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MARCIO ROBERTO SANTIM DA SILVA
CULTO AO CORPO: EXPRESSÕES
CONTEMPORÂNEAS DO EXIBICIONISMO E
VOYEURISMO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -
Programa de Estudos Pós-Graduados em
Psicologia Social, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em Psicologia
Social, sob orientação do Professor Doutor
Odair Sass.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
São Paulo
2008
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Banca Examinadora
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Agradecimentos
Depois de quatro anos de pesquisa, é chegada a tão esperada hora
de poder compartilhar com as pessoas os resultados de um estudo realizado com
muito interesse, carinho e amor. O prazer de fazer algo que se gosta, sem
carregar o fardo da obrigação, é uma recompensa que não tem preço.
Dificuldades...existiram e foram muitas. Mas a cada degrau avançado nessa
grande escada, parecia que o fôlego e o entusiasmo aumentavam. Vontade de
conhecer, desejo de superar obstáculos, encontrar soluções, descobrir coisas,
enveredar-me pelos caminhos da vida. Dúvidas...apareceram o tempo todo e
foram muito importantes para o movimento do pensamento. Pessoas...quantas ao
longo das disciplinas em que amizade e a troca de conhecimentos contribuíram
para a minha formação. As coisas passam, mas, de certa forma, também ficam
guardadas, como dizem Flávio Venturini e Ronaldo Bastos na canção Nuvens:
nuvens, o as nuvens, as imagens que eu guardei pra mim, nuvens claras,
sentimentos, transparentes ondas de emoção, ondas, som das ondas, carruagens
pelo mar sem fim, são viagens, o momentos, que passaram e que não
passarão...
Por esses momentos, agradeço a todas as pessoas que estiveram e
ainda estão presentes na minha vida, apoiando-me das mais variadas formas, seja
com críticas, sugestões ou elogios e especialmente: a Deus, aos meus pais,
Hermelino e Jaci, aos meus queridos familiares. Ao professor Odair Sass pela sua
amizade e preciosas orientações que foram fundamentais para a elaboração da
tese. Ao professor Leon, que me orientou no mestrado, boa parte do doutorado e
me incentivou para a realização desse trabalho. Às professoras Maria do Carmo e
Maria Sílvia que participaram do meu exame de qualificação e deram importantes
contribuições para o desenvolvimento da tese. À Beatriz Fétizon, professora e
amiga, que sempre esteve à disposição para me ajudar na pós-graduação e que
também me incentivou bastante nos estudos. Ao meu amigo de infância, Rui
Tamaribushi, com suas importantes dicas sobre estatística. Agradeço também a
Alex Beneton pela ajuda prestada nas traduções. À Drª Nora Magnólia, Márcio
Brizzotti, Luiz Satto pela disposição de flexibilizar o meu horário de trabalho. E por
fim, aos meus amigos e amigas, que nas fecundas e agradáveis conversas, talvez
mesmo sem saberem, deram-me valiosas contribuições.
“in memoriam”
querida tia Judite Santim
Sumário
Resumo_________________________________________________________ 7
Abstract_________________________________________________________ 8
Introdução_______________________________________________________ 10
Capítulo 1: O belo sob o domínio da indústria cultural____________________ _16
Capítulo 2: Os conceitos de voyeurismo e exibicionismo___________________ 28
Capítulo 3: O Corpo: um enigma para a civilização_______________________ 43
3.1 – Civilização de dominação do corpo______________________________ 43
3.2 – O nu como objeto de tabus sexuais______________________________ 49
3.3 – Dialética no uso de vestes: repressão e erotismo___________________ 58
Capítulo 4: A sublimação das pulsões do olhar_________________________ 67
Capítulo 5: As pulsões do olhar e o culto ao corpo______________________ 75
Capítulo 6: Fundamentos empíricos__________________________________ 92
6.1 – Problema__________________________________________________ 92
6.2 – Objetivos__________________________________________________ 100
6.3 – Hipóteses_________________________________________________ 101
6.4 – Método___________________________________________________ 101
A – Material____________________________________________________ 101
B – Amostra para validação das escalas_____________________________ 104
C – Aportes teóricos para elaboração das escalas_____________________ 106
D – Validação das escalas________________________________________ 112
E – Amostra base para análise e discussão dos dados__________________ 114
Capítulo 7: Apresentação e discussão dos resultados___________________ 116
Considerações finais_____________________________________________ 139
Referências bibliográficas_________________________________________ 144
Anexos_______________________________________________________ 147
Anexo I: Tabelas (média e desvio padrão dos itens)____________________ 147
Anexo II: Primeira versão das escalas_______________________________ 151
Anexo III: Versão final das escalas __________________________________ 154
Índice de tabelas
Tabela 1: Amostra de validação – sedentários__________________________ 105
Tabela 2: Amostra da validação – praticantes de academias______________ 105
Tabela 3: Coeficientes Alpha de Cronbach das escalas (validação)_________ 114
Tabela 4: Amostra base dos sujeitos para análise dos dados______________ 115
Tabela 5: Coeficientes Alpha de Cronbach das escalas (aplic. final)_________ 116
Tabela 6: Mediana (Md) e média (M) dos grupos nas escalas teste de Krukal-
Wallis_________________________________________________________ 118
Tabela 7: Mediana (Md) e média (M) dos grupos 1 e 2 nas escalas teste de
Mann Whitney__________________________________________________ 118
Tabela 8: Mediana (Md) e média (M) dos grupos 2 e 3 nas escalas teste de
Mann Whitney__________________________________________________ 119
Tabela 9: Mediana (Md) e média (M) da variável gênero nas escalas - teste de
Mann Whitney__________________________________________________ 120
Tabela 10: Coeficientes de correlação bivariada de Spearman–ρ e Pearson-r
______________________________________________________________ 129
Tabela 11: Coeficientes de correlação parcial de Pearson, com o controle das
escalas________________________________________________________ 131
Tabela 12: Mediana (Md) e média (M) dos gêneros na escala E, com o controle da
idade – teste de Mann Whitney_____________________________________ 133
Tabela 13: Mediana (Md) e média (M) da variável idade nas escalas teste de
Mann Whitney__________________________________________________ 135
Tabela 14: Mediana (Md) e média (M) dos grupos na escala P, com o controle da
variável idade – teste de Kruskal–Wallis _____________________________ 136
Tabela 15: Mediana (Md) e média (M) da variável idade na escala P, com o
controle dos grupos – teste de Mann Whitney_________________________ 137
Resumo
O culto ao corpo, caracterizado pela valorização exacerbada da
beleza física, tem sido um comportamento comum na sociedade ocidental. O
crescimento do número de cirurgias plásticas e academias de musculação são
fatores que evidenciam algumas preocupações dos indivíduos em relação à
aquisição de determinados padrões estéticos. A indústria cultural tem estimulado
os indivíduos a se identificarem com modelos, por ela expostos, padronizados
esteticamente. Tal fato, associado ao enfraquecimento do indivíduo na sociedade
contemporânea, contribui para a formação de conceitos estéticos homogêneos.
Para que os padrões de beleza, apresentados pelo objeto, constituam-se como
experiência estética, as pulsões voyeur e exibicionista precisam ser mobilizadas
nos indivíduos. A exacerbação ou o enfraquecimento dessas pulsões podem
contribuir para o aparecimento de vários problemas decorrentes, respectivamente,
da obsessão por práticas esportivas e do sedentarismo. Foram desenvolvidas três
escalas do tipo Likert – voyeurismo (V), exibicionismo (E) e padrões estéticos (P) –
com o objetivo de verificar possíveis diferenças na expressão desses fenômenos
em três grupos distintos quanto à prática esportiva: grupo 1 (sedentários); grupo 2
(praticantes de musculação) e grupo 3 (praticantes de outras atividades físicas).
Também procurou-se analisar a correlação entre as três escalas. As hipóteses da
pesquisa foram de que o grupo 2 apresentaria escores superior aos demais
grupos nas três escalas e que elas estariam correlacionadas. A análise dos dados,
com base nos resultados obtidos mediante a aplicação das escalas, apontou a
existência de correlações significativas entre voyeurismo, exibicionismo e adesão
aos padrões estéticos. Os coeficientes de correlação ρ de Spearman tiveram
um nível de significância de p < 0,01 e foram os seguintes: ρ = 0,46 (escalas V e
E); ρ = 0,52 (escalas V e P); ρ = 0,49 (escalas E e P). Apenas na escala P, o
escore do grupo 2 foi maior que os demais grupos, com um nível de probabilidade
associado de p < 0,01. Esses resultados mostraram que o grupo 2 adere mais aos
padrões estéticos. Os referenciais teóricos básicos desta pesquisa foram a Teoria
Crítica da sociedade, especificamente os autores pertencentes à primeira geração
da escola de Frankfurt, e a Psicanálise freudiana.
Palavras-chave: voyeurismo, exibicionismo, estética, Teoria Crítica, Psicologia
Social.
Abstract
The body cult, characterized by the overvaluation of the physical
beauty, has been a common behavior in the western society. The increasing
number of plastic operations and health clubs are some of the facts that testify
some of the worries of individuals concerning the acquisition of some esthetical
patterns. The cultural industry has encouraged individuals to identify themselves
with esthetically standardized beauty models exposed by itself. Such fact,
associated with the weakening of the individual in the contemporaneous society,
has contributed to the formation of homogeneous esthetical concepts. The voyeur
and exhibitionist impulses have to be mobilized in the individuals so that the beauty
patterns, presented by the object, constitute the esthetical experiences. The
exacerbation or the weakening of these impulses may contribute to the formation
of various related problems, respectively, the obsession with doing physical
activities and a sedentary behavior. Three Likert scales -- voyeurism(V),
exhibitionism (E), and esthetical patterns (EP )-- were developed in order to verify
the possible differences in the expression of these phenomena in three different
groups related to practicing sports: group 1 (sedentary people); group 2 (people
who practice weightlifting) and group 3 ( people who practice other physical
activities).The study hypotheses were that group 2 would present scores superior
to the other groups on the three scales in which they would be co-related. The data
analysis, based on the results obtained by the application of scales, showed the
existence of meaningful co-relations among voyeurism, exhibitionism and the
compliance with esthetical patterns. The co-relation coefficients ρ of Spearman –
had a p < 0,01 level and were the following: ρ = 0,46 ( V and E scales ); ρ = 0,52 (
scales V and EP ); ρ = 0,49 ( scales E and EP). Group 2 score was higher than the
other groups only on scale EP having an associated probability level of p < 0,01.
These results show that group 2 has a higher compliance with the esthetical
patterns. The basic theoretical references of this study were the Critical Theory of
the Society, specifically the authors who belong to the first generation of Frankfurt
school and the Freudian Psychoanalysis.
Key words: voyeurism, exhibitionism, esthetics, Critical Theory, Social Psychology.
Muitas vezes, devemos nos preocupar mais
com as nossas certezas do que com as
nossas dúvidas, pois, enquanto que as
certezas nos acomodam, as dúvidas fazem-
nos crescer.
Introdução
A preocupação e os cuidados com a beleza têm assumido posição
relevante na atualidade. Nas últimas décadas, foram desenvolvidas diversas
técnicas de embelezamento, principalmente em razão dos avanços da medicina
estética. Incluem-se, nessa área da medicina, as especialidades de cirurgia
plástica e dermatologia.
Os procedimentos estéticos mais procurados pelos indivíduos são:
lipoaspiração, implante de silicone, lifting, aplicação de botóx. Segundo Noronha
(2006), o Brasil é o segundo país do mundo em número de cirurgias plásticas
realizadas por ano, sendo ultrapassado apenas pelos Estados Unidos. Essa é
uma das áreas mais avançadas da medicina brasileira e se tornou referência
mundial.
O que era um sonho para grande parte dos brasileiros, até pouco
tempo atrás, hoje, virou realidade, pois, o preço das cirurgias plásticas foram
reduzidos significativamente. Além disso, o freqüente parcelamento do
pagamento tem incentivado os indivíduos a realizarem esse tipo de cirurgia.
A procura por salões de beleza e clínicas de estética também
tiveram crescimento acentuado. Limpeza de pele, drenagem linfática, pintura de
cabelo são alguns dos procedimentos mais realizados.
A beleza tem constituído-se como necessidade e artigo de consumo.
A propaganda pressiona os indivíduos a serem belos de diversas formas, que
variam desde a prevenção daquilo que poderia ser considerado inimigo da beleza,
como por exemplo, o envelhecimento precoce, até a remediar determinados
males, tais como: a obesidade e a celulite.
O paradoxo é que quanto mais alguns dos considerados inimigos da
beleza decorrem de interesses econômicos heteronômicos, representados pela
insana necessidade de acúmulo e expansão do capital, tanto mais a
responsabilidade de se manter belo recai sobre o indivíduo e com isso, as raízes
desses problemas não são questionadas.
Para citar alguns exemplos, temos: a emissão descontrolada de
dióxido de carbono pela infinidade de veículos, que aumenta a produção dos
radicais livres, facilitando o envelhecimento precoce da pele; a produção dos mais
variados tipos de guloseimas com alto teor calórico, associada às facilidades
propiciadas pelos meios de transporte auto-motores que contribuem para a
constituição da obesidade.
Como o consumo é o combustível que mantêm em funcionamento o
sistema capitalista, os indivíduos são formados para serem consumistas. Assim
sendo, ao utilizar em demasia os meios de transporte motorizados e ingerir
alimentos hiper-calóricos, os indivíduos, de certa forma, pagam para ficar feios e
depois são coagidos a pagarem para se embelezar ou corrigir a feiúra.
Outra diferença em relação à busca da beleza é de que, além das
mulheres, os homens também estão investindo bastante para obtê-la. O que era
considerado, tempos atrás, apenas práticas femininas, como a limpeza facial,
hoje, também são realizadas por homens, sem que com isso a sua masculinidade
seja colocada em xeque.
As academias de ginástica e musculação também fazem parte do
mercado estético e se transformaram em um dos principais lugares em que os
exercícios físicos são praticados.
Podem-se citar algumas razões para a procura de academias em
detrimento a outros lugares destinados ao esporte, entre elas: a constante
exposição de pessoas nos programas televisivos fazendo exercícios nesses
locais; o tipo de estrutura física proporcionada pelas academias, em conformidade
com os padrões estéticos contemporâneos; a violência e poluição dos grandes
centros urbanos, que não estimulam a prática de exercícios ao ar livre.
Atividade física virou sinônimo de academia. Para obter a boa forma,
os sujeitos devem ser orientados por diversos profissionais e pagar por isso. O
esporte tem perdido o seu caráter lúdico e se transformado em objeto de
consumo para fins estéticos.
O treinamento prescrito pelo professor das academias deve ser
rigidamente seguido, de forma similar a uma dieta, a fim de que o corpo se ajuste
aos padrões definidos socialmente como belos. Nesse sentido, as categorias
psíquicas foram formadas e orientadas para avaliar a beleza conforme
determinados padrões.
Não há dúvidas de que a procura pelos ideais estéticos não se
restringe à época atual, pois, a vaidade apresentou-se de maneiras distintas,
dependendo do momento histórico em que lhe faz referência.
Em relação à atualidade, uma das características fundamentais, que
a distingui de épocas passadas, é a forte presença da indústria cultural, à nível
mundial, no cotidiano dos indivíduos.
Com essa constante presença, os padrões estéticos tornaram-se
bastante homogêneos e ganharam força a ponto de mobilizar as pulsões voyeur e
exibicionista para a manifestação de determinados comportamentos valorizados
socialmente, tal como o culto ao corpo realizado nas academias.
No senso comum, culto ao corpo é uma expressão utilizada
fundamentalmente para designar a prática constante de sujeitos que passam
horas realizando exercícios físicos e que valorizam e investem muito na beleza
corporal.
No entanto, nesta tese, tal conceito será trabalhado de maneira mais
abrangente, a fim de englobar, além dos indivíduos que praticam efetivamente
atividades voltadas para a aquisição da beleza física, aqueles que apenas
apreciam e admiram os padrões estéticos contemporâneos.
O culto ao corpo tem se tornado comum na sociedade atual. Cada
vez mais, a indústria cultural destaca a fundamental importância dos exercícios
físicos na vida dos indivíduos mediante a apresentação de diversos profissionais
da área de saúde, que expõem o valor do bem estar físico e psíquico
proporcionado pelas atividades esportivas.
Além disso, no cotidiano dos indivíduos, têm-se a forte presença de
modelos cuja imagem reflete os ideais salutares e estéticos do mundo
contemporâneo. O capítulo 1 tratará da relação entre indústria cultural e padrões
estéticos de maneira mais específica.
A adesão dos indivíduos aos padrões estéticos é realizada por meio
da atuação das pulsões voyeur e exibicionista que podem apresentar formas
distintas e englobar vários objetos. Porém, os tipos de prazer não se diferem
essencialmente, isto é, são constituídos pelo ato de ver e se exibir,
respectivamente.
Os conceitos de voyeurismo e exibicionismo foram trabalhados pela
Psiquiatria e Psicanálise, principalmente no sentido psicopatológico, ou seja,
como perversões sexuais. O capítulo 2 apresentará esses conceitos e discutirá
algumas de suas implicações na atualidade.
No capítulo 3, serão abordadas algumas formas de dominação do
corpo durante o desenvolvimento da civilização e a formação do indivíduo. Entre
essas formas de dominação, estão os tabus levantados pela sociedade contra a
exposição da nudez que lhe atribuiu um sentido pecaminoso.
Diante desses tabus, que serviram para despertar ainda mais a
curiosidade de ver e o desejo de exibir os genitais, as pulsões voyeur e
exibicionista sofreram repressões intensas por parte da sociedade.
O resultado dessa repressão foi a alteração qualitativa das pulsões
mediante o mecanismo psíquico da sublimação, que possibilitou, em parte, o
desvio de sua meta original, de cunho sexual, para as criações artísticas. O
capítulo 4 abordará o processo histórico de transformação das pulsões.
As profundas mudanças sociais ocorridas a partir da década de
1960, principalmente com o crescimento da indústria cultural, fizeram com que o
corpo semi-nu começasse a ser exposto acentuadamente na esfera pública.
Com esse tipo de liberdade, as pulsões voyeur e exibicionista
passaram a se relacionar mais diretamente com o corpo, sob a forma de
admiração aos aspectos físicos padronizados. No capítulo 5, será discutido mais
especificamente a relação dessas pulsões com o fenômeno do culto ao corpo.
As pulsões voyeur e exibicionista foram apropriadas pela indústria
cultural e orientadas para investirem em determinadas formas corporais. Corpos
com músculos definidos e sem gordura são praticamente unanimidade, em
termos de beleza, tanto para homens quanto para mulheres.
A intensificação dessas pulsões na estética corporal pode resultar
em uma obsessão por determinadas formas físicas e provocar inúmeros
comportamentos nocivos à saúde, tais como: uso de anabolizantes, lesões por
excesso de exercícios e formação de psicopatologias, como anorexia e bulimia.
Por sua vez, a falta de preocupação com o corpo e de interesse por
esportes pode contribuir para o aparecimento de diversas doenças,
principalmente as cardiovasculares.
Nesse sentido, tanto a intensificação quanto o enfraquecimento das
pulsões voyeur e exibicionista podem causar sérios problemas aos indivíduos.
As questões desta pesquisa estão contidas no sub-capítulo 6.1 e
são basicamente as seguintes: 1 - existem diferenças na expressão desses
fenômenos em determinados grupos? 2 - como se constituem as relações entre
voyeurismo, exibicionismo e adesão aos padrões estéticos?
A amostra foi dividida em três grupos, considerando-se a prática de
atividades físicas. Os grupos foram formados da seguinte maneira: sedentários
(grupo 1), praticantes de musculação (grupo 2) e praticantes sistemáticos de
outros esportes (grupo 3).
Os objetivos da pesquisa, conforme apontados no sub-capítulo 6.2,
são fazer comparações entre os referidos grupos quanto à expressão das
referidas pulsões e adesão aos padrões estéticos, bem como verificar o tipo de
correlação existente entre esses fenômenos.
Com relação à primeira questão, pensou-se, em razão da
musculação se apresentar como uma atividade física cujo principal objetivo é
estético, que o grupo 2 apresentaria as pulsões voyeur e exibicionista de forma
mais intensificada e também tenderia a aderir mais aos padrões estéticos, quando
comparado aos demais grupos.
Quanto a segunda questão, a hipótese foi de que os três fenômenos
estariam correlacionados positivamente nos três grupos estudados. As hipóteses
estão descritas no sub-capítulo 6.3.
Para a realização da coleta de dados, foram elaboradas três escalas
voyeurismo, exibicionismo e padrões estéticos do tipo Likert, com quatro
opções de respostas: concordo totalmente, concordo parcialmente, discordo
parcialmente, discordo totalmente.
A primeira aplicação foi realizada com objetivo de testar a validade
dos itens das escalas e a segunda, com as reformulações necessárias, serviu de
base para a elaboração dos testes de hipóteses.
No sub-capítulo 6.4, descrevemos todo o procedimento empírico da
pesquisa: a escolha dos sujeitos, a elaboração das escalas, a fundamentação
teórica dos itens, os critérios de validação e a aplicação das escalas.
A análise e discussão dos dados foram realizadas no capítulo 7 por
meio de técnicas estatísticas associadas aos fundamentos teóricos desta
pesquisa.
E por fim, nas considerações finais, mencionaram-se sugestões
para a realização de pesquisas futuras, considerando os resultados obtidos.
Também foram salientados alguns aspectos que não estavam presentes na
formulação do problema, mas que foram observados ao longo da pesquisa.
CAPÍTULO 1
O belo sob o domínio da indústria cultural
Temos observado atualmente na sociedade brasileira, a proliferação
dos mais diversos tipos de academias para atender a um número crescente de
indivíduos que as procuram para realizar atividades esportivas. A indústria
cultural, mediante diversas produções como telenovelas, revistas e filmes, tem
difundido amplamente as academias como meio para se alcançar os padrões
estéticos e salutares considerados, respectivamente, ideais para a constituição da
beleza corporal e do bem-estar físico e psíquico dos indivíduos.
O conceito de indústria cultural, desenvolvido por Horkheimer e
Adorno na obra Dialética do esclarecimento, publicada em 1947, com o intuito de
diferenciá-lo do termo cultura de massa, é reiterado por Adorno, nos seguintes
termos:
Em nossos esboços tratava-se do problema da cultura de massa.
Abandonamos essa última expressão para substituí-la por “indústria
cultural”, a fim de excluir de antemão a interpretação que agrada aos
advogados da coisa; estes pretendem, com efeito, que se trata de algo
como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas, em
suma, da forma contemporânea da arte popular. Ora, dessa arte a
indústria cultural se distingue radicalmente. Ao juntar elementos de há
muito correntes, ela atribui-lhes uma nova qualidade. Em todos os seus
ramos fazem-se, mais ou menos segundo um plano, produtos adaptados
ao consumo das massas e que em grande medida determinam esse
consumo. (Adorno, 1971, p. 287).
Devido, principalmente, ao intenso aprimoramento da técnica, a
crescente necessidade de acúmulo e expansão do capital, as produções culturais
assumiram uma forma peculiar na sociedade contemporânea, caracterizadas pela
produção globalizada e em série nos moldes industriais. Uma grande quantidade
de objetos foi produzida e gerou novas necessidades nos indivíduos, resultando
no consumismo necessário à perpetuação do capital.
A prática de exercícios em academias poderia ser citada como
exemplo desses novos tipos de necessidades, principalmente se considerarmos o
fato de os indivíduos tenderem a levar uma vida mais sedentária devido as
inúmeras comodidades propiciadas pelo desenvolvimento tecnológico, tais como
aquelas relacionadas aos meios de transporte e entretenimento.
Aliada a isso, tem-se a ingestão de diversos tipos de bebidas e
alimentos com alto teor calórico que colaboram para que os indivíduos, em razão
desses hábitos, necessitem reduzir os efeitos negativos provocados, entre eles:
aumento nos níveis de colesterol, triglicérides, glicose e peso.
De uma forma ou de outra, principalmente por meio de propagandas,
ao mesmo tempo em que a cultura estimula hábitos nocivos e cria objetos cujo
uso abusivo pode causar danos à saúde, ela também fornece os meios que
podem reduzir seus impactos. Se por um lado, o imperativo do “goze! beba e
coma a vontade”, do outro, temos a presença da disciplina e do autocontrole,
representados por dietas, exercícios físicos e cirurgias plásticas.
As academias são um dos fortes ramos do mercado estético que
procuram aliar saúde à beleza. Entre eles, podem ser citados: cirurgias plásticas,
produtos para limpeza de pele, medicamentos para retardar o processo de
envelhecimento.
Além de beleza e saúde, existe um terceiro objetivo marcante na
procura de academias pelos indivíduos, que é o entretenimento. Juntos, esses
três objetivos determinam a especificidade das academias em relação aos outros
ramos da indústria estética.
O desenvolvimento da ciência e mais especificamente da medicina
foi muito importante para melhorar a qualidade de vida e aumentar a longevidade
dos indivíduos. Seria problemático, se o aumento da longevidade do ser humano,
propiciado pelas descobertas científicas, não fosse acompanhado por uma
melhora geral na qualidade de vida dos indivíduos.
Considerando que atualmente a sociedade tem condições objetivas
que permitem aos indivíduos um maior tempo de vida, é importante que tenham
ao seu alcance meios que lhes possibilitem desfrutá-la de maneira mais saudável
e prazerosa possível.
A apreciação da beleza quer corporal quer artística é uma forma de
prazer conquistada ao longo da história pela civilização mediante a diminuição da
necessidade de se voltar a todo momento para atividades envolvendo a
sobrevivência.
O nível de desenvolvimento tecnológico alcançado pela civilização,
representado pela produção do excedente e a criação de máquinas capazes de
realizar com maior rapidez e eficiência os trabalhos feitos diretamente pelo
homem, poderia proporcionar uma série de benefícios que não se concretizou.
Entre eles, principalmente nos países do terceiro mundo, uma redução
significativa do tempo gasto com o trabalho que possibilitasse aos indivíduos
disporem de maior parte do seu tempo para a realização de atividades não
relacionadas diretamente com a sobrevivência, como por exemplo, a fruição
estética.
No entanto, a perpetuação da dominação do homem pelo homem
continuou sendo um empecilho para a liberdade dos indivíduos; a apreciação
estética bem como o acesso aos seus padrões se mantiveram como gozo de
poucos.
Na obra A ideologia da sociedade industrial, Marcuse menciona que
esse tipo de repressão imposto pela sociedade industrial gerou falsas
necessidades nos indivíduos. Falsas por não condizerem com determinadas
condições objetivas alcançadas nos países desenvolvidos, que poderiam,
mediante os recursos tecnológicos, atenuar o sacrifício humano para a garantia
da sobrevivência.
A crítica de Marcuse é fundamentalmente em relação à manutenção
do trabalho árduo e alienado a que os indivíduos se encontravam submetidos. O
mundo já não teria mais tanta necessidade de que o homem permanecesse sob o
jugo do trabalho. poderíamos ter outros tipos de necessidades que não
estivessem relacionadas de maneira tão intensa com a manutenção da vida.
Para Marcuse, a distinção entre falsas e verdadeiras necessidades
deve ser pensada historicamente e em última instância feita pelos próprios
indivíduos, desde que esses consigam atingir determinado grau de autonomia
para poder discriminá-las.
Para qualquer percepção e consciência, para qualquer experiência que
não aceite o interesse social predominante como a lei suprema do
pensamento e do comportamento, o universo de necessidades e
satisfações estabelecido é fato a ser questionado – discutido em termos de
veracidade e falsidade. Esses termos são totalmente históricos, e sua
objetividade é histórica...Em última análise, a questão sobre quais
necessidades devam ser falsas e verdadeiras só pode ser respondida
pelos próprios indivíduos, mas apenas em última análise; isto é, se e
quando eles estiverem livres para dar a sua própria resposta. Enquanto
eles forem mantidos incapazes de ser autônomos, enquanto forem
doutrinados e manipulados (até os seus próprios instintos) a resposta que
derem a essa questão não poderá ser tomada por sua. (Marcuse, 1979, p.
27).
Em razão de a autonomia do indivíduo estar seriamente
comprometida, não temos dúvidas de que a distinção entre necessidades falsas e
verdadeiras tem se tornado complicada na sociedade contemporânea.
Em relação à prática de academias, tal discussão suscita algumas
questões, como por exemplo: caminhar diariamente durante alguns minutos em
uma esteira para reduzir o nível de colesterol pode ser considerada uma
necessidade mais verdadeira do que passar algumas horas praticando exercícios
em aparelhos de musculação, com a finalidade de ter um corpo considerado
belo?
Penso que diante de uma sociedade que valoriza a aparência até a
ponto de torná-la um importante subsídio para a disputa empregatícia, a resposta
a essa questão é negativa. Segundo Edmonds:
Inicialmente, a justificativa da cirurgia plástica como necessidade
profissional era usada por aqueles cuja carreira dependia da aparência.
Mas esta defesa foi mais tarde generalizada quando a aparência passou a
ser considerada essencial em quase qualquer carreira. Pessoas bonitas de
ambos os sexos ganham cerca de 5% a mais por hora, mesmo na mesma
ocupação, como descobriram os economistas Hamermesh e Biddle (1994),
num estudo do mercado de trabalho norte-americano. Artigos sobre
homens, executivos de empresas, que fazem rejuvenescimento facial e
lipoaspirações indicam que a cirurgia plástica pode ser um meio de manter
a vantagem num ambiente de trabalho cada vez mais competitivo.
(Edmonds, 2002, p. 222).
É certo que freqüentemente não podemos separar a saúde da
beleza, pois, as diversas formas de atividades físicas, além de proporcionarem
condicionamento sico, constituem-se como meio para se alcançar determinados
padrões de beleza. Porém, muitas vezes, essas atividades são realizadas de tal
modo que acabam se opondo à própria saúde, principalmente quando são
praticadas excessivamente e associadas com dietas descontroladas ou ingestão
de drogas.
A discussão sobre saúde e beleza não pode deixar de mencionar um
importante elemento que as entrelaçam tenazmente, a saber: sua relação com a
morte. Essa relação se encontra representada na técnica que fragmenta o
corpo, reificado pela dominação, constituindo-o como algo manipulável e
subtraído do espírito.
A medicina especializou-se de tal maneira que acabou por
desintegrar ainda mais o indivíduo. Aos olhos de muitos profissionais dessa área,
não existe uma pessoa que necessita de ajuda, mas determinada parte do corpo
adoecida. É o coração, o pulmão, os olhos ou outros órgãos que precisam ser
tratados.
Na obra O nascimento da clínica, Foucault trata das mudanças
epistemológicas envolvendo o conhecimento médico no século XIX em que a
“medicina dos sintomas, pouco a pouco, entrará em regressão, para se dissipar
diante da medicina dos órgãos, do foco e das causas, diante de uma clínica
inteiramente ordenada pela anatomia patológica” (Foucault, 2001, p.139).
A observação dos sintomas apresentados pelo doente não era mais
fundamental para a compreensão da patologia. Para conhecer a doença, o
médico deveria saber a sua exata localização, isto é, de que parte do corpo ela se
originava.
O corpo vivo não permitia esse tipo de observação, visto que a
causa estava encoberta pelos próprios sintomas. A solução para essa questão
estava na observação do resultado final da evolução patológica, ou seja, na
observação da morte, mediante a dissecação de cadáveres.
Para compreender os mecanismos que interferiam negativamente na
vida, o olhar clínico volta-se para a morte e a visão do conjunto passa a ser uma
visão de fragmentos orgânicos.
Na percepção anatômica, a morte é o ponto de vista a partir de que a
doença se abre à verdade; a trindade vida-doença-morte se articula em um
triângulo cujo ápice culmina na morte; a percepção pode apreender a
vida e a doença em uma unidade na medida em que ela investe a morte
em seu próprio olhar. (Foucault, 2001, p. 181)
Tal concepção médica ainda se faz presente na atualidade e seus
efeitos se estendem para os diversos ramos que têm como objetos a saúde e a
beleza.
Os indivíduos precisam estar aptos para se integrarem à sociedade.
O coração deve bater mesmo que seja sem alegria e vontade de viver; os olhos
devem ver cegamente as injustiças que se perpetuam infinitamente; o pulmão
deve ser capaz de inspirar o ar poluído das grandes metrópoles e devolver
passivamente o veneno inalado; a pessoa deve parecer feliz, mesmo às custas da
dependência química aos antidepressivos.
Seios avantajados e firmes, abdômen definido, pernas fortes, pele
bem cuidada são alguns atributos que se interligam para determinar a concepção
de beleza e saúde corporal. Corpo “sarado” é o termo que se refere a essas duas
dimensões. “Esculpir”, “malhar” são outras expressões que não deixam dúvidas
sobre a forma como o corpo é considerado: coisa, matéria passiva a ser
transformada.
As próprias palavras revelam o desrespeito por aquilo que tantos
cuidados lhe são dispensados: o corpo. Ao se espelhar na máquina e no modelo
da medicina anátomo-clínica, o homem automatizou-se e antecipou, em sua vida,
a morte, tão prezada pelos anatomistas para a compreensão dos processos vitais.
Cindido do espírito, o corpo passa a obedecer aos mesmos princípios que o
sujeito acredita governarem os objetos, ou melhor, a natureza.
A rigidez que ele na natureza e nos cadáveres dissecados passa
a ser objeto de mímese. Percebendo-se como natureza, o sujeito estende a
dominação para si e se torna tão rígido quanto pretensamente considera o
universo natural. Dureza que transparece nas exigências estéticas atuais,
caracterizadas pela firmeza e rigidez corporal.
O preço pago pela retirada do encanto da natureza é o
desencantamento de si mesmo e das relações pessoais. Horkheimer e Adorno
relacionam as afinidades de beleza e saúde com a morte, referindo-se aos
alemães na época do nazismo. Sem dúvida, tal asseveração também diz respeito
às relações com o corpo no mundo contemporâneo. Em suas palavras:
Os que na Alemanha louvavam o corpo, os ginastas e os excursionistas,
sempre tiveram com o homicídio a mais íntima afinidade, assim como os
amantes da natureza com a caça. Eles vêem o corpo como um mecanismo
móvel, em suas articulações as diferentes peças desse mecanismo, e na
carne o simples revestimento do esqueleto. Eles lidam com o corpo,
manejam seus membros como se estes estivessem separados. A
tradição judia conservou a aversão de medir as pessoas com um metro,
porque é do morto que se tomam as medidas para o caixão. É nisso que
encontram prazer os manipuladores do corpo. Eles medem o outro, sem
saber, com o olhar do fabricante de caixões, e se traem quando anunciam
o resultado, dizendo, por exemplo, que a pessoa é comprida, pequena,
gorda, pesada. Eles estão interessados na doença, à mesa estão à
espreita do comensal, e seu interesse por tudo isso é muito
superficialmente racionalizado como interesse pela saúde. A linguagem
acerta o passo com eles. Ela transformou o passeio em movimento e os
alimentos em calorias, de maneira análoga à designação da floresta viva
na língua inglesa e francesa pelo mesmo nome que significa também
“madeira”. Com as taxas de mortalidade, a sociedade degrada a vida a um
processo químico. (Horkheimer e Adorno, 1985, p. 219).
É interessante observar que geralmente a descrição de uma pessoa
obedece a essa regra de medidas – alto, gordo, magro, baixo ou a outros
elementos constitucionais como a cor dos olhos e da pele. Na maioria das vezes,
essas características são estáticas e atribuídas ao indivíduo como se referissem
efetivamente a coisas, porém, felizmente, não dão conta de defini-lo.
As técnicas voltadas para a estética corporal avançaram muito no
mundo contemporâneo e tendem a se desenvolver ainda mais. Quantas coisas
incríveis, a medicina estética e as cirurgias plásticas realizam com tal perfeição,
que talvez nem mesmo filmes de ficção científica do passado ousavam mostrar.
Exemplos não faltam: botóx para retirar rugas e esticar a pele;
implante de silicone nos seios para enrijecê-los ou aumentá-los; transplante de
cabelo que resolveu uma das preocupações estéticas masculinas mais antigas;
intervenções cirúrgicas para corrigir determinadas partes do corpo que destoam
dos padrões convencionais.
Contudo, a concepção de beleza deveria ser mais ampla, no sentido
de levar em consideração o indivíduo como um todo e não se restringir a
determinados fragmentos corporais.
A crença fetichista de que o belo se constitui exclusivamente na
modificação de elementos físicos específicos, como se esses atributos tivessem
autonomia sobre o indivíduo e pudessem por si só caracterizá-lo, resulta na
constituição de uma beleza morta, pois, o que conta são fundamentalmente as
medidas e a aparência associadas a determinados padrões definidos a priori. Tais
características que definem a beleza são ideais e externas em relação ao sujeito.
A propaganda não deixa dúvidas: “Para se ter um corpo belo e
saudável faça...adquira...”. O corpo se torna algo que pode ser comprado e
possuído de forma similar a qualquer outro objeto.
As técnicas estéticas incitam e, dentro de seus limites, tentam
atender o desejo de manter o indivíduo eternamente jovem. Desejo relacionado
ao medo do envelhecimento, característico da sociedade ocidental.
O controle da aparência passa a ser o tão sonhado domínio da vida,
mas paradoxalmente podemos dominar plenamente aquilo que es morto,
aquilo que não tem uma dinâmica própria. Nesse sentido, a vida se torna uma
hipóstase.
Esquece-se que a magia da vida também está no movimento. E é
exatamente o controle das marcas deixadas pelo tempo, o “congelamento do
sujeito” que é um dos objetivos marcante das técnicas estéticas.
O jeito de andar, falar, sentir, agir e a experiência acumulada ao
longo da vida, exposta nas rugas faciais, são elementos que, além da aparência
física, também compõem esse todo. Segundo Adorno:
Na base da saúde reinante está a morte. Todo o seu movimento
assemelha-se aos movimentos reflexos de seres cujo coração parou de
bater. ocasionalmente as desditosas rugas na testa testemunho de
tensões terríveis e muito esquecidas -, ou um momento de estupidez
pática em meio a uma lógica inalterável, ou um gesto de desamparo
conservam perturbadoramente os vestígios da vida que se esvaiu. Pois o
sacrifício socialmente exigido é tão universal, que ele, de fato, se torna
manifesto na sociedade como um todo e não no indivíduo. (Adorno, 1993,
p. 51).
Somente o que é vivo está em contínua transformação. A idéia de
juventude, que traz consigo a força e a vontade de viver, tem se atrelado quase
que exclusivamente ao fato de se ter um corpo com aparência jovial. A vida
efetiva, não a sua paródia, extrapola a aparência.
Cabe também, a crítica política aos padrões estéticos no que se
refere ao seu acesso. Poucos indivíduos, se considerarmos o fato de grande parte
da população mundial viver abaixo da linha da pobreza, têm acesso a tais
conquistas.
De maneira semelhante a outras épocas, como por exemplo na
Grécia antiga, a conquista e contemplação da beleza têm sido objeto de uma
classe restrita. A sociedade atual ainda continua estruturada por classes e dirigida
por interesses particulares que não se converteram em benefícios comuns. Todos
deveriam se beneficiar com o avanço da ciência.
Por outro lado, a pressão social exercida sobre os indivíduos para se
identificarem com os modelos veiculados pela indústria cultural, representantes
dos padrões estéticos contemporâneos, é grande para todos; tanto para os que
podem quanto para aqueles que não podem usufruir dos meios necessários para
a aproximação desses padrões. Em relação à presença desses padrões na vida
das mulheres, Malysse afirma:
Se as revistas pregam o modo de vida das classes dominantes e um
modelo de comportamento corporal que remete às camadas superiores da
hierarquia social brasileira, nem por isso são menos lidas pelas mulheres
das classes populares...E é desse modo que as representações da
corpolatria circulam por toda a sociedade brasileira. (Malysse, 2002, p.
102).
Tal pressão ocorre principalmente por meio dessa homogeneização.
Considerando-se as telenovelas como exemplo, pode-se notar certa padronização
estética dos atores, pois, parte significativa deles não possui formação em artes
dramáticas, mas provém da carreira de modelo. Até mesmo o sotaque dos atores
provenientes de outras regiões brasileiras, desde que a trama não esteja situada
em um determinado contexto regional, precisa ser adaptado ao do chamado eixo
Rio – São Paulo.
Com a constante presença da indústria cultural no cotidiano dos
indivíduos, os padrões estéticos tendem para a homogeneidade. O cinema de
Hollywood, assim como outros meios de entretenimento, certamente tem uma
influência mundial na determinação desses padrões.
É possível que essa seja uma diferença fundamental da sociedade
contemporânea, se comparada a outras épocas, no que diz respeito aos padrões
estéticos; pois se, no passado, determinados atributos eram considerados mais
belos do que outros conforme a cultura de um determinado povo, na atualidade, a
indústria cultural tem o poder de divulgar os padrões estéticos para uma faixa
mais ampla de pessoas, extrapolando os limites geográficos das nações.
Essa pressão reflete na formação dos indivíduos e alimenta o desejo
de adquirirem aquilo que lhes é apresentado como belo. Ao se identificarem com
alguns ideais estéticos, os próprios indivíduos desenvolvem atitudes de
menosprezo pelas características que destoam desses padrões, no sentido de
ridicularizá-las.
O domínio que os padrões estéticos exercem sobre os indivíduos
não é imediato, mas se constitui por meio de atitudes sutis, mediatas e, às vezes,
até violentas de controle social. Sua forma pode ser uma violência dissimulada ou
explícita empregada pelos indivíduos contra si, experimentada como vergonha, e
contra os outros, exprimida como gozação, com o intuito de zombar da suposta
inferioridade estética alheia.
O sarcasmo frente aos “gordinhos”, o preconceito contra os negros e
deficientes são algumas das atitudes que poderiam ser mencionadas para
exemplificar certa forma de “totalitarismo estético”.
O conjunto desses fatores tem fomentado uma obsessão estética
representada pela exacerbada procura dos padrões de beleza difundidos pela
indústria cultural. Isso reflete alguns elementos valorizados na sociedade
contemporânea, entre eles: a concepção de beleza fundamentada mais na
igualdade estética entre os indivíduos do que por aquilo que os distinguem; a
super-estimação da aparência física em detrimento do espírito, em que a exibição
dos atributos externos frente ao olhar do outro, converte-se em gozo narcísico; a
aversão pelo processo de envelhecimento, que em última instância, revela o
medo da morte e quanto os indivíduos precisam se conservar a fim de,
supostamente, virem a experimentar, no futuro, a felicidade e o prazer que não
conseguem obter no presente.
Como a concepção de beleza tem se constituído
predominantemente de forma heteronômica, reduz a possibilidade de o belo se
concretizar no particular. Se a parte é subjugada pelo todo, dificulta-se a formação
de indivíduos autônomos, no sentido de que eles sejam o fim, isto é, que tenham
as condições necessárias para o desenvolvimento de sua subjetividade.
Aquilo que a sociedade coloca como belo é aceito, na maioria das
vezes, como se fosse uma apreciação autônoma do sujeito, quando,
efetivamente, é a ele imposta. O conceito de beleza que é constituído
historicamente e produzido por determinadas condições materiais, converte-se
em algo inteiramente natural na sociedade administrada.
Contudo, apesar de desejar, a maior parte dos indivíduos não
consegue se aproximar efetivamente desses padrões, quer por não gostar de
exercícios físicos quer devido a suas próprias limitações físicas, como por
exemplo, a estatura. Outras dificuldades poderiam ser citadas, tais como o fato de
serem poucas as pessoas que dispõem de tempo livre e condições financeiras
para passar algumas horas exercitando o corpo nas academias ou se produzindo
em salões de beleza.
O que muitas vezes acaba restando a esses indivíduos, é o prazer
de ver o desfile de corpos esculpidos nos diversos meios de comunicação. Dessa
forma, a expressão de pulsões voyeur tem se tornado mais comum se
comparadas às exibicionistas.
CAPÍTULO 2
Os conceitos de voyeurismo e exibicionismo
Voyeurismo é um termo de origem francesa (voyeurisme) cujo
significado etimológico do radical voyeur é: “{fr. Lit. o que vê’)...etim fr. Voyeur
(1740) ‘pessoa que assiste a algo por curiosidade’, (1883) ‘pessoal que se excita
ao ver a nudez ou o ato sexual de outrem’, der. De voir ‘ver’ (Houaiss & Villar,
2001, p. 2883)
Como pode ser observado, uma importante diferença do
significado atribuído à palavra voyeur se forem comparados os séculos XVIII e
XIX. Nesse último século, houve uma maior especificação do termo ao restringi-lo
à dimensão sexual. Esse último significado também foi sedimentado pelos
estudos realizados posteriormente pela Psicanálise freudiana a respeito do
fenômeno e perdura atualmente, conforme veremos a seguir na classificação
psiquiátrica.
Porém, Houaiss & Villar, no item 2 referente à palavra voyeurismo,
ampliam o seu significado, contemplando o sentido atribuído em 1740, em razão
de não se restringir à dimensão sexual.
Voyeurismo
1 Psicop. desordem sexual que consiste na observação de uma pessoa
no ato de se despir, nua, ou realizando atos sexuais e que não se sabe
observada; mixoscopia. 2- p. ext. forma de curiosidade mórbida com
relação ao que é privativo, privado ou íntimo [o v. invasor de alguns
internautas]. (Houaiss & Villar, 2001, p. 2883).
Essa última definição adicionada ao item 1 da definição abaixo de
exibicionismo mostra que ambas palavras bem como suas variantes, estão
sendo utilizadas no cotidiano com sentidos que extrapolam o âmbito sexual /
científico e esbarram no linguajar pertencente ao senso comum.
Os termos exibicionismo e exibicionista segundo o dicionário
etimológico Houaiss significam respectivamente:
Exibicionismo
1 - Mania de ostentação ou de exibição [muita gente se veste bem por puro
exibicionismo] 2 Psicopatologia: forma de perversão sexual que consiste
em exibir a própria nudez, especialmente as partes sexuais. Etim: exibição
sob a f. rad. exibicion + ismo, talvez por influência do fr. exhibitionisme
(1866) “id”, ver ib-. 1913 exibicionismo, 1913 exhibicionismo. (Houaiss &
Villar, 2001, p. 1284)
Exibicionista
1 que ou aquele que exerce o exibicionismo. 2- Psicopatologia - relativo
a ou pessoa dada à prática do exibicionismo. Etim.: exibição retomado na
f. exibicion + ista, talvez por infl. do fr. exhibitioniste (1877) “id” ou do ingl.
exhibitionist (1821) “id” ver ib-; f. hist. 1912 exibicionista, 1913
exhibicionista. (Houaiss & Villar, 2001, p. 1284).
Os termos exibicionismo e exibicionista, como se vê, não
apresentam diferenças de sentido etimológico atribuídas em épocas específicas,
como aquelas encontradas na definição de voyeurismo.
No campo das ciências da psique, o exibicionismo também tem sido
tratado predominantemente como uma forma de desvio sexual. A maior parte das
referências bibliográficas, que não são muitas, a respeito de exibicionismo e
voyeurismo, provêm da Psiquiatria e da Psicanálise. Do lado da Psiquiatria,
encontramos uma maior preocupação em estabelecer critérios diagnósticos a fim
de definir se indivíduos com comportamentos relacionados ao prazer de ver ou se
exibir podem ou não ser enquadrados nas referidas psicopatologias.
O exibicionismo e o voyeurismo são classificados no Compêndio de
Psiquiatria de Kaplan & Sadock como parafilias que significam, segundo o
Diagnostic and stastical manual of mental disorders (DSM-IV): “fantasias e anseios
sexuais recorrentes, intensos e sexualmente excitantes que envolvem objetos não
humanos, crianças ou pessoas sem consentimento, ou o sofrimento ou
humilhação reais, próprios ou do parceiro” (Kaplan & Sadock, 1999, p. 1446).
No mesmo compêndio, também são encontrados os critérios
diagnósticos para voyeurismo e exibicionismo, extraídos do DSM-IV, a seguir
descritos, respectivamente:
Voyeurismo
A. Durante um período mínimo de 6 meses, fantasias sexualmente
excitantes recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos
envolvendo o ato de observar uma pessoa que está nua, a se despir ou em
atividade sexual, sem suspeitar que está sendo observada.
B. As fantasias, impulsos sexuais ou comportamentos causam
sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou
ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. (Kaplan
& Sadock, 1999, p. 1454)
Exibicionismo
A. Ao longo de um período mínimo de 6 meses, fantasias, anseios
sexuais e comportamentos sexualmente excitantes recorrentes e intensos,
envolvendo a exposição dos próprios genitais a um estranho insuspeito.
B.
As fantasias, anseios ou comportamentos sexuais causam
sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou
ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. (Kaplan
& Sadock, 1999, p. 1454).
O elemento essencial que podemos observar na classificação dessas
psicopatologias é a dimensão sexual. Os atos de olhar e exibir devem conter
necessariamente os genitais como objeto de desejo.
Tal classificação está muito próxima dos critérios utilizados pelo
psiquiatra Krafft-Ebing no final do século XIX para caracterizar o exibicionismo. Em
seu livro Psychopathia sexualis, Krafft-Ebing registra vários casos de perversões,
entre eles alguns de exibicionismo, mas nenhum caso típico de voyeurismo.
Para ilustrar, seguem-se trechos do caso 209 em que se
encontram determinados sintomas próximos dos critérios diagnósticos acima
descritos.
X., 35 anos, assistente de barbeiro. Várias vezes punido por atentado ao
pudor, foi novamente detido, pois, durante três semanas, andara rondado
escolas de meninas, tentando atrair a atenção das alunas; quando
conseguia, exibia-se... Naquela época
1
, muitas vezes tinha de passar por
um parque infantil e, às vezes, urinava ali; vez por outra as crianças o
olhavam por curiosidade. Percebeu, por acaso, que ser olhado dessa
maneira causava-lhe excitação sexual, induzia ereção e até ejaculação.
Passou a ter mais prazer nesse tipo de satisfação sexual e tornou-se
indiferente ao coito; satisfazia-se apenas dessa maneira. (Krafft-Ebing,
2001, p. 269/270).
Exposição dos genitais, constante recorrência desse
comportamento, prazer intenso com o ato, problemas perante à lei e nas relações
sociais são características vistas no exemplo acima que coincidem com os
critérios diagnósticos do compêndio de psiquiatria de Kaplan e Sadock (1999).
Em relação ao voyeurismo, temos o seguinte exemplo registrado nos
casos clínicos do DSM-IV. Resumidamente:
Um executivo de 25 anos de idade solicita uma consulta psiquiátrica em
razão de sua necessidade repetida de espiar mulheres enquanto se
despem ou engajam-se em atividade sexual. O paciente certa vez foi preso
por esta atividade, e o departamento de pessoal de seu trabalho tomou
conhecimento do fato. Ele recebeu o aviso de que o tratamento deste
problema era obrigatório, e que perderia o emprego se o comportamento se
repetisse. Ele não buscou assistência profissional e continuou engajando-
se na atividade voyeurista...Ele possui um par de potentes binóculos e
utiliza-os para espiar apartamentos vizinhos. Ocasionalmente, é
recompensado por seus esforços, mas com maior freqüência isso não
ocorre. Depois, ele deixa seu apartamento e vai a telhados de grandes
prédios de apartamentos, onde procura com seus binóculos até encontrar
uma mulher despindo-se ou engajando-se em atividade sexual...Certa vez,
ele foi posto para correr de um local escuro onde namorados se
encontravam, por um homem furioso, brandindo uma chave de roda; em
outra ocasião, foi descoberto enquanto espiava pela janela de um banheiro
em uma área rural e escapou por pouco de ser morto a tiros. (Spitzer,
1996, p. 128)
Esse é o caso típico de voyeurismo tradicional, psicopatológico, pois
preenche os critérios diagnósticos expostos anteriormente, entre eles: a pessoa
observada pelo voyeur não sabe que está sendo vista; comportamentos voyeurs
recorrentes, envolvendo mulheres nuas ou tendo relações sexuais; problemas nos
relacionamentos sociais, inclusive com até risco de vida.
Na obra Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1972)
também destacou os elementos sexuais para a elaboração dos conceitos de
voyeurismo e exibicionismo como tipos específicos de perversões sexuais.
Considerava normal a presença dessas pulsões na sexualidade humana. O
problema surgia em três hipóteses: quando essas pulsões se fixavam de maneira
exclusiva à região genital; quando se ligavam a objetos repugnantes e deixavam
de ser parte do conjunto de atos preliminares característicos de uma relação
amorosa normal, isto é, tornavam-se mais importantes que o prazer sexual genital,
podendo até mesmo substituí-lo:
...o prazer de ver [escopofilia] transforma-se em perversão (a) quando se
restringe exclusivamente à genitália, (b) quando se liga à superação do
asco (o voyeur -- espectador das funções excretórias), ou (c) quando
suplanta o alvo sexual normal, em vez de ser preparatório a ele. Este último
é marcantemente o caso dos exibicionistas que, se posso deduzi-lo após
diversas análises, exibem seus genitais para conseguir ver, em
contrapartida, a genitália do outro. (Freud, 2002, p. 35)
1
Krafft-Ebing refere-se a quando o paciente X tinha a idade de 21 anos.
Importante observar que no final dessa citação, Freud sugeriu a
existência de uma significativa aproximação entre as pulsões exibicionista e
escopofílica, comparando-as posteriormente com outro par de pulsões que, via de
regra, sempre aparecem juntas. Essas pulsões são conhecidas como
sadomasoquistas.
O que chamou a atenção de Freud para fazer essa comparação foi a
presença, tanto em um par quanto noutro, das dimensões ativa e passiva que
formavam um complexo indissociável. Em suas palavras:
Na perversão que aspira a olhar e ser olhado distingue-se um traço
curiosíssimo, do qual nos ocuparemos ainda mais intensamente na
aberração a ser examinada a seguir
2
, ou seja: nela, o alvo sexual
apresenta-se numa configuração dupla, nas formas ativa e passiva. (Freud,
2002, p. 36).
As formas ativas e passivas referem-se aos comportamentos
manifestos que caracterizam uma ou outra patologia, ou seja, a forma ativa
qualificando o exibicionismo – sadismo e a passiva o voyeurismo – masoquismo.
Porém, segundo Freud, no âmbito do inconsciente o caráter mais
evidente dos traços característicos de uma dessas perversões não exclui aquelas
referentes ao de seu par oposto:
Sempre que se descobre no inconsciente uma pulsão desse tipo, passível
de ser pareada com um oposto, em geral pode-se demonstrar que este
último também é eficaz. Toda perversão “ativa”, portanto é acompanhada
por sua contrapartida passiva: quem é exibicionista no inconsciente é
também, ao mesmo tempo, voyeur; quem sofre as conseqüências das
moções sádicas recalcadas encontra outro reforço para seu sintoma nas
fontes da tendência masoquista”. (Freud, 2002, p. 45).
2
Freud refere-se ao sadismo e masoquismo.
O conceito de pulsão é de suma importância e um dos mais
complexos dentro da teoria psicanalítica. Existem inclusive algumas controvérsias
em relação a sua tradução, pois, alguns tradutores preferem utilizar o termo
“instinto”. Freud quis delimitar bem a aplicação do conceito de pulsão em relação a
instinto justamente para diferenciar o primeiro conceito de algo que fosse
inteiramente biológico, inato ou externo ao ser humano. Em suas palavras:
Por “pulsão” podemos entender, a princípio, apenas o representante
psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui
continuamente, para diferenciá-la do “estímulo”, que é produzido por
excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos da
delimitação entre o anímico e o físico. A hipótese mais simples e mais
indicada sobre a natureza da pulsão seria que, em si mesma, ela não
possui qualidade alguma, devendo apenas ser considerada como uma
medida de exigência de trabalho feita à vida anímica. O que distingue as
pulsões entre si e as dota de propriedades específicas é sua relação com
suas fontes somáticas e seus alvos. A fonte da pulsão é um processo
excitatório num órgão, e seu alvo imediato consiste na supressão desse
estímulo orgânico. (Freud, 2002, p. 46).
O instinto está ligado a dimensão biológica do ser e portanto tem
uma relação mais direta com o estímulo. A pulsão, por outro lado, efetiva-se nas
elaborações que o sistema anímico realiza diante de um determinado estímulo
para, só assim, poder senti-lo como necessidade. É um conceito mais abrangente
e complexo do que o conceito de instinto.
A exigência de trabalho feita à vida anímica pela pulsão tem uma
dimensão simbólica mediada pela cultura, ou seja, em si mesma a pulsão não tem
qualidade alguma, conforme citação acima de Freud.
Outra comparação feita por esse autor entre o sadomasoquismo e
voyeurismo/exibicionismo diz respeito à natureza dessas pulsões. Os dois pares
são descritos como pulsões parciais, em razão de se originarem de fontes
somáticas específicas, conhecidas como zonas erógenas, e se dirigirem a alvos
distintos.
Não obstante, na escopofilia e no exibicionismo o olho corresponde a uma
zona erógena; no caso da dor e da crueldade como componentes da
pulsão sexual, é a pele que assume esse mesmo papel a pele, que em
determinadas partes do corpo diferenciou-se nos órgãos sensoriais e se
transmudou em mucosa, sendo assim a zona erógena [por excelência]
(Freud, 2002, p. 47).
As pulsões parciais podem ser consideradas secundárias visto que
são derivadas das pulsões primárias, Eros e Tanatos
3
.
Considerando a concepção freudiana de que o exibicionismo e
voyeurismo são fenômenos indissociáveis, tentamos observar se existe realmente
correlação entre essas duas pulsões mediante a aplicação das escalas de
voyeurismo (V) e exibicionismo (E) nos sujeitos desta pesquisa.
Apesar de serem fenômenos distintos, de maneira semelhante a
Freud penso que essas duas pulsões fazem parte de um mesmo complexo
psíquico, que assim como dois pólos, ora se aproximam e ora se distanciam.
Deve-se também ponderar que, para Freud, perversão entendida
basicamente como um desvio da libido frente à meta genital - não significa
necessariamente a manifestação de uma psicopatologia.
Também é comum no gênero humano a atuação das mais variadas
pulsões fora do terreno sexual. O sadomasoquismo é importante, por exemplo, na
relação médico-paciente quando há necessidade da realização de uma cirurgia. O
paciente assim como o médico sabem que o sofrimento a ser provocado por essa
forma de intervenção é necessário para um bem maior, ou seja, restabelecer a
saúde do paciente.
Quanto às pulsões pervertidas nas relações amorosas, Freud afirma:
3
Termos gregos utilizados pela psicanálise para designar respectivamente as pulsões de vida e morte na
última teoria freudiana sobre as pulsões que substituiu a teoria das pulsões sexuais e de autoconservação.
Nenhuma pessoa sadia, ao que parece, pode deixar de adicionar alguma
coisa capaz de ser chamada de perversa ao objetivo sexual normal, e a
universalidade desta conclusão é em si suficiente para mostrar quão
inadequado é usar a palavra perversão como um termo de censura (Freud,
1972, p. 163).
Desta forma, a psicanálise evitou ao máximo estabelecer a fronteira
entre o normal e o patológico. No entanto, Freud (2002, p. 39) menciona que
determinados indivíduos têm alvos sexuais tão distantes da sexualidade normal
que não poderiam deixar de ser considerados comportamentos patológicos, tais
como: lamber excrementos, abusar de cadáveres e outras atividades envolvendo
a superação da dor, vergonha e asco.
No caso do voyeurismo e exibicionismo, certamente a fronteira entre
normalidade e patologia também é extremamente tênue, pois, a sublimação,
representada pela apreciação e criação estética, também pode ser considerada
fundamentada por tais pulsões:
A progressiva ocultação do corpo advinda com a civilização mantém
desperta a curiosidade sexual, que ambiciona completar o objeto sexual
através da revelação das partes ocultas, mas que pode ser desviada
(“sublimada”) para a arte, caso se consiga afastar o interesse dos genitais e
voltá-lo para a forma do corpo como um todo. (Freud, 2002, p. 35).
No rodapé desta mesma página, em nota de 1915, Freud acrescenta:
Parece-me indubitável que o conceito de “belo” enraíza-se na excitação
sexual e, em sua origem, significava aquilo que estimula sexualmente. [Há
no original uma alusão ao fato de que a palavra alemã “Reiz” é comumente
usada no linguajar técnico como “estímulo” e, na linguagem cotidiana,
como “encanto” ou “atrativo”.] Relaciona-se a isso o fato de jamais
podermos achar realmente “belos” os próprios genitais, cuja visão provoca
a mais intensa excitação sexual. (Freud, 2002, p. 35)
Freud considerava que as pulsões sexuais inibidas em sua finalidade
original estariam na base das criações e contemplações estéticas. Segundo ele, o
responsável pela transformação e canalizações das pulsões sexuais em criações
artísticas é o mecanismo psíquico da sublimação.
A sublimação, de maneira semelhante aos demais mecanismos de
defesa - projeção, formação reativa e outros - decorre da repressão imposta às
pulsões pelas regras de convivência estabelecidas pelos mais variados grupos ao
longo da história a fim de que o prazer individual não prevalecesse sobre os
interesses coletivos.
No entanto, a sublimação tem uma especificidade que a diferencia
dos demais mecanismos, em razão de, segundo Freud, ser a grande responsável
pelo desenvolvimento da civilização, isto é, da união de grupos dispersos em
núcleos cada vez maiores mediante a formação de laços afetivos entre os
indivíduos.
Sem a sublimação não haveria cultura e conseqüentemente não se
formariam indivíduos, no sentido de um ser relativamente diferenciado dos demais
e da própria natureza.
As pulsões voyeur e exibicionista presentes tanto na apreciação
quanto na criação estética transformadas pela sublimação entendida como um
mecanismo psicológico específico em que a repressão social age em nível
individual para transformar as pulsões cuja finalidade original era o prazer imediato
e individual em algo a ser estendido no tempo e compartilhado socialmente são
essenciais para a formação humana.
Não obstante, há dúvidas em relação à parte final da citação anterior,
quando Freud diz que jamais poderemos achar realmente belos os próprios
genitais.
Os gregos, por exemplo, tiveram uma atitude diferente frente aos
genitais que diferiu da maior parte dos povos civilizados. Nas diversas épocas que
marcaram aquela civilização, o nu aparecia constantemente em estátuas,
estatuetas e vasos, como objeto de beleza. A perfeição estava presente no próprio
ser e assim era representada na arte. Conforme menciona Andresen:
O nu é uma invenção grega. No Egito, na Assíria, na Caldeia, o nu é
apenas uma maneira de vestir. Mas o pensamento grego crê na Aletheia,
crê no não-coberto, no não-oculto, procura o homem não-coberto, nu.
Desde o início o escultor grego, fundamentalmente, coloca-se não em
frente do homem vestido com armadura de guerreiro ou vestes de escravo,
sacerdote ou príncipe mas em frente da nudez do homem em si. Porque
crê que o ser está no mundo em que estamos...O corpo humano para o
artista grego não é um modelo mas um módulo. E é fenômeno em que o
ser se manifesta, emerge e brilha. É ser, estar, aparecer. Por isso o canon
de Policleto não é um código estético não se trata de <<criar>> mas sim
de <<descobrir>>. Não se trata de criar uma forma de beleza pois a beleza
não é exterior àquilo que manifesta. Trata-se de decifrar a lei do corpo
humano, e a proporção a simetria que esse corpo manifesta e que o
insere na ordem do universo...E por isso falar do nu na arte grega é sempre
falar da relação do homem com o divino. (Andresen, 1992, p. 13/14).
O nu era valorizado pelos gregos não apenas na arte, mas também
no cotidiano e se apresentava com naturalidade em diversas atividades:
O nu grego, possivelmente ligado a ritos antiqüíssimos, está fundado numa
religião e numa atitude intelectual. Mas está também ligado à vida social,
aos costumes, à vida quotidiana, ao ginásio, à palestra e aos Jogos. O
homem grego não teme o nu. O nu é para ele simultaneamente natural e
sagrado. Na vida quotidiana a mulher está fechada no gineceu, não toma
parte dos Jogos, não lança o disco, não corre nua no estádio. Por isso o nu
feminino aparece na arte relativamente tarde. Mas a educação física é um
dos fundamentos da paideia, da educação dos jovens, e no ginásio e na
palestra como nos Jogos os homens estão nus. O pintor e o escultor têm
todos os dias diante dos olhos o tema das suas obras. (Andresen, 1992, p.
63).
Como se pode ver, no período arcaico grego, o nu feminino
praticamente não aparece. Segundo Andresen, o nu feminino aparecerá
posteriormente. “A história do nu grego é a história do nu masculino. O nu
feminino, salvo raras excepções, é helenístico e pré-helenístico. “ (Andresen,
1992, p. 69).
Nesse sentido, a cultura grega mostrou uma maior tolerância desse
povo frente ao nu se comparada a outras culturas que foram e continuam sendo
marcadas por uma repressão mais intensa da nudez.
Na história da civilização, o corpo de uma maneira geral foi
rechaçado das mais variadas formas, constituindo-se simultaneamente como
objeto de encanto e repúdio em razão de seu potencial para proporcionar prazer e
dor aos indivíduos. Para Horkheimer e Adorno:
O amor-ódio pelo corpo impregna toda a cultura moderna. O corpo se vê de
novo escarnecido e repelido como algo inferior e escravizado, e, ao mesmo
tempo, desejado como o proibido, reificado, alienado. É a cultura que
conhece o corpo como coisa que se pode possuir; foi nela que ele se
distinguiu do espírito, quintessência do poder e do comando, como objeto,
coisa morta, “corpus”. (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 217).
Não restam dúvidas que em épocas pretéritas, diante da fragilidade
das organizações coletivas e da tênue separação existente entre homem e
natureza, foi necessária uma forte repressão das pulsões para que a cultura
pudesse se desenvolver. Porém, não significa que tal repressão deveria continuar
com a mesma intensidade ad infinitum.
Diante do desenvolvimento material alcançado e do acúmulo de
riqueza no mundo atual, todos os indivíduos poderiam, pelo menos em termos
objetivos, levar uma vida mais voltada ao prazer, isto é, um modo de vida em que
Eros pudesse ter mais espaço para se desenvolver e se expressar.
A concepção de feiura dos genitais decorre principalmente dos tabus
sexuais que a cultura precisou criar para conter os prazeres primários a que eles
poderiam levar, estampando nos órgãos sexuais bem como no ânus uma imagem
negativa. Não é por acaso ou naturalmente que eles são considerados feios
esteticamente, mas sim em razão de toda uma história de repressão a que eles
estiveram submetidos.
É certo também que sua função de excretar resíduos alimentares e o
odor exalado também colaboraram para o asco frente a esses órgãos. Contudo,
parece-me importante entender que a constituição das diversas formas de
repugnância, fez com que os órgãos sexuais fossem considerados essencialmente
como meio para se expelir substâncias orgânicas, desvinculados da obtenção do
prazer sexual.
Relacionada com tais repugnâncias, está a cisão entre o prazer e a
reprodução, que tem marcado a história da civilização. Ao destronar e reduzir o
princípio do prazer a um mero apêndice, desvinculando-o do ato sexual
direcionado à reprodução, a cultura desvalorizou a própria perpetuação da
espécie.
Reduzida, a reprodução passou a se relacionar de forma mais
acentuada com a auto-conservação Anake - do que com o amor Eros, e assim
acabou por transfigurar o prazer sexual, modificando sua forma e direcionando-o
para objetos distintos daquele em que a reprodução se efetuava.
Podemos citar como exemplo, as diversas formas de perversão,
como os fetiches sexuais ou determinados comportamentos, como a frenética
busca por prostitutas.
No caso da mulher, a repressão foi mais forte e proporcionou poucos
espaços para o deslocamento da libido. Claro que nos dias atuais, com as
conquistas do movimento feminista, esse espaço, pelo menos no ocidente, tem
aumentado. Porém, com o rígido controle da natalidade e a falta de uma autêntica
liberdade sexual, a cisão tem se mantido.
Uma das raras tentativas históricas de se restaurar essa união entre
Eros e Anake foi apresentada pelo romantismo burguês que, no entanto, acabou
sendo frustrada pelo processo de desencantamento presente no mundo
esclarecido.
É importante frisar que o problema não está na alta mobilidade,
própria do ser humano, que a libido tem de se transformar e se ligar a outros
objetos, como por exemplo, na criação de bens culturais, na formação de laços
cordiais e na atração por determinadas partes do corpo.
A questão é a sua reduzida presença no ato sexual visando à
reprodução, ou ainda, segundo Horkheimer e Adorno, a falsa separação entre
atração sexual e ternura. Referindo-se à obra de Sade intitulada História de
Juliete, esses autores afirmam:
Apesar de toda a libertinagem, os amigos de Juliette atribuem à
sexualidade em oposição à ternura, ao amor terreno em oposição ao
celestial, não apenas um poder um pouquinho excessivo, mas também um
caráter excessivamente inócuo. A beleza do colo e torneado dos quadris
agem sobre a sexualidade não como fatos a-históricos, puramente naturais,
mas como imagens que encerram toda a experiência social. Nesta
experiência está viva a intenção de algo diverso da natureza, o amor não
limitado ao sexo. Mas a ternura, até mesmo a mais incorpórea, é a
sexualidade metamorfoseada. A mão acariciando os cabelos e o beijo na
fronte, que exprimem o desvario do amor espiritual, são formas
apaziguadas de golpes e mordidas que acompanham, por exemplo, o ato
sexual dos selvagens australianos. A separação é abstrata. (Horkheimer e
Adorno, 1985, p. 103)
Em outras palavras, a atração sexual que aparenta ser natural,
puramente instintiva, revela de maneira simultânea um conjunto de experiências
históricas que permitiram com que a beleza do colo e o torneado dos quadris se
constituíssem como objetos de investimento libidinal.
Por outro lado, a delicadeza de certos atos como o beijo fraternal e o
toque carinhoso característicos das relações afetuosas em que o sexo não é
permitido, trazem consigo a presença de elementos sexuais atenuados,
relacionados a uma dimensão mais primitiva do homem.
Assim sendo, podemos considerar um tipo de idealismo a dicotomia
entre sexo e afeto realizada pela cultura, mas que não deixa de exercer profundos
efeitos na subjetividade dos indivíduos, em razão de criar dificuldades para
expressão simultânea do amor ternura (Ágape) e o amor sexual (Eros) frente a
um mesmo objeto.
CAPÍTULO 3
O corpo: um enigma para a civilização
3.1 – Civilização e dominação do corpo
A natureza com sua força e seus mistérios ameaçou
significativamente o homem ao longo do processo de desenvolvimento histórico. O
desejo de conhecê-la para poder dominá-la e conseqüentemente vencer o medo
que ela lhe suscitava, marcou decididamente a formação da civilização. O ser
humano percebeu que a fragilidade de seu corpo, parte inerente dessa mesma
natureza, ao atuar de forma isolada não teria êxito para garantir melhores
condições de sobrevivência e desenvolvimento da espécie.
Se quisesse sobreviver, o sujeito não poderia se manter isolado e
submetido à natureza, isto é, ele deveria criar meios que lhe permitissem se
adaptar e se relacionar com ela de forma mais eficaz, no sentido de amenizar o
poder que esse universo natural exercia sobre ele. Tal processo teve como
resultado uma gradativa diferenciação do sujeito frente ao objeto - natureza.
Entre os meios que proporcionaram uma maior separação do sujeito
em relação à natureza, pode-se destacar: a descoberta do fogo; a criação de
instrumentos tais como o machado e a lança que ampliaram o potencial dos
órgãos físicos do ser humano; e por último, o mais importante, a agregação de um
número crescente de sujeitos formando, ao longo da história, tribos, comunidades
e povos em núcleos cada vez maiores e integrados, até resultar no que
chamamos de civilização.
Para os indivíduos conviverem entre si, sem que os objetivos da
coletividade fossem ameaçados, o núcleo social precisou desenvolver regras de
comportamentos a fim de que o prazer individual não prevalecesse sobre o
interesse geral. Para Freud:
Mais uma vez, portanto, nos contentaremos em dizer que a palavra
“civilização” descreve a soma integral das realizações e regulamentos que
distinguem nossas vidas das de nossos antepassados animais, e que
servem a dois intuitos, a saber: o de proteger os homens contra a natureza
e de ajustar os seus relacionamentos mútuos...Reconhecemos como
culturais todas as atividades e recursos úteis aos homens, por lhes
tornarem a terra proveitosa, por protegerem-nos contra a violência da
natureza, e assim por diante. Em relação a esse aspecto da civilização,
dificilmente pode haver qualquer dúvida. Se remontarmos suficientemente
às origens, descobriremos que os primeiros atos de civilização foram a
utilização de instrumentos, a obtenção do controle sobre o fogo e a
construção de habitações. Entre estes, o controle sobre o fogo sobressai
como uma realização extraordinária e sem precedentes, ao passo que os
outros desbravaram caminhos que o homem desde então passou a seguir,
e cujo estímulo pode ser facilmente percebido. Através de cada
instrumento, o homem recria seus próprios órgãos, motores ou sensoriais,
ou amplia os limites de seu funcionamento. (Freud, 1997, p. 41/43).
Não obstante, a ameaça de destruição não provinha apenas da
natureza externa, mas também da dimensão anímica que os indivíduos traziam
consigo, representada por pulsões primitivas. Segundo Freud, o prazer individual
foi submetido ao controle da coletividade:
A vida humana em comum se torna possível quando se reúne uma
maioria mais forte do que qualquer indivíduo isolado e que permanece
unida contra todos os indivíduos isolados. O poder dessa comunidade é
então estabelecido como “direito”, em oposição ao poder do indivíduo,
condenado como “força bruta”. A substituição do poder do indivíduo pelo
poder de uma comunidade constitui o passo decisivo da civilização. Sua
essência reside no fato de os membros da comunidade se restringirem em
suas possibilidades de satisfação, ao passo que o indivíduo desconhece
tais restrições. (Freud, 1997, p. 49)
O objetivo fundamental das coletividades continuou sendo o mesmo
que as levaram a se formar, ou seja, conservação, reprodução e desenvolvimento
da espécie. No núcleo do processo formador da civilização, está o medo objetivo
de aniquilamento frente a uma natureza enigmática e esmagadora.
As descobertas e criações fogo; instrumentos para caça etc -- do
homem primitivo bem como as regras estabelecidas para controlar a convivência
entre os indivíduos não foram suficientes para abolir esse medo. A gradativa
diferenciação entre sujeito e natureza tornou-se fonte significativa de angústia e
irrompeu uma desesperada procura de sentido para a realidade, que
freqüentemente extrapolava as experiências concretas dos homens na vida
terrena.
Os passos decisivos para minimizar o horror frente à morte e à falta
de sentido da vida foram as diversas formas de esclarecimento que
acompanharam o desenvolvimento da civilização, tais como: magia, mito, religião,
filosofia e ciência. Cada uma dessas formas teve determinadas características que
resultaram em entendimentos específicos sobre o que vinha a ser a natureza e a
vida humana bem como em práticas distintas para poder manipulá-las. Na
Dialética do Esclarecimento, Horkheimer e Adorno afirmam:
A duplicação da natureza como aparência e essência, ação e força, que
torna possível tanto o mito quanto a ciência, provém do medo do homem,
cuja expressão se converte na explicação. (Horkheimer & Adorno, 1985, p.
29).
O corpo como elemento da natureza do próprio sujeito também
precisou ser entendido e dominado. É importante levar-se em consideração, que
durante a história da civilização, a compreensão dos fenômenos atrelou-se
freqüentemente à possibilidade de controlá-los, isto é, o fato de o esclarecimento,
nas suas várias formas, ter voltado-se fundamentalmente para fins práticos não
nos permite dissociá-los.
Não é o objetivo desta pesquisa fazer um levantamento histórico
detalhado sobre as diversas formas que marcaram a dominação do corpo. No
entanto, creio que alguns apontamentos seriam interessantes para podermos
visualizar diferenças e semelhanças em relação à concepção de corpo na
atualidade.
Ao longo do desenvolvimento da civilização, a relação dos homens
com o corpo foi caracterizada por uma complexa ambivalência; algumas vezes
considerado objeto de veneração, outras de repúdio.
Como parte inerente da natureza humana, o corpo foi objeto de
controle tanto no desenvolvimento da filogênese (gênero humano) quanto da
ontogênese (indivíduo). Na questão do corpo, mais uma vez aproximam-se a
história do indivíduo e a história da civilização, no sentido de a repressão das
pulsões ser o denominador comum.
As pulsões originam-se do corpo. Entende-se o corpo, grosso modo,
como a dimensão biológica e particular do sujeito que o delimita espacialmente e
temporalmente no mundo. A tensão oriunda de alguma insatisfação ou
necessidade corporal gera pulsões psíquicas representantes psíquicos de
tensões somáticas -- que exigem do meio externo sua eliminação mediante
práticas que retirem o fator desencadeante da insatisfação. Isso, por sua vez, irá
provocar outros tipos de pulsões transmitindo sensações de prazer, caso o meio
atenda efetivamente essa demanda.
As fontes das primeiras sensações de prazer e desprazer
experimentadas pelo homem primitivo e pela criança são predominantemente
corporais. Aos poucos, com o desenvolvimento da filogênese e da ontogênese,
surgem outras formas de prazer mais complexas, não imediatamente relacionadas
à satisfação de necessidades biológicas, tal como a apreciação estética que será
tratada mais adiante.
Na realidade, o bebê não consegue perceber imediatamente o corpo
como algo distinto do meio que o circunda. As fontes de excitações tanto externas
(meio) quanto internas (corpo) são experimentadas de forma difusa. Somente aos
poucos, com o desenvolvimento motor, cognitivo e a aquisição da linguagem é
que se efetiva a delimitação corporal.
De maneira semelhante à filogênese, no início da infância, o prazer
encontra-se amplamente vinculado a atividades que envolvem a auto-conservação
do sujeito, tais como: sugar o seio materno para obtenção do alimento; evacuação
dos resíduos alimentares não utilizados pelo organismo, estabelecimento de
contatos com indivíduos próximos que garantam proteção à criança e o
sentimento de ser amada.
Com raras exceções, os prazeres corporais que extrapolam a auto-
conservação o precocemente reprimidos. A educação dada pelas diversas
instituições sociais, entre elas a família, mostra que o prazer deve basicamente
dirigir-se para atividades que tenham alguma finalidade, ou seja, que tragam
algum benefício para a coletividade e portanto estejam além do prazer como um
fim em si mesmo. Segundo Freud:
A tendência por parte da civilização em restringir a vida sexual não é
menos clara do que sua outra tendência em ampliar a unidade cultural. Sua
primeira fase, totêmica, traz com ela a proibição de uma escolha
incestuosa de objeto, o que constitui, talvez, a mutilação mais drástica que
a vida erótica do homem em qualquer época já experimentou. Os tabus, as
leis e os costumes impõem novas restrições, que influenciam tanto homens
quanto mulheres. (Freud, 1997, p. 59).
As atividades auto-eróticas como a masturbação ou o chupar os
dedos, por exemplo, são bastante combatidas durante a formação do indivíduo.
A partir disso, começam a se formar sentimentos ambivalentes em
relação aos órgãos relacionados com essas práticas, isto é, aquelas partes do
organismo que são dotadas de terminações nervosas altamente excitáveis e que
provocam forte prazer ao serem estimuladas, tornam-se fontes de desprazer por
meio das diversas formas de repressão adotadas pelos educadores, que variam
desde ao “não toque nisso porque é feio e sujo”, até castigos mais cruéis, como
surras e espancamentos.
Essas são formas de punição externa. Porém, segundo Freud, após
a incorporação das regras e costumes sociais, temos outra forma de punição
aplicada pelo próprio sujeito contra si, experimentada como sentimento de culpa.
A internalização das regras, valores e costumes sociais ditados pelos
pais e educadores resultou na formação do que Freud denominou superego. Essa
instância psíquica é uma espécie de juiz que julga e pune as ações cometidas
pelo sujeito. É um prolongamento da autoridade exterior e opera
fundamentalmente de maneira inconsciente.
A diferença principal em relação às autoridades externas é que o ato
não precisa ser necessariamente praticado para que o sentimento de culpa aflore.
O mero pensamento ou desejo de fazer uma coisa não permitida
socialmente é suficiente para despertar esse sentimento bem como a
necessidade de punição, objetivando o acerto de contas do sujeito consigo
mesmo. Referindo-se ao processo de desenvolvimento do indivíduo, Freud afirma:
Uma grande mudança se realiza quando a autoridade é internalizada
através do estabelecimento de um superego. Os fenômenos da consciência
atingem então um estágio mais elevado. Na realidade, então devemos
falar de consciência ou de sentimento de culpa. Nesse ponto, também, o
medo de ser descoberto se extingue; além disso, a distinção entre fazer
algo mau e desejar fazê-lo desaparece inteiramente, que nada pode ser
escondido do superego, sequer os pensamentos. (Freud, 1997, p. 85/86).
Antes dessa citação, Freud alerta para o fato de algumas pessoas
não apresentarem culpa por praticarem ou pensar em praticar determinados atos.
O problema para esses indivíduos está na possibilidade de serem descobertos por
alguma autoridade:
Esse estado mental é chamado de “má consciência”; na realidade, porém,
não merece esse nome, pois, nessa etapa, o sentimento de culpa é,
claramente, apenas um medo da perda de amor, uma ansiedade “social”.
Em crianças, ele nunca pode ser mais do que isso, e em muitos adultos ele
se modifica até o ponto em que o lugar do pai ou dos dois genitores é
assumido pela comunidade humana mais ampla. Por conseguinte, tais
pessoas habitualmente se permitem fazer qualquer coisa má que lhes
prometa prazer, enquanto se sentem seguras de que a autoridade nada
saberá a respeito, ou não poderá culpá-las por isso; só têm medo de serem
descobertas. A sociedade atual, geralmente, vê-se obrigada a levar em
conta esse estado mental. (Freud, 1997, p. 85).
Nesse ponto uma importante diferença histórica; o que era
exceção no final do século XIX e início do século XX, quando Freud elaborou a
teoria psicanalítica, tornou-se regra na sociedade atual. Como será visto adiante, o
sentimento de culpa resultante do conflito entre ego e superego reduziu bastante e
os indivíduos, de maneira geral, sentem-se mais livres.
É importante salientar que a repressão da sexualidade extrapola o
prazer proveniente das práticas auto-eróticas que envolvem a estimulação direta
de zonas erógenas. A curiosidade em olhar e a disposição para exibir
determinadas regiões do corpo, especialmente os órgãos genitais, também são
contidas durante a formação do indivíduo e perpetua-se ao longo de sua vida.
O prazer e desprazer derivados dessas práticas são indissociáveis;
olhar para aquilo que está oculto e mostrar o não permitido provoca um choque
com uma cultura que interdita a expressão da sexualidade.
É difícil tentar dizer o que vem primeiro: se o prazer decorre
diretamente da excitação de exibir e observar os genitais ou se esse mesmo
prazer é suscitado em conseqüência da interdição, ou seja, do gozo em desafiar e
experimentar aquilo que é negado, escondido e camuflado pela cultura.
Possivelmente ocorrem as duas coisas, ou seja, essas formas de prazer são
oriundas de pulsões primárias que se intensificam pela proibição social.
3.2 – O nu como objeto de tabus sexuais
A proibição e os castigos frente à concretização das pulsões do olhar
variam historicamente e embora sejam denominadores comuns na civilização,
pode-se encontrar diferentes intensidades em sua aplicação, dependendo de
como a sexualidade é concebida por determinada cultura.
Utilizo o termo pulsões do olhar para designar tanto as pulsões
voyeur quanto a exibicionista, em razão de o olhar se constituir, de maneira
distinta, o foco destas duas formas de prazer: o olhar como meio no voyeurismo --
observar algo que chame a atenção -- e o olhar como objeto no exibicionismo --
mostrar algo que desperte a atenção do outro.
Talvez o melhor termo fosse pulsões da atenção, visto que nada
impede que uma pessoa com deficiência visual desenvolva pulsões voyeur e
exibicionista, com outras formas de manifestação que não sejam visuais. Isto
também vale para sujeitos que o apresentam essa deficiência, mas que
incitados por tais pulsões sentem prazer por meio de outras formas de estímulo,
não necessariamente visuais.
Exemplos disso são os sujeitos que sentem prazer em apenas
escutar outras pessoas tendo relacionamento sexual ou aqueles que gostam de
saber da intimidade alheia mediante as chamadas “fofocas”. Locutores também
podem se gabar de sua voz possante e escritores das idéias expressas em um
livro.
Como menciona Bologne, os banhos públicos em termas eram uma
prática comum na Roma Antiga e na Idade Média. Primeiramente esses banhos
eram tomados separadamente por homens e mulheres, mas depois surgiram os
banhos mistos de que muitas pessoas se aproveitavam para namorar.
Os banhos públicos eram uma verdadeira instituição na Roma antiga.
Ruínas romanas espalhadas pela Europa guardam ainda hoje resquícios
das termas, espécie embrionária de sauna. Por um período, havia banhos
separados para homens e para mulheres. Na época imperial, porém,
surgiram os banhos mistos. Os costumes haviam se degradado. (Bologne,
2006, p. 27)
Sabe-se, por exemplo, que atualmente na Alemanha em uma
determinada época do ano, os homens costumam tomar banhos nus publicamente
na água gelada.
O carnaval brasileiro é uma festa popular que também oferece
espaço para os indivíduos se apresentarem totalmente ou parcialmente despidos
no ambiente público.
também outras formas permitidas para a expressão dessas
pulsões em que ocorre um deslocamento da libido para outras áreas não
imediatamente sexuais. Poderíamos citar vários exemplos, entre eles: a
comercialização de momentos corriqueiros da intimidade pela mídia, como brigas
conjugais, namoros, viagens e intrigas envolvendo indivíduos famosos ou
anônimos; o culto ao corpo realizado nas academias de ginástica.
Porém, quando essas pulsões têm por objeto a nudez, a proibição
cultural pode ser suficiente para contê-las em algumas formas públicas, mas por
outro lado, tem aberto vários espaços para sua manifestação.
Se indivíduos com tendências ao exibicionismo não podem transitar
nus pelas calçadas dos centros urbanos, não são impedidos de se despirem frente
às lentes dos fotógrafos das revistas pornográficas.
Da mesma forma, indivíduos com uma maior disposição ao prazer
voyeur, se não podem, em termos legais, observar a vizinha tomando banho,
porém a eles é permitido ir ao cinema ou alugar um filme que contenha sujeitos
nus ou tendo relacionamentos sexuais.
Como já vimos, as pulsões originam-se basicamente de tensões
corporais, sejam essas relacionadas diretamente à sobrevivência tais como a
ingestão de alimentos, ou a necessidades mais flexíveis, como o prazer sexual,
suscetíveis a transformações por meio de mecanismos psíquicos de defesa, tais
como a sublimação.
Tensão é uma característica inerente a todo o organismo vivo. As
pulsões provocadas por ela são compostas pelo ciclo desprazer - prazer, isto é, o
organismo percebe o acúmulo de determinado nível de tensão como uma
sensação de desprazer e a supressão como prazer.
Diante dos elementos levantados, pode-se considerar as pulsões
escopofílica e exibicionista como secundárias em razão de não decorrerem
diretamente e exclusivamente de necessidades biológicas.
Em última instância, essas pulsões são intensificadas pela densa
cortina tecida por uma cultura que ao ocultar os órgãos sexuais, provoca a
manifestação do intenso desejo humano de conhecimento, convertendo algo tão
próximo e comum, como os genitais, em um objeto místico. Para Rickles, essa
questão mágica presente na exibição dos genitais remonta a épocas remotas:
Uma das características mais notáveis e dramáticas do exibicionismo
patológico tal como ele hoje se manifesta é a aura de significado místico e
mágico em que o exibicionista freqüentemente reveste seu próprio ato. Ele
parece algumas vezes, dentro de sua própria mente, elevar seu gesto de
exibição para o nível de um ritual religioso em que expõe simbolicamente
seu corpo nu e particularmente seu órgão genital como objeto de
reverência. Sem dúvidas, essa atitude está baseada em um elemento
filogenético no sentido de que o falo tem sido reverenciado e considerado
como fonte de poder mágico desde a origem do homem.
4
(Rickles, 1950, p.
7).
Cabe mencionar que esse autor analisa fundamentalmente a
dimensão sexual desse fenômeno, baseada nas classificações médicas. Quando
pensamos em outras formas de expressão das pulsões do olhar, surgem novas
dimensões que devem ser consideradas, tais como a busca do conhecimento e a
apreciação estética.
Além da pulsão voyeur, de maneira distinta, a pulsão exibicionista
também gera conhecimento, pois, quando o sujeito se exibe para o outro, como se
estivesse diante de um espelho, ele espera conhecer-se mediante as reações, que
podem ser de admiração ou de espanto, provocadas no outro.
Se a livre expressão dos genitais fosse permitida, talvez resultasse
em uma significativa redução do desejo sexual de vê-los e mostrá-los, mas não
sua eliminação, pois, possivelmente um dos motivos de terem sido criadas regras
sociais para ocultá-los por meio do uso de vestes foi a vergonha que eles
suscitavam.
4
As traduções dos textos em outros idiomas foram realizadas pelo autor desta pesquisa.
Com a ocultação dos genitais temos uma antecipação da defesa
frente ao prazer sexual. Na realidade, como foi dito anteriormente, o que está
em jogo não são os órgãos sexuais em si, mas sim ao que eles remetem e tão
obstinadamente a sociedade tenta manter sob controle: o prazer sexual.
No texto Los tabus sexuales y el derecho hoy, Adorno levanta vários
elementos que desmantelam a apologia da liberdade sexual feita pela indústria
cultural, entre eles: a perseguição às prostitutas e o preconceito contra os
homossexuais.
Também pode-se citar o asco que o nu ainda provoca no mundo
atual. A persistência dos tabus sexuais nos permite afirmar que a repressão do
sexo ainda continua existindo na sociedade contemporânea, atuando de diferentes
formas, principalmente como liberdade aparente:
Não cabe senão responder que a liberdade sexual, na sociedade atual, não
passa de pura aparência. O que se tem produzido a seu respeito é o que a
sociologia, em outro contexto, denomina, com uma expressão preferida,
uma integração; algo semelhante a como a sociedade burguesa dominou a
ameaça do proletariado, ao incorporá-lo...O sexo, deformado e modificado,
oprimido com imposições e explorado de mil maneiras pela indústria
material e cultural, é digerido, institucionalizado, administrado pela
sociedade, em conformidade com sua manipulação. Somente enquanto
está submetido ele é permitido. (Adorno, 1969, p. 92).
Por detrás de toda essa liberalização, os tabus relativos à exposição
dos genitais mostra o quanto a sexualidade ainda é vista com “maus olhos” pela
sociedade. A concepção é de algo sujo e impuro que deve ser afastado do
domínio público, salvo uma de suas formas, resultante dessa integração da
sexualidade, a saber: a pornografia explorada exaustivamente pela indústria
cultural.
Essa é uma importante diferença se compararmos a exploração do
prazer sexual existente na atualidade com épocas pretéritas em que o sexo
pertencia quase que exclusivamente ao mundo privado. Com a indústria da
cultura, o sexo também começou a fazer parte da esfera pública, que como
meio de entretenimento, perdendo assim sua seriedade característica. Para
Adorno:
Falar de tabus sexuais soa algo anacrônico, numa época em que toda
moça que se tornou independente materialmente de seus pais, tem seu
amante; em uma época em que os meios de massa empregados pela
propaganda, para ofensa de seus opositores partidários de uma
restauração, provocam incansavelmente excitação sexual, e naquilo que os
norte-americanos chamam de uma vida sexual saudável, uma vida sexual
sã, forma parte, por assim dizer, da higiene física e psíquica. O tema está
subordinado a uma espécie de moral da diversão, funmorality, segundo a
graciosa expressão dos sociólogos Wolfenstein e Leites. (Adorno, 1969, p.
92)
Ninguém poderia afirmar que não se fala, não se mostra ou não se
faz sexo com grande freqüência na atualidade. Fala-se, mostra-se e faz muito.
Nesse ponto os tabus sexuais perderam sua força. No entanto, a questão é de
como tais comportamentos se realizam. E aqui temos duas maneiras que
denunciam o quanto o sexo ainda perturba a sociedade e necessita ser dominado.
Em primeiro lugar, temos a presença de uma frieza cadavérica
quando ele é tratado pelos diversos meios educativos. As fantasias e idealizações
são substituídas por um discurso mecanicista que reduz significativamente a
possibilidade de existência do encanto nos relacionamentos amorosos.
Um dos exemplos disso é o discurso em relação à prevenção de
doenças sexualmente transmissíveis em que o ritual higiênico deve prevalecer
sobre os contatos efetivamente íntimos.
Em segundo lugar, a necessidade de diversos temas sexuais serem
tratados sob a forma de piadas para poderem ser expressos e com isso dar vazão
à agressividade inconsciente acumulada. Agressividade essa decorrente em parte
da própria repressão de idéias vinculadas às pulsões com as quais a cultura, na
maioria das vezes, não colabora para canalizá-las de forma racional, contribuindo
assim para a formação de diversos tipos de preconceitos e tabus relacionados à
sexualidade.
A maioria das piadas e xingamentos por meio dos quais os
indivíduos descarregam as pulsões é marcada por uma hostilidade frente à
sexualidade. As palavras chamadas obscenas geralmente dirigem-se aos genitais
de forma pejorativa e vil.
Caberia a pergunta sobre o porquê da persistência de impedimentos
sociais para o desenvolvimento de uma autêntica liberdade sexual se
considerarmos a riqueza material acumulada que poderia amenizar o tempo gasto
com trabalho e conseqüentemente permitir a realização de atividades que
estivessem mais voltadas ao prazer como um fim em si mesmo. Entre elas estaria
o próprio sexo com maior grau de liberdade, sem a constante atuação de
mecanismos repressivos anacrônicos.
Como Adorno bem afirma: “É impossível pensar, em uma sociedade
não livre, na liberdade sexual, assim como em nenhuma outra liberdade”. (Adorno,
1969, p. 94).
Não poderíamos de fato esperar encontrar liberdade sexual em uma
sociedade não livre, isto é, marcada pela exploração de poucos sobre muitos. O
interesse da classe dominante é de que as coisas permaneçam como estão.
Caberia também pensar se esses poucos indivíduos que detêm o poder possuem
de fato um maior grau de liberdade sexual se comparados aos demais. Resposta
essa que possivelmente seria negativa.
Outro fato que explicita o cativeiro social e sexual dos indivíduos no
mundo atual é a própria escolha do objeto amoroso. Pelo que podemos notar,
apesar de todo discurso otimista frente ao desmoronamento de fronteiras culturais
propiciadas pelo processo de globalização do mundo neoliberal, a sociedade
ainda continua dividida em classes.
As diferenças entre as classes sociais, principalmente em termos
econômicos, continuam marcantes e dificultam o estabelecimento de relações
afetivas entre seus membros. Os ambientes freqüentados pelos indivíduos ficam
geralmente restritos ao seu poder econômico e conseqüentemente limitam os
contatos sociais estabelecidos. Em uma sociedade com maior liberdade, tais
contatos poderiam ser bem mais abrangentes.
A integração do sexo na sociedade contemporânea que o
transformou, conforme Adorno menciona, em uma variação do esporte,
neutralizou seu potencial de fornecer ao ser humano um prazer autêntico.
A energia psíquica que deveria ser canalizada para a efetivação
desse prazer, com maior liberdade frente às amarras repressivas, é mantida à
disposição da sociedade para ser empregada na produção e no consumo.
O capitalismo necessita da libido dos indivíduos para poder se
perpetuar. Se por um lado, o trabalho é freqüentemente experimentado como
fonte de desprazer pelo indivíduo e, nesse ponto, a sociedade capitalista não faz
qualquer empenho para camuflar os infortúnios relacionados ao labor, por outro
lado, no âmbito do consumo, a propaganda apresenta a aquisição dos mais
variados produtos como fonte máxima de prazer.
Os indivíduos são persuadidos a acreditar que o autêntico prazer
provêm do consumo, funcionando como uma espécie de anestésico para que eles
se adaptem da melhor maneira possível às condições via de regra
degradantes envolvidas no trabalho.
O capitalismo está muito além de determinar apenas as relações
econômicas; ele cria uma ilusão social mediante a indústria cultural e trai os
indivíduos ao não cumprir efetivamente a promessa de felicidade enunciada. Nas
palavras de Horkheimer e Adorno:
A indústria cultural não cessa de lograr seus consumidores quanto àquilo
que está continuamente a lhes prometer. A promissória sobre o prazer,
emitida pelo enredo e pela encenação, é prorrogada indefinidamente:
maldosamente, a promessa a que afinal se reduz o espetáculo significa que
jamais chegaremos à coisa mesma, que o convidado deve se contentar
com a leitura do cardápio. (Horkheimer & Adorno, 1985, pp. 130/131).
Para expandir constantemente o ciclo produção - consumo e gerar
lucros exorbitantes, a lógica do sistema capitalista precisa em um primeiro
momento produzir certos anseios no indivíduo para depois convencê-lo, por meio
da propaganda, que os produtos oferecidos lhe trarão felicidade. Como esse
prazer é fugaz, o indivíduo sente uma ansiedade de consumir cada vez mais para
assim tentar suprir o vazio subjetivo.
É importante lembrar que para Adorno, o indivíduo não é passivo
nessa relação com a indústria cultural. Não um grande esforço por parte dela
para disfarçar o engodo presente nas suas produções, isto é, o fato de na
realidade serem bem menos daquilo que pretendem ser. Para esse autor:
A idéia de que o mundo quer ser enganado tornou-se mais verdadeira do
que, sem dúvida, jamais pretendeu ser. Não somente os homens caem no
logro, como se diz, desde que isso lhe uma satisfação por mais fugaz
que seja, como também desejam essa impostura que eles próprios
entrevem; esforçam-se por fecharem os olhos e aprovam, numa espécie de
autodesprezo, aquilo que lhes ocorre e do qual sabem porque é fabricado.
Sem o confessar, pressentem que suas vidas se lhes tornam intoleráveis
tão logo não mais se agarrem a satisfações que, na realidade, não o são.
(Adorno, 1971, p. 292).
Esse é o paradoxo da indústria cultural: parece que quanto mais
evidente é a sua mentira, com maior tenacidade os indivíduos se apegam.
No entanto, em decorrência da precária situação econômica em que
grande parte dos indivíduos se encontra, na maioria das vezes eles se esforçam
mais para evitar o desprazer, isto é, realizam atividades voltadas
fundamentalmente para a garantia da sobrevivência.
As novas formas de manifestação da sexualidade na sociedade
contemporânea não aboliram as proibições sociais de observação e exibição
pública dos genitais. Essa questão é importante e merece ser examinada mais
detidamente.
Marcuse (1979) chama de liberalização sexual os mecanismos
repressivos presentes nessa sociedade, ou seja, uma liberdade heterônoma,
controlada e administrada pela sociedade. Sem dúvida que com tal liberalização, o
nu ficou muito mais fácil de ser visto ou exibido por meio dos inúmeros produtos
comercializados que exploram as diversas formas de pré-prazer, entre elas, as
pulsões escopofílicas e exibicionistas.
Em relação ao aspecto comercial da exploração dessas pulsões,
frisa-se uma diferença entre os prazeres de olhar e exibir-se. Enquanto, via de
regra, no primeiro caso os indivíduos gastam dinheiro para experimentarem essa
forma de prazer – seja comprando produtos do gênero ou assistindo algum show –
no segundo caso, os sujeitos freqüentemente recebem para mostrar o seu corpo.
Na indústria pornográfica, o exibicionismo e o voyeurismo assumem
posições distintas. Sem dúvida, nessa forma de expressão do voyeurismo, o que
está em jogo é essencialmente o prazer de olhar.
Contudo nesse tipo de exibicionismo, vamos chamá-lo de comercial,
o fato de o corpo ter se tornado um produto lucrativo na sociedade atual em que
determinados indivíduos fazem disso a sua profissão, dificulta o estabelecimento
dos limites entre o prazer em si, relacionado à exibição corporal, e aquele mais
centralizado no aspecto financeiro envolvido.
Analisar a existência ou não dessa distinção seria importante, mas
como o é esse o objetivo desta pesquisa, contentamo-nos apenas em apontá-
la.
3.3 – Dialética no uso de vestes: repressão e erotismo
Para se compreender a constituição das pulsões voyeur e
exibicionista bem como os tabus levantados ao longo da história a fim de contê-
las, é necessário analisar detidamente seus fundamentos, ou seja, os diversos
elementos determinantes do desenvolvimento da sexualidade humana. Como
sustenta-se, aqui, a concepção de que há uma aproximação entre ontogênse e
filogênese, nos remeteremos freqüentemente aos primórdios da formação da
civilização. Segundo Freud:
O processo da civilização da espécie humana é, naturalmente, uma
abstração de ordem mais elevada do que a do desenvolvimento do
indivíduo, sendo, portanto, de mais difícil apreensão em termos concretos;
tampouco devemos perseguir as analogias a um extremo obsessivo.
Contudo, diante da semelhança entre os objetivos dos dois processos
num dos casos, a integração de um indivíduo isolado num grupo humano;
no outro, a criação de um grupo unificado a partir de muitos indivíduos -,
não podemos surpreender-nos com a similaridade entre os meios
empregados e os fenômenos resultantes. (Freud, 1997, p. 104).
O dogma do pecado original descrito no livro do Gênesis pode ser
um ponto importante para o entendimento da concepção do corpo impuro, isto é,
como algo que não poderia ser mostrado, visto e ainda menos tocado. Segundo
esse livro, enquanto Eva não havia sido tentada pela serpente, a nudez não era
motivo de vergonha, conforme podemos depreender da seguinte passagem:
Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à mulher, tornando-se os dois
uma só carne. Ora, um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus e não
se envergonhavam. (Gênesis, 1993, p. 4)
Adão e Eva somente terão vergonha de sua nudez, após comerem o
fruto proibido da árvore localizada no jardim do Éden. A partir disso, a nudez
começa a se constituir como um problema.
A mulher viu que a árvore era bonita e que as suas frutas eram boas de se
comer. E ela pensou como seria bom ter conhecimento. Aí apanhou uma
fruta e comeu; e deu ao seu marido
5
, e ele também comeu. Nesse
momento os olhos dos dois se abriram, e eles perceberam que estavam
nus. Então costuraram umas folhas de figueiras para usar como tangas.
Naquele dia, quando soprava o vento suave da tarde, o homem e a sua
mulher ouviram a voz do senhor Deus, que estava passeando pelo jardim.
Então se esconderam dele, no meio das árvores. Mas o senhor Deus
chamou o homem e perguntou: - Onde é que você está? O homem
respondeu: - Eu ouvi a tua voz, quando estavas passeando pelo jardim, e
fiquei com medo porque estava nu. Por isso me escondi. Deus
perguntou: - E quem foi que lhe disse que você estava nu? Por acaso você
comeu a fruta da árvore que eu o proibi de comer? (Gênesis, 1988, p. 3)
Dessa forma, estabeleceu-se um vínculo entre o conhecimento do
bem e do mal com o fato de estar vestido ou despido. A consciência do mal
adquirida ao infringir a determinação divina, levou o casal prototípico, por si
mesmo, a tomar a decisão de cobrir as regiões genitais. Atitude essa que,
segundo o Gênesis, posteriormente será ratificada por Deus.
Fez o Senhor Deus vestimenta de peles para Adão e sua mulher e os
vestiu. Então, disse o Senhor Deus: Eis que o homem se tornou como um
de nós, conhecedor do bem e do mal; assim, que não estenda a mão, e
tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente. (Gênesis,
1993, p. 5)
Tomar da árvore da vida seria o antídoto para escapar da pena a
que o Homem foi condenado por experimentar o fruto proibido, a saber: sofrimento
dos mais variados gêneros, labuta para garantir a sobrevivência e por fim a morte.
“No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste
formado; porque tu és pó e ao pó tornarás” (Gênesis, 1993, p. 5)
Para que a pena fosse cumprida e não tivessem acesso a árvore da
vida, Adão e Eva foram lançados para fora do Éden. Diante dos objetivos desta
pesquisa, ficaremos restritos à dimensão sexual desse mito.
Ao comer o fruto, o Homem adquiriu consciência diante da
exposição dos genitais. Essa experiência, até então desconhecida, trouxe uma
conotação diferente ao nu que se tornou um elemento perturbador das relações.
5
Várias traduções foram consultadas, inclusive em inglês e espanhol, e todas apresentam o termo marido.
Na civilização, esse processo se reproduz durante o processo de
formação do indivíduo em uma dimensão maior, isto é, por intermédio das
diversas instituições culturais.
O sujeito o nasce com consciência frente à exposição de seus
órgãos genitais, mas a adquire ao longo das relações estabelecidas com seu meio
social: o nu é considerado imoral e o uso de vestes pudico.
Nesse sentido, comparando com o mito, as crianças revivem a
tragédia do Homem primordial; ao adquirirem a noção de imoralidade imposta a
sua genitália, são de certa forma expulsas do paraíso, que agora não mais por
Deus e sim pela cultura.
A cultura transforma os órgãos sexuais, assim como as pulsões que
estão vinculadas a eles, em um fardo a ser carregado pelo indivíduo durante sua
existência.
Na história da civilização, diversos costumes culturais relacionados
aos genitais variaram bastante em termos de hostilidade para com esses órgãos.
Entre eles, citam-se: a circuncisão na religião Judaica, caracterizada pela retirada
do prepúcio no momento do nascimento do varão; uso forçado de cintos de
castidade em algumas mulheres européias nos séculos XVIII e XIX; retirada do
clitóris em alguns países orientais de origem islâmica.
O que essas atitudes hostis frente à sexualidade têm em comum é a
concepção de alguma forma de impureza dos genitais, seja em termos higiênicos,
religiosos ou morais.
Porém, como os genitais possuem outras finalidades, como a
reprodução e a excreção, tornam-se objetos a serem tolerados e fortemente
controlados. Na realidade, para a civilização os órgãos sexuais não são malditos
em si mesmos; a maldição recai fundamentalmente sobre o seu potencial para
gerar prazer.
A constituição da cultura se fundamentou em grande parte no rígido
controle do prazer sexual. Em O mal-estar na civilização, Freud nos lembra que
parte significativa dessa energia sexual é inibida em seus objetivos e utilizada na
formação de laços afetivos necessários à união dos indivíduos dentro dos grupos,
visando à consecução de objetivos comuns. A amizade seria um afeto inibido cuja
base é de cunho sexual.
O choque que os escritos de Freud causaram na cultura de sua
época, mais especificamente com a publicação da obra Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade, foi principalmente por mostrar que, já nos primeiros anos de
vida, a criança sente prazer sexual e não é aquele ser “inocente” concebido pela
sociedade. Inocência aqui entendida dentro dos parâmetros culturais daquele
momento histórico e ainda presente na atualidade, ou seja, como ausência de
desejos sexuais.
A concepção freudiana em relação à sexualidade perverso
polimórfica da criança mostrou aquilo que a sociedade, devido as suas práticas de
repressão à sexualidade infantil, muito tempo sabia, mas que negava
veemente. A Psicanálise desmascarou e colocou o dedo em uma das feridas mais
profundas da civilização, a saber: o prazer sexual precoce.
O mito do Édipo e o tabu do incesto levantado a muito tempo pela
civilização denuncia seu conhecimento acerca da sexualidade infantil. Se se criou
um tabu social tão poderoso é porque certamente existia a ciência ou pelo menos
a suspeita de algo não menos forte a ser controlado.
A castração acompanhou a civilização desde os tempos primordiais e
sua atuação se estendeu para além da repressão das pulsões básicas Eros e
Tanatos englobando também algumas pulsões parciais. A mera visão e exibição
dos órgãos sexuais tornaram-se ameaças potenciais à ordem cultural, em razão
de tais condutas poderem irromper o desejo proibido.
Em conseqüência, sendo os genitais uma das principais fontes do
desejo e também os meios para poder suprimi-lo temporariamente mediante
práticas de satisfação direcionadas aos objetos de amor ou ao próprio sujeito,
foram condenados a permanecerem escondidos, longe do âmbito público e
freqüentemente do privado também.
No fundo, a idéia presente seria a de cortar o mal pela raiz. Segundo
a historiadora Del Priore, no século XIX, a repulsão ao nu se apresentou de
maneira intensificada:
No século XIX, a repressão sexual se acentua. O quarto do casal, espaço
onde se entrincheirava a sexualidade conjugal, devia ser um santuário; a
cama, o altar onde se celebrava a reprodução....Os corpos estavam
sempre cobertos e registros orais de camisolas e calçolas com furos na
altura da vagina. A nudez completa começa a ser praticada no início do
século XX; antes estava associada ao sexo no bordel. Tudo era proibido.
Fazia-se amor no escuro, sem que o homem se importasse com o prazer
da mulher Considerava-se que a familiaridade excessiva entre os pares
provocava desprezo. A nudez, por exemplo, era evitada a todo custo,
mesmo entre casados. (Del Priore, 2006, p. 43).
Freud fundamentou as suas hipóteses sobre as atitudes adotadas
pela civilização diante do nu na própria evolução da espécie. No momento em que
o Homem adotou a postura ereta, os órgãos sexuais ficaram mais visíveis e
conseqüentemente aumentou a necessidade de protegê-los e a vergonha em face
de sua maior exposição. Além do mais, com a alteração da postura, o sentido do
olfato tornou-se menos marcante e a visão assumiu posição majoritária.
A própria diminuição dos estímulos olfativos parece ser conseqüência de o
homem ter-se erguido do chão, de sua adoção de uma postura ereta; isso
tornou seus órgãos genitais, anteriormente ocultos, visíveis e necessitados
de proteção, provocando desse modo sentimentos de vergonha nele.
(Freud, 1997, p. 54).
Marcuse aprofunda a discussão em relação ao ponto de vista
freudiano, afirmando que os sentidos de contigüidade cheirar e saborear por
se aproximarem mais diretamente do sexo e darem vazão às pulsões mais
primitivas, necessitaram de uma gradativa substituição pelo prazer em ver que
representa uma forma mais sublimada de prazer sexual e portanto mais
compatível com os ideais culturais.
O prazer de cheirar e saborear, segundo uma citação de Shachtel
feita por Marcuse em Eros e Civilização, é:
de uma natureza muito mais corporal, mais física, logo também muito mais
aparentado ao prazer sexual do que o prazer mais sublime suscitado por
um som ou ao menos corporal de todos os prazeres, a visão de algo belo.
(Marcuse, 1999, p. 54).
As pulsões relacionadas ao olhar pelo que se pode depreender da
concepção de Marcuse já estão estimuladas no âmago do processo de formação
da civilização, por se afastarem da satisfação sexual mais intensa relacionada aos
contatos corporais.
No entanto, para que essas pulsões pudessem se expressar no meio
social, os objetos de investimento libidinal precisaram ser transformados e às
vezes até mesmo banidos. Em grande parte da história da civilização, a nudez
corporal foi proibida como objeto de desejo quer nos relacionamentos pessoais
quer na esfera da própria arte.
Conforme menciona a historiadora Melchior-Bonnet, a obra o Juízo
Final de Michelangelo que retratava a nudez dos personagens presentes na
pintura causou grande repulsa por parte de Igreja que chegou a considerar esse
artista “o inventor da imundície”. Em 1558, apesar de o consentimento anterior do
papa Paulo III, o papa Paulo IV mandou o pintor Volterra cobrir toda a nudez
apresentada na pintura. “Em breve, retoques e panos ocultavam implacavelmente
os centímetros quadrados de pele despida julgados impudicos. Pouco mais tarde,
Pio V mandaria retirar do Vaticano as estátuas pagãs”. (Melchior-Bonnet, 2006, p.
39).
A nudez mesmo quando não foi pintada com o intuito de provocar
excitação sexual, acabou sendo relegada à esfera da arte profana.
Conseqüentemente, a distinção entre arte sacra e profana se acentuou. A nudez,
por si só, foi considerada pela Igreja como capaz de causar excitação e perverter
os “bons costumes”
Foi durante a última sessão do Concílio de Trento, em dezembro de 1563,
que se debateu a arte sacra. Os termos do decreto foram suficientemente
vagos para não suscitar comoção. “Convém evitar toda indecência, de
modo que as imagens não sejam pintadas nem ornamentadas de uma
beleza que incite os apetites da carne.” (Melchior-Bonnet, 2006, p. 39)
De maneira mais forte que o controle da nudez na arte, foi a
dominação do nu nas relações pessoais e sociais. A ocultação do corpo por meio
das mais variadas vestimentas criadas ao longo da história não reduziu o desejo
de ver e exibir, mas deslocou o foco dessas pulsões para aquilo que esconde o
corpo. A roupa constituiu-se e se constituiu como um importante elemento no
processo de sedução e de investimento libidinal.
A contradição se apresenta no fato de ao reprimir a nudez por meio
do uso obrigatório de vestes, a cultura proporcionou uma erotização das roupas
que se tornaram um prolongamento das partes íntimas dos indivíduos. A proibição
da nudez não restringiu totalmente o prazer sexual . Ao reprimir e controlar o
sexo, a cultura abriu outros espaços para a atuação das pulsões voyeur e
exibicionista.
A roupa estimulou a imaginação humana ao acrescentar uma aura
de mistério, encanto e sedução à nudez, e se tornou uma importante conquista da
civilização. Além de proteger o homem do frio, da chuva e do vento, ela
representa a ambivalência da cultura frente ao sexo, pois ao mesmo tempo que o
proíbe, abre espaço para sua estimulação.
O desejo de ver o que as vestes escondem incita de muitas
maneiras a imaginação dos indivíduos. As roupas fazem parte do contexto em
que as diversas formas de pré-prazeres atuam para intensificar o prazer genital.
Assim como os beijos e carícias, a roupa assume a função prévia de estimular o
ato sexual.
Provavelmente, poder-se-ia usufruir de uma maior liberdade sem a
obrigatoriedade do uso de roupas, porém, perderia-se a dimensão sedutora que
as vestes nos apresenta, justamente por elas impedirem a apresentação do corpo
nu como um mero elemento do cotidiano.
A roupa é natureza transformada tanto pelas mãos dos homens
como pelas engrenagens das quinas. Liberdade de escolha para embelezar o
corpo e cativa da moda. Instrumento de controle social e de transgressão dos
costumes.
Não podemos nos esquecer de outras funções da roupa,
relacionadas com os ideais culturais de limpeza e higiene. Sem dúvida, a roupa
foi um importante utensílio para evitar que os homens adquirissem algumas
doenças decorrentes do próprio desenvolvimento da civilização que em muitos
aspectos tornou o seu corpo mais frágil e com maior necessidade da proteção.
CAPÍTULO 4
A sublimação das pulsões do olhar
Os prazeres que envolvem o contato direto com o objeto e
hipoteticamente teriam maior potencial de provocar excitações sexuais também
não combinam com esses ideais venerados pela civilização.
A menstruação, por exemplo, foi e continua sendo objeto dos mais
variados tabus. Se no passado remoto, o cheiro exalado pelo sangramento vaginal
da mulher atraía o homem, no mundo atual, esse período é repudiado com
freqüência em termos de relacionamento sexual.
A higiene desempenhou papel fundamental para o desenvolvimento
da civilização que por meio de seu acelerado crescimento evitou ou erradicou
diversos tipos de doenças que de outra maneira poderiam colocar em risco a
sobrevivência da espécie ou acarretar vários transtornos à saúde. Mas por outro
lado, também limitou o prazer sexual.
Além do mais, não poderíamos deixar de mencionar que essa
restrição do prazer sexual também se relaciona com a ênfase dada pela
civilização às relações genitais em detrimento dos prazeres centrados em outras
zonas erógenas, com a finalidade de perpetuar a espécie
Dessa forma, o sexo foi funcionalizado no mundo civilizado com o
objetivo de atender algumas finalidades sociais pré-estabelecidas. As formas de
prazer dependentes de outros tipos de relacionamentos, como aquelas fora do
relacionamento monogâmico entre um homem e uma mulher, e as que envolviam
fundamentalmente outras partes do corpo, foram consideradas pervertidas ou, na
melhor das hipóteses, toleradas como formas de pré-prazer, isto é, atividades que
poderiam estar presentes no relacionamento sexual desde que estivessem
submetidas ao prazer genital. Para Marcuse:
A gratificação dos instintos parciais e a genitalidade não procriadora são,
de acordo com o grau de sua independência, consideradas tabus como
perversões, sublimadas ou transformadas em subsidiárias da sexualidade
procriadora. Além disso, a sexualidade procriadora é canalizada, na maioria
das civilizações, para o âmbito das instituições monogâmicas. Este tipo de
organização resulta numa restrição quantitativa e qualitativa da
sexualidade; a unificação dos instintos parciais e sua sujeição à função
procriadora alternam a própria natureza da sexualidade: de um “princípio”
autônomo governando todo o organismo, converte-se numa função
especializada e temporária, num meio para se atingir um fim. Nos termos
do princípio de prazer que governa os instintos “não-organizados” do sexo,
a reprodução é, meramente, um “subproduto”. (Marcuse, 1999, p. 55)
Por meio do princípio de realidade, inverte-se a relação de prazer e
reprodução tal qual podemos depreender das características do princípio de
prazer. O corpo é dessexualizado à medida em que a libido é desviada de sua
meta original e dirigida para outras áreas onde o prazer não é o objetivo principal.
É certo que esses mandamentos culturais nunca foram totalmente
cumpridos por um número considerável de indivíduos, mas que se descobertos,
sofriam diversos tipos de repreensão que variavam desde discriminações até
condenações à morte, como na época da inquisição.
No campo sexual, a expressão das pulsões voyeur e exibicionista foi
considerada tanto perversões quanto formas de pré-prazer, ou melhor,
componentes acessórios dos relacionamentos amorosos.
Nesse último sentido, tais pulsões serviam como elementos de
excitação sexual preliminares à realização do coito. Assim sendo, para que essas
pulsões fossem vistas com “bons olhos” teriam que se apresentar em condições
bem delimitadas e sob uma determinada ordem, isto é, deveriam anteceder o
encontro genital, ser preparatórias para sua realização, não suplantá-lo em termos
de intensidade de prazer e suceder-se na esfera privada.
Como podemos ver, essas pulsões sofreram, pelo menos no terreno
sexual, um rígido controle cuja insubordinação poderia acarretar severos
julgamentos morais e legais.
Considerando a repressão geral das pulsões sexuais, mais
especificamente as voyeur e exibicionista, teve-se uma mudança no conteúdo e
na forma de suas expressões.
A sublimação a que as pulsões são submetidas implica tanto em
significativas alterações quantitativas quanto qualitativas de suas características.
Se pensarmos em termos de intensidade, a sublimação enfraquece
de certo modo o prazer sexual. Em outras palavras, o prazer sublimado é de uma
outra natureza que não convulsiona o corpo da mesma maneira se comparada ao
prazer que pode ser obtido em uma relação sexual. Como melhor dizia Freud:
O sentimento de felicidade derivado da satisfação de um selvagem impulso
instintivo não domado pelo ego é incomparavelmente mais intenso do que
o derivado da satisfação de um instinto que já foi domado. A irresistibilidade
dos instintos perversos e, talvez, a atração geral pelas coisas proibidas
encontram aqui uma explicação econômica. (Freud, 1997, p. 28).
Ao dessexualizar o corpo humano, limitando o prazer das mais
variadas zonas erógenas, a cultura forma e deforma o indivíduo para o trabalho
alienado.
O processo de formação do indivíduo implica em uma distribuição
desigual de sua libido em áreas distintas da vida. Desigual, porque o trabalho
árduo, imposto de fora e como uma das únicas alternativas de sobrevivência do
indivíduo nesta sociedade, ocupa posição central para o investimento das pulsões
psíquicas.
Na esfera sexual, a relação entre sujeito e objeto é recíproca; se o
indivíduo dispõe de menos energia para dirigir aos seus objetos de amor, como
esposa e filhos, fatalmente também terá que se contentar em receber menos.
Nisso a civilização é extremamente democrática.
Marcuse chama a atenção para o fato desse sacrifício do prazer
individual não ter se revertido em benefício geral para a humanidade, tal como era
a promessa da civilização, em que o homem pudesse ser mais feliz, constituindo-
se efetivamente um indivíduo, sem que a harmonia entre os membros da
sociedade fosse rompida.
Contrariamente, tal sacrifício trouxe gratificação a uma restrita
camada da população, mediante a exploração de muitos por poucos, o que
contribuiu para suscitar as pulsões agressivas que tentam destruir a cultura. Se a
civilização obteve certo sucesso” no controle das pulsões do amor, o mesmo não
aconteceu diante das pulsões destrutivas. Para Marcuse:
Ao longo de toda a história documentada da civilização, a coação instintiva
imposta pela escassez foi intensificada por coações impostas pela
distribuição hierárquica da escassez e do trabalho; o interesse de
dominação adicionou mais-repressão à organização dos instintos, sob o
princípio de realidade. O princípio de prazer foi destronado não porque
militava contra o progresso na civilização, mas também porque militava
contra a civilização cujo progresso perpetua a dominação e o trabalho
esforçado e penoso. (Marcuse, 1999, p. 54).
A partir dessa visão de uma dominação instituída que se distribui de
maneira desigual entre os membros da sociedade e que está além do que seria
realmente necessário para a coesão social, Marcuse desenvolve o conceito de
mais-repressão.
Por outro lado, a questão qualitativa em relação à transformação
parcial da libido, diz respeito tanto a forma de experimentar as pulsões quanto aos
objetos a que elas se dirigem.
A criação e a apreciação estética constituem-se como uma das
formas sublimadas em que as pulsões do olhar passaram a atuar na civilização.
Nesse ponto, o conceito de beleza é de fundamental importância para a
interpretação qualitativa dos objetos da esfera artística, tais como: a pintura, a
música, a literatura etc.
As obras artísticas criadas por meio da sublimação das pulsões são
consideradas como uma das realizações culturais mais importantes, assim como a
ciência e a religião, devido ao seu alto grau de abstração e da distância
estabelecida em relação às pulsões primárias, isto é, em face daquelas mais
sedimentadas nos prazeres corporais.
Apesar de ser basicamente caracterizado por atividades penosas em
que o prazer durante sua realização somente pode ser alcançado por poucos, o
trabalho não exauriu a libido dos indivíduos. Na realidade, os indivíduos investem
uma pequena parcela de libido nos trabalhos alienados e obrigatórios em razão de
não gerarem prazer.
Penso que uma maior parcela de pulsão de morte (Tanatos) esteja
envolvida nesses trabalhos se comparada à presença de Eros. Um dos poucos
espaços em que Eros pôde se expressar na Cultura, além dos relacionamentos
afetivos, foi nas apreciações estéticas. Ouvir uma música, reger uma orquestra,
escrever uma poesia, assistir a um filme, pintar um quadro são exemplos de
atividades que muitos indivíduos chegam até achar mais prazerosas do que
próprio o ato sexual.
Além do mais, são prazeres essencialmente ligados às pulsões do
olhar e por se apresentarem de forma sublimada, não são consideradas
perversas. Quem pinta um quadro, geralmente não pinta para si, mas quer que
outros vejam e de preferência admirem sua criação. Indivíduos que apreciam a
exibição de uma peça teatral não desejam apenas conhecer a história que está
sendo encenada, mas querem se emocionar, rir, chorar e com isso obter o
máximo prazer diante do espetáculo.
É importante mencionar que a arte nem sempre se apresentou com o
intuito de encantar os olhos, constituindo-se como um objeto de beleza mediado
pela sublimação. Contrariamente, como objeto de crítica social sua função foi
freqüentemente chocar o público, chamando a atenção para o horror. Nas
palavras de Adorno:
Os artistas não sublimam. Crer que eles o satisfazem nem reprimem
seus desejos, mas transformam-nos em realizações socialmente
desejáveis, suas obras, é uma ilusão psicanalítica; aliás, nos dias de hoje,
obras de arte legítimas são, sem exceção, socialmente indesejadas. Antes,
manifestam os artistas instintos violentos, de tipo neurótico, que eclodem
livremente e, ao mesmo tempo, colidem com a realidade. (Adorno, 1993, p.
186).
Também não se pode esquecer da limitação dos sentidos imposta
pela estética ao público que dela extrai seus prazeres. Basicamente dois sentidos
são utilizados na fruição estética: a audição e na sua maior parte a visão, que são
canais fundamentais para a atuação das pulsões voyeur e exibicionista.
No entanto, a presença da fantasia é um elemento significativo a ser
mencionado que torna mais complexa a atuação dessas pulsões. Com a fantasia,
temos a capacidade do sujeito pensar algo a partir de um objeto mas que
simultaneamente o ultrapassa. Projetar algo do sujeito no objeto, sem que este
último perca sua dimensão objetiva e receber algo do objeto sem a anulação
subjetiva.
Na Dialética do Esclarecimento, Horkheimer e Adorno afirmam que
essa seria a verdadeira projeção, em contraste com os dois tipos que eles
conceituaram como falsa projeção: a paranóica em que o indivíduo projeta no
objeto elementos subjetivos que ele não reconhece como pertencentes a si
mesmo; e a positivista em que o sujeito, mediante o método, abstêm-se de colocar
suas impressões no objeto, em nome de uma suposta neutralidade científica. Para
esses autores:
A profundidade interna do sujeito não consiste em nada mais senão a
delicadeza e a riqueza do mundo da percepção externa. Quando o
entrelaçamento é rompido, o ego se petrifica. Quando ele se esgota, no
registro positivista de dados, sem nada dar ele próprio, se reduz a um
simples ponto; e se ele, idealisticamente, projeta o mundo a partir da
origem insondável de si mesmo, se esgota numa obstinada repetição. Nos
dois casos, ele sacrifica o espírito. (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 176).
Sem dúvidas que na criação artística, a fantasia apresenta-se de
forma mais acentuada do que na mera apreciação. Mas é claro que para o
observador se emocionar, para a obra tocá-lo não é suficiente apenas o que nela
foi colocado pelo seu autor. É imprescindível que o sujeito projete nela seus
medos, angústias, paixões e ideais.
Assim sendo, as pulsões do olhar assumem outra conotação nas
apreciações estéticas, exatamente por causa da existência de fantasias
acompanhantes dos atos de observar e exibir, que mostram a diferenciação do
sujeito em relação à natureza efetivada por meio da cultura.
Não dúvidas de que o objeto cultural tem sua importância na
formação das fantasias subjetivas, pois elas não dependem exclusivamente do
sujeito. Quanto mais rico é o objeto em termos de autenticidade e complexidade,
mais o indivíduo pode nele projetar e conseqüente liberar suas capacidades
imaginativas.
As obras de arte possuem elementos que podem suscitar a produção
de imagens e diversos tipos de sensações singulares cujos efeitos não são pré-
estabelecidos claramente, em razão da ambigüidade que caracteriza sua
linguagem.
A pornografia, por sua vez, não propicia a formação de fantasias em
razão de o objeto se apresentar de forma explícita e decodificada frente à
percepção subjetiva. A excitação do indivíduo se restringe basicamente ao
imediato, a um estímulo cujo prazer a ser provocado não exige muitas mediações
por parte do ego. Para Orfali:
Assim, a pornografia representa um certo declínio do imaginário
fantasmagórico, da evocação metafórica do corpo. O fantasma pertence ao
mundo do secreto e do possível, sua representação real (live shows) ou
iconográfica dissolve qualquer mediação, qualquer imaginário e, no limite,
qualquer transgressão. Sem dúvida, é por isso que a literatura pornográfica
parece tão repetitiva e anônima. Os manuais de educação sexual mostram
o funcionamento técnico da sexualidade, as revistas pornográficas, no
fundo, mostram a mesma coisa acrescentando algumas variações
pseudoperversas. (Orfali, 2006, p. 600)
Por alimentar a imaginação, as fantasias permitem ao indivíduo uma
maior liberdade diante dos estímulos sexuais. Seus desejos não ficam presos ao
imediato, nem sua percepção vinculada a roteiros pré-estabelecidos.
CAPÍTULO 5
As pulsões do olhar e o culto ao corpo
Na atualidade, temos um retorno ao corpo como objeto de
investimento das pulsões do olhar, decorrente de uma aparente liberdade social.
Tal corpo poderia ser considerado semi-nu em razão de se apresentar, na maioria
das vezes, com pouca roupa ou com certos tipos de vestes que salientam os
contornos físicos. Cabe mencionar que no Brasil, o clima tropical favorece essa
forma de exposição.
A indústria cultural tem apresentado o corpo como objeto de
consumo. As produções da indústria cultural, como a TV e as revistas,
bombardeiam constantemente os indivíduos com imagens que vendem
determinados padrões estéticos. Apesar de o crescimento da pornografia, o nu
ainda não é bem visto socialmente e continua fora da esfera pública.
As academias de ginástica e musculação são importantes meios
para que os indivíduos tentem se aproximar das características físicas exibidas
pelos modelos veiculados pela indústria cultural.
A promessa das academias é de moldar o corpo conforme os
padrões estéticos vigentes e fazer com que os praticantes se sintam saudáveis e
atraentes. As propagandas tentam passar a idéia de que saúde e beleza estão
entrelaçadas, podendo ser conquistas nas academias.
No entanto, temos observado diversos tipos de problemas de saúde
relacionados às práticas esportivas que nos leva a pensar em certa
incompatibilidade entre saúde e os ideais de beleza difundidos. Entre esses
problemas, podem ser citados: câncer e problemas cardíacos relacionados ao uso
de anabolizantes e lesões por esforço excessivo, associado a posturas incorretas
durante a realização dos exercícios.
Certos limites são inerentes a determinada estrutura corporal que
para ser modificada e adaptada aos padrões estéticos, necessita do uso desses
recursos nocivos à saúde. A obsessão pelo ideal de corpo perfeito tem levado
muitos indivíduos a ter comportamentos que poderiam ser considerados típicos de
sacrifícios físicos.
Temos uma eterna batalha do indivíduo com o seu corpo. O nível de
exigência do sujeito consigo mesmo, freqüentemente aumenta quanto mais ele
pratica atividades físicas ou se submete a diversos tipos de procedimentos
estéticos. É como se esses padrões, a forma estética perfeita, sempre lhe
escapasse ao alcance, apesar de permanecer no seu campo visual.
Esse movimento da percepção subjetiva caracterizado pelo ver em
detrimento do tocar, fomenta determinados comportamentos obsessivos,
expressos na busca pelo corpo perfeito. Vale lembrar que a visão é por
excelência o campo de atuação das pulsões voyeur e exibicionista.
Na realidade, os sujeitos que buscam desesperadamente
determinados padrões de beleza, dificilmente sentem-se bem, ou seja, custam a
acreditar que atingiram os seus objetivos. Pessoas magras percebem-se cada vez
mais gordas e sujeitos com hipertrofia muscular têm a constante sensação de
continuarem fracos. A imagem que o sujeito tem de si não coincide com a
maneira como é visto pelos outros e se constitui, fundamentalmente, sem
referenciais objetivos.
O nível de exigência estabelecido para si em relação a determinado
ideal corporal, dificulta que o parecer do outro tenha algum efeito sobre sua auto-
imagem. Não adianta falar para uma pessoa com anorexia que ela está muito
magra, porque não é dessa forma que ela se vê.
Assim como os padrões almejados pelo sujeito não mudaram, no
sentido de permanecerem fixos no seu campo do desejo, muitas vezes sua auto-
imagem também não se alterou, apesar de as evidentes transformações sofridas
pelo seu corpo. As formas corporais, que a princípio deveriam ser transformadas
para serem aliadas do indivíduo, tornaram-se suas inimigas constantes. Para
Malysse:
Por fim, essa arte corporal faz pensar em outra arte: a arte da guerra, da
luta que cada um é convidado a travar por/contra seu corpo. De fato, o
corpo aparece como um campo de batalha, um terreno de conflitos e
resistências, onde as diferenças de raça, gênero e nacionalidade parecem
desaparecer sob o peso das escolhas individuais feitas em relação ao
corpo. (Malysse, 2002, p. 98)
É importante também salientar que, na frenética busca de uma
estrutura corporal padronizada, estão envolvidas determinadas características
psicológicas marcantes da formação do homem contemporâneo.
As pulsões exibicionista e voyeur foram apropriadas pela indústria
cultural e direcionadas para investirem nos padrões estéticos corporais vigentes.
De maneira similar à consciência individual, os juízos estéticos tornaram-se
heteronômicos.
Para se entender a heteronomia presente nos juízos estéticos, é
necessário analisar as transformações sofridas pelo aparelho psíquico entre os
séculos XIX e XX, que perduram de forma mais acentuada na atualidade.
Como foi exposto anteriormente, as pulsões do olhar estão na
base das criações e apreciações estéticas. Freud analisou essas pulsões e
elaborou a teoria psicanalítica dentro de um determinado contexto social em que
o indivíduo burguês possuía uma relativa autonomia.
No entanto, as profundas mudanças ocorridas na economia no início
do século XX, em que o capitalismo de concorrências entre pequenos
proprietários foi substituído pelo monopolista, reduziram significativamente a livre
iniciativa dos indivíduos e com isso sua autonomia ficou seriamente
comprometida. Para Mills:
A concorrência era o processo pelo qual os homens ascendiam e caiam, e
a economia se mantinha harmônica. No entanto, nessa era de liberalismo
clássico, a concorrência não foi apenas um mecanismo impessoal de
regulamentação da economia capitalista ou somente uma garantia da
liberdade política. A concorrência era um meio de produzir indivíduos livres,
o campo de prova para os heróis, em que cada um vivia a legenda do
homem independente. (Mills, 1969, p. 33)
A maior parte das competições econômicas não ocorriam mais entre
proprietários de pequenas fábricas originadas no interior das famílias burguesas,
mas entre funcionários pelos cargos dentro de grandes empresas. O indivíduo
burguês - representante da antiga classe média - deixou de ser o proprietário
empreendedor e passou a ser o empregado assalariado dos grandes “Trusts”.
A “situação de classe”, em seu sentido mais simples e objetivo, depende do
montante e da fonte de renda. Atualmente, o emprego, e não a
propriedade, constitui a fonte de renda para a maior parte dos indivíduos
que recebem uma renda direta. As possibilidades de vender seus serviços
no mercado de trabalho, e não a compra e venda lucrativa de uma
propriedade e suas produções, é que determinam a vida da maioria dos
indivíduos de classe média...Na nova classe média, os homens trabalham
para outros na propriedade de outros. (Mills, 1969, p. 91)
A sociedade capitalista que antes precisava de indivíduos fortes e
empreendedores para aumentar a produção e expandir o comércio, demandou por
uma outra formação psíquica. Segundo Mills:
A centralização da propriedade foi, portanto, o fim da união da propriedade
e trabalho como uma base da liberdade essencial do homem, e a
impossibilidade de o indivíduo ter um meio de vida independente modificou
a base de seu plano de vida, assim como o ritmo psicológico deste plano.
(Mills, 1969, p. 35)
O desenvolvimento tecnológico, o crescente acúmulo de capital e
propriedade na o de alguns empresários que hoje resultam nos oligopólios,
reduziram a necessidade da presença de indivíduos audazes e criativos no
mercado de trabalho. Contrariamente, fomentou a formação de sujeitos versáteis
e frágeis, que pudessem ser adaptados as mais variadas condições laborais, via
de regra, submetidos à exploração.
A constante pressão econômica presente na vida dos sujeitos limitou
sua liberdade. Para adquirir um emprego, os indivíduos têm que aprimorar seus
conhecimentos e moldar sua personalidade de forma a se adequarem cada vez
mais à realidade, renunciando a seus interesses. A crítica tem se tornado inócua
e a resistência proscrita. Para Horkheimer e Adorno:
Desde que o pensamento se tornou um simples setor da divisão do
trabalho, os planos dos chefes e especialistas competentes tornaram
supérfluos os indivíduos que planejam sua própria felicidade. A
irracionalidade da adaptação dócil e aplicada à realidade torna-se, para o
indivíduo, mais racional do que a razão. (Horkheimer & Adorno, 1985, p.
190).
A possibilidade de formação de uma autêntica subjetividade opera
contra a sobrevivência do indivíduo em uma sociedade que exige constantemente
despersonalização e adaptação. Com o enfraquecimento dessa subjetividade, os
conflitos psicológicos analisados por Freud se modificaram.
No mundo atual, os conflitos são predominantemente exteriores. O
indivíduo tem se voltado a todo momento para a sobrevivência; só que agora não
é mais a natureza que se constitui como a principal fonte da ameaça, mas sim a
própria civilização.
O funcionamento do aparato psíquico não ficou imune a tais
transformações sociais. A Psicanálise apresentou um sujeito que tem deixado de
existir. Segundo Horkheimer & Adorno:
A psicanálise apresentou a pequena empresa interior que assim se
constituiu como uma dinâmica complicada do inconsciente e do
consciente, do id, ego e superego. No conflito com o superego, a instância
de controle social no indivíduo, o ego mantém as pulsões dentro dos
limites da autoconservação. As zonas de atrito são grandes e as neuroses,
os faux fraix dessa economia pusional, são inevitáveis. Não obstante, a
complicada aparelhagem psíquica possibilitou a cooperação relativamente
livre dos sujeitos em que se apoiava a economia de mercado. Mas, na era
das grandes corporações e das guerras mundiais, a mediação do processo
social através das inúmeras mônadas mostra-se retrógrada. Os sujeitos da
economia pulsional são expropriados psicologicamente e essa economia é
gerida mais racionalmente pela própria sociedade. A decisão que o
indivíduo deve tomar em cada situação não precisa mais resultar de uma
dolorosa dialética interna da consciência moral, da autoconservação e das
pulsões. (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 189)
Estabeleceu-se uma nova relação entre as três instâncias psíquicas.
O ego enfraqueceu-se e regrediu a fases pré-genitais; o superego foi
praticamente abolido e o id liberado. Quando se fala em liberação do id, entende-
se como um maior espaço que a sociedade tem deixado para as pulsões se
ligarem aos objetos e poderem se expressar. Claro que essa liberdade é
controlada e serve para a manutenção do status quo. Em relação ao sexo
“somente enquanto está submetido ele é permitido”. (Adorno, 1969, p. 92).
A função do superego como instância moral em que o sujeito
incorporava as normas e valores da cultura para, posteriormente, julgar seus atos
e pensamentos, passou a ser exercida diretamente pela sociedade. Agora o
sujeito se tornou basicamente submetido à lei. O certo e o errado deixaram de ser
uma questão subjetiva para ser, predominantemente, uma questão jurídica.
O sentimento de culpa tem sido substituído pela vergonha, ou seja,
pelo medo de ser descoberto ou apanhado. A redução da faculdade subjetiva de
julgamento consciência moral tornou obsoleto o sentimento de culpa. Para
Horkheimer e Adorno:
A alma, enquanto possibilidade de assumir um sentimento de culpa que
não se esconda de si mesmo, se desfaz. A consciência moral perde seu
objetivo, pois a responsabilidade do indivíduo por si mesmo e pelos seus é
substituída muito simplesmente por sua contribuição ao aparelho, mesmo
que isso ocorra sob as antigas categorias morais. Não é mais possível dar
uma solução ao conflito pulsional em que se forma a consciência moral.
Em vez da interiorização do imperativo social que não apenas lhe
confere um caráter mais obrigatório e ao mesmo tempo mais aberto, mas
também emancipa da sociedade e até mesmo faz com que se volte contra
a sociedade – tem lugar uma identificação pronta e imediata com as
escalas de valores estereotipadas. (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 185)
Sem dúvidas que o superego trazia muitos sofrimentos ao indivíduo,
pois, entrava em conflito constante com o id e o ego. Porém, depois que o sujeito
incorporava as autoridades externas mediante a constituição da consciência
moral, ele tinha certa autonomia para escolher entre fazer ou não alguma coisa.
Em um primeiro momento, as contas teriam que ser acertadas
consigo mesmo. Agora a sociedade diz para o indivíduo, em termos legais, o que
e como ele deve fazer.
No entanto, nos dias atuais, principalmente em razão da impunidade
estampada na realidade brasileira e da falta de valores éticos e morais, a nível
mundial, temos uma tendência de a vergonha vir a ser substituída pelo cinismo.
O ego, instância da razão e do pensamento, submeteu-se de
maneira apática a essa situação. Despojado de força crítica, o ego tem acatado
os imperativos sociais como naturais. A liberalização do id e a louvada liberdade
presente na sociedade democrática e esclarecida, tentam mostrar que a
escravidão do ego é um preço que merece ser pago.
Outro elemento fundamental que viabilizou as modificações no
aparelho psíquico, tornando o indivíduo mais suscetível à dominação social, foi o
declínio da família como núcleo formador. Diante de uma nova realidade social,
marcada pelo crescimento tecnológico e pela velocidade das informações, a
tradição bem como as experiências dos pais começaram a contar menos na
formação dos filhos.
Diante de um mundo em constante mutação, os pais foram
considerados modelos ultrapassados que não poderiam oferecer muito, em
termos de conhecimento, aos seus descendentes e assim, outros sujeitos
assumiram a função de modelos.
A identificação deixou de ser pessoal, mediante as relações
estabelecidas na família, e se tornou impessoal, isto é, passou a ser realizada
com diversos modelos exteriores. Nos termos mencionados por Horkheimer e
Adorno:
As associações e as celebridades assumem as funções do ego e do
superego, e as massas, despojadas até mesmo da aparência da
personalidade, deixam-se modelar muita mais docilmente segundo os
modelos e palavras de ordem dadas, do que os instintos pela censura
interna. (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 190).
Não há dúvidas de que a família sempre esteve vinculada ao todo.
No entanto, como instância privada e reino da afetividade ela se distinguia do
todo. Sua função era fazer a mediação entre o universal e o particular. Os valores
sociais eram filtrados por ela antes de serem apropriados pelos indivíduos. Essa
filtragem, que variava de uma família para outra, criava pequenos espaços que
proporcionavam uma maior autonomia aos indivíduos para conhecerem e
julgarem a realidade. Para Marcuse:
A abolição tecnológica do indivíduo está refletida no declínio da função
social da família. Anteriormente, era a família quem, para bem ou para mal,
criava e educava o indivíduo; e as normas e valores dominantes eram
transmitidos pessoalmente, transformados através do destino
pessoal...Contudo, sob o domínio dos monopólios econômicos, políticos e
culturais, a formação do superego maduro parece, agora, saltar por cima
do estágio de individualização: o átomo genérico torna-se diretamente um
átomo social. A organização repressiva dos instintos parece ser coletiva, e
o ego parece ser prematuramente socializado por todo um sistema de
agentes e agências extrafamiliares. (Marcuse, 1999, pp. 96/97)
Os filhos que antes aprendiam um ofício com os pais e trabalhavam
dentro de casa, passaram, com a urbanização e o crescimento das indústrias, a
trabalhar externamente.
Nesse aspecto, delimitou-se, de forma mais acentuada, a fronteira
entre o público e o privado, com a restrição do período de permanência dos
indivíduos nesse último âmbito, em razão do número elevado de horas dedicadas
ao trabalho externo. O tempo de convivência familiar reduziu no momento em que
a família deixou de ser uma célula econômica. Para Prost:
Podemos ver como o desenvolvimento do trabalho assalariado retira a
função econômica da família e como a emigração do trabalho, saindo da
esfera doméstica, vem acompanhada por uma socialização crescente da
função educativa e da função assistencial. A escolarização dos
aprendizados profissionais e a Previdência Social substituem a família.
(Prost, 2006, p. 28).
A nova conjunção das instâncias psíquicas, decorrente das
mudanças objetivas analisadas anteriormente, diminuiu a relativa autonomia dos
indivíduos, quando a economia psíquica era gerenciada por eles próprios, e
conseqüentemente também modificou a atuação das pulsões do olhar.
As pulsões voyeur e exibicionista freqüentemente vinculavam-se ao
proibido, tanto é que em uma de suas formas de manifestação a sexual elas
foram reprimidas e consideradas perversão. Apesar de ainda perdurar a definição
psicopatológica do voyeurismo e exibicionismo, o controle sobre tais fenômenos
foi atenuado.
No caso do exibicionismo, nas praias, por exemplo, é possível ver
pessoas mostrando seu corpo com biquínis minúsculos e às vezes fazendo top
less, sem ocasionar grande choque nos banhistas.
O voyeurismo era prática que tempos atrás demandava muito
esforço e paciência, pois, não era fácil ao indivíduo passar horas com um binóculo
na mão esperando a vizinha chegar em casa para vê-la se despir. Além do mais,
precisaria de muita sorte para conseguir ver algo, sem falar do risco de ser
descoberto e denunciado à polícia.
Atualmente, o sujeito não necessita de todo esse esforço, pois, na
Internet, existem milhares de sites contendo pessoas ávidas para exporem sua
nudez ou tendo relacionamentos sexuais. Além do mais, algumas dessas pessoas
que se exibem, são amadoras e não cobram valor algum dos usuários que
acessam as referidas imagens.
Tanto na arte quanto no cotidiano, o voyeurismo e o exibicionismo
dos séculos XIX e meados do século XX, exerciam uma função crítica que
denunciava a falta de liberdade existente naquela sociedade. Com sua
apropriação pela indústria da cultura, essas pulsões adaptaram-se ao existente. A
nudez artística converteu-se em pornografia e os prazeres do olhar no culto ao
corpo padronizado. As pulsões voyeur e exibicionista não desafiam mais o
proibido, mas, sucumbiram à ordem estabelecida.
A nova moral é predominantemente de cunho estético. Pecado não
é mostrar o corpo, mas apresentar um corpo que destoa dos padrões estéticos
vigentes. Novamente, retorna-se à questão da fragilidade do superego, pois, não
é tanto a presença da culpa por não se ter um corpo “bonito” e sim a vergonha de
mostrá-lo, por não se enquadrar naquilo que a sociedade define como belo.
Segundo Goldenberg:
Como revela uma outra reportagem
6
, em que pessoas comuns foram
convidadas a falar sobre nudez e a se despir diante das câmeras, o receio
que muitos indivíduos têm de ficarem nus em público, a dois
7
ou mesmo
sozinhos não se deve a uma espécie de puritanismo démodé, mas à
6
A autora refere-se a uma reportagem, Toda nudez será complicada, publicada no Jornal “O Globo” em
02.07.2000.
7
Nota de rodapé colocada pela autora: “The Journal of Sex Research, revista especializada nos EUA, mostrou
uma pesquisa com duzentas mulheres universitárias, das quais um terço, independentemente de serem gordas
ou magras, disse que a imagem que o parceiro faz do corpo delas é o mais importante durante o ato sexual. O
autor do estudo afirma que a ansiedade em relação à forma física leva várias mulheres até mesmo a evitarem o
sexo (Extra, 28/9/2000)”.
dificuldade em mostrar o corpo com todas as suas imperfeições, sem
disfarces. Nota-se, nos entrevistados, um discurso que procura enfatizar a
necessidade de “estar em paz com o corpo”, de gostar do próprio corpo”,
mostrando que o problema (ou pudor), quando existe, não é tanto em
relação à nudez, mas à aparência física, isto é, à sua inadequação aos
padrões estéticos considerados ótimos. (Goldenberg, 2002, p. 26).
Atualmente, as pessoas têm obrigação de serem belas, que a
concepção de beleza não é estática, no sentido de algo apenas genético que não
possa ser transformado pelas ações individuais. A responsabilidade pela
aquisição da beleza é, em última instância, dos próprios indivíduos.
Esse nível de exigência social frente à beleza intensifica e
condiciona as pulsões voyeur/exibicionista. Intensifica no sentido da importância
atribuída a um corpo considerado belo nos diversos tipos de relacionamentos, que
no caso específico dos relacionamentos amorosos, pode até mesmo suplantar o
prazer gerado pelo ato sexual.
As formas visuais assumem posição fundamental no terreno sexual;
o ser admirado ou admirar se constituem como elementos essenciais para o gozo.
O condicionamento, por sua vez, ocorre em razão das propagandas
envolvendo os padrões estéticos, que preparam os sentidos dos indivíduos para
serem atraídos por determinadas formas corporais.
A valorização do corpo é apenas aparente que ele tem que se
submeter às rígidas disciplinas que controlam os prazeres presentes no cotidiano
dos indivíduos, como por exemplo, a ingestão de guloseimas.
Para a constituição de um corpo com músculos definidos e fortes,
também são necessárias grandes quantidades de exercícios que, de certa forma,
castigam o corpo e podem desmotivar os indivíduos a praticarem atividades
esportivas.
Evidencia-se também a fragmentação do corpo nos padrões
estéticos difundidos. Quando vemos a descrição das características de uma
modelo em uma revista, primeiramente preponderam as medidas de busto, altura,
cintura e peso por ela apresentadas.
Nas academias, os indivíduos preocupam-se com medidas; o que
está em jogo é o aumento ou diminuição de centímetros, seja do bíceps,
bumbum, abdômen e outras partes do corpo.
Na dissertação de mestrado em que estudei o voyeurismo,
relacionado a um site de web cam, também foi encontrada essa fragmentação
corporal no estímulo veiculado pelo site. Na maior parte do tempo, as câmeras
focalizaram exclusivamente determinadas partes dos corpo:
Os fragmentos representados pelos focos exclusivos na vagina, seios e
boca aparentam funcionar como peças autônomas, desvinculadas da
totalidade, despersonalizadas, dificultando a percepção do objeto na sua
particularidade e conseqüentemente a formação de vínculos afetivos. Essa
fragmentação se apresenta como emblema da reificação e da regressão
psíquica que a Web Cam tenta incitar no voyeur por estimular a percepção
de um objeto indiferenciado. (Silva, 2004, p. 85).
De maneira geral, essa indiferenciação também está presente na
apreciação da estética corporal e não se apresenta apenas nos estímulos que
focalizam fundamentalmente as regiões erógenas, como mencionado na citação
anterior.
Com freqüência, o sujeito tem sido definido por características
físicas: alto, baixo, magro, gordo. O todo que deveria ser mais do que a soma das
partes, parece estar se restringindo a ela.
Com o ego enfraquecido e a existência de contradições objetivas, a
síntese não é possível; o objeto encontra-se fragmentado em sua constituição e a
percepção do sujeito é enganosa por não se dar conta de que esse objeto,
apropriado por meio de faculdades cognitivas, já se encontra cindido de antemão,
independentemente de seus juízos.
O indivíduo, mediado pela sociedade até o íntimo de seu ser,
devolve ao objeto a mesma fragmentação com que foi formado para entendê-lo.
Porém, devido ao pensamento lógico formal que escamoteia as contradições
existentes, esse objeto apresenta-se ao sujeito com a aparência de algo
integrado, estabelecendo-se, assim, concepções falsas acerca das relações
sociais e determinações subjetivas.
Para Adorno, em termos de teoria do conhecimento, sujeito e objeto
não devem ser confundidos, nem tampouco cindidos. A separação entre sujeito e
objeto é verdadeira e falsa ao mesmo tempo: verdadeira porque o sujeito
conseguiu certa autonomia frente ao objeto que lhe permitiu desenvolver um
conhecimento mais eficaz para o entendimento e domínio sobre o mundo em que
estava inserido; falsa em razão dessa separação não ser absoluta.
O sujeito não está desvinculado do objeto e constituído de forma
transcendental, como teorizam os filósofos idealistas. E o objeto não é a coisa em
si desprovida de qualquer elemento subjetivo. Como menciona Adorno, ambos
são reciprocamente mediados, sem esquecer que a primazia é objetiva.
Esta contradição na separação entre sujeito e objeto comunica-se à teoria
do conhecimento. É verdade que não se pode prescindir de pensá-los
como separados; mas o psevdos (a falsidade) da separação manifesta-se
em que ambos encontram-se mediados reciprocamente: o objeto, mediante
o sujeito, e, mais ainda e de outro modo, o sujeito, mediante o objeto. A
separação torna-se ideologia, exatamente sua forma habitual, assim que é
fixada sem mediação. (Adorno, 1995, p. 183).
Assim como as categorias do conhecimento, os juízos estéticos
devem ser pensados historicamente; a concepção de beleza também ocorre na
relação entre sujeito e objeto. Os fragmentos estéticos valorizados refletem,
simultaneamente e de maneira não casual, determinadas características
subjetivas e objetivas presentes na realidade.
Em relação à prática de academias, é fundamental a reflexão sobre
se os exercícios sicos realizados são experimentados autonomamente pelos
indivíduos, pois, muitas vezes, o prazer está restrito à apresentação de uma
imagem definida exteriormente, conforme os padrões estéticos vigentes.
Essa é uma característica marcante do exibicionismo. O prazer do
exibicionista está vinculado ao olhar do outro, ou seja, impressioná-lo para poder
despertar a admiração ou atenção desejada. O seu prazer depende do impacto
causado, ou que se pretende causar, nesse outro mediante a exibição de algum
atributo pessoal, mas sem o estabelecimento de contatos efetivos, isto é, sem a
presença de relações que ultrapassem o ciclo exibir - chamar a atenção.
No exibicionismo, o objeto funciona como espelho para refletir sua
suposta imagem de beleza, concretizada pela aprovação, admiração ou
simplesmente pelo impacto causado frente ao olhar do outro. Nesse sentido, o
exibicionismo aproxima-se muito do narcisismo, especialmente se forem
consideradas algumas características desse fenômeno mencionadas por Lasch:
Não obstante suas ocasionais ilusões de onipotência, o narcisista depende
de outros para validar sua auto-estima. Ele não consegue viver sem uma
audiência que o admire. Sua aparente liberdade dos laços familiares e dos
constrangimentos institucionais o o impedem de ficar consigo
mesmo, ou de se exaltar em sua individualidade. Pelo contrário, ela
contribui para sua insegurança, a qual ele somente pode superar quando
seu “eu grandioso” refletido nas atenções das outras pessoas, ou ao
ligar-se àqueles que irradiam celebridade, poder e carisma. (Lasch, 1983,
p. 30).
De maneira semelhante ao narcisismo, no exibicionismo não temos
uma relação efetiva entre sujeito e objeto em que a distinção entre ambos
estivesse preservada. O outro torna-se suporte e meio para que o ideal do ego
8
cujo modelo é difundido pela indústria cultural e apropriado de forma
heteronômica pelo indivíduo – se concretize.
Se tomarmos, como exemplo, as academias, principalmente a
prática da musculação, talvez o prazer esteja mais vinculado aos resultados a
8
Expressão utilizada por Freud no quadro da sua segunda teoria do aparelho psíquico. Instância da
personalidade resultante da convergência do narcisismo (idealização do ego) e das identificações com os pais,
com os seus substitutos e com os ideais coletivos. Enquanto instância diferenciada, o ideal do ego constitui
um modelo a que o sujeito
procura conformar-se. (Laplanche e Pontalis, 1998, p. 222).
serem obtidos do que com a própria atividade física, no sentido de um bem estar
físico e psíquico proporcionado pela liberação cerebral de algumas substâncias
químicas, como a endorfina, durante a realização de exercícios. Como uma
atividade física anaeróbica, a musculação libera menos esses tipos de
substâncias se comparada às atividades aeróbicas, tais como a corrida.
Na maior parte, a relação que os indivíduos estabelecem com as
atividades físicas é externa. Parece mais uma questão de obrigação do que de
liberdade para experimentar o prazer oriundo da própria atividade física. Não
importa muito o prazer relacionado às atividades em si, mas os resultados a
serem obtidos por meio dessas atividades.
Diante disso, temos indícios de que tais atividades refletem
condições subjetivas de alienação, ou seja, um afastamento da consciência do
indivíduo, representado pela mecanização com que os exercícios são realizados.
A alienação do trabalho e a perpetuação da não liberdade se
estendem para o tempo livre - momento em que essas atividades são realizadas.
Referindo-se ao tempo livre, Adorno levanta a seguinte questão:
A indagação adequada ao fenômeno do tempo livre seria, hoje, porventura,
esta: “Que ocorre com ele com o aumento da produtividade no trabalho,
mas persistindo as condições de não-liberdade, isto é, sob relações de
produção em que as pessoas nascem inseridas e que, hoje como antes,
lhes prescrevem as regras de sua existência?” agora, o tempo livre
aumentou sobremaneira: graças às invenções, ainda não totalmente
utilizadas em termos econômicos nos campos da energia atômica e da
automação, poderá aumentar cada vez mais. Se se quisesse responder à
questão sem asserções ideológicas, tornar-se-ia imperiosa a suspeita de
que o tempo livre tende em direção contrária à de seu próprio conceito,
tornando-se paródia deste. Nele se prolonga a não-liberdade, tão
desconhecida da maioria das pessoas não-livres como a sua não-liberdade
em si mesma. (Adorno, 1995, p. 71).
Se os indivíduos nem ao menos reconhecem sua condição de
clausura naquilo que se chama tempo livre, a reflexão sobre aquilo que os prende
se torna ainda mais difícil.
As atividades nas academias em que eles preenchem seu tempo
livre não fogem a essa regra. O ambiente fechado, os movimentos repetitivos, as
músicas eletrônicas, a cobrança do professor exigindo a disposição dos alunos
para a realização dos exercícios, que caracterizam o funcionamento das
academias, lembram o ambiente de trabalho, principalmente as indústrias e o
serviço burocrático.
Fundamentalmente, os indivíduos não estão nas academias para se
divertir ou realizar atividades criativas, mas para seguir um roteiro
preestabelecido, desprovido de espontaneidade. No ensaio sobre o tempo livre,
Adorno faz algumas colocações sobre o esporte em geral, mas penso que podem
ser relacionadas com a prática específica realizada nas academias:
Todavia, parece evidente a hipótese, entre outras, de que mediante os
esforços requeridos pelo esporte, mediante a funcionalização do corpo no
‘team’, que se realiza precisamente nos esportes prediletos, as pessoas
adestram-se sem sabê-lo para as formas de comportamento mais ou
menos sublimadas que delas se espera no processo do trabalho. A velha
argumentação de que se pratica esporte para permanecer ‘fit’ é falsa
pelo fato de colocar a ‘fitnesscomo fim em si; ‘fitness’ para o trabalho é
contudo uma das finalidades secretas do esporte. De muitas maneiras, no
esporte, nós nos obrigaremos a fazer certas coisas e então gozaremos
como sendo triunfo da própria liberdade que, sob a pressão social, nós
temos que obrigar-nos a fazer e ainda temos que achar palatável. (Adorno,
1995, p. 79).
Sejam o condicionamento físico ou a aparência física os objetivos
dos esportistas, as atividades praticadas dificilmente são prazerosas em si
mesmas pelo fato de se constituírem fundamentalmente como meios para se
alcançar algo estabelecido como quase obrigatório pela sociedade.
Na reflexão crítica sobre o cativeiro em que se inserem os
indivíduos, estão as condições fundamentais para tomar consciência da sua falta
de liberdade, mesmo onde a liberdade aparenta existir e, conseqüentemente, a
formação de uma resistência frente à ditadura estética que tenta convertê-los em
seres genéricos.
CAPÍTULO 6
Fundamentos empíricos
6.1 - Problema
O descontentamento tanto de homens quanto de mulheres com
relação a certas características físicas, assim como o encantamento diante dos
padrões de beleza difundidos pela indústria cultural, têm sido comuns na
sociedade contemporânea. Um dos modos de manifestação desse encantamento
está associado à profusão de academias de musculação que, além do
entretenimento, prometem aos seus praticantes saúde e o delineamento de
formas consideradas esteticamente belas.
As estimativas que mostram o número de academias e o seu
potencial de crescimento não deixam dúvidas quanto ao aumento dessa demanda.
Segundo a ACAD (Associação Brasileira de Academias) ainda não existem dados
estatísticos precisos sobre o número de academias e praticantes no Brasil.
Em nível nacional, pouco tempo esse ramo do mercado começou
a se organizar. As estimativas iniciais são de que existam cerca de 7.000
academias espalhadas em todo o país, empregando 120.000 pessoas. A ACAD
estima uma média de 400 freqüentadores por academia o que totalizaria
2.800.000 de pessoas que freqüentam academia (1,6 % da população brasileira),
com um faturamento anual de R$ 1,5 bilhões (mensalidade média estimada em R$
45,00, variando de R$30,00 a R$220,00).
Para essa associação, trata-se de um mercado altamente
pulverizado, constituído essencialmente por operadores individuais de micro e
pequenas empresas, com mínima estrutura gerencial. Apenas atualmente,
começaram a despontar as primeiras redes de academias no mercado brasileiro,
com gestão profissionalizada.
Os dados mostrados pela Fitness Brasil
9
conferem com alguns
números acima expostos, ou seja, segundo ela, temos atualmente no Brasil cerca
de 7.000 academias, com 2,8 milhões de freqüentadores equivalente a 1,6% da
população brasileira. Essa empresa afirma que o Brasil é o 4º mercado mundial de
academias de ginástica, mas não esclarece quais critérios embasam essa
classificação, tais como: proporção de freqüentadores / população, número de
freqüentadores, valores movimentados etc.
Para a Fitness Brasil, os três primeiros países são: Estados Unidos
(34 milhões de alunos em 17.800 academias, com faturamento de 12,2 bilhões de
dólares); Inglaterra (5,1 milhões de alunos em 3.700 academias, com faturamento
de 2,4 bilhões de dólares); Alemanha (4,6 milhões de alunos em 6.000 academias,
com faturamento de 2,4 bilhões de dólares).
Por outro lado, os números apresentados pela ACAD, apesar de
manterem esses três países nas primeiras colocações, evidenciam uma certa
divergência tanto em relação aos números quanto aos outros países que
aparecem na frente do Brasil. Vejamos:
Nos Estados Unidos 20.249 academias, freqüentadas por 39,4
milhões de pessoas (14 % da população), que geraram um faturamento anual de
14,1 bilhões de dólares. A Inglaterra (UK) é o segundo mercado (4.050
academias, sendo 1.943 privadas, 1,6 bilhões de Libras de faturamento, 3,4
milhões de clientes e 5,7% de penetração), seguido por Alemanha (6.500
academias, US$ 2,8 bilhões de faturamento, 5,1 milhões de clientes e 5,6% de
penetração), Japão (1872 academias, 2,99 milhões de clientes e U$ 2,5 bilhões de
faturamento), França (2.000 academias, 1,5 milhões de clientes com 3% de
penetração) e Espanha (1.500 academias, 2 milhões de clientes com 5% de
penetração).
9
Empresa do ramos esportivo criada em 1990 pelo empresário Waldyr Soares com o objetivo de realizar
congressos, cursos e eventos destinados a capacitar e aprimorar profissionais da área da educação física.
Os dados coletados pela ACAD foram juntos ao IHRSA -
International Health Racquet & Sportsclub Association, a associação internacional
da indústria. É importante mencionar que nenhuma das fontes (ACAD e Fitness)
utilizadas nesta pesquisa, mencionou exatamente o período a que esses dados
correspondiam. A publicação dos dados pela ACAD foi em 05.10.2004 e os da
Fitness Brasil está on line no seu site, consultado em 13.09.2005.
Com a falta de dados precisos em relação às academias e
praticantes, o aumento pode ser aferido indiretamente por meio de algumas
estimativas realizadas pela Fitness Brasil.
Para essa empresa, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu
2,25% por ano de 1996 a 2000, a indústria esportiva e de fitness cresceu em
média 12,34% por ano. Em 2003, o faturamento das academias ficou em cerca de
3 bilhões de reais, 20% de crescimento em relação ao ano anterior. Por outro lado,
a atividade econômica esteve praticamente estagnada no período.
O número de alunos nas academias brasileiras ainda não chega a
2% da população total. A Fitness Brasil considera que cerca de 20 milhões de
pessoas integram a classe média brasileira (12% da população total) e portanto,
ainda há muito espaço para crescer.
A previsão é de que o número de alunos em academias dobre até
2007 e o maior potencial de crescimento está na população infantil, entre as
pessoas acima dos 35 anos e nos chamados “grupos especiais”: idosos,
lesionados, deficientes físicos, gestantes, cardíacos e diabéticos, entre outros.
Dessa forma, não se pode deixar de notar o aumento da freqüência
de pessoas em academias, que têm como um dos principais objetivos aproximar
efetivamente dos padrões estéticos difundidos. Boa parte do tempo livre dos
indivíduos tem sido ocupado por atividades físicas realizadas em academias.
Praticantes de academias tendem a se preocupar e a tomar mais
cuidados com relação à aquisição e manutenção da “boa forma” física.
A obsessão pelo ideal de corpo perfeito tornam esses indivíduos
mais suscetíveis a desenvolver determinados comportamentos que,
paradoxalmente, em vez de melhorar, prejudicam a saúde. Entre eles, podem-se
citar: ingestão de drogas anabolizantes -- para aumento de massa muscular e
compulsão por práticas esportivas.
Vários problemas estão relacionados ao uso de anabolizantes, tais
como o desenvolvimento de doenças cardíacas, câncer, impotência sexual etc.
Com relação ao exagero desses tipos de práticas, tem-se o aparecimento de
diversas lesões músculo esqueléticas cujo risco pode aumentar se, além desse
tipo de abuso, o aluno o tiver uma orientação adequada por parte do professor
que acompanha a sua atividade física.
Além desses comportamentos, outros relacionados à busca dos
padrões estéticos, também encontrados em indivíduos sedentários, como por
exemplo, os regimes descontrolados que contribuem, junto a outros fatores, para
desencadear determinadas doenças psicopatológicas, a saber: anorexia e a
bulimia.
Por sua vez, indivíduos sedentários podem desenvolver diversos
tipos de problemas que seria mais difícil de se encontrar nos esportistas, entre
eles: hipertensão arterial, diabetes, obesidade mórbida e depressão.
Tanto a falta quanto o excesso de exercícios físicos bem como o
apego excessivo ao ideal de beleza explorado exaustivamente pela indústria
cultural podem acarretar diversos tipos de problemas aos indivíduos.
Diante desses fatos, na primeira aplicação das escalas cujo objetivo
foi a validação do instrumento de pesquisa, a amostra foi dividida em 2 grupos:
grupo 1 (sedentários) e grupo 2 (praticantes de academias).
A adesão aos padrões e os julgamentos estéticos ocorrem
basicamente por meio da atuação das pulsões do olhar. Os padrõeso externos
aos indivíduos e funcionam como estímulo para a atuação dessas pulsões. A
manifestação dessas pulsões ocorre em suas ligações com objetos e, no caso
específico desta pesquisa em que se tratam o voyeurismo e exibicionismo, o
objeto é, respectivamente, a apreciação e exibição da beleza corporal.
As pulsões dirigem-se para o meio com o intuito de obter prazer
mediante relações a serem estabelecidas com os objetos. Tais objetos bem como
os tipos e intensidades das relações pulsionais variam historicamente e devem
ser pensados dentro da cultura em que se apresentam.
Nos dias atuais, com as novas formas de repressão, a aparência
física constitui-se, por excelência, objeto de investimento das pulsões do olhar.
Nesse caso, a repressão tem se manifestado diante de uma rígida padronização
estética frente às múltiplas características físicas individuais existentes.
Um dos fatores que levou à escolha de praticantes de academias
para compor parte da amostra é que neles as pulsões voyeur e exibicionista
podem se associar de maneira mais significativa.
Indivíduos que apresentam uma maior tendência para se exibir
também podem obter prazer mediante a observação de outros seja para auto-
afirmar sua suposta superioridade física seja para admirar os atributos físicos
alheios - e aqueles cujo prazer se encontra mais fixado no olhar não abdicam do
desejo de serem semelhantes ao seu objeto de investimento libidinal, isto é,
exibirem-se assim que se sentirem dentro dos padrões de beleza em voga.
Considera-se provável a forte manifestação das pulsões exibicionista
e voyeur nos praticantes de academias em razão da atuação dessas pulsões não
se restringir à dimensão diretamente sexual, mas se apresentar em outros
âmbitos em que o olhar e a exibição também são importantes fontes de prazer, tal
como na apreciação e exibição da estética corporal realizadas nas academias.
Em razão de as atividades nesses estabelecimentos serem
praticadas por indivíduos vestidos, o erotismo não se apresenta na sua forma
direta - genital. Com relação ao termo pulsão diretamente sexual, Freud (1996)
utilizou-o no livro Psicologia de grupo e a análise do ego para diferenciá-lo das
pulsões inibidas em sua finalidade sexual, tais como as que formam os laços de
amizade, as relações afetuosas e a apreciação estética. Para ele, a base dessas
pulsões inibidas é de natureza sexual.
A cultura precisou inibir parte dessas pulsões em sua finalidade
original que se caracterizava pela obtenção de um prazer sexual imediato e sem
regras, em razão dessa livre expressão poder criar obstáculos para a manutenção
dos grupos e conseqüentemente colocar em risco a sobrevivência humana que
dependia muito da força de um núcleo formado por um número maior de pessoas,
visando objetivos comuns.
Importante destacar que um dos objetivos desta pesquisa é verificar
como as pulsões voyeur e exibicionista se desenvolvem e se manifestam dentro
de um determinado contexto social, por meio de práticas esportivas exercidas
pelos indivíduos em seus momentos de lazer e não criar novos critérios para o
diagnóstico do exibicionismo e voyeurismo, contribuindo conseqüentemente para
a manutenção dos enquadramentos psicopatológicos individuais.
Em razão de o voyeurismo e exibicionismo serem pulsões parciais
comuns que se manifestam precocemente na infância e se estendem ao longo da
vida, assumindo as mais variadas formas, considera-se importante o estudo dos
indivíduos sedentários, a fim de compará-los com os esportistas.
Com relação ao grupo de sedentários, consideram-se que as
pulsões voyeur e exibicionista não têm expressão tão marcante se comparadas
aos demais grupos, principalmente em relação aos praticantes de musculação.
Como foi dito antes, sabe-se que há uma grande variedade de
motivos que pode levar os indivíduos a não praticarem atividades físicas. Entre
eles, citam-se: indisposição, desinteresse, falta de tempo, dificuldades
econômicas para pagar as mensalidades das academias.
Os dois primeiros motivos indicam que a questão do corpo não é
prioridade na vida dos sedentários. Assim sendo, provavelmente não será
encontrada nesse grupo uma exacerbação das pulsões relacionadas aos
prazeres de olhar e se exibir, pelo menos no que se refere ao culto ao corpo.
É importante também mencionar que, nas academias, o estudo dos
comportamentos incitados por essas pulsões é mais acessível, por não se
apresentarem em sua forma diretamente sexual.
Caso esse estudo fosse realizado em um local cujas práticas
estivessem relacionadas a atividades diretamente sexuais, principalmente no
caso de indivíduos com maior disposição ao prazer voyeur, seria mais difícil a
coleta de dados, em razão do possível interesse desses sujeitos em garantir ao
máximo sua privacidade e anonimato.
Durante esta pesquisa, surgiu a seguinte questão que levou a
inclusão do grupo praticantes sistemáticos de outras atividades esportivas na
amostra: tal grupo atribui o mesmo grau de importância aos padrões estéticos se
comparados aos praticantes de musculação?
A inclusão desse novo grupo, alterou a formação do grupo 2
(praticantes de academias) que passou a ser composto por indivíduos que
praticam a musculação com exclusividade ou associada a outras atividades
esportivas.
Assim sendo, a segunda aplicação das escalas, que serviu de base
para a análise dos dados, contou com a presença de três grupos: Grupo 1
sedentários; Grupo 2 praticantes de musculação e Grupo 3 praticantes
sistemáticos de atividades esportivas.
Apesar de a prática esportiva ser uma característica comum dos
grupos 2 e 3, provavelmente o grupo 2 (praticantes de musculação) investem mais
acentuadamente na estética, pois os indícios são de que a principal finalidade
dessa atividade esportiva é a aquisição da beleza. Como menciona Malysse:
Nas atividades como o fitness e a musculação, por exemplo, novas em sua
inspiração, em seu conteúdo e em seu público, o objetivo não é a
performance esportiva ou a socialização graças a um esporte de equipe,
mas sim a busca de um bem-estar físico e psíquico, a busca da boa forma
e da magreza que permitem uma boa apresentação do corpo aos outros e,
portanto, a socialização por meio de uma performance mais estética do
que esportiva. Ali, não se trata de encarar a malhação como um esporte, e
a atividade não é um treinamento esportivo, mas sim a manutenção e a
resistência a todas as formas de decadência física. (Malysse, 2002, p. 95-
96).
Não se têm muitas dificuldades em observar o domínio de
determinados padrões estéticos na sociedade contemporânea. Um exemplo que
pode ser citado, é o predomínio de indivíduos de cor branca, altos e magros nos
mais variados setores em que a imagem humana funciona como objeto de
marketing.
Em uma sociedade caracterizada pela frieza e superficialidade que
valoriza dos mais variados modos a aparência em detrimento do conteúdo, a
conquista da beleza física se torna fundamental para o desenvolvimento da auto-
estima nos indivíduos.
É difícil encontrar bonecas negras ou mulatas no mercado de
brinquedos. Os modelos negros, homens e mulheres, também são exceção nas
passarelas da moda, assim como aqueles de baixa estatura. A ditadura estética
extravasa o mundo da moda e, com algumas modificações, perpassa as diversas
áreas da vida.
Uma das diferenças que poderia ser apontada em relação à
concepção de beleza presente nos desfiles de moda e aquela difundida na
sociedade de uma maneira geral, refere-se à magreza. O IMC - índice de massa
corporal - das modelos de passarela é bem menor se comparado àquelas
pessoas que freqüentemente são consideradas belas perante a opinião pública.
Os chamados corpos malhados, sarados e esculturais não combinam com os
padrões da moda.
Um dos meios para os indivíduos tentarem se aproximar dos
padrões estéticos contemporâneos são as práticas esportivas realizadas nas
academias. Existem alguns padrões de beleza que são praticamente unanimidade
entre os freqüentadores, tais como: corpos musculosos, definidos, sem celulite,
estria e gordura localizada.
Nesse sentido, não haveria diferença significativa entre homens e
mulheres. A questão do acúmulo de gordura, principalmente na região abdominal,
é unanimidade entre os dois gêneros; barriga virou sinônimo de feiúra.
A diferença entre os gêneros reside nas especificidades dos padrões
almejados. O homem tem buscado o aumento da força e da massa muscular,
enfatizando, especialmente, os músculos bíceps e peitoral.
O foco da mulher, por sua vez, está mais na tonificação e
enrijecimento muscular, restringindo-se principalmente ao trabalho com os
membros inferiores, tais como glúteo e pernas
10
.
Na maioria das vezes, os indivíduos que procuram academias com a
finalidade estética não estão satisfeitos com algum elemento de seu corpo. As
academias trabalham com padrões que envolvem mudanças na estrutura
corporal. Os próprios termos qualificadores do corpo exercitado não deixam
dúvidas: malhado, esculpido, sarado, trabalhado.
Considerando os diversos tipos de problemas físicos e psíquicos que
podem se relacionar com o fenômeno do culto ao corpo, pergunta-se:
A - diferenças entre os grupos 1, 2 e 3 quanto à manifestação de
pulsões voyeur e exibicionista?
B - diferenças entre os grupos 1, 2 e 3 quanto à adesão aos
padrões estéticos contemporâneos?
C - As pulsões voyeur e exibicionista estão correlacionadas nos
grupos 1, 2 e 3?
D - A pulsões voyeur/exibicionista e adesão aos padrões estéticos
estão correlacionadas nos grupos 1, 2 e 3?
6.2 – Objetivos
A Comparar o grau de manifestação das pulsões voyeur e
exibicionista entre os grupos 1, 2 e 3.
B - Comparar o grau de adesão aos padrões estéticos
contemporâneos entre os grupos 1, 2 e 3.
C Verificar se e em caso positivo, a correlação existente entre
as pulsões voyeur e exibicionista nos grupos 1, 2 e 3.
10
Conforme comentários feitos por Goldenberg, 2002, p. 35-36 (notas de rodapé), acerca de uma pesquisa
realizada pela autora com a classe média do Rio de Janeiro apontou que: “em 550 categorias apontadas como
o que mais atrai sexualmente as mulheres, o tórax recebeu 73 respostas (13,72%), o corpo 71¨(12,9%) e as
pernas 44 (8%)...em 295 categorias apontadas como o que mais atrai sexualmente os homens, a bunda
recebeu 55 respostas (18,64%), o corpo 42 (14,24 %) e os seios 42 (14,24%)”.
D Verificar se e em caso positivo, a correlação existente entre
pulsões voyeur/exibicionista e adesão aos padrões estéticos contemporâneos nos
grupos 1, 2 e 3.
6.3 – Hipóteses
A O grupo 2 é mais propenso a exprimir pulsões voyeur e
exibicionista do que os grupos 1 e 3.
B O grupo 2 tende a aderir com mais intensidade aos padrões
estéticos contemporâneos do que os grupos 1 e 3.
C A expressão de pulsões exibicionista e voyeur apresenta
correlação positiva nos três grupos componentes da amostra.
D - A expressão de pulsões voyeur e exibicionista apresenta
correlação positiva em relação à adesão aos padrões estéticos contemporâneos
nos três grupos componentes da amostra.
6.4 - Método
A) Material
Para a realização da presente pesquisa, foram desenvolvidas três
escalas de atitudes do tipo Likert: escala V (voyeurismo); escala E (exibicionismo)
e escala P (padrões estéticos), compostas respectivamente por 19, 17 e 12 itens.
A escala V procura verificar o grau de prazer apresentado pelos
sujeitos em relação ao ato de observar o corpo nu ou semi-nu de outras pessoas.
Alguns itens dessa escala também tratam do interesse de conhecer a intimidade
alheia.
Por sua vez, a escala E foi elaborada com intuito de verificar o
prazer envolvido nos comportamentos referentes a auto-exibição corporal e à
exposição da própria intimidade.
Por último, a escala P visa observar o grau de adesão dos indivíduos
aos padrões estéticos difundidos pela indústria cultural na atualidade.
É certo que, como elementos psíquicos profundos, assim como as
emoções e desejos, as pulsões não podem ser quantificadas de maneira direta.
Porém, indiretamente, as escalas de atitudes permitem obter uma estimativa do
prazer envolvido mediante comportamentos e opiniões que os sujeitos têm ou
teriam diante de determinados fatos ou situações.
A manifestação das pulsões ocorre em sua ligação com objetos, que
resulta em comportamentos variáveis historicamente. O culto ao corpo realizado
nas academias, por exemplo, é um fenômeno atual e envolve de maneira
específica as pulsões voyeur e exibicionista.
A liberalização sexual existente no mundo contemporâneo tem
possibilitado a expressão de comportamentos envolvendo voyeurismo e
exibicionismo, sem que com isso as pessoas se sintam envergonhadas ou
culpadas.
Esse é um fato importante, pois, como as condições sociais são
propícias para que os indivíduos apresentem determinadas formas de expressão
dessas pulsões e adiram aos padrões estéticos, o se têm razões para achar
que as respostas dos sujeitos às questões das escalas destoem de seus
sentimentos.
Situação diferente foi experimentada por Adorno e colaboradores na
pesquisa sobre a personalidade autoritária realizada nos EUA. A questão
fundamental para aqueles autores era verificar as possibilidades do fascismo se
desenvolver nos EUA, após a Segunda Guerra. (Adorno et al, 1965).
Como naquele país o clima cultural e social era considerado
democrático, teria uma grande probabilidade de alguns participantes, nas
questões que envolvessem preconceitos contra grupos minoritários,
respondessem de maneira contrária aos seus sentimentos, ou seja, dessem
respostas “politicamente corretas”.
Dessa forma, na referida pesquisa, além da aplicação das escalas
foram necessários estudos clínicos com alguns sujeitos para verificar os
elementos profundos presentes nas personalidades autoritárias e liberais, que
poderiam não se apresentar nas respostas dadas pelos indivíduos às escalas.
Tais estudos foram compostos de entrevistas e testes projetivos que viabilizaram,
inclusive, o aprimoramento das escalas. (Adorno et al, 1965).
No mundo contemporâneo, em que o corpo tem se tornado artigo de
consumo e as pulsões voyeur e exibicionista legitimadas socialmente mediante
sua apropriação pela indústria cultural, as escalas podem refletir satisfatoriamente
a direção e intensidade para que tendem os objetos desta pesquisa.
As questões das escalas expressam uma opinião ou afirmação
sobre determinada situação ou fato e diante dela, após ler com atenção, o sujeito
tem quatro opções de respostas, a seguir descritas, cujos escores em cada item
variam de 1 a 5 pontos: discordo totalmente– 1 ponto; discordo parcialmente 2
pontos; concordo parcialmente – 4 pontos; concordo totalmente – 5 pontos.
Para melhor delimitar as posições próximas à concordância e
discordância foi excluído o ponto 3 que se tornou o ponto médio das escalas.
As duas primeiras opções apontam para algum grau de desacordo
do sujeito em relação a formulação presente na questão e as duas últimas
assinalam um posicionamento próximo à concordância. A elaboração dessas
escalas está baseada na pesquisa sobre a personalidade autoritária realizada por
Adorno et al. (1965) nos Estados Unidos.
Quanto maior o escore obtido pelo indivíduo, em cada uma das
escalas, maior o grau de disposições psíquicas relacionadas aos fenômenos
objeto deste estudo.
Exemplificando: um indivíduo que diante das questões pertencentes
à escala 1(exibicionismo) escolha freqüentemente a opção total concordância (5
pontos) mostrará acentuadas características exibicionistas de personalidade,
enquanto outro sujeito que assinalou em grande parte a opção “discordância
parcial” nessa mesma escala, apresentará baixa tendência ao exibicionismo.
Em alguns itens, a pontuação está invertida, pois, as posições
próximas à concordância e discordância, implicam, respectivamente, em
diminuição e aumento na intensidade das pulsões e adesão aos padrões de
beleza. Há, por exemplo, questões em que a concordância com determinada
afirmação implica em uma baixa adesão a determinado padrão, enquanto a
discordância representa uma adesão mais intensa. Nesse caso, tomou-se o
cuidado de inverter os valores para efeito do cálculo dos dados, a fim de corrigir a
referida inversão.
Nas instruções que acompanham as escalas, é solicitado aos
sujeitos que escolham apenas uma das opções contidas em cada item e que não
deixem questão alguma sem resposta. Também informamos aos sujeitos sobre a
garantia do anonimato e obtivemos os seus consentimentos em participar da
pesquisa.
Antes das questões, foram incluídos itens para caracterização dos sujeitos, a
saber: idade, gênero, habitualidade de prática esportiva e em caso positivo, o tipo,
a freqüência e tempo de prática. Os itens das três escalas foram intercalados
aleatoriamente a fim de evitar que os sujeitos se fixassem ao conteúdo de uma
determinada escala.
B) Amostra para validação das escalas
Como foi mencionado no problema da pesquisa, na primeira
aplicação das escalas, os sujeitos foram divididos em dois grupos: grupo 1
indivíduos sedentários e grupo 2 – praticantes de academias. O grupo 1 foi
formado por sujeitos que declararam não praticar qualquer tipo de atividade física
regularmente, ou seja, com freqüência média inferior a duas vezes por semana.
No grupo 2, a amostra foi composta por sujeitos que mencionaram
praticar assiduamente diversos tipos de atividades físicas em academias, com
freqüência igual ou superior a duas vezes semanais.
Com o objetivo de testar a validade dos itens, isto é, saber se eles
apresentavam índices satisfatórios de discriminação e de consistência interna,
aplicamos as escalas em duas Universidades do interior do estado de São Paulo
a um grupo de 30 universitários sedentários dos cursos de Odontologia,
Enfermagem e Matemática conforme distribuição apresentada na tabela seguinte:
Tabela 1: Amostra de validação - sedentários
Cursos nº de Sujeitos Masculino Feminino
Enfermagem 8 1 7
Matemática 10 2 8
Odontologia 12 3 9
Total 30 6 24
Posteriormente, aplicamos as escalas com praticantes de
academias. Essa amostra foi extraída da seguinte maneira: 17 sujeitos praticantes
de uma academia e 13 estudantes de Educação Física de uma Universidade,
ambas situadas no interior do estado de São Paulo, conforme tabela abaixo:
Tabela 2: Amostra da validação - praticantes de academias
Estratos nº de Sujeitos Masculino Feminino
Academia 17 8 9
Universidade 13 8 5
Total 30 16 14
A princípio, pensava-se em extrair a amostra referente ao grupo de
praticantes de academias apenas nas próprias academias. Tarefa dificultada em
razão da relutância dos proprietários de academias em permitir a entrevista com
os freqüentadores. A alegação básica foi de que os praticantes geralmente
chegam no estabelecimento com pressa, não querem ser interrompidos durante o
treino e vão embora logo após o término da atividade esportiva.
Assim sendo, diante das dificuldades encontradas, extraímos uma
parcela da amostra dos praticantes em uma Universidade. Pensamos que esse
fato não acarreta alterações significativas em relação à composição da amostra,
visto se tratar igualmente de freqüentadores de academias que entrevistados
em outro local.
Em razão de termos encontrado um número bem superior de
sedentários nos cursos universitários em que foi extraída a amostra do grupo 1,
escolheu-se o curso de Educação Física para a extração de parte da amostra do
grupo 2 em razão da provável existência de uma maior afinidade desses
estudantes com as atividades esportivas.
C – Aportes teóricos para elaboração das escalas
Apesar de enfatizar uma dimensão específica do voyeurismo e
exibicionismo, ou seja, suas relações com o culto ao corpo, as escalas E e V não
deixaram de abordar outros aspectos de manifestação dessas pulsões.
Como vimos nos capítulos anteriores, esses fenômenos podem se
apresentar de diferentes formas. A mais conhecida, caracterizada pelo interesse
obsessivo em ver e expor a nudez, está contida na classificação tradicional
psiquiátrica que estabelece os critérios diagnósticos para o voyeurismo e
exibicionismo.
Além de serem considerados comportamentos psicopatológicos, a
manifestação desses comportamentos incorre em crimes, quer como invasão de
privacidade no caso do voyeurismo, quer como atentado ao pudor no
exibicionismo.
No entanto, as mudanças objetivas ocorridas no último século com o
acentuado desenvolvimento tecnológico, ampliaram as formas de manifestação
desses fenômenos. A pornografia que por muito tempo existiu às margens da
sociedade, hoje a ela foi incorporada como mais um dos artigos de consumo.
A nudez e a semi-nudez tornaram-se mais fáceis de serem vistas e
exibidas diante do abrandamento da repressão à sexualidade, principalmente no
caso da mulher, em razão das conquistas obtidas por meio do movimento
feminista.
A profissão de modelo, nesse caso, caracterizada pela exibição do
corpo nu ou semi-nu, tornou-se meio de subsistência para muitos indivíduos. Sem
falar dos filmes pornográficos e dos estabelecimentos em que são realizados
shows eróticos.
O voyeurismo e exibicionismo passaram a ser amplamente
apropriados e explorados pela indústria cultural. O suspense representado pela
incerteza de conseguir ver o objeto a se despir ou conseguir se despir frente a ele
sem ser apanhado, foi substituído pela farsa das produções que apenas simulam
naturalidade.
Os elementos essenciais que acompanhavam o prazer escopofílico
e exibicionista, tais como o não consentimento do objeto e a relação pessoal, são
progressivamente substituídos pelo consentimento mediante pagamento e pelo
anonimato. As relações constituintes desses prazeres ficaram mais distantes,
previsíveis e impessoais.
A intimidade das celebridades também é muito explorada pela
indústria cultural. Para muitos, o desejo de saber coisas da vida íntima de
indivíduos famosos tem virado uma obsessão, de maneira similar ao desejo
dessas celebridades de sempre estar sob os holofotes da mídia. De uma forma ou
outra, os famosos precisam estar em constante evidência para se sentirem
importantes.
A progressiva diluição da fronteira entre o público e o privado
característica da sociedade atual tem estimulado e provocado outras formas de
manifestação das pulsões voyeur e exibicionista. Com a diluição dessa fronteira,
ficou mais fácil a apropriação e manipulação dessas pulsões pela indústria
cultural.
O privado tem que ser de conhecimento de todos. Nada mais pode
ficar oculto; até mesmo os mais íntimos desejos devem ser confessados
publicamente, talvez na tentativa desesperada de se encontrar um sentido para a
vida. Desejos que, frustrados depois de revelados, retornam como sentimento de
vazio interior.
O público, por sua vez, tem sido definido e valorizado na sua
intimidade. Freqüentemente o que tem definido um homem público são suas
crenças e hábitos e não a sua competência profissional. As pessoas tem passado
a se interessar mais, por exemplo, pela orientação sexual de determinado
candidato a cargos públicos do que pelo seu histórico político.
Em relação ao culto das formas físicas, o corpo saudável, sarado,
malhado constitui-se como algo que merece ser visto, apreciado e exibido, mas
talvez não tocado. O prazer presente no voyeurismo e exibicionismo se
caracteriza por uma relação distante com o objeto em que o “olhar para” ou o “ser
olhado” são os elementos principais.
Nos objetivos estéticos difundidos pela indústria cultural e buscado
por muitos indivíduos, pode-se encontrar determinada padronização que tem
definido as características do objeto de investimento das pulsões exibicionista e
voyeur.
Para tentar abarcar as diversas dimensões que envolvem as pulsões
voyeur e exibicionista, as escalas tratam de vários temas que vão desde aqueles
envolvendo questões mais diretamente relacionadas ao sexo, até aqueles que se
referem à curiosidade pela intimidade ou interesse em revelá-la.
Os itens das escalas deste estudo se referem a uma amostra de
características comuns e específicas presentes nas várias formas de expressão
desses fenômenos.
No caso das escalas V (voyeurismo) e E (exibicionismo), uma
característica comum inerente às diferentes expressões dos fenômenos diz
respeito ao fato de os objetos serem considerados freqüentemente apenas como
estímulo. Não uma efetiva relação de troca entre sujeito e o objeto, ou seja, o
objeto é apropriado unilateralmente da maneira que mais interessa ao sujeito. A
preocupação predominante é de conquistar o prazer para si sem retribuir com
algo ao objeto e sem a constituição de vínculos afetivos.
É possível que isso esteja presente na própria constituição do
objeto que é fundamentalmente destinado à exploração comercial, seja como
produto, seja na própria condição de consumidor. Quanto mais exclusivamente o
objeto é experimentado como estímulo, maior o grau de manifestação das
pulsões voyeur e exibicionista tendo em vista o distanciamento do sujeito em
relação ao objeto. Todos os itens de uma forma ou de outra trazem à tona essa
característica.
As duas características seguintes estão estreitamente vinculadas
com a anterior, a saber: diminuição da importância das relações pessoais e o
estabelecimento de relações passageiras com objetos, sem o estabelecimento de
intimidade, ou seja, relações em que tais objetos o facilmente descartados e
substituídos por outros. Os itens 5, 6, 13, 4 e 14 da escala V e os itens 10, 11, 12
da escala E contemplam essas características.
A expectativa de um prazer imediato, a não aceitação de um
aumento da tensão representado pela postergação desse prazer e até mesmo a
possível frustração de tentar obtê-lo mediante uma relação que dependa
efetivamente de trocas afetivas e efetivas com o objeto, também são importantes
elementos a serem considerados na configuração dos prazeres voyeur e
exibicionista. Os itens 14 e 19 (escala V) e o item 14 (escala E) tratam dessas
tendências.
O olhar é uma característica essencial para a constituição do prazer
voyeur e exibicionista. Porém, no que se refere ao corpo, esse olhar, como fonte
de prazer, pode dirigir-se para diferentes formas de expressão corporal e vincular-
se: diretamente ao nu, como abordado nos itens 1, 12 (escala V) e itens 13, 18
(escala E) ; à apreciação do corpo semi-nu conforme explorado nos itens 2, 5, 6,
11, 13 (escala V) e itens 1, 2, 4, 6, 7, 8, 12, 14, 19 (escala E); à observação de
pessoas tendo relacionamento sexual – item 8 da escala V e item 15 da escala E.
Foram incluídos um maior número de itens para analisar a
apreciação e exibição do corpo semi-nu em comparação ao número de itens
relacionados ao prazer de observar a nudez de maneira direta ou relações
sexuais, em razão da especificidade com que as pulsões voyeur e exibicionista
são tratadas nesta pesquisa. Quando nos referimos ao semi-nu, também
englobamos o uso de roupas sensuais que evidenciam as formas corporais.
A fim de pensar sobre o grau de prazer presente na observação do
corpo de uma maneira geral, em alguns itens da escala V não foram explicitadas
em sua formulação se o objeto diz respeito ao nu, semi-nu ou relacionamentos
sexuais. Imagens eróticas, posições sensuais, fotos sensuais são alguns termos
que não dão precisão sobre o tipo de nudez de que se trata. No entanto, todos
esses itens dizem respeito ao prazer de olhar o corpo. Os itens são os seguintes:
3, 4, 7, 10, 14, 17, 18 e 19.
O auto-erotismo é uma característica geral presente na vida dos
indivíduos. No entanto, em algumas questões procurou-se detectar o quanto essa
forma de prazer assume preponderância, refletindo a intensificação das pulsões
voyeur e exibicionista. Os itens 4, 7 e 14 (escala V) e os itens 12, 18 (escala E)
tratam disso de forma mais direta.
A valorização exacerbada da aparência tem sido uma tendência
muito forte na sociedade contemporânea. As pessoas são consideradas e
julgadas por aquilo que aparentam ser. Existe um padrão determinante daquilo
que deve ser valorizado em termos de aparência física e comportamento.
Diante do próprio empobrecimento da cultura que dificulta a
diferenciação e conseqüentemente a formação dos indivíduos, a superficialidade
tende a se constituir como essência para as relações afetivas e profissionais.
O prazer é direcionado fundamentalmente para o todo, isto é, no
caso da beleza, o juízo estético é realizado com base em padrões estéticos
definidos à priori e não na dimensão particular do objeto. O olhar apenas passa
pelo objeto, pois a própria superficialidade objetal não lhe permite constituir uma
interioridade. Os itens 5, 6, 11, 13 (escala V) e o item 9 (escala E) avaliam a
importância atribuída à aparência pelos indivíduos.
A menor diferenciação do sujeito na sociedade contemporânea,
torna-o mais suscetível a comportamentos condicionados, no sentido de haver
uma relação mais direta entre suas atitudes e os estímulos provenientes da
cultura.
O enfraquecimento do ego em razão dessa identificação mais direta
do sujeito com o todo, dificulta o aparecimento das fantasias em que o indivíduo
poderia retribuir mais algo de si ao objeto.
O vazio interior, queixa muito comum nos dias de hoje, em que um
dos aspectos está na atrofia da fantasia e no desaparecimento do encanto nas
relações sociais, permite fundamentalmente a perpetuação da sociedade
opressora e a manutenção dos interesses dominantes. A reprodução alienada ou
as falsas transformações que mantêm a sociedade essencialmente inalterada,
acabam sendo o mórbido resultado desse processo.
As produções da indústria cultural são estímulos claros que visam
provocar excitações diretas no indivíduo, como se fossem reflexos condicionados.
Os avanços tecnológicos que no plano do entretenimento provocam
principalmente a diminuição da fronteira entre o virtual e real, colaboram de
maneira significativa para a manipulação do prazer.
Nessa diminuição da fronteira entre virtualidade e realidade podemos
mencionar a existência do que Horkheirmer e Adorno chamaram de ideal do
natural. “Ele [o ideal do natural] se impõe tanto mais imperiosamente quanto mais
a técnica aperfeiçoada reduz a tensão entre a obra produzida e a vida quotidiana”.
(Horkheimer e Adorno, 1985, p. 120).
A ausência ou diminuição das fantasias foram tratadas nos itens 17,
18, 19 (escala V) e no item 19 (escala E) .
Como vimos na parte teórica desta tese, as pulsões voyeur e
exibicionista não investem exclusivamente no corpo, tanto é que poderiam muito
bem serem chamadas de pulsões da atenção ou do conhecimento.
Quando se pensam nesses fenômenos, sem restringi-los às
classificações psiquiátricas, notam-se vários tipos de expressão dessas pulsões,
tais como: o culto ao corpo realizado nas academias, a exploração comercial da
intimidade de celebridades e as fofocas realizadas nos meios sociais.
Os itens 9, 15, 16 (escala V) e os itens 16, 17 (escala E) objetivam
verificar a existência de um interesse excessivo em conhecer a intimidade alheia
e expor a própria intimidade, respectivamente.
No caso do exibicionismo, achamos importante a inclusão de mais
uma característica que se refere aos diversos tipos de sacrifícios realizados diante
da ditadura estética existente na sociedade atual. Entre esses sacrifícios podem
ser citados: regimes descontrolados, exercícios excessivos, uso de drogas.
Comportamentos nocivos à saúde, que muitas vezes podem levar ao
desenvolvimento de doenças como anorexia, bulimia, câncer etc. Os itens 1, 6, 7
da escala E abordam essa questão.
Quanto à escala P (padrões estéticos) abordamos questões
referentes à adesão a alguns padrões estéticos amplamente difundidos no mundo
contemporâneo. Entre eles: músculos enrijecidos, pele lisa sem estrias ou
celulites, abdômen enxuto, alta estatura, pele branca, cabelos lisos etc.
D – Validação das escalas
No geral, os itens das escalas tiveram um bom índice de validade.
Os critérios adotados para avaliá-los foram os mesmos utilizados por Crochík
(1999) em sua tese de Livre Docência e seguem abaixo descritos:
a) média acima de 1,5 pontos e abaixo de 4,5 pontos para evitar
itens que mostrem posições extremas dos sujeitos.
b) desvio padrão acima de 1,0 ponto a fim de refletir a variabilidade
das respostas dos sujeitos.
No tratamento dos dados, utilizamos o programa SPSS (Statistical
Packet for Social Sciences) versão 13.0.
A princípio, pensamos em excluir das escalas os itens que não
alcançaram os índices acima estabelecidos e manter aqueles que apenas foram
atingidos por um dos grupos, caso a diferença entre os desvios-padrão fosse igual
ou superior a 0,5 ponto, em razão de poderem refletir importantes diferenças
entre os grupos quanto à intensidade das pulsões voyeur/ exibicionista e adesão
aos padrões estéticos.
Porém, ao calcularmos o alfha de Cronbach (escala V = 0,57; escala
E = 0,81 e escala P = 0,55) concluiu-se que as escalas V e P não estavam com
índice interno satisfatório de coerência e precisariam de reformulações para sua
validação.
Dessa forma, considerou-se importante aprimorar os critérios de
avaliação dos itens e para isso foi calculada a correlação entre os itens dentro de
cada escala por meio do coeficiente de Spearman.
Mediante esse cálculo, notamos que alguns itens, apesar de terem
alcançados média e desvio padrão conforme os critérios estabelecidos
11
, tiveram
baixa correlação com os demais itens. Por outro lado, alguns itens que não
estavam com M e DP dentro dos parâmetros estabelecidos, mostraram boa
correlação.
Considerando esse último caso, foram mantidos na escala V os itens
1, 4, 14; na escala E os itens 11 e 12; na escala P o item 3. Em relação ao
primeiro caso, quanto aos itens que tiveram baixa correlação, foram excluídos:
itens 5, 9, 15 e 16 da escala V; item 16 da escala E; itens 1 e 5 da escala P.
Os itens que foram excluídos, tais como os meros 9, 15 e 16
(escala V) e 16 (escala E), tratam de questões que não envolvem aspectos
corporais como objeto de interesse, isto é, abordam assuntos que dizem respeito
a fatos da intimidade pessoal.
Apesar de ser uma forma de manifestação dos fenômenos objetos
desta pesquisa, a baixa correlação apresentada com relação aos demais itens
que tratam com especificidade do interesse pelo corpo, levou-nos a descartar na
aplicação final das escalas o estudo empírico de o interesse pela intimidade, seja
em expô-la ou em conhecê-la. Aparentemente se trata de uma forma distinta de
manifestação das pulsões voyeur e exibicionista.
Como o objetivo principal desta pesquisa é analisar a articulação das
pulsões voyeur e exibicionista com o fenômeno do culto ao corpo, foram mantidos
nas escalas apenas os itens que se referem às questões corporais.
Com essas retificações, foi calculado novamente o alpha de
Cronbach com o intuito de verificar o grau de coerência interna das escalas cujos
resultados, descritos na tabela abaixo, foram significativos, em razão de a
literatura estatística considerar aceitáveis valores iguais ou superiores a 0,60.
11
As tabelas com a Média (M) e o Desvio Padrão (DP) dos Itens estão no anexo I.
Tabela 3: Coeficientes Alpha de Cronbach das escalas (validação)
_________________________________
Escala Nº itens Alpha
_________________________________
V 11 0,71
E 13 0,80
P 9 0,72
Geral 33 0,84____
Ainda com o objetivo de aprimorar o instrumento para a aplicação
final das escalas, reformulou-se a redação de alguns itens a fim de evitar
interpretações ambíguas por parte dos sujeitos; evitou-se, por exemplo, a
apresentação de itens na negativa. Além disso, foram adicionados outros itens
nas escalas, principalmente na escala P, que tinha ficado com um número
reduzido.
Após a revisão dos itens, as escalas de voyeurismo, exibicionismo
e padrões estéticos passaram a contar com 12, 13 e 12 itens, respectivamente,
totalizando 37 itens descritos no anexo II.
E – Amostra base para a análise e discussão dos dados
Na segunda aplicação, foi mantido o critério de freqüência na prática
de atividades físicas conforme a primeira aplicação e incluiu-se um terceiro grupo
chamado de praticantes sistemáticos de atividades esportivas, com exceção da
musculação. Entre esses esportes, encontraram-se, principalmente, praticantes
de: futebol, natação, corrida, caminhada, dança etc.
Com a inclusão desse grupo, definimos com mais precisão o grupo
2, que passou a ser caracterizado pela prática exclusiva da musculação ou desta
associada a outras atividades esportivas. Assim sendo, para os indivíduos que
realizam mais de uma atividade esportiva serem incluídos no grupo 2, eles
precisaram ter a musculação como uma dessas atividades, caso contrário foram
inseridos no grupo 3.
Além do mais, foi importante essa nova divisão dos grupos em razão
de muitos praticantes de academias realizarem atividades físicas similares a
esportistas que não freqüentam academias, como por exemplo, caminhar e
pedalar. Em outras palavras, o termo praticantes de academia é muito vago
quando se trata de definir o tipo de atividade esportiva praticada.
Essa aplicação foi realizada com aproximadamente 300 sujeitos em
três Universidades e em duas Academias de ginástica e musculação, todas
localizadas no interior do Estado de o Paulo. Dos questionários válidos, isto é,
referentes àqueles sujeitos que responderam a todas as questões, restaram 273
que seguem distribuídos na tabela 4.
Em cada Universidade foi escolhido um curso, a saber: Educação
Física, Direito e Administração de Empresas. Os testes estatísticos realizados no
SPSS na primeira aplicação já haviam mostrado que a variável curso não interferia
nos resultados e dessa forma a escolha foi aleatória. Exceção foi a escolha do
curso de Educação Física em razão da maior probabilidade de se encontrar ali
praticantes de atividades físicas.
Em decorrência das dificuldades já mencionadas durante a aplicação
de validação das escalas, a maior parte da amostra foi extraída de Universidades.
Tabela 4: Amostra base dos sujeitos para análise dos dados
Sujeitos Gênero Grupos
Cursos n Masc. Fem. G-1 G-2 G-3
Ed. Física 142 83 59 34 46 62
Direito 70 30 40 49 3 18
Adm. Empresas 20 14 6 12 1 7
Academias 41 24 17 - 33 8
Total 273 151 122 95 83 95
Nota: - indica valor zero
CAPÍTULO 7
Apresentação e discussão dos resultados
Os cálculos estatísticos referentes à aplicação final das escalas
também foram realizados com o auxílio do programa SPSS, versão 13.0.
Em virtude de se terem modificado e acrescentado alguns itens nas
escalas, calculou-se novamente o Alfa de Cronbach a fim de verificar se elas
mantiveram um bom índice de consistência interna. Os resultados seguem na
tabela abaixo:
Tabela 5: Coeficientes Alpha de Cronbach das escalas (aplicação final)
_________________________________
Escala Nº itens Alpha____
V 12 0,77
E 13 0,72
P 12 0,66
Geral 37 0,85_____
Com as alterações realizadas no instrumento de pesquisa, o índice
da escala V aumentou e os índices das escalas E e P diminuíram, sem no
entanto, alterarem significativamente o nível de coerência interna encontrado na
etapa de validação das escalas.
Elaborou-se um histograma com os dados coletados a fim de
verificar como eles estavam distribuídos e apesar de se ter aumentado o tamanho
da amostra na aplicação final, os resultados continuaram não apresentando
distribuição normal.
Como as medidas de tendência central são um bom indicativo da
presença de distribuição normal, sendo que para isso deve haver uma
coincidência entre a média, a mediana e a moda (DANCEY, 2006, p. 89),
novamente foi constatado que a amostra não apresentou distribuição normal visto
que os cálculos apontaram divergências entre essas medidas.
Dessa forma, foram utilizadas técnicas estatísticas não paramétricas
para os testes das hipóteses desta pesquisa. A medida de tendência central
utilizada pelos testes não paramétricos é a mediana, por ser considerada a mais
apropriada para esse tipo de distribuição. No entanto, além da mediana, também
foi calculada a média em razão dessa medida sugerir teoricamente algumas
diferenças importantes entre os grupos.
As duas primeiras hipóteses referem-se a existência de diferenças
entre os grupos 1, 2 e 3 quanto às tendências em exprimir pulsões voyeur e
exibicionista bem como em aderir aos padrões estéticos contemporâneos.
Vale lembrar que a amostra desta pesquisa é composta de três
grupos independentes. Os grupos foram definidos de tal maneira que não
possibilidade de um indivíduo do grupo 1 (sedentário) participar ao mesmo tempo
do grupo 2 (praticante de musculação) e do grupo 3 (outras modalidades).
Por se tratar de três grupos distintos, o teste não paramétrico
indicado para testar as referidas hipóteses e que analisa a variância de um fator
para grupos independentes é o Kruskal-Wallis.
Em relação aos testes realizados nesta pesquisa, considerou-se
estatisticamente significativo os resultados que tiveram um nível de significância
de p 0,05. Segundo Dancey: Quando estabelecermos nosso critério para
significância, devemos, portanto, fazer um balanço entre as possibilidades de
cometermos erros dos Tipos I e II. Em muitas situações, um p < 0,05 fornece o
ponto de equilíbrio” (Dancey, 2006, p. 160).
Conforme a tabela abaixo, pode-se observar que o grupo 2
apresentou média superior aos demais grupos em todas as escalas. No entanto,
somente na escala P, a diferença encontrada foi estatisticamente significativa,
com p < 0,04 de os resultados decorrerem de erro amostral.
Tabela 6: Mediana (Md) e Média (M) dos grupos nas escalas - teste de
Kruskal-Wallis
_______________________________________________
V E P
Grupos Md M Md M Md M__
1 1,75 1,95 2,00 2,06 2,50 2,59
2 2,08 2,15 2,08 2,19 2,83 2,78
3 1,92 2,00 2,08 2,06 2,58 2,54
Qui-quadrado 3,62 1,51 6,48
Significância 0,16 0,47 0,04(*)_____
Como o teste Kruskal-Wallis apenas aponta a existência de
diferenças entre os grupos, sem se ater especificamente a que grupos elas
efetivamente ocorrem, precisou-se utilizar outro teste não paramétrico Mann-
Whitney para a realização de comparações emparelhadas, isto é, de dois
grupos por vez.
Entre os grupos 1 (sedentários) e 3 (outras modalidades) não foram
encontradas diferenças. O teste de Mann Whitney apontou que as diferenças
entre o grupo 2 e os demais grupos foram significativas: p < 0,05 em relação aos
grupos 2 e 1; p < 0,01 em relação aos grupos 2 e 3. Seguem as tabelas que
resumem os resultados desse teste de hipóteses.
Tabela 7: Mediana (Md) e Média (M) dos grupos 1 e 2 nas escalas - teste de
Mann Whitney
_______________________________________________
V E P
Grupos Md M Md M Md M__
1 1,75 1,95 2,00 2,06 2,50 2,59
2 2,08 2,15 2,08 2,19 2,83 2,78
Valor Z -1,83 -1,08 -1,99
Significância 0,07 0,30 0,05(*)_____
Tabela 8: Mediana (Md) e Média (M) dos grupos 2 e 3 nas escalas - teste de
Mann Whitney
_______________________________________________
V E P
Grupos Md M Md M Md M__
2 2,08 2,15 2,08 2,19 2,83 2,78
3 1,92 2,00 2,08 2,06 2,58 2,54
Valor Z -1,18 -1,07 -2,43
Significância 0,23 0,29 0,01(*) _____
Diante desses dados, aceita-se a hipótese B de que o grupo 2
(praticantes de musculação) apresenta uma maior tendência em aderir aos
padrões estéticos quando comparado aos grupos 1 (sedentários) e 3 (outras
modalidades).
Um dos principais objetivos presentes na prática de musculação é
justamente a aquisição de alguns dos padrões de beleza. Os praticantes de
musculação aderem aos padrões não somente no sentido de apreciá-los, mas
também com o intuito de adquiri-los.
A questão da beleza, aferida pela escala P, não é tão importante
para os grupos 1 e 3 como é para o grupo 2. Com relação ao grupo 3, em muitas
das atividades físicas praticadas, tais como vôlei e futebol, que são esportes de
equipe, a questão da aquisição da beleza não é prioritária.
Em relação à hipótese A cuja afirmação é de que o grupo 2 tende a
apresentar pulsões voyeur e exibicionista mais acentuadas quando comparado
aos grupos 1 e 3, apesar de não ter sido aceita em termos estatísticos, os
resultados que mostraram média mais alta do grupo 2 nas escalas E e V, como se
pode constatar pela comparação entre os praticantes de musculação e
sedentários nesta última escala (ver tabela 7), que proporcionou um valor de p <
0,07, sugerem a importância de novos estudos com um maior número de critérios
para a definição das variáveis independentes.
Para a análise dos dados desta pesquisa, por exemplo, não foi
considerado o tempo de prática esportiva nem a freqüência semanal. Essas
variáveis podem ser importantes no sentido de refletir a dimensão de importância
atribuída pelos indivíduos em relação à forma física.
Uma delimitação mais precisa dos tipos de esportes praticados
também pode ser útil, visto que atividades esportivas coletivas, tais como o
futebol, tendem a evidenciar interesses mais relacionados ao entretenimento do
que à estética. Outros esportes, como por exemplo a caminhada, possivelmente
mostram maiores preocupações dos indivíduos com a saúde.
Para a realização dos demais testes a fim de verificar a influência de
outras variáveis independentes nos fenômenos objeto deste estudo, utilizou-se o
teste de Mann-Whtiney que é apropriado para a comparação de duas amostras
independentes.
A variável gênero, por exemplo, foi determinante nos resultados
obtidos na escala V conforme pode se observar na tabela 9. Os
homens
apresentaram mediana significativamente superior a das mulheres, com um nível
de probabilidade associado de p < 0,001 de os resultados decorrerem de erro
amostral.
Tabela 9: Mediana (Md) e Média (M) da variável gênero nas escalas - teste de
Mann Whitney
_______________________________________________
V E P
Grupos Md M Md M Md M__
Masculino 2,25 2,31 2,00 2,04 2,67 2,67
Feminino 1,58 1,68 2,15 2,16 2,58 2,57
Valor Z -7,11 -1,65 -0,94
Significância 0,001(*) 0,10 0,35_______
Esses resultados nos levam a considerar que o voyeurismo ainda
permanece como um fenômeno tipicamente masculino, apesar de todas as
transformações ocorridas na vida sexual e afetiva da mulher acarretadas pelas
diversas mudanças sociais, entre elas, aquelas proporcionadas pelo movimento
feminista.
Na primeira aplicação das escalas, também foi notado essa
diferença entre os gêneros, apesar de a escala V ter englobado elementos não
voltados exclusivamente para a apreciação estética, tais como o interesse por
fatos corriqueiros da intimidade alheia.
Os resultados da aplicação final da escala V mostraram claramente
uma tendência maior por parte dos homens ao prazer voyeur se comparados às
mulheres. A maior liberdade que os homens tiveram no decorrer da história para
expressar sua sexualidade, tornou-os menos inibidos, ou, em termos
equivalentes, mais suscetíveis de se excitarem com menores graus de
estimulação sexual e de manter um interesse sexual constantemente desperto. A
estimulação visual é considerada de menor grau em razão da relativa distância
estabelecida entre sujeito e objeto.
Por muito tempo, devido a uma maior repressão imposta às
mulheres, limitou-se a expressão de suas pulsões sexuais. A concepção do ato
sexual visando apenas a reprodução foi mais intensa para a mulher visto que o
seu destino já estava determinado para tomar conta do lar, do marido e da prole.
O discurso científico sobre as diferenças biológicas entre os gêneros
em que o feminino era colocado como o sexo frágil, serviu de fundamento para a
distribuição desigual dos papéis sociais que tornava a mulher extremamente
submissa ao homem. Impedida de atuar no espaço público, restava à mulher uma
vida restrita à vida privada e conseqüentemente sobravam poucas oportunidades
de conhecer outras pessoas e ter novas experiências. Para Laqueur:
As reivindicações universais por liberdade e igualdade humana durante o
Iluminismo não excluíam inerentemente a metade feminina da
humanidade. A natureza tinha de ser buscada se os homens quisessem
justificar o seu domínio na esfera pública, cuja distinção da esfera privada
figuraria cada vez mais em termos da diferença sexual. (Laqueur, 2001, p.
242)
A visão de fragilidade difundida pela cultura e que as mulheres
incorporavam, refletia-se na canalização das pulsões sexuais. Apesar de o prazer
feminino obtido pela estimulação do clitóris ser reconhecido pela ciência, durante
muito tempo foi considerado de menor intensidade que o prazer masculino.
A virilidade, em termos de força e potência, quase sempre foi
concebida como uma característica exclusivamente masculina. a
característica essencial presente na expressão da libido feminina era o amor
sublimado, inibido em sua finalidade sexual e voltado para a manutenção dos
laços familiares.
Como o homem vivia simultaneamente nas esferas pública e
privada, abriam-se vários espaços para a atuação de sua libido em razão do
maior número de objetos com que podia se relacionar.
Para ele, era possível a realização das duas dimensões do amor: a
profana, oriunda dos espaços públicos mediante relações extraconjugais dos mais
variados tipos, marcadas principalmente pela volúpia; e a sagrada, presente na
privacidade familiar em que a união estável garantia a estabilidade afetiva entre
os seus membros. Na maioria das vezes, a mulher é quem foi mais cobrada pelo
respeito e preservação da monogamia.
Ao reivindicar o direito de igualdade em relação aos homens nas
diversas áreas da vida, o movimento feminista revolucionou os papéis sociais
exercidos pelas mulheres na sociedade ocidental, apoiado pelo próprio avanço da
ciência.
O aparecimento da lula anticoncepcional na década de 1960 foi
um marco na história da humanidade. A necessidade de um maior controle da
natalidade familiar colocou o sexo, principalmente em relação à mulher, como
elemento de prazer que poderia ser experimentado independentemente da função
reprodutiva.
Apesar de toda a liberalização sexual experimentada atualmente
pelas mulheres, as conquistas proporcionadas pelo movimento feminista é
recente e ainda entra em conflito com alguns valores culturais tradicionais que
são menos tolerantes em relação à liberdade sexual das mulheres. Nesse
sentido, ainda podem ser encontradas diferenças na formação dos gêneros em
termos de sexualidade.
Na sociedade atual, muitos dos valores atribuídos para
determinados comportamentos apresentados pelos gêneros são distintos,
principalmente em termos de sexualidade. Os próprios nomes dados a quem não
observa a monogamia, por exemplo, revela essa tendência: homens que saem
com várias mulheres são chamados de “garanhões” enquanto que mulheres,
“galinhas”. A conotação desses termos não deixa dúvidas que o julgamento é
fundamentado por dois pesos e duas medidas.
O homem é estimulado desde a mais tenra idade a pensar o
relacionamento sexual como um meio para afirmação de sua virilidade,
independentemente de se sentir atraído afetivamente por alguém. Muitos pais
ainda adotam uma espécie de ritual de passagem quando o filho se torna
adolescente, levando-o a prostíbulos para retirar a sua virgindade.
Por outro lado, a mulher tem uma formação distinta que se relaciona
bastante com a questão da maternidade. As próprias brincadeiras infantis
femininas, tais como o trato com bonecas, refletem como a maternidade é
valorizada precocemente na vida das mulheres.
Apesar de a mulher estar se iniciando cada vez mais cedo na vida
sexual, o processo que está em jogo não é tanto o de aprovação de sua
feminilidade.
No geral, a questão mais importante está no fato de encontrar
alguém para amar e ser amada a fim de ter a segurança necessária que garanta
futuramente a constituição de uma família e conseqüentemente concretize o
antigo sonho de ser mãe. Para a mulher, o sexo é conseqüência, não prioridade.
Dessa forma, ela entra de forma distinta no relacionamento afetivo, isto é, tende a
não cindir demais sexo de afetividade.
Porém, a crescente ocupação dos espaços públicos pelas mulheres,
principalmente com a sua atuação nas diversas áreas profissionais que
antigamente eram destinadas apenas aos homens, tem lhes possibilitado uma
maior independência econômica e uma maior autonomia em relação aos homens.
Em muitos aspectos, a formação da mulher tornou-se semelhante à
masculina, pois, uma de suas características é prepará-la para a competitividade
exigida pelo mercado de trabalho.
A essência da esfera pública não se modificou, apesar de agora
também estar sendo ocupada por mulheres. O que mudou foi a estrutura psíquica
feminina que precisou se adaptar às exigências do âmbito público cujas
características são fundamentalmente masculinas.
Neste sentido, a sociedade está passando por um momento de
transição. A modificação dos papéis sociais das mulheres, implica em alterações
psíquicas e desse modo é provável que elas também comecem a separar com
mais freqüência sexo e afeto.
Contudo, essa cisão, remanescente de épocas pretéritas, evidencia-
se com maior intensidade no gênero masculino e os resultados da escala V é um
dos elementos que apontam para isso.
É importante relembrar que durante muito tempo foi concedido ao
homem o direito não explícito de ter duas mulheres: a companheira, mãe de seus
filhos pela qual ele desenvolvia o amor afetuoso (amor - Ágape); e a amante por
quem ele tinha intensa atração sexual e podia realizar suas fantasias sem pudor
(amor - Eros).
A percepção visual masculina, seja diante do nu ou do semi-nu,
torna-se uma significativa fonte de excitação sexual por dispensar a constituição
de outros tipos de relação com o objeto, que seriam importantes para o prazer
feminino, como por exemplo: a segurança proveniente de um relacionamento
emocional e economicamente estável.
A apreciação da beleza para a mulher é fundamentalmente estética,
enquanto que para o homem é predominantemente sexual. São diferentes
experiências entre os gêneros: quando uma mulher acha um homem bonito não
significa que deseje necessariamente possuí-lo em termos sexuais, porém, no
caso do homem, quando ele olha para uma mulher, isso é muito comum
acontecer. Mas como, na maior parte das vezes, o homem não pode acessar
efetivamente o objeto, a satisfação desse desejo torna-se auto-erótica, podendo
ser acompanhada da masturbação.
É certo também que com todas as transformações ocorridas na vida
sexual dos indivíduos, temos hoje maiores possibilidades de o amor direcionado
pelo homem em relação a sua esposa, acoplar essas duas dimensões do amor:
Ágape e Eros. Além do que, a realização do amor Eros ou do prazer sexual tem se
tornado uma exigência feminina. Para a mulher contemporânea, além de ser pai, o
homem também deve ser um bom amante.
Apesar de a variável gênero ter exercido uma certa influência na
escala E, em que as mulheres apresentaram mediana superior aos homens, o
nível estatístico de significância encontrado (p < 0,10) não nos permite afirmar,
com uma margem de erro segura, que existam efetivamente diferenças entre os
gêneros na referida escala.
Esse índice é um pouco elevado em termos da probabilidade de
cometermos o erro tipo I, isto é, rejeitar a hipótese nula quando é verdadeira
(DANCEY, 2006). Mas como esse índice está relativamente próximo do critério
estabelecido (p < 0,05), é necessário não descartar totalmente a possibilidade de
uma efetiva diferença entre os gêneros no que se refere à expressão das pulsões
exibicionistas.
O exibicionismo, como pudemos ver na parte teórica, também era
uma manifestação tipicamente masculina e a sua conceituação se baseava
exclusivamente na exposição dos órgãos genitais. Na primeira versão da escala
E, tratou-se de uma dimensão mais ampla do fenômeno que incluiu desde a
exibição dos órgãos genitais a a obsessão em revelar elementos da própria
intimidade. Já na versão final, de maneira similar à escala V, mantiveram-se
apenas os itens referentes aos prazeres da exibição corporal.
Com a crescente apropriação comercial das pulsões voyeur
mediante a veiculação de inúmeros produtos destinados a explorá-las, as
mulheres começaram a expor o seu corpo com maior freqüência no espaço
público. Tal exposição iniciou-se nas diversas produções da indústria cultural e se
estendeu posteriormente para os ambientes públicos em geral. Das passarelas,
passando pelas telenovelas e chegando às folhas das revistas pornográficas,
criou-se um modelo de mulher fálica em que o público feminino começou a se
espelhar.
Assim o corpo da mulher passou a ser um objeto extremamente
valorizado na cultura atual e os diversos ornamentos que o revestem, tais como
roupas, tatuagens, piercings, entre outros, serviram para realçá-lo frente ao olhar
masculino, incitando o desejo sexual.
Interessante observar o termo “mulher fálica”, pois, essa é uma das
condições que distingue a mulher atual do perfil feminino existente no século
dezenove, no sentido de exprimir uma forte aproximação da mulher aos valores
culturais masculinos. Toda a repressão que envolvia a mulher do referido século
fez com que ela se colocasse em uma posição passiva diante do desejo
masculino, quanto ao fato de ser iniciativa masculina o investimento e cortejo da
mulher.
A sedução decorria mais de um processo imaginativo do homem do
que uma atitude tomada pela própria mulher, pois, as fantasias masculinas tinham
o poder de excitá-lo.
É compreensível que o prazer voyeur tenha se constituído sem a
atuação direta da mulher, pois a concretização desse prazer dependia do não
conhecimento do objeto em estar sendo observado.
Na cultura atual, o papel da mulher muda significativamente. De
mero objeto observado, a mulher se torna agente do jogo sedutor presente no
olhar. Apesar de poder dissimular, o fato de a mulher saber que está sendo
observada por alguém, faz com que atue intencionalmente a fim de incitar o
prazer voyeur.
As poses sensuais, o requebrado do andar, as roupas extravagantes
são alguns exemplos que não deixam dúvidas sobre os artifícios utilizados para a
sedução. Assim sendo, havia uma realidade social bem distinta quando a teoria
psicanalítica trabalhou o conceito de exibicionismo.
Tendo em vista que em termos estatísticos não foram encontradas
diferenças significativas entre os gêneros na escala E e como a maioria das
questões tratam do prazer em exibir formas corporais padronizadas,
independentes da exposição dos genitais, pode-se considerar que a aquisição da
beleza física também tem se tornado importante para os homens.
A questão que agora faço é a seguinte: para quem efetivamente o
homem quer se tornar belo se as mulheres não valorizam tanto a beleza como
objeto de atração sexual, considerando o resultado obtido pelo gênero feminino
na escala V? Em outras palavras, por que a beleza tem se tornado tão importante
para o homem, a ponto de exigi-la do objeto e reivindicá-la para si?
Possivelmente, a adesão dos homens aos padrões estéticos não
decorre somente da atuação da pulsão voyeur, representada pela exigência
estética ao seu objeto, mas também, mediante a atuação da pulsão exibicionista
como instrumento para chamar a atenção.
Em razão de o homem se sentir muito atraído pelas formas
corporais, também a possibilidade de acreditar que a beleza provoque uma
atração sexual nas mulheres, semelhante a que ocorre nele.
No entanto, seria no mínimo estranho esse desconhecimento por
parte dos homens, pois, no mundo atual, existe mais espaço para o diálogo entre
os gêneros e uma infinidade de matérias veiculada na mídia sobre as preferências
femininas em relação às características masculinas. Dessa forma, a crença acima
citada pode ser uma forma de disfarce criado pelo ego a fim de se defender de
um motivo mais forte que está por trás da vaidade do homem e que ele resiste em
reconhecer.
Penso que exista um outro aspecto referente a esse interesse em
chamar a atenção: trata-se de uma questão narcísica e homossexual, pois, de
maneira similar às mulheres, a admiração dispensada por indivíduos do mesmo
gênero também é importante para os homens, apesar de não reconhecê-la.
A auto-confiança dos indivíduos se baseia muito na forma como os
outros lhe dirigem o olhar. A atenção e a inveja despertada por um par de bíceps
definido em alguém, pode contribuir para sua auto-afirmação.
A disputa no campo psíquico parece começar dentro do mesmo
gênero. Uma vitória, em termos de reconhecimento, perante o seu grupo, parece
ser uma condição importante para, posteriormente, auto-afirmar-se diante do
gênero oposto.
A necessidade do amor homossexual não é apagada da psique.
Esse amor, que é impedido de se concretizar sexualmente, realiza-se de maneira
sublimada na admiração de formas físicas ou de atributos intelectuais realizadas
entre indivíduos do mesmo gênero.
Sem dúvida que isso também ocorre entre as mulheres, mas que
de maneira distinta, pois a elas é permitido expressar sentimentos de afinidade
diante do mesmo gênero com maior facilidade. Uma mulher que chama a outra de
bonita não é tão recriminada se comparada a um homem que exprime esse
mesmo sentimento em relação ao outro.
Um exemplo que ilustra a importância do reconhecimento da mulher
no interior de seu grupo, é a questão da magreza. Essa característica que é o
padrão estético das modelos de passarela, não é muito apreciada pelo público
masculino, porém, é extremamente valorizada entre as mulheres.
Assim sendo, apesar de não ser uma característica importante para
despertar a atenção dos homens, muitas mulheres insistem na manutenção desse
padrão, até chegar a pontos extremos, como a anorexia.
No caso dos homens, a forma física caracterizada pela hipertrofia
muscular não é tão apreciada pelo gênero feminino, mas mesmo assim alguns
indivíduos investem muito para adquirir esse padrão, chegando até mesmo a
comprometer a saúde mediante o uso de anabolizantes.
Em relação à escala P, a variável gênero não influenciou os
resultados. Isso mostra que homens e mulheres têm aderido aos padrões
estéticos com a mesma intensidade. Essa adesão manifesta-se em termos de
uma maior importância atribuída a determinados padrões difundidos pela indústria
cultural e que em parte são oferecidos pelas academias.
Apesar de parte dos itens da escala V não explicitar a que padrões
estéticos correspondem, não há dúvidas de que a maior parte dos estímulos
destinados a incitar o prazer voyeur são caracterizados pelos padrões estéticos
vigentes.
Para se tornar atrativo, o objeto a ser investido pela percepção visual
deve possuir determinadas características que chamamos de padrões estéticos. A
correlação significante encontrada entre as escalas V e P mostra que sujeitos
com maior propensão ao voyeurismo tendem a aderir com maior força aos
padrões estéticos.
Para analisar essa correlação entre as escalas V e P bem como as
demais correlações, utilizou-se o rho de Spearman. No entanto, como o cálculo
da correlação parcial, isto é, com o controle de variáveis, é realizado, no
programa SPSS, apenas por meio do coeficiente de Pearson, resolveu-se
também utilizar esse coeficiente no cálculo das correlações.
Esses cálculos foram feitos para testar as hipóteses que tratam da
existência de correlação positiva entre as pulsões de voyeurismo e exibicionismo
(Hipótese C) e de correlação positiva entre essas mesmas pulsões e a adesão
aos padrões estéticos (Hipótese D). Ambas hipóteses foram aceitas com um nível
de significância de p < 0,01, conforme a seguinte tabela:
Tabela 10: Coeficientes de correlação bivariada de Spearman-ρ e Pearson- r
_______________________________________________
Escalas V-ρ V-r E-ρ E-r P-ρ P-r__
V 1,00 1,00 0,46* 0,45* 0,52* 0,51*
E 0,46* 0,45* 1,00 1,00 0,49* 0,51*
P 0,52* 0,51* 0,49* 0,51* 1,00 1,00_
* correlação significante para p < 0,01
Nas hipóteses C e D, também foi afirmada a presença de correlação
nos três grupos da pesquisa. Realizou-se o cálculo da correlação parcial com o
controle da variável grupo e não foram encontradas diferenças no coeficiente de
correlação. Isso mostra que a força da correlação é a mesma para todos os
grupos.
Na escala P, a adesão dos indivíduos aos padrões estéticos pode se
manifestar das seguintes formas: na simples apreciação da beleza, sem a
presença do desejo de ter ou ser como o objeto; no desejo de possuir
determinado objeto, com essas características, para fins de relacionamento
sexual ou utilizá-lo como estímulo para uma satisfação auto-erótica; na
apresentação de comportamentos miméticos, relacionados ao interesse de obter
para si os padrões estéticos apresentados pelo objeto.
Essas três características referentes à adesão aos padrões não são
excludentes e podem se apresentar simultaneamente. O que pode indicar a
presença mais intensa de uma ou de outra dessas características são os
resultados obtidos pelos indivíduos nas escalas V e E.
Considerando os resultados dessas duas escalas, uma das
possíveis diferenças entre os gêneros frente aos padrões estéticos decorre do
fato de os homens apresentarem principalmente a segunda e a terceira
características acima mencionadas exigência dos padrões no objeto para
apreciação e aquisição dos padrões para exibição enquanto que as mulheres
apresentam, predominantemente, apenas a primeira e a terceira características.
Tanto é procedente essa explicação, que ao realizar o teste de
correlação parcial entre as escalas V e E com o controle da variável gênero,
houve alteração do coeficiente de correlação dessas escalas que aumentou de r =
0,45 para r = 0,55, com um nível de significância p < 0,001.
A razão desse aumento correlacional deve-se à diferença
apresentada pelos gêneros na escala V, em que o prazer do olhar se mostrou
com menor intensidade nas mulheres.
Além disso, como pode ser observado na tabela 12, sempre que foi
calculada a correlação parcial entre duas escalas, controlando-se o efeito da
terceira escala, a força da correlação diminuiu de maneira significativa.
Isso mostra a importância de não se dissociar os resultados
referentes aos três fenômenos - voyeurismo, exibicionismo e padrões estéticos -
para que a força da correlação entre as escalas se mantenha.
Tabela 11: Coeficientes de correlação parcial de Pearson com controle das
escalas
Escalas V E P___
V 1,00 0,26* 0,37*
E 0,26* 1,00 0,37*
P 0,37* 0,37* 1,00__
Obs: * Correlação significante para p < 0,001
Nesse sentido, quando, por exemplo, foi controlado o efeito da
escala P na correlação das escalas V e E, o coeficiente caiu de 0,45 para 0,26.
Esse é mais um dado que evidencia como o prazer decorrente das
pulsões do olhar depende de um vínculo estabelecido com os padrões estéticos,
ou seja, o prazer não está relacionado em olhar e exibir qualquer coisa, mas sim
direcionado a determinados objetos cujas características estéticas são
compartilhadas e valorizadas socialmente.
Ao se vincular aos padrões, constituindo-os como objetos de
investimento libidinal, as pulsões do olhar ganham materialidade para assim se
expressarem por meio de comportamentos específicos que são nomeados de
voyeur e exibicionista.
Devido ao seu caráter, a priori, imaterial, o acesso às pulsões
somente é possível quando elas se articulam a determinados objetos. Assim
sendo, o estudo das pulsões deve ser feito em situações sociais concretas, tal
qual se apresentam neste estudo.
A relação complementar das pulsões voyeur e exibicionista ocorre
primeiramente em relação ao próprio sujeito. A sedução antes de mais nada é
uma sedução narcísica. Para tentar encantar o outro, o sujeito deve sentir-se
encantado por si mesmo.
Na psique, essas pulsões atuam como se fosse um jogo de espelho.
Antes de sentir suficientemente atraente para se expor ao objeto, o sujeito tem
que direcionar o olhar para si e sentir prazer com a sua imagem refletida. Mas
para conseguir ver a si mesmo, o sujeito tem que, primeiramente, exibir-se para
si, como se estivesse diante de um espelho.
Esse espelho é simultaneamente social e psíquico, ou seja, na
formação da auto-imagem subjetiva uma conjugação dos fragmentos
imagéticos devolvidos ao sujeito pelas diversas pessoas que o rodeiam, com a
forma em que ele apreende essas imagens. Basicamente a auto-imagem é o
resultado da síntese realizada pelo sujeito frente aos fragmentos imagéticos
recebidos objetivamente.
O olhar que avalia a auto-imagem é mediado pelos padrões
estéticos vigentes cujos representantes, na sociedade atual, são os modelos da
indústria cultural. Nesse sentido o conceito de pulsão mostra toda a sua força,
pois, os prazeres do olhar se configuram nessa relação entre as fontes psíquicas
e os representantes da cultura.
A diminuição das correlações entre as escalas V e P; E e P --
mediante o controle dos efeitos da escala E no primeiro caso e da escala V no
segundo observada na tabela 11, mostra exatamente a dependência mútua
existente entre voyeurismo e exibicionismo na configuração dos prazeres do
olhar.
Em suma, o vínculo entre as três escalas permite a afirmação das
seguintes tendências: 1 a correlação entre as pulsões voyeur e exibicionista
aumenta quando se considera o fator de adesão aos padrões estéticos; 2 a
correlação entre uma pulsão e adesão aos padrões aumenta, quando se
considera os efeitos da outra pulsão.
Em razão de os homens estarem se tornando mais vaidosos já era
de se esperar uma adesão aos padrões estéticos, não somente em termos de
exigência estética ao seu objeto, mas também como uma necessidade de adquirir
os padrões para se mostrar diante dos objetos.
Essa última dimensão está associada à adesão aos padrões
estéticos por parte dos homens, em razão de praticamente não ter ocorrido
diferenças entre os gêneros na escala E.
Conforme observa-se na tabela 12, o único caso em que as
mulheres apresentaram mediana estatisticamente significativa superior aos
homens, pois, o nível de significância aumentou para p < 0,05, ocorreu quando se
associou a variável idade (acima de 25 anos) ao gênero feminino, ou seja,
mulheres acima de 25 anos tendem a expressar mais intensamente pulsões
exibicionistas do que homens dessa faixa etária.
Tabela 12: Mediana (Md) e Média (M) dos gêneros na escala E, com o
controle da idade - teste de Mann Whitney
____________________________________
Até 25 anos Acima 25 anos
Gênero Md M Md M___
Masculino 2,08 2,13 1,85 1,93
Feminino 2,23 2,19 2,00 2,14
Valor Z -0,67 -1,95
Significância 0,50 0,05(*)______
A relação dos gêneros com os padrões estéticos se apresenta de
diferentes formas. A mulher cobra mais de si o enquadramento aos padrões
enquanto que o homem, com maior freqüência, exige da mulher essa adesão.
Exigência que se dá em razão de o homem ser mais suscetível ao prazer voyeur.
No entanto, como o homem começou também a exigir de si essa
adequação aos padrões, essa cobrança tem sido experimentada de diversas
formas pelos dois gêneros. Entre elas poderíamos citar: uma necessidade
exacerbada de se adequar aos padrões estéticos, sentimentos de vergonha em
expor o corpo e culpa por não estar dentro de tais padrões.
Conforme mencionado na parte teórica desse trabalho, em razão de
haver atualmente uma reduzida incorporação das autoridades por parte do
sujeito, o superego tem se constituído de forma extremamente debilitada e o
sentimento de culpa gradativamente tem sido substituído pela vergonha. A
identificação com os modelos é superficial, no sentido de serem substituídos
facilmente por outros que estejam na moda.
No entanto, por estarmos em um momento histórico que reduz a
moral a uma moral estética em que o bem e o mal passa a ser uma questão de
beleza e feiúra, podem-se notar aqui fragmentos de uma nova configuração do
superego que limita o sentimento de culpa a juízos estéticos heteronômicos.
Quando esse sentimento de culpa é forte suficiente nos indivíduos
que aderem tenazmente aos padrões estéticos, pode existir uma intensificação
das diversas formas de atuação da pulsão de morte. Entre alguns exemplos,
podem-se citar: a ingestão de hormônios para aumentar a massa muscular,
apesar de toda evidência científica do alto risco de câncer causado pelo uso
dessas drogas; e uma das mais evidentes formas de atuação da pulsão de morte
envolvente da culpa estética, que é a anorexia.
Fenômeno tipicamente feminino mas que atualmente também tem
atingido aos homens, na anorexia a relação com a beleza se desloca para o
interior do sujeito, ou seja, uma regressão da libido em que ela deixa de se
dirigir aos objetos e passa a ser investida no próprio sujeito (libido narcísica).
O indivíduo com anorexia não acredita mais naquilo que o outro lhe
diz. Para o anorexo, sua única verdade é uma auto-imagem deturpada que o leva
a se punir a todo momento, por se achar gordo.
A anorexia fixa-se em um dos padrões mais fortes existentes no
mundo atual que é o ideal da magreza. Apesar de estar leve como uma pena, a
auto-imagem que o sujeito tem de si é completamente oposta. Cada vez que ele
se olha no espelho, a sua consciência deturpa a imagem refletida e com isso
emerge o sentimento de culpa, por se considerar fora dos padrões de beleza.
Sentimentos de culpa conseqüentemente provocam necessidade de
punição, que no caso da anorexia é representada principalmente pela inanição. É
difícil convencer o sujeito de que ele se pune para atenuar a culpa sentida pelo
seu fracasso em se adequar aos padrões, visto que o fato de não comer é
racionalizado como ausência de apetite. A culpa é tão grande que o sujeito
sequer se permite sentir fome.
Conseqüentemente temos a formação de um rculo vicioso porque
quanto mais o indivíduo se pune ao deixar de ingerir alimentos, mais se sente
fracassado em virtude de continuar a ver sua imagem como a de uma pessoa
obesa. É importante mencionar que a anorexia, freqüentemente, acomete
indivíduos com uma faixa etária baixa.
Em relação à variável idade, apesar de não ter apresentado um nível
de probabilidade significativo de influência nos resultados, ela também não pode
ser descartada nos estudos desses fenômenos, com exceção da escala V cujo
índice de probabilidade associado ao erro amostral foi de p < 0,86.
Nas demais escalas, os índices de probabilidade associados de que
indivíduos com faixa etária até 25 anos apresentem escore superior àqueles
acima de 25 anos, foram os seguintes: escala E, p < 0,06 e escala P, p < 0,10,
conforme tabela abaixo.
Tabela 13: Mediana (Md) e Média (M) da variável idade nas escalas - teste de
Mann Whitney
_________________________________________________
V E P
Idade Md M Md M Md M__
Até 25 anos 2,00 2,04 2,15 2,15 2,67 2,70
Acima 25 anos 1,83 2,02 1,92 2,03 2,50 2,54
Valor Z -0,18 -1,87 -1,65
Significância 0,86 0,06 0,10_______
Dessa forma, em outros estudos, seria importante uma maior
delimitação nas faixas etárias, pois, se, com apenas duas faixas, os índices de
probabilidade associados nas escalas E e P estiveram próximos do critério de
significância estabelecido (p < 0,05), eles tenderão a diminuir ainda mais se for
feito um maior número de divisões etárias.
Em razão de a amostra não ter sido pareada por meio das variáveis
independentes utilizadas nesta pesquisa, ou seja, distribuída eqüitativamente por
grupo, gênero e idade, foram feitos alguns testes associando essas variáveis para
observar o poder de influência sobre os resultados obtidos.
Como foram encontradas diferenças entre os grupos na escala P,
realizou-se o teste de Kruskal-Wallis que agora com o controle da variável
idade. Com isso, o nível de probabilidade associado ao erro tipo I diminuiu ainda
mais (p < 0,01) quanto a diferença entre os grupos, considerando a faixa etária
até 25 anos. Porém em relação à faixa etária acima de 25 anos, a diferença o
foi significativa em termos estatísticos (p < 0,59). Segue a tabela 14.
Tabela 14: Mediana (Md) e Média (M) dos grupos na escala P, com o controle
da variável idade - teste de Kruskal-Wallis
____________________________________
Até 25 anos Acima 25 anos
Grupos Md M Md M___
1 2,50 2,69 2,42 2,45
2 2,92 2,93 2,54 2,61
3 2,58 2,52 2,67 2,55
Qui-quadrado 9,55 1,04
Significância 0,01(*) 0,59_______
Quando se associou a variável grupo (grupo 2) com a faixa etária até
25 anos para saber o nível de significância da diferença quanto à idade,
encontrou-se o valor p < 0,03 com o teste de Mann-Whitney, conforme os dados
da tabela 15.
Tabela 15: Mediana (Md) e Média (M) da variável idade na escala P, com o
controle dos grupos - teste de Mann-Whitney
__________________________________________________
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3
Idade Md M Md M Md M__
Até 25 anos 2,50 2,69 2,92 2,93 2,58 2,52
Acima 25 anos 2,42 2,45 2,54 2,61 2,67 2,55
Valor Z -1,42 -2,20 -0,41
Significância 0,15 0,03(*) 0,68_______
Dessa forma, para a diferença entre as faixas etárias ser
estatisticamente significativa na escala P, indivíduos até 25 anos precisam estar
associados à praticantes de musculação.
Também foi calculada a correlação parcial entre as três escalas com
o controle da variável idade e não se encontraram diferenças significantes dos
coeficientes de correlação.
Em síntese, como as condições paramétricas não foram satisfeitas,
as diferenças de escores apresentadas nas três escalas pelos grupos 1
(sedentários), 2 (praticantes de musculação) e 3 (outras modalidades) foram
analisadas mediante os testes de Kruskal-Wallis e Mann-Whitney.
Foram encontradas diferenças significativas na escala P, pois, a
mediana apresentada pelo grupo 2 (2,83) foi superior a do grupo 1 (2,50) e do
grupo 3 (2,58), com veis de probabilidade associados de p < 0,05 e p < 0,01,
respectivamente.
O teste de Mann-Whitney apontou diferença significativa entre os
gêneros na escala V. A mediana apresentada pelos homens foi de 2,25 e a das
mulheres 1,58, com nível de probabilidade associado de p < 0,001.
Os coeficientes de Pearson em relação às correlações existentes
entre as escalas V e E (0,45) - V e P (0,51) - E e P (0,51), foram significantes para
p < 0,01.
Portanto, concluiu-se que: o grupo 2 adere mais intensamente aos
padrões estéticos; os homens possuem uma maior tendência ao voyeurismo e as
três escalas estão correlacionadas positivamente.
Considerações finais
O fato de as escalas desta pesquisa, como a maioria daquelas que
provém das ciências humanas, serem ordinais ou de 2º nível de mensuração, não
nos permite precisar quanto as pulsões e a adesão aos padrões estéticos
diferiram em relação às variáveis independentes destacadas para a análise dos
dados, a saber: grupo, gênero e idade. Entretanto, pudemos observar que
algumas diferenças entre as variáveis foram estatisticamente significantes
enquanto outras não.
Por si só, o índice de tendência central mediana --, utilizado para o
teste de hipóteses, não elementos suficientes para afirmar se uma
exacerbação ou redução do voyeurismo, exibicionismo e adeo aos padrões
estéticos entre os sujeitos, que, conseqüentemente, poderiam contribuir para o
aparecimento de patologias físicas e psíquicas.
No entanto, os resultados das escalas e a análise teórica deram
alguns indícios da tendência desses fenômenos, isto é, apontaram a existência de
diferenças em algumas variáveis que merecem ser aprofundadas mediante novas
pesquisas.
A análise dos dados suscitou o levantamento de questões que não
haviam sido formuladas no problema desta pesquisa. Uma delas refere-se à
diferença entre os gêneros quanto à expressão das pulsões voyeur.
A configuração da beleza na percepção subjetiva ocorre mediante a
atuação das pulsões do olhar, sendo que a apreciação e a exibição do belo são
os comportamentos que refletem a conjunção dessas pulsões com as formas
estéticas provenientes do objeto.
Os resultados das escalas mostraram que a beleza é importante
para os dois gêneros, porém, existem diferenças significativas quanto aos
aspectos enfatizados por cada um deles.
Para o homem, a beleza física não é um mero objeto de apreciação,
no sentido estrito de lhe atribuir juízos estéticos. O vínculo estabelecido com o
objeto é marcado pelo desejo de posse.
Como o homem tende a cindir sexo de afeto, tal desejo é
fragmentado em razão de se caracterizar fundamentalmente por uma atração de
cunho sexual, ou seja, o interesse é marcado por relações passageiras, sem o
estabelecimento de intimidade, apenas com intuito de dar vazão às pulsões
sexuais.
Em razão de, para se manifestar, a pulsão voyeur prescindir do
contato efetivo com o objeto, esse tipo de satisfação se concretiza,
freqüentemente, por meio de formas auto-eróticas.
As regras sociais que enfatizam a monogamia como princípio
norteador das relações afetivas, não têm sido fortes o suficiente para apagar os
vestígios remanescentes de uma cultura patriarcal mais permissiva em relação ao
número de parceiros sexuais que o homem poderia ter.
Dessa forma, o voyeurismo constitui-se como uma espécie de
acordo realizado entre a sociedade e os indivíduos, no sentido de lhes permitir,
simultaneamente, o prazer do gozo com vários objetos, mediante práticas auto-
eróticas, e a obediência à monogamia.
Em decorrência de se ter encontrado maior intensidade da pulsão
voyeur nos homens, a beleza torna-se um dos principais artifícios para a mulher
atrair a atenção masculina e com isso realizar o jogo da sedução.
Vale lembrar que, na expressão das pulsões exibicionistas, além de
as mulheres não terem diferido dos homens, os resultados obtidos mostraram até
uma certa chance de elas suplantá-los. No entanto, essa hipótese não foi
confirmada estatisticamente.
Considerando o fato de se ter encontrado o mesmo grau de pulsão
exibicionista entre homens e mulheres e sendo que essas últimas não valorizam
tanto a beleza como elemento de atração sexual, pensou-se em uma outra
característica dessa pulsão, ainda mais forte que a anterior e que se aproxima
das definições tradicionais do exibicionismo.
A pulsão exibicionista além de funcionar como elemento para atrair o
desejo de um objeto heterossexual, também apresenta uma dimensão narcísica
cujo objetivo se relaciona ao fato de ser admirado e causar impacto no objeto
mediante a exibição de atributos físicos.
Nesse sentido, a função da exibição da beleza não é a conquista do
objeto, mas sim uma disputa entre indivíduos do mesmo gênero para saber quem
é, supostamente, o mais belo. Na concepção masculina, a beleza se relaciona
muito com a questão da força. Músculos hipertrofiados têm tornado-se símbolos
de virilidade e de reconhecimento da masculinidade entre os homens. para as
mulheres, a magreza é a vedete estética.
Hipertrofia muscular e magreza, duas características admiradas
dentro de um mesmo gênero, mas que não são tão importantes na avaliação do
gênero oposto. Nesse sentido, o exibicionismo atua como um meio de satisfação
auto-erótica. O prazer está na conquista do olhar do objeto e não no próprio
objeto, ou seja, o desejo restringe-se ao fato de chamar a atenção das pessoas.
Sabe-se que esses dois padrões estéticos quando levados a
extremos podem desencadear alguns tipos de doenças como as decorrentes do
uso de anabolizantes e da falta de ingestão alimentar.
Essas questões fizeram parte do problema da pesquisa, mas como a
amostra não foi composta por usuários de anabolizantes ou indivíduos anorexos,
sugiro a realização de novos estudos englobando esses sujeitos a fim de
compará-los com outros grupos que teoricamente apresentariam as pulsões do
olhar com menor intensidade e adeririam menos aos padrões estéticos.
É importante mencionar que o movimento feminista mediante suas
reivindicações de igualdade dos direitos entre os gêneros, contribuiu
significativamente para uma identificação das mulheres com alguns valores
culturais masculinos. Tal fato fez com que elas começassem a apresentar
comportamentos tipicamente masculinos, como por exemplo, a separação entre
sexo e afeto.
Os papéis sociais dos gêneros estão passando por um grande
processo de transição. Como as condições objetivas têm propiciado às mulheres,
de maneira geral, a identificação com o modelo masculino de personalidade e
com isso, resultado em uma maior liberdade nas diversas áreas da vida, inclusive
no próprio campo sexual, a diferença apresentada na escala V entre os gêneros
tende a diminuir.
Atualmente, como se encontram muitos comportamentos que eram
difíceis de serem apresentados pelas mulheres no passado, tais como: traição
conjugal, relações sexuais com grande número de parceiros e perda da
virgindade antes do casamento, seria razoável a suposição do aumento da
excitação visual nas mulheres em um futuro próximo.
A pulsão voyeur, apresentada pelas mulheres antes do movimento
feminista, poderia ser ainda menor em virtude da forte repressão a que estavam
submetidas. Apesar de a diferença encontrada entre os gêneros na escala V,
possivelmente, a mulher atribui, nos dia de hoje, uma maior importância à beleza
no sentido de se sentir atraída sexualmente.
Porém, o fato de os homens valorizarem muito a beleza como
elemento de atração sexual, faz com que também acreditem na importância dos
aspectos físicos para as mulheres se sentirem atraídas por eles. O que é um
auto-engano, pois, conforme podemos ver nos resultados da escala V, a questão
da beleza não é tão importante para as mulheres como é para os homens, em
termos de atração sexual.
Como foi visto ao longo desta pesquisa, existem várias formas de as
pulsões do olhar se manifestar, desde aquelas relacionadas diretamente com a
exposição dos genitais até as que se referem a um prazer sublimado,
representado pelas obras de arte.
O culto ao corpo que se situa entre esses dois extremos - pulsão
sexual e pulsão sublimada inibida em sua finalidade original - pode ser concebido
como uma forma de expressão dessas pulsões com forte presença na atualidade,
pois, no final do século XIX e parte do XX, pelo menos nas sociedades civilizadas,
as pulsões do olhar eram fundamentalmente direcionadas para aspectos sexuais
e artísticos. Enquanto o segundo aspecto era valorizado socialmente, o primeiro
era marginalizado, em razão de ser considerado obsceno.
Mas a liberdade aparentada por meio da exibição corporal mostra a
sua fragilidade no momento em que a noção de pecado em mostrar o próprio
corpo foi substituída pela vergonha ou culpa de não se ter as formas físicas
padronizadas e cultuadas pela sociedade contemporânea.
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1
Anexos
Anexo I: Tabelas (média e desvio padrão dos itens)
Tabela A-1: Média e DP da escala V (Grupo 1)
Freqüencia escore
Item F 1 F 2
F 4
F 5
Total
Média
DP
1 26
3
1
0
36
1,20
0,60
2 14
9
3
4
64
2,13
1,43
3 16
7
7
0
58
1,93
1,21
4 21
7
0
2
45
1,50
1,02
5 27
2
1
0
35
1,17
0,58
6 22
4
2
2
48
1,60
1,20
7 27
3
0
0
33
1,10
0,30
8 14
5
4
7
75
2,50
1,69
9 20
3
3
4
58
1,93
1,50
10 3
4
8
15
118
3,93
1,39
11 20
7
2
1
47
1,57
1,02
12 4
5
4
17
115
3,83
1,55
13 25
3
1
1
40
1,33
0,91
14 26
1
2
1
41
1,37
1,02
15 14
7
7
2
66
2,20
1,40
16 17
4
7
2
63
2,10
1,45
17 19
5
5
1
54
1,80
1,25
18 15
2
8
5
76
2,53
1,67
19 27
2
1
0
35
1,17
0,58
Total 357
83
66
64
1107
36,90
21,77
2
Tabela A-2: Média e DP da escala V (Grupo 2)
Freqüencia escore
Item F 1 F 2
F 4
F 5
Total
Média
DP
1 23
5
0
2
43
1,43
1,02
2 22
3
3
2
50
1,67
1,27
3 13
2
8
4
69
2,56
1,33
4 22
6
0
2
44
1,47
1,02
5 19
6
4
1
52
1,73
1,18
6 20
6
3
1
49
1,63
1,11
7 18
7
4
1
53
1,77
1,17
8 13
3
7
7
82
2,73
1,71
9 10
5
4
11
91
3,03
1,76
10 6
5
6
13
105
3,50
1,63
11 14
8
7
1
63
2,10
1,30
12 5
7
5
13
104
3,47
1,61
13 24
3
0
3
45
1,50
1,20
14 26
2
2
0
38
1,27
0,77
15 22
3
4
1
49
1,63
1,20
16 21
3
5
1
52
1,73
1,26
17 19
6
3
2
53
1,77
1,26
18 13
5
7
5
76
2,53
1,61
19 25
2
2
1
42
1,40
1,02
Total 335
87
74
71
1160
38,92
24,44
Tabela A-3: Média e DP da escala E (Grupo 1)
Freqüencia escore
Item F 1 F 2 F4
F5
Total
Média
DP
1 16 6 5 3 63 2,10 1,45
2 14 9 6 1 61 2,03 1,25
4 23 2 5 0 47 1,57 1,12
6 13 7 8 2 69 2,30 1,42
7 12 8 6 4 72 2,40 1,50
8 5 6 9 10
103 3,43 1,52
9 13 9 7 1 64 2,13 1,28
10 21 4 2 3 52 1,73 1,34
11 22 7 0 1 41 1,37 0,80
12 23 5 2 0 41 1,37 0,80
13 26 3 1 0 36 1,20 0,60
14 14 7 6 3 67 2,23 1,45
15 30 0 0 0 30 1,00 0,00
16 14 9 4 3 63 2,10 1,37
17 26 2 2 0 38 1,27 0,77
18 21 6 1 2 47 1,57 1,12
19 12 10 4 4 68 2,27 1,44
Total 305 100 68
37
962 32,07
19,21
3
Tabela A-4: Média e DP da escala E (Grupo 2)
Freqüencia escore
Item F 1 F 2
F 4
F 5
Total
Média
DP
1 16 7 3 4 62 2,07 1,46
2 9 6 11 4 85 2,83 1,51
4 21 2 5 2 55 1,83 1,39
6 11 7 8 4 77 2,57 1,52
7 11 6 7 5 76 2,62 1,48
8 10 5 4 10 86 2,97 1,63
9 13 7 6 4 71 2,37 1,52
10 16 6 3 5 65 2,17 1,55
11 24 3 1 2 44 1,47 1,12
12 23 4 2 1 44 1,47 1,02
13 18 3 6 2 58 2,00 1,37
14 10 5 7 8 88 2,93 1,67
15 22 3 2 3 51 1,70 1,35
16 13 7 6 4 71 2,37 1,52
17 20 7 2 1 47 1,57 1,02
18 20 6 2 2 50 1,67 1,19
19 14 5 6 5 73 2,43 1,61
Total 271 89 81 66 1103
37,02
23,93
Tabela A- 5: Média e DP da escala P (Grupo 1)
Freqüencia escore
Item F 1 F 2
F 4
F 5
Total
Média
DP
1 16
6
5
3
63
2,10
1,45
2 15
7
7
1
62
2,07
1,31
3 24
3
3
0
42
1,40
0,92
4 27
0
0
3
42
1,40
1,20
5 4
6
10
10
106
3,53
1,45
6 8
9
9
4
82
2,73
1,46
7 3
5
14
8
109
3,63
1,30
8 7
9
10
4
85
2,83
1,44
9 3
13
8
6
91
3,03
1,38
10 29
1
0
0
31
1,03
0,18
11 13
8
5
4
69
2,30
1,49
12 10
9
7
4
76
2,53
1,48
Total 159
76
78
47
858
28,60
15,05
4
Tabela A-6: Média e DP da escala P (Grupo 2)
Freqüencia escore
Item F 1 F 2
F 4
F 5
Total
Média
DP
1 19
5
3
2
51
1,76
1,21
2 14
3
12
1
73
2,43
1,48
3 23
3
0
4
49
1,63
1,35
4 22
2
0
6
56
1,87
1,59
5 5
12
7
6
87
2,90
1,45
6 8
6
7
6
78
2,89
1,21
7 2
2
9
17
127
4,23
1,17
8 11
5
7
7
84
2,80
1,66
9 6
3
12
8
100
3,45
1,33
10 20
3
2
4
54
1,86
1,41
11 19
5
2
4
57
1,90
1,45
12 13
7
7
3
70
2,33
1,47
Total 162
56
68
68
886
30,06
16,78
5
Anexo II: primeira versão das escalas
Escala V: Voyeurismo
1 Uma das coisas mais interessantes da Internet são os sites que mostram
pessoas totalmente nuas.
2 - Deveria haver no mercado um maior mero revistas que mostrasse pessoas
despidas parcialmente com roupas sensuais.
3 - Tenho muita excitação quando vejo fotos de pessoas em poses sensuais.
4 Diante do crescimento das doenças sexualmente transmissíveis, estou tendo
mais prazer em ver imagens eróticas do que no relacionamento sexual.
5 – Prefiro olhar fotos que mostram corpos malhados a namorar uma pessoa que
não tenha um físico bonito.
6 Uma pessoa apenas educada e legal não me atrai tanto quanto observar um
corpo malhado.
7 - Tenho mais prazer em ver o meu (minha) parceiro (a) se despindo do que no
relacionamento sexual.
8 – Gosto de ver vídeos que mostram pessoas tendo relacionamentos sexuais.
9 – Os segredos foram feitos para serem desvendados.
10 O prazer de ver alguém se despir sem o seu conhecimento não compensa o
risco de ser apanhado.
11 – O principal atrativo de uma academia é ver pessoas com corpo sarado.
12 - Atualmente, tornou-se tão fácil ver alguém pelado nos sites da Internet que a
nudez não tem mais me excitado.
13 É melhor ficar em casa do que ir a um clube ou praia que não sejam
freqüentados por pessoas com corpo sarado.
14 É mais prazeroso acessar sites de imagens sensuais do que perder tempo
em conhecer pessoas diretamente para um relacionamento mais íntimo.
15 – Nas horas de lazer, adoro saber fatos que envolvam a intimidade de pessoas
famosas.
16 – As fofocas despertam demais a minha atenção.
6
17 Acho muito importante as fotos sensuais porque dificilmente consigo me
excitar somente com a imaginação.
18 - Quanto mais explícitas são as imagens eróticas maior é a minha excitação.
19 Não tenho paciência para me excitar somente com a imaginação, por isso
prefiro ver revistas sensuais.
Escala E: Exibicionismo
1 – Acho mais importante passar vontade de comer algo que adoro do que ganhar
uns quilos a mais e não poder mostrar o meu corpo.
2 – Adoro mostrar minha forma física.
4 Gosto de usar o mínimo de roupas possíveis e de preferência sensuais para
chamar a atenção das pessoas.
6 - Acredito que pelo modo como as pessoas olham para um corpo “malhado”
já compensa fazer as rígidas dietas.
7 - Não tenho dúvidas de que os resultados estéticos que podem ser obtidos
com muita atividade esportiva compensa os riscos de lesões físicas.
8 Faço questão de tirar a camisa ou colocar um biquíni para ir à praia ou ao
clube quando estou em forma.
9 - A aparência física é minha principal aliada para chamar a atenção em um
relacionamento.
10 – Para mim, em uma festa é mais importante ser notado por várias pessoas do
que conhecer alguém de maneira mais íntima.
11 Se for para eu ir a um lugar público e não ser notado por várias pessoas,
prefiro não ir.
12 Sinto tanto prazer quando as pessoas admiram meu corpo que os contatos
íntimos acabam sendo menos importantes.
13 – Sentiria-me muito bem se tivesse liberdade para ficar nu nos espaços
públicos.
14 – Adoro a rapidez de impacto que um corpo sarado provoca nas pessoas.
15 – Uma das minhas fantasias é um dia poder transar em público.
16 – Minha vida é um livro que deve ficar aberto.
7
17 – Tenho enorme prazer em contar detalhes da minha intimidade.
18 – Tenho mais prazer quando fico nu diante do meu (minha) parceiro (a) do que
no próprio relacionamento sexual.
19 Não consigo ter prazer em apenas imaginar alguém olhando para meu
corpo, pois preciso que esse olhar seja direto.
Escala P – Padrões Estéticos Contemporâneos
1 Modelos masculinos e femininos de baixa estatura deveriam participar de
desfiles de moda.
2 - As telenovelas ficaram muito mais interessantes em razão dos diversos (as)
modelos (a) que formam o elenco.
3 - Espera-se que os protagonistas das telenovelas e do cinema tenham na
maior parte das vezes a pele de cor branca.
4 Na minha opinião, a cor de pele das bonecas comercializadas no mundo
deveriam ser diversificadas.
5 – A celulite e as estrias não prejudicam a beleza feminina.
6 – Em um primeiro momento, o homem careca não atrai a atenção das mulheres.
7 Homens e mulheres com músculos enrijecidos e definidos chamam mais a
atenção se comparados a indivíduos muito magros.
8 – Beleza não combina com obesidade.
9 A flacidez corporal é um mal a ser fortemente combatido por meio de
propagandas educativas em razão de se constituir como um dos principais
inimigos da beleza.
10 – A cor branca é indispensável para o indivíduo que trabalha com o público.
11 – O cabelo crespo não é bom.
12 – Barriga é sinônimo de feiúra.
8
Anexo III – versão final das escalas
Escala V – Voyeurismo
1 - Uma das coisas mais interessantes da Internet são os sites que mostram
pessoas totalmente nuas.
2 - Deveria haver no mercado um maior número de revistas sensuais que
mostrasse pessoas semi-nuas.
3 - Tenho muita excitação quando vejo fotos de pessoas em poses sensuais.
4 - Diante do crescimento das doenças sexualmente transmissíveis, acho mais
excitantes as imagens sensuais do que o relacionamento sexual.
6 - Prefiro observar um corpo malhado a namorar uma pessoa feia fisicamente.
7 Em uma relação sexual, teria mais prazer em ver o meu (minha) parceiro(a)
se despindo do que no próprio relacionamento.
8 - Gosto de ver vídeos que mostram pessoas tendo relacionamentos sexuais.
11 Para mim, o principal atrativo das academias são as pessoas com o corpo
sarado.
14 - É mais prazeroso acessar sites de imagens sensuais do que perder tempo
em conhecer pessoas diretamente.
17 - Acho muito importante as fotos sensuais porque dificilmente consigo me
excitar somente com a imaginação.
18 - Quanto mais explícitas são as imagens eróticas maior é a minha excitação.
20 - Adoro ver sites que mostram pessoas com roupas sensuais.
Escala E: Exibicionismo
1 - Se for para manter a boa forma, passo vontade de comer coisas que adoro.
2 - Adoro mostrar minha forma física.
4 - Gosto muito de usar roupas sensuais para chamar a atenção das pessoas.
6 - A admiração que as pessoas têm por um corpo malhado compensa a
realização de rígidas dietas.
7 - As lesões físicas não são problemas se considerarmos a beleza adquirida por
meio de intensas práticas esportivas.
9
8 Se estou em forma, tenho enorme prazer em tirar a camisa ou colocar biquíni
para mostrar o meu corpo.
9 - A aparência física é minha principal aliada para chamar a atenção das
pessoas.
10 - Para mim, em uma festa, é mais importante ser notado por várias pessoas do
que conhecer alguém de maneira mais íntima.
11 - Se for para eu ir a um lugar público e não chamar a atenção, prefiro não ir.
12 - Sinto tanto prazer quando as pessoas admiram meu corpo que os contatos
íntimos acabam sendo menos importantes.
13 - Sentiria-me muito bem se tivesse liberdade para ficar nu nos espaços
públicos.
15 - Uma das minhas fantasias é transar em público.
18 Teria mais prazer em ficar nu diante do meu (minha) parceiro (a) do que no
próprio relacionamento sexual.
Escala P: Padrões estéticos
2 - As telenovelas estão mais interessantes em razão dos modelos que formam o
elenco.
3 - Espera-se que a maior parte dos atores de telenovelas sejam brancos.
6 - Homem careca não é atraente.
7 - Pessoas com músculos enrijecidos e definidos são maravilhosas.
8 - Beleza não combina com obesidade.
9 - A flacidez corporal prejudica demais a beleza.
10 - A cor branca é indispensável para o indivíduo que trabalha com o público.
11 - Cabelo crespo não é bom.
12 - Barriga é sinônimo de feiúra.
13 - Pessoas muito magras não são atraentes.
14 - As mulheres mais sensuais são aquelas com bumbum grande e empinado.
15 - Seios volumosos e rígidos são indispensáveis para chamar a atenção das
pessoas.
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