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DANIELE LAÍS BRANDALIZE
CUIDADO DE ENFERMAGEM À MÃE NA VIVÊNCIA DO PROCESSO
DE TRANSIÇÃO DE SAÚDE-DOENÇA DO FILHO COM
CARDIOPATIA CONGÊNITA
CURITIBA
2007
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
CUIDADO DE ENFERMAGEM À MÃE NA VIVÊNCIA DO PROCESSO
DE TRANSIÇÃO DE SAÚDE-DOENÇA DO FILHO COM
CARDIOPATIA CONGÊNITA
CURITIBA
2007
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DANIELE LAÍS BRANDALIZE
CUIDADO DE ENFERMAGEM À MÃE NA VIVÊNCIA DO PROCESSO
DE TRANSIÇÃO DE SAÚDE-DOENÇA DO FILHO COM
CARDIOPATIA CONGÊNITA
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de mestre em
Enfermagem, do Programa de Pós-
Graduação em Enfermagem, Área de
Concentração Prática Profissional de
Enfermagem, na linha de Pesquisa
Processo de Cuidar em Saúde e
Enfermagem - Setor de Ciências da Saúde
da Universidade Federal do Paraná.
Orientadora: Profª. Dra. Ivete Palmira
Sanson Zagonel
CURITIBA
2007
AGRADECIMENTOS
A Deus agradeço pela vida, pelo amor, pela graça. Pelas portas que se abriram e
também pelas que se fecharam e pelas que ainda se abrirão. Pela força, ânimo,
capacitação e presença sempre. Por ter suprido todas as minhas necessidades e me
dado muito além daquilo que eu esperava. Pelas pessoas especiais que colocou em
meu caminho sem as quais eu não teria chegado até aqui.
À Profª. Dra Ivete Palmira Sanson Zagonel, minha querida orientadora, que me
conduziu na construção deste trabalho, sempre com muita competência, dedicação,
amor, paciência e incentivo. Além de orientadora, uma amiga e exemplo.
Ao curso de Mestrado da UFPR pela oportunidade de crescer e às professoras por
todo o apoio e incentivo.
Ao Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Cuidado Humano de Enfermagem
(NEPECHE/UFPR) pela convivência e troca de saberes.
À Associação Hospitalar de Proteção à Infância Dr. Raul Carneiro pela oportunidade
de pesquisar e aprender.
Às mães que participaram deste estudo, pela disponibilidade e sinceridade.
Às minhas colegas de mestrado pelo convívio e em especial à minha colega e amiga
Karin, pela companhia e apoio.
Aos meus amigos pelo compartilhar desta trajetória e pelas orações.
À minha família, pelo incentivo e amor.
E especialmente dedico este trabalho ao meu único e grande amor Juliano, meu
companheiro, amigo, incentivador e apoio sempre.
"O amor de uma mãe não
contempla o impossível"
(Paddock)
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................... vi
ABSTRACT................................................................................................. vii
LISTA DE QUADROS ................................................................................ viii
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................
1
2 REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................
8
2.1 A TRANSIÇÃO DE SAÚDE-DOENÇA VIVENCIADA PELA MÃE DO
FILHO COM CARDIOPATIA CONGÊNITA: ESTABELECENDO O
CUIDADO TRANSICIONAL........................................................................
8
2.2 A PROPOSIÇÃO TEÓRICA DE ROY................................................... 18
2.3 MARCO CONCEITUAL DELINEADO PARA O CUIDADO DA MÃE
DE FILHO COM CARDIOPATIA CONGÊNITA...........................................
31
3 REFERENCIAL METODOLÓGICO.........................................................
39
3.1 APROXIMAÇÃO COM O FENÔMENO DO ESTUDO.......................... 40
3.2 ENCONTRO COM O SER PESQUISADO-CUIDADO..........................
41
3.3 ESTABELECIMENTO DAS CONEXÕES DA PESQUISA, TEORIA E
PRÁTICA DO CUIDADO.............................................................................
43
3.4 AFASTAMENTO DO SER PESQUISADOR-CUIDADOR E SER
PESQUISADO-CUIDADO...........................................................................
46
3.5 ANÁLISE DO APREENDIDO................................................................ 47
4 EXPLICITAÇÃO DOS RESULTADOS....................................................
50
5 PROPOSIÇÃO DO MODELO DE CUIDADO TRANSICIONAL ÀS
MÃES, ARTICULADO AOS MODOS DE ADAPTAÇÃO PROPOSTOS
POR ROY....................................................................................................
101
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................
108
REFERÊNCIAS...........................................................................................
112
ANDICES ...............................................................................................
ANEXOS ....................................................................................................
116
120
RESUMO
BRANDALIZE, D.L. Cuidado de enfermagem à mãe na vivência do processo de
transição de saúde-doença do filho com cardiopatia congênita. 2007. 121f.
Dissertação [Mestrado em Enfermagem] - Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
Orientadora: Profª. Dra. Ivete Palmira Sanson Zagonel
Este estudo tem como objeto a vivência da mãe na transição de saúde doença cardíaca
congênita do filho. Surgiu das inquietações da experiência profissional enquanto enfermeira
na área de cardiologia pediátrica. Objetivou desvelar o significado, para a mãe, sobre a
vivência do processo de transição de saúde-doença do filho com cardiopatia congênita;
identificar os comportamentos apresentados pelas mães relacionados a cada modo de
adaptação proposto por Roy na vivência deste processo e construir um modelo de cuidado
transicional articulado aos modos de adaptação propostos por Roy, a partir do apreendido
pela experiência da mãe. Adotou-se como referencial teórico a teoria da adaptação de Roy e
os conceitos de transição. A metodologia utilizada foi qualitativa, por meio do método de
pesquisa-cuidado. O procedimento utilizado para a coleta das informações foi a entrevista
semi-estruturada gravada e o referencial adotado para a alise dos depoimentos foi a
análise de conteúdo de Bardin (1991). Os sujeitos do estudo foram 10 mães que
acompanhavam o seu filho durante o pós-operatório de cirurgia cardíaca em um hospital
infantil de grande porte de Curitiba. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética sob o
número 0361-06. A análise permitiu a apreensão de 06 Unidades de Contexto: O impacto da
doença do filho: o estímulo focal e expectativa futura; A gravidez e nascimento: associação à
cardiopatia congênita: estímulo contextual; Modo fisiológico: alterações que a vivência da
doença do filho suscita na mãe; Percepções da mãe sobre o autoconceito: mudanças que a
doença do filho impõe; Função de papel: as dificuldades vividas pela mãe a partir da doença
do filho e A interdependência nas relações: apoio para a mãe no momento de doença e
hospitalização do filho. Os resultados apontam que, para a mãe, a vivência do processo de
transição de saúde-doença cardíaca congênita do filho é marcada por profundas
transformações em sua vida e no contexto em que está inserida, as quais exigem que ela
mobilize recursos para o enfrentamento da nova situação, o que, na maioria das vezes não
acontece de forma eficaz. É nesse momento que o cuidado transicional se faz necessário,
em que o enfermeiro pode auxiliar a mãe a mobilizar os seus recursos, internos ou externos,
para que ela alcance níveis maiores de adaptação através de respostas eficazes. O modelo
de cuidado transicional às mães proposto neste estudo fornece subsídios para que o
enfermeiro cuide da mãe de forma individual e holística e atenda às suas reais
necessidades. O cuidado transicional realizado pelo enfermeiro conduz a mãe à adaptação
da situação, visando promover respostas adaptáveis que favoreçam a ela, à criança e ao seu
contexto de vida.
Palavras-chave: cuidado de enfermagem, transição de saúde-doença,
cardiopatia congênita.
ABSTRACT
BRANDALIZE, D.L. Nursing care to mothers experiencing transitional process of
health-illness of children suffering from congenial cardiopathy. 2007. 121p.
Dissertation [Nursing Master’s Degree] – Federal University of Paraná, Curitiba.
Advisor: Prof. Ivete Palmira Sanson Zagonel (PhD)
This study objectified mothers’ experience during the transition health-congenial
cardiopathy of their children. It was brought out by a professional relentlessness while
a pediatric cardiology nurse. It objectified: to unveil the meaning, to mothers, of
undergoing the transitional process of health-illness of their children suffering from
congenial cardiopathy; to identify behaviors presented by mothers related to each
adaptation mode proposed by Roy while experiencing this process, and build up a
transitional care model grounded by Roy’s adaptation modes through what has been
apprehended by mothers’ experience. As theoretical background, it was adopted
Roy’s Adaptation Theory and the transition concepts. It was used a qualitative
methodology by means of the care-research model. The procedure adopted for data
collection was a recorded semi-structured interview as well as Bardin’s content
analysis (1991) for the analysis of the accounts. Ten (10) mothers who stood by their
kids after a cardiac surgery were the subjects in this study at a large pediatric hospital
in Curitiba/Brazil. The project was approved by the Ethics Committee under
registration number 0361-06. The analysis enabled to apprehend 6 Context Units:
The impact of the child’s disease: focal stimulus and future expectation; Pregnancy
and birth: relationship to congenial cardiopathy: contextual stimulus; Physiological
Mode: mother’s change due to child’s illness; Mother’s perceptions on self-concept:
changes brought about by child’s illness; Role function: difficulties experienced by
mother due to her child’s illness and relationship interdependence: support to mother
during her child’s illness and hospitalization. Results point out that, to mothers,
experiencing the transitional process of health-child’s congenial cardiopathy is
marked by deep changes in their lives and the context they live in which demand all
their concerted resources to cope with that new situation which does not mostly
happen in an effective way. Thus, transitional care is required in this very moment
when nurses can help mothers concentrate all their internal or external resources so
that they can reach higher levels of adaptation through effective responses. The
model of transitional care to mothers proposed in this study provides nurses with tools
for them to deliver mothers individual and holistic care and meet their actual needs.
The transitional care rendered by nurses leads mothers to adaptation to the situation,
aiming to promote adapting responses which favor them, their children and their life
context.
Key words: nursing care, health-illness transition, congenial cardiopathy.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1
REPRESENTAÇÃO DOS MECANISMOS DE ENFRENTAMENTO D
A
MÃE DO FILHO COM DOENÇA CARDÍACA CONGÊNI
ADAPTAÇÃO SOB A INFLUÊNCIA DE ESTÍMULOS,
QUE RESULTAM EM
COMPORTAMENTOS PARA ALCANÇAR A ADAPTAÇÃO
À TRANSIÇÃO DE
SAÚDE-DOENÇA, À LUZ DE ROY...................................................................................
QUADRO 2 -
DEMONSTRAÇÃO DO PROCESSO DE CATEGORIZAÇÃ
O DOS
DEPOIMENTOS A PARTIR DA ANÁLISE DE CONTEÚDO..............................................
QUADRO 3 -
REPRESENTAÇÃO DO MODELO DE CUIDADO TRANSICIONAL
ÀS
MÃES, ARTICULADO AOS MODOS DE ADAPTAÇÃO PROPOSTOS POR ROY..........
31
51
106
.
1 INTRODUÇÃO
A doença representa um impacto na vida das pessoas e, quando envolve uma
criança, a hospitalização se torna marcante tanto para ela quanto para a família. A
criança é separada dos familiares e de sua rotina, o mundo que ela conhece
desaparece. Isto acarreta muito desgaste físico e psicológico para os familiares, que
podem reagir de diferentes formas, sendo freqüente o aparecimento do medo, da
insegurança, da depressão, entre outros. Sendo assim, a família e o meio ambiente
poderão influenciar de forma positiva ou negativa no processo de tratamento da
criança. Dessa forma, é importante que seja reconhecida a importância da
manutenção dos vínculos e do cuidado com a família (FORTE e SATO, 2006).
Neste sentido, a presença do familiar durante a hospitalização do filho foi
legitimada pela Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e dá outras providências. No Artigo 12, é afirmado que “os
estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a
permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de
internação de criança ou adolescente” (BRASIL, 2007).
No Brasil, são inúmeras as iniciativas de aproximação da família no contexto
hospitalar junto ao filho, a exemplo do Hospital Pequeno Príncipe
1
, instituição
hospitalar infantil onde atuo, em que o programa de aproximação do familiar
denomina-se “Família Participante”. Este programa foi oficialmente implantado em
1991, efetivando o acompanhamento da criança internada em tempo integral por um
de seus familiares ou responsáveis. O Programa Família Participante e a
humanização no Hospital Pequeno Príncipe trouxeram desdobramentos inesperados,
como a oportunidade de contribuir com o fortalecimento das famílias, a inserção
social, a cidadania e o controle social (FORTE e SATO, 2006).
As autoras acima afirmam ainda que a implantação do Programa ampliou o
universo do curar para o do cuidar e qualificou a presença, ressaltando a inclusão
social. Nesse contexto, a humanização passa a ser entendida como excelência
1
A citação do nome do hospital foi autorizada conforme declaração anexa (ANEXO A).
técnico-científica e cuidado solidário, em que a resolubilidade sempre é foco e vem
acompanhada pelo afeto.
Esta instituição é considerada de grande porte, atende a todas as
especialidades pediátricas e realiza em média 30 cirurgias cardíacas por mês. Para a
especialidade cardíaca, foco desse estudo, as crianças permanecem internadas na
Unidade de Terapia Intensiva (UTI) cardíaca no período pós-operatório imediato e
quando recebem alta da UTI são transferidas para a enfermaria da Unidade de
Cardiologia. Em todo o período da hospitalização, através do Programa Família
Participante implantado na instituição, as crianças podem ser acompanhadas por um
familiar ou responsável. Neste contexto as crianças, juntamente com a família,
necessitam de atenção e cuidado diferenciados.
Em minha experiência profissional em UTI cardíaca cuidei de crianças no pós-
operatório de cirurgia cardíaca desde sua admissão até a alta da UTI, durante dois
anos. Nessa vivência pude acompanhar a evolução da correção cirúrgica do defeito
cardíaco congênito, ora satisfatória, ora não satisfatória. Também convivi com o
familiar, em geral a mãe que, pela situação vivida com o filho, deixava transparecer a
aflição, ansiedade e insegurança com o ambiente novo e desconhecido da UTI, bem
como com as incertezas que cercam esse diagnóstico de cardiopatia congênita. Com
o tempo, fui percebendo o amor, a força, a dedicação e a determinação que as mães
apresentavam ao estar ali com o filho, vivenciando o seu processo de transição de
saúde-doença. Por ser a mãe, o familiar com quem mais convivi durante a minha
vivência, esta foi eleita como sujeito desse estudo.
As cardiopatias congênitas são um importante problema de saúde pública nos
Estados Unidos e em outros países industrializados, como o Brasil, sendo que as
cirurgias para a correção dos defeitos cardíacos congênitos marcam um dos triunfos
médicos de impacto mais significativo nos últimos 50 anos. Apesar desse sensível
avanço, os defeitos cardíacos representam uma alta proporção da mortalidade
infantil e, muitos dos que são operados, não estão curados e continuam a apresentar
morbidade e mortalidade originárias de seus problemas cardíacos
(EMMANOUILIDES et al, 2000).
Criança com cardiopatia congênita apresenta uma “malformação estrutural do
coração ou dos grandes vasos presente por ocasião no nascimento [...], pode
representar um defeito cardíaco individual ou uma combinação de defeitos”
(NETTINA, 1998, p.1035). O desenvolvimento cardiovascular anormal é responsável
por um grande número e variedade de cardiopatias com alta variabilidade em efeitos
clínicos. A maioria das malformações cardiovasculares congênitas origina-se no
desenvolvimento embrionário e na maioria delas, não se sabe a causa determinada,
sendo que a não-exposição a possíveis agressores (como exames radiológicos),
certos medicamentos (como a Talidomida) e pessoas com infecções com potencial
lesão ao feto (como a rubéola) são medidas preventivas (EMMANOUILIDES et al,
2000). As cardiopatias congênitas podem ser consideradas uma das principais
causas de morte no primeiro ano de vida e sua incidência geralmente varia de 4 a 10
crianças em 1.000 nascidos vivos (COLLET e OLIVEIRA, 2002).
Os defeitos cardíacos congênitos podem ser classificados em defeitos
cianóticos e defeitos acianóticos, sendo utilizada, para a classificação, uma
característica física, a presença ou não da cianose, como fator diferencial. São
classificadas ainda, com base em características hemodinâmicas e tem como
diferenciadores os padrões de fluxo sangüíneo (COLLET e OLIVEIRA, 2002). Gentil
et al (2003, p.51) acentuam que “as doenças cardiovasculares na criança afetam
indistintamente todas as camadas sócio-econômicas e a maioria de doenças
cardíacas encontradas nestas crianças são de natureza congênita”.
Quando a mãe recebe o diagnóstico da doença cardíaca congênita do filho,
antes ou após o seu nascimento, tem início, para ela, a vivência do processo de
transição de saúde-doença do filho, o qual se desenvolve como um processo de
transformações a partir da notícia de que seu filho possui a doença.
Atualmente existem métodos para o diagnóstico precoce da cardiopatia
congênita, como o estudo dos cromossomas de células do líquido amniótico e a
ecocardiografia fetal entre a 15ª e a 20ª semanas de gestação. A tecnologia de
avaliação das condições da integridade física do feto ainda em período gestacional
tem oferecido grande suporte ao diagnóstico de agravos à saúde, permitindo um
acompanhamento diferenciado da gestação e o planejamento das medidas pós-
parto. Porém, a maioria dos diagnósticos da doença cardíaca congênita é feita após
o nascimento da criança, devido aos sinais que ela apresenta, principalmente como a
cianose, a dispnéia e o cansaço às mamadas (EMMANOUILIDES et al, 2000).
Para essas mães que esperam um filho perfeito, com condições de saúde
adequadas, o impacto do diagnóstico de cardiopatia congênita causa mobilizações
internas e externas não esperadas, caracterizando o processo de transição de
saúde-doença. Dessa forma, quem passa pelo processo de transição de saúde-
doença é o filho, mas a partir do conhecimento do diagnóstico, a mãe está envolvida
e vivencia a transição juntamente com ele.
O enfermeiro deve conhecer o processo de transição e suas conseqüências
para a mãe que a experiencia, sujeito desse estudo, bem como atuar de maneira
antecipatória para prevenir, promover ou mesmo intervir de forma terapêutica frente
aos efeitos dessa transição, tendo como objetivo restabelecer a harmonia e a
estabilidade perdida. Essa intervenção de enfermagem nos momentos de transição é
chamada, conforme Zagonel (1999), de cuidado transicional.
A essência da enfermagem, o cuidado, tem como enfoque principal o bem
estar e o conforto do cliente, que exige dos profissionais um esforço constante no
entendimento da complexidade e fragilidade do ser humano sob sua
responsabilidade” (SILVA, TONELLI e LACERDA, 2003, p.59). Ser humano este, que
neste estudo é entendido não apenas a criança com cardiopatia congênita, mas
também a mãe que vivencia o seu processo de transição de saúde-doença.
Nesse sentido, o profissional enfermeiro necessita rever sua prática
profissional de forma crítica e reflexiva, indagando-se: Como é o cuidado de
enfermagem que realizo? Quem é o ser humano/paciente que cuido? Que demandas
de cuidado são requeridas na vivência de processos transicionais? Como o ambiente
de cuidado deve ser preparado para que o cuidado se efetive de forma adequada?
Os aspectos que norteiam a prática profissional do enfermeiro exigem uma
reflexão, não apenas da competência na execução de técnicas e procedimentos,
mas da visão de integralidade do cuidado, do interesse pela subjetividade do ser
humano, da sensibilidade necessária para que possam auxiliar a mãe nesse
caminhar juntos. O enfermeiro deve considerar os aspectos importantes e relevantes
do processo de transição de saúde-doença vivido pela mãe, a partir da doença
cardíaca congênita do filho, utilizando-se do cuidado transicional, o qual alia
características subjetivas e objetivas para efetivar as ações cuidativas.
Para se estabelecer a relação entre o enfermeiro e mãe diante da vivência do
processo de transição de saúde-doença do filho, é exigido dos profissionais
envolvidos dedicação, atenção e principalmente a inter-relação dos saberes e
fazeres interprofissionais, a fim de auxiliar no enfrentamento e adaptação a esta nova
situação. A e também exerce um papel importante como co-participante no
tratamento e recuperação da criança, por estar presente nos momentos difíceis da
doença, em que “vem colaborar, principalmente, para diminuir a sua ansiedade e
tornar a intervenção profissional mais efetiva” (PEREIRA e GRAÇAS, 2003, p. 94).
A análise da prática profissional diária da enfermagem evidencia a importância
das interações e ações que considerem o paciente como pessoa que necessita além
de procedimentos técnicos esmeradamente executados, mas que o enfermeiro leve
em consideração as necessidades expressas e aquelas veladas da criança e mãe na
vivência do processo de transição de saúde-doença. Considerar a comunicação
interpessoal, a empatia, a presença, solidariedade e vínculos de confiança nas ações
de cuidar faz com que os momentos estressantes de permanência em ambiente
hospitalar e de convívio com a gravidade da doença do filho tornem-se mais amenos
e menos traumatizantes à mãe.
Passar de uma situação de saúde para a de doença exige de quem a
vivencia, assim como das pessoas que a cercam uma mobilização intensa, com
profundas modificações e transformações, as quais vão se delineando a medida que
a transição vai se efetivando. o ocorre com um tempo pré-determinado, mas vai
sucessiva e progressivamente se instalando, sendo assim, denominado um processo
de transição. Somente quando a pessoa que vivencia a situação ultrapassa os
momentos de maior dificuldade, envolvimento, enfrentamento e consegue se adaptar
à nova situação gerada é que passou pela transição. Dessa forma é um processo de
grandes mobilizações, internas e externas que são colocadas em ação, para
alcançar o equilíbrio e harmonia perdidos.
O contexto da severidade e complexidade da doença cardíaca congênita, da
necessidade de tratamento com cirurgias corretivas, das necessidades de cuidado
especializado e minucioso após a cirurgia e também o convívio com a mãe me
instigou a realizar este estudo.
Para desvelar, elucidar e dar suporte a inquietação da pesquisa, utilizo os
conceitos fundamentais de transição, bem como o referencial teórico de Roy que
propõe a teoria de adaptação. A escolha desse referencial surgiu do estudo de suas
produções, das leituras de aplicabilidade da teoria em diferentes contextos da prática
de enfermagem, bem como do conhecimento adquirido durante a disciplina de
Concepções Teórico-Filosóficas e Metodológicas da Prática Profissional de
Enfermagem do Curso de Mestrado em Enfermagem da UFPR.
O referencial teórico de Roy adotado aborda os quatro modos de adaptação
que resultam dos mecanismos regulador (fisiológico) e cognato (sentimentos e
mobilizações emocionais): o fisiológico, o autoconceito, a função do papel e a
interdependência, por considerar serem estes os principais aspectos que se alteram
diante da transição. Importante salientar que para efetivar-se a transição, ou seja,
passar de um estado de tranqüilidade, estabilidade para o de insegurança e
instabilidade, a mãe necessita enfrentar a situação de saúde-doença do filho,
vivenciá-la, para então, alcançar a adaptação.
A mobilização desses modos de adaptação é que configuram a intensidade do
processo de transição vivenciado pela mãe, pois se alteram de acordo com a
experiência singular de cada sujeito com maior ou menor intensidade. O modo de
adaptação fisiológico é facilmente percebido, pois envolve as necessidades básicas
do subsistema regulador, porém os demais modos são subjetivos e vivenciados de
maneira diferente, mesmo diante do mesmo estímulo. O modo de autoconceito está
relacionado aos aspectos psicológicos e espirituais da pessoa, envolve o eu físico e
o eu pessoal; o modo de função de papel envolve os padrões de interação social e o
modo de interdependência, os relacionamentos interpessoais, as necessidades
afetivas, como valor humano, afeição, amor, afirmação (ROY e ANDREWS, 2001).
Com base no exposto anteriormente, considero esta pesquisa relevante, visto
que possibilita ao enfermeiro que trabalha em cardiologia pediátrica desenvolver
ações de cuidado não somente à criança com doença cardíaca congênita, mas
também à sua mãe, com vistas a alcançar melhor qualidade no atendimento de
enfermagem a esta população, fornecendo orientações, auxiliando a obter segurança
e confiança para o processo de transição.
Nesse sentido, proponho a seguinte questão norteadora: O que significa
para a mãe vivenciar o processo de transição de saúde-doença do filho com
cardiopatia congênita?
Essa questão me levou a delinear os objetivos para o estudo, que são:
“Desvelar o significado, para a e sobre a vivência do processo de transição de
saúde-doença do filho com cardiopatia congênita; Identificar os comportamentos
apresentados pelas mães relacionados a cada modo de adaptação proposto por
Roy, na vivência do processo de transição de saúde-doença do filho com cardiopatia
congênita; Construir um modelo de cuidado transicional articulado aos modos de
adaptação propostos por Roy, a partir do apreendido pela experiência da mãe no
processo de transição de saúde-doença do filho com cardiopatia congênita”.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O referencial teórico visa abordar os principais conceitos que trazem
sustentação a este estudo. Serão abordados nos subitens a seguir os conceitos de
transição de saúde-doença, de cuidado transicional, bem como a proposição teórica
de Roy sobre a Teoria da Adaptação e o marco conceitual adotado.
O referencial teórico está intimamente relacionado aos principais conceitos e
idéias que defendo neste trabalho, no sentido de dar sustentação teórica ao
desenvolvimento de cada etapa percorrida.
2.1 A TRANSIÇÃO DE SAÚDE-DOENÇA VIVENCIADA PELA MÃE DO FILHO COM
CARDIOPATIA CONGÊNITA: ESTABELECENDO O CUIDADO TRANSICIONAL
A transição é um processo de mudança, passagem, movimento, de um
estado, situação ou experiência para outro. Ela pode acontecer tanto em nível
individual de vida do ser humano quanto em nível familiar ou comunitário de uma
população, fazendo com que o indivíduo que a experiencia passe por
enfrentamentos, tomando posições e atitudes frente à nova situação vivida. As
condições que conduzem aos processos de transição estão ligadas a três tipos: a
transição desenvolvimental, a transição situacional e a transição de saúde-doença.
Todas, no momento em que acontecem, podem ser geradoras de conflito, estresse e
instabilidade (ZAGONEL, 1999).
O processo de transição de saúde-doença acontece de forma inesperada,
deixando o indivíduo acometido pela doença e seus familiares muitas vezes
desestruturados. O processo vivenciado pela mãe diante da doença do filho com
cardiopatia congênita traz consigo o fato de ter não somente um filho doente, mas
um filho com uma doença com características de ser grave, desconhecida, permeada
de símbolos e significações incertos, além da necessidade de enfrentar a intervenção
cirúrgica para sua correção.
A vivência da doença do filho configura-se como processo de transição de
saúde-doença, em que a mãe necessita enfrentar e adaptar-se à nova situação que
é ameaçadora e pode representar um obstáculo aos objetivos de vida, interrompendo
fases ou as sobrepondo, suscitando crises, nem sempre fáceis de serem superadas.
A crise surge como resposta aos eventos geradores de mudanças, seja no contexto
individual, familiar ou social (ZAGONEL et al, 2003).
Para Mercer et al (1988, p.144) as transições são definidas como "pontos de
mudança os quais resultam no pressuposto de novos papéis e novas relações
conduzindo-a a novas autoconcepções".
Vivenciar o processo de transição de saúde-doença diante da cardiopatia
congênita do filho faz com que a mãe experiencie sentimentos de amor, carinho,
afeto, apego ainda maior, superproteção, bem como sentimentos de indignação e
revolta, questionando-se o porquê de ter gerado um filho com essa doença.
Dal Sasso (1994, p.56-57) explicita que,
o que faz surgir uma situação de crise no ser humano não é
meramente a exacerbação de uma causa específica, mas
principalmente uma combinação de sentimentos, reações e
significados ao momento que está sendo vivenciado.
A transição tem sua origem na teoria de estresse de Salye, citado por
Smeltzer e Bare (2005) na qual é definida como uma resposta inespecífica do corpo
a qualquer demanda, independente de sua natureza. Estresse é definido por
Smeltzer e Bare (2005, p.86) como “um estado produzido por uma alteração no
ambiente que é percebida como desafiadora, ameaçadora ou lesiva para o balanço
ou equilíbrio dinâmico da pessoa”, sendo que um desequilíbrio real ou percebido
na capacidade da pessoa de atender às demandas da nova situação.
Os mesmos autores também explicitam o significado de adaptação, qual seja
“um processo constante, contínuo, que requer mudança na estrutura, função ou
comportamento de modo que a pessoa esteja melhor compatibilizada com o
ambiente. O processo envolve uma interação entre a pessoa e o ambiente”. A
pessoa que passa pela situação de estresse necessita enfrentar e adaptar-se a ela e,
somente quando ocorre a adaptação é que passou pela transição. A adaptação é um
processo individual e cada um terá uma forma e tempo para adaptar-se. No caso de
saúde-doença a adaptação é alcançada mediante a otimização do bem-estar, sendo
um processo contínuo.
Antecedendo a ocorrência da adaptação a pessoa passa pelo enfrentamento,
que para Lazarus, citado por Smeltzer e Bare (2005, p.88), consiste “em esforços
cognitivos e comportamentais feitos para controlar demandas externas ou internas
específicas que impõem sobre os recursos de uma pessoa e podem ser focalizados
na emoção ou no problema”. Se o enfrentamento for centrado na emoção, ele fará a
pessoa sentir-se melhor reduzindo-se a sensação de mal-estar; se for centrado no
problema visará operar mudanças diretas no ambiente para que a situação possa
acontecer com mais eficácia.
Refletir sobre os conceitos de enfrentamento e adaptação permite desenvolver
o cuidado de enfermagem voltado à mãe que vivencia a transição de saúde-doença
diante da cardiopatia congênita do filho, não apenas sob conceitos estritamente
biológicos, sendo fundamental que este olhar transcenda para aquilo que ela
realmente está experenciando, para que atenda às suas reais necessidades.
Em minha prática profissional, ao conviver com mães que tem seu filho
acometido pela doença cardíaca congênita, percebo a intensidade desse momento e
as demandas de cuidado que são exigidas para promover a adaptação à mudança, a
partir de uma situação que era tida como estável, tranqüila e de felicidade
relacionada ao nascimento do filho. A partir do nascimento, saber que o filho é
portador de uma doença cardíaca congênita mobiliza a mãe para o enfrentamento da
culpa, apreensão com o diagnóstico, evolução da doença, prognóstico e a maneira
como seu filho enfrentará o dia-a-dia da vivência da doença e do tratamento durante
o ciclo vital.
Percebo em minha prática que muito além dos cuidados instrumentais que a
criança recebe durante o processo de adoecimento e hospitalização, situam-se as
mobilizações internas da mãe para superar e auxiliar no cuidado do filho. É nesse
momento que se insere o cuidado transicional, pois o enfermeiro, apropriado dos
conhecimentos que permeiam esse referencial de transição de saúde-doença, tem
condições de detectar, desvelar, colocar à luz a vivência da mãe e a partir daí traçar
ações que fortaleçam e conduzam à sua adaptação diante da nova situação.
O cuidado transicional ajuda a mãe a enfrentar o processo de transição, a
reconhecer e mobilizar as forças internas e externas que tem a disposição e que,
muitas vezes não são reconhecidas nesse momento. Entendo que o enfermeiro tem
a oportunidade de estar-com a mãe, ser presença para atender também às suas
demandas de cuidado e não somente às da criança que está hospitalizada.
A transição de um estado de saúde para de doença provoca modificações
importantes na vida de qualquer pessoa, alterações do estilo de vida, no contexto
familiar, social, espiritual e biológico. Cada ser humano é único e i enfrentar a
transição de uma maneira própria, dependendo de fatores como sua percepção de
mundo, sua rede social de apoio e o significado que atribui à doença.
Ter um filho com cardiopatia congênita traz para a mãe um desequilíbrio, que
surge logo após o nascimento, mesmo antes de ter tido o tempo suficiente para
embalar o filho nos braços, sentir, conhecer, iniciar a aproximação e fortalecer os
laços de vínculo. Na suspeita de uma cardiopatia congênita, iniciam as investigações
diagnósticas e em determinadas circunstâncias há necessidade de correção cirúrgica
logo nos primeiros dias de vida da criança. Dessa forma, simultaneamente à notícia
da doença, a mãe depara-se com a necessária hospitalização e intervenção cirúrgica
para a correção do defeito cardíaco congênito, que a leva a conviver em um
ambiente estranho ao ambiente familiar e realizar mudanças no estilo de vida.
Armond e Boemer (2004, p.927) afirmam que, no enfrentamento da
internação, a mãe coloca-se no lugar do filho e é absorvida de tal maneira que se
sente junto com ele, também a se considerar internada”. Dessa forma, o cuidado
transicional de enfermagem à e se justifica. Esta mãe é considerada uma
extensão do paciente, e conseqüentemente, dá continuidade ao cuidado de
enfermagem, que visa a adaptação à nova realidade e a ajuda para buscar formas
de enfrentamento, para que esta transição seja o menos traumática possível.
Para a mãe, a simultaneidade de transições, a desenvolvimental, própria do
desenvolvimento humano; a situacional, pela ocorrência súbita que o diagnóstico
suscita e a de saúde-doença, pela hospitalização e inúmeros procedimentos, geram
desestruturação em sua dinâmica de vida, fazendo com que ela tente reorganizar
sua rotina para manter o equilíbrio e prosseguir no cuidado da criança hospitalizada.
A insegurança com relação ao diagnóstico e a desinformação geram incertezas
sobre a causa e evolução da doença, tratamento, exames e intervenções,
aumentando os conflitos internos e externos, os quais dificultam a compreensão e a
adaptação da mãe a este processo que está vivenciando
(CORDEIRO, 2006).
Sentimentos de que “alguma coisa não deu certo” são experimentados muitas
vezes. Surge a insegurança, a instabilidade, a dor, o medo, a culpa, desestruturando
o que havia sido construído de projeções ideais de vida para a criança, para a
família. Pais, avós, tios e outros familiares agora se encontram numa situação
totalmente nova da esperada. Idas e vindas ao hospital, telefonemas ansiosos,
expectativas, dúvidas e questionamentos são percebidos e vivenciados pela mãe e
equipe que cuida.
A criança, no mundo familiar, representa o futuro, a realização dos sonhos,
ideais dos pais e familiares mais próximos. Quando uma criança adoece, todo o
significado e sentido de futuro passam a ser ameaçados, levando a família a
confrontar-se com a possibilidade da perda, do sofrimento e da dor e também com a
frustração de não ver seus anseios concretizados (LACAZ, 2003).
Neste momento de crise, a enfermagem exerce importante papel, por meio do
cuidado de enfermagem. O cuidar sempre esteve presente nas diferentes dimensões
do processo de viver, adoecer e morrer e, independente do valor a ele atribuído,
continuará sendo essencial para a sobrevivência das espécies, promoção da vida e
preservação do planeta. Na história da enfermagem, Nightingale foi pioneira em
propor e demonstrar os efeitos dos ambientes de cuidado na promoção da saúde das
pessoas. Na década de 1950 o desenvolvimento das teorias de enfermagem já
demonstrava o papel das enfermeiras nas ações de cuidar. Nesta época, o cuidado
foi considerado uma necessidade humana essencial e o cuidar a essência da
enfermagem
(NEVES, 2002).
A partir da década de 1990 difundiu-se mais amplamente o movimento
profissional sobre o cuidar e se incrementaram perspectivas teóricas, filosóficas e de
pesquisa sobre o tema, tanto por enfermeiras brasileiras quanto americanas. As
concepções sobre o cuidar originaram-se em reflexões sobre suas crenças pessoais
e profissionais e na sua convivência com clientes e outros profissionais da saúde.
Todas estas concepções sobre o cuidar trazem em si a essência humanitária, isto é,
o cuidar em enfermagem, o qual inclui a execução de procedimentos técnicos
somados a atitudes condizentes com princípios humanitários
(NEVES, 2002).
Tendo-se o cuidar como a essência da enfermagem, Silva (2005, p.121),
explicita como sendo, “arte e ciência de pessoas que convivem e cuidam de outras”,
arte como intuição e criatividade e ciência como uma informação organizada e
técnica.
Lacerda (1999, p.45) descreve o cuidado como:
[...] terapêutico e se manifesta com competência profissional, com
um interesse genuíno, personalidade positiva, comprometimento
profissional, confiança mútua, desenvolvimento de um
relacionamento de trabalho, cuidador e ser cuidado, onde o
reconhecimento de cada um como pessoa.
Dessa forma, o cuidado de enfermagem não pode estar dirigido apenas ao
paciente, ou seja, à criança. Concordo com Cordeiro (2006, p.17), quando afirma
que:
[...] a enfermagem não pode mais manter o cuidado apenas voltado
à criança, desconsiderando a família envolvida neste processo.
Precisa estar sensível a todas as modificações, sentimentos,
percepções, significações, símbolos que a família vivencia para
fornecer o cuidado adequado a cada situão. A enfermagem
precisa ter em mente que essa família sob seus cuidados encontra-
se em um momento muito difícil, sob tensão emocional.
Collet e Oliveira (2002) referem que o cuidar em enfermagem na
especialidade de cardiologia pediátrica deve ter como objetivo abordar os aspectos
que estão relacionados com questões de cuidado com o familiar e com a criança
como: esclarecer a família da criança quanto ao diagnóstico, sintomas da doença e
conduta para tratamento, dar suporte à família para lidar com os efeitos da doença,
preparar a família para a intervenção cirúrgica do defeito, realizar cuidados de
enfermagem após esta intervenção e preparar a família para os cuidados após a alta
hospitalar.
De acordo com Oliveira (2005) no pós-operatório de cirurgia cardíaca a equipe
multiprofissional que cuida deve realizar uma avaliação hemodinâmica rápida à
chegada da criança na UTI, estabelecer suporte ventilatório, antecipar e tratar
precocemente as complicações e após cuidar da nutrição, fisioterapia, controlar a
dor. Também devem ser constantemente avaliados os pulsos, temperatura das
extremidades, enchimento capilar, coloração da pele e mucosas, nível de
saturometria, ausculta pulmonar, pressão arterial, nível de consciência, ritmo
cardíaco e a realização de exames como raio-x de tórax, eletrocardiograma,
hemograma, contagem de plaquetas, gasometria, entre outros, além de
procedimentos como controle rigoroso de sinais vitais, monitorização da pressão
arterial e da pressão venosa central, assistência para ventilação mecânica, aspiração
de vias aéreas superiores, cuidados com o dreno torácico, controle hídrico rigoroso,
avaliação da densidade urinaria, peso diário e repouso.
Em meio a essa situação está a enfermagem, atuando em um serviço de
cardiologia, desde o recebimento da criança até a execução de procedimentos mais
complexos, antes e após a cirurgia, de forma pida e competente para atender às
suas necessidades e realizando um atendimento de qualidade. Portanto, é nesse
momento que o cuidado transicional se faz necessário, tendo em mente que este não
se limita à competência técnica, importante, imprescindível e necessária, mas é
preciso aliar a sensibilidade, dialogar com a mãe, apresentar-se acessível, ter
empatia e demonstrar interesse de forma afável, com preocupação e disponibilidade.
A interação pela orientação, conforto, escuta, troca de idéias e toque é uma
forma muito pessoal de comunicação e fazem com que a mãe se sinta mais segura e
fortalecida para enfrentar a hospitalização do filho
(CORDEIRO, 2006).
O tempo de internação hospitalar, como afirmam Souza et al (2003, p.281)
com suas possibilidades interativas entre mãe e profissionais de saúde,
pode ser usado em favor do fortalecimento da capacidade de cuidar
e cuidar-se, tanto para as situações vivenciadas no contexto
hospitalar, como aquelas que estão sendo trazidas do mundo extra-
hospitalar pela família acompanhante.
Nesse sentido Silva (2004, p.15) salienta sua preocupação com a falta de
tempo dos profissionais de saúde para com os pacientes e diz:
[...] preocupo-me porque o tempo do coração de cada um de nós não
é marcado por tarefas, número de procedimentos feitos, telefonemas
atendidos, escalas concluídas [...], mas por aqueles pacientes que
nos ensinaram tanto, aquelas famílias o queridas que atendemos,
aquele detalhe surpreendente revelado numa coleta de dados,
alguém que testou nosso limite e nossa coragem [...].
Essa afirmação leva a refletir sobre o cuidado e em que medida estamos
vigilantes às reais demandas do paciente atendido, como respeitamos suas
dimensões de tempo e espaço hospitalar, como atendemos ao seu chamado, o que
estamos priorizando na prática profissional para resultar em cuidado genuíno.
Compreender a presença da e no contexto hospitalar como também um
paciente que necessita de cuidado e não apenas mero acompanhante, modifica a
forma de planejar as ações da prática profissional do enfermeiro, pois requer
mudanças no modo de pensar e agir, percebendo a real dimensão da vivência.
Entendo que esse cuidado renova as possibilidades da família de ser parceira,
comprometida com a recuperação do filho, mas também uma clientela a ser cuidada
e valorizada em sua condição humana.
Neste sentido, Motta et al (2003, p.38), afirmam que:
[...] é preciso que a Enfermagem enquanto arte e ciência do cuidado,
lance um olhar para além do ser que vivencia a doença, percebendo
esta como uma possibilidade existencial; é necessário perceber a
família que, juntamente a este ser, experiencia o adoecer e requer
cuidados.
A doença provoca descontinuidade no processo de viver da e com o filho
hospitalizado, exigindo o distanciamento dos demais membros, afastamento ou
interrupção parcial ou total do trabalho, dificuldades financeiras, saudades, medo,
insegurança, sofrimento, convívio com o risco de vida do filho, problemas conjugais,
alterações fisiológicas pela rotina hospitalar estressante.
O cuidado transicional, de acordo com Zagonel (1999), permite a aproximação
e percepção das necessidades, fortalece as interações, torna humanas as ações, é
um estar com o outro, não envolve um encontro meramente fortuito, mas um
momento de interação intersubjetivo. Compreender que a criança, a mãe, a equipe
de saúde e de enfermagem, fazem parte desse continuum interacional de cuidado é
desafio a ser alcançado para que o cuidado torne-se concreto na unicidade de cada
ser envolvido.
Considero que, por vezes, a prática profissional do enfermeiro tem sido
marcada pela falta de tempo em contraste com inúmeras tarefas e procedimentos a
serem executadas, questões administrativas a serem resolvidas, dupla ou tripla
jornada de trabalho, cansaço, desmotivação, falta de incentivo por parte das
instituições e falta de interesse dos profissionais em crescer e se aprimorar técnica e
cientificamente, com conseqüente estagnação profissional. Pode-se perceber,
porém, que cada vez mais as demandas de cuidado nas instituições hospitalares têm
crescido e se tornado mais complexas, exigindo profissionais qualificados.
A Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, dispõe sobre o Estatuto da Criança e
do Adolescente e dá outras providências, no Artigo 12, o qual afirma que “os
estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a
permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de
internação de criança ou adolescente” (BRASIL, 2007).
Assim, reforço a história do Programa Família Participante implantado no
Hospital Pequeno Príncipe, a qual está relacionada ao serviço de psicologia
hospitalar da instituição. Esse programa, confrontado com situações de tensão,
insatisfação e angústia dos pacientes, começou a questionar a separação da criança
e sua família, o que tornava a sua hospitalização solitária (FORTE e SATO, 2006).
Em 1983 um grupo de psicólogas conseguiu aumentar os dias de visita dos
familiares, de dois para todos os dias e, em 1984, aumentou a duração, de meia hora
para uma hora. Em 1991 o programa foi oficialmente implantado, efetivando o
acompanhamento da criança internada em tempo integral, 24 horas, por um de seus
familiares ou responsáveis. Em 1998, decidiu-se implantar o programa também nas
UTI’s, o que aconteceu de forma gradual até abranger as quatro UTI’s do hospital
(FORTE e SATO, 2006).
O programa viabiliza aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS)
instruções quanto aos seus direitos e deveres dentro do hospital, a partir de um
treinamento específico, o que torna possível a participação ativa do acompanhante
em todo o processo, desde alimentação e higiene pessoal até o acompanhamento
nos exames. Dessa forma, mais do que atender a uma exigência legal, a viabilização
da presença do familiar para acompanhar a criança doente nasceu da importância de
manter o vínculo afetivo entre eles durante a hospitalização (FORTE e SATO, 2006).
Por meio do desenvolvimento de parcerias com a comunidade, o hospital,
além de proporcionar a permanência do familiar junto à criança nas 24 horas de
internação, também fornece alimentação, higiene e descanso na própria instituição
para estes familiares que acompanham a criança. Por ter sido um processo de
transformação profunda, o programa exigiu que todos os setores envolvidos
repensassem suas posturas e ões com os familiares e, aos poucos, médicos,
enfermeiros, equipe auxiliar e técnica de enfermagem e demais profissionais da área
da saúde foram se adaptando à presença do familiar e aceitando-a como um fator
positivo na hospitalização e tratamento da criança (FORTE e SATO, 2006).
Por outro lado, essa mudança criou uma demanda de cuidado muito além da
tradicional, conhecida e praticada pelos profissionais da saúde, especificamente dos
enfermeiros. O que se tem percebido, é que estes profissionais ainda precisam
aperfeiçoar o seu entendimento da presença da mãe ou familiar com o filho, a qual é
capaz de ajudar na sua recuperação e trazer inúmeros benefícios, os quais não eram
antes obtidos com a quebra desse vínculo. Observa-se que ainda é preciso que
estes profissionais encarem a mãe, ou o familiar, como extensão do filho e alvo dos
cuidados de enfermagem.
Compreender a mãe em suas particularidades, em sua dinâmica familiar,
organização, características, conflitos, dificuldades é essencial para enfermeiro ao
prestar o cuidado, pois assim pode melhor adequar as suas necessidades às ações
que resultem em benefício e, portanto tornem-se relevantes e significativas.
A compreensão da experiência da mãe que acompanha a criança doente
aponta para um cuidado de enfermagem que contemple a mãe e filho, tendo em vista
o ser humano como um ser integral, com sentimentos, conflitos e vivência e
considerando o impacto que é conviver com a doença do filho.
Além disso, o enfermeiro necessita entender a vivência da mãe e construir
intervenções que a auxiliem durante a crise, intervenções estas, que devem ser
incluídas no planejamento do cuidado. Porém, o que percebo em minha prática
profissional diária é que a equipe de enfermagem nem sempre está preparada para
atender às necessidades da família, conforme afirmam Pinto et al (2004). Dessa
forma, torna-se necessário um despertar reflexivo por parte dos enfermeiros para
que incluam a mãe no planejamento do cuidado visando atender às suas
necessidades com uma prática profissional significativa, valorativa, visível e
competente, com vistas à sua adaptação ao processo de transição de saúde-doença
do filho.
Considero que a inclusão da mãe que vivencia o processo de transição de
saúde-doença do filho no cuidado de enfermagem é um passo complementar na
caminhada da prática profissional da enfermagem pediátrica e espera-se que os
profissionais tenham, além de conhecimento e habilidades, “[...] vontade e ousadia.
Vontade para mudar, ousadia para mudar sem temor” (WESTPHALEN e CARRARO,
2001, p.26).
2.2 A PROPOSIÇÃO TEÓRICA DE ROY
O processo de transição de saúde-doença por que passa a mãe do filho com
doença cardíaca congênita guarda proximidade às idéias e aos conceitos de Roy,
pois, em suas reflexões teóricas, trata do conceito de adaptação, aspecto importante
e imprescindível ao enfocar o referencial de transição.
Em minha percepção, é no processo de cuidar efetivado pelo enfermeiro que
os modelos teóricos, ao serem utilizados como referencial para a sistematização do
cuidado, em muito contribuem para o aprimoramento da prática e a organização,
interpretação e análise do processo de cuidar, ampliando o nível de conhecimento na
formação de profissionais e na pesquisa de enfermagem.
Entendo que a ptica de enfermagem ao longo do tempo sempre teve uma
base teórica que a permeou. Um dos marcos teóricos mais utilizados na enfermagem
no século passado foi o modelo médico, interventivo, hospitalocêntrico, onde a
ênfase era dada às desordens da estrutura e função do corpo, ou seja, centrado na
doença. O modelo de atenção dos enfermeiros centrava-se em intervir de maneira a
remover, neutralizar ou corrigir estas alterações.
Com o passar do tempo, os enfermeiros começaram a abandonar o modelo
médico de forma a organizar o conhecimento para que o mesmo respondesse às
finalidades da enfermagem. Assim, observo em minha vivência profissional que
juntamente com esse processo foram introduzidos na enfermagem outros modelos
como o psicológico, em que os enfermeiros procuraram identificar nos clientes
problemas associados a variáveis psicológicas e o modelo social, os quais os
levaram a identificar a influência das variáveis culturais nas manifestações individuais
ou grupais com o objetivo de organizar o conhecimento gerado por outras disciplinas,
redefinindo-o através da constituição de marcos conceituais próprios e adequados
para a enfermagem.
Ao construir o conhecimento científico, os enfermeiros selecionam conceitos
relevantes para a enfermagem, identificam características e as validam na prática e
pesquisa. Um método para construir o conhecimento de enfermagem é a
identificação de conceitos relevantes que descrevem a estrutura da disciplina em um
contexto específico de aplicação prática, através do desenvolvimento e validação de
conceitos. As teorias fornecem um método para descrever, explicar e predizer
fenômenos, para fortalecer as bases científicas da enfermagem (KING, 1988).
As teorias de enfermagem representam atualmente os esforços coletivos e
individuais dos enfermeiros para definir e dirigir a profissão e proporcionar a base
para um desenvolvimento teórico continuado. As teorias mostram diferentes modos
de pensar a enfermagem. É necessário que os enfermeiros façam a opção por uma
teoria e ao fazer, que considerem a adequação e a aplicabilidade à situação de
enfermagem em que será utilizada. O resultado final do cuidado prestado deverá
refletir o marco conceitual proposto, além de servir para confirmar e testar os
conceitos formulados ou mesmo dar-lhes novos direcionamentos e ou reconstruções
(WESTPHALEN e CARRARO, 2001).
Entre as teorias de enfermagem, a escolha para efetivar este estudo foi pela
teoria da adaptação de Sister Callista Roy, que iniciou seu trabalho ainda como
estudante de graduação na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, Estados
Unidos. Posteriormente, como diretora da escola do Mount St. Mary’s implantou seu
referencial teórico tendo o cuidado como forma para recuperar a harmonia entre o
indivíduo e o ambiente. O modelo de adaptação de Roy, desde sua origem em 1964,
despertou muito interesse e respeito. A formação da base dos pressupostos
científicos subjacentes ao seu modelo é atribuída por Roy aos trabalhos de von
Bertalanffy sobre a teoria geral de sistemas e de Helson sobre a teoria da adaptação.
Inspirou-se ainda, em Dorothy Johnson, como motivação para desenvolver suas
concepções, sendo que os pressupostos filosóficos provêm do humanismo (ROY e
ANDREWS, 2001).
Os elementos essenciais do modelo de adaptação de Roy são: a pessoa que
é receptora do cuidado de enfermagem, o ambiente, a saúde e a enfermagem, os
quais passo a descrever de acordo com Roy e Andrews (2001).
O primeiro elemento essencial, a pessoa, é o ser cuidado, que pode ser a
família, a comunidade ou a sociedade, sendo que cada um é considerado pelo
enfermeiro como um sistema adaptativo holístico. O conceito de sistema é aplicado
primeiramente ao indivíduo, pois Roy conceitua a pessoa em uma perspectiva
holística, em que os aspectos individuais das partes atuam em conjunto para formar
um ser unificado. Como sistemas vivos, as pessoas estão em constante interação
com seu ambiente, em que ocorre uma troca de informações, matéria e energia
(GEORGE, 2000).
Um sistema é considerado como tendo um conjunto de partes ligadas para
funcionar como um todo, tendo em vista um determinado objetivo. Este sistema tem
entradas, saídas e processos de resposta e controle. As entradas são os estímulos,
podendo ter a sua origem externamente, do meio ambiente e internamente, do eu. A
saída, que é a resposta da pessoa, o seu comportamento, é uma função dos
estímulos de entrada e do nível individual de adaptação. Os principais mecanismos
de resistência foram denominados por Roy de mecanismo regulador (fisiológico) e de
mecanismo cognato (sentimentos e mobilizações emocionais), de onde resulta o
comportamento da pessoa. O comportamento individual toma a forma de respostas
adaptáveis e de respostas ineficazes, permitindo que a pessoa decida aumentar ou
diminuir esforços para lidar com os estímulos (ROY e ANDREWS, 2001).
O segundo elemento essencial do modelo de adaptação de Roy é o
ambiente. Para ela, os estímulos do interior da pessoa e os estímulos em torno da
pessoa representam o elemento do ambiente, que é por ela assim definido: “todas as
condições, circunstâncias e influências que circundam e afetam o desenvolvimento e
o comportamento de pessoas e grupos” (ROY e ANDREWS, 2001, p.18).
O estudo do ambiente ajuda os enfermeiros a promoverem a adaptação à
mudança, ou a definirem intervenções que minimizem o risco de internação. Dessa
forma, eles estão alterando os estímulos ambientais relacionados com as situações
de saúde e de doença, de maneira ampla e, seguidamente, de longo alcance no
nível do sistema comunitário (GEORGE, 2000).
O terceiro elemento essencial descrito por Roy é a saúde, que é definida
como “um estado e um processo de ser e de tornar-se uma pessoa total e integrada”
(ROY e ANDREWS, 2001, p.19). A integridade da pessoa é expressa como a
capacidade de preencher as metas de sobrevivência, crescimento, reprodução e
domínio, sendo um reflexo da adaptação. Dessa forma, o alvo do enfermeiro é
promover a saúde da pessoa oportunizando respostas adaptativas.
Em relação a este conceito, Vall, Lemos e Janebro (2005, p.67)
complementam que:
o conceito de saúde está intrinsecamente ligado ao de pessoa, de
ambiente e de adaptação. Isso porque num enfrentamento, a pessoa
necessita liberar energia para poder se adaptar, melhorando dessa
maneira a saúde e promovendo a cura. É essa liberação de energia
que une os conceitos de adaptação e saúde.
A meta de enfermagem, quarto elemento essencial da teoria de Roy é
definida como a promoção de respostas adaptativas em relação aos quatro modos
adaptativos, ou seja, o modo fisiológico, o autoconceito, a função do papel e a
interdependência (ROY e ANDREWS, 2001) e são elas que afetam positivamente a
saúde. Os estímulos e o nível de adaptação são alavancas para adaptar-se ao
sistema. O nível de adaptação determina se será obtida uma resposta positiva para
os estímulos internos e externos. A meta da enfermagem é procurar reduzir as
respostas ineficientes e estimular as respostas adaptativas como comportamento de
saída da pessoa (GEORGE, 2000).
Explicitados os elementos essenciais do modelo de adaptação de Roy, passo
a descrever o sistema adaptativo da pessoa. Esse sistema tem entradas de
estímulos e vel de adaptação, saídas como respostas comportamentais que
servem como retroalimentação e processos de controle conhecidos como
mecanismos de enfrentamento. O sistema adaptativo tem entrada vinda do ambiente
externo, assim como internamente, da pessoa.
De acordo com Roy, os estímulos são denominados como focais, contextuais
e residuais e é a junção destes estímulos que gera uma resposta, um
comportamento da pessoa, que pode ser adaptável ou ineficaz (ROY e ANDREWS,
2001).
O estímulo focal é o estímulo interno ou externo que constitui o maior grau de
mudança, gerando um forte impacto. As mudanças positivas ou negativas no meio
ambiente podem tornar-se focais, confrontando a pessoa, necessitando de uma
resposta. Neste trabalho a doença cardíaca congênita do filho é considerada como
estímulo focal para a mãe, sendo uma mudança negativa acerca do estado de saúde
do filho, que a confronta no sentido desta ter que enfrentar essa nova situação e
apresentar uma resposta. Cada mãe poderá apresentar respostas adaptáveis ou
ineficazes.
São considerados como estímulos contextuais todos os outros estímulos
presentes na situação que contribuem para o efeito do estímulo focal. São todos os
outros estímulos ambientais que se apresentam à pessoa, mas que não são o centro
da sua atenção. Esses fatores vão influenciar o modo de como a pessoa lida com o
estímulo focal. Dessa forma, a doença cardíaca congênita do filho age como
estímulo focal para a mãe e o conhecimento que ela tiver sobre a doença e o seu
tratamento, todo o suporte emocional, psicológico, espiritual e social que ela tiver vão
agir como estímulos contextuais, podendo influenciar de forma positiva ou negativa
sobre o estímulo focal.
Os estímulos residuais são os fatores cujos efeitos na situação atual não são
centrais e a pessoa pode não ter consciência da influência destes fatores. São
fatores descentralizados da situação atual, mas que a influenciam. No caso da mãe
que vivencia a doença cardíaca congênita do filho, os estímulos residuais podem ser
alguma experiência que ela tenha vivido no passado com relação à doença (sua ou
de algum familiar) e que esteja adormecida. Pode-se afirmar que os estímulos
residuais são os resultados que a pessoa absorve ao passar pela situação de
mudança, tornam-se marcas que necessitam ser enfrentadas, ainda durante o
processo de transição, para que não se solidifiquem de forma prejudicial à pessoa.
A vivência dos estímulos é simultânea, ocorrem sem uma ordem aparente,
primeiro um e depois o outro. Podem ocorrer ao mesmo tempo, sem que a pessoa se
conta que estão atuando. Somente o enfermeiro preparado e com conhecimento
sobre tal ocorrência, tem condições de prever e antecipar possíveis resultados ou
respostas e assim planejar o cuidado adequado. Em conjunto, os estímulos focais,
contextuais e residuais determinam a capacidade de a pessoa lidar com a mudança
da vida, de acordo com Maas (2006).
Juntamente com os estímulos, o nível de adaptação age como “entrada” para
a pessoa, como um sistema adaptativo. Os estímulos focal, contextual e residual
combinam-se para estabelecer o nível de adaptação do indivíduo em um
determinado momento, sendo que essa variação de respostas é única a cada pessoa
e seu nível de adaptação está em mudança constante. As “saídas” da pessoa como
um sistema o suas respostas, que podem ser tanto internas quando externas
expressando-se na forma de comportamento. Ele pode ser observado, intuitivamente
percebido pelo enfermeiro, medido e comunicado subjetivamente pelo indivíduo
(GEORGE, 2000). Essa observação é um ponto muito importante para o enfermeiro
avaliar e intervir com o cuidado de enfermagem.
O nível de adaptação é o ponto de mudança que representa a capacidade da
pessoa para responder positivamente numa situação. Este termo foi usado pela
primeira vez por Helson num sentido técnico, afirmando que a capacidade da pessoa
em lidar com uma situação está ligada a dois aspectos: as exigências da situação e
as condições internas da pessoa (ROY e ANDREWS, 2001).
À medida que este conceito de nível de adaptação foi se desenvolvendo na
enfermagem, passou-se a perceber que a pessoa não é passiva em relação ao meio
ambiente, estando em constante interação com ele. O seu nível de adaptação
dependerá diretamente da influência que os variados estímulos exercem sobre ela.
Dessa forma, o comportamento da pessoa é definido como ações internas ou
externas e reações sob circunstâncias específicas (ROY e ANDREWS, 2001).
O enfermeiro, por considerar a pessoa como um sistema adaptável, observará
o seu comportamento externo e verificará se a pessoa está se adaptando ou não ao
ambiente em mudança, isto é, se o comportamento é adaptável ou ineficaz.
Respostas adaptáveis são definidas como “aquelas que promovem a integridade da
pessoa em termos de objetivos da adaptação” e respostas ineficazes “são aquelas
que não promovem a integridade nem contribuem para os objetivos da adaptação”
(ROY e ANDREWS, 2001, p.25).
Para o enfermeiro que cuida da mãe que vivencia a doença cardíaca
congênita do filho, conhecer os estímulos que a afetam nessa situação é útil para
que ele determine o que está influenciando o tipo de comportamento observado,
para, então, realizar o cuidado de enfermagem adequado a cada situação, visando
promover a adaptação à mudança.
A expressão “mecanismo de enfrentamento” é utilizada para descrever os
processos de controle da pessoa como sistema adaptativo. Roy apresenta conceitos,
exclusivos da ciência da enfermagem, denominados de mecanismos de controle
reguladores (fisiológico) e cognatos (sentimentos e mobilizações emocionais), os
quais, são subsistemas da pessoa como um sistema adaptativo. Ela identificou
quatro modos adaptativos ou categorias para a investigação de comportamentos que
resultam dos mecanismos regulador e cognato, que são o fisiológico, o autoconceito,
a função do papel e a interdependência (ROY e ANDREWS, 2001).
O modo adaptativo fisiológico refere-se às respostas sicas aos estímulos
ambientais, ou seja, é a maneira como a pessoa manifesta a atividade fisiológica e,
de acordo com o modelo de adaptação de Roy, associa-se com cinco necessidades
básicas: a oxigenação, que envolve a necessidade de oxigênio do corpo e o
processo de ventilação; a nutrição, que envolve uma série de processos associados
com a ingestão de alimentos; a eliminação, que inclui os processos fisiológicos
envolvidos na excreção dos resíduos metabólicos, através dos intestinos e rins; a
atividade e repouso, onde o equilíbrio na atividade física e no repouso fornece um
funcionamento fisiológico otimizado de todos os componentes do corpo e a proteção,
que envolve as defesas básicas do organismo, como os processos de imunidade e
as estruturas de tegumento (ROY e ANDREWS, 2001).
São também focos importantes que podem ser observados ao se avaliar a
adaptação fisiológica: os sentidos, os fluidos e eletrólitos, a função neurológica e a
função endócrina. Esses quatro processos complexos de adaptação fisiológica,
juntamente com as cinco necessidades básicas de nutrição, oxigenação, eliminação,
atividade e repouso e proteção, formam uma base para a avaliação do
comportamento fisiológico (ROY e ANDREWS, 2001).
Dessa forma, o enfermeiro deve ter conhecimento sobre a função normal do
corpo para saber reconhecer as variações baseadas no próprio vel de adaptação
da pessoa e comportamentos que indicam problemas com o funcionamento
fisiológico.
Em estudo, Oliveira, Lopes e Araújo (2006) detectaram, ao analisar uma
dissertação de mestrado que utilizou a teoria de Roy com mulheres com angina
pectoris, que o modo adaptativo mais enfatizado na assistência de enfermagem foi o
fisiológico. Pode-se apreender que este modo demonstra maior concretude e
facilidade de ser executado e percebido pelos enfermeiros, resultando a ênfase. Há
deficiência de preparo dos profissionais para se apropriarem das pressuposições,
conceitos e proposições de teóricas de enfermagem, indicando que os modelos
conceituais devem ser continuamente aplicados, avaliados, validados ou
ressignificados para consolidar o desenvolvimento do conhecimento e o uso das
teorias de enfermagem.
O modo do autoconceito é um dos três modos psicossociais que se centra
especificamente sobre os aspectos sociais e psicológicos da pessoa. Ele se
relaciona com a necessidade básica de integridade psíquica, ou seja, de saber quem
se é para que se possa existir com um sentido de unidade. É um composto de
crenças e sentimentos que uma pessoa tem sobre si própria e incide sobre os
aspectos espirituais e psicológicos da pessoa. Os problemas de adaptação nesta
área podem interferir com a capacidade da pessoa para se curar, para fazer o que é
necessário para manter a saúde e para ser uma pessoa saudável (ROY e
ANDREWS, 2001).
Este modo é visto no modelo de adaptação de Roy como tendo duas
subáreas: o eu físico, que é a avaliação da pessoa sobre seu próprio ser físico e
possui dois componentes: a imagem corporal, que inclui os atributos físicos, seu
funcionamento, sexualidade e a sensação corporal, que inclui estados de saúde-
doença e aparência e o eu pessoal, que é a avaliação da pessoa das suas próprias
características, expectativas, valores.
O eu pessoal é visto como tendo três componentes: autoconsistência, que é a
resistência para manter uma auto-organização e evitar o desequilíbrio e pode ser
observado na resposta de uma pessoa a uma situação com afirmações verbais do
tipo: estou mesmo ansiosa pela cirurgia do meu filho”; o auto-ideal pode ser
observado através de afirmações verbais, tais como: “quero ser capaz de ajudar meu
filho a enfrentar essa cirurgia”; e o eu moral-ético-espiritual, que inclui o sistema de
crenças de uma pessoa e a avaliação de quem ela é e pode ser observada através
da afirmação: “Deus cuidará do meu filho durante a cirurgia” (ROY e ANDREWS,
2001).
Foram identificadas seis categorias gerais de estímulos que afetam o modo
de autoconceito: o crescimento e desenvolvimento, em que a idade e o nível de
desenvolvimento físico afetam o autoconceito de uma pessoa à medida que as
capacidades e o controle das funções mudam; o aprender, que incorpora estímulos
como esperanças e valores sociais; as reações aos outros, que incide sobre a
influência de pessoas significativas sobre o seu autoconceito; a percepção, em que a
percepção do eu do indivíduo influencia o desenvolvimento e manutenção de um
autoconceito; a crise de maturidade em que o estágio de desenvolvimento definido
em função da idade e associado às tarefas de maturação sugere o confronto de
desafios e seu alcance afeta o seu autoconceito e as estratégias de resistência, que
é a forma como ela age de forma característica no dia-a-dia e em situações de
estresse (ROY e ANDREWS, 2001). Quando estes estímulos forem identificados, os
comportamentos são avaliados como adaptáveis ou ineficazes na manutenção da
integridade psíquica.
O modo de função do papel, que constitui um dos dois modos sociais, incide
sobre os papéis que a pessoa ocupa na sociedade, identificando os seus padrões de
interação social em relação aos outros refletidos pelos papéis primário, secundário e
terciário. A necessidade sica que está relacionada a este modo é a integridade
social. Cada papel existe em relação com um outro e associado a ele há um conjunto
de expectativas sobre a forma como a pessoa se comporta no sentido de ocupar a
posição complementar. Dessa forma, a pessoa precisa saber quem é (qual o seu
papel) e quais são as expectativas sociais relacionadas para que possa agir em
conformidade (ROY e ANDREWS, 2001).
O papel primário determina a maioria dos comportamentos de uma pessoa
durante um determinado período da vida e é determinado pela idade, sexo e fase de
desenvolvimento. Por exemplo, uma mulher jovem de 25 anos. Os secundários são
aqueles que uma pessoa assume para poder realizar as tarefas associadas com a
fase de desenvolvimento e o papel primário e requerem o desempenho de um papel
específico. Como exemplo, uma mulher jovem de 25 anos assumindo o papel de
esposa e e. São estáveis e não são rapidamente abandonados, pois são
desenvolvidos e dominados por um longo período de tempo.
E os terciários estão relacionados com os secundários em que a pessoa
preenche as obrigações associadas ao papel. São normalmente temporários,
escolhidos livremente pelo indivíduo e podem incluir atividades, como clubes ou
passatempos. Por vezes, estes têm que ser alterados quando a pessoa é
confrontada por circunstâncias especiais (ROY e ANDREWS, 2001). Como exemplo,
uma mulher jovem de 25 anos, esposa e mãe, que tem seu filho acometido por uma
doença cardíaca congênita.
dois componentes comportamentais para a avaliação de comportamentos
adequados ao papel: os instrumentais, que são aqueles que a pessoa desempenha
como integrante do seu papel e são normalmente ações físicas e tem uma
orientação em longo prazo, cujo objetivo é o domínio do papel e os expressivos, que
envolvem sentimentos e atitudes que a pessoa defende em relação ao seu papel e
desempenho dele; são por natureza, emocionais e resultam de interações que
permitem à pessoa expressar estes sentimentos relacionados com o papel de uma
forma adequada (ROY e ANDREWS, 2001).
Para desempenhar o papel do comportamento, quer seja o instrumental ou o
expressivo são necessários quatro requisitos, que constituem os estímulos principais
para o papel do comportamento, são eles: o consumidor, que é quem ou o que
beneficia o desempenho dos comportamentos de um papel de uma pessoa; a
recompensa, que é o que ela recebe pelo desempenho dos comportamentos de um
papel; o acesso a facilidades ou conjunto de circunstâncias, que são a
disponibilidade de materiais ou ferramentas para desempenhar os comportamentos
dos papéis e a cooperação ou colaboração, que é a quantidade de tempo que é dada
ao indivíduo para desempenhar os comportamentos dos papéis (ROY e ANDREWS,
2001).
No caso da mãe que vivencia a doença cardíaca congênita do filho, o
consumidor seria a própria mãe que aceita o tratamento e os cuidados que estão
sendo dispensados ao filho enquanto ela mesma colabora no tratamento, realizando
as ações que lhe o apropriadas, como estar ao lado do filho, transmitindo-lhe
segurança e amor, sabendo que a equipe multiprofissional está ativamente envolvida
no tratamento da criança; a recompensa seria a percepção da melhora do filho
enquanto continua sendo encorajada pela equipe que dele cuida; o acesso a
facilidades ou conjunto de circunstâncias seriam todos os equipamentos e materiais
disponíveis para o cuidado do filho e equipe multiprofissional presente e acessível
para o esclarecimento de dúvidas e pronta para discutir as preocupações da mãe
com os cuidados da criança e a cooperação ou colaboração seria o tempo
necessário para a recuperação do filho e o encorajamento da participação da mãe no
seu tratamento.
Ao realizar o cuidado de enfermagem o enfermeiro deve ter como objetivo
promover a adaptação e ajudar a pessoa a lidar com os problemas de adaptação. Há
certos problemas que são comuns a todos os papéis, embora os problemas da
função ocorram geralmente nos papéis secundários. Esse processo de assumir e
desenvolver um novo papel é chamado de papel de transição, porém, nem sempre
uma pessoa faz uma escolha consciente quando assume um novo papel. O
enfermeiro poderá identificar na pessoa vários papéis secundários e terciários que
estão em transição e deve fazer uma avaliação da eficácia desse papel, isto é, se é
adaptável ou ineficaz, para realizar o cuidado de enfermagem de acordo com o
problema detectado no papel (ROY e ANDREWS, 2001).
O último modo de adaptação, o modo de interdependência, é o segundo
modo social descrito no modelo de Roy e é onde as necessidades afetivas são
preenchidas, identificando os padrões de valor humano, afeição, amor, respeito e
afirmação. A necessidade básica deste modo relaciona-se com um sentimento de
segurança em aprofundar relações e denomina-se adequação afetiva, que inclui a
necessidade de ser cuidado e cuidar (ROY e ANDREWS, 2001).
A interdependência é definida como as relações mais próximas das pessoas e
estas relações envolvem, muitas vezes, as mesmas pessoas com as quais se
interage no desempenho de um papel. No cultivar as relações, a pessoa continua a
crescer como pessoa e como membro da sociedade. Estas envolvem a capacidade
para amar, respeitar e valorizar os outros e para aceitar e responder ao amor,
respeito e valor atribuídos pelos outros. Este modo é um modo social porque as
necessidades são satisfeitas através da interação social e inclui as necessidades
pessoais de atenção, afirmação, aprovação e compreensão. Como pessoa que luta
pela adequação afetiva, ela pode passar por períodos de isolamento, solidão e
alienação (ROY e ANDREWS, 1991).
A adequação afetiva envolve o contato com o afeto dos outros, dessa forma,
para satisfazer essa necessidade, a pessoa busca o contato com os outros. O
enfermeiro deve observar as relações específicas dos outros significantes e dos
sistemas de apoio. Um outro significante é um indivíduo a quem é dado o maior
significado ou importância e os sistemas de apoio são pessoas, grupos ou animais
que contribuem para a satisfação das necessidades de interdependência da pessoa.
Eles exercem a mesma função de dar e receber amor, respeitar e valorizar. Contudo,
o seu significado não transporta a mesma intensidade, como a de uma relação com
um outro significante. Os sistemas de cuidados de saúde podem ser um sistema de
apoio (ROY e ANDREWS, 2001).
A capacidade de enfrentamento varia com o estado da pessoa em ocasiões
diferentes. O cuidado de enfermagem é delineado como aquele que promove as
respostas adaptativas em situações de saúde e de doença. São ações que visam
controlar os estímulos focais, contextuais ou residuais que estão sobre uma pessoa.
Além disso, o enfermeiro pode antecipar que a pessoa tenha potenciais respostas
ineficientes secundárias ao estímulo com a probabilidade de estarem presentes em
uma determinada situação. Ele age preparando a pessoa para as mudanças
antecipadas através do fortalecimento dos mecanismos de enfrentamento regulador
e cognitivo. As ações de enfermagem sugeridas por este modelo incluem a
abordagem visando à manutenção da resposta adaptativa que sustenta os esforços
da pessoa para o uso criativo de seus mecanismos de enfrentamento (GEORGE,
2000).
A mãe da criança com cardiopatia congênita é vista, conforme este modelo,
como um sistema adaptativo vivo cujos comportamentos, ao passar pela experiência
de ter um filho com esta doença, podem ser classificados como respostas
adaptativas ou respostas ineficientes. Algumas vezes a mãe enfrenta a situação de
forma satisfatória, tendo uma resposta adaptativa, mas, na maioria das vezes,
vivencia respostas ineficientes, levando ao estresse e a desestruturação.
A investigação do comportamento pelo enfermeiro para fins desse estudo será
feita nos quatro modos adaptativos: no fisiológico observar e investigar as respostas
fisiológicas que a e está apresentando, relacionadas à nutrição, sono e repouso,
eliminação, visto que muitas acabam esquecendo-se de si mesmas, não se
alimentando de forma regular e não tendo períodos de descanso satisfatórios por
permanecer junto ao filho durante a hospitalização por longos períodos. Um dos
pressupostos de Roy é que há um objetivo dinâmico para a existência humana que é
ativado por metas de integridade e dignidade.
No modo do autoconceito, buscar descobrir como a mãe está se sentindo
frente a essa situação e se essas questões têm gerado alguma forma de distúrbio
tanto no seu eu físico, relacionado à sua imagem corporal, quanto no seu eu pessoal,
relacionado às suas próprias características, expectativas e valores; no modo de
função do papel, identificar como a mãe está se relacionando com as pessoas ao
seu redor, como se conforma a rede de apoio familiar e social, se de alguma forma a
doença e hospitalização do filho geram algum déficit em seu relacionamento social.
No modo de interdependência, descobrir se as necessidades afetivas estão sendo
preenchidas, se a mãe está em déficit de afeição, amor e afirmação, sentindo-se
deprimida ou triste, ou se está passando por períodos de isolamento, solidão e
alienação.
O quadro 1 representa os mecanismos de enfrentamento da mãe do filho com
doença cardíaca congênita em cada modo de adaptação sob a influência de
estímulos, que resultam em comportamentos para alcançar a adaptação à transição
de saúde-doença, à luz de Roy.
MECANISMOS DE
ENFRENTAMENTO
INTERDEPENDÊNCIA
FISIOLÓGICO
FUNÇÃO DE
PAPEL
AUTOCONCEITO
ADAPTAÇÃO À
TRANSIÇÃO
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MÃE DO FILHO COM DOENÇA CARDÍACA
CONGÊNITA
Quadro 1 Representação dos mecanismos de enfrentamento da mãe do filho com doença
cardíaca congênita em cada modo de adaptação sob a influência de estímulos, que resultam
em comportamentos para alcançar a adaptação à transição de saúde-doença, à luz de Roy
(BRANDALIZE e ZAGONEL, 2007).
2.3 MARCO CONCEITUAL DELINEADO PARA O CUIDADO DA MÃE DE FILHO
COM CARDIOPATIA CONGÊNITA
O marco conceitual constitui um referencial teórico que direciona e
fundamenta a prática através do processo de enfermagem. Ele objetiva descrever,
classificar e relacionar fenômenos de uma forma organizada e coerente (TRENTINI,
1991).
Um conceito é uma imagem mental de uma coisa, pessoa ou objeto e é
compartilhado por meio de palavras. Uma função básica dos conceitos é conhecer e
descrever a natureza das coisas; o meios para organizar a informação concreta e
são armazenados na memória como idéias abstratas, dando significado para
percepções sensoriais. Os conceitos representam a realidade e o conhecimento
substantivo de alguém, pois são as categorias de uma teoria e servem como guias
para realizar observações no mundo empírico (KING, 1988).
O fazer do enfermeiro já não encontra mais sustentação quando apenas
calcado nas ações de ordem técnica ou instrumental, pois necessita de
aprofundamento, de cientificidade, de reflexão para que o cuidado seja voltado à
integralidade do ser e principalmente que alie a técnica à sensibilidade com
responsabilidade e compromisso. Pensar na prática exige estudos, pesquisas,
teorização, dedicação e vontade de mudar, ultrapassando o modelo fragmentado de
atenção ainda vigente nos diferentes contextos de atuação do enfermeiro, para um
modelo que dê sustentação tanto teórica como prática para o cuidado.
Ao utilizar um referencial teórico para a efetivação do cuidado, o enfermeiro
torna significativas e generalizáveis as descobertas científicas, o que possibilita um
novo olhar dos fatos de forma ordenada.
A utilização de uma teoria no agir profissional auxilia na especificação de
variáveis, as relações entre si, proporciona direção e força às ações de cuidar,
sedimenta o saber, qualifica o fazer, fortalece a identidade e o papel do enfermeiro e
como conseqüência sua visibilidade profissional para o paciente/família, equipe de
saúde e sociedade.
Somente com a formulação de marcos conceituais e sua respectiva aplicação
na prática é que os enfermeiros assumem um agir científico, pois lidam com
abstrações, proposições e inter-relações de conceitos, colaborando para a geração e
validação de novos conhecimentos. Para caminhar no mundo de incertezas do
conhecimento é necessário que a enfermagem saiba usar as vantagens das teorias
na prática cotidiana, mediante o aprofundamento dos estudos das teorias, conforme
apontam Oliveira, Lopes e Araújo (2006).
O marco conceitual é um direcionador para a ação de cuidado, o qual deve se
adequar a cada situação específica, em íntima relação com as respostas das
pessoas que vivenciam a transição, pois certos aspectos o mais afetados que
outros conforme a intensidade ou agravamento da condição (ZAGONEL, 2006).
A partir dessa contextualização e aliado a minha experiência profissional no
cuidado de crianças com cardiopatia congênita, percebi a necessidade de delinear os
conceitos e compor um marco conceitual para a atuação na prática, tendo como
direcionador a teoria de enfermagem de Roy. A escolha da teoria tem como base ser
de fácil aplicabilidade e auxiliar na compreensão e estabelecimento dos conceitos
que permeiam uma realidade de atuação do enfermeiro, que para este estudo é a
experiência da mãe de ter o filho passando pelo processo de transição ocasionado
pela doença cardíaca congênita e conseqüentemente melhorar o cuidado prestado,
ou seja, instrumentalizar a mãe para a adaptação, por meio do cuidado transicional.
A utilização de uma teoria para sustentar a prática do enfermeiro auxilia no
avanço do conhecimento científico, pois por meio de sucessivas retificações de
aplicações anteriores é possível chegar a modelos de cuidado adequados e
pertinentes a cada situação, sempre tendo como base que o conhecimento não é
acabado, mas em constante evolução.
Por meio do processo de enfermagem o enfermeiro investiga os
comportamentos e estímulos, diagnósticos de enfermagem, estabelecimento de
metas, intervenção e avaliação. Dessa forma, realiza o cuidado de forma integral,
sistematizada, que busca conduzir a melhor adaptação da mãe à situação de ter um
filho com doença cardíaca congênita. A teoria de Roy se aplica a diversas realidades
dentro de uma abordagem holística, porque permite melhor sistematização da
assistência e contribui para o processo adaptativo do indivíduo com um todo de
acordo com Oliveira, Lopes e Araújo (2006).
A partir das idéias teóricas de Roy que dão sustentação a esse estudo é
possível apreender como sua teoria auxilia na construção do marco conceitual para o
cuidado transicional da mãe de filho com cardiopatia congênita. Diante do objeto de
estudo “o cuidado transicional à mãe da criança com cardiopatia congênita” senti a
necessidade de delinear um marco conceitual que ofereça a sustentabilidade
científica à minha prática de cuidar, baseado em conhecimento já consolidado e
validado, a fim de tornar o modo de cuidar organizado, significativo e que resulte em
benefícios ao cliente facilitando o processo de adaptação diante da transição de
saúde-doença a que passa.
Este é utilizado para cuidar da mãe da criança com cardiopatia congênita e se
configura com os seguintes conceitos: ser humano-mãe de filho com doença
cardíaca congênita, meta de enfermagem, ambiente, transição de saúde-doença,
enfrentamento, adaptação e cuidado transicional.
O ser humano-mãe de filho com cardiopatia congênita, por ser um sistema
holístico adaptável é visto como tendo a capacidade de se ajustar à transição de
saúde-doença do filho, evento esse que desestrutura o ambiente familiar, o
relacionamento com o filho e pode trazer consigo muitas dúvidas, angústias e
insegurança. Por estar em constante interação com o ambiente, o ser humano-mãe
necessita utilizar suas habilidades internas, inatas ou adquiridas para enfrentar esse
evento, para que a troca de informações, matéria e energia ocorram de forma
positiva nesse processo de enfrentamento.
A família, por constituir-se tão complexa em sua estrutura, composição e
função, não escapa de vivenciar conflitos múltiplos ao longo do ciclo vital. Enquanto
existe está sujeita a transformações, necessitando, muitas vezes, redimensionar-se
em suas posturas diante de diversas realidades e adversidades, às quais é
submetida, na busca de superação e equilíbrio. A mãe, por ser um dos elementos da
família e por vivenciar todas as estas transformações que nela ocorrem, pode
contribuir para a busca de soluções para a nova realidade que se projeta no viver
cotidiano com a doença do filho.
Nesse sentido, Milanesi et al (2006, p.770) enfatizam que, estabelecer uma
relação de confiança e respeito entre a família e os profissionais, “significa a
possibilidade de transformar o ambiente hospitalar em um local de menos sofrimento
tanto para a criança quanto para a família e para os profissionais”.
A enfermagem exerce importante papel neste momento, oportunizando e
estimulando para que a mãe tenha respostas adaptativas e que, dessa forma, volte a
realizar, a ajudar, visando o enfrentamento e adaptação à situação.
Cada ser humano-mãe enfrenta a situação de forma particular, dependendo
do estágio da vida familiar, do papel desempenhado por ela que acompanha a
criança durante a hospitalização, o modo como ela irá se organizar com a família
durante o período da doença, entre outros. Dessa forma, a transição de saúde-
doença do filho é considerada como uma parte de sua vida, mas que está em íntima
relação com o todo e que recebe e gera influências sobre ela. Essa transição
provoca estímulos tanto externos quanto internos e cada mãe irá ter respostas
individuais de comportamento.
A meta de enfermagem, como objetivo geral, deve promover a saúde dos
indivíduos e da sociedade. No contexto do modelo de Roy, mais especificamente, ela
pode avaliar o comportamento e os estímulos que influenciam a adaptação e sua
ação deve aumentar a interação da pessoa com o meio ambiente, promovendo a
adaptação. Deve realizar ações facilitadoras, auxiliares, para esta mãe perceber e
agir frente aos estímulos dessa situação de transição de forma adaptativa e efetiva.
Com compreensão, sensibilidade, interação e solidariedade o enfermeiro pode
facilitar esse momento de transição da mãe. Colocar-se à disposição para esclarecer
dúvidas, para ouvir, para promover melhores condições de adaptação ao ambiente
hospitalar são ações que o enfermeiro deve realizar para promover maiores
respostas adaptativas da mãe, contribuindo para a sua saúde, sua qualidade de vida,
recuperação e se necessário, a adaptação à morte de seu filho com dignidade.
A meta de enfermagem é promover respostas adaptativas em relação aos
quatro modos propostos por Roy, usando informações sobre o nível de adaptação da
pessoa e os estímulos focais, contextuais e residuais, ou seja, o que tem confrontado
a mãe imediatamente, quais são os outros estímulos dos mundos interno e externo
que estão influenciando negativa ou positivamente sobre a situação e tentar
descobrir quais são os fatores internos e externos cujos efeitos atuais não são claros.
As atividades de enfermagem envolvem a mobilização desses estímulos para
promover as respostas adaptativas.
A enfermagem, sendo sensível e perceptiva, deve ter, além do conhecimento
técnico de cuidado à criança com cardiopatia congênita, o papel de promotora da
adaptação da mãe à transição de saúde-doença do filho, através do enfrentamento.
Dessa forma o enfermeiro deve ter, além da capacitação técnica, conhecimento
sobre transição, adaptação, habilidades de comunicação e sensibilidade para
apreender a essência dessa vivência pelo familiar.
O ambiente é considerado como o mundo interior e exterior da mãe, não
somente o ambiente hospitalar, mas todas as condições, circunstâncias e influências
que envolvem e afetam o seu comportamento durante a transição de saúde-doença
e hospitalização do filho. Este ambiente em mudança a estimula a criar respostas
adaptáveis, visto que tem capacidade de criar novas respostas para estas condições
de mudança, tendo oportunidade de crescer, de se desenvolver e intensificar o
significado da vida para a mãe e para toda a família envolvida na transição. Pode
reordenar as suas prioridades, alterar seu modo de viver para fornecer um estilo de
vida mais satisfatório para ela e para os familiares.
Simultaneamente à notícia da doença do filho, a mãe depara-se com a
necessária hospitalização, que a leva a conviver em um ambiente estranho ao seu
ambiente familiar e realizar mudanças em seu estilo de vida. Dessa forma, a mãe
necessita se adaptar à nova realidade e buscar formas de enfrentamento, para que
esta transição seja o menos traumática possível. Neste ambiente ele recebe
estímulos tanto internos, de medo, dúvida, insegurança gerando desequilíbrio
emocional, quanto estímulos externos, de cobrança e desestruturação familiar e
social. Da mesma forma a mãe também recebe estímulos de solidariedade, apoio de
sua rede social, interesse e cuidado da equipe de enfermagem e de saúde, que a
auxiliam na mobilização de diferentes mecanismos de enfrentamento até a
adaptação.
O conceito de transição é definido como uma passagem, uma mudança de
uma situação, estado, circunstância ou condição a outra. São inúmeras as
mobilizações a que a mãe está exposta a partir do momento de início da transição,
pois terá que transitar pelo processo, nem sempre fácil e rápido e buscar
mecanismos para o enfrentamento e adaptação à nova situação. Nesse estudo, a
transição de saúde-doença é uma manifestação ou resposta mal adaptativa ao
abalo de ter o filho doente e que necessita grande empreendimento e esforço para
entrar, vivenciar e sair do processo. Não é a transição em si que tem importância
primordial, mas o modo como a mãe se ajusta em relação aos aspectos
desencadeadores da transição, como pontua Zagonel (1998).
O enfrentamento é vivenciado pela mãe ao deparar-se com a situação,
compreender o que está acontecendo e que, apesar de ter muitas dúvidas,
incertezas, medo, insegurança e desequilíbrio, deverá lançar mão de suas forças
internas e/ou externas para superar esse momento, adaptar-se e prosseguir. Ao
utilizar esses recursos sente-se auxiliada, reforçada para melhor aceitar a situação,
incorporando-a ao seu dia-a-dia, como algo real que necessita ser percorrido.
A adaptação faz com que retome o equilíbrio perdido, que aceite a doença
como parte de seu viver, do viver de seu filho e do viver de sua família; que consiga
adaptar seu tempo, suas atividades, sua própria saúde e bem-estar e então poder
auxiliar e assumir o cuidado do filho hospitalizado. A mãe está adaptada quando
passou pela transição, quando vivenciou cada etapa desse processo. Quando a mãe
chega ao estado de adaptação à doença do filho ou mesmo quando está em
processo de adaptar-se, busca formas de se tornar uma pessoa integrada a essa
nova situação, no sentido de promover e manter um equilíbrio em sua própria vida e
no contexto familiar. Assim, a meta de enfermagem será atingida.
O conceito de cuidado transicional envolve aspectos que vão além do
cuidado técnico habilidoso, pois necessita do conhecimento do enfermeiro sobre o
processo de transição que a mãe do filho com doença cardíaca congênita está
vivenciando, do reconhecimento das alterações nela provocadas, da necessidade de
suporte profissional e social, das possibilidades e alternativas que conta para melhor
se adaptar, da humanização e solidariedade para auxiliar na superação das
limitações, perda de controle, insegurança, do desempenho de papeis responsáveis
frente à dinâmica relacional.
Para Zagonel (1999, p.30) o cuidado transicional
não é algo definível, palpável, visível, não é algo que possa se
reduzir a uma simples definição, mas ele surge da conscientização
do enfermeiro ao desvelar a compreensão do cliente enquanto
vivencia o processo transicional.
Ele envolve comportamentos que possibilitam o cuidado personalizado,
particularizado, que auxiliam o ser a um devir harmonioso, com desenvolvimento de
suas potencialidades para alcançar o equilíbrio perdido.
O marco conceitual delineado envolvendo estes conceitos atende à
proposição teórica de Roy a uma realidade específica, pois articula abstrações
particulares no sentido de configurar o todo que é exigido para efetivar o cuidado. A
utilização de marcos conceituais na prática profissional dos enfermeiros auxilia a
visualizar as metas e resultados que espera alcançar junto ao cliente, torna a prática
científica e organizada, além de possibilitar a expressão dos valores e formas de
cuidar do enfermeiro.
A construção deste marco conceitual visa contribuir no entendimento do
cuidado como atributo inerente à enfermagem, sendo este permeado pela
necessidade de compreensão da adaptação da mãe a um novo acontecimento em
sua vida. Foi realizada à luz do referencial teórico de Roy, o qual contribui para a
visualização de todas as dimensões de cuidado necessárias à transição saúde-
doença da mãe de filho com cardiopatia congênita.
Os conceitos aqui abordados se ajustam a esta fase de transição e indicam a
riqueza que pode ser revelada pela sua aplicabilidade no processo de trabalho do
enfermeiro. Quando aplicados, fornecem uma nova forma de cuidar, menos
mecanicista e fragmentada, mais adequada à mãe que está vivenciando este
momento, de forma a oportunizar melhor enfrentamento e adaptação aos seus
estímulos externos e internos.
Possibilita ao enfermeiro começar a apropriar-se desse conhecimento e refletir
sobre ele, de modo a ir além da teoria para aplicá-la em sua prática. A utilização
desse referencial teórico, advindo da teoria de enfermagem de Roy, auxilia a
fortalecer a prática, desvelar conceitos, tornar o processo de trabalho do enfermeiro
visível, conduz a uma reflexão crítica e possibilita gerar dados de pesquisa, unindo
teoria e prática. Sem esquecer que este referencial deve estar voltado ao contexto
específico de atuação do enfermeiro, de forma a realizar as adaptações necessárias
para que sirvam aos propósitos da realidade de aplicação.
Os conceitos propostos pelo marco conceitual têm afinidade com o
desenvolvimento metodológico da pesquisa, que será descrito a seguir, pelo método
de pesquisa-cuidado.
3 REFERENCIAL METODOLÓGICO
O referencial metodológico aqui descrito visa delinear o caminho percorrido
para alcançar as respostas a minha inquietação. Os passos percorridos auxiliaram a
manter a congruência aos objetivos e questão norteadora, sempre tendo como
suporte teórico a transição e as idéias de Roy.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, utilizei a metodologia qualitativa, por
meio do método de pesquisa-cuidado. A técnica para a coleta das informações foi a
entrevista semi-estruturada e o referencial para a análise dos depoimentos seguiu a
análise de conteúdo de Bardin (1991). Este método foi escolhido por atender aos
propósitos do estudo, pois articula ao mesmo tempo o rigor metodológico ao cuidado,
resultando em assimilação de expressões que servem ao método investigativo e às
ações de cuidado.
Para Polit e Hungler (2004), dois grandes métodos de coleta de
informações científicas, o método quantitativo e o qualitativo. A pesquisa qualitativa
envolve a coleta e análise sistemática de materiais narrativos mais subjetivos e utiliza
procedimentos nos quais a tendência é um mínimo de controle imposto pelo
pesquisador.
A pesquisa qualitativa é caracterizada, como modos de inquisição sistemática
que preocupa-se com a compreensão dos seres humanos e da natureza de suas
transações consigo mesmos e com seus arredores (POLIT e HUNGLER, 2004). A
pesquisa qualitativa costuma ser descrita como holística, preocupada com os
indivíduos e seu ambiente em todas as suas complexidades e naturalista, sem
qualquer limitação ou controle imposto ao pesquisador.
A pesquisa-cuidado é uma abordagem de pesquisa coerente com a natureza
da enfermagem, integrando a pesquisa e cuidado como elementos complementares
à atuação do enfermeiro” (NEVES e ZAGONEL, 2004, p.3). Por estar alicerçada na
subjetividade humana e ter ênfase no cuidado, possibilita uma aproximação entre o
ser pesquisador e o ser pesquisado, em um encontro genuíno de cuidado como
presença, articulando a teoria, a pesquisa e a prática.
Concordo que, “apesar dos inúmeros métodos de pesquisa existentes,
percebe-se a falta de atenção à esfera subjetiva da experiência, a qual serve como
importante subsídio à valorização e compreensão das vivências humanas” (NEVES e
ZAGONEL, 2006, p.74).
Assim, a pesquisa-cuidado busca a conexão entre método e cuidado, não
oferecendo ao método o foco central da interação, mas ao sujeito pesquisado em
sua total essência; é uma arte que não se restringe apenas ao seguimento de passos
sistemáticos estabelecidos em uma determinada metodologia. Para realizar a
pesquisa-cuidado, o enfermeiro-pesquisador precisa estabelecer uma relação de
cuidado, sem a qual os dados não emergem de forma autêntica.
Dessa forma, a pesquisa-cuidado proposta por Neves e Zagonel (2006),
percorre etapas para a sua efetivação, que podem ser estabelecidas conforme se
processa o encontro entre o ser pesquisador-cuidador e ser pesquisado-cuidado, que
são: aproximação com o fenômeno do estudo; encontro com o ser pesquisado-
cuidado; estabelecimento das conexões da pesquisa, teoria e prática do cuidado;
afastamento do ser pequisador-cuidador e ser pesquisado-cuidado e análise do
apreendido.
3.1 APROXIMAÇÃO COM O FENÔMENO DO ESTUDO
Esta fase foi importante para subsidiar a escolha do que pesquisar. A
aproximação com o fenômeno do estudo ocorreu durante minha trajetória profissional
na UTI cardíaca pediátrica, em que percebi a necessidade de realizar um estudo com
as mães das crianças ali internadas. A partir do meu interesse em conhecer a
experiência destas mães com relação à vivência do processo de transição de saúde-
doença cardíaca congênita do filho, concluí que o referencial metodológico da
pesquisa-cuidado atende aos meus propósitos, pois permite que eu, além de
pesquisar, possa desenvolver ações de cuidado, a partir das necessidades
levantadas nas entrevistas.
Dessa forma, ao delinear a questão norteadora sobre o que significa para a
mãe vivenciar o processo de transição de saúde-doença do filho com
cardiopatia congênita?”, busquei as respostas pela aplicação rigorosa do método
de pesquisa-cuidado, por entender que está relacionado à pesquisa qualitativa e às
necessidades do ser pesquisado-cuidado.
3.2 ENCONTRO COM O SER PESQUISADO-CUIDADO
Esta fase foi determinante para o sucesso da aplicação do método de
pesquisa-cuidado, pois foi o momento da interação, em que como pesquisadora-
cuidadora desvelei o que desejava pesquisar e tomei decisões conjuntas com o ser
cuidado a partir das necessidades levantadas e validadas por ambos.
O local escolhido para a realização do estudo foi a unidade de cardiologia,
incluindo a UTI e enfermaria de um hospital infantil de grande porte na cidade de
Curitiba, com especialidades exclusivas no atendimento de crianças e adolescentes,
com serviços de alta complexidade, localizada na região leste do Estado do Paraná,
dispondo de 345 leitos. O hospital conta com 45 enfermeiros, 120 técnicos e 345
auxiliares de enfermagem. A escolha deu-se por se tratar da única instituição no
município de Curitiba considerada de referência em cirurgia cardíaca pediátrica, além
de ser uma instituição que busca nas ações humanizadas de saúde o cuidado
solidário.
Participaram desse estudo 10 mães que acompanhavam seus filhos
internados, seguindo os seguintes critérios de inclusão: que tivessem filho no pós-
operatório de cirurgia cardíaca para correção de defeito cardíaco congênito e que
aceitassem participar da pesquisa-cuidado. A escolha desses sujeitos levou em
conta a peculiaridade exigida no cuidado de enfermagem a esta população, que
vivencia as especificidades do processo de transição de saúde-doença, tornando-se
co-participante de todo este processo, sendo, dessa forma, entendida como
extensão do filho e alvo dos cuidados de enfermagem.
Tratando desse tema, percebe-se a relevância no direcionamento da prática,
ao compreender o significado dessa experiência, valorizando o cuidado como
instrumento de enfermagem, com caráter humanista e solidário. A partir da
concordância das mães em participar da pesquisa, estas foram informadas sobre os
objetivos do estudo e do direito de desistência no decorrer da pesquisa, quando
então assinaram o Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido
(APÊNDICE I).
O número inicial de sujeitos definido para a realização do estudo era de 15
mães, porém o número de 10 mães foi definido à medida que as informações foram
sendo saturadas, ficando, dessa forma, condicionado à compreensão do fenômeno
investigado, ou seja, quando se iniciou a repetição dos discursos, não tendo surgido
novas informações.
Para o levantamento das informações foi utilizada a entrevista semi-
estruturada, tendo como questão de pesquisa: o que significa para você ter um filho
com doença no coração de nascença, que fez uma cirurgia e está/esteve internado
na UTI? Essa questão envolve o ser mãe, doença cardíaca congênita do filho e
hospitalização. Constou do instrumento a coleta de informações sócio-demográficas,
como identificação (preservada por pseudônimos), idade, procedência, escolaridade,
ocupação, renda familiar e dados referentes à internação como tempo de
permanência, internações anteriores, diagnóstico médico, cirurgia realizada. Na
segunda parte do instrumento, constou a pergunta aberta, a partir da questão
norteadora e questões complementares, cujos depoimentos foram gravados em fita
cassete e na terceira parte, dados de observação do entrevistador, como, por
exemplo, expressões corporais, tom de voz, choro (APÊNDICE II).
A opção pela entrevista semi-estruturada ocorreu pela flexibilidade que o
modelo permite ao combinar questões fechadas e abertas no transcorrer do discurso,
favorecendo a liberdade de expressão. Ela pode ser usada quando o pesquisador
necessita focar vários tópicos, sendo função do entrevistador encorajar o ser
pesquisado a falar livremente sobre todos os itens elencados. Esse processo
relacional gerou informações de pesquisa, as quais foram rigorosamente registradas
para assegurar a integralidade e fidedignidade das informações apreendidas. A
estratégia foi a de encontros pré-agendados, em local que permitisse a privacidade e
possibilitasse a apreensão.
A entrevista envolve um processo informal e interativo entre pesquisador e
cliente exigindo questões abertas, que não transforme o ser em objeto ou redutível
a métodos científicos, mas apelam para os modos de compreensão mais sutis e
compreensíveis, sobre o fenômeno” (ZAGONEL, 1999a, p.92). Essas questões
objetivam desvelar a experiência compreensiva da pessoa sobre o fenômeno.
A entrevista é utilizada pelo enfermeiro para coletar os discursos a respeito
do cliente, como os aspectos culturais, sociais, econômicos, psicológicos e de
saúde-doença; procura fazer emergir a consciência que a cliente tem do mundo,
mediante sua compreensão.
Para a entrada no campo, não encontrei dificuldades, já que o hospital referido
na pesquisa é também meu local de trabalho. Para o agendamento das entrevistas
eu conversava com as mães, explicava os objetivos da pesquisa e as convidava para
participar. As facilidades encontradas foram o imediato consentimento das mães em
participar, a receptividade da equipe de enfermagem no campo e seu apoio para com
o cuidado ao filho enquanto a mãe se ausentava para a entrevista. As mães, em sua
maioria, não queriam ficar muito tempo longe dos filhos, sentindo-se ansiosas após
certo tempo do decorrer da entrevista, o que não impediu que os dados fossem
coletados de forma satisfatória.
Ainda nesta etapa, foram atendidos os princípios éticos, de acordo com a
Resolução 196/96 (BRASIL, 1996). Os quatro princípios considerados na pesquisa
foram: o de autonomia, que permite ao ser pesquisado liberdade para agir, podendo
decidir por participar ou encerrar a participação sem qualquer coação; o de
beneficência, pelo qual o indivíduo deve sentir-se bem ao colaborar, percebendo-se
como partícipe da melhoria da qualidade da sua vida ou de outros; o da não-
maleficiência, pelo qual assegura-se que em circunstância alguma o sujeito da
pesquisa venha a sofrer algum tipo de dano e o da justiça, que traduz o respeito na
relação com o outro, na ausência de preconceitos e intervenções (TURATO, 2003).
Em atendimento à legislação vigente, este projeto foi enviado ao Comitê de
Ética da instituição hospitalar desse estudo, sendo aprovado sob o número 0361-06
(ANEXO B). Somente após receber o parecer de aprovação é que o estudo teve
início.
3.3 ESTABELECIMENTO DAS CONEXÕES DA PESQUISA, TEORIA E PRÁTICA
DO CUIDADO
Essa fase efetivou as conexões entre a pesquisa (coleta das informações pelo
método de pesquisa-cuidado), o referencial teórico (teoria de Roy e de transição) e a
prática (cuidado efetivado). Foi a fase determinante do processo investigativo de
pesquisa-cuidado, pois exigiu da pesquisadora-cuidadora a definição das prioridades
de cuidado para o momento específico do encontro que se iniciou na fase anterior.
As conexões entre pesquisa, teoria e prática foram embasadas pelo referencial
teórico de transição à luz de idéias da teoria de Roy sobre adaptação, que
permearam todo o processo de coleta, análise e compreensão do apreendido.
Nesta fase a coleta de informações se efetiva. Durante a apreensão dos
depoimentos o pesquisador não faz nenhum tipo de interferência, apenas escuta
com o olhar no objetivo da pesquisa; tão logo o ser pesquisado conclua aquele
segmento da fala é possível então iniciar o cuidado. O cuidado sempre está voltado
para a necessidade expressa verbalmente ou captada nas expressões não-verbais.
Neste estudo, a partir das falas das mães captadas na unidade de internação
pretendi desvelar qual o significado do processo de transição de saúde-doença
vivenciado pela mãe do filho com cardiopatia congênita ao mesmo tempo em que
foram cuidadas, pois entendo que, dessa forma, é possível a aplicabilidade do
cuidado transicional.
A concretização do cuidado dependeu da situação vivenciada pelo ser
pesquisador e ser pesquisado. Conforme apontam Neves e Zagonel (2004), o
cuidado estabelece-se de diferentes formas, ouvindo, olhando, estando presente,
tocando, respeitando comportamentos e atitudes, estabelecendo relacionamento de
confiança, facilitando o enfrentamento de situações e habilitando para a adaptação
ao papel que está se delineando a partir das vivências da mãe. Após a conclusão da
fala do ser pesquisado é que o ser pesquisador estabelece a relação dialógica onde
aponta aspectos relevantes que necessitam de intervenção, de cuidado efetivo que
foram detectados enquanto ouvia o entrevistado (NEVES e ZAGONEL, 2006).
As formas de captar as expressões faciais, o modo de reagir às perguntas, os
momentos de silêncio, as indagações observadas pelo olhar fixo em minha pessoa,
foram registrados em diário de campo. Eram anotações que realizava assim que a
entrevista era concluída para não perder nenhuma informação, não deixar de
registrar nenhum dado relevante, que foi observado por mim, mas principalmente
compartilhado entre nós (pesquisadora e ser pesquisado).
Assim, ocorre a inter-relação entre pesquisa e cuidado e o pesquisador, nessa
fase, apropria-se de sua experiência e conhecimentos teóricos para efetivar a
intervenção. O cuidado ocorre pelo entrelaçamento do conhecimento pessoal e
profissional voltado para a necessidade expressa ou detectada, estabelecendo-se
então, a conexão entre pesquisa, teoria e prática/cuidado. O pesquisador evita
interferências, julgamento de valor ou posições pessoais, apenas coloca-se como
presença, ouvindo.
As 10 mães, sujeitos que compõem a amostra, estão na faixa etária de 19 a
43 anos; 7 são procedentes do Estado do Paraná, 2 de Santa Catarina e 1 de Minas
Gerais; com relação à ocupação 4 são do lar, as demais são lavradora, agricultora,
costureira, operadora de caixa, atendente de telemarketing e diretora de escola; 7
são católicas, 2 evangélicas e 1 referiu não ter religião; o tempo de hospitalização de
seus filhos variou de 2 dias a 5 meses; a renda familiar variou de R$ 425,00 a
2.000,00; a escolaridade variou de ensino fundamental incompleto a ensino superior
completo com pós-graduação e com relação ao estado civil, 7 eram casadas, 2
amasiadas e 1 solteira.
A seguir, passo a descrever alguns exemplos de como o cuidado foi realizado
com as mães:
Como se efetivou o cuidado:
Elogiei sua disposição enquanto mães de estar sempre ao lado dos filhos, seu
cuidado carinhoso e a atenção dispensada. Afirmei que estão sendo supermães,
enfrentando a situação de cirurgia dos filhos, estão cuidando muito bem deles, estão
sendo fortes e sempre presentes apesar das dificuldades, estimulei para que
continuem assim. Afirmei que para elas continuarem cuidando bem deles, precisam
cuidar um pouco melhor delas mesmas, das suas necessidades. Enfatizei que os
filhos estão sendo bem cuidados pela equipe multiprofissional da UTI e que, dessa
forma, elas podem tirar um tempo de cuidado para elas mesmas. Conversamos
sobre seus sentimentos, orientei para que procurarem conversar com as pessoas,
trocar informações e tirar suas dúvidas para se sentirem mais seguras. Também
afirmei que elas precisam continuar se apoiando também nos esposos e nas
famílias, dividindo a tarefa do cuidado aos filhos e trocando experiências também
com as outras mães, para que se sintam fortalecidas. Orientei para que elas peçam
ajuda de familiares e/ou amigas para o cuidado com os filhos que ficaram em casa e
para cuidar de suas casas, enquanto estão no hospital. Dialogamos que Deus está
vendo as grandes mulheres que são pela sua força, que, conforme elas mesmas
disseram, vem Dele e estimulei para que continuem buscando forças e depositando
sua em Deus. Afirmei que elas são seres humanos, pessoas que também têm
necessidades que precisam ser satisfeitas e que, além da atenção que elas
dispensam aos filhos, também precisam dispensar um pouco de atenção e tempo
para si mesmas, mesmo no hospital. Elogiei sua beleza física e as encorajei para
que continuem a cuidar da aparência, para que se sintam valorizadas e com boa
auto-estima. Reforcei os horários de alimentação, higiene e descanso das mães no
Programa Família Participante, bem como dos horários de missa da capela do
hospital, conforme algumas haviam me solicitado. Orientei para que elas procurem
meios simples para fazer algo para si, para que elas tenham momentos de distração,
que elas tentem fazer algo que gostam, como assistir um programa de TV, passear
no shopping que fica próximo ao hospital, etc. Orientei quanto ao serviço de
psicologia do hospital e coloquei-me a disposição para futuras conversas, sempre
que precisarem enquanto permanecerem no hospital. Expliquei quanto às rotinas das
unidades onde seus filhos estavam internados, estado das crianças, procedimentos
que foram realizados, materiais e equipamentos de suporte que os filhos estavam
fazendo uso. As encorajei quanto a evolução positiva das crianças e da força que
elas precisam ter para passar por esta fase. Reafirmei que passar por tudo isso é
uma maneira de fortalecer-se como pessoa, elogiei sua sensibilidade, paciência, seu
domínio dos sentimentos e sua força em ver o lado bom dessa experiência. Também
cuidei com o olhar para as mães, com a escuta, coloquei-me presente e fiz-me
presença. No final elas agradeceram a oportunidade de conversar e poder desabafar
comigo.
3.4 AFASTAMENTO DO SER PESQUISADOR-CUIDADOR E SER PESQUISADO-
CUIDADO
Essa etapa exigiu sensibilidade de ambos (pesquisador e ser pesquisado)
para indicar o término do encontro, considerando sua finalidade. Esse momento foi
preparado durante toda a trajetória metodológica, para que ao final dos encontros o
ser pesquisado-cuidado estivesse preparado para o afastamento do ser
pesquisadora-cuidadora, para então, iniciar a análise de todo o material apreendido.
Nesse sentido, ao iniciar a aproximação, expliquei sobre a pesquisa e seus
objetivos, descrevendo claramente as etapas, considerando a aproximação, o
cuidado a ser prestado e o encerramento do encontro.
O afastamento serviu apenas para fins da pesquisa, pois tive oportunidades
de retornar à UTI Cardíaca Pediátrica e à enfermaria da cardiologia para rever as
mães, uma vez que a instituição é meu local de trabalho. O reencontro tornou-se
prazeroso, pois tive a oportunidade de conversar livremente, sem a preocupação do
rigor da entrevista, manter a interação iniciada durante as entrevistas, o diálogo e
perceber suas distintas formas de enfrentamento para a adaptação à situação
vivenciada.
Importante salientar que o vínculo se estabelece e permanece, tornando-se
facilitador da proximidade e abertura para o diálogo, comunicação. Entre as várias
mobilizações que a transição de saúde-doença do filho suscita na mãe, uma é
especialmente visível, a apreensão do desconhecido, a insegurança da evolução da
doença e tratamento. Nessa fase o retorno do pesquisador-cuidador é importante
aliado e torna-se cuidado efetivo.
3.5 ANÁLISE DO APREENDIDO
Para apreender o significado dos discursos das mães, as informações foram
analisadas com o olhar no referencial teórico adotado sobre a teoria de Roy, no
referencial de transição e na análise de conteúdo de Bardin (1991). Esta análise
permite, pela sua técnica, ir além das aparências e descobrir o real significado dos
discursos sem negligenciar o rigor científico.
Segundo Bardin (1991, p.42), a análise de conteúdo pode ser definida como,
um conjunto de técnicas de análise da comunicação visando obter,
por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (qualitativos ou não) que
permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção destas mensagens.
Este método vem sendo usado desde o século XVI e atualmente é utilizado
para o estudo de significados, de símbolos, representações, dados verbais ou
comportamentais. A finalidade principal da análise é impor ordem ao material
recolhido, com o propósito de analisá-lo e assim poder redigir a conclusão da
pesquisa. Dessa forma, é preciso organizar e sintetizar os depoimentos coletados,
bem como lhes fornecer estrutura, ou seja, dar sentido ao material recolhido.
Sobre a análise de conteúdo Bardin (1991, p.106) expõe que:
Fazer uma análise temática consiste em descobrir os “núcleos de
sentido” que compõem a comunicação e cuja presença ou
freqüência de aparição pode significar alguma coisa para o objetivo
analítico escolhido. [...] o tema é geralmente utilizado como unidade
de registro para estudar motivação de opiniões, de atitudes [...] as
respostas a questões abertas, as entrevistas mais estruturadas
individuais podem ser analisadas tendo o tema por base.
A análise das informações coletadas baseada na técnica de análise de
conteúdo permite elucidar o tema, que é “a unidade de significação que se liberta de
um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura”
(BARDIN, 1991, p.105).
Bardin (1991) apresenta os pólos cronológicos que compõem o método de
análise de conteúdo, em que se processa a categorização segundo critério
semântico, como análise temática. A operação de codificação realiza-se na
transformação dos dados brutos, visando a alcançar o núcleo de compreensão do
texto.
Dessa forma, a análise de conteúdo organiza-se cronologicamente em:
Fase: Pré-análise: é a fase de organização e tem por objetivo tornar operacionais
e sistematizar as idéias iniciais, “de maneira a conduzir a um esquema preciso do
desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise” (BARDIN, 1991,
p.95). Nesta fase são recomendados alguns passos para que se possa trabalhar com
os dados de forma adequada. Primeiro, é necessário transcrever todo o material
coletado, após isso, realizar leitura minuciosa e flutuante, que tem por finalidade
tornar o conteúdo mais claro, para assimilação e avaliação inicial.
Fase: Exploração do material: consiste na operação de codificação, visando a
alcançar o núcleo de compreensão do texto. Nessa fase, o material coletado é
organizado nas unidades de significação e, assim, preparado para análise.
3ª Fase: Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: nessa fase os resultados
brutos são tratados de maneira a serem significativos. Depois, o pesquisador pode
propor inferências e adiantar interpretações dos objetivos previstos ou fazer
descobertas inesperadas. Ainda nessa fase, o pesquisador deve trabalhar os
resultados, dando-lhes uma conformação.
4 EXPLICITAÇÃO DOS RESULTADOS
A análise dos depoimentos se iniciou logo após o término das entrevistas
gravadas e transcritas. Passei então, à leitura flutuante de todos os depoimentos,
tendo sempre em mente a questão norteadora e os objetivos do estudo. Foram
consideradas as regras da representatividade, homogeneidade e pertinência,
buscando a representação concreta dos significados existentes nas falas. Por meio
da realização desta pesquisa aprofundei meus conhecimentos sobre o cuidado de
enfermagem à mãe que vivencia o processo de transição de saúde-doença cardíaca
congênita do filho.
Para alcançar a Fase de Pré-análise proposta por Bardin (1991),
primeiramente transcrevi todo o material coletado e realizei uma leitura flutuante e
minuciosa, o que tornou o conteúdo mais claro para assimilação e avaliação inicial.
Nesse processo busquei a pertinência, ou seja, a coerência dos conteúdos com o
objetivo da pesquisa, a homogeneidade, isto é, se os dados coletados seguiram uma
técnica idêntica, realizada em locais semelhantes e por indivíduos semelhantes e,
por fim, a sua representatividade, que se relaciona ao tamanho e abrangência da
amostra, considerando-se o universo inicial.
O texto transcrito apresentou manifestações que contêm elementos os quais
foram agrupados em uma determinada unidade. Depois construí Unidades de
Registro ou Unidades de Significação que são palavras-chave ou frases que
identificam alguma representação concreta dos significados existentes no discurso.
Assim, foi possível fazer recortes do texto, para delimitar o contexto de
compreensão, chegando-se às Unidades de Contexto.
A análise progrediu da primeira fase, para a Fase de Exploração do
Material de forma quase simultânea, pois organizar o material, realizar as leituras,
iniciar a categorização e a seleção das Unidades de Significação e de Contexto
foram processos que se estabeleceram ao mesmo tempo.
A seleção das Unidades de Contexto e de Significação foi realizada tendo
sempre em mente o referencial teórico de Roy. Dessa forma, emergiu nas unidades
o estímulo focal e o contextual, sendo que o estímulo residual não foi considerado,
por não ter aparecido nos discursos. Também emergiram os quatro modos de
adaptação propostos por Roy, sendo que, no último modo, o modo de
interdependência, as mães apresentaram o maior número de respostas eficazes,
ficando esta unidade mais extensa, visto a grande rede de relações que a mãe
desenvolve para apoio e suporte durante toda a vivência da doença e hospitalização
do filho.
O emergir das Unidades de Contexto e de Significação não se a priori, antes
de analisar cada discurso, mas durante o processo de análise em que é possível dar
sentido a tudo o que é explícito pelos sujeitos do estudo. Somente com as leituras
exaustivas é que as Unidades vão tomando sentido, sempre considerando os
objetivos do estudo, questão norteadora e o referencial teórico.
Abaixo apresento o quadro com as Unidades de Contexto e Unidades de
Significação selecionadas pela minuciosa análise de conteúdo das expressões das
mães de crianças com cardiopatia congênita.
UNIDADES DE CONTEXTO UNIDADES DE SIGNIFICAÇÃO
A. O IMPACTO DA DESCOBERTA DA
DOENÇA DO FILHO: O ESTÍMULO
FOCAL E EXPECTATIVA FUTURA
1. Sentimentos mobilizados diante da
notícia da doença do filho
2. O percurso desde a descoberta da
doença do filho até a
hospitalização/cirurgia
3. A expectativa futura sobre a
recuperação do filho e sentimentos
vivenciados pela mãe após a cirurgia
B. A GRAVIDEZ E NASCIMENTO:
ASSOCIAÇÃO À CARDIOPATIA
CONGÊNITA: ESTÍMULO
CONTEXTUAL
4. A evolução da gestação como
contributiva à doença cardíaca congênita
do filho
5. Esperando um filho normal: em busca
de uma explicação
C. MODO FISIOLÓGICO: ALTERAÇÕES
QUE A VIVÊNCIA DA DOENÇA DO
FILHO SUSCITA NA MÃE
6. Alterações fisiológicas que a doença e
hospitalização do filho acarretam à mãe
D. PERCEPÇÕES DA MÃE SOBRE O
AUTOCONCEITO: MUDANÇAS QUE A
DOENÇA DO FILHO IMPÕE
7. A dedicação ao cuidado do filho
hospitalizado supera o cuidado ao eu
físico da mãe
8. A percepção do valor e significado do
eu pessoal diante do cuidado do filho
doente e hospitalizado expressa pela
mãe
E. FUNÇÃO DE PAPEL: AS
DIFICULDADES VIVIDAS PELA MÃE A
PARTIR DA DOENÇA DO FILHO
9. Mudança de papéis durante a doença
e hospitalização do filho
10. O processo de assumir e desenvolver
um novo papel com a família
F. A INTERDEPENDÊNCIA NAS
RELAÇÕES: APOIO PARA A MÃE NO
MOMENTO DE DOENÇA E
HOSPITALIZAÇÃO DO FILHO
11. A rede de apoio social contribuindo
no cuidado ao filho doente e
hospitalizado
Quadro 2 Demonstração do processo de categorização dos depoimentos a partir da
análise de conteúdo.
A Unidade de Contexto O IMPACTO DA DESCOBERTA DA DOENÇA DO
FILHO: O ESTÍMULO FOCAL e a Unidade de Significação Sentimentos mobilizados
diante da notícia da doença do filho explicitam os sentimentos apontados pelas mães
diante da doença do filho. Os sentimentos são de medo, desespero, agonia,
desesperança, incerteza do futuro, tristeza, abatimento, frustração, nervosismo,
surpresa, mudanças emocionais na vida da mãe e da família, medo de perder o filho.
Neste sentido, Maas e Zagonel (2005, p.71), afirmam que “a doença traz
insegurança, ansiedade, medo da morte. O ambiente hospitalar acentua estes
sentimentos, por suas características [...]”.
E ainda Crepalpdi (1998, p.85), em seu estudo realizado com as famílias
acompanhantes de crianças internadas na enfermaria de patologia geral, em um
hospital universitário, acometidas por doenças crônicas, que tinha por objetivo
mostrar como elas vivenciam a situação de adoecimento e hospitalização de seus
filhos, afirma que “para o familiar, aceitar a situação tal como esta se lhe
apresentava, tornava-se penoso, ou seja, ver o filho doente [...], a possibilidade de se
tratar de uma doença grave, a hospitalização, a distância de casa e da família”.
Ah, foi um susto muito grande, uma agonia na gente. Eu fiquei
desesperada. Deu uma mudada na vida da gente emocionalmente
(Margarida, 31 anos).
E no momento [da notícia da doença cardíaca do filho] eu apavorei,
nossa, mas eu chorava, chorava, fui embora chorando, aquilo era um
desespero. E daí fiquei assim, apavorada e chorava (Rosa, 23 anos).
[...] eu tinha medo, de nós em casa, longe e de repente um
desmaio nele e nós ter que sair correndo, num caso de emergência e
ele não agüentar até chegar aqui (Rosa, 23 anos).
A gente fica triste, por que quando eu soube que ele tinha esse
problema, que o médico falou mesmo que tinha que fazer várias
cirurgias não era aquela uma [...]. Ah, pra mim é tristeza, imagine,
né. Nascer com problema desse e saber que tem que estar
operando, né, é inesperado pra gente (Orquídea, 29 anos).
Pra mim mudou muito, o desespero, a tristeza de ver uma criança
assim, por que quando é sadio a gente não fica preocupado, fica
nervoso e agora Deus o livre, a gente fica nervoso (Orquídea, 29
anos).
As mães também fazem comparações com as outras crianças hospitalizadas e
graduam o nível de gravidade da doença ao fato de seu filho necessitar maior tempo
de hospitalização do que as demais crianças. A mobilização dos sentimentos é tão
intensa que provoca a desconfiança do tratamento instituído.
Quando o médico falou que iria ter que fazer cirurgia eu falei “meu
Deus, mas tem tanta necessidade?” (Lírio, 23 anos).
É que ela não avança muito em vista das outras crianças que eu
sempre vejo, ela fica, os outros vão embora. E ela acaba sempre
ficando, daí entra uma turma nova, faz a cirurgia, se recupera e vai
embora e ela fica, mas acho que é que nem a doutora falou. Ela fez
uma cerclagem, fecharam uma válvula dela, foi em janeiro (Íris, 42
anos).
[...] ela tem uma síndrome, que é muito rara e que às vezes não
ajuda ela a se desenvolver como uma criança normal, porque se ela
fosse uma criança normal ela teria se recuperado, não estaria
com esses probleminhas e já teria tido alta e ido embora, mas a
síndrome dela, acho que não ajuda (Íris, 42 anos).
As mães se ressentem de não poder conviver com um filho sadio, sentem como
se a doença fosse em si, dimensionam a gravidade por ser localizada no coração,
órgão vital e de extrema importância sob a ótica das mães. Consideram difícil gerar,
cuidar para que a evolução gestacional corra bem até o final. Após o nascimento e
diagnóstico da doença sentem-se fragilizadas, incluindo o medo da morte do filho.
[...] desespero, só o coração a gente já imagina. Sei lá, cirurgia
grande, arriscada, entrei em desespero, não sabia o que fazer [...]
acho que é porque é o motorzinho de tudo. Se ele pára, pára tudo [...]
dá medo, o coração já mexe. E se na cirurgia acontece alguma
coisa? E é demorado, umas 5 horas de cirurgia. Um tamanhozinho
daquele, a gente assusta (Íris, 42 anos).
Foi muito triste [notícia da doença]. Porque um filho é um pedaço da
gente que ali. Senti acho que tudo de ruim que uma mãe pode
sentir quando um filho assim doente. Muito desesperador. É, bem
dizer o coração é tudo no corpo humano. O coração e o cérebro é
tudo, bem dizer (Tulipa, 19 anos).
Ai pra mim, assim, eu fiquei bem nervosa, afetou o meu psicológico,
porque eu fiquei triste, abatida, eu nunca imaginava que meu filho
pudesse ter esse tipo de doença, então foi uma coisa que me
surpreendeu muito (Violeta, 20 anos).
O fato da doença ser no coração mexeu mais comigo, porque o risco
também tem de fazer cirurgia, pegar uma infecção, acontecer alguma
coisa, mais medo, medo de perder ele. A gente sofre pra ganhar,
dar carinho, dar tempo pra criança e depois saber que não tem mais,
é difícil (Violeta, 20 anos).
O impacto da notícia, da comprovação da doença cardíaca de seu filho, que
esperava ser normal, é uma das etapas mais difíceis de ser enfrentada pelas mães,
pois é evento inesperado, necessitando comportamentos adaptativos, que nem
sempre estão disponíveis e as mães preparadas a utilizar.
A partir do diagnóstico da doença cardíaca congênita, inicia-se, para a mãe, a
vivência do processo de transição de saúde-doença do filho. A transição, conforme
afirma Zagonel (1999) é um processo de mudança, passagem, movimento, de um
estado, situação ou experiência para outro. Para a mãe, vivenciar esse processo de
mudança de saúde para a doença do filho é muito difícil, pois ela é influenciada por
vários estímulos, o que gera muitas dúvidas, insegurança e sentimento de
apavoramento diante da doença, a qual, na maioria das vezes, é desconhecida. Essa
fase nem sempre pode ser antecipada ou preparada, pois as mães somente
recebem o diagnóstico da doença cardíaca congênita do filho, na maioria das vezes,
após o nascimento da criança.
Os sentimentos o estímulos focais em decorrência da vivência inesperada e
são exacerbados pelo impacto da descoberta. O estímulo focal é o estímulo interno
ou externo que constitui o maior grau de mudança, gerando um forte impacto. As
mudanças positivas ou negativas no meio ambiente podem tornar-se focais,
confrontando a pessoa, necessitando de uma resposta, como enfatizam Roy e
Andrews (2001).
A capacidade da mãe em lidar com os estímulos é que irá determinar o seu nível
de adaptação, gerando respostas eficazes ou ineficazes. Para Roy e Andrews (2001),
o indivíduo tem a capacidade de se adaptar e criar mudanças no meio ambiente,
sendo esta uma função do nível de adaptação da pessoa, um ponto de mudança que
é influenciado pelas exigências da situação e os recursos internos, incluindo
capacidades, esperanças, sonhos, aspirações, motivações e tudo o que faz a pessoa
movimentar-se sempre em direção ao domínio.
Desta forma, o enfermeiro, no cuidado à mãe, deve o mais precoce possível
orientá-la, esclarecer suas dúvidas, permitir que exponha seus sentimentos e
inquietações, ajudá-la a enfrentar a situação e promover mudanças positivas no meio
ambiente de modo a apresentar respostas adaptáveis frente ao grande impacto.
Segundo Roy e Andrews (2001) as respostas adaptáveis são aquelas que promovem
a integridade da pessoa.
Chega a eu enxergar assim, que a gente faz planos pra vida da gente
e a gente que não é tão certo, quando a gente não esperava e
aquilo acontece (Margarida, 31 anos).
Pra mim passar por tudo isso foi difícil, foi muito difícil, eu tinha muito
medo, muitas dúvidas, insegurança (Rosa, 23 anos).
Deus me livre, eu quase morri, eu não esperava (Lírio, 23 anos).
Na época a gente nem tinha assim a idéia de que esse problema um
dia viesse a existir. Porque a gente nunca ouvia falar, nem tinha
noção que isso existisse. Então, pra gente que não tinha nem
experiência, era muito apavorante. Porque era um lugar pequeno,
a gente nunca tinha ouvido falar nisso (Jasmim, 43 anos).
Após o impacto da notícia inicia-se um novo desafio, que envolve o preparo da
criança para a cirurgia, a realização de exames, internações, idas e vindas que as
mães enfrentam com o filho. Algumas mães relatam que, mesmo sabendo
anteriormente sobre a necessidade da cirurgia do filho, quando foram chamadas para
a realização do procedimento cirúrgico ficaram apavoradas, com o coração apertado,
agoniadas, pois tinham sido alertadas sobre a gravidade da cirurgia cardíaca.
Daí eu tava em casa, daí me mandaram eu vir que a cirurgia tava
pronta, daí eu me apavorei, ai eu vinha chorando no ônibus, com
medo. [...] mesmo que eu tava preparada com o dia que ele ia pra
cirurgia, porque dois anos e oito meses que eu esperando essa
cirurgia, então eu já tava muito preparada, não era pra eu ficar assim,
sabe, doida, assim, pensando bastante e tal (Rosa, 23 anos).
Ai, meu coração ficou apertado e quando chamam [para a cirurgia]
não tem como falar que não vai fazer. Eu fiquei muito agoniada, sabe,
quando eu soube, eu sabia que tinha que fazer [a cirurgia] e não
chegava a hora (Lírio, 23 anos).
Porque tipo agora eu sofri mais de quando ele era pequeno, a médica
tinha falado que a Fontan era a pior cirurgia, que era correção total,
que ia ser pior do que as outras, então eu fiquei bem assustada
agora, mas na primeira, se tem que fazer, vai fazer (Girassol, 21
anos).
[...] ah, é uma sensação ruim. Na hora assim, dá muita tristeza,
medo, tudo junto. Porque a gente sabe o risco que tem [a cirurgia]
(Jasmim, 43 anos).
A Unidade de Significação O percurso desde a descoberta da doença do filho até
a hospitalização/cirurgia aponta que a convivência com a doença do filho se inicia, de
forma geral, logo após o nascimento. O percurso é árduo, pois muitas crianças são do
interior do estado e em suas cidades de origem nem sempre as condições
diagnósticas são eficazes ou resolutivas. O percurso entre o diagnóstico e o início do
tratamento exige a dedicação integral das mães ao cuidado do filho, em um
movimento de ir e vir, entre uma cirurgia e outra. De forma geral o percurso a ser
percorrido pela família inicia com a criança ainda bebê e segue durante a infância.
Eu não esperava tanto impacto, mas [...] (Margarida, 31 anos).
Porque cada vez que eu ia no médico, que eu ia no cardiologista, ele
falava que ele ia fazer cirurgia, nunca tirou a possibilidade dele
não fazer a cirurgia, sempre colocou a cirurgia em primeiro plano,
então não tinha outro jeito, eu sabia que não tinha outro jeito (Rosa,
23 anos).
[...] na minha cidade eles não acharam a doença, quem descobriu
a doença dele foi aqui, aqui que os médicos descobriram que ele
tinha sopro. Mas eles estavam tratando outra doença, eles não
sabiam. Daí que eu vim pra cá, encaminhei pra e o médico falou
que ele tinha sopro. Ele tem cinco anos e descobri a doença quando
ele era neném, com 6 meses e encaminhei ele pra . [...] daí a
gente fica triste por que tem que encaminhando, internando com
ele (Orquídea, 29 anos).
Daí ele nasceu, encaminharam ele pro XX com 5 dias, ele nasceu
com baixa glicemia, ele tinha uma diabete ao contrário, ele ficou uma
semana internado, daí fez exames, tudo, ele era roxinho, o pezinho
dele ficou roxo, a médica falou que era por causa dos exames. Daí
ele começou a consultar no XX, com a doutora XX. De começo ela
achou que era sopro, que ele tinha 8 sopros. Daí com o passar do
tempo um lado do coraçãozinho dele não desenvolveu (Girassol, 21
anos).
As mães referem que nem sempre conseguem acompanhar a evolução da
doença, pois são intercorrências que vão se sucedendo, muitas vezes com
necessidade de mais de uma intervenção cirúrgica. Aceitar a existência da doença e
que tem possibilidade de cirurgia cria uma situação a ser enfrentada pela família,
permeada de sofrimento, incerteza. Cada caso exige um tipo de tratamento, o qual
quase sempre resulta em cirurgia. Aludem às viagens, reinternações, complicações
próprias de cirurgias anteriores, como fatores de estresse emocional e físico, uma
vez que necessitam sair de seus locais de origem e vir para acompanhar o filho
durante a hospitalização.
Nesse sentido, criar um elo entre os sujeitos envolvidos, uma relação de
confiança entre família e profissionais, identificar sentimentos de insegurança, medo,
são ações de cuidado que devem ser implementadas assim que a família conhece o
diagnóstico e chega ao hospital. A rotina de trabalho no hospital necessita ser
repassada aos familiares, pois, dessa forma, poderão melhor compreender as fases
a que o filho irá passar até a ocorrência da cirurgia.
Daí loguinho que fizeram os exames e tudo e o médico bateu [o raio
x] e logo fizeram a cirurgia. Teve que fazer rápido a cirurgia. Daí
ele fez uma cirurgia aqui, ficou bem assim, daí voltou pra casa e
infeccionou, abriu sozinha e tornava a fazer outra raspagem e outra
cirurgia de volta. Daí, essa de agora é a terceira cirurgia dele, pra
corrigir ainda o defeito que ainda não tava bom, tava dando um
problema, o médico falou (Orquídea, 29 anos).
Foi muito rápido, o doutor falou que tinha que fazer uma pequena
cirurgia. O problema dela é a veia arterial solta, dai fizeram a cirurgia
para ligar a veia, mas ela ainda tem sopro. Agora tem que fazer
cirurgia pra outra coisa (Lírio, 23 anos).
O doutor é ótimo e daí, viemos pra cá, daí com vinte dias [de vida]
viemos pra cá, daí eles deram o diagnóstico, daí começou a
acompanhar, e aqui, lá e aqui, foi dois anos assim. Com quinze
dias eu vinha segurando o seio assim, porque, cheio de leite,
empedrado, como diziam, daí viemos (Amor Perfeito, 38 anos).
O conhecimento popular sobre a doença cardíaca em crianças geralmente é
associado a sopro, cianose, tosse, pneumonia, infecções freqüentes, porém, as
mães não saberiam atribuir estes sintomas a problemas graves do coração de seus
filhos. É possível apreender a perseverança presente em todos os momentos para a
investigação da doença até o diagnóstico definitivo, o que desencadeia uma
mobilização incansável das mães, que de forma geral acompanham seus filhos.
Quando ele nasceu eu não achava que ele tinha essa doença,
achava que era outro problema, problema de ar. Por que ele gritava a
noite inteira e o dia inteiro (Orquídea, 29 anos).
Ela tem cinco anos e foi descoberto três meses. Ela tava com
uma tosse e eu a levei no 24 horas, pensando que fosse ser
rapidinho. Cheguei daí a moça falou que era do coração. A moça
perguntou se nunca eu tinha levado ela no cardiologista e eu disse
que não (Lírio, 23 anos).
Ao nascer o pediatra já percebeu alterações [...] bom, quando ela
nasceu, assim, o pediatra já pegou ela e me disseram: “você
fumava?” eu falei: “não, por quê?”, eu fiz pré-natal e tudo, eu me
preparei para engravidar. Ela tava roxinha e assim, bem
pequenininha. Daí já levaram, o pediatra examinou e já viu que tinha
um problema, mas não sabia o que era (Amor Perfeito, 38 anos).
A peregrinação entre um serviço e outro em suas cidades de origem, a chegada
a Curitiba e a incerteza do que virá pela frente, ainda é uma realidade vivida pelas
famílias em busca de assistência de qualidade a seus filhos. Consideram essa fase
de diagnóstico até a realização da cirurgia uma batalha que necessita de muita luta e
perseverança. A espera é contada dia-a-dia pelas mães, são momentos de extrema
ansiedade, pois a incerteza gera insegurança, associada a todas as transformações
que vivenciam inerentes ao processo de transição de saúde-doença do filho.
[...] porque na minha região não tem cardiologista pediátrico, d
ele encaminhou nós para XX, ela tinha 15 dias quando nós fomos.
Daí eles examinaram e viram que era complicado o caso dela, daí
pediram para nós vir aqui pra outro diagnóstico, porque aqui era
referência, então o médico de conhecia o doutor XX, daí
indicou, graças a Deus (Amor Perfeito, 38 anos).
Então, daí a gente começou com a batalha com ela. Lutemo, lutemo,
muito internada nos hospital ela tava sempre. Fazia muita infecção,
lutemo e fomo indo até que conseguimo fazer a primeira cirurgia dela
(Jasmim, 43 anos).
Eu soube na hora [da cardiopatia congênita], depois que ele nasceu,
o pediatra dele escutou o coração e falou que ele tinha um sopro.
Daí fomos a XX e de lá, fomos pra XX e eles encaminharam ele pra
cá. Tivemos que ficar esperando 51 dias porque não tinha vaga. Daí
quando ele chegou aqui, quarta, internou era 10:30, 11:00 e quinze
pras cinco fez a cirurgia, no mesmo dia (Tulipa, 19 anos).
[...] daí depois de três meses ele teve uma pneumonia e foi pro
hospital, deles fizeram exame, eco-cardio, daí descobriram que
ele tinha um sopro no coração e encaminharam pra cá, desde abril
eu comecei a vir pra cá. A gente tava atrás de alguma coisa que
pudesse melhorar (Violeta, 20 anos).
Ao referirem-se sobre a cirurgia do filho é possível perceber que as mães têm
dúvidas quanto ao tipo, complicações, resultados que a mesma pode trazer. Sob sua
ótica a doença não é tão grave a ponto de necessitar uma cirurgia, pois há um tabu
em torno de cirurgia cardíaca de que a doença somente demonstra a gravidade se
necessitar de cirurgia.
Mas não era um caso grave, é um caso simples, os médicos falaram
que não iria ter problema nenhum. Iria ter se deixasse, eu não entendi
muito bem, mas ele disse que era melhor fazer o quanto antes isso [a
cirurgia] e que se não fizesse iria piorar (Lírio, 23 anos).
Ele fez um cateterismo também, né, pra primeira [cirurgia]. Daí agora
em outubro ele fez um CAT cirúrgico, nunca tinha ouvido falar nisso,
eles abriram os dois lados do pescoço, pra tentar pôr uma veia pelo
cateterismo, pra ver se não precisava fazer o Fontan. Mas não deu
certo, demorou 5 horas essa cirurgia e eu tive que esperar (Girassol,
21 anos).
Ficou evidente a ansiedade vivida pelas mães enquanto a cirurgia cardíaca do
filho era realizada. A expectativa da cirurgia, o nervosismo, o desespero e o medo por
não saber se o filho sairia vivo da sala cirúrgica, fazem com que as mães sintam-se
apavoradas e tenham diferentes reações, como crises de choro. A ansiedade e o
medo de perder o filho são aliviados pela fé.
E daquilo a gente imaginava que ele ia morrer [durante a cirurgia] que
podia acontecer alguma coisa e daí s chorava, nós desesperava e
apavorava e dai chegou uma irmã e levou nós lá pra capela e daí ela
disse pra nós que ia rezar um terço (Rosa, 23 anos).
Fez e no primeiro dia eu fiquei na expectativa, não sai, não sai (Lírio,
23 anos).
Não consigo fazer nada, fiquei muito nervosa [na espera durante a
cirurgia do filho]. Preocupada, pra uma mãe, o medo de perder um
filho é super complicado (Violeta, 20 anos).
Após a cirurgia e alta hospitalar, muitas mães continuam trazendo seus filhos
para o acompanhamento de rotina no hospital e algumas, na mesma internação,
acompanham seus filhos em mais de uma cirurgia, às vezes realizada de
emergência.
Daí, até hoje a gente acompanha aqui, com o doutor XX. No começo
era todo mês, depois a cada 3 meses, depois a cada 6 meses, às
vezes nós viemos mais rapidinho, mas sempre aqui no hospital,
desde que ela nasceu (Amor Perfeito, 38 anos).
[...] daí foi feito o Glenn, pra desviar a veia do meio, pro pulo.
Nesse período ele fez [a cirurgia] na sexta, ficou sábado e domingo
na UTI, na segunda cheguei pra visitar eles estavam levando ele
fazer uma bandagem, porque ele tinha inchado demais e tinha que
fazer uma bandagem porque a veia tinha aberto e tava indo muito
sangue pro pulmão dele (Girassol, 21 anos).
Daí quando ela fez a cirurgia ela ficou dois meses internada aqui.
Um mês e sete dias ela passou na UTI e depois ela foi pra
recuperação na enfermaria e depois ela foi embora (Jasmim, 43
anos).
Além do estresse emocional e físico, a preocupação com a questão financeira
gerada após a descoberta da doença cardíaca do filho também produz ansiedade e,
muitas vezes, desespero nas mães, pois é um gasto não previsto e de forma geral as
famílias não têm como arcar com os custos da cirurgia. A adaptação diante das
transições que vivenciam é difícil, pois passam pela transição de saúde-doença, a
qual exige a hospitalização e cirurgia (transição situacional), acrescida da transição
própria da infância (transição desenvolvimental).
As questões financeiras são aspectos importantes a serem considerados, para
poder enfrentar o tratamento dispendioso e prolongado que a doença cardíaca
acarreta. As famílias, em geral, vêm do interior do Estado, com poucos recursos
financeiros. Permanecer fora de casa e por período longo induz a gastos não
programados. Encontram no Sistema Único de Saúde uma alternativa para aliviar o
sofrimento do filho e prosseguir no tratamento necessário.
Por que a recuperação dele é demorada, pra gente se manter aqui, a
gente não se preparou, a gente não tinha nada programado. Então vir
pra cá, a gente não esperava o frio, viemos meio desagasalhados,
essas coisas assim (Margarida, 31 anos).
[...] e nós tratava no particular, daí eu fiquei apavorada, porque
falaram pra mim que era 10.000,00 reais a cirurgia e nós ficava
louco, desesperados. Daí foi que conseguimos prá cá, né, pelo SUS.
Daí tinha duas vagas, uma aqui e uma em outro Estado, daí o doutor
falou: “o melhor hospital é o daqui, depende da senhora, a senhora
que sabe, daí eu falei, então tudo bem (Rosa, 23 anos).
Nós não sabia se tava preparado assim, pra situação financeira, de
vim correndo ou não, então eu vivia naquele medo com ele em
casa, não sabia se eu podia vim, como é que eu ia ter que fazer se
ele passava mal, eu ficava desesperada (Rosa, 23 anos).
A Unidade de Significação A expectativa futura sobre a recuperação do filho e
sentimentos vivenciados pela mãe após a cirurgia demonstra a esperança que as
mães depositam no ato cirúrgico, apesar de serem alertadas sobre possíveis novos
procedimentos. Necessitar de transplante torna-se mais um desafio a ser enfrentado,
pois gera insegurança, temor pela complexidade que este procedimento impõe. O
transplante reveste-se de esperança para as mães, mesmo que o tempo de espera
seja longo. A expectativa de cura supera as incertezas e as mães buscam forças
para enfrentar e se adaptar a essa nova situação que se delineia.
[...] mas, eu tive esperança [após a cirurgia]. Fiquei na esperança que
o quadro se revertesse, que um milagre acontecesse, por que eles
não deram certeza nenhuma que ele iria sarar (Margarida, 31 anos).
Mas daí tô satisfeita que ela está bem, meu Deus (Lírio, 23 anos).
Daí ele ficou mais ou menos um mês na UTI, daí a médica falou que
a última cirurgia que tinha pra fazer era Fontan e que se ele fizesse
antes de 2 anos ele não ia sair, daí agora que ele fez a Fontan e
como pode nunca precisar, ele pode precisar do transplante,
torcendo pra não precisar (Girassol, 21 anos).
E daí pra frente ela ficou acompanhada lá, no cardiologista dela. E
não teve mais problema nenhum e tava tudo bem. Só que daí agora,
um ano, o cardiologista dela percebeu que tava dando, ele falou
assim que o sangue não tava bombando direito, que tava voltando e
daí ela começou com falta de ar, daí dava uma dor no peito. Daí o
médico falou que não era mais pra ela fazer exercícios, fazer
brincadeiras, tudo isso ele pediu pra não deixar muito ela fazer. Daí,
começamos a vir pra pra fazer a nova cirurgia dela (Jasmim, 43
anos).
Os tipos de cirurgia para correção do defeito cardíaco são vários, dependendo
de cada caso, porém, a cirurgia de transplante cardíaco é a que mais medo e
ansiedade causam nas mães.
É bom ouvir isso [que o transplante será a solução], a gente tem
consciência disso, mas é difícil, é bem difícil. Eu não sei como vou ter
que ficar aqui ainda. Ela vai ter que esperar um coração, então agora
eu vou ter que me trabalhar porque ela precisa de mim (Amor
Perfeito, 38 anos).
Eu não esperava que ele fosse tipo, nunca esperava [o transplante].
Esperava cirurgia e tudo, mas nunca esperava ouvir que um dia ele
fosse precisar de transplante, a médica falou que ele pode precisar
dentro de um ano e pode nunca precisar. Então, vou ficar o resto da
vida praticamente com isso, vai me acompanhar pra sempre. Espero,
orando muito pra que não precise, mas é uma coisa que eu não
consigo tirar da cabeça, como que eu vou tirar da cabeça uma coisa
que uma médica me falou (Girassol, 21 anos).
Os sentimentos que as mães expressam depois da realização da cirurgia para a
correção do problema cardíaco do filho são de alívio e satisfação por ter alcançado
sucesso e poder levar o filho de volta para casa. Ver o filho retornando da cirurgia é
referido pelas mães como algo maravilhoso, uma luz, felicidade, tranqüilidade,
mesmo que estivesse ligado aos aparatos tecnológicos exigidos para a recuperação
pós-operatória. O filho vivo supera o medo sentido antes da cirurgia, assim como se
sentem seguras pelo cuidado profissional dispensado na UTI.
As mães encontram aconchego e alívio de suas tensões no ambiente de
descanso do Programa Família Participante, programa de apoio às famílias
disponível no hospital de estudo, local onde muitas mães se reúnem, conversam,
trocam experiências, choram, se distraem com a televisão, podem dormir.
Daí passou, daqui a pouquinho daí ele saiu [do centro cirúrgico], ai foi
tão lindo, nossa, foi maravilhoso, tipo ele tava entubado, assim, com
um monte de aparelhos, mas de você saber que ele tava vivo,
parecia que era uma luz enorme, uma coisa maravilhosa que tinha
acontecido, nossa foi a mesma coisa de eu ter ganhado ele duas
vezes, porque quando eu ganhei ele a coisa que eu mais queria era
um molequinho e agora quando eu vi ele saindo dali vivo, ai foi muito
lindo (Rosa, 23 anos).
Daí eu vi ele, a noite, na UTI, todo cheio daquelas coisas, assim, tão
horroroso, entubado, assim, tudo coisado, amarelo, amarelo,
amarelo, pálido, daí eu comecei a chorar, não agüentei daí eu
comecei a chorar, daí eu fui lá na Família Participante (Rosa, 23
anos).
E agora fizemos a cirurgia, aí a gente até nem esperou que fosse ela
se recuperar tão rápido. toda recuperada, que não tem coisa
melhor. A gente enfrentar tudo isso ali e ter um resultado bom
(Jasmim, 43 anos).
As mães que acompanham o filho durante toda a trajetória de adoecimento,
hospitalização e cirurgia verbalizam a satisfação sentida ao ver a recuperação.
Sentem-se calmas, mais seguras, confortadas, principalmente por poder contar com o
Programa Família Participante, pois podem permanecer em tempo integral ao lado do
filho, acompanhar cada ação desempenhada para o seu restabelecimento, além de
compartilhar as experiências com outras mães na mesma situação. As mães são
presença e tornam-se presentes ao lado do filho na vivência única e existencial de
tamanha transição.
Mas, eu queria que operasse de uma vez, já chegou e fez, agora
bem, ela brincando. E foi aquele alívio. Agora parece que saiu
tudo, aliviada, por que ela fez, tranqüila, muito aliviada,
parece que saiu uma carga da gente (Lírio, 23 anos).
[...] ai isso é muito bom [Programa Família Participante]. Eu achei
tudo muito maravilhoso. É bom pras mãe, porque se as mãe tivessem
que sair daqui pra ir correndo atrás do alimento, atrás disso, não dava
tempo pra cuidar direito do filho, sabe. Então, isso é uma coisa muito
boa que aconteceu. Eu acho assim que o governo tudo que faz isso,
deve continuar sempre assim cuidando dessas crianças, porque eles
precisam disso (Jasmim, 43 anos).
Agora eu feliz, porque graças a Deus deu tudo certo. Meu filho
ali, agora eu vou entrar pra ver ele, por enquanto eu tranqüila.
vou ver depois que eu entrar na sala e me deparar com a situação
(Violeta, 20 anos).
É importante ressaltar, ao finalizar a análise da Unidade de Contexto que trata
do impacto da descoberta da doença do filho: o estímulo focal e expectativa
futura, que esta, está em íntima relação ao estímulo contextual tratado a seguir.
Durante todo o processo de diagnóstico e espera para a realização da cirurgia,
as mães, em sua interioridade, expressam sentimentos que permeiam o limiar tênue
entre sofrimento e prazer. Em todos os depoimentos é possível perceber que
encontram alento no seu interior, mas também nos meios externos, seja por meio da
equipe que cuida, pela possibilidade de contar com algum familiar por perto ou
mesmo no convívio com outras mães que vivenciam o mesmo problema.
Nesse sentido é que percebo que a e migra do estímulo focal (respostas
adaptativas ou ineficazes ao estímulo que está recebendo) para o estímulo contextual
(condições, circunstâncias ou influências que existem no contexto do estímulo focal)
quase que de forma simultânea, em um movimento de encontrar a melhor solução e
poder adaptar-se ao severo estímulo a que está passando.
Ao aliar as formas de encontrar o equilíbrio, de se restabelecer, consegue um
comportamento adaptativo, de alívio para a dor que o sofrimento da transição de
saúde-doença do filho lhe causa. Essa compreensão é importante para situar a
próxima Unidade de Contexto, tendo em mente que os estímulos focais e contextuais
juntam-se para criar o nível de adaptação da pessoa.
A Unidade de Contexto A GRAVIDEZ E NASCIMENTO: ASSOCIAÇÃO À
CARDIOPATIA CONGÊNITA: ESTÍMULO CONTEXTUAL e a Unidade de
Significação A evolução da gestação como contributiva à doença cardíaca congênita
do filho demonstram, pelos depoimentos das es, que atribuem à gestação a
ocorrência da doença do filho. É possível perceber que procuram justificativa para tal
fato, uma vez que se torna difícil assumir-se como co-participante desse
acontecimento.
Associar à gravidez a ocorrência da doença cardíaca congênita do filho é uma
das reações observadas nas mães, pois buscam uma resposta para tal fato. A
doença é carregada de simbolismos, de incertezas, pressentimentos, mitos, uma vez
que consideram ser possível ter gerado o filho com doença cardíaca pelo nervosismo
que passaram durante a gestação, medo, uso de medicações por necessidade de
tratar infecção na gravidez, ameaça de abortamento. Dessa forma, conforme afirmam
Fortes e Lopes (2006, p.66), “a mãe pode vir a desenvolver, por carência de
informação, um forte sentimento de culpa ou negação”, sendo uma resposta ineficaz
da mãe frente à notícia de doença cardíaca congênita do filho.
Assim, o enfermeiro deve orientar a mãe precocemente, desde o período pré-
natal, de forma a esclarecer suas dúvidas e prepará-la para o enfrentamento e
adaptação que venham a ser necessários após o nascimento do filho com cardiopatia
congênita. Quando o diagnóstico for realizado somente após o parto, também cabe
ao enfermeiro a orientação da mãe visando conduzi-la à adaptação à sua nova
condição de vida, favorecendo para o desenvolvimento de respostas eficazes.
Com dois meses de grávida eu tive um processo de aborto dele [...].
Eu percebi que eu tive uma gestação que eu vi que era diferente,
com tanta dor, eu fiz repouso, então eu cuidei da alimentação, me
alimentei mais com fruta, essas coisas. Aí aconteceu tudo isso lá com
ele (Margarida, 31 anos).
Tem dia que eu acho que esses problemas [a doença do filho] é de
nervo também. [...] quando a mãe tem problema de nervo, a criança
nasce com problema. Eu acho que foi isso por que nós não temos
problema de coração, minha família não tem. Éda família dele que
tem esses problemas (Orquídea, 29 anos).
Na Unidade de Significação Esperando um filho normal: em busca de uma
explicação percebo que ainda inserido no cotidiano das mães possíveis
atribuições imaginárias para encontrar um fator que alivie o motivo do filho ser
doente. A culpa pela geração do filho doente necessita ser trabalhada por meio de
orientações durante o período de pré-natal, esclarecendo dúvidas, controlando as
intercorrências, para aliviar a tensão ainda na fase gestacional, sempre que possível.
A explicação que encontram não atende aos seus anseios e desejos de ter um
filho sem problemas de saúde. Referem a revolta consigo e com o mundo, se
questionam porque elas e não outras es. Ao mesmo tempo, aparece o cansaço de
lutar e encontrar forças para superar tamanhas modificações em seu viver. Referem
que se cuidavam evitando caminhadas, sol, trabalho.
Os depoimentos salientam a falta de conhecimento sobre a causa da doença do
filho, consideram decorrente da gestação, ou ainda a deficiências tecnológicas na
atenção pré-natal para detectar pela ecografia a doença cardíaca.
É visível o estímulo contextual, em que as mães encontram as respostas em
possíveis fatores contributivos, internos e externos à ocorrência da doença do filho.
De acordo com Roy e Andrews (2001) são considerados como estímulos contextuais
todos os outros estímulos presentes na situação que contribuem para o efeito do
estímulo focal. São todos os outros estímulos ambientais que se apresentam à
pessoa, mas que não são o centro da sua atenção. Esses fatores vão influenciar o
modo de como a pessoa lida com o estímulo focal. Os estímulos contextuais estão
igualmente dentro ou fora da pessoa e podem ser fatores positivos ou negativos.
Eu esperava que ele iria nascer sadio e já nasceu com doença
(Orquídea, 29 anos).
[...] na verdade, eu sempre falava assim pra minha mãe, não sei esse
negócio de mãe, pressente alguma coisa, mas eu dizia que tinha
medo, parecia que a criança ia nascer com algum problema eu dizia,
sentia, umas duas ou três vezes eu falei pra minha mãe, sempre
comento isso (Amor Perfeito, 38 anos).
Como eu penso bastante, tem horas também que eu me revoltei
bastante, sabe? Que eu fiz assim e briguei com o mundo, por que
isso? Porque eu tô cansada, teve momentos que eu fiquei assim,
sabe. Porque eu cansada, porque eu tenho que passar por isso?
Aquelas interrogações, sabe, que vem na cabeça da gente o tempo
todo (Amor Perfeito, 38 anos).
Porque se for ver, eu engravidei dele foi por um acaso, muito acaso
mesmo, porque eu tomava anticoncepcional fazia três anos já, eu tive
uma infecção muito forte e tomei por muito tempo antibiótico, que
acabou cortando o efeito do anticoncepcional, que o médico não
tinha me avisado, foi onde eu engravidei dele. Eu até fiquei com
medo quando ele nasceu com esse problema, que podia ter sido [...],
mas daí o médico disse que não, que é doença dele mesmo, não
teve nada, tipo, não é hereditário, nada, não tem uma causa
(Girassol, 21 anos).
Eu esperava um filho normal. Durante minha gravidez meu marido
não deixava eu trabalhar, cuidava da casa, não ia pro sol, não
caminhava muito e ele nasceu assim (Tulipa, 19 anos).
As respostas de quem está passando pela transição são variadas, incluindo
aspectos internos e externos que circundam o momento vivenciado (ZAGONEL,
1999).
Ao analisar o estímulo contextual diante da doença cardíaca do filho pela mãe,
percebo como as respostas de cada sujeito envolvido são diferenciadas diante do
mesmo evento. Cada mãe, ao seu modo, busca uma explicação para a ocorrência da
doença no filho, colocando-se como responsável por não ter gerado um filho
saudável. É neste ponto que ressalto a importância de conhecer o processo de
transição a que a mãe está passando, para que o enfermeiro possa, de forma
efetiva, intervir, auxiliar por meio do cuidado transicional, cuidado que compreende e
explora os aspectos positivos e negativos da situação. O cuidado transicional
considera os estímulos a que a e está exposta e busca formas de amenizar,
facilitando o resultado com comportamentos adaptativos e efetivos.
O enfermeiro, ao conhecer este processo em profundidade, consegue melhor
compreender a mãe em suas ações e reações para superar a transição. Cuidando
com este olhar, o resultado será de fortalecimento do ser-mãe, sujeito da ação de
cuidar diante da doença cardíaca do filho.
Neste sentido, saliento o que Maas e Zagonel (2005, p.73) explicitam:
[...] para cuidar, o enfermeiro necessita muito mais que a técnica,
necessita de sensibilidade, ultrapassar barreiras pessoais e
profissionais diante da situação imposta no cotidiano, incorporar
conceitos de transição, desenvolver habilidades relacionais,
aprofundar conhecimentos de comunicação e principalmente, estar
aberto às mudanças que seu próprio ser passa ao lidar com a
transição do outro.
As Unidades de Contexto a seguir abordarão os quatro modos adaptativos
vivenciados pela mãe durante a vivência da transição de saúde-doença cardíaca do
filho.
A Unidade de Contexto MODO FISIOLÓGICO: ALTERAÇÕES QUE A
VIVÊNCIA DA DOENÇA DO FILHO SUSCITA NA MÃE e a Unidade de Significação
Alterações fisiológicas que a doença e hospitalização do filho acarretam à mãe
demonstram que as mães apresentam várias respostas ineficazes durante a vivência
da doença do filho. Para Roy e Andrews (2001) as respostas ineficazes são aquelas
que não promovem a integridade da pessoa.
Uma das alterações físicas que as mães sofrem durante a vivência da doença
cardíaca do filho está relacionada à nutrição, o que pôde ser percebido pelas falas
em que as mães afirmam terem ficado dias sem se alimentar em função do cuidado
ao filho hospitalizado. A sua presença junto ao filho é considerada indispensável e
deve ser constante pela fragilidade do filho ou mesmo pelo apego da criança
hospitalizada. Estar presente e ser presença junto ao filho são formas de cuidado
para amenizar a dor e sofrimento que a doença, hospitalização e formas de
tratamento instituídas exigem.
Conforme afirmam Martínez et al (2007, p.57), “[...] para as mães, na sua
presença, seus filhos se sentem mais protegidos, seguros, confiantes e recebendo
carinho”. É interessante observar que as mães sentem-se seguras ao permanecer
em tempo integral ao lado do filho, para acompanhar a evolução ou qualquer
alteração que possa ocorrer, porém, relatam o alívio físico sentido ao deixar por
instantes o ambiente de UTI. O ambiente de UTI é estressante para o paciente e
para os acompanhantes, uma vez que demanda cuidado intensivo, com inúmeros
procedimentos invasivos, para os quais, nem sempre os pais estão preparados.
Com a hospitalização do filho a mãe apresenta problemas emocionais advindos
do próprio ambiente e sua dinâmica de trabalho, ligados ao fato de ter que conviver
com a doença do filho. O ambiente hospitalar é desencadeador de sofrimento para a
mãe e acompanhar o filho internado na UTI torna-se, muitas vezes, um sofrimento
ainda maior, por ser um ambiente ameaçador. Conforme afirmam Maruiti e Galdeano
(2006, p.38), “a estrutura física da UTI, associada às condições dos pacientes,
normalmente críticas e a intensa atividade da equipe de saúde, fazem com que
muitas pessoas considerem essa unidade um ambiente hostil”. Daí o grande dilema
vivido pelas es, no qual elas sempre optam por abrir mão de seu bem-estar e
conforto em favor do cuidado ao filho hospitalizado.
Pelas próprias características da doença cardíaca, a mãe procura poupar o filho
de qualquer esforço, assim permanece ao seu lado, mesmo em prejuízo do
atendimento de suas necessidades fisiológicas, como a nutrição. Para Roy e
Andrews (2001, p.103), a nutrição “relaciona-se com uma série de processos através
dos quais a pessoa ingere e assimila o alimento necessário para a manutenção do
funcionamento orgânico, promoção do crescimento e substituição dos tecidos
danificados”.
Às vezes sede, eu nem saio pra tomar água, porque não quero
sair de [da UTI]. Às vezes eu saio [...] muda tudo, faz assim oh,
um giro (Amor Perfeito, 38 anos).
Eu fiquei três dias sem almoçar quando ele saiu da UTI, porque ele
não ficava com ninguém. Eu ia até ali e a enfermeira ia correndo
gritando atrás de mim. Ele fica roxo agora, então, a gente tem medo
de ele chorar. É difícil pra mim sair daqui, não viu agora. Só de deixar
ele ali ele já veio chorando atrás (Girassol, 21 anos).
As mães relatam que se sentem culpadas em comer enquanto o filho está
impedido ou mesmo em jejum. Essa culpa gera angústia, sentimento que provoca
sintomas físicos, como mal-estar após a alimentação, falta de apetite. Preferem os
alimentos que os filhos não gostam para comer, denotando diminuir sua culpa. O
enfermeiro precisa dialogar com as mães, permitir que expressem seus sentimentos e
angústias e orientar quanto à necessidade da alimentação, permitir e incentivar que
saiam do ambiente, nem que seja por pequenos intervalos.
Eu me alimentei bem hoje, ontem eu não pude, porque ele tava de
jejum, como que eu ia comer e ele vendo. Não ia ter como. E ele tava
enjoado, não podia deixar ele sozinho, como eu ia descer pra comer.
Então, eu tive que ficar apoiando ele, porque eu também não ia ter
coragem de deixar ele chorando, com fome, pra eu ir comer, não ia
conseguir (Rosa, 23 anos).
Eu dou comida pra ela, deixo ela alimentada, no primeiro dia que
ela teve que ficar em jejum, que ela me falava que estava com fome,
então eu também não comi. Mas agora, está comendo. Eu tiro
um tempinho quando sei que tem alguém ali, que cuidam bem dela.
Eu tiro um tempo bem pequeno pra comer (Lírio, 23 anos).
[...] eu vou chorar agora [...] quando eu vou comer, eu me lembro
dela. Mas, eu preciso comer, daí eu como uma fruta. Se for uma
coisa que ela não gosta eu como. Me sinto mal em comer (Amor
Perfeito, 38 anos).
Porque ela não consegue comer, sabe. Esses dias eu fui comer um
macarrão que ela gosta, que ela ama, comi, assim, mas comi e, meu
Deus, me fez um mal, porque eu sabia que ela gosta. Ela o pode
comer, nem água, ela não pode tomar nada (Amor Perfeito, 38 anos).
Outros aspectos que interferem para que as mães tenham uma nutrição
adequada durante a hospitalização do filho incluem a ansiedade, nervosismo e
tristeza diante do diagnóstico da doença cardíaca do filho, da própria hospitalização,
da cirurgia cardíaca e da internação na UTI, o que as impede de pensar nas suas
necessidades e de cuidarem de si.
A humanização do cuidado inclui permitir a presença dos pais durante todo o
período de hospitalização, porém, percebe-se que o foco da atenção permanece no
paciente. Os familiares compartilham do sofrimento, por isso o enfermeiro deve cuidar
também da família.
Nesse estudo, as mães necessitam de um olhar diferenciado, pois as emoções e
sentimentos são visíveis pelo choro, preocupações expressas por perguntas,
exteriorização da ansiedade, raiva. Porém, os cuidados consigo mesma, nem sempre
são percebidos.
Ao conversar com as mães apreendi quais as suas necessidades durante o
acompanhamento do filho diante da hospitalização. São necessidades básicas, que
não são atendidas, não são priorizadas. A nutrição é um dos aspectos afetados em
que mãe e filho tornam-se uma simbiose, um só, se um não pode alimentar-se, o outro
também não pode. Este aspecto, com forte ligação ao sentimento materno, expressa o
assumir o lugar do outro, vivenciar o que o outro sente, colocar-se junto, é ser
presente e presença.
Roy e Andrews (2001) salientam que o modelo de adaptação a pessoa como
um sistema holístico e adaptável. A mãe vê-se diante de imensos estímulos (focais e
contextuais) para alcançar respostas adaptáveis pelos modos de adaptação, entre os
quais, o fisiológico. Nesse sentido, é necessário observar todo tipo de resposta da
mãe frente aos estímulos a que está passando, para que o enfermeiro possa avaliar o
comportamento de resposta, as ações e reações sob circunstâncias específicas.
Contar com a mãe no acompanhamento do filho impõe um novo modo de cuidar,
pois a mãe, nesse caso, também se torna paciente, com necessidades que precisam
ser observadas, avaliadas e solucionadas para que de forma íntegra possa
acompanhar o tratamento do filho até o final.
[...] daí quando começou a rezar o terço, daí eu não agüentei daí eu
comecei a pensar nele e minha pressão baixou, daí eu acabei
desmaiando, porque eu não agüentei, porque eu ficava pensando
nele e eu também nem tava se alimentando. Porque apavorada,
vendo ele. Daí na hora que chegou na capela, daí eu peguei e não
agüentei, no meio do terço daí eu desmaiei. Daí depois ela me
abanou, me deu um tomate com sal, daí eu comi, daí eu melhorei
(Rosa, 23 anos).
[...] ah no começo eu nem comer não comia, ficava triste direto.
Comer, eu como agora, vou no banheiro tomar banho (Orquídea, 29
anos).
comendo mais ou menos, tem horas que a comida tranca na
garganta. Nervoso demais, fico muito nervosa e não consigo comer
(Tulipa, 19 anos).
Mas agora eu na luta pra acabar com isso. Hoje, ver ele na UTI foi
um dia que eu não consegui fazer nada, não como, não durmo,
porque eu não consigo (Violeta, 20 anos).
Ainda,
revelam que o impacto da descoberta da doença cardíaca do filho, a
ansiedade e o nervosismo com a cirurgia e depois os primeiros dias de cuidado com
o filho hospitalizado no pós-operatório impedem as mães de descansar, de relaxar
para renovar as suas forças. A preocupação com o filho é tão grande que elas não
conseguem dar-se conta do próprio cansaço físico. A dedicação intensiva impede
que as mães tenham uma noite repousante, pois ficam ao lado do filho
acompanhando cada procedimento, cada reação.
O padrão do sono é avaliado pelo relato do tempo que as mães levam para
adormecer, falta de descanso durante o sono, acordar cedo, número de vezes que
acordam durante a noite. Conforme acentuam Roy e Andrews (2001), as
características de uma perturbação do padrão de sono incluem redução no
desempenho do seu papel, aumento de irritabilidade, falta de descanso,
desorientação, desatenção. Explicitam ainda, que a privação de sono provoca
alterações nas funções cerebrais e alterações nos processos bioquímicos do corpo,
com incapacidade de concentrar-se. Recomenda-se o repouso noturno na cama,
pois age como terapêutica na medida em que o repouso fornece um período de
recuperação e reparo.
O sono das mães é perturbado pelo estresse sico, pela inatividade, mudança
de responsabilidades e falta de privacidade, pois permanecem no mesmo local
durante longos períodos de tempo em um ambiente que não é familiar. Na UTI são
fatores perturbadores, o barulho dos aparelhos, luzes, movimentação das pessoas,
procedimentos complexos que as mães presenciam, afetando profundamente o sono
e repouso. Os pequenos intervalos de repouso citados pelas mães, não são
satisfatórios, pois falta o sono profundo.
Quando ele dorme, eu vou descansar. Ontem eu dormi bem, ele
tava entubado. Daí outro dia ele tava chorando demais, eles me
chamaram pra ficar ali com ele. A hora que ele dorme eu
descansar um pouco e quando ele chora eu volto ali de novo
(Orquídea, 29 anos).
no começo que eu não dormia bem. No começo eu tava bem
assim, cansada. Dormia lá pelas 3 horas da manhã e lá pelas cinco já
tava acordada, preocupada, nervosa, chorava bastante ris, 42
anos).
É, faz tempo que eu não durmo muito bem [...]. Sabe, quando eu
conseguia dormir, eu acordava e eu tava na UTI, sabe. Assim, com
tudo o que ela tinha, eu ficava ansiosa, quando eu conseguia me
acordar bem, eu olhava pro quarto, eu me sentia internada com ela
(Amor Perfeito, 38 anos).
O enfermeiro deve orientar as mães a desenvolverem hábitos de descanso e
sono, pois têm uma necessidade crescente de repouso com os dias de
hospitalização. O sono auxilia na recuperação, reparo, renovação das energias e
eficácia do processo de vida. A equipe de enfermagem deve estar alerta sobre as
condições ambientais, orientando sobre a necessidade da mãe de ausentar-se por
períodos, mesmo que curtos, pois o ambiente afeta o repouso e sono. Encorajar a
passeios diários, alívio do estresse psicológico, estruturação do horário de sono,
estruturação do ambiente de repouso, fornecimento de conforto físico são formas de
auxiliar as mães para melhorar o padrão de sono e repouso. Discutir ou oportunizar a
exteriorização de sentimentos de medo, ansiedade, frustração, impotência também
são formas de ajudar a mãe neste sentido.
Meu sono tá difícil, porque eu não consigo dormir. Daí meia noite vem
o remédio dele, eu durmo por uma hora, quando é 5:30, 6:00h [da
manhã] vem trazer o remédio de novo, ele acorda, fica o dia
inteiro assim, vai dormir por 8:30, 9:00h, eu não consigo dormir.
Eu não vou lá na salinha [Família Participante], eu fico aqui porque eu
tenho medo dele cair, ele é terrível. Tenho medo de ele acordar. Meu
sono tá prejudicado, umas olheiras (Girassol, 21 anos).
É difícil pra mim sair, né. Cada pouquinho eu fico pensando, será que
ele chorando, o que é que estão fazendo com ele, essas coisas e
eu tenho pressa pra voltar. Eu saio um pouquinho e quero
voltar, pra ver como ele tá. Fica difícil, mas eu tenho que largar de
vez em quando (Tulipa, 19 anos).
Quando ele tava internado na UTI eu não dormia muito bem não,
porque eu ficava pensando como ele tava, coisa assim. Ficava
nervosa, é um pouco difícil para mim sair para cuidar de mim, sinto
uma angústia de saber o que acontecendo com ele, quero voltar
logo (Tulipa, 19 anos).
Meu sono, eu não consigo dormir, porque eu acho que é o
nervosismo, né. E ai eu fico nervosa e não consigo dormir (Violeta, 20
anos).
Somente após alguns dias de pós-operatório é que se nota que as mães
começam a atingir um nível mais satisfatório de adaptação, conseguindo deixar o filho
sob os cuidados da equipe de enfermagem e descansar, isto porque, com o passar do
tempo acompanhando o filho hospitalizado, as mães aceitam melhor a condição do
filho, passam a conhecer e se adaptar à rotina da instituição e a confiar na equipe de
enfermagem que cuida do seu filho.
E depois eu fui, dormi, depois que eu vi ele entubado, fui, descansei,
dormi (Rosa, 23 anos).
Bem, me sinto mais aliviada agora, por que as moças cuidam bem
aqui (Lírio, 23 anos).
Mas depois, com o tempo foi acalmando, foi estabilizando, mas tem
hora que não dá. Que nem quando ela dá essas crises [...] de
hipertensão pulmonar (Íris, 42 anos).
[...] eu o tinha problemas em sair da UTI, porque eu sabia que ela
tava bem cuidada lá dentro, sabe? Porque a gente via como é que
eles cuidavam, então eu achei tudo muito bom, porque o que elas
podiam fazer elas faziam. Porque se eu tava ali ou se eu saía, o
cuidado era o mesmo. Não ia ter diferença, então eu saia, ia dormir
(Jasmim, 43 anos).
Ao analisar o modo fisiológico afetado como parte dos mecanismos de
enfrentamento ou modos adaptativos da mãe, diante dos estímulos recebidos, é
possível perceber que um estímulo pode causar comportamentos em mais de um
modo adaptativo, denotando ser o funcionamento humano holístico com inter-relação
dos modos de adaptação.
Assim que o enfermeiro tenha avaliado o comportamento da mãe e os estímulos
que influenciam este comportamento, é possível formular as ações de cuidado, ou
seja, traçar intervenções para manter ou aumentar o comportamento adaptável e
modificar o comportamento ineficaz. O comportamento da mãe constitui o ponto
central para o agir profissional do enfermeiro. O estabelecimento de um objetivo de
intervenção designa não apenas o comportamento a ser observado, mas a forma
como o comportamento mudará. Uma vez estabelecidos os objetivos relacionados ao
comportamento que irão promover a adaptação, o enfermeiro deverá determinar como
intervir para auxiliar a mãe a atingir estes objetivos.
Cabe ao enfermeiro gerenciar estímulos, o que envolve alterar, aumentar,
diminuir, remover ou mantê-los. Alterar os estímulos aumenta a capacidade dos
mecanismos de enfrentamento das mães responderem positivamente e o resultado é
o comportamento adaptável.
A Unidade de Contexto PERCEPÇÕES DA MÃE SOBRE O AUTOCONCEITO:
MUDANÇAS QUE A DOENÇA DO FILHO IMPÕE e a Unidade de Significação A
dedicação ao cuidado do filho hospitalizado supera o cuidado ao eu físico da mãe,
demonstram como as mães deixam de cuidar da própria aparência, o que fica
evidenciado pela alteração da sua auto-estima, quando relataram que enquanto
estão com seu filho no hospital não cuidam muito da aparência, da beleza física,
fazendo somente o básico, como o banho. Notou-se que, com a hospitalização do
filho, as mães sentem-se envolvidas no cuidado e referem não ter tempo para
cuidarem de sua vaidade, dedicando todo o seu tempo para o cuidado com o filho, o
que também é uma resposta ineficaz da mãe.
O modo de autoconceito centra-se especificamente nos aspectos espirituais,
sociais, fisiológicos e psicológicos da pessoa, o qual se subdivide em eu físico e eu
pessoal. O eu físico inclui dois componentes: a sensação corporal e imagem
corporal. A imagem corporal inclui a avaliação do seu próprio eu físico, atributos
físicos, funcionamento, sexualidade, estados de saúde-doença e aparência (como a
pessoa a si própria). A sensação corporal aplica-se à capacidade para se sentir e
experimentar a si próprio como ser físico (como a pessoa se sente). O eu pessoal é a
avaliação da pessoa das suas próprias características, expectativas, valores e será
abordado na próxima Unidade de Significação.
O autoconceito é composto de crenças e sentimentos que uma pessoa tem
sobre si próprio numa determinada situação, formados a partir das percepções
internas e das reações dos outros, como referem Roy e Andrews (2001).
Eu cuido bastante dele [do filho], mas de mim eu cuidando bem
pouco (Rosa, 23 anos).
Ah, mudei um pouquinho, acho que eu não ligo muito pra aparência,
por enquanto. O importante pra mim é cuidar dela, mas da aparência
eu não cuido muito não (Íris, 42 anos).
Mas assim, vontade de sair, de me arrumar, de cuidar do cabelo,
depende de como ela tá. Se ela tiver bem, eu tô bem, se ela não tiver
bem, eu fico balançada (Amor Perfeito, 38 anos).
[...] mudou completamente, isso mudou, tudo. Depois que o neném
ficou aqui nem pentear o cabelo a gente penteia como antes. Porque
fica mais tempo com ele. Em casa, o banheiro é dentro de casa,
pertinho, daí, ia no banheiro e penteava o cabelo, aqui não (Tulipa,
19 anos).
certo, que quando a gente tem um filho é fácil a gente fazer essas
coisas, mas quando a gente tem um filho com esse problema, fica
mais complicado, não tem como, assim, o principal, o banho,
(Violeta, 20 anos).
A dificuldade que as mães apresentam para cuidar da sua própria aparência,
de seu eu físico, são expressas pelo descuidado de si para poderem se dedicar ao
máximo ao cuidado do filho. Essa dificuldade representa um problema de adaptação
vivenciado pelas mães neste momento de transição de saúde-doença do filho
hospitalizado, pois não conseguem estabelecer parâmetros de divisão para esse
cuidado, em que ora é de si e ora é do filho. Denota a dedicação integral, a doação
de si, a abdicação do cuidado de si para cuidar do outro. Há inadaptação das
situações, não consegue separar o seu eu sico, do eu físico do filho, sempre
prioriza o seu filho.
O fato de as es deixarem de cuidar de si para cuidar integralmente do filho
durante a vivência da transição de saúde-doença é definido por Roy e Andrews
(2001) como perda do sentido do eu. A perda é considerada um problema de
adaptação do componente do eu físico. As mães perdem a vontade de se cuidar, de
serem vaidosas e referem a falta de tempo e o medo de deixar os filhos como razões
para deixarem de cuidar de si, por temerem que durante a sua ausência aconteça
algo com eles. Para elas, enquanto estiverem ao lado dos filhos, eles estarão
seguros e protegidos. Dessa forma, acabam realizando somente o cuidado básico
como a higiene corporal, para que possam voltar o mais rápido possível para perto
de seus filhos e não deixá-los sozinhos.
Ainda meio desligada. Pra gente se cuidar da gente mesmo, mais
é assim, em casa. Porque mulher gosta dum batonzinho, mulher
gosta de uma joinha, mulher gosta de se arrumar e não tem como
aqui, porque a gente sempre fica correndo pra lá e pra cá, então não
tem como. Não tempo, porque se você tirar um pouquinho de
tempo pra você parece que você já tá deixando ele um pouquinho de
lado, então você vai e cuida mais da necessidade dele e esquece
mais um pouquinho de você (Rosa, 23 anos).
Eu vou pra casa num minutinho só, pra tomar banho e já volto [...].
Hoje de manhã tomei banho rapidinho e já vim aqui. Eu estou
dedicando quase tudo pra ela [filha] (Lírio, 23 anos).
Então, são coisinhas básicas, assim, banho eu tomo. Assim,
complicado [...] só o básico, o básico do básico, isso mudou na minha
vida, com certeza, é que é a situação. Eu chego no hotel, tomo um
banho, lavo o cabelo, seco ligeiro e no outro dia prendo ele assim.
Escovo o dente bem rapidinho (Amor Perfeito, 38 anos).
Isso mudou, porque ele não deixa, ele não tempo de nada. Aqui a
gente tem que acordar, escovar o dente, pentear o cabelo e vir
correndo. Porque senão, ele fica chorando. A partir do momento que
ele acorda não dá pra fazer nada mais (Girassol, 21 anos).
necessidade de adaptação do eu físico, pois o ser humano é uma pessoa
complexa, com partes interativas, as quais se somam para formar o todo. O
enfermeiro necessita estar atento para perceber as mudanças que ocorrem pela
permanência ao lado do filho no hospital, para avaliar os fatores que influenciam
determinados comportamentos. Os comportamentos identificados podem ser
julgados como adaptáveis ou ineficazes. Os comportamentos eficazes contribuem
para a integridade física da pessoa.
Pelas falas foi possível perceber que as mães são pessoas vaidosas, que
gostam de cuidar da aparência e que, com o tempo, conforme ocorre o
enfrentamento e adaptação à vivência da transição de saúde-doença do filho, elas
vão superando a situação e começam a voltar às suas atividades normais de cuidado
com a aparência. Referem que quando chegarem em casa voltarão a cuidar de si,
que preferem dedicar o tempo em que estão com o filho hospitalizado para ele.
[...] sou vaidosa, mas no começo eu não me cuidava não. No começo
quando ela fez a cirurgia não pensava muito em passar batom, nem
nada. Depois com o tempo ficou normal de novo, a gente quer ficar
bonita, usar batom, ai ficou normal de novo, mas no começo não (Íris,
42 anos).
[...] um perfuminho, básico assim, maquiagem quando assim,
vai sair pra algum lugar e dá tempo de se arrumar (Girassol, 21
anos).
[...] aí se esquece de se arrumar bonita. Porque a gente tá ali,
vivendo essa hora, eu acho que a gente vivendo pra ela, que
ali na UTI, então a gente deixa de se cuidar um pouco, a gente pensa
que quando a gente chegar em casa a gente recupera tudo. Esse
momento é só pra ela, pelo menos eu sou assim (Jasmim, 43 anos).
A percepção do eu resulta da interpretação individual de todas as várias
interações com os outros e o meio ambiente. É necessário enfatizar práticas
cotidianas para manter um sentido positivo do eu físico. Com a hospitalização do filho
uma ruptura do modo de ser da mãe, aspecto que pode ameaçar o sentido físico
do eu da pessoa. Os estímulos positivos devem ser reforçados, os quais se
manifestarão sobre o processo de adaptação do eu físico da mãe. A intensidade da
carga emocional que a pessoa está passando reflete diretamente na forma como lida
com a imagem corporal. Os relatos salientam que a falta de ânimo, dificuldades,
preocupações, empreendimento de grande esforço para superar a situação vivida
reflete-se no eu físico.
A gente não tem ânimo pra se arrumar, por causa do neném, me
sinto mulher desleixada. Agora eu não cuidando muito de mim,
nem um pouquinho, mas quando eu voltar pra casa vai melhorar
(Tulipa, 19 anos).
No caso de tomar banho, se arrumar, pelo menos na parte da
higiene. Agora, fazer unha, arrumar o cabelo, essas coisas eu não
tenho tempo, em casa eu me cuidava mais. Quando a gente fica em
casa a gente tem mais tempo. Não aquele tempo pra gente se
cuidar, é muita preocupação (Violeta, 20 anos).
Observo também que, com a hospitalização e doença do filho, as mães sofrem
alterações em sua condição de mulher, no seu relacionamento conjugal, refletindo-se
em todo o contexto familiar, pois reconhecem que deixam de lado o esposo, referem
não ter tempo para cuidar dele ou ficam afastados um do outro devido à
hospitalização do filho e até o relacionamento sexual é prejudicado, pois referem não
ter mais vontade de um contato mais íntimo.
O enfermeiro que utiliza o modelo de adaptação deve oferecer informações,
responder a questões, fornecer linhas de orientação antecipadas para ajudar os
outros significantes a ter influência positiva sobre o comportamento da pessoa. O
enfermeiro deve conversar com os companheiros sempre que estiverem presentes no
hospital para alinhar as formas de fortalecimento do relacionamento familiar. Os
comportamentos e estímulos devem ser reavaliados constantemente pelo enfermeiro
e família.
A hospitalização de um filho desestabiliza a família. Quando um filho adoece,
por mais estruturada que seja a família, todos podem adoecer. A família não é
afetada somente pelo fato de existir uma doença, mas por trazer com ela aspectos
que abrangem todo o contexto familiar e geram mais sofrimento, o qual desencadeia
uma série de reações comportamentais em resposta a esse sofrimento (MILANESI et
al, 2006).
Por isso, faz-se necessário que o enfermeiro desenvolva estratégias de cuidado
também junto à família, contribuindo para o cuidado de cada membro, buscando
favorecer com que as relações de interdependência contribuam para o enfrentamento
da situação e apoio à mãe na vivência da transição de saúde-doença cardíaca do
filho.
[...] fica tudo balançado, porque teve épocas, assim, que eu esqueci a
minha condição de mulher, sabe. Não tive mais vontade de [ter
relação sexual com o marido], você sabe [...] meio assim, porque
nem tem como (Amor Perfeito, 38 anos).
A gente tem menos tempo pra cuidar do marido. Tem menos tempo
pra ele, eu assim, você sabe, com meu marido, mudou muito, eu fico
pra cá, ele pra lá, daí não dá. Eu acho que quando voltar pra casa
tudo melhora (Tulipa, 19 anos).
Na Unidade de Significação A percepção do valor e significado do eu pessoal
diante do cuidado do filho doente e hospitalizado expressa pela mãe apreende-se
que as expectativas, sentimentos e valores das es também são alterados com a
doença e hospitalização do filho. O eu pessoal, conforme Roy e Andrews (2001)
possui três componentes: a autoconsistência, o auto-ideal e o eu moral-ético-
espiritual.
A autoconsistência das mães, primeiro componente do eu pessoal, que é o
enfrentamento para manter uma auto-organização e evitar o desequilíbrio, foi
observada nas falas em que as mães afirmam realizar algumas atividades como a
caminhada, passeios em ruas próximas ao hospital, como forma de espairecer, sair
do ambiente, para não se sentirem sobrecarregadas, ou mesmo para refletir sobre
esse momento vivido. Milanesi et al (2006, p.773) referem que, “para o
acompanhante, sair do quarto, local de sofrimento, é o que importa, para onde ir não
tem tanto significado, pode ser o corredor [...] qualquer outro ambiente [...] mostra a
necessidade do acompanhante de fazer algo [...]”.
Vou um pouquinho na igreja, ando um pouquinho (Íris, 42 anos).
[...] eu não fiquei lá. Ela entrou no centro cirúrgico e eu fui para a
capela, fui andar lá fora, espairecer e voltei em torno de 1 hora e
meia, fiquei aqui no corredorzinho, aqui da cardio, esperei aqui. Na
frente do centro cirúrgico eu não agüentei ficar não, todo mundo
chorando “tadinha, tadinha”, ai eu piorei, tive que sair pra fora (Íris,
42 anos).
[...] pra mim caminhar um pouquinho e não ficar só dentro do
hospital, de manhã, como eu entro aqui às 10:00, eu
caminho até lá, vou na igreja, dou uma caminhada, pra espairecer
a cabeça, tomar um ar fora do hospital, não ficar 24 horas aqui
dentro (Íris, 42 anos).
Algumas mães demonstraram que, devido à dedicação exclusiva ao cuidado
do filho hospitalizado, acabam deixando o lazer de lado, referem ter pouco tempo ou
mesmo afirmam sentirem-se culpadas em fazer alguma atividade que as façam
felizes, já que o filho está passando por um momento de dor e sofrimento. O
sentimento de culpa na realização de atividades de lazer durante a hospitalização do
filho deveu-se pelo fato de que, se o filho estava hospitalizado e impedido de se
divertir, ela também deveria ficar ali, não se permitindo nenhuma atividade que lhe
proporcionasse algum prazer. Nesse sentido, é importante considerar todas as
expressões da mãe, as não-verbais, postura, expressão facial, tom de voz, contato
visual para auxiliar na adaptação e melhorar o estilo de vida, enquanto permanece
no período de hospitalização do filho.
Sentimentos de ansiedade e culpa constituem respostas emocionais diante da
percepção de insegurança e de falta de proteção. A ansiedade e a culpa constituem
problemas de adaptação (ROY e ANDREWS, 2001).
A ansiedade foi percebida como um dos impedimentos para as mães realizarem
alguma atividade de lazer para si. Elas relataram que os cuidados com os filhos
demandam de muito esforço e empenho por parte delas e a ansiedade de dedicar o
máximo de tempo ao cuidado do filho faz com que não sobre tempo para elas. Roy e
Andrews (2001, p.364), definem a ansiedade como “uma dificuldade dolorosa da
mente devido a uma ameaça” e que a diminuição dos cuidados pessoais e das
atividades de lazer são algumas das reações comportamentais que podem estar
associadas à ansiedade.
A culpa também foi vista como um fator que não permite que as mães tenham
algum momento de distração, pois afirmam que, neste momento, seu tempo e todos
os seus esforços são para o cuidado ao filho. Para Roy e Andrews (2001, p.365), a
culpa é definida como “o julgamento que uma pessoa faz sobre a sua transgressão
pessoal” e pode ser dividida em dois tipos: a culpa real, que surge a partir de uma
transgressão real e leva ao crescimento pessoal e a culpa falsa, que é destrutiva,
conduz a um sentimento de inutilidade e faz com que a pessoa não consiga lidar com
as situações de estresse. No caso das mães, elas se sentem culpadas caso
reservem um tempo si, isso seria, para elas, deixar o filho de lado, uma culpa falsa.
[...] eu acho que acabou o lazer, porque praticamente eu só fico
dentro do hospital [...] (Íris, 42 anos).
A gente se anula. Parece que se não for assim a gente sente um
pouquinho de culpa, porque assim, ela nessa situação, você não
tem o direito de ser feliz, sabe, a gente no fundo tem isso, sabe?
Parece assim, se ela nessa situação agora que ela ali, parece
que eu também tenho que ficar mais [...] É isso que a gente sente,
embora não deveria (Amor Perfeito, 38 anos).
Daí, esses dias eu fui ao shopping, porque eu tinha que comprar
umas coisas para ela, xampu e tal, daí eu fui. Mas quando eu entrei,
assim, me senti mal, porque ela ama shopping, então tudo o que eu
faço é a minha filha. E não consigo fazer diferente (Amor Perfeito, 38
anos).
O tempo de hospitalização também permitiu que algumas mães refletissem
sobre a própria vida, seus conceitos e atitudes, o que favoreceu que elas
crescessem enquanto pessoa e serviu como um mecanismo de enfrentamento a
essa situação.
Eu fazia planos e achava que aquilo iria acontecer exatamente
daquela maneira e provou que a vida da gente não é assim. Isso me
deixou mais humilde, mais mãe. Mas eu acho que é uma experiência
tão diferente (Margarida, 31 anos).
[...] o tempo ajuda a entender mais os procedimentos que tem no
hospital, do que os 3 dias, uma semana, porque tem gente que
pensa: “uma semana, nossa!”. Tem gente que aqui um mês
e ainda não fez nada e nem descobriu nada, né. Mas, pra quem tá
aqui bastante tempo, nossa! A gente descobre que precisa desse
tempo pra gente acostumar, que necessita desse tempo pra poder
descobrir muitas outras coisas, porque se for uma semana, não
entende (Íris, 42 anos).
[...] acostumar não acostuma não, mas se, como é que fala, vai
levando, acostumar não acostuma não. A gente sempre espera
que sare e vai embora logo (Íris, 42 anos).
Algumas mães também demonstraram nas falas relacionadas ao auto-ideal, a
força e a determinação que tem em estar ao lado do filho, mesmo com todas as
dificuldades impostas pela doença e hospitalização. O auto-ideal constitui o que a
pessoa gostaria de ser, relacionado com o que ela é capaz de ser, é o segundo
componente do eu pessoal.
Isso que você pegou ela dormindo, quando ela acordada ela
assim, ela chora, ela faz assim, nossa, ela me abraça, joga as
perninhas porque ela quer sair da cama. Daí, assim, eu fico me
perguntando: por quê?”. Sabe, a gente fica balançada de vez em
quando, mas ao mesmo tempo eu penso, ela precisa de mim, né. Eu
não posso ficar pensando por quê. Se ela nessa situação, eu
tenho que cuidar (Amor Perfeito, 38 anos).
Nas falas relacionadas ao eu moral-ético-espiritual, terceiro componente do eu
pessoal das mães, a fé em Deus foi um dos mecanismos de enfrentamento mais
utilizados por elas. Por meio dos discursos, observou-se que as mães costumam
buscar o apoio de Deus para que consigam enfrentar a doença e hospitalização do
filho. Para Roy e Andrews (2001) o eu moral-ético-espiritual é o sentido do eu em
relação às crenças éticas e ao sagrado.
Quando eu bem angustiada eu rezo. Hoje a tarde depois que ela
ficou bem nervosa, daí saiu o dreno, também fiquei nervosa, daí
sedaram ela, daí eu fui na capela, depois que ela se acalmou,
rezei, daí eu me acalmo, eu peço, às vezes eu brigo com Deus, eu
digo: “olhe a minha filha, ajude”, d eu desabafo assim, mas eu
gosto de rezar, fazer uma oração, sabe, me tranqüiliza (Amor
Perfeito, 38 anos).
Eu me apego muito com Deus. Eu tenho uma santa em XX
também, ela é minha, tudo o que eu preciso eu peço pra ela. Deus
me livre, ela me ajuda em tudo. Aqui eu rezo, onde tiver um santo
dentro do hospital, ou na capela, eu lá, rezando, minha força vem
de Deus, Deus o livre (Jasmim, 43 anos).
Quando eu angustiada, nervosa, com medo, eu rezo bastante, eu
peço pra Deus me dar força e com isso eu vou me fortalecendo e eu
fico pensando positivo. Que isso um pouco de força pra gente
(Violeta, 20 anos).
De acordo com Oliveira e Araújo (2002, p.279), a adaptação neste modo
ocorre “de forma inconsciente, quando, por exemplo, o indivíduo entrega a Deus os
seus sofrimentos [...] o fato de transferir o sofrimento inevitável a um ente superior
[...] é uma estratégia adaptativa para se livrar do fardo que, sozinho não seria capaz
de carregar”.
De tanto eu rezar e pedir pra Deus, que ele me desse força, por que
do jeito que eu tô, qualquer coisa já é perigoso eu ficar doente. Eu
peço todo dia pra Deus pra me dar coragem, pra ele sarar e crescer e
ficar bom (Orquídea, 29 anos).
[...] eu rezo, todo dia. Aqui na capelinha, ou ali, aqui três quadras
tem uma igreja (Íris, 42 anos).
Eu rezo bastante, muita oração, muito, muito. Minha família é bem
católica, a oração me dá, me alimenta o espírito, sabe eu rezo muito
(Amor Perfeito, 38 anos).
Eu rezo, eu oro, faço oração. Porque eu sou evangélica, antes de
dormir, quando acordo, agradeço a Deus pela saúde, pela força,
porque é muito difícil, imagina, ele passou por quatro cirurgias de
abertura de tórax, então é muito difícil. É muito difícil então, Deus
pra dar força. Deus dá força nessas horas (Girassol, 21 anos).
Os comportamentos do eu pessoal são expressos na verbalização dos
pensamentos e sentimentos, assim como nas ações. É de fundamental importância a
consideração do eu pessoal do indivíduo para a promoção da adaptação. Nesse
sentido, considero que o próprio método de pesquisa-cuidado utilizado neste estudo
possibilitou às mães a segurança para exprimir seus pensamentos e sentimentos.
Como afirmam Roy e Andrews (2001), a supressão de sentimentos restringe a
energia vital e interfere na capacidade de fazer outras coisas, tais como pensar
claramente.
O enfermeiro pode facilitar a expressão de sentimentos, pois a tensão de
sentimentos não expressos está contida na pessoa. Esse componente tem uma
importância fundamental na avaliação das formas como a mãe está enfrentando a
situação de estresse, pois ao não expressar, não verbalizar seus sentimentos,
reprime-os em seu eu pessoal, causando prejuízos à sua saúde física e emocional.
O ser humano, assim, ele é muito pequeno, eu acho e nessas horas
assim que você realmente isso. A gente erra muito como ser
humano. Eu penso, analiso tudo, tudo, tudo, assim o que eu já fiz o
que é que eu vou fazer diferente, quando eu sair daqui (Amor
Perfeito, 38 anos).
É complicado, mas ao mesmo tempo a gente aprende muito,
sabe. Tem tanta coisa que você dá tanta importância que você não
precisa dar tanta importância (Amor Perfeito, 38 anos).
Só o fato de você ver seu filho entrando ali e não saber se ele vai sair
é [...]. Quando é uma vez, duas vezes, ainda você [...], quando vai
passando pra três, quatro vezes você vai perdendo as esperanças
(Girassol, 21 anos).
[...] é o ambiente, assim, é sofredor, né. Pra gente ver aquilo tudo ali,
né. que, daqui a pouco você vai entendendo que precisa de tudo
aquilo ali pra ela e pra todos que tão lá, né. Então, eu acho que a
sensação lá dentro é um pouco desgastante, mas bem pra
tolerar, assim (Jasmim, 43 anos).
Roy e Andrews (2001) afirmam que o enfermeiro deve transmitir uma atitude
de aceitação sem julgar, facilitando a expressão dos sentimentos das mães, através
do ouvir, sem impor seus sentimentos pessoais. As mães desabafam dizendo que a
vivência da transição de saúde-doença cardíaca do filho gera angústia, dor,
nervosismo, tristeza, depressão. Uma vez identificados os comportamentos do eu
pessoal como adaptáveis ou ineficazes, o enfermeiro faz um julgamento inicial para
verificar cada comportamento. Os comportamentos adaptáveis promovem o domínio
da situação.
Depois que ele ficou na UTI eu fiquei pra trás, mas é difícil pra gente,
assim [...] ah, é diferente, machuca muito, sofre, por que fica
esperando (Margarida, 31 anos).
Mexe mais com a cabeça [...] o coração parece que fica mais assim,
mais angustiado. Angústia, dor, queria ir embora (Íris, 42 anos).
É doloroso, é muito doloroso, eu sinto muita angústia e ao mesmo
tempo eu agradeço todo dia a Deus por ter ela (Amor Perfeito, 38
anos).
[...] muda, um pouco muda. Porque você vai ficando um pouco mais
triste. Fica mais deprimida. Porque é aquela sensação que existe
dentro da gente. Então não é que a gente vai relaxar com isso, mas a
gente sente que, um pouco mais de tristeza (Jasmim, 43 anos).
As mães referem que ter alguém para ouvi-las é para elas uma sensação de
alívio, de desabafo, pois podem compartilhar suas angústias e receber palavras de
ânimo e suporte para este momento. À medida que o enfermeiro conversa, realiza
pesquisa-cuidado, interage com a mãe, pode detectar sinais que auxiliem no
fortalecimento do eu pessoal.
.
[...] aliviada, a gente se sente mais aliviada [após a entrevista] (Íris,
42 anos).
Foi bom, foi, bom, foi gostoso te ouvir também. Falei, falei, falei,
desabafei, tá? (Amor Perfeito, 38 anos).
Ao concluir a Unidade de Contexto que trata do autoconceito e inserido nesta os
comportamentos do eu físico e eu pessoal, é possível apreender que a mãe é um ser
com demandas especiais pela vivência especial a que está passando. Todo seu ser
está mobilizado, desde suas formas de se cuidar, como as formas de superar seus
sentimentos.
Importante considerar cada estímulo que recebe, pois terá efeitos positivos ou
negativos, dependendo do preparo para utilizar os mecanismos de enfrentamento. A
experiência da culpa faz parte do ser humano e surge diante de uma transgressão,
mesmo que não seja real, seja imaginária, falsa. A baixa auto-estima induz a
sentimentos de isolamento, depressão, dificuldade de se expressar, falta de
capacidade para mudar, os quais devem ser percebidos pelo enfermeiro que cuida,
para juntos estabelecer objetivos para manter a integridade da pessoa. Conseguir
verbalizar que sente culpa, ansiedade e que está com a auto-estima baixa é uma
forma eficiente para alcançar o comportamento adaptativo à situação vivenciada.
Cabe ao enfermeiro oferecer estes momentos de expressão dos sentimentos
que envolvem o eu físico e o eu pessoal de diferentes formas, individual ou
coletivamente, para que o cuidado seja também centrado na família e adotado pela
instituição de saúde.
De acordo com Silveira e Ângelo (2006) os pais têm necessidade de se sentirem
acolhidos e seguros no ambiente hospitalar, sendo valorizadas ações do profissional
de estar com a família, compartilhando para o encontro de recursos de enfrentamento
da experiência.
A UNIDADE DE CONTEXTO: FUNÇÃO DE PAPEL: AS DIFICULDADES
VIVIDAS PELA MÃE A PARTIR DA DOENÇA DO FILHO e a Unidade de
Significação: Mudança de papéis durante a doença e hospitalização do filho revelam
que as mães têm consciência dos papéis que desempenham e das alterações que os
mesmos sofrem com a hospitalização do filho. Roy e Andrews (2001) afirmam que os
papéis foram definidos como as unidades de funcionamento da sociedade e que cada
papel existe em relação com um outro. Associado a cada papel está um conjunto de
expectativas sobre a forma como a pessoa se comporta. As pessoas precisam saber
quem são (os papéis ocupados) e as expectativas sociais relacionadas, para que
possam atuar em conformidade.
As mães afirmam que sofreram grandes alterações nas funções de papel. As
mudanças referidas são a expressão da transição vivenciada, pois saem de uma
condição de estabilidade para migrar para uma condição de instabilidade. Modificam
ações e reações diante da nova situação. Considera-se que há comportamentos
adaptáveis quando estes satisfazem as expectativas do papel e comportamentos
ineficazes quando não satisfazem. Importante salientar que o bem-estar físico e
emocional afeta a capacidade do indivíduo para cumprir seus papéis. Quando os
estímulos que influenciam o funcionamento do papel da pessoa forem identificados
pelo enfermeiro, os comportamentos adotados auxiliam na integridade social.
Com relação ao emprego, muitas afirmam terem se afastado e algumas até
tiveram que abandonar o trabalho e também os estudos, o que interferiu na renda
familiar. Roy e Andrews (2001, p.404) explicitam que “ao longo de todo o período da
vida os indivíduos tem necessidade de mudar de papéis”. Consideram um
comportamento adaptável quando ocorre um movimento positivo em direção ao
objetivo do domínio do papel.
O enfermeiro deve conversar com a mãe, ouvir suas necessidades, estar
sensível às suas expressões e ajudá-la a assumir o novo papel sem que se sinta
prejudicada nos outros papéis que exerce ou culpada por ter que abandonar algum
deles.
E eu trabalhava na roça, às vezes, nem na roça eu não ia. Nem
comer às vezes não comia, eu não tinha sossego de tanto que ele
não parava de chorar (Orquídea, 29 anos).
Eu trabalho no mercado perto da minha casa e é de uns parentes, daí
conversei com eles sobre a cirurgia e eles me deram o tempo que eu
precisasse. Agora afastada, tem um mês, um s e meio, até ela
ficar bem recuperada (Lírio, 23 anos).
Eu ia pra faculdade, ia trabalhar, agora com filho, ainda mais, se ele
tivesse saúde seria diferente, ele podia ficar na creche, eu ia
trabalhar tranqüila. Podia pagar alguém pra ficar com ele pra eu ir pra
faculdade, mas eu tenho medo, de outra pessoa (Girassol, 21 anos).
As mudanças de papéis impostas pela doença e hospitalização do filho
caracterizam-se como transição, resultante do impacto dos estímulos sofridos
exigindo uma nova adequação. Para avaliar o comportamento que irá adotar diante
da transição, a mãe necessita explicitar seu contexto de vida anterior ao estímulo da
doença e hospitalização, para que o enfermeiro tenha subsídios de atuação. Roy e
Andrews (2001) assinalam que são necessárias perguntas, como quem se beneficia
com a mudança de papel, qual a recompensa que recebe pelo desempenho do novo
papel, com o que dispõe para facilitar o desempenho de novos comportamentos e
quanto tempo necessita para assumir o papel. Essas questões são facilmente
respondidas pelas mães quando afirmam que mudou tudo, mudou muita coisa, desde
a saída do emprego, adiar planos futuros de cursar a faculdade e que o tempo que
necessitam para a adaptação depende do tempo que o filho irá precisar para sua total
recuperação.
A transição de saúde-doença do filho é vivenciada pela mãe de forma intensa
demonstrando a necessidade de cuidado, para que as estratégias de enfrentamento
sejam efetivas e possa alcançar um comportamento adaptativo.
Mudou muita coisa. Mudou as chances de trabalhar. Agora tenho
que cuidar da minha família, dele. Eu trabalhava e trabalhava e
não cuidava deles e não via a vida passar. A vida da gente é muito
especial e tem muito valor (Margarida, 31 anos).
Mudou tudo, nossa, mudou praticamente quase tudo (Rosa, 23
anos).
Então, mudou tudo, tô me dedicando só pra ele (Girassol, 21 anos).
Bom, mudou, eu pensava que depois que ele nascia, que ele
completasse os quatro meses, eu ia começar a trabalhar e já não vou
começar trabalhar. Tem mais responsabilidade com um filho assim
(Tulipa, 19 anos).
Com relação ao cuidado da casa, muitas tiveram que diminuir ou até abandonar
os afazeres domésticos, já que elas permanecem mais tempo no hospital do que em
casa e, como muitas delas são provenientes de outras cidades, deixam a casa aos
cuidados do marido ou de algum familiar próximo ou até mesmo sem cuidados no
período em que estão afastadas.
Para Roy e Andrews (2001), ocorre o distanciamento do papel quando a pessoa
tem o conhecimento e a experiência para desempenhar os comportamentos
associados ao papel, mas apenas o faz quando for absolutamente necessário, ou
quando não existe mais ninguém à sua volta para desempenhar as tarefas. No caso
das mães, o distanciamento do papel de donas-de-casa muitas vezes se faz
necessário, que nem sempre poder ir e vir de suas casas ao hospital com
freqüência. O enfermeiro pode ajudar as mães a procurar um suporte familiar, alguém
que possa ajudá-la nos afazeres domésticos, para poder se dedicar com mais
tranqüilidade ao cuidado com o filho.
Minha vida mudou muito, mudou que eu tive que deixar minha casa,
eu vivi três anos com minha sogra, tem seis meses que eu mudei pra
minha casa nova, que nós construímos uma casa e desde o dia que
eu mudei eu não desfrutei um dia da minha casa, correndo com
ele pra e pra cá, então eu não desfrutei ainda daquilo que eu mais
queria que era a minha casa (Rosa, 23 anos).
faz muito tempo que eu deixei [a organização da casa] assim, eu
organizo tudo e tal, mas primeiro é a minha filha (Amor Perfeito, 38
anos).
longe da minha casa, eu não fico mais em casa, ela fica sozinha,
não tenho ninguém que cuida (Tulipa, 19 anos).
Depois que eu soube que ele tem problema no coração minha vida
mudou, eu só fico com ele no hospital, minha vida não é mais
normal, eu não fico mais em casa, é difícil eu conviver em casa
(Violeta, 20 anos).
A Unidade de Significação: O processo de assumir e desenvolver um novo
papel com a família está relacionado aos cuidados com a família durante o período
de doença e hospitalização do filho. Percebeu-se que o papel de esposa e mãe
[quando tem outros filhos em casa], fica prejudicado e que isso afeta o emocional,
pois se sentem divididas. Ao mesmo tempo em que precisam ficar no hospital com o
filho, se preocupam e sentem por não poder cuidar dos demais filhos que ficaram em
casa.
Roy e Andrews (2001) enfatizam que nem sempre a pessoa faz uma escolha
consciente quando assume um novo papel, pois são papéis impostos ao indivíduo
pelas circunstâncias e pelo ambiente. O enfermeiro, no cuidado à mãe que vivencia a
transição de saúde-doença cardíaca do filho, deve identificar os papéis que estão em
transição e analisar se estão sendo eficazes ou ineficazes, ou seja, se há adaptação
ao novo papel. No caso da mãe, ela assume novos papéis no cuidado ao filho doente
e outros papéis acabam sendo prejudicados, o que passa a ser uma fonte de
estresse e sofrimento para ela e sua família.
Milanesi et al (2006, p.772) afirmam que “[...] a mãe que acompanha um filho
hospitalizado passa a se preocupar também com os filhos que deixou em casa e esse
sentimento torna-se mais um fator de sofrimento para ela”. A experiência de
acompanhar o filho hospitalizado pode causar nas mães uma sobrecarga emocional e
gerar um sentimento de ambivalência ao dar maior atenção a esse filho que aos
outros (FORTES e LOPES, 2006).
Para Roy e Andrews (2001, p.419), “a transição de papel ineficaz é geralmente o
resultado de uma falta de conhecimento, educação prática ou de modelos de papéis”.
Nesse sentido, o enfermeiro pode atuar orientando a e, conversando sobre as
suas dificuldades e ajudando-a a assumir o novo papel de forma adaptável, para que
o contexto familiar não sofra tantas mudanças a ponto de alterar seu equilíbrio.
Agora lá, ele sozinho [o filho de nove anos] por que eu pra
(Orquídea, 29 anos).
A família ficou de lado. Porque eles ficaram pra lá, não tem como
cuidar deles. É difícil, é difícil porque eu sou uma. Não tem como
ficar e aqui ao mesmo tempo, às vezes eu telefono, é mais eles
que vem pra cá, mas eles também compreendem (Íris, 42 anos).
Porque eu deixo meus 3 [filhos] pra lá. E tem que ficar preocupada
com ela aqui [...] o de seis anos chora [...] mas também eu não
posso deixar a pequenininha aqui também sozinha (Íris, 42 anos).
As mães relatam que alguns papéis são prejudicados em função ao novo
papel assumido, que é cuidar do filho doente e hospitalizado. Por ficarem ao lado do
filho integralmente durante a hospitalização, cuidando e sendo suporte e apoio para
ele, muitas vezes anulam a própria vida familiar.
Para Roy e Andrews (2001) ocorre o conflito quando um indivíduo fracassa na
demonstração de comportamentos adequados, em conseqüência da ocupação de
um ou mais papéis que necessitam de comportamentos que são incompatíveis um
com o outro. Para as mães, o fato de estar cuidando do filho doente e hospitalizado
as impede de cuidar de si, de pensar nas suas necessidades, na sua vida, na sua
família. Nesse caso, as mães estão divididas. O enfermeiro pode ajudar ao pensar,
refletir e avaliar os estímulos e ser suporte para que elas consigam assumir o
cuidado ao filho doente sem prejudicar os demais papéis ou ajudá-las a aceitar as
transições que naturalmente a vida impõe.
Eu tô dando o máximo possível que eu puder, pra ajudar ele, cuidar
da saúde dele, enquanto eu tiver com saúde eu vou em frente
(Orquídea, 29 anos).
[...] e eu vou ficar em casa até ela ficar 100%. Eu dou atenção 100%
pra ela, redobrada agora (Lírio, 23 anos).
Mas assim, a vida, assim, da gente você anula um pouco, agora
que ela esperando o transplante, esse momento é pra ela, é pra
ela e não adianta (Amor Perfeito, 38 anos).
[...] com certeza, a gente acaba se anulando. Eu tô deixando de viver
a minha vida pra viver a vida dele praticamente, pra cuidar dele. [...]
porque agora eu tenho medo de deixar ele ir pra escola, tenho medo
de tudo, porque sei lá, eu tenho medo, de dar alguma coisa na
creche, como eu vou trabalhar tranqüila pensando nisso? (Girassol,
21 anos).
Ao concluir a Unidade de Contexto que aborda as funções de papel das mães,
percebe-se que elas, ao assumir o novo papel no cuidado ao filho doente e
hospitalizado, apresentam dificuldades em manter os demais papéis antes exercidos,
como o de mãe, devido estar longe dos demais filhos que ficaram em casa, o de
esposa e de dona-de-casa, devido ao afastamento do esposo e do lar e o de
trabalhadora, visto que elas se desligam do emprego para poder se dedicar ao
máximo ao cuidado do filho.
Cabe ao enfermeiro ajudar as mães a reconhecer os estímulos que
desencadeiam estes comportamentos e auxiliá-las a desenvolver estratégias para o
enfrentamento da nova situação. É neste sentido que o modo de função de papel e o
de interdependência se relacionam, pois o enfermeiro pode auxiliar a mãe a
reconhecer pessoas significativas que podem colaborar na realização de seus papéis
enquanto está impossibilitada de exercê-los. Dessa forma, o enfermeiro conduz a
mãe à adaptação da situação visando promover respostas adaptáveis que favoreçam
a ela, à criança, à família e ao seu contexto de vida.
A UNIDADE DE CONTEXTO: A INTERDEPENDÊNCIA NAS RELAÇÕES:
APOIO PARA A MÃE NO MOMENTO DE DOENÇA E HOSPITALIZAÇÃO DO FILHO
e a Unidade de Significação: A rede de apoio social contribuindo no cuidado ao filho
doente e hospitalizado permitem constatar a interdependência nas relações
familiares, percebendo-se a mobilização familiar diante da doença e hospitalização do
filho, direcionada ao cuidado à criança e apoio à mãe, como uma das formas de
suporte.
Conforme Roy e Andrews (2001, p.438), “a interdependência é definida como as
relações mais próximas das pessoas”, é um modo social porque as necessidades são
satisfeitas por meio da interação social e o objetivo dessas relações é alcançar a
adequação afetiva, que incorpora a necessidade de ser cuidado e cuidar. Neste
modo, observam-se as relações específicas dos outros significantes (que o
pessoas a quem são dadas maior significado ou importância) e dos sistemas de apoio
(que são pessoas, grupos que contribuem para a satisfação das necessidades de
interdependência da pessoa, incluem grupos sociais e de trabalho).
A abrangência do suporte social envolve diferentes fontes de apoio e auxílio. As
mães, ao relatarem, enfatizam a segurança recebida da família, elo mais próximo a
que recorrem para superar o momento que vivem. Os membros da família buscam
ajudar, pelo suporte emocional ou financeiro, dando atenção a ela e à criança,
ouvindo-a, ajudando-a com palavras de conforto e carinho, indo ao hospital ficar com
a criança para que a mãe possa sair um pouco e descansar e dando apoio no
cuidado de sua casa.
A família, conforme afirmam Melo et al (2005, p. 223), “é necessária para a
produção de respostas adaptativas nos modos propostos no modelo de adaptação”.
Nas falas, percebeu-se o envolvimento de toda a família na prestação de cuidado e
atenção à criança, visando auxiliar a mãe neste momento. Notou-se frente aos relatos
que, muitas vezes, a doença representa um fator articulador na dinâmica familiar,
integrando os membros entre si e mobilizando os membros da família em torno do
problema. Cabe ressaltar que, nas famílias, os comportamentos relacionados à
doença foram adaptativos, pois contribuíram para a manutenção do equilíbrio familiar
e as relações de interdependência não sofreram alterações negativas, demonstrando
um enfrentamento e adaptação satisfatórios do problema.
A minha família me ajudou muito a ter calma [...]. Eu me sinto muito
apoiada pela minha família, pelo meu marido, pelo pessoal do
hospital. Eu tenho uma confiança. Quando eu preciso de ajuda, eu
tenho a família e o pessoal aqui pra ajudar também (Margarida, 31
anos).
[...] e a minha família me muita força, tanto que já eles vieram,
todos, todos não, os que puderam vieram de pra ver ela [a
filha], pra dar uma força (Amor Perfeito, 38 anos).
Minha família também me apóia. Meu marido e uma cunhada minha.
Eles mora lá perto, daí ela [a cunhada] ajuda a cuidar da minha casa
(Jasmim, 43 anos).
Minha família também me força, eles me apóiam, eles me dão
carinho, afeto, tipo, eles conversam com a gente, explicam as coisas,
tudo isso. Meu esposo ficou e cuidando da minha casa. Aqui
tenho meus parentes, eles vão vir aqui amanhã visitar ele (Violeta, 20
anos).
As mães também comentaram sobre o grande apoio que receberam dos
maridos/companheiros durante o período de doença e hospitalização do filho, o que
para elas foi fundamental. Para elas, essa força foi a ajuda com as despesas, os
telefonemas para saber informações, os revezamentos feitos no cuidado com o filho
hospitalizado, o companheirismo. Para elas, a união entre eles foi fortalecida, o que
ficou evidente pela percepção da grande confiança que as mães depositam em seus
companheiros.
Estou eu e meu marido aqui. Estamos só esperando a alta do bebê
por que não temos parentes nenhum aqui. Meu marido fica num
albergue e parou de trabalhar, por que a gente teve que vir pra cá.
[...] quando eu preciso conversar eu tenho o meu esposo, que ele é
uma pessoa que eu tenho bastante confiança e que me ajudou muito
(Margarida, 31 anos).
Antes eu cuidava dele sozinha, antes eu morava com os dois piá.
Agora eu tô morando junto com esse homem e ele ajuda muito com a
despesa, com os remédios, pra trazer ele [o filho] pra com o carro
(Orquídea, 29 anos).
Às vezes eu penso como nós somos bem unidos por causa da
nossa filha, assim, nós dois, ele [o marido] também é assim, um
companheiro mesmo (Amor Perfeito, 38 anos).
Estou aqui com meu marido. Eu estou ficando no hospital e ele na
pensão que a prefeitura pagando pra ele. Minha relação com ele é
muito boa, faz um ano que estamos juntos e nós não brigamos
nenhuma vez ainda, ele fica com a criança para eu sair um pouco
(Tulipa, 19 anos).
Algumas mães, por serem provenientes de outras cidades e nem sempre ser
possível virem acompanhadas por seus familiares, chegam sozinhas até a instituição
e sofrem pelo afastamento familiar, sendo que muitas vezes enfrentam dificuldades
no cuidado ao filho. Outras vezes reclamam pela falta de apoio familiar, nesse caso
do pai da criança, quando referem que não recebem nenhum tipo de ajuda deles ou
que acham que eles deveriam ajudar e participar mais no cuidado ao filho doente.
Roy e Andrews (2001, p.459), denominam ansiedade da separação, como “uma
dor sofrida da mente relacionada com a separação de outro significativo”, sendo que
o estímulo focal para este estado é a separação real do outro significativo ou a
ameaça dela. A ansiedade da separação pode ser demonstrada ao longo da vida,
causada por uma separação temporária do outro significativo ou do sistema de apoio.
O enfermeiro pode ajudar as mães a atingirem níveis superiores de adaptação e
integridade neste modo de interdependência, sendo apoio, suporte, promovendo
interação das mães com seus familiares, sempre que possível, com os profissionais
da equipe multiprofissional de saúde e também com as outras mães que têm seu filho
hospitalizado e que vivenciam de forma semelhante o processo de transição de
saúde-doença cardíaca do filho, pois poderão trocar experiências e se fortalecerem
mutuamente.
Marido que a gente nem pode ver quase, não tem muito tempo, nem
pra conversar, fica distante. Familiares, coisa que a gente mais se
sente segura é quando todo mundo perto de você e quando vo
não tem ninguém? (Rosa, 23 anos).
[...] e a convivência com a família também acabou. Porque eles ficam
pra e eu fico pra cá, apesar que de vez em quando eles vêm, uma
vez por mês, assim, eles vêm, eles vem pra cá, ficam aqui e voltam
porque eles estudam também. Não tem como eles ficarem mais.
Sinto saudade da minha família (Íris, 42 anos).
O pai dele sempre deu apoio, agora a namorada dele não deixa, no
dia da cirurgia ela não deixou ele nem entrar na UTI, fez uma briga
ali, não deixou modo de dizer, porque ele é pai, se ele realmente
gostasse dele, ele viria. Fiquei seis anos com o pai dele, então é
tempo. Eu tinha 14 anos quando conheci o pai dele. Dessa vez não tô
tendo o apoio dele, mas a mãe dele me liga pra saber dele, mas ele
mesmo não (Girassol, 21 anos).
Nota-se também, que as mães têm uma grande confiança na equipe
multiprofissional com relação ao cuidado de seu filho e muitas vezes os tem como
apoio, suporte emocional, com quem elas dividem muitas vezes seus sentimentos e
emoções. Ao longo do tempo em que permanecem no hospital as mães desenvolvem
laços de amizade e se sentem apoiadas pela equipe.
Elas referem se sentirem cuidadas pelo fato da equipe se interessar pelo estado
de saúde do filho, trazer atividades de lazer para elas, apesar de muitas vezes elas
não conseguirem se distrair. Também reconhecem que a iniciativa da equipe em
envolvê-las no cuidado do filho é uma forma de acolhimento, bem como afirmam que
a conversa, as palavras de ânimo, a transparência transmitida pela equipe quanto ao
estado geral do filho e o próprio cuidado recebido pelo filho durante a hospitalização
geram nelas segurança e confiança na equipe.
Algumas referiram que o toque e o carinho recebido também é uma forma de
cuidado, de conforto. Para Roy e Andrews (2001, p.442) “as amizades o
importantes para a pessoa adaptável e é através das amizades que a adequação
afetiva é atingida”. Dessa forma, o enfermeiro e equipe multiprofissional devem
desenvolver laços de amizade com as mães, de forma a contribuírem para a sua
adaptação a este momento.
Por que a gente chega muito abalado, frágil. E os funcionários todos
colaboram com a gente. É muito gostoso, muito bom aqui (Margarida,
31 anos).
[...] as enfermeiras, conversando com elas, pergunto [...] e todo o
pessoal ali, me apoio [...]. É porque praticamente se eu tivesse
sozinha, aí eu me sentiria mais desamparada. Mas não, aqui eu
converso com todo mundo, com as enfermeiras, com os médicos.
Elas [enfermeiras] conversam comigo, desabafam, eu desabafo, elas
brincam, daí eu também fico animada, porque elas brincam, sozinho
não dá (Íris, 42 anos).
Não, assim, quando ela não tava internada, na sexta nós fomos no
shopping com ela assistir o Menino Maluquinho e assim, tem a
professora, da educação, aqui do hospital e todo dia ela vai ver a
minha filha e tal e assim eu acho bem legal assim, muito bom, ela
conversa bastante comigo, me traz livros. A nutricionista me trouxe
uns bordadinhos, mas quem fez foi a mãe, porque eu meia
estressada com bordado. Então assim, bastante gente que apóia a
gente (Amor Perfeito, 38 anos).
[...] mas as pessoas [equipe da UTI], tranqüilo, muito bom, me sinto
apoiada, valorizada, eu me sinto assim. As enfermeiras no começo,
elas não conversavam muito. Da gente conversa bastante, sabe,
às vezes elas pedem: “me alcança isso, faz isso”, pra eu me sentir
bem ali dentro, as médicas assim, também passam, quem tá de
plantão, conversam, tem algumas que falam coisas bem boas de
ânimo pra gente, conversam e falam tudo, é grave, não escondem
nada, mas ao mesmo tempo elas te dão força. Chegar, passar a
mão na gente assim faz bem. Eu acho bem bom e também eu fico
no meu lugar. Às vezes é complicado ter alguém ali (Amor Perfeito,
38 anos).
As mães demonstraram o sentimento de satisfação, de gratidão por todo o
tratamento recebido pelo filho e cuidado com ela durante a hospitalização. Isso ficou
evidente nas falas em que demonstraram confiança na equipe e no tratamento
estabelecido, como uma forma de cura e salvação para seu filho. O modo de
adaptação de interdependência envolve a interação com os outros, incide sobre as
relações mais próximas. Nesse modo de adaptação as necessidades afetivas são
satisfeitas, satisfação nas relações com os outros. Essa relação envolve as
pessoas, com as quais as mães interagem no desempenho de seu papel. Contudo,
diferem os papéis desempenhados entre profissionais e mães.
Eu sou muito grata a esse apoio que a gente teve e está tendo aqui
no hospital com esse atendimento excelente, a gente é tratado muito
bem, não temos do que reclamar. E o que os médicos podem fazer, a
gente acredita que eles vão fazer, mas eles não fazem milagres. E a
gente acreditou nessa idéia, se der certo, tudo bem, se não der
também, paciência [...]. Por que o que tinha que ser feito foi feito
(Margarida, 31 anos).
As enfermeiras e os médicos eles me levantam, porque eu o sei o
quanto minha filha boa, a gente acaba desanimando e ai se eles
falam, “tá boa”, anima um pouquinho mais, converso com minha
família, falo que ela bem, também fica mais tranqüilo, agora, se
eles desanimam, eu desanimo um pouquinho mais, apesar que às
vezes o coração não fica angustiado. Apesar do que os médicos me
falam, eu sinto que ela tá bem, ai eu não levo muito a sério, ela vai se
recuperando (Íris, 42 anos).
A situação que ele ali, precisando de ajuda médica, então a gente
tem que ter medo, mas também tem que ter confiança. Que eles
podem salvar o filho da gente (Violeta, 20 anos).
As mães afirmam que o Programa Família Participante também é uma forma de
ajuda, de suporte que elas recebem durante a hospitalização do filho, pois esse
serviço serve como um apoio para atender suas necessidades. Relatam receberem
apoio emocional dos funcionários deste programa, com quem podem conversar e se
distrair. A adequação afetiva incorpora a necessidade de ser cuidado e cuidar. Inclui
as necessidades pessoais de cuidados e atenção, afirmação, pertença, aprovação e
compreensão. As mães necessitam de interações com as outras pessoas, pois pelas
características da situação podem passar por períodos de isolamento e solidão.
Mas a Família Participante tem me ajudado muito. Algumas coisas a
gente compra, a gente faz, tem doação. Isso ajuda a confortar a
gente, essa ajuda foi especial, por que se a gente não tivesse esse
apoio e tivesse que fazer a cirurgia dele, a gente não teria como ficar
aqui, não tinha condições (Margarida, 31 anos).
É um apoio muito grande que a gente tem aqui e eu nunca tinha
visto. Mas aqui eles dão apoio, dão comida. O pessoal me querem
bem, me apóiam e tem dó de mim, tem bastante pessoas que tem dó
de mim. Tem muita gente que me ajuda, tem dó (Orquídea, 29 anos).
Ali na Família (Participante) eu também converso com as meninas,
daí vou indo, não me sinto assim tão sozinha (Íris, 42 anos).
Ficou evidente que as mães, em sua maioria, têm as outras mães como fonte de
apoio, com quem podem trocar e compartilhar experiências, expressar seus
sentimentos e emoções, receberem palavras de ânimo e assim, se fortalecerem
mutuamente. Milanesi et al (2006, p.773) afirmam que:
Ao conversar, as mães contam umas às outras seus sentimentos,
preocupações, enfim, acabam se identificando, pois todas têm muitos
aspectos em comum. Estão passando por situações semelhantes, no
mesmo ambiente e, enquanto conversam, encontram no desabafo
uma maneira de desviar o pensamento quando percebem que não
são as únicas a viverem essa situação de sofrimento, passam a se
conformar e a ter uma melhor aceitação.
Por desenvolverem grandes laços de amizade, as mães referem que acabam
tendo um grande envolvimento emocional com as outras mães e seus filhos, o que
muitas vezes, segundo elas é fonte de dor e sofrimento, pois se o filho de outra e
sofre, elas também sofrem e acabam ficando tristes e mais desanimadas. A
adequação afetiva no modo de interdependência envolve o contato e o afeto com
outras pessoas, sob a forma de relações mútuas satisfatórias ou não. O sistema de
apoio difere em intensidade e significado de uma pessoa a outra, envolve um
movimento circular de dar e receber. Cada pessoa vivencia a seu modo a rede de
apoio.
Ah, é tão gostoso sabia, a gente conversar, falar com alguém assim,
porque assim, sempre um fala de um, fala de outro, porque aqui
assim, você ter alguém assim pra te escutar, é difícil, uma [mãe]
ajuda a outra, você tem um problema seu e elas compartilham, é um
trocado, sabe? (Rosa, 23 anos).
[...] mas agora eu converso com as outras mães, também acalma
bastante. Se eu tivesse sozinha, acho que eu tava desesperada (Íris,
42 anos).
Mas elas [as outras mães] também me apóiam, até tem uma que eu
fiz amizade, ela tava do lado da minha filha e ela foi embora no
domingo passado, dois dias passaram e ela já me ligou e eu senti
nela uma força muito grande, a maioria transmite confiança, tem
umas que a gente consegue se afinar melhor, tem outras que não
(Amor Perfeito, 38 anos).
Aqui você coisas que você não quer ver, né. Sei lá, ontem eu
chorei muito por causa da filha da minha amiga [que foi a óbito no
hospital], eu era muito amiga da mãe dela. Então você toma as dores
dos outros e isso não é bom, porque você aqui pra cuidar do seu
filho, você tem que estar boa pra ele, mas é difícil [...]. Mas é uma dor
assim, que a gente pega a dor dos outros (Girassol, 21 anos).
Acho que eu recebo apoio das outras mães, que nem aquela
senhora que tava do meu lado, ela conversou comigo, me deu
bastante apoio, então a gente nesse lugar, mas existe também
pessoas que dá apoio pra gente, pessoas queridas (Violeta, 20 anos).
Algumas mães referiram que o próprio filho foi quem lhes deu força para
enfrentar a sua situação de doença e hospitalização. O fato de elas quererem ver o
filho bom e curado foi a força que encontraram para prosseguir e lutar a cada dia. O
seu sorriso e suas expressões de alegria apesar da hospitalização e dos
procedimentos que nele eram realizados as impulsionaram para continuar
enfrentando esse momento.
A maior força que eu tinha era querer ver meu filho bom, meu filho
saudável, meu filho que pudesse brincar que pudesse correr, a força
que eu tirei assim é que eu queria ver ele bom, ele curado. Acho que
a força que eu tirei foi de olhar pros olhinhos dele e ver aquela
felicidade, agora, a força foi ele mesmo, olhando pra ele, ver o
sorrisinho dele, cada vez que eu lembro dele assim, dando risada
(Rosa, 23 anos).
[...] às vezes eu acho que é a própria filha que me forças, né.
Porque ela passando por isso, porque eu não posso passar
também? Eu acho isso. Ela que me apoio, me deixa forte (Íris, 42
anos).
Ele [o filho] também me força. Imagina, ele tava com dreno, tava
com catéter, tava com marcapasso e tava sorrindo, dentro da UTI ele
sorrindo e cantando música pros enfermeiros. Só o fato de você
entrar e ver ele cantando e ver ele bem é vitória. eu ficava mais
animada, com certeza (Girassol, 21 anos).
O neném me aia, eu vejo ele assim rindo, o jeitinho dele, ele me dá
força também. Olhando ele assim, parece que eu tenho mais que
ele vai bem (Tulipa, 19 anos).
Outras vezes, as mães demonstraram não saber de onde tiram sua força para
enfrentar a situação, para elas é algo que não tem explicação. Isso ficou claro nas
falas a seguir:
Nem eu sei de onde eu tiro forças, todo mundo me pergunta isso, eu
mesma me pergunto isso, tipo: “de onde eu tiro força?” (Girassol, 21
anos).
Eu não sabia que eu tinha tanta força pra passar por isso (Tulipa, 19
anos).
Acho que a partir do momento que você é mãe, acho que não tem
explicação de onde você tira forças (Violeta, 20 anos).
Ao concluir a Unidade de Contexto que se refere à interdependência das mães,
pode-se concluir que elas apresentam respostas eficazes neste modo de adaptação.
Isto ficou evidente quando relataram que recorrem aos familiares, como marido,
cunhadas, irmãs e sogros para auxílio no cuidado à criança e divisão de papéis e
buscam apoio na equipe que cuida e nas outras mães que também estão passando
pela mesma situação.
Para as mães, ter pessoas para compartilhar este momento, expressar suas
emoções, receber suporte emocional e até financeiro é a força que encontram para
prosseguir e continuar a luta pela vida do filho. O enfermeiro pode atuar no modo de
interdependência das mães, estimulando-as a manter, a reconhecer e a desenvolver
vínculos com pessoas significativas, que possam auxiliá-la neste momento da sua
vida.
Ao concluir a segunda fase de exploração do material, passo à Fase da
análise, tratamento dos resultados obtidos e interpretação proposta por Bardin
(1991), em que é possível realizar a síntese interpretativa do processo analítico
apreendido.
Ao chegar ao final da análise das informações, em que busquei descobrir o que
significa para a mãe vivenciar o processo de transição de saúde-doença do
filho com cardiopatia congênita, pude compreendê-la, conhecer as suas
necessidades e entender como ela vivencia a transição de saúde-doença cardíaca
congênita do filho. Pude verificar que essa vivência é influenciada pelo modo de ser
da mãe, pela sua condição, sua história, pelo apoio familiar que recebe, pelos
cuidados prestados dos profissionais de saúde e pelos relacionamentos que ela
desenvolve.
Ficou claro que esse momento de transição, de passar de um momento de
estabilidade, em que a mãe esperava um filho normal, para a instabilidade, em que a
mãe tem a notícia da doença do filho e inicia a trajetória de exames, internações e
cirurgias que são necessários para o filho, torna-se um processo doloroso, traz
sentimentos de tristeza e até de desespero, pois muda completamente a sua vida e
rotina, onde ela passa a se dedicar exclusivamente ao cuidado do filho, tendo que se
adaptar a nova situação.
Percebi, que essa vivência, apesar de ser marcada por profundas mobilizações
e mudanças na vida da mãe, com aflição, ansiedade e insegurança com o ambiente
novo e desconhecido, que é o hospital e pelas incertezas que cercam o diagnóstico
de doença cardíaca, faz transparecer o amor, a força, a dedicação e a determinação
que elas apresentam ao estar ali com o filho e de querer vê-lo curado, o que ajuda a
superar as dificuldades e necessidades que venha a apresentar durante esse
momento.
Notei o quanto é importante para a mãe a manutenção dos nculos afetivos
durante a hospitalização do filho, já que nesse período, ela é afastada do seu
“mundo” pessoal, para viver em outro mundo” até o momento desconhecido e cheio
de significados, que é o hospital. Nesse “novo mundo” o cotidiano da mãe é alterado
e sofre modificações profundas que impõem a necessidade de adaptação diante da
nova situação vivida, o que, de acordo com as informações levantadas neste estudo,
é facilitada com a manutenção dos vínculos familiares e o desenvolvimento de novos
vínculos com a equipe de saúde que cuida do seu filho e também com as outras
mães que têm seus filhos hospitalizados e que estão vivendo uma situação
semelhante à sua.
A mobilização de recursos utilizados pela mãe para o enfrentamento da nova
situação fez-se presente em todo o estudo, em que as mudanças de comportamento,
as atitudes, as decisões, as respostas aos estímulos causados pela doença e
hospitalização do filho tornam-se intensas e, muitas vezes, ineficazes. A pesquisa
levou-me a refletir sobre estes mecanismos de enfrentamento que a mãe que
vivencia a transição de saúde-doença cardíaca congênita do filho utiliza para
alcançar a adaptação. Percebi que elas, no geral, apresentam respostas
semelhantes frente aos estímulos e sofrem alterações no modo fisiológico, no seu eu
físico e eu pessoal, nas funções de papel que exercem e na interdependência de
suas relações sociais.
Essas mudanças, próprias do referencial teórico de Roy, em muito me
ajudaram a compreender as estratégias de enfrentamento e adaptação ao processo
de transição que vivenciam e a perceber a lacuna no cuidado desempenhado pelo
enfermeiro à essas mães e a propor uma nova forma de cuidado transicional que
atenda às suas necessidades.
Dessa forma, o modelo de cuidado transicional à mãe proposto neste estudo,
articulado aos modos de adaptação, visa proporcionar ao enfermeiro um método de
trabalho que venha a ser realizado de forma individual às mães, com o objetivo de
cuidar dela, de atender às suas necessidades, de ajudá-la nesse momento de
transição a atingir a adaptação frente à nova situação.
5 PROPOSIÇÃO DO MODELO DE CUIDADO TRANSICIONAL ÀS MÃES,
ARTICULADO AOS MODOS DE ADAPTAÇÃO PROPOSTOS POR ROY
O modelo de cuidado transicional aqui proposto foi construído a partir do
apreendido pela experiência das mães na vivência do processo de transição de
saúde-doença do filho com cardiopatia congênita e baseia-se no Processo de
Enfermagem de acordo com o modelo de adaptação de Roy.
O cuidado transicional, conforme Zagonel (1999) é o cuidado de enfermagem
nos momentos de transição. Dessa forma, para que o cuidado transicional à mãe que
vivencia o processo de transição de saúde-doença do filho seja efetivo, o enfermeiro
deve conhecer o processo de transição e suas conseqüências para a mãe, a fim de
atuar de maneira antecipatória para prevenir, promover ou mesmo intervir de forma
terapêutica frente aos efeitos dessa transição, tendo como objetivo restabelecer a
harmonia e a estabilidade perdida, por meio da adaptação à nova situação vivida, por
meio da promoção de respostas adaptativas em relação aos quatro modos
adaptativos.
Para Roy e Andrews (2001) a pessoa é um ser adaptável e cada uma delas
lida de forma diferente com as mudanças e é responsabilidade do enfermeiro ajudar
a adaptar-se a estas mudanças, pela identificação do nível de adaptação e da
necessidade de intervenção de enfermagem nos quatro modos de adaptação. Esta
intervenção deve ser realizada pelo enfermeiro por meio da aplicação do Processo
de Enfermagem, o qual consiste em seis passos:
1) Avaliação dos comportamentos;
2) Avaliação dos estímulos;
3) Diagnósticos de enfermagem;
4) Estabelecimento de objetivos;
5) Intervenções e
6) Avaliação.
1) Avaliação dos comportamentos
De acordo com Roy e Andrews (2001) o comportamento é o único indicador
de como a pessoa está adaptando-se às mudanças. Dessa forma, no primeiro passo
do processo de enfermagem o enfermeiro deve recolher dados sobre o
comportamento da e e o estado atual da adaptação. O convívio e a proximidade
permitem ao enfermeiro avaliar, detectar necessidades diante de distintos estímulos
a que a mãe está exposta, para prover comportamentos. A antecipação de
comportamentos pode ser um valioso instrumento no planejamento das ações para o
alcance da adaptação. Nesse sentido é essencial que o enfermeiro conheça como se
dá a entrada sob a forma de estímulos e a saída sob a forma de comportamentos, no
processo de transição de saúde-doença. Cada comportamento adotado pela mãe
sofreu algum tipo de estímulo, seja interno ou externo, o qual terá impacto nas
respostas.
2) Avaliação dos estímulos
O enfermeiro deve avaliar os estímulos externos e internos que estão
influenciando o comportamento da mãe em cada modo adaptável. Depois de
identificados os estímulos, eles devem ser classificados em focais, contextuais e
residuais. Ao avaliar o estímulo focal, o enfermeiro procura a causa mais imediata do
comportamento identificado. Para isso, analisa o impacto, na mãe, da descoberta da
doença cardíaca congênita do filho, com os sentimentos que são mobilizados, a
trajetória percorrida desde a descoberta da doença até a hospitalização e cirurgia do
filho, a expectativa futura sobre a sua recuperação e os sentimentos por ela
vivenciados após a cirurgia.
Na avaliação do estímulo contextual, o enfermeiro procura o que mais está a
contribuir para o efeito do estímulo focal e para isso deve verificar como a mãe
associa a cardiopatia congênita com a gravidez e o nascimento do filho. Na avaliação
dos estímulos residuais o enfermeiro irá buscar os demais fatores que estão
descentralizados da situação atual, mas que a influenciam, como experiências
passadas de situações similares já vivenciadas ou mesmo, os resultados da
experiência atual.
Roy e Andrews (2001) apresentam estímulos comuns que afetam a adaptação,
que são a cultura (nível sócio-econômico, etnia, sistema de crenças), a família
(estrutura, tarefas), estado de desenvolvimento (idade, sexo, tarefas, hereditariedade
e fatores genéticos), integridade e modos adaptáveis (fisiológico, autoconceito,
função de papel e interdependência), eficácia cognitiva (percepção, conhecimento,
qualidades) e considerações ambientais (mudanças no ambiente externo e interno).
3) Diagnósticos de Enfermagem
Sabendo que o processo de enfermagem é um processo de resolução de
problemas, os dados comportamentais, uma vez reunidos, devem ser interpretados.
Nesta interpretação o enfermeiro deverá considerar os comportamentos da mãe
juntamente com os outros fatores, isto é, os estímulos que afetam o seu
comportamento e estabelecer os diagnósticos de enfermagem para ela.
Uma das formas estabelecidas para a definição de um diagnóstico de
enfermagem para a mãe envolve posicionar o comportamento juntamente com os
estímulos mais relevantes. Por exemplo, a mãe apresenta os comportamentos de
agitação, insônia, nervosismo e apreensão. Todos estes comportamentos indicam a
ansiedade. Eles resultam de um estímulo focal, que é a notícia da doença do filho.
Dessa forma o diagnóstico de enfermagem formulado é: Ansiedade relacionada ao
impacto da notícia da doença do filho. Assim, o enfermeiro deve formular todos os
diagnósticos de enfermagem relacionados aos comportamentos da mãe e aos
estímulos que a influenciam.
4) Estabelecimento de Objetivos
Logo após os diagnósticos de enfermagem serem formulados, o enfermeiro
estabelece os objetivos, que é a determinação de afirmações claras de resultados
comportamentais esperados a partir dos cuidados de enfermagem para a mãe. O
objetivo geral para as intervenções de enfermagem é manter ou aumentar o
comportamento adaptável e modificar o comportamento ineficaz tornando-o
adaptável.
Os objetivos estabelecidos pelo enfermeiro podem ser a curto e a longo prazo,
dependendo do comportamento da mãe em questão, porém, ambos devem
identificar um resultado comportamental que promova a sua adaptação. O
estabelecimento de um objetivo deve designar não apenas o comportamento a ser
observado, mas a forma como ele mudará e a extensão do tempo no qual o objetivo
deverá ser atingido.
Por exemplo: Diagnóstico de enfermagem: Ansiedade relacionada ao impacto
da notícia da doença do filho. Objetivo esperado dos cuidados de enfermagem: a
mãe deverá apresentar-se menos ansiosa, calma e controlada, à medida que
consiga enfrentar e se adaptar à nova situação vivida.
5) Intervenções
Logo após estabelecer os objetivos relativos aos comportamentos que irão
promover a adaptação, o enfermeiro deverá determinar como intervir para auxiliar a
mãe a atingir estes objetivos. A intervenção de enfermagem irá determinar como os
objetivos estabelecidos serão obtidos. A capacidade da mãe para se adaptar, irá
depender do estímulo focal e do seu nível de adaptação, que é determinado pela
junção de todos os estímulos presentes e representa a sua capacidade para
responder positivamente numa situação.
Na intervenção, o enfermeiro deve alterar, aumentar, diminuir, remover ou
manter os estímulos, visando aumentar a capacidade da mãe em responder
positivamente, apresentando respostas adaptáveis.
Seguindo o exemplo da mãe que apresenta diagnóstico de enfermagem:
Ansiedade relacionada ao impacto da notícia da doença do filho. Neste caso o
estímulo focal é a notícia da doença do filho e o estímulo contextual é
desconhecimento que a mãe tem da doença e associação que ela faz da gestação à
doença cardíaca do filho. Se o objetivo da intervenção de enfermagem é que a mãe
venha a apresentar-se menos ansiosa, calma e controlada, à medida que consiga
enfrentar e se adaptar à nova situação vivida, a intervenção de enfermagem seria:
conversar com a mãe, visando orientar e esclarecer suas dúvidas quanto à doença
do filho e estar atento aos sinais de insegurança e dúvidas que a mãe venha
apresentar durante a hospitalização do filho, visando responder às suas
inquietações.
6) Avaliação
A avaliação realizada pelo enfermeiro envolve a verificação da eficácia da
intervenção de enfermagem em relação ao comportamento da pessoa, isto é, se o
objetivo estabelecido foi atingido. A avaliação da eficácia das intervenções de
enfermagem deve ser realizada pela observação, medição e entrevista, dependendo
do comportamento a ser observado.
O enfermeiro, para avaliar o comportamento da mãe deve realizar uma
observação do seu comportamento e também conversar com a mãe, para saber
como ela está se sentindo, para verificar se a diminuição do seu nível de ansiedade
foi atingido, chegando-se a uma resposta eficaz da mãe.
Em todos os passos do modelo de cuidado transicional descrito foi apontada
e realçada a importância da colaboração e participação da mãe em todas as fases. A
eficácia com que o enfermeiro pode ajudar a mãe na promoção da sua adaptação
depende da compreensão da situação e colaboração do enfermeiro com a mãe.
Dessa forma, o modelo de cuidado transicional atende aos seus objetivos, que é
realizar um cuidado de enfermagem individual e de qualidade para cada mãe, de
acordo com as suas necessidades. O modelo de cuidado transicional, que segue a
sistematização proposta pelo processo de enfermagem, pode ser visualizado no
quadro 3.
Quadro 3 Representação do modelo de cuidado transicional às mães, articulado aos
modos de adaptação propostos por Roy (BRANDALIZE e ZAGONEL, 2007).
AVALIAÇÃO DO
S
ESTÍMULOS
AVALIAÇÃO DOS
COMPORTAMENTOS
DIAGNÓSTICO DE
ENFERMAGEM
ESTABELECIMENTO
DE OBJETIVOS
INTERVENÇÕES
AVALIAÇÃO
MODOS DE
ADAPTAÇÃO
MECANISMOS DE
ENFRENTAMENTO
COMPORTAMENTO
S
RELACIONADOS AOS
ESTÍMULOS
RESULTADOS
COMPORTAMENTAIS
ESPERADOS
ADAPTAÇÃO
À TRANSIÇÃO
A mãe, sujeito desse estudo, como um sistema holístico, possui entradas, sob a
forma de estímulos do ambiente externo e interno, os quais podem ser focais,
contextuais ou residuais e que ativam os mecanismos de resistência reguladores e
cognatos para manter a adaptação relativa aos quatro modos de adaptação
(fisiológico, autoconceito, função de papel e interpedendência). As respostas são os
comportamentos, que são ações ou reações sob circunstâncias específicas, os quais
podem ser adaptáveis ou ineficazes. As respostas adaptáveis promovem a
integridade da pessoa e as ineficazes destroem ou não contribuem para a
integridade.
Dessa forma, o enfermeiro, ao avaliar o comportamento, deve observar as
respostas da mãe em cada modo adaptável. No modo fisiológico o enfermeiro deve
observar e investigar as respostas fisiológicas que a e está apresentando,
relacionadas à nutrição, sono e repouso; no modo autoconceito, buscar descobrir
como a mãe está se sentindo frente a essa situação e se essas questões têm gerado
algum distúrbio no seu eu físico, relacionado à sua imagem corporal e no seu eu
pessoal, relacionado às suas próprias características, expectativas e valores; no
modo de função do papel, identificar como a mãe está se relacionando com as
pessoas ao seu redor, como se conforma a rede de apoio familiar e social e no modo
de interdependência, descobrir se as necessidades afetivas estão sendo
preenchidas, se a mãe está em déficit de afeição, amor e afirmação, sentindo-se
deprimida ou triste, ou se está passando por períodos de isolamento, solidão e
alienação.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreender o que significa para a mãe vivenciar o processo de transição de
saúde-doença do filho com cardiopatia congênita representou um desafio, o qual
consegui alcançar e me permitiu romper com os modelos tradicionais de cuidado,
que entende somente o paciente como foco de atenção do enfermeiro. Possibilitou
afirmar que é possível visualizar a mãe como uma extensão dos cuidados de
enfermagem, buscando atender também às suas necessidades, enquanto
acompanha seu filho hospitalizado.
A partir desse estudo foi possível compreender a complexidade de estímulos e
respostas apresentadas pelas mães e entender que o enfermeiro necessita conhecer
e compreender esses estímulos, para ajudar as es na adaptação, auxiliando-a a
desenvolver comportamentos adaptáveis e alterando os estímulos que contribuem
para os comportamentos ineficazes. Ao utilizar o modelo de adaptação de Roy o
enfermeiro pode ajudar na vivência desse processo, auxiliando a apresentar
respostas eficazes frente aos quatro modos de adaptação ou mecanismos de
enfrentamento.
O enfermeiro pode, desde o pré-natal ou logo após o diagnóstico da doença
cardíaca do filho, orientar a mãe sobre os possíveis acontecimentos, esclarecendo
suas dúvidas e permitindo que expresse seus sentimentos. Ficou claro que o
percurso desde a descoberta da doença até a hospitalização e cirurgia do filho é
árduo para a mãe e, nesse momento, o cuidado transicional de enfermagem se faz
necessário de modo a prevenir, promover ou até mesmo intervir sobre os efeitos
dessa transição, de maneira a auxiliá-la a enfrentar e se adaptar à nova situação que
passa a vivenciar.
Os modos de adaptação devem ser mobilizados pelo enfermeiro, em que, ao
conhecer os estímulos e avaliar os comportamentos apresentados pelas mães, pode
intervir de maneira a conduzí-las a apresentar respostas mais eficazes. Percebi que
em quase todos os modos de adaptação as mães apresentaram respostas
ineficazes, pois à medida que elas foram atendendo às necessidades de cuidado do
filho, deixavam de lado as suas próprias necessidades. Isto deve ser notabilizado
pelo enfermeiro que cuida da mãe, visando fazer com que a vivência da transição de
saúde-doença cardíaca congênita do filho seja o menos traumática possível e que
ela chegue a maiores níveis de adaptação, de forma a cuidar das necessidades do
filho sem deixar de lado a si mesma.
Muito mais do que um estudo, uma pesquisa, eu aproximei-me das mães, pude
conhecê-las, observar seus gestos e expressões e ver além do que as suas palavras
queriam expressar. Foi acima de tudo, um gesto de amor, de respeito, de
humanidade, uma troca de sentimentos e emoções, pois naquele momento as mães
deixavam claras as suas necessidades, expunham seus sentimentos, desabafavam,
ficavam transparentes frente a mim.
A pesquisa-cuidado em muito contribuiu nessa trajetória, visto que permitiu,
além da aplicação de um método rigoroso de pesquisa para a coleta de informações,
uma aproximação e envolvimento maiores entre o ser-pesquisador e o ser-
pesquisado.
Minha postura foi de pesquisadora-cuidadora e também presença junto às
mães, pois além de ouvir e de cuidar, de mostrar que elas também precisam de
cuidados, de fazê-las perceber que têm necessidades que precisam ser satisfeitas e
que são seres humanos, demonstrei empatia, por vários momentos voltei à unidade
de internação para visitá-las e perguntar como estavam. Algumas vezes, também
sofri quando fui visitar algumas mães e elas não estavam mais, não por alta
hospitalar do seu filho e sim porque ele não havia suportado o tratamento e havia
falecido.
Esse estudo permitiu que eu assimilasse para minha vida profissional muito
mais do que um modelo de cuidado transicional, pois aprendi e apreendi nuances
indispensáveis que devem permear qualquer experiência envolvendo as mães.
Levarei o aprendizado do que é ser e, do que uma mãe é capaz de fazer, de
abdicar por um filho e também o significado real do que é “amar incondicionalmente”,
o significado do verdadeiro amor, que dá a sua vida em favor do outro. Sendo assim,
concluir esse estudo foi uma experiência valiosa em minha vida, pois me permitiu
crescer enquanto profissional e também como ser humano.
A articulação de pesquisa-cuidado guarda afinidade aos objetivos do estudo, o
qual mostra-se, além de um método investigativo, um modo de ser com o outro,
proximidade, empatia, interação e compromisso. Esse método facilita a apreensão
das expressões dos sujeitos envolvidos nas ações de cuidado do enfermeiro em
qualquer contexto de atuação, pois potencializa os mecanismos de enfrentamento
para a adaptação à nova situação vivenciada.
Ao concluir este estudo percebo que o significado, para a mãe, sobre a vivência
do processo de transição de saúde-doença do filho com cardiopatia congênita, é
muito maior do que apenas estar ao lado do filho e acompanhá-lo durante sua
hospitalização, é sentir-se internada com ele, compartilhar dos seus sofrimentos,
doar-se, é abrir mão de sua própria vida, seus sentimentos, suas necessidades, é
dar-se completamente em favor do filho que sofre até sua total recuperação.
Também verifico, ao identificar os comportamentos apresentados pelas mães
relacionados a cada modo de adaptação proposto por Roy na vivência do processo
de transição de saúde-doença do filho com cardiopatia congênita, que em quase
todos os modos as mães apresentam comportamentos ineficazes, pois, à medida
que se dedicam ao cuidado ao filho, vão deixando o cuidado de si e da sua família de
lado e todo o seu contexto de vida sofre alterações.
O enfermeiro, ao conhecer o processo de transição vivenciado pela mãe e as
repercussões que o mesmo traz a sua vida, pode auxiliá-la a reconhecer os
estímulos que estão influenciando em cada modo de adaptação e ajudá-la a
mobilizar os recursos que possui, tanto internos quanto externos, para o
enfrentamento e adaptação à nova situação. Dessa forma, a construção de um
modelo de cuidado transicional articulado aos modos de adaptação propostos por
Roy, a partir do apreendido pela experiência da mãe no processo de transição de
saúde-doença do filho com cardiopatia congênita, visa propor uma nova forma de
cuidado a essa mãe, individual, baseado em suas necessidades e que a conduza à
adaptação por meio de respostas eficazes.
Os resultados encontrados com a análise contribuem para novas reflexões
sobre esta temática, tendo em vista o aprimoramento do cuidado e o despertar para
novas práticas de cuidar do enfermeiro a este grupo. Por meio do pensar e do refletir
é que o enfermeiro pode alcançar as transformações tão desejadas em sua prática
profissional, tornando-a consistente, inovadora e com qualidade.
Recomendo, assim, que as instituições formadoras incluam em seus planos
pedagógicos de formação do enfermeiro o cuidado transicional à mãe da criança
doente e hospitalizada, a qual também necessita de cuidados, visando à apropriação
e o aprofundamento do conhecimento e conseqüente aperfeiçoamento do cuidado na
prática profissional. A aplicação do modelo de cuidado transicional às mães,
articulado aos modos de adaptação propostos por Roy, citado na página 106,
permite ao enfermeiro cuidar de forma sistemática e individual, visando atender às
reais necessidades das mães nos quatro modos de adaptação durante a vivência da
transição de saúde-doença do filho. Dessa forma, recomendo que os profissionais
enfermeiros apliquem em sua prática profissional este modelo de cuidado
transicional às mães, como uma nova forma de cuidar desta população tão carente
de cuidados de enfermagem.
Recomendo que as instituições de saúde pediátricas incentivem seus
profissionais enfermeiros a procurarem novos conhecimentos e a realizarem novas
pesquisas sobre o cuidado de enfermagem à mãe, pois assim terão profissionais
cada vez mais preparados para o cuidado a essa clientela, que terão sua prática
profissional embasada cientificamente e que produzam resultados satisfatórios para
a instituição.
Recomendo também aos profissionais enfermeiros que se apropriem do
conhecimento sobre a teoria da adaptação e do cuidado transicional e os incorporem
em sua prática de cuidado, visando atender não somente à criança que está doente
e hospitalizada, mas também o seu familiar, o qual sofre juntamente com ele. Dessa
forma, o enfermeiro terá, cada vez mais, sua prática profissional reconhecida,
valorizada, abrangente, efetiva e que produza resultados cada vez mais satisfatórios
tanto para a clientela que atende quanto para a instituição em que está inserido.
O tema abordado não esgota aqui, mas permite que novos estudos sejam
realizados com o objetivo de aprimorar o cuidado de enfermagem à mãe que
vivencia a transição de saúde-doença cardíaca congênita do filho, é um continuum
de desvelamentos e proposições.
REFERÊNCIAS
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disciplina de Concepções Teórico-Filosóficas e Metodológicas da Prática Profissional
de Enfermagem do Curso de Mestrado em Enfermagem da UFPR, 2006.
APÊNDICES
ANDICE I
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa intitulada CUIDADO DE
ENFERMAGEM À MÃE NA VIVÊNCIA DO PROCESSO DE TRANSIÇÃO DE SAÚDE-DOENÇA DO
FILHO COM CARDIOPATIA CONGÊNITA, coordenada por mim, Daniele Laís Brandalize (Fone: 41-
8822-5577) enfermeira e aluna do Curso de Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal do
Paraná, sob a orientação da Profª. Dra. Ivete Palmira Sanson Zagonel.
Para poder participar, é necessário que você leia este documento com atenção. Por favor, peça aos
responsáveis pelo estudo para explicar qualquer palavra ou procedimento que você não entenda
claramente.
O propósito deste documento é dar a você as informações sobre a pesquisa e, se assinado, dará a
sua permissão para participar no estudo. O documento descreve o objetivo, procedimentos, benefícios
e eventuais riscos ou desconfortos caso queira participar. Você deve participar do estudo se você
quiser. Você pode se recusar a participar ou se retirar deste estudo a qualquer momento, sem trazer
prejuízo ao cuidado de seu filho.
O objetivo: Descobrir o que significa para você ter um filho com doença no coração de nascença que
fez uma cirurgia e está internado na UTI.
Trata-se de uma pesquisa para a construção da dissertação do mestrado. A entrevista será
individual, em local que assegure a sua privacidade e possa expressar suas idéias livremente. Não
haverá nenhum custo a você relacionado aos procedimentos previstos no estudo. Sua participação é
voluntária, portanto você não será pago por sua participação neste estudo.
Eu irei coletar informações sobre você. Em todos esses registros um código substituirá seu nome.
Todos os dados coletados serão mantidos de forma confidencial. Os dados coletados serão usados
para os fins deste estudo. Os dados também podem ser usados em publicações científicas sobre o
assunto pesquisado. Porém, sua identidade não será revelada em qualquer circunstância.
CONSENTIMENTO: Eu li e discuti com a investigadora do presente estudo os detalhes descritos
neste documento. Entendo que sou livre para aceitar ou recusar, e que posso interromper minha
participação a qualquer momento sem dar uma razão. Eu concordo em realizar a entrevista, que
meu depoimento seja gravado e que os dados coletados para o estudo sejam usados somente para
o propósito desta pesquisa.
Eu entendi a informação apresentada neste termo de consentimento. Eu tive a oportunidade para
fazer perguntas e todas as minhas perguntas foram respondidas.
NOME DO PARTICIPANTE
ASSINATURA
DATA
NOME DO INVESTIGADOR
(Pessoa que tomou o TCLE)
ASSINATURA
DATA
APÊNDICE II
INSTRUMENTO DE PESQUISA
Entrevista nº:___________________________________________________
Local:_________________________________________________________
Data:___/___/___
I. Dados sócio-demográficos:
Iniciais do nome:_________________________________________________
Idade:_________________________________________________________
Procedência:____________________________________________________
Escolaridade:____________________________________________________
Estado civil:_____________________________________________________
Número de filhos e idade:__________________________________________
Profissão/Ocupação:______________________________________________
Renda familiar:___________________________________________________
Religião:________________________________________________________
Atividades de lazer:_______________________________________________
Tempo de permanência do filho na UTI:_______________________________
Internações anteriores:_____________________________________________
Diagnóstico médico:_______________________________________________
II - Dados da Entrevista:
Questão Norteadora: O que significa para a mãe vivenciar o processo
de transição de saúde-doença do filho com cardiopatia congênita?
O que significa para você ter um filho com doença no coração de nascença, que
fez uma cirurgia e está/esteve internado na UTI?
Questões Complementares:
- Como você está fazendo para se alimentar, ir ao banheiro, tomar banho e
descansar?
- Você tem cuidado de você mesma? Da sua aparência, sua beleza?
- Como você está se sentindo neste momento, com o que está acontecendo?
- Como você tem agido diante dessa situação?
- O que faz para suportar essa experiência pela qual está passando?
- Como você es fazendo para se organizar com sua casa, família, trabalho
enquanto acompanha seu filho neste momento?
- Você está contando com a ajuda de mais alguém?
- O que você está achando do tratamento que seu filho está recebendo, da sua
permanência com ele no hospital e do seu relacionamento com a equipe que está
cuidando dele?
- Você tem conversado sobre isso com mais pessoas?
- Você acha que também está sendo cuidada por alguém neste momento?
- Você gostaria de falar mais alguma coisa?
III – Dados de Observação do Entrevistador:
Apresentação;
Expressão corporal;
Reações/manifestações.
ANEXO A
AUTORIZAÇÃO PARA CITAÇÃO DO NOME DO HOSPITAL
ANEXO B
APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
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Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
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Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
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Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
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