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Ementa: [...] - Em sede de ação possessória, é despicienda a prova da propriedade do
bem, haja vista que não se discute a propriedade, pouco importando para fins de
legitimidade de parte eventual decisão judicial que posteriormente cancela o registro
de transferência da propriedade para o autor [...] - Dúvida não se tem acerca da
possibilidade jurídica do pedido de reintegração de posse, sendo a questão atinente ao
efetivo cumprimento da função social pela propriedade invadida matéria de mérito [...]
- Apurada a ocorrência de esbulho da posse do autor, impõe-se sua reintegração no
terreno invadido, ainda que não se desconheça o postulado da função social da
propriedade, princípio este que deve ser efetivado pela Administração e não pelo
Judiciário, pena de se sacrificar a ordem jurídica [...] - Também irrelevante a iminência
de desapropriação do bem, uma vez que tal constitui mera expectativa de direito.
No entanto, o acórdão teve declaração de voto vencido, o qual negou o direito à
proteção possessória quando não ficar comprovado o cumprimento da função social da
propriedade, consoante se verifica no trecho do voto citado a seguir:
Nas demandas possessórias referentes aos conflitos agrários é necessário considerar
o exame da produtividade e efetiva utilização do solo, ponderando os direitos
inerentes à propriedade com as garantias constitucionais à vida, ao trabalho, à
moradia, ao bem estar social, à cidadania, à dignidade da pessoa humana, aos
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e, até mesmo o direito a um mínimo
de propriedade privada, se sobrelevando, ainda, os objetivos consolidados como
fundamentais da República, concernentes à erradicação da pobreza e redução das
desigualdades sociais [...] Incumbe ao julgador, como intérprete da norma, adequar,
em cada caso concreto, as disposições da lei infraconstitucional, material e
processual, às exigências constitucionais. A interpretação sistemática constitucional
da lei, em respeito ao dever social da propriedade determinado pelo art. 5º, inc. XIII
e 186, da Constituição Federal, impõe ponderar o cumprimento desse dever na
tutela jurídica do direito de propriedade e seus desdobramentos, dando efetividade à
ordem constitucional.
A Quinta Câmara Civil desse Tribunal, em julgamento proferido em 25 de
novembro de 2004, no Agravo de Instrumento n° 468.384-9, adotou fundamentos semelhantes
ao mencionado voto vencido:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO EFEITO ATIVO -
REINTEGRAÇÃO LIMINAR DA POSSE DENEGADA EM 1º GRAU - GRANDE
PROPRIEDADE INVADIDA PELO MST - NÃO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO
SOCIAL DA PROPRIEDADE - IMÓVEL IMPRODUTIVO -
DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS ELENCADOS NO ART. 186 DA
CF/88 - NÃO SATISFAÇÃO DOS ELEMENTOS ECONÔMICO, AMBIENTAL E
SOCIAL NECESSÁRIOS AO ATENDIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL -
REQUISITO PARA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA - IMPROVIMENTO. - Não
havendo o agravante comprovado tratar-se seu imóvel de propriedade produtiva,
tem-se que dito imóvel não cumpre sua função social na forma prevista no art. 186
da CF/88; - Com a interpretação sistemática do texto constitucional, a função social
da propriedade passa a ser requisito para a proteção possessória, de forma que,
apenas se o imóvel atender aos requisitos previstos no art. 186 da CF/88, é que deve
ter ele plena proteção na forma dos arts. 1.210 do NCC e 927 do CPC.
Essa argumentação, já reiterada pelo extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais,
vai de encontro à posição predominante, inclusive no STF, já que consagra duas teorias
jurídicas polêmicas: a) o direito de propriedade só existe se cumprida a função social em sua
integralidade; b) existe uma função social da posse.