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verso é o nome de cada linha num poema. Ou, ainda, pode ser o caso das
aliterações e assonâncias, em que a repetição de sons iguais ou semelhantes em
várias palavras faz com que elas funcionem como um eco umas das outras, de
um modo bonito. Ou da métrica - o número de sílabas de cada linha ou verso
obedecendo a regras. E também da acentuação tônica, ou seja, os intervalos entre
sílabas fortes e fracas. Todos esses recursos ajudam a marcar um ritmo, como se
fosse uma bateria numa música, batendo com certa regularidade. Com esse
ritmo, se cria uma beleza "muito especial, além de ficar mais fácil lembrar o
texto. Outro recurso formal muito empregado na poesia são as repetições. Podem
ser uma espécie de estribilho ou refrão, como se usa muito em letra de música.
Mas também podem ser paralelismos, em que se repete alguma coisa com
pequenas diferenças. Nesta antologia temos um belo exemplo desse recurso, de
Gonçalves Dias, na "Canção do exílio". Mas poesia não é só aquilo que rima,
tem sílabas contadas, musicalidade ou um esquema definido de composição.
Grande parte da poesia moderna, por exemplo, é bem mais livre em relação a
todos esses procedimentos. E nem por isso deixa de ser poesia. É que não é só a
forma que importa, mas principalmente a maneira de ver as coisas. Um modo
diferente do comum. Como se o mundo estivesse sendo visto pela primeira vez,
de um modo novo. Nesse sentido, os poetas muitas vezes fazem a gente se
lembrar de crianças brincando e descobrindo as coisas. Como se a própria
linguagem fosse um brinquedo e as palavras pudessem ser reviradas pelo avesso.
O modo poético de ver o mundo, deslumbrado e inventador de novidades, acaba
muitas vezes comparando uma coisa com outra. A gente bem que pode imaginar
como isso foi acontecendo com os primeiros poetas. Imaginemos, por exemplo,
que um homem primitivo sai para caçar, vai parar num lugar da floresta em que
nunca tiinha estado e lá descansa debaixo de uma árvore desconhecida, toda
coberta de flores alaranjadas e avermelhadas. Ele pode ficar olhando, achar
lindo, e pensar que aquelas cores lembram um pôr-do-sol. Então, volta para a
tribo e, de noite, conversando com os amigos, faz uma comparação e conta aos
outros: Vi uma árvore colorida como o céu quando o sol se põe. Mas, no dia
seguinte, resolve convidar alguém para ir com ele até lá, e chama para ver de
perto a árvore do pôr-do-sol. Nesse caso, ele já não está mais comparando e
dizendo que é parecido, ou que uma coisa é como a outra, mas já usa uma
imagem, utilizando a linguagem de um modo muito mais direto e econômico.
Porém, ainda pode ir mais além e, depois, contar uma história ou fazer uma
canção em que diga que se sentou à sombra do pôr-do-sol, ou que o sol pousou
no alto da floresta para descansar antes de ir embora. Ou se desviar ainda mais e
dizer que a fogueira, em torno da qual todos se reúnem à noite, é uma flor do sol
brotada do chão. E, nesses casos, nosso amigo só estará falando da impressão
que a planta lhe deu, mas já nem se preocupa mais com aquele objeto real que
ele viu - a árvore nem está sendo mencionada de forma direta na frase. Desse
modo, ele já está em pleno território poético, já deixou para trás a comparação e
a imagem e está usando um outro recurso da linguagem que se chama metáfora.
Quer dizer, transportou o sentido de um objeto concreto para um simbólico e só
se ocupa do símbolo. Para muita gente, esse mecanismo imaginário da metáfora
é a verdadeira marca registrada da poesia. Alguém que consiga criar boas
metáforas já tem meio caminho andado para ser um poeta. Não precisa nem
rimar e contar as sílabas - se viver numa época que não faça questão dessas
coisas. Mas nem sempre se aceitou toda essa liberdade em poesia. Por isso, vale
a pena a gente situar um pouco os nossos poetas escolhidos, e tentar entender
como eram as idéias sobre literatura no tempo em que eles viveram.
O texto de Ana Maria Machado é uma aula de literatura que só termina com a
última página do livro. Uma aula para crianças, iniciantes na leitura do texto poético; e