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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
PROGRAMA DE MESTRADO
Larissa Verri Boratti
ASPECTOS TEÓRICO-JURÍDICOS DO RISCO AMBIENTAL NO ESPAÇO
URBANO
Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Direito do Centro de
Ciências Jurídicas da Universidade
Federal de Santa Catarina como
requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. José Rubens Morato Leite
Florianópolis
2008
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
PROGRAMA DE MESTRADO
Larissa Verri Boratti
ASPECTOS TEÓRICO-JURÍDICOS DO RISCO AMBIENTAL NO ESPAÇO
URBANO
Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Direito do Centro de
Ciências Jurídicas da Universidade
Federal de Santa Catarina como
requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre.
Florianópolis, 13 de junho de 2008.
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________
Prof. Dr. José Rubens Morato Leite
Presidente
_______________________________
Prof. Dr. José Isaac Pilati
Membro
_______________________________
Prof. Dr. Ronaldo Coutinho
Membro
_______________________________
Prof. Dr. Rogério Silva Portanova
Membro
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3
AGRADECIMENTOS
Aos professores, colegas e funcionários do Curso de
Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal
de Santa Catarina (CPGD/UFSC), pela oportunidade
de convívio e exemplo diário de dedicação e
renovação da vocação ao ensino e à pesquisa.
À Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), pelo financiamento, sem o
qual não seria possível a continuidade dos estudos e
a conclusão desta pesquisa com integral dedicação.
Ao Prof. Dr. Jo Rubens Morato Leite, pela
orientação firme e leitura atenta, bem como pela
grata experiência de encontrar no mestre ampla
compreensão nos momentos de fragilidade.
À minha família, pelo permanente incentivo,
confiança em minhas escolhas pessoais e suporte
em todas as situações e a todas as distâncias,
inspiração de força e determinação.
Ao Marcelo, pelo companheirismo, cumplicidade,
partilha da vivência acadêmica e paciência. Muita
paciência, muita mesmo.
Che cosa è oggi la città, per noi? Penso d’aver scritto qualcosa come un
ultimo poema d’amore alle città, nel momento in cui diventa sempre più
difficile viverle come città. Forse stiamo avvicinandoci ad un momento di
crisi della vita urbana, e Le città invisibili sono un sogno che nasce dal
cuore delle città invisibili. Oggi si parla con eguale insistenza della
distruzione dell’ambiente naturale quanto della fragilità dei grandi sistemi
tecnologici che può produre guasti a catera, paralizzando metropoli intere.
La crisi della città troppo grande è l’altra faccia della crisi della natura.
L’immagine della “megalopoli”, la città continua, uniforme, che va coprendo
il mondo, domina anche il mio libro. Ma libri che profetizzano catastrofi e
apocalissi ce ne sono giá tanti; scriverne un altro sarebbe pleonastico, e
non rientra nel mio temperamento, oltretutto. Quello che sta a cuore al mio
Marco Polo è scoprire le ragioni segrete che hanno portato gli uomini a
vivere nelle città, ragioni che potranno valere al di là di tutte le crisi. Le città
sono un insieme di tante cose: di memoria, di desideri, di segni d’un
linguaggio, le città sono luoghi di scambio, come spiegano tutti i libri di
storia dell’economia, ma questi scambi non sono soltanto scambi di merci,
sono scambi di parole, de desideri, di ricordi. Il mio libro s’apre e si chiude
su immagini di città felici che continuamente prendono forma e svaniscono,
nascoste nelle cittá invisibili.
Le città invisibili, Italo Calvino
Também as cidades latino-americanas adotam o lifting. Um apagador da idade e da identidade: sem
rugas, sem narizes, as cidades têm cada vez menos memória, se parecem cada vez menos consigo
mesmas e cada vez mais se parecem entre si. Os mesmo edifícios, prismas, cubos, cilindros, impõem
sua presença, e os mesmos gigantescos anúncios de marcas internacionais atravancam a paisagem
urbana. Na época da clonagem obrigatória, os verdadeiros urbanistas são os publicitários.
De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso, Eduardo Galeano
5
RESUMO
O presente trabalho tem como tema o risco ambiental contextualizado na ambiência
urbana, com a investigação de seus aspectos teórico-jurídicos. Utiliza-se da
categoria de modo a promover a verificação das possibilidades de incorporação das
perspectivas ambientais às políticas de desenvolvimento das cidades. Tem-se como
marco teórico a teoria da sociedade de risco, associada a considerações sobre a
justiça ambiental. Traz-se alguns dos pressupostos conceituais implicados, como o
conceito jurídico de meio ambiente, a concepção de meio ambiente urbano e de
elementos de sua sustentabilidade. Empreende-se, também, abordagem das inter-
relações estabelecidas entre as disciplinas do Direito Ambiental e do Direito
Urbanístico. Promove-se, ainda, o trato da qualificação de um dever de gestão de
riscos ambientais a partir do plano constitucional, bem como no âmbito das
especificidades do espaço urbano. Por fim, com atenção às diretrizes urbanísticas
de gestão e planejamento sob o prisma de sua contribuição nos processos de
identificação/percepção, avaliação/classificação e prevenção do risco, identifica-se o
estudo de impacto de vizinhança como instrumento apto a tal propósito.
Palavras-chave: risco ambiental meio ambiente urbano planejamento urbano
dever de gerenciamento de riscos - estudo de impacto de vizinhança
6
ABSTRACT
The topic of the present paper is environmental risk contextualized in urban areas, as
well as the investigation of its theoretical and legal aspects. It makes use of this
category to promote the assessment of the possibility of anexation of the
environmental perspectives to development policies of cities. As a theoretical base it
presents the risk society theory, associated to considerations about environmental
justice. Some of the concepts involved are introduced, such as the legal concept of
environment, the conception of urban environment and sustainability. Also, the
approach of interrelations established between the Environmental Law and Urban
Law is promoted. The characterization of the duty to environmental risk management
from the constitution point of view, as well according to the specificities of the urban
space, is promoted. At last, regarding the directives on urban management and
planning under the prisma of its contribution in processes of identification/perception,
assessment/classification and risk prevention, the neighborhood impact study as the
instrument capable of such purpose is identified.
Keywords: environmental risk – urban environment – urban planning – duty to
environmental risk management – neighborhood impact study
7
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ampl. ampliada
art. artigo
CF/88 Constituição da República de 1988
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
ed. edição
EIA estudo de impacto ambiental
EIV estudo de impacto de vizinhança
EUA Estados Unidos da América
HABITAT United Nations Human Settlement Programme
IBGE Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Min. Ministro
n. número
ONG organização não-governamental
ONU Organização das Nações Unidas
p. página
Rel. Relator
rev. revista
Sisnama Sistema Nacional do Meio Ambiente
ss. seguintes
STJ Superior Tribunal de Justiça
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
1 MARCOS TEÓRICO-CONSTITUTIVOS PARA A COMPREENSÃO DA
PROBLEMÁTICA URBANO-AMBIENTAL...............................................................18
1.1 O modo de produção capitalista do espaço urbano e impactos
ecológicos.................................................................................................................18
1.1.1 A cidade capitalista: uma leitura da produção do espaço urbano.....................18
1.1.2 O “urbanocomo instrumento conceitual válido para a análise da degradação
do meio ambiente: impactos do capitalismo e do industrialismo na degradação dos
espaços urbanos........................................................................................................27
1.2 Opção de aporte teórico para a análise dos instrumentos de gestão e
planejamento do espaço urbano: o risco..............................................................38
1.2.1 Teoria da sociedade do risco: contornos na obra de Ulrich Beck.....................38
1.2.2 Abordagem crítica do risco ambiental na ambiência urbana: a desigual
distribuição.................................................................................................................53
2 PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS DO PLANEJAMENTO E GESTÃO DO MEIO
AMBIENTE URBANO................................................................................................69
2.1 Meio ambiente urbano.......................................................................................69
2.1.1 Conceito jurídico de meio ambiente..................................................................69
2.1.2 A cidade como bem jurídico ambiental..............................................................79
2.1.3 Concepção de sustentabilidade urbana............................................................94
2.2 Direito Ambiental e Direito Urbanístico: apontamentos para reflexão acerca
de suas inter-relações............................................................................................111
2.2.1 Direito Ambiental e Direito Urbanístico: similitude de objetos como ponto de
conexão....................................................................................................................111
2.2.2 Princípios gerais ambientais e sua aplicabilidade na gestão das cidades......122
3 POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES NA GESTÃO DO RISCO AMBIENTAL NO
ESPAÇO URBANO..................................................................................................149
9
3.1 Gestão de riscos ambientais...........................................................................149
3.1.1 Dever constitucional de gestão de riscos ambientais......................................149
3.1.2 Operacionalização do princípio integrativo na avaliação de riscos ambientais
no espaço urbano: um possível modelo...................................................................164
3.2 Concepção de planejamento e sua implicação na sustentabilidade
urbana......................................................................................................................174
3.2.1 Sobre o ato de planejar a cidade: elementos críticos para a análise do
planejamento urbano................................................................................................174
3.2.2 O planejamento como instituição jurídica........................................................194
3.3 Política urbana e meio ambiente: estratégias de proteção ambiental no
âmbito do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001).............................................204
3.3.1 Diretrizes ambientais introduzidas pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001)
para a elaboração de políticas públicas urbanas no Brasil......................................204
3.3.2 Estudo de impacto de vizinhança: instrumento de política urbana a refletir na
tutela ambiental e sua configuração como mecanismo de gestão de riscos...........212
CONCLUSÃO..........................................................................................................231
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................238
ANEXO I...................................................................................................................253
ANEXO II.................................................................................................................254
ANEXO III.................................................................................................................260
INTRODUÇÃO
Relatório das Nações Unidas intitulado The State of the World’s Cities 2006-7,
divulgado pelo seu Programa sobre Assentamentos Humanos quando do 30º
aniversário da Conferência Habitat (Vancouver/1976)
1
, apresenta um diagnóstico
dos centros urbanos no mundo
2
, acompanhado de projeções estatísticas sobre o
futuro das cidades. A primeira relevante afirmação contida no documento refere-se
ao ano de 2007 marcar o histórico fenômeno de a população urbana passar a
corresponder à metade da população mundial. Até então, consoante dados
veiculados relativamente a 2005, a porcentagem da população habitando áreas
urbanas era de 49,2% - número sempre crescente desde a década de 50
3
-,
projetando-se a proporção de 60,8% em 2030
4
.
que se considerar, porém, especificações no perfil demográfico das
distintas regiões do planeta. Exemplificativamente, nas regiões mais desenvolvidas a
taxa de urbanização atingia 74,9% em 2005
5
, ou seja, apresentavam população
predominantemente urbana. Ao passo que, nas regiões menos desenvolvidas
6
,
tomadas conjuntamente, no mesmo período, menos da metade dos habitantes
residiam nas cidades (43,2%)
7
. Entretanto, o Relatório indica que cidades em
1
HABITAT. United Nations Human Settlement Programme. The State of the World’s Cities 2006-7.
2006. Disponível em: <www.unhabitat.org>. Acesso em: 23 mar. 2007.
2
Esclareça-se que o conceito de cidade adotado pelo Habitat II refere-se a localidades com pelo
menos 20.000 habitantes. Noutro sentido, Silva atenta, citando estudos de Nestor Goulart Reis Filho
referenciados em Max Weber, que para que um centro habitacional seja conceituado como urbano
torna-se necessário preencher, no mínimo, os seguintes requisitos: (1) densidade demográfica
específica; (2) profissões urbanas como comércio e manufatura, com suficiente diversificação; (3)
economia urbana permanente, com relações especiais com o meio rural; (4) existência de camada
urbana com produção, consumo e direitos próprios”. SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico
brasileiro. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 24.
3
29,1% (1950); 36,0% (1970); 43,2% (1990); 47,1% (2000); 49,2% (2005).
4
UNITED NATIONS. Population Division of the Department of Economic and Social Affairs of the
United Nations Secretariat. World Population Prospects: The 2006 Revision and World Urbanization
Prospects. Disponível em: <www.esa.un.org/unpp>. Acesso em: 23 mar. 2007.
5
Segundo classificação empreendida pelo Fundo de População das Nações Unidas, correspondem
as regiões mais desenvolvidas a todas as regiões da Europa (73,3%/2005), mais a América do Norte
(80,8%/2005), Austrália/Nova Zelândia e Japão.
6
As regiões menos desenvolvidas correspondem a todas as regiões da África (39,7%/2005), Ásia
(39,9%/2005) - exceto Japão -, América Latina e Caribe (77,6%/2005).
7
UNITED NATIONS. Population Division of the Department of Economic and Social Affairs of the
United Nations Secretariat. World Population Prospects: The 2006 Revision and World Urbanization
Prospects. Disponível em: <www.esa.un.org/unpp>. Acesso em: 23 mar. 2007.
11
regiões desenvolvidas crescem mais lentamente, sendo as taxas de urbanização
mais elevadas nas regiões em desenvolvimento
8
. Significa dizer que, no século XXI,
o maior crescimento populacional ocorrerá em cidades de países em
desenvolvimento, com todas as especificidades sócio-econômicas, tecnológicas,
culturais e ambientais características deste contexto.
Relativamente ao cenário brasileiro, a proporção da população residente em
áreas urbanas
9
, segundo dados do IBGE
10
, foi de 82,8% no ano de 2005 (dos cerca
de aproximadamente 184 milhões de habitantes), sendo que a superação da
porcentagem de pessoas fixadas nos centros urbanos em relação ao número de
habitantes de áreas rurais fora indicada pelo censo de 1970. Como traço da
distribuição espacial no país, tem-se a concentração populacional nas regiões de
maior desenvolvimento sócio-econômico, sobretudo, Sudeste, Sul e Centro-Oeste
11
.
Atente-se, ainda, à projeção realizada pelo Fundo de Populações das Nações
Unidas para 2030, período em que se estima em 91,3% o percentual da população
estabelecida nas cidades
12
.
A dinâmica de populações é, evidentemente, de maior complexidade do que
os aspectos aqui abordados, envolvendo diversos indicadores o apontados (como
taxas de natalidade e mortalidade, expectativa de vida, movimentos migratórios,
8
A África Sub-Saariana é a região com crescimento mais acelerado, atingindo taxa anual de 3,58%.
Outro dado relevante diz com estimativas de que, no futuro, somente a Ásia contabilizará mais da
metade da população urbana mundial. HABITAT. United Nations Human Settlement Programme. The
State of the World’s Cities 2006-7. 2006. Disponível em: <www.unhabitat.org>. Acesso em: 23 mar.
2007.
9
O centro urbano no Brasil adquire a categoria de cidade quando seu território se transforma em
Município. Significa dizer que cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de
sistemas político-administrativo, econômico não agrícola, familiar e, sobretudo, simbólico como sede
do governo municipal, qualquer que seja sua população, nos termos do Decreto-Lei 311/1938. SILVA,
José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 26.
10
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de Indicadores Sociais 2006.
Rio de Janeiro: IBGE, 2006. Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios para o ano de 2005.
Disponível
em:<www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicso
ciais2006/indic_sociais2006.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2007.
11
Taxa de urbanização de acordo com as grandes regiões do país, segundo dados do IBGE, para o
ano de 2005: Norte 74,4%; Nordeste 70,7%; Sudeste – 91,8%; Sul – 82,5%; Centro-oeste 86%.
A título de ilustração, dados estatísticos informam que a região metropolitana da cidade de São Paulo
congrega 19,4 milhões de habitantes (o que corresponde a 10,5% em relação à população brasileira
total), apresentando-se com a maior concentração de população urbana a Região Metropolitana do
Rio de Janeiro, com 99,3%.
12
UNITED NATIONS. Population Division of the Department of Economic and Social Affairs of the
United Nations Secretariat. World Population Prospects: The 2006 Revision and World Urbanization
Prospects. Disponível em: <www.esa.un.org/unpp>. Acesso em: 23 mar. 2007.
12
distribuição de renda, desenvolvimento econômico e tecnológico, dentre outros).
Apenas destacou-se dados e estudos reveladores do cenário de acelerado
crescimento do número de extensas e densas áreas urbanas, no mundo e no Brasil,
a impactar cada vez mais significativamente as possibilidades de sustentabilidade do
desenvolvimento humano. Com esta intensa e caótica expansão territorial, um crítico
desafio diz com melhor entender como as cidades estão mudando e o processo que
conduz tais mudanças, a fim de se tirar vantagem no momento de planejar e
executar políticas públicas sustentáveis
13
.
Merece destaque, neste cenário, a relação ambiente natural e construído, vez
que a cidade não se constitui em ente separado da natureza, “mas natureza
transformada, um novo ecossistema integrado, modificado, diferente do ambiente
natural, mas não fora dele, não imune a seus ciclos, dinâmicas e reações”
14
. Atente-
se, no que toca à presente pesquisa, que as cidades brasileiras têm sido construídas
reproduzindo absurdas desigualdades em seus territórios, possuindo a urbanização
do país as marcas do risco
15
: a população menos favorecida economicamente acaba
tendo como única alternativa para a fixação as regiões com características
ambientais mais frágeis e perigosas, também passando a viver pressionada pela
condição jurídica irregular ou ilegal da posse, desprovida de investimentos em infra-
estrutura e equipamentos urbanos.
Circunstância esta reveladora de concentração de miséria, deterioração
crescente da qualidade de vida, segregação espaço-territorial e intensa depredação
ambiental
16
. Conseqüentemente, o equilíbrio socioambiental no espaço urbano
13
SOLECKI, William D.; LEICHENKO, Robin N. Urbanization and the metropolitan environment:
lessons from New York and Shanghai. In: Environment Science and Policy for Sustainable
Development, Volume 48, Number 4, May 2006. Canada. p. 09-23. p. 11.
14
SIRKIS, Alfredo. O desafio ecológico das cidades. In: TRIGUEIRO, André (Coord.). Meio Ambiente
no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. 4. ed.
Campinas: Armazém do IP, 2005. p. 215-229. p. 215.
15
ALFONSIN, Betânia de Moraes (Org.). Direito à Moradia: Instrumentos e Experiências de
Regularização Fundiária nas Cidades Brasileiras. Rio de Janeiro: Observatório de Políticas Urbanas:
IPPUR: FASE, 1997. p. 8.
16
GRAZIA, Grazia de; RIBEIRO, Ana Clara Torres. A democratização da vida urbana: cidade e
cidadania. Instrumentos de Democratização e Gestão Urbana. Brasil: Fórum Nacional de Reforma
Urbana, 2002. p. 49. Exemplo deste contexto é encontrado na seguinte notícia: imagens de satélite
mostram que 88 favelas cariocas (29,2% das 750 cadastradas oficialmente na cidade) apresentaram
expansão territorial equivalente a 30 campos oficiais de futebol (250.279 m²) no intervalo
compreendido entre os anos de 2002 e 2007. Ainda, 101 estavam a até 400 m de uma unidade de
conservação ambiental e, destas, 17 encontravam-se total ou parcialmente inseridas nestas. São
dados apurados em pesquisa coordenada pela Federação da Indústria do Estado do Rio de Janeiro
(Firjan). Disponível em: <http://noticias.terra.com.br>. Acesso em: 28 set. 2007.
13
constitui-se, no presente, em uma das matérias mais desafiadoras aos gestores dos
grandes centros. Infere-se, em decorrência, que questões desta ordem terão cada
vez mais um papel predominante na determinação das políticas públicas nas
cidades, merecendo ser a complexidade desse fenômeno que se apresenta
também como aspecto político-jurídico
17
- objeto de responsável reflexão teórica.
E mais, a forma de conceber o planejamento de espaços e tempos sociais
afeta sucessivas gerações, de modo a permitir ou obstaculizar a concretização de
projetos. E é esta consciência, tão essencial à implementação de instrumentos
inovadores de gestão, que se traduz na concepção de sustentabilidade urbana,
correspondente à “gestão das cidades no tempo, ou seja, à administração presente
e futura dos recursos ambientais da e na cidade associada à gestão social
, na nota
de Teles da Silva. Enfim, remete ao ato de planejar objetivando estratégias de
inclusão social e eqüidade no acesso aos recursos ambientais
18
.
Constata-se, entretanto, neste contexto, que as intervenções pontuais
tradicionalmente levadas a efeito no Brasil mostram-se não apenas insuficientes,
mas, sobretudo, marcadas por uma visão fragmentária, desconsiderando a
imperiosidade de integração das políticas públicas setoriais - de habitação, de
transportes, de saneamento e a própria política ambiental, ilustrativamente. Como
reflexo, verifica-se a contínua promoção de um planejamento urbano isolado da
gestão e dos processos decisórios.
Significa, enfim, a exigência de acréscimo de importantes elementos à
administração das cidades, dentre os quais: (1) o conceito de meio ambiente
aplicado ao espaço urbano; (2) a necessidade de interação entre o Direito
Urbanístico e o Direito Ambiental; (3) a elaboração de planos de gestão não mais
estritamente limitados a aspectos físico-territoriais; (4) a promoção da efetiva
participação popular como forma de democratização dos processos decisórios.
17
Fernandes atenta para o papel do Direito: “Muito já se sabe sobre a natureza econômico-espacial e
sobre a dinâmica sócio-política do processo de urbanização, e por conseguinte já existe um acúmulo
significativo de conhecimento sobre as drásticas mudanças territoriais, culturais e ambientais
provocadas pelo crescimento urbano acelerado. [...] Entretanto, a pesquisa acadêmica sobre a
natureza da dimensão jurídica do processo de urbanização ainda é bastante limitada. Na maioria dos
estudos urbano-ambientais, o direito incluindo leis, decisões judiciais, doutrina e jurisprudência,
enfim, a cultura jurídica mais ampla - tem sido reduzido à sua dimensão instrumental”. FERNANDES,
Edésio. Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil: uma introdução. FERNANDES, Edésio (Org.).
Direito urbanístico e política urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 11- 52. p. 17-18.
18
SILVA, Solange Teles da. Políticas Públicas e Estratégias de Sustentabilidade Urbana. Revista
Hiléia - Revista de Direito Ambiental da Amazônia. p.127-145. Disponível em:
<www.uea.edu.br/data/direitoambiental/hiléia/2003/1.pdf >. Acesso em: 16 out. 2005. p. 134-135.
14
Temáticas que demandam a compreensão das possibilidades de ação conjunta em
matéria de meio ambiente e urbanismo, bem como a discussão sobre os marcos
conceituais que tem determinado a interpretação da natureza e o alcance dos
instrumentos legais implicados.
Sob tal prisma, encontra o presente esforço científico amparo na premência
de construção de estratégias de qualificação das condições urbano-ambientais das
cidades brasileiras, partindo-se da compreensão dos pressupostos necessários à
consolidação da sustentabilidade da ambiência urbana. Para tanto, avulta-se a
importância de investigação teórica acerca de alternativas instrumentais de
planejamento e gestão com vistas à efetivação de políticas públicas qualificadas e
eficientes, considerando-se as possibilidades apresentadas pela legislação nacional.
Destaca-se, no âmbito do debate proposto, as perspectivas aventadas pela
edição do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). Com o seu advento, a temática
ambiental tornou-se obrigatória na fixação das exigências de ordenação e
planejamento da cidade, denotando a opção pela atuação interdisciplinar. Convém,
ainda, atentar restar consolidada, bem como ampliada, a competência jurídica da
ação municipal nas matérias em relevo, em autêntico esforço de revalorização do
âmbito local. Referido diploma legal estabelece, também, as diretrizes que norteiam
o planejamento urbano em face do meio ambiente. Sob esta perspectiva, a
ordenação das cidades, que será elaborada por meio de normas urbanísticas
expressas no plano diretor, está obrigatoriamente associada às normas ambientais
com vistas a garantir a sadia qualidade de vida prevista constitucionalmente (artigo
225, CF/88).
Tendo-se em mente a complexa conjuntura traçada é que se estabeleceu a
proposta para o desenvolvimento da presente pesquisa. Fixa-se, assim, como tema
o risco ambiental contextualizado na dinâmica específica do espaço da cidade,
centrando-se a investigação, precipuamente, em seus aspectos jurídicos
consoante plexo normativo do ordenamento trio -, mas, também, abrangendo sua
construção teórica. Utilizar-se-á da categoria de modo a promover-se a verificação
das possibilidades de incorporação das perspectivas ambientais às políticas de
desenvolvimento urbano – e, portanto, de superação das intervenções fragmentadas
e paliativas -, com atenção às diretrizes urbanísticas de gestão e planejamento sob o
prisma de sua contribuição nos processos de identificação/percepção,
15
avaliação/classificação e prevenção do risco no meio ambiente urbano. Esta,
portanto, a hipótese assumida no trabalho.
Impõe-se principiar a pesquisa com a definição dos marcos teóricos
norteadores do estudo do risco compreendido como categoria de análise sob tais
contornos. Pretende-se demarcar, desta forma, os limites do recorte epistemológico
eleito. Para tanto, serve-se de dois eixos como tópicos focais do capítulo de
abertura, a constituir espécie de pano de fundo para a inserção do debate. Como
primeiro eixo, é mister traçar um breve panorama da problemática urbano-ambiental.
Consoante perspectiva firmada, parte-se do apontamento de diversas leituras
possíveis do espaço urbano, com estudo centrado na apresentação dos contornos
da cidade capitalista (1.1.1). Esta via investigativa conduz, propositadamente, ao
trato de uma teoria social do ambiente que considere a dinâmica urbana como fator
de degradação ambiental, atentamente detida ao papel do capitalismo e da
industrialização como elementos impactantes (1.1.2).
Como segundo eixo, opta-se, primeiramente, pela utilização da teoria da
sociedade de risco como assento para a pesquisa, a partir do desenvolvido pelo
sociólogo alemão Ulrich Beck, a fim de determinar compreensão da noção de risco,
suas origens e mecanismos institucionais de gestão na contemporaneidade (1.2.1).
Agrega-se, em seguida, posicionamento crítico no que diz com a verificação de
desigual lógica de distribuição espacial e social de riscos ambientais, considerando,
sobretudo, o fenômeno da segregação espaço-territorial a nível intra-urbano
19
, sob a
orientação das categorias “justiça ambiental” e “conflitos ambientais” (1.2.2).
Dedicar-se-á, na seqüência do capítulo segundo, à verificação dos
pressupostos conceituais necessários à construção de políticas públicas de gestão e
planejamento do espaço urbano, tomando-se como ponto de partida o conjunto
normativo constante da legislação nacional. Principiar-se-á com digressão sobre o
conceito jurídico de meio ambiente (2.1.1) e, após, tentativa de apreensão da
concepção de meio ambiente urbano (2.1.1) e de identificação de elementos de sua
sustentabilidade, aliada à análise crítica desta perspectiva (2.1.3). Ato contínuo,
19
Como segregação espaço-territorial, adota-se a compreensão de Rolnik, ao afirmar que
corresponde ao “movimento de separação das classes sociais e funções no espaço urbano”.
Acrescenta: “[...] além dos territórios específicos e separados para cada grupo social, além da
separação das funções morar e trabalhar, a segregação é patente na visibilidade da desigualdade de
tratamento por parte das administrações locais”. ROLNIK, Raquel. O que é a cidade. São Paulo:
Brasiliense, 1988. p. 41-42.
16
empreender-se-á abordagem das inter-relações estabelecidas entre as disciplinas do
Direito Ambiental e do Direito Urbanístico (2.2.1), inclusive com relação aos
princípios jurídicos ambientais e sua aplicação ao processo de planejamento urbano
(2.2.2).
Entende-se como fundamental a análise conceitual dos elementos propostos
a fim de que se subsidie qualitativamente a interpretação legislativa, bem como a
análise do conteúdo valorativo das políticas públicas urbanas. O que se pretende é o
aclaramento do conteúdo semântico dos pontos identificados e seus campos de
aplicação, por meio de um estudo sistemático da dogmática disciplinadora do meio
ambiente urbano.
Resta, portanto, como enfrentamento final do trabalho, o trato legal das
perspectivas de gerenciamento dos riscos urbano-ambientais consoante as
previsões constantes do ordenamento jurídico brasileiro, o que será levado a efeito
no capítulo terceiro. Para tanto, ter-se-á como temática de seu primeiro subcapítulo
abordagem de matéria relativa ao dever geral de gestão de riscos ambientais tanto
no plano constitucional (3.1.1), como no âmbito das especificidades do espaço
urbano (3.1.2). No subcapítulo que segue, concentrar-se-á na consideração de
aspectos relativos ao processo de gestão e planejamento urbano, no que diz com
sua compreensão conceitual/funcional, com atenção especial a uma orientação para
a sustentabilidade (3.2.1), bem como jurídica (3.2.2).
Por fim, na terceira parte deste capítulo de encerramento, dividir-se-á a
análise do arsenal instrumental da política urbana em dois tópicos. No primeiro,
discorrer-se-á acerca das diretrizes ambientais introduzidas pelo Estatuto da Cidade
(Lei n. 10.257/2001), de modo a explicitar a incorporação do vetor ambiental como
elemento norteador do planejamento do desenvolvimento urbano (3.3.1). No
segundo, centrar-se-á na verificação de um instrumento em especial, o estudo de
impacto de vizinhança (EIV), com vistas a verificar sua configuração como
mecanismo capaz de propiciar correta percepção e avaliação dos riscos no ambiente
urbano (3.3.2).
Esclarece-se, ainda, não se pretender esgotar o tema em todos os seus
possíveis aspectos, realizar análise exaustiva ou apresentar proposta original sobre
a matéria, sobretudo em razão das limitações impostas pelo rigor científico quanto
ao recorte do objeto de pesquisa. Objetiva-se, em verdade, provocar reflexão sobre
a complexidade da problemática eleita para o debate, perquirindo-se sobre os
17
diversos elementos que a orbitam, a partir dos distintos contextos implicados. Isto
justifica o reiterado uso de excessivas e extensas citações em notas de rodapé ao
longo do texto, afinal, mesmo sob o risco de comprometimento da fluidez da leitura,
não se quis descurar do detalhamento, contextualização e exemplificação exigidos
por muitos dos tópicos abordados.
Por fim, informa-se o desenvolvimento do estudo através do emprego do
processo dedutivo, vez que se partirá de argumentos gerais formulados pelo aporte
das teorias de base eleitas para, então, proceder-se ao desenvolvimento de
raciocínio em torno da hipótese firmada. Ainda, adotar-se-á como técnica de
pesquisa a documentação indireta, com consulta a fontes primárias legislativas e,
eventualmente, documentos judiciais, bem como a fontes secundárias, através de
vasta investigação bibliográfica.
18
1 MARCOS TEÓRICO-CONSTITUTIVOS PARA A COMPREENSÃO DA
PROBLEMÁTICA URBANO-AMBIENTAL
1.1 O modo de produção capitalista do espaço urbano e impactos ecológicos
1.1.1 A cidade capitalista: uma leitura do processo de produção do espaço
urbano
Ao definir-se o objeto de investigação, de imediato apresenta-se o desafio de
fixar parâmetros para sua conceituação, a fim de subsidiar o estudo por meio da
delimitação de significado e conteúdo. Entretanto, ao tratar-se da cidade como foco
de pesquisa, verifica-se sua constituição como categoria de múltiplas dimensões de
análise e facetas de interpretação, seja histórica, sociológica, econômica, jurídica,
política, cultural ou, até mesmo, literária. Todas orientadas pelos distintos prismas
que se apresentam acerca das funções que assume ao longo da história.
Considere-se, a princípio, que, sob perspectiva histórica, poder-se-ia traçar
referencial cronológico envolvendo as origens e características assumidas pelo
espaço urbano no tempo. Partir-se-ia de descrição do processo de sedentarização
do homem nômade, com o domínio da agricultura pelas sociedades primitivas; da
instituição da divisão social do trabalho e do excedente de produção nas sociedades
intermediárias, emergindo a organização das primeiras cidades (cidades político-
religiosas do Egito e Mesopotâmia); da formação das sociedades da antigüidade
clássica européia (Grécia e Roma); da fragmentação do espaço e do poder no
período medieval europeu; do ressurgimento da cidade mercantil; até o
florescimento da cidade capitalista no século XIX e sua conformação no capitalismo
contemporâneo.
Noutro sentido, seria possível tomar como norte investigativo a abordagem
sistemática das reflexões empreendidas deste grande processo por alguns autores
referenciais, cujas obras assumem especial relevância em razão de sua repercussão
dentre os teóricos da cidade, identificadas como diretrizes do pensamento urbano.
Sob este ângulo, o estudo conduziria aos pensadores do mundo greco-romano
19
clássico e suas descrições sobre a organização da polis e os deveres cidadãos,
perpassaria as distintas interpretações encontradas na Ilustração, ao tratamento
da questão urbana no contexto da industrialização e urbanização do mundo
ocidental
20
.
Face, então, ao reconhecimento da incapacidade de expressar para o
vocábulo “cidade” um significado exato, bem como da incompatibilidade com os
marcos do trabalho a consideração detida deste vasto universo de leituras possíveis,
opta-se, como via alternativa, pelo apontamento de alguns aspectos gerais, de modo
sucinto e despretensioso, da conformação da cidade capitalista. Tal perspectiva
adéqua-se ao recorte proposto, em razão de pretender-se, na seqüência, proceder à
verificação do conceito de urbano como instrumento para a análise da degradação
do ambiente, a partir dos impactos da industrialização associada ao modo de
produção capitalista.
Principia-se pela contextualização do processo de transição da cidade
medieval para a cidade moderna, em razão de identificar-se o esboço de uma nova
configuração urbana a partir do desenvolvimento e intensificação da atividade
mercantil ainda no âmbito do modo de produção feudal. O que caracteriza este
período, sobretudo, é, além do restabelecimento do comércio, a forte migração dos
servos para as cidades-Estado, elementos que impulsionam o fenômeno do
renascimento urbano então vivenciado. Assim, o sistema feudal, diante do
crescimento das cidades e da intensificação do comércio, e, nesta fase,
enfraquecido por outros fatores, entra em crise
21
.
Observa-se, concomitantemente, a emergência de uma nova classe social, a
burguesia comercial, patrocinada pelos lucros advindos da atividade mercantil. Em
20
Destaque-se, ilustrativamente, a perspectiva histórica de MUMFORD, Lewis. A cidade na história:
suas origens, transformações e perspectivas. Tradução de Neil R. da Silva. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998; BENEVOLO, Leonardo. História da cidade. 3. ed. São Paulo: Perpectiva, 1997;
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005. Sob orientação dos modos
de produção, as obras de ENGELS, Friederich. Contribuição ao problema da habitação. In: MARX,
Karl; ENGELS, Friederich. Obras Escolhidas. v. 2. São Paulo: Alfa-Ômega, [198-?]; LEFEBVRE,
Henri. A revolução urbana. Tradução de Sérgio Martins. 2. reimp. Belo Horizonte: Humanitas, 1999;
_______. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001;
HARVEY, David. A justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980; _______. A condição pós-
moderna. 13. ed. São Paulo: Edições Loyola; _______. A produção capitalista do espaço. Tradução
de Carlos Szlak. o Paulo: Annablume, 2005; CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Tradução de
Arlene Caetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983; e SINGER, Paul. Economia política da
urbanização. São Paulo: Brasiliense, 1973. Algumas destas receberão menção ao longo do texto,
consoante a utilidade para a abordagem.
21
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. p. 34.
20
decorrência, desenvolve-se um novo modo de produção, o capitalismo, aqui
instituído em sua forma comercial e bancária, implicando na transformação da
riqueza - até então imobiliária - em mobiliária e no estabelecimento dos circuitos de
troca
22
. Todo este processo constitui o que Singer identifica como “revolução
comercial” ou mercantilização da sociedade, conformada, justamente, na liberação
das cidades do domínio feudal, na migração dos servos em sua direção, na
constituição de ligas de cidades comerciais e no surgimento de uma classe
dominante formada por comerciantes e banqueiros
23
.
Outro componente determinante diz com o fortalecimento do poder
monárquico. A centralização do poder, por meio da consolidação do Estado-nação,
encontra suporte na burguesia, vez que esta identifica, assim, a possibilidade de
satisfação a importantes anseios fundamentais para a expansão do comércio, como
a unificação e padronização de leis e moedas e a supressão do poder dos senhores
feudais e das corporações. A cidade que abriga, neste cenário, tanto a sede do
Estado absolutista quanto o mercado burguês, predomina sobre as outras, surgindo,
assim, a capital
24
. Merecem referência, ainda, as principais implicações desta
associação (concentração do poder e lógica mercantilista) em um mesmo espaço
geográfico: o poder estatal passa a dirigir o desenvolvimento urbano
25
e a terra
urbana, e a própria cidade, são então entendidas como mercadoria
26
.
Verifica-se, noutro sentido, que a indústria doméstica (manufatureira), que
não estava sujeita à regulação corporativa, passa às mãos do capital comercial,
resultando, então, em significativo impulso para a especialização das tarefas
27
.
22
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. p. 05. Registre-se, assim, que, quando do início da
industrialização, a riqueza deixara de ser imobiliária. Ou seja, tem-se o capital mobiliário como
condição para o desencadeamento da industrialização. Ibidem, p. 05. Nesse processo (que data do
século XVI, na Europa Ocidental), a importância da produção agrícola recua diante da importância da
produção artesanal e industrial, do mercado, do valor de troca, enfim, do capitalismo nascente.
Ibidem, p. 71.
23
SINGER, Paul. Economia política da urbanização. p. 19-20.
24
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. p. 06.
25
A ordenação do espaço determinada a partir do controle do Estado se dá, no período, sob a égide
do conhecimento científico racionalista. Consoante Rolnik: “A lógica da racionalidade, do lculo e da
previsão, que emerge a partir das práticas econômicas do grande comércio e da manufatura, penetra
assim na produção do espaço, com planos e projetos debaixo do braço”. ROLNIK, Raquel. O que é
cidade. p. 58. Tal perspectiva se intensifica com a aplicação da racionalidade industrial à análise do
espaço urbano, o que será apontado mais adiante.
26
Ibidem, p. 39.
27
SINGER, Paul. Economia política da urbanização. p. 21.
21
Significa identificar, nesta circunstância, o desmantelamento das corporações de
ofício como elemento que conduz a um processo de parcelamento e seriação do
trabalho
28
. Por conseguinte, permite-se o crescente controle do trabalho pelo capital,
afinal, a burguesia mercantil passa a investir na aquisição dos instrumentos de
produção, e não mais apenas na matéria-prima ou no produto final, promovendo,
então, a separação do produtor de suas condições de produção. Daí sua
subordinação ao capital e a disseminação do trabalho assalariado:
Mas, com a expansão da manufatura, cuja extensa divisão do trabalho
tendia a desmembrar os antigos ofícios, reduzindo-os a uma miríade
de funções especializadas e mutuamente dependentes, tornava-se
possível empregar homens sem longo aprendizado anterior, que eram
adestrados com relativa rapidez no trabalho e que se inseriam no
processo produtivo apenas como assalariados. Tais homens não
dominavam mais as condições de produção nem possuíam os
instrumentos de trabalho, que lhes eram colocados à disposição pelo
empregador. A partir deste momento, estão postas as condições para
separar o produtor de suas condições de produção, subordinando-as
ao capital. Surge o fabricante, cuja meta é a valorização de seu
capital, tanto em sua forma fixa como circulante, dando sempre
preferência às técnicas de produção que permitem obter um dado
valor de uso com o menor gasto de tempo de trabalho (vivo ou morto)
socialmente necessário
29
.
Pode-se afirmar, enfim, que a aglomeração urbana levada a efeito no período
potencializou a expansão da divisão do trabalho na medida em que o atendimento
dos mercados urbanos permitiu a especialização dos ofícios, o desenvolvimento de
técnicas e a multiplicação das forças produtivas
30
, elementos estes que também
atuaram como definidores das características da espacialidade urbana. Impõe-se,
porém, conduzir análise mais detida do papel da produção industrial na
intensificação da combinação de fatores apresentada. Afinal, é a industrialização
que caracteriza a sociedade moderna, constituindo-se em ponto de partida para a
compreensão da problemática urbana
31
.
28
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. p. 72. Outra importante decorrência do enfraquecimento das
corporações de ofício foi a instituição da separação entre o local de trabalho e a moradia, vez que,
até então, eram coincidentes no ambiente das oficinas, localizadas na casa do mestre. Ibidem, p. 40-
72. Constitui-se em relevante componente do processo de conformação dos usos do espaço urbano,
pois significa a distinção, no território da cidade, entre regiões habitadas por trabalhadores - agora
assalariados - e suas famílias, e áreas nas quais se estabelece a burguesia.
29
SINGER, Paul. Economia política da urbanização. p. 22.
30
Ibidem, p. 15.
31
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. p. 03.
22
Considere-se, a respeito, dentre os tópicos aventados, a apresentação de
algumas condições para o seu desenvolvimento. Invertendo-se o ângulo de análise,
identifica-se que a intensificação do processo de migração para as cidades, a
promoção de rápido crescimento urbano e libertação do trabalhador da terra, aliado
aos lucros proporcionados pela atividade mercantil e manufatureira e à introdução
da mecanização da produção como decorrência dos avanços tecnológicos, estão na
sua base. Tal conjuntura transforma as cidades em pólos de atração populacional,
impulsionando a industrialização e, portanto, o próprio processo de urbanização
32
.
Rolnik preocupa-se em expressar esta relação:
O resultado desse processo é a indústria. Ao invés da manufatura,
que surgiu de certa maneira contra a cidade dominada pela
corporação, a indústria é um fenômeno claramente urbano. Ela exige
grande número de trabalhadores ao seu redor: para tornar rentável o
investimento numa caldeira que produz vapor, é preciso produzir
muito, fazendo impulsionar várias máquinas simultaneamente, dia e
noite. Por outro lado, a fumaça que sai das chaminés, das fábricas,
das locomotivas e dos navios confere à produção um ritmo e uma
escala novos: a redução das distâncias e a seriação crescente do
trabalho barateavam os produtos e com isso se constroem mercados
cada vez maiores. A penetração crescente desses produtos aniquila a
produção artesanal organizada em bases corporativas e substitui,
pouco a pouco, a produção doméstica. Com isso mais e mais setores
da população são englobados pela produção industrial antigos
mestres, aprendizes e jornaleiros, mas, ainda, pouco a pouco também
as mulheres, as crianças, os trabalhadores do campo
33
.
Entretanto, saliente-se que a indústria nasce fora das cidades, em razão da
necessidade de avizinhar-se o máximo possível das fontes de energia, meios de
transporte, matérias-primas e mão de obra, conjugando-se em momento posterior
aos centros urbanos
34
. Esta inflexão é levada a efeito no intuito de aproximar-se do
32
Apenas a título de registro, vez que não cabe estender-se no debate, mencione-se que Lefebvre
defende a existência de um rearranjo na relação estabelecida entre industrialização e urbanização,
sendo que, na atualidade, vivenciar-se-ia fenômeno através do qual a sociedade industrial se
transforma em sociedade urbana. Ou seja, faz-se necessária uma inversão de perspectiva, que
consiste em considerar, a partir de então, a industrialização como uma etapa da urbanização, após
um período no qual a primeira prevaleceu. LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. p. 128. Seria o
que denomina de revolução urbana, ou “[...] o conjunto das transformações que a sociedade
contemporânea atravessa para passar do período em que predominam as questões de crescimento e
da industrialização (modelo, planificação, programação) para o período no qual a problemática
urbana prevalecerá decisivamente, em que a busca das soluções e das modalidades próprias à
sociedade urbana passará ao primeiro plano”. Ibidem, 15-19.
33
ROLNIK, Raquel. O que é a cidade. p. 76-78.
34
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. p. 07-08.
23
capital que se acumulava, do mercado e da mão de obra em número crescente nas
cidades
35
. A fábrica, então, como moderna unidade de produção, caracteriza-se
como fenômeno urbano, vez que exige proximidade a grande número de
trabalhadores, serviços de infra-estrutura, ampla e concentrada demanda
36
.
que se mencionar, a este ponto, a perspectiva de Engels, que se detém
na análise das transformações cio-econômicas que atingem a cidade, sobretudo
os problemas de habitação, a partir da falência da produção manufatureira com a
introdução da produção mecanizada. É fenômeno que, por conseqüência, também
se reflete na conformação da estrutura espaço-territorial, distribuição de serviços e
assentamento populacional:
Por um lado, massas de operários rurais são atraídas subitamente
para as grandes cidades, que se convertem em centros industriais;
por outro lado, o traçado daquelas velhas cidades não corresponde
às condições da nova grande indústria nem ao seu grande
movimento; as ruas são alargadas, abrem-se novas ruas, as ferrovias
passam por elas. No momento mesmo em que os operários afluem
em grande número às cidades, as habitações operárias são
destruídas em massa. Daí a repentina penúria de habitação para o
operário, para o pequeno comerciante e o artesão, que dependem da
clientela operária. [...] A extensão das grandes cidades modernas
aos terrenos, sobretudo nos bairros do centro, um valor artificial, às
vezes desmesuradamente elevado; os edifícios construídos sobre
estes terrenos, longe de aumentar o seu valor, ao contrário, o
diminuem, pois não correspondem às novas condições, e são
derrubados para serem substituídos por novos edifícios. [...] O
resultado é que os operários vão sendo afastados do centro para a
periferia; que as residências operárias e, em geral, as residências
pequenas, são cada vez mais escassas e mais caras, chegando até a
ser impossível encontrar uma casa desse tipo, pois em tais condições
a indústria de construção encontra na edificação de casas de aluguel
elevado a um campo de especulação infinitamente mais favorável
37
.
Ou seja, quando o crescimento da produção industrial superpõe-se ao
crescimento das trocas comerciais e mercantis, a cidade, dita agora industrial,
transforma-se no local da produção e da concentração de capitais
38
, bem como de
um processo de acumulação contínuo e de diversificação - de conhecimento, de
35
LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. p. 25.
36
SINGER, Paul. Economia política da urbanização. p. 23.
37
ENGELS, Friederich. Contribuição para o problema da habitação. p. 107 e 117-118.
38
Lefebvre atenta, a este ponto, que, em que pese o capital ter nascido da riqueza criada no campo e
seu investimento industrial ter se voltado contra a cidade, esta foi seu local de acumulação.
LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. p. 34.
24
técnicas, objetos, produtos, pessoas, atividades, riquezas, etc. Processo este
gerador, também, de contradições no sentido inverso, qual seja, da fragmentação, o
que se materializa pela formação das periferias, subúrbios e residências
secundárias, consoante se extrai do excerto acima colacionado. Verifica-se, então, a
prevalência do valor de troca sobre o valor de uso, inserindo-se a cidade na ordem
geral da estrutura capitalista, ou seja, na lógica da mercadoria, orientada pela
possibilidade de apropriação privada
39
.
Ressalta-se, ainda que implique retroceder no debate, que, embora a cidade
mercantil tenha promovido a configuração de uma nova estrutura do espaço com a
introdução da troca comercial como função especificamente urbana, é com a
emergência do capital concorrencial, fruto do processo de acumulação gerado pela
industrialização, que ocorre uma inversão de sentido na oposição campo-cidade. É
neste período que o agrário deixa finalmente de ter primazia, passando a realidade
urbana a constituir-se em mediadora das relações
40
.
Definidos, a esta altura, os traços essenciais mas não exaustivos - da
cidade capitalista, quais sejam, (a) a privatização da terra e da moradia; (b) a
segregação espacial; (c) a intervenção reguladora do Estado
41
; e (d) a disputa pelo
espaço
42
. Todavia, entende-se necessária a consideração, ainda que sumária, de
alguns elementos contemporâneos do processo de urbanização no que diz com as
cidades do capitalismo periférico - em especial na América Latina -, ou seja, aquelas
que teriam chegado tardiamente ao cenário industrial
43
. Tal abordagem permitirá
conferir maior abrangência e atualidade ao tema, em que pese não abarcar toda a
complexidade da questão.
39
Ibidem, p. 26-34.
40
Ibidem. p. 23-25. Segundo o autor, é durante este período que nasce a imagem da cidade,
representando, dentre outros aspectos, totalidade orgânica, sentido de pertencer e imagem
enaltecedora expressa pelas construções monumentais. Ibidem, p. 26.
41
Destaque-se que passa esta a ser planejada a partir da racionalidade industrial, ou seja, o urbano
tende a ser analisado por meio de conceitos típicos da racionalidade industrial: pensamento analítico,
especializado, razão, lei, técnica, autoridade, cálculo, previsibilidade. Como resultado prolifera-se a
segregação espacial, a cidade informal. Ibidem. p. 30.
42
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. p. 71.
43
SINGER, Paul. Economia política e urbanização. p. 26.
25
Sucintamente, toma-se como norte alguns pontos da lição de Singer
44
, autor
que destaca que a análise da urbanização deve se dar obrigatoriamente à luz das
contradições capitalistas, uma vez estar correlacionada, sobretudo, ao
desenvolvimento das forças produtivas, ao crescimento da população e ao fluxo de
migração urbana, dentre outros fatores
45
. Assim, parte da constatação de que os
fluxos migratórios desencadeados pelo desenvolvimento das forças produtivas na
região geram rápida concentração e urbanização
46
, porém, apresentam-se
conjugados com a impossibilidade de responder ao crescimento populacional de
forma adequada
47
. Conseqüentemente, a população migrante às cidades não mais é
integrada social e economicamente, restando marginalizada
48
.
Para explicitar a relação estabelecida, aduz algumas circunstâncias
principais. Dentre elas, o fato de as mudanças tecnológicas ocorrem, ao contrário
dos países desenvolvidos, de um ímpeto, por meio da importação de processos
produtivos estrangeiros aqui implementados de imediato, submetendo a estrutura
econômica a choques muito mais profundos
49
. Também, a realização deste
processo mediante a existência de grande parcela da população ainda vinculada à
subsistência, e, portanto, não integrada ao mercado e à economia urbana. Isto ao
passo que, ao atingir-se o status de “desenvolvido”, deixa-se “de ter um “Setor de
Subsistência ou este permanece apenas sob a forma de bolsões de atraso de
pequena expressão”
50
.
44
Outra importante referência no estudo da matéria é a obra de Castells. Para o autor, o que marca o
processo de urbanização da América Latina é o seu desenvolvimento de modo dependente.
Primeiramente inserido no colonialismo e, depois, no imperialismo, até configurar-se a dependência
nos moldes do capitalismo, após as duas grandes guerras mundiais. Isto porque, após período de
industrialização autônoma associada à independência política no “entre-guerras” (o que
corresponderia à sua inserção no mercado capitalista mundial), houve novamente aporte maciço de
capital estrangeiro. CASTELLS, Manuel. A questão urbana. p. 79. Singer discorda de que a
dependência constituiria a principal causa desse fenômeno. Seria apenas um dos fatores que
concorrem no processo. Para ele, não foi o imperialismo industrial e financeiro que trouxe o
capitalismo industrial e financeiro à América Latina após a segunda guerra mundial; teria sido
implementado muito antes, tendo neste momento atingido, sim, seu estágio industrial, de modo
relativamente autônomo. SINGER, Paul. Economia política e urbanização. p. 70.
45
SINGER, Paul. Economia política e urbanização. p. 71.
46
Ibidem, p. 45.
47
Ibidem, p. 73.
48
Ibidem, p. 68.
49
Ibidem, p. 43.
50
Ibidem, p. 45.
26
Ainda, os fluxos migratórios suscitados pela industrialização capitalista
tendem a produzir, nestas áreas, oferta de força de trabalho superior à demanda.
Por conseguinte, a geração de empregos não teria acompanhado proporcionalmente
a intensa aceleração do crescimento da população urbana, e, como resultado, os
migrantes, em sua maioria, empregam-se no setor de serviços ou restam na
informalidade
51
. Ou seja, muitos são os “obstáculos que se interpõem entre o
migrante e a ‘oportunidade econômica’ que, em tese, a cidade industrial lhe
oferece”
52
, como refere o autor.
Faz-se imperioso reconhecer, ainda, no âmbito da industrialização capitalista,
a predominância de fatores atuantes na determinação da localização de atividades,
dentre os quais se menciona, como elementos de atração, as áreas metropolitanas,
os estímulos de mercado e governamentais (como tributação e regulamentação), os
custos reduzidos de serviços e infra-estrutura, o excedente de mão de obra e
matéria-prima e a existência de mercado para absorver quantidade crescente de
mercadoria
53
. Sob este prisma, tem-se acentuada a importância da concorrência
inter e intra-urbana para o desenvolvimento capitalista - na disputa, sobretudo, por
investimentos e geração de emprego -, o que permite ao capital exercer maior poder
de seleção em relação ao espaço para seu estabelecimento
54
. Isto faz com que sua
acumulação ocorra num contexto geográfico específico
55
, conformando as
instituições, as formas legais e os sistemas políticos e administrativos
56
.
Considerando-se, então, por todo o exposto, que a urbanização sob as
condições das relações capitalistas assume traços característicos, promove-se
síntese dos aspectos mais marcantes, consoante o embasamento teórico eleito para
a análise: (a) constitui-se em processo pautado pela circulação e acumulação do
capital; (b) pela apropriação privada do solo; (c) pela fragmentação do espaço,
submetido à lógica mercadológica e especulativa; (d) pela reprodução das relações
de classe e, portanto, dos conflitos de interesse e da desigualdade social; (e) pelo
controle da força de trabalho; (f) pelo dirigismo do Estado na ordenação do uso e
51
Ibidem, p. 47.
52
Ibidem. p. 40.
53
Ibidem. p. 76.
54
HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. p. 179.
55
Ibidem, p. 44.
56
Ibidem, p. 170.
27
ocupação do solo. Assim, uma vez abordada a relação do capitalismo e da
industrialização no processo de produção do espaço urbano, impõe-se tratar da
combinação destes como fatores impactantes do meio ambiente, ao que se passa
no tópico que segue.
1.1.2 O “urbano” como instrumento conceitual válido para a análise da
degradação do meio ambiente: impactos do capitalismo e do industrialismo na
produção e degradação dos espaços urbanos
A multiplicação das áreas urbanas, com sua conseqüente densificação
populacional
57
, consiste, hoje, em problema grave pelos efeitos ambientais negativos
que desencadeia. Exemplificativamente, de forma abrangente e descritiva, pode-se
assim sistematizar
58
: (1) alteração do solo pelo processo de impermeabilização; (2)
geração de grande quantidade de partículas finas de poeira, gases e produtos
químicos que se depositam na atmosfera, impedindo a renovação do ar, sendo que,
em razão da dinâmica dos ventos, podem chegar até as áreas rurais
59
; (3) perda de
áreas agrícolas sicas; (4) ameaça à vida animal e vegetal pelo desenvolvimento
incontrolado; (5) contribuição para o agravamento da crise energética; (6) déficit
cumulativo de infra-estrutura; (7) carência de saneamento básico
60
; (8) problemas de
57
Neste sentido, o exposto nas páginas introdutórias do trabalho.
58
Parte-se da sistematização apresentada em QUEIROZ E SILVA, Roberto Perez de. A urbanização
e o fim da vida selvagem. In: SILVA, Eduardo Lins da (Org.). Ecologia e Sociedade: uma introdução
às implicações sociais da crise ambiental. São Paulo Loyola, 1978. p. 129-146. p. 134.
59
Mencione-se o exemplo de Pequim, vez que ganha maior publicidade com a proximidade dos
Jogos Olímpicos. Na capital chinesa, o pó gerado pela construção civil cobre cerca de 100 milhões de
metros quadrados da cidade, a frota de veículos aumenta em até 1.200 unidades diariamente e
presença na atmosfera de elementos tóxicos derivados da queima de carvão nas fábricas. Como
alternativa para o período de competições, o governos determinou a paralisação da construção de
edifícios e do funcionamento de fábricas, bem como o rodízio de veículos. Istoé, São Paulo, ano 31,
n. 2002, 19 mar. 2008. p. 76.
60
No Brasil, em média, 91,7% da população é abastecida com água encanada. Porém, apenas pouco
mais da metade dos municípios (50,4%) dispõe de serviços de coleta de esgoto, limitando-se o índice
de seu tratamento a 27,3%. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Indicadores sociais Saneamento básico. Ano base 2002. Rio de Janeiro: IBGE, [s.d.]. Disponível
em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 08 jul. 2006.
28
saúde
61
; (9) elevados níveis de tráfego
62
; (10) poluição sonora e visual; (11)
intensificação da produção de resíduos
63
.
Interessante destacar, adicionalmente, a relação entre cidades e aquecimento
global, vez que os centros urbanos são fortemente afetados pela mudança climática,
constituindo-se, da mesma forma, em grandes contribuintes para o fenômeno na
medida em que as atividades urbanas apresentam-se como fonte principal de
emissões de gás carbônico. Geram aproximadamente 80% de todo o gás carbônico
e significantes níveis de outros gases do efeito estufa isto, sobretudo, através da
geração de energia, da circulação de veículos
64
e atividade industrial
65
. Ainda, tem-
se a supressão de áreas verdes, o que reduz a capacidade de absorção pelas áreas
urbanizadas, bem como o deficiente gerenciamento de resíduos, a liberar gases
como metano na atmosfera
66
.
Acrescente-se os conseqüentes impactos econômicos e sociais decorrentes.
A respeito, estudo sobre cidades sustentáveis elaborado pelo Programa das Nações
Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat) destaca que a degradação
61
Traz-se, ilustrativamente, o caso extremo da cidade Russa de Chapayevsk, cujas autoridades
aconselharam a população, recentemente, a abandoná-la em razão do caos ambiental. Durante
décadas, abrigou diversas indústrias de produtos usados na fabricação de armas químicas, tendo
sido as instalações transformadas para a produção de herbicidas. Hoje, a contaminação extrema do
ar, do solo, dos alimentos e da água por componentes químicos faz com que 96% das crianças
nasçam doentes e sejam elevadíssimos os índices de incidência de câncer e anomalias de órgãos.
Istoé, São Paulo, ano 31, n. 2007, 23 abr. 2008. p. 83.
62
Vale, aqui, o exemplo de São Paulo(SP), cuja frota atingiu 6 milhões de veículos em fevereiro do
presente ano, com média diária 800 novos licenciamentos. Registra-se aumento de 25% nos últimos
dez anos, sendo que a infra-estrutura viária não cresceu mais que 6% no mesmo período. Como
efeito reflexo, em 2007, além dos congestionamentos recordes, o total de vezes em que o ar ficou
impróprio aumentou 54% em relação ao ano anterior, consoante informação da Cetesb (Companhia
de Tecnologia de Saneamento Ambiental). Istoé, São Paulo, ano 31, n. 2001, 12 mar. 2008. p. 46.
63
A respeito, pesquisa do IBGE indica tendência de aumento da produção per capta de lixo domiciliar
em proporção direta ao número de habitantes. Em cidades com até 200.000 habitantes, calcula-se a
geração de 450 a 700 gramas per capta/dia, enquanto que em cidades cuja população está acima
deste número estima-se a produção entre 800 e 1.200 gramas per capta/dia. Significa dizer que áreas
mais densamente habitadas apresentam maior geração de resíduos, isto em razão dos padrões
acelerados de consumo. Outro dado relevante diz com o fato de que as treze maiores cidades
brasileiras, com população acima de 1 milhão de habitantes, coletam 31,9% de todo o lixo urbano do
país. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional de
Saneamento Básico. Ano base 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. Disponível
em:<www.ibge.gov.br/home/estatistica/população/condicaodevida/pnsb/pnsb.pdf>. Acesso em: 08 jul.
2006.
64
Emissões dessa origem crescem à taxa de 2,5% cada ano. HABITAT. United Nations Centre for
Human Settlements. Sustainable Cities Programme. Climate Change: The Role of Cities. 2006.
Disponível em: <www.unhabitat.org>. Acesso em: 23 mar. 2007.
65
Responsável por 43% da emissão global de gás carbônico. Ibidem.
66
Ibidem.
29
ambiental provocada pelas dinâmicas urbanas ameaça a eficiência econômica no
uso dos escassos recursos, a eqüidade social na distribuição dos benefícios e
custos do desenvolvimento, a sustentabilidade do próprio processo de
desenvolvimento e a produtividade econômica urbana na provisão dos bens e
serviços
67
. Temáticas estas que têm merecido especial preocupação das
administrações locais no momento de adotar modelos econômicos de
desenvolvimento.
Porém, há que se considerar, igualmente, constituírem-se as cidades em
ponto de convergência de desenvolvimento cultural, econômico e social tanto a
nível local como nacional e regional -, representando perspectiva de potencialização
na eficiência da utilização dos recursos ambientais. A título de exemplo, com a
concentração populacional nos centros urbanos ocorre redução per capta da
demanda de área ocupada; unidades multi-familiares (condomínios, apartamentos)
reduzem o consumo de materiais de construção e serviços de infra-estrutura
(sistema de distribuição de água, esgotamento, transporte público); maiores
possibilidades de co-geração de energia e programas de reciclagem e re-uso de
materiais.
Ainda, absorvem dois terços do crescimento demográfico nos países em
desenvolvimento e oferecem importantes economias de escala na provisão de
empregos, moradia e serviços
68
. Também, atente-se à importância relativamente à
preservação dos ecossistemas e da biodiversidade na medida em que, sabendo-se
afetar área geográfica vastamente maior que a sua própria superfície, pode-se
promover a conservação de áreas verdes conectadas com o subúrbio, por meio de
planejamento e controle do crescimento
69
.
Diante dos dados colhidos, avulta-se a importância de análise detida sobre as
causas estruturais da degradação ambiental que tem como origem o processo de
urbanização, bem como das dinâmicas que orientam sua reprodução no tempo. É
estudo preliminar essencial para a compreensão do fenômeno, a servir de subsídio
67
HABITAT. United Nations Centre for Human Settlements. Sustainable Cities Programme. Ciudades
Sustetables y Gobierno Local. Nairobi, 2000. Disponível em: <www.unhabitat.org>. Acesso em: 23
mar. 2007.
68
Ibidem.
69
HABITAT. United Nations Centre for Human Settlements. Sustainable Cities Programme.
Ecosystems and Biodiversity: The Role of Cities. 2006. <www.unhabitat.org>. Acesso em: 23 mar.
2007.
30
para a elaboração de instrumentos de planejamento e controle do uso do solo
urbano com o objetivo de identificar, avaliar, prevenir e compensar os potenciais
efeitos ambientais negativos, bem como de promover a justa distribuição destes e
também dos benefícios resultantes. Significa compreender que o enfrentamento da
crise por meio da propositura de políticas públicas depende da forma como se
promove o diagnóstico de sua origem.
Como orientação para tal investigação, assume-se embasamento teórico
apresentado em texto de David Goldblatt, no qual, ao empreender análise crítica da
teoria social de Anthony Giddens - no que diz com o enfoque conferido à dupla
industrialização-urbanização nos processos de transformação da natureza
70
-, acaba
por delinear compreensão própria da degradação ambiental centrada em sua
dimensão espacial. Esclareça-se, portanto, que não serão pontuados os traços da
reflexão de Giddens, mas tão somente as conclusões expressas por Goldblatt ao
apresentar sua própria perspectiva.
Isto em razão deste autor fixar a extensão do que pretende demonstrar nos
seguintes pontos: (a) a adequação do conceito de urbano como instrumento válido
para o exame da história da degradação do ambiente, e (b) a necessidade de
reavaliação do caráter causal atribuído ao capitalismo e ao industrialismo neste
processo
71
. Registre-se:
[...] quero afirmar [...] que o urbanismo produz causas diretas de
degradação do ambiente, fixando os tipos possíveis de degradação e
70
Em sua construção teórica sobre a interação sociedade/ambiente natural, Giddens preocupa-se
com a organização espacial dos processos sociais, bem como com sua reprodução no tempo, no
contexto da alta modernidade (ver ponto 1.2.1). Reflete, assim, sobre os impactos da industrialização,
do urbanismo moderno e da globalização, abordando elementos como o conceito de ambiente criado,
a transformação em mercadoria do tempo e do espaço e o enfraquecimento da tradição alguns dos
aspectos que perpassam a experiência da cidade informada pelo capitalismo. A crítica que lhe dirige
Goldblatt refere-se à circunstância de alterar sua interpretação quanto às causas da degradação
ambiental, ora atribuindo à combinação industrialismo-capitalismo, ora somente ao industrialismo.
Com isso, teria subestimado o papel do capitalismo, da demografia e da política. Sobre o
posicionamento de Giddens, ver: GIDDENS, Anthony. The consequences of modernity. 12. reprinted.
Cambridge: Polity Press, 2007; _______. A contemporary critique of historical materialism. 2. ed.
Great Britain: Palgrave MacMillan, 1995.
71
“Contrariamente à posição de Giddens, quero demonstrar dois pontos: (1) que o conceito de
urbano continua a ser um instrumento conceitualmente válido para examinar a história da degradação
do ambiente e não apenas uma forma de examinar a relação psicológica entre vida moderna e o
mundo físico que a rodeia, porque o conceito de urbano pode distinguir-se da noção totalmente
abrangente de ambiente criado; (2) que os papéis relativos do capitalismo e do industrialismo como
causadores deste estado de coisas têm de ser repensados e, ao tratar esta questão, tem de se
introduzir uma dimensão cultural e política”. GOLDBLATT, David. Teoria Social e Ambiente. Lisboa:
Instituto Piaget, 1996. p. 94.
31
proporcionando o local geográfico no qual as interações
sociedade/ambiente estão concentradas. No entanto, devemos
também investigar as causas estruturais de degradação, os
constrangimentos e as oportunidades institucionais que explicam o
motivo por que a potencial degradação é posta em prática em formas
e contextos urbanos. Farei esta investigação examinando os papéis
relativos do capitalismo e do industrialismo
72
.
Importa esclarecer, preliminarmente, o entendimento que expressa, em sua
reflexão, das causas diretas e estruturais que contribuem para a transformação da
natureza. As primeiras seriam as “interações diretas e imediatas do comportamento
humano com o ecossistema”, dentre as quais identifica a demografia e as práticas
econômicas (técnicas de produção, como caça, agricultura e industrialismo). As
segundas corresponderiam às “pressões históricas e estruturais que induzem grupos
e indivíduos a regerem o seu comportamento econômico e demográfico de modo
problemático sob o ponto de vista do ambiente”
73
. São causas da degradação
ambiental, mas, também, podem ser moldadas ou constrangidas pelos efeitos
destas:
As conseqüências econômico-demográficas da degradação ambiental
produzem uma alteração nas condições e constrangimentos da
atividade econômica e dos comportamentos demográficos. Estes irão
variar, como a História nos mostra, de acordo com o tipo de produção
numa dada situação histórica, porque [...] as necessidades que uma
economia impõe a um ecossistema são variáveis. Determinados tipos
de produção darão origem a determinadas formas de degradação.
Nas sociedades de caçadores e coletores, os constrangimentos
econômicos e demográficos produzidos pela degradação do ambiente
abrangem uma distribuição e volume alterados de caça e plantas
utilizadas na alimentação. Nas sociedades agrícolas, as alterações no
plano das estações, tipo de clima e na fertilidade dos solos constitui
degradação ambiental. Nas sociedades industriais, a escassez de
recursos não renováveis é uma forma característica de degradação do
ambiente. Um constrangimento resultante destas alterações seriam
mudanças na qualidade dos alimentos e matérias-primas disponíveis,
afetando o nível de população a ser sustentado. Essas alterações
teriam também um grande impacto na saúde humana. Um decréscimo
no fornecimento de alimentos, ou uma maior freqüência de desastres
naturais, não limitam o rendimento econômico e a variação
demográfica no futuro, mas também afetam o bem-estar do homem
74
.
72
Ibidem, p. 94.
73
Ibidem, p. 48-50.
74
Ibidem, p. 53.
32
Tais aspectos assumem especial relevância na medida em que, a partir de
análise da relação histórica entre capitalismo e industrialismo, compreende o autor o
primeiro como principal causa estrutural na origem da transformação do ambiente,
constituindo-se o segundo em causa direta
75
. É compreensão decorrente do
entendimento de que o mais importante efeito do industrialismo sobre o meio
ambiente foi justamente o desencadeamento de economias capitalistas livres de
constrangimentos. Sem o industrialismo, estas restariam ainda contidas, refreadas
pelos obstáculos impostos pelas próprias conseqüências da transformação
ecológica produzida pelo crescimento econômico
76
.
Em reforço a esta conclusão, discorre sobre a existência de um rápido
processo de crescimento urbano não industrial, típico da cidade pré-moderna ou pré-
industrial, que apresenta impactos ecológicos urbanos específicos. São as
sociedades agrícolas capitalistas do início da Europa moderna. Para demonstrar a
afirmação, lança mão de descrição da convergência, na Inglaterra do século XVII, de
fatores demográficos (população mundial em crescimento e mobilidade de mão-de-
obra) e econômicos (desenvolvimento da agricultura capitalista, gerando aumento da
produtividade), a impulsionar a emigração para as cidades
77
. Porém, caracteriza-se,
ainda, por forte dependência das matérias-primas orgânicas (para alimentação,
transporte, geração de energia, produção), o que conduz, em contexto de expansão
demográfica e crescimento econômico, ao seu escasseamento e ao aumento de
preços.
75
Ibidem, p. 54-55. Poderia residir a fragilidade de seu argumento na constatação da intensa
degradação ambiental imposta também pelas economias socialistas. Afinal, estas, orientadas pelo
interesse em aumentar os níveis de produção e a segurança militar, também se desenvolveram nas
bases do industrialismo exercido de forma ecologicamente insustentável. Adicionalmente, como
causas políticas, aponta para a ausência de vigor na imposição das leis do ambiente, o que decorria
de o poder de decisão concentrar-se nos membros do partido, bem como à limitação de atividade
política. Conclui, então, que “O capitalismo e o socialismo de Estado foram as causas estruturais que
produziram, na prática, os efeitos ecológicos mais negativos do industrialismo e do crescimento
demográfico. No entanto, foram sem dúvida ajudados por duas características comuns: a distribuição
injusta do poder político que lhes é peculiar, e uma gica de necessidade incontrolada de consumo,
público e privado”. Ibidem, p. 78-81.
76
Ibidem, p. 45.
77
Toma emprestado de outro autor (Wrigley) a denominação de “economia orgânica avançada”: “O
termo define uma economia não apenas agrícola mas que sustentava uma população urbana em
crescimento empregada nas fábricas e nos serviços. [...] O crescimento intensivo [...] resultou do
investimento de capitais em propriedades, da concentração e racionalização da posse da
propriedade, da expansão dos mercados e de uma série de inovações tecnológicas e no âmbito da
criação de gado. Em resumo, era uma economia caracterizada pela chegada do capitalismo”. Ibidem,
p. 55.
33
Some-se, também, a circunstância de a intensificação do crescimento urbano
resultar em problemas ecológicos próprios das cidades. Exemplificativamente,
questões relacionadas ao saneamento, à proximidade das atividades econômicas e
à presença de animais apresentam-se como fatores potencializadores de doenças e
aumento da taxa de mortalidade. Aspectos estes que acabaram por configurar-se
como contingenciamento para o próprio processo. Significa dizer que, numa
economia pré-industrial, as conseqüências ecológicas específicas do crescimento
urbano ocasionado pelo capitalismo foram contidas pelas limitações por elas
mesmas geradas
78
.
Entretanto, os problemas ecológicos nas cidades capitalistas intensificam-se
e adquirem maior gravidade, sobretudo com a utilização doméstica e,
principalmente, industrial do carvão, com o que se passa a superar os
constrangimentos das limitações ecológicas. Explica:
Ao mudar para o carvão, os londrinos começaram a superar os
constrangimentos estruturais que poderiam ter mantido a sua cidade,
sob o ponto de vista demográfico e ecológico, sob controle. Isto
desencadeou um presságio de um tipo de problema ecológico,
especificamente urbano, globalmente mais temível. Porque o carvão
(entre outras coisas) multiplicou as possibilidades de crescimento
econômico e urbano, aumentando os problemas ecológicos
intrínsecos de proximidade e densidade num ambiente
predominantemente construído
79
.
Convergem, então, capitalismo e industrialismo
80
. Atenta Goldblatt,
entretanto, que, neste período de emergência, o industrialismo atua não apenas
como causa direta de degradação, mas, sobretudo, como causa estrutural, na
medida em que libera o capitalismo de suas limitações. Isto em razão de a
tecnologia industrial multiplicar o potencial de crescimento econômico ao implicar a
78
Ibidem, p. 95.
79
Ibidem, p. 95-96.
80
Para expressar sua compreensão sobre o industrialismo, acrescenta às quatro características
presentes na definição de Giddens (mobilização de energia inanimada, mecanização, produção
baseada em fábricas, centralização da economia), outras: a importância de novas fontes de matérias-
primas em geral e de combustíveis fósseis em particular; a importância de ciência teórica; a
necessidade de uma divisão do trabalho complexa; níveis elevados de formação de capital e
mudanças estruturais na economia. Ibidem, p. 61.
34
utilização de novas fontes de energia, mais eficientes (sobretudo combustíveis
fósseis em substituição à lenha), e a mecanização da produção
81
.
Tal associação - o industrialismo capitalista - produz formas modernas de
degradação: intensificam-se as transformações na agricultura (aumento do potencial
de utilização da terra e uso de pesticidas e fertilizantes) e os processos
demográficos (aumento da população mundial e crescimento urbano descontrolado);
a geração de poluição como externalidade dos processos produtivos (introdução de
químicos inorgânicos de elevada toxidade)
82
. Conseqüentemente, novamente
apresentam-se constrangimentos e limites ao crescimento econômico, agora para as
sociedades modernas, não sendo, entretanto, este o momento para o seu trato
83
.
Para explicar a complexidade da degradação ambiental nas sociedades
capitalistas industriais, agrega mais um elemento, ao lado do industrialismo, do
capitalismo e da demografia: o papel do poder político. Afirma a política como uma
condição permissiva da degradação ambiental em razão do empenho do Estado em
assegurar o crescimento econômico, exercido, sobretudo, por mecanismos como (a)
o controle político do território; (b) a regulamentação política dos recursos e
mercados comuns; (c) a regulamentação política de externalidades.
84
.
Uma vez apresentadas as relações entre capitalismo e industrialismo como
causalidades na degradação ambiental, segue seu raciocínio examinando
especificamente o seu desenvolvimento em contextos urbanos. Faz menção à
81
Ibidem, p. 63.
82
Ibidem, p. 64-71. Neste ponto, não deixa Goldblatt de atentar para a necessária “periodização
histórica” da sociedade industrial, vez que os processos de produção foram se alterando no tempo
com o desenvolvimento de novas tecnologias sobretudo no que diz com a produção de energia (do
carvão para o petróleo e eletricidade baseada na energia nuclear) e utilização de outras matérias-
primas (químicos orgânicos e novas tecnologias metálicas). Conseqüentemente, também se
transformou a natureza dos impactos ecológicos gerados. Ibidem, p. 63.
83
Apenas registre-se: “O que espreita no horizonte são limites e constrangimentos nunca antes
encontrados, devido a uma subida vertiginosa de prosperidade econômica nunca antes atingida. O
primeiro limite é a quantidade limitada de recursos energéticos e matérias-primas inorgânicas com os
quais a industrialização conta. Este é o único problema estrutural característico e singular que nos foi
legado mais pela industrialização do que por qualquer organização econômica que a acompanhe.
Segundo, o caso da libertação de toxinas e do extermínio de vegetação e fauna a ponto de se pôr
a saúde humana seriamente em perigo e de os ciclos biológicos essenciais dos ecossistemas serem
fundamentalmente perturbados. O industrialismo não só irrompe com o funcionamento de sistemas
ecológicos, mas pode também afastá-los de tal modo do ponto de equilíbrio dinâmico e controlado
que sua capacidade real de continuar a atuar fica irremediavelmente destruída”. Ibidem, p. 70-71.
84
Sucintamente, corresponde o primeiro à garantia da propriedade privada, pelo controle político e
judicial, como forma de exercício de direitos sobre bens ou partes do território. O segundo refere-se à
ausência de controle político-judicial sobre os recursos e de intervenção no mercado. E, o terceiro,
foca a limitação das políticas preventivas, com a restrição de imposição de custos ecológicos aos
poluidores. Ibidem, p. 71-75.
35
relevância de demarcar-se a distinção existente entre os conceitos de ambiente
criado
85
e de urbano. Afinal, possuiria o primeiro amplitude limitada para abranger a
diversidade de componentes que o segundo comporta, quais sejam, demográficos,
espaciais, ecológicos e econômicos.
Apresenta, então, os elementos distintivos específicos das áreas urbanas,
que as fazem configurarem-se para além de simplesmente um ambiente construído:
(1) densidade elevada de pessoas envolvidas no consumo e em processos
produtivos coletivos; (2) proximidade das pessoas e dos processos econômicos
entre si (vizinhança); (3) presença reduzida de aspectos do ambiente natural
86
. Tal
compreensão permitirá ao autor especificar com maior precisão sua convicção.
Na seqüência, refere-se à degradação ambiental na cidade do século XIX, a
partir da intensificação da combinação de elementos demográficos, geográficos e
econômicos. Enfatiza a associação da intensa expansão demográfica/populacional a
duas causas em especial: (1) intensificação do consumo de habitação e combustível
e (2) produção fabril, nestes termos:
O aspecto fundamental das cidades industriais do século XIX foi o seu
crescimento demográfico explosivo, aglomerando as pessoas em uma
densidade e em números absolutos quase únicos em toda a história.
Esse grau de congestionamento humano, quando associado ao tipo
de habitação, organização espacial e consumo específicos, teve como
conseqüência uma série de problemas ecológicos novos ou alargados
a uma grande extensão. Estas pressões exerceram-se de uma forma
bastante pesada no pouco que restava dos ecossistemas naturais
dentro do ambiente construído
87
.
Quanto ao consumo de combustível, menciona como impactos ecológicos
específicos da queima de carvão a poluição atmosférica intensa, danos causados às
edificações pela fuligem, aumento da incidência de doenças respiratórias e
associadas às condições de higiene. Adicionalmente, tem-se o consumo de
habitação por meio de mercado não regulamentado, em condições de insalubridade
devido à precariedade do saneamento, com disposição de resíduos nas ruas, redes
de abastecimento poluídas e presença constante de animais. Quanto à produção
85
Para a compressão do conceito de ambiente criado em Giddens, há que se considerar que aponta,
como conseqüências ambientais do industrialismo, transformações materiais e transformações
culturais. É termo que se relaciona mais propriamente, neste contexto, à dimensão cultural. Ibidem, p.
43.
86
Ibidem, p. 94.
87
Ibidem, p. 96.
36
fabril, verifica-se, em decorrência do desenvolvimento de técnicas mais sofisticadas
de produção, a intensa difusão de arsênico como componente de tintas e
impressões; de mercúrio nos barômetros e espelhos; do chumbo nos vidros e tintas;
de cloro nos branqueadores; de benzeno e ácidos no aço; de carbonato de sódio e
cal nos papéis:
A cidade industrial do século XIX, contrariamente à cidade pré-
industrial, foi marcada pela acumulação e concentração de velhas
indústrias, cujas técnicas produtivas haviam sido transformadas, e
também indústrias completamente novas. Estas libertaram antigos e
novos poluentes, em volumes elevados para a atmosfera, para os
cursos de água e eventualmente para o organismo humano. Este fato
teve efeitos drásticos para a saúde e, em termos de produtividade,
conseqüências econômicas graves. Estes efeitos foram ainda mais
agravados devido à enorme concentração geográfica das indústrias, à
proximidade de poluentes dos trabalhadores no interior da fábrica e à
proximidade externa desses poluentes dos aglomerados
populacionais
88
.
Em verdade, tais problemas ecológicos não eram exclusividade das cidades
industriais, existindo nas cidades pré-industriais. O que ocorreu foi sua
intensificação, com o desencadeamento do capitalismo e a forma específica de
organização do espaço urbano que a acompanha
89
. Em suma:
Voltando aos motivos por que essas potencialidades se concretizaram
na prática, uma investigação histórica mais pormenorizada demonstra
que o industrialismo serviu em primeiro lugar para desencadear uma
fase estruturalmente constrangida de crescimento urbano movido pelo
capitalismo. Uma vez desembaraçado de constrangimentos, foi a
dinâmica do capitalismo, ajudada pelo exercício do poder político, que
concretizou na prática as potencialidades ecológicas do crescimento
demográfico espontâneo e de novos processos econômicos num
ambiente limitado em termos de espaço. O espaço tem, pois
importância para a degradação do ambiente
90
.
Ocorre, da mesma forma, um processo de justaposição dos problemas
ambientais e sociais, na medida em que as zonas residenciais pobres e operárias
suportaram com maior intensidade tais efeitos negativos ao instalarem-se
sobrepondo-se às zonas industriais. É decorrência da transformação do espaço
88
Ibidem, p. 99.
89
Ibidem, p. 97.
90
Ibidem, p. 100.
37
urbano em mercadoria, associado à ausência de controle político na regulamentação
deste mercado, bem como na provisão de serviços públicos
91
. Introduz, a partir daí,
dimensão política dentre as causas estruturais da degradação ambiental urbana
92
.
Como conclusão a todos os encaminhamentos apresentados pelo autor sobre
os papéis do capitalismo e do industrialismo na concretização dos danos ambientais
do urbanismo moderno, tem-se:
[...] a industrialização libertou o crescimento urbano capitalista da
economia orgânica avançada dos seus limites ecológicos. Ao fazê-lo,
é a dinâmica institucional da economia capitalista que criou as
conseqüências ecológicas do industrialismo dentro dos espaços
urbanos. Isto levou ao aumento de problemas ambientais mais antigos
e a criação de novos. O que tornou estes problemas ecológicos
especificamente intensos foi a combinação do capitalismo e do
industrialismo com os elementos essenciais do espaço urbano:
densidade humana, proximidade do homem dos processos produtivos
e a escassez e vulnerabilidade do pouco que restava dos
ecossistemas naturais dentro do ambiente urbano
93
.
Diante das informações colhidas, tem-se, portanto, que o desafio apresentado
às cidades na atualidade refere-se à criação, nas palavras de Jacobi, de “condições
para assegurar uma qualidade de vida que possa ser considerada aceitável, não
interferindo negativamente no ambiente do seu entorno e agindo preventivamente
para evitar a continuidade do nível de degradação”
94
. Afinal, em que pese
apresentar-se o urbano como elemento conceitual válido para a análise da
degradação ambiental, sua configuração reflete, da mesma forma, inúmeras
possibilidades de potencialização dos recursos de preservação, a depender de
planejamento adequado. Como próximo passo investigativo, abordar-se-á, a seguir,
a natureza da degradação ambiental nas sociedades modernas.
91
Ibidem, p. 98-99.
92
Sobre os movimentos políticos relacionados ao ambiente urbano, assim se manifesta: “O resultado
das lutas políticas determinou, pelo menos em parte, o impacto ambiental de intervenções a nível de
mercado, industriais e demográficas: a regulação ou não de mercados (controle de qualidade
alimentar); a existência ou o de planejamento e regulamentação urbanísticos (concentração
industrial limitada); a avaliação, controle, proibição ou não de fatores externos e bens livres; a
provisão, ou não, de bens públicos como, por exemplo, infra-estruturas e serviços (abastecimento de
sistemas de esgotos, fornecimento de água, recolha de lixos, balneários). Neste sentido, a história da
degradação do ambiente é, simultaneamente, a história de lutas políticas ambientalistas, e não
apenas de transformações econômicas, demográficas e tecnológicas”. Ibidem, p. 106.
93
Ibidem, p. 111.
94
JACOBI, Pedro. Cidade e meio ambiente: percepções e práticas em São Paulo. 2. ed. São Paulo:
Annablume, 2006. p. 16.
38
1.2 Opção de aporte teórico para a análise dos instrumentos de gestão e
planejamento do espaço urbano: o risco
1.2.1 Teoria da sociedade do risco: contornos na obra de Ulrich Beck
Tendo-se definido o risco como categoria de análise para a compreensão das
possibilidades de comunicação das perspectivas ambiental e urbana no processo de
gestão das cidades, impõe-se abordar o marco teórico eleito para o trato da matéria,
qual seja, a teoria da sociedade de risco, nos termos do desenvolvido por Ulrich
Beck. Esclareça-se, desde já, que a complexidade da tarefa de discorrer acerca da
teoria social do ambiente presente na obra deste autor não será abraçada em sua
totalidade. Para estudo pormenorizado, existe vasta gama de publicações a tratá-la
com largo alcance, exaustiva e criticamente.
Ainda, que se considerar a perspectiva de outros estudiosos do risco, cuja
abordagem se sob distintos ângulos, de acordo com as diversas áreas de
pesquisa às quais se dedicam
95
. Portanto, insiste-se, restringir-se-á o trabalho à
síntese direcionada aos contornos gerais por Beck apresentados da configuração do
risco na sociedade contemporânea e do conceito que cunha de irresponsabilidade
organizada, em conformidade com orientação firmada pelos objetivos expostos no
trabalho
96
.
Antes, porém, de se adentrar com maior atenção neste modelo, impõe-se
afirmar a escolha da obra de Beck para a compreensão dos fenômenos ligados à
95
Em que pese dedicação mais atenta à obra de Beck, não se pode furtar à menção de outros
autores dedicados ao estudo do risco nas sociedades contemporâneas, como contribuição ao
alargamento da compreensão do conceito. Na impossibilidade de se percorrer detidamente as
diversas linhas de investigação traçadas, deixa-se o registro: GIDDENS, Anthony. As conseqüências
da modernidade. Trad. Raul Fiker. 6. reimp. São Paulo: UNESP, 1991. p. 126; LUHMANN, Niklas.
Sociologia del riesgo. México: Universidad de Guadalajara, UNAM, 1991; DE GIOGI, Raffaele. Direito,
democracia e risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998;
DOUGLAS, Mary. La aceptabilidad del riesgo según las ciencias sociales. Traducción de Victor
Abelardo Matínez. Barcelona: Paidós, 1996; HANNIGAN, John. Environmental sociology. 2. ed. New
York: Routledge, 2006; POSNER, Richard A. Catastrophe: risk and response. New York: Oxford
University Press, 2004.
96
Não serão analisados com profundidade muitos dos elementos fundamentais da teoria, como o
papel da ciência no monopólio do conhecimento dos riscos e os novos contornos assumidos pelo
domínio político, bem como as categorias explosividade social do perigo, estado de segurança,
individualização e processos de normalização e descontaminação simbólicas. Estes serão apenas
mencionados, não lhes sendo dirigido estudo pormenorizado.
39
degradação ambiental, em detrimento de outras leituras possíveis. Isto porque, no
debate que proporciona, toma a crise ecológica como uma crise estrutural central da
modernidade
97
, que conduz à constituição de uma nova ordem social,
qualitativamente diferente, a sociedade de risco. Nesse sentido, utiliza-se o
destaque de Goldblatt:
A obra de Beck tem uma particular importância para qualquer pessoa
interessada na resposta da teoria social à degradação do ambiente e
à política de ambiente. O aspecto característico de sua obra consiste
em localizar as origens e conseqüências da degradação do ambiente
precisamente no centro de uma teoria da sociedade moderna, em vez
de considerá-la um elemento periférico ou uma reflexão teórica
posterior. A sociologia de Beck e as sociedades que ela descreve são
dominadas pela existência de ameaças ecológicas e pela forma como
as entendemos e reagimos. Na realidade, podemos ser levados ao
ponto de afirmar que a sociedade de risco é firmada e definida pela
emergência destes perigos ecológicos, caracteristicamente novos e
problemáticos
98
.
Como panorama geral, é suficiente registrar, para os limites do trabalho -
muito sucinta e simplificadamente, em caminho de síntese -, que se debruça a
traçar, em análise do desenvolvimento histórico da modernidade, paralelo relativo à
transição da sociedade industrial para o que denomina de sociedade de risco
99
.
Neste processo, descreve, como significativo elemento de distinção, a alteração da
compreensão dos perigos na medida em que se passa à formulação da concepção
de risco, determinando, por fim, a configuração deste e o perfil das respostas
institucionais lhe dirigidas no mundo moderno. Na análise das mudanças apontadas,
assume papel de relevo dentre os riscos de graves conseqüências
100
, os riscos
97
BECK. Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: BECK,
Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva. Política, tradição e estética na
ordem social moderna. Trad. Magda Lopes. 1. reimp. São Paulo: UNESP, 1997. p. 19.
98
GOLDBLATT, David. Teoria social do ambiente. p. 288.
99
Associa essa transição à dissolvição da sociedade agrária pela modernização do século XIX,
quando da formação da sociedade industrial. Agora, esta estaria sendo suplantada por outra
conformação social: “De una manera similar a como en el siglo XIX la modernización disolv la
sociedad agraria anquilosada estamentalmente y elaboró la imagen estructural de la sociedad
industrial, la modernización disuelve hoy los contornos de la sociedad industrial, y en la continuidad
de la modernidad surge otra figura social”. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva
modernidad. Trad. De Jorge Navarro, Daniel Jiménez, Maria Rosa Borrás. Barcelona: Paidós, 1998.
p. 16.
100
Ao mencionar a superprodução de riscos na modernidade, o autor faz uso da referência para tratar
de distintas áreas da vida social (ciência, família, indivíduo, mercado de trabalho, econômica,
política). Concentra-se na análise dos riscos de graves conseqüências, dentre os quais insere os
decorrentes da aplicação da tecnologia nuclear e genética e as ameaças ecológicas.
40
ambientais, o que se justifica face à intensificação recente das possibilidades de
ocorrência de catástrofes ecológicas em grande escala, na forma de ameaças
globais.
Porém, que se mencionar, a princípio, a descrição do autor de período
ainda anterior à sociedade industrial, o qual denomina pré-modernidade. Consoante
sua análise, caracteriza-se pela compreensão dos perigos como conseqüências de
fenômenos externos, meros acontecimentos naturais determinados pelo destino ou
intervenção divina (tais como catástrofes naturais – secas, inundações, etc. - e
guerras)
101
. Tem-se, portanto, um mundo tradicional, conformado por uma natureza
que se teria que conhecer e dominar, bem como por imagens religiosas
102
. Assim,
apresentam-se as ameaças como inevitáveis, vez que não criadas ou controladas
pela vontade ou intenção do homem.
É consideração relevante para que se marque a distinção entre as categorias
risco e perigo, fundamental ao modelo de análise em apreço. Afinal, perigos ou
ameaças, nos termos do mencionado (originados em causas naturais, independente
de ações volitivas humanas), sempre estiveram presentes na história da
humanidade
103
. o risco apresenta-se como conceito próprio da modernidade
104
,
vez que compreendido por Beck como resultado de tomadas de decisões
associadas ao desenvolvimento impulsionado pela industrialização, e, portanto,
justificado racionalmente - o que será clarificado a seguir.
Adianta-se, de antemão, manifestação de Leite e Ayala ao discorrerem sobre
o risco, sublinhando sua origem nos processos decisórios:
101
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo global. Madrid: Siglo XXI de España, 2002. p. 78.
102
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. p. 16.
103
HERMITTE, Marie-Angèle. Os fundamentos jurídicos da sociedade do risco Uma análise de U.
Beck. In: VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Governo dos riscos. Brasília: Rede Latino-Americana-
Européia sobre Governo dos Riscos. p. 11-40.
104
A afirmação é de Serrano. Registre-se, porém, não deixar o autor de considerar que “O surgimento
tardio da palavra não significa que não se tivesse antes consciência de risco. Nas transações
comerciais do mais antigo comércio marítimo normas jurídicas para a cobertura de riscos,
emprestadores de capital que atuam como seguradores e há, definitivamente, um controle planejado
do risco, embora não se chame assim, e as normas jurídicas apareçam mescladas com a idéia do
dano como castigo divino ou com a adivinhação como prognóstico de riscos. A palavra, sem dúvida,
somente pode ser contemporânea do conceito como diferença entre risco e perigo. Estamos, assim,
diante de um conceito próprio da modernidade. [...] Isto somente é possível em sociedades que não
vejam a ordem natural como a ordem desejada por Deus e em sociedades que substituam a divina
providência pela cobertura estatal ou monetária do acaso”. SERRANO, Jo Luis. A diferença
risco/perigo. In: VARELLA, Marcelo Dias. Direito, sociedade e riscos: a sociedade contemporânea
vista a partir da idéia de risco. Rede Latino-Americana e Européia sobre Governo de Riscos. Brasília:
UniCEUB, UNITAR, 2006. p. 57-77. p. 59-60.
41
[...] o risco é um conceito que tem origem na modernidade,
dissociando-se de uma dimensão de justificação mítica e tradicional
da realidade, relacionada com a verificação de contingências, eventos
naturais e catástrofes, atribuídos a causas naturais e à intervenção
divina, para se aproximar de uma dimensão que seleciona como
objetos as conseqüências e resultados de decisões humanas
(justificadas, portanto, racionalmente), e que se encontram associadas
ao processo civilizacional, à inovação tecnológica e ao
desenvolvimento econômico gerados pela industrialização.
[...]
Os riscos na modernidade sempre pressupõem e dependem de
decisões, sendo exatamente o resultado e o efeito dessas decisões
nos vários domínios em que a intervenção humana se sob
contextos de imprevisibilidade e incalculabilidade. Surgem, portanto,
da transformação das incertezas e dos perigos de em decisões
105
.
Com o período de modernização
106
das forças produtivas, desenrolado,
sobretudo, no século XIX, este mundo de tradição
107
característico da pré-
modernidade é confrontado, emergindo a sociedade industrial ou primeira
105
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 12-14.
106
Beck preocupa-se em esclarecer o sentido semântico que adota para o termo “modernização”:
“Modernización se refiere a los impulsos tecnológicos de racionalización y la transformación del
trabajo y de la organización, pero incluye muchas cosas más: el cambio de los caracteres sociales y
de las biografías normales, de los estilos de vida y de las formas de amar, de las estructuras de
influencia y poder, de las formas políticas de opresión y de participación, de las concepciones de la
realidad y de las normas cognoscitivas, para la comprensión sociológica de la modernización, el
arado, la locomotora de vapor y el microchip son indicadores visibles de un proceso que llega mucho
mas abajo y que abarca y transforma toda la estructura social, en la cual se transforman en última
instancia las fuentes de la certeza de que se nutre la vida […]. Es habitual distinguir entre
modernización e industrialización. Por mor de la simplificación lingüística, aquí hablamos por lo
general de ‘modernización en el sentido de un concepto superior. BECK, Ulrich. La sociedad del
riesgo: hacia una nueva modernidad. p. 25.
107
Mencione-se, ainda que perifericamente, alguns aspectos da obra de Giddens a respeito do papel
da tradição na compreensão das transformações ocorridas na modernidade. Afinal, é autor que
também se utiliza da análise dos riscos para discorrer sobre a transição entre a sociedade industrial e
a sociedade contemporânea (que intitula de alta modernidade). A tradição, para ele, assume outra
dimensão. É categoria que define como “a cola que une as ordens sociais pré-modernas”, no sentido
de constituir-se em mediação temporal na organização da memória coletiva. Nesse sentido, “[...] a
tradição é uma orientação para o passado, de tal forma que o passado tem uma pesada influência
sobre o presente. Mas, evidentemente, em certo sentido e em qualquer medida, a tradição também
diz respeito ao futuro, pois as práticas estabelecidas são utilizadas como uma maneira de se
organizar o tempo futuro” (p. 74). Afirma, então, que a modernidade destrói a tradição, na medida em
que configura sociedades globais, nas quais há o abandono dos contextos locais de ação,
descentralização e múltiplas autoridades. Desta feita, o que se impõe rotineiramente é a obrigação de
escolha e decisão, a demandar conhecimento especializado. Assim, na alta modernidade teria
ocorrido a substituição da tradição (fundada na confiança) pelos sistemas peritos (fonte do
conhecimento técnico-científico). Processo este acentuado e complexificado na medida em que, a
partir do processo de modernização reflexiva, verifica-se a identificação da ciência também como
fonte de incertezas/inseguranças. GIDDENS, Anthony. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In:
BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva. Política, tradição e estética
na ordem social moderna. Trad. Magda Lopes. 1. reimp. São Paulo: UNESP, 1997. p. 73-133.
42
modernidade, na terminologia adotada. É o que o autor denomina de modernização
da tradição ou modernização simples
108
. Desta feita, acompanhando a marcha de
intensa acumulação de bens e capital e de desenvolvimento tecnológico acelerado
característicos do capitalismo industrial, verifica-se processo crescente de
surgimento de ameaças
109
. Considere-se, neste percurso, o processo de
socialização da natureza, compreendida como fonte de recursos para a promoção
da industrialização
110
.
Daí Beck compreender a categoria risco como produto do modo industrial de
produção, efeito secundário sistemático dos processos de modernização
111
,
consoante mencionado. Significa dizer que, em acréscimo aos perigos típicos do
período anterior, tem-se os riscos entendidos como resultado de processos
decisórios, ou seja, não mais determinados pelo destino, mas sim fabricados pelo
homem, no curso no processo de modernização técnico-científica característico da
industrialização. Transcreve-se sua interpretação:
Os “riscos da modernização” são o arranjo conceitual, a versão
categorial em que se captam socialmente as lesões e destruições da
natureza imante à civilização, se decide sobre sua vigência e urgência
e se dispõe o modo de seu ocultamento e/ou elaboração. São a
“segunda moral” cientificizada em que se discute de uma maneira
socialmente “legítima” (quer dizer, com a pretensão de ajuda ativa)
sobre as lesões da já-não-natureza consumida industrialmente
112
.
Conseqüentemente, são aceitos como necessários e inevitáveis ao progresso
e ao desenvolvimento econômico, e, portanto, legitimados pelas instituições, não
sendo, ainda, o centro de conflitos políticos
113
. Quanto ao seu perfil, consoante a
interpretação institucional lhes dirigida, apresentam-se como passíveis de medição,
face à instituição de mecanismos de controle racional baseados na previsibilidade,
108
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. p. 17.
109
LEITE, José Rubens; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. p. 11.
110
Ver: BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. p. 85.
111
Ibidem, p. 33.
112
Tradução livre. No original: “Los riesgos de modernización’ son el arreglo conceptual, la versión
categorial en que se captan socialmente las lesiones y destrucciones de la naturaleza inmanente a la
civilización, se decide sobre su vigencia y urgencia y se dispone el modo de su ocultamiento y/o
elaboración. Son la ‘segunda moral cientifizada en que se discute de una manera socialmente
‘legítima (es decir, con la pretensión de ayuda activa) sobre las lesiones de la ya-no-naturaleza
consumida industrialmente. Ibidem, p. 89.
113
BECK. Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. p. 15.
43
no cálculo e na probabilidade, sob orientação da racionalidade científica. Ainda, são
perceptíveis aos sentidos e limitados temporal e espacialmente.
Desempenha relevante papel para a compreensão dos riscos na primeira
modernidade categoria que o autor denomina de relações de definição. Seriam
princípios básicos embasadores da produção industrial, do direito, da ciência e das
oportunidades políticas
114
, compreendidos como espécie de “mecanismo de
compensação” relacionado à distribuição e regulação dos riscos da industrialização.
Seu emprego reflete, conseqüentemente, na conformação das práticas e normas de
segurança institucionais que tangenciam a percepção do risco - a produção de
conhecimento, o processamento de informações, as regras probatórias, de
imputação, responsabilização e compensação -, no sentido de promover a
“normalização” das situações de perigo
115
.
Porém, com a intensificação do processo de industrialização, aceleração do
avanço técnico-científico e a dinamização do desenvolvimento econômico, surgem
dilemas relacionados à origem, alcance, previsão e distribuição dos riscos. As
ameaças decorrentes das ações e decisões assumem, então, outras naturezas,
escapando ao controle das instituições: incalculabilidade, imprevisibilidade,
incontrolabilidade, imperceptibilidade e, até mesmo, dimensão catastrófica, podendo
conduzir a sociedade à auto-destruição
116
.
Como conseqüência, verifica-se a falência dos mecanismos de segurança e
controle típicos da racionalidade industrial e o reconhecimento da falibilidade da
ciência na verificação das ameaças e das instituições em administrá-las. Ou seja, os
modelos de causalidade e imputabilidade se mostram ineficazes como mecanismos
114
Tradução livre. No original: “Relations of definition are not property relations, but basic principles
underlying industrial production, law, science, opportunities for the public and for polices. BECK,
Ulrich. Ecological politics in an age of risk. Translated by Amos Weisz. Cambridge: Polity Press, 2002.
p. 130.
115
Ibidem, p. 130.
116
Segundo Beck: En el centro figuran riesgos y consecuencias de la modernización que se plasman
en amenazas irreversibles a la vida de las plantas, de los animales y de los seres humanos. Al
contrario que los riesgos empresariales y profesionales del siglo XIX y de la primera mitad del siglo
XX, estos riesgos ya no se limitan a lugares y grupos, sino que contienen una tendencia a la
globalización que abarca la producción y la reproducción y no respeta las fronteras de los Estados
nacionales, con lo cual surgen una amenazas globales que en este sentido son supranacionales y no
específicas de una clase y poseen una dinámica social y política nueva”. BECK, Ulrich. La sociedad
del riesgo: hacia una nueva modernidad. p. 97.
44
de percepção e análise do risco moderno
117
. Conduz-se, assim, a sociedade
industrial a uma crise ou estado de “auto-limitação”, diga-se, um processo de auto-
reflexão sobre suas próprias premissas. Seria a radicalização da modernidade, ou,
em outras palavras, a sociedade torna-se reflexiva, um tema e um problema para si
própria
118
. Corresponde ao que denomina o autor de modernização reflexiva
119
,
sendo esta a sua referência sobre a expressão:
Este novo estágio, em que o progresso pode se transformar em auto-
destruição, em que um tipo de modernização destrói outro e o
modifica, é o que eu chamo de etapa da modernização reflexiva
120
.
[...] Sendo assim, a “modernização reflexiva” significa
autoconfrontação com os efeitos da sociedade de risco que não
podem ser tratados e assimilados no sistema da sociedade industrial –
como está avaliado pelos padrões institucionais desta última
121
.
Ocorre, então, a transição da sociedade industrial para a sociedade de risco
ou segunda modernidade, cuja característica mais relevante é a incerteza e
imprevisibilidade dos riscos que são sistematicamente produzidos pelos processos
decisórios, face à ineficácia das instituições para tratá-los. O conceito de Beck:
Este conceito designa uma fase no desenvolvimento da sociedade
moderna, em que os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais
tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle e a
proteção da sociedade industrial
122
.
117
BECK. Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. p. 13. A
mesma idéia em outra de suas obras: BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva
modernidad. p. 16-17.
118
BECK. Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. p. 19. Ou:
“El proceso de modernización se vuelve reflexivo, se toma a mismo como tema y problema. Las
cuestiones de la ‘gestión política y científica (administración, descubrimiento, inclusión, evitación y
ocultación) de los riesgos de tecnologías a aplicar actual o potencialmente en relación a horizontes de
relevancia a definir especialmente. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva
modernidad. p. 26.
119
Convém atentar para a observação do autor no sentido de que tal transição não se de forma
voluntária: “A transição do período industrial para o período de risco da modernidade ocorre de forma
indesejada, despercebida e compulsiva no despertar do dinamismo autônomo da modernização,
seguindo o padrão dos efeitos colaterais latentes. [...] A sociedade de risco não é uma opção que se
pode escolher ou rejeitar no decorrer de disputas políticas. Ela surge na continuidade dos processos
de modernização autônoma, que são cegos e surdos a seus próprios efeitos e ameaças. De maneira
cumulativa e latente, estes últimos produzem ameaças que questionam e finalmente destroem as
bases da sociedade industrial. BECK. Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da
modernização reflexiva. p. 16.
120
BECK. Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. p. 12.
121
Ibidem, p. 16.
122
Ibidem, p. 15.
45
Passa-se ao apontamento mais detido de alguns elementos da configuração
do risco que qualifica a segunda modernidade ou sociedade de risco, desafiando os
padrões de segurança, fundados na causalidade e imputabilidade. Primeiramente,
consoante o mencionado, são riscos que encontram origem e produção
sistemática no próprio processo de desenvolvimento técnico-industrial da
modernidade. Segundo, causam danos geralmente irreversíveis, possuindo, muitas
vezes, dimensão catastrófica (sobretudo os riscos nucleares, químicos, genéticos,
ecológicos). Terceiro, consubstanciam-se em situações globais de ameaça para
toda a humanidade, rompendo os limites espaciais das fronteiras geopolíticas entre
as nações, o que demanda readequação das políticas nacionais e cooperação
internacional
123
.
Quarto, rompem, também, barreiras sociais, vez que tendem a desenvolver
lógica de distribuição que supera as divisões de classe, na medida em que todos
podem ser atingidos, independentemente de renda, grau de educação, profissão,
hábitos alimentares e condições de moradia.
124
. Corresponde à recorrente menção
na obra de Beck à substituição, no centro dos debates políticos e sociais, do conflito
básico da sociedade industrial - qual seja, o conflito de distribuição em relação aos
bens (renda, emprego, seguro social) -, pelos conflitos de distribuição de “malefícios”
típicos das sociedades de risco (surgidos da produção, definição e distribuição dos
riscos produzidos pelos todos científicos)
125
. Conflitos estes que “[...] irrompem
sobre o modo como os riscos que acompanham a produção de bens
(megatecnologia nuclear e química, pesquisa genética, a ameaça ao ambiente,
supermilitarização e miséria crescente fora da sociedade industrial ocidental) podem
ser distribuídos, evitados, controlados, legitimados”
126
.
Ou seja, diante da extensão dos riscos da modernização, assumindo caráter
global quanto à sua amplitude, as diferenças e os limites sociais se relativizam.
Significa dizer que as condições de classe não mais coincidem com as posições de
123
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. p. 27-28.
124
Ibidem, p. 32.
125
Ibidem, p. 25.
126
BECK. Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. p. 17.
46
risco
127
. Corresponde ao seu “efeito igualador”. Reside sua nova força política
128
,
vez que, independentemente de seu local de produção, acabam por conectar todos,
atingindo, cedo ou tarde, também os centros de produção, ou seja, aqueles que se
beneficiam deles - os atores da modernização. É o que classifica como “efeito
bumerangue”
129
:
No caso limite, amigos e inimigos, o leste e o oeste, acima e abaixo, a
cidade e o campo, negro e branco, sul e norte estão expostos, à
pressão igualitária dos riscos civilizatórios que se potencializam. As
sociedades de risco não são sociedades de classes, isto é demasiado
pouco. Contêm em si uma dinâmica de desenvolvimento que faz saltar
as fronteiras e é democrática de base, e que, ademais, obriga a
humanidade a unir-se na situação das auto-ameaças civilizatórias”
130
.
[grifos no original]
Constitui-se este aspecto em relevante foco de ataque pelos críticos.
Registre-se, porém, que Beck continua a identificar, na contemporaneidade, a
perpetuação de especiais situações de risco que ainda seguem as divisões de
classe, na medida em que se manifestam distintamente consoante a diversidade dos
contextos sociais, econômicos e culturais. É matéria que receberá destaque especial
mais adiante, vez que interessa sobremaneira o âmbito da pesquisa
131
.
Quinto, os riscos prolongam-se no tempo, rompendo, ainda, as barreiras entre
gerações. Significa dizer que contêm um componente futuro, na medida em que não
se esgotam com a ocorrência de danos, projetando-se as ameaças no tempo
132
.
127
BECK, Ulrich. Ecological politics in an age of risk. p. 137. Goldblatt esclarece o sentido assumido
pela expressão “posição de risco” em Beck: “As posições de risco, neste contexto, referem-se aos
graus de exposição dos indivíduos, dadas as suas posições sociais e geográficas, aos perigos e aos
riscos. GOLDBLATT, David. Teoria social do ambiente. p. 253.
128
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. p. 42.
129
Ibidem, p. 43.
130
Tradução livre. No original: “En el caso límite, amigos y enemigos, el este y el oeste, arriba y
abajo, la ciudad y el campo, negro y blanco, sur y norte están expuestos a la presión igualatoria de
los riesgos civilizatorios que se potencian. Las sociedades del riesgo no son sociedades de clases,
eso aún es demasiado poco. Contienen en sí una dinámica de desarrollo que hace saltar las fronteras
y es democrática de base, y que además obliga a la humanidad a unirse en la situación de las
autoamenazas civilizatorias. Ibidem, p. 53.
131
Vide ponto 1.2.2.
132
A respeito do diálogo estabelecido com o futuro, remete-se, aqui, à concepção de outro autor
sobre o risco, Raffaele De Giorgi. Este, embora também o identifique como uma referência
fundamental na descrição da sociedade moderna, discorda da interpretação promovida pela teoria da
sociedade de risco, qual seja, como resultado dos processos decisórios típicos da modernização.
Para ele, o risco assume outra dimensão: corresponderia à pretensão das sociedades
contemporâneas de estabelecer espécie de vínculo com o futuro ou de criar sua representação, no
47
Relacionam-se, portanto, com acontecimentos ainda não concretizados, mas que,
iminentes, devem ser previstos e evitados. Tal circunstância determina a necessária
atuação no presente, tanto política como individualmente, de forma preventiva:
São, nesse sentido, riscos que onde aparecem causam destruições
em tal medida que atuar depois delas se torna praticamente
impossível, e que, portanto, possuem uma relevância para a atuação
como conjecturas, como ameaças para o futuro, como prognósticos
preventivos. O centro da consciência do risco não reside no presente,
mas no futuro. Na sociedade de risco, o passado perde a força de
determinação para o presente. Em seu lugar aparece como “causa” da
vivência e da atuação presentes o futuro, isto é, algo não existente,
construído, fictício. Hoje nos colocamos em ação para evitar, mitigar,
rever os problemas e as crises do amanhã e do depois de amanhã.
133
.
Sexto, subtraem-se à percepção humana, vez que residem nas fórmulas
químico-físicas (radioatividade, manipulação genética, substâncias nocivas
presentes no ar, na água e nos alimentos)
134
. Esta última característica possui relevo
na obra de Beck, vez que, em razão dela, depende-se do saber científico para sua
detecção e interpretação. Assume, desta feita, novo significado, pois os centros de
poder e de decisão deslocam-se da esfera política para adentrar a científica. Enfim,
a construção social em torno da constatação/distribuição/tolerância ao risco passa a
depender do juízo especializado
135
. Clara fica, então, a distinção que emprega entre
a existência objetiva dos riscos e o processo técnico-científico e institucional no qual
se envolve a construção social de sua percepção:
intuito de promover “forma de determinação das indeterminações”. Seria “[...] um medium, ou seja,
uma forma da constituição de formas para a representação do futuro e para produzir nculos com o
futuro. A forma dessa representação e a modalidade da produção destes vínculos com o futuro
chama-se risco. O medium no qual o risco possibilita a construção de outras formas é o medium
probabilidade/improbabilidade”. DE GIORGI, Raffaele. Direito, democracia e risco. Vínculos com o
futuro. p. 193.
133
Tradução livre. No original: “Son, en este sentido, riesgos que allí donde hacen acto de aparición
causan destrucciones de una medida tal que actuar después de ellas se vuelve prácticamente
imposible, y que por tanto poseen y despliegan una relevancia para la actuación ya como conjeturas,
como amenazas para el futuro, como prognosis preventivas. El centro de la conciencia del riesgo no
reside en el presente, sino en el futuro. En la sociedad del riesgo, el pasado pierde la fuerza de
determinación para el presente. En su lugar aparece como “causade la vivencia y de la actuación
presentes el futuro, es decir, algo no existente, construido, ficticio. Hoy nos ponemos en acción para
evitar, mitigar, rever los problemas y las crisis de mañana y de pasado mañana”. BECK, Ulrich. La
sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. p. 40.
134
Ibidem, p. 28.
135
Ibidem, p. 33.
48
Muitos dos novos riscos (contaminações nucleares ou químicas,
substâncias nocivas nos alimentos, enfermidades civilizatórias) se
subtraem por completo à percepção humana imediata. Ao centro
passam cada vez mais os perigos que em certos casos não se ativam
durante a vida dos afetados, senão na de seus descendentes; se trata
em todo o caso de perigos que precisam dos “órgãos perceptivos” da
ciência (teorias, experimentos, instrumentos de medição) para se
fazer “visíveis”, interpretáveis, como perigos
136
. [grifos no original]
Entretanto, os sistemas convencionais de controle permanecem mantidos,
atuantes, face à necessidade de se garantir a continuidade do processo de
desenvolvimento. Vive-se sob a ameaça da auto-destruição, mas ainda imperam os
padrões de pensamento e ação típicos da sociedade industrial, tanto científicos,
quanto legais, econômicos e políticos
137
. Permanecem, nas instituições, as certezas
da sociedade industrial: consenso para o progresso e abstração dos efeitos e dos
riscos ecológicos
138
.
Ou seja, a definição dos riscos continua a ser realizada em termos de
previsão e cálculo, o que resulta na ineficiência das medidas preventivas e um
processo de encobrimento, dissimulação e legitimação. Há, portanto, a manutenção
da crença na possibilidade de controle por meio da instituição de processos de
identificação, determinação, avaliação e regulação das ameaças geradas. É o que
Beck associa à manutenção da legitimidade das instituições estatais, em aparente
estado de normalidade, no fenômeno que denomina de “estado de segurança”.
Nasce, assim, o conceito de irresponsabilidade organizada, empregado pelo
autor para “[...] descrever os meios pelos quais os sistemas político e judicial das
sociedades de risco, intencional ou involuntariamente, tornam invisíveis as origens e
conseqüências sociais dos perigos ecológicos em grande escala”
139
. É, enfim,
processo que permeia os conflitos políticos da sociedade contemporânea
140
. Em
suas palavras:
136
Tradução livre. No original: “Muchos de los nuevos riesgos (contaminaciones nucleares o
químicas, sustancias nocivas en los alimentos, enfermedades civilizatorias) se sustraen por completo
a la percepción humana inmediata. Al centro pasan cada vez más los peligros que en ciertos casos
no se activan durante la vida de los afectados, sino en la de sus descendientes; se trata en todo caso
de peligros que precisan de los ‘órganos perceptivos de la ciencia (teorías, experimentos,
instrumentos de medición) para hacerse ‘visibles’, interpretables, como peligros”. Ibidem, p. 33.
137
Ibidem, p. 67.
138
BECK. Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. p. 16.
139
GOLDBLATT, David. Teoria social do ambiente. p. 240-241.
140
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo global. p. 50.
49
É absurdo como um sistema judicial ostensivamente protetivo, com
todas as suas leis e pretensões burocráticas, quase perfeitamente
transforma culpa coletiva em absolvição geral
141
.
[…] Na vida cotidiana, como na política, na economia e mesmo nas
ciências, é ingenuamente assumido que riscos originados da
tecnologia industrial e no desenvolvimento econômico-científico (e por
isso nem Deus, o diabo ou demônio podem ser culpados) também
podem ser revelados, encontrados e administrados e, se
suficientemente analisados, evitados – pelos critérios habituais da
causalidade e da culpa. Todavia, esta perspectiva é uma das atitudes
ingênuas que acobertam o sistema da irresponsabilidade organizada.
É precisamente o caminho inverso: é a aplicação das normas
prevalentes que garantem a não-atribuição de riscos sistemáticos:
riscos são reduzidos, comparados e legal e cientificamente
normalizados em “riscos residuais” improváveis, tornando possível a
estigmatização do protesto como surtos de “irracionalidade”. Aqueles
que sustentam níveis máximos de poluição transformam branco em
preto, perigo em normalidade, pela ação governamental
142
.
Em outras palavras, significa que, neste contexto, o direito, a ciência e a
política operam como mecanismos de reforço da irresponsabilidade organizada,
como comenta em outro texto:
Pode-se demonstrar que não somente as formas e medidas
organizacionais, mas também os princípios e categorias éticos e
legais, como responsabilidade, culpa e o princípio de punir o poluidor
(procurando a origem dos danos, por exemplo), assim como os
procedimentos de decisão política (como o princípio da maioria) não
são adequados para compreender ou legitimar este retorno da
incerteza e da falta de controle. Analogamente, é verdade que as
categorias e os métodos da ciência social falham diante da vastidão e
da ambivalência dos fatos que devem ser apresentados e
considerados
143
.
141
Tradução livre. No original: “It is absurd how an ostensibly protective judicial system, with all its
laws and bureaucratic pretensions, almost perfectly transforms collective guilt into general acquittal”.
BECK, Ulrich. Ecological politics in an age of risk. p. 02.
142
Tradução livre. No original: “In every day life, as in politics, the economy and even the sciences, it
is naively assumed that hazards originating in industrial-technological, scientific-economic
development (and for which no god, devil or demon can be blamed) can also be exposed, tracked
down and dealt with and, with sufficient resolve, avoided by the customary criteria of causality and
guilt. Yet this view is one of the naïve attitudes which cover up the system of organized irresponsibility.
For it is precisely the other way around: it is the application of prevalent norms that guarantee the non-
attributability of systematic hazards: hazards are writ small as risks, compared away and legally and
scientifically normalized into improbable residual risks’, making possible the stigmatization of protest
as outbreaks of ‘irrationality’. Those who uphold maximum pollution levels turn white into black,
danger into normality, by the act of government”.
Ibidem, p. 64.
143
BECK. Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. p. 22.
50
Ocorre, porém, que as ameaças e os riscos da modernidade, decorrentes do
desenvolvimento industrial incontrolado, são reais, e acabam por transparecer de
qualquer modo. É o que denomina de explosividade social do risco, ou seja, o
surgimento de protestos relativos à matéria, a desestabilizar e abalar a legitimidade
das instituições, vez que faz aflorar as limitações das garantias de segurança
oferecidas pelo Estado. Avançam, assim, para a arena política, na forma de debates
e conflitos, passando, conseqüentemente, de objeto unicamente técnico a desafio
político e também objeto jurídico
144
. Registre-se, portanto, que “as organizações de
interesse, o sistema judicial e a política são obscurecidos por debates e conflitos que
se originam do dinamismo da sociedade de risco”
145
. Também está dentre tais
fatores a falência da crença na ciência:
Aqui radica uma conseqüência importante e essencial: nas definições
de risco se rompe o monopólio de racionalidade das ciências. As
pretensões, os interesses e os pontos de vista em conflito dos
diversos atores da modernização e dos grupos de afetados são
obrigados nas definições do risco ir a juntos como causa e efeito,
culpado e vítima. Certamente. Muitos cientistas se colocam a trabalhar
com todo o ímpeto e o pathos de sua racionalidade objetiva; seu
esforço pela objetividade cresce proporcionalmente com o conteúdo
político de suas definições. Mas, no núcleo de seu trabalho restam
remitidos a expectativas e valorações sociais que lhe estão dadas:
onde e como se deve traçar os limites entre danos ainda aceitáveis e
não aceitáveis? A que compromissos podem levar os padrões
pressupostos? Por exemplo, deve-se assumir a possibilidade de uma
catástrofe ecológica para satisfazer interesses econômicos? O que
são necessidades? O que são necessidades presumidas? O que são
necessidades a serem mudadas?
146
. [grifos no original]
144
HERMITTE, Marie-Angèle. Os fundamentos jurídicos da sociedade do rico Uma análise de U.
Beck. p. 11-40. p. 15.
145
BECK. Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. p. 115-16.
146
Tradução livre. No original: “Aquí radica una consecuencia importante y esencial: en las
definiciones del riesgo se rompe el monopolio de racionalidad de las ciencias. Las pretensiones, los
intereses y los puntos de vista en conflicto de los diversos actores de la modernización y de los
grupos de afectados son obligados en las definiciones del riesgo a ir juntos en tanto que causa y
efecto, culpable y víctima. Ciertamente. Muchos científicos se ponen a trabajar con todo el ímpetu y el
pathos de su racionalidad objetiva; su esfuerzo por la objetividad crece proporcionalmente con el
contenido político de sus definiciones. Pero en el núcleo de su trabajo quedan remitidos a
expectativas y valoraciones sociales y que por tanto les están dadas: dónde y cómo hay que trazar
los límites entre daños aún aceptables y ya no aceptables? A qué compromisos pueden llegar los
patrones presupuestos ahí? Por ejemplo, hay que asumir la posibilidad de una catástrofe ecológica
para satisfacer intereses económicos? Qué son necesidades? Qson presuntas necesidades? Qué
son necesidades a cambiar?. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. p.
35.
51
Ou seja, em que pese a circunstância de, na era do risco, aprofundar-se a
dependência em relação aos especialistas, Beck aponta para o visível fracasso do
instrumental convencional de consulta exclusiva à opinião especializada, face às
ambivalências existentes na percepção social e tolerância ou resistência ao risco,
geradoras de conflitos
147
. Assim, é inegável a emergência de novos fóruns de
negociação e mediação, consoante demanda pela abertura dos processos
decisórios, que podem contribuir para o rompimento do processo de legitimação até
então verificado
148
. Considera, ainda, que
Os fóruns de negociação certamente não são máquinas de produção
de consenso com uma garantia de sucesso. Eles não podem abolir o
conflito nem os perigos incontroláveis da produção industrial.
Entretanto, podem estimular a prevenção e a precaução e atuar rumo
a uma simetria de sacrifícios inevitáveis. E podem praticar e integrar
ambivalências, do mesmo modo que revelar vencedores e
perdedores, tornando-os públicos e, assim, melhorando as
precondições para a ação política
149
.
Por fim, diante da perspectiva exposta, convém justificar a relevância de se
descrever as sociedades modernas como sociedades de risco, afinal, muitos são os
críticos da modernidade e sob distintos ângulos de análise
150
. Adota-se, aqui, a
resposta de Goldblatt, que analisa três aspectos presentes na obra de Beck que
justificariam a emergência de uma sociedade qualificada pelo risco: (1) aumento do
âmbito, escala e ameaça de riscos; (2) aumento na percepção dos riscos entre
147
Complementa-se com a reflexão de Giddens: “A ciência perdeu boa parte da aura de autoridade
que um dia possuiu. De certa forma, isso provavelmente é resultado da desilusão com os benefícios
que, associados à tecnologia, ela alega ter trazido para a modernidade. Duas guerras mundiais, a
invenção de armas de guerra terrivelmente destrutivas, a crise ecológica global e outros
desenvolvimentos do presente século poderiam esfriar o ardor até dos mais otimistas defensores do
progresso por meio da investigação científica desenfreada. Mas a ciência pode – e na verdade deve
ser encarada como problemática nos termos de suas próprias premissas”. GIDDENS, Anthony. A vida
em uma sociedade pós tradicional. In: BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização
reflexiva. Política, tradição e estética na ordem social moderna. Trad. Magda Lopes. 1. reimp. São
Paulo: UNESP, 1997. p. 109.
148
Alerta, entretanto, que, a fim de garantir-se o reconhecimento das ambivalências, sua instituição
deve ser estruturada segundo princípios como: (1) desmonopolização da especialização, (2)
informalização da jurisdição, (3) abertura da estrutura da tomada de decisão, (4) caráter público
parcial; (5) autolegislação e auto-obrigação. BECK. Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma
teoria da modernização reflexiva. p. 41-43.
149
Ibidem, p. 43-44.
150
A exemplo de SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-
modernidade. o Paulo: Cortez, 2005; _______. A crítica da razão indolente: contra o desperdício
da experiência. São Paulo: Cortez, 2000.
52
grupos sociais e a população em geral; (3) alteração do comportamento, dos
princípios e interesses dos grupos sociais, em decorrência dos outros dois
elementos. Em que pese o autor citado reconhecer faticamente os primeiros, ainda
não entende como clara a consolidação da última transformação. Seria, assim, cedo
para afirmar a verificação de uma profunda transformação das estruturas políticas,
econômicas e culturais
151
.
No mesmo sentido, não se desconsidera o entendimento expresso por
críticos relativo aos limites de adequação da teoria, no sentido de melhor servir à
análise de algumas espécies de impactos ecológicos, sobretudo decorrentes da
aplicação do conhecimento e da alta tecnologia, não se prestando com tanta
amplitude à compreensão de outros fenômenos, como, no que toca ao interesse da
pesquisa, o urbano
152
. Porém, insiste-se na sua aplicação como aporte teórico. Isto
porque, uma vez aclarada a compreensão do risco como categoria de análise -
sobretudo a descrição acerca dos processos institucionalizados de sua produção e
justificação, desembocando no que descreve como irresponsabilidade organizada -,
entende-se constituir-se em possível leitura e representação dos mecanismos de
planejamento e gestão da cidade, nos quais se insere o componente ambiental.
Afinal, estes envolvem intrincado processo decisório voltado para a definição
do futuro da cidade, o que determina, portanto, não somente a atualidade das
questões, mas, sobretudo, a sua projeção no tempo, em intensidade e amplitude de
151
GOLDBLATT, David. Teoria social do ambiente. p. 250-253. No intuito de indicar a ausência de
evidências para o sustento da afirmação de que questões relacionadas às características do risco
ecológico teriam suplantado em importância outros fenômenos na determinação de uma mudança
estrutural da política nas sociedades contemporâneas sobretudo o significado do Estado -, passa a
discorrer sobre algumas limitações teóricas presentes nas conclusões de Beck (p. 253-258). Todavia,
não se pretende chegar a argumento conclusivo, vez que ultrapassa o limite da pesquisa investigar
detidamente tais referências. Assim, apenas a crítica direcionada ao caráter universal da degradação
ambiental e do risco, ou seja, à afirmação de que a lógica da distribuição de riscos ecológicos não
mais coincidiria com as condições de classe, será tratada no tópico seguinte.
152
Isto é o que afirma Goldblatt a respeito: “Embora este modelo apreenda alguns aspectos dos
processos legais ecológicos, e em alguns casos trace com precisão o caráter de conflito, não o faz
para todas as formas de política do ambiente. Em primeiro lugar, o modelo de Beck de lei e conflito
ecológico está concentrado em problemas de poluição, principalmente aqueles que têm impacto na
saúde humana. No entanto, [...] há várias outras questões que motivam e atuam e criam protestos em
relação ao ambiente. Estas incluem objeções a transformações da paisagem, a ruptura ecológica no
campo, à crueldade para com os animais e à preservação das espécies, e à degradação do ambiente
urbano. O modelo de Beck de irresponsabilidade organizada não se adapta facilmente a conflitos
sobre construção de estradas, projetos de infra-estruturas em grande escala, protestos sobre
métodos de criação de galináceos em aviários ou o desaparecimento do campo e de paisagens
esteticamente apreciadas. Nestes casos, não é a ameaça mas a atualidade da degradação do
ambiente que es em jogo. Além disso, os perpetradores da degradação do ambiente são
habitualmente muito óbvios. [...] Do mesmo modo, a idéia de risco é pouco adequada nestes casos”.
Ibidem, p. 262.
53
suas implicações. Daí a relevância de compreendê-los como momento oportuno
para suscitar debate em torno da percepção e avaliação dos riscos ambientais no
espaço urbano, assumindo papel de relevo os instrumentos de gestão.
1.2.2 Abordagem crítica do risco ambiental na ambiência urbana: a desigual
distribuição
Restou esclarecida, no subitem precedente, a pretensão do trabalho em
adotar modelo teórico de análise dos mecanismos institucionais de produção e
controle dos riscos ambientais nos moldes do teorizado por Beck. Uma vez traçados
os contornos gerais desta perspectiva, imperiosa se torna a consideração de
abordagens diversas, dotadas de criticidade, a servir de fundamento para a
compreensão e justificativa de sua distribuição espacial e social. Afinal, coaduna-se
aos propósitos da hipótese de pesquisa investigar a dinâmica existente em torno da
configuração espaço-territorial dos riscos ambientais no espaço urbano, como
suporte para o estudo dos instrumentos de planejamento e gestão.
Isto conecta o fundamento inicialmente apresentado ao argumento de outros
autores que, também conformados nos marcos da sociologia ambiental, preocupam-
se em confrontar o padrão discursivo fundado na igualdade como modelo de
repartição de riscos ecológicos na modernidade. No percurso por esta via de
raciocínio, opta-se, primeiramente, por retomar-se o tratamento conferido por Beck à
distribuição das situações de risco, para, então, fazer–se menção aos estudos
referendados nas categorias “justiça ambiental” e “conflitos ambientais” como
parâmetros orientadores do debate. Atenta-se, aqui, novamente, para a inexistência
do propósito de empreender análise exaustiva destes elementos, o que demandaria
estudo detido e aprofundado de questões históricas e doutrina especializada. O que
se objetiva é tão somente apresentar, sinteticamente, contraponto à teoria da
sociedade de risco, de modo a problematizar a matéria em foco, clarificando sua
complexidade.
54
A distribuição de situações de risco em Beck
Retome-se, de início, as considerações de Beck sobre a lógica de distribuição
de riscos ecológicos, consoante o apontado anteriormente. Sucintamente, o autor
compara as posições de classe e as posições de risco nas sociedades industrial e
de risco para afirmar que se apresentavam relacionadas no primeiro período
(primeira modernidade), deixando, no entanto, de coincidir no segundo momento
(segunda modernidade). Isto seria decorrência da assunção de natureza
qualitativamente distinta pelos riscos ambientais, que passam a expressar caráter
global e conseqüências catastróficas, ameaçando, portanto, de igual modo, capital e
trabalho.
Todavia, ao proceder a exame crítico de sua obra, comentadores procuram
problematizar a interpretação de sociedade que constrói destacando, principalmente,
essa universalidade e inevitabilidade que atribui ao risco e à degradação ambientais,
no sentido de deixarem de coincidir com as situações de classe. Atentam que, ao
contrário do que se infere desta afirmação conclusiva contida em seus textos, a
suscetibilidade dos indivíduos aos riscos ainda se mantém, de algum modo, atrelada
à sua posição social. Tal é demonstrado tomando-se como exemplo a recorrente
instalação de complexos industriais e depósitos de resíduos tóxicos nas áreas mais
pobres, a maior precariedade destas populações em lidar com os impactos da
poluição, ou, ainda, a edificação de moradias em áreas de fragilidade ambiental
153
.
que se considerar, entretanto, que, em que pese a centralidade do
argumento em destaque na teoria da sociedade de risco, não deixa Beck de atentar
para a manutenção de alguns “riscos específicos de classes”, ou seja, riscos que
continuam a acompanhar a lógica de distribuição de riquezas, mas em sentido
inverso: “as riquezas se acumulam acima, os riscos, abaixo”. Desta feita, fortalecem,
e o suprimem, a sociedade de classes, na medida em que populações de baixa
renda apresentam-se sob maior exposição em razão das atividades laborais que
desempenham e dos locais nos quais se estabelecem. Conjuntura esta que acaba
por redundar em maior tolerabilidade à exposição às situações ambientalmente
perigosas. Encontra-se referência em sua obra:
153
Nesse sentido, GOLDBLATT, David. Teoria social do ambiente; e HERMITTE, Marie-Angèle. Os
fundamentos jurídicos da sociedade do risco – Uma análise de U. Beck.
55
Esta “lei” de uma divisão dos riscos específica das classes e, portanto,
da agudização dos contrastes de classe mediante a concentração dos
riscos nos pobres e frágeis esteve em vigor durante muito tempo e
segue estando hoje para algumas dimensões centrais do risco: o risco
de não conseguir um emprego é hoje muito maior para quem não
estudou que para quem está qualificado. Os riscos de dano, radiação
e intoxicação que estão vinculados ao trabalho nas indústrias
correspondentes estão repartidos de maneira desigual nas diversas
profissões. São em especial as zonas residenciais baratas para
grupos de população com ingressos baixos que se encontram
próximas dos centros de produção industrial as que estão
prejudicadas permanentemente pelas diversas substâncias nocivas
existentes no ar, na água e no solo. Com a ameaça da perda de renda
se pode obter uma tolerância superior
154
.
Discorre, também, sobre outro efeito reflexo, relativo às díspares
possibilidades de prevenção, tratamento e compensação, intimamente conectadas
ao poder econômico, e, conseqüentemente, ao acesso à informação:
Mas este efeito de filtro ou de fortalecimento não é o único que gera
conseqüências específicas de classe. Também as possibilidades e
capacidades de enfrentar as situações de risco, de evitá-las, de
compensá-las, parecem estar repartidas de maneira desigual para as
camadas de renda e de educação diversas: quem dispõe de melhores
condições financeiras em longo prazo pode tentar evitar os riscos
mediante a eleição do lugar de residência e a configuração da
moradia (ou mediante uma segunda moradia, o período de férias,
etc.). O mesmo vale para a alimentação, a educação e o
correspondente comportamento em relação à comida e à
informação
155
.
154
Tradução livre. No original: “Esta ley” de un reparto de los riesgos específico de las clases y, por
tanto, de la agudización de los contrastes de clase mediante la concentración de los riesgos en los
pobres y débiles estuvo en vigor durante mucho tiempo y sigue estándolo hoy para algunas
dimensiones centrales del riesgo: el riesgo de no conseguir un empleo es hoy mucho mayor para
quienes no han estudiado que para quienes están muy cualificados. Los riesgos de daño, radiación e
intoxicación que están vinculados al trabajo en las empresas industriales correspondientes están
repartidos de manera desigual en las diversas profesiones. Son en especial las zonas residenciales
baratas para grupos de población con ingresos bajos que se encuentran cerca de los centros de
producción industrial las que están dañadas permanentemente por las diversas sustancias nocivas
que hay en el aire, el agua y el suelo. Con la amenaza de la pérdida de ingresos se puede obtener
una tolerancia superior”. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. p. 41.
155
Tradução livre. No original: Pero este efecto de filtro o de fortalecimiento no es lo único que
genera consecuencias específicas de clase. También las posibilidades y las capacidades de
enfrentar-se a las situaciones de riesgo, de evitarlas, de compensarlas, parecen estar repartidas de
manera desigual para capas de ingresos y de educación diversas: quien dispone del almohadón
financiero necesario a largo plazo puede intentar evitar los riesgos mediante la elección del lugar de
residencia y la configuración de la vivienda (o mediante una segunda vivienda, las vacaciones, etc.).
Lo mismo vale par la alimentación, la educación y el correspondiente comportamiento en relación a la
comida y a la información. Ibidem, p. 41.
56
No mesmo sentido, entende que “a igualação das situações de perigo” não
suplanta o surgimento de novas desigualdades no cenário internacional, refletindo-
se as situações de ameaça com maior intensidade no Terceiro Mundo, para onde
migram as indústrias de risco: “Isto não é casualidade. uma ‘força de atração’
sistemática entre a pobreza extrema e os riscos extremos. Na estação de manobra
da repartição dos riscos são especialmente apreciadas as paradas em ‘províncias
subdesenvolvidas”
156
. Em outros termos, analisa o risco ambiental como elemento
conflitivo ao discorrer sobre a transformação da degradação geográfico-ecológica
em degradação econômico-social, em especial nas localidades nas quais os riscos
são consumidos, ou seja, que suportam situações de ameaça e perigo ecológico
geradas pelas opções econômicas e produtivas levadas a efeito por outras
157
.
Também Coutinho afirma a desigualdade na distribuição geopolítica dos
riscos ambientais, mas confere ênfase em seu estudo à análise do modo de
produção capitalista, no sentido de decorrer a transferência de riscos dos
mecanismos de apropriação privada da natureza e da instituída divisão internacional
do trabalho
158
. Como conseqüência, tem-se a “transferência de tecnologias
onerosas, ultrapassadas e dotadas de um elevado potencial de agressão ao meio
ambiente dos países capitalistas avançados para os periféricos”
159
. Denuncia,
entretanto, que a geografia desse processo não se limita a operar somente no
Terceiro Mundo. Como principal vetor de sentido, tem-se o maior ônus destinado a
todos os segmentos periféricos do sistema, quais sejam, “regiões de força de
trabalho barata e de farta energia e matéria-prima”
160
, contextos presentes em todas
as regiões. Estas as suas considerações:
156
Tradução livre. No original: Esto no es casualidad. Hay una ‘fuerza de atracción’ sistemática entre
la pobreza extrema y los riesgos extremos. En la estación de maniobra del reparto de los riesgos son
especialmente apreciadas las paradas en ‘provincias subdesarrolladas”. Ibidem, p. 47.
157
BECK, Ulrich. Ecological politics in an age of risk. p. 152-157. Refere-se, a este ponto, às “regiões
perdedoras” (“loser regions) ou “regiões engolidoras de toxinas” (toxin-swallowing regions),
identificadas como zonas de conflito em razão da decadência econômico-social gerada pela
degradação ecológica. Ibidem, p. 152.
158
COUTINHO, Ronaldo. Direito ambiental das cidades: questões teórico-metodológicas. In:
COUTINHO, Ronaldo; ROCCO, Rogério (Orgs.). O Direito Ambiental das Cidades. Rio de Janeiro:
DP&A, 2004. p. 17-66. Esclareça-se ser a abordagem aqui desenvolvida do texto do autor bastante
simplificada, dada a limitação da proposta. Vai ele muito além, ao discorrer sobre o processo de auto-
expansão do sistema capitalista, bem como ao relacionar as crises da economia capitalista ocorridas
desde a década de 70 com a crise ambiental, como condição própria da produção desta.
159
Ibidem, p. 24-25.
160
Ibidem, p. 25.
57
O caráter planetário da economia de mercado consumou a divisão
internacional do trabalho, e os compromissos ambientais dessa
divisão não podem ser analisados separadamente, isto é, ela
incorpora compromissos que são desiguais e combinados. [...] O
predomínio do privado sobre o coletivo, do artificial sobre o natural, do
tempo sobre o espaço, do mundial sobre o local, induziu recolocações
e concentrações desigualmente integradas dos recursos, técnicas e
diretrizes voltadas para a apropriação do espaço e do ambiente. Em
conseqüência, os riscos das operações que mediatizam a relação do
capital com o meio ambiente são desigualmente distribuídos e, nesta
divisão desigual, os maiores ônus recaem sobre os segmentos
periféricos do sistema. Não se trata, como poderia parecer, de um
processo geograficamente circunscrito ao Terceiro Mundo, pois
Primeiro e Terceiro Mundo intercalam-se em todos os países, ou seja,
temos um Primeiro Mundo no Terceiro e vice-versa
161
.
É relação que apresenta ainda outra conseqüência, na medida em que
condiciona, da mesma forma, os processos de percepção de riscos. Para elucidar a
afirmação, Beck destaca o fato de coincidirem as sociedades de classe com a
“satisfação visível de necessidades materiais”, sendo-lhes típica, deste modo, a
“cultura da visibilidade” (fome, miséria, riqueza, poder). Ou seja, as necessidades
imediatas competem, neste contexto, com o risco conhecido/palpável. Como na
sociedade de risco, ao contrário, imperam as ameaças invisíveis, face ao caráter de
imperceptibilidade, estas acabam sendo “suplantadas” ou “não percebidas” pelo
desejo de satisfação das necessidades materiais. O resultado paradoxal desta
dinâmica é, justamente, a intensificação da produção de riscos, em um movimento
de não percepção, ocultação e negação:
A ignorância dos riscos não perceptíveis, que encontra sua
justificação (e que de fato a tem, como no Terceiro Mundo) na
supressão da miséria palpável, é o terreno cultural e político no qual
florescem, crescem e prosperam os riscos e as ameaças. De acordo
com as relações de poder e os padrões de relevância vigente, na
supressão e na competição, por uma parte, entre as situações
problemáticas das sociedades de classes, industrial e de mercado e,
por outra parte, as da sociedade de risco, vence a lógica da produção
de riqueza, e precisamente por isto, ao final, a sociedade de risco. A
evidência da miséria impede a percepção dos riscos; mas somente
sua percepção, não sua realidade e nem seu efeito: os riscos negados
crescem especialmente bem e rápido
162
.
161
Ibidem, p. 25.
162
Tradução livre. No original: “La ignorancia de los riesgos no perceptibles, que encuentra su
justificación (y que de echo la tiene, como en el Tercer Mundo) en la supresión de la miseria palpable,
es el terreno cultural y político en el que florecen, crecen y prosperan los riesgos y las amenazas. De
acuerdo con las relaciones de poder y los patrones de relevancia vigentes, en el solapamiento y en la
competencia entre, por una parte, las situaciones problemáticas de la sociedad de clases, industrial y
58
Enfim, procurou-se demonstrar nestas poucas linhas que, apesar de
caracterizar-se o risco na modernidade pelo seu potencial universalizador -
projetando-se no tempo e no espaço de modo a tornar suscetíveis,
indeterminadamente, distintas localidades, indivíduos e até gerações -, situações de
classe e de risco ainda se sobrepõem. Isto porque a lógica de repartição de riquezas
continua a determinar a eleição de fatores produtivos e a distribuição de atividades e
pessoas nos territórios, condicionando, portanto, o grau de exposição a ameaças e
as possibilidades de prevenção verificáveis em cada local e para cada faixa
populacional.
Circunstância esta reveladora do importante papel desempenhado pelos
fatores ambientais nos processos definidores da configuração do espaço, tanto nas
fronteiras nacionais como internacionalmente, razão pela qual mereceu atenção no
âmbito deste trabalho. Daqui em diante, portanto, dando prosseguimento à linha
investigativa central da pesquisa, utilizar-se-á outras fontes de reflexão, de modo a
centrar a análise na tentativa de compreensão dos mecanismos de distribuição do
risco ecológico no espaço urbano, ou seja, sua territorialização em âmbito local.
Justiça ambiental e conflitos ambientais
A fim de promover-se o enriquecimento da compreensão do fenômeno sob
estudo, soma-se às constatações até aqui apresentadas o trato da categoria “justiça
ambiental”. É prisma que também se apresenta como aporte teórico para a
investigação, ainda que sob outro ângulo de análise, na medida em que encontra
seu fundamento primeiro justamente no estudo da localização ou espacialização dos
problemas ambientais. Fornece, assim, subsídios para o questionamento do papel
específico das dinâmicas urbanas no processo de experimentação dos riscos, bem
como sobre a capacidade das instituições sobretudo locais - em formular políticas
de mercado y, por otra parte, las de la sociedad del riesgo vence la lógica de la producción de
riqueza, y precisamente por ello al final la sociedad del riesgo. La evidencia de la miseria impide la
percepción de los riesgos; pero lo su percepción, no su realidad ni su efecto: los riesgos negados
crecen especialmente bien y rápido. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva
modernidad. p. 51.
59
públicas relativas à sua identificação, monitoramento e regulação
163
. Lynch bem
introduz a questão:
A idéia de justiça ambiental resulta de uma expansão da arena de
preocupações com o meio-ambiente no sentido de redesenhar a
distribuição espacial e social de fatores ambientais positivos e
negativos, partilhar as responsabilidades inevitavelmente associadas
com a proteção ambiental e, talvez o mais importante, definir os loci
de tomada de decisão ambiental. Ao voltarmos nossa atenção para
esses problemas de distribuição, nosso campo de visão se expande
de forma a incluir o local, bem como o global, as regiões urbanas,
assim como as rurais. Precisamos questionar a distribuição das
responsabilidades ambientais dentro das cidades e entre elas; entre
suas regiões peri-urbanas e o interior, assim como entre as regiões do
mundo. Dessa perspectiva, a poluição ambiental numa determinada
área, onde se põe trabalhadores e seus bairros em risco, é um
problema global tanto quanto a perda de biodiversidade, a mudança
climática e a destruição da camada de ozônio
164
.
Antes, porém, convém identificar, sumariamente, o contexto no qual foi o
conceito cunhado, bem como apresentar os contornos de seu significado. Sua
origem está nos movimentos ativistas norte-americanos, os quais se organizaram a
partir da vivência de situações concretas de risco ou dano (principalmente de
contaminação química) por comunidades específicas (o que marcou o caráter racial
da discriminação sofrida)
165
. Representam importantes marcos o protesto promovido
por afro-americanos contra depósito químico em Warren County, na Carolina do
Norte (1982); a realização da Cúpula dos Povos de Cor pela Justiça Ambiental, em
Washington (1991)
166
; e a elaboração de relatório sobre Resíduos Tóxicos e Raça,
que constatou a utilização de critérios étnicos e raciais como principais definidores
da localização de empreendimentos industriais poluidores no país
167
. Mais
163
LYNCH, Barbara Deutsch. Instituições internacionais para a proteção ambiental: suas implicações
para a justiça ambiental em cidades latino-americanas. In: ACSELRAD, Henri (Org.). A duração das
cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 57-82. p. 62.
164
Ibidem, p. 57.
165
A atuação política fora marcada pelo exercício de forte pressão, com a publicização de casos
expressivos. Mencione-se também, como caráter de especificidade, sua articulação com outros focos
de reivindicação, sobretudo os movimentos de direitos civis e de direitos humanos e movimentos
ambientalistas, mantendo sempre, entretanto, sua autonomia.
166
ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental ação coletiva e estratégias argumentativas. In:
ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça ambiental e
cidadania. Rio de Janeiro: Relume Durumá/Fundação Ford, 2004. p. 23-40. p. 25.
167
LYNCH, Barbara Deutsch. Instituições internacionais para a proteção ambiental: suas implicações
para a justiça ambiental em cidades latino-americanas. p. 60.
60
recentemente, o próprio órgão ambiental governamental dos EUA adotou conceito
operacional para definir a categoria
168
.
Como reflexo, passa a ser perspectiva tematizada em outros países, inclusive
no Brasil, amoldando-se, aqui, aos específicos contextos econômico, político e
socioambiental. Acselrad, Herculano e Pádua expressam este recorte característico,
atentando para a expansão do espectro de matérias envolvidas para além da
discriminação racial, no sentido de questionar a distribuição de fatores ambientais a
partir dos amplos impactos da desigualdade social:
No Brasil, país caracterizado pela existência de grandes injustiças, o
tema da justiça ambiental vem sendo reinterpretado de modo ampliar
o seu escopo, para além da temática específica da contaminação
química e do aspecto especificamente racial da discriminação
denunciada. As gigantescas injustiças sociais brasileiras encobrem e
naturalizam um conjunto de situações caracterizadas pela desigual
distribuição de poder sobre a base material da vida social e do
desenvolvimento. A injustiça e a discriminação, portanto, aparecem na
apropriação elitista do território e dos recursos naturais, na
concentração dos benefícios usufruídos do meio ambiente e na
exposição desigual da população à poluição e aos custos ambientais
do desenvolvimento
169
.
A orientação para sua compreensão é encontrada, então, na Declaração de
Princípios da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (redigida no Colóquio
Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania, Niterói, 2001), que a
define como o conjunto de princípios e práticas que:
a) asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de
classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências
ambientais negativas de operações economias, de decisões de
168
A EPA (Environmental Protection Agency) define justiça ambiental nestes termos: “Environmental
Justice is the fair treatment and meaningful involvement of all people regardless of race, color,
national origin, or income with respect to the development, implementation, and enforcement of
environmental laws, regulations, and polices. Fair treatment means that no group of people, including
a racial, ethnic, or a socioeconomic group, should bear a disproportionate share of the negative
environmental consequences resulting from industrial, municipal, and commercial operations or the
execution of federal, state, local, and tribal programs and polices. Meaningful involvement means that:
(1) potentially affected community residents have an appropriate health; (2) the public’s contribution
can influence the regulatory agency’s decisions; (3) the concerns of all participants involved will be
considered in the decision making process; and (4) the decisions makers seek out and facilitate the
involvement of those potentially affected”. Disponível em: <www.epa.gov>. Acesso em: 25 fev. 2008.
169
ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto. A justiça ambiental e a
dinâmica das lutas socioambientais no Brasil – uma introdução. In: ACSELRAD, Henri; HERCULANO,
Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: Relume
Durumá/Fundação Ford, 2004. p. 10.
61
políticas e de programas federais estaduais, locais, assim como da
ausência ou omissão de tais políticas;
b) asseguram acesso justo e eqüitativo, direto e indireto, aos
recursos ambientais do país;
c) asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso
dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de
fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e
participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos
que lhes dizem respeito;
d)
favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos,
movimentos sociais e organizações populares para serem
protagonistas na construção de modelos alternativos de
desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos
recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso
170
.
Tem-se, portanto, como elementos destacados da justiça ambiental,
comumente presentes nas fontes citadas, (a) a distribuição eqüitativa de riscos,
custos e benefícios ambientais; (b) independentemente de fatores como raça, renda
e posição social; e (c) a democratização dos processos decisórios de caráter
ambiental, por meio da igualdade no acesso à informação e exercício da cidadania.
Destaca-se, a partir destas referências, a recorrente ênfase à promoção de
participação pública qualifica no processo de avaliação da incorporação de desigual
carga de riscos ambientais resultantes do desenvolvimento, sobretudo dos grupos
fragilizados em termos raciais, socioambientais, econômicos ou políticos.
Noutro sentido, as elaborações doutrinárias em torno do tema também partem
da análise de situações compreendidas como de injustiça ambiental, a fim de melhor
demarcar os contornos dos princípios da justiça ambiental. Corresponderia à
imposição desproporcional de ônus ambientais, em relação aos impostos à
sociedade como um todo, àqueles grupos já fragilizados, ou, em outros termos, à
[...] condição de existência coletiva própria a sociedades desiguais
onde operam mecanismos sociopolíticos que destinam a maior carga
dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de
trabalhadores, populações de baixa renda, segmentos raciais
discriminados, parcelas marginalizadas e mais vulneráveis da
cidadania
171
.
170
Ibidem, p. 14-15.
171
Ibidem, p. 10.
62
Considerando tais aspectos, Cavedon interpreta esta segunda categoria
como “espécie de discriminação ambiental”
172
. Apresenta, ainda, em complemento,
conceito proposto por Rhodes, vez que o autor demarca, em acréscimo aos
elementos constitutivos apontados, o fato de que a aceitação dos custos pela
comunidade atingida ou a existência de compensação o desqualifica a condição
de injustiça ambiental:
[...] injustiça ambiental ocorre sempre que uma comunidade ou uma
pessoa experimenta um fardo ambiental maior do que a maioria da
população. Não importa se estes fardos foram voluntariamente
assumidos, ou foi dada a compensação equalizadora, ou se o
problema pode ser melhor dirigido via outra política pública, como a
política pública de saúde
173
.
Pelo exposto, configura-se a justiça ambiental como arranjo conceitual
apropriado para a elaboração de instrumentos aptos a promover a eqüitativa
distribuição de fatores ambientais, na medida em que informa a desigualdade
espacial e social presente e, portanto, as conflituosidades que daí emergem. Afinal,
visualiza-se neste processo a pluralidade de grupos de interesses que orbitam as
perspectivas de uso e apropriação dos bens ambientais. Conduz-se, a partir desta
leitura, a outro conceito, o de conflito ambiental, o qual será abordado a partir da
interpretação de Acselrad
174
.
É autor que afirma a inserção da questão ambiental no campo dos conflitos
sociais ao expressar a indissociabilidade entre sociedade e ambiente, vez que se
172
CAVEDON, Fernanda de Salles. Renovação do sistema jurídico-ambiental e realização do acesso
à justiça ambiental pela atividade criadora no âmbito da decisão judicial dos conflitos jurídico-
ambientais. 2006. Tese submetida à Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI, para a obtenção do
grau de Doutor em Ciência Jurídica. Orientador: Prof. Dr. Paulo de Tarso Brandão. Co-orientador.
Prof. Dr. Ricardo Stanziola Vieira. Itajaí(SC). p. 139. A autora define, também, a expressão “exclusão
ambiental” como “a impossibilidade de gozar dos benefícios ambientais, de ter acesso ao poder e aos
processos decisórios, decorrente de fatores não justificáveis racionalmente, como a condição
socioeconômica, racial, informacional e limitada possibilidade de influência política, decorrente de um
contexto político e institucional que favorece a distribuição desigual dos danos ambientais”. Ibidem, p.
155.
173
Ibidem, p. 137. Cita a fonte: RHODES, Edwardo Lao. Environmental Justice in America a new
paradigm. Boomington: Indiana University Press, 2003
174
Outra possibilidade de análise acerca da construção social dos conflitos ambientais é encontrada
em Hannigan, que promove estudo a partir da identificação de três tarefas/dinâmicas: reunião
(elaboração de um problema ambiental), apresentação (legitimação) e contestação (enfrentamento na
arena política e encaminhamento de ações). Faz-se apenas a referência: HANNIGAN, John.
Sociologia ambiental a formação de uma perspectiva social. Tradução de Clara Fonseca. Lisboa:
Instituto Piaget, 1995.
63
apresenta este, também, como objeto dotado de valor e significado atribuídos pelo
homem na relação que estabelece com seu meio. Tais atribuições mostram-se
variáveis de acordo com o processo de reprodução das sociedades, e, portanto,
referenciadas historicamente, o que determina o caráter conflitivo da temática
175
.
Estas as suas considerações:
Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras
quantidades de matéria e energia pois eles são culturais e históricos
[...]. Por outro lado, todos os objetos do ambiente, todas as práticas
sociais desenvolvidas nos territórios e todos os usos e sentidos
atribuídos ao meio, interagem e conectam-se materialmente e
socialmente seja através das águas, do solo ou da atmosfera. Esse
caráter indissociável do complexo formado pelo par sociedade-meio
ambiente justifica pois o entendimento de que as sociedades se
produzem por processos sócio-ecológicos. [...] Assim é que no
processo de sua reprodução, as sociedades se confrontem a
diferentes projetos de uso e significação de seus recursos ambientais.
Ou seja, o uso destes recursos é [...] sujeito a conflitos entre distintos
projetos, sentidos e fins. Vista de tal perspectiva, a questão ambiental
é intrinsecamente conflitiva, embora esse caráter nem sempre seja
reconhecido no debate público
176
.
Partindo de tal pressuposto, critica a idéia de objetividade acerca da crise
ambiental, marcada pela análise limitada da relação quantitativa população/território
ou crescimento econômico material/recursos finitos, com a desconsideração da
diversidade sociocultural, bem como dos distintos processos de apropriação e
significação do meio ambiente pela sociedade
177
. Centra-se, então, em reflexão
175
A partir desta reflexão, o autor atenta para o necessário tratamento relacional a ser dispensado
aos conflitos desta natureza: “O método requererá o esforço de não enfrentar em separado, por
exemplo, a análise da questão da água da discussão de questões fundiárias, de articular a
caracterização das dimensões físico-materiais com a explicitação das dimensões simbólicas
associadas aos modos de representar o “meio”, ambos elementos indissociáveis na explicação das
estratégias dos diferentes atores envolvidos nos processos conflitivos em causa. Pois não se trata
apenas de configurar uma ‘engenharia ambiental’, capaz de olhar fenômenos sob a lente de um
quadro pré-construído de possibilidades institucionais de equacionamento e resolução de conflitos
mas, sim, de reconstituir a sociologia relacional que historicidade aos mesmos”. ACSELRAD,
Henri. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, Henri (Org.).
Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 13-
35. p. 13.
176
ACSELRAD, Henri. Conflitos ambientais: a atualidade do objeto. In: ACSELRAD, Henri (Org.).
Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 07-
11. p. 07-08.
177
Para explicar as práticas de apropriação, considera que “as sociedades produzem sua existência
tendo por base tanto as relações sociais que lhes são específicas como os modos de apropriação do
mundo material que lhes correspondem”. Discorre, então, acerca dos três tipos de práticas
decorrentes desta relação mundo social/base material, quais sejam, técnicas, sociais e culturais: “Os
modos sociais de apropriação do mundo material, dimensão integrante dos chamados ‘modelos de
64
sobre a forma como esta conflituosidade afeta a organização das relações espaciais
e as formas de apropriação do território e seus recursos, apresentando a seguinte
definição de conflitos ambientais:
[...] aqueles envolvendo grupos com modos diferenciados de
apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo
menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de
apropriação do meio que desenvolveram ameaçadas por impactos
indesejáveis transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos
decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. O conflito
pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de
recursos ou de bases distintas mas interconectadas por interações
ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas, etc.
Este conflito tem por arena unidades territoriais compartilhadas por um
conjunto de atividades cujo “acordo simbólico” é rompido em função
da denúncia dos efeitos indesejáveis da atividade de um dos agentes
sobre as condições materiais do exercício das práticas de outros
agentes
178
.
Extrai-se do excerto acima transcrito a afirmação de quatro dimensões para a
análise dos conflitos ambientais. Primeiramente, refere-se aos espaços de
apropriação material e simbólica dos recursos do território, como espaços nos quais
se definem as relações de poder. O espaço de apropriação material seria o âmbito
da distribuição de poder sobre os recursos, relacionado à capacidade de influência
sobre os marcos regulatórios jurídico-políticos do meio ambiente, no trato de
mecanismos econômicos de acumulação ou exercício da força. O espaço de
apropriação simbólica corresponderia à dimensão de legitimação dos modos de
distribuição de poder levados a cabo, a partir de representações e categorias de
percepção e julgamento
179
.
Uma terceira dimensão diz com a durabilidade das condições materiais das
práticas de apropriação sobre o território e seus recursos, relacionada “à
possibilidade de continuar existindo a base material de cuja integridade dependem
determinadas formas sociais”. Apresenta-se, portanto, vinculada ao discurso de
desenvolvimento’, articulam, portanto, formas técnicas, definidas por sua espacialidade e
temporalidade, formas sociais, que exprimem os padrões de desigualdade de poder sobre os
recursos ambientais, e formas culturais que encerram os valores e racionalidades que orientam as
práticas sócio-técnicas”. Ibidem, p. 07-08.
178
ACSELRAD, Henri. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD,
Henri (Org.). Conflitos ambientais no Brasil. p. 13-35. p. 26. Análise de situações concretas orientada
pelo conceito de conflito ambiental é realizada em: ACSELRAD, Henri (Org.). Conflito social e meio
ambiente no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará - FASE, 2004.
179
Ibidem, p. 23.
65
legitimação ou deslegitimação do exercício de determinada prática por um ou outro
grupo. E o quarto aspecto refere-se à interatividade espacial das práticas sociais a
partir de sua distribuição em um espaço interconectado. Como resultado, tem-se a
reflexão dos efeitos de uma prática sobre a outra, constituindo-se em objeto de
disputa
180
.
Resta agora pontuar as implicações das categorias apresentadas aos
discursos e práticas ambientais urbanos. Afinal, no território da cidade também se
reproduz a luta pela apropriação do espaço a partir da disputa de poder sobre o
território e seus recursos, com a presença do componente ambiental no embate. A
respeito, Lynch, ao abordar aspectos da justiça ambiental nas cidades da América
Latina, sobretudo o fenômeno da “ambientalização” de temáticas relativas ao déficit
de infra-estrutura urbana (acesso à água, esgoto, coleta de lixo) e a desigual
distribuição dos riscos ambientais, afirma a corrente exposição da população desta
região aos riscos imprevisíveis da modernidade tardia, justapostos a situações de
conflito decorrentes da distribuição de riquezas
181
.
Pode-se falar, neste âmbito, da justiça ambiental como “espacialização da
justiça distributiva”, o que implica relacionar questões como as alocações
internacionais de males ambientais, a mercantilização do acesso à terra e a
distribuição espacial de pessoas e riscos
182
. São todos fatores intimamente
relacionados no contexto urbano, no qual competem atividades econômicas, meios
de produção, mercados imobiliários, oportunidades de emprego, demanda por
habitação, transporte, saneamento e qualidade ambiental
183
. Significa afirmar que,
“[...] com a urbanização e a globalização, os locais de contencioso ambiental estão
se tornando crescentemente urbanos”
184
. Identifica-se, aqui, novamente, a
interferência do modo de produção capitalista do espaço como elemento
conformador desse processo:
A dinâmica da acumulação capitalista é que determina a forma de
produção e transformação do espaço construído. Formas de provisão
180
Ibidem, p. 26.
181
LYNCH, Bárbara Deutsch. Instituições internacionais para a proteção ambiental: suas implicações
para a justiça ambiental em cidades latino-americanas. p. 68.
182
Ibidem, p. 58.
183
Ibidem, p. 59.
184
Ibidem, p. 66.
66
de habitação, processos espaciais específicos como a
suburbanização e metropolização e padrões de transformação do
território que tendem a se estabilizar em ciclos históricos específicos
têm sua lógica de transformação definida pelo regime de
acumulação
185
.
A configuração do espaço urbano brasileiro bem demonstra sua constituição
como lócus de situações de desigualdade ambiental, o que é recorrentemente
demonstrado com a associação de indicadores de injustiça social a fatores de
exposição a riscos ambientais. Exemplificativamente: localização de assentamentos
em áreas de risco, sob ameaça de enchentes e desmoronamentos; precariedade de
infra-estrutura, na ausência de água tratada e sistema de esgotamento sanitário, o
que resulta em maior vulnerabilidade a doenças
186
; bairros residenciais localizados
nas proximidades de instalações industriais fontes de emissões poluentes ou sobre
áreas de aterro contaminadas
187
.
Ao desenvolver argumento relativo à matéria, Coutinho atenta para a
presença da tríade risco ambiental-população em situação de vulnerabilidade-
impunidade na base destes conflitos. Destaca, então, quando da ocorrência de
acidentes urbanos aliados ao componente ambiental, a existência de um processo
de responsabilização das próprias vítimas - situadas, invariavelmente na faixa da
miséria -, e de não atribuição de conseqüências aos grandes geradores de situações
calamitosas (empresas e/ou organismos estatais). Outro agravante, portanto, da
185
COUTINHO, Ronaldo. A mitologia da cidade sustentável no capitalismo. In: COUTINHO, Ronaldo;
BONIZZATO, Luigi (Coord.). Direito da Cidade: novas concepções sobre as relações jurídicas no
espaço social urbano. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 17-51. p. 23. Convém alertar que o autor
referenciado entende ser a contradição fundamental da sociedade capitalista (produção
socializada/apropriação privada) que continua a qualificar a sociedade contemporânea, e não o risco,
como se tem na construção teórica de Beck.
186
Pesquisa encomendada pelo Ministério da Saúde indica que a inexistência ou a inadequação de
saneamento é causa de 32,32% das internações em hospitais universitários e privados contratados
pelo Sistema Único de Saúde (SUS). INSTITUTO BRASILEIRO DE PESQUISA E ESTATÍSTICA.
Indicadores de desenvolvimento sustentável – Brasil – 2004 – Dimensão Social/Saúde. Brasília:
IBGE, 2004. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 10 nov. 2006.
187
A respeito, Coutinho traz alguns exemplos do Estado de São Paulo: (1) casas construídas sobre o
aterro do Lixão da Lauzane Paulista, que recebia lixo industrial, verificando-se explosões; (2) favela
construída sobre o antigo aterro Carandiru, havendo ocorrência de incêndios em razão do acúmulo
de metano; (3) incêndio na favela Via Socó (Cubatão) ocasionado por vazamento de combustível de
duto da Petrobrás, sobre o qual a área foi edificada. COUTINHO, Ronaldo. Direito ambiental das
cidades: questões teórico-metodológicas. In: COUTINHO, Ronaldo; ROCCO, Rogério (Orgs.). O
Direito Ambiental das Cidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 17-66. p. 43. Outro caso impactante
pode ser relatado, (4) o do Bairro Recanto dos Pássaros (Paulínea), que se desenvolveu no local de
antiga planta química da Shell Química do Brasil; cerca de 30 mil pessoas conviveram por 25 anos
com os efeitos nocivos da contaminação do solo e da água subterrânea, havendo a detecção de
metais de chumbo e titânio no organismo dos moradores; a área foi desocupada em 2003.
67
marcante iniqüidade característica da distribuição da carga de riscos. Sua
manifestação:
Da mesma forma que nos trágicos deslizamentos de encostas, as
próprias vítimas, também situadas, na esmagadora maioria dos casos,
na faixa da miséria, acabam apontadas como as grandes
responsáveis sem que a especulação imobiliária e as autoridades
municipais encarregadas do licenciamento urbanístico e da
fiscalização sejam incomodadas em qualquer instância
188
.
Por fim, após explanação sumária sobre aspectos gerais relacionados à
perspectiva de análise levada a efeito, impõe-se discorrer especificamente acerca
das implicações da justiça ambiental sobre a administração e a regulação dos riscos
ambientais urbanos. Ou seja, que se considerar os efeitos concretos de sua
adoção como parâmetro para a elaboração e execução de políticas relativas ao
gerenciamento da carga de fatores ambientais no âmbito das dinâmicas
características do espaço geográfico que é a cidade. Conclui-se, então, na forma de
proposições articuladas, restarem implicados aspectos como:
(a) a garantia de distribuição eqüitativa, no processo de expansão urbana, de
benefícios e custos ambientais, de modo que nenhum grupo fragilizado (seja em
termos étnicos, raciais, sócio-econômicos ou políticos) suporte desproporcional ônus
quando da implementação de políticas e/ou legislação e da instalação de atividade
que potencialmente repercuta de modo negativo no meio ambiente ou na saúde
humana;
(b) a ampliação do poder de decisão, por meio da promoção de efetiva
participação de todos os grupos sociais residentes em áreas afetadas,
igualitariamente, no curso da definição de programas, projetos e marcos regulatórios
conformadores das questões implicadas. Participação esta a ser obrigatoriamente
considerada pelas autoridades competentes, como fator de eqüidade ao contemplar
as distintas formas de apropriação/legitimação material e simbólica do território e
seus recursos;
(c) o amplo acesso à informação qualificada, principalmente quanto ao uso
dos recursos ambientais, à destinação do solo urbano e à localização de fontes de
risco (como indústrias químicas e aterros sanitários), de projetos potencialmente
modificadores das características do entorno (em termos de tráfego, densificação
188
Ibidem, p. 43.
68
populacional, saturação de infra-estrutura, valorização ou desvalorização imobiliária,
dentre outros por exemplo, grandes complexos comerciais ou de lazer e
instalações hospitalares), e demais atividades econômicas desenvolvidas;
(d) a necessidade de organização institucional, sobretudo a nível municipal,
qualificada para o tratamento conjunto dos problemas ambientais e dos conflitos
urbanos. Para tanto, a categoria deve apresentar-se incorporada aos processos de
formulação de políticas públicas a partir dos órgãos governamentais, atuando estes
de forma coordenada nas diversas matérias envolvidas. Ou seja, programas de
desenvolvimento, análise de projetos de empreendimentos, ampliação de infra-
estrutura, saneamento ambiental, geração de renda e regularização fundiária,
exemplificadamente, devem desenvolver-se articuladamente.
69
2 PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS DO PLANEJAMENTO E GESTÃO DO MEIO
AMBIENTE URBANO
2.1 Meio Ambiente Urbano
2.1.1 Conceito jurídico de meio ambiente
Poder-se-ia discorrer acerca dos conceitos ecológico
189
e social
190
de meio
ambiente através de extensa revisão bibliográfica, bem como recorrer-se à
fundamental discussão travada entre antropocentrismo e biocentrismo
191
. E, ainda
assim, apresentar-se-ia limitada a análise, afinal, é temática que mobiliza diversas
perspectivas teóricas, sendo marcante seu caráter transdisciplinar
192
. Portanto, em
razão da necessidade de restringir-se e limitar-se o debate em atenção à
finalidade da abordagem proposta -, opta-se por tratar-se de modo objetivo os
elementos constantes das noções expressas pela legislação e doutrina jurídica
pátrias. Ou seja, pretende-se o estudo do conceito normativo de meio ambiente, que
sirva como subsídio para o debate dos aspectos jurídicos envolvidos.
189
No que diz com o conceito ecológico: “soma total das condições externas circundantes no interior
das quais um organismo, uma condição, uma comunidade ou um objeto existe. O meio ambiente não
é um termo exlusivo; os organismos podem ser parte do ambiente de outro organismo”. ART, Henry
W. (editor-geral). Dicionário de Ecologia. Tradução de Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo:
Melhoramentos, 1998. p. 339.
190
Sobre a perspectiva socioambiental, ver: VIEIRA, Paulo Freire. Meio ambiente, desenvolvimento e
cidadania: desafios para as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez/UFSC, 1995. p. 49; HANNIGAN,
John. Environmetal Sociology. 2. ed. New York: Routledge, 2006. Também as obras de Ulrich Beck e
Anthony Giddens citadas no item 1.2.2.
191
Sobre os debates teóricos acerca da relação homem-natureza, ver: LEOPOLD, Aldo. A Sand
Country Almanac, with Essays on Conservation from Round River. Nova York: Oxford University
Press, 1970; NAESS, Arne; SESSIONS, George. Basic Principles of Deep Ecology. Ecophilosophy, v.
6, 1984; SINGER, Peter. Ética Prática. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998; UNGER, Nancy
Mangabeira. O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade. 2. ed. São Paulo: Edições
Loyola, 2000; THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural. Tradução de João Roberto Martins
Filho. 1. reimp São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
192
Adota-se a definição de transdisciplinaridade de Leff: “A transdisciplinaridade pode ser definida
como um processo de intercâmbio entre diversos campos e ramos do conhecimento científico, nos
quais uns transferem métodos, conceitos, termos e inclusive corpos teóricos inteiros para outros, que
são incorporados e assimilados pela disciplina importadora, induzindo um processo contraditório de
avanço retrocesso do conhecimento, característico do desenvolvimento das ciências”. LEFF, Enrique.
Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2001. p. 83.
70
Seguindo-se às considerações preliminares, passa-se a abordar, de imediato,
o meio ambiente sob o enfoque do Direito
193
, reconhecendo-se (e assumindo-se) o
risco de mera repetição da trajetória desenvolvida pelos manuais. Neste prisma,
que se destacar, primeiramente, o conceito legal constante da Lei n. 6.938/81, que
institui a Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 3º, I
194
:
Art. 3°. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e
rege a vida em todas as suas formas”
195
.
Em que pese a existência de crítica quanto à falta de clareza da definição -
haja vista o caráter tecnicista e a excessiva abrangência
196
-, bem como constituir-se
em conceito jurídico indeterminado
197
, referida lei, no entendimento majoritário da
doutrina nacional, apresenta acentuada amplitude normativa. Decorrência esta de
193
Vale mencionar que muitos autores consideram a expressão meio ambiente” um pleonasmo,
justificando que os termos significariam sinônimos, embora tenha sido assim incorporada à
legislação. Entre eles: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 1996. p. 69; FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2006. p. 19; GAVIÃO FILHO, Anízio Pires. Direito fundamental ao meio ambiente.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 13; LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do
individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2003. p. 69; ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. Rio
de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p. 161. Voz dissonante é a de Rodrigues, que entende ser o alcance
da expressão “mais largo e mais extenso do que o de simples ambiente”. RODRIGUES, Marcelo
Abelha. Elementos de direito ambiental. Parte geral. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005. p. 64. No mesmo sentido MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina-
jurisprudência-glossário. 4. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 110.
194
Foi o dispositivo recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
195
Registre-se, também, o texto dos demais incisos do art. 3º, da Lei n. 6.938/81, vez que as
definições adotadas também não se restringem ao ambiente natural: “II degradação da qualidade
ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente; III poluição: a degradação da
qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a
segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividade sociais e
econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do
meio ambiente; e) lacem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais
estabelecidos”.
196
Para uma análise critica do conceito, ver: ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma
abordagem conceitual. p. 155-156. Segundo o citado autor, o conceito legal infra-constitucional “tem
uma matriz claramente tecnocrática e não política”, sendo, deste modo, incompatível com o conceito
traçado em âmbito constitucional (art. 225, CF/88), vez que este apresenta “conotação
essencialmente política e, portanto, cultural”, ao configurar um direito fundamental a ser desfrutado
pelos indivíduos.
197
Entende-se por conceitos jurídicos indeteminados “[...] aqueles cujos termos são ambíguos ou
imprecisos especialmente imprecisos razão pela qual necessitam ser completados por quem os
aplique. Nesse sentido, talvez pudéssemos referi-los como conceitos carentes de preenchimento com
dados extraídos da realidade”. GRAU, Eros Roberto. Direito, conceitos e normas jurídicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1988. p. 72.
71
realçar a relação homem-meio natural
198
, bem como incorporar fenômenos variados,
contrapondo-se ao conceito restrito, como expressão tão somente dos recursos
naturais
199
. A título meramente ilustrativo, em defesa deste argumento, transcreve-
se a tão difundida lição de Silva a respeito:
O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente
de toda a natureza, artificial e original, bem como os bens culturais
correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as
belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, paisagístico e
arquitetônico. O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciam o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas
200
.
No mesmo sentido, como esforço de sistematização das perspectivas que
orbitam as interpretações do conceito em debate, traz-se a manifestação de Milaré:
Numa visão estrita, o meio ambiente nada mais é do que a expressão
do patrimônio natural e suas relações com e entre os seres vivos. Tal
noção, é evidente, despreza tudo aquilo que não seja relacionado com
os recursos naturais. Numa concepção ampla, que vai além dos
limites fixados pela Ecologia tradicional, o meio ambiente abrange
toda a natureza original (natural) e artificial, assim como os bens
culturais correlatos. Temos aqui, então, um detalhamento do tema, de
um lado com o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo,
198
Alguns dos autores que entendem ter a legislação adotado a perspectiva antropocentrista:
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. p. 15; ANTUNES, Paulo de
Bessa. Dano Ambiental: uma abordagem conceitual. p. 168; SILVA, José Afonso da. Direito
Ambiental Constitucional. p. 4; MILARÉ. Édis. Direito do Ambiente: doutrina-jurisprudência-glossário.
p. 113; LEITE, José Rubens Morato. Introdução ao conceito jurídico de meio ambiente. In: VARELLA,
Marcelo Dias. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro (Org.) O Novo Direito Ambiental. Belo Horizonte:
Del Rey, 1998. pp. 54-55. Também, como fundamento desta posição, o conteúdo do Princípio 1 da
Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: “Os seres humanos estão no
centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e
produtiva, em harmonia com a natureza”. Rodrigues faz interpretação distinta ao afirma ter o
legislador infra-constitucional adotado visão teleologicamente biocêntrica (relativa à salvaguarda da
“vida em todas as suas formas”) e ontologicamente ecocêntrica (ao tutelar o “conjunto de condições,
leis, influências e interações de ordem química, física e biológica”), mas com a colocação do homem
como personagem central. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental. Parte
geral. p. 65-66. No mesmo sentido, BENJAMIN, Antônio Herman. Responsabilidade civil pelo dano
ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 3, v. 9, jan./mar. 1998, p. 05-52. p. 48.
199
A fim de evitar a reprodução dos diversos posicionamentos, limita-se a citar alguns dos autores
que se posicionam pela interpretação ampla do conceito de meio ambiente constante da Lei n.
6.038/81: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 140; FREITAS, Vladimir
Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002. p. 15; FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro.
p. 21; LEITE, José Rubens Morato, Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p. 78;
CUSTÓDIO, Helita Barreira. Normas de proteção do patrimônio cultural brasileiro em face da
Constituição Federal e das normas ambientais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n.6, abr./jun.
1997. p. 17-39; MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio
ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 19.
200
SILVA, José Afonso da Silva. Direito ambiental constitucional. p. 20.
72
pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora, e, do outro,
com o meio ambiente artificial (ou humano), formado pelas
edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem,
enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais
construções. Em outras palavras, quer-se dizer que nem todos os
ecossistemas são naturais, havendo mesmo quem se refira a
‘ecossistemas naturais’ e ‘ecossistemas sociais
201
.
Destaque-se que a adoção da interpretação extensiva impele a um esforço de
harmonização entre os demais valores jurídicos inseridos no plano constitucional.
Daí falar-se, tal qual consta dos trechos transcritos, sob o ponto de vista sistêmico,
estarem compreendidas no conceito integral/unitário as seguintes dimensões: meio
ambiente natural (tutelado diretamente, dentre outros dispositivos, pelo art. 225,
CF/88, especialmente caput; §1º, incisos I, III e VII; §4º), cultural (previsão
constitucional expressa do art. 216)
202
, artificial (com tutela decorrente, sobretudo,
do art. 182) e do trabalho (art. 200, VIII, CF/88)
203
. No que diz ao objeto da presente
exposição, ressalta-se aqueles que informam a política urbana, ao que se passará à
análise nos itens seguintes.
que se atentar, porém, à polêmica relacionada à adoção do
posicionamento amplo relativamente à noção jurídica como passível de configurar
risco de suposta perda de objetividade e parâmetro para o debate. Para tanto, Leite
recorre às reflexões de Canotilho, no sentido de que se estaria
correndo risco da alquimia ecológica transmudar os problemas
sociais, culturais e econômicos (ambiente social), biológicos e
ecológicos (ambiente natural) em problemas jurídicos do ambiente. Do
ambiente transita-se para a ambience sociopolítica, sem que os
201
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina-jurisprudência-glossário. p. 52-53. O mesmo autor
afirma que “A Lei 6.938/81, ao abrigar na definição de recursos ambientais os elementos da biosfera,
ampliou acertadamente o conceito de meio ambiente, não atando-o exclusivamente aos recursos
naturais, levando em conta, ao revés, inclusive o ecossistema humano”. Ibidem, p. 116. Registre-se
que a Declaração do Meio Ambiente firmada na Conferência das Nações Unidas realizada em
Estocolmo (1972) já fazia referência ao meio ambiente artificial como parte das questões ambientais
globais, o que se infere, exemplificativamente, dos Princípios 15 e 16. Da mesma forma, a Carta de
Paris, resultante da Convenção da ONU sobre a salvaguarda do patrimônio mundial, cultural e
natural, de 16/11/1972, afirma visão sistêmica do meio ambiente (natural, cultural, artificial), em
especial os arts. e 2º. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=244>.
Acesso em: 15 dez. 2007.
202
Ver: MARCHESAN, Ana Maria. A tutela do patrimônio cultural sob o enfoque do direito ambiental.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
203
Ver: ROCHA, Júlio César de da. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho: dano
prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 1997.
73
específicos problemas jurídicos do ambiente surjam com contornos
nítidos”
204
.
Resolve a questão afirmando que os entraves da conceituação jurídica de
meio ambiente decorrem das crescentes transformações “na órbita da problemática
ambiental”, sendo necessária alguma cautela na adoção da visão ampla. Mas é,
ainda, a opção mais adequada, vez que abarca os vários elementos culturais
(componentes ambientais humanos), os quais não poderiam ser excluídos da
definição
205
.
Como contraponto à posição pela elasticidade do conceito de meio ambiente,
é de ser notado o entendimento dissidente de Rodrigues. Desenvolve argumentação
no sentido de que tanto sob o aspecto de uma interpretação sistemática do texto
constitucional
206
, quanto pelo conteúdo das normas que versam sobre ambiente
207
,
estariam estas reservadas o somente ao que se denomina meio ambiente natural.
Ou seja, teria o legislador optado por “isolar’ o meio ambiente (natural, no caso) dos
demais ecossistemas artificiais (urbano, cultural e até mesmo o meio ambiente do
trabalho no artigo 200, VIII)”
208
, identificando como bem jurídico imaterial objeto de
tutela do Direito Ambiental apenas o equilíbrio ecológico
209
.
204
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p. 80. Cita
a fonte: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Procedimento administrativo e defesa do ambiente.
Revista de Legislação e Jurisprudência Coimbra, n. 3799, p. 289-290, 1991.
205
Ibidem, p. 80.
206
Nesse sentido, argumenta que, apesar de meio ambiente e bens culturais estarem insertos sob o
mesmo título (Título VIII - “Da Ordem Social”), recebem tratamento em capítulos apartados: o primeiro
no Capítulo VI, e os segundos no Capítulo III. os dispositivos sobre a política urbana merecem
atenção no Capítulo II, do Título VII (“Da Ordem Econômica e Financeira),
207
Segundo o autor, todas estariam voltadas à tutela exclusiva do meio ambiente natural, a exemplo
dos seguintes dispositivos: art. 225, §1º, I, II, III, VII, CF/88. É esta interpretação resultado, em
verdade, do entendimento que expressa pela adoção de uma concepção normativa restrita de meio
ambiente, biocêntrica/ecocêntrica.
208
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de Direito Ambiental. Vol. 1. São Paulo: Max Limonad,
2002. p. 64. Corroborando com o entendimento do autor, cita-se a posição dos autores portugueses
Santos, Dias e Aragão, os quais também optam por uma noção estrita, ao afirmar que o núcleo
central da noção jurídica de meio ambiente são os elementos naturais. Os componentes ambientais
humanos estariam a cargo de outros ramos do Direito, exemplificativamente, os Direitos Urbanístico,
Econômico e do Trabalho. SANTOS, Cláudia Maria Cruz. DIAS, José Eduardo de Oliveira Figueiredo.
ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. Introdução ao Direito do Ambiente. Coimbra: Universidade
Aberta, 1998. p. 24.
209
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental. Parte geral. p. 71.
74
Este o seu argumento ao afirmar que a adoção de um conceito amplo seria
prejudicial à tutela pretendida, vez que resultaria em condicionamento a outras
disciplinas:
Em outras palavras, a inexistência de uma definição precisa, que
identifique concreta e juridicamente qual o bem ambiental, não permite
que ele seja tratado como um direito autônomo, justamente porque a
sua proteção seria fracionada nos diversos direitos que garantem o
bem-estar e a qualidade de vida.
[...] Com isso não queremos negar a existência de um meio ambiente
artificial ou ecossistema social, como contraponto ao meio ambiente
natural. Porém, o que se pretende dizer é que o meio ambiente
artificial” encontra sua tutela em outras disciplinas, tais como o Direito
Urbanístico, o Direito Econômico, o Direito do Trabalho, e que em
todos esses casos o fim almejado é a proteção e a manutenção da
qualidade de vida do indivíduo relativamente ao entorno que o cerca.
Enfim, quando o objeto de tutela é o equilíbrio ecológico,
independentemente do entorno, do sítio ou do lugar em que esteja, a
disciplina ficará por conta e a cargo do Direito Ambiental
210
.
Superada a descrição do debate existente em torno das visões ampla ou
restrita, finalmente, não se pode furtar à análise a tutela constitucional relativa à
matéria, acompanhada das implicações interpretativas decorrentes. Esclarece-se
que estas serão aqui somente pontuadas de modo objetivo, vez que demandam
estudo aprofundado face à complexidade das temáticas envolvidas
211
. Afinal, se
estendem desde a verificação da conveniência de previsão desta natureza e dos
critérios de efetividade das normas constitucionais
212
, até o estudo do processo de
“ecologização” ou “esverdeamento” da Carta Política brasileira e dos modelos
constitucionais estrangeiros.
Limita-se, deste modo, ao esclarecimento de que a CF/88 dedica, em
diversos momentos de seu texto, inúmeros dispositivos relacionados à proteção
210
Ibidem, p. 70 e 79.
211
Para uma análise qualificada dos aspectos constitucionais da proteção ambiental, ver:
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional
ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.
212
Para estudo detido sobre a efetividade das normas constitucionais envolvendo elementos como
(1) programaticidade ou eficácia plena e aplicabilidade imediata; (2) normatividade e vinculatividade;
(3) proibição de retrocesso; (4) interpretação em conformidade com a Constituição -, ver: BARROSO,
Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. São Paulo Saraiva, 1996; BONAVIDES, Paulo. Curso de direito
constitucional. São Paulo: Malheiros. 13. ed. 2003; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito
constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2003; SILVA, José Afonso da.
Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. o Paulo: Malheiros, 1998; _______. Curso de
direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
75
ambiental, contemplando normas das mais distintas naturezas
213
. Daí falar-se na
existência de uma “ordem pública ambiental”
214
. Em razão da análise conceitual
proposta, destaca-se o art. 225, que, inserto no Título VII (“Da Ordem Social”),
compõe capítulo próprio para a temática (Capítulo VI - “Do Meio Ambiente”), sendo o
núcleo central. Esta a redação do caput:
Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo ou preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
Na análise do conteúdo, atente-se, primeiramente, ao que diz respeito à
abordagem do meio ambiente conforme a teoria do macrobem. Significa dizer,
consoante Leite, verificar-se na legislação a adoção de “visão globalizada e
integrada”, vez que não são enumerados os elementos corpóreos que o compõem,
como fauna, flora, água, ar, solo e patrimônio cultural
215
. Ou seja, o macrobem
ambiental não se confunde com os componentes singulares que o formam – os ditos
microbens, dotados de regime protetivo próprio - embora indissociável destes,
213
Extrai-se de uma leitura sistemática, exemplificativamente: art. 5º, XXIII, LXXI, LXXIII; art. 20, I a
VII, IX a XI, §§ 1 e 2; art. 21, XIX, XX, XXIII, “a”, “b” e c”, XXV; art. 22, IV, XII, XXVI; art. 23, I, III, IV,
VII, IX, XI; art. 24, IV, VII, VIII; art. 43, §2, IV e §3; art. 49, XIV, XVI; art. 91; art. 129, III; art. 170, VI;
art.174, §§3 e 4; art. 176; art. 182; art. 186; art. 200, VII e VII; art. 216, V e §§1, 3, 4; art. 225; art. 231;
art. 232.
214
Conforme Benjamin: Ordem, porque se atribui organicidade, coerência interna, coercitividade
externa e direção finalística; ordem porquanto integra em umsistema determinações negativas (de
não-fazer) e imposições positivas (de fazer); ordem, finalmente, pois que indica a imposição de limites
estatais, que colimam curar a desordem derivada do exercício abusivo das chamadas liberdades
privadas, em especial daquelas associadas ao direito de propriedade e à livre iniciativa, referidos,
respectivamente, nos arts. 5º, XXII, e 170, caput, da Constituição. [...] A ordem é pública porque
instituída em favor de todos e contra todos, não sendo ditada pelo mercado ou pela autonomia da
vontade individual (ordem provada). Pública, ainda, porquanto exprime um conjunto de regras
jurídicas de interesse público ‘aplicáveis de ofício’ pelo juiz. [...] A ordem pública é ambiental, já que
não está mais – exclusivamente conectada aos elementos ou componentes pulverizados da
natureza (como as florestas, fauna ou águas), mas dotada de enfoque holístico e autônomo, em que
os fragmentos são apreciados e salvaguardados a partir do todo. Ordem ambiental, assim, substitui a
desordem ecológica, subproduto do vazio constitucional, que marcava as constituições anteriores”.
BENJAMIN, Antonio Herman. A constitucionalização do ambiente e a ecologização da Constituição
brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional
ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 57-130. p. 122.
215
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p. 81-82.
Ver também: BENJAMIN, Antonio Herman (Coord.). Função Ambiental. Dano ambiental, prevenção,
reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p.75.
76
configurando-se como bem incorpóreo e imaterial
216
. No mesmo sentido, ainda que
não se utilizando de igual terminologia, Rodrigues fala na identificação, a partir da
previsão constitucional, de um “direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, como um bem jurídico imaterial e autônomo que a todos é dada a
oportunidade de uso e fruição comum [...]”
217
.
Em segundo lugar, o meio ambiente, como bem jurídico, configura-se,
consoante o texto constitucional, como bem de uso comum do povo (res communes
omnium)
218
. Implicada está na questão uma nova compreensão da noção de bem
público apresentada pelo Código Civil brasileiro (arts. 98 e 99, I)
219
, refletindo na
revisão da natureza jurídica dos bens elencados no art. 20 da CF/88
220
. Isto porque
a disciplina do bem ambiental não se enquadra na clássica dicotomia
público/privado
221
.
Significa dizer que está sob a égide do regime jurídico de direito público, mas,
por apresentar em sua estrutura as características de indivisibilidade do objeto
(critério objetivo) e indeterminabilidade dos titulares (critério subjetivo), define-se
216
Importante a distinção, aqui, entre bem ambiental e recurso ambiental. Nesse sentido, o art. 225
refere-se à tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou seja, ao macrobem ambiental
autônomo e imaterial. Os recursos ambientais vêm definidos no art. 3º, V, da Lei 6.938/81, como a
atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o
subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”. Nas palavras de Milaré: “Se o meio ambiente,
em seu todo, é um bem “maior” e difuso por conseguinte intangível -, os seus componentes vêm a
ser bens ‘menorese, em contrapartida, concretos e tangíveis”. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente:
doutrina-jurisprudência-glossário. p. 199.
217
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental. Parte geral. p. 72.
218
Refere-se ao magistério de Meirelles a respeito: no uso comum do povo os usuários são
anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade uti
universi -, razão pela qual ninguém tem o direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do
bem: o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no
suportar os ônus dele resultantes”. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33. ed.
São Paulo: Malheiros, 2007. p. 525.
219
“Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito
público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”. Art. 99.
São bens públicos: I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças”.
220
Silva fala, a respeito da questão, na existência de uma terceira categoria de bem, os bens de
interesse público, onde inserido o meio ambiente. Segundo sua análise, corresponderiam a bens
tanto públicos quanto privados cujas características os colocariam sob disciplina específica destinada
à consecução de um “fim público”. Assim, justificado o controle sobre sua circulação e uso. SILVA,
José Afonso da. Direito ambiental constitucional. p. 56.
221
Elementos para a orientação do debate sobre a superação desta dicotomia podem se encontrados
em SARLET, Ingo (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2003.
77
como bem difuso (Lei. n. 8.078/1990, art. 81, I)
222
. Ou seja, sua titularidade recai
sobre a coletividade, embora esteja sob a gestão da administração pública, com
tutela compartilhada entre ambos
223
. Desta feita, não pode ser enquadrado como
patrimônio público
224
.
Como terceiro aspecto, “cria-se para o Poder Público um dever constitucional,
geral e positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, isto é, de zelar
pela defesa (defender) e preservação (preservar) do meio ambiente”
225
. Ou seja, não
mais se está na esfera da discricionariedade administrativa face à situação que
demande a atuação do poder público na proteção do meio ambiente
226
, sendo
obrigatória a intervenção estatal na matéria através de prestações positivas
227
. Mas,
também ao particular é direcionada a norma, vez que, pelo mandamento
222
Art. 81, parágrafo único, I: “interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato”. Sua tutela está prevista na Lei. 7.347/85, art. 5º.
223
É o posicionamento da doutrina nacional, a exemplo de RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos
de direito ambiental. Parte geral. p. 81; LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. A
transdisciplinariedade do direito ambiental e a sua eqüidade intergeracional. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, ano 6, n. 22, abr./jun. 2001. Editora Revista dos Tribunais. p. 62-80.
224
O esclarecimento de Leite: “Na concepção de microbem ambiental, isto é, dos elementos que o
compõem (florestas, rios, propriedade de valor paisagístico etc.), o meio ambiente pode ter o regime
de sua propriedade variado, ou seja, blica e privada, no que concerne à titularidade dominial. Na
outra categoria, ao contrário, é um bem qualificado como de interesse público; seu desfrute é
necessariamente comunitário e destina-se ao bem-estar individual”. LEITE, José Rubens Morato.
Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p. 85.
225
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina-jurisprudência-glossário. p. 155.
226
Quanto à aplicação da discricionariedade no Direito Ambiental, ver: KRELL, Andréas J.
Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos
indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. 1. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004. Ainda sobre o tema, no Direito Administrativo, ver: BANDEIRA DE
MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. 6. tr. São Paulo: Malheiros
Editores, 2006. Este autor assim conceitua a discricionariedade dos atos administrativos:
“Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger,
segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos
cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à
satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade
conferida no mandamento, dela não se possa extrair, objetivamente, uma solução unívoca para a
situação vertente”. Ibidem, p. 48.
227
A respeito, o entendimento de Benjamin: “Da intervenção excepcional e pontual, típica do modelo
liberal, passa-se à intervenção imposta e sistemática” [...]. Daí que ao Estado não resta mais do que
uma única hipótese de comportamento: na formulação de políticas públicas e em procedimentos
decisórios individuais, optar sempre, entre as várias alternativas viáveis ou possíveis, por aquela
menos gravosa ao equilíbrio ecológico [...]. É desse modo que há de ser entendida a determinação de
que todos os órgãos públicos levem em consideração o meio ambiente em suas decisões (art. 225,
caput, e §1º, da Constituição brasileira), adicionando a cada uma das suas missões primárias o
por opção, mas por obrigação a tutela ambiental. No Brasil, o desvio desse dever pode caracterizar
improbidade administrativa e infrações a tipos penais e administrativos”. BENJAMIN, Antonio
Herman. A constitucionalização do ambiente e a ecologização da Constituição brasileira. 74-75.
78
constitucional, é, igualmente, titular do dever de defesa e preservação do meio
ambiente. Ou seja, responsabilidade partilhada entre Estado e sociedade nesta
tarefa.
Conforme Benjamin, autor que fala no “estabelecimento de um dever
constitucional genérico de não degradar, base do regime de explorabilidade limitada
e condiciona
da”,
Trata-se de um dever constitucional auto-suficiente com força
vinculante plena, dispensando, na sua aplicação genérica, a atuação
do legislador ordinário. É, por outro lado, dever inafastável, tanto pela
vontade dos sujeitos privados envolvidos como a pretexto de exercício
de discricionariedade administrativa. Vale dizer, é dever que, na
estrutura do edifício jurídico, não se insere na esfera da livre opção
dos indivíduos, públicos ou não
228
.
Em quarto lugar, ressalta-se aspecto de maior relevo que diz com a
caracterização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental
229
, ainda que não descrito no capítulo dedicado aos direitos individuais
e coletivos (art. 5º, CF/88) ou no rol indicativo dos direitos sociais (arts. e 7º,
CF/88). Poder-se-ia alongar e aprofundar a discussão, sobretudo no que se refere
às diversas teorias jurídicas dedicadas à fundamentação/justificação dos direitos
fundamentais, ao reconhecimento do duplo caráter de direito subjetivo público e de
direito objetivo
230
, ou, ainda, à distinção entre direitos e deveres ambientais
231
e à
questão das gerações futuras como titulares de direitos
232
. Mas, abdica-se da
228
Ibidem, p. 69-70.
229
Foi o meio ambiente elevado, em âmbito internacional, à categoria de direito fundamental pela
Declaração do Meio Ambiente, adotada pela Conferência das Nações Unidas, realizada em
Estocolmo, em 1972, em seu Princípio 1: “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada em um meio cuja qualidade lhe permita levar
uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para
as gerações presentes e futuras”.
230
Ver: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003.
231
Ver: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 377,
527 e 530.
232
Ver: AYALA, Patryck de Araújo. A proteção jurídica das futuras gerações na sociedade do risco
global. In: FERREIRA. Helini Sivini; LEITE José Rubens Morato. O estado de direito ambiental:
tendências. São Paulo: Forense Universitária, 2004.
79
análise pela limitação do espaço de discussão dada a complexidade do tema, bem
como para se evitar a perda de foco do trabalho
233
.
Refere-se, tão somente e de modo meramente indicativo, que, ao ser elevado
a tal categoria pela Carta Magna de 1988, passa a gozar de aplicabilidade imediata,
consoante disposto no art. 5º, §1º
234
, bem como das prerrogativas de
irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade
235
. Trata-se, ainda, de direito
fundamental de terceira geração
236
, dada a sua difusidade, apresentando-se
simultaneamente como social e individual. Estabelece-se, também, em relação a
este “dever jurídico de natureza constitucional”, vinculação entre interesses públicos
e privados, na medida em que demanda a ação positiva do Estado no fornecimento
de meios e instrumentos para sua implementação, ao mesmo tempo em que
determinada está a abstenção de práticas nocivas por parte da coletividade
237
.
2.1.2 A cidade como bem jurídico ambiental
Face à adoção da compreensão alargada do conceito normativo de meio
ambiente, trabalhada no item precedente, bem como à admissão de suas distintas
dimensões (natural, cultural, artificial e do trabalho), tratar-se-á, neste momento, da
conceituação e caracterização do aspecto artificial ou meio ambiente urbano.
Buscar-se-á tentativa de construção de um conceito jurídico que abarque o espaço
233
Remete-se para estudo às seguintes indicações: GAVIÃO FILHO, Anízio Pires. Direito
Fundamental ao meio ambiente; SENDIM, José de Souza Cunhal. Responsabilidade civil por danos
ecológicos: da reparação do dano através da restauração natural. Coimbra: Coimbra Editora, 1998;
BELLO FILHO, Ney de Barros. Pressupostos sociológicos e dogmáticos da fundamentalidade do
direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. 2006. Tese apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina
para a obtenção do grau de Doutor em Direito. Orientador: Prof. Dr. Rogério Silva Portanova. UFSC.
Florianópolis(SC).
234
Art. 5º, §1º: “As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”.
235
Ver: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 166; OST, François. O
tempo do direito. Tradução Élcio Fernandes. Bauru: Editora EDUSC, 2005.
236
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. Ver também: PORTANOVA,
Rogério. Direitos humanos e meio ambiente: uma revolução de paradigma para o século XXI. In:
BENJAMIN, Antonio Herman (Org.). 10 anos da ECO-92: o Direito e o desenvolvimento sustentável.
São Paulo: Imprensa Oficial, 2002. p. 981-964. Também os seguintes autores se posicionam pelo
reconhecimento como direito fundamental de terceira geração: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito
constitucional. p. 569 e SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 54.
237
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p. 88.
80
construído como elemento merecedor de tutela ambiental. Afinal, a cidade,
constituindo-se no principal habitat humano na atualidade, interage intensamente
com o entorno e produz impactos ambientais específicos
238
, relacionando-se, enfim,
diretamente com a sadia qualidade de vida e o bem-estar da população, bem como
com a sustentabilidade dos recursos naturais.
Impende referir, de início, a tão citada conceituação de Silva quanto à noção
de meio ambiente artificial, como sendo aquele “constituído pelo espaço urbano
construído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e
dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral:
espaço urbano aberto)”
239
. Porém, atendendo-se à necessidade de bem identificar
os elementos integrantes desta ambiência, cumpre fixar a conceituação de
equipamento público urbano a partir da determinação legislativa. A definição legal
para o termo de maior tecnicidade do que a acima exposta - encontra-se expressa
na Lei n. 6.766/1979 (Lei Federal de Parcelamento do Solo), em dois de seus
dispositivos, quais sejam, art. 2º, §5º, quando da consideração dos elementos
integrantes da infra-estrutura básica dos parcelamentos, e parágrafo único do art. 5º,
onde consta a definição específica:
Art. 2º [...]
§5º A infra-estrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos
equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação
pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável,
energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação
240
.
Art. 5º [...]
Parágrafo único Consideram-se urbanos os equipamentos públicos
de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica,
coletas de águas pluviais, rede telefônica de gás canalizado
241
.
Acrescente-se, também, a categoria de mobiliário urbano, vez que
representa, igualmente, elemento característico integrante da paisagem urbana
242
.
238
Vide item 1.3.2.
239
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. p. 21.
240
A atual redação do dispositivo transcrito foi conferida pela Lei n. 11.445/2007, que estabelece as
diretrizes nacionais para o saneamento básico (art. 55).
241
Íntegra do texto da Lei. n. 6.766/1979 disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L6766.htm>. Acesso em: 24 out. 2007.
242
Definição de paisagem urbana encontra-se na Lei Municipal n. 8.279, de Porto Alegre/RS, em seu
art. 4ª, como “o bem público resultante da contínua e dinâmica interação entre os elementos naturais,
edificados ou criados e o próprio homem, numa constante relação de escala, forma, função e
81
Segundo Silva, “Mobiliário urbano são elementos de escala microarquitetônica
integrantes do espaço urbano e que devem satisfazer os seguintes requisitos: I ser
complementares das funções urbanas; II – estar localizados em espaços públicos; III
estar disseminados no tecido urbano com área de influência restrita”. O autor
explicita, ainda, as seguintes classes: anúncios, elementos de sinalização urbana,
elementos aparentes da infra-estrutura urbana (como postes de rede de energia
elétrica, de iluminação pública e telefônica, hidrantes, etc.), e serviços de
comodidade pública (tais como cabinas telefônicas, caixas de correio, cestos de lixo,
pontos de ônibus, sanitários públicos, dentre tantos outros)
243
.
Milaré apresenta, entretanto, sob enfoque da doutrina ambientalista,
compreensão mais ampla para equipamento urbano, concluindo, ao final, pelo seu
enquadramento como bem ambiental, justamente pelo caráter de uso e domínio
públicos, bem como em razão da relação com a manutenção da qualidade de vida.
Na sua lição:
[...] a expressão “equipamento urbano” abrange mais do que os
chamados logradouros públicos constituídos por espaços abertos:
inclui igualmente áreas construídas, fechadas ou semi-abertas, e
destinadas ao uso público, concebidas para preencher algumas das
funções da cidade, por exemplo, centros culturais, assistenciais, de
educação e saúde, quando erguidos pelo Poder Público municipal e
por ele mantidos. Ocorre que tais equipamentos”, de propriedade,
domínio e uso públicos, possuem duas características: relacionam-se
com o bem-estar da população, influenciando significativamente o
meio ambiente urbano e sua qualidade de vida; e gozam de proteção
especial pelo seu caráter eminentemente público, constituindo assim
uma categoria de bens ambientais urbanos (ao menos lato sensu),
objeto de tutela ambiental (senão explícita, ao menos por
analogia)”
244
. (grifou-se)
movimento”. Íntegra do texto disponível em:
<http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smam/usu_doc/lei_8279_ii.pdf>. Acesso em: 23 out.
2005. Com maior detalhamento, o conceito adotado pelo município de São Paulo/SP, na Lei
Municipal n. 14.223/2006, art. art. 2º: “o espaço aéreo e a superfície externa de qualquer elemento
natural ou construído, tais como água, fauna, flora, construções, edifícios, anteparos, superfícies
aparentes de equipamentos de infra-estrutura, de segurança e de veículos automotores, anúncios de
qualquer natureza, elementos de sinalização urbana, equipamentos de informação e comodidade
pública e logradouros públicos”. Íntegra do texto disponível em:
<www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=27092006L
%20142230000>. Acesso em: 23 out. 2007.
243
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 314. Outro exemplo de definição e
classificação de mobiliário urbano consta do art. 6º, caput e incisos, da Lei Municipal n. 8.279/1999,
de Porto Alegre/RS.
244
MILARÉ. Édis. Direito do ambiente: doutrina-jurisprudência-glossário. p. 272.
82
Atente-se, porém, a outro relevante aspecto que emerge do trecho supra
mencionado, no diz com não se limitar o conceito sob análise à consideração dos
seus elementos singulares ou bens materiais/físicos (edificações, equipamentos,
mobiliário urbano) e recursos naturais impactados. que se envolver no debate da
configuração do meio ambiente construído a noção de função social da cidade – que
conduz à análise da conformação de um direito à cidade -, haja vista a percepção
sistêmica que também se deve lançar sobre o estudo do universo urbano. Para
tanto, analise-se, primeiramente, o capítulo constitucional destinado à Política
Urbana Nacional, arts. 182 e 183, da Carta Política de 1988
245
.
Inicie-se pela análise da redação do caput do art. 182, vez que está a
menção da matéria em plano constitucional, fixada como objetivo a ser alcançado
pela política de desenvolvimento urbano:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder
Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Como conteúdo do caput do dispositivo supracitado, tem-se: (a) a
necessidade de definição de uma política de desenvolvimento urbano, pela primeira
vez mencionada em texto constitucional; (b) o poder público municipal como
responsável por sua execução, representando fortalecimento do poder local, afinal, é
a CF/88 que dota o Município de autonomia como ente federativo (art. 18); (c) a
fixação de diretrizes gerais através de lei, o que veio a se concretizar com a
aprovação da Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade); (d) o estabelecimento,
245
Abre-se parênteses para o registro de ser este capítulo constitucional fruto de intensa organização
da sociedade civil durante a Assembléia Nacional Constituinte, decorrente da atuação de entidades e
movimentos sociais comprometidos com a reivindicação dos direitos à moradia e à cidade (que
iniciaram sua atuação nas década de 1960, retomando-a a partir de 1987, com a redemocratização
do país). Reunidos no Fórum Nacional de Reforma Urbana, apresentaram a emenda popular PE-063,
que, embora sofrendo profundas modificações, resultou na incorporação de importantes dispositivos,
como, exemplificativamente, os referentes ao usucapião urbano e à função social da cidade e da
propriedade urbana. Segundo Jardim, constitui inovação legislativa de relevância histórica, pois
representa a introdução no plano constitucional das premissas básicas do Movimento Nacional de
Reforma Urbana, assim sintetizadas: a) acesso igualitário aos bens e serviços; b) submissão do
direito de propriedade à sua função social; c) o Estado deve garantir os direitos urbanos; d) regulação
pública da produção privada, através do controle social do uso do solo urbano; e) reconhecimento da
cidade enquanto totalidade; f) controle social e participação popular como condição básica da gestão
democrática da cidade e g) a sustentabilidade ambiental. JARDIM, Zélia Leocádia da Trindade.
Regulamentação da Política Urbana e garantia do direito à cidade. In: COUTINHO, Ronaldo;
BONIZZATO, Luigi. Direito da Cidade: novas concepções sobre as relações jurídicas no espaço
social urbano. Rio de Janeiro: Lumes Júris, 2007. p. 97-122. p. 97.
83
enquanto objetivo desta política, de ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade; e (f) de garantir o bem-estar dos cidadãos.
Ainda, o mesmo artigo define, em seus §§
246
e
247
, o plano diretor como
principal instrumento garantidor das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana, vez que se assevera que a propriedade cumpre sua função social quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
instrumento, responsável por definir, em âmbito municipal, os limites, faculdades e
obrigações envolventes da propriedade. Ou seja, “a reconhecida função social da
Cidade se revela como um conceito a ser introduzido e mediado por um Plano
Diretor, segundo as normas gerais estipuladas no Estatuto da Cidade”
248
.
Também o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), ao estabelecer as
diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano, reafirma a vinculação de
seus objetivos ao desenvolvimento da função social da cidade
249
. E, em seu art. 2º,
I, traz alguns elementos para a formulação desta definição, ao mencionar a garantia
ao direito a cidades sustentáveis, nestes termos:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito
à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura
urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer,
para as presentes e futuras gerações.
A amplitude do significado de função social da cidade, na forma como
expressa no texto constitucional, bem como do que se infere dos dispositivos do
Estatuto da Cidade, implica no entendimento pela maior extensão da própria
concepção de política de desenvolvimento urbano, segundo Gesta Leal:
A política urbana não considera exclusivamente a realidade urbana
como, por exemplo, a organização espacial de uso do solo ou dos
246
§1º. O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte
mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
247
§2º. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais
de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
248
WERNECK, Augusto. Função social da cidade. Plano diretor e favelas. A regulação setorial nas
comunidades populares e a gestão democrática das cidades. In: COUTINHO, Ronaldo; BONIZZATO,
Luigi. Direito da Cidade: novas concepções sobre as relações jurídicas no espaço social urbano. Rio
de Janeiro: Lumes Júris, 2007. p. 123-142. p. 126.
249
Art. 2º, caput, da Lei n. 10.257/2001: A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes
diretrizes gerais [...]”.
84
equipamentos coletivos. Ela constitui uma síntese e reúne, em uma
mesma preocupação, os elementos econômicos e sociais, a
organização do espaço, os investimentos públicos e privados, o
funcionamento dos serviços públicos e os próprios instrumentos das
finanças públicas
250
.
A definição legal adotada pelo legislador nacional, de maior abrangência e
completude, apresenta, em verdade, inspiração e fundamento no conteúdo de
diversos documentos internacionais que traçam princípios e compromissos
objetivando coordenar ações em âmbito internacional e local relativamente a
questões urbanas, sobretudo os resultantes das Conferências da Organização das
Nações Unidas sobre assentamentos humanos
251
. Isto porque o reconhecimento
de que as condições dos assentamentos humanos determinam a qualidade de vida,
bem como o grau de satisfação das necessidades básicas pelas populações,
versando-se sobre as inúmeras dimensões da complexidade urbana, relativas a
aspectos sociais, econômicos, éticos, culturais e ambientais.
Destaque-se a Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver
(1976)
252
, a Agenda 21 (1992)
253
, a Agenda Habitat (1996)
254
e a Declaração sobre
250
LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço
urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 155.
251
O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UM-HABITAT) criou, em 1996,
com sede no Rio de Janeiro, o Escritório Regional para a América Latina e Caribe. Informações
disponíveis em <http://www.pnud.org.br/unv/projetos.php?id_unv=24>. Acesso em: 15 out. 2005.
252
Elaborada quando da Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos
(Habitat I), realizada em Vancouver, Canadá, no período de 31 de maio a 11 de junho de 1976.
Versão oficial em língua inglesa disponível em
<http//www.unhabitat.org/downloads/docs/924_21239_The_Vancouver_Declaration.pdf>. Acesso
em: 15/10/2005. Tradução literal do documento para o português publicada pelo Instituo Brasileiro de
Administração em FERNANDES, Marlene. Agenda Habitat para Municípios. Rio de Janeiro: IBAM,
2003. Disponível em <www.ibam.org.br/publique/media/AgendaHabitat.pdf>. Acesso em: 16 out.
2007.
253
Resultante da Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro (Brasil), em 1992. Tradução do
documento para o português publicizada pelo Ministério do Meio Ambiente disponível em
<www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=575>. Acesso em:
24 out. 2007. Também foi elaborado durante a Eco-92 o Tratado sobre cidades, vilas e povoados
sustentáveis”, estabelecendo os princípios básicos que devem nortear a política urbana: (1) direito à
cidadania, (2) gestão democrática da cidade e (3) função social da cidade e da propriedade.
254
Resultante da Segunda Conferências das Nações Unidas sobre Assentamento Humanos (Habitat
II), ocorrida em Istambul (Turquia), de 03 a 14 de junho de 1996. Versão oficial em língua inglesa
disponível em: <http//www.unhabitat.org/downloads/docs/1176_6455_The_Habitat_Agenda.pdf>.
Acesso em: 15 out. 2007. Tradução literal do documento para o português publicada pelo Instituo
Brasileiro de Administração em FERNANDES, Marlene. Agenda Habitat para Municípios. Rio de
Janeiro: IBAM, 2003. Disponível em <www.ibam.org.br/publique/media/AgendaHabitat.pdf>. Acesso
em: 16 out. 2007.
85
Cidades e Outros Assentamentos Humanos no Novo Milênio
255
. Especial atenção a
referidos documentos, dos quais o Brasil é signatário, é conferida no item seguinte,
cumprindo tão somente destacar aqui alguns elementos comuns a todos os textos
no que diz com a configuração da função social da cidade e de um direito à cidade.
Cite-se, num esforço de síntese, algumas indicações presentes no rol de princípios
que os norteiam, dentre os quais: eqüidade, desenvolvimento sustentável,
erradicação da pobreza, melhoria da qualidade de vida, melhoria da qualidade
econômica, social e ambiental dos assentamentos humanos, habitação adequada,
infra-estrutura (água, saneamento, drenagem, manejo de resíduos sólidos),
planejamento urbano, promoção da cidadania, participação, cooperação entre
setores público, privado e comunitário
256
.
Mencione-se, também, outro documento de abrangência internacional,
mesmo que o vinculado ao sistema das Nações Unidas e ainda em elaboração, a
Carta Mundial pelo Direito à Cidade. Trata-se de esforço conjunto de entidades da
sociedade civil (movimentos populares, organizações não-governamentais,
associações de profissionais, redes nacionais e internacionais de entidades
comprometidas com questões urbanas) reunidas desde o Fórum Social Mundial de
2001 para debater um “modelo sustentável de sociedade e vida urbana”.
Transcreve-se excerto da redação provisória de seu Artigo I, a fim de se apresentar
mais alguns aspectos da configuração deste direito,
255
Constitui-se na Resolução S25.2 das Nações Unidas, aprovada em Sessão Especial da
Assembléia Geral, realizada em Nova York, em junho de 2001 (Istambul + 5). Versão oficial em língua
inglesa disponível em: <http//www.unhabitat.org/downloads/docs/2071_246_A_RES_S25_2.doc>.
Acesso em 15 out. 2007. FERNANDES, Marlene. Agenda Habitat para Municípios. Rio de Janeiro:
IBAM, 2003. Disponível em <www.ibam.org.br/publique/media/AgendaHabitat.pdf>. Acesso em: 16
out. 2007.
256
Transcreve-se, a título de ilustração, parte do princípio descrito no item 27, do Capítulo II, da
Agenda 21: “Assentamentos humanos eqüitativos são aqueles em que todas as pessoas, sem
discriminação de qualquer tipo quanto à raça, cor, sexo, língua, opinião política ou outra, origem
nacional ou social, propriedade, nascimento ou outro status, têm acesso igual à moradia, infra-
estrutura, serviços de saúde, água e alimentação adequadas, educação e espaços abertos. Além
disso, tais assentamentos humanos proporcionam oportunidades iguais para uma vida produtiva e
escolhida livremente, igual acesso a recursos econômicos, incluindo direito à herança, à posse da
terra e outras propriedades, crédito, recursos naturas e tecnologias apropriadas; oportunidades iguais
para o desenvolvimento pessoal, espiritual, religioso cultural e social; oportunidades iguais para a
participação em processo decisórios, direitos e obrigações iguais no que diz com respeito à
conservação e ao uso dos recursos naturais e culturais; e igual acesso a mecanismos de garantia de
que direitos não serão violados [...]”. FERNANDES, Marlene. Agenda Habitat para Municípios. Rio de
Janeiro: IBAM, 2003. Disponível em <www.ibam.org.br/publique/media/AgendaHabitat.pdf>. Acesso
em: 16 out. 2007. p. 27.
86
[...] O direito à cidade é definido como o usufruto eqüitativo das
cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia e
justiça social; é um direito que confere legitimidade à ação e
organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de
alcançar o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado.
O direito à cidade é interdependente a todos os direitos humanos
internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente e inclui os
direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.
Inclui também o direito à liberdade de reunião e organização, o
respeito às minorias e à pluralidade ética, racial, sexual e cultural; o
respeito aos imigrantes e a garantia da preservação e herança
histórica e cultural [...].
Quanto aos princípios do direito à cidade (Artigo II), o documento afirma,
dentre outros (exercício pleno da cidadania e a gestão democrática da cidade;
igualdade, não discriminação; proteção especial de grupos e pessoas vulneráveis;
compromisso social do setor privado, impulso à economia e a políticas impositivas e
progressivas), a função social da cidade e da propriedade, nestes termos:
A cidade tem como fim principal atender a uma função social,
garantindo a todas as pessoas o usufruto pleno da economia e da
cultura da cidade, a utilização dos recursos e a realização de projetos
e investimentos em seus benefícios e de seus habitantes, dentro de
critérios de equidade distributiva, complementaridade econômica, e
respeito à cultura e sustentabilidade ecológica; o bem estar de todos
seus habitantes em harmonia com a natureza, hoje e para as futuras
gerações
257
.
A abrangência da definição expressa na formulação supracitada resume-se
na manifestação de Saule Júnior para o conteúdo de um direito à cidade:
O Direito à Cidade compreende os direitos inerentes às pessoas que
vivem nas cidades de ter condições dignas de vida, de exercitar
plenamente a cidadania, de ampliar os direitos fundamentais
(individuais, econômicos, sociais, políticos e ambientais), de participar
da gestão da cidade, de viver num ambiente ecologicamente
equilibrado e sustentável
258
. [...] As funções sociais da cidade se
configuram como interesses difusos, sendo que essas funções serão
desenvolvidas de forma plena quando houver a redução das
desigualdades sociais, erradicação da pobreza, promoção da justiça
social [com fundamento no art. 3º, III, CF/88] e melhoria da qualidade
257
Versão do texto produzida no Fórum Social Mundial realizado no ano de 2005. Disponível em
<http://www.forumreformaurbana.org.br/_reforma/pagina.php?id=749>. Acesso em: 15 out. 2007.
258
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento
constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do plano diretor. Porto Alegre: Sérgio Fabris
Editor, 1997. p. 22.
87
de vida urbana, de modo que todos tenham direito à cidade mediante
o acesso a moradia, transporte público, saneamento, cultura, lazer,
segurança, educação, saúde
259
.
que se perquirir, também, após explanação acerca dos dispositivos legais,
a natureza jurídica da função social da cidade, para além de constituir-se em
objetivo da política de desenvolvimento urbano. Vale-se, para tanto, da conclusão do
mesmo autor a fim de afirmar a sua compreensão enquanto interesse difuso, vez
que caracterizadas a indivisibilidade de seu objeto e a indeterminabilidade dos
titulares, nestes termos:
As funções sociais da cidade, na verdade, são interesses difusos, pois
não como identificar os sujeitos afetados pelas atividades e
funções nas cidades, os proprietários, moradores, trabalhadores,
comerciantes, migrantes, têm como contingência habitar e usar um
mesmo espaço territorial, a relação que se estabelece entre os
sujeitos é a cidade, que é um bem de vida difuso.
A função social da cidade deve atender os interesses da população de
ter um meio ambiente sadio e condições dignas de vida, portanto, não
como dividir essas funções entre pessoas e grupos pré-
estabelecidos, sendo seu objeto indivisível
260
.
Conseqüência imediata, advém o questionamento acerca da extensão jurídica
da expressão “direito à cidade” inserida no ordenamento, se considerada mera
diretriz geral ou, de outro modo, verdadeiro direito constituído do cidadão. Como
conclusão do até então exposto, bem como decorrência da redação do Estatuto da
Cidade (art.2º, I), tem-se claramente assegurado um direito à cidade (as implicações
jurídicas da adjetivação “sustentável” serão tratadas a seguir). Ainda, configura-se
como direito de natureza difusa, haja vista a difusidade dos destinatários e a
indivisibilidade do objeto, consoante argumento aduzido no excerto acima
transcrito.
Acrescente-se, também, a respeito da abrangência e indeterminabilidade dos
destinatários deste direito, interpretação conjunta entre o parágrafo único do art. 1°,
do Estatuto da Cidade, e o art. 225, da CF/88. Afinal, o primeiro dispositivo, ao
afirmar o estabelecimento pelo diploma legal referido de “normas de ordem pública e
interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo,
259
Ibidem, p. 76.
260
Ibidem, p. 61.
88
da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”,
aproxima-se do conteúdo da regra geral constitucional de tutela do meio ambiente,
art. 225, que assegura a todos o “direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado”
261
.
Por fim, afirme-se seu status de direito fundamental (ainda que não
mencionado no rol constitucional dos direitos e garantias fundamentais, tal qual
ocorre com o direito ao meio ambiente), vez que, consoante definição legal
apresentada pelo texto do art. 2º, I, Estatuto da Cidade, resulta da conjugação de
inúmeros direitos enumerados no Título II da Constituição Federal. Nesse sentido, a
conclusão de Tietzmann e Silva:
Assim, o direito à terra urbana ou à moradia encontram-se nas
disposições relativas ao direito de propriedade (art. 5º, caput e incisos
XXII, XXIII, XXIV, XXVI), enquanto que o saneamento ambiental, a
infra-estrutura urbana, o transporte e os serviços públicos, o trabalho,
o lazer, no quadro dos direitos sociais (art. 6º, caput). A garantia
desses direitos às gerações presentes e futuras, por sua vez é tratada
pelo art. 225, o qual, mesmo não estando fisicamente junto ao direitos
fundamentais enumerados pela Carta de 1998, dispõe de um tal
status. Conclui-se daí que o direito às cidades sustentáveis
estabelecido pelo Estatuto da Cidade configura de fato um novo
direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro
262
.
Desta feita, pode-se afirmar que o pleno desenvolvimento da função social da
cidade corresponde à garantia do direito à cidade, ou seja, a cidade cumpre sua
função social quando aos cidadãos é permitido o exercício dos direitos urbanos
263
,
refletidos no acesso aos bens e serviços identificados nos documentos
internacionais e nos dispositivos do Estatuto da Cidade. Significa dizer que será
determinada pelo exercício das funções e dinâmicas urbanas, ou, melhor, “a cidade
não será vista com o local onde se vive, mas de modo mais integrado entre as
261
Tema abordado no item 2.1.1.
262
SILVA, José Antônio Tietzmann e. As perspectivas das cidades sustentáveis: entre a teoria e a
prática. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 11, n. 43, jul.-set. 2006. Revista dos Tribunais.
p. 133-176. p. 150.
263
ROCHA, Júlio César de da. Considerações jurídicas sobre a função ambiental da cidade.
Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 4, n. 14, abr.-jun. 1999. Revista dos Tribunais. p. 103-
112. p. 109.
89
funções que ela exerce e suas dinâmicas econômica, social, cultural”
264
e,
acrescente-se, ambiental.
Presente, ainda, em todos os documentos internacionais, bem como nos
dispositivos legais do ordenamento jurídico pátrio, o desenvolvimento sustentável
como diretriz do desenvolvimento urbano. Acrescente-se, portanto, a função
ambiental da cidade, como elemento integrante de sua função social, relativo à
promoção da qualidade de vida de seus habitantes e do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem como dos ambientes natural, cultural e do trabalho,
com ênfase na responsabilidade intergeracional. Porém, esta será matéria tratada
mais detidamente no item subseqüente.
Noutro sentido, impende referência à decorrente proteção do meio ambiente
urbano como reflexo da tutela destinada a seus elementos, o que se faz por meio de
breve indicação sistemática do elenco da demais legislação incidente, de ordem
tanto ambiental quanto urbanística, sem pretensão de listagem exaustiva. Cite-se,
exemplificativamente:
(a) Ordenação do uso e ocupação do solo: função social da propriedade e da
cidade (art. 5º, XXII e XXIII; art. 182 e 183, da CF/88); Lei 6.766/1979
265
; plano
diretor municipal (art. 182, da CF/88; arts. 39-42, da Lei 10.257/2001); Códigos
municipais de Obras e Edificações; leis de zoneamento; Decreto-Lei n. 1.413/1975,
que dispõe sobre a poluição causada por atividades industriais
266
; Lei n. 6.803/1980,
264
SILVA, José Antônio Tietzmann e. As perspectivas das cidades sustentáveis: entre a teoria e a
prática. p. 136.
265
Está em processo de revisão através do Projeto de Lei n. 3.057/2000, intitulado “Lei de
Responsabilidade Territorial Urbana”, cujo texto encontra-se disponível em <www.camara.gov.br/>. O
PL, de autoria do Deputado Bispo Wanderval (hoje contanto com diversos substitutivos) e em
tramitação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal dos Deputados, objetiva
integrar as intervenções de natureza urbanística e ambiental nos procedimentos de parcelamento do
solo e regularização fundiária. Porém, é objeto de severas críticas em razão de promover alterações
nas Leis n. 4.771/65 (Código Florestal) e n. 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
Alguns dos inúmeros pontos polêmicos: (1) promove alteração no procedimento de licenciamento
ambiental, com atribuição ao Município da competência para licenciar sem a definição de critérios
específicos (art. 3º, XXI ou XIX); (2) cria licença integrada, com avaliação conjunta de questões
urbanísticas e ambientais (art. 3º, XXIII ou XX); (3) contraria o art. 2º, parágrafo único, do Código
Florestal, ao determinar que as APP’s em área urbana terão faixa mínima de 15 metros ao longo dos
cursos de água de a2 metros de largura (art. 13, I, e art. 152, §1º); (4) bem como ao autorizar a
utilização de APP como área de lazer em parcelamentos e condomínios (art. 14) e (5) ao consentir
parcelamentos em topos de morros (art. 8º).
266
Ver artigos e 4º. “Art. 4º. Nas áreas críticas, será adotado esquema de zoneamento urbano,
objetivando, inclusive, para situações existentes, viabilizar alternativa adequada de nova localização,
nos casos mais graves, assim como, em geral, estabelecer prazos razoáveis para a instalação dos
equipamentos de controle da poluição”.
90
que estabelece diretrizes para o zoneamento industrial nas áreas críticas de
poluição; demais leis estaduais e municipais de uso do solo;
(b) Gestão das regiões metropolitanas: art. 25, §3º, CF/88
267
, Lei
Complementar n. 14/1973
268
; Lei Complementar n. 20/1974
269
; demais constituições
e leis estaduais que definem e instituem regiões metropolitanas;
(c) Patrimônio cultural: art. 216, CF/88
270
; Decreto-Lei n. 25/1937
271
; art. ,
IV, da Lei n. 7.347/1985
272
;
(d) Recursos Hídricos: art. 21, XIX, CF/88; Lei n. 9.433/1997
273
; Decreto n.
5.440/2005
274
;
(e) Poluição sonora: art. 3º, III e alíneas, da Lei n. 6.938/1981
275
e diversas
Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente que dispõem sobre critérios e
267
Art. 25, CF/88: “§3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios
limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse
comum”.
268
Com fundamento no texto constitucional de 1969 (que atribuía à União competência para a
instituição de regiões metropolitanas), estabelece as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Íntegra do texto de lei
disponível em: <www.senado.gov.br>. Acesso em: 23 out. 2007.
269
Institui a região metropolitana do Rio de Janeiro. Íntegra do texto de lei disponível em:
<www.senado.gov.br>. Acesso em: 23 out. 2007.
270
“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ão, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, os quais se incluem: I as formas de
expressão; II os modos de criar, fazer e viver; III as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais; V os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico [...]”.
271
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, definido, em seu art. 1º, como o
conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público,
quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Ainda, consoante §2º, “equiparam-se aos bens
a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem
como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham
sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana”. Íntegra do texto disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0025.htm>. Acesso em: 23 out. 2007.
272
Disciplina a ação civil blica de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Íntegra do
texto disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 24 out.
2007.
273
Institui a Política Nacional de Recursos dricos. Íntegra do texto disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9433.htm>. Acesso em: 23 out. 2007.
274
Estabelece definições e procedimentos sobre o controle de qualidade da água de sistemas de
abastecimento e institui mecanismos e instrumentos para divulgação de informação ao consumidor
sobre a qualidade da água para consumo humano. Íntegra do texto disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5440.htm>. Acesso em: 23 out. 2007.
91
padrões de emissão de ruídos em decorrência de atividades (industriais, comerciais,
sociais, recreativas), por eletrodomésticos e veículos automotores
276
;
(f) Poluição atmosférica: art. 3º, III e alíneas, da Lei n. 6.938/1981; Lei
8.753/1993 (dispõe sobre a redução de emissão de poluentes por veículos
automotores); diversas Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente que
dispõem sobre critérios e padrões de emissão de poluentes atmosféricos por fontes
fixas e por veículos automotores
277
;
(g) Poluição visual: art. 3º, III e alíneas, da Lei n. 6.938/1981 e legislação
aprovada em âmbito municipal sobre ordenação da paisagem urbana, com destaque
à Lei Municipal n. 8.279/1999, de Porto Alegre(RS)
278
e à Lei Municipal n.
14.223/2006, de São Paulo(SP)
279
;
(h) Saneamento básico: Lei. n. 11.445/2007
280
; Resolução CONAMA n.
005/1988
281
;
(i) Gestão de resíduos sólidos urbanos: diversas Resoluções do Conselho
Nacional do Meio Ambiente que dispõem sobre critérios e padrões definidores das
275
“Art. - Para fins previstos nesta Lei, entende-se por: [...] III poluição, a degradação ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-
estar da população; b) criem condições adversas às atividade sociais e econômicas; c) afetem
desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e)
lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”. Íntegra do
texto disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 23 out. 2005.
276
Ver Anexo I.
277
Ver Anexo I.
278
Disciplina o uso do mobiliário urbano e veículos publicitários no município e outras
providências. Íntegra do texto disponível em:
<http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smam/usu_doc/lei_8279_ii.pdf>. Acesso em: 23 out.
2005.
279
Dispõe sobre a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana no município de São
Paulo (“Cidade Limpa”). Íntegra do texto disponível em:
<www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=27092006L
%20142230000>. Acesso em: 23 out. 2005.
280
Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, considerado como o conjunto de infra-
estrutura e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário,
limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais urbanas (art. 3º, I,
alíneas “a” a “d”). Íntegra do texto disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/Lei/L11445.htm>. Acesso em: 23 out. 2005.
281
Dispõe sobre o licenciamento de obras de saneamento básico (abastecimento de água, sistemas
de esgotos sanitários, sistemas de drenagem e sistemas de limpeza urbana), para as quais seja
possível identificar modificações ambientais significativas (art. 1º). Íntegra do texto disponível em:
<www.mma.gov.br/port/conama/res/res88/res0588.html>. Acesso em: 23 out. 2005.
92
categorias, classificação de periculosidade e possibilidades de disposição de
resíduos sólidos
282
;
(j) Crimes contra o ordenamento urbano: arts. 62 a 65, da Lei n.
9.605/1998
283
. Infrações administrativas contra o ordenamento urbano: arts. 49 a 52,
do Decreto n. 3.179/1999
284
;
(l) Ação Civil Pública: art. 1º, VI, da Lei n. 7.347/1985
285
;
(m) Área de Preservação Permanente em área urbana: Código Florestal (Lei
4.771/1965); Resolução CONAMA n. 369/2006
286
;
(n) Estudo Prévio de Impacto Ambiental: art. 225, §1º, IV, da CF/88
287
; art. 9º,
III, da Lei n. 6.938/1981
288
; Resolução CONAMA n. 001/1986
289
; Resolução
282
Ver Anexo I.
283
Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente, promovendo a tipificação de crimes contra o ordenamento urbano em seus arts. 62 a
65. Íntegra do texto disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L9605.htm>.
284
Dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente. Em seus art. 49 a 52, comina sanções administrativas aos atos lesivos ao ordenamento
urbano e ao patrimônio cultural. Íntegra do texto disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto/D3179.htm>. Acesso em: 23 out. 2007.
285
Disciplina a ação civil blica de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Íntegra do
texto disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em 24 out.
2007. Esclareça-se que a tutela da ordem urbanística através de ação civil blica foi incluída pelo
art. 53, da Lei n. 10.257/2001. Este dispositivo restou, posteriormente, revogado, sendo a redação
definitiva do art. 1º, da Lei n. 7.347/1985, conferida pela Medida Provisória n. 2.180-35/2001.
286
Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto
ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em APP. Destaque-se o
disposto no art. 2º, II, “c”, que caracteriza como interesse social a regularização sustentável de área
urbana, caso em que poderá o órgão ambiental autorizar a intervenção prevista. Íntegra do texto
disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res06/res36906.html>. Acesso em: 23 out.
2007.
287
Art. 225, §1º - “Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: [...] IV
exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”.
288
Art. 9º - “São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: [...] III – a avaliação de
impactos ambientais”.
289
Estabelece as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso
e implementação do EIA. Exemplificativamente, determina a obrigatoriedade de realização de estudo
de impacto ambiental para obras como troncos coletores e emissários de esgotos sanitários (art. 2º,
V); linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230KV (art. 2º, VI); aterros sanitários (art. 2º,
X); distritos industriais e zonas estritamente industriais (art. 2º, XIII); projetos urbanísticos, acima de
100ha, ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério da SEMA e dos órgãos
municipais e estaduais competentes (art. 2º, XV). Ainda, o diagnóstico ambiental da área de influência
do projeto deve considerar, além da análise dos meios físico e biológico, o meio sócio-econômico,
considerado como o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-econômia, destacando os
sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de
dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura (art. 6º, I,
“c”). Íntegra do texto disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html>.
Acesso em: 23 out. 2007.
93
CONAMA n. 006/1987
290
; Resolução CONAMA n. 009/1987
291
; Resolução CONAMA
n. 237/1997
292
, art. 4º, VI, da Lei. n. 10.257/2001
293
;
(o) Estudo de Impacto de Vizinhança: art. 4º, VI, e arts. 36 e 37, da Lei n.
10.257/2001.
Em conclusão ao exposto, tem-se que o meio ambiente no espaço urbano
exige a incorporação de uma dimensão que extrapola a avaliação do ambiente
natural (ar, água, solo, fauna e flora), ampliando-se de forma a integrar os elementos
naturais, culturais e artificiais que interagem e interferem nas cidades, sempre se
considerando a presença interventora do homem
294
. Conseqüentemente, a sua
tutela, seja sob perspectiva urbanística ou ambiental, deve promover a proteção de
seus aspectos fundamentais, envolvendo, sobretudo, o “controle da poluição em
todos os níveis, preservação dos recursos naturais, restauração dos elementos
destruídos, planejamento e proteção do patrimônio histórico e cultural”
295
.
Sob a perspectiva especificamente jurídica, como decorrência do
reconhecimento da cidade como bem jurídico ambiental, ou seja, como integrante do
patrimônio ambiental, tem-se:
(a) o entendimento do ambiente construído (com seus componentes materiais
– edificações, equipamentos urbanos, mobiliário urbano -, bem como a própria
função social da cidade) como bem de uso comum do povo;
(b) pertencente, portanto, à coletividade (ainda que pese sobre os
“microbens” - edificações ou equipamentos urbanos - título de propriedade da União,
Estados ou Municípios) e com caráter de uso e domínio públicos;
290
Estabelece as regras gerais para o licenciamento ambiental de obras de grande porte. Íntegra do
texto disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res87/res0687.html>. Acesso em: 23
out. 2007.
291
Estabelece regras relativas à publicidade. Íntegra do texto disponível em:
<http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res87/res0987.html>. Acesso em: 23 out. 2007.
292
Íntegra do texto disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res97/res23797.html>.
Acesso em: 23/10/2007. Segunda esta Resolução, deixa de ser obrigatória a realização de estudo por
equipe técnica desvinculada do empreendedor.
293
Art. - Para os fins desta lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: [...] VI estudo prévio
de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) [...]”.
294
CARVALHO, Ana Luisa Soares de. PRESTES, Vanêsca Buzelato. Plano Diretor e proteção às
ambiências urbanas como elemento do patrimônio cultural – A possibilidade de aplicação do princípio
da precaução no caso de Porto Alegre. In: Congresso Internacional de Direito Ambiental (9.:2005:São
Paulo, SP). Paisagem, Natureza e Direito/organizador Antonio Herman Benjamin. São Paulo: Instituto
O Direito por um Planeta Verde. 2. v. p. 447.
295
ROCHA, Júlio César de da. Considerações jurídicas sobre a função ambiental da cidade. p.
107.
94
(c) a compreensão do direito à cidade como direito fundamental difuso
(transindividual e indivisível), simultaneamente individual e coletivo;
(d) incumbe, conseqüentemente, ao Poder blico e à coletividade sua
preservação e manutenção
296
, reflexo da responsabilidade compartilhada pela tutela
do meio ambiente, definida constitucionalmente;
(e) a existência de dever constitucional positivo da administração pública em
todas as suas esferas (federal, estadual e municipal) de atuar na defesa e
preservação, seja através da elaboração legislativa, implementação de políticas
públicas ou do poder de polícia.
2.1.3 Concepção de sustentabilidade urbana
Adverte-se que não se empreenderá, neste subitem, esforço no sentido de
reproduzir, nem mesmo sucintamente, os discursos bastante extensos acerca da
formulação de desenvolvimento sustentável, suas possibilidades de
operacionalização e/ou as críticas das quais é alvo
297
. Objetiva-se, em verdade,
promover reflexão especificamente sobre as distintas compreensões de
sustentabilidade
298
aplicadas à ambiência urbana, limitação imposta pelo recorte
296
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina-jurisprudência-glossário. p. 273.
297
Sem aprofundar o exame da matéria, limita-se a algumas referências pontuais: (1) Declaração de
Estocolmo (1972), Anexo I, II, 4; 8; 14; (2) Relatório do Clube de Roma, intitulado “Limites do
Crescimento” (1972); (3) Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986), adotada pela
Resolução 41/1228 da Assembléia Geral da ONU; (4) Relatório da Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, ou Relatório Brundtland (1987), intitulado “Nosso Futuro Comum”),
documento portador do conceito mais difundido: “aquele que atende às necessidades do presente
sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias
necessidades”; (5) Princípio 4 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-
92): “Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante
do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste”; (6) Declaração de
Johanesburgo (2002), documento final da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +
10). Quanto às obras de maior repercussão nos primeiros traços da temática, tem-se: SACHS,
Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1989; _______. Estratégias
de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Studio Nobel, 1993.
Ver, ainda, perspectiva crítica a partir da relação entre globalização e mercado em: GUIMARÃES,
Roberto P. A ética da sustentabilidade e a formulação de políticas de desenvolvimento. Tradução de
Mila Frati. In: VIANA, Gilney; SILVA, Marina; DINIZ, Nilo (Orgs.). O desafio da sustentabilidade: um
debate socioambiental no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. p. 43-71.
298
Ao dissertar sobre o caráter controverso do conceito de desenvolvimento sustentável, o autor
italiano Amedeo Postiglione refere que o termo “sustentável” é empregado em referência a vocábulos
diversos (allo “sviluppo”, alla economia”, alla “società”, al “mondo”, all “ambiente (“environmental
95
proposto ao objeto do trabalho. Porém, sabendo-se, ainda assim, ser esta intenção
por demais pretensiosa, sobretudo face ao caráter tormentoso do tema, entende-se
mais prudente considerar este ensaio como tentativa de identificação de algumas
balizas para a implementação de ações concretas por meio de políticas públicas na
área, a partir do reflexo gerado no âmbito jurídico pela aplicação do conceito à
gestão das cidades.
Sustentabilidade urbana nos debates internacionais
Identifica-se, primeiramente, a relevante atenção recebida pelo meio
ambiente urbano nos recentes debates internacionais a partir de discussões
pautadas pelas concepções de desenvolvimento e sustentabilidade
299
. Esclareça-se,
entretanto, que, embora o conceito de cidade sustentável tenha se firmado somente
a partir da década de 90, contemporaneidade entre sua origem e o
desenvolvimento das regras de direito ambiental, sobretudo em âmbito internacional
e com ênfase às formulações em torno do desenvolvimento sustentável. Isto porque
quando da emergência do movimento ecologista, nos anos 70, se faziam
presentes considerações acerca da degradação do espaço urbano
300
.
sustainability). Porém, seria constante a referência a alguns pontos comuns: “(a) la necessità di
stabilire ‘limiti allo sviluppo attuale;(b) la necessità di dare um valore ‘economico’ alla natura;(c) la
necessità di risolvere il problema della ‘disiguaglianza’ dello sviluppo tra Paesi ricchi e Paesi del Sud
del Pianeta;(d) la necessità di proteggere ‘risorse comuni’ fuori della giurisdizione degli presenti; (e)
la necessità di garantire uma ‘qualità della vitaaccetabile alle generazioni presenti;(f) la necessità di
assicurare la vita alle generazioni future’”. POSTIGLIONE, Amedeo. Giustizia e Ambiente Globale
Necessità di una Corte Internazionale. Milano: Giuffrè Editore, 2001. p. 17.
299
Tietzmann faz uma retrospectiva dos principais eventos ocorridos em nível supranacional
envolvendo a temática, desde a criação de parcerias intermunicipais fomentadoras de iniciativas
voltadas para a concretização do desenvolvimento sustentável em âmbito local, até as grandes
conferências das Nações Unidas. Destaque-se: Habitat I (1976, Vancouver), com a concomitante
instalação do Centro das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (Nairobi); criação da
ICLEI (The International Council for Local Environmental Inicitives, 1990); Carta Urbana Européia
(1992); programa UNESCO/MOST (Management of social transformation, 1994); Campanha das
Cidades Européias Sustentáveis Carta de Aalborg (1994, Dinamarca); Conferência sobre as
Agendas 21 locais mediterrâneas (1995, Roma); Conferência da Agenda Habitat (1998, Genebra);
Conferência euro-mediterrânea das cidades sustentáveis, organizada pela Federação Mundial das
Cidades Unidas (1999, Sevilha); Conferências das Nações Unidas Habitat II (1996, Istambul) e
Habitat + 5 (2001, Nova Iorque), desta última resultando a Declaração das cidades e outros
assentamentos humanos para o novo milênio. SILVA, José Antônio Tietzmann e. As perspectivas das
cidades sustentáveis: entre a teoria e a prática. p. 139.
300
Ibidem, p. 138.
96
Alguns documentos merecem menção detalhada pelo importante papel
desempenhado na reflexão sobre a configuração das problemáticas relativas às
ocupações urbanas no mundo, e, sobretudo, na afirmação de princípios, metas e
compromissos a serem implementados pelos governos nacionais e pela comunidade
internacional na superação de demandas e conflitos. Primeiramente, a Declaração
sobre Assentamentos Humanos de Vancouver (1976), elaborada quando da
Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat
I)
301
, a primeira manifestação oficial em âmbito internacional sobre a temática. Ao
reconhecer os impactos da urbanização (Preâmbulo), os assentamentos humanos
como instrumento e objetivo do desenvolvimento (Parágrafo I.2), bem como a
necessidade de políticas para a matéria integradas a políticas de desenvolvimento
social e econômico e em harmonia com a preservação e promoção do meio
ambiente natural e construído (Plano de Ação, Recomendação A.2, c, iii), apresenta
consensos sobre políticas públicas urbanas e formula soluções e alternativas.
Posteriormente, tem-se a Agenda 21, documento resultante da Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cúpula da Terra ou
Rio-92), realizada no Rio de Janeiro, em 1992
302
. Traz recomendações e estratégias
para a implementação do desenvolvimento sustentável através de ações concretas
em todos os níveis (global, nacional
303
e local
304
), constituindo-se reconhecidamente
301
Realizada em Vancouver (Canadá), no período de 31 de maio a 11 de junho de 1976. Versão
oficial em língua inglesa disponível em <http://www.unhabitat.org/downloads/docs/3566_45413_HS-
733.pdf>. Acesso em: 15 out. 2005. Tradução do documento para o português disponível em
<www.ibam.org.br/publique/media/AgendaHabitat.pdf>. Acesso em: 16 out. 2007.
302
Versão oficial em língua inglesa disponível em:
<http://www.un.org/esa/sustdev/documents/agenda21/english/agenda21toc.htm>. Acesso em: 29 out.
2007. Tradução do documento para o português disponível em:
<http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=575>. Acesso
em: 29 out. 2007. Além da Agenda 21, outros 4 documentos resultaram da Rio-92: Declaração do
Rio, Declaração de Princípios sobre Uso das Florestas, Convenção sobre a Diversidade Biológica,
Convenção sobre Mudanças Climáticas. Também foi elaborado durante o evento o “Tratado sobre
cidades, vilas e povoados sustentáveis”, estabelecendo os princípios básicos que devem nortear a
política urbana: (1) direito à cidadania, (2) gestão democrática da cidade e (3) função social da cidade
e da propriedade.
303
A Agenda 21 Brasileira foi elaborada através de um amplo processo de consulta e debates
promovidos pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 (CPDS). É
composta de dois documentos: (1) Agenda 21 Brasileira – Ações Prioritárias (define 21 ões
prioritárias organizadas em cinco capítulos, versando sobre: economia, inclusão social,
sustentabilidade urbana e rural, recursos naturais estratégicos, governança e ética. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=915>. Acesso
em: 29 out. 2007); e (2) Agenda 21 Brasileira Resultado da Consulta Nacional (Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=914>. Acesso
em: 29 out. 2007).
97
no documento marco de afirmação da importância da sustentabilidade dos
assentamentos humanos. Afinal, verifica-se a ampliação do conceito de
sustentabilidade, com inserção como tema de debate das questões referentes à
construção de cidades sustentáveis (Capítulo 7), conjuntamente com considerações
de aspectos estratégicos relativos ao combate à pobreza, à geração de emprego e
renda, à diminuição das disparidades regionais, às mudanças nos padrões de
produção e consumo e à adoção de novos modelos e instrumentos de gestão.
Quanto às áreas temáticas prioritárias para o desenvolvimento de ações, tem-
se, na redação da Agenda 21 Global:
7.5. As áreas temáticas de programas incluídas neste capítulo são: (a)
Oferecer a todos habitação adequada; (b) Aperfeiçoar o manejo dos
assentamentos humanos; (c) Promover o planejamento e o manejo
sustentáveis do uso da terra; (d) Promover a existência integrada de
infra-estrutura ambiental: água, saneamento, drenagem e manejo de
resíduos sólidos; (e) Promover sistemas sustentáveis de energia e
transporte nos assentamentos humanos; (f) Promover o planejamento
e o manejo dos assentamentos humanos localizados em áreas
sujeitas a desastres; (g) Promover atividades sustentáveis na indústria
da construção; (h) Promover o desenvolvimento dos recursos
humanos e da capacitação institucional e técnica para o avanço dos
assentamentos humanos.
A Segunda Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Assentamentos
Humanos, a Habitat II (1996)
305
, aprofundou a inserção da discussão na agenda
global ao adotar como principais temas “moradia adequada para todos” e
“desenvolvimento de assentamentos humanos sustentáveis”. Resultou na
elaboração de dois documentos de grande relevância: a Declaração de Istambul, de
304
Agenda 21 Global, sobre as Agendas 21 locais: “28.1. Como muitos dos problemas e soluções
tratados na Agenda 21 têm suas raízes nas atividades locais, a participação e cooperação das
autoridades locais será um fator determinante na realização de seus objetivos. As autoridades locais
constroem, operam e mantêm a infra-estrutura econômica, social e ambiental, supervisionam os
processos de planejamento, estabelecem as políticas e regulamentações ambientais locais e
contribuem para a implementação de políticas ambientais nacionais e subnacionais. Como nível de
governo mais próximo do povo, desempenham um papel essencial na educação, mobilização e
resposta ao público, em favor de um desenvolvimento sustentável”. Segundo dados do Ministério do
Meio Ambiente, existem atualmente cerca de 544 processos de Agendas 21 locais em andamento no
Brasil, sendo disponibilizado documento com indicação do procedimento para sua elaboração
(Disponível em: <www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/passoapasso.pdf>. Acesso em: 29
out. 2007). Para o governo brasileiro, a construção da Agenda 21 Local vem ao encontro da
necessidade de elaboração de instrumentos de gestão e planejamento para o desenvolvimento
sustentável, sendo, portanto, documento de referência para planos diretores e orçamento municipais.
305
Ocorrida em Istambul (Turquia), de 03 a 14 de junho de 1996.
98
caráter político
306
, e a Agenda Habitat
307
, portadora de recomendações,
compromissos e ações estratégicas. Como elementos da sustentabilidade urbana,
extraem-se deste documento: compatibilização entre desenvolvimento econômico e
social e a proteção ambiental, geração de emprego e renda, combate à pobreza,
integração entre planejamento e gestão urbana, interdependência entre
desenvolvimento rural e urbano, visão integrada entre patrimônio natural, cultural e
histórico, atendimento das necessidades básicas da população, infra-estrutura
ambiental, eficiência energética e nos transportes, mecanismos de participação
popular. Destaque-se trecho da redação do Capítulo II (Metas e Princípios, ponto
28):
[...] O desenvolvimento de assentamentos humanos sustentáveis
garante desenvolvimento econômico, oportunidades de emprego e
progresso social em harmonia com o meio ambiente. Ele incorpora,
juntamente com os princípios da Declaração do Rio sobre o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento, [...] os princípios da abordagem
precautória, prevenção da poluição, respeito pela capacidade de
absorção dos ecossistemas, e preservação de oportunidades para as
gerações futuras. A produção, o consumo e o transporte devem ser
gerenciados de forma que protejam e conservem o estoque de
recursos naturais enquanto os utilizam. A ciência e a tecnologia têm
um papel crucial na formatação dos assentamentos humanos
sustentáveis e na sustentação dos ecossistemas dos quais eles
dependem. A sustentabilidade dos assentamentos humanos engloba
a sua distribuição geográfica equilibrada, ou outra distribuição
apropriada, em conformidade com as condições nacionais, promoção
do desenvolvimento econômico e social, saúde humana e educação,
conservação da diversidade biológica e o uso sustentável dos seus
componentes, e a manutenção da diversidade cultural, além da
qualidade do ar, água, florestas, vegetação e do solo em padrões
suficientes para sustentar a vida humana e o bem-estar das gerações
futuras.
Posteriormente, em 2001, foi realizada, em Nova Iorque, Sessão Especial da
Assembléia Geral da ONU (Istambul + 5), sendo aprovada, ao final, através da
306
Versão oficial em língua inglesa disponível em:
<http//www.unhabitat.org/downloads/docs/1176_6455_The_Habitat_Agenda.pdf>. Acesso em: 15 out.
2007. Tradução documento para o português publicada pelo Instituo Brasileiro de Administração em
FERNANDES, Marlene. Agenda Habitat para Municípios. Rio de Janeiro: IBAM, 2003. Disponível em
<www.ibam.org.br/publique/media/AgendaHabitat.pdf>. Acesso em: 16 out. 2007.
307
Versão oficial em língua inglesa disponível em:
<http//www.unhabitat.org/downloads/docs/1176_6455_The_Habitat_Agenda.pdf>. Acesso em: 15 out.
2007. Tradução documento para o português publicada pelo Instituo Brasileiro de Administração em
FERNANDES, Marlene. Agenda Habitat para Municípios. Rio de Janeiro: IBAM, 2003. Disponível em
<www.ibam.org.br/publique/media/AgendaHabitat.pdf>. Acesso em: 16 out. 2007.
99
Resolução S25.2, a Declaração sobre Cidades e Outros Assentamentos Humanos
no Novo Milênio
308
. Neste documento, reafirma-se os conteúdos da Declaração de
Istambul e da Agenda Habitat como as principais diretrizes para o desenvolvimento
de assentamentos humanos sustentáveis.
Sustentabilidade urbana e a diversidade de concepções
A tentativa de esclarecimento sobre o significado de sustentabilidade urbana,
diante de expressão ainda de tamanha amplitude, complexidade e imprecisão,
demanda a identificação de alguns elementos e/ou indicadores instrumentalizadores
do conceito na prática cotidiana da administração das cidades, para além das metas
e intenções proclamadas em âmbito internacional. Afinal, pouco informa a fórmula
geral presente nos documentos supramencionados
309
- e reforçada pela doutrina
nacional -, fundamentada, em síntese, no dever de dar-se o “desenvolvimento da
cidade ordenadamente, sem degradação do meio ambiente natural e construído,
respeitando-se os limites da terra, de modo a assegurar os valores sociais de
preservação e de moradia também em prol das gerações futuras”
310
.
que se buscar elencar, portanto, alguns dos distintos pontos de vista
resultantes das principais abordagens e apropriações do termo, cujo significado
ainda se mostra em gestação. Isto sem se desconsiderar os desafios impostos pela
diversidade de percepções decorrentes das variadas apropriações construídas por
cada comunidade. Afinal, cada país e/ou cidade possui suas especificidades
geográficas, sua cultura política e urbana, sua relação com a natureza, bem como
suas origens antropológicas, religiosas e históricas, o que determinará o processo
308
Versão oficial em língua inglesa disponível em:
<http//www.unhabitat.org/downloads/docs/2071_246_A_RES_S25_2.doc>. Acesso em 15 out. 2007.
Tradução literal do documento para o português publicada pelo Instituo Brasileiro de Administração
em FERNANDES, Marlene. Agenda Habitat para Municípios. Rio de Janeiro: IBAM, 2003. Disponível
em <www.ibam.org.br/publique/media/AgendaHabitat.pdf>. Acesso em: 16 out. 2007.
309
Além daqueles, referências, ainda, no Pacto Internacional de Direito Econômicos, Sociais e
Culturais (1966), no Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos (1966) e na Declaração sobre o
Direito ao Desenvolvimento (1986). que se registrar, ainda, o conteúdo da Carta Mundial pelo
Direito à Cidade.
310
MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade comentado: Lei n. 10.257, de 10 de julho de
2001. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 87.
100
de formulação de políticas estratégicas. Conseqüentemente, as concepções
desenvolvidas em uma localidade nem sempre se apresentam transferíveis para
outra, embora sirvam de elemento para a progressiva construção e evolução de seu
conteúdo
311
.
Esforço orientado neste sentido conduz, primeiramente, à identificação de
alguns autores que vislumbram como conceito, sob perspectiva mais tecnicamente
fundamentada, o potencial de uma cidade para alcançar qualitativamente um nível
de rendimento sócio-econômico, demográfico e tecnológico que reforce, a longo
prazo, os próprios fundamentos do sistema urbano, assegurando sua
sobrevivência
312
. Seria esta uma das principais razões para se trabalhar com
ecologia urbana, ramo do conhecimento que envolve o estudo da sustentabilidade
econômica, social e energética das relações humanas, bem como daquelas entre o
ambiente natural e o construído
313
.
Noutra direção, uma das sete temáticas estratégicas do Programa de Ação
Ambiental da Comunidade Européia (The Sixth Environment Action Programme of
the European Community 2002-2012) refere-se à melhoria da qualidade do meio
ambiente urbano. referência a quatro temas principais, a serem considerados
como indicadores de sustentabilidade, quais sejam: administração do meio ambiente
311
EMILIANOFF, Cyria. Les villes européennes face au développement durable : une floraison
d’initiatives sur fond de désengagement politique. p. 01-34. Disponível em:
<wwww.catalogue.polytechnique.fr/Files/S7-Emilianoff-cahier8-science-Po.pdf>. Acesso em: 19 nov.
2007. p. 11 e 34.
312
EWERS, Hans-Jürgen; NIJKAMP, Peter. Sustainability as a key force for urban dynamics. IN:
NIJKAMP, Peter (Editor). Sustainability of urban systems: a cross-national evolutionary analysis of
urban innovation. Great Britain: Averbury, 1990. p. 3-16. p. 08. Tradução livre.
313
SIRKIS, Alfredo. O desafio ecológico das cidades. In: TRIGUEIRO, André (Coord.). Meio Ambiente
no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. 4. ed.
Campinas: Armazém do IP, 2005. p. 215-229. p. 218. Complemente-se com o elenco apresentado
por Roseland de alguns dos princípios a serem seguidos na construção de cidades ecológicas, de
acordo com a ecologia urbana: [...] revise land use priorities to create compact, diverse, green, safe,
pleasant, and vital mixed-use communities near transit nodes and other transportation facilities; revise
transportations priorities to favor foot, bicycle, cart, and transit over autos, and to emphasize ‘access
by proximity’; restore damaged urban environments, especially creeks, shore lines, ridgelines, and
wetlands; create decent, affordable, safe, convenient, and racially and economically mixed housing;
nurture social justice and create improved opportunities for women, people of color and the disabled;
support local agriculture, urban, urban greening projects, and community gardening; promote
recycling, innovative appropriate technology, and resource conservation while reducing pollution and
hazardous wastes; work with businesses to support ecologically sound economic activity while
discouraging pollution, waste, and the use and production of hazardous materials; promote voluntary
simplicity and discourage excessive consumption of material goods; increase awareness of the local
environment and bioregion through activist and educational projects that increase public awareness of
ecological sustainability issues”. ROSELAND, Mark. Dimensions of the Future. An Eco-city Overwiew.
In: ROSELAND, MARK (Editor). Eco-city dimensions. Healthy communities. Healthy Planet. Canada:
New Socity Publishers, 1997. p. 01-24. p. 03.
101
urbano, transporte urbano, construções sustentáveis e desenho urbano
314
. Atente-
se, também, à concepção integrativa e horizontal no que se refere ao
estabelecimento de políticas setoriais, expressa no Livro Verde da Comissão
Européia dedicado às cidades. A respeito, ao tratar do “Papel das Cidades”,
enfatiza-se a combinação das distintas dimensões atuantes no desenvolvimento
urbano, quais sejam, econômica, social, cultural e política.
Considere-se, entretanto, que referido elenco decorre dos desafios
ambientais enfrentados pela específica realidade européia e sua política ambiental,
o que nos conduz à reflexão de outros aspectos diretamente relacionados à
realidade das cidades brasileiras. Sob este prisma, apresentam-se, sobretudo,
graves problemas de infra-estrutura e saneamento, déficit habitacional, ocupação
irregular de áreas de risco, pobreza e exclusão social, déficit de participação popular
nos processos decisórios, também a comprometer a manutenção de um
ecossistema urbano sadio.
Vale mencionar, também, como possibilidade de metodologia indicadora do
padrão de sustentabilidade urbano-ambiental, os estudos atualmente realizados
sobre o impacto ambiental (ecological footprint analysis) dos centros urbanos
315
,
conceituado como a área de terra e ecossistemas aquáticos necessários para
produzir os recursos que a população consome, bem como para assimilar/absorver
os resíduos que produz, em qualquer parte no planeta onde estejam localizados
316
.
O intuito é fornecer diagnóstico como subsídio à formulação de políticas
considerando variáveis como população, consumo de energia, produção de gases
do efeito estufa, geração de resíduos, consumo de alimentos, consumo de água,
transporte, fluxo de matérias-primas e de produtos. Registre-se, porém, que tal
314
Disponível em: <www.ec.europa.eu/environment/urban/towards_com.hhtm>. Acesso em: 04 fev.
2007.
315
Exemplos de estudos podem ser consultados em: <www.citylimitslondon.com>;
<www.bestfootforward.com>; <www.northen_limits.com>; <www.steppingforward.org.uk>;
<www.worldwildlife.org/livingplanet>. Acesso em: 10 ago. 2007.
316
“The ecological footprint of a region or community can be viewed as the bioproductive area (land
and sea) that would be required to sustainable maintain a region or community’s current consumption,
using prevailing technology. […] For the purposes of calculating the ecological footprint, the
bioproductive area is divided into four basic types: Bioproductive land, Bioproductive sea, Energy land
(forested land required for the absorption of carbon emissions) and Built land (such as, buildings and
roads). A fifth land type, biodiversity land, refers ti the area of land that would need to be set-aside to
preserve biodiversity […]”. BEST FOOT FORWARD LTD. City Limits: A resource flow and ecological
footprint analysis of Greater London. London, 2002. p. 45. Disponível em:
<www.citylimitslondon.com>. Acesso em: 04 fev. 2007.
102
indicador lida apenas com demandas ambientais, não considerando as dimensões
sociais e econômicas da sustentabilidade
317
.
Por fim, traz-se a reflexão de Guimarães, que, partindo de digressão sobre os
componentes de uma nova ética do desenvolvimento (ambientais, sociais, culturais
e políticos), esboça processo argumentativo direcionado à territorialidade da
sustentabilidade ambiental. Atenta, então, à fundamentalidade da dimensão política
neste processo, associada à necessidade de abertura dos processos decisórios -
fator não tratado com destaque pelas demais noções apresentadas:
[...] o fundamento político da sustentabilidade está estreitamente
vinculado ao processo de aprofundamento da democracia e de
construção da cidadania. Este se resume, em nível macro, à
democratização da sociedade e, em nível micro, à democratização do
Estado. O primeiro destes objetivos pressupõe o fortalecimento das
organizações sociais e comunitárias, a redistribuição de ativos e de
informação aos setores subordinados, o incremento da capacidade de
análise de suas organizações e a capacidade para a tomada de
decisões. O segundo se concretiza pela abertura do aparato estatal
ao controle cidadão, pela reforma dos partidos políticos e dos
processos eleitorais, e pela incorporação do conceito de
responsabilidade política na atividade pública
318
.
Sustentabilidade urbana na legislação brasileira
Após as digressões acima, num esforço de apresentação das possíveis
interpretações do conceito, faz-se imperioso abordar o reconhecimento da
concepção de sustentabilidade urbana pela legislação brasileira. Afinal, está o
parâmetro para a atuação dos gestores no país, vez que são as regras jurídicas que
versam sobre a matéria as portadoras da orientação fixada para o desenvolvimento
da cidade e suas atividades, bem como das possibilidades e limitações do exercício
de direitos por parte dos habitantes.
317
Uma crítica à metodologia consta em BEST FOOT FORWARD. An ecological footprint analysis of
Essex East England. Oxford, 2004. p. 35-38. Disponível em <www.bestfootforward.com>. Acesso
em: 04 fev. 2007.
318
GUIMARÃES, Roberto P. A ética da sustentabilidade e a formulação de políticas de
desenvolvimento. Tradução de Mila Frati. In: VIANA, Gilney; SILVA, Marina; DINIZ, Nilo (Orgs.). O
desafio da sustentabilidade: um debate socioambiental no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2001. p. 43-71. p. 57-58.
103
Vislumbra-se, a respeito, a incorporação de muitos dos elementos citados nas
definições acima, senão vejamos. Primeiramente, tem-se a indicação constante do
artigo 2º, inciso I, do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), referida no subitem
precedente. Quando menciona a garantia do direito a cidades sustentáveis,
entendido como “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infra-estrutura, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as
presentes e futuras gerações”, apresenta novel expressão para o ordenamento
pátrio, inspirada nos debates sobre o desenvolvimento sustentável travados no
âmbito do Direito Ambiental
319
.
Acrescente-se um segundo aspecto, também previsto no mesmo diploma
legal, dentre as diretrizes gerais da política urbana nacional. Refere-se à
determinação de o desenvolvimento das cidades, da distribuição da população em
seu território físico e das atividades econômicas que se desenvolvem no âmbito do
município e das áreas a ele contíguas, ser pautado no planejamento de modo a
prevenir os usos incompatíveis que geram distorções no crescimento urbano e
efeitos negativos sobre o meio ambiente (artigo 2º, inciso IV).
Como terceiro fator, tem-se a gestão democrática, afinal, a sustentabilidade
de uma cidade também é determinada pela qualidade de sua governança. Significa
dizer que somente um processo de gestão urbana transparente e responsável
poderá assegurar o desenvolvimento sustentável das cidades com justiça social e
preservação ambiental
320
. Este entendimento está refletido no Estatuto da Cidade,
em seu artigo 2º, inciso II, como um dos pilares da política urbana nacional.
Uma quarta questão diz com o reconhecimento da direito à ordem urbanística
como direito difuso, quando da afirmação da possibilidade de sua defesa através de
ação civil pública art. (1º, VI, da Lei n. 7.347/1985)
321
. Tal se reflete na extensão do
entendimento da sustentabilidade urbana na medida em que os elementos
envolvidos passam a ser dotados de ampla tutela. Oportuno, portanto, aqui, abordar
o conceito de ordem urbanística, para o que se utiliza o entendimento Freitas:
319
MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (dir.) Estatuto da Cidade. Lei 10.257,
de 10.07.2001. Comentários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 17.
320
OSÓRIO, Letícia Marques. MENEGASSI, Jacqueline. A reapropriação das cidades no contexto da
globalização. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas
Perspectivas para as Cidades Brasileiras. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 47.
321
A ordem urbanística foi acrescentada ao rol dos itens objeto da ação civil pública (art. 1º, VI, da Lei
n. 7.347/1985) pela Medida Provisória n. 2.180-35/2001. Entretanto, a alteração havia sido
promovida anteriormente pelo art. 53 da Lei n. 10.257/2001, restando revogada pela MP supracitada.
104
Trata-se de um conceito jurídico de ampla latitude que abrange o
planejamento, a política do solo, a urbanização, a ordenação das
edificações [...], a racionalização do traçado urbano, o bom
funcionamento dos serviços públicos, a correta distribuição da
concentração demográfica, a criteriosa utilização das áreas urbanas e
a localização das atividades humanas pelo território da pólis (moradia,
trabalho, comércio, indústria, prestação de serviços, lazer), tudo para
viabilizar o conforto da coletividade, mantendo a equação de equilíbrio
entre população e ambiente, assim como entre a área, habitantes e
equipamentos urbanos [...]
322
.
Enfim, como indicadores relacionados à sustentabilidade urbana, a fornecer
elementos para a discussão acerca de cidades sustentáveis, podem ser destacados,
sistematicamente, a partir do até aqui exposto: planejamento do uso e ocupação do
solo, acesso aos serviços de saneamento e infra-estrutura, transporte, qualidade do
ar e da água, biodiversidade, ambiente construído, gestão de resíduos sólidos,
poluição sonora, áreas verdes, índices de pobreza e exclusão social, instrumentos
de participação popular. Estes aspectos devem, obrigatoriamente, informar políticas
públicas, bem como condicionar a atuação da administração dos centros urbanos na
gestão do território, em todas as suas atividades.
Sustentabilidade urbana sob viés crítico
A síntese apresentada ainda não se mostra suficiente e satisfatória à
amplitude da análise proposta. Impende, ainda, consideração de perspectiva
eminentemente crítica sobre os discursos que orbitam as tentativas de definição e
operacionalização da concepção de sustentabilidade urbana, sobretudo em razão da
existência de literatura, ainda que escassa, a desenvolver rico debate sob tal prisma.
Mencione-se a respeito, primeiramente, as considerações de Emelianoff, definidora
do que denomina de “três tempos da cidade sustentável”, quais sejam, durabilidade
no tempo, igualdade-qualidade de vida e Agenda 21. Ou seja, entende a autora que
322
FREITAS, José Carlos de. Ordem urbanística e acesso à terra. In: ALFONSIN, Betânia.
FERNANDES, Edésio (Org.). Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade. Belo
Horizonte: Fórum, 2004. p. 267-268. Ver também: SUDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e
suas diretrizes. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade: comentários à Lei
Federal 10.257/2001. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 44-60. p. 54.
105
a questão envolve sim investigação acerca da adoção dos preceitos proclamados
pela Agenda 21, sobretudo no que diz com a implementação de um projeto político e
coletivo
323
. Porém, dada a complexidade do conceito, este seria apenas um dos
“tempos” integrantes de sua compreensão, demandando-se a consideração de
outras duas dimensões.
Uma, relativa à identificação da capacidade de uma cidade de se perpetuar
no tempo, de manter sua identidade, a qual está atrelada à preservação da memória
coletiva, aliada ao reconhecimento da importância da diversidade cultural e da
necessidade de promoção de um desenvolvimento multidimensional. Como
conseqüência desta percepção, “duração” o significa imobilidade, ao contrário,
denota flexibilidade, contextualização, em outras palavras, capacidade de
renovação
324
. Outra, refere-se ao binômio qualidade de vida-igualdade, no sentido
de que a identificação de uma cidade como sustentável implica a garantia de
qualidade de vida de forma igualitária a todos os habitantes em qualquer lugar de
seu território
325
, observando-se obrigatório respeito às diferenças culturais e
comportamentais da população
326
.
323
No original : Une ville durable est, en conséquence, une ville qui se réapproprie un projet politique
et collectif, renvoyant à grands traits au programme défini par l’Agenda pour le XXIº siècle (Agenda
21) adopté lors de la Conférence de Rio, il y a dix ans. Les ville qui entrent en résonance avec ces
préoccupation définissent, à l’échelon local, quelles formes donner à la recherche d’un développment
équitable sur un plan écologique et social, vis-à-vis de leur territoire e de l’ensemble de la planète, e
elles reformullent par même un sens collectif. Il s’agit à la fois de réduire les inégalités sociales et
les dégradations écologiques, en considérant les impacts du développment urbain à différentes
échelles. [...] Il s’agit en somme de trouver des solutions acceptables pour les deux parties, ou
encore, de ne pas exportes les coût du développment urbaine sur d’autres populaions, génerations,
ou sur les écosystèmes. EMELIANOFF, Cyria. Comment définir une ville durable : des expériences à
échanger. p. 01-04. Disponível em: <www.ecologie.gouv.fr/IMG/agenda21/intro/emelia.htm>. Acesso
em : 19 nov. 2007. p. 02.
324
Ibidem, p. 01.
325
A fundamentalidade do vínculo entre qualidade de vida e questão social emerge na seguinte
passagem: “Les villes, les métropoles surtout qui arrivent en tête de la performance économique et
technologique, n’ofrrent pas les mêmes atouts au regard de la qualité de vie. C’est un des enseigment
du phénomène périurbanisation, marqué à la fois par un attachment à la ville, à sa sphère d’influence
économique et culturelle, et par un détatachement de son environnement urbain, une démarcation en
termes de critéries d’habitation et de modes de vie. Ibidem, p. 03.
326
A fim de bem expressar essa demanda como elemento da sustentabilidade urbana, adota a autora
a concepção de novas proximidades”, nestes termos: “Cette exigence appelle une mixité sociale e
fonctionnelle, ou, à defaut, des stratégies pour favoriser l’expression de nouvelle proximité :
commerces et services de proximités, proximités aussi entre les différentes cultures de la ville, entre
les groupes sociaux, entre les générations. Cela oblige à penser différemment des catégories
longtemps étanches, des couples apparemment irréconciliables, pour ouvrir la voie par exemple aux
parcs naturels urbains, à la ruralité en ville, aux schémas piétonniers d’agglomération, à l’économie
solidaire et aux finances éthiques, ou plus simplesment à la démocratie locale et globale à la fois.
Ibidem, p. 02.
106
Posteriormente, ao referir-se às mais revisitadas perspectivas de análise da
conceituação de cidade sustentável, reafirma a qualidade de vida no meio urbano
como definição intermediária e prática entre uma posição reducionista (“la ville qui
dure”) e outra pragmática (“la ville qui élabore une Agenda 21 local”)
327
. Considera,
sob este aspecto, sobretudo, as disparidades existentes (de renda, de acesso aos
serviços urbanos, etc.), com destaque à desigualdade ecológica. E afirma a
relevância deste fator como parâmetro da sustentabilidade pela circunstância de
estar presente em todas as escalas, desde o limite do bairro ou de um município, até
o nível nacional ou planetário
328
.
Destaque-se, a este ponto, a crítica mais relevante que desenvolve aos
debates travados acerca da matéria, ao atentar para os riscos decorrentes de
interpretações deficientes marcadas pelo descaso à dimensão social. Estas
resultam, segundo ela, em ênfase excessiva à compreensão da sustentabilidade
urbana como dependente exclusivamente da adoção de padrões de vida
sustentáveis (sustainable lifestyles)
329
e mudança coletiva de comportamento, e,
portanto, denotam visão parcial do problema
330
.
Direciona a autora crítica, ainda, a experiências concretas implementadas por
cidades européias. Ao relatar inúmeras estratégias em andamento (mobilização
comunitária, ecotécnicas, ecoselos, orçamentos ecológicos, padrão de vida
sustentável, planificação voluntária, cidade compacta, bairros sustentáveis), conclui
que muitas das iniciativas concernentes a políticas de desenvolvimento urbano
sustentável levadas a cabo conduzem-se em um processo ausente de engajamento
político. Isto porque não são determinadas pelos eleitores/cidadãos locais, os quais
se mantêm silentes, mas sim pela administração pública ou por interesses
específicos de forças organizadas. São estes que se apropriam das novas práticas,
como argumento de marketing territorial, a fim obter vantagem competitiva com a
327
Ibidem, p. 03.
328
Entende desigualdade ecológica a partir do sopesamento entre, de um lado, a exposição a riscos,
maiores ou menores, relacionados à expectativa de vida, doenças ou vulnerabilidade, e, de outro, as
formas de felicidade, seja visual, sensorial ou tácita. Ibidem, p. 03.
329
Melhor desenvolve o argumento em outro texto, a partir do relato de estratégias adotadas por
cidades européias, no sentido de limitar-se esta política à construção de uma sociedade de
consumidores e cidadãos ecologicamente responsáveis, com ênfase à relevância da ação individual
cotidiana relacionada à educação ambiental. Ver: EMILIANOFF, Cyria. Les villes européennes face
au développement durable: une floraison d’initiatives sur fond de désengagement politique. p. 18.
330
EMELIANOFF, Cyria. Comment définir une ville durable: des expériences à échanger. p. 03.
107
valorização da imagem da localidade a partir da melhoria da qualidade de vida
331
.
Comprometido, portanto, o reconhecimento da sustentabilidade.
Noutro sentido da busca por posicionamento crítico, pode-se aqui retomar o
que discorre Acselrad ao utilizar-se da construção teórica da categoria de conflitos
ambientais, atentando constituírem-se, em verdade, em componente dos conflitos
sociais, consoante relatado no capítulo primeiro. Demonstra, desta forma, que
também a compreensão de sustentabilidade não se limita à análise de padrões
tecnológicos, isto porque se verifica, no julgamento destes, a presença de
referenciais sociais e culturais. Assim se manifesta:
A idéia de sustentabilidade”, por exemplo, constitui evidentemente
uma dessas categorias que, inovadora, introduz fatores de
perturbação/diferenciação das bases de legitimidade (a eficiência
técnica convencional) do conjunto de atividades. Em torno dela, abre-
se, por certo, a luta entre os que pretendem alterar ou reforçar a
distribuição de legitimidade e, portanto, de poder tanto sobre
mercados como sobre mecanismos de acesso a recursos do meio
material, apresentando-se como portadores de nova eficiência
ampliada a da utilização “sustentável” dos recursos. Mas mais do
que uma disputa entre alternativas técnicas que procurem mostrar-se
mais econômicas quanto aos níveis de uso/perturbação de
ecossistemas, sabemos que a noção de sustentabilidade pode trazer
para a agenda pública também sentidos extra-econômicos que
acionam categorias como justiça, democratização e diversidade
cultural [...]
332
.
Por fim, traz-se a análise elaborada por Coutinho, talvez a mais contundente
das até então postas. O autor desenvolve digressão acerca da incompatibilidade de
uma pretensão ao desenvolvimento sustentável das cidades com o modo de
produção capitalista. Na construção de seu argumento, principia por discorrer
síntese sobre os discursos acadêmicos existentes em torno da cidade sustentável,
dos problemas urbanos brasileiros e suas formas de legitimação
333
- muitos
331
EMILIANOFF, Cyria. Les villes européennes face au développement durable: une floraison
d’initiatives sur fond de désengagement politique. p. 02.
332
ACSELRAD, Henri. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. p. 16. Para
detalhamento do posicionamento do autor, ver: ACSELRAD, Henri. Sentidos da sustentabilidade
urbana. In: ACSELRAD, Henri (Org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas
urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 27-55.
333
COUTINHO, Ronaldo. A mitologia da cidade sustentável no capitalismo. p. 18.
108
apontados na descrição das abordagens supra -, os quais reputa, por mais da
vezes, ingênuos
334
.
Dentre eles: (1) sustentabilidade como alternativa para a correção dos
profundos efeitos da crise global da sociedade contemporânea, capaz de
compatibilizar qualidade de vida e acumulação capitalista; (2) sustentabilidade como
elemento articulador de projetos e modelos de gestão urbana democrática, com
suporte jurídico inovador (regularização fundiária, normas jurídicas de proteção
ambiental, proteção do direito à moradia, etc.); (3) entendimento da exclusão social
como processo de exclusão territorial; (4) crença no planejamento urbano como
solução para o restabelecimento da dita ordem urbana; (5) implementação da gestão
democrática das cidades, através da utilização dos instrumentos previstos no plano
diretor
335
.
Convence-se, então, pela existência de ponto comum nas proposições
mencionadas quanto ao conceito de sustentabilidade urbana e sua viabilidade.
Configurar-se-ia, segundo suas conclusões, no entendimento da origem da “crise
urbana” a partir do crescimento “desordenando das cidades”, com a crença de se
encontrar a solução para a conformação de um novo modelo por meio do
planejamento adequado e da gestão democrática. Esta a síntese que apresenta da
convergência identificada nestas formulações:
[...] Em outras palavras, o objetivo de cidades sustentáveis será
logrado, mesmo que de forma gradual, mediante a implementação (ou
restauração) de uma ordem urbana, que disciplinará, com o essencial
concurso de novos instrumentos jurídicos, do planejamento urbano
competente e da gestão democrática municipal os conflitos de
interesses, a desigualdade social e suas trágicas implicações, contra a
lógica subjacente à urbanização no modo de produção capitalista,
urbanização que também sofre, em diversos planos, as
conseqüências do processo de mundialização e financeirização do
capital
336
.
Porém, após esta análise, e mesmo reconhecendo os avanços decorrentes
da previsão de diversos instrumentos jurídicos e urbanísticos inovadores com o
advento do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), destaca a imperiosidade de
334
COUTINHO, Ronaldo. Direito ambiental das cidades: questões teórico-metodológicas. p. 19.
335
COUTINHO, Ronaldo. Direito da Cidade: o direito no seu lugar. Revista de Direito da Cidade/Pós-
Graduação da Faculdade de Direito, UERJ, Rio de Janeiro, vol. 1, n. 1, p. 01-12, maio 2006. p. 03.
336
Ibidem, p. 03.
109
atentar-se para as condições históricas que inserem a cidade no processo de
produção e reprodução do capital, vez que se constitui em “forma de apropriação do
espaço urbano produzido”, ou seja, enquanto mercadoria
337
. É este o componente
que determina as contradições do processo de urbanização, a espacialização das
atividades, pessoas e riscos, a fragmentação do espaço, as formas de privatização
do uso do solo, etc. Critica, desta forma, não haver referência à produção capitalista
do espaço, bem como a estudos sobre as estruturas de classe no país e suas
relações - essenciais à compressão da questão, nestes termos:
Contudo, o que permanece intocado nessas abordagens é a lógica
subjacente intrínseca à produção e à reprodução capitalista do
espaço, lógica que está na própria origem do processo de acumulação
de capital, caracterizado pelo desenvolvimento desigual e combinado
das forças produtivas e pela contradição fundamental da qual deriva a
sociabilidade própria do capitalismo. [...] Essa produção do espaço é
um processo histórico, e é precisamente por ignorarem as
particularidades do processo de urbanização sob a hegemonia do
capital, que as abordagens das relações sociais no espaço urbano
aqui examinadas privilegiam a necessidade de estabelecer uma
“ordem” para a apropriação do solo urbano, mediante a intervenção do
Poder Público, escorada por “novos” instrumentos e institutos jurídicos
e no planejamento urbanístico, a despeito da própria lógica que
estrutura o modo de produção capitalista, da mesma forma, aliás, que
se preconiza a “sustentabilidade” como meta passível de ser atingida
pelo exercício de uma surpreendente mudança no comportamento dos
agentes envolvidos no processo da produção capitalista pela adoção
de uma nova ética nas relações sociais
338
(grifos no original).
Aventa que a ausência sentida nos debates decorre do próprio entendimento
do conceito de desenvolvimento sustentável adotado como modelo a partir do
Relatório Brundtland, o qual, conforme explicita, “busca estabelecer o pressuposto
da efetiva possibilidade de uma ordem social ecológica e democrática, sem que isto
implique necessariamente a ultrapassagem do capitalismo [...]”. Significa, enfim, a
337
A respeito: A contradição entre o processo de produção social do espaço e sua apropriação
privada é o componente fundamental para o entendimento da reprodução espacial, na medida em
que, numa sociedade alicerçada sobre a troca, a apropriação do espaço, ele próprio produzido, como
qualquer outra mercadoria, atende as necessidades da acumulação através de mudanças,
readaptações de usos e funções dos lugares que também se reproduzem, a partir de mecanismos e
estratégias da reprodução, num determinado momento da história do capitalismo, que se estende
cada vez mais ao espaço global, criam novos setores de atividade como extensão das atividades
produtivas. Com maior intensidade, o espaço produzido, enquanto mercadoria, entra na esfera da
circulação, atraindo capitais que migram de um setor da economia para outro, de modo a viabilizar a
produção”. COUTINHO, Ronaldo. A mitologia da cidade sustentável no capitalismo. p. 21.
338
Ibidem, p. 19-20.
110
negação da contradição entre desenvolvimento econômico e meio ambiente,
independentemente do modo de produção
339
. Afirma, então, posicionamento
contrário a esta leitura discorrendo sobre a relação capital-meio ambiente e o
crescimento dos riscos ambientais, a fim de demonstrar o insuperável conflito entre
a lógica do capital e a preservação ambiental, a demandar o exame das dimensões
políticas e ideológicas do discurso da sustentabilidade
340
:
O caráter universal do desenvolvimento das forças produtivas
expressa a especificidade de uma forma de apropriação da natureza,
que é a apropriação privada. O metabolismo estabelecido pelo capital
em sua relação com o meio ambiente pressupõe riscos ambientais
crescentes, inerentes a um modo de produção que necessita destruir
a natureza para transformá-la em mercadoria. A água, o solo, a
vegetação, entre outros elementos, a partir do momento em que são
contaminados, poluídos e depredados, justificam sua transformação
em bens destinados ao mercado. Por isso, a reprodução desse modo
de produzir não sugere processos revitalizantes, posteriores ao
esgotamento dos ciclos biológicos vitais dos ecossistemas
341
.
Conclui, assim, que a “‘sustentabilidade’ no capitalismo não passa, na melhor
das hipóteses, de ilusão”
342
. E, portanto, apresenta-se, do mesmo modo, como
ilusória sua relação com o meio ambiente urbano. Afinal, na gica que estrutura o
capitalismo, a cidade também se configura como mercadoria a ser consumida,
apropriada, fator este que define como “[...] rigorosamente impossível a realização
do sonhado ‘desenvolvimento sustentável’, ou seja, aquele que consiga harmonizar
e compatibilizar qualidade de vida para as pessoas com a preservação das
condições ambientais sem estagnação ou declínio no processo de crescimento
econômico”
343
.
A partir das perspectivas críticas aqui aventadas, impõe-se considerar que o
elenco de indicadores mencionados no parágrafo conclusivo do item anterior não se
339
COUTINHO, Ronaldo. Direito ambiental das cidades: questões teórico-metodológicas. p. 22.
340
Por isso, o exame crítico do discurso da sustentabilidade, em suas dimensões políticas e
ideológicas, torna-se indispensável se o que pretendemos não é a preservação de uma ordem social
iníqua, específica do capitalismo, mediante a prescrição de tecnologias “limpas e práticas
“ecologicamente recomendáveis” (tratar adequadamente o lixo doméstico, economizar energia, usar o
automóvel seletivamente e modelos causadores de menor poluição, comer menos carne etc.)”.
Ibidem, p. 24.
341
Ibidem, p. 30.
342
COUTINHO, Ronaldo. A mitologia da cidade sustentável no capitalismo. p. 19-51.
343
COUTINHO, Ronaldo. Direito ambiental das cidades: questões teórico-metodológicas. p. 44-45.
111
mostra suficiente para a compreensão do conceito em comento. Emerge, enfim, o
reconhecimento de o ser categoria apreendida com clareza, seja pelos
organismos internacionais, legislação pátria ou doutrina especializada. Isto,
sobretudo, em decorrência de os diversos padrões discursivos elaborados
expressarem a afirmação de distintos valores quanto à legitimação dos processos de
apropriação do território e seus recursos. Razão pela qual apenas deixa-se o
registro de algumas das limitações identificadas neste breve esforço investigativo
quanto à sua elaboração e instrumentalização, no sentido de que:
(a) não há como formular conceito neutro, aplicável abstratamente como
modelo para o desenvolvimento de qualquer localidade, vez que cada uma é
portadora de especificidades e conflituosidades próprias, associadas à construção
histórica e cultural de sua identidade;
(b) não se constitui tão somente em questão técnica, mas, principalmente, em
problema político - e, por conseqüência, jurídico -, na medida em que envolve
intensa disputa de interesses;
(c) se impõe, ainda, na definição de padrões de sustentabilidade, a
consideração do modo de produção dominante, sendo este o fator determinante e
legitimador das formas de apropriação dos recursos ambientais do entorno.
2.2 Direito Ambiental e Direito Urbanístico: apontamentos para a reflexão
acerca de suas inter-relações
2.2.1 Direito Ambiental e Direito Urbanístico: similitude de objetos como ponto
de conexão
se discorreu anteriormente sobre o conceito jurídico de meio ambiente,
momento no qual se fez referência aos debates existentes em torno da definição do
objeto da tutela ambiental
344
. Também a cidade como bem jurídico ambiental foi
344
Vide 2.1.1.
112
estudada
345
. Não se pretende, portanto, adentrar novamente nos elementos
abordados, porém, a questão emerge mais uma vez, mas sob outro enfoque: em
que medida a definição do objeto do Direito Ambiental penetra o objeto de outra
disciplina, o Direito Urbanístico, no tratamento jurídico dispensado ao espaço
urbano. Afinal, em ambas as matérias, sua principiologia e normativa representam
produto das transformações sociais orientadas pelas crises ambiental e urbana,
decorrendo da assunção pelo Direito de novas funções na tentativa de oferecimento
de instrumentos normativos capazes de apontar soluções para demandas cada vez
mais complexas.
Destarte, tais disciplinas, para os propósitos desta explanação, são
compreendidas como recortes de uma mesma realidade, qual seja, a ambiência
urbana e sua dinâmica integrativa/degradante do meio ambiente. Deixa-se de lado,
porém, incursões acerca das preferências terminológicas e de conceituação
empreendidas pelo posicionamento doutrinário pátrio e estrangeiro
346
, bem como se
abdica de pesquisa aprofundada relativa à sua história ou sistematização,
finalidades e princípios. Passa-se de imediato ao que implica ao debate em pauta,
ou seja, os possíveis âmbitos de intersecção identificáveis em suas áreas de
abrangência.
As disciplinas
Como ponto primeiro de similitude, que se destacar a circunstância de
existir, ainda hoje, embate doutrinário quanto ao reconhecimento de sua autonomia
como ciências jurídicas dotadas de especificidade. Os argumentos para tanto
345
Vide 2.1.2
346
No que diz com o conceito de Direito Ambiental, ver: MUKAI, Toshio. Direito ambiental
sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992. p. 10; MACHADO, Paulo Affonso Leme.
Direito ambiental brasileiro. p. 122; MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina-jurisprudência-
glossário. p. 93; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito
urbanístico. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 23; PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement.
Paris: Dalloz, 1984. p. 17; SERRANO, José-Luis. Concepto, formación y autonomia del Derecho
Ambiental. In: VARELLA, Marcelo Dias; BORGES, Rosana Cardoso (Org.). O novo em direito
ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 33-49. p. 34. Quanto aos parâmetros para a construção
de uma concepção de Direito Urbanístico, ver: SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro.
p. 38; ROCHA, lio César de da. Função ambiental da cidade: direito ao meio ambiente urbano
ecologicamente equilibrado. p. 18; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. p. 513.
113
também se assemelham nos discursos proferidos pelos juristas especializados em
uma e outra matéria, podendo ser sintetizados nos seguintes aspectos: (a)
possuiriam caráter marcadamente aglutinador de técnicas, regras e instrumentos
para fins práticos de estudo e pesquisa (autonomia didática), porém, na inexistência
de princípios jurídicos e métodos próprios suficientes para a configuração de novos
setores do ordenamento (autonomia científica); (b) formar-se-iam a partir da
apropriação de elementos dos ramos clássicos do Direito (Constitucional, Civil,
Administrativo, Penal, Internacional), sendo, portanto, ramos informativos; (c)
constituiriam, sobretudo, especialização técnico-jurídica do Direito Administrativo,
vez que se servem de seus institutos e princípios
347
.
Em verdade, para alguns autores a questão em torno da autonomia dos
ramos do Direito seria um falso problema, por ser um conceito discutível, na opinião
de uns
348
, ou constituir um debate ultrapassado, consoante outros
349
. Toca-se no
ponto, aqui, por se considerar temática relevante na medida em que se pretende
examinar o complexo grau de imbricação existente entre as disciplinas dentro da
unidade do ordenamento jurídico. Afinal, o reconhecimento da autonomia dos
subsistemas implica a compreensão da operacionalidade e da funcionalidade de
conceitos, categorias e princípios para o próprio ordenamento, como um todo
350
.
Todavia, ainda que persista o dissenso, adentrar nos pormenores desta disputa a
partir de elementos da Teoria Geral do Direito deslocaria o foco de análise. Registre-
se, apenas, a fim de firmar o posicionamento que ora se adota, entender-se pelo
347
Dentre os que negam autonomia científica ao Direito Ambiental, a partir de ponto de vista fundado
nos elementos acima citados, tem-se MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito
ecológico e ao direito urbanístico. p. 23, MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. p. 11,
PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement, p. 17. Alguns destes autores entendem, ainda, que a
horizontalidade característica desta disciplina constituir-se-ia em argumento para não concebê-lo
como ramo autônomo, vez que seu papel seria justamente penetrar nos demais sistemas jurídicos a
fim de introduzir a orientação ambiental, como MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. p. 12
e MATEO, Rámon Martins. Manual de derecho ambiental. Madri: Trivium, 1995. p. 64. Quanto ao não
reconhecimento de autonomia ao Direito Urbanístico, destaque para: MOREIRA NETO, Diogo de
Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito urbanístico. p. 23; MUKAI, Toshio. Direito
ambiental sistematizado. p. 11; RABELLO, Sônia. Direito urbanístico e direito administrativo:
imbricação e inter-relações. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, vol I, n. 1, maio 2006. p.
196-210. p. 203.
348
Nesse sentido, ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 4. ed. rev. ampl. atual. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2000. p. 24.
349
É a posição de FERNANDES, Edésio. Direito e Política Urbana no Brasil: uma introdução.
FERNANDES, Edésio (Org.). Direito urbanístico e política urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey,
2001.
350
RABELLO, Sônia. Direito urbanístico e direito administrativo: imbricação e inter-relações. p. 203.
114
reconhecimento de status de ciências autônomas às disciplinas confrontadas, em
razão de suas especificidades.
Quanto ao Direito Ambiental, configura-se, na atualidade, como um “Direito
adulto”
351
por apresentar um conjunto sistematizado de normas específicas - de
natureza constitucional e infraconstitucional - dedicadas à tutela material do meio
ambiente, seu objeto, dotado de natureza específica
352
. Isto, sobretudo, a partir da
Lei 6.938/1981 (estabelecedora de conceitos gerais, princípios, objetivos e diretrizes
para o tratamento da temática), e da Constituição Federal de 1988, de onde se
extraem seus princípios constitutivos
353
.
Entretanto, mais do que um “amadurecimento” ou “esboço de autonomia”,
como preferem alguns especialistas, entende-se pela configuração de uma nova
ciência jurídica, vez que apresenta lógica distinta face aos demais ramos jurídicos
tradicionais, a impor até mesmo a revisão destes
354
. Exemplificativamente, aponte-
se, ainda que de modo meramente indicativo, algumas peculiaridades que firmam
seu papel na determinação de desafios à própria Teoria Geral do Direito: ênfase
preventiva e precaucional, em razão da tutela do risco, bem como dos danos
eventuais e futuros
355
; primazia dos interesses coletivos
356
, transdisciplinariedade
357
,
351
Expressão de PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement. p. 09, que alguns autores tomam
emprestada, dentre eles MILARÉ, Édis. Direito Ambiental: um direito adulto. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, ano 4, n. 15, jul.-set. 1999. Editora Revista dos Tribunais. p. 34-55.
352
Vide 2.1.1.
353
Vide 2.2.2.
354
Na defesa do Direito Ambiental como ramo autônomo do Direito, posicionam-se RODRIGUES,
Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental. Parte geral. p. 69 e ANTUNES, Paulo de Bessa.
Direito ambiental. p. 24.
355
Vide Capítulo 3.
356
Decorre da necessidade de regulação de interesses e conflitos não mais apenas intersubjetivos e
patrimoniais, mas, sobretudo, difusos. Segundo Mateo: “La originalidad del Derecho Ambiental y su
problemático encasillamiento en las tipologías clásicas se debe a la dificultad de adaptar técnicas que
están pensadas para la defensa patrimonial de unos sujetos frente otros, a las particulares
circunstancias de ciertos bienes que son de todos, que ni siquiera son en muchos casos físicamente
apropiables, en términos inmobiliarios, pero que no obstante pueden ser perjudicados sin quizás
trascendencia económica tangible para los sujetos individuales, al menos para los coetáneos de la
perturbación”. MATEO, Rámon Martins. Manual de derecho ambiental. p. 66.
357
Exaustivas são as referências doutrinárias ao caráter fundamentalmente transdisciplinar do Direito
Ambiental, tanto relativamente à influência metajurídica recebida ao congregar conhecimentos de
inúmeras ciências dedicadas à questão ambiental (humanas, exatas e biológicas – componente
técnico), bem como quanto à penetração nas disciplinas jurídicas tradicionais (horizontalidade).
Entretanto, Leite e Ayala apresentam elemento a mais, a fim de qualificar esta abordagem, através do
que denominam de “discurso ecológico de integridade”. Ver: LEITE, José Rubens Morato; AYALA,
Patryck de Araújo. A transdiciplinariedade do Direito Ambiental e a sua eqüidade intergeracional. p.
72-73.
115
eqüidade intergeracional
358
, vocação universalista
359
, espacialidade singular
360
;
difusidade do conteúdo jurídico da responsabilização
361
.
No que diz com o Direito Urbanístico, os que se posicionam pela afirmação de
sua autonomia constituem corrente minoritária. Partem de argumento com
fundamento constitucional, destacando a indicação de competência para a matéria
pelos arts. 24, I; 21, XX; 30, I e VIII e 182, da Constituição Federal de 1988. Síntese
da interpretação é encontrada no texto de Saule Jr., autor que entende decorrer
desta previsão a constituição de finalidade e objetivos próprios:
No sistema jurídico brasileiro com base nos princípios constitucionais
norteadores da política urbanas, nas responsabilidades atribuídas às
entidades federadas, e nas normas constitucionais específicas da
política urbana, foram estabelecidas as condições do direito
urbanístico caracterizado como um ramo multi-disciplinar do Direito se
tornar um ramo próprio do direito público por ter finalidade e objetivos
próprios, como de disciplinar as normas da política urbana em
especial do regime jurídico da propriedade urbana com base da
função social da propriedade e nas funções sociais da cidade,
exigindo a formação de um conjunto de normas a nível federal,
estadual e municipal que configure uma disciplina própria
362
.
Silva, em que pese reconhecer ser ainda cedo para afirmar a autonomia
científica do Direito Urbanístico, conclui que “as normas urbanísticas não podem
358
Leite e Ayala tratam o tema a partir da ética da alteridade, na perspectiva de uma abertura
dialógica espacial e temporal para os princípios da eqüidade e solidariedade, implicando na
redefinição dos titulares constitucionais da cidadania. Estes princípios representariam, segundo eles,
“dogmaticamente, esse transporte do alcance jurídico da igualdade para relacionar os titulares de
interesses atuais e potenciais de uma geração entre si, e em referência às gerações futuras,
garantindo o exercício de direitos atuais ou potenciais, em condições de equivalência e igualdade”.
Ibidem, p. 70-75.
359
Corresponde à preocupação com as ameaças transfronteiriças e planetárias e,
conseqüentemente, à necessidade de desenvolvimento de mecanismos e instrumentos próprios de
regulamentação em escala mundial. Ver: MATEO, mon Martins. Manual de derecho ambiental. 64-
65.
360
Mateo utiliza a expressão para referir-se às dificuldades geradas às limitações estruturais da
gestão governamental pelo fato de a dinâmica ambiental não respeitar as fronteiras político-
administrativas. Ibidem, p. 92.
361
Conforme Leite e Ayala: “O indivíduo deixa de ser o ator principal da temática dos esquemas de
responsabilização, posição que é pulverizada pela distribuição e repartição do interesse entre todos,
diante da difusidade do bem, insuscetível de apropriação exclusiva, que, por sua nota de titularidade
comunitária, aproxima todos (e não só um sujeito lesado individualmente) dos deveres jurídicos de
proteção, vínculo que motiva a aceitação da imprescindibilidade do sistema de responsabilidades
compartilhadas para a defesa do bem ambiental”. LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de
Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. p. 93.
362
SAULE JR., Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento
constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do plano diretor. p. 86-87.
116
mais ser concebidas como simples regras de atuação do poder de polícia, nem
como mero capítulo do direito administrativo”. Isto porque já se verificam expressivas
peculiaridades, como princípios e institutos próprios.
363
. Correia, mesmo não a
entendendo como disciplina jurídica autônoma, mas sim como especialidade do
direito administrativo, reconhece-lhe “substantividade própria”, em razão de
apresentar traços particulares, em especial a complexidade de suas fontes, a
mobilidade de suas normas e a natureza discriminatória de seus preceitos, nestes
termos:
Com a primeira expressão, quer significar-se que no direito do
urbanismo aparecem conjugadas normas jurídicas de âmbito geral e
regras jurídicas de âmbito local, assumindo estas [...] um relevo
particular. A segunda locução expressa a idéia de uma certa
instabilidade das normas do direito do urbanismo, a qual se manifesta
não apenas na alteração freqüente das normas urbanísticas aplicáveis
ao todo nacional (devido essencialmente à evolução dos problemas
colocados pelo ordenamento do espaço, bem como da maneira de os
resolver), mas também nas flexibilidades dos planos urbanísticos (com
efeito, estes não são documentos fechados e imutáveis, antes devem
adaptar-se à evolução da realidade urbanística, através de sua
revisão ou alteração [...]. O terceiro traço peculiar apontado às normas
do direito do urbanismo assenta no fato de elas terem como finalidade
definir os destinos de diversas áreas ou zonas do território, bem como
as formas e intensidades de utilização das diferentes parcelas do solo.
Uma vez que o tipo e a medida de utilização do solo não podem ser
os mesmos independentemente da sua localização, antes devem ser
diferentes conforme as zonas em que se situarem os terrenos, as
normas do direito do urbanismo revestem inexoravelmente um caráter
discriminatório [...]
364
.
O que interessa em especial, porém, à abordagem, é a consideração do
objeto jurídico de tutela do Direito Urbanístico, como se fez com o Direito Ambiental
em item precedente. Pretende-se indicar, deste modo, seu comprometimento com a
tutela ambiental, por meio da realização da função do espaço urbano no que diz com
a concretização da qualidade de vida e do bem-estar dos cidadãos. A respeito, cabe
363
Lista, então, alguns princípios: urbanismo como função pública, conformação da propriedade
urbana, coesão dinâmica das normas urbanísticas, afetação das mais-valias ao custo da
urbanificação, justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística. Quanto aos
institutos e instituições característicos, destaca, dentre outros: planejamento urbanístico,
parcelamento solo urbano, zoneamento, loteamento, regularização fundiária, outorga onerosa do
direito de construir, direito de superfície. Ibidem, p. 41-46.
364
CORREIA, Fernando Alves. Estudos de direito do urbanismo. Coimbra: Almedina, 1998. p. 99-100.
117
salientar que o conjunto de normas urbanísticas
365
objetiva, precipuamente,
disciplinar a ordenação do território, mas, também em relação a esta matéria que
se considerar interpretação alargada quanto à abrangência de seu objeto. Isto
porque, em que pese sua preocupação primeira e imediata com a ordenação das
cidades, pretende regrar a globalidade do espaço ocupado pelo homem, bem como
adota como finalidade a garantia da qualidade de vida
366
. Tal orientação norteará a
condução da reflexão que segue.
Direito Ambiental e Direito Urbanístico: pontos de imbricação
Para a análise sobre a relação estabelecida entre as disciplinas, que se
retomar aspectos relativos à definição de seus objetos. Afinal, deve-se trazer ao
debate questionamento quanto ao conteúdo imediato de tutela, no intuito de
promover uma precisa identificação da abrangência das hipóteses reguladas por
cada regramento. Permitir-se-á, deste modo, avaliar a similitude e proximidade
existente entre as temáticas, bem se qualificando a inter-relação desenvolvida e
demarcando-se o caráter de autonomia do qual gozam. Questão esta fundamental
para se levar a contento a promoção de harmonização entre as legislações
ambiental e urbanística em situações concretas de conflito, nas quais se enfrente o
365
São normas do direito urbanístico, segundo Silva: “[...] todas as que tenham por objeto disciplinar o
planejamento urbano, as áreas de interesse especial (como a execução das urbanificações, o
disciplinamento dos bens urbanísticos naturais e culturais) a ordenação urbanística da atividade
edilícia e a utilização dos instrumentos de intervenção urbanística”. SILVA, José Afonso da. Direito
urbanístico brasileiro. p. 38. Acrescente-se observação de Rabello “[...] cabe assinalar que, ao tratar
de direito urbanístico, a norma terá dois espaços de abrangência normativa. O primeiro é aquele de
definição de diretrizes técnicas que irão pautar as políticas urbanas de ordenação territorial, e as
matérias e assuntos de interesse da legislação urbanística, ou seja, de como fazer as ordenações
territoriais, visando sua função social e à qualidade de vida. O outro âmbito normativo é aquele das
normas de ordenamento do solo urbano, propriamente ditas, ou seja, as normas que fazem a
ordenação territorial, e que são aplicadas em determinado local, em determinada época [...]. Trata-se
de normas de planejamento urbano, e, por serem específicas para cada Município, inserem-se dentro
dos assuntos de interesse local, de sua competência exclusiva, nos termos do art. 30, I da
Constituição Federal” RABELLO, Sônia. Direito urbanístico e direito administrativo: imbricação e inter-
relações. p. 206-207.
366
Transcreve-se passagem da lição de Meirelles a respeito: Direito urbanístico visa precipuamente
à ordenação das cidades, mas os seus preceitos incidem também sobre as áreas rurais, no vasto
campo da ecologia e da proteção ambiental, intimamente relacionadas com as condições da vida
humana em todos os núcleos populacionais, da cidade e do campo”. MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito municipal brasileiro. p. 388.
118
desafio de articular os preceitos constitucionais relativos à proteção do equilíbrio
ecológico e à efetivação do direito a cidades sustentáveis.
Principie-se por repisar alguns aspectos relativos ao Direito Ambiental.
Ressurge, a este ponto, discussão acerca da amplitude do conceito de meio
ambiente - matéria largamente tratada anteriormente
367
-, vez que tal interpretação
reflete na definição do bem jurídico tutelado. De forma a evitar-se repetição dos
elementos expressos, mencione-se apenas a polaridade da questão entre a
defesa de um conceito estrito, com a identificação do objeto limitada ao equilíbrio
ecológico, e o reconhecimento de conceito amplo, a envolver a multiplicidade de
dimensões contidas na expressão (natural, artificial, cultural, histórica). A adoção
deste último, propugnada nesta pesquisa, redunda em compreender a finalidade da
disciplina sob perspectiva alargada.
A respeito, fica-se com a posição de Silva, autor que faz referência à
finalidade primeira do Direito, neste âmbito, em proteger a qualidade do meio
ambiente, por meio da proteção de seus elementos constitutivos e dos processos
ecológicos, mas também em função da qualidade de vida. Em outros termos,
identifica-se a tutela ambiental como seu objeto imediato, servindo, reflexamente,
para a promoção da qualidade de vida, reconhecida esta, portanto, como seu objeto
mediato. Qualidade de vida compreendida, aqui, como a saúde, o bem-estar e a
segurança da população
368
. No mesmo sentido, Leite e Ayala:
Atento à conceituação de meio ambiente, em sua concepção
antropocêntrica alargada, pode-se constatar que, no que diz respeito
à natureza jurídica, o bem ambiental tem sua maior intensidade na
proteção de um direito difuso e qualificado: a qualidade de vida
369
.
Na outra via, entende-se ser do âmbito de preocupação e abrangência do
Direito Urbanístico disciplinar, convenientemente, todas as ações humanas
relacionadas ao uso do solo, com vistas a um ambiente sadio
370
. Isto porque se
ocupa não mais tão somente do arranjo físico territorial das cidades, passando a
367
Vide ponto 2.1.1.
368
SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. p. 81.
369
Este aspecto merece ainda maior amplitude na interpretação dos autores, vez que entendem
corresponder à vida não apenas humana, e, ainda, atual e futura. LEITE, José Rubens Morato;
AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. p. 62.
370
MUKAI, Toshio. Direito urbano e ambiental. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 71.
119
abranger, “quantitativamente, um espaço maior (o território todo, englobando o meio
rural e o meio urbano), e, qualitativamente, todos os aspectos relativos à qualidade
do meio ambiente, que há de ser o mais saudável possível”
371
.
Significa, portanto, também se identificar a função do Direito Urbanístico na
promoção, ainda que indireta, da proteção do meio ambiente, vez que, ao disciplinar
a organização dos espaços habitáveis, objetiva a garantia da qualidade de vida e o
bem-estar dos cidadãos. Recorre-se novamente à lição de Silva no intuito de
reforçar a conclusão:
Em suma, o que se está vendo é que a atividade urbanística tem um
sério compromisso com a preservação do meio ambiente natural e
cultural, buscando assegurar, de um lado, condições de vida
respirável e, de outro lado, a sobrevivência de legados históricos e
artísticos e a salvaguarda de belezas naturais e paisagísticas de
deleite do Homem. Ao inverso, em certos casos a ação urbanística
incide em áreas envelhecidas e deterioradas, procurando renová-las
com o mesmo objetivo de criar condições para o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-
estar de seus habitantes
372
.
Ou seja, marca-se a distinção quanto aos objetos imediatos de tutela das
disciplinas em questão - e, portanto, a autonomia existente entre elas
373
-, ao passo
em que se identifica imbricação relativamente aos seus objetos mediatos. Tem-se a
expressão deste estreito vínculo na explanação de Salazar Jr.:
[...] mesmo que as normas de Direito Urbanístico não apresentem
como finalidade imediata a proteção do meio ambiente, atribuição
exclusiva das normas ambientais, o fato de tutelarem obliquamente a
371
Ibidem, p . 70. No mesmo sentido, CORREIA, Fernando Alves. Estudos de direito do urbanismo. p.
99.
372
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. p. 222. No mesmo sentido, Rocha: “[...] A
correlação entre o microssistema ambiental e o urbanístico efetiva-se em decorrência de seus objetos
mediatos e comuns: a proteção e defesa da qualidade de vida e do bem-estar dos habitantes da
cidade. Por conseqüência, na defesa ambiental propriamente dita e na ordenação dos espaços
habitáveis, o que se objetiva é a concretização das funções sociais da cidade [...]”.ROCHA, Júlio
César de Sá da. Função ambiental da cidade: direito ao meio ambiente urbano ecologicamente
equilibrado. p. 32.
373
Registre, entretanto, não é ser esta compreensão pacificada na doutrina. Figueiredo, por exemplo,
sob outra orientação, entende o Direito Urbanístico como espécie do gênero que denomina de Direito
Ecológico, nestes termos: “Se a Ecologia é gênero do qual o urbanismo é espécie, a dimensão social
do problema ecológico levar-nos-á, pelos mesmos motivos, à formulação de seu disciplinamento em
termos jurídicos, ou seja, à fronteira interdisciplinar entre Ecologia e Direito o Direito Ecológico, no
qual se insere, na fronteira entre o Urbanismo e o Direito, o Direito Urbanístico”. MOREIRA NETO,
Diogo de Figueiredo. Introdução ao Direito Ecológico. p. 54.
120
qualidade de vida as tornam obrigatoriamente comprometidas com a
proteção e preservação do meio ambiente
374
.
Melhor síntese a respeito encontra-se na perspectiva de Correia. O autor
português esclarece que, ainda que persistam discussões doutrinárias no sentido do
enquadramento do Direito Urbanístico como capítulo do Direito Ambiental (seria
instrumento de proteção do ambiente, no que se denomina de “concepção
imperialista” do meio ambiente)
375
, ou, em sentido inverso, de consideração deste
como parte integrante daquele (ambiente como objeto do poder de planificação
territorial)
376
, afirmam-se, em verdade, como disciplinas jurídicas autônomas uma em
relação a outra. Afinal, apresentam autonomia de fins, meios e objetos.
Retome-se aqui, sobretudo, a autonomia de fins ainda que estreitamente
relacionados. O fim imediato do Direito Urbanístico é a fixação de regras jurídicas de
uso, ocupação e transformação do território, “o que significa que o ‘móbil’ ambiental,
embora presente, não constitui a idéia condutora da regra jurídica urbanística”.
Enfim, a proteção do meio ambiente, embora presente, não é seu vetor principal.
o Direito Ambiental está intrinsecamente preordenado à tutela do ambiente, havendo
matérias constituidoras de seu núcleo central que de modo algum se podem
confundir com as de competência das normas urbanísticas
377
.
Sua estreita conexão deriva, assim, de se apresentarem informadas por
princípios comuns. Significa dizer que a idéia de proteção do meio ambiente e os
princípios ambientais em geral estão presentes no Direito Urbanístico, sendo
manifestos não somente nos objetivos do planejamento urbano quando de sua
elaboração e aprovação, mas também no âmbito de sua execução. A matéria, enfim,
cujas normas asseguram a gestão do espaço urbano, não é alheio às preocupações
do Direito Ambiental. Este, por seu turno, volta-se cada vez mais para a tutela do
meio ambiente urbano, contribuindo com normas que visam, em última análise, à
374
SALAZAR JR., João Roberto. O Direito Urbanístico e a tutela do meio ambiente urbano. In:
DALLARI, Adilson Abreu; DI SARNO, Daniela Campos Libório (Coord.). Direito Urbanístico e
Ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 167-182. p. 168.
375
CORREIA, Fernando Alves. O plano urbanístico e o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina,
1997. p. 84-85.
376
Ibidem, p. 81-84.
377
Cita, exemplificativamente: proteção da fauna e da flora; prevenção da poluição nas suas
diferentes modalidades; a matéria de responsabilidade civil por danos ao ambiente; a matéria do
ilícito ambiental, quer de índole criminal, quer de índole administrativa; o contencioso do direito do
ambiente; o direito organizatório do ambiente, a matéria do Direito Internacional Público e Privado do
Meio Ambiente. Ibidem, p. 85-81.
121
melhoria da qualidade de vida da coletividade
378
. Registre-se sua objetiva síntese
dos pontos de contato entre as disciplinas:
Os fortes laços existentes entre o direito do urbanismo e o direito do
ambiente derivam, essencialmente, de um lado, do fato de ambos se
aplicarem, simultaneamente, nos espaços rurais e nos espaços
urbanos, assistindo-se, por isso, a uma coabitação estreita entre eles,
e, do outro lado, da circunstância de, nos últimos anos, o direito do
urbanismo se ter tornado cada vez mais qualitativo na medida em
que muitas das suas normas (mormente a dos planos urbanísticos)
têm em vista a defesa do meio ambiente, a proteção e a valorização
do patrimônio histórico edificado, a renovação de áreas urbanas
degradadas, a recuperação dos centros históricos, a proteção e
valorização das paisagens naturais e a criação de zonas verdes
enquanto o direito do ambiente se revela cada vez mais atento à
cidade, através do conceito de ambiente urbano ou ecologia urbana
(na sua tríplice dimensão de combate à poluição urbana, de melhoria
do ambiente construído, pela via do incremento da qualidade das
edificações e da preservação dos centros históricos, e de criação e
valorização dos espaços naturais da cidade).
379
A digressão desenvolvida neste tópico conduz à assunção de posicionamento
no sentido de estar-se a advogar pela implementação de ações integradas no
melhor tratamento dos problemas urbano-ambientais, a partir dos institutos,
princípios e demais possibilidades apresentadas por esses dois ramos do Direito. É
entendimento decorrente da verificação de que a atuação isolada por meio de
políticas setoriais que não se comunicam e/ou articulam revela-se insuficiente. Tal
permitirá a introdução de novos instrumentos na tutela do meio ambiente urbano,
bem como inovadoras e abrangentes perspectivas de análise das demandas
suscitadas.
A respeito, exemplos pontuais da imbricação entre as legislações urbanística
e ambiental já foram enumerados no item precedente, de onde se extrai, de um lado,
situações de utilização de instrumentos urbanísticos na busca de soluções de
questões ambientais, e, de outro, a tutela do espaço urbano por meio de normas
ambientais
380
. Não se descuida, todavia, de que a implementação deste intrincado
378
GOMES, Carla Amado. As operações materiais administrativas e o direito do ambiente. Lisboa:
Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1999. p. 28.
379
CORREIA, Fernando Alves. Estudos de direito do urbanismo. p. 101.
380
Vide parte final do ponto 2.1.2. Destaque-se, aqui, o caráter conflitivo desta normatização, vez que
envolve regras oriundas das diversas esferas governamentais, elaboradas em diferentes épocas,
tratando de matérias conexas e por vezes até sobrepostas. Agravante refere-se, ainda, ao fato de
122
plexo normativo refletor da interpenetração das temáticas, quando não realizada
adequadamente, seja em relação à interpretação dos preceitos ou ao seu âmbito de
abrangência, acaba por multiplicar e intensificar as situações conflitantes
381
.
Circunstância esta que confere ainda maior relevância ao objeto de estudo
problematizado no trabalho.
2.2.2 Princípios gerais ambientais e sua aplicabilidade na gestão das cidades
Preliminarmente, dedicar-se-á espaço, neste subitem, para conferir
tratamento a alguns aspectos relativos à teoria geral dos princípios, de modo a fixar
a adoção de um conceito, dentre os tantos apresentados pela doutrina, bem como
afirmar sua força normativa e implicações jurídicas. Posteriormente, dedicar-se-á ao
estudo dos princípios gerais ambientais, mas a partir de perspectiva orientada pela
tentativa de conciliação destes com o processo de gestão e planejamento da cidade,
no sentido da incorporação das diretrizes ambientais às políticas urbanas e
alternativas instrumentais legislativas na matéria. Esclarece-se que, sendo o foco da
pesquisa o Direito Ambiental, não se adentrará análise principiológia relativa aos
institutos do Direito Urbanístico, disciplina esta que permeia a pesquisa somente
como referencial para a compreensão dos elementos abordados.
De início, note-se que o debate acerca da conceituação e aplicação dos
princípios jurídicos tem tomado especial posição na doutrina nacional e internacional
nas últimas décadas
382
. Como conseqüência, diversas são as abordagens possíveis,
serem objeto de sucessivas alterações e flexibilização por meio da edição de Medidas Provisórias e
Resoluções do CONAMA.
381
São exemplos concretos de materialização do conflito as ocupações urbanas irregulares em áreas
de proteção permanente. Correspondem a situações de risco nas quais se sobrepõem questões
ambientais e sociais na complexa dinâmica do processo de urbanização brasileiro. Quando de sua
judicialização, demanda por resposta jurídica quanto aos limites de aplicação das legislações
ambiental e urbanística (notadamente o Código Florestal, a Lei de Parcelamento e a Resolução
CONAMA n. 369/2006) e necessidade de sopesamento entre os preceitos constitucionais de proteção
do patrimônio ecológico e garantia do direito à cidade, desafio ainda enfrentado com dificuldades
pelos operadores do Direito. Deixa-se o registro de julgado do STJ a respeito, no qual se reconhece a
responsabilidade do município por loteamento irregular localizado em área de manaciais: Recurso
Especial n. 333056/SP; Rel. Min. Castro Meira; Julgado em 13/12/2005.
382
Tal circunstância fez com que Barrio e Vigo tratessem de uma idade do ouro dos princípios: “En
las últimas décadas, el tema de los ‘principios jurídicos’ como un ámbito integrativo del ordenamiento
jurídico, pero diferenciado de las reglas o normas jurídicas, ha adquirido una importancia notable en
123
trazendo-se, aqui, algumas das de maior repercussão e que servem de orientação
para os juristas brasileiros
383
. É de ressaltar os estudos de Dworkin, para quem os
princípios se distinguem pela sua natureza, tendo em conta seu caráter de
orientação ao sistema jurídico como um todo. Deste modo, e em comparação com
as regras jurídicas, as quais são aplicáveis, segundo o autor, “à maneira do tudo-ou-
nada”, seriam aqueles “padrões” a serem atendidos, levando a “uma exigência de
justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade”
384
.
Veja-se, também, a posição de Alexy, o qual afirma serem os princípios
“normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível” - em
conformidade com as possibilidades fáticas e jurídicas
385
-, configurando-se,
portanto, como “mandados de otimização”. Este seu entendimento, que o distingue
entre seus pares:
O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os
princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na
maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais
existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que
estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em
diferente grau e que a medida devida de seu cumprimento não
depende das possibilidades reais, mas também jurídicas. O âmbito
das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras
opostos
386
.
el campo de la teoría general o de la filosofía del Derecho, a tal punto que con justicia se ha podido
hablar de una nueva ‘edad de oro’ de los principios”. BARRIO, Javier Delgado. VIGO, Rodolfo L.
Sobre los principios jurídicos. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997. p. 90.
383
São referências de destaque no trato da matéria no âmbito da literatura nacional, dentre outros:
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1999. p. 47-48; ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos
princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
384
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Sua lição
merece registro: “As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra
estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é
válida, e neste caso em nada contribui para a decisão. [...] Os princípios possuem uma dimensão que
as regras não têm a dimensão do peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por
exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade
de contrato), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um”.
Ibidem, p. 36, 39 e 42.
385
No mesmo sentido: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra:
Livraria Almedina, 1995. p. 534.
386
Tradução livre. No original: “El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los
principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las
posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización,
que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la
medida debida de su cumplimiento no lo depende de las posibilidades reales sino también de las
jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos.
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales,
124
Considerando-se os elementos apontados, são os princípios, no sentido aqui
adotado, normas que se consubstanciam em verdadeiros vetores orientadores da
atuação do plexo normativo constante no ordenamento jurídico, fundamentando a
unidade e coerência sistêmica do mesmo
387
. Assim, atendem as regras jurídicas, em
sua maior concreção, aos valores ínsitos aos princípios, pretendendo, deste modo, a
eficácia axiológica do próprio sistema jurídico
388
. Ressalte-se, todavia, que, embora
existam como normas retoras, indicativas do senso político do ordenamento como
um todo, são dotados de normatividade e vinculatividade, ou seja,
obrigatoriedade de cumprimento do seu conteúdo balizador da elaboração,
interpretação e aplicação do Direito - e possibilidade de constituírem-se em causa de
pedir. Por fim, levando-se em conta estabelecerem deveres de otimização em vários
graus, permitem a existência de decisões diversas para casos concretos distintos,
vez que demandam a verificação da força relativa dos valores envolvidos em cada
situação fática.
A esta altura, relativamente à matéria em apreço no trabalho, cumpre
discorrer sobre os princípios gerais que orientam o Direito Ambiental em âmbito
nacional, no intuito de identificar alguns dos elementos constituintes do núcleo
valorativo da disciplina e dos institutos constantes do ordenamento jurídico
brasileiro. Nesse sentido, transcreve-se a síntese de razões apresentada por Mirra a
fim de afirmar a essencialidade de análise mais detida da temática no estudo deste
ramo jurídico em especial:
a) são os princípios que permitem compreender a autonomia do
Direito Ambiental em face dos outros ramos do Direito; b) são os
princípios que auxiliam no entendimento e na identificação da
unidade e coerência existentes entre todas as normas jurídicas
1997. Ver ainda, quanto aos conflitos entre princípios e regras, ALEXY, Robert. Sistema Jurídico,
Principios Jurídicos y Razón Prática. Revista DOXA, 5, 1988. Disponível em
<http://www.cervantesvirtual.com/portal/DOXA>. Acesso em: 10 mar. 2006.
387
Note-se o entendimento de Eros Roberto Grau: “É que cada direito não é mero agregado de
normas, porém um conjunto dotado de unidade e coerência unidade e coerência que repousam
precisamente sobre os seus (dele = de um determinado direito) princípios. Daí a ênfase que imprimi à
afirmação de que são normas jurídicas os princípios, elementos internos ao sistema; isto é, estão
nele integrados e inseridos.” GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica da Constituição de 1988:
interpretação e crítica. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 146.
388
Para maior esclarecimento, veja-se a tábua de diferenças e semelhanças entre princípios e regras
elaborada por Freitas em FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 228.
125
que compõem o sistema legislativo ambiental; c) é dos princípios
que se extraem as diretrizes básicas que permitem compreender a
forma pela qual a proteção do meio ambiente é vista na
sociedade; d) e, finalmente, são os princípios que servem de
critério básico e inafastável para a e exata inteligência e
interpretação de todas as normas que compõem o sistema jurídico
ambiental, condição indispensável para a boa aplicação do Direito
nessa área
389
.
Há que se registrar, entretanto, que a complexidade da questão não se
esgota aí, apresentando ainda maior abrangência. Mencione-se, nesse sentido, a
reflexão de Leite e Ayala, que levantam polêmica relativa às particularidades
impostas pelo Direito Ambiental à teoria dos princípios sobretudo quanto a sua
vinculação normativa. Atentam para o perigo de lhes atribuir imputação de um poder
absoluto, o que levaria, sempre, a sua preferência em face de outras variáveis
normativas
390
. Fundam-se, para tanto, na lição de Canotilho sobre os riscos da
adoção do modelo de Constituição dirigente, no que diz com possibilidade de
instituição de um modelo constitucional autoritário, com a desvinculação do papel
dos fatos e das relações sociais na regulação da realidade e conseqüente
desconsideração do pluralismo. Esclarecem:
O valor jurídico dos princípios adquire importância diferenciada para
sua apreciação no espaço normativo do Direito do Ambiente,
inicialmente por conservarem elevado potencial de colisão com
diversas espécies de direitos fundamentais objetivamente protegidos e
tenderem a avocar uma pretensa posição de valor de precedência
absoluta para a condição do ambiente ecologicamente sadio, como
direito fundamental e bem cuja particular configuração difusa exigiria,
de per si, imposições por iniciativas de organização e procedimento de
condições especializadas para sua realização e proteção.
Partindo desse raciocínio, grande parte das abordagens
principiológicas do Direito do Ambiente parece superestimar estes
dois problemas, o das condições de organização e procedimento da
ordem jurídica em face do valor fundamental, objetivo ocupado pelo
ambiente na ordem jurídica, e o do alcance do poder de vinculação da
atividade regulatória do ambiente. Parece-nos serem esses os
problemas que merecem atenção em uma proposta de análise da
função e do conteúdo dos princípios em matéria de Direito do
Ambiente
391
.
389
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, ano 1, n. 2, abr.-jun. 1996. Editora Revista dos Tribunais. p. 50-66. p. 52.
390
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco.
p. 67.
391
Ibidem, p. 69.
126
Feito o alerta, também não se pode olvidar a adoção de distintos elencos de
princípios pelos diversos autores especialistas no tema, resultado de suas
interpretações particulares com fundamento em declarações internacionais e no rol
positivado na legislação pátria
392
. Exemplificativamente, Machado lista como
princípios gerais o direito à sadia qualidade de vida, o acesso eqüitativo aos
recursos naturais, usuário e poluidor-pagador, precaução, prevenção, reparação,
informação, participação e obrigatoriedade da intervenção estatal
393
. Mirra menciona
a supremacia e a indisponibilidade do interesse público na proteção do meio
ambiente, a participação popular, o desenvolvimento econômico e social
ecologicamente sustentado, a função social e ambiental da propriedade, a avaliação
prévia dos impactos ambientais, prevenção, responsabilização, respeito à
identidade, cultura e interesses das comunidades tradicionais e grupos formadores
da sociedade e cooperação internacional
394
.
Antunes opta por nomenclaturas distintas, ainda que com semelhante
conteúdo, discorrendo sobre o direito ao meio ambiente como direito humano
fundamental, o princípio democrático (materializado através dos direitos à
informação e participação), prudência ou cautela, equilíbrio, limite, responsabilidade
e poluidor-pagador
395
. Leite, ao tratar do tópico, adota a expressão “princípios
estruturantes” emprestada de Canotilho - a fim de destacar suas funções
norteadoras na produção, interpretação e aplicação da matéria, conferindo
destaque, nesta categoria, à precaução, atuação preventiva, cooperação,
responsabilização e participação
396
. Explicita:
392
São princípios positivados, conforme Mirra, “[...] os princípios inscritos expressamente nos textos
normativos ou decorrentes do sistema de direito positivo em vigor”. MIRRA, Álvaro Luiz Valery.
Princípios fundamentais do direito ambiental. p. 53. Complemente-se com Antunes, ao especificar:
“Os princípios jurídicos ambientais podem ser implícitos ou explícitos. Explícitos são aqueles que
estão claramente escritos nos textos legais e, fundamentalmente, na Constituição da República
Federativa do Brasil; implícitos são os princípios que decorrem do sistema constitucional, ainda que
não se encontrem escritos. Note-se que o fato de que alguns princípios não estejam escritos na
Constituição ou nas leis, não impede que os mesmos sejam dotados de positividade”. ANTUNES,
Paulo de Bessa. Direito ambiental. p. 25.
393
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 55-103.
394
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. p. 50-66.
395
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. p. 25-33.
396
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p. 44-68.
127
A utilização da expressão princípios estruturantes, que se quer dar, é
no sentido de identificá-los como princípios constitutivos do núcleo
essencial do direito do ambiente, garantindo uma certa base de
caracterização. Com efeito, a utilização desta expressão é ancorada
na significação dada por Canotilho, ao se referir aos princípios
estruturantes do direito constitucional. Na sua identificação, o autor
salienta que os princípios estruturantes possuem duas dimensões: “(1)
uma dimensão constitutiva, dado que os princípios, eles mesmos, na
sua fundamentalidade principal, exprimem, indicam, denotam ou
constituem uma compreensão global da ordem constitucional; (2) uma
dimensão declarativa, pois estes princípios assumem, muitas vezes, a
natureza de superconceitos, de vocábulos designantes, utilizados
para exprimir a soma de outros subprincípios e de concretizações de
normas plasmadas
397
.
Por fim, poder-se-ia registrar o elenco adotado por autores dedicados ao
Direito Internacional do meio ambiente, vez que a elaboração de princípios neste
âmbito reflete-se na formulação legislativa doméstica
398
. Tal perspectiva abriria
leque ainda mais abrangente de análise, considerando-se, na complexidade do
tema, questões atinentes à soberania e, sobretudo, à forma de implementação das
obrigações internacionais e mecanismos de controle. Mas, nada disso será aqui
abordado
399
. Como o intuito é meramente informativo, apresenta-se, a título de
exemplo, a classificação de Wold sobre alguns dos princípios mais proclamados
pela comunidade internacional: princípio da soberania permanente sobre os
recursos naturais, direito ao desenvolvimento, patrimônio comum da humanidade,
responsabilidade comum mas diferenciada, precaução, poluidor-pagador, dever de
não causar dano ambiental e responsabilidade estatal
400
.
397
Ibidem, p. 45. Acrescente-se a lição de Derani, ao interpretar os princípios de Direito Ambiental
como “[...] construções teóricas que visam melhor orientar a formação do direito ambiental,
procurando denotar-lhe uma certa lógica de desenvolvimento, uma base comum presente nos
instrumentos valorativos”. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad,
1995. p. 155.
398
São tais princípios extraídos do texto das declarações internacionais que versam sobre questões
relacionadas ao meio ambiente, sobretudo a Declaração de Estocolmo (1972) e a Declaração do Rio
(1992). Lista dos princípios firmados nos documentos citados encontra-se em SILVA, José Afonso da.
Direito constitucional ambiental. p. 59-66. Some-se a estas todos os demais documentos
internacionais correlatos, que trazem normas detalhadas acerca de temas específicos, como a
Convenção sobre o Comércio de Espécies Ameaçadas de Extinção (CITES), a Convenção Ramsar, a
Convenção sobre Diversidade Biológica, a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas e a
Agenda 21, exemplificativamente.
399
Para estudo do Direito Ambiental Internacional ver: KISS, Alexander; SHELTON, Dinah.
International Environmental Law. New York: Transnational Publishers, Inc., 1991.
400
Esclarece o autor: “No plano internacional, tais princípios não são, tecnicamente, considerados
obrigatórios, não obstante, por influenciarem a estruturação do direito ambiental interno e por serem
efetivamente empregados pelos formuladores da política ambiental internacional, eles possuem uma
importância ímpar para a proteção do meio ambiente em âmbito local e internacional”. WOLD, Chris.
128
Porém, consoante apontado na parte inicial deste tópico, o que se pretende
não é o estudo aprofundado da principiologia informadora do Direito Ambiental, por
isso a limitação apenas ao apontamento de alguns dos diversos elencos adotados
pela doutrina. Sua abordagem na pesquisa é orientada, em verdade, pela
aplicabilidade dos princípios gerais ambientais positivados no quadro jurídico
normativo brasileiro como aporte teórico no trato do inter-relacionamento entre
gestão urbana e gestão ambiental. Portanto, uma vez apresentadas as observações
iniciais de forma meramente descritiva – suporte preliminar fundamental -, faz-se, na
seqüência, seleção dos princípios que se entende de especial relevância para a
tutela do meio ambiente urbano, considerados vinculantes para a interpretação e
aplicação dos mecanismos e instrumentos jurídicos concernentes.
Do critério de análise adotado, resultou o seguinte rol: desenvolvimento
sustentável, prevenção, precaução, informação, participação e função
socioambiental da propriedade não significando que a análise da inter-relação
entre meio ambiente e urbanismo não possa ser estendida aos demais princípios
identificados doutrinariamente. Esclarece-se que sua menção no texto o se dará
de forma detalhada, sendo seu conteúdo explicitado apenas genericamente a partir
da funcionalidade identificada na proteção do urbano como bem jurídico ambiental.
Assume-se, desta feita, postura focada nos objetivos primeiros da pesquisa em
detrimento de análise exaustiva de conteúdo e mecanismos de implementação,
ainda que sob risco de alvo de crítica fundada no argumento da análise superficial.
Primeiramente, no que diz com o princípio do desenvolvimento sustentável,
relembra-se a abordagem já conferida no ponto 2.1.3, oportunidade na qual se
traçou tentativa objetiva de compreensão do conceito de sustentabilidade aplicado
ao ambiente urbano, com análise de distintas perspectivas. Rememora-se a nota n.
112, na qual referência aos documentos internacionais que traçam os contornos
de sua concepção. Quanto ao seu reconhecimento pela ordem constitucional
brasileira, pode-se afirmar que está expresso em diversos dispositivos, sendo o mais
expressivo o art. 225, ainda que não faça uso da expressão. Importante também é a
menção do art. 170, VI, no qual se verifica a imposição da coexistência entre a livre
iniciativa e a defesa do ambiente, com vistas a assegurar a todos existência digna,
Introdução ao estudo dos princípios de Direito Internacional do meio ambiente. In: SAMPAIO, José
Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio. Princípios de direito ambiental: na dimensão
internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 06.
129
conforme os ditames da justiça social. Anteriormente, porém, constava previsão
na Lei 6.938/81, art. 1º, ao tratar da necessidade de compatibilização das atividades
industriais com o meio ambiente.
Na ordem infra-constitucional, a assunção de vinculação direta com o
planejamento urbano consta do conteúdo do dispositivo do Estatuto da Cidade que
discorre sobre o direito à cidade sustentável, em referência expressa ao princípio
como diretriz da política de desenvolvimento urbano (art. 2º). Saule Jr. explicita com
maior clareza a questão considerando o princípio do desenvolvimento sustentável
como o vínculo entre o direito a um meio ambiente sadio, o direito ao
desenvolvimento
401
e o significado de desenvolvimento urbano. Extrai-se de sua
obra o seguinte trecho:
Portanto, um dos componentes do desenvolvimento urbano é o
princípio do desenvolvimento sustentável, pelo qual as pessoas
humanas são o centro das preocupações e têm o direito a uma vida
saudável e produtiva, em harmonia com a natureza, conforme dispõe
o princípio 1 da Declaração do Rio. Esse componente, como requisito
obrigatório, significa a vinculação do desenvolvimento urbano, referido
no caput do art. 182, com o direito ao meio ambiente estabelecido no
art. 225 da Constituição. O desenvolvimento urbano, como política
pública, deve ter como condicionante o direito ao meio ambiente
sadio, ecologicamente equilibrado, como garantia das presentes e
futuras gerações
402
.
Esta a síntese que apresenta, então, das diretrizes do desenvolvimento
urbano, pautadas pelo desenvolvimento sustentável: assegurar o respeito e tornar
efetivo os direitos humanos; promover medidas para proteger o meio ambiente
natural e construído, de modo a garantir a função social ambiental da propriedade na
401
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986), adotada pela resolução 41/128 da
Assembléia das Nações Unidas. Ver art. 1º: “[...] direito humano inalienável, em virtude do qual toda
pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico,
social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e
liberdades possam ser plenamente realizados”.
402
Complemente-se: “De forma mais sintética, a política de desenvolvimento urbano deve ser
destinada para promover o desenvolvimento sustentável, de modo a atender as necessidades
essenciais das gerações presentes e futuras. O atendimento dessas necessidades significa
compreender o desenvolvimento urbano como uma política pública quer torne efetivo os direitos, de
modo a garantir à pessoa humana uma qualidade de vida digna. Para promover esse
desenvolvimento são necessárias medidas e políticas formuladas e implementadas com a
participação popular, voltadas para a proteção do meio ambiente sadio, da eliminação da pobreza, da
redução das desigualdades sociais, da adoção de novos padrões de produção e consumo
sustentáveis”. SAULE JR., Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento
constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do plano diretor. p. 67-69.
130
cidade; incentivar atividades econômicas que resultem na melhoria da qualidade de
vida, mediante um sistema produtivo gerador de trabalho e de distribuição justa da
renda e riqueza; combater as causas da pobreza, priorizando os investimentos e
recursos para as políticas sociais (saúde, educação, habitação); democratizar o
Estado, de modo a assegurar o direito à informação e à participação popular no
processo de tomada de decisões
403
.
Sob este aspecto, o conteúdo de sua configuração teórica mais difundida
desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a
possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades
passa a orientar obrigatoriamente a atividade urbanística e as intervenções no
espaço urbano. Em outros termos, segundo Teles, correspondente à “gestão das
cidades no tempo, ou seja, à administração presente e futura dos recursos
ambientais da e na cidade associada à gestão social
”404
. Enfim, remete ao ato de
planejar objetivando estratégias de inclusão social e eqüidade no acesso aos
recursos naturais ambientais, em vínculo com lapso temporal futuro
405
.
Outro princípio de Direito Ambiental estreitamente conexo à gestão urbana é
o princípio da prevenção, cujo conteúdo determina, simplificadamente, a adoção de
medidas que eliminem ou reduzam causas já conhecidas ou identificadas pela
ciência como suscetíveis de causar impactos negativos ao meio ambiente. Ou seja,
atua em momento anterior à consumação do dano ambiental, quando detectado
antecipadamente como possível resultado de atividade que se sabe
comprovadamente ser perigosa: tem-se conhecimento da periculosidade da
atividade e, portanto, procura-se inibir a geração possível e verossímil de efeitos
nocivos. Daí associar sua invocação a situações de “risco concreto” (tipologia a ser
abordada no Capítulo 3). Na interpretação de Leite e Ayala:
403
Ibidem, p. 70.
404
SILVA, Solange Teles da. Políticas públicas e estratégias de sustentabilidade urbana. Hiléia -
Revista de Direito Ambiental da Amazônia. p. 127-145. Disponível em
<www.uea.edu.br/data/direitoambiental/hiléia/2003/1.pdf>. Acesso em: 16 out. 2005. p. 135.
405
Ibidem, p. 134. Esta definição serve, ainda, para justificar a não dedicação de espaço especial
para o princípio da eqüidade intergeracional, pois se entende restar marcadamente incluído o
elemento solidariedade que lhe é característico, na relação estabelecida entre as gerações, sua
qualidade de vida e a capacidade de suporte dos ecossistemas no ambiente urbano. Uma análise
detalhada do princípio encontra-se em: AYALA, Patryck de Araújo. Direito e incerteza: a proteção
jurídica das futuras gerações no Estado de Direito Ambiental. 2002. Dissertação submetida à
Universidade Federal de Santa Catarina, para a obtenção do grau de Mestre em Direito. Orientador:
Prof. Dr. José Rubens Morato Leite. Florianópolis(SC).
131
O conteúdo cautelar do princípio da prevenção é dirigido pela ciência
e pela detenção de informações certas e precisas sobre a
periculosidade e o risco fornecido pela atividade ou comportamento,
que, assim, revela situação de maior verossimilhança do potencial
lesivo que aquela controlada pelo princípio da precaução. O objetivo
fundamental perseguido na atividade de aplicação do princípio da
prevenção é, fundamentalmente, a proibição da repetição de atividade
que já se sabe perigosa. [grifos no original]
[...] Dessa forma, não basta simplesmente que se tenha certeza do
perigo da atividade (periculosidade da atividade), mas do perigo
produzido pela atividade. Ou, em outras palavras, de que a atividade
perigosa coloque o ambiente, potencialmente (de forma verossímil),
em estado de risco (ou de perigo). Esta (atividade perigosa) deve
demonstrar também verossímil capacidade de poluir ou degradar,
entendendo-se, para os efeitos da aplicação do princípio da
prevenção, no seguinte sentido: é possível (juízo de verossimilhança)
que a atividade perigosa polua ou degrade. Logo, medidas
preventivas são necessárias (já que a origem do risco é conhecida)
406
.
Algumas das inúmeras medidas preventivas cuja implementação representa
concretização do princípio em apreço são listadas por Machado:
1º) identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um
território, quanto à conservação da natureza e identificação das fontes
contaminantes das águas e do mar, quanto ao controle da poluição;
2º) identificação e inventário dos ecossistemas, com elaboração de
um mapa ecológico; 3º) planejamento ambiental e econômico
integrados; 4º) ordenamento territorial ambiental para a valorização
das áreas de acordo com a sua aptidão; e 5º) Estudo de Impacto
Ambiental
407
.
No que diz com sua previsão normativa, constitui-se a partir de documentos
internacionais, dentre eles a Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos
Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito (Preâmbulo e art. 4º), a
Convenção da Diversidade Biológica (Preâmbulo), Declaração do Rio (Princípio 8).
Relativamente a seu assento constitucional, mencione-se em especial alguns dos
incisos do art. 225, sobretudo relativamente à obrigação genérica de prevenir o dano
ambiental (§1º, I e II e §§5º e ); ao estudo prévio de impacto ambiental (§1º, IV); à
restrição ou proibição de atividades suscetíveis de causar danos ambientais (1º, V e
406
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco.
p. 71-72.
407
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 84.
132
VII); à definição de áreas protegidas (§1º, III e §4º); à proteção de espécies em
extinção (§1º, VII); à proteção dos animais (§1º, VII); e à proteção da biodiversidade
(§1º, II). Na ordem normativa infraconstituional previsão na Lei 6.938/1981,
sobretudo art. 2º, e no rol de princípios declarado pelo art. do Decreto n.
5.098/2004, que versa sobre o controle de acidentes com cargas perigosas.
Pode-se identificar alguns instrumentos urbanísticos instrumentalizadores
deste princípio, cujo caráter preventivo orienta o exame de autorizações e licenças
de atividades e empreendimentos no espaço urbano, com a consideração da
variável ambiental. Destaque para o zoneamento ambiental, os estudos prévios de
impacto ambiental e de vizinhança, bem como o plano diretor. Isso ao passo que
possibilitam diagnóstico das diversas vocações das áreas urbanas, aferindo-as
como passíveis ou não de constituírem lócus de intervenções específicas de acordo
com suas características tanto por parte de empreendedores quanto da
Administração Pública. Instituem, ainda, análise de riscos urbano-ambientais e
prováveis impactos, bem como a necessidade de adoção de medidas
compensatórias. Adverte-se que maiores detalhes acerca interferência destes
mecanismos na gestão ambiental da cidade serão abordados no Capítulo 3.
Em complementaridade à prevenção em seu papel de imposição de medidas
no controle do risco ambiental, passa-se à caracterização dos contornos do princípio
da precaução. Em linhas gerais, este determina que, existindo ameaça de dano
grave ou irreversível possivelmente decorrente de determinada atividade, produto ou
técnica, a ausência de evidência científica absoluta acerca do nexo de causalidade
não pode ser invocada como justificativa para a não adoção ou para a postergação
de medidas antecipatórias visando elidir impactos nocivos. Sua invocação ocorre,
portanto, face a perigo/risco incerto, futuro ou potencial, ou seja, em relação a
circunstâncias sobre as quais ainda não certeza científica quanto à
periculosidade ou não se mostra possível análise precisa de sua demonstração e
dimensão.
Significa dizer que, tal como ocorre com a prevenção, está presente na sua
configuração o elemento risco, mas sob outro enfoque, o do risco abstrato, vez que
obrigação de tomada de decisão ainda que diante de situação de
incerteza/insegurança científica (informações precárias, limitadas, inacessíveis ou
133
inexistentes) relativa à identificação, avaliação e quantificação dos riscos
408
. Isto
marca acentuadamente a distinção existente entre os campos de aplicação dos dois
princípios
409
.
Emerge com maior clareza das características apontadas o seu papel como
instrumento de gestão de riscos. Afinal, o sendo possível emitir juízos de
avaliação com caráter de certeza e margem de segurança absoluta, em razão da
precariedade das bases informacionais, concentra-se na administração dos
processos decisórios a partir os dados disponíveis, na busca da melhor decisão
possível. Destaque-se, daí, elementos de importante reflexão, como:
(1) não se prescinde de investigação e avaliação dos riscos, o que ocorre é a
avaliação da melhor forma possível dos graus de incerteza científica (juízo de
verossimilhança), a fim de orientar decisão sobre sua tolerabilidade e adoção de
medidas adequadas para seu controle
410
(autorização, imposição de restrições,
proibição);
(2) toma relevo seu papel no fortalecimento de instituições democráticas, pois
apresenta forte vínculo com os direitos à informação (impondo esclarecimento e
divulgação dos potenciais efeitos nocivos de atividades, produtos,
empreendimentos) e participação (atuação de outros setores e atores nos processos
políticos decisórios, somando-se ao conhecimento científico)
411
;
(3) determina a distribuição do ônus da prova, vez que “a incerteza científica
milita em favor do meio ambiente” (in dubio pro ambiente), assim, cabe ao
408
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco.
p. 71-77.
409
Exemplifique-se as distintas posições doutrinárias sobre a conexão entre prevenção e precaução.
Milaré entende possuir a prevenção caráter genérico, e a precaução, específico, estando, portanto, a
segunda englobada na primeira. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: um direito adulto. p. 44.
Rodrigues, ao contrário, identifica a prevenção como contida na precaução, pois, sendo a precaução
voltada a evitar riscos, sua aplicação antecede a prevenção do dano. RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito ambiental. Parte geral. p. 151. Outros, como os referenciais aqui adotados,
realizam a distinção a partir da funcionalidade relativa à situação de certeza ou incerteza científica,
como ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. p. 36.
410
“Com essas considerações, pode-se constatar que, ao contrário do que se poderia argumentar, a
aplicação do princípio da precaução não produz divórcio com a atividade científica nem pretende
superar ou substituir a investigação, mas, antes, reforça a sua importância, situando-a em uma
abordagem em benefício da proteção dos direitos fundamentais. Diante da inexistência de informação
suficiente que esteja disponível no momento em que se exige a decisão sobre o produto ou atividade,
orienta um duplo sistema de obrigações, que compreende a obrigação de investigar e a obrigação de
optar pela aplicação das medidas mais adequadas, de acordo com elementos apresentados no
conflito”. LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de
risco. p. 80.
411
Ibidem, p. 84-85.
134
interessado demonstrar que as intervenções pretendidas o resultarão em
conseqüências nocivas ao meio ambiente
412
;
(4) sua aplicação deve ser orientada pela proporcionalidade, no sentido de
conduzir à adoção de medidas “suficientes, necessárias e adequadas” diante de
situação de risco ou perigo avaliada com incerteza científica, e não a fim de impor
incondicionalmente determinação de abstenção ou proibição (política de “risco
zero”)
413
.
Transcreve-se trecho do texto de Sampaio, no qual empreende análise
sintetizadora da conexão entre todos estes elementos:
Como requisito da razoabilidade, todavia, a precaução não pode
ganhar feições puramente científicas, nem puramente políticas,
tampouco pode descambar para um relativismo extremado,
delegando-se, por exemplo, um grande poder discricionário à
autoridade administrativa ou judicial. Ao contrário, ele exige amplo
espaço dialógico, ainda que haja uma presunção contra o
empreendedor (v.g., com a obrigação de provar que a atividade não é
nociva ao ambiente ou à saúde humana, além da obrigatoriedade de
adoção de métodos orientados para a prevenção dos riscos, como a
“produção limpa”) e rica fundamentação decisória (v.g, estudos e
monitoramentos elucidativos, terceira opinião imparcial, critérios de
decisão em face da incerteza e avaliação de atividades, tecnologias e
produtos alternativos), mostrando-se indissociável de políticas de
incentivo à prevenção, do princípio da informação e da participação
414
.
A complexidade de seu conteúdo e, sobretudo, seu emprego adequado nos
processos decisórios, a demandar a formulação de mecanismos e critérios claros de
aplicação, geram polêmicas e dificuldades. Não intenção nem abertura no âmbito
do trabalho para estender-se o debate, mas alguns tópicos são de menção
obrigatória. Vale-se, para tanto, das considerações apresentadas por Leite e Ayala a
partir de análise de Comunicação da Comissão das Comunidades Européias sobre o
412
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: um direito adulto. p. 45. Já decisões judiciais que invocam
tal recurso, ver: TJ-RS – Edel 70002338473 – 4ª Câmara Cível. Rel. Des. Wellington Pacheco Barros.
J. 04/04/2001. Disponível em: <http://www.tjrs.gov.br>. Acesso em: 25 nov. 2007.
413
Ibidem, p. 87.
414
SAMPAIO, José Adércio Leite. A constitucionalização dos princípios de direito ambiental. In:
SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio. Princípios de direito ambiental: na
dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
p. 45-86. p. 65.
135
princípio da precaução
415
. Na sua síntese, consideram elementos importantes para o
aprimoramento das possibilidades de aplicação:
1. necessidade de se compreender este princípio como pressuposto
prévio de todos os processos de decisão política que tenham por
conteúdo a gestão de riscos; 2. identificação da relevância do princípio
como um importante instrumento de distribuição do ônus da prova; 3.
análise dos mais relevantes princípios que orientam sua aplicação: os
princípios da proporcionalidade, não-discriminação, coerência,
fungibilidade (ou modificabilidade) e balanceamento (balancing ou
abwagung); 4. destaque da importância da correta compreensão do
problema da avaliação científica, relativamente ao momento e à
responsabilidade pela atividade
416
.
Noutro sentido, sua formulação normativa aparece com maior expressividade
nos seguintes instrumentos internacionais: Declaração do Rio (1992), na redação de
seu Princípio 15
417
; no art. 3º, item 3, da Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre a Mudança do Clima (1992)
418
; no Preâmbulo da Convenção da Diversidade
Biológica (1992)
419
. O texto constitucional brasileiro o abriga implicitamente em
alguns incisos do art. 225, §1º, ao tratar de dispositivos nos quais se identifica
conteúdo precaucional. Quais sejam: inciso II (dever estatal de fiscalizar entidades
dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético), inciso IV (exigência de
estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação ambiental) e inciso V (dever
de controle da produção, comercialização e do emprego de técnicas, métodos e
415
EUROPA. Comission of the European Communities. Communication on the Precautionary
Principle. Brussels 2.2.2000. Disponível em:
<http://europa.eu.int/comm/off/com/health_consumer/precaution.htm>. Acesso em: 22 jan. 2008.
416
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco.
p. 74-75.
417
De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado
pelos Estados de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou
irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para
postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.
418
“As Partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar e minimizar as causas da
mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou
irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas
medidas, levando em conta que as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima
devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurarem benefícios mundiais ao menor
custo possível”.
419
“Observando também que, quando exista ameaça de sensível redução ou perda de diversidade
biológica, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas
para evitar ou minimizar essa ameaça”.
136
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade da vida e o meio
ambiente).
Menção expressa pelo ordenamento jurídico nacional consta da Lei dos
Crimes Ambientais quando da redação do tipo penal de poluição, ao penalizar
criminalmente aquele que deixa de adotar medidas precaucionais exigidas pelo
Poder Público (art. 54, §3º); do art. 5º do Decreto Federal n. 4.297/2002, que
estabelece critérios para o zoneamento ecológico-econômico, regulamentando o art.
9º, II, da Lei 6.938/81; e no art. do Decreto Federal n. 5.098/2004. Ainda, a
invocação deste princípio em ações judiciais e como fundamentação de julgados no
Brasil tem sido bastante expressiva. Alguns dos casos-modelo mais divulgados
referem-se ao cultivo de soja transgênica
420
e à construção de estações de rádio-
base de telefonia móvel
421
.
Atente-se que a análise funcional do princípio pode-se estender a todos os
processos decisórios da cidade, como elemento orientador da tomada de decisões
relativas ao planejamento urbano, sobretudo no que diz com o zoneamento urbano e
industrial. Deve permear a atuação estatal na identificação e avaliação dos ricos
urbano-ambientais na presença de controvérsia científica, direcionando a opção por
determinados instrumentos urbanísticos e a imposição de restrições às intervenções,
bem como na garantia de fóruns específicos de participação popular qualificada pelo
acesso à informação. Afinal, a incerteza científica acerca dos efeitos nocivos à
saúde humana ou ao meio ambiente de uma atividade ou empreendimento a se
realizar no espaço urbano pode influenciar sua localização/realocação e a imposição
de mecanismos compensatórios, bem como determinar a sua não implantação,
como medidas precaucionais à garantia de concretização das funções
socioambientais da cidade.
Dá-se seguimento ao estudo direcionado de outros dois princípios basilares
do Direito Ambiental, mencionados em sua relação com os demais, quais sejam,
420
Ver: (1) Brasil. Tribunal Regional Federal da Região. Plenário. AGVSEL n. 499. Processo n.
200004011329129. Publicado no DJU de 19/12/2000. Disponível em: <http://www.cjf.gov.br>. Acesso
em: 21 jan. 2008; (2) Brasil. Tribunal Regional Federal da Região. Turma. Agravo de
Instrumento n. 58.250. Processo n. 200004010320696/RS. Relator: juiz Teori Zavascki. Publicado no
DJU de 19/04/2000. Disponível em: <http://www.cjf.gov.br>. Acesso em: 21 jan. 2008; (3) Brasil.
Tribunal Regional Federal da Região. Apelação Cível n. 2000.01.00.014661-1-DF. Relator: Des.
Federal Assusete Magalhães. Julgado em 08/08/2000. Disponível em: <http://www.trf1.gov.br>.
Acesso em: 21 jan. 2008; (4) MP n. 113 (Lei n. 10.688/2003); (5) MP n. 131 (Lei n. 10.814/2003).
421
Ver: Brasil. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n. 70012938981.
Câmara. Relator: Des. Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 16/03/2006.
137
informação e participação. Em razão de sua estreita conexão funcional, serão
abordados conjuntamente. Quanto ao primeiro
422
, visa garantir aos cidadãos acesso
a informações relevantes relacionadas a questões ambientais, sobretudo no que diz
ao estado, disponibilidade e qualidade dos recursos ambientais, bem como a
medidas de controle, intervenção e políticas blicas que em tal influenciem. Assim,
configura-se como elemento instrumentalizador da participação popular na esfera
dos processos decisórios desta natureza, vez que promove o processo de educação
e conscientização, permitindo a tomada de posição consciente sobre a matéria
423
.
Mas, para a garantia de sua efetividade, a informação ambiental deve ser
qualificada com especiais características, como, veracidade, amplitude,
tempestividade, acessibilidade, tecnicidade, compreensibilidade, imprescindibilidade
em situação de emergência e prestação independente do interesse pessoal do
informado
424
. Sem olvidar-se de que é fundamental assegurar ao cidadão
mecanismos para garantir seu exercício, tanto de caráter administrativo quanto
judicial
425
. São aspectos ressaltados nos diversos documentos em plano
internacional nos quais o princípio é declarado, dentre os quais, e com papel de
relevo, a Convenção de Aarhus, de 1998 (Convenção sobre o Acesso à Informação,
a Participação do Público no Processo Decisório e o Acesso à Justiça em Matéria de
Meio Ambiente)
426
. Em seu art. , item 3, esclarecimento quanto à amplitude do
alcance da informação ambiental:
422
Para estudo aprofundado do direito à informão ambiental, com análise detida sobre sua
configuração, previsão em documentos internacionais, direito comparado e jurisprudência, ver:
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006.
423
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 88.
424
As quatro primeiras características são apontadas por SAMPAIO, José Adércio Leite. A
constitucionalização dos princípios de direito ambiental. p. 77. As seguintes acrescentadas à lista são
extraídas de MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. p. 91-95.
425
Antunes fala em princípio democrático, que se materializaria através dos direitos à informação e
participação exercidos por meio de diversos instrumentos processuais e procedimentais. Na sua
definição: “O princípio democrático é aquele que assegura aos cidadãos o direito pleno de participar
na elaboração das políticas públicas ambientais. No sistema constitucional brasileiro, tal participação
faz-se de várias maneiras diferentes. A primeira delas consubstancia-se no dever jurídico de proteger
e preservar o meio ambiente; a segunda, no direito de opinar sobre as políticas públicas, através da
participação em audiências públicas, integrando órgãos colegiados, etc. Há, ainda, a participação que
ocorre através da utilização de mecanismos judiciais e administrativos de controle dos diferentes atos
praticados pelo Executivo, tais como as ões populares, as representações e outros. Não se pode
olvidar, também, das iniciativas legislativas que podem ser patrocinadas pelos cidadãos”. ANTUNES,
Paulo de Bessa. Direito ambiental. p. 26.
426
Para análise da evolução do princípio no âmbito do Direito Internacional, com abordagem da
previsão constante em convenções, ver: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e
meio ambiente. p. 107-176.
138
A expressão “informação sobre meio ambiente” designa toda
informação disponível sob forma escrita, visual, oral ou eletrônica ou
sob qualquer outra forma material, sobre: a) o estado do meio
ambiente, tais como o ar e a atmosfera, as águas, o solo, as terras, a
paisagem e os sítios naturais, a diversidade biológica e seus
componentes, compreendidos os OGM’s, e a interação entre desses
elementos; b) fatores tais como as substâncias, a energia, o ruído e as
radiações e atividades ou medidas, compreendidas as medidas
administrativas, acordos relativos ao meio ambiente, políticas, leis,
planos e programas que tenham, ou possam ter, incidência sobre os
elementos do meio ambiente concernente à alínea a,
supramencionada, e a análise custo/benefício e outras medidas
análises de hipóteses econômicas utilizadas no processo decisório em
matéria de meio ambiente; c) o estado de saúde do homem, sua
segurança e suas condições de vida, assim como estado dos sítios
culturais e das construções na medida onde são, ou possam ser,
alterados pelo estado dos elementos do meio ambiente ou, através
desses elementos, pelos fatores, atividades e medidas visadas na
alínea b, supramencionada”
427
.
Encontra assento constitucional, no Brasil, com tratamento genérico conferido
pelo inciso XIV do art.
428
, além de concretizar-se por meio da garantia de direitos
como o de certidão (art. 5º, XXIII) e o de petição (art. 5º, XXXIV, “a”), bem como dos
deveres da Administração Pública de prestar informações sempre que solicitadas
pelo cidadão (art. 5º, XXXIII)
429
e de atuar de acordo com o princípio da publicidade
(art. 37). Em matéria ambiental, previsão expressa no que diz com a
obrigatoriedade de publicidade do estudo de impacto ambiental (art.225, §1º, IV).
Também no plano infraconstitucional encontra o princípio da informação
previsão em diversos diplomas legais. Ao que interessa ao presente estudo, cite-se
outros dispositivos da Lei 6.938/1981: art. 4º, V, no qual afirma-se como objetivo da
Política Nacional do Meio Ambiente a divulgação de informações ambientais; art. 6º,
§3º, que trata do acesso a dados de análises ambientais; a previsão, dentre os
instrumentos listados no art. 9º, do sistema nacional de informações (VII), do
relatório de qualidade do meio ambiente (X) e da obrigação estatal de assegurar ao
público a prestação de informações relativas ao meio ambiente (XI); e o art. 10, §1º,
427
Convenção de Aarhus (Dinamarca), de 25 de julho de 1998, preparada pelo Comitê de Políticas de
Meio Ambiente da Comissão Econômica para a Europa das Nações Unidas.
428
“XIV é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional”.
429
XXXIII todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular,
ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
139
que explicita o dever de publicidade sobre licenciamento ambiental
430
. Ainda,
registre-se a Lei 7.347/1985 (art. 8º)
431
, o Decreto n. 99.274/1990 (art. 14, I)
432
, a Lei
9.985/2000 (art. 22, §2º) e a Lei n. 10.650/2003, esta última importante marco
regulatório da informação ambiental, que dispõe sobre o acesso público aos dados e
informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sisnama
433
.
Importa, ainda, destacar seu papel como elemento-chave das políticas de
regulação de riscos ambientais em contexto de grande complexidade gerado pela
velocidade das inovações e insuficiência das respostas alcançadas pela ciência.
Impõe-se, desta feita, desafios crescentes aos processos decisórios, principalmente,
ao se passar a discutir publicamente, com participação ampla de todos os setores
sociais, questões relacionadas à tolerabilidade dos riscos. Ou seja, ao poder público
cabe investigar os riscos de acordo com os melhores recursos científicos
disponíveis, avaliá-los e informá-los aos cidadãos. Estes, de posse de suficiente
esclarecimento, decidirão acerca do grau de suportabilidade/tolerabilidade a que
estão dispostos enfrentar. Lemos promove reflexão a respeito:
Na moderna sociedade de riscos, participar implica a disponibilidade
ampla de informação atual e precisa, que irá ser a base de qualquer
concordância e adesão ou, ainda, de possível reação. O binômio
informação-reação torna-se, portanto, o cerne do chamado
contraditório, cuja marca está na colaboração dos interessados na
formação da decisão tanto do agente público quanto dos decisores
particulares
434
.
430
“§1º Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no
jornal oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de grande circulação”. Ver
Resolução Conama 06/1986.
431
“Art. 8º. Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as
certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 dias”.
432
“Art. 14. A atuação do SISNAMA efetivar-se-á mediante articulação coordenada dos órgãos e
entidades que o constituem, observando o seguinte: I o acesso da opinião pública às informações
relativas às agressões ao meio ambiente e às ações de proteção ambiental, na forma estabelecida
pelo Conama”.
433
Uma visão crítica das deficiências deste diploma legal no que diz com a gestão de informações em
áreas críticas (gestão de químicos, desastres industriais, recursos hídricos) encontra-se em: LEITE,
José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. p. 334-337.
434
LEMOS, Marco Antônio da Silva. O Direito como regulador da sociedade de riscos. In: VARELLA,
Marcelo Dias (Org.). Direito, sociedade e riscos: a sociedade contemporânea vista a partir da idéia do
risco. Rede Latino-Americana e Européia sobre Governo dos Riscos. Brasília: UniCeub/UNITAR,
2006. p. 321-341. p. 339.
140
O apontamento dos desafios democráticos colocados abre gancho para tratar
dos contornos do princípio da participação, que também assume novas funções face
aos obstáculos postos pela gestão do meio ambiente. Isto, haja vista o
enfrentamento necessário pelas instâncias de decisão da necessidade de se
administrar os recursos e o espaço a partir dos preceitos apontados pela eqüidade
intergeracional, da premência de adoção de medidas preventivas, da obrigação de
tomada de posição mesmo que diante de incerteza científica e da exigência de
acesso amplo, real e tempestivo ao conhecimento e compreensão de dados de
relevância para a definição de questões ambientais, bem como da garantia da
oportunidade de manifestação dos interessados. Significa dizer que pressupõe a
efetivação de todos os demais princípios
435
.
No que diz com sua previsão do plano constitucional, emerge da leitura do
caput do art. 225, ou seja do dever de defender e preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações, que é imposto, conjuntamente, ao poder blico e à
coletividade
436
. Afinal, é por meio da efetivação de mecanismos de participação que
a opinião pública – qualificada através da informação e da educação – passa a atuar
na definição da agenda política, no controle do poder público e na imposição de
reivindicações. Influencia, assim, os resultados dos processos decisórios, ao passo
que exerce sua responsabilidade na gestão dos interesses coletivos. Ou seja,
participar das decisões ambientais não se configura apenas como um direito, mas
também como um dever.
Não oportunidade de se discorrer sobre os fundamentos, contornos,
limitações e experiências de implementação da democracia participativa, nem de
mencionar os diversos documentos internacionais de que é objeto
437
. Restringe-se,
435
Milaré, ao discorrer sobre tal princípio - que denomina de participação comunitária -, afirma que
“expressa a idéia de que para a resolução dos problemas do ambiente deve ser dada especial ênfase
à cooperação entre o Estado e a sociedade, através da participação dos diferentes grupos sociais na
formulação e na execução da política ambiental”. MILARÉ, Edis. Direito Ambiental: um direito adulto.
p. 41.
436
Como fundamento genérico, a participação popular tem previsão no art. 1º, parágrafo único,
CF/88: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição”.
437
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) já determinava, em seu art. 21: “toda pessoa
tem o direito de tomar parte do governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes
livremente excluídos”. Este o conteúdo do art. 25 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos: “todo cidadão terá o direito e a possibilidade [...] sem restrições infundadas: a) de participar
da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente
escolhidos [...]”. A redação do art. 10 da Declaração do Rio afirma, em um trecho, que “O melhor
141
singelamente, então, a enumerar genericamente alguns modelos de participação a
serem utilizados na implementação do princípio em matéria ambiental, auxiliando na
formulação, execução e monitoramento de políticas na área, dentre os quais,
plebiscitos, referendos, iniciativa legislativa popular (art. 14, CF/88), fóruns,
conselhos
438
, consultas, debates, audiências públicas e órgãos colegiados
439
.
Destaque-se, ainda, o papel de relevo das organizações não governamentais
440
e as
possibilidades de participação da sociedade nos processos administrativo e judicial
(ação popular ambiental e ação civil pública ambiental).
Os princípios da informação e da participação assumem, desse modo, grande
relevância funcional nos processos decisórios da cidade, podendo-se afirmar sua
expressão de modo conjugado nas diretrizes gerais contidas no art. , do Estatuto
da Cidade, incisos II (relativa à “gestão democrática por meio da participação da
população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade
na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano”) e XIII (no que diz com a “audiência do Poder Público
municipal e da população interessada nos processos decisórios de implantação de
empreendimentos ou atividade com efeitos potencialmente negativos sobre o meio
ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população”).
modo de tratar das questões do meio ambiente é assegurando a participação de todos os cidadãos
interessados, no nível pertinente”.
438
A Lei n. 9.985/2000 é exemplo de materialização do princípio da participação a partir da previsão
de instituição de conselhos nas unidades de conservação (art. 15, §5º; art. 17, §5º; art. 18, §2º), além
de fazer constar importantes instrumentos de garantia da participação dentre as diretrizes do SNUC
relativos à atuação das populações locais e tradicionais na criação, gestão e implantação de
unidades de conservação (art. 4º, III, V, IX).
439
Como exemplos de órgãos colegiados da política ambiental com assentos pertencentes a
representantes da sociedade, mencione-se o Plenário do Conama (Decreto 2.120/1997, art. 1º, VI e
VII, em alteração ao art. do Decreto 99.274) e a CTNBio (Lei n. 11.105/2005, art. 11). Porém,
muitas críticas quanto à composição de ambos, no sentido de afirmarem espécie de
representatividade restrita, com papel apenas legitimador do processo decisório. No que diz com o
primeiro caso (CONAMA), a escolha dos representantes está submetida à discricionariedade pública,
que cabe ao Presidente da República (inc. VI) ou ao Presidente do próprio Conselho (inc. VII).
Quanto à CTNBio, a polêmica é ainda maior na medida em que a previsão legal relativa à
participação da sociedade civil menciona como representantes especialistas com titulação de doutor,
inteiramente escolhidos pelos Ministros (ainda que indicados por lista tríplice elaborada por
organizações da sociedade civil).
440
Registre-se o texto do §1º, item 27, da Agenda 21 sobre o papel das ONG’s: “As organizações não
governamentais desempenham um papel fundamental na modelagem e implementação da
democracia participativa. A natureza do papel independente desempenhado pelas organizações
exige uma participação genuína; portanto, a independência é um atributo essencial dessas
organizações e constitui condição prévia para a participação genuína”.
142
Com base nestas diretrizes é introduzida a gestão orçamentária participativa
como um dos instrumentos da política urbana (art. 4º, III, “f”)
441
, constituindo-se o
processo de participação popular como requisito obrigatório para a aprovação, em
âmbito municipal, das propostas de plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias
e do orçamento anual (art. 49). Também, previsão de instrumentos para
materializar e garantir a gestão democrática da cidade (art. 48 e seguintes) -
cabendo a cada ente federativo regulamentar sua utilização -, dentre os quais:
órgãos colegiados de política urbana e conferências, nos níveis nacional, estadual e
municipal; debates, audiências e consultas públicas; iniciativa popular de projeto de
lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; referendo popular
e plebiscito. Ainda, é a participação popular assegurada nos processos de
elaboração e fiscalização da implementação do plano diretor, de acordo com a
redação do art. 40, §4º
442
, do qual se infere, do mesmo modo, a obrigatoridade de
atendimento ao princípio da informação.
Sobre a relevância da institucionalização de mecanismos de participação
social na vida urbana, de modo a possibilitar a atuação conjugada do poder público
e forças sociais e políticas comprometidas com a democratização do acesso aos
recursos territorializados, refletem Ribeiro e Grazia:
Para que o trato da totalidade esteja garantido, é indispensável
socializar as informações e as decisões de investimento através de
instrumentos como: debates, audiências e consultas públicas e
conferências sobre assuntos de interesse urbano, em todos os níveis de
governo. Estes instrumentos indicam, claramente, que a política urbana
não pode permanecer como uma verdadeira “caixa preta” para os
habitantes, sendo decidida através de uma reflexão técnica fechada, em
arenas ocultas e à revelia das formas de organização da sociedade.
Este distanciamento expressando determinantes estruturais das
441
Segundo Saule Jr.: Para o cidadão exercer seu direito de fiscalização das finanças públicas,
especialmente da execução dos orçamentos públicos, é requisito essencial o direito à participação na
elaboração e execução dos orçamentos, o que significa direito à obtenção das informações sobre as
finanças públicas bem como de participar das definições das prioridades da utilização dos recursos
públicos e na execução das políticas públicas. Existe uma associação clara entre participação e
controle social, o cidadão para exercer a fiscalização precisa participar da gestão pública, cabendo ao
Poder público assegurar essa participação”. SAULE JR., Nelson. Estatuto da Cidade – instrumento de
reforma urbana. In: BRASIL. Fórum Nacional de Reforma Urbana. Instrumentos de democratização e
gestão urbana. Jan. 2002. p. 07-25. p. 11.
442
Art. 40, §4º: “No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação,
os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I a promoção de audiências públicas e
debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da
comunidade; II a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III o acesso de
qualquer interessado aos documentos e informações produzidos”.
143
fraturas urbanas e da segregação sócio-espacial conduziu à
subordinação da política urbana aos interesses econômicos imediatos e
às necessidades dos seguimentos sociais dominantes
443
.
Como último elemento de análise, atente-se, por fim, à função socioambiental
da propriedade como princípio integrador das políticas urbana e ambiental. É
matéria cara à evolução do Direito Constitucional e Civil, sendo objeto de
importantes tratados jurídicos clássicos e reflexão de juristas contemporâneos
444
.
Portanto, impõe-se novamente focar a análise aos interesses da pesquisa, sem
aprofundar estudo sobre o instituto. Basta indicar que a expressão “função social”
está presente na Constituição Federal em diversos dispositivos
445
, de cuja leitura
extrai-se a identificação da tríplice finalidade da propriedade, como conteúdo mínimo
de sua função social: econômica, social e ambiental. O que é reafirmado pelo
Código Civil (Lei n. 10.406/ 2002), em seu art. 1.228, §
446
, justamente no sentido
de não se constituir em direito fundamental ilimitado entendimento que marcava a
concepção individualista e absolutista
447
.
443
RIBEIRO, Ana clara Torres; GRAZIA, Grazia de. A democratização da vida urbana: cidade e
cidadania. In: BRASIL. Fórum Nacional de Reforma Urbana. Instrumentos de democratização e
gestão urbana. Jan. 2002. p. 45-51. p. 47
444
Savigny, IHERING, Rudolf von. El fundamento de la protección posesória. Tradução de Adolfo
Posada. 2. ed. 1926; PERLINGIERI, Pietro. Introduzione alla problematica della proprietà. Camerino,
1970; RODOTA, Stefano. El Terrible Derecho Estúdios sobre la propriedad privada. Madrid:
Editorial Civitas S.A., 1986; GIL, Antonio Hernández. Obras Completas Tomo II. La possession
como institución juridica y social. Madrid: Espasa-Calpe S.A., 1987; GROSSI, Paolo. La propriedad y
las propriedades. Um análisis histórico. Madrid: Civitas, 1992; FACHIN, Luiz Edson. A função social
da posse e da propriedade contemporânea. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988.
445
São eles: art. 5º, XXIII (inserção no âmbito dos direitos e garantias fundamentais, conjuntamente
com a proteção da propriedade privada); art. 170, III (inclusão como um dos princípios da ordem
econômica, ao lado da propriedade privada); art. 173, §1º; art. 182, caput e §(Política Urbana); art.
184, caput; art. 185, parágrafo único; art. 186, II. Para uma análise referencial, ainda que sintética, da
evolução histórica do conceito jurídico de função social, desde a doutrina cristã da Idade Média até o
que se costuma chamar de “constitucionalização” do direito privado, ver: TEPEDINO, Gustavo. A
nova propriedade (o seu conteúdo mínimo, entre o Código Civil, a legislação ordinária e a
Constituição). Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 306. p. 73-78. No texto, o autor afirma que a
“Função social da propriedade é, pois, conceito relativo e historicamente maleável, de acordo com a
távola axiológica inspiradora da doutrina do sistema positivo de cada época”. Ibidem, p. 74.
446
Art. 1.228, §1º: “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas funções
econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei
especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.
447
Concepção esta definida nos grandes códigos do século XIX, sobretudo o Código Civil francês de
1804, e refletida no digo Civil brasileiro de 1916. Este entendimento significa que a propriedade
nasce, no Direito privado ocidental e no constitucionalismo moderno, como direito humano de caráter
absoluto, com a função de garantir a liberdade individual. Trata, portanto, a função social como um
aspecto externo, no capítulo das limitações do direito de propriedade.
144
Significa dizer que este princípio constitucional incide no conteúdo do direito
de propriedade como parte de sua estrutura
448
, no sentido de seu uso poder ser
controlado a fim da imposição de restrições necessárias à salvaguarda dos bens da
coletividade
449
. A propriedade não é mais apenas um direito fundamental, é também
fonte de deveres fundamentais, de encargos ao titular do direito, no sentido de impor
a adequada utilização em proveito da coletividade
450
. Ínsita, portanto, a idéia de
“função social ativa”, ou seja, como imposição de comportamentos positivos
(prestação de fazer) ao detentor do direito de propriedade, em benefício da
coletividade
451
. Segundo Mirra:
[...] a função social e ambiental não constitui um simples limite ao
exercício de direito de propriedade, como aquela restrição tradicional,
por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício de seu
direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio
ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e
autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos
positivos, no exercício de seu direito, para que a sua propriedade
concretamente se adéqüe à preservação do meio ambiente
452
.
448
A respeito, Silva afirma: “[...] a doutrina se tornara de tal modo confusa a respeito do tema, que
acabara por admitir que a propriedade privada se configura sob dois aspectos: a) como direito civil
subjetivo e b) como direito público subjetivo. Essa dicotomia fica superada com a concepção de que a
função social é elemento da estrutura do regime jurídico da propriedade; é, pois, princípio ordenador
da propriedade privada; incide no conteúdo do direito de propriedade; impõe-lhe novo conceito”.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 241. Também Silveira: “Temos que
a melhor concepção é aquela que afirma ser a função social elemento constitutivo do conceito jurídico
de propriedade. Importa dizer que a função social o é um elemento externo, um mero adereço do
direito de propriedade, mas elemento interno sem o qual não se perfectibiliza o suporte fático do
direito de propriedade” [grifos no original]. SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch da. A propriedade
agrária e suas funções sociais. In: O direito agrário em debate. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998. p. 11-25. p. 13.
449
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: um direito adulto. p. 46.
450
Ver a respeito do conteúdo do dever fundamental vinculado à função social da propriedade:
COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Revista
CEJ, Brasília, v. I, n. 3, set./dez. 1997. p. 92-99.
451
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. p. 250.
452
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais de direito ambiental. p. 59-60. A respeito,
Milaré cita importante implicação do princípio para o Direito Ambiental: É com base nesse princípio
que se tem sustentado, por exemplo, a possibilidade de imposição ao proprietário rural do dever de
recomposição da vegetação em áreas de preservação permanente e reserva legal, mesmo que não
tenha sido ele o responsável pelo desmatamento, certo que tal obrigação possui caráter real – propter
rem isto é, uma obrigação que se prende ao titular do direito real, seja ele que for, bastando para
tanto sua simples condição de proprietário ou possuidor. [... - parágrafo] Com efeito, não se pode
falar, na espécie, em qualquer direito adquirido na exploração dessas áreas, pois, com a Constituição
de 1988, fica reconhecido o direito de propriedade quando cumprida a função social ambiental,
como seu pressuposto elemento integrante, pena de impedimento ao livre exercício ou até de perda
desse direito”. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: um direito adulto. p. 46-47.
145
No mesmo sentido, Derani também comenta a significação da função social a
partir da relação estabelecida entre o conteúdo do direito do proprietário e a
organização da sociedade, ou seja, a função de assegurar a realização dos
interesses individuais e também sociais como conteúdo mínimo da propriedade:
A propriedade privada é um valor constitutivo da sociedade brasileira,
fundada no modo capitalista de produção. Sobre este preceito recai um
outro que lhe confere novos contornos. Um novo atributo insere-se na
propriedade, que além de privada, ou seja, ligada a um sujeito particular
de direito, atenderá a uma destinação social, isto é, seus frutos deverão
reverter de algum modo à sociedade, o que não exclui naturalmente o
poder de fruição particular inerente ao domínio, sem o qual o conteúdo
privado da propriedade estaria esvaziado
453
.
No que diz com a propriedade rural, é qualificada pelo art. 186, I a IV, CF/88,
dispositivo que insere no conceito de função social os seguintes elementos: (I) o
aproveitamento racional e adequado; (II) a utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (III) a observância das
disposições que regulam as relações de trabalho; e (IV) a exploração que favoreça o
bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Tais requisitos, agora consagrados
constitucionalmente, constavam do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/1964), em seu
art. 2º, §1º
454
. Quanto à função social da propriedade urbana, é cumprida quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor (art. 182, §2º), ou seja, é esta lei municipal que baliza, legalmente, os limites
e possibilidade da propriedade urbana. Está, ainda, subordinada ao objetivo maior
da política urbana de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem estar de seus habitantes (art. 182, caput), incluída aí a
preservação ambiental como condicionamento para o exercício do direito.
A fim de aclarar os parâmetros fixados para a identificação do cumprimento
da função social da propriedade urbana a partir do disposto no plano diretor,
impende menção ao art. 39 do Estatuto da Cidade, que acrescenta disposição sobre
a função de assegurar “o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à
qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas,
453
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. p. 253.
454
Ver também Lei n. 8.171/1991 (Lei da Política Agrícola) e Lei n. 8.629/1993 (que regulamenta os
critérios e índices de aferição da produtividade). Ver Mandado de Segurança 22.164-0/SP, cujo objeto
é a desapropriação sanção de imóvel rural que não respeita o ambiente.
146
respeitadas as diretrizes previstas no art. desta Lei”. Ou seja, as diretrizes da
política urbana se apresentam, do mesmo modo, como elementos conformadores do
conteúdo da função social, a definir seu uso também em benefício da coletividade.
Vale-se, ainda, da síntese de Saule Jr. sobre como opera o direito de propriedade na
cidade, ou seja, qual significado assume neste contexto a função social:
A postura de conferir eficácia imediata ao princípio da função social,
resulta em defender que através do plano diretor, sejam estabelecidos
os critérios que possibilitem exigir do proprietário de imóvel urbano um
comportamento positivo, objetivando a adoção de atividades que visem
direcionar a propriedade, como base de um sistema político que elimine
as injustiças e desigualdades. Para a função social da propriedade
atingir essa finalidade, deve ser assegurado: acesso à moradia a todos;
justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de
urbanização; regularização fundiária e urbanização das áreas ocupadas
por população de baixa renda; recuperar para a coletividade a
valorização imobiliária decorrente da ação do Poder Público; proteção,
preservação e recuperação do meio ambiente natural
e
construído
455
.
Cumpre destacar, em complemento, importante observação de Tepedino ao
ressaltar que o conteúdo da disciplina da propriedade apresenta-se, ainda,
condicionado aos “princípios informadores de todo o tecido constitucional”, o que
significa dizer que se acrescenta matéria aos requisitos incluídos nos arts. 186 e
182, §2º, a partir da interpretação sistemática da constituição. Ou seja, devem ser
observados pelo legislador e pelo intérprete (na elaboração e execução dos planos
diretores, no que se refere em particular à matéria em estudo), além dos elementos
presentes nestes dispositivos constitucionais, os preceitos relativos aos princípios e
objetivos fundamentais da República, estabelecidos nos arts. e 3º, e também art.
5º. Afinal, são objetivos aplicáveis a todas as esferas político-administrativas
integrantes da federação brasileira:
Em verdade, a reserva legal incluída nos artigos 186 e 182, §2º, tem um
conteúdo preestabelecido no Título I da Constituição, não sendo
possível ao legislador ordinário esquivar-se da proteção da pessoa
humana, de acordo com os princípios e objetivos fundamentais da
República, fixados nos arts. 1º e 3º. Com efeito, o art. 1º, III, estabelece,
entre os princípios fundamentais da República, “a dignidade da pessoa
humana”. O art. dispõe: Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e
455
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento
constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do plano diretor. p. 60.
147
solidária; II garantir o desenvolvimento nacional; III erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
456
.
Como repercussão prática, referencie-se a previsão constante do art. 182,
§4º, da CF/88, quanto às possibilidades de intervenção do poder público para a
garantia do cumprimento da função social. Consoante o disposto no texto
constitucional, é facultado ao poder público municipal exigir do proprietário do solo
urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado
aproveitamento, em conformidade com as exigências do plano diretor, sob pena de
aplicar como sanções, de modo sucessivo, (I) o parcelamento ou edificação
compulsórios, (II) o IPTU progressivo no tempo e a (III) desapropriação com
pagamento mediante título da dívida pública. Isto desde que haja previsão em lei
municipal específica para área incluída no plano diretor
457
. Este parágrafo foi
regulamentado pelo Estatuto da Cidade, com o disciplinamento dos critérios e
procedimentos para a implementação destes instrumentos (arts. 5º; 7º; e 8º).
Conclusivamente a todo o exposto neste tópico, tem-se que, em verdade, os
princípios de Direito Ambiental aqui apontados apresentam-se como informadores
de todo o sistema jurídico, penetrando e integrando, portanto, diversos ramos do
Direito quanto à sua formulação, interpretação e aplicação - decorrência esta de sua
marcante horizontalidade. Todavia, o intuito do estudo dirigido neste ponto,
coadunando-se com a proposta de pesquisa informada, centrou-se no apontamento
de sua relação especial com a disciplina urbanística. A respeito, se havia
demarcado, anteriormente, a estreita imbricação entre seus objetos mediatos
(qualidade de vida e bem-estar dos cidadãos), demonstrando-se a presença de
preocupação com a proteção ambiental no Direito Urbanístico e da tutela do
ambiente urbano no Direito Ambiental.
Agora, ao final, restou afirmada a inter-relação das matérias por meio da
identificação da aplicabilidade dos princípios gerais ambientais positivados no
456
TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. p. 315.
457
Vale mencionar a observação de Comparato a respeito do dispositivo constitucional referido: “No
caso específico do art. 182, a falta de lei municipal específica pode obstar à aplicação regular das
sanções cominadas no §4º. Mas, não impede, por exemplo, que a Administração Pública, quando de
uma desapropriação, ou o Poder Judiciário, no julgamento de uma ação possessória, reconheçam
que o proprietário não cumpre o seu dever fundamental de dar ao imóvel uma destinação de
interesse coletivo, e tirem desse fato as conseqüências que a razão jurídica impõe”. COMPARATO,
Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. p. 95-96.
148
quadro normativo brasileiro sobretudo o desenvolvimento sustentável, a
prevenção, a precaução, a informação, a participação e a função socioambiental da
propriedade - aos processos de gestão e planejamento urbano. Afinal, ao explicitar-
se seu o conteúdo e indicar-se sua funcionalidade na proteção do urbano como bem
jurídico ambiental, demonstrou-se, por um lado, a incorporação das diretrizes
ambientais às políticas urbanas, e, por outro, a qualificação das alternativas
instrumentais legislativas na matéria.
149
3 POSSIBILIDADES E LIMITÕES NA GESTÃO DO RISCO AMBIENTAL NO
ESPAÇO URBANO
3.1 Gestão de riscos ambietais
3.1.1 Dever constitucional de gestão de riscos ambientais
Perspectiva teórica do risco ambiental já foi desenvolvida no princípio do
trabalho, momento no qual se optou pela compreensão apresentada por Beck
quanto à sua origem e mecanismos de produção e gestão na contemporaneidade,
acrescida de elementos advindos de reflexão sobre a categoria justiça ambiental
458
.
Desta feita, adotou-se como parâmetro teórico para a análise pretendida a
consideração atenta dos seguintes aspetos:
(a) consistem os riscos ambientais em ameaças geradas sistematicamente no
próprio processo de modernização avançada, como conseqüência do
desenvolvimento da tecnologia e da ciência aplicadas aos processos produtivos;
(b) apresentam-se, portanto, como resultado dos processos decisórios
conduzidos sob orientação das relações de definição dominantes, a configurar o que
Beck denomina de irresponsabilidade organizada;
(c) como traços de sua configuração específica, a desafiar a racionalidade
científica baseada na segurança, controle e previsibilidade, tem-se sua potencial
projeção no tempo (danos futuros e cumulativos)
459
e no espaço (dimensões
planetárias), multiplicidade de fontes, indeterminação, imprevisibilidade,
invisibilidade e irreversibilidade quanto às conseqüências;
(d) sua desigual distribuição, verificada tanto no plano das relações
internacionais como na definição das territorialidades internas a cada país e cidade,
458
Vide Capítulo 1.
459
Daí falar-se na categoria “riscos abstratos”, como “aqueles para os quais o conhecimento científico
vigente não tem condições de determinar, de forma segura, suas reais proporções, ou, mesmo, a
possibilidade de sua concretização em danos futuros”. CARVALHO, Délton Winter. A nova Lei de
Biossegurança e a possibilidade de controle judicial dos danos ambientais futuros. In: LEITE, José
Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Orgs.). In: Aspectos destacados da Lei de
Biossegurança na sociedade de risco. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 509-527. p. 512.
150
associa-se à dinâmica da divisão de riquezas e classes sociais. Portanto, reflete-se
nos modos de percepção das situações de risco e nas possibilidades de defesa e
enfrentamento, acompanhando a composição dos conflitos entre os diversos atores
sociais e seus interesses.
(e) conseqüentemente, além de impor obstáculos ao pretenso controle sobre
os impactos e desdobramentos das decisões, desafia, do mesmo modo, a
operacionalização dos princípios da informação, da publicidade e da participação;
Ocorre que o risco adquire, também, relevância como importante temática
relacionada às transformações verificadas no âmbito do Direito, colocando em xeque
a racionalidade jurídica tradicional, assentada, sobretudo, na legalidade e na
segurança. Em outros termos, as características que assume passam a demandar
inovação na sua compreensão em termos jurídicos, implicando, deste modo,
adequação no que diz com os instrumentos normativos de tutela do ambiente,
sobretudo no sentido de voltar-se ao gerenciamento dos perigos gerados, ou seja,
às funções de evitá-los, reduzi-los, compensá-los e distribuí-los eqüitativamente.
Significa dizer que assume o risco, igualmente, centralidade no âmbito da dogmática
jurídica, impondo-se exame atento do tratamento que lhe é dirigido pelo sistema
protetivo do ambiente, especialmente no texto constitucional.
Apenas repise-se que, anteriormente, restaram mencionados alguns dos
desafios apresentados ao sistema jurídico tradicional quando do enfrentamento da
necessidade de garantia da proteção do ambiente no cenário da sociedade de risco.
Destaque para a dificuldade de regulamentação de aspectos como: (a) a necessária
tutela supra-individual, vez que envolve pluralidade de sujeitos, tanto agentes quanto
vitimizados (difusidade subjetiva); (b) e também intergeracional, em razão do vínculo
com as gerações futuras; (c) imputação de responsabilidade; (d) determinação de
relação de causalidade
460
; (e) dificuldade probatória; (f) instituição de padrões de
segurança e controle, bem de como critérios para avaliação e quantificação de
impactos. Beck já destacara tais questionamentos:
460
Faz-se referência à reflexão de Benjamin a respeito da complexidade da questão, no sentido de
envolver, sobretudo, (1) dificuldade de comprovação da relação causal entre fonte e dano no caso de
multiplicidade de agentes quanto a uma mesma substância, ou de substância não visível ou
perceptível pelos sentidos comuns; e (2) dificuldade de verificação do nexo causal entre a substância
tóxica e o dano, ou seja, da determinação da origem do dano ou dos males que a vítima apresenta,
vez que raramente só um agente tóxico é a única fonte de um determinado dano ambiental ou
doença. Tais aspectos contribuem para que nem sempre se possa identificar o autor ou afirmar, com
certeza, onde e quando a exposição ocorreu. BENJAMIN, Antônio Herman de V. e. Responsabilidade
civil pelo dano ambiental. p. 44.
151
1) Quem deve determinar se os produtos, o perigo ou os riscos são
prejudiciais? A responsabilidade recai sobre quem provoca esses
riscos, quem se beneficia deles, quem é afetado ou potencialmente
afetado? 2) A quem se deve submeter essa prova? 3) Que se
considera prova suficiente? 4) Se houver perigos e prejuízos, quem
deve decidir sobre as indenizações a atribuir a quem os sofreu e sobre
as formas adequadas de controle e regulamentos futuros?
461
E muitos são os juristas atentos aos desafios postos e às transformações
correntes, a exemplo de Hermitte, que, ao destacar o impacto da introdução das
ciências e das técnicas, bem como de seus riscos, no plano normativo, atenta para
as transformações no âmbito do direito constitucional, a atingir, reflexamente, o
sistema jurídico como um todo. Afinal, implicada está inovação interpretativa nos
textos constitucionais, princípios gerais de Direito e instituições jurídicas em geral, a
fim de conferir coerência jurídica, em relação aos riscos e sob a imposição das
crises, ao que a autora denomina de “sociedade das ciências e das técnicas”
462
.
Significa o reconhecimento da demanda pelo estabelecimento de
procedimentos jurídicos adequados para que o processamento da avaliação
científica do risco (perícia científica) possa informar suficientemente os processos de
decisão relacionados ao seu gerenciamento (decisão política)
463
, os quais envolvem
aspectos como sua distribuição social e espacial e avaliação dos benefícios e ônus
associados, sejam econômicos, sociais ou individuais. Afinal, não pode o Direito
abster-se de orientar os processos de tomada de decisão neste contexto, a partir da
461
Citação referida por GOLDBLATT, David. Teoria social do ambiente. p. 242.
462
HERMITTE, Marie-Angèle. A fundação jurídica de uma sociedade das ciências e das técnicas
através das crises e dos riscos. In: VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Direito, sociedade e riscos: a
sociedade contemporânea vista a partir da idéia do risco. Rede Latino-Americana e Européia sobre
Governo dos Riscos. Brasília: UniCeub/UNITAR, 2006. p. 11-56. p. 16. Alterações que a autora
aponta como conseqüências das transformações ocorridas na relação estabelecida entre o a ciência,
a política e o direito, ou, em outras palavras, a “integração das ciências e das técnicas ao Estado de
Direito está conduzindo a modificações institucionais, importantes ou menores, que têm em comum o
fato de interessar os três poderes: executivo, legislativo e judiciário”. Ibidem, p. 37
463
que se mencionar o entendimento da autora no sentido de defesa da autonomia da decisão
política em relação à perícia científica, nestes termos: “Do ponto de vista jurídico, a perícia não tem
nenhuma vocação particular para entrar nas funções de governo. A avaliação científica dos riscos
deve ser ‘objetiva, sincera, independente e de vel internacional’ (e até contraditória e blica).
Quanto à decisão governamental que se baseia na perícia, é de outra natureza. Com efeito, nenhuma
perícia prévia, por mais completa e bem feita que seja, permite deduzir racionalmente uma decisão,
pois ela faz surgir elementos puramente políticos: o nível de risco que se pode aceitar, a escolha
entre dois riscos, a apreciação das vantagens em relação aos riscos, a consideração dos efeitos
socioeconômicos de cada escolha, etc. Estas escolhas não-evidentes que questionam a segurança
das pessoas e dos bens pertencem ao domínio do poder executivo que assume a responsabilidade
penal e política de suas conseqüências [...]”. Ibidem, p. 38-39.
152
ordem de cautela representada pela prevenção e pela precaução este, o elemento
que regra a tradução da incerteza científica ao Direito, possibilitando decisões
jurídicas
464
.
Ainda que sob outro ângulo de análise (partindo da obra de Luhmann e De
Giorgi sobre a teoria dos sistemas), convém trazer a termo, como suporte ao
argumento, síntese da reflexão de Rocha ao discorrer sobre a complexa relação
estabelecida entre o Direito e o risco. O autor, ao adotar concepção de risco no
sentido de referir-se à “reflexão sobre as possibilidades de decisão”, associando-o à
democracia
465
, assim se manifesta sobre as implicações à racionalidade jurídica:
[...] a pesquisa jurídica deve ser dirigida para uma nova concepção de
sociedade centrada no postulado de que o risco é uma das categorias
fundamentais para a sua compreensão. A concepção de “sociedade
de risco” torna ultrapassada toda a sociologia clássica voltada seja
para a segurança social, seja a um conflito de classes determinado
dialeticamente; como também torna utópica a teoria da ação
comunicativa livre e sem amarras. O risco coloca a importância de
uma nova “racionalidade” para a tomada das decisões nas
sociedades, redefinindo a filosofia analítica, a hermenêutica e a
pragmática jurídicas, numa teoria da sociedade mais realista
466
.
Fatores tais que conduzem à ênfase da pretensão do Direito Ambiental de
atuar na regulamentação do risco. É disciplina que, consoante Benjamin, passa por
espécie de alteração funcional neste cenário, na medida em que se transmuta, “de
um direito de danos, preocupado em reparar o que nem sempre é reparável ou
mesmo quantificável (na perspectiva da natureza), para um direito de riscos, que
busca evitar a degradação do ambiente
467
. Significa dizer, na esteira desta
464
CARVALHO, Délton Winter. A nova Lei de Biossegurança e a possibilidade de controle judicial dos
danos ambientais futuros. p. 513.
465
Esta a sua compreensão da democracia como “estrutura decisional”: Democracia significa a
capacidade de racionalizar as operações do sistema, isto é, as escolhas, em condições de incertezas.
Ou seja, em condições nas quais não é possível prever-ser as conseqüências. Mas é possível prever-
se que possam verificar-se conseqüências não previstas”. ROCHA, Leonel Severo. Direito,
complexidade e risco. Seqüência: estudos jurídicos e políticos, Florianópolis, ano XV, n. 28, jul. 1994,
Fundação Boiteux, 1994. Disponível em: <www.cpgd.ufsc.br>. Acesso em: 17 fev. 2008.
466
Ibidem.
467
BENJAMIN, Antônio Herman de V. e. Objetivos do direito do ambiente. In: BENJAMIN, Antônio
Herman de V. e; SÍCOLI, José Carlos Meloni (Orgs.). Anais do 5º Congresso Internacional de Direito
Ambiental, de 4 a 7 de junho de 2001. O futuro do controle da poluição e da implementação
ambiental. São Paulo: IMESP, 2001. p. 74. No texto, o autor enfrenta análise do papel e das funções
assumidas pelo Direito Ambiental na atualidade, em face, sobretudo, de três perspectivas centrais:
adequação aos novos direitos ambientais, necessidade de revisão dos procedimentos de decisão e
objetivos a que se propõe a disciplina.
153
consideração, que, mais do que a reparabilidade do dano já concretizado com
fundamento na imputação de responsabilidades, impõe-se a prevenção por meio da
instituição normativa de mecanismos de gerenciamento dos riscos, na medida em
que o próprio risco, independentemente da concretização do dano, adquire
relevância jurídica
468
.
Uma vez desenhada, nestes termos, a necessidade de alteração
paradigmática do Direito como fator de controle da modernidade de riscos
469
,
destaque-se, oportunamente, a necessidade de desenvolvimento de instrumental
jurídico, tanto principiológico quanto processual
470
, capaz de municiar o Direito
Ambiental no enfrentamento dos desafios decorrentes desta nova postura assumida.
Cabe, desta feita, no âmbito do presente trabalho, esforço no intuito de promover a
identificação de uma ordem normativa constitucional relativa ao gerenciamento dos
riscos ambientais, com o apontamento dos fundamentos axiológicos e normativos
para a sua atuação efetiva.
A respeito, aborde-se, primeiramente, perspectiva de análise desenvolvida
por Canotilho, jurista em cuja lição a questão do enquadramento constitucional do
risco ambiental pode ser desvelado em dois sentidos. Num primeiro momento,
considere-se mencionar, a partir de interpretação acerca da evolução do texto
468
Noutros termos, segundo Leite e Ayala, “[...] é proposta uma postura que lhe atribui funcionalidade,
como instrumento de gestão de riscos, e não de danos, em que acentua sua dimensão precaucional
e preventiva”. LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na
sociedade de risco. p. 05. E seguem: “Para tanto, convém atribuir importância ao papel da avaliação
integral dos riscos, como pressuposto para o exercício adequado da função de proteção. Parece ser
esta a forma pela qual poderão ser conformadas e corrigidas a desfuncionalidade e as deficiências do
funcionamento do sistema normativo em matéria do ambiente. E a forma pela qual os sistemas de
regulação ambiental poderiam se ajustar às incertezas causadas pelo ecossistema e a gestão do
risco”. Ibidem, p. 207.
469
LEMOS, Marco Antônio da Silva. O Direito como regulador da sociedade de riscos. In: VARELLA,
Marcelo Dias (Org.). Direito, sociedade e riscos: a sociedade contemporânea vista a partir da idéia do
risco. Rede Latino-Americana e Européia sobre Governo dos Riscos. Brasília: UniCeub/UNITAR,
2006. p. 321-341. p. 328.
470
Impende mencionar, ainda que de modo periférico e avançando para a normativa
infraconstitucional, a existência de previsão legal, no ordenamento jurídico brasileiro, de instrumentos
processuais cuja aplicação reflete-se no gerenciamento de riscos ambientais, orientando preventiva e
precaucionalmente o processo decisório em matéria ambiental relacionado ao risco. Correspondem
às tutelas preventivas: os provimentos cautelar, antecipatório, liminar e inibitório. A respeito, ver:
TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas jurisdicionais do meio ambiente: tutela inibitória, tutela de
remoção, tutela do ressarcimento na forma específica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004;
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 2. ed. o Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000; __________. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004; DANTAS, Marcelo Busgalo. Tutela de urgência nas lides ambientais: provimentos
liminares, cautelares e antecipatórios nas ões coletivas que versam sobre o meio ambiente. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2006.
154
constitucional português, a existência de duas gerações de problemas ambientais: a
primeira corresponderia à preocupação com a “prevenção e controle da poluição,
suas causas e efeitos”; a segunda, mais atual e vinculada à visão sistêmica,
reportar-se-ia à tutela quanto aos “efeitos combinados dos vários fatores de poluição
e das suas implicações globais e duradouras [...]”
471
. Assim, aponta conduzir a
segunda geração de problemas ambientais à solidariedade para com as gerações
futuras:
Torna-se também claro que a profunda imbricação dos efeitos
combinados e das suas implicações globais e duradouras colocam em
causa comportamentos ecológicos e ambientalmente relevantes das
gerações atuais que, a continuarem sem a adoção de medidas
restritivas, acabarão por comprometer, de forma insustentável e
irreversível, os interesses das gerações futuras na manutenção e
defesa da integridade dos componentes ambientais e naturais. Estes
interesses podem proteger-se se partirmos do pressuposto
inelimitável e incontornável de que as atuações sobre o ambiente
adotadas pelas gerações atuais devem tomar em consideração os
interesses das futuras gerações
472
.
Neste âmbito, mesmo que inexista menção direta, pode-se valer da descrição
de tais aspectos presentes no texto do autor a fim de associá-los ao trato do risco
sob viés jurídico, na medida em que se relacionam com os elementos de
compreensão do risco ambiental até então apontados no contexto sociedade de
risco: efeitos cumulativos, abrangência global, projeção do tempo e no espaço,
dentre outros. Significa afirmar que, superando-se preocupação tão somente com a
prevenção e o controle da poluição atual, se apresenta identificável imposição
constitucional de gerenciamento de riscos gerados por ações desencadeadas no
presente, no intuito de que sejam prevenidos perigos ao equilíbrio ecológico que
venham a atingir os interesses das gerações futuras. O que, verificar-se-á mais
adiante, encontra sustentação no texto constitucional brasileiro.
Num segundo momento, agora se referindo expressamente sobre a tutela do
risco, Canotilho afirma a necessidade de determinação normativa de “valores limite”
por meio da previsão de princípios jurídico-constitucionais voltados à exigência da
proteção do direito ao ambiente. Entende, assim, como parâmetros para a
471
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional ambiental português: tentativa de
compreensão de 30 anos das gerações ambientais no direito constitucional português. In:
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito constitucional
ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 01-11. p. 01-02.
472
Ibidem, p. 02.
155
elaboração da temática no plano constitucional, o princípio da melhor defesa
possível dos perigos e os princípios da precaução e da prevenção segundo o
patamar mais avançado da ciência e da técnica. Seriam expressos na seguinte
tríade: (1) princípio da proporcionalidade dos riscos
473
; (2) princípio da proteção
dinâmica do direito ao ambiente
474
; e (3) princípio da obrigatoriedade da
precaução
475
. A previsão constitucional destes princípios conduzirá à definição de
outras regras normativas para o trato jurídico do risco ambiental, tanto processuais
quanto instrumentais.
A partir de tais considerações, conclui-se que os princípios da prevenção,
precaução e desenvolvimento sustentável e/ou eqüidade intergeracional conformam-
se como orientadores dos processos de gestão de riscos
476
, na medida em que sua
formulação remete ao estabelecimento de vínculo responsável com o futuro,
orientando o tratamento legal de categorias como o risco, o dano futuro,
preservação, conservação, etc. Em outros termos, pode-se afirmar que o dever
constitucional de gestão de riscos ambientais assenta-se nos deveres
constitucionalmente previstos de prevenção, precaução, desenvolvimento
sustentável e/ou garantia da eqüidade intergeracional. São eles que programam o
Direito para o controle dos riscos ambientais
477
.
Optando-se, a esta altura, por análise da dogmática brasileira, pode-se
identificar fundamento constitucional para a gestão de riscos em matéria ambiental
no texto do art. 225, §1º, V, da Constituição Federal
478
. Infere-se da leitura do
473
Princípio que, segundo o autor, evidencia a necessidade de o risco ser determinado a partir da
verificação de seu potencial danoso: [...] a probabilidade da ocorrência de acontecimentos ou
resultados danosos é tanto mais real quanto mais graves forem as espécies de danos e os resultados
danosos que estão em jogo”. Ibidem, p. 10.
474
Ou seja, proteção conforme o estágio, evolução e progresso dos conhecimentos da técnica de
segurança: “Sob o ponto de vista do direito constitucional só o aceitáveis os riscos de agressão ao
direito ao ambiente que não podiam ser previstos segundo os critérios de segurança probabilística
mais atuais [...]”. Ibidem, p. 10.
475
Consoante a seguinte fórmula: “A falta de certeza científica absoluta não desvincula o Estado do
dever de assumir a responsabilidade de proteção ambiental e ecológica, reforçando os standards de
precaução e prevenção de agressões e danos ambientais”. Ibidem, p. 10.
476
Remete-se à indicação de alguns dos princípios constitucionais ambientais mencionados no
Capítulo anterior, ponto 2.3.2.
477
CARVALHO, Délton Winter. A nova Lei de Biossegurança e a possibilidade de controle judicial dos
danos ambientais futuros. p. 518.
478
“§1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder blico: [...] V controlar a
produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco
para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.
156
dispositivo mencionado a configuração de espécie de dever ambiental imposto ao
poder público
479
a determinar, na interpretação de Ferreira, que “toda e qualquer
atividade que possa vir a comprometer a integridade do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado deve ser devidamente avaliada pelo Poder Público, com
o propósito de afastar ou minorar os riscos que dela possam decorrer”
480
.
Machado interpreta o dispositivo mencionado como adoção de
posicionamento de vanguarda pela constituinte de 1988
481
, no sentido de constituir
determinação ao poder público de não omissão relativamente ao exame do emprego
de métodos, cnicas
482
e substâncias
483
que ensejem risco a valores
constitucionalmente protegidos, notadamente, a saúde humana e o meio
ambiente
484
.
A respeito, Ferreira atenta, ainda, para a circunstância de inexistir
especificação no dispositivo constitucional mencionado acima quanto à natureza do
risco a ser controlado, concreto ou abstrato
485
, do que se compreende abarcar
ambas as modalidades, nestes termos:
Dessa forma, entende-se que o dispositivo constitucional em análise
poderá assumir qualquer das duas feições, exigindo do Poder Público
479
Entende-se como “deveres ambientais” o expresso por Ferreira, no sentido de corresponderem a
deveres [tarefas/obrigações] específicos atribuídos constitucionalmente ao poder público (art. 225,
§1º, incisos I a VII) visando a assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente. FERREIRA, Heline
Silvini. Política ambiental constitucional. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens
Morato (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 230-262. p.
230.
480
Ibidem, p. 248.
481
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15. ed. p. 132.
482
Apenas a título de registro, mencione-se a Lei 11.105/2005 (regulamentada pelo Decreto n.
5.591/2005), que dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança.
483
Exemplificativamente, tem-se a Lei n. 7.802/1989 (regulamentada pelo Decreto n. 4.079/2002),
que disciplina atividades relacionadas ao uso de agrotóxicos.
484
Mais especificamente, consoante conteúdo dos incisos do art. 225, CF/88: o meio ambiente
ecologicamente equilibrado, os processos ecológicos essenciais, o manejo ecológico das espécies e
ecossistemas, a diversidade e a integridade do patrimônio biológico – incluído o genético – e a função
ecológica da fauna e flora. Idem, p. 74-75.
485
No que diz com a compreensão desta distinção quanto às modalidades de risco ambiental a
demandar atuação do Estado, tem-se a caracterização do risco concreto ou potencial como visível e
previsível/diagnosticável pelo conhecimento científico atual. Já o do risco abstrato, apresenta-se
como imprevisível pelo conhecimento humano, dotado de incerteza científica. Entretanto, em que
pese sua imprevisibilidade, pode sua probabilidade ser definida via verossimilhança e evidências.
Tais elementos restaram abordados quando do trato dos princípios da prevenção e da precaução.
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 130-204. p. 133.
157
a adoção de medidas que afastem ou minimizem o risco, quando este
não for plenamente conhecido, ou evitem a consumação do dano, em
se tratando de risco potencial. Oportunamente, ressalte-se que para
que o risco seja considerado concreto ou abstrato será necessária a
realização do estudo prévio de impacto ambiental [...]. A gestão dos
riscos está portanto, necessariamente associada à avaliação das
atividades potencialmente causadoras de significativa degradação
ambiental
486
.
Significa compreender que “a simples atividade geradora de riscos potenciais
e não de danos concretos, pode suscitar a responsabilização do agente e obrigá-lo a
cessar a atividade nociva, obviamente com fundamento nas provas e na utilização
do princípio da precaução do direito ambiental”
487
. Remete-se, aqui, portanto, a outro
dever imposto ao poder público em matéria ambiental relativamente à gestão de
riscos, presente no disposto no IV, do §1º, do art. 225
488
, quanto à obrigatoriedade
de realização de estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou
atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental
489
. Ou
seja, identifica-se a previsão constitucional de instrumento de gestão de riscos de
natureza eminentemente preventiva, na medida em que se verifica a determinação
obrigatória de realização de procedimento de avaliação dos impactos como parte do
processo decisório relacionado a atividades potencialmente causadoras de
significativa degradação ambiental.
que se considerar, ainda, mais um importante elemento na análise jurídica
aqui levada a efeito: a responsabilidade civil. Destaque-se que o direito civil clássico
exige, como pressupostos para a imputação de responsabilidade, certeza e
atualidade do dano, bem como nexo de causalidade adequado e devidamente
demonstrado
490
. Entretanto, a compreensão da noção de risco ambiental, nos
termos do até aqui apresentado, bem esclarece as limitações quanto à constatação
486
FERREIRA, Heline Silvini. Política ambiental constitucional. p. 249.
487
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p. 124-
125.
488
“IV exigir, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade”.
489
Anteriormente ao advento da Constituição Federal de 1988, era instrumento previsto na Lei
6.938/81, art. 9º, III e Decreto n. 88.351/83, art. 18, caput (posteriormente revogado pelo Decreto n.
99.274/1990). É a partir do Decreto 88.351/83 que a avaliação de impactos ambientais torna-se
pressuposto para o licenciamento de atividades passíveis de causar degradação ambiental. Quanto
aos critérios para sua exigibilidade, constam da Resolução CONAMA 001/1986.
490
Ver doutrina civilista a respeito, como: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2.
ed. Rio de Janeiro: Forense. 1990.
158
do dano que se pretende reparável e à demonstração da causalidade envolvida.
Lemos discorre sobre a insuficiência do argumento da licitude da atividade ao tratar
da insuficiência do instrumental jurídico tradicional relativo à responsabilidade civil
no enfrentamento da sociedade de risco. Ou seja, no contexto da incerteza, se o
exercício de atividade inquestionavelmente lícita, mas marcada pelo componente
risco, resultar em dano, incide o dever de reparabilidade. Situação esta impensada
no âmbito das regras jurídicas tradicionais.
Esse enfoque não tem como subsistir numa sociedade de risco. O
mundo não é mais guiado por decisões individualmente identificáveis
e imputáveis; os decisores não têm como avaliar a extensão de suas
decisões, que não são previsíveis e nem passíveis de circunscrição; a
noção de culpa e de ilícito se torna fluida, porque o dano pode
sobrevir mesmo em atividades lícitas e, em muitos dos casos, a
própria vítima é também beneficiária, direta ou indireta (e, assim,
interessada no processo), daquilo que ocasionou o dano. [...]
Sobrevindo o dano, o que realmente importa não é a definição de
responsabilidades, mesmo porque isto seria desprovido de sentido.
Aquilo de que se deve cuidar, por ser o que interessa aos indivíduos e
à própria sociedade, é a reparação do dano, independentemente da
investigação de quem tenha sido seu causador e de sua eventual
culpabilidade, dado que é a própria atividade produtiva do capitalismo
avançado, necessária, lícita e irrecusável, utilizando a tecnologia
disponível, que força decisões que, inelutavelmente, produzem danos.
Esta reparação desaparta-se da noção de culpa e passa a estar
vinculada tão somente ao mero nexo causal entre o evento e o
resultado danoso. [...] Para esta realidade nova as respostas antigas
se mostram iníquas ou inócuas e para cuidar delas é que o Direito tem
que ser revisitado e revisto
491
. [grifos no original]
Conseqüentemente, no contexto da sociedade de risco, também ao instituto
implica a assunção de caráter de instrumento de gerenciamento de riscos, no
sentido de passar a ser orientado pela preventividade. Em outras palavras,
“pretende-se um novo significado para a responsabilidade por dano ambiental, de
sorte a abarcar não apenas a imposição de medidas reparatórias, mas,
principalmente, a adoção de medidas preventivas, responsabilizando-se o possível
poluidor pela simples produção de riscos ambientalmente relevantes, que deverão
491
LEMOS, Marco Antônio da Silva. O Direito como regulador da sociedade de riscos. In: VARELLA,
Marcelo Dias (Org.). Direito, sociedade e riscos: a sociedade contemporânea vista a partir da idéia do
risco. Rede Latino-Americana e Européia sobre Governo dos Riscos. Brasília: UniCeub/UNITAR,
2006. p. 321-341. p. 334-335.
159
ser internalizados e computados no custo de produção”
492
. Esclareça-se, entretanto,
não constar nos limites do trabalho examinar detidamente o instituto em questão ou
as inúmeras implicações decorrentes de sua evolução, seja do sistema subjetivo
para o objetivo, seja no que diz com a adaptação no trato do dano ambiental
493
e
sua reparabilidade. Deter-se-á tão somente no apontamento dos contornos gerais da
responsabilidade civil pelo risco, de acordo com os parâmetros presentes no
ordenamento jurídico brasileiro.
Convém mencionar, para tanto, constituir-se a responsabilidade pelo dano
ambiental como objetiva
494
, de acordo com o disposto no art. 225, §3º, da
Constituição Federal
495
, que recepcionou o previsto no art. 14, §1º, da Lei
6.938/1981
496
. Da leitura dos dispositivos citados, Steigleder interpreta como
pressupostos para a sua configuração (1) a existência de atividade que implique
riscos para a saúde e para o meio ambiente, a implicar ao empreendedor,
492
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano
ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 82. Ver também:
SAMPAIO, Francisco José Marques. As evoluções da responsabilidade civil e reparação de danos
ambientais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
493
Adota-se a compreensão de dano ambiental desenvolvida por Leite: “Da análise empreendida da
lei brasileira [art. 3º, I a III, Lei 6.938/1981], pode-se concluir que o dano ambiental deve ser
compreendido como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao
meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção
totalizante, e indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que
refletem no mocrobem(p. 104) [grifos no original]. É conceituação que decorre do próprio conceito
jurídico de meio ambiente, bem como da tipologia de classificação desenvolvida pelo autor, segundo
três critérios de análise: (1) amplitude do bem protegido (dano ecológico puro, dano ambiental lato
sensu, dano individual ambiental ou reflexo); (2) reparabilidade e interesse envolvido (dano ambiental
de reparabilidade direta – interesses individuais e individuais homogêneos -, dano ambiental de
reparabilidade indireta interesses difusos, coletivos e individuais de dimensões coletivas); (3)
extensão (dano patrimonial e dano extrapatrimonial ou moral). LEITE, José Rubens Morato. Dano
ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p. 95-98.
494
A responsabilidade civil objetiva encontra previsão no Código Civil brasileiro, consoante o disposto
em seu art. 927, parágrafo único, do qual se infere, do mesmo modo, o risco como um de seus
fundamentos, nestes termos: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente da culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem”.
495
“§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados”.
496
“§1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos caudados ao meio
ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá
legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio
ambiente”. Destaque-se que a responsabilidade, neste caso, não se apresenta circunscrita à
atividade perigosa, incidindo sobre qualquer atividade que gere, direta ou indiretamente, lesão ao
meio ambiente. Isto ao contrário do previsto no art. 927, do Código Civil, no plano nacional, e,
exemplificativamente do contexto estrangeiro, na Convenção de Lugano (1993), art.
2º, e anexos I e
II
,
160
conseqüentemente, obrigação de prevenir e internalizar tais riscos no processo
produtivo; (2) a existência de dano ou risco de dano; e (3) nexo de causalidade entre
a atividade e o resultado, efetivo ou potencial
497
. Assim manifesta-se ao enfatizar o
entendimento de que a mera existência do risco gerado pela atividade
498
conduz à
responsabilização:
O ordenamento supõe que todo aquele que se entrega a atividades
gravadas com responsabilidade objetiva deve fazer um juízo de
previsão pelo simples fato de dedicar-se a elas, aceitando com isso as
conseqüências danosas que lhe são inerentes. O explorador de
atividade econômica coloca-se na posição de garantidor da
preservação ambiental, e os danos que digam respeito à atividade
estarão sempre vinculados a ela. Não se investiga a ação, conduta do
poluidor/predador, pois o risco a ela substitui-se
499
.
O aprofundamento do debate implica a consideração, ainda que na forma de
sucinto registro, das dissidências existentes na doutrina relativamente à adoção pelo
sistema jurídico brasileiro da teoria do risco integral ou da teoria do risco criado
como orientação para a responsabilidade civil em matéria ambiental. Embora não
seja o posicionamento pacífico, grande número de jusambientalistas que
sustentam a aplicação da teoria do risco integral à matéria
500
, com fundamento nas
497
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano
ambiental no direito brasileiro. p. 196.
498
A respeito da conexão entre risco da atividade e responsabilidade objetiva, interessante mencionar
a descrição de Noronha sobre o que denomina de risco de empresa, risco administrativo e risco-
perigo: “Esses riscos podem ser sintetizados dizendo-se: que quem exerce profissionalmente uma
atividade econômica, organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços, deve arcar
com todos os ônus resultantes de qualquer evento danoso inerente ao processo produtivo ou
distributivo; que a pessoa jurídica responsável, na prossecução do bem comum, por uma certa
atividade, deve assumir a obrigação de indenizar particulares que porventura venham a ser lesados,
pra que os danos sofridos por estes sejam distribuídos pela coletividade beneficiada; que quem se
beneficia de uma atividade potencialmente perigosa (para outras pessoas ou para o meio ambiente),
deve arcar com eventuais conseqüências danosas”. NORONHA, Fernando. Desenvolvimentos
contemporâneos da responsabilidade civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 761, mar. 1999. p.
31-44. p. 37.
499
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano
ambiental no direito brasileiro. p. 196.
500
Conforme Pereira, a teoria do risco integral Não cogita de indagar como ou porque ocorreu o
dano. É suficiente apurar se houve dano, vinculado a um fato qualquer, para assegurar à vitima uma
indenização”. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1999. p. 281. Para Steigleder, é teoria “[...] mediante a qual todo e qualquer risco conexo ao
empreendimento deverá ser integralmente internalizado pelo processo produtivo, devendo o
responsável reparar quaisquer danos que tenham conexão com sua atividade [...]”. STEIGLEDER,
Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito
brasileiro. p. 198.
161
especificidades do dano ambiental e na previsão legal acima citada, no sentido de
que o dano vincula-se à existência de um fator de risco, no caso a própria atividade,
em substituição à exigência de uma causa adequada, como Milaré:
[...] o dever de reparar o dano independe da análise da subjetividade
do agente, e, sobretudo, pelo fato de existir a atividade pela qual
adveio o prejuízo [...]. O poluidor deve assumir integralmente todos os
riscos que advêm de sua atividade, como se isso fora um começo da
socialização do risco e do prejuízo
501
.
No mesmo sentido Leite, quando assim se manifesta:
Nesta fórmula da responsabilidade objetiva, todo aquele que
desenvolve atividade lícita, que possa gerar perigo a outrem, deverá
responder pelo risco, não havendo a necessidade de a vítima provar a
culpa do agente. Verifica-se que o agente responde pela indenização
em virtude de haver realizado uma atividade apta para produzir risco.
O lesado terá que provar o nexo de causalidade entre a ação e o
fato danoso, para exigir seu direito reparatório. O pressuposto da
culpa, causador do dano, é apenas o risco causado pelo agente em
sua atividade
502
.
Significa apresentar-se a causalidade, nesta circunstância, atenuada,
importando, em verdade, a conexão entre os riscos inerentes à atividade e o dano.
Isto se justifica pela premissa de que o beneficiário de atividade econômica geradora
de riscos para a sociedade deve arcar com os custos relativos à preservação e à
reparação do dano
503
.
501
MILARÉ, Edis. A tutela jurídico-civil do ambiente. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 0,
1996. p. 33. Acompanham o mesmo entendimento: NERY JR, Responsabilidade civil por dano
ecológico e a ação civil pública. Justitia, n. 126, São Paulo, p. 168-189, jul./set. 1984. p. 172.
BENJAMIN, Antônio Herman de V. e. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. p. 41; e
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental
no direito brasileiro. p. 196. Esta autora lembra, ainda, como hipótese de responsabilização pelo
risco, o reconhecimento de fator de risco intrínseco também ao produto, no caso da “responsabilidade
pós-consumo”, normatização relativamente aos agrotóxicos, pneus, pilhas e baterias de telefone
celular. Ibidem, p. 204.
502
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p. 127.
503
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, 1998. p. 143. Atente-se, também, como outra relevante implicação da adoção da teoria do
risco integral, a não admissão dos excludentes de responsabilidade relativos ao caso fortuito e a força
maior, consoante ponderação de Nery Jr.: [...] a indenização é devida independentemente de culpa e,
mais ainda, pela simples razão de existir a atividade da qual adveio o prejuízo. Dessa maneira, não
se operam, como causas excludentes de responsabilidade, o caso fortuito a força maior. Ainda que a
indústria tenha tomado todas as precauções para evitar acidentes danosos ao meio ambiente, se, por
exemplo, explode um reator controlador da emissão de agentes químicos poluidores (caso fortuito),
subsiste o dever de indenizar. Do mesmo modo, se por fato da natureza ocorrer o derramamento de
162
Acrescente-se, ainda, o entendimento de Carvalho, segundo o qual, além de
passar o instituto da responsabilidade civil, obrigatoriamente, a ser orientado pelo
princípio da precaução, bem como abranger o dever de reparação por ato lícito
(responsabilidade objetiva), também se verifica maior amplitude na interpretação do
conceito de ilícito, nos termos em que previsto no art. 187, do Código Civil de
2002
504
, para além da noção de dano. Ou seja, teria ocorrido, em matéria ambiental,
a desvinculação do dano como condição para a configuração da ilicitude, podendo
esta se concretizar também a partir do risco intolerável, em outros termos, quando o
excesso no exercício de um direito violar o dever de preventividade
505
. Fala, então,
em responsabilização civil por dano ambiental futuro:
Tratando-se o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado de
um direito fundamental garantido às presentes e futuras gerações (art.
225, CF), a responsabilidade civil é capaz de impor àquele que
ocasionar ou autorizar a produção de ilícitos ambientais (danos ou
riscos intoleráveis), a reparação dos danos, no primeiro caso, ou a
contenção dos riscos, no segundo. Em outras palavras, a gestão dos
riscos ambientais pela responsabilidade civil deve ser sempre que
constatada a existência de danos ambientais futuros, por meio da
imposição do dever de cumprir com obrigações de fazer ou não-fazer
(medidas preventivas). [...] Assim, em havendo violação do dever de
preventividade constitucionalmente garantido pelo art. 225, estaremos
diante do que o art. 187 do Código Civil estabelece como o exercício
de um direito, por exceder manifestamente os limites impostos pelo
seu fim social (matéria ambiental), é considerado ilícito (sem a
necessidade de ocorrência de dano, mas sua mera probabilidade)
506
.
Importante esclarecer, ainda, os limites considerados pelo autor mencionado
para a configuração da intolerabilidade incidente sobre o dano ambiental futuro ou o
risco ambiental, a caracterizar ilicitude e ensejar a responsabilização ou a aplicação
de medidas preventivas. Afirma que seriam critérios para tal definição a alta
probabilidade ou probabilidade determinante quanto à sua ocorrência e a magnitude
de suas conseqüências (como a irreversibilidade dos danos uma vez concretizados).
A avaliação desta equação (probabilidade-magnitude) seria realizada
substância tóxica existente no depósito de uma indústria (força maior), pelo simples fato de existir a
atividade o dever de indenizar
503
. NERY JR, Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação
civil pública. p. 172.
504
Art. 187. Comete ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
505
CARVALHO, Délton Winter. A nova Lei de Biossegurança e a possibilidade de controle judicial dos
danos ambientais futuros. p. 521.
506
Ibidem, p. 522.
163
judicialmente
507
. No mesmo esteio, também Tessler discorre sobre a configuração
do risco ilícito como elemento autorizativo do desencadeamento de ações protetivas:
O risco ilícito é resultado de uma atividade inadmissível, seja porque
excessivamente arriscada, seja porque não existem justificativas para
a exposição do ambiente a esta atividade. [...] O risco, portanto, é
proibido pela sua potencialidade de causar dano, independentemente
de este se concretizar ou não. [...] Diante disso, é possível concluir
que qualquer conduta que gere risco excessivo ao ambiente, de forma
a efetivamente ameaçar o equilíbrio ecológico, afronta o direito
fundamental à inviolabilidade do meio ambiente. Dessa forma, o risco
ambiental intolerável configurará ilícito para o fim de ser objeto de
tutela inibitória, mesmo quando não for expressamente tipificado
508
.
Entretanto, não se pode deixar de considerar que, em que pese a evolução do
sistema jurídico-ambiental brasileiro, com a previsão de instrumentos voltados à
gestão de riscos, ainda persiste o perigo de sua operacionalização de modo
meramente simbólico, sobretudo no que diz com a fixação legal de padrões de
segurança. Corresponderia, segundo Leite, à criação de “falsa impressão de que
existe uma ativa e completa assistência ecológica por parte do Estado”, a gerar
“realidade fictícia, na qual a sociedade é mantida confiante e tranqüila em relação
aos padrões de segurança existentes”. Portanto,
[...] ressalta-se a necessidade de afastar o Direito Ambiental da
racionalidade da irresponsabilidade organizada e desvinculá-lo da
intenção do exercício de uma função meramente simbólica. Apenas
com o reconhecimento dos riscos da atualidade, o que pressupõe que
sejam eles trazidos a público, o Direito Ambiental poderá ser
alicerçado sobre novas bases que viabilizarão a efetiva utilização de
seus instrumentos como forma de salvaguardar o meio ambiente
ecologicamente equilibrado para as gerações presentes e futuras
509
.
Enfim, mesmo com a novidade do tema e incipiência do debate, identifica-se
construção dogmática substancialmente alicerçada, no ordenamento jurídico
brasileiro, para a atuação na seara protetiva do ambiente voltada ao gerenciamento
de riscos. Além do fundamento constitucional, com a apresentação de elementos
principiológicos e previsão de instrumentos, há arsenal processual e revisão de
507
Ibidem, p. 522-523.
508
: TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas jurisdicionais do meio ambiente: tutela inibitória, tutela de
remoção, tutela do ressarcimento na forma específica. p. 221-223.
509
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. p. 136.
164
tradicionais institutos civilistas para dar conta da questão. Todavia, insuficientes se
não incorporados à prática levada a efeito pelo Estado no seu dever de proteção
ambiental.
3.1.2 Operacionalização do princípio integrativo na avaliação de riscos
ambientais no espaço urbano: um possível modelo
Quando se abordou a extensão do conceito de meio ambiente
510
, aventou-se,
no debate, a necessária análise sob perspectiva holística, na medida em que os
processos ecológicos constituem-se como interdependentes e integrados. No
mesmo sentido, ao discorrer-se sobre o risco, anteriormente, se havia
considerado a extensão de seus efeitos (no espaço e no tempo), vez que assumem
a mesma dinâmica de propagação
511
. Conseqüentemente, a este ponto da reflexão,
conduz-se à compreensão de que o dever de gerenciamento de riscos ambientais
igualmente implica interpretação pautada por análise abrangente e integrada dos
perigos incidentes.
Isto em que pese a prática cotidiana dos procedimentos de avaliação e
planejamento de atividades levados a cabo pelas administrações públicas fazer
transparecer orientação pautada pela avaliação isolada/restrita/fragmentada dos
fatores em jogo
512
. Considerando tais elementos, procurar-se-á desvelar argumento
sob a ótica jurídica relativo à circunstância de restar contemplada, no âmbito do
conteúdo deste dever constitucional, a determinação de que o gerenciamento de
riscos ambientais, com foco na sua ocorrência no espaço urbano, realize-se em uma
perspectiva ampla.
510
Vide ponto 2.1.1.
511
Vide ponto 1.2.1.
512
A avaliação de impactos ambientais realizada em processos de licenciamento geralmente
promove a apreciação fragmentada do contexto no qual inseridas as atividades sob análise, em
desconsideração à sobreposição de fatores relacionados, exemplificativamente, a distintos
empreendimento localizados em área contígua, capazes de conduzir à situação se saturação do
ecossistema, seja em termos de infra-estrutura, seja em razão da capacidade de absorção de
impactos ou regeneração. Circunstância esta que se reflete, da mesma forma, na determinação de
parâmetros para a reparação ou compensação também de forma isolada e/ou restrita, em
desconsideração à conexão/inter-relação dos possíveis impactos sobrepostos.
165
Inicialmente, porém, convém discorrer objetivamente acerca das
especificidades reputadas essenciais à compreensão da configuração do risco
ambiental na cidade. Afinal, transpondo-se a análise da questão à ambiência
urbana,
enfrenta-se o dinamismo característico da complexidade presente na
evolução do uso e ocupação do solo, decorrente da sobreposição de elevada
densidade demográfica, alto nível de atividades produtivas e elementos construídos
sobre uma base física natural, muitas vezes dotada de fragilidade ambiental (zona
costeira, margem de cursos d’água, áreas íngremes, etc.), com presença, por
conseguinte, de conflituosidade social.
Daí a imperiosa necessidade de se clarificar a produção de subsídios para a
adequada fundamentação dos processos decisórios associados à administração
cotidiana e projeção futura das cidades, impactantes, direta e indiretamente, na
qualidade de vida e equilíbrio ecológico. Para tanto, demanda-se a compreensão
integrada do ecossistema e dos fatores de risco (naturais e antrópicos) capazes de
provocar situações de ameaça e vulnerabilidade.
Neste âmbito, o gerenciamento dos riscos ambientais imbrica-se com a
gestão territorial. Daí falar-se em gestão de riscos urbano-ambientais. A respeito,
sob perspectiva técnica, Orth, Diesel e Rony associam a origem de tais riscos aos
conflitos relacionados ao uso e ocupação do solo
513
ocorridos no processo de
crescimento das cidades. Afirmam atuarem como vetores deste fenômeno,
sobretudo, as imposições econômicas, as quais acabam por determinar a
distribuição da população, das edificações e das atividades no território urbano,
geralmente em desconsideração ao equilíbrio socioambiental
514
. Para melhor
explicitar o argumento, discorrem os autores acerca da dinâmica envolvida no
processo corrente de evolução urbana, nestes termos:
O uso e ocupação do solo condicionam a qualidade dos espaços
urbanos em termos de funcionalidade, salubridade e sociabilidade (ou
segurança e estética). Quando surgem conflitos entre diferentes usos,
513
Consoante entendimento da autora, a expressão “uso e ocupação do solo” engloba a distribuição
das atividades sobre o território urbano, relacionadas com as construções que abrigam essas
atividades, e a dinâmica evolutiva dessa associação entre usos e formas de ocupação”. ORTH, Dora
Maria; DIESEL, Lilian; RONY DA SILVA JR, Sérgio. Mapeando o risco: uma contribuição tecnológica
para a gestão urbana. II Simpósio Dano Ambiental na Sociedade de Risco, de 09 a 11 nov. 2007.
Florianópolis(SC).
514
Vide Capítulo 1, principalmente os tópicos sobre o desenvolvimento da cidade capitalista, os
impactos ambientais específicos da dinâmica urbana e a categoria justiça ambiental.
166
a dinâmica urbana busca uma nova situação de estabilidade, de forma
controlada ou espontânea. Esse processo, também chamado de
evolução urbana, é caracterizado por alterações progressivas dos
usos do solo (residencial, comercial, industrial, preservação etc.) e
pelas formas de ocupação do solo (horizontal/vertical, baixa/alta
densidade, sistema viário simples/hierarquizado). Dessa forma, o uso
e a ocupação do solo pode ser um processo de crescimento, de
alteração ou de decadência. Assim, a evolução pode ser pelo
crescimento da malha urbana (expansão da área física), pela
mudança de usos (residências passam a ser ocupadas por lojas,
padarias, farmácias), pela densificação da ocupação (residências dão
lugar a prédios) ou pela perda de atividades e populações
515
.
Ocorre, entretanto, que este fenômeno espontâneo de crescimento da cidade
e acomodação de funcionalidades/usos do território e equipamentos urbanos não se
dá, necessariamente, de forma linear. Enfrenta, em verdade, obstáculos e
condicionantes externos (globalização, crises econômicas, empreendimentos de
grande impacto, forças naturais, desastres ambientais, ocupação desordenada,
etc.), a determinar alteração em seu ritmo, associados, ainda, ao despreparo ou
ineficiência da administração pública. Conseqüentemente, apresentam-se
dificuldades de adaptação, constituindo-se em fontes de conflitos de diversas
ordens, os quais se manifestam na forma de causa de riscos urbanos.
A fim de aclarar os fatores de risco identificáveis no espaço urbano, em
relação aos quais se verifica dever de gerenciamento, reproduz-se a seguir quadro
comparativo apresentado pelos autores mencionados acima no qual demonstram
objetivamente, embora não de forma exaustiva, relação de possíveis conflitos de uso
e ocupação do solo que estão na base dos riscos urbanos, bem como os danos
potenciais associados:
Quadro 01. Riscos urbanos, suas causas e conseqüências
516
Causas = conflitos de uso
e ocupação do solo
Riscos urbanos =
problemas
Conseqüências = danos
Saturação das vias de
circulação
Congestionamentos
Atropelamentos
Colisões
Demoras no atendimento a
emergências
Desperdícios (materiais,
tempo, energia)
Mortos e feridos
Poluições (ar, som, visual)
Insegurança pública
Carências de equipamentos
urbanos
Exclusão social
Limitação da vida
Marginalização
Criminalidade
515
ORTH, Dora Maria; DIESEL, Lilian; RONY DA SILVA JR, Sérgio. Mapeando o risco: uma
contribuição tecnológica para a gestão urbana.
516
Ibidem.
167
comunitária
Violência Urbana
Insegurança Pública
Inexistência de reservas
fundiárias públicas
Expansão sobre reservas
ambientais
Segregação social
Aumento de custos
Degradação ambiental
Degradação social
Carências na prestação de
serviços públicos
Degradação da saúde
pública
Estagnação econômica
Crise social
Doenças
Epidemias
Perdas financeiras
Inadequada distribuição
espacial das edificações
Alteração microclimática
Perda em qualidade
Elevação de custos
Saturação das vias de
circulação
Insalubridade, Inundação
Desmoronamentos
Adensamentos
Mortos, feridos....
Destaque-se que, em consonância com o enunciado no princípio deste tópico,
todos os vetores mencionados relacionam-se, em maior ou menor intensidade, à
questão ambiental. Significa afirmar que riscos sociais, à saúde e segurança pública,
viários, de infra-estrutura ou relacionados a fatores naturais, exemplificativamente,
imbricam-se e/ou interconectam-se no âmbito do ordenamento territorial e da
definição e execução de políticas públicas no espaço urbano, de modo que se
concluir, obrigatoriamente, que seu gerenciamento deve realizar-se de forma
integrada.
Ainda, associando-se tais elementos à construção teórica realizada ao longo
do trabalho, acrescente-se à noção conceitual de risco urbano-ambiental aspecto
relativo à sua caracterização como resultado de processos decisórios relativamente
a opções aportadas pela administração local ao longo do tempo no âmbito das
políticas setoriais. Tais escolhas refletem-se na configuração atual da distribuição
espaço-territorial e populacional das vulnerabilidades e fatores de risco, projetando-
se, igualmente, de modo imprevisível em relação à qualidade de vida das
populações urbanas futuras. Ou seja, também impende acrescentar que devem ser
considerados consoante os seguintes aspectos: (a) natureza (planejados/acidentais,
diretos/indiretos); (b) potencialidade (reversíveis/irreversíveis); (c) projeção do tempo
(temporários/contínuos, simples/cumulativos; ); (d) projeção do espaço (abrangência
local, regional, nacional, global).
Como os limites do debate proposto na presente pesquisa estão contidos em
sua filiação ao Direito
517
, restringe-se a abordagem, neste momento, à tentativa de
517
Mencione-se, a título de registro, as seguintes indicações para o estudo dos aspectos técnicos
relativos aos riscos urbano-ambientais: MINISTÉRIO DAS CIDADES. Instituto de Pesquisas
168
traçar as implicações jurídicas decorrentes das constatações apresentadas. Isto,
sobretudo, no que diz com identificação de princípios figurantes como diretrizes para
a consecução do dever de gerenciamento de riscos urbano-ambientais nos limites
do acima disposto ou seja, como resultado de processos decisórios concernentes
à administração da cidade que se projetam no tempo, englobando a integralidade
das políticas setoriais e dos fatores impactantes -, bem como de instrumentos legais
de política urbana suscetíveis de promoverem sua operacionalização.
A este ponto, convém destacar, como importante subsídio ao debate, o
desenvolvimento, no âmbito da política ambiental da Comunidade Européia, do
denominado princípio da integração. Este vem somar-se à consolidada carga
principiológica relativa à matéria, correspondendo, consoante esclarecimento de
Aragão, à determinação de obrigatória integração das exigências em matéria
ambiental na definição das demais políticas comunitárias. Fora elevado a princípio
geral do Direito Comunitário a partir do Tratado de Amsterdã (1992), passando a
constar, desde então, na redação do art. , Parte I, do Tratado da União
Européia
518
.
Fundamenta-se no entendimento de que, sendo qualquer atividade humana
suscetível de gerar impacto ambiental, as variáveis ambientais devem
obrigatoriamente constar como elemento nos processos decisórios de domínio de
todas as políticas públicas, notadamente pela aplicação dos princípios de Direito
Ambiental. Em outros termos:
A conseqüência da consagração deste dever de integração das
considerações ambientais na definição e aplicação das demais
políticas é tornar imperativa a aplicação dos princípios fundamentais
do Direito Comunitário do Ambiente designadamente os princípios
da precaução, da prevenção, da correção na fonte e do poluidor
pagador às restantes políticas comunitárias. Por força do princípio
Tecnológicas –IPT. Treinamento de técnicos municipais para o mapeamento e gerenciamento de
áreas urbanas com risco de ecorregamentos, enchentes e inundações. Brasília: Ministério das
Cidades, 2004; MINISTÉRIO DAS CIDADES e CITIES ALLIANCE. Prevenção de riscos de
deslizamentos em encostas: guia para a elaboração de políticas municipais. Brasília: Ministério das
Cidades/Cities Alliance, 2006. Também Orth, Diesel e Rony desenvolvem metodologia de gestão de
risco baseada nas etapas de avaliação”, “prevenção”, “monitoramento” e atendimento”, com
destaque para a prática de mapeamento fundada na reunião de dados geológicos, topográficos,
demográficos, cartorários e legislativos. ORTH, Dora Maria; DIESEL, Lilian; RONY DA SILVA JR,
Sérgio. Mapeando o risco: uma contribuição tecnológica para a gestão urbana.
518
ARAGÃO, Alexandra. Direito constitucional do ambiente da União Européia. In: CANOTILHO, José
Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2007. p. 11-55. p. 27.
169
da integração, é possível fiscalizar a legalidade de uma medida
adotada no âmbito de qualquer outra política comunitária em função
da conformidade dessa medida com os princípios de política do
ambiente, sendo, nomeadamente, suscetível de controle e eventual
anulação judicial qualquer medida adotada pelas Instituições
Comunitárias em flagrante desrespeito de um dos princípios da
política de ambiente
519
. [grifos no original]
Aborda-se, desta feita, a indicação do princípio integrativo como possível
vetor de orientação à implementação de instrumentos jurídicos relacionados a
políticas urbanas com foco no gerenciamento de riscos ambientais característicos da
espacialidade da cidade. Interpreta-se, a respeito, um duplo comando como
implicação de sua adoção. Primeiramente, (a) ter-se-ia a necessária observação
pelo poder público, no desenvolvimento e execução das distintas políticas blicas
urbanas setoriais (planejamento, saúde, habitação, transporte, saneamento,
educação, resíduos sólidos, etc.), dos demais princípios gerais de Direito Ambiental.
A consideração destes, em especial os abordados no trabalho
520
, na forma de
diretrizes de observância obrigatória, resultam na conformação do dever
constitucional do poder público de gerenciamento de riscos no espaço urbano às
seguintes estratégias:
(a) planejamento do uso e ocupação do espaço urbano com a inserção da
variável ambiental associada a demais fatores que possam influenciar direta ou
indiretamente no equilíbrio ecológico e na qualidade de vida das populações
(planejamento integrado);
(b) consideração das possíveis implicações e projeções no tempo das
escolhas administrativas, de modo a pretender assegurar os direitos das futuras
gerações quanto à sustentabilidade urbana (desenvolvimento sustentável e
responsabilidade intergeracional);
(c) promoção de análise adequada e o mais abrangente possível dos
aspectos técnicos envolvidos, no intuito de identificação e avaliação dos riscos
concretos e abstratos associados a áreas suscetíveis à vulnerabilidade ambiental,
de modo a subsidiar a adoção de medidas preventivas e precaucionais (prevenção e
precaução);
519
Ibidem, p. 27.
520
Vide ponto 2.3.2.
170
(d) garantia da legitimidade democrática das decisões, por meio da
divulgação de informações e instituição de instrumentos participativos (informação e
participação);
(e) observância da função socioambiental da propriedade como elemento
balizador do desenvolvimento urbano, de modo a promover-se a supremacia do
interesse público sobre o privado com vistas à garantia do bem-estar da
coletividade, seja pela imposição de limitações ao uso da propriedade privada ou
pela determinação ao proprietário de lhe conferir destinação.
Como desdobramento das reflexões encaminhadas no plano desta pesquisa,
compreende-se, ainda, a derivação de um segundo comando, referente (b) à
inafastável promoção, no âmbito dos estudos técnicos obrigatórios, de prévia
identificação e avaliação de forma integrada e global dos riscos e impactos
potenciais relativos à instalação de empreendimentos e atividades de todas as
naturezas e na grande área contígua de abrangência. Abre-se parênteses, aqui,
para informar ser possível identificar, no Brasil, o reconhecimento do dever de
avaliação integral dos riscos e impactos ambientais, em nível macro-territorial ou
regional, mas relacionado ao licenciamento de empreendimentos hidrelétricos. Isto
em razão da realização de estudo denominado de Avaliação Ambiental Integrada de
Bacia Hidrográfica (AAI), a cargo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)
521
vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
Corresponde à elaboração de avaliação ampla, global, que subsidiará a
fixação de parâmetros para os estudos de impacto ambiental relativos ao
licenciamento de empreendimentos futuros na extensão de uma mesma bacia
hidrográfica, não tratados, portanto, neste âmbito, isoladamente quanto sua
viabilidade. Destaca-se, dentre os vários fatores de análise (meios físico, biótico e
sócio-econômico), a consideração dos efeitos sinérgicos e cumulativos dos impactos
produzidos pelo conjunto de intervenções realizadas e pelos diversos usos
identificados. Porém, constitui-se, ainda, em mero instrumento de planejamento do
setor elétrico, possuindo eficácia limitada, na medida em que se argumenta não
obstar os licenciamentos já em andamento
522
.
521
Fora criada pela Lei n. 10.847/2004, e regulamentada pelo Decreto n. 5.184/2004.
522
Exemplo de determinação de sua realização ocorreu no processo de licenciamento da Usina de
Barra Grande, oportunidade na qual se celebrou Termo de Compromisso para a elaboração de AAI
da Bacia do Rio Uruguai. Ver também Ação Civil Pública n. 2005.71.00.033530-9, Vara Ambiental,
Agrária e Residual da Justiça Federal de POA, na qual se enfrenta a questão quanto à emissão de
171
Retomando-se o foco do trabalho, entende-se se configurar adoção de
posicionamento semelhante centrado nas temáticas urbano-ambientais, haja vista a
previsão, no ordenamento jurídico brasileiro, de instrumento adequado para a
avaliação e gestão de riscos no espaço urbano nestes termos, qual seja, o estudo
de impacto de vizinhança (EIV). Reconhece-se sua potencialidade em promover a
inserção do vetor ambiental no processo de evolução urbana, sob a orientação dos
princípios da prevenção, precaução, informação, participação, desenvolvimento
sustentável e função social, e, sobretudo, a partir da perspectiva do princípio da
integralidade, acima mencionado. Desta feita, passível de promover avaliação ampla
e integrada da perspectiva urbana. Matéria a ser tratada a seguir, no item 3.3.2.
Agora, a fim de se demonstrar
indicativo de acolhida do raciocínio
desenvolvido nas páginas precedentes, traz-se para apreciação sucinta descrição de
caso concreto tratado pela Justiça Federal no Estado de Santa Catariana, no qual a
argumentação encontrou abrigo como fundamentação de decisão liminar
envolvendo conflito urbano-ambiental. Trata-se da Ação Civil Pública n.
2007.72.000.8013-6, patrocinada pela organização não-governamental Aliança
Nativa perante a Vara Federal Ambiental de Florianópolis(SC), em desfavor deste
município
523
. Ensejou a propositura da ação a aprovação, pela Câmara Municipal, de
Lei complementar (LC n. 250/2006) que alterou o zoneamento de área de
determinado bairro da cidade, originalmente previsto no plano diretor vigente (Lei
Complementar n. 01/1997), de modo a permitir maior adensamento
524
, na ausência
de estudos cnicos adequados para a avaliação dos riscos ambientais e urbanos
incidentes
525
.
licenças prévias para duas usinas no Rio Ijuí (Sub-Bacia 75 da Bacia do Rio Uruguai) anteriormente à
conclusão da AAI. Informações sobre as bacias que já possuem AAI, disponível em:
<www.epe.gov.br>. Acesso em: 10 abr. 2008.
523
A ONG autora da ação foi assessorada pelo “Grupo de Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade
de Risco” (UFSC/CNPq), no âmbito de projeto de extensão voltado à prestação de assistência
jurídica gratuita a associações civis protetoras do ambiente, através de núcleo de prática jurídica
(EMAJ/CCJ/UFSC). Informações disponíveis em: <www.gpda.ufsc.br>. Acesso em: 15 mar. 2008.
524
Dentre as alterações, constam: elevação do índice de aproveitamento de parte da área de 1,3 para
1,8; permissão de edificações com número máximo de seis pavimentos, quando originalmente limita-
se a dois; alteração de parte de área classificada como residencial exclusiva” para “área comunitária
institucional”. Íntegra das Leis Complementares n. 01/1997 e n. 250/2006 disponível em:
<www.sc.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2008.
525
Desconsiderou-se, consoante fundamentação constante da inicial (sob guarida de pareceres e
estudos técnicos que a instruem), a necessidade de aferição do ponto de saturação ambiental e
urbanística da área face aos impactos de empreendimentos de grande porte projetados e em
operação, somados ao incremento espontâneo do grau de urbanização. Também, identifica-se
172
Sob fundamento de afronta ao dever constitucional de avaliação e
gerenciamento de riscos ambientais, bem como configuração de risco intolerável
face ao comprometimento da qualidade de vida e sustentabilidade ambiental em
razão da alteração legislativa questionada, pleiteou-se tutela de urgência consistente
na ordem de abstenção de edição de ato administrativo (licença, autorização, alvará)
em desacordo com os termos do plano diretor original. Também, requereu-se fosse
determinado ao município, mediante obrigação de fazer, elaboração de estudo
amplo, global e multidisciplinar relativo à avaliação dos riscos ambientais e
urbanísticos incidentes na área, a fim de subsidiar licenciamentos e inibir riscos
futuros. Houve, ainda, declaração incidental de inconstitucionalidade da lei
complementar questionada.
A decisão prolatada pelo juízo de primeira instância acolheu parcialmente o
provimento jurisdicional de urgência, a fim de “ordenar que o Município réu se
abstenha imediatamente de licenciar, autorizar, expedir alvarás ou qualquer tipo de
ato administrativo relacionado com construção, reforma, ampliação de edificações,
sem a observância de todas as restrições contidas originalmente no Plano Diretor
Municipal de 1997, sob pena de multa”. Fundamenta-se no desrespeito aos
princípios ambientais constitucionais e às normas contidas no art. 225, caput, CF/88,
diante da insuficiência dos estudos técnicos realizados e da ausência de análise
integrada dos aspectos urbanísticos e ambientais. Veja-se, diante do trecho
colacionado a seguir, o reconhecimento da imperiosidade de promoção de
planejamento qualitativamente integrado:
O Município possui plena autonomia constitucional para regulamentar
a ocupação dos espaços, todavia neste seu importante afazer não
pode ignorar outros valores e princípios assegurados na Constituição,
em especial a necessidade de planejamento integrado e que
contemple: a variável ambiental, a gestão adequada dos riscos, a
ampla participação democrática e que seja fundamentado em estudos
técnicos consistentes, objetivos e impessoais. A Constituição da
República Federativa do Brasil ao mesmo tempo em que confere esta
autonomia ao ente municipal, para a promoção do adequado
ordenamento territorial, também exige PLANEJAMENTO e controle da
utilização dos espaços, bem como a observância das diretrizes gerais
carência de legitimidade democrática, vez que a documentação juntada demonstra referir-se o PL
inicial a requerimento de alteração pontual do zoneamento de pequena área na qual localizada um
clube recreativo, sendo aditado posteriormente para permitir a edificação de equipamento de saúde,
após haver pareceres emitidos e ter sido realizada audiência pública. Ainda, parecer contrário
do instituto de planejamento urbano local (IPUF) a esta emenda aditiva.
173
fixadas no Plano Diretor. Isto tudo para garantir a sustentabilidade
ambiental, o cumprimento das funções sociais das cidades e o bem-
estar dos seus habitantes
526
. [grifos no original]
Identifica-se, do mesmo modo, posicionamento inovador e atento às
implicações incidentes sobre a atuação pública no contexto da sociedade qualificada
pelo risco. Isto na medida em que aponta o magistrado, como fundamento da
decisão, a desconsideração pela norma editada pela municipalidade, e então
contestada, de necessidade de gestão e controle dos riscos ambientais em
perspectiva futura e conglobante:
Um dos maiores desafios da modernidade a ser implementado pelas
administrações públicas, sob o crivo do necessário e imprescindível
controle jurisdicional, é a adequada gestão e controle dos riscos
ambientais e sociais gerados pelas ações humanas. São as decisões
e ações do presente que irão condicionar os acontecimentos e as
conseqüências imprevisíveis e incertas do futuro, também serão
responsáveis pela qualidade de todas as espécies de vida no planeta
no futuro da humanidade. Por isso, as instituições não podem se
manter na passividade, precisam outorgar respostas prontas e
enérgicas para garantir, inclusive às futuras gerações, um pacto de
civilização mais promissor e que inclua necessariamente a variável
ambiental e a adequada gestão dos riscos como componente de todo
e qualquer processo ou projeto de desenvolvimento
527
.
Não foi apresentado recurso a esta decisão por parte do município réu. Este,
inclusive, em sede de audiência de conciliação, comprometeu-se ao seu
cumprimento integral, bem como assumiu compromisso relativo à elaboração de
avaliação integrada e global dos riscos ambientais e urbanísticos incidentes na área,
em prazo fixado na forma de acordo parcial.
Sob tal prisma, pretende-se, enfim, demonstrar a articulação na prática entre
o dever de gerenciamento de riscos, o princípio da integração e demais princípios
gerais de Direito Ambiental extraídos do ordenamento jurídico brasileiro. Significa
promover a verificação de sua utilidade como modelo para a releitura crítica das
funcionalidades dos instrumentos de política urbana de modo a adequá-los às
imposições relativas à exigência de previsão, controle, redução e/ou anulação de
riscos, em especial os instrumentos de gestão e planejamento.
526
Ação Civil Pública n. 2007.72.000.80013-6, Vara Federal Ambiental de Florianópolis(SC).
Disponível em: <www.trf4.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2008. Vide Anexo II.
527
Ibidem.
174
Afinal, em um nível de análise de maior amplitude, entende-se apresentar-se
a questão relacionada ao processo de planejamento urbano como um todo, no
sentido de também inserir-se como parte integrante do dever de gerenciamento de
riscos ambientais no espaço urbano. Isto na medida em que se mostra devidamente
orientado para a consideração integrada dos distintos fatores sócio-ambientais
incidentes nos mecanismos de ocupação do solo urbano da conjuntura específica de
determinado território. assim serão obtidos subsídios suficientes para o
adequado gerenciamento de riscos nesta ambiência, relativos à previsão de
impactos e efeitos futuros. É o que se passa à análise no subcapítulo subseqüente.
3.2 Concepção de planejamento e sua implicação na sustentabilidade urbana
3.2.1 Sobre o ato de planejar a cidade: elementos críticos para a análise do
planejamento urbano
Da análise da doutrina dedicada ao tema, jurídica e urbanista, bem como das
estratégias legislativas existentes no cenário nacional atual, observa-se como
orientação comum a central preocupação com a implantação de processos de
planejamento e gestão do espaço urbano. Estes seriam os mecanismos adequados
para a promoção eficiente da interação entre as políticas urbana e ambiental, por
meio da ordenação do espaço e das atividades relativas à dinâmica urbana.
É abordagem que passa a receber relevante e qualificada atenção nos
recentes debates internacionais, sobretudo na Agenda 21 (1992) e a Habitat II
(Istambul, 1996). No caso brasileiro, convém mencionar que algumas das
conclusões e propostas estratégicas oriundas das atividades da Comissão de
Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional
528
orientam
justamente para
[...] o aperfeiçoamento e regulamentação do uso e da ocupação do
solo urbano e promoção do ordenamento do território, contribuindo
528
Decreto Federal de 26 de fevereiro de 1997.
175
para a melhoria das condições de vida da população, considerando a
promoção da eqüidade, a eficiência e a qualidade ambiental;
[...] promoção do desenvolvimento institucional e do fortalecimento da
capacidade de planejamento e de gestão democrática, incorporando
no processo a dimensão ambiental urbana e assegurando a efetiva
participação da sociedade
529
.
Posicionamento este ainda muito referendado, em que pese as várias críticas
sofridas pelas concepções tradicionais de planejamento, em razão dos fracassos
acumulados, refletidos no caos urbano e decréscimo da qualidade de vida nas
cidades
530
. Também são alvo de descrédito aqueles que expressam excesso de
otimismo na implementação destas práticas como passíveis de amenizar/solucionar
as crises urbana e ambiental, como se os problemas decorrentes se resumissem,
em sua totalidade, à falta ou inadequação do planejamento
531
.
Porém, mesmo diante das críticas e da incredulidade que surge quanto à
matéria, a complexidade e a dinâmica veloz do fenômeno urbano mantêm a
atualidade do tema, na medida em que permanece imprescindível o
desenvolvimento de práticas de planejamento, a fim de se promover o
estabelecimento de metas e objetivos claros e coordenados na administração das
cidades. Entretanto, como principal desafio que se descortina, tem-se a superação
dos modelos tradicionais por meio do desenvolvimento de novas práticas e
sistematização de estratégias alternativas melhor habilitadas à atualidade dos
529
MMA/IBAMA/CONSÓRCIO PARCERIA 21. Cidades sustentáveis: Subsídios à elaboração da
Agenda 21 brasileira. MMA/IBAMA: Brasília, 2000. p. 15.
530
Abdica-se de tratar espécie de inventário da construção do espaço urbano brasileiro a partir da
análise dos padrões de planejamento historicamente formulados face às limitações do trabalho, de
modo a evitar risco de desvirtuamento da análise teórica central. A respeito, ver: SANTOS, Milton. A
urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993; _______. O espaço dividido. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1979; MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 2001; _______; ARANTES, Otília; VAINER, Carlos. A cidade do pensamento
único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000; RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro;
PECHMAN, Robert (Org.). Cidade, povo e nação: gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1996.
531
Registre-se o posicionamento crítico de Coutinho relativamente ao excesso de otimismo quanto às
possibilidades de um planejamento urbano dito adequado na reversão do processo de caos urbano e
segregação espaço-territorial. Ao questionar a excessiva ênfase ao uso desordenado do solo e à
exclusão social como argumentos por grande parte das mais propaladas abordagens da questão
urbana pela doutrina nacional, concentra sua crítica sobre a desconsideração do impacto da dinâmica
da acumulação capitalista na determinação da forma de apropriação do espaço construído, bem
como de estudos sobre a estrutura de classes no país e suas relações. COUTINHO, Ronaldo. A
mitologia da cidade sustentável no capitalismo. p. 23. Como resultado, tem-se o que o autor define
como idealismo dos juristas”, relativamente à “suposição da possibilidade de mudança da sociedade
pela edição e aplicação de boas leis”. Enfim, sua leitura da problemática é outra: “A meu ver, porém,
compreender as determinações concretas do urbanismo no Brasil e os limites do próprio direito
urbanístico passa necessariamente pela compreensão das leis gerais do capitalismo, e,
conseqüentemente, do urbanismo capitalista”. Idem, p. 26-27.
176
obstáculos e à promoção de valores como sustentabilidade e eqüidade, com a
consolidação dos processos participativos.
Carece-se, portanto, ainda, de maior reflexão quanto ao ato de planejar,
tendo-se em conta os diferentes níveis de interação estabelecidos entre os preceitos
tratados nos itens anteriores, a partir de orientação voltada à compatibilização dos
planos ambiental e urbanístico. Em razão das várias possibilidades de abordagem
da matéria, desde a perspectiva histórica até a análise jurídico-normativa, opta-se
por tratá-la através de uma visão panorâmica de alguns dos elementos considerados
mais relevantes para a compreensão da concepção de planejamento de acordo com
sua implicação na sustentabilidade urbana.
Verifica-se, desde já, que muitas dificuldades se apresentam à tarefa de
expor sistematicamente as principais abordagens. Primeiramente, há que se
destacar problemática relativa à escolha de uma classificação, vez que os autores
dedicados à matéria adotam distintos critérios para a análise de conceitos e
estratégias. Também, cada escola formula sua construção teórica sobre um certo
modelo de cidade, típico de um período histórico definido. O óbice maior, porém, diz
com a inexistência de limites e contrastes claros e bem definidos, sobretudo
temporalmente, entre as correntes. Ou seja, não evolução linear do pensamento
sobre estratégias de intervenção urbana
532
. Esclarece-se, portanto, que, para fins da
presente exposição, optou-se por apontar genericamente algumas possibilidades de
análise mais difundidas, sem pretensão de elaborar estudo aprofundado de aspectos
históricos, sociológicos, políticos ou técnicos.
De início, traz-se a clássica compreensão de Jardí para planejamento, autor
que o define, em termos genéricos, como “[...] o conjunto de operações
encaminhadas com o fim último ao traçado de um projeto, um programa ou um
esquema, no qual reste predeterminada uma atuação futura, a respeito da
convivência humana, da pré-organização da vida coletiva”
533
. Ao apresentar uma
síntese da história do urbanismo, identifica a sempre presente intenção de
ordenação e planejamento - enquanto ajuste a prescrições emanadas de um órgão
532
A observação é de Freitag, que desenvolve análise detida e contextualizada das diversas
correntes de pensamento sobre a cidade, com destaque aos elementos mais marcantes da obra dos
autores de maior referência, em FREITAG, Bárbara. Teorias da cidade. Campinas: Papirus, 2006.
533
Tradução livre: “[...] el conjunto de operaciones encaminadas con o fin último al trazado de un
proyecto, un programa o un esquema en el que queda predeterminada una actuación futura, respecto
a la convivencia humana, la preorganización de la vida colectiva”. JARDÍ, Enrique. El planeamiento
urbanístico. Barcelona: Boch Casa Editorial, 1966. p. 49.
177
gestor da comunidade -, reflexo, em cada época, do ideário social e político
dominante.
Identifica, assim aqui numa crua síntese -, a constante preocupação em
conferir racionalidade ao traçado, o que se expressa em sua constante inspiração
em formas geométricas, principalmente nas épocas romana (“cardo”), medieval
(plantas retangulares), renascentista (plantas radiais) e barroca (linhas retas em
razão de estratégias de defesa ou orientações político-estéticas), até a configuração
dos planos ortogonais da Paris do século XIX
534
. Posteriormente, quando da
verificação dos impactos da industrialização sobre o crescimento das cidades e a
concentração da população, a atenção dos especialistas voltou-se para a
necessidade de integração entre a cidade e a área periférica, traduzida em projetos
como as cidades lineares, jardins e satélites
535
.
no século XX, duas tendências principais se delinearam, tendendo a
imbricar-se. Uma ainda atrelada ao racionalismo e às concepções geométricas,
preocupada, agora, com a definição de distintas zonas para o estabelecimento da
população e das atividades, de acordo com o desempenho das funções urbanas
(zonas de uso). Constitui-se em compreensão que muito influenciou a adoção do
zoneamento como orientação para a definição de limitações administrativas pela
legislação
536
. Outra que pretendeu o estabelecimento de planejamento em âmbito
534
Desde los más remotos tiempos en que el hombre se agrupó en las unidades de convivencia que
son las ciudades, se ha intentado dar a su trazado estructuras racionales que, casi siempre, han
coincidido con determinadas formas geométricas: “Cardo” y “decumanus” en la época romana,
plantas rectangulares en el Medioevo o radiales o estrelladas en el Renacimiento, predominio de las
líneas rectas a los efectos de la defensa militar o por consideraciones político-estéticas, durante el
Barroco y en el París del Primero y Segundo Imperio, planes ortogonales, durante la expansión
ciudadana del siglo XIX, etcétera”. Ibidem, p. 38.
535
Los utopistas y filántropos, impresionados por el caótico crecimiento de las ciudades y el
hacinamiento de sus habitantes, subproductos ambos de la revolución industrial, concibieron a fines
del pasado siglo y a principios del presente, diversos proyectos para la compenetración de la ciudad
y el campo: ciudades lineales, ciudades jardín, ciudades satélites, etcétera”. Ibidem, p. 38.
536
No Brasil, o zoneamento passa a ser o instrumento em voga a partir da década de 70, definido
como divisão do conjunto do território urbanizado em zonas diferenciadas, para as quais seriam
aplicados parâmetros de uso e ocupação específicos. É momento no qual emerge discussão acerca
da institucionalização do planejamento urbano, no intuito de promoção do desenvolvimento integrado,
num contexto de intenso processo de urbanização. Corresponde a uma visão tecnocrática, visto ser a
cidade considerada como um objeto puramente técnico. Como conseqüência, tem-se a separação
total entre planejamento esfera técnica por excelência -, e gestão dimensão política. CÂMARA
DOS DEPUTADOS. Estatuto da Cidade: guia para a implementação pelos municípios e cidadãos: Lei
10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece as diretrizes gerais da política urbana. ed. Brasília:
Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002. p. 38.
178
regional, de modo a promover a integração entre a cidade e o contexto geográfico
no qual se insere
537
.
Na esteira deste resgate histórico enquanto exercício de raciocínio, surge
questionamento sobre os valores que têm determinado a imagem da natureza no ato
de planejar os espaços, bem como o processo pelo qual tem lhe sido atribuídas
funcionalidades, consoante proposta de Michael Hough ao considerar uma ecologia
urbana como base para a remodelação das cidades. Assim discorre o autor ao
apontar o tratamento apartado conferido à problemática urbana e ao meio ambiente
na determinação do traçado das cidades e da distribuição dos serviços urbanos:
As atitudes e percepções do meio ambiente expressadas na
planificação urbana desde o renascimento foram centradas, com
algumas exceções, em ideais utópicos mais do que nos processos
naturais como elementos dominantes determinantes da forma urbana.
[…] Os conceitos de “humanidade” e “natureza” foram entendidos
durante muito tempo como problemas separados. Esta dicotomia teve
uma profunda influência no pensamento da humanidade: por uma
parte, as cidades onde habitam as pessoas, e por outra as regiões
não urbanas, mais além da cidade, onde vive a natureza. Nesta
cultura, geradora das disciplinas de intervenção engenharia,
construção, planificação e desenho -, esta separação teve também
profundo efeito no controle, não só da natureza, mas também do
comportamento humano. Deste modo, o caráter do desenho formal
não se ocupou das forças inatas que vão perfilando no entorno
humano, nem das necessidades das comunidades multiculturais que
hoje são a norma na maioria das cidades atuais
538
.
537
“A medida que ha avanzado la actual centuria, se han manifestado, en el trazado de las ciudades,
dos tendencias principales. Una, racionalista, aferrada a las tradicionales concepciones geométricas,
ha defendido la necesidad de estructurar las poblaciones en zonas completamente diferenciadas
según sus distintas funciones vitales que tengan que satisfacer sus habitantes (residencia, trabajo,
recreo, etc.). Otra, que puede denominarse sociológica porque sigue, en cierta manera, la
preocupación de los utopistas y filántropos aludida en b, ha postulado por la conveniencia de integrar,
de un modo armónico, las ciudades en el ambiente geográfico en que se hallan, en unas estructuras
regionales. Parece ser que las posturas teóricas más recientes tienden a una conciliación de ambas
tendencias”. JARDÍ, Enrique. El planeamiento urbanístico. p. 38.
538
Tradução livre. No original: “Las actitudes y las percepciones del medioambiente expresadas en la
planificación urbana desde el renacimiento se han centrado, con algunas excepciones, en ideales
utópicos más que en los procesos naturales como elementos dominantes determinantes de la forma
urbana. […] Los conceptos de “humanidad” y “naturaleza” han sido entendidos durante mucho tiempo
como problemas separados. Esta dicotomía ha tenido una profunda influencia en el pensamiento de
la humanidad: por una parte, las ciudades donde habitan las personas, y por otra las regiones no
urbanas, más allá de la ciudad, donde vive la naturaleza. En esta cultura, generadora de las
disciplinas de la intervención ingeniería, construcción, planificación y diseño -, esta separación ha
tenido también un profundo efecto en el control, no lo de la naturaleza, sino también del
comportamiento humano. De este modo el carácter del diseño formal no se ha ocupado de las
fuerzas innatas que van perfilando el entorno humano, ni de las necesidades de las comunidades
multiculturales que hoy son la norma en la mayoría de las ciudades actuales”. HOUGH, Michael.
Naturaleza y Ciudad: planificación urbana y procesos ecológicos. Trad. Susana Rodríguez Alemparte.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili S.A, 1998. p. 9-10.
179
Noutro caminho investigativo, convém registrar que muitos autores, na
atualidade, preferem traçar estudo a partir da instrumentalização do planejamento
urbano, associando-o às transformações do papel do Estado. Aparece, assim, ora
identificado como política higienista, como concepção tecnocrática, ou, ainda, como
estratégia empreendedorista. Na mesma esteira interpretativa, mas com maior
detalhamento, outros discorrem sobre as diversas tipologias de acordo com a
influência de correntes ideológicas, sobretudo das teorias em voga no campo da
Administração e da Economia. Ter-se-ia, desta feita, o planejamento regulatório; o
planejamento pautado em investimentos públicos; o planejamento subordinado às
tendências de mercado; o planejamento de facilitação; o planejamento de
administração privada; a planificação centralizada; o planejamento estratégico; o
planejamento politizado
539
.
Todavia, uma vez apresentada esta breve contextualização das inúmeras
possibilidades de estudo do tema sob apreço, faz-se escolha investigativa em
detrimento de incursão pormenorizada a respeito dos tópicos mencionados. Isto
para centrar-se, a partir de então, no traçado de algumas considerações tidas como
necessárias à formulação qualificada do planejamento urbano voltado ao ato de
planejar a cidade sustentável. Primeiramente, busca-se subsídios na associação
entre os padrões de pensamento científico sistematicamente incorporados pelas
teorias de planejamento e sua relação com a configuração do urbano hoje, para, por
fim, tratar-se dos principais elementos norteadores da consideração do meio
ambiente como elemento de consideração necessária no processo de
desenvolvimento da cidade.
O pensamento científico e a cidade
Mais recentemente, com a emergência dos debates ecológicos, novas
concepções ganham vulto, comoanteriormente abordado, com a intensificação da
preocupação de integração do meio ambiente como variável de trato necessário no
539
Esta é a opção de classificação de Souza, em Mudar a cidade: uma introdução crítica ao
planejamento e à gestão urbanos. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
180
processo de planejamento. Daí optar-se pela reflexão de Jane Jacobs como
orientação, que, na década de 1950, ao abordar aspectos da vida e da economia
das cidades, elaborou obra pioneira para a compreensão da sustentabilidade
urbana. Nas palavras da autora, pensar sobre cidades envolve, primeiramente,
identificar que tipo de problema a cidade é, e, sobretudo, fazê-lo questionando a sua
própria natureza enquanto objeto de investigação
540
. Assim, utilizou como critério de
análise a reprodução dos principais paradigmas do pensamento científico moderno
no modo de pensar e planejar a cidade, sistematizados pelo urbanismo modernista.
Ao relacionar as estratégias de pensamento que marcaram a evolução da
ciência à história das teorias sobre planejamento urbano, afirma que as cidades
devem ter suas dinâmicas compreendidas como problemas de complexidade
organizada
541
, vez que apresentam situações em que inúmeras variáveis ocorrem
simultaneamente e de formas sutilmente inter-relacionadas. Significa dizer que as
cidades, como o conhecimento científico, não exibem somente um problema que, se
compreendido, a tudo explica. Devem, contrariamente, ser analisadas em diversos
segmentos que, novamente, estão relacionados uns com os outros
542
.
Entretanto, considera a estudiosa que não foi este o entendimento dominante
entre planejadores, arquitetos e governantes. Justifica afirmando que, na história do
pensamento moderno sobre cidades, teóricos do planejamento urbano convencional
tem constantemente compreendido, equivocadamente, a cidade como problemas de
simplicidade e/ou de complexidade desorganizada, o que pauta os processos de
análise e intervenção. Cita as teorias da cidade jardim e da cidade radial como
540
JACOBS, Jane. The death and life of great American cities. New York: Vintage Books, 1992. p.
428.
541
Ou seja, grosso modo, problemas que apresentam um número considerável de variáveis, as quais
estão inter-relacionadas em um todo orgânico. Refere-se, aqui, à teoria sistêmica ou da complexidade
aplicada aos organismos vivos, que emerge do desenvolvimento da biologia e da ecologia,
configurando-se como movimento científico de expressão a partir do estabelecimento de uma teoria
geral dos sistemas por Ludwig Von Bertalanffy, com a distinção entre sistemas físicos (fechados,
descritos pela termodinâmica clássica) e biológicos (abertos, afastados do equilíbrio, com fluxo e
mudança contínuos). Para o pensamento sistêmico, “as propriedades essenciais de um organismo,
ou sistema vivo, são propriedade do todo, que nenhuma das partes possui. Elas surgem das
interações e das relações entre as partes. Essas propriedades são destruídas quando o sistema é
dissecado, física ou teoricamente, em elementos isolados”. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova
compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Roberval Eichemberg. 9. ed. São Paulo:
Cultrix, 2004. p. 40.
542
JACOBS, Jane. The death and life of great American cities. p. 433.
181
exemplos de abordagens científicas predominantes e de grande influência em todo o
mundo, em lapsos temporais sucessivos, para explicitar sua perspectiva
543
.
Quanto à primeira, a cidade jardim, teria surgido no final do século XIX com
Ebenezer Howard (1850-1928). Seria a caracterização do fenômeno urbano em
imitação aos paradigmas da física relacionados à compreensão dos objetos como
problemas de simplicidade. Ou seja, fundando-se na análise de duas variáveis (two-
variable system of analyzing)
544
, quais sejam, população e oferta de emprego,
relacionadas de forma direta e simples, em um sistema ordenado e fechado. Com
base nesta concepção, subsidiou-se toda uma teoria de cidades concebidas
isoladamente, significando o planejamento a mera distribuição da população no
espaço físico do plano urbano
545
.
Isto porque tem como fundamento a concepção do planejamento como a
atividade de elaboração de planos de ordenamento espacial para a “cidade ideal”,
funcionando o plano como “um conjunto de diretrizes a serem seguidas e metas a
serem perseguidas”. Assim, houve a redução do planejar à organização espacial,
preocupado, essencialmente, com o traçado urbanístico, com as densidades de
ocupação e com o uso do solo
546
. Este sistema de análise foi indiscriminadamente
aplicado a pequenas e grandes cidades, desconsiderando-se suas limitações na
apreciação das complexidades e multiplicidades de usos decorrentes de um
ambiente metropolitano.
Porém, no final da década de 1920, na Europa, e nos anos 30 nos Estados
Unidos, a teoria do planejamento urbano começou a assimilar as novas idéias
543
Ibidem, p. 435.
544
Os séculos XII, XIII e XIX compõem o período no qual a ciência aprendeu a analisar problemas
envolvendo duas variáveis, negligenciando-se a influência de outros fatores. Perspectiva que decorre
das novas descobertas da física, astronomia e matemática, associadas a nomes como Copérnico,
Galileu, Descartes e Newton. Passa, então, a predominar como padrão cognitivo das mais diversas
áreas de conhecimento a concepção de mundo associada à metáfora da máquina, ou o
“mecanicismo cartesiano”, no sentido de que em todo o sistema complexo o comportamento do todo
pode ser entendido inteiramente a partir das propriedades de suas partes. CAPRA, Fritjof. A teia da
vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. p. 34-36. Leff vai mais além, ao identificar
importante reflexo desta racionalidade científica e instrumental: “[...] a ciência simplificadora, ao
desconsiderar o real, construiu uma economia mecanicista e uma racionalidade tecnológica que
negáramos potenciais da natureza; as aplicações do conhecimento fragmentado, do pensamento
unidimensional, da tecnologia produtivista aceleraram a degradação entrópica do planeta,
complexificando a complexidde ambiental em conseqüência de suas sinergia negativas”. LEFF,
Enrique. Epistemologia ambiental. p. 207.
545
JACOBS, Jane. The death and life of great American cities. p. 435.
546
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão
urbanos. p. 123.
182
derivadas da teoria da probabilidade desenvolvida pela física. Novamente, passou-
se à reprodução da aplicação desses processos de análise, no sentido de se estudar
a cidade como problema de complexidade desorganizada, compreensível
simplesmente pela análise estatística, através do uso de cálculos matemáticos
547
.
Como resultado, tem-se a concepção do urbano como uma coleção de planos
arquitetônicos ou desenhos cartográficos diversos que, conjuntamente, compõe as
partes do plano maior. Tal é incorporado pela teoria da cidade radial, que tem como
seu expoente maior Le Corbusier (1887-1965)
548
.
Significa dizer que se possibilitou analisar estatisticamente, por grupos
familiares e profissionais, bem como por faixas etária e de renda, escalas maiores
da população subordinada aos atos de planejamento. Exemplificativamente,
combinando-se tais dados com probabilidades estatísticas referentes à demanda por
moradias, permitiu-se o cálculo mais preciso do déficit habitacional, resultando em
melhor orientação para a formulação de políticas públicas para a temática.
Acreditou-se que, nestas bases, seria teoricamente fácil projetar análise e
classificação de forma absolutamente clara e previsível acerca da população e sua
distribuição no espaço para largos intervalos de tempo.
que se destacar, porém, que as recém incorporadas técnicas de análise
estatística e de probabilidade não suplantaram, no todo, a idéia-base da “cidade de
duas variáveis”. Em verdade, os novos métodos vieram conferir maior precisão e
racionalidade na compreensão e tratamento das questões urbanas, ainda assim
compreendidas ou seja, à parte da percepção sobre a complexidade do
comportamento urbano e suscetíveis de conversão ao alcance das médias
estatísticas. Pôde-se aplicar, assim, o mesmo método de análise à concepção do
tráfego, das áreas industriais e de lazer, serviços e equipamentos urbanos e até
mesmo da vida cultural da cidade, como componentes de complexidade
desorganizada, conversíveis em problemas de simplicidade
549
.
547
Embora se tenha vislumbrado no século XIX inúmeras descobertas científicas (evolucionismo
darwinista, teoria das células, embriologia, microbiologia, leis da hereditariedade), somente no século
XX outro método de investigação foi desenvolvido pela física, relacionando técnicas de probabilidade
e estatística, que passa a fundar toda a estrutura da física moderna. Tal decorre do descobrimento de
partículas instáveis, do universo em expansão, dos processos de auto-organização da matéria, das
estruturas dissipativas e da teoria do caos, o que permitiu a análise de incontáveis variáveis de um
mesmo problema. LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. p. 198.
548
JACOBS, Jane. The death and life of great American cities. p. 436.
549
Ibidem, p. 438.
183
Muitos autores dedicados ao tema sublinham ser esta uma tentativa de
melhor adaptar as cidades à era industrial, até mesmo intentando transpor
categorias próprias da racionalidade da produção industrial sobretudo o elemento
da produção em rie para a produção do espaço urbano. Souza destaca, para
bem ilustrar esta mentalidade, a comparação feita por Le Corbusier da casa a uma
“máquina de morar”, a um “instrumento” ou “objeto de uso”. Afirma que tal metáfora
seria aplicada a toda a cidade, que também deveria funcionar como uma máquina.
Como resultado, tem-se a excessiva preocupação com a ordem, a higiene e o
traçado regular, bem como com a funcionalidade e a modernização
550
.
Vale menção à seguinte passagem da obra de Le Corbusier:
Trata-se de arrancar uma sociedade de seus pardieiros, de procurar o
bem dos homens, de realizar as condições materiais que
correspondam, naturalmente, às suas ocupações. Instrumental a ser
forjado pela forma, pelo volume e disposição de unidades
perfeitamente eficientes, cada uma colocada a serviço das funções
que ocupam ou deveriam ocupar o tempo quotidiano; unidades de
habitação compreendendo a morada e seus prolongamentos; unidade
de trabalho: oficinas, manufaturas, escritórios; unidades de cultura do
espírito e do corpo; unidades agrárias, as únicas capazes de reunir os
fatores materiais e espirituais de um renascimento camponês; enfim,
ligando todos esses elementos e lhes emprestando vida, as unidades
de circulação, horizontais, destinadas a pedestres e automóveis,
verticais
551
.
Restam claras, neste excerto, as quatro funções básicas a serem respeitadas
no planejamento e reforma urbanos, quais sejam: função de habitar, função de
trabalhar, função de lazer e função de circular. Isto é o que Freitag descreve como
“essência do receituário do urbanismo moderno”, constante da redação da Carta de
Atenas, elaborada por Le Corbusier dez anos após um encontro de arquitetos e
urbanistas na capital da Grécia, ocorrido em 1933
552
. Note-se, a esta altura
considerando-se, obviamente, limitação à amplitude da discussão -, referência à
resultante organização do espaço geográfico urbano como reflexo das intervenções
pautadas pelo pensamento moderno.
Afinal, emerge como perspectiva de grande relevância, na medida em que vai
ao encontro dos esforços empreendidos por pensadores contemporâneos de
550
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão
urbanos. p. 126.
551
LE CORBUSIER. Planejamento urbano. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1984. p. 62.
552
FREITAG, Bárbara. Teorias da Cidade. p. 59.
184
correlacionar a análise das crises ambiental e civilizacional à crise do
conhecimento
553
. E, como tônica comum presente nas reflexões, observa-se
especial destaque para processo de fragmentação do fenômeno urbano
desencadeado pela aplicação das premissas do pensamento científico cartesiano ao
planejamento, vez que orientado para a divisão do território em zonas de uso
consoante a funcionalidades exclusivas. Registre-se a manifestação de Lefebvre a
respeito:
Mais técnica, a noção de equipamento acarreta o mesmo resultado:
as funções isoladas, projetadas separadamente no terreno,
fragmentos analíticos de uma realidade global que esse procedimento
destrói. A vida urbana localizar-se-ia nos diversos e diversificados
equipamentos que respondem a todos os problemas. [...] Igualmente,
basta mencionar a multiplicação de autoridades, das competências,
dos serviços, dos departamentos dos quais dependem os ‘elementos’
separados da realidade urbana. [...] Situação que seria cômica se não
implicasse uma prática: a segregação, pela projeção, separadamente,
no terreno, do todos os elementos isolados do todo
554
.
Também Harvey, nestes termos:
As cidades pós-modernas [...] apresentam-se como um tecido
fragmentado, uma “colagem” de usos correntes, muitos dos quais se
notabilizam pela enfermidade. Ciente de sua impotência de planejar e
comandar a cidade no seu todo, o projeto urbano se executa aos
pedaços, repleto de particularismos, sensível apenas “às histórias
locais, aos desejos, necessidades e fantasias particulares”,
desconsiderando o todo da cidade e o meio natural como base vital
para as transformações empreendidas
555
.
Neste esteiro, ainda Morin discorre sobre o processo de construção do
espaço urbano e suas funcionalidades como resultado das contradições e
antagonismos decorrentes do próprio desenvolvimento dos padrões cognitivos
dominantes no processo de evolução do pensamento científico. Ao descrever o que
553
Mencione-se a importante contribuição de Leff, que assim sintetiza a questão: “A crise ambiental é
a crise do nosso tempo. O risco ecológico questiona o conhecimento do mundo, esta crise apresenta-
se a nós como um limite do real, que ressignifica e reorienta o curso da história: limite do crescimento
econômico e populacional; limite dos desequilíbrios ecológicos das capacidades de sustentação da
vida; limite da pobreza e da desigualdade social. Mas também crise do pensamento ocidental: da
“determinação metafísica” que, ao pensar o ser como ente, abriu o caminho para a racionalidade
científica instrumental que produziu a modernidade como uma ordem coisificada e fragmentada,
como formas de domínio e controle sobre o mundo. Por isso, a crise ambiental é acima de tudo um
problema de conhecimento [...]”. LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. p. 191.
554
LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. p. 170.
555
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 13. ed. São Paulo: Edições Loyola. p. 69.
185
denomina de “agonia planetária”
556
, refere-se à cidade contemporânea como mais
um elemento causador do mal-estar ou mal de civilização
557
. Estas as suas palavras
na expressão da vida urbana burocratizada, reflexo deste processo:
A cidade luz, que oferece liberdades e variedades, torna-se
igualmente a cidade tentacular, cujas coerções, a começar pelas da
casa/metrô/trabalho, sufocam a existência, e cujo estresse acumulado
esgota os nervos. [...] A vida democrática regride. Quanto mais os
problemas adquirem uma dimensão técnica, tanto mais escapam às
competências dos cidadãos em proveito dos especialistas. Quanto
mais os problemas de civilização se tornam políticos, tanto menos os
políticos são capazes de integrá-los em sua linguagem e seus
programas
558
.
Também ao discursar sobre a falsa racionalidade decorrente do paradigma da
disjunção/redução/compartimentação do conhecimento, e de seus efeitos
paradoxais, faz referência ao desastroso impacto relativo à fragmentação do
fenômeno urbano:
A falsa racionalidade, ou seja, a racionalização abstrata e
unidimensional, triunfa no campo: os loteamentos apressados, os
sulcos demasiados profundos e longitudinais, o corte de matas e a
desarborização não controlados, o asfaltamento de estradas, o
urbanismo que visa apenas a rentabilização da superfície do solo, a
pseudo-funcionalidade planificadora que não leva em conta
necessidades não quantificáveis e não identificáveis por questionários,
tudo isso multiplicou os subúrbios retalhados, as cidades novas que
se tornam rapidamente núcleos isolados de tédio, de sujeira, de
degradações, de incúria, de despersonalização, de delinqüência”
559
.
556
O autor afirma que “durante o século XX, a economia, a demografia, o desenvolvimento, a
ecologia se tornaram problemas que doravante dizem respeito a todas as nações e civilizações, ou
seja, ao planeta como um todo”. Passa, assim, a elencar algumas das questões que classifica como
mais evidentes (desregramento econômico, desregramento demográfico, crise ecológica e crise do
desenvolvimento) e de segunda evidência (balcanização do planeta, crise do futuro, mal-estar de
civilização, lógica da máquina artificial e do pensamento mecânico parcelar) na constituição do que
denomina de “agonia planetária”. Em outras palavras, um conjunto policrísico em que se sobrepõem
de forma complexa e solidária vários problemas e antagonismos vitais, como a crise do
desenvolvimento, a crise da modernidade, a crise de todas as sociedades. MORIN, Edgar; KERN,
Anne Brigitte. Terra Pátria. Tradução de Paulo Azevedo neves da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2002. p.
65 e ss.
557
Apresenta o “mal de civilização” dividido em males objetivos decorrentes das disfunções
econômicas, da burocracia, da degradação ecológica e da mecanização que assume o controle da
complexidade humana e em males subjetivos externalizados na degradação das relações
pessoais, solidão, perda das certezas, “anonimização” e “atomização” do indivíduo. Ibidem, p. 84.
558
Ibidem, p. 84.
559
Ibidem, p. 156.
186
Ocorre, entretanto, que o próprio pensamento científico, evoluindo, acaba por
fornecer alguns dos conceitos essenciais a uma adequada compreensão da
multidimensionalidade do fenômeno urbano: o reconhecimento de problemas de
complexidade organizada. Esta contribuição, traduzida do pensamento científico
para o conhecimento geral, tornou-se parte do arcabouço intelectual dos tempos
atuais, passando a ser empregada na análise dos mais diversos objetos de estudo.
Conseqüentemente, também profissionais vinculados ao planejamento e gestão
urbanos passam, de forma gradual - ainda não corrente, diga-se -, a pensar a cidade
sob orientação do paradigma sistêmico ou ecológico
560
. Ou seja, como um
organismo composto por incontáveis elementos relacionados de modo
intrincavelmente interconectado
561
.
Surgem, então, descrições da cidade relacionando-a aos processos
biológicos – com ênfase na sustentabilidade -, representadas na concepção de
ecossistema urbano
562
. Na seqüência, em complementaridade a esta nova
racionalidade, fortalece-se o ideário do desenvolvimento urbano sustentável,
sobretudo após a publicação do Relatório Brundtland
563
, que apresenta capítulo
específico sobre a matéria. Busca-se analisar diferentes tipos de problemas
ambientais verificáveis no meio urbano de modo articulado, como as várias formas
de poluição ambiental, a produção de rejeitos, as agressões à cobertura vegetal e
560
Cumpre aqui apontar que, ao passar a exercer forte influência sobre outras áreas do
conhecimento, o paradigma sistêmico promove retorno ao pensamento complexo e contextualizado
(holístico, multidimensional, ecologizado, processual, interdisciplinar com reconhecimento da
incerteza), que havia sido suplantado pelo mecanicismo. Na lição de Leff: “O fracionamento do corpo
das ciências confronta a complexidade do mundo indicando a necessidade de se construir um
pensamento holístico e integrador das partes fragmentadas do conhecimento, para a retotalização de
um mundo globalizado; os paradigmas interdisciplinares e a transdisciplinaridade do conhecimento
surgem como antídotos à divisão do conhecimento gerado pela ciência moderna”. LEFF, Enrique.
Epistemologia ambiental. p. 207.
561
JACOBS, Jane. The death and life of great American cities. p. 439.
562
Uma análise do conceito é realizada por Martins Júnior: “As cidades podem ser entendidas a partir
dos conceitos de ecossistemas. Os ecossistemas naturais apresentam organismos produtores,
consumidores e decompositores, de modo a garantir uma contínua reciclagem de substâncias
químicas. As cidades correspondem à etapa consumidora da cadeia alimentar. Em outras palavras,
as cidades podem ser entendidas como parasitas do ambiente rural, porque produzem pouco ou
nenhum alimento, poluem o ar e reciclam pouca ou nenhuma água e materiais inorgânicos. Mas as
cidades são simbiontes quando produzem e exportam mercadorias, serviços, dinheiro e cultura para
o meio rural em troca do que recebe deste”. MARTINS JÚNIOR, Osmar Pires. Uma cidade
ecologicamente correta. Goiânia: AB, 1996. p. 27.
563
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, 1988.
187
aos mananciais. Ao mesmo tempo, discorre-se sobre as necessidades materiais das
populações urbanas e a questão da pobreza
564
.
Como reflexo, passa-se ao emprego de novos hábitos de pensamento mais
adequados à compreensão do comportamento das cidades. Enfim, não se pode
pretender compreender o espaço urbano sem a consideração das relações globais
que o permeiam, as quais estão diretamente vinculadas de forma complexa. Isto
resulta em significativa alteração da percepção e forma de tratamento da ambiência
urbana, a refletir na formulação do planejamento e elaboração legislativa. Como
conseqüência, rediscute-se, na atualidade, inovadora perspectiva acerca da
concepção de planejamento, com o reconhecimento da dupla dimensão do
processo, técnica e política, bem como com a incorporação de elemento relativo à
compreensão de sustentabilidade. Todavia, é, sobretudo, reflexo da alteração
sofrida pela configuração real do espaço urbano, a desencadear, necessariamente,
inovadoras representações da cidade.
Planejamento urbano e meio ambiente: sobre o ato de planejar a cidade
sustentável
Tendo-se em conta o sucinto panorama traçado, bem como os conceitos
abordados no restante do trabalho, no que diz com a perspectiva crítica propalada
pela doutrina e orientadora dos debates internacionais que se desenrolam na
atualidade, pode-se afirmar a compreensão do planejamento como instrumento do
desenvolvimento sócio-espacial, não mais limitado, portanto, ao caráter meramente
regulatório. Significa a configuração de importantes e inovadores elementos que
passam a impor-se à administração das cidades com vistas à implementação do
discurso da sustentabilidade. Traz-se, na oportunidade, destaque para (1) a
integração inter-setorial entre as políticas urbanas, sobretudo das questões
ambientais; (2) a integração entre elementos técnicos e políticos, com a superação
da funcionalidade limitada a aspectos físico-territoriais; (3) a distinção e
complementaridade dos conceitos de “gestão” e de “planejamento”.
564
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão
urbanos. p. 146.
188
Principie-se pela ênfase na instituição de um planejamento integrado,
consoante a imperiosidade de implantação de coordenação inter-setorial, com
destaque para o vetor ambiental. Deve o planejamento prever, neste âmbito, o
controle do uso do solo sobre todas as áreas da cidade, reconhecendo a
integralidade do território (áreas urbanas, rurais
565
ou de preservação do ambiente
natural) e suas relações, bem como identificar suas vocações e relacioná-las
adequadamente à dinâmica das atividades desenvolvidas. Isto porque se verifica, na
cidade contemporânea, a presença de urbanização por todo o território, a determinar
a coexistência dos espaços urbanos e naturais
566
.
Requer-se, nesse sentido, maior capacidade de gestão, controle da
densificação, regulação de atividades incompatíveis ou inconvenientes,
monitoramento da capacidade de adensamento para a adequada utilização da infra-
estrutura e a tomada de medidas que evitem a deterioração urbana e a degradação
ambiental mediante mecanismos que possibilitem a manutenção do patrimônio
edificado e natural
567
. Manifestação do reconhecimento da alta complexidade da
conformação do território e da impossibilidade de apreendê-lo em sua totalidade a
não ser pela integração das informações, conhecimentos e dados detidos pelos
diversos atores do cenário urbano. Entendimento este que comunga com o conteúdo
565
A distinção entre zona urbana e zona rural, elemento tradicional de análise do planejamento, tem
por fundamento definição contida no Código Tributário Nacional acerca da incidência de Imposto
Predial Territorial Urbano (IPTU), consoante redação de seu art. 32, §1º: Para efeitos deste imposto,
entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da
existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou
mantidos pelo Poder blico: I meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II
abastecimento de água; III sistema de esgotos sanitários; IV rede de iluminação pública, com ou
sem posteamento para distribuição domiciliar; V escola primária ou posto de saúde a uma distância
máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado”.
566
A respeito, Pereira apresenta síntese da lição de Yves Chalas: “Chalas também apresentou sua
caracterização de cidade contemporânea; para ele a urbanidade que hoje se desenha não faz tábua
rasa de elementos tradicionais da análise urbana (rural/urbano; centro/periferia; cidade/não-cidade;
homogêneo/heterogêneo; contínuo/descontínuo; misto/segregado; cheio/vazio); ao contrário, ela os
integra todos, os reorganiza e os redistribui segundo uma dinâmica não dualista do terceiro incluído.
Ele caracteriza a cidade contemporânea como a ‘da mobilidade’, ‘presente em todo o território’,
‘imbricada à natureza, ‘policêntrica’, ‘de várias possibilidades de escolha’, dos vazios’ e ‘a tempo
contínuo’”. PEREIRA, Élson. PEREIRA, Élson. Qual planejamento no contexto da sociedade da
incerteza? Florianópolis e seus planos diretores. II Simpósio Dano Ambiental na Sociedade de Risco,
de 09 a 11 nov. 2007. Florianópolis(SC). O autor cita a fonte: CHALAS, Yves. La “pensée faible”
comme refondation de l’action publique. In : Actes de l’Université transfrontalière d’été “Action
publique et métropolisation: le rôle des espaces publics”, Morges (Suisse) 10-14 septembre 2001.
567
OSÓRIO, Letícia Marques. MENEGASSI, Jacqueline. A reapropriação das cidades no contexto da
globalização. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas
perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 53.
189
do princípio integrativo e com a aplicação do paradigma sistêmico à compreensão
da cidade, anteriormente abordados.
Todavia, não se pode olvidar dos elementos institucionais envolventes da
questão. Considerando-os, Mukai menciona dois sentidos para esta integração. Um
horizontal, referente à circunstância de abranger tanto aspectos econômicos e
sociais, como físico-territoriais e administrativos, enquanto diferentes elementos de
uma mesma realidade. Outro vertical, no que diz com a necessária coordenação
entre o planejamento implementado pelas distintas instâncias (municipal, estadual e
federal), em termos de metas, diretrizes técnicas e normatividade. Somente assim
assegurar-se-á a coerência do processo
568
.
Também Silva é cauteloso ao abordar o tema. Atenta, sobretudo, para a
ausência de ampla competência municipal para o planejamento econômico, e, como
conseqüência, para a necessidade de que a estruturação da pretendida integração
se a partir de uma política de desenvolvimento nacional melhor especificada
quanto à hierarquia dos planos caracterizados por amplitudes diversas. Assim,
entende que “O aspecto econômico do sistema deverá ser mais intenso em nível
nacional, tornando-se menos nos escalões inferiores até o nível local; em
contrapartida, o aspecto da ordenação físico-territorial há de ser mais concreto e
eficaz no nível local e mais geral nos escalões superiores, até o de simples diretrizes
em nível nacional”
569
.
Em especial, interessa ao debate proposto a forma de incorporação do
ambiente a este planejamento pretensamente integrado. Vale-se, nesse sentido, do
entendimento de Almeida, Moraes, Souza e Marques, que afirmam não significar
apenas sua agregação na forma de um capítulo especial, nem a organização de
uma nova hierarquia de valores que tenha em primeiro lugar os valores ambientais.
568
MUKAI, Toshio. Direito urbano e ambiental. p. 116.
569
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 104. Completa: Essa integração dos
aspectos físico-territoriais com os econômicos e sociais só cobrará êxito se se estruturar num sistema
de planejamento urbano global, em que também os aspectos físico-territoriais se integrem com o
econômico em sentido vertical-horizontal, ou seja, desde que o planejamento econômico e social
realizado no nível nacional estabeleça diretrizes do desenvolvimento urbano (inter-urbano ou seja,
da rede urbana nacional), como aspecto da política de crescimento econômico e da melhoria da
qualidade de vida das populações; a essas diretrizes, integradas na política econômica do
desenvolvimento, se vincularia a política urbana no nível regional e estadual, como aspecto da
programação econômica nos mesmos níveis; finalmente, a elas estariam integrados os planos
urbanísticos locais, mais concretamente destinados à ordenação do território para o cumprimento das
funções urbanísticas elementares (habitar, trabalhar, recrear e circular) – ou, como diz a Constituição,
destinados a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (art. 182)”. Ibidem, p.
104.
190
Em realidade, “consiste na análise sistemática, no decorrer de todo o processo de
planejamento, das oportunidades e potencialidades, bem como dos riscos e perigos
inerentes à utilização dos recursos ambientais da sociedade para o seu
desenvolvimento”
570
. Ou seja, permite-se, a partir do emprego desta concepção, a
análise e consideração das diversas inter-relações existentes entre as problemáticas
urbanas, evitando-se tratamento pautado pelo isolamento e compartimentação,
acima criticado.
Observação de extrema relevância elaborada pelos mesmos autores está na
afirmativa de que a determinação de áreas de planejamento e gestão ambiental o
significa apenas uma planificação física do território municipal, objetivando restrições
de uso. Explicitando, discorrerem a respeito da dupla dimensão da temática, técnica
e política, segundo elemento que aqui se pretende destacar. A dimensão técnica,
em suas palavras, “implica o domínio de uma metodologia de trabalho própria no
acesso a informações atualizadas, sistematizadas e agregadas ao nível adequado
às necessidades”, o que fundamenta qualitativamente os processos participativos.
No que diz com a dimensão política, identificam que
nas áreas determinadas com base nos aspectos técnicos, a
implementação das ações para os usos propostos necessita da
participação dos principais atores sociais locais, além da
descentralização administrativa para as principais políticas setoriais
locais
571
. (processo que busca conciliar valores, necessidades e
interesses divergentes e administrar conflitos entre os vários atores
que disputam os benefícios da ação governamental)
No mesmo sentido Souza ao afirmar que “o planejamento e a gestão devem
ser vistos como práxis; como tal, devem ser práticas lúcida e explicitamente auto-
assumidas enquanto políticas, mas de algum modo teoricamente fundamentadas”
572
.
Assim discorre o autor ao tratar dos desafios para a construção de uma perspectiva
crítica do planejamento e gestão urbanos:
Valorização crítica simultânea das dimensões política e técnico-
científica do planejamento e da gestão, sem superestimação do peso
570
ALMEIDA, J. Ribeiro; MARQUES, Telma; MORAES, Frederico E. R.; BERNARDO, José.
Planejamento Ambiental. 2ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Thex Editora, 1999. p. 123.
571
Ibidem, p. 133.
572
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão
urbanos. p. 518.
191
de nenhum dos dois pólos. Se, por um lado, o tecnocratismo é
condenável não somente por seu autoritarismo, mas igualmente por
pretender negar o fato de que planejar e gerir intervenções no espaço
urbano são atividades eminentemente políticas, uma vez que o
sentido e as finalidades da vida coletiva estão em jogo, por outro isso
não deve desembocar na conclusão de que planejar e gerir
prescindem de téchne, de conhecimentos apropriados (técnicos stricto
sensu, científicos etc.), notadamente no que se refere à escolha dos
meios mais adequados para a satisfação de determinadas
necessidades
573
.
Tem-se, assim, a instituição de um debate público aberto com a politização do
planejamento urbano. Como conseqüência, destaca a doutrina citada, portanto, a
premência do fortalecimento de metodologias interdisciplinares de planejamento
574
,
sendo que somente por este viés será possível a articulação das especificidades das
relações estabelecidas entre os ambientes naturais e humanos. Daí a necessidade
de interação entre política urbana e ambiental de forma qualificada.
Quanto à compreensão dos conceitos de gestão e planejamento - terceiro
item destacado -, de utilização tão difundida entre os agentes envolvidos nas
atividades vinculadas ao desenvolvimento urbano, Souza atenta à sua não
identidade. Afirma, em verdade, a necessidade de se empreender ambas as
práticas, vez que apresentam distintas amplitudes de abordagem. Nestes termos:
573
Ibidem, p. 37.
574
Os vários autores dedicados ao tema apresentam hipóteses distintas para explicitar as fases do
planejamento urbano. Exemplificativamente, Mukai e Leal citam as etapas apresentadas por Pierre
(MERLIN, Pierre. L’urbanisme. Paris: Press Universitairesde France, 1996. p.18): etapa: 1)
pesquisa; 2) análise; 3) diagnose; 4) prognose; 5) plano básico e programação. etapa: 1)
realização ou execução do programa; 2) controle e fiscalização; 3) avaliação, revisão e atualização”.
MUKAI, Toshio. Direito urbano e ambiental. p. 115; LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico:
condições e possibilidades da constituição do espaço urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.159.
A este ponto do debate, opta-se, como sugestão de metodologia passível de promover a
incorporação dos posicionamentos expressos, a estratégia elaborada por Orth e Rossetto, autores
que desenvolvem o conceito de “planejamento estratégico participativo” (PEP). Mesmo que se
fundando parcialmente nos modelos já empregados na década passada (sobretudo o planejamento
estratégico), assumem relevância fundamental preceitos voltados à garantia do direito a cidades
sustentáveis e da gestão democrática, associados a instrumentos de análise e diagnóstico. Tem-se,
portanto, enfoque integrado entre as dimensões política e técnica, desenrolando-se em três grandes
etapas: (1) formulação da estrutura de participação e (2) análise e diagnóstico; (3) definição das
estratégias. Para detalhamento, ver: ROSSETTO, Adriana Marques; ORTH, Dora Maria; ROSSETTO,
Carlos Ricardo. O planejamento estratégico formulado a partir da participação da comunidade,
utilizado como indutor do desenvolvimento sustentável de cidade. In: WICKERT, Ana Paula (Org.).
Arquitetura e urbanismo em debate. Passo Fundo: Editora Universidade de Passo Fundo, 2005. p.
163-188.
192
Não obstante, a pretendida (não por todos, felizmente) substituição de
planejamento por gestão baseia-se em uma incompreensão da
natureza dos termos envolvidos. Planejamento e gestão não são
termos intercambiáveis, por possuírem referenciais temporais distintos
e, por tabela, por se referirem a diferentes tipos de atividades. Até
mesmo intuitivamente, planejar sempre remete ao futuro: planejar
significa tentar prever a evolução de um fenômeno ou, para dizê-lo de
modo menos comprometido com o pensamento convencional, tentar
simular os desdobramentos de um processo, com o objetivo de melhor
precaver-se contra possíveis problemas ou, inversamente, com o fito
de melhor tirar partido de prováveis benefícios. De sua parte, gestão
remete ao presente: gerir significa administrar uma situação dentro
dos marcos e dos recursos presentemente disponíveis e tendo em
vista as necessidades imediatas. [...] Longe de serem concorrentes ou
intercambiáveis, planejamento e gestão são distintos e
complementares
575
.
Do excerto colacionado pode-se empreender exercício associativo entre as
práticas de planejamento e gestão e os princípios de Direito Ambiental sobre os
quais se versou em maiores detalhes anteriormente
576
. Afinal, ao assim
compreender-se a significação dos termos em apreço e a interação entre as práticas
que desencadeiam em sua projeção no tempo, remete-se ao desenvolvimento
sustentável. Na medida em que a administração da situação presente, em termos de
recursos e necessidades, não pode realizar-se sem a perspectiva dos
desdobramentos em lapso temporal futuro, formado está o vínculo característico da
solidariedade intergeracional no ato de pensar a cidade e suas funções.
Na mesma esteira, prevenção e precaução configuram-se, aqui, como
princípios orientadores do processo, vez que se impõe a consideração, na tomada
de decisões na atualidade, de análise de causas conhecidas como suscetíveis de
gerar impactos negativos (prevenção), bem como das circunstâncias sobre as quais
ainda não certeza científica quanto à periculosidade ou não se mostra possível
análise precisa de sua demonstração e dimensão (precaução), de modo a promover
seu controle. Permite-se, assim, a inserção no processo de mecanismos de
identificação e avaliação de riscos afetos ao espaço urbano, permitindo-se atuação
voltada a monitorá-los, evitá-los, amenizá-los ou compensá-los. Elementos
fundamentais num contexto de incertezas.
575
Ibidem, p. 46.
576
Vide ponto 2.2.2.
193
Pode-se afirmar, enfim, que as práticas de gestão e planejamento urbano se
prestam à instituição de medidas preventivas, precaucionais, mitigadoras e
compensatórias relativamente ao processo de uso e ocupação do solo e às
atividades e dinâmicas da cidade, incluído o vetor ambiental. Também, promovem
processos decisórios nos quais se impõe pensar o espaço urbano a longo prazo, de
acordo com a garantia da qualidade de vida das novas gerações, através da gestão
democrática, com promoção da participação dos habitantes, titulares do direito à
cidade, de forma capacitada e com amplo acesso à informação e dados
relevantes
577
.
que se atentar, ainda, às limitações e obstáculos que se colocam no
desencadear deste processo. Primeiramente, quanto à obtenção de dados e
informações sobre as variáveis urbanas, ausentes de estudos específicos na imensa
maioria dos municípios brasileiros, seja por falta de qualificação dos membros de
órgãos técnicos, seja pelos escassos recursos financeiros disponíveis. Segundo, a
formação ainda voltada à crença na gestão técnica e imparcial, resistente à
multiplicidade de saberes e elementos envolvidos (econômicos, sociológicos,
culturais, ecológicos, etc). Do que decorre uma terceira dificuldade, relativa ao
despreparo para a condução do processo de participação, a partir de metodologias
adequadas para a identificação de demandas e abertura para todos os atores
sociais. Acrescente-se, reflexamente, a circunstância de o corpo técnico não possuir
total controle quanto ao resultado final do planejamento, vez que passa a ser, em
sua essência, processo socialmente pactuado, dialogado. Quarto, a intensa e não
linear velocidade da transformação da cidade real a partir da apropriação capitalista
do espaço e dos recursos num contexto de incerteza e imprevisão característico da
sociedade contemporânea.
São estas considerações entendidas como necessárias à formulação
qualificada de políticas de planejamento e gestão urbanos. Todavia, requer-se,
diante de todos os pressupostos expostos, análise do ordenamento jurídico pátrio
com o objetivo de verificar o vínculo estabelecido entre as práticas de planejamento
e o Direito, e em que medida as orientações descritas apresentam-se incorporadas
às alternativas legislativas existes. É o que se passa a expor.
577
Somente mais adiante, no Capítulo 3, verificar-se-á interação entre as políticas urbana e
ambiental, bem como sua amplitude de implementação, a partir da previsão legal, com a análise das
diretrizes gerais previstas no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001).
194
3.2.2 O planejamento urbano como instituição jurídica
Impõe-se, ainda, o exame do planejamento sob sua dimensão normativa, de
modo a identificar quais as concepções incorporadas pelo ordenamento jurídico
brasileiro e explicitar como está estruturada a regulamentação da política nacional
de desenvolvimento urbano. Afinal, em razão de sua institucionalização, deixa de se
constituir em instrumento técnico unicamente, passando a ser orientado por regras
técnico-jurídicas, consoante apontado
578
. Estas as considerações de Silva a
respeito:
A institucionalização do processo de planejamento importou convertê-
lo num tema do Direito, de entidade basicamente técnica passou a ser
uma instituição jurídica, sem perder suas características técnicas.
Mesmo seus aspectos técnicos acabaram, em grande medida,
juridicizando-se, deixando de ser regras puramente técnicas para se
tornar normas técnico-jurídicas
579
.
No mesmo sentido Meirelles, ao destacar o papel do regramento jurídico na
concretização da atuação urbanística:
[...] o urbanismo de hoje, como expressão do desejo coletivo na
organização dos espaços habitáveis, atua em todos os sentidos e em
todos os ambientes, através de normas de duas ordens: normas
técnicas de planejamento e construção, recomendadas pela Ciência e
Artes que lhes são tributárias e normas jurídicas de conduta social,
exigidas e impostas pelo ordenamento legal vigente [...]. está a
íntima correlação entre o Urbanismo e o Direito, permitindo-nos
afirmar, mesmo, que não há, nem pode haver, atuação urbanística
sem imposição legal. Isto porque o urbanismo é feito de limitações de
ordem pública ao uso da propriedade particular e ao exercício de
atividades individuais, que afetam a coexistência social. [...]
580
Quanto aos contornos gerais do tema, tem-se como fundamento
constitucional da relação estabelecida entre o processo de planejamento e o Direito
o disposto no art. 174, CF/88, inserto no Título “Da ordem econômica e financeira”,
578
Fernandes chega a concluir, inclusive, pela configuração de um direito ao planejamento como um
direito coletivo novo. FERNANDES, Edésio. Direito urbanístico e política urbana no Brasil: uma
introdução. p. 22.
579
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 90.
580
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. p. 379-380.
195
Capítulo “Dos princípios gerais da atividade econômica”
581
. De sua leitura extrai-se o
entendimento da atividade de planejamento como função essencial do Estado. A
redação de seu §1º determina que “a lei estabelecerá as diretrizes e bases do
planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e
compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”. Ressalta-se,
em complementaridade, o texto do art. 48, IV, CF/88, que determina a aprovação em
lei dos planos para gerarem efeitos jurídicos
582
.
Firma-se, assim, o entendimento de assumirem os planos, em geral, no
ordenamento brasileiro, a natureza jurídica de lei, e, portanto, também os planos
urbanísticos. Cita-se Silva novamente, agora discorrendo especificamente a respeito
do ingresso dos planos urbanísticos no universo jurídico, a partir do que passam a
surtir efeitos sobre a realidade urbana:
O processo de planejamento urbanístico adquire sentido jurídico
quando se traduz em planos urbanísticos. Estes são, pois, os
instrumentos formais que consubstanciam e materializam as
determinações e os objetivos previstos naquele. Enquanto não
traduzido em planos aprovados por lei (entre nós), o processo de
planejamento não passa de propostas técnicas e, às vezes,
simplesmente administrativas, mas não tem ainda dimensão
jurídica
583
.
Quanto às distintas perspectivas do planejamento voltado especificamente ao
desenvolvimento urbano, pode-se falar, com fundamento constitucional, na
existência de um sistema de planejamento urbanístico a abranger a ordenação
espacial do território em todos os níveis, desde o nacional, o regional e o estadual
(rede urbana nacional ou planejamento inter-urbano), até o local (planejamento intra-
urbano ou intra-municipal). O objetivo deste tópico, portanto, é tratar da estruturação
581
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o
setor público e indicativo para o setor privado”.
582
“Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida
essa esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência
da União, especialmente sobre: [...] IV planos e programas nacionais, regionais e setoriais de
desenvolvimento”.
583
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 94. O mesmo autor afirma que, uma vez
existindo a aprovação por lei, o plano urbanístico e a lei que o aprova passam, a constituir uma
“unidade legislativa”. E mais, a natureza de lei se em sentido formal, mas também em seu aspecto
material, vez que importa inovação na ordem jurídica e, conseqüentemente, na realidade urbana, ao
gerar transformações a partir da imposição de limitações, direitos e obrigações em relação à
propriedade do solo.
196
deste sistema no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, constitui-se em tentativa
de compreender como se realiza sua coordenação horizontal-vertical, acima citada,
a partir das previsões constitucionais.
Desenrola-se a temática, aqui, de acordo com a distribuição de competência
em matéria de Direito Urbanístico. Todavia, sem adentrar-se o vasto rol de normas
constitucionais que tem como objeto a globalidade da atividade urbanística, em
todas as possibilidades de sistematização dos elementos normativos estruturantes
da disciplina e de execução da política urbana. Concentrar-se-á, tão somente, na
identificação das regras orientadoras do processo de planejamento do
desenvolvimento urbano, que fundamentam uma hierarquia de planos urbanísticos
com suas distintas amplitudes. Esclarece-se, ainda, que ênfase recairá sobre o
processo no plano municipal, âmbito no qual mais efetivamente se concretiza.
Inicie-se por análise de acordo com o grau de intervenção de maior
abrangência, ou seja, a nível nacional. Considere-se o art. 21, CF/88, em especial os
incisos IX e XX, acerca da competência exclusiva da União para:
IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do
território e de desenvolvimento econômico e social;
XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e transportes urbanos;
Em acréscimo, tem-se o disposto no art. 24, I e §1º, que, ao versar sobre a
competência legislativa concorrente entre União, Estados e Distrito Federal,
determina a competência da União para legislar sobre normas gerais de direito
urbanístico
584
. Convém destacar o art. 182, o qual reafirma a fixação de diretrizes
gerais para a política de desenvolvimento urbano em lei, o que se instrumentalizou
com a edição da Lei n. 10.257/2001, o Estatuto da Cidade. E este diploma indica,
ainda, dentre os instrumentos da política urbana voltados ao planejamento, os
planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social (art. 4º, I)
585
.
584
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I
direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; [...] §1º No âmbito da legislação
concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”.
585
Interessante mencionar que o art. do Estatuto da Cidade reúne síntese das competências
legislativas e materiais constitucionais da União em matéria urbanística. Leia-se: Art. Compete à
União, entre outras atribuições de interesse da política urbana: I legislar sobre normas gerais de
direito urbanístico; II legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito
197
Da interpretação conjunta dos dispositivos apresentados, Silva apresenta a
seguinte tipologia para os planos urbanísticos federais: (1) como definidores de
diretrizes em relação aos objetivos gerais do desenvolvimento urbano (plano
urbanístico federal nacional); (2) como orientadores do desenvolvimento das regiões
geoeconômicas do país (planos macrorregionais); ou, ainda, (3) como ordenadores
do território de acordo com políticas setoriais, como ambiental, econômica, de
saneamento etc. (planos setoriais)
586
.
No que se refere ao nível estadual, mencione-se a competência concorrente
dos Estados com a União para legislar sobre direito urbanístico, sendo-lhes
reservado dispor suplementarmente sobre a matéria, o que é fixado na redação do
art. 24, I, §2º
587
. Desta feita, pode o Estado editar diretrizes gerais para seu território,
por meio de planos urbanísticos estaduais ou regionais, a fim de orientar o
desenvolvimento regional/supramunicipal, desde que observadas as diretrizes gerais
fixadas em âmbito federal e não adentrando os aspectos de interesse estritamente
local. Reforça-se o entendimento com a previsão do art. 4º, I, do Estatuto da Cidade,
dos planos estaduais de ordenação do território como instrumentos da política
urbana. Silva sintetiza algumas possibilidades para os planos estaduais e regionais:
(a) o estabelecimento de regiões de uso industrial; (b) a delimitação
de áreas supramunicipais que se considere necessário submeter a
determinas limitações e a uma adequada proteção ou a
melhoramentos, tais como a tutela do meio ambiente natural (planos
estaduais ou microrregionais de combate à poluição, de proteção
florestal, de preservação dos mananciais que sejam de domínio
estadual CF, art. 26, I), tutela do meio ambiente cultural (patrimônio
do patrimônio histórico, paisagístico, artístico e arqueológico do
Estado), melhoria das áreas de interesse turístico em nível estadual
ou regional; (c) indicação e localização de infra-estruturas básicas
supramunicipais: linhas de comunicação terrestre, marítima e aérea,
saneamento básico, fornecimento de energia e outras análogas, para
conseguir-se o modelo urbanístico do território estadual ou
Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento
e do bem-estar em âmbito nacional; III promover, por iniciativa própria e em conjunto com os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico; IV instituir diretrizes para o desenvolvimento
urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; V – elaborar e executar
planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”.
586
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 106. Para maiores especificações acerca
dos fundamentos, conceitos, funções e conteúdo dos distintos planos federais, ver o mesmo autor, p.
112 e ss.
587
“§2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência
suplementar dos Estados”.
198
microrregional. Claro está que essa atuação ordenadora do território
estadual ou microrregional intra-estadual de observar as diretrizes
gerais do plano de ordenação nacional ou macrorregional (sempre
supra-estadual)
588
.
Também, possuem os Estados competência legislativa exclusiva para o
estabelecimento, por lei complementar, de regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões, consoante art. 25, §3º, CF/88
589
. Muitos são os desafios
operacionais que emergem deste dispositivo para o Direito. A respeito, Vichi cita “o
equacionamento da atribuição de competências administrativas a uma entidade
pública (autarquia) composta pelos Municípios diretamente relacionados à região
metropolitana e a observância do princípio da autonomia política, administrativa e
financeira destes últimos”
590
problema relativo à implementação de integração, que
pressupõe centralização de decisões, com a autonomia das entidades federadas.
Com relação às atribuições do município, o art. 30 da CF/88 relaciona as
competências que lhe cabem no sistema federativo brasileiro. No que diz em
específico ao processo de planejamento urbanístico em âmbito local
591
, destaque-se
o inciso VIII, cuja redação confere competência ao município para “promover, no que
couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso,
do parcelamento e da ocupação do solo urbano (competência legislativa
588
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 107. Detalhes sobre os desdobramentos
jurídicos dos planos urbanísticos federais, na mesma obra, p. 126 e ss.
589
“§3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamento de municípios limítrofes, para
integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”.
590
VICHI, Bruno de Souza. O direito urbanístico e as regras de competência no Constituição
brasileira e no Estatuto da Cidade. In: DALLARI, Dalmo de Abreu; DI SARNO, Daniela Campos
Libórnio (Coord.). Direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 113-127. p. 119.
591
Na lição de Silva, a síntese dos princípios básicos de planejamento local, os quais se apresentam
em consonância com os elementos tratados nos itens anteriores: “I O processo de planejamento é
mais importante que o plano. Essa regra significa que um plano, para ter sentido de ser resultado
do processo de planejamento [...]; II – O processo de planejamento deve elaborar planos estritamente
adequados à realidade do Município [...]; III Os planos devem ser exeqüíveis, isto é, passíveis de
ser efetivamente realizados pela Prefeitura, traduzindo eficiência e eficácia na utilização dos recursos
financeiros, técnicos e humanos; IV – O nível de profundidade dos estudos deve ser apenas o
necessário para orientar a ação da Municipalidade. Valendo dizer que o conhecimento da realidade
irá se aprofundando por aproximações sucessivas de um plano a outro [...]; V - Complementaridade e
integração de políticas, planos e programas setoriais. Como meios de harmonização das realidades
rurais e urbanas do Município e de realização de um desenvolvimento local integrado; VI – Respeito e
adequação à realidade, além da local, e consonância com os planos e programas estaduais e
federais existentes, a fim de atender aos princípios do planejamento estrutural; VII Democracia e
acesso às informações disponíveis”. SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 135-138.
199
exclusiva)
592
. Considere-se novamente, aqui, a redação do art. 182, que determina
que a política de desenvolvimento urbano será executada pelo poder público
municipal.
O Estatuto da Cidade, nas alíneas do inciso III de seu art. 4º, prevê como
instrumentos do planejamento municipal o plano diretor; a disciplina do
parcelamento, do uso e da ocupação do solo; o zoneamento ambiental; o plano
plurianual; as diretrizes orçamentárias e orçamento anual; a gestão orçamentária
participativa; planos, programas e projetos setoriais; e planos de desenvolvimento
econômico e social. Dallari os distingue da seguinte forma, em apurada síntese
quanto às finalidades que lhes são atribuídas:
Os primeiros (plano diretor, disciplina do parcelamento, uso e
ocupação do solo e zoneamento ambiental) são fundamentalmente
planos físicos, destinados a disciplinar os espaços urbanos. Já o plano
plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual são
instrumentos basicamente econômicos, destinados a disciplinar o uso
dos recursos financeiros municipais. A gestão orçamentária
participativa refere-se ao processo de elaboração e execução dos
orçamentos acima referidos e corresponde a princípios e preceitos
constitucionais (princípio participativo, art. 1º, parágrafo único, e
planejamento participativo, art. 29, XII, ambos da CF). Os planos
programas e projetos setoriais referem-se a áreas específicas de
atuação, podendo ter maior ou menor amplitude (por exemplo:
saneamento básico ou coleta e disposição de lixo, educação ou
ensino básico, saúde ou atendimento de emergência etc.). Por último,
são mencionados os planos de desenvolvimento econômico e social,
que vão além da simples disciplina dos recursos financeiros públicos
municipais, para abranger as ações de particulares e de outros níveis
de governo
593
.
Merece atenção especial, ainda que somente em termos genéricos, o plano
diretor, vez que se configura, no âmbito do planejamento local levado a cabo pela
administração municipal, no “instrumento básico da política de desenvolvimento e de
592
Dentre as demais competências municipais relativas à atividade urbanística, tem-se: “Art. 30.
Compete aos Municípios: I legislar sobre assuntos de interesse local; II suplementar a legislação
federal e a estadual no que couber; [...] IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a
legislação estadual; [...] IX promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a
legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”.
593
DALLARI, Adilson Abreu. Instrumentos da política urbana. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ,
Sérgio. Estatuto da Cidade: comentários à lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 71-
86. p. 77.
200
expansão urbana” - consoante previsão constitucional no art. 182, §1º
594
-,
incumbindo-lhe cumprir a premissa da garantia da função social da propriedade
urbana
595
. Cabe-lhe, portanto, a determinação, como normas imperativas aos
particulares e agentes públicos
596
, dos critérios para a verificação do cumprimento
da função social pela propriedade e as condicionantes do exercício desse direito, a
fim de se alcançarem os objetivos da política urbana.
Significa atuar como instrumento legal definidor, em nível municipal, dos
limites, faculdades e obrigações envolventes da propriedade, ao proceder o
estabelecimento do regime que deverá seguir, bem como dos condicionantes das
edificações, de acordo com destino específico fixado para as diferentes regiões do
município, e ao indicar os instrumentos urbanísticos necessários ao
594
Avulta-se a necessidade de fomento ao debate de referido instrumento, na atualidade, na medida
em que o Estatuto da Cidade, diploma legal que regulamentou sua aplicação, fixou, em seu art. 50,
que “Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos incisos I [cidades com mais
de vinte mil habitantes] e II [integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas] do art. 41
desta Lei que não tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor desta Lei [out. 2001],
deverão aprová-lo no prazo de cinco anos”. Consoante informação disponibilizada pelo Ministério das
Cidades, 1.740 municípios brasileiros deveriam fazê-lo até 10 de outubro de 2006, processos ainda
em curso. Disponível em: <www.cidades.gov.br>. Acesso em: 22 mar. 2007.
595
Silva define o plano diretor como instrumento de atuação da função urbanística dos Municípios,
constitui um plano geral e global que tem, portanto, por função sistematizar o desenvolvimento físico,
econômico e social do território municipal, visando ao bem-estar da comunidade local”. SILVA, José
Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 139-140. E acrescenta: “Não é mais um simples
instrumento técnico de trabalho, mas, sim, também, um instrumento jurídico de atuação do governo
local. O plano diretor é o instrumento pelo qual a Administração Pública Municipal poderá determinar
quando, como e onde edificar de maneira a melhor satisfazer o interesse público, por razões
estéticas, funcionais, econômicas, sociais, ambientais etc”. Ibidem, p. 163-164.
596
Sob este enfoque, afirma a doutrina haver vinculatividade da atuação da administração ao
conteúdo dos planos em geral, ao passo que, para o setor privado, apresentam caráter indicativo,
consoante determinação constitucional expressa. Em concordância com esta interpretação: MUKAI,
Toshio. Direito urbano e ambiental. p. 124; e SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p.
91. Relativamente à indicatividade aos particulares, Silva adverte, porém, quanto alguns aspectos
que de qualquer modo se impõe: Por outro lado, se é certo que o plano indicativo não obriga o setor
privado, é também certo, como uma nota de sua índole jurídica: (1º) que a liberdade de atuação do
empresariado privado fica, em termos globais, condicionada à atuação governamental planejada; (2º)
que o setor privado não pode atuar deliberadamente contra os objetivos do plano; (3º) que, naquelas
hipóteses em que a atividade depende de autorização ou licença, a Administração poderá ter em
conta os objetivos, previsões e requisitos estabelecidos, para outorgar, ou não, a autorização ou
licença, pois, em tais casos, sua concessão ou denegação se converte em matéria regrada”. SILVA,
José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 93. Todavia, particularidade em relação aos
planos urbanísticos, vez que tratam do direito de propriedade, em relação ao qual permissão de
intervenção do poder público. Como conseqüência, são sempre vinculantes, em maior ou menor
grau, também em relação aos particulares, sendo que a distinção que se faz é entre planos gerais (de
caráter normativo mais genérico e dependentes de regulamentação posterior) e específicos (de
natureza executiva que, por serem detalhados, vinculam mais concretamente. Ibidem, p. 94.
201
desenvolvimento da cidade
597
. Pode ser considerado, assim, o plano urbanístico
geral a nível local
598
.
Desta feita, devem os demais planos municipais conformar-se às suas
diretrizes. Considere-se, todavia, que o plano diretor deve obedecer às diretrizes
gerais traçadas pela lei federal e a competência dos estados em relação ao
estabelecimento dos planos urbanísticos microrregionais, ou seja,
obrigatoriedade da observância pelo município dos planos nacionais, estaduais e
metropolitanos de desenvolvimento urbano, caso existentes no momento de
aprovação do planejamento local
599
.
que se ressaltar, noutro sentido, não se limitar o instrumento em destaque
à mera distribuição das várias vocações do território municipal. Apresentará, com
grande amplitude, verdadeiro inventário da cidade, englobando a totalidade do
território
600
, seus usos e limitações de uso, em seus aspectos físico, social,
econômico, administrativo, bem como ambiental. Acaba por definir, assim, as
prioridades do governo local, disciplinando, controlando e orientando as atividades
urbanísticas e o desenvolvimento da cidade, de modo a embasar os objetivos e
estratégias da política urbana, daí decorrendo sua extrema relevância à atividade de
planejamento.
Enfim, suas funções podem ser assim sistematizadas: inventário da realidade
urbana; conformação do território, no sentido de promover o aproveitamento racional
597
Os instrumentos urbanísticos definidos no Estatuto da Cidade somente poderão ser aplicados
concretamente pelo poder público municipal caso haja previsão no plano diretor, dentre os quais o
parcelamento, edificação ou utilização compulsória, IPTU progressivo, desapropriação, direito de
preempção, outorga onerosa do direito de construir, operações urbanas consorciadas e transferência
do direito de construir.
598
CUSTÓDIO, Helita Barreira. Normas de proteção ao patrimônio cultural brasileiro em face da
Constituição Federal e das normas ambientais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, Revista dos
Tribunais, abr. /jun., ano 2, 1997. p. 25.
599
Na interpretação de Mukai, obrigatoriedade de observância na medida em que as normas de
direito urbanístico se caracterizam como matéria concorrente dos três níveis de governo. Faz
ressalva, porém, no sentido de que prevalecem as normas e diretrizes dos planos municipais em
caso de conflito com os demais, “se contiverem assuntos, diretrizes ou normas que contemplem
maior repercussão na necessidade local e menor no interesse geral”, ou seja, que digam respeito ao
interesse local. MUKAI, Toshio. Direito urbano e ambiental. p. 120. Silva assume posicionamento
mais restritivo, ao afirmar a vinculatividade para a administração municipal apenas na condição de
normas e diretrizes gerais, não podendo “invadir a competência reservada aos Municípios para
promover o adequado ordenamento de seu território, mediante o planejamento e o controle do uso,
do parcelamento e da ocupação do solo urbano, e para elaborar e executar seu plano diretor (CF,
arts. 30, VIII, e 18) [...]”.SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 107.
600
Atente-se, nesse sentido, ao disposto no artigo 40, §2º, vez que traz reforço à concepção de
integração e complementaridade entre atividades urbanas e rurais ao afirmar que o plano diretor
deverá englobar o território do município como um todo.
202
e otimizado dos recursos; conformação do direito de propriedade do solo; e gestão
do território
601
. Como princípios norteadores aponta-se, em geral, as funções sociais
da propriedade e da cidade, o desenvolvimento sustentável, igualdade, justiça social
e participação popular
602
. Quanto às formalidades relativas à obrigatoriedade
603
, à
competência, ao procedimento de elaboração e/ou alteração, ao conteúdo
604
e
demais requisitos legais, veja-se os artigos 39 a 42 do Estatuto da Cidade.
Cumpre, por fim, consoante foco central da pesquisa, ressaltar o papel do
plano diretor como instrumento operacionalizador da relação entre as políticas
ambiental e urbana no âmbito municipal. Machado anota, a respeito, que “inventariar
e diagnosticar qual a vocação ecológica das diferentes áreas ou espaços de uma
cidade, quais os seus usos e quais as limitações ao uso desses espaços será o
mínimo que um plano diretor deverá conter”
605
. Assim, a variável ambiental
constituirá orientação às diretrizes e disposições objetivas que contém sobre o
parcelamento do solo (incluídas aí regras sobre o sistema viário e processo de
loteamento) e o sistema de zoneamento (seja em relação ao estabelecimento de
zonas de uso, aos modelos de assentamentos, ou criação de áreas verdes e de
preservação e/ou revitalização do patrimônio ambiental, histórico e paisagístico).
Maior relevância assume para os propósitos da presente investigação o seu
grande potencial em desempenhar importante papel no gerenciamento de riscos
urbano-ambientais. Isto na medida em que utilizado na identificação e mapeamento
das áreas suscetíveis a tais vulnerabilidades, com o estabelecimento para as
mesmas de especial regime de ocupação (limitações de uso ou regras rígidas sobre
padrões de edificação) e monitoramento por meio da aplicação de instrumentos
urbanísticos adequados. É o que faz o plano diretor do município de Salvador(BA),
601
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Estatuto da Cidade: guia para a implementação pelos municípios e
cidadãos. p. 44
602
Para detalhamento, ver: SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico
brasileiro. Ordenamento constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do plano diretor. p. 43-
76.
603
Destaque para o dispositivo que define a obrigatoriedade de sua elaboração para cidades
“inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto
ambiental de âmbito regional ou nacional” (artigo 41, V), sendo que os recursos necessários estarão
inseridos dentre as medidas de compensação (§1º).
604
Quanto ao conteúdo mínimo obrigatório do plano diretor, ver também Resolução 34/2005, do
Conselho das Cidades. Disponível em: <www.cidades.com.br/conselho-das-cidades/resolucoes-
concidades/resolucoes-no-01-a-34/ResolucaoN34De01DeJulhoDe2005.pdf>. Acesso em: 10 abr.
2008.
605
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental. p. 165.
203
Lei n. 7.400/2008
606
,
aprovado recentemente, sob orientação das diretrizes gerais
fixadas pelo Estatuto da Cidade, ao conceituar “área de risco” e fixar determinações
específicas para as intervenções nestes locais, nestes termos:
Art. 22. Áreas de risco para a ocupação humana são aquelas
propensas a ocorrência de sinistros em função de alguma ameaça,
quer seja de origem natural, tecnológica ou decorrentes de condições
sociambientais associadas às vulnerabilidades do assentamento
humano, sobretudo quando ocorrem altas densidades populacionais
vinculadas a precárias formas de ocupação do solo
607
.
Art. 23. São diretrizes para as áreas de risco: I - promoção de
assistência técnica para a implantação de edificações em áreas de
risco potencial, associado à geologia, geomorfologia e geotecnia; II -
preservação ou recomposição da cobertura vegetal nas encostas
íngremes de vales e matas ciliares ao longo de cursos d’água,
consideradas áreas de preservação permanente e de risco potencial
para a ocupação humana; III - promoção da requalificação dos
espaços nos assentamentos habitacionais ambientalmente
degradados, com a implantação da infra-estrutura, criação de áreas
públicas de lazer, conservação das áreas permeáveis e dotadas de
cobertura vegetal; IV - promoção de intervenções nos assentamentos
localizados em áreas de risco, incluindo recuperação urbana ou
relocação de ocupações indevidas, quando for o caso, educação
ambiental e orientação para outras construções, visando a melhoria
das condições de vida e segurança da população residente.
Esclarece-se que merecerão especial abordagem, no subcapítulo que segue,
as diretrizes gerais introduzidas pelo Estatuto da Cidade que congregam a
preocupação com a proteção ambiental na elaboração de políticas públicas urbanas
no Brasil, as quais passam a orientar o planejamento em âmbito municipal, e,
portanto, devem ser incorporadas no processo de elaboração e revisão dos planos
diretores. Ainda, dentre os instrumentos passíveis de previsão no plano diretor
voltados à incorporação da questão ambiental no processo de planejamento urbano,
606
Disponível em: <www.seplam.salvador.ba.gov.br/lei7400_pddu/conteudo/texto/lei7400-08.htm>.
Acesso em: 15 abr. 2008.
607
“Parágrafo único. São consideradas áreas de risco no Município do Salvador: I - associados à
geologia, geomorfologia ou geotecnia: a) as vertentes sobre solos argilosos, argilo-arenosos e areno-
argilosos; b) os solos do Grupo Ilhas (massapé), predominantes a oeste da Falha Geológica; c) os
solos da Formação Barreiras, quando associados a altas declívidades; d) locais sujeitos a inundação
dos rios; II - associados a empreendimentos e atividades que representem ameaça à integridade
física e saúde da população ou de danos materiais, entre os quais: a) linhas de alta-tensão da rede
de distribuição de energia elétrica; b) estações transmissoras e receptoras de ondas
eletromagnéticas; c) postos de combustíveis; d) locais de deposição de material de dragagem; e)
edificações condenadas tecnicamente quanto a sua integridade estrutural; f) áreas adjacentes a
gasodutos, polidutos e similares; g) faixas de servidão de rodovias e ferrovias; h) aquelas situadas em
um raio de 3km (três quilômetros) da cabeceira das pistas dos aeroportos”.
204
concentrar-se-á na análise do estudo de impacto de vizinhança (EIV). Isto no intuito
de verificar sua configuração como possibilidade de superação das intervenções
fragmentadas e paliativas, ou seja, como perspectiva de constituir-se em mecanismo
de controle dos processos decisórios decorrentes da gestão das cidades, capaz de
propiciar correta percepção e avaliação dos riscos no ambiente urbano.
3.3 Política urbana e meio ambiente: estratégias de proteção ambiental no
âmbito do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001)
3.3.1 Diretrizes ambientais introduzidas pelo Estatuto da Cidade (Lei
10.257/2001) para a elaboração de políticas públicas urbanas no Brasil
Após proceder-se incursão, no corpo do trabalho, acerca de alguns elementos
considerados no debate que orbita a análise dos riscos ambientais no espaço
urbano - em suas dimensões teórica e dogmática -, impende discorrer sobre as
possibilidades de incorporação de referidos aspectos no processo de implementação
de políticas públicas para as cidades brasileiras. A opção para tanto se limita à
análise da Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade, responsável
pela regulamentação do capítulo constitucional relativo à política urbana (arts. 182 e
183, CF/88)
608
. A eleição de referido diploma legal decorre da circunstância de se
constituir no grande marco regulatório da ordenação do espaço urbano no país,
fixador das diretrizes e objetivos gerais incidentes. Merece destaque, ainda, o fato
de ser fruto de intensa mobilização social
609
e longo período de tramitação
608
Não se pode furtar à referência outros importantes diplomas legais que refletem tentativas de
compatibilização entre a legislação urbanística e ambiental, e que, portanto, poderiam constituir-se
em objeto de análise para os fins aqui propostos, como os mencionados no ponto 2.1.2. Dentre os
mais polêmicos, a Lei n. 4.771/1965 (Código Florestal), a Lei n. 6.766/1979 (Lei Federal de
Parcelamento do Solo) e a Resolução CONAMA 369/2006. No que concerne à produção normativa
de competência municipal, considere-se, em especial, as leis de zoneamento e os códigos de
edificação.
609
O principal ator social da mobilização em torno da matéria, responsável pela elaboração da
Emenda Popular pela Reforma Urbana (que resultou na redação dos arts. 182 e 183), bem como pela
pressão por sua regulamentação por meio da edição de uma Lei Federal de Desenvolvimento Urbano
(alcançada com a aprovação do Estatuto da Cidade), foi o Fórum Nacional de Reforma Urbana,
205
legislativa
610
, acabando por albergar importantes itens da pauta de reivindicação dos
movimentos sociais, sobretudo a garantia dos direitos urbanos, a submissão da
propriedade à sua função social, o direito à cidade e a gestão democrática
611
.
Mas, sobretudo, torna-se objeto de análise por refletir muitas das concepções
aqui tratadas no que diz com a finalidade de harmonização dos preceitos
constitucionais relativos à proteção do equilíbrio ecológico, promoção da sadia
qualidade de vida, direitos fundamentais intergeracionais, dignidade humana e
direito a cidades sustentáveis. Ou seja, a necessária harmonização entre legislação
urbanística e ambiental. E isto a partir, principalmente, da atuação do ente municipal
por meio da implementação de instrumental técnico e jurídico voltado ao
reconhecimento das especificidades de cada realidade local como base do processo
de planejamento e gestão.
No que interessa ao âmbito da problemática sob investigação, frise que a
garantia de efetiva proteção do patrimônio ambiental no Estatuto da Cidade realiza-
se por meio do planejamento e gestão do uso e ocupação do solo urbano seu
objeto primeiro de regulamentação -, em conformidade com as diretrizes e
instrumentos que pre e com o objetivo de garantir a coexistência de interesses
individuais distintos com os interesses sociais, culturais e ambientais da cidade
como um todo
612
. Tal reflete, consoante Fernandes, o fato de que “entre
planejadores urbanos e ambientalistas tem havido um esforço de integração da
chamada ‘agenda verde’ com a ‘agenda marrom’ típica das cidades, de tal forma
articulação formada por várias entidades do movimento popular, ONG’s, federações de sindicatos
urbanos, setores universitários e técnicos de órgãos blicos. FNRU. Instrumentos de
democratização e gestão urbana. 2. ed. Brasil: Fórum Nacional de Reforma Urbana Programa de
Gestão Urbana, 2002.
610
Originou-se na propositura do Projeto de Lei n. 181, de 1989, de autoria do então senador Pompeu
de Souza (PMDB-DF). Restou aprovado no Senado no ano seguinte, porém, uma vez remetido à
Câmara Federal, permaneceu até 1999 como objeto de ampla discussão por diversas comissões.
Houve, então, a designação do deputado Inácio Arruda (PC do B-CE) como relator, o qual elaborou o
substitutivo n. 5.788 após sistematizar as inúmeras emendas incidentes e consultar movimentos
vinculados à reforma urbana. O substitutivo recebeu aprovação da Câmara em 2000, retornando ao
Senado. Com relatoria do senador Mauro Miranda (PMDB-GO), foi encaminhado à votação em junho
de 2001. Antes, entretanto, da sanção presidencial, recebeu alguns vetos, merecendo destaque o
relativo aos artigos que dispunham sobre a concessão de especial de uso de imóvel público para fins
de moradia (matéria que foi disciplinada posteriormente pela Medida Provisória n. 2.220, de
04/09/2001).
611
RIBEIRO, Ana Clara Torres; GRAZIA, Grazia de. A democratização da vida urbana: cidade e
cidadania. FNRU. Instrumentos de democratização e gestão urbana. 2. ed. Brasil: Fórum Nacional de
Reforma Urbana – Programa de Gestão Urbana, 2002. p. 45-51. p. 45.
612
TORRES, Marcos Abreu. Estatuto da Cidade: sua interface no meio ambiente. Revista de Direito
Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, vol. 08, p. 95-113, out./nov. 2006. p. 36.
206
que o meio ambiente seja tratado dentro do contexto do desenvolvimento urbano
mais amplo”
613
.
A respeito, fez-se, nos tópicos precedentes, inúmeras referências a alguns de
seus dispositivos, de modo a fundamentar, pontualmente, o reconhecimento dos
principais posicionamentos adotados. Neste momento, porém, pretende-se
desenvolver análise detida às diretrizes gerais que estabelece em seu art. 2º. A
opção por este caminho de estudo decorre da relevância dos comandos prescritos
não apenas como elementos jurídico-normativos, mas como verdadeira opção
política e ideológica do legislador e da comunidade quanto à gestão do espaço
urbano. Desta feita, apresentam-se como conformadores da atuação de todos os
poderes estatais, em todas as instâncias, o que bem explicita a reflexão de Leal:
Em tal perspectiva, a jurisdição brasileira precisa estar atenta para o
cumprimento das diretrizes gerais de política urbana demarcadas pelo
Estatuto, eis que elas operam analogicamente dentro do sistema
jurídico como os princípios funcionam, ou seja, elas estão postas no
ponto mais alto da escala normativa reguladora da ordenação do
espaço urbano, figurando como as normas supremas desta matéria.
Como tais, elas se afiguram como fonte primária de regulação
específica, ao mesmo tempo que destacam a ordem dos valores,
objetivos e finalidades socialmente professados neste âmbito
614
.
Todavia, não se intenta promover leitura interpretativa pormenorizada e
exaustiva da redação destes comandos. O que se pretende é verificar a presença da
variável ambiental à luz da noção de sustentabilidade urbana, do conteúdo dos
princípios de direito ambiental e do dever de gerenciamento de riscos. Afinal, o seu
teor, ao disciplinar a atribuição estabelecida constitucionalmente ao poder público de
ordenar o uso do solo e proteger o patrimônio coletivo
615
, detalha a referência à
preocupação ambiental - contida no parágrafo único do art. -, como uma das
finalidades das normas destinadas à regulamentação da propriedade urbana.
Significa afirmar que seu caráter como direção geral implica obrigatoriedade aos
municípios no sentido de incluí-la em seus planos diretores e demais legislações
613
FERNANDES, Edésio. Direito urbanístico e política urbana no Brasil: uma introdução. p. 25.
614
LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço
urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 91-92.
615
Destaque para o art. 30, III, CF/88, no que diz com o disciplinamento do emprego do solo; e aos
arts. 23, III; 216 e 225, CF/88, relativos ao patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e
ambiental.
207
relativas ao regramento do uso e ocupação do solo
616
. Veja-se, a seguir, o destaque
indicativo das diretrizes marcadamente ambientais.
A diretriz prevista no inciso I do art. 2º trata da afirmação do direito à cidade
sustentável, largamente explorado anteriormente, sendo desnecessário retomar a
discussão
617
. Apenas repise-se constituir entendimento quanto à necessidade de
realização presente das funções urbanas, com sua manutenção no futuro.
Expressão, portanto, dos princípios do desenvolvimento sustentável e eqüidade
intergeracional, com seus desdobramentos.
Quanto à redação do inciso II, consta o apontamento da “gestão democrática
por meio da participação da população e de associações representativas dos vários
seguimentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de
planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”
618
. Saliente-se, aqui,
novamente, a compreensão da gestão democrática como importante elemento da
noção de sustentabilidade urbana, consoante abordagem procedida no item 2.1.3,
congregando-se tal previsão com os princípios ambientais da participação e da
informação. Ainda, apresenta-se como fundamental no processo de gerenciamento
de riscos, na medida em que, ao promover-se a oitiva da população diretamente
afetada pelas intervenções, identifica-se de modo mais eficiente seus interesses e
anseios imediatos e futuros, bem como suas percepções quanto aos riscos, de
modo a fundamentar e orientar a tomada de decisões que afetam significativas
parcelas da coletividade.
Analise-se, conjuntamente, a redação do inciso XIII, como desdobramento do
mandato de gestão democrática, vez que determina a “audiência do Poder Público
municipal e da população interessada nos processos de implantação de
empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio
616
Nesse sentido, Leal: “É mister que se lembre estarem as normas locais dependentes de uma
releitura a partir do Estatuto da Cidade, para o fim de avaliar se alguma disposição que de
encontro às diretrizes gerais postas, o que configuraria uma situação de antinomia jurídica, passível
de ser solucionada pelo critério da norma superior estabelecida”. LEAL, Rogério Gesta. Direito
urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço urbano. p. 90.
617
Vide ponto 2.1.3.
618
É tema bastante caro à política urbana a descentralização do debate e da administração do
espaço urbano. Sabe-se que a gestão democrática pode passar por processo de esvaziamento na
medida em que o planejamento realizado com participação popular deixa de ser executado ou o é
desviando-se dos objetivos traçados em conformidade com o interesse público. Ver: ARANTES,
Otília; MARICATO, Ermínia; VAINER, Carlos. O pensamento único das cidades: desmanchando
consensos. Petrópolis: Vozes, 2000.
208
ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população”. Está-se,
sob tal orientação, a impor condicionante à atuação pontual potencialmente
degradadora do espaço urbano, de modo a garantir que esta seja comunicada,
avaliada, debatida – tanto pelo poder público como pela coletividade - e, caso
necessário, adequada ou vedada.
Constitui-se, assim, em importante diretriz conformadora da atuação da
administração blica no planejamento e gestão urbanos ao dever constitucional de
gerenciamento de riscos, de modo a garantir o exercício do direito de propriedade de
acordo com as características e condições gerais da cidade. Sua instrumentalização
encontra abrigo na instituição do estudo de impacto de vizinhança, a ser tratado a
seguir. Verifica-se, ainda, a incidência da diretriz relacionada à gestão democrática
como elemento obrigatório de outros procedimentos e instrumentos previstos do
Estatuto da Cidade. Tem-se o art. 4º, III, “f” e §3º (gestão orçamentária participativa);
art. 27, §2º; art. 40, §4º, I (audiência pública no processo de elaboração do plano
diretor); art. 37, parágrafo único (publicidade aos documentos do EIV); Capítulo IV,
art. 47 e seguintes (“Gestão Democrática”).
Agora, para o exercício deste direito (de participação, controle e fiscalização),
é requisito essencial o direito à obtenção de informações. Afinal, “a possibilidade de
participação efetiva da sociedade nos processos deliberativos que envolvem a
aplicação desses instrumentos também requer capacitação técnica dos atores
coletivos populares. Sem o que estarão em desigualdade para enfrentar o
questionamento que, com certeza, será desenvolvido nas arenas políticas locais
pelos interesses imobiliários [...]”
619
.
Os incisos IV e V, por sua vez, remetem a duas importantes dimensões da
questão urbana, relacionada ao planejamento e à gestão. Quanto ao primeiro, define
como orientação o “planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição
espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob
sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento
urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente”. Reflete, primeiramente,
preocupação com a racionalização da atuação urbanística estatal, que deve se
constituir em resultado de planejamento, de modo a garantir a fixação de
619
CARDOSO, Adauto Lúcio. A cidade e seu Estatuto: uma avaliação urbanística da Lei 10.257/2001.
FNRU. Instrumentos de democratização e gestão urbana. 2. ed. Brasil: Fórum Nacional de Reforma
Urbana – Programa de Gestão Urbana, 2002. p. 27-44. p. 43.
209
orientações gerais como pressuposto à edição de planos urbanísticos
620
. O Segundo
ponto relevante diz com a expressão da compreensão integrada entre a distribuição
da população e das atividades, mas não somente de forma localizada, e sim com a
consideração da propagação dos impactos. Neste âmbito, tem-se a integração de
fatores urbanísticos e ambientais em área de abrangência mais ampla que o local da
intervenção.
A diretriz prevista no segundo dispositivo indicado soma-se, em verdade, à
determinação contida no anterior, na medida em que denota preocupação com
harmonização da oferta de bens e serviços urbanos às necessidades da população,
de modo a promover-se o equilíbrio das funções socioambientais da cidade.
Destaca, ainda, a observância das peculiaridades locais, elemento constituidor de
fundamento dos processos de avaliação de impactos e adoção de medidas
mitigadoras ou compensatórias em conformidade com as reais condições do
ambiente que sofre a intervenção. Claro fica, aqui, que cabe aos municípios aplicar
as diretrizes gerais de acordo com suas especificidades.
o inciso VI elenca uma série de parâmetros de atendimento obrigatório na
promoção da ordenação e controle do uso do solo, atividade esta nuclear à atuação
urbanística em âmbito municipal
621
, vez que implica a determinação da vocação de
ocupação e uso de cada parte do território da cidade de modo a garantir a
manutenção das funções urbanas
622
. Indica como orientação a necessidade de
evitar: “a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos
incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso
excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana; d) a instalação de
empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de
tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente; e) a retenção
620
SUNDFELD, Carlos Ari. Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (Org.). Estatuto da Cidade: comentários à Lei Federal 10.257/2001. 2.ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 44-60. p. 56. Destaca o autor ser esta a razão de o Estatuto da Cidade vincular a
utilização de vários instrumentos de competência do ente municipal à prévia edição do plano diretor.
621
Recebe o município atribuição constitucional para a promoção do adequado ordenamento
territorial, através do planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação (art. 30,
CF/88). O instrumento no qual devem estar contidos os critérios básicos para o exercício desta
competência é o plano diretor, com posterior especificação em leis municipais específicas para cada
matéria, como de zoneamento, de parcelamento do solo, de licenciamento, etc.
622
MEDAUAR, Odete. Diretrizes gerais. In: MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes
de (Coord.). Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001, comentários. 2. ed. rev. atual. ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 15-40. p. 30.
210
especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f)
a deterioração de áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental”.
Relaciona-se, portanto, diretamente ao planejamento voltado ao
gerenciamento de riscos, vez que implica na elaboração e execução de políticas
públicas informadas por tais fatores, com a necessária articulação entre as
condições do meio, a infra-estrutura disponível e o que se pretende como
configuração futura do espaço com as novas intervenções. Ainda, servem tais
elementos como critérios para a realização de avaliação de impactos, orientando a
implementação de instrumentos como o estudo de impacto de vizinhança,
oportunidade na qual a avaliação de impactos deve considerar os empreendimentos
e usos existentes no local e na área vizinha, a fim de evitar usos incompatíveis e
inconvenientes.
Na seqüência, a necessária consideração do território da cidade como um
todo, com a abrangência das relações estabelecidas entre áreas centrais e
periféricas, integrantes de uma mesma territorialidade, é contemplada pelo inciso
VII, ao determinar “a integração e complementaridade entre as atividades urbanas e
rurais, tendo em vista o desenvolvimento sócio-econômico do Município e do
território sob sua área de influência”. A respeito, atente-se também ao inciso XII, o
qual remete à noção ampla de meio ambiente, na medida em que menciona a
“proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do
patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico”. Ou seja,
albergada está, nestes dispositivos, a compreensão da cidade como um fenômeno
complexo, composto por dimensão múltiplas, do que decorre o entendimento de
suas dinâmicas a partir das relações globais que a permeiam. Pode significar,
nestes moldes, a superação da concepção isolada/fragmentada/compartimentada de
planejamento.
Menção expressa à noção de sustentabilidade é feita na redação do inciso
VIII, que afirma como diretriz a “adoção de padrões de produção e consumo de bens
e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade
ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de
influência”. Imbricam-se, neste ponto, fatores urbanísticos, ambientais e
econômicos, com a finalidade de nortear os padrões de comportamento no âmbito
da vida urbana. Mesmo face às limitações da competência do ente municipal na
211
instituição de medidas capazes de gerar as implicações pretendidas, está apto a
desenvolver importante papel a partir do planejamento.
Sob outro prisma, entende-se congregada, dentre as diretrizes gerais, a
categoria justiça ambiental, na medida em que há determinação de distribuição
eqüitativa dos impactos positivos e negativos do desenvolvimento urbano, bem
como se enfatiza a valorização dos interesses e necessidades dos diversos
seguimentos sociais. Isto em razão do inciso IX, ao afirmar “a justa distribuição dos
benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização”, bem como do inciso X,
ao considerar necessária a “adequação dos instrumentos de política econômica,
tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento
urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a
fruição dos bens pelos diferentes seguimentos sociais”. Reconhecimento, nestes
termos, de que um modelo mais igualitário de vida urbana pressupõe a adoção de
política redistributiva que inverta as prioridades relativas aos investimentos públicos
e se traduza na garantia de acesso de toda a população aos benefícios da
urbanização
623
.
No mesmo sentido o inciso XIV, segundo o qual se deve promover a
“regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por populações de baixa
renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e
ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da
população e as normas ambientais”. Tais diretivas concretizam-se por meio da
previsão de institutos jurídicos voltados à garantia do acesso formal à propriedade
urbana, à regularização fundiária e à legalização do uso do solo em ocupações
irregulares de baixa renda. Exemplificativamente, o direito de superfície (arts. 21 a
24), o usucapião individual especial de imóvel urbano (arts. e 11 a 14, com
previsão anterior no art. 183, CF/88), o usucapião coletivo especial de imóvel urbano
(art. 10) e as concessões individual e coletiva de uso especial para fins de moradia
(com previsão vetada no projeto de lei, mas contempladas com a edição da Medida
Provisória n. 2.220/2001).
623
CARDOSO, Adauto Lúcio. A cidade e seu Estatuto: uma avaliação urbanística da Lei 10.257/2001.
p. 31.
212
3.3.2 Estudo de impacto de vizinhança: instrumento de política urbana previsto
no Estatuto da Cidade a refletir na tutela ambiental e sua configuração como
mecanismo de gestão de riscos
Seguindo-se à breve digressão sobre as diretrizes gerais, cumpre referenciar,
como fechamento da pesquisa, exemplo de instrumento de política urbana previsto
expressamente pelo Estatuto da Cidade a refletir de modo objetivo a observância da
tutela ambiental quando das práticas cotidianas de gestão das cidades. Pretende-se
abordar apenas um dentre os instrumentos técnicos e jurídicos de competência do
ente municipal que visam ordenar a distribuição de obras e atividades em territórios
urbanos. E isto sob orientação dos objetivos gerais da política urbana fixados
constitucionalmente e das diretrizes apontadas no diploma legal mencionado, bem
como de sua configuração como mecanismo apto a promover o gerenciamento de
riscos ambientais.
Elege-se para tanto o estudo de impacto de vizinhança (EIV), vez que se
destina especificamente à promoção do ordenamento do território e das funções
urbanas por meio da avaliação de impactos relativos a cada nova intervenção de
grande porte, pontualmente considerada. Capaz, portanto, de congregar as
potencialidades da interação entre urbanismo e meio ambiente, contribuindo para a
ampla atividade de planejamento em âmbito municipal
624
. Esclarece-se, entretanto,
624
Não se olvida, por óbvio, que a análise da interação entre as políticas ambiental e urbana pode ser
realizada a partir da consideração da finalidade de outros institutos indicados no art. 4º, da Lei n.
10.257/2001. Registre-se, a título de exemplo, dentre o rol dos institutos tributários e financeiros
(inciso IV), o IPTU (alínea “a”), vez que, com caráter de extrafiscalidade, pode ocorrer sua redução
em relação aos imóveis tombados, ou, ainda, a municipalidade pode instituir o que se tem
denominado de IPTU ecológico, com desconto ou isenção para áreas declaradas como reserva
particular do patrimônio natural. Também, relativamente aos institutos jurídicos e políticos (inciso V),
tem-se o tombamento (alínea “d”); a possibilidade de instituição de unidades de conservação (alínea
“e”); o direito de preempção (alínea “m”); e a transferência do direito de construir (alínea “o”). No que
diz com o direito de preempção, tratado no art. 25, pode ser exercido pelo poder público municipal
sempre que este necessitar de áreas para a criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes (art.
26, VI) e para a criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse
ambiental (art. 26, VII), bem como para a proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou
paisagístico (VIII). No mesmo sentido, a possibilidade de transferência do direito de construir (art. 35)
desde que autorizada em lei municipal baseada no plano diretor quando o imóvel for considerado
necessário para fins de preservação ou como de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou
cultural (art. 35, II). Ver a respeito: MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade, o plano diretor e a proteção
ambiental no âmbito municipal. Revista de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, vol. 8,
out./nov. 2006; MATA, Luiz Roberto. O Estatuto da Cidade à luz do direito ambiental. In: COUTINHO,
Ronaldo; ROCCO, Rogério (Org.). O direito ambiental das cidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p.
103-142.
213
limitar-se a proposta tão somente a apontar a previsão do texto legal e sua utilidade
para o gerenciamento de riscos, sem intenção de realizar análise crítica ou indicar
experiências práticas. Daí o recorte meramente descritivo, neste tópico, como limite
indicado à abrangência investigativa e metodológica do trabalho.
O EIV é instrumento integrante da política urbana, consoante previsão
constante no art. 4º, IV, do Estatuto da Cidade
625
, estando a cargo do poder blico
municipal sua exigência para determinados empreendimentos em área urbana,
públicos ou privados, como condição para a obtenção de licenças ou autorizações
de construção, ampliação ou funcionamento, nos termos do art. 36 do diploma legal
supracitado
626
. Cumpre referir que deve haver previsão no plano diretor para que
sua elaboração assuma caráter de obrigatoriedade, dependendo de determinação
em lei municipal a disciplina sobre a forma de elaboração, análise e tramitação
627
,
bem como de quais empreendimentos estarão submetidos ao instrumento
628
.
625
Vale registrar que se identifica em legislações municipais a exigência de realização de estudo
desta natureza anteriormente à edição da lei federal. Aponta-se, indicativamente, o Plano Diretor do
município de Porto Alegre(RS) do ano de 1979, que determinava a obrigatoriedade de elaboração
do denominado “Estudo de Viabilidade Urbanística” (EVU), e o Decreto n. 34.713/1994 (alterado pelo
Decreto n. 36.613/1996), do município de São Paulo(SP), que dispõe sobre o “Relatório de Impacto
de Vizinhança”. Tais previsões encontraram fundamento na possibilidade de exigência de elaboração
de estudos de impacto ambiental, consoante legislação ambiental, combinada com a competência do
município para legislar sobre assuntos de interesse local.
626
“Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área
urbana que dependerão de elaboração de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV) para obter
as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público
Municipal”.
627
Este é o posicionamento majoritário da doutrina especializada, refletido também nas decisões
judiciais. Todavia, identificou-se argumento dissidente na declaração de voto vencido exarado no
julgamento do Agravo de Instrumento n. 2005.001658-9, da Segunda Câmara de Direito Público, do
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, de autoria do Desembargador Francisco Oliveira
Filho (Julgado em 26/04/2005). Este afirma que eventual omissão da municipalidade em disciplinar o
instrumento não pode prejudicar interesses difusos, e, “diante de notórias preocupações com a saúde
e, ipso facto, risco à sanidade do meio ambiente”, o poderiam estar ausentes de apreciação EIA-
RIMA e EIV, bem como audiência pública, estes sim aptos a produzir prova segura a fim de
caracterizar os pressupostos do art. 273, CPC. Disponível em: <www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 30
abr. 2008.
628
Como critérios para a determinação dos empreendimentos em relação aos quais a concessão de
licença está condicionada a apresentação do Relatório, consoante o Decreto n. 34.713/1994, do
município de São Paulo(SP), considera-se, conjuntamente, a destinação e a área de construção, nos
termos de seu art. 1º: “Art. 1º. São considerados como de significativo impacto ambiental ou de infra-
estrutura urbana os projetos de iniciativa pública ou privada, referentes à implantação de obras de
empreendimentos cujo uso e área de construção computável estejam enquadrados nos seguintes
parâmetros: I industrial: igual ou superior a vinte mil metros quadrados; II institucional: igual ou
superior a quarenta mil metros quadrados; III serviços/comércio: igual ou superior a sessenta mil
metros quadrados; IV residencial: igual ou superior a oitenta mil metros quadrados”. Atualmente, o
instrumento é regulado pelo disposto no Plano Diretor Estratégico (Lei n. 13.430/2002). Íntegra dos
dois diplomas disponível em: <www.cm.sp.gov.br>. Acesso em: 10 mar. 2008. Outro exemplo que
serve de referência é o regramento estabelecido por Porto Alegre(RS). Embora ainda não haja
214
Cabe, portanto, à municipalidade a fixação, por meio de lei, de critérios de
acordo com os elementos característicos da realidade local (físicos, ambientais,
sócio-culturais, econômicos, disponibilidade de infra-estrutura, etc.), bem como com
as diretrizes de planejamento elaboradas especificamente para a cidade. Com
observância, por óbvio, quando da elaboração legislativa, dos objetivos da política
urbana e diretrizes gerais fixadas
na lei federal, bem como orientações constantes
no plano diretor do município.
Consoante se empreende da redação do art. 37
629
, objetiva-se com o EIV a
identificação e avaliação das repercussões positivas e negativas geradas por
determinado empreendimento para o meio e a população do entorno, em termos de
infra-estrutura, qualidade de vida e equilíbrio ecológico. Constitui-se, assim, em
requisito para o licenciamento de grandes empreendimentos em área urbana, na
forma de estudo destinado à identificação e avaliação dos distúrbios que podem ser
potencialmente ocasionados pela edificação ou instalação de atividade. O poder
público, então, estando de sua posse, analisará a viabilidade do projeto, avaliando a
necessidade de intervenções, exigência de contrapartidas ou adequação
630
a fim de
disciplinamento do EIV em lei municipal específica, conforme exigência do Estatuto da Cidade,
menção ao que a legislação municipal anterior denominava de estudo de viabilidade urbanística
(EVU), destinado à aprovação das diretrizes do projeto e verificação do atendimento às legislações
ambiental e urbanística, como requisito para o parcelamento do solo urbano. A indicação das
atividades e empreendimentos que tem sua implementação condicionada à apresentação deste
instrumento é extraída do determinado no plano diretor em vigor (Lei Complementar n. 434/1999), em
especial arts. 55, 56, 86 e 99 e Anexo 5.3 (exemplificativamente: empreendimentos não residenciais
de médio porte, ajuste de normas em projetos que apresentam patrimônio ambiental natural ou
cultural -, centro comercial e shopping center, supermercado, hospital, estabelecimentos de ensino,
estações de radiodifusão, telefonia e televisão, posto de abastecimento, indústria com interferência
ambiental, equipamentos públicos, casas noturnas, etc.). Ver também: Decretos n. 12.715/2000 e n.
14.607/2004.
629
“Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do
empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas
proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões [...]”.
630
“A contrapartida a ser oferecida pelo empreendimento, em troca da possibilidade de sua
realização, pode ser de várias ordens, relacionando-se à sobrecarga que ele provocará: no caso de
adensamento populacional, poderão ser exigidos áreas verdes, escolas, creches ou algum outro
equipamento comunitário; no caso de impacto sobre o mercado de trabalho, poderão ser exigidos
postos de trabalho dentro do empreendimento, ou iniciativas de recolocação profissional para os
afetados; no caso de empreendimento que sobrecarrega a infra-estrutura viária poderão ser exigidos
investimentos em semaforização e investimentos em transportes coletivos, entre outros. O EIV
poderá também exigir alterações no projeto do empreendimento, como diminuição de área
construída, reserva de áreas verdes ou de uso comunitário no interior do empreendimento, alterações
que garantam para o território do empreendimento parte da sobrecarga viária, aumento no número de
vagas de estacionamento, medidas de isolamento acústico, recuos ou alterações na fachada,
normatização de área de publicidade para o empreendimento”. CÂMARA DOS DEPUTADOS.
Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. p. 199.
215
reduzir a perturbação negativa gerada, ou, até mesmo, decidindo pelo indeferimento
da licença.
Sua instituição encontra justificativa na necessidade de se promover a
harmonização do desenvolvimento urbano com os demais interesses da
coletividade, de modo que o exercício do direito de propriedade decorrente da
edificação, instalação ou operação de empreendimentos ou atividades de grande
porte não afronte valores relacionados à qualidade de vida e à defesa do meio
ambiente. Afinal, em que pese a existência de limitações urbanísticas
631
de diversas
ordens
632
, o cumprimento das exigências legais nem sempre se mostra suficiente
para mediar os conflitos e controlar os impactos advindos, como comenta Soares:
“Explica-se: um projeto pode estar em conformidade com todas as
normas urbanísticas e apto a receber a licença de construir mas
mesmo assim ser potencial causador de distúrbios para o interesse
coletivo, dadas as conseqüências geradas com sua implementação.
É que o simples aparecimento de uma obra ou atividade nova pode
gerar constrangimentos e/ou distúrbios se construída em
determinados locais ou representar uma condição considerável. Não
todos os serviços públicos prestados na região (transporte, infra-
estrutura, saneamento, etc.), como também os simples
comportamentos daqueles que habitam nas proximidades podem ser
afetados pela tão-só construção de um empreendimento repita-se -,
ainda que em conformidade com toda a legislação urbanística que
disciplina a forma pela qual ele deve ser levado a efeito”
633
.
Como implicação, avulta a necessidade de regramento no que diz com a
análise dos potenciais impactos de intervenções desta natureza à dinâmica urbana
em conformidade com o porte e finalidade do projeto, as características específicas
631
Registre-se a distinção, no âmbito do Direito Urbanístico, entre as implicações decorrentes da
imposição de limitações administrativas e da função social da propriedade. Segundo Sundfeld:
“Percebe-se que o fazer, nas duas hipóteses, tem um caráter distinto. No primeiro caso, o das
limitações, trata-se de condição para o exercício de um direito. No segundo (função social), trata-se
do dever de exercitar o mesmo direito”. SUNDFELD, Carlos Ari. Função social da propriedade. In:
DALLARI, Adilson Abreu; FIQUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Temas de direito urbanístico 1. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. 11. previsão, no ordenamento jurídico brasileiro, de
instrumentos dos quais pode o poder público se valer de modo a incentivar ou impor a utilização da
propriedade (art. 182, §4º e art. 183, CF/88).
632
Exemplo de limitação urbanística tem-se no zoneamento, cuja função é fixar os usos adequados
para as diversas áreas do território municipal, também se configurando, nestes termos, como
instrumento de planejamento. Ainda, mencione-se os índices urbanísticos, que têm por função
condicionar o direito de construir. Ver: SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p. 239-
259.
633
SOARES, Lucéia Martins. Estudo de Impacto de Vizinhança. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (Coord.). Estatuto da Cidade: comentários à Lei 10.257/2001. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 300-316. p. 307.
216
da região, as relações estabelecidas com o entorno e, mais amplamente, com a
cidade, de modo a subsidiar decisão da administração pública quanto ao local
comportar ou não o empreendimento e seus impactos. Enfim, constitui-se em forma
de exercício de controle prévio, por parte da administração blica, pela
identificação e avaliação dos distúrbios gerados, possibilitando a promoção de
medidas preventivas, mitigadoras e compensatórias. Isto tudo ainda que verificada a
observância por parte do empreendedor dos parâmetros fixados legalmente
634
,
razões da previsão do EIV.
O mesmo dispositivo (art. 37) elenca, em seus incisos, os elementos mínimos
a serem considerados na elaboração do EIV, sobretudo relacionados à infra-
estrutura urbana, de modo a orientar a mensuração dos impactos. referência a
adensamento populacional, equipamentos urbanos e comunitários, uso e ocupação
do solo, valorização imobiliária, geração de tráfico e demanda por transporte público,
ventilação e iluminação, paisagem urbana e patrimônio natural e cultural. Os
confrontando com as determinações presentes nas diretrizes gerais, pode-se afirmar
que nelas encontram abrigo, devendo, portanto, ser interpretados e implementados
de modo integrado. Como resultado, tem-se a superação da análise fragmentada,
com a promoção de visão integrada de todas as funções da cidade, tanto na
perspectiva de diagnóstico das questões, como de planejamento. Veja-se.
A consideração do adensamento populacional gerado pelo empreendimento
(inciso I) relaciona-se diretamente com a oferta de infra-estrutura urbana local
(equipamentos e serviços públicos), cumprindo sua análise em relação ao
incremento de população permanente, mas também quanto ao aumento do fluxo
634
SANT’ANNA, Mariana Senna. Estudo de impacto de vizinhança: instrumento de garantia da
qualidade de vida dos cidadãos urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 145-148. A este ponto, a
autora destaca, como decorrência da consideração apresentada, que haveria alteração da natureza
jurídica da licença urbanística expedida como resultado final de um EIV, se configurando como ato
administrativo discricionário, e não vinculado, como no caso das demais licenças. Afinal, não esa
administração pública limitada, neste âmbito, à simples verificação do cumprimento das exigências
legais pelo interessado. Prestes manifesta posicionamento no mesmo sentido, nestes termos:
“Queremos, tão somente, alertar para o fato de que contemporaneamente, com a necessidade de
análise dos impactos gerados pela atividade e pelos empreendimentos, há uma mudança na natureza
jurídica dessas licenças, até então consideradas vinculadas. Se necessidade de avaliar impactos,
a relação estabelecida extrapola a verificação do cumprimento das normas de um plano urbanístico,
do zoneamento e de outras tradicionais normas urbanísticas. Há uma relação da cidade com o
empreendimento e deste com a cidade, verificando se é possível absorvê-lo e em que condições”.
PRESTES, Vanêsca Buzelato. Plano diretor e estudo de impacto de vizinhança. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, n. 37, ano 10, jan./mar. 2005. p. 85.
217
sazonal
635
. Remete-se, assim, à análise dos equipamentos urbanos e comunitários
(inciso II), que deverá considerar a necessidade de novas instalações ou a
ampliação das existentes, de acordo com o adensamento, a ocupação de novas
áreas ou finalidade do empreendimento sob avaliação, de modo a não sobrecarregar
áreas vizinhas e afetar a qualidade de vida da população do entorno
636
. Caso se
entenda por sua insuficiência para absorver os impactos, pode-se indicar
contrapartida a cargo do empreendedor, relativa à realização de obras de infra-
estrutura conforme a necessidade da população local.
Destaque especial para as implicações relativas à geração de tráfego e
demanda por transporte público (inciso V), distúrbios freqüentes gerados pela
instalação de empreendimentos de grande porte a impactar em toda a dinâmica de
circulação da cidade (como shopping center e complexo hospitalar, por exemplo). O
EIV, nestas circunstâncias, deve envolver a determinação, geralmente a cargo do
empreendedor, de medidas como o alargamento das vias de circulação do entorno,
a instalação adequada de sinalização, incluindo semáforos, a construção de
estacionamento e acesso a ônibus.
Quanto à preocupação relativa ao uso e ocupação do solo (III), decorre da
necessidade de se avaliar não somente a infra-estrutura pré-existente em relação à
demanda gerada, mas também se a área de instalação permite o uso e a ocupação
pretendidas de acordo com o zoneamento preestabelecido, tanto em razão da
finalidade declarada do empreendimento/atividade, como dos impactos. Relaciona-
se com este critério o constante do inciso VI, relativo à necessária consideração dos
elementos ventilação e iluminação. Em verdade, tais aspectos dizem diretamente
com a saúde e a qualidade de vida, traduzindo-se na fixação de índices urbanísticos
específicos, sobretudo envolvendo a limitação do número de pavimentos e o
distanciamento entre as edificações
637
. Todos os incisos até aqui mencionados (I, II,
635
Para Menegassi e Osório, “[...] certamente o objeto de análise do impacto de vizinhança se refere
ao adensamento que gera sobrecarga a infra-estrutura, mas também aos incômodos da maior
animação urbana, com suas movimentações e fluxos (quer por população provisória originária de
atividades e serviços ou comércios; quer por acréscimo de população permanente”. MENEGASSI,
Jacqueline; OSÓRIO, Letícia Marques. Do estudo de impacto de vizinhança. In: MATTOS, Liana
Portilho (Org.). Estatuto da Cidade comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 241.
636
Ibidem, p. 241.
637
SANT’ANNA, Mariana Senna. Estudo de impacto de vizinhança: instrumento de garantia da
qualidade de vida dos cidadãos urbanos. p. 181.
218
III, V e VI) relacionam-se diretamente com as diretrizes gerais correspondentes aos
incisos V e VI do art. 2º.
Tem-se, ainda, o estabelecimento, como objeto do EIV, de análise quanto à
valorização imobiliária decorrente do empreendimento sob estudo (IV), resultado do
investimento em infra-estrutura e recuperação da área do entorno. Também pode
ser compreendida como indicador do cumprimento da função socioambiental da
propriedade
638
. É critério que vai ao encontro da orientação geral relativa à
promoção de distribuição eqüitativa dos benefícios e ônus da urbanização (art. 2º,
IX), de modo que o empreendimento objeto do EIV não poderá resultar em
concentração de renda ou desigualdade social
639
. Identifica-se, mais uma vez,
relação com a categoria justiça ambiental.
Por fim, atente-se ao elemento relativo à preocupação com a paisagem
urbana e patrimônio natural e cultural (VII). Note-se, aqui, a relação estabelecida
entre este critério de observação obrigatória na elaboração do EIV e a diretriz
constante do art. 2º, inciso XII. Decorre da análise sua configuração como
instrumento destinado a auxiliar nas ações de prevenção e proteção do meio
ambiente e do patrimônio cultural, promovendo o diagnóstico antecipado das
condições do entorno e das possíveis conseqüências do empreendimento, de forma
a determinar adequações do projeto a fim de evitar ou minimizar a deterioração. Do
mesmo modo, serve de mecanismo auxiliar na recuperação de áreas degradadas
(seja em relação ao patrimônio histórico, à paisagem ou ao equilíbrio ecológico)
640
,
na medida em que pode indicar ao empreendedor a necessidade de contrapartidas
ou ações compensatórias
641
.
638
“Mais um importante aspecto da verificação do cumprimento da função social da propriedade, a
valorização imobiliária, especialmente a decorrente do investimento blico ou da sua regulação
(capacidade construtiva), tem no impacto de vizinhança um instrumento capaz de avaliar se o
investimento público e valorização privada estão em conformidade com o princípio da redistribuição
da renda urbana e do uso social”. MENEGASSI, Jacqueline; OSÓRIO, Letícia Marques. Do estudo de
impacto de vizinhança. p. 242.
639
SANT’ANNA, Mariana Senna. Estudo de impacto de vizinhança: instrumento de garantia da
qualidade de vida dos cidadãos urbanos. p. 182-183.
640
Ilustrativamente, recuperação da permeabilidade do solo, criação ou manutenção de áreas verdes
no entorno, restrições a anúncios publicitários, recuo em relação às ruas, restauração do patrimônio
histórico nas proximidades, recuperação da paisagem na beira de lagos e rios, instalação de
equipamentos de lazer, etc.
641
SANT’ANNA, Mariana Senna. Estudo de impacto de vizinhança: instrumento de garantia da
qualidade de vida dos cidadãos urbanos. p. 176.
219
Todavia, como o rol não é exaustivo, pode haver detalhamento no âmbito da
legislação municipal, com acréscimo de outros parâmetros. E é justamente esta a
abertura para uma releitura do instrumento, vez que se torna possível a fixação dos
critérios a partir da inserção da variável ambiental, da percepção da categoria risco e
do gerenciamento integral. Tal estratégia amplia sua eficiência para além de
constituir-se em mero instrumento operacionalizador de “ressarcimento à cidade
relativamente à sobrecarga sofrida com o investimento”
642
, passando a atuar como
instrumento de planejamento e gestão de riscos. Apresenta-se, portanto,
fundamental a clara definição dos elementos a serem analisados pelo EIV a fim de
que cumpra com a finalidade que lhe é atribuída.
A fim de que se efetive a abrangência pretendida, entende-se necessário
envolver, para além da observância do determinado nos incisos do art. 2º e do art.
37 como critérios mínimos, descrição de parâmetros específicos relativos às três
dimensões envolvidas: o empreendimento, a vizinhança e os impactos identificados.
A avaliação destes reflete benefícios futuros, vez que conduz a uma caracterização
mais profunda do projeto e suas conseqüências, maior conhecimento das
potencialidades e limitações da área, bem como das tendências de evolução do
espaço urbano e de sua infra-estrutura
643
. Possibilidade, portanto, de planejamento
voltado à manutenção do equilíbrio em perspectiva de futuro e maior publicidade
sobre os rumos do desenvolvimento urbano, com participação da população
interessada.
A título ilustrativo, colaciona-se rol mais extensivo constante do Decreto n.
34.713/1994 (alterado pelo Decreto n. 36.613/1996), que disciplina o instrumento no
município de São Paulo(SP), vez que em consonância com a posição exarada acima
quanto ao detalhamento dos critérios:
Art.3º. O Relatório de Impacto de Vizinhança (RIVI) deverá ser
apresentado à Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano
SEHAB, instruído com os seguintes componentes: I dados
necessários à análise da adequação do empreendimento às
condições do local e do entorno: a) localização e acessos gerais; b)
atividades previstas; c) áreas, dimensões e volumetria; d)
levantamento planialtimétrico do imóvel; e) mapeamento das redes de
642
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e
cidadãos. p. 200.
643
Ver: MOREIRA, Antônio Cláudio M. L. Relatório de impacto de vizinhança. Sinopses, n. 18, dez.
1992. p. 24.
220
água pluvial, água, esgoto, luz e telefone no perímetro do
empreendimento; f) capacidade do atendimento pelas concessionárias
das redes de água pluvial, água, esgoto, luz e telefone para a
implantação do empreendimento; g) levantamento dos usos e
volumetria de todos os imóveis e construções existentes, localizados
nas quadras à quadra ou quadras onde o imóvel está localizado; h)
indicação das zonas de uso constantes da legislação de uso e
ocupação do solo das quadras limítrofes à quadra ou quadras onde o
imóvel está localizado; i) indicação dos bens tombados pelo
CONPRESO ou pelo CONDEPHAAT, no raio de trezentos metros,
contados do perímetro do imóvel ou dos imóveis onde o
empreendimento este localizado; II dados necessários à análise das
condições viárias da região: a) estradas, saídas, geração de viagens e
distribuição do sistema viário; b) sistema viário e de transportes
coletivos do entorno; c) demarcação de melhoramentos públicos, em
execução ou aprovados por lei, na vizinhança; d) compatibilização do
sistema viário com o empreendimento; e) certidão de diretrizes
fornecida pela Secretaria Municipal de transportes SMT; III dados
necessários à análise de condições ambientais específicas do local e
de seu entorno: a) produção e nível de ruído; b) produção e volume de
partículas em suspensão e de fumaça; c) destino final do material
resultante do movimento de terra; d) destino final do entulho da obra;
e) existência de recobrimento vegetal de grande porte no terreno”
644
.
Emerge, das considerações traçadas acerca dos objetivos do instrumento,
questionamento sobre outro elemento relevante ao debate, relativo à possibilidade
de exigência de realização do EIV para a implementação de projetos localizados fora
do perímetro urbano, mas geradores de reflexo ao equilíbrio da cidade. A respeito,
Soares posiciona-se afirmativamente, argumentando como critério a ser eleito a
localização do impacto, e não necessariamente a localização do empreendimento
645
.
É entendimento que decorre da percepção de interdependência das relações
estabelecidas na dinâmica urbana, a justificar que se processe a avaliação de
impactos sempre de forma global e integrada, tanto em relação ao território, quanto
à natureza dos bens impactados.
Não se pode olvidar, também, de outro importante fator de conformação do
instrumento sob análise, que diz com o reconhecimento do dever de informação a
partir da determinação, na redação do parágrafo único do art. 37
646
, da publicidade
dos documentos integrantes do estudo, os quais, disponíveis no órgão competente
644
Disponível em: <www.cm.sp.gov.br>. Acesso em: 10 mar. 2008.
645
SOARES, Lucéia Martins. Estudo de Impacto de Vizinhança. p. 312.
646
“Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que ficarão
disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público Municipal, por qualquer
interessado”.
221
do poder público municipal, podem ser objeto de consulta. É dispositivo que
fundamenta e instrumentaliza a participação popular no trâmite e aprovação do EIV,
em observância ao apregoado pela diretriz disposta no art. 2º, inciso XIII.
Desta feita, permite-se “democratizar o sistema de tomada de decisões sobre
os grandes empreendimentos a serem realizados na cidade, dando voz a bairros e
comunidades que estejam expostos aos impactos dos grandes
empreendimentos”
647
. Resulta, assim, em mecanismo de inclusão social,
contribuindo, também, para o aumento na eficiência da prestação dos serviços
públicos com a atuação em conjunto dos atores que produzem o espaço urbano,
com o reconhecimento da multiplicidade de necessidades e anseios
648
.
Quanto aos procedimentos para elaboração, tramitação e avaliação do EIV, é
matéria a ser detalhada no âmbito da legislação municipal, consoante
mencionado, de modo que extrapola a amplitude de investigação proposta. Limita-se
aqui, apenas, ao registro de alguns elementos que se entende de previsão
obrigatória, de modo a atender às exigências da política urbana traçadas na norma
federal. Primeiramente, (a) a determinação de que a elaboração do EIV seja
realizada por equipe técnica multidisciplinar, vez que se destina à verificação de
questões relativas a diversas dimensões do espaço urbano e áreas de
especialização
649
. Reflexamente, (b) mesmo que a recepção e análise do estudo, e
conseqüente concessão da licença, esteja a cargo de uma única secretaria
municipal, seu exame deve se dar por comissão composta por representantes de
outras pastas, de modo a garantir a participação de corpo cnico com qualificação
específica em cada área envolvida, garantindo-se a efetiva gestão integrada das
política públicas municipais
650
.
Também, fundamental é (c) a previsão de obrigatoriedade de realização de
audiência pública no processo de elaboração do EIV. Entende-se que tal
647
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e
cidadãos. p. 199.
648
MENEGASSI, Jacqueline; OSÓRIO, Letícia Marques. Do estudo de impacto de vizinhança. p. 233.
649
Isto nos mesmos moldes das exigências para o EIA, nos termos do art. 7º, Resolução CONAMA n.
01/1986: “O estudo de impacto ambiental será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, não
dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente
pelos resultados apresentados”. É diretriz incorporada pelo plano diretor de Salvador(BA), vide
Anexo II.
650
Exemplificativamente, Secretarias de Planejamento, Habitação, Meio Ambiente, Água e Esgotos,
Obras e Viação, Transportes, Indústria e Comércio.
222
procedimento deve ocorrer após a apreciação do estudo pelo órgão municipal
responsável, com o intuito de informar a comunidade, colher seu posicionamento e
identificar suas necessidades frentes ao investimento
651
. O resultado da audiência
pública, em que pese não ter caráter decisório, compõe o parecer conclusivo da
administração pública quanto à concessão, condicionada ou não, ou indeferimento
da licença, decisão esta que deve ser devidamente motivada, com a indicação dos
fatos e fundamentos legais que a embasaram
652
.
No que diz com as etapas de elaboração, adota-se o posicionamento de
Sant’Anna, autora que sugere, com fundamento nas previsões existes em
legislações municipais e estudos realizados, quatro etapas
653
. A primeira
corresponde à descrição do projeto, envolvendo informações técnicas sobre sua
concepção, cronograma, atividades desenvolvidas, recursos e matérias-primas
utilizados, produtos e resíduos gerados em todas as fases de execução, desde a
construção até o funcionamento. A segunda refere-se à descrição do ambiente na
área de influência do projeto, ou seja, da área de provável alcance dos impactos,
com atenção voltada às influências diretas e indiretas. É tarefa que envolve distintas
áreas de conhecimento na elaboração de estudo aprofundado.
O terceiro momento diz com a determinação e avaliação dos impactos, tanto
positivos como negativos, consoante art. 36, a partir da consideração da relação
entre o projeto e a área de influência, com vistas ao pleno desenvolvimento,
651
Da mesma forma que no processo de elaboração do EIA, são participantes de uma audiência
pública de discussão de EIV a comissão técnica municipal, que conduzirá o debate; o empreendedor
responsável pelo projeto, que irá apresentá-lo e prestar esclarecimentos; técnicos do setor público ou
privado, que se manifestarão emitindo opiniões e pareceres; a comunidade e ONG’s, que exporão
seu posicionamento, podendo fazer sugestões e reivindicações.
652
Neste aspecto, convém invocar o que a doutrina argumenta a respeito da relação do EIA com a
discricionariedade administrativa na tomada de decisão ambiental, dada a similitude com o EIV. A
respeito, o administrador não está vinculado às decisões do estudo, cabendo-lhe, entretanto, a
consideração de seu conteúdo no processo decisório e a expressão de manifestação fundamentada
quando da decisão. Colaciona-se a abalizada lição de Benjamim sobre a matéria: É bom ressaltar
que o EIA não aniquila, por inteiro, a discricionariedade administrativa em matéria ambiental. O seu
conteúdo e conclusões não extinguem a apreciação de conveniência e oportunidade que a
Administração Pública pode exercer, como, por exemplo, na escolha de uma entre as múltiplas
alternativas, optando, inclusive, por uma que não seja ótima em termos estritamente ambientais.
Tudo desde que a decisão final esteja coberta de razoabilidade, seja motivada e tenha levado em
conta o próprio EIA”. BENJAMIN, Antonio Herman de V. e. Os princípios do estudo do impacto
ambiental como limites da discricionariedade administrativa. Revista Forense, v. 317, 1992. p. 27. No
mesmo sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direto ambiental brasileiro. p. 195; e ANTUNES,
Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p. 203.
653
SANT’ANNA, Mariana Senna. Estudo de impacto de vizinhança: instrumento de garantia da
qualidade de vida dos cidadãos urbanos. p. 189-203.
223
presente e futuro, das funções socioambientais da cidade. Importante, neste ponto,
a consideração do real impacto do empreendimento ou atividade tanto
individualmente quanto somando ao conjunto dos instalados, ou seja, no contexto
do conjunto das variantes que incidem sobre a área. É questão a estar estabelecida
na legislação municipal como de atendimento obrigatório, o que demarca a grande
relevância da adequada fixação de critérios. Ainda, a avaliação dos impactos deve-
se dar de acordo com a categoria risco, sob a orientação dos elementos apontados
no subcapítulo precedente, ou seja, quanto à natureza, perpetuação no tempo, e
abrangência territorial
654
.
Por fim, a quarta etapa, com a proposição de medidas preventivas,
mitigadoras, compensatórias e potencializadoras, realizada com base nos impactos
identificados na fase anterior. Neste aspecto, a autora postula argumento no sentido
de que devem envolver todas as dimensões atingidas pelos impactos (ambientais,
urbanísticas, econômicas e sociais), bem como que devem ser avaliadas e decidas
não somente pela equipe técnica e pelo poder público, mas com a oitiva da
população nas audiências públicas. Todavia, o mais relevante seria a legislação
municipal fixar o cumprimento das medidas pelo empreendedor como condição para
a expedição da licença
655
, ou que este assuma a responsabilidade por sua execução
por meio da assinatura de Termo de Compromisso
656
.
Saliente-se, ainda, que para a propositura de orientação para a fixação de
procedimento de tramitação, fundamental é a abordagem da intersecção entre as
654
Exemplo de previsão que congrega tais elementos tem-se na Resolução CONAMA n. 01/1996, art.
6º, quando do elenco dos fatores de análise obrigatória quando da elaboração do EIA, em especial o
disposto em seu inciso II: “II análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas,
através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis
impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), direitos
e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de
reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios
sociais”.
655
A autora menciona previsão a respeito no decreto regulamentador da Lei n. 5.880/2003, do
município de Guarulhos(SP), que disciplina o Estudo Prévio de Vizinhança (EPIV), nestes termos: a
licença de funcionamento para empreendimento ou atividade somente será expedida se forem
cumpridas todas as medidas compensatórias determinadas no relatório final apresentado pela
comissão do EPIV”. SANT’ANNA, Mariana Senna. Estudo de impacto de vizinhança: instrumento de
garantia da qualidade de vida dos cidadãos urbanos. p. 201.
656
Prestes, ao discorrer sobre a questão, esclarece ser o Termo de Compromisso “um ato
administrativo que integra a licença a ser expedida sendo requisito para a expedição desta. É fruto da
concertação administrativa e tem em seu conteúdo mecanismos jurídicos que podem buscar o
cumprimento judicial das exigências para a instalação do empreendimento ao longo do tempo”.
PRESTES, Vanêsca Buzelato. Plano diretor e estudo de impacto de vizinhança. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, n. 37, 2005. p. 88.
224
políticas urbana e ambiental por meio da relação estabelecida entre o EIV e o EIA.
Isto porque, além deste estar previsto como instrumento da política urbana ao lado
do EIV, no art. 4º, VI, e haver disposição expressa sobre a inter-relação estabelecida
entre os instrumentos no art. 38
657
, pode ocorrer, em decorrência da municipalização
do licenciamento ambiental
658
, de o município cumular a competência para
expedição de ambas as licenças, urbanística e ambiental, em situações que
envolvam impacto local. Necessário, portanto, neste contexto, a compatibilização
dos procedimentos, tanto em âmbito jurídico-institucional quanto relativamente às
metodologias multidisciplinares envolvidas.
A respeito, muitos autores referem-se ao EIV como espécie de EIA aplicado
às especificidades do ambiente urbano, indicando que fora neste instrumento
inspirado, tendo, no princípio, seu uso balizado por suas normas
regulamentadoras
659
. Entretanto, em que pese as similitudes decorrentes de ambos
657
“Art. 38. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação do Estudo Prévio de
Impacto Ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental”.
658
Não cabe, no espaço deste trabalho, desenvolver análise detida acerca do intenso debate que
orbita a questão da determinação de competência ao ente municipal para o licenciamento ambiental.
Limita-se à indicação da fundamentação legal aduzida para a matéria pela doutrina que entende por
sua constitucionalidade. Primeiramente, o reconhecimento do município como ente federativo,
dotado de competências próprias, conforme arts. e 18, da CF/88. Também, a definição de
competência administrativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e municípios para a
proteção do meio ambiente, no art. 23, da CF/88, sendo seu parágrafo único ainda carente de
regulamentação (ver Projeto de Lei Complementar 12/2003), e de competência municipal para
legislar sobre assuntos de interesse local, fixada no art. 30, da CF/88. A previsão expressa consta da
Resolução CONAMA 237/1997, art. 6º, relativamente a empreendimentos e atividades de impacto
ambiental local e delegados pelo Estado por meio de convênio. A título de exemplo, o estado do Rio
Grande do Sul disciplina a descentralização do licenciamento ambiental em seu Código de Meio
Ambiente, arts. 55 a 70, e Resolução CONSEMA 167/2007, existindo, atualmente, 187 municípios
habilitados para seu processamento. Disponível em:
<www.fepam.rs.gov.br/central/licenc_munic.asp>. No município de Porto Alegre, tem-se para a
matéria a Lei n. 8.267/1998 e o Decreto n. 11.978/1998. A Lei n. 8.267/1998, por exemplo, determina
como objeto de análise do licenciamento ambiental elementos que interferem no meio urbano: “Art.
5º. Para avaliação da degradação ambiental e do impacto das atividades no meio urbano será
considerado o reflexo do empreendimento no ambiente natural, no ambiente social, no
desenvolvimento econômico e sócio-cultural, na cultura local e na infra-estrutura da cidade”.
Contempladas, portanto, todas as dimensões da sustentabilidade urbana. Disponíveis em:
<www.portoalegre.rs.gov.br/smam>. Acesso em: 14 abr. 2008. Sobre os argumentos pela
inconstitucionalidade da Resolução CONAMA n. 237/1997, no sentido de extrapolar o poder
regulamentar definido no art. 10, da Lei. n. 6.938/1981,ver: ANDRADE, Filippe Andrade Vieira.
Resolução Conama n. 237, de 19.12.1998: um ato normativo inválido pela eiva da
inconstitucionalidade e da ilegalidade. Revista de Direito Ambiental, o Paulo, vol. 13, jan./mar.
1999. p. 105.
659
Principalmente, o Decreto Federal n. 99.274/1990 e a Resolução CONAMA 01/1986. TOBA,
Marcos Maurício. Dos instrumentos da Política Urbana. In: MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando
Dias Menezes de (Coord.). Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001, comentários. 2. ed. rev.
atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 225-236. p. 226. Dallari também se manifesta
a respeito, retomando o debate acerca da adoção do conceito amplo de meio ambiente, nestes
termos: “A rigor, o segundo [EIV] nem seria necessário, pois o Estudo de Impacto ambiental
225
servirem à constituição de base de informações relativas à análise dos impactos
envolvidos na instalação de empreendimento ou atividade, de modo a subsidiar
qualificadamente a decisão de competência da administração blica, convém
registrar importantes distinções.
Sinteticamente, o EIA, embora previsto como instrumento da política urbana,
é, antes, instrumento da política nacional do meio ambiente (art. , III, Lei
6.938/1981), encontrando previsão expressa no plano constitucional (art. 225, §1º,
IV, CF/88). Possui metodologia específica, com critérios básicos e diretrizes gerais
de elaboração fixados pela Resolução CONAMA 001/1986
660
, e maior abrangência,
na medida em que sua exigibilidade vincula-se a casos em que haja significativa
degradação ambiental
661
, podendo aplicar-se, portanto, quando da ocorrência deste
requisito, também ao espaço urbano
662
. Isto ao passo que a exigibilidade do EIV
para determinado empreendimento ou atividade depende de sua inclusão na
obviamente se refere também a o meio ambiente urbano. Talvez a criação do segundo se deva ao
costume ou ao preconceito no sentido de tomar a expressão ‘meio ambiente’ como abrangendo
apenas o ambiente natural, os recursos naturais, tais como florestas, águas, montanhas etc. Na
verdade, o meio ambiente a ser preservado abrange tanto os bens naturais como os bens culturais. O
que deve variar, diante do caso concreto, é a forma, a metodologia, de realização do estudo, que será
sempre um Estudo de Impacto Ambiental”. DALLARI, Adilson Abreu. Instrumentos da política urbana.
In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coord.). Estatuto da Cidade: comentários à Lei
Federal 10.257/2001. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 71-86. p. 85.
660
Contrastando com rol do art. 37, do Estatuto da Cidade, este específico para o espaço urbano, a
Resolução CONAMA n. 01/1986, dispõe, nos incisos de seu art. 6º, como elementos mínimos de
análise, o diagnóstico ambiental da área de influência do projeto (meios físico, biológico e sócio-
econômico), análise dos impactos ambientais positivos e negativos, definição de medidas mitigadoras
e programa de acompanhamento e monitoramento. Convém atentar, ainda, na composição de seu
conteúdo mínimo, às diretrizes dispostas no art. 5º, relativos, sucintamente, às alternativas
tecnológicas e locacionais (I), aos impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação
(II), à definição dos limites da área geográfica afetada (III), e à identificação e compatibilidade aos
planos e programas governamentais existentes para a área de influência do projeto (IV).
661
O conceito de impacto ambiental consta do art. 1º, da Resolução CONAMA n. 01/1986, devendo a
expressão, porém, ser interpretada como “significativa degradação ambiental”, na medida em que,
segundo Mirra, “não é qualquer alteração do meio ambiente, mas uma degradação significativa, que
implique alteração drástica e de natureza negativa”. MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental:
aspectos da legislação brasileira. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 23.
662
Vale mencionar sua aplicação obrigatória para as situações previstas no rol exemplificativo do art.
2º, da Resolução CONAMA 01/1986, correspondente a atividades em que se presume o significativo
impacto ambiental, e, portanto, para as quais se exige EIA como requisito na primeira etapa do
procedimento de licenciamento ambiental, devendo ser elaborado e aprovado antes da expedição de
licença prévia (arts. 3º e 10, I, Resolução CONAMA n. 237/1997). Rol este que pode ser
complementado, quando o caso, pelos diplomas estaduais e municipais que tratam da matéria, de
acordo com o entendimento discricionário do órgão ambiental competente, em razão de o conceito de
“significativa degradação ambiental” ser indeterminado e passível de ser preenchido de acordo com o
caso concreto. Ver também: Resoluções CONAMA n. 06/1997 e n. 09/1987, e art. 8º, II, Lei
6.938/1981.
226
previsão da lei municipal correspondente, independentemente da potencialidade de
ocorrência de significativo impacto.
E mais. O Estatuto da Cidade deixa claro que a elaboração do EIV não
substitui a elaboração e aprovação do EIA (art. 38), este requerido nos termos da
legislação ambiental. Como conseqüência, “não obstante a semelhança existente
entre os institutos, o legislador espanca quaisquer vidas ao estabelecer a
necessidade do EIA-RIMA para o licenciamento ambiental independente de uma
eventual autorização, licença ou aprovação no âmbito urbanístico em que o EIV se
coloca”
663
. Legitimada, portanto, a administração pública a exigir simultaneamente
ambos os estudos, o que não pode ser negado pelo empreendedor
664
. Não se pode
olvidar, por óbvio, de situações em que, em razão das semelhanças entre os
elementos considerados, um mostre-se plenamente suficiente para embasar os
requisitos que seriam analisados pelo outro, razão pela qual desnecessária a
realização de ambos
665
.
Questão que se coloca, conseqüentemente, com o desenrolar da
interpretação acima desenvolvida, refere-se à necessidade de compatibilização
663
TOBA, Marcos Maurício. Dos instrumentos da Política Urbana. In: MEDAUAR, Odete; ALMEIDA,
Fernando Dias Menezes de (Coord.). Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001, comentários. 2.
ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 225-236. p. 235.
664
SANT’ANNA, Mariana Senna. Estudo de impacto de vizinhança: instrumento de garantia da
qualidade de vida dos cidadãos urbanos. p. 161. Traz-se como exemplo ilustrativo o processo de
licenciamento do shopping center Iguatemi no município de Florianópolis(SC), no qual o
empreendedor, consoante exigência das autoridades competentes, elaborou ambos os estudos, EIA-
RIMA e EIV, mesmo na ausência de lei municipal disciplinando a obrigatoriedade deste. Há referência
às conclusões na redação do acordo celebrado no âmbito da Ação Civil Pública n.
2006.72.0000.2927-8, que tramita perante a Vara Ambiental, Agrária e Residual da Justiça Federal de
Florianópolis. Disponível em: <www.jfsc.gov.br>. Acesso em: 30 de abril de 2008. Outro relevante
exemplo, agora no que diz com tal previsão no âmbito legislativo, refere-se à análise de projetos de
implantação de estações de rádio base para telefonia celular município de Porto Alegre(RS), vez que
exigência de realização de EIA-RIMA, nos termos da Lei municipal n. 8.896/2002, bem como de
EIV (estudo de viabilidade urbanística), consoante determinação do Plano Diretor (Lei Complementar
n. 434/1999, Anexo 5.3). Legislação disponível em: <www.portoalegre.rs.gov.br>. Acesso em: 30 de
abril de 2008.
665
SOARES, Lucéia Martins. Estudo de Impacto de Vizinhança. p. 308. O plano diretor da cidade de
Rio Branco(AC), Lei n. 1.611/2006, é expresso a respeito: §5º. O empreendimento ou atividade
obrigado a apresentar o Estudo Prévio de Impacto Ambiental EIA, requerido nos termos da
legislação pertinente, fica isento de apresentar o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança EIV,
desde que atenda, naquele documento, todo o conteúdo exigido por esta lei. Disponível em:
<www.riobranco.ac.gov.br>. Acesso em: 20 fev. 2008. § No mesmo sentido, previsão constante no
plano diretor de São Paulo(SP), em seu art. 257, §3º (Lei n. 13.430/2002): Os empreendimentos
sujeitos ao Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente
serão dispensados do Estudo de Impacto de Vizinhança e seu respectivo Relatório de Impacto de
Vizinhança”. Disponível em: <www.prefeitura.sp.gov.br>. Acesso em: 20 fev. 2008.
227
entre os procedimentos de expedição de licenças ambientais
666
e urbanísticas
667
,
quando ambos concentram-se na esfera municipal e incidem sobre um mesmo
empreendimento ou atividade. Ou seja, hipótese de empreendimento ou atividade de
significativo impacto ambiental local no meio urbano, e, portanto, incidente a
obrigatoriedade de EIA para seu licenciamento ambiental, havendo delegação pelo
Estado por meio de convênio para seu processamento pelo ente municipal
668
, e
constando, simultaneamente, no rol da legislação municipal dentre aqueles
dependentes de EIV.
Para Prestes, configurando-se esta hipótese, não sentido a exigência de
ambos os estudos, o que acarretaria maior custo, morosidade e burocratização no
procedimento, bem como possibilidade de conflituosidade entre as decisões (uma
licença sendo concedida e a outra negada)
669
. Caberia apenas, portanto, a
666
O conceito de licença ambiental é fixado no art. 1º, II, da Resolução CONAMA n. 237/1997, nestes
termos: “ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições,
restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa
física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras
dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob
qualquer forma, possam causar degradação ambiental”. As espécies de licenças (única, prévia, de
implantação e de operação) e o procedimento de expedição constam, respectivamente, de seus arts.
8º e 10.
667
Como espécies de licenças urbanísticas, destaca-se as edilícias (para edificar, reformar,
reconstruir e demolir), e também as relativas à localização e ao funcionamento de atividades. O
procedimento para sua obtenção desenvolve-se em três fases - introdutória, apreciação do pedido e
decisória -, culminando com a aprovação do projeto e despacho de deferimento da licença, tudo a ser
disciplinado por legislação municipal. Ver: SILVA, Jo Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. p.
434-458.
668
que se referir debate ainda persistente em torno da questão, vez que se questiona a
necessidade de exigência de delegação por parte do Estado para o licenciamento municipal, quando
o município apresentar as condições necessárias ao procedimento (Conselho Municipal de Meio
Ambiente implementado e equipe técnica qualificada), ou se esta competência restaria
suficientemente fundamentada constitucionalmente.
669
Não é incomum observar que a licença urbanística permita a execução de loteamento, por
exemplo, sem identificar os bens ambientais pontuais incidentes no imóvel que podem modificar a
localização de vias, espaços públicos e edificações erigidas a fim de respeitar a exigência destes. A
compatibilização implica analisar o imóvel com todas as suas interfaces, inclusive modificando a
tipologia da edificação para adequar a situação ambiental da área permitindo assim maior
permeabilidade do solo e manutenção de bens ambientais pontuais. Além disso, temos a
possibilidade de não realização do empreendimento, após a análise dos estudos ambientais
pertinentes, que dão conta da concepção e localização deste. A licença urbanística, em tese, pode
autorizar o início da obra e a licença ambiental entender inadequada para o local pretendido,
considerando o porte, atividade desenvolvida e outros elementos pertinentes. Assim, é imprescindível
que entre as fases das licenças ambiental e urbanística, que são expedidas pelos municípios por
intermédio de diferentes Secretarias, ocorra uma interação na análise, respeitadas as peculiaridades
e competências atinentes a cada órgão”. PRESTES, Vanêsca Buzelato. A necessidade de
compatibilização das licenças ambiental e urbanística no processo de municipalização do
licenciamento ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 34, ano 9, p. 84-96, abr./jun.
2004. p. 93-94.
228
realização de EIA, vez que mais complexo e abrangente, desde que incluindo a
observância dos requisitos de análise necessária do EIV
670
. Porém, destaca a autora
ser distinta a situação no caso de o Estado ou a União serem os licenciadores
ambientais:
Nesta hipótese, independentemente do EIA ser exigido por órgão
ambiental de outra esfera, estando previsto na legislação municipal a
descrição da atividade como passível de EIV, cabe ao Município exigi-
lo, apontando as questões que devem ser estudadas cujos impactos
sejam na cidade. Nesta hipótese serão licenciamentos autônomos, até
porque exigidos por autoridades de entes federativos distintos e que
terão estudos distintos, atendendo exigências específicas
671
.
Sugere, então, que a aprovação do EIV deve anteceder a todo o processo,
vez que corresponde à análise da proposta preliminar do empreendedor, seguida da
licença prévia, com a aprovação da localização e concepção do projeto, de modo a
atestar a viabilidade ambiental. Na seqüência, ter-se-ia a concessão da licença de
instalação, para, só então, haver a apreciação da licença de construir, na medida em
que constitui esta o reconhecimento do direito a execução do projeto. Depois, a
licença de operação, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta nas
licenças anteriores. E, somente por fim, a expedição do alvará, quando
demonstrado o atendimento aos condicionantes ambientais impostos nas demais
licenças
672
.
De todo o exposto neste tópico do trabalho, emergem como pontos
conclusivos os seguintes posicionamentos:
670
PRESTES, Vanêsca Buzelato. Plano diretor, estudo de impacto ambiental (EIA) e estudo de
impacto de vizinhança (EIV): um diálogo. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 42, ano 11, p.
241-258, abr./jun. 2006. p. 245. A respeito, lei municipal de Belo Horizonte(BH), ao disciplinar o
parcelamento, ocupação e uso do solo urbano (Lei n. 7.166/1996), exige para os empreendimentos
considerados de impacto (consoante art. 73: “aqueles, públicos ou privados, que venham a
sobrecarregar a infra-estrutura urbana ou a ter repercussão ambiental significativa”) a realização de
EIA-RIMA (art. 74) contemplando requisitos que seriam de competência do EIV, nos termos de seu
art. 74, §2º: “O licenciamento a que se refere o caput depende de prévia elaboração de Estudo de
Impacto Ambiental EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiental RIMA -, contendo a análise
do impacto do empreendimento na vizinhança e as medidas destinadas a minimizar as
conseqüências indesejáveis e a potencializar os efeitos positivos”. Disponível em: <www.pbh.gov.br>.
Acesso em: 30 abr. 2008.
671
PRESTES, Vanêsca Buzelato. Plano diretor, estudo de impacto ambiental (EIA) e estudo de
impacto de vizinhança (EIV): um diálogo. p. 246.
672
PRESTES, Vanêsca Buzelato. A necessidade de compatibilização das licenças ambiental e
urbanística no processo de municipalização do licenciamento ambiental. p. 94-95.
229
(a) a avaliação dos riscos e impactos das atividades e empreendimentos que
atingem o espaço urbano se mostra essencial ao cumprimento dos objetivos da
política urbana - quais sejam, o desenvolvimento das funções socioambientais da
cidade, preservação do equilíbrio ecológico e garantia da qualidade de vida para as
presentes e futuras gerações -, o que tem sido incorporado pelas legislações
municipais;
(b) o EIV, neste contexto, constituindo-se em instrumento promotor da
distribuição espacial da população e das atividades pelo território municipal, atua
como mecanismo de gestão da sustentabilidade urbano-ambiental ao auxiliar no
processo decisório, com fortalecimento da esfera municipal, respeito às
especificidades locais e reivindicações da população, de modo a garantir maior
eficiência das políticas públicas;
(c) igualmente, atua no planejamento comum e integrado entre as políticas
públicas, servindo à avaliação de impactos, indicando medidas preventivas,
precaucionais, mitigadoras e compensatórias, e, ainda, constituindo programa de
monitoramento das atividades (identificação, avaliação e análise de impactos no
meio urbano);
(d) todavia, somente tem sentido e utilidade se integrado a um amplo
processo de planejamento e gestão - sobretudo articulando-se com as previsões do
plano diretor -, bem como se operacionalizado em observância aos princípios
ambientais e estando integrado aos procedimentos de licenciamento urbanístico e
ambiental;
(e) que se considerar, entretanto, a existência de limitações à sua efetiva
implantação, como a carência de informações sobre o território, as populações e
suas atividades, as deficiências técnicas no levantamento de dados, a precária
qualidade da informação sobre os recursos naturais e suportabilidade/saturação
atual e futura do local e as reduzidas condições financeiras dos municípios para a
instituição de corpo técnico;
(f) noutro sentido, agora relativamente à formulação legislativa, observa-se a
inexistência de parâmetros tecnicamente consensuais, na medida em que cabe aos
municípios detalhar os critérios previstos no Estatuto da Cidade, o que implica
resgatar a noção de equipamento público (face à diversidade de dispositivos de
infra-estrutura) e prever prazos de tramitação;
230
(g) por fim, são ainda incipientes as iniciativas legislativas municipais a
respeito do disciplinamento do instrumento desencadeadas após a vigência do
Estatuto da Cidade. existiam anteriormente em algumas cidades, com diferentes
nomenclaturas e nuances, instrumentos análogos, que seguem sendo aplicados,
inclusive com reconhecimento jurisprudencial, previstos em leis orgânicas, decretos
municipais, códigos municipais de meio ambiente e planos diretores
673
. Cabe, agora,
adaptação ao plexo normativo atual, passando, então, a ser discutido de modo mais
intenso, no intuito de garantir-se sua inclusão nas novas redações.
673
Vide Anexo III.
231
CONCLUSÃO
Foi o presente trabalho pautado pela pretensão de se abordar o risco como
categoria central de análise para a compreensão das possibilidades de comunicação
entre as perspectivas ambiental e urbana no processo de planejamento e gestão das
cidades. No enfrentamento do desafio proposto, estruturou-se a construção teórica
em três grandes partes, em conformidade com os objetivos específicos fixados para
o esclarecimento da hipótese assumida. Deste modo, parte-se do desenvolvimento
realizado para se elencar as conclusões que seguem. Esclareça-se, entretanto, que,
inexistindo a intenção de repisar a totalidade dos argumentos aduzidos ao longo do
texto, estas foram aqui estabelecidas tão somente a partir dos mais relevantes
posicionamentos adotados nos tópicos estudados. Veja-se.
Partiu-se de sucinta explanação, no capítulo primeiro, sobre o panorama da
problemática, com destaque para o modo de produção capitalista do espaço e a
qualificação da dinâmica urbana como fator degradante do meio ambiente. Na
seqüência, aclarou-se o marco teórico eleito para o trato do risco ambiental, qual
seja, a teoria da sociedade de risco nos moldes do teorizado por Beck, acrescida de
elementos advindos de reflexão sobre a categoria justiça ambiental quanto à sua
lógica de distribuição - em especial, seu processo de localização ou espacialização
nas cidades. Desta feita, adotou-se como parâmetro para a análise pretendida a
consideração atenta dos seguintes aspetos:
(a) consistem os riscos ambientais em ameaças geradas sistematicamente no
próprio processo de modernização avançada, como conseqüência do
desenvolvimento da tecnologia e da ciência aplicadas aos processos produtivos;
(b) apresentam-se, portanto, como resultado dos processos decisórios
conduzidos sob orientação das relações de definição dominantes, a configurar o que
Beck denomina de irresponsabilidade organizada;
(c) como traços de sua configuração específica, a desafiar a racionalidade
científica baseada na segurança, controle e previsibilidade, tem-se sua potencial
projeção no tempo (danos futuros e cumulativos) e no espaço (dimensões
planetárias), multiplicidade de fontes, indeterminação, imprevisibilidade,
invisibilidade e irreversibilidade quanto às conseqüências;
232
(d) sua desigual distribuição, verificada tanto no plano das relações
internacionais como na definição das territorialidades internas a cada país e cidade,
associa-se à dinâmica da divisão de riquezas e classes sociais. Portanto, reflete-se
nos modos de percepção das situações de risco e nas possibilidades de defesa e
enfrentamento, acompanhando a composição dos conflitos entre os diversos atores
sociais e seus interesses.
Posteriormente, no capítulo segundo, discorreu-se sobre alguns dos
pressupostos conceituais implicados da construção de políticas públicas de
desenvolvimento urbano, centrando-se na abrangência do conceito jurídico de meio
ambiente, e, conseqüentemente, sua extensão para a compreensão do meio
ambiente urbano, bem como na tentativa de apreensão das distintas concepções de
sustentabilidade a este aplicadas. Destaque-se, aqui, como relevante apontamento
conclusivo, o reconhecimento da cidade como bem jurídico ambiental.
Em decorrência, tem-se, resumidamente: a) o entendimento do ambiente
construído (com seus componentes materiais edificações, equipamentos urbanos,
mobiliário urbano -, bem como a própria função social da cidade) como bem de uso
comum do povo; b) pertencente, portanto, à coletividade (ainda que pese sobre os
“microbens” - edificações ou equipamentos urbanos - título de propriedade da União,
Estados ou Municípios) e com caráter de uso e domínio públicos; c) a compreensão
do direito à cidade como direito fundamental difuso, simultaneamente individual e
coletivo; d) a existência de dever constitucional positivo da administração pública em
todas as suas esferas (federal, estadual e municipal) de atuar na defesa e
preservação, seja através da elaboração legislativa, implementação de políticas
públicas ou do poder de polícia; d) incumbindo, também, à coletividade sua
preservação e manutenção, reflexo da responsabilidade compartilhada definida
constitucionalmente para a matéria ambiental.
Mereceu análise, ainda, a imbricação existente entre as disciplinas jurídicas
implicadas no debate, o Direito Ambiental e o Direito Urbanístico, marcando-se a
distinção quanto aos seus objetos imediatos de tutela, ao passo em que se
identificou estreita conexão relativamente aos seus objetos mediatos (a promoção
da garantia da qualidade de vida e o bem-estar dos cidadãos). Questão esta
fundamental para se levar a contento a promoção de harmonização entre as
legislações ambiental e urbanística em situações concretas de conflito, nas quais se
233
enfrente o desafio de articular os preceitos constitucionais de proteção do equilíbrio
ecológico e efetivação do direito a cidades sustentáveis.
Também restou tal inter-relação afirmada por meio da aplicabilidade dos
princípios ambientais positivados no quadro normativo brasileiro sobretudo o
desenvolvimento sustentável, a prevenção, a precaução, a informação, a
participação e a função socioambiental da propriedade - aos processos de gestão e
planejamento urbano. Afinal, ao explicitar-se seu o conteúdo e indicar-se sua
funcionalidade na proteção do urbano como bem jurídico ambiental, demonstrou-se,
por um lado, a incorporação das diretrizes ambientais às políticas urbanas, e, por
outro, a qualificação das alternativas instrumentais legislativas na matéria.
no capítulo final, focou-se no aspecto legal das perspectivas de
gerenciamento dos riscos ambientais, consoante as previsões constantes do
ordenamento jurídico pátrio. Isto em razão da constatação de que adquirem,
também, relevância como importante temática relacionada às transformações
verificadas no âmbito do Direito. Identificou-se, a respeito, construção dogmática
substancialmente alicerçada para a atuação nesta seara, no sentido de adequação
dos instrumentos normativos de tutela do ambiente às funções de evitá-los, reduzi-
los, compensá-los e distribuí-los eqüitativamente.
Afirmou-se, oportunamente, como fundamento constitucional do dever de
gerenciamento de riscos, outros deveres também albergados na Constituição
Federal de 1988, dentre os quais, o de prevenção, precaução e garantia do
desenvolvimento sustentável e/ou da eqüidade intergeracional. Além dos elementos
principiológicos, mencionou-se o EIA como instrumento de gestão dotado de caráter
eminentemente preventivo (art. 225, §1º, IV). Ainda, verificou-se que a matéria se
estende até a revisão de tradicionais institutos civilistas, com destaque para a
responsabilidade civil, vez que, no contexto da sociedade de risco, passa, do mesmo
modo, a ser orientada pela preventividade.
Nesse sentido, reconhecendo-se que o dano vincula-se à existência de um
fator de risco, em substituição à exigência de uma causa adequada, abrangido está
o dever de reparação por ato lícito (responsabilidade objetiva). Considerou-se, sob o
mesmo prisma, a maior amplitude conferida à interpretação do conceito de ilícito,
nos termos em que previsto no art. 187, do Código Civil de 2002, para além da
noção de dano. Tem-se, assim, que a ilicitude civil passa a apresentar-se
configurada, em matéria ambiental, sempre que um risco for considerado intolerável
234
em face do dever de prevenção imposto (o que se por meio da avaliação judicial
da equação probabilidade-magnitude), atuando, assim, como elemento autorizativo
de ações protetivas.
Mantendo-se, ainda, nos limites do capítulo terceiro, se trouxe algumas das
especificidades da construção conceitual dos riscos ambientais característicos da
espacialidade da cidade, em especial o fato de que sua origem associa-se aos
conflitos relacionados ao uso e ocupação do solo. Significa afirmar que riscos
sociais, à saúde e segurança pública, viários, de infra-estrutura, relacionados a
fatores naturais ou à posse da terra, exemplificativamente, interconectam-se no
âmbito do ordenamento territorial e da definição e execução de políticas públicas.
Acrescente-se sua caracterização como resultado de processos decisórios
relativamente a opções aportadas pela administração local ao longo do tempo no
âmbito das políticas setoriais. Tais escolhas refletem-se na configuração atual da
distribuição espaço-territorial e populacional das vulnerabilidades e fatores de risco,
projetando-se, igualmente, de modo imprevisível em relação à qualidade de vida das
populações urbanas futuras.
A este ponto, indicou-se o princípio integrativo como possível modelo para a
releitura crítica das funcionalidades de instrumentos jurídicos com foco no seu
gerenciamento. Interpretou-se, então, um duplo comando como implicação de sua
adoção. Primeiramente, tem-se a necessária observação pelo poder público, no
desenvolvimento e execução das distintas políticas públicas urbanas setoriais, dos
demais princípios gerais de Direito Ambiental. Em segundo lugar, constitui-se
inafastável a promoção, no âmbito dos estudos técnicos obrigatórios, de prévia
identificação e avaliação de forma integrada e global dos riscos e impactos
potenciais relativos à instalação de empreendimentos e atividades - tanto ambientais
quanto urbanísticos, e na grande área contígua de abrangência.
A consideração destes aspectos na forma de diretrizes de observância
obrigatória resulta do enquadramento do dever constitucional do poder blico de
gerenciamento de riscos no espaço urbano às seguintes estratégias:
(a) planejamento do uso e ocupação do espaço urbano com a inserção da
variável ambiental associada a demais fatores que possam influenciar direta ou
indiretamente no equilíbrio ecológico e na qualidade de vida das populações
(planejamento integrado);
235
(b) consideração das possíveis implicações e projeções no tempo das
escolhas administrativas, de modo a pretender assegurar os direitos das futuras
gerações quanto à sustentabilidade urbana (desenvolvimento sustentável e
responsabilidade intergeracional);
(c) promoção de análise adequada e o mais abrangente possível dos
aspectos técnicos envolvidos, no intuito de identificação e avaliação dos riscos
concretos e abstratos associados a áreas suscetíveis à vulnerabilidade ambiental,
de modo a subsidiar a adoção de medidas preventivas e precaucionais (prevenção e
precaução);
(d) garantia da legitimidade democrática das decisões, por meio da
divulgação de informações e instituição de instrumentos participativos (informação e
participação);
(e) observância da função socioambiental da propriedade como elemento
balizador do desenvolvimento urbano, de modo a promover-se a supremacia do
interesse público sobre o privado com vistas à garantia do bem-estar da
coletividade, seja pela imposição de limitações ao uso da propriedade privada ou
pela determinação ao proprietário de lhe conferir destinação.
Por fim, após toda a explanação - somada, ainda, ao apontamento
sistemático das diretrizes ambientais introduzidas pelo Estatuto da Cidade (Lei n.
10.257/2001) -, procedeu-se à abordagem de um dos instrumentos técnicos e
jurídicos de competência do ente municipal em especial, o EIV, no intuito de
verificar, em sua conformação legal, a aplicabilidade prática dos preceitos
considerados ao longo da pesquisa. Ou seja, com vistas a ressaltar sua
configuração como exemplo de mecanismo capaz de propiciar a correta
identificação, avaliação e compensação dos riscos no ambiente urbano. Como
pontos conclusivos, sintetiza-se os seguintes posicionamentos:
(a) o EIV constitui-se em instrumento de planejamento voltado a promover o
gerenciamento de riscos e impactos das atividades e empreendimentos que atingem
o espaço urbano, apresentando-se, portanto, essencial ao cumprimento dos
objetivos da política urbana, no que diz com o desenvolvimento das funções
socioambientais da cidade, preservação do equilíbrio ecológico e garantia da
qualidade de vida para as presentes e futuras gerações;
(b) também, atua no planejamento comum e integrado das políticas públicas,
servindo à identificação e avaliação de impactos, indicando medidas preventivas,
236
precaucionais, mitigadoras e compensatórias, e, ainda, constituindo programa de
monitoramento das atividades;
(c) neste contexto, auxilia no processo decisório atinente às questões urbano-
ambientais, com fortalecimento da esfera municipal, respeito às especificidades
locais e reivindicações da população, de modo a garantir maior eficiência às políticas
públicas;
(d) mas, somente tem sentido e utilidade se contextualizado no processo mais
amplo de planejamento e gestão - sobretudo articulando-se com as previsões
fixadas no plano diretor -, bem como se operacionalizado em observância aos
princípios ambientais e estando integrado aos procedimentos de licenciamento;
(e) que se considerar, entretanto, a existência de limitações à sua efetiva
implantação, como a carência de informações sobre o território, as populações e
suas atividades, as deficiências técnicas no levantamento de dados, a precária
qualidade da informação sobre os recursos naturais e suportabilidade/saturação
atual e futura do local e as reduzidas condições financeiras dos municípios para a
instituição de corpo técnico;
(f) registre-se, também, ainda serem incipientes as iniciativas legislativas
municipais a respeito do disciplinamento do instrumento desencadeadas após a
vigência do Estatuto da Cidade. Está-se, desta feita, na expectativa quanto à
orientação a ser imprimida pelas administrações municipais neste processo, ou seja,
se, de fato, haverá a incorporação da noção de risco e a imposição de estudos
integrados, ou se serão perpetuadas as intervenções fragmentadas e paliativas.
Enfim, é preciso aguardar o decurso do tempo para empreender-se análise mais
precisa dos resultados de sua implementação como possível modelo para a atuação
pública, face às infinitas contradições da dinâmica de produção do espaço urbano do
país.
Todavia, o que mais repercute ao final da pesquisa é o entendimento de que
não basta a edição de leis e regulamentos ou a assinatura de tratados em âmbito
internacional sem ter-se a clareza dos valores em jogo. Daí a defesa, como um dos
eixos de estudo, da necessidade de interpretação clara dos preceitos envolvidos, a
subsidiar leitura inovadora das alternativas instrumentais postas no ordenamento
jurídico pátrio. Perspectiva esta que depende, para além da produção acadêmica, da
mobilização dos órgãos governamentais responsáveis pela elaboração e execução
237
de políticas atinentes à matéria, associada à mobilização popular, devidamente
informada e qualificada para o debate.
238
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253
ANEXO I
RESOLUÇÕES CONAMA*
Matéria Resoluções
Poluição sonora (1) Resolução n. 272/2000; (2) Resolução n. 268/2000;
(3) Resolução n. 256/1999; (4) Resolução n. 252/1999;
(5) Resolução n. 230/1997; (6) Resolução n. 020/1996;
(7) Resolução n. 017/1995; (8) Resolução n. 020/1994;
(9) Resolução n. 006/1993; (10) Resolução n. 002/1992;
(11) Resolução n. 001/1992; (12) Resolução n. 001/1990.
Poluição
atmosférica
(1) Resolução n. 382/2006; (2) Resolução n. 354/2004;
(3) Resolução n. 342/2003; (4) Resolução n. 299/2002;
(5) Resolução n. 297/2002; (6) Resolução n. 291/2001;
(7) Resolução n. 272/2000; (8) Resolução n. 256/1999;
(9) Resolução n. 252/1999; (10) Resolução n. 251/1999;
(11) Resolução n. 242/1998; (12) Resolução n. 241/1998;
(13) Resolução n. 227/1997; (14) Resolução n. 230/1997;
(15) Resolução n. 226/1997; (16) Resolução n. 018/1995;
(17) Resolução n. 017/1995; (18) Resolução n. 016/1995;
(19) Resolução n. 015/1995; (20) Resolução n. 014/1995;
(21) Resolução n. 027/1994; (22) Resolução n. 016/1994;
(23) Resolução n. 015/1994; (24) Resolução n. 009/1994;
(25) Resolução n. 016/1993; (26) Resolução n. 008/1993;
(27) Resolução n. 007/1993; (28) Resolução n. 006/1993;
(29) Resolução n. 010/1989; (30) Resolução n. 004/1989;
(31) Resolução n. 003/1989; (32) Resolução n. 004/1988;
(33) Resolução n. 018/1986; (34) Resolução n. 010/1984.
Resíduos sólidos (1) Resolução n. 006/1988, revogada e substituída pela
Resolução n. 313/2002; (2) Resolução n. 006/1991; (3)
Resolução n. 005/1993; (4) Resolução n. 023/1993, que
restou alterada pelas Resoluções n. 235/98 e 244/98; (5)
Resolução n. 257/1999; (6) Resolução n. 258/1999; (7)
Resolução n. 264/1999; (8) Resolução n. 275/2001; (9)
Resolução n. 283/2001; (10) Resolução n. 307/2002; (11)
Resolução n. 308/2002; (12) Resolução n. 316/2002; (13)
Resolução n. 348/2004; (14) Resolução n. 306/2004; (15)
Resolução n. 358/2005.
* Disponível em: <www.mma.gov.br/conama>. Acesso em: 20 out. 2007.
254
ANEXO II
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2007.72.00.008013-6/SC
AUTOR :
ALIANCA NATIVA
ADVOGADO
:
JOSE RUBENS MORATO LEITE
:
PEDRO DE MENEZES NIEBUHR
RÉU :
MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS
DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)
1. Trata-se de Ação Civil Pública com pedido de liminar, visando a
condenação do Município Réu na confecção de um amplo estudo ambiental e
urbanístico exclusivo para todo o Bairro Santa Mônica, usando como
parâmetros o Estudo de Impacto Ambiental e o Estudo de Impacto de
Vizinhança.
Objetiva ainda a parte autora, a declaração incidental de inconstitucionalidade
da Lei Complementar 250/06 do Município de Florianópolis, porquanto a
mesma teria sido produzida em desrespeito aos princípios ambientais
constitucionais e às normas preceituadas no caput da art. 225 da Constituição
Federal.
Sustenta que referida Lei Complementar alterou o zoneamento no bairro
Santa Mônica sem a indispensável realização de estudos cnicos capazes
de subsidiar referida alteração, promovendo, em desacordo com a legislação
vigente, alteração menos restritiva que a consignada no Plano Diretor de
1997.
Apresenta laudos técnicos subscritos por professores da UFSC que indicam
tratar-se de área ecologicamente vulnerável, sendo que a possibilidade de
licenciamento de empreendimentos acima do coeficiente antes projetado pelo
Plano Diretor poderá levar a insustentabilidade ambiental e urbanística do
bairro.
Argumenta, ainda, que a Lei Complementar n.º 250/06 viola os artigos 30, VIII
e 182 da Constituição Federal, bem como a determinação contida nos §§ 5º e
do art. 239 do Plano Diretor de 1997 e caracteriza afronta ao princípio da
avaliação ambiental integrativa e por todas estas razões deve ser declarada
inconstitucional.
255
Na decisão da fl. 198, foi determinada a intimação do Município Réu para
apresentar manifestação em 72 horas, nos termos do art. 2.º da Lei n.º
8.437/92.
O Município Réu sustentou que a nova lei que permite um maior
adensamento no bairro Santa Mônica é, por definição, a conseqüência do
estudo, que se diz faltante ao processo, sendo o ordenamento urbanístico de
competência da municipalidade. No mais, defendeu o indeferimento da
medida antecipatória por ausentes os requisitos autorizadores e também por
entender que a tutela de urgência nos termos postulados apresentaria caráter
satisfativo.
DECIDO.
O provimento jurisdicional de urgência vindicado merece parcial acolhida por
estarem presentes, neste momento processual, os requisitos autorizadores
em relação à obrigação de não fazer postulada no item 86.1 da inicial. Isso
porque é necessário o acautelamento precautório e preventivo do macro bem
jurídico que se pretende tutelar, inclusive das suas relações com outros
valores constitucionais amparados pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A via processual eleita é adequada, pois é possível a declaração incidental de
inconstitucionalidade em sede de Ação Civil Pública, conforme reiterados
precedentes, inclusive do Supremo Tribunal Federal. Neste caso, não se trata
de mero questionamento abstrato da adequação e compatibilidade
constitucional de uma norma editada pela municipalidade, mas sim de uma
medida judicial, com um objetivo concreto e delimitado, consistente na
proteção do frágil ambiente devidamente caracterizado no parecer firmado
pela Bióloga Karina Vasconcelos Vieira (fls. 181 a 191).
Este juízo é competente para processar e julgar este feito, tendo em vista que
eventuais agressões ao meio ambiente do local impactarão diretamente a
zona costeira (patrimônio nacional), as terras da União, podendo inclusive
atingir diretamente as águas do mar da baia norte.
A prova produzida pela parte autora demonstra, com o grau de segurança
necessária para esta etapa sumária de cognição, que o Bairro Santa nica
está exposto a condições de riscos intoleráveis à integridade ambiental, ao
equilíbrio ecológico e a qualidade de vida em todas as suas formas. Também
comprova que esta situação poderá ser ainda mais agravada com a norma
permissiva questionada (Lei Complementar 250/2006).
Para demonstrar estes fatos foram juntados estudos técnicos firmados pelo
Professor Doutor Harrysson Luiz da Silva, pela Bióloga Karina Vasconcelos
Vieira e pela Professora Doutora Dora Maria Ort.
No estudo do Professor Doutor Harrysson estão demonstrados os diversos
impactos causados pela construção do Shopping Iguatemi. O estudo também
256
apresenta um prognóstico assustador dos riscos à integridade ambiental e à
qualidade de toda a espécie de vida no local com a aplicação da norma local
questionada, os quais poderão ser ocasionados por: a) aumento do fluxo de
pessoas e veículos; b) impactos no manguezal do Itacorubi; c) risco de
assoreamento de canais, dentre outras externalidades negativas. Ao final
propõe uma lista de medidas preventivas que deverão ser adotadas para a
implantação de qualquer empreendimento na região.
O Parecer firmado pela Bióloga Karina Vasconcelos Vieira, elaborado
inclusive com a cooperação de outros profissionais, caracteriza
ambientalmente a área como espaço geográfico que apresenta especial
fragilidade ambiental, por compreender a bacia hidrográfica e o manguezal do
Itacorubi. A proteção deste ecossistema com inúmeras interações entre os
seus mais variados elementos (caracterizado como complexo) é
imprescindível para a mantença do indispensável equilíbrio ecológico.
Também destaca de forma contundente que a intensa ocupação humana
desta região ultrapassa o limite de suporte deste frágil ambiente. Ao final
apresenta consistentes recomendações para a prevenção aos riscos
ambientais a que está submetido o ambiente.
A Professora Doutora Dora Maria Hort também conclui no seu parecer que é
de estrema importância a realização de Estudos de Impacto de Vizinhança
como instrumento necessário para o planejamento sério e consistente de
eventuais alterações nos Plano Diretor e para que sejam minimizados os
riscos humanos e ambientais, especialmente por serem os ambientes
urbanos "ecossistemas altamente dinâmicos"
O Município possui plena autonomia constitucional para regulamentar a
ocupação os espaços urbanos, todavia neste seu importante afazer não pode
ignorar outros valores e princípios assegurados na Constituição, em especial
a necessidade de planejamento integrado e que contemple: a variável
ambiental, a gestão adequada dos riscos, a ampla participação democrática e
que seja fundamentado em estudos técnicos consistentes, objetivos e
impessoais.
A Constituição da Republica Federativa do Brasil ao mesmo tempo em que
confere esta autonomia ao ente municipal, para a promoção do adequado
ordenamento territorial, também exige PLANEJAMENTO e controle da
utilização dos espaços, bem como a observância das diretrizes gerais fixadas
no Plano Diretor. Isso tudo para garantir a sustentabilidade ambiental, o
cumprimento das funções sociais das cidades e o bem-estar dos seus
habitantes.
Pelo que restou demonstrado sumariamente nos autos, a elaboração da Lei
Complementar 250/2006 não considerou os diversos impactos que poderão
advir pelo adensamento populacional, aumento do fluxo de veículos, dentre
outras externalidades geradas pela alteração pontual do Plano Diretor. O
mais grave e surpreendente é que foi aprovada mesmo tendo parecer
contrário do órgão técnico de planejamento urbano do Município, (Parecer do
IPUF da fl. 60 e documento das fls. 58 e 59).
257
Analisando todo o tramitar vacilante do Projeto de Lei Complementar
715/2005, o qual posteriormente originou a Lei Complementar 250/2006,
observo que esta norma além de ser contrária aos preceitos constitucionais
acima indicados, também padece de carência de suficiente legitimação
democrática e de base técnica e científica adequada.
O Projeto de lei inicial contemplava apenas o atendimento de uma
reivindicação pontual e isolada do "Clube Barriga Verde dos Oficiais" para que
fosse alterado o zoneamento "residencial exclusiva" para "comunitária
institucional". A audiência pública, realizada em 04/05/2006, tratou
exclusivamente desta alteração pontual.
Quando o Projeto de Lei Complementar n. 715/2005, contava com diversos
pareceres favoráveis e com o necessário respaldo democrático angariado na
audiência pública realizada, e praticamente pronto para votação plenária,
surge uma "emenda aditiva" comprovada no documento da fl. 140 para
atender interesse superveniente relacionado a "possibilitar a construção de
equipamento de saúde" (Hospital Vita).
Na seqüência da tramitação deste projeto, foi apresentado o requerimento da
fl. 144 para que "seja considerada válida para o mencionado Projeto, a
Audiência Pública realizada no corrente ano que tratou da implantação do
Complexo Hospitalar Vita" referente a outro projeto de Lei Complementar
(545/2004).
O Parecer - Conjunto da fl. 157 e 158 foi contrário à emenda aditiva
anteriormente referida sob o fundamente de esta alteração no Bairro Santa
Mônica "provocar acentuado adensamento na localidade incompatível com a
região".
Após a apresentação de emendas modificativas e sem a realização de novas
audiências públicas específicas, a Lei Complementar 250/2006, foi aprovada
e encaminhada para publicação, mesmo contrariando as recomendações
técnicas do órgão municipal competente.
Neste contexto, reta indene de dúvidas que a norma editada pela
municipalidade padece de grave incompatibilidade material com a
Constituição, por outorgar proteção deficiente ao meio ambiente e por
desconsiderar a gestão e o controle dos riscos ambientais numa perspectiva
futura e conglobante.
Um dos maiores desafios da modernidade a ser implementado pelas
administrações públicas, sob o crivo do necessário e imprescindível controle
jurisdicional, é a adequada gestão e o controle dos riscos ambientais e sociais
gerados pelas ações humanas.
São as decisões e ações do presente que irão condicionar os acontecimentos
e as conseqüências imprevisíveis e incertas do futuro, também serão
responsáveis pela qualidade de todas as espécies de vida no planeta no
futuro da humanidade. Por isso, as instituições não podem se manter na
258
passividade, precisam outorgar respostas prontas e enérgicas para garantir,
inclusive às futuras gerações, um pacto de civilização mais promissor e que
inclua necessariamente a variável ambiental e a adequada gestão dos riscos
como componente de todo e qualquer processo ou projeto de
desenvolvimento.
No caso concreto, está claro que faltou uma análise conglobante, integrativa e
transdiciplinar dos diversos aspectos urbanísticos e ambientais, numa
perspectiva de futuro. O parecer técnico do IPUF (Instituto de Planejamento
Urbano de Florianópolis) n. 1416/2006, foi contrário a Projeto de Lei que
resultou na Lei Complementar 250/2006.
A legitimidade das opções democráticas, nesta complexa matéria, devem
necessariamente considerar os aspectos técnicos incontornáveis, sob pena
de vício material, moral e ético insuperável. A falta ou deficiência desta
exigência peremptória, pode, inclusive, colocar a norma editada sob o manto
da suspeita de parcialidade e da pessoalidade, fatos que infelizmente ainda
ocorrem em algumas casas de leis desta República.
A edição casuística de normas que alteram a lei geral mais importante da
municipalidade (Plano Diretor), somente pode ocorrer em casos
absolutamente excepcionais e para o resguardo de interesses públicos e
coletivos e jamais para atender interesses particulares de determinadas
pessoas, grupos isolados de pessoas ou empreendedores. No caso do
Município de Florianópolis, ainda deve ser feita com a observância das
condicionantes da lei geral (Art. 239, § e 6º da Lei Complementar 01/97) o
que não restou demonstrado pelo Município u na oportunidade que teve
para apresentar manifestação sobre os pedidos liminares.
Reforça a comprovação da insuficiência dos estudos técnicos o fato de o
Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis não realizar análise
integrada entre as questões urbanísticas e ambientais o que torna a análise
técnica desvirtuada e tendenciosa, por abordar uma questão complexa e
interligada apenas sob um enfoque o que fatalmente conduz a conclusões
deturpadas da realidade.
A urgência na medida liminar postulada decorre da ameaça concreta de
danos irreversíveis ao meio ambiente que poderão advir da aplicação da Lei
Complementar n. 250/2006 a qual viabiliza obras e construções em termos
menos restritivos que o Plano Diretor elaborado e aprovado com base em
diversos estudos técnicos em 1997.
Por fim, registro que a tutela de urgência pretendida não apresenta qualquer
nota de satisfatividade, nem no plano fático e muito menos no plano jurídico,
pois além de não implicar em qualquer ônus financeiro direto para o Município
Réu ou qualquer outro efeito irreversível, também poderá ser revogada, na
ocasião da prolação da sentença, caso a demanda seja julgada
improcedente.
259
Quanto às demais providências requeridas em sede liminar (confecção e
instalação de placas informativas), estas serão analisadas na ocasião da
audiência ou posteriormente quando da prolação da sentença, sendo
recomendável, todavia, que o Município Réu em respeito aos cidadãos, desde
logo, adote espontaneamente as providências requeridas para o alcance
pleno dos objetivos da ordem liminar concedida.
DETERMINAÇÕES FINAIS:
1. Ante o exposto, defiro, em parte, os pedidos liminares para ordenar que o
Município Réu se abstenha imediatamente
de licenciar, autorizar, expedir
alvarás ou qualquer tipo de ato administrativo relacionado com construção,
reforma, ampliação de edificações, sem a observância de todas as restrições
contidas originalmente no Plano Diretor Municipal de 1997. O
descumprimento desta ordem implicará na aplicação de multa diária de R$
500.000,00 (quinhentos mil reais), tudo sem prejuízo das sanções cíveis
(improbidade) e criminais que poderão ser imputadas à autoridade pública ou
servidor recalcitrante.
2. Apresentada contestação, dê-se vista à parte autora para eventual
manifestação.
3. Designo audiência de conciliação para o dia 12/09/2007 às 17 horas. As
partes deverão ser cientificadas para na ocasião da audiência, caso não seja
possível a composição amigável desta demanda, indicar as provas que
eventualmente tencionam produzir.
Para a audiência de conciliação, expeçam-se convites aos profissionais que
elaboraram os laudos que instruem a presente Ação Civil Pública; ao
Presidente da Câmara de Vereadores de Florianópolis; aos Diretores do IPUF
responsáveis pela análise técnica do respectivo projeto de lei que
posteriormente culminou com a Lei Complementar 250/2006 e para as
pessoas e autoridade que eventualmente sejam indicadas pelas partes.
4. Intime-se o Ministério Público Federal acerca desta decisão, bem como
para que apresente, desde logo, manifestação meritória acerca desta
demanda até a data da audiência.
5. Intimem-se as partes.
Florianópolis, 31 de julho de 2007.
Zenildo Bodnar
Juiz Federal Substituto
260
ANEXO III
LEGISLAÇÕES MUNICIPAIS SOBRE EIV*
Município
Diploma legal
Dispositivo
Manaus(AM)
Plano Diretor Lei n.
671/2002
Disponível em
<www.manaus.am.gov.br>.
Art. 72. O Poder Executivo Municipal poderá exigir
Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança EIV,
conforme o disposto no Estatuto da Cidade, quando
for necessário contemplar os efeitos positivos e
negativos de um empreendimento ou atividade,
quanto à qualidade de vida da população residente na
área e em suas proximidades.
Art. 73. As leis de parcelamento e de uso e ocupação
do solo urbano definirão os empreendimentos e as
atividades, de natureza pública ou privada, que
estarão sujeitos à elaboração de Estudo Prévio de
Impacto de Vizinhança EIV para aprovação de
projeto, obtenção de licença ou autorização. Parágrafo
único - O Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança
será elaborado pelo empreendedor, público ou
privado, e será objeto de análise e parecer da
Comissão Técnica de Planejamento e Controle
Urbano.
Art. 74. Os instrumentos de intervenção urbana,
regulamentados nesta Lei ou em lei municipal
específica, deverão estabelecer a exigência de
elaboração de Estudo Prévio de Impacto de
Vizinhança quando for necessário: I garantir o
controle social da intervenção; II avaliar a
capacidade de adensamento da área objeto de
intervenção; III estabelecer a demanda gerada com
a intervenção por equipamentos urbanos e
comunitários; IV – calcular a valorização imobiliária
decorrente de qualquer tipos de concessão; V
mensurar a geração de tráfego e a demanda por
transporte público; VI assegurar a qualidade da
ventilação e iluminação; VII – proteger a paisagem
urbana e os patrimônios natural e cultural.
Art. 75. O Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança
EIV não substitui a elaboração e aprovação do Estudo
Prévio de Impacto de Ambiental EIA, requerido nos
termos da legislação ambiental, e não exclui a
necessidade de avaliação urbanística especial quando
lei municipal específica determinar.
Natal(RN)
Plano Diretor Lei
Complementar 07/1994
Disponível em
<www.natal.rn.gov.br>.
Art. 37. Para análise do pedido de licenciamento, os
empreendimentos e atividades de moderado e de forte
impacto deverão apresentar Estudo de Impacto de
Vizinhança EIV, conforme Termo de Referência
expedido pelo órgão municipal de planejamento
urbano e meio ambiente mediante requerimento
apresentado pelo interessado. §1º. O EIV deverá ser
executado de forma a contemplar os efeitos positivos
e negativos do empreendimento ou atividade, quanto
à qualidade de vida da população residente na área e
261
suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo,
das seguintes questões: I adensamento
populacional; II equipamentos urbanos comunitários;
III uso e ocupação do solo; IV valorização
imobiliária; V geração de tráfego, alterações das
condições de circulação e demanda por transporte
público; VI ventilação e iluminação; VII paisagem
urbana e patrimônio natural e cultural; VIII – drenagem
urbana; IX esgotamento sanitário. §2º. As demais
exigências e procedimentos para a elaboração do EIV
e os casos em que será obrigatória a realização de
audiência pública estão determinados na legislação
pertinente. §3º. Será dada publicidade aos
documentos integrantes do EIV e dos estudos
ambientais exigidos para o licenciamento, que ficarão
disponíveis para consulta, devidamente formalizada e
motivada, por qualquer interessado, no órgão
municipal de planejamento urbano e meio ambiente;
resguardado o sigilo industrial. §4º. A consulta de que
trata o parágrafo anterior deverá se sujeitar às normas
administrativas do órgão municipal de planejamento
urbano e meio ambiente, de modo a não dificultar a
análise técnica do empreendimento ou atividade. §5º.
Os empreendimentos e atividades considerados como
de forte impacto (EAFO) deverão apresentar projeto
de tratamento local de seus efluentes. §6º. A
elaboração do EIV não substitui a exigência de
apresentação do estudo prévio de impacto ambiental
(EPIA) de que trata o inciso IV do §1º do artigo 225 da
Constituição Federal, nos termos previstos na
legislação ambiental.
Porto
Alegre(RS)
Plano Diretor Lei
Complementar n. 434/1999
Disponível em
<www.prefpoa.rs.gov.br>.
Art. 56. Os Projetos Especiais [definição do art. 55 e
art. 86, §3º, este incluindo na categoria as Áreas
Especiais de Interesse Ambiental] serão objeto de
Estudo de Viabilidade Urbanística, com vistas à
análise de suas características diferenciadas e à
verificação da necessidade de realização de Estudos
de Impacto Ambiental, conforme regulação a ser
estabelecida pelo Sistema de Avaliação do
Desempenho Urbano. Parágrafo único. Os Projetos
Especiais, em função de sua complexidade e
abrangência, caracterizam-se por: I
Empreendimentos Pontuais; II Empreendimentos de
Impacto Urbano. [ver art. 57]
Art. 58. O Estudo de Viabilidade Urbanística de
Empreendimento Pontual será analisado, em especial,
quanto à: I adequação do uso na zona de
implantação do empreendimento; II melhor
adequação da edificação ao sítio de implantação que
tenha características excepcionais relativas à forma e
à estrutura geológica do solo; III manutenção e
valorização do patrimônio ambiental natural e
cultural; IV - adequação à estrutura urbana, em
especial quanto ao sistema viário, fluxos, segurança,
sossego e saúde dos habitantes e equipamentos
públicos comunitários; V – adequação ao ambiente,
em especial quanto à poluição; VI adequação à
infra-estrutura urbana. §1º O regime volumétrico
poderá ser alterado na hipótese dos incisos II e III,
262
desde que compatibilizado com o entorno urbano. §2º.
Os Projetos Especiais de Empreendimento Pontual
serão aprovados pelo Poder Executivo Municipal,
mediante prévia apreciação das Comissões Técnicas
competentes.
Rio
Branco(AC)
Plano Diretor Lei
n.1.611/2006
Disponível em
<www.riobranco.ac.gov.br>.
Art. 16. Deverão ser objeto de Estudo Prévio de
Impacto de Vizinhança EIV os empreendimentos
que: I por suas características peculiares de porte,
natureza ou localização, possam ser geradores de
alterações negativas no seu entorno; II venham a
ser beneficiados por alterações das normas de uso,
ocupação ou parcelamento vigentes na zona em que
se situam, em virtude da aplicação de algum
instrumento previsto. §1º. Lei municipal específica
definirá os empreendimentos e atividades públicos ou
privados, referidos nos incisos I e II do caput deste
artigo, bem como os parâmetros e os procedimentos a
serem adotados para sua avaliação, conforme
disposto nos artigos 36, 37 e 38 do Estatuto da
Cidade. §2º. O EIV deverá contemplar os efeitos
positivos e negativos do empreendimento ou atividade
quanto à qualidade de vida da população residente na
área e suas proximidades, incluindo a análise, dentre
outras, das seguintes questões: I adensamento
populacional; II equipamentos urbanos comunitários;
III uso e ocupação do solo; IV valorização
imobiliária; V geração de tráfego, alterações das
condições de circulação e demanda por transporte
público; VI ventilação e iluminação; VII paisagem
urbana e patrimônio natural e cultural; VIIII geração
de ruídos; IX definição das medidas mitigadoras dos
impactos negativos, bem como daquelas
intensificadoras dos impactos positivos. §3º. Os
documentos integrantes do EIV são públicos e
deverão ficar disponíveis para consulta pelos
interessados antes de sua aprovação. §4º. O Estudo
Prévio de Impacto de Vizinhança EIV não substitui a
elaboração e aprovação do Estudo Prévio de Impacto
Ambiental EIA requeridas nos termos da legislação
ambiental. §5º. O empreendimento ou atividade
obrigado a apresentar o Estudo Prévio de Impacto
Ambiental EIA, requerido nos termos da legislação
pertinente, fica isento de apresentar o Estudo Prévio
de Impacto de Vizinhança EIV, desde que atenda,
naquele documento, todo o conteúdo exigido por esta
lei.
Rio de
Janeiro(RJ)
Lei Orgânica Municipal
Disponível em <www.rio.rj.gov.br>.
Art. 444. A autorização para implantação de
empreendimentos imobiliários e industriais com a
instalação de equipamentos urbanos e de infra-
estrutura modificadores do meio ambiente, por
iniciativa do poder público ou da iniciativa privada,
será precedida de realização de estudos e avaliação
de impacto ambiental e urbanístico. §1º - A
responsabilidade administrativa para a realização do
estudo, contratado após licitação, é do órgão a que
compete a autorização, cabendo o ônus do contrato a
quem postular. §2º - O relatório será submetido à
apreciação técnica da administração. §3º - É garantido
263
o direito de acesso ao relatório, em audiências
públicas, e de sua contestação às entidades
representativas da sociedade civil.
Art. 445. Qualquer projeto de edificação multifamiliar
ou destinado a empreendimentos industriais ou
comerciais, de iniciativa privada ou pública,
encaminhado aos órgãos públicos, para apreciação e
aprovação, será acompanhado de relatório de impacto
de vizinhança, contendo, no mínimo, os seguintes
aspectos de interferência da obra sobre: I o meio
ambiente natural e construído; II – a infra-estrutura
urbana relativa à rede de água e esgoto, gás, telefonia
e energia elétrica; III – o sistema viário; IV o nível de
ruído, de qualidade do ar e qualidade visual; V as
características socioculturais da comunidade.
Salvador(BA)
Plano Diretor Lei n.
7.400/2008
Disponível em
<www.seplam.salvador.ba.gov.br>.
Art. 271. O Estudo de Impacto de Vizinhança, EIV, e o
respectivo Relatório do Estudo de Impacto de
Vizinhança, REIV, o documentos técnicos a serem
exigidos pelo Executivo Municipal nos casos previstos
em lei especifica para a concessão de licenças e
autorizações de construção, ampliação ou
funcionamento de empreendimentos ou atividades
que possam afetar a qualidade de vida da população
residente na sua área de influência. § O EIV será
executado de modo a contemplar os efeitos positivos
e negativos do empreendimento ou atividade,
incluindo a análise, no mínimo, das seguintes
questões: I - adensamento populacional; II - demanda
de equipamentos urbanos e comunitários; III -
alterações no uso e ocupação do solo; IV -
valorização imobiliária; V - geração de tráfego e
demanda de transporte público; VI - interferências na
ventilação e iluminação natural; VII - alterações na
paisagem e obstrução de marcos visuais significativos
para a imagem da cidade; VIII - geração de ruídos e
emissão de resíduos sólidos e de efluentes líquidos e
gasosos; IX - conservação do ambiente natural e
construído; X - ampliação ou redução do risco
ambiental urbano. § Ao determinar a execução de
EIV, o Município fornecerá as instruções adicionais
que se fizerem necessárias considerando as
peculiaridades do projeto e características ambientais
da área. § 3º As construções de área inferior a
3.500m² (três mil e quinhentos metros quadrados),
destinadas às atividades promotoras da educação e
do saber, templos religiosos e atividades associativas,
ficam dispensadas do EIV.
Art. 272. O Estudo de Impacto de Vizinhança, EIV,
será realizado por equipe multidisciplinar indicada
pelo órgão municipal responsável pelo planejamento
urbano e ambiental, não dependente direta ou
indiretamente do proponente do empreendimento ou
da atividade objeto do estudo, salvo seu
representante, e que será responsável tecnicamente
pelos resultados apresentados. § O EIV, por meio
do Relatório de Impacto de Vizinhança, REIV,
estabelecerá as medidas mitigadoras dos impactos
negativos, bem como aquelas que poderão ser
264
adotadas para potencializar os impactos positivos
identificados. § Correrão por conta do proponente
todas as despesas e custos referentes à realização
do EIV, tais como: I - coleta e aquisição de dados e
informações; II - trabalhos e inspeções de campo; III -
análises de tráfego e outras que sejam requeridas; IV
- estudos técnicos e científicos; V - acompanhamento
e monitoração dos impactos; VI - elaboração do REIV.
§ O REIV deverá apresentar a conclusão do EIV
de forma resumida e em linguagem acessível,
devendo ser ilustrado por recursos visuais que
auxiliem na demonstração das vantagens e
desvantagens da implantação do empreendimento
e/ou atividade. § Dar-se-á publicidade aos
documentos integrantes do EIV, que ficarão
disponíveis para consulta, de qualquer interessado,
nos órgãos competentes do Município responsáveis
pelas análises específicas e no órgão de
planejamento municipal. § A existência de EIV não
substitui a elaboração e a aprovação do Estudo de
Impacto Ambiental, EIA, requeridas nos termos da
legislação ambiental. § 6º O Proponente fará parte
obrigatoriamente da Equipe multidisciplinar indicada,
podendo, se preferir, fazer-se representar através
procuração.
Art. 273. A Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação
do Solo estabelecerá: I - os empreendimentos e
atividades, não previstos nesta Lei, para os quais se
exigirá o Estudo de Impacto de Vizinhança, EIV; II - a
classificação dos EIV segundo o grau de impacto dos
empreendimentos e atividades na estrutura urbana; III
- os componentes obrigatórios do Relatório de Impacto
de Vizinhança, REIV, compreendendo, no mínimo: a)
os dados necessários à caracterização do uso do solo
pretendido; b) a definição e características de sua
área de influência; c) a avaliação do impacto do uso
pretendido, demonstrando sua compatibilidade com o
local e com a área de influência, os benefícios e ônus
resultantes de sua implantação; d) a indicação de
medidas corretivas ou compensatórias dos efeitos não
desejados; IV - os prazos e procedimentos requeridos
para a realização do EIV.
São
Paulo(SP)
Plano Diretor Lei
13.430/2002
Disponível em
<www.prefeitura.sp.gov.br>.
Art. 257 - Quando o impacto ambiental previsto
corresponder, basicamente, a alterações das
características urbanas do entorno, os
empreendimentos ou atividades especificados em lei
municipal estarão dispensados da obtenção da
Licença Ambiental referida no artigo anterior, mas
estarão sujeitas à avaliação do Estudo de Impacto de
Vizinhança e seu respectivo Relatório de Impacto de
Vizinhança (EIVI/RIV) por parte do órgão ambiental
municipal competente, previamente à emissão das
licenças ou alvarás de construção, reforma ou
funcionamento, conforme dispõem a Lei Orgânica do
Município e o Estatuto da Cidade.§ - Lei definirá os
empreendimentos e atividades, públicos ou privados,
referidos no "caput" deste artigo, bem como os
parâmetros e os procedimentos a serem adotados
para sua avaliação, conforme disposto no artigo 159
265
da Lei Orgânica do Município.
§ - O Estudo de Impacto de Vizinhança referido no
"caput" deste artigo, deverá contemplar os efeitos
positivos e negativos do empreendimento ou atividade
quanto à qualidade de vida da população residente na
área e suas proximidades, incluindo a análise, dentre
outras, das seguintes questões: I - adensamento
populacional; II - equipamentos urbanos e
comunitários; III - uso e ocupação do solo; IV -
valorização imobiliária; V - geração de tráfego e
demanda de transporte público; VI - ventilação e
iluminação natural; VII paisagem urbana e
patrimônio natural e cultural; VIII definição das
medidas mitigadoras dos impactos negativos, bem
como daquelas intensificadoras dos impactos
positivos. § - Os empreendimentos sujeitos ao
Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório
de Impacto sobre o Meio Ambiente serão dispensados
do Estudo de Impacto de Vizinhança e seu respectivo
Relatório de Impacto de Vizinhança. § - A
elaboração do EIVI/RIV não substitui a elaboração do
EIA/RIMA previsto no parágrafo do artigo 256 desta
lei.
* Não corresponde a estudo exaustivo, limitando-se à identificação da previsão do estudo de impacto
de vizinhança (EIV) ou instrumento análogo em algumas capitais, sobretudo naquelas que já
dispunham de legislação a respeito da matéria anteriormente ao advento do Estatuto da Cidade (Lei
n. 10.257/2001) e nas que tiveram seus planos diretores aprovados recentemente, após a entrada em
vigor deste diploma legal. Esclarece-se que não foram localizados projetos de lei municipal
específicos para a regulamentação do EIV com termo inicial de tramitação após 2001.
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