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muitas vezes combatidas, geralmente sendo simplificadas e fragmentadas. A primeira
ruptura ocorre quando a análise se dá em termos professor/aluno, esquecendo-se do
conhecimento, que é a função e razão da existência da instituição escolar. Quando ocorre
do conhecimento ser lembrado, é apenas numa perspectiva científica, ou seja, de modo
fragmentado,
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e classificado em conteúdos dos quais os professores, que dispõem do
poder de entender os livros didáticos, são os grandes ‘portadores’.
Os conhecimentos relativos ao meio, que interferem nas atitudes e modos de
interpretação dos alunos e professores, são totalmente relegados a uma categoria de
menosprezo. Algumas vezes são lembrados, mas apenas nos discursos e teorias, pois, na
prática, observa-se que não ocorre, na escola, um intercâmbio, no conhecimento escolar,
entre o conhecimento científico e o conhecimento cotidiano. É habito dos professores
realizarem sempre uma mesma abordagem, geralmente seguindo o livro didático ou, então,
aquela grade de conteúdos mínimos que a escola fornece ao professor no início do ano
letivo.
Nesta perspectiva, observa-se que a relação assimétrica
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que deve existir entre
professor e aluno, em termos de conhecimento, é deslocada, prevalecendo uma relação de
superioridade, na qual o professor passa sistematicamente a ignorar os conhecimentos,
geralmente aqueles que o aluno traz de sua vivência diária, considerando indesejáveis e de
menor relevância. Ainda em relação à assimetria que deve haver entre professor e aluno,
que não pode extrapolar de autoridade para autoritarismo, com Marques percebe-se que é
precondição para a autoridade do professor a inserção dele no coletivo da
profissão através da formação adequada em que se articulem a dimensão ética de
serviço a homens com vez e voz ativas, a dimensão política das práticas sociais
assentes na compreensão do mundo cientificamente configurado e a dimensão
técnica, concebida como instrumento da autodeterminação política de uma
configuração social (2000, p. 114).
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De acordo com Morin, “O conhecimento científico [...] organiza-se com base na formalização, que
desencarna seres e coisas, na redução, que desintegra os fenômenos complexos em beneficio dos seus
componentes simples, e na disjunção, que destrói qualquer elo entre entidades separadas pela classificação”
(2001, p. 84). Esse método de atuação foi desenvolvido por Descartes, ao afirmar que “tudo o que aparece
como complexo deve ser dividido em tantas partes simples quanto possíveis, pois a razão, ao focar um
problema perfeitamente delimitado, tem mais condições de resolvê-lo do que se encarar algo composto de
várias maneiras. A simplificação do ponto de vista do pensamento se afirma como uma regra lógica”
(Descartes, 2005, p. 21).
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Por relação assimétrica, entende-se que o professor não pode se encontrar no mesmo nível de
conhecimento em que se encontra o aluno, muito menos abaixo deste. Entre o professor e o aluno deve existir
um desnível adequado para melhor aprendizagem, de acordo com Vigotski ao destacar que, para haver
construção de aprendizagens significativas, estas, orientadas/mediadas pelo professor, não podem estar nem
muito além nem no nível em que o aluno se encontra, mas que exista um distanciamento ideal. De acordo
com as próprias palavras do autor, referindo-se a essa questão, ensinar a “criança o que ela não é capaz de
aprender é tão estéril quanto ensiná-la a fazer o que ela já faz sozinha” (Vigotski, 2000, p. 336-7).