 1997, e 44.884, de 11 de maio
2000.
O Artigo da Lei consagra o solo agrícola como patrimônio da humanidade e
estabelece o dever de os responsáveis pelo uso conservá-lo
130
. Esse tipo de solo é definido no
§ 1º do mencionado artigo como a superfície utilizada para a exploração agro-silvo-pastoril.
A norma, em seu artigo 2º, exige que a utilização e o manejo do solo agrícola sejam
executados mediante planejamento embasado na capacidade de uso da área - de acordo com
as técnicas agronômicas conservacionistas. O parágrafo único desse artigo atribui à SAA, por
meio das Casas da Agricultura de cada Município, a incumbência de determinar a capacidade
de uso do solo agrícola e definir a tecnologia mais adequada para manter o seu potencial
produtivo.
A própria Lei Estadual estabelece um conceito de uso adequado do solo agrícola no §
do seu artigo 3º, considerando tal uso como aquele que adota o conjunto de procedimentos
voltado à conservação, melhoramento e recuperação do solo, atendendo à função social da
propriedade com base no interesse blico e nas especificidades de cada região.
O “caput” e os parágrafos do artigo 4
o
do Decreto Estadual nº 41.719/97, que
regulamentam os incisos do artigo 5º da citada Lei, definiram a forma como os órgãos oficiais
recomendarão as técnicas de conservação do solo e a maneira como a atividade agrícola
poderá ser planejada. Consoante esse Decreto, a SAA determinará as classes de capacidade
associadas ao uso dos solos das microrregiões do Estado e definirá a tecnologia para a
conservação do bem.
No intuito de incentivar o produtor a procurar os órgãos oficiais, a Administração
poderá aplicar alguns mecanismos previstos na própria Lei, como a preferência para pleitear a
infra-estrutura pública e a concessão de créditos ou outras formas de subvenção.
O trabalho de definição da melhor tecnologia, da capacidade de uso do solo agrícola
e da viabilidade dos projetos apresentados pelo produtor será feito pela Coordenadoria de
Assistência Técnica Integral (CATI), com base no conhecimento científico disponível e nas
suas experiências de campo. Acertadamente, a Lei 6.171/88 propõe uma integração entre a
pesquisa e a assistência técnica, inclusive orientando o Estado a financiar projetos técnicos.
130
Com fundamento na Lei 6.171/88, acredita-se que a responsabilidade deixa de ser somente do proprietário
e passa a abranger quem efetivamente utiliza o solo agrícola. Poder-se-ia assegurar que é a primeira
afirmação expressa da existência de uma função social da posse. Esse entendimento também foi consagrado
no artigo 14, § , dessa Lei, o qual determina que o responsável pelo dano é o responsável pelo
empreendimento, de forma que pode ser o posseiro, o proprietário, o arrendatário ou mesmo o gerente de
uma empresa agrária.
234
Os planos de recuperação e conservação do solo poderão ser realizados às expensas
do Estado, pelos cnicos da SAA ou da iniciativa privada, desde que habilitados e fornecidos
gratuitamente aos pequenos e médios produtores rurais (artigo 5º, § 2º, da Lei n 6.171/88).
Toda pessoa que utilizar o solo agrícola, inclusive nos projetos de colonização e
reforma agrária, fica obrigado a manter índices de produtividade e adotar medidas de combate
à erosão, desertificação, queimadas, desmatamento das áreas florestais e outras medidas de
reversão da degradação ambiental no âmbito rural (artigo 4º da Lei nº 6.171/88).
O artigo 14 da Lei em exame define as seguintes penalidades por infração às
condutas impostas ao produtor rural: I publicação, na imprensa oficial, dos nomes dos
proprietários e de suas respectivas propriedades que desrespeitarem as normas dessa Lei; II -
autorização para que o Estado realize os serviços indispensáveis de conservação do solo, às
expensas dos proprietários infratores; III expropriação, pelo Estado, de parte ou toda a
propriedade em benefício público; IV - imposição de multa graduada conforme dano causado
ao solo aos que causarem erosão, desertificação, degradação química, física ou biológica do
solo, dificultarem a fiscalização dos órgãos de Defesa Agropecuária, entre outros
comportamentos prescritos.
As penalidades mencionadas acima comprovam a modernidade da norma de
proteção do solo no Estado de São Paulo. Elas possuem caráter preventivo especial e geral,
pois, além de punirem e desestimularem o produtor rural, facilitam a arrecadação de recursos
para programas de proteção ambiental, na medida em que a multa será destinada ao Fundo de
Defesa Especial de Despesas do Departamento de Defesa Agropecuária de Agricultura e
Abastecimento.
Além disso, sanções premiais para os produtores que respeitarem a Lei
6.171/88. O seu artigo 12, por exemplo, determina que a SAA expeça certificado de prestação
de relevantes serviços ao Estado, o qual garantirá ao produtor vantagens no atendimento junto
aos órgãos estaduais de pesquisa e assistência técnica, na implantação de projetos para
demonstração prática de técnicas agrícolas e de instalação de infra-estrutura.
Ainda nos termos do artigo das disposições transitórias da Lei 8.421, de 23 de
novembro de 1993, que altera a redação da Lei 6.171/88, o Poder Executivo foi autorizado
a conceder subvenções econômicas aos produtores rurais, bem como a efetuar a doação de
sementes para adubação verde, visando incentivá-los a adotar práticas agrícolas
conservacionistas em microbacias hidrográficas abrangidas pelos programas governamentais.
A própria norma, no seu artigo 3º, estabelece as técnicas que serão subvencionadas.
Para tanto, o produtor deverá assinar termo de compromisso, incluindo, entre outras, a
235
obrigação de repassar, gratuitamente, a terceiros indicados pela SAA, sementes produzidas a
partir das recebidas em doação, em igual quantidade (artigo 5º e 6º da citada Lei).
Para efetivar a proteção do solo agrícola, a Lei Complementar do Estado de São
Paulo n.º 919, de 23 de maio de 2002, criou a Agência de Defesa Agropecuária do Estado
(ADAESP), que, por meio dos Departamentos de Defesa Sanitária Animal e Vegetal, tem
atribuição para fiscalizar a atividade agropecuária e aplicar sanções àqueles que degradam o
solo.
As finalidades da ADAESP foram expressas no § 2
o
do artigo 1
o
da referida Lei
Complementar. Entre elas estão: a) a execução de ações com o objetivo de preservar,
fiscalizar e assegurar a sanidade dos rebanhos e das culturas vegetais de interesse econômico;
b) o controle e a fiscalização da qualidade, do comércio e da utilização adequada de
agrotóxicos, defensivos animais e outros insumos agropecuários; 3) o controle e a fiscalização
da produção tecnológica e da qualidade dos produtos e subprodutos de origem animal e
vegetal; 4) a certificação do padrão de qualidade sanitária das espécies animais e vegetais
utilizadas nas cadeias produtivas; 5) o controle e a fiscalização da preservação, uso e
conservação do solo agrícola.
O grande destaque da legislação estadual de proteção ao solo agrícola é a
possibilidade de a atuação se voltar à educação do produtor e à recuperação da capacidade
produtiva do microbem, na medida em que suspende a multa na hipótese de o produtor se
comprometer a realizar um programa de recuperação do solo aprovado pela CATI e que se
concedem vantagens aos produtores que respeitarem os programas desenvolvidos pela SAA.
A aplicação dessa legislação tem permitido o aumento da fertilidade dos solos
recuperados, com conseqüente elevação da produtividade e proteção das áreas de preservação
permanente. A grande maioria dos produtores autuados optou pela reparação do dano,
aumentando a utilização de práticas conservacionistas, especialmente quando as ações são
integradas com outros programas, como o seguro agrícola e o zoneamento agroecológico.
Nesse sentido, é digno de nota o Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas
implantado pela CATI, que está financiando e orientando os pequenos e médios produtores
rurais a adotarem práticas conservacionistas, como a conversão para o sistema de plantio
direto, a recomposição das áreas de proteção florestal e a formação de associações para
aquisição de equipamentos e instalações mais modernas e de manejo sustentável.
236
CAPÍTULO 4 A POLÍTICA AGRÍCOLA NO ESTADO CONTEMPORÂNEO
4.1 As obrigações do estado atinentes à política agrícola
É fato que o proprietário de bem imóvel rural deve cumprir uma função social em
razão dos seus poderes do domínio. De outro lado, o Estado precisa agir no sentido de
oferecer uma estrutura mínima, a fim de que esse proprietário ou o produtor rural que detém
apenas a posse de área rural possam cumprir as suas obrigações, de modo a incentivá-los a
contribuir com a realização do bem-estar da coletividade (artigo 2
o
, § 2
o
, do Estatuto da
Terra). A realização dessa função estatal depende da execução de políticas específicas para o
segmento agrícola.
Por política estatal entende-se o conjunto de estratégias definidas democraticamente,
assumidas pelo Poder Público com o propósito de intervir em determinado setor da sociedade,
para que se materialize o bem comum. Ela corresponde às escolhas ideológicas legitimadas, à
medida que são aplicadas na proteção dos valores relacionados às liberdades substantivas.
Evaldo Vieira (1992, p. 20) leciona que, na Ciência Política, o termo “política”
significa, antes de tudo, o estudo do poder estatal. Assim, não se volta aos fins do Estado, mas
aos meios para realizá-los, isto é, às ações funcionalizadas - como os instrumentos de coação.
Quando se pensa em políticas como a social, a ambiental e a agrícola, na verdade,
avalia-se uma estratégia de atuação governamental com base nos valores jurídicos
consagrados, a qual se concretiza na forma de programas e documentos variados para certa
área de interesse.
Acredita-se que a distinção entre as diversas políticas estatais deva ser apenas
formal, pois elas estão interligadas. É impossível avaliar e definir, por exemplo, uma política
ambiental sem sopesar a questão do desenvolvimento econômico, assim como ele também
não se configura quando inexiste a proteção efetiva do potencial produtivo dos recursos
naturais.
As políticas públicas orientam e fornecem instrumentos a fim de que o Estado
cumpra as suas obrigações (funções) definidas na Constituição Federal. Ocorre que,
atualmente, um aumento significativo da demanda por essas políticas e, ao mesmo tempo,
crescem as teorias que defendem a menor intervenção e participação estatal no domínio
econômico, bem como existe evidente indisposição geral da população quanto ao aumento da
carga tributária.
237
Diante dessa realidade, é um grande engodo acadêmico a especulação em torno das
obrigações estatais sem ponderar seu impacto financeiro e sua suportabilidade. Obviamente,
as críticas aos problemas atuais devem ser feitas e as propostas apresentadas, mas é imperioso
reconhecer que nem sempre é a falta de vontade política ou de honestidade dos
administradores públicos que impedem a realização dos valores consagrados.
Tendo em vista as reflexões manifestadas acima, agora enfocando especificamente a
política agrícola, defende-se que a mesma pode ser compreendida sob dois aspectos. De um
lado, ela é um conjunto de princípios básicos norteadores da produção e da aplicação do
Direito Agrário. Nesse caso, merecem nota os princípios fundamentais desse ramo jurídico
relacionados à sustentabilidade da atividade produtiva agrária, todos comentados em
momentos anteriores deste trabalho, como a função social da propriedade, o desenvolvimento
rural sustentável em sua tridimensionalidade, a precaução, a responsabilização do agente
poluidor, a proteção do pequeno produtor, o combate ao minifúndio e ao latifúndio por
exploração.
De outro lado, a política agrícola consiste no conjunto de normas instrumentais
voltadas à materialização dos valores constitucionais concernentes à produção agrícola,
notadamente o cumprimento das normas que dão conteúdo à função social da propriedade.
A política agrícola aparece como um instrumento do Poder Público, a fim de
disciplinar e fomentar a atividade agrária no sentido de consolidar uma produção com
qualidade e quantidade suficientes para a satisfação da demanda das gerações atuais, sem, no
entanto, prejudicar os interesses das gerações futuras. Em síntese, é a ação estatal com o
propósito de induzir a atividade econômica a buscar determinados fins, como a diversificação
do sistema produtivo, a otimização do aproveitamento dos recursos naturais e o equilíbrio
agrossistêmico.
A política agrícola é a maneira que o Estado implementa, promove, regula, fiscaliza,
controla, avalia e supre as necessidades, visando assegurar o incremento da produção
e da produtividade agrícola, a regularidade do abastecimento interno, especialmente
alimentar, e a redução das disparidades regionais (ZIBETTI, 2006, p. 69).
Também nesse sentido, José Afonso da Silva (2002, p. 222) define a política
agrícola como o conjunto de providências de amparo à terra que se destinem a orientar, no
interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o
pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o progresso urbano decorrente da
industrialização do país.
Deve-se falar, na verdade, da existência de “políticas agrícolas”, as quais abarcam a
política de incentivos à produção (como o crédito e a extrafiscalidade dos tributos incidentes
238
sobre o imóvel rural), a política de proteção da renda do produtor (como o seguro agrícola e a
compra governamental), a política de reforma agrária (acesso à terra e condições de
exploração) e a política ambiental rural (como a certificação, o licenciamento ambiental e o
zoneamento).
A efetividade da política agrícola também depende de políticas sociais pró-ativas
para o meio rural, entre as quais estão os programas de transferência de renda, e os
investimentos na agricultura familiar e em uma produção que respeite os princípios
ecológicos e os limites regionais.
A importância da política agrícola é confirmada, por exemplo, pelos efeitos
positivos dos seus mecanismos de intervenção indireta no desenvolvimento dos setores
econômicos mais frágeis à concorrência internacional e pelos efeitos positivos de incentivo a
comportamentos sustentáveis. Salientam-se as ações premiais por meio da garantia de
isenções fiscais, crédito subsidiado, melhores preços mínimos, preferência em caso de
compras públicas da produção (ou nas licitações para abastecer escolas, hospitais e outros
equipamentos públicos) ou instalações de projetos técnicos.
A indução por meio de sanções imputadas aos comportamentos não desejados e as
medidas educativas (como a assistência técnica e a disseminação das pesquisas e das
informações agroecológicas) também alcançam resultados satisfatórios em relação aos
objetivos consagrados no Direito Agrário. Por conseguinte, é possível afirmar que existem
mecanismos jurídicos importantes para direcionar a atividade agrícola no sentido da
sustentabilidade.
Em contrapartida, Montibeller-Filho (2004, p. 98) alerta que as medidas de incentivo
violam o princípio do poluidor-pagador, pois a pessoa continua a utilizar a sua propriedade
como melhor lhe aprouver, somente agindo em benefício do bem-estar social com o propósito
de receber uma compensação econômica. O autor tem razão ao questionar a legitimidade da
concessão de benefícios para que as pessoas cumpram seus deveres; todavia, o Direito não
pode se esquivar das condições reais e, atualmente, esses incentivos constituem importante
instrumento de indução da produção no sentido do paradigma do desenvolvimento
qualificado.
Ainda no âmbito da política agrícola, existem medidas regulatórias capazes de
promover o direcionamento normativo dos empreendimentos. A exigência de estudos de
impacto ambiental e de licenciamento de algumas atividades, acompanhados da
obrigatoriedade de adoção das técnicas prescritas, entram no rol dos instrumentos jurídicos
preventivos.
239
Essa política precisa combinar métodos corretivos, disciplinadores, preventivos e
prospectivos, de maneira que seja capaz de punir o infrator e, ao mesmo tempo, demonstrar as
alternativas existentes, além de evitar a ocorrência de dano significativo aos valores
protegidos.
alguns avanços na efetividade da proteção à atividade agrícola sustentável os
quais estão diretamente relacionados à disponibilização dos instrumentos de política agrícola.
No entanto, como ainda não foram efetivados diversos programas constitucionais, muitos
objetivos do Estado não estão consolidados; entre eles certamente está o bem-estar da família
rural.
A concretização das diretrizes constitucionais concernentes à atividade agrícola
sustentável depende, imprescindivelmente, da definição e execução de uma política estatal
capaz de promover a viabilidade imediata da atividade econômica e, ao mesmo tempo, a
conservação da possibilidade de produção no futuro.
O presente capítulo apresenta os instrumentos de política agrícola previstos na
Constituição Federal, na Lei de Política Agrícola e na Lei de Política Ambiental que permitem
a defendida atuação prospectiva do Estado e, por conseguinte, o cumprimento de suas
obrigações.
Antes da análise dos instrumentos jurídicos, faz-se necessário esclarecer que, apesar
de a Constituição empregar o termo “política agrícola”, consagrou também uma “política
agrária”, pois instituiu vários mecanismos de ação estatal no âmbito da atividade econômica
que superam a abrangência das políticas voltadas ao fomento da produção
131
. Não obstante,
utilizar-se-á apenas a expressão “política agrícola”, em razão da sua preponderância nos
textos legais.
Na Constituição, merece realce o artigo 187, que, além de exigir a compatibilização
da política agrícola com os programas de reforma agrária (artigo 187, § 2º), propõe a
participação das pessoas envolvidas com a produção no planejamento e execução dessa
política (artigo 187, “caput”) e apregoa uma série de instrumentos voltados ao
desenvolvimento rural:
131
A política agrícola está diretamente ligada à produção em suas várias etapas, desde a fazenda até o preço na
mesa do consumidor. a política agrária diz respeito especificamente às relações de produção, às formas de
organização do trabalho, às políticas de crédito e de tributação extrafiscal, à qualidade de vida das famílias
rurais e à distribuição de terras e renda (GRAZIANO, 1999, p. 128). Essas considerações mostram que o
termo política agrária é mais abrangente do que a definição sociológica e legal da política agrícola (artigo
1
o
, § 2
o
, da Lei nº 4.504/64).
240
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a
participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores
rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de
transportes, levando em conta, especialmente:
I - os instrumentos creditícios e fiscais;
II - os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de
comercialização;
III - o incentivo à pesquisa e à tecnologia;
IV - a assistência técnica e extensão rural;
V - o seguro agrícola;
VI - o cooperativismo;
VII - a eletrificação rural e irrigação;
VIII - a habitação para o trabalhador rural.
§ - Incluem-se no planejamento agrícola as atividades agro-industriais,
agropecuárias, pesqueiras e florestais.
§ 2º - Serão compatibilizadas as ações de política agrícola e de reforma agrária.
A irrigação e a eletrificação são instrumentos extremamente específicos. Diante
disso, a norma constitucional poderia ter determinado a adoção de técnicas adequadas de
forma mais genérica, até porque existem outras condutas a serem efetivadas pelo produtor
rural e obras de infra-estrutura passíveis de realização pelo Poder Público que favoreceriam a
produção agrícola.
O artigo citado não esgota os instrumentos constitucionais de uma política estatal
voltada ao desenvolvimento rural. Podem ser aludidos, ainda, o estudo prévio de impacto
ecológico e o licenciamento ambiental (previstos no artigo 225), as desapropriações para fins
de reforma agrária (artigo 184) e o usucapião pró-labore (artigo 191).
Quando foi defendido que a política agrícola poderia ser entendida como o conjunto
de princípios concernentes à atividade agrícola sustentável, destacou-se a proteção da pequena
produção como um desses princípios. A própria Constituição Federal dispõe de meios para a
proteção de tal segmento rural. Entre eles, merece nota o inciso XXVI do artigo 5º, o qual
dispõe que a “pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela
família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade
produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento”.
Nessa mesma perspectiva, o artigo 185 garante que a pequena e a média propriedade
rural, desde que o proprietário não possua outra, não serão suscetíveis de desapropriação para
fins de reforma agrária.
Ainda no âmbito constitucional, percebe-se que a produção agrícola familiar e a
propriedade produtiva devem receber benefícios fiscais em relação ao Imposto sobre a
Propriedade Territorial Rural (ITR), como se observa no § do artigo 153: “O imposto
previsto no inciso VI [ITR] terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção
241
de propriedades improdutivas e não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei,
quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel”.
Por fim, como última disposição constitucional acerca da política agrícola, observa-
se que o caput” e parágrafos do artigo 218 determinam que o Estado promova e incentive o
progresso científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica, bem como vincula essas ações ao
desenvolvimento de toda a sociedade brasileira.
4.1.1 A regulamentação infraconstitucional da política agrícola
O Direito Agrário também representa a regulamentação da política agrícola como
instrumento para dirigir, incrementar e coordenar as atividades produtivas desenvolvidas no
meio rural, a fim de conservar ou transformar a realidade constatada.
Ainda de forma incipiente, a política agrícola foi conceituada no § 2º do artigo do
Estatuto da Terra como “o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se
destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no
sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de
industrialização do país”.
O § do artigo desse Estatuto dispunha que o Poder Público deveria criar
mecanismos para impulsionar o cumprimento da função social da propriedade e a
desconcentração fundiária, de forma a promover o manejo racional do solo, a justa
remuneração do trabalhador rural e o bem-estar coletivo.
A norma constitucional sobre a política agrícola foi regulamentada pela Lei nº 8.171/93.
O artigo dessa Lei ratifica que tal política deve ser um instrumento para o desenvolvimento
rural sustentável, pois estabelece entre os seus pressupostos: a função social da propriedade
(inciso I), a rentabilidade do produtor e do trabalhador rural compatível com a de outros
segmentos da economia (inciso III), a segurança alimentar (inciso IV) e o acesso aos servos
essências para uma vida com qualidade no meio rural (inciso VI).
No intuito de viabilizar o desenvolvimento rural, o artigo da Lei 8.171/91
consagrou quinze objetivos que exigem uma atuação prospectiva do Estado na promoção da
atividade agrícola sustentável. Merecem menção os seguintes objetivos: a exigência do
planejamento das ões estatais, com o propósito de fomentar o desenvolvimento; o combate
à miséria; a maior participação dos segmentos atuantes no meio rural nas decisões políticas; a
proteção ambiental; o avanço tecnológico; a assistência técnica; a promoção da saúde animal
e sanidade vegetal; e o aumento da renda e da qualidade de vida do homem do campo.
242
A própria Lei de Política Agrícola estabelece os meios para o cumprimento dos
escopos supracitados, como as ações e instrumentos enunciados nos incisos do seu artigo 4
o
: o
planejamento agrícola (I); a pesquisa agrícola e tecnológica (II); a assistência técnica e a
extensão rural (III); a proteção ao meio ambiente (IV); a defesa agropecuária (V); a
informação agrícola (VI); a produção, a comercialização, o abastecimento e a armazenagem
(VII); o associativismo e o cooperativismo (VIII); a formação profissional e a educação rural
(IX); os investimentos públicos e os privados (X); o crédito rural (XI); a garantia da atividade
agropecuária (XII); o seguro agrícola (XIII); a tributação e os incentivos fiscais (XIV); a
irrigação e a drenagem (XV); a habitação (XVI); a eletrificação rural (XVII); a mecanização
agrícola (XVIII) e o crédito fundiário (XIX).
Essa Lei regulamenta cada um desses instrumentos de política agrícola. Além disso,
grande parte deles está disciplinada em leis próprias ou em normas administrativas, como é o
caso da extrafiscalidade do ITR, do crédito rural e do seguro agrícola.
O Plano Agrícola e Pecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA) para o biênio 2006/2007 procurou estabelecer condições para a
efetivação dos instrumentos de política agrícola. Esse Documento propõe investimentos em
infra-estrutura, recuperação do solo, atualização tecnológica, seguro agrícola e crédito voltado
ao custeio dos insumos necessários ao cultivo e à instalação de infra-estrutura para as
atividades realizadas “após a porteira”, incluindo o armazenamento do estoque para
entressafra e o apoio à comercialização (como a aquisição governamental e os preços
mínimos).
É preciso destacar também o importante artigo 22 da Lei 8.171/91, cuja redação
vai ao encontro das diretrizes jurídicas constatadas nas reflexões sobre a atividade agrícola
sustentável. Segundo essa norma, “a prestação de serviços e aplicações de recursos pelo Poder
Público em atividades agrícolas devem ter por premissa básica o uso tecnicamente indicado, o
manejo racional dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente”.
Ainda, como defendido, diversos instrumentos de política ambiental integram a
política agrícola, devido à relevância que eles possuem na manutenção do potencial produtivo
do agroecossistema. É fato que a indispensável visão multidimensional e holística do
desenvolvimento sustentável exige a inter-relação entre as políticas agrícola, social e
ambiental.
A política ambiental, disciplinada na Lei 6.938/81, tem por escopo a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental, visando assegurar condições ao
desenvolvimento sustentável e à proteção da dignidade humana. Nota-se a existência de
243
princípios expressos nos incisos do artigo dessa Lei que estão intimamente relacionados à
política agrícola, como o uso racional do solo, o controle das atividades que podem causar
danos ambientais e os incentivos às pesquisas voltadas à conservação dos recursos naturais.
A afinidade entre a política ambiental e a atividade agrícola sustentável fica ainda
mais evidente no artigo 4º da Lei nº 6.938/81, o qual apregoa, entre os objetivos dessa
política, a compatibilização entre o desenvolvimento socioeconômico e a preservação da
qualidade ambiental (inciso I), o estabelecimento de normas referentes ao uso dos recursos
naturais e o ordenamento territorial (incisos II e III), a difusão do conhecimento e do acesso à
tecnologia adequada (inciso V) e a responsabilização do poluidor (inciso VI).
No âmbito da atividade agrícola, a efetivação dos objetivos consagrados na
Constituição Federal dependerá da utilização simultânea dos instrumentos expressos no artigo
da Lei 6.938/81 com aqueles previstos na Lei 8.171/91, de modo a vincular os
incentivos governamentais aos padrões de qualidade e às conclusões da avaliação do impacto
ambiental.
Salienta-se, igualmente, o artigo 18 do Estatuto da Terra. Conforme essa norma, a
desapropriação por interesse social, além de condicionar o uso da terra à sua função social,
procura realizar os fins da política agrícola, como o uso racional dos recursos naturais e a
recuperação social e econômica das regiões rurais mais pobres.
A legislação brasileira é capaz de fomentar uma atividade agrícola em consonância
com os valores constitucionais. Não obstante, falta sistematicidade ao conjunto normativo
vigente. Por isso, seria importante uma lei de desenvolvimento rural sustentável com o
propósito de dispor, de forma organizada e coerente, sobre as políticas específicas para o meio
rural e os instrumentos jurídicos destinados à efetivação dos valores e objetivos proclamados.
Acredita-se na necessidade e possibilidade de um Código Agrário voltado à
congregação de toda a parte principiológica do regime jurídico atinente à atividade produtiva
em questão, inclusive com a definição e regulamentação dos institutos de Direito Agrário,
como a atividade agrária, a propriedade e a posse, o imóvel rural, o conteúdo e os mecanismos
de avaliação da função social da terra (propriedade, posse, empresa e contratos agrários), a
agricultura familiar e as cooperativas de produção rural ou outras formas associativas.
Essa legislação também precisaria se dedicar à proposição de instrumentos para o
desenvolvimento rural sustentável, vinculando política agrícola, social, econômica e
ambiental. Para tanto, poderia regulamentar funcionalmente programas como o seguro
agrícola, o crédito rural, a educação ambiental, o zoneamento agroecológico e a
democratização nos processos decisórios. Além disso, seria importante uma seção voltada à
244
definição da competência dos órgãos administrativos para fiscalização e punição no âmbito da
questão agrária.
4.2 Os principais instrumentos de política agrícola
A teoria é importante; porém, diante dos riscos atuais, o conhecimento não pode
ficar restrito aos muros da Academia. É essencial a efetivação dos instrumentos de
intervenção na realidade. Não basta exigir uma função social e definir o seu conteúdo jurídico
sem que o produtor agrícola receba condições para que possa cumprir as obrigações impostas.
O Estado deve atuar de maneira prospectiva para a satisfação das demandas da área
rural. O ordenamento jurídico vigente exige essa postura do Poder Público, tanto que favorece
a vinculação entre a decisão política, as possibilidades científicas e as necessidades reais.
As escolhas políticas, com base no conhecimento científico e na disponibilidade
tecnológica, deverão sopesar a necessidade da atividade e a suportabilidade dos riscos. Vale
destacar que nem sempre a técnica de menor impacto ambiental é a que promove o
desenvolvimento sustentável.
Abaixo será apresentada a grande maioria dos instrumentos jurídicos que permitirão
a desejada intervenção estatal para promover os fins consagrados no ordenamento
constitucional. Esses mecanismos consistem em deveres-poderes, eis que relacionados à
funcionalidade da atuação do Poder Público em busca do bem comum, fim primordial da
sociedade política.
4.2.1 O Zoneamento Agroecológico
O planejamento e a adequada execução de qualquer atividade econômica dependem
da identificação das necessidades e dos objetivos da sociedade, do potencial ambiental, das
alternativas tecnológicas disponíveis, da análise dos problemas sociais existentes, e das
externalidades positivas e negativas das atividades produtivas no ecossistema.
O zoneamento é a ferramenta com a finalidade de diagnosticar uma realidade e, se
necessário, limitar o uso da propriedade privada, de acordo com as possibilidades econômicas
e sociais da atividade produtiva e a necessidade de preservar os recursos naturais ou
aperfeiçoar o uso dos mesmos. Norteado pelo princípio da precaução, esse instrumento é
indispensável para a devida ordenação territorial e o desenvolvimento regional previstos na
Constituição Federal.
245
Não há razão para a existência de diferentes tipos de zoneamento - ambiental,
industrial, urbano, agrícola, etc. Na verdade, a setorização desse instrumento ocorre apenas no
intuito de tornar possível a sua execução. Na prática, o desenvolvimento sustentável depende
de uma abordagem holística, dinâmica e sistemática dos diversos segmentos econômicos.
Os objetivos do zoneamento não favorecem a delimitação setorial desse instrumento,
de modo que seria mais adequado falar em zoneamento para o desenvolvimento sustentável,
embora essa expressão ainda não seja consagrada na legislação ou na Doutrina Jurídica.
O zoneamento consignado no artigo 9º, inciso II, da Lei nº 6.938/81, que está
diretamente relacionado ao exercício do Poder de Polícia do Estado, é o instrumento da
Política Nacional do Meio Ambiente que atua para garantir o progresso e o bem-estar de uma
coletividade (MACHADO, 2003, p. 188).
Nos termos do artigo do Decreto 4.297, de 10 de outubro de 2002, o
zoneamento é assim instrumento:
[...] instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na
implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelece medidas e
padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos
recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o
desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população.
De acordo com esse Decreto, o zoneamento obedecerá aos princípios da função
socioambiental da propriedade, da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador, da
participação informada, do acesso equitativo, da cooperação e da integração.
O artigo da norma citada dispõe que o processo de elaboração e aplicação do
zoneamento buscará satisfazer todas as dimensões do desenvolvimento sustentável, contará
com ampla participação democrática, e valorizará o conhecimento científico multidisciplinar.
Especificamente em relação à atividade agrícola, o artigo 44 do Estatuto da Terra
define como objetivos do zoneamento o estabelecimento das diretrizes da política agrícola a
ser adotada em cada tipo de região e a programação das ações estatais para o desenvolvimento
rural.
O zoneamento agrícola previsto nesse Estatuto foi regulamentado no artigo 26 e nos
seguintes do Decreto 55.891/65. O Decreto lista, entre os objetivos desse instrumento, a
definição das características de cada região homogênea, de acordo com as ações
governamentais necessárias e a estrutura agrária disponível
132
. Ele determina, ainda, a
132
As bacias hidrográficas foram definidas em Lei como as unidades básicas de planejamento do uso,
conservação e recuperação dos recursos naturais, tornando-se essenciais na definição da atividade agrária e
uso do solo para fins de elaboração do zoneamento (artigo 20 da Lei 8.171/91 e artigo 1º da Lei 9.433,
de 08 de janeiro de 1997).
246
vinculação entre a definição dos critérios a serem analisados e a forma como o Estado e o
produtor rural deverão atuar para reverter ou conservar os resultados obtidos.
O inciso III do artigo 19 da Lei 8.171/91 também registra que o Poder Público
realizará zoneamentos agroecológicos que permitam estabelecer parâmetros para o
disciplinamento e o ordenamento da ocupação espacial pelas diversas atividades produtivas.
A Lei 8.171/91 considera esse zoneamento como um estudo técnico conduzido
pela Embrapa sob a responsabilidade da Coordenação-Geral de Zoneamento Agropecuário,
subordinada ao Departamento de Gestão de Risco Rural, da Secretaria de Política Agrícola do
MAPA. Todavia, entende-se que ele também poderá ser produzido por órgãos cnicos das
Secretarias Estaduais e Municipais com funções relacionadas à atividade agropecuária, até
com o propósito de melhor detalhamento das condições e necessidades da produção local e
regional.
Por meio de uma equipe multidisciplinar ligada a diferentes órgãos oficiais, o
zoneamento agroecológico define as diretrizes gerais para a realização racional de atividades
econômicas em determinado ecossistema. Ele não pretende criar restrições que impeçam a
utilização do imóvel pelo proprietário, especialmente pela garantia constitucional da livre
iniciativa, e, sim, criar possibilidades de desenvolvimento num espaço delimitado, avaliando,
de forma holística, os riscos climáticos, a estrutura social, cultural, econômica e ambiental.
Segundo a aptidão do solo de cada região homogênea, as pragas e os insumos
necessários, esse instrumento de política agrícola servirá para definir e orientar o uso da
tecnologia disponível, o prêmio e a alíquota do seguro, o crédito, entre outras ações do
Estado.
Para atingir esses desígnios, o zoneamento precisa considerar uma série de fatores
existentes ou que devam ser incorporados ao sistema agrário, entre eles: as relações de
trabalho, as dimensões das unidades produtivas, o regime jurídico predominante no tocante ao
uso da propriedade, a infra-estrutura e os programas governamentais de incentivo à produção.
O zoneamento fornece informações para produtores rurais, extensionistas, agentes
financeiros, seguradoras e demais usuários, fundamentando e norteando a política agrícola e a
definição das obrigações dos envolvidos com o processo produtivo agrário.
O artigo 21-A da Lei de Política Agrícola expressa um outro efeito positivo do
zoneamento, pois ele dispõe que o Poder Público procederá à identificação, em todo o
território nacional, das áreas desertificadas. Como o Brasil possui um significativo processo
de desertificação decorrente do desflorestamento, da salinização e do pastoreio de grandes
áreas agrícolas, é indispensável a criação de mecanismo capazes de reverter essa realidade
247
ambiental desfavorável. Com a delimitação dos espaços que estão em processo de
desertificação, torna-se possível a definição de um programa de manejo adequado e a
recuperação dessas áreas.
O zoneamento não obriga, por si só, uma forma de uso da terra - para tal exigência,
seria necessária uma norma legal específica. Não obstante seja discutível o seu caráter
normativista, não resta dúvida quanto à possibilidade de ele fornecer subsídios técnicos, a fim
de que o Poder Público defina uma política de fomento, repressão ou prevenção para cada
região homogênea em interação dinâmica com todo o sistema agrícola (as diretrizes gerais).
A efetividade do zoneamento depende de outros instrumentos que, ao mesmo tempo,
servem-se dele para induzir à racionalização do sistema produtivo a partir da adoção das
recomendações técnicas. Isso é o que ocorre, por exemplo, na formulação do compromisso de
ajustamento de conduta ou na definição das cláusulas que constituirão os contratos de
financiamento público da produção e seguro agrícola subsidiado pelo governo.
Essa possibilidade de atuação funcional do Poder Público já estava prevista no artigo
172 da Emenda Constitucional 01, de 17 de outubro de 1969, o qual dispunha que “a lei
regulará, mediante prévio levantamento ecológico, o aproveitamento agrícola de terras
sujeitas a intempéries e calamidades. O mau uso da terra impedirá o proprietário de receber
incentivos e auxílios do governo.” (grifos nossos)
Nota-se que essa norma constitucional, nos termos determinados em lei, permitia a
interferência do Direito na definição do manejo do solo agrícola com base no levantamento
dos recursos ambientais. Outro destaque da referida norma é o impedimento de acesso aos
incentivos governamentais em razão do mau uso da terra. A política agrícola constitucional,
nesse caso, já assumia um caráter indutivista com vista a realizar os valores fundamentais.
O instrumento em análise deve ser padronizado e realizado mediante parcerias entre
todas as esferas do Poder Público, órgãos oficiais de diferentes setores e institutos de pesquisa
e de ensino. Dessa forma, torna-se possível a criação de um sistema nacional de informações
rurais capaz de realizar o cruzamento de dados dos órgãos estatais responsáveis pelo controle
de cada uma das três dimensões do desenvolvimento sustentável
133
.
133
Por isso, é discutível a forma como foi dividida a competência entre o MAPA e o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) no artigo 27 da Lei 10.683/03. Enquanto o primeiro cuida, entre outros
assuntos, da política agrícola, do manejo adequado do solo agrícola e da defesa sanitária (inciso I), o segundo
é o responsável pela reforma agrária e o desenvolvimento sustentável para a agricultura familiar (inciso III).
Essa infeliz separação também fica evidente no artigo 29 dessa Lei, pois ela coloca o Conselho Nacional de
Política Agrícola como integrante do MAPA, enquanto o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural
Sustentável integra o MDA, quando política agrícola e o desenvolvimento sustentável deveriam ser
inseparáveis. Evidentemente, esses Ministérios podem trabalhar de forma integrada.
248
O zoneamento não precisa ser realizado todos os anos, de maneira que não provoca
aumento significativo da burocracia e nem cria dificuldades para a execução da atividade
econômica. Pelo contrário, ele torna o empreendimento viável economicamente e a avaliação
de impacto ambiental mais célere, pois o requerente não precisará fornecer um estudo
detalhado sobre a realidade local - o diagnóstico disponibilizado no próprio zoneamento
permite a aceleração dos processos de licenciamento de atividades que podem causar danos
ecológicos.
4.2.2 A avaliação do impacto ambiental
Com fundamento no princípio da precaução, a Avaliação do Impacto Ambiental
(AIA) é o procedimento que condiciona o ato administrativo de outorga do direito de
realização de uma atividade econômica. A AIA é exigida nos casos de atividades
potencialmente causadoras de danos ambientais, possibilitando o planejamento racional do
modo como os empreendimentos particulares ou os programas públicos serão realizados em
determinada realidade. Essa avaliação abarca estudos a respeito de alternativas, riscos,
vantagens e desvantagens ambientais e sociais das atividades que interferem no ecossistema.
A finalidade da AIA, no âmbito rural, é melhorar a conservação e o uso dos recursos
naturais necessários para a atividade agrícola. No ordenamento jurídico vigente, ela representa
um instrumento de política agrícola capaz de justificar a restrição da exploração dos recursos
naturais, com o propósito de evitar danos irreversíveis ao potencial produtivo dos mesmos.
A AIA encontra fundamento no artigo 225, § 1°, inciso IV, da Constituição Federal,
que atribui ao Poder blico a incumbência de “exigir, na forma da lei, para instalação de
obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”.
A avaliação foi consignada como instrumento da Política Nacional do Meio
Ambiente no artigo 9º, inciso III, da Lei 6.938/81. Sobre a previsão da AIA nessa Lei,
merece nota o seu artigo 8º, o qual prescreve que cabe ao Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA) estabelecer normas sobre o licenciamento das atividades
potencialmente poluidoras e dos casos em que será exigido o estudo prévio de impacto
ambiental.
Juan Miguel (1993, p. 435) acredita que a AIA deveria ser disposta na legislação
apenas de maneira genérica, na medida em que a dinâmica ecossistêmica não estará protegida
com a previsão taxativa das atividades sujeitas à avaliação.
249
Para o autor, o mais importante seria a definição detalhada dos parâmetros
necessários para o reconhecimento da potencialidade danosa da atividade e dos critérios
passíveis de averiguação pelos órgãos executivos, bem como a garantia de que tal avaliação
seja holística, sistêmica e multidisciplinar.
Em defesa da AIA, Paulo Leme Machado (1994, p. 66) apregoa que ela possibilita
maior participação democrática nas conclusões acerca dos impactos ecológicos e nas decisões
políticas. Tal participação pode ser assegurada pela submissão dos relatórios de impacto ao
questionamento popular em audiências públicas ou por meio de manifestação do Ministério
Público em cada fase do procedimento de diagnóstico ambiental e de licenciamento.
Embora o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) seja o mais conhecido instrumento da
AIA, essa não pode ser vista apenas como uma etapa do licenciamento, pois ela precisa ser
considerada em outros momentos da realização das atividades econômicas, tanto na
autorização quanto no controle e fiscalização da instalação e funcionamento do
empreendimento.
Tem se levantado alguns argumentos contrários ao maior controle estatal na
atividade agrária, sobretudo em função do temor de aumento da burocracia e morosidade no
deferimento dos benefícios da política agrícola. Mas as ferramentas jurídicas podem ser
aplicadas de modo a não prejudicar o andamento célere dos procedimentos administrativos.
Nesse sentido, a AIA não precisará ser realizada todos os anos. Após um estudo inicial mais
detalhado, é suficiente a fiscalização (papel também atribuível às auditorias periódicas), a
responsabilização dos infratores e a manutenção de uma base de dados atualizada.
Ocorre que ainda o um comprometimento com a sustentabilidade no meio
rural. Isso quando, em contrapartida, é injustifivel o discurso da urncia do
crescimento econômico em detrimento da capacidade de explorão dos recursos naturais.
o é posvel garantir a celeridade do licenciamento do empreendimento por meio de
uma avaliação imprudente das implicações ambientais da atividade produtiva (LEITE;
AYALA, 2002, p. 228).
Obviamente, a intenção não é atrasar ou dificultar a realização da atividade
econômica, mas preservar os meios para que ela seja viável no futuro. A AIA é
imprescindível para a confirmação da inexistência de dano relevante e a consolidação do
princípio da precaução.
O EIA, expressamente mencionado no inciso IV do § do artigo 225 da
Constituição Federal, é o instrumento de política ambiental mais utilizado para avaliar a
250
potencialidade de uma atividade provocar dano ambiental e para apresentar orientações do
tipo preventivas.
Em linhas gerais, o EIA pode ser entendido como:
[...] um instrumento preventivo de danos ao meio ambiente e forma de vinculação ao
procedimento administrativo licenciador, sendo prévio à autorização da obra ou
atividade; é exigido pela Administração Pública, elaborado pela conjugação da
análise de diversas áreas de conhecimento técnico; suas despesas são arcadas pelo
proponente do projeto, garantida sua publicidade (CAPPELLI, 1993, p. 164).
Como mencionado acima, nos termos do artigo 8º, incisos I e II, da Lei 6.938/81,
o CONAMA recebeu a atribuição para definir as hipóteses de cabimento do EIA. A
Constituição Federal vigente recepcionou a Resolução CONAMA 01, de 23 de janeiro de
1986, que essa norma não consiste no exercício de uma competência delegada, mas no
cumprimento de um dever regulamentar próprio do Poder Executivo para tornar o EIA e o
licenciamento ambiental exeqüíveis. Sendo assim a regulamentação desses instrumentos não
poderia ser feita por Lei, em razão da complexidade da matéria e da exigência de critérios
técnicos minuciosamente delimitados.
O EIA dever ser realizado antes do início da atividade econômica, pois antecede a
análise e a decisão quanto à viabilidade da instalação e funcionamento do empreendimento,
de maneira que se apresenta como uma condição para o licenciamento (artigo 2°, “caput”, da
Resolução CONAMA 01/86, e artigos 17 e 18 do Decreto 99.274, de 06 de junho de
1990).
O Estudo em questão obedecerá às seguintes diretrizes: a) apreciação de todas as
alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não
execução do mesmo; b) identificação e avaliação sistemática dos impactos ambientais gerados
nas fases de implantação e operação da atividade; c) definição dos limites da área geográfica a
ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, considerando a bacia hidrográfica na qual
ela se localiza; e d) ponderação da compatibilidade do projeto com os programas
governamentais, propostos e em implantação na área de influência (artigo da Resolução
CONAMA nº 01/86).
O artigo 2º dessa Resolução prevê que as atividades devem ser licenciadas em
virtude do potencial de impacto ambiental, bem como apresenta as hipóteses de exigência do
EIA. Das atividades especificadas nos dezessete incisos desse artigo, são diretamente
relacionados à atividade agrária os incisos XII (que abarca algumas atividades agroindústrias,
como as usinas de álcool) e XVII (projetos agropecuários em imóveis acima de 1000ha, ou
251
menores - neste caso se a área for significativa em termos percentuais ou importante do ponto
de vista ambiental).
A Resolução CONAMA 237, de 19 de dezembro de 1997, não revoga a
Resolução 01/86, mas, sim, a complementa, até porque a primeira disciplina o
licenciamento e a segunda, o EIA (MIRRA, 2002, p. 61). Além disso, ambas são
constitucionais, pois o artigo 225, § 1
o
, inciso IV, da Constituição Federal, dispõe que uma lei
ordinária fará a regulamentação e, como ela recepcionou uma lei existente - a Lei nº 6.938/81
- que atribui ao CONAMA a competência para indicar algumas atividades potencialmente
causadoras de danos ambientais, as exigências das mencionadas Resoluções são plenamente
válidas (FIORILLO, 2001, p. 69).
A Resolução CONAMA 237/97 também determina estudos de impacto no âmbito
da atividade agrícola, uma vez que o seu anexo I exige o licenciamento ambiental nos projetos
agrícolas e de criação de animais e nos programas de assentamento e colonização.
A legislação infraconstitucional, ou pelo menos as resoluções do CONAMA,
deveriam incluir outras técnicas específicas sujeitas ao EIA. Por exemplo: mencionar o
emprego do fogo no preparo do solo ou da colheita, o desflorestamento e quaisquer projetos
agroindustriais.
No entanto, as atividades que dependem do estudo prévio de impacto ambiental não
se restringem àquelas previstas nas Resoluções CONAMA n
os
01/86 e 237/97, pois o rol
obrigatório previsto nessas normas é apenas exemplificativo (MIRRA, 2002, p. 42).
A análise do impacto ambiental deve observar o zoneamento; considerar estudos
sobre o diagnóstico da área e os efeitos ambientais, sociais e econômicos das atividades
antrópicas; considerar as alternativas tecnológicas, os programas governamentais para a
região e o empreendimento em exame, além do plano de monitoramento (artigos e da
Resolução CONAMA nº 01/86).
Não é preciso que a equipe responsável pelo estudo seja independente em
relação ao proponente do empreendimento, mas ela deve ser multidisciplinar
134
e
composta de profissionais legalmente habilitados e cadastrados nos órgãos oficiais
135
.
Essa equipe é responsável, solidariamente, ao lado do proponente, pelos equívocos nas
134
Isso porque, como consagrado no artigo da Resolução CONAMA 01/86, um ecossistema envolve vários
subsistemas: o meio abiótico (solo, água, ar, nutrientes, etc.), o meio biótico (fauna, flora e microorganismos)
e o socioeconômico (atividades econômicas, espaço social, cultura e história).
135
No caso das atividades agrícolas, seria interessante o registro do profissional nos órgãos ligados à
agropecuária.
252
informações e conclusões apresentadas (artigo 11, “caput e pagrafo único, da
Resolão CONAMA nº 237/97).
Costa Neto (2003, p. 357) defende que, para a credibilidade do Relatório de Impacto
Ambiental (RIMA), a Lei não deveria deixar a escolha da equipe de “experts” e a
remuneração da mesma adstritas à vontade do empreendedor. A Administração Pública
poderia indicar os profissionais do seu cadastro e fixar honorários, garantindo a independência
dos mesmos. Porém, esse controle estatal, além de difícil execução, é perigoso e não encontra
respaldo legal.
A equipe que elabora o EIA e o RIMA desempenha uma função pública, tanto que
os seus atos fazem parte de um procedimento administrativo sujeito à responsabilização penal
(crimes imputáveis apenas aos servidores públicos) e administrativa (improbidade e
legalidade).
O RIMA é a síntese dos trabalhos desenvolvidos no EIA com a finalidade de dar
publicidade e oferecer subsídios para a decisão administrativa. A apresentação desse relatório
consistir-se-á na conclusão do estudo da equipe multidisciplinar, o qual será utilizado para
efeitos de participação da sociedade, inclusive em audiências públicas, e deferimento da
licença.
O conteúdo do RIMA está no artigo 9
o
, incisos I ao VIII e § único, da Resolução
CONAMA 01/86. Fundamentalmente, ele disporá, de forma clara e objetiva, sobre os
pareceres referentes ao EIA, descrevendo os aspectos elementares do projeto (objetivos,
justificativas e compatibilidade com as políticas governamentais); o diagnóstico da área (meio
físico-químico, ecossistemas naturais, disponibilidade de matéria-prima, mão-de-obra e
características socioeconômicas); o prognóstico do impacto ambiental; a definição de medidas
mitigadoras (melhor equipamento, tecnologia e insumos químicos adequados, entre outras); e
a apresentação de um programa de acompanhamento e avaliação dos resultados.
De acordo com os artigos 10 e 11 da Resolução CONAMA 01/86, o EIA também
precisa passar pelo crivo dos órgãos técnicos do Estado e das instituições de defesa dos
direitos difusos e coletivos, inclusive o Ministério Público e as associações ligadas à proteção
ambiental.
A democratização do EIA e do licenciamento são essências para a promoção da
sustentabilidade. É fundamental efetivar os mecanismos de controle dos procedimentos
administrativos pela sociedade e possibilitar a impugnação das decisões por qualquer cidadão.
Nesse escopo, a audiência pública é um instrumento de grande importância para uma
democracia participativa, pois ela permite a análise popular do RIMA e a apresentação de
253
sugestões ao mesmo, embora as conclusões dessas audiências não vinculem a decisão do
Estado.
Conforme a Resolução CONAMA 09, de 03 de dezembro de 1987, a audiência
pública prevista na Resolução 01/86 tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo
do empreendimento em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos
presentes as críticas e sugestões a respeito.
A audiência deve ser realizada sempre que necessária, ou quando for solicitada por
entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos (artigo da
Resolução do CONAMA nº 09/87).
4.2.3 O licenciamento ambiental
O Licenciamento Ambiental é o processo administrativo (ato administrativo
complexo) decorrente do Poder de Polícia para o controle preventivo do exercício de
determinadas atividades ou obras, a fim de amenizar ou evitar impactos ambientais.
Esse procedimento é um instrumento de política ambiental vital na pretensão de
consolidar o uso racional dos recursos naturais e apurar eventual responsabilidade por dano ao
meio ambiente. Ele também garante a prevenção contra gastos econômicos desnecessários, tanto
do Estado quanto do particular, por exemplo, por evitar prejuízos com processos judiciais, planos
de recuperão do solo, multas, indenizações na esfera civil e a perda da produtividade.
O licenciamento ambiental foi consagrado no inciso IV do artigo e especificado
no artigo 10, ambos da Lei de Política Ambiental. Esse procedimento será obrigatório quando
a atividade for potencialmente capaz de causar impactos ambientais significativos:
Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e
atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente
poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação
ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente,
integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter
supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
O conceito legal de licenciamento ambiental está registrado no inciso I do artigo
da Resolução CONAMA nº 237/97:
I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão
ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de
empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas
efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam
causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e
as normas técnicas aplicáveis ao caso.
254
O impacto ambiental, para fins de licenciamento ambiental, foi definido, nos incisos
I ao IV do artigo da Resolução CONAMA 01/86, como qualquer alteração das
propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de
matéria ou energia resultantes da atividade humana que, direta ou indiretamente, afetem: a
qualidade dos recursos ambientais, o bem-estar coletivo, as atividades sociais e ambientais. O
artigo dessa resolução, com base na definição de impacto ambiental mencionada, define
algumas atividades sujeitas ao procedimento de licenciamento disciplinado na Resolução
CONAMA nº 237/97.
No entanto, considerando o conceito de impacto ambiental da Resolução CONAMA
01/86, notar-se-á a existência de um conjunto de atividades capazes de provocar danos ao
meio ambiente. Pode-se, então, concluir que é grande o número de atividade sujeitas à
exigência de EIA e o licenciamento e o rol da Resolução nº 01/86 é exemplificativo.
Comungam dessa opinião, que foi defendida na subseção anterior, Bessa Antunes
(1992, p. 107), Roberto Barroso (1992, p. 173), Morato Leite (2002) e José Afonso Silva
(2003, p. 289). De acordo com este último, uma resolução administrativa não pode limitar
taxativamente um instrumento constitucional sem a permissão da própria Constituição
Federal.
Nos termos expressos no artigo 225, § 1º, inciso IV, da Constituição, o potencial
impacto ambiental da atividade deve ser significativo. Trata-se de um conceito jurídico
indeterminável, cuja verificação também depende da análise do sistema jurídico, da realidade
histórico-social e dos dados técnicos, o que configura certa discricionariedade da
Administração.
O administrador público precisa observar os aspectos objetivos do parecer técnico,
por exemplo, no reconhecimento de um dano ambiental. No entanto, ele possui liberdade para
analisar a relevância social e econômica desse dano, bem como as possibilidades de sua
redução e a necessidade de tolerar a atividade (BARROSO, 1992, p. 173). Assim, para deferir
ou indeferir um pedido de licença ambiental, além de discutir a existência de impacto
ambiental, a Administração sopesará as outras dimensões do paradigma de desenvolvimento
desejado.
As conclusões do EIA não vinculam o órgão ambiental, elas têm caráter meramente
informativo. Mas a decisão administrativa sempre deverá ser motivada (MIRRA, 2002, p. 85),
mesmo porque haverá responsabilidade subjetiva e solidária do Estado quando a autoridade
255
que outorgar a licença, por negligência, não avaliar adequadamente os estudos técnicos
preventivos
136
.
O resultado final do licenciamento será o ato do órgão público competente, que
concede ou nega a licença ambiental para o prosseguimento do projeto avaliado. O conceito
legal dessa licença está cunhado no inciso II do art. 1º da Resolução CONAMA nº 237/97:
II - Licença Ambiental: ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente,
estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser
obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar,
ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos
ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob
qualquer forma, possam causar degradação ambiental.
Muito se discute se seria o caso de uma licença administrativa ou de uma
autorização. Na licença, preexiste o direito subjetivo ao exercício da atividade; então, ela não
será negada na hipótese de o interessado cumprir as exigências legais - decorre de ato
vinculado. na autorização, o ato é discricionário, isto é, o direito nasce após a outorga
administrativa
137
.
Costa Neto (2003, p. 372) entende que, como no licenciamento ambiental o
proponente do projeto não tem direito subjetivo à realização da atividade e nem há vínculo do
julgador com os parâmetros técnicos constatados, seria melhor falar em autorização. O Poder
Público possui discricionariedade, ainda que menor em relação aos demais atos de autorização
administrativa, para ponderar entre diferentes valores (crise econômica, desenvolvimento
social, meio ambiente, entre outros). Também pensam nesse sentido Paulo Afonso Leme
Machado e Toshio Mukai.
Celso Fiorillo (2001, p. 63) defende que a licença ambiental definida na norma
citada é um ato administrativo discricionário “sui generis”, pois nem o EIA é suficientemente
objetivo para estabelecer um caráter vinculativo, como ocorre em outras licenças
administrativas, nem o administrador pode interpretar o laudo técnico como quiser. Se o
estudo de impacto for favorável ao proponente do projeto, a autoridade está condicionada à
outorga da licença. De outro lado, na hipótese de o EIA ser desfavorável, a Administração
pode, motivando sua decisão na conveniência e oportunidade, deferir o pedido do interessado
no empreendimento.
136
De acordo com o artigo 67 da Lei 9.605/98, o funcionário que outorgar licença ambiental em desacordo
com os padrões legais exigidos comete crime sujeito à pena de detenção.
137
A autorização é o ato administrativo precário e discricionário, inexistindo direito subjetivo à sua obtenção e
continuação. a Licença é o ato administrativo definitivo e vinculativo - satisfeitos os requisitos legais, o
interessado adquire o direito subjetivo à obtenção da outorga do Poder Público (BARROSO, 1992, p. 173).
256
na visão de Marcelo Dawalibi (2000, p. 185), embora receba o nome de licença
ambiental, o ato administrativo de outorga podeser tanto licença quanto autorização. Tal
definição dependeria de, no caso concreto, o pedido ser referir a um ato de caráter vinculado
ou discricionário. Assim, se a atividade depender de ato vinculado, será licença; do contrário,
será autorização. Porém, mesmo sendo vinculada, a licença ambiental não confere direito
subjetivo à instalação ou operação de obra potencialmente causadora de impacto ambiental,
podendo ser revogada na hipótese de superveniência de fato que revele a nocividade do
empreendimento.
Acredita-se que seja caso de licença sui generis, pois o direito de usar a propriedade
já existe; o que se pleiteia é sua conformação com as necessidades coletivas, como se verifica
na leitura do parágrafo único do artigo 170 da Constituição Federal, o qual garante o direito
de explorar a propriedade e a livre iniciativa econômica. Em se verificando os requisitos
legais, o procedimento é vinculativo e a Administração tem o dever-poder de outorgar a
licença.
O licenciamento disciplinado no artigo 8º da Resolução CONAMA nº 237/97 possui
três etapas, as quais poderão ser expedidas isolada (quando se parte de etapas mais avançadas)
ou sucessivamente, de acordo com a natureza, as características e as fases do
empreendimento:
a) A Licença Prévia: ela é concedida na fase preliminar do planejamento do
empreendimento ou atividade, a fim de aprovar a sua localização e concepção, atestando a
viabilidade ambiental e estabelecendo as condições e os requisitos básicos a serem atendidos
nas próximas fases de concretização do projeto (avaliação do seu plano de execução e
objetivos);
b) A Licença Instalação: ela possibilita a implantação do empreendimento ou
atividade de acordo com as especificações constantes nos planos e programas dos projetos
aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais especificações legais e
técnicas;
c) A Licença Operação: verificado o efetivo cumprimento do que consta nas licenças
anteriores, esse ato possibilitará a operação da atividade ou empreendimento, desde que sejam
respeitadas as condições de funcionamento preestabelecidas no zoneamento, EIA e
licenciamento.
A competência para conduzir o licenciamento ambiental está definida no caput” do
artigo 10 da Lei 6.938/81 e especificada nos artigos 4º, e da Resolução CONAMA
237/97. Em regra, cabe aos Estados-membros a realização desse procedimento administrativo.
257
A competência municipal em matéria de licenciamento ambiental é suplementar,
mas ela também pode ser exercida mediante convênio com o Estado, através de delegação,
desde que atendido ao requisito “interesse local” (conforme dispõe o artigo da Resolução
CONAMA nº 237/97), que busca aproximar esse licenciamento dos interesses da coletividade
afetada
138
.
A competência do Município existe, apesar do que dispõe o artigo 10 da Lei
6.938/81 e independentemente do artigo da Resolução CONAMA 237/97, pois esse é o
melhor entendimento do artigo 23, incisos VI e VI, combinado com o artigo 225, ambos da
Constituição Federal, até em virtude da ausência de lei complementar referida no parágrafo
único do mencionado artigo. Aplicam-se ao caso os princípios constitucionais da
predominância do interesse e da subsidiariedade, de modo que se conclui pela competência do
Município para fazer o licenciamento quando houver interesse exclusivamente local.
O procedimento do licenciamento em exame se estrutura em três momentos
processuais: a instauração (apresentação da documentação e do projeto cnico), a instrução
(produção probatória, desenvolvimento das análises e elaboração do relatório de impacto ou
de ausência do mesmo) e, por fim, a decisão do órgão estatal competente. De forma mais
analítica, o artigo 10 da Resolução CONAMA nº 237/97 determina os seguintes ações:
I Definição, pelo órgão ambiental competente, com a participação do
empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais necessários ao início
do processo de licenciamento correspondente à licença a ser requerida;
II - Requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos
documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida
publicidade;
III Análise, pelo órgão ambiental competente integrante do SISNAMA, dos
documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de vistorias
técnicas, quando necessárias;
IV - Solicitação de esclarecimentos e complementações, pelo órgão ambiental
competente integrante do SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise dos
documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber, podendo
haver a reiteração da mesma solicitação, caso os esclarecimentos e complementações
não tenham sido satisfatórios;
V - Audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente;
VI - Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental
competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver
reiteração da solicitação, quando os esclarecimentos e complementações não tenham
sido satisfatórios;
VII - Emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico;
VIII - Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida
publicidade.
Como ato vinculado e definitivo, a licença ambiental somente poderá ser revogada
com o propósito de favorecer o interesse público ou pela ausência dos requisitos que
138
Entende-se por interesse local a predominância dos interesses do Município em relação aos federais, estaduais
ou regionais (intermunicipais).
258
motivaram a outorga da mesma. As hipóteses de modificação ou revogação dessa licença
estão previstas no artigo 19 da Resolução CONAMA 237/97: a) violação ou inadequação
de quaisquer condicionantes ou normas legais; b) omissão ou falsa descrição de informações
relevantes que subsidiaram a expedição da licença; e c) superveniência de graves riscos
ambientais e de saúde.
No âmbito rural, o licenciamento ambiental com a finalidade de obter outorga
administrativa para a execução de um projeto de atividade agrícola, do modo como está
previsto no ordenamento jurídico vigente, poderia ter efeitos positivos no tocante ao
paradigma de desenvolvimento almejado. Para tanto, inclusive por existir fundamento legal,
ele deveria ser realizado em todos os empreendimentos agrários, pois qualquer atividade
agrária não planejada pode causar danos expressivos ao meio ambiente, independente da
extensão da propriedade.
A defesa do licenciamento ambiental em todas as atividades agropecuárias é
criticada por aumentar a burocracia. certa razão nesse questionamento, na medida em que,
como essa atividade possui algumas especificidades decorrentes da influência da agrariedade
(tempo para plantar e colher), a demora nos atos administrativos pode dificultar a sua
adequada realização. A licença no âmbito agrário precisaria ser concedida por um tempo
maior e mediante um procedimento célere, sobretudo quando houver zoneamento agrícola e
licenciamento anterior.
O licenciamento ambiental não pode ser visto pelos produtores como mera
burocracia, a fim de dificultar a atividade, mas como um instrumento para o manejo adequado
dos recursos naturais relacionados à produção agrícola. Por mais que seja interessante, do
ponto de vista econômico, a imediata liberação das atividades produtivas, a sustentabilidade
depende do respeito ao tempo ambiental e às garantias democráticas (audiência pública,
contraditório, etc.).
O licenciamento possibilita a ponderão dos elementos da tridimensionalidade da
função social da terra no momento da decisão quanto à concessão de créditos públicos e de
incentivos fiscais. Ele também favorece o proprietário por exigir a manutenção da fertilidade do
solo e o planejamento da atividade segundo os interesses sociais. Ademais, a licença facilita a
apuração das infrações e a verificação do responsável pelo dano (MILARÉ, 2001, p. 34).
Naturalmente, é possível a simplificação do EIA e a disponibilização de
profissionais dos órgãos oficiais de meio ambiente e/ou agricultura para prestarem assessoria
gratuita ao empreendedor hipossuficiente, como faz a CATI no Estado de São Paulo. Pode-se,
ainda, instituir um procedimento de licenciamento diferenciado para os projetos agropecuários
259
envolvendo pequenos e médios produtores, até mesmo concedendo isenção de taxas e
pagamento dos profissionais; desse modo, não se aumentariam demais os custos da produção.
Já existem procedimentos com a finalidade de facilitar a realização do licenciamento
em razão da menor complexidade da atividade econômica, como se verifica no artigo 12 da
Resolução CONAMA 237/97 e na Resolução CONAMA 279, de 27 de junho de 2001.
Essas normas estabelecem procedimentos simplificados para os empreendimentos de pequeno
potencial de impacto ambiental ou que implementem planos e programas voluntários de
gestão ambiental, visando a melhoria contínua e o aprimoramento do desempenho
ecossistêmico. Difícil é definir quando o impacto ambiental é de pequeno porte.
No Estado de São Paulo, existe o Sistema de Licenciamento Simplificado (SILIS),
que é um procedimento célere e informatizado, via Internet, pelo qual empreendimentos de
baixo potencial poluidor podem obter Licença Prévia, de Instalação e de Operação, emitidas
todas em apenas um documento e sem a necessidade de o usuário comparecer às Agências
Ambientais da CETESB. O SILIS também pode ser utilizado para a renovação da Licença de
Operação.
Outro procedimento simplificado foi estabelecido para o licenciamento de projetos
de assentamentos da reforma agrária. Ele reduz as licenças necessárias, estabelece um RIMA
mais simples e exige o compromisso do órgão oficial que coordena o projeto em análise.
O licenciamento dos projetos de assentamentos da reforma agrária está disciplinado
na Resolução CONAMA nº 387, de 27 de dezembro de 2006. Nesse procedimento, apenas
duas licenças, uma vez que as licenças de instalação e operação foram reunidas, a fim de
possibilitar que a reforma agrária seja implantada mais rapidamente, porém, de forma
sustentável.
Essa Resolução procura solucionar as deficiências dos projetos de assentamento em
relação à inviabilidade desse modelo de empreendimento diante dos empecilhos regionais,
seja pelos limites do meio ambiente, seja devido às características socioeconômicas
existentes.
O licenciamento dos assentamentos será ainda mais lere com a substituição do
EIA por diagnósticos ambientais contemplados em outros projetos. Além disso, com o
propósito de tornar o procedimento mais simples, ele também institui uma licença ambiental
diferenciada para os assentamentos já existentes e regulamenta a certidão municipal que
comprovará se o local e o tipo de empreendimento estão em conformidade com o uso
adequado do solo agrícola.
260
A Resolução 387/06 estabelece diretrizes e procedimentos de controle e gestão
ambiental que orientam e disciplinam o uso e a exploração dos recursos naturais, tendo em
vista a efetiva proteção do meio ambiente nos assentamentos. Percebe-se que, como bases nas
diretrizes do princípio da precaução, essa norma do CONAMA (principalmente o seu artigo
1°, incisos I ao IV) procura vincular a reforma agrária às dimensões da função social da
propriedade e ao modelo de desenvolvimento sustentável definidos na Constituição Federal.
Também nesse sentido, a Resolução CONAMA 385, de 27 de dezembro de 2006,
procura facilitar o licenciamento de agroindústrias de pequeno porte e de baixo impacto
ambiental, com área construída de até 250 m², para promover a agricultura familiar
sustentável.
Sem dúvida, o licenciamento das atividades agrícolas está vinculado à adoção das
melhores técnicas disponíveis no que se refere à proteção ambiental e à capacidade produtiva
do agroecossistema, claro que dentro das possibilidades regionais, pois é ilegítimo exigir
obrigações que o produtor não conseguirá cumprir. Por isso, o licenciamento precisaria ser
diretamente ligado à assistência técnica e extensão rural, e ao financiamento da produção.
Mesmo assim, a outorga administrativa não impede a responsabilidade civil objetiva
do poluidor, embora afaste infrações na esfera administrativa e penal. É fato que ninguém
recebe o direito de destruir o meio ambiente - bem indisponível até para o Poder Público.
Por fim, é necessário comentar a discussão sobre a viabilidade dos organismos
geneticamente modificados (transgênicos) na atividade agrícola. Esse tema ganhou relevância
no âmbito do Direito Agrário nos últimos anos, pois alguns produtores passaram a utilizar tal
tecnologia para aumentar a produtividade e oferecer alguns elementos qualitativos ao produto.
A legislação atual não impede os transgênicos, desde que adotadas as medidas de
prevenção e precaução, bem como que exista licença expedida pelo Conselho Nacional de
Biossegurança
139
. O professor Paulo Afonso Leme Machado (2007, p. 50) explica que:
No caso brasileiro, contudo, exige-se mais do que a avaliação de riscos. Exige-se o
estudo prévio de impacto ambiental. Não se aplica o princípio da precaução sem que
haja risco na atividade examinada, sendo que nas atividades de engenharia genética
o risco é afirmado ao ser indicada a necessidade da observância do princípio da
precaução. A CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - pode
afastar a existência de possibilidade ou potencialidade de degradação ao meio se,
evidentemente, avaliar pública e transparente a existência desse risco de degradação.
Caso contrário, a CTNBio estaria agindo arbitrariamente, isto é, contra a Lei
11.105/2005 e contra a Constituição Federal.
139
Recentemente, no dia 12 de fevereiro de 2008, o CTNbio liberou o cultivo e a comercialização de duas
variedades de milho transgênico no Brasil. Uma delas, desenvolvida pela empresa americana Monsanto, é
resistente a insetos. A outra, criada pela multinacional alemã Bayer, auxilia no combate às ervas daninhas.
261
Os defensores dessa biotecnologia, como Benedito do Espírito Santo (2001, p. 64),
entendem que os efeitos seriam até benéficos ao meio ambiente, devido ao menor uso de
insumos químicos, à diminuição da vulnerabilidade aos fatores climáticos e à maior
produtividade por área agrícola. O autor considera que há muita intolerância com os produtos
transgênicos, alguns por ignorância e outros por interesses político-econômicos, de maneira
que seria mais adequado outorgar à ciência o poder para dar a palavra final sobre esse assunto.
Benedito do Espírito Santo (2001, p. 67) acredita que a biotecnologia possibilitará
aos países a superação das barreiras ecológicas e a diminuição dos custos da produção, com
redução dos gastos com insumos. Logo, ela modificará o atual curso das exportações
agrícolas.
Em contrapartida, para outros autores, os transgênicos aumentariam o uso de
insumos químicos, na medida em que garantiriam maior resistência da planta aos herbicidas.
Os transgênicos causariam, ainda, efeitos incalculáveis no ecossistema natural, como a perda
da diversidade genética (erosão gênica) e agrobiológica - em razão da manutenção do sistema
patronal moderno, dos direitos de patentes e preferências, bem como pela criação de toxinas
ou fatores alergênicos, fecundação cruzada, pragas resistentes e a alteração da cadeia
alimentar.
Além disso, qualquer dano poderá atingir direitos difusos fora do local onde ocorreu
a utilização dessa biotecnologia, conforme reconheceu a decisão proferida em 17 de maio de
2004, pela Terceira Seção do STJ, no Conflito de Competência n.º 41.301-RS:
Ementa: Criminal. Conflito de competência. Liberação de organismo geneticamente
modificado no meio ambiente. Sementes de soja transgênica. Falta de autorização da
CTNBio. Eventuais efeitos ambientais que não se restringem ao âmbito de estados
da federação individualmente considerados. Possibilidade de conseqüências à saúde
pública. Interesse da União no controle e regulamentação do manejo de sementes de
OGM. Competência da Justiça Federal. [...] III. Os eventuais efeitos ambientais
decorrentes da liberação de organismos geneticamente modificados não se
restringem ao âmbito dos Estados da Federação em que efetivamente ocorre o
plantio ou descarte, sendo que seu uso indiscriminado pode acarretar
conseqüências a direitos difusos, tais como a saúde pública (grifos nossos).
Carlos Mazzeto Silva (2001, p. 67) teme, ainda, que a engenharia genética facilite o
registro e o controle de patentes e, por conseguinte, aumente a dependência e a
vulnerabilidade dos produtores rurais
140
.
140
O direito de patente da tecnologia agrícola e a venda de sementes com a utilização de genes estéreis na
segunda geração são formas de apropriação de todo o conhecimento agrícola acumulado em milhares de
anos, pois a tecnologia transgênica partiu desse conhecimento existente, que é uma herança comum da
humanidade.
262
A proibição jurídica precisa considerar a sanidade do produto agrícola e o impacto
ambiental, uma vez que, em relação à dependência do produtor rural, as indústrias químicas e
de sementes dominam o mercado de direitos de patentes. Por isso, merecem aplausos a
previsão legal e a postura doutrinária que vinculam a atividade agrícola com utilização de
insumos transgênicos ao estudo prévio de impacto ambiental e ao licenciamento junto à
CNTBIO.
4.2.4 A Auditoria e a Gestão Ambiental
A avaliação dos impactos da atividade econômica sobre o meio ambiente é um
aspecto capital para o desenvolvimento sustentável, tanto no momento de decisão em relação
à possibilidade de aprovação de um projeto, quanto na execução da atividade licenciada. De
maneira permanente e contínua, é indispensável a verificação do respeito às normas jurídicas
(como dispõe o artigo 174 da Constituição Federal e o artigo 5º, parágrafo único, da Lei
6.938/81), bem como às regras de mercado ou de instituições de padronização.
A auditoria é um instrumento de controle ambiental, periódico ou permanente, que
avalia a execução e os resultados da atividade econômica a partir da constatação do
cumprimento das obrigações impostas pela legislação e das diretrizes definidas no processo
de licenciamento. Esse instrumento de controle e fiscalização é fundamental para se alcançar
o fim preventivo buscado no licenciamento, na certificação e na responsabilização do
poluidor:
A auditoria ambiental é um instrumento utilizado por empresas para auxiliá-las a
controlar o atendimento a políticas, práticas, procedimentos e/ou requisitos
estipulados com o objetivo de evitar a degradação ambiental. Ela tem despertado
crescente interesse na comunidade empresarial e nos governos, sendo considerada
ferramenta básica para a obtenção de maior controle e segurança do desempenho
ambiental de uma empresa, bem como, para evitar acidentes. A auditoria ambiental,
quando publicada (seu resultado pode ser sigiloso), fornece aos órgãos ambientais e
à sociedade informações relativas ao desempenho ambiental das empresas,
auxiliando os órgãos de controle ambiental no exercício de suas atribuições, sem
eliminar a possibilidade destes exercerem a fiscalização e inspeção à empresa
(ROVERE, 2001, p. 07).
Apesar da importância da auditoria para a fiscalização da execução das atividades
econômicas que podem causar danos ambientais, os grandes problemas quanto à sua
efetividade são: o aumento dos custos da produção e a ausência de definição do seu
procedimento.
Seria interessante que a auditoria fosse exigida pelo Estado, forçando o executor da
atividade licenciada a contribuir no controle do cumprimento das diretrizes de proteção ao
263
desenvolvimento sustentável, por meio da implantação de sistemas de gestão ambiental;
contudo, ainda não existe legislação federal nesse sentido.
A auditoria ambiental poderá ser realizada por empresa privada e encontra previsão
normativa na Resolução CONAMA 306, de 05 de julho de 2002, a qual estabelece os
requisitos mínimos para a realização desse procedimento, que foi definido no inciso II do
anexo I dessa Resolução como:
[...] processo sistemático e documentado de verificação, executado para obter e
avaliar, de forma objetiva, evidências que determinem se as atividades, eventos,
sistemas de gestão e condições ambientais especificados ou as informações
relacionadas a estes estão em conformidade com os critérios de auditoria
estabelecidos nesta Resolução, e para comunicar os resultados desse processo.
Por meio do controle e gestão da atividade, é possível verificar a política ambiental
do empreendimento, as externalidades da produção, a estrutura gerencial da empresa, e avaliar
a conformação da atividade com a legislação ambiental e os programas de monitoramento e
revisão. Enfim, obter o máximo de informações com o propósito de diminuir os impactos
ecológicos, melhorar a imagem da empresa, evitar gastos com responsabilidade ambiental e
garantir meios de defesa em eventuais ações judiciais.
A fim de que a auditoria consiga efetivar os fins mencionados no parágrafo acima, é
interessante que ela passe pelas seguintes fases: a) planejamento da atividade de controle, com
a definição dos seus objetivos, critérios, recursos, responsabilidades e prazos; b) preparação
da auditoria, mediante a verificação da política ambiental da empresa e a reunião de
informações; c) execução dos planos no local, através da coleta de evidências para comparar
com as informações obtidas; d) preparação do relatório, com registro formal dos resultados,
plano de ação e meios para corrigir as falhas detectadas durante o trabalho (ROVERE, 2001,
p. 29-43).
A auditoria ambiental, como procedimento de exame e avaliação periódica ou
ocasional do comportamento de uma empresa em relação ao meio ambiente, é um instrumento
de gestão ambiental, e, por conseguinte, de avaliação do cumprimento das obrigações
estabelecidas no EIA e no licenciamento ambiental (MACHADO, 2003, p. 281).
A auditoria faz parte de um Sistema de Gestão Ambiental (SGA) que, por meio de
uma consultoria qualificada, orientará o planejamento, a execução dos planos e a fiscalização
contínua e permanente da atividade econômica, com o propósito de redução das
externalidades negativas em relação ao meio ambiente e respeito à legislação vigente:
Um Sistema de Gestão Ambiental (SGA) corresponde a um conjunto inter-
relacionado de políticas, práticas e procedimentos organizacionais, técnicos e
administrativos de uma empresa que objetiva obter melhor desempenho ambiental,
264
bem como o controle e redução dos seus impactos ambientais. Desempenho
Ambiental consiste em resultados mensuráveis da gestão de aspectos ambientais das
atividades, produtos e serviços de uma organização (ROVERE, 2001, p. 07, grifos
do autor).
Como exigência do ordenamento jurídico, a gestão ambiental encontra fundamento
no inciso I do artigo da Lei 6.938/81, o qual estabelece o controle geral do padrão de
qualidade ambiental nas atividades econômicas, a fim de avaliar o cumprimento das
obrigações legais e da responsabilidade do poluidor.
Essa gestão também se configura por razões voluntárias, as quais decorrem dos
interesses do empreendedor em melhorar a imagem da empresa ou a fim de buscar
financiamento público, prevenir risco de responsabilização ambiental, reduzir os custos da
produção, conquistar novos mercados, entre outras pretensões (D’ISEP, 2004, p. 142).
O SGA tem ganhado destaque em razão de o mercado exigir produtos com
certificação de qualidade total e de gestão ambiental adequada. Para um empreendimento
alcançar competitividade no comercio mundial, por exemplo, é de fundamental importância
que respeite as normas da Organização Internacional de Padronização -em inglês
“International Organization for Standardization” (ISO) -, que, no Brasil, é representada pela
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Trata-se de uma organização não-
governamental e sem fins lucrativos que, desde 1947, procura estabelecer uma normalização
padronizada em nível internacional.
A ISO, embora não possa legislar, propõe normas que, se seguidas, dão ao
empreendimento a indispensável credibilidade técnica. Do contrário, caso os padrões não
sejam respeitados, os seus produtos podem ser boicotados no mercado pela própria sociedade
civil.
O estabelecimento desses padrões decorre da busca de certo consenso entre
diferentes setores sociais, como consumidores, produtores e os próprios Estados. Embora
privada e voluntária, as normas dessa Organização têm alcançado grande relevância no
comércio internacional, ganhando importância também na exportação da produção agrícola
brasileira.
Na série ISO 14.000, a qual trata da gestão ambiental, exige-se o respeito a uma
metodologia preestabelecida e a utilização de uma equipe de profissionais credenciada no
265
órgão ambiental competente e que atue com certa independência, transparência e
imparcialidade
141
.
Essa série versa sobre um conjunto de normas e instrumentos para a gestão
ambiental adequada, a fim de viabilizar a certificação da empresa que desenvolver seu sistema
de gestão em consonância com as diretrizes preconizadas por essa normalização (D’ISEP,
2004, p. 156).
A série ISO 14.000, adotada no Brasil pela ABNT em 1996, além da gestão
ambiental, dispõe da auditoria, dos estudos prévios de impacto, do conceito de melhoria
normativa da proteção ecológica, da rotulagem e da certificação da atividade. Ela possui
diversas variáveis, entre elas a NBR ISO 14.001/4, a qual estabelece diretrizes e
especificações para a gestão ambiental preventiva, e a série NBR ISO 19.011, que define os
procedimentos das auditorias ambientais integrantes do SGA.
A Política Ambiental foi apregoada no item 3.9 da NBR ISO 14.001, a qual exige o
comprometimento da empresa com a proteção ecológica - inclusive para cumprir as leis
ambientais do país onde se desenvolve a atividade. Salientam-se, ainda, os itens 4.2 e 4.6, os
quais tratam do planejamento, da instalação, do monitoramento, da análise de resultados e do
programa de desenvolvimento sustentável por meio da melhoria contínua do empreendimento.
Embora o enquadramento do empreendimento na normalização da ISO seja
voluntário, há uma cobrança extra-institucional com grande efetividade. Uma vez pretendida a
certificação dessa Organização, será obrigatório seguir seus padrões, o que inclui o
cumprimento da função social da propriedade e da política ambiental nacional (D’ISEP, 2004,
p. 150). Sem o respaldo da qualidade ISO, as empresas não conseguem sobreviver no
comércio internacional, já que a confiabilidade do produto é condição essencial para o
sucesso nesse mercado.
Os padrões internacionais trazem resultados benéficos para o desenvolvimento
sustentável dos Estados Nacionais, uma vez que trabalham com a idéia de planejamento e
melhoria contínua para prevenir danos ambientais, de redução de custos com processos
judiciais e administrativos, bem como trabalham com o estabelecimento de programas de
combate progressivo às técnicas insustentáveis e o respeito às normas ambientais do país.
Destarte, não se concorda com Sérgio Borja (1999, p. 589), ao considerar as normas
da ISO mero marketing liberal, pois elas contribuem com o objetivo de solidificação de uma
141
A série ISO 9.000 trata da qualidade do produto. O fornecedor que conseguir cumprir os padrões de controle
de qualidade estabelecidos pela Organização tem maiores condições de se tornar competitivo no mercado
mundial.
266
política ambiental preventiva. Infelizmente, o Estado não consegue dispor de ferramentas
jurídicas com a mesma efetividade alcançada pelo mercado para efetivar as normas
ambientais.
A ISO é baseada no automonitoramento privado e no cumprimento voluntário; a
única sanção, apesar de extremamente prejudicial às pretensões comerciais da empresa, é a
perda do certificado da Organização. Ocorre que, muitas vezes, a certificação é estabelecida
como condição ou meta nos contratos privados, o que possibilita o controle do projeto pelos
compradores e, por conseguinte, a sobrevivência do fornecedor no comércio mundial.
A série ISO não exige propriamente a ausência de riscos de poluição para conceder
um certificado, mas a adoção do sistema padronizado de gestão ambiental. Não obstante, ao
adotar esse sistema, a tendência é a diminuição do impacto ecossistêmico, pois ele procura
exigir ações no sentido de cumprir a legislação do país e planejar racionalmente a execução da
atividade.
No Brasil, infelizmente, o ordenamento jurídico não exige a realização de auditoria e
gestão ambiental em todas as atividades agrícolas, que esse controle possibilitaria verificar
o respeito à legislação agrária e complementar o SGA de instituições privadas como a ISO.
4.2.5 Certificação Agroecológica
A certificação é uma forma de externar o cumprimento de normas legais ou o
respeito a determinado sistema padronizado.
A certificação ambiental é um processo de verificação por uma terceira parte
emissora do certificado de que determinada empresa atua de acordo com certos
critérios uniformes em relação ao meio ambiente, estabelecidos numa norma técnica.
Quando conformidade entre o sistema de gestão ambiental praticado pela
empresa e os critérios estabelecidos na norma técnica, a entidade certificadora
confere a certificação à empresa. Uma vez obtida a certificação, sua manutenção
depende de resultados a serem verificados por auditorias periódicas (CORRÊA,
2006, p. 194, grifos do autor).
Diante das definições acima, acredita-se na possibilidade de um selo capaz de
certificar o respeito a todos os aspectos da atividade agrícola sustentável, ou seja, criar um
selo para a satisfação integral e simultânea dos requisitos da função social.
Ainda não existe previsão legal para tal selo, permanecendo a valorização da
certificação apenas ambiental e restrita aos procedimentos definidos por instituições privadas.
Não obstante, a certificação agroecológica é uma das esperanças para fiscalizar e incentivar o
manejo adequado dos recursos naturais utilizados na produção agrária. Um selo nesse
267
segmento poderia estimular a adoção de uma política funcional no tocante ao oferecimento de
crédito, concessão de benefícios fiscais ou acesso aos programas do poder público.
Juan Miguel (1993, p. 574) considera que, por meio do etiquetamento, também é
possível atestar a qualidade do produto agrícola segundo as normas exigidas (técnicas aceitas,
respeito ao zoneamento e estudo de impacto ambiental), bem como realizar o rastreamento do
produto (produtor, local e qualidade sanitária), o monitoramento e a fiscalização da produção.
Atualmente, essa vinculação é mais difícil em virtude do predomínio absoluto das
certificações privadas. Destacam-se dois selos de grande aceitação no âmbito do comércio de
produtos agrícolas orgânicos - o selo da Associação de Agricultura Orgânica (AAO) e o do
Instituto Biodinâmico de Defesa Rural (IBD), os quais disciplinam a atividade agrícola com
base nas técnicas propostas pela Federação Internacional de Agricultura Orgânica. Merece
nota, ainda, a selo decorrente do respeito à gestão ambiental normalizada pela série ISO NBR
14.000, certificação que adquiriu grande relevância e efetividade no âmbito do comércio
internacional.
O problema da certificação privada é o alto custo para o pequeno produtor e a
impossibilidade de controle e interferência do Estado, de maneira que fica difícil e arriscado
utilizá-la como parâmetro para fins de vinculação dos programas governamentais. Torna-se
imprescindível a criação de um selo do MAPA; contudo, embora existam projetos de leis em
andamento na Câmara dos Deputados, ainda não tal previsão no ordenamento jurídico
brasileiro.
A certificação também é importante por permitir maior atuação do consumidor na
defesa do desenvolvimento sustentável. Na verdade, a eficácia de um selo é diretamente
determinada pela sensibilidade dos consumidores às questões sociais e ambientais, pois eles
podem influenciar e controlar as regras do mercado, optando entre os produtos orgânicos, os
transgênicos e os convencionais
142
. O selo é um meio para fomentar a participação da
sociedade civil.
A democracia participativa é essencial na realização dos valores da sociedade. Até
por isso, foi apregoada no artigo 187, “caput”, da Constituição Federal, o qual dispõe sobre a
necessidade de participação dos vários sujeitos rurais na definição da política agrícola.
Nessa forma de democracia econômica, o consumidor é um agente importante na
mudança do paradigma produtivo, pois pode forçar a evolução da publicidade ecológica e,
antes, a preocupação do empresário com a imagem da empresa, estimulando-o a investir na
142
Recentemente, ambientalistas europeus propuseram que os restaurantes daquele continente boicotassem a soja
produzida na Amazônia, a fim desestimular o desmatamento e o uso de técnicas agrícolas predatórias.
268
proteção ecológica como vantagem comparativa no comércio internacional. A atuação do
consumidor também encontra respaldo nos direitos estabelecidos no Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.072/90), como o direito à informação quanto à procedência e a
qualidade do produto.
Nesse desiderato, o selo ecológico é um importante instrumento de política agrícola,
sobretudo quando se pauta mais em aspectos científicos e numa visão sistêmica do meio
ambiente do que nos ganhos comerciais com a produção ecologicamente correta. Contudo, é
certo que a certificação referente à produção ecológica garante possibilidades mercadológicas
àqueles que conseguem adquiri-la, pois o consumidor tende a se tornar cada vez mais
exigente.
O interesse norteia a responsabilidade ecológica desenvolvida na esfera empresarial.
E, nesse contexto, a certificação ambiental é utilizada com a finalidade de aumentar as
vantagens comparativas através da criação de uma boa imagem da empresa; tratando-se do
“ecomarketing”.
O problema da sustentabilidade apenas como vantagens comparativas é que essas
tendem a diminuir com a difusão das técnicas sustentáveis. A proteção ambiental precisa ser
compreendida como uma condição indispensável na realização das atividades produtivas,
independente dos benefícios econômicos.
Todavia, a proteção ambiental é utilizada abusivamente como medida protecionista
no comércio internacional, restringindo a importação à produção que apresente determinado
selo de qualidade ou padrão fitossanitário
143
. Ocorre que grande parte das instituições de
certificação sofre forte pressão das economias avançadas na elaboração das normas técnicas,
tornando-as uma barreira anticomercial em detrimento dos países periféricos (CORRÊA,
2006, p. 198).
Embora o meio ambiente seja um problema de todos, quando a sua proteção é
promovida como uma forma de “ecomarketing” ou protecionismo, cria-se uma série de
dificuldades aos países pobres, sobretudo porque o investimento em tecnologia sustentável e
as vantagens comparativas provocarão o aumento dos custos da produção agrícola. Basta
notar o preço dos alimentos orgânicos e dos produtos que oferecem benefícios à saúde.
143
Os EUA são defensores do estabelecimento, via acordos na Organização Mundial do Comércio (OMC), de
regras ecológicas mínimas, a fim de que, em sendo desrespeitadas, o importador possa rejeitar ou sobretaxar
a produção. O medo dos produtores brasileiros é que essas regras se tornem medidas protecionistas, pois um
país desenvolvido e com capacidade de produzir excedentes agrícolas pode vir a estabelecer exigências
inviáveis para os demais competidores.
269
No âmbito agrícola, a existência de um selo público com a efetividade daqueles
fornecidos pela ISO possibilitaria melhorar a orientação da produção no tocante às condições
sanitárias, uso de sementes transgênicas e rastreabilidade. O Direito deveria atuar de forma
prospectiva na promoção de uma certificação desse tipo, haja vista que ela auxiliaria na
consolidação da pretensão de modificação do paradigma de atividade agrícola predominante:
La incorporación de técnicas e instrumentos con fondamento em el mercado,
tendência hoy imparable, debe ser consciente de las limitaciones del mismo com
instrumento de regulación. Si el problema fundamental, como dice Latin, es la
generación de un adecuada transparencia que permita la elección ambiental del
consumidor, el derecho está obligado a la implantación de esos mecanismos de
transparencia (etiquetado verde o ecológico, Ecoauditoria, productos ecológicos,
etc.). Si el mercado es incapaz de generar transparencia, ésta deberá imponerse de
forma coactiva. Los productos deben no sólo expresa su inocuidad sino también su
potencial dañosidad. Si el tabaco usualmente advierte de los peligros que genera
para salud ¿Por qué no pensar en su sistema que identifique la dañosidad ambiental
de los productos (por ejemplo, en una escala de 1 a 10, explicando el significado de
dicha escala en el proprio etiquetado del producto)? La ‘democracia’ del consumo
responsable expulsaría del mercado a las empresas ambientalmente indeseables
(FRAGA, 2004, p. 229).
A certificação também pode ser utilizada para a promoção de outros aspectos do
desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, o MDA, a fim de estimular as empresas a
adquirirem a matéria-prima produzida pela agricultura familiar, lançou o selo “Combustível
Social”. Os detentores desse selo adquirem diversos benefícios governamentais, como a
redução de alíquotas fiscais e o acesso a melhores condições de financiamento junto aos
bancos oficiais.
O referido selo vai ao encontro da proteção constitucional ao pequeno produtor e ao
meio ambiente, estimulando a atividade agrícola familiar e a produção de matéria-prima para
o biodiesel. Porém, essa política precisa vir acompanhada de outras ações voltadas à pequena
produção, como assistência técnica, crédito e seguro (TERRA ..., 2006, p. 97).
Em relação à certificação, também é necessário cuidado para não criar um mercado
de comercialização do direito de poluir, como ocorre quando se possibilita a negociação de
um selo ecológico como medida de compensação ambiental. Embora essa seja uma forma de
estimular quem tem produção “ecológica” a melhorar ainda mais, ela tende a manter o
estado atual.
4.2.6 A difusão do conhecimento sobre a tecnologia adequada
A legislação agrária vigente consagra a integração entre o conhecimento tecnológico
e a atividade rural, conforme dispõem os artigos 12, inciso I, e 18 da Lei de Política Agrícola.
270
A pesquisa deve se relacionar com a assistência técnica e a extensão rural, de modo a ser
criada ou adaptada às necessidades do agroecossistema, observando as características
biofísicas do local e as condições econômicas e culturais dos segmentos sociais envolvidos
nesse setor produtivo.
A pesquisa agrícola, sem violar a autonomia científica, voltar-se-á ao uso adequado
dos recursos naturais, a fim de promover a sustentabilidade dos diferentes modelos produtivos
e o aumento da produtividade dos mesmos.
A tecnologia e pesquisa científica são importantes instrumentos de política agrícola,
uma vez que interferem na produtividade e na viabilidade da atividade, evitam a desistência
dos produtores rurais, e ainda permitem a otimização do uso e a recuperação dos recursos
naturais.
A pesquisa agrícola, nos termos dos artigos 4º, inciso II, e 12 da Lei 8.171/91,
será funcionalizada em favor da promoção do desenvolvimento almejado, objetivando
favorecer a viabilidade socioeconômica da produção, de acordo com as características
regionais e as possibilidades de acesso às tecnologias desenvolvidas. Esse entendimento fica
ainda mais evidente quando se observa o objetivo do fomento tecnológico previsto no artigo
96 dessa Lei:
Art. 96. Compete ao Poder Público implementar um conjunto de ações no âmbito da
mecanização agrícola, para que, com recursos humanos, materiais e financeiros,
alcance: [...]
III - fortalecer a pesquisa nas universidades e institutos de pesquisa e
desenvolvimento na área de máquinas agrícolas, assim como os serviços de extensão
rural e treinamento em mecanização; [...]
VI - divulgar e estimular as práticas de mecanização que promovam a conservação
do solo e do meio ambiente.
Infelizmente, problemas com o financiamento da pesquisa agrícola. Os
investimentos privados são concentrados no desenvolvimento de técnicas para algumas
produções mais lucrativas, especialmente aquelas voltadas à exportação. De outro lado, as
pesquisas em instituições públicas não possuem recursos satisfatórios e nem profissionais em
número suficiente e devidamente remunerados. Mesmo assim, o Brasil possui instituições de
destaque, como o Instituto Agronômico de Campinas, a Embrapa, a Fapesp e o CNPq.
Faz-se necessário ressaltar que os financiadores dos projetos e pesquisas, quando
houver previsão legal, podem ser responsabilizados pelos resultados, como se verifica no § 4º
do artigo da Lei 11.105, de 24 de março de 2005. Essa medida jurídica é interessante por
incentivar a destinação dos recursos às pesquisas voltadas ao desenvolvimento de técnicas
mais sustentáveis.
271
Entretanto, não basta somente pesquisar. É inadiável a criação de mecanismos com o
propósito de garantir que o conhecimento seja acessível ao produtor rural. Nesse desiderato,
podem ser mencionadas como políticas mais eficazes no propósito de integrar a tecnologia à
produção: a educação ambiental, a assistência técnica, a extensão rural, e a concessão de
créditos para a implantação das técnicas alternativas voltadas ao desenvolvimento sustentável.
A educação ambiental, consagrada no artigo 225, § 1º, inciso VI, da Constituição e
nos artigos e 9º, inciso VII, da Lei 6.938/81, e disciplinada na Lei 9.795/99, é um
instrumento de conscientização do produtor rural quanto à importância do equilíbrio
ecológico e das formas de preservação, a fim de que ele passe a ser um agente da
sustentabilidade e exija do Poder Público o cumprimento das diretrizes da política ambiental.
Para disseminar essa forma de educação, sopesando a pouca instrução dos pequenos
produtores, o Estado deverá investir em meios de comunicação de linguagem acessível (como
o rádio) e na assistência técnica gratuita.
A informação ambiental enquanto política agrícola está disciplinada no artigo 30 da
Lei 8.171/91, o qual determina que os órgãos públicos ligados à agricultura formarão uma
base de dados (do zoneamento agrícola) a ser amplamente divulgada, contendo informações
sobre as técnicas adequadas, o conhecimento científico disponível, as possibilidades de uso do
solo agrícola de cada região, as condições sanitárias, entre outras.
Ainda considerando a forma de organização do comércio internacional dos produtos
agrícolas, necessidade de disponibilização de informações seguras sobre a qualidade da
produção. Por isso, a defesa agropecuária, cujos objetivos foram enumerados no artigo 27 da
Lei nº 8.171/91, vem ganhando destaque no controle das atividades agrícolas, tanto na difusão
do conhecimento em relação às condutas adequadas para manter a sanidade das populações
vegetais e animais, quanto a fim de atestar a idoneidade do produto oferecido no mercado.
Como os órgãos científicos não conseguem difundir as pesquisas agrícolas, o
acesso ao conhecimento tecnológico e das formas de prevenção aos problemas sanitários
pelo produtor rural depende da divulgação e indução por meio da assistência técnica e da
extensão rural, previstas como instrumentos de política agcola no inciso III do artigo
da Lei nº 8.171/91.
Essas medidas consistem na elaboração de planos ou projetos relativos à atividade
agrícola e na orientação técnica do produtor rural diretamente no local da produção. Tal
previsão está no Manual do Crédito Agrário, do Banco Central, o que demonstra a ligação
entre a difusão do conhecimento e o financiamento da produção, até porque o deferimento do
272
crédito público depende da assistência técnica prestada por profissional habilitado e
credenciado.
A assistência técnica e a extensão rural foram disciplinadas no artigo 16 e seguintes
da Lei 8.171/91, com o objetivo de orientar o produtor em questões como técnicas de
cultivo, preservação do meio ambiente, produtividade, gerenciamento do empreendimento,
beneficiamento do produto, armazenamento e comercialização da produção.
De acordo com o artigo 17 dessa norma, o Poder Público manterá serviço oficial de
assistência técnica e extensão rural de caráter educativo, de forma a garantir atendimento
gratuito aos pequenos produtores e suas formas associativas, visando:
I - difundir tecnologias necessárias ao aprimoramento da economia agrícola, à
conservação dos recursos naturais e à melhoria das condições de vida do meio rural;
II - estimular e apoiar a participação e a organização da população rural, respeitando a
organização da unidade familiar bem como as entidades de representação dos
produtores rurais;
III - identificar tecnologias alternativas juntamente com instituições de pesquisa e
produtores rurais;
IV - disseminar informações conjunturais nas áreas de produção agrícola,
comercialização, abastecimento e agroindústria.
A extensão rural tem a finalidade de ligar o produtor ao pesquisador e, de certa
forma, fiscalizar e orientar a aplicação dos créditos em técnicas capazes de agregar valor à
produção familiar e de fomentar a transição para um modelo de produção sustentável e viável.
Antes, até de forma mais extensa, a assistência técnica havia sido disciplinada no
artigo 75 do Estatuto da Terra como política de desenvolvimento rural a ser prestada por
órgão do Poder Público, a fim de atingir os seguintes objetivos: a) a planificação de
empreendimentos e atividades agrícolas; b) a elevação do nível sanitário, através de serviços
próprios de saúde e saneamento rural, melhoria de habitação e de capacitação do trabalhador
rural; c) a criação do espírito empresarial e a formação adequada em economia doméstica; d)
a transmissão de conhecimentos e acesso a meios técnicos concernentes a métodos e práticas
agropecuárias de defesa sanitária; e) o auxílio e a assistência para o uso racional do solo, a
execução de planos de reflorestamento, a obtenção de crédito e financiamento, e a defesa e
preservação dos recursos naturais; e f) a promoção do espírito de liderança e de
associativismo entre os agricultores.
Pelo exposto, do ponto de vista jurídico, pode-se afirmar que a assistência técnica e
a extensão rural, integradas à pesquisa, receberam a função de promover técnicas para a
concretização de atividades agrícolas sustentáveis. Tal vinculação também existe nos
assentamentos da reforma agrária, como especifica a Norma de Execução 2, de 06 de
novembro de 2000, da Superintendência Nacional do Desenvolvimento Agrário.
273
Importante destacar que, mesmo havendo pesquisa e ela sendo ensinada aos demais
profissionais ligados às atividades agrícolas, o cientista, o assistente técnico e o extensionista
rural não têm autoridade política para obrigar o particular. Assim, é necessário que as
conclusões científicas sejam apresentadas à sociedade e ao Poder Público, para que, mediante
práticas democráticas e institucionais, decida-se qual a postura que atende ao interesse
público.
Somente houve a adoção do pacote tecnológico proposto na “Revolução Verde” pela
perspectiva de aumentar a produtividade e a competitividade, bem como em razão da
disponibilidade de créditos subsidiados para a modernização da produção. Da mesma forma, é
essencial a ampla participação estatal na disseminação das novas tecnologias alternativas.
O Estado pode intervir, por exemplo, no direcionamento dos investimentos em
pesquisa, bem como na orientação da grade mínima dos programas de ensino de escolas
técnicas e cursos universitários relacionados à produção agrícola com os conhecimentos que
atendam aos novos anseios do segmento econômico em exame.
A pesquisa, a assistência técnica, o financiamento da produção, a conservação
ambiental e a defesa agropecuária, embora sejam ações capazes de beneficiar diretamente a
produção, não se caracterizaram como subsídios e, por isso, não violam as regras do comércio
internacional de produtos agrícolas. Por essa razão, são amplamente utilizadas em economias
avançadas para proteger a produção interna (ESPÍRITO SANTO, 2001, p. 112).
4.2.7 O financiamento público da atividade agrícola sustentável
O Estado pode intervir positivamente na atividade agrícola concedendo vantagens
aos produtores que atenderem a requisitos preestabelecidos. Entre tais benefícios, pode ser
garantida a disponibilidade de crédito público com menores taxas de juros e condições de
pagamento diferenciadas em relação às encontradas no mercado, ou mesmo oferecer subsídios
para os prêmios de seguros agrícolas, a fim de proteger a renda do produtor.
A intervenção estatal para proteger o produtor é legítima, tanto que a política de
financiamento da produção foi consagrada no artigo 187, inciso I, da Constituição Federal, e
apregoada como instrumento de política agrícola no inciso XI do artigo 4º da Lei nº 8.171/91.
Esse financiamento é feito através do crédito rural, que é o suprimento de recursos
financeiros obtidos junto a estabelecimentos de créditos oficiais e particulares para aplicações
que objetivem incrementar os investimentos agroindustriais reprodutivos, bem como atender
274
às necessidades de custeio e comercialização da produção agrária (ALVARENGA, 1985, p.
168).
O crédito rural foi assim conceituado no artigo 2º da Lei nº 4.829, de 05 de
novembro de 1965, que institui o Sistema Nacional de Crédito Rural:
Art. - Considera-se crédito rural o suprimento de recursos financeiros por
entidades públicas e estabelecimentos de crédito particulares a produtores rurais ou a
suas cooperativas para aplicação exclusiva em atividades que se enquadrem nos
objetivos indicados na legislação em vigor.
Nos termos do artigo 48 da Lei 8.171/91, o crédito rural é o instrumento de
financiamento da atividade agrícola e tem, entre os seus principais objetivos: desenvolver a
agrofloresta, permitir a aquisição ou regularização de terras, fomentar a adoção de métodos
racionais de produção, garantir investimento em infra-estrutura particular para armazenar e
comercializar a produção; enfim, favorecer o cumprimento da função social da propriedade.
As principais modalidades do crédito são: a) de custeio, que abarca os gastos com a
produção propriamente dita, como encargos com mão-de-obra, preparo da terra,
beneficiamento primário do produto e armazenamento; b) de comercialização, destinado a
facilitar o acesso do produtor ao mercado; c) de investimento, é a espécie utilizada para a
formação de capital fixo (benfeitorias, máquinas, eletrificação, etc.) e semifixo (aquisição de
animais e veículos); d) de beneficiamento do produto, que consiste nos recursos voltados à
instalação de agroindústrias; e e) fundiário, criado para a aquisição de terras (artigo da Lei
nº 4.829/65).
A intervenção estatal na regulação do contrato de crédito, como ao fixar juros
máximos, visa à proteção do produtor em face dos abusos das instituições financeiras,
sobretudo em razão da importância da atividade agrária como política social.
Diante da disparidade de poder econômico entre o produtor rural e a instituição
financiadora, o crédito não pode ser visto como uma transação financeira comum. Isso fica
mais evidente se for considerado que, por muito tempo, a sua principal fonte de recursos foi o
percentual dos depósitos à vista nas instituições financeiras, o qual, obrigatoriamente, é
destinado ao crédito rural, ou, ainda, se for considerada a existência do controle da
remuneração do capital através da limitação das taxas de juros desses empréstimos
compulsórios, as quais são preestabelecidas pelo Banco Central e o Conselho Monetário
Nacional (artigo 14 da Lei nº 4.829/65).
Em virtude da relevância social da atividade agrícola e do pouco interesse dos
bancos privados no oferecimento de crédito rural, foi instituída a mencionada
compulsoriedade do financiamento da produção agrícola, de maneira que as instituições
275
financeiras são obrigadas a investirem um percentual dos seus depósitos à vista em crédito
rural
144
.
A política de financiamento agrícola do governo brasileiro foi essencial para a
modernização agrícola com base no modelo tecnológico proposto na “Revolução Verde”. O
direcionamento do crédito rural para a compra de insumos e maquinários permitiu o aumento
da produtividade e da competitividade da produção agrícola nacional.
Porém, na década de 80 do século passado, os créditos rurais compulsórios
diminuíram, em virtude da redução de depósitos em caderneta de poupança, inclusive com
queda dos subsídios embutidos nos mesmos, devido à significativa crise cambial e à ascensão
inflacionária. Essa turbulência também esteve associada à desigual estrutura agrária do país,
que excluiu a grande maioria dos produtores do processo de modernização da atividade
agrícola (GRAZIANO, 1998, p. 122).
Ainda, a omissão do Conselho Monetário Nacional no estabelecimento de juros nos
financiamentos com recursos livres das instituições financeiras comprometeu a concretização
dos objetivos do crédito rural, pois permitiu a oneração exacerbada do produtor rural. Ocorre
que, independentemente da fonte de financiamento, as taxas de juros deveriam ser pré-fixadas
por esse Conselho, a fim de evitar a excessiva remuneração do capital em detrimento da
produção.
Esse financiamento representa mais do que a disponibilização de recursos para uma
atividade econômica. Ele possui a função precípua de possibilitar a geração de renda no
campo e viabilizar a produção do setor agrícola, de forma a manter parte da população no
meio rural e garantir a produção de alimentos com qualidade e quantidades suficientes para
atender à demanda da sociedade.
Nos últimos anos, o governo até conseguiu aumentar os recursos para o crédito rural.
Em 2006, por exemplo, o MAPA disponibilizou cerca de 44 milhões para agricultura
comercial e destinou 9 milhões para a agricultura familiar.
Porém, devido às peculiaridades da atividade agrícola, também é fundamental um
refinanciamento público dos débitos, com prazos de carência e para quitação mais longos,
bem como juros subsidiados; do contrário, a produção nacional perde competitividade no
mercado internacional. A possibilidade de renegociação das dívidas agrárias e as vantagens
aos mutuários adimplentes, até pelo poder de pressão dos grandes produtores, têm sido
144
As outras fontes principais do crédito rural são: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o
Fundo de Amparo ao Trabalhador, a poupança rural, aqueles disponibilizados no orçamento oficial das
esferas públicas, os recursos próprios e livres das instituições financeiras, as dotações das operações oficiais
de crédito e os fundos de investimento (artigo 48 da Lei nº 8.171/91 e artigo 15 da Lei nº 4.829/65).
276
colocadas em prática no país, como se verifica no artigo 7º da Lei nº 10.696, de 02 de julho de
2003, o qual dispõe sobre a repactuação e alongamento de dívidas oriundas de operações de
crédito rural.
Os produtores também reclamam da demora na liberão do crédito
governamental e da dificuldade na renegociação das dívidas. Por isso, Benedito do
Espírito Santo (2001, p. 162) considera que seria interessante criar mecanismos capazes
de estimular o crédito privado, por exemplo, mediante a diminuição dos encargos do
financiador e dos riscos da atividade, inclusive com maior cobertura do seguro da
produção e a garantia de preços mínimos.
Espírito Santo (2001, p. 152) defende, ainda, a necessidade de que o governo
estabeleça taxas de juros adequadas. O problema é que, como a agricultura brasileira é
descapitalizada e arriscada, o controle dessas taxas desestimularia as instituições financeiras
privadas a oferecerem recursos suficientes para atender a demanda existente no setor.
O crédito rural também é funcionalizado, de modo que está vinculado aos novos
valores constitucionais, entre eles, a promoção da agricultura familiar e a conservação do
potencial produtivo futuro. O deferimento do pedido de financiamento deve ser condicionado
à aprovação do projeto agropecuário pelos órgãos oficiais competentes e à assinatura do termo
de compromisso de cumprimento da função social da terra em todas as suas dimensões.
Existem fundamentos legais para essa vinculação. O artigo 50, § 3
o
, da Lei 8.171/91,
por exemplo, determina que a análise do pedido de crédito rural considere o zoneamento
agroecogico. Além disso, o artigo 103 dessa Lei possibilita ao Poder Público conceder
incentivos aos proprietários que respeitarem a legislação florestal. Entre tais benefícios, verifica-se
a prioridade na concessão de crédito de financiamento, na cobertura do seguro rural e nos
programas de infra-estrutura e assistência técnica.
No mesmo sentido, o artigo da Lei 6.225/75 exige, em determinadas áreas, o
certificado de cumprimento dos planos de proteção do solo para a concessão de créditos
oficiais:
Art. 3º Qualquer pedido de financiamento de lavoura ou pecuária, destinado à
aplicação em terras onde for exigida a execução de planos de proteção ao solo e de
combate à erosão, somente poderá ser concedido, por estabelecimentos de crédito,
oficiais ou não, se acompanhado de certificado comprobatório dessa execução.
Ainda nesse sentido, o artigo 12, “caput”, da Lei 6.938/81, ordena que as
entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação
de projetos habilitados a obter os benefícios governamentais ao licenciamento da atividade, na
forma da citada Lei, bem como ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões
277
expedidos pelo CONAMA. Para tanto, o projeto licenciado que será encaminhado ao órgão
financiador da atividade deverá comprovar a realização de obras e a aquisição de
equipamentos destinados ao controle da degradação ambiental e à melhoria da qualidade do
meio ambiente.
O artigo da Lei nº 4.829/65 estabelece como objetivo específico do crédito rural o
incentivo à introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da
produtividade, à melhoria do padrão de vida das populações rurais e à adequada defesa do
solo. Por isso, os bancos devem exigir a certidão de adequação ambiental e a averbação das
reservas florestais.
Em 1995, o Governo Federal e os bancos oficiais brasileiros firmaram o “Protocolo
Verde”, a fim de definir a variável ecológica na gestão e concessão de créditos oficiais e
benefícios fiscais, evitando o financiamento de atividades que destroem o meio ambiente. Não
obstante essa previsão, a vinculação ainda não atingiu a efetividade esperada. Quando muito,
como no crédito rural oferecido pelo Banco do Brasil, os interessados apresentam um projeto
realizado por um profissional de agronomia, sem maiores critérios de análise e fiscalização.
Outra boa ação de política agroambiental do MAPA foi garantir a possibilidade de
sacar 15% a mais do crédito de custeio ao produtor que mantiver RFL ou APP, projetos de
recuperação ambiental ou a rastreabilidade dos rebanhos (ALIMENTOS, 2006, p. 61).
Também é importante a ligação do crédito com o zoneamento e a assistência técnica.
No Estado de São Paulo, por exemplo, o Banco do Agronegócio (BANAGRO), responsável
por financiar setores da agropecuária, vincula a concessão de créditos à orientação técnica, a
qual é oferecida na Casa do Agricultor do Município onde será desenvolvido o
empreendimento.
No mesmo sentido, o artigo da Lei 11.092, de 12 de janeiro de 2005, que
estabeleceu normas para o plantio e a comercialização da produção de soja geneticamente
modificada na safra de 2005, consagrou uma importante medida em favor da sustentabilidade
agrícola ao proibir instituições financeiras oficiais de financiarem a produção da soja
transgênica quando o produtor não se comprometer a respeitar essa legislação. Tal
procedimento também seria utilizado no intuito de proibir outros benefícios oficiais, como o
parcelamento de débitos e os incentivos fiscais e creditícios, na hipótese de o produtor não
aderir ao termo de ajustamento de conduta consignado no artigo dessa Norma.
Infelizmente, foi uma lei excepcional e específica para uma safra, pois igual conteúdo deveria
estar presente na Lei de Política Agrícola ou no Estatuto da Terra em relação a todos os
empreendimentos agrários.
278
Ainda nessa perspectiva funcional, o inciso IX do artigo 4º da Lei nº 4.595, de 31 de
dezembro de 1964, possibilita ao Conselho Monetário Nacional conceder taxas de juros
especiais, a fim de promover a recuperação e fertilização do solo, o reflorestamento, o
controle de pragas e outros investimentos indispensáveis às atividades agrícolas.
Seguindo esse raciocínio, a Lei do Estado de São Paulo 9.509, de 20 de março de
1997, que institui a política estadual do meio ambiente, determina que as instituições de
financiamento ou gestoras de incentivos, públicas e privadas, condicionarão a concessão de
benefícios à comprovação do licenciamento ambiental e à apresentação de uma certidão do
Conselho Estadual de Meio Ambiente declarando que o interessado não está incluso nas
restrições estabelecidas na própria Lei.
A instituição que financia uma atividade lesiva ao meio ambiente viola os artigos 12
e 14 da Lei 6.938/81, combinados com o artigo da Lei 4.829/65, de forma que pode
ser responsabilizada objetiva e solidariamente pelos danos ecológicos do empreendimento:
Como conclusão se coloca que os bancos e demais órgãos financiadores são
responsáveis solidários pelos danos causados se não exigirem os comprovantes de
negativo de débito ambiental. Não cabe aos juízes ou ao Poder Executivo dizer o
contrário, pois a legislação, já respaldada em acordos internacionais, optou por
obrigar os requerentes desses créditos a apresentarem esses comprovantes, e, caso os
juízes ou a Administração Pública os dispensassem estariam recaindo em ilegalidade
e, o que é muito mais agravante, em inconstitucionalidade (QUEIROZ, 2006, p.
135).
autores, como Luciana Almeida (1998, p. 174), que criticam os subsídios
enquanto prêmios ao manejo adequado dos recursos naturais, por considerarem que eles
violam o princípio do poluidor-pagador, uma vez que cabe aos executores das atividades
potencialmente causadoras de danos ambientais arcarem com os custos da redução da
degradação. Contudo, embora esse raciocínio esteja correto, nota-se a existência de interesse
público em fomentar o uso racional dos bens ambientais. Ocorre que os subsídios são
imprescindíveis para a criação das condições necessárias ao cumprimento da legislação
agroambiental - sobretudo nas economias mais pobres - e para a manutenção da
competitividade da produção no mercado mundial.
Mesmo nos países de economia avançada, há visível intervenção do Estado na
atividade agrícola, a fim de regulamentar o sistema social rural; até a renda do produtor e os
preços são decididos institucionalmente. Os subsídios agrícolas, sobretudo europeus e
americanos, tornam a concorrência desleal e, por isso, são alvos de severas críticas e
contestação dos produtores brasileiros nas organizações bilaterais ligadas à regulação do
comércio mundial.
279
No âmbito do comércio internacional, de maneira especial nas Rodadas de Doha, a
questão dos subsídios e do protecionismo aos produtos agropecuários têm sido objetos de
grande discussão e poucos resultados práticos. Os países pobres ou em desenvolvimento não
conseguem competir com os benefícios que os países de economia avançada concedem aos
seus produtores rurais e, portanto, solicitam a proteção de uma desigualdade compensadora
e/ou a redução das barreiras tarifárias e não-tarifárias que inviabilizam a competição
comercial.
A forma de condução do comércio internacional depende muito dos interesses dos
países com capacidade para fazer escolhas ou determinar a direção dos comportamentos de
segmentos produtivos de outros países. Esse poderio econômico ficou bem evidente nas
barreiras sanitárias que a China impôs à soja brasileira, ou mesmo no embargo da Europa à
importação de carne bovina, sem considerar as dimensões continentais do Brasil e as
diferenças na cadeia produtiva de cada região.
Ocorre que, além da legítima exigência de qualidade dos produtos agrícolas, o
discurso da proteção sanitária está sendo utilizado como uma forma de protecionismo, a fim de
barrar importações e tornar a produção interna competitiva (ESPÍRITO SANTO, 2001, p. 123).
A agropecuária sempre foi exceção nos acordos da Organização Mundial do
Comércio para a liberação do mercado, pois é nessa atividade que os países pobres
conseguem concorrer com as economias avançadas, sobretudo pela possibilidade de
compensar a deficiência tecnológica com a exploração da mão-de-obra e dos recursos
naturais. A segurança alimentar e a qualidade sanitária do produto são argumentos
hipocritamente utilizados para o protecionismo e os subsídios, mesmo quando está evidente
que a preocupação é a competição comercial.
Outros argumentos são mais consistentes, para não dizer menos cínicos, como a
defesa dos empregos agrícolas, dos produtores familiares nacionais, da cultura campesina e do
meio ambiente, haja vista que os subsídios saem muito mais barato que a falência de milhares
de pequenos empreendedores. Peter May (2003, p. 197), no entanto, destaca que o objetivo
principal dos subsídios ainda é o favorecimento de grandes produtores mecanizados.
É preciso reconhecer que o crédito e o seguro são mecanismos necessários para
atender à demanda de uma realidade agrária com um grau de vulnerabilidade muito maior que
os demais setores econômicos. Por isso, é extremamente difícil a relação entre os
instrumentos de política agrícola nacional e as exigências do comércio internacional.
Os subsídios relacionados à política agrícola consistem em investimentos que
beneficiam toda a sociedade, pois propiciam as condições para a busca da segurança
280
alimentar, da manutenção do potencial produtivo dos recursos naturais e da qualidade
sanitária (ZIBETTI, 2006, p. 187).
O investimento na política agrícola se justifica pela idéia de “ônus social”, pelo qual
a sociedade suporta o custo da proteção ambiental em razão de ser a maior beneficiada com a
diminuição das externalidades negativas da produção agrícola, e em razão do resultado
positivo da garantia de renda aos produtores rurais que não conseguiriam, por seus próprios
meios, ter acesso à tecnologia adequada e ao conhecimento necessário para a atividade
sustentável.
4.2.8 O seguro agrícola e a proteção à economia agrária
Um grave problema do crédito rural é o seu adimplemento quando perda da
colheita, em virtude da ocorrência de um fenômeno natural que destrua a safra ou flutuações
negativas dos preços dos produtos agrícolas comercializados no mercado internacional. Por
isso, é preciso compatibilizar o crédito com políticas de preços mínimos e seguro agrícola.
Além da previsão constitucional, o seguro foi apregoado como instrumento de
política agrícola no inciso XIII do artigo 4º da Lei nº 8.171/91. Ainda nessa Lei, mais
especificamente no seu artigo 56, foi anunciado o principal objetivo desse seguro, que é a
cobertura dos prejuízos decorrentes de sinistros como fenômenos naturais, pragas e doenças
que atinjam a produção.
Nesse seguro, o produtor paga um prêmio para ter direito a uma apólice relacionada
ao resultado positivo da colheita. Caso o segurado perca a produção devido à ocorrência de
infortúnios segurados (sinistros), o segurador indenizará o mesmo pelo dano objeto do
contrato.
O seguro agrícola precisa garantir o resultado econômico da produção, a fim de
estimular o produtor a investir na atividade agrícola e orientá-lo no sentido de evitar a perda
do próprio direito à indenização, por exemplo, considerando os parâmetros estabelecidos no
zoneamento para definir a forma de realização da atividade e a tecnologia adequada.
Esse instrumento de política agrícola complementa a política de crédito rural, pois,
se o produtor perder a safra, não ficará totalmente desamparado. Ademais, a apólice de seguro
servirá de garantia do financiamento, facilitando o deferimento do pedido.
O seguro agrícola é uma política social, na medida em que a indenização do dano
proveniente dos riscos típicos que tornam incerta a atividade produtiva garante a renda do
produtor rural e evita a sua migração para as periferias dos grandes centros urbanos. Segundo
281
Zibetti (2006, p. 153), esse instrumento tem caráter de utilidade pública, até porque é uma
forma de estimular o produtor rural a suportar um risco também em favor de toda a sociedade.
Seria interessante a existência de um seguro público e obrigatório
145
no qual o
recebimento da indenização fosse vinculado ao uso adequado dos recursos naturais. Devido à
exigência de algumas condutas do segurado, além de garantir a renda do trabalhador e
estimular o progresso da atividade agrícola, ele funcionaria como instrumento de precaução.
Ocorre que as características do seguro agrícola, principalmente em virtude dos
riscos próprios da produção, não estimularam as seguradoras privadas. Assim, até pela
potencialidade agrícola do Brasil, tornou-se imperiosa a participação do Estado como
fomentador ou segurador.
Alguns países adotam um modelo de seguro ambiental público e obrigatório, o qual
financia fundos de compensação voltados à cobertura dos sinistros. Mas esse modelo não foi
adotado pelo Brasil, até porque os valores das indenizações podem ser altos para os padrões
nacionais e faltam estímulos aos produtores e às seguradoras (FREITAS, 2002, p. 181).
Quando o prêmio é muito alto, os pequenos e médios produtores rurais não
conseguem contratar um seguro para a sua produção agrícola. Por isso, alguns seguros
subsidiados específicos para esses empreendedores, como o Programa de Garantia da
Atividade Agrícola (PROAGRO), instituído pela Lei nº 5.969, de 11 de maio de 1973.
O PROAGRO é o instrumento de política agrícola instituído a fim de que o
produtor rural tenha garantido um valor complementar para pagamento do seu custeio
agrícola, na hipótese de ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam
bens, rebanhos e plantações. Para Zibetti (2006, p. 46), esse programa é mais um seguro do
crédito com o propósito de proteger a instituição financeira do que propriamente um seguro
da safra para assegurar a produção ou a renda do produtor.
Não obstante, existe uma vinculação muito interessante nesse programa, pois, como
se verifica no artigo da Resolução Banco Central (BACEN) 2.422, de 10 de setembro de
1997, o enquadramento no PROAGRO obriga o produtor a seguir as recomendações técnicas
do zoneamento agrícola. Ainda, o inciso III do artigo dessa Resolução garante a
indenização de até 100% do limite de cobertura do programa, desde que o beneficiário conste
no contrato a utilização da técnica do "plantio direto" e, obviamente, coloque-a em prática.
145
Zibetti (2006, p. 188) propõe a criação de um acréscimo no preço do produto com o propósito de arrecadar
recursos para um Fundo de Desenvolvimento Sustentável. Contudo, é notória a dificuldade de se estabelecer
qualquer forma de internalização de valores nos preços agrícolas, pois eles são determinados pelo mercado.
282
A partir da vinculação do PROAGRO às técnicas recomendadas no zoneamento
agrícola do MAPA, inclusive com a diminuição do prêmio do seguro no caso de adoção de
determinadas práticas, possibilita-se a redução das perdas e dos riscos na agropecuária e,
conseqüentemente, das indenizações do programa, em virtude dos impactos das intempéries.
Ainda previsão legal para o tratamento privilegiado em favor da sustentabilidade
da atividade agrícola na Lei 10.823, de 19 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a
subvenção econômica ao prêmio do seguro rural. De acordo com o artigo 2º, inciso V, dessa
Lei, é permitida a diferenciação do benefício, a fim de priorizar os produtores que adotarem
técnicas redutoras de risco ou indutoras do desenvolvimento e da estabilidade da renda
agropecuária.
Destaca-se, ainda, a Resolução BACEN 3.234, de 31 de agosto de 2004, a qual
regulamenta o PROAGRO MAIS, que é um programa obrigatório para os produtores
beneficiados com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF). O PROAGRO MAIS também é instrumento de proteção social e ambiental, pois
vincula a concessão de crédito ao produtor familiar à contratação desse seguro agrícola e, por
conseguinte, ao atendimento das diretrizes do zoneamento agrícola divulgado pelo MAPA.
Esse Programa não cobre a perda da safra decorrente do uso de tecnologias inadequadas, da
deficiência no preparo do solo e do cultivo diferente do proposto para a região homogênea.
O PROAGRO cobria apenas 70% do valor financiado (do crédito) e o agricultor
familiar recolhia 2% do valor do financiamento (o prêmio) para adesão. No PROAGRO
MAIS, como se verifica na citada Resolução do Banco Central, o produtor tem cobertura de
100% do crédito financiado e de pelo menos 65% da receita líquida esperada no
empreendimento - que é o resultado da renda bruta menos o valor financiado. No programa
anterior, se houvesse perda total da safra, o produtor poderia ficar devendo 30% do valor
financiado. Agora, além de não dever nada (cobertura de 100%), assegura-se ao pequeno
produtor 65% da renda esperada (claro que ele recolherá o prêmio sobre todo o valor, ou seja,
a soma do financiamento com a renda esperada). Nesse caso, a renda quida esperada o
pode superar R$ 1.800,00 mensais.
A Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo também criou
um interessante projeto de subvenção do prêmio do seguro agrícola para a safra 2006-2007.
Esse seguro tinha como finalidade a salvaguarda contra as perdas decorrentes de fenômenos
naturais adversos, o incentivo às novas culturas e práticas de cultivo, bem como a proteção da
atividade agrícola através da prevenção e da redução dos riscos de fracasso do
empreendimento.
283
Esse projeto procurou massificar o uso do seguro rural, a fim de pulverizar os riscos
e, por conseqüência, minimizar o valor do prêmio, ao mesmo tempo em que lhe atribuiu a
função, especialmente no segmento do agronegócio familiar, de indutor do desenvolvimento.
O benefício é definido de acordo com o zoneamento agrícola e subvenciona 50% do
valor do prêmio de seguro rural contratado com as seguradoras credenciadas. Após o
pagamento da proposta de seguro, os produtores deverão firmar um Termo de Compromisso
com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento, junto à Casa da Agricultura do Município.
Com a comprovação da contratação do seguro, após autorização dessa Secretaria, o Banco
Nossa Caixa S.A. efetuará o pagamento do valor correspondente à subvenção do prêmio.
Devido às intempéries que atingem as atividades agrícolas, os programas estatais
que oferecem subsídios aos seguros da produção e da renda são imprescindíveis para a
efetivação do desenvolvimento rural. Ademais, por tudo que foi defendido neste trabalho,
merecem aplausos as normas que ligam os benefícios governamentais às técnicas mais
sustentáveis.
É fato, também, que o Estado possui outros instrumentos jurídicos voltados à
proteção da renda do produtor e da economia agrária contra intempéries e flutuações dos
preços de mercado, bem como de estímulo à realização da atividade agrícola e
comercialização da produção. Entre eles, destacam-se a garantia de preços nimos para
assegurar a renda do produtor; a manutenção de estoques reguladores, a fim de evitar que
intermediários remetam para trás todas as perdas ou antecipem preços com o propósito de
absorver todo o lucro decorrente do aumento de preços no futuro; o oferecimento de
armazenamento da produção no intuito de evitar estoque especulativo; e investimentos em
infra-estrutura de escoamento da produção (artigo 31 e seguintes da Lei nº 8.171/91).
A política de garantia de preços mínimos ainda exerce papel relevante nas decisões
de plantio do produtor, principalmente em cenários de preços baixos. Nessa política, o
governo deve estipular um valor monetário a ser pago, caso o produtor não consiga
comercializar a sua produção no mercado. Nessa hipótese, o Estado compra a produção pelo
preço preestabelecido, no intuito de vendê-la posteriormente ou utilizá-la nos serviços
públicos.
O Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar do MDA é outra
medida no intuito de garantir a renda da produção familiar. Esse programa corresponde a 80%
de todas as operações de custeio do PRONAF e alcança as principais safras desse modelo
produtivo. Nesse caso, se houver queda dos preços definidos pela Companhia Nacional de
284
Abastecimento no momento da comercialização, o governo garante um desconto na dívida
quando o produtor for adimplir o financiamento (TERRA ..., 2006, p. 38).
A garantia estatal de comercialização da produção agrícola pode ocorrer ainda
através do Prêmio para Escoamento do Produto. Nesse caso, o governo não estoca, e, sim,
leiloa a produção antes de ela sair do local da atividade ou empreendimento. O arrematante
paga o preço da arrematação diretamente ao produtor e o governo repõe o deságio até o valor
do preço mínimo, sem se preocupar com o transporte, estoque e conservação dos produtos
agrícolas.
Todas essas ações estão contempladas na Lei de Política Agrícola, de maneira
especial no seu artigo 31, o qual estabelece que o “Poder Público formará, localizará
adequadamente e manterá estoques reguladores e estratégicos, visando garantir a compra do
produtor, na forma da lei, assegurar o abastecimento e regular o preço do mercado interno”.
A política brasileira de garantia de preços mínimos, por lei, também será vinculada à
conservação dos recursos ambientais e a utilização das técnicas adequadas de produção. Ela é
um instrumento de favorecimento do desenvolvimento sustentável mesmo após a produção.
outras formas de atuação estatal que contribuem para a expansão, modernização
e viabilidade do empreendimento agrícola e a redução do alto custo final da atividade
econômica (o “Custo Brasil”), apesar do baixo valor da mão-de-obra e da exploração
irracional dos recursos naturais. Destacam-se, por exemplo, os investimentos nas estratégias
de logística
146
, como em infra-estrutura na área de armazenamento, transporte e distribuição
dos produtos agropecuários, bem como no fomento à indústria fornecedora de insumos e de
beneficiamento da produção.
Nessa perspectiva, o artigo 47 da Lei 8.171/91 determina que o Poder Público
execute as obras de infra-estrutura necessárias à materialização do bem-estar social das
comunidades rurais, compreendendo, entre outras: projetos de irrigação e drenagens,
armazéns comunitários, estradas, escolas, energia, saneamento básico, comunicação e
habitação rural.
146
“Logística é um modo de gestão que cuida especialmente da movimentação dos produtos, nos diversos
segmentos dentro de toda a cadeia produtiva de qualquer produto, inclusive nas diferentes cadeias produtivas
do agronegócio. Assim, envolve o conjunto de fluxos dos produtos em todas as atividades a montante,
durante o processo produtivo e a jusante, como todo o conjunto de atividades relacionadas aos suprimentos,
às operações de apoio aos processos produtivos e as atividades voltadas para a distribuição física dos
produtos na comercialização, como armazenagem, transporte e formas de distribuição dos mesmos”
(ARAÚJO, 2005, p. 101).
285
4.2.9 Os mecanismos tributários de promoção da atividade agrícola sustentável
Além da clássica função de arrecadação de recursos para as atividades estatais, os
tributos podem orientar e incentivar as ações dos contribuintes. Nessa segunda perspectiva,
eles serão utilizados como instrumento de política agroambiental de duas maneiras: através da
criação de taxas ou impostos sobre atividades ou empreendimentos agrícolas que provoquem
degradação dos recursos naturais ou como incentivos premiais mediante isenções,
abatimentos e deduções na hipótese de o produtor cumprir a legislação agrária e a
ambiental
147
.
No primeiro caso, procura-se tributar as atividades que contribuam para degradar a
natureza, por exemplo, a criação de ecotaxas para a produção e aplicação de agrotóxicos, bem
como utilizar os recursos arrecadados em projetos de proteção social e ambiental, a fim de
favorecer a dinamização econômica de forma sustentável (EHLERS, 2003, p. 287).
Em defesa dessa concepção extrafiscal dos tributos, Capra (1996, p. 233) apregoa
que é necessário internalizar os custos ambientais para tornar a produção mais cara e
estimular a adoção de alternativas. O autor entende que, como não é legítima a conversão da
destruição ambiental em lucro privado, a criação de tributos ou alíquotas diferenciadas
permite a internalização desses custos e, conseqüentemente, beneficia práticas agrícolas
sustentáveis.
Em razão dos tributos ecológicos, aumentarão os recursos financeiros disponíveis
para as políticas de prevenção e recuperação do dano ambiental, de forma que os custos das
externalidades negativas da produção serão divididos com os poluidores. Além disso, a
possibilidade de criação de incentivos indiretos aos projetos de manejo sustentável, por
exemplo, através da redução de alíquotas, deduções e isenções sobre tecnologias ecológicas.
Em contrapartida, o aumento dos custos da produção é extremamente negativo, pois
o Brasil é um país que tributa demais os produtos agropecuários (ESPÍRITO SANTO,
2001, p. 291; RODRIGUES, R., 2001, p. 296). Por isso, acredita-se que os incentivos fiscais
são mais eficazes que o aumento da carga tributária em desfavor dos produtores rurais, até
porque eventuais prejuízos na arrecadação seriam compensados pela sustentabilidade da
atividade econômica e diminuição dos gastos com processos administrativos e judiciais.
147
As taxas ambientais não podem ter base de cálculo própria de impostos e devem corresponder a uma
prestação estatal específica (artigo 145, § 2º, da Constituição Federal).
286
A extrafiscalidade do tributo é verificada quando o mesmo é utilizado para estimular
alguma conduta do contribuinte. Isso já ocorre no Imposto sobre a Propriedade Territorial
Rural (ITR), como se observa no artigo 47 do Estatuto da Terra:
Art. 47. Para incentivar a política de desenvolvimento rural, o Poder Público se
utilizará da tributação progressiva da terra, do Imposto de Renda, da colonização
pública e particular, da assistência e proteção à economia rural e ao cooperativismo e,
finalmente, da regulamentação do uso e posse temporários da terra, objetivando:
I - desestimular os que exercem o direito de propriedade sem observância da função
social e econômica da terra;
II - estimular a racionalização da atividade agropecuária dentro dos princípios de
conservação dos recursos naturais renováveis [...].
O ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a
posse de imóvel localizado na zona rural do município (artigo 1º da Lei nº 9.393/96)
148
.
Nos termos do artigo 153, § 4º, da Constituição Federal, esse imposto: a) será
progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de
propriedades improdutivas; b) não incidirá sobre pequenas glebas rurais, quando as explore,
ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel. Essa segunda
funcionalidade do ITR também poderá ser verificada em projetos de assentamento da reforma
agrária na forma de isenção tributária.
Quanto maior a dimensão, maior é a alíquota (progressividade pela extensão) e
quanto maior o grau de utilização, menor é a alíquota (regressividade pela produtividade),
como se verifica no artigo 11 da Lei 9.393/96. Nota-se ainda certa proteção à
sustentabilidade, na medida em que não são consideradas áreas tributáveis aquelas reservadas
para proteção florestal ou impróprias para a exploração agrícola (artigo 10, § 1º, inciso II, da
mencionada Lei).
A extrafiscalidade do ITR mitiga o princípio da capacidade contributiva, até pela
dificuldade de ponderar tal princípio nos impostos sobre direitos reais, a fim de usar esse
tributo para incentivar o cumprimento da função social e penalizar o proprietário que não
utiliza adequadamente o seu imóvel. Porém, o ITR não poderá representar uma
desapropriação sem indenização, a qual é vedada pela Constituição Federal (CAMARGOS,
2001, p. 210).
148
Pacheco Fiorillo (2005, p. 72) tem razão ao dizer que os requisitos do artigo 32, §§ e 2º da Lei nº 5.172, de
25 de outubro de 1966, para definir área rural são inadequados, pois a disponibilidade de saneamento básico,
escolas, iluminação e energia elétrica não deve ser exclusividade do meio urbano. O autor também considera
insuficiente a utilização apenas do critério da destinação previsto no artigo 4º da Lei 8.629/93, pois o art.
182, “caput”, da Constituição Federal determinou que lei federal definisse a área urbana, o que só ocorreu na
Lei 10.257/01.
287
Infelizmente, a extrafiscalidade do ITR se centra na produtividade econômica,
quando poderia incorporar a adoção das técnicas recomendadas no zoneamento e o manejo
sustentável dos recursos naturais como critérios para definir a regressividade da sua alíquota.
Outra forma de extrafiscalidade é a utilização da possibilidade aberta pelo artigo
158, inciso IV combinado com o parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal, o qual
permite que, mediante lei específica, o Estado-membro determine a forma de divisão de até ¼
dos 25% do produto da arrecadação do imposto estadual sobre operações relativas à
circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços (ICMS) pertencentes aos
Municípios.
Muitos Estados-membros vinculam o repasse dessa parcela do ICMS a que os
Municípios têm direito à adoção de medidas ambientais, entre eles o Estado de São Paulo, Lei
3.201, de 23 de novembro de 1991, e o de Tocantins, Lei 1.323, de 04 de abril de 2002.
Esses Estados direcionam parte do ICMS dos Municípios em função do grau da proteção do
solo, do combate às queimadas, da preservação florestal, entre outras medidas.
O denominado ICMS Ecológico” tem provocado avanços na busca de um modelo
de gestão ambiental compartilhada entre os Estados e os Municípios brasileiros, com reflexos
positivos em vários temas, em especial na conservação dos espaços especialmente protegidos.
Destaca-se, por fim, o Projeto de Lei 2.319/2003, o qual propõe incentivos fiscais
para o controle biológico de pragas, exige que o produtor rural utilize pelo menos 10% de
inseticidas biológicos do total de agrotóxicos aplicado, bem como determina que a empresa
produtora de insumos químicos invista 0,5% da sua receita bruta anual referente à
comercialização desses produtos. A aprovação desse projeto poderia ter contribuído de forma
ativa na solidificação de uma atividade agrícola sustentável, mas, infelizmente, ele está
arquivado.
4.2.10 O Termo de Ajustamento de Conduta
Previsto no § 6º do artigo 5º da Lei nº 7.347/85, o Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC) consiste no compromisso celebrado entre o responsável pela atividade que
causa impacto negativo nos recursos naturais e o órgão público com a atribuição de proteção
ambiental. No TAC, o compromitente assume o dever de adequar a sua conduta às exigências
legais, sob pena de submissão coercitiva às sanções fixadas no próprio termo. Ele possui valor
de título executivo extrajudicial de caráter preventivo e torna líquida a obrigação de fazer ou
não fazer após homologação judicial.
288
O TAC possui diversas vantagens em relação ao processo contencioso, como a
inexistência de parte sucumbente, a solução da discussão fora do âmbito do Poder Judiciário,
o inquérito civil prévio para apurar o conteúdo do TAC, a busca do consenso, o
comprometimento com a conscientização do poluidor, a celeridade, a diminuição dos custos e
da resistência na solução de conflitos e a possibilidade de antecipação da delimitação dos
danos e da indenização.
O inquérito civil é o procedimento administrativo presidido pelo Promotor de Justiça
com a finalidade de colher elementos elucidativos do dano ou perigo de dano a interesses
difusos ou coletivos - entre eles o meio ambiente - através da requisição de informações e
perícias, além do registro e documentação das mesmas. Esse procedimento é de fundamental
relevância na decisão sobre a necessidade do TAC e na definição do conteúdo desse acordo.
O emprego do inquérito civil em conjunto com o TAC permite a solução mais rápida
e eficiente dos conflitos ambientais, reduzindo os custos em relação aos processos judiciais e
racionalizando a recuperação dos danos, por meio do maior diálogo entre as partes
envolvidas.
O TAC não se trata de uma simples transação, até porque o direito ao meio ambiente
é indisponível. Na verdade, discutem-se condições, modo, tempo e lugar de cumprimento da
obrigação de recuperar o dano. Há entendimento nesse sentido da Segunda Turma do STJ, em
decisão proferida no Recurso Especial n.º 299.400-RJ, julgado no dia 02 de agosto de 2006:
Ementa: Processo Civil Ação civil pública por dano ambiental Ajustamento de
conduta – Transação do Ministério Público – Possibilidade. 1. A regra geral é de não
serem passíveis de transação os direitos difusos. 2. Quando se tratar de direitos
difusos que importem obrigação de fazer ou não fazer deve-se dar tratamento
distinto, possibilitando dar à controvérsia a melhor solução na composição do dano,
quando impossível o retorno ao status quo ante. 3. A admissibilidade de transação de
direitos difusos é exceção à regra. 4. Recurso especial improvido.
O TAC também é um instrumento de política agrícola, na medida em que pode ser
estabelecido com os produtores rurais a fim de diminuir o uso de agroquímicos, reduzir as
queimadas, diversificar a produção, entre outros comportamentos voltados à materialização da
função social da propriedade. Além disso, a celebração desse Termo deve ser condição para a
concessão do benefício de suspensão condicional do processo nos casos de infrações penais
agroambientais de menor potencial ofensivo, como, por exemplo, o desmatamento de APP.
A funcionalidade do TAC como política agrícola foi prevista nos artigos e da
Lei 11.092, de 12 de janeiro de 2005, que, como condição para o acesso aos recursos
públicos, exigiu a celebração do Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de
Conduta pelo produtor rural que utilizara sementes de soja transgênicas na safra daquele ano.
289
4.3 A proteção e subvenção à produção familiar
Não cabe ao Direito fazer a opção por um sistema produtivo, até porque todos os
modelos possuem a sua importância no desenvolvimento do setor agrícola brasileiro.
Ademais, não se define um sistema econômico apenas por meio de uma norma jurídica.
A pequena produção é a grande responsável pela manutenção de pessoas no campo e
a geração de renda em favor das famílias rurais. De outro lado, a grande produção, sobretudo
o agronegócio, alcançou efeitos positivos na balança comercial e na modernização do campo,
com o desenvolvimento dos transportes e das comunicações, a abertura de vagas em cargos
administrativos e de gerência, e o aumento do número de profissionais liberais no meio rural.
Cada sistema precisa de uma política agrícola específica, a fim de que ele possa
responder pelas obrigações instituídas no âmbito das três dimensões da função social da
propriedade. No Brasil, como se verifica no Plano Agrícola e Pecuário relativo ao Biênio
2006/2007, tem-se procurado investir consideravelmente nos dois modelos, de modo que a
tendência é compatibilizar o agronegócio ecológico com uma agricultura familiar sustentável.
Atualmente, há grande valorização da agricultura familiar enquanto instrumento para
o desenvolvimento do país, haja vista que essa forma de produção é capaz de gerar renda,
empregos agrícolas e conservação dos recursos naturais. Até por isso, nos últimos anos, o
governo aumentou significativamente os investimentos no modelo produtivo familiar.
A “Revolução Verde” ignorou a agricultura familiar, reduzindo-a ao atendimento
das demandas regionais e aos interesses do grande Agronegócio. Somente uma minoria de
pequenos produtores rurais conseguiu se manter competitiva no mercado agrícola, em virtude
do acesso a algum mercado consumidor, crédito para investimento, terrenos férteis e
informações técnicas. Em contrapartida, a maioria expressiva dos produtores familiares
continuou produzindo apenas para subsistência, isso quando não fora expropriada
(GRAZIANO, 1999, p. 128).
O problema da pequena produção, que, em regra, é minifundiária, é a incapacidade
de competir com a agricultura patronal. Esta possui uma elogiável estrutura empresarial que
facilita o acesso aos mercados internacionais, sobretudo pela capacidade de diminuir custos,
atender às demandas dos grandes compradores e negociar os preços dos insumos e produtos
agrícolas.
Mesmo assim, as unidades camponesas, com menos áreas agricultáveis e sem acesso
às tecnologias mais modernas, mantiveram um peso relevante na produção de alimentos para
atender à demanda interna e na absorção de trabalhadores rurais. Esse segmento, formado por
290
cerca de 4,2 milhões de estabelecimentos, emprega 70% de toda a o-de-obra rural, responde
por 10% do PIB do País e por 40% do PIB da agropecuária (TERRA ..., 2006, p. 39).
O investimento na produção familiar vai além do financiamento de uma atividade
econômica. Ele permite a consolidação da concepção multifuncional da produção agrícola,
uma vez que favorece: a) a reprodução socioeconômica da família, sobretudo pela garantia de
renda e redistribuição do trabalho na unidade produtiva, que, na verdade, forma um sistema
social voltado à promoção da qualidade de vida no campo; b) a segurança alimentar da família
rural e de toda a sociedade; c) a manutenção da ocupação do espaço rural e da cultura
sertaneja; e d) a preservação dos recursos naturais e da paisagem local.
Seguindo Celso Furtado (2000, p. 226) e José de Graziano (1999, p. 229), acredita-
se na possibilidade de uma produção familiar modernizada
149
e economicamente rentável:
Como em geral o problema de escala de produção não se apresenta na agricultura, é
corrente que a unidade de exploração familiar tenha índices de produtividade tão
altos ou mais que as explorações de grandes dimensões. Dessa forma, o modo de
produção artesanal [o autor utiliza como sinônimo de familiar, o que hoje não é mais
adequado, pois é possível uma produção familiar modernizada] pode persistir
quando a agricultura deixa de ser tradicional para transformar-se em moderna
(FURTADO, 2000, p. 156).
Sachs (2001a, 78) também defende que a agricultura familiar é viável, em razão das
suas vantagens socioeconômicas e ambientais. Segundo o autor, o fomento a esse modelo de
produção permitirá a geração de renda e empregos a custos menores, a produtividade
adequada, o manejo racional do solo agrícola e a proteção da biodiversidade.
Nesse sentido prospectivo, a Lei da Agricultura Familiar (Lei 11.326, de 24 de
julho de 2006) reconhece a imprescindibilidade da ampliação das políticas públicas
específicas para esse segmento, como o crédito agrícola, a formação profissional do produtor,
o seguro rural, a assistência técnica e comercial.
A agricultura familiar é definida no artigo da Lei 11.326/2006 como o
empreendimento que pratica atividades no meio rural e atende, simultaneamente, aos
seguintes requisitos: área de até quatro módulos fiscais (ressalvando a hipótese de condomínio
rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração ideal não ultrapasse o
referido limite), predomínio de mão-de-obra da própria família; a maior parte da renda
familiar obtida no empreendimento agrícola; e participação de pessoas da família na direção
do estabelecimento.
149
Modernização no sentido de acesso ao conhecimento e ao crédito público, a fim de inverter as dependências e
tornar a agricultura familiar relevante em face da agricultura patronal.
291
Essa Lei adota uma concepção de atividade agrária familiar que pode estar
desvinculada do direito de donio sobre pequena gleba rural, uma vez que considera como
beneficiários dos programas desenvolvidos para o pequeno produtor (artigo 3º, § ):
I - silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o
“caput” deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o
manejo sustentável daqueles ambientes;
II - aicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o
“caput” deste artigo e explorem reservarios dricos com superfície total de até
2ha (dois hectares) ou ocupem até 500 (quinhentos metros cúbicos) de água,
quando a explorão se efetivar em tanques-rede;
III - extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos
incisos II, III e IV do caput” deste artigo e exeam essa atividade artesanalmente
no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores;
IV - pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos
I, II, III e IV do “caput” deste artigo e exerçam a atividade pesqueira
artesanalmente.
Através da agricultura familiar, a atividade agrícola é o setor econômico que tem o
maior potencial para gerar empregos, desde que ela consiga ser competitiva e sustentável
(SACHS, 2004b, p. 29). Para tanto, é fundamental uma política de desenvolvimento rural
que permita ao modelo familiar diversificar as atividades, promover inclusão social e
distribuição de renda, e ser viável ecomica e ambientalmente, por meio da adoção das
técnicas modernas mais adequadas.
A mais importante política estatal nesse setor é o PRONAF, que consiste no
sistema de crédito rural de acesso simplificado para a promoção e aumento da renda
familiar, a criação de novos postos de trabalho no campo e o estímulo ao aumento da
capacidade de produção de alimentos, visando à melhoria da qualidade de vida e ao
exercício da cidadania pelos agricultores familiares (artigo de Decreto nº 3.991, de 30 de
outubro de 2001).
Esse programa, que atende assentados, agricultores, extrativistas, silvicultores,
pescadores artesanais, comunidades quilombolas e indígenas, procura respeitar a
diversidade da pequena prodão e das comunidades rurais na distribuição do crédito,
classificando os beneficiados em várias categorias, conforme a renda da família, a gestão da
propriedade e a quantidade de empregados.
O PRONAF incentiva a agregação de valor aos produtos e aos serviços das
unidades de base familiar, contribuindo para a inserção dessa prodão no mercado e a
amplião da renda da família. Ele também apóia ações de assistência técnica e a produção
de tecnologias compatíveis com os princípios do desenvolvimento sustentável e as
características e demandas da agricultura familiar (artigo 3º de Decreto 3.991/01).
292
O PRONAF também tem linhas especiais para a exploração sustentável das
florestas, bem como prevê a possibilidade de ampliação dos créditos quando essa atividade
for integrada aos sistemas agroecológicos ou orgânicos de produção (TERRA ..., 2006, p. 43).
Um outro aspecto muito interessante do PRONAF é o fato de obrigar a adesão do
seu beneficiário ao seguro da agricultura familiar, nos casos dos custeios agrícolas, de
maneira que vincula o financiamento a um mecanismo de proteção ao crédito e à renda do
pequeno produtor.
A compra de produtos da agricultura familiar pelo governo é outra política agrícola
de impactos positivos na promão do desenvolvimento rural. Esses produtos são utilizados
em programas estatais, por exemplo, como matéria-prima para os biocombustíveis,
alimentos para o programa de combate à fome, ou a fim de abastecer hospitais, escolas,
instituões beneficentes e formar estoques estratégicos. Essa potica, que encontra
fundamento legal no artigo 31, § 3º, da Lei 8.171/91, garante aos produtores familiares a
certeza de comercialização da produção por preços razoáveis e uma renda minimamente
digna.
A imunidade em relação à desapropriação por interesse social e ao pagamento do
ITR também demonstra a existência de uma proteção específica da produção familiar. Além
disso, há mecanismos legais com o prosito de garantir o acesso ao imóvel rural na
extensão de uma unidade de produção familiar, como a desapropriação para fins de reforma
agrária, o Banco da Terra e a usucapo constitucional.
Além dos assentamentos da reforma agrária, que se centraram na distribuão dos
imóveis rurais desapropriados, tem aumentado a disponibilidade de crédito com a finalidade
de permitir a aquisição de terras e, concomitantemente, a implantação da infra-estrutura
básica para a produção agrícola familiar, especialmente em imóveis que não podem ser
desapropriados para fins de reforma agrária. Essa postura ficou ainda mais evidente com a
criação do Banco da Terra pela Lei Complementar nº 93, de 04 de fevereiro de 1998.
O Banco da Terra é um instrumento utilizado conforme as possibilidades do
mercado fundrio. O governo disponibiliza crédito subsidiado, com juros controlados e
possibilidade de amortização da dívida em até 20 anos e carência de 36 meses em favor do
trabalhador rural, desde que eleo tenha sido contemplado no programa de reforma agrária
e, ao mesmo tempo, não seja proprietário de imóvel rural ou, na hipótese de sê-lo, a sua
gleba rural tenha dimensão inferior ao tamanho da propriedade familiar.
Portanto, nota-se que, apesar das dificuldades de efetivação dos valores atinentes
ao desenvolvimento rural sustentável, existe fundamento constitucional e instrumentos
293
jurídicos para o fortalecimento da atividade agrícola desenvolvida pelas famílias rurais.
Porém, a intervenção do Estado ainda não foi suficiente para proteger adequadamente tal
segmento.
294
CONCLUSÃO
A sociedade humana enfrenta uma grave crise ambiental, cujas dimensões ainda não
estão muito bem delineadas. Esse cenário é o resultado de um contexto sociocultural
caracterizado por circunstâncias interligadas e interdependentes, tais como a escassez de
recursos naturais e as diversas catástrofes provocadas pelas condutas inadequadas do ser
humano sobre o meio ambiente.
O diagnóstico dessa crise ainda não está muito claro e nem são facilmente
perceptíveis os mecanismos necessários para superá-la. Mas é certo que o homem precisa
procurar soluções no sentido de minimizar os efeitos decorrentes da disponibilidade limitada
de recursos naturais, dos riscos próprios da sociedade industrial e do aumento da miséria e
dependência das economias mais pobres, bem como a fim de responder à demanda provocada
pelo crescimento populacional e pelos novos padrões de consumo.
O trabalho demonstrou que o momento sociológico atual é caracterizado pelos
conflitos de interesses e a interligação transfronteiriça. Ocorre uma situação aparentemente
contraditória: de um lado, existe um substancial aumento dos riscos globais e transindividuais,
cujo resultado é um embate entre os Estado Nacionais para definir responsabilidades e
alternativas no tocante à consolidação da proteção socioambiental da humanidade. De outro
lado, maior circulação de informações e aproximação econômica entre esses Estados, seja
pelas integrações regionais, seja pelo processo de globalização, o qual exige maior
cooperação entre os envolvidos - embora, muitas vezes, tal reciprocidade se metamorfoseie
em ingerência nas economias dos países mais pobres e, portanto, violação da soberania dos
mesmos.
Na verdade, não se trata propriamente de uma contradição, pois o aumento dos
riscos que provocam conflitos de interesses entre os Estados decorre, principalmente, de
circunstâncias com causas e efeitos somente compreensíveis no âmbito das inter-relações
socioeconômicas que acontecem em nível mundial. Como os empreendimentos da sociedade
humana podem causar impactos ambientais de natureza difusa, cuja delimitação espacial nem
sempre é recomendável, grande dificuldade de estabelecer um consenso internacional para
solucionar a crise ambiental e assumir as obrigações necessárias para a reversão das
externalidades negativas das atividades econômicas e, além disso, as políticas governamentais
de efeitos restritos aos territórios nacionais são insuficientes para solucionar os problemas
dessa crise.
295
Os limites físicos das atividades econômicas são relativos e poderão ser
entendidos no âmbito das relações sociais, pois estão ligados muito mais ao padrão produtivo
e de consumo almejado pelo homem do que à disponibilidade de recursos naturais. A questão
ambiental está inserida na crise do paradigma hegemônico de organização da sociedade
humana.
O expressivo progresso tecnológico dos últimos anos, com efeitos positivos tanto no
aumento da produtividade das atividades econômicas, quanto na aceleração do processo de
distribuição das informações não foi suficiente para que a sociedade conseguisse superar os
limites naturais que ela mesma criou e, muito menos, promover uma relação harmoniosa entre
os empreendimentos antrópicos e o manejo racional do meio ambiente.
No intuito de controlar as principais causas da crise ambiental e reverter os efeitos
negativos decorrentes das atividades econômicas, apesar da impossibilidade da total
eliminação dos riscos da sociedade moderna, constatou-se que é necessária a consolidação de
um novo paradigma produtivo, que seja capaz de promover os interesses das gerações atuais e
proteger as expectativas das gerações futuras. Nesse cenário, cresce a importância da teoria
que defende o desenvolvimento sustentável em sentido tridimensional, que é aquele apto a
compatibilizar a proteção ambiental com a pretensão de alcançar melhoria nos índices de
desenvolvimento socioeconômico.
Embora tenha sido reconhecida a necessidade de compreensão integral da
complexidade do sistema social, pois uma inafastável integração de cada setor econômico
ao todo, formando uma unidade, o estudo se centrou na influência da crise ambiental na
realização da atividade agrícola, bem como nas alternativas para que essa atividade seja
realizada segundo as diretrizes do desenvolvimento sustentável.
Na sociedade rural contemporânea, além de problemas clássicos como o desrespeito
à legislação trabalhista, a concentração de rendas e a expropriação dos pequenos produtores
descapitalizados, percebeu-se a ocorrência de um temeroso processo de desequilíbrio
ambiental, o qual também passou a ser parte integrante da questão agrária, maiormente após a
modernização conservadora do campo, momento em que houve aumento significativo da
degradação dos recursos naturais.
O aperfeiçoamento do padrão tecnológico da atividade agrícola resultou na
diminuição dos efeitos diretos das intempéries e no aumento imediato da produtividade.
Porém, ele provocou impacto negativo nos recurso naturais utilizados na realização dessa
atividade, em virtude do uso intensivo de insumos químicos, maquinário pesado e técnicas
inadequadas de preparo e cultivo do solo. Ocorre que a diminuição do potencial produtivo
296
agrícola prejudica toda a sociedade, tanto pela limitação do crescimento econômico, quanto
pelo aumento da insegurança alimentar.
A tecnologia adotada na atividade agrícola moderna, que teve como principal
objetivo o aumento da produtividade para gerar excedentes comercializáveis e fomentar o
poder de negociação e competitividade do segmento patronal no mercado internacional,
causou um inconseqüente desequilíbrio social. Esse modelo de produção favoreceu a
concentração de renda e terra no campo, diminuiu a necessidade de mão-de-obra, possibilitou
a expropriação camponesa e impediu o crescimento e desenvolvimento da agricultura
familiar.
Nesse cenário de impacto ambiental e exclusão dos pequenos e médios produtores
rurais, percebeu-se a necessidade e a possibilidade de promover uma atividade agrícola
sustentável, capaz de materializar, simultaneamente, o equilíbrio ecológico, a viabilidade
econômica e a inclusão social.
Essa perspectiva vai ao encontro do paradigma de desenvolvimento sustentável
consagrado no ordenamento constitucional brasileiro, bem como assegura a possibilidade de
atender às demandas das gerações atuais e manter o potencial produtivo futuro.
Adotando uma interpretação sistemática da Constituição Federal, percebe-se a
integração entre a proteção ambiental, o crescimento econômico e a justiça social. Inclusive,
no âmbito rural, o texto constitucional contempla uma política agrícola e uma função social da
propriedade voltada à concretização dos fins inerentes ao modelo político consagrado no
ordenamento jurídico brasileiro.
A Constituição, pelo menos na teoria, estabeleceu um paradigma de Estado que tem,
como finalidade, a vinculação do respeito ao ordenamento jurídico (legalidade) à
materialização da justiça social; a liberdade econômica; a democracia; o respeito à
diversidade dos agrupamentos humanos e à complexidade de suas relações; e proteção a
socioambiental. Ou seja, um modelo político voltado ao desenvolvimento sustentável em
sentido multidimensional. Como se confere no artigo 170, incisos III e VI, e no artigo 225,
“caput”, o Brasil adotou o paradigma político defendido pelos teóricos do Estado de Direito
Ambiental.
O Estado de Direito Ambiental é aquele que, além de ser democrático, social e
pautado no respeito às normas legais, estabelece instrumentos com a finalidade de proteger
efetivamente o meio ambiente. Para tanto, ele dispõe de instrumentos destinados à
materialização de uma concepção qualitativa de desenvolvimento sustentável, capaz de
297
promover a solidariedade substancial e intergeracional, o consumo responsável, a cidadania
participativa e solidária, a justiça social e o questionamento do conhecimento científico.
A Constituição Federal fez a opção por uma democracia social, procurando
assegurar a liberdade, sem abrir mão das questões sociais. A liberdade econômica não possui
valor absoluto, uma vez que é exigido o contínuo balanceamento de outros valores
constitucionais, como a função social da propriedade, a proteção do meio ambiente e a
dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, o ordenamento jurídico determina a
concretização de um sistema produtivo afetado pelas três dimensões que formam o
desenvolvimento sustentável.
Essa forma de desenvolvimento carece de decisões políticas que constituam
instrumentos capazes de fomentar a efetivação dos valores desejados pela sociedade e
apregoados no ordenamento jurídico. Mas, além da criação do dever de ação do Estado, a
efetividade dos fins constitucionais também depende da prescrição de condutas aos produtores
rurais e à sociedade civil, bem como da existência de sanções penais e premiais na hipótese de
respeito às diretrizes preestabelecidas.
Mais especificamente no tocante ao desenvolvimento rural, cabe esclarecer que a
Constituição Federal dispõe de uma série de instrumentos voltados à atividade agrícola
sustentável, maiormente no capítulo destinado à política agrícola e fundiária, que foi
regulamentado pela Lei 8.171/93.
Constatou-se ainda uma quantidade suficiente de leis infraconstitucionais que
procuram orientar e instrumentalizar a atuação do Estado e do produtor agrícola no sentido de
efetivar a forma de desenvolvimento contemplada no texto constitucional. O ordenamento
também definiu a responsabilidade pela concretização de uma atividade agrícola sustentável,
sendo que a mesma está funcionalmente relacionada a uma concepção preventiva de proteção
ambiental.
Além disso, é perceptível a evolução dos institutos agrários, como, por exemplo, o
crédito rural, antes visto apenas como uma mera relação de mútuo, que passou a ser utilizado
em benefício do cumprimento da função social da propriedade, inclusive enquanto meio para
exigir do produtor a adoção das melhores técnicas. Da mesma forma, essa possibilidade existe
em relação a outros institutos de Direito Agrário, de modo que eles sejam utilizados como
instrumentos funcionalizados, a fim de preparar, ou mesmo forçar, o produtor a realizar o
manejo adequado dos recursos naturais.
Não obstante seja legítimo o condicionamento do exercício dos poderes inerentes ao
domínio, o qual atende à concepção de responsabilidade socioambiental defendida na
298
discussão do conteúdo do desenvolvimento sustentável em sentido tridimensional, é certo que
não basta apenas cobrar dos proprietários o cumprimento da função social. O Estado precisa
intervir no âmbito privado, no intuito de criar condições para que produtores rurais adotem
técnicas disponíveis que favoreçam a conservação do potencial produtivo do agroecossistema.
O próprio texto constitucional determina que a atuação estatal seja vinculada à
promoção da viabilidade social, econômica e ambiental da produção agrícola. Para tanto,
apregoa um amplo leque de instrumentos legais e administrativos voltados à sustentabilidade
da atividade econômica desenvolvida no meio rural. Nesse sentido, foi verificada a previsão
normativa e regulamentação de uma série de ferramentas com grande possibilidade de
promover os valores desejados, como a disponibilização de informações, educação
agroambiental, assistência técnica e extensão rural, a fim de disseminar o conhecimento
científico, a exigência de licenciamento para quaisquer atividades agropecuárias, a concessão
de crédito vinculada ao cumprimento dos dispositivos constitucionais, o financiamento de
pesquisas e de assistência técnica, e os investimentos em infra-estrutura e qualidade de vida
no campo.
Infelizmente, a realidade agrária não confirma a defendida adequabilidade da
legislação agrária brasileira para concretizar uma atividade agrícola sustentável. Na verdade, o
problema não é propriamente a deficiência dos instrumentos jurídicos existentes, mas a falta
de efetividade dos mesmos, bem como a dificuldade de fiscalizar a vinculação dos benefícios
governamentais ao cumprimento das condutas impostas.
Dessa forma, a inefetividade das normas jurídicas não decorre da impossibilidade
fática de reverter as conseqüências do modelo de produção agrícola predominante. Como
visto, alternativas científicas, juridicamente realizáveis, que podem contribuir para o
manejo adequado dos recursos naturais e a inclusão social do trabalhador rural. Ainda, de
forma satisfatória, notou-se a viabilidade da aplicação dos institutos de Direito Agrário
vigente, segundo os novos objetivos da sociedade atinentes às três dimensões de direitos
fundamentais, já que o Poder Judiciário e a Administração Pública possuem instrumentos
capazes de resolver os conflitos agrícolas com base nas diretrizes que formam o paradigma do
desenvolvimento sustentável.
Para efetivar os valores que consagra, de um lado, o Direito precisa dispor de
mecanismos normativos mais claros, isto é, regular de maneira mais detalhada os
comportamentos e os instrumentos de fomento dos fins juridicamente perseguidos. Ainda que
um valor seja um conceito juridicamente indeterminado, faz-se preciso um modelo de
regulação que possibilite ao Poder Público, por exemplo, realizar o controle de expectativas, a
299
fiscalização, a promoção de determinadas atividades, a prevenção e a repressão à violação
normativa.
De outro lado, a efetividade dos valores constitucionais relacionados à produção
agrícola exige uma interpretação dos operadores jurídicos comprometida com a transformação
do modelo produtivo hegemônico. Para tanto, eles precisam ponderar os valores envolvidos
nos conflitos levados ao Poder Judiciário ou avaliados pelo Poder Executivo, de modo a evitar
a desvalorização de garantias de igual força normativa.
Por fim, no intuito de deixar uma mensagem final, segue a transcrição de uma
interessante reflexão de Elisabete Maniglia (2002, p. 168) sobre a postura que se espera do
Direito em relação aos problemas agrários, colocando os valores constitucionais e o
sentimento de justiça acima dos interesses econômicos dos empreendimentos agroindustriais
que pretendem se inserir no comércio agrícola mundial:
Não que se falar em direito, muito menos em justiça, onde a desigualdade social
permanece, os trabalhadores são violados em seus direitos e o desemprego é a
ameaça constante. Busca-se enfim colocar como opção esta alternativa de retorno ao
campo valorando a agricultura familiar, repensando as normas sobre trabalho rural e
exigindo melhor tratamento e fiscalização para os que labutam no meio rural. O
campo estando em paz, produzindo, abrigando seus trabalhadores, com dignidade,
menos problemas as cidades terão. Problemas de toda a ordem estarão minimizados
e a vida será melhor.
Quando o Estado não consegue cumprir as obrigações que lhe são inerentes, mais do
que a perda da credibilidade e a necessidade de solucionar os novos problemas decorrentes da
sua ineficiência, ele deixa de promover os fins éticos consagrados no ordenamento
constitucional brasileiro, que legitimam a sua existência e definem a forma de exercício dos
seus poderes-deveres. Como, no âmbito rural, não se constata a realização da dignidade
humana na forma prevista na Constituição Federal, é possível afirmar que o Estado não está
atuando de forma legítima na realização da política agrícola e, portanto, não tem justificado a
sua existência.
300
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o
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