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Se a ideologia está na linguagem, e esta articula a realidade a partir dos
interesses dos detentores dos meios de produção, a crítica feita aos poetas por se
afastarem da “realidade social” reproduz ainda a mesma ideologia
homogeneizadora, como foi apontado por Octávio Paz. Reprimir a explosão de
códigos e as formas de agrupá-los e dissociá-los é um fascismo disfarçado. Lúcia
Santaella aponta alguns mal-entendidos com relação à arte engajada e arte alienada:
O primeiro desses mal-entendidos diz respeito à exigência de que arte e literatura estejam a
serviço da denúncia aos discursos dominantes, às ideologias totalitárias. Chamam a isso
arte engajada, em contraposição à arte dita alienada, ou seja, aquela que não fala
diretamente sobre..., não faz discurso contra as injustiças sociais, a dominação de classes
etc. Eis aí um equívoco em que caem geralmente leigos, pois sociólogos mais conscientes
bem conhecem os esquemas de defesa de uma sociedade de consumo, capaz de consumir
até mesmo os discursos de oposição, e mais que isso, capaz de transformá-los em moda,
roubando-lhes a força. Discursos desse tipo, longe de impulsionarem transformações,
cooperam ingenuamente para a preservação do sistema, pois servem para arrefecer os
ânimos mais acirrados daqueles para quem o simples dizer as coisas seria uma maneira de
fazer justiça.
Outro mal entendido, que se liga a esse primeiro, é aquele que exige que a literatura tenha
uma linguagem compreensível, didática, acessível ao nível de entendimento de um leitor
médio. (...) Em geral, quem nega esse caráter de experimento e avanço à criação artística,
tem da arte e da realidade uma concepção bastante estreita e encolhida. A mesma que
conduziu outrora ao realismo socialista, castrador e totalitário. (...) O erro mais grave que
podem cometer os que se dizem engajados e participantes consiste em querer condicionar a
literatura e a arte a necessidades imediatas. Esquecem-se que manejar condutas e produtos
faz parte integrante dos mecanismos da classe dominante. São, na realidade, pseudo-
engajados que imitam justamente os comportamentos que pretendem refutar.
(SANTAELLA, 1996: 217-218)
A poesia de Leminski é consciente desses impasses provocados por visões
preconceituosas e redutoras, e do “não-lugar” (MACIEL apud MARQUES, 2001)
da poesia no mundo contemporâneo. A partir disso, Leminski-pensador sai em
defesa da poesia como um objeto inútil dentro da sociedade pós-industrial.
Transcrevemos a sua estética do inutensílio:
O amor. A amizade. O convívio. O júbilo do gol. A festa. A embriaguez. A poesia. A
rebeldia. Os estados de graça. A possessão diabólica. A plenitude da carne. O orgasmo.
Estas coisas não precisam de justificação nem de justificativas. Todos sabemos que elas
são a própria finalidade da vida. (...) A poesia é o principio do prazer no uso da linguagem.
E os poderes deste mundo não suportam o prazer. A sociedade industrial, centrada no
trabalho servo-mecânico, dos USA à URSS, compra, por salário, o potencial erótico das
pessoas em troca de performances produtivas, numericamente calculáveis. A função da
poesia é a função do prazer na vida humana. Quem quer que a poesia sirva para alguma
coisa não ama a poesia. Ama outra coisa. Afinal, a arte só tem alcance prático em suas