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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM LINGUAGEM E ENSINO
A CONSTRUÇÃO DE TEXTOS NA ESCRITA DE SURDOS:
ESTRATÉGIAS DO SUJEITO NA TRANSIÇÃO ENTRE SISTEMAS
LINGUÍSTICOS
Maria Janaina Alencar Sampaio
João Pessoa
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM LINGUAGEM E ENSINO
A CONSTRUÇÃO DE TEXTOS NA ESCRITA DE SURDOS:
ESTRATÉGIAS DO SUJEITO NA TRANSIÇÃO ENTRE SISTEMAS
LINGUÍSTICOS
Maria Janaina Alencar Sampaio
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras da
UFPB, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em
Linguagem e Ensino.
ORIENTADORA: PROFª. DRª. EVANGELINA MARIA BRITO DE FARIA
João Pessoa
2007
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MARIA JANAINA ALENCAR SAMPAIO
A CONSTRUÇÃO DE TEXTOS NA ESCRITA DE SURDOS:
ESTRATÉGIAS DO SUJEITO NA TRANSIÇÃO ENTRE SISTEMAS
LINGUÍSTICOS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da UFPB, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Linguagem e Ensino.
Aprovada em ______/_____/_______
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Profª. Drª. Evangelina Maria Brito de Faria (Orientadora)
Universidade Federal da Paraíba
____________________________________________________________
Profª. Drª. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante
Universidade Federal da Paraíba
______________________________________________________________
Profª. Drª. Wanilda Maria Alves Cavalcanti
Universidade Católica de Pernambuco
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, Zuleide e Pelusio;
aos meus irmãos, Léo e Marquinhos; a minha cunhada e
sobrinho, Marcela e Matheus e ao meu esposo Oldack,
que compartilharam comigo as dificuldades e conquistas
dessa etapa tão desejada e importante para mim.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
A Oldack meu amado companheiro, que
tem sido em todos os momentos, amigo,
compreensivo, paciente, incentivador e
parceiro nesse processo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a Deus, pois a fé que tenho no Senhor redobra minhas forças,
incentiva meus empreendimentos e alimenta minhas esperanças.
Aos meus pais pelo exemplo, carinho, apoio constante, investimento, confiança e
motivação durante toda minha vida.
A toda minha família, especialmente aos meus irmãos, que torcem por mim.
Aos meus sogros Sr. Carlos Cezar e Dona Graça, que tão gentilmente fizeram da sua casa
minha casa nos períodos de férias do mestrado, proporcionando-me um ambiente tranqüilo
e acolhedor cuja estrutura me possibilitou escrever essa dissertação.
Aos amigos surdos Alicyary, Fernando, Raíssa, Thiago e Williane, pela disponibilidade e
paciência no ensino da LIBRAS e pela concessão dos seus textos, elementos chaves para
realização deste estudo.
As mães dos meus alunos: Ivete, Eliane, Izaíra, Cynthia e Lúcia por estarem sempre
dispostas a conversar comigo sobre seus filhos e pelo voto de confiança.
A Profª. Dra. Evangelina Maria Brito de Faria, agradeço por ter acreditado em mim e no
meu projeto; por sua serenidade, paciência e sabedoria nas orientações e pelo tempo
investido no nosso trabalho.
As Professoras Doutoras Marianne Cavalcante e Graça Carvalho, pela leitura cuidadosa
deste trabalho e pelas valiosas contribuições.
A Coordenadora da Pós-graduação em Letras, Elisalva Madruga, pela cordialidade e
presteza com que sempre nos atendeu.
Aos professores da Pós-Graduação em Letras, pela contribuição dos ensinamentos
recebidos.
Aos colegas do mestrado, pois juntos trilhamos mais uma etapa importante de nossas
vidas.
Aos amigos Nilton Cavalcante, Rose e filhos, os primeiros que me receberam de braços
abertos em João Pessoa na inscrição e seleção do mestrado. Vocês nem imaginam como
foram importantes o apoio e a torcida de vocês nessa etapa crucial.
Aos amigos Bernardo Luis, Sylvia Farias e Norma Maciel pela força e incentivo na seleção
do mestrado.
As amigas Renata e Quitéria, com quem tive o prazer de dividir apartamento em João
Pessoa no primeiro semestre do mestrado, obrigada pela carinhosa acolhida.
As amigas Iana Carvalho, Juliana Maia, Renata Fonte e Wilma Pastor que sempre
estiveram presentes, nas viagens Recife – João Pessoa, nas aulas, nos congressos,
enfrentando comigo o cotidiano acadêmico.
Aos amigos Sandra Roque e Fernando, pelas vezes que me receberam com carinho em sua
casa, nunca vou esquecer a receptividade e apoio de vocês.
Aos amigos Eliza Nóbrega e Gustavo Batista pelos agradáveis jantares e hospedagem nos
momentos finais do mestrado e por vibrarem comigo a cada conquista alcançada.
A minha professora de inglês e grande amiga Juliana Costa Maia, pelas aulas interessantes,
divertidas e instrutivas e pelo incentivo aos nossos progressos.
A Betiza Botelho, minha instrutora de LIBRAS, por ter me proporcionado o contato com
essa língua fascinante ao me introduzir na Associação de Surdos de Pernambuco.
A Profª Drª Wanilda Cavalcanti que me apresentou a fascinante área da Audiologia
Educacional, motivando-me a investir nos estudos a respeito da surdez.
A Profª Drª Ana Augusta Andrade Cordeiro pela sua amizade e pelas palavras de incentivo
que influenciaram nas minhas decisões.
A Célia, por cuidar com carinho e cuidado da minha casa, para que eu possa dedicar meu
tempo aos estudos e ao trabalho.
A CAPES, por ter concedido a bolsa para a realização desta pesquisa.
A todos que de alguma forma colaboraram para realização e finalização deste trabalho.
EPÍGRAFE
“A língua de sinais, nas mãos de seus mestres, é uma língua
extraordinariamente bela e expressiva, para a qual, na comunicação uns
com os outros e como um modo de atingir com facilidade e rapidez a
mente dos surdos, nem a natureza nem a arte lhes concedeu um substituto
à altura. Para aqueles que não a entendem, é impossível perceber suas
possibilidades para os surdos, sua poderosa influência sobre o moral e a
felicidade social dos que são privados da audição e seu admirável poder
de levar o pensamento a intelectos que de outro modo estariam em
perpétua escuridão. Tampouco são capazes de avaliar o poder que ela
tem sobre os surdos. Enquanto houver duas pessoas surdas sobre a face
da Terra e elas se encontrarem, serão usados sinais.”
J. Schuyler Long - Diretor da Iowa School for the Deaf. In: The Sign
Language (1910) - (Long, 1910, apud, SACKS, 1998, p. 5)
RESUMO
Este trabalho insere-se no campo da Lingüística Interacional e tem como foco de interesse
analisar a produção textual escrita de surdos bilíngües, estudantes do Ensino Médio,
direcionando olhar para os elementos de coesão textual presentes nos escritos com a
finalidade de compreender as especificidades desse processo numa escrita que tem como
referência não a oralidade, mas a língua de sinais. É um estudo de natureza observacional
de caráter qualitativo desenvolvido com cinco jovens surdos, usuários tanto de Língua
Portuguesa como de Língua Brasileira de Sinais, na faixa etária de 18 a 20 anos, cursando
o Ensino Médio de instituições particulares da cidade do Recife. Defendemos a hipótese de
que a escrita de surdos não segue as mesmas construções dos ouvintes que se apóiam na
linguagem oral para produzir a escrita. Porém, isso não significa que a escrita desses
sujeitos não apresente elementos de coesão, apenas devemos considerar elementos
diferentes daqueles dos ouvintes. Os dados analisados revelam que os surdos são capazes
de produzir textos coesos e coerentes. Esperamos que os dados encontrados possam
contribuir para o surgimento de novo olhar sobre a produção textual do sujeito surdo
gerando assim uma nova perspectiva de ensino para os surdos, voltada para o
desenvolvimento de suas habilidades lingüísticas.
Palavras-chave: surdez, LIBRAS, escrita, coesão, coerência.
ABSTRACT
This study fits in the field of Interacional Linguistic and its main interest is to analyze the
written textual production of bilingual deaf High School students, focusing on the elements
of textual cohesion present on these texts in order to understand the specificities of this
process in a written text that has sign language as reference and not oral language. It is a
study of observational nature with a qualitative character, developed with five deaf young
students who use the Portuguese language as well as the Brazilian Sign Language, from 18
to 20 years old, attending High School at private institutions of the city of Recife. We
defend the hypothesis that the written texts produced by deaf students do not follow the
same constructions as those of the hearing community that are based on the oral language
to produce written material. However, it does not mean that the written text of these
individuals do not present cohesion elements, instead, one should consider that such
elements differ from those of the hearing community. The analyzed data show that the deaf
are capable of producing texts with cohesion and coherence. We hope that the data can
contribute for the upcoming of a different way to look over the textual production of the
deaf individual, generating a new perspective of teaching for the deaf, looking for the
development of their linguistic abilities.
Key-words: deafness, Brazilian Sign Language, writing, cohesion and coherence.
SUMÁRIO
Resumo
Abstract
I - INTRODUÇÃO...............................................................................................................12
II - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.................................................................................16
CAPÍTULO 1 - O INTERACIONISMO NA LINGUAGEM..................................16
1.1. Uma breve introdução aos estudos interacionistas................................16
1.2. A visão interacionista Bakhtiniana de linguagem.................................20
1.3. A visão interacionista Vygotskyana de linguagem................................23
CAPÍTULO 2 - COESÃO: A TESSITURA TEXTUAL.........................................31
CAPÍTULO 3 - SURDEZ: LINGUAGEM E ESCRITA.........................................47
3.1. Histórico da Educação de Surdos no Brasil e no Mundo......................47
3.2. Línguas de Sinais...................................................................................55
3.3. O português como segunda língua para surdos.....................................69
3.4. A surdez e suas implicações na escrita..................................................72
III - ASPECTOS METODOLÓGICOS...............................................................................76
IV - APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DO CORPUS .........................................................78
V - CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................148
VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................152
ANEXOS............................................................................................................................156
I – INTRODUÇÃO
A aquisição da linguagem – tanto da fala como da escrita – é uma conquista
marcante. Quando a criança vai construindo a linguagem, o saber falar e escrever, ela
começa a dominar um sistema lingüístico. Depois de alfabetizada, a criança prossegue o
aprendizado da escrita - seu processo de letramento. Ela compreende aos poucos que a
escrita é um sistema representacional, e nota na escrita os sons da fala. A criança vai
entendendo a correspondência entre grafia e som, percebendo as similaridades e as
diferenças existentes nessa relação.
Muitas crianças ouvintes iniciam o processo de aquisição da escrita já em casa,
junto aos familiares, aprendem desde bem cedo algumas das funções da escrita, o que
significa o ato de ler por meio da leitura coletiva (um adulto e uma criança) de textos
infantis. O contato com a escrita geralmente acontece por meio da manipulação de livros
infantis e da exposição a fragmentos de escrita em jornais, na televisão, em textos afixados
nos ambientes em que a pessoa vive e freqüenta, e de tentativas de escrita. Assim,
gradativamente a criança vai estabelecendo as diferentes hipóteses sobre a relação grafema
/ fonema. Com a criança surda, percebemos que tais fatos não acontecem de forma natural,
o que acarreta inúmeros problemas em seu processo educacional e de aquisição da escrita.
Nesse sentido, os surdos enfrentam dificuldades em seu processo de letramento que
chegam até a impedir o avanço no fluxo da escolarização.
Talvez seja por isso que apenas um número reduzido de surdos consiga ter acesso ao
Ensino Médio e menos ainda à universidade. Sabemos da dificuldade existente com a
correção dos textos dos surdos no Ensino Médio e na própria Universidade. Os professores
corrigem as produções escritas com base nos mesmos parâmetros estabelecidos para os
alunos ouvintes. Essa postura tem trazido grandes problemas para o progresso dos surdos
no letramento, impedindo-os de concluírem seus cursos. Ao lado disso, há uma escassez de
pesquisas com esses sujeitos; especialmente dentro de uma perspectiva teórica que perceba
a escrita do surdo do ponto de vista do funcionamento da linguagem. Por esses motivos,
pretendemos dar continuidade a esses estudos que lançam um olhar diferenciado sobre a
escrita, compreendendo-a como funcionamento lingüístico-discursivo e afastando-se das
tradicionais concepções que vêem a escrita do surdo como “atípica e diferente” para adotar
uma perspectiva que priorize a investigação do funcionamento da linguagem e que entenda
a escrita como um processo simbólico formado através da interação com o outro.
Acreditamos que, ao lançar um olhar sobre a escrita do sujeito surdo, buscando elementos
que permitam reconhecer a textualidade e os sentidos no processo de construção da escrita,
podemos contribuir para uma melhor inclusão social desses sujeitos no ambiente escolar e
na sociedade.
A idéia de se fazer um estudo acerca da escrita de surdos surgiu, em primeiro lugar,
pelo convívio diário com surdos desde a sua fase inicial de escolarização até a vida adulta,
em minha prática como fonoaudióloga e intérprete de Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS). Em segundo lugar, pelo fato, como já foi mencionado, de existirem poucas
pesquisas nesta área, principalmente adotando uma abordagem teórica interacionista, que
percebe o sujeito como se constituindo nas relações sociais mediadas pela linguagem seja
ela oral, escrita, ou Libras.
Ao eleger como objeto de pesquisa a escrita de surdos bilíngües, levantamos quatro
questões (problemas) iniciais para serem exploradas neste estudo, são elas: Como a escrita
de surdos bilíngües se materializa (ou se apresenta) em textos escritos no Ensino Médio?
Existe coesão textual na escrita desses sujeitos? Os mecanismos de coesão são os mesmos
para surdos e ouvintes? É possível produzir sentido para essa escrita? Partimos da hipótese
de que a escrita de surdos não segue as mesmas construções dos ouvintes que se apóiam na
linguagem oral para produzir a escrita. Porém, isso não significa que a escrita desses
sujeitos não apresente elementos de coesão, apenas devemos considerar elementos
diferentes daqueles dos ouvintes.
Essas questões nortearão a discussão em nosso trabalho. De acordo com a visão
interacionista da linguagem Mondada (2001), o falar e o escrever refletem a concepção de
mundo que temos interiorizada. Assim, a forma de escrever dos sujeitos surdos tem em si
uma lógica intrínseca, pois reflete sua percepção visual do mundo e o modo pelo qual suas
experiências cognitivas são organizadas. Essa visão nos leva a acreditar que a escrita de
surdos não tem como base o mesmo sistema de referência dos ouvintes que se apóiam na
linguagem oral para produzir a escrita, o que leva a uma escrita diferenciada. Porém, isso
não significa que a escrita desses sujeitos não apresente elementos de coesão, apenas
devemos considerá-los sob outros ângulos.
Nosso objetivo central é analisar a produção textual escrita de surdos bilíngües,
estudantes do Ensino Médio, direcionando olhar para os elementos de coesão textual
presentes nos escritos com a finalidade de compreender as especificidades desse processo
numa escrita que tem como referência não a oralidade, mas a língua de sinais. Como
objetivos específicos buscamos por meio dessa pesquisa: 1) Refletir sobre o modo como o
surdo articula a escrita textual, já que o sujeito surdo interage no plano visual-gestual, mas
precisa integrar-se ao mundo da linguagem escrita, que possui interfaces com a oralidade;
2) Identificar os mecanismos coesivos em seus textos, observando como são construídas as
relações de sentido por intermédio da escrita desses sujeitos; 3) Descrever os mecanismos
de coesão encontrados na escrita de surdos bilíngües; 4) Analisar se a Língua Brasileira de
Sinais (LIBRAS) influencia o aprendizado do português escrito pelo aluno surdo e se esta
interfere quando o surdo produz um texto; 5) Analisar os textos, não priorizando o “erro”
ou “desordem” na escrita, e sim considerá-los como um movimento necessário no
funcionamento da escrita.
Para a constituição do trabalho, serão analisadas as produções textuais (redações)
de cinco alunos surdos de ambos os sexos, na faixa etária de 18 a 20 anos, filhos de pais
ouvintes, com diagnóstico de surdez sensório-neural bilateral de grau severo a profundo,
congênita ou adquirida precocemente, usuários tanto de Língua Portuguesa como de
Língua Brasileira de Sinais e cursando o Ensino Médio de instituições particulares da
cidade do Recife.
Neste estudo, queremos chamar a atenção de professores e profissionais que
trabalham com surdos para a necessidade de reavaliar e tecer considerações a respeito da
escrita desses alunos, de modo a re-significar o trabalho pedagógico realizado nas
instituições escolares, especialmente no Ensino Médio, visando melhores condições de
inclusão do surdo nesses espaços.
Partindo-se de uma reflexão sobre a educação dos surdos, pretendemos discutir
questões referentes à língua(gem) tomando como ponto de partida as proposições de
Bakhtin e Vygotsky e assumindo que somente por meio da língua(gem) e da relação social
é possível à significação do mundo pelo sujeito. Nesse sentido, a língua(gem) tem um
papel fundamental na construção da subjetividade desses sujeitos e no seu processo de
construção de conhecimentos. O olhar que debruçamos sobre essa linguagem do surdo vai
influenciar a nossa visão a respeito do letramento e da inclusão desses sujeitos na escola.
A inclusão escolar é hoje um tema debatido em todas as esferas sociais. Permitir um
maior número de alunos surdos na universidade é uma tarefa urgente e prioritária. Fala-se
em cotas para afro-brasileiros, mas se discute pouco o letramento de pessoas surdas. Este
trabalho traz para a discussão a escrita dos surdos e quer contribuir para o direcionamento
de um novo olhar avaliativo dessa produção.
Este trabalho encontra-se dividido em cinco capítulos. O primeiro capítulo, com base
na Lingüística Interacional, versa sobre as concepções interacionistas de linguagem,
destacando os estudos de Bakhtin e Vygotsky. O capítulo seguinte traz à tona os
mecanismos de textualidade, com foco na coesão textual. O terceiro capítulo discorre sobre
surdez, linguagem e escrita a partir de uma revisão bibliográfica acerca dos estudos sobre a
escrita de surdos e aquisição da língua portuguesa como segunda língua para surdos,
perpassando por questões relacionadas à educação do surdo no Brasil e no Mundo e as
características das línguas de sinais, especialmente a LIBRAS. O quarto capítulo aborda a
análise dos textos selecionados. Finalmente, o quinto capítulo, destina-se às considerações
finais, apontando alguns elementos que poderão nortear o trabalho do professor em sala de
aula com surdos no Ensino Fundamental e Médio.
II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1. O INTERACIONISMO NA LINGUAGEM
Nesse capítulo pretendemos fazer uma breve introdução aos estudos interacionistas
no campo da lingüística, mostrando a sua importância para as pesquisas a respeito da
linguagem, para isso, faremos uma reflexão acerca da noção de interação e de linguagem
em diferentes correntes lingüísticas, especialmente na visão de Bakhtin (1929), dando
destaque à noção de dialogismo. Posteriormente apresentaremos a visão interacionista
Vygotskyana de linguagem e suas contribuições para a educação do surdo, pois
acreditamos que conhecer o desenvolvimento da criança na perspectiva de Vygotsky
(1979) é fundamental para termos uma visão mais ampla e científica a respeito do
indivíduo surdo.
1.1. Uma breve introdução aos estudos interacionistas
A interação entre as pessoas é uma condição necessária para o processo de
desenvolvimento da linguagem, seja ela na modalidade auditivo-oral, escrita ou visual-
gestual. O interacionismo busca a valorização da interação entre sujeitos, em que um
sujeito atua como intérprete não só da fala, mas também da escrita do seu interlocutor.
Nessa relação entre interlocutores, entre discursos, estão presentes processos sociais,
psicológicos, contextuais, culturais e interpessoais.
A linguagem tem sido abordada por diferentes correntes lingüísticas e esse olhar
diferenciado traz importantes conseqüências na concepção e no tratamento que se dá a esse
objeto. Na lingüística, o interacionismo surgiu em meados do séc. XX e significou
inicialmente, de acordo com Morato (2004) uma reação das posições teóricas externalistas
contra o psicologismo que imperava nesta ciência da linguagem. Até essa época o que
interessava aos lingüistas eram as regularidades da língua e não a diversidade presente
nela. O interacionismo pode e deve ser considerado como um grande avanço nos estudos
dessa ciência, principalmente na medida em que defende que língua não é só signo, mas
também é, principalmente, uma ação humana, um processo co-operativo entre dois ou mais
falantes. A linguagem é vista, sob essa perspectiva, como atividade constitutiva do
conhecimento humano. Dessa forma, esta concepção de linguagem vai de encontro a duas
concepções historicamente conhecidas como subjetivismo individualista e objetivismo
abstrato, ou seja: linguagem como representação do mundo e do pensamento; e linguagem
como instrumento de comunicação, cujo objetivo era descrever a língua em abstrato, sem
considerar seu contexto de uso.
Na busca pela cientificidade da lingüística, Saussure (1975) elegeu como objeto
dessa ciência a língua e como método o estruturalismo. A língua era vista como um
sistema estável, regular, livre de influências externas. Essa exclusão da influência do
mundo externo no estudo da língua deixou fora dos estudos lingüísticos tudo o que diz
respeito à situação real de uso concreto da língua. Ao perceberem lacunas deixadas pelo
estruturalismo, os lingüistas partiram em busca de novas explicações e criaram teorias que
contribuíram para o surgimento da abordagem interacionista, são elas: a sociolingüística, a
pragmática, a semântica enunciativa, a análise da conversação, a lingüística textual, a
Análise do Discurso e naturalmente os escritos de Bakhtin que constituirão, no campo da
lingüística, a base do nosso estudo. Estas teorias, segundo Morato (2004) se baseiam numa
posição externalista a respeito da linguagem, isto é, se preocupam não só com o sistema da
linguagem, mas com o modo como ela se relaciona com o mundo externo, com as
condições múltiplas e heterogêneas de sua constituição e funcionamento.
Alguns lingüistas bem antes do surgimento do termo interacionismo, já se
preocupavam com a relação entre língua, cultura e sociedade. Por exemplo Meillet, aluno
de Saussure, em sua aula inaugural no Colège de France, em 1906, já anunciava: “Ora, a
linguagem é, eminentemente, um fato social. (...) Pois, se a realidade de uma língua não é
algo de substancial, isto não significa que não seja real. Esta realidade é, ao mesmo tempo,
lingüística e social”. (MEILLET, 1977, apud ALKMIN, 2001, p. 24).
Bakhtin (1929; 1988), provavelmente um dos mais estudados e citados autores na
atualidade, em suas obras: Marxismo e filosofia da linguagem (1929) e Estética da criação
verbal (1988), já criticava severamente o procedimento-padrão dos estudos lingüísticos de
sua época, que persistiam no estudo da língua como uma ficção científica, cujos esquemas
não conseguiam representar o amplo e complexo sistema da comunicação verbal. Este
teórico, sobre o qual voltarei a falar mais adiante, pode ser considerado um dos mais
importantes estudiosos da ciência da linguagem, uma vez que foi capaz de antecipar
noções fundamentais para os debates sociolingüísticos, semióticos e interacionistas
contemporâneos.
Cohen (1956), defende em sua obra Pour une sociologie du langage, a necessidade
de um intercâmbio entre as ciências humanas, e afirma que “os fenômenos lingüísticos se
realizam no contexto variável dos acontecimentos sociais”. (COHEN, 1956, apud
ALKMIN, 2001, p. 26). Jakobson (1960), privilegia o processo comunicativo e os aspectos
funcionais da linguagem, aos quais atribui um papel central, além de especificar os
elementos constitutivos de todo ato de comunicação verbal: o remetente, a mensagem, o
destinatário, o contexto, o canal e o código. Citarei, por último, Benveniste (1976), que
também defende o estudo da língua, considerando as relações entre linguagem e sociedade.
Para ele “é dentro da e pela língua, que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente”
(BENVENISTE, 1976 apud ALKMIN, 2001, p. 27), já que ambos só existem através da
língua.
Mondada (2001) aponta quatro tendências para justificar o crescente interesse pela
interação na lingüística, a saber: o surgimento das gramáticas do oral; um interesse geral
pela interação verbal por parte da Análise do Discurso; as pesquisas da Sociolingüística
Interacional desenvolvidas por Gumperz (1972); e a difusão da Análise da Conversação de
inspiração etnometodológica que influenciou, principalmente, as correntes lingüísticas
funcionais. Assim, o surgimento das pesquisas interacionistas deve-se a um esforço
pluridisciplinar que visava compreender e explicitar a relação entre as formas lingüísticas e
o uso da linguagem, bem como as relações entre indivíduo e sociedade.
Segundo Mondada (op.cit.), nesse contexto de mudança vivido nos anos 80,
especialmente pela influência dos estudos da fala-em-interação, a Lingüística Interacional
se constitui como disciplina, descreve seu objeto e define seu campo de pesquisa e
métodos de análise. Essa nova abordagem passou a exigir procedimentos teóricos e
metodológicos absolutamente novos, incompatíveis com os utilizados, até então, nas
análises tradicionais da língua. Principalmente, porque a fala-em-interação compreende
formas variadas de conversação face a face, como por exemplo, a conversação cotidiana
(seja no contexto familiar, na rua, no bar, etc.); as trocas conversacionais que ocorrem em
contextos como: escola, instituições profissionais, políticas, religiosas, etc. Enfim, essa
diversidade de formas de interação social, além de serem determinadas social e
culturalmente, envolvem uma série de fatores, tais como: contexto, situação, participantes,
objetivos, entre outros, responsáveis pela própria estruturação da fala dos interlocutores
nas suas trocas comunicativas.
Ao refletir sobre as conseqüências epistemológicas e práticas do interacionismo no
campo lingüístico, Mondada (2001) relaciona três aspectos cruciais para um estudo
interacional da linguagem:
“Em primeiro lugar, a emergência de um paradigma que reconhece na
interação um papel constitutivo, não somente nas práticas dos locutores,
mas também na estruturação dos recursos lingüísticos; em segundo, a
exigência de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com a
forma de fazer dos lingüistas de laboratório e que sejam adequadas a
determinados tipos de dados - resultado das atividades interacionais
registradas no seu contexto social cotidiano – que contribuem para uma
redefinição possível do objeto da lingüística; em terceiro, uma análise
interacional que conceba um modelo das práticas situadas dos locutores
fundamentado em categorias descritivas que possam dar conta dos
fenômenos dinâmicos e emergentes” (MONDADA, op.cit., p.1)
1
.
(Tradução nossa)
Essa abordagem reflete uma nova maneira de conceber os recursos lingüísticos,
trazendo à tona uma visão dinâmica da gramática, assim como a revisão das categorias
associadas às práticas dos interlocutores. A esse respeito, Mondada (op.cit.) afirma que:
as regras da língua, assim como as práticas lingüísticas se configuram e
se estruturam pela sua situação de enunciação e de interação. Sua
indexicalidade se define pelo duplo fato de que eles se ajustam
constantemente ao contexto e que contribuem para a emergência de
recursos lingüísticos pertinentes ao seu contexto. (MONDADA, op.cit.,
p.3)
2
. (Tradução nossa).
1
“en pemier lieu l’emergence d’un paradigme Qui reconnait à l’interaction un rôle constitutif non seulement
dans les pratiques des locuteurs mais aussi dans la structuration des ressources linguistiques; en dexième
lieu, l’exigence d’une démarche de terrain qui contraste avec les façons de faire des linguistes de cabinet et
qui va de pair avec l’exigence de travallier sur un certain type de donnés – des activités interactionnelles
enregistrées dans leur contexte social ordinaire – contribuant à une redéfinition possible de l’objet de la
linguistique; en troisième lieu, une analyse interactionnelle concevant un modèle des pratiques situées des
locuteurs fondé sur des categories descriptives en mesure de rendre compte de phénomènes dynamiques et
émergents.”
2
“Les formes de la langue autant que les pratiques lángagières se configurent en structurant et en étant
structurées par leur situation d’énonciation et d’interaction. Leur indexicalité se définet dans ledouble fait
qu’elles s’ajustent constamment au contexte et que ce faisant elles contribuent à fair émerger les elements
pertinents de ce contexte.”
A Lingüística Interacional demarca seu terreno perseguindo o objetivo de revelar,
através da análise observacional, a ordem da interação, preservando a temporalidade do
evento e seu desenvolvimento seqüencial, debruçando-se sobre os processos de
coordenação, sincronização e dos encadeamentos discursivos. Quer dizer, investigando
dados orais observáveis, coletados no seu contexto social de emergência, através de
gravações em áudio ou vídeo. As gravações em vídeo são, contudo, mais adequadas, pois,
além de permitirem rever as cenas inumeráveis vezes, até que todos os detalhes tenham
sido captados, possibilitam o estudo das relações entre linguagem verbal e não-verbal,
presentes em toda interação face a face.
Ainda a respeito da coleta de dados, Mondada (2001) chama atenção para o fato de
que, nessa prática renovada do campo da lingüística, o pesquisador deve integrar-se no
grupo observado, procurando ser o mínimo invasivo possível, nos seus registros, porém
posicionando-se “como um ator social dentre os demais, interagindo com seus parceiros –
quer dizer, como participante que contribui para a organização interacional das atividades
sociais em um dado contexto”.
Muito do que hoje se discute a esse respeito deve-se, principalmente, às
contribuições de Gumperz (1972; 1982), cujas pesquisas sociolingüísticas de base
interpretativa e orientação etnográfica fornecem um arcabouço teórico e metodológico
fundamental para a análise interacional e discursiva. Deve-se também a Erving Goffman
(com trabalhos publicados desde 1959 até 1981), o qual situa o estudo da ação social na
interação, privilegiando as perspectivas dos interactantes – participantes da interação social
– e descrevendo detalhadamente, através da observação direta, como são construídos e
organizados os eventos conversacionais em comunidades específicas.
Também Mondada (op.cit.) acredita que as formas lingüísticas e as práticas de
linguagem se estruturam e são estruturadas pela situação de comunicação e pela interação.
As formas lingüísticas servem de recurso à interação e também são configuradas pela
interação. Morato (2004) cita Mondada e Pekarek (2000) afirmando que ambos concebem
a interação como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisição da linguagem se
torna possível.
1.2. A visão interacionista Bakhtiniana de linguagem
Bakhtin (1929)
3
, como já foi mencionado, há muito já reconhecia a natureza social
da língua, e, dentre todas as reflexões teóricas excepcionais que ele foi capaz de
desenvolver, destacaremos aqui suas exposições acerca da fala, da enunciação, em
contraposição à postura de Saussure e de seus adeptos que, apesar de reconhecerem a
língua como fato social, excluem a fala, para deter-se no estudo da língua como sistema
sincrônico, homogêneo, abstrato. Para ele, esse procedimento reduz o signo lingüístico a
um mero sinal. Por isso, ele defende a idéia de um signo vivo, dinâmico, mutável, que só
pode ser analisado adequadamente, quando compreendido como um enunciado, que, por
sua vez, é a unidade real da comunicação verbal.
Vincula as interações verbais às interações sociais mais amplas. A interação verbal
na visão bakhtiniana é a “realidade fundamental da língua”, e o discurso o modo pelo qual
os sujeitos produzem essa interação, um modo de produção social da língua. Portanto a
origem da língua está centrada na dialogia, quer dizer, no trabalho que os sujeitos realizam
com a língua em interações verbais (não necessariamente orais) concretas. Para ele, os
elementos principais de qualquer interação são: presença de um locutor, de um interlocutor
(real, suposto ou virtual), uma situação socializada, um contexto historicamente
determinado, o objeto de discurso e o desejo pela palavra. Como esses elementos variam
sempre, total ou parcialmente, cada ato enunciativo é um ato único de transformação das
formas da linguagem; e o processo de significação inscreve-se na interindividualidade.
Considera a significação um aspecto bastante importante da língua, ressaltando que
a enunciação só ganha sentido no contexto social na qual está inserida. O autor percebe a
língua numa situação de diálogo constante. A corrente comunicativa é ininterrupta, toda
enunciação está relacionada com as enunciações anteriores e posteriores a ela. Bakhtin
critica a visão de língua utilizada pela corrente ideológico-linguística Objetivismo
Abstrato, representada principalmente por Saussure, pois essa corrente se preocupou
apenas com o aspecto lingüístico normativo, que é sempre igual e comum a todos os
falantes, mas não é suficiente para o diálogo. Ele acrescenta o aspecto contextual e social
4
para o estudo do enunciado e diz que o falante da língua não a reconhece como um sistema
3
Todas as citações de Bakhtin, constantes deste trabalho, foram retiradas do livro Marxismo e filosofia da
linguagem, São Paulo, HUCITEC, 1999.
4
O termo social utilizado por Bakhtin se refere a realidade político-econômica e cultural na qual os membros
da sociedade estão inseridos, ou seja, todas as relações existentes entre os participantes da sociedade.
de normas abstratas, mas sim como um conjunto de significações dadas em um
determinado contexto.
“A língua, como um sistema de formas que remetem a uma norma, não
passa de uma abstração, que só pode ser demonstrada no plano teórico e
prático do ponto de vista do deciframento de uma língua morta e de seu
ensino”.(Bakhtin, 1999, p.108).
O autor propõe uma teoria acerca da linguagem vinculada à constituição da
subjetividade e da consciência humana. Ele aborda o papel do meio social e da língua e a
importância das interações verbais, colocando a dialogia como núcleo que as fundamenta e
enfatizando sua importância na constituição da consciência humana.
“Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é
a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina
sua orientação”. (Bakhtin, 1999, p.112).
Como o autor chama atenção, a atividade mental é organizada pela linguagem,
dessa forma, os surdos têm uma outra atividade mental, um outro modo de organização
mental do mundo, diferente do ouvinte, haja vista que sua primeira língua é visual-gestual,
ou seja, eles se expressam através da língua de sinais. Essa língua assume a mediação entre
os interlocutores e funda o processo de construção de conhecimento (como por exemplo,
dos conceitos escolares), pois este não acontecerá fora da linguagem. Além disso, a língua
de sinais ajuda a criar as referências, a estrutura mental, pois ela vai reproduzir o mundo
para o sujeito surdo. Por meio da língua de sinais a criança surda pode ter um
desenvolvimento lingüístico e cognitivo paralelo ao da criança ouvinte, além da
possibilidade de convivência harmoniosa entre as comunidades ouvinte e surda.
Língua e linguagem para Bakhtin, são os elos de ligação entre o psiquismo e a
ideologia, que formam uma relação dialética indissolúvel. A consciência necessita da
ideologia para se desenvolver; por outro lado, a ideologia é criada a partir das relações
entre os indivíduos. A língua (o diálogo) é o instrumento que permite ao indivíduo receber
a ideologia de sua comunidade e também lhe permite atuar nesta comunidade interagindo e
expondo suas idéias.
Todas essas idéias de Bakhtin podem ser transferidas também para a compreensão
da língua(gem) escrita. A nosso ver à alfabetização é um processo extremamente complexo
impossível de ser reduzido a atos de codificação e decodificação. Ao contrário,
concebemos a leitura e a escrita como atos dialógicos por excelência, atos que pressupõem
a interação à distância de dois sujeitos no mínimo: a do autor com o leitor, seja real ou
virtual e vice-versa.
A leitura, por exemplo, aproxima dialogicamente os sujeitos que, muitas vezes,
jamais se encontrarão face a face. Isto implica que em seu trabalho de criação, o autor deve
construir e deixar pistas que tornem possível a compreensão de seu texto pelo leitor. E
estas pistas são linguisticamente recuperadas, possíveis graças à historicidade da própria
língua que estabeleceu recursos e regras lingüísticas. São interpretáveis porque o leitor
mobiliza os sistemas de referência sobre o mundo que já possui. Sistemas estes que, no
entanto, estão em contínuo movimento de transformação, dado que o sujeito participa
continuamente de diferentes jogos de linguagem nas mais diferentes esferas da vida social
(na escola, em casa, no trabalho etc.). Porque são móveis, ao menos do ponto de vista dos
diferentes momentos da história do sujeito, estes sistemas, que orientam determinadas
interpretações sobre os fatos do mundo, nem sempre são compatíveis com aqueles
postulados pelo autor que elegeu para ler. Em outras palavras, autor e leitor podem divergir
em pontos de vista e é por isso que o autor ao construir seu texto, provoca no leitor sempre
uma resposta, seja concordando ou discordando.
Suponhamos uma situação na qual o leitor é um professor ouvinte que não domina
a LIBRAS e o autor um surdo fluente nessa língua, que necessita, entretanto, aprender
também a língua oficial de seu país (o português escrito), já que a língua de sinais não
possui modalidade escrita
5
. A compreensão do texto desse autor surdo pode parecer difícil
para esse leitor ouvinte, que tem um outro sistema de referência sobre o mundo e uma
outra língua materna. Daí a importância do professor de surdos conhecer a língua de sinais
que possui recursos e regras lingüísticas diferentes das da língua portuguesa, como
veremos mais adiante no capítulo 3 desse trabalho, para não classificar essa escrita de
forma equivocada, ou seja, como sendo sem sentido. Esse conhecimento da LIBRAS, por
menor que seja, pode ajudar o professor a resgatar as operações lingüísticas realizadas pelo
5
Gostaríamos de deixar claro que não compactuamos aqui com o sistema Sign Writing. Para ver mais sobre o
Sistema Sign Writing sugerimos ler: Stumpf, Marianne Rossi. Sistema Sign Writing: por uma escrita
funcional para o surdo IN: Thoma et al. A invenção da surdez. Santa Cruz do Sul. Editora Edunisc, 2005.
autor em seu trabalho de tessitura textual, auxiliando-o na leitura e interpretação dos textos
dos alunos surdos e consequentemente o sentido será construído com maior facilidade.
1.3. A visão interacionista Vygotskyana de linguagem
Vygotsky é um dos principais representantes da psicologia sócio-interacionista,
também chamada de sócio-histórica ou abordagem histórico cultural. Essa abordagem,
segundo Oliveira (1997, p.23), vê “o homem enquanto corpo e mente, (...) ser biológico e
social, (...) membro da espécie humana e participante de um processo histórico”. Já a
linguagem não é considerada apenas um meio de comunicação, mas é principalmente
reguladora do pensamento, um elemento fundamental para o desenvolvimento cognitivo da
criança. Esse desenvolvimento vai ser determinado pela cultura a qual a criança está
exposta e pelas relações interpessoais mediadas pela linguagem.
O pensamento de Vygotsky (1979) pode ser sintetizado em três idéias principais:
1ª) as funções mentais superiores têm um componente biológico por serem produtos da
atividade cerebral. 2ª) o funcionamento psicológico se baseia nas relações sociais entre o
indivíduo e o mundo exterior, as quais desenvolvem-se num processo histórico. 3ª) a
relação entre o homem e o mundo é mediada por sistemas simbólicos (linguagem).
Vygotsky voltou seus estudos para a gênese do pensamento verbal
6
e processos
sociais humanos bem como para o desenvolvimento da linguagem e suas relações com o
pensamento. Compreender essas relações entre pensamento e linguagem, é fundamental
para entender o funcionamento psicológico do ser humano. O autor acredita que é por meio
da linguagem que o sujeito ingressa na sociedade, internaliza conhecimento e modos de
ação, organiza e estrutura seu pensamento. Nesse sentido, o signo
7
é conseqüência da
necessidade de organização social e transforma-se junto com a evolução da sociedade. “O
estudo concreto da gênese do pensamento verbal se tornou possível pelo estudo do
significado das palavras como unidade analítica (...) o significado das palavras evolui”
(VYGOTSKY, op.cit., p.159).
6
O pensamento verbal ou a fala significante é a união do pensamento e da linguagem. (VYGOTSKY, 1979,
p.159)
7
O signo para Vygotsky é um elemento da língua marcado pela história e cultura de seus falantes, possui
inúmeras possibilidades de sentidos, sendo estes criados no momento da interação, dependendo do contexto e
dos falantes que o utilizam.
A necessidade de comunicação vai impulsionar inicialmente o desenvolvimento da
linguagem, entretanto, para Vygotsky (op.cit.), além da função de intercambio social, a
linguagem tem a função de pensamento generalizante, isto é, “a linguagem ordena o real,
agrupando todas as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos, situações, sob
uma mesma categoria conceitual”. É essa função de pensamento generalizante que faz com
que a linguagem constitua o pensamento: “a linguagem fornece os conceitos e as formas de
organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento”
(OLIVEIRA, 1997, p.43).
Antes da estreita ligação entre o pensamento e a linguagem, esses fenômenos têm
origens e caminhos diferentes e independentes. Vygotsky (op.cit.) estudou o
desenvolvimento da espécie humana e o desenvolvimento do indivíduo humano,
procurando compreender a origem e a trajetória desses dois fenômenos. Num determinado
momento do desenvolvimento da espécie, as trajetórias do pensamento e da linguagem se
unem e o pensamento se torna verbal e a linguagem racional. Foi pela necessidade de
comunicação entre os indivíduos durante o trabalho (atividade especificamente humana)
que se deu à união entre pensamento e linguagem. Conforme Oliveira (1997, p.45), “o
surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de signos é um momento
crucial no desenvolvimento da espécie humana, momento em que o biológico transforma-
se no sócio-histórico”.
Antes da associação entre o pensamento e a linguagem, existe na criança pequena
uma fase pré-verbal
8
no desenvolvimento do pensamento e uma fase pré-intelectual no
desenvolvimento da linguagem. A criança demonstra uma capacidade resolver problemas
práticos, de utilizar instrumentos e meios indiretos para atingir seus objetivos, que antecede
o domínio da linguagem. Ela é capaz, por exemplo, de subir numa cadeira para alcançar
um brinquedo. A criança pré-verbal, de forma semelhante ao chimpanzé, possui uma
inteligência prática, que permite agir no ambiente sem mediação da linguagem. Nas
palavras de Vygotsky (1979, p.199-200) “A palavra não é ponto de partida – a ação já
existia antes dela; a palavra é o termo do desenvolvimento, o coroamento da ação”.
8
Essa fase pré-verbal do desenvolvimento do pensamento pode ser associada ao período sensório-motor
descrito por Piaget, no qual a ação da criança no mundo é feita por meio de sensações e movimentos, sem
mediação de representações simbólicas. (OLIVEIRA, 1997, p.46)
Entretanto, o autor afirma que, mesmo sem ainda dominar a linguagem enquanto
sistema simbólico, a criança utiliza, manifestações verbais como o choro, o riso e o
balbucio, que além da função de alívio emocional, tem a função de contato social, de
comunicação com outras pessoas. Por volta dos dois anos de idade, a trajetória do
pensamento encontra-se com a da linguagem e uma nova forma de funcionamento
psicológico se inicia. A fala torna-se intelectual, social, com fins de comunicação, com
função simbólica e generalizante, e o pensamento torna-se verbal, mediado por
significados dados pela linguagem. A interação com adultos ou crianças mais velhas, que
já possuem uma linguagem estruturada, é que vai garantir, segundo o autor, a passagem da
criança para o pensamento verbal.
Em seus estudos sobre o pensamento e a linguagem, a questão do significado das
palavras ocupa lugar central. Além de ser um componente essencial da palavra, o
significado é, ao mesmo tempo, um ato de pensamento, uma generalização. Isto quer dizer
que, no significado da palavra é que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal.
A união das duas funções básicas da linguagem já citadas anteriormente –
intercâmbio social e pensamento generalizante – se encontra no significado. São os
significados que vão permitir a mediação simbólica entre o homem e o mundo real. Por
meio deles o indivíduo será capaz de compreender e agir sobre o mundo.
O significado duma palavra representa uma amálgama tão estreita de
pensamento e linguagem que é difícil dizer se se trata de um fenômeno de
pensamento, ou se trata de um fenômeno de linguagem. Uma palavra sem
significado é um som vazio; portanto, o significado é um critério da
palavra, seu componente indispensável. Pareceria portanto que poderia
ser encarado como um fenômeno lingüístico. Mas do ponto de vista da
psicologia, o significado de cada palavra é uma generalização, um
conceito. E, como as generalizações e os conceitos são inegavelmente
atos de pensamento, podemos encarar o significado como um fenômeno
do pensar. (VYGOTSKY, 1979, p.159).
Como já dissemos anteriormente, os significados são construídos ao longo da
história, com base nas relações dos homens com o mundo e estão em constante
transformação. No desenvolvimento de uma língua, os significados são dinâmicos,
evoluem, sofrem mudanças, refinamentos, acréscimos. De modo semelhante, a
transformação dos significados também ocorre no processo de aquisição da linguagem da
criança. O sistema de relações e generalizações contido numa palavra muda ao longo do
desenvolvimento. Na interação verbal com membros mais maduros da cultura, a criança
vai ajustando seus significados, de modo a aproximá-los cada vez mais daqueles
predominantes em seu grupo lingüístico e cultural.
Ao observarmos crianças na faixa etária entre dois e seis anos, podemos encontrá-
las brincando e falando sozinhas. Essa fala para si mesma, independente da presença de um
interlocutor é a fala egocêntrica. Na concepção de Vygotsky
o discurso egocêntrico é um fenômeno de transição entre o
funcionamento inter-físico e o funcionamento intra-físico, quer dizer, da
atividade social e coletiva da criança para a sua atividade mais
individualizada - modelo de desenvolvimento este que é comum a todas
as funções psicológicas mais elevadas. (VYGOTSKY, op.cit., p.174).
Vygotsky (op.cit.) postula para o processo de desenvolvimento do pensamento e da
linguagem o mesmo caminho das demais funções mentais superiores. O percurso é da
atividade social, interpsíquica; para a atividade individualizada intrapsíquica. Inicialmente
a criança utiliza a fala socializada, apenas com a função de comunicação, de manter
contato social. Com o desenvolvimento é que ela torna-se capaz de utilizar a linguagem
como instrumento de pensamento, com a função de adaptação pessoal. Como esse processo
é gradual, a fala egocêntrica aparece como um fenômeno de transição, no qual o discurso
já tem a função de discurso interior, mas ainda tem a forma da fala socializada, externa.
O discurso interior, segundo Oliveira (1997, p.51), “é uma forma interna de
linguagem, dirigida ao próprio sujeito e não a um interlocutor externo. É um discurso sem
vocalização, voltado para o pensamento, com a função de auxiliar o indivíduo nas suas
operações psicológicas”. Ele se diferencia da fala exterior, pois não tem função
comunicativa. “É fragmentado, abreviado, contendo quase só núcleos de significado e não
todas as palavras usadas num diálogo com os outros”.
Como vimos, o desenvolvimento da linguagem e suas relações com o pensamento
são questões centrais na obra de Vygotsky. Os diversos aspectos de sua discussão podem
ser sintetizados em suas próprias palavras:
(...) a relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa mas um
processo, um movimento contínuo de vai-vem entre a palavra e o
pensamento; nesse processo a relação entre o pensamento e a palavra
sofre alterações que, também elas, podem ser consideradas como um
desenvolvimento no sentido funcional. As palavras não se limitam a
exprimir o pensamento: é por elas que este acede à existência.
(VYGOTSKY, 1979, p.165).
O pensamento do surdo vai ser estruturado por uma língua diferente, i.e., de
modalidade visual-gestual e por isso apresentará características distintas daquelas de um
ouvinte e falante de língua oral.
Em relação à díade fala / escrita, o autor considerava a escrita como uma atividade
lingüística distinta da fala tanto em estrutura como em função. Por três motivos: primeiro
porque a escrita constitui um discurso sem interlocutor presente, i.e., dirige-se a alguém
ausente, a um ser imaginário ou atende às necessidades do próprio escritor (o redigir
lembretes para si mesmo, por exemplo), ou seja, difere da relação direta, em geral face a
face, entre locutor e interlocutor, que caracteriza o discurso oral; segundo é que os motivos
para escrever são os mais diversos e abstratos no sentido de que se distanciam das
necessidades imediatas do aqui e agora; terceiro porque a escrita não é mera tradução do
discurso interior, ao contrário, durante a escrita o autor deve explicitar o que quer expressar
para que possa ser compreensível a outrem. Estas características da escrita, explicariam, ao
menos parcialmente, as discrepâncias que podem ser encontradas entre ela e a fala
cotidiana.
Para ele a escrita é uma atividade cultural complexa e, portanto, deve adquirir, na
escola, importância social para o aluno. Caso contrário se reduziria a aquisição de uma
mera habilidade mecânica de correspondência letra / som. Em outras palavras, o processo
escolar de letramento, sob sua perspectiva, não seria significativo para o aluno se baseado
em associações mecânicas entre grafemas e fonemas. Em relação ao surdo usuário de
língua de sinais, uma questão que nos inquieta é, como possibilitar ao aluno condições para
atos de escrita exitosos? Podemos começar por perceber o aluno surdo como um sujeito
ativo e singular e o outro (professor) como tendo o papel de intérprete e de parceiro na
constituição do português escrito, ou seja, atribuindo forma e sentido às produções do
surdo, intervindo, quando necessário, para transformar a escrita de forma a aproximar o seu
texto do português padrão. Retomaremos essa questão no capítulo 3.
Passaremos agora a falar sobre os estudos de Vygotsky a respeito da surdez. De
acordo com Silva (2001), ele escreveu os textos “Princípios da educação social para
crianças surdas” (1925), e “O coletivo como fator no desenvolvimento da criança anormal”
(1931), além da obra “Fundamentos da defectologia” (1989), falando sobre várias
deficiências inclusive a surdez.
Goldfeld (1997, p.77) afirma que Vygotsky vê a surdez como “a deficiência que
causa maiores danos para o indivíduo, ao contrário do que ocorre com os animais, que
sofrem maiores danos nos casos de cegueira”. Isso se deve, segundo a autora, porque a
ausência de audição vai atingir a linguagem, função que diferencia o homem dos animais.
Luria (1987 e 1990 apud GOLDFELD, op.cit., p. 78) garante também que “é a linguagem
que permite o salto do sensorial, que rege a vida dos animais, para o racional, que rege a
vida humana, através de leis sócio-históricas”.
A dificuldade dos surdos decorre, como veremos mais adiante no capítulo de
surdez, do fato de as línguas auditivo-orais serem as únicas utilizadas pela grande maioria
das pessoas, e a surdez impossibilitar a criança de adquiri-las espontaneamente. Entretanto,
já se sabe segundo vários autores, que em relação à qualidade comunicativa e a
constituição do pensamento, as mãos (e todo o esquema corporal) podem executar
perfeitamente a mesma função que o sistema fonador, através das línguas de sinais. O
problema do surdo, portanto, não é orgânico, mas cultural; pois por não terem contato com
a língua de sinais desde pequenas, e como não adquirem a língua oral num ritmo
semelhante ao das crianças ouvintes, as crianças surdas sofrem atraso de linguagem.
Em todo o seu trabalho sobre deficiência, Vygotsky enfatiza, segundo Goldfeld
(1997), que os problemas da surdez são conseqüência das questões sócio-culturais e que a
educação dessas crianças deve ter como objetivo a minimização desses danos. Vygotsky
também menciona, conforme a autora, que no futuro a idéia de deficiência terminaria, pois
os surdos e cegos não seriam chamados de deficientes, mas simplesmente considerados
surdos e cegos.
É totalmente evidente que toda a gravidade e todas as limitações criadas
pela deficiência não têm sua origem na deficiência por si mesma, mas sim
nas conseqüências, nas complicações secundárias provocadas por esta
deficiência. A surdez por si mesma poderia não ser um obstáculo tão
penoso para o desenvolvimento intelectual da criança surda, mas a mudez
provocada pela surdez, a falta de linguagem é um obstáculo muito grande
nesta via. Por isso, é na linguagem como núcleo do problema onde se
encontram todas as particularidades do desenvolvimento da criança surda.
(VYGOTSKY, apud GOLDFELD, op.cit., p.79).
Inicialmente, de acordo com Goldfeld (op.cit.) e Silva (2001), Vygotsky se
apresentou favorável ao método oral para educação de surdos; ele afirmava que essa
deveria começar já na pré-escola, pois isso estimularia o surdo a adquirir à linguagem oral
do ouvinte. Contudo, posteriormente, o autor faz uma revisão dos diferentes tipos de
linguagem do surdo destacando a língua de sinais e a poliglossia, isto é, a utilização de
múltiplos recursos para que o surdo tenha acesso à linguagem.
A luta da linguagem oral contra a mímica, apesar de todas as boas
intenções dos pedagogos, como regra geral, sempre termina com a vitória
da mímica, não porque precisamente a mímica, desde o ponto de vista
psicológico, seja a linguagem verdadeira do surdo, nem porque a mímica
seja mais fácil, como dizem muitos pedagogos, mas sim, porque a
mímica é uma linguagem verdadeira cheia de riquezas e de importância
funcional, e a pronuncia oral das palavras, formadas artificialmente, está
desprovida da riqueza vital e é só uma cópia sem vida da linguagem viva.
(VYGOTSKY, apud SILVA, op.cit., p.35).
Como vemos nessa citação, Vygotsky já chamava a atenção para a importância do
surdo ser introduzido na língua de sinais como uma língua natural
9
, ou seja, não há
impedimento para sua aquisição pelos surdos, desde que eles estejam interagindo
significativamente com usuários da mesma, já a língua oral é artificial, pois o seu
aprendizado irá processar-se como o de uma língua estrangeira, pois o mesmo exigirá
ambiente artificial e sistematização por meio de metodologias próprias de ensino. Por isso
defendemos que a língua de sinais, por não apresentar impedimentos em seu processo de
aquisição, deveria ser a primeira língua dos surdos e a língua portuguesa, pelas
especificidades apresentadas em seu processo de aprendizagem, sua segunda língua. A
interação precoce com adultos surdos, usuários da língua de sinais, favorecerá os processos
de identificação lingüístico-culturais e a formação da identidade de crianças surdas.
Estudar o desenvolvimento da criança na perspectiva de Vygotsky é fundamental
para termos uma visão mais ampla e científica a respeito do surdo, que permita conhecer
suas dificuldades; pois se a cultura, a linguagem e o diálogo são fatores fundamentais para
o desenvolvimento do indivíduo, e sendo justamente essa área comprometida no surdo,
conclui-se que as conseqüências da surdez devem ultrapassar a dificuldade comunicativa e
atingir todas as áreas do desenvolvimento do sujeito. A psicologia sócio-interacionista nos
mostra então que o estudo acerca do surdo deve abranger, além do próprio sujeito, seus
interlocutores e a(s) cultura(s) da(s) qual(is) ele faz parte.
9
Ser natural não significa ser inata, pois do mesmo modo que as demais línguas ela será aprendida, nas
diferentes situações de interação entre seus usuários. Segundo Skliar (1998, p.27) “língua natural deve ser
entendida como uma língua que foi criada e é utilizada por uma comunidade específica de usuários, que se
transmite de geração em geração, e que muda – tanto estrutural como funcionalmente – com o passar do
tempo”.
Por fim, ao assumirmos uma concepção interacionista de linguagem, na qual a
língua é entendida como discurso e texto, como sua manifestação verbal, adotamos uma
visão de língua geralmente diferente daquelas que circulam nas salas de aula de língua
portuguesa, em que o texto é, em geral, utilizado para o ensino da gramática. Essa
perspectiva redireciona o papel do ensino que deixa de se voltar para a ampliação da
capacidade de produzir e interpretar textos para o aprofundamento do conhecimento da
norma culta através do enfoque gramatical. Conhecimento que não garante uma eficácia na
produção e recepção de textos.
Entendemos o texto como uma seqüência verbal constituída por um conjunto de
relações que se estabelecem a partir da coesão e da coerência. Estes são termos que
remetem para a constituição do texto e, por isso, foco central do nosso estudo. O processo
da coesão não pode estar separado dessa visão de língua com tudo o que ela implica:
relação com outros textos, relação com o interlocutor, com a situação interlocutiva e com
os gêneros. Assim, o ensino do processo da coesão na fala e na escrita tem que ser
desenvolvido dentro de uma concepção de língua como um todo. Passaremos agora a falar
sobre os mecanismos de coesão textual.
2. COESÃO: A TESSITURA TEXTUAL
A área da lingüística responsável por estudar os princípios constitutivos do texto e
os fatores envolvidos em sua produção e recepção, é a Lingüística Textual (LT). A LT
surgiu na Europa a partir do final dos anos 1960, sobretudo entre os anglo-germânicos.
Paralelamente ao desenvolvimento dessa teoria, no final da década de sessenta até hoje,
têm se fortalecido e se ampliado, no campo da Lingüística, os estudos voltados para
fenômenos que ultrapassam os limites da frase, como o texto e o discurso, e interessados
menos nos produtos e mais nos processos – a enunciação, a interlocução e suas condições
de produção. Maria Elizabeth Conte (1977, apud, COSTA VAL, 2002, p.36) constrói um
panorama dos estudos da LT, mostrando a alternância de três focos de interesse nessa área:
1°)componentes sintáticos do texto, relativos a sua coesão; 2°)estruturação semântica,
constitutiva da coerência; 3°)funcionamento sociocomunicativo e pragmático.
Os mecanismos coesivos fazem parte dos critérios necessários para garantir a
textualidade do texto. Costa Val, (op.cit., p.34) define textualidade como “o conjunto de
características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma seqüência de
frases”. Além da coesão, Beaugrande e Dressler (apud COSTA VAL, op.cit., p.38)
apontam seis procedimentos de textualização, a saber: coerência, intencionalidade,
aceitabilidade, informatividade, situcionalidade e intertextualidade (interdiscursividade);
como também três princípios reguladores, que controlam a comunicação textual:
eficiência, eficácia e adequação. Não é objetivo do nosso trabalho, entretanto, discutir
todos esses procedimentos, nos deteremos apenas à coesão.
No Brasil, os estudos de Koch e Marcuschi também seguem uma abordagem
interacionista de base sociocognitiva. Esses autores têm conferido um estatuto interacional
aos processos conversacionais e textuais que analisam, como a conversação face a face e o
processamento textual respectivamente.
Para Marcuschi (2001), a fala e a escrita na perspectiva sociointeracionista
apresentam dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento,
negociação, situacionalidade, coerência e dinamicidade. Essa perspectiva, como foi
explicado anteriormente, percebe a língua como um fenômeno interativo e dinâmico,
voltada para as atividades dialógicas. Também se interessa pelos processos de produção de
sentido tomando-os sempre como situados em contextos sócio-historicamente marcados
por atividades de negociação ou por processos inferenciais. O interacionismo para
Marcuschi não considera as categorias lingüísticas como dadas a priori, mas como
construídas interativamente e sensíveis aos fatos culturais.
Da mesma forma, Koch (2003a) concebe a linguagem como “inter-ação, ação inter-
individual” e, portanto, social. Por meio da interação é que as ações lingüísticas se
realizam no interior de situações sociais e modificam tais situações através da produção de
enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramática de uma língua. A
linguagem não está ligada à ação ou ao outro, ela é a ação. A linguagem incorpora o outro
e as circunstâncias sociais da interação como seus elementos constitutivos. “A concepção
de língua como lugar de interação corresponde à noção de sujeito como entidade
psicossocial”, (Koch, 2003b, p.15) o sujeito é ativo na produção do social e da interação,
sem esta a comunicação não existiria.
Na concepção interacional da língua, os sujeitos são vistos como atores /
construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os
interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são
construídos. Desta forma há lugar, no texto para uma variada gama de implícitos, dos mais
variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto
sociocognitivo dos participantes da interação. Esse modo de ver traz como conseqüência
uma nova maneira de olhar o texto, que não se restringe mais às palavras, a estrutura da
língua, mas se alarga sobre os participantes e sobre o próprio contexto, incorporando ao
texto a visão de mundo dos participantes, a própria referencia dos interlocutores que se
constituem na produção textual. Nessa abordagem, os mecanismos textuais selecionados
pelos interlocutores para a construção do texto desempenham papéis específicos para se
adequarem tanto aos objetivos estritamente lingüísticos quanto aos pragmáticos. Essa visão
implica outra maneira de ver e analisar os mecanismos textuais.
Koch (2004) define a coesão textual como uma interligação existente entre os
elementos lingüísticos presentes na superfície textual, através de recursos também
lingüísticos, formando seqüências veiculadoras de sentidos. Segundo a autora, os fatores
de coesão são os mecanismos formais de uma língua que permitem estabelecer, entre os
elementos lingüísticos do texto, relações de sentido, como por exemplo:
“oposição ou contraste (mas); finalidade ou meta (para), conseqüência
(foi assim que); localização temporal (até que); explicação ou justificativa
(porque); adição de argumentos ou idéias (e)” (Koch, 2004, p.15).
Já a coerência diz respeito, de acordo com Koch (op.cit.) a forma como os
elementos superficiais do texto “vêm a constituir na mente dos interlocutores, uma
configuração veiculadora de sentidos”. A coerência é, portanto, resultado de uma
construção feita pelos interlocutores, numa situação de interação dada, pela atuação
conjunta de uma série de fatores de ordem cognitiva, situacional, sociocultural e
interacional. Ela deve ser construída a partir do texto levando-se em consideração os
mecanismos de coesão presentes na superfície textual, que funcionam como pistas para
orientar o interlocutor na construção do sentido.
Koch (2003a) enumera cinco níveis nos quais a coerência se estabelece: sintático,
semântico, temático, estilístico e ilocucional, concorrendo todos eles para a construção da
coerência global. A coerência então não é um mero traço dos textos; mas o resultado de
uma complexa rede de fatores de ordem lingüística, cognitiva e interacional.
Fonseca (1992) apresenta uma visão interessante a respeito das noções de coesão e
coerência. Fazendo uma crítica ao trabalho de Halliday e Hassan, que coloca a coesão
como fator responsável pela textualidade, Fonseca acrescenta à noção de coesão dos outros
autores outras operantes na configuração da unidade semântica do texto, cuja
caracterização requer a consideração da enunciação. Fonseca vê a coesão numa ótica
pragmático-comunicativa desligada da estrita sintagmática de Halliday e Hassan. Para o
autor a coesão é a força unificadora de termos em combinação e constitui a propriedade
básica de todos os signos extensos, deixando de ser exclusividade das estruturas
sintagmáticas. A coerência, por sua vez, diz respeito ao conteúdo indicado no texto, ao
mundo nele recriado, à exigência de não tautologia, de não contradição entre os fragmentos
do mundo recriado nos enunciados do texto, à interligação entre o mundo recriado e o
mundo real.
A totalidade de significação entendida pelo locutor representa o grande princípio de
construção do texto, segundo Fonseca. A coerência está presente tanto nos enunciados que
compõem o texto (microestrutura – coerência linear, seqüencial) quanto na representação
semântica global, que corresponde à totalidade de significação entendida pelo locutor
(macroestrutura – sentido global do texto). A compreensão do texto representa a
reconstrução que o receptor faz da intenção comunicativa do locutor. Essa compreensão
não é linear. Na contínua reelaboração de sentido, intervêm o conteúdo do texto e o
universo de conhecimento do receptor, além de haver um constante acréscimo de sentido.
A compreensão do texto é construída na base da interação entre o verbalizado e o
conhecimento do receptor e vai depender da capacidade do receptor utilizar seus
conhecimentos como elemento de sentido, que opera como fonte supletiva de informações
deixadas implícitas pelo locutor na produção do texto. Por isso todo texto é incompleto ou
econômico porque o produtor já espera a cooperação do receptor.
O trabalho de Halliday & Hasan (1976), busca uma integração entre as dimensões
sintática e semântica do texto (privilegiadas, como vimos anteriormente, no primeiro e no
segundo foco de interesse da LT). O texto, para esses autores, “é uma unidade de língua
em uso” (p.1), “é melhor compreendido como uma unidade semântica, uma unidade não de
forma mas de significado” (p.2). A textura, conceito equivalente ao de textualidade, é
definida como propriedade que “deriva do fato de que o texto funciona como uma unidade
em relação a seu contexto” (p.2) e que envolve, “além das relações semânticas de coesão,
internas ao texto, a consistência de registro, constitutiva da coerência do texto quanto ao
contexto” (p.23). Contudo, na análise dos recursos coesivos, os autores terminam não
atribuindo à relação texto-contexto função decisiva na produção da textura, como faria um
estudioso interessado na dimensão sociocomunicativa e pragmática do texto. Realmente,
eles apontam como fator necessário da textura a coesão, fenômeno considerado de
natureza semântica, na medida em que faz a interpretação de um elemento textual depender
da interpretação de outro elemento textual, e dedicam o livro ao estudo dos mecanismos
léxico-gramaticais que criam “relações de significado dentro do texto e que definem o
texto como texto” (p.4): a referência, a substituição, a elipse, a conjunção e a coesão
lexical. Para eles um texto sem coesão seria um não-texto.
QUADRO 1: MECANISMOS DE COESÃO SEGUNDO HALLIDAY & HASAN (1976)
10
:
M
E
C
A
N
I
S
M
O
S
D
E
C
O
E
S
Ã
O
Referência
Situacional (exofórica)
Pessoal (pronomes pessoais e possessivos)
Demonstrativa (pronomes demonstrativos
e advérbios de lugar)
Comparativa (identidades e similaridades)
Textual
(endofórica)
Anáfora (antes)
Catáfora (depois)
Substituição
Nominal
verbal
frasal
Elipse (ou substituição por zero )
Nominal
verbal
frasal
Conjunção (ou conexão)
Aditiva
adversativa
causal
temporal
continuativa
Coesão lexical
Repetição
Sinonímia
Hiperonímia
Uso de nomes genéricos
colocação
Baseando-se na função dos mecanismos coesivos na construção da textualidade,
Koch (2004) sugere a existência de duas modalidades de coesão: a coesão remissiva ou
referencial (referenciação, remissão) e a coesão seqüencial (sequenciação).
COESÃO REFERENCIAL:
Coesão referencial é “aquela em que um componente da superfície do texto faz
remissão a outro(s) elemento(s) nela presentes ou inferíveis a partir do universo textual. Ao
primeiro, denomina forma referencial ou remissiva e ao segundo, elemento de referência
ou referente textual”. (KOCH, op.cit., p.30).
Os mecanismos de coesão referencial são, portanto, todos aqueles elementos do
texto que fazem referência a outros elementos do texto. A referência que os componentes
de um texto podem fazer é, essencialmente, de dois tipos: referência à situação (também
10
Quadro adaptado de Halliday e Hasan (1976) a partir de Koch (2004, p.18-19).
chamada exófora) e referência ao texto (endófora). Quando um componente do texto faz
referência a um outro que já apareceu antes, a operação é chamada de anáfora; se o
componente ao qual se faz referência aparece depois do antecedente, ocorre a catáfora.
Vejam-se os exemplos de Cagliari (2001, p.39) abaixo:
(1) Você quer vender seu telefone? Então anuncie nos classificados do Jornal X. (exófora).
(2) Antônio foi ao teatro, mas ele não gostou da peça. (anáfora).
(3) Ele não gostou da peça, o Antônio. (catáfora).
Segundo Koch (2004), a coesão referencial pode ser feita através de formas
remissivas (ou referenciais) de ordem gramatical ou lexical.
As formas remissivas gramaticais “não fornecem ao leitor / ouvinte quaisquer
instruções de sentido, mas apenas instruções de conexão (por ex., concordância de gênero e
número) e podem ser presas ou livres”.(KOCH, op.cit., p.34).
As formas remissivas gramaticais presas aparecem sempre acompanhando um
nome, seriam os artigos, os pronomes adjetivos (demonstrativos, possessivos, indefinidos,
interrogativos e relativos) e os numerais cardinais e ordinais, quando acompanhados de
nomes. Ao passo que as formas remissivas gramaticais livres aparecem substituindo o
nome ao qual fazem referência, são os pronomes pessoais de 3ª pessoa (ele, ela, eles, elas)
e os pronomes substantivos em geral (demonstrativos, possessivos, indefinidos,
interrogativos e relativos) que têm função pronominal propriamente dita, bem como os
advérbios pronominais do tipo lá, aí, ali, acima, abaixo, a seguir, assim, desse modo, etc.
Abaixo, estão alguns exemplos de Cagliari (op.cit., p.40), a respeito de formas
gramaticais remissivas presas e livres:
(4) Mais tarde, passou um carro. O carro era preto. (presa).
(5) Mais tarde, passou um carro. Ele era preto. (livre).
(6) Mais tarde, passaram dois carros. O primeiro carro era preto. Os dois estavam com os
faróis apagados. (presa; livre).
As formas remissivas lexicais “são aquelas que, além de trazerem instruções de
conexão, possuem um significado extensional, ou seja, designam referentes
extralingüísticos”.(KOCH, op.cit., p. 48). Podem se enquadrar aqui às expressões ou
grupos nominais definidos, as nominalizações, os sinônimos, hiperônimos, nomes
genéricos etc., quando fazem remissão a outros referentes textuais.
Alguns exemplos de formas remissivas lexicais são:
(7) Lula perdeu a batalha no Congresso. O presidente do Brasil vem sofrendo sucessivas
derrotas políticas. (grupo nominal definido).
(8) Os grevistas paralisaram todas as atividades da empresa. A paralisação durou um mês.
(nominalização).
(9) Marcus chegou com sua namorada. Sua garota estava de vestido rosa. (sinônimo).
(10) Vimos o carro da banda chegar. O veículo era preto. (hiperônimo).
(11) A multidão ouviu o ruído de um motor. Todos olharam para o alto e viram a coisa se
aproximando. (nomes genéricos: coisa, pessoa, fato, fenômeno).
É preciso lembrar também que, em português, a elipse (ou substituição por zero)
é um mecanismo de coesão referencial muito utilizado, porque possui, com freqüência,
valor referencial. Conforme o exemplo a seguir:
(12) Os músicos chegaram atrasados no casamento. () Tinham errado o caminho da
igreja. (elipse)
Koch (2004, p.51) chama atenção ainda para:
Formas referenciais com lexema idêntico ao núcleo do SN antecedente, com ou sem
mudança de determinante:
(13) Os cães são animais de faro apuradíssimo. Por isso, os cães são excelentes auxiliares
da polícia.
Formas referenciais cujo lexema fornece instruções de sentido que representam uma
“categorização” das instruções de sentido de partes antecedentes do texto:
(14) Alguns crêem em almas do outro mundo, mas a maioria dos cientistas acha essa
hipótese improvável.
Formas referenciais em que as instruções de sentido do lexema constituem uma
“classificação” de partes anteriores ou seguintes do texto no nível metalingüístico.
(15) Ele olhou em meus olhos e disse: “Eu amo você!”. Esta frase ficou em minha cabeça
por um longo tempo.
COESÃO SEQUENCIAL:
A coesão seqüencial, por sua vez, distingue-se da coesão referencial por dizer
respeito aos
procedimentos lingüísticos por meio dos quais se estabelecem, entre
segmentos do texto (enunciados, partes de enunciados, parágrafos e
seqüências textuais), diversos tipos de relações semânticas e/ou
pragmáticas, à medida que se faz o texto progredir. (KOCH, 2004, p.53).
Os mecanismos de coesão seqüencial são classificados em dois tipos: os de
seqüenciação parafrástica e os de seqüenciação frástica. Enquanto na seqüenciação
parafrástica utiliza-se principalmente a recorrência (de termos, de estruturas sintáticas, de
conteúdos semânticos e de recursos fonológicos segmentais e supra-segmentais) como
mecanismo coesivo, na seqüenciação frástica
a progressão se faz por meio de sucessivos encadeamentos, assinalados
por uma série de marcas lingüísticas através das quais se estabelecem,
entre os enunciados que compõem o texto, determinados tipos de relação.
(KOCH,
op.cit., p.60).
Cagliari (2001, p. 42) e Koch (op.cit., p. 56) apresentam alguns exemplos de
seqüenciação parafrástica:
(16) o tempo passava, passava, passava... (recorrência de termos)
(17) Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores. (Gonçalves Dias)
11
(paralelismo sintático – recorrência de estruturas).
Além dos dois tipos de recorrência apresentados acima, a recorrência de conteúdos
semânticos (a paráfrase, propriamente dita) e a recorrência de recursos fonológicos
segmentais e supra-segmentais (metro, ritmo, rima, assonâncias, aliterações etc.) também
11
Exemplo apresentado por Koch (2004, p.56)
são importantes mecanismos de sequenciação parafrástica. Vejam-se os exemplos
apresentados por Koch (op.cit.):
(18) Você não pode entregar os pontos só porque aconteceu uma desgraça na sua vida; em
outras palavras, você não pode desistir das suas perspectivas de vida só porque
aconteceram alguns problemas. (recorrência de sentidos – paráfrase).
(19) O poeta é um fingidor:
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente. (Fernando Pessoa)
(recorrência de recursos fonológicos segmentais e/ou supra-segmentais).
Um outro recurso também bastante importante de seqüenciação parafrástica é a
recorrência de tempo e de aspecto verbal. Weinrich (1964, 1971, apud KOCH, 2004, p.57),
numa “macrossintaxe textual”, examina os tempos verbais de acordo com três
características constitutivas do sistema temporal: 1. a atitude comunicativa; 2. a
perspectiva; 3. o relevo. Existem segundo o autor dois tipos de atitude comunicativa:
comentar e narrar. Koch (op.cit) afirma que, em português, são tempos do mundo
comentado o presente do indicativo, o pretérito perfeito (simples e composto), o futuro do
presente, e tempos do mundo narrado o pretérito perfeito simples, o pretérito imperfeito, o
pretérito mais-que-perfeito e o futuro do pretérito do indicativo.
Conforme Koch (op.cit.), pertencem ao mundo narrado todos os tipos de relato,
literário ou não. O mundo narrado trata de eventos relativamente distantes, isto é, que
sofrem um distanciamento do autor ao passarem pelo “filtro do relato”. Ao mundo
comentado, por outro lado, pertencem todas as situações comunicativas que não consistem
apenas em relatos e que apresentam como característica a atitude tensa, isto é, um
comprometimento por parte do autor do texto. Dentre essas situações estão a lírica, o
drama, o ensaio, o diálogo, o comentário etc.
Como, nos textos, podem existir trechos que se referem ao mundo narrado e trechos
que se referem ao mundo comentado, é necessário que sejam usados, para cada trecho
específico, os tempos verbais adequados. Além disso, é necessário que haja uma
concordância entre esses tempos, para que a coesão não seja quebrada. Para a autora, é
preciso tomar certos cuidados com os verbos, na passagem do mundo narrado para o
mundo comentado e vice-versa, para assegurar a compreensão.
Devem ser considerados também, outros dois fatores atribuídos por Weinrich ao
sistema temporal: perspectiva e relevo.
Como o mundo narrado é indiferente ao tempo cronológico, ao defrontar-se com
verbos em tempos do mundo narrado, o ouvinte/leitor saberá tratar-se de um relato, que
tanto pode estar relacionado ao passado (por meio, por exemplo, de uma data ou de outros
fatores contextualizadores), assim como ao presente ou ao futuro. De acordo com Koch:
Quanto à perspectiva, tem-se, em cada mundo, os tempos-zero (sem
perspectiva) e os tempos retrospectivos e prospectivos. No mundo
comentado, o tempo-zero é o presente; o retrospectivo, o pretérito
perfeito e o prospectivo, o futuro do presente; no mundo narrado, há dois
tempos-zero – o pretérito perfeito e o imperfeito; o pretérito mais-que-
perfeito é retrospectivo; e o futuro do pretérito, prospectivo com relação
aos tempos-zero. (KOCH, 2004, p.58).
Weinrich também afirma que podem ser estabelecidos planos entre os eventos, no
mundo narrado. Para ele a diferenciação entre os pretéritos imperfeito e o perfeito, por
exemplo, se estabelece baseando-se na noção de relevo narrativo: o perfeito indica o
primeiro plano, o imperfeito, o pano de fundo.
Ademais em relação à coesão seqüencial, existem os mecanismos de sequenciação
frástica. Dentro desses mecanismos estão todos os procedimentos de manutenção e
progressão temática e de encadeamento.
A manutenção do tema, i.é., a continuidade de sentidos do texto é garantida, em
grande parte, pelo uso de termos pertencentes a um mesmo campo lexical (contigüidade
semântica ou “colocação” Halliday & Hasan (apud, KOCH, op.cit., p.62). Segue um
exemplo da autora:
(20) O desabamento de barreiras provocou sérios acidentes na estrada. Diversas
ambulâncias transportaram as vítimas para o hospital da cidade mais próxima.
(contigüidade semântica).
Na seqüenciação do texto, a progressão temática é fundamental. Trata-se da
articulação tema (tópico dado) / rema (foco, comentário, novo), desenvolvida por lingüistas
da Escola Funcionalista de Praga, preocupados com a organização e hierarquização das
unidades semânticas de acordo com seu valor comunicativo. Segundo Koch (op.cit.), a
progressão temática pode ser de cinco tipos
12
: progressão temática linear, progressão
temática com um tema constante, progressão com um tema derivado, progressão por
desenvolvimento de um rema subdividido e progressão com salto temático.
O encadeamento de relações semânticas entre orações, enunciados ou seqüências
maiores de textos) pode ser obtido por justaposição ou por conexão. A justaposição pode
ocorrer com ou sem o uso de partículas seqüenciadoras.
Cagliari (2001, p. 46) cita alguns exemplos de justaposição:
(21) Passou um carro. Estava amassado.
(22)...Mais tarde passou um carro que estava amassado. (marcador de situação no tempo)
Já a conexão é a articulação (de trechos) do texto por meio de conectores
(conectivos) interfrásticos, que estabelecem, essencialmente, dois tipos de relações: as
lógico-semânticas e as discursivo-argumentativas
13
.
Nos exemplos a seguir, podem ser encontradas relações lógico-semânticas (do tipo
causalidade, temporalidade, condicionalidade, etc.) estabelecidas por conectivos:
(23) Se chover, (então) não vou a praia. (condicionalidade)
(24) O fã ficou rouco porque gritou demais. (causalidade)
(25) Quando voltei para casa, todos estavam dormindo. (temporalidade)
Por outro lado, os conectivos do tipo discursivo-argumentativo estabelecem não
somente relações entre os enunciados do texto, mas, também, entre os enunciados e suas
condições de enunciação. Além disso, ao iniciarem um enunciado, esses conectivos
determinam sua orientação argumentativa (Koch, 2004, p.71-78). É o caso dos exemplos:
(26) Não vá embora, que a festa não acabou.
(27) Vou viajar com meus amigos. Isto é, se meus pais deixarem.
(28) Léo é tão forte quanto Marcus.
12
Detalhes em Koch (2004, p.63-66).
13
A este respeito, ver Koch (2004, p. 68-78)
Apresentamos a seguir, um quadro resumo dos principais mecanismos de coesão,
que mencionamos anteriormente, descritos por Koch (2004).
QUADRO 2: MECANISMOS DE COESÃO SEGUNDO KOCH (2004):
1. COESÃO
REFERENCIAL
Referência a
Situação
(exófora)
Referência ao
texto (endófora):
Anáfora (antes)
Catáfora(depois)
1.1. Formas
remissivas
gramaticais
1.1.1
Presas
Artigos definidos e indefinidos (o, a, os, as, um, uma, uns, umas)
Pronomes adjetivos (demons., posse., indefin.,interrog., relat...)
Numerais cardinais e ordinais
1.1.2.
Livres
Pronomes pessoais de 3ª pessoa (ele, ela, eles, elas)
Pronomes substantivos em geral (demonst.,posse.,indef.,interrog, rel...)
Advérbios pronominais (lá, aí, ali, acima, abaixo, a seguir, assim...)
Pro-formas verbais (ser, fazer (o mesmo, o, isto, assim, etc.)).
1.2. Formas
remissivas
lexicais
Expressões ou grupos nominais definidos
Nominalizações
Sinônimos
Hiperônimos
Nomes genéricos
1.3. Elipse
(ou substituição por zero)
2. COESÃO
SEQUENCIAL
2.1. Seqüenciação
parafrástica
Recorrência de termos
Recorrência de estruturas – paralelismo sintático
Recorrência de conteúdos semânticos – paráfrase (isto é, ou seja, quer dizer...)
Recorrência de recursos fonológicos segmentais e/ou supra-segmentais (metro,
ritmo, rima, assonâncias, aliterações, etc.)
Recorrência de tempo e aspecto verbal
2.2. Seqüenciação
frástica
Procedimentos de manutenção temática
Procedimentos de
progressão temática
Progressão temática linear
Progressão temática com um tema constante
Progressão com um tema derivado
Progressão por desenvolvimento de um rema
subdividido
Progressão com salto temático
Encadeamento
Por justaposição
Por
Conexão
Relações lógico-semânticas:
codicionalidade
causalidade
mediação
disjunção
temporalidade
conformidade
modo
Relações disursivo-argumentativas
conjunção
disjunção argumentativa
contrajunção
explicação ou justificativa
comprovação
conclusão
comparação
generalização / extensão
especificação/
exemplificação
contraste
correção / redefinição
Para estudarmos os mecanismos de coesão na escrita de surdos, achamos que a
teoria de Koch é limitada, pois o texto do surdo é sustentado também por elementos
profundos, i.e., formados na mente do leitor que utiliza seu conhecimento de mundo e de
língua para fazer as ligações necessárias à produção de sentido, e não apenas superficiais
como as categorias gramaticais apontadas pela autora. Veremos posteriormente na análise
dos dados que o principal tipo de coesão encontrado na escrita do surdo é a coesão lexical,
ou seja, o vocabulário usado no texto, também chamado de léxico, é fundamental para a
articulação e conseqüente coesão textual, pois de acordo com Antunes (2005), autor que
nos baseamos para análise dos dados desse estudo, a proximidade semântica entre as
palavras de um texto é um dos recursos que garante a coesão e consequentemente a
coerência do texto, já que coesão e coerência para o autor estão intimamente ligadas.
Antunes (op.cit.) afirma que a coesão se faz pelas relações semânticas que se
estabelecem entre os segmentos do texto.
“Os termos vão se ligando em seqüência exatamente porque vão se
relacionando conceitualmente. É importante, pois, ressaltar que a
continuidade que se instaura pela coesão é, fundamentalmente uma
continuidade de sentido, uma continuidade semântica, que se expressa, no
geral, pelas relações de reiteração, associação e conexão. Essas relações
acontecem graças a vários procedimentos que, por sua vez, se desdobram
em diferentes recursos”.(ANTUNES,
op.cit., p.50)
A coesão do texto, de acordo com Antunes (op. cit.), tem a função tanto de
promover como de sinalizar as articulações de segmentos, possibilitando sua continuidade
e unidade. Desse modo, a coesão não apenas estabelece os nexos que ligam as subpartes do
texto como também sinaliza, marca onde estão esses nexos e quais os pontos que eles
articulam. Porém, as marcas dos nexos coesivos na superfície textual não garantem por si
mesmas a necessária continuidade do texto bem construído. A coesão tem função
mediadora, pois indica a trilha do sentido e das intenções pretendidos, portanto, ultrapassa
a mera ocorrência dos elementos lingüísticos na superfície do texto e está em intima
correlação com a coerência do texto.
Assume-se neste estudo uma visão diferenciada de gramática, tomando por base
teórica a perspectiva de Antunes (op.cit.) em relação à gramática. Para o autor pensar em
gramática não é pensar apenas em “falar e escrever corretamente”(p.165) (norma culta),
não é “pensar em erro”, não tem “aquele sentido negativo de apenas coibir, proibir ou
indicar que faltas cometemos e como corrigi-las”. Mas tem um sentido positivo, pois
representa um “conjunto de possibilidades que regulam o funcionamento de uma língua,
para que ela se efetive socialmente”(p.166). A gramática não deixa de ter uma função
normativa, já que regula, entretanto, ela regula para possibilitar, i.e., para tornar possível a
interação.
A gramática, como vimos, é uma condição para que aquilo que dizemos,
numa determinada situação, faça sentido e possa funcionar como
atividade de interação. Ultrapassa, portanto, os ditames da norma padrão.
Caso contrário, fora da norma-padrão, não haveria regra e aí, cada pessoa
falaria como bem quisesse e entendesse. A gramática está presente,
portanto, em qualquer atividade verbal, formal ou informal, prestigiada
ou não; tenhamos ou não consciência disso. (ANTUNES, 2005, p. 167).
Em relação à coesão, como vimos, o uso de certas categorias gramaticais promove
e sinaliza a continuidade do texto e é, por isso, uma das condições de sua coerência.
Conforme Antunes (op.cit.), pode-se ressaltar, a função articuladora e coesiva de vários
recursos da gramática, tais como: a) os diferentes pronomes (pessoais, demonstrativos,
possessivos, indefinidos, relativos); b) a elipse (de termos, de expressões e até de
segmentos maiores); c) os numerais (seja numa seqüência temporal seja na seqüência das
referências feitas); d) os artigos (a escolha na seqüência do texto, entre um artigo
indefinido ou um definido interfere bastante na identificação dos referentes textuais); e) os
diferentes tipos de conectores, incluindo aí preposições, conjunções, advérbios e
respectivas locuções. Ou seja, além de regular ou controlar o uso da norma padrão, os
recursos gramaticais cumprem outras funções.
Desse modo, procurar perceber o que, na gramática funciona como condição para
estruturação coesiva e coerente dos textos pode orientar um bom programa de estudos da
língua, além de ampliar a compreensão acerca do que sejam as regras da gramática:
Uma regulação das possibilidades de produzir, em eventos
comunicativos, um conjunto de sinais (orais e escritos), de forma a
poderem funcionar como expressão de um dizer sociocomunicativamente
relevante. (ANTUNES, op.cit., p.168).
Essa visão da gramática, como pré-requisito para interação verbal, “devolveria a
língua seu caráter socialmente positivo de mediação, de possibilidade” (idem, p.168) e a
gramática deixaria de ser um mecanismo de discriminação e exclusão social.
Não se pode fazer texto algum sem gramática, porém, “não se faz texto algum
apenas com a gramática” (ANTUNES, op.cit. p.169). Os textos que circulam oralmente ou
por escrito, contam com vários recursos gramaticais, absolutamente necessários para que o
sentido se expresse e a interação aconteça.
O léxico (vocabulário usado no texto) tem também um papel muito importante para
a articulação e conseqüente coesão do texto, segundo a autora, pois a proximidade
semântica entre as palavras de um texto constitui um recurso coesivo bastante amplo. De
fato, o léxico não é responsável apenas pelo significado do que se pretende dizer; as
unidades lexicais de um texto (substantivos, verbos, adjetivos e alguns advérbios) são
responsáveis também por marcar as ligações que se quer fazer no texto, para que ele tenha
a necessária continuidade e unidade. Representam, junto aos recursos gramaticais, as
marcas que indicam sobre que tema se fala, e pistas de como entendemos esse tema a
subtemas próximos e afins. São, portanto, mais do que palavras com significados. Entram
na construção do texto, dando-lhe forma e existência.
Podemos dizer que, um texto se faz coeso por meio de recursos como: paráfrases,
paralelismos, repetições, substituições pronominais, substituições adverbiais, elipses,
substituições por um sinônimo, substituições por um hiperônimo, substituições por um
caracterizador, associações semânticas entre palavras e conectores. Entretanto, não é
necessário, de acordo com Antunes (op.cit.), que todos esses recursos se façam presentes
no mesmo texto. Um recurso apenas pode ser suficiente. Vai depender de cada situação e
de nossas pretensões. De qualquer maneira, fica evidente que, “sem gramática, não se faz
um texto. Mas, também, que não se faz um texto apenas com gramática.
Por fim queremos enfatizar que para a autora, um texto se faz coerente quando tem
coesão. O uso de determinadas categorias gramaticais, como veremos na quadro a seguir,
vai promover e sinalizar a continuidade do texto e é por isso, uma das condições de sua
coerência. Se formos, portanto, capazes de produzir sentido em um texto é porque ele tem
coesão e coerência.
Abaixo apresentamos um quadro resumo dos principais mecanismos de coesão
descritos por Antunes (2005, p.51).
QUADRO 3: MECANISMOS DE COESÃO SEGUNDO ANTUNES (2005):
A
C
O
E
S
Ã
O
D
O
T
E
X
T
O
RELAÇÕES
TEXTUAIS
(CAMPO 1)
PROCEDIMENTOS
(CAMPO 2)
RECURSOS
(CAMPO 3)
1.REITERAÇÃO
1.1. Repetição
1.1.1.Paráfrase
1.1.2. Paralelismo
1.1.3.Repetição
propriamente dita
De unidades do léxico
De unidades da gramática
1.2. Substituição
1.2.1.Substituição
Gramatical
Retomada
14
por:
Pronomes ou por
Advérbios
1.2.2.Substituição
lexical
Retomada por:
Sinônimos
Hiperônimos
Caracterizadores
situacionais
1.2.3. Elipse
Retomada por elipse
2. ASSOCIAÇÃO
2.1. Seleção lexical
Seleção de palavras
semanticamente
próximas
Por antônimos
Por diferentes modos de
relações de parte / todo
3. CONEXÃO
3.1. Estabelecimento de relações
sintático-semânticas entre termos,
orações, períodos, parágrafos e blocos
supraparagráficos
Uso de diferentes
conectores:
preposições
conjunções
advérbios e
respectivas locuções
QUADRO 3: A PROPRIEDADE DA COESÃO DO TEXTO: RELAÇÕES, PROCEDIMENTOS E RECURSOS
Após esse relato a respeito dos fenômenos textuais, dando destaque a coesão,
discorreremos sobre estudos referentes à escrita do surdo, procurando compreender que
implicações a privação sensorial auditiva traz para a escrita.
14
Koch (2002) diferencia ‘remeter’ e ‘retomar’ e conseqüentemente, entre ‘remissão’ e ‘retomada’. Antunes
(2005) concorda com essa distinção, entretanto, para facilitar a compreensão do assunto, considera toda
estratégia de voltar ao texto para estabelecer um nexo reiterativo como sendo, genericamente uma retomada,
concordamos com esse autor.
3. SURDEZ: LINGUAGEM E ESCRITA
Este capítulo tem como objetivo fazer uma reflexão teórica acerca das questões da
surdez e da linguagem. Para isto, faremos inicialmente uma retrospectiva histórica da
educação de surdos no Brasil e no mundo, caracterizando as diversas filosofias existentes
na educação de surdos: oralismo, comunicação total e bilingüismo. Em seguida,
discorreremos sobre as características das línguas de sinais, chamando atenção para os
estudos de Brito (1995, 1998), Felipe (1998, 2001), Fernandes (2003) e Quadros &
Karnopp (2004) sobre a estrutura lingüística da LIBRAS, nos planos fonológico,
morfológico, sintático e semântico – pragmático. Faremos ainda um breve comentário a
respeito de estudos que defendem o português como segunda língua para surdos, sendo a
língua de sinais a de maior fluência. Finalmente, concluiremos apresentando em linhas
gerais, alguns estudos sobre a surdez e suas implicações na escrita.
3.1. Histórico da Educação de Surdos no Brasil e no Mundo
Conhecer a história da educação de surdos e as fundamentações teóricas,
filosóficas, políticas e ideológicas que a embasaram desde o início é de suma importância
para compreensão da atual situação em que a educação de surdos se encontra.
A idéia que a sociedade fazia sobre os surdos no decorrer da história, geralmente
apresentava apenas aspectos negativos. Segundo Higgiins (apud MOURA, 1997) na
antiguidade greco-romana os surdos não eram considerados seres humanos competentes,
pois se pensava que, como não ouviam, não falavam e não pensavam, não podendo receber
ensinamento e, portanto, aprender. Goldfeld (1997) relata que, nessa época, os surdos eram
percebidos com piedade e compaixão, como pessoas castigadas pelos deuses ou como
pessoas enfeitiçadas que deveriam ser abandonadas ou sacrificadas.
Aristóteles considerava que a linguagem era o que dava condição de humano para o
indivíduo, portanto, sem linguagem, o surdo era considerado não-humano e não tinha
possibilidade de desenvolver faculdades intelectuais. Moura (1997) afirma que não há
referência naquela época de que os surdos usassem sinais, o único tipo de comunicação
mencionada era a fala. Tem-se aí a primeira menção histórica dando um valor de
humanização para a fala que servirá de base para o trabalho de reabilitação dos surdos por
séculos.
Até o século XV, os surdos viviam totalmente à margem da sociedade e não tinham
nenhum direito assegurado. Goldfeld (1997, 1998) e Moura (op.cit.) relatam que eles eram
considerados pessoas primitivas que não podiam ser educadas tampouco exercer direitos
legais como casar e herdar. Isto pode ser observado até hoje no Código de Processo Civil
Brasileiro art. 405, parágrafo 1°, inciso IV que considera os surdos incapazes, comparados
aos que sofrem de demência ou debilidade mental (BRASIL, 2004a). Infelizmente até hoje
sentimos o impacto que a antiguidade teve na categorização dos surdos, apesar da
legislação ter o intuito de protegê-lo, ao considerá-lo incapaz de exprimir sua vontade. É
necessária uma atualização da constituição brasileira, pois, através da Língua de Sinais, o
surdo é plenamente capaz de expressar sua vontade e gerir sua própria vida. O que está por
trás deste conceito de incapaz é a ausência da fala, mas não podemos considerá-la como
única forma possível de comunicação para o surdo. É o que veremos no decorrer da
história.
A partir do século XVI, conforme Goldfeld (op.cit.), têm-se relatos dos primeiros
educadores de surdos que criaram diferentes métodos de ensino para surdos. Alguns
utilizavam apenas a língua oral
15
, outros pesquisaram e defenderam as línguas de sinais
16
ou criaram códigos visuais, que não se configuram como uma língua, para facilitar a
comunicação com seus alunos surdos. Até hoje existem diversas correntes com diferentes
pressupostos em relação à educação de surdos.
15
O termo “língua oral” é normalmente utilizado para definir línguas que possuem as modalidades
audiofonatória e escrita, como o português, inglês, francês, etc., e também línguas que possuem apenas a
modalidade audiofonatória, como algumas línguas indígenas. (GOLDFELD, 1997)
16
As línguas de sinais são línguas naturais, que utilizam o canal espaço-visual, criadas por comunidades
surdas através de gerações. Estas línguas, sendo diferentes em cada comunidade, têm estruturas gramaticais
próprias, independentes das línguas orais dos países onde são utilizadas. As línguas de sinais possuem todas
as características das línguas orais, como a polissemia, possibilidade de utilização de metáforas, piadas jogos
de linguagem etc. (GOLDFELD, 1997)
Ainda no século XVI , na Espanha, o monge beneditino Pedro Ponce de Leon,
1520-1584 (apud GOLDFELD,1997) desenvolveu uma metodologia de educação de
surdos baseada na datilologia (representação manual das letras do alfabeto), escrita e
oralização, e criou uma escola de professores surdos. Ele ensinou quatro surdos filhos de
nobres, a falar, ler e escrever e alguns chegaram a estudar física, astronomia e filosofia.
Isso mostra, de acordo com Moura (1997), o equívoco das crenças religiosas, filosóficas e
médicas existentes até aquele momento sobre os surdos, (os médicos chegaram a afirmar
que os surdos não podiam aprender porque tinham lesões cerebrais). Os nobres que tinham
descendentes surdos queriam assegurar-lhes o direito de herança e por isso lutaram para o
reconhecimento do surdo como capaz. Vemos com isso que as implicações legais foram
mais importantes do que as religiosas e filosóficas no desenvolvimento de técnicas para
oralização do surdo. A força do poder econômico da nobreza teve um peso considerável
como impulsionadora do oralismo que começava a se estabelecer e se estenderia até os dias
de hoje.
No início do século XVII Juan Pablo Bonet, 1579-1629 (apud MOURA, op.cit., p.
329) utilizando-se das idéias de Ponce de Leon publica um livro em 1620, apresentando-se
como “o inventor da arte de ensinar os surdos a falar” por meio do alfabeto digital, da
escrita e da língua de sinais ensinava a leitura ao surdo e, através da manipulação dos
órgãos fonoarticulatórios, ensinava-os a falar. Esse livro chamou a atenção de estudiosos
de toda a Europa, encantados com a possibilidade de dar voz ao surdo. Esta base oralista
serviu de modelo segundo Moura (op.cit.), para três pilares da educação oralista: Pereire
nos países de língua latina, Amman, nos de língua alemã e Wallis nas ilhas Britânicas.
Apesar de ser defensor do oralismo, Jacob Rodrigues Pereire (1715-1780) utilizava
em seu trabalho os sinais e o alfabeto manual. Para ele “a fala dos surdos os traria de volta
à família humana” (MOURA, op.cit., p.330). Essa seria a única forma de o surdo adquirir
as noções gerais e abstratas que lhe faltavam e se relacionar com outros na sociedade. Nos
últimos anos de vida, porém, Pereire mudou radicalmente sua posição em relação à
educação de surdos e parou de tentar converter os usuários de língua de sinais em falantes.
Johann Conrad Amman foi o principal representante do oralismo na Alemanha e
acreditava que “a humanidade residia na possibilidade da fala do indivíduo” (MOURA,
op.cit., p.330). Seu livro, publicado em 1704, foi á semente para a construção do modelo
alemão de educação institucionalizada do surdo, iniciada por Samuel Heinicke (1723-
1790). Amman também utilizava Sinais e o alfabeto manual para oralizar o surdo, mas
abandonava-os quando não os considerava mais necessários, por achar que poderiam
atrapalhar o desenvolvimento posterior da fala e do pensamento. Para ele a existência do
pensamento derivava exclusivamente da fala. Quase todos os países de língua alemã
seguiram seu método.
John Wallis (1616-1703) é considerado o fundador do oralismo na Inglaterra. Ele
escreveu o primeiro livro inglês sobre educação do surdo (1698), numa linha oralista.
Posteriormente abandonou o trabalho de oralização e passou a utilizar Sinais para ensinar
os surdos. (MOURA, 1997).
É interessante perceber, como destaca Moura (op.cit.), que os três grandes
precursores do oralismo, ainda que interessados em fazer o surdo falar por considerarem a
fala a verdadeira forma de expressão humana, utilizaram os sinais e o alfabeto manual para
atingir seus objetivos. Mesmo que em algum estágio de seu trabalho eles abandonassem a
língua de sinais, não lhes negavam o valor de instrumento importante no trabalho com os
surdos.
Veremos agora quando a língua de sinais passou a ser utilizada prioritariamente na
educação de surdos e como este sujeito passou a ser visto como humano e capaz de
adquirir conhecimentos sem ter que falar. O mérito deste trabalho é de Abade Charles-
Michel De L’Epée (1712-1789), que em 1750 na França, aproximou-se dos surdos que
viviam nas ruas de Paris. Aprendeu com eles a Língua de Sinais e criou os “Sinais
Metódicos”, uma combinação da Língua de Sinais com a gramática sinalizada francesa
17
.
Segundo Goldfeld (1997, 1998), Moura (op.cit.) e Brasil (2004b) o abade fundou em 1755,
em Paris a primeira escola pública para o ensino da pessoa surda em sua própria casa e sua
escola em poucos anos (de 1771 a 1785) passou a atender 75 alunos, número bastante
elevado para a época. L’Epée e seu seguidor Sicard acreditavam que todos os surdos,
independentemente de nível social, deveriam ter acesso à educação, e esta deveria ser
pública e gratuita. O abade, em alguns anos, difundiu suas idéias e educou diversos surdos
com sua metodologia. Seu grande mérito foi ter reconhecido que os surdos possuíam uma
língua através da qual eles podiam se comunicar plenamente e que ele, usou para ensinar
17
gramática sinalizada francesa é um recurso criado a partir do léxico da Língua de Sinais com a estrutura
gramatical da Língua Francesa. (GOLDFELD, 1998)
os surdos á “ler e a escrever qualquer texto de forma gramaticalmente correta”.(MOURA,
op.cit, p. 331).
Para L’Epée, os surdos perdiam muito tempo no treinamento de fala, ele achava
que esse tempo deveria ser dedicado à educação. Afirmava também que mesmo aqueles
que aprendessem a falar, essa fala seria de pouca utilidade em relação ao tempo
despendido. Por esse motivo, de acordo com Moura (1997, p.331), ele foi muito criticado
por educadores de surdos que achavam que “a oralização deveria ser o objetivo principal
do trabalho educativo do surdo, por questões de sua humanização e inserção na sociedade
de ouvintes”. L’Epée também é criticado hoje por não ter considerado a Língua de Sinais
em sua estrutura original, ou seja, ele teve que modificá-la para poder utilizá-la para o
ensino da leitura e da escrita. Porém não podemos ignorar sua importância no
reconhecimento da língua de sinais, na consideração dos surdos como seres humanos
apesar de não falarem, e por ter “propiciado a estes indivíduos um grande
desenvolvimento, em que eles puderam demonstrar suas habilidades em diversos campos,
antes dominados apenas pelos ouvintes”.
Ainda em 1750 na Alemanha, Goldfeld (1997,1998) relata que, surgem às primeiras
noções do que hoje se constitui a filosofia educacional oralista. Esta filosofia acredita que
o surdo deve aprender a língua oral de seu país para integrar-se à comunidade ouvinte
rejeitando a Língua de Sinais; por achar que esta é prejudicial para o surdo já que, ao ser
exposto a uma língua de fácil acesso, pelo canal espaço visual, este perderia o interesse em
aprender a língua oral. Heinick foi o fundador da primeira escola pública baseada no
método oral, ou seja, que utilizava apenas a língua oral na educação das crianças surdas.
Sua escola tinha nove alunos.
Goldfeld (op.cit.) e Moura (op.cit.) apontam o século XVIII como um período
muito importante na educação dos surdos, tanto no sentido quantitativo com o aumento das
escolas para surdos, quanto no qualitativo graças à utilização da língua de sinais na Europa
e nos Estados Unidos.
Esses mesmos autores falam que, em 1815, Thomas Hopkins Gallaudet, professor
americano interessado na educação de surdos, viajou para a Europa a fim de aprender um
método que permitisse a implantação de um ensino especializado para surdos nos EUA.
Ele não conseguiu estas informações na Inglaterra, pois Braidwood, a quem ele procurou,
negou-se a lhe revelar o seu método (oralista). Gallaudet não conhecia nada sobre a
educação do surdo nesta ocasião e tendo tomado conhecimento do método desenvolvido
por L’Epée, interessou-se e foi para a França em 1816, onde realizou um estágio no
Instituto Nacional para Surdos-mudos, para aprender os Sinais e o Sistema de Sinais
Metódicos de L’Epée. Seu instrutor foi Laurent Clerc, um surdo francês, considerado um
dos melhores alunos daquela escola. Clerc foi contratado por Thomas e eles retornaram
juntos para os EUA naquele mesmo ano.
Em abril de 1817, Gallaudet funda a primeira escola pública para surdos, em
Hartford, Connecticut, com o nome de The Connecticut Asylum for the Education and
Instruction of the Deaf and Dumb Persons (Asilo Connecticut para a Educação e Instrução
das Pessoas Surdas e Mudas). Posteriormente a escola recebeu o nome de Hartford School
(MOURA, 1997). Essa escola utilizava como forma de comunicação um tipo de francês
sinalizado, ou seja, a união do léxico da língua de sinais francesa com a estrutura da língua
francesa, adaptado para o inglês. Surge então uma metodologia que, mais tarde, será
utilizada na filosofia denominada Comunicação Total.
A partir de 1821, todas as escolas públicas americanas passam a aceitar a ASL
(American Sign Language) que sofreu muita influência do francês sinalizado, e a utilizar
os sinais (não exatamente a ASL, mas um tipo de inglês sinalizado) em sala de aula. Em
1850 estas escolas passam a utilizar a ASL e não o inglês sinalizado, provocando um
aumento no grau de escolarização dos surdos, já que estes poderiam aprender com mais
facilidade as disciplinas ministradas em língua de sinais. Essas escolas tinham o objetivo
de educar os surdos através da língua de sinais, cada vez menos ligada ao sistema oral e
cujo objetivo era o ensino da língua escrita e o desenvolvimento de conhecimentos que
permitissem a independência e o trabalho de surdos na comunidade. Em 1864, o Congresso
Americano autorizou o funcionamento da primeira universidade para surdos, localizada em
Washington (National Deaf-Mute College, atualmente Gallaudet University). Esta
universidade foi fundada por Edward Gallaudet, filho de Thomas Gallaudet. Foi a primeira
e é até hoje a única universidade para surdos em todo mundo. (GOLDFELD, 1997, 1998 e
MOURA op.cit.).
No Brasil em 1855, de acordo com Goldfeld (op.cit.) e Brasil (2004b), chegou o
professor surdo francês Hernest Huet, trazido pelo imperador D. Pedro II, para iniciar um
trabalho de educação de duas crianças surdas, com bolsas de estudo pagas pelo governo.
Em 26 de setembro de 1857 foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual
Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), que utilizava a língua de sinais.
Entretanto, devido ao avanço tecnológico das próteses auditivas na década de 1860, a idéia
de que o surdo poderia falar causou mudança nas idéias dos profissionais da área, que
passaram a investir neste aprendizado. Nesta época, começou a difusão da idéia de que a
aquisição da língua de sinais pela criança surda retardaria a aprendizagem da língua oral.
Surgem, então, opositores à Língua de Sinais, que ganharam força a partir da morte de
Laurent Clerc, em 1869.
Desde a metade do século XIX a Língua de Sinais começou a ser rejeitada nos
EUA. Um dos maiores defensores do oralismo neste país foi Alexander Graham Bell
(1847-1922) o famoso inventor do telefone, cuja família trabalhava com treinamento de
fala e com surdos na Escócia. Ele era contra a língua de sinais, achava que ela prejudicava
o ensino do inglês, não a considerava língua, julgando-a muito ideográfica
18
, imprecisa e
inferior à fala. Para ele, a língua oral era a única língua perfeita e completa. Ele acreditava
que todos os surdos poderiam aprender a falar e lutou para que isto se tornasse realidade,
não só nos EUA, mas em todo o mundo. (MOURA, 1997 e GOLDFELD 1997, 1998).
Graham Bell (apud, MOURA, op.cit., p.334) recomendava o ensino da leitura e
escrita da mesma forma para surdos e ouvintes. O fato da língua escrita não ser utilizada na
comunicação social e depender de um conhecimento prévio de uma outra língua, não era
considerado por ele. As crianças surdas em sua opinião deveriam ser educadas em classes
de surdos dentro de escolas normais e seus professores deveriam ser treinados para
poderem ensinar a articulação. Bell era partidário da eugênia (“ciência que estuda as
condições mais propícias à reprodução e melhoramento da raça humana” – FERREIRA,
1988, p. 281), isso explica sua posição contrária à língua de sinais e à existência de escolas
especiais, pois essas propiciariam o surgimento de comunidades de surdos, favorecendo o
casamento e a reprodução entre seus membros, o que seria na opinião de Graham Bell um
perigo para a sociedade.
18
Ideografia: representação das idéias por sinais que reproduzem objetos concretos. (FERREIRA,1988,
p.349)
Goldfeld (op.cit.) afirma que Graham Bell exerceu grande influencia no resultado
da votação do Congresso Internacional de Educadores Surdos, realizado em Milão, em
1880. Nesse evento, colocou-se em votação qual seria o melhor método a ser utilizado na
educação dos surdos. O Oralismo venceu e, assim, o uso da língua de sinais foi
oficialmente proibido. O curioso é que, apesar de ser um congresso de educadores surdos,
foi negado aos professores surdos o direito de votar, só os ouvintes participaram da
votação. A partir deste evento, todas as escolas do mundo iniciaram um processo de
mudança. No início do século XX, a maior parte das escolas em todo o mundo já haviam
deixado de utilizar a Língua de Sinais. A oralização passou a ser o objetivo principal da
educação das crianças surdas e para que estas pudessem dominar a língua oral passavam a
maior parte do tempo recebendo treinamento oral e se dedicando a este aprendizado.
Em 1911, no Brasil, o INES, seguindo a tendência mundial, estabeleceu o oralismo
puro em todas as disciplinas. A Língua Brasileira de Sinais, mesmo assim, continuou sendo
utilizada em sala de aula até 1957, quando a diretora Ana Rímoli de Faria Dória, com
assessoria da professora Alpia Couto proibiu a LIBRAS oficialmente em sala de aula.
Entretanto, apesar de todas as proibições, a língua de sinais sempre foi utilizada pelos
alunos nos pátios e corredores da escola. (GOLDFELD, 1997).
A idéia de que a língua oral é a única que o surdo deve aprender deu origem à
filosofia educacional denominada Oralismo, que foi dominante em todo o mundo até a
década de 1960, conforme Goldfeld (op.cit.), ano em que William Stokoe publicou o artigo
Sign Language Structure: An Outline of the Visual Communication System of the American
Deaf, demonstrando ser a língua de sinais uma língua com todas as características das
línguas orais.
A partir desta publicação, segundo Goldfeld (1997, 1998), surgiram diversas
pesquisas sobre a Língua de Sinais e sua aplicação na educação e na vida do surdo, que,
aliadas a uma grande insatisfação por parte dos educadores e dos surdos com o método
oral, deram origem à utilização da Língua de Sinais e de outros códigos manuais na
educação da criança surda. Surge então a filosofia da Comunicação total. Esta filosofia
propõe, de acordo com Ciccone (1996); Góes (1996), Goldfeld (1997) e Almeida (2000); o
uso de múltiplos meios comunicativos, através de recursos lingüísticos e não lingüísticos,
combinando sinais, oralização, leitura oro-facial, gestos, linguagem escrita, datilologia
(soletração manual), pantomima, desenho etc. É recomendado que esses recursos sejam
ajustados às necessidades e possibilidades do aluno surdo. Chega ao Brasil no fim da
década de setenta, após a visita de Ivete Vasconcelos, educadora de surdos na
Universidade Gallaudet.
A partir da década de setenta, Goldfeld (op.cit.) relata que, em alguns países como
Suécia e Inglaterra, percebeu-se que a língua de sinais deveria ser utilizada
independentemente da língua oral. Ou seja, em algumas situações, o surdo deve utilizar a
língua de sinais e em outras, a língua oral e não as duas ao mesmo tempo, como estava
sendo feito. Surge então a filosofia denominada bilingüismo em 1980, que ganha cada vez
mais adeptos em todos os países do mundo. No Brasil, o bilingüismo começou a partir das
pesquisas da lingüista Lucinda Ferreira Brito, sobre a LIBRAS.
Atualmente, no Brasil a tendência principal é o bilingüismo, apesar de Goldfeld
(1997) destacar que, todas têm relevância e representatividade no trabalho com surdos. As
diferentes abordagens causam muitas discórdias e muitos conflitos entre os profissionais
que as seguem. Podemos perceber que, no decorrer da história, essas divergências sempre
ocorreram, e em dois momentos, nos anos de 1750 e 1880, as diferentes metodologias
foram colocadas em discussão, definindo uma abordagem considerada a melhor e que,
conseqüentemente, deveria ser utilizada em todas as instituições.
Em alguns países do mundo como a Venezuela, a filosofia bilíngüe é adotada como
oficial e obrigatória em todas as escolas públicas para surdos entretanto, a maioria dos
países, inclusive o Brasil, “convive com estas diferentes visões sobre os surdos e sua
educação, acreditando que a verdade única não existe e, portanto, todas as abordagens
seriamente estudadas devem ter espaço”. (GOLDEFELD, op.cit., p. 30).
Não é pretensão nossa, neste trabalho, discorrer acerca das filosofias educacionais
para surdos surgidas ao longo da história, entretanto, foi importante mencionarmos as
principais filosofias para situarmos o leitor a respeito do processo educacional para o surdo
durante essa trajetória.
3.2. Línguas de Sinais
Para muitos ouvintes, parece estranha essa maneira de conversar sem som, fazendo
movimentos rápidos no ar com as mãos, acompanhados de expressões corporais e faciais.
Esses movimentos gestuais e expressões faciais constituem, segundo vários autores como,
Moura, et.al. (1993); Brito (1995); Ciccone (1996); Góes (1996), Quadros (1997a);
Almeida (2000); Felipe (2001); Fernandes (2003); Karnopp (2004) e Quadros & Karnopp
(2004); línguas reconhecidas pela lingüística, vivas e autônomas, ou seja, com
características diferentes das línguas orais, em relação ao meio de comunicação ou canal
diverso (gestual-visual) e a estrutura gramatical. Entretanto,
as línguas de sinais não são diferentes das línguas orais, no que se refere à
função primordial de evocar significados (elas devem ser consideradas
por seus valores conceituais; não como um conjunto de sinais referentes a
palavras da língua oral, mas como um código aberto de significantes e
significados). (CICCONE, op.cit., p.22).
Como vimos anteriormente no histórico da educação de surdos, foi na década de
60, com William Stokoe, lingüista norte-americano, que as línguas de sinais começaram a
ser estudadas e analisadas, passando então a ocupar um status de língua. De acordo com
Quadros & Karnopp (2004), o autor comprovou que a língua de sinais atendia a todos os
critérios lingüísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de
produzir inúmeras sentenças.
Hoje já se sabe, como apontam Moura, et.al. (1993); Brito (1995); Quadros
(1997a); Quadros & Karnopp (op.cit.); Felipe (2001) e Fernandes (2003), que as línguas de
sinais são estruturadas de todos os componentes pertinentes às línguas orais como,
fonologia, morfologia, sintaxe, semântica, pragmática e outros elementos, preenchendo,
assim, os requisitos científicos para ser considerada língua. Podem ser comparadas em
complexidade e expressividade as línguas orais, pois expressam idéias sutis, complexas e
abstratas. Os seus usuários são capazes de discutir qualquer assunto: filosofia, literatura,
política, esportes, trabalho, moda e utilizá-las com função estética para fazer poesias,
contar estórias, criar peças de teatro e humor. Além de possuir todos os elementos
característicos de uma língua, demanda de prática para seu aprendizado, como qualquer
outra.
Pesquisas com filhos surdos de pais surdos, conforme Moura, et.al. (op.cit.);
Goldfeld (1997) e Sacks (1998) estabelecem que a aquisição precoce da Língua de Sinais
dentro do lar é um benefício e que esta aquisição contribui para o aprendizado da língua
oral como segunda língua para os surdos.
Ainda segundo Moura, et.al. (op.cit., p.17), os estudos em indivíduos surdos,
demonstram que a Língua de Sinais apresenta uma organização neural semelhante à língua
oral, ou seja, que esta se organiza no cérebro da mesma maneira que as línguas faladas. A
Língua de Sinais possui também, por ser uma língua, um período crítico precoce para sua
aquisição, considerando-se que é uma forma de comunicação natural i.e. “é aquela para
qual o sujeito está mais bem preparado [pois] a natureza compensa a perda da audição
aumentando a capacidade visual do surdo”. Portanto, se a visão é a via de comunicação
preferencial de quem não escuta, do ponto de vista biológico, natural é a língua de sinais.
Ao contrário do que muitos pensam, as línguas de sinais não são universais, cada
país tem a sua, com estrutura diferente, embora muito parecida. No Brasil temos a
LIBRAS, nos Estados Unidos a American Sign Language ASL, e assim por diante. Nem
mesmo a nível nacional existe uma padronização, ainda mais em um país de grandes
dimensões como o nosso. Em uma cidade como Recife, por exemplo, podemos observar
até certos "bairrismos", ou seja, grupos de surdos possuem sinais diferentes para uma
mesma situação, (ex. surdos da associação e surdos de determinadas igrejas às vezes
utilizam sinais diferentes).
As línguas de sinais, de acordo com Karnopp (2004), apesar de existirem de forma
natural em comunidades lingüísticas de pessoas surdas, só recentemente foram
reconhecidas político e socialmente. A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), por
exemplo, só foi reconhecida em 24 de abril de 2002 pela Lei Nº 10.436 após anos de luta
dos surdos brasileiros por esse reconhecimento.
É bastante conhecido o alfabeto brasileiro de sinais. Embora muito utilizado não se
pode pensar que cada palavra numa comunicação com um surdo será feita desta forma,
soletrada. Existem sinais
19
para palavras inteiras e até para sentenças. Isto facilita e agiliza
a comunicação, porém tais sinais devem ser utilizados dentro de uma estrutura - a
LIBRAS.Também é muito comum observar sinais iguais para objetos ou palavras
diferentes, por exemplo, a palavra sábado e laranja tem o mesmo sinal, mas isto não
dificulta a comunicação nem o aprendizado dessa linguagem, pois o surdo vai
19
“O que é denominado de palavra ou item lexical nas línguas orais-auditivas, são denominados sinais nas
línguas de sinais”.(FELIPE, 2001, p.20)
compreender o significado dentro de um contexto.
Brito (1995); Almeida (2000); Felipe (2001) e Quadros & Karnopp (2004);
afirmam que os sinais são formados a partir da combinação do movimento das mãos com
um determinado formato em um determinado lugar, podendo este lugar ser uma parte do
corpo ou um espaço em frente ao corpo. Estas articulações das mãos, podem ser
comparadas aos fonemas e às vezes aos morfemas, são chamadas de parâmetros. Nas
línguas de sinais podem ser encontrados os seguintes parâmetros: configuração das mãos,
ponto de articulação, movimento, orientação / direcionalidade, expressão facial e/ou
corporal. Esses elementos vão formar os sinais que formarão as frases em um contexto. No
próximo tópico, referente à estrutura lingüística da LIBRAS, descreveremos cada um
deles.
Existem pessoas treinadas para realizar o trabalho de intérpretes de língua de sinais.
São profissionais com competência lingüística em LIBRAS / língua portuguesa (no caso do
Brasil), que atuam como mediadores na comunicação entre surdos e ouvintes, nas
diferentes situações de interação social. Além da fluência na língua de sinais, eles precisam
conhecer e respeitar um código de ética e conduta, além de outros pontos que se aprende
em curso próprio e no convívio com a comunidade surda.
O aprendizado da língua de sinais é muito gratificante. É surpreendente a riqueza
desta língua e a facilidade de assimilação. Para convivência e comunicação efetiva com os
surdos, é de extrema importância que toda sociedade, especialmente, os familiares,
fonoaudiólogos e professores, conheçam essa língua.
Pode-se aprender a língua de sinais convivendo com surdos em suas associações,
igrejas e escolas, ou fazendo cursos com instrutores surdos, devidamente habilitados, no
caso do Brasil, pela Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS). O
surdo tem uma enorme satisfação e paciência em ensinar sua língua e compartilhar sua
cultura com os que escutam.
3.2.1. Estrutura Lingüística da LIBRAS
a) Plano Fonológico:
No plano fonológico é necessário determinar quais são as unidades mínimas que
formam os sinais e estabelecer quais são os padrões possíveis de combinação entre essas
unidades e as variações possíveis no ambiente fonológico.
Análises das unidades formacionais dos sinais identificaram segundo Brito (1995,
1998), Felipe (1998, 2001), Fernandes (2003) e Quadros & Karnopp (2004), cinco
parâmetros que se combinam e formam os sinais: configuração de mão (CM), ponto de
articulação ou locação (L), movimento (M), orientação da mão (Or) e os aspectos não-
manuais (NM) - expressões faciais e corporais. Esses parâmetros são as unidades mínimas
(fonemas) que constituem em morfemas nas línguas de sinais, de forma semelhante aos
fonemas nas línguas orais. Contudo, a principal diferença entre as línguas de sinais e as
línguas orais é a presença de ordem linear (seqüência horizontal no tempo) entre os
fonemas das línguas orais e sua ausência nas línguas de sinais, cujos fonemas são
articulados simultaneamente. Portanto, temos a seqüencialidade nas línguas orais e a
simultaneidade nas línguas de sinais.
Apesar do conjunto de articuladores das línguas de sinais e das línguas orais ser
diferente, Quadros & Karnopp (2004) afirmam que, o fato das línguas de sinais mostrarem
estrutura dual, isto é, unidades com significado (morfemas) e unidades sem significado
(fonemas)), atesta a abstração e a universalidade da estrutura fonológica nas línguas
humanas.
As mãos são os articuladores primários das línguas de sinais, elas movimentam-se
no espaço em frente ao corpo e articulam sinais em determinadas locações nesse espaço.
Um sinal pode ser articulado com uma ou duas mãos. Quando o sinal é articulado com uma
mão, pode-se usar tanto a mão direita quanto a esquerda, (tipicamente à direita para os
destros e a esquerda para canhotos), essa mudança não é distintiva. Os sinais articulados
com as duas mãos apresentam restrições em relação ao tipo de interação entre as mãos.
Configuração de mão (CM): é o primeiro parâmetro fonológico das línguas de
sinais que vamos descrever. Segundo Felipe (1998, 2001) são as formas das mãos, que
podem ser da datilologia (alfabeto manual) ou outras formas feitas pela mão predominante,
ou pelas duas mãos do emissor ou sinalizador. Após coletar dados nas principais capitais
brasileiras, Brito (1995, 1998) afirmou que a LIBRAS apresenta 46 configurações de mão.
Os sinais aprender, laranja e adorar, por exemplo, tem a mesma configuração de mão e
são realizados na testa, na boca e no lado esquerdo do peito respectivamente.
Ponto de articulação ou locação (L): esse segundo parâmetro fonológico das
línguas de sinais, de acordo com Felipe (op.cit.), é o espaço de articulação definido pelo
corpo, onde incide a mão predominante configurada, podendo esta tocar alguma parte do
corpo ou estar em um espaço neutro vertical (do meio do corpo até a cabeça) e horizontal
(à frente do emissor). Quadros & Karnopp (op.cit.) definem o espaço de enunciação como
uma área que contém todos os pontos dentro do raio de alcance das mãos em que os sinais
são articulados. Esse espaço é ideal no sentido de que se considera que os interlocutores
estejam face a face, porém pode haver situações em que os sinalizadores estejam distantes
um do outro, ai o espaço de enunciação é alterado. Dentro desse espaço, pode-se
determinar um número finito (limitado) de locações, sendo que algumas são mais exatas,
tais como a ponta do nariz e outros são mais abrangentes como a frente do tórax. As
locações dividem-se em quatro regiões principais: cabeça, mão, tronco e espaço neutro. Os
sinais trabalhar, brincar e consertar, por exemplo, são feitos no espaço neutro e os sinais
“esquecer, aprender e pensar” são feitos na testa.
Movimento(M): os sinais podem ter um movimento ou não. Para que haja
movimento Quadros & Karnopp (2004) mencionam que é necessário haver objeto e
espaço. Nas línguas de sinais, a(s) mão(s) do enunciador representa(m) o objeto, enquanto
o espaço em que o movimento se realiza (o espaço de enunciação) é a área em torno do
corpo do enunciador. O movimento é definido pelas autoras como um parâmetro
fonológico complexo, que pode envolver uma vasta rede de formas e direções, desde os
movimentos internos da mão, os movimentos do pulso e os movimentos direcionais no
espaço. Elas também afirmam que mudanças no movimento servem para distinguir itens
lexicais, por exemplo, nomes e verbos; além de estarem relacionadas a direcionalidade e
tempo do verbo.
Orientação da mão (Or): conforme Quadros & Karnopp (op.cit.), nas línguas de
sinais existem alguns pares mínimos que mudam de significado apenas na produção de
distintas orientações da palma da mão. “Orientação é a direção da palma da mão durante o
sinal: voltada para cima, para baixo, para o corpo, para frente, para esquerda ou para
direita.”(BRITO, 1995, p.41). A inversão da direção dos sinais segundo Felipe (1998,
2001), pode significar idéia de oposição, contrário ou concordância número-pessoal, como
os sinais querer e querer-não; ir e vir.
Expressões não-manuais (ENM): Brito (op.cit.) e Felipe (op.cit.) pontuam que
muitos sinais, além dos quatro parâmetros mencionados acima, possuem simultaneamente
como traço diferenciador, as expressões faciais e corporais. Elas tem de acordo com
Quadros & Karnopp (op.cit., p.60) duas funções na língua de sinais: “marcação de
construções sintáticas e diferenciação de itens lexicais.” Ex: O sinal de triste e exemplo
é diferenciado pela expressão facial; há sinais feitos só com a bochecha, como ladrão e
ato-sexual.
As expressões não-manuais que têm função sintática marcam sentenças
interrogativas sim-não, interrogativas QU-, orações relativas,
topicalizações, concordância e foco... (já aquelas ENM) que constituem
componentes lexicais marcam referência específica, referência
pronominal, partícula negativa, advérbio, grau ou aspecto.
(QUADROS & KARNOPP, op.cit., p.60).
b) Plano Morfológico:
A morfologia é o estudo da estrutura interna das palavras ou dos sinais, assim como
das regras que determinam a formação das palavras. Os morfemas são as unidades
mínimas de significado.
As línguas de sinais, da mesma forma das línguas orais-auditivas, apresentam,
conforme Fernandes (2003), um sistema de estrutura e formação das palavras, bem como a
divisão das palavras em classes. As línguas de sinais, porém, são sintéticas. Elas não têm
artigo e possuem menos conjunções e preposições do que o português, entretanto, não
podem ser consideradas línguas pobres ou telegráficas, pois esses traços são encontrados
em línguas clássicas e também sintéticas como o grego e o latim.
Por razões socioculturais, muitas palavras não possuem sinais próprios. Neste caso
usa-se o alfabeto manual, como recurso que aparece nas línguas de sinais por influência
das línguas orais-auditivas.
Em relação ao estudo da estrutura e da formação das palavras, Fernandes (op.cit.),
aponta algumas características morfológicas da LIBRAS, são elas: As palavras são simples
ou compostas e não há nenhuma relação dessa descrição com a língua portuguesa. Ex: a
palavra guarda-chuva é composta em português e simples em LIBRAS. Já maçã-laranja-
diversos em LIBRAS corresponde à palavra frutas em português. Muitas palavras são
representadas por sinais icônicos. Há influência do português em muitas palavras da língua
de sinais – a primeira letra da palavra em português muitas vezes é usada, através da
datilologia, para configurar a palavra em língua de sinais, junto com a localização e
movimento das mãos, formando o léxico em sua língua. Quadros (apud FERNANDES,
2003, p. 42), observa
na comunidade de surdos não-escolarizados há uma baixa incidência na
utilização destes tipos de sinais. Alguns exemplos como usar a letra F
para família e D para domingo, são usados com configuração de mãos
similares, mas não representam a letra inicial do alfabeto da palavra em
português.
Sobre o sistema flexional de gênero, Brito (1995), Fernandes (op.cit.) e Quadros &
Karnopp (2004) assinalam que a marcação de gênero não é relevante e não é utilizada na
conversação, a não ser que o gênero seja a questão em discussão. Os nomes não
apresentam flexão de gênero. Para os substantivos a indicação de sexo é feita pospondo-se
o sinal homem / mulher indistintamente para pessoas e animais, ou a indicação é obtida
através de sinais diferentes para um o para outro sexo: pai / mãe, noivo / noiva.
A LIBRAS manifesta o número, segundo Brito (op.cit.), através dos valores
singular, dual e plural. O plural muitas vezes é expresso pospondo-se o sinal muito. A idéia
do valor dual nos substantivos
“é expressa pela repetição do sinal e pela anteposição ou posposição do
número dois, ou por um movimento semicircular orientado para os dois
referentes. A pluralidade é obtida pela repetição do sinal três ou mais
vezes, pela anteposição ou posposição de sinais indicativos dos números,
ou através do movimento semicircular que deverá abranger as pessoas ou
os objetos em questão.” (BRITO, 1995, p.42)
O mecanismo de mudança de um ou mais parâmetros evidencia, de acordo com a
autora, a exploração do espaço, através da simultaneidade, para a inclusão de informações
gramaticais no item lexical. A quantificação é obtida da mesma forma.
Muda-se a Configuração de Mão, aumentando o número de dedos
estendidos para obter-se uma quantidade maior ou uma maior
intensidade. Ao invés da CM, pode ser alterado o movimento para obter-
se uma maior intensidade. Uma alternativa pode ser o uso do sinal muito
antes ou depois do item quantificado. (BRITO, op.cit., p.42)
Em relação ao grau, a autora, menciona que os adjetivos podem ter marca de
superlativo e de comparativo de superioridade. Para diferenciar os sinais bravo / muito
bravo, por exemplo, o movimento neste último torna-se mais rápido e curto e este aumento
na velocidade tem a função de intensificador incorporado. As expressões faciais, também
podem representar o grau, por exemplo, nos adjetivos bonito / bonitinho / bonitão. Já nos
substantivos, os graus aumentativo e diminutivo são expressos pelos sinais muito / pouco
ou grande / pequeno, geralmente pospostos ao sinal.
A LIBRAS apresenta, de acordo com Brito (op.cit.), três pessoas do discurso, no
singular e plural. Na 1ª pessoa, o indicador aponta para o peito do locutor; na segunda para
o interlocutor; as terceiras pessoas são representadas por pontos no espaço, estabelecidos
durante o discurso, ou pela localização do referente presente. O plural é expresso através
do movimento semicircular para a primeira pessoa. Para indicar o posse, há sinais com a
configuração de mão em [K], usando as mesmas direções dos pronomes pessoais, tanto no
singular como no plural.
O sujeito e o objeto em LIBRAS podem ser nulos, isto é, “podem aparecer
apagados, ou seja, não explícitos nos enunciados”. (BRITO,op.cit., p.48)
Com os verbos direcionais ou flexionados, “o sujeito e o objeto são sempre
marcados e a ordem é fixa, ficando apenas o objeto direto, em alguns casos, livre para vir
antes ou depois do verbo flexionado”. (BRITO,op.cit., p.48)
As pessoas do discurso podem, assim, se apresentar em LIBRAS, seja
através de pronomes, seja através da flexão verbal ou podem ser não
explicitadas por nenhuma expressão lingüística. (BRITO, 1995, p.48).
A LIBRAS não tem em suas formas verbais a marca de tempo como o português.
Brito (1998) afirma que quando o verbo refere-se a um tempo passado, futuro ou presente,
o que vai marcar o tempo da ação ou do evento serão itens lexicais ou sinais adverbiais
como ontem, amanhã, hoje, agora, semana-passada, semana que vem. Portanto, não há
risco de ambigüidade, pois se sabe que, se o que está sendo narrado iniciou-se com uma
marca no passado, enquanto não aparece outro item ou sinal para marcar outro tempo, tudo
será interpretado como tendo ocorrido no passado. Os sinais que veiculam conceito
temporal, geralmente, vem seguidos de uma marca de passado, presente ou futuro da
seguinte forma: movimento para trás (passado), movimento no plano do corpo (presente),
movimento para frente (futuro). Alguns sinais como por ex.: ontem, anteontem,
incorporam essa marca de tempo não requerendo, pois, uma marca isolada. Outros sinais
como ano necessita do acompanhamento de um sinal de futuro ou de presente, porém,
quando se trata de passado, ele sofre uma alteração na direção do movimento de para
frente / para trás, por si só, já significa ano passado.
Como algumas línguas orais e como várias línguas de sinais, a LIBRAS possui
classificadores, que desempenham um papel importante nas línguas de sinais e se
caracterizam por “gestos que poderiam ser considerados socialmente instituídos”
(FERNANDES, 2003, p.43). Destacam-se por sua iconicidade e não são considerados,
propriamente, palavras. Os classificadores são definidos por Brito (op.cit.) como
um tipo de morfema gramatical que é afixado a um morfema lexical ou
sinal para mencionar a classe a que pertence o referente desse sinal, para
descrevê-lo quanto à forma e tamanho, ou para descrever a maneira como
esse referente é segurado ou se comporta na ação verbal. (...) Os
classificadores são afixos incorporados ao radical verbal ou nominal.
(BRITO, 1998, p.50).
Em seus estudos Quadros (2001, apud FERNANDES, op.cit., p.43), observa que a
marcação de número, as preposições e conjunções, estão incorporadas na utilização dos
classificadores.
c) Plano Sintático:
A sintaxe é o estudo das inter-relações dos elementos estruturais da frase das regras
que determinam a organização das sentenças. Estudos que têm sido realizados na descrição
da sintaxe das línguas de sinais atestam como característica principal o sinteticismo, já
assinalado anteriormente. Das inter-relações dos elementos estruturais e das regras que
dirigem a combinação das sentenças, estudos afirmam que esta combinação de sinais
apresenta regras próprias e básicas que a caracterizam como língua.
Geralmente se pensa que as sentenças da LIBRAS são completamente diferentes do
ponto de vista estrutural daquelas do português. Em relação à ordem das palavras ou
constituinte, realmente há diferenças, porque conforme Brito (1998, p.55), “o português é
uma língua de base sujeito-predicado enquanto que a LIBRAS é uma língua do tipo tópico-
comentário”.
Nas sentenças do português, a ordem predominante é: sujeito (S) – verbo (V) –
objeto (O), normalmente chamada de SVO. Assim, as sentenças se estruturam da seguinte
maneira como exemplifica Brito (op.cit., p.55):
1° ) “O leão matou o urso”
S V O
sujeito
p
redicado
2°) “Os gatos beberam o leite”.
S V O
sujeito predicado
Na primeira sentença, além da concordância sujeito-predicado que determina quem
pratica a ação, a ordem também é significativa porque senão não saberíamos qual é o
sujeito, pois tanto o constituinte “o leão” quanto o constituinte “o urso” podem concordar
com o verbo. Portanto, caso fosse alterada a ordem dos constituintes acima “o urso matou
o leão”, o sujeito deixaria de ser “o leão” para ser “o urso”. Além do mais, há o aspecto
semântico dos constituintes e do verbo que permite que tanto um quanto outro constituinte
seja o sujeito do verbo “matar”.
Na segunda sentença o significado dos constituintes “Os gatos” e “leite” não dá
margem às duas possibilidades acima. Além disso, a concordância sujeito-predicado nesta
segunda sentença fica ressaltada pelo fato de incluírem a marca de plural enquanto que o
segundo constituinte “leite” está no singular. Neste caso, a ordem é menos relevante para
se saber a função gramatical e o papel semântico dos dois constituintes.
Contudo, a primeira sentença poderia ter o seu último constituinte deslocado para
frente da sentença através de operações como, por exemplo, a topicalização. Veja o
exemplo de Brito (1998, p.56):
“O urso, o leão matou.” ou “Ao urso o leão matou.”
tópico comentário tópico comentário
Nos dois casos houve necessidade, segundo a autora, de apelo a mecanismos do
tipo entoação e uso da preposição “a”. Nestes casos, “o urso” continua sendo o objeto
direto de “matar” e “o leão”, o seu sujeito, apesar de termos a topicalização do objeto, isto
é, apesar do objeto direto ser o tópico da sentença e o sujeito e o verbo serem o comentário
do tópico.
Em português, especialmente na fala coloquial, a topicalização é relativamente
freqüente. Todavia, Brito (op.cit., p.56) atesta que, a freqüência é maior em LIBRAS. “A
ordem tópico-comentário é realmente a preferida quando não há restrições que impeçam
certos constituintes de se deslocarem”. Entretanto, muitas sentenças aparecem na ordem
SVO. Vejamos os exemplos da autora:
“Você ler jornal” (LIBRAS) = “Você leu o jornal?” (Português)
S V O
“Não-enxergar você” (LIBRAS) = “Eu não vi você” (Português)
V O
A ordem sujeito-verbo-objeto (SVO) está presente nas duas sentenças. Na segunda
sentença, o sujeito é um argumento implícito, por isso é omitido. Assim como em
português, em LIBRAS
o sujeito em geral é pressuposto pelo contexto ou, quando referindo-se à
primeira pessoa é sempre pressuposto como conhecido pelo interlocutor.
Assim, se no contexto não está evidente que uma outra pessoa além da
primeira deve ser o sujeito, este será a primeira pessoa. Então, apesar de
estarem explícitos apenas o verbo e o objeto da segunda sentença,
sabemos que a ordem é SVO. (BRITO, op.cit., p.57)
A autora menciona que em verbos flexionados como ver, avisar, responder,
perguntar, ajudar, a ordem vai ser sempre SVO. A restrição quanto à ordem nesses verbos,
se dá porque o sujeito e o objeto não aparecem separados dos verbos, mas sim “na forma
de flexão do próprio verbo através da direcionalidade de seu movimento, um vetor, cujo
ponto de origem refere-se ao sujeito e cujo ponto final refere-se ao objeto”(BRITO, 1998,
p.57). A direcionalidade entre esses dois pontos é chamada flexão verbal. Vejamos os
exemplos da autora:
“1
a
responder 2
a
” (LIBRAS) = “Eu respondi a você”. (Português)
“3
a
perguntar 1
a
verdade” (LIBRAS) = “Ele perguntou a mim a verdade”. (Português)
“Verdade 3
a
perguntar 1
a
” (LIBRAS) = “A verdade ele perguntou a mim”. (Português)
“1
a
ver 2
a
” (LIBRAS) = “Eu vi você”. (Português)
“Myrna 3
a
avisar 3
a
Sergio” (LIBRAS) = “Myrna, ela avisou ele, Sergio” (Português)
“2
a
ajudar 3
a
= Você ajudar ela” (LIBRAS) = “Você a ajudou” (Português)
Nesses exemplos de Brito (op.cit.), observamos que o primeiro referente é sempre o
sujeito pois é representado pela marca que inicia o verbo e o outro referente não verbal é
aquele marcado pela marca final do verbo ou o ponto final do seu movimento, resultando
na ordem SVO (direto e indireto). O terceiro exemplo acima mostra uma topicalização do
objeto direto fazendo com que a ordem seja Objeto dir.- Sujeito - Verbo - Objeto ind. Na
maioria dos casos, porém, a LIBRAS parece preferir, como já foi dito, a topicalização e o
verbo no final da sentença como nos exemplos a seguir:
“Pesquisar ela não-gostar” (LIBRAS) = “Pesquisar, ela não gosta” (Português)
tópico comentário
“Rua acidente não-enxergar” (LIBRAS) = “O acidente na rua eu não vi” (Português)
tópico comentário
“Café açúcar não-y” (LIBRAS) = “Açúcar no café (ela) não pôs” (Português)
tópico comentário
Nos exemplos acima, mesmo seguindo a estrutura tópico-comentário, a ordem dos
elementos acaba sendo (Locativo)-Objeto-Sujeito-Verbo. Mesmo com topicalização,
geralmente é comum, segundo Brito (op.cit.) a presença de, pelo menos, tópico-SV
(tópico-sujeito-verbo). Na última sentença, o sujeito é uma terceira pessoa, entretanto, é
um argumento implícito porque o enunciador pressupõe que o interlocutor saiba identificar
o referente pelo contexto situacional.
Dificilmente alguns verbos flexionados possuem marcas de sujeito e objeto de
forma inversa, isto é, “o objeto é marcado primeiro no ponto de origem do movimento do
sinal verbal e o sujeito é marcado pelo ponto final do movimento do sinal verbal”.(BRITO,
1998, p. 59). Vejamos o exemplo do verbo convidar:
“2ª convidar 1ª”
“Você – convidado – eu”.
“Você está sendo
convidado por mim” ou
“1ª convidar 2ª”
“Eu – convidado – você”.
“Eu estou sendo convidado
por você” ou “você me
“3ª convidar 2ª”
“Ele – convidado – você”.
“Ele está sendo convidado
por você” ou “você o
“eu o convido” (Port.) convida” (Português) convida” (Português)
Vimos conforme Brito (op.cit.) que, à estruturação das sentenças em LIBRAS
quanto à ordem dos argumentos (complementos inclusive sujeito) é diferente daquela do
português, inclusive as marcas de flexão são bastante específicas na modalidade visual-
espacial de língua porque se apóiam na direcionalidade do movimento do sinal. Entretanto,
em relação à estrutura argumental das sentenças as semelhanças são bem maiores do que as
especificidades em ambas as línguas.
Toda sentença tem um núcleo que é o elemento que possui valência. Em
geral, o verbo é que possui valência e, como tal, é ele que determina o
número e tipos de argumentos ou complementos necessários. Dentro
desta concepção, inclusive o sujeito é considerado um argumento.
(BRITO, op.cit., p. 59-60).
Pode-se dizer que um verbo como “enviar”, nas duas línguas, é um verbo com a
mesma valência porque, em ambas, pede três argumentos ou complementos:
“Paulo enviou o livro ao amigo” (Português).
“Livro amigo P-a-u-l-o enviar” (O livro ao amigo o Paulo enviou) (LIBRAS)
Observamos nos dois exemplos, o 1° em português e o 2° em LIBRAS, que as
sentenças são constituídas de um núcleo e de três argumentos ou complementos:
enviar - núcleo ou palavra com valência; Paulo - argumento 1, aquele que
envia, papel semântico ‘fonte’, função gramatical ‘sujeito’; amigo -
argumento 2, aquele para quem se envia, papel semântico ‘alvo’, função
gramatical ‘objeto indireto’; livro – argumento 3, aquilo que é enviado,
papel semântico ‘tema’, função gramatical ‘objeto direto’. (BRITO,
op.cit., p.60)
Esse tipo de análise das sentenças da LIBRAS e do português mostra como a
estrutura sintático-semântica pode ser a mesma.
A autora afirma, porém, que alguns verbos como: levar, dar e fazer do português e
o verbo “não – y” da LIBRAS, não possuem valência. Neste caso, tem-se uma diferença
considerável, devido à não correspondência sintático-semântica nas duas línguas. São os
chamados verbos leves que podem ser ilustrados pelos exemplos retirados de Brito (1998,
p. 60) abaixo:
“Ele levou a cabo seus estudos”. (Português)
“João deu uma surra no menino”. (Português)
“Nós fizemos compras ontem”. (Português)
“Limpar-chão-escova não-y” = (A limpeza do chão com a escova, ele não fez).
O elemento com valência, segundo a autora, é o nome que acompanha o verbo nos
exemplos do português e o nome que antecede o verbo no exemplo da LIBRAS. Por
possuir valência, este nome é o núcleo da estrutura argumental da sentença. O verbo
carrega apenas as marcas gramaticais. O significado lexical do complexo verbal é
veiculado pelo nome. Por isso, apesar de se assemelhar a um objeto direto, o nome com
valência não pode receber papel semântico, tornando esse tipo de sentença mais complexo
para analisar.
d) Plano Semântico-Pragmático:
É o contexto que vai determinar os traços semântico-pragmáticos de qualquer
língua em uso. Todas as relações do contexto vão interferir na relação da significação e do
uso. Estas características, de acordo com Fernandes (2003), ocorrem, naturalmente, nas
línguas de sinais. Geralmente aparecem por meio de
traços prosódicos que se realizam pelas expressões faciais (sorriso,
musculatura facial, de modo geral) ou corporais. Na seqüência melódica
da frase, há a interdependência do funcionamento em nível
fonomorfossintático, provocando fenômenos comuns aos das línguas
orais-auditivas. (FERNANDES, op.cit., p.44).
É possível se ver também nas línguas de sinais, as inúmeras “acepções de uso, as
expressões idiomáticas, metafóricas / figurativas, os aspectos estilísticos, as
contextualizações que permitem a pressuposição e o implícito” (idem, p.44), ou seja, as
mesmas características observadas em qualquer língua natural, tanto no aspecto gramatical
quanto simbólico.
Apesar da existência de poucos estudos que descrevam a gramática da LIBRAS,
não se pode negar sua existência como uma língua natural da comunidade de surdos
brasileiros. Da mesma forma como é inegável a existência de diversas línguas indígenas
ainda não descritas em nosso país, mas já reconhecidas tanto pelos cientistas da linguagem
como pela Constituição Federal (c.f. art. 210, parágrafo 2°).
Considerada a “língua materna”
20
dos surdos brasileiros, a LIBRAS foi oficializada
em 1991 e só em 2002 foi aprovada como decreto de lei. Há décadas, entidades e
instituições vêm lutando para incluí-la - ao lado da língua portuguesa - como uma língua
materna que tenha acesso e uso prático em ampla escala. A lei determina que os serviços
públicos de saúde garantam atendimento e tratamento adequado aos portadores de
necessidades especiais. Porém, não os obriga a ter intérpretes, o que impossibilita o
atendimento. Serviços públicos, supermercados, bancos e a maioria das escolas públicas
também não possuem funcionários com conhecimento da LIBRAS, o que torna o surdo um
brasileiro ainda sem direito à cidadania.
3.3. O português como segunda língua para surdos
Para os surdos, devido ao seu impedimento auditivo, o aprendizado da língua
portuguesa irá processar-se, segundo Quadros (1997a, 1997b), como o de uma língua
estrangeira, pois o mesmo exigirá ambiente artificial e sistematização por meio de
metodologias próprias de ensino. Já a língua de sinais é a modalidade de língua que
permite o acesso “natural
21
” a linguagem pelos surdos, desde que eles estejam interagindo
significativamente com usuários da mesma.
Nesse sentido, autores como, Moura et.al. (1993); Brito (1995); Ciccone (1996);
Quadros (1997a, 1997b); Almeida (2000) e Quadros & Karnopp (2004), defendem que a
língua de sinais, por não apresentar impedimentos em seu processo de aquisição, deveria
ser a primeira língua dos surdos e a língua portuguesa, pelas especificidades apresentadas
em seu processo de aprendizagem, sua segunda língua. A interação precoce com adultos
surdos, usuários da língua de sinais, favorecerá os processos de identificação lingüístico-
culturais e a formação da identidade de crianças surdas.
Como vimos anteriormente, para Moura et.al. (1993); Brito (1995); Ciccone
(1996); Góes (1996), Quadros (1997a); Almeida (2000); Felipe (2001); Fernandes (2003);
Karnopp (2004) e Quadros & Karnopp (2004), a língua de sinais é uma língua natural com
organização, em todos os níveis gramaticais (fonológico, morfossintático, semântico e
20
Materna nesse sentido é igual a natural. Ver nota de rodapé n° 9, p. 29 neste trabalho.
21
Ver nota de rodapé n° 9, p. 29 neste trabalho.
pragmático) prestando-se às mesmas funções das línguas orais. Sua produção é realizada
através de recursos gestuais e espaciais e sua percepção é realizada por meio de processos
visuais, por isso é denominada uma língua de modalidade gestual-visual-espacial.
A LIBRAS é a língua utilizada pelas comunidades surdas brasileiras,
principalmente dos centros urbanos, pois muitas vezes os surdos que vivem em localidades
distantes e zonas rurais acabam por desconhecê-la e desenvolver um sistema gestual
próprio de comunicação, restrito às situações e vivencias cotidianas.
Mesmo assim alguns surdos, que vivem nas grandes cidades, desconhecem a língua
de sinais por inúmeros fatores: a não aceitação pela família, a falta de contato com outros
surdos que a utilizem, a opção metodológica da escola especial que proíbe sua utilização,
entre outros.
É importante destacar que no Brasil, conforme Goldfeld (1997), apenas na década
1990, houve uma abertura nas escolas especiais em relação ao reconhecimento da
necessidade da prática de uma educação bilíngüe, que oportunizasse aos surdos tanto o
acesso a LIBRAS quanto à língua portuguesa, de forma significativa. Durante mais de um
século, no Brasil e no mundo, os surdos foram terminantemente proibidos de utilizar sua
língua natural, sendo-lhes negado o direito de optar pela forma de comunicação mais
apropriada às suas necessidades.
Desse modo, durante muitos anos toda a educação acadêmica, e muitas vezes
familiar, dependia das habilidades individuais do aluno surdo em desenvolver a oralidade,
o que, salvo raras exceções, não acontecia satisfatoriamente. Os resultados dessa educação,
que subordinava o currículo escolar ao desenvolvimento da oralidade, foi uma legião de
surdos que cresceram analfabetos, sem condições efetivas de interação e participação
social.
Em relação especificamente à língua portuguesa, autores como, Gesueli (1988);
Fernandes (1990); Brito (1995); Góes (1996); Quadros (1997a, 1997b) e Silva (2001)
concluíram que, através das metodologias de ensino tradicionais, não foi oportunizado aos
surdos o acesso a práticas lingüísticas significativas. Como conseqüência, as respostas para
o fracasso apresentado dificilmente são buscadas nas estratégias inadequadas destinadas ao
aprendizado da língua, mas são geralmente justificadas como inerentes à condição de sua
“deficiência auditiva”. Concordamos, porém, com Fernandes (op.cit.) que afirma:
Os processos que vêm sendo utilizados na reeducação da maioria dos
surdos profundos congênitos estão longe de ser lingüisticamente eficazes.
(Fernandes, op.cit., p.148).
Acreditamos que a grande dificuldade existente no processo de
alfabetização/letramento do surdo é que a maioria dos professores que atende surdos não
domina a língua de sinais e se baseia em métodos de ensino que tem como base a idéia
errônea de que
(...) para escrever português uma pessoa tem que dominar sua modalidade
falada, porque esta forneceria a decodificação oral-auditiva a
desempenhar papel fundamental na correspondência som/letra. (Brito,
op.cit., p.153).
Na verdade, não se considerou nesse processo a possibilidade diferenciada de
construção pelos surdos, gerada por uma forma de funcionamento lingüístico-cognitivo
baseado em processos essencialmente visuais, e não orais-auditivos como acontece com
pessoas ouvintes. O processo de aquisição da escrita em língua portuguesa pelos surdos
brasileiros requer, segundo Brito (op.cit.), a intermediação da língua de sinais.
A LIBRAS pode desempenhar o papel de intermediadora na construção
do significado, isto é, na leitura do mundo e na apreensão de mecanismos
cognitivos importantes no ato de escrever e de ler. (Brito, op.cit., p.152).
Muitas das sensações vivenciadas no processo de aquisição de uma língua
estrangeira (estranhamento, bloqueio, insegurança) serão reforçadas, no caso dos surdos,
por haver uma limitação auditiva que os impede de apropriarem-se ‘naturalmente’ da
estrutura gramatical da língua portuguesa.
Por decorrência desse fato, são inúmeros os problemas enfrentados pelos surdos em
seu processo de alfabetização / letramento, tendo em vista que seu aprendizado de uma
segunda língua - no caso o português - se dá sem que a maioria dos surdos tenha tido
acesso à linguagem, por meio da aquisição de uma primeira língua - a língua de sinais.
3.4. A Surdez e suas Implicações na Escrita
O debate em torno de questões lingüísticas na surdez, ou a análise de produções
textuais de surdos tem suscitado grande interesse no campo da educação e na lingüística.
Contudo, o debate projetado até o momento ainda é bastante generalista com respeito às
questões que tocam a linguagem e seu funcionamento.
Muitos autores apontam que a escrita dos surdos não segue as mesmas construções
dos ouvintes, que se apóiam na linguagem oral para produzir a escrita. Algumas
singularidades do texto são apontadas por autores brasileiros, como: Fernandes (1990);
Góes (1996); Friães & Pereira (2000), Silva (2001) e Guarinello(2005). Apesar da
relevância desses estudos há ainda muito que compreender.
Fernandes (op.cit.) estudou o desempenho lingüístico de alunos surdos acima de 18
anos e estudantes da 4ª série do Ensino Fundamental até 3° grau completo, por meio da
análise de histórias reproduzidas por eles. Observou uso impróprio dos verbos em suas
conjugações, tempos e modos; utilização inadequada de preposições; omissão de
conectivos e omissão de verbos de ligação, falta de domínio e uso restrito de certas
estruturas de coordenação e subordinação. Tais dificuldades, segundo a autora, não tem de
ser consideradas como próprias do surdo, mas de um falante que, privado do contato
lingüístico, reflete as mesmas dificuldades apresentadas por um ouvinte no trato com outra
língua. Para ela, não é a deficiência que provoca o erro e sim a falta de contato constante
com a língua. Por outro lado, alguns erros cometidos pelos surdos são também comuns em
falantes com pouca escolaridade e refletem falhas no processo educativo. Diante dessas
constatações, Fernandes concluiu que a falta de domínio de um sistema lingüístico na
modalidade auditivo-oral pelo surdo, deve-se à impossibilidade de exposição contínua ao
meio lingüístico e a falhas no processo de reeducação.
Posteriormente, Fernandes (2003) realizou um estudo com 40 surdos acima de 18
anos a fim de verificar a capacidade de recepção e emissão de mensagens, de compreensão
e reprodução de textos, aspectos semânticos, de modo geral, testando basicamente, o
domínio sobre a língua na modalidade escrita. Ela analisou o desempenho em língua
portuguesa por meio de exercícios que propiciaram a observação de aspectos morfológicos,
sintáticos e do domínio de vocabulário. Fernandes verificou que os surdos estão
despreparados para leitura e compreensão de textos, eles apresentam restrições
significativas com o léxico, e mesmo, desconhecimento de palavras do cotidiano, além da
falta domínio das estruturas sintáticas da língua.
Góes (1996) realizou uma pesquisa com alunos surdos de 14 a 26 anos, estando
estes no ensino fundamental em classes de supletivo; com o propósito de efetuar uma
caracterização de seus textos e uma análise de suas construções atípicas. Ela identificou
nos textos diversos desvios das regras de construção do português: uso inadequado ou
omissão de preposições; terminação verbal não correspondente à pessoa do verbo;
inconsistência de tempo e modo verbal (sobretudo alternância inadequada de presente e
passado e terminação incorreta para tempo e pessoa do verbo); flexão inadequada de
gênero em adjetivos e artigos; uso incorreto do pronome pessoal do caso oblíquo etc.
Porém, foram relativamente pouco freqüentes os erros de ortografia, confirmando
pesquisas anteriores como a de Fernandes (1990). Góes destacou ainda problemas relativos
a aspectos de coesão, concernentes à referencialidade ou à progressão temática, que
tendem a resultar em prejuízos à coerência do texto.
Friães e Pereira (2000) em seu estudo sobre compreensão de leitura na surdez
colocam que o surdo é representado como alguém que tem dificuldade com a linguagem e
tem sido submetido ao ensino de palavras e de frases estereotipadas que resultam, no
máximo, na aquisição de fragmentos de uma língua. Sem uma língua constituída, o
conhecimento de mundo fica muito comprometido, se não inviabilizado. Essa mesma
representação em relação ao surdo parece, segundo as autoras, subjacente à resistência que
grande parte dos professores têm em expor seus alunos surdos à escrita. O argumento de
que o aluno surdo tem muita dificuldade de ler faz com que os professores evitem a
atividade e, assim, a leitura vai se tornando cada vez mais rara, limitando-se a textos
pequenos, facilitados tanto semântica quanto sintaticamente, empobrecidos e, muitas
vezes, não adaptados aos interesses dos alunos.
De acordo com Silva (2001), a ausência de reflexividade (a reflexão sobre o que
fazemos ou estamos a fazer) é uma das principais características dos textos do sujeito
surdo. Ao analisar a escrita de alunos surdos de supletivo do 1º. Grau, a autora observou
que esses alunos não identificam espontaneamente problemas em seus textos. Percebeu,
ainda, que, em sessões de reescritura textual, propiciavam-se ainda que rudimentarmente,
ações reflexivas dos alunos, as quais apresentavam como dificuldade mais evidente o
domínio parcial da língua portuguesa. Esse trabalho, por sua vez, acarretava longos
intercâmbios para esclarecimentos relativos ao sentido pretendido e ao vocabulário
desconhecido, levando o sujeito a desviar sua atenção do enunciado para outros aspectos
da situação textual.
A autora destaca, também, a experiência bilíngüe dos alunos e a escrita baseada em
sinais, que é responsável, em grande parte, por determinadas características dos textos,
bem como a questão relativa às condições de interlocução.
Partindo das observações feitas por meio de análises textuais, Silva (2001)
verificou que é possível construir sentidos para os textos dos surdos por meio de hipóteses
levantadas e a coesão é um dos recursos que fazem parte desse processo, permitindo uma
reconstrução de sentidos.
Todos esses trabalhos apontam uma análise referente à problemática da escrita do
surdo, relacionando o insucesso da escrita ou à metodologia empregada na reeducação ou
ao fato do surdo não ter a Libras como primeira língua. Em tese concordamos com as
conclusões, salientando apenas que adotarmos uma perspectiva que entende a escrita como
um processo simbólico, que se constitui a partir da interação com o outro, tomando como
base teórica uma visão interacionista de linguagem, em que, no processo de aquisição, a
LIBRAS se institui com primeira língua servindo de referencia para e escrita.
Encontramos nos estudos de Guarinello (2005) uma perspectiva, que como a nossa,
também está embasada numa concepção de linguagem que privilegia diferentes trocas
sociais e jogos interativos. Nessa concepção, o surdo é percebido como ativo e o outro
(terapeuta, professor) tem o papel de intérprete, ou seja, vai dar forma e sentido às
produções do surdo e intervem para transformar o texto e aproximá-lo da estrutura da
língua portuguesa padrão.
Para a autora, a construção da linguagem escrita se dá num processo onde a
interferência de um adulto letrado é condição necessária, já que é ele quem irá orientar,
mediar e atribuir sentido a escrita da criança. É por meio dessa parceria entre
adulto/criança, surdo/ouvinte, aluno/professor que ocorre a “construção conjunta de
conhecimentos, do conhecimento de mundo e do conhecimento partilhado, que os textos
fazem sentido para quem os lê”. A autora observa também que, quem trabalha com surdos
normalmente “tem dificuldades para identificar o processo de aquisição da linguagem
escrita, [esquecendo] que a escrita é um meio de grande potencial social na interação, e que
a linguagem se constitui pelo trabalho dos sujeitos” em interação. Esses fatos mostram “a
necessidade de analisar não só o produto, mas o processo de construção de produções
escritas de sujeitos surdos, levando em consideração o papel do outro na construção da
escrita” (GUARINELLO, 2005, p.63).
Guarinello (op.cit.) em sua pesquisa acompanhou por dois anos um adolescente
surdo, realizando um trabalho de fonoterapia com o objetivo de participar na construção do
português escrito e não simplesmente aprovar ou corrigir os textos desse sujeito. Ela
considerou “a produção de textos ponto de partida de todo o processo de
ensino/aprendizagem da língua, pois é no texto que a língua se revela em sua totalidade”
(p.66). Num primeiro momento o surdo escrevia seu texto sem a interferência da terapeuta,
entretanto, durante as produções, eles partilhavam a experiência de produzir um texto em
língua portuguesa. Trocavam idéias e discutiam a melhor forma de expressá-las em
português, ou seja, interagiam e construíam juntos os sentidos desses textos. Num segundo
momento, através do diálogo, eles retextualizavam os textos, aproximando-os cada vez
mais do português. Após as análises, a autora concluiu que o domínio da língua portuguesa
escrita só ocorrerá através de seu uso constante; assim, tanto os surdos quanto os ouvintes,
precisam ter acesso aos diferentes tipos de gêneros textuais escritos; além disso, o trabalho
deve partir daquilo que os surdos já possuem, ou seja, da língua de sinais, pois
é essa língua que dará toda a base lingüística para a aprendizagem de
qualquer outra língua. Desse modo, as dificuldades encontradas no
português escrito dos surdos podem ser referenciais para um trabalho
com a escrita como segunda língua, já que não se trata apenas de ensinar
a língua escrita, mas de usá-la, ou seja, fazer com que ela funcione como
recurso para interação e interlocução, de maneira que o sujeito possa
manipular a língua portuguesa nas suas várias possibilidades.
(GUARINELLO, op.cit., p.66)
Finalmente queremos enfatizar que poucos são os estudos que apresentam
propostas para um desenvolvimento da escrita do surdo. Dessa forma, muitos surdos
continuam com dificuldades para aprender a ler e a escrever e um grande número deles não
tem acesso a práticas discursivas significativas que os levem a dominar a linguagem
escrita. Diante disso ressaltamos a importância de pesquisas que façam um diagnóstico a
respeito da estruturação dos textos dos surdos, abordando principalmente a coesão e a
coerência. É isso que nos propomos a fazer nesse trabalho.
III – ASPECTOS METODOLÓGICOS
Este estudo foi realizado em ambiente domiciliar nas aulas de
reforço escolar dos jovens surdos, no período de fevereiro a novembro
de 2006, correspondente a um período de 10 (dez) meses, mediante
encontros semanais com cerca de 2 horas de duração cada encontro.
Antes de iniciarmos a coleta de dados os sujeitos participantes
(jovens surdos) e suas mães, responderam as perguntas contidas em
uma entrevista inicial (anexo 1), cujo resultado serviu de parâmetro
para fazermos a seleção e construirmos a história de cada sujeito.
Todos os sujeitos desta pesquisa foram informados verbalmente e
por escrito acerca do objetivo deste estudo, sendo solicitada uma
autorização dos mesmos através de um termo de consentimento no
qual tivemos que esclarecer aspectos relativos à análise ética e
benefícios da pesquisa (anexo 2). O anonimato de cada sujeito
participante foi devidamente garantido através do uso de nomes
fictícios. Por se tratar de um estudo envolvendo seres humanos, esta
pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de
Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (anexo 3). Até o
momento não estão descritos em literatura riscos para o sujeito com
relação à metodologia adotada para a coleta de dados – análise de
textos escritos. Os benefícios desta pesquisa provêm do olhar sobre o
Sujeito e a Linguagem no que diz respeito à escrita do surdo, olhando-a
do ponto de vista do funcionamento da linguagem.
Trata-se de um estudo de natureza observacional de caráter
qualitativo. A seleção dos participantes (jovens surdos) baseou-se em
três condições prévias: serem filhos de pais ouvintes; terem surdez
congênita ou adquirida precocemente, de grau severo a profundo, com
perda sensório-neural bilateral e não terem patologias associadas.
Participaram deste estudo cinco jovens surdos de ambos os
sexos, com diagnóstico de surdez sensório-neural bilateral de grau
severo a profundo, congênita, isto é, indivíduos surdos de nascença, ou
com surdez adquirida precocemente, usuários tanto de Língua
Portuguesa como de Língua Brasileira de Sinais, na faixa etária de 18 a
20 anos, filhos de pais ouvintes, cursando o Ensino Médio de
instituições particulares da cidade do Recife.
O corpus do trabalho foi constituído por textos escritos por surdos
bilíngües (sujeitos da pesquisa) que se apresentaram na forma de
redações, como veremos na análise dos dados.
O procedimento de coleta de dados consistiu inicialmente na
entrega ao sujeito do termo de consentimento livre e esclarecido (anexo
2), que foi assinado por livre vontade. Após a concordância do sujeito
em participar da pesquisa, este recebeu uma cópia do termo de
consentimento livre e esclarecido. A coleta dos dados foi feita através
do recolhimento de textos produzidos pelos sujeitos para posterior
análise neste estudo.
O material analisado foram recortes discursivos de textos
produzidos pelos sujeitos que vieram na forma de redações, sendo esse
material apresentado em sua forma original, ou seja, não houve
nenhuma ação do outro no sentido de modificar a sua apresentação. O
referencial teórico que ancorou essa análise foi de base interacionista.
Recorremos principalmente às contribuições de Vygotsky, Bakhtin e
Antunes. O surdo foi visto como sujeito que se constitui nas relações
sociais; na e pela linguagem. Já o texto foi considerado como tendo
sentidos construídos a dois (autor+leitor), produto de uma atividade
discursiva.
III – ASPECTOS METODOLÓGICOS
Este estudo foi realizado em ambiente domiciliar nas aulas de
reforço escolar dos jovens surdos, no período de fevereiro a novembro
de 2006, correspondente a um período de 10 (dez) meses, mediante
encontros semanais com cerca de 2 horas de duração cada encontro.
Antes de iniciarmos a coleta de dados os sujeitos participantes
(jovens surdos) e suas mães, responderam as perguntas contidas em
uma entrevista inicial (anexo 1), cujo resultado serviu de parâmetro
para fazermos a seleção e construirmos a história de cada sujeito.
Todos os sujeitos desta pesquisa foram informados verbalmente e
por escrito acerca do objetivo deste estudo, sendo solicitada uma
autorização dos mesmos através de um termo de consentimento no
qual tivemos que esclarecer aspectos relativos à análise ética e
benefícios da pesquisa (anexo 2). O anonimato de cada sujeito
participante foi devidamente garantido através do uso de nomes
fictícios. Por se tratar de um estudo envolvendo seres humanos, esta
pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de
Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (anexo 3). Até o
momento não estão descritos em literatura riscos para o sujeito com
relação à metodologia adotada para a coleta de dados – análise de
textos escritos. Os benefícios desta pesquisa provêm do olhar sobre o
Sujeito e a Linguagem no que diz respeito à escrita do surdo, olhando-a
do ponto de vista do funcionamento da linguagem.
Trata-se de um estudo de natureza observacional de caráter
qualitativo. A seleção dos participantes (jovens surdos) baseou-se em
três condições prévias: serem filhos de pais ouvintes; terem surdez
congênita ou adquirida precocemente, de grau severo a profundo, com
perda sensório-neural bilateral e não terem patologias associadas.
Participaram deste estudo cinco jovens surdos de ambos os
sexos, com diagnóstico de surdez sensório-neural bilateral de grau
severo a profundo, congênita, isto é, indivíduos surdos de nascença, ou
com surdez adquirida precocemente, usuários tanto de Língua
Portuguesa como de Língua Brasileira de Sinais, na faixa etária de 18 a
20 anos, filhos de pais ouvintes, cursando o Ensino Médio de
instituições particulares da cidade do Recife.
O corpus do trabalho foi constituído por textos escritos por surdos
bilíngües (sujeitos da pesquisa) que se apresentaram na forma de
redações, como veremos na análise dos dados.
O procedimento de coleta de dados consistiu inicialmente na
entrega ao sujeito do termo de consentimento livre e esclarecido (anexo
2), que foi assinado por livre vontade. Após a concordância do sujeito
em participar da pesquisa, este recebeu uma cópia do termo de
consentimento livre e esclarecido. A coleta dos dados foi feita através
do recolhimento de textos produzidos pelos sujeitos para posterior
análise neste estudo.
O material analisado foram recortes discursivos de textos
produzidos pelos sujeitos que vieram na forma de redações, sendo esse
material apresentado em sua forma original, ou seja, não houve
nenhuma ação do outro no sentido de modificar a sua apresentação. O
referencial teórico que ancorou essa análise foi de base interacionista.
Recorremos principalmente às contribuições de Vygotsky, Bakhtin e
Antunes. O surdo foi visto como sujeito que se constitui nas relações
sociais; na e pela linguagem. Já o texto foi considerado como tendo
sentidos construídos a dois (autor+leitor), produto de uma atividade
discursiva.
V - CONSIDERAÇÕES FINAIS
____________________________________________
___________________
Como já foi dito no decorrer desse estudo, queremos mostrar a riqueza da escrita desse sujeito, a
sua forma peculiar de produzir sentido no seu texto e expressar assim suas idéias, pensamentos, sentimentos,
enfim, sua linguagem. Nosso objetivo nesse trabalho foi ver como essa escrita se processa direcionando
olhar os elementos de coesão textual presentes nos escritos com a finalidade de compreender as
especificidades desse processo numa escrita que tem como referência não a oralidade, mas a língua de sinais.
Com base nos estudos interacionistas de Bakhtin e Vygotsky, o
falar e o escrever refletem a concepção de mundo que temos
interiorizada. Assim, procuramos defender a idéia de que a forma de
escrever dos sujeitos surdos tem em si uma lógica intrínseca, pois
reflete sua percepção visual do mundo e o modo pelo qual suas
experiências cognitivas são organizadas. Essa visão nos leva a
acreditar que a escrita de surdos não tem como base o mesmo sistema
de referência dos ouvintes que se apóiam na linguagem oral para
produzir a escrita, o que leva a uma escrita diferenciada.
Ao final da nossa pesquisa, é possível afirmar que as nossas hipóteses foram
confirmadas através dos resultados analisados, pois a escrita de surdos se materializou de
forma coesa e coerente e não seguiu as mesmas construções dos ouvintes que se baseiam
na linguagem oral para produzir a escrita. Se compararmos com escrita do ouvinte, faremos algumas
observações pela falta, porém temos que lembrar que essa escrita tem outra referência: a LIBRAS.
Uma
vez que a Língua de Sinais é a língua de maior fluência dos surdos pesquisados, deve-se
registrar que a LIBRAS assumiu um caráter mediador e de apoio para a produção escrita
desses sujeitos.
E para analisarmos essa escrita temos que fazer algumas relações, uma delas é com a visão de
Bakhtin. Segundo Bakhtin (2004, p.108), “Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles
penetram na corrente de comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nesta corrente é que
sua consciência começa a operar.(...). Os sujeitos não “adquirem” a língua materna; é nela e por meio dela
que ocorre o primeiro despertar da consciência”. Por essa perspectiva, a língua não pode ser ensinada, mas
precisa ser vivenciada. É difícil acreditar que o ensino da língua oral possa suprir as necessidades lingüísticas
do surdo, tanto na função de interação social como de suporte para seu pensamento? Nesta concepção sócio-
histórica, a língua não é vista como algo que é transmitido do adulto para a criança e aprendido pela imitação.
Ao contrário, aqui se destaca o papel ativo da criança no fluxo dinâmico da cadeia de comunicação de seu
meio social.
Por esta razão, defendemos uma educação bilíngüe para os surdos, ou seja, de que a criança surda
adquira a Língua de Sinais o mais cedo possível com um adulto surdo. Ao ter contato com adultos e outras
crianças que usam a Língua de Sinais, a criança poderá mergulhar no “fluxo da comunicação” e ter, então, o
despertar da sua consciência. E essa postura será transposta para a escrita. Da mesma forma, que para os
ouvintes é necessário à reescrita, essa prática deve estar presente no ensino da escrita para o surdo. A mesma
receita: muita leitura e muita escrita, mas sempre partindo de uma comunicação com sentido.
Diante dos resultados analisados, vimos que os surdos da nossa pesquisa foram
capazes de produzir textos coesos e coerentes. Suas produções escritas apresentam continuidade,
estabelecida pelas relações semânticas de reiteração, associação e conexão, construídas no decorrer do texto
que vão dando o perfil conceptual de cada produção. Perfil conceptual se adequa com a visão social que cada
um possui.
Observamos nas análises que quem teve acesso à língua de sinais mais cedo conseguiu um
desenvolvimento melhor na escrita, tanto em relação à riqueza de conteúdo quanto no tamanho dos textos.
Aline por exemplo, aprendeu LIBRAS no 1° ano de vida e foi para nós o sujeito que teve melhor produção
escrita.
A fim apenas de fazer uma análise comparativa com estudos
existentes na literatura a respeito de produções textuais de alunos
surdos, enumeram-se também os aspectos que são observados em
relação ao uso da gramática. Nos textos de um modo geral, percebe-se
que, embora existam algumas inadequações no uso da norma culta ou
mesmo na linguagem escrita, estas não interferem na compreensão dos
textos, eles apresentam coerência e coesão (conexão, nexo, lógica),
pois foi possível a construção de sentido em todos eles.
As línguas orais em geral têm duas modalidades, fala e escrita,
entretanto, diferentemente delas, a LIBRAS é uma língua de
modalidade única. Já é possível encontrar alguns estudos a respeito da
estrutura lingüística da LIBRAS, como mostramos em nosso trabalho,
todavia, concordamos com Sousa (2006), que há uma carência na área
a respeito de se pensar na língua de sinais na modalidade escrita,
respeitando-se sua estrutura própria, contudo, esclarecemos que, assim
como a autora, não compactuamos aqui com o sistema Sign Writing
22
o
qual propõe a representação das línguas de sinais de um modo gráfico
esquemático que funciona como um sistema de escrita alfabético, por
considerarmos inviável, mas sim, a sistematização daquilo que, na
prática, já podemos observar na escrita dos surdos brasileiros, a
utilização do português escrito na estrutura morfossintática da LIBRAS.
A língua de sinais pode ser dominada plenamente pelo surdo e supre todas as suas
necessidades cognitivas e comunicativas. Diante desse fato, a sociedade não pode negar ao
surdo o direito de ter um desenvolvimento pleno dessa linguagem de modalidade visual-
gestual, que possibilita uma competência lingüística equivalente à desenvolvida pela
criança ouvinte na língua de modalidade auditivo-oral. É papel dos educadores oportunizar
o ensino da língua de sinais ao surdo a partir da pré-escola, considerando todo o contexto
familiar em que está inserido, composto em sua maioria por ouvintes, e expandir o ensino
da LIBRAS também aos seus familiares. Assim, será ofertado ao surdo um ambiente
lingüístico natural, com livres trocas comunicativas sem truncamentos e contribuindo para
uma melhor inclusão social desse indivíduo.
Concluímos ao fim do nosso estudo que: 1°) A construção do
pensamento em LIBRAS é o primeiro passo para apreensão do mundo
real. Segundo Vygotsky (1979), a linguagem regula o pensamento.
Quanto mais imerso em linguagem este sujeito estiver, maior será a
capacidade para estruturar seu pensamento em relação à linguagem
escrita ou oral-gestual. 2°) Que as bases do pensamento lógico se
fazem presentes na estruturação dos textos dos alunos surdos. 3°)
Todas as especificidades enumeradas no quadro final de nossa análise,
revelam um sujeito em transição entre sistemas lingüísticos.
22
Para saber informações sobre o sistema Sign Writing sugerimos ler: STUMPF,
Marianne Rossi. Sistema Sign Writing: por uma escrita funcional para o surdo. IN:
THOMA, A.S. & LOPES, M.C. (Org.) A Invenção da surdez. Santa Cruz do Sul:
Edunisc, 2005. pp. 143-159.
Esperamos que o professor, de posse dessas análises, possa rever seus critérios de
avaliação da escrita de surdos, bem como redirecionar suas estratégias em sala de aula para
uma melhor ampliação da competência lingüística de seus alunos. É essa concepção
defendida pela Lingüística Interacional que possibilita grandes contribuições no campo do
ensino e aprendizagem. Quanto mais estimulado for esse sujeito, haverá um maior
desenvolvimento em suas habilidades lingüísticas.
Ao avaliar os textos escritos dos alunos surdos, o professor deve considerar ainda, as
recomendações do MEC e ter “flexibilidade na correção de provas escritas, valorizando o
conteúdo semântico” (BRASIL, Portaria 1.679 – 02/12/1999, Art.1°, Art.2°, Parágrafo
único). Defendemos que os critérios de avaliação devem considerar a diferença lingüística
e cultural do aluno surdo. Além da valorização do conteúdo semântico; é necessário a
presença do intérprete de LIBRAS, nos concursos públicos e vestibulares, para assessorar a
banca examinadora ou, então, possibilitar a realização da prova em LIBRAS para que o
surdo tenha igualdade de oportunidades.
Entendemos, ainda, que é responsabilidade da escola garantir a todos o acesso aos
saberes lingüísticos necessários para a cidadania. Essa responsabilidade é tanto maior
quanto menor for o grau de letramento dos alunos. Considerando os diferentes níveis de
conhecimento prévio, cabe à escola promover sua ampliação de forma que,
progressivamente, cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam
socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão de produzir textos eficazes nas mais
variadas situações.
Verificamos na análise do nosso corpus a presença de formas de referenciação na
escrita. A partir de então, apontamos como sugestão para posteriores pesquisas no campo
da aquisição da linguagem, trabalhos voltados para o processo de referenciação na escrita
de crianças surdas bilíngües, por ser este um campo de estudo pouco pesquisado.
Propomos esse estudo por entendermos que a análise e a descrição das estratégias de
referenciação na construção do texto escrito por crianças surdas poderá esclarecer melhor
esse mecanismo, como também contribuir no ensino aprendizagem dessas crianças no que
concerne ao desenvolvimento de suas competências lingüísticas a partir da educação
infantil.
VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. Vol. 1. São Paulo: Cortez, 2001, pp. 21-
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Surdez: um estudo com adultos não oralizados. Rio de Janeiro: Revinter, 2000. pp.1-17.
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método sociológico na ciência da linguagem. 9.ed. São Paulo: Hucitec, 1999. 196p.
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parágrafo único.
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2004a. 469p.
BRASIL, Ensino de Língua Portuguesa para Surdos: caminhos para prática pedagógica.
/ SALLES, H.M.M.L. (Coord.) [et al.]. (Programa Nacional de Apoio à Educação dos
Surdos) vol. 1. Brasília: MEC, SEESP, 2004b. 139p.
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civil, código de processo civil. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004c. 1533p.
BRASIL, Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Disponível em:
http://www.mec.gov.br/legis/pdf/lei10436.pdf . Acesso em: 15 out. 2005.
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VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 42ed. Lisboa: Antídoto, 1979, 213p.
ANEXO 1
ROTEIRO DE ENTREVISTA REALIZADA COM OS
PARTICIPANTES E SEUS RESPONSÁVEIS
DIAGNÓSTICO
1. Quando foi a descoberta da surdez?
2. A surdez foi decorrente de que?
3. O que foi feito após a descoberta da surdez? Quanto tempo
depois?
4. Usou A.A.S.I. (Aparelho de Amplificação Sonora Individual)?
5. Fez fonoterapia? Qual o tipo de reabilitação? Você achou efetiva a
intervenção desse profissional?
LINGUAGEM
6. Que estratégias de comunicação vocês costumavam usar com ele
na infância? E atualmente?
7. Qual o maior problema que seu filho apresenta para se
comunicar?
8. Quando o seu filho aprendeu LIBRAS?
9. O que vocês perceberam que mudou após o uso da LIBRAS: na
escola, na família e na vida social?
10. A comunicação por meio da escrita é habitual em casa?
Circula material escrito em casa?
11. Os pais / familiares tem hábitos de leitura? Vocês
costumavam estimular a criança em relação à leitura / escrita?
Como?
12. Seu filho quando criança pedia para comprar livros, gibis
etc.?
ESCOLARIDADE
13. Com que idade seu filho entrou na escola?
14. Quais as escolas que freqüentou até hoje e quais as
metodologias / filosofias adotadas por essas escolas?
15. Seu filho enfrentou dificuldades na trajetória escolar? Quais?
16. Foi reprovado alguma vez? Qual o motivo da reprovação?
17. Em que idade foi alfabetizado?
18. A leitura / escrita era prazerosa para ele nesse percurso? E
hoje?
SOCIABILIDADE
19. Convive bem com os colegas? E familiares?
20. Qual o lazer preferido do seu filho? Quando criança e hoje?
TEMPERAMENTO
21. Descreva seu filho em relação ao temperamento (principais
características de personalidade).
ANEXO 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
CURSO DE PÓS - GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)
Esta pesquisa é sobre “A construção de textos na escrita de
surdos: estratégias do sujeito na transição entre sistemas lingüísticos” e
está sendo desenvolvida por Maria Janaína Alencar Sampaio, aluna do
Curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal da Paraíba, sob a
orientação do(a) Profª Drª Evangelina Maria Brito de Faria.
O objetivo do estudo é analisar a produção textual escrita de
surdos bilíngües, estudantes do Ensino Médio, direcionando olhar os
mecanismos de coesão textual presentes nos escritos com a finalidade
de compreender as especificidades desse processo numa escrita que
tem como referência não a oralidade, mas a língua de sinais.
A sua participação na pesquisa é voluntária e, portanto, o(a)
senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações e/ou colaborar
com as atividades solicitadas pelo Pesquisador(a). Caso decida não
participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do
mesmo, não sofrerá nenhum dano, nem haverá modificação na
assistência que vem recebendo na Instituição (quando for o caso).
Solicito sua permissão para apresentar os resultados deste estudo
em eventos da área de saúde, letras, educação etc. e publicar em
revista científica. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome
será mantido em sigilo.
Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer
esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da
pesquisa.
Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido (a) e
dou o meu consentimento para participar da pesquisa e para publicação
dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia desse documento.
__________________________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa
__________________________________________
Assinatura do (a) Pesquisador (a) Responsável
Qualquer dúvida, entre em contato com:
Maria Janaina Alencar Sampaio – (pesquisadora responsável): Rua
Muniz Tavares 81 aptº 1102 Parnamirim, Recife-PE, CEP: 52050-170. E-
Telefone para contato: (81)9958-6275 ou (81)3441-9654
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