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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
Oriente ocidente através:
a melofanologopaica poesia de Paulo Leminski
Francisco Fábio Vieira Marcolino
Orientador: Prof. Dr. Amador Ribeiro Neto
João Pessoa - PB
2007
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1
Francisco Fábio Vieira Marcolino
Oriente ocidente através:
a melofanologopaica poesia de Paulo Leminski
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Letras do Centro de Ciências
Humanas Letras e Artes da
Universidade Federal da Paraíba,
para fins de obtenção do título de
Mestre em Letras, na área de
concentração em Literatura e
Cultura.
Orientador: Prof. Dr. Amador Ribeiro Neto
João Pessoa - PB
2007
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Página de aprovação
Dissertação aprovada em: 21/05/2007.
Banca examinadora:
Prof. Dr. Amador Ribeiro Neto - UFPB
Orientador
Prof. Dr. Antonio de Pádua Dias da Silva - UEPB
Examinador
Prof. Dr. Rinaldo Nunes Fernandes - UFPB
Examinador
Prof. Dr. Paulo Tarso Cabral de Medeiros - UFPB
Suplente
3
RESUMO
Esta dissertação faz uma leitura da poesia de Paulo Leminski a partir da
idéia de “capricho e relaxo”, articulando consciência semiótica e lirismo,
humor e metalinguagem. A análise é realizada apoiando-se nas categorias
de “melopéia, fanopéia e logopéia” desenvolvidas por Ezra Pound, além
dos conceitos de “estranhamento” (Vítor Chklóvski) e “identidade
sonora” (Roman Jakobson). O contexto em que se insere os poemas é o
da retomada do verso após o diálogo mais explícito da produção
leminskiana com a Poesia Concreta. Neste sentido, a dicção de Leminski,
radicada em artesanato de condensação, concilia rigor formal e
desregramento, consciência da materialidade dos signos e linguagem
coloquial.
Palavras-chave: metalinguagem, consciência semiótica, linguagem
coloquial.
4
ABSTRACT
This work proposes a reading of Paulo Leminski´s poetry departing form
the idea of “capricho e relaxo” and articulating semiotic consciousness
and lirism., humour and meta-language. The analysis is made based on
the melopoeia, phanopoeia, and logopoeia, categories developed by Ezra
Pound, the entrangement (ostranenie) concept (Victor Chklovski) and
the “sound identity” concept (Roman Jacobson). The context in which
the poems are inserted is the new rising of the verse after the explicit
dialogue between Leminski’s poetry and the Concrete Poetry Movement
in Brazil. In that sense, Leminski’s diction, rooted on what we call
“condensation craftsmanship”, it conciliates formal strictness and
unruliness, the consciousness of the materiality of signs and colloquial
language.
Key words: meta-language, semiotic consciousness, colloquial language.
5
AGRADEÇO
Ao professor Amador Ribeiro Neto
pela atenta e estimulante orientação.
Aos professores:
Hélder Pinheiro Alves e Genilda Azerêdo
pela valiosa contribuição à feitura desta pesquisa;
Elisalva de Fátima Madruga Dantas,
Diógenes André Vieira Maciel e Valéria Andrade.
À Coordenação e aos funcionários
do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPB.
6
DEDICO
Ao meu pai, Francisco de Assis Marcolino (em memória),
a Iracema Leandro Vieira, mainha,
pela paciência e carinho,
e especialmente a Emy
por tudo que passamos juntos.
7
Sumário
1. Apresentação ......................................................................................9
2. Fortuna crítica......................................................................................11
3. Vai vir o dia..........................................................................................29
4. Página...................................................................................................50
5. Mallarmé Bashô..................................................................................65
6. Transpenumbra..................................................................................75
7. Conclusão............................................................................................84
8. Referências bibliográficas.................................................................86
8
prazer
da pura percepção
os sentidos
sejam a crítica
da razão
Paulo Leminski
9
1. Apresentação
Não é fácil aproximar-se de um artista que se inicia com o vertical. Paulo
Leminski Filho (1944-1989) publica o romance – idéia Catatau em 1975, até hoje
perturbador por refletir e refratar na linguagem o conflito entre a dissociação
analítica do raciocínio e o insight inclusivo da intuição. Este choque entre a
viceralidade tropical versus a geometria cartesiana foi indicado pelo poeta como o
possível “problema nacional”, aspecto formador de nossa consciência.
Por outro lado, pensar que depois do Catatau sua produção de poemas vai
perdendo a temperatura estética e recaindo numa poesia simplória, ausente de rigor,
constitui engano. Leminski não evita o “caminho difícil”, escolhe passar por dentro
da linguagem – freqüentar a “pedra-palavra”. É este rigor que o afasta de sua
geração. Neste sentido, a ligação mecânica de sua produção poética ao movimento
da “Poesia Marginal” não resulta em leitura pertinente, como será visto ao longo
deste texto.
O neo-romantismo leminskiano projeta uma realidade utópica em que a fala
social é transformada em voz poética sob o influxo da distração (“atração pelo
reverso deste mundo”). Configurada pela poética do “inutensílio”, sua poesia é a
tentativa de reunir o que foi e está sendo dissociado pela reificação do ser e da arte:
os signos corpo e não corpo. Neste sentido, quando desautomatiza a predicação
linear da linguagem, através do humor e outros desvios, sugere que a predicação
utilitária de seres e coisas seqüestra a erotização e a estetização da vida.
A incorporação do paideuma oriental via o haicai de Matsuó Bashô e a
indeterminação do zen, converge para assimilação da sintaxe analógica do
ideograma via Poesia Concreta. Formada a partir da imbricação e hibridização de
repertórios extremos, sua linguagem poética desenvolve-se em torno da concisão
(“condensare”) e da consciência da materialidade dos signos, conquistas comuns à
lírica moderna. As três maneiras de impregnação do texto apontadas por Ezra Pound
(2001) melopéia (som), fanopéia (imagem) e logopéia (sentido) – encontram-se bem
digeridas e amalgamadas em sua poesia por um impulso lírico-construtivo.
10
Visitar os poemas de Paulo Leminski é perder-se num labirinto de múltiplas
convergências em que o humor evita a poesia “dita profunda”, o mínimo pode
esconder o macro e o chulo revelar a informação cristalina. A possibilidade de
fracassar diante da mobilidade de sua dicção diminui proporcionalmente quando
desistimos de buscar certezas em suas entrelinhas, e aceitamos o desafio de encarar
o vazio, a pedra e a sombra diante da mudez do papel.
11
2. A fortuna crítica da obra poética de Paulo Leminski
Em “Ler pelo não, além da letra”, Carlos Ávila (2004) aponta a morte prematura
de Paulo Leminski como um dos motivos que contribuíram para transformá-lo em
“mito” para a produção mais recente da poesia brasileira. A partir da revista Muda
(1977), localiza algumas das características que viriam contribuir para a formação
da dicção do poeta: a união do coloquial ao construtivo, a retomada do verso em
peças breves, a alternância de lirismo e agressividade. Fala do impacto causado pela
edição do livro de poemas Não fosse isso e era menos/ Não fosse tanto e era quase
(1980) para a produção poética da época (incorporação de novas formatações na
concepção de um livro de poemas, entre elas a colocação de tipos estourados na
página). Afirma que Leminski realizou uma “‘descompressão’ no rigor da
linguagem herdada da poesia concreta” (ÁVILA, 2004: 28), reação do poeta em
estabelecer uma linguagem própria. Sua dicção, segundo Ávila, tornou-se irregular,
evidenciada no título de um de seus livros: Caprichos & relaxos. Aponta um
movimento de diluição dos seus processos pelas novas gerações de poetas. Sugere
que o melhor Leminski não está nos haicais ou nas canções banais, mas em 40 bons
poemas e na originalidade de Catatau. Ávila não chega a relacionar quais seriam
esses 40 poemas, nem indica em quais dos livros do poeta estão distribuídos.
Ademir Assunção (2004) em “Artilharia ligeira para um kamiquase” indica o
diálogo entre vida e obra na trajetória de Leminski e a multiplicidade de suas
referências. Situa o poeta como um “anartista na idade mídia”, consciente do
momento histórico de intensas inovações tecnológicas no seio de uma tecnocracia.
Fatos explicitados por Leminski na revista Pólo Inventiva (1978), na qual se intitula
pertencente à geração de 68, época da contracultura. Para o crítico, o poeta foi da
geração que sentiu a mudança tecnológica e virtual do mundo, na era da “mensagem
é o meio” e “da aldeia global” expressos em Understanding media de McLuhan
1
____________
1
Conforme Marshall MacLuhan: “Os efeitos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e
dos conceitos: eles se manifestam nas relações entre os sentidos e nas estruturas da percepção, num
passo firme e sem qualquer resistência. O artista sério é a única pessoa capaz de enfrentar, impune,
a tecnologia, justamente porque ele é um perito nas mudanças da percepção.” (MCLUHAN, 1969:
34.)
12
(1969), antecedidos pelo ensaio clássico de Walter Benjamin (1982) “A obra de arte
na era da sua reprodutibilidade técnica.”
2
Neste sentido, Assunção aproxima-o de Torquato Neto como um dos primeiros
poetas brasileiros a perceber a mudança dos tempos e das linguagens, daí o ataque
poético em várias frentes: MPB, jornalismo, tv, videotexto. O ensaio aponta para o
lado questionador do poeta, cita várias vezes o livro Anseios Crípticos,
reverenciando as posturas radicais e polêmicas do poeta. Assunção destaca o alto
valor de Catatau e sai em defesa do romance Agora é que são elas e do livro de
poemas Distraídos Venceremos, ambos malhados pela crítica. Ainda divide a
produção do poeta curitibano em duas fases: uma inicial carregada de bom humor e
uma segunda mais cética, eco do pressentimento da morte, inscrita nos dois livros
póstumos La vie en close e O ex-estranho.
Frederico Barbosa (2004) sugere outra divisão de sua obra em: fase “marginal”
até 1980 e a fase “popular”, a partir do lançamento da canção “Verdura”, no LP
“Outras Palavras” (interpretada por Caetano Veloso), caracterizada pela publicação
de vários títulos pela editora Brasiliense e por realizar programas para TV
Bandeirantes. Embora abra mão do rigor na fase “marginal”, é através desta etapa
de sucesso que o poeta introduz na vida cultural do país “temas e preocupações
político-poéticas antes relegadas à marginalidade”, destaca Barbosa. Afirma que a
poesia de Leminski articulou as conquistas da poesia concreta com o
“coloquialismo e humor do nosso primeiro modernismo, assim como à densidade
fulminante do haicai” (BARBOSA, 2004: 204).
____________
2
Para Benjamin, quando surge a fotografia (a primeira técnica de reprodução verdadeiramente
revolucionária), os artistas conceberam a doutrina da “arte pela arte” que “recusa não somente
desempenhar qualquer papel essencial, mas inclusive submeter-se às condições impostas por
qualquer elemento objetivo” (BENJAMIN, 1982: 217). Diante desse contexto histórico, aponta a
realização de Um lance de dados de Mallarmé como a incorporação “das tensões gráficas do
reclame na figuração da escrita” (BENJAMIN, 2006: 205). Flagra a influência dos padrões
industriais no plano perceptivo: “A escrita, que tinha encontrado asilo no livro impresso, para onde
carreara o seu destino autônomo, viu-se inexoravelmente lançada à rua, arrastada pelos reclames,
submetida à brutal heteronomia do caos econômico. Se ao longo de séculos, pouco a pouco, ela se
foi deixando deitar no chão, da ereta inscrição ao oblíquo manuscrito jazendo na escrivaninha, até
finalmente acabar-se no livro impresso, ei-la agora que se reergue lentamente do solo. O jornal
quase necessariamente é lido na vertical- em posição de sentido- e não na horizontal; filme e
anúncio impõem à escrita a plena ditadura da verticalidade” (BENJAMIN, loc. cit.).
13
Em “Meu encontro com ‘a besta dos pinheirais’”, Rodrigo Garcia Lopes (2004)
relata o choque estético ocorrido quando conheceu a produção poética do
curitibano, especificamente com o livro Não fosse isso e era menos/ Não fosse tanto
e era quase em que destaca a tipografia à cummings. Revela a surpresa da
descoberta de uma terceira via entre o rigor e o amplo repertório oferecidos por
Pound e os irmãos Campos sem descartar a descontração e intensidade de “certa
poesia ‘marginal’ e da ‘outra tradição’ da poesia brasileira (dionisíaca, de Gregório
de Matos a Cruz e Sousa a Augusto dos Anjos a Jorge de Lima a Murilo Mendes a
Roberto Piva & depois)” encarnada nos poemas do autor. Síntese obtida por
Leminski quando afirma, na mesma entrevista, pontos esclarecedores como a
questão da poesia social:
“Quando um poeta faz um poema social ele está querendo dar um alívio para sua
consciência de classe média. Poesia não é jornalismo, é outra coisa. (...) A verdade é que a
poesia articula muito mal no real histórico imediato”; a questão política: “Já fui marxista.
Mas acho que tudo está amarradinho demais na teoria marxista. Hoje acho a ideologia
3
nociva à poesia. (...) A poesia deve obedecer apenas à sua sensibilidade e inteligência.” e
sobre a própria poesia: “Não vejo consistência na poesia marginal. Você pode ser contra a
poesia concreta, mas pelo menos ela tem o mérito de ser clara.” (LEMINSKI apud LOPES,
2004: 49-53).
André Dick
(2004) nega o rótulo de Leminski como poeta marginal, e adverte
que existem outros pontos a serem observados além da classificação de sua poesia
como fruto de um choque entre o Concretismo e o Tropicalismo. Para o crítico, as
referências que moviam Leminski (os irmãos Campos e Décio Pignatari), foram
abandonadas a partir da publicação do Catatau. Aproxima as visões de Décio,
Haroldo de Campos e Leyla Perrone Moysés que apontam a união da pesquisa
concreta da linguagem a um sentido oswaldiano de humor. Apesar de discordar de
uma comparação mais intensa entre os dois poetas, principalmente por Oswald
destacar-se pela “fanopéia” e Leminski esbanjar “melopéia”, salienta Dick (2004).
____________
3
Lúcia Santaella, baseada na postulação de Bakhtin/ Volosinov de que “as linguagens dão corpo
material às ideologias” pois “ toda linguagem é ideológica”(SANTAELLA, 1996: 319), desenvolve
a relação entre linguagem e ideologia. Este tema será abordado no capítulo “Vai vir o dia”.
14
Antonio Risério
(2004) afirma que a trajetória de Leminski uniu vanguardas
estéticas e extra-estéticas, formatação de um “duplo desvio” (ao padrão estético e às
convenções sociais). Destaca que é necessário não limitar a apreciação de sua
poesia apenas pela vanguarda gerada pela poesia concreta. Introduz a noção de
vanguarda como “desvio da norma” segundo Vitor Chklóvski
(1973), para apontar o
diálogo do poeta com os desvios estéticos e os existenciais.
“É evidente que há, em seu orientalismo, a marca do ‘espirit de géométrie’ do
Concretismo, rebrilhando com nitidez mondrianesca no ‘plano piloto para a poesia
concreta’. E é evidente que há também o influxo contracultural, mistura de ‘satori’ e
LSD, rock e zen, Eros e koan.” – ratifica Risério
(2004: 366). Nesse fluxo oriente-
ocidente entre as influências e convergências formadoras do paideuma de Leminski
( Aldous Huxley, Donald Keene, Haroldo de Campos, Daisetz Teitaro Suzuki), o
poeta baiano ressalta a importância do “método ideogrâmico” para a estética
concretista via Fenollosa-Pound e os caligramas de Apollinaire. Sobre o haicai
afirma: “Leminski via o haicai com olhos experimentais: sintaxe de montagem,
visualidade da escrita, harmonias fônicas, jogos de imagens, signos que se espelham
e se espalham. Mas via também com olhos de andarilho contracultural.”(RISÉRIO,
2004: 369.) Fusão das vanguardas estéticas e extra-estéticas. Aponta ainda, a
originalidade e radicalidade do ensaio de Fenollosa (2000) sobre a escrita e a
cultura chinesas.
“Leminski produziu muitos relaxos e alguns caprichos”, sintetiza o crítico.
Desenha o percurso das convergências do poeta com a tradição do haicai via
Haroldo de Campos e Pedro Xisto. E estende a Leminski os comentários a Xisto:
Mas o fato é que, em parte considerável de sua produção, Xisto não vai além do frívolo-
epigramático. Ora é no máximo engenhoso, ora é apenas afetado. Coisas parecidas podem
ser ditas de Leminski. Aqui e ali resta na bateia um grão luzente. Mas muitas vezes ele não
vai além do meramente artificial e artificioso. Em todo caso, Leminski entendeu que o
problema não era exatamente fazer haicai. É que, exercitando-se nas redondezas de um
gênero, marcado pela contenção verbal, faria uma poesia enxuta e ao mesmo tempo
escaparia dos condicionamentos de um Concretismo ortodoxo que procurava se manter
aquém da construção frásica. Mas uma coisa o marcou: o haicai é um misto de comunhão
ecológica e economia verbal. Leminski vai por aí (RISÉRIO, 2004: 371-372).
15
Em 1989 (ano da morte de Paulo Leminski), Haroldo de Campos (1992)
publicou “Uma leminskíada barrocodélica”, ensaio sobre o primeiro livro do autor,
Catatau (1975). O texto destaca entre outros aspectos a relação da prosa poética de
Leminski (contaminada por elementos do neobarroco, “proliferação das formas em
enormidades de palavra”) com o romance "Viva o Povo Brasileiro" (1984), de João
Ubaldo Ribeiro. Além do belo poema “paulo leminski” ( samurai mestiço/ te
recordo/ polaco polilingue/ nos anos 60/ como um jovem rimbaud fileleno...), o
poeta de Crisantempo – no espaço curvo nasce um, deixou o seguinte depoimento
sobre o “lampiro de curitiba”:
Considero Paulo Leminski o mais criativo poeta de sua geração e um intelectual completo,
armado de erudição e argúcia crítica: além de poeta, era tradutor, ensaísta, prosador, a
culminar no catatau, pleno de invenção e ousadia experimental, onde prosa e poesia
confluem. Foi também um artista bem característico de sua geração, um hippie-zen, no
plano existencial, plenamente aberto à aventura da vida. Nada melhor, como expressão de
sua irreverente atitude perante a vida, do que o poema em que Leminski define-se como
um “cachorro-louco”, zombeteiro, ou aquele poema-letra (belamente cantado pelo
Caetano) em que, irônica e criticamente, anuncia que venderá os filhos para uma “família
americana”(...) (CAMPOS, 2001: 324)
O texto indica duas direções para entender a multiplicidade de Leminski: o rigor
e o desregramento. Talvez a primeira hipótese inquestionável seja a do valor
criativo do Catatau, inserido na prosa de “invenção” brasileira do século XX,
opinião dividida por Décio Pignatari e Antônio Risério entre outros. Mas não é
objetivo desse estudo a análise do romance-idéia. Ficaremos apenas com a idéia
para auxiliar a leitura de alguns de seus poemas. Trata-se do fracasso da lógica
cartesiana em entender os trópicos. A vingança da natureza contra o planejamento
da vida. “Este
calor acalma o silêncio onde o pensamento não entra, ingressa e
integra-se na massa”
(LEMINSKI, 2004: 20).
Risério afirma o interesse do poeta por esse tema, quando comenta a respeito de
Catatau e do romance Agora é que são elas (1984):
Leminski se dedica obsessivamente a perturbar a obsessão racionalista. Este é o tema que o
anima. O atrito entre, de um lado, a subjetividade, a incerteza, o antipositivismo e, de outro
lado, a lógica impecável. Os imprevisíveis meandros do mundo e a nitidez da ciência exata.
16
Leminski quer introduzir coisas corrosivas no corpo do pensamento lógico (RISÉRIO,
2004: 370).
Leminski coloca a questão de outra forma em carta a Antonio Risério:
(...) qual não foi minha surpresa quando constatei a situação a que chamei POROROCA
(quod vide) = a ponte arco-íris São Paulo-Bahia. me interessa muito esse atrito entre
visceralidade tropical e geometria cartesiana. é muito provável que seja esse o
PROBLEMA nacional (LEMINSKI apud VAZ, 2001: 356).
Dessa maneira, o poeta localiza no conflito entre uma percepção ligada à intuição e
outra baseada no intelecto, um elemento constitutivo de nossa consciência. Conflito
ampliado no texto e no contexto de Catatau em que se desenvolve a possibilidade
de entendimento intelectual dos enigmas tropicais, expectativa sempre frustrada.
Eduardo Milán
(2004) destaca em Catatau o embate entre o ‘logos’ com
vontade de domínio e o silêncio perturbador dos trópicos. Para o poeta uruguaio, a
partir de uma possibilidade histórica que não aconteceu, a vinda de Descartes em
companhia de Maurício de Nassau a Olinda, Catatau cria um ambiente utópico
propício para inserir novas relações entre concepções díspares de mundo. A partir
do que poderia ter sido, subverte a seqüência oficial da colonização, pois quem
poderia resolver explicar os trópicos para o matemático Descartes, chega
embriagado, Artyczewski nada esclarece.
Para Milán, Leminski se arma de humor corrosivo e desejo antropofágico
contra a razão.
O fundamento da aposta poética de Leminski é sempre utópica, realista – utópica, extensão
textual do pensamento de Benjamin, por exemplo, que redime em seu projeto o “não-sido”
que não só poderia ter sido, como que espera sua vez junto aos esquecidos e vencidos
(MILÁN, 2004: 22).
Utopia como impulso neo-romântico, espécie de fúria em viver a poesia até as
últimas conseqüências, possibilidade de criar outro mundo dentro e fora da
linguagem. Subversão de valores expresso no desejo de outro espaço-tempo, onde
liberdade de linguagem seja um sinal de vida em liberdade: “vai vir o dia/ quando
tudo que eu diga/ seja poesia” (LEMINSKI, 2001 b : 49).
17
Afirma que o poeta curitibano conseguiu transmitir paixão “em meio ao culto às
formas ‘duras’”. E relaciona o fato a um dos criadores da poesia concreta, Augusto
de Campos:
(...) é Augusto quem possibilita a religação da poesia concreta com a via expressiva,
negando a aparente oposição entre expressão e construção. Leminski viu essa religação
com clareza, com mais do que clareza: a viu como possibilidade, como síntese entre a
tradição que herdava e seu próprio caminho a seguir (MILÁN, 2004: 20).
Essa idéia de incorporar paixão ao trabalho com a forma configura-se textualmente
na carta nº 8 a Régis Bonvicino de 1977: “(...) sem abdicar dos rigores de
linguagem/ precisamos meter paixão em nossas constelações/ paixão/ PAIXÃO”
(LEMINSKI, 1999 a: 45). Preocupação estética que não exclui a postura política,
indicada por Milán como livre de culpas e de autonegação. Consciência histórica
capaz de criar a canção “Verdura”, em que se configura o diálogo entre o jogo
“festivo-significante” da linguagem e o jogo significante da história, segundo o
crítico. Ao que podemos comparar com o humor do poema: “en la lucha de clases/
todas las armas son buenas/ piedras/ noches/ poemas” (LEMINSKI, 2001 a: 60).
“O presente sempre foi a matéria-prima da poesia de Paulo Leminski”, sintetiza
Maria Esther Maciel (2004). Defende a originalidade do presente, do “agora” criado
em seus poemas ao afirmar: “O seu tempo é o tempo vivo, em permanente
reinvenção, do qual soube extrair uma voz própria, feita de distintas modulações”
(MACIEL, 2004: 171). A partir da reflexão sobre o presente, e conseqüentemente
sobre o tempo, comenta a relação da obra poética de Leminski com a realidade. Cita
o prólogo de Distraídos Venceremos (LEMINSKI: 2002), antes de equacionar a
visão de poesia para o curitibano: “Ele não a toma como expressão direta do mundo
real, nem a confina no mundo supostamente autônomo da linguagem” (MACIEL,
2004: 172).
Nesse movimento dialético, Maciel indica que sua obra vai além da visão de
Paul Valéry: de que um poeta se consagra e se consome “em definir e construir uma
linguagem dentro da linguagem”( MACIEL, 2004: 176). Em seguida, comenta o
poema “Limites ao Léu” (LEMINSKI: 2000: 10), no qual aparecem 22 conceitos de
18
poesia de vários autores que são agrupados em temas pela autora: “linguagem
poética centrada em seus significantes (Coleridge, Mallarmé, Sartre, Jakobson,
Pignatari); (...) exercício de transcendência da própria palavra (Goethe, Heidegger,
Robert Frost, Maiakóvski, Bob Dylan). Nas entrevias desses opostos inscreve-se o
jogo ambivalente de Wordsworth, García Lorca, Alfred de Vigny, Ezra Pound e
Paul Valéry. (...) Há os que defendem na poesia, a música: Dante (via Pound) e
Ricardo Reis/ Fernando Pessoa. E a presença dos dizeres místicos e míticos de
Octávio Paz e Novalis, além de Mathew Arnold e o fingimento poético de Fernando
Pessoa (MACIEL, 2004: 174). No final do poema a definição do poeta: “a poesia é
a liberdade de minha linguagem...”, esta submetida à “desleitura” dos conceitos
apresentados, afirma Maciel.
Sobre a produção ensaística, a crítica identifica aspectos como a informalidade e
a “teorização descontraída”. Embora, não aponte quais os elementos de uma
teorização não descontraída. Realça a inquietação de sua poesia quanto à condição
do poeta em sociedades pós-modernas, ao aproximar a postura do poeta curitibano
ao confronto colocado por Baudelaire entre a poesia (entendida como um
“inutensílio”
4
para Leminski) e a sociedade mercantilizada moderna.
Em “O anarquiteto de desengenharias”, abertura do livro Aço e Flor: a poesia
de Paulo Leminski, Fabrício Marques (2001)
aponta características presentes em
quatro livros do poeta (Caprichos e relaxos, Distraídos venceremos, La vie en close
e O ex-estranho) : “O jogo de palavras explorando frases feitas, invenções léxicas,
deformações ortográficas, trocadilho e montagem (MARQUES, 2001: 20).
Identifica o tema “a liberdade de minha linguagem” tanto em Catatau quanto
em La vie en close (“Limites ao léu”, poema citado anteriormente). O que
____________
4
Conforme os ensaios; “Inutensílio” e “Arte in-útil, arte livre?”. Disponível em
<http://planeta.terra.com.br/arte/ PopBox kamiquase/ensaio.htm> acesso em 27 set. 2005
.Os dois
textos foram publicados em Anseios crípticos. Curitiba, PR: Criar, 1986, p. 58-60 e 29-34,
respectivamente. Ambos posteriormente reunidos sob o título de “A arte e outros inutensílios” e
publicados no jornal Folha de São Paulo, caderno Ilustrada, p. 92, 18/10/1986. O texto defende a
poesia como a “função do prazer na vida humana”, e sugere uma poética do “inutensílio” baseada
em “uma política profunda, que é crítica da própria política, enquanto modo limitado de ver a
vida”. Estes ensaios serão comentados no capítulo “Vai vir o dia”.
19
configura, segundo Marques, um “exílio metalingüístico”. Em seguida, relaciona
características de sua obra através da leitura das cartas a Bonvicino:
(...) a tensão entre rigor e acaso (...); reconhecimento e crítica à poesia concreta (...);
repúdio à literatura e aproximação com outras artes; conflito entre o hermético e o “fácil”:
necessidade de ampliar o número de leitores com repertório pop; e uma visão romântica do
fazer poético, visto quase como um sacerdócio, uma missão (...) (MARQUES, 2001, 24).
No capítulo I, “Faces de Leminski”, resume o projeto do livro em articular a
poesia (enquanto concisão, invenção, informação e consciência semiótica) com o
haicai; com a Tropicália (1967-68); com a vanguarda concretista; e com a
semiótica. Chama de construtivo-tropical a terceira via encontrada por Leminski,
fruto do choque da Tropicália com a poesia concreta.
Para Marques, o “samurai-malandro” digeriu antropofagicamente o Zen e o
haicai, este principalmente na figura de Matsuó Bashô, de tal forma que
procedimentos intrínsecos ao haicai (concisão e crítica da linguagem) estão
presentes em vários poemas. Faz uma leitura do poema “Mallarmé /Bashô”: “um
salto de sapo/ jamais abolirá/ o velho poço” (LEMINSKI, 2000: 108) destacando
entre outros pontos: a “ironia romântica associada ao humor”, cuja qualidade
destruidora consegue reunir a onipresença da linguagem (Mallarmé) com a
onipresença da vida (Bashô).
Mais adiante, realizaremos a leitura desse poema no qual destacaremos a hétero-
referenciação e hibridização de repertórios. Refletidas e refratadas no encontro de
Ocidente/Oriente em torno da indeterminação e da incerteza, no ponto da cisão do
discurso linear; no encontro da rarefração mallarmaica do sujeito com a idéia de
não-separação entre o ser e não-ser. Ausência do eu, fusão com o ambiente,
eliminação da distância entre observador e coisa observada, percepção sem
pensamentos, características da não-filosofia oriental.
Para Décio Pignatari esse cotejo entre zen e Mallarmé: “parece abolir passado e
futuro e atingir o grau zero do tempo (...) Não sem razão, já houve quem
aproximasse esse espaço verbo-mental de Mallarmé aos processos anti-verbo-
mentais da mística oriental” (PIGNATARI apud MARQUES, 2001: 41).
20
Sobre a convergência com Torquato Neto, Marques destaca o gosto de ambos por
expressões de linguagens populares e a passagem da poesia escrita para a poesia
falada, “do valor espaço para o valor tempo”. Trânsito que intensifica a melopéia, o
jogo de sons de onde o sentido emerge. A exemplo de ligação com a Tropicália
indica o poema-letra “Verdura” (LEMINSKI apud VAZ, 2001: 228) como crítica
do mundo e crítica da linguagem.
Outra convergência marcante em sua obra é com a poesia concreta. Ligado ao
movimento desde 1963, incorporou o programa estético concretista em seus poemas
embora faça críticas a posturas ortodoxas, como ao “fim do verso”. “Para Leminski,
a grande mensagem da poesia concreta foi a materialidade da linguagem” – explica
Marques (2001: 52). Esta foi a informação nova, “alternativa para uma certa crítica
da linguagem”, que em diálogo com a consciência semiótica atualiza a expressão
através do fluxo por múltiplos códigos presentes no mundo pós-industrial.
No capítulo II (Uma vivência de despaisamento), a partir do prefácio de O ex-
estranho, destaca a posição do “fora de foco” do poeta no mundo pós-moderno,
hostil à fruição da poesia. Estabelece uma linha evolutiva desse posicionamento
auto-reflexivo da poesia desde o Romantismo alemão (séc. XVIII), passando por
Walter Benjamin e Adorno, antes de colocar a poética do “inutesílio” leminskiano,
em que destaca: “A tensão ética da obra está nesta recusa em virar mercadoria”
(LEMINSKI apud MARQUES, 2001: 65). Dessa maneira, a função do poeta na
modernidade é tornar a poesia presente como objeto inútil dentro de relações que
objetivam o lucro e a utilidade. Ainda reforça o alto teor metalingüístico de vários
poemas, configuração de um poeta crítico
5
que aborda o real mesclando humor e
ironia.
O crítico insiste no diálogo entre elaboração formal e “relaxo” como ponto
fundamental na obra do poeta. Isola a palavra “acaso” como arquissema
6
, presente
em muitos poemas o que induz algumas vezes ao “domínio da incerteza”. Aponta a
_____________
5
Conforme Octávio Paz, o caráter metalingüístico e crítico da poesia do século XX é diagnosticado
como uma reação à ausência de espaço para a vivência poética. “Movido pela necessidade de
fundar sua atividade em princípios que a filosofia lhe recusa e que a teologia só lhe concede em
parte, o poeta desdobra-se em crítico.” (PAZ, 2003: 77).
21
exatidão, a força e a concisão como características do rigor leminskiano. Acrescenta
a estas qualidades a de “condensação” via Pound (1988), além de classificar a obra
poética do curitibano, pela mirada poundiana: maior concentração de “fanopéia”
(Caprichos e relaxos), maior concentração de “melopéia” (Distraídos venceremos,
La vie en close, O ex-estranho). Sobre a “logopéia”, afirma que “É sob a
perspectiva do poema enquanto pensamento que parece se fundamentar a obra
poética de Leminski” (MARQUES, 2001: 98). Relaciona a fusão de
metalinguagem, jogo irônico e humor desconstrutor, além do fingimento poético,
como aspectos formadores da dicção do poeta.
Fabrício Marques finaliza seu livro apresentando uma leitura do poema “Aço e
flor” (LEMINSKI: 2002: 48), em que ressalta a tensão entre o rigor e o acaso,
diálogo estendido ao conjunto da obra. Afirma que a leveza alcançada pelo poeta é
baseada no trabalho com a linguagem, especificamente na manipulação do plano
sonoro. Argumenta sua leitura na aproximação da mirada oriental de Bashô, quando
relaciona a leveza ao sentido de esforço ausente
7
na idéia do “instante absoluto” de
Clarice Lispector e nas palavras com poder de lâmina de Mishima. Nesse
movimento do acaso para o rigor, do rigor para o acaso, descobre “uma poesia que
ama a surpresa e a precisão”, formada a partir de um sujeito lírico brincador e
guerreiro.
Régis Bonvicino deixou, além da organização das cartas do amigo, alguns
artigos críticos sobre sua obra. Em “Com quantos paus se faz um Catatau”, destaca
a perturbação provocada pela introdução de provérbios populares no corpo do texto.
Entre razão e intuição, o dito popular “subverte a rigidez ótica de seu pensamento”.
Leminski destrói e reconstrói os ditados populares a fim de produzir um EFEITO
ICÔNICO com as alucinações de Renatus, provocadas pelo choque lisérgico da fauna, da
flora e da vida tropical em sua lógica superrracionalista”. (BONVICINO, 1999: 204)
____________
6
“(...) são palavras logradas dos nossos armazenamentos ancestrais e que ao fim norteiam o sentido
de nossa escrita.” (Manuel de Barros apud MARQUES, 2001: 82).
7
Octávio Paz (2003) relaciona a leveza poética com o movimento ágil de idéias e sentimentos,
gerando a sensação de prazer estético.
22
Em “Paulo Leminski desconta tudo”, entrevista a Régis Bonvicino, o poeta
curitibano comenta, entre outros assuntos, o Catatau e o processo da “pororoca”.
Chamei de ‘pororoca’, num artigo, ao encontro entre a poesia concreta paulista e a
tropicália baiana.// Para mim, esse encontro é o mais importante acontecimento da cultura
brasileira, dos últimos dez anos. A poesia concreta é cartesiana. A tropicália é brasileira. O
atrito entre essas duas realidades revelou-se riquíssimo (LEMINSKI, 1999: 206-207).
Para Leminski, o poeta necessita estar consciente da linguagem no mundo
cibernético e tecnocrata para produzir know-how autônomo, única saída diante da
situação cultural brasileira. A partir dessa consciência, o poeta configura sua poética
do “inutensílio” entre a aproximação a uma poesia construída e o afastamento de
uma poesia “engajada”
8
.
Na época do lançamento de Caprichos e relaxos, Bonvicino afirma que o poema
[apagar-me], um dos pontos altos da coletânea, “indica, entre outras coisas, a
condição marginal do poeta em sociedades pós-industriais; o que nada vale, mas
que continua nomeando” (BONVICINO, 1999: 213)
. E sobre a linguagem poética
esclarece: “A poesia de Leminski funda-se na idéia de linguagem, herança
elaborada do concretismo, mas abrange um espectro largo de interesse: do político
ao metalingüístico/ existencial e ao humorístico.” (Id., loc. cit.).
A partir do poema “Limites ao Léu” (LEMINSKI, 2000: 10), publicado
avulsamente na década de 1970, Bonvicino tece comentários sobre sua produção
poética ao citar duas “definições” para poesia, contidas no poema referido:
‘Fundação do ser mediante a palavra’ de Heidegger, pode explicitar um dos aspectos
fundamentais da poética leminskiana: a vinculação estreita entre uma visão um tanto
quanto romântica da vida com a poesia; em outras palavras, poesia como elaboração da
experiência (BONVICINO, op. cit.: 227).
____________
8
Segundo Octávio Paz: “A polêmica sobre o “realismo” se iluminaria com outra luz se aqueles que
atacam a poesia moderna por seu desdém pela “realidade social” compreendessem que não fazem
outra coisa senão reproduzir a atitude da burguesia” (PAZ, 2003: 85).
23
Exemplifica essa característica com o poema “L’être avant la lettre” (LEMINSKI,
2000:5): “ la vie des choses/ c’est une autre chose/ c’est lui/ c’est moi/ c’est ça/
c’est l avie des choses/ qui n’ont pás/ um autre choix”, em que relaciona o não ter
outra escolha com a situação do poeta num mundo hostil à poesia. Ao que
acrescentamos o conceito de “viver sem escolhas” presente no Taoísmo,
aproximando-o do poema: “isso de quere ser/ exatamente aquilo/ que a gente é/
ainda vai/ nos levar além” (LEMINSKI, 2002: 93).
A outra “definição” é de Bob Dylan, “Poetry is to inspire”, a qual relaciona com
o que Leminski produziu de pior e de melhor, ambos ligados à música popular.
O melhor: “as melodias escritas com harmonias irreverentes”; e o pior: “ é aquele que
levou, às raias da facilidade, o lema do autor de ‘Like a Rolling Stones’, como na maioria
dos haicais. (...) O problema é que o haicai se esgotou, se banalizou, se transformou numa
espécie de soneto.” (BONVICINO, 1999: 218)
Defendendo outro ponto de vista, Ricardo Aleixo discorda de Bonvicino:
Nem tanto o mar nem tanto à terra: assim como o ‘melhor Leminski’ não deve apenas à
música popular – opinião, por si só, discutível-, o ‘pior Leminski’ foi nutrido por fontes
diversas, como epigramas, a tradição da poesia dos trocadilhos , os provérbios, os reclames
publicitários, os próprios haicais e, verdade seja dita, mesmo a poesia concreta. Tal qual o
“melhor Leminski.” (ALEIXO, 2004: 219-292).
Talvez Aleixo esteja certo embora não apresente argumentos críticos para defender
sua posição, o que revela um tom de encantamento em torno da figura do poeta
“cachorro louco”.
Para situar a obra de Leminski dentro da literatura brasileira da segunda metade
do século XX, no seguimento de invenção e contemporaneidade, Bonvicino faz um
histórico a partir do Modernismo de 1922. Refere-se especificamente aos desafios e
questões do “Manifesto da poesia pau-brasil”, de 1924 (OSWALD, 2002),
ressaltando as respostas estéticas para a atualização da linguagem via Concretismo
(1956), Tropicalismo (1967) e a Poesia Marginal (1975), esta como desdobramento
da Tropicália.
24
Neste sentido, as propostas coletivas do concretismo (uma delas: a de rompimento com o
conceito “romântico” de autoria) e do tropicalismo, de reafirmação do exploratório numa
perspectiva local/universal, foram se congelando – à revelia ou não – ao menos, na obra de
vários (não na de Caetano Veloso, por exemplo, apesar de momentos de queda), em
“normas” de escolas lítero-musicais – o que permitiu, por um lado, o reagrupamento de
poéticas conservadoras, avessas às mudanças sociais e estéticas e, por outro lado, o
aparecimento de respostas criativas individuais (Paulo Leminski, na literatura, e Itamar
Assumpção ou Duofel, na música, para não falar de outros campos), com a desvantagem de
serem elas pouco visíveis, à questão fundamental de uma poesia (arte) brasileira de
invenção. (BONVICINO, 1999: 233-234)
Por dentro desta percepção de crise na linguagem, devido à “ausência de uma
‘agenda’ de inovação coletiva e renovada”, alinha posições conscientes desse
momento. Torquato Neto com o poema “você me chama” (“aquele tempo acabou”);
Ana Cristina César refletindo “a consciência – irresignada – de um momento de
perda de capacidade criativa”; e Duda Machado nos poemas “Teatro ambulante” e
“Acontecimento”. Para Bonvicino, “a retomada do tom de inovação foi uma das
constantes na vida e obra de Paulo Leminski” (BONVICINO, op. cit.) , e
exemplifica sua percepção com dois poemas: [apagar-me] (LEMINSKI, 2001b,
136) e [um dia desses quero ser] (LEMINSKI, op. cit.: 29).
Em “Flashes de uma trajetória”, artigo anterior ao mencionado no início do
presente texto, Carlos Ávila (1999) divide a obra do poeta curitibano em duas
águas: “O Leminski do Catatau dialoga com Augusto & Haroldo de Campos, o
Leminski de Caprichos & relaxos com Torquato Neto. Ressalta o diálogo com a
Poesia concreta e com o Tropicalismo. Destaca dois textos que historicizam a
formação das “duas águas” leminskianas: o início concretista, através da
apresentação de Décio Pignatari, na revista Invenção nº 4 , 1963: “ Leminski
combina, em sua poesia, a pesquisa concreta da linguagem com o sentido
oswaldiano de humor”; e a passagem para a fase mais “popular” cujos elementos
estão apontados por Haroldo de Campos no prefácio de Caprichos & relaxos de
1983:
Foi em 1963, na ‘Semana Nacional de Poesia de Vanguarda’ em Belo Horizonte, que o
Paulo Leminski nos apareceu, dezoito ou dezenove anos, Rimbaud curitibano com físico de
judoca, escandindo versos homéricos, como se fosse um discípulo zen de Bashô, o senhor
Bananeira, recém egresso do Templo Neo-Pitagórico do simbolista filelênico Dario
Vellozo. (CAMPOS apud ÁVILA, 1999: 239)
25
Aponta a convergência entre a poesia concreta e a tropicália, baseado em
entrevista de Leminski a Régis Bonvicino:
Minhas ligações com o movimento concreto são as mais freudianas que se possa imaginar.
Eu tinha dezessete anos quando entrei em contato com Augusto, Décio e Haroldo. O bonde
já estava andando. A cisão entre concretos paulistas e neo-concretos cariocas já tinha
acontecido. Olhei e disse: são esses os caras. Nunca me decepcionei. Neste país de
pangarés tentando correr na primeira raia, até hoje eles dão de dez a zero em qualquer time
de várzea que se formam por aí. Só que descobri que há uma verdade e uma força nos
times de várzea, nessa várzea subdesenvolvida, que eu quero. (...) A coisa concreta está de
tal forma incorporada à minha sensibilidade que costumo dizer que sou mais concreto que
eles: eles não começaram concretos, eu comecei. (...) A coisa legal que pintou depois dele
–a tropicália – logo se associou a ele. (...) Poesia concreta, para mim, sempre foi
consciência inter-semiótica e assimilação, pela criatividade, da Revolução Industrial
(LEMINSKI, 1999a: 208-209).
A partir desse encontro, Ávila aponta a formação de uma terceira linguagem,
“construtivo-tropical”, chamada de ‘pororoca’ por Leminski. Observação reforçada
por Júlio Castañon Guimarães:
O fato é que a poesia de Leminski alia recursos construtivos provenientes de seu
aprendizado concretista a uma dimensão informal, coloquial que a poesia dita marginal dos
anos 70 experimentava a partir de uma certa leitura do modernismo.” (GUIMARÃES,
1999 a: 14-15).
Ao fazer uma leitura das cartas de Leminski a Bonvicino, Solange Rebuzzi
(2003) enxerga o contexto histórico-cultural a partir da ótica das cartas-poemas.
Neste contexto atuavam os poetas Duda Machado, Waly Salomão, Alice Ruiz,
Antonio Risério, Ana Cristina César, Torquato Neto, Régis Bonvicino, Roberto
Piva, Francisco Alvim, Roberto Schwartz, Cacaso, Chacal e outros. Na carta 38, a
autora destaca: “A ditadura esvaziou a poesia, vamos encher/ nem só de boas
intenções vive a poesia, a geração possível que não deixou a Utopia morrer”
(LEMINSKI, 1999: 103).
O clima de guerrilha cultural é evidente, o texto é de 1978, a preocupação em
comunicar, sair da torre de marfim para a torre das mídias, espalha-se ao longo do
livro “discuta violão de rua e poesia social, não seja sectário de vanguarda, negocie,
ganhe um ponto, apóie-se nele, tente outro, pluralize, democratize, abra...”
26
(LEMINSKI, loc. cit.). Sinal da passagem da obra de Leminski para outros suportes.
Três anos após sai “Verdura”, no LP “Outras palavras” de Caetano Veloso.
Amador Ribeiro Neto aponta esta passagem entre suportes, no ensaio “Uma
levada maneira: no ar, poesia e música popular” (2000):
Nos anos 70 era comum ouvir que os poetas tinham migrado dos livros para a música
popular. A afirmação é originariamente atribuída ao poeta Paulo Leminski, ele próprio um
compositor bissexto. Autor da ácida “Verdura”, que lá pelas tantas atira: “De repente vendi
meus filhos pruma família americana / eles têm carro, eles têm grana e a grama é bacana /
só assim eles podem voltar / e pegar um sol em Copacabana”.
Letra que revolve as fibras do coração pater/materno num gesto inicial de selvageria:
vender os filhos. Mas logo a indignação ante a venda se depara com um gesto de grande
amor: “só assim eles podem voltar” e desfrutar do próprio país. Um chiste de liames líricos
e corrosivos. Um canto de amor e protesto. Leminski consegue em poucos versos anular a
falsa dicotomia lírico versus engajado; pessoal versus social. Em seus versos (como nos de
Chico Buarque, por exemplo) o sujeito é parte viva e integrante da massa. O gesto
individual está carregado de significação social. Assim, o poeta de Caprichos e Relaxos
dribla a armadilha de que obra engajada é obra panfletária. Ele prova que aprendeu bem a
lição de Maiakóvski: não há arte revolucionária sem forma revolucionária.
Este procedimento, apontado com lucidez por Amador, de anular uma dicotomia
cristalizada, converge com a tendência em Leminski de desconstruir clichês
petrificados.
Em nota à segunda edição das cartas, Bonvicino destaca uma característica
fundamental para a produção de Leminski: a exploração dos limites da linguagem e
o diálogo com repertórios díspares:
Convenço-me, cada vez mais, que a importância da obra de Paulo Leminski reside
principalmente no fato de ter sido ele um dos poucos, na segunda metade deste século,
retomando Oswald e Mário de Andrade, a trabalhar de modo radical, com a idéia de
dissolução e de limite: entre prosa e poesia, entre estamentos da cultura, como erudito e
popular, entre “áreas” de conhecimento, como história e filosofia; entre informação e
comunicação; entre legível e ilegível, etc (BONVICINO, 1999: 9).
Na obra de Leminski, esses “estamentos da cultura” são postos em estado de
“pororoca”; dessa forma o poeta imaginou uma ponte entre São Paulo e Bahia, entre
poesia concreta e tropicália, entre Catatau e “Promessas demais”, canção em
parceria com Moraes Moreira que virou música-tema da novela “Paraíso” exibida
na Rede Globo.
27
Nas cartas a Bonvicino não se percebe o desejo de continuar produzindo para
um público seleto de leitores a exemplo do romance-idéia, pelo contrário, a escolha
recai sobre o circuito aberto de comunicação, reação pop ao circuito fechado da
academia, que geralmente mantêm as informações circulando apenas entre críticos
literários.
Barbosa, anteriormente citado, ressalta que nessa fase “popular” (iniciada a
partir de 1980), o poeta colocou em circulação repertórios até então restritos a um
pequeno grupo. Basta relacionar as biografias e as traduções que se publicou pela
editora Brasiliense na década de 1980. Em Leminski, os “times de várzea” jogam no
mesmo campeonato das altas seleções, resultando em repertórios (erudito e popular)
entrecruzados pela visão criativa do autor.
Não é nosso o interesse de reduzir a leitura de seus poemas a paráfrases
evasivas, nem a de aceitar o rótulo que taxa sua produção poética de menor diante
da obra-prima Catatau. Em presença de uma obra desafiante, reativa a rótulos e a
classificações, que convida o leitor a interagir na “metaformose”, viagem através
das formas, não podemos olhar retilineamente nem retroceder diante da
verticalidade de alguns poemas, aceitando a possibilidade de fracassar perante a
multiplicidade de repertórios acionados em seus textos poéticos.
Em Leminski uma fixação no ser da linguagem que se prismatiza em
múltiplos sentidos, e em pelo menos duas dicções: Catatau e os poemas. A partir
disso, acreditamos que a experimentação formal, e a articulação da “logopéia”,
como um desvio muitas vezes acionado pelo o humor e pelo chiste, são elementos
básicos de sua produção poética.
É por dentro de suas tessituras que a poesia de Leminski esconde sua água
perturbadora. Dessa maneira, iremos investigar o diálogo entre rigor e acaso,
“capricho e relaxo”, apontado por alguns (MARQUES, 2001), (CAMPOS, 2001),
(RISÉRIO, 2004), (ÁVILA, 1999) como característica fundamental da poesia de
Leminski, na tentativa de configurar o tom de sua dicção. Em Leminski o trânsito
de registros e a hibridação de repertórios são lançados geralmente sobre planos
28
textuais pensados e construídos. Por dentro da pedra-palavra escondem-se sentidos
e desejos de poeticidade além da letra.
Leminski não fixou limites, colocou-os ao léu. No impulso sem descanso para
criar “uma lira nula”, poética de concisão, em que muitas vezes o vazio significa e o
silêncio é eloqüente. Sua dicção, distendida em questionamentos e experimentos
com a palavra, projeta analogicamente idéias e sentimentos a partir de elementos
cotidianos, devidamente refratados dentro da especificidade da linguagem. Seus
quatro livros de poemas [Caprichos e relaxos(1983), Distraídos Venceremos(1987),
La vie en close(1991) e O ex-estranho(1996)] constituem provavelmente um
destaque para a poesia brasileira de invenção publicada nos últimos vinte e cinco
anos.
29
3. Vai vir o dia
Os poemas de Paulo Leminski são publicados pela primeira vez na revista
Invenção nº 4 (1964), editada pelos irmãos Campos e Décio Pignatari. Nesta mesma
época Manuel Bandeira experimentava o método concreto, de forma lúcida e livre.
Se o poeta pernambucano nomeia de “desconstelização”, a maneira pela qual retira
as cargas semânticas da palavra na elaboração de poemas como “Coisa em si” e
“Satélite”
9
( ambos publicados em Estrela da tarde), o poeta curitibano parece fazer
um caminho oposto na década seguinte: da poesia concreta para a retomada do
verso. Vale dizer que Leminski não foi o único a seguir esta tendência: Augusto e
Haroldo de Campos também o fizeram, cada um com sua dicção.
Leminski comentava que era mais concreto que os ‘patriarcas’, pois havia
nascido concreto, desde sua aparição na Semana de Poesia de Vanguarda em Belo
Horizonte (1963). Haroldo de Campos registra o fato no prefácio de Caprichos e
relaxos, 20 anos após.
Esse polaco-paranaense soube, muito precocemente, deglutir
o pau-brasil oswaldiano e educar-se na pedra filosofal da poesia concreta (até hoje
no caminho da poesia brasileira), pedra de fundação e de toque, magneto de poetas-
poetas.” (CAMPOS apud VAZ, 2001: 69).
Ao indicar a poesia concreta e a antropofagia oswaldiana como pontos celulares
da poesia de Leminski, o texto de Campos converge com um comentário de
Pignatari. Este, na apresentação da revista anteriormente referida, afirma que
Leminski mistura “a pesquisa concreta da linguagem com um sentido oswaldiano de
humor”. Essa aproximação entre os dois poetas é reincidente no corpo de leituras
sobre sua obra poética (André Dick, 2004
; Fabrício Marques, 2001; Leyla Perrone-
Moisés, 2000). O fragmento, a concisão (o “poema minuto” de Oswald versus a
sintaxe analógica do haicai), o humor, a exploração de limites, são características
comuns aos dois poetas, aliás, poetas-críticos. Aqui nos detemos nesta imbricação
da poesia concreta com o humor à Oswald que pode ser observada, a título de
exemplo, no poema seguinte, publicado em Invenção nº 4:
____________
9
Conforme nosso ensaio: “O fácil difícil satélite: alguma poesia de Manuel Bandeira”, apresentado
à disciplina Poesia de Manuel Bandeira, ministrada pelo professor Hélder Pinheiro Alves.
30
PARKER
TEXACO
ESSO
FORD
ADAMS
FABER
MELHORAL
SONRISAL
RINSO
LEVER
GESSY
RCE
GE
MOBILOIL
KOLYNOS
ELECTRIC
COLGATE
MOTORS
GENERAL
casas pernambucanas (LEMINSKI, 2001b: 87)
No poema, observam-se a justaposição de elementos e a variação tipográfica. Ao
justapor o nome de marcas multinacionais, o texto sugere o desenvolvimento
econômico-industrial dos Estados Unidos e implicitamente o poder de nomear os
objetos através das marcas. O termo “GENERAL” tensiona-se (marca industrial/
patente militar) entre as empresas americanas e a brasileira (casas pernambucanas),
aponta para o alinhamento do governo militar brasileiro com o poder imperialista
dos Estados Unidos. Este domínio é graficamente expresso na variação tipográfica
(tipo maior = capital estrangeiro; tipo menor = capital nacional), colocada em
evidência no isolamento dos dois termos finais. Se tomarmos a página como o
contexto industrial-político-cultural o grupo “casas pernambucanas” ocupa a
margem, está em minúsculas e é escrito em língua minoritária.
31
Nessas entrelinhas, o leitor participa da criação do poema, estrutura sensível-
pensante que tende para a forma sintético-analógica em oposição à linguagem
analítico-discursiva, marca da atualização da linguagem via poesia concreta.
Em outro poema, [lua na água
10
] (LEMINSKI, 2001b: 99), a iconização dos
símbolos é levado ao extremo, quando o reflexo da lua na água é revelado pelas
letras impressas ao contrário na página ; passagem da lua pela água através do jogo
paronomástico: LUA NA AGUA/ ALGUMA LUA/ LUA ALGUMA, além dos
termos “lua/água” estarem anagramaticamente em “alguma”.
O poema assimila o processo de montagem da poesia concreta, no qual
o poema concreto, usando o sistema fonético (dígitos) e uma sintaxe analógica, cria uma
área lingüística específica – “verbivocovisual” – que participa das vantagens da
comunicação não-verbal, sem abdicar das virtualidades da palavra(...) (CAMPOS et alli,
2002: 403)
____________
10
Este poema foi animado virtualmente e encontra-se no site http://planeta.terra.com.br/arte/
PopBox kamiquase.
32
O poema [Lua na água] revela intertextualidade com o poema “Po a Poe” de
Augusto de Campos (1979):
33
O poema “Po a Poe”, além da referência implícita aos poetas Li Tai Po e Edgar
Allan Poe, sugere a iconização da “lua” e da “lagoa”. Na projeção anagramática do
termo “lagoa”, a partir do “O” central do termo “afOgam”, se dá a formação de dois
círculos: a lua dentro da lagoa. Há ainda a insinuação do movimento ondulatório da
água através da duplicação dos tipos. Na obra de Leminski, essa motivação visual
dos signos concentra-se na seção “Sol –te” de Caprichos e relaxos e segue com
acento negativo de incidência nos livros posteriores.
Em linguagem existem dois processos: hipotaxe e parataxe. Segundo Décio
Pignatari: “No sistema lógico-discursivo, há uma forma privilegiada de organizar as
sentenças: é a subordinação ou hipotaxe, que divide o discurso em partes”. A
parataxe ou coordenação justapõe um elemento ao lado do outro causando
perturbação na ordem linear da sentença. Ainda segundo Pignatari,
a poesia em versos é um corpo analógico dentro de um corpo lógico representado pela
palavra e suas relações lógico-gramaticais, que obedecem a um processo linear (causa-
efeito, princípio-meio-fim). A poesia concreta, gráfica, sonora, ou gráfico-sonora, rompe
com esse sistema”. (2004: 84)
Procedimento que interfere na visão de mundo: “O pensamento lógico tende a
dividir as coisas em partes; o pensamento analógico a mostrá-las em conjunto, como
um todo.”(PIGNATARI, op. cit. : 52). Neste sentido, o poema tende a transformar
o símbolo (palavra) em ícone ( apresentação direta de um objeto = ideograma).
A poesia de Leminski é consciente dessa vanguarda e de suas contribuições
estéticas que deságuam na materialidade dos signos e incorporam elementos de
outras linguagens não-verbais
11
. Entretanto, em determinado momento surge o
desejo de libertação do complexo de Anfion.
Não imaginem que eu gostava era do lado racionalista daquela tendência. Que me perdoem
os rené descartes e os lê corbusier mas o que sempre gostei na coisa concreta foi a loucura
que aquilo representa, a ampliação dos espaços de imaginação e das possibilidades de novo
____________
11
Em entrevista a David Jackson, Augusto de Campos afirma: “ a poesia concreta constitui, no
mínimo, um movimento importante para manter acesa a ideologia revolucionária da
experimentação permanente e autônoma e redefinir a atuação da vanguarda na 2ª metade do século,
assumindo-a sob a categoria de “poesia de invenção” como resistência à massificação e à
banalização impostas aos novos meios de comunicação e ao imobilismo da literatura convencional.
(Disponível: http://www2.uol.com.br/augustodecampos/yaleport.htm
acesso em out 2006)
34
dizer, de novo sentir, de novo e mais expressar. Se gostasse de razão eu tinha feito o curso
de contabilidade. O que eu gostava, gosto e gostarei era o caráter de ‘explosão’ que aquela
coisa toda tinha tido. A institucionalização da ‘explosão’ como vanguarda explícita e
sistemática sempre me agradou menos. Detesto obrigações. (LEMINSKI, 1999a: 24)
Ao longo de sua trajetória o poeta curitibano indetermina as linhas de interesse
de sua poesia. Como foi afirmado na fortuna crítica (MARQUES, 2001),
(BARBOSA, 2004) até a publicação do Catatau (1975), dedicado aos ‘patriarcas’, a
convergência com as vanguardas é mais explícita. A partir disso, os poemas de
Leminski incorporam outros repertórios, como o lirismo e o diálogo com a Poesia
Marginal (1975). Dessa forma, sua produção dialoga com o neo-romantismo da
década 1970 cuja disposição estética faz uma releitura dos manifestos de Oswald de
Andrade e da atualização da linguagem realizada pelo modernismo de 22. Neste
sentido, podemos colocá-lo ao lado de Torquato Neto e Ana Cristina César, irmãos
em letras e tragédias. Entretanto não devemos enquadrar mecanicamente sua
produção dentro da estética desenvolvida na década de 1970. Como veremos na
leitura dos poemas, a filiação de seus poemas à Poesia Marginal, posição
geralmente reproduzida em livros didáticos, não lhe é pertinente, pois sua dicção
revela um lastro de construção formal e consciência semiótica que se distancia dos
saques desta estética.
Leminski se auto-insere na geração de 1968 (ASSUNÇÃO, 2004), marcada por
um neo-romantismo utópico-revolucionário
12
e influenciada pelo Tropicalismo
(1967), no qual se sobressaem Caetano Veloso e Gilberto Gil, ícones da poesia da
música popular brasileira. Numa década (1970) permeada por prisões, exílios e
repressão institucionalizada, a “geração possível” publicou sua produção em
revistas como: “Navilouca”, “Pólem”, “Muda”, “Código”. Na imbricação de
desvios estéticos e existenciais, o poeta aponta para a postura política dessas
_________________
12
Em Revolta e melancolia: o romantismo na contramão da modernidade, Michael Löwy e Robert
Sayre, na esteira do que entende por ‘romantismo-utópico-revolucionário’ via William Morris e
Herbet Marcuse, afirmam que “os ronticos revolucionários não procuram restaurar o passado
pré-moderno, mas instaurar um futuro novo, no qual a humanidade encontraria uma parte das
qualidades e valores que tinha perdido com a modernidade: comunidade, gratuidade, doação,
harmonia com a natureza, trabalho como arte, encantamento da vida. No entanto, tal situação
implica o questionamento radical do sistema econômico baseado no valor de troca, lucro e
mecanismo cego do mercado: o capitalismo (...)” (1995: 325).
35
produções:
Consolem-se os candidatos. Os maiores poetas (escritos) dos anos 70 não são gente. São
revistas. (...) Antologia: essa coletivização do aparecer (se não do fazer) corresponde a uma
Politização, mesmo que não explícita. E a escolha da revista como veículo (mais que um
jornal, mas menos que um livro), a uma posição estético-filosófica: a eleição do provisório,
a arte e a vida do horizonte do provável, a renúncia e o repúdio do eterno por parte de uma
geração que cresceu à sombra do apocalipse (LEMINSKI, 2001a: 92).
De uma maneira geral, a poesia feita pelos jovens poetas na década de 1970, foi
uma reação às anteriores. Diante da geração de 45, que negligenciou a agenda
inventiva defendida pelos poetas de 22, e da asfixia teórica das vanguardas
13
Concretismo (1956), Neoconcretismo (1959), Poesia Práxis (1962), Poema-
processo (1967) – a “geração possível” articulou o coloquial
14
, o “poema-piada”
oswaldiano, o registro pornográfico, a estética do provisório, na tentativa de criar
uma via expressiva, dentro de um contexto hostil à liberdade, marcado pela
repressão política e pelo “milagre econômico”.
A produção poética de Leminski vem à tona na década de 1980, pós-
vanguardas, pós-Tropicalismo
15
, pós-Poesia Marginal. Em 1977, o poeta afirma:
____________
13
Segundo Anazildo V. da Silva (2000: 156) é o Tropicalismo que consegue avançar diante do
esgotamento da ação das vanguardas de um lado e dos saques da Poesia Marginal do outro, pois é o
movimento que instaura a hétero-referenciação poética, característica do Pós- modernismo.
14
Para Régis Bonvicino: “o movimento da poesia marginal pode ser visto como um dos
desdobramentos do tropicalismo” adverte ainda que a Poesia Marginal “resolveu precariamente o
tópico da reinvenção de uma poesia coloquial.” (1999: 232).
15
No entanto, Ivo Lucchesi insere a produção de Leminski num quadro amplo do Tropicalismo:
“Enfim, a matriz tropicalista ofereceu, como legado, a demonstração de que a abertura de novos
caminhos, somando-se aos já conhecidos, só faz fortalecer a construção de uma cultura. Não foram
poucos os que assimilaram essa percepção. Entre tantos, a singularidade e versatilidade de Ney
Matogrosso (com e sem “Secos e Molhados”); a aparição fantasmagórica e vigorosa de Alceu
Valença; o violão refinado e o canto ibero-árabe-mineiro de João Bosco; a versão rock-baião de
Raul Seixas; as experiências cinematográficas de Ivan Cardoso; a escrita multiforme de Paulo
Leminski e Jorge Mautner (este, antes de ausentar-se do Brasil, já publicara, em 1962, o romance O
Deus da Chuva e da Morte); a poesia inquieta e anárquica de Waly Salomão e Cacaso; as
encenações de Hamilton Vaz Pereira, Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães, com o grupo
“Asdrúbal Trouxe o Trombone”; as motivações e desempenhos plurais de Antonio Cícero, Antonio
Risério e José Miguel Wisnik; as montagens instigantes de Gerald Thomas; as criações, com
inserções em múltiplas linguagens, de Arnaldo Antunes; a pesquisa rítmica de Chico Science (o
quanto pôde). (LUCCHESI, 2000: 170) A referência a “escrita multiforme” de Leminski, sugere
suas duas águas: a prosa de invenção do Catatau e o lirismo “melofanologopaico” dos poemas.
36
talvez não haja mais tempo/ para grandes e claros GESTOS INAUGURAIS /como a poesia
concreta foi/ a antropofagia foi/ a tropicália foi/ agora é tudo assim/ ninguém sabe/ as
certezas evaporam/ que a estátua da liberdade/ e a estátua do rigor velem por todos nós
(1999a: 50).
Depoimento que não deixa de ser um sintoma de sua inquietação artística, reflexo
da busca por dicção própria e sinal da mudança dos tempos: “o novo/ não me choca
mais/ nada de novo/ sob o sol”(...) (LEMINSKI, 1983 a: 36).
Em relação a sua geração, no campo da poesia escrita, há mais afastamentos que
aproximações. A poesia de Leminski afasta-se quando impõe uma linguagem
poética pensada, construída, de fabbro, no dizer de Haroldo de Campos. Postura
crítica evidenciada no poema seguinte:
POESIA: 1970
Tudo o que eu faço
Alguém em mim que eu desprezo
Sempre acha o máximo.
Mal rabisco,
Não dá mais pra mudar nada.
Já é um clássico. (LEMINSKI, 2002: 97)
Quando converge com o coloquial, com o registro do imediato, com o neo-
romantismo bem humorado, com uma cultura não acadêmica (“os times de várzea”)
e na erotização da erudição: “uma coisa bem vulgar/ de uma vanguarda vulgar/
VULGARDA” (LEMINSKI, 1999b: 88), aproxima-se de sua geração.
Em Leminski, o registro coloquial não aparece desprevenido do rigor e pode ser
entendido através dos meios principais de impregnar a linguagem, apontados por
Ezra Pound:
(...) melopéia: Produzir correlações emocionais por intermédio do som e do ritmo da fala;
fanopéia: Projetar o objeto (fixo ou em movimento) na imaginação visual e logopéia:
Produzir ambos os efeitos estimulando as associações (intelectuais ou emocionais) que
permaneceram na consciência do receptor em relação às palavras ou grupos de palavras
efetivamente empregados. (2001: 63)
Dentre essas três maneiras, o poeta dos Cantos afirma que na logopéia “assumimos
o risco ainda maior de usar a palavra numa relação especial ao ‘costume’, isto é, ao
37
tipo de contexto em que o leitor espera ou está habituado a encontrá-la.” (Id., 2001:
41) É nessa faixa da comunicação poética que muitos poemas de Leminski são
construídos.
podem ficar com a realidade
esse baixo astral
em que tudo entra pelo cano
eu quero viver de verdade
eu fico com o cinema americano (LEMINSKI, 2002 : 51)
O poema revela uma escolha, refletida explicitamente na ação verbal entre um
“nós” e a reincidência de um “eu”. Outra vida diferente do “se dar mal” é desejada
pelo eu lírico. Numa paráfrase: vida alto astral cultivada distraidamente até a
vitória. O texto abriga aquele humor ácido, revelador de um nacionalismo crítico,
mencionado anteriormente em “Verdura” (RIBEIRO NETO, 2000), (CAMPOS,
2001): “De repente vendi meu filho/ Pruma família americana/ Eles têm carro/ Eles
têm grana/(...)” (LEMINSKI apud VAZ, 2001: 228). No poema acima a ironia
espelha-se na adesão a um “viver de verdade” (ilusão do cinema) oposto à
“realidade” redutora de possibilidades. O chiste irônico é evidenciado numa dupla
projeção anagramática. A partir do termo “americano”, encontramos duas palavras:
“cano” (ameriCANO) e “cinema” (AMErICaNo). Dessa maneira, o texto realiza
isomorficamente a geração de duas situações promovidas pela mesma matriz: a
“ilusão” do cinema e a “realidade baixo astral” da estrutura sócio-político-
econômica. O eu lírico opta pelo “cinema” e afasta o “cano”, ambos gerados pela
mesma cultura. Entretanto, a “ilusão” do cinema é apontada como a vida “de
verdade”. Nessa tensão entre “verdade x realidade”, a sugestão é a de que existe
outra percepção escondida, nessa imbricação de opostos. De tal maneira, que a
“realidade” pode ser falsa e a “ilusão” verdadeira.
A aproximação sonora entre “realidade/ verdade” camufla uma oposição. No
poema, estes termos são colocados em suspensão, pela inversão semântica. De tal
maneira, que a “realidade”
16
é relativizada, sugerindo uma dúvida entre o falso e o
verdadeiro. Não importam as nuances interpretativas dessas relações, o que de fato
está sendo sugerido é a projeção de um questionamento em aderir a uma estrutura
38
social opressora. No entanto, isso é dito em forma de chiste, processo que conjuga
“coisas dissimilares, idéias contrastantes, concisão, o sentido de nonsense, a
sucessão de desconcerto e esclarecimento, a revelação do que estava escondido,
além da relação com o conteúdo de nossos pensamento” segundo Sigmund Freud (
1988: 22). A partir disso, podemos afirmar que dentro dessa realidade “baixo
astral”, não existe espaço para a vivência do sonho: a vida realmente desejada pelo
sujeito lírico.
A opção neo-romântico-rebelde está em outros textos que acusam um
posicionamento contracultural: “esculhambe-se vire-se altere dê alteração/
considere a possibilidade de ir pro Japão/ rejeite o projeto de felicidade/ que a
sociedade te propõe” (LEMINSKI, 1999: 52). O trecho da carta, escrita em 1977,
configura-se como possível eco da música “Oriente” de Gilberto Gil, do LP
Expresso 2222, de 1971:
Se oriente, rapaz
Pela constelação do Cruzeiro do Sul
Se oriente, rapaz
Pela constatação de que a aranha
Vive do que tece
Vê se não se esquece
Pela simples razão de que tudo merece
Consideração
Considere, rapaz
A possibilidade de ir pro Japão
Num cargueiro do Lloyd lavando o porão
Pela curiosidade de ver
Onde o sol se esconde
Vê se compreende
Pela simples razão de que tudo depende
De determinação
Determine rapaz
Onde vai ser seu curso de pós-graduação
Se oriente, rapaz
Pela rotação da terra em torno do Sol
Sorridente, rapaz
Pela continuidade do sonho de Adão
____________
16
Lúcia Santaella esclarece:O que o senso comum entende por realidade? Via de regra, ignora a
inevitável opacidade das relações sociais, pois estas são estruturas complexas que não se dão a
conhecer através da mera percepção ou vivência imediatas. Não há duvida de que os homens
39
O último verso “Pela continuidade do sonho de Adão”, nos remete à idéia da
língua adâmica, anterior à civilização, em que a linguagem formava um duplo com
o cosmos: “poesia é linguagem em estado de pureza selvagem” (PAZ apud
LEMINSKI, 2000: 10). No poema, a imagem acionada converge com a atitude
político-existencial de reivindicar a liberdade através da continuidade do sonho:
união mística com a natureza.
*
moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia (1983 a : 58)
Publicado em Caprichos e relaxos (1983), livro-coletânea que abriga desde os
poemas concretos de Paulo Leminski (Invenção, 1964), até os editados no início da
década de 1980, este poema dialoga com a face neo-romântica e utópica de sua
produção. A confiança do sujeito lírico está na poesia. O futuro poético é criado por
um gesto no presente. É o desejo de que o discurso transforme-se em voz poética,
interseção entre opostos num ponto entre a noite e o dia. Inicialmente, um
movimento entre: noite-presente > dia-futuro.
Essa dicotomia encontra respaldo no plano fonológico do poema. O contraste
noite/dia reflete-se na alternância das vogais posteriores da primeira estrofe /o/, /u/,
que se opõem às anteriores da segunda /a/, /i/. Na interpolação das rimas: boemia/
poesia, a configuração dessa distância, além do espaço entre as estrofes.
No primeiro terceto a imagem do moinho (imagem quixotesca da ilusão) é
espelhada na concentração da vogal /o/. A idéia de circularidade e prolongamento é
____________
sofrem os efeitos objetivos da ação dessas estruturas, mas confundem a simples apreensão das
aparências das relações sociais com o que chamam realidade. Em suma, ignoram que não é o
homem que se engana, é a realidade que o engana dissimulada pelas aparências. Conferem estatuto
de realidade, portanto, às vestimentas ideológicas e mistificadoras que o sistema produz
(SANTAELLA, 1996: 219-220).
40
sugerida pela presença de grupos nasais /m/, n/, reforçada pela ação das fricativas
/v/, /s/: VerSoS/ moVido a Vento/ . A motivão do movimento é refletida pelo fluir
do ar e pela distensão sonora. Esse sopro contamina a ação verbal na segunda
estrofe através das fricativas /v/, /s/, /j/, projetando as vogais brilhantes /a/ e /i/,
imagem da luminosidade desse dia poético. O “dia” é espalhado no verso seguinte
através da aliteração do /d/ (quanDo tuDo que eu Diga) e anagramaticamente é
refletido em /DIgA/. Possível anseio de que o dizer ganhe as cores desse dia.
O “dia” proposto pelo poema não é o “dia” drummondiano, imbricado que
estava com os conflitos políticos da época (1942): “o dia não veio/ o bonde não
veio,/ o riso não veio/ não veio a utopia” (ANDRADE, 2002:30), nem é o dia que
virá das canções de protesto da década de 1960. A reversão de sentido no poema de
Leminski não se dá pela inversão da anáfora, nem pelo niilismo presentes em
“José”. O “dia”, que ainda não é poético, está sendo construído “em noites de
boemia”. Não há pessimismo, mas uma entrega à dionisíaca aventura poética.
O paralelismo dos dois versos iniciais, (desviado do sentido comum “moinho de
vento”) compactados nas aliterações e assonâncias, ( “MOinho de VErsos / MOvido
a VEnto”), reforça a idéia de movimento quando articula a imagem do “moinho”
com o movimento explícito da ação verbal e implícito em: MOVE/MOVE. Se
tomarmos o vento = “pneuma”, o texto pode ser lido como o movimento do espírito
que irá transformar toda a fala social em voz poética.
No “dia” leminskiano, a fala usual é imaginada em cópula com o sopro da
‘poiesis’. Através do desregramento, da visão quixotesca, do mergulho na noite
romântica, o poema se compromete com a criação poética além da letra,
transforma-a em profissão de fé. O texto ganha unidade e gera prazer através do
trabalho com a linguagem: imbricação de som, imagem e sentido. Sobre esta base
estrutural, condensada de sentidos, é lançada a proposta revolucionária de
transformar a vida a partir da poesia.
Essa imagem de retorno a uma linguagem tocada pela poesia está presente no
romantismo de Ralph Waldo Emérson: “Toda palavra foi algum dia poema.(...) A
linguagem é poesia fóssil.” (EMÉRSON, 1966: 133) O mesmo retorno ao idioma
41
adâmico e a recuperação da inocência refletem-se na famosa frase de Novallis:
“poesia é religião original da humanidade” (Apud PAZ, 1983: 81)
. Entenda-se
religião como ‘religação’ fora da hierarquia de poder em nome de Deus, praticada
ao longo dos séculos. Segundo Octávio Paz,
“Sem deixar de ser linguagem – sentido e transmissão de sentido – o poema é algo que está
mais além da linguagem. (PAZ, 1982: 27) No poema a linguagem recupera sua
originalidade primitiva, mutilada pela redução que lhe impõem a prosa e a fala cotidiana.”
(Id., 1982: 25-26) Dessa maneira, “ A missão do poeta é restabelecer a palavra original,
desviada pelos sacerdotes e pelos filósofos. (...) A verdade não procede da razão e sim da
percepção poética, isto é, da imaginação. O órgão natural do conhecimento não são os
sentidos nem o raciocínio;”(Id., 2003: 80).
A empresa dos românticos alemães, segundo Octávio Paz, foi a de inserir a
poesia na história, unir Cristo e Dionísio no mesmo banquete, tentativa de
reconciliar os signos corpo e não-corpo
17
num mesmo movimento. Entretanto esse
desejo é frustrado pela ordem social moderna: “a poesia não se encarnou na história,
a experiência poética é um estado de exceção e o único caminho que resta ao poeta
é o antigo da criação de poemas, quadros, e
romances” (Id., 2003: 90). O espírito
crítico não consegue fundar uma sociedade baseada na palavra poética nem a
sociedade pós-industrial altera o lugar reservado aos poetas.
Condenado a viver no subsolo da história, a solidão define o poeta moderno. Embora
nenhum decreto o obrigue a deixar sua terra, é um desterrado. (...) O poeta moderno não
tem lugar na sociedade porque, efetivamente, não é “ninguém”. Isto não é uma metáfora: a
poesia não existe para a burguesia nem para as massas contemporâneas. (...) Ao reduzir o
mundo aos dados da consciência e todas as obras ao valor trabalho-mercancia,
automaticamente expulsou-se da esfera da realidade o poeta e suas obras (Id., 2003: 84-
85).
Dessa maneira, a poesia encontra-se desencarnada. Os românticos negam a
história e refugiam-se no sonho. No entanto, o dilema permanece, pois a poesia
“afirma e nega a fala, que é palavra social; não há sociedade sem poesia, mas a
____________
17
Octávio Paz desenvolve o tema em Conjunções e disjunções: “Na Índia e na China o modo de
relação entre os signos corpo e não-corpo foi a conjunção. No Ocidente, a disjunção. Em sua
última fase, o cristianismo exagera a separação: condenação do corpo e da natureza na ética
protestante.(...) A disjunção do Ocidente, ao contrário do que ocorria na conjunção oriental, impede
o diálogo entre o não-corpo e o corpo, de modo a nos levar fatalmente à acumulação das
sublimações. (PAZ, 1979: 104-107)
42
sociedade não pode realizar-se nunca como poesia, nunca é poética” (Id., 2003: 96).
Para Alfredo Bosi, é na modernidade que o poeta perde o poder de nomear as
coisas e os seres, pois
a poesia já não coincide com o rito e as palavras sagradas que abriam o mundo ao homem e
o homem a si mesmo. A extrema divisão do trabalho manual e intelectual, a Ciência e,
mais do que esta, os discursos ideológicos e as faixas domesticadas do senso comum
preenchem hoje o imenso vazio deixado pelas mitologias. É a ideologia dominante que dá,
hoje, nome e sentido às coisas (BOSI, 2000: 142).
Segundo Marilena Chauí (1988) é uma redundância falar em “ideologia
dominante”, ideologia é sempre dominante, pois conserva um caráter de totalização
de práticas e discursos. Posição convergente com a defendida por Lúcia Santaella,
quando afirma que
(...) numa sociedade de classes, ideologia é sempre a da classe dominante, pois é essa,
através do uso fruto do poder, que dá nome e sentido às coisas. (SANTAELLA, 1996: 214)
(...) O papel mais saliente da ideologia é o de cristalizar as cisões da sociedade, fazendo-as
passar por naturais. Desse modo, a ideologia não aclara, ou melhor, não diz a realidade,
nem procura dizê-la, mascara-a, homogeneizando os indivíduos aos clichês, slogans,
termos abstratos, signos ocos, que têm por função fazer passar por eternas condições
sociais que são históricas e relativas. Essa teia de ilusão, aliás, tem se expandido a partir do
século XIX, quando o estilo burguês-capitalista-consumista de viver, pensar, querer e dizer
se esparrama a ponto de dominar a Terra inteira (Id., 1996: 215).
A partir dessas explanações, podemos dizer que a voz poética de Leminski
quando rejeita a “realidade” e deseja incorporar o “vento do espírito” em sua fala
cotidiana, está avançando possivelmente contra o padrão ideológico, pois a
percepção cristalizada dos fatos é deslocada através de desvio na organização da
linguagem. Para Santaella, que se apóia em Bakhtin/ Volochinov, a ideologia está
concretamente dentro da linguagem e não só na linguagem verbal, mas em qualquer
estrutura portadora e transmissora de sentido.
A ideologia toma corpo concreto, sensível, material e objetivo nas linguagens que
circulam, através dos aparelhos e por meio das instituições, no intercurso social. Ora, as
linguagens não são inocentes nem inconseqüentes. Toda linguagem é ideológica porque, ao
refletir a realidade, ela necessariamente a refrata (SANTAELLA, 1996: 330).
43
Se a ideologia está na linguagem, e esta articula a realidade a partir dos
interesses dos detentores dos meios de produção, a crítica feita aos poetas por se
afastarem da “realidade social” reproduz ainda a mesma ideologia
homogeneizadora, como foi apontado por Octávio Paz. Reprimir a explosão de
códigos e as formas de agrupá-los e dissociá-los é um fascismo disfarçado. Lúcia
Santaella aponta alguns mal-entendidos com relação à arte engajada e arte alienada:
O primeiro desses mal-entendidos diz respeito à exigência de que arte e literatura estejam a
serviço da denúncia aos discursos dominantes, às ideologias totalitárias. Chamam a isso
arte engajada, em contraposição à arte dita alienada, ou seja, aquela que não fala
diretamente sobre..., não faz discurso contra as injustiças sociais, a dominação de classes
etc. Eis aí um equívoco em que caem geralmente leigos, pois sociólogos mais conscientes
bem conhecem os esquemas de defesa de uma sociedade de consumo, capaz de consumir
até mesmo os discursos de oposição, e mais que isso, capaz de transformá-los em moda,
roubando-lhes a força. Discursos desse tipo, longe de impulsionarem transformações,
cooperam ingenuamente para a preservação do sistema, pois servem para arrefecer os
ânimos mais acirrados daqueles para quem o simples dizer as coisas seria uma maneira de
fazer justiça.
Outro mal entendido, que se liga a esse primeiro, é aquele que exige que a literatura tenha
uma linguagem compreensível, didática, acessível ao nível de entendimento de um leitor
médio. (...) Em geral, quem nega esse caráter de experimento e avanço à criação artística,
tem da arte e da realidade uma concepção bastante estreita e encolhida. A mesma que
conduziu outrora ao realismo socialista, castrador e totalitário. (...) O erro mais grave que
podem cometer os que se dizem engajados e participantes consiste em querer condicionar a
literatura e a arte a necessidades imediatas. Esquecem-se que manejar condutas e produtos
faz parte integrante dos mecanismos da classe dominante. São, na realidade, pseudo-
engajados que imitam justamente os comportamentos que pretendem refutar.
(SANTAELLA, 1996: 217-218)
A poesia de Leminski é consciente desses impasses provocados por visões
preconceituosas e redutoras, e do “não-lugar” (MACIEL apud MARQUES, 2001)
da poesia no mundo contemporâneo. A partir disso, Leminski-pensador sai em
defesa da poesia como um objeto inútil dentro da sociedade pós-industrial.
Transcrevemos a sua estética do inutensílio:
O amor. A amizade. O convívio. O júbilo do gol. A festa. A embriaguez. A poesia. A
rebeldia. Os estados de graça. A possessão diabólica. A plenitude da carne. O orgasmo.
Estas coisas não precisam de justificação nem de justificativas. Todos sabemos que elas
são a própria finalidade da vida. (...) A poesia é o principio do prazer no uso da linguagem.
E os poderes deste mundo não suportam o prazer. A sociedade industrial, centrada no
trabalho servo-mecânico, dos USA à URSS, compra, por salário, o potencial erótico das
pessoas em troca de performances produtivas, numericamente calculáveis. A função da
poesia é a função do prazer na vida humana. Quem quer que a poesia sirva para alguma
coisa não ama a poesia. Ama outra coisa. Afinal, a arte só tem alcance prático em suas
44
manifestações inferiores, na diluição da informação original. Os que exigem conteúdos
querem que a poesia produza um lucro ideológico (...) Existe uma política na poesia que
não se confunde com a política que vai na cabeça dos políticos. Uma política mais
complexa, mais rarefeita, uma luz política ultravioleta ou infravermelha. Uma política
profunda, que é crítica da própria política, enquanto modo limitado de ver a vida.(...)
. As
utopias, afinal de contas, são, sobretudo, obras de arte. E obras de arte são rebeldias.
A
rebeldia é um bem absoluto. Sua manifestação na linguagem chamamos poesia,
inestimável inutensílio. As várias prosas do cotidiano e do(s) sistema(s) tentam domar a
megera. Mas ela sempre volta a incomodar. Com o radical incômodo de uma coisa in-útil
num mundo onde tudo tem que dar um lucro e ter um por quê. Pra que por quê?
18
O mergulho na linguagem é uma das características fundamentais da poesia
moderna. Leminski aponta o nascedouro da “arte pela arte” na poesia francesa do
final do século XIX, e indica a imbricação sociológica para tal concentração:
Descendendo deles (simbolistas e parnasianos), a poesia mais significativa do século XX
nasce da "arte pela arte". Da arte como inutensílio. Não como veículo de princípios
"superiores" ou "maiores". Por essa razão, boa parte da melhor poesia deste século é poesia
sobre poesia, poesia crítica, poesia tendo o próprio poetar como objeto de inspiração.
Metalinguagem, como se diz no jargão técnico. Mesmo quando tem uma "motivação
moral" por trás (o que é inevitável, já que o homem é um ser político, logo moral). A
doutrina da arte pela arte é uma decorrência natural da sobrevivência da arte numa
sociedade regida pelo mercado.
19
Para ilustrar o pergunta-desafio de Leminski (Pra que por quê?), introduzimos o
poema “t. s. eliot” de Amador Ribeiro Neto:
tem de ser uma letra fincada na lâmina da faca
tem de ser uma letra fincada na lâmina
tem de ser uma letra fincada
tem de ser uma letra
tem de ser uma
tem de ser
tem de
tem
tem de
tem de ser
porranenhumaquemfoiquedissequepoesiaécoisaparalgumacoisa (2003: 73)
____________
18
LEMINSKI, Paulo. “Inutensílio”. Disponível em <http://planeta.terra.com.br/arte/ PopBox
kamiquase/ensaio.htm> acesso em 27 set. 2005.
19
LEMINSKI, Paulo. “Arte in-nútil, arte livre?” Disponível em <http://planeta.terra.com.br/arte/
PopBox kamiquase/ensaio.htm> acesso em 27 set. 2005. Os ensaios “Arte in-útil, arte livre?” e
“Inutensílio” foram publicados em: Anseios crípticos. Curitiba, PR, Criar, 1986, pp. 29- 34 e 58
60, respectivamente. Ambos posteriormente reunidos em: “A arte e outros inutensílios”, jornal
Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada, p. 92, 18/10/1986.
45
Essa idéia de uma liberdade ampla, de que o prazer estético está no começo dos
direitos humanos e não no fim da jornada de trabalho, vai contra o programa
ideológico vigente, já que reivindica o prazer e o ócio, logo: o direito ao desperdício
de energia com coisas “inúteis”.
O título do poema nos remete ao ensaio “A função social da poesia”, em que T.
S. Eliot após apontar o uso primitivo da poesia em rituais religiosos e afastar o seu
interesse pela poesia didática, restrita a exortação moral, afirma que
As pessoas suspeitam às vezes de qualquer poesia com um propósito particular, isto é, a
poesia em que o poeta defende conceitos sociais, morais, políticos ou religiosos, assim
como outras pessoas julgam amiúde que determinada poesia seja autêntica só porque
exprime um ponto de vista que lhe apraz. Eu gostaria de dizer que a questão relativa ao fato
de o poeta estar utilizando sua poesia para defender ou atacar determinada atitude social
não interessa. (...) O principal, suponho, é que possamos nos assegurar de que essa poesia
nos dê prazer. Se alguém perguntar qual o gênero de prazer, só poderei responder: o gênero
de prazer que a poesia proporciona; simplesmente porque qualquer outra resposta nos
levaria a nos perdermos em divagações estéticas e na questão geral na natureza da arte
(ELIOT, 1991: 28-29).
Em seguida esclarece sobre a especificidade da atividade poética: “(...) a tarefa do
poeta, como poeta, é apenas indireta com relação ao seu povo: sua tarefa direta é
com sua língua, primeiro para preservá-la, segundo para distendê-la e aperfeiçoá-la
(ELIOT, 1991: 31). Dessa maneira, o autor acredita que
(...) no decurso do tempo, ela (a poesia) produz uma diferença na fala, na sensibilidade,
nas vidas de todos os integrantes de uma sociedade (...) se a cultura nacional estiver viva e
sadia, pois numa sociedade saudável há uma influência recíproca e uma interação contínua
de uma parte sobre as outras. E isso é o que eu entendo como função social da poesia em
seu mais amplo sentido: é isso o que, proporcionalmente à sua existência e vigor, afeta a
fala e a sensibilidade de toda a nação (Idem, 1991: 33-34).
Neste sentido, o poema de Amador Ribeiro Neto, articulado entre parataxe e
“signos-de”, desconstrói a subordinação da poesia a algum projeto direcionador e
reivindica liberdade de linguagem no fazer poético. Todavia, principalmente no
Brasil, não é fácil manter acesa a atualização e a liberdade estéticas, dificuldade que
não autoriza a confecção de uma poesia panfletária. Leminski, no prefácio de
Anseios Crípticos,
posiciona-se a respeito:
46
é um texto sobre a angústia da distância entre a poesia ( e a produção de objetos artísticos)
e a realidade social e econômica de um país subdesenvolvido do 3º mundo
20
, submetido a
um estatuto colonial. E concluo que a única saída começa a terminar na linguagem, na
consciência da linguagem e, a partir daí, na produção de know-how autônomo (apud
MARQUES 2001: 57).
O poeta finaliza seu “anseio críptico”, citando um membro da Escola de Frankfurt:
Para Adorno, a grandeza da arte está em sua capacidade de resistir ao estatuto de
mercadoria, em situar-se no mundo como um "objeto não identificado". Em sua recusa de
assumir a forma universal da mercadoria, a arte, a obra de arte é a manifestação, em seus
momentos mais puros e radicais, de uma "negatividade". Ela é "a antítese da sociedade". A
antítese social da sociedade. Para Adorno, crítico eleitor agudíssimo das contradições do
capitalismo, a arte só tem uma razão de ser enquanto negação do mundo reificado da
mercadoria. Vale dizer, enquanto inutensílio. A tensão ética da obra está nesta recusa em
virar mercadoria.
21
Dessa maneira, a poética do inutensílio é articulada por Leminski como profissão de
fé. Atitude artística e existencial, pois a adesão a essa visão insere uma posição
política. O que fazer diante de um status quo órfão de projetos utópicos,
caracterizado pela derrocada do socialismo e a instauração do discurso único da
tecnocracia cibernética? Leminski continuou no “caminho difícil” (leia-se por
dentro da linguagem) até o fim. Não chegou a “pedir a conta” como no bilhete
suicida de Torquato Neto: “pra mim chega”.
Em seu último livro, O ex-estranho, sua poesia apresenta uma tonalidade
sombria de desilusão. Nele vamos encontrar um Leminski mais punk do que hippie:
“acordei e me olhei no espelho/ ainda a tempo de ver /meu sonho virar pesadelo”
(Idem, 2001 c: 54). Se seguirmos essa linha-pesadelo, o sonho vira tragédia pelo
exame da fatura semântica mais extrínseca:
____________
20
Introduzimos um depoimento de José Genuíno, em conferência sobre o Tropicalismo, no qual faz
uma leitura do momento político da época cujo confronto entre liberdade estética e engajamento
político pode iluminar nossa explanação. “Como nós vivemos hoje uma crise de esperança, como
nós vivemos hoje uma crise de futuro, eu acho que é muito atual e muito importante participarmos
deste evento (Tropicalismo: a explosão e seus estilhaços) e olhar para a obra dos protagonistas do
Tropicalismo como a antecipação dessa idéia de que o belo, a felicidade, o prazer, a alegria têm que
se incorporar a uma luta política revolucionária.” (2000: 104)
21
LEMINSKI, Paulo. Arte in-nútil, arte livre? Disponível em <http://planeta.terra.com.br/arte/
PopBox kamiquase/ensaio.htm> acesso em 27 set. 2005
47
a coisa escrita em sangue/ nas paredes das danceterias/ e dos hospitais. (2000: 17)
pessoas deviam poder evaporar/ quando quisessem/ não deixar por aí/ lembranças pedaços
carcaças/ gotas de sangue caveiras esqueletos/ e esses apertos no coração/ que não me
deixam dormir (2001c : 30)
tentando fazer/ das minhas trevas/ alguma coisa a mais/ que lágrimas (2002: 71)
Essa tonalidade indica o fim do sonho? De um sonho? Provável reflexo da ressaca
existencial que se desenvolveu na década de 1970 e ampliou-se na de 1980,
agravada pelo avanço do modelo capitalista e esfriamento das alternativas utópicas?
Diante de tantas conjecturas possíveis, em O ex-estranho há um sentimento de
sufocamento espalhado pelos poemas. No poema seguinte, algo está atado e podre.
*
Campo de Sucatas
saudade do futuro que não houve
aquele que ia ser nobre e pobre
como é que tudo aquilo pôde
virar esse presente podre
e esse desespero em lata?
pôde sim pôde como pode
tudo aquilo que a gente sempre deixou poder
tanta surpresa pressentida
morrer presa na garganta ferida
raciocínio que acabou em reza
festa que hoje a gente enterra
pode sim pode sempre como toda coisa nossa
que a gente apenas deixa poder que possa (LEMINSKI, 2001 c: 71)
O poema está em O ex-estranho, livro póstumo publicado em 1996. Foi incluído
na seção “Parte de Am/or”, o que não limita-o a uma leitura no plano relacional-
biográfico. No texto, um eu lírico formata uma visão pessimista do momento. O
futuro utópico, em oposição ao poema [Vai vir o dia], não é projetado. Há um
abatimento, como se essa voz “entregasse os pontos”. Até o jogo estrutural não
consegue inserir o humor desconcertante tão característico da dicção leminskiana.
48
Percorrendo a obra poética do poeta, é nesse livro que o seu lirismo ganha com
mais intensidade cores crepusculares, de despedida e de uma amargura sem
disfarces: “Vida quebrada ao meio,/ você nunca disse a que veio.” (LEMINSKI
2001c: 28); “tudo, tudo, tudo,/ não passa de caricatura/ de você, minha amargura/ de
ver que viver não tem cura” (Id., 2001c: 26); “Trevas. Que mais pode ler/ um poeta
que se preza?” (Id., 2001c: 62). Já no prefácio-nota a advertência:
Este livro de poemas, que ia se chamar O EX-ESTRANHO, expressa, na maior parte de
seus poemas, uma vivência de despaisamento, o desconforto do not-belonging, o mal-estar
do fora-de-foco, os mais modernos dos sentimentos. Nisso, cifra-se, talvez, sua única
modernidade (Id., 2001 c: 19).
O idílico “campo”, provável palco para o encontro hippie entre “paz e amor”, é
apresentado em sucATAs que reverbera em “desespero em lATA”(mesmo campo
semântico). Dentro dos termos “sucata” e “lata”, o verbo “ATAR” é projetado. A
distância entre o “futuro” (utopia) e o presente (festa enterrada) é surpreendida na
aproximação sonora (nobre/ pobre/ pôde/ podre). Perplexidade e sufocamento, que
espelhados na proliferação anagramática: surPRESA; PRESsentidA; PRESA,
convergem para o sentido de aprisionamento, atamento. Dessa maneira, se o verbo
“atar” implicitamente ressoa em “Sucata” e “lata”, dentro do “deSePERO” se
esconde a palavra “PRESO”. Então o que é que está prendendo o sujeito? Será a
ação de um “poder” que se esconde anagramaticamente em “podre”? (Caetano
Veloso desenvolve um jogo paronomástico com estes termos na canção “Podres
poderes” de 1984).
Aqui a prova dos nove é quase perdida, a alegria do menino oswaldiano “de ver
com os olhos livres” quase sai de cena. No dístico final, a possibilidade de mudança
é acenada na abertura sonora da vogal /o/ em “pode”, reverberado em “nobre e
pobre”, para que o fechamento do /o/ em “pôde” não perpetue um “presente podre”
enlatado e atado por um campo de sucatas.
O “desespero em lata” sintetiza possivelmente a escalada desse padrão social
baseado no alto consumo e no fim dos projetos utópicos. No entanto, o poema diz
pelos seus significantes. Neste jogo de apresentar e esconder o objeto, de impregnar
49
a textura por vários caminhos, revela o sentimento de um “ex-estranho”, que insiste
em manter o poema aberto ao sopro da poesia. Se o dia da utopia não veio, pelo
menos a realidade “baixo astral” foi “distraidamente” atacada, e apesar de tudo,
como na canção de 1979, “valeu”:
Valeu
dois namorados
olhando o céu
chegam à mesma conclusão
mesmo que a terra
não passe da próxima guerra
mesmo assim valeu
valeu
encharcar este planeta de amor
valeu
encarar esta vida que podia ser melhor
valeu
esquecer as coisas que eu sei de cor
valeu
valeu (LEMINSKI, 1999 a: 147)
Através dos poemas apresentados ao longo do capítulo, podemos afirmar que a
poesia de Paulo Leminski justapõe humor e construção. Afasta-se do despreparo
técnico da Poesia Marginal, apesar de introduzir o registro coloquial. Propõe a
utopia da fala poética embora reconheça o arrefecimento de um sonho. Manipula
imagem, som e sentido sem perder o substrato lírico, amálgama de seu dizer.
50
4. Página
página ó página casa materna
onde encontro sempre espanto
o mesmo sempre manso branco
quando penetro numa caverna (LEMINSKI, 2000: 51)
A metalinguagem, processo que se torna radical na modernidade, segundo
Octávio Paz (2003: 77), coloca o leitor na posição de co-autor do poema,
participante da aventura poética. No metapoema, a linguagem é refletida pela
própria linguagem, espelho de uma modernidade histórica construída a partir da
autocrítica, em que o poema muitas vezes é crítica do mundo e da linguagem,
transcendendo-a através da consciência da materialidade dos signos. Ezra Pound
(2001: 40) indica a categoria da concisão como um dos pontos celulares da poesia,
tessitura condensada ao extremo, linguagem que requer mais tempo para digestão
pela maneira como concentra informação.
Publicado em La vie en close, o poema acima (sem título) pode ser relacionado
a outros textos de Leminski que se voltam para o fazer poético. Em Caprichos e
relaxos a idéia da forma breve: “um pouco de mao/ em todo poema que ensina//
quanto menor/ mais do tamanho da china” ( LEMINSKI, 2001b: 67); reincidente
em Distraídos venceremos:
“ (...)Uma lira nula,/ reduzida ao puro mínimo,/ um
piscar do espírito,/ a única coisa única”. (Id., 2002: 23). Ainda no mesmo livro, a
imagem da “página” mallarmaica é recriada: “(...) Nunca houve isso,/ uma página
em branco./ No fundo, todas gritam,/ pálidas de tanto.” (Id., op. cit.: 29); e o
convite para ir além da letra(símbolo) é sugerido: “Ler pelo não, além da letra, / ver,
em cada rima vera, a prima pedra,” (Id., op. cit.: 87). A metalinguagem nos poemas
de Leminski surge de forma descontraída, muitas vezes apresenta-se associada ao
humor, em outros revela um desejo de superação da própria linguagem.
O texto, acima referido, inicia-se por uma metáfora digerível (página = casa
materna), embora as imagens desenvolvam-se com acento positivo de
indeterminação: “Casa materna” > “espanto” > “manso branco” > “caverna”, este
último termo reverte o sentido das associações normais, concilia a oposição entre o
51
branco da “casa materna” e a cor da “caverna”, por natureza escura. Da mesma
maneira, em que “espanto” e “manso branco” (pares contraditórios) se aproximam
através da ligação sonora (JAKOBSON, 1971: 151), realizando a incorporação de
contrários dentro da tessitura do texto. Parece que através da concentração no
branco da página (espelhado na assonância do /a/: pÁginA ó pÁginA cAsA
mAternA), o poema esteja sugerindo a entrada nos espaços interiores da “caverna”
(=inconsciente
22
).
Dentro da subordinação explícita dos termos “onde” e “quando”, o eu lírico
subverte o arranjo normal dos significados ao introduzir ambigüidades no plano
semântico. Dessa maneira, o poema informa sobre o lugar e o tempo: onde? >
“espanto”; quando? > “caverna”. Os três versos que se subordinam ao primeiro,
estabelecem entre si outras subordinações, fato que sugere um movimento por
camadas de significados: substantivo - advérbio - adjunto adnominal - advérbio.
Subordinação em sentido diverso do normalmente usado na denotação. Aqui a
passagem pelos campos semânticos do texto se dirige para o interior, verticalmente
para a “caverna” onde sexo, arte e linguagem se misturam.
O tempo do poema é o do presente, mas o presente absoluto do gênero lírico
23
.
A repetição do termo “sempre” intercalado por “mesmo” reforça a idéia de duração.
A noção de permanência é sugerida na flutuação do termo “sempre” (advérbio)
para “sempre” (adjetivo). De outra maneira, o artigo “o” funciona como pronome
demonstrativo: “o (aquele) meSmo Sempre manSo branco”, num verso em que o
“branco” transformado em substantivo é pulverizado pelos três adjetivos que
____________
22
No Dicionário de símbolos, a caverna pode ser um “Arquétipo do útero materno” ou “um
símbolo do inconsciente e de seus perigos muitas vezes inesperados.” E ainda a “exploração do eu
interior e, mais particularmente, do eu primitivo, recalcado nas profundezas do inconsciente”
(CHEVALIER, 1998: 212-217).
23
Segundo Anatol Rosenfeld : “A Lírica tende a ser a plasmação imediata das vivências intensas de
um Eu no encontro com o mundo (...) A manifestação verbal ‘imediata’ de uma emoção ou de um
sentimento é o ponto de partida da Lírica.”(ROSENFELD: 1997: 22) Daí que a distância entre
sujeito e objeto, sob a ação dessa intensidade, tende a desaparecer, convergindo para a fusão eu
lírico – natureza. “O universo se torna expressão de um estado interior.” Esta fusão se dá no
presente, mas um “presente sem passado”. “Este caráter do imediato, que se manifesta na voz do
presente, não é, porém, o de uma atualidade que se processa e distende através do tempo (como na
dramática), mas de um momento ‘eterno’” (Ibidem : 23).
52
perpassados pela sibilante /s/, remetem para um estado de permanente novidade.
A pulsão sexual
24
está explícita no verbo “penetrar” e implícito em: “quando
(eu) penetro NUma caVerna” ( o “v” como ícone
25
do órgão sexual feminino ). E
ainda, a imagem do manso branco (sêmen) dentro da “caverna”. Mais
implicitamente, o ânus ecoando em: branCO / QUando. Dessa forma, os termos são
duplamente erotizados: o manso branco (sêmen) está dentro do branco /ku/. Para
completar o quadro, o som arfante do grupo /er/ dentro da casa matERna e da
cavERna. O gozo sexual e o prazer poético interagem criativamente: penetrar na
CAsa matERNA, o mesmo que penetrar na págiNA-CAVERNA.
No poema, a promoção de cópulas sonoras aproxima o observador e coisa
observada, movimento de fusão eu lírico-objeto desejado. A justaposição das
imagens provoca a contaminação dos campos semânticos (página/casa materna/
caverna) de tal maneira que (P)ágina tensiona-se em (V)agina. Local onde vamos
encontrar ESPERMa, seja na aliteração do “e” (ondE Encontro sEmprE Espanto),
_____________
24
“A psicanálise demonstra que a pulsão sexual no homem está estreitamente ligada a um
mecanismo de representações ou fantasmas que a vêm especificar. Só ao fim de uma evolução
complexa e aleatória ela se organiza sob o primado da genitalidade e reencontra então a fixidez e a
finalidade aparentes do instinto. Do ponto de vista econômico, Freud postula a existência de uma
energia única nas vicissitudes da pulsão sexual: a libido. Do ponto de vista dinâmico, Freud vê na
pulsão sexual um pólo necessariamente presente do conflito psíquico: ela é o objeto privilegiado do
recalcamento no inconsciente. (...) Freud sustentou ao longo de toda a sua obra que era sobre a
pulsão sexual que se exercia preferentemente a ação do recalcamento; conseqüentemente, atribui-
lhe um papel primacial no conflito psíquico embora deixando em aberto a questão do que ao fim e
ao cabo fundamenta tal privilégio.” (In: LAPLANCHE & PONTALIS, 1986:518-519)
25
Conforme Décio Pignatari: “Em termos da semiótica de Peirce, podemos dizer que a função
poética da linguagem se marca pela projeção de códigos não-verbais (musicais, visuais, gestuais,
etc) sobre o código verbal. Fazer poesia é transformar o símbolo (palavra) em ícone (figura). Figura
é só desenho visual? Não. Os sons de uma tosse e de uma melodia também são figuras
sonoras”(PIGNATARI, 2004: 17-18). Para Winfried Nöth há dois tipos de iconicidade. Pertencem
à iconicidade exofórica as estruturas que se referem ao mundo externo: “ Os ícones da categoria
imagem, derivados da escritura alfabética, são, por exemplo, as expressões decote em U, decote em
V, ou curva em S”. A iconicidade endofórica faz “referência a outros lugares de um mesmo texto.
Tal referência é a base do princípio da recorrência da linguagem. Repetições, paralelismos, rimas,
aliterações e outras formas de reiteração de unidades equivalentes num mesmo texto são formas de
entre Peirce x Jakobson é apontado por Pignatari, quando comenta o poema “O Corvo” de Poe: “ a
função poética jakobsoniana outra coisa não é senão a iconização do signo poético”. O autor afirma
que esta iconização tende a diminuir a distância entre signo e objeto (estabelecida através da
convenção arbitrária da linguagem), no entanto, não chega a romper a ligação entre o signo e o
referente, ainda que o signo poético seja “um signo isomórfico a um referente-objeto gerado por ele
mesmo” (PIGNATARI, 1974: 91).
53
seja no quase anagrama do termo: “sempre” > esperm (a) espalhado por dois versos.
Além da possível expansão do grupo ESP, a partir do segundo verso em sentido
vertical: mat(ESP)erna/ cav(ESP)erna, para cima e para baixo. A plosiva /p/ tende a
realizar isomorficamente a trajetória do esperma, ou a possível explosão do gozo
poético na página.
O tom lírico da apóstrofe inicial indica um louvor à atividade poética, vista
como movimento entre conhecido (casa materna - manso branco) e desconhecido
(espanto-caverna). Se pensarmos o texto como metapoema, o fazer poético pode ser
um mergulho no “branco da página” ou uma caminhada na “caverna” dos signos,
onde o prazer subordina o corpo da linguagem, desdobrando-o entre gozo e
revelação.
O poema apresenta um “branco permanente”. Espaço-tempo onde mora o
inesperado (“espanto”). O “presente”
26
criado pelo poema é passado (o “aquele”)
que permanece sem alteração (mesmo) e projeta-se no futuro (sempre). Esse tempo
não apresenta começo-meio-fim, só um “aqui e agora”. Por outro ângulo, o “manso
branco” como tela aberta à criação poética, parece aproximar-se da sugestão de um
espaço absoluto onde se torna possível a realização de uma “constelação poética”.
Aqui, inserimos um cotejamento: Leminski x Stephane Mallarmé (1842-1898).
Em Um lance de dados (1897) temos: “l’Abîme/ blanchi/ étale/ furieux” (‘o
Abismo branco/ estanco/ iroso’)( CAMPOS et alli, 2006: 156) . Segundo Haroldo
de Campos, “ blanchi refere-se às ‘espumas originais’, instaurando um paradigma
de brancura, cujo desenvolvimento no poema é descrito por Robert Greer como uma
“symponhie em blanc.” Campos aponta a relação : navio- mulher-vaso da vida
humana, descoberta por Greer. Neste mesmo abismo, a “pluma solitária perdida”
(ícone do poeta-impotente) retorna ao início quando caída da asa ampla do abismo:
____________
26
Segundo Octávio Paz, a instauração de um tempo poético quebra a ordem linear da visão judaico-
cristã. Ao retirar as promessas da “esperança”, que sacrifica o presente na loteria de um futuro
inatingível pelo corpo, afronta a “realidade”, apontada pelo crítico como “inferno circular”, desde a
visão profética de Rimbaud. Não é o tempo criado pela divisão do trabalho, nem é uma projeção da
divisão corpo/alma, arquétipo espiritual do Ocidente onde a estrutura de castigo e recompensa foi
otimizada pelo condicionamento protestante-burguês (PAZ, 2003: 54).
54
“Cai/ a pluma/ rítmico suspense do sinistro/ sepultar-se/ nas espumas primordiais/
de onde há pouco sobressaltara seu delírio a um cimo/ fenescido/ pela neutralidade
idêntica do abismo”. Dessa maneira, configura-se a relação entre “pluma – pênis”,
“brancura rígida”, caindo sobre as “espumas primordiais” (abismo – vaso).
Para Pignatari, “As sucessivas ondas (massas tipográficas) sobre a página são
sucessivas tentativas constelacionais na Via–Láctea, sucessivas ejaculações
espermáticas na página vaginal e uterina” (CAMPOS et alli, 2006: 123). Ver a caída
da “pluma solitária perdida” como “um novo fracasso, uma nova manifestação da
‘impotência’ em relação às tentativas sucessivas de fecundação da página sempre
virgem”.
Diante dessa “página virgem”, Leminski também lançou seus dados. No poema
“Ao pé da pena”, a intertextualidade com a obra de Mallarmé ganha cores
coloquiais.
todo sujo de tinta
o escriba volta pra casa
cabeça cheia de frases alheias
frases feitas
letras feias
linhas lindas
a pele queima
as palavras esquecidas
formas formigas
todas as palavras da tribo
por elas
trocou a vida
dias luzes madrugadas
hoje
quando volta pra casa
página em branco e em brasa
asa lá se vai
dá de cara com nada
com tudo dentro
sai (LEMINSKI, 2000: 71)
Da referência explícita: “Um sentido mais puro às palavras da tribo” (CAMPOS
et alli, 2006: 67) a imagem reincidente da página: “Ó noites! nem a luz deserta a
iluminar/ Este papel vazio com seu branco anseio/ nem a jovem mulher que preme o
55
filho ao seio”(CAMPOS et alli, 2006:45)
, o poema avança na captação do sutil.
Introduz na reflexão metalingüística o humor inusitado: “quando volta pra cASA/
página em branco e em brASA/ ASA lá se vai/ dá de cara com nada/ com tudo
dentro/ SAi”. Atente-se para o deslocamento do grupo ASA realizando a descida
isomórfica de um vôo até a sua saída da página. Vôo sobre um plano que absorve o
coloquial e incorpora os contrários (nada - tudo).
A linguagem de Leminski é em sua predominância fruto do labor, forjada
através de um olhar crítico sobre o mundo e os limites da linguagem. No amálgama
de sua fatura, o híbrido prepondera. A metalinguagem mistura-se com o humor, a
construção com o lirismo, o capricho com o relaxo, o rigor com o desregramento
27
.
Às vezes, num trocadilho sem importância pode – se encontrar um insight. Nesses
momentos, o breve se realiza como concentração máxima de significados
28
.
*
“Aviso aos náufragos” (LEMINSKI, 2002:15), poema de abertura de Distraídos
venceremos, articula no mesmo movimento a referência à linguagem (“página,
sílaba, papiro, símbolo”) e ao cotidiano (“vai ter que dizer bom dia”). A sugestão de
que a distância entre o naufrágio na linguagem e o naufrágio na vida foi eliminada,
está implícita no último verso: “Não é assim que é a vida?” Leminski não enxerga o
fazer poético refém de uma assepsia formal: “(...) é a linguagem que está a serviço
da vida/ não é a vida a serviço da linguagem” (1999a:53). Na lírica de Leminski a
prática poética não está fechada em laboratório, pelo contrário, é no tom de alguns
poemas que o desejo de estetizar a vida e erotizar a erudição reverbera.
____________
27
Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça apontam o “impulso apolíneo à forma-
objeto de Mallarmé e o impulso dionisíaco à imagem-música de Rimbaud” como “dois dos
procedimentos (não antagônicos) da poética contemporânea”(1996: 139). Esquematiza as
características referentes aos dois poetas: MALLARMÉ( impulso apolíneo; ênfase na unidade;
poema objeto; distinção entre linguagem poética/ linguagem comum, erudita/ popular;
impessoalidade; “subdivisões prismáticas da idéia”(...); RIMBAUD (impulso dionisíaco; ênfase no
desregramento; poema como processo; não vê distinção entre linguagem poética/ comum;
despersonalização; “alquimia do verbo” (...) (1996: 141).
28
Para Ezra Pound: “Grande literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o
máximo grau possível” (POUND, Op. cit. : 32).
56
Dessa maneira, não desejamos justificar a intensidade da linguagem poética pelo
temperamento do poeta. Em todo verdadeiro artista arte e vida se confundem,
acabam por se transformar na mesma combustão, o ar-‘pneuma’ que dissemina
poesia, enche de vibrações o poeta. A mesma chama faz da combustão do corpo a
energia da obra. Isso não autoriza, dentro de uma perspectiva crítica, a valorização
dos dados biográficos em detrimento das especificidades estruturais do texto, o que
poderia configurar-se como biografismo
29
.
A imagem do poeta inspirado
30
, o que vive no mundo da lua à espera de sua
musa, sofre abalos a partir do final do século XIX e desmorona-se com o avanço
das vanguardas históricas. A poesia de Leminski abre-se para o acaso embora não
descuide de cultivar a “estranha esgrima” intrínseca ao texto. “Exercerei a sós a
minha estranha esgrima,/ Buscando em cada canto os acasos da rima,/ Tropeçando
em palavras como nas calçadas,/ Topando imagens desde há muito sonhadas.”
(BAUDELAIRE apud BENJAMIN, 1989: 68).
Em Um lance de dados de Mallarmé, adverte Haroldo de Campos, não está o
sepultamento do acaso em oposição à racionalidade anestésica, mas a “disciplinação
do acaso” através de “liberdade vigiada por uma consciência crítica e seletiva” e a
“incorporação, (do acaso) como termo ativo, ao processo criativo” (CAMPOS et
alli, 2006: 190). Não é o rigor que fecha a porta da sensibilidade, criando clichês
literários, mas a não consciência da evolução formal que se apega à mecânica
repetição de fôrmas.
Num vôo panorâmico sobre poesia brasileira do século XX, a título de
____________
29
Para René Wellek e Austin Warren, “Mesmo quando uma obra de arte contém elementos que
possam com segurança ser identificados como autobiográficos, tais elementos estarão de tal modo
reelaborados e transformados na obra que perdem o seu significado especificamente pessoal e se
tornam apenas material humano concreto, partes integrantes da obra. (...) Até quando entre a obra
de arte e a vida de uma autor exista uma estreita relação, tal não pode ser interpretado como
querendo dizer que a obra de arte é uma mera cópia da vida.”(WELLEK; WARREN, 1955: 91)
30
A partir do fim da função ritual da arte, índice da mudança na estrutura sócio-econômica através
da reprodutividade técnica, (percepção desenvolvida por Walter Benjamin em famoso ensaio de
1936, mencionado anteriormente), Samira Chalhub relaciona a perda da aura à metalinguagem
quando afirma: “O que a metalinguagem indica é a perda da aura, uma vez que dessacraliza o mito
da criação, colocando a nu o processo de produção da obra.” (2005: 42).
57
exemplificação, destacamos alguns metapoemas. A consciência drummondiana da
dupla face do signo (significado e significante), em busca do halo conotativo das
palavras: “Chega mais perto e contempla as palavras./ Cada uma/ tem mil faces
secretas sob a face neutra/” (ANDRADE, 2002: 249). O afastamento da passividade
diante do poema, por João Cabral: “Não a forma encontrada/ como uma concha,
perdida/ nos frouxos areais/ como cabelos; (...) mas a forma atingida/ como a ponta
do novelo/ que a atenção, lenta, desenrola,” (MELO NETO, 1975: 330). A
identificação de um sentimento-pensante por Nelson Ascher: “Poesia, ponte em
cima/ de abismos não abertos/ ainda ou flor que anima/ a pedra no deserto// e a
deixa prenha, é régua que calcula a/ linguagem e lhe engendra/ modelos de medula
(ASCHER, 1993: 55).
Na lírica de Leminski, o que foi disseminado é recolhido, com a exigência de
não repetição de procedimentos. No prefácio de Distraídos venceremos, o poeta
afirma: “arrisco crer ter atingido um horizonte longamente almejado: a abolição
(não da realidade evidentemente) da referência, através da rarefação” (LEMINSKI,
2002: 7). Enxergamos nessa “abolição da referência” a tentativa de equacionar o seu
dizer, centrado que está na especificidade de sua aventura poética: “A poesia é a
liberdade de minha linguagem” (LEMINSKI, 2000: 10). Fruto de uma atualização
constante da linguagem através de hibridizações em que a referencialidade e a
poesia dita “engajada” são colocadas em segundo plano.
Essa atualização reflete-se em “Sobre Poesia e Conto – um depoimento” (1979),
que a seguir reproduzimos:
(...) Não é minha intenção fazer poesia voltada radicalmente para a construção, a produção
de matrizes novas para uma sensibilidade nova. No que faço, subsiste um componente
acentuado de expressão, de comunicação, portanto. Isso só é possível com certo teor de
redundâncias, de ‘facilidades’, cuja dosagem controlo e regulo. (...) Poesia no papel tem de
ser informada. Os que defendem uma poesia desprevenida esquecem que os grandes poetas
do Brasil têm sido intelectuais de amplo saber e múltiplos interesses (Bandeira,
Drummond, Cabral, Murilo, sem falar em Mário). A única exceção aparente é Oswald.
Oswald é outro papo. Mas penso que excessivo amor aos símbolos é amor à morte. Prefiro
a vida, esse signo sempre incompleto. Poesia, para mim, tem que ser alegria e esperança. O
puro júbilo do objeto, esplendor do aqui e do agora. Ou a canção assobiada que ajuda a
caminhar nas estradas, na viagem rumo à Utopia. Cedo me dei conta que a poesia não
altera porra nenhuma do real histórico. Quem quer fazer da poesia bandeira de guerra ou
tribuna, errou de profissão e escolheu o instrumento inadequado. Não que a poesia não
58
possa brotar do político ou do social, mais explícitos. Pode. E acho que deve, num país
como este. Mas que pinte no modo específico da poesia, no ser da linguagem. (...) Quem
não teme, não oprime. Nem reprime. Aqueles que vivem legislando “o poeta deve”, “o
poeta não pode”, “isso não é poesia”, “poesia tem que ser assim ou assado”, nada
entendem de poesia e querem apanhar o vento com rede de caçar borboletas. A poesia,
vida, linguagem viva, vaza por todas as frestas. É disso que o povo gosta (LEMINSKI,
1999 a: 193-197).
O texto, repleto de radicalidades não menos lúcidas, sai quatro anos após o Catatau.
Funciona como índice da modulação de outras freqüências em sua produção poética
que a partir da década de 1980 ganha índices maiores de comunicação. O texto
esclarece, via teoria da informação, sobre o jogo entre redundância e informação.
Segundo Toninho Vaz, Josely Vianna Baptista considerava que Leminski
“facilitava” demais os poemas, no entanto, ele respondia dizendo que os poemas
“deveriam nascer quase por acaso”. Nesta tendência, Vaz comenta sobre o título
“Distraídos venceremos”:
A idéia de encurtar a distância entre expressão e realização o levaria a desenvolver um
pensamento-síntese dos seus estudos zen e a verbalizar esta postura diante do cotidiano
criando o slogan Distraídos Venceremos, em contraponto ao popular Unidos Venceremos,
dos movimentos de política sindical. Assim, quando a conversa com os amigos passava
pelas “estratégias de combate para abrandar as zonas de sufoco”, ele - como um bom Dom
Quixote – sacava e brandia as palavras-bálsamo: - Distraídos venceremos! (VAZ, 2001:
253).
Para Paz, a distração se configura como uma das mais difíceis empresas do homem,
pois consiste numa reversão de paradigma:
Um homem que se distrai nega o mundo moderno. (...) O distraído se pergunta: o que há
do outro lado da vigília e da razão? A distração quer dizer: atração pelo reverso deste
mundo. A vontade não desaparece; simplesmente, muda de direção – em lugar de servir
aos poderes analíticos, os impede de que confisquem, para seus próprios fins, a energia
psíquica. (PAZ, 1982: 46)
No prólogo de Distraídos venceremos, que pode ser lido em diálogo com o poema
“Aviso aos náufragos” (anteriormente mencionado), aparece um poema que
converge com o sentimento de indeterminação, típico do zen. Aponta para a
relatividade da realidade aparente, daí a dificuldade de seguir verdades absolutas,
diante da instabilidade do provável:
59
É quando a vida vase.
É quando como quase.
Ou não, quem sabe. (LEMINSKI, 2000: 7)
O poema encontra eco na passagem do texto crítico: “A poesia, vida linguagem
viva, vaza por todas as frestas”
(LEMINSKI, 1999 a: 194). Essa característica de
hibridização em que muitos poemas surgem no corpo de cartas, fragmentos e textos
críticos foi investigada por Solange Rebuzzi (2003).
No poema acima, diante da partícula verbal (ser) a onipresença da vida e a
proliferação de possibilidades espaço-temporais, espelhadas na coordenação de
conjunções, convergem para a indeterminação do evento, relativizando o saber e o
sujeito. Esse estado de instabilidade pode ser vasculhado na proliferação de
partículas que suspendem a percepção: “meio início, meio a meio, sem fim”
(LEMINSKI, 2000: 47), “ou se um dia saberei/ que nem eu saber nem ser nem era”
(Ibidem: 17), “levar a vida que falta/ sem nunca saber quem é.” (Ibidem: 67), “como
se quase, existindo, só nos faltasse o talvez” (Ibidem: 72). Essa indeterminação é
refletida e refratada como um acorde, ressoando por sua obra poética. No poema
seguinte, a sugestão de um vazio surge em meio à reflexão metalingüística:
Vim pelo caminho difícil,
a linha que nunca termina,
a linha bate na pedra,
a palavra quebra uma esquina,
mínima linha vazia,
a linha, uma vida inteira,
palavra, palavra minha. (LEMINSKI, 2002: 18)
No poema acima, sem título, existe um movimento dos grupos de vogais
anasaladas (im, inho, inha, ina, ima) projetadas em aliterações que se cruzam ao
longo do texto. Proliferação fonética por anáfora, paralelismos, rimas externas e
internas, consoantes e toantes. O grupo /in/ está presente em todos os versos, perfaz
um zique-zaque estrutural pelo interior dos versos, movimento reforçado pela
disposição alternada em relação à margem. Numa possível configuração de um
duplo “linha-vida”, a letra “i” destaca-se como ícone da linha.
60
O poema inicia-se com o pretérito perfeito (vir) que desemboca num presente
distendido “nunca termina”. As ações estão espelhadas nos verbos “bater/quebrar”,
ambos no presente. Desta maneira, o movimento da linha é caracterizado por
choque (bater) e ruptura (quebrar). Este verbo também sugere “desvio”, aliás, é
através dele que o coloquial é introduzido: “nas quebradas da vida”. A presença de
palavras de um mesmo campo semântico (bate, pedra, quebra; e implicitamente em
paLAVRA, terMINA, esQUINA) sugere a aproximação do fazer poético com a
lapidação mineral. A “pedra palavra
31
” lavrada pelo poeta.
verbos nos quatro versos iniciais (vir, terminar, bater, quebrar) e apenas
sintagmas nominais nos três finais. A partir do quinto verso o poema muda de tom.
Através da não transitividade verbal cria-se um estado de suspensão. Mesmo sem
apresentar verbos, essa parte final traz a sugestão do verbo “alinhar”, assim, duas
leituras são possíveis: linha = percurso de uma vida; e ainda, a vida que é alinhada
pela “mínima linha vazia”.
A justaposição de opostos (linha vazia x vida inteira) sugere a fusão entre arte-
vida num mesmo movimento: vazio capaz de encher uma vida. A metáfora da
“linha-vida” aponta para o fazer poético como uma missão intransferível. Posição
acentuada pelo poema “L’être avant la lettre”: “c’est la vie des choses/ qui n’ont pas
/ un autre choix” (LEMINSKI, 2000: 5).
Existe uma área do poema em que as vogais não são anasaladas: “bate na pedra/
a palavra quebra”. No choque entre as oclusivas (bilabias /p b/ e linguodentais /t d/)
o reflexo do “caminho difícil”, marcado por um impasse: “a linha bate na pedra”.
Após esse impedimento do fluir, o poema revela a “não significação”: “mínima
linha vazia”. A “pedra” e a “quebra” se aproximam pelo som e sentido. Assim, o
“caminho difícil” é espelhado na concentração de oclusivas: “BaTe na PeDra”/
Palavra QueBra”.
O termo “pelo” causa ambigüidades. Pode indicar modo (vim através do
____________
31
Tradição na modernidade no Brasil, a questão da pedra, introduzida por Drummond “Tinha uma
pedra no meio do caminho”(ANDRADE, 2002:267), é depois desenvolvida por Cabral,
configurada pela idéia de leitura “não fluvial” do texto poético.
61
caminho difícil), motivo (vim por causa do caminho difícil, neste sentido a vivência
poética torna-se missão) e mais implicitamente nudez (vim em pêlo). Neste sentido:
(eu) vim pelo (pelado) caminho difícil / a linha que NUnca termina. Não é o caso do
poema, anteriormente apreciado, [página ó página casa materna] em que os sentidos
sexuais multiplicam-se. Aqui, entretanto, a disseminação sonora se dá a partir do
primeiro verso e desenvolve-se até a aproximação anagramática de: caMINHo >
palavra MINHa. Dessa maneira: o “caminho difícil” é a aventura por dentro da
linguagem( “paLAVRA, paLAVRA minha”), para que ela, palavra (pensada como
textura aberta ao imprevisto e às intervenções do cotidiano) se torne personalizada,
dicção própria.
*
Invernáculo(3)
Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quando o sentido caminha,
a palavra permanece.
Quem sabe mal digo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase. (LEMINSKI, 2001 c: 21)
O poema apresenta várias oposições (vernáculo
32
x não vernáculo, eu sinto x eu
falo, caminhar x travar) que evidenciam um desacordo entre “língua minha” x
“língua não minha”. Nesta língua, a palavra encontra-se dissociada do sentido:
“Quando o sentido caminha/ a palavra permanece”, não há motivação do signo, nem
____________
32
“Diz-se da linguagem genuína, correta, pura, isenta de estrangeirismos;” (FERREIRA, 1986:
1768).
62
a identificação com o sujeito lírico.
Para a voz do poema, sua língua é sugerida como fruto de criação artística, daí o
eco do fingimento poético reverberar em “Quem sabe mal digo mentiras,/ vai ver
que só minto verdades”. O fingimento não se aproxima da “delegação poética” do
Arcadismo; aqui, é o “eu” que é colocado em suspensão, como em
“Autopsicografia” de Fernando Pessoa: “ (...) E os que lêem o que escreve,/ Na dor
lida sentem bem,/ Não as duas que ele teve,/ mas só a que eles não têm” (PESSOA,
1998: 98).
Antes e depois da expressão “eu sinto” (verso 8) são justapostas palavras que
indeterminam a ação do verbo “saber”. Assim, o que esse “eu” senti é posto em
suspensão, em contraposição a exaltação das qualidades dessa voz “além palavra”.
A insistência está no dizer
33
e não no escrever. Entretanto o dizer é projetado para
dentro. A fala flexiona-se sobre si: “Assim me falo, eu, mínima”.
Segundo Octávio Paz:
A experiência poética, como a experiênncia religiosa, é um salto mortal: um mudar de
natureza que é também um regressar à nossa natureza original. Encoberto pela vida
profana ou prosaica, nosso ser de repente se recorda de sua identidade perdida; e então,
aparece, emerge, esse “outro” que somos. Poesia e religião são revelação. Mas a palavra
poética não precisa da autoridade divina. A imagem é sustentada em si mesma, sem que
seja necessário recorrer à demonstração racional nem à instância de um poder sobrenatural:
é a revelação de si mesmo que o homem faz a si mesmo (PAZ, 1982: 166).
Através da identidade sonora, podemos dizer que: o “eu” fala um monólogo
numa “mÍNima lÍNgua longÍNqua”, bem próxima da “mínima linha vazia” do
poema anterior. O verbo “travar’ é lançado na ambigüidade (interromper/ tramar),
ao mesmo tempo em que é uma fala não fluvial, aproxima-se da canção longínqua,
além da palavra. Sugere um dirigir-se para a voz adâmica, anterior à linguagem.
Aqui a palavra e o sentido caminham juntos: a “língua” é projetada em
“LonGÍNqUA”.
____________
33
Para Octávio Paz: “A poesia não é sentida, é dita. Quero dizer: não é uma experiência traduzida
depois pelas palavras, mas as palavras mesmas constituem o núcleo da experiência” (PAZ, 1982:
191).
63
Ao comentar a famosa frase do poeta alemão Novallis: “A poesia é a religião
original da humanidade”, Paz afirma que “ restabelecer a palavra original, missão
do poeta, equivale a restabelecer a religião, anterior aos dogmas das Igreja e dos
Estados” (PAZ, 2003: 79). Não é a voz exterior, mas uma voz interna anterior à
palavra. Paz afirma que o que diferencia a idade moderna é a idéia da revolução. A
partir disso, “a religião pública da modernidade tem sido a revolução, e a poesia,
sua religião privada” (PAZ, 1993: 67). Reflexo da não possibilidade de encarnação
da poesia nem na história nem no mito, daí o insulamento metalingüístico da poesia
na linguagem e o do poeta – expulso da estrutura sócio-econômica pela burguesia
que não consegue assimilar um corpo “estranho” em seus esquemas de utilidade e
consumo. Nada de novo, desde o “Banquete” já falavam que a poesia perturba o
comércio de imagens da “polis” e confunde a razão.
Para exemplificar o estado além da linguagem, Paz introduz a percepção de um
taoísta:
Quando Chuang-tsé explica que a experiência do Tao implica um retorno a uma espécie de
consciência elementar ou original, onde os significados relativos da linguagem se mostram
inoperantes, recorre a um jogo de palavras que é um enigma poético. Diz que essa
experiência de regresso ao que somos originalmente é “entrar na gaiola dos pássaros sem
fazê-los cantar”. Fan é gaiola e regresso; ming é canto e nomes. Assim, a frase quer dizer
também: “regressar para ali onde os nomes não são necessários”, ao silêncio, reino das
evidências. Ou ao lugar onde os nomes e as coisas se fundem e são a mesma coisa: à
poesia, reino onde nomear é ser”. (PAZ, 1982: 129).
A voz poética emana de um “eu”, mas resulta de uma interseção com o não
“eu”, o “outro”. Essa voz poética, projetada além da palavra, “Não é a voz do além
túmulo: é a do homem que está dormindo no fundo de cada homem” (PAZ, 1993:
144).
A idéia de canto à margem ecoa nos versos de Drummond: “Vai, Carlos! ser
gauche na vida” (ANDRADE, 2002:21), e é recriado por Torquato Neto: “vai
bicho, dasafinar o coro dos contentes”. Em Leminski, a fala que ilumina o “eu”
lírico (implicitamente através da sugestão “lusa/luzir), advém do uso de um dialeto
marginal. O pronome oblíquo “me” retoma a ação reflexiva, agora sob a tensão dos
termos: “usa/lusa”. Dessa maneira, a revelação de si para si “assim me falo”
64
deságua no processo de iluminação desse “eu”( “fala que me lusa”). Todavia, esse
sujeito lírico não é plasmado numa sentença isenta de conflitos. Sob o signo da
indeterminação, apresenta-se refletido e refratado entre o vernáculo e a “outra voz”,
fruto de um dobrar-se sobre si.
65
5. Mallarmé Bashô
O poema de 17 sílabas que se apresenta tradicionalmente no esquema de 5, 7 e 5
sílabas, atinge destacado desenvolvimento a partir do século XVI, quando um
“rônin”(samurai desempregado) decide transformar a poesia em seu foco de vida.
Matsúo Bashô (1644-1694) eleva uma prática popular de poesia a um estágio de
arte mística. O karatê, o judô, a cerimônia do chá, a ikebana são elementos da
cultura japonesa configurados como caminhos espirituais (dôs) que se direcionam
para uma percepção não-verbal e integrada da vida. Bashô (“bananeira” em
japonês) transformou a prática do haicai em um . “Para Bashô a poesia é um
caminho até uma espécie de beatitude instantânea e que não exclui a ironia nem
significa fechar os olhos diante do mundo e dos seus horrores” – esclarece Octávio
Paz (2003: 174).
No haicai
34
a sugestão supera a constatação referencial. O vazio entre as
imagens deve ser percorrido pelo leitor, como num koan
35
. A completude do haicai
exige uma participação; as idéias-sentimento estão condensadas, mas são apenas
sugeridas. O trabalho é o de percorrer a condensação imagética. Segundo Paz,
Do ponto de vista formal o haicai divide-se em duas partes: uma condição geral e da
ubiquação temporal ou espacial do poema (outono ou primavera, meio-dia ou entardecer,
uma árvore ou um rochedo, a lua, um rouxinol); a outra, relampagueante, deve conter um
__________
34
No presente texto, por questões didáticas, preferimos adotar a grafia “haicai”, ainda que o termo
“haiku” seja mais preciso historicamente. Segundo Octávio Paz: “o poema clássico
japonês
(tanka ou wanka) é composto de cinco versos divididos em duas estrofes, uma de três linhas e outra
de dois: 3/2. A estrutura dual do tanka deu origem ao renga, sucessão de tankas escrita geralmente
não por um poeta, mas por vários: 3/2/3/2/3/2/3/2... Por sua vez o renga adotou, a partir do século
XVI, uma modalidade engenhosa, satírica e coloquial. Este gênero se chamou haikai no renga. O
primeiro poema da seqüência chamava-se hokku e quando o renga haikai dividiu-se em unidades
soltas (...) a nova unidade poética chamou-se haiku, composto de haikai e hokku. (PAZ, op. cit.:
172).
35
“O koan não é nem um enigma nem uma observação misteriosa. Ele tem um objetivo mais
definido: o levantamento da dúvida, impulsionando-a até os limites últimos. (...) Esse arremesso
inesperado de todo o ser contra o koan abre uma região da mente até então desconhecida.
Intelectualmente, é um transcender dos limites do dualismo lógico. É, ao mesmo tempo, uma
regeneração, o despertar de um sentido interno, que permite ao indivíduo uma visão do autêntico
funcionamento das coisas” (SUZUKI, 1961: 113-114).
66
elemento ativo. Uma é descritiva e quase enunciativa: a outra, inesperada. A percepção
poética surge do choque entre ambas. A própria índole do haicai é favorável a um humor
seco, nada sentimental, e aos jogos de palavras, onomatopéias e aliterações, recursos
constantes de Bashô, Buson e Issa. Arte não intelectual, sempre concreta e antiliterária, o
haicai é uma palavra cápsula carregada de poesia, capaz de fazer saltar a realidade
aparente” (PAZ, 2003: 163).
Haroldo de Campos (1977) aproxima a concisão do haicai à idéia de
condensação poética coligido por Ezra Pound: “dichten= condensare”; “a poesia
consiste em essências e medulas” (2001). A partir disso, rejeita a
aura de melifluidade e exotismo gratuito que a visão ocidental procura, frequentemente,
emprestar ao haicai, desvitalizando-o em sua principal riqueza – a linguagem altamente
concentrada e vigorosa (CAMPOS, 1977: 55).
Leminski também afasta essa tendência eufemística e aponta a tendência do haicai
em revelar a poeticidade dos fatos banais do cotidiano (característica presente na
simplicidade dificílima de Manuel Bandeira):
(...) quão longe nos é dado ver, o tema central do zen é a superação das dualidades. A
dissolução dos maniqueísmos. A síntese dos contrários. Além do bem e do mal. Do
sagrado e do profano. Do espiritual e do material. Do transcendental e do imanente. Do
aqui e do além. Isso, Matsuó Bashô procurou em seus haicais. Neles, a mais funda
espiritualidade manifesta-se nos eventos mais vulgares. (1983a: 88) (...) o haicai de Bashô
não é fotografia adocicada de um lótus flutuando no velho tanque de um mosteiro. São
feridas, contradições zen, singulares vivências de uma sensibilidade à flor da pele (1983a:
51).
Keene ressalta que entre os dois elementos do haicai (um de “permanência”
outro de “transformação”) deva saltar uma centelha, para que o haicai se torne
efetivo (KEENE apud CAMPOS, Idem: 57). Fenollosa adverte que essa centelha
não equivale à síntese dialética, pois “duas coisas conjugadas não produzem uma
terceira, mas sugerem alguma relação fundamental entre ambas (Fenollosa, 2000:
114). O espaço entre os dois pólos deve ser completado pelo leitor. No haicai
japonês (imerso que está no universo zen), essa co-autoria se direciona para a
meditação e a fusão do sujeito à natureza através da eliminação do espaço-tempo
eu-mundo e da percepção sem o reconhecimento da memória: presentificação da
vida.
67
Na seqüência, arrolamos várias versões do mais famoso haicai de Matsuó
Bashô:
o velho tanque
rã salt’
tomba
rumor de água (CAMPOS, 1977: 62)
Um viejo estanque:
salta uma rana zás!
chapaleteo. (PAZ, 2003:163)
VELHA
LAGOA
UMA RÃ
MERG ULHA
UMA RÃ
ÁGUAÁGUA (PIGNATARI apud LEMINSKI, 1983b: 37)
O velho tanque
O sapo salta
O som da água (LEMINSKI, 1983b: 42)
Ao comentar o haicai de Bashô, Leminski afirma:
O Velho Tanque : o primeiro verso expressa, em geral, uma circunstância eterna, absoluta,
cósmica, não humana, normalmente, uma alusão à estação do ano, presente em todo haicai.
O Sapo Salta : o segundo verso exprime a ocorrência do evento, o acaso da acontecência, a
mudança, a variante, o acidente casual. Por isso, talvez, tenha duas sílabas a mais que os
outros.
O Som da Água: a terceira linha do haicai representa o resultado da interação entre a ordem
imutável dos cosmos e o evento. Resultado distinto da conclusão de um silogismo da
lógica grega aristotélica. (1983b: 44-47)
*
68
Essa idéia de que a sintaxe analógica não resulta numa “soma”, mas num
“produto” é desenvolvida por Sierguéi Eisenstein. O cineasta russo, cotejando as
técnicas de montagem com o elementos do ideograma, enxerga na organização
estrutural deste, um deslocamento da visão linear do mundo:
A questão é que a cópula (talvez fosse melhor dizer a combinação) de dois hieróglifos da
série mais simples não deve ser considerada como a soma deles e sim como seu produto,
isto é, como um valor de outra dimensão, de outro grau; cada um deles, separadamente,
corresponde a um objeto, a um fato, mas sua combinação corresponde a um conceito. Do
amálgama de hieróglifos isolados saiu o ideograma (representação lacônica de um conceito
abstrato). A combinação de dois elementos suscetíveis de serem ‘pintados’ permite a
representação de algo que não pode ser graficamente retratado (2000: 151).
Para Eisenstein, o haicai é um “esboço impressionista concentrado” cujo
processo ideogrâmico em que está baseado, quando transposto para as tomadas
cinematográficas provocam a quebra das “representações dos objetos nas
proporções reais (absolutas)”. Dessa maneira, a montagem por justaposição ao
acionar esse deslocamento perceptivo (basta lembrar os closes de olhos, bocas e
mãos do revolucionário filme “Encouraçado Potenkin”) desvia-se do padrão da
lógica formal ortodoxa, pois “o realismo absoluto não constitui de maneira alguma,
a forma correta de percepção, é função apenas de certa forma de estrutura social.
Como decorrência de uma monarquia estatal, implanta-se uma uniformidade estatal
de pensamento” (EISENSTEIN, 2000:156). Neste sentido, o autor sugere que o
deslocamento formal atinge a organização do plano ideológico.
Em “O que significa a estrutura Aristotélica da linguagem?”, Hayakawa
investiga as relações entre estrutura da linguagem e pensamento, a partir da obra de
Alfred Korzybski. O ensaio aponta a inadequação da “linguagem ortodoxa
tradicional” diante dos novos paradigmas da ciência moderna. Reforça a idéia de
que a língua não é apenas um sistema de signos, mas reflete e refrata uma
organização ideológica do mundo.
Não chegamos a compreender o tremendo poder que tem a estrutura de uma língua
habitual. Não é exagero dizer que ela nos escraviza através do mecanismo das reações
semânticas e que a estrutura exibida pela linguagem, e que esta nos inculca
69
inconscientemente, é automaticamente projetada ao nosso redor, sobre o universo
(KORZYBSKI apud HAYAKAWA, 2000: 231).
Hayakawa expõe duas classificações para os hábitos de linguagem: os
aristotélicos que envolvem um postulado implícito de identidade e os não-
aristotélicos que envolvem uma rejeição explícita de identidade. Dessa maneira: “A
estrutura tradicional da linguagem, envolvendo o assim chamado ‘é de identidade’
tende a obscurecer a diferença entre palavras e as coisas.” (HAYAKAWA, 2000:
233). Neste sentido
36
, a poesia, e não só o haicai, quando promove a conciliação de
contrários distancia-se da visão mecanicista-dualista que divide os fatos e os objetos
em polaridades não interligadas: “substância/ forma”, “corpo/não corpo”,
“causa/efeito”, razão/emoção”, “espaço/tempo” etc. No entanto, o ideograma tem
suas vantagens, pois não projeta um sinal sonoro para processar a significação, além
do mais se trata de uma língua (quando de sua origem chinesa) em que não existe o
verbo “ser” e sujeito e objeto não se apresentam determinados pela predicação
unidirecional.
Segundo Marshall McLuhan “o ideograma é uma gestalt inclusiva, e não uma
dissociação analítica dos sentidos e das funções como a escrita fonética” ( 1969:
103). Diante da questão central de sobrepor uma imagem ao sinal fonético, o poema
de Leminski [Lua na água] (anteriormente mencionado) serve como exemplo para
essa motivação do signo, projetando informação além do plano verbal.
Como veremos nos poemas a seguir, os haicais de Leminski exibem liberdade
formal e não se prendem ao esquema tradicional (5-7- 5 sílabas). Diante do recado
do “senhor bananeira”: “Não siga os antigos. Procure o que eles procuraram”
(BASHÔ apud LEMINSKI, 1983b: 42), o poeta faz o “dever de casa tropical”:
recria o haicai com os elementos do seu presente.
____________
36
Essa relação ecoa na função poética de Roman Jakobson cuja equivalência entre os eixos da
seleção e combinação promove o “caráter palpável dos signos” aprofundando a “dicotomia
fundamental de signos e objetos”. (1971: 128) “A equivalência é promovida à condição de recurso
constitutivo da seqüência. Em poesia, uma sílaba é igualada a todas as outras sílabas da mesma
seqüência; cada acento de palavra é considerado igual a qualquer outro acento de palavra, assim
como ausência de acento iguala ausência de acento; (...)” (1971: 130).
70
sobressalto
esse desenho abstrato
minha sombra no asfalto (2000: 127)
Em “aSfALTO” projeta-se o “salto”, que está explícito em “sobresSALTO”, termo
que abriga por sua vez “abstrato” (soBReSAlTO) e ainda se liga quase
anagramaticamente à “sombra” (SOBResAlto). Dessa maneira, na proliferação
anagramática entre “sobressalto/ abstrato/ asfalto” espelha-se a projeção isomórfica
de salto. O susto desse “eu” “minha sombra” possivelmente advém de um salto no
desconhecido (morte?), sugerido pelo último termo: “minha sombra no asFALTO”.
Neste poema parece que Leminski tentou imprimir o recurso do “kakekotoba”
através de aliterações e jogo anagramático.
(...) a função do ‘kakekotoba’ consiste em ligar duas idéias diferentes mediante um giro ou
desvio do seu significado próprio. (...) o ‘kakekotoba’ mostra um traço característico da
língua japonesa: a compressão de muitas idéias num espaço reduzido, por meio,
geralmente, de jogos de palavras que produzem uma dilatação dos harmônicos da palavra
(KEENE apud LEMINSKI, 1983b: 39).
O jogo sonoro-imagético com o termo “sombra” é desenvolvido no poema
“Transpenumbra” (conforme capítulo posterior), em que a dor é provocada por algo
quase imaterial: “mas sinto uma dor/ no ponto exato do corpo/ onde tua sombra
tocou”. No poema seguinte, o saque melofanopaico realiza a comunicação entre
imagem e som.
o dia é um escombro
o vôo das pombas
sobre as próprias sombras (2000: 141)
A projeção da sombra (imagem) em diálogo com a proliferação fonológica na trama
sonora do texto. Dessa maneira, o último verso reverbera os sons (sombras sonoras)
do termo “pombas” na aliteração das oclusivas /p/ e /b/ além do espalhamento do
grupo /as/ ( sobre AS própriAS sombrAS). Através da rima toante “escOMbro/
sOMbras” reforça as significações literais do termo “escombro” ( “ruínas” e
“espaço sem luz”) (FERREIRA: 1986: 688), além de projetar o grupo /br/
71
(“escomBRo”) em “ soBRe/ somBRas”. O texto ainda esconde anagramaticamente
“sobre” em “EScOmBRo”.
As vogais abertas do “dia” são engolidas pelas tônicas nasais /om/. Quando o
grupo /ia/ é projetado (próprIAs) através do /r/ está contaminado pela ação da
vibrante(escombRo/ sobRe/ pRópRias/ sombRas). Visto por esta ótica, a
luminosidade do “dia” não contamina o vôo diário, nem sinaliza para a mudança de
estado temporal: “o dia É um escombro” e tende a permanecer “ruína”, se depender
da imagem circular do “vôo”, impressa no espalhamento sonoro da vogal /o/:
“sObre as prÓprias sOmbras”. Dessa forma, o terceiro verso do haicai aproxima-se
sonoramente do segundo: fusão de som e imagem em palco estreito.
*
MALLARMÉ BASHÔ
um salto de sapo
jamais abolirá
o velho poço (2000: 108)
Não se trata de uma paródia modernista. Oswald de Andrade, por exemplo,
desloca magistralmente o contexto de um poema pela inserção da palavra
“palmares”, no famoso verso de Gonçalves Dias “Minha terra tem palmeiras” >
“minha terra tem palmares”
37
. Embora pertença ao mesmo campo semântico de
“palmeiras”, quando tensionado em ambigüidade, o termo “palmares” passa a
significar “resistência à escravidão”. (Esse nacionalismo crítico do nosso primeiro
modernismo espalha-se por outras paródias, basta lembrar o Murilo Mendes de a
“História do Brasil” publicado em 1932).
____________
37
Conforme o poema “Canto do Regresso à Pátria”: “Minha terra tem palmares/Onde gorgeia o
mar/ Os passarinhos aqui/ Não cantam como os de lá// Minha terra tem mais rosas/ E quase que
mais amores/ Minha terra tem mais ouro/Minha terra tem mais terra//Outro terra amor e rosas/ Eu
quero tudo de lá/ Não permita Deus que eu morra/ Sem que volte para lá // Não permita Deus que
eu morra/ Sem que volte pra São Paulo/ Sem que veja a Rua 15/ E o progresso de São Paulo.”
(OSWALD apud CANDIDO & CASTELLO, 1972: 81)
72
Também não se trata de um texto auto-referente. Segundo Anazildo
Vasconceslos da Silva, a auto-referenciação caracteriza a lírica moderna, pois
“consiste em fazer do ato da criação a matéria do poema” (2000: 153). Exemplifica
com Drummond (“O lutador”; “Consideração do poema”) e na MPB com Chico
Buarque: “Não chore ainda não que eu tenho a impressão que o samba vem aí”, só
para ficar com alguns exemplos.
a hétero-referenciação consiste em “fazer dos enunciados construídos
(poéticos ou não) a matéria do poema” (SILVA, 2000, 157). Anazildo exemplifica
com Antônio Carlos Secchin, “Sete anos de pastor”: “Penetro Lia, mas Raquel é
quem me move”; e Christina Ramalho: “Mundo, mundo, vasto mundo, e eu que me
chamo Raimunda, feia de cara, boa de bunda, terei uma solução?” Essa hétero-
referenciação é evidente no poema de Leminski, pois a criação se dá a partir do que
está pronto. No entanto, ela surge entre humor e logopéia.
Ezra Pound adverte que a logopéia é a mais sofisticada das três maneiras de
impregnar um texto de sentidos, pois quando a articulamos “assumimos o risco
ainda maior de usar a palavra numa relação especial ao ‘costume’, isto é, ao tipo de
contexto em que o leitor espera ou está habituado a encontrá-la.” (2001: 41). Se há
novidade no poema de Leminski, esta consiste no deslocamento e reorganização dos
textos-base. A surpresa é gerada, quando duas dicções extremas, afastadas em
tempo e espaço, são reunidas no mesmo acorde.
Segundo Jan Mukarovsky,
a denominação poética ( que aparece num texto em que a função estética é dominante) não
é determinada, em primeiro lugar, pela sua relação com a realidade significada, mas pelo
modo de sua inserção no contexto. Isso explica também o conhecido fato de que uma
palavra ou um grupo de palavras características de uma obra poética célebre traga consigo,
quando aparece num novo contexto (comunicativo, por exemplo), a atmosfera semântica
da obra à qual estão associadas na consciência lingüística da coletividade em questão
(1978: 160).
Na dicção lemisnkiana, como ficou demonstrado em alguns poemas, o contexto
é acionado pela inserção do coloquial. No poema acima, é a inserção do improvável
que provoca estranhamento. Ao justapor os poemas de Mallarmé “Um lance de
dados jamais abolirá o velho poço” e Bashô “O velho tanque/ O sapo salta/ O som
73
da água”, o texto dialoga com a sintaxe analógica. Quando justapõe implicitamente
ao “velho poço” a imagem do “acaso” sugere que ambos os poemas se direcionam
para a um mesmo espaço-tempo: a indeterminação. A imbricação entre as imagens
projetadas e/ou sugeridas pelo poema encontra reflexo e refração dentro do plano
fonológico. Seja na repetição da figura sonora /SA/ em “SAlto de SApo”
(realizando o deslocamento horizontal do animal totêmico do haicai); seja no eco do
grupo /PO/ em “saPO POço” (sugerindo o mergulho no tanque).
Dessa maneira, o poema tende a realizar isomorficamente o “salto do sapo” em
sua fatura. Se o “Sapo” está dentro do “POço”, os “dados” quando lançados talvez
sejam incorporados ao acaso. Neste sentido, sob a regência do acaso, a constelação
mallarmaica e a bananeira vagabunda de Bashô, são hibridizadas pelo humor
desconcertante de Paulo Leminski. Neste horizonte do provável a “arte da
desencarnação” (Mallarmé sob a ótica de PAZ, 1979: 122) e a fusão sujeito-objeto-
natureza (Bashô) vibram no mesmo acorde, convergem para o velho poço de
sempre. O poema sugere que tanto em Mallarmé (dAdO) como em Bashô (sApO) o
caminho para a “constelação” ou para o vazio passa por dentro da linguagem.
Concisão, sintaxe analógica e superposição de elementos são características do
haicai que vamos encontrar na poesia de Leminski. Ainda que o haicai tenha
perdido força e muitas vezes se repetido dentro e fora da obra de Leminski, os
elementos formais não podem ser negligenciados na leitura de seus poemas, embora
eles se realizem com mais propriedade em textos com outras metragens além dos
três versos.
Os seus haicais não seguem a regularidade formal, posição respaldada por
Marques (2001) e Risério (2004). Em Leminski, os repertórios não são
incorporados de forma mecânica, pelo contrário, quando absorvidos tornam-se
móveis. Em sua “geléia geral” antropófaga, sob a ótica de que a poesia “é a
liberdade da minha linguagem” (2000: 10), recria em cima do que foi conquistado.
Para o poeta “samurai-malandro” nenhum lance de “dAdOs” mesmo que sobreposto
ao salto do “sApO” jamais abolirá a possibilidade da criação poética, ainda que a
74
página tenha sido fecundada profundamente por Mallarmé e Bashô, poderemos
colher no poema assombro e surpresa, o velho ovo -‘poiesis’ de sempre.
75
6. Transpenumbra
Para Paulo Leminski, enquanto pensador da linguagem, o trabalho poético
estava em utilizar de outra forma o que já havia sido conquistado, sem perder a
perspectiva histórica. “Somos os últimos concretistas e os primeiros não sei o que lá
/ sem abdicar dos rigores de linguagem/ precisamos meter paixão em nossas
constelações” (LEMINSKI, 1999a: 45). Diante dessa consciência, não fazia mais
sentido a insistência na busca do novo a qualquer preço. Sua produção poética, e
inclusive como “compositor bissexto”, começa a ganhar o circuito nacional nos
anos 1980, quando os punks paulistanos gritavam enfronhados nas bandeiras do PT:
“Lula é punk!” (BRYAN, 2004: 154) e a Blitz inaugurava a nova música brasileira
com o LP As aventuras da Blitz.
Eduardo Milán (2004, p. 20) afirmou anteriormente que Leminski segue e recria
o caminho aberto por Augusto de Campos, o da “religação da poesia concreta com a
via expressiva, negando a aparente oposição entre expressão e construção”. O que
nos interessa aqui é a qualidade de sua dicção. Ela não se fixa em modelos pré-
estabelecidos, nem evita a crise provocada pela mudança de paradigmas na
linguagem, pelo contrário, amplia repertórios no trânsito por outros suportes:
publicidade, mpb, tv.
Como um fiel discípulo da poesia pau-brasil, enfrenta os desafios da idade mídia
através da assimilação crítica de repertórios e da atualização da linguagem poética.
Consciente do momento histórico-cultural em “Cenas de vanguarda explícita”,
problematiza conceitos, quando afirma (LEMINSKI, 1999a: 25):
Isso é projeção da idéia mecânica de “progresso” da época do vapor sobre os multitempos
pluri-irradiantes da era eletrônica, uma diretriz velha projetada sobre universos muito mais
ambíguos, e muito mais radiativos: “Synchronicity”. (...) Hoje sei. “Vanguarda” é coisa que
pode estar em toda parte. Augusto a descobre em Lupicínio Rodrigues. Haroldo em Li-Tai-
Po, Itamar Assumpção em Adoniran Barbosa.
A poesia de Leminski, “filha de freira e de puta” (LEMINSKI, 1999: 193),
incorpora contrários (popular e erudito, por exemplo), e coloca em circulação na
76
“aldeia global” padrões inusitados, frutos do trabalho de “designer” da linguagem
(PIGNATARI, 1997: 418). “Via expressiva” criada a partir de visão não-sectária
nem excludente, mas baseada em experiência antropófaga e “convergente”.
Uma vez chamei a poesia deste tempo que começa de arte da convergência. Assim a
coloquei do lado oposto à tradição da ruptura. (...) A poesia que começa neste fim de século
– não começa realmente nem tampouco volta ao ponto de partida: é um perpétuo recomeço e
um contínuo regresso. A poesia que começa agora, sem começar, busca a interseção dos
tempos, o ponto de convergência.
(PAZ, 1993: 56)
Leminski cita o termo “vulgarda”, a fusão de “vanguarda” com o “vulgar”,
referência aos “times de várzea”, à cultura não erudita, procedimento que indica a
ampliação de repertório e assimilação de múltiplos registros. Esta posição
aproxima-se do que Décio Pignatari entende sobre o termo: “Vanguarda não é
revolução permanente, mas contribuição permanente. Não se impõe a ferro e fogo,
mas a erro e jogo.” (PIGNATARI apud MARQUES, 2001: 51)
Em sociedades industriais modernas altamente consumistas – comenta Leminski
– o Belo muitas vezes é substituído pelo Novo (1999 a: 35). Posição crítica flagrada
no poema [o novo]: “o novo/ não me choca mais/ nada de novo/ sob o sol// apenas o
mesmo/ ovo de sempre/ choca o mesmo novo” (LEMINSKI, 1983a: 36). A
elaboração dos significantes torna o material da linguagem evidenciado: o nOVO
nascendo do mesmo /OVO/ de sempre (o velho que se repete com a forma
levemente modificada). “Novidade’ não é o novo, disse o augusto. E o novo não é
tudo, digo eu com meus buttons”. (LEMINSKI, 1999a: 26) Dessa maneira, o poema
sugere que o nOVO pode ser apenas a continuação do que se tornou “velho”, sem
vigor.
A imagem apresentada por Leminski é recriada pelo poeta Carlos Ávila no
poema “O caos a vida o nada”: “(...) o nada/ de novo sob o sol:/ nada como um dia
atrás do novo/ o sem sentido/ aponta sempre para um sentido outro” (ÁVILA, 1999:
17).
77
TRANSPENUMBRA
1 tempestade
2 que passasse
3 deixando intactas as pétalas
4 você passou por mim
5 as tuas asas abertas
6 passou
7 mas sinto ainda uma dor
8 no ponto exato do corpo
9 onde tua sombra tocou
10 que raio de dor é essa
11 que quanto mais dói
12 mais sai sol? (2000: 50)
Este poema de Paulo Leminski pertence ao livro La vie en close publicado
postumamente em 1991. O título indica um movimento através de algo indefinido,
literalmente uma “sombra incompleta, produzida por um corpo que não intercepta
de todo os raios luminosos” ou ainda “zona de transição entre a luz e a sombra”
(FERREIRA, 1986). A indeterminação parece ser a qualidade deste movimento
cujos efeitos não estão sob o controle do eu lírico, embora o afete de forma precisa.
Indeterminação através da oscilação entre contrários, resultando possivelmente na
distribuição de focos de tensão ao longo do texto.
O poema apresenta uma oposição inicial entre os vs. 1 e 3, pois indicam força e
delicadeza, esta refletida no termo “pétalas”, metáfora das zonas interiores do
sujeito lírico. O desejo de proteção psicológica, de não toque nas regiões sensíveis
ou nos centros energéticos do corpo (os chakras são classificados pelo número de
pétalas), é contrariado pelo toque incisivo e constante da dor (v. 7).
78
O contato entre as duas pessoas, “eu” e “você” cuja imagem “asas abertas” (v.5)
fornece uma das qualidades desse encontro, acontece sob o signo da suavidade (v.5)
em seu primeiro momento, localizado no passado. É a sombra (v. 9) que toca, é o
contato pela distância do vôo, imagens que não perdem a coerência quando
cotejadas. No v. 3, o gerúndio do verbo “deixar” reflete o desejo explícito do sujeito
lírico em não ser perturbado pela passagem da “tempestade”, em manter-se
protegido do incômodo da dor.
O v. 6 transforma-se num ponto de intersecção entre dois grupos de versos (1- 6
e 7-12). A imagem do movimento é reforçada pelo verbo “passar” presente nos vs.
2,4 e 6, que por sua vez se intercalam entre os substantivos: tempestade, pétalas e
asas. Assim, temos: “tempestade-passar-pétalas(eu)-passar-asas(você)-passar”.
Na segunda parte do poema, temos a imagem da dor localizada com exatidão no
corpo do sujeito lírico, mas que foi provocada por uma sombra. Desvio no campo
semântico, reforçado pela imagem de uma dor causada por um movimento
imaterial. No v. 10, a idéia da tempestade é retomada pelo vocábulo “raio” que pode
ser fenômeno da natureza e expressão coloquial. A imagem do sol aparece no final
do poema, “sol” que se opõe a “sombra”, luz fornecida pela força do raio contido na
tempestade. Sobrepondo as imagens, teríamos o seguinte roteiro: Transpenumbra:
tempestade-pétalas-você-eu-asas / corpo-sombra-raio-sol, intercaladas pelos verbos:
passar, deixar, sentir, tocar, doer, sair.
A oposição entre raio e sombra, entre tempestade e sol indica uma maneira
incomum de manipular a linguagem, pois o poema apresenta imagens que
normalmente estariam em oposição, mas que se tocam e se completam dentro da
estrutura do poema, ou seja, tornam-se coerentes ainda que afastadas da maneira
usual de concatenar imagens: trabalho do poema em conciliar contrários. A partir
disso, podemos dizer que os sentidos do texto são ampliados através de um desvio
na forma de dispor as imagens
38
.
____________
38
Chklóvski, representante da semiótica russa, indicou a existência de duas formas de imagem em
seu famoso artigo de 1917: “a imagem como um meio prático de pensar, meio de agrupar objetos e
79
No plano sonoro, o poema apresenta rimas toantes e emparelhadas: tempestAde/
passAsse ; dOR/ cORpo. Da mesma forma, em que “tempestade” e “passasse” se
atraem, reforçando o desejo anteriormente apontado, “dor” e “corpo” se aproximam
sonoramente, aliás, através de um duplo reforço: o grupo “or” dentro do corpo da
palavra cORpo. Seguindo este raciocínio, as rimas intercaladas sugerem
afastamento entre os envolvidos: “abErtas/ pÉtalas”; “passOU/ tocOU”.
O v. 5 traz dois recursos significativos: assonância do /a/ e aliteração do /z/,
formando um grupo sugestivo: AS tuAS ASAS AbertAS – ASASAS. Dessa forma,
o poema realiza o diálogo entre sonoridade (abertura das vogais) e a imagem (“asas
abertas”). A passagem da segunda pessoa “você” pelo sujeito lírico, através da
metonímia “ASAS abertas” (v. 5) aproxima-se sonoramente
39
de “intactAS AS
pétalas”. Sofisticação ou não, a palavra “mim” v.4, encontra-se entre duas “asas”:
“intactAS AS” (v. 3) e asas(v. 6).
Outro efeito detectado na feitura do poema é a repetição do grupo /ai/ na
segunda parte do poema: vs. 7, 10, 11 e 12. Isolando o som /ai/ como uma
interjeição, formamos a idéia da dor reforçada no final do poema: rAIo, mAIs,
mAIs, sAI. O que de certa forma contrasta com o grupo de vogais fechadas passOU,
dOR, cORpo, tocOU. Configuração possível do movimento de contração e de
expansão provocado pela dor.
No plano dos significados, temos a adversativa “mas” (v. 7) realizando a
aproximação das idéias de fugacidade e permanência. A conjunção além de
expressar a oposição entre o evento inusitado (toque sutil que provoca grande dor),
faz a ligação entre os dois grupos de versos. O encontro apesar de passageiro deixa
o eu lírico marcado por lembranças projetadas no corpo do texto.
____________
a imagem poética, meio de reforçar a impressão” e o efeito atingido por meio deste reforço: “A
imagem poética é um dos meios de criar a impressão máxima.” (CHKLOVSKI, 1973: 42).
39
Jakobson
afirma que: “Palavras de som semelhante se aproximam quanto ao seu significado” e
cita Paul Valéry ao definir poesia como a “permanente hesitação entre som e sentido”.
(JAKOBSON, 1971: 151).
80
O verbo “passar” (v. 2), então no pretérito do subjuntivo, soa como uma súplica
para que a tempestade não afete frontalmente o sujeito lírico. Desejo contrariado
pela presença do pretérito perfeito (v. 5), assinalando assim a consumação do fato.
Esta forma verbal é repetida no v. 6, que ocupa posição inusitada, pois o v. 5
normalmente pediria a concordância “passaram”, apesar de o trecho poder ser lido
com mais pertinência como eco do v.4, seqüência do v. 1: “tempestade/ você passou
por mim/ passou”.
Dessa maneira, justapondo os vs. 4, 5 e 6, atinge-se uma ampliação de sentidos
através do deslocamento sintático e o do não uso da subordinação, resultando a
liberação da força imagética. A anáfora do termo “passou” (v. 6), agora não mais
ligando as duas pessoas, talvez revele o momento do afastamento entre o “eu” e o
“tu”, vale ressaltar a não ruptura, pois a presença da adversativa do v.7 contraria o
desejo de liberação da voz central.
Anteriormente, sugerimos a divisão do texto em duas partes: I (vs. 1-6) e II (vs.
7-12), esta se subdividindo em dois momentos: vs. 7-9 e 10-12. Para justificá-la
recorremos aos tempos verbais. A cisão mais explícita está entre o passado
(“passou”, “passasse”), e o presente do indicativo (“sinto”, “é”), reflexo daquele. A
presença do gerúndio no v. 3 é obvia: o eu lírico deseja que o evento-tempestade
não perturbe seu “jardim” interior, não toque em suas pétalas. A “dor” (efeito
duradouro) é provocada pela passagem da “tempestade” (causa instantânea). Dessa
maneira, a tensão é aumentada pela frustração da expectativa de tranqüilidade e em
seguida pelo deslocamento da função emotiva para a metalingüística, perturbando o
fluxo de identificação eu=dor dos versos finais. O que poderia tornar-se apenas a
expressão de um lamento pelas feridas psicológicas
40
, transforma-se em reflexão
descontraída, salto sem redes de proteção em direção à medula da dor através de
jogos estruturais inseridos em um discurso não-linear em que o material e o
imaterial dialogam.
O primeiro grupo de versos apresenta uma distribuição espacial que se opõe aos
outros seis versos do poema. Esta irregularidade formal e espacial deste 1º grupo,
inclusive pela variação do número de sílabas e a distribuição dos versos no branco
81
da folha, reflete a passagem do evento “tempestade” pelo eu lírico. Fato que
desestabiliza as ligações sintáticas.
O v. 6 interrompe o movimento espacial dos versos iniciais do poema. Ocorre
uma mudança na distribuição dos versos e uma mudança do tempo verbal,
associado a uma marca adversativa de argumentação “mas sinto ainda uma dor”,
que pode ser lido como continuação do movimento anterior: “tempestade/ você
passou por mim/ mas...”.
O segundo movimento, vs. 7-12, em relação ao primeiro vs. 1-6, destoa pela
regularidade formal, provocando certa tensão entre movimento e estabilidade. Esta
idéia de oposição talvez se configure no plano sonoro mais explicitamente através
da concentração de vogais fechadas no v. 8 “nO pOntO exatO dO cOrpO” em
relação às vogais abertas do v. 4. A abertura sonora do primeiro movimento (v. 1-6)
transforma-se em fechamento no segundo (vs. 7-9) e em nova abertura no terceiro
movimento (10-12) com a predominância do grupo /ai/. A fricativa /s/ atravessa
quase todo o poema e evidencia-se em: “paSSaSSe/ paSSou/ eSSa,” e de forma
destacada no último verso: maiS, Sai, Sol. Assim, o grupo /ai/ é projetado através da
sibilante, fato que configura certo silenciamento. Pensando na “tempestade”
referencialmente, o poema inverte o seu sentido para: tempestade emocional que
arrasa silenciosamente através de toque sutil
A imagem gerada no segundo movimento é a de fixação da dor no corpo e a sua
forma de expressão, maneira de transformar dor (toque da sombra) em dor (saída do
sol). Sensação que é mais estranhada que lastimada pelo eu lírico: dói, mas projeta
luz. O quadro de identificação entre estado psicológico e sujeito é quebrado pelo
deboche, distanciamento inusitado dentro da seqüência emocional. Mudança de
ritmo acionada pela introdução do registro popular e do humor que causa
____________
40
Segundo o biógrafo Toninho Vaz, este poema foi inspirado em Josely Vianna, um dos casos
amorosos de Leminski.. “Ele a chamava de Transpenumbra, apelido “neobarroco” que havia
inventado. Na época, Josely começou a namorar o artista João Virmond Suplicy, que seria parceiro
de Leminski em mais um bólido poético” (VAZ, 2001: 265). Dessa parceria com Suplicy saiu o
livro Winterverno.
82
estranhamento e reversão de sentido.
Os dois movimentos (vs. 7-9 e 10-12) contidos na segunda parte, indicam
aproximação e afastamento diante do lirismo. O poema corta a linha emocional para
introduzir reflexão dirigida também ao leitor. O recurso pode ser cotejado ao
distanciamento brechtiano em que a catarse teatral é conscientemente bloqueada.
No poema, o paradoxo está entre a aparente fragilidade da substância e o efeito
causado no eu lírico. Depois da tempestade a dor permanece talvez impressa no eco:
passOU/tocOU contaminando sOL (vs. 6, 9 e 12).
A palavra “raio” (v.10) é selecionada com extrema perícia poética. A retirada
deste termo empobreceria o texto. Sua presença interrompe a identificação da voz
central com o estado de dor psicológica. Muda de tonalidade sem modular para os
tons vizinhos. A introdução do coloquial provoca reversão de sentido: do fluxo
sentimental para uma figura de pensamento. O termo desloca sentidos pela projeção
de humor na estrutura ao mesmo tempo em que se aproxima do campo semântico de
“tempestade”. Dessa forma, o poema vai abrindo em sua tessitura vários canais de
mão dupla entre os planos sonoros, pictóricos e logopaicos (POUND, 2001: 63).
Movimento que oscila entre contato, dor e expansão, “Transpenumbra” concilia
construção e lirismo. O poema não se torna refém de tendências nem se prende às
facilidades de uma poesia apenas relaxada. É rigoroso no trato com a materialidade
da palavra, sem descuidar-se da via comunicativa. Mistura descontração com o ar
de enigma divertido dos versos finais. Introduz uma visão luminosa da dor no
momento de maior descontração. O que não deixa de ser uma equação alquímica de
transformar “sombra” em “sol” através da dor - dor estranha que entranha a alma.
*
Outros poemas aproximam-se dos processos formais apresentados em
“Transpenumbra”: Donna mi priega 88, [essa a vida que eu quero] (de La vie en
83
close), [o amor, esse sufoco] (de Distraídos venceremos), [objeto] (de Caprichos e
relaxos) e a seção “Parte de am/or” do livro O ex-estranho.
Construção e lirismo de uma poesia que agrega informação e comunicação,
humor e intuição, impulso lírico e agilidade na (des)articulação de imagens e
idéias.
84
7. Conclusão
É a partir da idéia de “capricho e relaxo” que a dicção de Paulo Leminski
propriamente poética articula-se. Este diálogo entre rigor e desregramento, como o
ponto nucléico de sua produção, é posicionamento predominante na sua fortuna
crítica. Há uma tendência em ler seus poemas através do binômio obra-vida.
Conforme as idéias de Pound. T. S. Eliot, Jakobson e Warren & Wellek,
entendemos que os aspectos biográficos do poeta (configurado pelo desbunde
existencial), não autorizam a construção de uma leitura pertinente de sua obra.
A irregularidade de sua dicção é fruto da impregnação consciente de maior grau
de comunicação nas texturas trabalhadas. Processo que não evita o baixo teor de
informação estética encontrado em muitos poemas. Na poesia de Leminski, a
inserção do registro coloquial ganha brilho especial quando lançado sobre uma
estrutura construída, artesanato que o afasta da dita “Poesia Marginal”, embora o
rótulo continue sendo empregado equivocadamente. Neste sentido, Haroldo de
Campos acerta ao apontar o caráter construtivo de sua lírica - lavra de fabbro.
A consciência semiótica é alçada em seus poemas pela freqüência acentuada da
metalinguagem, que muitas vezes surge imbricada com o humor. Quando o poeta
desnuda seu curso criativo através do metapoema, revela-nos a opção em seguir um
“caminho difícil”, em que a “pedra –palavra” é ícone de um trabalho por dentro da
linguagem.
A proposta lírica leminskiana, sintetizada na poética do “inutensílio”, defende o
direito à fruição da arte sem ligações pragmáticas com plataformas ideológicas. Em
diálogo com a lucidez da Escola de Frankfurt, a poesia do “inútil” radica em ser
jogo, desperdício, ócio e principalmente distração, estratégia para ver o avesso da
realidade, antes que todos os sonhos sejam reificados e a disposição ao prazer
aniquilada. Neste sentido, o engajamento não se dá pela denúncia social no plano
dos conteúdos e da retórica, mas pela inserção no contexto comunicativo de
“estranhamentos” estéticos através da atualização da linguagem e liberdade formal.
Através da concisão, da justaposição de imagens e da sintaxe atrativa de
opostos, a poesia de Leminski faz crítica à visão linear dos fatos. O recolhimento do
85
desprezível (“lixo”), através de um humor contido, revela muitas vezes uma forma
de ver as coisas pela ótica do sensível. Os elementos do haicai quando digeridos no
cadinho de sua lavra exalam a suspensão das certezas absolutas em nome da
indeterminação e do provável. O que se configura nessas hibridizações não é o
transporte mecânico de procedimentos, mas a incorporação criativa de know how
em direção à dicção própria.
Amálgama de construção e lirismo, rigor e descompressão, a poesia de
“invenção” do “polaco polilingue” se abre para captação do acaso a partir das
filigranas do cotidiano. Diante do naufrágio da sensibilidade e da fragmentação do
sujeito no panorama pós-tudo, a poesia de Paulo Leminski é um bálsamo para o
tédio e uma reação ao seqüestro utilitário da aventura poética.
86
8. Referências bibliográficas
Livros de Paulo Leminski
LEMINSKI, Paulo. Catatau. 3. ed. Curitiba: Travessa dos Editores, 2004a.
___________. Gozo fabuloso. São Paulo: DBA, 2004b.
___________. Cruz e Sousa. São Paulo: Brasiliense, 2003a.
___________. Jesus A. C. São Paulo: Brasiliense, 2003b.
___________. Distraídos venceremos. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 2002.
___________. Anseios crípticos 2. Curitiba: Criar Edições, 2001a.
___________. Melhores poemas de Paulo Leminski. 5. ed. (organizada por Álvaro
Marins e Fréd Góes), São Paulo: Global, 2001b.
___________. O ex-estranho. 3. ed. Iluminuras: São Paulo, 2001c.
___________. Winterverno (com desenhos de João Virmond Suplicy). 2. ed. São
Paulo: Iluminuras, 2001d.
___________. La vie en close. São Paulo: Brasiliense, 2000.
___________.Envie meu dicionário – Cartas e alguma crítica. 2. ed . Régis
Bonvicino (org.). São Paulo: Editora 34, 1999a.
___________. Metaformose. 2. ed. São Paulo: Iluminuras, 1999b.
___________. Guerra dentro da Gente. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1997.
___________. Caprichos & Relaxos. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983a.
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( http://www.livrosgratis.com.br )
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