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Lúcia Fulgêncio
E
XPRESSÕES FIXAS E IDIOMATISMOS
DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Belo Horizonte
2008
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Lúcia Fulgêncio
E
XPRESSÕES FIXAS E IDIOMATISMOS
DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de
Doutor em Lingüística e Língua Portuguesa.
Área de concentração: Lingüística e Língua
Portuguesa
Orientador: Prof. Dr. Hugo Mari
Belo Horizonte
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Fulgêncio, Lúcia
F963e Expressões fixas e idiomatismos do português brasileiro /
Lúcia Fulgêncio.
Belo Horizonte, 2008.
489f.
Orientador: Hugo Mari
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Letras.
1. Língua portuguesa - Expressões idiomáticas. 2. Lexicologia.
3. Semântica.
I. Mari, Hugo. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras. III. Título.
CDU: 806.90(81).03
ii
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Programa de Pós-Graduação em Letras
Tese intitulada Expressões fixas e idiomatismos do português brasileiro”, de
autoria de Lúcia Monteiro de Barros Fulgêncio, defendida perante a banca
examinadora constituída pelos seguintes professores:
__________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Márcia Cançado – UFMG
__________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Maria Elizabeth Fonseca Saraiva – UFMG
__________________________________________________
Prof. Dr. Marco Antônio de Oliveira – PUC Minas
__________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar Mendes – PUC Minas
__________________________________________________
Prof. Dr. Hugo Mari (orientador) – PUC Minas
Belo Horizonte, 26 de setembro de 2008
iii
Ao Fernando e à Juliana,
com certeza as minhas melhores
produções
iv
AGRADECIMENTOS
A meu pai Ivan Fulgêncio, jornalista por profissão, cultuador das palavras por diversão e
minha fonte de inspiração, que gostava de brincar com as palavras e lembrar expressões
inusitadas – que como ele dizia, eram tiradas “do fundo do baú”.
A minha mãe Carmen, força, apoio e segurança pela simples presença. E por ter me chamado
a atenção para o léxico com seu vocabulário particular, que acabou gerando na família o
“dicionário da vó Carminha”.
A meu marido Perini, exemplo de genialidade de raciocínio, meu modelo e meu ídolo.
A meu orientador Hugo Mari, pela leitura minuciosa e pela crítica detalhada deste trabalho.
A Eunice Pontes, que sem saber me ensinou uma verdade grandiosa sobre pesquisa em
lingüística. Me disse ela um dia, quando tive de fazer um trabalho de final de curso: “não se
preocupe em definir por antecedência qual o assunto a ser pesquisado; olhe para os dados
deles vão saltar fora as questões interessantes para o estudo”. Ela tinha toda a razão.
À Prof
a
Stella Ortweiler Tagnin, inspiradora desta pesquisa com a sua publicação Expressões
idiomáticas e convencionais – um livro simplesmente genial.
A meus professores e colegas, por compartilharem comigo o interesse pelo mistério que se
esconde dentro das línguas e dentro da cabeça dos falantes; em especial à Darinka Suckow, a
quem aprendi a admirar como uma pessoa da melhor qualidade e uma lingüista de mão-cheia.
A meus amigos, pela alegria.
A meus cães, passados, presentes e futuros, pelo carinho incondicional.
v
É um erro capital teorizar antes de ter os dados.
Insensivelmente, começa-se a distorcer os fatos
para adaptá-los às teorias, em vez de fazer com
que as teorias se adaptem aos fatos.
(Sherlock Holmes, em A scandal in Bohemia, de
Arthur Conan Doyle, 1891)
vi
RESUMO
Esta pesquisa investiga a estrutura das expressões fixas do português brasileiro, a partir do
levantamento de cerca de 8.000 expressões utilizadas atualmente nos diferentes registros.
Uma expressão fixa é uma seqüência de palavras memorizada em bloco, utilizada pelos
falantes sem a intermediação da aplicação de regras gerais. Muitas vezes as expressões fixas
apresentam significado não-composicional, como espírito de porco, da pá virada, afinal de
contas, à beça e mandar às favas. E, diferentemente do que se pensava, há também casos de
estruturação morfossintática igualmente idiossincrática, como nas expressões quem dera, às
escuras, sem mais aquela, de vez em quando e de mais a mais. Nem todas são
semanticamente opacas, sendo que algumas têm significado transparente, como quem espera
sempre alcança. O que caracteriza a expressão fixa é a convencionalidade do agrupamento e a
sua memorização como um bloco coeso. A seqüência é recuperada da memória como um todo
e reconhecida como uma unidade informacional. Foram identificados seis tipos de expressões
fixas: (a) expressões idiomáticas; (b) colocações; (c) expressões semanticamente transparentes
mas de estrutura morfossintática idiossincrática; (d) fórmulas sociolingüísticas; (e) provérbios
e (f) expressões mistas (que incluem uma parte lexical fixa e outra parte em aberto). A
descrição aqui proposta fornece evidência de que uma porção significativa da ngua é
composta de expressões fixas, o que leva a uma nova concepção da competência lingüística,
que é formada não somente de regras e itens léxicos individuais, mas também de estruturas
complexas com léxico já preenchido. Essa visão leva a uma atribuição de maior importância à
memorização no conhecimento da língua, e motiva a proposição de uma nova configuração
do léxico, que inclui expressões fixas como unidades lexicais.
Palavras-chave: expressões fixas; expressões idiomáticas; colocações; léxico; língua
portuguesa.
vii
ABSTRACT
This research investigates the structure of fixed expressions in Brazilian Portuguese, on the
basis of a survey of about 8,000 expressions currently used in all registers. A fixed
expression is a sequence of words which is memorized as a unit and is used by speakers
without the mediation of general rules. Expressions have often noncompositional meaning, as
in espírito de porco, da virada, afinal de contas, à beça and mandar às favas. And,
contrary to what was generally accepted, there are also cases of equally idiosyncratic
morphosyntactic structures, as in the expressions quem dera, às escuras, sem mais aquela, de
vez em quando and de mais a mais. Not all are semantically opaque, and some have
transparent meaning, as for example quem espera sempre alcança. What characterizes a fixed
expression is the conventional character of the sequence and its memorization as a unified
block. The sequence is recovered by memory as a whole and recognized as an informational
unit. Six types of fixed expressions have been identified: (a) idioms; (b) collocations; (c)
semantically transparent expressions with idiosyncratic morphosyntactic structure; (d)
sociolinguistic formulae; (e) proverbs; and (f) mixed expressions (which include a fixed
lexical part and an open part). The description proposed here yields evidence that a significant
portion of the language is composed of fixed expressions, which leads to a new conception of
linguistic competence, formed not only of rules and individual lexical items, but also of
complex structures with filled lexical slots. This vision leads to assigning a greater importance
to memorization in the knowledge of language, and motivates the proposal of a new
configuration of the lexicon, which includes fixed expressions as lexical units.
Key-words: fixed expressions; idioms; collocations; lexicon; Portuguese language.
viii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – EFs sem origem metafórica discernível – exemplos de casos ................... 154
Quadro 2 – Colocações e classes de palavras – exemplos de casos .......................... 178
Quadro 3 – EFs com lacunas: fórmulas variáveis do português
exemplos de casos ................................................................................. 205
Quadro 4 – Contraposição de casos de EFs em que o artigo
determina o significado .......................................................................... 232
Quadro 5 – EFs intensificadoras – exemplos de casos ............................................. 241
Quadro 6 – EFs que incluem uma forma marcada: feminino – exemplos de casos .... 248
Quadro 7 – EFs
que incluem formas marcadas: feminino e plural –
exemplos de casos .................................................................................. 249
Quadro 8 – EFs
que incluem uma forma marcada: plural – exemplos de casos ......... 250
Quadro 9 – EFs que incluem clíticos reflexivos – exemplos de casos ........................ 256
Quadro 10 – EFs negativas sem correspondente positivo – exemplos de casos ......... 261
Quadro 11 – EFs que usadas para negar ou como reforço de negação –
exemplos de casos .................................................................................. 263
Quadro 12 – EFs com forma interrogativa e significado não interrogativo –
exemplos de casos .................................................................................. 267
Quadro 13 – EFs que incluem palavras semelhantes a formas verbais,
mas que não se comportam como verbos – exemplo de casos ............. 271
Quadro 14 – EFs cujo significado não é o esperado – exemplos de casos ................... 315
Quadro 15 – Comparação entre EFs no português de Portugal e do Brasil –
exemplos de casos ................................................................................. 361
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Freqüência de uso das expressões fixas....................................................... 28
Figura 2 – Alteração de expressão idiomática ............................................................. 107
Figura 3 – O sentido idiomático é o primeiro a ser ativado? ....................................... 133
x
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
EF expressão fixa
EI expressão idiomática
ex. exemplo
L.E. língua escrita
obs. observação
OD objeto direto
Prep preposição
Q / Qual. qualificativo
R referencial
SN sintagma nominal
SV sintagma verbal
SPrep sintagma preposicional
WH “item lexical que serve para perguntar, como em inglês
who, what, when, where, why ou how, ou um item
equivalente em outra língua”. (Trask, 1992, p. 303)
o símbolo indica mudança do papel temático do sujeito
xi
S U M Á R I O
1 Introdução .................................................................................... 16
1.1 O conhecimento lingüístico inclui a memorização de
sintagmas preenchidos...................................................................................... 16
1.2 A atuação das regras lingüísticas e da memória lexical .................................. 29
1.3 Sobre a composição estrutural das expressões fixas (EFs) ............................. 30
1.4 A importância do estudo das expressões fixas ................................................ 31
1.5 Objetivos ........................................................................................................... 33
1.6 Metodologia ...................................................................................................... 38
1.7 Posição adotada: descritivista .......................................................................... 43
2 O léxico ........................................................................................ 49
2.1 O interesse pelo léxico e os estudos sobre lexicologia ...................................... 49
2.2 De que é composto o léxico da língua .............................................................. 55
2.2.1 Sobre a regularidade sintático-semântica das expressões fixas ......................... 60
2.2.2. O armazenamento das expressões fixas ............................................................. 61
2.2.3 Conclusão: uma nova visão do léxico ............................................................... 66
2.3 A concepção do léxico em algumas posições teórico-metodológicas ............... 72
2.4 O papel da memória no conhecimento da língua ........................................... 79
2.5 A memorização em diferentes níveis lingüísticos ............................................ 80
2.6 Sumário ............................................................................................................ 83
3 EF: palavra ou sintagma? ............................................................ 87
3.1 Discutindo o conceito de palavra ..................................................................... 87
3.2 Algumas semelhanças entre palavras e expressões fixas ................................ 91
3.3 A EF pode ser considerada um único item léxico? ......................................... 94
3.4 A noção de palavra empregada na definição das EFs ................................... 97
xii
4 O que é uma expressão fixa (EF) .................................................. 100
4.1 Definição de expressão fixa ............................................................................. 100
4.2 Alterações propositais sobre as EFs ................................................................ 104
4.3 As EFs e suas idiossincrasias lexicais, semânticas e sintáticas ........................ 111
4.3.1 Idiossincrasia lexical ......................................................................................... 112
4.3.2 Idiossincrasia semântica ................................................................................... 114
4.3.2.1. EFs com significado transparente .................................................................. 115
4.3.3 Idiossincrasia sintática ...................................................................................... 117
4.3.4 Idiossincrasia discursiva ................................................................................... 118
4.3.5 Idiossincrasias múltiplas ................................................................................... 120
4.4 O contínuo da classe ou o gradiente lexical ..................................................... 121
4.5 As EFs estão memorizadas em bloco ............................................................... 123
4.6 Sobre o papel da metáfora na caracterização de uma EF .............................. 125
4.6.1 Sobre a conceituação de metáfora .................................................................... 125
4.6.2 A tradição de se achar que toda expressão idiomática é metafórica .................. 127
4.6.3 A interpretação de metáforas neológicas ........................................................... 135
4.6.4 Sentido literal x metáfora .................................................................................. 139
4.6.5 O problema da distinção entre EFs e construções metafóricas ......................... 144
4.6.6 O que caracteriza uma EF não é unicamente o ponto de vista do ouvinte ........ 146
4.6.7 Outra característica das EFs: a não-produtividade .......................................... 148
4.6.8 Gênese da EF .................................................................................................... 150
4.6.8.1 EFs em que a gênese não é recuperável ........................................................... 152
4.6.9 Conclusão ......................................................................................................... 155
4.7 Sobre a ineficácia da atuação inferencial na depreensão
do significado de EFs ....................................................................................... 157
5. Tipologia das expressões fixas ...................................................... 166
5.1 Expressões idiomáticas (EIs) ........................................................................... 166
5.2 Colocações (“collocations”) .............................................................................. 170
5.2.1 Objeto incorporado ........................................................................................... 180
5.2.2 Regência ............................................................................................................ 182
5.2.2.1 Preposições inerentes?
..................................................................................... 185
5.3 Expressões semanticamente transparentes mas
xiii
de estrutura morfossintática idiossincrática ................................................... 189
5.4 Fórmulas sociolingüísticas ............................................................................... 191
5.5 Provérbios ........................................................................................................ 192
5.6 EFs mistas: léxico + sintaxe ............................................................................. 203
6 Casos em que as EFs rompem os padrões gramaticais ................ 211
6.1 Ordem sintática: irreversibilidade e imobilismo ............................................ 213
6.2 SN ..................................................................................................................... 217
6.3 Locuções - palavras compostas ....................................................................... 227
6.4 Artigo ............................................................................................................... 230
6.4.1 O artigo como elemento definidor do significado ............................................. 230
6.4.2 Usos idiossincráticos do artigo .......................................................................... 234
6.5 Intensificadores, quantificadores e enfatizadores ........................................... 239
6.6 Número (singular / plural) ............................................................................... 242
6.7 Anáforas ........................................................................................................... 243
6.7.1 Anáforas sem antecedente e/ou sem referente ................................................... 243
6.7.2 Formas marcadas ............................................................................................. 245
6.7.3 Clíticos e elipse .................................................................................................. 251
6.7.4 O clítico “se” ..................................................................................................... 255
6.8 Construções negativas ...................................................................................... 259
6.9 Construções interrogativas .............................................................................. 265
6.10 Aspecto verbal .................................................................................................. 269
6.11 Verbo sem função de verbo ............................................................................. 270
6.12 Verbos ser / estar .............................................................................................. 278
6.13 Estrutura passiva e indeterminação do agente ............................................... 280
6.14 Grade temática – valência – diátese verbal ..................................................... 283
6.14.1 Diátese em construções com EF quanto ao papel temático de
complementos externos .................................................................................... 283
6.14.2 Estrutura da EF: função e papel temático de complementos internos .............. 290
6.14.2.1 Sujeito ............................................................................................................ 290
6.14.2.2 Complementos internos ao SV ...................................................................... 294
6.14.3 Correspondência entre diáteses .......................................................................... 303
6.15 Advérbios ......................................................................................................... 306
xiv
6.16 Preposição ........................................................................................................ 309
6.17 Conectivos ........................................................................................................ 311
6.18 Considerações semântico-cognitivas : quebra de expectativas ....................... 313
6.19 A ordem das palavras ...................................................................................... 317
6.19.1 A ordem das palavras no SN ............................................................................. 317
6.19.2 A ordem dos termos na oração .......................................................................... 318
7 Testes auxiliares para a detecção de EFs .................................... 321
7.1 Teste da independência dos componentes da expressão ................................. 322
7.2 Teste da referência ........................................................................................... 323
7.3 Teste da substituição anafórica pronominal ................................................... 325
7.4 Sinonímia e possibilidade de substituição paradigmática .............................. 326
7.5 Antônimos (positivo/negativo) ......................................................................... 334
7.6 Teste da interrupção: hesitação e inserção ..................................................... 337
7.7 Teste da língua estrangeira .............................................................................. 340
7.8 Invariabilidade de ordem e irreversibilidade ................................................. 342
7.9 Teste do recorte ................................................................................................ 343
7.9.1 Recorte de verbos “light” .................................................................................. 346
7.9.2 Um adendo: a questão dos limites da EF ......................................................... 349
7.10 Teste do bloqueio de propriedades transformacionais ................................... 355
8 Conclusão .................................................................................... 357
Referências bibliográficas ...................................................................... 366
Referências de dicionários consultados .................................................. 374
Apêndices
Apêndice 1:
QUADRO 1 – continuação
EFs sem origem metafórica discernível exemplos de
casos.................................................................. 376
xv
Apêndice 2:
QUADRO 3 – continuação
EFs com lacunas: fórmulas variáveis do português exemplos de casos
............................................... 378
Apêndice 3:
QUADRO 5 – continuação
EFs intensificadoras exemplos de casos
.............................................................................................. 383
Apêndice 4:
QUADRO 6 – continuação
EFs que incluem uma forma marcada: feminino exemplos de casos
.................................................... 397
Apêndice 5:
QUADRO 7 – continuação
EFs que incluem formas marcadas: feminino e plural exemplos de casos
........................................... 400
Apêndice 6 :
QUADRO 8 – continuação
EFs que incluem uma forma marcada: plural exemplos de casos
......................................................... 401
Apêndice 7:
QUADRO 9 – continuação
EFs que incluem clíticos reflexivos exemplos de casos
......................................................................... 406
Apêndice 8 :
QUADRO 10 – continuação
EFs negativas sem correspondente positivo exemplos de casos
.......................................................... 407
Apêndice 9:
QUADRO 11 – continuação
EFs que usadas para negar ou como reforço de negação exemplos de casos
..................................... 413
Apêndice 10:
QUADRO 12 – continuação
EFs com forma interrogativa e significado não interrogativo exemplos de casos
.............................. 415
Apêndice 11:
QUADRO 13 – continuação
EFs que incluem palavras semelhantes a formas verbais, mas que
não se comportam como verbos exemplos de casos
........................................................................... 418
Apêndice 12:
QUADRO 14 – continuação
xvi
EFs cujo significado é oposto ao esperado exemplos de casos
............................................................ 422
.
Apêndice 13:
Excerto da listagem para um DICIONÁRIO de expressões fixas
do português brasileiro ...............................................................................................
424
17
1 Introdução
1.1 O conhecimento lingüístico inclui a memorização de sintagmas preenchidos
Se um ponto de consenso entre os lingüistas atuais é que o objetivo da lingüística
sincrônica é descrever a competência que o falante nativo tem da língua, ou seja, aquilo que
ele sabe (mesmo que inconscientemente) sobre a sua língua e que lhe permite atuar com
eficiência na comunicação. Tenta-se descrever o funcionamento das línguas naturais, mas o
interesse da lingüística não pára aí: não basta uma descrição qualquer que dê conta dos dados,
porque o que se quer, em última instância, é descrever o conhecimento do falante. O lingüista
pretende descrever o funcionamento das línguas para explicitar como a mente opera na
produção e na recepção de uma língua natural, isto é, como o cérebro funciona com relação à
linguagem. O objetivo é o de relatar como se organiza e como se estrutura esse conhecimento
na mente do falante. Essa orientação da disciplina denuncia, por si só, um comprometimento
dos estudos lingüísticos com a realidade psicológica do fenômeno. Numa postura mais
recente, Chomsky também admite a necessidade de vinculação dos estudos lingüísticos a uma
descrição real do funcionamento mental, paralelamente ao que se faz nos estudos de
fenômenos físicos ou químicos. Indica assim que o interesse lingüístico vai além da mera
formulação de um modelo teórico arquitetonicamente bem articulado, mas possui um
comprometimento com o que efetivamente se processa na mente do usuário da língua.
Chomsky (2005, p. 193) diz o seguinte:
Gostaria de discutir uma abordagem da mente que toma a linguagem e os
fenômenos similares como elementos do mundo natural a serem estudados
por meio de métodos ordinários de pesquisa empírica. Usarei os termos
“mente” e “mental” aqui sem significação metafísica. Assim, entendo “mental”
como estando no mesmo nível de “químico”, “ótico” ou “elétrico”.
Em se tratando do léxico, sempre se considerou que a unidade lingüística presente na
mente do falante era a palavra.
1
Assim, quando a teoria gerativa propôs uma operação de
inserção léxica nas estruturas sintáticas, gerando as sentenças da língua, entendeu-se que as
1
Mais exatamente, a unidade lexical é o lexema ou lema, segundo nomenclatura de Nation, 2001, p. 7.
18
palavras eram adicionadas aos nódulos terminais dos esqueletos sintáticos, que elas eram
consideradas as unidades constitutivas do léxico.
Essa mesma visão de que as palavras constituem unidades lexicais por excelência está
na base de praticamente toda e qualquer metodologia do ensino de línguas estrangeiras:
ensina-se a estrutura sintática da L
2
, as suas regras estruturais e, paralelamente, os itens
léxicos que compõem o vocabulário da língua estrangeira em questão, com a expectativa de
que o aprendiz possa juntar aos esqueletos sintáticos o vocabulário adquirido, de forma a
reconhecer e criar sentenças novas não gramaticalmente corretas, mas também
pessoalmente motivadas e apropriadas à situação comunicativa. (COLOSIMO, 1990, p. 6)
Um dos problemas decorrentes dessa visão consiste na constatação de que nem todas
as sentenças geradas, mesmo que perfeitamente gramaticais, são efetivamente usadas na
comunicação espontânea. O falante não-nativo geralmente constrói as sentenças levando em
conta somente o sistema computacional + as palavras, e isso faz com que a sua língua não soe
tão natural como a do falante nativo. Muitas vezes é possível reconhecer o texto de um
estrangeiro porque ele soa pouco aderente ao modo como um falante nativo diria a mesma
coisa, apesar de correto com relação às regras gramaticais.
O fato é que as regras lingüísticas permitem a geração de sentenças que são
desprezadas pelos falantes nativos, no uso efetivo da língua. Existe uma preferência por certas
fórmulas, que são mais freqüentes e mais características de uma fala fluente e natural. Pawley
e Syder (1983, p. 196) apresentam o seguinte exemplo para comprovar a preferência por
certos agrupamentos de palavras e não por outros: suponhamos que um rapaz queira pedir a
mão de uma moça em casamento. O que ele vai dizer? Provavelmente, a expressão usada será
Você quer casar comigo? ou Eu quero (me) casar com você.”. É isso que se diz
geralmente nesse contexto. Mas teoricamente a ngua permitiria várias outras formas de
expressar a mesma intenção. No entanto, essas outras maneiras, apesar de gramaticais, são
rejeitadas. As possibilidades não escolhidas seriam, por exemplo:
(1) Você quer vir a ser casada comigo?
(2) Meu casamento com você é desejado por você?
(3) Transformar-se em minha esposa é o que você quer?
(4) É meu desejo que eu me torne casado com você.
(5) O que é desejado por mim é o meu casamento com você.
19
O que se constata, através desses exemplos, é que nem sempre toda estrutura bem
formada é utilizada na comunicação espontânea. Nem toda estrutura gramatical é
naturalmente possível em situações reais. Nem todas as sentenças geradas pela gramática são
igualmente utilizáveis quando se trata de uso efetivo da língua, mesmo se as sentenças
geradas são perfeitamente gramaticais, adequadas às regras da ngua e ao contexto de
comunicação. Na verdade, existem estruturas preferidas ou seja, as sentenças possuem
níveis diferentes de aceitabilidade em situações de uso real.
Como explicam Paul e Syder (1983, p. 196-198), a explicação desse fato não pode ser
dada por meio de uma resposta unificada em termos das estruturas sintáticas ou do contexto
discursivo. Mesmo considerando que as sentenças gramaticais podem eventualmente ser
possíveis em algum contexto, permanece ainda o fato de que a naturalidade com que cada
uma se encaixa em cada situação precisa ser especificada. Não escapamos de algum grau de
idiomaticidade e de convencionalidade na escolha, além da necessidade de marcações
individuais.
Algumas seqüências tendem a ser mais freqüentes, e com isso são aceitas como mais
naturais. É através do emprego dessas fórmulas e estruturas convencionalizadas que se
reconhece a fluência e a espontaneidade nativas no uso da língua. Nas palavras de Pawley e
Syder (1983, p. 191),
[...] a fluência e o controle idiomático da língua consiste, em grande parte, no
conhecimento de um conjunto de ‘clichês’ [“sentence stems”] que são
‘institucionalizados’ ou ‘lexicalizados’. Um clichê lexicalizado é uma unidade
do tamanho de uma oração
2
, ou maior, cuja forma gramatical e o conteúdo
lexical são fixos, na sua totalidade ou na sua maior parte.
3
Na verdade, a eficácia comunicacional transcende a dimensão do gramatical. Um
sintagma como
(6) Eu estou sem tempo pra nada.
2
Neste trabalho alargamos a proposta de Pawley e Syder e consideramos que a língua inclui estruturas fixas
lexicalizadas bem menores do que uma oração, que podem constituir um sintagma como um SN (caixa dois) ou
um SPrep (de repente), por exemplo.
3
Texto original: “[...] fluent and idiomatic control of a language rests to a considerable extent on knowledge of a
body of ‘sentence stems’ which are ‘institutionalized’ or ‘lexicalized’. A lexicalized sentence stem is a unit of
clause length or longer whose grammatical form and lexical content is wholly or largely fixed.”
20
é semântica e sintaticamente regular. Mas isso não quer dizer necessariamente que toda vez
que for utilizado é por meio da ativação das regras semânticas e sintáticas relevantes. Como é
um sintagma de ocorrência freqüente, o falante pode armazená-lo e recuperá-lo em bloco, sem
o intermédio de atividades de montagem. Nisso o exemplo (6) acima se distingue de
(7) Eu estou sem tinta pra esquadria.
que é estruturalmente idêntico, semanticamente regular, mas não é armazenado, dado seu
baixo índice de freqüência no mesmo formato. Do ponto de vista psicolingüístico, as duas
ocorrências são diferentes.
Se as coisas forem realmente assim (e há evidência de que são), as implicações
teóricas são importantes. Em particular, afetam a validade das análises lingüísticas
tradicionais para o estudo das faculdades mentais que nos permitem usar a língua. O lingüista
elabora sua análise procurando a solução mais simples: aplica a navalha de Occam para
decidir qual é a alternativa que dá conta dos dados e é a mais geral. Isso faz sentido
descritivamente, mas em termos cognitivos pode não funcionar. Voltando aos exemplos
acima, a alternativa mais simples é a que nos a mesma análise para as duas sentenças (6) e
(7). Mas nada nos garante que a nossa mente funcione nesses termos. Apesar de
estruturalmente mais complexa, a solução mais conveniente pode ser a de analisar a segunda
sentença (7) como uma construção sintático-semântica regular, mas a primeira (6) como uma
estrutura memorizada (um stem, na nomenclatura de Pawley e Syder). A decisão não pode ser
feita puramente em termos estruturais, mas depende de evidência psicolingüística
independente.
Não se pretende tratar aqui da performance, nem do valor pragmático dos enunciados.
Os exemplos de Pawley e Syder nos são interessantes pelo fato de levarem à constatação de
que um dos processos envolvidos na construção de sentenças diz respeito à utilização de
agrupamentos memorizados. Conseqüentemente, o falante tem noção da freqüência de
construções lingüísticas preenchidas lexicalmente. O que mostram esses exemplos e nos
interessa de modo especial é o tipo de acessibilidade de certas estruturas em face de outras. Os
clichês (ou stems) nos o relevantes para mostrar que existe um mecanismo de retomada de
estruturas completas, recuperadas da memória como um conjunto coeso. Esse mecanismo é
também utilizado na recuperação de expressões fixas como tanto faz, a meu ver, desculpa
esfarrapada, que tal, dar no pé, puxa-saco, célula-tronco, botar banca, os justos pagam pelos
21
pecadores, no entanto, hoje em dia e tantas outras igualmente memorizadas em bloco, que
compõem o objeto de estudo deste trabalho.
Quem pretendesse empreender um estudo da performance deveria levar em conta
ainda outras considerações de ordem pragmática e discursiva, como por exemplo aspectos de
interação entre falante e ouvinte específicos, num contexto específico. Este trabalho não tem a
intenção de chegar tão longe e pretende considerar somente um aspecto da competência
lingüística. Evidentemente, seria temerário elaborar um estudo sobre a performance e o uso de
expressões fixas em contexto sem conhecer primeiramente qual é a competência do falante a
esse respeito, uma vez que o conhecimento internalizado é uma das bases sobre a qual o
falante monta o enunciado e opera em contexto. A respeito da competência lingüística,
pretende-se mostrar que o conhecimento do falante inclui, além de regras e parâmetros,
também blocos de palavras memorizados.
Ao lado da liberdade total na formulação de sentenças novas, cujo único filtro é o
respeito às regras impostas pela gramática da língua, é preciso reconhecer ainda a existência
de seqüências mais freqüentes, preferidas pelos falantes, consideradas mais “naturais” ou mais
“convenientes” em ambientes pragmaticamente definidos; além disso, existem também blocos
de palavras prontos, sintagmas memorizados preenchidos com itens léxicos pré-
determinados, fórmulas prontas, fixas, idiossincráticas, que o falante repete em bloco, como
um todo coeso. Na verdade, a língua inclui um número muito maior de convencionalidades
do que se poderia imaginar a princípio. Essas convenções são ditadas pela sociedade que usa
aquela língua, e têm portanto, como aliás toda a língua, uma dimensão cultural. O falante,
condicionado e moldado por essa cultura, repete as fórmulas institucionalizadas.
Crystal (1985, p. 68) assim define o conceito de “convenção” usado em lingüística:
“A lingüística usa o termo [convenção] em seu sentido geral com
referência a qualquer prática aceita no uso da língua [...]. Existe também um
sentido mais restrito, referindo-se à natureza arbitrária da relação entre
expressões lingüísticas e suas significações [...].”
Tagnin (1989, p. 12-13) explica que tanto a forma escolhida pela língua para a
apresentação de um conceito, quanto o seu emprego em determinado contexto, podem ser
ambos convencionais, determinados arbitrariamente. Tagnin assim explica a noção de
convencionalidade lingüística:
É costume em nossa sociedade cumprimentar alguém por ocasião do Natal,
seja dando-lhe um presente, enviando-lhe um cartão ou simplesmente
22
dizendo Feliz Natal. [...] Pois bem, a mesma noção de convenção pode se
aplicar à língua, tanto a nível social, isto é, deve-se saber quando dizer algo,
quanto a vel lingüístico, ou seja, saber como dizê-lo. [...] Por exemplo,
Feliz Natal é uma expressão convencional social, pois está ligada à
comemoração do Natal, enquanto mundos e fundos é uma expressão
convencional devido a sua forma, isto é, convencionou-se combinar os dois
vocábulos mundos e fundos e não universos e profundidades, por
exemplo unidos pela conjunção e. E convencionou-se também ser essa a
ordem em que devem aparecer, jamais fundos e mundos.
As seqüências convencionais são memorizadas pelos falantes. Na produção e recepção
de textos, o falante recupera sintagmas inteiros já prontos e outras unidades estáveis, presentes
como um bloco na sua memória. Parece lícito supor que o falante possua, aliado a um sistema
de regras e parâmetros, também um conjunto de construções mais freqüentes, de “frases
feitas”, clichês e expressões fixas memorizadas por inteiro, sendo que esse estoque de
construções prontas (no sentido de que são estruturas preenchidas com o léxico) é
igualmente usado na comunicação e no uso efetivo da língua. E se a mente do falante trabalha
não somente com regras algorítmicas, é preciso adicionar à descrição o outro tipo de sistema
operante no uso da língua. Se o conhecimento internalizado do falante (que é o objetivo da
descrição lingüística) é composto não de estruturas em aberto (isto é, não lexicalmente
preenchidas) mas também de estruturas preenchidas e sintagmas memorizados por inteiro,
somos obrigados a incluir esse conhecimento na descrição da língua. Somos obrigados a
admitir que as sentenças são construídas não somente a partir de esqueletos sintáticos aos
quais se juntam informações semânticas, mas também a partir da adjunção de blocos
sintático-semânticos já prontos, que o falante recupera por inteiro da sua memória.
O material memorizado não se refere apenas a clichês gramaticalmente regulares
(exemplificado pelo pedido de casamento), mas também a expressões fixas idiossincráticas
como certa feita, de mais a mais, rápido e rasteiro, caso contrário, chover no molhado, cair
na real, botar a boca no trombone, estar na mesma, puxa-saco, banho-maria, até que enfim,
às claras, ano-bom, chave de fenda, ainda bem, ou seja, em todo caso, ao deus-dará, de
corpo e alma, de nada, cruz-credo! e como vai?, por exemplo. Os clichês e as expressões
fixas são importantes porque mostram que o falante memoriza conjuntos de palavras e assim
pode estar contornando o sistema de regras (parâmetros, ou o que seja), que constitui no
momento o objeto de interesse dos sintaticistas.
Por exemplo, vamos examinar alguns exemplos extraídos de textos jornalísticos reais:
(8) O Congresso está fazendo corpo mole.
23
(9) As duas comissões parlamentares de inquérito (CPIs) estão com a corda toda.
(10) O publicitário baiano Duda Mendonça, marqueteiro da campanha de Lula à Presidência
em 2002, quer porque quer fazer, na Polícia Federal em Salvador, a acareação com o
mineiro Marcos Valério.
Observa-se nesses casos que os jornalistas utilizaram sintagmas que reconhecemos
como blocos sólidos e inteiriços como fazer corpo mole, com a corda toda e quer porque
quer. O leitor reconhece a unidade desses blocos e às estruturas uma interpretação
semântica integrada, o decorrente da estrutura interna e da semântica dos elementos
constituintes de cada sintagma. Cada grupo inteiro, de forma solidária, possui uma
composição especial e um significado diferente do que se poderia atribuir a ele se cada
palavra fosse computada isoladamente.
Se a língua que utilizamos no dia-a-dia é permeada de estruturas “prontas”,
precisamos nos render a essa evidência e incluir esse fato na descrição lingüística. Sem
precisar abandonar a noção de que uma língua inclui um sistema parametrizado, ao qual se
alia um componente semântico, somos obrigados a adicionar, paralelamente a esses
componentes, também outras duas noções: (1) uma gradação de aceitabilidade no uso das
sentenças geradas pela gramática (que justificaria porque se prefere Você quer casar
comigo?ao invés de Casar comigo é desejado por você?” no contexto de um pedido de
casamento, sendo ambas as sentenças gramaticais)
4
; e (2) um bloco de estruturas prontas,
recuperadas por inteiro da memória e não construídas no momento da produção através de
regras sintático-semânticas, que é constituído especialmente por expressões fixas como boca-
de-urna, em vão, de vez em quando, a duras penas, roer a corda, passo a passo, tal qual, isto
é, refrescar a memória, com o atrás, era, sem quê nem porquê, fazer por onde, de vez,
etc. Esses dois componentes adicionais dizem respeito ao conhecimento memorizado pelo
falante, isto é, à competência lingüística, e indicam o arquivamento de blocos de estruturas
prontas. Assim, a memória atua na língua não somente no armazenamento dos esqueletos
4
Do ponto de vista discursivo, a sentença passiva deveria até ser preferida, uma vez que coloca em posição
inicial o tópico discursivo, ou seja, topicaliza o tema.
24
formais e das palavras isoladas, mas também no armazenamento de seqüências de palavras
decoradas por inteiro
5
.
teorias (como a gerativa standard e suas correlatas) que imaginam a língua como
um sistema de regras que projetam estruturas (árvores), e sobre essas árvores insere-se o
léxico (palavras ou morfemas) ou seja, chegamos à fórmula: [língua = estruturas + inserção
léxica]. Essa é uma visão exclusivamente composicional; segundo ela não haveria nada
especialmente relevante além disso ou, pelo menos, é assim que funcionaria a língua em
geral (se existe algo diferente dessa composição, na verdade não é focalizado). A parte “dura”
da língua, ou seja, o que é decorado e já vem pronto é somente o léxico, entendido como uma
lista de palavras ou morfemas com sua especificação fonológica, semântica e sintática.
O que se constata é que a ngua não é só isso. A parte criativa da linguagem não é a
única que opera na construção dos enunciados, uma vez que o falante repete grupos de
palavras, de pequenos sintagmas a frases inteiras. Isso inclusive é uma demonstração da sua
competência na língua. O sistema composicional (a junção de uma palavra com outra sobre
uma estrutura sintática) não representa o funcionamento da totalidade da língua: a parte
“dura” é muito maior do que se imaginava, e a quantidade de coisas decoradas, de sintagmas
prontos, de expressões fixas, de combinações de alta freqüência conjunta, de grandes porções
decoradas que se repetem, é enorme ou pelo menos muito maior do se costuma admitir. O
que se vê é que o falante tem uma capacidade memorizadora muito grande, e seu repertório de
sintagmas copiados ou repetidos é incrivelmente maior do que vem sendo reconhecido. Em
outras palavras, relegar as expressões fixas a uma espécie de gueto extragramatical – como se
constituíssem um grupo marginal sem relação importante com o restante da língua, ou como
se apresentassem uma situação pouco relevante para a descrição da competência lingüística
não resolve o problema, principalmente porque a lingüística atual tem a pretensão de
descrever processos psicológicos, além de simples estruturas.
Quando um lingüista observa e analisa de que forma uma língua é composta e qual o
conhecimento internalizado dos falantes, precisa descrever não somente as condições de
5
A memória de que se trata aqui refere-se à memória de longo prazo, que é uma memória duradoura, onde fica
armazenado todo o conhecimento que se tem do mundo – aí incluída a composição da língua. Atuam na
compreensão da linguagem também outros tipos de memória, como a memória de curto prazo (que é uma
memória curta, que retém poucos dados, na forma literal e por um breve período de tempo, eliminando-os logo
em seguida esquecendo-os ou enviando-os à memória de longo prazo) e a consciousness, que é uma memória
intermediária, correspondente à parte da memória de longo prazo que está sendo focalizada num determinado
período de tempo ou seja, é aquilo sobre o qual se es pensando). Para uma melhor caracterização dos
diversos tipos de memória operantes no uso da língua, bem como de seus usos na atividade de produção e de
compreensão da linguagem, veja-se Liberato e Fulgêncio (2007).
25
estruturação e os padrões produtivos, generalizáveis a vários casos; se uma parte
idiossincrática, ela tem de ser igualmente considerada e descrita com mesma ênfase.
Ser competente lingüisticamente implica saber de cor grupos de palavras que andam
juntos e repetir agrupamentos ipsis litteris. Saber a língua é saber não as regras mais o
léxico, mas decorar também a combinação preferida entre as palavras e decorar os
agrupamentos fixos. Ainda que existam casos fronteiriços, a constatação se mantém. O
importante é que as regras (sintáticas e semânticas) mais o léxico, assim como vem sendo
concebido, não esgotam o fenômeno e não são suficientes para descrever a competência
lingüística do falante.
É um pouco difícil admitir que o falante nem sempre constrói sintagmas e muitas
vezes repete conjuntos de palavras memorizados por inteiro, porque fomos acostumados a
pensar que o falante opera criativamente, orientado por regras e condições de boa formação.
Gostaríamos de conceber a língua como um sistema computacional que inclui algoritmos que
permitem a geração de um número infinito de sentenças. Sem negar esse fato, os dados nos
obrigam a acrescentar a esse modelo computacional criativo, que gera construções novas, um
sistema não-criativo de armazenamento de construções já prontas, memorizadas em bloco,
que são repetidas sistematicamente pelos falantes. Isso deixa o modelo menos elegante, mas
representa mais adequadamente o modo como o falante armazena e utiliza os dados
lingüísticos. A descrição lingüística deve visar à montagem de um modelo que reflita a
representação mental da língua (como propõe Chomsky, 2005, p. 193) o que nos autoriza a
entender que não interessa somente a criação de um modelo teórico arquitetonicamente
bem construído, mas é fundamental o compromisso com a realidade psicológica.
Como resultado, o léxico não deve ser formado somente de uma lista de palavras
isoladas (além de suas especificações e de regras de formação, bem entendido), mas deve
também incluir seqüências de palavras. A competência lexical do falante inclui agrupamentos
de palavras que são memorizados e repetidos da mesma forma, apesar de a língua dispor
teoricamente de outras alternativas possíveis de construção e de empacotamento do mesmo
significado. Se os dados demonstram que costumamos repetir grupos de palavras, e a alguns
deles damos até um significado especial (como no caso de dor-de-cotovelo, chave inglesa, pra
burro, do arco da velha, às favas, tirar de letra e queimar no golpe, dentre muitos outros),
não temos como escapar da constatação de que a língua inclui muito mais coisas decoradas
do gostaríamos de imaginar. É possível que sejamos obrigados a aceitar que saber uma língua
significa não somente saber formar frases novas, nunca ouvidas anteriormente, mas também
saber usar e reconhecer sintagmas antigos, decorados, armazenados como um todo na
26
memória. Isso tem corolários importantes para a própria teoria da linguagem: indica que a
memória deve desempenhar um papel muito mais importante na linguagem do que se costuma
admitir, o que acarreta uma importante limitação da chamada “criatividade” como
componente da atividade lingüística.
Não se pode negar que a competência dos falantes inclui o conhecimento de sintagmas
e até frases que não são construídos no momento do enunciado, mas são recuperados
integralmente, como um todo. Para gerar ou para interpretar essas estruturas prontas, o falante
não faz operações de composição sintático-semântica, não lança mão do significado de cada
palavra isolada, mas tão-somente apanha o bloco inteiro, colhe a estrutura já pronta na
memória. Não montagem, não construção, mas simples retomada ou recuperação (ou,
no caso da recepção, um reconhecimento instantâneo) de uma porção pronta, já
memorizada.
As expressões fixas não passam pelo crivo do processamento regular. Como veremos
no decorrer deste trabalho (mais especificamente no capítulo 6), um número muito grande de
expressões fixas infringe regras sintáticas ou semânticas. Quando uma pessoa usa a expressão
no entanto, por exemplo, não tem de processar [em + o entanto], mesmo porque o SN o
entanto nem existe independentemente na língua para que possa ser adicionado à preposição
em. E quando se quer adicionar uma explicação e se diz ou seja, estamos usando o verbo ser
(será mesmo um verbo nesse caso?) numa construção “manca”, no sentido de que faltam
complementos. Se houvesse composição ou processamento nesses casos, as expressões seriam
marcadas como mal formadas. No entanto, são expressões comuns, que a gente usa a três por
dois, e nem percebe que não passariam pelo crivo do processamento e por filtros gramaticais.
Sintagmas como esses, se fossem processados, teriam de ser rejeitados. Mas isso não acontece
porque o falante não processa as expressões fixas memorizadas retoma o que está
pronto na sua memória. O falante nem mesmo se conta da “estranheza” de certas
expressões.
Quanto ao aspecto semântico, o não processamento é ainda mais nítido. Por exemplo,
numa expressão como conto-do-vigário, o processamento do significado seria inócuo (tanto
na produção quanto na recepção), uma vez que as características semânticas de cada palavra
não são capazes de gerar o significado final do grupo, nem mesmo se fosse feita qualquer
computação metafórica. Também na expressão pagar o pato a idiossincrasia semântica salta
27
aos olhos, que fora dessa expressão nunca se pode encontrar pato nesse sentido
6
. O desvio
semântico é evidente e completamente fora das proporções das alterações de valores
observadas nas frases regulares.
Passando a mais alguns exemplos de expressões fixas: sabemos que existe uma coisa
que se chama chá-de-panela (onde não se serve chá), outra que se chama mala-direta (que
não é uma mala), e uma brincadeira que se chama cabra-cega (que não tem nada a ver com
uma cabra). Sabemos que a palavra ululante se usa junto com óbvio (a gente diz que um
fato é óbvio ou que é evidente, mas para reforçar essa idéia pode-se dizer que o fato é óbvio
ululante, mas não que é *evidente ululante
7
). Também falamos de um velho coroca, e
sabemos que corocas podem ser os velhos (e não os anciãos ou os idosos). Sabemos que
tem gente que é o bode expiatório e tem de botar as barbas de molho mas as expressões
usadas já estão prontas na língua, porque se fôssemos construir o significado a partir das
regras sintáticas e semânticas, nunca chegaríamos ao sentido da expressão. Sabemos que se
diz brigar feito cão e gato, mas não *brigar feito cachorro e gato, nem *brigar feito gato e
cão, apesar de todas essas serem seqüências possíveis na língua (as duas últimas são
seqüências gramaticais mas não são usuais, isto é, não fazem parte do repertório de
expressões do português); e sabemos que modificações na estrutura cristalizada brigar feito
cão e gato são reconhecidas pelos falantes como desvios sejam eles desvios decorrentes de
baixo domínio do código lingüístico (como no caso de falantes estrangeiros), lapsos de
memória ou desvios intencionais (como quando se quer fazer humor ou criar efeitos
estilísticos). Conhecemos de cor expressões como por acaso, ao da letra e ao invés de, e
sabemos que podemos contar com os amigos e que as mães dão à luz os bebês. Sabemos que
quando o telefone toca nós atendemos o telefone (e não *respondemos o telefone, como por
exemplo se diz em inglês ou em italiano). E quando é Natal, usa-se a saudação Feliz Natal, e
não *Alegre Natal, apesar de feliz e alegre pertencerem à mesma classe sintática e semântica
(ambos são qualificativos de significado semelhante).
Como essas, um mero enorme de expressões aprendidas de cor. Quanto ao
número, não se pode precisar. Mas é fato que decoramos muitas estruturas lexicalmente
preenchidas, muito mais do que costumamos admitir.
6
Os termos “sentido” e “significado” são aqui empregados conforme explicitado em Chierchia (2003, p. 37): “À
referência contrapõe-se o significado ou sentido. Por significado ou sentido entende-se aquilo que tem a ver com
o conteúdo informativo do signo, a maneira como ele é interpretado”.
7
Uso o símbolo * para indicar sintagmas em que qualquer tipo de anomalia, mesmo se forem bem formados
do ponto de vista sintático. Gross (1982, p. 155) também adota a convenção de extrapolar o uso do símbolo *
para além de sentenças sintaticamente agramaticais.
28
Alguém poderia objetar apresentando a hipótese de que essas expressões fixas
constituiriam um epifenômeno, ou uma situação marginal, um conjunto de exceções, uma
porção não importante da língua. A resposta depende de verificação empírica. Se o número de
expressões fixas for realmente grande e, mais do que isso, se seu uso for freqüente, então não
se pode ignorar o fenômeno ou legá-lo à marginalidade. Não seria adequado desprezar a
evidência de que o falante utiliza construções cristalizadas e desconsiderá-las na descrição do
sistema da língua, relegando-as a situações marginais ou atribuindo-lhes o rótulo de
“epifenômenos”.
Como se observa a partir da coleta efetuada, as estruturas memorizadas como um
bloco coeso ocorrem regularmente e abundantemente no uso da língua. É preciso então que a
abordagem lingüística considere e incorpore no modelo teórico também os aspectos não
produtivos e as construções lexicalizadas. Se o uso de expressões fixas é um fato recorrente e
uma constante na língua, então não se pode continuar pensando a língua exclusivamente como
um conjunto de regras e considerar os sintagmas memorizados como exceções.
A respeito da freqüência de uso das expressões fixas, veja-se como exemplo a crônica
ao lado, publicada no jornal Pampulha de 22 a 28 de março de 2008, onde estão assinaladas as
expressões empregadas no texto.
29
Figura 1 – Freqüência de uso das expressões fixas
30
1.2 A atuação das regras lingüísticas e da memória lexical
O estudo das expressões fixas tem importância tanto teórica quanto prática (da qual
falaremos mais adiante). Do ponto de vista teórico, as expressões fixas representam uma
limitação da ação das regras e parâmetros da gramática, que um idiomatismo precisa ser
armazenado e utilizado como um bloco. Daí decorre que não se pode dizer que todos os
enunciados de mais de uma palavra que emitimos são produto da aplicação de regras e
parâmetros. O problema que se apresenta, então, é o da identificação dessas fórmulas ou
seqüências convencionalizadas, denunciadoras da fluência e do uso nativo da língua.
A enumeração de todas as seqüências preferidas e mais freqüentes, e ainda o
estabelecimento do grau de “naturalidade” de cada seqüência gramatical, seriam tarefas de
dimensão quase impraticável
8
. Mas é possível dar um grande passo no sentido de identificar
seqüências convencionalizadas: pode-se atacar boa parte do problema identificando as
fórmulas cristalizadas, as estruturas “institucionalizadas” ou “lexicalizadas”, que Tagnin
(1989) menciona como “convenções que se aplicam à língua”, e que aqui chamaremos de
expressões fixas (EFs). Essas expressões fixas constituem seqüências cristalizadas, formadas
por grupos de palavras memorizados em bloco, e podem ser exemplificadas por casos como:
falar cobras e lagartos, louco de pedra, de papo pro ar, a essa altura (do campeonato), em pé
de igualdade, ao da letra, da virada, pra inglês ver, com a corda no pescoço, dar as
caras, botar pra quebrar, água-marinha, buraco negro, quem cara não coração, vai
por mim; pois é; mesmo?; veja bem; e assim por diante (inclusive)
9
. Todas essas são
seqüências convencionais que caracterizam a forma peculiar de expressão numa língua.
8
François e Manguin (2006, p. 51) informam que alguns estudiosos britânicos (sobretudo J. Sinclair e D. Biber)
vêm desenvolvendo estudos estatísticos a respeito da co-ocorrência de termos e da significatividade da co-
ocorrência observada.
9
Aqui as expressões fixas são definidas grosso modo pelo fato de serem seqüências convencionais memorizadas
pelos falantes; além disso, são caracterizadas por meio de exemplos da classe, como faz grande parte da
literatura sobre o assunto. Mais à frente, no capítulo 4, será apresentada uma definição mais detalhada e
pormenorizada de “expressões fixas”; e no capítulo 5 será apresentada uma tipologia dos membros dessa classe.
31
1.3 Sobre a composição estrutural das expressões fixas (EFs)
Do ponto de vista estrutural, algumas expressões fixas são SNs, como contrato de
gaveta; outras são sintagmas preposicionados, como em petição de miséria ou a sangue frio;
outras têm a função de qualificativos, como podre de rico; outras são conectivos, como por
conseguinte; outras são sintagmas adverbiais, como direto e reto; outras são sintagmas
verbais como dar o braço a torcer; e, por fim, outras são orações inteiras, como os últimos
serão os primeiros ou Não me diga!.
Algumas expressões são congeladas e não podem ser mudadas, como bicho de 7
cabeças: para expressar o mesmo significado não se pode variar, dizendo por exemplo
*animal de 7 cabeças, nem o número de cabeças pode variar, dizendo por exemplo *bicho de
6 cabeças
10
. Outras aceitam algumas variações como pagar mico / pagar um mico; botar
pra quebrar / pôr pra quebrar (mas *colocar pra quebrar). Outras são ainda mais flexíveis, e
incluem espaços abertos que aceitam um grupo de variantes, como [(expressão de tempo) + a
fio] (como por exemplo horas a fio; meses a fio; anos a fio, etc), ou [tenha a bondade de +
(verbo no infinitivo)] (como por exemplo tenha a bondade de esperar; tenha a bondade de
sair, etc).
Geralmente costuma-se pensar que as expressões fixas têm um significado não
dedutível a partir do significado das palavras que as compõem. Isso é verdadeiro em parte:
em alguns casos esse princípio é válido, como em falar pelos cotovelos; mas em vários outros
esse princípio não funciona, e é possível deduzir o significado componencialmente, a partir da
soma dos elementos constituintes, como em olhar de alto a baixo e quem cala consente.
Apesar disso, expressões como essas, cujo significado pode ser montado a partir do
significado das partes, têm estrutura fixa ou composição inflexível: não se diz *olhar de baixo
a alto, nem se diz *quem cala permite. Portanto, apesar de nesses casos o significado não ser
idiossincrático, também sintagmas desse tipo são considerados “expressões fixas”, tanto pelo
fato de incluírem uma estrutura fixa como pelo fato de serem convencionais.
10
Conforme mencionado, eventualmente e intencionalmente é possível manipular as expressões fixas
modificando a sua composição, geralmente para criar humor ou algum efeito estilístico (esse aspecto será
abordado mais à frente, na seção 4.2). Uma forma como bicho de 6 cabeças não é entendida como uma
expressão da língua, mas é interpretada como um desvio ou uma forma degradada da expressão fixa bicho de 7
cabeças, essa sim armazenada no léxico mental.
32
As chamadas “expressões idiomáticas” como dar zebra ou pintar o sete, por
exemplo –, cujo significado não pode ser montado a partir da computação do significado de
cada palavra do sintagma, constituem somente um dos tipos de expressões fixas, uma parte do
conjunto maior das expressões cristalizadas. A porção maior do que aqui chamamos
“expressões fixas” é composta por sintagmas que exibem configuração estrutural e/ou
semântica idiomática, são convencionais, são memorizados como um todo unitário e são
recuperados em bloco pelo falante.
1.4 A importância do estudo das expressões fixas
Evidentemente, o estudo das expressões fixas tem grande importância teórica para a
formação de um modelo lingüístico que reflita o conhecimento lingüístico do falante de forma
mais aderente à realidade do uso cotidiano da língua. Como se verá, as expressões fixas
constituem um fenômeno freqüente e relevante na utilização da língua, e não seria adequada a
concepção de um modelo teórico que não levasse em conta essa realidade. Torna-se
imperativo incluir na descrição da língua a noção de que o conhecimento lingüístico do
falante inclui não somente estruturas abertas e algoritmos preenchidos livremente pelos itens
léxicos, mas também a memorização de sintagmas fixos, de blocos cristalizados, de fórmulas
convencionais, de conjuntos de palavras que se combinam de forma privilegiada e de grupos
de palavras preferidos pelos falantes, dentre as rias possibilidades de expressão gramatical
da mesma intenção semântica.
Do ponto de vista prático, as expressões fixas têm relevância no ensino de línguas
estrangeiras, pois representam uma das bases da fluência nativa. Um dos traços que diferencia
um falante nativo de um estrangeiro que aprendeu a língua é o desconhecimento, por parte do
estrangeiro, das construções cristalizadas, das convencionalidades e da freqüência de uso das
estruturas possíveis. Quando um estrangeiro utiliza uma L
2
, pode acontecer de empregar
frases e expressões corretas mas que o denunciam imediatamente como falante não-nativo
porque, apesar de as construções serem gramaticais, não é assim que se fala. Por exemplo, se
em vez de Muito prazer uma pessoa diz (traduzindo do inglês) É agradável conhecer você
11
,
11
A fórmula tradicionalmente usada em inglês quando duas pessoas se conhecem é Nice to meet you, cuja
tradução literal para o português seria É agradável conhecer você.
33
sabemos que a frase está gramaticalmente correta mas comunicativamente inadequada, porque
não é essa a “fórmula social” que se usa em português quando se é apresentado a uma pessoa.
Conforme assinala Bussade (1989, p. 7),
Pode-se afirmar que aprendizes que possuem um bom conhecimento do
vocabulário de uma língua podem ainda assim ser extremamente
desastrados na interação com falantes nativos caso não tenham algum
conhecimento do sem-número de expressões idiomáticas.
12
É bastante evidente também a importância da identificação e do conhecimento das
expressões fixas em trabalhos de tradução. O falante estrangeiro que conhece as regras da
língua pode produzir sentenças gramaticalmente corretas que, no entanto, não seriam as
usadas por um falante nativo na mesma circunstância comunicativa, o que é sentido como
uma construção desajeitada e um estilo atípico. Dá-se o nome de falante ingênuo
(Fillmore, 1979, apud Tagnin, 1989) a esse tipo de falante “correto” mas pouco natural, que
constrói frases gramaticais que não soam bem, que não usa com naturalidade e no contexto
apropriado as expressões fixas, que conhece a estrutura e as palavras da língua mas não tem
conhecimento da freqüência de uso de cada construção gerada pela gramática.
É fácil ver como seria importante levar em conta as expressões mais freqüentes ao
construir o material de ensino de língua estrangeira, o que permitiria ao aluno “soar” menos
estranho ao falar a língua estrangeira. Atualmente isso se faz em raros casos
13
, basicamente
porque não elencos de expressões fixas e estudos descritivos a respeito, de modo que os
autores de manuais de português-língua estrangeira não têm a que recorrer para saber quais
são essas expressões e, dentre elas, quais são as de maior freqüência na comunicação.
Tendo em vista esses fatos, torna-se necessário rever a participação do componente
lexical na língua, negligenciado por tantos anos pelo fato de ser composto de elementos
familiares e pré-fabricados, e portanto considerado como uma parte desinteressante dos
estudos lingüísticos, por não envolver criatividade.
É preciso redimensionar a importância do componente lexical e idiossincrático, e
também rever a constituição do léxico. É conveniente repensar a noção de item lexical, no
sentido de verificar qual é a unidade lingüística memorizada pelo falante. Ao que tudo indica,
12
Texto original: “We could even state that learners with a good knowledge of the vocabulary of a language may
nevertheless be extremely unsuccessful in their interactions with native speakers of that language if they do not
have some understanding of their endless idiomatic expressions.”
13
A apresentação de expressões fixas é feita ocasionalmente em alguns manuais de ensino de língua estrangeira,
concentrando-se sobretudo na exposição de fórmulas de cumprimentos e de algumas outras convenções sociais.
34
o léxico também estoca sintagmas inteiros, que são utilizados com freqüência na produção de
textos.
A listagem dessas seqüências congeladas, desses idiomatismos, desses agrupamentos
fixos de palavras pode levar a um melhor conhecimento daquilo que é memorizado pelo
falante, a uma melhor representação do léxico da língua, a uma aderência mais adequada da
descrição lingüística à realidade psicológica do falante, a um melhor conhecimento do que
constitui a competência lingüística do falante nativo e, em última análise, a uma melhor teoria
sobre a estrutura da língua. Enfim, o estudo das expressões fixas do português brasileiro
contemporâneo permite descrever e compreender melhor o que é a língua falada no Brasil,
como ela funciona e como é processada na mente dos falantes.
1.5 Objetivos
O objetivo desta pesquisa é duplo. Em primeiro lugar, tem-se como objetivo proceder
a um levantamento das expressões fixas usadas efetivamente no português brasileiro
contemporâneo, sobretudo tendo em vista que não existe nenhum levantamento completo e
moderno desse conjunto, que inclua ao mesmo tempo um elenco confiável das estruturas
idiomáticas realmente usadas, seus significados e seus contextos de uso, corroborado por
abonações de língua viva contemporânea.
O objetivo de produzir uma listagem das expressões fixas realmente presentes no
léxico atual dos falantes contemporâneos do português do Brasil impõe características que
restringem e definem a coleta com relação aos seguintes aspectos:
ponto de vista temporal: são listadas somente as expressões fixas efetivamente
produzidas na língua atual, ou reconhecidas pelos falantes como pertencentes
ao repertório lingüístico da língua contemporânea (não são listadas expressões
atualmente em desuso, como fazem muitos dicionários);
ponto de vista geográfico: são listadas somente as expressões fixas
efetivamente produzidas na língua portuguesa do Brasil, sendo desconsiderada
a modalidade falada em outras regiões como Portugal, Angola, etc. (ou seja:
não se trata de uma listagem de expressões do português, mas do brasileiro);
ponto de vista diamésico (isto é, quanto ao meio de veiculação): são listadas
expressões encontradas em qualquer meio de transmissão lingüística, ou seja,
35
tanto língua oral quanto língua escrita. Como se verá, as expressões fixas não
são expressões populares ou características de pessoas incultas (como se
costuma pensar), nem são constituídas por gírias de grupos sociais, mas
expressões usadas freqüentemente na língua oral e escrita, no registro informal
e também no formal;
ponto de vista semântico: não somente são listadas as expressões fixas, mas a
elas é associado seu significado não um único significado, mas as várias
acepções que cada uma pode evocar se são polissêmicas;
ponto de vista lexicográfico e didático: cada expressão fixa é acompanhada de
suas variantes, bem como de um grande número de exemplos, na sua grande
maioria colhidos em situações reais de uso da língua. Essas abonações visam a
facilitar a compreensão da expressão, colocando-a em contexto, bem como a
ratificar a existência da expressão e avalizar a existência da acepção
apresentada, como elementos efetivamente constituintes da língua.
Esse córpus de dados revelou-se importante para o conhecimento da língua. O número
de expressões fixas é tão expressivo frente ao número dos lexemas efetivamente utilizados na
linguagem espontânea (mesmo considerando a produção de falantes cultos, que supostamente
possuem um léxico mais rico), que essa constatação chega a abalar a hipótese de que a
codificação lingüística seja feita quase que exclusivamente com base em estruturas
algorítmicas. O grande número de estruturas cristalizadas usadas reiteradamente na língua
sugere que o falante decora e repete seqüências completas, e portanto a linguagem deve
comportar um componente significativo de sintagmas memorizados em bloco.
Esse primeiro objetivo, relativo à confecção da listagem das expressões fixas, reveste-
se de maior importância ao se constatar que, em relação às expressões fixas, não existe quase
nada no gênero sobre o português contemporâneo do Brasil. O exemplo mais conhecido de
listagem de idiomatismos é o Dicionário de expressões idiomáticas elaborado por Pugliesi
(1981), que é seriamente inadequado, incluindo inúmeras expressões desusadas e desprezando
inúmeras outras de alta freqüência. O único elenco mais significativo a esse respeito é o
Dicionário de provérbios, idiomatismos e palavrões Francês-Português, Português-Francês,
de Xatara e Oliveira (2002), que também apresenta inconvenientes, dentre eles o de não
incluir nenhuma explicação relativa ao significado das expressões (mas a tradução para o
francês e vice-versa), e portanto não esclarece a carga semântica nem explicita o valor
polissêmico das expressões. Além disso, não oferece exemplos que poderiam facilitar a
36
compreensão do significado das expressões, não apresenta contextualizações que poderiam
esclarecer o ambiente de uso e não apresenta abonações que poderiam comprovar a existência
e o emprego das expressões elencadas o que permite a inclusão de algumas expressões
inexistentes em português (como por exemplo abanar a orelha, traduzida por secouer
l’oreille, e almoçar de garfo, traduzida por déjeuner à la fourchette; talvez as estruturas
correspondentes representem expressões idiomáticas em francês, mas abanar a orelha e
almoçar de garfo não são expressões idiomáticas em português).
Outro fator que confere relevância a esse primeiro objetivo é o fato de a listagem das
expressões fixas permitir a pesquisa lingüística sobre esse fenômeno. Só depois de
relacionadas as expressões fixas que fazem parte do léxico memorizado pelo nativo pode-se
entabular um estudo lingüístico da classe. em vista dos dados coletados em contexto é
possível elaborar considerações lingüísticas a respeito dos traços que caracterizam essas
estruturas e fazer afirmações a respeito do seu comportamento. Qualquer afirmação
apriorística, baseada na análise de um pequeno grupo de dados (como muitas vezes se
costuma fazer), pode se revelar completamente falsa perante o conjunto total dos fatos. Para
citar um exemplo das fantasias teóricas que podem ser geradas quando não se parte de um
vasto conjunto de dados e portanto não se tem uma visão ampla do fenômeno pode-se
lembrar a afirmação costumeira de que tais expressões seriam metafóricas. Como se verá mais
adiante, a coleta mais ampla dos dados revelou inúmeras expressões que não apresentam
nenhuma relação com possíveis conotações metafóricas que pudessem ter fundamentado sua
geração.
A elaboração de um “dicionário” de expressões fixas idiomáticas é então o primeiro
passo, é o elemento primordial que permite o estudo e o posterior estabelecimento de
hipóteses relativas a esse aspecto do funcionamento da língua. Esse dicionário, montado
durante a pesquisa a partir da coleta de casos de uso espontâneo de expressões fixas em textos
orais e escritos, constitui o córpus sobre o qual se trabalha. Um excerto dessa listagem das
expressões fixas (de um total de aproximadamente 700 páginas, contendo um número
aproximado de 8000 verbetes e um número estimado de 25.000 abonações) é oferecido no
apêndice 13.
O segundo objetivo deste trabalho é o de analisar os dados colhidos, que compõem a
listagem das expressões fixas usadas contemporaneamente no português brasileiro. Procura-se
estudar a estrutura interna e funcional das expressões fixas do português do Brasil, o caráter
de sua inserção no léxico e o seu peso relativo frente às palavras da língua. As expressões sob
37
análise são estudadas sobretudo do ponto de vista sintático e semântico, mas também são
levadas em conta algumas características fonológicas e discursivas, abordando na análise
tanto a variedade oral quanto a variedade escrita da língua.
O objetivo final é o de mostrar que o conhecimento lingüístico do falante comporta,
além das regras e parâmetros, também grupos de palavras memorizados. A hipótese é a de que
o léxico inclui, além do conjunto de informações sobre as palavras e de estruturas que
permitem a expansão lexical, também conjuntos de duas ou mais palavras que são
memorizados como um bloco unitário. Pretende-se mostrar que, quando o falante constrói
uma sentença, ele tem acesso não aos esqueletos sintáticos onde se inserem palavras ou
morfemas, mas além disso tem acesso também a grupos inteiros de sintagmas ou conjuntos
estáveis presentes na sua memória, que são repetidos integralmente. E que qualquer teoria
lingüística sobre a competência do falante tem de levar em conta que os sintagmas são
formados tanto a partir de material novo (montado pelo falante sobre as regras da língua)
quanto de material memorizado, que é retomado por inteiro da memória, como uma unidade
íntegra.
Além disso, com a análise da estrutura interna das expressões objetiva-se comprovar a
hipótese de que muitas expressões fixas fogem aos padrões regulares da língua, tanto do ponto
de vista semântico quanto sintático, diferentemente do que se acredita. Se fossem processadas
sintática e semanticamente, muitas expressões fixas seriam marcadas como mal-formadas, e
portanto rejeitadas. Essa constatação nos servirá de apoio para comprovar que as expressões
fixas são conjuntos de palavras memorizados em bloco pelos falantes, e que são guardadas e
recuperadas da memória como um todo unitário. Por esse motivo, não haveria sentido falar de
composicionalidade ou processamento das expressões fixas em termos sincrônicos.
Se a competência lingüística dos falantes também inclui grupos de palavras
lexicalmente preenchidos, somos levados à conclusão de que os sintagmas memorizados
também fazem parte do léxico, e portanto as expressões fixas devem constituir itens léxicos.
O trabalho aqui proposto inclui então duas partes principais: (1) a confecção de uma
listagem “qualificada” de expressões fixas e suas formas variantes isto é, uma espécie de
dicionário preliminar incluindo não as entradas e suas definições, mas também as
contextualizações e abonações (que são exemplos extraídos de produções reais), que servirá
como a base de dados sobre a qual se trabalha; e (2) a elaboração de observações lingüísticas
sobre a estrutura das expressões fixas, com base no elenco apresentado em (1), e a avaliação
38
da importância desse material léxico para uma concepção realística do funcionamento da
língua.
Resumidamente, temos então dois grandes objetivos que se subdividem em rios
objetivos derivados:
1) O primeiro é um objetivo lexicográfico prático, que visa a:
compor o córpus que serve de base à pesquisa aqui apresentada, que descreve
características das expressões fixas do português brasileiro contemporâneo;
servir de base para a futura confecção de um dicionário das formas fixas e
expressões idiomáticas realmente usadas contemporaneamente no português do
Brasil, que poderá preencher uma lacuna com relação ao material lexicográfico
disponível aos pesquisadores e autores de material didático sobre o português.
2) O segundo é um objetivo lingüístico teórico, que visa a discutir aspectos da teoria
lingüística em geral através do estudo das expressões fixas, abordando principalmente
os seguintes pontos:
estudo a respeito da composição do léxico mental do falante, que precisa
incluir não só morfemas e palavras, mas também expressões;
estudo a respeito da composição estrutural da língua-I (entendida como o
material internalizado, presente na memória dos falantes, que permite a
construção das sentenças possíveis), que não pode incluir somente regras,
princípios e parâmetros, mas tem de incluir também trechos lingüísticos
decorados e já “prontos”;
estudo da forma das “expressões fixas” e de sua análise do ponto de vista das
grandes áreas da lingüística (sobretudo quanto à sintaxe e à semântica,
abordando também alguns aspectos fonológicos e discursivos).
Este não é portanto um estudo que se situa numa área: não é um trabalho somente
sobre semântica, nem um trabalho que se situa somente na área da sintaxe ou do discurso. Em
vez disso, é abordado um tema as expressões fixas do português brasileiro contemporâneo
–, com o objetivo de analisar o seu comportamento de forma abrangente, nas diferentes áreas,
observando sua repercussão na língua de um ponto de vista integrado.
39
1.6 Metodologia
A metodologia utilizada inclui, como ponto de partida preliminar à análise, a coleta
dos dados que servirão de base para o estudo descritivo posterior. Segundo o procedimento
tradicional em atividades científicas, a coleta de dados deve ser o ponto de partida que serve
de apoio a qualquer análise ou modelo teórico que venha a ser proposto sobre o fenômeno.
Sem um levantamento de dados tão exaustivo quanto possível corre-se o risco de formular
conclusões fantasiosas a respeito do problema, devido a uma falta de visão de conjunto do
material analisado.
E ainda: sem um levantamento baseado em ocorrências reais, colhidas no uso efetivo
da língua, corre-se o risco de estabelecer uma coletânea incompleta, com lacunas importantes
de fatos que simplesmente não foram lembrados, ou uma listagem de dados que inclui usos
obsoletos, ou uma lista que contém até mesmo dados imaginários, que apesar disso parecem
possíveis depois de repetidos sistematicamente algumas vezes. A coleta extensiva de dados
reais, e não somente o levantamento a partir da introspecção, é essencial para proteger o
pesquisador da própria fantasia.
Isso não quer dizer que a introspecção esteja descartada, porque a utilização exclusiva
de um córpus de enunciados efetivamente proferidos em situação comunicativa real pode
deixar de fora casos que indubitavelmente fazem parte da língua e que são do conhecimento
dos falantes, mas que simplesmente não apareceram no córpus examinado por motivos
fortuitos e ocasionais. Portanto, a metodologia de coleta de dados aqui utilizada inclui ambos
os processos: a utilização de enunciados de língua oral e escrita que ocorreram efetivamente,
colhidos em textos reais, bem como a introspecção de falantes da língua, utilizada com o
objetivo de preencher lacunas, inserindo dados reconhecidos como formas sem dúvida
existentes na língua, mas que por acaso não ocorreram no material examinado. Nesse aspecto
seguimos Mackin (1978, p. 152, apud Tagnim, 2005, p. 201) quando diz que
o compilador de um dicionário [...] tem três fontes principais a sua
disposição: primeiro, outros dicionários; segundo, sua própria ‘competência’;
e terceiro, ocorrências com que se depara ao ler ou ouvir a palavra falada
no rádio, na televisão, em conversas, em palestras, no cinema e assim por
diante.
40
Uma grande coleta de dados se faz necessária porque as afirmações sobre um pequeno
número de fatos muitas vezes levam a generalizações inadequadas. As análises ditas
“qualitativas”, que supostamente (e incorretamente) prescindiriam de listagens exaustivas,
pecam pelo fato de não observarem os dados em toda a sua extensão e fornecerem análises
apressadamente generalizadas com base num pequeno número de casos.
Uma posição qualitativa deveria indicar “de qualidade”, isto é, deveria supostamente
se basear numa seleção feita a partir da qualidade do exemplar dentro do grupo, ou de uma
amostragem representativa. Ora, como estabelecer amostras “de qualidade” sem se ter noção
do conjunto? Como selecionar elementos representativos da classe sem conhecer a classe?
Como fazer afirmações gerais a respeito de um grupo não estabelecido? As análises que não
consideram o conjunto dos fatos ficam sujeitas à seleção de evidência. Afirmações baseadas
em um pequeno córpus ou em casos escolhidos a dedo podem levar a um viés na análise e não
refletir o quadro verdadeiro do fenômeno estudado.
Chomsky, como seria de se esperar, é contrário à idéia de que a análise lingüística
deva se basear em dados coletados amplamente, e considera irrelevante tal tipo de
procedimento. Em resposta ao entrevistador József Andor, que lhe perguntou sua opinião
sobre descrições lingüísticas baseadas em córpus, Chomsky afirma o seguinte:
Lingüística de córpus não quer dizer nada. [...] Talvez as ciências
devessem simplesmente coletar montes e montes de dados e tentar tirar
resultados deles. Bom, se alguém quiser experimentar isso, tudo bem. Eles
não terão muito apoio no departamento de química, física ou biologia. Mas
se quiserem tentar, esbem, esse é um país livre, podem tentar. Vamos
fazer o julgamento pelos resultados que forem obtidos. [...]
Minha opinião, se querem saber, é que nós aprendemos mais sobre
a linguagem seguindo o método padrão das ciências. O método padrão das
ciências não é acumular enormes massas de dados não analisados e tentar
estabelecer generalizações a partir deles. As ciências modernas, pelo
menos desde Galileu, m sido notavelmente diferentes. O que elas
procuraram fazer foi construir experimentos refinados que perguntam e
tentam responder a perguntas específicas levantadas num contexto teórico,
como um meio para compreender o mundo.
14
József Andor (2004, p. 97)
14
Texto original:
Corpus linguistics doesn’t mean anything. [...] Maybe sciences should just collect lots and
lots of data and try to develop the results from them. Well if someone wants to try that, fine. They’re not going to
get much support in the chemistry or physics or biology department. But if they feel like trying it, well, it’s a free
country, try that. We’ll judge it by the results that come out.
My judgment, if you like, is that we learn more about language by following the standard method of the
sciences. The standard method of the sciences is not to accumulate huge masses of unanalyzed data and to try to
draw some generalization from them. The modern sciences, at least since Galileo, have been strikingly different.
What they have sought to do was to construct refined experiments which ask, which try to answer specific
questions that arise within a theoretical context as an approach to understanding the world.
Tradução minha, aqui e nas demais citações de obras em língua estrangeira.
41
A posição de Chomsky parece equivocada. O que ele fez foi caricaturar o estudo do
córpus; é claro que não se trata de acumular massas de dados sem análise. Ninguém faz isso.
Por outro lado, é um fato inegável que toda ciência tem de ser baseada em dados, sob pena de
não dizer nada. Algumas ciências podem replicar experiências em laboratório, como as
citadas física e química, e ancorar a pesquisa em experimentos, mas o paradigma que
fundamenta a pesquisa nessas áreas foi certamente construído sobre uma base sólida apoiada
em dados empíricos. Além do mais, a possibilidade de “construir experimentos refinados” não
é válida para qualquer área científica, nem mesmo para a também citada biologia. Como
estudar, suponhamos, os animais da Amazônia sem amplas pesquisas de campo e amplas
coletas de dados? Darwin provou sua teoria porque tinha dados: catou animais nas ilhas
Galápagos, dissecou exemplares e se valeu dos estudos descritivos de outros autores. Sem isso
nunca teria conseguido passar da especulação.
Da mesma forma, não é possível estudar paleontologia, nem geologia, nem geografia,
nem astronomia, nem medicina, nem história e nem mesmo lingüística sem coletas empíricas
de dados, pelo simples fato de que o material com que lidam tais estudos não é replicável em
laboratório. Como estudar variação sociolingüística, por exemplo, sem registrar ocorrências in
loco?
Não seria adequado nivelar e unificar os procedimentos de todas as áreas de pesquisa,
constrangendo-os todos ao mesmo modelo adotado pela física e química. Algumas áreas
simplesmente não podem e não devem operar da mesma forma.
Além disso, se em alguns campos do conhecimento o valor está na manipulação em
laboratório que leva a novas descobertas e à invenção de artefatos, em muitos outros o
objetivo é a descrição de fatos do mundo existente, o que justifica a observação de dados
reais. Vários artigos e trabalhos lingüísticos baseados exclusivamente na introspecção
revelaram sua debilidade ao serem confrontados com os fatos. Todos os lingüistas conhecem
o truísmo que diz que qualquer seqüência repetida mais de três vezes, ao fim acaba parecendo
natural.
15
E por fim, e principalmente, a coleta de dados de nenhuma forma impede ou
atrapalha a reflexão sobre “perguntas específicas levantadas num contexto teórico” – muito ao
contrário, é somente em vista dos dados que se pode comprovar ou refutar questões teóricas.
15
Como lembra Levy (1983, p. 134), “Como Nida lo dijo ya, después de repetir el ejemplo más esotérico tres
veces, suena casi natural y cotidiano.”
42
Evidentemente, todas as ciências envolvem elucubrações teóricas, e o apoio em fatos sempre
constituiu a base para a construção de teorias e paradigmas.
Pelo menos para ciências como a lingüística (e, como vimos, várias outras) a posição
de Chomsky em sua entrevista a Andor soa radical e despropositada.
Na verdade, nem deveria ser preciso justificar ou argumentar a favor de coletas de
dados e de descrições baseadas em fatos. Sem esse tipo de procedimento, o risco de fazer uma
análise parcial, não generalizável e pouco pertinente quanto ao conjunto da língua é
significativo. Conforme observado por Gross (1979, p. 866),
Acumular dados não é, obviamente, um fim em si mesmo. Mas em todas as
ciências naturais é uma atividade fundamental, uma condição necessária
para avaliar a generalidade dos fenômenos.
16
A atividade prática da coleta de dados, no caso das expressões fixas, não é nada
óbvia, e nos leva a um problema que chamarei de “o paradoxo do pesquisador”. O que
acontece é que a identificação de uma expressão fixa requer uma atitude metalingüística, de
modo que o pinçamento de expressões dentro do discurso envolve análise do enunciado.
Coletar casos de expressões fixas requer, simultaneamente à compreensão, a análise de cada
sintagma por exemplo, é preciso testar se o grupo é reversível ou não, se aceita substituição
léxica, se é regular do ponto de vista semântico e sintático, etc (como se verá no capítulo 7). O
problema reside no fato de que, em situação discursiva, procura-se a compreensão, busca-se a
informação, e a forma lingüística passa despercebida. O receptor não identifica formas, mas
tão-somente busca significados. Conseqüentemente, é fácil não perceber quando um trecho
inclui uma expressão fixa. O levantamento das expressões torna-se então uma tarefa que
envolve atitudes antagônicas: ou o pesquisador compreende o enunciado, ou se concentra na
análise e o foco em uma perspectiva interfere na outra. reside o paradoxo: em situação
comunicativa a compreensão interfere na análise e a análise interfere na compreensão – e não
se pode prescindir da compreensão, porque não se pode analisar o que não se compreende.
Para a detecção de uma expressão fixa é preciso atuar lingüisticamente de forma incomum,
ativando simultaneamente dois sistemas paralelos: o de compreensão e o de análise do
enunciado.
16
Texto original: “Accumulating data is obviously not an aim in itself. But in all natural sciences it is a
fundamental activity, a necessary condition for evaluating the generality of phenomena.”
43
Some-se a esse problema mais outro: na cata das expressões fixas não se tem a priori
uma listagem dos casos a serem procurados, e assim a tarefa de identificação dos exemplos
fica ainda mais difícil.
As expressões fixas coletadas e analisadas fazem parte do inventário léxico da língua
portuguesa do Brasil, e não de um grupo social ou regional. Para afastar a possibilidade de os
dados refletirem um caráter regional, a coleta foi realizada sobretudo em veículos de
circulação nacional – como TV, jornais e revistas (os dados incluem também exemplificações
obtidas através da fala espontânea, que se somam às abonações da mídia). Tal procedimento
serve como elemento comprobatório da compreensibilidade da expressão em todo o território
nacional, e permite afirmar que as expressões colhidas pertencem ao domínio do léxico do
português brasileiro, tanto quanto qualquer palavra ou construção presente nos textos
jornalísticos orais ou escritos. Lembro que atualmente a concepção de língua padrão está mais
ligada à ngua usada pela mídia do que aos ditames da gramática normativa. Assim, as
expressões elencadas fazem parte do vocabulário do português, e não do vocabulário de uma
região ou de um sub-grupo.
Com relação ao estatuto de disseminação das expressões fixas, costuma-se pensar que
essas formas ocorreriam sobretudo na linguagem oral, e que seriam típicas de um estilo menos
cuidado, menos planejado, menos elaborado. Essa é outra concepção falsa, mantida pela
tradição durante séculos, sem apoio em nenhum levantamento real. Tal estigma é
freqüentemente incorporado à caracterização das expressões fixas e, como veremos, é
desmontado depois da coleta de dados. Como se a partir das abonações apresentadas na
listagem, os sintagmas cristalizados ocorrem freqüentemente em qualquer forma de
veiculação lingüística e em qualquer registro. Por esse motivo, que essas expressões são
largamente empregadas em qualquer uso da língua, tanto na forma oral quanto na forma
escrita, seu estudo engloba necessariamente todas as variantes lingüísticas.
A notação dos exemplos, a referência ao contexto discursivo e ao meio de veiculação
onde ocorreu cada caso (oral e escrito, fala espontânea, televisiva, revista, jornal ou livro, etc)
tem três objetivos primordiais: (a) apresentar contextos de uso variados e comprovar que as
expressões fixas são usadas em diferentes graus de formalidade, e não somente na linguagem
coloquial pobre ou pouco elaborada, como se costuma pensar; (b) mostrar que as expressões
fixas elencadas não são regionais, e sim do domínio da língua portuguesa do Brasil, uma vez
que são usadas em meios de comunicação veiculados em âmbito nacional; (c) apontar para a
44
recorrência de uso das expressões, evidenciando a sua utilização em diferentes contextos
lingüísticos.
1.7 Posição adotada: descritivista
Conforme mencionado, a pesquisa aqui relatada visa a apresentar observações a
respeito do comportamento das expressões fixas sob vários pontos de vista lingüísticos
(sobretudo quanto à sintaxe e semântica), não se restringindo, portanto, a uma única área de
análise. Acrescente-se ainda o fato de que o estudo elaborado não tem a intenção de
apresentar nem de corroborar nenhum arcabouço teórico previamente constituído. Esta
pesquisa não se pauta pela adoção de uma abordagem teórica específica em análise
lingüística, aprofundando a investigação sob uma determinada visão, à luz de determinado
enfoque teórico. Não se trata da defesa de uma abordagem teórica nem da aplicação de
determinado modelo pré-estabelecido. O que se pretende fazer nesta pesquisa é uma
descrição dos fatos observados, assim como eles se apresentam no uso efetivo da língua, sem
escolhas quanto aos dados verificados nem restrições teóricas ou metodológicas na
observação do material coletado. Por outro lado, espera-se que as conclusões finais sejam
úteis para a avaliação de teorias lingüísticas, com relação aos aspectos aqui analisados.
Portanto, o objetivo deste trabalho é descritivo. A posição adotada é empiricista; ou
seja, o procedimento metodológico se concentra na procura e na coleta do maior número
possível de amostras do fenômeno, que forneçam evidências para fundamentar um posterior
estudo sobre o comportamento da classe. Somente uma análise particularizada permite e
justifica uma posterior generalização; sem isso, qualquer conclusão abrangente seria
precipitada.
A posição descritivista é uma preocupação detectada em vários estudos lingüísticos no
momento, objetivando inclusive evitar modelos de curta validade e de rápida obsolescência.
Essa é a perspectiva apresentada por Dixon e Aikhenvald (2000, p. xiii), no prefácio de uma
coletânea de vários autores:
Foi solicitado a todos os autores que escrevessem em termos de teoria
lingüística básica o quadro teórico acumulado em termos do qual a
maioria das gramáticas descritivas são expressas e evitar formalismos
(que vão e vêm com tanta freqüência que acabam por fazer com que
45
qualquer afirmação em termos deles se torne em pouco tempo ultrapassada
e inacessível).
17
Seguindo a mesma tendência, a pesquisa aqui apresentada não se insere num modelo
estanque (seja gerativista, cognitivista ou qualquer outro) nem se originou no plano teórico,
objetivando comprovar uma hipótese ou um modelo, como muitas vezes se faz. Ao contrário,
objetivou relatar um fato lingüístico e analisar os processos que ocorrem em um dado
fenômeno da língua. O foco não é a sustentação de um modelo teórico, mas a apresentação e a
descrição de um fenômeno da língua. O sentido não é de cima para baixo (isto é, do modelo
teórico para os fatos), mas de baixo para cima (dos fatos para uma futura hipotética
construção teórica, que escapa aos limites deste trabalho).
A respeito da crença de que o caminho dedutivo (“de cima pra baixo”) seria viável e
proveitoso no atual estágio da lingüística, cabe citar a opinião de Maurice Gross, que afirma
que
Existe [...] uma crença difundida por alguns manuais de filosofia que atribui
um poder extrapolador considerável às teorias (isto é, aos modelos).
Segundo essa crença, uma teoria (um modelo) poderia prever um número
de fenômenos muito maior do que os que serviram de base à construção da
teoria. Ao que parece, nunca houve tais situações. A história das ciências
[...] é uma sucessão de etapas totalmente diferente. Toda construção teórica
foi sempre precedida de um longo trabalho de acumulação sistemática de
dados, e os pesquisadores sempre se esforçaram para preencher as
lacunas que podiam se apresentar em seus dados antes de propor uma
regra geral.
[Gross, 1975, p. 9]
18
Deve-se ressaltar que a posição descritivista não é, em absoluto, uma atitude ateórica
(será que seria possível um estudo desse tipo?). A própria coleta de dados parte de
pressupostos, conceitos e definições que representam, stricto sensu, um posicionamento
teórico. Não se estudam dados ingenuamente, mas qualquer observação é carregada de
conceituações e princípios, até mesmo para saber o que incluir e o que desprezar. Por
exemplo: antes de fazer a coleta das expressões fixas, é preciso definir quais são os elementos
17
They [all of the authors] were asked to write in terms of basic linguistic theory the cumulative theoretical
framework in terms of which most descriptive grammars are cast – and to avoid formalisms (which come and go
with such frequency that any statement in terms of them will soon become dated and inaccessible).
18
Il existe [...] une croyance répandue par certains manuels de philosophie qui attribue un pouvoir extrapolateur
considérable aux théories (i.e. aux modèles). D’après cette croyance, une théorie (un modèle) pourrait prédire un
nombre de phénomènes beaucoup plus importants que ceux qui ont servi de base à la construction de la théorie.
Il ne semble pas qu’il ait jamais existé de telles situations. L’histoire des sciences [...] est une succession
d’étapes totalemente différente. Toute construction théorique a toujours été précédée d’un long travail
d’accumulation systématique de données, et les chercheurs se sont toujours efforcés de combler les trous qui
pouvaient se présenter dans leurs données avant d’avancer une règle générale.
46
a serem coletados, e para tanto é preciso caracterizar o que vem a ser o fenômeno estudado.
Essa é uma atitude teórica. Depois de coletados os casos, é preciso descrever o conjunto,
estabelecendo tipologias, comportamentos gerais da classe, comportamentos idiossincráticos e
estruturas sintático-semânticas especiais de construções particulares. Essa descrição tem de
necessariamente se basear em fatos teóricos (geralmente pressupostos), como as classes de
palavras, funções sintáticas, teorias sobre marcação, referenciação, relações anafóricas,
inferência, papéis temáticos e tantos outros aspectos que, apesar de não serem inteiramente
consensuais, podem ser considerados como uma base de apoio teórico amplamente conhecida
e utilizada pelos lingüistas. Afinal, muito trabalho foi desenvolvido na área dos estudos
lingüísticos, e certamente tal ganho não deve e não pode ser desprezado. Evidentemente, não
é preciso redefinir e recomeçar todo estudo sempre a partir do zero, fazendo tábula rasa de
ganhos teóricos já estabelecidos. Portanto, há sempre um quadro teórico subjacente a qualquer
enfoque, inclusive ao que é aqui apresentado, uma vez que não é possível fazer um trabalho
empírico desvinculado de qualquer concepção teórica mais abstrata.
O que não é adotado aqui é um modelo lingüístico no qual os dados seriam encaixados
e analisados, e no qual se enquadraria toda a linha argumentativa. O fato de este estudo não
privilegiar uma determinada teoria e não tentar delimitar a descrição dentro do ponto de vista
de um modelo teórico em especial não implica uma atitude ateórica ao contrário, pretende-
se somente apresentar uma descrição objetiva dos dados, com base em pressupostos teóricos
suficientemente não controversos, para que se possa passar posteriormente ao encaixamento
desta descrição dentro dos vários modelos defendidos no momento.
O trabalho é descritivo, mas evidentemente isso não exclui considerações teóricas. Por
exemplo, defendo uma concepção do próprio funcionamento da língua, ou seja, uma dosagem
muito maior de memorização do que admitem certos modelos, como o gerativista, que
desenfatiza o tratamento das expressões fixas, como se fossem um fenômeno marginal (e
pretendo mostrar que não é) isso é uma afirmação teórica. A própria necessidade de
sistematização mostra que o levantamento não é desprovido de teorização ou abstração. Ou
seja, fazer descrição não é apenas dizer o que foi encontrado, mas também encaixar o que se
observou em uma idéia mais generalizada sobre a língua e a linguagem.
É verdade que não se pode observar e analisar dados sem referência a pontos teóricos,
mas também é verdade que não se pode construir modelos teóricos sem apoio em dados
amplos e reais. A relação é de mão dupla: sem teoria o levantamento o faz sentido, e sem
levantamento a teoria é vazia. O importante é buscar um equilíbrio entre essas duas posições,
promovendo uma coleta de dados fundamentada, mas que, por outro lado, não caia no perigo
47
de buscar justamente os exemplos que corroborem o modelo teórico com o qual se lida e que
comprovem a hipótese que se pretende defender.
Diferentemente da abordagem adotada nesta pesquisa, observa-se que geralmente o
esforço dos estudos lingüísticos tem se concentrado na aplicação ou na validação de uma das
teorias existentes na área. Estuda-se então um fenômeno qualquer à luzde certo quadro
teórico. dois perigos envolvidos nessa conduta: (a) em primeiro lugar, corre-se o risco da
seleção de evidência, de forma a “encaixar” o fenômeno estudado dentro do modelo que se
pretende utilizar ou defender; (b) um segundo problema nessa abordagem consiste no fato de
que, ao se adotar um modelo, todas as afirmações são vistas dentro daquele conjunto teórico,
tendo como pano de fundo todo o conjunto altamente especificado e estruturado dos vários
princípios assumidos por aquele modelo. O próprio tipo de argumentação segue a linha
proposta pelo quadro teórico, que constrange o enfoque e conduz o raciocínio.
A posição metodológica aqui adotada é diferente, focalizando o interesse na coleta os
dados e na tentativa de analisá-los e classificá-los de acordo com suas propriedades
observadas na superfície, com base em pressupostos teóricos amplamente difundidos e
basicamente não controversos na área da lingüística.
Assim, o quadro teórico que ancora a descrição aqui apresentada inclui a admissão de
conceitos lingüísticos relativamente consensuais, como os seguintes:
a categorização das palavras em classes sintáticas (como nome, verbo,
preposição, etc);
as categorizações morfológicas como tempo e pessoa verbais, número, gênero,
morfema, derivação e flexão;
a noção de traços das palavras (semânticos e sintáticos);
a divisão da oração em sintagmas (como SN, N’, SV e SPrep);
a atribuição de função sintática aos constituintes (como sujeito e objeto direto
no caso da oração, e determinante e modificador no caso do SN, por exemplo);
a atribuição de papéis temáticos aos sintagmas relacionados a verbos e nomes
(como agente, paciente e meta, por exemplo);
as relações estruturais como concordância e regência;
a estrutura simbólica (sintático-semântica) da valência verbal: verbo transitivo,
intransitivo, ergativo, etc.
a existência de relações semânticas como referenciação, sinonímia, metáfora e
polissemia;
48
a existência de relação sintagmática e paradigmática nas estruturas lingüísticas;
a noção de formas marcadas e não-marcadas;
a existência de relações discursivas: a topicalização, a retomada anafórica e o
processamento inferencial, por exemplo.
O procedimento descritivista se justifica pelo fato de que, para atingir o nível
explicativo, é preciso, antes de mais nada, realizar um grande acúmulo de dados e uma
descrição acurada do comportamento dos elementos observados. Esse é o primeiro passo
indispensável na análise de um fenômeno qualquer, para que a teoria explicativa que venha a
ser adotada possa se sustentar em fatos, e para que exista apoio empírico na construção dos
modelos.
Afinal, a primeira fase do método científico é a observação. A rota analítica é
necessariamente descrição explicação, e é óbvio e consensual que a rota explicação
descrição é inviável em ciência. Sem um primeiro nível descritivo, o nível explicativo se faria
no vazio ou, na melhor das hipóteses, com base numa amostragem pequena e selecionada dos
dados, o que poderia levar a construções explicativas pouco fiéis à realidade da língua.
Existe interesse entre os pesquisadores em adotar uma posição teórica de ponta, mas é
preciso observar que essa atitude envolve um perigo real de se tentar (mesmo que
inadvertidamente ou inconscientemente) adequar os fatos da ngua a preceitos teóricos. O
caminho analítico ideal deveria ser outro: partir da observação dos fatos espontâneos,
coletados a partir de um grande número de ocorrências lingüísticas reais, não selecionadas, e
então partir para conclusões sobre o comportamento da língua e para a discussão da
melhor forma de explicação dos dados, bem como do encaixamento daquele fenômeno no
corpo de uma visão teórica ou de outra. Isso poderia evitar o comentário que Aronoff (1988,
p. 767) fez sobre o livro de Di Sciullo e Williams: “os autores preservaram sua teoria às
custas de evitar contato com os dados”
19
.
O passo inicial, portanto, é o de acumulação de fatos, de exemplos, de casos. A
primeira atitude para a descrição e análise de um fenômeno é a coleta de dados
sistematizados, sem a qual qualquer explicação apriorística é temerária. A metodologia deve
incluir a coleção de fatos reais não selecionados, colhidos em ocorrências espontâneas de uso
real da língua, que são levantados sistematicamente (isto é, colhidos a partir de pressupostos
que definem o levantamento realizado).
19
Texto original: “the authors have preserved their theory at the cost of avoiding contact with the data”.
49
A coleção de dados feita a priori se mostra fundamental numa postura descritivista,
para que se possa oferecer uma análise não baseada numa pequena amostragem o que
poderia distorcer a visão e o estudo do problema e sim uma análise abrangente do
fenômeno, com uma visão integral dos dados, de forma que se possa realmente basear a
descrição no conjunto (quase) total dos fatos reais. Nesse sentido, os dados coletados, que
compõem a listagem para um dicionário de expressões idiomáticas, não se configuram como
um mero apêndice ou um adendo à tese propriamente dita, mas ao contrário, constituem parte
crucial e central da pesquisa desenvolvida, atuando como material determinante das análises
aqui apresentadas, relativas à estruturação das expressões fixas e do seu comportamento na
língua.
Para testar análises ou hipóteses sobre a língua é preciso partir de uma coleção de
dados organizados e sistematizados, de forma a evitar um trabalho meramente especulativo. É
essa a posição que justifica a elaboração de uma listagem qualificada das expressões fixas
empregadas contemporaneamente. Sem o levantamento, não temos dados, e sem dados se
pode especular. O levantamento é encarado então como uma parte essencial do estudo
descritivo apresentado, e como uma condição primordial e indispensável para o
desenvolvimento da análise aqui oferecida sobre o comportamento das expressões fixas e
idiomatismos do português do Brasil.
O caminho desenhado para a condução da pesquisa se inicia então com uma ampla
coleta de dados, que posteriormente são descritos tomando como apoio um quadro teórico
básico e consensual, livre dos formalismos e do arcabouço argumentativo vinculado a um
modelo teórico específico (assim como indicado por Dixon, 2000, citado anteriormente). A
descrição da estrutura sintática e semântica das expressões fixas revela a sua idiossincrasia e,
em muitos casos, a impossibilidade de análise em termos das regras sintáticas e semânticas
operantes no restante da língua. Essa constatação nos levará à confirmação da seguinte
proposta explicativa: a competência lingüística do falante inclui não somente um sistema de
regras para a geração de sentenças criativas, mas também um vasto componente de seqüências
de palavras memorizadas.
50
2 O léxico
2.1 O interesse pelo léxico e os estudos sobre lexicologia
Até bem pouco tempo atrás, os estudos sobre a estrutura do léxico, e mais
especialmente sobre a composição das expressões fixas (doravante, EFs), não tinham
suscitado tanto interesse por parte dos pesquisadores quanto outras áreas da lingüística, como
a sintaxe ou a fonologia. Esse desinteresse era devido, em parte, à concepção de que o desafio
do lingüista consistia mais ou menos exclusivamente em formalizar uma teoria que pudesse
descrever regras gerais internalizadas pelo falante ou, segundo outra formulação teórica,
descrever os parâmetros definidos por cada língua a partir de uma gramática universal. O
interesse era direcionado para a abstração dos conhecimentos generalizáveis e produtivos, e
muito pouca importância era dada à parte memorizada da língua, como se fosse um
componente marginal ou pouco relevante, que não-produtivo. Gaston Gross (1996) faz a
seguinte consideração:
A fixação é uma propriedade das línguas naturais cuja importância foi
desconhecida durante muito tempo. [...] a amplidão do fenômeno escapava
aos autores, com exceção, talvez, de O. Jespersen que, em seu Philosophy
of Grammar (1924 [...]), postula a existência de dois princípios opostos nas
línguas: a liberdade de combinação e a fixação. Colocar assim, logo de
cara, a fixação no mesmo plano que a noção de regra, era uma grande
inovação. (Gross, 1996, p. 3)
1
Maurice Gross (1979) critica a posição gerativista e sua tendência a tirar conclusões a
partir de dados que não levam em conta o léxico envolvido nas sentenças analisadas, o que
permite a formulação de generalizações inexatas a respeito do comportamento da língua.
Segundo Gross, a verificação do padrão lexical envolvido nas construções é fundamental na
análise gramatical. Apresenta como exemplo um par de construções analisadas por Chomsky
1
Texto original: “Le figement est une propriété des langues naturelles dont l’importance a été méconnue pendant
très longtemps. [...] l’ampleur du phénomène échappait aux auteurs, à l’exception, peut-être, de O. Jespersen qui,
dans sa Philosophy of Grammar (1924, trad. fr. 1971), pose l’existence de deux principes opposés dans les
langues: la liberté combinatoire et le figement. Mettre ainsi, d’entrée de jeu, le figement sur le même plan que la
notion de règles était une grande innovation.”
51
e Postal e diz que nenhum desses autores observou que havia somente três verbos que se
comportavam como o da primeira construção, e mais de 600 com o padrão do segundo tipo, o
que marcava a primeira construção como congelada e a segunda como produtiva
2
. Tal ponto
não foi constatado pelos autores citados porque, segundo Gross (1979, p. 867), “determinar a
extensão lexical das formas lingüísticas não tem status na Gramática Gerativa”
3
.
Pode-se dizer que a maior parte da investigação lingüística nas últimas décadas
pressupõe um sistema lingüístico simples e sistemático capaz de dar conta de todos os
fenômenos relevantes, como apontado por Culicover e Jackendoff (2005, p. 5). Por outro
lado, paralelamente ao componente produtivo, observa-se que a memorização de fatos
unitários representa um aspecto de peso no conhecimento da língua. Por exemplo, nas
relações entre palavras da mesma família é possível detectar as regras de morfologia
derivacional operantes depois que as palavras foram produzidas, mas em muitos casos não é
possível produzir derivados não neológicos a partir de regras, uma vez que a forma final
escolhida pela língua (a escolha dos morfemas e dos elementos de ligação) é variada e
portanto a palavra derivada é imprevisível. A forma final do lexema tem de ser conhecida
caso a caso.
Vejamos alguns exemplos: a relação entre definir ~ indefinir é expressa em considerar
~ desconsiderar por outro morfema, e não existe *inconsiderar; e estendendo mais as
relações, temos agradável ~ desagradável~ desagradar, existente ~ inexistente ~ inexistir,
mas ativo ~ inativo ~ desativar, onde se vê, no último grupo, que nem entre palavras da
mesma família consistência na escolha do prefixo negativo. Freqüentemente é possível
compreender um item a partir de regras morfológicas, mas não é possível produzi-lo a
produção depende do conhecimento armazenado não somente de regras, mas de cada
elemento individual.
Na verdade, o falante precisa aprender individualmente vários tipos de informação
lingüística que se aplicam a um único item específico (como o resultado da montagem de
palavras derivadas, especificações quanto à valência de verbos e nomes, restrições quanto ao
uso de artigo, plural idiossincrático e posição marcada de adjetivos com relação ao nome, por
2
Texto original: “[...] we found three verbs like to seem, and more than 600 like to believe. [...] it shows that the
type to seem is quite limited frozen, in a sense while the other type is productive, in that it may affect new
verbs and new constructions of verbs. [...] Our conclusions are thus different from those of Chomsky and Postal;
the concept of fact on which they are based has an empirical foundation quite different from that used by the
practitioners of GG [Generative Grammar].” (Gross, 1979, p. 867)
3
Texto original: “[...] determining the lexical extension of linguistic forms has no status in GG”.
52
exemplo), de forma que o conhecimento léxico inclui uma quantidade muito grande de fatos
memorizados singularmente.
O léxico foi sempre visto basicamente como uma lista de idiossincrasias (no que
pesem certas considerações a respeito do caráter produtivo de alguns aspectos lexicais). O
interesse maior da lingüística, no mais das vezes, era voltado para aspectos generalizáveis da
estrutura da ngua, e não para questões idiossincráticas. Segundo o ponto de vista de Gross
(1979, p. 866), na gramática gerativa “as sentenças ganham significação somente em relação
ao formalismo”
4
.
Nessa perspectiva de procura por regras abrangentes, o caráter unitário, individual e
não generalizante do léxico, mais particularmente com relação às expressões fixas, não trazia
nenhum desafio especial para o lingüista, como assinalado por Chitra Fernando (1996):
As expressões idiomáticas, ou expressões convencionais formadas de
várias palavras, muitas vezes mas nem sempre não-literais, não são
marginais em inglês, embora tenham sido relativamente negligenciadas nos
estudos léxicos da língua. (Fernando, 1996, p. 1)
5
O acúmulo de dados e a elaboração de listagens eram entendidos como atividades que
fugiam ao interesse do lingüista e não ofereciam nenhum subsídio importante para a tarefa de
descrição da língua. Maurice Gross (1979) questiona esse tipo de posição que não vê a
necessidade de levantamentos exaustivos, aponta a inadequação de teorias não fundamentadas
em trabalho empírico sistemático e alerta para a necessidade de considerações lexicais antes
de se fazer afirmações sobre o comportamento sintático.
Na descrição de uma sentença, segundo o modelo gerativo, o primeiro passo consistia
no estabelecimento da estrutura sintática. Uma vez feito isso, nesse esqueleto eram inseridos
os itens léxicos numa correlação biunívoca, de forma que a cada item léxico correspondia um
nódulo sintático. Em alguns modelos teóricos essa relação nem era necessariamente
biunívoca, uma vez que existiriam nódulos vazios, isto é, a eles não corresponderia nenhum
item léxico. Mas não se chegou a propor uma situação contrária, ou seja, casos em que um
grupo de palavras fosse inserido na estrutura sintática através de um único nódulo terminal.
No entanto, tal situação seria desejável no tratamento das EFs, tendo em vista o
4
Texto original: “sentences acquire significance only with respect to formalism.”
5
Texto original: “Idioms, or conventionalized multiword expressions, often but not always non-literal, are hardly
marginal in English, though they have been relatively neglected in lexical studies of the language.” (Fernando,
1996, p. 1)
53
comportamento solidário do grupo e o seu comportamento sintático especial, que muitas
vezes foge aos padrões gerais da ngua, não se adequando a uma inserção na árvore item por
item.
Vou insistir nesse ponto, que é importante. Em princípio, nada impede que se realize a
inserção de palavras em bloco; basta que essa seqüência seja analisada como um item léxico.
Mas é significativo que essa possibilidade nunca tenha sido explorada e, no entanto, ela é
crucial para a metodologia e a teoria da aquisição e uso da linguagem. Ou seja, frente a uma
seqüência de [Verbo + SN], torna-se necessário decidir se o que vai ser adquirido ou
processado é realmente um verbo seguido de SN (pelas regras sintáticas e semânticas usuais)
ou um constituinte único, freqüentemente inanalisável.
Outro dado significativo é o fato de que a estrutura interna de muitas expressões fixas
não se deixa analisar em termos da sintaxe ou da semântica geral da língua. Por exemplo:
como nomear os nódulos de uma estrutura como por enquanto? Qual é a classe gramatical de
enquanto nessa expressão? Certamente não se comporta como um N, que é a classe
gramatical esperada depois de preposições. E como inserir a EF ao léu e isolar a palavra léu,
ligando-a a um nódulo N, se essa palavra não pode ser isolada da expressão, uma vez que não
existe sozinha? Como inserir expressões como mandar brasa e analisar semanticamente o
pretenso objeto direto: qual é o papel temático da palavra brasa?
6
Normalmente, na diátese
do verbo mandar o objeto desempenha o papel de “tema” (segundo a nomenclatura de
Jackendoff, 1972), isto é, é o elemento que se movimenta. Mas seque na EF mandar brasa
a palavra brasa tem o mesmo papel temático? É aquilo que se movimenta? No grupo vira-e-
mexe (usado por exemplo na sentença Vira-e-mexe ele vai pro hospital.), como justificar
morfologicamente a impossibilidade de conjugação dos supostos verbos virar e mexer em
outras pessoas e em outros tempos e modos que não o presente e o imperfeito do indicativo,
se esses verbos podem ser conjugados no passado, no futuro, no subjuntivo, etc? E na
expressão de esperança quem dera!, sob que rótulo seria colocada a palavra dera? Seria um
item pertencente à classe dos verbos? Como se justificaria essa classificação, já que o suposto
tempo verbal mais-que-perfeito do indicativo não é usado no contexto que lhe é característico
(o de uma ação anterior a outra passada) e a expressão, diferentemente, indica um desejo
hipotético? Também nesse caso não são admissíveis variações modo-temporais e de pessoa e
número, características da classe dos verbos.
6
Isso é observado, embora muito de passagem, por Chomsky (1982, p. 35): referindo-se a idiom chunks”, como
em too much has been made of this problem, ele observa que é um termo que não receberia papel-teta.
54
Não houve até hoje ênfase suficiente sobre estudos lexicológicos, e durante muito
tempo o léxico foi considerado somente uma listagem de termos idiossincráticos. Contudo, o
léxico é bem mais complexo que um dicionário, e inclui não informações idiossincráticas
como também processos produtivos
7
. Como explica Basilio (2004, p. 7 e 9),
O léxico é tradicionalmente definido como o conjunto de palavras de uma
língua. [...] Mas um conjunto fechado de unidades de designação não é
suficiente. [...] O léxico, portanto, não é apenas um conjunto de palavras.
Como sistema dinâmico, apresenta estruturas a serem utilizadas em sua
expansão. Essas estruturas, os processos de formação de palavras,
permitem a formação de novas unidades no léxico como um todo e também
a aquisição de palavras novas por parte de cada falante.
A respeito da citação reportada acima, convém observar que Basilio é explícita ao
afirmar que entende-se o léxico basicamente como o “conjunto de palavras” da língua e as
“estruturas utilizadas em sua expansão” (entendendo-se com isso os morfemas aos quais se
aplicam os processos de formação de palavras). A concepção de que as entradas lexicais são
constituídas por palavras e morfemas é não o ponto de vista de Basilio, mas também a
posição implícita em praticamente toda a literatura lingüística. É também a definição
apresentada por Trask (1992, p. 159), como se vê no trecho abaixo:
léxico n. É a parte da gramática de uma língua que inclui as entradas
lexicais de todas as palavras e/ou morfemas na língua e que também pode
incluir várias outras informações, dependendo de cada teoria da gramática.
[Grifos meus]
8
Como o léxico é visto como o vocabulário da língua (TRASK 2004, p. 155) e o
repositório de informações idiossincráticas, não vinha despertando grande interesse por parte
dos pesquisadores. A ênfase da lingüística, principalmente a partir da década de 60 até os dias
de hoje, tem sido com relação à criatividade e à possibilidade de geração de um número
infinito de sentenças. O que se observa, paralelamente a essa qualidade criativa da linguagem,
é que o componente simbólico da linguagem, representado pela fórmula [sintaxe +
semântica], não é capaz de explicar a geração e a compreensão de sintagmas como fazer hora,
de cabo a rabo, não é para menos, vá lá, estar pau a pau ou agora é que são elas.
7
Exemplos de regras morfológicas podem ser vistas, por exemplo, em Basilio (1980).
8
Texto original: lexicon /leksΙkn/ n. That part of the grammar of a language which includes the lexical
entries for all the words and/or morphemes in the language and which may also include various other
information, depending on the particular theory of grammar.
55
Dentre as pesquisas sobre lexicologia, só recentemente o estudo da estrutura interna
das expressões fixas e a observação da idiossincrasia composicional desses grupos léxicos
despertaram interesse. Por exemplo, uma das poucas obras resenhadas pela revista Language
sobre esse assunto refere-se ao dicionário de expressões idiomáticas de Sophia Lubensky
(1995)
9
. No Brasil, a falta de interesse pelo assunto também é demonstrada pela falta de
artigos relativos a esse tema: em toda a coleção da revista Delta, uma das mais importantes
sobre a estrutura do português, não um único artigo listado no assunto expressões
idiomáticas, ou expressões fixas, ou expressões, nem tampouco locuções. Apesar da escassa
publicação de artigos, deve-se ressaltar as recentes publicações de Xatara (dicionário francês-
português de Xatara e Oliveira, 2002 e dissertação de mestrado, 1994), além do brilhante livro
de Tagnin (1989), onde a autora apresenta de forma condensada e ao mesmo tempo
interessantíssima a problemática relativa ao estudo das expressões idiomáticas e
convencionais. A maior ênfase nesse tipo de estudo, dado o volume de publicações na área,
ficou certamente a cargo de pesquisadores franceses, sobretudo Gaston Gross (1988, 1990,
1996). Ressalte-se ainda que todo um volume da revista francesa Langages (n. 90) foi
dedicado inteiramente ao estudo das expressões fixas.
Estudos que incorporam o léxico na análise lingüística têm sido desenvolvidos
recentemente por Beth Levin (1993) e por Maurice Gross e seus colaboradores do LADL
(Laboratoire Automatique de Documentation Linguistique), incluindo trabalhos sobre o
português de Portugal, como Casteleiro (1981).
Teorias recentes têm dado maior ênfase à importância do léxico na descrição
lingüística, dentre as quais se sobressai a posição apresentada por Culicover e Jackendoff no
livro Simpler Syntax (2005). Na teoria da “sintaxe simples”, a explicação dos fatos
lingüísticos é direcionada para a fonologia e para a semântica, aliviando a carga da sintaxe e
do seu conteúdo hipotético, atribuindo assim maior relevância explicativa aos componentes
ligados aos fatos lingüísticos (fonética e semântica). Dessa forma, o léxico, que é um
integrante fundamental do componente semântico, passa a ter maior peso para a descrição
lingüística.
Também Langacker (1987), ao apresentar a teoria cognitivista, mostra que o
armazenamento de informações pode ser duplicado na sintaxe e no léxico, e não é necessária
uma posição que escolha somente um desses dois caminhos (esse aspecto será comentado
mais à frente, no item 2.2.2). Tentando representar o que ocorre na mente do falante,
9
Resenha em Language vol. 72, p. 666.
56
Langacker reconhece que o indivíduo provavelmente armazena propriedades lingüísticas não
num único componente (ou na sintaxe ou no léxico), mas em mais de um componente ao
mesmo tempo. As descrições mistas, que levam em conta a contribuição paralela de fatos
sintáticos e semânticos, são chamadas de “simbólicas”, segundo terminologia de Langacker
(1991). Também nessa perspectiva o léxico ganha maior importância, que a memorização
de blocos é reconhecida como um fato, e não se entende a língua somente do ponto de vista
composicional ou estrutural.
A importância desses trabalhos é que reconhecem alguns pontos importantes, como a
possibilidade do duplo armazenamento e a falta de distinção nítida entre léxico e gramática.
2.2 De que é composto o léxico da língua
De acordo com Basilio (2007, p. 534), “podemos definir o léxico como um conjunto
de formas simbólicas, isto é, formas associadas a significados ou que evocam significados”.
Costuma-se conceber o léxico como um repositório de itens léxicos mais as informações
semânticas a eles relacionadas, e dessa forma um sistema que inclui tipos diferentes de
informações. Essas informações lexicais são especificadas a seguir:
(a) O léxico inclui um conjunto de formas lingüísticas idiossincráticas, representado
por elementos definidos arbitrariamente por cada língua, como por exemplo a palavra quando,
ou a palavra mel, ou a raiz am- do verbo amar. A escolha semântica que cada língua faz para
uma palavra, por exemplo a que nomeia um referente, não tem motivação inerente nem é
derivável diretamente de propriedades do mundo real, conforme apontado por Saussure
(1916). A representação dos conceitos é determinada a partir de escolhas não motivadas, ou
seja, idiossincráticas. Um dos componentes do léxico é então o conjunto de formas lexicais e
o(s) significado(s) atribuído(s) a cada uma delas.
(b) O léxico inclui ainda um conjunto de processos de formação de palavras, como
por exemplo o que permite formar as palavras amar e melado a partir das raízes somadas aos
morfemas –ar e –ado. Cada item lexical inclui informações relativas aos morfemas que
aceita: no caso acima vimos que as raízes am- e mel- aceitam os morfemas –ar e –ado, e não
–er e –ismo, por exemplo.
10
10
Aqui é feita uma simplificação quanto aos morfemas envolvidos, agrupando no mesmo sufixo também a vogal
temática.
57
Da mesma forma, também outras informações a respeito das alterações e inserções
sofridas no processo de adição de afixos também devem estar incluídas no conhecimento que
o falante tem do léxico. Por exemplo, na adição do sufixo –eira às palavras chá e café ocorre
a epêntese de consoantes coronais diferentes, não motivadas fonologicamente: cha-l-eira e
cafe-t-eira. Conhecer as famílias de palavras implica em conhecer os morfemas que entram na
composição, as regras de formação de compostos e as idiossincrasias envolvidas no processo
de formação das palavras.
É possível que dentre os processos de formação de palavras estejam incluídos
processos de inferenciação e de relacionamento metafórico ou metonímico, que podem ter
sido usados na construção de sintagmas que posteriormente, a partir da repetição, deram
origem a algumas expressões fixas. Basilio (1987, p. 32) menciona a possibilidade de
nomeação metafórica em palavras compostas, quando é feita a transferência de propriedades
em termos associativos, como acontece nos compostos louva-a-deus e olho-de-sogra, por
exemplo. A relação metafórica pode ter sido a responsável pela geração de tais palavras, mas
não se pode dizer que ainda esteja presente sincronicamente: o significado desses compostos
está pronto no léxico, é recuperado assim como está codificado na memória dos falantes, e
não através de montagem do significado – tanto é que, para quem não sabe que louva-a-deus é
um inseto, o processamento metafórico não é capaz de levar o ouvinte ao significado do item.
Como explica Basilio (1987, p. 32),
Nas denominações metafóricas por composição, podemos reconhecer a
metáfora, uma vez conhecido o significado. Mas não podemos inferir o
significado através da simples observação das formas.
(c) O léxico inclui um conjunto de informações e conhecimentos relacionados a cada
forma idiossincrática. Parte dessas informações é de ordem semântica, incluindo o(s)
significado(s) de cada item, bem como restrições selecionais relacionadas ao processo de
inserção sintagmática como, por exemplo, a informação de que o verbo amar requer sujeito
[+animado].
Outra parte das informações lexicais relaciona-se a propriedades sintáticas
idiossincráticas de cada item. As informações presentes no léxico referem-se não somente ao
significado das palavras (ou significados, que, em grande parte, os vocábulos são
polissêmicos), mas também informações sobre as possibilidades de inclusão de tais itens em
estruturas sintáticas. Por exemplo: estariam incluídas no léxico informações a respeito da
classe gramatical de cada palavra, suas restrições selecionais, a grade temática que integra a
58
estrutura sintático-semântica das palavras, as derivações e flexões que admite, as
possibilidades de combinações e qualquer outro tipo de informação relacionada a
particularidades daquele item léxico em especial.
Assim, além dos lexemas, o léxico contém várias outras informações memorizadas,
como os morfemas da ngua e a relação entre itens de mesma raiz (como o morfema –mento
que relaciona casar / casamento, acontecer / acontecimento), noções morfológicas (por
exemplo, qual é o plural de uma palavra, como balão - balões), informações sintáticas como a
classe gramatical de uma palavra, restrições de combinação de itens (por exemplo, o
conhecimento de que podemos tomar um comprimido, que é um elemento sólido, mas não
podemos *tomar uma pizza), exigências no uso das preposições (em português podemos
contar com uma pessoa, mas não podemos *contar sobre uma pessoa, como seria a tradução
literal da mesma expressão no inglês, no francês ou no italiano), as aceitações do verbo com
relação a seus complementos, e assim vários dados idiossincráticos.
O léxico inclui informações específicas sobre cada um dos itens primitivos e dos
derivados através dos processos morfológicos. As informações lexicais são usadas, dentre
várias outras instâncias, para a inferência do significado de outras palavras da mesma família.
Por exemplo, mesmo sem conhecer um item como gelatinóide é possível tirar alguma
informação ao relacionar essa palavra a gelatina. Segundo Perfetti (1985, p. 47), pesquisas
comprovam a idéia de que as famílias de palavras são classes psicologicamente reais.
Também Trask (2004, p. 155) aponta o mesmo fato:
boas evidências de que as palavras pertencentes a uma mesma classe
gramatical e também as palavras com sentido muito próximo são
armazenadas no cérebro “no mesmo lugar”, seja o que isso quer dizer
exatamente; e fica perfeitamente claro que as palavras não são
armazenadas uma a uma, mas, ao contrário, são armazenadas com
inúmeras remissões a outras palavras com as quais têm em comum a
função, o sentido ou mais simplesmente a forma sonora.
(d) Segundo Basilio (2007, p. 534), alguns autores (como Langacker, 1987) entendem
que a semântica lexical também inclui o conhecimento enciclopédico, que é o conhecimento
do mundo que vai além dos traços definicionais dos itens lexicais. Para explicitar melhor o
que vem a ser o conhecimento enciclopédico e a sua importância na compreensão da língua,
tomemos o seguinte exemplo:
(1) Pedrinho foi visitar o avô. Semana passada ele completou 80 anos.
59
Na sentença acima usamos o conhecimento enciclopédico na interpretação da anáfora ele: o
referente de ele é entendido como “o avô de Pedrinho”. Note-se que, do ponto de vista
sintático, ele poderia se referir tanto a Pedrinho quanto ao avô e talvez a preferência, nesse
nível, fosse ligar a anáfora com o referente de Pedrinho, por ser esse o tópico do texto. Do
ponto de vista semântico, avô é definido como “pai da mãe ou pai do pai”, mas esse tipo de
informação não ajuda a identificar inequivocamente o referente da anáfora ele nesse texto. Do
ponto de vista de conhecimento do mundo (mas não indispensável à delimitação do
significado de “avô”), sabe-se que em geral “avós são pessoas velhas” esse conhecimento
enciclopédico, unido à referência da idade (“ele completou 80 anos”) é que privilegia a
ligação entre ele e o antecedente avô.
11
O uso do conhecimento enciclopédico no léxico é apresentado por Basilio (2007) a
partir da formação de verbos denominais como aguar ou martelar, em que o evento
representado pelo verbo tem como referência os substantivos água e martelo,
respectivamente. Em casos como esses, o conhecimento enciclopédico referente à função ou à
especificidade de cada substantivo são condições necessárias para a formação do verbo
denominal, resultante de um padrão metonímico que relaciona uma substância ou instrumento
(água ou martelo) ao respectivo ato. Como assinala Basilio (2007, p. 535)
[...] a interpretação de construções de verbos denominais é baseada na
interação entre nosso conhecimento enciclopédico (o ato específico), nosso
conhecimento lingüístico de padrões morfológicos de formação de verbos (a
estrutura morfológica [XS à [[X]S a(r)]V) e padrões metonímicos como
Substância por Ato, Instrumento por Ato e assim por diante.
A opinião de que o léxico incluiria o conhecimento enciclopédico não é aceita sem
certa polêmica, uma vez que outros autores (Harley; Noyer, 2000, apud Basilio 2007 e a
própria Basilio) defendem uma distinção entre conhecimento lingüístico (que seria o
vocabulário, parte da língua) e conhecimento enciclopédico (que estaria na interface de
estruturas conceptuais). Na verdade, o conhecimento enciclopédico é mais um componente do
conhecimento do mundo, extralingüístico, que colabora na compreensão de textos, mas não
faz parte da língua propriamente dita. No exemplo acima, o fato de uma pessoa de 80 anos
dificilmente poder ter avô vivo não tem nada a ver com a língua portuguesa. Seja como for, o
léxico precisa sempre prever a interação entre o sistema de armazenagem de formas
11
A esse respeito veja-se Fulgêncio (1983), Liberato; Fulgêncio (2007) e Castelfranchi; Parisi (1980).
60
simbólicas e o sistema cognitivo e conceptual mais amplo do que o mero conteúdo
definicional.
O léxico seria constituído então de pelo menos dois níveis indispensáveis: uma
listagem de idiossincrasias (formais e semânticas) e um conjunto de processos (que seriam as
regras morfológicas), que confere ao léxico o seu caráter dinâmico e expansível.
Parece muito, mas na verdade o léxico não pode ser isso. Tem mais. O
conhecimento lexical possuído pelos falantes inclui não somente informações a respeito de
elementos monomorfêmicos ou de palavras polimorfêmicas, mas precisa incluir informações
sobre construções idiossincráticas, ou seja, estruturas formadas por várias palavras em
seqüência. Por exemplo, não basta o léxico incluir o verbo bater com todas as características
semânticas, sua grade temática e suas condições estruturais; para compreender o significado
de bater as botas é preciso que a seqüência esteja listada separadamente, uma vez que nesse
caso o significado (“morrer”) não é derivável dos elementos que compõem a expressão.
Assim também não basta que o léxico liste a palavra respeito, mas tem de listar igualmente a
locução prepositiva a respeito (como em “eu não sei nada a esse respeito”), uma vez que
tanto o significado do grupo quanto a seleção da preposição que obrigatoriamente acompanha
respeito são determinados idiossincraticamente. E também vai ter de listar casos como par ou
ímpar, uma vez que a ordem não é arbitrária, e não se diz (embora fosse possível, pelas regras
da língua) *ímpar ou par.
O nosso conhecimento do léxico contém também informações sobre quais itens
combinam bem com outros, de uma forma particular. Por exemplo, é possível dizer que uma
pessoa é podre de rica, para intensificar a sua condição financeira, mas não *podre de pobre
ou qualquer coisa semelhante; dizemos que alguém falou coisas do arco da velha, mas não
*do arco da anciã, muito embora as palavras velha e anciã tenham um significado bastante
próximo, substituível em vários contextos. Dizemos que um evento ocorreu à tarde ou à
noite, mas não *à manhã; e podemos pensar em uma pessoa e não *pensar a uma pessoa,
que seria a estrutura esperada a partir da tradução literal do francês (penser à quelqu’un) e
do italiano (pensare a qualcuno).
Além disso, o léxico precisa listar formas presas que são palavras independentes.
Isso parece uma contradição, mas acontece na língua em muitos casos. Por exemplo,
expressões como por conseguinte, a esmo, perder as estribeiras, ao léu, de afogadilho, de
bom grado e ao bel prazer incluem palavras que não existem fora das expressões que as
contêm, e portanto não podem aparecer sozinhas: não existem no português atual as palavras
61
*o conseguinte, *o esmo, *a estribeira, *o léu, *o afogadilho, *o grado
12
e *bel. Esses
elementos que compõem as locuções, muito embora sejam semelhantes a palavras
independentes e sejam grafados com espaços à esquerda e à direita, não são morfemas livres,
uma vez que são dependentes das expressões onde se inserem.
2.2.1 Sobre a regularidade sintático-semântica das expressões fixas
As locuções e expressões fixas, além de terem um significado particular, muitas vezes
possuem restrições sintáticas que violam as regras da língua.
.
Essa constatação é inesperada,
uma vez que geralmente se supõe que as expressões idiomáticas tenham um significado
especial, mas não se espera que a sua estrutura sintática infrinja as normas que determinam a
boa formação das seqüências. No entanto, existem evidências de sobra de que nem sempre as
expressões fixas são bem comportadas, e nem sempre obedecem às regras que valem para a
formação de expressões construídas (não fixas). Acabamos de ver acima um exemplo disso,
onde a ordem da expressão par ou ímpar não pode ser alterada, isto é, não é reversível como
se esperaria ou seja, as restrições sintáticas e as condições relativas ao conhecimento do
mundo não proíbem a inversão da ordem. O mesmo acontece em estruturas coordenadas que
indicam enumeração. A reversibilidade em construções coordenadas construídas (não fixas) é
permitida pela sintaxe do português, que aceita a permuta dos elementos coordenados: posso
dizer pera e maçã ou maçã e pera, tanto faz. A ordem pode ser determinada dentro do texto,
em função do tópico discursivo, por exemplo, mas em termos sintáticos a escolha é livre. No
entanto, como já mencionado anteriormente, nem sempre a ordem dos elementos coordenados
em expressões fixas é livre: existe o conjunto de forno e fogão, mas não se diz *de fogão e
forno; o mesmo acontece em firme e forte ou ser unha e carne, onde os elementos
coordenados não admitem a permuta de ordem (*forte e firme, *ser carne e unha)
13
. Vemos
12
Foram incluídos artigos junto das palavras porque, como se sabe, as preposições antecedem SNs, e portanto as
palavras que aparecem depois das preposições nas expressões por conseguinte, a esmo, perder as estribeiras, ao
léu e de afogadilho são supostamente nomes.
13
Falamos aqui de estruturas coordenadas em casos de expressões irreversíveis, como firme e forte, para que seja
possível compará-las com expressões de mesma estrutura mas montadas pelo falante (como alegre e sorridente),
em que a inversão dos termos coordenados é viável (a construção sorridente e alegre, com ordem invertida, é
igualmente possível). No entanto, ressalte-se que, a rigor, o uso do termo coordenação não é estritamente
pertinente no tratamento das expressões fixas, uma vez que o grupo é fossilizado, é tomado em bloco, e nesse
caso não há composicionalidade do ponto de vista sincrônico.
62
nesses casos que nem sempre as estruturas idiomáticas respeitam propriedades estruturais
correntes do português.
Como esses, há vários outros casos em que as expressões fixas não respeitam a
contraparte sintática da língua, contrariamente ao que se pensa normalmente (veja-se mais a
esse respeito no capítulo 6). É possível que, ao examinar a estruturação dessas expressões,
posições como a de Williams (1994, p. 10) não se confirmem e devam ser abandonadas ao
serem confrontadas com os fatos da língua:
Sustento que as expressões idiomáticas são bem formadas, e que as regras
de boa-formação são regras “parametrizadas” simples.
14
Contrariamente à crença de Williams, a análise dos dados comprova que as expressões
fixas funcionam como blocos que nem sempre se sujeitam às condições sintáticas da ngua,
além de nem sempre se sujeitarem às condições semânticas relativas aos seus itens
integrantes, uma vez que a soma da semântica de cada item não oferece o significado de
muitas expressões (como acontece com as EFs espírito de porco, chato de galocha ou
arrebentar a boca do balão). Como veremos mais adiante, é isso mesmo que acontece:
Williams não tem razão quanto a essa sua afirmação, e podemos encontrar vários casos em
que as expressões fixas não obedecem aos parâmetros sintático-semânticos do português.
2.2.2. O armazenamento das expressões fixas
Por outro lado, uma expressão fixa tem muitas vezes uma estrutura regular e pode,
pelo menos em alguns casos, ter uma sintaxe idêntica à construída por regra. Isso significa
que a estrutura de uma expressão fixa é disponível ao usuário da ngua a partir de duas
fontes, simultaneamente: o armazenamento em bloco e a aplicação das regras. Evidentemente,
o armazenamento da expressão no léxico é um pré-requisito, uma vez que não seria possível
adivinhar quais palavras usar, em que ordem e de que forma, para gerar na maioria das vezes
um significado não dedutível a partir do significado de cada palavra. Haveria n possibilidades
de construção, e não seria possível descobrir o formato exato escolhido pela língua.
14
Texto original: “I hold that idioms are well formed, and that the rules of well-formedness are simple
‘parameterized’ rules.”
63
O que se pretende dizer é que o falante tem na memória, ao mesmo tempo, a expressão
fixa e a estrutura esqueletal da qual a expressão é um exemplo de realização (no caso de
expressões que seguem os parâmetros sintáticos). Por exemplo, o falante do português tem na
memória tanto a expressão puxar o tapete quanto a estrutura [V + SN], da qual essa expressão
é um exemplo.
Essa é uma visão semelhante ao que acontece com relação ao armazenamento de
palavras na ngua: o falante tem memorizadas as regras de formação de palavras, mas tem
memorizada igualmente a forma final gerada. O léxico precisa incluir também as formas
prontas (base + afixos) porque a escolha da forma final das palavras é em muitos casos
arbitrária, idiossincrática e não dedutível exclusivamente a partir de regras de composição.
Por exemplo:
a) O nome agentivo relacionado a inventar é inventor, e não *inventador (como seria
de se esperar por analogia com colecionar colecionador), e o verbo cantar possui
como agentivos tanto cantador quanto cantor; esses exemplos mostram a necessidade
de memorização individual das possibilidades de aplicação de regras morfológicas.
b) As nominalizações deverbais incluem grande número de idiossincrasias: o morfema
que se liga a conversar é -ção, gerando o nome conversação, mas o que se liga a
secar é -gem, gerando o nome secagem. Outros exemplos: nadar > nado, correr >
corrida, operar > operação, incendiar > incêndio, cultivar > cultivo, fritar > fritura
etc, indicando mais uma vez a necessidade de memorização individual de item por
item. Esses exemplos demonstram que é possível ter mais de um afixo para uma
mesma acepção semântica; e que a escolha que cada palavra faz por um deles é
idiossincrática e portanto imprevisível.
c) As palavras derivadas incluem fonemas de ligação entre radical e afixo, escolhidos
de forma arbitrária. Como se viu, o falante pode ter codificada a regra morfológica que
agrupa os morfemas [café + eira], mas também precisa ter o item cafeteira decorado
como um todo – caso contrário não saberia qual a forma final da palavra, uma vez que
não é possível prever se uma consoante epentética unindo os dois morfemas, e qual
seria ela (já que {lápis + eira} = lapiseira, sem consoante epentética, mas {chá + -
eira} = chal
eira e {água + -eira} = aguaceira). E precisa saber que a união de [café +
64
eiro] não é mediada por nenhuma consoante (cafeeiro), e que [café + eira] = cafeteira
(e não *cafezeira), mas [café + al] = cafezal (e não *cafetal).
Cagliari (2002, p. 160-168), trata desse caso de consoante de ligação como
uma regra fonológica de epêntese consonantal. Se por um lado é proposta a aplicação
de uma regra nesse contexto, por outro lado é preciso considerar que o aparecimento
da consoante é marcado aleatoriamente, palavra por palavra. E quando essa consoante
aparece, a forma que adquire também é marcada palavra por palavra, e não está ligada
nem à raiz nem ao sufixo (porque para o mesmo sufixo a consoante de ligação pode
aparecer ou não, e quando aparece pode variar: cipo-Ø-al, bambu-z-al, mata-g-al). Ao
lado de uma possível regra fonológica ou morfológica, tem-se paralelamente a
memorização de itens, um a um.
A morfologia considera que o falante tem memorizados morfemas que, por sua vez, se
unem para formar palavras; mas temos evidência de que as palavras são igualmente
memorizadas unitariamente (pelo menos em muitos casos), dado o caráter idiossincrático de
vários processos morfológicos. Temos então um sistema duplo, que inclui processos de
formação memorizados e também o resultado do processo igualmente memorizado.
unidades que se unem para compor um novo elemento mais complexo, que por sua vez
também é memorizado como um todo.
Comparativamente, seria possível considerar que também no âmbito da sintaxe
haveria unidades menores (nesse caso as palavras) que se unem formando estruturas maiores
igualmente memorizadas (que seriam os sintagmas que formam as EFs). Será que também na
sintaxe em muitos casos repete-se o padrão que se observa na morfologia?
O que se sugere é que também deve ocorrer um processo semelhante com as
expressões lexicalizadas: morfemas livres juntam-se a outros morfemas livres, formando uma
nova unidade, com novas características e novas propriedades, sendo o grupo igualmente
memorizado no léxico mental, constitutivo de uma nova unidade lexical.
A expressão fixa está para as palavras assim como as palavras (os lexemas) estão para
os morfemas: os lexemas são compostos de unidades significativas (que são os morfemas
derivacionais que se aliam ao morfema radical), mas a memória lexical inclui o
armazenamento de cada lexema da língua, e não somente de seus constituintes (os morfemas),
mesmo porque em vários aspectos a montagem das palavras inclui arbitrariedades. Assim
também no caso das expressões fixas: esses agrupamentos são compostos de palavras, mas o
65
bloco armazenado é a expressão, e não os constituintes (as palavras), uma vez que também
nesse caso a montagem inclui idiossincrasias.
O tipo de decodificação das EFs é semelhante ao que acontece com as palavras da
língua, uma vez que em ambos os casos o significado está codificado no léxico. O mesmo
processo de retomada lexical e obtenção de significado que se faz com palavras
polimorfêmicas (isto é, com palavras compostas por [raiz + morfemas derivacionais]) pode
ser transposto e aplicado igualmente para o caso das EFs: o falante teria memorizadas as
palavras isoladas e também as formas fixas.
Essa possibilidade de armazenamento duplo não é reconhecida em geral por muitas
teorias; essa atitude é denominada por Langacker (1987) a “falácia da exclusão”
(“exclusionary fallacy”), ou seja, a crença infundada de que
uma análise, motivação, categorização, causa, função ou explicação para
um fenômeno lingüístico necessariamente exclui qualquer outra.
15
(Langacker, 1987, p. 28)
A maioria das teorias sintáticas atuais é incapaz de incluir esse fato, que pressupõe o
duplo armazenamento de informações sobre a ngua. A possibilidade de um elemento incluir
uma composição determinada por regras e ao mesmo tempo ser armazenado no léxico não é
acolhida pela maioria das teorias atuais. Langacker (1987) aponta para o fato de que é
provável que o falante, além das regras da língua, promova uma listagem lexical e utilize
simultaneamente esses dois planos lingüísticos, combinando ambas as propriedades de cada
sistema. A idéia de que o processamento lingüístico é exclusivo e não pode ser duplicado em
mais de um nível é combatida por Langacker. O falso preceito lingüístico de que o
processamento mental teria de ser econômico, e portanto seria feito em um só componente, ou
através de regras gramaticais ou através da recuperação de material memorizado (mas nunca
nos dois componentes simultaneamente) é questionado, tomando como exemplo a palavra
stapler (‘grampeador’):
um dilema aparente: se a forma [grampeador] for derivada por regra, não
poderemos dar conta de suas propriedades especiais, isto é, o fato de que
significa algo mais do que simplesmente ‘algo que grampeia’; por outro lado,
se ela for simplesmente listada no léxico o poderá ser assimilada ao
padrão derivacional produtivo V + -er [em português, V + -dor], do qual ela é
certamente um exemplo. O erro está em pressupor que tem de ser uma coisa
15
Texto original: “one analysis, motivation, categorization, cause, function, or explanation for a linguistic
phenomenon necessarily precludes another.”
66
ou outra. Não nada intrinsecamente implausível numa posição que
combina os traços centrais de ambas as análises. [...] Esse exemplo
representa uma versão importante da falácia da exclusão, que eu vou
chamar de falácia da regra/lista: a pressuposição, por razão de
simplicidade, que uma determinada afirmação (isto é, uma listagem) tem de
ser cortada da gramática de uma língua se for possível estabelecer uma
afirmação geral (isto é, uma regra) que a inclui.”
[Langacker, 1987, p. 28-29]
16
Para Langacker, é enganosa a idéia de que o processamento lingüístico seria exclusivo
de um único plano mental; para ele, ao contrário, a mente pode armazenar dados lingüísticos
duplamente, em mais de um componente e por mais de uma forma.
O exemplo citado mostra que não é possível armazenar grampeador em um nível
lingüístico. A idéia é a de que temos na nossa memória a regra morfológica que une uma base
a um sufixo agentivo dor, gerando [grampea- +-dor]. É indiscutível que o falante tem
conhecimento dessa formação, uma vez que se trata de uma regra produtiva, que permite a
formação de palavras novas com significado agentivo a partir da união de uma base verbal
mais o sufixo -dor. Mas se fosse isso, ou seja, se o item grampeador fosse armazenado
somente através da regra de formação, teria somente o significado de “agente de grampear”,
ou seja, “quem ou o que quer que grampeie”. Mas sabemos que um grampeador não é “quem /
o que quer que grampeie” mas, ao contrário, designa um artefato ([-humano]) que tem como
referente um objeto de formato especial e característico. Se é assim, a forma inteira
grampeador tem de ser listada no léxico juntamente com o seu significado especial. Temos
então dois planos de armazenamento da palavra grampeador: (a) o nível morfológico (onde
existem os morfemas grampea-, -dor e as regras que permitem a união desses morfemas,
produzindo uma forma com determinado conteúdo semântico derivável do significado dos
morfemas), e (b) o nível lexical, que armazena a palavra inteira com seu significado
específico.
No modelo cognitivo de Langacker (1987) são admitidos dois caminhos possíveis de
codificação lingüística, memorizados simultaneamente, o que implicaria, em última análise,
uma reduplicação de informação e uma superposição redundante de conhecimentos. Segundo
sua proposta, o falante tem internalizado não somente um sistema de regras produtivas, mas
16
Texto original: “There is an apparent dilemma: if the form is derived by rule, one cannot account for its special
properties, i.e. the fact that it means more than just ‘something that staples’; if it is simply listed in the lexicon,
on the other hand, it cannot be assimilated to the productive V + -er derivational pattern, which it certainly seems
to instantiate. The mistake is to assume that it has to be one and not the other. There is nothing instrinsically
implausible about a position combining the central features of both analyses. [...] This example represents an
important version of the exclusionary fallacy that I will call the rule/list fallacy: the assumption, on grounds of
simplicity, that particular statements (i.e. lists) must be excised from the grammar of a language if general
statements (i.e. rules) that subsume them can be established.”
67
também, pelo menos em alguns casos, o resultado delas guardado na memória ou seja, o
falante tem memorizadas tanto as regras da língua quanto realizações lexicalizadas dessa
mesma construção. O falante possui não somente a regra lexical que gera [grampea- (radical)
+ -dor (sufixo agentivo)], mas também a palavra grampeador memorizada individualmente.
O mesmo pode ser dito para as expressões fixas: o falante tem codificadas as regras
sintáticas e semânticas de geração de sintagmas, mas precisa ter memorizada individualmente
uma expressão como por que cargas d’água, uma vez que as regras composicionais não são
capazes de gerar o significado da estrutura.
2.2.3 Conclusão: uma nova visão do léxico
Assim é formado o léxico: as regras de formação de palavras oferecem pistas, mas não
indicam de forma unívoca o resultado final na formação de todas as palavras na língua. Tendo
em vista o fato de o léxico ser composto não de forma totalmente regular, mas muitas vezes
de forma arbitrária, conclui-se que não pode incluir exclusivamente morfemas e regras de
formação de palavras. É preciso mais um passo, mais uma informação: é preciso indicar
explicitamente a forma final gerada.
que no caso das expressões fixas impera a idiossincrasia no agrupamento lexical,
pelo mesmo motivo deve-se incluir no léxico, explicitamente e individualmente, cada grupo
lexical fixo na língua. Assim como o agrupamento de morfemas é muitas vezes arbitrário,
assim também o agrupamento de palavras que formam as EFs é igualmente muitas vezes
arbitrário. Uma EF funciona lexicalmente (do ponto de vista de armazenamento mental) e
semanticamente (do ponto de vista de ativação de um significado) como qualquer outro item
léxico, isto é, funciona como uma unidade. É uma construção idiossincrática e, assim como
outros signos lingüísticos, tem de ser armazenada na memória lexical.
O duplo armazenamento que se em grampeador também é encontrado em muitas
expressões fixas, com a única diferença de que com grampeador tratamos de regras
morfológicas, e com as expressões fixas temos regras sintáticas. Ou seja, em grampeador
temos, de um lado, o armazenamento de morfemas e da regra de formação de palavras, e por
outro lado, a memorização da forma inteira, com seu significado especial; nas expressões
fixas temos, por um lado, o armazenamento de palavras e regras sintáticas, e por outro lado a
memorização de todo o grupo idiossincrático com seu significado idiomático. Por exemplo,
68
tomando uma seqüência como a expressão fixa ninguém merece, vemos que é formada
regularmente pelas regras sintáticas da língua; mas por outro lado, ao significado original foi
acrescentado recentemente o de “ser horrível”:
(2) Essa minha caneta, ninguém merece!
Conclui-se que a seqüência ninguém merece deve ser armazenada duplamente: no plano
sintático a formação [SN + SV] que gera regularmente a seqüência ninguém merece; e no
plano lexical há o grupo ninguém merece armazenado em bloco, com seu significado especial,
uma vez que esse significado idiossincrático não pode ser obtido exclusivamente a partir da
geração sintática.
Note-se que no caso de ninguém merece essa dupla análise é necessária, porque é
também possível usar a mesma seqüência com o significado “literal”, isto é, aquele que
decorre diretamente da soma do significado individual de cada palavra:
(3) Ninguém merece um salário se não trabalhar.
Pawley e Syder (1983, p. 192) também reconhecem a necessidade do duplo
armazenamento, tendo em vista que o falante precisa conhecer não somente a gramática da
língua, mas também quais das sentenças bem-formadas são consideradas naturais (nativelike):
[...] como muitas seqüências regulares de morfemas são conhecidas tanto
holisticamente (como unidades lexicalizadas) e analiticamente (como
produtos de regras sintáticas), é necessário especificar essas seqüências
na gramática pelo menos duas vezes.
17
A proposta teórica apresentada neste trabalho incorpora a idéia de Pawley e Syder no
que tange à consideração de que a língua não é unicamente ou basicamente um sistema de
regras. Não necessariamente a mente codifica a língua através de um sistema único, simples e
econômico, ancorado somente em projeções de regras ou restrições. As indicações são de que
a mente opera simultaneamente com dois sistemas lingüísticos, que às vezes podem ser
redundantes: (a) um sistema de regras ou parâmetros; e (b) um sistema de construções
decoradas, aprendidas individualmente, uma por uma, guardadas unitariamente na memória.
17
Texto original: “Isofar as many regular morpheme sequences are known both holistically (as lexicalized units)
and analytically (as products of syntactic rules) it is necessary to specify these sequences at least twice in the
grammar.”
69
Em parte (mas não sempre), o sistema (b) pode reduplicar informações do sistema (a):
aprende-se uma regra (responsável pela geração de uma estrutura) e também se decora o
resultado dela. Mas nem sempre superposição dos sistemas, porque a forma final pode
incluir acepções específicas ou formato morfo-sintático imprevisível, como no caso de muitas
expressões fixas.
As expressões fixas se apresentam como seqüências solidárias que se repetem
sistematicamente no mesmo formato, apresentando em muitos casos um comportamento
idiossincrático e não previsível. Sua composição interna nem sempre segue os padrões
gramaticais, nem do ponto de vista semântico nem do ponto de vista formal. Tendo em vista a
convencionalidade e a imprevisibilidade estrutural e semântica que marcam a sistematicidade
e a unidade do grupo, as expressões fixas precisam ser listadas no léxico de forma
individualizada, como um item léxico. Essa visão é também apresentada por Burger (1982,
apud Geeraerts, 1995, p. 57):
Uma combinação de duas ou mais palavras é fraseológica quando, em
primeiro lugar, as palavras em questão exibem uma unidade que não pode
ser explicada com base em regularidades sintáticas e semânticas do padrão
combinatório e, em segundo lugar, quando a combinação é de uso comum
na comunidade lingüística, como um item léxico.”
18
Se as coisas funcionam da maneira aqui descrita, temos evidências que nos levam a
propor uma nova configuração do léxico, que incluiria as expressões fixas como unidades
lexicais, ao lado das palavras da língua.
Uma unidade, do ponto de vista cognitivista, representa uma estrutura descrita como
“entrincheirada”, fixada e automatizada em decorrência do uso freqüente, da repetição e da
rotinização. A estrutura entrincheirada é vista como um todo íntegro: não se atenção aos
seus componentes nem é ativado o significado das partes para a montagem do significado do
grupo. É o estabelecimento do entrincheiramento que atribui o status de unidade a construções
complexas, como as expressões fixas (BECKER, 2005).
18
Texto original: Phraseologisch ist eine Verbindung von zwei oder mehr Wörtern dann, wenn 1
o
die Wörter
eine durch die syntaktischen und semantischen Regularitäten der Verknüpfung nicht erkläbare Einheit bilden,
und wenn 2
o
die Wortverbingung in der Sprachgemeinschaft, ähnlich wie ein Lexem, gebräuchlich ist.”
70
Expressões fixas seriam, então, itens léxicos. O dicionário mental incluiria não
somente palavras e locuções, mas também sintagmas e até sentenças fixas. Nesse aspecto,
concordo com Williams (1994, p. 8) quando diz:
O léxico é o repositório das formas sobre as quais é necessário aprender
algo de especial. Isso certamente inclui, por exemplo, todas as palavras
monomorfêmicas, mas também inclui unidades compostas formadas tanto
morfológica quanto sintaticamente, unidades compostas cujas propriedades
nem sempre decorrem das regras que as compõem. Isso incluiria muitas
palavras, mas também muitos sintagmas.
19
Vemos então que o léxico inclui muito mais do que as palavras da língua. Além de
palavras isoladas, muitas vezes memorizamos grupos de palavras. Por exemplo, objetos
aos quais nos referimos por uma expressão com mais de uma palavra como ar-
condicionado, água sanitária, asa-delta, pé-de-cabra ou meio ambiente. Temos na nossa
memória também fórmulas fixas, como bom-dia (e não *boa-manhã), com licença, de nada
e tantas outras fórmulas de cortesia. ainda as expressões idiomáticas como fincar o pé,
mexer os pauzinhos, à queima-roupa, sangue quente ou passar sabão; também frases
feitas, como antes tarde do que nunca ou vai ver se eu estou na esquina.
Com relação às expressões preposicionadas com valor adverbial, como a , a
caráter, de manhã e de repente, por exemplo, Basilio (2000, p. 13) as incorpora no léxico
e afirma tratarem-se de palavras:
Do ponto de vista fonológico, o elemento preposicional se junta ao
elemento portador de tonicidade, formando uma sílaba átona pré-tônica no
vocábulo fonológico então constituído; e do ponto de vista sintático, o todo
assim formado não possibilita intercalação de qualquer outro elemento.
Assim, embora tais expressões sejam consideradas como locuções, esta
análise só é plenamente adequada se nos circunscrevermos à língua
escrita. Do ponto de vista estrutural, essas expressões adverbiais se
configuram como palavras: o elemento considerado preposicional não
pode ser descolado do outro, igualando-se a um prefixo em suas
características distribucionais.
Como resultado, o léxico não é formado somente de uma lista de palavras com seus
significados e traços semânticos idiossincráticos, mais os processos de formação de
palavras: inclui também a listagem das expressões fixas ou seqüências de palavras
19
Texto original: “The lexicon is the repository of forms about which something special must be learned. This
certainly includes, for example, all the monomorphemic words, but it also includes composed units of both
syntax and word formation, composed units whose properties do not all follow from the rules which compose
them. This would include a great deal of words, but also a great deal of phrases.”
71
memorizadas. Por já se a complexidade do léxico e a grande quantidade de
informações sobre as palavras que temos estocada na memória.
O léxico de uma língua seria então um repositório de informações idiossincráticas que
inclui as designações escolhidas pela língua (isto é, a listagem dos lexemas da língua) e as
propriedades específicas de cada palavra (como a forma fonológica e ortográfica), mais um
conjunto de informações semânticas (os significados possíveis e as restrições selecionais),
mais um bloco de informações sintáticas idiossincráticas (como a grade temática de verbos e
nomes), mais informações sobre os registros das palavras (como, por exemplo, se o termo é
usado em registro formal ou informal), mais todos os conjuntos idiomáticos de palavras
memorizados em bloco (como dar o cano), mais informações sobre grupos de palavras que
vão juntas (como prestar atenção), e ainda as estruturas usadas na formação de novas
unidades lexicais. A esse conjunto de informações idiossincráticas se soma um conjunto de
regras que permitem o processo de formação de palavras e viabilizam a expansão do léxico,
que por sua vez leva a outro tipo de conhecimento memorizado, que diz respeito à
classificação psicologicamente real das famílias de palavras, ou seja, o estabelecimento de
classes mentais de itens que se relacionam morfologicamente
20
. Isso tudo sem falar no
conhecimento enciclopédico, que como vimos também se relaciona estreitamente ao
conhecimento lexical
21
. No momento em que a teoria lingüística assume a pretensão de ser
relevante para o estudo dos processos cognitivos da mente, nenhum desses fatos pode ficar de
fora, pois são também indicações perceptíveis do modo como funciona o nosso cérebro.
Para a sintaxe, fica reservada a parte da livre combinação das palavras contidas no
léxico em unidades maiores, preservadas as restrições e condições especificadas para cada
item na sua entrada lexical.
Ao adquirir o componente lexical de uma língua, o falante tem de internalizar não
somente os morfemas, as regras de formação de palavras e as propriedades de cada palavra,
individualmente, mas também sintagmas que constituem unidades aprendidas em bloco e
decoradas como um grupo solidário. Isso indicaria, em última análise, que as estratégias de
aprendizagem lexical são mais fortes e mais ricas do que se costuma imaginar, e que o
conhecimento lexical é maior do que o admitido até o momento. Se a aquisição lexical supera
20
Cf. Perfetti, 1985, p. 47.
21
Oliveira (comunicação pessoal) sugere resumir todo o léxico na seguinte fórmula:
L = {E,C} ф(Uso) (onde L=léxico; E=expressão; C=conteúdo, ф=função) - e
G = Conjunto de condições de boa formação do léxico (ou dos pares {E,C})
A fórmula pode ser entendida como uma abreviação, mas não consegue descomplicar os fatos, porque o que é
complicado mesmo é o próprio léxico, cheio de detalhes e rico em características múltiplas.
72
a barreira da palavra e inclui a aprendizagem de estruturas prontas, aprendidas em bloco,
tem-se conseqüentemente o corolário de que a liberdade na estruturação lingüística é menor
do que o que se costuma supor, e que a parte parametrizada da ngua é menos poderosa do
que o que vem sendo postulado.
Provavelmente a aquisição da língua inclui, num extremo, a aprendizagem de
expressões totalmente congeladas e, em outro extremo, os parâmetros que servem para a
construção de expressões “livres” e criativas (ou seja, expressões formadas pelo falante com
base numa livre associação entre as palavras e as regras da língua). No meio desses extremos
provavelmente uma série de sintagmas não totalmente fixos nem totalmente livres. Por
exemplo: vimos que bater as botas é um bloco fixo, que tem de ser aprendido como uma
unidade. Também bater a carteira parece ser uma expressão fixa, mas não tão rígida quanto
bater as botas, já que bater a carteira admite uma pequena variação paradigmática, como
a carteira
bater a bolsa
o dinheiro
mas não *bater o relógio, *bater o tênis, *bater as jóias. Portanto, bater a carteira não é nem
tão rígida quanto bater as botas nem tão livre como uma construção que admite qualquer tipo
de complemento compatível com a semântica do verbo. Está a meio caminho entre a total
liberdade e a total rigidez.
Provavelmente a língua comporta outros graus de rigidez no agrupamento entre os
dois extremos, de forma que deve haver uma espécie de gradiente entre os níveis de
lexicalização e de congelamento das expressões fixas. Expressões menos rígidas seriam
aquelas cujo significado é totalmente previsível a partir da soma das partes componentes e
cuja estrutura formal se comporta regularmente segundo os parâmetros definidos pela língua –
mas, apesar disso, a construção apresenta algum grau de lexicalização, porque dentre todas as
expressões possíveis para se usar num determinado contexto, uma preferência por aquela
determinada construção.
Por exemplo, um grau fraco de “solidificação” pode ser exemplificado pela expressão
como se não bastasse: a expressão pode ser entendida de forma literal (já que cada item
preserva seu significado individual), mas é usada da mesma forma e com o mesmo
preenchimento léxico quando se tem a intenção de fazer um acréscimo de mais um elemento
negativo, ou de um exemplo de algo inconveniente, apesar das várias outras alternativas de
73
construções possíveis para veicular a mesma intenção comunicativa. Veja-se um exemplo
desse uso no texto seguinte:
(4) Outro problema: poluição. Esgotos, inclusive de cidades vizinhas, despejam na lagoa
toneladas de dejetos, apesar dos contínuos esforços dos prefeitos. Como se não bastasse,
lixos de toda espécie, vindos principalmente com as enchentes provocadas pelas chuvas.
Cansamos de “trombar” com sofás velhos, aparelhos de TV, colchões de mola (um dos quais
gastamos horas para soltar da hélice de popa). (crônica em jornal)
Trata-se de um sintagma regular, tanto do ponto de vista sintático quanto semântico, mas
repetido sistematicamente com o mesmo molde. A diferença consiste na preferência dos
falantes pelo uso dessa forma e não de outras teoricamente viáveis no mesmo contexto. Trata-
se então de uma construção que se situa entre uma EF totalmente rígida e idiossincrática
(como pintar o sete) e sintagmas regulares, livres e criativos, construídos pelo falante no
momento da comunicação.
A preferência pelo uso de determinadas construções mostra que a capacidade
lingüística do falante inclui o conhecimento de grupos solidários que são repetidos
sistematicamente, e assim adquirem uma freqüência privilegiada na língua. O fato de
existirem construções léxicas (isto é, construções não só esqueletais ou estruturais, mas
preenchidas lexicalmente) de maior freqüência, usadas repetidamente em detrimento de outras
construções igualmente possíveis e gramaticais, evidencia que o falante memoriza seqüências
e não só esqueletos sintáticos.
Se é assim, conhecer uma língua não significa somente conhecer as palavras e a
sintaxe, o que permitiria a montagem de sintagmas em número ilimitado. Conhecer uma
língua inclui, além disso, conhecer as expressões lexicalizadas.
2.3 A concepção do léxico em algumas posições teórico-metodológicas
A gramática tradicional apresenta a língua como um conjunto de instruções seguidas
pelos falantes (ou que deveriam ser seguidas, no caso da postura normativista), que se alia ao
dicionário, visto como o conjunto das palavras e de algumas poucas locuções.
74
A teoria estruturalista encara a língua de um ponto de vista construtivista, na medida
em que procura determinar as formas mínimas (morfemas e palavras) que podem se combinar
na construção de uma estrutura lingüística. Não ênfase ao léxico, que é concebido somente
como um depósito dessas formas mínimas e de seus significados.
A teoria gerativa também concebe a língua, grosso modo, como um conjunto de regras
que gera as estruturas aceitáveis, nas quais são inseridos os itens léxicos. O léxico passa a ser
não só um depósito de significados, mas inclui também explicitações sobre algumas
combinações léxicas possíveis. Nesse sentido, são incluídas no léxico as restrições
selecionais, indicando as exigências que os itens fazem com relação a características
semânticas de seus complementos. Por exemplo, o verbo beber incluiria no léxico uma
restrição selecional que explicita o fato de que esse verbo aceita como objeto direto
exclusivamente elementos “líquidos”, de forma que uma frase como Antônio bebeu a cerveja
seria bem formada, mas *Antônio bebeu a pizza seria mal formada.
Na posição gerativista, o léxico é concebido de diferentes formas. Num primeiro
momento, o léxico é visto como o repositório de fatos idiossincráticos e uma lista de
irregularidades, em oposição à gramática as regras da língua –, que compreende os fatos
generalizáveis:
Assim como as regras (de base, transformacionais etc.) englobam as
generalizações da língua, o léxico é o repositório das informações
idiossincráticas sobre os elementos individuais da língua (os itens léxicos).
Um item léxico é um conjunto de traços que dão informações sobre: (a) a
pronúncia do item; (b) seu comportamento sintático; e (c) suas
características semânticas naquilo em que ele foge a possíveis regras
gerais. (Perini, 1976, p. 166)
Mais recentemente, para alguns lingüistas o léxico passa a englobar, além de um
conjunto de idiossincrasias, também os processos produtivos de formação de palavras (cf.
Basilio, 2004). Observe-se, a esse respeito, o comentário de Aronoff (1988, p. 768):
Em poucas palavras, existem várias razões para acreditar que há uma
interação estreita e por vezes delicada entre morfologia e o léxico, e uma
interação semelhante para o caso da sintaxe.
22
Os processos de formação de palavras não são propriamente idiossincráticos nem
tratam exclusivamente de características semânticas, uma vez que incluem um aspecto regular
22
In short, there are various reasons for believing that there is a close and sometimes delicate interaction
between morphology and the lexicon, and a similar interaction for syntax.
75
(que são as próprias condições que regem a combinação de morfemas, que se aplicam de
forma generalizada). Por outro lado, têm também um lado idiossincrático, que se refere a pelo
menos dois aspectos, como vimos anteriormente: (a) à escolha que cada palavra faz com
relação aos morfemas que aceita (como por exemplo: casar > casamento, mas aceitar >
aceitação, montar > montagem, etc); e (b) os elementos de ligação, que são imprevisíveis
por exemplo: [laranja + al = laranjal], mas [milho + al = milharal].
23
Apesar dessa ampliação que se faz daquilo que constitui o léxico, sua abrangência
continua a ser vista como relativa a formas mínimas (morfemas e palavras), e não a formas
maiores ou mais complexas (sintagmas), mesmo que igualmente lexicalizadas e igualmente
memorizadas, tanto quanto a forma final de palavras polimorfêmicas. Estruturas mais amplas
(como expressões fixas e construções idiomáticas) não são explicitamente excluídas do léxico
são simplesmente desconsideradas e abandonadas, como se fossem casos à parte,
irrelevantes e pouco significativos na descrição da língua (o que, como se viu na coleta das
EFs, não representa a verdade dos fatos). A posição gerativista está mais preocupada com as
regras da língua do que com a porção memorizada, considerada pouco interessante e portanto
pouco enfatizada nos estudos lingüísticos.
Culicover e Jackendoff (2005), defensores do princípio da sintaxe mínima, afirmam
que a porção idiossincrática e o léxico “constituem a maior parte da língua” e negam a
possibilidade de se fazer a distinção tradicional entre léxico e gramática (p. 26). Culicover e
Jackendoff são explícitos ao incluir as construções idiossincráticas de mais de uma palavra no
léxico, visto por sua vez como um sistema sem limites precisos:
[...] o material lingüístico presente léxico apresenta um contínuo uniforme,
passando por palavras, expressões idiomáticas, construções
idiomáticas, construções mais gerais mas ainda assim especializadas, até
os princípios mais gerais, mais nucleares (core-like principles). Em princípio
não existe distinção entre núcleo (core) e periferia, mas somente uma
gradação de generalidade.
24
(Culicover; Jackendoff, 2005, p. 39 – grifo meu.)
O fato é que uma grande porção da língua é composta de construções decoradas. É
óbvio que não se advoga aqui, em absoluto, que a língua seria uma mera adjunção de
23
A respeito das regras morfossintáticas e composição lexical, veja-se Basilio (1980).
24
Texto original: “[...] there is a smooth continuum of linguistic material in the lexicon, ranging from words
through idioms through truly idiosyncratic constructions through more general but still specialized constructions
to the most general core-like principles. There is no principled distinction between core and periphery, only a
gradation of generality.”
76
sintagmas decorados, e que não incluiria um vasto componente computacional. Tal posição
seria absurda, tendo em vista a grande liberdade de produção disponível aos usuários; mas
também é fato que unicamente um sistema algorítmico, associado a um léxico constituído por
palavras isoladas, não consegue explicar o grande número de expressões fixas utilizadas
comumente pelos falantes.
Uma coisa que nunca foi quantificada é a seguinte: qual é o peso da porção
idiossincrática da língua? Ou seja, não se procurou ainda verificar empiricamente a dimensão
da parte memorizada individualmente (isto é, a parte idiossincrática): se é extensa e altamente
utilizada na construção da informação ou, ao contrário, se é ínfima e pouco significativa. Pela
ênfase que geralmente é dada à parte estrutural e composicional, supõe-se que há uma
concepção subjacente de que a língua seria basicamente determinada pelas suas regras ou
pelos princípios e parâmetros que seleciona – e que a parte idiossincrática seria pouco
relevante.
Fillmore (2000, p. 50) tem uma posição diferente:
[...] eu preciso explicar que acredito que uma porção muito grande da
habilidade de uma pessoa de usar uma língua consiste no domínio de
expressões fixas.
25
O reconhecimento da importância das expressões fixas como parte significativa da
competência lingüística tem como conseqüência uma crítica à representação da língua feita
pela teoria gerativa. A análise gerativa (não necessariamente, mas como se pratica) é
puramente estrutural, e pressupõe que os enunciados se baseiam em estruturas construídas por
meio da aplicação de regras ou princípios e parâmetros (conforme a nomenclatura adotada em
cada modelo). A “Língua-I” seria composta desse tipo de ingrediente; não são considerados,
na prática, dois aspectos: (a) o armazenamento de estruturas prontas (ou seja, as expressões
fixas) e de estruturas mais freqüentes; e (b) o armazenamento múltiplo, isto é, a duplicidade
no arquivamento da informação. Ao não considerar a grande porção de língua que é
memorizada pelos falantes, tem-se como resultado uma imagem não precisa da língua. Por
outro lado, ao observarmos que o cômputo lingüístico é feito em dois níveis (o nível estrutural
e também o nível léxico, que inclui estruturas memorizadas), a insistência na autonomia da
sintaxe fica enfraquecida.
25
Texto original: “[...] I should explain that I believe a very large portion of a person’s ability to get along in a
language consists in the mastery of formulaic utterances.”
77
O modelo gerativo conta de descrever a organização de uma sentença produzida
composicionalmente, mas mostra-se incapaz de explicar a preferência do falante por
sintagmas preenchidos que se repetem consistentemente, da mesma forma, e de relacionar o
algoritmo proposto a grupos idiomáticos de palavras que não se conformam ao padrão
estabelecido para a construção de sintagmas
26
. Por exemplo, um ato inconveniente pega mal,
e não *segura mal, apesar da semelhança semântica entre pegar e segurar e da
gramaticalidade estrutural nos dois casos; e quando alguém arruma uma confusão pode-se
dizer que comprou uma briga mas não *adquiriu uma briga, mesmo sendo essa estrutura bem
formada do ponto de vista sintático. O fato é que as expressões pegar mal e comprar briga
foram convencionalizadas com esse molde. Os itens léxicos que compõem esses sintagmas
não podem ser substituídos por outros porque as expressões são fixas, cristalizadas, não
passíveis de montagem pelo falante a partir do sistema computacional da língua. Quando o
falante usa tais construções, demonstra que utilizou um conjunto lexical presente na sua
memória, e não construído no momento do enunciado. O reconhecimento de estruturas
“prontas”, memorizadas em grupo, é a única saída capaz de explicar a repetição ipsis litteris
de alguns grupos e a maior freqüência de certos conjuntos de palavras.
Outro fato a considerar é que uma teoria lingüística tenta prever ocorrências e explicar
como é possível entender pessoas que falam de forma diferente, lidando assim com o aspecto
da variação. Mas há outro lado: é preciso explicar na compreensão e na produção não só o que
é diferente, mas também o que é igual. Explico: é preciso incluir na descrição da língua
também o fato de que as pessoas repetem sistematicamente as mesmas construções,
preenchidas com exatamente as mesmas palavras e na mesma ordem, sendo que haveria
teoricamente um mundo de outras possibilidades de montagem de estruturas, igualmente
viáveis. Esse fato sugere que, ao lado de um sistema aberto, existe também um sistema
fechado de memorização de sintagmas freqüentes, que são tomados prontos da memória e
repetidos uniformemente como um bloco integrado.
Em geral, na literatura se fala das expressões fixas como se fosse um fenômeno
marginal. Em resumo, uma evidente falta de ênfase num aspecto importante da linguagem,
que é nossa enorme capacidade de memorização de unidades isto é, palavras, locuções,
sintagmas e frases prontas.
26
A não conformidade das EFs aos padrões lingüísticos será discutida no capítulo 6.
78
Dentre os modelos teóricos mais difundidos, o ponto de vista aqui adotado aproxima-
se do trabalho desenvolvido por Culicover & Jackendoff (2005), sobretudo quando
consideram que:
Uma palavra típica lexicalmente armazenada é uma associação, na memória
de longo prazo, de um item de fonologia, um item de sintaxe e um item de
semântica. […]
O léxico não é preenchido exclusivamente por palavras.
Expressões idiomáticas como kick the bucket e take NP for granted são
armazenadas como sintagmas verbais lexicais […]. Por outro lado, itens de
morfologia irregular como sank e thought são armazenados no léxico como
unidades inteiras, paralelamente às expressões idiomáticas.
[Culicover & Jackendoff, 2005, p. 158-159]
27
Como se vê, a posição de Culicover & Jackendoff (2005) coincide exatamente com o
ponto de vista apresentado aqui. A idéia apresentada no trecho citado, concedendo às
expressões fixas o mesmo status léxico das palavras, é endossada nesta pesquisa. Como
comentado, as EFs partilham comportamentos próprios das palavras, como a memorização em
bloco, e portanto deve-se investigar a viabilidade de considerá-las itens léxicos.
Por fim, convém mencionar ainda outro modelo teórico interessante para o tratamento
das expressões fixas, proposto por Levelt (1989, apud Nation, 2001, p. 37), que merece ser
mencionado. No modelo de Levelt, chamado de “hipótese léxica”, o léxico é que seria o
responsável pela condução da fala (ou escrita). Segundo sua proposta, o que existe em
primeiro lugar é a intenção de expressar um pensamento; posteriormente o falante procura no
léxico as palavras que podem traduzir essa informação. Como se sabe, o léxico inclui, além
dos significados, várias informações que colaboram na organização e na construção das
seqüências lingüísticas, sobretudo as relativas às possibilidades de combinação das palavras
como restrições selecionais, papéis temáticos, coligações e colocações, classe sintática,
restrições de ordem no sintagma, e assim por diante. Esse conjunto de informações,
codificado no léxico junto com cada item, e que tem de existir independentemente em
qualquer que seja o modelo teórico, é que conduziria o falante na ordenação das palavras e na
organização do discurso. Conforme ressaltado por Levelt (1989, p. 181, apud Nation, 2001, p.
37), o traço mais marcante desse modelo é o fato de que os procedimentos de construção
discursiva são orientados pelo léxico (segundo sua terminologia, são lexically driven’): todo
27
Texto original: “A typical lexically stored word is a long term memory association of a piece of phonolgy, a
piece of syntax, and a piece of semantics. [...]
“The lexicon is not exclusively populated by words. Idioms such as kick the bucket and take NP for
granted are stored as lexical VPs [...]. On the other hand, items with irregular morphology such as sank and
thought are stored in the lexicon as whole units, parallel to idioms.”
79
o conjunto gramatical (sintaxe, morfologia e fonologia) é determinado pelas palavras que são
escolhidas pelo falante para representar um pensamento e expressar uma intenção
comunicativa.
Segue abaixo o texto (extraído de Nation, 2001, p. 37), que descreve o modelo de
Levelt:
[No modelo de Levelt de produção de fala] O conceptualizador é onde
começa a mensagem falada. Os subprocessos compreendem: ter a intenção
de dizer alguma coisa, escolher a informação necessária, colocá-la em uma
ordem aproximadamente adequada e fazer com que se encaixe no que foi
dito anteriormente. Os fragmentos de mensagem que são o “output” do
conceptualizador servem de “input” para o formulador, que converte a
mensagem pré-verbal em um plano fonético. Essa mudança acarreta a
codificação gramatical da mensagem e depois a codificação fonológica da
mensagem. Na codificação gramatical, a informação da parte lemática do
léxico é acessada por procedimentos do codificador gramatical. A
característica mais notável disso é que esses procedimentos são “movidos a
léxico” (Levelt, 1989: 181), ou seja, a gramática, a morfologia e a fonologia
são determinadas pelas palavras escolhidas. Levelt (ibid.: 181) chama a isso
a “hipótese lexical”.
28
A proposta de Levelt é interessante e de certa forma original, no sentido de que coloca
em destaque o léxico como o componente que dirige e condiciona a formatação dos
enunciados.
Também o modelo teórico apresentado por Langacker (1991) (comentado
anteriormente na seção 2.2.2), assim como o de Jackendoff & Culicover (2005) (comentado
anteriormente nesta seção e também em 2.1) são especialmente interessantes para um
dimensionamento adequado das expressões fixas dentro do quadro da língua, uma vez que
ambos são explícitos ao considerar o papel da memorização de estruturas prontas como um
ponto relevante do conhecimento lingüístico dos falantes.
28
Texto original: “[In Levelt’s model of speech production] The conceptualizer is where the spoken message
begins. The subprocesses involve: intending to say something, choosing the necessary information, putting it in a
roughly suitable order, and checking that it fits with what has been said before. The message fragments output of
the conceptualizer is input for the formulator which changes the preverbal message into a phonetic plan. This
change involves grammatically encoding the message and then phonologically encoding the message. In the
grammatical encoding, information in the lemma part of the lexicon is accessed by procedures in the
grammatical encoder. The most striking feature of this is that these procedures are ‘lexically driven’ (Levelt,
1989: 181), that is, the grammar, morphology and phonology are determined by the particular words that are
chosen. Levelt (ibid.: 181) calls this the ‘lexical hypothesis’.”
80
2.4 O papel da memória no conhecimento da língua
Um fato que deve ser devidamente considerado e pesado é o seguinte: a quantidade de
expressões fixas é muitíssimo grande em comparação com o conjunto de palavras isoladas
efetivamente utilizadas pelos falantes nativos, como se pode verificar através do levantamento
efetuado. Segundo Nation (2001), o vocabulário passivo (ou seja, o vocabulário de recepção,
que é o que o ouvinte utiliza na busca de sentido de uma palavra quando ouve ou lê) pode
chegar a 20.000 lemas
29
, no caso de pessoas cultas:
Estudos confiáveis recentes (Goulden, Nation e Read, 1990; Zechmeinster,
Chronis, Cull, D’Anna e Healy, 1995) sugerem que os falantes nativos
educados do inglês conhecem por volta de 20.000 famílias de palavras.
(p. 9)
30
O vocabulário produtivo, por outro lado, que envolve a procura da palavra adequada
para expressar um pensamento, possui tamanho diferente do vocabulário passivo (NATION,
2001, p. 24-25). Quando o falante exerce uma atividade lingüística de produção ativa, utiliza
um número bem menor de palavras. Parece intuitivamente plausível o fato de que os falantes
sejam capazes de reconhecer um número maior de palavras do que seriam capazes de lembrar
e utilizar, em enunciados espontâneos.
É preciso considerar ainda que grande parte do vocabulário possuído por um falante
nativo é utilizado muito raramente (tanto na recepção quanto na produção). Ainda segundo
Nation (2001), o número total de palavras de alta freqüência gira em torno de 2.000:
um pequeno grupo de palavras de alta freqüência que são muito
importantes porque essas palavras cobrem uma propoção muito ampla das
palavras nos textos falados e escritos e ocorrem em todos os tipos de usos
da língua. (p. 13)
29
Segundo Nation (2001, p. 7), “A lemma consists of a headword and some of its inflected and reduced (n’t)
forms. Usually, all the items included under a lemma are the same part of speech (Francis and Kučera,
1982:461). [...] Lying behind the use of lemmas as the unit of counting is the idea of learning burden (Swenson
and West, 1934). The learning burden of an item is the amount of effort required to learn it. Once learners can
use the inflectional system, the learning burden of for example mends, if the learner already knows mend, is
negligible.” (p. 7)
30
Texto original: “Recent reliable studies (Goulden, Nation and Read, 1990; Zechmeister, Chronis, Cull,
D’Anna and Healy, 1995) suggest that educated native speakers of English know around 20,000 word families.”
81
Geralmente o patamar de 2.000 palavras foi estabelecido como o limite mais
adequado para as palavras de alta freqüência. (p. 14)
31
Ora, se o número de expressões fixas conhecidas e usadas comumente pelos falantes
fica por volta de 8.000, como detectado no levantamento que formou o banco de dados desta
pesquisa (e que aumenta ainda mais ao serem incluídos os casos de regência, que também são
expressões fixas, mas ficaram fora do elenco
32
), vê-se facilmente a grande carga representada
pelas EFs no léxico dos falantes e a importância do volume de sintagmas preenchidos
lexicalmente na composição dos enunciados. Essa constatação nos leva novamente à
pergunta: será que é correto dizer que o falante está sempre construindo sintagmas novos?
Será que conhecer uma língua significa somente dominar as estruturas esqueletais que
permitem a criação de palavras e de estruturas sintáticas que, somadas aos lemas, permitiriam
a formação de qualquer sentença? Ou será que grande parte do que se produz é cópia de
porções memorizadas, prontas? Não seria mais adequado comparar o comportamento da
sintaxe e do léxico ao da morfologia?
Em outras palavras: a hipótese que se levanta é a de que a língua teria um
funcionamento paralelo em vários níveis. Assim como na morfologia derivacional ocorre o
agrupamento de morfemas não livres formando itens lexicais de composição idiossincrática,
aprendidos individualmente e incorporados como unidades de memória, de modo análogo
teríamos na sintaxe o agrupamento de elementos livres, formando seqüências coesas que
compõem unidades lexicais de memória.
2.5 A memorização em diferentes níveis lingüísticos
A memorização de estruturas não é um fato exclusivo das expressões fixas, não é um
processo ad hoc, mas também acontece em outros domínios lingüísticos. É o que veremos a
seguir.
31
Textos originais: “There is a small group of high-frequency words which are very important because these
words cover a very large proportion of the running words in spoken and written texts and occur in all kinds of
uses of the language.”
“Usually the 2,000-word level has been set as the most suitable limit for high-frequency words.”
32
Sobre a exclusão dos casos de regência veja-se a seção 5.2.2.1, intitulada “Preposições inerentes?”.
82
Nos processos morfológicos, fonológicos e sintáticos ocorrem idiossincrasias que têm
de ser decoradas. Apesar disso, houve a tentativa de reduzir todos os casos a regras. Por
exemplo, no âmbito da fonologia, já houve quem tentasse fazer um relacionamento, na
perspectiva sincrônica, de palavras como leite - lácteo, noite - noctívago, ou pão
panificadora
33
, por exemplo, que seriam derivadas de uma estrutura profunda comum
34
.
Evidentemente, essa é uma atitude forçada do ponto de vista sincrônico, e o nível de abstração
necessário para a derivação fonológica das duas palavras de cada par a partir de uma suposta
base comum era aumentado consideravelmente. Mas parece que isso não constituía grande
problema, contanto que fosse possível gerar regras que dessem conta da derivação. Ora,
sabemos que uma relação semântica entre leite e lácteo, da mesma forma como uma
relação entre Rio de Janeiro e carioca, mas isso não quer dizer necessariamente que haja uma
relação fonológica sincrônica comum. Assim como se decora a relação do último par (Rio e
carioca) ligada ao significado dos dois termos, sem que se veja nenhuma derivação
fonológica comum – também se decora a relação entre leite e lácteo, advinda de traços
semânticos. A tentativa de relacionar fonologicamente palavras como leite – lácteo demonstra
uma postura teórica de querer reduzir a língua a um sistema gerativo, que por sua vez indica
uma recusa em admitir que grande parte do que se usa na língua é decorrente de memorização
direta.
Outro caso em que o comportamento idiossincrático sugere memorização é
evidenciado pela mudança lingüística. Vejamos como.
A teoria difusionista preconiza que a mudança lingüística é foneticamente abrupta e
lexicalmente gradual, atingindo as palavras pouco a pouco e não todas as palavras ao mesmo
tempo. Nesse modelo, a palavra é a unidade de mudança, e a transformação se processa de
forma gradual, afetando algumas palavras e outras não. Os sons suscetíveis à mudança não
são simultaneamente afetados em todas as palavras que contêm um ambiente fonético
favorável, mas o que acontece é que algumas palavras sofrem a mudança antes de outras. Por
exemplo, conforme apresentado por Oliveira (1991), no português brasileiro contemporâneo
alçamento de vogal pretônica (isto é, passagem de [e] a [i] e de [o] a [u]) em itens como
comida, bonito, tomate e mentira, menino, semestre, pronunciados c[u]mida, b[u]nito,
33
A inexistência de consoante nasal na estrutura subjacente de palavras como pão foi demonstrada por Fulgêncio
(inédito), desmontando assim a suposta relação sincrônica entre a nasal de pão e de panificadora.
34
Um exemplo bem ilustrativo desse tipo de tentativa de inserir a morfologia no componente fonológico foi feito
por Saciuk (1972).
83
t[u]mate e m[i]ntira, m[i]nino, s[i]mestre, mas o mesmo não acontece em comício, bonina,
tomada, e mensagem, meninge, semente, pronunciadas com [o] e [e] categóricos. que os
fatos apontam para um comportamento idiossincrático de cada palavra com relação ao
alçamento, conclui-se que o falante precisa decorar, uma a uma, cada palavra e a possibilidade
de sujeição ao alçamento de pretônicas.
Isso mostra que, na aquisição de uma língua, o indivíduo precisa aprender não
somente regras fonológicas, mas também a pronúncia de cada item lexical, individualmente, e
suas possíveis variantes. Precisa aprender, por exemplo, que m[o]rango convive com
m[u]rango, mas que para a palavra c[o]lina não existe a forma *c[u]lina, e nem para p[e]rito
coexiste a forma *p[i]rito.
Outras variações fonológicas atuam também da mesma forma, e se aplicam a algumas
palavras e a outras não – por exemplo: a supressão do [r] final de nomes (como em qualquer e
açúcar, pronunciados [κωαω∪κΕ] e [α∪συκ↔]), mas que não atinge super ou maxilar.
Todos esses exemplos demonstram que, em muitos casos, a aquisição da pronúncia se não
por meio da aprendizagem de uma regra (ou de uma “restrição”, dependendo da nomenclatura
utilizada em cada teoria), mas a partir da memorização da pronúncia individualizada de cada
item lexical e da sua possibilidade de variação. O que entra em jogo não é a aprendizagem de
uma regra ou de um condicionamento que se espraia e se generaliza para todos os itens da
língua (ou mesmo para a maioria); ao contrário, o que funciona nesse caso é a memorização, é
a aprendizagem de cor de cada caso, individualmente. O que a criança aprende, então, é que
certas palavras admitem variação e outras não (e quais são elas, em cada grupo), apesar de o
ambiente fonológico ser o mesmo.
Vale lembrar que, segundo o ponto de vista difusionista, a mudança lingüística sempre
se processa dessa forma, atingindo inicialmente alguns itens e outros não. Segundo Oliveira
(1991), cada palavra tem seu próprio desempenho, e todas as mudanças sonoras são
lexicalmente implementadas. Ou seja, o desenvolvimento diacrônico da língua não se
processa exclusivamente em termos estruturais, mas inclui um importante componente
individual (isto é, de cada item), que implica a memorização singular de cada elemento sujeito
ao processo. Isso se harmoniza com a idéia de que a língua é parcialmente sistemática e
parcialmente idiossincrática, e aponta para a forte participação da memória de casos
individuais no conhecimento lingüístico.
Um caso no âmbito da sintaxe em que também se constata a necessidade de
memorização é apresentado pelas sentenças seguintes:
84
(5) a) Ele me mandou Ø sair. Ø = eu
b) Ele me prometeu Ø sair. Ø = ele
c) Ele me pediu para Ø sair. Ø = eu ou ele (amguo)
Muitos verbos se comportam como o caso (a), poucos são interpretados como (b), e
outros ainda em menor número como (c). Como o falante sabe qual é o sujeito do verbo no
infinitivo? Como ele sabe em qual caso se encaixa um determinado verbo? O mero
conhecimento da regra sintática não é suficiente, de forma que é preciso marcar verbo por
verbo com relação a qual categoria se encaixa. Isso mostra a necessidade de marcações
individuais também para a aplicação de regras sintáticas.
35
O que se pretende mostrar com isso é que, apesar da aparente estruturação e da
submissão da língua a regras bem definidas, parece que o falante decora muito mais coisa do
que se pensa. Por exemplo, decora regras de formação de palavras e ainda cada palavra
individualmente (se a palavra se comporta de acordo com a regra ou não), decora regras de
variação e quais itens se submetem a elas, e decora regras sintáticas e quais itens são atingidos
por elas
36
. No âmbito lexical, o falante decora, entre outras coisas, as expressões fixas.
O que se quer mostrar é que o papel crucial da memorização individual não se
concentra exclusivamente na aprendizagem de expressões fixas, mas se expande por todos os
componentes lingüísticos, seja na fonologia, na semântica ou na sintaxe. A amplitude da
memorização de fatos individuais e a enorme quantidade de dados que decoramos ainda não
foi adequadamente considerada na descrição das línguas.
2.6 Sumário
A admissão do fato de que a língua contém um número muito grande de
idiossincrasias, de estruturas não reduzíveis a regras e que, portanto, são aprendidas de cor,
vai na direção contrária à idéia de que a língua seria formada basicamente, grosso modo, por
um conjunto de regras ou parâmetros aplicáveis a um sem-número de casos.
35
Cf. Lakoff (1970) e Chomsky (1969), que entretanto tratam casos semelhantes utilizando as chamadas “regras
menores”.
36
Ver, por exemplo, as “regras menores” de Lakoff (1970), que se aplicam a certos itens. Na verdade, trata-se de
exceções, mas o modelo da época obrigava a falar de “regras”.
85
Isso não quer dizer que as regras não existem, em absoluto. O que talvez não esteja
bem dimensionado é o grau de importância das regras na aprendizagem e no desempenho
lingüístico, ou seja, a proporção da atuação das regras frente às estruturas aprendidas de cor,
uma a uma. Em outras palavras, parece não estar adequadamente dimensionada a dosagem
entre o componente gerativo (de regras) e o idiossincrático (de elementos aprendidos de cor
caso a caso). Ao que tudo indica, a memorização de estruturas e a idiossincrasia de
comportamentos têm um peso e uma relevância na língua bem maior do que se costuma
admitir.
Provavelmente a estocagem dos elementos lingüísticos é feita em dois níveis, isto é,
em mais de um lugar: para manter a distinção e os termos tradicionais, chamaremos esses
lugares morfossintaxe e léxico. O fato de existirem regras de formação de palavras, por
exemplo, não exclui a possibilidade de os itens serem, ainda assim, decorados. Isso mostra
que, mesmo onde se espera que funcione um sistema de regras que permita a generalização de
princípios lingüísticos, o falante tem de lidar com a memorização unitária de cada item.
Segundo Kato (1997, p. 281-282), Chomsky (1993) apresenta a Língua-I como o
sistema computacional da faculdade da linguagem, “aquele que, a partir de uma coleção de
itens lexicais constrói, entre outras, um par de representações estruturais interpretáveis nas
interfaces. Uma das interfaces é a Forma Fonética (FF) e a outra a Forma Lógica (FL)” ou,
dito em outras palavras, numa ponta o som físico e na outra ponta o significado. Essa
colocação apresenta uma posição sujeita a pelo menos dois comentários:
1) Pawley e Syder (1983) mostraram que, apesar de a Língua-I produzir sentenças
interpretáveis, nem todas são efetivamente utilizadas na produção (cf. seção 1.1). Vê-se então
que a Língua-I, com seu conjunto de estruturas interpretáveis, não produz sozinha a língua
efetiva; ou seja, nem todas as construções produzidas pelo sistema computacional da língua
são utilizadas na prática. Nem todas as sentenças gramaticais são viáveis, e o uso efetivo da
língua seleciona fórmulas, conjuntos de palavras, grupos e construções mais freqüentes ou
preferidos, que são memorizados pelo falante. Por exemplo, costuma-se usar a construção
preferida mal sabem eles [que]..., com o sujeito posposto ao verbo, apesar de a construção mal
eles sabem..., com o sujeito anteposto, corresponder à forma canônica e atender às condições
de gramaticalidade.
Ainda segundo Kato (1997, p. 277), “o uso inconsciente da língua não é devido à
internalização inconsciente de hábitos, mas sim porque nele se utiliza o conhecimento
automático do sistema computacional da língua”. Como vimos acima, sim a internalização
inconsciente de hábitos: o grande volume de expressões fixas, bem como a existência de
86
expressões gramaticais mas não utilizadas, indicam ambos que a língua inclui sim hábitos
automatizados. A maior freqüência de uso de certas seqüências de palavras, a preferência por
certas construções e a não-aceitabilidade de estruturas interpretáveis comprovam que o que
atua na seleção das construções possíveis não é única e exclusivamente a Língua-I, mas
também outros fatores, dentre os quais o conhecimento relativo à freqüência de uso de
construções lexicalizadas e aos hábitos lingüísticos dela derivados.
Os fatores ligados à memorização e aos hábitos aprendidos atuam sobre a Língua-I de
dois modos: (a) oferecendo construções cristalizadas, inclusive algumas que contrariam o
sistema da Língua-I como vamos nessa(por conter uma anáfora sem referente), ou dar as
caras (onde o nome no plural é incongruente com um hipotético referente singular), ou
fazer de tudo(onde aparece uma diátese inusitada para o verbo fazer, com o OD paciente
precedido de preposição); e (b) controlando a produção da Língua-I ao filtrar o seu produto,
aprovando ou não as construções previstas pelo sistema computacional da língua (por
exemplo, rejeitando realizações lingüísticas de pedidos de casamento como os apresentados
por Pawley e Syder (1983), vistos na seção 1.1, que apesar de possíveis e interpretáveis não
são empregados no uso real da língua).
O conhecimento lingüístico do falante não é composto exclusivamente por um sistema
computacional, mas também por construções decoradas, por hábitos que se instalam e são
repetidos automaticamente. A maior evidência disso encontra-se no léxico, que ao que tudo
indica é formado não somente por palavras isoladas, mas também por estruturas cristalizadas.
Além disso, o conhecimento lingüístico também não tem unicamente caráter intensional. Ao
lado do conhecimento lexical, que tem reconhecido caráter extensional, há também o
conhecimento de freqüência das construções e de maior adequação de uma estrutura em
detrimento de outra igualmente “interpretável”. Portanto, a redução do conhecimento
lingüístico à Língua-I e ao sistema computacional não é capaz de explicar fatos como a
evidência de hábitos adquiridos e a reprodução de construções inteiras repetidas
consistentemente da mesma forma.
Uma solução possível é a do duplo armazenamento, proposta por Langacker: ao lado
de um sistema computacional operaria um sistema de hábitos e de memorizações, e ambos
estariam acessíveis ao falante e atuariam em conjunto na produção lingüística. Haveria então
dois processos operando na construção de sentenças:
1. a aplicação de regras produtivas;
2. o emprego de construções decoradas.
87
2) O segundo comentário refere-se à possibilidade de a derivação partir de uma
coleção de palavras na geração das construções. Segundo a proposta de Levelt (1989:181,
apud Nation, 2001:37), citada anteriormente, o ponto de partida cognitivo na construção do
enunciado seria o léxico. O falante partiria de uma intenção comunicativa que é transformada
em palavras e que, por sua vez, impõe restrições e normas condicionadas pelas idiossincrasias
lexicais. A base da construção lingüística seria o léxico, e sobre ele operariam as estruturas
formais. Essa posição impõe um grande relevo ao léxico, e portanto torna-se imperativo
analisar a constituição de um componente tão fundamental.
Pelas considerações feitas até o momento, verifica-se a necessidade de desenvolver
estudos que colaborem para uma melhor compreensão do módulo lexical, o que reforça o
interesse do enfoque privilegiado neste trabalho.
88
3 EF: palavra ou sintagma?
3.1 Discutindo o conceito de palavra
Para responder à pergunta que encabeça este capítulo, EF: palavra ou sintagma?”, é
preciso definir inicialmente o que vem a ser uma palavraum problema árduo. De um ponto
de vista abrangente, a palavra seria “a unidade de expressão”
1
, segundo Cristal (1999, p. 366),
mas a sua conceituação apresenta caracterizações variadas de acordo com o ponto de vista
adotado. Trask (2004, p. 218) aponta que:
do ponto de vista ortográfico, a palavra é o que se escreve entre dois espaços em
branco (de forma que caixa é uma palavra, a expressão caixa dois inclui duas palavras
ortográficas, e igualmente o grupo à toa inclui duas palavras ortográficas, apesar de o
item toa não ter independência da expressão e de a preposição de ter características de
clítico);
para a fonologia, uma palavra é o que se pronuncia como unidade a partir de critérios
fonéticos (pão / pães seriam duas palavras, mas a expressão pão-duro configura uma
única palavra fonológica, tendo em vista critérios acentuais);
para a lexicologia, a palavra do dicionário (chamada item lexical ou lexema) é a
unidade que constitui uma entrada no dicionário (pão / pães são considerados o
mesmo item lexical porque têm uma única entrada no dicionário; a expressão pão-
duro também é um único item lexical, que tem uma entrada separada no dicionário
devido a seu sentido imprevisível a partir da combinação dos dois elementos; mas os
itens resultantes da contração das preposições como da, no e pro seriam
considerados como decorrentes de dois itens lexicais porque, no dicionário, a
preposição tem uma entrada e o artigo outra);
para a morfossintaxe, a forma gramatical de palavra (grammatical word-form, GWF)
refere-se “a qualquer uma das formas que um item lexical pode assumir para fins
gramaticais” (idem ibidem) (de forma que pão / pães seriam duas palavras, porque são
1
Texto original completo: “Word: The smallest unit of grammar which can stand alone as a complete utterance.
It is a unit of expression in both spoken and written language, with several possible definitions.”
89
formas morfológicas diferentes; e pão-duro ou o sintagma pão duro também
incluiriam duas palavras, uma vez que é possível usar esse grupo em estruturas
sintáticas diferentes, como em é pão-duro. / Não gosto de comer pão duro. Mas a
construção dar frutos, no sentido literal de “frutificar”, e a expressão dar frutos, no
sentido idiomático de “ter resultadosse equivalem do ponto de vista morfossintático,
porque têm a mesma forma gramatical, uma vez que em ambos os sentidos os
processos morfológicos são iguais: deu frutos, dava frutos, dessem frutos).
No livro On the definition of word, Di Sciullo e Williams (1987, apud Aronoff 1988,
p. 766) discutem esses diversos significados que o termo “palavra” pode assumir: palavra
morfológica, átomo sintático, entrada lexical e palavra fonológica. No entanto, como explica
Aronoff, os autores não chegam a uma definição para “palavra” (apesar de a distinção
apresentada propiciar o estabelecimento de elementos preliminares a uma definição).
O conceito de palavra varia também de acordo com o enfoque teórico. Isso tudo faz
com que uma definição categórica do termo apresente grandes dificuldades ainda não
resolvidas. Segundo Basilio (2000, p. 10), “a possibilidade de uma real definição do termo
[palavra] está longe de constituir um projeto viável a curto prazo”.
Basilio (2000) critica a conhecida posição de Bloomfield (1926, apud Basilio 2000) de
que a palavra seria uma forma livre mínima, tendo em vista que essa caracterização não é
aplicável para o caso de palavras compostas como, por exemplo, sofá-cama, meia-calça,
homem-bomba ou pé-de-cabra. Os compostos, considerados conceptualmente e lexicalmente
como uma única palavra, são formados por mais de uma forma livre mínima. Alguns são
formados através de mecanismos de expansão lexical, como guarda-roupa ou beija-flor, que
correspondem estruturalmente à forma [V + OD], mas incluem um significado específico que
vai além do significado individual dos elementos componentes. Exemplos de criação
neológica a partir desse tipo de composição são os seguintes:
(1) Programa de Aceleração do Crescimento, PAC, não é um nome bonito. Mas não é menos
marqueteiro, nem se pense que achá-lo não deu menos trabalho. A questão agora era encontrar
um nome que, com burocrática sobriedade, transmitisse propósitos solidamente maturados.
Não era o caso de recorrer às marcas-slogans, como Fome Zero. (revista Veja edição 1990,
10 de janeiro de 2007, p. 114)
90
(2) O ano era 1968, e Luiz Gonzaga, em entrevista à primeira edição da revista Veja,
comentava sobre a notícia-bomba do momento: os Beatles haviam gravado Asa Branca.
(revista Brasil n. 99, julho-2007, p. 13)
Outros compostos não são formados por processos de expansão lexical como os
casos exemplificados acima, mas configuram construções lexicalizadas do tipo maria-vai-
com-as-outras. Compostos como esse são improdutivos e de formação idiossincrática,
contrastando com os primeiros, que se vinculam a processos produtivos de formação.
Basilio, conforme mencionado na seção 2.2.3, apresenta ainda o problema das
expressões de valor adverbial como a pé, de manhã, de repente, a caráter, etc, que
podem ser consideradas “locuções” do ponto de vista ortográfico, mas que do ponto de vista
estrutural se comportam como palavras, uma vez que “o elemento considerado preposicional
não pode ser descolado do outro, igualando-se a um prefixo em suas características
distribucionais” (Basilio, 2000, p. 13).
Casos como esses evidenciam a falta de equivalência entre unidades ortográficas e
unidades léxicas, uma vez que temos um único vocábulo estrutural e conceptual,
representado por mais de uma forma gráfica. Conseqüentemente, em casos de formações com
mais de uma forma gráfica, coloca-se então o problema de distinguir os compostos que
configuram uma única palavra (composta), de outros grupos que representam estruturas
sintáticas.
A respeito das noções de “palavra”, “sintagma” e “expressão fixa”, Bloomfield (1933,
p. 207) apresenta o problema da seguinte forma:
Por morfologia de uma língua entende-se as construções nas quais
aparecem formas presas entre os constituintes. Por definição, as formas
resultantes são ou formas presas ou palavras, mas nunca sintagmas.
Correspondentemente, pode-se dizer que a morfologia inclui as construções
de palavras e partes de palavras, ao passo que a sintaxe inclui as
construções de sintagmas. Como um caso fronteiriço, temos sintagmas-
palavras (jack-in-the-pulpit) e algumas palavras compostas (blackbird) que
não contêm formas presas entre seus constituintes imediatos, mas que de
certa forma mostram tipos de construções morfológicos, em vez de
sintáticos.
2
2
Texto original: “By the morphology of a language we mean the constructions in which bound forms appear
among the constituents. By definition, the resultant forms are either bound forms or words, but never phrases.
Accordingly, we may say that morphology includes the constructions of words and parts of words, while syntax
includes the constructions of phrases. As a border region we have phrase-words (jack-in-the-pulpit) and some
compound words (blackbird), which contain no bound forms among their immediate constituents, and yet in
some ways exhibit morphologic rather than syntacic types of construction.”
91
Vê-se que, para Bloomfield, as EFs são caracterizadas explicitamente como
pertencentes a um domínio intermediário entre essas duas categorias: não são nem palavras
(no sentido de Bloomfield) nem sintagmas, e situam-se na “interface” entre essas duas
representações lingüísticas. Interpreto essa concepção como indicativa de que as EFs
apresentam características tanto de palavras (como o fato de serem uma forma cristalizada,
terem unidade de significado não necessariamente composicional e, no caso de elementos
referenciais ou qualificativos, possuírem características morfológicas de nomes como o
plural somente no último elemento em alguns casos, como pão-duros e ar-condicionados – cf.
?pães-duros,?ares-condicionados), quanto características de sintagmas (por serem formados
de formas livres e por mostrarem respeito, em muitos casos, à ordem canônica da estruturação
sintática). Ou seja: ao mesmo tempo que apresentam características de palavras, apresentam
também organização sintática.
Bloomfield argumenta ainda que as combinações morfológicas (portanto típicas de
palavras) se distinguem das combinações sintáticas pelo fato de apresentarem traços
particulares ou irregulares, restritos a determinado elemento específico. Assim,
a) a ordem dos elementos é fixa, rígida, não permitindo variantes;
b) os traços selecionais limitam os componentes que podem aparecer unidos na formação
de cada palavra (BLOOMFIELD 1933, p. 207).
Ora, vê-se que essas características encaixam-se perfeitamente na descrição do
comportamento de muitas EFs. Se os traços acima são elementos caracterizadores de
combinações pertencentes ao domínio da morfologia, temos como conseqüência o fato de
que, por definição, as EFs seriam palavras.
Mais adiante (p. 209) Bloomfield estabelece tipos de palavras: (a) palavras primárias
(“primary words”), que não contêm uma forma livre (como em inglês re-ceive, de-ceive e
con-ceive, ou palavras monomorfêmicas como homem, verde, grande, ou verbos do inglês
como run); e (b) palavras secundárias (“secondary words”), que contêm formas livres. É essa
última classe que nos interessa, porque nela podem se encaixar as EFs. Bloomfield divide as
palavras secundárias em dois tipos:
a) palavras compostas (“compound words”), que incluem mais de uma forma livre (isto
é, formados por duas ou mais formas livres) (os exemplos citados são door-knob e
wild-animal-tamer, sendo esse último formado pelo sintagma wild animal + tamer
BLOOMFIELD 1933, p. 209 e 227);
92
b) palavras secundárias derivadas (“derived secondary words”), que contêm uma forma
livre (os exemplos em inglês são boyish que inclui a forma livre boy e old-maidish
– que inclui o sintagma old maid).
Com base na classificação de palavras apresentada por Bloomfield, -se que as EFs
encaixam-se no tipo chamado de palavras secundárias. As EFs que se enquadram no caso (a)
(que incluem mais de uma forma livre) são, por exemplo, casos como papel higiênico, pão-
duro, pra burro, e formas mais longas como a ferro e fogo, a meu ver, vestir a camisa, pelo
sim pelo não e tantas outras. As EFs que se enquadram no caso (b) (que incluem uma
forma livre e outras não livres) são a esmo, ao léu, por conseguinte, à toa, às pampas,
terreno baldio, desta feita, meter o bedelho, a bordo, de afogadilho, a tiracolo, de chofre,
por exemplo, onde as formas em negrito não existem independentemente pelo menos não
sincronicamente – e não podem ser usadas isoladamente, fora dessas expressões.
Bloomfield também observou que existe uma gradação entre o que chamamos de
“palavra” e “sintagma”:
As gradações entre palavra e sintagma podem ser muitas: com freqüência
não se pode fazer uma distinção rígida. (p. 227)
3
3.2 Algumas semelhanças entre palavras e expressões fixas
Em muitos sentidos a expressão fixa funciona como qualquer palavra da língua, como
se vê através das características elencadas abaixo, comuns a palavras e expressões fixas:
1) A EF pode ser polissêmica, como se nos exemplos de EFs mencionados abaixo,
seguidos dos significados aos quais pode remeter:
- meter a mão = [1] bater; [2] roubar, tirar;
- pau-de-arara = [1] instrumento de tortura; [2] caminhão que transporta pessoas na
traseira;
- dar bola = [1] incomodar-se, preocupar-se; [2] paquerar; [3] subornar;
3
Texto original: “The gradations between a word and a phrase may be many; often enough no rigid distinction
can be made.”
93
- à toa = [1] sem fazer nada; [2] sem motivo; [3] insignificante, sem importância;
[4] vagabundo, de baixa qualidade.
2) No caso de expressões que incluem verbos, em geral pode haver variação de tempo
e pessoa – ex.: meti a mão, metem a mão, vamos meter a mão, metia a mão, etc.
3) No caso de expressões que incluem verbos, em geral a valência do verbo é
representada na EF
4
, uma vez que pode incluir diáteses transitivas, ergativas ou outras,
como se nos usos das expressões quebrar o pau e entornar o caldo exemplificados
abaixo:
(3) Os dois homens quebraram o pau. (transitiva)
Quando eles se encontraram, o pau quebrou. (ergativa)
(4) Não se mete não, senão você vai entornar o caldo. (transitiva)
O caldo entornou. (ergativa)
4) Uma EF pode aceitar intensificação (ex: deu bode /deu o maior bode).
5) Uma EF insere-se na sentença como outra palavra qualquer, como se na
comparação entre sentenças equivalentes, uma incluindo a expressão fixa dar uma
mãozinha e a outra o item léxico correspondente, ajudar:
(5) Será que você pode me dar uma mãozinha pra levantar esse piano? =
Será que você pode me ajudar a levantar esse piano?
6) A EF tem restrição selecional, como qualquer palavra: reconhecemos a exigência de
adequação entre o verbo e o nome na construção beber água (não EF), assim como na
expressão botar banca (EF). A diferença está no fato de que, na construção beber
água, o item água inclui o traço [+ líquido], e para haver harmonia verbo/nome é
necessário que o verbo inclua a exigência semântica [+ líquido]. No caso do verbo
beber, existe uma relação paradigmática aberta, que se restringe pela seleção do traço
[+ líquido] feita pelo verbo para o nome complemento que é representado por uma
classe de objetos que partilham tal traço. No caso de botar banca igualmente uma
4
A valência do verbo nem sempre é reproduzida integralmente nas EFs. Por exemplo: o verbo comer possui as
diáteses transitiva e ergativa, mas na EF o pau comeu aparece a estrutura ergativa, sendo que a transitiva
correspondente é vetada: *os dois homens comeram o pau. A ruptura das EFs com relação à valência verbal em
sintagmas construídos será abordada mais adiante neste trabalho.
94
restrição que afeta a combinação das palavras, mas desta vez a restrição seleciona um
único termo, restringindo a adequação do nome a um conjunto unitário de elementos.
Não se pode detectar no item léxico banca nenhum traço semântico que condicione a
sua adequação ao verbo botar – ou seja, a harmonia é arbitrária.
7) As expressões fixas são apenas um aspecto de um fenômeno mais geral, que
também se manifesta no âmbito da morfologia derivacional. Assim, temos no âmbito
das palavras que o sufixo –ão tem significado aumentativo em muitos casos, e esse
pode ser considerado seu significado regular, ou não-marcado. Mas em outros casos
(uma minoria) o –ão ocorre sem esse significado regular, e o conjunto (a palavra
toda) tem um significado idiossincrático; por exemplo: orelhão / empurrão / portão /
dedão (não apenas um dedo grande, mas o polegar). Da mesma forma, temos
significados esperados para as palavras, mas em alguns casos (que são as EFs) as
palavras podem ser usadas sem o significado “regular”. Por exemplo, um
significado não-marcado para banca, que é abandonado na expressão botar banca. Ou
seja, o mesmo processo que se verifica na morfologia é reproduzido na estrutura das
EFs.
Pode-se argumentar que hoje em dia não temos o sufixo -ão em palavras
como portão ou orelhão, mas essas palavras são apenas palavras terminadas com a
rima -ão. Em termos diacrônicos, pode ser até que, na sua origem, essas formas
incluíssem o sufixo -ão, mas sincronicamente esse significado foi perdido, uma vez
que tais palavras têm um significado específico que não inclui o aumentativo (por
exemplo: orelhão é um telefone público, e nesse sentido não ativa obrigatoriamente o
significado de “orelha grande”, que provavelmente deu origem à palavra, em termos
diacrônicos). O mesmo se pode dizer de algumas EFs: pode-se supor que
originalmente houve um significado composicional que se cristalizou, perdendo-se o
significado unitário das partes componentes. Essa visão está de acordo com a opinião
de Chafe (1979, apud Xatara, 1994, p. 5), que “considera idiomatismos as estruturas
que representam combinações de morfemas sem que esses, por si sós, constituam
unidades semânticas, mas cujo conjunto constitui uma nova unidade semântica da
língua em questão”.
Note-se ainda que na morfologia flexional não há tais casos; ou seja, o sufixo
-ava acrescentado a um verbo significa sempre “imperfeito do indicativo”, e não há
exceções.
95
3.3 A EF pode ser considerada um único item léxico?
Um dos objetivos na listagem das expressões idiomáticas é ver o que constitui uma
unidade léxica. Como mencionado anteriormente, sempre se considerou que a palavra era a
unidade memorizada na mente do falante. Assim, quando foi proposto que os itens léxicos
deveriam ser inseridos nos nódulos terminais nas árvores, pensou-se na inserção de palavras e
eventualmente de morfemas ou elementos vazios, mas não de mais de uma palavra. Mas é
provável que o preenchimento lexical dos esqueletos sintáticos se não somente com
palavras isoladas, mas também com grupos de palavras. Nessa perspectiva, o léxico seria
composto não somente de palavras no sentido tradicional, mas de qualquer item que
constituísse uma unidade memorizada (ou um conjunto entrincheirado, segundo a
terminologia cognitivista), como chave inglesa, de cor, a emenda ficou pior do que o soneto,
sair de fininho, roer a corda, saia-justa ou rosa choque.
A idéia de que uma unidade léxica poderia ser composta por mais de uma palavra é
reconhecida na gramática tradicional. Martins (2003) (citando Odilon Soares Leme) explica
que “existe vocábulo composto quando cada um dos seus elementos perde o significado
original e o conjunto passa a ter significado próprio”, e cita como exemplos pronto-socorro,
água-marinha, pé-de-moleque, mão-de-obra e bem-estar, dentre outros. Um problema é que
essa definição exclui do grupo dos chamados “vocábulos compostos” os sintagmas
transparentes mas igualmente cristalizados, como fim de semana, salário mínimo e pronta
entrega (mas incompreensivelmente não exclui pronto-socorro, que é tão idiossincrático
quanto pronta entrega), e também exclui locuções que, segundo Martins (2003) “não têm
unidade de sentido, segundo as normas oficiais” como por meio de, apesar de, à proporção
que, etc.
A idéia de agrupamentos era patente no estudo normativo tradicional, mas não foi
assumida por outras teorias, que construíram modelos desconsiderando as composições fixas,
como se a produção das sentenças fosse sempre uma atividade criativa, gerada no momento
do enunciado. Para tais modelos, a árvore sintática que representa uma sentença que inclui
uma expressão fixa, como a discussão pegou fogo, seria igual à de outra que não inclui uma
EF, como o menino pegou a banana, desprezando a grande diferença entre os dois casos.
Mas considerando que certos grupos de palavras são repetidos ipsis litteris e com
muita freqüência não podem ser entendidos através da soma do significado de cada palavra do
96
grupo (isto é, o próprio léxico de palavras, somado às regras sintáticas, não dão conta de
indicar o significado da expressão, e em muitos casos nenhuma inferência imaginável é capaz
de levar ao significado do grupo
5
), então é lícito supor que essas seqüências de palavras têm
de ser estar prontas no léxico, memorizadas em conjunto.
dois fatos que constituem comprovações de que, do ponto de vista da
representação mental, as EFs constituem uma unidade psicológica:
a) Em pacientes com afasia anterior (como a afasia de Broca), a fala é lenta e com
longas pausas, a entonação é plana, e o paciente consegue pronunciar palavras isoladas, mas
não sentenças estruturalmente bem construídas. As palavras pronunciadas constituem-se na
maior parte de nomes e verbos, e geralmente faltam flexões e palavras funcionais. No entanto,
pacientes com esse tipo de afasia conseguem produzir espontaneamente e em velocidade
normal sentenças cristalizadas como How are you? , Good to see you e How much?
6
. Note-se
que How are you? é uma sentença bem construída, constituída de três palavras, o que difere
radicalmente das produções pausadas e “telegráficas” construídas geralmente por esses
pacientes. Além disso, é reproduzida a marca entonacional interrogativa, palavras
funcionais (e não só nomes e verbos), e o verbo recebe marca morfológica flexionado).
Essas características lingüísticas não estão presentes em produções que devem ser construídas
(ou mesmo lidas ou repetidas) por pacientes com afasia de Broca, mas aparecem em
reproduções de expressões fixas. Isso oferece indicações de que o paciente não constrói a
sentença How are you?, mas recupera todo o bloco da memória, que estava armazenado como
uma única entidade, isto é, como uma unidade conceptual e lingüística. Temos então
indicações de que, do ponto de vista da representação mental, as expressões fixas funcionam
como uma entidade única e coesa, ou seja, uma unidade lingüística.
b) Para desenvolver estudos sobre a compreensão da língua na recepção de textos, ou
seja, na compreensão da fala e na leitura, foi preciso estudar o funcionamento da memória,
para que fosse possível descrever como o receptor coleta na memória de curto termo,
organiza, processa e guarda na consciousness e na memória de longo termo o material
lingüístico que vai sendo percebido (pelo ouvido ou pela visão). Chegou-se à conclusão de
que os indivíduos conseguem armazenar na memória de curto termo um número variável de
“7 ± 2” itens, isto é, uma quantidade entre 5 a 9 unidades (MILLER, 1956). Essas unidades,
5
A respeito da falsa impressão de que a ativação da nossa capacidade inferencial seria capaz de levar à
descoberta do significado idiossincrático de expressões fixas, veja-se a seção 4.7.
6
Conforme vídeo de paciente afásico apresentado em aula na Universidade de Illinois 1999 Prof
a
Susan
Garnsey.
97
chamadas “fatias”, não são constituídas propriamente por um único elemento, mas são
formadas por qualquer material recuperável da memória de longo termo, porque ali estava
armazenado. Sendo assim, uma fatia pode ser formada por uma única palavra ou mesmo por
várias palavras previamente decoradas
7
. Se o bloco está memorizado, certamente constitui
uma unidade e pode ser retomado como uma fatia. Assim, a palavra ordem pode constituir
uma fatia, e também ordem e progresso pode compor uma única fatia. Sendo assim, isto é,
que é possível reproduzir 7 ± 2 itens sendo um deles uma EF, fica comprovado que as EFs são
armazenadas em bloco e, do ponto de vista mental, constituem uma unidade de memória.
Um argumento contra a idéia de que a EF funciona como uma única palavra é
oferecido pela fonologia. Em português existe a regra de mudança da oclusiva / t / para a
africada / τΣ / diante de /i/. É preciso restringir a regra ao âmbito da palavra por causa da não
mudança que se verifica em sintagmas como Santo Inácio e ponto e vírgula, onde a
pronúncia é / t / e não / τΣ / diante de / i / (por exemplo, [∩πο)τι∪ϖιγςλ↔] ). Isso acontece
porque o fenômeno da assimilação da palatalização de / i / acontece no interior de uma
única palavra, e no caso de Santo Inácio e ponto e vírgula o fonema / t / está numa palavra e
/i/ está em outra. Isso demonstra que ponto e vírgula, que é uma expressão fixa (o que é
demonstrado pela irreversibilidade de ordem: *vírgula e ponto), não se comporta
fonologicamente como uma palavra na língua: nesse caso não é aplicada a regra fonológica,
porque ela não se aplica em caso de sândi. Conclui-se então que o falante reconhece o
limite de palavra, apesar de se tratar de uma EF.
O que acontece é que as EFs são formas intermediárias. Por um lado, apresentam
traços de palavras, e seus componentes têm certos comportamentos característicos de
elementos presos; por outro lado, apresentam traços de sintagmas
8
, ou seja, sua composição
inclui mais de uma forma livre. São portanto formas mistas, intermediárias entre as palavras e
os sintagmas.
Apesar de as EFs terem uma estrutura interna paralela à das construções sintáticas, são
armazenadas no léxico tal qual as palavras da língua. Isso nos leva a uma concepção nova de
7
A esse respeito veja-se Perini, Fulgêncio e Rehfeld, 1984.
8
Nem todas as EFs representam um sintagma completo. Basta considerar que todos os casos de regência
preposicionada constituem EFs, mas não formam um sintagma totalmente preenchido. Por exemplo, temos a EF
contar com [alguém], em questão de + [período de tempo], em que a parte nominal que aparece depois da
preposição é variada. também EFs como de forma que ou estar careca de + [O (V infinitivo)], que terminam
com um complementizador e não têm especificada a oração que se segue.
98
léxico, pois deve incluir não apenas formas simples, mas também formas sintática e
semanticamente complexas como as EFs.
3.4 A noção de palavra empregada na definição das EFs
Nesta pesquisa, é considerada uma EF qualquer forma cristalizada, memorizada como
um bloco, que é composta de mais de uma palavra. Para sermos rigorosos, precisaríamos de
uma explicitação de qual das noções de “palavra” é adotada na identificação de uma
expressão fixa. Normalmente os pesquisadores que estudam o fenômeno das expressões
idiomáticas nem tentam se posicionar a esse respeito, de forma que geralmente não se aborda
o problema e não se procura esclarecer o conceito de “palavra” empregado no estudo. Parte-se
provavelmente da idéia de que existe uma noção intuitiva do que vem a ser uma palavra e,
principalmente, de que a definição de palavra” não é um problema localizado
exclusivamente nesse tipo de pesquisa, mas uma questão embutida em todo e qualquer estudo
lingüístico, nas mais diversas áreas (tanto na semântica como na sintaxe, no discurso, e assim
por diante). Toda a lingüística lida com essa questão, sem no entanto se obrigar a um
posicionamento estrito quanto à definição do termo “palavra”. Provavelmente sabe-se que
uma tentativa não teria sucesso a curto prazo, que até onde se sabe qualquer dos
posicionamentos enfrenta problemas. Sabe-se também que a pesquisa lingüística precisa
avançar e não pode se deter pelo fato de não se ter encontrado ainda a definição ideal.
Feitas essas considerações, tentarei explicitar a noção de palavra adotada neste
trabalho, apesar de estar ciente de que essa posição não é aplicável a qualquer língua, não
serve para qualquer âmbito dos estudos lingüísticos nem é isenta de questionamentos. É
uma tomada de posição que permite continuar a investigação. Para os objetivos deste trabalho,
a “palavra” que integra uma expressão é definida a partir dos critérios formulados por
Matthews (1972, p. 96-99): (a) em primeiro lugar, “a palavra é a construção sintagmática
mínima: nenhum grupo de morfemas menor do que a palavra pode ocorrer ou ser utilizado
como um enunciado de pleno direito”
9
(p. 97); (b) em segundo lugar, numa palavra a coesão
dos morfemas é maior do que a que existe dentro das sentenças: na língua portuguesa os
9
Texto original: “First, the word is the minimal sentence-construction: no group of morphemes smaller than the
word appear or be instanced as an utterance in its own right.
99
sintagmas aceitam, por exemplo, inserções e interrupções não admitidas no interior das
palavras; e (c) nas palavras, o comportamento dos elementos integrantes é fixo: um sintagma
aceita variações (como mudança de ordem), o que é impossível no interior de uma palavra.
Como vimos na seção 3.1, os critérios fonológico e morfológico apresentam
inconvenientes operacionais: a definição fonológica não consideraria as EFs pão-duro, ar-
condicionado ou saca-rolha como expressões formadas por duas palavras, porque se verifica
nesses casos um só pico acentual; e a definição morfológica igualaria os usos idiomáticos e os
não idiomáticos de grupos polissêmicos como dar frutos, pagar o pato ou pintar o sete, uma
vez que têm o mesmo comportamento morfossintático. A definição lexicográfica igualmente
não apresenta vantagens, uma vez que tem por base o critério ortográfico.
Como se viu, a conceituação de o que vem a ser uma palavra é uma questão espinhosa,
ainda em aberto. Como é preciso adotar uma posição que permita o prosseguimento da
investigação, foi adotado o critério explicitado acima, que parece ser o menos impreciso, além
de corresponder de perto à intuição do falante. Como esclarece Aronoff (1988, p. 766), em
sua resenha sobre o livro On the definition of word de Di Sciullo e Williams (1987),
“PALAVRA é um termo pré-teórico e portanto não há expectativa de que, ao final das contas,
denote algo real. Apesar disso, os lingüistas sempre presumiram que a noção intuitiva tem
algum valor científico.”
10
A definição aqui apresentada aproxima-se do conceito formulado por Bloomfield,
apresentado na seção 3.1: as palavras que compõem as EFs são as primary words (que são os
itens monomorfêmicos ou que não contêm uma forma livre). As próprias EFs, por sua vez,
seriam as “secondary words” (que são as estruturas que contêm formas livres).
Em termos práticos, entende-se que:
a) casos como a esmo ou ao léu são considerados EFs porque são compostos cada um
de duas palavras (sendo a preposição uma forma livre), ainda que os itens esmo e léu
sejam usados unicamente nessas expressões;
b) casos como sofá-cama ou lava-louças são considerados EFs porque o compostos
cada um de duas formas livres, ainda que grafados com hífen.
Com relação ao critério (b), é preciso fazer a ressalva de que nem todos os casos de
hifenização são considerados EFs. Por exemplo, em algumas formações com as palavras sem,
não e mal usa-se o hífen (como em sem-terra, não-ficção e mal-intencionado) e com a
palavra bem usa-se sempre o hífen (como em bem-construído); mas nesses casos entende-se
10
Testo original: “WORD is a pre-theoretical term and there is thus no expectation that it will in the end denote
anything real. Yet linguists have always assumed that the intuitive notion does have some scientific value.”
100
que somente a aplicação de uma norma ortográfica arbitrária, não-motivada. Bem-
construído, por exemplo, não é um item convencional, tem significado composicional e tem
formação regular do ponto de vista sintático portanto, apesar de ser grafado com hífen não
tem os traços de uma expressão fixa.
ainda casos de morfemas presos hifenizados, como pós e vice, que eventualmente
aparecem como formas livres (como em Você estuda na graduação ou na pós?). Sendo assim,
formas como pós-graduação ou vice-presidente deveriam ou não ser consideradas EFs? A
decisão pela não inclusão desses casos no grupo das EF precisa ser justificada.
O que parece acontecer nos casos em que pós e vice são citados isoladamente é um
fenômeno de redução ou condensação vocabular semelhante ao que aparece em outros
conjuntos como carteira de identidade (que virou identidade), carteira de motorista (que
virou carteira), telefone celular (que sofreu redução para celular) e assim por diante. Com
pós e vice, eventualmente também ocorre o isolamento desses elementos, com especialização
semântica, permitindo o corte da base: pós-graduação vira pós e vice-diretor vira vice. Mas o
uso de pós ou vice sem a base é apropriado para situações que configuram o domínio
conceitual a que estes termos se referem de forma clara e inequívoca. Uma sentença como ?O
vice é bom, dita isoladamente, não é bem formada; uma sentença como O Presidente
renunciou, e assumiu o vice é compreendida sem dificuldade, porque o contexto é
suficientemente delimitador para apontar inequivocamente o domínio referencial de vice.
Caso semelhante acontece por exemplo com os superlativos super e hiper, e com os
prefixos mini, ex e pré (que indica “série anterior à primeira”, como na sentença Ele ainda
não sabe ler porque está no pré.). O uso isolado indica que houve uma redução vocabular
com especialização semântica, sendo o referente evocado a partir de uma delimitação do
contexto, isto é, a partir da evocação de um esquema cognitivo que condiciona a
referenciação.
Palavras como pós e vice diferenciam-se de carteira pelo fato de não constituírem uma
palavra por si sós (cf. Trask, 2004, 23-24). A ativação do referente em casos de uso do prefixo
sem a base é dependente de ancoramento discursivo e de expectativas geradas pelo contexto.
Elementos como esses não são prefixos prototípicos, no sentido de que não incluem todos os
traços dos prefixos, mas também não são formas livres. Ao se juntarem a uma forma livre têm
significado composicional e sintaxe regular. Portanto, casos como vice-diretor, pós-
graduação, pré-escola, super-resistente, hiper-harmonioso, ex-presidente e mini-saia não são
tratados como expressões, uma vez que são analisados como palavras compostas de um
prefixo + uma base.
101
4 O que é uma expressão fixa (EF)
4.1 Definição de expressão fixa (EF)
Uma expressão fixa (abreviadamente EF) é qualquer seqüência de palavras que é
memorizada pelos falantes da língua como um todo unitário, sendo igualmente recuperada da
memória em bloco, sem o intermédio obrigatório da aplicação de regras de valor geral.
As EFs podem encerrar elementos fixos e elementos variáveis. O que caracteriza a EF
é a presença dos elementos fixos. Assim, por exemplo, em bater as botas os elementos fixos
são o lexema bater + o sintagma as botas. A parte variável é a flexão verbal, pois podemos
dizer bateu as botas, batendo as botas, vai bater as botas, etc. A parte variável pode ser
constituída não só por um morfema mas por uma ou mais palavras, como em carregar +SN +
nas costas (como em carregar o mundo nas costas / carregar essa faculdade nas costas, etc)
ou em [tempo] + a fio (como em horas a fio / anos a fio, etc). Outros exemplos são a EF
botar panos quentes, em que o verbo é a parte variável que admite substituições de mesmo
campo semântico (como r panos quentes / colocar panos quentes), e a EF entre a cruz e a
espada, que possui a variante entre a cruz e a caldeirinha.
As EFs geralmente apresentam uma composição idiossincrática que pode se
evidenciar tanto na estrutura semântica quanto na estrutura formal da expressão –, uma vez
que não contam com a liberdade de alterações, substituições, flexões, transformações e
inserções características dos sintagmas compostos livremente pelo falante. O grupo é
cristalizado com um determinado valor lexical preenchido, que pode ser rígido ou mais ou
menos estável – no sentido de que às vezes é imutável e, quando não o é, não pode ser variado
paradigmaticamente da mesma forma como acontece em sintagmas composicionais (isto é, só
aceita uma variação entre um grupo fixo de itens, como se verá mais adiante). O grupo assim
formado tem na maioria das vezes (mas não sempre) um significado idiossincrático não
composicional. A estrutura sintática também é geralmente fixa, e tende a não permitir
variabilidade livre na ordem dos elementos componentes. O conjunto idiossincrático que
compõe a EF não é montado a partir de regras, mas recuperado da memória como um todo e
reconhecido como uma unidade informacional pelos usuários da língua. Isto quer dizer que o
102
bloco que forma a EF não é decomponível (do ponto de vista da interpretação) e não é
processado da mesma forma como se processam os demais sintagmas da língua, que
normalmente são montados e compreendidos a partir de uma computação que toma por base o
conhecimento da estrutura formal da língua, ao qual se soma o conhecimento semântico,
discursivo, pragmático, etc. Cada EF constitui um bloco coeso de informação, sendo esse
bloco armazenado no léxico do falante como uma unidade, da mesma forma que são
memorizadas as palavras isoladas.
As expressões idiomáticas (que aqui são tratadas como um dos tipos de expressões
fixas) são tradicionalmente caracterizadas como um conjunto de palavras montado
idiossincraticamente. Acrescenta-se a essa definição o traço de serem conjuntos
semanticamente indecomponíveis, no sentido de que, somando-se o significado de cada
elemento que integra a expressão idiomática, não é possível chegar ao significado do
conjunto. então um significado para o bloco como um todo, diferente do significado
gerado pela integração conceitual de cada palavra. São consideradas expressões idiomáticas
ocorrências como pagar mico, misturar alhos com bugalhos e fazer tempestade em copo
d’água, por exemplo
1
.
No entanto, outras estruturas que se encaixam na definição apresentada geralmente
não são incorporadas ao rol das expressões idiomáticas. Casos como no entanto, por
conseguinte, não obstante, que nem, filho de peixe peixinho é, dor de cotovelo, que tal, de
antemão, de vez, a não ser que, a esmagadora maioria e tantos outros geralmente não são
incorporados na categoria das expressões idiomáticas, apesar de não serem compreensíveis a
partir da soma do significado de cada membro do grupo. A rigor, casos como esses são
igualmente idiomáticos, mas inexplicavelmente não incluídos nessa classe, como se pode
comprovar pela sua ausência em dicionários de expressões idiomáticas. Para fugir à tradição e
ao costume não justificável de excluir da classe das expressões idiomáticas casos que se
encaixam na definição, e para enfocar o fenômeno numa dimensão mais abrangente e mais
fiel aos dados, passarei a chamar todos os blocos fixos e idiomáticos de expressões fixas
(EFs)
2
. Na categoria das expressões fixas entram também casos de colocações (collocations),
expressões transparentes cristalizadas, provérbios, fórmulas sociolingüísticas e EFs mistas
1
As expressões idiomáticas são examinadas mais detidamente na seção 5.1
2
A nomenclatura “expressões fixas” não é uma novidade nem uma inovação. É largamente utilizada em inglês
(fixed expressions) e em francês (expressions figées), sendo inclusive o nome de uma das principais obras sobre
o assunto escrita por Gross (1996), intitulada Les expressions figées en français.
103
(léxico + sintaxe): todos são blocos idiomáticos e todos são armazenados conjuntamente na
memória do usuário da língua
3
. “Expressão fixa” é então o nome dado a qualquer grupo de
palavras convencionais memorizado em conjunto, que por isso constitui uma unidade
lingüística. Nesse sentido, todos os casos citados (colocações, fórmulas sociais, expressões
idiomáticas, provérbios, etc) se comportam da mesma forma: todos são igualmente blocos
léxicos de memória.
Exemplificando: a colocação trincar os dentes é tão idiomática quanto uma expressão
idiomática tradicional, como por exemplo forçar a barra. O uso de trincar na colocação é
uma escolha arbitrária e específica para o caso, impondo ao sintagma uma memorização em
bloco. E com os provérbios ocorre o mesmo fenômeno: mais vale um pássaro na mão do que
dois voando é um conjunto congelado na memória e também remete a um significado
idiossincrático. Com as fórmulas convencionais (agradecimentos, cumprimentos, respostas à
interlocução, interjeições e outras relações discursivas) o processo é semelhante: casos como
não de quê ou nada feito são evidentemente idiossincráticos; e mesmo as fórmulas mais
transparentes apresentam traços de cristalização evidenciados ou no plano morfossintático
(como rigidez na ordem dos elementos ou impossibilidade de flexão) ou no plano léxico
(como impossibilidade de substituição léxica livre).
As EFs são expressas de maneira elaborada ou seja, não esquemática –, no sentido
de que as palavras que integram a expressão são especificadas juntamente com a sua estrutura
formal. Uma EF inclui, além do esqueleto sintático, o preenchimento léxico dessas categorias,
e assim o grau de representação é menos abstrato, menos genérico. As EFs não são expressas
somente por uma estrutura em aberto, definida por classes rotuladas (SV, N, SPrep, etc), mas
têm também explicitadas as palavras que se ligam a esses nódulos terminais, e por esse
motivo constituem formas lingüísticas mais específicas, mais preenchidas e portanto mais
elaboradas.
Um sintagma não é sempre identificável imediatamente como uma composição
regular ou como uma EF. É tarefa do ouvinte reconhecer se a expressão é composicional,
montada a partir do significado de cada palavra que integra a seqüência, ou um conjunto com
significado único idiossincrático. Isso acontece por exemplo com o grupo mais ou menos, que
pode ser utilizado como uma EF (indicando “aproximadamente”) ou como um sintagma
formado a partir do significado das partes integrantes. Nos trechos abaixo se a utilização
3
A tipologia das expressões fixas (expressões idiomáticas, colocações, expressões transparentes cristalizadas,
fórmulas sociolingüísticas, provérbios e EFs mistas) é o tema do capítulo 5.
104
desse grupo comportando-se ora como uma composição regular (no primeiro exemplo), ora
como EF (no segundo exemplo):
(1) Os mesmos personagens dizem quase as mesmas coisas; choram grimas de crocodilo
falando nos filhos (como sempre, a gente devia ter pensado neles na hora de agir, em vez de
choramingar depois); parecem mais ou menos sinceros, mais ou menos sorrateiros. (crônica
– revista)
(2) Para piorar a situação, descobre que seus cabelos, com a umidade, tornaram-se
excessivamente rebeldes, mais ou menos como naqueles desenhos animados em que o
personagem, meio pancada, enfia o dedo no buraco da tomada. (crônica – jornal)
Ora, a única maneira que o falante tem para distinguir uma EF de uma expressão
regular homônima é consultando a lista de EFs que tem na memória, e levando em conta
fatores contextuais para decidir se o que ocorreu foi a EF ou uma construção sintática
regular
4
. As EFs não são acessíveis através de regras, e seu grande número (cerca de 8000 na
lista coletada para a realização desta pesquisa) ilustra bem a grande capacidade de
memorização da mente humana, assim como o grau relativamente limitado de criatividade
que se observa nesse nível de análise.
5
Concluímos então que a EF é uma estrutura cristalizada (no sentido de que é
memorizada e não construída no momento do enunciado) e convencional, isto é, o grupo
possui tal forma e tal composição léxica por questão de convenção lingüística. Tagnin (1989,
p. 12-13) explica que, assim como um fato social pode ser convencional (por exemplo,
costuma-se dar presentes no dia do aniversário), também um fato lingüístico pode ser
convencional (por exemplo, costuma-se dizer parabéns! no dia do aniversário). Também a
forma, a escolha e a organização lexical podem ser convencionais: por exemplo, quando
desejamos dizer que alguém falou muito mal de outra pessoa, podemos exprimir esse fato
através da expressão falar cobras e lagartos. Essa é uma expressão convencional, uma vez
4
Os fatores que guiam a interpretação do leitor ou ouvinte dentro da sentença podem se ancorar em veis
diversos (seja de ordem sintática, semântica ou pragmática), relativos a condições de emprego das EFs em
contexto. Mas como anunciamos na seção 1.1, não estamos tratando neste momento de práticas discursivas
relacionadas à performance, mas objetivamos descrever unicamente um aspecto da competência lingüística do
falante que é a parte do seu conhecimento lexical representada pelas EFs, assim como armazenada no seu
inventário mental.
5
A criatividade pode ocorrer em muito maior grau em outros níveis, evidentemente, como na construção do
texto e principalmente no planejamento da mensagem, primeiro estágio no modelo de Levelt, citado na seção
2.3.
105
que, por convenção lingüística, usa-se esse determinado conjunto lexical, nessa ordenação,
para exprimir tal significado. Para atingir a mesma intenção comunicativa não podemos
alterar essa estrutura para outra, como *falar lagartos e cobras, nem *falar cobra e lagarto,
nem *falar serpentes e calangos. As expressões convencionais são, portanto, fixas. Como
explica Gross (1996, p. 19), “não está no poder do enunciador modificar essas seqüências, a
não ser para fins metalingüísticos ou humorísticos”
6
.
4.2 Alterações propositais sobre as EFs
Um tipo de variação é a ligada ao contexto discursivo, sendo resultado de uma ruptura
intencional do falante, percebida pelo ouvinte como uma desconstrução intencional da
expressão fixa. Nesse caso o ouvinte percebe que o falante quebra a expectativa da
apresentação da EF tal qual se apresenta no léxico dos falantes da língua, modificando algum
trecho da EF para integrá-la ao tópico discursivo.
Quando a variação é resultado de alteração intencional do falante, a substituição ou
inclusão de elementos é condicionada à contextualização, e tem sentido quando se integra
ao discurso e ao tema veiculado. Nesse caso o ouvinte precisa trabalhar na criação do
significado da nova estrutura (que não é mais uma EF, mas uma pseudo-EF, uma vez que
foi alterada), da seguinte forma:
1. procurar na memória alguma EF que apresente algum grau de semelhança com a
estrutura apresentada pelo falante;
2. identificar o ponto onde houve alteração da EF original;
3. identificar o motivo da alteração, procurando no discurso e no seu conhecimento
pragmático pistas que promovam a coerência textual;
4. identificar o efeito estilístico intencionado pelo falante (ironia, humor, etc).
Para exemplificar, vamos examinar o processo efetuado pelo ouvinte no seguinte caso:
(3) Título do texto: “Mensalão” – subtítulo: “Os sete condenados”
6
Texto original: “ce sont des suites qu’il n’est pas au pouvoir du locuteur de modifier, sauf à des fins
métalinguistiques ou humoristiques.”
106
texto: Na segunda-feira passada, na casa de João Paulo Cunha, houve uma reunião secreta
dos chamados “sete condenados” ou seja, os sete deputados petistas que estão com a corda
da cassação no pescoço. Definiram estratégias comuns para o grupo.
(revista Veja edição 1923, de 21 de setembro de 2005)
Processos efetuados pelo leitor na compreensão do trecho negritado:
1. relacionamento da estrutura com a corda da cassação no pescoço com a EF memorizada
com a corda no pescoço, que tem o significado de “estar em situação-limite, de grande
dificuldade”;
2. identificação da inclusão do trecho da cassação;
3. identificação do motivo da inclusão, relacionando o trecho incluído a três pontos:
3a) ligação de cassação com o tópico do texto, que se liga ao título “mensalão” e ao
sub-título que evoca “condenação”;
3b) ligação de cassação com o conhecimento pragmático do ouvinte, referente aos
acontecimentos políticos da época, e o seu possível efeito de condenar e cassar os
envolvidos no mensalão;
3c) ligação da EF com a corda no pescoço com o significado literal das palavras que a
compõem, acionando o sentido literal de estar com uma corda em volta do pescoço”
paralelamente ao sentido da EF (que significa “estar em situação limite, de grande
dificuldade”). O sentido literal remete a uma situação de “enforcamento”, que por sua
vez se liga a “condenado” (que é o sub-título) e sugere “degola”, eliminação” e, por
extensão metafórica, “cassação”.
4. reconhecimento de que a palavra cassação foi incluída na EF com a corda no pescoço para
relacionar o trecho ao significado idiomático da EF e, ao mesmo tempo, ao significado literal
tomado no sentido metafórico, relacionado ao tópico do texto. A inserção do modificador da
cassação na expressão com a corda no pescoço é percebida como intencional e faz apelo ao
conhecimento prévio do leitor, que relaciona a inserção ao contexto político extralingüístico.
O jogo lingüístico cria um efeito sutil de humor e graça.
Eventualmente pode ocorrer uma manipulação intencional das expressões, com função
estilística, geralmente para provocar humor. Mas o falante (proficiente) sabe que a expressão
original foi mexida, foi reestruturada, e assim a alteração é obrigatoriamente interpretada
como um desvio do sistema. Mesmo porque, se o receptor não percebe o desvio, perde-se o
efeito estilístico. Portanto, o autor conta com o conhecimento do receptor quanto à forma
107
original da expressão e a sua percepção da alteração provocada intencionalmente. A ruptura
do padrão tem de ser percebida pelo ouvinte – caso contrário não se realiza o efeito literário.
Para exemplificar, vejamos o texto encontrado numa reportagem sobre os bares de
BH, que termina com o seguinte fecho:
(4) Com tantas boas opções, vale a pena esquecer um pouco os restaurantes e seguir o ditado
dos botequeiros. “Há bares que vêm para bem!”. (revista)
Todos reconhecem no trecho negritado a evocação do provérbio males que vêm
para bem, que foi alterado para se “adequar” ao tópico discursivo (“bares”). Nesse caso, como
em muitos semelhantes, a alteração não tem nada a ver com a semântica da palavra
modificada, no sentido de que não é feita a substituição paradigmática da palavra males por
outra do mesmo campo semântico. A motivação nesse caso tem base fonológica e discursiva.
Outro exemplo semelhante é o título de uma reportagem sobre a ExpoCachaça 2005:
(5) Acabou em pinga! (revista Istoé /1878 – 12/10/2005)
O sintagma remete à expressão acabar em pizza, alterada pelo jogo fonológico entre
pizza e pinga.
Em outro caso, foi feita uma modificação do provérbio Quem não deve não teme para
Quem não deve... não tem. Esse uso foi empregado por um âncora em jornal de TV, fechando
um comentário cujo tópico tratava do endividamento das pessoas por causa do pagamento em
prestações:
(6)
Todos os brasileiros recorrem ao carnê. No Brasil, quem não deve... não tem.
Novamente a substituição não tem base semântica, mas fonológica. A modificação da EF com
efeito discursivo foi evidenciada pela pausa marcada nitidamente antes do trecho alterado,
chamando a atenção do ouvinte para a intencionalidade da mudança.
As inserções ou alterações nas expressões idiomáticas são percebidas pelo falante e
ouvinte como uma ruptura. O ouvinte pode relacionar a nova forma à EF que ele tem
guardada na memória, mas ele sabe que a EF foi alterada, e se esforça para inserir a
108
modificação no discurso, procurando traços do contexto que forneçam lógica e motivação à
alteração (cf. as máximas de Grice, 1975).
Um caso de alteração sem inserção aparece no tulo de um artigo, intitulado
Programa de Índia (em vez de programa de índio), uma vez que o texto com esse tulo
referia-se ao país Índia.
Uma referência semelhante à Índia, mas inserida numa EF diferente é o título Negócio
da Índia, derivada da expressão negócio da China, onde a palavra China é trocada por Índia
pelo fato de a reportagem fazer referência ao gado gir, de origem indiana. (revista Encontro
Rural n
o
8, novembro de 2004, p. 18). A compreensão da alteração e da lógica que a sustenta
está calcada no conhecimento prévio do leitor.
Figura 2 – Alteração de expressão idiomática
109
As inserções ou alterações em EFs são percebidas como um desvio proposital.
Dependem de contexto (endofórico ou exofórico), além de conhecimento pragmático por
parte do ouvinte, para apoiar e justificar a alteração. Por exemplo, quando o ouvinte encontra
um enunciado como
(7) O pavio curto da prefeita Marta Suplicy (PT), de São Paulo, custa os olhos azuis da cara.
Ela bate-boca com cidadãos e com jornalistas. (revista Istoé n
o
1815, 21 de julho de 2004)
o ouvinte precisa reconhecer nesse meio a EF custar os olhos da cara, depois reconhecer a
inserção de azuis e entender o que ela está fazendo aí. Para ligar essa inserção com lógica ao
restante do texto o ouvinte precisa saber que a pessoa citada tem olhos azuis, e dessa forma
promover coerência na alteração da EF.
Vê-se assim que as expressões fixas podem sofrer alterações ou inserções em casos
em que o contexto lingüístico ou extralingüístico permite a criação de pontes de sentido
lógicas, e ainda quando o contexto pragmático (aí incluído o conhecimento prévio do ouvinte)
contém informações que auxiliam na criação da coerência textual. Para compreender o sentido
da alteração, o ouvinte precisa entender por que o falante provocou tal modificação no
conjunto original.
Os tipos de alteração das expressões idiomáticas foram estudados por Raposo (2007),
que considera somente as substituições de palavras de mesmo campo semântico (que, como
vimos nos exemplos citados, não são as únicas possibilidades). Sua proposta sugere tipos de
ligações fortes e fracas entre os componentes das expressões idiomáticas, sendo que a
possibilidade de alteração seria decorrente da estrutura sintático-semântica mais rígida ou
mais flexível de cada expressão. No entanto, creio que seria mais adequado falar em ligações
adequadas ao contexto ou não. Parece que – pelo menos em muitos casos a possibilidade de
alteração não é decorrente de proximidade semântica, nem é decorrente da estrutura da
expressão em si, mas da lógica contextual e do conhecimento do falante. O que possibilita
uma modificação na estrutura fixa da expressão idiomática é a montagem de um contexto tal
que permita ao ouvinte recuperar a expressão idiomática original, entender a alteração
promovida pelo autor e conferir lógica à informação alterada, relacionando-a com algum
outro conhecimento presente no texto ou na memória do enunciatário.
Não se pode falar, a priori e de forma descontextualizada, que uma alteração seria
impossível, considerando somente a estrutura interna da expressão. Uma modificação parece
impossível quando não foi detectada, ou quando é analisada fora de contexto. Só é claramente
110
impossível aquele tipo de alteração que destrói a expressão, descaracterizando-a e impedindo
que o ouvinte perceba a forma original. Pode-se afirmar que uma modificação é possível
quando ocorre efetivamente num determinado discurso isto é, é possível fazer afirmações
sobre uma forma se foi detectada numa ocorrência real; mas não se pode afirmar, através da
introspecção, que uma modificação não ocorrida seria impossível. Quem sabe? Talvez com
um contexto bem construído a alteração seria viável e interessante. Se a modificação de uma
EF é dependente do contexto, não se pode fazer afirmações quanto à possibilidade de
alteração fora de contexto, nem se pode fazer afirmações peremptórias quanto à
impossibilidade de determinada alteração.
Vamos exemplificar com a EF dia-a-dia, usada como no exemplo a seguir:
(8) O mau exemplo dos dirigentes age como um catalisador sobre as pessoas, chancelando os
atos ilícitos no dia-a-dia. (revista)
Será que ela pode ser modificada para mês-a-mês? Seria possível alterar a EF e nos
referirmos ao nosso mês-a-mês, assim como nos referimos ao nosso dia-a-dia? Uma resposta
decisiva é arriscada, e alguns tenderiam a negar essa possibilidade. Provavelmente porque
essa construção nunca foi ouvida. Mas uma propaganda na TV usou a construção mês-a-mês;
ao ser contextualizada, a modificação foi reconhecida como uma variante alterada da EF dia-
a-dia e pareceu perfeitamente adequada nesse texto:
(9) Seu dia-a-dia anda tão monótono que até parece mês-a-mês? (propaganda)
Seja como for, o importante a considerar é que as alterações são reconhecidas como
intencionais, são sentidas como uma ruptura proposital do padrão esperado, e são
permitidas no caso de o contexto discursivo amparar tal mudança e conferir lógica à
modificação. Ou seja, as alterações não são livres nem exclusivamente dependentes da
estrutura interna da expressão, e sim dependentes de autorização contextual e do
conhecimento pragmático do leitor/ouvinte.
É importante considerar ainda que as EFs modificadas não fazem parte do léxico
mental, e portanto o conjunto alterado perde o seu status de expressão fixa; ou seja, a
expressão de origem é uma EF, mas não o conjunto modificado. Quando o falante altera a
expressão memorizada, gera um sintagma que não é mais uma EF. bares que vêm para
bem” não é um provérbio, mas uma construção do falante (sobre uma expressão fixa). O novo
111
sintagma é interpretado composicionalmente, mesmo porque é novo, não presente na memória
dos falantes. Mas para interpretar o jogo lingüístico o ouvinte precisa também ativar o bloco
idiomático, que por sua vez é recuperado da memória de longo prazo de forma íntegra.
Para compreender a EF alterada e perceber a ruptura é preciso primeiramente possuir
internalizada a EF de origem; sendo assim, a alteração constitui uma extensão do
conhecimento léxico. As modificações não se referem exclusivamente aos termos da EF, mas
envolvem um ingrediente pragmático, com dependência discursiva (que implicam a ligação
da EF com um conhecimento do mundo), e fazem apelo ao conhecimento enciclopédico ou ao
conhecimento prévio de determinado fato. Gross (1996, p. 20) trata desse fenômeno pelo
nome de “desfixação” (défigement):
A “desfixação” consiste em abrir paradigmas onde, por definição,
eles não existem. Essa operação forçada pode ser observada cada
vez mais na imprensa, que se serve da “desfixação” para produzir
determinados efeitos destinados a chamar a atenção do leitor. O
efeito surpresa esperado coloca em evidência o fenômeno da
fixação.
7
(Grifos meus.)
Esse efeito também acontece na literatura, que usa a ruptura da expectativa e o estranhamento
para causar um efeito de estilo. Também na alteração da EF original há a percepção da ruptura
intencional: falante e ouvinte têm consciência do desvio.
Esse tipo de “deformação” da EF acontece geralmente em textos escritos (mas não só),
onde há maior liberdade de manipulação da língua na criação de efeitos estéticos. O objetivo é
a construção de um texto interessante, que chama a atenção e cria humor. Para entender a
intenção comunicativa embutida na alteração é preciso comparar a seqüência com a versão
original – e para tanto é preciso conhecer o sistema.
Portanto, é preciso inicialmente estudar o sistema da língua brasileira. Antes de mais
nada é preciso estudar as expressões arquivadas na memória lexical dos falantes. depois
disso é que podemos tratar de manipulações, porque elas fazem sentido e são
interpretáveis em comparação com o sistema.
Gross (1996, p. 85) explicita a exclusão das construções alteradas do rol de estudo do
sistema das expressões fixas:
7
Texto original: “Le défigement consiste à ouvrir des paradigmes là où, par définition, il n’y en a pas. Ce “coup
de force” s’observe de plus en plus dans la presse qui se sert du défigement en vue de certains effets particuliers
destinés à attirer l’attention du lecteur. L’effet de surprise attendu met en évidence le phénomène du figement.”
112
Queríamos lembrar que as expressões fixas sempre podem, por
razões dicas ou de expressividade, ser objeto de rupturas, como
em:
Paul pegou o touro da lingüística pelos chifres da sintaxe.
Esses jogos lingüísticos o provam a liberdade das estruturas em
questão mas, ao contrário, acentuam a sua fixidez, o que evidencia
o efeito humorístico. Portanto, o se pode servir desse fato como
critério de análise, no mesmo nível dos empregos regulares.
8
(Grifos meus.)
Vê-se nesse trecho que Gross também considera que as manipulações o devem ser
colocadas no mesmo plano das expressões memorizadas. Uma coisa é o conhecimento do
falante, e outra coisa são os jogos que ele faz em cima daquilo que sabe.
Resumindo, temos três fatos a considerar. Em primeiro lugar, podemos afirmar que as
expressões fixas não são imutáveis. Podem sofrer manipulações intencionais, como vimos,
mas o resultado desse procedimento não é mais uma expressão fixa: o sintagma resultante não
é um grupo memorizado, mas uma criação do enunciador. Em segundo lugar, as modificações
são autorizadas pelo contexto ou seja, a alteração é ancorada no discurso, que justifica e
confere sentido à modificação. Em terceiro lugar, constata-se que se pode falar em
alteração depois de se ter definido o que não é alterado, e se pode entender o efeito da
manipulação tomando por base um sistema de referência.
Pois bem, é esse sistema de referência as expressões fixas do português brasileiro,
arquivadas na memória semântica – que pretendemos focalizar e analisar.
4.3 As EFs e suas idiossincrasias lexicais, semânticas e sintáticas
8
Texto original: “Nous voudrions rappeler que les suites figées peuvent toujours, pour des raisons ludiques ou
d’expressivité, faire l’objet de défigements, comme dans:
Paul a pris le taureau de la linguistique par les cornes de la syntaxe.
Ces jeux linguistiques ne prouvent pas la liberté des structures en question mais mettent l’accent a contrario sur
leur figement, ce que met en évidence leur effet humoristique. On ne péut donc pas s’en servir comme critères
d’analyse au même titre que les emplois réguliers.”
113
As EFs apresentam traços idiossincráticos, evidenciados tanto no plano lexical (ou
seja, nas palavras que compõem a expressão), quanto no plano semântico, sintático e também
discursivo. Vejamos como se apresentam essas idiossincrasias.
4.3.1 Idiossincrasia lexical
Do ponto de vista lexical, uma EF evidencia sua forma idiossincrática por não admitir
a substituição paradigmática por elementos de mesmo campo semântico, sejam sinônimos,
antônimos ou outro membro da classe – por exemplo:
- existe a prisão perpétua, mas não a *prisão eterna;
- quem faz um comercial é um garoto-propaganda, e não um *menino-propaganda
9
;
- existe o creme dental e a pasta de dente, mas não o *creme de dente;
- um objeto de má qualidade deixa a desejar, mas não *deixa a querer;
- é preciso ver para crer, e não *olhar para acreditar;
- existe a expressão até prova em contrário, mas não se admite *até prova em oposto;
- diz-se salvo engano, mas é impossível *exceto engano;
- existe a expressão sabe como é..., mas não *tem conhecimento de como é...;
- pode-se falar de bandidos que estão à solta, mas não o oposto: *bandidos à presa;
- é possível falar às claras, mas não *às escuras;
e assim por diante.
A idiossincrasia lexical também se evidencia pelo fato de que, como visto
anteriormente, em alguns casos a EF inclui itens que existem dentro daquela expressão,
isto é, nunca podem aparecer desacompanhados do restante da expressão. Isso acontece por
exemplo com as expressões à paisana, de chofre ou não obstante, em que aparecem as
palavras paisana, chofre e obstante, que não existem sozinhas, ou seja, não ocorrem fora do
grupo idiomático. São formas grafadas como palavras mas que não são itens independentes,
uma vez que ocorrem exclusivamente nesse conjunto. Alguns exemplos que ilustram palavras
que só são empregadas na expressão fixa são os seguintes:
9
Note-se que em Minas a palavra garoto não é usual, exceto nessa EF.
114
à beça em frangalhos
à toa de antemão
à tona de bruços
à paisana de bom grado
à espreita de afogadilho
à tona desta feita
a guisa de de nascença
a granel dar pitaco
às pampas perder as estribeiras
às mancheias terreno baldio
ao bel prazer ter tino
a esmo estar prestes a
a bordo dar na veneta
a tiracolo olhar de esguelha
a contento confundir alhos com bugalhos
a granel passar pelo crivo [de alguém]
ao léu não obstante
em pandarecos não ter papas na língua
em polvorosa quem não arrisca não petisca
em vão levado da breca
em petição de miséria varinha de condão
em prol mentira deslavada
na marra obra-prima
no que tange meter o bedelho
de chofre apropriação indébita
por conseguinte mal-humorado
de araque mau-caratismo
de arromba
por um triz
de lambuja em riste
A análise da composição interna das expressões acima revela que tais expressões
incluem formas dependentes da expressão: não se constroem sintagmas com palavras como
*a pampa, *o bugalho, *o grado ou *o bruço, empregadas nas expressões às pampas,
115
confundir alhos com bugalhos, de bom grado e de bruços. Assim também não ocorrem, fora
das expressões, adjetivos como baldio (presente em terreno baldio) ou humorado (?José é
uma pessoa humorada). A maioria das EFs que incluem formas dependentes da expressão são
sintagmas preposicionados, mas há também outras construções, como SNs e SVs.
A ocorrência de palavras dependentes mas grafadas como formas livres não é um
fenômeno exclusivo de EFs preposicionadas. várias EFs que incluem formas livres não
existentes fora da expressão: por exemplo, tem-se fazer ouvidos moucos, mas não é freqüente
o uso de moucos; existe nunca dantes... (imaginados), mas não existe *dantes
10
; existe trazer
à baila, mas não existe *baila, existe pegar com a boca na botija, mas não se usa
contemporaneamente a palavra *botija, e existe ao bel-prazer, mas não existe *bel. Esses são
exemplos de idiossincrasia vocabular que encontramos na classe das expressões fixas.
4.3.2 Idiossincrasia semântica
Do ponto de vista semântico, em muitos casos uma EF pode ter caráter idiossincrático
pelo fato de o seu significado ser determinado em bloco, como um todo, e não ser obtido
através da somatória do significado das partes componentes, como se vê nas expressões pegar
no pé, chutar o balde, de uma figa, por enquanto, do cu riscado, de afogadilho e tantas
outras. Diz-se de uma pessoa que comete uma gafe que ela deu bandeira, mas é impossível
chegar ao significado do grupo através da somatória dos significados de [dar + bandeira].
Assim, expressões como as acima não são transparentes, isto é, têm significado opaco.
O significado do grupo inteiro, em bloco, não corresponde à soma do significado de cada
palavra integrante do grupo. Dito de outra forma, isso quer dizer que o significado obtido pela
decodificação individual de cada palavra do sintagma não produz o significado do conjunto.
Quando uma expressão fixa não é transparente, a fórmula [conhecimento da estrutura da
língua + conhecimento do significado individual de cada item léxico envolvido na EF] não
garante a compreensão do significado global do grupo. Esse é o caso das expressões cobras e
10
A EF nunca dantes [+ particípio] provavelmente se origina da expressão camoniana nunca dantes navegados,
empregada no início de Os Lusíadas: “As armas e os barões assinalados / que da ocidental praia lusitana / por
mares nunca dantes navegados / passaram inda além da Taprobana / [...] cantando espalharei por toda parte / se
a tanto me ajudar engenho e arte.” No entanto, convém assinalar mais uma vez que não é nosso objetivo aqui
buscar a origem da expressão através de um estudo diacrônico, mas tão-somente descrever a língua sincrônica,
tal qual se apresenta contemporaneamente, e assim explicitar o conhecimento do falante atual.
116
lagartos, cruz-credo, casa-da-mãe-joana, gato-pingado, fazer de conta, dentro dos
conformes, dor-de-cotovelo ou da pá virada, em que o significado não é transparente, isto é, a
expressão não é compreensível através da computação do significado individual de cada item
léxico integrante do grupo.
4.3.2.1. EFs com significado transparente
Nem sempre acontece de o significado da EF ser incompreensível através de
composição. Na maioria das vezes as EFs são opacas, como nos casos mencionados logo
acima. Mas também casos em que é possível compreender o significado de uma expressão
fixa ou convencional que nunca tenha sido vista antes, porque o seu significado é
transparente, isto é, pode ser deduzido pelo significado dos elementos componentes. Essas
EFs podem ser interpretadas palavra por palavra porque não incluem um significado opaco
a sua idiossincrasia está em outro lugar. Muitas vezes é a forma ou a ordem que é especial, ou
o preenchimento lexical é que é rígido, não admitindo substituições. Nesses casos, mesmo
quando o ouvinte não conhece antecipadamente a expressão, é capaz de interpretá-la a partir
da computação semântica dos termos que a compõem, assim como faz para gerar o
significado de qualquer sintagma na língua.
Expressões como achados e perdidos, de pra cá, sofá-cama e outras são
interpretáveis através da integração dos elementos componentes; mas ainda assim continuam
sendo EFs porque caracterizam uma estrutura rígida, armazenada em bloco: não se costuma
dizer *perdidos e achados, nem *de lá para aqui, nem *poltrona-cama, o que mostra que não
são composições livres, uma vez que não aceitam mudança de ordem sintática nem
apresentam liberdade de substituição léxica. Os itens integrantes da expressão são
insubstituíveis por outros de mesma carga semântica e potencial sintático. A expressão é
cristalizada, e não um sintagma composto livremente apesar de seu significado ser
transparente.
Como essas, outras expressões fixas que são inteligíveis a partir da soma dos seus
elementos, mas mesmo assim são EFs justamente pelo fato de serem fixas, ou seja, serem
sempre repetidas da mesma forma, com os mesmos elementos e na mesma ordem (os casos de
EFs com sentido literal serão tratados na seção 5.3). Conclui-se então que nem todas as EFs
apresentam idiossincrasias semânticas: algumas são regulares do ponto de vista semântico,
117
mas idiossincráticas do ponto de vista sintático. Portanto, a compreensibilidade ou não de um
sintagma não é determinante na caracterização do grupo como EF. A opacidade semântica da
expressão não é condição sine qua non para a caracterização de expressões fixas, mas sim o
seu caráter convencional dentro da organização da língua.
Apesar de ser possível compreender a expressão fazendo um cômputo dos elementos
que a integram, é improvável que quem não conhecesse a EF pudesse construí-la exatamente
dessa forma. A recuperação do sentido pode ser possível, mas não a produção. A enunciação
das EFs por parte de um enunciador ingênuo, isto é, aquele que não conhece de antemão a EF,
fica comprometida. A estrutura e o léxico empregado são fixos, mesmo quando a expressão
não é opaca, e não é possível imaginar qual seria a estrutura fixada dentre as tantas
possibilidades que a língua oferece, sem que se soubesse a priori qual é essa estrutura forjada
pela língua. Em alguns casos de EF a decodificação pode ser possível sem o conhecimento
prévio da expressão, mas o uso da EF na enunciação, pelo falante ou escritor, só pode ser feito
por quem conhece de antemão a convenção lingüística e a escolha codificada pela língua.
Em caso de desconhecimento da forma da EF, o processamento pode ser viável, mas não o
emprego da expressão por parte do enunciador.
Vê-se então que, embora existam expressões fixas transparentes, e portanto
compreensíveis, é improvável que sejam produzidas na forma adequada por quem não as
conheça de antemão: se o falante montasse o sintagma, poderia compor tanto sofá-cama
quanto *cama-sofá ou *poltrona-cama, por exemplo, ou poderia desejar um *contente Natal,
que feliz e contente são itens de conteúdo semântico semelhante, ou reverteria a ordem do
sintagma achados e perdidos produzindo *perdidos e achados, que aliás reflete uma lógica
cronológica perdida na EF original (primeiro se perde para depois achar).
Como vimos, apesar de EFs como essas terem significado transparente, ainda assim
apresentam idiossincrasias sob outros pontos de vista. Não é somente a impossibilidade de
computação semântica que caracteriza o grupo como idiomático, mas igualmente a
implausibilidade de produção por quem não conheça de antemão a forma codificada pela
língua. Essa constatação aponta para o fato de que a definição de uma expressão fixa não pode
estar apoiada unicamente no ponto de vista do decodificador, mas igualmente no ponto de
vista do produtor
11
.
11
Outros argumentos que comprovam o fato de que a caracterização de uma EF precisa se ancorar tanto no
ponto de vista do ouvinte quando no ponto de vista do falante são apresentados na seção 4.5 e especialmente na
seção 4.6.6.
118
4.3.3 Idiossincrasia sintática
Algumas EFs apresentam formas não analisáveis dentro dos padrões da língua, como
se verá de forma mais detalhada no capítulo 6. Por ora, vamos antecipar alguns exemplos
para lançar a idéia de que as EFs podem ser idiossincráticas sob vários pontos de vista, e não
somente do ponto de vista semântico, como se costuma pensar.
Existem EFs que fogem aos padrões morfossintáticos, como se na expressão quem
dera: a forma dera é um verbo? É semelhante à 3
a
pessoa do singular do verbo dar no mais-
que-perfeito do indicativo, mas na expressão quem dera não existe o ambiente de uma ação
passada antes de outra, que chancelaria o uso desse tempo verbal. Além disso, por definição,
em português um verbo é marcado pela possibilidade de variação quanto a tempo e pessoa
mas na expressão quem dera o item dera não pode ser conjugado, nem em tempo, modo, nem
em pessoa. Por outro lado, pode incluir um argumento: quem me dera – mas só a forma me, e
não outros clíticos (*quem te dera). Mas então qual seria a classe a que pertence tal palavra,
uma vez que, por um lado, apresenta uma característica verbal, e por outro lado viola a
própria definição de verbo e suas condições de uso?
Outras EFs não admitem flexão. Por exemplo, podemos dizer que uma empresa teve
altos e baixos, mas não que teve *um alto e um baixo; existe a expressão falou e disse, mas
não *falamos e dissemos (com flexão de pessoa e número), nem *vai falar e vai dizer (com
flexão temporal); um indivíduo pode atirar às cegas, mas não *atirar aos cegos (com flexão
de gênero).
Em vários casos, as EFs incluem construções sintáticas inusitadas. Outro exemplo é a
expressão até que enfim, que significa “finalmente”. Trata-se de um constituinte, e portanto
um conjunto coeso, que tem a função sintática de advérbio oracional e a função semântica de
exprimir a opinião do falante; como os demais constituintes que pertencem à classe dos
advérbios oracionais, tem liberdade de movimentação na sentença, de forma solidária:
(10) Até que enfim o Atlético se livrou do rebaixamento. / O Atlético se livrou do
rebaixamento, até que enfim. / O Atlético, até que enfim, se livrou do rebaixamento. / O
Atlético se livrou do rebaixamento. – Até que enfim!
119
O inusitado nesse caso consiste no fato de que normalmente se esperaria uma oração
logo depois da conjunção até que, como em O menino chorou, chorou, até que a mãe
resolveu ceder. A conjunção até que não é destacável do início da oração, ou seja, não pode
se deslocar da sua posição imediatamente anterior à oração. Por outro lado, o constituinte
formado pela EF até que enfim movimenta-se livremente, e depois de até que aparece a
palavra enfim e não uma oração, o que foge aos padrões estruturais do português, fazendo
dessa expressão um agrupamento idiossincrático
12
.
Além desse caso vários outros exemplos de “violação” de regras sintáticas ou
semânticas que atuam na língua, que não são respeitadas em alguns casos de construções
idiomáticas. Como anunciado, esses casos serão examinados no capítulo 6.
estudiosos que em nas EFs somente as idiossincrasias semânticas e a
impossibilidade de depreensão do significado a partir de um processamento composicional.
Entendem que as EFs seriam uma espécie de fossilização do que a língua fornece, e assumem
que essas expressões poderiam ser analisadas em função do que já se conhece sobre a
estrutura formal da língua. Como se vê, essas posições não se sustentam em vista dos dados
coletados.
4.3.4 Idiossincrasia discursiva
A expressão cair nessa contém um SN anafórico introduzido pelo demonstrativo essa
que aparece sempre no feminino, independentemente do antecedente ao qual se conecta. Por
exemplo:
(11) Deram um golpe na minha amiga: telefonaram pra ela dizendo que ela tinha ganhado
um carro e só precisava depositar um dinheiro numa conta para ganhar o prêmio. E ela
fez o que mandaram.
– Puxa, não acredito que ela caiu nessa!
12
A mesma seqüência de palavras pode aparecer seguida de oração como na sentença Nós esfregamos por horas
a fio, até que, enfim, tudo ficou limpo. Note-se que já não se trata mais da expressão até que enfim, mas da
conjunção temporal até que intercalada pelo advérbio enfim que precede a oração. A divisão em constituintes é
diferente, a semântica é diferente e até o ritmo fonético é diferente.
120
No exemplo acima não é possível explicar a presença do traço morfológico
[+feminino] do demonstrativo essa. Se a estrutura fosse regular, seria de se esperar que o
demonstrativo fosse masculino, pelo fato de se relacionar ao item a golpe, mencionado pelo
primeiro falante; ou, alternativamente, seria possível esperar o demonstrativo neutro isso, no
caso de o segundo falante fazer um remetimento a toda a situação mencionada anteriormente.
O que fica sem explicação é o uso do feminino.
A não retomada dos traços gramaticais do antecedente não seria necessariamente
incomum caso houvesse uma motivação para a reestruturação que justificasse a utilização do
feminino. É fato que nem sempre a anáfora copia os mesmos traços do antecedente, mas
quando isso acontece existem razões semânticas claras, não presentes do exemplo acima
13
.
Por exemplo, no texto “Um pitbull atacou a vizinha. Eles são animais perigosos.”, o pronome
eles aparece no plural porque o antecedente é reestruturado de forma a evocar os membros da
classe relativa ao indivíduo que atacou a vizinha. Também no texto A noiva ganhou um
presente de cada uma das amigas e os abriu durante o chá de panela.”, o pronome os se
justifica pela computação de “um presente de cada amiga”, que gera o conjunto plural. Vê-se
que nesses casos, como em todos em que se verifica uma reestruturação, existe um
ancoramento semântico-pragmático para a forma do elemento anafórico. Na expressão cair
nessa, por outro lado, não nenhum fato semântico que justifique a forma feminina. O que
evidencia a idiossincrasia discursiva nesse caso é a ausência de motivação para a migração do
demonstrativo para um estrutura marcada (o feminino), sem apoio no contexto endofórico.
A hipótese de que haveria a elipse de uma palavra feminina depois de essa também
não se sustenta. Dizer que no exemplo anterior a EF cair nessa teria uma expansão para um
SN pleno como cair nessa armadilha ou cair nessa esparrela incorre em dois vícios
argumentativos. Em primeiro lugar, tenta-se adaptar os fatos à análise ou seja, já que o item
essa está no feminino, procura-se preencher a elipse com uma palavra feminina para justificar
a concordância feminina do demonstrativo, apesar de as evidências serem contrárias: a
palavra golpe à qual se relaciona a anáfora não é feminina e as palavras armadilha ou
esparrela o aparecem no discurso anterior. Em segundo lugar, o raciocínio é circular.
Pergunto: como se sabe que o completamento da expressão seria cair nessa esparrela e não
cair nesse golpe? A resposta é: porque o demonstrativo essa está no feminino. E porque o
demonstrativo essa está no feminino? Resposta: porque o completamento seria cair nessa
13
Para uma tipologia das formas de retomada anafórica, com uma análise das interpretações vinculadas à
retomada literal, à reestruturação do antecedente ou a um relacionamento pragmático, veja-se Fulgêncio (1983).
121
esparrela. Não havendo nenhuma evidência externa à argumentação que comprove a presença
de esparrela, o raciocínio é circular.
O que ocorre é que a expressão cair nessa não é passível de flexão e não admite
adequação ao gênero e número do antecedente. Essa expressão é cristalizada nesse formato,
obrigatoriamente no feminino singular, independentemente do contexto, independentemente
do ambiente discursivo e independentemente dos traços do antecedente ao qual se liga.
Vemos então nesse caso um exemplo de idiossincrasia discursiva apresentado por uma
expressão fixa.
4.3.5 Idiossincrasias múltiplas
Há EFs que são idiossincráticas sob vários aspectos. Um exemplo desse caso é a EF de
cabo a rabo, usada em contextos como:
(12) Ela está craque no inglês. Ela entendeu o filme inteirinho, de cabo a rabo, sem precisar
ler a legenda.
A EF de cabo a rabo apresenta particularidades dos pontos de vista lexical, semântico
e sintático. A especificidade lexical é marcada pela impossibilidade de substituição lexical
(*de cabo a cauda, *de um extremo a rabo); a especificidade semântica é marcada pela
impossibilidade de compreensão do significado através do significado das partes, além de
incluir igualmente uma idiossincrasia referencial (no caso acima, por exemplo, cujo tópico é
um filme, não se poderia indicar um referente para a palavra rabo); e a especificidade
sintática é marcada pela irreversibilidade formal do grupo: *de rabo a cabo.
As EFs podem então apresentar convencionalidades de mais de um ponto de vista, de
forma que uma mesma expressão pode apresentar idiossincrasias em mais de uma categoria,
ao mesmo tempo. Outro exemplo seria a EF fazer gato e sapato, que tem um significado
especial e também uma forma sintática especial, porque não admite a mudança de ordem dos
elementos coordenados, como se pela impossibilidade de *fazer sapato e gato. Mais um
exemplo de expressão que pode ser incluída em mais de uma categoria de convencionalidade
é pois não: é uma expressão convencional do ponto de vista pragmático (é uma resposta
afirmativa a um pedido ou uma indicação de disponibilidade para um diálogo), tem formação
122
sintática peculiar (o negativo não antecede o sintagma ao qual se dirige o seu escopo) e o
significado é claramente idiossincrático, uma vez que o negativo não nega nada.
Todos esses tipos de idiossincrasias apresentados pelas EFs, e ainda outros, serão
abordados mais adiante neste trabalho.
4.4 O contínuo da classe ou o gradiente lexical
As classes de palavras não têm limites nítidos (pelo menos se entendermos esses
limites à maneira tradicional). As palavras têm comportamentos idiossincráticos e a descrição
desse comportamento pode ser feita integralmente em termos de traços. Algumas palavras
têm todos os traços de uma classe, outras têm alguns deles, e outras têm todos os traços da
classe mais outros. Portanto, a pertinência de um item a uma determinada classe gramatical
não é uma questão sim / não, mas se pode dizer mais adequadamente que se trata de uma
questão de grau. Uma classe é formada de itens muito prototípicos (que possuem todos os
traços da classe) e outros menos típicos, onde faltam traços (ou excedem traços) quando
comparados aos itens prototípicos. Os limites da classe são imprecisos e difusos.
Por outro lado, é bom ressaltar que não se trata de um contínuo, como às vezes se
sustenta, mas de diferenciações mínimas mas discretas. Ou seja, são redutíveis a traços
distintivos de caráter discreto. Se definirmos “classe” como o conjunto dos itens que têm
exatamente o mesmo comportamento gramatical, o resultado será apenas um número muito
grande de classes, distinguíveis entre elas por traços nítidos
14
.
Exatamente o mesmo fenômeno ocorre no caso das EFs: expressões idiomáticas
claras, cuja interpretação não pode ser obtida através do significado das partes (isto é, a
expressão é indecomponível) e onde a ordem é rígida, não admitindo modificações ou
alterações. Um exemplo desse tipo é a expressão tirar de letra, significando “fazer algo com
facilidade”. Além de o significado ser totalmente inesperado e idiossincrático, não se pode
modificar nem interpor nenhum elemento nesse grupo: *tirar da letra, *retirar de letra, *tirar
de letrinha, *tirar fora de letra etc. No caso de SNs, temos a expressão bota-fora, onde não é
possível alterar para *põe-fora. Mas há outras expressões mais transparentes, e também outras
que admitem alterações ou variações, como botar lenha na fogueira e pôr lenha na fogueira.
14
Ver a respeito Perini 2008, capítulo 3.
123
Outras admitem inserções e modificadores, como levantar a hipótese, como se vê no exemplo
abaixo:
(13) O programa econômico do governo levanta até a hipótese absurda de um terceiro
mandato para Lula (lead de artigo em revista)
Do ponto de vista estrutural, o grupo ar-condicionado mostra-se mais coeso do que o
grupo engenheiro civil. Isso é demonstrado pelo fato de ser possível a existência de hesitação
entre os elementos engenheiro e civil. É possível conceber um contexto onde alguém
demonstre dúvida ou falha de memória dizendo: “Ele é engenheiro ...eh... eh... civil.” Mas não
se imagina uma pessoa que nas mesmas condições diga: “*Eu comprei um ar ... eh... eh...
condicionado.
A impossibilidade de hesitação indica alto teor de unidade e aponta para uma
expressão fixa mais coesa. Mas no caso de engenheiro civil, embora exista a possibilidade de
hesitação, há outros elementos que confirmam a unidade do grupo, como a não aceitação de
interpolação de qualificativos (*engenheiro americano civil) e a composição léxica, que não
aceita a substituição dos componentes do sintagma para a evocação do mesmo referente.
Vemos então que quando observamos SNs como ar-condicionado e engenheiro civil
temos graus diferentes de fossilização da EF, o que é indicado pela diferença de coesão dos
componentes do SN. A “fixidez” de uma EF não é, portanto, uma questão de sim ou não, mas
antes uma questão que admite graus, que vão de uma maior rigidez coesiva até uma maior
liberdade entre os componentes.
Resumindo, vemos que o comportamento das EFs não é uniforme. Isso significa que
os traços estruturais e semânticos que podem caracterizar as EFs não aparecem todos juntos
em todas as EFs. Existem muitas possibilidades, mas elas podem ser descritas em termos de
traços discretos. Entre a EF supertípica e a construção sintática “normal” existem muitos
degraus, mas estes podem ser descritos com precisão. Por exemplo: de bruços é uma EF
muito extrema, porque não admite nenhuma flexão, nenhuma substituição de itens e não pode
ser interpretada através de regras gerais; bater as botas não admite substituição nem é
semanticamente regular, mas admite flexão: bateu / bateram... as botas. Já pôr pra quebrar
124
admite flexão e também uma limitada possibilidade de substituição léxica: botar pra quebrar.
Como se vê, a situação é complexa, mas descritível em termos de traços gramaticais
15
.
4.5 As EFs estão memorizadas em bloco
Vamos considerar o caso dos falantes nativos. Para esses indivíduos, as expressões
idiomáticas estão memorizadas no componente léxico, e portanto não são processadas no
momento da fala. Quando se diz a alguém você não bola para os meus problemas”, não
se imagina uma bola, nem qualquer dos significados do verbo dar, para que a partir do
processamento desses significados individuais seja possível chegar a uma relação metafórica
que levaria ao significado de “importar-se”, evocado pela EF. O fato é que, para quem
conhece a língua, a EF não é processada item por item. Não se parte de um sentido denotativo
e se constrói outro sentido derivado. O significado da EF se encontra pronto, codificado na
memória, assim como já se encontra pronto o significado de qualquer palavra.
Vamos pensar no caso da palavra infeliz: apesar de o falante dispor no seu inventário
léxico do morfema preso in- e do morfema livre feliz, muito provavelmente tem também
pronta na sua memória a forma infeliz, de modo que não precisa computá-la a partir de suas
partes a cada vez que deve usá-la ou decodificá-la. Prova disso é o fato de que a forma
poderia ser desfeliz, e ainda assim estaria de acordo com regras de boa formação. Mas o
falante marca *desfeliz como não pertencente ao léxico do português e reconhece a forma
infeliz como pertencente à língua não porque houve processamento morfológico, mas porque
somente a forma infeliz está presente na sua memória lexical.
Assim também acontece com uma EF: o falante/ouvinte tem pronta na memória uma
expressão como dar bola e tem também memorizadas no léxico as palavras que a compõem.
Mas quando usa a expressão, o significado do grupo é evocado automaticamente não a partir
da computação de cada morfema, mas a partir do significado do grupo retido na memória.
então uma recuperação e uma compreensão global da palavra ou da EF, sem que o
falante/ouvinte passe por um processamento dos morfemas (presos ou livres) que integram a
forma léxica.
15
Os traços das EFs serão tratados no capítulo 7, em que são sugeridos testes que detectam EFs, e assim indicam
traços caracterizadores dessa classe.
125
Uma das provas de que as expressões são guardadas em bloco, ao invés de serem
montadas e processadas no momento do enunciado, é o fato de a expressão ser repetida
sistematicamente da mesma maneira. Só a memorização em bloco explica a invariabilidade.
Se a EF não estivesse codificada como uma forma pronta, provavelmente haveria
modificações constantes (como acontece com os sintagmas construídos), tanto dos itens
léxicos quanto da estrutura formal. Como se verá mais detidamente no item 4.6.6, o que
caracteriza a EF é a improbabilidade de produção de forma composicional exatamente
daquela forma e com aquele léxico, sistematicamente e repetidamente igual, o que leva à
conclusão de que todo o bloco só pode ter sido memorizado junto.
E uma vez que uma forma está memorizada juntamente com seu significado, não
necessidade de computação inferencial no momento do enunciado. Para compor o sintagma
ou para decodificá-lo, não a necessidade de passar pela composição ou pela decodificação
individual de cada item integrante do bloco, seja o conjunto transparente ou não, uma vez que
a expressão já se encontra arquivada no léxico do falante.
Uma EF pode ser semanticamente transparente ou não. EFs transparentes como
quem cala consente e outras totalmente opacas como tintim por tintim. Muitas EFs se
assemelham a esse último caso, em que não se detectam indícios de origem metafórica,
metonímica ou inferencial, como por exemplo: aos trancos e barrancos, ao léu, onde o Judas
perdeu as botas, cor de burro quando foge, de lambuja, em prol, à beça, no frigir dos ovos,
dar bode, pois bem, pagar mico, pagar o pato, macacos me mordam, cheio de nove horas e a
três por dois. A decorrência dessa observação é que não se pode falar nem mesmo em origem
metafórica para todas as expressões, e além disso conclui-se que a composição semântica do
sintagma não é decisiva na sua classificação como expressão fixa.
No caso das EFs em que pode ter havido um processo semântico envolvido na geração
da EF, o falante contemporâneo não necessariamente tem ciência dessa formação ou das
relações que entraram em jogo na origem do agrupamento. O que caracteriza a classe das EFs
é o fato de ter havido uma incorporação do conjunto à memória lexical do falante. Portanto,
não há uma condição interna à expressão que justifique a sua transformação em EF. A
passagem de um grupo à condição de EF decorre de fatores externos, que se relacionam à
memorização do conjunto de palavras, fixado com tal forma e com tal significado
convencionais com o passar do tempo.
126
4.6 Sobre o papel da metáfora na caracterização de uma EF
4.6.1 Sobre a conceituação de metáfora
Segundo Trask (2004), metáfora é “o uso o literal de uma forma lingüística,
utilizado como recurso para chamar a atenção para uma semelhança percebida” (p. 190).
Lakoff (2002) afirma que “a essência da metáfora é compreender e exprimir uma coisa em
termos de outra” (p. 47-48) e estabelece relações metafóricas gerais em termos esquemáticos,
como “tempo é dinheiro”, “bom é para cima”, “idéias são alimento” e “amor é magia”, por
exemplo. Prandi (2002) também vincula a noção de metáfora à transferência de um con
ceito
de um domínio para outro (p. 8). Black (1979, apud Costa, 2005, p. 32-33) entende a metáfora
como uma atividade criativa, que pressupõe uma operação mental em que ocorre uma
interação entre domínios conceituais. Seja qual for o ponto de vista adotado, o fator comum
entre as caracterizações da metáfora é o fato que sempre se pressupõe a ativação de dois
sistemas que interagem entre si: a partir do significado literal projeta-se um significado
paralelo que lhe é semanticamente relacionado.
Antes de prosseguirmos, vamos considerar brevemente o conceito de “significado
literal”, que tem sido objeto de discussão recente. Como mostra Lakoff (2004, p. 3), é
inevitável a admissão da existência do significado literal, que corresponde até mesmo a uma
noção intuitiva e inerente ao conhecimento do item léxico. Vamos esclarecer o conceito
partindo do seguinte comentário de Lakoff:
[...] em Ciência Cognitiva 101, a primeira coisa que faço é dar um exercício
para meus alunos. O exercício é: Não pense em um elefante! O que quer
que você faça, não pense em um elefante. Nunca encontrei um aluno que
conseguisse fazer isso. Cada palavra, como elefante, evoca um esquema,
que pode ser uma imagem ou outro tipo de conhecimento: elefantes são
grandes, têm orelhas moles e uma tromba, estão associados a circos, e
assim por diante.
16
16
Texto original: “[...] in Cognitive Science 101, the first thing I do is I give my students an exercise. The
exercise is: Don’t think of an elephant! Whatever you do, do not think of an elephant. I’ve never found a student
who is able to do this. Every word, like elephant, evokes a frame, which can be an image or other kinds of
knowledge: Elephants are large, have floppy ears and a trunk, are associated with circuses, and so on.”
127
Um elefante poderia eventualmente se referir a uma pessoa muito gorda, por exemplo;
mas quando pensamos em elefante não é esse o significado que nos vem à mente. Ao sermos
instruídos a pensar (ou não pensar) num elefante, o que nos vem prioritariamente na cabeça é
a imagem de um determinado bicho. Pois bem, esse é o seu significado literal.
Perini (a sair) também afirma que “em geral é possível identificar um significado não-
marcado, que pode ser depreendido pelos usuários da língua com um grau muito alto de
consenso”. O significado literal é então esse significado “não-marcado”, uma espécie de
significado prioritário, resultado de regras semânticas de valor geral que valem em uma gama
ampla de contextos. Assim, por exemplo, o item bananeira evoca primariamente a imagem do
de banana, o verbo plantar evoca a idéia de fincar uma planta na terra, e o significado
literal da construção plantar bananeira é aquele derivado da combinação do significado literal
dos itens plantar + bananeira. Por outro lado, vê-se claramente que a expressão idiomática
plantar bananeira tem um significado diferente “ficar de cabeça para baixo” que não
incorpora o significado literal de nenhuma das palavras que integram a expressão.
Tendo estabelecido o conceito de “significado literal”, vamos retornar aos comentários
relativos à metáfora. Costuma-se analisar a metáfora como uma construção elaborada a partir
do isolamento de um ou mais traços semânticos do sentido original. Por exemplo, ao
qualificar um indivíduo como “um anjo”, o falante parte do significado literal de anjo, que
tem na sua matriz semântica traços como “ser espiritual”, “protetor”, “com asas”, “bondoso”,
etc, e isola somente um deles na qualificação metafórica. Na construção dessa metáfora são
abandonados todos os traços menos um: “bondoso”. Só esse traço é tomado como base para o
significado metafórico, e os demais (como “ter asas”) são eliminados na construção do
sentido metafórico de anjo.
Quando se constrói um discurso com sentido metafórico, o falante opera ativamente na
construção da metáfora. Quando a metáfora é decodificada pelo receptor, também um
processamento ativo a partir do sentido literal, que é transferido para outro espaço
interpretativo. Segundo apresentado na dissertação de Costa (2005), a metáfora envolve uma
rede conceitual onde há três espaços envolvidos:
1
o
espaço: projeções das ações do indivíduo apresentadas no discurso, dos fatos
relatados ou já conhecidos;
2
o
espaço: sentido literal da expressão;
3
o
espaço: sentido derivado da combinação dos dois primeiros espaços.
128
Assim, quando um indivíduo ouve pela primeira vez que x está cavando sua própria
sepultura, por exemplo, pode interpretar a seqüência acionando os seguintes espaços: um
espaço relativo às ações de x (que têm de ser negativas, caso contrário a metáfora não pode
ser compreendida); um outro acionado pelo sentido literal de sepultura e de cavar a
sepultura; e o terceiro resultante da integração desses dois espaços, gerando a interpretação
metafórica que se refere ao fato de “x estar agindo de forma a gerar prejuízo para si próprio”.
Enfim, a interpretação da metáfora é um processo cognitivo operado ativamente pelo
ouvinte a partir de uma construção conceptual efetuada com base no significado literal. Uma
característica essencial do processo metafórico é o fato de ele ser ativo, ou seja, o de envolver
uma atividade cognitiva nítida na busca de uma interpretação diferente daquela oferecida pelo
significado literal. A interpretação metafórica é um processo, é uma atividade que envolve
trabalho na construção do significado.
A pergunta que se coloca é a seguinte: no caso das expressões fixas, que são estruturas
cristalizadas pré-armazenadas, é correta a relação que se costuma estabelecer entre o grupo
lexical e um possível significado metafórico supostamente inerente à expressão idiomática?
Para responder a essa questão é necessário considerar de que forma é feita a ativação do
sentido de uma EF.
4.6.2 A tradição de se achar que toda expressão idiomática é metafórica
Um dos tipos de expressões fixas são as expressões idiomáticas (esse tipo de EF será
tratado numa seção especial, mais adiante). É tradicional conceituar as expressões idiomáticas
como construções metafóricas, relacionando esse traço à definição e à identificação de um
sintagma como idiomático.
Na verdade, algumas expressões idiomáticas, se não conhecidas anteriormente pelo
ouvinte, podem ter seu significado inferido através de um processamento metafórico ou
metonímico, como poderia acontecer em brigar feito cão e gato, de pernas pro ar, ser todo
ouvidos, em boas mãos, etc. Em algumas EFs é possível imaginar a relação com um
significado originário, como comer feito um condenado (já que se imagina que um condenado
não tenha preocupações com a dieta), memória de elefante (os elefantes são famosos por
terem longa memória) ou avançar o sinal (que indica a ultrapassagem de uma barreira). Se
EFs como essas são desconhecidas do ouvinte, pode ser possível deduzir o significado da
129
expressão usando o mesmo processo utilizado para a decodificação de “metáforas
imaginativas” (segundo terminologia de Lakoff, 2002, p. 122), que são aquelas neológicas,
construídas no enunciado.
Mas também não dúvida de que em vários outros casos é impossível estabelecer
qualquer relação com uma metáfora originária conhecida pelos falantes, como acontece em
macacos me mordam, de lascar, dar pano pra manga, conto do vigário ou de chofre.
Outro fator a considerar é que a metáfora que eventualmente possa ter originado a EF
situa-se num plano diacrônico e não é acionada sincronicamente pelos usuários. Certamente
houve algum ponto da história da língua em que foi cunhado o sintagma que deu origem à EF
atual. Naquela época, pode ser que houvesse algum conhecimento disseminado entre os
falantes ou alguma condição histórica que permitiu tal agrupamento de palavras. Naquela
época, talvez, o ouvinte se serviu desse conhecimento na montagem do significado para a
compreensão do grupo recém-formado. No presente, entretanto, muitas vezes o significado
originário já se perdeu. O significado da EF já está pronto e não precisa ser montado.
Em algumas expressões é possível hipotetizar como deve ter sido o processo de
formação do sintagma que depois deu origem à expressão, nos idos de quando o sintagma
foi montado pela primeira vez. Por exemplo, pode-se falar em figuras de linguagem que
estariam na base da geração de algumas expressões (apesar de haver inúmeras outras em que
não é possível encontrar nenhum processo metafórico ou metonímico, como em fazer gato e
sapato ou ao passo que). Não se nega que seja possível encontrar em algumas EFs aspectos
que indicam uma formação metafórica ou metonímica na sua origem. Não se nega que,
agindo de trás para frente isto é, fazendo um exercício proposital de partir do significado
pronto da EF e retornar para trás, procurando relações que imprimam alguma lógica ao
significado convencional do grupo seja possível encontrar caminhos que justifiquem aquela
montagem para a formação do sintagma. O que se nega é a existência de processos
inferenciais ativos, elaborados efetivamente pelo falante na decodificação do significado de
expressões conhecidas, memorizadas, e portanto integrantes do léxico. Obviamente,
menos plausível ainda é a hipótese de que operasse na língua algum processo inferencial na
produção dessas EFs prontas
17
. Uma pergunta relevante é: se o falante sabe o que
significa falar pelos cotovelos, porque teria de atuar inferencialmente para gerar um
significado que ele já sabe qual é?
17
A implausibilidade do processamento inferencial será tratada na seção 4.7.
130
Não seria adequado atribuir às EIs uma conotação metafórica do ponto de vista
sincrônico, uma vez que o falante não monta a expressão (como monta uma metáfora
construída), nem o ouvinte compreende a EI a partir da decodificação de uma metáfora (às
vezes nem detectável retrospectivamente). Assim, quando se fala do caráter metafórico de
uma expressão idiomática fala-se de uma condição diacrônica, que se liga à gênese da
expressão, à origem da sua formação, a um processamento semântico que provavelmente
justificou a montagem do grupo, tempos atrás.
O enfoque diacrônico pode se mostrar interessante, mas falar de gênese das expressões
ultrapassa o recorte aqui demarcado, centrado exclusivamente sobre a competência do falante,
e portanto circunscrito ao nível sincrônico. Não dúvida de que o falante, ao produzir uma
EF, a toma pronta e não precisa montá-la nem processá-la: mesmo sem conhecer a origem
da expressão e a eventual metáfora que teria propiciado a sua geração, o falante é capaz
atribuir o significado convencional para o grupo e usá-lo apropriadamente. E ainda: se tivesse
de processar as expressões, teria de marcar várias delas como mal-formadas e rejeitá-las, o
que não acontece (como se verá no capítulo 6, que trata justamente de casos em que as EFs
violam os padrões regulares do português).
A curiosidade dos falantes a respeito da origem das expressões reflete a necessidade
de busca de alguma relação que justifique a composição do grupo. Esse fato, mais uma vez,
aponta para a hipótese de que o uso das EFs não tem base inferencial, que o falante indica
que muitas vezes não sabe qual é a lógica que subjaz àquele conjunto de palavras, mas sabe o
que significa. Veja-se o comentário de Mello (1990, p.17), que aponta o desconhecimento da
origem da expressão coisas do arco-da-velha, e elabora um construto romantizado e pessoal
para conferir um significado metafórico à origem da expressão:
De onde é que saiu essa velha? De que é que é feito esse arco? Acho que é
a velha que toma conta do tempo. O arco, que se estende entre o passado e
o presente, é feito de tempo. Debaixo dele, está a velha, que já nasceu velha,
tomando conta de todas as coisas que nos aconteceram, de tudo o que
fizemos de bem ou de malfeito, das quais muitas a gente não consegue ou
não gosta de recordar.
E ainda:
Ontem fiquei pensando de onde é que pode ter saído essa história de nem
que chova canivete e da hora da onça beber água...
Ah, rapaz eu comentei –, isso ninguém vai saber nunca, é mesmo que
procurar agulha em palheiro. (p. 6)
131
Como mencionado, nem sempre uma metáfora geradora do sentido da EF: qual é a
metáfora envolvida em pra chuchu, quando se diz por exemplo que doeu pra chuchu”? Em
casos como esse, se o ouvinte não conhece a priori o significado do grupo, teria dificuldade
em derivar o significado a partir da ativação dos espaços mentais que constituem o ponto de
partida da metáfora. O fato é que nem sempre o sentido da EF é resultante de uma montagem
metafórica identificável.
Com algum esforço, às vezes é possível produzir uma relação entre o sentido literal e
o sentido da EF, mas a procura da metáfora nesse caso seria um processamento regressivo
(efetuado no sentido de respaldar um significado determinado), além de ser consciente,
objetivo e intencional. Grice (1975) mostrou que é sempre possível imaginar uma lógica
subjacente a qualquer enunciado, mesmo que esse processo envolva caminhos bastante
tortuosos. Segundo as máximas propostas por Grice, existe um contrato entre os
interlocutores: o ouvinte parte do princípio que o falante quer comunicar algo, e assim
colabora ativamente na procura de coerência do texto e tenta objetivamente construir uma
lógica discursiva. Isso mostra que o falante consegue imaginar correlações longínquas entre
fatos relatados, e por isso seria também capaz de elaborar alguma ligação mesmo que
fantasiosa
18
entre certas expressões e seu sentido literal; mas isso não quer dizer que essa
relação realmente esteja presente na decodificação da expressão.
No primeiro contato com a EF, quando o significado idiomático não é conhecido, o
ouvinte/leitor tem de atuar na produção do sentido. Isso acontece por exemplo quando se
aprende uma língua estrangeira. Nesse caso há duas possibilidades de aquisição da EF:
a) ou o aprendiz incorpora o sentido da expressão como um todo, sem decodificação
de suas partes, assim como aprende o significado de uma palavra da língua;
b) ou o aprendiz constrói alguma relação que justifique e ampare o sentido idiomático
da EF.
A situação (b) pode se verificar na aprendizagem de algumas EFs, por indivíduos
adultos mas não nenhuma evidência de que o mesmo se aplique na aprendizagem da
língua materna por crianças, nem de que após a aprendizagem do significado da EF a
18
Mário Prata, no seu livro Mas será o Benedito? (1996), oferece ao leitor propostas hilárias quanto a origens
fantasiosas para as expressões fixas. Mário Prata brinca com a mania popular de procurar elucubrar a respeito da
gênese das expressões e propõe ele também sua própria versão – desta vez humorística. Vejam-se as palavras do
próprio autor no início da obra (à pág. 5),
“Comecei a pesquisar e descobri que cada autor (e/ou filólogo) uma versão diferente para a mesma
expressão. “Para inglês ver”, por exemplo, encontrei quatro origens diferentes. que a situação era
essa, resolvi escrever este livro, dando as minhas “versões”. [...] Invenção pura. Não leve a sério.
Divirta-se!”
132
interpretação seja sempre mediada pelo mesmo processamento metafórico. Além disso, esse
segundo processo é impossível, mesmo em princípio, em casos como o de pintar o sete, cheio
de nove horas, do arco da velha, da virada ou tal qual, onde não qualquer relação
metafórica discernível entre os elementos literais e o significado final. A única maneira de
entender expressões como essas é aprendê-las individualmente e globalmente (caso (a)).
Becker (2005), na tentativa de estabelecer a rota cognitiva trilhada por adultos quando
da construção do sentido de EFs em L
2
, examinadas em contexto, sugere a passagem da
estrutura literal da EF para a construção de um sentido metafórico. Os casos estudados
referem-se a EFs inglesas como to fly off the handle, at the eleventh hour, to be in the bag, to
be caught red-handed e outras, em que foram pesquisados os caminhos percorridos por
estudantes estrangeiros na depreensão do significado a partir de dicas do contexto, operando
inferencialmente através de conexões da EF com outros elementos do contexto lingüístico e
extra-lingüístico. A autora fornece o quadro de “uma vasta rede, onde graus de
entrincheiramento, veis diferentes de abstração, seleções de foco, tomadas e mudanças de
perspectiva vão acontecendo nas formas mais variadas possíveis” (p. 94). Essas atividades, às
vezes conscientes, tentam elicitar a trajetória percorrida na integração do significado de um
elemento desconhecido (no caso, uma EF) dentro de determinado cenário.
Como demonstrado, isso faz sentido na aprendizagem formal de uma língua
estrangeira por adultos. Afinal, o leitor/ouvinte sempre tem uma atuação ativa na integração
das informações presentes no texto e na montagem do significado global do enunciado. No
caso do aprendizado de uma segunda língua, o aprendiz adulto tem uma atitude analítica
diante da L
2
, e muitas vezes procura estabelecer regras e generalizações que o ajudem na
construção da interlíngua, ou uma gica interna que organize os conhecimentos. Pode ser
que, nesse caso, uma compreensão da gênese da expressão idiomática e da metáfora envolvida
possa auxiliar o estudante na aquisição do grupo lexical. Por outro lado, não parece plausível
que o mesmo aconteça na aprendizagem da língua nativa nem no uso espontâneo e cotidiano
da linguagem.
Convém ressaltar que o processo de aprendizagem da língua por crianças e adultos
apresenta características muito diferentes. Estudos sobre a aquisição da linguagem em
crianças, na aprendizagem da língua nativa, talvez tracem uma rota diferente, uma vez que o
processo de aquisição da linguagem por bebês apresenta características específicas. O quadro
descrito por Becker (2005) circunscreve-se especificamente à aquisição das EFs por falantes
estrangeiros adultos. Não se está autorizado a extrapolar o mesmo processo inferencial para a
aprendizagem da língua materna. A aquisição da linguagem por crianças possui características
133
específicas e únicas, decorrentes inclusive da própria capacidade cognitiva nessa faixa etária.
Seria temerário fazer qualquer tipo de afirmação sobre a aquisição das EFs por crianças de
tenra idade, na aprendizagem da língua materna. A aquisição da linguagem é um ramo
diferenciado e específico dentro dos estudos lingüísticos, que engloba conceitos e princípios
próprios.
Nosso objetivo é tão-somente o de descrever uma parte da competência do falante
nativo, ou seja, uma parte do seu conhecimento internalizado portanto, necessariamente
posterior à aquisição da linguagem. Pensando então não no processo de aquisição (que
necessariamente deve ser tratado por especialistas na área), mas no modo como as EFs estão
codificadas na memória dos falantes e como esse conhecimento é utilizado para construir
enunciados, convém ressaltar que a construção de uma relação metafórica não é a maneira
comum de compreensão de uma EF, usada pelos falantes proficientes. Como se viu, a
expressão fixa se encontra armazenada no léxico mental, assim como qualquer outra palavra
da língua, juntamente com seu(s) significado(s). Ao se evocar uma EF, o significado é ativado
automaticamente, sem uma passagem pelo significado literal para depois atingir o significado
idiomático mesmo porque, em muitos casos, o significado literal não ajuda em nada para
uma hipotética montagem do significado idiomático, como se nas EFs pagar o pato ou
cheio de nove horas. A relação metafórica que em alguns casos pode ser recuperada quando
se analisa a EF é uma decorrência do sentido ativado, é uma conseqüência do processo, mas
não um meio para a obtenção de um significado já conhecido.
Um tulo de reportagem oferece respaldo para essa hipótese: na revista Veja (edição
1884, de 15 de dezembro de 2004, p. 71), aparece uma reportagem com o título Está na
cara”.
134
Figura 3 – O sentido idiomático é o primeiro a ser ativado?
Ao ler esse título, imagina-se que o tópico do artigo seja algo a respeito de coisas
evidentes, ou seja, espera-se que o artigo trate de uma situação em que a interpretação é óbvia.
Isso porque o tulo foi interpretado como uma expressão idiomática. No entanto, o artigo
trata de uma condição neurológica chamada prosopagnosia, que é a incapacidade de
reconhecer faces. Ou seja, o título se refere a uma questão que está na cara, isto é, no rosto das
135
pessoas. Mas se entende que o título é uma construção literal após a leitura do lead :
“Pesquisas desvendam os mecanismos usados pelo cérebro para identificar rostos”.
Parece então que o sentido idiomático é o primeiro a vir à mente. O receptor
reconhece a forma, em primeiro lugar, como uma EF. O fato de o sentido idiomático ser o
primeiro a ser ativado parece inesperado, porque seria de se esperar que o receptor procurasse
primeiramente montar o sentido composicionalmente, como se supõe que opere normalmente
ao montar os sintagmas. No entanto, parece que o cérebro reconhece primeiramente o que
está pronto e que ele não precisa montar o que leva ao sentido idiomático. Somente se essa
interpretação é inconveniente no contexto (que é o que acontece quando se lê o lead), então
o ouvinte tentará uma interpretação composicional, na busca de construção gica do texto.
Tal atitude do receptor, trabalhando em primeiro lugar com o sentido idiomático do grupo,
leva a crer que a estratégia primeira e mais forte ao interpretar a linguagem seria a busca na
memória das unidades armazenadas e secundariamente o receptor acionaria o algoritmo
lingüístico que permite a montagem de construções. Essa hipótese (que fica para ser
corroborada por pesquisas psicolingüísticas) leva a uma visão diferente da operação
lingüística: o mecanismo primordial que seria ativado no uso da língua seria o de busca de
estruturas prontas e memorizadas; em segundo plano (mas obviamente de importância
crucial) aparece o acionamento do mecanismo esqueletal, de montagem de estruturas com
preenchimento lexical em aberto.
No caso das EFs o sentido do grupo é pré-estabelecido, de forma que o receptor não
precisa passar pelo sentido literal para chegar ao sentido idiomático. Não precisa e nem faz
isso as evidências apontam para o fato de que o primeiro significado recuperado é o global,
correspondente ao significado da EF cristalizada, e não o sentido literal derivado de cada
palavra: quando se fala que alguém está no mato sem cachorro, não se pensa no objeto mato e
nem no bicho cachorro, por exemplo. Quando alguém está em maus lençóis, imagina-se uma
pessoa em dificuldade, mas para chegar a essa interpretação não se passa pelo sentido literal
de lençóis, para depois se chegar a um possível sentido metafórico. Aliás, nesse caso, por
exemplo, se fosse processado o sentido literal de lençóis na EF em maus lençóis, seria difícil
identificar traços no item lençóis que pudessem servir de base para uma suposta metáfora que
pudesse apoiar o sentido final do grupo idiomático.
Assim, a primeira observação que deve ser levantada é que a obtenção de sentido de
uma EF normalmente não passa por nenhum processamento metafórico.
A segunda observação relevante é o fato de que o caráter metafórico não poderia ser
um critério viável para a identificação de uma EF, porque em muitas expressões não se
136
consegue detectar nenhuma relação metafórica embutida no significado do grupo. Em alguns
casos a motivação da EF, longe de ser metafórica, parece ser fonológica, como em mundos e
fundos, aos trancos e barrancos, misturar alhos com bugalhos ou sua alma, sua palma.
Se esse é o quadro que exprime a recuperação das EFs na memória, tanto na produção
quanto na decodificação dos enunciados, não se pode falar em processamento metafórico. A
elaboração de uma metáfora que possa ter existido em expressões idiomáticas como dar as
caras (se é que existe alguma explicação para o uso do plural) é um fato diacrônico, relativo à
origem da construção. No uso sincrônico da língua não cabe falar de um processamento
metafórico nesse caso, que o significado da EF não envolve processamento e está pronto
no léxico mental.
Observa-se então que essa ligação costumeira entre idiomatismo e metáfora não é de
todo verdadeira e merece reparos.
4.6.3 A interpretação de metáforas neológicas
Muitas vezes os falantes interpretam textos que incorporam metáforas vivas,
construídas pelo autor, que devem ser destrinchadas pelo receptor. Por exemplo, para entender
o texto seguinte, o leitor tem de montar um significado metafórico para o sintagma contar o
milho:
(14) Pesquisas recentes mostram, por exemplo, que 80 por cento dos mineiros querem -lo
[Aécio Neves] disputando a presidência da República.
Com
mais de 13 milhões de eleitores
em Minas, isso significa que na hipótese de uma candidatura sua, Aécio poderia arrancar com
algo em torno de 10 milhões de votos, cacife que não é de qualquer um. Aliás, é escudado
nesse desejo dos mineiros que Aécio tem dito que estará participando desse jogo, mesmo que
no PSDB, na expectativa de que um capital desse porte possa ser levado em conta na hora de
os tucanos contarem o milho. Até porque 10 milhões de votos tanto podem dar a vitória a
quem forem destinados, como significar a derrota de quem resolver afrontá-los.
(revista Encontro n. 62, abril/2007, p. 124)
Nesse caso o leitor decodifica a metáfora evocada ao relacionar o sintagma contar o
milho com os seguintes dados: “contar votos” x “contar milho”, “tucano” x “milho” (alimento
137
de aves), “jogo” x “jogo político” (eleição). Adicionam-se aos fatos mencionados os
conhecimentos prévios dos interlocutores, como o fato de Aécio ser do PSDB e de esse
partido ter o codinome de tucano. Todos esses conhecimentos prévios e os oferecidos pelo
texto se amalgamam de forma a levar o ouvinte a compor o sentido da metáfora contar o
milho.
Ora, o que se deve considerar é que o mesmo processamento mental é impossível no
caso da grande maioria das EFs: como processar expressões como a esmo, pôr as barbas de
molho, banho-maria, por conseguinte, pegar no pé, conto do vigário
e tantas outras? Você,
leitor, provavelmente sabe o que significa a expressão idiomática fazer de conta e também
sabe o que significa de vez em quando mas você chegou ao significado de cada uma através
de uma montagem de sentido? Você acha operou com algum sentido metafórico?
Mesmo que se imaginasse uma metáfora subjacente a expressões como as
mencionadas, o falante não seria capaz de recompor o sentido figurado, como feito no caso da
metáfora citada no texto (14) acima. Como se viu, para montar o significado de uma metáfora
cunhada no discurso, o receptor precisa se ancorar em dados do texto e em conhecimentos
prévios paralelos, que somados conduzem o enunciatário no cômputo do sentido figurado.
Tais dicas textuais, pragmáticas ou enciclopédicas não precisam existir no caso das EFs, uma
vez que o significado já está pronto no léxico.
Por exemplo, vamos considerar os seguintes relatos:
(15) A Joana pagou o maior mico quando participou da gincana.
(16) Aécio parece não dar muita importância a isso, mas é visível que de vez em quando faz
algum esforço para mostrar que se mantém em oposição ao governo do presidente Lula, o que,
de outro lado, levanta contra ele uma certa indisposição petista. (revista Encontro n. 62,
abril/2007, p. 124)
Vê-se nesses casos que, diferentemente do que ocorre nos casos de metáforas
construídas no discurso, o receptor não possui, através do significado literal, elementos de
apoio para a montagem do sentido das EFs pagar mico e de vez em quando. Se o receptor não
possui previamente na memória as EFs prontas, pode tentar inferir o significado a partir de
dicas discursivas e pragmáticas (como se faz no caso de palavras desconhecidas). Mas
certamente essa inferência não tem apoio metafórico internamente às expressões, porque o
138
significado literal das palavras que compõem as EFs o ajuda em nada a identificar o
significado idiomático do grupo.
“Não ajuda em nada? Mas a palavra quando em de vez em quando não indicaria um
significado temporal?” – poderia ser objetado. A resposta é: isso não é suficientemente
delimitador nem é garantia de indicação semântica. Essa questão será tratada na seção 4.7
mais adiante, mas vejamos desde já alguns aspectos:
(1) Em primeiro lugar, todo falante vai direto num único significado para a expressão
de vez em quando, mas a ligação com uma relação temporal vaga poderia levar a interpretação
para uma gama enorme de significados diferentes (até opostos): “ontem”, “agora”, “amanhã”,
“daqui a pouco”, “no século passado”, “sempre”, “nunca”, etc. Se o falante buscasse o
significado, isto é, se tentasse montá-lo inferencialmente a partir de traços evocados pelo
significado individual de cada palavra, a relação temporal evocada por quando poderia levá-lo
para qualquer lado mas sabemos que não é isso que acontece de fato. O falante não tem
dúvida quanto à atribuição do significado de “eventualmente” para o grupo de vez em quando,
e nunca propõe interpretações diferentes para essa EF – mas teoricamente estaria autorizado a
fazê-lo, caso baseasse sua interpretação no significado temporal de quando e trabalhasse
composicionalmente. O fato é que a relação entre quando e um significado temporal é
múltipla e variada, mas o significado de vez em quando é unívoco, único, apontado
diretamente, uniformemente, com segurança e certeza por todos os falantes. Se houvesse
qualquer operação inferencial montada sobre o significado individual das palavras que
compõem a expressão, como seria possível explicar que todos os falantes têm exatamente a
mesma interpretação para o grupo, sendo o significado idiossincrático único, uniforme e
constante entre todos os falantes? Isso mostra que o significado específico da expressão não é
obtido por intermédio do significado amplo de quando.
(2) Em segundo lugar, não garantia de que o significado de um item que integra a
expressão seja relevante para o significado do grupo como um todo. Assim, não há garantia de
que a relação temporal inerente ao item quando seja evocada para a composição do
significado do grupo de vez em quando. O significado individual dos componentes de
inúmeras EFs não tem nada a ver com o significado do grupo, em vários e vários casos. Por
exemplo, quando se fala que um indivíduo é espírito de porco, o significado da expressão não
tem nada a ver com um porco. Se o falante supusesse que os traços semânticos das palavras
ajudam na composição do significado do grupo idiomático, ele tentaria fazer isso com espírito
de porco e as relações inferenciais levariam a sua interpretação para um caminho inadequado.
139
Se trabalhasse composicionalmente, o falante teria de estabelecer duas categorias: (1)
o grupo das EFs em que as palavras não podem ser levadas em conta na composição do
significado (porque as palavras isoladamente não têm nada a ver com o significado final), e
(2) o grupo das EFs em que as palavras podem ser levadas em conta na composição do
significado. O falante teria de catalogar a EF espírito de corpo no grupo (1), e teria de saber
que o significado de porco não pode ser levado em conta no significado da EF; o mesmo para
a expressão pagar mico, classificada no grupo (1), que o bicho mico não faz parte do
significado da EF; idem para de lascar o cano, onde nem o significado de cano nem o de
lascar podem ser usados para a composição do significado final; o mesmo para (responder)
na lata, não estar se lixando, em cima da bucha, da virada, do caralho, criado-mudo, boa
praça, esticar as canelas, cheio de dedos, estar com a cachorra, e tantas outras inúmeras
expressões em que o significado final não se relaciona nem de longe ao significado dos
elementos componentes. Mas para montar essas duas categorias, o falante teria de saber de
antemão o significado final de cada EF. Então, para que precisaria de estabelecer essas duas
categorias se ele já sabe qual é o significado da EF?
A palavra quando relaciona-se a “tempo”, mas o que se pergunta é: isso autoriza o
falante a usar esse traço na composição do significado de de vez em quando? Cachorro
relaciona-se a animal” então o falante está autorizado a usar esse traço na composição do
significado de cachorro quente? Se o falante não usa o significado de cachorro para a
obtenção do significado de cachorro quente, porque usaria o significado de quando na EF de
vez em quando? O falante tem de saber o que é cachorro quente sem tentar montar as partes.
Se ele faz isso com cachorro quente, porque faria diferente com de vez em quando?
O que se quer deixar claro é que a estratégia composicional não é útil, e em muitos
casos nem mesmo é possível quando se trata de EFs. Ou seja, não nenhuma garantia da
adequação ou da efetividade de uma estratégia composicional ou inferencial na montagem do
significado de uma EF. Ao contrário, todas as evidências apontam para o fato de que, no uso
real da língua, o falante recupera da memória tanto a forma da EF quanto o seu significado, já
estocados previamente no léxico mental.
Sendo assim, não é possível falar em “sentido metafórico” nem em
“composicionalidade do significado” quando se trata de EFs. Bem entendido, a
impossibilidade da montagem do significado não atinge todo o universo das EFs (há inclusive
EFs de significado transparente), mas atinge grande parte dessa categoria e certamente, para
todas as EFs, o significado não é acionado composicionalmente no uso sincrônico da ngua.
É admissível que uma parte das EFs tenha origem metafórica, que inclusive é detectável até
140
hoje em alguns casos; o que não ocorre nas EFs é um processamento metafórico efetivo (que,
por outro lado, é necessário na obtenção do sentido das metáforas vivas), uma vez que o
significado das EFs é dado, já memorizado. Como muito bem explica Tagnin (1989, p. 44),
A maioria dos lingüistas, ao definir um idiom – que chamaremos de estrutura
idiomática , recorre ao seu significado não-composicional, ou seja, ao
fato de o significado da expressão toda o ser previsível a partir do
significado de suas partes. Isso, na realidade, quer dizer que o significado
foi convencionalizado. Mesmo que a expressão tenha sido originalmente
uma expressão metafórica, essa imagem perdeu-se no presente, de modo
que ela passou a ser decodificada como um todo. (Grifos meus.)
Essa também é a opinião de Borba (2003, p. 26-27) que, ao tratar do que chama de
“sintagma fixo”
19
, afirma o seguinte:
[...] eles [os sintagmas fixos SF] têm um sentido que não deve nada nem
aos elementos lexicais que neles figuram nem às relações sintáticas que os
ligariam a outras construções. [...] Um SF começa onde termina a realização
semântica individual dos constituintes de um agrupamento de lexemas. E
ainda, se sua totalidade semântica não é igual à soma dos valores
semânticos parciais de seus constituintes, então cada elemento
componente se torna opaco em favor da transparência do conjunto.
(Grifos meus.)
Como se vê, é opinião generalizada na literatura que a semântica dos itens que
compõem uma expressão idiomática não é relevante na determinação de seu significado.
Modalizar essa constatação seria uma maneira de protegê-la contra evidência contrária, e
portanto enfraquecer seu valor como afirmação empírica testável.
4.6.4 Sentido literal x metáfora
A diferença entre as EFs e construções metafóricas decorre da própria caracterização
das EFs: no caso de expressões fixas o significado está pronto na memória, sem
necessidade de processamento, sem a ativação de um processo de produção de sentido
envolvendo o acionamento de espaços mentais geradores da metáfora. No caso das relações
metafóricas, o receptor atua ativamente na depreensão do significado.
19
Não adoto a mesma terminologia de “sintagma fixo” para as EFs porque, embora a maioria configure
realmente um sintagma, EFs em que o grupo não tem a estrutura de um sintagma fechado, como nos casos de
regência verbal, nominal e adverbial.
141
A semelhança entre as EFs e construções metafóricas situa-se somente no fato de que
em ambos os casos o grupo não é compreendido literalmente.
Misturar os dois casos esconde uma diferença importante, que seria conveniente
distinguir na análise da língua: as metáforas são construções que envolvem processamento;
por outro lado, as EFs não precisam ser processadas em termos de sua estrutura interna.
Confundir os dois fenômenos mascara a existência de dois processos diferentes de obtenção
de sentido.
Admitir “metáforas mortas” previamente elaboradas é esvaziar a própria noção de
metáfora, confundindo um processo ativo (que é o da produção do sentido em construções
metafóricas) com a retomada de um significado estabelecido previamente (que é o da
recuperação do significado em expressões fixas). Prandi (2002) também adota esse ponto de
vista ao elaborar as seguintes considerações:
A metáfora viva se apresenta precisamente como um conflito conceptual
aberto, não canalizado em trilhos preestabelecidos, e que portanto está
aberto para um número indefinido de soluções, dependendo do meio
comunicativo em que se encontra. [...] Mas a ativação regressiva de
lugares-comuns não é o destino da metáfora [...]. O conceito de
metáfora morta é praticamente uma contradição em termos.
(p. 18-19)
20
(Grifo meu.)
Por outro lado, constata-se que o significado literal dos componentes de uma EF pode
sim ser acionado. Não se nega, em absoluto, que possa ocorrer a ativação do significado
individual das palavras que integram uma EF. Prova disso são os jogos de palavras que
podem ser feitos com base em itens que estão dentro de uma EF
21
. Como vimos,
eventualmente e intencionalmente pode-se fazer um trocadilho remetendo ao significado
literal de alguma palavra dentro da EF, acionada em segundo plano. Nesse caso o significado
literal pode ser provocado pelo discurso, que faz menção a outro significado envolvendo
partes da EF. Por exemplo:
(17) Não dúvida que eles vêm com muita sede ao pote. O problema é que o pote pode
quebrar. (TV)
20
Texto original: “La métaphore vive se présente précisément comme un conflit conceptuel ouvert, qui n’est pas
canalisé dans des rails préétablis, et donc ouvert sur un nombre indéfini de solutions en fonction du milieu
communicatif qui l’accueille. [...] Mais l’activation régressive de lieux communs n’est pas le destin de la
métaphore [...]. Le concept de métaphore morte est presque un oxymore.” Grifo meu.
21
A manipulação das EFs para a criação de efeitos estilísticos, utilizada freqüentemente pela mídia, foi tratada
na seção 4.2.
142
(18) Chumbo trocado mata. (manchete do jornal Diário da Tarde de 02/08/06, a respeito da
guerra de Israel contra o Líbano – referência ao provérbio chumbo trocado não dói)
O que se nega é que a depreensão do significado do grupo idiomático tenha base na
computação do significado das palavras que compõem a expressão; o que se nega é que o
ouvinte, apesar de ter ouvido o mesmo grupo e de ter atribuído ao conjunto um significado
especial, idiossincrático, tenha de efetuar qualquer tipo de operação semântica para chegar a
um significado pré-estabelecido pela língua, que o ouvinte já sabe a priori qual é (se é que ele
sabe a língua).
O que acontece é que o significado individual dos itens da EF é ativado como um
subproduto do significado do conjunto tanto é assim que houve certo mal-estar quando um
locutor de rádio, ao entrevistar um paraplégico, disse:
(19) “Apesar da sua paralisia, você continuou correndo atrás de informações.” (rádio)
A gafe foi causada pelo confronto entre paralisia x correr. Mas observe-se que isso
foi percebido posteriormente ao uso da expressão correr atrás, que indica tão-somente
“buscar com interesse, com insistência”, e não tem nada a ver com o significado isolado da
palavra correr. Num primeiro momento a expressão foi tomada com o seu significado global;
num segundo momento, e em segundo plano, foi acionado o significado isolado de correr,
ocasionando assim o mal-estar entre os interlocutores. então uma duplicidade de
percepção quanto à composição da EF: por um lado, a EF é vista como um bloco sólido: o
armazenamento da EF é feito unitariamente, como um grupo íntegro, e não há ativação
individual dos elementos internos; por outro lado, o falante mostra reconhecer os elementos
integrantes da EF, que são evidenciados como uma decorrência da ativação primária do bloco
fixo.
Há um problema quando se supõe que numa expressão idiomática seria legítimo isolar
o significado das partes ou seja, é óbvio que em fazer gato e sapato não intenção de se
fazer referência a um gato nem a um sapato, nem em forçar a barra intenciona-se evocar um
bastão. Mas esse tratamento das EFs foi tentado na cartilha “Politicamente Correto” que o
governo Lula tentou implantar, mas não teve receptividade e acabou não vingando. Nessa
cartilha, o governo pretendia proibir (!) o uso de certas expressões fixas chamadas de racistas
143
porque incluem palavras como preto. Felizmente o ridículo da proposta veio à tona. Veja-se a
esse respeito uma nota da revista Época n
o
364, página 15:
É preciso ter cuidado, então, com ‘deu branco’ e ‘prova em branco’. Nossos
irmãos brancos podem se ofender. (frase de João Ubaldo Ribeiro, escritor,
ironizando a cartilha Politicamente Correto do governo federal, que proíbe
termos como a coisa ficou preta”.) (Grifos meus.)
Um comentário rápido sobre a atitude lingüisticamente perniciosa da cartilha
“Politicamente correto”. Esse texto, feito pelo governo federal, erra ao isolar termos dentro
das EFs e também em não reconhecer a polissemia. Quando se diz que fulano amarelou, isto
é, “se acovardou, teve medo”, ninguém está nem fazendo referência à cor amarela nem
atacando a raça oriental. Quando se diz que fulano ficou vermelho de raiva a intenção não é
atacar os índios. Então porque em a coisa ficar preta haveria referência racista? Essa
inferência é inadequada por dois motivos: em primeiro lugar, porque uma sugestão à cor
(como amarelar, ficar vermelho, a coisa ficar preta, ou dar branco) o aponta para uma
raça; em segundo lugar, porque o sentido de uma EF como a coisa ficar preta ou dar branco é
extraído do conjunto tomado como bloco, e não a partir do significado isolado das partes.
Atitudes racistas são detestáveis, mas é igualmente detestável torcer fatos, analisar a língua de
forma tendenciosa e inventar referências inexistentes em função de qualquer causa ou
objetivo. No mínimo, é demonstração de burrice lingüística.
Convém considerar ainda que em certos casos um sintagma pode ter duas
interpretações: (a) uma interpretação composicional, de acordo com as regras da ngua, e (b)
uma interpretação do conjunto como EF. Um exemplo é o caso de um locutor de jogo de
futebol que anuncia: Cafu passou mal. Nesse caso duas interpretações possíveis: (a) Cafu
fez um passe inconveniente; (b) Cafu ficou enjoado, doente. Evidentemente, o contexto
discursivo aponta para uma das alternativas, e dissolve a possível ambigüidade (que nem é
percebida pelo ouvinte). Uma pesquisa interessante seria verificar, em casos de sintagmas
ambíguos como esse, se há preferência pela interpretação como EF. Seria o caso de se colocar
a sentença fora de contexto, para ver se a interpretação como EF é o default, é a mais forte, a
preferida, a primeira a ser ativada na ausência de indicação em contrário.
Na figura 3 (seção 4.6.2) vimos um exemplo que sugere que o primeiro sentido
ativado é o idiomático. Outro caso que aponta para essa hipótese é o seguinte exemplo:
144
(20) Você vai ficar com água na boca. Afinal, ninguém pode ficar desidratado neste verão.
(propaganda de moda – revista Contigo 1557, 25 de setembro de 2005).
Observe-se que o primeiro sentido evocado, ativado imediatamente na leitura da
primeira sentença (Você vai ficar com água na boca) é somente o da EF (indicando algo
como “você vai desejar, vai ficar com vontade de ter”). Só depois que se a segunda
sentença, a partir da menção a “ficar desidratado, é que é feito um reprocessamento da EF, e
só aí então é ativado o sentido literal.
Vê-se então que o sentido literal da EF pode ser ativado secundariamente à ativação
do sentido do grupo. Note-se, entretanto, que é uma ativação motivada, acionada
objetivamente por outros elementos do discurso, e é feita a posteriori, depois de o sentido da
EF ser acionado. O caminho é invertido teríamos aqui uma “anti-metáfora”: do sentido
idiomático ao sentido literal. A ativação do sentido literal dos itens da EF é nesse caso um
processo intencional, provocado após a compreensão da EF, e não um processo natural do
receptor para a obtenção de sentido da EF. O espaço do sentido literal não é ativado como um
meio para se chegar ao significado da seqüência, uma vez que o sentido da EF é fixo,
memorizado, impresso no léxico do falante e do ouvinte como uma unidade de sentido.
Certamente não seria adequado chamar esse processo de “metafórico”.
Então, temos os seguintes tipos de decodificação, no caso de falantes proficientes:
a) em construções metafóricas: sentido literal > sentido metafórico
(isto é, o sentido literal leva ao sentido metafórico);
b) em expressões idiomáticas: sentido não-literal > sentido literal
(isto é, o sentido idiomático eventualmente pode levar ao sentido
literal).
Concluímos que o processamento de metáforas (como também de sintagmas
construídos) é muito diferente do que acontece no caso das EFs. O falante proficiente não
processa palavra por palavra das expressões fixas para delas computar o significado, mas
recupera o significado do grupo como um todo, assim como ocorre com as palavras (mesmo
as compostas de mais de um morfema não-flexional). Não há um processamento envolvido,
não montagem de significado, mas tão-somente a recuperação do significado
armazenado. A compreensão de EFs não envolve um processo de composição do significado;
145
a compreensão de EFs pode ser comparada mais proximamente à compreensão de um item
léxico do que à compreensão de um sintagma cuja composição precisa ser montada pelo
enunciatário.
4.6.5 O problema da distinção entre EFs e construções metafóricas
Dentre as construções que não são interpretadas literalmente, convém distinguir dois
tipos bastante diferentes: (a) as construções neológicas, que são capazes de promover
intencionalmente uma relação metafórica, construída pelo falante e recuperada pelo ouvinte
por meio de um processamento mental dinâmico, durante o enunciado (que são as metáforas);
(b) as construções não-neológicas, cristalizadas, que fazem parte da estrutura lexical da
língua, fazem parte do conhecimento lingüístico do falante e são retomadas prontas do
léxico para a construção do discurso, sem que para isso seja preciso ativar nenhum processo
de relacionamento conceptual (que são as expressões fixas).
Essa distinção entre metáforas neológicas e estruturas cristalizadas é relevante
especialmente para a identificação de uma expressão idiomática. Por exemplo, ao
encontrarmos num texto um sintagma que não pode ser compreendido pela soma do
significado literal de cada palavra, devemos considerar o grupo como uma expressão fixa?
Obviamente só será uma EF se a formação for cristalizada e se o sintagma pertencer ao léxico
mental do falante. Apesar de essa constatação parecer óbvia, muitas vezes a pré-existência do
grupo não é uma condição observada na classificação das expressões idiomáticas. certa
confusão nesse sentido e uma tendência a classificar como expressão idiomática qualquer tipo
de sintagma de compreensão não literal. Vejamos um exemplo em que a compreensão literal é
bloqueada, extraído da fala de um comentarista econômico:
(21) “É preciso fazer decolar a economia do Brasil sem vôo de galinha.” (TV jornal da
Band – março de 2006).
Pergunta-se: vôo de galinha é uma EF? Certamente é uma expressão que não pode ser
compreendida literalmente, mas será que é uma metáfora montada no momento do enunciado,
constituindo um recurso estilístico neológico, ou será que é uma expressão fixa pré-existente
na língua, já conhecida e utilizada pelos falantes? Essa é a pergunta relevante na identificação
146
de EFs, porque se a expressão é neológica, por conseguinte não pode ser uma EF; é uma
metáfora, mas não é uma EF. Se, por outro lado, é um sintagma recorrente, que faz parte do
léxico memorizado dos falantes, aí sim é uma EF.
Nada impede que, no futuro, uma estrutura originalmente metafórica venha a integrar
o conjunto das EFs da língua, caso a sua freqüência seja incrementada a tal ponto que, por
força de repetição, seja memorizada pelos falantes e passe a incorporar o léxico mental dos
usuários da língua.
Isso aconteceu, por exemplo, com a EF samba do crioulo doido: a estrutura original
foi cunhada aproximadamente na década de 80 num samba-enredo carnavalesco que contava
a história do Brasil através da boca de um crioulo que misturava todos os episódios e seus
personagens
22
; depois disso passou a ser usada inicialmente como uma reminiscência da
música e, ao ser repetida constantemente, acabou por ser incorporada ao léxico da língua.
E isso vem acontecendo nos dias de hoje com a expressão passar o Brasil a limpo:
bordão do locutor e comentarista Boris Casoy, a expressão (que incorpora a conhecida EF
passar a limpo) vem sendo disseminada e utilizada por outros indivíduos:
(22) Agüente firme, caro Diogo. Não se mude para a Europa. Sua coluna está passando o
Brasil a limpo. (revista Veja edição 2035, 21 de novembro de 2007, p. 51, seção de cartas dos
leitores)
Esse é um critério importante na diferenciação de todas as expressões fixas: se a
construção é recorrente, se é conhecida por falantes da língua e se é recuperada em bloco da
memória lexical, é uma EF. Por outro lado, se a expressão não é recorrente e é possível
identificar uma construção neológica, então não se trata de uma EF. Portanto, temos um
princípio: para que uma estrutura seja considerada uma EF, é preciso que ela seja pré-
existente à situação de fala.
22
A letra do samba é de Sérgio Porto (aliás, pai de numerosas expressões, algumas incorporadas ao léxico da
língua).
147
4.6.6 O que caracteriza uma EF não é unicamente o ponto de vista do ouvinte
Um traço comumente utilizado para caracterizar uma expressão idiomática é a
impossibilidade de depreensão do significado a partir da soma dos significados individuais
dos elementos componentes. Observe-se que essa definição é produzida em cima do ponto de
vista do ouvinte: fala-se de depreensão do significado. É como se uma expressão idiomática
fosse aquela que o ouvinte não consegue interpretar se não conhece o seu significado por
antecedência. Explicando melhor: costuma-se definir expressão idiomática (que é um dos
tipos de EF) dizendo que esse grupo tem como característica o fato de não poder ser
interpretado a partir do significado literal, ou que o conjunto não pode ser computado a partir
do significado de suas partes. Observe-se que definições como essa conferem ao ouvinte a
responsabilidade pela atribuição do status de EI a um grupo de palavras, porque é ele que
interpreta ou computa o significado de uma expressão. Apesar de essa observação ser válida
em muitos casos, a definição de EF (incluindo as EIs) não deve ficar ancorada unicamente
no ponto de vista do ouvinte. Vejamos por quê:
Como mencionado, a opacidade semântica de uma construção (ou seja, a
impossibilidade de compreensão literal) não é exclusividade das expressões idiomáticas.
Construções metafóricas incluem igualmente essa característica, uma vez que também nesse
caso o significado literal dos constituintes do sintagma não fornece o significado do grupo. Se
a definição de uma expressão idiomática fosse calcada unicamente no comportamento do
ouvinte e no fato de o significado do grupo ser diferente do cômputo do significado literal de
cada palavra, então qualquer metáfora neológica poderia ser classificada como expressão
idiomática: uma metáfora inventada pelo falante num único enunciado poderia ser confundida
com uma expressão fixa (o que é obviamente inadequado), que uma metáfora também não
é interpretável literalmente. Tanto no caso das EIs quanto no das metáforas, o significado do
grupo não decorre diretamente da computação do significado de cada palavra. É por isso que
definições como essas, centradas no papel do ouvinte, não funcionam: porque igualam as
metáforas e as expressões fixas. Mas o papel das expressões fixas na língua é completamente
diferente do papel de uma construção metafórica usada uma única vez por um falante: (a)
as EFs fazem parte do léxico, e as metáforas não; (b) as EFs são cristalizadas, e as metáforas
são maleáveis; (c) as EFs têm origem antiga, e as metáforas são neológicas; (d) as EFs são
conhecidas por vários falantes, e as metáforas não; (e) as EFs são interpretadas como um todo
148
presente na memória, e as metáforas têm de ser processadas ativamente para a construção
de um significado que é produzido no momento do enunciado. Queremos distinguir os dois
casos, e por isso não podemos centrar a definição de EI unicamente sobre o fato de o receptor
não realizar um processamento literal do grupo, senão misturamos os dois fenômenos.
Tais considerações indicam que o critério definidor das EIs não pode estar baseado na
impossibilidade de interpretação do significado a partir da soma do significado individual de
cada palavra que compõe a estrutura, que tanto as EIs quanto as metáforas têm como
característica a opacidade semântica e a inadequação da interpretação literal do grupo.
Gostaríamos de distinguir os dois casos, e a diferença está no fato de que somente as EIs estão
estocadas no léxico mental. Tanto do ponto de vista da decodificação quanto do ponto de vista
da codificação, o que define uma EI é a sua não composicionalidade e o fato de o grupo
idiomático já se encontrar constituído previamente na língua e na memória dos seus usuários.
No processo de produção, o falante recupera as EFs que já estão montadas na sua
memória. O falante (isto é, o produtor do texto) sabe antecipadamente que são unicamente
aqueles itens (e não outros semelhantes) que devem ser colocados em conjunto e em qual
ordem para compor um determinado significado, e qual a possibilidade de variação do
grupo assim formado (já que eventualmente as EIs, em geral, podem sofrer alguma variação).
É preciso considerar que um dos traços definidores das EIs recai não sobre a capacidade do
ouvinte em interpretar as estruturas, mas sobre a capacidade do enunciador de conhecê-las
previamente naquele exato formato convencional.
Ambos os atores (enunciador e enunciatário) possuem igualmente a expressão
idiomática memorizada no léxico mental. A definição de uma EF (aí incluída a EI) não é uma
questão de performance, mas de estoque lexical. É importante então não centrar a definição
exclusivamente na atividade de interpretação, pelos seguintes motivos: (a) a EI não se
caracteriza por uma atividade realizada somente pelo ouvinte, mas igualmente pelo falante, ao
recuperar da memória o conjunto lexicalizado; (b) trata-se de um fenômeno relativo à
competência lingüística, ligado ao conhecimento lexical, e portanto não localizado sobre o
falante ou o ouvinte, que são posições discursivas; (c) a não centralização da noção de EI
sobre o ouvinte evita a confusão freqüente de se misturar conceitualmente uma metáfora
neológica com uma expressão idiomática.
149
Convém lembrar ainda que, como já apontado na seção 4.3.2.1, há também EFs
transparentes, cristalizadas na sua forma mas passíveis de decodificação semântica
23
. O fato
de serem interpretáveis não as desqualifica como EFs, que são expressões utilizadas
reiteradamente com o mesmo léxico e a mesma estrutura. Esse é mais um elemento que
aponta para o fato de que o caráter de uma EF não está relacionado à sua interpretabilidade,
mas à sua convencionalidade na língua. O que evidencia a fixidez de um conjunto de palavras
é a memorização do grupo, demonstrada pela sua produção repetidan no mesmo formato.
4.6.7 Outra característica das EFs: a não-produtividade
Vimos que, para a caracterização de um sintagma como uma EF, é preciso, antes de
tudo, que o grupo se encontre pronto na memória lexical do falante.
Outro aspecto a considerar é que as expressões idiossincráticas são não-produtivas e
não são produzidas a partir de uma regra geradora excetuando algumas estruturas como
[N + N], formadora de homem-bomba, ou [V + N], formadora de porta-documentos, que
podem ser usadas na geração de novos grupos nominais. Assim, mesmo que se determinasse
como foi gerada uma expressão (como por exemplo a EF desta feita), não se poderia usar o
mesmo molde para construir outra EF.
Nesse particular as EFs se diferenciam das palavras da língua. As regras de formação
de palavras são produtivas, são usadas sincronicamente na produção de novas formas e podem
auxiliar o ouvinte na decodificação de itens cujo significado não é sabido. Mas isso não
ocorre no caso de expressões idiomáticas, uma vez que as EFs não envolvem nenhuma regra
de formação regular que possa ser utilizada na depreensão do significado de outros grupos
desconhecidos. Por exemplo, não se pode usar a estrutura sintático-semântica das EFs de fio a
pavio ou é chegada a hora como base para a formação de novas EFs. O processo de formação
de uma expressão, ao contrário do processo de formação de palavras, não é replicável e
portanto não é produtivo.
Uma palavra encontrada pela primeira vez pode ter seu significado calculado ao ser
comparada com outras palavras da mesma família e com outras palavras que incluem os
mesmos morfemas. O receptor pode chegar ao significado de um item desconhecido
23
A respeito das EFs transparentes, veja-se ainda a seção 5.3 a seguir.
150
estabelecendo uma ligação com palavras de construção semelhante: por exemplo, se um
indivíduo não sabe o que é, digamos, microscopista, pode deduzir o seu significado
relacionando essa nova palavra com microscópio e com outras palavras que incluem o mesmo
sufixo, como radialista, telefonista, tratorista, etc. Mas a dedução do significado de uma
palavra desconhecida só é possível porque os morfemas são produtivos e as bases mantêm um
significado mais ou menos constante. Enfim, esse procedimento ilustra a relevância da
morfologia em procedimentos sincrônicos.
no caso das EFs a situação é diferente. As formas que compõem as expressões
comportam-se idiossincraticamente e não se repetem produtivamente, como ocorre com os
morfemas presos, no caso da morfologia. E como se sabe, o significado dos elementos
constitutivos da EF muitas vezes não colabora para a compreensão do significado do grupo.
Além disso, não existe uma relação entre EFs como existe entre palavras da mesma família;
assim, o conhecimento de uma EF não ajuda na compreensão de outras EFs.
Fica evidente que as EFs não são construções produtivas, na sua quase totalidade.
24
Mas falar de construção de EF é até um contra-senso, porque é impossível construir uma EF.
O falante pode construir um sintagma, que posteriormente pode até vir a dar origem a uma
expressão. Mas o que faz de um grupo uma EF é o tempo, é a repetição e a freqüência de uso
do mesmo sintagma. Esses fatores é que têm a capacidade de congelar e difundir entre os
falantes um agrupamento de palavras. Por definição, um falante não pode cunhar uma EF
nova, uma vez que um grupo adquire o status de expressão fixa pelo uso, depois que é
repetido tantas vezes pela comunidade lingüística que acaba sendo incorporado ao léxico da
língua. É isso que consolida aquela estrutura como um bloco. Não um aspecto interno da
construção do sintagma.
Leal (2000) apresenta um ponto de vista diferente, a meu ver totalmente equivocado.
Diferentemente do que afirma essa autora, as EFs não são um “fenômeno lingüístico de
criação lexical” (p. 83) (como vimos, as EFs são cristalizadas e o envolvem criação
lexical); não são “aceitas como verdades socialmente instituídas” (p. 84) (onde estaria a
verdade social em dar bandeira, levar o cano ou ser da virada?); não são “representações
de experiências vividas” (p. 85) (sustento que as EFs são idiomáticas e idiossincráticas, sem
ligação necessária nem óbvia com experiências do cotidiano: se não, onde está a experiência
vivida em estar com a avó atrás do toco, com a pulga atrás da orelha, falar na lata ou dar
24
As EFs não são construções produtivas na sua grande maioria, ressalvados casos como os de locuções
nominais como verbo+nome ou nome+nome, por exemplo, como guarda-roupa ou sofá-cama, em que o
processo sintático se repete, e assim pode ser reconhecido e utilizado em neologismos.
151
trela?); não estão “vinculadas a valores socioculturais regionais” (p. 86) (as expressões
idiomáticas listadas no elenco coletado fazem parte da língua brasileira, são produzidas e
reconhecidas pelos usuários em vel nacional e não estão vinculadas a valores regionais).
Discordo igualmente quando a autora diz que “o português hodierno revela que as EIs com
alta produtividade são parte integrante do léxico” (p. 89) (como vimos, as expressões
idiomáticas não são produtivas) e discordo também quando diz que as expressões idiomáticas
“são parte integrante do ser humano” (p. 89) (podem ser parte da ngua, mas obviamente não
“do ser humano”).
Tendo em vista que: (a) as EFs não seguem regras de formação; (b) não se pode
decidir criar uma nova EF (o que consagra um sintagma como pertencente ao léxico mental é
a freqüência de uso e o tempo); (c) o significado de uma EF não é computável através de suas
partes; (d) não processamento interno da expressão cristalizada para a produção do
significado, que está memorizado; e (e) o significado da EF não é composto pelo
falante/ouvinte, mas é pré-determinado (só o processamento externo, de integração da
EF no discurso mas essa é a atividade rotineira de interpretação textual); logo, conclui-se
que não tem sentido falar em produtividade lexical e em composicionalidade do significado
em EFs, do ponto de vista sincrônico. Obviamente, tal enfoque pode se revelar interessante do
ponto de vista diacrônico, ao se recompor a história da língua e recuperar as condições que
deram origem àquela formação idiossincrática.
4.6.8 Gênese da EF
Observa-se um interesse freqüente na decifração da gênese da EF, muitas vezes com a
indicação diacrônica de outras fases da língua e a recuperação de itens e significados
perdidos no português contemporâneo. Um exemplo dessa tentativa aparece na revista Língua
Portuguesa, ano I n. 2, 2005, p. 11:
Sem eira nem beira
A frase feita usada para falar de quem perdeu todas as posses tem duas
explicações, mas nada assegura que não sejam igualmente fantasiosas.
Viria, primeiro, de Portugal. Eira seria um terreno de terra batida ou cimento
onde grãos ficam ao ar livre para secar. Beira é a beirada da eira. Quando
uma eira não tem beira, o vento leva os grãos e o proprietário fica sem nada.
No Nordeste brasileiro, a explicação é que as casas dos coronéis de
152
antigamente tinham um telhado triplo: a eira, a beira e a tribeira, como era
conhecida a parte mais alta do telhado. As pessoas mais pobres não tinham
condições de fazer este telhado triplo, então construíam somente a tribeira,
ficando assim “sem eira nem beira”.
Concordamos com o articulista quanto à fantasia das explicações. Mas sejam elas
verdadeiras ou não, o fato é que no português contemporâneo a palavra eira e seu significado
(seja ele qual for) não são conhecidos pelos falantes, e portanto eira tem o mesmo status na
língua de uma palavra inexistente (fora dessa expressão, evidentemente). Isso faz com que o
significado que eventualmente pudesse ligar logicamente as partes dessa expressão e conferir
coerência a esse discurso não existe do ponto de vista sincrônico. Sendo assim, conclui-se
que, para o ouvinte que não conhece a expressão, nem sempre (ou quase nunca) é possível
reconstruir as ligações conceituais que levariam ao significado da expressão.
A idéia de que deveria ser possível explicar logicamente a composição de uma EF
nem sempre é factível. É preciso lembrar que geralmente o significado das EFs é arbitrário.
Por exemplo, uma expressão em inglês e em português onde se usam palavras de mesmo
significado: em inglês kick the bucket e em português chutar o balde. No entanto, o
significado do grupo é completamente diferente em cada língua: em inglês indica “morrer”, e
em português “desistir, abandonar uma situação”. Como chegar ao significado adequado em
cada caso através de qualquer tipo de processamento cognitivo, se o significado muda de
língua para língua, e em princípio seria possível dirigir as analogias para qualquer lado?
Expressões de forma similar podem ter sentido completamente diferente em línguas
diferentes, como evidenciado por Bussade (1989, p. 19-21): por exemplo, o idiomatismo
inglês to be bombed não significa “tomar bomba”, e sim “estar de porre, bêbado feito um
gambá”. Essa diferença de significado das EFs evidencia a idiossincrasia envolvida nas
expressões fixas e aponta para a dificuldade de compreensão da formação da expressão.
Quando se sabe o significado cristalizado, fica bem mais fácil imaginar as relações
que eventualmente teriam levado a tal formação de sentido, que hoje em dia é arbitrário. Na
aprendizagem de línguas estrangeiras os falantes ingênuos talvez façam tentativas no sentido
de estabelecer relações cognitivas no interior das EFs, mas certamente fracassarão em muitos
casos.
Como se viu, no processo de formação das expressões idiomáticas pode ter havido
uma relação conotativa geradora da expressão, o que é sugerido pela análise de EFs como em
cima do muro ou não tem meu pé me dói (onde se percebe uma relação metafórica) ou em
boas mãos, dividir o mesmo teto, sofrer na pele e em mangas de camisa (onde se percebe uma
153
relação metonímica). Por outro lado, é desconhecida a possível relação metafórica de várias
expressões idiomáticas, como falar pelos cotovelos, onde não se concebe em que sentido
qualquer traço da palavra cotovelo poderia sugerir intensificação da ação. Como esse há
vários casos de total idiossincrasia de significado (como pintar o sete, do arco da velha,
pagar mico, doido varrido, mentira cabeluda, sua alma sua palma e tantas outras); ou, em
outras palavras, uma perda total da metáfora envolvida na origem da expressão se é que
em algum momento houve algum tipo de relação metafórica.
Resumidamente, com relação à gênese das EFs é possível estabelecer as seguintes
categorias:
1. EFs em que a gênese é recuperável (como em samba do crioulo doido, chorar feito
um bezerro desmamado, acertar na mosca, botar as cartas na mesa, rabo de
cavalo, etc);
2. EFs em que a gênese não é recuperável, uma vez que não se pode detectar
nenhuma relação entre o significado literal e o significado usual do grupo como
um todo (como em que tal, cheio de nove horas, plantar bananeira, dar bode, pra
danar, pois não, ficar buzina, etc);
3. EFs constituídas por palavras inexistentes fora da expressão (como de afogadilho,
em frangalhos, não obstante, a esmo, à beça, mentira deslavada, etc), onde não se
pode hipotetizar nenhum tipo de relação cognitiva pela própria inexistência do
item fora da expressão;
4. EFs de significado literal e portanto sem origem figurada (como nas EFs em causa
própria, em branco, ente querido, escada rolante, esforço sobre-humano, e assim
por diante - inclusive).
4.6.8.1 EFs em que a gênese não é recuperável
Como mencionado, nem sempre é possível estabelecer a gênese da expressão, isto é,
nem sempre é possível descobrir o ingrediente semântico que estaria na base de uma suposta
metáfora, que supostamente teria dado origem à expressão idiomática. Na EF dar pano pra
manga, qual seria o traço privilegiado que poderia levar à idéia de “trabalho excessivo”? Uma
dor no cotovelo pode ser ruim (afinal, toda dor é ruim), mas não nada em especial na
palavra cotovelo que leve à idéia de “inveja” da expressão dor de cotovelo. Também na
154
expressão onde o Judas perdeu as botas não nada que caracterize a conotação de “longa
distância”, nem se reconhece a referência a nenhuma história bíblica conhecida pelos
falantes. Na EF [fazer algo] pros cocos não há nada na palavra coco que sugira a conotação de
um ato executado “de forma desleixada”; e na EF [estar com a] pulga atrás da orelha não se
identifica nada na relação entre as palavras pulga e orelha que aponte logicamente para a
idéia de “desconfiança”.
Como assinala Harper Collins (2003, p. V), em alguns casos “é muito difícil ver como
ou por que os idiomatismos chegaram a ter o significado atual”
25
.
Mello (1990) também aponta para a dificuldade no estabelecimento da origem da EF:
Cheio de nove-horas. Todo mundo sabe: é o sujeito enrolado, cheio das
picuinhas. Por um nada se amua. O que ninguém sabe, eu pelo menos não
consigo saber, onde é que o povo foi buscar essa metáfora, nem por que
escolheu precisamente as nove horas. (p. 9)
Pagar o pato. O dito anda em desuso, mas acho bonito que ele tenha sido
inventado com a intenção de denunciar uma injustiça e defender um
inocente. [...] O que não alcanço saber é por que o pato entrou nessa
história. (p. 46)
Vê-se então que nem sempre é possível estabelecer a origem da EF e do seu
significado, nem se consegue hipotetizar o modo como foi composta. No quadro abaixo são
relacionadas expressões em que os falantes não detectam nenhuma relação metafórica que
justifique o significado do conjunto (veja-se o complemento desse quadro, com mais outros
exemplos, no apêndice 1):
25
Texto original: “it is very difficult to see how or why the idioms have come to have their current meanings”.
155
QUADRO 1
EFs sem origem metafórica discernível – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa Exemplo de uso (contextualização)
01 à beça O poliuretano queima rápido à beça. (TV)
02 amigo da onça Mas você vai fazer logo o que eu não queria? Mas que amigo da
onça!
03 ao pé da letra Pior mesmo foi o que aconteceu com uma amiga. Incomodada
com o “nó cego” do motorista à sua frente, buzina. E o sujeito,
incomodado com sua buzina grita: - Passa por cima! E ela, seguindo
ao pé da letra a sugestão, passou. (crônica – jornal)
04 às favas :
mandar às favas
/ modéstia às
favas
Cansada de tudo, mandou os maridos às favas; o primeiro cujo
casamento durou dois anos e o segundo, nem isso. (crônica em
jornal) [obs: no plural!]
05 no frigir dos ovos O governo cria outros mecanismos que, no frigir dos ovos, acabam
elevando a carga tributária. (TV)
06 barbas de molho
: botar / deixar as
barbas de molho
A câmara dos deputados deve votar o projeto que acaba com o
nepotismo em todo o país. Os parentes dos políticos podem ir
colocando as barbas de molho. (jornal)
07 besta quadrada Você perdeu aquele negócio da China? Mas você é mesmo uma
besta quadrada!
08 boa praça Simpático, tranqüilo, bem-humorado, Wagner é um carioca boa
praça que fez carreira política na Bahia. (revista)
09 botar as
manguinhas de
fora
Essa menina tá me desobedecendo o tempo todo. Depois que virou
adolescente está botando as manguinhas de fora.
10 chato de
galocha
Hoje, eles estão mais preocupados em seguir a cartilha do
politicamente correto e se tornaram uns chatos de galochas.
(revista)
11 chover canivete Pode chover canivete que elas não faltam à aula.
12 plantar
bananeira
Eu faço qualquer coisa pra você sarar. Se ajudar, eu até planto
bananeira.
13 colher de chá O professor faz umas perguntas difíceis e não dá colher de chá.
14 com a avó atrás
do toco
Não mexe com ela não que hoje ela está brigando à toa.
acordou com a avó atrás do toco.
15 dar bandeira Eu não sabia que ele tinha se separado. Fui perguntar pela esposa e
dei a maior bandeira...
16 dar bode /
dar um bode
Seria melhor resolver o problema antes de eles entrarem na justiça e
dar um bode maior do que o que já existe.
17 dar sopa Mandei o chaveiro mudar a fechadura e assim eu evito que uma
cópia da minha chave fique por aí, dando sopa. (TV)
18 de meia-tigela Esses jornalistas de meia-tigela só sabem criticar. (rádio)
19 de lambuja Na compra de um colchão Ortocrin você ainda ganha, de
lambuja, um travesseiro. (revista)
20 do arco-da-velha
A auditoria feita pelos novos controladores da Brasil Telecom tem
revelado coisas do arco-da-velha na empresa, nos tempos em que
era gerida pela turma de Daniel Dantas. (revista)
21 dar com os
burros n’água
Não podemos fazer mais nada. Ele vai ter que quebrar a cara
mesmo para aprender. Tem certas coisas que a gente aprende
156
dando com os burros n’água. (e-mail)
22 doido varrido Pior do que a louca de pedra, a doida varrida. Porque a loucura
dela, com freqüência, mata por delírio. (livro)
23 dor-de-cotovelo Dor-de-cotovelo só ataca quem está amando. (livro)
4.6.9 Conclusão
Resumindo o que foi visto nesta seção: pode-se afirmar que a obtenção do significado
das expressões fixas não requer um processamento metafórico diferentemente do que se
costuma pensar. O sentido metafórico envolvido na gênese da EF pode ser recomposto em
alguns casos (e não em todos) mas seja como for, a metáfora constitui somente um contexto
de descoberta mas não um contexto de justificativa (na detecção das EFs pode funcionar
como uma rule of thumb, como se diz em inglês). Ou seja, pode ser recuperado
ocasionalmente: a origem metafórica é uma característica reconhecível em algumas EFs, mas
não é um traço indispensável e nem está presente em todo o universo das EFs.
Mesmo quando o sentido metafórico é recuperável na EF, essa metáfora reflete uma
característica diacrônica. Não é plausível que os falantes precisem computar o significado das
EFs a cada vez que se deparam com essas construções mesmo porque, em muitos casos, é
impossível chegar ao significado do grupo idiomático a partir de uma computação do
significado.
A maioria das construções idiomáticas não é literal mas nesse particular as EFs e as
construções metafóricas neológicas se equivalem, porque também as metáforas não são
compreendidas literalmente. A diferença entre as EFs e as metáforas consiste no modo de
processamento do sentido em cada um desses dois grupos: no caso das metáforas um
trabalho na construção do sentido, e no caso das EFs não há nenhum processamento, mas uma
simples recuperação de um significado que já estava pronto, guardado no dicionário mental
do falante/ouvinte, junto com as demais palavras da língua.
Conclui-se que não se deve sempre buscar uma relação que justifique a construção
idiomática, nem imaginar uma suposta composicionalidade do sentido no plano sincrônico,
nem imaginar que a EF se baseia numa metáfora pelo menos não numa relação recuperável
pelos falantes no uso normal e contemporâneo da língua. A esse respeito, convém lembrar que
O vínculo que une o signo ao significado é arbitrário, ou melhor, uma vez
que entendemos por signo o total resultante da associação de um
157
significante a um significado, podemos dizer de modo mais simples: o signo
lingüístico é arbitrário.” (Saussure, 1969 (1916), p. 100)
26
Retomando então os pontos apresentados, vimos que, na classificação de uma
estrutura como EF devemos levar em conta os seguintes pontos:
1. Nem toda expressão idiomática inclui uma origem metafórica detectável, isto é,
nem sempre é possível encontrar o sentido original de onde se derivaria um suposto
sentido metafórico:
1a) há casos em que o sentido metafórico ou metonímico está na base da formação
original da EF (como em pele e osso, suar em bicas ou ser todo ouvidos), mas
também casos em que não se detecta nenhum sentido metafórico
envolvido;
1b) casos em que o sentido literal não oferece base para nenhuma metáfora
detectável (como em que tal? ou pois não, que são expressões socialmente
convencionadas, sem caráter metafórico, ou nas EFs pintar o sete, cara de
tacho, de cara, pagar o pato, dar cabo e sua alma sua palma, onde o
significado é opaco e não se reconhece na semântica individual de cada
palavra nenhuma relação metafórica que pudesse justificar o significado do
bloco);
1c) casos de EFs que certamente não envolvem nenhuma metáfora, uma vez
que os itens constituintes da expressão não ocorrem fora do grupo (como por
um triz, à beça, erro crasso, a esmo, de déu em déu, meter o bedelho: as
palavras triz, beça, crasso, esmo, déu e bedelho não existem isoladamente,
fora dessas expressões (tomando-se o uso contemporâneo da língua);
1d) EFs em que o significado é transparente (e conseqüentemente não têm
origem metafórica), como em achados e perdidos e quem cala consente
apesar de compreensíveis composicionalmente, trata-se de EFs porque são
estruturas cristalizadas, repetidas sempre da mesma forma, o que comprova a
memorização da seqüência.
26
Texto original: “Le lien unissant le signe au signifié est arbitraire, ou encore, puisque nous entendons par signe
le total résultant de l’association d’un signifiant à un signifié, nous pouvons dire plus simplement: le signe
linguistique est arbitraire.”
158
2. Nem toda construção de significado não-literal é uma expressão idiomática ou,
dito em outras palavras, nem todo grupo de significado não-literal é convencional
(para ser considerada uma EF, é preciso que a construção seja convencional, pré-
estabelecida). As metáforas imaginativas são criadas pelo falante no momento do
discurso, e portanto essas construções neológicas não são EFs. Um exemplo de
metáfora aparece na seguinte sentença:
(23) Se não segurar o baile, a orquestra desafina esta noite. (TV em transmissão de jogo de
futebol)
Essa construção não constitui uma expressão idiomática, apesar de o significado não
poder ser montado a partir da soma do significado de cada palavra, porque o grupo
não-literal não foi tomado da memória, mas montado no momento da elocução.
Clark e Clark (p. 446) entendem o que chamam de idioms como metáforas
congeladas. Como se viu, essa afirmação não é procedente: indubitavelmente há vários
idiomatismos na língua que não se relacionam a nenhuma metáfora, nem mesmo do ponto de
vista diacrônico.
4.7 Sobre a ineficácia da atuação inferencial na depreensão do significado de EFs
A primeira coisa que precisamos explicitar é o tipo de inferência de que vamos tratar:
se interna à EF ou externa à EF. Antes de mais nada é preciso delimitar e deixar claro o
âmbito da atuação inferencial:
a) se vamos analisar a EF em contexto, dentro do discurso, verificando sua relação com as
demais informações oferecidas pelo texto, ou
b) se vamos analisar a EF fora de contexto, assim como se apresenta no léxico mental,
examinando a competência internalizada do falante.
Com isso queremos dizer que é preciso distinguir entre a possibilidade da atuação de
processos inferenciais em dois planos distintos: ou na produção do sentido dentro do discurso,
ou no significado intrínseco da EF. Ou ainda, em outras palavras: é preciso definir se vamos
159
examinar a relação da EF com outros elementos do texto, ou se vamos examinar a relação
entre os elementos internos à EF, isto é, entre as palavras que formam a expressão.
No primeiro caso (letra “a”) o papel da inferência é óbvio, porque toda e qualquer
atividade de compreensão textual é sempre mediada pela atividade inferencial. É sempre
preciso utilizar o processamento inferencial para proceder ao encadeamento das informações e
criar a paisagem mental do texto. Tudo isso se faz com base no nosso conhecimento prévio,
que insere no texto os nexos lógicos que permitem conectar os dados e estabelecer as pontes
de sentido que conferem significado ao material físico percebido (os sons, na atividade oral, e
o material gráfico, na leitura), conforme explicitado em Fulgêncio e Liberato (1992, p. 27-31
e 1995, p. 80-87), e em toda a literatura sobre leitura e processamento de textos. Vejamos o
seguinte exemplo:
(24) O menino foi parar no hospital: ele bebeu soda cáustica.
Para integrar as informações em um texto lógico, o receptor precisa inferir a relação de
causa e conseqüência não explícita na sentença. É assim que se cria nexo e se montam as
informações num enunciado coerente.
Agora vamos imaginar que o receptor não sabe o que significa a EF soda cáustica:
através do mesmo processo pode inferir pelo contexto que se trata de um SN, que esse SN é o
paciente do verbo beber e que deve remeter a um líquido que as restrições selecionais do
verbo beber exigem paciente [+líquido]; e se pelo fato de ingeri-lo o menino foi para o
hospital, e a partir do conhecimento enciclopédico de que as pessoas geralmente vão para o
hospital quando estão doentes, infere-se que esse líquido faz mal ao ser humano. Assim, é
possível deduzir parte do significado de um elemento desconhecido a partir da sua relação
com as demais informações do texto. Isso é o que ocorre sempre no processo de compreensão
da linguagem, e não é privilégio das EFs. O mesmo ocorreria se em vez de soda cáustica o
item desconhecido fosse representado por uma única palavra, por exemplo organofosforado,
como na sentença O menino foi parar no hospital: ele bebeu organofosforado.
Ao analisar a participação das inferências na compreensão do texto, seja na integração
das informações, seja na dedução do significado de um item ou na compreensão de qualquer
outro aspecto, estamos tratando de uma característica do processamento do texto. A atividade
inferencial dentro do discurso faz parte da própria atividade da linguagem, ou seja, é uma
característica inerente ao uso da língua. A possibilidade de inferência do significado de itens
desconhecidos, em contexto, é algo patente e já bastante bem fundamentado. O estudo dos
160
processos inferenciais e dos esquemas cognitivos
27
foram desenvolvidos especialmente nas
décadas de 70 e 80, com o nome de scripts (Schank, 1978), frames (Minsky, 1975) e
schemata (Rumelhart e Ortony, 1976).
Se pretendêssemos analisar a possibilidade de inferência de significado das EFs em
contexto, não estaríamos tratando das EFs em especial, mas de operações inerentes à própria
atividade da linguagem. Essa linha de análise, evidentemente, nada acrescenta à compreensão
do funcionamento específico das EFs, uma vez que atinge a linguagem como um todo, ou
seja, diz respeito ao processo ativado pelo falante que, a partir da sua competência lingüística
e de outros fatores, produz desempenho.
O que precisa ser investigado é o seguinte: uma vez adquirido o significado da EF,
seja por qual meio for, como o falante codifica a EF no seu léxico mental e como a utiliza na
produção e na decodificação dos enunciados? Como pode ser representada a competência
semântica do falante com relação às EFs? Existe algum processo inferencial operante na
estrutura interna da EF, que portanto faça parte da competência lingüística do falante?
Quando o falante encontra uma expressão que ele conhece e que já faz parte do seu léxico
mental, como a decodifica? Inferencialmente?
Interessa então examinar o ponto (b): a análise das EFs fora de contexto, assim como
se apresentam no léxico mental. Essa linha de investigação é pertinente porque é preciso
identificar justamente o conhecimento internalizado que permite montar textos. Essa
abordagem tem em vista o estudo da faculdade humana da linguagem, da competência
lingüística que permite aos usuários produzir enunciados.
Algumas considerações servem de apoio para justificar a necessidade de consideração
do significado das EFs fora de contexto. Em primeiro lugar, é preciso salientar que o contexto
é construído e funciona comunicativamente por força de um conhecimento complexo da
língua e do mundo. Esse conhecimento é uma precondição para a própria construção do
contexto, em seus aspectos lingüísticos. A lingüística, tradicionalmente (embora não
exclusivamente) estuda esse conhecimento, que é programado na memória semântica e é livre
de contexto. Ele pode ser entendido como uma série de instruções sobre como construir e
interpretar contextos por conseguinte, o conhecimento é necessariamente distinto do
contexto. Essa distinção foi feita desde os primórdios da teoria lingüística, e apesar de
diferenças terminológicas, se mantém até hoje: língua e fala, competência e desempenho,
língua-I e língua-E.
27
Um estudo dos esquemas cognitivos é apresentado em Fulgêncio, 1983, p. 7 – 12, e também 38 – 64.
161
O ato de fala não se confunde com o conhecimento da língua. O ato de fala ocorre em
determinado momento, lugar, etc em contexto. O conhecimento da língua está presente na
memória do usuário. O que precisamos investigar são as condições de construção do contexto.
O que a lingüística procura investigar, na sua maior parte, é a competência do indivíduo, a
língua que está armazenada na sua mente e que lhe permite montar o discurso. Com relação
aos itens léxicos, procuramos investigar a memória semântica que permite a escolha de
determinado item na expressão de determinada intenção comunicativa.
Saussure (1916) deixou patente a arbitrariedade do signo, e sobre essa questão não
pairam dúvidas
28
. O que perguntamos agora é o seguinte: será que o significado das EFs é
igualmente arbitrário, ou será que é resultado de uma composição que pode ser decomposta
inferencialmente (e portanto não é arbitrário)?
Assim, interessa-nos verificar se o significado da EF é montado sobre relações não
explícitas e se é passível de ser deduzido inferencialmente, a partir da composição da EF. Ou
seja, queremos saber se a atividade inferencial internamente à EF é capaz de levar o indivíduo
a depreender o significado do grupo e se é possível montar o significado de uma EF
trabalhando inferencialmente, buscando relações que poderiam ser deduzidas a partir das
palavras que compõem a expressão. Assim como cada palavra de um sintagma contribui para
a montagem do significado final do sintagma, podemos examinar se cada palavra de uma EF
contribui para a montagem do significado desse conjunto. Sabemos que em muitos casos o
significado literal não ajuda na compreensão da EF; agora precisamos saber se trabalhando
inferencialmente, a partir desse significado literal, podemos deduzir o significado do
conjunto.
Por exemplo, seria interessante verificar se, através de inferências, podemos chegar ao
significado de EFs como mundos e fundos, abotoar o paletó, água-marinha, aos trancos e
barrancos, ao passo que, ao da letra, agorinha mesmo, botar banca, por um triz, mandar
às favas, pintar o sete, pintar o caneco, solução de continuidade, ser outros quinhentos, sem
tamanho, sem eira nem beira, pois não, roleta-russa, rasgar o verbo, queimar no golpe,
quebrar a cara, que nem, qual seja, qual o quê, puxar uma palha, pros cocos, pra caralho,
pomo-de-adão, advogado do diabo, afinal de contas, picar a mula, perder as estribeiras, pé-
rapado, pedir penico, pau-de-arara, pau-d’água, estar pau a pau, pagar o pato, pagar mico,
fazer de conta e tantas outras.
28
Os casos de não-arbitrariedade existem, mas são certamente periféricos.
162
A resposta é não. Não há inferência imaginável que possa levar um ouvinte que não
conhece a priori a expressão a deduzir o significado das EFs acima. Por exemplo, em que
termos se poderia inferir o significado de puxar uma palha? Os itens que compõem essa EF
são arbitrários e nada têm a ver com a acepção de “dar uma dormidinha”. Como deduzir o
significado de pra burro, se nada na sua composição leva à idéia de “muito”? Na EF passar
em brancas nuvens, como os itens brancas e nuvens poderiam levar ao significado de
“esquecido, sem ser lembrado”? E como se poderia inferir o significado de priscas eras, se a
palavra priscas nem é usada no português contemporâneo fora dessa expressão? E como as
palavras que integram a EF que tal poderiam contribuir para se inferir que ela indica uma
sugestão? E como inferir que sei quer dizer “não sei”, se em nenhum outro ambiente a
palavra significa “não”?
Como essas, há várias e várias expressões não processáveis por meio de inferência.
O que acontece é que algumas vezes se costuma confundir um processamento para a
obtenção de significado (de alguém que não conhece a expressão) e um processamento
retrospectivo, regressivo, de procura de relações entre as palavras que compõem uma EF
conhecida, de significado sabido. O que acontece é que depois que se sabe qual é o
significado da EF, é fácil ver traços do significado final nos elementos integrantes. Trata-se de
um processo regressivo, feito a posteriori, e não de um processo que leva à depreensão do
significado. Depois que se sabe que botar a boca no trombone significa “revelar algo a
todos”, fica possível imaginar alguma relação entre o significado final e as palavras boca e
trombone. Mas deve-se reconhecer que isso ocorre porque se sabe o que é que significa
essa expressão. Como aponta Basilio (1987, p. 32), depois que se sabe que olho-de-sogra é
aquele tipo especial de doce, é fácil raciocinar retrospectivamente e recuperar uma relação
que liga a locução e seu referente. Mas para quem não sabe o que vem a ser olho-de-sogra, a
sua composição interna não ajuda a relacioná-lo a “um determinado tipo de doce”. Depois que
se sabe o significado da EF, fica fácil imaginar uma trilha para chegar lá. Mas sem saber o
que significa, em muitos casos é difícil, senão impossível, determinar qual significado
específico a língua resolveu atribuir ao bloco. Por exemplo, na sentença
(25) O brasileiro gosta da natureza. Porque a natureza está dando sopa por aí. (TV)
só quando se sabe o significado convencional do conjunto dar sopa é que é possível integrar a
expressão nesse contexto e, eventualmente, imaginar alguma relação com o significado literal.
Portanto, a relação inferencial que eventualmente se pode imaginar entre uma EF e as
163
palavras que a integram é um procedimento retrospectivo, feito depois que já se sabe qual é o
significado da expressão, e não reflete o comportamento mental do falante na recuperação do
significado do grupo idiomático.
Pode ser que em muitos casos a interpretação de uma EF possa ser reduzida, para
efeitos de estudo em laboratório, a um procedimento inferencial. Mas mesmo nesses casos se
trata de uma inferência fixada ou seja, das diversas inferências possíveis, uma é selecionada
e fixada como a única possível. Digamos que, em condições teóricas, se possa inferir o
significado de dar no como “correr”. Trata-se de uma situação artificial que não representa
a atividade do usuário da língua. A inferência é dirigida para um significado sabido, uma
vez que dentre os tantos significados de dar e dentre os outros muitos significados de pé, e
ainda dentre os muitos traços de cada uma dessas palavras, isolamos aqueles que convêm para
produzir o efeito pretendido e levar a um significado já conhecido de antemão.
Assim também, casa-da-mãe-joana se refere a um lugar onde todos mexem; e é
possível imaginar que esse ingrediente “lugar” seja originário do valor locativo de casa. Mas
casa tem outros traços também. Casa tem potencialidades semânticas muito mais amplas do
que simplesmente evocar um lugar: pode ser um lar, um objeto grande, um refúgio, uma
construção, etc. Dessas potencialidades, a EF casa-da-mãe-joana selecionou simplesmente
“lugar”, e essa seleção precisa ser memorizada pelo usuário com exclusão de todas as outras.
Em outras palavras, mesmo quando a relação é visível, não se trata realmente de inferência,
porque o usuário não tem liberdade de inferir tudo o que é logicamente possível, mas é
limitado a uma das possibilidades.
Além disso, é claro, o ingrediente mãe-joana, que não pode ser deduzido, nem em
princípio, nem parcialmente, através de inferência, já que ninguém sabe quem é ou foi essa tal
de mãe Joana.
Um caso em que a ausência de processamento inferencial é visível, sendo imaginável
somente em condições artificiais de procura intencional de relações, é banho-maria. A relação
entre banho e um tipo de cocção de alimentos é completamente improvável, e pode ser
imaginada por quem sabe antecipadamente o que significa a expressão. Mas a relação é
viciada, porque a inferência é dirigida. E ainda mais difícil (senão impossível) é imaginar o
que a maria está fazendo aí
29
.
29
quem diga que se trata de uma tal de Maria Judia, uma alquimista do século XV que inventou o método,
com seu cadinho de fusão lenta. Independentemente do fato de essa origem ser ou não procedente, o que importa
é que o falante não usa esse dado para montar o significado da expressão banho-maria.
164
Ao pesquisar a possibilidade de obtenção do significado a partir de inferências, é
indispensável operar do ponto de vista de um indivíduo que desconhece o significado da EF;
caso contrário, corre-se o risco de trabalhar regressivamente e viciar a pesquisa, conduzindo
as inferências justamente para o significado pretendido.
É fácil comprovar que a atividade inferencial não contribui para se chegar ao
significado de EFs desconhecidas. Para tanto, basta pegar algumas expressões em língua
estrangeira e tentar descobrir o seu significado. Por exemplo, o que significariam as seguintes
expressões italianas (com a tradução literal entre parênteses):
tagliare i panni addosso a qualcuno (cortar os panos em cima de alguém);
per filo e per segno (por fio e por sinal);
essere nella manica di qualcuno (estar na manga de alguém);
chiusura lampo (fechamento relâmpago);
a occhio e croce (a olho e cruz);
alzare il gomito (levantar o cotovelo);
faccia tosta (face torrada).
Provavelmente não foi possível chegar ao significado idiomático das expressões
italianas; mas se o processamento inferencial pudesse levar ao significado, isso deveria ter
sido possível
30
. A impossibilidade de depreensão do significado de expressões estrangeiras,
fora de contexto, mostra que, na aquisição de L
2
, o processamento inferencial interno à
expressão não é o responsável pela incorporação desse elemento ao léxico mental.
Recentemente tem sido utilizada em português uma expressão de significado
desconhecido para uma parcela da população: é o bicho. Ativando processos inferenciais a
partir de traços da palavra bicho, seria possível imaginar que é o bicho poderia significar uma
das seguintes coisas: “é bravo, furioso, perigoso, traiçoeiro, carinhoso, sujo, selvagem,
30
A seguir são relacionados o significado literal e o significado idiomático do grupo:
tagliare i panni addosso a qualcuno (cortar os panos em cima de alguém) – significado: falar mal;
per filo e per segno (por fio e por sinal) – significado: tintim por tintim, com todos os detalhes;
essere nella manica di qualcuno (estar na manga de alguém) significado: ser o preferido, a pessoa de
maior confiança;
chiusura lampo (fechamento relâmpago) – significado: zíper
a occhio e croce (a olho e cruz) – significado: aproximadamente, sem avaliação precisa;
alzare il gomito (levantar o cotovelo) – significado: beber muito;
faccia tosta (face torrada) – significado: cara-de-pau.
165
doméstico, grande, pequeno, arisco, indomável, forte, irracional, imprevisível, independente,
auto-suficiente, irrequieto, nocivo, ignorante, feio”. Só a existência de tantas possibilidades
comprova a ineficácia do processo inferencial. Como adivinhar, dentre tantas possibilidades,
o significado determinado pela língua? E o pior: não é nada disso. A expressão é o bicho
significa “é muito bom”, e pode ser usada em contextos como “A nossa seleção é o bicho”.
As possibilidades de significado ativadas inferencialmente são múltiplas e não
conduzem univocamente a um único caminho. Mas o usuário da língua sabe o significado
cristalizado das EFs o que indica que o significado não foi computado inferencialmente,
porque dentre todas as possibilidades permitidas o falante isola somente uma delas (ou
algumas delas, no caso de expressões polissêmicas), ligando definitivamente esse significado
à expressão. Isso é o mesmo que dizer que o significado foi memorizado.
Se o significado de uma EF pudesse ser obtido através de inferência, logo EFs iguais,
em línguas diferentes, deveriam ter o mesmo significado. Mas não é assim. Em inglês, a
expressão cold feet (pé frio) é usada quando se desiste de algo por medo, e não tem nada a ver
com alguém que azar; to kick the bucket (chutar o balde) significa “morrer” e não
“desistir”, como em português; to pull one’s leg (puxar a perna de alguém) não indica
“atemorizar”, mas “fazer brincadeiras, zoar”, e a expressão italiana piovere sul bagnato
(chover no molhado) significa “melhorar uma situação positiva ou piorar uma situação
negativa”. Na verdade, cada ngua seleciona um significado, o que demonstra que, agindo
inferencialmente, não é possível adivinhar o significado escolhido por cada língua.
também EFs de significado transparente, como se não me engano, por incrível que
pareça, antes de ontem, sobe e desce e de lá pra cá. Apesar de compreensíveis, não há dúvida
de que expressões como essas são memorizadas, uma vez que são produzidas sempre no
mesmo formato. Nessas EFs, obviamente, nem caberia falar de processo inferencial.
Epistemologicamente falando, convém oferecer uma explicação para a consistência de
forma e significado das EFs que atinja o maior número de casos, abrangendo tanto as EFs de
significado opaco quanto as de significado não opaco. A melhor explicação é a da
memorização: em primeiro lugar e principalmente, porque está de acordo com os fatos; em
segundo lugar, porque é mais simples e mais abrangente (explica todos os usos de EFs); e em
terceiro lugar, porque além de explicar a interpretação explica igualmente a produção, no
sentido de que explica o fato de a EF ser repetida sempre no mesmo formato (o que seria
implausível se a enunciação desse tipo de sintagma se devesse ao acaso).
Do ponto de vista explicativo, propor processos diferentes para o mesmo fenômeno
não encontra respaldo teórico-metodológico. que na análise das EFs não é possível
166
prescindir da hipótese da memorização do grupo (uma vez que várias EFs opacas), e se a
hipótese da memorização do bloco explica a compreensão de todo o universo das EFs, então
não tem sentido propor hipóteses parciais que, como se viu, têm contra si a evidência
empírica.
A evocação do significado de cada palavra que compõe uma EF que se observa nos
jogos de palavras e os trocadilhos feitos sobre as EFs não é prova da composicionalidade do
significado das EFs, uma vez que ele aparece como um subproduto, e não como um caminho
para se chegar ao próprio significado da EF .
O uso da EF não é inferencial, embora o grupo possa ter sido montado originariamente
a partir de relações que, naquele momento do passado, podiam ser recuperáveis
inferencialmente. Aliás, é em geral impossível verificar essa hipótese, que na maioria das
vezes se trata de um acidente histórico não registrado.
Em condições de laboratório, pode-se encontrar, querendo, uma inferência (em alguns
casos). Mas se trata de um processo artificial, regressivo, que não reflete o que o usuário
realmente faz quando utiliza uma EF. posso concluir que o processo inferencial,
internamente ao grupo de palavras que compõe a EF, é irrelevante para descrever a
competência do falante, para explicar o significado interno das EFs e para representar como
são usadas as EFs na linguagem real.
167
5 Tipologia das expressões fixas
A classificação das EFs pode ser feita com base em características sintáticas,
semânticas e/ou pragmáticas. Como vimos, há vários tipos de convencionalidades:
expressões que são convencionais do ponto de vista formal (ou seja, têm uma estrutura
sintática peculiar, como ocorre por exemplo na expressão entre mortos e feridos, em que a
ordem dos nominais mortos e feridos não pode ser invertida: *entre feridos e mortos); outras
são convencionais do ponto de vista do significado (ou seja, o conhecimento do significado de
cada palavra que compõe a expressão não leva ao significado do conjunto, justamente porque
o grupo tem um significado especial, como se na expressão dar bandeira); e outras são
convencionais do ponto de vista pragmático (ou seja, são fórmulas de polidez usadas
socialmente, como por exemplo de nada, pois não ou não há de quê).
Tagnin (1989) relaciona vários tipos de expressões fixas, levando em conta traços de
convencionalidade, numa combinação desses fatores. Tendo em vista suas observações,
reagrupamos suas categorias em seis tipos de EFs: expressões idiomáticas, colocações,
expressões transparentes, fórmulas sociolingüísticas, provérbios e EFs mistas (léxico +
sintaxe). São esses tipos de EFs que definiremos a seguir, apresentando as características de
cada uma dessas classes que integram o conjunto maior das EFs.
5.1 Expressões idiomáticas (EIs)
Uma expressão idiomática (abreviadamente, EI) é tipificada pela convencionalidade
do tipo semântico: o significado global do conjunto polilexical não é formado a partir da
somatória do significado das palavras que compõem a expressão. Conenna (1985, p. 129),
assim define as expressões idiomáticas: “As expressões fixas chamadas ‘idiomáticas’ são
sintagmas cujo significado geral não é dado pela soma dos significados dos itens
constituintes”.
1
1
Texto original: “Les expressions figées, habituellement appelées “idiomatiques”, sont des phrases dont le sens
général n’est pas donné par la somme des sens des mots constitutifs.”
168
As principais características das expressões idiomáticas são o caráter semântico não
composicional e o fato de fazerem parte da memória lexical do falante como todas as
expressões fixas, mas diferentemente das metáforas neológicas. Lyons (1979), Fillmore
(1979) e Lopes (1985) (apud Xatara, 1994, p. 19) compartilham igualmente da idéia de que os
idiomatismos são aprendidos como um todo inanalisável e memorizados globalmente e não
gerados uma vez que suas interpretações não são previsíveis. Do ponto de vista formal,
considera-se que as expressões idiomáticas formam um sintagma, como se na definição
abaixo:
Considerarei expressão idiomática um constituinte ou uma série de
constituintes cuja interpretação semântica não é uma função composicional
dos formantes que a compõem.
2
Fraser (1970, p. 22, apud Fernando, 1996, p. 8)
Assim, quando o grupo lexical é um sintagma recorrente e o significado do conjunto
não é transparente tem-se uma expressão idiomática. Como explicado em Harper Collins
(2003, p.V),
Uma expressão idiomática é um tipo especial de sintagma. É um grupo de
palavras que, quando usadas juntas, têm um significado diferente do que
teriam se o significado de cada palavra fosse tomado individualmente. Se
não se sabe que as palavras têm um significado especial juntas, pode-se
interpretar incorretamente o que está sendo dito.
3
A não composicionalidade semântica da expressão idiomática não é somente um fato
observável após análise lingüística, mas faz parte do conhecimento consciente do falante. O
significado idiossincrático do grupo é reconhecido explicitamente, como demonstrado no
comentário extraído de uma crônica de Roberto Pompeu de Toledo:
[...] remete a “mulher da vida”, uma estranha maneira de dizer. Por que “da
vida”? (revista Veja edição 1952, 19 de abril de 2006, p. 126).
Grande parte das EIs tem a estrutura formal de um SV, ou seja, são formadas por
[verbo (conjugado) + complemento], deixando o sujeito em aberto, como por exemplo picar a
mula, quebrar a cabeça, molhar a mão, roer a corda, dar na cara e saltar aos olhos, dentre
2
Texto original: “I Shall regard an idiom as a constituent or a series of constituents for which the semantic
interpretation is not a compositional function of the formatives of which it is composed.”
3
Texto original: “An idiom is a special kind of phrase. It is a group of words which have a different meaning
when used together from the one it would have if the meaning of each word were taken individually. If you do
not know that the words have a special meaning together, you may well misinterpret what someone is saying.”
169
tantas. Há ainda outras cujo verbo é invariável, como bateu asas e voou, diga-se de passagem
ou é batata, mas ainda assim a estrutura é de SV.
O estudo das EIs oferece respaldo para a hipótese teórica de que haveria dois grandes
constituintes na oração: SN sujeito e SV. muitos casos de EIs compostas por SVs com o
sujeito em aberto, mas foi detectado um caso de expressão com a estrutura [sujeito +
verbo] e complemento em aberto (que será objeto de análise na seção 6.14.2.1). Como se trata
de um caso único, pode-se considerar que, em termos gerais, é válida a afirmação de
Haegeman (1991, p. 61) de que “[...] não expressão idiomática com sujeito e com objeto
livre”
4
.
Nos casos em que há sujeito preenchido seguido de verbo, esse verbo é intransitivo, ou
seja, o verbo é o próprio SV, e a EF representa toda a oração. Um exemplo desse caso é o
tempo voa. Esses casos, contudo, são bastante raros. Maurice Gross (1982, p. 161) também
observou que é mais freqüente o aparecimento de complementos fixos do que sujeitos fixos
5
.
É comum acreditar que o SV seria uma construção “padrão” para as EIs. Apesar de
um bom número de EIs apresentar a estrutura SV, não se pode afirmar que essa seria uma
estrutura típica: a coleta dos dados mostrou que essa crença não se confirma, uma vez que
EIs com várias outras estruturações formais. No elenco das expressões encontram-se nomes
compostos (como ar-condicionado, arranha-céu e chave de fenda), SNs complexos (como
chove-não-molha), qualificativos (como rosa choque e cara-de-pau), intensificadores (como
até dizer chega e de fechar o comércio), advérbios (como afinal de contas e via de regra),
SPreps (como sem mais nem menos, com a boca na botija e a torto e a direito), conectivos
oracionais (como por conseguinte), orações (como Deus te uma boa hora ou acabou-se o
que era doce) e interjeições (como cruz-credo!, ora bolas! e alto lá!). também vocativos
(como meu chapa e minha santa), expletivos (como legal? e tipo assim), negativas (como
nem ver, qual o quê ou uma ova), afirmativas (como tá jóia, podes crer ou hum-hum,
foneticamente [ηµ 1ηµ1], com tom ascendente, sem abrir a boca)
e até cliques (como a
negativa tsc tsc, com pronúncia pós-alveolar, foneticamente [ ])
6
. O número de expressões
4
Texto original: “[...] there are no subject idioms with a free object.”
5
Texto original: “Les compléments apparaissent donc comme plus souvent figées que les sujets.”
6
A rigor, não se pode garantir que o clique [ ] e a afirmativa hum-hum são expressões ou palavras isoladas,
porque nesses casos não se sabe se dois elementos (o que configuraria uma expressão) ou um (o que
configuraria uma palavra). O que leva a incluí-los como EFs é a condição ortográfica de hum-hum, grafado como
uma expressão hifenizada; por paralelismo de análise, também se deve incluir o clique [ ] em classificação
análoga, por questão de coerência, uma vez que o clique apresenta as mesmas características formais.
170
fixas não predicativas é significativamente extenso, o que impede de considerar a forma SV
como uma estrutura típica.
Um sub-grupo das expressões idiomáticas é constituído por expressões que incluem
palavras que não são independentes, isto é, não têm existência autônoma e são usadas
naquela expressão, como apresentado na seção 4.3.1. Exemplos de EIs desse tipo são terreno
baldio, dar pitaco e meter o bedelho.
As expressões idiomáticas são cristalizadas, mas não totalmente rígidas. Além de
poderem sofrer uma variação composicional restrita (como pra encardir / até encardir;
trabalhar feito um burro / trabalhar feito um mouro; abotoar o paletó / fechar o paletó), as
EIs eventualmente podem ser modificadas, em parte, com o intuito de gerar certo efeito
estilístico (como se viu na seção 4.2). Outras vezes sofrem alterações como qualquer palavra
da língua, que se modifica com o tempo, a região geográfica, o dialeto do grupo social, etc.
Apesar de variáveis, as EIs ainda podem ser ditas “cristalizadas” porque a variação não é livre
e as modificações não o tão abertas como seria possível no caso de sintagmas construídos
pelo falante.
De acordo com uma corrente de pensamento, estariam incluídas no léxico somente as
expressões idiomáticas sinônimas de um único item léxico:
Das expressões idiomáticas apenas serão consideradas no léxico as que,
sendo expressões perifrásticas, correspondam paradigmaticamente a
unidades léxicas normais.
Vilela, 1979, p. 33-34
Nessa perspectiva, seriam consideradas itens léxicos as expressões substituíveis por
uma palavra, como dar uma força (correspondente a estimular), dar no (substituível por
correr) ou abaixo da crítica (substituível por péssimo). Estariam fora desse grupo expressões
como boca-de-urna, certa feita, de mais a mais, à toa, por enquanto, em todo caso, que tal e
tantas outras expressões repetidas sempre no mesmo formato, mas que não “correspondem
paradigmaticamente a unidades léxicas normais”.
Por outro lado, o fato de expressões como essas serem repetidas sistematicamente da
mesma forma sugere que não são construídas pelo falante no momento da fala. São estruturas
decoradas, que se comportam como um conjunto solidário, e portanto todas devem ter o
mesmo status das formas substituíveis por uma única palavra. Concluímos que o critério
apresentado por Vilela para a distinção de quais expressões constituiriam itens léxicos não se
justifica e não tem sustentação empírica.
171
Como visto no capítulo anterior, o falante proficiente não chega ao significado da
expressão a partir de uma computação metafórica ou inferencial. O significado da expressão
idiomática é acionado automaticamente, uma vez que está pronto e acessível no léxico
mental do falante nativo.
7
Nem todas as expressões fixas são idiomáticas. Isso quer dizer que os termos
“expressão fixa (EF)” e “expressão idiomática (EI)” não são sinônimos. As expressões
idiomáticas constituem somente um dos tipos das EFs. Outros tipos são apresentados a seguir.
5.2 Colocações (“collocations”)
A combinação de palavras umas com as outras nem sempre se efetua de forma livre,
dependente exclusivamente de condições sintático-semânticas. Ocorre uma associação ou
uma integração que vai além do significado, fazendo com que o uso de uma palavra dependa
de outra e possa ocorrer em presença dessa outra. É o que acontece com a palavra coroca,
que pode ser usada junto com velho (velho coroca), mas não junto com ancião, idoso, ou
outro item de significado semelhante. Chama-se a esse fenômeno “colocação”. As colocações
são conjuntos de palavras que co-ocorrem de forma idiossincrática, no sentido de que uma
preferência por certa associação, não decorrente exclusivamente do conteúdo semântico das
palavras envolvidas. Tagnin (1989, p. 30-31) assim se expressa a esse respeito:
O termo collocation foi introduzido pelo lingüista britânico J. R. Firth para
designar casos de co-ocorrência léxico-sintática, ou seja, palavras que
usualmente “andam juntas”. [...] Em português, temos o caso de coroca, que
somente existe na combinação velho/a coroca, e de varrido, que ocorre com
louco ou doido, dando louco/doido varrido.
Outros exemplos dessa co-ocorrência privilegiada são:
7
Quando aqui se usa o termo “falante”, a referência é feita ao “indivíduo que adquiriu o domínio da ngua”,
independentemente da sua posição no discurso como enunciador ou como enunciatário. Usa-se o termo “falante”
tendo em vista a inexistência de outro que englobe os dois aspectos (de produtor e receptor) e remeta ao
significado de “possuidor de uma língua”.
172
abraçar uma causa
acalmar os ânimos
afogar as mágoas
alimentar a esperança
amigo chegado
ao sabor dos ventos
apropriação indébita
arco-íris
armar-se de coragem
arrancar aplausos
arrimo de família
ataque fulminante
aviar uma receita
bater em retirada
bater o recorde
bater um prato
buzinar no ouvido
canteiro de obras
comprar briga
contar com [alguém]
curral eleitoral
direita, volver!
discussão/briga ferrenha
erro crasso
inimigos figadais
inspirar cuidados
lençol freático
letras garrafais
mentira deslavada
noz-moscada
obra-prima
óbvio ululante
pedra filosofal
pontos cardeais
salvo-conduto
sem sombra de dúvida
tecer considerações
tempos imemoriais
ter carradas de razão
terreno baldio
trato intestinal
vontade férrea
Também ao nomear tipos ou membros de uma classe formam-se colocações como
arma branca, engenheiro civil, construção pesada, arquivo morto, fila indiana, escada
rolante, madeira de lei, estrela-d’alva, pedra-pomes, pedra-ume e assim por diante. Nesses
casos aparece um elemento transparente que denota a classe (como arma), e um especificador
restritivo determinado idiossincraticamente (branca), que ao se agruparem compõem uma EF
que delimita a subclasse.
O motivo da escolha pelo agrupamento de uma palavra com outra nem sempre é
conhecido o que se sabe é que, no uso cotidiano da ngua, costuma-se dizer dessa forma e
não de outra qualquer. Por exemplo, é comum dizer que uma pessoa está me torrando a
paciência (mas não *assando a paciência ou *queimando a paciência). uma escolha por
um determinado agrupamento que não pode ser inteiramente explicada no plano semântico,
uma vez que ocorre uma junção específica entre palavras, e não entre significados. Uma prova
173
disso é o fato de os elementos de carga semântica semelhante não poderem tomar o lugar de
uma ou outra palavra da expressão.
Por exemplo, porque se diz cantar vitória e não *falar vitória ou *cantarolar vitória?
enfim, porque a palavra que vem junto com vitória é cantar? É uma escolha arbitrária, mas
assim é o uso. Para indicar um tipo de vinho usa-se a expressão vinho tinto e não *vinho
tingido, apesar de tinto e tingido serem ambos particípios do verbo tingir. E para abrir o vinho
usa-se um saca-rolha e não um *tira-rolha, embora o verbo tirar tenha a capacidade de
exprimir o mesmo significado de sacar. Em muitas colocações não é possível determinar uma
lógica semântica que justifique a preferência pela junção de tais palavras. São escolhas
arbitrárias, simplesmente consagradas pelo uso.
Muitas vezes uma das palavras da expressão é usada num sentido diferente daquele
correspondente à semântica própria da palavra, ou seja, é usada não no seu sentido próprio,
mas em outro específico para aquele agrupamento, como por exemplo no caso de levantar
uma questão. Outras vezes não opacidade, mas é impossível prever a escolha por aquela
formação do grupo sem que se saiba, de antemão, que uma palavra combina bem com
determinada outra, e não com outro termo teoricamente viável para veicular o mesmo
significado. Por exemplo, usa-se a colocação anjo da guarda e não *anjo da proteção ou o
*anjo da vigilância simplesmente não é esse o nome que se dá, apesar da semelhança de
significado das formas apresentadas. Nation (2001, p. 56) apresenta essa mesma noção através
do seguinte exemplo em inglês: “É mais usual, por exemplo, dizer que nós comemos speedy
food, quick food ou fast food?
1
.
Nation (2001, p. 317) define as colocações como “itens que freqüentemente ocorrem
juntos e têm algum grau de imprevisibilidade semântica”
2
, e Fernando (1996, p. 250) como
“a companhia que as palavras têm”
3
. Mel’čuk (1995, p. 182) expressa a mesma idéia de
forma mais elaborada (e menos compreensível):
1
Texto original: “Is it more usual, for example, to say that we ate some speedy food, quick food, or fast food?”
2
Texto original: “[...] it makes sense to regard collocations as items which frequently occur together and have
some degree of semantic unpredictability.”
3
Texto original: “Collocation is used in the sense J. R. Firth used it: ‘the company words keep’.”
174
Uma collocation AB de L é um frasema semântico de L tal que o seu significado
‘X’ é construído a partir do significado de um de seus dois lexemas constituintes
digamos, de A e um significado ‘C’ [de forma que ‘X’ = ‘A
C’] tal que o
lexema B expressa o contingente ‘C’ de A.
4
Tagnin (1989, p.18) caracteriza as colocações como “unidades lingüísticas
convencionais que se caracterizam pela combinabilidade de seus elementos” e explica ainda
que são palavras que “parecem combinar-se de forma natural, não havendo, via de regra,
explicação para o fato”.
Vemos que também no plano léxico as EFs têm um comportamento especial, que não
é o mesmo que se verifica no agrupamento das palavras na composição de sintagmas livres.
Como a colocação é geralmente um fenômeno idiossincrático e específico para cada
língua (language-specific) (TRASK, 1992, p. 49), uma maneira de evidenciar a sua presença é
através da tradução. Por exemplo, em português se diz pneu sobressalente, mas o mesmo
referente é apontado através de construções diferentes nas diversas línguas: “pneu de
provisão” em italiano, (gomma di scorta), “pneu reserva” em inglês (spare tire), “pneu de
reposição” em espanhol (neumatico de repuesto) e “pneu de socorro” em francês (pneu de
secours). A impossibilidade da tradução literal ajuda a evidenciar a idiossincrasia do grupo.
Evidentemente, essa é uma indicação, tendo em vista a esperada falta de
correspondência sintática e semântica entre as línguas.
As colocações representam um grande desafio na aprendizagem de línguas
estrangeiras. Elas são especialmente traiçoeiras para o falante não-nativo porque as línguas
diferem com relação aos termos que escolhem na combinação das palavras. Na língua
brasileira as pessoas tomam banho e não *fazem o banho, como se diria em italiano (fare il
bagno). Em português se diz ganhar tempo, mas em inglês se diz buy time, com o mesmo
significado. Também é interessante a colocação atender o telefone: junto com a palavra
telefone usa-se o verbo atender e não responder, diferentemente do que acontece em italiano e
em inglês, por exemplo (rispondere al telefono, answer the phone) mas, em português, com
outros meios de comunicação usa-se responder: responder a carta, responder o telegrama,
responder o e-mail – só com telefone se usa atender.
4
Texto original: “A collocation AB of L is a semantic phraseme of L such that its signified ‘X’ is constructed
out of the signified of the one of its two constituent lexemes say, of A and a signified ‘C’ [so that ‘X’ = ‘A
C’] such that the lexeme B expresses ‘C’ contingent on A.”
175
A idiossincrasia na escolha dos itens que “vão juntos” é também bastante evidente
quando se trata das preposições que acompanham verbos e nominais. Um dos casos mais
freqüentes de colocações refere-se ao uso das preposições que se associam a verbos, nomes ou
adjetivos. Novamente, a idiossincrasia da combinação pode ser ressaltada pela comparação
entre línguas. Por exemplo, na colocação do português contar com (alguém)”, a preposição
que acompanha o verbo contar é com; em outras línguas a preposição é diferente: em inglês
se diz to count on, em francês se diz compter sur e em italiano se diz contare suou seja, em
inglês, francês e italiano se usa a preposição equivalente a sobre, mas em português, ao
contrário, se usa a preposição com, apesar de os verbos (contar, count, compter e contare)
terem todos o mesmo sentido além de terem também a mesma origem. Aliás, é bem sabido
que a escolha e o uso das preposições é um dos maiores problemas no aprendizado de uma
L
2
5
, devido justamente à idiossincrasia e à falta de previsibilidade representada por esse tipo
de colocação
6
.
Enfim, não há dicas que indiquem a escolha que uma língua faz dos termos das
colocações, nem motivações que justifiquem a preferência por uma determinada associação.
Na ausência de indicadores semânticos, o falante estrangeiro muitas vezes é levado a fazer as
combinações das palavras com base nas escolhas existentes na sua própria língua nativa,
evidenciando a sua condição de “falante ingênuo” ao gerar estruturas “desajeitadas”, como
por exemplo *fazer providências, em vez de tomar providências (a partir de make
arrangements); ou *açúcar marrom, em vez de açúcar mascavo (a partir de brown sugar); ou
uma *corrente de montanhas em vez de uma cadeia de montanhas (a partir de une chaîne de
montagnes), ou *dar as demissões em vez de pedir demissão (a partir de dare le dimissioni) ,
e assim por diante .
As colocações evidenciam o fato de que, para falar uma língua, é preciso saber qual é
a forma privilegiada da combinação das palavras nos sintagmas, isto é, qual palavra combina
com qual outra, uma vez que essa associação muitas vezes é imprevisível. Como afirma
Nation (2001, p. 56), “conhecer uma palavra envolve conhecer com quais palavras ela
tipicamente ocorre”
7
. Por exemplo, para indicar a ação de “pegar um comprimido e engolir” a
estrutura convencional é tomar um comprimido muito embora em português o verbo tomar,
5
A respeito da dificuldade apresentada no emprego adequado das preposições em ngua estrangeira veja-se a
análise de erros feita por Katerinov (1980, p. 37).
6
As colocações que se referem à idiossincrasia no uso das preposições será abordada na seção 5.2.2.
7
Texto original: “Knowing a word involves knowing what words it typically occurs with.”
176
no sentido de “ingerir”, seja usado somente com relação a líquidos. Além disso, não se diz
*comer um comprimido que seria um sintagma teoricamente possível, logicamente
montado, mas inadequado: simplesmente não é assim que se diz. Como explica Palmer (1933,
p. 4, apud Nation, 2001, p. 317),
Cada [colocação] ... precisa ou deveria ser aprendida, ou é melhor aprendida,
ou aprendida de forma mais conveniente, como um todo integrado ou uma
unidade independente, e não através do processo de ajuntar suas partes
componentes.
8
Dentre as EFs, as colocações são as mais cruciais ou fundamentais no uso cotidiano da
língua. Explico: num enunciado qualquer, é até possível prescindir de alguns tipos de EFs,
como expressões idiomáticas ou provérbios, por exemplo, mas é impossível manejar
adequadamente uma língua sem saber quais são as colocações daquele idioma, isto é, sem
conhecer as escolhas que aquela determinada língua faz com relação à combinação das
palavras. Afinal, as colocações são utilizadas na montagem dos próprios sintagmas, sendo
uma face das chamadas “restrições selecionais”. Segundo Nation (2001, p. 318), “o
conhecimento de uma língua é o conhecimento das colocações”
9
. É evidente como isso
condiciona a idéia tradicional da “criatividade” no uso da língua.
Esse aspecto lingüístico da escolha privilegiada de certas palavras em combinação
com outras é tratado em inglês pelo termo collocation. Tagnin (1989) tratou do fenômeno
pelo nome de “coligação” e, seguindo Fillmore, reservava o termo colocação apenas para o
tipo em que “a co-ocorrência dos elementos é extremamente restrita”, como em velho coroca
e doido varrido (TAGNIN, 1989, p. 30-31). Outros autores, por outro lado, tratam como
coligação as combinações sintáticas (FRANÇOIS; MANGUIN, 2006, p. 50). Num artigo
mais recente, Tagnin (2005) passa a adotar a terminologia colocação, com a justificativa de
que foi o termo que se consagrou na literatura sobre o assunto. Fui assim compelida a adotar a
mesma nomenclatura consagrada pelo uso, com o objetivo de evitar a proliferação
terminológica de nomes diferentes para o mesmo fenômeno, apesar de considerar que se trata
de uma tradução pouco adequada da palavra inglesa collocation.
O termo colocação é sem dúvida uma tradução infeliz, uma vez que não remete ao
mesmo significado de collocation. Em inglês, collocation refere-se a co-location”, ou seja, a
8
Texto original: “Each [collocation] ... must or should be learnt, or is best or most conveniently learnt as an
integral whole or independent entity, rather than by the process of piecing together their component parts.”
9
Texto original: “Language knowledge is collocational knowledge.”
177
uma localização lado a lado. Esse sentido é perdido com a tradução “colocação”, uma vez que
em português a palavra colocação possui outro significado. A tradução tenta manter o som
da palavra original e estabelecer uma semelhança sonora com o termo inglês, a despeito da
perda do significado original. É portanto uma tradução desastrada. Por esse motivo,
considerava mais adequada a terminologia de Tagnin (1989), que denominava esse fenômeno
“coligação”.
O desenvolvimento de estudos nessa área levou a variadas concepções sobre as
denominadas collocations”. Alguns autores usam o termo para se referir a ligações entre
palavras que co-ocorrem habitualmente e que conservam o seu sentido próprio, ou seja, que
“significam exatamente o que se compreende conhecendo o significado lexical individual e as
regras sintáticas”
10
(BLANK, A., 2001, p. 152, apud FRANÇOIS, J.; MANGUIN, J., 2006,
p. 52). Esse enfoque não contempla os idiomatismos semânticos, mas trata de um tipo de
combinação como no sintagma salário mínimo, onde os termos são compreensíveis mas de
uso inexplicavelmente mais freqüente com essa ligação e não outra qualquer possível para a
mesma finalidade. Outros autores usam o termo collocation indicando outro fenômeno,
relacionado à idiomaticidade da ligação. F. Hausmann (1998, apud François e Manguin, 2006,
p. 52) propõe uma classificação tripartite para a ligação entre dois termos: (a) se os termos
conservam sua semântica própria, temos uma combinação livre; (b) se um dos constituintes
seleciona o outro, temos uma collocation(como em mentira cabeluda); (c) se todos os dois
se selecionam mutuamente e ocorrem unicamente naquela construção temos uma locução de
caráter idiomático (como em pão-duro). Em geral todos os autores concordam que nas
colocações a ligação convencional é imprevisível; mesmo nos casos em que o significado é
transparente e o sintagma pode ser compreendido (como em tomar banho), é improvável que
a expressão convencional seja produzida corretamente se não é conhecida por antecedência.
Colocações e expressões idiomáticas têm um traço importante em comum, que é o fato
de não poder haver criatividade na composição interna da estrutura. A diferença é que a
expressão idiomática muitas vezes apresenta uma estrutura onde há muitos termos que são
fixos e idiossincráticos (como nas EIs perder as estribeiras, botar os pingos nos is ou a
sangue-frio). Nas expressões idiomáticas, às vezes toda a estrutura é semanticamente
10
Texto original: [Les collocations] “signifient exactement ce que l’on peut comprendre en connaissant les
significations lexicales individuelles et les règles syntaxiques”.
178
idiossincrática (como por exemplo em botar em pratos limpos ou mandar brasa).
Eventualmente, nenhum dos termos pode ser tomado no seu significado literal.
As colocações, por outro lado, referem-se à especialização de uso de palavras que se
associam, de termos que andam lado a lado. Cada colocação reúne um pequeno número de
palavras, sendo que raramente o agrupamento é maior do que duas ou três palavras alguns
autores inclusive definem essa classe como “expressões semi-fixas binárias” (Grossmann e
Tutin 2002, 2003, apud François e Manguin, 2006
11
). Nas colocações, geralmente um dos
termos é usado no seu sentido próprio, como por exemplo erro crasso, bater em retirada,
braço de mar e armar-se de coragem, onde as palavras erro, retirada, mar e coragem são
tomadas no seu sentido literal e apontam para o referente próprio, habitual. A maior diferença
entre as colocações e as expressões idiomáticas é essa: nas colocações, geralmente um dos
termos é que se associa de forma convencional com o restante do grupo, sendo que os demais
termos são tomados no seu sentido próprio. A escolha dessa associação é idiossincrática, não
motivada semanticamente.
As colocações atingem não somente o verbo, na estrutura [verbo + complemento], ou
o uso de preposições, mas podem envolver outros termos, como nomes, adjetivos, preposições
e conjunções, como se vê nos exemplos abaixo:
11
Texto original: “Pour F. Grossmann & A. Tutin (2002, 2003) les collocations [sont] définies comme des
expressions semi-figées binaires, constituées de deux expressions linguistiques [...].”
179
QUADRO 2
Colocações e classes de palavras – exemplos de casos
N
o
Classe escolhida
idiossincraticamente
Exemplos de casos
01
verbo
refrescar a memória, massagear o ego, trilhar um caminho, trincar os
dentes, torrar dinheiro, tirar a pressão, sustar o cheque, aviar a receita,
bater recorde, incorrer no erro, dispensar cuidados, destampar um
falatório, morder-se de inveja, rachar de pancada, abrir o apetite,
amarrar o trânsito, armar uma confusão, entabular conversa, furar fila,
correr perigo, alimentar esperanças
02 adjetivo trabalho pesado, os postas, olhos rasos d’água, olhos esbugalhados, a
esmagadora maioria, amigo chegado, ataque fulminante, estar coberto de
razão, inimigos figadais, letras garrafais, construção civil, preço salgado,
água potável
03 nome canteiro de obras, curral eleitoral, trato intestinal, em compasso de
espera, toque de recolher, na horinha
04 preposição comandante-em-chefe, estar de cama, faltar de aula, ao que tudo indica,
do contrário, de blico, por certo, estar apaixonado por, depender de,
preocupação com, gostar de, com relação a, por conta de, em torno de
05 advérbio o que bem querer, pensar bem, assim que, criticar abertamente, obedecer
cegamente, estupidamente gelado
06 conjunção SN + V que V - ex.: eu limpo que limpo
As colocações podem incluir agrupamentos em que a ordem na junção dos termos é
idiossincrática, além de apresentarem uma associação semântica peculiar. Por exemplo, usa-se
a expressão rápido e rasteiro, e não se diz *rasteiro e rápido: nesse caso, a ordem das
palavras é irreversível. Apesar de as colocações serem convencionais sobretudo do ponto de
vista semântico-lexical, podem ocorrer também traços idiossincráticos do ponto de vista
formal.
Um caso interessante é o das colocações espera ! / espera lá! / espere ! / péra /
péra , em que se verifica uma imprevisibilidade fonológica. Essas expressões apresentam as
seguintes particularidades:
1) as formas péra e péra (e a forma isolada péra!) apresentam os únicos casos
em que o verbo esperar pode perder a sílaba es- inicial: não se pode dizer *eu
perei duas horas, nem *eu vou te perar na frente da escola, por exemplo o que
180
mostra que as formas péra e péra têm de ser memorizadas individualmente,
separadamente do verbo esperar;
2) e são colocações usadas com o verbo esperar (e alguns outros verbos, como
em olha aí!, fecha essa porta aí!) só no imperativo, e em nenhum outro tempo;
3) as palavras e são expletivas, no sentido de que não têm significado locativo
nesse contexto.
Esses fatos sugerem que, além de o falante memorizar o verbo esperar e seu
paradigma, tem também de memorizar separadamente as formas péra / péra , que não se
encaixam no paradigma do verbo esperar.
A imprevisibilidade da composição interna das colocações implica a admissão de que
esses agrupamentos têm de ser necessariamente estocados em conjunto na memória. É certo
que cada palavra do grupo que forma uma colocação deve ter uma entrada independente no
léxico mental
12
, mas além disso é necessário que também todo o grupo seja estocado
paralelamente, tendo em vista a impossibilidade da montagem daquela forma específica (e
não de outras teoricamente possíveis) a partir do conhecimento das palavras isoladas. Isso
significa que o léxico mental tem de ser necessariamente redundante e deve incluir vários
níveis de informação, entre eles a combinatória dos lexemas, ou seja, qual palavra é usada em
combinação com outra na produção de um determinado significado.
Essa constatação a respeito da redundância do léxico, do número de informações
presentes e da necessidade de memorização também de sintagmas prontos amplia a
importância do léxico dentro da estrutura da língua e põe em xeque modelos lingüísticos que
focalizam privilegiadamente o componente sintático na formação das sentenças, ou que
entendem o processo de inserção léxica como uma escolha condicionada apenas por
condições formais, sem levar em conta as colocações e as associações privilegiadas na língua.
12
têm entrada independente no léxico mental as palavras que existem independentemente da expressão. Um
item como humorado não tem entrada independente, uma vez que só aparece dentro de uma EF: mal-humorado /
bem-humorado.
181
5.2.1 Objeto incorporado
Um caso especial é o das construções de SV com objeto incorporado, estudadas por
Saraiva (1997) e exemplificadas em ocorrências como as seguintes
13
:
(1) Fui buscar menino no colégio às cinco horas.
Papai sempre lia jornal depois do almoço.
Eu vou passar roupa à tarde.
As construções com objeto incorporado apresentam características particulares, como
o fato de o SN objeto não ser identificável (no sentido de que não é possível reconhecer o
indivíduo específico a que o SN se refere) e também o fato deo haver ativação dos
membros integrantes da classe: isto é, com no grupo [V + OD incorporado] focaliza-se
somente o evento, e não a entidade descrita pelo nome.
Como explica Saraiva (1997, p. 17), as construções com objeto incorporado não se
confundem com as expressões idiomáticas, uma vez que têm significado previsível, que pode
ser montado através das regras semânticas do português, diferentemente das expressões
idiomáticas que têm caráter idiossincrático.
Por outro lado, as construções com objeto incorporado possuem alguns traços das
expressões convencionais, de modo que pode-se dizer que se situam na interface entre as
colocações e os SVs construídos pelo falante. Vejamos:
a) Traços que as construções com objeto incorporado compartilham com os SVs
composicionais (e nesse sentido se diferenciam das expressões fixas):
1. são produtivas e sistemáticas, no sentido de que constituem um fenômeno
“independente de condicionamentos léxicos, quer da parte do verbo, quer da
parte do nome” (SARAIVA, 1997, p. 85); (as EFs, por outro lado, não são
produtivas, uma vez que a natureza semântica da construção idiomática o se
generaliza para outros casos);
2. têm significado previsível (muitas EFs, como se sabe, têm interpretação não-
literal, embora haja também EFs com significado previsível);
13
Os exemplos são de Saraiva (1997, p. 5).
182
3. admitem livremente o contraste entre SNs nus e plenos, isto é, é possível
substituir o SN nu do objeto incorporado por um SN pleno (as EFs sofrem
restrições quanto à inserção de modificadores e determinantes, o que
condiciona a falta de liberdade de ocorrência de SNs plenos no lugar do SN
objeto).
b) Traços que as construções com objeto incorporado não compartilham com os SVs
composicionais e sim com as colocações (e nesse sentido se igualam às EFs):
1. sofrem restrições de movimentação do objeto, como restrições quanto à
topicalização e à clivagem (ressalte-se todavia que a força da restrição não é
idêntica entre as construções com objeto incorporado e as EFs: construções em
que o objeto incorporado aparece topicalizado ou clivado são sentidas como
“degradadas” em relação àquelas em que o item ocorre na ordem básica, mas não
chegam a representar uma total agramaticalidade nas EFs a posição do objeto
é mais rígida, de forma que o nome é impedido de ser topicalizado ou clivado,
como se pela inadequação de sentenças como *Bola, ele me deu naquela festa
e *Foi bola que ele me deu naquela festa. – cf. SARAIVA, 1997, p. 22-23);
2. sofrem restrições quanto à possibilidade de pronominalização do objeto, assim
como acontece nas EFs;
3. sofrem restrições quanto à possibilidade de hesitação entre o verbo e o
complemento, como também nas EFs;
4. formam um todo semântico, assim como as EFs, que também constituem um único
bloco de significado.
Esses casos examinados tratam da incorporação do objeto sintático, e não de uma
relação temática o foco é a relação gramatical, que apresenta idiossincrasias, e não a relação
temática, que permanece inalterada. Trata-se portanto de uma convencionalidade do tipo
sintático.
183
5.2.2 Regência
A regência é o caso mais típico das colocações. Como várias preposições têm uma
matriz semântica bastante pobre, a escolha que a língua faz por uma delas em associação com
outra palavra é muitas vezes desprovida de motivação semântica
14
. Assim, a junção de um
verbo a uma determinada preposição específica muitas vezes reflete uma mera convenção.
Essa também é a opinião de Jackendoff (1996, p. 102):
[...] algumas preposições expressam relações abstratas (por esse motivo), e
algumas são simplesmente cola gramatical (acreditar em lingüística
cognitiva, medo de mudança).
15
Quando se fala em regência pensa-se como caso prototípico o dos verbos, que podem
reger objeto direto ou complementos preposicionados. Alguns verbos são seguidos de
preposições específicas, como confiar em, depender de, interessar-se por, etc. Costuma-se
fazer referência a essa condição dizendo que um verbo rege uma determinada preposição, ou
seja, o verbo pensar, por exemplo, rege as preposições em ou sobre (mas não a, como em
outras línguas), gostar rege de, preocupar-se rege com, etc. Temos então usos especiais de
verbos com certas preposições específicas. Enfim, quando se fala em regência pensa-se em
casos de exigência ou de adequação do uso de preposições, embora a noção de regência
verbal, stricto sensu, inclua igualmente os casos de ausência de preposição (isto é, a regência
[V + OD]). Evidentemente, falamos de colocações se há uma preposição regida por um verbo.
Não somente verbos regem preposições, mas também os nominais (substantivos e
adjetivos) e também alguns advérbios. Por exemplo, usa-se interesse em, especialista em,
direcionado para, preocupado com, louco por, apaixonado por (ou apaixonado com, em
alguns dialetos), favoravelmente a, etc.
A regência é então um caso de combinação de um verbo, um substantivo, um adjetivo
ou um advérbio a uma preposição específica. É portanto um tipo de colocação, uma vez que
uma palavra da ngua (um verbo, um nominal ou um advérbio) vem acompanhada de uma
14
Uma posição contrária a essa encontra-se em Márcia Berg (2005), que afirma a existência de conteúdo
semântico das preposições ligadas a verbos. No entanto, consideramos as conclusões pouco convincentes.
15
Texto original: “[...] some prepositions express abstract relations (for no reason), and some are just
grammatical glue (believe in cognitive grammar, afraid of change).”
184
outra determinada palavra (uma preposição específica) estabelecida idiossincraticamente, por
convenção.
Segundo a análise proposta pela gramática gerativa, a preposição rege o sintagma
preposicionado. A razão oferecida para essa análise baseia-se na afirmação de que, em
sentenças como Tiradentes morava em Ouro Preto, o sintagma em Ouro Preto representa
uma das instanciações de em. Tem-se então uma análise paralela a que se faz para Tiradentes
comeu a pizza, onde se considera que o sintagma a pizza é uma das instanciações de comer.
Essa justificativa para a interpretação da preposição como o termo regente carece de
consistência, que no exemplo acima a preposição tem conteúdo locativo em decorrência do
ambiente semântico em que se encontra, compondo a diátese do verbo morar. Mas em vários
outros casos a preposição não tem conteúdo semântico. Por exemplo: em eu pensei em você, a
preposição em não tem conteúdo semântico nenhum – se é assim, não haveria motivação para
se dizer que você é uma instanciação de em (de conteúdo semântico nulo). A preposição em
nem mesmo é uma expansão necessária de pensar, que existem casos de uso desse verbo
sem preposição, como pensar bobagem. É preciso ainda lembrar que a preposição não exige o
complemento (que pode ser variado ilimitadamente), mas cada verbo é que escolhe ou
seleciona o uso da preposição e do complemento que o acompanha. Tendo em vista essas
considerações, parece mais adequada a análise que diz que é o verbo que rege a preposição.
A escolha de qual preposição segue o verbo ou o nominal é muitas vezes estabelecida
de forma aleatória pela língua, ou seja, em vários casos não é possível determinar uma
motivação semântica que explique a presença de tal preposição e não de outra. Vejam-se
abaixo alguns exemplos que evidenciam a falta de conteúdo semântico da preposição, uma
vez que a relação semântica entre os verbos é semelhante, mas o uso da preposição é
diferente:
(2) confiar em alguém - mas: desconfiar de alguém
(3) gostar de marmelada - mas: adorar
Ø
marmelada
mencionar
Ø
um assunto
(4) tocar em um assunto - mas: tratar de um assunto
falar sobre um assunto
Nos casos abaixo também uma relação semântica semelhante entre os pares
apresentados, mas há uma diferença quanto à aceitação das preposições:
185
(5) próximo de / próximo a - mas - perto de / *perto a
(6) amor à pátria / amor pela pátria - mas - *paixão à pátria / paixão pela pátria
E ainda, em outros casos, a presença ou a ausência da preposição, com o mesmo verbo
e no mesmo contexto, não afeta o conteúdo proposicional:
(7) obedecer aos pais = obedecer os pais
(8) assistir ao filme = assistir o filme
Esses exemplos mostram que, em certos casos, a preposição é desprovida de
significado. A ausência de conteúdo semântico da preposição nesses contextos, levando a uma
idiossincrasia na escolha da preposição que acompanha certos verbos, nominais e advérbios,
faz com que o falante seja obrigado a memorizar cada caso de regência, um a um,
individualmente. Não é possível estabelecer uma regra sintática nem semântica aplicável de
forma generalizada a todos os casos de regência, indicando quando usar uma preposição e
qual seria ela. Portanto, a colocação que constitui o conjunto [verbo + preposição], ou
[nominal + preposição] ou [advérbio + preposição] tem de ser decorada caso a caso.
Esse tipo de colocação que se refere à regência, isto é, ao uso idiossincrático de uma
preposição específica que se junta a um determinado nominal, verbo ou advérbio não foi
elencado no dicionário de expressões fixas que constitui o córpus deste trabalho. Isso porque a
noção de regência envolve questões ainda não resolvidas, como a distinção entre
complementos e adjuntos, questões relativas à análise da diátese verbal e ainda questões
relativas à classificação da preposição como inerente ou não ao verbo ou aos demais termos
aos quais se liga
16
, o que dificulta a identificação dos casos de colocação. Por exemplo, não há
dúvida de que gostar de é uma colocação: a preposição é idiossincrática e seu uso é
obrigatório para introduzir o complemento do verbo gostar. Mas e quanto às construções
contar com [alguém] e dividir [algo] com [alguém]? Até que ponto se pode afirmar que o uso
de com nesses casos é idiossincrático e não usado no seu sentido próprio, indicativo de
companhia? Até que ponto contar com e dividir com apresentam características
idiossincráticas? Como essas questões ainda estão pendentes, a separação das colocações de
casos de construções regulares e a especificação de cada caso de regência verbal, nominal e
16
Uma pesquisa sobre diáteses verbais foi elaborada por Perini (a sair), mas nesse estudo não foi levado em
conta o ponto de vista relativo à característica da preposição ligada ao verbo, se funcional ou usada no seu
sentido próprio, e portanto não colabora na identificação dos casos de colocação.
186
adverbial ainda não é possível, dado o atual estado do conhecimento sobre o assunto. Por esse
motivo as regências não foram incluídas na listagem das expressões fixas que serviu de base
para esta pesquisa.
Corrobora-se assim a constatação de que a parte idiomática da ngua não sujeita a
regras gerativas, aprendida em bloco e memorizada em grupo, é extremamente extensa. Não
se decoram somente palavras isoladas e regras lingüísticas, mas também grupos fixos e
combinações preferenciais de palavras, que devido inclusive à sua grande freqüência de uso
possuem um peso importante para a descrição da estrutura da língua brasileira. Não é possível
esconder o fenômeno ou relegá-lo a um plano desimportante, como um “epifenômeno”. A
língua é assim.
5.2.2.1 Preposições inerentes?
Outro fato a ser discutido na análise da regência verbal refere-se à seguinte questão: as
preposições que acompanham verbos (como em gostar de e confiar em, por exemplo) devem
ser analisadas como preposições “inerentes” aos verbos? Existem lingüistas que defendem
esse tipo de classificação, mas dúvidas sobre a sua adequação, ou seja, é questionável a
análise de que a preposição seria um elemento inerente à forma verbal.
Não dúvida de que, do ponto de vista lexical, a regência verbal é um caso de
colocação, uma vez que a preposição que acompanha certos verbos é em muitos casos
escolhida idiossincraticamente, e portanto tem de ser memorizada individualmente, para cada
verbo (e às vezes para cada acepção do verbo). Isso sugere que o verbo e a preposição que o
acompanha constituem uma forma inter-relacionada, e portanto uma unidade lingüística e
conceitual. Por exemplo: na construção de uma sentença com o verbo preocupar (ou
preocupar-se) usa-se a preposição com para marcar a causa (como em Eu não preocupo com
isso.). A preposição de também tem a propriedade de marcar a causa em outros contextos
(como em Ele morreu de pneumonia.), mas no caso do verbo preocupar a língua portuguesa
escolheu o uso de com, e proíbe o uso de de.
Independentemente do fato de as colocações de regência serem sem dúvida
memorizadas individualmente, e portanto constituírem expressões fixas, a classificação dessas
preposições como elementos sintaticamente presos aos verbos não é isenta de problemas .
187
Do ponto de vista lexical, argumentos para se considerar o conjunto [verbo +
preposição inerente] como um grupo solidário; a questão se coloca do ponto de vista sintático,
uma vez que a preposição forma um constituinte não com o verbo, mas com o SN que o
segue. Vejamos a sentença abaixo:
(9) Eu me interesso por lingüística.
Nesse caso aparece a forma interessar-se, que por sua vez condiciona o aparecimento
da preposição por (ou seja, o grupo interessar-se por é uma colocação). Por outro lado, o
complemento verbal é por lingüística, e a preposição inicia um constituinte separado do
verbo. Sendo assim, já não se pode atribuir à preposição uma vinculação total ao verbo, já que
do ponto de vista sintático a preposição faz sintagma com o complemento, e não com o verbo.
Pode-se considerar ainda que a preposição nem sempre aparece unida ao verbo, como
em casos de anáfora ou antes de orações subordinadas, como se vê nos exemplos abaixo:
(10) O Mário gosta de feijoada, mas eu não gosto . [ = de feijoada]
(11) Gosto de fazer isso. - mas: Gostaria que você fizesse isso.
E ainda: em alguns casos a preposição pode aparecer ou não com o mesmo verbo, com
ou sem mudança nítida de significado. Veja-se:
(12) Eu esperei pela menina. / Eu esperei a menina.
(13) Gandhi sonhou com um mundo de paz. / Gandhi sonhou um mundo de paz.
Seria possível contra-argumentar citando casos em que uma preposição aparece no
final de sentenças, o que poderia ser entendido como um caso em que a preposição estaria
unida ao verbo e fechando um sintagma, como em O Chico vai votar a favor do governo, mas
eu vou votar contra. Essa construção aparece em decorrência do fato de que, nesse caso,
uma anáfora (uma elipse) que segue a preposição, cujo referente é “o governo”. A preposição
não é omitida pelo fato de que não é vazia de significado (isto é, tem conteúdo semântico, que
é especialmente relevante para marcar o contraste no exemplo apresentado) e pelo fato de
pertencer a uma classe especial dentro da classe das preposições, formada pelo pequeno grupo
de preposições que podem anteceder elipses (observe-se a impossibilidade de *Ele odeia
188
frango, mas eu gosto de, caso em que o aparecimento da preposição no final da sentença
provoca a agramaticalidade do enunciado).
Uma saída para esse impasse seria considerar que o que está presente no léxico não é
o verbo unido a uma preposição que lhe é inerente, mas toda a valência verbal, com todas
as suas diáteses, de forma que a instrução lexical memorizada para interessar-se, por
exemplo, não seria somente interessar-se por, mas toda a diátese:
SN + interessar-se + por + SN
experienciador/agente causador de experiência
Dessa forma, poderíamos harmonizar o ponto de vista semântico e sintático, uma vez
que consideramos que o que o falante memoriza não é somente o verbo mais a preposição,
mas toda a diátese verbal interpretada simbolicamente, incluindo uma descrição dos
complementos sintáticos e da grade temática que entra na composição do verbo. A forma mais
conveniente de representar a associação do verbo com a preposição é simplesmente incluir a
preposição na valência do verbo, isto é, nas diáteses em que ele aparece.
A partir dessa representação, podemos continuar a exprimir a escolha idiossincrática
do verbo por uma preposição como um caso de colocação, tomando da estrutura valencial
memorizada pelo falante aquela parte lexicalmente preenchida.
Outro problema relacionado ao uso da preposição refere-se ao fato de que nem sempre
é fácil identificar se a preposição que introduz um complemento verbal representa um uso
idiomático ou não. Quer dizer, nem sempre se pode afirmar que a identidade da preposição
(de, em, por etc) é determinada pelo verbo. Por exemplo: será que se pode assegurar que
morar em constitui uma colocação (já que a preposição em faz parte da diátese de morar), ou
estaria sendo usada aí no seu sentido próprio, e portanto não seria idiossincrática?
Tendo em vista que
em casos de regência verbal questões teóricas que tornam imprecisa a
classificação da preposição como inerente ao verbo e assim tornam difícil a
detecção clara dos casos de colocação;
dicionários tradicionais que registram a regência dos verbos, listando as
preposições que acompanham alguns verbos, e assim cobrem a descrição desse
aspecto lingüístico, mesmo que de forma não muito aprofundada,
189
optei então por não incluir no dicionário de EFs os verbos acompanhados de preposições. Isso
não significa, entretanto, uma exclusão de tais grupos no elenco total das EFs. Ao contrário, é
bastante claro que preposições que formam uma colocação com o verbo, e portanto o
grupo pertence à classe das expressões fixas. A exclusão dos casos de regência do dicionário
das EFs que serve como base de córpus a este trabalho tem somente valor operacional:
significa tão-somente que, para a consulta relativa a casos de regência verbal, o interessado
deve procurar um dos vários dicionários especializados nesse tema. E que, para uma
computação global de todos os casos de EFs da língua brasileira, é preciso somar ao elenco
das EFs aqui apresentado todos os casos de regência verbal idiossincrática.
Como visto no caso da regência verbal apresentado acima, motivações para se
considerar que a preposição que aparece depois do verbo (como nas seqüências pensar em,
gostar de, preocupar-se com, etc) não fecha o sintagma formado pelo verbo, mas inicia um
novo sintagma (um SPrep). Aliás, as preposições têm exatamente a função de ligar partes da
oração, e marcam o início de um novo sintagma relacionado formalmente e semanticamente
ao anterior. Tendo em vista essas considerações, não se pode dizer que todas as EFs
constituem sintagmas.
Analisando ainda a relação da preposição com o termo ao qual se liga (se inerente ou
não), vê-se que as preposições podem aparecer no final de uma EF, como se em casos
como à base de, a partir de, à luz de, com relação a, com referência a, com vistas a, por
causa de, por meio de. Um argumento forte para se considerar a preposição como integrante
da EF, nesses casos, é o fato de ela não poder ser suprimida. No exemplo abaixo, a preposição
do bloco em vez de não é suprimida mesmo diante de outra preposição:
(14) “Quando estive no Brasil, recentemente”, continuou, “tive uma conversa muito
interessante sobre afro-brasileiros porque, é claro, meus ancestrais poderiam muito bem ter
acabado no Brasil, em vez de no Alabama.” (jornal Folha de São Paulo, 10 de maio de 2006,
página A 18)
No grupo de EFs citado acima (no qual está incluída a EF à base de), a preposição que
aparece no final tem realmente um comportamento diferenciado, uma vez que não pode ser
eliminada da estrutura, integrando a seqüência idiomática. Parece que casos como esses
ocorrem unicamente em EFs. Vê-se então que, no caso das expressões cristalizadas, a
preposição pode fechar um grupo idiomático (e não só introduzi-lo).
190
Um caso interessante relacionado ao uso de preposições aparece na EF mista [o que +
V + de N + O]
17
, como nas construções o que tem de gente / o que eu comi de doce,
indicativas de que a quantidade do SN é grande. Apesar de verbos como ter ou comer não
serem seguidos de preposição, quando se emprega a EF citada é obrigatória a presença da
preposição de antes do nome que integra a diátese do verbo. Vejam-se os seguintes exemplos:
(15) O que tem de holandês nesse time não está no gibi.
(16) O que eu comi de camarão em Florianópolis você nem imagina.
Há um caso especial de uso de preposição que foi incluído neste estudo e no elenco do
dicionário: trata-se da regência à esquerda”. Observe-se que quando se fala de regência,
geralmente se pensa na exigência que um elemento faz com relação à preposição que o segue.
Aqui falo da exigência que um elemento faz com relação à preposição que o antecede.
Exemplos são: à toa, às vezes, em tempo, em/a domicílio, com/ em relação a, de acordo com.
Nesses casos uma exigência “para trás”, ou seja, nessas EFs o nome exige uma
determinada preposição antes dele, formando o grupo [Prep + SN] ou [Prep + SN + Prep].
Essas também são unidades lingüísticas que se combinam de uma forma convencionada, e
portanto também são colocações.
5.3 Expressões semanticamente transparentes mas de estrutura morfossintática
idiossincrática
Como mencionado anteriormente, várias expressões que não são opacas e têm
significado depreensível por quem não as conheça antecipadamente, mas que mesmo assim
são construções cristalizadas e convencionais. É o caso de expressões como gosto não se
discute (que é um dito proverbial de sentido literal), abre a boca e fecha os olhos (considerada
uma EF porque é uma estrutura irreversível que não permite a permuta de ordem dos
elementos coordenados), precisar ver para crer (considerada uma EF pela agramaticalidade
observada na substituição paradigmática: *necessitar olhar para acreditar), [fazer algo] de
caso pensado (que é compreensível através da montagem do significado de cada palavra, mas
17
As EFs mistas são caracterizadas por uma fórmula que inclui [léxico + sintaxe], ou seja, apresenta alguns
itens lexicais fixos e algumas estruturas em aberto. Esse tipo de formação será examinado na seção 5.6.
191
igualmente não aceita substituição por sinônimos, como se pela impossibilidade de *de
história pensada), [ir] de mal a pior (que pode ser compreendida literalmente, mas é repetida
com freqüência no mesmo formato e não admite um oposto, como *ir de bem a melhor),
pedir em casamento (onde a semântica não é opaca mas a estrutura sintática, com o emprego
da preposição em, ocorre com o verbo pedir nessa construção específica, e não é possível
em outros usos desse verbo) e também o SN amor-próprio (em que a composição é feita
sobre o significado literal das partes).
Outro exemplo de expressão transparente é mau humor / bom humor: a EF é
compreensível pela soma dos elementos componentes, mas a freqüência da composição
repetida exatamente com as mesmas palavras (e não *humor agradável ou *humor ruim) e,
além disso, a invariabilidade na posição anteposta do adjetivo (*humor mau / *humor bom)
indicam a cristalização do grupo.
A expressão dia sim, dia não, empregada na sentença abaixo, também é transparente:
(17) A enfermeira faz plantão dia sim, dia não.
Apesar disso, trata-se certamente de uma EF, o que é comprovado pela invariabilidade
da ordem: *dia não, dia sim.
Um caso claro é o da expressão quer dizer, que do ponto de vista semântico é
transparente, mas sob outro aspecto é idiossincrática: essa expressão inclui a palavra quer, que
em outros contextos se comporta como um verbo, mas que nessa expressão é invariável.
Mesmo se sou eu que quero fazer uma explicação ou retificação, não digo “*quero dizer”, e
sim quer dizer, sem que o verbo concorde com o suposto sujeito. Por exemplo:
(18) Nós achamos ele horrível – quer dizer, muito menos bonito que o irmão. (*queremos dizer)
Algumas expressões semanticamente transparentes apresentam estrutura sintática
irreversível, montadas de forma que a ordem das palavras não pode ser alterada. Por exemplo:
falamos de uma cozinheira de forno e fogão, mas não *de fogão e forno; podemos jogar uma
moeda para cima e dizer cara ou coroa?, mas não *coroa ou cara?; pode-se examinar uma
pessoa de alto a baixo, mas não *de baixo a alto
18
.
18
A questão da irreversibilidade da ordem sintática é tratada na seção 6.1.
192
Em locuções nominais, mesmo no caso de a associação ser transparente (como em
sofá-cama, armário embutido, alfinete de segurança, lava-louças, guarda-volumes, garoto-
propaganda, lança-chamas, homem-bomba, pronta entrega, pronto-socorro, débil mental e
salário mínimo) pode-se falar de uma expressão fixa, uma vez que a referência pode ser
feita através de no mínimo duas formas livres, sem possibilidade de substituição léxica
(*poltrona-cama), sem possibilidade de inserção interna (*sofá lindo-cama) e sem
possibilidade de alteração na ordem dos termos constituintes (*cama-sofá).
Outros exemplos de expressões fixas transparentes, interpretáveis a partir da soma dos
componentes da expressão são Feliz Natal, toca-fitas, salário nimo, detector de mentiras,
quebra-nozes, menor abandonado, prisão perpétua, surdo-mudo, guarda-roupa, unir o útil ao
agradável, gosto não se discute, o que é bom dura pouco, quem tudo quer tudo perde, a união
faz a força, digamos assim, se não me engano, por incrível que pareça, deu no que deu, antes
de ontem, sobe e desce ou quem cala consente, por exemplo. O sintagma é transparente, mas a
forma sintático-lexical é convencional.
Há expressões semanticamente transparentes com composição interna incomum, como
assim espero (*espero assim) e quem avisa amigo é (onde o predicativo antecede o verbo) e
também expressões transparentes com estrutura sintática regular, como Deus te abençoe,
paciência tem limite e ter uma vaga lembrança. A diferença entre essas expressões e os
sintagmas construídos pelo falante está no fato de as EFs serem repetidas sempre no mesmo
formato e com o mesmo preenchimento lexical, o que aponta para a memorização do grupo.
Vê-se assim que a idiossincrasia semântica, apesar de ser um dos traços das EFs, não
está presente em todos os casos e não é uma condição para a existência de uma expressão
fixa.
5.4 Fórmulas sociolingüísticas
Nessa categoria encontram-se as convenções lingüísticas estabelecidas na inter-relação
entre as pessoas. Portanto, o diferencial que caracteriza as fórmulas de trato social é uma
convencionalidade no nível pragmático. Algumas demonstram a boa educação no respeito a
convenções sociais verbais, representadas pelas fórmulas de cortesia como ó de casa! , como
193
vai?, feliz ano novo, licença, tudo bem, está servido?
19
. Outras são usadas igualmente na
convivência social como anda logo! ou vai tomar banho!, destacando-se dentre elas as que
indicam indignação ou falta de polidez, sendo típicos desse caso os xingamentos ou palavrões
como vai à merda!. Incluem-se nesse grupo também as expressões fixas que fazem parte dos
chamados “gambitos de sinalização do contexto social”, que são expressões usadas para
indicar a tomada de turno conversacional, a manutenção do turno ou outro tipo de interação
discursiva, como veja bem, escuta aqui, olha só, e aí?, não resta dúvida, com certeza, por
falar nisso, está entendendo?, você ouviu o que eu disse? e o gato comeu a sua língua?.
Algumas dessas expressões apresentam idiossincrasias semânticas, como no caso de
estimo melhoras, em que se observa o uso do verbo estimar num ambiente semântico único,
uma vez que esse verbo não tem, em outros contextos, o significado de “desejar, esperar”.
Nesse grupo aparecem também construções transparentes e regulares; o que faz com que elas
se configurem como EFs é a padronização e a convencionalidade do uso em determinadas
situações sociais, repetidas com o mesmo formato, o que indica a sua memorização em bloco.
Algumas fórmulas pragmáticas podem ser compreendidas composicionalmente, como é o
caso de é pegar ou largar, ame-o ou deixe-o ou boa-noite, mas são sempre expressões
cristalizadas memorizadas em bloco.
Vê-se portanto que esse tipo de EF se caracteriza pela função social; ao mesmo tempo,
as expressões que entram nesse grupo podem ter uma constituição interna que também as
posiciona igualmente no grupo das EIs, das colocações ou das expressões transparentes.
Como vimos no início deste capítulo, algumas vezes encontramos convencionalidades sob
mais de um ponto de vista. Não se trata, assim, de uma classe distinta das demais, mas de um
grupo de expressões pertencentes às demais classes que, além de terem essa ou aquela
estrutura, incluem um ingrediente a mais: uma função pragmática convencional.
5.5 Provérbios
Provérbios são frases prontas, usadas muitas vezes com sentido não-literal (mas nem
sempre e não obrigatoriamente, como se em uma mentira puxa outra; uma coisa é dizer,
outra é fazer; quem espera sempre alcança; quem avisa amigo é, que são provérbios
19
Veja-se a esse respeito Tagnin,1989, p. 68-80.
194
transparentes). Geralmente expressam uma afirmação categórica que muitas vezes encerra um
conteúdo moral, como por exemplo: mais vale um pássaro na mão do que dois voando; o
crime não compensa; o fim justifica os meios; é melhor prevenir do que remediar. Nem
sempre os provérbios têm compromisso com os fatos relatados ou expressam uma verdade,
como se vê em feliz no jogo, infeliz no amor; mão fria, coração quente.
Ensina Alain Rey, apud Lacerda et al. (1999, p. XIV):
Todos os provérbios possuem em comum um certo tipo de conteúdo. Suas
afirmações são gerais ou generalizáveis, o que é marcado em francês pelo
emprego de artigos definidos, pela ausência de artigo, pelo uso de outros
determinantes (Tel maître, tel valet’). Envolvem categorias lógicas simples
(implicação, exclusão, etc). Quando não afirma (utilizando então um verbo no
presente ou eliminando o verbo, para assinalar a ausência de tempo
histórico), o provérbio aconselha ou ordena, recorrendo ao imperativo, à
forma il faut [é preciso] etc.
No âmbito da sintaxe, o provérbio é a expressão cristalizada de nível mais alto na
estrutura sintagmática, porque é formado por uma oração. Fora isso, é um caso de EF como
todos os demais, só que a cristalização atinge toda a sentença. Seguimos aqui o ponto de vista
de Anscombre (1994, p. 97), que afirma que “os provérbios são expressões fixas, tanto quanto
bater as botas
20
, e também Gross (1996, p.15), que incorpora igualmente os provérbios na
categoria das expressões fixas:
A situação mais simples é aquela em que todo o conjunto da seqüência é
cristalizado. É o caso de um provérbio (La nuit, tous les chats sont gris), de
um sintagma verbal (avoir les yeux plus gros que le ventre), de um
substantivo (cordon-bleu, col-vert), de uma seqüência adjetiva (à cran),
adverbial (à fond la caisse), ou ainda de uma locução prepositiva (aux bons
soins de). Em todos esses exemplos, a cristalização afeta a totalidade da
seqüência.
21
Em muitos provérbios é privilegiado o aspecto literário, apresentando rima, aliteração
ou uma cadência com simetria rítmica: Duro com duro não faz bom muro. / É de pequenino
que se torce o pepino. / Filho criado, trabalho dobrado. / Em briga de marido e mulher não
se deve meter a colher. / Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. / Comer e coçar é
20
Texto original: “Les proverbes seraient des expressions figées au me titre que casser sa pipe ou Un ange
passe.”
21
La situation la plus simple est celle l’ensemble de la séquence est figé. C’est le cas d’un proverbe (La nuit,
tous les chats sont gris), d’une suite verbale (avoir les yeux plus gros que le ventre), d’un substantif (cordon-
bleu, col-vert), d’une suite adjectivale (à cran), adverbiale (à fond la caisse), ou encore d’une locution
prépositive (aux bons soins de). Dans tous ces exemples, le figement affecte la totalité de la suite.
195
só começar. / Quem conta um conto aumenta um ponto. Santos (2000, p. 10) assim se refere a
essa característica literária:
[os provérbios apresentam] melodia feita de ritmos breves corporalizados
em estruturas frásicas paralelas e/ou antitéticas, em rimas internas e
emparelhadas e em trocadilhos verbais. Estes são ajudados por múltiplas
elipses que tornam o texto rápido, deslizante até.
Mello (1990:20) observa com humor o interesse pela rima, presente nos provérbios:
Quem duvida perde a vida, come casca de ferida. Se fosse casca de
ferida, ainda lá. O povo compôs essa imagem, quem sabe foi só pela
música da rima? Ferida quando faz casca está a caminho de sarar. Quem
duvida come é o pão que o diabo amassou, com o trigo do desespero e o
fermento do infortúnio.
Outras características dos provérbios são as seguintes:
Nos provérbios geralmente o verbo está no presente do indicativo, e o conteúdo
semântico é genérico. Esses ingredientes dão o tom de uma afirmativa segura, de
verdade permanente e universal. Veja-se: Quem cala, consente. / Onde fumaça
fogo. / O hábito não faz o monge. / Quando a esmola é grande, o santo desconfia. /
Quem semeia vento colhe tempestade.
No entanto, o provérbio nem sempre expressa uma verdade, e eventualmente pode ter
como intenção só fazer uma rima.
Outras vezes o verbo está no imperativo, indicando admoestação ou ordem: Não diga
dessa água não beberei. / Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje. / Dize-me
com quem andas e te direi quem és.
Vários provérbios apresentam estrutura sentencial elíptica: Filho criado, trabalho
dobrado. / Ajoelhou, tem de rezar.
Alguns provérbios são cristalizados numa forma topicalizada, sendo que geralmente o
complemento verbal é colocado em posição de tópico sentencial. Por exemplo: Peixe
se pega pela boca. / As palavras o vento leva. / De médico e louco todo mundo tem um
pouco. / De grão em grão a galinha enche o papo. / Filhos, melhor não tê-los.
Alguns provérbios são transparentes, mas a grande maioria contém um conteúdo
idiomático, não recuperável literalmente:
a) sentido literal: Antes tarde do que nunca. / É melhor prevenir do que remediar. / A
esperança é a última que morre.
196
b) sentido opaco: Não diga dessa água não beberei. / Cada macaco no seu galho. /
Águas passadas o movem moinho. / Não adianta chorar sobre o leite derramado. /
A cavalo dado não se olham os dentes. / Quem com ferro fere, com ferro será ferido.
Nos provérbios um uso freqüente da construção anafórica na posição de sujeito,
com referente genérico, não específico, abrangente para todo o universo [+humano]. É
uma característica dos provérbios o uso de construções generalizantes como se em
Quem espera sempre alcança; Escreveu, não leu, o pau comeu. A genericidade e a
não-especificação do indivíduo a quem atinge a suposta verdade expressa pelo
provérbio não é uma questão sintática mas semântica, uma vez que pode se localizar
tanto na posição do sujeito oracional quanto em posições diferentes, como no caso
Longe dos olhos, longe do coração: nesse provérbio (cuja interpretação é algo como
“quem quer que esteja longe dos olhos também está longe do coração”) não está
presente o verbo e portanto não se verifica uma estrutura oracional característica, o
que impede de se falar de indeterminação de sujeito sintático. A genericidade se aplica
no plano semântico.
Em alguns provérbios é possível identificar a autoria da sentença, como nos seguintes:
Laranja madura na beira da estrada tá bichada ou tem marimbondo no pé. (extraído
de música de Ataulfo Alves); Ser ou não ser, eis a questão. (extraído da obra de
William Shakespeare (1564-1616), expressa pelo seu personagem Hamlet); É mais
fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no reino dos
céus. (extraído de comentário bíblico); Filhos, melhor não tê-los. (extraído do “Poema
enjoadinho”, de Vinícius de Morais).
A essas características Anscombre (1994) acrescenta ainda que os provérbios
apresentam um lado figurado [imagé] (como em O uso do cachimbo faz a boca torta. ou
O hábito não faz o monge.), e que o locutor do provérbio não é o seu autor: o autor é algo
como “uma consciência lingüística coletiva” que sinaliza a “origem folclórica” da
informação.
grande variedade na composição de um mesmo provérbio. Alguns m uma forma
bastante constante e petrificada (como O que é bom dura pouco / Nem tudo o que reluz é ouro
/ Mais vale um pássaro na mão do que dois voando), mas muitos variam na organização,
mantendo contudo a mensagem e as eventuais figuras de linguagem. Um desses casos de
variação é encontrado no caso de É de pequenino que se torce o pepino.
Esse provérbio é
apresentado em dicionários diferentes também com as estruturas (a) É de pequeno que se
197
torce o pepino. e (b) É de menino que se torce o pepino. [d16]
22
. Veja-se que na variante (a)
foi mantido o léxico e abandonada a rima; na variante (b) foi mantida a semântica e a rima,
mas modificou-se o léxico. Em ambos os casos, no entanto, foi mantida a imagem do
“pepino”, a forma de verdade generalizável e a mesma intenção comunicativa. Idem para:
(19) Mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo. [d11] / É mais fácil pegar um
mentiroso que um coxo. / Apanha-se mais depressa um mentiroso que um coxo. [d16]
(20) Quem nasce pra mil réis nunca chega a tostão. [d13] / Quem nasceu pra dez réis, não
chega a vintém. [d16] / Quem nasceu pra tostão, não chega a milhão. [d16]
Nos provérbios, muitas vezes o léxico é arcaico, a ordem canônica é invertida e a
forma verbal empregada (tempo e pessoa) é rara. Os provérbios têm um sabor muito mais
antigo, congelado numa estrutura arcaica, do que outras expressões fixas. Por exemplo:
a) inversão da ordem canônica: Quem avisa amigo é. / O futuro a Deus pertence. / As
palavras o vento leva.
b) léxico arcaico: Depois da tempestade vem a bonança. / Mais vale um gosto do que
dois vinténs. / Muito riso é sinal de pouco siso. / Quem não arrisca não petisca.
c) forma verbal desusada: Dize-me com quem andas e te direi quem és. / Não diga
dessa água não beberei. / como o sândalo, que perfuma o machado que o fere.
O que impõe a inclusão dos provérbios no conjunto das EFs, além de serem estruturas
cristalizadas e memorizadas em bloco, é o fato de poderem ser inseridos no discurso, não
somente como sentenças isoladas (de per si), mas também como um sintagma de uma
sentença, tal qual acontece com as EFs em geral. Por exemplo:
(21) “A falta de objetivos do Estado brasileiro nos últimos 25 anos deixou os agentes
confusos. Cria-se uma realidade em que é cada um por si, Deus por todos”, define Luiz
Carlos Bresser Pereira, que foi ministro em dois governos. (revista)
22
A notação [d16] e outras com a estrutura [d+ número] informam em qual dicionário foi encontrada aquela
versão da EF. A listagem dos dicionários e respectiva numeração se encontra no final deste trabalho, na parte
intitulada “Referências de dicionários consultados”.
198
(22) José Dirceu vai fazer todo esforço que estiver a seu alcance para ter o PMDB perto do
governo até e inclusive – as eleições de 2006. Está prestes, portanto, a começar o festival é
dando que se recebe”. (revista)
(23) A OAB, para nós, tem sido casa de ferreiro com espeto de pau. Da porta para fora ela
briga pelas Diretas e por democracia plena, mas da porta para dentro não age
democraticamente. (revista)
(24) O mico anda saltitante nas festas de fim de ano. [...] Assim como gato escaldado tem
medo de água fria, o Pampulha se antecipou à data ouvindo histórias trágicas e hilárias, dicas
e análises de especialistas em etiqueta e de gente como a gente para que você possa curtir a
data sem ser alvo ou protagonista de surpresas desagradáveis. (jornal)
(25) O leitor pode objetar que memória mesmo tem a águia, que é capaz de ir (e de voltar)
pelos caminhos esculpidos no azul, sem se valer de qualquer ponto de referência. Acho
emocionante essa misteriosa capacidade do pássaro. Nem por isso subestimo os dons do
jabuti. Mas não vem ao caso e nem cabe tomar partido, nem por um nem por outro. O povo já
nos ensinou que gosto não se discute. (livro: Mello, 1990, p. 39)
(26) Lição boa que aprendi do jabuti é que devagar se vai ao longe. (livro: Mello, 1990, p.
39)
(27) Eu vou liberar a trava de segurança. Seguro morreu de velho, vou pedir para vocês se
afastarem um pouco para trás. (TV)
Como os provérbios podem ser inseridos dentro de uma sentença, assim como
qualquer outra EF, nem sempre é claro se uma determinada oração idiomática deve ser
considerada um provérbio ou outro tipo de EF. A expressão o que cair na rede é peixe, por
exemplo, tem traços de provérbio (é uma oração completa), mas não tem outros traços
característicos de provérbios prototípicos (como o sentido prescritivo, de fundo moralista).
Vê-se novamente a característica não discreta na classificação de formas da língua, que
comporta casos limítrofes que não incluem todos os traços ou todas as características do
protótipo da classe. Um exemplo real com a expressão o que cair na rede é peixe é:
(28) Quem cria este tipo de gina está sujeito à lei, uma vez que a divulgação é crime,
acrescenta o delegado. Como diria o ditado, caiu na rede é peixe. (revista)
199
As diferenças entre os provérbios e as expressões idiomáticas centram-se sobretudo
em dois fatos: (a) quanto à estrutura formal, geralmente o provérbio constitui uma sentença
inteira, veiculada geralmente através de uma estrutura genérica, atemporal; a expressão
idiomática, por outro lado, geralmente é composta de parte da sentença (só o SV, SN,
SPrep ou outro sintagma interno à sentença) e o tempo verbal pode variar (de uma EI para
outra ou até mesmo em uma mesma EI); e (b) quanto ao conteúdo semântico, o provérbio
geralmente inclui um significado moralizante, doutrinal ou admoestador, ou enuncia uma
reflexão moral, um preceito ou uma regra de conduta, ou apresenta uma suposta verdade
reconhecida e incontestável – todas essas características ausentes nas EIs.
Muitas vezes imprecisão quanto à inclusão de uma EF na categoria dos provérbios
ou das expressões idiomáticas. Por exemplo, expressões como acontecer nas melhores
famílias, ensinar padre-nosso ao vigário ou ter fôlego de gato são classificadas por alguns
autores (como por exemplo Xatara e Oliveira, 2002) como provérbios, depois de serem
reorganizadas de forma a tomarem uma forma oracional e estrutura declarativa, como Coisas
piores acontecem nas melhores famílias.” (p. 34), Não se ensina Padre Nosso ao vigário.”
(p. 32) e O gato tem sete fôlegos.” (p. 36). portanto uma flutuação quanto à forma e
quanto à tipologia de algumas EFs: certas expressões permitem uma reorganização formal, e
quando são manipuladas de modo a constituírem sentenças completas com conteúdo
declarativo e ideológico, passam a ser consideradas provérbios. Assim, dependendo da
estrutura e da intenção argumentativa como são apresentadas, algumas EFs são listadas como
expressões idiomáticas ou, alternativamente, como provérbios.
Em outros casos, uma expressão cristalizada é apresentada como proverbial somente
pelo fato de constituir uma sentença (e não um sintagma menor do que uma oração), apesar de
semanticamente não incluir um conteúdo declarativo ou moralista, e de conter um verbo de
forma variável. Esse é o caso de o feitiço virar contra o feiticeiro, listado aqui como uma
expressão idiomática e em Xatara e Oliveira (2002, p. 34) como provérbio. Não parece que a
forma o feitiço virou contra o feiticeiro tenha características proverbiais: não é formulada no
presente genérico (como acontece na maioria dos provérbios), não apresenta uma verdade
moral e expressa um fato não generalizável, que se refere somente a uma situação particular.
Apesar de constituir uma sentença, não tem as características de um provérbio. O mesmo
acontece com tudo como dantes no quartel de Abrantes: Rocha (1995, p. 11) afirma tratar-se
de um provérbio, com toda a segurança:
200
Assim é que o título dado a um artigo, “Quartel de Abrantes” (ISTOÉ
Senhor, 5/4/89) é apenas uma metáfora, enquanto Tudo como dantes no
quartel de Abrantes é um provérbio.
No entanto, sua segurança é seriamente questionável, uma vez que a expressão citada
não inclui nenhuma das características semântico-argumentativas da classe dos provérbios.
Outro fato que nem sempre é constante é a estrutura formal do provérbio. Como se
viu, uma característica sintática importante é o fato de o provérbio constituir uma sentença, e
não um sintagma sub-oracional, como ocorre com outras EFs. Mas nem sempre é clara a
classificação de um grupo como um provérbio quando não está presente o verbo que
caracterizaria a oração. Por exemplo, os casos abaixo devem ser classificados como EIs ou
provérbios?:
(29) Amigos, amigos, negócios à parte.
(30) Dos males, o menor.
(31) Perdido por um, perdido por mil.
(32) Por fora bela viola, por dentro pão bolorento.
(33) Rei morto, rei posto.
Existem então provérbios que constituem uma sentença de pleno direito, com verbo e
complemento, e outros que não são formados por uma estrutura oracional canônica. Temos
então:
a) provérbios sentenciais: Quem tem boca vai a Roma. / Filho de peixe peixinho é.
b) provérbios não-oracionais: Filho criado, trabalho dobrado. / Cada macaco no seu galho. /
Cada cabeça, cada sentença. / Antes do que mal acompanhado. / Mãos frias, coração
quente.
Além disso, EFs que têm a estrutura interna de uma oração completa e não são
provérbios: sei / e por vai / olha / anda logo / assim espero / assim não dá... / deixa
ver / essa é boa / já vai tarde / nem pensar / só faltava essa / Deus me livre.
Também são imprecisos casos em que não há um preceito moral envolvido (como em
as uvas estão verdes; além da queda, coice; ou aonde a vaca vai, o boi vai atrás), ou quando
são apresentados fatos não generalizáveis e verbos em tempo não genérico (como em atirou
no que viu e acertou no que não viu). Assim, não se pode perder de vista a existência de casos
limítrofes, que não possuem todos os traços da categoria na qual estão incluídos. A
201
identificação e a separação dos casos de expressões idiomáticas e provérbios nem sempre é
nítida.
Resta ainda considerar que os provérbios podem ser recortados, dando origem a outras
EFs. Por exemplo:
(34) Ele se sentiu como sapo de fora. (evocação do provérbio sapo de fora não chia, com
recorte de parte do conjunto).
(35) Eu não vou ficar remoendo essa história – já são águas passadas. (evocação do provérbio
águas passadas não movem moinho).
(36) O Bernardinho é filho de peixe. (do provérbio filho de peixe peixinho é.)
(37) Eu não caio nessa, sou gato escaldado. / Eu não caio nessa, já estou escaldado. (do
provérbio gato escaldado tem medo de água fria)
Alguns autores salientam o aspecto sócio-cultural envolvido no conteúdo moralizante
de muitos provérbios. Diz Santos (2000, p. 9):
O provérbio reflete, por vezes, um enorme imobilismo cultural e,
exactamente pela sua atemporalidade aparente (aquilo que parece ser uma
verdade universal e atemporal é freqüentemente política e sociologicamente
incorrecto) denuncia valores de estatismo e receio de mudança, que, não
raro, consubstanciam atitudes de conservadorismo e submissão.
É muitas vezes enfatizado o suposto fato de os provérbios fazerem parte da memória
coletiva (SANTOS, 2000, p. 10) e revelarem aspectos culturais e sociais da comunidade que
os usa. Que fazem parte da memória é óbvio, pelo menos da memória lingüística aliás é
justamente por isso que são considerados como um tipo de EF; mas não se sabe até que ponto
os provérbios refletem o comportamento de uma sociedade. É pelo menos ingênuo e arriscado
crer em afirmações leigas a esse respeito, sem que tenham sido formuladas por indivíduos
com formação antropológica e conhecimentos sólidos sobre cultura social. Pelo menos dois
motivos nos levam a desconfiar da suposta relação entre o conteúdo dos provérbios e a cultura
moral da sociedade:
(a) Em primeiro lugar, alguns provérbios são muito antigos; por outro lado, os padrões
sociais são móveis e se modificaram muito ao longo dos séculos. Se os provérbios
202
revelassem padrões culturais, haveria uma contradição entre a evolução social e o
imobilismo do uso proverbial.
(b) Em segundo lugar, usa-se um provérbio segundo a conveniência da ocasião. A
existência do provérbio não caracteriza um comportamento recomendado pela
sociedade ou um valor coletivo. Por exemplo, existe o provérbio nos pequenos frascos
é que estão os melhores perfumes, mas o fato de esse provérbio existir não indica que
o brasileiro prestigia ou mais valor aos objetos pequenos. Nem o provérbio Não
deixe para amanhã o que pode fazer hoje indica que o brasileiro é organizado,
cumpridor de seus deveres ou responsável, nem que esse é um comportamento
estimulado na sociedade brasileira.
A concepção veiculada nos provérbios pode até representar em muitos casos um
desideratum de retidão moral, mas provavelmente não caracteriza a cultura ou o
comportamento de um povo. Aliás, provérbios até contraditórios, ou seja, que transmitem
mensagens antagônicas o que mostra que não podem refletir uma conduta social esperada,
mas antes uma moral flexível à conveniência da situação. Exemplos de provérbios que
veiculam preceitos contraditórios são os seguintes:
- quem aos pobres empresta a Deus (recomendação de doação) x quem o que
tem a pedir vem (recomendação de não doação);
- pau que nasce torto morre torto (indica impossibilidade de mudança) x é de
pequenino que se torce o pepino (indica possibilidade de mudança);
- paciência tem limite (ensina que não se deve esperar indefinidamente) x quem espera
sempre alcança (ensina que se deve esperar pacientemente e indefinidamente).
Antes de fazer afirmações como a de que o provérbio indicaria a memória coletiva ou
indicaria um padrão social da comunidade, é necessário proceder a um estudo sociológico
comparativo entre a moral veiculada pelos provérbios e a moral social vigente, para verificar
até que ponto realmente há correspondência entre o conteúdo proverbial e a cultura da
sociedade da qual faz parte.
A respeito disso pode-se citar a observação de Rónai (1975, p. 110):
É coisa sabida que a cada provérbio, por assim dizer, responde outro, de
sentido oposto. A quem preconiza o sábio limite das despesas, porque
“vintém poupado, vintém ganho”, replicará o vizinho farrista, com razão
igual: “Da vida nada se leva”.
203
Outros mitos a respeito dos provérbios são os seguintes, retirados de alguns
comentários de Lacerda et al. (2004, introdução ao dicionário):
- O provérbio seria uma “sentença completa e independente”: como se viu, o
provérbio tem realmente estrutura sentencial, mas nem sempre é independente,
ocorrendo muitas vezes dentro de outra sentença.
- O provérbio teria “caráter lúdico”: pelo que se observa, o provérbio não tem caráter
lúdico nem do ponto de vista da composição nem do ponto de vista da utilização. Na
maioria dos casos é usado com interesse prescritivo ou admoestativo, e não é
necessariamente empregado como uma brincadeira. O fato de incluir traços retóricos e
estilísticos como rima, métrica rítmica, hipérboles ou figuras de linguagem não
implica uma construção “lúdica”, mas pode ser interpretada como uma tentativa de
incorporação de efeitos literários.
- O provérbio seria uma “manifestação expressiva necessariamente racional”: entende-
se por racional uma argumentação baseada em raciocínio lógico, por sua vez
embasado em fatos – que é exatamente tudo o que o provérbio não tem. Como afirma
Santos (2000, p. 10),
[...] as relações causa-efeito neles enunciada nem sempre fazem sentido.
[...] Com eles dizemos, despudoradamente, o contraditório e o ilógico [...]
- Os provérbios seriam “transmitidos oralmente”: na verdade, os provérbios são
transmitidos oralmente tanto quanto a língua toda o é. E não dúvida de que são
transmitidos também por escrito (como comprovado em exemplos apresentados
anteriormente, retirados de textos escritos), assim também como toda a língua. Ao se
privilegiar a oralidade, talvez se esteja pensando na transmissão dos provérbios como
um procedimento exclusivamente popularesco, intimista, rural; no entanto, essa é uma
visão romanceada, não condizente com o processo efetivo contemporâneo de produção
lingüística e de difusão lexical. Como mencionado, o uso das EFs (aí incluídos os
provérbios) é usado e difundido em todo e qualquer registro lingüístico.
Em dicionários de provérbios (como Lacerda et al., 2004, Xatara e Oliveira, 2002, e
outros) é citado um grande número de provérbios que não são reconhecidos por falantes
nativos. Lacerda et al. (2004) listam mais de 6.000 provérbios (segundo declarado na página
xvii), mas um número muito grande deles é de registros arcaicos ou de casos que são
simplesmente desconhecidos. Se os dicionários examinados apresentam entradas realmente
204
existentes, então vários provérbios não são disseminados uniformemente por toda a
comunidade brasileira, o que pode indicar que o campo de distribuição dos provérbios é
menos amplo do que outras expressões fixas não ideológicas.
5.6 EFs mistas: léxico + sintaxe
Às vezes a EF é uma fórmula com lacunas, no sentido de que parte do léxico é fixa e
outra parte ainda deve ser preenchida mas a estrutura permanece constante. Por exemplo,
existe uma expressão usada para indicar iteração, ação repetitiva ou intensificação da ação,
que é formada assim: [V
i
que V
i
] (em que a identidade dos verbos se estende ao tempo e
pessoa) por exemplo: eu limpo que limpo (e está sempre tudo sujo); ela fala que fala (e
ninguém ouvidos). Trata-se de uma expressão fixa que contém uma parte de
preenchimento léxico em aberto.
Outra fórmula: [(es)tar que + V] (indicando igualmente ação iterativa), como no
exemplo ele que insiste, mas eu não estou a fim. O preenchimento lexical do verbo pode
variar, mas o sintagma como um todo tem uma acepção particular, indicando intensificação da
ação verbal através do aspecto iterativo. Outra fórmula: [morrer de + N / V no infinitivo]
por exemplo: morrer de fome, morrer de sono, morrer de rir, morrer de trabalhar e assim
tantas outras.
O que se observa é que não somente dois tipos distintos de sintagmas: os
construídos e os idiomáticos. Além desses, existem também EFs mistas, em que uma parte
está preenchida pelo léxico, e outra parte apresenta somente uma estrutura formal fixa, sem
preenchimento léxico fixo.
Jackendoff e Culicover (2005, p. 33-34) também reconhecem a existência de
expressões que são fórmulas mistas, quando apresentam a notação em aberto para a EF da
sentença “Pat sang/drank/sewed his heart out:
Propomos que [V X’s heart out] é um SV lexical onde V é um verbo
escolhido livremente e X é um pronome limitado pelo sujeito; todos os seus
constituintes são licenciados pelo idiomatismo, não pelo verbo.
23
23
Texto original: “[...] we propose that [V X’s heart out] is a lexical VP, where V is a freely chosen verb and X
is a pronoun bound to the subject; all of its constituents are licensed by the idiom, not by the verb.”
205
Há então uma classe de expressões fixas em que o completamento léxico não é
totalmente realizado. A estrutura sintática é preenchida por alguns elementos léxicos
constantes e um (ou mais) encaixes de preenchimento livre, compondo uma unidade
informacional. Trata-se de uma unidade mista sintático-lexical, tendo em vista que o
esqueleto sintático é aberto mas parcialmente, incluindo certas posições preenchidas por
itens lexicais fixos, e portanto sem preenchimento livre como nas demais estruturas sintáticas
composicionais que ocorrem na língua.
Exemplos de EFs compostas por uma fórmula mista sintático-lexical são apresentados
no quadro 3 (veja-se o complemento desse quadro, com mais outros casos, no anexo 2):
206
QUADRO 3
EFs com lacunas: fórmulas variáveis do português – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa Exemplo de uso (contextualização)
01 bota/põe + [nominal = N/Qual.] + nisso
(significado intensificador)
– Ele é muito bonito.
Bota bonito nisso.
02 carregar + SN + nas costas Todo mundo me pede dinheiro. Eu carrego
essa família nas costas.
03 chegar à casa de + [quantia] As exportações chegaram à casa dos 10
bilhões de dólares. (TV)
04 coisa de + [tempo] Ela tomou a vacina pouco tempo, coisa de
uns três meses atrás.
05 dar + SN + como + particípio /
dar + SN + por + particípio
Vamos dar o caso por encerrado e não se fala
mais nisso.
06 dar uma + N –da
(dar uma ... olhada, examinada,
espiada, subida, lida, corridinha)
De vez em quando levanto do computador e
vou dar uma olhadinha no espelho para ver se
está tudo razoavelmente no lugar. (crônica em
revista)
07 estar / ficar na + [possessivo feminino
correferente com sujeito]
Não se intromete não, fica na sua.
08 estar / ser doido para + O (V infinitivo) /
estar/ser louco para + O (V infinitivo)
Estou doido para chegarem as férias.
09 estar doido de + N Ora, naquela noite eu deitara tarde, estava
doido de sono, [...]. (livro)
10 estar que ser + N + só /
estar que ser puro + N
As mão do nego que é calo . (música de
Ataulfo Alves)
11 não + V no imperfeito do subjuntivo +
SN (sujeito posposto obrigatório)
(ex: não fosse eu / não pudesse ele)
George W. Bush resolveu eleger o petróleo
como vilão responsável pelo mau humor dos
americanos em relação ao seu governo. Tudo
certo, não fosse Bush um dos presidentes mais
ligados ao poderoso lobby da indústria
petrolífera. (revista)
12 N
i
por N
i
(significado: indica cada
unidade que se acumula para formar
um todo maior): palavra por palavra /
item por item
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas,
tijolo por tijolo num desenho lógico. (música de
Chico Buarque)
13 o maior / o mais + Qual.+ da paróquia O Alfredo é o maior ranzinza da paróquia.
14 seja lá + WH + for /
seja + WH + for
Quando esse comportamento ultrapassa o
convívio cotidiano e pode mutilar pais de
família, fihos e filhas amados, amigos preciosos,
ou seja quem for, então é preciso instaurar
leis férreas e punições comparáveis. (revista)
15 V
i
+ daqui, V
i
+ dali /
V + daqui e dali
Conversa daqui, conversa dali, acabaram
descobrindo que tinham um amigo em
comum.
16 ai de + N animado Meu avô era super bravo. Ai de quem ousava
contradizer a opinião dele!
17 lá pelas + [número] Vou chegar na sua casa lá pelas 9 horas.
18 bem fazer + SN
(sujeito posposto obrigatório)
Bem fiz eu (*eu fiz) de me aposentar antes da
reforma da previdência.
19 com + N + e tudo O atacante entrou com bola e tudo.
207
20 [número] + e tantos várias outras presas cumprindo pena de
20 e tantos anos, porque transferir justo ela?”
(jornal)
208
O quadro acima mostra expressões que contêm lacunas internas a serem preenchidas,
isto é, que são compostas por elementos fixos que emolduram uma parte variável.
Ainda sobre os exemplos acima, é preciso fazer alguns comentários adicionais a
respeito de especificidades que só aparecem nessas EFs:
a) A expressão [WH] + quer que seja tem uma composição fora do comum. O
significado é atributivo e não referencial (nos termos de Donnellan, 1966, apud Lyons,
1977, p. 184)
24
, e os preenchimentos possíveis são: quem quer que seja (qualquer
pessoa) / onde quer que seja (qualquer lugar) / o que quer que seja (qualquer coisa) /
como quer que seja / quando quer que seja (em qualquer tempo), como nos exemplos
abaixo:
(38) Essas não são posições individuais, mas institucionais, e não visam a impedir repasse de
informações ou proteger quem quer que seja. (revista)
(39) Sem pudores para receber dinheiro de onde ou de quem quer que seja em suas
campanhas, Duda passou a ser tratado como mago eleitoral. (revista)
O que chama a atenção nessa EF é que a parte fixa da EF (quer que seja) não é
um constituinte, e não pode aparecer sozinha sem a parte inicial (a classe chamada
“WH”). A parte fixa é um elemento indefinido, mas de categoria gramatical imprecisa.
Seria um SV? A expressão quer que seja tem a estrutura formal de um V +
complemento, mas apesar disso na estrutura formal completa (WH + expressão) o
elemento anteposto ao verbo não funciona como sujeito de quer.
b) Vamos examinar agora a EF mais + nome / adjetivo + que nuncacomo no exemplo
a seguir, que apareceu como título de um artigo em revista (revista Veja n. 50,
14/12/2005, p. 50-51):
24
Lyons (1977, p. 184) mostra que “Donnellan (1966) observou que um sintagma nominal definido também
pode ser empregado não referencialmente” em situações em que o locutor não afirma sobre um indivíduo
específico, e sim sobre um indivíduo genérico, ou seja, quem quer que preencha as condições expressas. Nesse
caso, diz-se que o sintagma é usado atributivamente.
209
(40) Mais candidato que nunca
[subtítulo:] Lula deixa claro que tentará a reeleição e já manda abrir os cofres para gastar
Sabemos que há na língua a fórmula de comparativo [mais + adjetivo + que + nome ou
adjetivo], como por exemplo:
(41) João é mais inteligente que Maria.
(42) João é mais inteligente que estudioso.
A fórmula idiomática mais + nome / adjetivo + que nunca retoma a fórmula
de comparativo, mas apresenta um uso idiossincrático da palavra nunca como segundo
elemento da comparação. A palavra nunca é fixa, e não mantém nenhuma relação
paradigmática com nenhum outro termo da mesma classe: não substituição
aceitável, como se pela impossibilidade de *mais candidato que jamais, *mais
candidato que em tempo algum, *mais candidato que sempre.
c) Algumas expressões podem ter mudança de referentes internos, como na EF [uma
coisa] atrás da outra: um problema atrás do outro / um pagamento atrás do outro /
uma crise atrás da outra... etc. O mesmo ocorre com a EF carregar (uma coisa) nas
costas, originária de carregar o mundo nas costas como nos preenchimentos eu
carrego essa família nas costas / eu carrego todo mundo nas costas / eu carrego o
serviço todo nas costas.
Pitt e Katz (2000) mencionam um caso semelhante ao que aqui chamamos de “EFs
mistas”, mas não idêntico. Ele lembra Fraser (1970) que cita expressões não saturadas que
incluem uma variável. Não são fórmulas idiomáticas como as citadas acima, mas são
expressões idiomáticas que incluem um verbo, sendo que um dos argumentos verbais está em
aberto. Dizem Pitt e Katz (2000, p. 423):
Fraser 1970, por exemplo, discute uma classe de expressões idiomáticas,
que ele chama DISCONTÍNUAS, que contêm um lugar argumental, por ex.
bring [something] to light [trazer (algo) à luz], lead [someone] [on] a merry
chase [levar (alguém) a um beco sem saída], pull [someone’s] leg [fazer
gracinhas (com alguém)], pull the wool over [someone’s] eyes [enganar
210
(alguém)] e lose [one’s] mind [perder a razão]. Ele sugere que essas
expressões sejam colocadas no léxico com variáveis (bring-[x]-to light, lead-
[x]-on a merry chase, etc).
25
Pitt e Katz comentam ainda que “essas expressões são ambíguas, podendo ter sentido
idiomático ou não-idiomático.”
26
Pitt e Katz (2000) sugerem ainda a existência de outro tipo de fenômeno, ao qual
chamam de “compositional idioms”, cuja característica seria o fato de apresentarem um
modelo produtivo. Apesar do que sugere o nome, consideramos que não se confundem com as
EFs mistas, e nem tampouco representam um tipo de idiomatismo. Dizem eles:
As expressões composicionais também diferem das expressões comuns por
serem produtivas [...]. Temos não apenas plastic flower [flor de plástico],
stuffed animal [animal de pelúcia], kosher bacon [bacon “kosher”] e
vegetarian chicken [frango vegetariano], mas também wooden flower [flor de
madeira], plastic banana [banana de plástico], stuffed giraffe [girafa de
pelúcia], stuffed albino Bengal tiger [tigre de Bengala albino de pelúcia],
kosher ham [presunto kosher”], kosher black forest ham [presunto “kosher”
da floresta negra], vegetarian pork [carne de porco vegetariana], vegetarian
barbecued pork [carne de porco grelhada vegetariana] e assim por diante,
todos, como observamos acima, em significado relacionado e previsível.
Plastic flower tem o sentido de flor de imitação feita de plástico. [...] Se
fatoramos os significados componentes de tais sentidos [...] ficamos com o
significado esquemático 9, no qual X e Y são, por assim dizer, encaixes para
os significados dos constituintes léxicos.
(9) imitação X feito de Y
Chamaremos esses significados esquemáticos ESQUEMAS
IDIOMÁTICOS. Esses elementos (com ajustes apropriados) são comuns a
todas as expressões idiomáticas composicionais.
(Pitt; Katz 2000, p. 423)
27
25
Texto original: “Fraser 1970, for example, discusses a class of idioms, which he calls DISCONTINUOUS,
that contain an argument place, e.g. bring [something] to light, lead [someone] a merry chase, pull [someone’s]
leg, pull the wool over [someone’s] eyes, and lose [one’s] mind. He suggests that these expressions be entered in
the lexicon with variables (bring-[x]-to-light, lead-[x]-a-merry-chase, etc.).”
26
Texto original: “these expressions are ambiguous between idiomatic and nonidiomatic senses.”
27
Texto original: “Compositional idioms also differ from standard idioms in being productive, as mentioned
above. We have not only plastic flower, stuffed animal, kosher bacon and vegetarian chicken, but also wooden
flower, plastic banana, stuffed giraffe, stuffed albino Bengal tiger, kosher ham, kosher black forest ham,
vegetarian pork, vegetarian barbecued pork, and so on, all, as noted above, with related and predictable
meanings. Plastic flower has the sense imitation flower made of plastic; stuffed animal has the sense imitation
(or toy) animal made by a process of stuffing, kosher bacon has the sense imitation bacon made in accordance
with kosher law, and so on. If we factor out the component meanings of such senses that have come from the
lexical constituents in expressions like plastic flower, we are left with the schematic sense 9 in which X and Y
are, as it were, slots for the meanings of the lexical constituents.
(9) imitation X made of Y
We will call such schematic senses IDIOM SCHEMATA. Such elements (with appropriate adjustments) are
common to all compositional idioms.”
211
Não me parece que o “esquema idiomático” definido por Pitt e Katz seja realmente um
caso de expressão fixa. Se dizemos flor de plástico, a interpretação pode ser literal e
composicional no sentido comum. É nosso conhecimento do mundo que nos dirá que a flor
em questão deve ser artificial (“de imitação”), porque sabemos que flores de verdade nunca
são de plástico. Trata-se de um caso de filtragem pragmática, como no caso de perna de pau,
que é (de certo modo) realmente uma perna, mas artificial, porque uma perna natural nunca é
de pau. Não vejo analogia entre esses casos e uma expressão idiomática como pé-de-moleque,
que não é um pé, nem é de moleque nenhuma informação extralingüística seria suficiente
para, a partir de e moleque, nos fornecer o significado “doce de rapadura com amendoim”.
Nem é uma estrutura mista (léxico + sintaxe), uma vez que tanto a composição sintática
quanto o léxico podem variar. Concluo que os exemplos de Pitt e Katz não constituem EFs, e
devem ficar de fora da presente análise.
Finalmente, deve-se considerar que nem sempre o fato de uma estrutura ser repetida
em várias EFs leva à inserção do grupo na classe das EFs mistas, que contêm lacunas. Por
exemplo, vamos tomar as expressões caso a caso, passo a passo, lado a lado a partir desse
modelo seria possível pensar numa estrutura [N + a + N]. Mas a questão é que a estrutura não
se repete com qualquer nome. Na verdade, não uma lacuna em aberto a ser preenchida,
mas somente casos de EFs lexicalmente preenchidas que seguem a mesma estrutura sintática.
Outra situação que merece ser comentada é a das formas sintáticas idiomáticas. Não se
trata exatamente de uma EF, uma vez que a expressão é toda aberta e o léxico não é fixo.
Vejamos a situação em que a repetição do mesmo sintagma, indicando iteração ou
intensificação. Por exemplo:
(43) Ele falou, falou, e não disse nada.
(44) A pesquisa divulgada pela Federação do Comércio de São Paulo, na qual os
eleitores fazem avaliação do governo, acendeu uma luz amarela no Palácio do
Planalto. Se os eleitores paulistanos votassem agora, 66% não escolheriam Lula. E
entre os que votaram nele na última eleição, 49% não repetiriam o voto. Não é nada,
não é nada, pode ser alguma coisa. (revista Encontro, novembro de 2005, ano IV, n.
45)
212
Como se nos exemplos acima, o sintagma repetido pode ser variado, e não
preenchimento léxico constante. Do ponto de vista semântico, muitas vezes essa estrutura é
usada quando se quer negá-la, ou seja, quando se quer dizer que, apesar de tudo, a situação é
diferente.
Esse é um caso fronteiriço, que não se comporta como um sintagma construído
livremente, e também não se comporta como uma EF típica, uma vez que não
preenchimento léxico fixo, mas somente uma estrutura morfossintática cristalizada, com
lacunas a serem preenchidas.
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*
Vimos neste capítulo diversos tipos de apresentações das expressões fixas: expressões
idiomáticas, colocações, expressões fixas transparentes, fórmulas sociolingüísticas, provérbios
e expressões mistas, que têm parte do léxico preenchido e outra parte com lacunas. Como se
viu, nem sempre as expressões fixas formam um sintagma (como no caso da preposição que
acompanha certas regências e que pertence ao sintagma que vem a seguir) e nem sempre são
semanticamente opacas (há EFs de significado transparente, cuja idiossincrasia se encontra no
aspecto formal ou na cristalização lexical).
213
6 Casos em que as EFs rompem os padrões gramaticais
Como se viu, algumas expressões fixas apresentam comportamento idiossincrático do
ponto de vista semântico como significado global diferente daquele que seria resultante da
soma de cada palavra, além da impossibilidade de substituição paradigmática, por exemplo.
Outras apresentam idiossincrasias do ponto de vista lexical, uma vez que alguns componentes
do grupo se submetem a uma total dependência da expressão, não sendo possível usá-los fora
desse grupo idiomático onde se inserem.
As expressões fixas geralmente são caracterizadas pelas especificidades de caráter
semântico, sendo desconsideradas possíveis restrições de caráter sintático. Costuma-se pensar
que as expressões fixas representam um grupo de significado não literal com léxico
cristalizado, mas, no mais, se conformariam à estrutura da língua. Como alertamos, essa
concepção não é verdadeira.
Alguns autores chegam a perceber a existência de divergências sintáticas, mas nota-se
uma tendência a negar a sua relevância e a desprezar o fato, como se no comentário de
Chitra Fernando (1996, p. 34):
Expressões com mais de uma palavra precisam se conformar às regras
gramaticais da língua [...], embora idiossincrasias gramaticais realmente
apareçam em algumas expressões bem conhecidas: [...].
1
Gaston Gross (1996, p. 12-13) também aponta para o fato de as propriedades
transformacionais serem bloqueadas no interior das expressões fixas e enfatiza a percepção de
que “a opacidade semântica e as restrições sintáticas vão juntas”
2
. Segundo Gross, em várias
EFs “a opacidade semântica se relaciona à ausência de propriedades transformacionais”
3
. Isso
pode ser verificado quando se considera a relação entre um verbo e seus complementos, uma
1
Texto original: “Multiword expressions need to conform to the grammatical rules of the language [...], though
grammatical idiosyncrasies do appear in some well-known ones: waste not want not, long time no see, guess
what?, be that as it may, beside oneself, white lie, foot the bill, fancy free, etc.”
2
Texto original: “Or, ce qu’il faut souligner avec insistance, c’est que l’opacité sémantique e les restrictions
syntaxiques vont de pair.”
3
Texto original: “[...] cette opacité sémantique est corrélée à une absence de propriétés transformationnelles”.
214
vez que as expressões fixas e as construções livres não aceitam o mesmo tipo de modificações
estruturais. Por exemplo, uma construção livre [verbo + objeto direto] aceita passivização,
topicalização do objeto, pronominalização, clivagem, relativização e inserção de
modificadores, como se pelas possibilidades de modificação na sentença João escreveu
esses livros; mas uma sentença que inclui uma expressão fixa como João bateu as botas não
possui as mesmas propriedades
4
, como se comprova pela comparação abaixo :
a) passivização: Esses livros foram escritos pelo João. / *As botas foram batidas pelo João.
b) topicalização: Esses livros, o João escreveu. / *As botas, o João bateu.
c) pronominalização: João os escreveu. / *João as bateu.
d) clivagem: Foram esses livros que o João escreveu. / *Foram as botas que o João bateu.
e) relativização: Os livros que o João escreveu... / *As botas que o João bateu...
f) inserção de modificador: João escreveu livros lindos. / *João bateu botas lindas.
As sentenças da direita, onde a EF bater as botas não foi preservada na sua forma
cristalizada, são sentidas pelos falantes como formas nitidamente degradadas com relação à
construção original. Se tais construções são utilizadas com o objetivo de criar humor ou outro
efeito estilístico, o falante percebe essa intenção justamente pelo fato de perceber as
manipulações das EFs como deformações da EF cristalizada. Obviamente, se não fosse assim,
o efeito literário pretendido nem seria percebido.
Além de não aceitarem movimentação e outros tipos de transformações, as EFs
rompem vários outros padrões sintáticos, revelando uma estrutura idiomática também quanto
à estrutura formal. Tanto do ponto de vista semântico quanto do ponto de vista pragmático e
também sintático, as EFs podem apresentar idiossincrasias sob diversos aspectos, como ordem
fixa ou diferente da habitual, verbos com diátese incomum, nomes não referenciais e muitas
outras idiossincrasias que não se conformam aos padrões lingüísticos esperados.
A seguir, serão apontados alguns desses aspectos mais relevantes, onde se detecta uma
idiomaticidade também quanto à estruturação morfossintática. Além disso, serão também
apontados outros aspectos ainda não mencionados quanto a especificidades semânticas e
pragmáticas.
O que se procura mostrar é que as expressões fixas não se caracterizam
exclusivamente por idiossincrasias do ponto de vista semântico, como se costuma pensar. Ao
4
Não necessariamente essas propriedades precisam ser consideradas “transformações” que seguem o modelo
chomskyano. Podem alternativamente ser consideradas “correspondências” entre estruturas superficiais, como
queria Harris (1957). Não aqui nenhum comprometimento com a idéia de movimentos em estruturas
profundas.
215
lado da opacidade semântica e de especificidades lexicais, aparecem também várias
características inesperadas quanto à composição estrutural, indicando que as EFs se
comportam idiossincraticamente também do ponto de vista sintático.
A constatação de que as EFs não se conformam aos parâmetros da língua acrescenta
mais essas indicações de que essas estruturas podem ser entendidas como um bloco único,
que o usuário emprega sem passar pela composição nem para produzi-lo nem para decodificá-
lo. Caso fosse feito algum tipo de processamento, muitas expressões teriam de ser rejeitadas
por serem consideradas agramaticais o que não acontece. Mas para comprovar isso
precisamos analisar a composição interna das EFs. Fique claro que o esmiuçamento da EF que
será feito no decorrer deste capítulo consiste tão-somente num procedimento analítico que se
presta a um recurso argumentativo; obviamente, isso não quer dizer que o falante faça o
mesmo tipo de procedimento.
Reconheço que o estudo descritivo por vezes é de leitura cansativa, que requer
inicialmente a análise de cada exemplar, um por um, e por vezes a apresentação dessa análise
individualizada dos fatos. Maurice Gross, um dos lingüistas descritivos de maior peso,
apresenta no seu livro Méthodes en syntaxe um estudo individualizado, caso a caso, do
comportamento de mais de 3000 verbos do francês. Esses 3000 verbos foram analisados
individualmente segundo uma matriz de cerca de 100 traços, o que gera uma análise
particularizada de aproximadamente 300 mil casas ! (GROSS, 1975, p. 21). Não dúvida de
que a pesquisa descritiva é de leitura difícil mas também não vida de que alguém
precisa fazer esse serviço minucioso, e que tal estudo precisa ser apresentado.
6.1 Ordem sintática: irreversibilidade e imobilismo
Mencionamos na seção 5.3 que, nas expressões fixas, é possível que a ordem das
palavras seja invariável; ou seja, em muitos casos não é possível mudar a ordem das palavras
de uma expressão, mesmo que as regras da língua o permitam em princípio.
Em estruturas construídas (que não são EFs), a conjunção e coordena palavras ou
sintagmas de mesma classe, e normalmente esses dois elementos são permutáveis: [A e B] ou
[B e A]. Na língua em geral, em sintagmas coordenados pode-se alternar a ordem, de forma
que o primeiro elemento passa para a segunda posição e vice-versa. Por exemplo, nos
216
exemplos abaixo, que apresentam coordenação em vários níveis sintagmáticos, a ordem é
sempre reversível:
(1) - laranja e banana / banana e laranja;
- este livro amarelo e aquele livro azul / aquele livro azul e este livro amarelo;
- papai lê o jornal e mamãe frita bolinhos / mamãe frita bolinhos e papai lê o jornal.
As expressões coordenadas não apresentam ordem intercambiável quando
exprimem fatos que envolvem organização cronológica, como por exemplo em deitou e
dormiu; nesse caso não se pode exprimir a mesma idéia com
*
dormiu e deitou a seqüência
continua aceitável, mas não é sinônima da primeira. A cronologia, portanto, parece compor
um sistema conceitual superordenado que orienta a ordenação lingüística, e tem a capacidade
de bloquear a reversibilidade de estruturas coordenadas: em caso de concepção temporal, a
ordem de apresentação de fatos coordenados tem de corresponder à ordem cronológica.
Porém, em casos de EFs que incluem uma estrutura coordenada, a ordem pode ser
rígida mesmo sem a presença de indicação temporal. Quando uma coordenação aditiva ou
alternativa, isto é, quando os itens são unidos por conjunções como e, ou, ou por rgula (que
são casos em que se esperaria a possibilidade de permuta de ordem), em muitos casos a ordem
dos termos é irreversível e não se pode trocar a posição dos elementos dentro da expressão,
mesmo se as regras da língua o permitissem em princípio. Vejam-se alguns exemplos:
217
a ferro e fogo (*a fogo e ferro)
curto e grosso (*grosso e curto)
arco e flecha (*flecha e arco)
brigar feito cão e gato (*feito gato e cão)
a torto e a direito (*a direito e a torto)
caça e pesca (*pesca e caça)
de carne e osso (*de osso e carne)
cara ou coroa (*coroa ou cara)
compra e venda (*venda e compra)
de alto a baixo (*de baixo a alto)
de cabo a rabo (*de rabo a cabo)
de cama e mesa (*de mesa e cama)
de cima a baixo (*de baixo a cima)
de corpo e alma (*de alma e corpo)
de fio a pavio (*de pavio a fio)
de forno e fogão (*de fogão e forno)
de mala e cuia (*de cuia e mala)
de véu e grinalda (*de grinalda e véu)
dia sim, dia não (*dia não, dia sim)
mais ou menos (*menos ou mais)
direto e reto (*reto e direto)
com unhas e dentes (*com dentes e unhas)
com unhas e dentes (*com dentes e unhas)
é tudo ou nada (*é nada ou tudo)
fazer gato e sapato (*fazer sapato e gato)
firme e forte (*forte e firme)
mais dia, menos dia (*menos dia, mais dia)
ou dá ou desce (*ou desce ou dá)
ou vai ou racha (*ou racha ou vai)
par ou ímpar (*ímpar ou par?)
pele e osso (*osso e pele)
pintar e bordar (*bordar e pintar)
plumas e paetês (*paetês e plumas)
prós e contras (*contras e prós)
rápido e rasteiro (*rasteiro e rápido)
são e salvo (*salvo e são)
sem dó nem piedade (*sem piedade nem dó)
sem pé nem cabeça (*sem cabeça nem pé)
ser unha e carne (*ser carne e unha)
sobe e desce (*desce e sobe)
vai-e-vem (*vem-e-vai)
mão fria, coração quente (*coração quente, mão fria)
entre a cruz e a espada (*entre a espada e a cruz)
entre a cruz e a caldeirinha (*entre a caldeirinha e a cruz)
entre mortos e feridos (*entre feridos e mortos)
dizer cobras e lagartos (*dizer lagartos e cobras)
na alegria e na tristeza (*na tristeza e na alegria)
Também os qualificativos podem ter ordem fixa nas EFs, mesmo tendo ordem livre
com relação ao núcleo do SN em sintagmas construídos, como se vê nos seguintes exemplos:
ter em alta conta (*ter em conta alta)
em altos brados (*em brados altos)
de largo espectro (*de espectro largo)
longa-metragem (*metragem longa)
de bom-tom (*de tom bom)
o vil metal (*o metal vil).
218
Outros modificadores, como os possessivos, também podem ter posição rígida,
diferentemente do que acontece em sintagmas construídos. Em construções livres, os
possessivos geralmente vêm antes do núcleo do SN (como em meu amigo) e em alguns casos
aceita-se também a sua colocação posposta ao nome (como em amigo meu nunca faria isso).
Mas normalmente a posição anteposta é sempre possível. Porém, em se tratando de EFs,
encontram-se possessivos com ordem posposta obrigatória. É o caso das interjeições
idiomáticas azar seu! e sorte sua!, em que não existe a possibilidade de anteposição do
possessivo (*seu azar!; *sua sorte!). Nesses casos o possessivo tem ordem fixa posposta ao
núcleo do SN, diferentemente do que acontece em geral na língua.
Também em outros casos a liberdade de ordem não se realiza ou seja, mesmo em
estruturas onde seria possível transpor um elemento para outra posição, a liberdade de
movimento pode ficar bloqueada quando se trata de uma EF. Por exemplo:
por assim dizer (*por dizer assim)
pôr uma pedra em cima (*pôr em cima uma pedra)
fazer uma tempestade em copo d’água (*em copo d’água, fazer uma tempestade)
Algumas EFs irreversíveis constituem grupos de palavras de sentido previsível mas
agrupados de forma convencional. São expressões como de alto a baixo, de forno e fogão,
plumas e paetês. Em outros casos (que na verdade constituem a maioria), uma
superposição de duas condições: a forma convencional e a idiossincrasia semântica (como
entre a cruz e a caldeirinha, fazer gato e sapato, rápido e rasteiro, pintar e bordar). Vê-se
assim que muitas expressões incluem mais de um tipo de idiossincrasia, apresentando
convencionalidades sintáticas e também convencionalidades semânticas.
Mas nem todas as EFs coordenadas têm ordem rígida. Algumas EF apresentam ordem
reversível, permitindo a mudança de posição dos termos integrantes, como em da noite para o
dia / do dia para a noite; entrar mudo e sair calado (mais comum), mas também entrar
calado e sair mudo (conforme atestado em artigo de jornal). O exemplo a seguir ressalta a
variabilidade de ordem dos termos da expressão:
(2) Percebe que cuidar do corpo é o primeiro passo para sanar a mente. Corpo são, mente sã,
ou seria o contrário? (jornal Pampulha, 29 de abril a 5 de maio de 2006, página A16)
219
6.2 SN
Os SNs são compostos por um N referencial ([+R]), acrescido ou não de outros
elementos (pré-determinante, determinantes, quantificadores, possessivos e modificadores)
que restringem ou ajudam a delimitar o referente do SN como um todo
1
. O elemento [+R] é o
núcleo do SN. Pois bem, em EFs que são SNs, a composição interna é irregular. Vejamos.
A situação “normal” representada por sintagmas construídos livremente, que não
incluem uma EF é a que se segue, ilustrada pelos dois exemplos abaixo, em que temos uma
oração simples formada por um SN sujeito + um SV:
(3) Maria comeu a pizza.
O
SN SV
N
(núcleo)
Maria comeu a pizza
1
Uma análise da estrutura interna do SN é encontrada em Perini et al. (1996) e em Liberato (1997).
220
(4) A gostosa pizza de mozzarella custou caro.
O
SN
SV
Det Mod N Mod
(núcleo)
S Prep
Prep N
a gostosa pizza de mozzarella custou caro
Vejamos agora o que acontece em SNs que incluem uma EF nominal: nesse caso o
núcleo [+R] não é um nome, mas estruturalmente um N’ (isto é, um SN sem o determinante).
O núcleo não é uma única palavra, mas mais de uma palavra, e portanto é outro sintagma.
Temos então:
(5) O pé-de-moleque mofou.
O
SN SV
Det N’
(núcleo)
o pé-de-moleque mofou
221
O inconveniente dessa análise é o fato de ela não apresentar compatibilidade sintática
e semântica. Isso porque teríamos de dizer que, sintaticamente, o N’ pé-de-moleque seria
formado por um [N + SPrep], que tem como núcleo o elemento [+R] ; o problema é que, de
nenhuma forma, constitui o centro de referência do sintagma pé-de-moleque. Em pé-de-
moleque não nenhuma referência a “pé”. Mas não deveria ser assim, porque do ponto de
vista semântico o núcleo de um grupo nominal é sempre o centro de referência do sintagma.
Chegamos então a uma discrepância, a uma incongruência entre sintaxe e semântica: temos
um núcleo sintático nominal [+R] , que inclusive é o locus morfossintático
2
(o plural é feito
sobre esse núcleo sintático: pés-de-moleque), mas esse núcleo sintático não é semanticamente
o centro de referência do sintagma. Evidentemente, nenhuma análise gostaria de promover
esse choque: se uma estrutura gerada acarreta incompatibilidade semântica ou sintática, ela
deveria ser uma estrutura mal formada. No entanto, não é esse o caso quando se trata de uma
EF.
(6) O pé-de-moleque mofou.
O
SN SV
Det N’
N SPrep
(núcleo??)
o pé - de - moleque mofou
A estrutura parece indicar como núcleo, e portanto o indicador da referência; mas o
resultado semântico não é esse. A saída para compatibilizar sintaxe e semântica seria
considerar pé-de-moleque ou qualquer outra EF como uma estrutura indecomponível. Ou seja,
2
Para uma definição de núcleo e uma caracterização de seus traços, veja-se Zwicky (1993).
222
pé-de-moleque não seria um [N + SPrep]. Pé-de-moleque seria formalmente uma estrutura só,
um item léxico só: um nome.
Se é assim para as EFs nominais, por coerência teórica teríamos de expandir a mesma
análise para qualquer outra EF: todas seriam consideradas sintaticamente (e semanticamente)
estruturas unívocas, não composicionais. E se é assim a análise, então uma EF seria um
item léxico, e não um composto de vários itens léxicos. Pé-de-moleque teria o mesmo status
de brigadeiro ou cocada, ou seja, seria um único item. Pagar o pato, bater as botas ou sair
pela tangente não seriam SVs (V + complemento / adjunto), mas Vs; ao léu e a esmo não
seriam sintagmas adverbiais, mas advérbios; e por conseguinte teria a mesma análise de
portanto: todas as EFs teriam o status sintático de uma classe simples, uma vez que seriam
consideradas unidades do ponto de vista formal. Essa posição teria a vantagem de apagar as
discrepâncias internas entre os sintagmas livres e os sintagmas fixos, já que as EFs não seriam
consideradas sintagmas e não haveria uma estrutura interna a ser analisada. Além disso, é
coerente com o fato de o armazenamento da EF ser feito em bloco, unitariamente, como
acontece com qualquer item léxico, mesmo aqueles formados por mais de um morfema.
Evidentemente, tal posição mexe profundamente em pressupostos basilares: (a) será
necessário modificar a noção de sintagma e admitir a existência de grupos de palavras que,
apesar de coesos do ponto de vista sintático e semântico, não serão analisados como um
sintagma e terão que ser considerados unidades nimas; e (b) será necessário modificar a
noção de unidade formal, que passa a incluir grupos de palavras e não morfemas (livres ou
presos). E, finalmente, uma conclusão importante que vai contra o que geralmente se admite,
e no entanto é inevitável em vista dos dados examinados:
(c) será necessário admitir que a estrutura superficial de uma seqüência não é
indicação suficiente para sua análise: por exemplo, algumas estruturas
idênticas a um N’ ou a um SV terão que ser analisadas como outra coisa
(uma EF).
Outra questão relativa a SNs é um corolário do que foi visto acima e tem novamente a
ver com o núcleo do SN. O que vamos considerar agora diz respeito ao referente do SN. Em
sintagmas componenciais, o referente do SN inteiro é sempre um elemento mais restringido
do que o que é evocado pelo núcleo. Por exemplo: no sintagma o meu colega da PUC que
ganhou o prêmio, o referente do núcleo é colega e o referente do SN integral é um ser
específico (o meu colega da PUC que ganhou o prêmio), mais restrito do que o referente do
223
núcleo. Em sintagmas montados pelo falante, o referente do SN inteiro é sempre um membro
da classe referencial delimitada pelo núcleo.
Como explicam Perini et al. (1996, p. 83), “todo SN tem potencial referencial, ou seja,
ainda que não tenha necessariamente um referente
3
identificável, sempre tem o poder de
indicar um, dadas condições favoráveis”. O nome, por sua vez, é o cleo do SN e o seu
centro de referência (PERINI et al., 1996, p. 83). Esse centro de referência pode se igualar à
referência de todo o SN (por exemplo, quando o SN é João) ou pode ser mais abrangente do
que o referente do sintagma, que os demais integrantes do SN (determinantes,
modificadores, etc) operam de modo a restringir o referente evocado pelo núcleo (por
exemplo, no SN aquele homem que está sentado ali no canto, o referente do sintagma é mais
restritivo do que o referente evocado pelo núcleo homem). Isso significa que, em sintagmas
construídos, o referente do SN é sempre relacionado ao referente do nome que constitui o seu
centro de referência: ou o SN e o nome têm o mesmo referente, ou o SN é uma restrição (uma
individualização) do referente mais genérico evocado pelo nome, núcleo desse SN
4
.
O que acontece em expressões fixas é diferente: se decompomos as EFs nominais
vemos que em muitos casos o referente do grupo inteiro não é nem mesmo semelhante ao
referente do nome que integra essa expressão. Por exemplo, vamos examinar as seguintes EFs
referenciais:
3
O termo “referente” é empregado aqui conforme definido em Fulgêncio (1983, p. 4): “[o referente] pode ser
caracterizado como sendo a entidade do discurso do falante que ele pretende que seja captada pelo ouvinte”.
Chafe (1976, p. 28, apud Liberato, 1980, p. 19) também define o referente como “a idéia que um nome é usado
para expressar”.
4
A respeito da interpretação do SN veja-se também Liberato, 1997.
224
água-marinha
ar-condicionado
boca-de-lobo
bate-papo
balão de oxigênio
cabide de emprego
cabra-cega
cabeça-de-porco
cama-de-gato
carro-chefe
chá-de-panela
céu da boca
colher de chá
curta-metragem
ferro-velho
língua-de-sogra
lua-de-mel
leão-de-chácara
mala-direta
maria-fumaça
meio-fio
mestre-cuca
olho-d’água
pai de santo
pé-de-cabra
pé-rapado
rosa-dos-ventos
trem da alegria
testa-de-ferro
tromba d’água
Em todos esses casos o referente do SN (em pelo menos uma das acepções) é
totalmente diferente do hipotético referente do nome que integra esse SN. Digo “hipotético”
porque esse referente do nome não entra na composição do referente do sintagma, como
acontece com qualquer SN. Vamos mostrar o que acontece com, digamos, os três primeiros
casos de expressão idiomática nominal citados acima:
- água-marinha referente do SN: um tipo de pedra preciosa azul
referente do núcleo : água (esse referente não é acionado)
- ar-condicionado referente do SN: certo tipo de aparelho, um artefato
referente do núcleo: ar (objeto natural)
- boca-de-lobo referente do SN : bueiro grande
referente do núcleo : boca (parte do corpo)
225
Vê-se que, no caso de água-marinha, a pedra preciosa não é uma restrição de água, e
o modificador não restringe o núcleo; em ar-condicionado, o aparelho que tem esse nome não
é um tipo de ar, nem em boca-de-lobo o bueiro (que é o significado da expressão) é uma
especificação de boca. Ou seja, os demais componentes do SN (determinantes, modificadores,
etc), que normalmente servem para restringir o referente evocado pelo núcleo do SN
(formado pelo nome), no caso das expressões idiomáticas não fazem esse papel, ou seja, não
servem para restringir ou delimitar o referente do nome. Nesse caso, um único referente
evocado: o do SN completo. Portanto, todos os elementos componentes da EF ajudam
igualmente na definição desse referente. Todos os elementos (tanto o nome como os seus
satélites determinantes e modificadores) têm o mesmo papel na composição do referente de
expressões idiomáticas, e o referente do SN não é acionado prioritariamente pelo núcleo. Esse
tipo de delimitação do referente é totalmente diferente do que acontece em sintagmas
componenciais, montados pelo falante durante o enunciado.
Isso mostra também que a compreensão da língua não é estritamente linear. Se o
ouvinte compreendesse linearmente, à medida que as palavras vão aparecendo, ele acionaria
cada referente na ordem em que aparece na sentença. Por exemplo, no caso da EF boca-de-
lobo o ouvinte acionaria inicialmente o referente de boca e depois passaria à compreensão do
restante do sintagma. Uma prova de que o referente de boca não é acionado é o fato de ele
não poder ser retomado anaforicamente. Vejamos:
Num sintagma formado composicionalmente, é possível retomar tanto o referente do
sintagma inteiro quanto o referente só do nome dentro desse SN. Por exemplo,
(7) A Ju comprou uma blusa vermelha e deu Ø de presente para a amiga.
Ø = “a blusa vermelha que a Ju comprou” (referente do SN completo acionado
anteriormente)
(8) A Ju comprou a blusa vermelha e eu comprei uma Ø verde.
Ø = “blusa” (referente do nome interno ao SN objeto, ou seja, não é o referente específico
do SN completo, mas o referente genérico de “blusa” ativado pelo nome blusa
mencionado dentro do SN a blusa vermelha).
Mas com o sintagma boca-de-lobo não é possível retomar o referente do nome boca:
226
(9) O Fernando caiu com o carro numa boca-de-lobo porque Ø estava sem tampa.
Ø = “a boca-de-lobo onde o Fernando caiu” (referente do SN completo mencionado
anteriormente)
(10) *O Fernando caiu com o carro numa boca-de-lobo e eu consertei a minha Ø que tinha uns
dentes encavalados.
Ø = “boca” (nome interno à expressão boca-de-lobo)
Isso prova que o referente de boca não é acionado. E o de lobo também não, apesar de
ser possível retomar referentes de nomes incluídos dentro de SPreps:
(11) A escrivaninha do Lauro está uma bagunça, mas ele não quer que eu arrume.
ele = “o Lauro” (referente do SN dentro do SPrep incluído no SN maior a escrivaninha do
Lauro).
Mas em boca-de-lobo não se pode retomar anaforicamente o referente de lobo:
(12) *A boca-de-lobo estava aberta, sem tampa, e tinha um Ø que queria comer os três
porquinhos. (Ø = “lobo”).
Resumindo: com SNs composicionais (de formação regular) acontece o seguinte:
a) O núcleo evoca um referente mais genérico que é restringido pelos demais
componentes do sintagma, de forma que o referente do sintagma inteiro é mais
específico do que o referente do núcleo; um SN evoca, portanto, no mínimo dois
referentes: o do sintagma e o do núcleo.
b) Todos os referentes de nomes que compõem o SN podem ser retomados
anaforicamente. Uma anáfora pode se relacionar ao referente do SN, ao referente do
núcleo e também ao referente de outro nome mencionado, como por exemplo o que
aparece dentro de um SPrep (como em a escrivaninha do Lauro), dentre outras
coisas (pode também se relacionar também a elementos componentes do esquema
cognitivo).
c) O núcleo é não o controlador da referência, como também o controlador
morfossintático (segundo Zwicky, 1993, omorphosyntactic locus”). Isso quer
dizer que se o núcleo é masculino, o SN inteiro também é; e se é feminino, o SN
também é.
227
Com alguns SNs que são expressões idiomáticas tudo é diferente:
a) O núcleo, por si mesmo, não evoca referente nenhum.
b) Se não um referente para o núcleo, um referente acionado: o do SN
completo. Isto é, não é acionado um referente menos específico e outro mais
especificado, mas somente um único referente, que é aquele acionado para todo o
SN.
c) Os demais itens do sintagma não servem para restringir o referente evocado pelo
nome, como acontece em sintagmas construídos, mas, ao contrário, servem para
definir o referente, que pode ser totalmente diferente do referente do nome que
integra a EF. Os termos integrantes do SN (determinantes, modificadores, etc)
participam da identificação e da composição conceitual do referente tanto quanto o
núcleo.
d) O núcleo não é o controlador morfossintático. Nas expressões idiomáticas é
possível que haja um nome de um gênero e que o SN seja de outro gênero por
exemplo: um curta metragem (o SN é masculino, mas o nome metragem é
feminino, o que fica evidenciado no modificador curta que aparece no feminino);
outros exemplos são: o pele vermelha, o testa de ferro, o bóia fria, o caixa dois, o
regra-três.
e) Nenhum nome que integra o SN idiossincrático pode ser retomado por meio de
clítico ou de anáfora pronominal. é possível retomar anaforicamente o referente
de todo o SN.
f) A forma de compreensão de uma EF, em que os referentes dos nomes não são
ativados à medida que as palavras são percebidas, serve para demonstrar que a
compreensão não é linear, não é feita item por item, mas é feita através de
fatiamento de informação (em inglês, chunks)
1
. No processo de fatiamento de um
texto ouvido ou lido o cérebro trabalha recortando o material percebido em
elementos significativos, que são as unidades memorizadas com as quais o
receptor trabalha na montagem do sentido. As EFs são unidades de fatiamento, que
não podem ser divididas em fatias menores, e cada EF representa assim o elemento
mínimo com que o cérebro trabalha na compreensão.
1
Para uma explicação mais detalhada do processo de fatiamento lingüístico veja-se Liberato e Fulgêncio, (2007,
p. 21-24).
228
Portanto, diferentemente do que acontece com todos os SNs da língua, naqueles que
são expressões idiomáticas não ativação do referente do nome, nem o referente do
sintagma inteiro é uma parte do referente do nome, ou uma restrição deste, nem esse referente
do nome (seja ele o cleo do sintagma ou qualquer outro nome componente do sintagma)
pode ser retomado
2
.
ainda casos específicos que merecem ser comentados. Por exemplo, dentre as EFs
supostos sintagmas nominais que não se comportam como um SN típico. Vamos examinar
algumas dessas expressões.
Um caso interessante é o das EFs longo prazo / curto prazo / médio prazo, que têm
alguns traços de um SN: por um lado, podem vir precedidas de preposição formando um
sintagma preposicionado e, além disso, sua estrutura interna se assemelha à de um SN, porque
é composta de um elemento [+Q] (longo) e de um elemento [+R] (prazo); por outro lado,
diferem estruturalmente de um SN pelo fato de geralmente não virem precedidas de artigo:
fala-se de uma previsão a curto prazo ou de uma questão de longo prazo, por exemplo, e
nesses casos aparece a preposição simples, não contraída com o artigo.
O último caso examinado é o do SN oracional. Como se sabe, o SN pode ser
representado por um N (com ou sem complementos) ou por uma oração
3
. Dentre as EFs
um caso particular, em que uma expressão exige como sujeito um SN oracional obrigatório;
trata-se da EF não faz mal, como nos exemplos abaixo:
(13) Não faz mal se você chegar atrasado.
(14) Não faz mal errar de vez em quando.
A EF [não faz mal + SN oracional] significa “é indiferente”, e não é possível a
construção [não faz mal + *SN não-oracional]. Existe a construção manga com leite não faz
mal, por exemplo, mas nesse caso a acepção não é idiomática: a montagem semântica é
literal. Já com a expressão [não faz mal + SN oracional], exemplificada acima, o significado
2
Ressalvem-se casos de jogos de palavras, em que a retomada de um elemento interno à EF representa uma
transgressão intencional para provocar humor ou interesse literário. Um exemplo de retomada anafórica de nome
interno à EF, com intenção de brincar com a língua, aparece no seguinte texto: “Cid Moreira (78) não é de
engolir sapos. Mas, desde a adolescência, adora colecioná-los.” (revista Caras edição 672 – ano 13, n
o
38).
3
Mais exatamente, por uma oração de infinitivo ou uma oração finita introduzida por complementizador (como
que, se).
229
não é literal, uma vez que não apresenta relação necessária com a idéia de “causar malefício”
(a idéia é de que tal fato não importa). E o que é diferente nesse caso é a exigência de um tipo
específico de SN (o SN oracional) na função de sujeito da expressão.
Como explicado anteriormente, a proposta aqui apresentada é a de que as EFs sejam
consideradas unidades lingüísticas. Para reforçar essa idéia veremos a seguir outros pontos em
que a estrutura interna das EFs apresenta comportamento diferente dos parâmetros observados
na ngua, trazendo dificuldade de encaixe das EFs com relação ao que funciona para o
restante da língua. Continuaremos a analisar as EFs como sintagmas justamente para
evidenciar os problemas que isso acarreta, o que nos trará subsídios para manter e defender a
proposta de entendimento das EFs como elementos unitários, que compõem um sistema
diferenciado dentro da língua.
6.3 Locuções - palavras compostas
Basilio (2000, p. 15-16) apresenta características conceptuais, semânticas e estruturais
(fonológicas, morfológicas e sintáticas) das palavras compostas, isto é, dos vocábulos
formados a partir de mais de uma forma livre. A partir de sua análise constata-se que os
grupos de palavras, quando são locuções, têm um comportamento diferenciado com relação a
outros grupos de palavras montados pelo falante no momento do enunciado.
a) Do ponto de vista semântico, as palavras compostas são entendidas como unidades
lexicais, ou seja, possuem o mesmo status de uma palavra integrante do léxico da língua.
b) Do ponto de vista fonológico, as palavras compostas têm comportamento diferente
quando comparadas com estruturas idênticas que constituem sintagmas, principalmente
quanto ao aspecto da posição do acento. Segundo Basilio (2000, p. 15),
Do ponto de vista fonológico, é clara a diferença de ritmo, acentuação e
autonomia fonológica dos elementos envolvidos conforme se trate do
composto ou da mesma seqüência de palavras numa situação de não
composição, conforme pode ser verificado pela leitura esclarecida dos
exemplos abaixo,
230
(6) a. João mata mosquito no verão para ajudar o prefeito ...
b. João, mata-mosquito no verão para ajudar o prefeito, ...
Endossando essa constatação, observa-se que os dicionários indicam uma única sílaba
tônica em palavras compostas (a sílaba tônica é sublinhada). Por exemplo: bi-cho-de-se-te-ca-
be-ças (Caldas Aulete, 2005, p. 74).
Acrescente-se à observação de Basilio o fato de que não as palavras compostas de
estrutura [V + N] apresentam diferença fonológica acentual quando comparadas com
seqüências idênticas não vocabulares, mas também outros tipos de EF, como [N + Qual.].
Schane (1973, p. 100-102) oferece para o inglês o exemplo de blackbird, que apresenta
diferença quanto ao número de acentos dependendo se o item é um sintagma (que tem dois
acentos: bláck bírd – pássaro de cor preta, de qualquer espécie) ou se é um nome (que tem um
único acento: bláckbird nome de uma espécie de pássaro
4
). Em português o mesmo
acontece com pão duro / pão-duro: quando se trata do grupo idiomático o-duro
(considerado uma unidade), um único pico acentual; quando se trata do sintagma
construído pão duro dois acentos, um sobre cada palavra. Por exemplo, ao se falar sobre
um pedaço de pão velho, pode-se dizer Que PÃO / DURO! (acentuando individualmente cada
um dos termos do sintagma e impondo um ritmo que separa cada item), ou Que PÃO duro! ou
Que pão DURO! (acentuando isoladamente um ou outro termo do sintagma); mas ao se falar
de uma pessoa avarenta geralmente não se fazem dois acentos nem a separação rítmica, mas
só um acento sobre a palavra duro: Que pão-DURO! (a forma com acento sobre pão é vetada:
* Que PÃO-duro!).
O exame de outras EFs com padrão semelhante a pão-duro (EF) / pão duro (sintagma
composicional) como por exemplo livro aberto, pé-de-galinha e criado-mudo podem
corroborar a manutenção do padrão fonológico diferenciado para EFs e sintagmas.
Por outro lado, a forma fonológica de itens como pé-de-moleque evidencia que essa
unidade conceitual é formada por morfemas livres. Sabemos que a EF é composta de três
palavras porque o acento é pé-de-moleque (conservando o acento de cada palavra isolada) e
não *pedemoleque (que corresponderia ao tipo de acentuação silábica forte-fraca de uma
grande parte das palavras do português).
Temos então um quadro em que algumas características fonológicas apontam para a
unidade e para a indivisibilidade do grupo idiomático, mas outras apontam para a construção
sintagmática, formada por três palavras distintas.
4
Comparar no português coloquial a diferença paralela entre pássaro preto e passopreto (nome popular de uma
espécie).
231
c) Do ponto de vista morfológico, compostos que apresentam a forma [V – Nome] têm
o verbo congelado na 3
a
pessoa do singular do presente do indicativo (como por exemplo em
mata-mosquito, guarda-volumes, beija-flor, pica-pau, marca-passo, tira-teima, quebra-
galho, porta-estandarte, quebra-cabeça, salva-vidas, tira-gosto, vira-lata ou lança-perfume).
Acrescente-se que, em alguns casos (onde a formação é diferente de [V Nome]) o verbo
pode aparecer em outro tempo verbal que não o presente, como em bem-te-vi, disse-me-disse,
ao deus-dará, deus-nos-acuda e venha a nós, mas sempre aparece congelado (isto é, não pode
ser conjugado em outros tempos ou pessoas).
d) Do ponto de vista sintático, os compostos [V Nome] comportam-se como um
nome, e não como um SV, tendo as seguintes características:
1. não é possível coordenar elementos internos ao composto, como se pela
impossibilidade de
(15) O beija (*e cheira) - flor é pequeno.
O beija-flor (*e frutos) é pequeno.
2. não é possível intercalar elementos entre o verbo e o nome, como se vê pela
impossibilidade de
(16) O beija (*qualquer tipo de) - flor é pequeno.
O beija (*a linda) - flor é pequeno.
Expressões nominais como ama-seca, arma branca ou arco-íris são claramente
compostos lexicais e portanto EFs –, uma vez que são cristalizadas e memorizadas, sendo
que o significado do todo não pode ser depreendido a partir do significado das partes.
Exemplos de locuções nominais são elencados a seguir, tendo em vista os traços
apresentados. Conforme se verifica, as composições apresentam características estruturais
particulares, que as diferenciam do comportamento das demais construções da língua.
232
guarda-pó
joão-ninguém
leão-de-chácara
lente de contato
mala-direta
massa falida
matéria-prima
medida provisória
meio ambiente
meio-fio
mesa-redonda
mestre-cuca
molho pardo
montanha-russa
notório saber
olho-mágico
papel higiênico
papel-moeda
para casa
parque industrial
pau-de-sebo
pé-direito
pedra lascada
pessoa jurídica
poço artesiano
pomo-de-adão
ponta-de-estoque
ponte de safena
ponto facultativo
ponto-e-vírgula
pontos cardeais
prisão de ventre
público-alvo
puro-sangue
quebra-mola
quebra-quebra
queda-d’água
rabo-de-cavalo
raiz quadrada
razão social
reembolso postal
reforma agrária
rei momo
retrato falado
roda-gigante
roleta-russa
salário mínimo
salvo-conduto
seqüestro-relâmpago
sistema nervoso
soda cáustica
superávit primário
tíquete-refeição
tira-gosto
tomara-que-caia
topa-tudo
trem da alegria
trio elétrico
valor agregado
viva-voz
6.4 Artigo
6.4.1 O artigo como elemento definidor do significado
Ao considerar a formação do SN como a junção de palavras de certas classes (como
determinante, modificador, etc), vemos que o artigo tem a função de indicar características
semânticas do nome com o qual entra em construção (como genérico/específico) ou
características discursivas (como definido/indefinido, dado/novo). Porém, ao ampliar a
unidade (passando da junção de palavras isoladas para a análise de grupos de palavras
233
prontos e memorizados, que são as EFs), vê-se que o artigo pode ter funções não previstas
anteriormente.
Normalmente, entre duas construções iguais, a presença do artigo ou o tipo do artigo
usado não é capaz de atribuir significados diferentes às construções, além dos previstos
dentro da própria semântica do artigo. Mas casos de EFs em que a mudança de artigo é
capaz de atribuir significado radicalmente diferente ao grupo, fazendo com que duas
expressões se distingam unicamente pelo tipo de artigo que entra na formação da estrutura
idiomática. Ou seja, ao se comparar EFs idênticas, cuja única diferença é o tipo de artigo
usado ou a presença/ausência do artigo, observa-se que exclusivamente a mudança de artigo é
capaz de demarcar um significado diferente para cada expressão. Essa característica das EFs
apresenta um ponto que ainda não havia sido considerado, que é a possibilidade de o artigo
ser o elemento definidor de um campo semântico. Exemplos desse caso são apresentados no
quadro 4:
234
Quadro 4
Contraposição de casos de EFs em que o artigo determina o significado
EF 1
Significado Exemplo EF 2 Significado Exemplo
sair da
linha
“perder a
compostura”
Sempre que ele bebe
ele sai da linha.
sair de
linha
“não ser mais
produzido”
O Santana saiu
de linha há muitos
anos.
ser a gota
d’água
“ser o elemento
que, somado a
outros, fez
ultrapassar o
limite do
suportável”
A prisão do assessor de
seu irmão, com dólares
na cueca, foi a gota
d’água para o petista.
(revista)
ser uma
gota
d’água
“ser uma parte
mínima”
Lula conseguiu
apenas gerar 3.936
vagas uma gota
d’água de uma
massa de jovens
que, a cada ano,
deságua no
mercado de
trabalho.
ser uma
boa
“ser uma
situação
conveniente”
Acho que é uma boa
você fazer um curso de
computação.
ser boa “ser ridículo, ser um
horror”
O Lula ganhou
doutorado de
graça? Essa é boa!
ser o tal
“ser importante” Aquele menino é muito
convencido, ele é
crente que é o tal.
ser um tal
“refere-se a ação
continuada,
repetitiva”
Quando o político
começou a falar, foi
um tal de gritar, de
vaiar, que ninguém
podia conter.
ser uma
fera
“ser bravo” Toda donzela tem um
pai que é uma fera.
(título de peça teatral)
ser fera “ser craque, saber
muito sobre um
assunto”
O Pablo é fera em
computador: sabe
fazer operações do
arco da velha!
ter a
palavra
“ter a vez de
falar sem
interrupções”
Tem a palavra o Sr.
Moreira. Vamos ouvi-lo.
ter palavra “ser uma pessoa
que cumpre o que
diz”
Não pra confiar
nele, porque ele
não tem palavra.
perder o
fôlego
“respirar com
dificuldade”
O bebê vomitou e
perdeu o fôlego.
perder
fôlego
“esmorecer,
perder o vigor”
A crise não morreu
com a cassação do
deputado José
Dirceu (PT-SP),
ainda que venha
perdendo fôlego.
chamar a
atenção
“passar pito”
ou
“salientar um
fato”
O cidadão pró-
desarmamento chama
a atenção para o risco
de ter uma arma de
fogo à mão.
chamar
atenção
“atrair os olhares”
[obs: é possível o
uso com ou sem
artigo; o caso em
comparação
exige artigo]
Eu não gosto de
usar roupa que
chama atenção.
pegar um
fogo
“ficar bêbado” Naquela festa ele
pegou um fogo, que
vendo. Deu o maior
vexame.
pegar fogo “incendiar” ou
“animar, exaltar”
O mato seco pegou
fogo num instante.
dar uma
notícia
[obs: não
EF]
“informar”
Finalmente o jornal deu
uma notícia boa: [...]
dar notícia “saber o que se
passa, estar
consciente”
Ele estava comple-
tamente bêbado,
não dava notícia de
nada.
dar o fora
“sair”
Que lugar esquisito!
Vamos dar o fora daqui.
dar um fora
/ dar fora
“falar bobagem” Eu e minha boca
grande... vivo
dando fora...
235
236
O último exemplo (dar o fora x dar um fora) merece um comentário: apesar de ser
possível usar dar um fora de forma definida (como em eu dei o maior fora do mundo / o fora
que eu dei foi horrível) não é possível usar dar o fora (“sair”) com artigo indefinido. Assim, o
uso do artigo indefinido aponta inequivocamente para o significado da expressão.
Outro caso que merece comentário é o par chamar atenção (“sobressair, aparecer com
evidência”) x chamar a atenção (“repreender, passar pito”), onde ocorre a contraposição entre
as estruturas [sem artigo] x [com artigo definido], com mudança de significado:
(17) Eu não gosto de usar roupa que chama atenção.
(18) Eu não gosto que me chamem a atenção na frente dos outros.
Aqui é difícil perceber o fenômeno, devido à ocorrência de sândi
1
no registro oral.
Assim como acontece em todo o mundo > todo mundo, lava a jato > lava-jato, etc, ocorre
sândi também no caso chamar a atenção > chamar atenção. Essa condição tem o efeito de
mascarar a presença do artigo, que na verdade só é individualizado na norma escrita.
Outro caso em que o artigo é o responsável pela delimitação do significado é
apresentado pelo par ter palavra (“cumprir o que se diz”) / ter a palavra (“ter permissão para
falar”). Nesse caso a diferença não pode ser atribuída às condições de dado/novo, uma vez
que, mesmo em situação anafórica de retomada de idéia já apresentada no discurso (em que se
esperaria a presença de SN definido) não é possível usar o artigo definido (ter a palavra) para
indicar “cumprir o que se diz”, como se vê pela inadequação do exemplo abaixo:
(19) O Dr. Osvaldo fala e cumpre. É um homem em quem se pode confiar. Em várias
ocasiões pudemos comprovar que realmente ele é uma pessoa que tem palavra. (*que tem
a palavra).
A EF polissêmica dar notícia, com os significados de “estar consciente, esperto, saber
do que se passa ao redor” (como em Ele estava completamente bêbado, não dava notícia de
nada.) e “fazer contato” (como no diálogo: Onde que ele tá? Sei lá, não telefonou, não
deu notícia.) contrapõe-se a dar uma notícia. Quando se insere o determinante (como em dar
a notícia , dar uma notícia , dar essa notícia, ou não dar nenhuma notícia ) o sintagma não é
1
O ndi é o fenômeno fonológico que ocorre entre duas palavras justapostas, como por exemplo em menino
enorme (pronunciado minininormi) e casa amarela (pronunciado casamarela).
237
mais uma EF, e sim uma construção regular, com significado composicional. A presença do
determinante muda as possibilidades de significação, e a construção passa a indicar “contar
uma novidade”. O que é interessante é que a presença do determinante não causa
simplesmente uma mudança de sentido genérico para específico, ou de atributivo para
referencial, mas causa uma mudança radical no significado do grupo.
Vê-se então um aspecto interessante que acontece nas EFs: o artigo, sozinho, é capaz
de determinar o significado da seqüência e não só, como se esperaria, indicar as condições de
dado/novo, definido/indefinido ou genérico/específico.
6.4.2 Usos idiossincráticos do artigo
Um caso em que muitas vezes não se usa artigo (apesar de o artigo definido ser
possível, opcionalmente), é a expressão em mãos, como se vê no exemplo abaixo:
(20) Eu tenho aqui em mãos um inquérito civil a respeito da mortandade de peixes na represa
em 2006. (rádio)
O que é interessante nesse caso é a possibilidade de ausência do artigo, apesar de
pragmaticamente haver referência específica, não genérica (a ausência de artigo apontaria
normalmente para o significado genérico).
Um caso onde o artigo é proibido aparece na EF ser voto vencido:
(21) Alguns deputados tentaram fazer carga contra a aprovação da emenda, mas foram voto
vencido.
na EF para todo o sempre aparece um artigo numa posição inusitada: como não
ocorre *o sempre como SN autônomo, fica patente a idiossincrasia da construção.
Um fato inexplicável quanto ao gênero do artigo aparece nas expressões dar um fora
(em que o artigo é masculino) e no seu antônimo dar uma dentro (em que aparece o artigo
feminino). Por quê? A hipótese de haver uma elipse depois do artigo não explicaria a
diferença, porque nos dois casos o item elíptico deveria ser o mesmo. Nem tampouco se pode
justificar a escolha do gênero por meio de uma harmonia do artigo à vogal final dos itens fora
e dentro (artigo feminino para palavras terminadas em -a, e artigo masculino para palavras
238
terminadas em -o): em dar um fora e dar uma dentro acontece o contrário do que seria de se
esperar: um –a (um fora), uma –o (uma dentro). Vê-se que também nesse caso não se
encontra uma motivação para a formação, onde se observa uma ruptura das condições
esperadas quanto ao funcionamento da língua.
Outra observação refere-se à presença ou ausência do artigo: imagina-se que os nomes
admitam tanto o artigo definido quanto o indefinido. No entanto, em muitas expressões não se
pode variar o artigo, como acontece normalmente na língua (geralmente o referente novo é
expresso com artigo indefinido, e o dado com definido). Casos em que é admissível o
artigo indefinido são os seguintes:
um pé cá e outro lá (* o pé cá e outro lá)
um quê de + N (* o quê de + N)
um sem-número de + N
um caso à parte
um tiro no escuro
um tiro no pé
um zero à esquerda
uma coisinha de nada
uma flor de pessoa
um belo dia
Em outros casos o único tipo de artigo admitido é o definido. Isso acontece em várias
EFs, como por exemplo nas seguintes:
a alma da festa (*uma alma da festa)
a boca do povo (*uma boca do povo)
a casa cair
a coisa ficar preta
a crista da onda
a ficha cair
a fina flor
a pedra noventa
a prata da casa
a raiz do problema
a salvação da lavoura
o bicho pegar
o adiantado da hora
o andar da carruagem
o buraco é mais embaixo
o caldo entornar
o centro das atenções
o comum dos mortais
o defunto era maior
o diabo a quatro
o espírito da coisa
o feitiço virar contra o feiticeiro
o fim da picada
o fio da meada
o nó da questão
o pau comer
o pulo do gato
o x do problema
239
Um caso paralelo acontece na EF estar nesse / estar naquele , que se refere ao
modo como as coisas estão (ou estavam) num dado momento. Por exemplo:
(22) As coisas estavam naquele pé / nesse pé quando chegou a notícia da morte do prefeito.
Nessa EF o determinante tem de ser definido mas não qualquer definido:
obrigatoriamente os demonstrativos têm de ser nesse / naquele; não é possível a substituição
do demonstrativo por um artigo, uma vez que não existe *estar no pé (com significado
paralelo a estar nesse ). Não é possível usar um determinante definido qualquer nesse caso,
diferentemente do que acontece na língua, em sintagmas construídos.
Um caso interessante é o que acontece com a EF todo mundo. Em SNs construídos
que incluem a palavra todo pode-se usar artigo ou não, mas o significado é bastante diferente
se o artigo está presente ou ausente. Por exemplo: todo o bolo = o bolo inteiro (traduzido em
inglês por all); e todo
bolo = qualquer bolo (traduzido em inglês por every). A palavra todo,
com o sentido de “inteiro”, exige artigo (como em comeram todo o bolo); sem artigo, tem
sentido distributivo e indica “todos os tipos, qualquer elemento da classe indicada pelo nome”
(como em todo bolo leva farinha) ou tem sentido iterativo, como em todo dia ela faz tudo
sempre igual.
Pois bem, na EF todo mundo acontece o oposto do que funciona para o restante da
língua: não aparece o artigo e, apesar disso, a palavra todo tem o significado de “inteiro”. A
EF não se refere a “qualquer mundo”, como daria a entender uma interpretação
composicional. Portanto, pela regra de uso do artigo com a palavra todo, a EF deveria ser
grafada com artigo, porque na escrita é a presença do artigo que determina a acepção de
“inteiro” e bloqueia a acepção de “qualquer”. Mas não é essa a praxe ortográfica (nem em
revistas, jornais ou livros) nem a norma explicitada no Manual geral da redação da Folha de
São Paulo (1987, p. 133). Nos exemplos coletados, a expressão todo mundo (referente ao total
de pessoas) é grafada sempre sem o artigo, como comprovam os exemplos reais citados
abaixo:
(23) Vai ter uma micareta com a Ivete Sangalo no sábado. Ali, todo mundo pega todo
mundo. (crônica em revista)
240
(24) Como todo mundo, de vez em quando ele sente o gosto amargo da vida, conhece
contingências ásperas, o dinheirinho míngua, doença na família, o seu time perde, o carro deu
o prego. (livro)
(25) É fácil para um tigre chamar todo mundo de mico quando não se tem um concorrente à
altura. (propaganda)
Conclui-se então que a expressão todo mundo é idiossincrática não somente do ponto
de vista semântico (uma vez que não se refere ao “mundo”, mas a “pessoas”), mas também é
“diferente” do ponto de vista sintático, uma vez que não inclui o artigo.
O que parece estar acontecendo é que, nesse caso específico, marca-se na ortografia o
fenômeno fonológico do sândi –já visto também na EF chamar a atenção (seção 6.4.1) –, que
de acordo com o padrão não seria representado ortograficamente. Mas na grafia popular
observa-se uma tendência a registrar ortograficamente o sândi, eliminando na escrita a vogal
não pronunciada (apesar de normativamente essa grafia ser considerada inadequada). Esse
fenômeno foi detectado, por exemplo, nos seguintes exemplos reais:
(26) - O advogado civilista Ricardo Tosto acompanhou ambos depoimentos. (jornal da internet)
- Aprenda fazer cartões (cartaz)
- Fique virado para parede (legenda de filme)
- Abandono de animais é contra lei. (TV)
- Continuo sem aceitar, mesmo com tudo que aconteceu. (legenda de filme)
- O problema é ainda maior do que a matéria apresenta, mas pelo menos já foi dado o pontapé
inicial para discussão de um tema tão preocupante como esse. (revista)
- Lições para felicidade (título de palestra)
- Todos meus pacientes são muito importantes para mim. (jornal Pampulha, 1-7 set. 2007, p. 23)
A hipótese é de que existiria uma tendência a não representar na escrita o que não se
ouve. Em casos como esses ocorre sândi na língua oral, copiado depois na língua escrita (não
padrão) estaria a explicação de porque atualmente não se usa o artigo na expressão todo
mundo – nem na fala nem na língua escrita formal.
Pode ser que a questão fonética (o fato de haver sândi e portanto não se ouvir o artigo)
tenha influenciado a queda do artigo nessa EF
1
. Quando a construção o é uma EF (como
1
Em italiano e em francês, onde se ouve claramente o artigo, a expressão equivalente conserva o artigo: tutto il
mondo – tout le monde.
241
em todo o bolo, todos os meninos, todas as pessoas), na língua escrita o artigo continua sendo
obrigatório (apesar de essa regra, como vimos, ser freqüentemente desconsiderada).
Conclusão: no caso de todo mundo a fonética forjou uma EF, já que a reprodução do sândi na
representação ortográfica caracteriza a idiossincrasia do grupo.
Em muitas EFs não aparece nenhum artigo. A gramática tradicional tenta incorporar
esse fato como uma exceção à regra geral do emprego do artigo em português, sem
reconhecer que em alguns casos a especificidade ocorre em expressões idiomáticas. a
tentativa do enquadramento do fato dentro de uma regra sintática, em vez do reconhecimento
da idiomaticidade da construção:
Omite-se, porém, o artigo quando estes nomes formam com as preposições a ou de
uma locução adverbial:
Melhora a olhos vistos
Caiu de bruços
Voltou de bolsos vazios
Conservei tudo de memória (Cunha, 1976, p. 222)
A omissão do artigo não pode ser generalizada para qualquer construção do português
que inclua uma locução adverbial, como afirma a regra citada acima, e portanto não funciona
para a montagem de sintagmas. várias locuções adverbiais formadas com as preposições a
e de que exigem artigo, diferentemente do que prevê a regra de Cunha (1976):
(27) - Quando a gente gosta é claro que a gente cuida; fala que me ama mas é da boca pra
fora... (música de Caetano Veloso)
- Bush, Hitler, é tudo da mesma laia.
- Qual é a dieta da vez para usar manequim 38? (revista)
- – Qual é a profissão dela? – Do lar.
- Berenice é uma pianista do outro mundo!
- Isso é do tempo do onça. eu, o Sardemberg e “o onça” sabemos o que é a Lalca.
(rádio)
- O objetivo, claro, é aprender com as qualidades dos adversários e espalhar aos quatro
ventos suas fraquezas. (revista)
Conclui-se que a regra formulada por Cunha (1976) não descreve adequadamente o
uso do artigo em português, uma vez que não pode ser generalizada e não pode ser usada
produtivamente pelo falante. Para o emprego do artigo em locuções adverbiais é preciso
242
considerar caso a caso, uma vez que as construções e as expressões fixas com função
adverbial às vezes omitem o artigo e outras vezes o incorporam. Sendo assim, cada caso deve
ser aprendido individualmente, o que demonstra mais uma vez a grande carga de
memorização embutida no conhecimento da língua.
Vê-se nessa formulação de Cunha um exemplo da tendência a reduzir a língua a
condições generalizáveis e a propor regras para dar conta dos fenômenos, desconsiderando o
fato de haver um número expressivo de construções que não se conformam a um padrão
generalizável e que têm de ser memorizadas individualmente.
6.5 Intensificadores, quantificadores e enfatizadores
Dentre as EFs várias expressões que funcionam como intensificadores,
quantificadores ou enfatizadores do que foi relatado, indicando semanticamente “muito”, “em
grande quantidade”, “em grande intensidade”, “muito forte”, “muito constante”. Com essa
classe de EFs, vê-se que o número de possibilidades de intensificação que a língua
disponibiliza ao usuário é muito maior do que os parcos casos citados pela gramática
tradicional (que se restringem a termos como muito, bastante e assaz, dentre outros). Esses
intensificadores ou enfatizadores podem ter como escopo nomes, adjetivos e também SVs:
a) quando intensificam SVs, podem incluir o ingrediente semântico iterativo, ou
indicativo de grande quantidade, ou intensificador (“muito”), como se nos
exemplos abaixo:
(28) - Explodem bombas a torto e a direito. (em grande quantidade)
- Ele anda estudando pra valer. (muito – sentido intensificador)
- Ele tá que estuda. (sentido iterativo)
b) quando intensificam expressões referenciais, têm o ingrediente semântico “em
grande quantidade(como em horas a fio, dinheiro a rodo) ou “muito grande” (como
em mentira cabeluda e derrota esmagadora). Alguns intensificadores, junto com o
caráter aumentativo também carregam uma conotação positiva ou negativa. Por ex.:
às mil maravilhas (como, por exemplo, em Tudo sempre funcionou às mil
maravilhas.) intensificador de caráter positivo
243
da grossa (como em pancadaria da grossa / mentira da grossa)
intensificador de caráter negativo (só pode vir junto de nomes com
características semânticas não positivas).
Segue abaixo um quadro exemplificativo de EFs intensificadoras do português
brasileiro, que ilustra o grande número de intensificações oferecidas pela língua (o
complemento desse quadro, com mais outros casos, encontra-se no apêndice 3):
244
QUADRO 5
EFs intensificadoras – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa Exemplo de uso (contextualização) Observações
01 à beça O poliuretano queima rápido à beça. (TV)
02 a dar com pau /
a dar com o pau /
de dar com o pau
Não vai ter problema pra estacionar. Aqui tem
vaga a dar com pau.
03 a esmagadora
maioria /
a maioria
esmagadora
A população brasileira, em sua esmagadora
maioria, não um simples bife no prato desde
priscas eras. (revista)
04 à larga O roubo em nome da Coroa disseminou-se à
larga. (livro)
05 a léguas /
a quilômetros
Não tem jeito do candidato do PT vencer. O
Aécio está a léguas de distância do segundo
colocado.
1. significado: muito
distante - não
referência espacial;
2. *a metros
06 a mais não poder Aquela piada é ótima. Eu ri a mais não poder.
07 a rodo Ele dorme a manhã toda, trabalha quando tem
vontade e tem dinheiro a rodo essa é a vida
que eu pedi a Deus.
08 a toda prova Aldo é considerado um soldado de Lula,
cumpridor de ordens e fiel a toda prova. (revista)
09 a torto e a direito Alegríssimo, Diego Maradona foi o folião mais
animado nos camarotes da Sapucaí: munido de
uma lata em que se lia “guaraná”, dançou,
gritou, apitou e jogou beijos a torto e a direito
enfim, esbaldou-se. (revista)
expressão não
reversível: *a direito e
a torto
10 a/o maior + N Tô com a maior a maior preguiça de ir nesse chá
de panela...
11 abaixo da crítica A maneira como ele se comportou foi abaixo da
crítica.
obs: 1. significado:
muito ruim; 2. acima
da crítica não é o
oposto de abaixo da
crítica
12 acreditar piamente Acredito piamente que essas insanas
manifestações são o resultado de um governo
fraco e despreparado, que muitas vezes veio a
público fazer média e pequenos elogios a
grupos baderneiros como o MST e sindicalistas
também despreparados. (revista)
13 chegou ali e parou Nunca vi ninguém tão molenga. A preguiça
chegou ali e parou.
refere-se a SN
indicativo de
qualidade negativa
14 danar a + verbo
(infinitivo)
Quando o Fernando levou as cachorras embora,
a vó danou a chorar.
significado incoativo
e intensificador
245
15 de doer Ela é feia de doer.
16 do cão Hoje está um frio do cão! só sentido negativo
17 que só vendo O Lula anda numa arrogância que só vendo. intensificador
246
6.6 Número (singular / plural)
Em EFs, acontece de o plural não significar aumento de número ou aumento de
quantidade (como em o menino x os meninos; está x estão), mas mudar totalmente o
significado do sintagma. Por exemplo: a expressão o tempo mudou indica que “o clima
mudou”; e a expressão no plural os tempos mudaram indica que “a sociedade mudou, os
costumes mudaram”. A indicação de número incluída na EF também pode servir para
distinguir significados diferentes nas expressões apertar os cintos (“cuidado, atenção”) e
apertar o cinto (“fazer economia”):
(29) - Apertem os cintos, o piloto sumiu! (título de filme)
- Apertem os cintos, a eleição começou. (jornal)
(30) Candidatos terão que apertar o cinto (título de artigo de jornal com o seguinte lead:
Com o caixa dois exposto, campanhas devem ser enxutas [...]”)
Isso mostra que, em se tratando de EFs, o número pode funcionar como delimitador de
significado.
Por outro lado, a permuta entre singular e plural é desconsiderada e não portadora de
significado em outros casos, sem carregar nem a idéia de aumento de quantidade. Isso
acontece em por baixo do pano / por baixo dos panos, uma vez que ambas as expressões
veiculam o mesmo significado. Também as expressões tempo / tempos são sinônimas,
isto é, o plural não é significativo, ao contrário do que ocorre normalmente na língua. O
mesmo acontece com fazer vista grossa / fazer vistas grossas: a EF pode ser usada com o SN
no singular ou no plural, indiferentemente. Ou seja, nesses casos a marca de plural é vazia de
significado.
Ainda aqui, portanto, observa-se a assistematicidade do uso das categorias
gramaticais, que caracteriza as EFs em geral.
247
6.7 Anáforas
6.7.1 Anáforas sem antecedente e/ou sem referente
Em construções livres podem ser usadas anáforas sem antecedente, cuja interpretação
depende de conhecimentos partilhados entre falante e ouvinte
2
. O referente não é recuperado
nem por relação com o texto, nem por relação exofórica (ou seja, com o ambiente físico em
que se desenrola a cena), mas é evocado inferencialmente, com base em conhecimentos
pragmáticos. Mas em construções livres não ocorre o mesmo fenômeno que se pode observar
nos idiomatismos: em EFs é possível fazer menção a um referente que não é expresso de
nenhuma forma, mas que já está implícito, por convenção, na própria expressão.
Um desses casos é o de expressões dêiticas como estar por aqui [com alguém] e
entrar por aqui e sair por ali (indicando “entrar por um ouvido e sair pelo outro”). Essas
expressões se referem ao contexto físico (o pescoço e o ouvido), mas não são
obrigatoriamente acompanhadas do gesto que relaciona a dêixis ao seu referente; isso porque
o significado já é conhecido. Dessa forma, as dêixis acabam sendo usadas sem o ancoramento
gestual que marcaria ou apontaria o seu referente.
No caso de EFs é também possível o uso de anáfora sem referente, o que nunca
ocorre em construções livres. Se isso ocorresse numa construção nova (não fixa), não seria
possível determinar o significado, e a comunicação seria afetada negativamente. Mas na EF,
como o significado é fixo, convencionado e determinado para o bloco inteiro, o fato de
haver anáforas com referente não identificável o interfere na compreensão, uma vez que o
seu significado não é computado. Em situação composicional, não idiomática, o ouvinte
precisa recuperar o referente das anáforas para montar o significado; mas quando se trata de
uma EF, o significado já está pronto na sua memória lexical. Não interessa qual é o referente
de um item anafórico que possa aparecer dentro de uma EF interessa o significado do
grupo idiomático inteiro, que já está determinado a priori. Exemplos de anáfora sem referente
são estar na Ø dele, dar uma Ø de, não estar nem , ora essa, sem mais aquela, sem mais Ø
nem menos Ø:
2
A respeito dos processos de interpretação de anáforas veja-se Fulgêncio (1983). Na taxonomia apresentada
foram listados três mecanismos de recuperação do referente anafórico: literal, contextual (por reestruturação
textual) e pragmático (por inferência).
248
(31) Messimer não era muito sociável. Estava sempre na dele. (TV) [isto é, na
Ø dele]
(32) Se antes os apresentadores instigavam a animosidade, agora eles dão uma de gurus de
auto-ajuda. (revista)
(33) No Rio de Janeiro, casarões milionários não estão nem aí para a lei. (revista)
(34) Sueli foi condenada a um ano e quatro meses de cadeia. Os produtos que tentou furtar
custavam, somados, 30 reais. Jefferson poderia comprar mais de 130 000 kits de queijo,
biscoito e desodorante com o dinheiro sujo do PT. Mas Jefferson não é Sueli para dormir no
xadrez, ora essa. (revista)
(35) Temos aqui essencialmente o mesmo problema: um tipo de leitura adequado a um gênero
é transferido, sem mais aquela, à leitura de textos de outro gênero radicalmente diferente.
(livro de lingüística)
(36) Então não estás vendo, grande ingênuo, que qualquer dia Deus pode ter a idéia de te
destituir, sem mais nem menos, do cargo que com zelo vens desempenhando tanto tempo,
sem que possas fazer valer teus direitos? (livro)
Também dêiticos, como os demonstrativos, são usados não referencialmente, como na
expressão mais isso, mais aquilo [mais aquilo outro]. Apesar de incluir demonstrativos, a
expressão não tem referência dêitica, mas indeterminada:
(37) Na hora de dividir a herança ela queria ficar com tudo: queria os móveis, a roupa, os
talheres, mais isso, mais aquilo, mais aquilo outro...
Outro caso é o da expressão o dito cujo. Trata-se de uma expressão anafórica, uma vez
que é usada para não repetir ou evitar renomear um determinado elemento nominal presente
na consciousness do interlocutor, como no exemplo seguinte:
(38) Eu tomo remédio pra controlar a pressão. Cada dia que eu vou comprar o dito cujo, o
preço aumenta. (crônica)
249
Até aí, tudo normal; mas além de toda a expressão funcionar anaforicamente, há
dentro dela a palavra cujo, que nessa construção tem um comportamento sintaticamente
irregular, perdendo a sua função característica de pronome relativo.
Em todos esses casos os elementos anafóricos foram usados idiossincraticamente, sem
ancoramento textual ou contextual. Isso mostra como uma EF precisa ser tratada como um
bloco, inclusive com semântica própria, e em princípio arbitrária, tal como uma palavra.
6.7.2 Formas marcadas
No grupo das EFs encontram-se expressões como cair nessa, corta essa e estar na
mesma. Observe-se que a anáfora aparece no feminino nesses e em muitos outros casos. Se
não antecedente de gênero feminino nem referente de sexo feminino, seria de se esperar
que a anáfora migrasse para a forma não-marcada, que é a do masculino singular.
Estranhamente, a anáfora aparece no feminino, que é uma forma marcada no português.
Trata-se de uma situação inesperada.
A situação default na língua é a de as formas tenderem para o masculino singular
3
.
Por exemplo, no português o genérico é masculino, como em o homem é mortal (com
referência a todos os seres humanos, homens e mulheres) e a concordância é masculina se
num elenco um elemento masculino, como em João e Maria eles; quanto ao número, a
forma não-marcada é o singular: em certos dialetos o sistema verbal é reduzido para duas
formas (só existem a 1
a
e a 3
a
pessoas do singular), sem flexão de número, e em certos
dialetos uma clara tendência ao desaparecimento da marca de número também nos
elementos do sintagma nominal, exceto o determinante (como em os menino tudo...). Por
motivos como esses se considera o masculino e o singular as formas não-marcadas do
português
4
.
Uma situação inesperada é a ocorrência nas EFs de casos de escolha da forma
feminina, ou plural, ou ambas, sem que haja relação com outro termo que condicione a flexão.
3
Há um caso em que um nome simples (não expressão) oscila quanto ao gênero: trata-se do substantivo
referente ao verbo pedir, que normalmente é o masculino (um pedido), mas eventualmente aparece no feminino:
Essa foi uma grande pedida. Entretanto, parece haver mudança de significado e mudança de contexto de uso,
relacionadas a cada forma.
4
A respeito de formas não-marcadas, ver Martin (1975).
250
Quando se trata de EFs, observa-se uma tendência acentuada ao uso de formas marcadas no
feminino e no plural, mesmo quando não concordância com um termo regente ou quando
não relação conceitual com o número plural. É surpreendente a constatação de que muitas
vezes a flexão seja feita no feminino plural, que são justamente duas formas marcadas na
língua. A pergunta é: porque as EFs se comportam assim, na contramão da tendência que
funciona para sintagmas construídos?
5
Para explicar a presença do feminino e/ou do plural seria possível imaginar a presença
de uma anáfora (uma elipse) com a qual seria feita a concordância. Por exemplo: em essa
não! (como no exemplo Vou ter de ler todos esses livros? Essa não!), pode-se teorizar que a
concordância no feminino é feita porque haveria uma elipse relativa a situação, ou talvez a
idéia como em essa situação não! ou essa idéia não! que imporia a concordância no
feminino. Quatro contra-argumentos tornam essa hipótese implausível:
(1) Casos onde aparece a EF essa não! não se alternam com formas mais extensas e
mais preenchidas, onde o nome elíptico aparecesse explicitamente; ou seja, nunca foi
registrada a forma essa situação não! ou qualquer outra semelhante onde um
suposto substantivo omitido se evidenciasse. Assim, não dados que comprovem a
existência de uma elipse.
(2) Como nunca foi atestada nenhuma forma da expressão completa, a hipotetização
dessa expressão plena poderia ser qualquer uma. E porque não uma expressão que
incluísse um substantivo masculino, como em esse fato não!”? Ou seja, hipotetizar
uma forma feminina é circular: é usar a própria forma do feminino para justificar a
existência do feminino.
(3) Existe um caso de duas EFs paralelas, supostamente de origem comum, sendo uma
mais preenchida do que a outra (isto é, em uma delas o substantivo aparece
explicitamente): dar o golpe do João sem braço e dar uma de João sem braço.
Contudo, note-se que o substantivo explícito é masculino, ao passo que na forma
supostamente elíptica aparece a palavra uma, no feminino. Portanto, dizer que dar
uma de João sem braço deriva de dar o golpe do João sem braço não só não justifica a
presença do feminino uma mas, além disso, é um contra-exemplo para a hipótese de
que haveria um nome feminino omitido (no caso, vê-se explicitamente que o nome
omitido é masculino).
5
Também em espanhol acontece um fenômeno parecido, como se nas expressões a ojos vistas e a pies
juntillas.
251
(4) A hipótese do preenchimento da anáfora não explica casos não anafóricos, onde a
expressão está no feminino mas não ausência de substantivo como em estar com
a macaca, na calada da noite, desta feita e também no plural, como em dar as
caras, às pressas, apertar os cintos. Nesses casos o substantivo aparece explicitamente
no feminino e/ou no plural, sem motivação para tal ou seja, o que não se explica é a
escolha da forma marcada na composição da EF.
Os três quadros a seguir apresentam exemplos de expressões anafóricas e outras não
anafóricas que incluem itens na forma marcada (feminino, ou plural, ou ambos) que não se
justificam por razões gramaticais ou pragmáticas (veja-se o complemento desses quadros,
com mais outros exemplos, nos apêndices 4, 5 e 6).
252
QUADRO 6
EFs que incluem uma forma marcada: feminino – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa Exemplo de uso
(contextualização)
Observações
01
levar a pior ≠
levar a melhor
O lado mais fraco sempre leva a
pior.
02
ser fria / ser uma fria
/
entrar numa fria
Apostar nos juros é fria
(manchete de artigo de revista)
03
de primeira
Ele pegou a bola e chutou de
primeira.
É difícil entender o porquê do
feminino, uma vez que não se
consegue colocar um nome que
pudesse ter gênero inerente feminino
e, mesmo elíptico, pudesse deslanchar
a concordância.
04
cair na real
Precisamos cair na real: esta é
a minha vida” e é ela que
temos para viver. (revista)
05
essa não!
Eu vou ter de ler esses livros
todos? Essa não!
06
da grossa
É ironia da grossa que Gabeira,
ícone da esquerda no passado
e hoje paladino das causas de
vanguarda, atacasse um estado
de coisas semeado por obra e
graça do atual governo
enquanto a defesa ficava por
conta de Severino. (revista)
Não existe *do grosso, e portanto um
intensificador, que normalmente é
variável ou pode ser usado com dois
gêneros, nesse caso é exclusivo de
palavras femininas. Pode-se dizer
mentira da grossa, ironia da grossa
(como no exemplo acima), mas não
se pode usar um nome masculino
intensificado com essa expressão: *um
absurdo da grossa; *um absurdo do
grosso.
07
na mesma :
dar na mesma /
ficar na mesma /
continuar na
mesma
Não sei se vaiaram os Estados
Unidos, mas eu vi que
aplaudiram adoidado o Iraque
o que, no fundo, dá na mesma.
A anáfora mesmo pode aparecer na
forma feminina ou masculina, sem
nenhuma motivação para a escolha
do gênero. Existe também a forma
masculina dar no mesmo, o que não
invalida o fato de a forma feminina
(usada amplamente) ser inexplicada.
08
sem mais aquela
O pessoal estava discutindo e aí,
sem mais aquela, o fulano tirou
uma arma.
Significado: de repente,
inesperadamente.
09
estar na minha /
estar na dele / ficar
na sua / ficar na
minha
Eu não quero confusão pro meu
lado. Eu só quero ficar na minha,
sem me meter.
1. Sujeito e possessivo correferentes. /
2. Qual é o nome ao qual o possessivo
se refere? Na sua / na minha o quê?
10
dar uma dentro
Você fala besteira. o
uma dentro.
11
dar uma de +
adjetivo
Você não está dando uma de
valente? (TV)
12
dar uma + N–da :
dar uma olhada /
dar uma fechada
Em viagem de trabalho à
Suécia, de lá ia dar uma
passadinha em casa, na
Espanha, e depois planejava
voltar ao Rio de Janeiro até o
Considera-se que o verbo dar, nessa
construção, é indicador de aspecto.
253
fim do mês. (revista)
13
aprontar alguma
Porque você anda sumido?
Aprontou alguma?
14
qual é a sua? /
qual é a dele?
Mas você vem falar mal dele
logo na minha cara? Qual é a
sua, cara? / Eu não estou
entendendo porque ele fez isso.
Qual é a dele?
254
QUADRO 7
EFs que incluem formas marcadas: feminino e plural – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa Exemplo de uso (contextualização) Observações
01
fazer das suas
O padre Watson ensina agora biologia
molecular na Universidade de Harvard,
onde continua provavelmente a fazer
das suas. (livro)
02
tomar todas /
beber todas
Ele brigou com a namorada, ele foi
num bar, bebeu todas, e chegou em
casa miando.
03
tomar umas e
outras / beber
umas e outras
Ele bebeu umas e outras e acabou
saindo da linha.
04
por essas e outras
/ por essa e por
outras
É por essas e outras que eu não confio
nela.
05
dar uma dessas
Poxa, eu achava que você era meu
amigo. Eu nunca esperava que você me
desse uma dessas.
06
a quantas andar
Vou tirar um extrato no banco pra ver a
quantas ando.
07
lá pelas tantas
Estava um gelo ontem no casamento ao
ar livre - e as mulheres todas com vestido
de alcinha. pelas tantas, o povo
começou a sair e foi todo mundo pra
dentro do clube.
08
às claras
Ele falou às claras, sem rodeios.
09
às escondidas
Há mais de um ano no ar, o Repórter
Vesgo e o Sílvio Santos, imitação feita
por W. M., não precisam mais se
preocupar em penetrar às escondidas
nas festas dos famosos. (revista)
10
ficar elas por elas
Pagar impulso extra ou comprar internet
a cabo na mesma. A gente paga o
mesmo tanto, e acaba ficando elas por
elas.
11
às escuras
A casa estava totalmente às escuras.
12
às cegas
O fulano foi atirando às cegas, pra todo
lado.
13
às expensas
Ele vive às expensas da família. o existe a palavra *a
expensa, de forma que não se
encontra justificativa
independente para o uso do
artigo feminino e do plural.
14
às avessas
Ele entende tudo às avessas. O substantivo *a avessa não
existe fora dessa expressão. O
que existe é avesso, que é um
item masculino.
15
às mancheias /
a mancheias
Ditador igual ao Sadam tem às
mancheias.
Não existe *mancheia, nem o
uso de *mancheias fora dessa
expressão.
16
às custas [de
Perigoso traficante de drogas consegue
dinheiro e poder às custas de muito
1. EF usada no feminino e plural
ou só no feminino: às custas de /
255
alguém] sangue (TV) à custa de. 2. Porque custas é
feminino, se quando é feita
referência ao preço usa-se
custo, no masculino? (como por
exemplo em: O custo da
construção é altíssimo.)
17
voltar às boas
Eles brigam muito mas depois de um
tempo sempre voltam às boas.
Significado: ficar de bem, fazer
as pazes.
256
QUADRO 8
EFs que incluem uma forma marcada: plural – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa Exemplo de uso
(contextualização)
Observações
01
mundos e fundos
Me cobraram mundos e
fundos quando eu atrasei
no pagamento.
02
ser (lá) essas coisas
Ou perderia o raio dos
quilos ou na sua cabeça
acabaria perdendo o
marido. O homem, que
nunca foi essas coisas,
de repente deu pra sumir à
noite. (crônica)
Significado: ser bonito, ser boa pinta, ser
uma pessoa atraente.
03
falar pelos
cotovelos
O cronista mete-se onde
não é chamado, fala pelos
cotovelos, sua opinião e
evita ouvir a outra parte,
até porque já tem opinião
formada. (jornal)
Porque muitos cotovelos, no plural?
04
a sós
Eu quero ficar a sós. Mesmo sendo uma pessoa, usa-se
sempre o pl.
05
entregar os pontos
O time não agüenta mais
está entregando os
pontos. (TV)
Comparar com agüentar as pontas”, no
feminino plural.
06
ficar com as barbas
de molho / botar as
barbas de molho
Tanto caso assim
acontecendo
recentemente, que eu
estou com as barbas de
molho.
07
chamar alguém às
falas
começou a ser
chamada às falas pela
Polícia Federal a turma que
tem telefonemas
registrados com o Credit
Suisse, cujo gerente
internacional foi preso
duas semanas por suspeita
de lavagem de dinheiro e
envio ilegal de divisas dos
clientes ao exterior. (revista)
Segundo Pugliesi (1981), havia a expressão
chamar alguém à fala; o que sugere o
acréscimo do plural. Parece que a língua
evoluiu na contra-mão do que acontece
em geral, que passou de uma forma
não-marcada (sing.) para uma forma
marcada (pl.).
08
boas-vindas
O presidente fez uma
saudação de boas-vindas
ao convidado.
Sempre no plural, apesar de a “vinda” ser
uma só.
09
dar as caras
Eu não podia te esperar
indefinidamente, até você
resolver dar as caras. Então
fui embora.
O plural nesse caso contraria a observação
empírica, uma vez que a cara é só uma.
10
nos idos de + data
Nos idos de 1940 as
mocinhas não saíam
sozinhas de casa.
11
haver tempos
Você anda sumido!
tempos que eu não te vejo.
Também existe a forma singular mas
independentemente disso, a existência da
expressão no plural é que é inexplicada.
257
12
exaltar os ânimos
Aqueles temas que podem
facilmente exaltar os
ânimos são encrenca na
certa. (revista)
13
morrer de amores
Eu como verdura, mas não
morro de amores.
14
segundas intenções
Ele está namorando sério
ou tem segundas
intenções?
15
fazer caras e bocas
Ela é super afetada, e vive
fazendo caras e bocas.
Um sintagma semanticamente semelhante
é fazer careta – onde careta é singular.
258
A forma do feminino é também imprevisível em estruturas como haja vista e soltar a
franga, por exemplo. E também o caso de o número ir contra o aspecto pragmático, como
se vê nas expressões a pé, em pé e dar as caras.
A preferência por formas não-marcadas observada nas expressões citadas acima não é
categórica: casos em que uma EF anafórica fica na forma não-marcada (masculino e/ou
singular), como nos exemplos abaixo:
- são outros quinhentos (masculino – o plural aí é inevitável)
- ao certo ex.: Ninguém sabe ao certo o que foi que aconteceu. (existe também a EF
na certa, dessa vez no feminino)
- altos e baixos ex.: Além de serem mais suscetíveis aos altos e baixos da economia,
eles têm menos capacidade de negociação. (revista)
- passar batido = passar de liso ex: Foi uma jogada desleal. Nem cartão amarelo o
juiz deu. Vai passar batido isso daí? (TV)
- não tem esse – ex: Não tem esse que não tem um podre na vida.
E ainda, em outros casos, coexistem as formas singular e plural (talvez esteja em curso
uma passagem do plural para o singular, como seria de se esperar pelo comportamento regular
da língua), como nas EFs abaixo relacionadas:
- de mãos dadas / de mão dada
- passar maus bocados / passar um mau bocado
- de pernas pro ar / de perna pro ar.
6.7.3 Clíticos e elipse
No português oral coloquial não é freqüente o uso de pronomes átonos objeto direto e
indireto de 3
a
pessoa; na escrita eles aparecem em textos formais que seguem a língua padrão
escrita. No entanto, esses clíticos aparecem em EFs, como nos provérbios, que muitas vezes
são usados em enunciados orais.
259
(39) Quem ama o feio, bonito lhe parece.
Quem pariu Mateus que o embale.
Sê como o sândalo, que perfuma o machado que o fere.
Apesar da raridade do uso do clítico na fala, no caso da expressão ou coisa que o
valha, por exemplo, a forma tônica pós-verbal ou a elipse (que são as formas mais comuns na
língua oral) não são admitidas nessa expressão (*ou coisa que valha isso / *ou coisa que
valha Ø).
Diferentemente do que ocorre em sintagmas construídos, o pronome átono também
ocorre em EFs largamente usadas na língua coloquial, como em impropérios. Um detalhe
interessante relativo ao palavrão puta que o pariu é o fato de o pronome o (quando ocorre)
permanecer invariável (*puta que a pariu), o que demonstra falta de referenciação da anáfora
e corrobora mais uma vez a constatação da não composicionalidade da EF, que é tomada
pelos interlocutores como um bloco único cristalizado:
(40) Já estou cheia daquela menina sonsa, fingindo de ingênua. Qualquer dia desses eu mando
ela pra puta que o pariu. [*puta que a pariu]
A respeito dessa expressão, convém lembrar que ela pode ser usada não só sem
referência a masculinos, mas inclusive sem referência a indivíduos humanos (e portanto sem
referência à mãe de ninguém), e sim como uma mera expressão de indignação o que
comprova mais uma vez a falta de referenciação dos elementos que integram a EF:
(41) Puta que o pariu! A chave quebrou dentro da fechadura.
Outra observação interessante refere-se ao fato de que as partes internas das EFs não
aceitam a retomada pronominal mas por outro lado (e surpreendentemente), aceitam a
retomada por elipse. Veja-se:
(42) A Bíblia manda dar a outra face, mas eu não dou Ø mesmo.
*A Bíblia manda dar a outra face, mas eu não dou ela mesmo.
(43) De dia eu pego carona, mas de noite eu tenho medo de pegar Ø.
*De dia eu pego carona, mas de noite eu tenho medo de pegá-la.
260
Abaixo são apresentadas três ocorrências reais em que parte da EF foi substituída por
elipse:
(44) Eu faço qualquer coisa pra você sarar logo. Se precisar de plantar bananeira, eu planto
.
(45) Tinha uma visão completamente oposta dessas pessoas em relação aos contratos de
terceirização, em especial um deles, que mostrava claramente que a empresa [Ajato] estava em
situação pré-falimentar e que, portanto, iria dar um cano nos trabalhadores do ministério,
como veio a dar
. (revista)
(46) Com saia e blazer pretos, a famosa secretária do Marcus Valério, Fernanda Karina.
Aquela que resolveu abrir o bico e a agenda, expondo podriqueiras do poder. (jornal)
Exemplos como os citados acima são inesperados porque colocam as elipses como
casos à parte dentro do quadro das anáforas. Gostaríamos de dizer que as elipses, pronomes e
SNs definidos no contexto são todos casos de recuperação anafórica, teoricamente
intercambiáveis, sendo a escolha determinada por questão de registro ou de clareza discursiva:
quando ambigüidade contextual, eventualmente o falante se obrigado a usar um ou
outro tipo de anáfora que possua uma matriz semântica mais preenchida, de forma a oferecer
mais traços sintáticos e semânticos para a caracterização do referente
6
. Pelo menos é isso que
acontece em sintagmas construídos pelo falante. Em construções não idiomáticas ocorre
realmente uma possível permuta entre as possibilidades de itens anafóricos, como:
(47) - A cozinheira fez um bolo e comeu todinho.
- A cozinheira fez um bolo e comeu ele todinho.
Já com as EFs essa permuta entre os itens anafóricos não ocorre da mesma forma:
(48) Se precisar de plantar bananeira, eu planto
.
*Se precisar de plantar bananeira, eu planto ela.
*Se precisar de plantar bananeira, eu a planto.
6
Observações relativas à matriz semântica das anáforas encontram-se em Fulgêncio (1983, p. 20-23).
261
O exemplo abaixo representa um caso especial, porque são aglutinadas duas EFs, com
eliminação de uma das ocorrências da palavra braço:
(49) Ibrahim al-Duri, o braço direito ‘de ferro’ de Saddam Husseim [...] (jornal)
Nesse exemplo são fundidas duas EF, sendo que a segunda (braço de ferro) passa a
integrar a primeira (braço direito) na função de qualificativo o que é percebido como uma
quebra na estrutura convencional. Esse exemplo evidencia a possibilidade de retomada de um
elemento interno por meio de elipse, com eliminação de uma das duas formas idênticas. Note-
se, entretanto, que não retomada do referente de braço, mas somente da forma da palavra,
coincidente nas duas expressões superpostas. Novamente essa é uma situação inusitada, já que
uma anáfora retoma um referente, e não uma forma
7
. Do ponto de vista de criação textual,
esse processo é sentido pelo ouvinte como uma ruptura para a elaboração de um jogo de
palavras, que tem como resultado um efeito lúdico no texto.
Vimos então que, dentre os elementos anafóricos, os pronomes não são aceitos para a
substituição de elementos dentro das EFs, mas inesperadamente a elipse é aceita em certos
casos. O contrário seria mais compreensível, porque os pronomes têm carga semântica maior,
mais informativa, e por esse motivo seria gico que pudessem ser usados em casos onde a
elipse não seria adequada, porque pronomes de matriz semântica mais preenchida podem
evitar ambigüidades em determinados contextos. Mas a aceitação da elipse e não da anáfora
pronominal foge às expectativas, e constitui uma particularidade ainda pouco clara das EFs.
Essa situação coloca a elipse como um caso especial dentro das anáforas, e mostra que
nas EFs os rios elementos anafóricos não têm a mesma distribuição e o mesmo emprego
verificado no restante da língua.
O motivo que explica a impossibilidade de recuperação pronominal internamente às
EFs é fácil de imaginar: não ativação do referente dos nomes que integram a EF; e se um
referente não é acionado, não pode ser recuperado. Mas como explicar a possibilidade de
substituição de parte da EF por elipse, em alguns casos? Mesmo considerando que a elipse
representa uma tendência da língua para a recuperação anafórica, como se justificaria a
retomada de um referente que não é acionado? Qual a diferença entre a recuperação
pronominal e a elipse? ou seja, porque a elipse eventualmente é possível e a retomada com
7
Para uma análise dos tipos de retomada anafórica veja-se Fulgêncio (1983).
262
clítico não é possível no mesmo contexto? Que eu saiba, ninguém pesquisou o fenômeno, e
essa questão fica em aberto.
Tratamos aqui da substituição de elementos internos à EF, e vimos que aspectos da
retomada anafórica que se diferenciam do comportamento do restante da língua.
Outro aspecto em que o uso de anáforas em EFs foge aos padrões esperados relaciona-
se à posição do pronome dentro da sentença. Na linguagem coloquial, quando eventualmente
são usados pronomes átonos, normalmente aparece a próclise, raramente a ênclise e nunca a
mesóclise: eu vou te devolver o livro / ?eu vou devolver-te o livro / ??devolver-te-ei o livro.
Mas algumas EFs são congeladas na posição enclítica, ou seja, não é possível mudar o
pronome de lugar, mesmo no uso oral. Um exemplo disso é a expressão salve-se quem puder.
Vamos examinar a seguir o comportamento dos pronomes reflexivos em expressões
fixas.
6.7.4 O clítico “se”
Em vários dialetos do português coloquial (inclusive o mineiro) existe a tendência ao
desaparecimento do clítico reflexivo. Assim, em vez de arrepender-se, sentar-se e casar-se,
por exemplo, são usadas contemporaneamente as formas arrepender, sentar e casar. Em
algumas EFs a tendência se manifesta, e formas com e sem o reflexivo coexistem, como ir-se
embora e ir embora. Mas outras expressões idiomáticas são refratárias a essa tendência e
teimam em manter o reflexivo, apresentando uma tendência de estabilidade, divergente do
que acontece no restante da língua. Como as EFs são formas cristalizadas como um bloco
solidário, parece sofrerem menos a pressão da variação lingüística. Exemplos de EFs que
mantêm o reflexivo aparecem elencados no quadro 9 (e ainda no apêndice 7, onde são
apresentados mais outros exemplos):
263
QUADRO 9
EFs que incluem clíticos reflexivos – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa Exemplo de uso (contextualização) Observações
01 acabou-se o que era
doce
Você não vai mais bagunçar o meu coreto.
Acabou-se o que era doce. (TV)
02 armar-se de coragem
Pra sair de casa e enfrentar o marido ela
teve de se armar de muita coragem.
03 borrar-se de medo Ele está se borrando de medo de o pai
achar ruim.
04 colocar-se na pele de
alguém
Um teste para identificar uma expressão
idiomática é a gente se colocar na pele de
um estrangeiro, aprendiz de português.
05 mijar-se de medo Ele é um covarde: fica se mijando de medo
de ter de expor suas opiniões.
normalmente o
verbo mijar não é
reflexivo
06 dar-se ao luxo As nações pequenas não podem se dar ao
luxo de incorrer em tal irresponsabilidade por
muito tempo. (revista)
07 que se preze /
que se preza
Professor que se preza não bola pra
pedagogo. (livro)
08 dar-se ares Ela se ares de intelectual, mas não passa
de uma ingênua.
09 dar-se bem / dar-se
mal = sair-se bem /
sair-se mal, sair bem /
sair mal
Eu me dei bem na prova, mas isso nunca
acontece – foi um golpe de sorte.
a EF sair-se bem
pode aparecer sem
reflexivo, mas seu
sinônimo dar-se
bem não pode
10 dar-se conta Quando ele entrou em casa, nem se deu
conta de que tinha entrado ladrão.
Com relação a
essa expressão,
o “par mínimo” dar
conta (conseguir),
onde a diferença
semântica é
determinada
somente pela
presença do
reflexivo.
11 dar-se por vencido /
dar-se por satisfeito
A seleção não se deu por vencida e vai
para o ataque. (TV) / Eu me dou por
satisfeito com a sua explicação.
12 debulhar-se em
lágrimas
A mulher parecia desesperada, se
debulhando em lágrimas.
o verbo debulhar
não tem reflexivo
fora dessa
expressão
13 deixar-se levar Eu me deixei levar pela suposição de que
ele não faria isso, e confiei totalmente.
14 despedir-se à
francesa
Eu vou me despedir à francesa e sair de
fininho.
15 entre mortos e feridos
salvaram-se todos
Fizeram um drama danado, mas no final das
contas entre mortos e feridos salvaram-se
todos.
EF irreversível
264
16 entregar-se nos
braços de alguém
A mocinha se entregou nos braços do
primeiro pretendente que apareceu pela
frente.
17 meta-se com a sua
vida
Pára de querer me interferir e meta-se com a
sua vida.
18 vão-se os anéis, ficam
os dedos
Vão-se os anéis, ficam os dedos – disse o
dirigente vascaíno. (jornal)
19 fechar-se em copas Ela se fechou em copas e não falou nada.
(TV)
Não somente em grupos idiomáticos, mas também em outros casos pares mínimos
em que o reflexivo marca a distinção semântica: dar x dar-se (com o significado “acontecer”
ex.: Isto se deu muitos anos atrás.) e mandar x mandar-se (com o significado de “ir
embora” ex.: A situação estava ficando difícil, então ele se mandou.). No entanto, essa não
é a situação mais comum; geralmente o reflexivo em verbos pronominais é somente uma
marca redundante da pessoa indicada pelo sujeito, ou seja, uma marca de ergatividade.
Na listagem das EFs, elaborada concomitantemente a este trabalho, não foram
incluídos os verbos reflexivos isolados. Os motivos dessa exclusão são vários e precisam ser
comentados:
a) Em primeiro lugar, vamos considerar os casos em que o reflexivo é expletivo, isto é,
a sua presença ou ausência não causa modificação no significado do verbo, como se
abaixo:
(50) Ele se sentou. = Ele sentou.
Ele foi-se embora. = Ele foi embora.
Ele se casou na semana passada. = Ele casou na semana passada.
Nesses casos não uma expressão fixa porque o reflexivo pode ser excluído sem
prejuízo do significado, ou seja, não um grupo de duas palavras ou mais para
expressar um significado basta o verbo, sem o reflexivo (que é o que faz a língua
coloquial em alguns dialetos). Não se trata de uma expressão idiomática porque um
dos traços das EIs é o fato de o sentido do grupo ser diferente do significado
individual de cada item. Portanto, se o pronome reflexivo pode ser excluído e o
significado não é afetado, conclui-se que o significado não é uma decorrência do
grupo, mas de uma palavra só (o verbo). Sendo assim, não se configura a existência de
265
um grupo idiomático, e não há justificativa para a inclusão desse tipo de verbo
reflexivo na categoria das EFs.
b) Em segundo lugar, vamos considerar os casos em que o reflexivo não é abolido
porque contribui para a geração do sentido: é o que acontece com matar-se ou ver-se.
Mesmo nesses casos não uma expressão idiomática, já que a interpretação é
composicional e, além disso, o reflexivo pode ser retirado quando o paciente e o
agente são diferentes (como se na contraposição entre Getúlio se matou. / Getúlio
matou a barata.). Deve-se considerar ainda que o reflexivo não é uma palavra
independente mas um clítico, e nesse sentido pode ser entendido como um meio-termo
entre um morfema preso e uma forma livre.
c) Em terceiro lugar, vamos considerar os casos em que a presença do reflexivo é
relevante, conferindo inclusive um significado bem diferente para o verbo. Por
exemplo: o verbo dar tem muitos sentidos, mas dar-se tem outro sentido diferente,
como na sentença Ele é muito ranzinza e não se com ninguém. Em casos como
esse há motivo para considerar a forma dar-se como idiomática, uma vez que o
sentido de dar mais o sentido do reflexivo não geram o significado de dar-se que é
“ter amizade, ter bons relacionamentos”. No entanto, persiste a questão: o clítico teria
o status de palavra (ou seja, seria ele um morfema livre) como uma palavra qualquer
da língua? Se sim, teríamos uma EF em dar-se; alternativamente, se consideramos o
clítico como uma forma “semi-presa”, unida ao verbo, a forma [V + reflexivo]
constituiria uma palavra (como um item léxico formado por mais de um morfema),
e assim não constituiria uma EF.
Parece que o caso do clítico reflexivo configura um caso limítrofe: não é uma
palavra independente preso à forma verbal) e portanto não tem o mesmo status e a
mesma liberdade na língua que têm as demais palavras inclusive do ponto de vista
fonológico, tendo em vista tratar-se de uma forma átona e não tônica, diferente do
comportamento fonológico da grande maioria das palavras. Por outro lado, é capaz de
mudar o significado do verbo em alguns casos (como em dar-se, voltar-se [para um
problema]). portanto questões divergentes e conflitantes, que apontam para lados
opostos: de um lado, motivos para considerar certos casos da categoria [verbo +
reflexivo] como EF; e por outro lado outras razões para considerar essa forma
como uma palavra e conseqüentemente não uma EF que o reflexivo é um
266
elemento preso à forma verbal, e portanto não é independente. Sabemos que não
limites discretos na caracterização do conceito de palavra. Esse caso ilustra que o que
ocorre, na verdade, é uma espécie de contínuo entre formas livres e presas, entre
morfemas e palavras, e entre palavras e expressões.
Na falta de uma solução precisa e clara para a questão, e tendo em vista que os
grandes dicionários listam explicitamente as formas reflexivas, com seus sentidos e usos
facilmente localizáveis, tomamos a diretriz de não inchar a listagem das EFs com casos
imprecisos e de análise não definitiva, e optamos por não incluir os verbos reflexivos na
lista das EFs.
6.8 Construções negativas
Espera-se que, para qualquer construção negativa ou seja, para qualquer construção
que inclui um verbo precedido de não possa corresponder uma estrutura positiva. Assim, da
sentença Não faça isso pode-se deduzir a possibilidade da forma positiva correspondente,
Faça isso.
Nas EFs, às vezes essa correspondência é rompida. Várias EFs só aparecem na forma
negativa e recusam a estrutura positiva correspondente, como não diga! e também não
brinca! (que são fórmulas que exprimem espanto diante de um relato inesperado), que não
admitem as formas positivas *diga! / *brinca! (com significado paralelo). Nesses casos,
apesar de aparecer a palavra não, as sentenças exclamativas não são semanticamente
negativas; isto é, com essas interjeições não se pede para o interlocutor não falar ou não
brincar, nem tampouco se nega nada, mas somente indica-se espanto pelo fato relatado.
Outros exemplos de expressões que não admitem a forma positiva são os seguintes:
- não ata nem desata (*ata e desata)
- não falar coisa com coisa (*falar coisa com coisa)
- não medir esforços (*medir esforços)
- não há de ser nada (*há de ser nada / *há de ser alguma coisa)
- não fede nem cheira (*fede e cheira)
267
Expressões como essas só existem na forma negativa, seja ela negativa declarativa ou
negativa interrogativa. Pode ser uma pergunta ou uma afirmação, mas sempre negativa. O que
é impossível é a forma afirmativa, sem a palavra não.
Em alguns casos, a mesma estrutura, se colocada na forma declarativa positiva não
tem mais o mesmo sentido, e passa a ter o sentido de um sintagma construído. Isso acontece
com não estar nem aí¸ em que a forma positiva estar aí perde o significado idiomático e passa
a ter significado locativo e estrutura composicional.
O mesmo acontece com a EF Você não se enxerga?, que é uma expressão com um
sentido pejorativo idiossincrático (isto é, não tem nada a ver com usar o olho e ver algo), e
com uma função discursiva clara: indicar desprezo ou outro traço negativo. Essa EF existe
na forma negativa interrogativa ou declarativa: Você não se enxerga? ou Você não se
enxerga mesmo!. Se colocarmos a expressão na forma declarativa positiva (como Você se
enxerga.) o resultado não é propriamente agramatical, mas nesse caso o significado será
literal; tanto a interpretação da sentença quanto o seu uso serão diferentes do que tem a
mesma estrutura negativa. A EF, se passada para a forma positiva, é destruída como unidade.
Vê-se então que nem sempre existe correspondência entre sentenças negativas e positivas no
âmbito das EFs.
O quadro abaixo relaciona exemplos de EFs negativas que não possuem um
correspondente positivo com significado paralelo ao da expressão negativa (outros exemplos
são apresentados no apêndice 8).
268
QUADRO 10
EFs negativas sem correspondente positivo – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa Exemplo de uso (contextualização)
01 não bastasse Mais cinco ou seis anos e o Brasil estará arrasado. Não
bastasse, estará contaminado como uma Chernobil pelo
empreguismo blico, assistencialismo aviltante,
tributarismo desenfreado, três componentes que levam ao
obscurantismo mais penoso. (jornal)
02 não caber em si /
não caber em si de contente
Fulano não cabia em si de tão contente.
03 não estar nem aí Trump o está nem aí para o fato de a humanidade
achar seu cabelo ridículo, pois sabe que rir de si próprio
ibope. (revista)
04 não + V no imperfeito do
subjuntivo + sujeito posposto
obrigatório :
não fosse eu /
não pudesse ele
Com índices de popularidade variando entre 30% e 40%,
George W. Bush resolveu eleger o petróleo como vilão
responsável pelo mau humor dos americanos em relação
ao seu governo. Com os preços batendo os US$60 o barril,
os reflexos do bolso dos consumidores são brutais. Tudo
certo, não fosse Bush um dos presidentes mais ligados ao
poderoso lobby da indústria petrolífera. (revista)
05 não-me-toques Ele é cheio de o-me-toques. Isso sem falar nas manias.
(TV)
06 não acabar mais /
até não acabar mais
Tinha gente na igreja até não acabar mais. Estava lotado.
07 não entrar na cabeça [de
alguém]
Não entrava na minha cabeça que ele fosse essa pessoa
horrível.
08 não obstante Consegui encontrar algum tempo livre, não obstante a
enorme carga de trabalho. (memorial)
09 não atar nem desatar /
nem atar nem desatar
A moça gosta mesmo é do João, rapaz bom e bonito, mas
de futuro incerto. Já o Pedro, que lhe arrasta uma asa
colorida, é bem-plantado na vida. Então ela o ata nem
desata, não sabe com quem vai nem com quem fica.
(livro)
10 não é que Ele disse que ia fazer, e não é que fez mesmo?
11 não dar outra Minha filha, na hora de sentar no colo para tirar fotos, olhou
bem pra cara do sujeito, aquela barba branca, roupa
esquisitíssima... Não deu outra: em pânico, nunca berrou
tanto na vida. (crônica em jornal).
12 não deixar por menos Igor Cavalera, baterista do Sepultura, foi um precursor ao
investir na carreira de costureiro e usar gel nos cabelos. Mas
a concorrência não deixa por menos. (revista)
13 não brincar em serviço Esse é um cliente que não brinca em serviço. (TV)
14 não fede nem cheira Essa teoria não fede nem cheira.
15 não se dar por achado Um menino encostou o Bush na parede com uma pergunta
capciosa, mas ele não se deu por achado. Respondeu
outra coisa completamente diferente e saiu pela tangente.
16 não me diga! / não diga! - Ana casou. - Não diga!
17 não chegar aos pés [de
alguém ou de alguma coisa] /
não chegar nem aos pés
Foi uma vitória, mas o valor está muito abaixo de tudo o
que sofri, de todas as humilhações que passei nesse
período. O dinheiro não chega nem aos pés da
indenização merecida. (jornal)
269
18 não dar a mínima /
sem dar a mínima
Como não deram a mínima para as minhas reclamações,
imagino que outros episódios ocorrerão e eles farão o
mesmo. (jornal)
19 não tem meu pé me dói Não tem meu pé me dói. Tem de fazer, e sem reclamar.
20 não sei onde estar + que não
+ SV
Não sei onde estava que não meti um murro na cara dele.
21 nem tchum /
não dar nem tchum
Cara, eu feito bobo amarrado nela, e ela nem tchum pra
mim. (artigo em revista)
Outro dado significativo refere-se ao grande número de formas idiossincráticas usadas
para negar ou para ratificar e intensificar a negação. A seguir são apresentados exemplos de
instrumentos de que a língua dispõe para indicar a negação ou para reforçar a negativa, todos
integrantes da classe das expressões fixas (outros exemplos são apresentados no apêndice 9).
270
QUADRO 11
EFs que usadas para negar ou como reforço de negação – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa Exemplo de uso (contextualização) Observações
01 uma vírgula! Não reservaram uma vírgula! 1. o reservaram uma
vírgula! = Reservaram
sim!
2. Reservaram uma
vírgula! = Não
reservaram!
02 cadê que...? Ele precisava se alimentar bem, mas ca
que ele comia?
Pressuposição: o fato
relatado não ocorria
(no exemplo, ele não
comia”).
03 de jeito nenhum Enquanto tucanos acreditam que é possível
trocar o nome do senador C. B., que o bloco
governista não aceita de jeito nenhum, os
pefelistas querem insistir com ele até o fim.
(jornal)
Reforço da negativa.
04 de onde você tirou
isso?
– Ele é americano.
De onde você tirou isso? Ele é brasileiro!
Indicação de
discordância e espanto
com o relato do
interlocutor.
05 mal sabem eles que /
mal sabe ele que
O mais engraçado foi que, quando abri a
porta, meu pai perguntou: “Por que seu
namorado saiu pela janela?” Mal sabia ele
que tinha acertado em cheio. (revista)
Sujeito posposto
obrigatório.
06 nem pensar Sarney acredita piamente que na próxima
década, com a reforma política – que uns
querem e outros nem pensar o país voltará
a ter partidos fortes. (revista)
Negativa enfática.
07 uma ova! O senador Saturnino Braga (PT-RJ) se revoltou
com as declarações de Delúbio de que
todas as campanhas faziam caixa 2. Uma
ova que todo mundo faz caixa 2. Me elegi
com campanha modesta, com todos os
recursos registrados”, afirmou. (revista)
Exclamação usada
para contradizer um
fato, carregando ainda
uma conotação de
incredulidade e
protesto.
08 nada feito - Você vai arrumando e eu vou dar uma
dormida, tá?
- Nada feito.
Negativa de uma
proposta, de uma
sugestão.
09 não + SV + coisa
nenhuma
- Estou saindo. - Você não vai sair coisa
nenhuma.
Reforço da negativa.
10 não ter nada que Você não tinha nada que ir lá.
11 não + SV + nem aqui
nem na China
A química dos tubinhos ressecou e destruiu a
maioria dos meus borzeguins. Aquilo não é
graxa, nem aqui nem na China. (crônica em
jornal)
Reforço da negativa.
12 não + V + bulhufas :
não entender
bulhufas / não falar
bulhufas
Não entendi bulhufas daquela conferência.
Pra mim o fulano não tava falando coisa
com coisa.
1. Reforço da negativa;
2. Bulhufas funciona
como OD?
13 que nada! / qual
nada!
Miolos de pavão, carne de coruja, pimenta
de urtiga? Que nada! A receita para uma
vida a dois mais gostosa leva ingredientes
simples. (revista)
Negativa enfática.
271
14 o quê! – Geralmente ele é sincero.
– Sincero o quê!
EF usada depois da
repetição da parte que
se quer negar,
mencionada
anteriormente.
15 nem a pau – A senhora não quer levar outro presunto,
para experimentar?
Nem a pau, Juvenal. (propaganda)
16 um um – Você já fez o trabalho?
Um um.
Tom descendente, sem
abrir a boca.
17 sem chance – Você vai lá? – Sem chance! Negativa enfática.
Um problema é o de incluir ou não a negativa dentro da EF. Um exemplo onde
dúvida é não dar ponto sem ou dar ponto sem (sem o não). Parece que a expressão
inclui a negativa, porque pode-se dizer Ele é esperto, pensa em tudo: ele não ponto sem
nó.; mas não se pode dizer Ele é avoado, não pensa nas conseqüências: *ele dá ponto sem nó.
Se a expressão sem o negativo é proibida, então a EF inclui a palavra não. No entanto,
ocorreu a seguinte frase: Eu penso em tudo o que pode acontecer. Você acha que eu dou
ponto sem nó? nesse caso, sem a negativa. Persiste então a dúvida: incluir ou não o termo
negativo dentro da EF? Nota-se que a EF (não) dar ponto sem admite declarativa negativa
e interrogativa positiva; mas mesmo no caso da interrogação um dos ingredientes semânticos
é a negativa: quando se pergunta Você acha que eu dou ponto sem nó? a mensagem
transmitida é a de que o falante não faz isso. Como o ingrediente negativo está sempre
presente, temos uma indicação que serve de apoio para a inclusão do item não no corpo da
EF.
Um caso semelhante é o de não dar em nada (não ter sucesso, fracassar):
(51) A advogada tentou convencer o juiz, mas não deu em nada: ele tinha uma opinião
formada e não arredou pé.
Nesse caso também existe a forma negativa; a forma positiva, sem a negativa não,
pode ocorrer somente em perguntas: E aquele projeto, deu em quê? Mas não se pode
empregar essa expressão na forma afirmativa: O projeto *deu em sucesso, *deu em
realizações, *deu em aceitação.
Um caso interessante é o da expressão cadê que ...?, que tem significado negativo.
Assim, quando se diz: Ele prometeu que vinha, e cadê que ele veio? a asserção é de que ele
não veio. A construção é interessante por muitos motivos:
272
a) Geralmente a palavra cadê é uma redução de que é de, ou seja, corresponde à
interrogação “onde está?”. Por exemplo, quando se diz Cadê a minha bolsa?, isso é
o mesmo que dizer Onde está a minha bolsa?. Mas em E cadê que ele cumpriu a
promessa? a forma cadê não pode ser substituída nem por que é de nem por onde
está:
(52) *Onde está que ele cumpriu a promessa?
No caso da EF, o item cadê se configura como um item independente na
língua, não derivável da expressão de onde normalmente vem a forma interrogativa
cadê.
b) A palavra cadê é sempre usada em sentenças interrogativas. Nesse particular, o uso
normal de cadê e o uso idiomático de cadê que...? comportam-se da mesma
maneira. Mas no primeiro caso, cadê serve realmente para interrogar, para fazer
uma pergunta a respeito de um lugar. Mas no caso da expressão idiomática, cadê
que... não serve para interrogar; diferentemente, o objetivo é negar. Cadê que ele
cumpriu a promessa? significa “ele não cumpriu a promessa.”
c) A terceira estranheza é decorrente da segunda: refere-se à forma da sentença. A
forma é interrogativa, graficamente a sentença acaba com ponto interrogativo, a
entonação é interrogativa, mas semanticamente a sentença é declarativa negativa.
um contraste entre a forma e o significado que normalmente se atribui a essa
forma. Esse não é um fato circunscrito a este único caso, mas certamente foge ao
que se espera no caso de uma forma interrogativa.
Por outro lado, na expressão eu não disse (+ O)? aparece a negativa não, mas a
sentença não é negativa, mas positiva, no sentido de que confirma uma declaração e oferece
uma ratificação ao que foi efetivamente dito:
(53) Eu não disse que ela ia cobrar mais 10%? Foi tiro e queda.
Conclui-se que nas EFs o item o pode ter um comportamento diferente do que
acontece normalmente na língua: em alguns casos é indispensável (isto é, a seqüência não
admite a forma positiva correspondente) e em outros casos pode perder o seu caráter negativo.
273
6.9 Construções interrogativas
Em algumas EFs a forma interrogativa não indica uma pergunta, mas introduz outro
ato de fala. Isso acontece, por exemplo, com a fórmula situacional quantas vezes eu disse?
(e variantes, como quantas vezes eu te disse? / quantas vezes eu já disse para + O?)
que
não é uma pergunta, mas uma afirmação de que uma determinada advertência foi feita
muitas vezes.
(54) Quantas vezes eu já disse para não deixar a luz acesa?
Em casos como esse não faz sentido responder à pergunta, uma vez que o ato
ilocucionário não é o de interrogar. Isso acontece também em outras construções que não são
expressões fixas; a diferença consiste no fato de que, em sintagmas construídos pelo falante, o
que determina o ato ilocucionário é o contexto de produção, e no caso das EFs, a condição de
“forma interrogativa sem interrogar” é intrínseca ao significado da própria EF.
É fácil ver a importância do reconhecimento e da listagem desse tipo de EF para o
ensino do português como língua estrangeira: é necessário que o falante aprenda esse tipo de
EF (e, óbvio, cada uma tem de ser aprendida individualmente) para que não atribua a essas
estruturas o significado default de estruturas interrogativas.
Expressões que têm forma interrogativa e significado não interrogativo são
exemplificadas no quadro 12 abaixo (e ainda no apêndice 10, que apresenta mais outros
exemplos):
274
QUADRO 12
EFs com forma interrogativa e significado não interrogativo – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa Exemplo de uso
(contextualização)
Explicação - significado
01 o que se de
fazer?/ fazer o
quê?
Eu não estou nem um pouco
satisfeita, mas o que se de
fazer? /
– Coitada da minha amiga! Tão
fragilizada!
Fazer o quê? Eu sou assim... (TV)
indicação de resignação pela
inexistência de alternativas, pela
ausência de uma solução satisfatória
02 no duro? A D. Ângela já ganhou na
loteria.
No duro?
indicação de surpresa
03 como é que
pode? / como
pode?
Como pode alguém agredir uma
pessoa da própria torcida?”,
protesta a palmeirense,
disfarçada em trajes preto e
branco. (revista)
indicação de espanto e inconformismo
04 quem sabe? /
quem sabe se +
O / quem sabe
que + O / quem
sabe + O
Quem sabe ele ainda chega
hoje? / Quem sabe que ele pode
te ajudar a quebrar o seu galho? /
Quem sabe se está certo desse
jeito?
indicativo de apresentação de hipótese
ou indicativo de possibilidade (= talvez)
05 tudo jóia? E aí! Tudo jóia? cumprimento de encontro
06 o que é que
tem?
[1] Eu detesto quando ele sai
com o Luís. – Mas o que é que
tem? O Luís é um bom rapaz. / [2]
É preciso ter fé. Se a gente
acreditar forte... O que é que
tem? (TV)
[1] indicação de que o fato relatado
não tem importância / [2] pedido de
continuação do relato
07 e daí? que esses e outros óbices
sejam superados, a reforma seja
feita e o Brasil se eleja membro
permanente do conselho. E daí?
(revista)
[1] indagação sobre procura lógica; diz-
se quando se quer insinuar que não
problema, ou que o que se diz é
irrelevante - às vezes com a intenção de
menosprezar a observação do
interlocutor / [2] = o que eu tenho a ver
com isso? ; de que forma isso é
relevante para mim? ; o que me
importa?
08 e agora? /
e agora, José?
Nós contávamos com ela para
ajudar, mas ela não vai poder vir.
E agora?
= o que fazer? - diz-se quando a
situação é difícil, parece sem saída,
quando algo deu errado
09 quer apostar? Ele prometeu que vinha, mas quer
apostar que ele não vem nada?
o falante usa para indicar que ele
certamente tem razão naquilo que
supõe
10 é mesmo? Eu não sei onde ele estava com
a cabeça quando construiu esta
estufa. As plantas estão horríveis.
É mesmo? Ele disse que tinha um
dedo verde. (TV)
indicação de surpresa
11 é mole? Estão querendo que a
contribuição, que era provisória,
vire permanente. É mole?
= você acredita nisso? - afirmação de
que o fato é espantoso
275
12 o que de
ser?
O que de ser dele, agora que
a mãe morreu? Quem vai cuidar
dele?
indicação de preocupação quanto ao
futuro
13 não? / não
é?
Mas ser bonita assim ajuda à
beça, né não? (revista)
usa-se para envolver do ouvinte e
comprometê-lo quanto ao que é dito;
solicitação de concordância com
afirmação que se supõe óbvia
14 vamos chegar? Olá! Você por aqui! Vamos
chegar?
convite para entrar na casa do falante
15 está ouvindo? /
você entendeu?
/ está
entendendo?
Você está proibido de sair de
casa. Tá ouvindo? / Você está
proibido de ver televisão uma
semana inteira.
entendendo?
expressões que reforçam um comando,
enfatizam uma ordem não é uma
pergunta sobre a correta audição
Uma expressão interrogativa que merece destaque é [WH + é que]. Nesse caso aparece
uma construção formada com um interrogativo (direto ou indireto) seguido da estrutura
clivada é que: como é que / porque é que / o que é que / quem é que / onde é que / quando é
que. A estrutura clivada é expletiva, de forma que a sua presença ou ausência não altera o
significado do interrogativo. Assim sendo, como é que = como, onde é que = onde, porque é
que = porque, quem é que = quem, etc. Apesar de constituir um acréscimo semanticamente
desnecessário, a estrutura clivada é que é bastante freqüente junto aos interrogativos WH.
Diferentemente do que se costuma pensar, não se trata de uma construção coloquial, nem
típica de linguagem oral. Os dados coletados indicam que essa construção está disseminada
tanto na fala quanto na escrita, e tanto em textos coloquiais quanto formais.
(55) – Onde é que nós estamos? – No céu. – No céu?... (crônica em revista)
(56) Você viu um absurdo desses? Me diz onde é que o Brasil vai parar! Fala sério! (e-
mail)
(57) Pois então de onde é que foi? Não sei nem quero saber [...]. (livro)
(58) Ao fim e ao cabo, quem é que gerencia esses recursos para que a sua aplicação seja
adequada? (rádio)
(59) Como é que tivemos tanta inflação apesar de o câmbio ter caído como caiu e dos maiores
juros do mundo? (revista)
(60) Como é que eu vou negar que existe gente caipora, para quem nada resulta na vida?
(livro)
(61) Como é que te dá na veneta comer mocotó de boi, tu que vens faz mês e meio só na papa
e no mingau? (livro)
276
(62) – Qual é a história, Zé Lins? – É aquela da navalha de madeira, vou te contar como é que
foi. (livro)
(63) Outro impasse é como é que essa política se sustenta tendo em vista a expectativa que o
governo criou durante a campanha que fez. (revista)
(64) – E quando é que você revela de onde veio o dinheiro? (crônica em revista)
(65) Por conseguinte, e sem desmerecer o esforço, que deve ser contínuo, de elaborar teorias
afinal, não se sabe quando é que vamos estar preparados para o nosso primeiro
paradigma eu sugeriria que a maior parte do trabalho dos lingüistas deveria se
concentrar na obtenção e sistematização de dados das milhares de línguas faladas hoje (e
em outros tempos) no mundo. (livro de lingüística)
6.10 Aspecto verbal
Há algumas EFs que têm a função de indicar aspecto verbal. Por exemplo, a expressão
[dar uma + N -da] como em dar uma olhada, dar uma espiada, dar uma experimentada,
dar uma dormidinha, dar uma passadinha indica uma ação realizada de forma rápida ou
superficial.
Outra EF indicativa de aspecto é [estar que + verbo], que indica intensificação da ação
por meio de iteração. Um exemplo de emprego dessa EF é o seguinte:
(66) Ele tá que estuda mas ainda não passou em nenhum concurso.
Também as EFs seguintes são indicadoras de aspecto:
danar a + verbo (infinitivo) ex: Quando vi a confusão, danei a correr.
significado incoativo e intensificador;
estar careca de + verbo (infinitivo) – ex: “Jornalistas não escrevem besteiras, o
mundo está careca de saber”, defende sempre este meu companheiro de
jornadas [...] (livro) significado intensificador;
estar cansado de + verbo (infinitivo) – ex: Eu já estou cansada de repetir para
você não deixar roupa espalhada pelo chão. significado iterativo ou
intensificador.
277
Geralmente o aspecto verbal é expresso pelo verbo auxiliar ou pelo morfema modo-
temporal (como por exemplo no caso do imperfeito do indicativo, em oposição ao perfeito).
Nas EFs apresentadas acima vemos possibilidades de expressão do aspecto verbal de forma
diferente dos mecanismos normalmente utilizados pela língua.
6.11 Verbo sem função de verbo
A classe dos verbos é definida pela propriedade de os seus componentes admitirem
afixos flexionais de tempo e pessoa. Como corolário tem-se que, se um elemento não varia em
tempo e pessoa, não é um verbo.
Pois bem, temos no elenco das EFs casos de formas verbais que se encaixam na
definição de “verbo”, como botar panos quentes, fazer gato e sapato, pagar o pato e tantas
outras, uma vez que admitem flexão, como por exemplo em botei panos quentes, botam
panos quentes, vamos botar panos quentes (em todos esses exemplos as palavras grifadas
variam regularmente nos tempos passado, presente e futuro, e nas várias pessoas).
Por outro lado, encontramos nas EFs palavras semelhantes a formas verbais que não se
encaixam na definição de verbo. Por coerência teórica, temos de admitir que, se um item não
obedece à definição de uma classe, não pode pertencer a essa classe. Exemplos desse caso
seriam expressões como ou seja, quem dera, cheio de não me toques, haja vista, tanto faz,
ficar no ora veja e várias outras, citadas no quadro a seguir. Então, como analisar casos de
aparentes formas verbais que não podem variar em tempo e pessoa? E se não pertencem à
classe dos verbos, qual seria a classe dessas palavras?
8
Ficamos num dilema: não podemos
considerar palavras como essas como verbos, porque não correspondem à definição da classe;
por outro lado, não classe sintática onde possam ser inseridas. Ficam assim num “limbo”
8
Trata-se de uma pergunta retórica porque, como sabemos, as EFs são tratados pelo falante como uma unidade,
ou seja, como blocos íntegros. Reitero aqui a ressalva, já apresentada no início deste capítulo, de que o estudo da
estrutura interna das EFs consiste meramente num recurso analítico com objetivo argumentativo, visando a
evidenciar e a comprovar que esse grupo de palavras se comporta de forma idiossincrática e que, no uso da
língua, não pode ser tomado composicionalmente, uma vez que fica patente a impossibilidade de processamento
interno sintático-semântico.
278
quanto à classe gramatical, quando analisamos a estrutura interna das EFs. Esse e outros
exemplos a seguir servem como argumento para a hipótese de que as estruturas fixas não são
composicionais, e não se adequam internamente aos padrões tradicionais de análise da língua.
O quadro 13 abaixo apresenta um elenco de expressões fixas que incluem itens
semelhantes a formas verbais que, por outro lado, não têm os traços que os verbos
normalmente possuem (veja-se o complemento desse quadro, com mais outros exemplos, no
apêndice 11).
279
QUADRO 13
EFs que incluem palavras semelhantes a formas verbais,
mas que não se comportam como verbos – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa Exemplo de uso
(contextualização)
Observações
01
não me toques A Bianca é uma fresca, cheia
de não me toques.
A 2
a
pessoa do singular (toques) é
invariável, apesar de a forma verbal de
2
a
pessoa ser incomum na maioria das
regiões do Brasil.
02
pois é De resto, não diz o povo que
quem conta um conto
sempre aumenta um ponto?
Pois é, o povo sabe o que diz.
(livro)
A expressão pois é pode indicar
concordância ou ratificação, ou
também introduzir a conseqüência de
uma argumentação, como no exemplo
ao lado.
03
bota-fora
(e demais
locuções
nominais na
forma [V+N])
Eu vou no aeroporto para o
bota-fora da Patrícia.
*botam fora / *botou fora: nas locuções,
o suposto verbo é congelado na 3
a
pessoa do singular do presente do
indicativo.
04
deixei de saber /
ele deixou de
saber/
eles deixaram de
saber
Este ano eu vou tirar férias de
todo jeito, deixei de saber.
1. apesar de o verbo estar no passado,
o sentido é de presente (a EF pode ser
parafraseada por “isso não me
interessa”) / 2. deixar não funciona
como verbo porque não varia em
tempo e só aparece no passado.
05
não diga! - A Ana divorciou.
- Não diga!
1. A expressão não varia nem em
pessoa: *não digas! / 2. indica somente
espanto. / 3. A EF não tem nenhuma
relação com o significado literal (que
seria pedir ao falante para não dizer
algo). / 4. Aparece sempre precedida
de não, isto é, a forma positiva é
inexistente.
06
deus-nos-acuda Você não faz as coisas com
antecedência e depois fica o
maior deus-nos-acuda pra
conseguir cumprir os prazos.
1. impossibilidade de mudança de
pessoa: *deuses-nos-acudam / 2.
impossibilidade de mudança de tempo:
*deus-nos-vai acudir.
07
disse-me-disse /
diz-que-diz
na escola rola a maior
fofoca, o maior disse-me-
disse.
1. impossibilidade de mudança de
pessoa e de tempo: *disseram-que-
disseram / *dizia-me-dizia
08
tanto faz /
tanto faz como
tanto fez
No final das contas, tanto faz:
trocou 6 por meia dúzia.
Além de não se conjugar, não aceita
qualquer mudança de tempo;
geralmente aceita o presente e o
imperfeito: ?tanto fará.
09
o que dirá /
que dirá
Se isso é o Miró, que dirá o
piró.
O verbo dizer é cristalizado no futuro
simples (que é menos comum) e não se
pode trocar o futuro simples pelo
composto: *o que vai dizer.
10
estimo melhoras Observar a semântica inusitada da
forma estimo, usada com esse
significado somente nessa expressão.
11
falou e disse /
falei e disse
Nunca conhecemos uma
pessoa, não é?
Falou e disse. (TV)
EF não conjugada em outras pessoas e
nem em outros tempos: *falamos e
dissemos / *vai falar e dizer.
280
12
ficar no ora-veja
/ estar no ora-
veja / deixar no
ora-veja)
Na hora que eu fui pegar o
docinho a menina pegou o
último e eu fiquei no ora-veja.
A forma veja é invariável, e não pode
passar nem para o plural: *no ora-vejam.
Além disso, não aparece o objeto direto
de veja.
13
não há de quê /
não tem de quê
- Obrigado.
- Não há de quê.
Os verbos haver e ter exigem objeto
direto, mas nessa expressão não
aparece OD.
14
haja + N Haja fôlego (título em revista) Não aceita mudança de tempo.
Temos aí palavras que talvez identificássemos com formas verbais finitas (como
toques, é, bota, deixei, diga, acuda, disse, faz, dirá, estimo, falou, veja, há e haja), mas que
não se conformam à definição de verbo: um verbo é uma palavra que se conjuga, mas esses
itens não se conjugam: não mudam em todos os tempos nem em pessoa. E quando uma
contraposição que poderia parecer temporal (como em tanto faz como tanto fez), essa marca é
exclusivamente morfológica, não possuindo nenhuma contraparte semântica. A prova de que
não sentido passado em fez é o fato de que essa EF pode ser usada para coisas que não
aconteceram anteriormente no passado; indica exclusivamente falta de preferência do falante,
e não quer dizer que no passado houve falta de preferência pelo mesmo fato. Portanto, fez não
indica tempo passado.
(67) Mas ninguém calcule que ele é desses para quem tudo está bom, do tanto faz como tanto
fez. Tem opinião própria, reclama, discorda, mas sempre em termos, de modos amáveis.
(livro)
A valência verbal também é subvertida, uma vez que não aparece o complemento
verbal
9
. O mesmo acontece em outras EFs como não há de quê / não tem de quê, usada como
resposta a agradecimento: os verbos haver e ter exigem objeto direto, mas nessa expressão
não objeto direto (o grupo de quê não é OD de haver ou ter, sendo inclusive precedido de
preposição). Para quem gostaria de argumentar que não de quê é derivada de algo como
não de que agradecer, observo dois aspectos: (a) na sentença não de que agradecer o
grupo de que é um pronome relativo, objeto indireto de agradecer, e não objeto direto de
9
Lembro que nas construções com o verbo fazer aparece comumente o objeto direto, mesmo quando fazer é
usado como forma vicária; nesse caso o verbo fazer é sempre acompanhado de um objeto direto anafórico (cf.
Fulgêncio, 1983) veja-se: José abandonou os estudos, mas eu nunca faria isso / eu nunca faria o mesmo / *eu
nunca faria Ø. No entanto, o objeto direto não aparece no sintagma rouba mas faz, que vem se cristalizando na
língua devido à recorrência do uso.
281
haver ou ter; e (b) o que se analisa é a fórmula não de quê e não uma sentença
correspondente, sendo inadequado do ponto de vista descritivista analisar estruturas não
presentes na sentença, bem como analisar uma estrutura através de outra diferente
10
.
Também na expressão não (ou nem) vem que não tem aparece a forma tem,
supostamente originária do verbo ter, mas nesse caso a forma recusa objeto direto,
diferentemente de outras construções com o verbo ter, que sempre exige objeto direto.
Também nas expressões ora veja! , ora vejam só! e ficar no ora-veja, do ponto de vista
formal não aparece o objeto direto, e do ponto de vista semântico não aparece o “causador de
experiência” (segundo nomenclatura de Levin, 1993). A inclusão do objeto direto torna as
formas inaceitáveis, como *ficar no ora-veja isso. A transgressão da valência verbal será tema
de uma seção especial.
Outra situação inesperada ocorre na expressão deixei de saber, usada em sentenças
como Eu vou de qualquer jeito, deixei de saber. Nesse caso, apesar de o verbo estar no
passado, o sentido extraído da expressão é de presente, uma vez que a EF pode ser
parafraseada por “não me preocupo” ou “não me interessam os problemas”. Temos no caso a
presença do sufixo passado na palavra deixei e uma interpretação não correspondente à marca
formal de passado.
A expressão chove-não-molha é um nome, que do ponto de vista estrutural é formado
por dois verbos: [V + não + V].
(68) Ô meu filho, ou anda ou pára. Fica aí nesse chove-não-molha...
Os itens chove e molha não podem ser conjugados e se mantêm cristalizados na forma
da 3
a
pessoa do indicativo presente. Esse tipo de fixação de uma forma verbal também
acontece com locuções nominais referenciais formadas de [V+N]
11
, como guarda-roupa,
porta-documentos ou topa-tudo. A diferença fica por conta do fato de que, em chove-não-
molha, o padrão não é predicativo [V+N], mas oracional, incluindo dois verbos.
A expressão vira e mexe também apresenta o padrão interno [V + V]:
(69) Vira e mexe aparece outro caso de corrupção política.
10
O que, como já foi amplamente mostrado, amplia desmedidamente o poder da teoria, diminuindo seu valor
empírico.
11
Segundo Basilio, 2001, p. 15, trata-se de formações V + S, em que S representa o objeto de V. O processo de
composição forma estruturas do tipo [[X]
V
[Y]
S
]]
S
.
282
O comportamento da expressão vira e mexe é diferente, pelo fato de essa EF
apresentar sentido adverbial: a expressão pode ser parafraseada por “freqüentemente” ou a
todo momento”. É inesperada a utilização de verbos finitos com função semântica adverbial,
uma vez que geralmente só o gerúndio tem essa propriedade
12
.
Outra observação que diferencia os verbos da língua de formas incluídas nas EFs é a
correspondência de tempos verbais. Sabe-se que em português há duas formas para o futuro: a
analítica, mais freqüente (como em vou viajar) e a sintética, menos comum (como em
viajarei). Todo verbo admite as duas possibilidades e possui o mesmo tratamento quanto à
freqüência de uso, isto é, o futuro simples é de uso mais raro (praticamente reservado à língua
escrita formal). Nas EFs, porém, nem sempre opera essa mesma correspondência entre futuro
simples e composto: algumas EFs são cristalizadas justamente na forma menos comum, que é
a do futuro simples, e não aceitam a substituição pela forma mais comum do futuro composto,
mesmo em se tratando de ngua oral
13
. Ou seja, em certas expressões usa-se o futuro simples
(sendo o futuro composto proibido), mesmo se o registro for coloquial, apesar de o futuro
simples ser decididamente incomum nesse contexto. Casos desse tipo são:
será que (*vai ser que)
ao deus-dará (*ao deus-vai-dar)
que dirá (*que vai dizer usado em sentenças como Deslindar os mistérios que
envolvem o império financeiro não identifica um assassino, que dirá
vários. (livro), em que a EF pode ser parafraseada por “imagine”).
Outro tempo bastante raro no português contemporâneo, até mesmo na língua formal,
é o mais-que-perfeito. Casos como ele fizera as cópias antes da reunião são substituídos
por ele tinha feito as cópias antes da reunião. Apesar da raridade no uso do mais-que-
perfeito, EFs que empregam esse tempo e recusam a substituição pelo correspondente
composto com auxiliar ter, que é o mais comum na língua brasileira contemporânea. É o caso
12
Uma descrição do gerúndio em português do Brasil é apresentada na tese de Oliveira (a sair).
13
Relembro mais uma vez que estou procedendo à análise interna das EFs para evidenciar que esses grupos não
têm o mesmo comportamento e as mesmas características de sintagmas construídos, fugindo aos parâmetros que
funcionam na língua, e que portanto não podem ser tratados composicionalmente, nem do ponto de vista
semântico nem sintático. Dissecamos aqui a estrutura interna das EFs com o objetivo de demonstrar e comprovar
que as EFs são, na verdade, blocos íntegros tomados pelo falante como uma unidade pronta, uma vez que a
análise componencial revela estruturas agramaticais e comportamentos diferentes dos que são válidos para o
restante da língua.
283
de quem dera, onde não correspondência com a forma *quem tinha dado, que é
inexistente.
Em sintagmas construídos, um verbo finito ou uma construção cujo núcleo é um verbo
finito nunca pode ser núcleo de um SN. No entanto, nas EFs disse-me-disse e deus-nos-acuda
temos formas verbais finitas que participam do núcleo do SN. Em sentenças como:
(70) Esse disse-me-disse está me chateando.
(71) Foi um deus-nos-acuda.
o núcleo dos SNs esse disse-me-disse e um deus-nos-acuda são preenchidos por EFs que
funcionam como nomes. Exemplos como esses apresentam uma situação não prevista
geralmente pelas teorias sintáticas, que é o aparecimento de uma forma verbal finita como
parte do núcleo do SN. Isso demonstra que disse não tem um comportamento típico nessa EF.
Outro comportamento que atrapalha a classificação de certas formas como verbo é o
fato de não haver concordância com o termo que tem o papel temático privilegiado, que
indica o sujeito verbal. Por exemplo, quando queremos concordar com a opinião do falante, é
possível usar a EF falou e disse:
(72) O mundo deveria se preocupar com a questão climática e promover ações para evitar a
poluição.
Falou e disse.
Mas se queremos concordar com a opinião de um grupo de pessoas, não se pode dizer
*falaram e disseram. A impossibilidade de concordância indica que, nessa expressão, a forma
falou e a forma disse não incluem um papel temático de agente (que cumpre a função de
sujeito com esses verbos).
Também não concordância na expressão quer dizer se houvesse, deveria ser
*quero dizer, uma vez que é usada para explicar ou para retificar o que o falante disse: o
agente de querer é o falante, e com esse verbo o agente ocupa a função de sujeito. Mas a
expressão se mantém invariável, sem mudança de pessoa mesmo se referindo à primeira
pessoa do discurso, como se vê no exemplo seguinte:
(73) Eu não faria isso, quer dizer, meu ponto de vista é diferente.
284
Outro caso interessante é o das EFs na mesma e tanto faz. Nesses casos o verbo
fica na 3
a
pessoa do singular, que é a forma não-marcada mas qual é o sujeito ? Em alguns
casos não é possível saber. Muitas vezes o verbo não concorda com nenhum sintagma, como
no exemplo a seguir:
(74) – Você prefere esses sapatos ou aqueles?
Tanto faz. Dá na mesma.
Observe-se que a expressão tanto faz permanece invariável. Por exemplo, na sentença
Tanto faz esses sapatos ou os outros o verbo não sofre flexão de número, apesar de sapatos
estar no plural.
A concordância verbal nem sempre se realiza em EFs. No caso da expressão em que
pese, parece haver variabilidade em relação à concordância verbal. Segundo Neves (2003, p.
284), nessa expressão a forma pese concorda em número com o SN seguinte, considerado
sujeito. No entanto, os exemplos que integram a listagem das EFs indicam uma tendência
diferente: a expressão em que pese apareceu sempre invariável, independentemente do
número do SN que a segue. No mínimo, uma flutuação de conduta com relação à
concordância nesse caso. Vejam-se os exemplos reais apresentados abaixo, todos eles com o
SN posposto plural e a forma pese no singular.:
(75) Em que pese 3 ou 4 deputados que se comportam mal, eu acho que a CPI faz um
trabalho importante. (revista)
(76) Se tudo isso já beira o absurdo, o quadro se complica ainda mais quando o leitor/eleitor
fica sabendo que, em que pese todos os benefícios, a Câmara Federal ficou às moscas, na
sexta-feira 16, primeiro dia de “trabalho” nesse recesso regiamente remunerado. (revista)
(77) Em que pese todas as dificuldades e com a impunidade sendo o nosso grande mal, o país
passa por um período de crescimento econômico e está caindo nas graças do mercado
internacional. (revista)
Um caso intrigante é o da expressão dito e feito. Qual é a classe gramatical das
palavras dito e feito? Essas formas verbais apresentam um comportamento diferente nessa EF,
porque além de não poderem sofrer mudança de tempo, não aceitam complementos
(diferentemente do que normalmente acontece com os verbos dizer e fazer, que exigem
complementos). Por outro lado, se palavras dito e feito fossem consideradas qualificativos,
285
também têm um comportamento especial, uma vez que não sofrem concordância de gênero e
número, como acontece com adjetivos ou particípios com função qualificativa. Seja como for,
o comportamento dos elementos que compõem essa expressão não se encaixa nas classes
estabelecidas para sintagmas construídos.
Na expressão pernas pra que te quero (como no exemplo Quando a briga ficou feia eu
ó... pernas pra que te quero!) há uma incongruência quanto à equivalência de número entre as
palavras pernas e te ou seja, pernas está no plural e a anáfora te, que aponta para o mesmo
referente, é singular
14
.
Um caso especial é o da expressão comes e bebes. Temos duas formas tomadas do
presente do indicativo dos verbos comer e beber, mas que são flexionadas como nomes. E
ainda: o plural é obrigatório, que não existe o singular *o come ou *o bebe. A EF é
totalmente rígida: não aceita interposição (*os comes e deliciosos bebes), é irreversível (*os
bebes e comes), não aceita variação lexical (*os comes e bebidas), não aceita flexão de
número, como seria de se esperar para um nome (*o come e bebe) nem aceita flexão de
pessoa, como seria de se esperar para um verbo (*o comemos e bebemos).
Essa utilização de pretensas formas verbais, que na verdade não funcionam como
verbos de pleno direito, não é exclusiva de um verbo ou outro, nem de um tempo verbal ou
outro, mas abrange de forma generalizada qualquer verbo incluído numa expressão fixa. Ou
seja, não é uma característica idiossincrática de determinado item, mas uma característica
idiossincrática de uma classe (a dos verbos) quando inseridos em EFs.
Palavras que parecem verbos mas não se conjugam não ocorrem somente em
expressões. Aparecem também sozinhas, como as formas tomara e pudera, que têm origem
nos verbos tomar e poder, mas sincronicamente não se comportam como verbos. Um exemplo
com a palavra pudera é apresentado abaixo:
(78) “Meus amigos, meus inimigos, salvemos Ouro Preto”. Publicados pelo poeta Manuel
Bandeira em 1948, estes versos não continuam a ser entoados até hoje como ganharam
força. Também pudera. Depois de um período marcado pela ocupação irregular dos morros,
pela destruição de importantes monumentos históricos e pelo alerta da Unesco sobre sua
deterioração, os moradores renovam a esperança de dias melhores.
14
Parece que no português clássico o pronome concordava: pernas para que vos quero. Com o desaparecimento
do pronome vos,a mudança lingüística não se efetua nesse caso com a passagem para uma forma correspondente
plural, mas para uma forma singular. Esse fato aponta mais uma vez para a falta de interpretação dos elementos
internos à EF.
286
Ao observar as estruturas verbais empregadas nas EFs chegamos a seis conclusões
principais:
1. A análise dos elementos que compõem as EFs apresenta problemas teóricos para a
definição de classes gramaticais, uma vez que em alguns casos ocorrem termos que
não possuem os traços característicos de nenhuma classe definida. Por exemplo, nas
EFs são empregadas supostas formas verbais que não apresentam os traços essenciais
que definem um verbo do português.
2. As EFs apresentam problemas para o estabelecimento das valências verbais, uma
vez que incluem diáteses não aceitas normalmente pelos supostos verbos
correspondentes (esse aspecto será analisado mais detidamente na seção 6.14).
3. As supostas formas verbais das EFs são eventualmente congeladas em tempos e
pessoas atualmente em desuso no português contemporâneo, o que indica que não
sofreram a variação a que foi sujeita a língua.
4. O fato de uma variação lingüística não atingir certas EFs corrobora a idéia de que os
falantes as identificam em bloco, como uma unidade não composicional.
5. A falta de concordância de algumas expressões, mantidas numa forma invariável,
viola regras que funcionam para sintagmas construídos do português (como a
concordância sujeito-verbo).
6. Casos de correspondência entre estruturas e tempos verbais, que funcionam para a
totalidade das estruturas composicionais do português, às vezes são bloqueados
quando se trata de uma EF.
Conclui-se portanto que as EFs, nesse aspecto, transgridem padrões sintáticos do
português. Esse é mais um dado que nos mostra ser falsa a crença disseminada de que as EFs
obedeceriam ao padrão estrutural formal da língua.
6.12 Verbos ser / estar
O passado em português é um tempo simples (como em Maria chegou),
diferentemente de outras línguas como o francês e o italiano, onde o passado é um tempo
287
composto. Nessas línguas, Maria chegou corresponde a Maria est arrivée (francês) e Maria è
arrivata (italiano): o verbo principal é antecedido pelos auxiliares est (francês) e è (italiano),
que equivalem a formas do verbo ser. Em português ocorre um caso semelhante: quando o
sujeito é uma expressão temporal e o verbo é chegar também se pode usar a forma analítica
como em francês ou italiano, com o auxiliar ser (com inversão do sujeito), como nas seguintes
EFs: é chegado o momento / é chegado o dia / é chegada a hora.
(79) É chegada a hora de Brasil e China estreitarem suas relações. (TV)
(80) Com a cassação de José Dirceu (PT-SP), era chegada a hora de se buscar um armistício
entre o governo e a oposição, para retomar a normalidade no Congresso. (jornal)
Nesses exemplos a estrutura é chegado corresponde a chegou, compondo uma locução
verbal idiossincrática.
É interessante observar que se pode fazer o passado com o auxiliar ser com dois
verbos em contextos específicos, o que impõe uma memorização unitária de cada caso:
1) com o verbo chegar, exclusivamente na EF é chegado [+tempo], isto é, quando o
sujeito tem significado temporal, como se pela impossibilidade de *é chegado
Antônio;
2) com o verbo nascer: Eu sou nascido no Espírito Santo mas fui criado em Minas
nesse caso, eu sou nascido corresponde a eu nasci, isto é, também aí o passado simples
é substituído por uma forma composta com o auxiliar ser
15
.
Também o auxiliar estar apresenta um uso incomum: nas expressões estar matando
cachorro a grito e estar lambendo embira o auxiliar estar aparece obrigatoriamente nas
formas do presente e do passado:
(81) Estou sem grana nenhuma, já estou matando cachorro a grito. (*mato cachorro a grito)
15
Num primeiro momento pode-se entender que essa estrutura verbal de passado também poderia ser usada com
o verbo jogar, bem como com decorrer e outros verbos, quando seguido de uma indicação temporal, como em
eram jogados 20 minutos do primeiro tempo. Mas nesse caso trata-se de um verbo transitivo (ao contrário de
chegar, que é intransitivo), sendo que eram jogados significa tinham sido jogados, ou seja, temos uma voz
passiva, e não uma ampliação de tempo simples para composto, mas o contrário: a forma normal do passado
mais-que-perfeito composto (tinham sido jogados) é que é condensada para o imperfeito (eram jogados). O
verbo ser aparece como auxiliar da passiva, e é retomado na forma condensada. Esse então parece ser um caso
diferente.
288
(82) Ele perdeu o dinheiro todo na bolsa, e agora está lambendo embira. (*lambe embira)
Quando não são usados como auxiliares, a diferença entre os verbos ser / estar é
definida geralmente como uma diferença entre sentido permanente (ser) x sentido transitório
(estar), ou como uma diferença entre sentido inerente (ser) x sentido acessório, isto é,
introdutor de qualidade não necessária (estar). No caso das EFs, o que se vê é que em alguns
casos o uso de ser / estar não cria essa oposição, mas tem outra função: confere um sentido
completamente diferente para cada caso. Isso acontece, por exemplo, com o par ser sem graça
e estar sem graça :
- ser sem graça (significado: ser insosso, ser sem atrativo, não ser bom):
(83) Nossa, que pão de queijo mais ruim. Esse pão de queijo é muito sem graça, sem queijo,
sem sal...
(84) Não acho aquela modelo bonita não. Ela é muito sem graça.
- estar sem graça (significado: estar desconcertado, pouco à vontade):
(85) Ele está sem graça de falar em público.
Vê-se assim que a mudança entre ser / estar, no caso das EFs ser sem graça / estar
sem graça é capaz de conferir a cada grupo um significado completamente diferente, não
determinado originariamente pela diferença entre os verbos ser / estar.
6.13 Estrutura passiva e indeterminação do agente
A possibilidade de passivização é variável entre as EFs. Em alguns casos a forma
passiva é permitida, como na colocação levantar uma questão e na EI bater o martelo,
exemplificadas abaixo:
(86) Essa questão foi levantada pelo deputado X.
289
(87) É o negócio do ano na área imobiliária. Acaba de ser batido o martelo para a venda do
terreno de 12 000 metros quadrados na esquina da Avenida Paulista com a Rua Pamplona,
local da antiga mansão do conde Francisco Matarazzo, onde hoje funciona um
estacionamento. (revista Veja edição 1990, 10 de janeiro de 2007, p. 31)
No mais das vezes a construção passiva em EFs é agramatical, e ainda o é claro o
que determina a possibilidade ou a impossibilidade do uso de voz passiva. Nos exemplos
abaixo a passiva é proibida :
botar banca – O goleiro está botando banca. / *A banca foi botada pelo goleiro.
dar conta – Eu não dou conta de fazer isso. / * A conta não foi dada por mim [de fazer isso].
perder o juízo – Ele perdeu o juízo / *O juízo foi perdido por ele.
Um caso diferente é o que acontece com EFs que incluem o verbo ter. Uma das
expressões é ter como, que aparece mais comumente na voz passiva: ser tido como (não foi
registrada nenhuma ocorrência dessa EF na construção ativa).
(88) O deputado é tido como um bom parlamentar, é popular entre os membros do baixo clero
e defende as posições do governo, mas parece nutrir um exacerbado gosto pelos prazeres da
vida noturna [...]. (revista)
Em geral, para toda sentença passiva existe uma ativa correspondente embora o
inverso não seja verdadeiro, ou seja, nem a toda ativa corresponde uma passiva. O verbo ter é
um desses poucos verbos que geralmente não admite passiva, como se vê no exemplo abaixo:
(89) Eu tenho um carro velho. – *Um carro velho é tido por mim.
Assim, um fato inesperado é que com a EF ser tido como acontece exatamente o
contrário: nesse caso o verbo ter ocorre preferencialmente na voz passiva.
Algumas EFs cumprem a função de expressar um fato com a omissão do agente.
Dessa forma, o uso de uma EF pode ser um dos recursos que a língua oferece para se omitir o
290
agente (ao lado da voz passiva, uso de verbo na 3
a
pessoa do plural, uso do clítico se e de
outros indefinidos como você, a gente, o pessoal, eles, o cara, alguém, o sujeito e outras
estruturas
16
). Por exemplo: a expressão vir à tona significa “ser revelado”. Note-se que a
expressão constitui uma estrutura ativa sem a apresentação do agente, em que o paciente é o
sujeito e o agente é omitido. Por exemplo:
(90) Agora vieram à tona revelações que colocam o governo em dificuldade. (revista)
(91) Resta saber se um dia a verdade virá à tona. (revista)
Outras EFs em que o paciente toma a posição de sujeito, na voz ativa, com omissão do
agente, são as seguintes:
- ver-se + V no particípio passado – ex.: ver-se forçado, ver-se impedido, ver-se obrigado:
(92) Diretor da CIA discorda da validade de uma missão contra o cartel de drogas e compra
briga com os colegas e com o presidente. E se forçado a entrar em ação. (sinopse de filme
– TV)
- levar manta (com o significado de “ter prejuízo, ser enganado”):
(93) Eu levei a maior manta naquele negócio: comprei o carro pensando que estava bom, e só
depois é que eu soube que ele já tinha levado uma batida de arrebentar.
- levar na cabeça / tomar na cabeça (significado: ter insucesso, sair-se mal, sofrer prejuízo):
(94) Quanto mais a gente ajuda os outros, quanto mais a gente é legal, mais a gente toma na
cabeça. (TV)
Algumas EFs apresentam uma estrutura ergativa, com o paciente na posição de sujeito,
e assim também cumprem a função de indeterminar o agente. Um exemplo de EF que
apresenta estrutura ergativa é o caldo entornar:
(95) Não se mete não, senão você vai entornar o caldo. estrutura transitiva
16
Com relação às várias possibilidades estruturais oferecidas pela língua para a indeterminação do agente, veja-
se Moreira (2005).
291
(96) Agora não adianta mais. O caldo entornou. estrutura ergativa.
Outras EFs com estrutura ergativa são: a ficha cair / o sangue ferver / o tempo esquentar / o
tempo fechar / o céu limpar / a orelha queimar. Nesses grupos o agente não é parte da EF, e
assim as EFs ergativas têm como característica a não especificação do agente da ação verbal.
6.14 Grade temática – valência – diátese verbal
Em certas EFs, a grade temática e a estrutura verbo-complementos não correspondem
a nenhuma diátese prevista na valência do verbo que integra a expressão. Dito em outras
palavras: o verbo que compõe a expressão fixa pode apresentar uma estrutura sintático-
valencial idiossincrática, que viola as possibilidades da diátese daquele verbo em estruturas
composicionais. Ou ainda: em construções com EFs não compromisso ou obediência com
o padrão de diáteses de cada verbo.
Há duas situações a serem examinadas: (a) a diátese em sentenças com EFs (sobretudo
com expressões idiomáticas e colocações), ou seja, a relação entre as EFs e o complemento
externo à EF; e (b) a função e os papéis temáticos dos complementos internos à EF. E ainda,
como um terceiro aspecto, examinaremos a correspondência entre diáteses.
6.14.1 Diátese em construções com EF quanto ao
papel temático de complementos externos
Vamos partir nossas observações da sentença a seguir:
(97) O bandido fugiu da prisão.
292
Essa sentença mostra que o verbo fugir requer um sujeito animado, cujo papel
temático é o de agente
17
. No entanto, é possível construir uma sentença com a expressão fugir
ao controle em que o sujeito não é o agente:
(98) Essa situação está fugindo ao controle.
O sintagma essa situação, cujo referente é um ser inanimado e involuntário, viola as
restrições selecionais do verbo fugir quanto a seus complementos, e também apresenta um
papel temático inusitado para o sujeito, que nesse caso não é o agente da ação.
Além disso, note-se que o complemento de fugir é normalmente regido pela
preposição de, mas em (98) temos a, cujo uso se limita à EF fugir ao controle.
Outro caso: com o verbo sair o sujeito é geralmente o agente da ação, mas nas
colocações sair perdendo (no sentido de “levar o prejuízo”) ou sair ganhando o sujeito é
paciente. Nesses dois casos o verbo sair tem função de auxiliar, no sentido de que não afeta as
relações valenciais do verbo com o qual co-ocorre.
(99) Se o pai não paga a pensão, quem sai perdendo é a mãe, que não vai deixar os filhos
passando fome.
Outro caso que “infringe” a valência esperada do verbo é a expressão ir pro espaço.
Geralmente o verbo ir tem sujeito com o papel temático de tema
18
(como em O avião vai para
o Rio). Mas na sentença
(100) Meu projeto foi pro espaço.
que pode ser entendida como “meu projeto tornou-se inviável, foi eliminado ou abandonado”,
o sujeito não se move, e portanto não pode ser classificado como “tema”; o sujeito é o
paciente, já que sofre os efeitos do que é expresso pelo predicado.
17
Jackendoff chama de agente o elemento voluntário que faz uma ação: “The Agent NP is identified by a
semantic reading which attributes to the NP will or volition toward the action expressed by the sentence.”
(Jackendoff, 1972, p. 32). Por outro lado, Perini (a sair) não vincula a idéia de agente à intencionalidade na
execução da ação. Adoto aqui essa última posição.
18
Jackendoff chama de “tema” o elemento que se movimenta em construções com verbos de movimento: “With
verbs of motion the Theme is defined as the NP understood as undergoing the motion.” (Jackendoff, 1972, p.
29).
293
Outro caso parecido ocorre com a EF dar sorte, no sentido de “ter sorte” – e também o
seu oposto, dar azar, no sentido de “ter azar”:
(101) - Você deu sorte de me encontrar aqui hoje, porque eu nunca venho aqui no sábado.
- Você deu azar de não ter comprado as ações antes da alta.
Nas expressões dar sorte / dar azar o sujeito é paciente
19
(ou experienciador, segundo outra
classificação), apesar de geralmente o sujeito de dar representar o agente da ação, mesmo em
expressões idiomáticas como dar o cano, dar bandeira, dar um pulinho, dar uma prensa,
etc.
E na expressão dar zebra, como nos exemplos
(102) - No jogo de ontem deu zebra.
- Deu 4 zebras na Loteria desta semana.
não aparece sujeito nenhum.
com a expressão dar pau, no sentido de “estragar, parar de funcionar”, é possível a
construção com sujeito paciente ou sem sujeito. Na construção sem sujeito o papel temático
de paciente é preenchido por um complemento preposicionado:
(103) com sujeito:
Meu computador deu pau e eu tive de formatar ele todinho.
(104) sem sujeito:
- Deu pau no computador e aí eu não pude escrever nada.
- Logo que eu entrei na Internet deu pau e eu tive de desligar e começar tudo de novo.
Também na expressão quando bem entender (com o significado de “em qualquer
momento”), o sujeito de entender não aparece obrigatoriamente, como se no exemplo
abaixo (o texto reproduz uma fala de Lula):
19
Langacker 1991, p. 236, define paciente da seguinte forma: “I will construe the term patient quite narrowly, to
indicate an entity that undergoes an internal change of state, whereas a mover is an entity that changes position
with respect to its surroundings.”
294
(105) Se o fato [o dossiêgate] aconteceu, ele tem de ser mostrado. O fato concreto é que tinha
o dinheiro, tinha a fotografia. Poderia ter sido mostrada no dia, poderia ter sido mostrada
quando bem entendesse. (revista)
Esse é o único trecho citado, ou seja, não é mencionado anteriormente nenhum
elemento que pudesse funcionar como um sujeito para a forma entendesse e apesar disso
não se nota nenhuma anomalia no uso.
Outro caso onde a valência do verbo não é mantida na EF ocorre nas expressões ter
um chilique / dar um chilique (no sentido de “sofrer um ataque”): geralmente o verbo ter tem
sujeito possuidor, e dar tem sujeito agente; no entanto, as expressões ter um chilique e dar um
chilique são sinônimas, e o sujeito é paciente em ambos os casos.
a expressão dar a bênção é ambígua: o sujeito pode ser interpretado tanto como o
agente quanto como meta. O que dirige a interpretação para um lado ou outro é o contexto da
situação onde a expressão está inserida; ou seja, a ambigüidade é pragmaticamente
condicionada, sendo que a interpretação do papel temático do sujeito é feita a partir de dados
fornecidos pelo contexto ou com base em conhecimento prévio. Observe-se:
(106) O papa deu a bênção da sacada do Vaticano. sujeito agente
Vem cá, menino, dá a bênção aqui pro seu padrinho. sujeito meta
A ambigüidade do complemento quanto ao papel temático que leva o é um fato
novo e ocorre também em construções não idiomáticas, como quando o verbo está numa
construção intransitiva. Por exemplo: na sentença o cobertor esquentou, o sintagma o
cobertor pode ser interpretado como agente (“o cobertor esquentou alguém”), ou pode ser
interpretado como paciente / tema (“o cobertor ficou quente”). Mas o que se observa em dar a
bênção é um comportamento irregular, por três motivos: (1
o
) na expressão dar a bênção o
verbo tem objeto direto, e portanto não está em construção intransitiva, que é a única que
admite ambigüidade na interpretação do papel temático de sujeito; (2
o
) o verbo dar não tem
complemento ambíguo fora dessa EF; (3
o
) nenhum outro verbo da língua apresenta o mesmo
tipo de interpretação ambígua em construção transitiva.
Outra expressão em que mudança de papel temático do sujeito é a colocação
amargar perdas (no sentido de “ter perdas, sofrer perdas”):
295
(107) Não o poucas, em diferentes regiões do país, as empresas distribuidoras de energia
que amargam perdas em torno de 30%. (revista)
Nessa expressão o sujeito de amargar (que é o relativo que, que por sua vez tem como
referente “as empresas distribuidoras de energia”) é paciente, diferentemente do que acontece
com esse verbo em construção transitiva (o verbo amargar pode aparecer em construção
ergativa com sujeito paciente, mas nesse caso não apareceria objeto direto como acontece na
expressão amargar perdas).
Outro aspecto a ser salientado é que, dentre as EFs, pode haver mudanças inesperadas
de diátese: por exemplo, a diátese de ter a ver muda com a presença do elemento negativo. A
expressão ter a ver tem o sentido de “relacionar-se, referir-se, dizer respeito, ter relação”, e
inclui o complemento introduzido por com:
(108) Meu projeto tem a ver com o léxico.
Já a expressão não ter nada a ver não inclui necessariamente um complemento, e pode
ter significado diferente: além de dizer que não relação entre uma coisa e outra, acrescenta
a isso o sentido de o que foi dito é uma bobagem.
(109) - Esse projeto não está bom, não tem nada a ver.
- Quê que interessa isso? Isso não tem nada a ver!
Outro exemplo onde aparece uma função temática incomum é o caso de chover no
molhado. O verbo chover normalmente não tem sujeito sintático (como em Choveu ontem a
noite inteira.); mas a estrutura com a EF chover no molhado admite sujeito, que tem o papel
temático de agente (diferentemente do que acontece em casos de estruturas não-fixas,
construídas com o verbo chover):
(110) A Antonieta choveu no molhado, dizendo coisas que todo mundo já sabia.
Esse é um exemplo de que, também na atribuição do papel temático exercido pelo
sujeito, a estrutura predicativa representada por uma EF pode incluir características peculiares
e idiossincráticas, que não reproduzem as mesmas exigências e os mesmos requisitos
296
verificados em situação de composição livre (isto é, não-EF) para a atribuição dos papéis
temáticos.
Vê-se então que, quando se compara a diátese de uma EF com a do mesmo verbo
numa sentença construída composicionalmente, observa-se que as relações sintáticas e
semânticas podem mudar consideravelmente. O papel temático do sujeito e de outros
complementos que não estão incluídos na EF não é o mesmo que se verifica em construções
não idiomáticas. Do ponto de vista da análise lingüística, esse fato ressalta a importância da
identificação das EFs na análise das valências verbais.
Para explicar o que acontece na relação das EFs com seus complementos, vamos
comparar o comportamento das EFs com o que acontece em estruturas montadas
composicionalmente. Para tanto, vamos examinar o comportamento do verbo desanimar,
como apresentado em Perini (a sair). Na sua estrutura formal, esse verbo pode admitir um
complemento pós-verbal (que compõe o predicado) com o papel de paciente; nesse caso, o
predicado [desanimar + paciente] determina o papel de agente para o sujeito:
(111) O professor desanimou os alunos.
No caso de não haver complemento pós-verbal, o predicado [desanimar + Ø] (isto é, o
verbo sem objeto direto) determina o papel de paciente para o sujeito:
(112) O professor desanimou.
Conclui-se portanto que é o predicado – melhor dizendo, o SV –, e não o verbo
exclusivamente, que atribui o papel temático ao sujeito. Isso explica porque o papel temático
de sujeito é diferente quando se considera um grupo idiomático formado por [V +
complemento]: assim como para todas as construções verbais (mesmo as não idiomáticas), é a
associação simbólica [V + predicado] que determina a função temática do sujeito.
A valência verbal (isto é, o conjunto das construções admitidas por cada verbo, tanto
do ponto de vista sintático quanto semântico) é uma relação simbólica, que relaciona forma e
significado. E para a atribuição do papel temático do sujeito entra em jogo não somente o
significado do verbo, mas o predicado simbólico (conteúdo sintático + conteúdo semântico do
grupo ([V + complementos]).
297
A idéia de que os papéis temáticos são estabelecidos em função do SV foi indicada
por Marantz (1981); essa idéia foi formulada por Cançado (2003, p. 95) da seguinte maneira:
Assumo que papel temático é definido como sendo o grupo de propriedades
atribuídas a um determinado argumento a partir dos acarretamentos
estabelecidos por toda a proposição em que esse argumento encontra-
se. (Grifo meu.)
Nesse sentido, as EFs têm o mesmo comportamento de estruturas composicionais: a
atribuição do papel temático do sujeito é feita pelo SV, e não somente pelo verbo. Por
exemplo, com o verbo quebrar o sujeito pode ser agente ou paciente:
(113) - João quebrou o vaso.
[sujeito agente se o SV inclui OD]
- O vaso quebrou.
[sujeito paciente se o SV não inclui OD]
O mesmo acontece quando o verbo faz parte de uma EF, como quebrar a promessa.
Também no caso das EFs é o grupo [verbo + complemento] que determina a função
semântica do sujeito:
(114) João quebrou a promessa. [sujeito agente – predicado inclui OD].
O caso das duas EFs a seguir evidencia que a atribuição do papel temático do sujeito é
feita pelo SV: quando se acrescenta um complemento, muda o significado da EF e muda
também a função semântica do sujeito:
quebrar a cara (“errar quanto às expectativas, ter insucesso”):
(115) Ele pensou que ia passar fácil no concurso e quebrou a cara. [sujeito
paciente/experienciador]
quebrar a cara de alguém (“bater em alguém, brigar”):
(116) Não me enche o saco não senão eu quebro a sua cara. [sujeito agente]
Conclui-se então que a relação entre uma EF e seus complementos é a mesma que se
estabelece em outras estruturas composicionais: é o predicado verbal que determina o papel
298
temático do sujeito, e não o verbo isoladamente. Culicover e Jackendoff (2005, p. 35) também
apresentam essa mesma idéia: “como o idiomatismo dita a forma do SV, nesse caso não
espaço para o verbo ter seus próprios argumentos”
20
. Ou seja, é toda a EF, e não somente o
verbo, que determina qual é a função semântica do sujeito e qual é a diátese verbal. Portanto,
do ponto de vista das relações externas da EF isto é, a sua relação com elementos não
integrantes da própria EF o comportamento das EFs é coerente com o que se verifica em
situações não idiomáticas: também em sentenças com EFs, o papel temático do sujeito é
definido pelo predicado verbal.
6.14.2 Estrutura da EF: função e papel temático de complementos internos
6.14.2.1 Sujeito
Grande parte das expressões idiomáticas que incluem um verbo é formada por um
predicado verbal ([verbo + complemento]), como visto acima, deixando a posição de sujeito
em aberto. Mas algumas que incluem o sujeito, sendo quase todas intransitivas, com a
exceção de o mundo voltas. Em casos de expressões idiomáticas que incluem sujeito, a
estrutura típica é [sujeito + V], sem a presença de objeto, de forma que a EI compõe uma
sentença completa. Quase todas as EIs que incluem sujeito são ergativas; as únicas que fogem
a esse padrão são a cobra vai fumar, o mundo dá voltas e o tempo voa todas com verbo
congelado, que não se conjuga nem em tempo nem em pessoa. Exemplos de idiomatismos
intransitivos com sujeito não agente são: o tempo fechar / o tempo esquentar / o tempo urge /
os tempos mudaram / o caldo engrossar / o caldo entornar / a língua coçar / cabeças rolar / o
céu limpar / o bicho pegar / a coisa pegar / a barba crescer / a ficha cair / o mundo cair
/
a
casa cair /
a fonte secou / a onda baixar / a poeira abaixar / o sangue ferver.
Um caso especial é o da expressão N + que se preza:
(117) Professor que se preza não dá bola pra pedagogo. (livro)
20
Texto original: “Because the idiom dictates the form of the VP, there is no room for the verbo to have its own
arguments there; [...]”
299
Essa é uma das únicas EFs se não a única que é uma oração subordinada. a
expressão inclui o sujeito que, cujo referente é variável, dependendo do contexto em que se
insere. Também nesse caso o sujeito não é agente.
Tradicionalmente, as expressões idiomáticas com diátese ergativa (com sujeito
paciente e sem complemento) são muitas vezes listadas nos dicionários na ordem [verbo +
SN]. Em vez de listar a EF como a língua coçar, o tempo fechar e o sangue ferver, por
exemplo, apresentam a entrada do verbete como coçar a língua, fechar o tempo, ferver o
sangue:
Coçar a língua. l.p e l.c = Sentir uma vontade incontrolável de falar.” (Rocha, 2005,
p. 244)
fechar o tempo – criar confusão” (Serra; Gurgel, 2000, p. 299)
“fechar o tempo SIGNIFICATIVO: Criou-se uma confusão. Vai dar briga.” (Prata,
1996, p. 80)
ferver o sangue a alguém. Ser impaciente, irrequieto. Sentir ardor veemente por
indignação, raiva, ódio, desejo de vingança.” (Nascentes, 1966, p. 268)
Esse tipo de organização da expressão, ordenando o sujeito em posição posposta ao
verbo ocorre em casos de verbos que aceitam objeto (em outras construções), e na EI em
questão encontram-se numa construção ergativa, apresentando o sujeito posposto ao verbo em
grande parte das ocorrências. Por exemplo, a expressão o tempo voa não é listada com o
sujeito invertido (como voar o tempo) porque o verbo voar não admite objeto em nenhuma de
suas diáteses. Nem a expressão o pau comeu é listada como comer o pau, uma vez que nessa
EF o sujeito não costuma aparecer posposto ao verbo. Somente construções ergativas de
verbos que também podem ser transitivos, com uso freqüente do sujeito em posição posposta
ao verbo, sofrem na listagem dos dicionários uma espécie de “desorganização” da ordem
sujeito/complemento. Essa ordem na apresentação da expressão pode causar algumas falsas
impressões:
(1) Com relação à sintaxe, pode parecer (a) que a posição formal do
complemento é sempre posposta ao verbo; e (b) que o SN, por estar colocado após o
verbo, funcione como objeto do verbo, e não como sujeito do verbo uma vez que a
posição do SN pode ser um dos traços superficiais que diferenciam sujeito e OD
(como acontece em Joaquim matou José).
300
(2) A respeito da relação simbólica sintaxe/semântica, a colocação do SN
após o verbo pode sugerir uma subversão do sentido, com a compreensão de que a
construção coçar a língua, por exemplo, incluiria um agente (“alguém coça a língua”),
em vez de se entender corretamente a expressão como uma construção ergativa, onde
a língua é o sujeito paciente do verbo coçar.
(3) A respeito da classificação lexicográfica da expressão, a posposição do
sujeito pode gerar a falsa impressão de que se trata de uma ocorrência do caso [verbo
+ complemento] (ou seja, SV), quando na verdade trata-se de um caso de oração ([SN
+ SV]). A posposição do sujeito promove a sugestão indevida de que a estrutura que
aparece depois do verbo é um complemento verbal, mascarando a construção ergativa
e sugerindo análises destorcidas como a de que as expressões idiomáticas que incluem
verbos seriam sempre estruturas predicativas (o que, como ficou demonstrado, não
corresponde aos fatos).
Como se viu, trata-se na verdade de uma construção [sujeito + V], sendo que o
sujeito cobre o papel temático de paciente da ação, mas do ponto de vista formal
freqüentemente ocorre numa posição marcada, posposta ao verbo. No sentido de evitar
análises ou impressões inadequadas como as mencionadas acima, é mais conveniente
do ponto de vista lexicográfico listar tais expressões na ordem canônica não-marcada,
apresentando o sujeito na posição anteposta ao verbo.
Com relação à ordem das palavras na sentença, alguns casos de sujeito posposto
obrigatório; o primeiro é o seguinte:
- quem ser + SN [...]? : quem sou eu / quem somos nós / quem é ele (expressão usada
em tom irônico para indicar que o indivíduo de quem se fala não tem relevância, não é uma
autoridade no assunto ou não tem poder). Na construção quem + ser, o sujeito aparece
obrigatoriamente depois do verbo; trata-se de um caso atípico na língua em geral, e não
somente no caso da EF. Veja-se abaixo um exemplo de uso da EF:
(118) Parte da imprensa e dos cineastas acha o trabalho da TV menor. Quem são eles para ter
nariz em pé? (revista)
Outros casos de sujeito posposto obrigatório em EFs são os seguintes:
301
-mal sabem eles que...
-pudesse eu + SV
- ainda está para nascer + SN (ex: Ainda está pra nascer quem consiga derrubar ele
numa discussão.)
- bater um /uma + N (conotação de emoção negativa – ex: Me bateu uma saudade...)
- bem fazer + SN (ex: Bem fiz eu de me aposentar antes da reforma.)
- não + V no imperfeito do subjuntivo + SN (ex: não fosse eu / não pudesse ele). Esse
é um caso de EF gida do ponto de vista sintático, que se mostra idiossincrática pelo
fato de incluir necessariamente a palavra não e pelo fato de a posição do sujeito ser
obrigatoriamente posposta. Por exemplo:
(119) Com índices de popularidade variando entre 30% e 40%, George W. Bush resolveu
eleger o petróleo como vilão responsável pelo mau humor dos americanos em relação ao seu
governo. Com os preços batendo os US$60 o barril, os reflexos do bolso dos consumidores
são brutais. Tudo certo, não fosse Bush um dos presidentes mais ligados ao poderoso lobby da
indústria petrolífera. (revista)
Existem algumas poucas EFs que são sentenças com sujeito verbo complemento,
como o mundo voltas e o mundo está virado. Exemplos de uso dessas expressões são os
seguintes:
(120) Como o mundo muitas voltas, quem sabe, um dia ela não venha a precisar de você.
(jornal)
(121) Os ex-governadores Newton Cardoso e Itamar Franco se cumprimentaram ontem na
festa dos 25 anos do PMDB. Definitivamente, este mundo está virado. (jornal)
Mas como visto na seção 5.1, expressões com [sujeito + verbo] e complemento em
aberto (a ser completado) como seriam, hipoteticamente, expressões como o tempo fica... /
o tempo dá...) não são comuns. Na verdade, foi encontrado um único caso: tudo quanto ser
+ N:
(122) Esse pessoal da carrocinha não tem coração: mata tudo quanto é cachorro sem dó nem
piedade.
302
Em tudo quanto é... a palavra tudo é o núcleo do sintagma nominal que contém uma
oração relativa. Evidentemente, o grupo todo constitui uma unidade íntegra que tem a função
semântica de quantificador. Mas se fôssemos proceder a uma análise interna, teríamos de
considerar que nesse caso está presente o sujeito, mas a posição do predicativo fica em aberto
(a ser completada com um nome variável). De qualquer forma, essa é uma análise não segura,
uma vez que não se pode testar a concordância do verbo, e portanto a identificação do sujeito
é imprecisa.
A constatação de que nas EFs é muito rara a estrutura com sujeito e com complemento
em aberto, ao lado do fato de haver várias expressões com a forma [verbo + complemento]
com sujeito em aberto, corroboram a análise de que o sujeito não forma um constituinte com o
verbo. Ou seja, [verbo + complemento] constitui uma unidade, mas [sujeito + verbo] não.
motivação para se considerar a estrutura oracional como SN + SV, uma vez que as EFs
apontam para o fato de que o sujeito liga-se ao predicado, e não ao verbo.
6.14.2.2 Complementos internos ao SV
Vejamos a seguir casos de EFs cuja estrutura interna inclui complementos verbais com
função sintático-semântica inesperada. O caso mais típico é o do verbo dar, formador de
várias EFs: em expressões idiomáticas, muitas vezes o objeto não expressa o paciente nem o
tema, como acontece em sintagmas construídos (por exemplo: dar o cano, dar bode, dar
zebra, dar uma doida, dar asa, dar baixa, dar banana, dar calote, dar cobertura, dar com os
burros n’água, dar de cara, dar duro, dar fé, dar galho, dar gosto, e tantas outras EFs).
Os casos dar alta e dar baixa apresentam uma particularidade: apesar de as expressões
serem formadas pelo verbo dar + um item semanticamente paralelo nos dois casos
(considerando que alta é o contrário de baixa), essas expressões têm diáteses diferentes:
dar baixa tem três diáteses:
(123) Dei baixa nesse livro. (construção [sujeito agente + V + em + SN paciente])
Esse livro já deu baixa. (construção ergativa)
deu baixa no exército. (construção [sujeito agente e paciente + V + locativo])
303
dar alta só admite a primeira diátese, e não pode ser ergativo:
(124) O médico deu alta no paciente. (construção [sujeito agente + V + em + SN paciente])
*O paciente deu alta. – mas: O paciente teve alta.
Ou seja, apesar da semelhança superficial, o comportamento sintático das expressões
dar baixa e dar alta não é paralelo.
Do ponto de vista da construção interna, aparece outra questão: os itens alta e baixa
cumpririam a função de objeto direto do verbo dar? Representam eles o tema, isto é, o
elemento que se movimenta (que é a função geralmente preenchida pelo objeto direto do
verbo dar)?
Finalmente, é interessante notar que, embora alta e baixa sejam itens antônimos, as
duas EFs acima têm significado muito próximo (não oposto): em ambas o significado tem a
ver com “ser excluído de algum lugar”, diferindo somente o lugar de origem: no caso de dar
alta, o local de exclusão é o hospital; e no caso de dar baixa, o local de exclusão é o exército
ou alguma listagem de catalogação.
vários outros casos em que a diátese do verbo, numa EF, é diferente da diátese do
mesmo verbo em sintagmas construídos. Vejamos outro caso: na valência do verbo pegar
(como em o ladrão pegou meu relógio) aparece um SN anteposto com significado agentivo e
um SN posposto paciente. Já na expressão com o mesmo verbo a coisa pegar (no sentido de
haver
problema, ser o ponto em que um problema”) a diátese é diferente: não SN
posposto e não se pode dizer que o SN anteposto tenha semântica agentiva. Veja-se o
exemplo seguinte:
(125) Se algo na pessoa que vive com você causa irritação, é bom, antes de se queixar dela ou
criticá-la, observar onde a coisa pega. (revista)
Trata-se de uma estrutura ergativa (com sujeito paciente e sem objeto), que não corresponde à
diátese “esperada” do verbo pegar.
na expressão pintar o sete ocorre o contrário, ou seja, aparece inesperadamente um
SN posposto ao verbo. Sabe-se que o verbo pintar possui várias acepções, e uma dessas é
“fazer bagunça”; nessa acepção o verbo ocorre sem objeto direto, como em
(126) Eu vou dar uma palmada nesse menino se ele não parar de pintar!
304
A EF pintar o sete também tem o significado de “fazer bagunça” mas nessa
expressão aparece um SN na posição de objeto direto, apresentando assim uma diátese
inesperada para essa acepção do verbo pintar.
Um caso paralelo ocorre com o verbo correr; temos um verbo intransitivo que
aceita objeto direto se estiver numa EF: na expressão correr os olhos, o verbo, que geralmente
é intransitivo, tem objeto direto. Veja-se o exemplo seguinte:
(127) Eu corri os olhos no texto e já vi que estava tudo errado.
na expressão falou e disse, usada para indicar concordância com o interlocutor, o
verbo dizer é usado sem objeto direto, diferentemente do que prevê a valência desse verbo.
Note-se, paralelamente, que a palavra falou e a palavra disse não têm os demais traços
verbais, uma vez que não podem variar em pessoa (*falaram e disseram), nem em aspecto
(*falava e dizia), nem em tempo (*vai falar e vai dizer).
Fato semelhante acontece com o verbo ter, que normalmente exige objeto direto; no
entanto, a expressão não vem que não tem (e na sua variante nem vem que não tem) recusa
objeto direto.
(128) Não vem que não tem, colega! Não insiste em levar fiado, que isso não dá.
Também recusa objeto direto o verbo saber nas expressões você é que sabe (no
sentido de “você decide”) e quem sabe (no sentido de “talvez”), como se nas sentenças
abaixo:
(129) Eu não vou te pressionar. Faça o que você quiser. Você é que sabe.
(130) A elite do mercado não está nas ruas. É contratada por meio de classificados virtuais,
atende chamados por celular ou na base do boca-a-boca entre amigas, que se reúnem em
festinhas privês para assistir a shows de strip-tease e, quem sabe, esticar a noite com algum
bonitão. (revista)
Outro caso de ausência de objeto direto em verbos tradicionalmente transitivos ocorre
nos dois verbos da EF sem tirar nem pôr:
305
(131) Ele é igualzinho ao pai, sem tirar nem pôr.
Outro caso: ou vai ou racha (indicando “a última chance”). Normalmente o verbo ir
exige complemento locativo e o verbo rachar aceita objeto direto. No entanto, na EF ambos
os verbos recusam complementos. Portanto, rompimento das diáteses que esses verbos
apresentam em construções composicionais:
(132) Eu estou esperando a sua resposta há mais de um mês. Ou vai ou racha, minha filha.
(filme).
Em construções não anafóricas, o verbo tirar exige objeto direto (como se em ele
tirou a verruga / ele tirou nota 10 / *ele tirou); e o verbo pôr exige objeto direto e
complemento locativo (como se em ele pôs o livro em cima da mesa. / *ele pôs / * ele pôs
o livro). O verbo pôr prescinde do locativo quando ele pode ser deduzido inferencialmente,
como em ele pôs ponte de safena (infere-se que o local é o coração) ou ele pôs o paletó
(infere-se que ele pôs o paletó em si mesmo, isto é, ele vestiu o paletó).
21
No caso de sem tirar
nem pôr não aparece nem o objeto de nenhum dos dois verbos, nem o locativo de pôr.
Outra expressão em que o verbo pôr recusa complemento locativo é pôr a mesa. E
outras expressões em que o verbo ter recusa objeto direto são :
- nem vem que não tem
- não ter para X (não ter para alguém) / ter para alguém (diz-se de alguém que não
está incluído, que não é contemplado, como em pode ir dando o fora que aqui não
tem pra você).
Em algumas EFs o complemento faltante é completado pelo contexto exofórico. Isso
acontece, por exemplo, na expressão invariável quanto é?, usada para perguntar sobre o preço
de um ou mais objetos, sobre o preço do conjunto de compras ou sobre a comida em um
restaurante. O sujeito geralmente não é explicitado, mas representado por uma elipse cujo
referente é pragmaticamente definido. Mesmo quando a referência é feita a mais de um
objeto, a expressão permanece obrigatoriamente no singular e a indicação de número plural é
proibida (*quanto são?).
21
Um estudo sobre a transitividade verbal e a inferência de complementos encontra-se em Perini e Fulgêncio,
1987.
306
Caso semelhante, em que também não é explicitado um complemento verbal, acontece
na fórmula sociolingüística vou ver se ele está, onde não é mencionado o complemento
locativo. Nesse caso, a elipse é completada pragmaticamente com a mesma referência de
lugar onde se encontra o emissor da expressão.
Um caso diferente é o da fórmula [verbo] + de tudo, como em fazer de tudo, comer de
tudo, cozinhar de tudo, etc: a expressão de tudo aparece com verbos que aceitam objeto direto
mas, nesse caso, o complemento aparece preposicionado. Por exemplo: a diátese do verbo
fazer inclui objeto direto paciente; na expressão fazer de tudo aparece o paciente, mas
expresso por um SPrep, isto é, nessa EF o paciente tudo é precedido pela preposição de,
diferentemente do que acontece com o verbo fazer em outras construções:
(133) casos em que a pessoa faz de tudo para parecer mais interessante e tornar-se mais
atraente para o parceiro. (revista)
Outro caso de diátese inusitada ocorre no caso de cair de produção (sofrer diminuição
da produção) e seu oposto crescer de produção:
(134) O time cresceu de produção.
Essa construção (crescer de) só aparece com a palavra produção e com a palavra
tamanho (em crescer de tamanho), e nunca com outros complementos referentes a outras
coisas que poderiam crescer, como cabelo, eficiência, etc:
(135) - A produção do time cresceu. = O time cresceu de produção.
- O cabelo do menino cresceu. = *O menino cresceu de cabelo.
Um caso especial, que também envolve a preposição de é o da expressão de amargar,
como na sentença esse texto é de amargar, parafraseada por “esse texto é horrível”. Se
consideramos amargar como verbo, temos de admitir que sua grade temática está subvertida.
Amargar é um verbo que pode aparecer em construção ergativa ou transitiva, mas em
qualquer caso o paciente é explicitado:
(136) - Esse ingrediente amargou o bolo. [construção transitiva – OD paciente]
307
- O bolo amargou. [construção ergativa – sujeito paciente]
- O Milan amargou uma derrota frente ao Liverpool. [construção transitiva sujeito
paciente]
Mas na EF de amargar não paciente expresso e nem pode haver, como se pela
impossibilidade de uma construção como *esse texto é de amargar o leitor.
Na expressão jeito de ser (indicando “comportamento pessoal, personalidade”),
aparece o verbo ser sem complemento predicativo, o que é uma situação inesperada para esse
verbo.
(137) Eu não vou mudar: esse é o meu jeito de ser.
O mesmo acontece com a EF era. Também nesse caso o verbo ser é usado sem
predicativo.
(138) Essa blusa, olha só, tá rasgada. Essa blusa já era.
Na expressão seja como for o predicativo está ausente duas vezes: em seja e em for.
Também não aparece o predicativo na EF qual é?, rompendo a diátese mais freqüente do
verbo ser.
(139) Qual é, Celton? Depois de tanta folga você ainda foi ajudá-la a sair da água? (revista em
quadrinhos)
Outro caso: com o verbo morrer aparece uma diátese inusitada quando o verbo
compõe a EF morrer com + [quantia]ou morrer em + [quantia]”, no sentido de “perder,
desembolsar”. O verbo morrer pertence à classe dos verbos com transitividade livre, ou seja,
pode aparecer sem objeto (que é a estrutura mais freqüente) ou com objeto interno, como na
construção morrer uma morte inglória. É possível acrescentar complementos opcionais
preposicionados, como causa (morrer de infarto), ou lugar (morrer em o Paulo), ou tempo
(morrer ontem), por exemplo. Mas a construção com argumento obrigatório introduzido por
preposição aparece somente na EF, como no exemplo
308
(140) Vou ter de morrer com 600 pilas para comprar o presente mais barato dessa lista de
casamento.
Na EF pagar mico o complemento de pagar tem uma função imprecisa, uma vez que
ele não representa o tema, ou seja, o objeto comprado que muda de possuidor.
Também na expressão comer mosca o papel temático de mosca não é claro.
Normalmente, a diátese do verbo comer inclui a construção [SN sujeito agente + V comer +
SN OD paciente]. O SN objeto é sempre paciente, em qualquer estrutura construída com
comer. Mas na EF comer mosca não há paciente, apesar de haver objeto direto, porque não há
objeto comido. A expressão indica “deixar passar uma oportunidade”, de forma que não
um paciente envolvido na cena. Sintaticamente pode-se falar de um objeto direto relacionado
ao verbo, mas semanticamente não se pode caracterizá-lo como o paciente. O papel semântico
de mosca é indefinido, e nesse caso pode-se pensar numa dissociação entre papéis sintáticos e
papéis temáticos; ou seja, esse caso parece apontar para a existência de construções sintáticas
que não possuem nenhum papel temático, pelo menos quando se trata de expressões fixas.
Esse exemplo aponta para a conclusão de que a melhor análise é a que considera as
expressões fixas como unidades íntegras, internamente inanalisáveis.
Já a expressão engolir em seco comporta-se diferentemente de comer: sintagmas
construídos com o verbo comer sempre incluem um paciente (explícito ou inferido
pragmaticamente) ou seja, mesmo que não seja expresso por um objeto direto explícito,
uma recuperação semântica do paciente de comer. Quando se diz A Cris comeu imagina-se
que algo tenha sido comido. Em termos semântico-pragmáticos o paciente está presente,
mesmo se em termos sintáticos a estrutura que o expressa (o objeto direto) pode não estar
presente. No caso de engolir em seco não paciente nem explícito nem implícito
sintaticamente não objeto direto (uma vez que o complemento de engolir é
preposicionado), e semanticamente não paciente, nem mesmo pressuposto, que a
expressão sugere que o indivíduo não engole nada. Veja-se:
(141) - O chefe me passou bronca, e eu tive de engolir em seco.
- Os brasileiros vão ter de engolir em seco mais um ano jururu. (TV)
Engolir, na expressão engolir em seco comporta-se diferentemente de comer, beber ou
cuspir, que sempre pressupõem um paciente; engolir é especial nesse sentido, porque pode ter
paciente vazio, não realizado nem sintaticamente nem semanticamente.
309
Jackendoff & Cullicover (2005, p. 174) também concordam com a diferença de
comportamento entre os verbos comer e engolir, dizendo que
É importante distinguir os argumentos verdadeiramente opcionais dos argumentos
obrigatórios que são expressos opcionalmente na sintaxe. Um bom exemplo é engolir
vs comer.
(26) a. Ele engoliu / comeu a comida.
b. Ele engoliu, mas não engoliu nada.
c. *Ele comeu, mas não comeu nada.
Os dois verbos têm objeto opcional (26 a) . No entanto, se o objeto for omitido de
engolir, não é necessário implicar nenhuma entidade que seja engolida (26b). Se o
objeto for omitido de comer, permanece a implicação de que alguma entidade que
é comida (26c).
22
Temos então que a expressão engolir em seco reflete com nitidez essa diferença na
diátese dos verbos engolir e comer, uma vez que nessa construção o verbo engolir o
pressupõe a existência de nenhum paciente.
Os exemplos de estruturação interna das EFs que fogem aos padrões esperados se
multiplicam. Como o objetivo é somente apresentar alguns exemplos, vamos finalizar
ressaltando casos em que é difícil decidir a função semântica de complementos internos.
Na EF tomar conta é difícil classificar a função e o papel temático de conta: do ponto
de vista sintático, conta não tem alguns dos traços característicos do objeto, uma vez que não
pode ser pronominalizado, nem a sentença pode ser passivizada; do ponto de vista semântico
a palavra conta tem igualmente um comportamento incomum. O objeto direto do verbo tomar
desempenha normalmente a função de paciente (como em os invasores tomaram a cidade),
mas em tomar conta não se pode dizer que a palavra conta cumpre a função semântica de
paciente da ação expressa pelo verbo. Em sentenças como
(142) É a babá quem toma conta das crianças.
(143) O cheiro tomou conta da casa.
22
Texto original: “It is important to distinguish truly optional semantic arguments from obligatory semantic
arguments that are optionally expressed in syntax. A good example is swallow vs. eat.
(26) a. He swallowed/ate (the food).
b. He swallowed, but he didn’t swallow anything.
c. *He ate, but he didn’t eat anything.
Both verbs have an optional object (26a). However, if the object is omitted from swallow, there need be no
implied entity being swallowed (26b). If the object is omitted from eat, the implication remains that there is
some eaten entity (26c).”
310
o paciente é representado pelos complementos das crianças e da casa. Se conta não é o objeto
nem o paciente, qual seria a sua função?
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*
Finalmente, merece ainda ser mencionado o caso da valência nominal, que pode ser
igualmente subvertida em EFs. Said Ali (1975) aponta o caso especial de atribuição de papel
temático ao nome olhos, que na expressão a olhos vistos teria a função semântica de agente
(ou experienciador, segundo nomenclatura de Perini, a sair). Diz Said Ali (1975, edição de
2006, p. 68-69):
Em português diz-se a olhos vistos; em espanhol á ojos vistas. São locuções rebeldes
à explicação, quer uma, quer outra. [...] Em nossa usual e vernácula frase a olhos
vistos está o particípio com função ativa. É como se disséssemos a olhos que em.
Confrontem-se esquecido, desconfiado, sabido, entendido, que se dizem de indivíduo
que esquece, que desconfia, que sabe, que entende.
A solução para todas as questões relativas à valência que indicam infrações aos
padrões da língua e todos esses impasses de análise foi aventada anteriormente: a EF deve ser
considerada como uma única unidade funcional e conceptual. É um bloco indecomponível,
não montado composicionalmente como os sintagmas construídos. Desse ponto de vista,
tomar conta, por exemplo, seria uma unidade verbal que não faz parte da diátese de tomar. Se
uma EF é um bloco único, idiossincrático e não produtivo, memorizado como uma unidade,
não faz sentido destrinchar a composição interna da EF, porque ela não é levada em conta
nem na enunciação nem na compreensão de uma EF.
Esse posicionamento tem implicações teóricas e práticas importantes para a análise da
língua. Significa que, antes de passar à análise de qualquer sintagma, é preciso saber se esse
sintagma representa uma EF ou não. Por exemplo, antes de proceder a um estudo sobre
diáteses é preciso que o lingüista isole casos como tomar conta, comer mosca ou pagar mico
da diátese de tomar, comer e pagar, uma vez que não representam uma nova diátese desses
verbos. Na verdade, os itens conta, mosca e mico não são isoláveis na análise dessas EFs, e a
elas não corresponde nenhum papel temático. Comer mosca não se analisa como [comer +
mosca], mas como a unidade comer mosca.
311
Se é necessário identificar e isolar os casos de EFs antes de se proceder à análise da
língua, então é necessário que o lingüista saiba de antemão quais são as EFs. Como recurso
auxiliar a essa tarefa, preliminar e indispensável à atividade lingüística, seria útil a listagem
dos casos de EFs encontrados na língua brasileira. Justifica-se assim a elaboração de um
dicionário de expressões fixas do português do Brasil, como a listagem coletada para esta
pesquisa.
Vimos vários exemplos que demonstram que o comportamento dos complementos
verbais nas EFs é idiossincrático, e vale para aquele grupo específico, preenchido com
aquele léxico específico. Na estrutura interna de EFs não se pode falar de uma diátese
abstrata, representada estruturalmente, mas de uma estrutura preenchida necessariamente com
itens léxicos específicos. Não faz sentido dizer que o verbo tomar, por exemplo, inclui na sua
valência uma estrutura onde o objeto direto não é o paciente (mas outra coisa não
identificada) por causa de tomar conta. Mais lógico é reconhecer que se trata de um grupo, de
uma unidade em que não cabe uma análise componencial, tanto pelas características
peculiares e não produtivas, quanto pelo fato de o falante reconhecer o grupo idiomático como
um bloco.
6.14.3 Correspondência entre diáteses
As correspondências entre diáteses não se mantêm em EFs. Ao falar em
‘correspondência entre diáteses’ refiro-me ao caso da expressão da mesma cena através de
pontos de vista simbólicos (semântica + sintaxe) diferentes: matar (sujeito agente) e morrer
(sujeito paciente): a semântica é igual, mas a sintaxe é invertida. Assim também tem-se bater
(sujeito agente) e apanhar (sujeito paciente); e também derrubar (sujeito agente) e cair
(sujeito paciente). O que se observa é que esses verbos, quando integrantes de uma EF, não
mantêm a mesma relação simbólica e a mesma implicação semântica. Então, é possível
a) Antônio derrubou Maria. Maria caiu. - mas não
b) *A gripe derrubou de cama Maria. / *A gripe derrubou Maria de cama.
Maria caiu de cama.
312
Outros grupos de exemplos são os seguintes:
(144) a) Maria bateu com o chinelo no menino. O menino apanhou.
b) Maria bateu com a língua nos dentes. *Os dentes apanharam.
(145) a) Maria matou a barata. A barata morreu.
b) Maria matou a charada. *A charada morreu.
c) Maria matou aula ontem. *A aula morreu ontem.
(146) a) Ele rasgou o papel. O papel rasgou.
b) Ele rasgou o verbo. (“falou tudo, francamente”) *O verbo rasgou.
Outro dado interessante é que a relação sujeito agente/paciente é estabelecida
diferentemente em expressões muito semelhantes, o que sugere uma cristalização da
construção não só do ponto de vista léxico e estrutural, mas também do ponto de vista
simbólico (do relacionamento entre a forma e o significado) como se vê a seguir:
(147) a) Eu bati a porta na cara do vendedor. (eu agente)
b) Eu bati com a cara na porta. (eu paciente)
Em algumas construções não idiomáticas, ao eliminar o objeto o sujeito passa a ser
entendido como paciente. Com alguns verbos, a estrutura [sujeito + verbo + OD] relaciona-se
à interpretação [agente + evento + paciente], e no caso de o objeto não estar presente a mesma
estrutura é interpretada com o sujeito paciente : [paciente + evento]. Isso acontece com o
verbo encher e quebrar, por exemplo:
(148) Maria encheu o copo. O copo encheu.
Maria quebrou o vaso. O vaso quebrou.
Mas quando se trata de EF, nem sempre a mesma correspondência entre as
diáteses se mantém. casos em que o sujeito o é interpretado como paciente (como
seria de se esperar tendo em vista a diátese do verbo utilizado em construções produtivas,
não cristalizadas) e a sentença nem mesmo é possível. Por exemplo, não
correspondência entre as seguintes sentenças:
313
(149) Maria encheu a cara. *A cara encheu.
Maria quebrou a promessa. *A promessa quebrou.
Maria abriu o berreiro. *O berreiro abriu.
Maria abriu o jogo. (no sentido de “revelar a verdade”) *O jogo abriu.
*Maria fechou o tempo. O tempo fechou. (no sentido de “armou-se uma briga”)
Outra questão interessante é o fato de que à mudança de diátese verbal de sujeito
agente para sujeito paciente nem sempre correspondência entre o campo semântico dos
verbos. Explico: normalmente supõe-se que se alguém dá um objeto, o outro ganha, ou
recebe, ou leva; ou se alguém desce um objeto para algum lugar (como em desceu os móveis
para a garagem), esse lugar recebeu um objeto. Mas com EFs a correspondência verbal em
mudança de diátese é imprevisível. Isso quer dizer que é preciso aprender independentemente
também o léxico envolvido na mudança de papéis temáticos. Por exemplo, observe-se nos
exemplos abaixo o uso de léxico inesperado nas expressões com mudança de papel temático
do sujeito (uso o mbolo para indicar a construção paralela com mudança de papel
temático):
descer a lenha / descer o pau / baixar o pau / descer a ripa / descer a borduna /
descer o cacete (“bater”) entrar na lenha (“apanhar”) [*subir a lenha]
trazer no cabresto (“dominar”) andar no cabresto (“ser dominado”) [a
seqüência levar no cabresto não indica mudança de papel temático do sujeito]
dar satisfação (“explicar-se”) tirar satisfação (“pedir explicação”) [*ganhar
satisfação]
dar à luz (“parir”) vir à luz (“nascer”) [*receber à luz].
Outro caso é o da construção passiva. Como visto na seção 6.13, para a língua em
geral vale o seguinte princípio: se há passiva também é possível a diátese transitiva (o
contrário nem sempre é verdadeiro). Mas com algumas expressões só existe a estrutura
passiva, como em ser mal-falado, e com outras a passiva é a mais freqüente, como em ser tido
como. Nos exemplos abaixo a construção ativa não é aceitável (com agente em primeira
posição antes do verbo e na função de sujeito):
(150) Maria é mal-falada por toda a vizinhança.
*Toda a vizinhança mal-fala Maria. / *Toda a vizinhança fala mal Maria.
314
(151) O deputado foi tido como um bom parlamentar pela revista.
?A revista teve o deputado como um bom parlamentar.
Em algumas locuções aparece o particípio com caráter semântico qualificativo (como
em estar apertado). Em algumas expressões a estrutura transitiva correspondente é
igualmente viável, como estar ferrado (alguém me ferrou) ou estar grilado (alguém/algo me
grilou), etc. Outras expressões, ao contrário, não aceitam ambas as diáteses:
- estar lascado (existe estou lascado, mas não existe *Zé me lascou);
- estar ligado (no sentido de estar prestando atenção” existe estou ligado, mas não
se usa, com o mesmo sentido, *Zé me ligou);
- estar danado (no sentido de “estar com raiva” – existe estou danado, mas não existe
*Zé me danou);
- estar mordido de raiva (existe estou mordido de raiva, mas não existe * me
mordeu de raiva).
Expressões idiomáticas aceitam introdução por verbo de percepção e gerúndio. Por
exemplo: eu vi a vaca indo pro brejo é uma sentença possível, introduzida pelo verbo de
percepção ver e seguida da expressão idiomática a vaca ir pro brejo. Mas expressões
introduzidas por verbo de percepção e gerúndio não aceitam a estrutura passiva: *A vaca foi
vista indo pro brejo.
Todos esses fatos avolumam os dados que apontam para o caráter único de cada
expressão fixa e para a necessidade de considerar as EFs como tais, ou seja, como blocos
únicos, não produtivos, não composicionais e não dissociáveis.
6.15 Advérbios
Normalmente um advérbio de modo pode ser acrescido ou retirado de uma sentença
sem que isso gere a agramaticalidade da construção e sem que isso altere o significado do
verbo para o qual se dirige o escopo do indicador de modo. Geralmente a presença de um
SPrep com a função semântica de modo (tradicionalmente, um adjunto adverbial de modo)
indica a maneira como se desenvolve um processo ou uma ação, mas não é capaz de alterar
por completo o significado do verbo núcleo do sintagma verbal. No caso de EF, isso pode ser
315
diferente, e o advérbio de modo pode ser fundamental para caracterizar o sentido do verbo. Na
expressão dar-se bem, por exemplo, a palavra bem é essencial na delimitação do significado
do verbo: ao se comparar a expressão dar-se bem com dar-se (sem bem”), vemos que o
significado de ambas é totalmente diferente: dar-se bem significa “ter sucesso” ou
“relacionar-se satisfatoriamente”, e dar-se pode significar “acontecer”. Por exemplo:
(152) - Político brasileiro sempre se deu bem com os ianques. (revista)
- O aumento se deu sem que fosse implantado um programa de eficiência. (jornal).
Essa modificação do significado foi devida à presença/ausência do modalizador na EF.
A delimitação do sentido é marcada pela presença do argumento de modo (bem/mal), que
geralmente não faz parte da diátese verbal.
Outro caso em que o modo tem um comportamento especial é o seguinte: em muitos
advérbios de modo é possível eliminar o sufixo -mente. Isso acontece por exemplo em casos
como:
- sair rapidamente / sair rápido
- escrever claramente / escrever claro
Mas na EF fala sério (que indica discordância ou alerta para uma situação inviável) o
modal sério (que tem função sintática adverbial) não admite o sufixo -mente. Apesar de existir
a forma seriamente, seu emprego não é possível na EF fala sério. Veja-se o diálogo abaixo:
(153) – Na história da humanidade, muitas lendas acabaram virando personagens de fé...
Fala sério... quer dizer que o capeta do Vilarinho pode virar um símbolo de fé?
(revista) (*fala seriamente)
Outro caso de elemento adverbial que apresenta um comportamento idiossincrático é o
da expressão tão logo, exemplificada abaixo:
(154) Ela é uma megera de desenho animado: tão logo apronta alguma, leva uma bordoada.
(revista)
O conjunto o logo se comporta no seu todo como uma conjunção, conectando duas orações,
o que configura um comportamento único, diferente de outras construções onde aparece tão +
advérbio (como tão freqüentemente, tão constantemente, tão tarde, etc).
316
Outra estrutura adverbial interessante aparece na expressão ato contínuo: a EF tem a
estrutura de um SN, mas a função é de um complemento temporal:
(155) Renato Augusto sofreu a falta e, ato contínuo, foi cobrar. (TV)
Outra observação quanto ao comportamento dos adverbiais nas EFs refere-se à sua
posição na sentença. Em português, o sintagma adverbial indicativo de lugar pode ser exigido
em certas diáteses, mas a ordenação do complemento pode variar sem mudança de significado
do verbo. Por exemplo, no caso abaixo o complemento locativo pode variar dentro da
sentença, indo para uma posição posposta ao verbo ou então anteposta ao verbo, como numa
construção topicalizada:
(156) Nós vamos ao supermercado todo mês. / Ao supermercado, nós vamos todo mês.
Algumas EFs podem ter um comportamento diferente, uma vez que a mudança de
posição do complemento adverbial dêitico pode implicar em mudança de sentido da sentença.
Veja-se por exemplo o que acontece abaixo:
(157) Aí vamos nós! Nós vamos aí!
No primeiro caso (vamos nós) a EF tem sentido incoativo, e indica o início de uma
ação. Não se refere propriamente à ida a algum lugar, mas ao início de uma ação, seja ela de
correr, viajar, etc, ou mesmo ações que não indicam deslocamento espacial, como abrir uma
firma, começar uma tarefa, etc. Na EF o complemento tem posição fixa e não pode ser
posposto. Quando o complemento aparece posposto (como em nós vamos ) o verbo se
refere necessariamente a um deslocamento espacial e o complemento tem sentido locativo.
Vê-se assim que o dêitico adverbial pode ter uma posição definida na estrutura, sem
possibilidade de movimentação, diferentemente do que acontece com outros sintagmas
adverbiais em estruturas composicionais. Outras expressões que se comportam de maneira
semelhante são lá se vai (indicadora de perda) e lá vai (indicadora de emissão).
317
6.16 Preposição
Sabe-se que as preposições antecedem nomes e, junto com eles, formam sintagmas
preposicionais com função adverbial ou adjetiva. Assim, espera-se que depois de uma
preposição apareça um SN. No entanto, em casos de EFs fica pouco claro se o que vem depois
da preposição é um SN ou não – e se não, a qual classe pertenceria a palavra. Por exemplo,
expressões como em breve, em rama, em voga, com vistas a, de fasto, de agora em diante, de
mais a mais, de per si, de cor, de araque, de afogadilho, de antemão, de repente, de trás para
frente, a contento, a granel, a bem dizer, a esmo, para fora e muitas outras, onde é imprecisa
a classificação do elemento (ou elementos) que vem depois da preposição, uma vez que o
trecho posterior não tem comportamento típico da classe dos SNs:
a) Não é admissível a presença de nenhum tipo de determinante nem de nenhum
modificador, nem é permitida a mudança de número.
b) No caso de possível SN oracional (como seria de se supor em de amargar, a saber
ou em que pese), não é possível expandir a oração incluindo os complementos que
participam da valência típica desses verbos.
c) Como vimos, um grande número de EFs iniciadas por preposição e seguidas
de uma palavra que não é empregada independentemente na língua, ou seja, só é usada
dentro do conjunto da EF; por exemplo: não existe *beça (à beça), *toa (à toa),
*pandarecos (em pandarecos), *riste (em riste) ou *lambuja (de lambuja). Uma vez
que tais palavras não existem independentemente da expressão, não são passíveis de
flexão de gênero e número nem podem ser núcleo de sintagma nominal, torna-se
impossível caracterizá-las como nomes, uma vez que não apresentam esses traços
típicos da classe.
d) Em outros casos (como a sós, a mais, para tanto, em cheio, em comum, em aberto,
em julgado e outros) a palavra que segue a preposição pertence a outras classes
gramaticais quando em sintagmas construídos, e fora das EFs não são nomes.
Com relação aos termos gramaticais que seguem as preposições, encontramos
diferentes tipos dentre as EFs, como se vê nos exemplos abaixo:
a) outras preposições ex: por entre, em off e para com como em Ele foi caridoso
para com os pobres, onde depois da preposição para aparece outra preposição;
318
b) qualificativos ex: em aberto, em suspenso, a descoberto, a nu, por baixo, por
extenso;
c) intensificadores – ex: a mais, para mais de, sem mais nem menos, até mais;
d) numerais – ex: a mil, a três por dois, a zero, por cento;
e) verbos – ex: a não ser, por + V [infinitivo] (como em por fazer, por decidir);
f) pré-determinantes – ex: a toda;
g) advérbios – ex: por detrás, por fora, para fora, por ora, por perto;
h) advérbios anafóricos – ex: fazer por onde;
i) advérbio exofórico (dêitico) – ex: para ontem;
j) conjunções – ex: por enquanto, sem quê nem porquê, de vez em quando.
Em outros casos de EFs iniciadas por preposição aparece um determinante
(geralmente um artigo definido), que é o único traço que a palavra que segue a preposição
compartilha com a classe dos nominais. São exemplos desse caso as expressões (estar) ao
corrente, ao derredor, ao invés de, no entanto, ao redor, ao longo de, na certa, na maciota,
na rabeira, no afogadilho, com o fito de, à baila, à deriva, à guisa de, à mercê, à míngua, à
paisana, à revelia, à la, à toa, para o beleléu . Em casos de EFs como essas, as palavras que
aparecem depois da preposição não podem ocorrer dentro de SNs, não sofrem variação
morfológica e não indicam um referente. Apesar de partilharem um traço da classe dos
nominais que é o fato de serem precedidos de determinante –, não apresentam nenhum dos
outros traços característicos da classe.
Também internamente a EFs de outras classes, mas que incluem um SPrep, detecta-se
o mesmo fenômeno, como na expressão é pra , onde a preposição precede a palavra , que
não é um nome. Veja-se por exemplo o diálogo abaixo:
(158) – Vamos ver se você tem essa expressão?
É pra já.
Um caso adicional é o da construção em cima, onde aparece a preposição em seguida
de cima mas cima não é um nome, e nem mesmo é uma palavra independente na língua. É
interessante que o oposto dessa expressão é embaixo, com a palavra embaixo grafada numa
forma única, apesar de a palavra baixo existir independentemente. nesse caso uma espécie
de contradição gráfica, de forma que podemos considerar o caso de em cima como uma
espécie de idiossincrasia ortográfica.
319
Outra característica idiossincrática das preposições usadas em EFs refere-se ao
estabelecimento de relações semânticas diferentes das usadas sincronicamente. Por exemplo,
em construções com a preposição de, como em amor de mãe, o elemento posterior à
preposição indica o agente (ou, segundo outra análise, o experienciador): um sintagma como
amor de mãe refere-se ao amor materno, ou seja, ao amor que a mãe devota ao filho. No
entanto, na expressão pelo amor de Deus o agente (/experienciador) do nome amor não é
Deus, e sim o interlocutor o que se pode comprovar pela variante paralela pelo amor que
você tem a Deus, com mesmo significado (onde quem ama” é “você”). Essa mudança de
papéis temáticos do nome amor seguido da preposição de provavelmente remete a um fato
diacrônico, uma vez que se encontra amor de + paciente em versos de Camões
23
, mas não em
outras construções contemporâneas. Provavelmente a expressão pelo amor de Deus reflete
uma valência arcaica, cristalizada nessa EF. Uma observação interessante é o fato de o falante
não perceber a mudança dos papéis temáticos na expressão cristalizada, contrariando a
valência codificada para a palavra amor. Novamente tem-se um indício de que as EFs são
memorizadas em bloco, e portanto o conhecimento da língua possuído pelo falante inclui dois
sistemas paralelos: (a) um sistema computacional gerador de seqüências novas, a partir de um
algoritmo lingüístico, e (b) uma listagem de seqüências memorizadas, não composicionais e
repetidas em bloco, seqüências essas que não necessariamente se conformam ao sistema
gerador (a) ou seja, constituem um sistema independente de (a), mas que igualmente está
presente na língua.
6.17 Conectivos
Vamos examinar aqui o caso do conectivo que, presente na EF será que, como na
sentença Será que ele vai voltar? Normalmente o verbo ser não admite oração subordinada
introduzida por que, mas no caso da EF será que isso acontece. Outras observações relativas a
será que são as seguintes:
23
Versos de Camões: “Vereis amor da tria, não movido / de prêmio vil, mas alto e quase eterno” (Os
Lusíadas Canto I). Na construção “amor da pátria”, que atualmente seria “amor à pátria” ou “amor pela pátria”,
aparece a preposição de seguida do paciente.
320
a) será que indica dúvida, mas outros tempos do verbo ser geralmente não
indicam dúvida ou seja, a semântica da expressão será que não inclui o
significado típico do verbo ser
24
;
b) nessa expressão o verbo ser não pode variar em tempo, nem em número, nem
em pessoa: só pode vir na forma será;
c) o fato de será não poder variar em número e pessoa poderia ser explicado se a
oração que vem depois de será fosse considerada sujeito (e assim o verbo
poderia estar mesmo na 3
a
pessoa do singular); porém, nesse caso faltaria o
predicativo. Em será que ele vai voltar?, por exemplo, um complemento
(ele vai voltar), mas o verbo ser rege dois argumentos. Seja qual for a função
da oração (no exemplo acima, essa oração é ele vai voltar), essa EF não
apresenta um dos complementos típicos do verbo ser.
Uma situação diferente acontece com a EF quem sabe, que aparece em sentenças
como Quem sabe o João ainda vem?. Como vimos acima, no caso de será que aparece o
conectivo que não esperado. E no caso de quem sabe, por outro lado, desaparece o conectivo
esperado. Em construções com a expressão quem sabe não é obrigatório o uso de um dos
complementizadores que ou se, que geralmente são exigidos em todas as construções que
incluem o verbo saber antes de oração subordinada, como se vê em O Zé sabe que o João não
vem. / Quero saber se alguém sabe se o João vem. Com a EF quem sabe pode-se usar que e
se, mas também pode-se não usar nenhum conectivo.
(159) (a) Quem sabe que ele ainda chega hoje...
(b) Quem sabe se ele ainda chega hoje...
(c) Quem sabe
ele ainda chega hoje...
Depois de quem sabe aparece uma oração objetiva direta, e normalmente não se tem
uma oração com a função de objeto direto sem conectivo. A expressão quem sabe funciona
como um modalizador que pode inclusive ser deslocado:
(160) Ele ainda chega hoje, quem sabe...
24
Uma observação interessante é que também em italiano o futuro pode ser empregado para indicar suposição ou
dúvida em casos como: Che cosa farà ora? (O que será que ele está fazendo agora?), “Dove sarà?” (Onde será
que ele está?) e Che ore saranno?(Quantas horas devem ser?). A pergunta que se faz é a seguinte: será que
em latim o futuro indicava dúvida e isso passou para o português e para o italiano em construções diferentes?
321
Mas se quem sabe não é EF, o conectivo é obrigatório antes de oração não reduzida:
(161) Já descobri quem sabe se o Edmar vai na festa da Cristina.
* Já descobri quem sabe
o Edmar vai na festa da Cristina.
Outro caso a comentar é o do conectivo com que, que aparece exclusivamente na EF
fazer com que: fazer é o único verbo com o qual se pode usar com que logo depois do verbo,
como se pela impossibilidade de seqüências como *dizer com que / *ser com que / *estar
com que / *colocar com que, etc.
(162) É bem verdade que a astúcia do bom político faz com que ele veja além das brumas de
uma simples e esperada eleição municipal. (revista)
Com esses exemplos comprova-se mais uma vez que nas EFs pode haver subversão
não na semântica dos itens léxicos que compõem a EF, mas também na forma sintática, ou
seja, as EFs apresentam idiomaticidade também na parte estrutural da expressão.
6.18 Considerações semântico-cognitivas : quebra de expectativas
Às vezes uma expressão fixa significa exatamente o oposto do que significaria se
computássemos cada palavra isoladamente. Em algumas EFs o significado literal é
completamente subvertido, a tal ponto que o significado do grupo chega a ser o oposto
daquele que se poderia esperar a partir da computação dos itens léxicos envolvidos. Esse tipo
de EF evidencia de forma clara e patente que, em muitos casos de EFs, o significado não pode
ser deduzido por quem não conhece o significado convencionado pela língua, mesmo se são
ativadas racionalmente atividades de inferência conscientes e intencionais. uma inversão
da expectativa, o que comprova a impossibilidade da dedução do significado dessas EFs
através de mecanismos inferenciais, quebrando qualquer tipo de expectativa que pudesse ser
gerada pelo “falante ingênuo”
25
25
Para uma caracterização do significado de “falante ingênuo”, veja-se a seção 1.4.
322
No quadro 14 a seguir, são apresentados exemplos de EFs que têm o significado
diferente do esperado e às vezes oposto ao esperado se fosse computado o significado de
cada item léxico que toma parte do grupo (veja-se o complemento desse quadro, com mais
outros exemplos, no apêndice 12).
323
QUADRO 14
EFs cujo significado não é o esperado – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa Exemplo de uso
(contextualização)
Observações
01
para cima e para
baixo
Ela anda de carro pra cima e pra
baixo, mas não tem carteira. (TV)
Significado: [1] “sem parar” / [2]
“em todas as direções, em todos os
lugares”. Não há nenhuma
indicação de direção vertical,
apesar do uso de palavras
indicadoras da dimensão de
verticalidade.
02
a essa altura do
campeonato /
a essas alturas
O método científico tem sido
descrito inúmeras vezes, e não é
possível, a estas alturas, dizer
nada de novo sobre o mesmo.
(livro)
Significado: “agora, atualmente”.
Não tem nada a ver com dimensão
espacial ou indicação de tamanho.
03
pra variar O é um aluno excelente. O
trabalho dele, pra variar, está
ótimo.
Significado: pra variar não indica
variação ao contrário, indica
manutenção da mesma postura.
04
agorinha mesmo Volto agorinha mesmo. /
Ele estava aqui agorinha mesmo!
Significado: “daqui a pouco” ou
“há pouco tempo atrás”. A EF
indica futuro ou passado, e não o
presente, o que seria de se esperar
pela presença da palavra agora.
Agora é presente, mas a expressão
refere-se a qualquer tempo, menos
ao presente.
05
sem tamanho Isso não é possível! É um absurdo
sem tamanho a exigência deles.
A EF não indica algo desprovido de
tamanho mas, ao contrário, refere-
se a algo enorme. E apesar do uso
da palavra tamanho, a EF não faz
referência a um tamanho métrico.
06
pois não Alfredo!
Pois não.
– Pega as malas pra mim.
Pois não.
Significados: [1] “o que você
quer?”, isto é, indicação de
solicitude / [2] “sim, é claro”.
07
dar sorte
dar azar
Acho que você deu sorte de
arrumar esse emprego. (TV) /
Você chegou tarde, deu azar.
Significado: “ter sorte ter azar” . O
sujeito da EF é pacientivo, ao
contrário do significado esperado
para o verbo dar, que tem sujeito
agentivo.
08
em boca fechada
não entra
mosquito. /
em boca fechada
não entra mosca
É melhor ser discreto. Em boca
fechada não entra mosquito.
Significado: quer dizer que de uma
boca fechada não saem bobagens
o sintagma entrar mosquito usado
na expressão refere-se às coisas
que saem da boca.
09
entrar bem Naquele concurso o Fe entrou
bem, porque não sabia nada de
direito.
Significado: “entrar pelo cano”.
Apesar de a EF incluir a palavra
bem, o significado do grupo é o
oposto: “dar-se mal”.
10
escapar de uma
boa / escapar de
boa
Comparar com
O cobrador esteve esperando
até agorinha mesmo por você.
Você escapou de uma boa!
Significado: “escapar de uma
situação ruim, perigosa ou
inconveniente”. Pela lógica, se é
positivo a pessoa escapar de uma
boa, conclui-se que uma boa deve
324
estar numa boa se referir a uma coisa ruim. No
entanto, o significado de outra EF,
estar numa boa, não é “estar numa
situação ruim” mas, ao contrário,
indica estar numa situação
confortável”. Vê-se que, nas EFs,
nem sempre uma boa indica algo
ruim.
11
um sem número Eu falei a mesma coisa pra ela
um sem número de vezes, mas
ela não aceita (ou não quer
aceitar).
Significado: “incontáveis, inúmeras
vezes” ou seja, fala-se de um
número grande, e não de algo sem
número.
Em vários casos citados no quadro 13 observa-se que a ironia faz parte do significado
da expressão como em pra variar, escapar de uma boa, sem tamanho e poucas e boas. A
ironia é um artifício lingüístico, mas em sintagmas não-fixos a conotação irônica tem de ser
construída pelo ouvinte, a partir das informações presentes no texto e do conhecimento prévio
do interlocutor. A ironia é uma propriedade dependente da pragmática, exceto nesses casos de
EFs em que a ironia está codificada na expressão e faz parte do significado memorizado
para a seqüência.
Há casos ainda de expressões de estrutura muito parecida com significado muito
diferente. É o que acontece com o par eu, hem?! / você, hem?!, onde a mudança dos pronomes
acarreta grande diferença semântica. No primeiro caso (eu, hem?!) o falante indica estranheza
relativamente a um fato visto ou relatado, ou indica a sua negativa frente a uma solicitação. E
no segundo caso (você, hem?!) o falante indica que descobriu algo a respeito do interlocutor,
ou que o interlocutor o decepcionou:
(163) Eu, hem?! Botar meu nesse rolo? (TV fala de jogador de futebol que não disputou
uma jogada)
(164) Você, hem?! Eu pensando que podia confiar em você e você me apronta uma dessa!
Vimos nesta seção que o significado das EFs pode se distanciar e até mesmo se opor
ao significado esperado ao se considerar a semântica individual de cada item que compõe a
EF. Isso reforça um traço importante da classe dos idiomatismos, que é a característica da
idiossincrasia semântica.
325
6.19 A ordem das palavras
6.19.1 A ordem das palavras no SN
Formas como cirurgião-dentista são desviantes do padrão estrutural do português, no
sentido de que não respeitam a condição de “restritividade crescente” na ordenação dos
modificadores dentro do SN. Essa norma reza que um modificador mais restritivo tem de
necessariamente aparecer depois de um item menos restritivo (PERINI et al., 1996). Um
exemplo em que se verifica a atuação da condição de restritividade crescente é apresentado
pelo SN (não idiomático) escola pública estadual, onde o item de significado mais abrangente
(escola) vem em primeiro lugar, sendo seguido de um modificador (pública) que restringe o
conjunto denotado das escolas, que por sua vez é seguido do elemento mais restritivo
(estadual), que restringe o grupo anterior escola pública. Na expressão cirurgião-dentista, por
outro lado, a ordem dos termos não apresenta a hierarquia determinada pela condição de
restritividade crescente, uma vez que cirurgião-dentista é um tipo de dentista, e portanto o
termo mais à esquerda (cirurgião) é mais restritivo do que o item que vem a seguir, ou seja,
dentista.
Outra questão: tome-se a EF o que V + de N + O, que se vê em sentenças como
(165) O que tem de holandês nesse time não está no gibi.
(166) O que eu comi de camarão em Florianópolis você nem imagina.
Nesses exemplos aparece a estrutura [o que + de N] que funciona ora como sujeito,
ora como objeto direto – que aparece interrompida pelo verbo. Por exemplo, na sentença
326
(167) O que apareceu de pernilongo ontem foi uma barbaridade.
o sujeito de apareceu é [o que ... de pernilongo], sendo que o verbo aparece no meio desse
sujeito (na posição das reticências).
Essa ordem de palavras no SN é inusitada. A interrupção constitui um caso raro,
porque um sujeito dividido pelo verbo, com uma parte à esquerda e outra parte à direita do
verbo, não ocorre freqüentemente. Eventualmente é possível a ocorrência de sujeito
interrompido, como no exemplo a quantidade que apareceu de pernilongo foi uma
barbaridade, onde o sujeito é a quantidade de pernilongo. Observe-se, no entanto, que nesse
último exemplo a ordem das palavras é diferente: o sujeito pode ser dividido (a quantidade
que apareceu de pernilongo...) ou pode ser integrado (a quantidade de pernilongo que
apareceu...). O que não ocorre normalmente, mas ocorre na EF, é a preferência
26
pela divisão
do SN (veja-se: o que apareceu de pernilongo x ?o que de pernilongo apareceu).
Outra expressão em que há violação da ordem esperada das palavras no SN é desgraça
pouca é bobagem: nesse caso a palavra pouca aparece em posição pós-nuclear, quando em
sintagmas construídos o quantificador pouco tem posição obrigatória antes do núcleo do SN
(como em poucos dias x *dias poucos).
Com relação aos qualificativos, encontramos nas EFs exemplos em que um
qualificativo aparece em posição anteposta fixa, diferentemente do que ocorre em sintagmas
construídos, onde a posição do mesmo qualificativo é variável ou posposta ao núcleo do
sintagma. Casos como esses ocorrem por exemplo nas seguintes EFs: atesto para os devidos
fins (*para os fins devidos), em larga escala (*em escala larga) e longa-metragem
(*metragem-longa).
6.19.2 A ordem dos termos na oração
Em algumas expressões, e sobretudo em provérbios, a ordem canônica SVO não é
seguida, e ocasionalmente o sujeito é obrigatoriamente posposto (como em mal sabem eles),
26
Fala-se em “preferência” pela divisão do SN sujeito porque nesse caso o julgamento dos falantes não é
totalmente uniforme: há quem aceite a estrutura ?o que de pernilongo apareceu, embora outros falantes a
rejeitem.
327
ou o complemento é obrigatoriamente anteposto ao verbo (como em Filho de peixe peixinho
é. / O futuro a Deus pertence). Tem-se outro caso estruturalmente irregular na fórmula a
quem interessar possa, usada para iniciar uma declaração com destinatário em aberto, onde
ocorre a posposição do auxiliar:
(168) A quem interessar possa: é de 150 000 dólares o valor da diária de Gisele Bündchen
ou seja, a sua simples presença num evento, não incluindo desfile na passarela. (revista)
A posposição do auxiliar modal é inexistente no português contemporâneo a ordem
é [auxiliar + verbo principal] (como em eu posso trabalhar), e a inversão dessa ordem implica
sintagmas não aceitáveis (como *eu trabalhar posso).
Também o sujeito, que normalmente aparece antes do verbo, pode ter a sua posição
subvertida, sobretudo em casos de construção ergativa. Por exemplo, na EF a ficha cair, o
sujeito a ficha no mais das vezes aparece depois do verbo:
(169) É preciso políticas públicas contra a violência. Mas isso não caiu a ficha no governo
federal. (entrevista no rádio)
(170) Foi uma gargalhada só – caíra a ficha. (revista)
Outro caso refere-se às perguntas chamadas WH question, que são iniciadas pelo
elemento WH (quem, o que, quando, como, etc). Na ordem canônica do português,
interrogativas desse tipo são seguidas pelo SV (como em O que ele disse? / Quando ele
chegou?), e na interrogação com o que é possível a posposição do elemento WH interrogado
(Ele disse o quê?). Por outro lado, na EF fazer o quê? (indicativa de resignação) a posposição
do elemento WH é a forma usual, e a ordem canônica não é empregada comumente, ou seja, o
interrogativo WH não transita para a posição de início de sentença.
(171) Costumo dizer que meu anjo da guarda deve estar exausto. Fazer o quê? Não tenho
culpa de essas coisas acontecerem. (crônica – jornal)
A inversão da ordem nesse caso, com a apresentação do WH em posição final, tem a
capacidade de mudar o sentido da construção o que fazer?, o que não acontece em outros
casos de posposição de WH. A sentença o que fazer? pode ser interpretada como uma
pergunta que pede resposta sobre o objeto; a EF fazer o quê?, por outro lado, não é uma
328
pergunta sobre o objeto: indica uma atitude de conformidade do falante diante de uma
situação considerada sem solução. Na EF fazer o quê? a ordem mais comum é SV-WH,
diferentemente do que acontece em outros casos de WH question.
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*
Concluímos a partir dos exemplos aqui apresentados que as expressões fixas
apresentam idiossincrasias não só lexicais e semânticas, mas também sintáticas, que em
muitos aspectos infringem os parâmetros que funcionam na composição dos sintagmas da
língua. Essas idiossincrasias apontam para o fato de que, se tais expressões fossem
computadas pelos usuários e compreendidas composicionalmente, muitas delas deveriam ser
marcadas como mal formadas, e portanto deveriam ser rejeitadas. Como tal fato não acontece
e, ao contrário, as expressões fixas são largamente usadas em todos os registros lingüísticos,
temos uma forte evidência de que as EFs não são composicionais ao contrário, são tomadas
pelos falantes como blocos unitários e indecomponíveis, presentes na sua forma integral na
memória lexical dos falantes.
329
7 Testes auxiliares para a detecção de EFs
Como se detecta uma expressão fixa? Quais são os traços que identificam uma EF e
permitem que o pesquisador saiba que tal grupo é memorizado, e não uma estrutura
composicional? Às vezes dúvida com relação à classificação de um grupo como EF ou
como um sintagma construído, e nem sempre é nítida a identificação de um grupo idiomático.
Por isso é útil o estabelecimento de testes que aplicam critérios de seleção e assim operam
como um instrumental de avaliação que ajuda a identificar se o grupo léxico constitui uma
expressão fixa. Tendo em vista as idiomaticidades apresentadas nas seções anteriores, é
possível formular testes que atuam como mecanismos que revelam traços da classe e assim
colaboram na detecção das EFs. É o que veremos a seguir.
A testagem constitui somente um indicativo e um instrumento de auxílio para o exame
das construções, na tentativa de isolar aquelas de caráter idiomático das construções regulares
da língua. Nesse sentido, os testes (como acontece em geral com os procedimentos
lingüísticos de laboratório) fornecem indicações, não sendo decisivos. O não
enquadramento de uma seqüência em algum dos testes mencionados não a desqualifica como
EF, mas simplesmente aponta para uma característica que deve ser analisada no conjunto dos
traços do grupo. Aliás, o mesmo acontece para todas as palavras da língua: as classes são
prototípicas e definidas por conjuntos de traços, e as palavras podem se aproximar mais ou
menos desse protótipo, de forma que nem sempre apresentam integralmente todos os traços da
classe.
Vale lembrar que a categoria das EFs não é uma classe rígida, com limites nitidamente
marcados e estanques, nem com membros todos com o mesmo grau de encaixamento no
grupo das EFs. Ao contrário, trata-se de uma classe com contornos não categóricos, e portanto
seus componentes se conformam diferentemente aos traços da classe; isto é, cada expressão
pode ser mais típica ou menos típica, dependendo do número de traços da classe revelados por
cada uma.
330
7.1 Teste da independência dos componentes da expressão
O caso mais seguro e inequívoco na classificação de um grupo como idiomático se
ao constatar que uma palavra do conjunto não é autônoma e não pode ser usada em outra
construção (como visto na seção 4.3.1). Isto quer dizer que, se um dos elementos do grupo é
inexistente fora da expressão, logo é dependente do conjunto e forma com as demais palavras
uma EF. O teste consiste então em verificar se algum item da seqüência não é totalmente livre
e não pode ser usado fora da expressão.
Algumas palavras que hoje em dia existem dentro da EF são apresentadas nos
dicionários tradicionais como entradas de verbete. Por exemplo: a palavra crivo, usada
contemporaneamente na expressão passar pelo crivo [de alguém], é registrada
independentemente no dicionário Aurélio (2004) com o significado de “peneira, coador”, mas
esse significado não é mais utilizado na língua; a palavra condão, usada em varinha de
condão, aparece no Aurélio com o significado de “virtude especial, dom”, mas sentenças
como Aquela moça tem o condão de agradar (apresentada no dicionário para a
contextualização da entrada) não são comuns no português contemporâneo; a palavra ledo,
encontrada na expressão ledo engano, é registrada como um verbete independente com o
significado de “risonho, contente, alegre”, mas essa forma com essa acepção não é usada no
português brasileiro atual. A expressão ledo engano faz parte do vocabulário freqüente, do
conhecimento do falante comum, mas a palavra ledo, isoladamente, não ocorre na língua
coloquial. Algumas palavras, ainda, podem aparecer fora da expressão, mas com significado
específico não relacionado com a expressão. Por exemplo, a palavra petição, que aparece na
EF em petição de miséria, também pode ser usada no contexto jurídico como um termo
técnico pertencente à nomenclatura da área, mas não é um termo que faz parte do léxico
coloquial.
Provavelmente, em algum momento histórico tais palavras podem ter existido
independentemente, mas não hoje em dia. Do ponto de vista sincrônico, palavras como prol,
triz e beça, por exemplo, existem dentro da EF, uma vez que não entram na construção de
outros sintagmas. Assim, construções que apresentam termos que não têm independência do
grupo e não podem ser descolados da estrutura na qual se encontram evidenciam a
idiomaticidade do grupo.
331
7.2 Teste da referência
Como visto na seção 6.2, nem sempre os nomes que aparecem nas expressões fixas
evocam referentes na mente dos ouvintes. Um exemplo desse caso é aos trancos e barrancos:
a palavra barranco (que significa “desfiladeiro, morro”) não tem seu referente ativado quando
está dentro dessa expressão, mesmo porque seu potencial semântico não permite estabelecer
nenhuma relação lógica com o significado da EF aos trancos e barrancos. Também em amigo
da onça não se faz referência a uma onça, dar bode não faz lembrar do bode como um meio
para compor o significado da seqüência, e estar com a avó atrás do toco não evoca nem a avó
nem o toco.
O teste da referência consiste então no seguinte procedimento analítico: dado um
determinado sintagma, verificar se os nomes e SNs internos ao grupo evocam referentes
dentro dessa construção. Se encontramos um nome que não remete a um referente nesse
contexto, isto é, cuja menção não evoca um referente na mente do ouvinte (nem referencial
nem atributivo), há forte indício de que a seqüência seja uma EF.
Gross (1996, p. 13) chama essa característica de “não-atualização dos elementos”.
Trata-se da não ativação do referente dos itens que compõem a EF. É um traço típico nas
expressões não-literais, importante no sentido de demonstrar que o arquivamento das EFs é
processado como uma única unidade conceptual.
Como visto na seção 4.2, é possível promover alterações propositais sobre as EFs em
contexto. Quando isso acontece, muitas vezes ocorre a violação da característica da “não-
atualização dos elementos”, e a EF é manipulada de modo a ativar a referência de nomes que
estão dentro da EF. Esse procedimento, provocado intencionalmente pelo falante, é um efeito
largamente usado na mídia e na propaganda, porque causa impacto no enunciatário ao quebrar
expectativas. Não se espera a ativação de um referente dentro da EF; se isso é feito de
propósito, tal atitude foge aos padrões esperados e assim causa impacto pela quebra da
convenção.
Vejamos dois exemplos reais em que as EFs são manipuladas de forma a evocar o
referente de nomes internos à expressão. O primeiro foi colhido numa revista (Veja, edição
1952, 19/4/2006):
332
(1) Marta Suplicy está a um passo de jogar a toalha – de linho, naturalmente.
Aqui é feito um jogo com o sentido da EF jogar a toalha, que tem o significado de
“desistir, abandonar”. Ao lado do significado da EF como um todo é também ativado o
significado literal composicional, através da adição do modificador de linho, que tem como
único escopo a palavra toalha (e não toda a expressão). A EF não é atingida pelo modificador
e justamente por isso a palavra atingida é isolada do conjunto; com essa estratégia, o seu
referente é ativado. Dessa forma, o sentido evocado no texto é bipartido, sendo que uma única
construção remete a dois significados: (a) o significado idiomático do grupo constituído como
unidade (isto é, a EF jogar a toalha, como um todo, no sentido de “desistir”) e (b) o
significado composicional da construção regular, constituído pela soma de cada elemento do
sintagma. Essa manipulação da EF original cria um efeito estilístico nesse caso sugerindo
ironia –, que leva ao humor e cria interesse do leitor pelo texto. Se um dos dois significados
não é ativado, perde-se o jogo de palavras e o efeito estilístico pretendido.
O segundo exemplo, colhido num anúncio publicitário na TV, tem como tópico um
alerta contra acidentes com barcos a motor perto de banhistas:
(2) Não deixe que a alegria de alguém morra na praia.
A publicidade se utiliza da expressão morrer na praia (que tem o significado de “ter
insucesso no final, não conseguir algo que se estava prestes a alcançar”). O tópico discursivo
liga-se além disso ao significado composicional da seqüência. Essa ligação gera um efeito tal
que provoca a quebra da compreensão automática, irrefletida, e leva a um raciocínio
consciente para a integração da expressão na lógica argumentativa. A tentativa de montagem
do jogo de palavras faz ativar paralelamente o significado literal e o referente dos integrantes
do sintagma, além do significado idiomático.
no uso corriqueiro de uma EF, o referente de elementos internos à EF não é ativado
para se chegar ao significado do grupo idiomático. Como comentado anteriormente, a EF e
seu significado são armazenados em bloco na memória, e nem o falante nem o ouvinte
processam a EF item por item durante o enunciado mesmo porque, em muitos casos, tal
procedimento se revelaria inócuo. Como enfatiza Maurice Gross (1982, p. 152) a respeito das
333
expressões fixas, é tradicional “a observação intuitiva bem conhecida de que ‘o significado
das palavras não permite interpretar sua combinação’ ”
1
.
Quando ocorre a ativação de referentes que normalmente não são “atualizados” (nos
dizeres de Gross), o ouvinte percebe a necessidade de quebra da atividade normal de
compreensão, percebe a intenção do falante de provocar essa ruptura por algum motivo
voluntário e procura objetivamente e conscientemente uma relação que justifique a evocação
de um referente que normalmente não é ativado. Vê-se assim que a estrutura e a interpretação
do grupo que forma uma EF podem ser manipuladas intencionalmente pelo enunciador, com o
objetivo de gerar uma transgressão e provocar determinado efeito estilístico.
7.3 Teste da substituição anafórica pronominal
Em muitos casos é impossível substituir um dos elementos internos da EF por um
clítico, como visto na seção 6.7.3:
(3)
O Zezinho é estourado, vive fazendo tempestade em copo d’água.
É verdade. Ele faz tempestade em copo d’água por qualquer probleminha.
*Ele a faz por qualquer probleminha. (a = tempestade em copo d’água)
*Ele faz ela por qualquer probleminha. (ela = tempestade em copo d’água)
*Ele faz tempestade nele por qualquer probleminha. (ele = copo d’água)
Como comprovam esses exemplos, muitas vezes os nomes que compõem a EF não são
passíveis de substituição anafórica dentro da expressão. Esse fato é provavelmente decorrente
da não ativação referencial dos itens que integram a EF (mencionada na seção anterior 7.2). O
fato de a EF não ser montada composicionalmente implica a não necessidade de evocação dos
referentes dos nomes para a composição do significado do grupo. Como na maioria das
ocorrências a expressão completa evoca um significado, conseqüentemente a expressão
completa pode ser substituída por uma anáfora:
1
Texto original: “Le point de départ de l’étude est l’observation intuitive bien connue que ‘le sens des mots ne
permet pas d’interpréter leur combinaison’ ”.
334
(4) Aquele rapaz saiu ontem à noite e encheu a cara. Ele faz isso toda vez que sai com a
turma de amigos.
Temos na segunda sentença o uso do verbo-PRO fazer, que em português vem sempre
acompanhado de um pronome suporte
2
(no caso, isso), que retoma a expressão inteira encher
a cara. Nesse caso é feita a retomada de todo o grupo idiomático, e não de um item isolado
dentro da expressão por isso é possível a substituição anafórica. O que geralmente não
acontece é a retomada anafórica de um único nome incluído na expressão, isoladamente, ou
de um SN interno ao grupo idiomático.
A impossibilidade de substituição de um SN pleno por um elemento anafórico
pronominal, dentro da EF, comprova que é feita somente a evocação do significado do grupo.
Por exemplo, pode-se comprovar a idiomaticidade do grupo dar um fora (apesar da aparente
autonomia da palavra fora), pelo fato de o SN interno à EF não poder ser cliticizado (*eu dei
ele / *eu o dei). Além disso, a impossibilidade de substituição anafórica internamente à EF
comprova também a não atualização dos elementos componentes da EF, isto é, a não
evocação dos referentes dos nomes e SNs que integram as EFs. Em resumo, essa condição
aponta para a unidade do grupo do ponto de vista lexical.
O teste da substituição anafórica consiste então em verificar a possibilidade de
pronominalização de um complemento verbal; caso isso não seja possível, tem-se um
indicativo de que a seqüência constitui uma EF.
7.4 Sinonímia e possibilidade de substituição paradigmática
Um teste útil é a verificação da possibilidade de substituição paradigmática de itens
integrantes da EF por outros sinônimos ou de mesmo campo semântico. Como observa Gross
(1996, p. 17),
O eixo paradigmático traduz somente essa realidade das línguas que
estipula que em posição de argumento temos não unidades, mas classes de
palavras. [...] É possível trocar uma palavra tanto por uma outra da mesma
classe semântica quanto, numa hipótese mais restrita, por um sinônimo. [...]
2
A respeito do uso anafórico do verbo fazer veja-se Fulgêncio (1983, p. 17).
335
Observa-se que, em expressões fixas, essa possibilidade de substituição
por sinônimos é excluída.
3
Por sinonímia vamos adotar aqui a definição de Câmara Jr. (1968, p. 354):
Sinonímia – possibilidade de dois ou mais termos poderem ser empregados
um pelo outro sem prejuízo do que se pretende comunicar.
Crystal (1985, p. 240) também aponta para uma noção de sinonímia não radical, ou
seja, que não implica o recobrimento total do significado de dois itens:
Para que dois entes sejam sinônimos, não é necessário que suas
significações sejam idênticas, isto é, intercambiáveis, em todos os contextos
e com conotações idênticas este fato improvável às vezes é chamado de
“sinonímia total”.
No caso da substituibilidade paradigmática das EFs, a sinonímia é considerada como o
significado paralelo e semelhante de itens, dentro do mesmo campo semântico.
O que se observa no caso das EFs é que muitas vezes não se pode substituir uma
palavra por um sinônimo ou por uma paráfrase, isto é, não se pode trocar uma palavra da
expressão por outra semelhante: a expressão é fixa e rígida. Dessa forma, quando não é
possível a substituição de componentes do grupo por itens sinônimos ou por elementos da
mesma categoria conceitual, chega-se à conclusão que existe uma rigidez lexical que leva a
considerar o grupo uma EF. Veja-se:
fazer tempestade em copo d’água / * fazer toró em copo d’água, /* fazer tempestade
em xícara d’água;
cara de pau / *cara de madeira / *rosto de pau, etc.
Há expressões totalmente cristalizadas, rígidas, que não aceitam nenhum tipo de
substituição de elementos. É o caso de pão-de-ló, jogo de empurra, pra inglês ver, além do
mais, meter os pés pelas mãos e tantas outras. Em algumas expressões a rigidez é tanta que
não se pode nem mudar a pessoa do verbo. Por exemplo, na expressão Tarde piaste usa-se o
tratamento “tu”, que é inusitado em Minas, e nessa expressão é proibido trocar o “tu” por
3
Texto original: “L’axe paradigmatique ne traduit rien d’autre que cette réalité des langues qui veut qu’en
position d’arguments on ait affaire non à des unités mais à des classes de mots. [...] il est possible de remplacer
un mot soit par un autre de la même classe mantique soit, hypothèse plus restreinte, par un synonyme. [...]
Nous observons que, dans les suites figées, cette possibilité de substitution synonymique est exclue.”
336
“você” (*Tarde piou.). O mesmo acontece com ser cheio de não me toques, também
cristalizada na forma do “tu”. Outra expressão invariável com o verbo na segunda pessoa do
singular é Cala-te boca!. E ainda a expressão vamos lá! (que serve para incitar e
estimular), que não varia em modo nem no discurso indireto (*Ele disse para nós irmos .).
Assim, o teste da substituição é útil para distinguir estruturas construídas e estruturas
idiomáticas. É preciso estabelecer mecanismos que permitam isolar sintagmas como abaixo
da crítica e diferenciá-los de outros sintagmas que não são EFs, como abaixo da mesa. Um
teste que permite estabelecer essa distinção consiste em fazer substituições no grupo, isto é,
trocar as palavras do sintagma por outras de sentido semelhante, ou por outras que seriam
possíveis naquela construção de acordo com as regras da ngua. A pressuposição é a de que
as expressões fixas são mais rígidas e menos passíveis de alterações (tanto semânticas quanto
sintáticas). Mudanças de palavras são viáveis em sintagmas construídos, mas não são
admissíveis, na mesma medida, quando se trata de uma expressão fixa. Por exemplo: se
trocamos a palavra abaixo pela palavra debaixo na expressão abaixo da mesa produzimos
debaixo da mesa, que é um sintagma possível e gramatical a troca de uma palavra por outra
não afetou a aceitabilidade do grupo. O mesmo não acontece com abaixo da crítica: a
substituição gera *debaixo da crítica, que é inaceitável. A impossibilidade de substituição
indicaria que se trata de uma EF, uma vez que abaixo da crítica não aceita a substituição de
abaixo por debaixo.
Também a testagem com antônimos aponta que abaixo da crítica é uma EF, uma vez
que não admite o oposto *acima da crítica com o mesmo caráter intensificador: abaixo da
crítica significa “péssimo”, mas *acima da crítica não é usado no sentido de “ótimo”
4
.
A impossibilidade de substituição no caso de abaixo da crítica, comparativamente a
abaixo da mesa, poderia também ser atribuída ao fato de mesa ser um nome concreto,
diferentemente de crítica, sendo que debaixo só denotaria posição no espaço físico, ao
contrário de abaixo. Mas acontece que mesmo numa outra seqüência em que o SPrep inclui
um nome não concreto, os resultados são semelhantes: se tomarmos o sintagma abaixo do
exigido (não concreto), podemos produzir modificações gerando acima do exigido ou dentro
4
Sempre é possível criar neologismos ou usar o léxico em construções inusitadas assim, o uso de *acima da
crítica, que é certamente incomum, pode ser eventualmente produzido para a obtenção de um determinado efeito
de estilo, rompendo com o uso esperado. Mas precisamos distinguir o uso normal da língua do uso incomum, até
mesmo para podermos identificar onde aparecem os jogos de palavras dentro do discurso e podermos entender a
intenção comunicativa do falante. Nesse sentido é que se afirma que o sintagma *acima da crítica não tem o
mesmo status da EF abaixo da crítica: é percebido pelo ouvinte como uma construção inusitada, que foge ao uso
esperado (o que é comprovado pelo fato de não ter ocorrido em nenhum exemplo real de *acima da crítica na
coleta que serviu de base a esta pesquisa) ao contrário de abaixo da crítica, que é uma expressão cristalizada
de uso freqüente.
337
do exigido, que são estruturas perfeitamente aceitáveis. Mas, como vimos, não podemos dizer
*acima da crítica, nem tampouco *dentro da crítica. A diferença entre abaixo do exigido e
dentro do exigido é aquela que existe entre as palavras abaixo e dentro; mas a diferença entre
abaixo da crítica e *dentro da crítica não se reduz à diferença semântica dos itens
substituídos, uma vez que provoca a inaceitabilidade de todo o grupo. Isso mostra que abaixo
da crítica não é susceptível a substituições como outros sintagmas da língua – o que apontaria
para o fato de abaixo da crítica ser uma EF.
Poderia ser contra-argumentado que a impossibilidade da substituição abaixo da
crítica / *debaixo da crítica / *acima da crítica pode ser decorrente de fatores independentes
e que, em qualquer sintagma (construído ou fixo), nem sempre é possível substituir palavras
sem afetar a aceitabilidade do todo. Sendo assim, qualquer substituição, em qualquer grupo de
palavras, poderia produzir alterações que interfeririam na boa formação do sintagma. Esse é
realmente um fator relevante a se considerar, e alerta para o fato de que nenhum teste é cabal.
O mesmo procedimento de substituição pode ser aplicado também a outras expressões
idiomáticas, com o mesmo resultado. Se substituímos certas palavras que compõem as
expressões idiomáticas, geramos sintagmas bem formados de acordo com as regras
gramaticais, mas inaceitáveis de acordo com as regras de uso. Nos casos a seguir, a
substituição por sinônimos, paráfrases ou itens de mesmo campo semântico gera seqüências
gramaticalmente adequadas e semanticamente anômalas, sugerindo que o grupo é uma EF:
-
sabe como é que é / sabe como é ex.: A vida, você sabe como é que é, é difícil mesmo. (*conhece
como é que é / *está informado de como é)
- é agora ou nunca – ex.: Resolve logo, o que é que você vai fazer? É agora ou nunca, anda logo. (*é
já ou nunca; *é neste momento ou nunca)
- água potável (*Coca Cola potável”; “*o vinho está estragado, não está potávela única coisa que
pode ser “potável” é água)
- carro de boi (*carroça de boi / *veículo de boi)
- aconteça o que acontecer / haja o que houver ex.: Eu vou tirar férias no final do ano, aconteça o
que acontecer. (*ocorra o que ocorrer)
- até prova em contrário (*até prova em oposto)
Outro caso em que a não substituibilidade decorre do caráter idiomático é
exemplificado pela expressão fazer falta: no sentido usado no futebol não é uma EF, o que é
evidenciado pela possibilidade de substituição (cometer falta, marcar falta, fazer uma
penalidade). Já no sentido de “ser necessário” não há possibilidade de substituição dos
338
elementos que compõem o grupo, o que apresenta um traço de cristalização e indica tratar-se
de uma EF.
(5)
Fico chateada de você se desligar do projeto. Você vai fazer falta.
Também a impossibilidade de substituição por paráfrases pode evidenciar a
idiomaticidade do grupo. Por exemplo, vamos tomar a expressão calar a boca: o item calar
pode ser parafraseado por “não falar”, ou “parar de falar” pode-se dizer ele calou ou ele
parou de falar; mas no lugar de cala a boca! não se pode dizer *pare de falar a boca!. A
impossibilidade de substituição evidencia a diátese especial do verbo calar na construção
calar a boca, e conseqüentemente o caráter idiomático da expressão.
Como assinala McMordie (1972, apud Fernando, 1996, p. 9),
De forma geral, uma expressão idiomática não pode ser alterada; nenhuma
palavra sinônima pode substituir uma palavra da frase, e a ordem das
palavras raramente pode ser modificada.
5
Vê-se que não existe uma relação semântica paradigmática quando se trata de
expressões fixas. Assim, a impossibilidade de substituição evidencia um dos traços das EFs, e
o teste da substituibilidade serve para distinguir construções regulares e expressões fixas.
À primeira vista pode-se supor que as expressões fixas não admitiriam modificações
internas que viessem a alterar a forma do grupo. No entanto, algumas palavras são
intercambiáveis nas expressões, como nos exemplos abaixo, o que mostra que este teste não é
absoluto:
como / feito / que nem (comparativo) ex.: pobre que nem Jó / pobre feito
pobre como
estar / ficar /andar ex.: estar de burro / ficar de burro / andar de burro
ser / estar / ficar / virar ex.: ser uma fera / estar uma fera / ficar uma fera /
virar uma fera
pôr / botar / colocar ex.: pôr panos quentes / botar panos quentes / colocar
panos quentes
5
Texto original: As a general rule an idiomatic phrase cannot be altered; no other synonymous word can be
substituted for any word in the phrase, and the arrangement of the words can rarely be modified.”
339
falar / dizer / contar ex.: falar poucas e boas / dizer poucas e boas / contar
poucas e boas
cá / aqui ex: entre nós / aqui entre nós
saltar à vista / saltar aos olhos
estar / ser doido para + infinitivo ; estar / ser louco para + infinitivo
Nesse aspecto as expressões refletem exatamente a sinonímia ou as possibilidades
lexicais da ngua em geral. Ou seja, virar significa vir a ser, e portanto é concebível que em
muitos contextos onde se usa ser se pode usar virar. O mesmo para estar / ficar: ficar indica
uma transformação de algo que antes “não estava”, mas agora “está” portanto onde se usa
estar é provável que caiba também ficar .
Em certos casos é possível fazer trocas de partes da expressão. Por exemplo: temos a
expressão alhos e bugalhos (como em não confunda alhos e bugalhos.); mas na frase misturei
alhos com bugalhos o conectivo e foi substituído por com talvez porque a regência de
“misturar” seja “misturar algo com algo”. Outro caso de alternância de conectivo é: entrar
pelo cano / entrar no cano.
Mais outro exemplo: de ferro braço
mão de ferro
punho
Exemplos reais das variações da expressão aparecem nos seguintes textos:
(6) O dono da empresa trata todos os funcionários com punho de ferro.
Técnico comanda seu elenco com mão de ferro. (jornal)
Eventualmente um nome que compõe a expressão também varia ex.: nem tanto ao
mar, nem tanto à terra / nem tanto ao céu, nem tanto à terra; estar com a corda no pescoço /
estar com a faca no pescoço / estar com a faca na garganta. Porque nesse caso a expressão
não é descaracterizada? Porque essa alternância é aceita, e em outros casos não? O fato é que,
dentre as competências lingüísticas, está incluída a de se conhecer o lugar e o tipo de
modificações admissíveis nas EFs.
muitos casos em que uma relativa flexibilidade, sendo as variações permitidas
dentro de limites. O que é preciso determinar é quais são as condições de variabilidade e quais
são as restrições impostas ao congelamento, caso a caso. Há condições variáveis, que atuam
340
diferentemente em cada expressão: o material rígido e a área flexível também o
idiossincráticos, e funcionam particularmente e individualmente para cada EF. Quais são as
variações permitidas é uma questão igualmente idiossincrática e fixa, que se aprende caso a
caso, unitariamente e por meio de memorização das possibilidades. Ou seja, não regra que
determine a possibilidade de variação de uma expressão, que seja produtiva e aplicável a
outras situações.
Em alguns casos, parece que não é a estrutura lingüística que é cristalizada, mas uma
determinada representação mental. Por exemplo, a EF botar o dedo na ferida (no sentido de
tocar num problema delicado e apontar o cerne da questão) pode variar na estrutura e no
léxico, mantendo a idéia de “tocar numa ferida”: botar o dedo na ferida / pôr o dedo na ferida
/ encostar o dedo na ferida / cutucar a ferida / tocar na ferida.
Vê-se então que muitas expressões fixas são passíveis de certa variabilidade na
composição interna. Parece paradoxal, mas é fato que, ao mesmo tempo que existe certa
rigidez formal e lexical, existe também tolerância a algumas poucas formas variantes.
Resumidamente, é possível identificar os seguintes tipos de variações nas EFs:
a) mudança zero, ou seja: EFs totalmente rígidas, que não admitem nenhum acréscimo,
interposição, intercalação ou modificação (como por exemplo a esmo, por conseguinte);
b) variação em palavras funcionais (como em misturar alhos com bugalhos x misturar alhos e
bugalhos, dobrar a língua x dobrar essa língua);
c) variação paradigmática entre itens sinônimos (como em botar lenha na fogueira / pôr lenha
na fogueira / colocar lenha na fogueira);
d) variação paradigmática entre uma pequena gama de verbos possíveis que se combinam
com um núcleo fixo, que pode ser interpretado como um caso de agrupamento de dois tipos
de EF: [colocação + expressão idiomática] (como na EF com a avó atrás do toco, que ocorre
com outros verbos: amanhecer com a avó atrás do toco / acordar com a avó atrás do toco /
estar com a avó atrás do toco);
e) variação paradigmática de alguns poucos nomes ou qualificativos de mesmo campo
semântico, com manutenção da metáfora originária como em lobo em pele de cordeiro, que
também aceita as variações lobo vestido de cordeiro / lobo vestido com pele de ovelha essa
última variação demonstrada no seguinte exemplo real:
341
(7) Todos os profissionais religiosos buscam as religiões ou seitas que visam primeiro o
dinheiro, então pode-se dizer que foram fundadas e estão sendo dirigidas por aves de rapina ou
lobos vestidos com pele de ovelha. (revista);
f) manutenção da idéia envolvida e variação na forma de apresentação (ex: rasgar seda x
ficar numa rasgação de seda; botar dois proveitos num saco / dois proveitos não cabem
num saco só);
g) recorte de parte de uma EF maior, que origem a outra EF (como na EF águas passadas
não movem moinho, cujo recorte dá origem à EF são águas passadas).
Provavelmente outros casos de variabilidade que não chegam a descaracterizar a
EF. Por exemplo, existe também a alteração individual que pode corresponder a uma
hipercorreção (que ocorre geralmente em textos escritos), em que o escritor procura corrigir
um presumido “erro” da EF com relação à norma padrão ou com o que supõe ser mais
adequado. Por exemplo, sabe-se que a expressão é sem nem cabeça”; mas numa crônica
em jornal o autor escreve sem s nem cabeça(no plural), talvez porque as pessoas tenham
dois pés. Todo mundo sabe que a gente diz manda ele pastar, sem uso do clítico; mas Pardini
(1981) cita Manda-o pastar”, corrigindo o suposto desvio da norma. Também no mesmo
livro, as seqüências dar uma mão de obra e ficar com uma mão na frente e outra atrás são
grafadas “Dá u’a mão de obra” (p. 39) e “Ficou com u’a mão na frente e outra atrás(p. 37),
“corrigindo” a ortografia para evitar o cacófato.
Mas o que se quer mostrar aqui com a relação de algumas formas de alteração da EF é
a gradação quanto à variabilidade: temos desde expressões estritamente rígidas na forma, até
outras bem mais frouxas. Mas mesmo essas EFs mais frouxas continuam sendo expressões
fixas de pleno direito porque respondem aos critérios semânticos de impossibilidade de
interpretação através da composicionalidade (isto é, através da montagem do sintagma
segundo as regras da língua) e sobretudo ao critério de armazenamento léxico (isto é, todas as
EFs encontram-se memorizadas no léxico do falante como estruturas prontas, assim como as
palavras individuais).
Como se viu, as expressões fixas nem são tão fixas assim, uma vez que podem variar
ocasionalmente. Como dito anteriormente, o conhecimento de onde se pode alterar uma EF
sem descaracterizá-la também faz parte da competência lingüística do falante. A
substituibilidade pode ser inerente à expressão, quando a EF admite variantes memorizadas
(como em botar o na estrada / pôr o na estrada / meter o na estrada / tacar o na
342
estrada / colocar o na estrada / botar o no caminho (todas com o mesmo significado de
“ir embora, viajar”).
Há, portanto, graus diferentes de cristalização. Não somente dois grupos distintos e
estanques: construções livres, de um lado, e grupos fixos, de outro lado. Na verdade, existe
uma gradação na cristalização, sendo algumas EFs mais rígidas que outras, o que determina
um contínuo que vai das EF mais rígidas, passando pelas mais flexíveis, até a montagem livre
em concordância com as regras da ngua. Essa situação é mais claramente visível ao se
atribuírem traços típicos dos membros da classe: há elementos que possuem todos os traços da
classe, outros menos traços, de forma que o pertencimento à classe não é igual para todos os
membros.
É preciso checar cada expressão para observar se ela funciona realmente como uma
unidade. Nem sempre é fácil chegar a uma definição, principalmente levando em conta que às
vezes uma ou outra palavra da expressão pode ser substituída (como no mato sem cachorro /
num mato sem cachorro; rato de biblioteca / rato de livraria), e principalmente no caso de
substituição de verbos (como ficar no [de alguém] / pegar no / viver no pé; botar fogo
no circo / ver o circo pegar fogo).
O teste da substituição evidencia a idiomaticidade das EFs do ponto de vista lexical.
Esse procedimento de substituição paradigmática pode ser entendido como uma maneira de
demonstrar o caráter lexical rígido de algumas EFs, apesar da manutenção de condições
gramaticais e semânticas. Se o grupo aceita alguma substituição, ainda assim pode se tratar de
uma EF; mas se a substituição é vetada, então há forte indício da idiomaticidade do grupo.
7.5 Antônimos (positivo/negativo)
A impossibilidade de substituição dos termos integrantes por antônimos, com a
intenção de compor uma construção oposta, também auxilia na identificação de EFs, como se
vê nos exemplos abaixo:
- pensar bem ex.: Olha o que você vai fazer... pensa bem... (a substituição de bem por mal gera
*pensar mal, que significa coisa diferente de “examinar sem cuidado, levianamente”, que seria
o significado oposto de pensar bem)
- à solta ex.: Os ladrões andavam à solta. (não existe o substantivo *solta, nem uma expressão
semelhante com o oposto: *à presa)
343
Numa EF, nem sempre existe a mesma expressão oposta. Vejamos:
a) Se existe a forma negativa, não necessariamente existe a forma positiva – por exemplo:
não estar nem aí - *estar aí;
não dar a mínima - *dar a mínima/ *dar a máxima;
não perder por esperar - *perder por esperar;
nem tchum - *tchum;
não obstante - *obstante;
não tem meu pé me dói - *tem meu pé me dói;
sem pestanejar - *pestanejando - ex.: Ele mente descaradamente, sem pestanejar.
/ *Ele mente descaradamente, pestanejando.
Um caso com características peculiares é o de não dar em nada / dar em nada:
(8) A advogada tentou convencer o juiz, mas não deu em nada: ele tinha uma opinião
formada e não arredou pé.
(9) O PSDB forçou a saída do deputado Gustavo Fruet do Conselho de Ética para salvar
Roberto Brant, do PFL, da cassação do mandato. A manobra, contudo, deu em nada.
(jornal)
Nesse caso, devem-se registrar três idiossincrasias: (a) a expressão prescinde da
palavra não na indicação da negativa, o que é inusitado; (b) as duas formas (com ou sem não)
têm o mesmo significado (não dar em nada = dar em nada); (c) é possível o uso positivo
na construção dar em quê?, usada em sentença interrogativa: E aquele projeto, deu em quê?.
Mas com outras construções não se pode empregar a expressão na forma positiva: O projeto
*deu em sucesso / *deu em realizações / *deu em aceitação. As construções não dar em nada
/ dar em nada são ambas cristalizadas com significado negativo.
b) Se existe uma determinada forma, não necessariamente existe o seu antônimo com a
mesma estrutura, como se vê nos exemplos abaixo:
em carne viva / *em carne morta;
passar a noite em claro / *passar a noite em escuro;
a sangue frio / *a sangue quente;
fora do comum / *dentro do comum (o contrário de fora do comum é comum).
344
Essa característica, embora freqüente no grupo das EFs, não está circuscrita ao âmbito
dessa classe lexical. Encontramos um fenômeno semelhante entre as palavras isoladas,
representado pelo fato de nem sempre existir a contraparte lexical no uso de morfemas que
indicam o oposto por exemplo, existe descabelado mas não existe *cabelado; existe
desmilinguir mas não existe *milinguir; a pessoa que não tem fome está inapetente, mas
quem tem fome não está *apetente; e um objeto sem cor é incolor, mas o que tem cor não é
*color.
c) Ao formular uma construção oposta, o significado pode mudar. Por exemplo: a EF às
claras significa “abertamente, explicitamente, sem esconder nada”, como em ele falou às
claras, sem rodeios. o oposto às escuras significa “com a luz apagada”, como em a casa
estava às escuras. A expressão às escuras nunca pode significar “falar não abertamente,
escondendo algo”, que seria o significado oposto de às claras.
Outro caso em que o antônimo das palavras componentes da EF não tem o significado
contrário da expressão, e sim outro significado, é passar bem, que significa “comer muito”,
como em Você passou bem na festa, né? Comida até não poder mais. Por outro lado, passar
mal não é “comer pouco”, mas “sentir-se doente”. Outro caso: velha guarda x jovem guarda:
velha guarda é um termo genérico, que indica coisa de qualquer geração passada; mas o
oposto jovem guarda não tem um significado genérico ao contrário, refere-se a movimento
musical específico dos anos 60.
O que é interessante verificar através desses casos é que nem sempre existe uma EF
que expresse a contraparte semanticamente oposta para um conceito, através de uma
expressão equivalente. E que expressões equivalentes formadas com léxico oposto nem
sempre remetem a conceitos opostos.
d) Em algumas expressões, o significado oposto não é expresso através do antônimo das
palavras que compõem a expressão. Por exemplo: existe a EF abrir o jogo (com o significado
de “falar francamente e revelar as verdadeiras intenções”), mas o oposto de abrir o jogo não é
*fechar o jogo, e sim esconder o jogo. Para a EF botar pra frente (que significa “estimular,
fazer ficar mais extrovertido”, como em Esse menino é muito tímido. Você tem de botar ele
pra frente.”), o oposto é botar pra baixo (que significa “desestimular”), e não *botar pra trás,
embora o contrário de pra frente seja pra trás. O mesmo acontece em sem querer: o oposto
não é *com querer, mas por querer, apesar de o oposto de sem ser com.
345
A impossibilidade de manipulação da estrutura interna da EF revela a unidade do
grupo, o seu comportamento solidário e a sua estrutura cristalizada, além de demonstrar
também a não composicionalidade do grupo. Em sintagmas livres, é possível substituir
palavras isoladas por exemplo, posso dizer ele saiu sem o carro ou ele saiu com o carro,
indicando num caso a situação oposta à do outro caso. As EFs, diferentemente, não permitem
o mesmo tipo de substituição dos elementos internos ao sintagma idiomático, e muitas vezes a
situação oposta não é expressa pela troca de um item por outro de significado oposto. Assim,
a testagem que procede à substituição de itens por seus antônimos pode revelar EFs, que
muitas vezes são refratárias a esse tipo de manipulação interna.
Todos esses fatos contribuem para evidenciar a idiossincrasia na escolha lexical dos
elementos formadores da EF, em contraposição aos sintagmas construídos, que devem se
conformar a condições semânticas mais gerais. Portanto, a observação de fatos como esses
auxiliam na detecção de EFs.
7.6 Teste da interrupção: hesitação e inserção
Se não é possível hesitar entre uma palavra e outra, provavelmente trata-se de um
grupo cristalizado. Por exemplo, é impossível imaginar um caso em que uma pessoa diga:
Você gostou do meu pé ... eh... eh .... de-moleque? (não estamos falando de gagueira – trata-se
de hesitação, de procura do item na memória ou de preenchimento de tempo para a
organização do discurso). Se a hesitação é improvável, tem-se um indício de que o grupo deve
ser uma EF.
Mas quando a hesitação é possível, pode ser que o grupo seja ou não uma EF. Por
exemplo, com a EF pra bom entendedor meia palavra basta, seria possível imaginar uma
quebra, como por exemplo: Pra bom entendedor... eh... meia palavra basta. Talvez a
possibilidade de hesitação esteja ligada à possibilidade de interrupção entre grandes
constituintes da oração. Parece que o tipo de ligação verbo-objeto é diferente com relação à
ligação que se verifica entre outros constituintes da oração, uma vez que nesse ponto a ruptura
é especialmente mais aceitável.
Também na EF engenheiro civil a hesitação parece ser menos improvável. Uma
explicação para isso poderia se relacionar à possibilidade mais ampla e mais aberta de
preenchimento do sintagma posteriormente à palavra engenheiro. Como vimos na seção 4.4,
346
diferentes graus de coesão nas EFs, e a possibilidade de hesitação indica uma expressão
fixa menos coesa.
Uma comprovação da dificuldade de inclusão de hesitações ou inserções de elementos
externos às EFs pode ser observada nos vários exemplos colhidos em situações de uso real (de
língua oral e escrita) apresentados no apêndice 13, onde muito raramente ocorrem exemplos
de ruptura das EFs. Também nas transcrições examinadas do projeto NURC volumes 1 e 2,
não foi encontrada nenhuma ocorrência de hesitação dentro do sintagma que forma a EF.
Trata-se portanto de um traço detectado com base numa extensa coleta de dados reais. Houve
casos de pausa depois de EFs, como em mais ou menos... por exemplo..., ao longo do mês...,
[com respeito a... ao transporte], mas não foi encontrada nenhuma ocorrência de pausa dentro
da expressão, como seria, por exemplo *mais... ou menos, *por... exemplo, ao... longo do mês
ou com... respeito ao transporte.
Uma hipótese que poderia justificar a menor chance de hesitação dentro da EF seria a
falta de escolha no preenchimento dos itens do bloco idiomático, uma vez que a
impossibilidade de substituição paradigmática é uma das características presentes em muitos
casos de EFs. A isso soma-se o fato de a EF estar pronta no léxico mental, assim como as
palavras da língua.
Quanto à possibilidade de inserção de elementos ao grupo idiomático, observa-se que,
assim como no caso da hesitação, a inserção também parece mais viável quando se dá entre os
grandes constituintes da oração, como a que se verifica nos seguintes exemplos reais:
(10) Esse caminho de crescimento poderá até ser descartado por muitos, devido à sua
complexidade, mas deve ser levado desde já em conta por essas organizações. (tese)
(11) Ela conta que, quando a moda mudou e a cintura baixou, quase desistiu de usar jeans. “Eu
era mais gordinha do que atualmente e o que encontrava para comprar nunca ficava bom. [...]”
Teve de bater muita perna para encontrar uma ou outra marca mais adequada. (revista Veja
edição 2019, 1/8/2007, p. 102).
Os intensificadores e os quantificadores (como aparece na seqüência acima bater
muita perna) são os itens mais prováveis e mais aceitos como inserções ou acréscimos numa
EF. Exemplos de formas intensificadoras em EFs são:
347
- dar bode – dar o maior bode
- dar mancada – dar uma mancada daquelas
- dar nó na cabeça – dar até nó na cabeça.
Exemplos reais de inserção de quantificadores e intensificadores em EFs são os
seguintes:
(12) Os tucanos alegaram que Perillo não deveria jogar mais lenha na fogueira, aprofundando
a crise ainda mais, e comprometendo mortalmente a imagem do presidente Lula. (revista)
(13) Em 15 minutos coloca os assuntos em dia. Depois, encaminha-se ao BH Shopping, faz
compras, vai ao banco e bate mais um papo com os conhecidos que fez ao longo dos 20 anos
que freqüenta o local. (revista)
(14)
Se o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, pensava na reeleição em 2008, agora vai ter
que suar muito mais a camisa. (revista)
(15) Isso foi possível por causa da autonomia operacional do Banco Central algo que o
Partido dos Trabalhadores vê com péssimos olhos e nem o presidente engole muito. (revista)
(16) Apontada como pivô de duas separações de Ronaldo (de Milene Domingues, em 2003, e
Daniella Cicarelli, em maio deste ano), íntima de falar com ele toda semana, a modelo
espanhola Miréia Canalda, 23 anos, passou setembro no Brasil com uma agenda cheia de
compromissos e convencida de que isso não tem rigorosamente nada a ver com o jogador.
(revista)
Vê-se então que, apesar da impressão inicial de imobilismo da EF, é também possível,
em alguns casos, inserir itens dentro da expressão. Mesmo assim, verifica-se igualmente uma
maior resistência à inclusão de itens quando se trata de uma EF. Por exemplo, não são
aceitáveis inserções como :
- divisor de águas / *divisor de muitas águas;
- conto de fadas / *conto de lindas fadas;
- contar farol / *contar, de forma arrogante, farol.
G. Gross (1990, p. 89) também salienta essa característica ao tratar de locuções
nominais, afirmando que “num grupo nominal livre é possível inserir elementos”, mas “a
348
ausência dessa possibilidade pode ser considerada um indício de cristalização”
6
. E afirma
ainda, de forma mais generalizada, que “em seqüências fixas, a inserção de elementos novos é
muito reduzida”
7
.
Tendo em vista essas observações, pode-se testar a idiomaticidade do grupo tentando
romper a unidade da construção com hesitações ou inserções que, como vimos, são mais
improváveis quando se trata de uma construção cristalizada.
Finalmente, concluímos com a posição de G. Gross (1996, p. 19) a esse respeito:
A impossibilidade de inserção de elementos externos coloca em evidência o
fenômeno da cristalização: trata-se de seqüências que o falante não tem o
poder de modificar, a não ser para fins metalingüísticos ou humorísticos.
8
7.7 Teste da língua estrangeira
Um teste que uma dica, mas não é definitivo, é o da tradução. Trata-se de um
contexto de descoberta, não um contexto de justificação é uma ótima pista, que boas
indicações sobre se um grupo é uma EF: quando um agrupamento é construído diferentemente
numa língua estrangeira, isso pode ser um forte indício de que lidamos com uma EF. Se não
fosse uma EF, poderíamos juntar os procedimentos {palavra traduzida ao pé da letra +
adaptação do grupo às regras da ngua da tradução} e deveríamos ter a mesma idéia,
construída corretamente. Mas quando a tradução ao da letra (com adaptação estrutural ao
padrão da língua de chegada) não funciona, temos uma indicação de que pode se tratar de EF.
6
O texto original completo é o seguinte: “Dans un groupe nominal libre, on peut insérer des éléments (des
adjectifs, par exemple) à côté de chaque substantif:
la voiture de mon frère
la voiture neuve de mon frère
la voiture de mon jeure frère.
On pourra considérer l’absence de cette possibilité comme un indice de figement:
une pomme de terre
*une pomme pourrie de terre
*une pomme de terre calcaire.
7
Texto original: “Dans les séquences figées, l’insertion d’éléments nouveaux est très réduite.”
8
Texto original: L’impossibilité d’insertion d’éléments extérieurs met en évidence le phénomène du figement:
ce sont des suites qu’il n’est pas au pouvoir du locuteur de modifier, sauf à des fins métalinguistiques ou
humoristiques.”
349
Por isso é útil que o investigador se coloque na pele de um estrangeiro, aprendiz de português,
ao tentar identificar as expressões fixas.
Por exemplo: em português se diz a , mas em italiano se diz a piedi (com a palavra
correspondente a pés no plural. Tais diferenças entre as línguas sugerem uma composição
idiomática em um ou outro caso. Outros exemplos de intradutibilidade ao da letra são os
seguintes:
- tomar banho - *prendere il bagno (em italiano a mesma idéia é expressa com outro
verbo: fare il bagno);
- apertar o passo - *presser le pas (a mesma idéia é expressa em francês por uma EF
composta diferentemente: allonger le compas)
- por que cargas d’água - *por qué cargas de agua (a mesma idéia é expressa em espanhol
por ¿por qué cuernos?);
- levar à fervura - *take to a boil (a EF em inglês é bring to a boil);
- matar aula - *to kill the lesson (em inglês americano se diz to play hooky);
- tomar bomba - *to be bombed (essa forma em inglês significa “estar bêbado feito
um gambá”, e a idéia de “tomar bomba” é expressa por to fail ou to
flunk);
e tantos outros já clássicos como a vaca foi pro brejo - *the cow went to the swamp.
O critério da intradutibilidade é mencionado por Trask (2004, p. 142):
[...] não como prever o sentido da expressão idiomática completa com
base no sentido das palavras; por isso, os idiomatismos precisam ser
aprendidos um a um, e sua tradução para outras línguas não pode ser feita
palavra por palavra.
Gross (1996, p. 6) inclui na definição de “idiomatismo” o traço da intradutibilidade:
Chamamos idiomatismo (galicismo, anglicismo, germanismo) uma
seqüência de não se pode traduzir palavra por palavra numa outra língua.
9
O teste da língua estrangeira pode indicar também a preferência por uma construção, e
não o idiomatismo estrito. Por exemplo, em inglês se diz How do you spell it?, e em
português se diz Como é que escreve? . Perguntar, por exemplo, como você soletra isso? (que
seria a tradução literal da pergunta em inglês) seria gramaticalmente correto, mas estranho ou
mesmo inadequado do ponto de vista do uso espontâneo.
9
Texto original: “[...] nous appelons idiotisme (gallicisme, anglicisme, germanisme) une séquence que l’on ne
peut pas traduire terme à terme dans une autre langue [...]”.
350
As expressões fixas são freqüentemente evidenciadas pelos erros de tradução. Por
exemplo, na tradução de um filme apareceu na legenda *eu fiz um telefonema (que é a forma
da colocação correlata em inglês: I made a call), em vez de eu dei um telefonema, que é a
forma corrente da colocação em português.
Em alguns casos a tradução revela a existência da unidade semântica da expressão
fixa. Por exemplo, o grupo passar a perna é traduzido em inglês por uma palavra: cheat.
Nesse caso, ao lado da impossibilidade de tradução literal, também o fato de o significado ser
traduzido por uma única palavra é mais um indicador de que o grupo constitui uma única
unidade conceptual.
O teste da língua estrangeira consiste então em traduzir uma seqüência para uma
língua estrangeira: se a tradução literal não é viável ou produz resultado estranho na língua de
chegada, temos indicações de que é possível que se trate de uma EF.
Esse teste não é definitivo porque sabemos que o recorte dos conceitos é feito
diferentemente em cada língua. Por exemplo, nem tudo o que capo quer dizer em italiano
pode ser traduzido como cabeça no português; nem tudo a que se refere como ponto em
português
10
pode-se traduzir como point em inglês. Então, quando não se pode fazer a
tradução ao da letra, às vezes estamos captando essa diferença de recortes mas às vezes
estamos captando uma maneira idiossincrática de uso numa língua, ou seja, uma EF.
Portanto, deve-se levar em conta que a amplitude do campo semântico denotado por
cada palavra é diferente entre as línguas, de forma que a tradutibilidade literal, ao da letra,
não pode ser tomada como um critério de justificativa. No entanto, é uma indicação forte e
esclarecedora, que se reflete na prática nas inadequações tradutórias.
7.8 Invariabilidade de ordem e irreversibilidade
Na seção 6.1 tratamos das violações das EFs aos padrões formais e semânticos da
língua e vimos que há EFs irreversíveis. Muitas expressões fixas não admitem a variação de
ordem das palavras que compõem o grupo idiomático, mesmo quando as regras da ngua o
permitiriam, em princípio. Muitas expressões coordenadas são irreversíveis, como de corpo e
10
O dicionário eletrônico Houaiss registra 57 acepções diferentes para a palavra ponto.
351
alma (*de alma e corpo), cara ou coroa (*coroa ou cara) e fazer gato e sapato (*fazer sapato
e gato).
Assim, a testagem quanto à possibilidade de mudança de ordem dos elementos
coordenados integrantes de uma seqüência lingüística pode indicar se se trata de um sintagma
construído ou de uma expressão fixa: a rigidez da expressão e a impossibilidade de mudança
de ordem apontaria para a EF. Esse pode então ser um teste bastante eficiente para a
identificação de EFs que apresentam o traço da irreversibilidade.
7.9 Teste do recorte
De acordo com Gross (1996, p. 3-4),
A cristalização é um processo lingüístico que, de um sintagma cujos
elementos são livres, faz um sintagma cujos elementos não podem ser
dissociados.
11
Daí se tem a base para construir a hipótese de que, se certas partes podem ser
dissociadas de um grupo sem destruir a estrutura e o significado do conjunto, então tais
elementos não devem fazer parte da expressão fixa
12
. Essa hipótese nos leva ao seguinte
teste: para verificar se uma seqüência de palavras é uma expressão fixa, pode-se tentar
recortar o grupo, verificando se o conjunto se mantém semanticamente indivisível e se o
recorte destrói a expressão. Quando o conjunto tem significado imprevisível, não pode ser
compreendido literalmente e não pode sofrer recortes, então todo o conjunto é idiomático.
Mas caso seja possível “enxugar” o grupo e ativar um significado semelhante usando somente
uma das palavras do conjunto, tem-se um indício de que não se trata de um grupo idiomático,
mas somente de uma palavra polissêmica ou de um único item usado em sentido figurado.
Vamos testar se o agrupamento puxar o lado de [alguém] é ou não é uma EF. Essa
seqüência pode ser usada em sentenças como eu puxei o lado da minha mãe, e exprime o
11
“Le figement est un processus linguistique qui, d’un syntagme dont les éléments sont libres, fait un syntagme
dont les éléments ne peuvent être dissociés.”
12
É preciso sempre ter em mente que as EFs apresentam variantes com constituição interna diferente, como por
exemplo: quer saber de uma coisa? / quer saber?/ sabe de uma coisa?, ou também sair pela tangente / escapar
pela tangente. Além disso, os testes evidenciam traços que não necessariamente estão presentes em todas as EFs
da língua.
352
significado de “ser parecido com determinado parente”. Será que para cortar partes do
grupo? Parece que sim, porque se pode eliminar o trecho o lado de e dizer eu puxei a minha
mãe. Conclui-se então que puxar o lado de [alguém] não é uma expressão, que a mesma
idéia pode ser expressa pela palavra puxar isoladamente (puxar [alguém]). Portanto, trata-se
do item polissêmico puxar (ou seja, puxar também admite a acepção “assemelhar-se”), e não
de uma EF, que o agrupamento pode ser reduzido e o significado pode ser ativado a partir
de uma única palavra.
Outro exemplo: vamos testar se entrar nessa boca é uma EF. A partir do recorte do
grupo, vamos testar se é possível isolar a palavra boca do restante do grupo, conservando
sempre o mesmo significado que apresenta na seqüência entrar nessa boca. Vemos que é
possível construir sentenças como
(17) Você não pode perder essa boca.
(18) A boca que ele me ofereceu era boa demais.
(19) Veja se você arranja uma boquinha pra mim lá na sua empresa.
Como é possível recortar o grupo e usar a palavra boca isoladamente ou em outras
combinações, mantendo sempre o mesmo significado de “oportunidade favorável”, conclui-se
que é a palavra boca que tem um uso especial, além do significado de “parte do corpo”, e que
entrar nessa boca não é uma expressão idiomática. Trata-se provavelmente de uma
colocação, já que há um uso imprevisível da palavra entrar (e não da palavra boca).
O mesmo teste pode ser aplicado na seqüência falar horrores: para examinar se se
trata de uma EF é possível recortar partes do grupo e verificar se têm um comportamento
independente. Como é admissível variar livremente o preenchimento do verbo, como se no
exemplo abaixo, conclui-se que nesse caso não uma expressão, mas somente a palavra
horrores é que pode ser utilizada como um intensificador de conotação negativa.
(20)
Enfim, torrando tubos de dinheiro e se endividando horrores, esperava-se ao menos que
as coisas andassem dentro dos conformes. (crônica em jornal)
Chega-se à mesma conclusão ao testar a seqüência fazer o papel de (no sentido de
“representar um personagem, atuando como ator numa peça teatral ou cinematográfica”):
que se pode usar a palavra papel sozinha com o sentido de “parte teatral” (como em eu aceitei
esse papel porque ele me pareceu muito interessante), chega-se à conclusão de que a palavra
353
papel, isoladamente, pode ser usada em dois sentidos ([1] folha para escrever; [2] parte de
personagem), e assim não um significado especial para o grupo fazer o papel de, que não é
uma EF.
Por outro lado, a testagem da seqüência bem-sucedido faz crer tratar-se de uma EF,
tendo em vista a impossibilidade do uso isolado do adjetivo *sucedido:
(21)
Mesmo levando em conta o fato de a comunidade científica norte-americana congregar
muitos pesquisadores naturalizados, não deixa de causar admiração essa concentração de
intelectuais bem-sucedidos. (revista) [*intelectuais sucedidos]
Outra característica ligada ao recorte da construção tem a ver com a imprevisibilidade
do conjunto a partir das partes. Por exemplo: doce ilusão. Apesar de os itens que compõem
esse conjunto poderem aparecer isoladamente, deve-se considerar que, sem conhecer esse
agrupamento, seria improvável o uso do adjetivo doce com o nome ilusão, o que apresenta um
indício do comportamento idiomático do grupo.
Outra expressão que mostra uma redefinição de campo semântico na EF (e não a soma
dos componentes, como num sintagma construído gramaticalmente) aparece na expressão
fora (que tem o sentido de “no exterior, fora do país”):
(22) A bossa-nova lá fora tá cada vez mais em alta. (rádio)
(23) Essa é uma exigência do mercado lá fora. (TV)
Observe-se que não se pode eliminar a palavra lá (que muitas vezes é um expletivo,
como em Eu fui no banco / Ela mora longe), mantendo o mesmo significado: fora não
tem o sentido de “em países do exterior” se está longe da palavra (veja-se a impossibilidade
de *A bossa-nova fora cada vez mais em alta). Isso quer dizer que não é expletivo nesse
contexto, e sim um elemento indispensável na criação do referente da EF: serve para redefinir
o campo semântico, ou melhor, e fora, juntos, compõem um novo referente.
Assim, se é possível recortar o grupo e encontrar em alguma palavra, que possa ser
usada isoladamente, características semânticas idiossincráticas detectáveis no conjunto, temos
indícios de que não deve se tratar de uma EF, e que provavelmente o caráter não-literal do
grupo é resultado da presença de um único item que possui essa propriedade semântica,
354
mesmo fora do conjunto sob exame. Mas se uma idiossincrasia na combinação das partes
(como em doce ilusão ou lá fora), temos um indicativo de que se trata de uma EF.
7.9.1 Recorte de verbos “light
Outra dúvida freqüente é se o verbo faz parte da expressão ou não. Por exemplo: a
expressão é ser dose pra leão ou somente dose pra leão? Incluir o verbo ou não? Às vezes a
resposta é clara, outras vezes é difícil decidir. Quando temos uma palavra com verbos de
ligação (como ser, estar, ficar) e verbos light
13
(como dar, fazer, bater, passar, tomar) surge
a seguinte questão: será que o verbo faz parte da EF? Será que somente o trecho que vem
depois do verbo é que compõe a EF, e o verbo fica de fora? E quando o conjunto é formado só
por [verbo + SN], ou [verbo + Qualificativo], como em ser um pavão, estar quebrado, dar um
chilique e ser batata (como em se eu tomo vinho tinto, é batata, no dia seguinte estou com
dor de cabeça), será que temos uma EF (com o verbo incluído na expressão)? Ou será que
somente a palavra que vem depois do verbo é que tem uma semântica especial (e nesse caso
não se poderia mais falar de expressão, que uma expressão se define necessariamente pela
existência de um conjunto não unitário)?
Um caso claro é o da expressão fazer anos (com o significado de “aniversariar”):
eliminando-se o verbo, destrói-se o significado do grupo, relacionado ao aniversário. Em
situações como essa é nítida a presença indispensável do verbo para a composição do
significado do conjunto. Temos aí claramente uma EF.
Uma expressão com verbo de ligação, cuja análise como EF é clara, é ser fogo:
(24) Vai ser fogo você conseguir uma vaga em escola pública.
Como o conjunto aparece sempre de forma solidária com esse significado (indicativo
de coisa muito difícil), conclui-se que o verbo faz parte integrante da EF.
Mas na maioria das vezes é difícil decidir quanto à inserção do verbo na expressão.
Vamos examinar, por exemplo, o conjunto estar jururu: trata-se de uma EF ou aparece
13
Segundo Perini (2002, p. 278), Light verbs are verbs that, apart from their use in regular constructions,
appear in many sequences of verb + object or complement with a peculiar, unpredictable meaning.” Para uma
listagem dos verbos light do português, veja-se op. cit. p. 279-286.
355
uma ocorrência independente da palavra jururu? O dicionário de Xatara e Oliveira (2002, p.
221) inclui estar jururu como uma expressão idiomática. Por outro lado, é possível dizer que
fulana é uma pessoa jururu, sicrano está mais jururu do que o irmão, o menino jururu não
quis almoçar, “os brasileiros vão ter de engolir em seco mais um ano jururu” (ocorrência
real na TV) etc, sugerindo que jururu se comporta como um adjetivo qualquer. Está livre do
verbo estar, e pode se juntar a nomes como os adjetivos em geral. Esses indícios apontam
para a análise de que estar jururu provavelmente não é uma EF, mas uma construção
semelhante a estar cansado, estar alegre, etc.
Tagnin (2005) inclui as construções [verbos de cópula + adjetivo] como um tipo de
colocação, e apresenta como exemplo de colocação o grupo ficar rico. Essa posição precisaria
ser melhor justificada, porque temos uma situação previsível, em que ambos os termos são
usados no sentido esperado, e também não se detecta nesse caso uma convencionalidade
semântica ou sintática. Entendemos assim que tais casos não constituem EFs.
A dificuldade de delimintação da EF aparece freqüentemente quando se tem um verbo
light seguido de complemento, como na expressão estar à altura ou ser páreo duro, já que em
português, em alguns contextos, o verbo light pode ser eliminado:
Desde abril, as crianças de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília podem ter bonecas com sua
cara. [...] não vão sobressair nas prateleiras das lojas, abarrotadas de outras bonecas que
disputam a atenção da criançada. Para se ter uma idéia, é vendido, em média, 1,5 milhão de
Barbies por ano no Brasil, o que dá três por minuto. Páreo duro. (revista)
Mas nem sempre a possibilidade de omissão do verbo de ligação ou do verbo light
impõe a descaracterização do grupo como uma expressão fixa. Por exemplo, numa estrutura
de aposto, muitas vezes o verbo de ligação pode ser omitido, como se vê no exemplo
seguinte:
(25) O empresário, quites com a receita depois do pagamento da multa, conseguiu finalmente
o empréstimo bancário.
Tal caso não desconfigura a existência da expressão estar quites, uma vez que a
estrutura apositiva tem justamente como característica o apagamento do verbo. Em estar
quites o verbo parece estar ligado à expressão, uma vez que quites não pode aparecer como
356
adjetivo em outras construções, a não ser em função predicativa (como em estar quites / ficar
quites / continuar quites).
Dois últimos exemplos: ser um gato, ser um doce. São expressões ou gato e doce é
que possuem outra acepção? Para definir isso é preciso testar outros contextos, para examinar
a possibilidade ou não de esses itens aparecerem sozinhos. Na testagem de ser um gato,
verifica-se que é possível Tinha um gato na festa. / Estou apaixonada por um gato. / Você
vai abandonar aquele gato? conclusão: gato pode ser recortado do grupo e aparecer
sozinho; portanto, ser um gato não é uma expressão idiomática. Vejamos o mesmo com doce:
na testagem, verifica-se que não é possível *Tinha um doce na festa. / *Estou apaixonado por
um doce. / ?Você vai abandonar esse doce? resultado: parece que doce não pode ser
recortado da expressão e não pode ocorrer sozinho, o que leva à conclusão de que ser um
doce” é uma expressão idiomática, diferentemente de ser um gato.
Eventualmente o próprio enunciador demarca os limites da EF, por exemplo ao marcar
a EF entre aspas, indicando assim o isolamento da parte que constitui a EF. A intuição do
falante pode então servir como um indicativo a respeito do contorno da expressão. Vejam-se
como exemplo os seguintes casos:
(26) É uma tendência natural, inclusive entre gerentes com grau de experiência, acreditar que
um funcionário melhorará seu trabalho sendo vigiado de perto e com políticas específicas (o
conhecido “pegar no pé”). (revista)
(27) Segundo o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), um dos defensores da CPI da Navalha,
Brasília tem o “partido das empreiteiras”, o que deixa muita gente com o “rabo preso”.
(jornal)
No segundo exemplo as aspas delimitam rabo preso, sugerindo que o verbo estaria
excluído da EF. Por outro lado, o conjunto rabo preso não pode ser complemento de qualquer
verbo e não tem a mesma liberdade de ocorrência de outros SNs (por exemplo, não pode ter a
função de sujeito), o que sugere que o verbo estaria incluído na EF. Temos três possibilidades:
(1) não incluir o verbo e considerar a EF como rabo preso; (2) incluir o verbo como parte
integrante da EF, considerando a alternância do verbo como formas variantes da mesma EF;
(3) não incluir o verbo mas considerar que, ao lado da EF rabo preso também uma
colocação, que a expressão rabo preso não pode se seguir a qualquer verbo; haveria assim
duas EFs (rabo preso e o grupo coligado [verbo + rabo preso]), gerando as EFs maiores ter o
357
rabo preso, estar de rabo preso, ficar de rabo preso ou deixar com o rabo preso. A decisão
por uma dessas três possibilidades é difícil. No momento, não existem evidências suficientes
que apontem inequivocamente para uma ou outra alternativa como a descrição correta para o
limite da EF, apesar de a hipótese 3 apresentar maior consistência e uma melhor descrição do
fenômeno. Essa flutuação mostra a dificuldade de delimitação dos contornos da EF.
Casos como esses são de difícil decisão. Não dúvida de que os grupos de palavras
que incluem verbos de ligação e verbos light apresentam grande dificuldade de análise para a
caracterização de um grupo como idiomático e para a delimitação da porção que constitui a
expressão.
7.9.2 Um adendo: a questão dos limites da EF
Vamos fazer aqui um pequeno desvio para tratar da questão relativa a onde começa e
termina uma expressão fixa. Também em grupos que não se iniciam por verbos light a
definição dos limites da EF pode ser imprecisa. Por exemplo: a expressão é
abraçar o mundo com as pernas ou querer abraçar o mundo com as pernas?
advogado do diabo ou fazer de advogado do diabo?
bafo de onça ou um bafo de onça ou ter / estar com um bafo de onça?
rabo entre as pernas, o rabo entre as pernas, com o rabo entre as pernas, meter o
rabo entre as pernas ou ambas as últimas?
mulher de vida fácil, ou só de vida fácil, ou só vida fácil?
(fazer algo) da própria cabeça (onde “fazer algo” é variável, mas tem de ser
preenchido obrigatoriamente) ou só da própria cabeça?
Isto é, onde começar? É perfeitamente possível haver discordância sobre quais são os
limites da expressão (especialmente se ela inclui o verbo ou não), isto é, onde ela começa e
termina.
É costume entender que as EFs (especialmente as expressões idiomáticas) teriam a
estrutura [V + complemento], ou seja, formariam um predicado. Essa concepção não é
necessariamente verdadeira para todos os casos, e depende da forma como se recorta o grupo
idiomático. Por exemplo, na EI construir castelos de areia o verbo se alterna com outros
358
sinônimos (como fazer castelos de areia). Em casos como esse, o que se pergunta é o
seguinte: o verbo é parte integrante da EF, ou a parte idiomática seria somente o complemento
castelos de areia? Onde fazer o recorte do grupo? Deve-se entender que o verbo faz parte da
expressão mesmo se o verbo tem uma certa liberdade de variação, como em botar as barbas
de molho / pôr as barbas de molho / deixar as barbas de molho / ficar com as barbas de
molho / estar com as barbas de molho? Ou, alternativamente, a EF seria somente o trecho
com as barbas de molho?
Outra questão é a seguinte: será que o verbo, na EF, tem o mesmo status selecional
que tem em estruturas construídas, selecionando seus complementos e definindo
compatibilidades semânticas? No caso acima (botar as barbas de molho e correlatas) será que
é o verbo que seleciona o complemento como em SVs composicionais? Parece mais plausível
a análise de que é o complemento com as barbas de molho que faz restrições quanto aos
verbos que admite.
E será que a variação de verbos permitida na EF sempre reflete a sinonímia ou a
variabilidade de itens de mesmo campo semântico? Quanto a esse último ponto é fácil ver que
isso nem sempre acontece: nem sempre os verbos que iniciam EFs têm significado
semelhante, como se verifica em batalhar um emprego / cavar um emprego; bater um papo /
levar um papo; ou sentar a mão / meter a mão / plantar a mão. Esses exemplos demonstram,
mais uma vez, que o falante toma a expressão como um todo; cada EF permite variação
idiossincrática dos seus componentes e possui formação e significado integrado
convencionais.
Na entrada dos verbetes de dicionário, observa-se a tendência a incluir um verbo
precedendo a expressão. Esse comportamento também ajuda a imprimir a impressão de que a
maioria das expressões seria formada por [V + complemento]. Ao eliminar o verbo da frente
da EF, conseqüentemente provoca-se uma diminuição do número de expressões “predicado”
(isto é, iniciadas pelo verbo e seguidas do complemento pós-verbal), o que abala a teoria
corrente de que as EFs seriam, em grande parte, construções de predicado.
Um exemplo de expressão que muitas vezes é listada com o verbo é às moscas,
apresentada como ficar às moscas, apesar de vários verbos não sinônimos poderem anteceder
a expressão (viver / andar / estar / continuar). Outro exemplo: Xatara (2002, p. 220) lista a
expressão estar com a cabeça longe mas no dicionário elaborado conjuntamente a este
trabalho essa EF foi listada sem o verbo estar (somente como com a cabeça longe), uma vez
que é possível usar vários verbos com a expressão, e não somente o verbo estar: viver / andar
/ ficar / continuar com a cabeça longe.
359
Uma hipótese inicial que poderia guiar a demarcação da EF seria a seguinte: quando
se encontra um enunciado em que aparece somente o complemento, sem o verbo, teríamos
indicações de que o verbo não seria parte integrante indispensável do grupo idiomático, e
poderia ser excluído da EF. Vamos aplicar esse teste em tomar umas e outras / beber umas e
outras: a expressão inclui o verbo ou é somente umas e outras? A ocorrência de um exemplo
real onde aparece o grupo umas e outras isolado, sem os verbos tomar ou beber, sugere a
exclusão do verbo como parte da expressão:
(28) Infeliz o dia em que o amigo do Carlinhos, após umas e outras, convenceu-o a levar
Gabi a Paris. (crônica em jornal)
Porém, existe também a possibilidade de se considerar o caso acima como um uso
reduzido da expressão, que eventualmente é possível empregar parte da EF. Por
exemplo, na revista IstoÉ (n
o
1806, 19 de maio de 2004, p. 17), aparece um título de artigo
com o nome Boca no trombone apesar disso temos evidência de que a expressão integral
inclui o verbo (botar a boca no trombone), que botar é o único verbo (junto com seu
sinônimo pôr) que aparece junto a boca no trombone. Também em Mello (1990, p. 40)
encontra-se a redução do provérbio pau que nasce torto morre torto:
(29) E não peia que jeito em pau que nasce torto, nem pancada que transforme um
sovina em generoso.
O uso de parte da expressão também acontece na fala comum: basta um trecho da EF
para evocá-la, como se vê no exemplo seguinte:
(30) Não vou entrar nessa não, sou gato escaldado.
Sendo assim, o emprego de parte da expressão não é um critério definitivo na
demarcação dos limites de uma EF.
Às vezes é evidente a inclusão do verbo no grupo idiomático. Por exemplo: o sentido
do grupo de fininho muda dependendo do verbo que o precede. Se o verbo é sair ou entrar, o
sentido é um, e se o verbo é pular, o sentido é outro, como se vê abaixo:
360
(31) Mas, se a gafe for devastadora, é melhor mudar de assunto ou sair de fininho. (revista) –
(significado: “sem ser notado, sem ser percebido”)
(32) A mulher dele é brava, traz ele num cortado, e ele tem de pular de fininho pra contentar
ela. (significado: “ter dificuldade em executar uma tarefa, se virar com dificuldade”)
Temos então duas expressões: sair de fininho e pular de fininho.
Também o grupo em conta possui significado diferente dependendo do verbo com o
qual co-ocorre: levar em conta significa “considerar” e ficar em conta significa “ficar barato,
custar pouco”. A presença do verbo implica uma diferenciação do significado do grupo assim
composto. A primeira hipótese é a de que o verbo contribui para a delimitação semântica do
grupo idiomático e por isso deve integrar o conjunto da EF. Mas no sentido de “barato”, a
expressão em conta pode aparecer com outros verbos (como sair em conta / estar em conta), e
mesmo sozinha. Portanto, nessa acepção o verbo não faz parte da EF. Conclui-se que teríamos
então duas EFs: levar em conta (que inclui o verbo) e em conta (com o significado de
“barato”, que não inclui o verbo).
Outro caso em que se a relevância da inclusão do verbo ocorre na expressão estar
numa boa (que significa “estar numa situação confortável, conveniente”). Pela lógica, se é
agradável estar numa boa, conclui-se que uma boa indica uma situação positiva. Por outro
lado, a EF escapar de uma boa / escapar de boa (com significado de “escapar de uma
situação perigosa ou inconveniente”) indica que uma boa, nesse caso, deve ser uma coisa
ruim. Veja-se o exemplo abaixo:
(33) O cobrador esteve esperando até agorinha mesmo por você. Você escapou de uma boa!
Vê-se então que uma boa tanto pode significar uma situação boa quanto uma situação
ruim. O que determina o significado positivo ou negativo é exclusivamente o verbo. A sua
presença torna-se então indispensável na caracterização do significado da EF, já que o grupo
uma boa pode indicar tanto uma coisa quanto o seu contrário. Às vezes um verbo específico
muda totalmente o sentido da expressão, e portanto nesses casos a sua presença é claramente
relevante na determinação do significado.
361
A imprecisão quanto ao contorno da EF dificulta o estabelecimento da entrada no
dicionário. Ou seja: se não se pode precisar se a expressão é estar de saco cheio, de saco
cheio ou saco cheio, não se sabe se a expressão deve ser colocada com a entrada na letra E, D
ou S. Para contornar esse problema, vários dicionários de expressões idiomáticas adotam a
conduta de procura seguindo uma tabela: procura-se em primeiro lugar o primeiro substantivo
da expressão; se a expressão não inclui um substantivo (como vai-e-vem), procura-se o
primeiro verbo; depois um adjetivo, e assim por diante. Essa é a regra adotada, por exemplo,
por Nascentes (1966, p. 9):
INSTRUÇÕES PARA O USO DO LIVRO
A indicação das expressões e das frases obedecem ao seguinte critério:
Havendo substantivos ou palavra substantivada, nêles é feita a indicação;
Seguem-se em ordem de preferência verbo, adjetivo, pronome e advérbio;
Existindo duas palavras da mesma categoria, a primeira tem preferência;
Os substantivos pessoa e coisa, o pronome alguém, quando não são parte essencial da
expressão, não se levam em conta;
Outro tanto os verbos auxiliares.
Essa decisão pode até amenizar o problema em alguns casos, mas não resolve a
questão. Requer o conhecimento, em última instância, de qual é o primeiro elemento da
classe (seja substantivo, verbo, adjetivo, etc). Ou seja, é preciso para isso definir um contorno
da expressão – mas é esse justamente o ponto de dificuldade.
Outra inconveniência dos critérios acima elencados refere-se ao fato de a procura se
dar pelo primeiro substantivo. Vamos então imaginar a situação de um indivíduo que encontra
a oração fazia um frio de rachar e vai procurar o que significa fazer um frio de rachar”.
Como o limite da EF não é claramente identificável, é possível que a pessoa procure o
primeiro substantivo, ou seja, frio. No entanto, o dicionário Antenor Nascentes (1966) registra
somente o verbete calor de rachar. Portanto, se o significado fosse procurado no primeiro
substantivo, não seria encontrado, porque o primeiro substantivo pode variar: frio ou calor
(mas quem não conhece a expressão não sabe disso). Na verdade, a EF é somente de rachar, e
que o substantivo varia (calor / frio / sol de rachar), pode ser considerado como parte não
integrante da EF.
Outro caso parecido acontece com a expressão história da carochinha. Se a
localização se der pelo primeiro substantivo, deverá ser procurada a palavra história, mas a
expressão pode estar listada em conto, já que a expressão conto da carochinha é uma variante
de história da carochinha. Por isso a procura pelo primeiro substantivo, verbo, etc, não
362
resolve o problema: (a) se não se sabe o início da expressão, não se pode identificar qual é o
primeiro elemento; e (b) como há variantes da mesma EF, o início da expressão pode mudar.
Outros dicionários agrupam as expressões pela sua “palavra-chave”. Na falta de uma
definição inequívoca e objetiva do que vem a ser uma palavra-chave, permanece a dificuldade
de se encontrar a expressão e seu significado no dicionário.
Outros autores, como Jorge e Jorge (1997), separaram as EFs em categorias
semânticas, com base na intenção comunicativa, dividindo-as e listando-as nos grupos
intitulados “advertências, calar, censurar, convencer, denunciar, desabafar, difamar, enganar,
falar mal, intrometer-se, lastimar-se, mentir, repetir, saudar e seduzir”, entre outros. Essa
classificação não ajuda em nada, porque se não se sabe o significado da expressão, não se
sabe em que categoria procurar a EF. Além disso, dentro das categorias semânticas retorna o
problema da apresentação da entrada por ordem alfabética e a dificuldade de se identificar o
início da expressão.
Essa dificuldade prática da listagem das expressões coloca um grande problema para o
usuário, que não sabe onde procurar o verbete. A solução para esse impasse é a apresentação
do dicionário de EFs em formato eletrônico assim seria possível efetuar a busca da
expressão digitando qualquer palavra do grupo.
Essa imprecisão na delimitação do contorno das expressões não causa dificuldades
práticas na procura da EF no dicionário, mas configura problemas para a análise lingüística.
Uma vez que os limites da EF são imprecisos, torna-se igualmente impreciso o
estabelecimento das classes das EFs. Como mencionado, muitos lingüistas acreditam que
grande parte das EFs são constituídas por sintagmas verbais, mas essa análise está vinculada à
idéia de que o verbo estaria incluído na expressão, ou seja, existe a suposição de que a
configuração da borda inicial da expressão se iniciaria pelo verbo.
Como mencionado, uma análise possível é a de que, em casos em que existe uma
gama de verbos possíveis aliados a um complemento, a estrutura interna do grupo total seja
assim formada: EF = [colocação + parte fixa]. Haveria então a superposição de duas EFs: a
EF menor, formada pela parte fixa (como em debaixo do tapete) e a EF maior, formada
colocação que se adiciona à EF (como em jogar para debaixo do tapete / varrer para debaixo
do tapete). Essa análise prevê que a parte variável que se agrega à parte fixa constitui uma
colocação porque seu preenchimento não está totalmente livre, mas somente alguns poucos
itens são adequados naquela posição, o que justamente qualifica a construção como uma
colocação.
363
A própria parte fixa pode formar uma EF independente. Por exemplo, temos EFs
maiores e mais complexas em torno do núcleo duro de cal, que é ele próprio uma EF. Em
torno dessa EF ocorrem conjuntos de [colocação + parte fixa] como os
seguintes:
jogar
uma de cal / deitar uma de cal / pôr uma de cal / colocar uma de cal (sobre um
assunto / em um assunto), com o significado de “encerrar o assunto, esquecer do fato, dar um
fato por encerrado”. Por exemplo:
(34) O vice-presidente negou que o segundo mandato do presidente Lula venha a pôr uma
de cal na era Palocci. (rádio)
Mas também é possível o uso isolado da parte fixa , como se vê nos exemplos abaixo:
(35) A pá de cal no pedido de informação foi uma carta de duas laudas enviada pelo deputado
CB, que se recusou a prestar as informações à Câmara, argumentando que o dispositivo legal
ainda não está regulamentado. (jornal)
(36)
O 3 a 1 seria uma pá de cal nas esperanças do Charlton. (TV)
Casos como esse, em que uma escolha restrita de um dos componentes do bloco,
reafirmam a análise de que construções como jogar uma de cal / pôr uma de cal são
formadas a partir da fórmula [colocação + parte fixa] e que, além disso, a parte fixa pode
constituir sozinha uma EF, uma vez que pode ser usada independentemente no discurso, sem
ser precedida por nenhuma colocação.
7.10 Teste do bloqueio de propriedades transformacionais
As estruturas verbais do português admitem mudanças que geram estruturas
correspondentes a que geralmente se dá o nome de “transformações” (sem querer com isso
endossar nenhuma teoria gramatical). Por exemplo, é possível topicalizar parte de uma oração
(como eu não como esse bolo > esse bolo eu não como), é possível passivizar construções
ativas (com exceções), é possível relativizar SNs (como Mário escreveu esse livro > esse
livro que Mário escreveu...) e é possível construir sentenças clivadas (como foi esse livro que
364
Mário escreveu). No caso das EFs, essas propriedades não se aplicam da mesma maneira
como em sintagmas verbais construídos composicionalmente.
Vamos examinar algumas EFs, testando as propriedades transformacionais:
- eu não gosto de ficar batendo boca > *boca, eu não gosto de ficar batendo
- você misturou alhos com bugalhos > * alhos foram misturados com bugalhos (por você)
- não convém levantar a lebre > *a lebre que não convém levantar...
- ele bateu com a língua nos dentes > *foi com a língua que ele bateu nos dentes
No caso das locuções o quadro é semelhante:
-
um bóia-fria > *a frieza do bóia / *um bóia muito fria / *esse bóia é fria
- a caixa-preta do avião > * o pretume da caixa do avião / *a caixa muito preta do avião
/ *a caixa do avião é preta
Vê-se com esses exemplos que também do ponto de vista sintático as EFs têm um
comportamento idiossincrático, e nem sempre seguem os padrões gramaticais da língua. O
teste relativo à possibilidade de clivagem, passivização, topicalização, relativização e
nominalização (para qualificativos em SNs) pode revelar grupos cristalizados que não aceitam
modificações estruturais.
*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*
É possível que os critérios aqui apresentados sejam ainda insuficientes para distinguir
um ou outro caso limítrofe, de difícil decisão quanto à inclusão ou não dentro do quadro das
EFs ou, alternativamente, no conjunto dos sintagmas construídos composicionalmente.
Diferentemente de outras disciplinas absolutas, a língua é flexível e escapa freqüentemente a
tentativas de aprisionamento e de definições rígidas. As categorias lingüísticas não são
estanques e discretas; ao contrário, são difusas e de contornos imprecisos, sendo melhor
caracterizadas a partir de um conjunto de traços. As EFs não escapam a essa condição, de
forma que estruturas prototípicas, que possuem todos os traços das EFs, com inclusão
indiscutível nesse grupo (como por exemplo bater papo ou de cabo a rabo); e outras
estruturas que têm alguns traços mas não todos, de forma que não são tão típicas da classe e
sua inclusão no grupo das EFs não é tão nítida.
365
8 Conclusão
O estudo lingüístico sempre considerou como unidades as palavras (e, em alguns
casos, os morfemas) que se estruturavam na composição das sentenças. Com esse tipo de
visão, a análise identificou as propriedades formais, as restrições de emprego e a ordem
combinatória das palavras. Mas as unidades lingüísticas podem ser maiores: a língua também
inclui unidades complexas, formadas por grupos de palavras cristalizados. Chamamos
“expressões fixas” a esses conjuntos convencionais, memorizados em bloco, de constituição
interna muitas vezes idiossincrática não somente por características semânticas não
composicionais, mas também pela estrutura sintática, que em certos casos foge aos
parâmetros fixados para as construções regulares. Nesse novo quadro, que amplia a
concepção de unidade lingüística, as regras sintáticas e semânticas que se aplicam às palavras
isoladas e aos sintagmas construídos pelos falantes nem sempre são mantidas.
Costuma-se pensar que a estrutura sintática interna das EFs seria “regular” (no sentido
de que não existiriam rupturas com relação às formações sintáticas previstas na ngua). No
entanto, pode-se observar nas EFs casos de composições sintáticas idiossincráticas em vários
níveis, como por exemplo: palavras que normalmente pertencem à classe dos verbos, mas que
na EF não funcionam como tal (como nas EFs quer dizer ou será que...); marcação de gênero
e número idiossincrática (como em haja vista, dar as caras ou comes e bebes); valência
verbal exclusiva da EF (como em a bagunça comeu solta, onde o sujeito não tem o papel
temático de agente, como normalmente ocorre com o verbo comer); composição interna do
sintagma imprevisível (como na EF em breve, onde depois da preposição aparece um
qualificativo e não um nome), palavras que não se encaixam nas classes tradicionais (como a
palavra enquanto na EF por enquanto); proibição de presença de artigo antes de substantivo
comum (como em ante ou fazer hora); uso de anáforas sem referente (como em ora
essa!, ficar elas por elas ou sem mais aquela); sujeito posposto obrigatório (como em mal
sabem eles) e tantas outras particularidades sintáticas. As EFs apresentam ainda idiossincrasia
lexical, incluindo palavras que não existem fora da expressão (como mentira deslavada ou
trazer à baila) e significado global não composicional (como em aos trancos e barrancos,
dar o prego, de lascar o cano ou fazer gato e sapato). Esses fatos mostram que as EFs
subvertem as regras ou restrições que funcionam na composição produtiva dos sintagmas, e
366
que a estrutura interna das expressões fixas não é analisável em termos das condições
sintático-semânticas que operam nas construções livres da língua.
Essas novas propriedades encontradas nas EFs poderiam ser consideradas
epifenômenos ou traços marginais, caso as EFs constituíssem um fenômeno restrito, de
pequeno número, incluindo poucos elementos e de ocorrência pouco freqüente. No entanto, o
levantamento das EFs do português brasileiro evidencia um quadro oposto a esse: as EFs são
em número muito grande (em comparação com a média do vocabulário de uso dos falantes) e
de emprego freqüente em qualquer registro muito mais freqüente do que se costuma admitir
na literatura lingüística. Já que é assim, não se pode tratar a língua sem englobar na análise as
expressões fixas, uma vez que representam uma parte significativa da competência do falante
e do uso lingüístico espontâneo, tanto oral quanto escrito.
É interessante observar que não são todos os desvios que ocorrem nas EFs. Por
exemplo, não há nenhuma EF onde o artigo apareça depois do nome. Porque acontecem certas
idiossincrasias e não outras? Quais são os desvios permitidos, e porque outros não ocorrem, é
um trabalho interessante a ser pesquisado. Seque a inexistência de algumas rupturas (como
a inversão da ordem Determinante-Nome) é simplesmente acidental, ou há forças na língua de
manutenção de certos parâmetros que são mais fortes do que outros? normas estruturais e
lexicais mais resistentes a rupturas? uma hierarquia de forças dentro da gramática?
regras lingüísticas que são mais características da ngua e mais rígidas do que outras, que
seriam por sua vez mais maleáveis e flexíveis, mais suscetíveis a mudanças? As regras da
língua têm todas o mesmo status, ou haveria uma hierarquia de importância e de rigidez?
Como esses, ainda outras características das EFs que merecem investigação, como por
exemplo:
Estabelecimento de critérios para a demarcação dos limites da EF, de forma a
precisar com nitidez os contornos da expressão e, do ponto de vista
lexicográfico, permitir a identificação inequívoca da entrada lexical. Por
exemplo: a expressão seria deixar no ora veja (podendo alternar com ficar no
ora veja) ou a expressão é no ora veja, ou ainda quem sabe ora veja?
Somente depois de se compreender os limites da EF seria possível definir a
classe à qual pertence e proceder à contagem da porcentagem das expressões
fixas em termos de classes sintáticas.
367
Considerações psicolingüísticas: as crianças usam EFs tanto quanto os adultos?
A diferença de uso (se houver) recai sobre algum tipo em particular de EF
(como talvez os provérbios, por exemplo)? O número de EFs usados pelos
adultos e crianças é proporcionalmente semelhante, considerando-se a
amplitude lexical de cada grupo e a freqüência de uso de cada EF?
Geralmente imagina-se que os adultos usariam mais EFs, mas tal fato
não foi quantificado e nem mesmo comprovado. Se essa hipótese for
verdadeira (o que não é óbvio), seria preciso considerar se a possível diferença
poderia ser atribuída, por exemplo:
a) à memória: ao fato de as expressões serem compostas de grupos de
palavras, e portanto demandarem maior esforço na memorização para uma
recuperação literal (não semântica e não composicional);
b) à freqüência: ao fato de as expressões se configurarem e serem
identificadas como unidades fixas a partir da freqüência de uso. Assim, a
criança entenderia o grupo como não composicional depois de confrontada
com um grande número de formações idênticas o que demandaria maior
tempo de exposição à língua;
c) variabilidade: ao fato de as EFs, apesar de fixas, admitirem variabilidade
em certos pontos idiossincraticamente determinados para cada EF; a
compreensão de um bloco como EF demanda portanto também uma
percepção analítica do conjunto, verificando o que pode ser substituído ou
acrescentado em cada caso.
Estudo das condições que determinam a longevidade das EFs. Algumas
expressões caem de moda e adquirem sabor arcaico, como por exemplo à
socapa ou não me venhas de borzeguins ao leito. Outras permanecem por
séculos, como por exemplo dar satisfação e a morte da bezerra, cujo uso é
atestado em 1612:
(1) “E tanto que lhe untam as mãos [atualmente “molhar a mão”] com moeda corrente, logo os
deixam escorregar dellas, avisando-os, por lhes fazerem mercê á puridade, que não appareçam
os oito dias seguintes até darem á vella: e aos circumstantes que acudiram a vêr a morte da
bezerra, dão satisfação com deixem passar, senhores, estes fidalgos que são familiares.
(Pe. Antônio Vieira [atrib.], 1612, edição 1999, p. 54).
368
Outras expressões sofrem modificações, como se no mesmo exemplo
anterior, onde a forma do século XVII untar as mãos é usada no século XXI
com o formato molhar as mãos. Parece então que o estudo diacrônico pode se
mostrar interessante no sentido de revelar forças contrárias à mudança
lingüística.
Elaboração de um estudo contrastivo da forma das EFs em várias línguas.
Ainda do ponto de vista diacrônico, seria interessante estudar as coincidências
em várias línguas, que é possível encontrar uma identidade semântica e
estrutural das EFs em línguas diferentes. Ora, se as EFs são idiossincráticas e
de construção arbitrária, como seria possível que duas línguas diferentes
tivessem EFs iguais? Algumas hipóteses poderiam explicar o fenômeno: uma
delas seria a transferência por contato lingüístico, e outra a de que essas
expressões existiriam em latim vulgar ou em alguma outra língua originária,
conservando-se desde essa época, e passando para as línguas a forma e o
significado idiossincrático do grupo. Assim, o estudo contrastivo das EFs
poderia talvez recuperar traços de formas não registradas de uma origem
comum.
Estudo de variações diatópicas e dialetológicas. Apesar da cristalização e da
relativa estabilidade das EFs, não equivalência entre várias EFs usadas em
Portugal e no Brasil, o que é outro ponto de mudança diacrônica, indicando
assim mais um elemento de separação entre o português e o brasileiro. O
quadro abaixo reproduz algumas dessas diferenças, com base no que foi
apresentado por Valente, R. S., 2002, apud Ilari e Basso, 2006, p. 159, e
também em Jorge e Jorge (1997):
369
QUADRO 15
Comparação entre EFs no português de Portugal e do Brasil – exemplos de casos
N
o
Significado EF usada em Portugal EF usada no Brasil
01 comprar barato comprar a troco de reza comprar por uma ninharia
02 chover muito chover a potes chover canivete
03 apanhar muito apanhar pela medida grande apanhar feito cachorro sem dono
04 comer pouco comer como um pisco comer feito um passarinho
05 censurar passar uma rabecada / dar um
raspanço / dar uma esfrega
dar uma chamada / dar uma dura /
dar uma sentada
06 falar mal cortar na casaca descer a lenha / meter a língua
07 difamar deitar veneno fazer veneno
08 vai embora, me
deixa em paz
vai bugiar / vai cavar batatas /
vai chatear o seu tio que é padre
vai ver se eu estou na esquina /
vai plantar batata / vai sambar
No território brasileiro, observa-se que EFs tipicamente regionais, usadas
numa área geográfica específica, como cabra da peste, usada no nordeste; ou
estar apurado (estar precisando ir ao banheiro), usada no dialeto do Paraná
(apud Wanke, 2001); ou bunda-canastra (cambalhota), usada em Pernambuco
(apud Bernardino, 2002); ou pro mode (para) e em riba (em cima), usadas em
dialetos mineiros. Sendo assim, o estudo diatópico das EFs pode auxiliar na
demarcação de um mapa dialetológico brasileiro.
Todos esses são pontos interessantes que ainda merecem estudo. A pesquisa aqui
apresentada investigou somente alguns dos aspectos relativos às expressões fixas do
português brasileiro contemporâneo. As conclusões a que se chegou podem ser assim
resumidas:
1) Diferentemente do que geralmente se pensa, nem sempre as EFs seguem as regras
da língua. Costumava-se entender as EFs como estruturas congeladas mas
regulares, isto é, adequadas aos parâmetros da língua e moldadas em consonância
com as restrições gramaticais. No entanto, os dados indicam que a estrutura
interna das EFs nem sempre se conforma aos padrões gramaticais que regem a
montagem de sintagmas. As EFs aceitam a violação de condições estruturais e
semânticas de natureza diversa, infringem muitas vezes padrões lexicais,
semânticos ou formais que funcionam para o restante da língua, sendo que tal fato
370
nem mesmo é percebido pelos falantes. A não conformação com as regras da
língua (semânticas e sintáticas) é um dos critérios para a identificação de EFs.
2) Diferentemente do que geralmente se pensa, a origem metafórica não é uma
condição necessária nem de alta freqüência nas EFs, uma vez que muitas EFs não
envolvem nenhum tipo de relação metafórica identificável que possa tê-las
gerado. Além disso, a possível origem metafórica, quando existe, representa um
traço diacrônico, não utilizado sincronicamente pelos falantes proficientes na
recuperação do significado do grupo memorizado.
3) Outra consideração importante consiste na necessidade de distinção entre dois
tipos de estruturas de significado não-literal: (a) as construções metafóricas
neológicas, onde há um trabalho do receptor na montagem do significado, e (b) as
expressões fixas, onde não nenhum trabalho de processamento por parte do
receptor proficiente, uma vez que o significado do bloco se encontra
armazenado na memória lexical dos falantes da língua.
4) Diferentemente do que geralmente se pensa, as EFs não são formadas
prioritariamente por sintagmas verbais, ou seja, pela estrutura [verbo +
complemento]. sim vários casos dessa construção (como comer mosca, pintar
o sete, dar bandeira), mas também uma grande quantidade de EFs que não são
SVs (como quem sabe, sexto sentido, a prata da casa, a bem da verdade, a certa
altura, em primeira mão, da virada, na calada da noite, à queima-roupa, sem
quê nem pra quê, por enquanto, bom dia, pé-de-cabra, se ficar o bicho pega se
correr o bicho come, o caldo entornar
,
o mar não está pra peixe, o feitiço virar
contra o feiticeiro, o tempo limpar, o mundo cair, o mundo voltas,
a meu ver,
alto lá! e tantas outras). A idéia de que as EFs seriam formadas quase que
exclusivamente por construções de SV que se mostra não aderente aos fatos
comprova a necessidade da postura empírica e do levantamento de dados
exaustivos antes de se passar à análise da língua.
5) Diferentemente do que geralmente se pensa, as EFs não são típicas da linguagem
coloquial. Esse tipo de confusão aparece por exemplo em Xatara (1994), quando
afirma que as expressões idiomáticas são criações lingüísticas de origem
371
popular” (p. 1), “sobretudo da linguagem oral” (p. 8) e que, “sendo a língua
(langue) o objeto da lingüística, os idiomatismos foram automaticamente
excluídos por pertencerem, a priori, à fala (parole)” (p. 4). Ora, as EFs fazem
parte da competência do falante (e conseqüentemente da langue) e não são
exclusivas de textos orais, uma vez que aparecem comumente em textos escritos,
de qualquer nível de formalidade, sem que tal fato cause espanto ou impacto por
um hipotético choque de registros. inclusive EFs que são usadas
exclusivamente em língua escrita formal (como por conseguinte, em tela, à guisa
de, até mais ver, com o fito de, dar de ombros, de mais a mais, macacos me
mordam, tão-somente, em tempo, fazer mister ou isto posto). As EFs são simples
fatos da língua. Não são típicas nem da língua oral, nem coloquial, nem são
indicativas de baixo nível de escolaridade. A prova está no grande número de
exemplos de EFs coletados em textos escritos (jornais, revistas e livros).
6) Diferentemente do que geralmente se pensa, não é possível evitar o emprego de
EFs em textos orais ou escritos. Autores normativistas tratam certas expressões
como “chavões”, e dão a elas o carimbo de “construções inadequadas a evitar”. Se
a idéia de evitar sintagmas prontos e construções padronizadas fosse posta em
prática de forma generalizada para todo o grupo das EFs, chegaríamos a uma
língua bem diferente da que é usada hoje. O fato é que os enunciados, sejam orais
sejam escritos, são permeados de constantes e inúmeros usos de expressões fixas.
7) Tendo em vista a grande quantidade e a freqüência de uso das EFs, não se pode
tratar o grupo como marginal. A constância no emprego de EFs sugere que não é
possível imaginar uma teoria lingüística adequada para o português que não
incorpore as EFs como um traço proeminente da língua.
8) As EFs são estruturas que, por um lado, têm características de sintagma e, por
outro, apresentam características semânticas e formais muito próximas das
palavras da língua. Pelo menos do ponto de vista semântico, bem como com
relação ao aspecto da memorização, podem ser consideradas um único item
léxico.
372
9) Do ponto de vista da composição semântica interna, as EFs apresentam
idiossincrasias inexplicáveis (por exemplo: porque se diz pintar o sete ou pagar
mico? porque o uso de pintar, sete, pagar e mico, se nas EFs tais palavras não
têm nenhum traço semelhante ao significado dessas mesmas palavras tomadas
isoladamente?). Talvez diacronicamente seja possível encontrar respostas, mas do
ponto de vista sincrônico tais respostas, mesmo se eventualmente encontradas,
seriam irrelevantes. O falante não conhece a gênese das EFs e não usa de
montagem do significado para o reconhecimento e emprego das EFs, que são
recuperadas da memória em bloco, com um significado aplicado integralmente
ao grupo. Na depreensão do significado das EFs o falante não usa da
composicionalidade ao contrário, atribui ao grupo o significado convencional
memorizado.
10) Do ponto de vista didático, é indispensável incluir as EFs no arsenal de
conhecimentos oferecidos aos aprendizes de língua estrangeira. Os fatores que
apontam para essa necessidade incluem constatações como:
(a) as EFs são elementos léxicos de alta freqüência;
(b) se o seu significado não pode ser depreendido por montagem do sentido das
partes, é preciso que o aprendiz memorize o grupo e seu significado de forma
global, assim como opera a aprendizagem de qualquer palavra da língua;
(c) a distinção entre um falante nativo e um não-nativo é feita, entre outras coisas,
pela proficiência no uso das expressões fixas, sobretudo no que tange ao uso de
colocações e fórmulas discursivas.
11) As EFs não são estruturas gidas, imutáveis. A cristalização e a fixidez não são
totais. Muitas EFs possuem formas alternativas, que eventualmente incluem
variações até mesmo com termos que não são sinônimos, como
ensinar padre-
nosso ao vigário / ensinar o padre a rezar, ou então forçar a barra / forçar a
mão. Além disso, pode-se acrescentar a constatação de modificação diacrônica,
verificada na pesquisa realizada em dicionários de décadas passadas, o que indica
a não cristalização permanente do bloco.
12) Apesar de as EFs serem memorizadas como um bloco e se comportarem
semanticamente como uma unidade de significado, e apesar de não serem
373
processadas composicionalmente item por item, é também verdade que o falante é
capaz de reconhecer as partes integrantes da estrutura, provavelmente em
decorrência de uma ativação secundária dos componentes internos da EF. O
falante às vezes manipula intencionalmente e altera a composição interna de uma
EF com a intenção de criar certo efeito discursivo, geralmente com finalidade
humorística. Tal efeito é especialmente recorrente na mídia e em textos
publicitários.
13) E finalmente, uma das conclusões de maior peso no âmbito desta pesquisa: a
constatação de que o conhecimento da língua inclui uma grande carga de
memorização de fatos lingüísticos muito maior do que se tem admitido até o
momento. O desenvolvimento desta pesquisa acabou por ressaltar o fato
inquestionável de que o falante decora fenômenos fonológicos, morfológicos e
sintáticos, além das informações lexicais incluídas as EFs –, sendo cada um
desses fatos codificado individualmente, um a um, e estocado unitariamente na
memória lingüística.
Do ponto de vista da teoria lingüística, não se pode considerar adequada a
descrição que trata a língua como um sistema exclusivamente gerativo. O sistema
esqueletal ou algorítmico não conta do tratamento das EFs, e assim
desconsidera um fato corriqueiro e de alta freqüência nos enunciados orais e
escritos. É preciso redimencionar a importância da memorização no conhecimento
lingüístico e a sua participação na construção dos enunciados, a partir do
reconhecimento de que o falante/ouvinte retoma não só palavras mas também
estruturas complexas (formadas por mais de uma palavra) presentes no léxico
mental.
Todos esses foram pontos que se evidenciaram ao longo desta pesquisa. Espero que as
considerações aqui apresentadas sirvam para trazer luz a uma questão a que se pouca
ênfase nos estudos lingüísticos. A pesquisa sobre lexicologia, e sobretudo aquela relativa às
expressões fixas, foi por muitos e muitas vezes considerada uma área não muito interessante,
não problemática e constituída somente por uma listagem de itens; no entanto, o exame dos
dados revela uma situação completamente diversa e aponta para um campo bastante
complexo, permeado de questões e dificuldades não trabalhadas e não resolvidas pelas
posições teóricas em voga.
374
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REFERÊNCIAS DE DICIONÁRIOS CONSULTADOS
Obs: No início da referência é citado o número do dicionário que foi utilizado para a citação
de fonte no corpo da tese e no texto da listagem de EFs (cujo excerto é apresentado no
apêndice 13). Para facilidade de consulta, a ordem de apresentação segue essa numeração.
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edição,
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[d6] SILVA, Euclides Carneiro da. Dicionário da gíria brasileira. Rio de Janeiro: Bloch
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[d7] CABRAL, Tomé. Novo dicionário de termos e expressões populares. Fortaleza: Edições
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[d9] Meu primeiro livro de palavras um dicionário ilustrado do português de A a Z
Editora Ática
[d10] NASCENTES, Antenor. Tesouro da Fraseologia Brasileira. Rio de Janeiro: Livraria
Freitas Bastos S.A., 2
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[d11] LACERDA, Roberto Cortes de; LACERDA, Helena da Costa Cortes de; ABREU,
Estela dos Santos. Dicionário de Provérbios Francês
Português
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[d12] ROCHA, Antônio de Abreu. Da fala nossa de cada dia nas Minas Gerais: glossário de
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[d13] PRATA, Mário. Mas será o Benedito? dicionário de provérbios, expressões e ditos
populares. 18
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edição, São Paulo : Globo, 2003.
[d14] MAGALHÃES Jr., Raimundo. Dicionário de Curiosidades VerbaisGírias · Locuções
· Provérbios e Ditados · Frases Feitas · Etimologias Pitorescas · Citações. Editora Tecnoprint
(Ediouro), 6
a
edição, s/d.
[d15] CASCUDO, Luís da Câmara. Locuções tradicionais no Brasil. 2
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edição, Rio de
Janeiro: FUNARTE, 1977.
[d16] XATARA, Claudia; OLIVEIRA, Wanda Leonardo de. Dicionário de Provérbios,
idiomatismos e palavrões – Francês-Português / Português-Francês. São Paulo: Cultura, 2002.
[d17] MELLO, Thiago de. O povo sabe o que diz. São Paulo: Sver & Boccato, 1990.
[d18] TAGNIN, Stella Ortweiler. Expressões idiomáticas e convencionais. São Paulo: Ática,
1989. [obs: não se trata de um dicionário, e sim de um livro, mas que também serviu de fonte
de consulta de expressões fixas]
[d19] FERNANDES, Francisco. Dicionário de verbos e regimes. Rio de Janeiro: Editora
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[d20] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário eletrônico Aurélio versão
eletrônica 5.0, 3
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Carlos Pinto Pereira.
384
APÊNDICE 1
QUADRO 1 – continuação
EFs sem origem metafórica discernível – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa Exemplo de uso (contextualização)
24 de marca maior Ela é dissimulada, falsa, uma mentirosa de marca maior.
25 de junto / de
pés juntos :
jurar de junto/
negar de
junto
Não raro, todos juram de pés juntos que não têm intenção de
acusar ou controlar, mas acusam e controlam. (revista)
26 do cão Hoje tá um frio do cão! [obs: só usado em sentido negativo]
27 do caralho Essas pinturas são do caralho, muito legais mesmo.
28 do cu riscado O Joãozinho faz bagunça a aula inteira. Êta menino do cu riscado!
29 elogio rasgado A Ju recebeu uma carta da direção do hospital fazendo elogios
rasgados, porque uns pacientes escreveram para o hospital falando
bem dela.
30 em prol O feng-shui técnica milenar chinesa de harmonização de
ambientes é adaptado em prol da beleza do rosto e do corpo.
(revista)
31 encher lingüiça O meu problema é que tem de escrever muitas páginas e eu sou
sintética, não consigo encher lingüiça. [obs: a expressão é inclusive
contraditória: na construção do significado literal a
pressuposição da existência de uma lingüiça, ou seja, é necessário
que se tenha a lingüiça; mas no sentido idiomático a expressão
significa fazer coisas desnecessárias]
32 entregar os
pontos
O time do Arsenal entregou os pontos. O Barcelona fica batendo
bola e eles nem tentam tomar. (TV)
33 erro crasso Erros crassos poluem as placas rodoviárias. A erva daninha está
espalhada pelo País inteiro e até mesmo em certos veículos de
comunicação. (jornal)
34 estar careca de
+ V : estar careca
de saber
“Jornalistas não escrevem besteiras, o mundo está careca de
saber”, defende sempre este meu companheiro de jornadas,
Janistraquis de Azevedo Varejão, filho dos confins do Nordeste mas
com temperamento e jogo-de-cintura típicos de mineiros nascidos
entre Bocaiúva e Pará de Minas, berços de Maria Alkimin e
Benedito Valadares. (livro)
35 falar pelos
cotovelos
Lula fala pelos cotovelos, meteu os pés pelas mãos, não sabe onde
tem o nariz, deu um passo maior do que as pernas, tudo lhe entra
por um ouvido e sai pelo outro, tem o olho maior do que a barriga,
fala dos outros pelas costas, e não é mais unha e carne com
Palocci? (crônica de Millôr na revista Veja n. 1921)
36 feliz da vida O Chico estava feliz da vida porque passou no vestibular.
37 ficar de burro Ela é muito susceptível. Qualquer coisinha que a gente diz ela se
sente magoada e fica de burro.
38 ficar buzina Eu fiquei buzina quando soube que ele tinha me desobedecido.
39 ficar tiririca de
raiva
Chega. Cansei. Fiquei tiririca (tulo de artigo em revista, que inicia
assim: A crise da Varig estressou Carlos Wilson, presidente da
Infraero.”)
40 lapa de pé Ele calça 44? Mas que lapa de pé!
385
41 levado da breca O Artur é um menino muito ativo, mas é levado da breca.
42 levantar a lebre Nenhum órgão de comunicação ou de investigação teve coragem
de “levantar a lebre”. (revista)
43 mão-de-vaca Celta o mão-de-vaca mais querido do Brasil (propaganda) [obs:
uma contradição lógica, porque a vaca tem a pata aberta, e
não uma mão fechada como seria de se supor para a referência a
uma pessoa sovina]
44 mentira
cabeluda /
mentira
deslavada
Ela disse que eu faço favor e fico cobrando? Mas eu nunca cobrei
nada! Isso é uma mentira cabeluda!
45 meter o bedelho Os controles interno e externo, na visão do jurista Bandeira de Mello,
são feitos pelo Conselho de Administração e pela Eletrobrás – e
ninguém mais. Nem o Supremo mete o bedelho ali. (revista)
[obs: não existe bedelho sozinho, e portanto não se pode imaginar
uma metáfora para isso]
46 banho-maria Por ora vamos deixar esse suspeito de lado, cozinhando em banho-
maria. (TV)
47 novo em folha O médico disse que você vai ficar novinho em folha. (TV)
48 onde o Judas
perdeu as botas
é tempo de esclarecer que o Céu fica aqui mesmo na Terra, é o
Clube Esportivo Ultra-Leve, no fim da Barra da Tijuca, bem
pertinho do lugar onde o Judas perdeu as botas. (livro)
49 pagar mico - É, mãe, que não tem outro jeito, a gente até paga esse mico,
completou a caçula. (crônica)
50 pão-duro O cartão muitas facilidades, mas deixa tudo meio virtual. Pagar
com dinheiro é diferente, é real. Parece que a gente fica mais pão-
duro. (revista)
51 pé-de-moleque O Brasil tem um pé no samba. [...] Tem pé-de-moleque. Pé-de-
chumbo. Pé-de-galinha (que é o pé-de-meia do cirurgião plástico).
(propaganda de sandálias Havaianas – revista)
52 pintar o sete Dentre as lições proverbiais” usadas em família para “botar nos
eixos” a meninada que pintava o sete”, algumas jamais me saíram
da memória, hoje vacilante pelos anos vividos. (artigo em revista
de lingüística)
53 cheio de nove
horas
Enfim, o que sei é o que todo mundo sabe. Que o sujeito cheio de
nove-horas é um ser enigmático e susceptível. Um birrento, cheio de
nós pelas costas. O que não quer dizer, nem de longe, que se trata
de um mau sujeito. (livro)
54 podre de rico Ele perdeu tudo o que tinha, mas deu a volta por cima e hoje é
podre de rico.
55 pois não – Você poderia me ajudar?
Pois não.
56 pra burro Doeu pra burro.
57 pra chuchu Doeu pra chuchu.
58 pra danar A raiva que temos do mau motorista também é feia pra danar.
(jornal)
59 pular carniça Tem uma porção de brincadeiras antigas que as crianças modernas
nem ligam mais. Pular carniça, brincar de roda e andar de carrinho
de rolimã são coisas de outras gerações.
386
60 que nem
(comparativo)
A dor de cabeça passou completamente: foi que nem tirar com a
mão.
61 que saco! Detesto ariar panela. Que saco!
62 que tal Entregue os problemas nas mãos de Deus e que tal um cafezinho
gostoso agora? (crônica de Arnaldo Jabor)
63 sem eira nem
beira
la não devia casar com ele não, que ele é um rapado sem eira
nem beira.
64 tal qual Se o leitor não sabe o que é PAC é porque, tal qual o presidente da
Câmara, A. R., morreu de sono durante o discurso de posse de Lula
no Congresso. (revista)
65 tintim por tintim O Imetro analisou os rótulos, tintim por tintim. (TV)
66 tirar de letra Quem diz que Suzana Vieira, capaz de tirar de letra cenas de tórrida
paixão em novelas, tem 64 anos? (revista)
387
APÊNDICE 2
QUADRO 3 – continuação
EFs com lacunas: fórmulas variáveis do português – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa Exemplo de uso (contextualização)
21
a coisa mais + Qual. + do mundo
Isso é a coisa mais chata do mundo.
(significado: intensificador)
22 acabar + V (gerúndio)
(significado: tomar por fim tal atitude)
A construtora acabou tendo de admitir o erro.
23 ainda está para nascer + SN
(sujeito posposto obrigatório)
Ainda está pra nascer quem consiga derrubar
ele numa discussão.
24 bater um /uma + N
(significado: “acontecer de repente” -
conotação de emoção negativa)
Me bateu uma tristeza, e eu acabei abrindo a
boca.
25 dar de + O (V infinitivo) /
dar para + O (V infinitivo)
Agora ele deu de beber. / Ele deu para beber.
(significado: passar a ter um hábito)
26 dar para + O (V infinitivo)
(significado: ser possível)
Dá pra entregar no mesmo dia?
27 dar uma de + nominal (= Qual. / Nome)
/ dar aquela de + nominal (Qual. /
Nome) :
dar uma de bacana / dar uma de
bobo / dar uma de honesto
Não quero dar uma de detetive. (livro)
28 deixa eu te + SV (V infinitivo)
(não é pedido de permissão, e sim um
expletivo, às vezes usado para tomada
de turno discursivo)
Deixa eu te contar (xô te contar) : você lembra
daquele cara [...]
29 do alto de + [número] Do alto de meus 69 anos de idade, vejo que o
nosso jornal Pampulha vai longe! (jornal)
30 em questão de + [período de tempo] Em questão de minutos Florípedes [uma cobra]
começou a comer a outra, sob nosso olhar
atônito e total impotência. (crônica em jornal)
31 em tudo quanto é + N Eu procurei em tudo quanto é canto e não
achei.
32 estar cansado de + O (V infinitivo) Estou cansada de repetir isso e ninguém me
obedece!
33 estar careca de + O (V infinitivo) “Jornalistas não escrevem besteiras, o mundo
está careca de saber”, defende sempre este
meu companheiro de jornadas, Janistraquis de
Azevedo Varejão [...] (livro)
34 estar cheio de + O (V infinitivo)
(significado: estar cansado, estar
enfarado)
Estou cheio de ver você repetir sempre a
mesma história.
35 estar com + SN indicativo de sensação Esse ar condicionado está gelado. Estou com
um frio danado.
36 fazer de + N / fazer-se de + N
(fazer de besta / fazer-se de ingênuo)
Ela fica se fazendo de inocente, mas ela sabe
muito bem o que aconteceu.
388
37 ficar de + O (V infinitivo) Você ficou de ligar ontem e não ligou.
38 há que + O (V infinitivo) O Judiciário precisa de gente, ou seja, precisa
de mais vagas para juízes sim, que investir
no Judiciário. (revista)
39 foi lá e + SV Aí ele ficou puto, foi lá e deu um berro.
40 haja + N Haja paciência! / Haja fôlego (revista)
41 inventar de + O (V infinitivo) A cia , a essa altura do campeonato,
inventou de fazer doutorado.
42 mais + nominal (N /Qual.) +
que nunca
Mais candidato que nunca (título em revista)
43 mais + Qual. (do) que + SN Esse pessoal da política é mais sujo do que pau
de galinheiro.
44 morrer com + [quantia] Vou ter de morrer com 600 pilas para comprar
o presente mais barato dessa lista de
casamento.
45 morrer de + N Morrem de inveja por não morar em Curitiba
(título de revista)
46 N + da vez Qual é a dieta da vez para usar manequim 38?
(revista)
47 N + -chave : testemunha-chave, item-
chave, posto-chave, etc
Os pesquisadores descobriram uma faceta
extraordinária desse processo justamente na
fase de sono REM. Nela, uma substância-
chave está com sua atividade reduzida no
cérebro. (revista)
48 N + de Deus Onde é que você achou esse cachorrinho,
homem de Deus?
49 N + de fundo de quintal Ela tem de procurar uma editora grande, com
boa divulgação, e não uma editorazinha de
fundo de quintal.
50 N + de primeira viagem Para tranqüilizar os pais de primeira viagem,
algumas escolas encontraram um método que
tem se revelado eficiente: a consultoria
individual. (revista)
51 N + que se preza / N + que se preze Professor que se preza não bola pra
pedagogo. (livro)
52
não + V + alma viva / não + V +
vivalma
No Carnaval, não tem alma viva em BH.
53 não + V + bulhufas Não entendi bulhufas daquela conferência.
Pra mim o fulano não estava falando coisa
com coisa.
54 não + SV + e não gostar Você está criticando o artigo, mas nem sabe
direito do que se trata. Você é daquele tipo
do “não li e não gostei”.
55 não + V + nada com nada Esse aluno não tem a menor concatenação
lógica: ele não escreve nada com nada!
56 não + V + patavina Eu fiquei calado, não falei patavina.
57 não + V + um + N + sequer Apesar do tamanho da encrenca e da
limitação de pessoal, E. não recebeu um
policial sequer a mais para desenvolver a
investigação. (revista)
389
58 não ver a hora de + O (V infinitivo) Você não a hora de suas férias chegarem?
(propaganda – revista)
59 nem bem + O Nem bem o árbitro deu a saída e o Milan fez
um gol.
60 nem um pingo de + N /
nenhum pingo de + N
Por causa dessa rigidez de critérios é que muita
gente acredita sem nenhum pingo de razão
que os lingüistas querem abolir as regras
padronizadas. (livro)
61 não faz mal + O
(significado: não tem importância)
Não faz mal se você chegar atrasado.
62 N
i
+ em cima de + N
i
Deus ficou irado com Sua criatura, e a ira de
Deus não é brinquedo. E tome dilúvio, tome
fogo. É maldição em cima de maldição. (livro)
63 N
i
pra cá, N
i
pra lá (significado: essa EF
traz idéia de iteração; indica repetição,
coisa feita várias vezes,
constantemente)
Troca de acusações, guerra de liminares,
baixaria para cá, baixaria para , sem falar
nas festinhas. É apenas uma prévia do que
vem por aí. (jornal)
64 no que pese + SN No que pese a sua argumentação, eu não me
convenci.
65 [número] + e poucos A Carla tem 20 e poucos ano
s e já está no
doutorado.
66 nunca dantes + particípio O regime da maioria sobre as minorias se
mantém à custa da publicidade e da política
do ‘toma-lá-dá-cá’ nunca dantes imaginados.
(jornal)
67 o maior / o mais + SN + da face da terra
/
o maior / o mais + SN + na face da terra
Será o maior programa social visto na face
da Terra. (discurso Lula)
68 o menor + N / o mínimo + N
(significado: nenhum)
Pra bem dizer a verdade, não fazia a menor
idéia do que acontecia por detrás dos panos.
(crônica – jornal)
69 o que V + de N + O O que apareceu de pernilongo ontem foi uma
barbaridade.
70 o que vem a ser + SN? O que vem a ser essa palavra?
71 por + V infinitivo
(indica que a ação verbal
ainda não foi feita: por fazer /
por decidir / por executar
Temendo arrastões e numa preguiça
tremenda, saiu com a roupa do corpo, uma
bolsa enorme e meio riponga, sandalinha de
dedo, sem batom, sem lentes e a unha por
fazer. (crônica – jornal)
72 pra + N + nenhum botar defeito Foi uma goleada pra torcedor nenhum botar
defeito. (TV)
73 pra lá de + Qual. Pra lá de estável (tulo em jornal)
74 Qual. (em geral terminado em inho) +
da silva
Ele está mortinho da silva. (filme)
75 N + de carteirinha O Fe é fã de carteirinha do Iron Maiden.
76 Qual. negativo + de fazer dó Coitado, ele é feio de fazer dó.
77 que + N + que nada Que Ivete Sangalo que nada. O padre
Marcelo Rossi, este moço sorridente ao lado,
é o maior fenômeno do mercado fonográfico
brasileiro pelo segundo ano seguido. (revista)
390
78 que SV
i
, + V
i
(que existe, existe / que é chato, é)
Não existe nenhum outro animal na natureza
que tenha tanto gosto pela carne. Quer dizer,
que existe, existe.
79 quem dera + (que) + O (V subjuntivo) Quem dera que eu ganhasse na loteria...
80 quem ser + SN [...]?
Parte da imprensa e dos cineastas acha o
trabalho da TV menor. Quem são eles para ter
nariz em pé? (revista)
81 [WH] + quer que seja
(quem quer que seja / onde quer que
seja / o que quer que seja / como quer
que seja / quando quer que seja)
Essas não são posições individuais, mas
institucionais, e não visam a impedir repasse de
informações ou proteger quem quer que seja.
(revista)
82 se + V
i
(no presente do indicativo ou no
futuro do subjuntivo) bem; se não + V
i
ou elipse do verbo, amém
(se quer, bem; se não quer, amém)
Não precisa ficar correndo atrás das peças de
bateria. Se você achar, bem; se não achar,
amém. (e-mail)
83 sem um pingo de + N Sem um pingo de imaginação para as
compras de Natal? (propaganda – revista)
84 SN + V que V Eu limpo que limpo e está sempre tudo sujo.
85 tenha a bondade de + O (V infinitivo) Tenha a bondade de entrar.
86 estar / ficar com + SN + na mão;
ter / receber + SN + na mão
E da feitura do pãozinho ao manobrista tudo é
feito por funcionário meu. Prefiro assim,
ficamos com tudo na mão. (revista)
87 todos os + N + possíveis e imagináveis O vestido dela tinha todas as cores possíveis e
imagináveis.
88 sentar + [instrumento] : sentar o pau /
sentar a ripa / sentar a borduna / sentar
o braço / sentar a mão / sentar o
porrete / sentar o sarrafo / sentar
porrada
O policial sentou o pau no assaltante quando
ele quis fugir.
89 ser +SN + de menos Ele é um rapaz muito bom. Um pouco
desleixado, é verdade, mas isso é coisa de
menos.
90 ser + SN + que pedir a Deus Ele dorme a manhã toda, trabalha quando
tem vontade e tem dinheiro a rodo essa é a
vida que eu pedi a Deus.
91 ser a quinta-essência (/quintessência)
de + N
Ele é a quinta-essência da imbecilidade.
92 ser mais + N Caviar é comida de rico [...] Sou mais ovo frito,
farofa, torresmo, pois na minha casa é o que
mais se consome. (música)
93 ser para + O (V infinitivo) É pra lavar o carro amanhã de manhã?
94 ser um poço de + N [obs: artigo
proibido]
A mulher dele é um poço de doença.
95 SN (indicativo de qualidade negativa) +
chegou ali e parou
Nunca vi ninguém tão molenga. A preguiça
chegou ali e parou.
96 só + V-ndo É ridículo! Só rindo mesmo...
97 só falta + O (V infinitivo) Só falta ele querer que eu trabalhe no domingo
também.
98 tá que + V no presente do indicativo Ele que estuda, mas ainda não conseguiu
passar em nenhum concurso.
391
99 [tempo] + que vem
(semana que vem / mês que vem / ano
que vem mas: *hora que vem,
*minuto que vem, *século que vem,
*dia que vem)
Cotado para ocupar um posto importante na
campanha do ano que vem, Tarso substituiu
Genoino. (revista)
100 [tempo] + a fio Os valores arraigados em nossa sociedade
fizeram com que mascarassem por anos a fio a
traição feminina pelo medo da perda de
direitos conquistados ao longo da história.
(revista)
101 todos os + N + possíveis e imagináveis O vestido dela tinha todas as cores possíveis e
imagináveis.
102 tratar de + O (V infinitivo) Falar assim me dá arrepios, e eu trato de evitar.
103 tudo quanto ser + N singular Esse pessoal da carrocinha não tem coração:
mata tudo quanto é cachorro sem nem
piedade.
104 um + N + atrás do outro / um atrás do
outro
Eu já não aguento mais: é um problema atrás
do outro!
105 um horror de + N [obs: artigo
proibido]
Tinha um horror de gente querendo
cumprimentar o escritor.
106 um quê de + N [obs: artigo proibido]
Ela tem um quê de tristeza que me intriga.
107 um tal de + nome próprio Te procurou um homem da companhia de
seguros, um tal de Godofredo.
108 uma vez + particípio Todavia, uma vez passada a fase aguda de
dúvidas, com os ânimos serenados, a luta
interna dentro do governo continuou mais
encarniçada do que nunca. (revista)
109 V + como uma luva :
cair como uma luva /
encaixar como uma luva /
assentar como uma luva /
vestir como uma luva
Esse traje caiu como uma luva em você.
110 V + todas E de pensar que tem gente ruim que leva uma
saraivada de tiros e facadas, só se mete em
confusão e taí, ressuscitadinho da silva,
aprontando todas. (crônica em jornal)
111 ver-se + particípio
(significado: ver-se forçado, ver-se
impedido, ver-se obrigado)
Diretor da CIA discorda da validade de uma
missão contra o cartel de drogas e compra
briga com os colegas e com o presidente. E se
vê forçado a entrar em ação. (sinopse de filme
– TV)
112 V
i
+ por + V
i
(ex: falar por falar / fazer por fazer /
comer por comer)
Fazer coisas por fazer o tempo todo leva a
fazer mais, sem resolver dores internas que
você conhece. (revista)
113 V
i
infinitivo + N + V
i
(ex: fazer eu faço, deixar ele deixa)
– Ele vai deixar você viajar de carro?
Deixar ele deixa, mas depois fica
reclamando.
114 WH + bem entender
(o que bem entender (= o que quiser) /
Lá, cada um faz o que bem entende, sem dar
satisfação a ninguém.
392
quando bem entender (= quando
quiser)
393
APÊNDICE 3
QUADRO 5 – continuação
EFs intensificadoras – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa
Exemplo de uso (contextualização)
Observações
18 a coisa mais + Q +
do mundo
Isso é a coisa mais chata do mundo.
19 amigo chegado
20 amigo de coração /
amigo do coração
21 amigo do peito “Seu Marcos começou a ligar para seu Delúbio e
ficaram amigos do peito”, diz, completando que as
conversas entre ambos se dava todos os dias
praticamente”. (revista)
22 amigo íntimo
23 amigo próximo
24 analfabeto de pai e
mãe
25 aos montes Quando eu comecei a prestar atenção na fala das
pessoas, foram surgindo expressões aos montes.
26 apaixonite aguda
27 apanhar como boi
ladrão / apanhar
feito boi ladrão /
apanhar que nem
boi ladrão
28 arado de fome
29 armado até os
dentes
As salas das três CPIs se transformaram em palco de
violentos duelos, com petistas de um lado e tucanos
de outro, armados até os dentes. (revista)
30 arrebentar de rir /
morrer de rir
31 arrepender-se
amargamente /
arrepender
amargamente
Se você comprou uma impressora Epson, vai se
arrepender amargamente.
32 às mil maravilhas Não estou dizendo que para ele tudo são flores e
que a vida sempre lhe vai às mil maravilhas. Muito
pelo contrário. Como todo mundo, de vez em
quando ele sente o gosto amargo da vida,
conhece contingências ásperas, o dinheirinho
míngua, doença na família, o seu time perde, o
carro deu o prego. (livro)
33 até a alma Encontraria um clima de velório entre trabalhadores
que padecem de salários atrasados e teria
dificuldade em fixar os olhos de empresários que
sobrevivem à base de lexotan, devendo os tubos
de dinheiro a fornecedores, além de protestados na
praça e inadimplentes com impostos e
contribuições não bastasse o coquetel mortífero
de dificuldades, desprovidos a a alma de
capacidade de negociação ou de sonhar uma
394
alternativa que não seja fechar a fábrica e
dispensar os empregados. (jornal)
34 bota / põe +
[nome/qualificativo]
+ nisso
- Ele é muito bonito. – Bota bonito nisso. / - Que filme
chato. Põe chato nisso. / - Ainda tem muito jogo
pela frente. – Bota jogo nisso. (rádio)
35 até a raiz do cabelo :
dever até a raiz do
cabelo / estar
atolado até a raiz
dos cabelos / ficar
vermelho até a raiz
do cabelo
Com esse negócio comprar com cartão, a gente
acaba devendo até a raiz do cabelo.
36 até não poder mais /
até não mais poder
Você passou bem na festa, né? Comida até não
poder mais.
37 até o último fio de
cabelo
Ele está comprometido a o último fio de cabelo.
(rádio)
significado: muito,
completamente,
totalmente
38 bado feito um
gambá
39 bom feito um coco Eu já sarei – estou boa feito um coco.
40 até dizer chega Ele comeu e bebeu até dizer chega e depois ficou
passando mal, com o estômago embrulhado.
41 branco como a neve
42 branco como cal
43 branco feito cera
44 cagar de medo /
borrar-se de medo
Ele está cagando de medo de o pai achar ruim.
45 certeza absoluta
46 certo como a morte
47 chato de galocha /
chato de galochas
Hoje, eles estão mais preocupados em seguir a
cartilha do politicamente correto e se tornaram
uns chatos de galochas. (revista)
48 chegou ali e parou Nunca vi ninguém tão molenga. A preguiça
chegou ali e parou.
refere-se a SN
indicativo de
qualidade
negativa
49 cheio até na boca /
cheio até o gogó
50 chorar que nem
bezerro desmamado
51 chover a cântaros Muito melhor seria que chovesse flores, ou então
chuva mesmo, chuva a cântaros, porque com a
Margarida eu danço até debaixo d’água. (livro)
52 chover canivete Pode chover canivete que elas não faltam à aula.
53 chuva torrencial Ao saírem, em meio a uma chuva torrencial, ela,
sem carro, tentava localizar um táxi, missão quase
impossível devido ao horário e ao dilúvio. (crônica
em jornal)
54 comer até o cu fazer
bico
395
55 comer como um
frade
56 comer feito um boi
57 como ele só O Artur é inteligente como ele só.
58 como o diabo /
como o cão
O cavalo correu como o diabo e chegou em
primeiro lugar.
59 como um
condenado
feito um condenado
Ele come feito um condenado e não engorda!
60 concorrência
cerrada
Ele enfrentou uma concorrência cerrada mas
venceu a batalha.
61 confiar cegamente
62 contente que nem
pinto no lixo /
feliz como pinto no
lixo /
feliz igual pinto no
lixo
um quê de frase feita também nas expressões
surdo como uma porta”, “teimoso como uma
mula”, molhado como um pinto”, “enrugado como
um maracujá de gaveta”, contente que nem pinto
no lixo” e outras análogas: nada faria prever que os
termos de comparação usados para a surdez, a
teimosia etc. seriam precisamente a porta, a mula,
etc., mas a língua escolheu essas combinações em
vez de outras, e é disso também que nosso
conhecimento da língua conta. (livro de
lingüística)
a estrutura é :
[palavra
indicativa de
alegria +
qualquer
expressão
comparativa] +
pinto no lixo
63 da boa Se a sua mãe não pagar o resgate, vou ter de fazer
uma “travessura” – da boa! (TV)
1. significado:
muito grande; 2.
se liga a
palavras
femininas: *do
bom
64 da grossa É ironia da grossa que Gabeira, ícone da esquerda
no passado e hoje paladino das causas de
vanguarda, atacasse um estado de coisas
semeado por obra e graça do atual governo
enquanto a defesa ficava por conta de Severino.
(revista)
1. intensificador
de coisas
negativas :
pancadaria da
grossa / mentira
da grossa; 2. se
liga a palavras
femininas ex.:
*um desfalque do
grosso
65 da peste Eu estava com uma sede da peste, de tanto andar
debaixo do sol.
66 dar pulos de
contente /
dar pulos de raiva
67 dar que nem chuchu
na cerca /
dar mais que chuchu
na cerca
Ora pro nobis é a maior praga: que nem chuchu
na cerca.
68 de arrasar /
de arrasar quarteirão
A novela A Escrava Isaura” foi um sucesso de
arrasar quarteirão no país de Mao Tsé-tung. (revista)
69 de arromba Ex-aeromoça, neófita na política e festeira de
arromba, a primeira-dama Alexandra Tavares tem
tirado o sono do clã Sarney. (revista)
ligado de alguma
forma à palavra
festa ou
396
correlatos
70 de babar Esse livro é bom demais, é de babar. significado: ótimo
71 de cabelo branco
(de preocupação)
Esse menino não estuda... está me deixando de
cabelo branco de tanta preocupação.
72 de dar gosto Eu estou numa penúria de dar gosto. Estou
matando cachorro a grito.
73 de fechar o
comércio
Ela é linda demais, é de fechar o comércio. significado ligado
à beleza
74 de longe O Rio não é a cidade mais insegura. Mas é, de
longe, o lugar do país onde os bandidos se sentem
mais à vontade para fazer o que querem. (revista)
indica uma
grande diferença
com relação a
outros
75 de marca maior Ele é um dissimulado, um falso, um mentiroso de
marca maior.
liga-se a
qualidades
negativas
76 de matar a pau Era uma pernilongada que vendo. Tinha
pernilongo de matar a pau.
77 de montão Eu me divirto de montão com essas piadinhas da
Internet.
78 de matar Em Chicago faz um frio de matar.
79 de junto / de pés
juntos : jurar de
junto / negar de
junto
Não raro, todos juram de pés juntos que não têm
intenção de acusar ou controlar, mas acusam e
controlam. (revista)
80 de primeira ordem Não quero ser alarmista, mas creio que estamos
tratando com um maluco de primeira ordem. (TV)
81 de rachar : calor de
rachar / frio de
rachar / sol de
rachar
Ele famoso por fazer seus desfiles em lugares
esquisitos, levou sua platéia para o pátio de uma
escola da cidade debaixo de um frio de rachar.
(revista)
82 de sobra Woody Allen fazer um excelente filme não é
novidade talento de sobra é sua marca
registrada. (revista)
significado: muito,
em quantidade
83 de todos os tempos A maior invenção de todos os tempos é do século
XXI, o Google: a cultura prêt-à-porter. (rádio)
84 demais da conta Gostei demais da conta. dialeto mineiro?
85 derrota esmagadora Uma derrota nas urnas, por mais esmagadora que
fosse, não teria aquele caráter de exemplaridade
que a abertura de um processo criminal contra ele
poderia ter. (revista)
86 destampar um
falatório / destampar
num falatório
Ela chegou tão excitada da viagem, que
destampou num falatório e não parava mais de
contar casos.
87 devagar quase
parando
tem um ano que eu entrei com o processo e até
hoje nem tchum. Esses juízes, pelo que eu ando
vendo, são devagar quase parando.
88 discussão ferrenha /
briga ferrenha
Em seu show “Ceguinho é a Mãe!”, Magela simula
uma discussão ferrenha sobre política com um
amigo. (tese)
89 do arco-da-velha A auditoria feita pelos novos controladores da Brasil
Telecom tem revelado coisas do arco-da-velha na
empresa, nos tempos em que era gerida pela turma
397
de Daniel Dantas. (revista)
90 do capeta Esse vinho do capeta! (cf. obs. 1) / Puxa Lúcio,
você é tão inteligente... Do capeta. (história em
quadrinhos) (cf. obs. 2)
1. acepção
negativa: muito
ruim /
2. acepção
positiva: muito
esperto
91 do caralho Essas pinturas são do caralho, muito legais mesmo. acepção positiva
92 do diabo / dos
diabos
Tá um calor do diabo!
93 do peru É um filme super legal, do peru! acepção positiva
94 do tamanho de um
bonde
Ele aprontou uma confusão do tamanho de um
bonde.
95 doido varrido /
louco varrido
Pior do que a louca de pedra, a doida varrida.
Porque a loucura dela, com freqüência, mata por
delírio. (livro)
96 dormir como uma
pedra
Não tinha jeito de acordar ela: estava dormindo
como uma pedra.
97 dose cavalar E a inflação? Tendo em vista a influência do
câmbio em trazer para baixo a inflação, somada às
doses cavalares de juros, fica difícil explicar a
resistência da inflação a cair abaixo de zero,
exceto se entrarmos em considerações sobre a
política de fixação dos preços que o próprio
governo administra. (revista)
98 duro de gente /
apinhado de gente /
duro de + N
O estádio estava duro de gente.
99 duro feito um pau /
duro feito pedra
Eu nunca vou conseguir abrir esse vidro. Isso aqui
está duro feito pedra.
100 é apelido - Soubemos que seu marido não era legal. Não
era legal é apelido! (TV)
a EF é apelido
funciona como
um intensificador,
indicando que o
fato relatado é
muito mais forte
do que o
indicado pelo
qualificativo
101 é bom que dói Vai lá fazer um relax. É bom que dói.
102 e meio - A coisa está feia. Feia só? Feia e meia. (crônica
em revista)
103 elogio rasgado A Ju recebeu uma carta da direção do hospital
fazendo elogios rasgados, porque uns pacientes
escreveram para o hospital falando bem dela.
104 em gênero, número
e grau
Concordo inteiramente, em gênero, número e grau.
105 escuro como breu De repente deu uma chuvarada e ficou tudo
escuro como breu.
106 esforço sobre-
humano
Eu tive de fazer um esforço sobre-humano para
conseguir ficar de depois de passar a noite toda
398
em claro.
107 esperto como uma
raposa
108 espumar de raiva
109 essa é demais! significados: [1]
essa história é
muito
interessante, é
engraçada; [2]
passou dos limites
110 estar ardendo em
febre / estar ardendo
de febre
Nossa! 38 e meio! Esse menino está ardendo em
febre!
111 estar cansado de + V indica que a
ação foi feita
muitas vezes – ex.:
estar cansado de
avisar = já avisou
muitas vezes;
estar cansado de
repetir =
repetiu muitas
vezes
112 estar careca de + V “Jornalistas não escrevem besteiras, o mundo está
careca de saber”, defende sempre este meu
companheiro de jornadas, Janistraquis de Azevedo
Varejão [...]. (livro)
(intensifica o
verbo seguinte,
indica que se faz
aquilo muitas
vezes, ou que se
sabe muito bem;
também indica
irritação,
cansaço
113 estar coberto de
razão
Concordo inteiramente com você. Você está
coberto de razão.
114 estar doido de
vontade / estar
louco de vontade
Estou louca de vontade de ir ao show do Roling
Stones.
115 estar pelando de
medo / pelar-se de
medo
116 estar tinindo [de frio /
de dor de cabeça /
de raiva / de bom]
117 estritamente
necessário
No futuro, os motoristas deverão comparecer ao
Detran somente quando for estritamente
necessário. (rádio)
intensificador:
muito necessário
118 estupidamente
gelado
Solta aí uma Brahma estupidamente gelada.
119 falar feito papagaio
/
falar como um
papagaio
O cronista mete-se onde não é chamado, fala feito
papagaio, sua opinião e evita ouvir a outra
parte, até porque já tem opinião formada.
399
120 falar mais que pobre
na chuva /
falar igual pobre na
chuva
Francklin fala mais que pobre na chuva e ganha
dinheiro como cambista ou aplicando pequenos
golpes.
121 falar pelas tripas de
Judas
A Nádia fala pelas tripas de Judas. Parece que deu
corda.
122 falar pelos cotovelos Lula fala pelos cotovelos, meteu os pés pelas mãos,
não sabe onde tem o nariz, deu um passo maior do
que as pernas, tudo lhe entra por um ouvido e sai
pelo outro, tem o olho maior do que a barriga, fala
dos outros pelas costas, e já não é mais unha e
carne com Palocci? (crônica de Millôr na revista
Veja n. 1921)
123 feito só Está trovejando feito só.
124 feito um louco Eu estou correndo feito um louco pra ver se ainda
consigo pegar o ônibus das 8.
125 feliz da vida Certos homens trocaram, felizes da vida, o conforto
suntuoso de coberturas de frente para o mar por
minúsculos quarto e sala conjugados sem vista para
fora, mas com uma ilimitável possibilidade de vista
interna. (crônica em revista)
126 ficar tiririca de raiva Chega. Cansei. Fiquei tiririca. (título de artigo em
revista)
variantes: ficar
tiririca / estar
tiririca
127 firme como uma
rocha
128 fome de leão /
apetite de leão
O Fred tem um apetite de leão porque está em fase
de crescimento.
129 fora do gibi A bunda da Carla Perez é fora do gibi.
130 fugir como o diabo
da cruz / fugir feito o
diabo da cruz / que
nem o diabo foge da
cruz
Ao escrever, temos de fugir dos lugares-comuns
como o diabo da cruz. (livro de ensino de redação)
131 fumar que nem uma
chaminé
Os argentinos e os italianos não entraram na onda
da saúde, e ainda fumam que nem uma chaminé.
132 haja + N Você não tem idéia da energia que se gasta
correndo atrás de uma criança que acabou de
aprender a andar. Haja fôlego! (livro)
para indicar que
é necessário ter
muito daquilo
expresso pelo
nome - indica
que é preciso ter
grande
quantidade de N)
// [obs: apesar de
o nome poder
variar, trata-se de
EF porque a
palavra haja não
pode variar e não
pode ser
substituída pelo
sinônimo tenha
133 humanamente
impossível
É humanamente impossível fazer a revisão do livro
todo em dois dias.
na forma
negativa:
?humanamente
400
possível?
134 horas esquecidas Eu, que passo horas esquecidas, quero dizer,
inesquecíveis, cantando e tornando a cantar com
o Armando tudo quanto é samba-canção,
marchinha e até fox (como o Nada Além, do Mário
Lago) dos nossos compositores, me convenço cada
dia mais que nos versos desses poetas está toda a
alma de nosso povo, se encerra toda a sabedoria
da vida, essa escola de Ary Barroso) onde a
gente precisa aprender a viver pra não sofrer. (livro)
significado: muito
tempo
135 ilustre desconhecido O autor dessa música é um ilustre desconhecido,
mas a sua música é ótima!
intensificador de
desconhecido
136 inimigos figadais O Chavez e o Lula são inimigos figadais. Aliás, será
que eles têm amigos?
137 já já Não se preocupe! Os efeitos da poção não duram
muito tempo! , tudo voltará ao normal! (revista
em quadrinhos)
essa repetição
intensificadora
acontece com
, logo logo, mal
mal, muitos e
muitos e com no
mínimo, no
mínimo
138 lá na China Vai ser bom assim lá na China!
139 lapa de pé Ele calça 44? Mas que lapa de pé!
140 letras garrafais Depois do derrame ele não enxergava quase nada,
e por isso lia o que estivesse escrito com letras
garrafais.
esse conjunto é
uma colocação,
porque
“garrafais”
pode ser usado
nessa expressão,
com a palavra
“letras”, e sempre
no plural
141 levado da breca O Artur é um menino muito ativo, mas é levado da
breca.
142 leve como uma
pluma / leve como
uma pena
Ela nasceu pequenininha, com 1 quilo e 800, leve
como uma pluma.
143 lindo de morrer Ela tem uma voz linda de morrer.
144 louco da vida /
doido da vida
Quando você se apaixonou, relevou defeitos dele
que, hoje, a deixam louca da vida. (revista)
145 louco de pedra /
doido de pedra /
doido de jogar
pedra
Pior do que a louca de pedra, a doida varrida.
Porque a loucura dela, com freqüência, mata por
delírio. (livro)
146 maioria absoluta que é impossível julgar o caráter romântico dos
homens na maioria absoluta das vezes, é mais
seguro ser cética e, quem sabe, acabar
realmente encontrando um homem que seja
honesto, bem-intencionado e esteja à procura de
uma relação estável. (revista)
147 mais que depressa Ele recebeu o pagamento e mais que depressa foi
quitar as dívidas.
401
148 manso como um
cordeiro / manso
como um cordeirinho
149 marcação cerrada
150 memória de elefante Ele um livro e lembra tudo, até das palavras.
Nunca vi assim. É uma memória de elefante.
conotação
positiva
151 memória de galinha Minha filha, eu já não lembro bem das coisas. Ando
com uma memória de galinha.
conotação
negativa
152 mentira cabeluda /
problema cabeludo
Ela disse que eu faço favor e fico cobrando? Mas
eu nunca cobrei nada! Isso é uma mentira
cabeluda!
153 mijar-se de medo Ele é um covarde: fica se mijando de medo de ter
de expor suas opiniões.
154 mil e um Hoje estou ocupadíssima: tenho mil e uma coisas
pra fazer.
155 mil vezes Não aceito a proposta dele de jeito nenhum. Mil
vezes melhor deixar como está.
não referência
à quantidade
“mil”, mas
somente uma
indicação
genérica de que
as vezes são
várias, inúmeras
156 molhado feito um
pinto / molhado
como um pinto
Peguei aquele toró todo. É claro que cheguei em
casa molhado feito um pinto.
157
morder-se de inveja
Ela não estuda, e depois fica se mordendo de
inveja dos amigos que passaram na OAB.
158 morrer de + N Para quem está morrendo de vontade de se
assentar, de achar a pessoa certa ‘para
relacionamento sério’, ouvir dele o sonhado “Eu te
amo!” é uma delícia, um alívio, um bálsamo.
(revista)
159 mudar da água para
o vinho
Depois que nós passamos por tudo isso, passamos a
perceber o que realmente importa. Os valores
mudam da água para o vinho. (revista)
160 muito bem “Quando estive no Brasil, recentemente”,
continuou, “tive uma conversa muito interessante
sobre afro-brasileiros porque, é claro, meus
ancestrais poderiam muito bem ter acabado no
Brasil, em vez de no Alabama. (jornal)
intensificador de
verbo
161
na horinha /
na horinha em que
Você chegou na horinha! intensificador de
na hora
162 na maior + N Desculpa mas não posso te atender agora, porque
estou na maior pressa.
substitui as formas
de superlativo: (a)
[QUAL.-íssimo] e
(b) com muito/a
ex.: na maior
pressa =
apressadíssimo,
com muita pressa
163 nadar no dinheiro /
nadar em dinheiro
Os deputados todos estão nadando no dinheiro e
depois falam que não tem dinheiro pra aumentar o
salário mínimo...
402
164 não acabar mais /
até não acabar mais
Tinha gente na igreja anão acabar mais. Estava
lotado.
165 negro como a noite Índia teus cabelos nos ombros caídos, negros como
a noite que não tem luar (música)
166 negro como as asas
da graúna / preto
como as asas da
graúna
O cabelo dela é negro como as asas da graúna.
167 nem me fale - Ele é um chato, não é mesmo? Nossa, nem me
fale!
1. indica
concordância e
intensificação; 2.
marcador
discursivo: esse
tipo de
intensificação
ocorre com
mudança de
interlocutor
168 nem se fala Os filhos [adolescentes] não são mais aquele
gostoso pacotinho que eles [os pais] botavam no
berço, matriculavam na escola escolhida, levavam
para a casa dos avós. Agora lidam com um quase-
adulto. Se os adultos já são difíceis, os quase-adultos
nem se fala. (revista)
diferentemente
da expressão
nem me fale,
nem se fala
indica somente
intensificação, e
não
concordância, e
não é um
marcador
discursivo
169 nem um pingo de +
N / nenhum pingo de
+ N /
sem um pingo de + N
Por causa dessa rigidez de critérios é que muita
gente acredita – sem nenhum pingo de razão que
os lingüistas querem abolir as regras padronizadas.
(livro)
170 N
i
+ em cima de + N
i
Deus ficou irado com Sua criatura, e a ira de Deus
não é brinquedo. E tome dilúvio, tome fogo. É
maldição em cima de maldição. (livro)
171 no mínimo, no
mínimo
No Brasil de hoje, um bando de gente sob
investigação da polícia está prestes a ser, no
mínimo, no mínimo, muito bem votada. (jornal)
172 novo em folha /
novinho em folha
Comprei um carro zero, novinho em folha.
173 nu em pelo O rei pensava que estava vestido, mas estava sem
nada, nu em pelo.
174 o maior (ou outro
superlativo) +
Qualificativo + da
paróquia
Ele é o maior pau d’água da paróquia!
175 o olho da cara / os
olhos da cara : custar
o olho da cara / ser
o olho da cara /
pagar o olho da
cara / dever até o
olho da cara
A reforma me custou o olho da cara, mas valeu a
pena.
403
176 o que tem de O PSDB está em depressão pós-parto do candidato
Geraldo Alckmin. O que tem de tucano chorando
pelos cantos, dá pena! (jornal)
indica grande
quantidade
177 o supra sumo Ele se acha o maioral, o supra sumo...
178 óbvio ululante Como é óbvio ululante, as palavras latinas sofreram
transformações diacrônicas ao formarem a língua
portuguesa.
179 ódio mortal Tenho ódio mortal de mentira.
180 paciência de Jó Eu tenho uma paciência de com gente velha,
mas não agüento criança birrenta.
181 pedir
encarecidamente
Eu te peço encarecidamente para você nunca
mais fazer isso.
“encarecidament
e” só existe junto
com o verbo
pedir ou solicitar
não se pode
fazer mais nada
“encarecidament
e”
182 pensar bem Olha só o que você vai fazer... pensa bem... significado:
indicação de
discordância e
advertência de
perigo
183 perder a conta /
perder a conta de
quantas vezes
Eu já perdi a conta de quantas vezes eu falei pra ele
tirar logo essa carteira de trabalho.
intensificador de
verbo, indica
ação feita muitas
vezes
184 perdidamente
apaixonado
Todo mundo fica perdidamente apaixonado pelo
primeiro namorado.
185 perdido que nem
cego em tiroteio /
mais perdido do que
cego em tiroteio
O fulano tocando violino no conjunto é perdido que
nem cego em tiroteio: fica procurando onde é que
tá, e nunca acha.
186 pobre que nem /
pobre como /
pobre feito Jó
A maioria do povo está pobre feito , e ainda
vão aumentar o IPTU?
187 pobreza franciscana Ele amarrava a calça com barbante. Vivia numa
pobreza franciscana.
188 poço de vaidade /
poço de virtude
Caráter inteiriço, princípios rígidos, retidão moral, o
cidadão é um poço de virtudes. (livro)
sempre com
artigo indefinido
189 podre de rico /
podre de chique
Ele perdeu tudo o que tinha, mas deu a volta por
cima e hoje é podre de rico.
190 põe + [nominal =
subst./adj.] + nisso
Quando o assunto é padrão de qualidade, o
McDonald’s é muito fresco. E põe fresco nisso.
(propaganda – revista)
191 pra burro Manjo essa coisa de contrabando pra burro. (livro)
192 pra cacete Esse filé tá bom pra cacete.
193 pra cachorro É uma ópera diferente pra cachorro. (TV)
194 pra capeta Você vai ter de estudar pra capeta pra passar no
vestibular.
intensificador
usado com
qualificativos
negativos (ex.:
ruim pra capeta /
404
feio pra capeta)
ou com verbos
195 pra caralho Doeu pra caralho.
196 pra caramba Tive de ir numa gráfica longe pra caramba.
197 pra chuchu Dei prazo pra chuchu para o cumprimento das
tarefas. (e-mail)
198 pra danar Ele ganhou dinheiro pra danar investindo na bolsa.
199 pra dar e vender /
para dar e vender
Adeus ano velho, feliz ano novo. Que tudo se realize
no ano que vai nascer. Muito dinheiro no bolso,
saúde pra dar e vender. (música)
200 pra dedéu Sabe o que são 600 milhões de qualquer coisa? É
coisa pra dedéu. (propaganda – TV)
201 pra encardir /
até encardir
Ele tem dinheiro pra encardir.
202 pra lá de + QUAL. /
para lá de + QUAL.
A guerra contra o gerundismo é para de justa.
(jornal)
203 pra valer Vai descer chuva pra valer.
204 preço salgado No Natal, tudo fica com preço mais salgado. significado: preço
muito alto
205 preto feito carvão /
preto como cartão /
preto que nem
carvão
Você já viu uma casa como essa, todinha pintada
de preto que nem carvão?
206 preto retinto / negro
retinto
Nossa, essa tintura ficou muito escura. O meu
cabelo ficou preto retinto!
207 que não acaba mais
/
que não acaba
nunca /
que não acabava
mais /
que não acabava
nunca /
é + N + que não
acaba mais
Não se trata apenas de meia dúzia de maus
elementos, infelicidade que pode acontecer nas
melhores famílias, mas uma multidão de 2 900
pessoas que têm ou tiveram cargos na
administração, envolveram-se em malfeitorias e
ficaram inelegíveis. É gente que o acaba mais.
(revista)
quantificador:
indicação de
grande
quantidade
208 pura e simplesmente Isso é pura e simplesmente falso.
209 questão absoluta Infelizmente não pude ir na sua última
apresentação, mas da próxima vez faço questão
absoluta de estar na fila do gargarejo. (e-mail)
210 quilos de Ele me fez quilos de acusações sem comprovar
nada.
significa
quantidade
grande, número
grande,- e não
um peso grande
211 rachar de pancada
212 redondamente
enganado / enganar
(-se) redondamente
Teria mais cem motivos para sustentar que esse
governo de Lula e Thomas Bastos (advogado de
perigosos contraventores) está redondamente
enganado. (jornal)
213 rios de dinheiro Lulinha, assim de repente, ficou milionário, recebeu
rios de dinheiro em sua conta. (revista)
405
214 rios de lágrimas Chorava rios de lágrimas.
215 rir às bandeiras
despregadas /
rir a bandeiras
despregadas
Na foto a vó está rindo às bandeiras despregadas.
216 roxo de fome /
azul de fome
Ele está acostumado a almoçar cedo, de forma
que às duas da tarde ele já está azul de fome.
217 roxo de raiva Eu fiquei roxo de raiva com a grosseria, mas não
podia responder.
218 ruim feito cobra Esse Bush é ruim feito cobra, é uma pessoa sem nem
um pingo de humanidade.
219 segredo de estado Curtindo dias de sol a bordo do iate Givi em Porto
Cervo, na ilha italiana da Sardenha, Bruce Willis (52)
se diverte com a namorada, a atriz Tamara
Feldman, 20 e poucos anos (sua idade é segredo
de estado). (revista)
significado:
segredo super
secreto
220 sem fim Ao contrário dos [aniversários] anteriores, quando
acontecia um entra-e-sai sem fim, Ildeu preferiu dar
um ar mais intimista aos brindes e reuniu os amigos
em uma happy hour com quitutes deliciosos de C.
M. (revista)
intensificador de
verbo com
conotação
iterativa
221 sem parar Para chegar no supermercado, você sobe essa rua
sem parar e quando chegar no sinal, vira à
esquerda.
intensificador de
verbo
222 ser + SN + e tanto O povo anda falando de esquemas cognitivos
como se fosse uma novidade e tanto.
223 ser o cúmulo Segundo historiadores, o fato aconteceu com o
filósofo e dramaturgo Ésquilo que, andando na rua,
de repente foi atingido na cabeça por uma
tartaruga caída do céu. [...] Imagina que uma
águia pegou uma tartaruga [...]. Quando estava
no alto, beeem no alto, segurar a coitada com
casco e tudo foi ficando muito complicado. Aí,
acabou soltando-a. Adivinha aonde ela foi
despencar? É ou não é o cúmulo do azar? (crônica
– jornal)
224 sofrer o diabo Ele teve de se exilar, e sofreu o diabo naquela
época, longe da família e dos amigos.
225 sonho dourado O sonho dourado de Dirceu seria suceder Lula.
(revista)
acepção
superlativa: o
maior sonho
226 sorrir de orelha a
orelha
A indústria farmacêutica está sorrindo (quase) de
orelha a orelha. Beneficiada pelo real valorizado,
seu faturamento em dólar cresceu dois dígitos em
2006. (revista)
227 ser um poço de + N O Fernando é um poço de alergia.
228 sozinho e Deus Foi ótimo você telefonar e me fazer companhia,
porque eu estava sozinha e Deus nessa casa.
acepção
superlativa
229 suar em bicas O Pavarotti levava uma toalha quando ele se
apresentava porque ficava suando em bicas.
230 suar por todos os
poros
O carro estava no sol, super quente, e ficamos
suando por todos os poros.
231 sucesso estrondoso A banda é jovem, mas faz um sucesso
406
estrondoso.
232 suma importância É de suma importância salientar que um dos órgãos
mais afetados pelos processos biológicos do
envelhecimento é o fígado. (revista)
233 sumir da face da
terra
Às vezes eu fico tão chateado que tenho vontade
de sumir da face da terra.
234 surdo que nem uma
porta / surdo como
uma porta
Você tem de gritar quando falar com ela, porque
ela é surda que nem uma porta.
235 tá que + V Ele que estuda mas ainda não passou em
nenhum concurso.
indica
intensificação da
ação por meio
de iteração
236 teimoso como uma
mula
um quê de frase feita também nas expressões
surdo como uma porta”, teimoso como uma
mula”, molhado como um pinto”, “enrugado como
um maracujá de gaveta”, “contente que nem pinto
no lixoe outras análogas: nada faria prever que os
termos de comparação usados para a surdez, a
teimosia etc. seriam precisamente a porta, a mula,
etc., mas a língua escolheu essas combinações em
vez de outras, e é disso também que nosso
conhecimento da língua conta. (livro de
lingüística)
237 tempos imemoriais A chocolatria congrega centenas de milhões de
adeptos. A sua máxima comunhão coincide com a
Páscoa. A celebração, desde tempos imemoriais,
tem como símbolo do eterno renascer, nas mais
diversas culturas, o ovo. (revista)
significado: muito
tempo atrás
238 ter carradas de
razão
Eu sei que você tem carradas de razão. que tem
de ter tato pra falar com os outros.
239 ter medo da própria
sombra
É um cagão. Tem medo da própria sombra.
240 ter motivo de sobra a jovem administradora M. M., de 24 anos, tem
motivo de sobra para freqüentar Escarpas: seu tio-
avô foi o fundador do balneário e a família dela
tem casa no condomínio há anos. (revista)
241 ter um medo que se
pela
Ela faz tudo o que mandam porque tem um medo
que se pela de ser demitida.
242 toda vida Puts! Olha o preço dessa bolsa Victor Hugo: é caro
toda vida! Será que tem algum bobo que compra?
243 todo-poderoso A todo-poderosa ministra da Casa Civil, Dilma
Rousseff, bateu de frente com o ministro da
Fazenda, Antônio Palocci, exatamente no
momento em que ele foi envolvido no meio de
tantas denúncias da turma de Ribeirão Preto.
(revista)
244 todos os + N +
possíveis e
imagináveis
Tentei todas as possibilidades possíveis e
imagináveis e não consegui copiar o arquivo. (e-
mail)
245 tomar todas significado: beber
muito bebida
alcoólica
246 trabalhar feito burro / significado:
407
trabalhar feito um
burro / trabalhar feito
burro de carga
trabalhar demais
com idéia de
exploração do
trabalho
247 trabalhar feito um
mouro
Eu trabalho feito um mouro e não ganho nem um
tostão.
248 transpirar saúde Numa época em que falar sobre anorexia virou
quase obsessão, a mais perfeita garota-
propaganda da aparência saudável está bem
diante do narizinho das aspirantes a modelo. Aos 26
anos, Gisele Bündchen transpira saúde, tanto nas
faces louçãs quanto nos contornos mais
arredondados. (revista)
significado: ter
muita saúde
249 tremer de medo Ele tremendo de medo de ser convocado pro
exército.
250 tremer feito vara
verde / tremer que
nem vara verde
Ele posa de valentão, mas na hora do assalto ele
ficou tremendo feito vara verde.
251 tubos de dinheiro Enfim, torrando tubos de dinheiro e se endividando
horrores, esperava-se ao menos que as coisas
andassem dentro dos conformes. (crônica em
jornal)
sempre plural
252 um atrás do outro /
um + N + atrás do
outro / uma coisa
atrás da outra
Eu não agüento mais: é um problema atrás do
outro!
significado
iterativo
253 um bocado Ao saírem, em meio a uma chuva torrencial, [...]
sem visibilidade, acaba parando o veículo no posto
mais próximo. – Bom, acho que vai demorar um
bocado. Vamos ali no bar? (crônica – jornal)
254 um bom dinheiro Ele ganhou um bom dinheiro investindo na bolsa.
255 um horror de + N /
um horror de + Qual.
Tinha um horror de gente querendo cumprimentar o
escritor. / Nossa, esse vestido está um horror de
caro!
256 um monte de /
um montão de
257 um mundaréu de /
um mundo de
Hoje eu não posso, porque eu tenho um mundo de
coisas pra fazer.
258 um senhor + N / uma
senhora + N : um
senhor carro / uma
senhora vontade /
uma senhora raiva
Depois da terceira colherada começou a dar no
seu Farias uma vontade, mas uma senhora vontade,
uma imensa precisão de viver mais. (livro)
significado: muito
bom ou muito
intenso
259 um tantão (de)
260 uma barbaridade significado:
muitíssimo
261 uma enormidade O CD deles vendeu uma enormidade.
262 uma fábula O salário deles é uma fábula.
263 uma grana alta /
uma grana preta
Uma amiga acusou um ricaço de estupro. Isso
rendeu uma grana preta. (filme – TV)
1. significado:
muito dinheiro; 2.
não admite
plural, cf. Trask,
2004.
408
264 uma pá de + N A gente não se via há uma pá de tempo.
265 usar e abusar Diferentemente dos Estados Unidos, por exemplo,
onde o Executivo não pode criar nenhuma lei, no
Brasil o presidente usa e abusa de mecanismos
como as medidas provisórias, que deveriam ser
usadas apenas em situações de emergência.
(revista)
266 V + todas : beber
todas / aprontar
todas
E de pensar que tem gente ruim que leva uma
saraivada de tiros e facadas, se mete em
confusão e taí, ressuscitadinho da silva, aprontando
todas, enquanto um pobre coitado, pai de família,
pagador de impostos, passeando na rua, morre
com uma tartaruga na cabeça. Vai entender!
(crônica – jornal)
267 varado de fome significado: com
muita fome
268 velho como a de
Braga / mais velho
do que a de
Braga
Esse negócio de descobrir reis, príncipes e princesas
aparentados com os recém-eleitos é quase tão
velho quanto a Sé de Braga. (revista)
269 velho coroca
270 vermelho que nem
um pimentão /
vermelho como um
pimentão
O Paulo fez aqueles comentários irônicos de praxe,
e o menino ficou vermelho que nem um pimentão.
271 vomitar até as tripas
/ vomitar as tripas
272 vontade férrea
409
APÊNDICE 4
QUADRO 6 – continuação
EFs que incluem uma forma marcada: feminino – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa Exemplo de uso
(contextualização)
Observações
15
sabe da última?
16
não ir nessa /
não cair nessa /
não entrar nessa
Ele está querendo te enganar.
Não vai nessa não! / Você é
um menino inteligente você
não vai cair nessa não, né?
1. Significado: não se deixar enganar. /
2. Expressão sempre usada na forma
negativa.
17
sair dessa
A sua namorada te pegou no
flagra? Xi, agora quero ver
você sair dessa...
18
não esperar por essa
Alô? Quem está falando? E
uma voz, masculina e mio
rouca, responde. É o ladrão.
Claro que por esta, assim na
lata, ela não esperava.
(crônica em jornal)
Quando existe na expressão o
demonstrativo esse, em SN sem co-
referência com nenhum elemento
endofórico ou exofórico, o
demonstrativo aparece quase sempre
na forma feminina (essa). Parece
haver tal tendência nas EFs, que no
entanto não é categórica, uma vez
que existe a expressão não tem esse
em que o demonstrativo aparece no
masculino.
19
só faltava essa!
Chegue para trás, Obelix!
Jogue o menir para Asterix!
– Só faltava essa!
Sinônimo: era o que faltava!
20
ora essa!
Sueli foi condenada a um ano
e quatro meses de cadeia. Os
produtos que tentou furtar
custavam, somados, 30 reais.
Jefferson poderia comprar
mais de 130 000 kits de queijo,
biscoito e desodorante com o
dinheiro sujo do PT. Mas
Jefferson não é Sueli para
dormir no xadrez, ora essa.
(revista)
21
vai nessa
– Em BH não faz frio.
– Vai nessa...
Indica que o falante entende que o
fato relatado não é bom, não é
adequado.
22
desta feita
Não é a primeira vez que o Sr.
R. M. faz criminosas acusações
à VALE. Desta feita, por conta
da matéria paga acima
referida, a VALE ajuizou duas
novas ações. (revista)
23
numa boa / na boa
Eu convivo com ela numa boa,
mas sempre com o atrás. /
Lulu Santos é nosso maior
hitmacker, como diria o
próprio. Mas não está nem
pra isso. Es na boa,
despreocupado na vida.
410
(revista)
24
com a cachorra
Hoje ele amanheceu com a
cachorra.
Significado: de mau humor, zangado,
irritado.
25
escapar de uma boa
/
escapar de boa
O cobrador esteve esperando
até agorinha mesmo por você.
Você escapou de uma boa!
26
estar na pior / estar
numa pior / estar
numa pioral
A namorada deu o fora nele e
ele está numa pior.
27
levar a pior ≠
levar a melhor
A corda sempre arrebenta do
lado mais fraco, o mais fraco
sempre leva a pior.
28
estar em outra
Eu já superei o problema
aquilo não me interessa
mais, já estou em outra.
29 estar pronto pra
outra
As coisas estão se acertando,
e eu acho que já me recuperei
do baque. Estou pronto pra
outra.
30
partir pra outra / sair
pra outra
Você tem de esquecer o
Marcelinho e partir pra outra.
Observar que não recuperação de
referente mencionado anteriormente
no texto não antecedente para
outra.
31
não dar outra
Minha filha, na hora de sentar
no colo para tirar fotos, olhou
bem pra cara do sujeito,
aquela barba branca, roupa
esquisitíssima... Não deu outra:
em pânico, nunca berrou
tanto na vida. (jornal).
1. A EF pode ser empregada na
forma negativa. / 2. A anáfora outra é
empregada sem antecedente. A
concordância não é feita com
nenhum elemento presente ou inferido
no texto, e portanto mudança de
gênero governado para gênero
inerente.
32
por outra
Prefiro lembrar e celebrar o
imponderável milagre, que
enche de graça e grandeza a
vida do homem. [...] Ou, por
outra, que a vida é um campo
de milagres.
Comparar com por outro lado, que
tem um significado semelhante (se
não o mesmo), mas é masculino o
que mostra que não há um elemento
elíptico feminino que condicione o
gênero.
33
na certa
Aqueles temas que podem
facilmente exaltar os ânimos
são encrenca na certa.
(revista)
34
boa praça
Que o presidente não pense
que a sua imagem popular de
boa-praça significa salvo-
conduto para um governo
medíocre, inescrupuloso e
autoritário. (revista)
Poderia ser argumentado que boa
está no feminino porque praça é
feminino. Mas o significado da EF não
tem nada a ver com a palavra praça
no sentido de cruzamento de ruas. Se
alguma ligação com praça, seria
na acepção de “soldado”, que é um
nome de dois gêneros. Portanto, a
forma poderia ser feminina ou
masculina, e no caso a escolha foi
para o feminino. Note-se que para se
referir a “indivíduo” usam-se também
palavras como cara, velho, amizade,
fulano todas elas masculinas, até
mesmo cara (esse cara). praça, na
411
EF boa praça é que é feminino.
35
nem morta
Vopensa em neonatologia?
Nem morta. (TV)
Aqui a presença do feminino tem um
sentido diferente, porque carrega um
tom afeminado e inclui uma
conotação debochada e irônica.
36
macaca de auditório
O feminino talvez tenha justificativa
diacrônica ligada ao fato de que
geralmente eram as mulheres que
gritavam do auditório para seus ídolos.
37
pela
Uso sub-standard.
38
estar com a macaca
O que é que deu hoje em
você, que você não pára de
atentar? Hoje você está com a
macaca!
39 de primeira
de segunda / de
terceira
Esse é um material de primeira. 1. Significado: de alta qualidade,
ótimo. / 2. Pode-se imaginar algo
como de primeira classe, de primeira
categoria”, mas a pergunta é: na
ausência do nome, porque não houve
evolução para a forma o-marcada,
como costuma acontecer na língua?
40
ouve essa / escuta
essa
EF usada como introdução a um
relato.
41 estar numa estica Significado: estar elegante, bem
arrumado.
42
a toda / na toda
Quando a mulher começou a
sentir as dores do parto, o
marido pegou o carro e saiu a
toda, furando sinal e fazendo
doiduras no trânsito.
43 dar uma de João
sem braço
Você deu o golpe do João
sem braço pra cima de mim,
né?: me emprestou o carro,
mas sem gasolina...
Significado: “passar a perna”; EF
também usada para indicar pessoas
que ficam tentando escapulir de fazer
uma coisa dando uma desculpa
esfarrapada.
44 fazer cada uma /
aprontar cada uma
Significado: fazer coisas inesperadas
ou inadequadas.
45 estar nessa
sair dessa
Vocês vão sair? Estou nessa.
(TV)
46 ir nessa Você está saindo? Eu
também, vamos nessa.
Significado: “ir embora”
47 tirar dessa Eu não posso ir pra cadeia
não, você tem de me tirar
dessa.
48 dormir sem essa Você teve de ouvir isso? Essa
não! Você podia ir dormir sem
essa.
49 corta essa! Corta essa, cara! Eu sei que
você está mentindo! (livro)
50 sem essa
51 estar numa boa /
ficar numa boa
Ela passou por maus bocados,
mas agora ela está numa boa.
52 soltar a franga No carnaval o pessoal solta a
franga e sai todo mundo
412
travestido.
53 dar a louca [em
alguém] / dar a
doida / dar uma
doida
Ele tinha pretendido escrever
100 cantigas. Depois deu a
louca no homem e escreveu
mais de 400. (conferência)
54 boa bisca /
bela bisca
Fulano é uma boa bisca, não
se mete com ele não.
Boa bisca é sempre feminino, mesmo
referindo-se a indivíduo masculino.
Seria possível argumentar que bisca é
um substantivo, e o gênero é inerente.
Mas a palavra bisca não existe fora da
expressão, e portanto o gênero não é
identificável independentemente.
55 haja vista Alckmin vai precisar de muito
óleo de peroba para
convencer a opinião pública
de que não corrupção em
São Paulo. Haja vista os 69
pedidos de CPI vetados na
Assembléia. (jornal)
Haja vista é a forma normativa; na
linguagem coloquial encontra-se a
expressão no masculino: haja visto.
56 ser da pesada Esse rock é da pesada.
57
aparecer cada uma
/ me aparece cada
uma
Indica que o falante está espantado
ou assustado com os acontecimentos.
58
na calada da noite
O desmatamento da mata
atlântica já supera 90% da
floresta tropical original. Os
madeireiros derrubam as
árvores na calada da noite.
(rádio)
1. Não existe independentemente o
substantivo feminino *a calada. / 2.
em outros casos, nomes originários de
qualificativos aparecem em EFs no
masculino, como em o adiantado da
hora.
413
APÊNDICE 5
QUADRO 7 – continuação
EFs que incluem formas marcadas: feminino e plural – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa Exemplo de uso (contextualização) Observações
18
estar em todas
O Julinho está sempre presente; ele
sempre está em todas!
19
estar nas últimas
20
poucas e boas
Usos: falar poucas e boas (falar
tudo o que pensa) / passar
poucas e boas (passar maus
momentos).
21
é que são elas
Aesse ponto do exercício eu também
resolvi, mas daqui pra frente é que são
elas.
1. Aqui nem é possível recuperar
o SN pleno que estaria sendo
substituído pela anáfora. / 2. A
língua tem uma forma para
referentes não humanos (isso),
mas a expressão não adotou a
forma neutra não-marcada.
22
perder as
estribeiras
O advogado irritou tanto a testemunha
que ela perdeu as estribeiras e acabou
gritando.
O que são as estribeiras?
Quando se perdem as
estribeiras perde-se mais de
uma a cada vez? Como se
justificaria o plural? E de onde
viria o feminino, se a palavra
estribeira não ocorre fora da EF?
23
agüentar as
pontas / segurar
as pontas
Agüenta as pontas um minutinho só,
que eu já estou chegando.
Comparar com entregar os
pontos, que está no masculino,
como em: Agüenta as pontas!
Não entrega os pontos não!
24
subir nas
tamancas
A oposição subiu nas tamancas. (rádio) Não existe *tamanca, mas
tamanco, no masculino. Porque
houve uma “feminilização” do
substantivo? Ou será que a EF
não tem nada a ver com
tamanco? Nesse caso teria a
ver com o quê?
25
às ocultas
A credibilidade do partido foi
ameaçada depois que vieram a público
as falcatruas cometidas às ocultas.
414
APÊNDICE 6
QUADRO 8 – continuação
EFs que incluem uma forma marcada: plural – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa Exemplo de uso
(contextualização)
Observações
16
fazer as pazes
Itamar e Newton brigaram feio
na eleição de 1986, que
disputaram como adversários.
Depois fizeram as pazes e
formaram chapa na eleição de
1998. (jornal)
17
estimo melhoras.
clichê para saudação a pessoas
doentes
18
mover céus e terra
O pai tem movido céus e terra
para conseguir informações
sobre a fila de transplantes.
(revista)
19
fechar os olhos
É, no mínimo, estarrecedor que
as autoridades brasileiras
fechem os olhos para os
corriqueiros ataques sofridos
pela população, em especial as
crianças, por parte de cães de
raças ferozes. (revista)
1. Pode parecer que o plural é
necessário, porque não se fecha um
olho sem necessariamente fechar o
outro – a não ser quando se pisca
intencionalmente. Mas o interessante
é que na EF contrária, indicando
“prestar atenção, preocupar-se, dar
relevância, ficar atento” a palavra
olho aparece no singular: abrir o olho
ex.: Você tem de abrir o olho: seu
sócio pode estar querendo passar a
perna em você. Ou seja, uma
expressão no singular, outra no plural.
Isso indica falta de paralelismo, falta
de uniformidade estrutural. Vê-se
que o plural aqui não é regido por
uma necessidade lógica, como
poderia parecer de início, mas é
simplesmente convencional. / 2. Diz-
se fechar os olhos, no plural, mas de
olho fechado (“sem dúvidas”), no
singular, como no seguinte exemplo:
Eu acredito nele de olho fechado.
20
dar ouvidos
Você não tem de dar ouvidos
pra tudo que te contam.
21
apertar os cintos
Apertem os cintos, a eleição
começou. (jornal)
22
ter a ver o cu com as
calças
O que é que tem uma coisa a
ver com a outra? O que é que
tem a ver o cu com as calças?
Na EF a palavra calças aparece no
plural, quando atualmente na
linguagem corrente usa-se calça no
singular.
23
dar com os burros
n’água
Eu fui confiar nele e dei com os
burros n’água.
24
trocar farpas
O técnico e o jogador
trocaram farpas pela imprensa.
(TV)
Significado: fazer crítica agressiva
415
25
mexer os pauzinhos
Mexi os pauzinhos e consegui te
colocar no topo da lista para
transplante. (TV)
26
abrir portas
A lei pode abrir novas portas a
brasileiros com problemas de
audição. (TV)
Também essa expressão não é muito
interessante, porque as portas
podem ser muitas mesmo, e o plural
se justificaria. Mas o interessante é
que não se usa o singular: ? Essa lei
pode abrir uma porta a brasileiros
com problemas de audição.
27
botar em pratos
limpos / pôr em
pratos limpos
Você tem dois dias. Converse
com ela e ponha tudo em
pratos limpos. (TV)
28
cair de amores
Os brasileiros caíram de amores
pela latinha. (propaganda de
leite Moça)
29
ser (lá) dessas coisas
Você acha que eu ia dedurar o
cara? E eu sou lá dessas coisas?
Significado: ser desse tipo de pessoa,
ter esse tipo de conduta.
30
botar as manguinhas
de fora / pôr as
manguinhas de fora
Você tem 15 anos e está
querendo sair sozinha? Nem ver.
Não pensa que vai botar as
manguinhas de fora.
31
bater as botas
Seu paciente quase bateu as
botas. (TV)
*bater a bota
32
soltar os cachorros
[em cima de
alguém]
Solte os cachorros (título de livro
de Alia Prado)
Significado: brigar, xingar
33
encher as medidas
Ele me encheu as medidas.
De agora em diante o vou
tolerar mais nada.
34
cair nas graças [de
alguém] / cair nas
boas graças [de
alguém]
Ele caiu nas graças do chefe, e
agora tem uma porção de
regalias.
35
salvar as aparências
O marido trata ela super mal,
mas ela fica fingindo que está
tudo bem pra salvar as
aparências.
36
envidar esforços
Vamos envidar todos os esforços
para continuar atendendo a
população. (rádio)
37
botar panos quentes
Em vez de botar panos quentes,
ela botou lenha na fogueira.
38
dar frutos
Suas ações não deram bons
frutos.
Essa expressão é menos interessante,
porque os resultados podem ser
muitos mesmo, e o plural se justifica.
Mas o interessante é que fica
esquisito usar o singular: ? Sua ação
não deu bom fruto.
39
estar prestes a
Está prestes, portanto, a
começar o festival “é dando
que se recebe”. (revista)
A palavra prestes ou preste nem
existe sozinho
40
dizer umas verdades
/ falar umas
A gente brigou e eu acabei
dizendo umas verdades pra ele.
É estranho o plural com a palavra
verdade, porque normalmente essa
416
verdades
palavra aparece no singular: A
verdade foi revelada. / *As verdades
foram reveladas. ao contrário de
mentira, que pode aparecer no
plural: A mentira foi revelada / As
mentiras foram reveladas.
41
no frigir dos ovos
O governo cria outros
mecanismos que, no frigir dos
ovos, acabam elevando a
carga tributária. (TV)
42
maus-tratos
Eles ainda afirmaram que as
fotos dos maus-tratos no Iraque
são clássicos exemplos de como
se faz um prisioneiro falar.
(revista)
*mau-trato
43
meias-palavras
Ele falou tudo abertamente, sem
meias-palavras.
44
rios de dinheiro
Ele ganhou rios de dinheiro. (TV) intensificador
45
ser favas contadas
O Dream Team sempre ganha
no basquete, são favas
contadas. (rádio)
46
letras garrafais
Páginas inteiras com anúncios
em letras garrafais seduzem até
não mais poder. (crônica em
revista)
Esse conjunto é uma combinação,
porque garrafais pode ser usado
nessa expressão, com a palavra
letras, e sempre no plural : *letra
garrafal.
47
cofres públicos
E o dinheiro a mais que se
passou a gastar, naturalmente,
sai dos cofres públicos e fica
nas mãos dos corretores.
(revista)
48
maus bocados :
passar por maus
bocados
A fulana passou maus bocados
depois que o marido
abandonou ela.
Existe também a expressão no
singular: Ele passou por um mau
bocado quando o ladrão atacou
ele. Mas a estranheza fica ainda pior:
se existe a expressão no singular,
porque é usado o plural? Seria de se
esperar uma convergência para o
singular (segundo a tendência de
conversão para o não-marcado),
com a conseqüente abolição da
expressão que inclui o plural. Bom,
poderiam argumentar, vai ver Pode-
se supor que o processo está em
andamento e as duas formas estão
coexistindo e no futuro vai ter o
singular. Talvez. Mas mesmo sem
fazer um estudo estatístico sabe-se
que a expressão mais comum, mais
freqüente hoje em dia é passar por
maus bocados, com o nome no
plural.
49
altas rodas
Foi preciso tudo isso para que a
cachaça fosse finalmente
elevada à categoria de bebida
oficial do Brasil. Ela precisou,
também sair do gueto e ganhar
Também existe o singular alta roda,
mas a forma do plural é inexplicada,
que existe a possibilidade de
indicação do mesmo referente com
a estrutura singular.
417
as altas rodas. (revista)
50
cara de poucos
amigos
Em todas as suas aparições
públicas nesta segunda-feira,
Lula exibiu uma cara de poucos
amigos. (jornal)
51
ass línguas
Dizem as más línguas que ele
roubou adoidado enquanto
estava no cargo.
52
boas maneiras
Houve um tempo em que o
Itamaraty era considerado uma
espécie de templo das boas
maneiras. (jornal)
53
quinto dos infernos
Você já quis mandar alguém pro
quinto dos infernos? (TV)
Mais de um inferno? Um não chega?
54
que diabos
Que diabos você está fazendo
aqui?
Indicativo de surpresa.
55
fogos de artifício
Todo 5 de novembro, data da
chamada Conspiração da
Pólvora, bonecos de Fawkes são
enforcados e queimados e
fogos de artifício pipocam por
toda a Inglaterra. (revista)
A expressão é geralmente usada no
plural, mesmo quando se trata da
unidade: ?Comprei um fogo de
artifício.
56
às favas : modéstia
às favas / mandar às
favas
Eu errei porque devia ter agido
com bom senso e mandar às
favas as exigências sem sentido
da CAPES e do CNPq.
57
às pressas
Ator é operado às pressas em
Portugal. (jornal)
58
às portas
Quando estava às portas da
morte, acabou confessando o
crime.
59
às turras
Acontece que Aquiles
considerado o maior guerreiro
da Terra – vive às turras com dois
monarcas gregos.
60
às vistas
Normalmente esse tipo de
material não fica exposto, às
vistas de todos.
61
às pampas
62
às pencas
Gol às pencas na primeira
rodada. (TV)
63
a postos
Veja se o pessoal está a postos.
(TV)
64
às alturas
A chuva castigava a tarde
paulistana, enquanto o
termômetro chegava às alturas
num apartamento no bairro do
Paraíso, em São Paulo. (revista)
65
nas alturas
Quando começa uma nova
estação, os comerciantes põem
os preços nas alturas.
Usos: estar nas alturas (estar muito
feliz) / botar o preço nas alturas
(cobrar caro) / pôr nas alturas
(elogiar)
418
66
aos montes
Quando eu comecei a prestar
atenção na fala das pessoas,
foram surgindo expressões aos
montes.
67
a duras penas
Ela conseguiu terminar a tese a
duras penas.
68
a portas fechadas
Sofri pressão a portas fechadas
para pedir aposentadoria, após
violência física e psíquica pela
então inspetora sindicante
(jornal – cartas à redação)
* a porta fechada (mesmo se há
somente uma porta).
69
entregar em mãos
Você deve entregar o convite
de casamento em mãos.
70
aos trancos e
barrancos
Ele foi avançando aos trancos e
barrancos, mas conseguiu
chegar lá.
71
em apuros
72
em maus lençóis
Mentir para a polícia deixou-o
em maus lençóis. (TV)
73
em frangalhos
Esse livro tá um caco, tá todo
em frangalhos.
74
nos conformes
Tudo está saindo como
esperado. Tudo está nos
conformes.
75
nos trinques
Ele se vestiu todo nos trinques e
saiu.
76
estar às voltas com
Nenhuma empresa de porte
médio hoje sobrevive sem
planejamento, imagine-se um
país. Por isso estamos às voltas
com a dengue, ceifando vidas a
cada ano em crescimento
assustador, estamos sob a
ameaça de colapso no
fornecimento de energia, em
que nem as obras libberadas
como Angra 3 e Santo Antônio
conseguem sair do papel.
(revista)
77
pelas bandas de /
por aquelas bandas
Achei que seria interessante pra
você ver o que anda
acontecendo por aquelas
bandas da Itália.
78
de tempos em
tempos
De tempos em tempos, um
humorístico mambembe causa
barulho na televisão brasileira.
São programas que, mesmo sem
ser campeões de audiência,
acabam na boca do povo.
(revista)
79
As aparências
enganam.
Aparências não ocorre no plural fora
dessa expressão.
80
os tempos mudaram
Nos idos de 1950, ensino superior
era a universidade pública mais
próxima além de uma PUC ou
A expressão o tempo mudou, no
singular, tem significado diferente:
quer dizer que o clima mudou, ie,
419
outra. [...] Mas os tempos
mudaram.
estava fazendo sol e agora parece
que vai chover. Isto é, o plural aqui é
uma marca que muda o sentido,
muda o campo semântico
81
num piscar de olhos
O Magic Bullet tritura todos os
ingredientes num piscar de
olhos. (propaganda – TV)
O plural parece lógico, nesse caso,
uma vez que temos dois olhos. Mas
note-se que em italiano é no singular:
in un batter d’occhio, e em francês
também é singular: en un clin d’oeil.
Se imaginamos que as expressões
iguais em português e em italiano
devem ter uma origem comum, e
que portanto deve existir uma
expressão como essa em latim
vulgar, então cada língua evoluiu
diferentemente: uma conservou o
número latino, e a outra alterou esse
número (ou para o singular ou para o
plural). Nesse caso, temos duas
línguas no singular e o português no
plural, o que pode sugerir que no
latim deveria ser singular.
420
APÊNDICE 7
QUADRO 9 – continuação
EFs que incluem clíticos reflexivos – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa Exemplo de uso (contextualização) Observações
20 fazer-se de + N (ex:
fazer-se de vítima,
fazer-se de bobo)
Ele fica se fazendo de inocente, mas ele
sabe muito bem o que aconteceu.
nesse caso o reflexivo
não é obrigatório, e
existe também a EF
sem reflexivo: fazer
de + N]
21 ir-se embora A mulher foi-se embora feliz da vida. De
tardinha, a horta estava completamente
murcha, inteirinha. (livro)
existe também a EF
sem reflexivo: ir
embora
22 meter-se a besta Eles não se meteriam a besta comigo.
(livro)
existe também a EF
sem reflexivo: meter
a besta
23 meter-se onde não é
chamado
O cronista mete-se onde não é chamado,
fala pelos cotovelos, dá sua opinião e evita
ouvir a outra parte, até porque tem
opinião formada. (jornal)
24 colocar-se nas mãos
de alguém
Tenho certeza de que você saberá o que
fazer. Eu me coloco inteiramente nas suas
mãos.
25 morder-se de inveja A impressão que eu tenho é que ela se
morde de inveja do seu sucesso.
26 ponha-se no meu
lugar
Você fica cagando regra,
pontificando... agora ponha-se no meu
lugar!
27 pôr-se em marcha Configura-se um quadro em que, antes
tarde do que nunca, as instituições se
põem em marcha. (revista)
28 que se cuide Que grande pecador, o Miguel Ângelo! O
nosso Bruno Giorgi que se cuide! (livro)
29 dar-se ao trabalho
[de fazer alguma
coisa]
Você nem precisa se dar ao trabalho de
telefonar, porque ele não vai atender
mesmo.
30 roer-se de ódio Ele se roendo de ódio porque foi o
colega que foi promovido, e não ele.
31 salve-se quem puder Não ter uma idéia nacional é opção pelo
suicídio neste mundo fragmentado num
salve-se quem puder. (revista)
32 sentir-se em pedaços Ela anda deprimida, se sentindo em
pedaços.
33 sentir-se nas nuvens O tapete vermelho na porta é para você
se sentir nas nuvens antes mesmo de tirar
os pés do chão. (propaganda de
companhia aérea – revista)
34 sentir-se um caco Hoje eu trabalhei o dia inteiro. Não
agüento mais nada, estou me sentindo um
caco.
35 tomar-se de brios Acusada, a Polícia Federal tomou-se de
brios. Para preservar a “boa imagem” que
421
julga ter construído, a instituição quer levar
a apuração às últimas conseqüências.
(jornal)
36 ver-se + particípio
passado (ex: ver-se
tomado pela
emoção, ver-se
forçado, ver-se
impedido, etc)
Diretor da CIA discorda da validade de
uma missão contra o cartel de drogas e
compra briga com os colegas e com o
presidente. E se vê forçado a entrar em
ação. (sinopse de filme – TV)
37 ver-se livre Agora o pessoal do prédio deve estar feliz,
porque eles se viram livres da D. Marlene.
422
APÊNDICE 8
QUADRO 10 – continuação
EFs negativas sem correspondente positivo – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa Exemplo de uso (contextualização)
22 não + V + por mal : não falar
por mal / não fazer por mal
Desculpa se eu te ofendi, eu não falei por mal.
23 não dar uma folga Ela é boazinha mas fala demais, não dá uma folga!
24 não deixar pedra sobre pedra
/
não ficar pedra sobre pedra /
não sobrar pedra sobre pedra
/
não restar pedra sobre pedra
/
sem deixar pedra sobre pedra
“Você pega os jornais e não sobra pedra sobre pedra no
cenário político, pinta um clima de fim de feira moral, de
desesperança, de indignação, de salve-se-quem-puder,
tudo ao mesmo tempo.” (revista)
25 não bater prego sem estopa /
não pregar prego sem estopa
Benjamin Streinbruch realmente não bate prego sem
estopa, como se diz popularmente. [...] Steinbruch está
cercando por todos os lados a megaoperação junto ao
BNDES para consolidar sua já grande dívida e se possível
levantar mais algum para novas aquisições. (revista)
26 não é besta Ele não é besta de querer vir mexer com a minha
namorada.
27 não é brinquedo Deus ficou irado com Sua criatura, e a ira de Deus não é
brinquedo. E tome dilúvio, tome fogo. (livro)
28 não é de agora + que +
oração / não é de hoje + que
+ oração
Não é de hoje que ele está trancado naquele quarto.
29 não é flor que se cheire /
não é flor que se cheira
Ela tem antecedentes criminais. Pra você ver que ela não é
flor que se cheira.
30 não é mesmo? / mesmo? /
não é?
Afinal, não custa nada sonhar, não é mesmo? (revista)
31 não é nada / não foi nada /
não é nada, não é nada
Obrigado! Não acreditava mais! Você faz milagres, druida!
Ora, não é nada! (revista em quadrinhos) / o é nada,
não é nada, pode ser alguma coisa. (revista)
32 não é o primeiro [...] nem será
o último
Renan Calheiros não é o primeiro político nem será o último
a ser pego “pulando a cerca” e tendo a cara-de-pau de
“confessá-lo” sentado na cadeira de presidente do
Senado, como se esta fosse um escudo a protegê-lo.
(revista)
33 não + V + um + N + sequer Apesar do tamanho da encrenca e da limitação de
pessoal, Elisabeth o recebeu um policial sequer a mais
para desenvolver a investigação, e o trabalho segue para
a fase final. (revista)
34 não é pra menos /
não é para menos /
não é por menos
todo mundo revoltado, mas não é pra menos: com esse
salário congelado... / Muitos parlamentares desconhecem
a existência do privilégio. Não é por menos. A sala de
apoio da Câmara fica em um local de difícil acesso.
(jornal)
35 não + V + bulhufas :
não entender bulhufas /
não falar bulhufas
Não entendi bulhufas daquela conferência. Pra mim o
fulano não tava falando coisa com coisa.
423
36 não engolir desaforo Eu sou meio esquentada. Não engulo desaforo.
37 não agüentar uma gata pelo
rabo /
não poder com um gato pelo
rabo
Ela está muito fraca. Não está agüentando uma gata pelo
rabo.
38 não enxergar um palmo
diante do nariz /
não ver um palmo adiante do
próprio nariz
O cara está passando a perna no João, mas ele não
enxerga: ele não vê um palmo adiante do próprio nariz.
39 não esquentar lugar O Carlos o esquenta lugar, não pára em lugar nenhum:
está sempre mudando de um emprego para o outro
40 não esperar por essa - A? Quem está falando? E uma voz, masculina e meio
rouca, responde. É o ladrão. Claro que por esta, assim na
lata, ela não esperava. (crônica em jornal)
41 não está mais aqui quem
falou /
não está aqui quem falou
- A prova estava dificílima; imagino os alunos iniciantes
devem ter tido muita dificuldade. Que nada, eles estão
melhores do que nós. acha? Então tudo bem, não
está mais aqui quem falou.
42 não estar com nada Ele não é chegado a esforço físico. Ginástica, com ele, não
está com nada.
43 não estar de brincadeira /
não estar pra brincadeiras /
não estar para brincadeira
O PMDB mostrou ontem ao governo que não está para
brincadeira e que o PT não pode se considerar o fiel da
balança no Senado. (jornal)
44 não + V + patavina : não falar
patavina / não entender
patavina
Eu fiquei calado, não falei patavina.
45 não estar no gibi Ofertas como essa não estão no gibi (propaganda – rádio)
46 não estava no programa Por essa eu não esperava! Essa não estava no programa!
47 não existir - O pessoal do Atlético quer ficar à direita para pressionar o
bandeirinha? – Não, isso não existe. (TV)
48 não falar coisa com coisa Não entendi bulhufas daquela conferência. Pra mim o
fulano não tava falando coisa com coisa.
49 não faz mal /
não faz mal + SN oracional
Eles acham que não faz mal nenhum matar palestino. Mas
se morre um americano, dá o maior rebu...
50 não fazer caso Pode pegar o vestido dela emprestado; ela não vai fazer
caso.
51 não fazer por menos Anáfora: processo de interpretação pelo qual uma
expressão deriva seu sentido do texto que precede (Em
“Pedro embebedou-se e José o fez por menos”,
anáfora entre embebedou-se e fez por menos). (livro
Semântica, Ilari e Geraldi, p. 88)
52 não + V + e não gostei Você está criticando o artigo, mas nem sabe direito do
que se trata. Você é daquele tipo do “não li e não gostei”.
53 não ficar atrás Esse produto é bom, mas esse outro não fica atrás.
54 não há Cristo que agüente Ela é insistente demais. Não há Cristo que agüente!
55 não de quê / não tem de
quê
– Obrigado pela sua ajuda. – Não há de q. (TV)
56 não há de ser nada Eu tenho tido muitos problemas ultimamente; mas não
de ser nada, vou superar tudo, se Deus quiser.
424
57 não haver nada de novo sob
o sol
Essas coisas existem desde que o mundo é mundo. Não
nada de novo sob o sol.
58 não ir bem das pernas /
não estar bem das pernas /
não agüentar nas pernas
O empresário brasileiro se preocupa com o gasto de
energia depois que a empresa não está bem das pernas.
(jornal)
59 não ir nessa / não cair nessa Ele está querendo te enganar. Não vai nessa não!
60 não ir para lugar nenhum /
não ir a lugar algum
No caso brasileiro, o ruim mesmo é que [a CPI] não
consegue estabelecer nas investigações um debate de
bom nível entre governo e oposição e com isso quase
sempre não se vai a lugar algum. (revista)
61 não levar desaforo pra casa É um jogador de pavio curto, que não leva desaforo pra
casa: bateu de frente com o técnico, bateu de frente com
os jogadores... (rádio)
62 não ligar o nome à pessoa Essa música “Jesus alegria dos homens” é muito
conhecida. Mas quem não está ligando o nome à pessoa,
vai reconhecer agorinha mesmo quando a gente começar
a tocar. (rádio)
63 não me deixar mentir As metanarrativas podem se transformar em aparelhos
ideológicos, ao imporem e perpetuarem valores que
influenciam as pessoas e passam a fazer parte de suas
formações discursivas. Estão os Bushes, Chaves, Stalins,
Saddams, Hitlers, Mussolinis e os Castros que não me
deixam mentir. (tese)
64 não caber no buraco do
dente /
não chegar nem para o
buraco de um dente /
não tapar o buraco do dente
Não tinha quase comida nenhuma naquela festa. Não deu
nem para tapar o buraco do dente
65 não medir esforços /
não poupar esforços
Por ordens superiores, a delegada não fala sobre a
investigação. Mas tem garantido a amigos próximos que
não medirá esforços e não poupará nenhum colega caso
seus erros não tenham sido involuntariamente cometidos.
(revista) / Como apreciadora desse tipo de
entretenimento, agradeço à revista por não ter poupado
esforços em mostrar o maior circo montado no Brasil: o
Congresso Nacional. (revista)
66 não morre tão cedo! Olha quem chegou! A gente falando nele e ele aparece...
Você não morre tão cedo!
67 não mover uma palha /
não mexer uma palha /
não arredar uma palha /
ser incapaz de mover uma
palha
Desta vez o parlamentar parece ter gostado do negócio,
pois não moveu uma palha para desfazer a compra.
(revista)
68 não nascer ontem Fica dando uma de santinho, mas eu conheço o tipo dele.
Eu não nasci ontem.
69 não apitar nada Não se incomode com a opinião dele não, porque ele não
apita nada nessa empresa.
70 não passar de Certa noite, meu irmão acordou a casa inteira para dizer
que havia um rato enorme dentro de seu quarto. [...]
Felizmente, o ratão não passava de um piriá, um tipo de
porco do mato, sem rabo e bem maior que uma ratazana.
71 não perder por esperar O pessoal do prédio deve estar feliz pela nossa mudança,
mas eles não perdem por esperar: eles não sabem quem
vai morar lá...
425
72 não pode ser! - Absolveram os deputados acusados de corrupção. Não
pode ser!
73 não poderia deixar de ser No entanto, o dicionário não é perfeito (como não poderia
deixar de ser, uma vez que nenhuma obra consegue
atingir a perfeição), e alguns detalhes podem ser
criticados.
74
não pregar o olho /
sem pregar o olho
Eu não preguei o olho a noite inteira de tanta
preocupação.
75 não prestar Esse deputado não presta, é um gângster.
76 não querer nada com a
dureza / não querer nada
com a vida
Esse menino fica vendo TV ele não quer nada com a
dureza.
77 não querer nem pintado a
ouro / não querer ver nem
pintado a ouro / não querer
ver nem pintado /
não querer nem coberto de
ouro
Se você aprontou alguma, ela certamente pode até te
acertar um tabefe, mas em regra simplesmente te
abandona, às vezes no próprio local, e depois o vai
querer te ver nem pintado. (texto e-mail)
78 não querer nem saber /
não querer saber /
nem querer saber
Gerente comercial de importante firma de engenharia,
falando três línguas, dois cursos superiores, não quis nem
saber: foi virar garçonete em pizzaria de Los Angeles.
(crônica em jornal)
79 não sair da cabeça Vocês não se lembram, porque nem eram nascidos, mas
não sai da cabeça o dia em que o arrogante presidente
Charles de Gaulle, o grandão que metia medo nos
franceses, disse que o Brasil não é um país sério. (revista)
80 não saber e ter raiva de quem
saber / não saber e ter ódio
de quem saber / não saber,
não querer saber e ter raiva
de quem saber
E por falar em menstruação, o homem das revistas
femininas é do tipo que não sabe, não quer saber e tem
ódio de quem sabe o que a mulher faz para atravessar
aqueles dias delicados. (revista)
81 não saber onde meter a cara
/
não saber onde esconder a
cara / não saber onde enfiar
a cara
Puxa, estou morta de vergonha por não ter te ligado no
seu aniversário. Não sei nem onde meter a cara.
82 não saber da missa a metade
/
não saber da missa um terço
Talvez, como tanta gente, eu ande cansada de me
debater entre otimismo e descrença; farta do assunto que
nos envenena publicamente no palco político, com
ramificações em bastidores que é melhor nem conhecer
deles emana um odor de pizza barata e suspeita podridão.
Aliás, alguém que entende das coisas mais que eu afirmou,
em entrevista recente, que da missa não sabemos nem a
metade”. (crônica em revista)
83 não satisfeito / não contente Diga-se de passagem que o cidadão brasileiro encontra-se
à mercê dos mais altos índices de criminalidade do
planeta, notadamente pela falência do Estado em dar-lhe
proteção. Não satisfeito, esse mesmo Estado quer que o
cidadão fique impotente, abdique do direito a sua legítima
defesa, assista sem reação ao estupro de pessoas
inocentes, à invasão do bandido que se apresentará a sua
porta com a certeza de fazer a festa. (jornal) / O
Tottenhan, não contente em levar um gol, acaba de levar
o segundo. (TV)
426
84 não caber na cabeça Não cabe na minha cabeça essa história de ele ir morar no
exterior.
85 não se fazer de rogado Pediram pra ele tocar e ele não se fez de rogado: abriu o
piano e lascou um tango.
86 não se toca mais nisso /
não se fala mais nisso /
não se toca mais no assunto
Não adianta insistir. Vai ser como eu disse, e não se toca
mais nisso.
87 não sei quê Ele falou que estava cansado, que tinha trabalhado muito,
que não agüentava mais, e o sei quê... e acabou indo
pra casa.
88 não ser à toa Não é à toa que uma das maiores dificuldades das
corporações é administrar a insatisfação de seus
funcionários. (revista)
89 não ser bento /
não ser santo
Esse menino é inteligente mas o é muito bento não: vive
aprontando.
90 não ser certo da bola O Luís não tem juízo. Ele não é certo da bola.
91 não ser contra nem a favor,
muito pelo contrário /
não ser contra nem a favor,
muito antes pelo contrário
Mineiro não é contra nem a favor, muito pelo contrário.
(jornal)
92 não ser da conta [de alguém] Você não tem de se meter, isso não é da sua conta.
93 não ser de nada Pode enfrentar ele, que ele não é de nada.
94 não ser desse mundo Eu não acredito que você fez esse favorzão pra mim. Poxa,
obrigada demais. Você não é desse mundo...
95 não ser mais aquele A Aninha não é mais aquela. Depois que casou com
marido rico, nem quer saber mais da gente.
96 não ser nem sombra do que
foi
O PT não é nem sombra do que foi. Aquela ideologia toda
foi pro brejo.
97 não ser ninguém / não ser
nada
Não se preocupa com ele não porque ele não vai te
prejudicar. Ele não é ninguém naquela empresa.
98 não ser o primeiro nem o
último / não ser o primeiro
nem ser o último
Lula não é o primeiro e certamente não será o último
espertalhão a conquistar o poder. (revista)
99 não ser para o bico [de
alguém]
Pode tirar o cavalinho da chuva que a Mariana não é pro
seu bico.
100 não tem erro Essa bacalhoada é muito fácil de fazer, não tem erro.
101 não tem esse Não tem esse que não tem um podre na vida.
102 não bater bem /
não bater bem da bola /
não bater bem da cabeça
Americano não bate bem não. Olha essa mania que
eles têm de viver em guerra...
103 não ter choro nem vela /
sem choro nem vela
Você fazer fazer isso de qualquer jeito, não tem choro nem
vela.
104 não ter como Não tem como eu não explorar esse aspecto. (TV)
105 não ter conversa /
não ter mais conversa
Eu fui tolerante demais. Agora não tem mais conversa:
minha decisão está tomada e não volto atrás.
106 não ter coração Esse pessoal da carrocinha o tem coração: mata os
cachorros sem dó nem piedade.
107 não ter mas nem meio mas - Arruma o seu quarto. Mas hoje eu não quero! - Não tem
mas nem meio mas. Não adianta espernear. Você vai ter
427
de arrumar o seu quarto hoje e ponto!
108 não ter nada a ver com o
peixe /
não ter nada com o peixe
Coitado do boi. Logo ele, que o tem nada a ver com o
peixe da nossa impaciência. (livro)
109 não ter nem um tostão /
não ter nem um tostão furado
/
não ter um vintém /
não ter um vintém furado /
não ter nem um vintém
Estou duro. Não tenho nem um tostão.
110 não ter onde cair morto Vou comprando, investindo... Investindo em quê?
Prefiro não falar, senão daqui a pouco neguinho está me
seqüestrando e eu não tenho nem onde cair morta.
(revista)
111 não ter pé nem cabeça /
sem pé nem cabeça
Comunicavam-se por gestos, palavras sem nem
cabeça, olhares carinhosos e risinhos discretos. (jornal)
112 não ter pra ninguém /
não ter para mais ninguém
No mês passado nós ganhamos de todo mundo. Não teve
pra ninguém. (rádio)
113 não ter preço Você é muito importante para mim. A sua amizade não
tem preço.
114 não ter tempo ruim É uma pessoa que se diverte com tudo. Pra ele o tem
tempo ruim.
115 não ter vez /
estar sem vez
Esse jogador não tem vez no time: tem muita gente mais
craque que ele.
116 não ter vivalma Eu fui na Faculdade nas férias mas estava tudo deserto,
não tinha vivalma naquela escola.
117 não tirar os olhos Não consigo tirar os olhos dela. (livro)
118 não tragar [alguém] Eu o trago aquela menina. Ela é manipuladora e falsa.
119 não valer de nada Esse trabalho não vale de nada!
120 não vem não Você já vai começar? Não vem não!
121 não vem que não tem /
nem vem que não tem
Não vem que não tem, colega! Não insiste em levar fiado,
que isso não dá.
122 não ver a hora de + infinitivo Você não a hora de suas férias chegarem?
(propaganda – revista)
123 não ver nem a cor /
nunca ver nem a cor
O governo ficou de devolver o depósito compulsório sobre
as viagens ao exterior, mas eu nunca vi nem a cor desse
dinheiro.
124 não viu nada Você está achando isso inacreditável? Ah, você ainda não
viu nada...
125 não ter nada que Você não tinha nada que ir lá.
126 né não? Mas ser bonita assim ajuda à beça, né não? (revista)
127 nem bem + V Nem bem o árbitro deu a saída e o Milan já fez um gol.
128 nem burro agüenta Ela é chata demais – nem burro agüenta.
129 nem mesmo /
nem sequer
A negação que corresponde a até é nem mesmo (nem
sequer), única forma de negar que situa o conteúdo da
oração numa classe argumentativa. (livro Semântica)
428
130 nem piscou Ele fez a oferta. Fizeram uma contra-proposta e ele nem
piscou: aceitou no ato.
131 nem por decreto Eu não vou fazer isso nem por decreto.
132 nem por isso / não por isso O Fernando e a Ivana terminaram o namoro, mas nem por
isso eu vou deixar de gostar dela.
133 nem tanto /
não tanto
Quando crianças, minha presença era imprescindível,
depois, adolescentes, nem tanto, mas acabava dando um
jeitinho de participar, na retaguarda. (crônica em jornal)
134 não é possível - Não é possível que ela sair daqui de Belo Horizonte
para atormentar as pessoas em Tiradentes! - Você viu
que ela é louca a ponto de fazer isso! (revista em
quadrinhos)
429
APÊNDICE 9
QUADRO 11 – continuação
EFs que usadas para negar ou como reforço de negação – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa Exemplo de uso (contextualização) Observações
18 não + SV + em
absoluto
O material não é difícil em absoluto. Reforço da negativa.
19 não + V + um + N +
sequer
Apesar do tamanho da encrenca e da
limitação de pessoal, Elisabeth o recebeu
um policial sequer a mais para desenvolver a
investigação, e o trabalho segue para a fase
final. (revista)
Reforço da negativa.
20 nem brincando Reforço da negativa.
21 nem fodendo /
nem fudeno
Eu não vou lá nem fudeno. Reforço da negativa.
22 nem morto Nem mortas admitimos que o sonho foi por
água abaixo. (revista)
1. Reforço da negativa.
/ 2. Essa EF é
geralmente usada no
feminino, com uma
conotação debochada
e irônica.
23 nada de + V /
nada de + SN
Nada de morrer na praia, nada de correr da
raia. (música)
24 nem por sombra Nem por sombra isso me passou pela
cabeça.
25 nem que a vaca
tussa
Eu não saio desse lugar nem que a vaca
tussa. (TV)
Reforço da negativa.
26 nem sonhando Eu não vou fazer isso nem sonhando. Reforço da negativa
27 nem ver – Você vai na festa? – Nem ver.
28 néris de pitibiriba /
neca de pitibiriba
Você nunca me deu nada, nunca me deu
néris de pitibiriba. / Eu não vou te dizer neca
de pitibiriba.
29 não + V + patavina:
não falar patavina /
não entender
patavina
Não entendi patavina. 1. Reforço da negativa.
/
2. Patavina funciona
como objeto direto.
30 porra nenhuma /
não ... porra
nenhuma
Eu não vou fazer isso porra nenhuma. Reforço da negativa.
31 qual o quê! Se cada ano os EUA destinassem às nações
miseráveis não mais que a metade do seu
orçamento militar (U$450 bilhões), seus filhos
passariam a dormir em sossego, porquanto,
ao invés da resposta terrorista, estariam
recebendo adoração daquelas nações. Mas,
qual o quê! Guerrear é melhor! (jornal)
Exclamação que indica
negativa e
incredulidade
32 não + V + nadica de
nada / nada de
nada
Ele não comeu nadica de nada. /
Ele não pode responder porque ele não sabe
nada de nada.
1. Reforço da negativa.
/ 2. Nadica de nada e
nada de nada
funcionam como objeto
direto.
430
33 não pode ser! O deputado renunciou na véspera de ser
julgado pelo Supremo Tribunal Federal, e
assim escapou da condenação.
Não pode ser!
Conotação de espanto
e incredulidade quanto
ao fato narrado; recusa
e negação da
veracidade.
34 tá doido? – Você vai falar a verdade? – Tá doido?
35 nada disso – Eu vou sair agora.
Nada disso. Você vai para o seu quarto
para estudar.
36 não passar de Ele não passa de um patife mau caráter. Significado: ser
somente, não ser mais
nada além de.
37 uma pinóia Eu vou ceder uma pinóia.
38 bosta nenhuma Notícia que gostaríamos de ver: Passa bem o
presidente Lula, após cirurgia de
desobstrução do intestino, depois de passar 4
anos sem fazer bosta nenhuma. (internet)
1. Reforço da negativa.
/ 2. Jogo de palavras
entre o sentido literal x
idiomático.
431
APÊNDICE 10
QUADRO 12 – continuação
EFs com forma interrogativa e significado não interrogativo – exemplos de casos
N
o
Expressão Fixa Exemplo de uso
(contextualização)
Explicação - significado
16 está servido? Que tal está o picadinho? Está
ótimo. Está servido? (TV)
[1] pergunta que se faz antes de comer
um alimento na frente de outra pessoa /
[2] oferta de uma comida
17 eu, hem?! [1] Eu, hem?! Que coisa esquisita
esse negócio! / [2] Eu, hem, botar
meu nesse rolo? (TV fala de
jogador de futebol que não
disputou uma jogada)
[1] indica estranheza, desaprovação,
desconfiança, demonstra que o falante
está diante de uma situação estranha /
([2] negativa: indicação de que a
pessoa não faz ou fará o relatado.
18 como tem
passado? /
como está
passando? /
como tem
estado?
- Como tem passado?Com altos
e baixos. (TV)
cumprimento de encontro – estilo formal
19 como vai? Oi, como vai? cumprimento de encontro; a resposta é
“bem, obrigado”, e não se espera que o
interlocutor responda detalhadamente
à pergunta
20 não disse? / não
te disse? / eu
não disse? / não
disse?
Ele era mesmo o culpado. Eu
não disse?
usa-se quando um fato corrobora a
opinião do falante - o falante indica
que ele tinha razão, que a opinião dele
foi confirmada
21 em que posso
servi-lo?
fórmula de atendimento no comércio,
no hotel, em lugares públicos formal,
indicando solicitude
22 como é que é? Ele está cuidando de uma vaca.
Como é que é??? (TV)
[1] pedido para repetir / [2] indicação
de grande espanto a diferença de
significado é indicada na entonação: se
é espanto, a entonação final é muito
ascendente)
23 o gato comeu a
sua língua?
Porque você não fala? O gato
comeu a sua língua? (filme – TV)
diz-se para criança que fica calada e
não responde
24 o que é isso?
quê isso? / quê
que é isso? /
mas quê que é
isso, meu Deus?!
indicação de surpresa, espanto
25 o que é o que
é?
O que é o que é? Cai em e
corre deitado? (adivinhação
infantil)
fórmula para iniciar adivinhações
26 E aí? [1] Sem pestanejar, Vesgo lançou
o seguinte míssil sobre o ex-
prefeito Paulo Maluf: “E , você
me empresta a senha de sua
conta na Suíça para eu comprar
um terno novo?” (revista) / [2] E
, afro-descendentão, como vai
[1] usado para chamar a atenção e
incitar o ouvinte) / [2] expressão usada
para cumprimentar; introdutor de
discurso, geralmente com entonação
diferente do caso anterior
432
essa força?” (crônica de Ricardo
Freire na revista Época)
27 o quê que é???
/ o que é que
é??? / como é
que é???
Ele disse que não vai fazer o que
você mandou. O que é que
é???
indica insatisfação, irritação tom
ascendente
28 que história é
essa?
indicação de surpresa, espanto
29 É, bebé? Calço alguma coisa entre os
números 44 e 45 [...].De vez em
quando, eu encontrava um par 44
que acabava comprando,
persuadido pelo vendedor de que
a tendência do calçado era
ceder com o tempo. É, bebé?
Perdi a conta dos pares 44
enfileirados no armário,
praticamente novos, sem achar
alma caridosa que os aceitasse
de presente. (crônica em jornal)
indicação de contestação da opinião
do interlocutor; a EF sugere que o fato
relatado não é verdadeiro
30 como vai essa
força? / como
vai essa flor?
“E aí, afro-descendentão, como
vai essa força? (crônica de
Ricardo Freire na revista Época
saudação de encontro
31 qual é a sua? Mas você vem falar mal dele logo
na minha cara? Qual é a sua,
cara?
indicação de descontentamento do
falante com relação ao
comportamento do interlocutor
32 qual é? Oi, cara. Qual é? [1] fórmula de cumprimento / [2]
indicação de descontentamento
33 que é que tem?
/ quê que tem?
- Eu detesto quando ele sai com o
Luís. Mas o que é que tem? O
Luís não é mau elemento.
= que mal há nisso? - informação de
que o assunto em questão não tem
importância
34 que mal há? Mas pense no contrário: o cérebro
humano poderia não dar a
mínima para a possibilidade da
felicidade alheia [...]. No entanto,
somos capazes de gostar disso. Se
o resultado é bom para todos,
que mal em tirar uma
casquinha da felicidade que
podemos optar por propiciar aos
outros? (livro)
o que é que tem? / qual é o problema?
indicação de que o fato em questão
não tem importância
35 quê que há? / o
que é que há?
Quando, no banquete, o maître
perguntou ao Lula se ele queria
um pouco de cada coisa, Lula
imitou o Delfim Netto: Qué quihá,
rapaz? Eu quero o máximo de
tudo”. (revista)
indicação de espanto
36 quem você
pensa que eu
sou? / quem
você acha que
eu sou?
indicação de irritação quanto ao
tratamento do interlocutor
37 com quem você
pensa que está
falando? / você
fórmula atrevida usada para ameaçar e
se mostrar superior, sugerindo uma
posição de status social e de influência;
433
sabe com quem
está falando?
indica uma “carteirada”, ou seja, sugere
que o ouvinte está tratando com uma
pessoa importante, a quem o ouvinte
deveria oferecer favores e se mostrar
mais flexível ou obediente
38 quer saber? /
sabe de uma
coisa?
Sabe de uma coisa? Esse nosso
Presidente é um bunda-mole.
(artigo em revista)
diz-se quando se anuncia uma
“revelação”, para indicar que se vai
emitir uma opinião
39 sabe como? Na hora de sair, uma cena
inusitada. A superpopulação em
peso estava concentrada no
pátio. Assim... como quem não
quer nada... Tipo, por acaaaso”
estava passando por ali, sabe
como? (crônica em jornal)
EF usada para integrar o ouvinte na
história, compartilhando informações
não explícitas
40 sabe da última?
introdução a um relato
41 tomou,
papudo? /
conheceu,
papudo?
diz-se quando se uma lição a uma
pessoa
42 você por aqui? Uai, Carol, você por aqui?
(crônica – jornal)
indicação de surpresa ao encontrar
uma pessoa
43 que bicho te
mordeu?
indicação de insatisfação com o
comportamento do interlocutor
44 você tá doido?
/ você está
louco?
indicação de surpresa e discordância
com algo que o interlocutor disse ou fez
434
APÊNDICE 11
QUADRO 13 – continuação
EFs que incluem palavras semelhantes a formas verbais,
mas que não se comportam como verbos – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa
Exemplo de uso
(contextualização)
Observações
15 abram alas Abram alas para o
agronegócio. (TV)
A expressão parece literal, mas é fixa:
*abri alas, *as alas estão sendo abertas.
16 haja vista /
haja visto
Alckmin vai precisar de muito
óleo de peroba para
convencer a opinião pública
de que não corrupção em
São Paulo. Haja vista os 69
pedidos de CPI vetados na
Assembléia. (jornal)
1. No português atual não existe verbo
haver em tempo composto. / 2. O
particípio verbal não é variável em
gênero (só é variável o particípio
nominal), e assim a forma vista é
inexplicável; mesmo em termos de
concordância, a forma vista é
inexplicável, uma vez que não há um
termo feminino ao qual pudesse se ligar.
17 isto é Ou o interlocutor não sabe o
que faz com a mensagem
que recebe, ou faz o que lhe
resta, isto é, preenche como
pode as lacunas. Não
outra: fica imediatamente
comprometida a harmonia e
mesmo a saúde psicológica
do casal. (revista)
O verbo ser exige predicativo, mas nessa
EF a forma é não inclui um
complemento.
18 não ata nem
desata / nem
ata nem
desata
Estou lendo uma história
comprida, que não vai pra
lugar nenhum, não ata nem
desata.
Essa EF aparece na forma negativa e
o verbo pode ser conjugado no
presente ou no imperfeito: não ata nem
desata / não atava nem desatava.
19 não bastasse Mais cinco ou seis anos e o
Brasil estará arrasado. Não
bastasse, estará contaminado
como uma Chernobil pelo
empreguismo público,
assistencialismo aviltante,
tributarismo desenfreado, três
componentes que levam ao
obscurantismo mais penoso.
(jornal)
1. A EF ocorre na forma negativa e
discursivamente precede um acréscimo
que se adiciona a um argumento. / 2. O
tempo “imperfeito do subjuntivo” da
forma bastasse não se justifica do ponto
de vista formal.
20 Deus queira /
queira Deus
Deus queira que ele consiga
passar no concurso dessa vez.
21 não fede nem
cheira
Essa teoria não tem graça
nenhuma, não fede nem
cheira.
Geralmente usado nessa forma, sem
passado ou plural, o que descaracteriza
as palavras fede e cheira como verbos,
que os verbos são definidos
justamente pela possibilidade de
alteração morfológica indicativa de
tempo e pessoa.
22 folgo em saber Folgo em saber que sua
viagem foi prazerosa.
A palavra folgo não pode ser
conjugada em nenhum tempo nem em
nenhuma outra pessoa. Além disso, não
possui a semântica característica do
435
verbo folgar.
23 haja o que
houver
Eu vou tirar rias no fim do
ano haja o que houver.
24 seja o que Deus
quiser
Vamos confiar nas palavr as
dele e seja o que Deus quiser.
25 em que pese /
no que pese
Em que pese 3 ou 4
deputados que se
comportam mal, eu acho que
a CPI faz um trabalho
importante. (revista)
Além de essa expressão não incluir o
significado tradicional do verbo pesar, o
exemplo mostra também o não
reconhecimento da palavra como
forma verbal, uma vez que não
concordância de pese com 3 ou 4
deputados.
26 ora veja! /
ora veja só! /
ora vejam só!
O congresso engavetou a
ação depois de todas as
provas? Ora veja só!
Nesse caso é não é indispensável a
inclusão do objeto direto de ver, que
preencheria o papel temático de
“causador de experiência”.
27 ou coisa que o
valha
De repente, pode haver
quem pense que Melissa
Gates, mulher do Bill, limpa os
50 banheiros de sua casa e os
deixa com aquele cheirinho
que detesto: de pinho-chuva,
pinho-lua, ou coisa que o
valha. (revista)
1. Nessa EF o subjuntivo não pode ser
substituído pelo indicativo, como vem
ocorrendo na língua atual: *ou coisa que
o vale. / 2. Na expressão aparece o
clítico o, que é uma forma rara na língua
coloquial, mas nesse caso não pode ser
substituído por ele ou por isso: *ou coisa
que valha isso.
28 ou seja A filósofa alemã Hannah
Arendt cunhou a expressão
“banalização do mal” após
acompanhar o julgamento de
Adolf Eicgmann, prócer
nazista encarregado de levar
a cabo a solução final, ou
seja, o extermínio em massa
dos judeus. (revista)
O verbo ser exige sujeito e predicativo,
mas nessa EF não aparece nenhum
elemento que possa preencher
nenhuma dessas duas funções.
29 para o que der
e vier
Você pode contar comigo
para o que der e vier.
1. O verbo dar adquire nessa EF o
significado de “acontecer”, não
impossível mas inusitado para esse
verbo. // 2 os verbos podem ser
conjugados em dois tempos e pessoas:
para o que der e vier; para o que desse
e viesse.
30 ao deus-dará O pai da M. foi morar com
outra e deixou a família ao
deus-dará.
A forma do futuro simples que aparece
em dará é menos comum do que o
futuro composto, mas na EF não pode
ser substituída pela forma analítica: *ao
deus-vai-dar.
31 qual é? De uma hora pra outra, tudo
isso termina numa colisão na
freeway, numa artéria
entupida, num disparo feito
por um delinqüente que
gostou do seu tênis. Qual é?
Morrer é um chiste. (crônica
de A. Jabor)
EF polissêmica, significando [1]
saudação de chegada / [2] espanto.
Nessa EF não aparece nenhum
elemento que pudesse funcionar como
sujeito de é.
32 que o diga /
que o digam
FHC continua procurando
empresários e solicitando
ajuda financeira para manter
o Instituto FHC. Albano Franco
A EF pode ser usada no presente do
subjuntivo, e em nenhum outro tempo
(mesmo em discurso indireto: *que o
dissesse). Além disso o OD é
436
e Tasso Jereissati que o digam.
(revista)
obrigatoriamente o clítico o, que
também é uma forma incomum no
português coloquial, e não pode ser
substituído por formas tônicas nem pela
elipse.
33 quem dera /
quem dera que
+ verbo no
imperfeito do
subjuntivo
Quem dera que eu ganhasse
na loteria...
O que será “dera”? Será um verbo? Se
for, qual é esse tempo? Não pode ser
mais-que-perfeito, porque o MQP pode
ser substituído pela construção “tinha
do”- ex.: ele falara = ele tinha falado; e
aqui o dera não pode ser substituído por
tinha dado.
34 tenha dó /
tenham dó
Agências de publicidade,
pelo amoooor de Deus, sejam
mais criativas e tirem o
velhinho de cena. Aquele
negócio de – “Ho, ho, ho...”
tenham ! (crônica em
jornal)
1. Indica que o falante não concorda
com o que é dito ou não gosta disso. / 2.
Conjugada somente em duas pessoas:
tenha dó e tenham , e somente no
imperativo.
35 quer dizer A reforma política é uma
necessidade imperiosa
considerada a mãe de todas
as reformas. Quer dizer: sem
ela, é sumamente mais
complexo fazer qualquer
outra das mudanças radicais
de que o Brasil necessita para
enfrentar os desafios do
futuro. (revista)
Se é verbo, qual seria o sujeito de quer?
Se houvesse sujeito, o verbo deveria
estar na primeira pessoa quero dizer”
–, que é uma explicação que o
falante faz do que ele está dizendo.
36 quer que seja :
[pronome
relativo sem
núcleo lexical
ou quando] +
quer que seja
Essas não são posições
individuais, mas institucionais,
e não visam a impedir repasse
de informações ou proteger
quem quer que seja. (revista)
Formas da EF: : quem quer que seja
(qualquer pessoa) / onde quer que seja
(qualquer lugar) / o que quer que seja
(qualquer coisa) / quando quer que seja
(em qualquer tempo)
37 seja como for Ele devolveu o dinheiro? Bom,
seja como for, continuo
achando que ele não é
confiável.
38 seja lá qual for Você tem de escolher seja
qual for, mas tem de ser um
só.
39 não vem que
não tem / nem
vem que não
tem
Não vem que não tem. E não
adianta insistir.
O verbo ter recusa objeto direto nessa
expressão.
40 será que Sobre aquela derrota do
Atlético que os torcedores
não engoliram: será que a
torcida está sendo mais
realista que o rei? (rádio)
O verbo ser não admite oração
subordinada introduzida por que, a o
ser neste caso.
41 [tempo] + que
vem : ano que
vem / semana
que vem, etc.
Os partidos correm contra o
tempo, para se prepararem
para as eleições municipais
do ano que vem. (jornal)
1. Esta EF não se conjuga, nem no
discurso indireto ex.: *Ele disse que no
ano que vinha ele ia mudar de vida. / 2.
Não é possível o plural: *anos que vêm.
437
42 dito e feito Eu falei pra ele não fazer, mas
ele insistiu. E foi dito e feito:
deu com os burros n’água.
Segundo Perini (inédito), o particípio
passado não é verbo nesse caso, que
não possui a mesma valência do verbo
correspondente.
43 quem sabe Se ele não veio hoje, quem
sabe ele não vem amanhã?
1. O verbo saber não admite a elisão de
que em oração subordinada (*Ele sabe
a prova é amanhã.), mas nessa EF não
aparece que;
2. nessa EF não se pergunta se alguém
sabe alguma coisa. Esses 2 pontos
mostram que a palavra sabe não tem
nem a sintaxe nem a semântica do
verbo saber.
44 tenho dito É isso que eu acho e é assim
que vai ser feito. E tenho dito.
Essa EF finaliza um discurso; não tem
outro sentido a não ser anunciar que a
fala terminou, o que cria uma
incongruência entre o significado
contínuo da estrutura temporal e o
significado terminativo da EF.
45 vai ver Dizem que esse vinho dor
de cabeça. Vai ver, nem dá.
46 valha-me Deus
/
valha-nos Deus
“Vou estar providenciando”?
Valha-nos, Deus. Vou
providenciar” cai melhor.
(jornal)
47 vamos lá Precisamos conquistar esse
espaço inóspito com a
mesma força e dedicação
que conquistamos o mundo.
Vamos , mãos à obra. Não é
tão difícil assim. (revista)
A EF não varia em pessoa.
48 vamos e
venhamos /
venhamos e
convenhamos
A gravidez é um momento
terno mas, vamos e
venhamos, aquela barriga
não tem nenhuma beleza,
esteticamente falando.
49 venha a nós As propostas do Severino são
todas fisiológicas, são
venha a nós.
50 vira-e-mexe A saúde dele é fraquinha.
Vira-e-mexe ele tem de ir pro
hospital.
Expressão adverbial.
438
APÊNDICE 12
QUADRO 14 – continuação
EFs cujo significado não é o esperado – exemplos de casos
N
o
Expressão fixa Exemplo de uso
(contextualização)
Observações
12
não era sem
tempo = era
hora
Aque enfim ele aposentou
não era sem tempo!
Significado: “finalmente”. A EF
indica que o início da ação
demorou a acontecer. o
cômputo das palavras indicaria que
a ação foi feita “com tempo”:
quando se elimina a negativa
dupla de não era sem tempo”,
tem-se o sentido “era com tempo”.
No entanto, a EF não indica que
havia tempo para se fazer a ação,
mas sim que houve um
retardamento na execução da
ação, e que já havia passado muito
tempo desde o momento
conveniente de se tomar aquela
atitude.
13
não é que Ele disse que ia fazer, e não é que
fez mesmo?
Significado: introduz um fato
inesperado. Apesar da presença da
negativa não, a EF indica a
afirmação de um fato
surpreendente, indica surpresa
diante de uma situação
inesperada.
Estrutura: (1) não existe a forma
afirmativa *é que; (2) afirma-se
usando uma estrutura negativa,
mas a idéia é positiva.
14
não me diga! - Ana casou.
- Não me diga!
Significado: a EF indica espanto, e
não um pedido para a pessoa
parar de falar. Não há significado
negativo.
15
o adiantado da
hora
Devido ao adiantado da hora,
vou encerrar essa reunião e
marcar a continuação para
amanhã.
Adiantado” é quem chega antes
da hora, mas o adiantado da
hora” quer dizer que passou da
hora (pela lógica, a EF deveria ser
“o atrasado da hora”).
16
olhar para frente
≠ olhar para trás /
Você não deve desanimar. Olha
pra frente, porque você tem dois
filhos para criar. / Você tem de
seguir em frente, sem olhar pra
trás.
A EF indica tempo, e não espaço,
como se poderia supor pelo uso da
palavra frente.
17
a certa altura Estava um gelo ontem no
casamento ao ar livre - e as
mulheres todas com vestido de
alcinha. A certa altura, o povo
começou a sair e foi todo mundo
pra dentro do clube.
Significado: “num determinado
momento”. A EF indica tempo - e
não espaço, dimensão ou
tamanho, como se poderia
imaginar pela presença do item
altura.
18
para não dizer Cansamos de “trombar” com
sofás velhos [na lagoa],
Significado: expressão indicativa de
acréscimo, usada antes de se
439
aparelhos de TV, colchões de
mola (um dos quais gastamos
horas para soltar da hélice de
popa). Isso para o dizer do
porco, cujas entranhas putrefatas
(urgh!) se engastanharam no
motor, no meio da lagoa, num sol
de meio-dia, na imensidão de
aguapés. (crônica em jornal)
adicionar um elemento mais forte
na argumentação. A expressão é
usada para dizer algo a mais, mas
literalmente indicaria o oposto, ou
seja, que não se vai dizer algo.
19
daqui para frente /
daqui para a
frente
O ministro JD joga com a
hipótese de impeachment do
presidente da Câmara. Tudo
dependerá do comportamento
de S. daqui para frente. (jornal)
A EF indica tempo e o pode
indicar espaço, apesar do uso das
palavras aqui e frente.
20
pois sim Não adianta me proibir, eu vou
ligar a TV agora!
Pois sim que você vai ligar a TV!
Significado: a EF indica proibição
ou incredulidade. Em vez de indicar
concordância, como seria de se
esperar pela presença da palavra
sim, a expressão indica não
concordância.
21
poucas e boas Carla, ao que parece, promete
contar poucas e boas da Kroll e
suas extensões telefônicas.
(revista)
Significados: [1] falar poucas e boas
/ dizer poucas e boas : “falar tudo o
que pensa, sobretudo coisas ruins e
desagradáveis” / [2] passar poucas
e boas : “passar maus momentos”.
22
acabar por + V
(infinitivo)
A desestruturação tanto da
economia quanto das finanças
públicas gerou instabilidade no
crescimento do PIB e redução do
crescimento econômico, o que
afetou imediatamente a indústria
da construção civil, que acabou
por entrar em crise na década
de 80. (tese)
Significado: indica que algo
finalmente aconteceu, e não que
“acabou”; isto é, em vez de indicar
término, indica início da ação.
Estrutura: depois da preposição não
pode aparecer qualquer tipo de
SN, mas o SN oracional, com
verbo no infinitivo.
23
bem-estar /
mal estar
- Os resultados positivos vão se
refletir no crescimento do país e
no aumento do bem-estar dos
cidadãos. (revista)
- A enorme distância entre o que
nos é dito sobre como devemos
ser e o que de fato somos é com
certeza uma das fontes do mal-
estar contemporâneo. (revista)
Uma EF não ó o oposto da outra. O
nome bem-estar refere-se somente
a condições ambientais
agradáveis; o nome mal-estar
refere-se a um incômodo
emocional, a um desconforto
psicológico ou também relativo à
saúde física.
24
quem sabe Quem sabe ele ainda chega
hoje...
Significado: a EF não indaga sobre
qual é a pessoa que sabe algo,
mas assinala uma hipótese.
Estrutura: na EF o se emprega o
conectivo (Quem sabe
ele vem.),
quando a construção esperada é
“quem sabe que / se ele vem”.
25
tira-gosto tem copo lagoinha, cadeira
de plástico, tira-gostos a palito
com nomes sugestivos e muito
cliente da alta roda. (revista)
Significado: “salgadinho”. O
referente não tira gosto nenhum
aliás, presssupõe-se inclusive que
tenha gosto, isto é, que seja
gostoso.
440
26
um pedaço de
mulher
O filme é com aquela atriz, que é
um pedaço de mulher.
A EF se refere a uma mulher bonita
e de corpo bem feito. Não
nenhuma referência a uma parte
ou pedaço, mas sim ao inteiro.
27
Essa é boa! Ele falou essa mentirada toda?
Essa é boa!
Dependendo do contexto, a
interjeição pode indicar
discordância, desaprovação, e
sugerir que o que foi dito não é
bom, e sim ruim, errado. Apesar de
o sintagma fazer uma afirmação
relativa a algo bom, a EF pode
indicar algo negativo.
28
você ter de ver
você precisar (de)
ver
A apresentação das criancinhas
tocando violino foi uma gracinha,
você tinha de ver. / Ele deu o
maior vexame, você precisa de
ver.
EF usada com referência a eventos
passados, indicando fatos
excepcionais.
441
APÊNDICE 13
Excerto da listagem para um DICIONÁRIO de expressões fixas do
português brasileiro
“The child [...] learns thousands of idioms there are probably as many
idioms in English as there are adjectives. […] If English has, say, 8,000
idioms, 500 constructions doesn’t seam unreasonable to us. But of course
it’s silly to prejudge it; we await the empirical results.”
(Culicover; Jackendoff, 2005, p.
43)
“Depuis le début du siècle, les linguistes semblent avoir renoncé à constituer
des inventaires. Ceux-ci nous apparaissent pourtant comme fondamentaux.”
(Gross, Maurice, 1975, p. 20)
– A –
a alegria durar pouco (o sucesso foi passageiro, uma situação positiva não perdurou) ex: vem aquela dor
[...]. A arma mais difundida contra ela, até recentemente, era o antiinflamatório Vioxx, capaz de reduzir
o sofrimento sem causar hemorragias e úlceras estomacais, como ocorre com os analgésicos. A alegria
durou pouco. A descoberta dos danos cardiovasculares causados pela droga, após vários casos de
infarto e derrame, deixou órfã uma legião de consumidores. (revista)
a alma da festa (a pessoa mais animada, que traz alegria) – ex: Ele bebe muito, mas é a alma da festa.
à altura ([1] no mesmo tom, sem se humilhar, com a mesma força ou agressividade) – ex: Ela me xingou mas eu
respondi à altura. Você sabe, eu não levo desaforo pra casa. / O presidente tem retribuído à altura a
dedicação do amigo. (revista) / Chávez sentiu o golpe. Isso se pode constatar pelas versões conflitantes
sobre o episódio fornecidas pelo venezuelano em ocasiões diferentes. Primeiro, disse que não escutou o
Por qué no te callas?de Juan Carlos, caso contrário teria dado uma resposta à altura. (revista) // ([2]
com qualidades suficientes, com capacidade e competência para a função) ex: O Cláudio não está à
altura desse cargo. / Não herdei o trono de Paulo Francis na imprensa brasileira. Fui posto em seu lugar
por falta de alternativas. Porque não encontraram ninguém à altura. (revista) / É fácil para um tigre
chamar todo mundo de mico quando não se tem um concorrente à altura. (propaganda em revista)
à baila : trazer à baila (levantar a lebre, levantar uma questão, trazer à tona um assunto) // vir à baila = vir à tona
(surgir um assunto) ex: Não quero trazer à baila questões teóricas mal resolvidas. / O assunto veio à
baila com mais força. / Esse veto americano traz novamente à baila a discussão pela qual o Brasil
passou durante 2001 e 2004 sobre a escolha de 12 novos caças para substituir os velhos Mirage III da
base de Anápolis (GO), parte do projeto chamado FX pela Força Aérea Brasileira (FAB). (revista) /
Então, porque trazer o assunto à baila? (livro) / Assim, defini por exemplo as funções de “sujeito” e
“objeto diretoda maneira usual, para não trazer questões ainda mal resolvidas à baila em um livro
introdutório. (livro de lingüística)
442
à base de ([1] referência aos componentes de uma fórmula) – ex: Mãe-benta é um doce brasileiro feito à base de
farinha de arroz e coco. // ([2] referência a ingredientes essenciais) ex: Encontraria um clima de
velório entre trabalhadores que padecem de salários atrasados e teria dificuldade em fixar os olhos de
empresários que sobrevivem à base de lexotan, devendo os tubos de dinheiro a fornecedores. (jornal) //
([3] referência aos meios usados para a imposição ou dominância) ex: Você sabia que os seguranças
da Presidência também defendem o poder à base de canivete? Pois é, o Palácio do Planalto determinou
a compra de 144 porta-canivetes suíços para serem usados pelos seguranças de Lula e do vice José
Alencar. (revista)
à beça (demais, muito intensificador) ex: Mas ser bonita assim ajuda à beça, não? (revista) / Dói à beça.
(TV) / O poliuretano queima rápido à beça. (TV) / Se convidado, sou besta e corajoso à beça: não me
assustaria encarar o Alain Ducasse de Nova Iorque, onde um jantar para seis pessoas, sem vinhos caros
e outras frescuras enogastronômicas, custa certa de US$3 mil. (revista) / sei que ela ligou à beça do
telefone público do saguão. (TV) / Os principais alvos são os senadores que precisarão renovar o
mandato em 2010. São dois terços do Senado. Voto à beça. (jornal) / No verão, é comum o
aparecimento do terçol, aquela bolinha que dá em cima da pálpebra superior e incomoda à beça.
(revista)
à beira de (prestes, quase indica que o fato a seguir está prestes a acontecer) ex: Ele estava à beira de um
enfarte. / Elizabeth vai ficar à beira de um ataque de nervos. (TV) / A Igreja à beira de um ataque de
nervos (título em revista) / Lula deixa Brasília à beira de um ataque de nervos. (jornal) / O trânsito de
BH está à beira de um colapso (jornal) // [obs: *à margem] / Reforma ministerial muda de feição a todo
momento e deixa ministros e candidatos a ministro à beira de um ataque de nervos. / Sou uma autêntica
mulher à beira de um ataque de nervos. (revista) / Grampo põe deputados à beira da paranóia. (jornal) /
Bola fora para os inconvenientes que aproveitam a presença de todos os parentes para falar que o
casamento de fulana está à beira do naufrágio, que o vestido da tia é de péssimo gosto, que beltrano está
desempregado, e outras coisas mais. (jornal) / À beira da morte (nome de filme) / Wilson deu início às
gravações em 1966, porém abandonou o trabalho porque seu envolvimento com as drogas o levou à
beira da loucura. (revista) / No backstage do evento, enquanto sua assessora chegava à beira do
descontrole e tentava evitar que qualquer um se aproximasse, Raica dividia suas atenções entre
maquiagem, seus dois celulares e algumas entrevistas. (revista) / À beira de um ataque de nervos, o ex-
governador Anthony Garotinho já não suporta mais que boa parte do PMDB continue a empurrá-lo com
a barriga. (revista) / Não estamos à beira de um golpe de estado. Em particular, Lula não é Hugo
Chávez. (revista) // [obs: essa EF à beira de muitas vezes (mas não sempre) é seguida do grupo um
ataque de nervos, o que pode indicar a configuração de uma EF maior: à beira de um ataque de nervos]
à beira-mar (na orla marítima, no litoral) ex: Um bom lugar pra se encontrar, Copacabana / pra passear à
beira-mar, Copacabana / depois um bar à meia-luz, Copacabana (música) / Mary Fisher vive num
palácio à beira-mar. (TV) / Ajudada pela mãe, Manuela brinca à beira-mar. (revista) / Rolaram na areia,
entraram na água, namoraram. Depois, caminharam na passarela à beira-mar, batizada de Passeio dos
Namorados, e que fica entre a areia da praia e a vegetação de restinga. (revista)
a bem da verdade (falando honestamente, dizendo a verdade) ex: Ele era, a bem da verdade, um pai muito
relapso. / Ando agora às voltas com o árabe, idioma cuja grande dificuldade reforça o meu desejo de
poupar Ian e David das agruras de aprender outras nguas. A bem da verdade, devo dizer que o árabe
não é mais difícil do que o sânscrito, língua que me pôs para correr após seis meses de estudo. (crônica)
// [obs: não registrado no Aurélio]
a bem de (para beneficiar, atendendo os interesses de, pelo bem de) ex: Disseram que ele foi demitido a bem
do serviço público.
a bem dizer / para bem dizer ([1] usa-se quando o falante quer se corrigir) ex: A bem dizer, ele não era tão
burro assim não. // ([2] na verdade, para ser franco, pensando bem e falando abertamente) ex: Ele era,
a bem dizer, bastante agressivo. / A baleia é, a bem dizer, um animal híbrido. / É tradicional estudar
separadamente esses dois componentes do processo de interpretação, embora a bem dizer nem todos os
lingüistas aceitem essa separação. (livro de lingüística) / O verbo beber tem paciente privilegiado
“bebida alcoólica”. A bem dizer, esse é um caso bastante raro. (livro de lingüística) / Naquele quarto, a
senhora fica com uma televisão a bem dizer perdida. / “Não tenho e nunca tive empresa em meu nome.
Sou aposentado por invalidez e não tenho renda a declarar. A bem dizer, não tenho onde cair morto”,
desabafa o líder comunitário do Bairro Nova Cintra, na periferia de Belo Horizonte. (jornal)
443
a boca do povo (o que as pessoas dizem) : na boca do povo / cair na boca do povo (diz-se de situações que são
alvo de comentários generalizados, geralmente de forma pejorativa, mal falada) Fulana está falada,
caiu na boca do povo. / “Panamá” é outro substantivo que anda esquecido da boca do povo. (TV) /
De tempos em tempos, um humorístico mambembe causa barulho na televisão brasileira. São
programas que, mesmo sem ser campeões de audiência, acabam na boca do povo. (revista) / Na boca do
povo (título de dicionário) / Convém recordar, contudo, que o bruxo do Cosme Velho, que muito
aprendeu com a boca do povo, também achava que cair das nuvens é um desastre, mas muito pior é cair
de um terceiro andar. (livro)
à boca pequena (secretamente, sem alarde, sorrateiramente) ex: Comenta-se à boca pequena que ele se casou.
/ Telemar e Brasil Telecom não pretendem ficar paradas enquanto o mercado entra em ebulição.
Estudam à boca pequena se juntar numa única empresa. (revista) / A boca pequena, o que chegou a nós
foi que o General Costa e Silva teria dito: “Põe pra fora esse vagabundo!” (TV) // [obs: sem fen no
Aurélio]
a bolsa ou a vida! (clicsituacional: expressão usada em texto escrito ou em filme, para indicar um assalto,
isto é, quando um ladrão ataca; que na língua oral isto é, de verdade - NUNCA se usou essa
expressão! É uma expressão de ficção.)
a bordo ([1] embarcado em navio ou avião, dentro de navio ou avião) – ex: Todos a bordo! / Depois da tentativa
de atentado, os passageiros foram proibidos de levar a bordo qualquer objeto, até mesmo líquidos. / A
frase do ministro veio a reboque de uma denúncia do jornal O Estado de S. Paulo de que o governo
teria gasto cerca de R$ 300 mil para instalar um bar a bordo do avião presidencial. (revista) / Curtindo
dias de sol a bordo do iate Givi em Porto Cervo, na ilha italiana da Sardenha, Bruce Willis (52) se
diverte com a namorada, a atriz Tamara Feldman, 20 e poucos anos (sua idade é segredo de estado).
(revista) // ([2] junto) – ex: Ele foi para os EUA e levou a bordo a namorada.
a brincadeira sair cara (indica que um ato teve (ou vai ter) conseqüências graves)
a bruxa está solta / a bruxa anda solta (diz-se quando estão acontecendo várias coisas negativas)
a cabo (refere-se a transmissão de sinal de TV ou internet via fio especial) – ex: A transmissão digital a cabo é a
mesma da tevê digital? (revista) / A tevê a cabo digital já existe e é um serviço fechado e pago. (revista)
// [obs: *por cabo / *a fio]
à caça : ir à caça / sair à caça ([1] procurar) ex: Todos nós estamos sujeitos ao olhar atento deles [dos olheiros
profissionais]. Discretos, mas ansiosos por garimpar novos talentos, eles vão à caça nos mais
diversificados e improváveis lugares. (jornal) // ([2] procurar parceiro/a, do ponto de vista sexual) ex:
O homem maduro, urbano e moderno vive uma séria contradição. Ao mesmo tempo em que sofre de
uma comichão crônica para estar livre, leve e solto e sair à caça, por outro lado não consegue viver
sozinho. (crônica em revista)
a cada passo (sempre, continuamente, a todo momento) – ex: A cada passo surge uma nova dificuldade.
a caráter (fantasiado, vestido de acordo com a ocasião) ex: Nessa festa todo mundo tem de ir a caráter. /
Torcedor é isso, tem de se vestir a caráter. / Tudo isso parece roteiro de filme, mas não é. A cena se
passa no Clube dos Oficiais da Polícia Militar, em Belo Horizonte, com personagens a caráter:
quimonos, armaduras e roliças espadas de bambu. (revista)
a cargo de (sob a responsabilidade de a expressão precede a indicação do agente do que se fala) ex: Não é
preciso esquentar a cabeça com o pagamento da fatura [do cartão corporativo] no fim do mês ele fica
a cargo do Tesouro Nacional. (revista) / Na era de ouro de Hollywood, as trilhas sonoras ficavam a
cargo de compositores com formação clássica, muitos deles maestros europeus que encontravam seu
lugar ao sol no cinema. (revista) / A investigação não ficou a cargo da Delegacia de Homicídios porque
se achou por bem manter no caso os policiais que a iniciaram. (revista)
a casa cair (indica um grande desastre, o golpe final) ex: Ele foi tolerante enquanto pôde, mas no dia que ela
descobriu que o filho estava envolvido com mau elemento, aí a casa caiu.
444
a casa é sua (sinta-se à vontade modo de indicar a um visitante que esteja à vontade) ex: A casa é sua, você
pode ficar à vontade. / Sr. Valdir, a casa é sua. (TV)
à cata de (à procura) – ex: Eu estou à cata de expressões idiomáticas.
a cavalo ([1] montado no cavalo) ex: Ele veio a cavalo. / Ele sabe andar a cavalo. // [obs: mas de burro, de
camelo, de elefante ex: Na Índia ele andou de elefante (*a elefante)] / ([2] vir a cavalo (chegar
rapidamente) ex: Ele que se prepare, porque a resposta vem a cavalo (TV) /([3] bife a cavalo (tipo de
bife) // [obs: também presente em provérbios como A vingança vem a cavalo. / O castigo vem a
cavalo.]
a cegonha chegar (refere-se ao nascimento do bebê) / esperar a cegonha (estar grávida) ex: O bebê é pra
quando? Quando a cegonha vai chegar?
a certa altura = pelas tantas (num determinado momento não tem nada a ver com espaço, dimensão ou
indicação de altura) ex: Estava um gelo ontem no casamento ao ar livre - e as mulheres todas com
vestido de alcinha. A certa altura, o povo começou a sair e foi todo mundo pra dentro do clube. / Se o
leitor não sabe o que é PAC é porque, tal qual o presidente da Câmara, A. R., morreu de sono durante o
discurso de posse de Lula no Congresso. A certa altura, disse o presidente que, para atingir o ansiado
crescimento, o governo lançará “um conjunto de medidas englobadas no Programa de Aceleração do
Crescimento, o PAC”. (revista)
a céu aberto (ao ar livre, fora de casa, no campo) ex: Espero que não chova, porque a cerimônia vai ser a u
aberto. / A cobertura não ficou pronta, e as provas de natação serão disputadas a céu aberto. (TV) /
Estamos vendo as ruas sujas, e os esgotos a u aberto. (rádio) / Arte a céu aberto (título de artigo de
revista, sobre esculturas em cemitérios) / Esse riacho é um esgoto a céu aberto.
a cobra fumar / a cobra vai fumar (lema da Força Aérea Brasileira na 2
a
guerra mundial) ex: Mas onde a
cobra chega realmente a fumar é nos bastidores. Grandes chefs costumam ter grandes egos e não é
difícil imaginar o impacto que a perda ou a conquista de uma estrela pode gerar. (revista)
a coisa estar feia / a coisa ficar feia (a situação não estar fácil indica a existência de problemas graves) ex:
A coisa feia. Estou precisando arrumar um jeito de ganhar dinheiro. / Quando dois ursos polares
disputam a mesma comida ou a mesma parceira, a coisa fica feia. (TV)
a coisa ficar preta / a coisa estar preta / a situação está preta (indica que a situação se complica, fica muito
ruim) – ex: Se você se comportar mal outra vez, aí a coisa vai ficar preta. / A coisa ficando preta. Eu
vou é salvar a minha pele antes que o barco afunde. / Olha, a situação ficando preta. Eu vou é tirar o
meu time de campo rapidinho. / João Ubaldo Ribeiro, escritor, ironiza a cartilha Politicamente Correto
do governo federal, que proíbe termos como “a coisa ficou preta”. (revista) // [obs: EF com sujeito!]
[obs 2: consta da cartilha do Lula que essa expressão não deve ser usada, porque não é politicamente
correta...]
a coisa pegar (haver problema, ser o ponto em que um problema) – ex: Se algo na pessoa que vive com você
causa irritação, é bom, antes de se queixar dela ou criticá-la, observar onde a coisa pega. (revista)
a conta-gotas (devagar, aos poucos) ex: O governo contratou vinte obras fantasmas, ligando quarenta
povoados em doze municípios, uma maneira de tragar dinheiro público a conta-gotas. (revista) / As
fraudes a conta-gotas podem chegar a 20 bilhões de reais. (revista) / Os integrantes da CPI mista dos
Correios criticaram nesta segunda-feira a postura do presidente da mara dos Deputados, S. C. (PP-
PE), de adotar a sistemática de remeter a conta-gotas ao Conselho de Ética da Casa os processos de
cassação contra parlamentares envolvidos no esquema de corrupção investigado pelas CPIs em
funcionamento no Congresso Nacional. (jornal)
a contento (satisfatoriamente) ex: Não teve nem um dia que esse aeroporto funcionou a contento. / Os alunos
têm uma grande dificuldade em fazer a dissertação de mestrado, porque não conseguem redigir a
contento. / A regra funciona a contento, pois impede a formação da seqüência que se observa ser
inaceitável. (livro de lingüística) / Deputados da base governista ajudaram a oposição a fazer obstrução
semana passada na Câmara. Sinal de que o Siafi, que registra a liberação de emendas, não está
funcionando a contento. (jornal) // [obs: *contento – não existe essa palavra sozinha]
445
a contragosto (contra a vontade) – ex: Acabei cedendo à pressão, meio a contragosto.
a conversa não chegou na cozinha / a conversa o chegou no chiqueiro (= isso não é da sua conta - forma
agressiva de excluir alguém da conversa)
a crista da onda : estar na crista da onda (estar no ápice da moda, no auge do sucesso, em evidência) ex: Eu
caí do galho, mas pode apostar: eu ainda vou voltar para a crista da onda. / O grande livro dele foi em
57 você não pode esperar que ele esteja na crista da onda até hoje. / O pessoal gosta de modismo.
Gosta de mostrar que está na crista da onda. / Na crista da onda (título de artigo de jornal) / Jucá nunca
esteve na crista da onda. Ao mesmo tempo, sempre esteve na crista da onda. À primeira vista, é um
paradoxo. No entanto, ao aprofundar-se no assunto, nosso estudioso talvez chegue à conclusão de que,
entre os Jucás da vida, reside o pulo-do-gato. Sob o jeitão simplório, meio zonzo, esconde-se uma
natureza ligadíssima. (revista)
a dar com pau / a dar com o pau / de dar com o pau (muito, em abundância – intensificador) – ex: Lá deve ter
pernilongo de dar com o pau. / Gasolina a R$1,80 tem a dar com pau. / Não vai ter problema pra
estacionar. Aqui tem vaga a dar com pau.
à deriva (sem controle, sem rumo) ex: O barco ficou à deriva, e acabou batendo no banco de areia. / Gaddis
argumenta que os ataques do 11 de Setembro impeliram o país que estava estrategicamente à deriva
desde o fim da Guerra Fria – a retomar seus princípios tradicionais. (revista) / O Congresso está
inteiramente à deriva. (TV) / Neurônios à deriva (título de artigo em revista, com sub-título seguinte:
Finlandeses descobrem um novo método para o diagnóstico precoce da dislexia) / Neurônios à deriva
(título de artigo em revista) / O iate foi achado à deriva. (TV) / A investigação estava à deriva. (livro) /
A perna dele, que fora destroçada po um dos tiros, continuava a doer horrivelmente, e a pressão da
situação se tornou insuportável. Michael ficou à deriva. Quinze ou vinte anos atrás, ele se envolveu em
problemas legais e precisou de um defensor público. (revista) / E o que se viu em todo esse período foi
o Senado presisonado e imobilizado pela ação da mídia, que não teve em nenhum momento a
observação da eqüidistância necessária para reportar os fatos, inaugurando um estilo novo de fazer
jornalismo no país ao aderir abertamente à tese da presunção da culpa e fazendo com que a chamada
Câmara Alta ficasse à deriva, literalmente sem saber o que fazer. (revista)
a descoberto (com a conta corrente sem fundos)ex: O cheque voltou porque eu me esqueci que tinha dado um
cheque pré-datado e acabei ficando a descoberto.
a despeito de (apesar de) ex: Confiança se conquista, não é uma coisa que se tem a despeito do que o outro
faz. / Ele procurava se preservar, a despeito de ele ser um dos ídolos na época. (rádio) / A simples
suspeita do vício é suficiente para abalar políticas nacionais e internacionais. A despeito destas
ponderações, setores da imprensa e especialistas em alcoolismo nos Estados Unidos vêm insistindo em
classificar o presidente como bêbado. (revista) / Naquele momento o presidente acreditava que o Iraque
tinha armas de destruição em massa, a despeito das informações dos serviços de inteligência não terem
comprovação. (revista) / A despeito da parcela dos impostos a ser investida no ensino superior, não faz
sentido o governo abrir mão de todo seu poder decisório sobre as universidades. (jornal) / Ela vai
morrer, a despeito dos nossos esforços. (TV) / A despeito dos feitos e decretos da Coroa, no Primeiro
Império, os registros de teorias de humor são inexistentes. (tese)
à disposição ([1] às ordens) ex: Estarei à sua disposição sempre que precisar. / Estou à disposição para
esclarecer as dúvidas. // ([2] disponível, pronto para ser usado) ex: Tinham vários computadores à
disposição do público.
a dois dedos (indicação de proximidade) – ex: Estamos na reta final, e o Barrichello está a dois dedos da vitória.
a duras penas (com dificuldade, com esforço) ex: Ela conseguiu terminar a tese a duras penas. / Assim, é
positivo que o documento reitere o compromisso com a estabilidade de preços, obtida a duras penas nos
anos 90. (jornal) / O suplicante alega pagar a pensão a duras penas. (processo judicial) / Grupo Corpo
completa três décadas de sucesso conquistado a duras penas (título de artigo em revista) / Foram
posições conseguidas a duras penas, com muito trabalho de todos. (rádio) / A Inglaterra venceu a duras
penas a seleção do Uruguai. (TV) / A Itália venceu a República Tcheca a duras penas. / É um direito
mantido a duras penas. (TV) / O venezuelano não tem o direito de trazer esses desmandos para o Brasil,
onde a liberdade de imprensa é um valor enraizado e conquistado a duras penas, depois de duas décadas
446
de ditadura. (revista) / Dona Maria levanta de madrugada, mora distante do trabalho, pega uma ou duas
conduções, tem horror ao horário de verão, pois ainda está escuro na hora em que sai da sua casa, na
verdade um barraco que conseguiu construir a duras penas. (crônica em jornal)
a emenda ficou pior do que o soneto / a emenda saiu pior do que o soneto / foi pior a emenda que o soneto
(o remédio foi pior do que o mal, a situação piorou, o conserto do erro ficou pior do que o erro) ex:
Ele quis consertar a situação, mas a emenda ficou pior do que o soneto. / O PT deixou de ser uma utopia
para se parecer com uma disforme realidade, como sonho se transformou em pesadelo, como emenda se
deu pior que qualquer soneto. (crônica jornal) / Na presença de um transtorno de ansiedade, as
compulsões higiências podem fugir ao controle, dominar nossa vida e até levar a lesões corporais:
unhas no sabugo, dedos quase mutilados, sobrancelhas arrancadas, pele esfolada com tanto sabão e água
quente. A causa é nobre, mas se a execução é exagerada, a emenda ai pior que o soneto. (livro)
a esmagadora maioria / a maioria esmagadora (a quase totalidade – intensificador) – ex: A população
brasileira, em sua esmagadora maioria, não um simples bife no prato desde priscas eras. (revista) /
Blair é um político com a credibilidade abalada, que [...] enfiou o país em uma guerra confusa contra a
opinião da esmagadora maioria da população. (revista) / Não estatísticas disponíveis, mas a
esmagadora maioria das mulheres que engravidaram de um estupro providencia o aborto. (revista) /
Acho o jeito que você propõe mais confuso, mais longo e cheio de voltas (ao contrário da esmagadora
maioria das suas sugestões). (e-mail) / Outra amneira muito legal de me relacionar com os leitores é
pelo e-mail. Recebo dezenas por semana, a amioria esmagadora com palavras muito gentis. (jornal)
a esmo (ao acaso, para qualquer lugar) ex: O estudante entrou no cinema com uma submetralhadora e atirou a
esmo, matando 3 pessoas que estavam assistindo o filme. / Observa-se que as mudanças lingüísticas não
são fortuitas, não se dão a esmo, sem rumo. (livro) / Quem ignora o substrato complexo da economia
não consegue relacionar o aumento da carga tributária com as carências, o sofrimento, o desemprego.
Bombardeado por propaganda, estonteado por cestas distribuídas a esmo pelo governo, perde o rumo.
(jornal) / Da outra ponta do carro, num elaborado efeito especial, sairiam codornas e perdizes. Cheney
fingiria mirar nelas, mas em vez disso, atiraria a esmo contra as arquibancadas. (revista) / Ele estava
andando a esmo no meio do trânsito. (TV) / Ela foi encontrada caminhando a esmo pelo parque. (TV) /
Se você jogar o olhar para um ponto central de uma gina a esmo deste livro e fizer força para não
aolhar ao redor, verá que somente as palavras imediatamente vizinhas são legíveis. (livro)
à espreita / na espreita (na tocaia, observando o ambiente, à espera) // [obs: *espreita] ex: Aids: o inimigo à
espreita (título de artigo em jornal)
a essa altura / a essa altura do campeonato / a essa altura dos acontecimentos / a essas alturas / àquela
altura (agora, atualmente, nas atuais circunstâncias) não tem nada a ver com dimensão espacial ou
indicação de tamanho) – ex: A essa altura ele já deve ter chegado. / A Lúcia , a essa altura do
campeonato, inventou de fazer doutorado. / O método científico tem sido descrito inúmeras vezes, e não
é possível, a estas alturas, dizer nada de novo sobre o mesmo. (livro) / A essa altura, a informação
havia chegado aos ouvidos de Palocci. (revista) / E assim, alguns meses depois a sogra virou avó. No
fundo até que gostou da idéia, afinal, um neto nessas alturas do campeonato traria um pouco de alegria
à sua vida, um tanto quanto solitária. (crônica em jornal) / Aécio respondeu que obedecia a todos os
pedidos do então presidente, mas que, àquela altura do campeonato, a candidatura já não mais lhe
pertencia. (jornal) / Primeiro, nós temos que levar em conta a quem interessa, nessas alturas do
campeonato, melar o processo eleitoral no Brasil. (revista) / A essa altura dos acontecimentos, é difícil
saber o que significa exatamente a palavra revolução. (revista) / As duas declarações mais consistentes
sobre a economia nacional foram feitas por empresários e não por políticos. R. A., da Vale do Rio
Doce, ao afirmar claramente que o novo apagão a esta altura já seria inevitável pela demora nas
decisões, e D. D., quando disse que existe um processo de reestatização em marcha via fundos de
pensão. (revista) / O problema é que não dá mais para a gente fazer isso, não nessa altura do
campeonato. (e-mail)
a exemplo de (como) ex: Varela é titular da seleção uruguaia, a exemplo do Santa Cruz. / / O sonho deles é
ambicioso: guardadas as devidas proporções, querem consolidar, nas próximas décadas, conglomerados
brasileiros a exemplo do gigante francês LVMH, que controla a Louis Vuitton e a Dior, entre outras
frifes. (revista) / Bem que, a exemplo de idos passados, essa voz pudesse ecoar destas montanhas na
conclamação pela concórdia. [...] Minas, que tantas vezes ajudou a colocar o país nos trilhos, pelo seu
desprendimento e pelo seu equilíbrio, bem que poderia levantar essa bandeira. (revista)
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a favor (favoravelmente, apoiando a proposta e concordando com ela) ex: Eu não votei a favor, mas fui voto
vencido. / “Apanhei todos os dias e ninguém se levantou para falar uma vírgula a meu favor”. (revista) /
O ministro da Educação, Tarso Genro, pode ter ótimos argumentos a favor das cotas raciais nas
universidades. Mas vai daí uma grande distância a se dar o direito de suspender a divulgação no
ministério de pesquisa com resultados contrários a sua tese. (revista) / É evidente que não tem como ser
a favor dessa medida. (revista) / Se o PT ajudar a livrá-lo da cassação, seus aliados votarão em peso a
favor da manutenção do imposto do cheque. (revista) / Ficou o governo de um lado e a Globo do outro,
numa tentativa de fazer uma lavagem cerebral a favor do sim [no referendo] que não deu certo. (revista)
/ O tempo sempre conspirou a favor de Niterói na imagem que guardo do outro lado da “Poça”, apesar
da associação direta e apressada que todo carioca faz da vizinhança com o chamado programa de índio.
(crônica revista) / O vento começou a soprar a favor do time do Fulham. (TV) / O governo conta com
votos do PSDB a favor da prorrogação do tributo. (jornal)
a ferro e fogo (estritamente, com rigor, de forma impositiva, ferrenha, radical, não negociável) // [obs: 1. muitas
vezes uma colocação com o verbo levar: levar a ferro e fogo // 2. expressão irreversível] ex: Ela
está levando a dieta a ferro e fogo. / Até que ponto esses editais de concurso são levados a ferro e fogo?
/ Ele quer impor a autoridade dele a ferro e fogo. / Essa hegemonia foi conseguida, historicamente, a
ferro e fogo: com decretos e proibições, expulsões e prisões, perseguições e massacres. (livro) / O país
começa a perseguir a queda da inflação a ferro e fogo. (rádio) / Profissionais ligados à indústria
farmacêutica consideraram a portaria uma balela, mesmo os que defendem a ferro e fogo a quebra de
patentes. (revista)
a ficha cair (entender, perceber, dar-se conta) // [obs: expressão geralmente usada com sujeito posposto] ex:
Ah, entendi, agora sim caiu a ficha. / Ela acha que com os homens se conseguem as coisas repetindo
e repetindo as mesmas instruções, sem parar, até que um dia a ficha caia. (livro) / É preciso políticas
públicas contra a violência. Mas isso não caiu a ficha no governo federal. (entrevista no rádio) / Foi
uma gargalhada caíra a ficha. naquele momento é que todos da comitiva do filósofo francês se
deram conta de que aquele povo todo estava indo para o estádio. (revista) / - Em cinco anos de carreira,
reconhece seu sucesso? Acho que essa ficha nunca vai cair (entrevista em revista) / Tem gente que
ainda não deixou cair a ficha. Tem gente que ainda não tomou consciência disso: um dia teremos de
prestar contas a Deus. (sermão padre) / Eu não tinha caído a ficha. / Mas o tempo passou e, nesse
último mês, enfim, a ficha caiu: elas cresceram e não precisam mais da minha companhia. (crônica
em jornal) // [obs: em muitos casos o sujeito aparece posposto talvez por ser paciente? Isso acontece
com muitos ergativos]
a fim de / a fim de que [L.E.] ([1] para, com o objetivo de, com a finalidade de) ex: A fim de se tornar uma
grande estrela de Hollywood, mulher mata o marido, larga os filhos com a mãe e põe o na estrada.
(sinopse de filme TV) / Quem mais estaria efetivamente disposto a contestar, ameaçar, adular e
subornar países como a Líbia a fim de que deixem de apoiar o terror? (revista) / Tornou-se visualmente
mais atraente, ampliou ainda mais seu leque de preocupações e, a fim de aprofundar a abordagem dos
diversos tópicos, passou a contar com depoimentos de especialistas. (revista) // ([2] a fim de [não “a fim
de que”], com vontade, disposto) – ex: Eu estou a fim de ir no cinema hoje. / A fim de mudar? (título de
artigo de jornal) / Estou a fim do encanador que mora do outro lado da rua. (TV)
a fio : [‘tempo’ + a fio] : meses / horas / semanas / anos a fio (tanto tempo em seguida, ininterruptamente,
seguidamente) ex: Fiz a dieta por meses a fio. / Os valores arraigados em nossa sociedade fizeram
com que mascarassem por anos a fio a traição feminina pelo medo da perda de direitos conquistados ao
longo da história. (revista) / Um contingente de jovens permanece recluso no casulo doméstico não
apenas por algumas horas, mas por meses e até anos a fio. (revista) / Durante semanas a fio, Sharon
visitou, todos os dias, o túmulo da mulher seguindo depois para a campanha que o levaria à chefia de
governo. (revista) / “As instituições mais uma vez funcionaram”, dizem uns para os outros, inchados de
orgulho autocongratulatório, quando superam episódios como a destituição de um presidente
prevaricador como Richard Nixon, nos anos 70. Ou quando se desata o que, em 2000, deixou
pendente, por semanas a fio, o resultado das eleições para a sucessão do presidente Bill Clinton, em
razão dos vícios na apuração dos votos. (revista) / Minutos de vandalismo das sem-terra arrasaram com
a pesquisa de anos a fio que vinha sendo feita em espécies mais produtivas. (revista) / Os meninos
custam a deixar os jogos eletrônicos que os levam a ficar grudados por horas a fio no computador.
(revista) / Todo o trabalho dos funcionários e ministros do órgão máximo de fiscalização das contas
públicas, que passam meses a fio investigando laboriosamente como o dinheiro da União está sendo
gasto, acaba não servindo para coisa alguma. (revista) / O caos aéreo que se instalou no país desde o
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final do ano passado, resultando na morte de centenas de pessoas em dois trágicos acidentes e causando
indignação em milhares de passageiros que amargaram horas a fio nos aeroportos, está mexendo com a
economia brasileira. (revista) / Na virada do século, fotografia era sinônimo de minutos a fio diante da
câmera, até que ficasse pronta. (revista)
à flor da água (na superfície, à tona)
à flor da pele (indicação de situação exacerbada, indivíduo hipersensível) : com os nervos à flor da pele / ter os
nervos à flor da pele (refere-se a pessoa muito nervosa, irritadiça, que fica nervosa à toa, facilmente) /
emoções à flor da pele ex: Não mexe comigo hoje não que eu estou uma pilha: estou com os nervos à
flor da pele. / Na época do concurso eu fiquei uma pilha, com os nervos à flor da pele. / Para quem está
com os nervos à flor da pele, depois de um dia difícil no trabalho e de uma briga com o namorado,
camomila (jornal) / M. está com as emoções à flor da pele. (TV) / Bateu na porta, gritou, esmurrou e
nada. Com os nervos à flor da pele, tomou impulso e entrou na marra, com porta e tudo. (crônica em
jornal) / Amor à flor da pele (título de reportagem de revista) / Amor à flor da pele (título de livro de
Wong Kar Wai)
a fonte secou (uma determinada situação favorável acabou) ex: A fonte não secou! Sharon Stone: 47 anos,
irreverência e boa forma (título em revista, sob foto da artista de topless)
à força (com emprego de violência, independentemente da vontade do indivíduo) ex: Você vai vir comigo de
qualquer jeito, nem que seja à força. / Não queria sair do parque e teve de ser levado à força,
esperneando no colo. / O melhor caminho, atestam esses estudiosos, não é tentar retardar a iniciação
sexual dos garotos à força e a todo custo, mas fazê-los exercer a sexualidade com responsabilidade.
(revista)
à frente ([1] na dianteira, na vanguarda, em primeira posição) – ex: “A Igreja Católica sempre esteve à frente na
prevenção e no tratamento da aids.” (pronunciamento do Papa, publicado em jornal) / O ex-governador
de São Paulo Franco Montoro provou ser um homem à frente de seu tempo e, em 20/1/86, criou a
Estação Ecológica de Juréia-Itatins (EEJI). (revista) / À medida que for pondo os sentimentos à frente
das obrigações, perceberá que nem de lógica é feita a vida. (horóscopo em revista) // ([2]
futuramente, adiante) ex: Para Jorge Gerdau, presidente do grupo Gerdau, medidas radicais poderiam
causar sacrifícios mais à frente. (jornal) // ([3] no comando) ex: Foi brilhante a entrevista do senador
Jorge Bornhausen a VEJA (“Lula não se elege”, Amarelas, 11 de janeiro), retrato do que tem sido sua
atuação e a de seu partido à frente da oposição ao governo federal. (revista) / À frente deles [dos
policiais], está hoje o atual diretor-geral, Paulo Lacerda, de 58 anos. (revista) ? A cada dia as relações e
atividades desenvolvidas nos condomínios se tornam mais complexas e exigem aprendizado contínuo
de quem está à frente desta atividade. (jornal) / Sua humildade, quando diz que a sorte foi sua
companheira à frente do Fed, deveria servir de lição para o presidente Lula. (revista)
à frente de ([1] dirigindo, no comando, na direção) – ex: M. está à frente de uma das bandas-ícones dos anos 80.
(revista) / A reforma da PF não foi fruto de mudanças apenas na legislação, mas principalmente se
nutriu da iniciativa de um grupo de elite de policiais que assumiu seu posto determinado a transformar
as feições da corporação. À frente deles, está hoje o atual diretor-geral, PL, de 58 anos. (revista) / No
Brasil, entre três dezenas de ministros, apenas cinco estão à frente de pastas compatíveis com seu
conhecimento cnico e sua formação acadêmica. (revista) / Evidentemente que existem as exceções,
como é o caso do mineiro Saraiva Felipe, que passou a ocupar o Ministério da Saúde e concede uma
entrevista exclusiva à repórter D. C., revelando os seus projetos à frente da importante pasta. (revista) /
Se [Brown] estiver à frente do governo quando das próximas eleições, acreditam os trabalhistas, terá
mais chances de vitória). (revista) / Em retiro (obrigatório) na Ilha de Itaparica, o padre baiano José
Pinto, 58 anos, trinta à frente da paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Lapinha, em Salvador,
espera baixar a poeira da repercussão de suas “performances artísticas” na Festa de Reis, quando rezou
missa maquiado, fantasiado de índio e de trajes amarelos e turbante em homenagem a Oxum tudo
confecção própria. (revista) // ([2] diante, na frente) ex: À frente do palácio, vê-se um jardim. / De
quebra, a primeira-dama, Christina Fernández de Kirchner, se elegeu senadora pela província de
Buenos Aires com 46% dos votos, muito à frente da rival Hilda “Chiche” Duhalde (19,7%), e desponta
como a maior estrela em ascensão no cenário político argentino. (revista) / Estamos à frente de uma
insanidade, de um desperdício de R$600 milhões num país pobre e injusto, de uma jogada de marketing
do ex-candidato Lula que prometeu diminuir a criminalidade e, ao contrário, assistiu de camarote a sua
escalada vertiginosa. (jornal)
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a fundo ([1] em profundidade, intensamente) ex: “Estudei a fundo a forma como a bolsa elege os projetos, e
isso traz tranqüilidade em relação à seriedade de propósitos”, afirma. (revista) / Para a trilha de Planeta
dos Macacos (2001), estudou a fundo a obra de autores russos como Prokofiev e Stravinsky. (revista) /
Segundo um senador que conhece a fundo a alma dos seus colegas, nos últimos dias “o coração dos
senadores está amolecendo” em relação a Renan Calheiros. (revista) // ([2] até as últimas
conseqüências, procurando a origem e todos os desdobramentos) ex: Eu, se fosse o senhor, ia a fundo
nessa denúncia. (TV) / Como no caso de todas as denúncias surgidas até agora, CartaCapital considera
que suas afirmações precisam ser investigadas a fundo, doa a quem doer. (revista)
a fundo perdido (dinheiro público dado para uma instituição, sem restituição; dinheiro público aplicado sem
expectativa de ressarcimento)
a galope / num galope (rapidamente) – ex: Quando a mãe chamou, ele saiu num galope que só vendo.
a gente (nós) ex: O problema é que não dá mais para a gente fazer isso, não nessa altura do campeonato. (e-
mail) / ([1] nós) ex: Emocionado, liga para a amada e abre o coração: “Eu pensei que cair para a
Segunda Divisão era muito mais triste. Mas não é, não. A gente está unido”. (revista) / Naquele
momento, a gente já via a metralhadora “tatatatata”, e os nossos membros saltando, tingindo de
vermelho a ponte... Mas, na verdade, quando demos por nós, já estávamos do outro lado. E nos
abraçamos, comovidos, chorando. [...] (revista) / Essa música “Jesus alegria dos homens” é muito
conhecida. Mas quem não está ligando o nome à pessoa, vai reconhecer agorinha mesmo quando a
gente começar a tocar. (rádio) / Guia Sabores de Minas : A gente põe o pé na Estrada para você ficar
com água na boca. (propaganda – jornal) / A gente vivia muito em função do clube. Eu treinei atletismo,
jogava futebol e ainda vou todas as manhãs para jogar peteca. Além disso, tinha os eventos como as
‘missas dançantes’, os bailes. (jornal) // ([2] sujeito indeterminado = as pessoas em geral) – ex: Quando
a gente dirige na estrada, a gente não tem controle da situação: a gente fica à mercê de quem vem na
contra-mão. / “É muito gostosa essa liberdade, mesmo que a gente tenha que negociar com o
mecânico”, brinca L. Brincadeiras à parte e sessões de terapia depois, ela considera ter alcançado o
equilíbrio que permite buscar prazeres que vão preencher a vida mesmo na velhice: aulas de línguas,
história da arte e canto. (revista) / Mas tem uma questão: e o tal Estatuto do Desarmamento? Esse a
gente não pôde votar. Esse maldito Estatuto foi oficializado à revelia do povo. (revista) / A gente acaba
fazendo muitas dívidas e entrando numa fria. (TV) / O salário caiu muito. Ainda mais quando a gente
considera que nem a inflação oficial não foi reposta, e que essa inflação é menor ainda do que a inflação
real. / O destino prega muitas peças, ata e desata nós, abre e fecha caminhos, inventa encruzilhadas
loucas e finais surpreendentes: a gente vai aos trancos e barrancos quase todo o tempo. (revista) / Aqui
tem uma lombada e não pra gente ver se tem carros vindo; a gente entra nessa rua às cegas. /
Antigamente a gente comprava arroz e feijão a granel no armazém da esquina. // [obs: usado com
artigo definido – nunca indefinido]
a gente se vê! (EF usada na despedida)
a gosto / temperar a gosto – ex: Tempere com sal a gosto.
a granel (diz-se da compra objetos, geralmente comida, o empacotados previamente; os objetos são pesados
ou contados unitariamente) ex: Antigamente a gente comprava arroz e feijão a granel no armazém da
esquina. / Jovens na flor da adolescência levavam-lhe drogas a granel, para que suportasse as dores do
câncer tantas que, em seus últimos dias, Leary sugava óxido nitroso (gás hilariante) do bocal do
cilindro disposto al lado de sua cama, para atenuar-lhe as pontadas. (revista) // [obs: *granel não
existe a palavra granel isoladamente]
à guisa de [L.E.] (como, funcionando como) ex: À Guisa de Prefácio (título de capítulo do livro “Jornal da
Imprença”, de Moacir Japiassu) / À guisa de introdução gramática e lingüística. (livro) / À guisa de
introdução (livro) / O Santo advogado encolheu os ombros e, à guisa de passatempo, começou a
entabular conversa com São Pedro. (livro) / Sei porque, acho que tem presidente de clube, no Acre,
merecendo uma coça. Nada capaz de machucar ou aleijar, mas um puxão de orelhas, à guisa de coça.
(jornal)
a jato (muito rápido, muito veloz) – ex: Ele fez todo o trabalho a jato porque tinha hora marcada no dentista.
450
a julgar por (tendo em vista, com base em) ex: A julgar pelas gravações, ainda tocam oboé desse jeito. / A
julgar pelo histórico fiscal brasileiro, não convém nutrir a esperança de que os gastos sejam reduzidos.
(revista)
a justiça é cega (a justiça não discrimina ninguém, a justiça é igual para todos, não se julga conforme o acusado)
a la / à la moda de, do jeito de) – ex: “Eu era muito egoísta”, revela ela, que posou a la Grace Kelly moderna,
para a Vogue americana. (revista) / A Palestina está convulsionada; o regime sírio, acuado por suas
próprias torpezas, sofre do pior dos males nessa parte do mundo a fraqueza; o Iraque ocupado sangra
sob a incontrolável violência dos fundamentalistas à la Al Qaeda; o Irã assume cada vez mais que
pretende mesmo fazer a bomba nuclear, possibilidade que, se levada adiante, inexoravelmente
conduzirá a um ataque de Israel. (revista) / Os cardápios com versões em francês e braile, o visual das
cozinhas aparentes, delimitadas apenas por paredes de vidro e integradas no salão, e o convite a
degustações à la slow food confirmam a proposta cosmopolita. (revista)
à la carte (escolhido dentre uma lista - no restaurante, pratos relacionados no cardápio, que devem ser
encomendados,) ex: Você vai comer o buffet ou vai pedir à la carte? / cinema à la carte (TV) / O
bufê self-service, a R$19,99 (quilo), movimenta o almoço durante a semana, com vários tipos de pratos.
Aos sábados e domingos, funciona no sistema à la carte. (jornal) / O menu é à la carte e o atrativo a
mais da casa é a robata, uma grelha no meio do salão que prepara na hora os grelhados de carnes, frutos
do mar e legumes. (revista) / Buffet livre com 45 variedades – 130 pratos (à-la-carte) (propaganda)
à la page (em dia com a moda, ao corrente do que se faz ou do que se diz)
à larga (indica grande extensão – intensificador relacionado ao plano espacial) – ex: O roubo em nome da Coroa
disseminou-se à larga. (livro)
a léguas / a quilômetros (muito distante intensificador) ex: Não tem jeito do candidato do PT vencer. O
Aécio está a léguas de distância do segundo colocado. // [obs: *a metros / não há referência espacial]
a língua estar coçando / ficar com a língua coçando (estar com vontade de contar tudo) Não estou mais
agüentando segurar esse segredo – minha língua tá coçando...
à luz de (segundo, baseado em, com base em) ex: foram feitos vários estudos dos clíticos à luz da teoria
gerativa. / A avaliação oferece uma lente que permite visualizar os pontos fortes e fracos dos sistemas
educativos à luz do desempenho de outros países. (revista) / Analise seu (pré) projeto de estudo
apresentado para o processo de seleção ao doutorado, à luz das citações acima (prova na PUC) / Ao fim
do ano, contudo, e à luz dos bons resultados na economia, o tema principal de qualquer retrospectiva
econômica não pode ser outro. (revista) / Mas, para muitos pesquisadores, à luz da psicologia e da
neurociência, os computadores, videogames, certos programas da TV e filmes de hoje, usados ou vistos
na dose certa, proporcionam à moçada um outro tipo de aprendizado: eles ensinam a selecionar e
processar informações, a exercitar a gica e a deduzir em suma, a raciocinar. (revista) / À luz do que
se discutiu acima, vamos considerar as relações conceptuais de “lugar” e de “estado” (ou “qualidade”).
(livro de lingüística) / A economia já fez por Lula o que poderia ter feito, deixando-o, à luz das
pesquisas de opinião, quase reeleito. (revista) / Encontramos com freqüência em introduções a trabalhos
de análise lingüística a afirmação de que a análise é feita “à luz” desta ou daquela teoria. (livro de
lingüística) / À luz da terapia reichiana, podem-se tirar conclusões ainda mais espantosas sobre Daniel.
(revista) / À luz das revelações sobre suas malfeitorias feitas nos últimos seis meses, sua permanência
no cargo é um péssimo exemplo. (revista) / À luz das revelações sobre suas malfeitorias feitas nos
últimos seis meses, sua permanência no cargo é um péssimo exemplo. (revista) / Juntos, os dez maiores
gastões da secretaria da Presidência foram responsãveis por despesas de 11,6 milhões de reais desde
2003. Sem licitação, sem controle, sem medo de ser felizes. Tudo sob o manto da “questão de
segurança”, uma explicação que não resiste à luz da legalidade. (revista) / À luz da ciência, a proibição
da pesquisa gaúcha seria uma atitude obscurantista. (revista)
à luz do dia / em plena luz do dia (de dia) ex: Os ladrões agora andam roubando em plena luz do dia. / Na
Itália, os ciganos roubam os turistas no maior descaramento, à luz do dia. / O roubo foi executado em
plena luz do dia, nas barbas de todos os funcionários. / E agora, como é que ficamos? A quem devemos
recorrer? Somos assaltados em plena luz do dia e fica por isso mesmo? (jornal) / A crise trouxe à luz do
dia coisas más, mas também demonstrou a solidez da democracia brasileira. (revista)
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a mais ([1] além do mais – serve para introduzir o acréscimo de nova informação) ex: O noticiário que volta e
meia procura apresentar Serra como nome mais forte tem inspiração em gente muito ligada ao ex-
prefeito. A mais, os serristas não fazem muita questão da vitória de Alckmin, pois estão de olho em
2010. (revista) // ([2] excedente, em excesso) a menos ex: O troco não está certo: ele me deu 10
reais a mais. / No presente Lula bate forte no atraso da aprovação do Orçamento de 2006, supostamente
tramado pela oposição, enquanto na realidade o contratempo se deve à coligação de apoio ao governo
na Câmara que, com cerca de 330 deputados – 70 a mais do necessário para uma folgada maioria -, não
encontra o consenso para repartir o bolo bilionário da União deste ano. (jornal) / Uma carícia a mais,
por mais doce que seja, pode murchar o encanto. Uma palavrinha a mais, pode botar tudo a perder.
(livro) // ([3] extra) ex: Mas a presença do espanhol deu uma chance a mais para Lula propagandear
os feitos de usa “política econômica coerente” e anunciar que o Brasil é capaz de “caminhar com as
próprias pernas”. (revista) / E o dinheiro a mais que se passou a gastar, naturalmente, sai dos cofres
públicos e fica nas mãos dos corretores. (revista) / O ar de seriedade deu lugar a um perfil mais
esportivo, com um toque a mais de tecnologia sem, entretanto, perder o conforto e, principalmente, o
estilo luxuoso. (revista) / Apesar do tamanho da encrenca e da limitação de pessoal, Elisabeth não
recebeu um policial sequer a mais para desenvolver a investigação, e o trabalho segue para a fase final.
(revista) // ([4] em quantidade superior) ex: Os alunos que passaram pelo curso faturam em média
23500 dólares a mais, por ano, do que os outros. Uma prova de que tão decisivo quanto ter uma idéia é
saber como colocá-la de pé e fazê-la aprender a andar, depois a correr e, finalmente, a voar. (revista)
a mais o poder (intensificador de verbo) ex: Aquela piada é ótima. Eu ri a mais não poder. / Trabalhei a
mais não poder para consertar esse jardim. // [obs: ordem fixa]
a mando de (por ordem de) ex: A operação contra o tráfico foi deflagrada a mando do alto comando da
polícia. / quinze anos, [os estudantes] estavam de cara pintada contra um presidente que, perto do
atual, era aprendiz de feiticeiro. Agora, em compensação, brincam de revolução adotando os mesmo
métodos truculentos dos membros do MST, lutando contra sabe-se o quê, a mando de sabe-se
quem, e impondo seu ponto de vista por meio de um assembleísmo sindical, sem um mínimo de
representatividade. (revista)
à maneira de (segundo um determinado ponto de vista, de acordo com a própria opinião) ex: O diretor não
aceita palpite. Ele quer fazer tudo à maneira dele. / Se não quisesse se limitar a cantar a música do papa,
o povo poderia, sei lá, gritar o seu nome – João Pau-lô! João Pau-lô!”, à maneira da torcida do
Internacional, ou “João Paaaaauuuulôôôôôôôôô”, no ritmo da torcida do Grêmio. Ou ainda, quem sabe,
lançar mão de algum refrão existente. Por exemplo: “Ooolêêêê ooolááááá, o Santo Padre botando
pra quebrar”. (crônica em revista)
à mão ([1] de fácil acesso, acessível, ao alcance) – ex: Eu peguei o primeiro sapato que estava ali à mão. / [...] o
apresentador César Filho e a modelo Joanna Prado congelaram em nitrogênio líquido o cordão
umbilical dos filhos. “Fomos avisados da baixa probabilidade de uso. Mas a Ciência avança rápido e
qualquer chance que se tem à mão vale usar por um filho”, declara X. (revista) / O cidadão pró-
desarmamento chama a atenção para o risco de ter uma arma de fogo à mão. (jornal) / “Chaves é uma
criança de rua, como as muitas que brincam com o que têm à mão”, disse Bolaños a VEJA. (revista) /
Eu nunca uso essa cafeteira porque ela fica guardada em cima, e nunca está à mão. / Eu gosto de
pedir as coisas pra essa funcionária porque ela é muito trabalhadeira e está sempre à mão. // ([2] feito
manualmente) ex: Em 2002, a moda costumizada peças bordadas à mão era febre. (revista) / Se
você tiver uma tragédia à mão, vai ser a salvação. (revista) / O que Rapton sabe é que, durante uma
visita à fábrica de automóveis Hebei Zhongxing, ao sul de Pequim, em novembro, ele viu trabalhadores
montando as peças do automóveis à mão uma cena de linha de montagem saída dos anos 50. (revista)
// [obs: não há justificativa para a crase, nesse caso, uma vez que se diz “escrever a mão”, mas “escrever
a lápis” (e não *ao lápis), ou “tocar a quatro mãos” (e não às quatro mãos”– o que indica a ausência
de artigo]
a mão livre (refere-se a desenho feito sem guia, sem copiar) ex: Essa onça o Fernando fez sem colar, a mão
livre, quando tinha 11 anos.
à margem (fora – refere-se a algo que se põe de lado, que se despreza ) – ex: Rumsfeld fará melhor serviço se se
mantiver à margem dos grandes acontecimentos, para não cair em situação complicada com repórteres.
(jornal) / Neste mês, deve pagar a última prestação da dívida e já pensa em arrumar sócios, aumentado a
renda de uma comunidade que sempre ficou à margem da economia. (revista) / O uso do cachimbo faz a
452
boca torta e a ação à margem da lei gera hábito perigoso quando alcança status político. (jornal) /
Depois de um encontro com o enviado especial norte-americano David Welsh, domingo, a chanceler
israelense comentou em público que o controle do Parlamento e do governo palestinos pelo Hamas
fazia com que, de fato, Abbas ficasse à margem do poder. (jornal) / À margem dos vícios de retórica, a
maior virtude do livro encontra-se em seus trechos mais enfadonhos. (jornal)
à medida em que / à medida que ([1] proporcionalmente, paralelamente, ao mesmo tempo) ex: À medida em
que os cursos ficavam mais avançados, diminuía o número de turmas. (memorial) / No segundo ano, à
medida em que for delineada a análise do novo corpus, será feita a avaliação dos testes (projeto de
pesquisa) / No longo prazo, os conflitos armados vão diminuir à medida que houver mais democracias.
(revista) / À medida que ia andando percebeu mortificado que inúmeros ratos saíam das lixeiras e bocas
de lobo da rua. (conto) / À medida que avançam as investigações sobre os negócios do mais famoso
publicitário do país, fica evidente que o empresário Duda Mendonça não é aquele que apareceu na CPI,
chorou e tentou convencer os parlamentares de que foi vítima de um sistema eleitoral corrupto. (revista)
/ À medida que for pondo os sentimentos à frente das obrigações, perceberá que nem só de lógica é feita
a vida. (horóscopo em revista) // ([2] uma vez que, já que, porque) – ex: Tal qual uma infecção
generalizada, a corrupção está a matar o nosso país, à medida que as partes ainda sãs de nosso
organismo nacional são contaminadas pela rápida decomposição dos diversos poderes, órgãos e setores
do Estado. (revista) / No fim dos anos 90, a Lei de Responsabilidade Fiscal resolveu parte do problema
à medida que estabeleceu limites de endividamento e uma série de outros controles sobre a execução do
orçamento, mas nada avançou sobre o orçamento em si, ou seja, nada foi feito com o intuito de
disciplinar a formação da despesa pública: sonhar não foi considerado irresponsabilidade. (revista) / A
inflação sempre voltou depois, à medida que esses programas faziam água. (revista)
a meia voz (com altura de voz baixa, sussurrando)
à meia-luz / meia-luz (na penumbra, com pouca luminosidade, na penumbra) ex: Um bom lugar pra se
encontrar, Copacabana; pra passear à beira-mar, Copacabana; depois um bar à meia-luz, Copacabana;
eu esperei por essa noite uma semana (música) / Música no clima, meia-luz, Ylang-lang no ar, tudo
como mandava o figurino. E ele lá, mal acreditando que levava nos braços, cheia de vontade, a
estonteante garota de 22 aninhos, que, ainda por cima, o chamava de “meu gato”. (crônica em jornal) /
Segundo Ribeiro, o prédio já estava “à meia-luz” quando fez o serviço de seu laptop, do qual cuidou
depois de apagar os rastros da invasão. (jornal) // [obs: com hífen no Aurélio]
a meio caminho / a meio-caminho (entre uma coisa e outra, algo que não é nem uma coisa nem outra) ex: A
meio caminho entre sintagmas construídos e EFs estão as locuções de alta freqüência conjunta. /
Portanto, bater a carteira não é nem tão rígida quanto bater as botas nem tão livre como uma
construção que admite qualquer tipo de complemento compatível com a semântica do verbo. Está a
meio-caminho entre a total liberdade e a total rigidez. (tese) // [obs: não registrada no Aurélio]
a meio pau (a meia altura - refere-se a bandeiras quando ficam só na metade do mastro, indicando luto oficial) –
ex: As bandeiras estão a meio pau em sinal de luto.
a menos que (salvo se, a não ser que) ex: Acho que podemos passar a outro ponto da pauta, a menos que
alguém ainda queira acrescentar alguma coisa ao assunto que estamos tratando.
à mercê : estar à mercê / ficar à mercê de / viver à mercê de (estar/ficar ao sabor de, na dependência de; ser
refém de uma situação, estar submetido a alguém ou a alguma coisa) ex: Quando a gente dirige na
estrada, a gente não tem controle da situação: a gente fica à mercê de quem vem na contra-mão. / O
presidente não pode ir contra os gastos do legislativo, senão perde os aliados. Acaba que os
governadores vivem à mercê dos legisladores. / Este livro pretende ser um subsídio para esse
treinamento, sem o qual o iniciante fica à mercê de idéias alheias. (livro) / Vocês estão à mercê das
forças do mercado. (TV) / Diga-se de passagem que o cidadão brasileiro encontra-se à mercê dos mais
altos índices de criminalidade do planeta, notadamente pela falência do Estado em dar-lhe proteção.
(jornal) / O Brasil não é uma abstração ou um mapa: são quase 200 milhões de vidas, gente que batalha
no seu duro cotidiano e não merece ficar à mercê dessa ópera bufa, tendo nos bastidores dramas morais
e cinismos espetaculares, facilitados pela cumplicidade e pela omissão. (revista) / Este livro pretende
ser um subsídio para esse treinamento, sem o qual o iniciante fica à mercê de idéias alheias, arriscando-
se a nunca se conscientizar devidamente do caráter empírico da lingüística e da fragilidade das teorias.
(livro de lingüística) / As dependências internas da prisão ficaram à mercê dos detentos, que dedicam
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seu tempo a cavar túneis de fuga. (jornal) / A greve da Receita é uma demonstração inequívoca de que o
Estado brasileiro precisa de uma revisão urgente. Caso contrário, estaremos sempre à mercê do humor
deste ou daquele movimento grevista. (revista) / Esses trabalhadores deixarão de ficar à mercê da sorte
ou da caridade alheia e contarão com o respaldo da Previdência Social. (jornal) / Falhas de programação
deixam o novo celular da Apple à mercê de sabotagem (título de artigo em revista) / Quando
apaixonados, ficamos à mercê de outra lógica, diferente desta que rege nosso cotidiano: a lógica
amorosa tem razões que a paixão reconhece... (revista) / Em O Passado, de Hector Babenco, um
protagonista que vive à mercê do que decidem suas mulheres (subtítulo de artigo em revista)
à merda / vai à merda (foda-se, ra de encher o saco, pouco me importa!) ex: À merda pra esses políticos
corruptos.
a meu ver / ao meu ver (na minha opinião, segundo o meu ponto de vista; o que eu penso é que...) / a seu ver / ?
a nosso ver // [obs: *ao ver dele] ex: A meu ver a explicação é outra: trata-se da grande disposição
brasileira aos casamentos mistos. (memorial) / Caberia, a meu ver, ao Ministério Público penetrar
nesses “bueiros” e colocar os réus, se não atrás das grades, pelo menos para temer o pior para eles.
(jornal) / Tudo depende, a meu ver, do sucesso que abtivermos no ataque às causas e não aos
sintomas dos grandes e conhecidos problemas que continuam aí: juros absurdos, corrupção rampante,
legislação trabalhista paralisadora, um sistema previdenciário falido, uma sufocante teia tributária digna
de uma aranha bêbada, e acima de tudo a nossa secular iniqüidade social. (revista) / A meu ver, é
necessário aumentar muito esse salário, que assim o povo poderá se alimentar melhor esvaziando
as necessidades de gastos com a saúde, por exemplo. (revista) / No meio do bafafá criado pela
imprensa, o político declarou que, a seu ver, administração e moda andam juntas. (revista) / A meu ver,
é grande a diferença entre o conteúdo do até logo e do adeus. (revista) / O Brasil, a meu ver, não tem
futuro sem a reforma agrária. (revista) / O show, se tudo desse certo, iniciaria às dez da noite, o que a
meu ver já era um absurdo. (crônica em jornal)
a mil / a mil por hora / a cem por hora (agitadamente, rapidamente, com frenesi) ex: Ademais, Rebelo, por
mais estóico e bela figura que seja, exerceu o cargo de ministro da Articulação Política do governo Lula
num momento em que o mensalão, conforme extratos bancários do valerioduto, correu solto e a mil por
hora. (jornal) / Ele fala a cem por hora, e eu não entendo nada do que ele diz. / Enfim, torrando tubos de
dinheiro e se endividando horrores, esperava-se ao menos que as coisas andassem dentro dos
conformes: um bom hotel, ótimos passeios, papos interessantes, descontraídos, trocas de olhares, beijos
no alto da torre, emoções a mil para, no final, entre lençóis macios, a concretização “de la passion”.
(crônica em jornal)
à míngua (na penúria, sem ter o necessário) ex: Ele era tão famoso mas morreu à míngua, sem dinheiro nem
pra comprar comida. / Os procuradores embolsavam 100% da remuneração e deixavam os gafanhotos à
míngua. (revista) / A verba da CUT, organização que chegou a receber 66 milhões de reais por ano,
despencou para zero. Mas a central não ficou à míngua. Os recursos em geral, teoricamente
destinados à implantação de cursos de qualificação profissional coordenados pelas centrais
começaram a ser repassados para ONGs e instituições que mantêm evidentes ligações com a CUT.
(revista)
à moda / à moda da casa (usa-se à moda para indicar que um alimento é preparado seguindo a receita especial
de uma pessoa ou de um lugar) – ex: Quais são os ingredientes dessa pizza à moda?
à moda antiga (algo é feito à moda antiga quando é feito do jeito que se fazia no passado) ex: Não gosto de
mandar cartão virtual. Prefiro as cartas à moda antiga, pelo correio.
à morte (moribundo) : estar à morte (estar quase morrendo, estar agonizante) ex: O indivíduo foi encontrado
no mato, quase à morte.
a morte da bezerra (acontecimentos, fatos da vida, ocorrências) – ex: Eu vou no banheiro meditar sobre a morte
da bezerra. (ironia, claro) // pensar na morte da bezerra (ficar distraído, pensativo) ex: Porque você
está quietinho aí? Está pensando na morte da bezerra? // chorar a morte da bezerra (lastimar-se) // [obs:
verificar Pe. Antônio Vieira]
a muque (à força) – ex: Ele quer impor sua vontade a muque.
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a não ser (exceto) / a não ser que (exceto se) ex: No tratado grandes variações morfossintáticas mas o
conteúdo permanece idêntico, a não ser pelo acréscimo de dois livros. (memorial) / Acho que podemos
passar a outro ponto da pauta, a não ser que alguém ainda queira acrescentar alguma coisa ao assunto
que estamos tratando. / A não ser quando uma das partes disponha de meios eficazes para retaliar e
impor a sua vontade à outra, eles [os tratados internacionais] valem tanto quanto osacordos de
cavalheiros”, isto é, enquanto existirem “cavalheiros” dos dois lados... (jornal) / O Brasil, na contramão
da história, adota políticas que seriam apenas equivocadas naão fossem planos maquiavélicos de
locupletação de elites políticas que não têm outra atividade ou esperança a não ser de se enriquecer às
custas do Estado. (jornal)
a nível de (com relação a, em se tratando de) ex: A nível de educação e saúde, esse país afundando cada
vez mais.
a noite é uma criança (a noitada apenas começou, ainda é cedo) ex: Você já vai embora? Mas a noite é uma
criança! / Com 25 anos de experiência, Válber já tocou nas principais festas do país e diz que Escarpas
tem um astral sui-generis. Por quê? “Porque em Escarpas a noite é apenas uma criança e a festa não
pode e não deve parar”, finaliza. (revista) / São só 4 da manhã. A noite é ainda uma criança. (TV)
a nu (explicitamente, abertamente) : colocar a nu (revelar, colocar às claras) ex: Durante o depoimento à CPI,
o deputado colocou a nu todas as falcatruas relativas à corrupção na Câmara. / Uma pesquisa realizada
recentemente entre seus freqüentadores traça um perfil inesperado do naturista brasileiro e, partindo
desse microcosmo, coloca a nu esse desconhecido. (revista) // [obs: neste exemplo, jogo de palavras]
a olho nu (ver claramente com os olhos, sem auxílio de aparelhos) ex: O eclipse pode ser visto a olho nu. /
Eles são numerosos, e podem ser invisíveis a olho nu. Universo em miniatura, sábado, no Animal
Planet. (TV)
a olhos vistos (evidentemente, visivelmente, claramente)– ex: Ela está progredindo a olhos vistos. / Esse menino
está fazendo progressos a olhos vistos. / “O país está melhorando a olhos vistos.” (entrevista de revista)
/ A dieta fez com que ele perdesse gordura a olhos vistos (TV) / A saúde de Nook-Nook melhorou a
olhos vistos. (TV) / O evangelho da irresponsabilidade, pregado por Timothy Leary, guru de John
Lennon e a da contracultura, desmilingüiu-se a olhos vistos. (revista) // [obs: estrutura sintática
irregular? parece que não respeita a valência]
a onda baixar (a situação acalmar, amainar) ex: Caiu a ficha de Antonio Palocci: ele voltará sem muito
barulho ao cenário político como deputado federal. desistiu de tentar vôos altos em 2007. [...] Prefere
ver a onda baixar, sempre trabalhando nos bastidores. (revista)
a ordem do dia : na ordem do dia / estar na ordem do dia / pôr na ordem do dia (estar na moda, estar em
destaque; ser atual, moderno, na última moda)ex: Os eufemismos estão na ordem do dia. / Pode dizer
pros seus orientandos que eles estão na ordem do dia: no concurso caíram duas questões sobre a tese
deles. / Enquanto os jovens se identificam com seus personagens e situações, os adultos – leia-se os pais
encontram nele uma janela para entender o comportamento e os temas que estão na ordem do dia
entre os jovens. (revista) / O Cepo passará a ser referência na política brasileira com debates relevantes.
Bom, até porque Minas está na ordem do dia da agenda política do país. (revista) / As pessoas assistiam
porque a fórmula, está provado, é viciante para quem está à toa. Mas não se excitavam a ponto de pôr o
programa na ordem do dia. (revista) / Tema da bruxaria volta à ordem do dia com a nova novela das
seis, “Eterna magia”, e desperta curiosidade a respeito do culto ao divino feminino. (jornal) / Volta à
ordem do dia o deputado Aldo Rebelo. (crônica em revista, em que o autor retoma um tema tratado)
// [obs: sem hífen no Aurélio]
a ordem dos fatores não altera o produto (tanto faz) ex: Pode botar primeiro o açúcar e depois a manteiga,
ou vice-versa: a ordem dos fatores não altera o produto.
à paisana (sem uniforme, sem farda) ex: Estamos à paisana para prender o indivíduo. (TV) / Eu e meu
parceiro estávamos à paisana, e ele começou a atirar. (TV) / Jean Charles foi morto por agentes à
paisana ao ser confundido com um terrorista. (rádio) // [obs: não existe a palavra *paisana]
a palavra é sua (marcador dialógico: modo de dar início à fala de uma pessoa ou permitir que fale sem
interrupções ou apartes = com a palavra)
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a pão e água : passar a pão e água / viver a pão e água / tratar a pão e água (comer muito pouco e muito mal,
passar fome, viver quase na miséria) – ex: Os prisioneiros de guerra eram tratados muito mal, e
passavam a pão e água. / Apesar do alerta, o governo “trata a pão e água a saúde animal do país”,
afirmou ontem o presidente da Acrisul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul), Laucídio
Coelho Neto. Segundo ele, o Estado, vítima da aftosa, não recebeu verba neste ano. (jornal) / Enquanto
ele ficava dando chilique em Juiz de Fora, que, por sinal, recebeu milhões em investimentos do governo
mineiro (ETE, aeroporto), ficamos a pão e água e, agora, soubemos que ele recebeu o dinheiro e não fez
nada. (jornal)
a par (informado, ciente) : pôr a par (informar) / manter a par (manter informado) / estar a par / ficar a par =
estar ao corrente (saber, ter conhecimento de um fato, ter informação sobre um assunto) ex: Eu não
sei o que está acontecendo, não estou a par. / Obrigada por você me dar essas informações e me manter
a par dos últimos acontecimentos. / Queria te pôr a par da situação. / Não estou a par do resultado da
investigação. / Nem ele deve estar a par dessa história. / O pequenino detalhe, do qual ficastes a par
numa conversa de acaso, de súbito te ilumina e te apazigua. (livro) / Quem não gosta de ficar a par dos
acontecimentos? (TV)
a par de (ao lado de, além de) ex: A par de outras definições, como “conjunto de expressões dotado de um
sentido completo”, ou “unidade verbal que exprime um pensamento”, a oração tem sido descrita em
nossas gramáticas como a união de sujeito e predicado. (livro)
à parte ([1] isoladamente) ex: Esse problema será examinado à parte. // ([2] de lado - diz-se quando se
abandona um fato) ex: Polêmica à parte, a ressonância magnética estabeleceu-se como um método de
imensa precisão diagnóstica. (revista) / Camaradagens à parte, o fato é que Rodrigo Pederneiras
persegue uma linguagem própria para o grupo. (revista) / “É muito gostosa essa liberdade, mesmo que a
gente tenha que negociar com o mecânico”, brinca L. Brincadeiras à parte e sessões de terapia depois,
ela considera ter alcançado o equilíbrio que permite buscar prazeres que vão preencher a vida mesmo na
velhice: aulas de línguas, história da arte e canto. (revista) / A busca permanente pelo melhor
atendimento também é essencial para Mara e merece citação à parte. (revista) / Questões de mercado à
parte, mais certo seria dizer que Figo ou Zidane amadureceriam disputando um campeonato brasileiro.
(revista) / Dúvidas à parte, o fato é que os métodos para aumento dos lábios evoluíram muito. (revista)
a partir de (com origem em, devido a) ex: As instituições desempenham um papel de mediadoras em relação
ao nível microssocial, ao passo que as grandes teorias macrossociais tentam predizer os
comportamentos e os resultados a partir de fatores sociais tomados em sua generalidade (artigo
acadêmico) / Antes de ontem, eu pensava diferente; mas a partir de ontem meu ponto de vista mudou. /
A partir de hoje, Israel deve ser vista como um Estado fora-da-lei. (jornal) / A despeito da parcela dos
impostos a ser investida no ensino superior, não faz sentido o governo abrir mão de todo seu poder
decisório sobre as universidades. (jornal) / O Denilson, que tinha a maior confiança na Luzinete, a partir
desse dia passou a ficar com a pulga atrás da orelha. (TV)
a passos largos / a passos acelerados (rapidamente) ex: A genética promete ser o campo de batalha em que o
câncer de mama encontrará sua derrota completa. Os médicos avançam a passos largos nesse sentido.
(revista) / Nano é um prefixo usado para designar estruturas com 1 bilionésimo de metro. [...] Com 120
patentes de nanoprodutos, o Brasil avança a passos largos, sem trocadilhos, nessa área. (revista) / Com
as eleições se aproximando a passos largos, o temor de que a seriedade da apuração seja substituída
pelo simples denuncismo é mais do que justificado. (jornal) / O Brasil cresceu sob o signo de ser um
país jovem. O cenário, no entanto, vem sofrendo transformações a passos acelerados. (revista) a
passos lentos // [obs: *a passos curtos]
a passos lentos (vagarosamente) : andar a passos lentos / caminhar a passos lentos / ir a passos lentos– ex: A
reforma está andando a passos lentos. a passos largos // [obs: as expressões a passos largos e a
passos lentos foram indicadas em entradas separadas porque ambas apresentam idiossincrasias
específicas, uma vez que largos e lentos não se opõem necessariamente]
a ([1] caminhando) ex: Eu vou pro serviço a pé. / Tinha deixado o estádio Camp Nou a pé, sorrindo e
distribuindo autógrafos. (revista) / Nunca viajei de mochila, nunca fui a Machu Picchu nem a Santiago
de Compostela a pé. (revista) / É possível conhecer o melhor da cidade a pé. (revista) / Ela tem um
carro oficial em Brasília e, quando viaja, não se arrisca a ficar a pé. Assim que desembarca em uma
cidade, saca o seu cartão oficial e, zás, aluga um automóvel do seu gosto. (revista) // ([2] sem dinheiro
456
ex: podia me emprestar um dinheiro? É que eu a pé... // ([3] ver também deixar a = deixar na
mão
, deixar em dificuldade)
a pé de (sem, desprovido, em situação precária] – ex: Não dá pra sair. Eu estou a pé de roupa chique.
a pedra noventa (palavrão) – ex: Aí ela não agüentou mais se segurar e soltou a pedra noventa.
a pelo / em pelo (andar a cavalo sem sela, sem arreios)
a perder de vista (por muito tempo ou por um espaço muito extenso) ex: Ele tem terras a perder de vista. /
Você vai ficar pagando essas prestações a perder de vista. / O portador do cartão deve se submeter a
uma rigorosa prestação de contas, apresentando notas fiscais que justifiquem a retirada. Em algumas
empresas, isso deve ser feito em, no máximo, dez dias. No governo, o prazo é a perder de vista. (revista)
a peso de ouro (muito caro) ex: O jogador brasileiro foi comprado a peso de ouro. / Aliás, [o desapego à
política] adotado mais tempo teria evitado tantos fracassos e a compra de picaretas e seus cabos a
peso de ouro. (crônica jornal) / A moda agora é diversificar a animação, com a contratação a peso de
ouro dos melhores DJs do país, que dividem as pick-ups sem interromper a animação da moçada, que
sempre começa à meia-noite e dificilmente termina antes das 8 da manhã. (revista) / A tecnologia
precisa ser desenvolvida ou comprada a peso de ouro.
a pino / sol a pino (em posição vertical com relação à terra) ex: Estava o maior calor, com o sol a pino. / Para
brindar tudo isso, o lugar é abençoado pela natureza – com clima estável, de sol a pino, convidando para
um mergulho nas águas transparentes ou para um passeio. (revista)
a pique (de superfície lateral talhada verticalmente) - ex: Ao lado da cidade tem um rochedo a pique,
impressionante.
a pleno vapor (com agilidade, com toda a capacidade, plenamente) ex: Apenas em 2001 o órgão criou uma
divisão especializada na área – a qual, por sua vez, só começou a funcionar a pleno vapor em 2003, com
a instalação de delegacias regionais. (revista) / Na França, o Big Brother não sobreviveu a duas
temporadas. Em países como a Argentina e o México, esse programa, que é o mais famoso reality show
do mundo, ainda não passou da terceira edição. No Brasil, a fórmula criada pela holandesa Endemol
continua a pleno vapor. (revista) / A pavimentação de 1,36 quilômetros da BR-265, entre Ilicínea e São
Sebastião do Paraíso, estarão a pleno vapor. (revista)
a plenos pulmões (alto) ex: Ele cantava a plenos pulmões. (TV) / Dizem que esses parlamentares, depois que
saem da comissão, vão para casa e, como estão com fome, vão direto para a geladeira. Assim que abrem
e a luz acende, discursam a plenos pulmões. (jornal) / Os seres humanos recém-nascidos, é claro, são
craques nesse tipo de comunicação a plenos pulmões: qualquer mãe de primeira viagem, por exemplo,
distingue entre um choro sustentado que indica dor e aquele ritmado do bebê quando quer atenção.
(livro)
a poder de + N ex: a poder de força / a poder de remédio ex: Os manifestantes não queriam desimpedir o
local, e saíram de a poder de força. / Se deixar, ela passa a noite em claro. dorme a poder de
remédio.
a ponto de ([1] chegando a) ex: Seu cachorro late a ponto de provocar reclamações dos vizinhos? (revista) /
Após se meter em altas confusões, a ponto de arrumar complicações com a polícia, o professor de dança
Billy Duncan não tem nada a perder quando lhe oferecem a chance de escolher sua sentença. (sinopse
de filme TV) / Como compreender que um partido que tem oito meses de vida e pouco mais de 20
mil filiados cresça tanto a ponto de levar Lula a repensar se devia mesmo ter expulsado os
companheiros que pegavam em seu pé? (revista) / Na órbita do amor, o caminho é de mão dupla. Do
mesmo jeito que os pombinhos tropeçam num amargo estresse, podem voltar a se aninhar num doce
amor. Mas a repetição dos maus momentos desgasta o relacionamento a ponto de correr o risco de
chegar a um limite. (revista) / O administrador público, no conceito corrente da palavra, precisa ter uma
visão do mundo tão distorcida a ponto de comemorar aumentos de receitas tributárias como taças em
Copa do Mundo. (jornal) / - Não é possível que ela sair daqui de Belo Horizonte para atormentar as
pessoas em Tiradentes! Você viu que ela é louca a ponto de fazer isso! (revista em quadrinhos) //
([2] quase, prestes a) ex: Estava a ponto de chorar. / Estava a ponto de explodir de tensão. / Quatro
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amigas se reúnem para passar um fim de semana na praia. Duas estão casadas, outra a ponto de casar-se
[sic] e a quarta está divorciada (sinopse de filme – TV)
a porta é a serventia da casa / a porta da rua é a serventia da casa (diz-se quando se manda a pessoa sair)
ex: Se você não está satisfeito, pode tomar seu rumo. A porta é a serventia da casa. / Saiam, saiam
agora! A porta é a serventia da casa. (novela TV) / Bordões antiquados como: “manda quem pode,
obedece quem tem juízo”; “a porta da rua é a serventia da casa”, ou “é bom fazerem o que mando; a fila
de desempregados fora é grande e estão torcendo para abrir uma vaga aqui” são lemas de muitos
chefes obsoletos. (revista)
a portas fechadas (em ambiente privado, de forma não pública) ex: Sofri pressão a portas fechadas para pedir
aposentadoria, após violência física e psíquica pela então inspetora sindicante (jornal – cartas à redação)
/ Alguns dos que absolveram Renan Calheiros podem -lo feito de boa-fé, mas o que se passou de
decisivo no Senado brasileiro na última quarta-feira, a portas fechadas, foi um arranjo subalterno cuja
real motivação estarrecerá a nação quando for revelada em todos os seus indecorosos detalhes. (revista)
/ [O papa Bento XVI] Chegou até a se reunir com cinco pessoas que foram molestadas sexualmente,
todas hoje na meia-idade, num encontro sem anúncio prévio, a portas fechadas, e com vítimas
escolhidas a dedo. (revista)
a posteriori (“a partir do que vem depois”; após o acontecimento de algo, depois
a priori) ex: Ele lembra
das coisas a posteriori.
a postos (pronto e esperando) – ex: Veja se o pessoal está a postos. (TV)
a prata da casa (o que tem de melhor, pessoa do grupo que tem grandes qualidades) ex: Você não precisa
pagar não; afinal, você é prata da casa. // [sem hífen no Aurélio]
a prazo (a prestação, em parcelas, com o pagamento dividido) – ex: Não deu para pagar a vista. Tive de comprar
a prazo. // [obs: mas comparar com *pagar a prazo / pagar a prestação / pagar a vista
a preço de banana (barato) ex: Quem garante que a carne norte-americana não entra no Brasil a preço de
ouro, para ser industrializada e, feito isso, exportada em pagamento da importação a preço de banana
[...] (jornal) / Aquela casa antiga foi vendida a preço de banana. / Os deputados sabem por antecedência
onde vai passar o desvio do rio, e compram as terras ao lado a preço de banana. / Veja a seguir: um
tesouro brasileiro vendido a preço de banana. (TV)
a preço de ouro (caro) ex: Quem garante que a carne norte-americana não entra no Brasil, a preço de ouro,
para ser industrializada e, feito isso, exportada em pagamento da importação a preço de banana [...]
(jornal)
a prestação (a prazo, em parcelas mensais) ex: comprar a prestação // [obs: é possível “pagar a prestação”,
mas não é possível “*pagar a prazo”]
a pretexto de (com a alegação de que, argumentando que) ex: Não deveria ser permitido extinguir direitos
adquiridos a pretexto de sanear as finanças do país.
à primeira vista (no primeiro contato, inicialmente) : amor à primeira vista / tocar à primeira vista / ler à
primeira vista – ex: À primeira vista, a situação parecia sem solução. / Com mais da metade do mandato
presidencial a ser cumprido, é um exercício à primeira vista muito pouco objetivo especular sobre o
legado do governo. (revista) / O remédio étnico é uma boa notícia? À primeira vista parece uma notícia
excelente. (revista) / À primeira vista, pode-se pensar que alguns nominais precisam ser marcados
quanto à posição em que ocorrem no sintagma. (livro) / À primeira vista, os preços desses planos
empresariais são mais atrativos se comparados aos dos individuais. [...] Mas a alternativa tem seus
riscos. (revista) / “Verifico, à primeira vista, que o procedimento administrativo criminal foi instaurado
com base na mesma prova declarada processualmente imprestável por decisão de mérito deste tribunal”,
afirmou. (jornal) / Chega ao Brasil em setembro a turnê do cantor e compositor inglês Jamie Cullum, de
26 anos. À primeira vista, um rapaz bonito e de boa voz, com requisitos para ser líder de uma boy band.
(revista) / Inicialmente seria um presente para os filhos, o problema é que os garotos ao verem o bicho,
em vez de amor à primeira vista, sentiram uma espécie de aversão ao primeiro contato. (crônica em
jornal) / Jucá nunca esteve na crista da onda. Ao mesmo tempo, sempre esteve na crista da onda. À
458
primeira vista, é um paradoxo. No entanto, ao aprofundar-se no assunto, nosso estudioso talvez chegue
à conclusão de que, entre os Jucás da vida, reside aí o pulo-do-gato. Sob o jeitão simplório, meio zonzo,
esconde-se uma natureza ligadíssima. (revista) / Hoje, são aproximadamente 5,6 milhões de
participantes, com reservas totais de 100 milhões de reais. Os números, à primeira vista, impressionam,
mas são pequenos se comparados ao número de segurados do INSS, e amesmo em comparação com
o sistema de previdência fechada. (revista)
a princípio (inicialmente) ex: A princípio eu achei que era brincadeira; depois é que eu vi que era sério. /
“A princípio fiquei chocada, porque a letra falava de uma mulher que levou um fora do namorado e
Tarantino a usou numa cena em que uma personagem leva um tiro na cabeça”, disse ela a VEJA.
(revista)
a priori (“a partir do que precede”; por antecipação, antes de qualquer outra coisa, primariamente / sem
fundamento na experiência, mas com base somente na razão a posteriori) ex: Então, se aceitarmos a
priori que o pesquisador brasileiro não sofre de nenhum impedimento intelectual, seria interessante (e
desejável) testar a hipótese do investimento maciço de recursos em ciência no cenário nacional.
(revista) / Isso poderia levar ao abandono de casos que não se encaixam na classificação que a gente fez
a priori. (lg oral) / Existem níveis patológicos de mágoa a atormentar aqueles que se vêem aprisionados
pelo que lhes falta, impedidos de ir além, de sequer tentar, derrotados a priori, pessimistas, desgostosos,
eternamente perseguidos pelos outros, ou pelas circunstâncias. (revista)
à procura cata, em busca) ex: O rapaz saiu à procura de emprego. / que é impossível julgar o caráter
romântico dos homens na maioria absoluta das vezes, é mais seguro ser cética e, quem sabe, acabar
realmente encontrando um homem que seja honesto, bem-intencionado e esteja à procura de uma
relação estável. (revista) / Lula se dizia capaz de implementar o “Primeiro Emprego”. [...] Hoje
transcorridos três anos e meio de governo, e quatro anos desde quando o impávido candidato lecionava
fórmulas sociais milagrosas, conseguiu apenas gerar 3.936 vagas uma gota d’água de uma massa de
jovens que, a cada ano, deságua no mercado de trabalho à procura de uma oportunidade. (jornal)
a profissão mais antiga do mundo (meretrício, atividade das prostitutas) ex: Desde que se mudou para a
Itália, o craque aceita convites para passar a data em badalados restaurantes, mas, depois da confusão
envolvendo seu nome com os de moças da profissão mais antiga do mundo, está evitando sair de casa.
Sobretudo à noite, quando todos os gatos são pardos. (jornal)
à proporção em que / à proporção que medida em que) ex: A funcionária repunha o material à proporção
em que os itens eram utilizados.
a propósito (por falar nisso, que estamos falando desse assunto ...) ex: Aposto que o pegou as chaves do
carro. A propósito, onde é que ele vai toda noite? / (...) eu te prometo. A propósito, eu mantenho minhas
promessas. (TV) / Como é que tivemos tanta inflação apesar de o mbio ter caído como caiu e dos
maiores juros do mundo? E, por fim, e a propósito, por que mesmo somos os campeões mundiais de
juros? (revista) / A propósito: você não é uma pessoa, mas esse é um comportamento muito ruim.
(TV) / A pressa é inimiga da perfeição. [...] Mas eu não cuido aqui da sabedoria japonesa, nem da
cultura de outros povos desapressados que adoram carne crua. O meu campo, no qual me deito a jeito, é
o do saber do nosso povo, que, a propósito, também acha que nem tudo neste mundo pode ser perfeito.
(livro)
a propósito de ([1] a fim de, com a finalidade de, para) – ex: No último dia 28 de março, os donos da Gol, N. C.
e C. de O. Jr., foram recebidos em audiência por Lula. A propósito de comunicar ao presidente o
fechamento do negócio que resultou na aquisição da Varig, levaram a tiracolo Roberto Teixeira. (jornal)
// ([2] com relação a) ex: A ministra deu uma entrevista coletiva justificando a sua demissão. A
propósito do uso indevido do cartão corporativo, a ministra teve a audácia de relacionar o fato a uma
questão de racismo contra ela.
à prova de + N (resistente a esse material, que não se danifica com esse material) ex: Esse relógio é à prova
d’água. / Os policiais usavam coletes à prova de balas. / O piloto não se acidentou porque estava usando
um macacão à prova de fogo. / À prova de catástrofe (título de artigo em revista) / Não sei como andam
as coisas por lá. Aqui, estão inimagináveis, Não existe segurança nas ruas, não bairros tranqüilos
nem condomínios ou edifícios à prova de assalto. (revista)
459
a qualquer custo / a todo custo (custe o que custar, de qualquer jeito, de qualquer maneira – indica uma atitude
necessária, peremptória) ex: Exigiam a entrega do documento a qualquer custo. / Na música do século
XX o pessoal procurava a originalidade a todo custo, mesmo abandonando a estética. / Ele quer vencer
a todo custo. / Evitar a todo custo fazer exemplos envolvendo religião, política ou raça. / Neste início do
século XXI, a liberdade individual, a conquista mais importante dos últimos dois séculos, parece ser
entendida como direito de consumir e de buscar o prazer a qualquer custo. (revista) / ISTsai mais
uma vez à frente para denunciar essa moda que é pregada pela mídia e outros canais de comunicação de
que é bonito e aceito aquele que se enquadrar no perfil de magro a todo custo. (revista) / O melhor
caminho, atestam esses estudiosos, não é tentar retardar a iniciação sexual dos garotos à força e a todo
custo, mas fazê-los exercer a sexualidade com responsabilidade. (revista) / Amanhã, mesmo
trabalhando dentro de uma redação de jornal, tentarei a todo custo fugir das capas. pensou nas
manchetes? Não, ninguém merece. (crônica em jornal)
a qualquer momento / a qualquer instante (de repente) ex: Fica atento, que ele pode aparecer a qualquer
momento. / Essa região do sul do Pará é um barril de lvora, e pode acontecer uma desgraça a
qualquer momento. (TV) / Essa verificação é feita por amostragem, mas é imprescindível que a
corporação informe ao usuário que ele poderá cair na malha a qualquer momento. (revista)
a qualquer preço (de todo jeito, custe o que custar) ex: Ele quer se manter no poder a qualquer preço. / Quem
corteja poder ou dinheiro a qualquer preço tem afetos essenciais? (crônica em revista) / Os
parlamentares dos países ricos, formados por representantes classistas e lobistas, cuja prática é de
defesa de privilégios a qualquer preço, custarão a se aperceber da urgência de mudanças. (jornal)
a quantas andar (como estão as coisas, qual é a situação) – ex: Vou tirar um extrato pra ver a quantas andam os
meus investimentos. / Gostaria de saber a quantas anda o meu processo. / Me liga pra eu te contar a
quantas andam as coisas. / A acusação, reação típica de quem vai afundar mas quer levar alguém junto,
não ampliou a crise que abalava o governo com a denúncia de que Roberto Jefferson tomava
dinheiro das estatais, como escancarou para o país as relações do legislativo com o executivo e a
quantas anda o mundo político. (revista) / Faça uma listinha pida das suas boas obras para examinar a
quantas anda a sua relação com Deus. (sermão – padre) // [obs: feminino!]
a quatro mãos (junto com outra pessoa) : tocar a quatro mãos – ex: Essa peça é para piano a quatro mãos. / Esse
livro eu e a Yara fizemos a quatro mãos.
a que ponto chegamos (indica espanto diante de uma situação ruim, que chegou a um limite inacreditável) ex:
Os custos de energia elétrica, infra-estrutura em geral e financiamento são menores na terra de stor
Kirchner. E os impostos também. A que ponto chegamos. (revista) / “Imaginem se pedir dinheiro
emprestado é falta de decoro. Meus Deus! A que ponto chegamos?” (revista, reproduzindo discurso de
senador em tribuna)
à queima-roupa / a queima-roupa ([1] diz-se de tiro dado de muito perto) ex: O primeiro tiro foi à queima
roupa, e o segundo mais de longe. (TV) / O assaltante chegou, pediu o dinheiro, e foi logo dando um
tiro nele à queima-roupa. (TV) / Foi baleado à queima-roupa. (TV) / casos como o do policial E. L.
L., para o qual nem arma nem treinamento garantiram a vida. Na primeira vez que reagiu a um assalto
fora do expediente, três anos, foi morto à queima-roupa. (revista) / Temos de dar um basta a tanta
violência. O motorista que teima em dirigir sob o efeito do álcool deve, sim, ser punido de forma
rigorosa, de preferência como um criminoso que se utiliza de um revólver e atira à queima-roupa, pois o
seu desejo é matar. (revista) // ([2] frontalmente, abruptamente) – ex: Certa vez, o Repórter Vesgo levou
um soco do ator VF, ao tascar à queima-roupa: “E aí, Victor, faz anos que você não aparece”. (revista) /
Chama o rapaz e, prova do crime à mostra, lhe pergunta à queima-roupa: - O senhor ama minha filha?
(jornal) / Os fiscais foram emboscados e assassinados à queima-roupa. (TV) / “Mamãe, o papai não
teria coragem de fazer uma coisa dessas comigo, não é mesmo?” A pergunta foi feita a queima-roupa
pela pequena Lívia M. C. P, 6 anos, à mãe, Irislane. (revista) // [com hífen no Aurélio]
a quem interessar possa (fórmula para iniciar uma declaração em aberto) // [obs: a anteposição do OD, presente
nessa fórmula, é praticamente inexistente no português contemporâneo note-se a estranheza de “A
empregada o leite derramou.”] ex: A quem interessar possa: é de 150 000 dólares o valor da diária de
Gisele ndchen ou seja, a sua simples presença num evento, não incluindo desfile na passarela.
(revista)
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a raiz do problema / a raiz da questão (o motivo de um problema, a origem do problema) // [obs: ?a raiz da
situação / ?a raiz da pesquisa / *a semente do problema] ex: Com os juros é a mesma coisa: o
superávit primário tinha de ser muito maior, pois aí está a raiz do problema. (revista)
à razão de (na proporção) – ex: Ele trocou os reais por dólares à razão de 3 por 1.
a reboque (junto) ex: Quando ele vem, ele sempre traz a mulher a reboque. / A sensação do país é que o
governo parou a reboque do caso Waldomiro... (revista) / Pela primeira vez, o meio ambiente deixou de
vir a reboque da engenharia e passou a ser o parâmetro para a implantação do empreendimento.
(revista) / Ou ela [a ONU] se põe a reboque de seus interesses [dos EUA], e terá todo o apoio, ou se
mantém contra, e continuará merecendo seu mais profundo desprezo. (revista) / O contexto em que a
declaração foi lançada é, no mínimo, constrangedor. A frase do ministro veio a reboque de uma
denúncia do jornal O Estado de S. Paulo de que o governo teria gasto cerca de R$ 300 mil para instalar
um bar a bordo do avião presidencial. (revista) / Ficamos muito tempo a reboque do PSDB; temos que
melhorar a imagem do DEM. (rádio) / Ficamos muito tempo a reboque o PSDB, temos que melhorar a
imagem do DEM. (jornal)
a respeito de / com respeito a (com relação a, referente a) ex: O presidente não falou nada a respeito da
reforma ministerial. / Ao relatar a respeito do fogo amigo, ateado por José Dirceu, Antônio Palocci e
Luiz Gushiken para fritar Delúbio, Attuch escreve sobre um episódio inédito, registrado no segundo
semestre de 2004. (revista) / Evidente que não tenho especialização sobre propaganda, mas a respeito de
outdoors gostaria de meter meu bedelho. (revista)
à revelia ([1] sem o consentimento) ex: Ele tomou a decisão à revelia dos pais. / A procuração foi entregue a
minha revelia, a despeito da minha proibição. / Os PCs infestados por vírus ou sem bloqueadores de
programas intrusos parecem possuídos por uma força sobrenatural que os comanda à revelia dos desejos
do dono. (revista) / Afirmo apenas que qualquer trabalho terapêutico envolve a exigência ética de
que a pessoa perceba como, à sua revelia, colabora para criar em volta de si o inferno de que se queixa.
(revista) / pessoas excessivamente ciumentas, sempre imaginando casos de amor ocorrendo à sua
revelia. (revista) / Vidigal sabe que o presidente do Supremo não vai nomear o conselho à revelia.
(revista) / Mas tem uma questão: e o tal Estatuto do Desarmamento? Esse a gente não pôde votar. Esse
maldito Estatuto foi oficializado à revelia do povo. (revista) / O aumento deve ser dado à revelia da
Receita Federal e do Ministério da Fazenda, que se posicionam contra qualquer alívio. (revista) / Os
deputados e senadores decidiram agir à revelia das autoridades, em tese, encarregadas de tomar as
providências imediatas. (revista) // ([2] sem a apresentação da defesa do acusado) ex: O processo
correu à revelia, porque o acusado não se manifestou. / À sua revelia, a ID também colheu informações
na página que ela mantém no Orkut, o site de relacionamento mais popular do Brasil, com 9 milhões de
usuários – um terço de todos os brasileiros com acesso à internet. (revista)
a rigor ([1] para ser exato) ex: A rigor, ele não é de origem italiana, porque a região da sua família fazia parte
da Áustria quando seus parentes imigraram. / Estou considerando apenas essa acepção do que, o que é
uma simplificação a rigor inadequada; mas se formos examinar todos os usos da palavra que, como se
deve fazer, acabaremos indo muito longe, e perdendo de vista o tema do capítulo. (livro de lingüística) /
A rigor, nada impediria que os membros do governo tivessem sacado dinheiro vivo para financiar
atividades da campanha eleitoral, inclusive o dossiê dos sanguessugas. (revista) // ([2] com vestimenta
elegante) – ex: Luís vestiu-se a rigor para ir à festa formal. (livro)
à risca (exatamente, de forma rigorosa, com exatidão) : cumprir à risca / seguir à risca – ex: Vou seguir o livro à
risca. / O PSV cumpre à risca o que planejou. (TV) / A lei moralizadora se constitui em uma das mais
importantes aprovadas pelo Congresso e agora espera-se que seja cumprido à risca o que determina o
artigo da Constituição. (jornal) / A professora aposentada M. S. B. [...] fala hakitia, idioma original dos
sefarditas marroquinos, e segue à risca muitos costumes judaicos, mas trocou a religião de seus
antepassados pelo catolicismo. (revista) / Gravidez confirmada, o ideal é seguir à risca o pré-natal.
(revista) / Adorei seus comentários, e segui à risca todas as suas sugestões. / Os incautos que procuram
seguir à risca as recomendações desses falsos educadores recebem os mais desbragados elogios por
terem imitado tudo o que eles acham de bom. (livro) / Boas secretárias são discretas e leais aos chefes.
A secretária-executiva Alessandra Pinheiro diz que seguiu a norma à risca enquanto pôde. (revista) /
Seguiu à risca o conselho da vizinha: - Para emagrecer, tem dois jeitos. Ginástica e um bom SPA.
SPA? Pergunta, curiosa. “Sparadrapo” na boca querida, é a única coisa que resolve. (crônica em
jornal) / Na semana passada, Hugo Chávez desferiu mais um golpe contra a democracia, ao cumprir a
461
sua ameaça de fechar a emissora RCTV, a de maior audiência na Venezuela. Chávez o fez
simplesmente porque em seus telejornais a RCTV não seguia à risca a cartilha de louvação a tudo o que
Chávez faz ou diz. (revista)
a rodo (em grande quantidade intensificador) ex: Ele dorme a mantoda, trabalha quando tem vontade e
tem dinheiro a rodo essa é a vida que eu pedi a Deus. / Meu carro estava consumindo gasolina a rodo.
/ Ele gasta dinheiro a rodo. / No inglês, fala-se isso a rodo. / tomei muito café e ouvi muitas histórias.
A conta de luz atrasada, o companheiro que sumiu no mundo ou simplesmente se juntou com a outra, a
filha adolescente grávida sabe-se lá de quem, o trabalho que não vem, a saúde que anda mal, quebranto,
mau-olhado. [...]Os bares cheios, vendendo cerveja e cachaça a rodo e os pais irresponsáveis que nunca
pagam a pensão. (crônica em jornal)
a saber (isto é, por exemplo, que são os seguintes) ex: Ele foi presidente de duas empresas, a saber, a empresa
X e a Y.
a salvação da lavoura (aquilo que vai salvar, o que é mais importante, a tábua de salvação) ex: Os gêneros
textuais estão sendo vistos como a salvação da lavoura. (em defesa de dissertação) / Esse jogador vai
entrar em campo? Vai ser a salvação da lavoura! (rádio) / Aquele golzinho no final da partida foi a
salvação da lavoura. (TV)
a sangue-frio (sem dó, com frieza emocional, sem envolvimento emocional. de modo insensível, sem piedade)
ex: Os traficantes mataram o jornalista a sangue frio. / Se você fizesse isso, ia parecer um assassinato a
sangue-frio. (TV) / Vocês ouvirão o réu confessar que matou essas três pessoas a sangue-frio. (TV) /
Mataram Sylvie a sangue-frio. (TV) / VEJA poderia ter citado o caso dos irmãos Menendez, Lyle and
Erik, nos Estados Unidos, como um paralelo: mataram os pais a sangue-frio, por dinheiro, fingiram
desespero e tristeza e, presos, foram orientados por uma advogada a se apresentar, em vez de ternos,
com suéteres claros, de adolescentes, em tons pastel. (revista) / Ela é uma assassina a sangue frio. (TV)
// [obs: sangue-frio com hífen no Aurélio]
a sete chaves : guardar a sete chaves / guardar sob sete chaves / fechar a sete chaves / trancar a sete chaves
(guardar bem, com total segurança, obtendo sigilo total; esconder muito bem) ex: Os pontos da pauta
são guardados a 7 chaves. (rádio) / Os prefeitos mantêm a 7 chaves as dívidas e os restos a pagar dos
municípios. (rádio) / Os conselhos municipais tinham o livro fechado a sete chaves. / Não precisa mais
trancar sua porta a 7 chaves. Basta uma. (propaganda de chave) / É nesse templo, guardado a sete
chaves, que se encontra, segundo eles, um dente de Buda que chegou ao Sri Lanka escondido nos
cabelos de uma princesa de Orissa. (crônica em jornal) / A AmBev e a Unilever uniram forças e lançam
em dezembro o picolé Kibon Guaraná Antarctica. O produto vai utilizar a fórmula secreta do guaraná,
que é mantida a sete chaves dentro da AmBev somente duas pessoas sabem a receita. (revista) / O
Banco Central guarda a sete chaves um estudo com uma nova estimativa para o crescimento do PIB em
2007. (revista)
a seu tempo (no momento adequado, oportunamente) ex: Essas são as classes tradicionais. Veremos, a seu
tempo, que são insuficientes. (livro de lingüística)
a seus s (indica atitude humilde, de pessoa que implora) ex: Eu estou aqui, a seus pés, pedindo que você
reconsidere a sua decisão.
à solta ([1] sem inibições) ex: Marido e mulher, agora sem contenções, riem à solta. (Aurélio) // ([2] solto,
livre) ex: Animais à solta (título de artigo em revista) / O cara ainda está à solta. (TV) / Os ladrões
andavam à solta. (livro) // [obs: não existe o substantivo *solta, nem uma expressão semelhante com o
oposto: *à presa]
a sorte está lançada (agora já não tem mais jeito, já foi feito o que tinha de ser feito)
a sorte estar do seu lado / estar com a sorte do seu lado (ter sorte) ex: Não ganhei nem uma partida essa
noite. A sorte não está do meu lado.
a sorte sorrir
(ter sucesso, ter a oportunidade de viver uma situação positiva, favorável) ex: Se a amiga entrou
[no site de relacionamento] e se deu bem, quem sabe a sorte sorri para você também? (revista)
462
a sós (sozinho, sem companhia) – ex: Eu quero ficar a sós.
à sua imagem e semelhança (igual a si próprio) // [obs: *à sua semelhança e imagem] – ex: Tudo Ele achou que
era bom, até o homem, macho e fêmea criou à Sua imagem e semelhança, para dominar a Terra e tudo o
que sobre a Terra se move. (livro) / Mas com maioria folgada, o governo poderia compor a CPI à sua
imagem e semelhança, administrando-a como quisesse. (revista)
a tal ponto (tanto) ex: Dúvidas à parte, o fato é que os métodos para aumento dos lábios evoluíram muito. A
tal ponto que se torna difícil saber quem nasceu ou não com lábios carnudos. (revista)
à tarde / à noite (no horário da tarde ou da noite) – ex: A loja em que fora de manhã garantira que à tarde traria
a mercadoria comprada: uma cama acompanhada de criado-mudo, um jogo de estofados, uma estante e
uma TV. (crônica em jornal) / Nada como uma bermuda básica para bater perna por aí, de manhã aa
noite. (revista) / O presidente do PT, Jo Genoíno, será posto na parede, na reunião com os
coordenadores do PT na Câmara dos Deputados, na segunda-feira à noite ou na terça de manhã. (jornal)
// [obs: *à manhã / *à madrugada]
à noitinha (no início da noite) – ex: Vou chegar à noitinha, antes da novela das 8.
à tardinha (no final da tarde) ex: Mas à tardinha, ao sol poente, junto à mamãezinha dormirei contente.
(música de Chapeuzinho Vermelho) // [obs: 1. não se usa *tardinha, *noitinha e *manhãzinha fora da
expressão; / 2. além disso, usa-se a com tarde e noite, e não com manhã: manhã / manhãzinha;
3. à tardinha tem significado oposto ao de à noitinha e de manhãzinha, uma vez que indica o final da
tarde, e os demais indicam o início do período.]
a tempo (no momento certo, antes de acontecer algo) ex: B. ia prosseguir, mas parou a tempo. / A idéia
original previa distribuição de cupons de alimentação, cestas básicas e frentes de trabalho. A tempo, o
governo percebeu que a administração dessa rede de assistência social seria impraticável. (revista) / Se
não terminarmos a tempo para entrar na licitação, teremos de esperar mais três anos antes de qualquer
chance de ganhar algum dinheiro. (e-mail) / No ano passado, o governo estadual implantou um sistema
único no país de avaliação do desempenho de cada aluno da rede pública. Com isso, consegue
identificar os problemas de ensino de seus colégios, enviar especialistas para solucionálos e, assim,
corrigir os erros a tempo. (revista)
a tempo e a hora (pontualmente, na hora conveniente) ex: Eu sempre fiz tudo direitinho, sempre aprontei tudo
a tempo e a hora. / Meu pai ficou senil: ele recebe tudo na mão, tem tudo a tempo e a hora, e está
sempre reclamando e xingando nome feio.
a termo (no final) / levar a termo (levar até o fim, até acabar) – ex: Persuadir empresas e seus acionistas de que a
extorsão trará má reputação e, a termo, inevitáveis prejuízos não é uma tarefa fácil. (revista)
a terra prometida (lugar desejado, rico em recursos)
a tiracolo ([1] que se carrega no ombro) ex: Eu gosto de bolsa a tiracolo. // ([2] indica coisa que vai junto,
que acompanha o indivíduo) ex: Ela viajou de férias, mas nem descansou, porque levou a meninada a
tiracolo. / Embaixadora da ONU para refugiados, com mais de vinte países visitados no currículo, a
superengajada Angelina, com Pitt a tiracolo, resolveu passar o feriado de Ação de Graças levando
conforto aos sobreviventes do terremoto que matou cerca de 80 000 pessoas no Paquistão. (revista) /
Pois é, precisou estar do outro lado do mundo, com uma chata a tiracolo, pra se dar conta disso. (crônica
em jornal) / No último dia 28 de março, os donos da Gol, N. C. e C. de O. Jr., foram recebidos em
audiência por Lula. A propósito de comunicar ao presidente o fechamento do negócio que resultou na
aquisição da Varig, levaram a tiracolo Roberto Teixeira. (jornal) / A atriz chegou ao local com a mãe,
D. Cleuza, a tiracolo. (revista) / Após bater seu Mercedes-Benz em um carro estacionado numa loja em
Los Angeles, EUA, a cantora, de mini salto e cão a tiracolo, agachou para ver o estrago. (revista)
a título + ADJ / a título de (como, com o motivo de, sob o pretexto de) ex: O valor que ele recebe a título de
pensão é necessário na manutenção do seu domicílio. / Não relação entre uma coisa e outra mas,
apenas a tulo ilustrativo, neca vem do latim nec, que significa não ou nada nec plus ultra é nada
além. (jornal) / A título de curiosidade, apenas, deixo os dois textos de HNb-morte-macabro seguintes
para a apreciação do leitor. (tese)
463
à toa ([1] sem fazer nada) ex: Estava à toa na vida, o meu amor me chamou pra ver a banda passar ... / Tem
muita casa de família para eu trabalhar, ser babá, sei lá. Quando a fama passar, à toa é que não vou
ficar. (revista) // ([2] sem motivo, sem querer, por acaso) ex: Falei isso à toa. / O consumidor que
seguir os conselhos do presidente Lula e sair em busca de juros baixos vai gastar sola de sapato à toa.
(jornal) / Na alegria e na tristeza... Na saúde e na doença...” Não são palavras ditas à toa. (revista) //
([3] insignificante, sem importância, pequena) ex: Ele se irrita sempre por uma coisinha à-toa. / Ele
fica reclamando por uma coisinha à toa. / Não é nada sério, é uma doença à-toa // [obs: segundo a regra,
quando à-toaé um qualificativo é grafado com hífen; não tem hífen se é uma locução adverbial, isto
é, se vem depois de verbo) // ([4] vagabundo, de baixa qualidade) ex: mulher à-toa / Comprei um
carrinho à-toa que me custou o olho da cara. // [obs: segundo o Resumão Ortografia e Hífen Eduardo
Martins Série Língua Portuguesa 2, SP: Barros, Fischer e Associados (2003), existe uma diferença
semântica entre “à-toa” com hífen e “à toa” sem hífen. Segundo ele, com hífen é usado para indicar
coisa sem valor, fácil, desprezível: problema à-toa, serviço à-toa; sem fen indica ao acaso,
inutilmente: Caminhava à toa pelo bairro. / Discutiu à toa com o amigo. Em outro dicionário essa
mesma diferença é apresentada, mas a distinção do uso do hífen não é atribuída à semântica, mas à
função qualificativa (com hífen) ou adverbial (sem hífen)]
a toda / na toda : dirigir a toda / andar a toda (o mais depressa possível, na disparada, com toda a velocidade,
muito rapidamente) ex: Quando a polícia chegou o ladrão saiu na toda, pulando pelo teto das casas. /
Quando a mulher começou a sentir as dores do parto, o marido ficou tão aflito que pegou o carro e saiu
a toda, furando sinal e fazendo doiduras no trânsito.
a toda prova (enorme, indiscutível, capaz de resistir a tudo intensificador) ex: Ele é um amigo a toda prova.
/ Esse negócio de um morador recusar-se a pagar o condomínio é de um mau caratismo a toda prova. /
Aldo é considerado um soldado de Lula, cumpridor de ordens e fiel a toda prova. (revista) / “Fiquei
impressionada. Eles estão com a sexualidade a toda prova”, diz Miriam. (revista) / Temos dois filhos
lindos, saudáveis e com energia a toda prova. (revista)
a todo momento (sempre, repetidamente, sem parar) ex: A todo momento o menino perguntava: “porque?”. /
Ao considerarmos a estrutura de uma língua, lidamos a todo momento com categorias. (livro) // [obs:
parece literal, mas é uma estruturação especial vê-se isso na hora de traduzir para outra língua: não é
possível a tradução literal para certas línguas (*à tous les moments / *a tutti i momenti / *at all
moments)
a todo vapor / a todo o vapor (com ânimo, com vigor e rapidez) ex: O projeto está funcionando a todo vapor.
/ Obras do condomínio, que está sendo construído pela Odebretch a quatro quilômetros do BH
Shopping, estão a todo vapor. (revista) / O mesmo sistema do mensalão, embora talvez não um
mensalão tão mensalão, tão palpável, tão líquido, tão cash, se é que nos estamos fazendo entender
(claro que estamos), navegava a todo o vapor, sob as cúpulas complacentes do Congresso Nacional.
(revista) / Virei e fiquei esperando, observando a tesoura funcionando a todo vapor, parecendo um
aparador de grama na minha cabeça. (crônica em jornal)
à tona : vir à tona / voltar à tona / trazer à tona ([1] vir à tona / voltar à tona: ser revelado trazer à tona:
levantar a questão, fazer aparecer um assunto) ex: Isso trouxe à tona o seu lado pior. / Agora vieram à
tona revelações que colocam o governo em dificuldade. [...] O assunto deve voltar à tona com muita
intensidade. (TV) / A verdade veio à tona. (TV) / A cada novo escândalo corporativo, a questão da ética
empresarial volta à tona. (revista) / Se algum fato novo vier à tona, o senhor admite deixar o cargo?
(revista) / Os abusos no Iraque começaram a vir à tona em virtude da indignação de um único soldado.
(revista) / O presidente vai pôr um ponto final na crise que veio à tona com as críticas de... (jornal) / Há
sete anos, o Brasil encerrou uma das maiores polêmicas de sua história política com a aprovação da
emenda constitucional 16, que permitiu a reeleição de presidentes, governadores e prefeitos. O assunto,
no entanto, continua à tona. (jornal) / Ontem, vários números ajudaram a trazer à tona mais uma vez o
temor de uma desaceleração econômica na maior economia do planeta. (jornal) / Bertholdo alegou que a
separação traria à tona as operações ilícitas, partiu para a ignorância e agora é procurado pela polícia.
(revista) / Gripe aviária volta à tona e deixa autoridades de todo o mundo em estado de atenção (sub-
título de revista) / “No dia em que vierem à tona as operações do Roberto Teixeira, muitos dos recentes
mistérios e escândalos do PT serão desvendados”, diz o economista. (revista) / O acesso instantâneo a
informações e contatos praticamente sem limites trouxe à tona uma torrente de desejos que, cadas
depois da revolução sexual, ainda surpreendem. (revista) / Na mudança de gabinete do governo Tony
Blair, os nomes que vieram à tona não são grandes nomes. (rádio) / Resta saber se um dia a verdade virá
464
à tona. (revista) / O relator também citou a afirmação dada por Sílvio Pereira de que Valério tinha três
opções depois que o escândalo do valerioduto veio à tona. Uma delas seria “entregar todo mundo e
derrubar a República”. (jornal) / Um novo fenômeno vivido pelas empresas está jogando por terra tais
conceitos e trazendo à tona outra forma de competição, tão ou mais importante para o sucesso dos
negócios. (revista) / O personagem Mateus, de Cauã Reymond, em Belíssima, traz à tona o mercado do
sexo pago (sub-título em revista) / Quando o escândalo envolvendo astros de Hollywood e a cafetina
Heidi Fleiss veio à tona, soube-se que ele havia dormido com 27 prostitutas agenciadas por ela. (revista)
/ A redução da maioridade penal, que voltou à tona com a morte de João Hélio, encontra oposição do
presidente Lula. (revista) / Na semana passada veio à tona uma falha preocupante: uma empresa
americana especializada em segurança digital encontrou uma brecha de sistema que permite que o
telefone seja “seqüestradopor estranhos. (revista) / O detalhamento dos gastos do despenseiro Souza,
por exemplo, veio à tona graças a um cochilo do governo. (revista) // ([2] à superfície da água, à flor
d’água) // [obs: não existe a palavra tona sozinha]
a toque de caixa (rapidamente, às pressas) ex: O Congresso aprovou a toque de caixa suas propostas de
reformas constitucionais. / Eu tive de correr pra entregar as notas: corrigi tudo a toque de caixa. / O
prédio da Letras é feio porque a mudança da Carangola pro Campus foi feita a toque de caixa. / Quatro
abrigos estão sendo construídos a toque de caixa. (TV) / O destino dos recursos do pacotão está sendo
definido diretamente pelo presidente da República. Tudo a toque de caixa, bem ao estilo petista de
administrar. (revista) / O processo foi aprovado a toque de caixa depois do puxão de orelhas que o
Congresso recebeu da opinião pública. (TV) / As legendas temem que parte da reforma política seja
aprovada a toque de caixa, mesmo antes de o novo Congresso tomar posse, dificultando as mudanças.
(jornal) / Leis burras foram aprovadas a toque de caixa e ignoradas em seguida por conflitar com a
razoabilidade! (jornal) / Essa Legislatura começou promovendo a toque de caixa aumentos salariais,
operações “abafas” em cadeia, mudanças de leis eleitorais para consumo próprio, loteamento de cargos
e benesses, apologia de agressões à liberdade de imprensa, nepotismo desbragado e, nesse contexto,
catapultando figuras sem cultura, suplentes com autonomia de “marionete”, carentes de princípios
éticos e de visão pública. (jornal)
a torto e a direito (muito, freqüentemente, a todo momentointensificador) – ex: Meu Deus do céu! expressão
de espanto; expressão empregada, a torto e a direito; [sic] (definição da expressão no dicionário de
expressões idiomáticas do Pugliesi) / Explodem bombas a torto e a direito. (jornal) / Fui casada. Meu
marido me traía a torto e a direito. (TV) / Alegríssimo, Diego Maradona foi o folião mais animado nos
camarotes da Sapucaí: munido de uma lata em que se lia “guaraná”, dançou, gritou, apitou, jogou e
pespegou beijos a torto e a direito enfim, esbaldou-se. (revista) // [obs: expressão não reversível: *a
direito e a torto]
a três por dois / a 3 por 2 (muito, a todo momento, para todo lado) - ex– ex: O Ernani era o pavor dos
meninos porque ele batia a três por dois e tinha a mão pesada. / O povo fala de quântica a 3 por 2 e nem
sabe o que isso significa.
a troco de quê? (para quê? / por que?) ex: Você lembrou disso a troco de quê? / Eu posso trabalhar até o dia
do parto, mas a troco de quê? (TV) / Não sei de onde tiraram essa idéia de morrer. A troco de quê?
(crônica de A. Jabor)
a última palavra ([1] a última moda, a coisa mais moderna que tem) ex: A última palavra em atendimento de
passageiros: o primeiro auto check-in do Brasil. (propaganda da e-Tam Auto-Atendimento) // ([2] a
decisão final) – ex: A última palavra quanto à possibilidade de rompimento da verticalização nas
próximas eleições será dada pelo Supremo Tribunal Federal. / A decisão do tribunal eleitoral não é a
última palavra sobre o assunto. (revista)
a um tempo / a um tempo (ao mesmo tempo) ex: estou ficando doida com tanto trabalho que me
apareceu pra fazer. Tem horas que eu estou folgada, e de repente aparece tudo a um tempo só!
a uma voz / a uma só voz (em coro) – ex: Todos gritaram, a uma só voz: “Já ganhou!”
a varejo / no varejo (unitariamente ou em pequenas quantidades) – ex: Nesse mercado você pode comprar tanto
a varejo quanto no atacado.
465
à vista ([1] usado para indicar previsão, indica algo próximo) – ex: Temos mais um aumento da gasolina à vista.
/ Engarrafamento à vista (título de artigo de revista que diz “Aumento nas vendas de veículos deve
congestionar as cidades” Época 11/10/04:54) / Pouca mudança à vista (título de artigo de revista) /
Ameaça à vista (título de artigo de revista) / A gente acaba fazendo muitas dívidas e entrando numa fria.
(TV) / Aí, cara amiga, a escolha entre continuar ou dar um chute no candidato é sua. Sei de mulheres
que entraram na maior fria, por não dar atenção à luzinha vermelha que anuncia perigo à vista. (crônica
em revista) // ([2] em dinheiro, sem parcelamento) : comprar à vista / pagar à vista – ex: Compre à vista.
(propaganda em revista) // [obs: deveria ser escrito sem crase! Comparar com *ao prazo] // ([3] visível,
ao alcance visual) – ex: Terra à vista! / O gravador estava em cima da cama, bem à vista. (livro)
à volta / em volta (ao redor) ex: O fogo se espalhou em volta da casa, e ao derredor não sobrou nenhuma
vegetação. / Antes mesmo de as primeiras marquinhas aparecerem em volta dos olhos, é preciso cuidar
da região, para de sensível e uma das primeiras a denunciar os sinais do tempo. (revista) / Afirmo
apenas que qualquer trabalho terapêutico envolve a exigência ética – de que a pessoa perceba como, à
sua revelia, colabora para criar em volta de si o inferno de que se queixa. (revista)
à vontade : estar à vontade / ficar à vontade / deixar à vontade / sentir-se à vontade ([1] sentir-se confortável,
relaxado, descontraído, com liberdade, sem cerimônia) ex: A casa é sua, você pode ficar à vontade. /
Não me sinto à vontade em ambientes requintados. / O Rio não é a cidade mais insegura. Mas é, de
longe, o lugar do país onde os bandidos se sentem mais à vontade para fazer o que querem. (revista) / A
entrevista que me chamou a atenção para rever nossos conceitos e valores foi com R. S. “Cuidado com
os burros motivados” (ISTOÉ 1879), que foi realmente uma lição: são matérias que me deixam bastante
à vontade para elogiar ISTOÉ. / Depois, mesmo nas entrevistas de rádio, gostava de dizer: “Espera aí,
que vou passar um batom! (o que de certa forma, fazia me sentir mais à vontade) / Depois que as
indústrias alimentícias retiraram a gordura trans de guloseimas como biscoitos recheados, bolos,
sorvetes e por vai, boa parte das pessoas se sentiu à vontade para aumentar o consumo de tais
produtos. (revista) / Em sua segunda novela, Desejo Proibido, desde novembro, Grazi está mais à
vontade com os companheiros de elenco. (revista) // ([2] quanto quiser) ex: Pode se servir à vontade. /
Conexão Direta Internacional Nextel A melhor maneira de falar à vontade, sem limites nem custo de
ligação internacional. (anúncio em revista) / Fenômeno genuíno da favela, a carioca T. S. L. circula à
vontade pelo mundo das socialites da zona sul. (revista) / Não exatamente à vontade diante de um
microfone, o presidente George W. Bush deu show no tradicional festival de piadinhas do jantar anual
que reúne políticos e jornalistas em Washington. (revista)
a zero (sem dinheiro) : estar reduzido a zero / estar a zero / ficar a zero ex: Mãe, me dá um dinheiro que eu
estou a zero. / Ele perdeu tudo na bolsa e ficou reduzido a zero.
a/o maior + N (muito grande intensificador) ex: com a maior dor de cabeça / com a maior preguiça...
ex: Aquela menina está te dando a maior bola. – Ele é o maior barato. // – ex: mó legal // na maior
+ N ex: na maior pressa (substitui as formas de superlativo: (a) [QUAL.-íssimo] e (b) com muito/a
ex: na maior pressa = apressadíssimo, com muita pressa)
abafar a banca (obter grande sucesso, colocar-se acima de todos) – ex: O conjunto de rock deles abafou a banca
naquela apresentação.
abaixar a cabeça / baixar a cabeça (resignar-se, aceitar, submeter-se) ex: Ela abaixa a cabeça pra tudo o que
o marido manda.
abaixar a crista / baixar a crista (deixar de ser petulante, orgulhoso, passar a ser mais obediente, mais cil,
concordar) ex: Esse menino tem de apanhar pra abaixar a crista. / Se algum dia ele ficar presunçoso,
nós vamos tentar baixar a crista dele. (TV) / A vitória dela abaixou a crista de muitos atletas. (TV) /
Apoiaram, baixaram as cristas. (conto “Malagueta, Perus e Bacanaço”, de João Antônio, Ed. Record- in
“Cabello, Ana Rosa Gomes, Cadernos de Divulgação Cultural 25, 1987, Universidade do Sagrado
Coração, Bauru) / Você não pode baixar a crista para certos idiotas mandões. (TV) // [obs: ver também
de crista baixa]
abaixar o topete (parar de ser petulante, audacioso, orgulhoso, contador de vantagem)
abaixo da crítica (muito ruim) ex: A maneira como ele se comportou foi abaixo da crítica. / A tese dela
horrível, abaixo da crítica. // [obs: acima da crítica não é o oposto de abaixo da crítica]
466
abaixo de cachorro : botar alguém abaixo de cachorro / tratar abaixo de cachorro (de forma desmoralizadora,
muito mal, com críticas muito fortes) ex: Essa mulher ficou falando da gente, botou a gente abaixo de
cachorro. / Eles me tratam abaixo de cachorro.
abaixo de zero (muito baixo) ex: Eu tenho de me submeter a tudo o que ele quer, e com isso o meu amor
próprio fica abaixo de zero. / Uma carga humilhada nos corpos, uma raiva trancada, a moral abaixo de
zero. (conto de João Antônio, in bibliografia 2)
abaixo do nível (de péssima qualidade) – ex: Ele fez uma apresentação abaixo do nível.
abaixo-assinado (documento onde várias pessoas assinam a favor ou contra uma causa, petição de reivindicação
assinado por várias pessoas) – ex: Esses ativistas já recolheram mais de dez mil assinaturas num abaixo-
assinado circulado online em que pedem que o diretor de A Paixão de Cristo, o católico conservador
Mel Gibson, concorra com Schwarzenegger para o cargo de governador. (revista) / Poucos dias depois,
a reportagem da Folha mostrava que cerca de uma centena de psicólogos, advogados, antropólogos e
educadores procurava, através de um abaixo-assinado, impedir um grupo de neurocientistas de levar a
cabo pesquisa que pretende esquadrinhar o cérebro de 50 adolescentes homicidas de Porto Alegre em
busca de marcadores biológicos. (jornal) // [obs: com hífen no Aurélio]
abanar o rabo (ligar, dar atenção) – ex: Eu vivo puxando o seu saco, e você nem abana o rabo pra mim.
abandonar a batina / abandonar o hábito (abandonar o convento ou o serviço religioso, parar de ser padre)
abandonar o barco (abandonar uma situação, sair fora) – ex: Quando as denúncias começam a se avolumar e os
políticos vêm que o partido está com mau conceito na opinião pública, todos correm para abandonar o
barco.
abelha-mestra [obs: com hífen no Aurélio] / abelha rainha (a abelha fêmea que é fecundada) [obs: abelha
rainha não registrado no Aurélio]
aberração da natureza (diz-se de pessoa ou de coisa horrível e incomum) ex: Esses americanos têm uma
obesidade fora do comum. É uma coisa enorme, uma aberração da natureza.
aborto da natureza : um aborto da natureza (coisa horrível, muito feia)
abotoar o paletó / fechar o paletó (morrer) - ex: Ficou queimado e fechou o paletó de um trouxa. (conto de
João Antônio, in bibliografia 2) / E tentou embarcar desta para melhor, ingerindo aquela forte dose de
barbitúricos que só é forte mesmo quando a figura abotoa o paletó. (jornal, apud d14)
abraçar o mundo com as pernas / abarcar o mundo com as pernas (fazer coisas demais, tentar fazer coisas
excessivas, ir além das possibilidades) ex: Esse tema de tese é amplo demais. Você querendo
abraçar o mundo com as pernas. / Uma delas [das “lições proverbiais” usadas em família], de que eu era
o alvo principal, procurava nos ensinar que não se deve querer “abarcar o mundo com as pernas”, ou
seja, fazer várias coisas ao mesmo tempo, uma vez que “homem de sete ofícios é de quatorze
necessidades”. (artigo em revista de lingüística)
abraçar uma causa / abraçar uma fé (aderir a uma idéia política, religiosa, etc) – ex: Hoje, a cruzada ganhou a
internet. Milhões de brasileiros abraçaram a causa. [contra o gerundismo] (jornal) / A campanha tem
uma carinha sorridente como marca. A imagem foi escolhida por ser de fácil reconhecimento, e por ter
também um apelo lúdico, que a idéia não era criar uma campanha moralizadora ou arrogante, e sim
que estimulasse as pessoas a abraçarem a causa de um trânsito mais humano. (jornal da PUC – fevereiro
de 2005) / Assim como o Fome Zero ou a transposição do São Francisco, Lula abraça a causa porque
fareja nela um bom rendimento, em termos de marketing. (revista)
abraço de tamanduá / abraço de urso ([1] abraço apertado) // ([2] o do falso amigo - indica traição,
deslealdade) // [obs: sem hífen no Aurélio]
abram alas
(abra espaço, sai da frente, passagem indica que algo se desponta, sobressai) ex: Hoje, mais
uma vez, o porquê dos porquês pede licença. Abram alas, que ele quer passar. (jornal) / Abram alas para
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o agronegócio. // [obs: a expressão é geralmente fixa, isto é, o verbo não se conjuga nem em tempo nem
em pessoa; por isso não é abrir alas]
abra-te, Sésamo! (clichê situacional: comando para algo se abrir, lembrando a história de Ali Babá e os 40
ladrões)
abre a boca e fecha os olhos (diz-se quando se vai fazer uma surpresa a alguém normalmente com coisas de
comer) // [obs: interpretação literal ; mas a ordem é fixa: *fecha os olhos e abre a boca]
abre-alas ([1] faixa ou carro alegórico que abre um desfile de carnaval) ex: O carro abre-alas, com 80 m de
comprimento, encheu os olhos. (TV) // ([2] iniciador, pessoa ou situação que abre uma atividade) ex:
Os ares da TV Cultura estão mudando. [...] Agora, a controvérsia toca a programação. tempos sem
lançar novidades, Mendonça juntou dinheiro em caixa e iniciou uma nova fase de produção. O abre-alas
é Sílvia Poppovic. (revista) / Ao entoar o seu “Ó abre alas que eu quero passar”, Alckmin fez Serra
que na campanha de 2002 mostrava ter samba no acelerar o ritmo. (revista) // [obs: com hífen
no Aurélio]
abridor de garrafa // [obs: não registrado no Aurélio]
abridor de lata // [obs: não registrado no Aurélio]
abrir a boca ([1] falar) – ex: Você pode entrar na sala e olhar, mas não abre a boca. // ([2] chorar) : abrir a boca /
abrir a boca a chorar – ex: Aquele filme é muito triste. Abri a boca no final.
abrir a cabeça (dispor-se a novas experiências, ver outras perspectivas) ex: Você não pode ficar presa em
casa. Tem de sair, abrir a cabeça.
abrir a contagem / abrir o escore / abrir o placar (fazer o primeiro ponto num jogo) ex: O Milan abriu a
contagem mas quem ganhou foi o Liverpool.
abrir a guarda / abaixar a guarda / baixar a guarda (despreocupar, relaxar, não ficar atento) ex: É eu
abrir a guarda um pouquinho, relaxar e parar de policiar que ele apronta. / Você pode baixar a guarda,
porque eu não vou abandonar você. (TV) / O índice de pessoas infectadas, para essa época do ano, é
bom. Mas não podemos baixar a guarda. Temos de continuar as medidas de prevenção. (rádio)
abrir a porteira (deixar passar todo mundo, deixar entrar ou sair todo mundo) – ex: Os professores cansaram de
ser exigentes e certinhos. Afinal, com o salário que a gente ganha não tem incentivo nenhum. no
Instituto o pessoal já abriu a porteira, e agora todo mundo passa de ano.
abrir as burras (distribuir dinheiro, não poupar) ex: O Lula está querendo correr contra o tempo e, para isso,
precisa fazer o ministro Palocci abrir as burras.
abrir as torneiras (deixar gastar dinheiro, soltar dinheiro) – ex: [Lula] não poderá conduzir a campanha eleitoral
com boa chance se não abrir as torneiras, coisa que Palocci parece se negar a fazer. Palocci passou a ser
uma pedra no sapato de Lula. (revista)
abrir caminho / abrir o caminho (permitir, oferecer oportunidade inovadora) ex: Esse mapeamento deverá
entrar para o cardápio da prevenção e do tratamento da doença, o que representará a concretização de
um sonho: o de individualizar o combate contra o ncer de mama, abrindo caminho para o surgimento
de remédios que ataquem diretamente os genes de um tumor. (revista) / Além disso, dois desavisados
deputados estaduais [...] apresentaram um projeto de lei (PL 613/2004) que propõe transformar a EEJI
num “mosaico de unidades de conservação”. O que descaracterizaria a estação, eliminaria sua
integridade fundiária e abriria caminho para que a especulação continue. (revista) / O tribunal eleitoral
do México recusou a recontagem total dos votos para presidente. A decisão abre caminho para um
golpe de estado. (TV)
abrir espaço (liberar, permitir a entrada) – ex: Pela legislação em vigor, os reitores das federais são escolhidos a
partir de uma consulta à comunidade. O peso dos professores tem de ser de no mínimo 70%. [...]
Permitir que a atual proporção se altere em prejuízo dos docentes é abrir espaço excessivo a interesses
não-acadêmicos. (jornal)
468
abrir fogo ([1] atirar) – ex: Os soldados abriram fogo contra o veículo suspeito. // ([2] atacar ou fazer
represálias, por exemplo revelando segredos) ex: Outra história mal explicada: essa de a atual direção
do PT dizer que não vai pagar as dívidas que Delúbio teria assumido com Marcos Valério. iria irritar
o publicitário, com risco de ele abrir fogo contra quem pegou grana no seu caixa. (revista)
abrir mão [de alguma coisa] (ceder, aceitar não ter, desistir em favor de outra pessoa, deixar de lado,
abandonar) ex: Para quem não abre mão de uma boa pizza, a pizzaria X coloca à disposição o sabor
carpaccio. / Muitos são os que não querem abrir mão do direito inalienável à felicidade. / Eu não estou
pronta pra abrir mão disso ainda. / Atacando durante o dia, os alemães abriram mão do elemento
surpresa.(TV) / É preciso abrir mão da demagogia que permeia esses discursos inflamados. (TV) / Sexo
é tão bom não pra abrir mão. (entrevista TV) / Segue o princípio de que o político que quer
legislar para os desvalidos tem muitas vezes de abrir mão do tempo gasto com falatório para r os pés
nas regiões carentes. (revista) / Inseguro em deixar o governo paulista nas mãos do pefelista Lembo,
Alckmin poderia abrir mão de sua candidatura à Presidência em 2006. (revista) / Para o advogado C. A.
P., uma maneira de evitar a avalanche de ações seria a formalização de um acordo entre os clubes, a
CBF e os representantes dos torcedores, como o Procon, em que todos expressassem o entendimento e
abrissem mão de qualquer iniciativa contrária aos resultados obtidos em campo. (revista) / “Quando
estou num relacionamento, em alguns momentos abro mão do meu trabalho em nome do amor.”
(revista) / Até o tesoureiro do PT topa abrir mão do cargo para dar lugar a José Dirceu. Agora é fácil.
Quando o partido nadava em dinheiro, ninguém iria abrir mão assim tão fácil. (jornal) / Agora, não abro
mão de viver o momento. (revista) / Um país pobre de idéias como o nosso não pode abrir mão de
maneira tão leviana de um escritor como Paulo Francis. (revista) / Tive até de abrir mão de alguns
trabalhos para me dedicar a esta causa lamenta Camenietzki. (jornal) / A despeito da parcela dos
impostos a ser investida no ensino superior, não faz sentido o governo abrir mão de todo seu poder
decisório sobre as universidades. (jornal) / Ao abrir mão, rápida e solicitamente, de defender os
interesses do país para ajudar a Bolívia, o presidente Lula passa, para muitos, uma imagem de fraqueza
política na América do Sul. (jornal) / Conhecido pela proposta pedagógica de formar cidadãos críticos e
questionadores, por meio da liberdade do diálogo, o colégio não abre mão das regras e normas. (revista)
/ Tati se dá ao luxo de recauchutar o visual com um pacote de cirurgias plásticas programado para o
início deste ano. Mas não abre mão de viver entre os seus, na comunidade. (revista) / Acuado pelo
avanço da concorrência, o empresário tenta crescer sem abrir mão do poder que conseguiu nos últimos
anos. (sub-título lead revista) / Faça sua viagem de negócios sem abrir mão de uma hospedagem
acolhedora e confortável. (propaganda – revista)
abrir o apetite (estimular o apetite, aumentar o apetite) – ex: Vamos tomar uma caipirinha para abrir o apetite.
abrir o berreiro (chorar) – ex: O menino caiu e abriu o maior berreiro.
abrir o bico (contar, revelar, confessar um segredo) ex: Vou te contar o segredo, se você prometer não abrir o
bico. / Que isto foi cagüetagem e alguém abriu o bico. (conto de João Antônio, in bibliografia 2) / O
deputado E. P., ao abrir o bico com raiva, revelou uma das diferenças entre as aves e os homens: “Deu-
nos um gosto de sangue na boca.”. (revista) / Na sexta-feira, a hipótese de que o operador do mensalão
e do mesadão do PT teria aberto o bico virou pó. (revista) / Espero que alguém abra o bico. É o
único jeito de resolver esse caso. (TV) / Com saia e blazer pretos, a famosa secretária do Marcus
Valério, Fernanda Karina. Aquela que resolveu abrir o bico e a agenda, expondo podriqueiras do poder.
(crônica em jornal) fechar o bico (calar a boca, não espalhar um fato, não revelar um segredo) ex:
O maior crime em N. e elas fecham o bico? (TV)
abrir o bué (chorar) – ex: Quando a mãe deixou o menino na escolinha, ele abriu o bué.
abrir o coração (expor os sentimentos) – ex: De modo geral, a tribo é melancólica. Manifestações como “Tenho
me sentido deprimida” e “Será que a vida vale a pena?” ensejam intensa troca de mensagens. Abrir o
coração e compartilhar as angústias que o assaltam é outro tema freqüente. (revista) / Emocionado, liga
para a amada e abre o coração: “Eu pensei que cair para a Segunda Divisão era muito mais triste. Mas
não é, não. A gente está unido”. (revista)
abrir o escore / abrir a contagem / abrir o placar (fazer o primeiro gol) ex: O Milan abriu o escore mas
quem ganhou foi o Liverpool.
469
abrir o jogo / mostrar o jogo (revelar a verdade, abrir-se, revelar abertamente as intenções, falar francamente) –
ex: O médico não escondeu nada sobre o estado de saúde dele: abriu o jogo e contou tudo. / Abre o
jogo, conta pra ela que você é a mãe dela. (novela TV) / Depois de um mês de indiretas, decidi que eu
tinha de abrir o jogo. (TV) / Sem medo de ser feliz, cinco mulheres de fibra resolveram abrir o jogo em
entrevista à Encontro e contar tudo o que pensam sobre carreira, homens, machismo, casamento e
filhos. (revista) / O general russo, que já foi um super espião, abre o jogo. (TV) / Eu esperava que você
abrisse o jogo e dissesse a verdade. (TV) / Depois de muita insistência ela resolveu abrir o jogo:
bão Zé, vou contá”. (texto humorístico divulgado em e-mail) / Falar com o dono dos animais não
ajudou muito. Ele não quer abrir o jogo. (TV) / - Não fui procurar você por causa da minha doença.
Ah, não? Então abra o jogo. (TV)
abrir o peito (falar francamente, revelar os sentimentos) – ex: Desabafa, abre o peito comigo.
abrir o verbo / soltar o verbo (revelar a verdade, contar tudo) ex: Ela não tava mais agüentando segurar o
segredo, e na hora da pressão ela acabou abrindo o verbo. / Numa entrevista à TV americana o ex-
presidente Al Gore solta o verbo. (TV) / A oposição soltou o verbo (mas segurou a onda)... (revista)
abrir os braços (receber com prazer, de bom grado) – ex: Você tem de abrir os braços para Jesus, e tudo lhe será
concedido.
abrir os horizontes / alargar os horizontes / ampliar os horizontes (imaginar novas perspectivas, dispor-se a
considerar novos pontos de vista, compreender mais amplamente a situação) ex: Vida de atriz que faz
papel de prostituta não é nada fácil. Seu laboratório para viver a personagem já incluiu filme, livros e
encontros com várias profissionais do sexo. [...] Em uma noite pelos clubes noturnos de Copacabana, a
atriz abriu seus horizontes com Adriana (sobrenomes não vêm ao caso nos inferninhos), com quem
aprendeu trejeitos e danças sensuais. (revista)
abrir os olhos / abrir o olho / abrir bem os olhos ([1] prestar atenção, ficar atento e esperto, precaver-se) ex:
tem de abrir os olhos, senão ele te passa a perna. / É melhor abrir o olho. (TV) / O conjunto é
sustentado por uma viga mestra: a de que a educação não está nos livros é preciso ligá-la à
realidade, o que significa não apenas dar valor ao “teste da prática”, como também abrir os olhos para a
experiência das outras nações. (revista) / vem o sujeito que pegou meus javalis! Abra os olhos,
Asterix! Vai roubar alguma coisa sua! (revista em quadrinhos) // ([2] encarar a realidade com
franqueza) ex: Abre os olhos enquanto é tempo. / Para não atolarmos num esquerdismo radical e
ultrapassado, nem girarmos no redemoinho da anarquia e do desgoverno, é preciso urgentemente
abrir os olhos, agir e reagir, implantar em nossa vida pessoa e neste nosso país o governo da ética.
(revista) / O ano de 2005 terá sido o ano da decepção, quando abrirmos os olhos! (jornal) // ([3] abrir o
olho de alguém (alertar) // [obs:
fechar os olhos (deixar passar, não dar relevância)
abrir parênteses / abrir um parêntese (usa-se para indicar que se quer fazer uma digressão, uma interrupção,
um adendo) ex: Ele é muito organizado e, abre parênteses, cheio de picuinha. / Eu vou abrir um
parêntese na minha exposição para homenagear esse grande pesquisador. fechar parênteses
abrir picada (desbravar) ex: Eike Batista está abrindo picada em um novo negócio: ferro-gusa para
exportação. (revista)
abrir portas / abrir as portas / abrir uma nova porta (criar boas oportunidades, facilitar o acesso) ex: Não
adianta só ter qualidade. O fato de eu ter bons relacionamentos é que me abriu portas. / Experiência será
usada para abrir portas. (manchete de jornal) / Daqui a pouco: a lei que pode abrir novas portas a
brasileiros com problemas de audição. (TV) / A beleza sempre abre muitas portas (frase ao lado de foto
de atriz revista) / Acho que uma franca conversa pode abrir muitas portas. (revista) / Acrescentaria,
com o devido respeito às instituições e aos poderes democraticamente constituídos, que o mais
significativo sinal de decadência tem sido, não o crescimento citado no texto, mas a desordenada
expansão do ensino privado, sobretudo, devido à sistemática da lei de ensino de 1996, que abriu as
portas para os caça-níqueis. (jornal) / A espiritualidade ajudará a abrir novas portas. (horóscopo
revista) / Depois de quatro anos de estudos, a Food and Drug Administration (FDA), órgão do governo
americano que regula a venda de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos, deu luz verde para o
consumo de produtos provenientes de animais clonados. [...] A decisão da FDA abre uma nova porta no
caminho do uso comercial dessas criaturas de laboratório. (revista) / Experimente sorrir mais para as
pessoas. Sorrir; e não rir, entende a diferença? O sorriso lhe abrirá as portas para a segunda etapa:
470
escutar. (crônica em jornal) / A evolução dos exames por imagem também abre portas para tratamentos
destinados a modificar o funcionamento do cérebro e, conseqüentemente, alterar o comportamento de
seu portador. (revista)
abrir uma brecha / abrir brecha / dar uma brecha (dar chance, oferecer uma oportunidade)
acabar + V no gerúndio (fazer no final das contas, acontecer no final das contas) – ex: Ele acabou abandonando
os estudos. / O pessoal estava bêbado, e acabou aprontando o maior rolo no bar. / Porque você não fica
mais relaxado? Toda vez que você vai ter uma conversa séria, você vai armado até os dentes e acaba
saindo briga. / Quando estava às portas da morte, acabou confessando o crime. / A vida vai ensinar. Ele
vai acabar aprendendo às próprias custas. / Com esse negócio comprar com cartão, a gente acaba
devendo até a raiz do cabelo. / Ele foi avançar o sinal, e acabou levando um tabefe da namorada. / Mais
dia, menos dia, a gente vai acabar tendo de instalar a banda larga. / Ele foi bater com a língua nos
dentes e acabou entornando o caldo. / O governo batia o pé na questão, mas acabou se rendendo aos
argumentos de que não conseguiria manter a proposta original. / O resultado da mexida na equipe
econômica é que Meirelles, que chegou a estar com a cabeça a prêmio, chamuscado pelo fogo amigo da
ala mais radical do PT, acabou se tornando o sustentáculo econômico do governo Lula. (revista) / No
final de 93, quando a lagoa da Pampulha encontrava-se com 70% do seu espelho d’água comprometido
por aguapés, acabei entrando de cabeça na empreitada que meu marido, corajosamente, resolveu
assumir. (crônica em jornal) // [obs: ele acabou abandonando os estudos ,*ele finalizou abandonando os
estudos, *ele concluiu abandonando os estudos]
acabar com a festa (fazer parar uma atitude indisciplinada) ex: Como não controle de freqüência para os
cargos de confiança, os apadrinhados dos deputados nunca aparecem para trabalhar. Agora o presidente
da Câmara está propondo um projeto de lei para instituir o ponto e acabar com a festa.
acabar com a raça [de alguém] (brigar indica desejo de destruição) ex: Não fala nada pro meu pai; se ele
souber, ele vai acabar com a minha raça. (TV) / Eu estou uma fera nesse jogo. Espero que você não
esteja muito competitivo porque eu vou acabar com a sua raça. (TV)
acabar com a vida [de alguém] (criar grandes problemas, atormentar, enfernizar) ex: Se você me prejudicar,
eu juro, conto tudo o que sei e acabo com a sua vida.
acabar em pizza / terminar em pizza (acabar não dando em nada, não se resolvendo, não punindo os culpados)
ex: Houve a denúncia de desvio de verbas, investigaram, fizeram CPI e tudo mais, mas no final das
contas ficou tudo por isso mesmo: acabou tudo em pizza. / O Fim da História Acabará em Pizza (título
de crônica do Arnaldo Jabor, publicada em livro) / Desta vez não terminou em pizza. Os caciques da
CPI dos Sanguessugas, depois da aprovação do relatório parcial, foram comemorar numa churrascaria.
Para não dar margem a dupla interpretação. (jornal)
acabar em samba (acabar em festa, de forma leve e divertida, em vez de briga ou ações violentas) ex: No
Brasil ninguém leva nada a sério, e tudo acaba em samba.
acabar por + V (infinitivo) (indica que algo finalmente aconteceu, e não que acabou) // [obs: nesse caso, depois
da preposição não pode aparecer qualquer tipo de SN, mas o SN oracional, com verbo no infinitivo]
ex: A desestruturação tanto da economia quanto das finanças públicas gerou instabilidade no
crescimento do PIB e redução do crescimento econômico, o que afetou imediatamente a indústria da
construção civil, que acabou por entrar em crise na década de 80. (tese) / Olha o branco das paredes, o
vazio do chão e acaba por pensar nos quadros e tapetes deixados no antigo lar. (crônica em jornal)
acabou-se o que era doce (acabou tudo, terminou uma situação) ex: Você não vai mais bagunçar o meu
coreto. Acabou-se o que era doce. (TV)
acalmar os ânimos (ficar calmo ou fazer com que outros fiquem calmos) – ex: Não vamos conseguir nada nesse
clima tenso. Vamos primeiro acalmar os ânimos, e depois a gente discute essa questão.
ação de graças (agradecimento a Deus por benefício recebido) ex: Vou mandar rezar uma missa em ação de
graças. / Embaixadora da ONU para refugiados, com mais de vinte países visitados no currículo, a
superengajada Angelina, com Pitt a tiracolo, resolveu passar o feriado de Ação de Graças levando
471
conforto aos sobreviventes do terremoto que matou cerca de 80 000 pessoas no Paquistão. (revista) //
[obs: sem hífen no Aurélio]
acender uma vela a Deus e outra ao diabo (fazer jogo duplo, tentar agradar a dois lados antagônicos, agradar
ao mesmo tempo a dois adversários)
acerca de (sobre, a respeito de) ex: Quero saber tudo acerca das pesquisas. [confrontar com “cerca de” =
aproximadamente – talvez não valha a pena: é parecida, mas não igual]
acertar a mão (fazer bem, fazer certo usado em contextos onde a ação é feita com as mãos) ex: Dessa vez a
comida está uma delícia. Dessa vez você acertou a mão. / Os jogadores de basquete americanos são
invencíveis: eles acertam a mão em todas as jogadas.
acertar as contas / ajustar contas (resolver as divergências, ficar quites) ex: Bilionário pega um ladrão no
pulo e para acertar as contas toma para si um anel do bandido. (TV) / Bagdá e Washington esperam que
o julgamento acerte as contas com a ditadura de Saddam, encerrada em 2003. (jornal)
acertar na mosca (acertar exatamente) ex: Acertou o diagnóstico na mosca. (TV) / - Você é X (fulano)?
Acertou na mosca. (TV) / Na mosca (título de artigo em revista) – No ramo, Jack London, do Armazém
Digital, acertou na mosca com sua presença em Itaipava, na região serrana fluminense. O cinema vive
cheio, com dois filmes diferentes por dia, os shows dos finais de semana com casa cheia e a venda de
livros e CDs satisfatória. (revista) / Ela vai amar saber que acertou na mosca na hora de fazê-lo se sentir
melhor. (revista)
acertar o passo (entrar em harmonia, coordenar) ex: Cada um está fazendo de um jeito diferente. Vamos
acertar o passo, senão esse trabalho não vai dar certo. / O PT unido, nos bons tempos em que o partido
era quase governo: tentativa de voltar a acertar o passo. (revista)
acertar os ponteiros (resolver as divergências, entrar em acordo, entrar em entendimento, ajustar-se) – ex: O
e a Cristina estavam brigados, mas agora acertaram os ponteiros. / A dupla apelou para a terapia de
casal para ver se acerta os ponteiros. (revista) / Ele combinou de voltar pra acertar os ponteiros com ela,
pra ter uma última conversa com ela. (rádio) / Já S. L. afirma que uma sociedade é como um casamento.
“É preciso debater idéias e acertar os ponteiros. Além disso, é fundamental a confiança mútua. (revista)
achados e perdidos [obs: expressão não reversível - *perdidos e achados observar que, do ponto de vista
pragmático, a inversão dos nomes seria mais gica] ex: (com deformação da expressão com função
discursiva) Maitê Proença se prepara para estrear a peça Achadas e Perdidas, na qual divide o palco
com a atriz Clarice Derziê. (revista Contigo 1567, 25 de setembro) // [obs: não registrado no Aurélio]
achando bom (sem reclamar) – ex: Cê vai ficar sem copo e achando bom.
achar graça (considerar interessante, gostar) – ex: Eu não acho graça em filme de terror.
achar por bem / ter por bem (considerar adequado, achar melhor, decidir dessa forma) – ex: O treinador achou
por bem não escalar o González. / Em vista das circunstâncias, o diretor teve por bem cancelar a
reunião. / A diagramação achou por bem eliminar o espaçamento duplo mas manteve a margem
esquerda, fazendo assim uma organização de parágrafos inexistente em português. / A investigação não
ficou a cargo da Delegacia de Homicídios porque se achou por bem manter no caso os policiais que a
iniciaram. (revista)
achar que é alguém / achar que é grande coisa / achar que é o máximo (acreditar-se importante) – ex: Eu não
sei porque você acha que vai ser convidado. Você acha que é alguém? / Ele é muito metido a besta.
Acha que é grande coisa.
achar um igual em qualquer esquina / achar um igual em cada esquina / encontrar um em cada esquina
(indica pessoa ou objeto comum, sem nada de especial e encontrável facilmente, em grande número)
ex: Político ladrão você encontra um em cada esquina.
acidente de percurso
(problema eventual, pouco importante) ex: Naquele momento, a gente via a
metralhadora “tatatatata”, e os nossos membros saltando, tingindo de vermelho a ponte... Mas, na
472
verdade, quando demos por nós, estávamos do outro lado. E aí nos abraçamos, comovidos, chorando.
[...] Olha que engraçado: nós estávamos vivendo uma tragédia e éramos felizes. E por que? Porque
éramos jovens; nós acreditávamos; nós éramos idealistas. Aquilo tudo era apenas um acidente de
percurso. A luta pela democracia, os ideais, a liberdade, a integridade dos homens, essa era uma luta
que seguia firme. (revista)
acima de qualquer suspeita (indica indivíduo idôneo, honestíssimo) ex: Pode confiar inteiramente na palavra
dele, porque ele é acima de qualquer suspeita.
acima de tudo (principalmente) ex: Ele era, acima de tudo, uma pessoa de um coração enorme. / Para isso, é
preciso sabedoria, todo dia regar a plantinha... Inteligentemente e propositadamente se fazer de
“protegida”, saber ceder sem se anular, ser tolerante, boa ouvinte, boa amante. Mas, acima de tudo,
estar junto nas horas difíceis. (crônica em jornal) / Tudo depende, a meu ver, do sucesso que abtivermos
no ataque às causas – e não aos sintomas – dos grandes e conhecidos problemas que continuam aí: juros
absurdos, corrupção rampante, legislação trabalhista paralisadora, um sistema previdenciário falido,
uma sufocante teia tributária digna de uma aranha bêbada, e – acima de tudo – a nossa secular
iniqüidade social. (revista)
aconteça o que acontecer (haja o que houver, de qualquer modo) ex: Eu vou tirar férias no final do ano,
aconteça o que acontecer. / O ar sempre entra, aconteça o que acontecer. / Ele vai continuar atrás de
você, aconteça o que acontecer (TV) // [obs: *ocorra o que ocorrer]
acontecer nas melhores famílias (indica que o fato é normal, comum) – ex: - Fiz um diagnóstico errado. Isso
acontece nas melhores famílias. (TV) / Não se trata apenas de meia dúzia de maus elementos,
infelicidade que pode acontecer nas melhores famílias, mas uma multidão de 2 900 pessoas que têm ou
tiveram cargos na administração, envolveram-se em malfeitorias e ficaram inelegíveis. É gente que não
acaba mais. (revista)
acorda pra cuspir! (clichê situacional: expressão usada para acordar uma pessoa)
acordo de cavalheiros (acordo não oficial, só com base na palavra dada) – ex: Eles não fizeram nada no cartório
não foi um acordo de cavalheiros. / A não ser quando uma das partes disponha de meios eficazes
para retaliar e impor a sua vontade à outra, eles [os tratados internacionais] valem tanto quanto os
“acordos de cavalheiros”, isto é, enquanto existirem “cavalheiros” dos dois lados... (jornal)
acreditar em Papai Noel (ser ingênuo) ex: Não me vem com essa história furada. Você acha que eu acredito
em Papai Noel?
acreditar na palavra [de alguém] (acreditar no que alguém diz) – ex: Não adianta ele jurar. Agora eu já perdi a
confiança e não acredito mais na palavra dele. [*acreditar no item léxico, *acreditar na expressão]
acreditar piamente (acreditar totalmente intensificador; estar crente que é assim, ter certeza, acreditar
totalmente) ex: Sarney acredita piamente que na próxima década, com a reforma política que uns
querem e outros nem pensar – o país voltará a ter partidos fortes. (revista) / Acredito piamente que essas
insanas manifestações são o resultado de um governo fraco e despreparado, que muitas vezes veio a
público fazer média e pequenos elogios a grupos baderneiros como o MST e sindicalistas também
despreparados. (revista) / Ele acredita piamente que os pivetes são todos uns coitadinhos. / Talvez a TV
confie piamente na teoria do “ataque humanitário”, apresentada pelo secretário de defesa americano.
(jornal) / Nós trabalhamos com a arte de vender sonhos e o primeiro sonho que nós temos que vender é
para nós mesmos, o sonho de que se pode chegar ao infinito, ser o maior, o melhor, chegar ao máximo e
acreditar, piamente, que, se morrer antes, é que morreu antes, não que não fosse chegar. (jornal)
acredite se quiser (expressão adicionada ao final de um relato inacreditável) ex: A mudança pretendida será
no sentido de que o comitê financeiro não mais poderá, no caso das eleições majoritárias, prestar contas
pelo candidato, uma vez que era comum que o candidato declarasse que não movimentou nenhum
recurso em sua campanha, entregando a sua prestação de contas “zerada”, sob a alegação (acredite se
quiser) de que toda a movimentação financeira de recebimento de doações e gastos eleitorais foi
efetuada pelo seu partido, e com isso “tirando o corpo fora”. (revista)
473
ad aeternum (para sempre, eternamente) ex: Eles são contratados por um certo tempo e vão ficando, vão
ficando, ad aeternum. / As clínicas são obrigadas a manter os embriões congelados ad aeternun [sic],
caso os donos não se manifestem pelo destino”, diz o primeiro vice-presidente do Conselho REgional
de Medicina de Minas Gerais. (revista)
ad hoc (“para isso”; para esse efeito, que tem validade para esse único episódio) ex: Fulana foi eleita
secretária ad hoc do departamento. / Entendendo a concordância como fenômeno semântico, o efeito
idêntico de nós e eu e ele fica explicado de maneira natural, sem necessidade de dispositivos ad hoc.
(livro de lingüística) // [obs: sem hífen no Aurélio]
ad infinitum / ad aeternum (indefinidamente, para sempre) ex: Era para os primeiros 20 que ligassem.
Cujos nomes começassem com a letra K. Cujas mães tivessem carros cujos últimos dois algarismos das
placas, subtraindo-se as datas de nascimento dos... (ad infinitum). (crônica em revista)
ad judicia (“para o juízo”; dir. - diz-se de ato outorgado ao advogado pelo mandante, para que o advogado atue
no âmbito da justiça)
adiantar o expediente (fazer coisas para agilizar uma ação) ex: cortei as unhas e lixei. adiantei o
expediente. Só precisa tirar a cutícula e passar esmalte.
adoçar a boca [de alguém] (adular ou agradar alguém) – ex: Cê fica me adoçando a boca, dizendo que a viagem
é baratinha, e eu fico morta de vontade de viajar com vocês.
advogado de porta de cadeia (advogado ruim, advogado que defende marginais, que procura clientes na cadeia)
// [obs: sem hífen no Aurélio]
advogado do diabo (quem alega coisas contrárias à tese que o outro defende; quem apresenta opiniões e
argumentos contrários às dos outros, para discutir a situação, pessoa que finge atacar uma boa causa)
/ fazer de advogado do diabo (discutir colocando-se contrário à tese apresentada) // [obs: sem hífen no
Aurélio]
afinal de contas (marcador de factividade, indicador de pressuposto) Ele tem de resolver o problema; afinal
de contas, é ele o diretor. / É natural que muitos pais se perguntem o que, afinal de contas, está
ocorrendo. (revista) / Não é cerceando a defesa de alguém que se vai tornar ágil, afinal de contas não se
quer agilizar a Justiça para não fazer justiça. (revista) / Sua eleição [de Severino Cavalcanti] representa
nada mais nada menos que um reflexo do caráter que norteia não somente a bancada da Câmara, mas
também a bancada do Senado. Afinal de contas, a eleição de Renan Calheiros não é nenhum motivo
para comemorações. (revista) / Afinal de contas, não tem cabimento entregar o jogo no primeiro tempo.
(música) / Mas talvez Duda esteja apenas tentando ser esperto. Afinal de contas, que os titulares
formais das contas são pessoas jurídicas, e não publicitários de carne e osso ou familiares, ele pode
dizer que não tem conta no exterior. (revista) / por essas e outras, repita-se, é melhor ir devagar na hora
de desculpar o maridão. Afinal de contas, não basta ser companheiro, é preciso estimular. (revista) / É
possível ver mudança de lugar no sujeito de a menina correu, porque afinal de contas não se pode
correr sem mudar de lugar. (livro de lingüística) / As empresas, afinal de contas, são constituídas de
pessoas, e as pessoas costumam “pisar na bola”, premiar a mediocridade, jogar conforme a política que
mais lhes convém, além de cometer inúmeros outros pecados corporativos. (revista) / Com opiniões que
mudam ao sabor dos ventos eleitorais, o candidato-presidente deixa os brasileiros em dúvida: afinal de
contas, no que ele realmente acredita? (revista) / Os gerativistas têm muita culpa a expiar neste
particular: por exemplo, freqüentemente se referem ao “sujeito” de um sintagma nominal, ou ao
“determinante” de uma oração, levados pelas implicações da Teoria X-barra, que afinal de contas nem
todos aceitam. (livro de lingüística)
afogar as mágoas (beber para esquecer a tristeza) ex: Quem bebe pra afogar as mágoas deveria saber que elas
sabem nadar. (revista) / Uma hora depois da partida o bar está quase às moscas. Ainda a remoer a
derrota, N. P. L., de 27 anos, tenta arregimentar companheiros para afogar as mágoas em outro bar.
(revista)
afogar o ganso (manter relação sexual, molhar o biscoito) // [obs: não foi incluída a EF molhar o biscoito,
porque pode ser gíria do momento] Você nunca afogou o ganso. Porque? Você é bicha? (TV) / Veja
com quem ele está saindo. Um fuzileiro não passa um ano sem afogar o ganso. (TV – filme)
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agarrar a ocasião pelos cabelos / pegar a ocasião pelo cabelo (aproveitar a chance quando aparece)
agarrar pelo pescoço (atacar fisicamente, bater) ex: Ele me deixa tão irritada que às vezes eu tenho vontade
de agarrar ele pelo pescoço.
agir com a cabeça (agir de forma racional, calculada, usando a razão) ex: Vonão pode se deixar levar pela
emoção; você tem de agir com a cabeça, friamente.
Agnus Dei (“Cordeiro de Deus”); ([1] expressão usada em referência a Jesus) // ([2] pequeno relicário, ao qual
os devotos atribuem poderes de proteção contra perigos e doenças)
agora a coisa vai (agora vai dar certo, agora a situação vai progredir)
agora adeus (não tem mais jeito, é tarde demais) ex: Você não arrumou as coisas com antecedência, agora
adeus, perdeu a chance.
agora pouco / pouco (há pouco tempo atrás) ex: Ele saiu agora pouco. / No rádio, num percurso de
duas horas até o Galeão, escuto. Fulano de tal foi assassinado com dois tiros enquanto dirigia, na
avenida das Américas. Lembro que, há pouco, passei pela avenida. (crônica em jornal)
agorinha mesmo (daqui a pouco ou pouco indica futuro ou passado) ex: Volto agorinha mesmo. / Ele
estava aqui agorinha mesmo! / Essa música “Jesus alegria dos homens” é muito conhecida. Mas quem
não está ligando o nome à pessoa, vai reconhecer agorinha mesmo quando a gente começar a tocar.
(rádio) / O cobrador esteve esperando até agorinha mesmo por você. Você escapou de uma boa!
agradar a Deus e ao diabo (agradar a um lados opostos, agradar a todos) – ex: Esses políticos falam o que você
quer ouvir, e viram a casaca a todo momento. Mas não dá pra agradar a Deus e ao diabo.
agradar a gregos e troianos (agradar a todos) ex: Nem todo mundo gostou da decisão. Afinal, não se pode
agradar a todo mundo: é impossível agradar a gregos e troianos. / Tentando agradar a gregos e troianos
e legitimar as idéias de modernização, os altos funcionários promoveram uma reforma reconhecida
como hesitante. (artigo acadêmico)
água benta (água benzida pelo padre) // [obs: *água benzida / *água abençoada] // [obs: sem hífen no Aurélio]
água de batata (café muito fraco) ex: Que café horrível! Quem fez essa água de batata? // [obs: não registrado
no Aurélio]
água doce (água de rio, que se opõe à água salgada do mar) // [obs: sem hífen no Aurélio]
água encanada (água tratada, que chega pelos canos) ex: As casas são simples, mas todas têm água encanada.
// [obs: sem hífen no Aurélio]
água fria : banho de água fria / jogar água fria (interrupção e bloqueio do entusiasmo - indica imposição de
desestímulo, frustração, perda de entusiasmo e animação) ex: Eu tava todo animadinho porque ia
encontrar minha paquera na festa, mas quando cheguei levei o maior banho de água fria, porque ela
chegou acompanhada de outro cara. / Vojogou água fria nos meus planos. / Os parlamentares que se
articularam para participar de um seminário em Israel com as despesas pagas pela mara levaram um
banho de água fria do presidente da Casa, A. R. (jornal) // [obs: não registrado no Aurélio]
água mineral (água potável engarrafada) – ex: “Há comida universal: pão, queijo, frutas e carne”, diz o produtor
de vídeo. Mas vai levar no bagageiro, com capacidade para cem litros (quase do tamanho do porta-
malas do Ford Ka), água mineral e pastilhas de cloro, junto com laptop, duas câmeras de vídeo e duas
de fotografia, além de ferramentas básicas. (revista) // [obs: qual água não é mineral?] // [obs: sem
hífen no Aurélio]
água morro abaixo e fogo morro acima (coisa que alastra e não se pode parar) ex: Não é bom subestimar
essas idéias. Elas são como cogumelos que nascem e crescem do dia para a noite no estrume de gado.
[...] Isso em ano de eleição municipal, como a deste ano, é igual a água morro abaixo e fogo morro
acima – de difícil controle. (revista)
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água na boca : dar água na boca / ficar com água na boca / estar com água na boca / ficar com a boca cheia
d’água (ter vontade) Nossa, que torta maravilhosa! É de dar água na boca. / É comum ouvir a
expressão carregada de (vã) satisfação, “ficaram de boca aberta” ou “com água na boca”. Afinal, a
realização [...] concentrou-se mesmo no tamanho da reação de sentidos desmedidos, alheios, muitas
vezes de emanações cavernosas do humor. (jornal) / Você vai ficar com água na boca. Afinal, ninguém
pode ficar desidratado neste verão. (propaganda revista) / Guia Sabores de Minas : A gente põe o
na Estrada para você ficar com água na boca. (propaganda jornal) / o Maria de Lourdes aposta
numa receita infalível: bom atendimento, tira-gostos de dar água na boca e chope artesanal. (revista) //
[obs: o Aurélio não registra a forma usual dar água na boca, mas somente as formas menos comuns
crescer água na boca e fazer água na boca]
água oxigenada // [obs: sem hífen no Aurélio]
água potável gua que se pode beber) ex: Todas as casas possuem água potável. (livro) // [obs: 1. a única
coisa que pode ser “potável” é água: não se pode dizer “*Coca Cola potável”, ou esse “*vinho está
estragado, não está potável”. Esse é um caso parecido com redondamente enganado”, onde
redondamente só existe junto da palavra enganado. 2. sem hífen no Aurélio]
água rolar : ter água pra rolar / água vai rolar / deixar as águas rolar (acontecerão ainda várias coisas antes do
desfecho)– ex: As águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar... Deixa as águas rolar.
(música) / Ainda pode acontecer muita coisa, ainda tem muita água pra rolar. / Tanta água rolou de
94 até 98. (conferência) / Hoje, Lula se reelegeria para um novo mandato ou seu candidato seria dos
mais fortes na sucessão presidencial. Como a eleição é em 2010, muita água vai rolar... // [obs: do
ponto de vista normativo, em deixar as águas rolar o verbo deveria estar no plural (rolarem), mas na
prática não se usa a forma com concordância]
água sanitária (composto clorado usado na limpeza doméstica) // [obs: sem hífen no Aurélio]
água-com-açúcar (romântico, leve, simples) ex: É um romance água com açúcar. // [obs: com hífen no
Aurélio]
água-de-cheiro (perfume, colônia) ex: Água de cheiro (nome de loja de perfume) // [obs: com hífen no
Aurélio]
água-de-coco (líquido existente no interior do coco) ex: Com o tempo livre escasso, por causa das gravações
da novela Cobras e Lagartos, a atriz aproveitou a folga para tomar sol, molhar o corpo no mar e ainda
beber água-de-coco. (revista) / No sábado 2, o casal namora e se bronzeia no posto 10, em Ipanema.
Adriane toma água-de-coco a caminho de casa. (revista) // [obs: é EF pq., em lugar, não é água; em
lugar, porque o hífen demonstra a interpretação do conjunto como unidade lingüística] // [obs: com
hífen no Aurélio]
água-de-colônia (perfume) // [obs: com hífen no Aurélio]
água-furtada (sótão) // [obs: com hífen no Aurélio]
água-marinha (pedra semi-preciosa azul) // [obs: com hífen no Aurélio]
água-morna (pessoa pacata, sem vida, sem ação) // [obs: com hífen no Aurélio]
água-que-passarinho-não-bebe (cachaça) ex: água que passarinho não pode beber (rádio) / A cachaça, ou
pinga, ou branquinha, ou água que passarinho não bebe, e mais uma infinidade de designações, todas
simpáticas, embora nada glamourosas, está dando um duro danado para subir na vida. (revista) // [obs:
com hífen no Aurélio]
água-viva (molusco marinho gelatinoso que produz queimaduras) ex: Setenta banhistas morreram em mares
australianos desde 1883, vitimados por esse tipo de água-viva. (revista) // [obs: com hífen no Aurélio]
agüentar a mão
([1] suportar uma situação difícil) ex: Você tem de ser forte. Você tem de agüentar a mão e
não desistir. // ([2] agüentar as pontas, esperar) – ex: Güenta a mão aí que eu já estou chegando.
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agüentar a parada / enfrentar a parada (enfrentar a situação, suportar uma situação difícil) abandonar a
parada ex: Você inventou de arrumar filho, agora você tem de agüentar a parada.
agüentar as pontas / segurar as pontas ([1] manter-se firme, suportar, apoiar) ex: Só precisava de uma grana
pra segurar as pontas enquanto fazia a reforma (TV) / - Como ela está? Não muito bem, mas está
segurando as pontas. (TV) / As aventuras e trapalhadas de uma família de classe média americana
formada por quatro irmãos briguentos e um casal que tenta segurar as pontas. (sinopse de filme TV) /
Enquanto pôde, o segundo reinado segurou as pontas. (livro) / É muito bom trabalhar com uma pessoa
que te respeita, te admira, que segura as pontas, independentemente de sermos marido e mulher. (jornal)
// ([2] esperar, aguardar) ex: Agüenta as pontas um minutinho só, que eu estou chegando. /
Segure as pontas por uma hora. (TV)
agüentar firme (suportar) – ex: A injeção vai doer um pouquinho, mas agüenta firme.
agüentar o diabo (suportar muitas coisas, suportar coisas pesadas) – ex: Ela agüentou o diabo pra não se separar
da filha.
agüentar o rojão (suportar uma rotina de trabalho pesado, suportar uma situação difícil) ex: Ir dormir à meia-
noite e acordar às seis é demais. Eu não sei se ele vai agüentar esse rojão por muito tempo. / Depois de
ter conseguido escapar do assédio da imprensa, sentia-se mais capaz de agüentar o rojão. (livro)
agüentar o tranco (suportar o problema) ex: - O senhor não acha que as instituições financeiras brasileiras
correm algum risco com as suas denúncias? Não, eu acho que elas podem agüentar o tranco. (Veja) /
Tomo uns remédios – é o único jeito de agüentar o tranco (TV)
agüentar uma barra / agüentar a barra (suportar uma situação difícil) ex: A vida dela é muito difícil. Ela
tem de agüentar uma barra que você não faz idéia. / Nesse frio todo, e você de cueca. Tá agüentando
a barra? // ser uma barra (ser uma situação difícil) ex: Esse negócio de fazer concurso é uma barra:
uma porção de candidatos e pouquíssimas vagas.
agulha no palheiro : procurar uma agulha num palheiro / procurar agulha em palheiro / encontrar/achar agulha
no palheiro (diz-se de situação difícil de realizar, com resultado improvável; procurar algo difícil de
encontrar) ex: Achar um político honesto é que nem procurar uma agulha num palheiro. / Porém, no
mundo pleno de diversidades, procurar a metade certinha da laranja é como procurar agulha no
palheiro. (revista) / Conheci também quem se propusesse como objetivo viver em alto-mar. Porém, são
agulha no palheiro. Em geral as pessoas procuram um parceiro que, parece, não será encontrado nunca.
(revista)
ah, é? Mamar na gata você não quer. (expressão usada geralmente por crianças, indicando que o interlocutor
está querendo bancar o espertinho)
ai ai ai (indicação de insatisfação) – ex: Ai ai ai – olha só o que ele fez!...
ai de + SN : ai de quem ... / ai de você ([1] expressão que indica ameaça) ex: Ai de ti, Copacabana (título de
livro) / Meu avô era super bravo. Ai de quem ousava contradizer a opinião dele! // ([2] coitado de,
pobre de ... - indica pena e a infelicidade dos indivíduos que sofrem tal condição e pena do falante por
esse fato) ex: Somos igualmente dignos de respeito. Mas quem não consiga deixar o feio vício [da
inveja]. / Ai de nós. (revista) / Vamos permitir que a banalização da violência se incruste e que o
assassinato se torne normal, principalmente se acontecer com o outro? Ai de nós. (revista) / Ai de mim,
se vez ou outra não pudesse contar com o “Aurélio”. (jornal)
é que está (usa-se para ressaltar um exemplo ou um ponto) ex: é que está: no Primeiro Mundo é preciso
ter dinheiro para pagar pelos serviços domésticos.
aí já é demais! (ultrapassou os limites – do suportável ou do crível)
que a porca torce o rabo / aqui a porca torce o rabo (aí está o problema, é que a situação fica difícil)
ex: A concordância? É que a porca torce o rabo. Cheia de manhas, pega a moçada pelo pé. (jornal) /
Não tem remédio que jeito não, dona Filó. Pode até suspender os medicamentos. Aqui a porca torce
o rabo.
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aí sim (expressão que antecede a apresentação de algo que indica o momento adequado) – ex: Depois que se tem
em mãos a lista, sim é possível estabelecer classes, formular critérios para agrupamentos, propor
taxonomias e coisas que tais. / Eles fazem uma pesquisa, depois uma seleção e, sim, indicam quem é
o melhor. (revista)
aí tem coisa / aí tem (indica desconfiança, suposição forte de que há algo errado, que se suspeita de algo oculto)
ex: E o Ariclélis, desconfiado, foi pro bar desabafar com o amigo: - Sei não... Sai cedo e volta à
noite. Fica horas se olhando no espelho, com um sorrisinho estranho na cara. Quando pergunto onde
foi, desconversa, diz que foi ao shopping, ao supermerdado... Que supermercado é esse que ela tanto diz
que vai? E o cabelo? Pintou de louro. Louro! Você acredita? Hum... Sei não, aí tem. (crônica em jornal)
/ Não falou claramente, mas concordou: - tem. (crônica em jornal) / É claro que todo mundo fica
com a pulga atrás da orelha quando o governo quer impedir uma CPI. Aí tem coisa, é óbvio. / O Gabriel
não tira os olhos da Ana. Acho que ele está interessado nela. Aí tem coisa...
vamos nós (indica início de uma ação) ex: vamos nós! (título de artigo em jornal, com o seguinte lead:
“Parceria entre UFMG e empresa norte-americana permite a um grupo de dez jovens talentos brasileiros
sonhar em trabalhar no maior portal de buscas da internet no mundo”)
ai, Jesus! (interjeição indicativa de insatisfação, desespero, tristeza, dor)
ainda assim (mesmo considerando esse fato) // [obs: *ainda / *assim isto é, um dos termos não expressa o
sentido desejado, mas é preciso que apareçam juntos] ex: [a respeito de um local num andar alto]
Ainda assim, se fosse você, eu ia pela escada. Sabe lá, esses elevadores. (revista) / O mapeamento
proporcionado pelos novos marcadores representa um passo concreto em direção à individualização dos
tratamentos, uma das metas mais ambicionadas pelos médicos. Ainda assim, esses novos exames não
são indicados para qualquer paciente. (revista) / Uma pessoa pode nascer e ser criada em condições
domésticas adversas ao desenvolvimento do amor-próprio e da autoconfiança e, ainda assim, encontrar
recursos psicológicos suficientes para fazer escolhas que permitam mudar sua vida para melhor.
(revista) / [D. Pedro II] Projetava publicamente uma imagem austera, serena. Na intimidade, era uma
pessoa tímida, avessa a escândalos e solitária. Ainda assim, sufocou revoltas de norte a sul do País,
libertou os escravos e conduziu a nação na Guerra do Paraguai. (revista)
ainda bem (antes isso, felizmente - expressa a aprovação e felicidade do falante foi melhor assim, que bom!)
ex: Ainda bem que nós achamos o dinheiro que estava sumido. / Ainda bem que você pode contar
com o carro certo. (propaganda em revista) / Não tenho nada contra quem acredita em pé-frio e vive
batendo três vezes na madeira. Tenho é contra quem, de pura perversidade, inventa e espalha que
determinada pessoa é azarenta. Como andaram querendo fazer com uma linda moça a quem quero um
grande bem. Ainda bem que não pegou e nem podia pegar. A beleza e a bondade afastam as coisas
escuras. (livro) / Ainda bem que ela sabia nadar e eu não tive que entrar na lagoa para tirá-la! (revista) /
Menos mal que os cruzeirenses não são tão chatos como os atleticanos na hora das gozações. Menos
fanáticos, portanto, menos chatos – ainda bem. Mesmo assim o dia vai ser duro, tenho absoluta certeza.
(crônica em jornal)
ainda está para nascer + SN (não existe) ex: Ainda está pra nascer quem consiga derrubar ele numa
discussão. / Ainda está para nascer um político honesto.
ainda mais (principalmente) ex: O salário caiu muito. Ainda mais quando a gente considera que nem a
inflação oficial não foi reposta, e que essa inflação é menor ainda do que a inflação real. / Bola alta na
área, sem chance – ainda mais aos 40 minutos do segundo tempo. (TV)
ainda mais essa! / ainda mais isso! (indica um fato negativo que vem se somar a outros)
ainda por cima / por cima (além disso, além do mais, tra l’altro) ex: Ele é burro, feio, e ainda por cima é
chato. / Ele é burro demais, e por cima ainda é chato. / Ela tem pesadelo, e ainda por cima ri. (revista
em quadrinhos) / A vida jé um caos, por que fazermos dela, ainda por cima, um tratado? (crônica de
Arnaldo Jabor) / O tempo passou e a sogra continuou achando a nora cada vez mais... Tão... Tão... sabe
como? E nada, nada que ela fizesse estava certo. Trabalhava muito, viajava muito e, ainda por cima,
servia congelados para o seu filho almoçar. (crônica em jornal) / Vergonha? Aqueles senhores não têm
a mínima. Eles são é debochados mesmo. E, ainda por cima, vem aquele senhor Almeida Lima, com
sua voz empostada, dizer que foi uma vitória da democracia. Foi, sim uma vitória do corporativismo.
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(revista) / Música no clima, meia-luz, Ylang-lang no ar, tudo como mandava o figurino. E ele lá, mal
acreditando que levava nos braços, cheia de vontade, a estonteante garota de 22 aninhos, que, ainda por
cima, o chamava de “meu gato”. (crônica em jornal) / Estou com o Nazareno, o filho do Homem, que
amava as criancinhas, ensinou o perdão, amparou a prostituta, bem-aventurava os mansos, gostava do
vinho e de conversar com as mulheres, acalmava o mar e, ainda por cima, lavava os pecados do mundo
com a bondade do seu lindo coração. (livro)
ainda que (embora, mesmo se) ex: Depois da tempestade política, os temores na economia. E externados pelo
próprio ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ainda que com as ressalvas de praxe de que “o País vai
saber como sair da crise”. (jornal) / O ex-ministro da Casa Civil e deputado federal cassado José Dirceu
voltou a circular nos meios petistas para avisar que o PMDB será decisivo na eleição presidencial de
outubro. Disse o óbvio, ainda que seja certo que os peemedebistas não estarão todos no mesmo barco
durante a campanha. (jornal) / É que começa a intranqüilidade, ainda que no próprio STJ haja quem
defenda essa posição como algo parecido com o estado de necessidade – isto é, não está escrito nas leis,
mas deveria estar, portanto, passa a estar de agora em diante. (revista)
ainda se mal pergunte / ainda que mal pergunte / ainda que mal lhe pergunte / se mal pergunto (introdutor
de pergunta, geralmente inquisidora, ressalva feita antes de se fazer uma pergunta indiscreta) ex:
Ainda se mal pergunte, onde é que você arranjou esse livro?
ainda ter lego (agüentar mais um pouco) ex: Você ainda tem fôlego para fazer a revisão de mais uma
página?
ainda vai suportável, para agüentar) ex: Cansamos de “trombar” com sofás velhos, aparelhos de TV,
colchões de mola. Isso para não dizer do porco, cujas entranhas putrefatas (urgh!) se engastanharam no
motor, no meio da lagoa, num sol de meio-dia, na imensidão de aguapés. Quase morri. De tudo: calor,
aflição, mau cheiro e arrependimento de estar sem o celular para comunicar ao mundo nossa lastimável
situação. Parados no meio do nada, tentando se desvencilhar de um porco enorme e inchado que
resolveu se agarrar a nossa hélice. Colchão de mola, ainda vai, mas porco? Pelo amoooor de Deus!
(crônica em jornal)
air-bag (bolsa de ar que se infla quando o carro bate, protegendo o motorista) ex: Não é todo dia que a bola
entra deste jeito, mas o senador Eduardo Azeredo acertou um gol de letra, histórico! É de sua autoria o
projeto de lei para a instalação de air-bags em todos os carros nacionais. (revista) / Na lista de
equipamentos, ar-condicionado, direção hidráulica, trio elétrico, air-bag duplo, ABS e EBD,
diferencial com escorregamento limitado, engate de tração eletrônico, alarme na chave, dio/CD/MP3
com disqueteira para seis discos, controle de velocidade com comandos no volante e espelho
eletrocrômico com bússola, entre outros. (jornal) // [no Aurélio, uma só palavra: airbag]
ajoelhou tem de rezar (se começou algo, tem de terminar)
ajuda de custo (dinheiro repassado a uma pessoa e destinado a cobrir suas despesas pessoais durante um
trabalho) // [obs: sem hífen no Aurélio]
ajudante-de-ordens (oficial que assessora outro oficial ou um político) ex: Durante o governo Geisel, o
coronel foi ajudante-de-ordens do ministro da defesa. // [obs: com hífen no Aurélio]
al dente (diz-se de macarrão cozido não muito mole) – ex: Cozinhar o macarrão por 8 minutos, até ficar al dente.
// [obs: não registrado no Aurélio]
alarme falso (diz-se de situação suposta que não se concretizou) ex: O bebê não vai nascer hoje não foi
alarme falso. / Não foi alarme falso. O SBT Brasil, apresentado por Ana Paula Padrão, muda novamente
de horário. (revista) // [obs: não registrado no Aurélio]
além da conta (demasiadamente, mais do que devia, ultrapassando o limite) ex: Ele bebeu além da conta. /
Pode ser a festa da empresa, o amigo-oculto entre amigos, a ceia de Natal em família e o circo está
armado: o penetra aparece de última hora, o colega de trabalho faz piadinhas sem graça na frente do
chefe, você não sabe o que fazer com aquela receita horrível que a cunhada insiste em levar ano após
ano enquanto seu irmão bebe além da conta. (jornal)
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além disso (ademais) ex: Se o governo determinar um reajuste de 10%, por exemplo, o plano empresarial não
é obrigado a respeitar esse valor e a operadora pode aplicar uma porcentagem maior. [...] Além disso, a
ANS estabelece regras para a rescisão de contratos, que devem ser seguidas em casos de planos
individuais e familiares. que essas regras não valem para planos empresariais. (revista) / A gente
vivia muito em função do clube. Eu treinei atletismo, jogava futebol e ainda vou todas as manhãs
para jogar peteca. Além disso, tinha os eventos como as ‘missas dançantes’, os bailes. (jornal) / Patrícia
Pillar, que vive no cinema uma mulher de fibra, Zuzu Angel, e é mulher de Ciro Gomes (a surpresa da
eleição de 2002), diz que HH fala o que a gente quer falar e ouvir, é porta-voz da raiva, da indignação,
e além disso tem simpatia”. (revista) / Assim, é impossível para o médico prever qual o tempo que
gastará em cada consulta, pois dependerá da complexidade do caso. Além disso, eventualmente, poderá
ter que se afastar do consultório por motivo de força maior, por exemplo, um obstetra que vai atender
uma paciente em trabalho de parto”, explica o especialista. (revista)
além do mais (além disso) ex: Inadmissíveis as afirmações de Marilena Chaui sobre o assunto que cerca de
três meses vem polarizando as atenções de todos. As afirmações “Não tenho informação suficiente” e
“Nunca me senti tão desinformada quanto agora” seriam plenamente aceitas caso fossem feitas por um
brasileiro comum, desses que não têm acesso a revistas, jornais e TV. Além do mais, a crise não foi
criada pelos “ideólogos tucanos”, pelos pefelistas, tampouco fomentada pelos corintianos ou
flamenguistas. / Mas mãe, sinceramente... 32 anos é a idade pra lá de ideal e além do mais, a Clarinha é
a mulher que eu amo, que tem tudo a ver comigo... (crônica em jornal) / As estradas o são das mais
confiáveis e, além do mais, tem um trânsito louco. (crônica em jornal) / O meu amigo queria que eu lhe
ouvisse uma história do Papa-Rabo, uma que não constava do seu famoso romance. Ora, naquela noite
eu deitara tarde, estava doido de sono, e disse que não, que ele me desculpasse, queria dormir mais um
bocadinho, e que além do mais, eu já conhecia de sobra todas as histórias do Vitorino. (livro)
além-mar (o Velho Mundo: Europa, Ásia ou África) – ex: episódios que ultrapassam as fronteiras brasileiras
e instauram uma salada internacional de querelas legais. Um dos mais acirrados, atualmente, tem como
cenário as esverdeadas instalações do BankBoston, aqui e além-mar. A diretora adjunta em Campinas,
M. A., trava escaramuças com S. B., diretor de crédito e responsável pela América Latina, um
norueguês de nascimento que trabalha na instituição quinze anos e veio para o Brasil transferido.
(revista) // [obs: com hífen no Aurélio]
além-túmulo (o outro mundo, o que é posterior à morte, a vida após a morte) ex: O menino tinha medo das
histórias de além-túmulo. // [obs: com hífen no Aurélio]
alfinete de segurança (alfinete de duas parte que se fecham) // [obs: sem hífen no Aurélio]
algodão-doce (doce de fios de açúcar) // [obs: com hífen no Aurélio]
alho-poró (vegetal) // [obs: com hífen no Aurélio]
alhos e bugalhos / alhos com bugalhos / alho com bugalho (coisas diferentes, muitas coisas): confundir alho
com bugalho / misturar alhos e bugalhos / mudar de alho para bugalho – ex: Ele juntou alhos e bugalhos
e fez uma tese. / não entendendo: misturando alhos com bugalhos. / mudando de alhos
pra bugalhos. // [obs: a preposição muda!] / O feitiço pode se virar contra o feiticeiro. [...] É que na
pressa de fazer a denúncia, ele misturou alhos com bugalhos. E os pecadores, se existirem, podem
escapar pelas mãos dos inocentes. (jornal )
alimentar a esperança / alimentar esperanças (ter esperança) – ex: Tem gente que fica alimentando a
esperança de que um dia as coisas vão melhorar, mas pra mim é tudo uma ilusão.
aliviar a barra (ajudar a sair de uma enrascada, relaxar uma penalidade) ex: Ô doutor, não me denuncia não,
alivia a minha barra.
aliviar a mão (ser brando, ser condescendente) ex: - A CPI foi dura com uns e complacente com outros. E o
filho do presidente? Ele tinha de estar na lista de indiciados. A comissão aliviou a mão nesse caso?
É óbvio. Houve uma ação com o claro objetivo de preservar a imagem do presidente da República e de
seus familiares. (revista)
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alma boa / boa alma (pessoa caridosa, bondosa) ex: O cachorrinho estava abandonado e com fome, mas uma
boa alma deu água e comida pra ele.
alma do outro mundo (alma penada, assombração) ex: na Disney tem uma casa mal-assombrada, cheia de
alma do outro mundo. // [obs: sem hífen no Aurélio]
alma mea (cônjuge perfeito, que é igual ao parceiro) ex: Não creio em alma gêmea. Diferenças dão sabor à
relação. (revista) // [obs: não registrado no Aurélio]
alma nova : ganhar alma nova / criar alma nova (readquirir ânimo, ter novo alento) ex: Depois do gol, o time
pode ganhar alma nova. (TV) // [obs: sem hífen no Aurélio]
alma penada (assombração, alma do outro mundo) ex: na Disney tem uma casa mal assombrada, cheia de
alma penada. // [obs: sem hífen no Aurélio]
alta-roda / altas-rodas (high society, parte da sociedade composta por pessoas ricas ou influentes; a nata da
sociedade, classe alta) ex: Ele vive no soçaite, transitando nas altas-rodas. / Foi preciso tudo isso para
que a cachaça fosse finalmente elevada à categoria de bebida oficial do Brasil. Ela precisou, também
sair do gueto e ganhar as altas rodas. (revista) / Ela entrou nas altas-rodas e virou Secretária de
Educação. / tem copo lagoinha, cadeira de plástico, tira-gostos a palito com nomes sugestivos e
muito cliente da alta roda. (revista) / Além de novos ingredientes na cozinha, o salão também recebe
alguns retoques para as boas-vindas aos clientes da alta roda. (revista) / Depois dos Monteiro de
Carvalho, outra família da alta-roda se vê às voltas com um processo de reconhecimento de partenidade.
(revista) // [obs: alta-roda com hífen no Aurélio; altas-rodas não registrado]
alta-costura (roupas feitas por estilistas, desenhadas pelos grandes costureiros) // [obs: com hífen no Aurélio]
alta-fidelidade (técnica de reprodução e amplificação do som sem distorção) // [obs: com hífen no Aurélio]
altar-mor (altar principal, no fundo da igreja) // [obs: com hífen no Aurélio]
altas esferas (cúpula) ex: O pessoal das altas esferas do poder vive numa mordomia indecente. // [obs: não
registrado no Aurélio]
altas horas (tarde da noite) – ex: Ele fica no bar bebendo, e só vai pra casa altas horas da noite. / Ele ficou lá em
casa até altas horas. // [obs: sem hífen no Aurélio]
alta-tensão (indicação de alimentação elétrica) // [obs: com hífen no Aurélio]
alter ego (o “outro eu”: indivíduo geralmente imaginário que substitui perfeitamente o outro e reflete seu caráter
e pensamentos) ex: Ricardo Reis é o alter ego de Fernando Pessoa. / Tio Gigi, interpretado por
Rangel, é um observador ferino do que se passa à sua volta e um apaixonado pela história das divas e
das vedetes. “Ele é o alter ego do Silvio”, diz Denise Saraceni. (revista) / Para completar o rol de
novidades desse excelente filme, Allen não integra o elenco nem moldou o protagonista como seu alter
ego. (revista) // [obs: sem hífen no Aurélio]
alto escalão (funcionários no comando de uma administração) // [obs: *baixo escalão] ex: Investiga daqui e
dali, e o promotor Fitzgerald chega à conclusão de que o vazamento à imprensa, arquitetado como
vingança contra Wilson, saíra dos altos escalões do governo. (revista) // [obs: não registrado no Aurélio]
alto ! (clichê situacional: expressão para mandar parar pode indicar que o interlocutor falou algo que não
devia, algo incorreto) ex: Alto lá, você não vai falar essas coisas do meu amigo que ele não é assim
não!
alto-falante (amplificador de som) ex: No meio da selva foram instalados alto-falantes com gravações de
cantos de pássaros e gritos de macacos de ecossistemas de diferentes continentes. (revista) // [obs: com
hífen no Aurélio]
alto-forno (forno destinado à fundição de minério de ferro) ex: Se for mantida a paralisação, somente os alto-
fornos continuarão em funcionamento. (rádio) // [obs: com hífen no Aurélio]
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alto-mar (parte do mar de onde não se a terra, no meio do mar, em águas profundas) O rebocador leva o
navio até alto-mar. / Encontro em alto mar (título de artigo em revista, com o seguinte lead: “Sol, mar,
conforto e muita alegria. São com estes ingredientes que grupo convidado pela revista Encontro irá
celebrar a chegada de 2006. Preparem-se...”) / Conheci também quem se propusesse como objetivo
viver em alto-mar. (revista) // [obs: com hífen no Aurélio]
alto-relevo (impressão ou gravura onde partes mais altas do que outras) ex: A artista plástica M. I. as
descobre [descobre as galáxias] bem próximas de si e transforma em telas nas quais predominam tons
de branco, preto e vermelho em acrílico que, apesar das texturas, dão a sensação mais de profundidade
que de alto-relevo. (revista) baixo-relevo // [obs: com hífen no Aurélio]
altos e baixos (oscilações - situações positivas e outras negativas - indica instabilidade) // [obs: *baixos e altos;
*um alto e um baixo] ex: Durante o processo tivemos altos e baixos. / Não pra confiar nela: ela é
cheia de altos e baixos. / Além de serem mais suscetíveis aos altos e baixos da economia, eles têm
menos capacidade de negociação. (revista) / A vida tem altos e baixos. / - Como tem passado? Com
altos e baixos. (TV) / Se você perguntar se sou feliz, vou responder que estou vivendo bem, com altos e
baixos. (revista) / Ela não nega que tal atitude relacione-se com a postura do artista, que vive
intensamente o próprio mundo interior. Portanto, é natural que tenha altos e baixos, momentos em que
agrada mais ou menos. (revista) // [obs: sem hífen no Aurélio]
altos estudos (estudos aprofundados) ex: Na Inglaterra, a Júnia desenvolveu altos estudos na área da
hematologia. Tem até organismos com o nome dela. // [obs: não registrado no Aurélio]
alugar o ouvido (usa-se em relação a uma pessoa que fala muito) – ex: Ela me telefonou ontem e ficou alugando
o meu ouvido por mais de uma hora, só reclamando da vida.
ama-de-leite (mulher que amamenta o filho de outra) // [obs: com hífen no Aurélio]
amar perdidamente (amar muito – intensificador)
amargar perdas (ter perdas, sofrer perdas) ex: Não são poucas, em diferentes regiões do país, as empresas
distribuidoras de energia que amargam perdas em torno de 30%. (revista) // [obs: nessa expressão
sujeito é paciente, diferentemente do que acontece com esse verbo em construção transitiva]
amargo feito fel / amargo como fel / amargar feito fel (muito amargo – intensificador)
amarra-cachorro (misto de auxiliar e puxa-saco) ex: A amarra-cachorro do chefe é diminutiva. // [obs: não
registrado no Aurélio]
amarrar cachorro com lingüiça : tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça / época em que se
amarrava cachorro com lingüiça (referência a coisa antiga) ex: Essa lei foi criada na década de 40,
numa época em que se amarrava cachorro com lingüiça. (telejornal)
amarrar o bode / amarrar um bode (ficar zangado) ex: A mãe botou o menino de castigo, e ele amarrou um
bode o dia todo.
amarrar o trânsito / amarrar o jogo (não deixar andar, não deixar progredir, empatar) ex: Esses carros
velhos ficam andando devagarzinho, amarrando o trânsito.
ama-seca (babá) // [obs: com hífen no Aurélio]
amigo chegado (muito amigo, grande amigo – intensificador) // [obs: não registrado no Aurélio]
amigo-da-onça (pessoa que faz coisas contrárias ao interesse do amigo, amigo falso) ex: Mas você vai fazer
logo o que eu não queria? Mas que amigo-da-onça! / Esse cara é um amigo da onça. (revista) / Dos
amigos da onça nos bares da cidade: “A rico não devas, a pobre não prometas”. (jornal) // [obs: com
hífen no Aurélio]
amigo de coração / amigo do coração
(muito amigo – intensificador) // [obs: não registrado no Aurélio]
482
amigo do peito (muito amigo, amigo íntimo, muito querido - intensificador) ex: “Seu Marcos começou a ligar
para seu Delúbio e ficaram amigos do peito”, diz, completando que as conversas entre ambos se dava
“todos os dias praticamente”. (revista) / Geraldo Alckmin, outro amigo do peito, aponta mais uma
característica: “Apesar de trabalhar muito, o João parece estar sempre chegando de férias” – referência à
perene boa disposição e à aparência impecável. (revista) / Foi dessa maneira que a jovem K. G., 12
anos, de Campinas, virou amiga do peito de Apê, de quem copia as roupas e com quem “conversa” todo
dia. (revista) // [obs: sem hífen no Aurélio]
amigo dos homens (amigo de pessoas influentes, amigo de pessoas que estão no poder) // [obs: não registrado
no Aurélio]
amigo é pra essas coisas (amigos devem se comportar assim) ex: Não faça o leito mau juízo de mim: ouvi
com a atenção e a emoção de quem a ouvia pela primeira vez. Amigo é também para essas coisas.
amigo íntimo (muito amigo – intensificador) // [obs: não registrado no Aurélio]
amigo próximo (muito amigo – intensificador) // [obs: não registrado no Aurélio]
amigo oculto / amigo secreto (pessoa que é escolhida para dar presente a um dos membros de um grupo, sem
que o presenteado saiba quem foi o presenteador, pelo menos num primeiro momento por extensão,
festa onde se dão presentes de amigo-oculto) ex: Pode ser a festa da empresa, o amigo-oculto entre
amigos, a ceia de Natal em família e o circo está armado: o penetra aparece de última hora, o colega de
trabalho faz piadinhas sem graça na frente do chefe, você não sabe o que fazer com aquela receita
horrível que a cunhada insiste em levar ano após ano enquanto seu irmão bebe além da conta. (jornal) //
[obs: no Aurélio, sem hífen no verbete amigo e com hífen em verbete individual, indicando a festa]
amigo-urso (falso amigo) // [obs: com hífen no Aurélio]
amizade colorida (relacionamento amoroso sem compromisso, onde se aceita que o parceiro tenha outros
parceiros) // [obs: sem hífen no Aurélio]
amolar a paciência / torrar a paciência (aborrecer) ex: Esse menino faz arte o dia inteiro e vive amolando a
minha paciência. / O custo zero da correspondência eletrônica [...] deu às empresas de divulgação a
infeliz idéia de despachar comunicados de interesse restrito ao maior número possível de jornalistas. Se
não custa nada torrar a paciência dos outros, seguem informações sobre o referendo das armas para
citar um spam muito em voga no momento para o editor de esportes, por exemplo. (crônica em
revista)
amor à primeira vista (apaixonamento no primeiro contato) – ex: Não conhecia Salvador e o que senti foi amor
à primeira vista. (revista) // [obs: sem hífen no Aurélio]
amor platônico (amor sem contato físico) ex: Ele adora ela, mas é um amor platônico: ele nunca se
declarou. // [obs: sem hífen no Aurélio]
amor-perfeito (flor) ex: Os rouxinóis foram buscar amor-perfeito, e no canteiro desfeito da amizade
encontraram saudade. (música de Lamartine Babo) // [obs: com hífen no Aurélio]
amor-próprio (respeito por si mesmo, valorização de si próprio) – ex: Eu tenho de me submeter a tudo o que ele
quer, e com isso o meu amor-próprio fica abaixo de zero. / Sua metamorfose vem sendo conduzida de
maneira paulatina por Abreu. Ao mesmo tempo em que ela ganha amor-próprio, debate-se com seus
fantasmas. (revista) / Uma pessoa pode nascer e ser criada em condições domésticas adversas ao
desenvolvimento do amor-próprio e da autoconfiança e, ainda assim, encontrar recursos psicológicos
suficientes para fazer escolhas que permitam mudar sua vida para melhor. (revista) // [obs: com hífen
no Aurélio]
analfabeto de pai e mãe (completamente analfabeto – intensificador)
analista de sistemas (especialista em informática que se ocupa de programas) // [obs: sem hífen no Aurélio]
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anda logo! (expressão usada para solicitar rapidez) ex: Eu estou esperando vo sair do banheiro um
tempão. Anda logo e desocupa o beco, que eu preciso fazer a barba. / Resolve logo, o que é que você
vai fazer? É agora ou nunca, anda logo.
andar com os próprios pés (fazer as coisas sozinho, de forma independente) – ex: No mundo de hoje,
educadores e psicólogos dizem que um pai de sucesso é aquele que consegue oferecer aos filhos
ferramentas para que andem com os próprios pés e façam uma carreira independente e sólida. (revista)
andar feito caranguejo / andar como caranguejo ex: Na política eu acho que o país anda feito caranguejo:
sempre o presidente que vem depois é pior do que o anterior.
andar metido com / andar metido em (andar na companhia de geralmente em companhia) ex: O
Pedrinho anda metido com um pessoal barra pesada, e a mãe dele fica super preocupada.
andar na risca (comportar-se bem, andar na linha) ex: Votem de andar na risca enquanto estiver aqui em
casa, senão eu te mando de volta para a casa dos seus pais.
andar num cortado / viver num cortado (viver em dificuldade, com muitas restrições)
trazer num cortado /
levar num cortado (fazer alguém ter restrições) ex: Ele ganha muito pouco, de modo que vive
sempre num cortado.
andar para trás (sofrer retrocesso, voltar a uma situação menos favorável) // [obs: não implica em indicação
espacial] – ex: - Pirou de vez! Comentavam os novos e antigos amigos, afinal, ninguém em sã
consciência gostava de andar para trás, principalmente quando os caminhos para seguir avante eram
claros e desobstruídos. (crônica em jornal)
angariar fundos (arranjar dinheiro) ex: O show tinha por objetivo angariar fundos para a construção de uma
nova sede para o PT e reuniu a fina flor petista e de seus aliados numa churrascaria em Brasília. Desta
vez, uma forte evidência de que sua intenção era angariar fundos para si próprio. (revista) / “Ele não
tem programa. Quer dizer, o governo sobrevive aí aos trancos e barrancos, perdendo a oportunidade de
um cenário internacional fantástico”, afirmou Alckmin ontem, após um almoço com empresários para
angariar fundos para a sua campanha. (jornal)
angu-de-caroço (coisa confusa) ex: Pra você pode estar tudo claro, mas pra mim essa sua explicação um
angu de caroço. // [obs: com hífen no Aurélio]
anjo da cara suja (trapalhão com ar inocente) // [obs: não registrado no Aurélio]
anjo da guarda ([1] anjo que protege uma pessoa) ex: Costumo dizer que meu anjo da guarda deve estar
exausto. Fazer o quê? Não tenho culpa de essas coisas acontecerem. (crônica jornal) // ([2] pessoa
considerada boa, que ajuda outra)ex: Toda vez que eu tenho um pepino no banco, você é que é o meu
anjo da guarda no banco e me salva dos problemas. // [obs: sem hífen no Aurélio]
anjo não tem costas (desculpa para ficar de costas para uma pessoa)
ano bissexto (ano que acontece de 4 em 4 anos, com 365 dias, ou seja, que tem o dia 29 de fevereiro) // [obs:
com hífen no VOLP e sem hífen no Aurélio]
ano letivo (período escolar, parte do ano em que há aulas) // [obs: sem hífen no Aurélio]
ano-bom / ano-novo (o ano que se inicia) // [obs: com hífen no Aurélio]
anos-luz ([1] medida de distância) ex: A SGR 1806-20 está situada a 50000 anos-luz da Terra, do outro lado
do centro da galáxia. (revista) // ([2] muito distante, longinquamente) ex: - Sabia que vestida assim,
descontraída, você é bem mais bonita? Mais natural... Não; nem anos luz ela poderia saber disso.
(crônica jornal) / Para Mello, porém, essas comparações devem ser feitas com ressalvas. “Estamos
mesmo a anos-luz desses países, mas no caminho correto”, diz. (revista) / Instalados em seus gabinetes
no Congresso, os parlamentares brasileiros parecem viver em um universo paralelo. Nesse mundo,
anos-luz distante daquele em que vivem os brasileiros, ganha-se bem, trabalha-se pouco e, neste
momento, discute-se com grande empolgação quem será o próximo ocupante de um cargo cujo presente
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titular é desconhecido por 80% dos habitantes do país. (revista) / A atual legislação sindical brasileira,
que tem origem no Estado Novo getulista, está a anos-luz dos mecanismos hoje existentes em países
avançados. (revista) / Segundo a própria e rigorosa definição, a frustrada apresentadora Adriane
Galisteu, 34 anos, está “a anos-luz” do programa que gostaria de fazer, por imposição de um patrão
“muito difícil”. (revista) // [obs: não registrado no Aurélio]
antes de mais nada (em primeiro lugar, principalmente) ex: Os dois anos que ali estudei foram fundamentais
para a minha formação. Antes de mais nada, fui obrigado a conviver com uma cultura e uma língua
diferentes da minha. (memorial) / Uma investigação criteriosa, como a que pode ser feita pela própria
Comissão de Orçamento, precisa, antes de mais nada, separar o joio do trigo. (jornal) / É assim que
opera o governo Lula: antes de mais nada, chama o publicitário. Publicitários são ótimos para batizar as
iniciativas da administração. “fome zero” é uma de suas criações. (revista)
antes de ontem (anteontem, o dia exato antes do dia de ontem, dois dias atrás) // [obs: não é literal, porque a
expressão “montada” significa “qualquer dia que veio anteriormente ao dia de ontem, como por
exemplo em “Antes de ontem, eu pensava diferente; mas a partir de ontem meu ponto de vista mudou.”
Mas a EF tem um significado diferente, indicando um dia exato. O único modo de nos referirmos a esse
dia é usando mais de uma palavra. Outra razão para ser considerada EF: é imutável cf. *
anteriormente ao dia de ontem) // [obs: sem hífen no Aurélio]
antes de tudo (basicamente, principalmente) ex: Mas para a maioria dos seus 70 mil associados, o Minas
Tênis Clube é, antes de tudo, um local de encontros, que guarda ao longo de sua história passagens que
ficaram marcadas na vida de cada freqüentador que passou por lá. (jornal)
antes isso (ainda bem, foi melhor assim)
antes mesmo (antes) – ex: Não é uma introdução a uma teoria particular; procuro transmitir aqui um conjunto de
conhecimentos e habilidades que o lingüista deve adquirir de partida, antes mesmo de tomar contato
com uma das modalidades de teoria: cognitivista, gerativista, funcionalista ou seja qual for. (livro de
lingüística) / Foi nessa época, antes mesmo da eleição, que fez mais uma provocação acintosa aos
inimigos palestinos ao visitar, cercado de guarda-costas, a Esplanada das Mesquitas, no centro da parte
histórica de Jerusalém, onde dois magníficos templos muçulmanos funcionam como espaço de oração e
resistência. (revista) / Se dispõem dos meios, os novos casais preferem ter apartamento próprio, às
vezes antes mesmo de se casar outra revolução cultural, visto que juntar escovas de dente sem papel
passado era ilegal até 2003. (revista)
antes pelo contrário / muito antes pelo contrário / muito pelo contrário (ao contrário; indica que a posição é
oposta) ex: Eu não disse isso não, muito antes pelo contrário. / De resto, não diz o povo que quem
conta um conto sempre aumenta um ponto? [...] Ou então é antes pelo contrário. O pequenino detalhe,
do qual ficastes a par numa conversa de acaso, de súbito te ilumina e te apazigua. (livro) / Não estou
dizendo que para ele tudo são flores e que a vida sempre lhe vai às mil maravilhas. Muito pelo
contrário. Como todo mundo, de vez em quando ele sente o gosto amargo da vida, conhece
contingências ásperas, o dinheirinho mingua, doença na família, o seu time perde, o carro deu o prego.
(livro) / Ricardo Berzoini não exibia nenhum constrangimento. Muito pelo contrário. Reconduzido ao
cargo apenas um dia depois da posse de Lula, ele circulava entre as mesas do restaurante escolhido para
a festa e era saudado como vítima de uma tremenda injustiça. (revista) / Criada para cuidar dos
interesses do consumidor e para garantir a boa prestação de serviços, a agência nunca cumpriu nenhuma
das duas tarefas. Muito pelo contrário. O que se viu até hoje foram uma intransigente leniência com as
empresas aéreas e o mais completo descaso com os passageiros. (revista) / O leitor já percebeu que esta
coluna não reza pela cartilha dos tucanos paulistas. Muito pelo contrário. (revista)
antes que o barco afunde (antes da falência, antes da situação entrar em colapso) – ex: A coisa tá ficando preta.
Eu vou é salvar a minha pele antes que o barco afunde.
antes que outro aventureiro lance mão (antes que outra pessoa faça, antes que outro pegue) – ex: Você deveria
fazer correndo um livro introdutório sobre essa teoria antes que outro aventureiro lance mão. / Vai meu
irmão, pegue esse avião; você tem razão de correr assim desse frio, mas beija o meu Rio de Janeiro
antes que um aventureiro lance mão (música de Chico Buarque)
ante-sala (sala que vem antes de outra, sala de espera) // [obs: com hífen no Aurélio]
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ao acaso (randomicamente, aleatoriamente) ex: Você quer participar do jogo? Então escolha um número ao
acaso.
ao alcance das mãos (indica possibilidade de se conseguir algo) ex: A oportunidade estava ali, ao alcance das
mãos, e ele não soube aproveitar.
ao ar livre (a céu aberto, fora de recinto fechado) ex: Espero que não chova, porque a cerimônia vai ser ao ar
livre. / A potência de um homem decresce quando ele sai para o ar livre. (revista) / Quando esses
mesmos políticos recuaram diante de seus primeiros esforços para equilibrar o orçamento de US$ 80
bilhões, Schwarzenegger vestiu uma camisa de golfe e uma jaqueta de couro e foi apresentar seus
argumentos populistas nos shopping centers ao ar livre da Califórnia. (revista)
ao bel-prazer / ao seu bel-prazer (por vontade exclusivamente individual, de acordo com a vontade própria, da
maneira como quer) ex: Ela chegou e foi logo arrumando tudo ao bel-prazer. / Nem bem assumiu o
cargo e já quer pôr e dispor ao seu bel-prazer. / Cada documento era classificado como sigiloso ou ultra-
secreto ao bel-prazer de quem detinha esse documento. (rádio) / Não se pode mudar as normas político-
eleitorais ao bel prazer. (TV) / Helena Morley se arma, a seu bel prazer, de provérbios. (palestra) /
Nosso corpo não é um barro que pode ser modelado e remodelado ao bel-prazer das vaidades. (revista) /
O deputado, titular das comissões de Finanças e do Orçamento e autor da PEC 136/07, que proíbe a
criação de novos tributos e o aumento das alíquotas até 2015, diz que o governo não deveria “legislar a
seu bel-prazer. (revista) / Você não pode alterar a realidade ao seu bel-prazer. / O respeito ao
companheiro e a capacidade de encarar as dificuldades com bom humor tornam mais simples e
iluminam a convivência. Infelizmente, não podemos adquirir essas características ao nosso bel prazer.
(revista) [sem hífen nesse exemplo] // [obs: com hífen no Aurélio]
ao cabo de (depois de, ao fim de) ex: Ao cabo de duas horas de espera, a fila começou a se movimentar. / Ao
cabo de oito horas seguidas de sono, os voluntários da pesquisa de Harvard lembravam, em média, 44%
mais fatos aprendidos no dia anterior em comparação com aqueles privados de sono. (revista)
ao cair da tarde / ao cair da noite (no início da tarde / no início da noite)
ao certo (com certeza, com exatidão) ex: Ninguém sabe ao certo o que foi que aconteceu. / No que se refere à
colocação de hífen no português, parece que ninguém sabe ao certo como se deve proceder. / Depois do
que andou aprontando, não teria coragem nem moral de requisitar móveis e pertences, com exceção do
computador, instrumento de seu trabalho, alguns livros pessoais, o porta-retrato que num momento feliz
brincava com os filhos e só; sequer um abajur para as noites de insônia. Teria de recomeçar do zero,
pensava ainda sem compreender ao certo a situação em que se metera. (crônica em jornal) /
Particularmente, eu acho que isso tem futuro, mas o mercado irá nos dizer ao certo. (entrevista
relatada em tese)
ao contrário / pelo contrário / muito pelo contrário (inversamente, o oposto do que se disse) ex: Ela não é
simpática nada; ao contrário, é um no saco. / Sim. Não. Muito pelo contrário (título de artigo de
revista) / Estamos à frente de uma insanidade, de um desperdício de R$600 milhões num país pobre e
injusto, de uma jogada de marketing do ex-candidato Lula que prometeu diminuir a criminalidade e, ao
contrário, assistiu de camarote a sua escalada vertiginosa. (jornal) / Não estou dizendo que para ele tudo
são flores e que a vida sempre lhe vai às mil maravilhas. Muito pelo contrário. Como todo mundo, de
vez em quando ele sente o gosto amargo da vida, conhece contingências ásperas, o dinheirinho mingua,
doença na família, o seu time perde, o carro deu o prego. (livro) / “A amizade não atrapalha nossos
negócios, ao contrário, ajuda, que temos liberdade total para discutir as idéias”, garante Alisson.
(revista)
ao corrente (a par, em dia, informado, ciente, atualizado) : estar ao corrente / botar ao corrente / pôr ao corrente
/ colocar ao corrente ex: Eu estou ao corrente de tudo o que esacontecendo. / Você pode me botar
ao corrente e me dizer o que é que anda acontecendo por aqui?
ao derredor (em volta, em redor) – ex: O fogo se espalhou em volta da casa, e ao derredor não sobrou nenhuma
vegetação.
ao deus-dará : estar ao deus-dará / ficar ao deus-dará / deixar ao deus-dará (abandonado, desorganizado, ao léu,
sem ninguém pra tomar conta, relegado à própria sorte) ex: Você está nos deixando ao Deus-dará.
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(legenda de filme na TV) / Quando eu não vou na Biblioteca, ela fica ao deus-dará. / Ninguém ajudou.
Ele ficou ao deus-dará. / Deputado não trabalha, senador não trabalha, e a convocação extraordinária
fica ao deus-dará. (rádio) / Tem um médico tratando dela, ela está sendo cuidada, não está ao deus
dará. / Não se um projeto para o país e a nação sofre ao deus-dará. (revista) / Aproveite o feriado de
Corpus Christi para ficar ao deus-dará. (propaganda revista) / Com mais de dez horas de atraso,
conseguiu finalmente embarcar. Chegou em Buenos Aires de madrugada e, naturalmente, perdeu a
conexão para São Paulo. E a empresa disposta a deixar os passageiros “ao Deus dará” até a noite
seguinte, quando “provavelmente” arrumariam uma conexão. (crônica em jornal) / Detalhe dois:
TODOS os amigos iriam. Ok, ela também, contanto que ficasse numa casa de família e não ao Deus
dará como pensou no início, ela e a turma, perdidas em Copacabana. (crônica em jornal) // [obs: com
hífen no Aurélio]
ao fim e ao cabo (no final, por fim, finalmente, no fundo, na verdade) ex: Esse procedimento, ao fim e ao
cabo, evidencia a importância sincrônica do processamento morfológico. (tese) / A acomodação
subterrânea de placas tectônicas e a descomunal energia que ela gerou terão, ao fim e ao cabo, feito
renascer um bem que andava escasso no planeta: a solidariedade. (revista) / Ao desqualificar o inglês
como ferramenta de comunicação global, o Itamaraty pode estar traindo a mesma disposição mental que
o fez boicotar as negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que, ao
fim e ao cabo, abriria mais espaço para produtos brasileiros no fabuloso mercado consumidor
americano. (revista) / Ao fim e ao cabo, seus alunos m de entender que a mudança está na mão deles.
(rádio) / Quando há greve numa fábrica, quem “vai ver sóé o patrão, que sentirá seus efeitos no bolso.
Numa greve em universidade, com perdão para repisar no óbvio, são os alunos. É contra eles, ao fim e
ao cabo, que se produzem seus resultados. (revista) / Ao fim e ao cabo houve um tratamento desigual
entre o presidente e o PSDB. (rádio) / Ao fim e ao cabo, quem é que gerencia esses recursos para que a
sua aplicação seja adequada? (rádio) / É a Câmara, ao fim e ao cabo, que aprova os loteamentos? (rádio)
ao invés de (em vez de, ao contrário - introduz uma idéia contrária, de oposição a outra anterior) ex: O preço
subiu, ao invés de cair. / Se cada ano os EUA destinassem às nações miseráveis não mais que a metade
do seu orçamento militar (U$450 bilhões), seus filhos passariam a dormir em sossego, porquanto, ao
invés da resposta terrorista, estariam recebendo adoração daquelas nações. (jornal) / A implantação da
sondagem canadense por um grupo que apresentava características das comunidades de prática parece
conferir à sondagem canadense traços distintos, como uma abordagem particular dos serviços, guiada
pelo conceito de cidadão ao invés do conceito de cliente. (artigo acadêmico de administração) / Ao
invés de ‘dize-me com quem andas e te direi quem és’, poderíamos fazer o adolescente pensar: quem eu
sou para andar com essas pessoas? (revista)
ao léu (sem objetivo, sem rumo) – O homem ficou andando ao léu, pra lá e pra cá. / Ele fez umas observações ao
léu, mas nada importante. / Entre os comentaristas da moda, uma palavra muito usada é “aposta”. Um
estilista aposta nas saias curtas. Outro aposta no romantismo. Houve um, nos desfiles da semana
passada, que apostou em vestidos inspirados em sacos de lixo. São exercícios ao léu. Se pegar, pegou.
(revista) / O próprio PAC, em si mesmo, é um balão marqueteiro jogado ao léu. (revista) / De maior
produtor mundial, o Brasil caiu para o quinto lugar, atrás da Costa do Marfim e de outros países
africanos. Cacauicultores faliram às dezenas. Trezentos mil trabalhadores ficaram ao u. (revista) / Eis
como, na semana passada, se apresentava o Congresso Nacional: o presidente do Senado desintegrava-
se num redemoinho alimentado pelo sopro cruzado de lobista de empreiteira, papelório suspeito, bois
mais inverossímeis que o Minotauro e bilhetes lançados ao léu como mensagens de náufrago. (revista) /
Perceberam que aquela população, que ficou jogada ao léu durante tantas décadas, tinha grande
criatividade. (rádio)
ao longo de ([1] durante o período sentido temporal) ex: Os valores arraigados em nossa sociedade fizeram
com que mascarassem por anos a fio a traição feminina pelo medo da perda de direitos conquistados ao
longo da história. (revista) / Numerosos estudos clínicos publicados ao longo de muitos anos têm
confirmado a eficácia analgésica e antiinflamatória do naproxeno. (propaganda em revista) / Ao longo
da história, é freqüente a aliança de países com o objetivo de derrotar as potências hegemônicas.
(revista) / Os representantes dos vários países fizeram seu dever de casa ao longo dos últimos meses.
No Brasil, reuniões preparatórias vêm sendo realizadas desde o começo do ano. (revista) / Mas para a
maioria dos seus 70 mil associados, o Minas Tênis Clube é, antes de tudo, um local de encontros, que
guarda ao longo de sua história passagens que ficaram marcadas na vida de cada freqüentador que
passou por lá. (jornal) / Ao longo da vida, encontramos grande variedade de pessoas com diferentes
personalidades. (revista) / Em 15 minutos coloca os assuntos em dia. Depois, encaminha-se ao BH
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Shopping, faz compras, vai ao banco e bate mais um papo com os conhecidos que fez ao longo dos 20
anos que freqüenta o local. (revista) // [obs: inserção de quantificador] / Numa arrepiante sucessão de
reviravoltas ocorridas ao longo do último ano e meio, Ariel Sharon chacoalhou o mundo tal como
aliados e inimigos o conheciam quando aceitou o princípio de trocar terra por um acordo com os
palestinos e desalojou na marra os assentamentos judaicos em Gaza dos quais havia sido o maior
paladino. (revista) / Os anúncios custaram 45 500 reais e foram publicados em quatro edições da revista
ao longo de 2005. (revista) / Não é por acaso que o PSDB tem sido conhecido ao longo do tempo como
um partido marcadamente de São Paulo, ainda que tenha lideranças importantes em outras regiões do
país. (revista) / Esses vestígios documentam a existência de intercâmbios ao longo dos dois ou três
últimos milênios. (livro) // ([2] acompanhando longitudinalmente – sentido espacial) ex: Havia
pichações ao longo de todo o muro.
ao menos / pelo menos ([1] não menos do que estabelece um limite mínimo) ex: Para entrar em vigor, e se
tornar um regulamento internacional, o acordo precisava do apoio de um grupo de países que, juntos,
respondessem por ao menos 55% das emissões de gases nocivos no mundo. (revista) / Fabricantes de
dossiês estão bisbilhotando o dia-a-dia de um irmão e ao menos de dois filhos do presidente. (revista) /
Você devia, pelo menos, ter avisado que não viria. / Buani vinha tentando provar que pelo menos um
mensalinho fora pago por meio de cheque e descontado na boca do caixa por um motorista de Severino.
(revista) / Tudo parecia um conto de fadas entre o ator inglês J.L e a atriz S. M.. Pelo menos até a
semana passada, quando o galã proporcionou o mais novo escândalo de Hollywood ao confessar a um
jornal britânico que teve um affair com a babá de seus filhos [...]. (revista) / Desta vez parece haver,
pelo menos da boca para fora, concordância maior sobre sua urgência. (revista) / Aumentam os
comentários na imprensa americana e inglesa: pelo menos dois casamentos de peso teriam ocorrido
recentemente. E secretamente. (revista) / Caberia, a meu ver, ao Ministério Público penetrar nesses
“bueiros” e colocar os réus, se não atrás das grades, pelo menos para temer o pior para eles. (jornal) /
Enfim, torrando tubos de dinheiro e se endividando horrores, esperava-se ao menos que as coisas
andassem dentro dos conformes. (crônica em jornal) / Afundar de vez na tristeza não é necessariamente
ruim: alguns cientistas sugerem que o choro, ao nos colocar em um estado altamente aversivo e de alta
vigilância, teria a função de chamar nossa atenção para a desgraça do momento e motivar
comportamentos destinados a resolvê-la, ou ao menos evitar outra semelhante no futuro, e pôr fim às
lágrimas. (livro) // ([2] expressão que indica que algum ponto positivo, depois de se indicar algo
negativo) ex: Ele está atrasado, mas pelo menos veio. / / Mainardi, o melhor de tudo, tenho certeza,
foram os dezesseis passos do seu filhinho mais velho. Ao menos algo que vale a pena avançou. (revista)
// ([3] expressão usada para remeter a responsabilidade da afirmação a outra pessoa) ex: A novidade é
que agora eles [os óculos de sol] também protegem a pele ao redor dos olhos, retardando o
envelhecimento e a formação de rugas. Pelo menos é o que promete a Pierre Cardin, que lançou
recentemente um óculos com lentes de melanina (pigmento que dá cor à pele). (jornal) / O primeiro
censo sobre a prática de esportes no Brasil chegou a uma conclusão inesperada: 63% das pessoas
declaram estar dedicadas a uma atividade física regular , ao menos, o que elas dizem). (revista) //
[obs: não existe o substantivo *o menos fora dessa expressão, e também não existe o oposto *ao mais/
*pelo mais]
ao mesmo tempo (concomitantemente, de forma superposta não necessariamente no mesmo horário) ex:
Uma sereia é ao mesmo tempo uma mulher e um peixe. (TV) / Pela própria natureza da questão,
existem vastas zonas cinzentas, os ânimos oscilam ao sabor dos tropeços naturais da vida e, excetuados
os casamentos de fachada, a sobrevivência conjugal demanda uma razoável capacidade de fazer
concessões, sem, ao mesmo tempo, achar que está se violando emocionalmente de maneira
irrecuperável. (revista) / Ao mesmo tempo em que sofre de uma comichão crônica para estar livre, leve
e solto e sair à caça, por outro lado não consegue viver sozinho. (crônica em revista) / “Você pega os
jornais e não sobra pedra sobre pedra no cenário político, pinta um clima de fim de feira moral, de
desesperança, de indignação, de salve-se-quem-puder, tudo ao mesmo tempo.” (revista, citando fala de
ex-secretário de imprensa da Presidência) / Tanto é verdade que, quando se apresenta uma oportunidade
de ampliar sua credibilidade e confiabilidade, costumam ao mesmo tempo insurgir ilações, denúncias,
acusações lama para ofuscar brilho. (jornal) / Sua metamorfose vem sendo conduzida de maneira
paulatina por Abreu. Ao mesmo tempo em que ela ganha amor-próprio, debate-se com seus fantasmas.
(revista) / A metáfora me iluminava o entendimento da vida. Ao mesmo tempo, me escondia a chave do
segredo. (livro) // [obs: *ao mesmo horário]
ao natural ([1] refere-se a alimento não congelado e sem qualquer processamento) ex: Eu comi damasco ao
natural, tirando a fruta do pé. // ([2] nu) – ex: Ela apareceu assim ao natural, como Deus fez.
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ao passo que (mas, porém indica contraposição) ex: No caso 1 a interpretação é x, ao passo que no caso 2 a
interpretação é y. / Estamos acostumados a ouvir isso, ao passo que aquela outra expressão eu nunca
ouvi. / O usufruto implica cessão do direito de uso, ao passo que as servidões são encargos que não
privam o proprietário do uso de seu bem. (trabalho escolar) / Os sufixos de primeira pessoa ocorrem em
uma situação facilmente definível, ao passo que os sufixos de terceira pessoa ocorrem em uma grande
variedade de ambientes. (artigo) / As instituições desempenham um papel de mediadoras em relação ao
nível microssocial, ao passo que as grandes teorias macrossociais tentam predizer os comportamentos e
os resultados a partir de fatores sociais tomados em sua generalidade (artigo acadêmico) / Nesse caso
não se pode construir a sentença com gerúndio, ao passo que com predicados stage-level o problema
fica resolvido. (conferência de lingüística) / O leitor pode atribuir a predicação, no exemplo (19), tanto a
“Paulo” quanto a “Fernando”, ao passo que em (18) a predicação “está doente” pode ser relacionada
com “Fernando”. (livro de lingüística)
ao / aos pés (perto, junto) ex: A moça ficou rezando ao pé da cruz. / A noiva abandonou o noivo ao do
altar. / Aos pés da santa cruz você se ajoelhou... (música) / Agora, até a GM está aos pés dele (título de
artigo em revista)
ao da letra (palavra por palavra, literalmente, estritamente, com exatidão) ex: Eu tava brincando, mas ele
interpretou tudo ao da letra. / O pessoal pega as metáforas ao da letra. / Parabéns. Você é um dos
únicos que cumpre ao pé da letra o código. (TV) / A modernização do estilo de vestimenta feminina e a
flexibilização dos cortes de cabelos masculinos eram duas fortes marcas simbólicas da gestão do
presidente Khatami, predecessor de Ahmadineyad. O novo mandatário decidiu, porém, levar ao da
letra o vocábulo árabe islã, que significa submissão. (jornal) / As vítimas pertenciam a uma comunidade
amish, seita protestante que interpreta a Bíblia ao da letra e vive em condições da era pré-industrial.
(revista) / Se tomamos ao da letra o conceito de Instrumental, “objeto, em geral mais simples do que
o aparelho, e que serve de agente mecânico na execução de qualquer trabalho”, corremos o risco de
pensar o ensino instrumental de uma língua estrangeira de forma equivocada. artigo acadêmico) / Gula
é uma palavra muito forte. Ao da letra, significa a pessoa comer mais que necessita, viver em nome
dela. (jornal) / Pior mesmo foi o que aconteceu com uma amiga. Incomodada com o “nó cego” do
motorista à sua frente, buzina. E o sujeito, incomodado com sua buzina grita: - Passa por cima! E ela,
seguindo ao da letra a sugestão, passou. (crônica jornal) / Vasectomia, ao da letra, significa
“retirar” (ectomia) o duto deferente. (revista médica) // [obs: sem hífen no Aurélio]
ao do ouvido (de forma cochichada, falada baixinho perto do ouvido, discretamente) ex: Lula recebeu a
notícia do aumento do PIB durante reunião na China. O ministro Palocci transmitiu a informação ao
do ouvido. (TV) / Ao pé do ouvido (título de artigo de revista) / A avaliação presidencial se espalhou
como rastilho de pólvora nas conversas ao pé do ouvido durante o desfile de 7 de setembro (jornal) / Ao
entrar no camarim, ele corre para abraçá-la. Cúmplices, os dois conversam ao pé do ouvido. (revista) /
A cada música, o clima esquentava gradativamente e não demorou para que as conversas ao pé-do-
ouvido virassem beijos apaixonados. (revista) // [obs: sem hífen no Aurélio]
ao ponto (indica quantidade de cozimento: entre mal passado e bem passado) ex: Voquer o seu filé mau
passado ou ao ponto?
ao que tudo indica (pelo jeito, pelo visto, provavelmente) ex: Esse é um processo espontâneo, automático,
inconsciente e, ao que tudo indica, inevitável. / A Flávia vai fazer o concurso, mas não acredito que ela
consiga o cargo. Ao que tudo indica o candidato foi escolhido, esse concurso já está com as cartas
marcadas. / Ao que tudo indica, o componente lexical é maior do que o que se imagina. / Os vestidos
longos que marcam este verão como os de decote tomara-que-caia da Vitória, personagem vivida por
Cláudia Abreu na novela Belíssima também estarão com tudo na próxima estação. Mas ao que tudo
indica disputarão corpo a corpo com as silhuetas mais acinturadas. (revista)
ao relento : ficar ao relento / dormir ao relento (sem proteção, fora de casa, na rua) ex: Eu morro de de
deixar os cachorros dormindo ao relento, nessa época de frio. / Durante sua jornada, muitas vezes foi
obrigado a dormir ao relento, debaixo das estrelas. // [obs: não existe *relento sozinho]
ao sabor de (à mercê, dirigido por, conforme) – ex: Da mesma forma, não é possível que os deputados se elejam
por um partido e tão logo tomem posse mudem de sigla, ao sabor das conveniências. (revista) / Pela
própria natureza da questão, existem vastas zonas cinzentas, os ânimos oscilam ao sabor dos tropeços
naturais da vida e, excetuados os casamentos de fachada, a sobrevivência conjugal demanda uma
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razoável capacidade de fazer concessões, sem, ao mesmo tempo, achar que está se violando
emocionalmente de maneira irrecuperável. (revista)
ao sabor dos ventos (indicação de inconstância, incerteza, falta de consistência, falta de posicionamento fixo)
ex: Com opiniões que mudam ao sabor dos ventos eleitorais, o candidato-presidente deixa os brasileiros
em vida: afinal de contas, no que ele realmente acredita? (revista) / Ao sabor dos ventos (título de
artigo em jornal)
ao vivo ([1] no momento em que acontece) – ex: A televisão vai transmitir ao vivo o jogo do Brasil. /
Antigamente não tinha escapatória para o ator. Era tudo ao vivo! (TV) / Voltamos ao vivo daqui da
Alemanha. (TV) / Daí saem os 30 jovens que vão para a terceira etapa, em que o programa é
transmitido ao vivo. (jornal) / O SBT foi um dos três veículos da imprensa brasileira selecionados para
fazer uma pergunta, tinha link pronto para entrar ao vivo, mas não se deu ao trabalho de interromper o
filme O senhor dos anéis. Globo, Cultura, Gazeta, Bandeirantes e RedeTV! mostraram ao vivo a
pergunta do repórter do SBT. (jornal) // ([2] em presença, pessoalmente) ex: Nesse bar tem música ao
vivo. / O trio elétrico é um caminhão com som ou música ao vivo, usado geralmente para animar o
carnaval. / Você fala assim porque está no telefone. Não prefere tirar onda com a minha cara ao vivo?
(TV) / Europa não é igreja e monumento. Em vez de dar tanta importância aos cartões-postais que
você não verá ao vivo em sua primeira viagem, dedique-se a viver os aspectos que são comuns a todas
as cidades européias. (revista) / O forte da turma são as apresentações ao vivo, mas mesmo nos dois
discos que ela lançõu até aqui se pode averiguar que Juliette é uma cantora eficiente e original e que os
Licks são uma competente banda de punk/pop. (revista)
ao vivo e a cores / ao vivo e em cores (com todos os detalhes, na íntegra) ex: Todos poderiam ganhar se o
congresso pudesse ouvir, ao vivo e a cores, o depoimento de Meireles. (rádio) / Quando você vai fazer a
análise ao vivo e a cores, você a deficiência da teoria. / Eles são capazes de cometer loucuras pela
oportunidade de torcer pelo Brasil, ao vivo e em cores, nos mundiais (sub-título de artigo em revista)
aos borbotões (diz-se de um líquido que sai de um lugar em grande quantidade) ex: Os soldados americanos
reclamaram que a construção do prédio foi tão mal feita que havia matéria fecal correndo aos borbotões
pelos corredores da escola de polícia de Bagdá. / A empresa distribuiu milhões de CDs para os usuários
instalarem o programa em seus computadores, mas a primeira leva saiu com um defeito que alterava a
configuração das máquinas. Humilhação no mercado, frustração entre o público. Reclamações aos
borbotões. (revista)
aos cuidados de ([1] expressão que antecede a indicação do intermediário numa correspondência) // ([2] sob a
responsabilidade) ex: Faço votos, também, para que nosso “governo” se ocupe dos assuntos que
realmente nos transformarão em uma grande nação e deixe os “bandidos” aos cuidados da polícia.
(revista)
aos montes (em grande quantidade, em abundância intensificador) ex: Quando eu comecei a prestar atenção
na fala das pessoas, foram surgindo expressões aos montes.
aos olhos [de alguém] (sob o ponto de vista de alguém, no modo de ver de alguém, na sua opinião) ex: As
mulheres encarnam o desejo sem limites, e os homens temem não poder satisfazê-las. Aos olhos deles,
o feminino das mulheres surge como uma reprovação potencial, desencadeia um processo de castração
contra o qual os homens se rebelam. (revista) / O deputado é tido como um bom parlamentar, é popular
entre os membros do baixo clero e defende as posições do governo, mas parece nutrir um exacerbado
gosto pelos prazeres da vida noturna o que, aos olhos do governo, poderia trazer alguns
constrangimentos caso o deputado ocupasse um cargo de tanto destaque. (revista) / Semanalmente, sem
alarde, o marqueteiro João Santana tem dado expediente no Palácio do Planalto. Santana, no entanto, é
um exemplar raro de marqueteiro low profile suas idas a Brasília têm passado batido aos olhos da
mídia e da corte em geral. (revista) / Os videogames vêm causando uma revolução no entretenimento e
movimentam tanto dinheiro quanto a bilheteria de Hollywood, mas, aos olhos paternos, jogá-los
parece uma atividade inútil. (revista) / Ser reconhecida como das melhores empresas onde trabalhar é
bem mais simpático aos olhos dos consumidores do que aquela com imagem de maus tratos a seus
funcionários. (revista) // [obs: nesses dois últimos exemplos “o governo” e “mídia e corte em geral” são
entidades personificadas no discurso ou será que seria melhor indicar na entrada: “aos olhos de
alguém ou de algo”? / ou: aos olhos de , e deixar o complemento em aberto?]
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aos poucos (lentamente, devagar) ex: Aos poucos ela foi se acostumando com a idéia. / Sabe, vó, ela está se
acostumando na escola aos poucos; eu me acostumei “aos muitos”. (fala de criança, contrapondo seu
comportamento de adaptação imediato ao de uma colega que está demorando para se adaptar).
aos prantos (chorando) ex: Ela chegou desesperada, aos prantos. // [obs: 1. *aos choros / 2. sempre plural,
apesar de o pranto ser um só]
aos quatro cantos / pelos quatro cantos / nos quatro cantos (em todo lugar) // [obs: a preposição varia, mas a
EF não existe sem preposição] ex: O seu [do Papa] sofrimento público transformou-se, ele próprio,
numa poderosa mensagem religiosa a de que um servo de Deus que não mede sacrifícios para levar a
palavra de Cristo aos quatro cantos do mundo. (revista) / A turnê, prevista para durar 45 dias, estendeu-
se por sete anos e passou pelos quatro cantos do mundo. (revista) / Enquanto se mendigava, nos quatro
cantos do mundo, um lugar no Conselho de Segurança, bom mesmo era receber dos estrangeiros os
louros devidos ao espécime raro do operário tornado presidente. (revista) / Não tenho bola de cristal
nem osadia ou irresponsabilidade para imaginar o que acontecerá além dos próximos 20 ou 30 anos,
mas, como otimista incorrigível, sinto que a sociedade inteira, nos quatro cantos do planeta, sairá
profundamente modificada para melhor. (jornal)
aos quatro ventos / para os quatro ventos (para todos os lados, ao ar livre) ex: Esse shopping é aberto aos 4
ventos : falar / propalar / espalhar aos 4 ventos (espalhar a notícia) ex: O papai propalou aos 4
ventos que ela passou no vestibular. / Ele gritou aos 4 ventos que ia se vingar. (TV) / Para quem andou
falando aos quatro ventos que se casaria virgem e se preservaria ao último minuto, tudo indica que
Katie Holmes, a noiva de Tom Cruise, mudou de idéia. (revista) / O perfil deles: têm auto-estima e
adoram espalhar para os quatro ventos como a corrida lhes foi benéfica. “É uma terapia. Parece que
estou em outro planeta quando corro [...].” (revista) / O objetivo, claro, é aprender com as qualidades
dos adversários e espalhar aos quatro ventos suas fraquezas. (revista) / A denúncia de que Mainardi fez
aos quatro ventos está sendo apurada na Itália. (revista)
aos trancos e barrancos (de modo atabalhoado, desajeitado, com dificuldade, aos esbarrões) ex: Ele foi
avançando aos trancos e barrancos, mas conseguiu chegar lá. / Ele vai levando o curso aos trancos e
barrancos. / “Ele não tem programa. Quer dizer, o governo sobrevive aí aos trancos e barrancos,
perdendo a oportunidade de um cenário internacional fantástico”, afirmou Alckmin ontem, após um
almoço com empresários para angariar fundos para a sua campanha. (jornal) / A minha bolsa, eu preciso
da minha bolsa. Entrei aos trancos e barrancos e consegui pegá-la. (crônica em jornal) / O destino prega
muitas peças, ata e desata nós, abre e fecha caminhos, inventa encruzilhadas loucas e finais
surpreendentes: a gente vai aos trancos e barrancos quase todo o tempo. (revista) / Depois de JK e dos
militares, vive-se o dia-a-dia da busca da popularidade fácil, de remendos aqui e acolá, e com a ajuda
das circunstâncias externas o país vai crescendo aos trancos e barrancos, embora bem menos do que
seus concorrentes. (revista) // [obs: sem hífen no Aurélio]
apaixonite aguda (estado de quem está muito apaixonado – intensificador)
apanhar como boi ladrão / apanhar feito boi ladrão / apanhar que nem boi ladrão (apanhar muito
intensificador)
apanhei-te, cavaquinho (clichê situacional: frase que se diz a quem se apanha num flagrante – popularizada por
uma música de Ernesto Nazaré)
aparar as arestas (agir para eliminar os conflitos, resolver as diferenças) ex: Portanto, nem pense em aparar
arestas ou resolver problemas pessoais neste tipo de ocasião, inclusive em família. Bola fora para os
inconvenientes que aproveitam a presença de todos os parentes para falar que o casamento de fulana
está à beira do naufrágio, que o vestido da tia é de péssimo gosto, que beltrano está desempregado, e
outras coisas mais. (jornal)
apart-hotel (apartamentos com serviço de hotelaria) // [obs: com hífen no Aurélio]
apertar o cerco
(intensificar a investigação, aumentar a pressão sobre alguém) ex: A polícia apertou o cerco
em torno dos traficantes e conseguiu pegar a quadrilha que estava escondida no morro.
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apertar o cinto (fazer economia) ex: O governo fica sempre mandando o povo apertar o cinto, não sei até
quando. / Candidatos terão que apertar o cinto (título de artigo de jornal que continua: “Com o caixa
dois exposto, campanhas devem ser enxutas [...]) / Todo ano nós poderíamos alugar uma casa de
campo, na Ilha de Wight, se não for pedir muito. s apertaremos o cinto e pouparemos. (tradução de
letra da música “When I’m 64” – jornal)
apertar o coração [de alguém] (entristecer, sensibilizar) ex: Ver aleijado pedindo esmola na rua me aperta o
coração.
apertar o passo (andar mais depressa) – ex: Gente, aperta o passo aí, senão a gente não vai chegar lá nunca.
apertar os cintos ([1] indica perigo) – ex: Apertem os cintos, o piloto sumiu. (título de filme) // ([2] indica início
de uma ação, de um evento) – ex: Apertem os cintos, a eleição começou. (jornal)
aperto de vida (situação financeira ruim) – ex: O Caio perdeu o emprego, e está no maior aperto de vida.
apesar de / apesar de que (embora) ex: Apesar de nascida à beira-mar, ama São Paulo e tem a pele branca;
[...] (revista) / Ele é o que mais se aproxima do tradicional conto-do-vigário. Isso mesmo: apesar de toda
a tecnologia existente, a principal estratégia dos salafrários ainda é explorar a boa-fé das pessoas.
(revista) / A dentista afirma que, apesar de tudo, acreditava que, com o passar do tempo, as coisas
chegariam nos eixos. (revista) / Isso mesmo: apesar de toda a tecnologia existente, a principal estratégia
dos salafrários ainda é explorar a boa-fé das pessoas. (revista) / Correndo contra o relógio para concluir
os trabalhos neste ano, os senadores afirmaram ter confiança de que a Câmara dos Deputados aprovará
o projeto, apesar de uma solução tão de última hora. (jornal) / A justiça americana deu um chapéu na
justiça brasileira: condenou Paulo Maluf, que apesar de ter mais de 40 processos no Brasil, nunca foi
condenado. (rádio) / Getúlio Vargas, apesar de ainda contar com aliados de peso e de respeito, sentiu-se
tão a ponto de disparar um tiro no peito, em 1954. (revista) / O time do Arsenal entregou os
pontos. O Barcelona fica batendo bola e eles nem tentam tomar. (TV) / A Academica, apesar de estar
perdendo por 2 a zero, não entrega os pontos. (TV)
apesar dos pesares (não obstante os inconvenientes e as dificuldades) ex: Tinha que haver um limite para o
que aquela gente era capaz de fazer, apesar dos pesares. (TV)
apitar na curva (morrer) – ex: - Onde é que nós estamos?No céu. – No céu?... – É. Tipo assim, o céu. Aquele
com querubins voando e coisas do gênero. / Apesar das óbvias evidências (nenhuma poluição, todo
mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular) a executiva bem-sucedida custou um pouco a admitir
que havia mesmo apitado na curva. (crônica em revista)
apontar o dedo (culpar, indicar o responsável) ex: Ele a impunidade como resultado da falta de aplicação
das leis, aliada à ineficiência da apuração dos delitos e a demora da Justiça em dar a sentença. Mas qual
a saída? Os especialistas são unânimes em apontar o dedo à sociedade, que escolhe os parlamentares
responsáveis pela aprovação das normas. (revista)
apostar dois contra um (diz-se quando se está absolutamente certo de alguma coisa) [d1] ex: Todo filme
americano tem happy end. Aposto dois contra um que vai tudo acabar bem no final.
apostar fichas (disputar) – ex: Marta e Serra apostam fichas em debate na TV (título de matéria de jornal)
aprender a lição ex: Se os nossos governantes tivessem lido com a devida atenção o relatório do governo
inglês sobre o acidente no aeroporto de Heathrow, teriam aprendido a lição e jamais haveriam se
isentado de ter uma “fiscalização detalhista e freqüente” (como indica o relatório) nas obras do Metrô,
mesmo sendo um contrato do tipo turn-key. (revista) // [obs: nesse sentido, não se pode substituir lição
por palavra de mesmo campo semântico, como se vê em *aprender a instrução, *aprender a matéria]
aprendiz de feiticeiro (iniciante em uma atividade) ex: Em outros tempos, por muito menos, os estudantes já
teriam feito protestos, greves e manifestações mil contra os escândalos que assolam o país. quinze
anos, estavam de cara pintada contra um presidente que, perto do atual, era aprendiz de feiticeiro.
(revista) / Agindo como aprendiz de feiticeiro, o governador do Rio, Sérgio Cabral, faz de conta que
tentará impor ao seu partido e ao PT o nome de E. P. como candidato à prefeitura do Rio. (revista) //
[obs: não registrado no Aurélio]
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aprontar alguma / aprontar uma (fazer algo errado) ex: Porque você anda sumido? Aprontou alguma? //
[obs: feminino]
aprontar o maior rebu / aprontar um rebu (armar a maior confusão, brigar) ex: Quando a namorada pegou
ele no flagra, aprontou o maior rebu.
aprontar o sete (fazer bagunça)
aprontar um auê / fazer um auê (aprontar um bafafá, aprontar o maior rebu, brigar, fazer confusão)
aprontar um bafafá / fazer um bafafá (brigar, fazer confusão)
aprontar um banzé / aprontar um banzé de cuia (fazer confusão, causar desordem)– ex: Essas cachorras
derrubaram a água, espalharam a comida, fizeram xixi no terreiro todo - aprontaram um banzé de cuia.
aprontar um escarcéu / fazer um escarcéu (aprontar um bafafá, brigar, fazer confusão)
aprontar um rolo / armar um rolo ([1] confundir-se, misturar idéias) ex: O autor aprontou um rolo nesse
artigo, que ninguém entendeu nada. // ([2] criar briga, confusão) ex: O pessoal estava bêbado, e
acabou aprontando o maior rolo no bar.
apropriação indébita (tomada indevida) (obs: a palavra “indébita” existe nessa expressão por ex, não se
pode dizer * “ele teve uma atitude indébita / sua fala foi indébita”, etc).
aproveitar a maré / aproveitar a onda (tirar proveito de uma situação temporária) ex: A economia mundial
teve crescimentos incríveis. A Argentina, aqui do lado, cresceu 9%. O Brasil deveria ter aproveitado a
onda para crescer também, mas ficou estagnado durante todos esses últimos 4 anos.
aprumar na carreira (conseguir estabilidade, reconhecimento, boa posição profissional) – ex: O filho da
Marieta passou por dificuldades logo que formou, mas agora já aprumou na carreira.
apunhalar pelas costas (trair) ex: Você me apunhalou pelas costas e não correspondeu à confiança que eu
depositei em você.
apurar o ouvido / apurar a vista (esforçar-se para ouvir ou ver melhor) ex: Você tem de apurar o ouvido pra
perceber esses quartos de tom. O que parece é que está tudo desafinado.
aquela que matou o guarda / a que matou o guarda (cachaça)
aqui e agora nfase sobre a necessidade de uma atuação presente) ex: Lembre-se e colocar sua atenção no
momento presente, no aqui e agora, como se nada mais existisse. (revista) // [obs: expressão
irreversível: *agora e aqui]
aqui e ali / aqui e aco/ um aqui e outro ali (de forma esparsa) ex: A campanha começou tímida. Vozes se
levantavam aqui e ali contra a praga. (jornal) / Severino é a típica vítima da síndrome do passo maior do
que a perna. Se tivesse ficado no seu canto, estaria tocando a vidinha, praticando em paz um golpezinho
aqui e outro acolá... (revista) / O que tinha de gente na fila errada, principalmente estrangeiros, não dava
para contar. Morri de pena, afinal, se nós, que falávamos português, perguntávamos aqui e ali, tínhamos
dificuldades, imagina o japonês, o alemão, o italiano que encontrei perdido com a família, horas em
fila errada? (crônica em jornal) / Depois de JK e dos militares, vive-se o dia-a-dia da busca da
popularidade fácil, de remendos aqui e acolá, e com a ajuda das circunstâncias externas o país vai
crescendo aos trancos e barrancos, embora bem menos do que seus concorrentes. (revista) // [obs: *ali e
aqui; *acolá e aqui]
aqui em casa (na minha casa) ex: Preciso com urgência ter tempo para trabalhar com salário, porque
estamos raspando o fundo da poupança aqui em casa. (e-mail) / Você tem de andar na risca enquanto
estiver aqui em casa, senão eu te mando de volta para a casa dos seus pais. / Aqui em casa só bate sol de
manhã. / Dia desses veio aqui em casa um fulano pedindo dinheiro pro jantar do bispo... e a mamãe
deu! / Hoje eu não vou trabalhar, não vou fazer nada; vou ficar por conta de olhar menino. / Eu
quando me casei com seu pai, vivia por conta da família, dedicação total, meu trabalho era aqui em
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casa, nada de ir pra rua, escritórios, viagens... (crônica em jornal) // [obs: *aqui em escritório; *aqui em
fazenda; *aqui em apartamento]
aqui jaz + SN (expressão colocada em lápides) // [obs: o suposto verbo jazer não pode ser conjugado nem em
tempo nem em pessoa – ou seja, não tem os traços que definem um verbo]
aqui ó (expressão que indica incredulidade às vezes acompanhada do gesto de dar uma banana) ex: Aqui ó,
que o Cruzeiro é melhor do que o Atlético! / Instalei um identificador de chamada. Aqui ó, sua mãe!
Vai que é um ladrão... (propaganda – TV, indicando que não atenderão o telefone pensando que é a mãe
que está chamando)
ar de quem não quer nada (refere-se a uma postura que finge indiferença) ex: Ele fica aí, com esse ar de
quem não quer nada, mas na verdade está doido para ser chamado para participar.
ar encanado (corrente de ar) // [obs: sem hífen no Aurélio]
arado de fome / varado de fome (com muita fome – intensificador) ex: Estou varado de fome. Pega um prato
aí, mãe. (TV)
arco-e-flecha (tipo de esporte de esporte em que se atiram flechas num alvo) – ex: Na pequena Saint-Martin, nos
Pirineus franceses, onde mora, ele corta lenha, pratica arco-e-flecha e é sócio da associação local de
criadores de porcos. (revista) / Ele a cria desde criança, ensinando-a a manejar um arco-e-flecha, e quer
se casar com ela dali a alguns meses. Essa é a história de O ARCO. (revista) // [obs: 1. expressão
irreversível: *flecha e arco / 2. com hífen no Aurélio]
arco-íris (luz de sete cores que se no céu decorrente da refração da luz do sol) ex: Gata, quando mia no
meio da noite, enlouquecida no cio, brilha nos olhos com todas as cores do arco-íris. (livro) /
devagar e sempre. Você chegará ao pote de ouro no fim do arco-íris. (revista) / Dedique bons minutos
de seu dia contemplando o pôr-do-sol brasiliense. A natureza oferece ao entardecer, sem dúvida, um
espetáculo. É como um arco-íris que se desmancha e tinge o céu com suas cores. (revista) // [obs: com
hífen no Aurélio]
ar-condicionado ([1] aparelho que resfria o ar ambiente) ex: Não basta ligar o ar-condicionado para fugir das
conseqüências do calor. (jornal) / Construí uma casa nos Estados Unidos a partir da planta, num lote
que era um estacionamento. Escolhi o modelo da casa [...]. No dia e hora aprazados paguei o restante,
recebi as chaves e entrei na casa com ar-condicionado central, refrigerador, fogão elétrico, lavadoras de
roupa e louça instaladas, monocomando em todas as torneiras com água quente e fria, TV a cabo,
telefone e internet ligados. (revista) / Na lista de equipamentos, ar-condicionado, direção hidráulica,
trio elétrico, air-bag duplo, ABS e EBD, diferencial com escorregamento limitado, engate de tração
eletrônico, alarme na chave, rádio/CD/MP3 com disqueteira para seis discos, controle de velocidade
com comandos no volante e espelho eletrocrômico com bússola, entre outros. (jornal) / O sistema de
ventilação, aquecimento e ar condicionado também está de cara nova, permitindo diferenciar a
temperatura desejada pelo condutor da pretendida pelo ocupante do banco ao lado. (revista) / Alguém
que espirra sempre que entra num lugar com ar condicionado sem a manutenção necessária se
encaixa nesse quadro. (revista) // ([2] o ar resfriado) ex: A dica vale tanto para quem trabalha em
ambientes com ar-condicionado ou mesmo antes e durante uma caminhada. (revista Istoé n
o
1891, 18 de
janeiro de 2006, pág. 44) // [obs: sem hífen, na mesma página da mesma revista] // [obs: com hífen no
Aurélio]
área de lazer (espaço destinado ao divertimento) // [obs: seria a mesma coisa de “área de divertimento” ou
seja, é um SN formado normalmente – mas é uma expressão fixa porque ninguém usa “área de
divertimento”, ou “área de diversão”, ou “espaço de lazer”, etc) // [obs: não registrado no Aurélio]
área verde (porção de terreno com árvores, coberto por vegetação) - ex: Eles moram em uma cidade e trabalham
em outra. Não por obrigação, mas por escolha própria. Trocaram os arranha-céus e as casas cercadas de
concreto em Belo Horizonte por moradias espaçosas, com área verde, piscina, cachoeira, campo de
futebol, ar puro, segurança e, sobretudo, tranqüilidade. (revista) // [obs: sem hífen no Aurélio]
areia mijada (diz-se de rosto esburacado, marcado por espinhas) ex: Ele tem a cara toda marcada, parecendo
areia mijada.
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areia movediça ([1] terreno não firme, que “engole” o que cai sobre ele) // ([2] por extensão metafórica,
situação delicada e perigosa) – ex: Ma semana passada, houve mudança qualitativa na campanha
eleitoral: uma inesperada seqüência de eventos começou a pautar os candidatos. Cada um deles teve de
deixar o terreno em que se sentia seguro e foi arrastado para areias movediças. (revista) // [sem hífen
no Aurélio]
arejar a cuca / arejar a cabeça (distrair-se) – ex: Vou viajar uns dias pra arejar a cabeça.
arma branca (arma que não dá tiro – ex: faca) // [obs: sem hífen no Aurélio]
arma de destruição em massa (bomba que atinge uma área grande e mata várias pessoas ao mesmo tempo)
ex: Naquele momento o presidente acreditava que o Iraque tinha armas de destruição em massa, a
despeito das informações dos serviços de inteligência não terem comprovação. (revista) / Bush estava
triunfante, mas teve de silenciar sobre o argumento central da invasão: a suspeita de que Saddam tinha
armas de destruição em massa e perseguia a bomba atômica. (revista) // [obs: não registrado no
Aurélio]
arma de fogo (arma do tipo de revólver, fusil, escopeta, etc) ex: Na escolta de presidente e dos governadores,
no sistema de proteção de suas residências, de seus familiares e principais assessores são adotadas
armas de fogo. (jornal) / O cidadão pró-desarmamento chama a atenção para o risco de ter uma arma de
fogo à mão. (jornal) // [obs: sem hífen no Aurélio]
armado até os dentes (super prevenido, preparado para o ataque intensificador) ex: Porque você não fica
mais relaxado? Toda vez que você vai ter uma conversa séria, você vai armado até os dentes e acaba
saindo briga. / As salas das três CPIs se transformaram em palco de violentos duelos, com petistas de
um lado e tucanos de outro, armados até os dentes. (revista)
armar um barraco / armar o barraco (brigar, fazer confusão) ex: as escandalosas, que não pensam duas
vezes para armar o barraco, descarregando raivas nutridas em sua desconfiança perpétua de que o
parceiro está interessado em outra pessoa. (revista) / Voarmou um barraco no seu trabalho. (defesa
de dissertação de lingüística)
armar um frege (provocar uma confusão, briga) / virar um frege (virar uma confusão)
armário embutido (tipo de armário pregado na parede) ex: Menos mal que o apê viera razoavelmente
montado, pelo menos com o básico do básico: alguns armários embutidos, um fogão de quatro bocas
(quase uma peça de museu) e uma mesinha redonda, perdida no meio da sala. (crônica em jornal) //
[obs: 1.*armário enfiado, *armário inserido // 2. sem hífen no Aurélio]
armar-se de coragem (adquirir coragem, encher-se de coragem) ex: Pra sair de casa e enfrentar o marido ela
teve de se armar de muita coragem.
arquivo morto (documentos guardados que não estão em uso) ex: É mais um para engrossar o número de
assassinatos, já 48,8% maior entre 1994 e 2004, numa população que cresceu 16,5%. A maioria vai para
o arquivo morto da impunidade: só 10% dos crimes são penalizados. Mata-se, rouba-se, desvia-se
dinheiro público e ninguém é punido. (revista) // [obs: sem hífen no Aurélio]
arraia-miúda (gente da ralé, sem expressão, pessoa sem importância) ex: Dos 40 e tantos presos na operação
navalha, soltaram mais de 30 políticos e juízes. sobrou a arraia miúda. // [obs: com hífen no
Aurélio]
arrancar aplausos (provocar aplausos) – ex: A apresentação arrancou aplausos do público. (TV)
arrancar o couro / tirar o couro (explorar financeiramente) ex: Esse governo a cada dia inventa um imposto
novo pra arrancar o couro da gente. // [obs: ver também de tirar o couro, que tem outro significado
(apesar de próximo) e outra sintaxe]
arrancar os cabelos (usa-se para indicar que a pessoa está desesperada) – ex: Na praia, o menino sumiu, e a mãe
ficou arrancando os cabelos, procurando de um lado para o outro.
495
arranca-rabo (confusão, discussão, briga, desavença, bate-boca, conflito) ex: em casa, de vez em quando,
tem uns arranca-rabo toda família tem. / me dizendo que quase teve arranca-rabo? (novela TV)
// [obs: com hífen no Aurélio]
arranca-toco (diz-se de jogador bruto, com chute violento) // [obs: com hífen no Aurélio]
arranha-céu (edifício muito alto) ex: Eles moram em uma cidade e trabalham em outra. Não por obrigação,
mas por escolha própria. Trocaram os arranha-céus e as casas cercadas de concreto em Belo Horizonte
por moradias espaçosas, com área verde, piscina, cachoeira, campo de futebol, ar puro, segurança e,
sobretudo, tranqüilidade. (revista) / Um avião e um arranha-céu com o qual ele se choca, destruindo-se
ambos mutuamente, compõem a imagem da “modernidade” devorando e aniquilando a si própria.
(revista) // [obs: com hífen no Aurélio]
arranhar o violão (tocar violão, sem a pretensão de tocar muito bem) – ex: Eu não sou nenhum grande
instrumentista, mas de vez em quando arranho o violão numa festinha pra animar o pessoal.
arrasa-quarteirão (grandioso, de fazer furor, muito bonito) ex: Moda merece ser exposta em museu? (...) a
resposta em geral é sim. Especialmente no caso de uma exposição grandiosa como a inaugurada em SP
na semana passada, Fashion Passion - 100 Anos de Moda na Oca. Montada no estilo arrasa-quarteirão
das mostras organizadas pela empresa BrasilConects (...) (revista) / É na capa da revista Nova que
Flávia Alessandra, 33 anos, reedita o gênero arrasa-quarteirão, do qual, não nega, tem saudade. (revista)
/ Ao longo de duas cadas, a indústria farmacêutica figurou entre os segmentos de melhor retabilidade
fruto do sucesso de remédios como Prozac, Viagra e Topamax, entre outros. Mas os medicamentos
blockbuster, ou “arrasa-quarteirão”, que rendem bilhões de dólares aos fabricantes, estão para perder
(ou já perderam) suas patentes. (revista) // [obs: não registrado no Aurélio]
arrasar com a moral / acabar com a moral (deixar deprimido, abater, desanimar) ex: Aquele gol nos
primeiros minutos do jogo arrasou com a moral do time.
arrasta- (baile popular) ex: [O Brasil] Tem um na capoeira, outro no baião, outro no forró, onde tem
arrasta-pé. (propaganda de sandálias Havaianas revista) / No mês de junho começa a temporada de
forró, e Aracaju se prepara para muito arrasta-pé. (TV) // [obs: com hífen no Aurélio]
arrastar a asa / arrastar asa / arrastar as asas (demonstrar interesse em namorar, cortejar, paquerar diz-se
quando alguém se insinua romanticamente ou sexualmente para outra pessoa; demonstrar inclinação)
ex: Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam
longos meses debaixo do balaio, e se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar
em outra frequesia. (crônica Antigamente de Carlos Drummond de Andrade) / Acho que o Heleno está
arrastando a asa pra Priscila. / Percentual ou porcentual? Você escolhe. Mas vale a coerência. Se se
sentir inclinado por porcentagem, arraste as asas para porcentual. (jornal) / A moça gosta mesmo é do
João, rapaz bom e bonito, mas de futuro incerto. Já o Pedro, que lhe arrasta uma asa colorida, é bem-
plantado na vida. (livro) / [Obama] É bom ouvinte, tem alma conciliadora e generosidade política. Até
arrastou asa para o legado de otimismo do ex-presidente Ronald Reagan, eterno ícone da direita
republicana. (revista)
arrebatar corações (encantar, fazer apaixonar) ex: Bonito desse jeito e com tanta simpatia ele deve arrebatar
corações.
arrebentar a boca do balão ([1] ser bem sucedido, destacar-se favoravelmente) ex: Fui muito bem na prova.
Arrebentei a boca do balão: acho que fechei a prova. / A X estava linda, e fez o maior sucesso na festa.
Arrebentou a boca do balão. / - Que raio de Denis Teen é esse? Perguntou o outro, curioso. A maior
promessa da TV nos últimos anos! O próximo astro da novela das oito, o sujeito que vai arrebentar a
boca do balão e o senhor não o reconhece? (crônica jornal) / Se inteligência for genético, a Alice vai
explodir a boca do balão. // ([2] estourar, tornando difícil agüentar) ex: A CPI os bingos volta à pauta
do Supremo Tribunal Federal no dia 22. Se o STF mandar instalá-la, aí é que a crise do governo vai
arrebentar a boca do balão. (jornal) / Essa é uma oferta de arrebentar a boca do balão.
arrebentar de rir / morrer de rir
(rir muito – intensificador)
496
arrebentar os tímpanos (causar mal-estar auditivo indica som muito alto) ex: Não sei porque estão com a
mania de botar o som tão alto nas festas. Essa barulheira é de arrebentar os tímpanos, não pra
conversar nem ouvir mais nada.
arredar o pé / arredar pé ([1] ceder) – ex: Eu penso assim e pronto. Eu não vou arredar o pé, não vou mudar de
opinião. / Ele aceitou e arredou depois que eu provei por A + B que ele tava errado. / Robert não
arredou pé. (TV) / Acusados de racismo e truculência, o grupo Minutemen não arreda pé. (TV) // ([2]
sair do lugar) ex: Ela ficou do lado dele noite e dia, sem arredar o da cabeceira da cama. / Nessas
férias, eu não vou arredar de casa. / Quanto à família, ele sempre cita frases da mãe, E. R., que mora
na Bahia, de onde não arreda o para ficar perto dos outros filhos. (revista) / O grupo majoritário não
arreda o e não se afasta do poder. (rádio) / A moçada não arredava da pista nem do lounge,
indiferente ao nascer do sol. (revista) / Junto ao conviva, porém, estava sentado um grande cão
dinamarquês, que, durante todo o jantar, não arredou pé do local, olhando fixamente o hóspede. (livro) /
O abutre está desconfiado. Mas Mike não arreda pé. (TV) / Renan reiterou que não pretende renunciar à
presidência do Senado ao afirmar que não “arreda o pé” do cargo. (jornal) / Renan disse que não
arredaria o pé da presidência e fez ameaças veladas. (revista)
arregaçar as mangas (dar-se ao trabalho, pôr-se a trabalhar) ex: Chegou a hora de os barbudinhos do neo-PT
abrirem mão de frases de efeito, arregaçarem as manguinhas e mostrar serviço. / Juntos, trade turístico e
órgãos de comunicação temos de arregaçar as mangas e trabalhar para adaptar o sonho ao bolso,
fazendo com que cada vez mais brasileiros viajem pelo Brasil. (revista) / O grupo analisou os resultados
obtidos e arregaçou as mangas em busca de soluções. (jornal Boletim UFMG) / “O Lula está com a
manga arregaçada. É um candidato em campanha”, disse a VEJA um ministro próximo ao presidente.
(revista) / Passado o susto, Duxbury e sua equipe de 180 cientistas agora arregaçam as mangas para
cortar as amostras trazidas do espaço em partículas ainda menores para analisá-las com a ajuda de
microscópios especiais. (revistas) / Jovem e dinâmico, Gustavo Valadares já arregaçou as mangas e
pode ser mesmo candidato a prefeito de Belo Horizonte. (revista) / Não será suficiente criticar o
neoliberalismo, terás que arregaçar as mangas. (jornal) / Precisamos arregaçar as mangas e pôr em ato
uma revolução de costumes. (jornal)
arregalar os olhos (abrir muito os olhos) / olho arregalado (olho muito aberto) ex: Minha mãe arregalou os
olhos. (livro) // [obs: “arregalado” não existe sozinho: a única coisa que arregala é olho; o verbo
arregalar é uma colocação só usada com a palavra olho]
arrepender amargamente / arrepender-se amargamente (arrepender muito intensificador) ex: Se você
comprou uma impressora Epson, vai se arrepender amargamente.
arrepender-se da hora em que nasceu (arrepender-se profundamente)
arrepiar carreira / arrepiar a carreira (ir embora) – ex: Já são 6 horas, então está na hora de arrepiar carreira.
arrimo de família / arrimo da família (pessoa que provê o sustento da família) – ex: Dos pais falecidos, herdou
um pedaço de terra que teve que dividir com os seis irmãos. Filho mais velho, virou arrimo da família.
(crônica em jornal) // [obs: sem hífen no Aurélio]
arriscar a pele (arriscar-se, arriscar uma posição / arriscar a vida) ex: Eu é que não vou arriscar a minha pele
pra defender ele. / Jovens de 18, 20 e poucos anos arriscam a pele pelo interesse egoísta de um
governante e seus aliados. (jornal Internet)
arriscar a sorte (jogar jogos de azar) ex: A Zefinha nunca compra bilhete de loteria, mas toda semana arrisca
a sorte no bicho.
arrotar grandeza / arrotar valentia / arrotar importância (contar vantagem, vangloriar-se)
arroz-com-feijão / feijão-com-arroz (o trivial, coisas simples, coisas comuns) ex: Ela não é muito entendida
do assunto não, sabe assim o arroz-com-feijão. / O que mais haverá entre a Finlândia e o Piauí? É
simples, ambos praticam a teoria do feijão-com-arroz educativo. (revista) / Mas, esquadrinhando o
mundo em busca dos sistemas educativos que deram certo, vamos descobrir que são simples, óbvios e
robustos. Praticam o feijão-com-arroz da educação. (revista) // [obs: não registrado no Aurélio]
497
arroz-de-festa (pessoa vista em todos os lugares, que se encontra sempre) // [obs: com hífen no Aurélio]
arroz-doce (doce feito com arroz e leite condensado) // [obs: com hífen no Aurélio]
arrumar neném (engravidar) ex: O médico disse que ela vai ter de fazer um tratamento se quiser arrumar
neném.
art nouveau (estilo do início do século XX) ex: Muitas construções em Miami são em estilo art nouveau. //
[obs: sem hífen no Aurélio]
arte dramática (teatro) // [obs: sem hífen no Aurélio]
arte-final (montagem de um projeto gráfico) // [obs: com hífen no Aurélio]
artes marciais (técnicas e movimentos corporais para defesa e ataque)
artes plásticas (arte com elementos visuais: desenho, pintura, gravura, escultura, etc) / artista plástico // [obs:
sem hífen no Aurélio]
árvore de Natal (pinheiro natural ou artificial iluminado com bolinhas coloridas ou lâmpadas pequenas) // [obs:
sem hífen no Aurélio]
árvore genealógica (representação da família, relação de ascendentes e descendentes e demais familiares,
geralmente representada graficamente) ex: O parente afastado é a pessoa cujo grau de parentesco
situa-se longe na árvore genealógica. // [obs: sem hífen no Aurélio]
às alturas (em posição muito alta) – ex: A chuva castigava a tarde paulistana, enquanto o termômetro chegava às
alturas num apartamento no bairro do Paraíso, em São Paulo. (revista) // [obs: sempre no pl.]
às avessas (ao contrário) ex: Ele entende tudo às avessas. / Se houve uma seleção lexical, ela foi feita às
avessas: em vez de incluir uma nomenclatura de itens lexicais mais recentes na língua, a escolha recaiu
quase que exclusivamente sobre palavras arcaicas. / Daniel A. S., de 23 anos, anda na contramão da
rotina equilibrada de estudos apregoada por professores. Com ele, a fórmula às avessas deu certo.
“Tenho um ritmo de estudos meio louco. Pego três dias direto, dia, noite, madrugada, indo à estafa.
Depois tiro um dia inteiro para descansar, namorar, malhar e ir ao cinema. (revista) // [obs: notar que a
palavra a avessa / as avessas não existe fora dessa expressão]
às cegas ([1] sem conhecer os problemas envolvidos, sem ver as ameaças) ex: Eu sei que vamos encontrar
muitas dificuldades. Eu não estou fazendo isso às cegas. [isso= pedindo ela em casamento] (TV) /
Aqui tem uma lombada e não dá pra gente ver se tem carros vindo; a gente entra nessa rua às cegas. / O
resultado disso é que a progressão de pena é concedida automaticamente, às cegas. (revista) // ([2] pra
tudo quanto é canto) ex: O fulano foi atirando às cegas, pra todo lado. // [obs: 1. *às mudas; *às
surdas / 2. feminino e plural]
às claras (abertamente, explicitamente, sem esconder nada) ex: Ele falou às claras, sem rodeios. / O que
acontece é que nem tudo é dito explicitamente; nem tudo é colocado às claras – e nem é preciso, porque
sabemos deduzir e completar o que não está no texto. (livro de lingüística) // [obs: sempre no feminino]
as coisas estão pretas / as coisas ficaram pretas (a situação está péssima, a situação piorou muito)
às custas de / à custa de (através, por meio de, graças a)ex: Perigoso traficante de drogas consegue dinheiro e
poder às custas de muito sangue (TV) / O regime da maioria sobre as minorias se mantém à custa da
publicidade e da política do ‘toma-lá-dá-cá’ nunca dantes imaginados. (jornal) / Assim, a vida familiar
precisa ser edificada dia a dia, à custa de conversa, ajuste e adaptação. (revista) / Em outras palavras,
nossas guias deixam de lado, em parte, a questão da economia (ou simplicidade), concentrando-se no
objetivo mais modesto de descrever os fatos sistematicamente, ainda que à custa de repetições, e ainda
que deixando escapar generalizações. (livro de lingüística) // [obs: (1) não existe a palavra *custa (nome
fem. sing.) fora desta expressão; em questões jurídicas usa-se pagar as custas do processo (nome fem.
plural) / (2) ver também a expressão “viver às custas de alguém”, com outro sentido]
498
às escondidas espreita)
às claras ex: mais de um ano no ar, o Repórter Vesgo interpretado por
Rodrigo Scarpa, e o Sílvio Santos, imitação feita por Wellington Muniz, não precisam mais se
preocupar em penetrar às escondidas nas festas dos famosos. (revista) / Romance às escondidas (titulo
de artigo de revista) // [obs: pl!]
às escuras ([1] com a luz apagada) ex: A casa estava às escuras. // [obs: feminino plural!] // ([2] sem saber
onde ir) – ex: Nessa tese eu estou totalmente às escuras, sem saber que rumo tomar.
às expensas (às custas) – Ele vive às expensas da família.
às favas : modéstia às favas / mandar às favas (indica a intenção de desistir, abandonar, jogar pro alto,
desconsiderar) ex: Eu errei porque devia ter agido com bom senso e mandar às favas as exigências
sem sentido da CAPES e do CNPq. / Eu cheio de trabalhar lá. Tinha vontade de mandar tudo às
favas. / uma carta, à qual VEJA teve acesso, em que dois diretores do IRB, em texto manuscrito,
mandam às favas as ponderações técnicas contrárias à Assurê de Brandão. (revista) / Cansada de tudo,
mandou os maridos às favas; o primeiro cujo casamento durou dois anos e o segundo, nem isso.
(crônica em jornal) / O presidente Lula rendeu-se, sem entrar no mérito, à gica do mercado e mandou
às favas o que restava de sua origem partidária. (revista) // [obs: no plural!]
às mancheias / a mancheias (em grande quantidade, em abundância) ex: Ditador igual ao Sadam tem às
mancheias. / Livros a mancheias (artigo em revista científica – UFMG)
as más línguas (quem fala mal dos outros) – ex: Dizem as más línguas que ele roubou adoidado enquanto estava
no cargo. / As más línguas dizem que manter Serra na prefeitura é tirá-lo do caminho de duas disputas:
a do governo do Estado de São Paulo e da Presidência de República. (revista) // [obs: sempre no plural]
às mil maravilhas (muito bem intensificador) ex: Tudo sempre funcionou às mil maravilhas. / Não estou
dizendo que para ele tudo são flores e que a vida sempre lhe vai às mil maravilhas. Muito pelo
contrário. Como todo mundo, de vez em quando ele sente o gosto amargo da vida, conhece
contingências ásperas, o dinheirinho mingua, doença na família, o seu time perde, o carro deu o prego.
(livro) / O tema será o mesmo: o apagão aéreo, que desde a queda do Boeing da Gol, no ano passado,
expôs à opinião pública os problemas crônicos do setor. Pelo menos é o que alega a oposição ao ouvir
as queixas dos controladores de vôo, segundo os quais falta de tudo um pouco, como se aa queda do
Boeing tudo estivesse às mil maravilhas. (revista)
às moscas (vazio) : ficar às moscas / ficar entregue às moscas / andar às moscas / viver às moscas ex: Nunca
vai ninguém nesse restaurante. Ele fica lá às moscas todo dia. / Se tudo isso já beira o absurdo, o quadro
se complica ainda mais quando o leitor / eleitor fica sabendo que, em que pese todos os benefícios, a
Câmara Federal ficou às moscas, na sexta feira 16, primeiro dia de “trabalho” nesse recesso regiamente
remunerado. (revista) / Na hora de decidir sobre o fim do voto secreto, o plenário da mara ficou às
moscas. (TV) / Nessa época do ano, o Hotel Continental vive praticamente às moscas. (livro) / Uma
hora depois da partida o bar está quase às moscas. Ainda a remoer a derrota, N. P. L., de 27 anos, tenta
arregimentar companheiros para afogar as mágoas em outro bar. (revista)
ás na manga (trunfo, vantagem) : ter um ás na manga ex: Ele disse que vai contar tudo e vai mostrar o ás que
ele tem na manga.
às ocultas (às escondidas, na moita, nos bastidores)
às ordens : estar às ordens (indica que a pessoa aceita ajudar, que se coloca disponível para executar uma ação )
ex: Estarei às ordens sempre que você precisar de ajuda. / - Obrigada - Às ordens. / Para esse tipo de
serviço, estou sempre às ordens. (e-mail)
às pampas / às pamparras (muito, em grande quantidade)
às pencas (muito, em grande quantidade) ex: Gol às pencas na primeira rodada. (TV) / Fala-se muito em
carisma: a palavra, além de vaga, foi esvaziada pelo seu uso excessivo e confuso. Pode ser uma aura de
força e sabedoria, justiça e retidão, a fraqueza ou alguma loucura humana, que temos às pencas,
expostas em público. (revista) / Quem somos nós para falar mal da pena de morte nos outros países,
quando deixamos matarem pessoas às pencas, inclusive inocentes? (revista)
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às portas : (prestes a, à beira de; indica situação que está quase acontecendo) ex: Estamos às portas de uma
epidemia de dengue. (TV) / Quando estava às portas da morte, acabou confessando o crime. // [obs:
“portas” sempre no plural]
às pressas (apressadamente) ex: Ator é operado às pressas em Portugal. (jornal internet) / Diante da crise, o
governo pôde revelar mais uma vez toda a sua incompetência. Na noite de sexta-feira, montou às
pressas seu gabinete de crise: reuniram-se no Palácio do Planalto o novo titular da pasta de
Comunicação, F. M., o chefe-de-gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, e o ministro do Planejamento, P.
B. (revista) / Horrorizada, o seu “gato” nu pulando às pressas da cama atrás de um rato surgido do
nada. (crônica em jornal)
às próprias custas (por experiência própria, a partir do sofrimento pessoal) ex: A vida vai ensinar. Ele vai
acabar aprendendo às próprias custas.
as raias de (perto de, nos limites de – indica a chegada a um ponto considerado extremo) – ex: Elas [as crianças]
desempenham na cena enunciativa papéis inusitados e tecem redes de intencionalidades que chegam às
raias do absurdo. (tese) / As relações com o esquema dominado por Marcos Valério ultrapassa as raias
do administrável e, certamente, num dia qualquer, por conta de uma falha, um esquecimento, uma
descortesia ou por uma mera necessidade de sobrevivência de um dos “abandonados”, fugirão ao
controle dos bombeiros do presidente. (jornal) / Estudei muito, li muito, tudo muito, beirando as raias
do exagero. (e-mail) // [obs: sempre pl.]
às turras (brigando) ex: Nós vivemos às turras. / Acontece que Aquiles considerado o maior guerreiro da
Terra vive às turras com dois monarcas gregos. (livro) / O treinador vivia às turras com o presidente
do clube. (TV) / Eu estou sempre às turras com a nomenclatura. (aula de lingüística)
às últimas conseqüências : chegar até as últimas conseqüências / levar às últimas conseqüências (levar adiante
uma investigação, procurar incessantemente) – ex: Eu não vou desistir, vou chegar até as últimas
conseqüências. / Acusada, a Polícia Federal tomou-se de brios. Para preservar a “boa imagem” que
julga ter construído, a instituição quer levar a apuração às últimas conseqüências. (jornal)
as uvas estão verdes (diz-se quando se sabe que uma pessoa quer uma coisa, mas ela finge não querer) – ex: Ela
disse que não gosta do Marcelo não? Mas ele é um gato! É, as uvas estão verdes...
às vezes ([1] de vez em quando, em algumas ocasiões) ex: Adolescentes são assim mesmo, às vezes mentem,
às vezes pisam na bola. (TV) / Prova de que a política, às vezes, apenas muda o sobrenome, mas tudo
continua igual, incluindo os fantasmas de sempre. (revista) / Às vezes, por uma coisinha de nada, a
raiva brota do imo da gente. (revista) / Nem mortas admitimos que o sonho foi por água abaixo. Diante
da perspectiva de começar de novo, às vezes optamos por seguir em frente e fazer de conta que nada de
ruim está acontecendo. (revista) / Cara de bobo, alma de palhaço, às vezes é até preferível a gente
esconder que caiu num logro, no conto do vigário. (livro) / Aceito e aceitei até hoje depois de muita
insistência, às vezes para não ofender. (jornal) / Aprendi que as maiores alegrias e os maiores
sofrimentos às vezes m embolados em uma coisa (aquela velha máxima do padecer no paraíso).
(livro) / Saía de madrugada distribuindo garotos, às vezes cada um em um bairro diferente. (crônica em
jornal) // ([2] talvez, eventualmente – sentido hipotético) – ex: Muitos pais que hoje têm filhos em idade
escolar sentiram na carne a dor pela separação litigiosa de seus pais e foram testemunhas e às vezes
também pivôs – de brigas ferozes entre eles. (revista) / Não chora não, às vezes ele ainda vem.
às vistas / à vista (diante) ex: Ele fez isso às vistas de todos. // [obs: ver também com vistas, com sentido
diferente]
às voltas (envolvido) : estar às voltas com / ver-se às voltas com (estar envolvido, enfrentando com dificuldade)
// [obs: sempre no pl.] ex: Estou às voltas com essa reforma um mês. / Não posso ficar às voltas
com ela. (TV) / A Caixa Econômica Federal na semana passada estava às voltas com seu “planejamento
estratégico participativo”. (revista) / O país está às voltas com uma das suas piores crises políticas,
envolvendo o PT, a Câmara dos Deputados e diversos partidos da base aliada. (revista) / Vilma Faria
aposta em virada e Garibaldi se vê às voltas com denúncias. (revista) / Aprendi todas as línguas
estrangeiras que falo na adolescência ou idade adulta e sei quanto custa assenhorar-se de uma gramática
alheia. Ando agora às voltas com o árabe. (crônica) / Muitas instituições do terceiro setor foram
compelidas a reduir o seu quadro e as estruturas operacionais e se viram, mais uma vez, às voltas com
500
maiores exigências em questões de eficiência e desenvolvimento organizacional. (tese) / Para quem está
tão longe do universo infantil, pode ser um choque cultural e tanto ver-se novamente às voltas com
parques, palhaços e afins. (livro) / Ando agora às voltas com o árabe, idioma cuja grande dificuldade só
reforça o meu desejo de poupar Ian e David das agruras de aprender outras línguas. (crônica) / Muitas
instituições do terceiro setor foram compelidas a reduzir o seu quadro e as estruturas operacionais e se
viram, mais uma vez, às voltas com maiores exigências em questões de eficiência e desenvolvimento
organizacional. (jornal) / Nenhuma empresa de porte médio hoje sobrevive sem planejamento, imagine-
se um país. Por isso estamos às voltas com a dengue, ceifando vidas a cada ano em crescimento
assustador, estamos sob a ameaça de colapso no fornecimento de energia, em que nem as obras
libberadas como Angra 3 e Santo Antônio conseguem sair do papel. (revista) / Depois dos Monteiro de
Carvalho, outra família da alta-roda se vê às voltas com um processo de reconhecimento de partenidade.
(revista)
asa-delta (asa de forma triangular utilizada para vôo livre) ex: Na quinta-feira (3), as duas repetiram a visita e
aproveitaram para ir ao Soarin, um simulador de vôo de asa-delta sobre as paisagens da Califórnia.
(revista) // [com hífen no Aurélio]
assalto a mão armada (com armas de fogo) ex: Quando aumentam as demissões, sobe o índice de assaltos à
mão armada nos ônibus. (revista) / Um bom exemplo de descaso é o de J. R. N., peso em Iaras, São
Paulo, há vários anos por assalto a mão armada. (revista)
assassino serial (tipo de assassino que mata várias pessoas ao longo do tempo, com as mesmas características,
isto é, com o mesmo modus operandi) – ex: Mais de 1 300 homens, entre líderes de gangues, assassinos
seriais e presos considerados ameaça para outros presos, habitam essa unidade especial do complexo
penitenciário tido como um dos mais seguros dos Estados Unidos. (revista) // [obs: não registrado no
Aurélio]
assentar a cabeça (ficar ajuizado, amadurecer) ex: Esse menino quer saber de diversão. Ele precisando
assentar a cabeça.
assim assado / assim ou assado / assim e assado (diz-se quando não se sabe definir, desta ou daquela maneira)
ex: É um samba assim assado. / Ele vai falando que a fruta chama assim, assim e assado...
(conferência de lingüística) // [obs: a respeito de assim ou assado, ver outro significado no verbete nem
assim nem assado]
assim assim ([1] mais ou menos) ex: - Gostou? Assim assim. // ([2] assim assim = assim assado : modo de
explicar como foi feita uma descrição sem explicitar os detalhes) ex: Ele disse que chegou aqui uma
pessoa assim assim perguntando por você.
assim como (da mesma forma que, como também) // [obs: a palavra assim é um expletivo, um item que poderia
ser retirado sem alteração nem na sintaxe nem no sentido] – ex: Será que isso seria indício da
incorporação da expressão e da sua adoção pela língua portuguesa, assim como aconteceu com
“abajur”, “menu”, “futebol” e outras tantas?) (revista) / Assim como o poeta é grande se sofrer, não
você sem mim, eu não existo sem você. (música) / Como sua mãe, se afeiçoou muito ao meu irmão
Paulo, que, para chamá-la, bastava dar um assovio que vinha correndo, assim como acontecia com
nossa arara Rosinha, o macaco Chico e nosso arsenal de vira-latas. (crônica em jornal) / Por exemplo:
correr de uma sucuri, da largura de um disco vinil e 4 metros de comprimento, definitivamente não
estava nos meus planos. Assim como passar o dia inteiro numa enseada à espera de um jacaré que
acabou não dando as caras. (crônica em jornal) / Mas, assim como Rocha, nem tudo foram flores em
sua vida. (revista) / Assim como desço o pau, também posso louvar. (rádio) / Quase ao mesmo tempo
em que o comunismo crescia (em 1917, na Rússia, uns 100 milhões de pessoas; em 1949, na China, 1
bilhão), o capitalismo, sempre esperto, inventava e assumia, assim como quem não quer nada, o
primeiro grande símbolo comunista universal e perene, o Blue Jeans. (crônica em revista) / Carequinha,
falante, fala em dinheiro assim como se fosse uma coisa que caísse do céu. (revista) / As leis, bonitas de
se ler, são omissas, falta a muitas (propositadamente) regulamentação, permanecem assim como contos
de fada envoltos em névoas que apenas os mais espertos conseguem enfrentar. (jornal)
assim espero
(indica expectativa de que algo se cumpra) // [obs: ordem fixa: *espero assim]
501
assim mesmo ([1] exatamente do modo relatado) ex: Foi assim mesmo, falando sério. / Adolescentes são
assim mesmo, às vezes mentem, às vezes pisam na bola. (TV) / O Manuel é mais caladão assim mesmo,
ele não é muito de conversa. / Aconteceu assim mesmo, sem tirar nem pôr. // ([2] apesar disso) ex:
Com 16, 17 anos, eu e uma amiga caímos na besteira de voltar de uma festa na Pampulha de carona. O
motorista já havia ultrapassado sua cota de bebida e nós, ingenuamente, entramos no carro assim
mesmo. (crônica em jornal) / Voé muito cabeça dura: a gente fala pra não fazer e você faz assim
mesmo. / Se é proibido virar, ele vira assim mesmo. Ele vive fazendo baianada. / Mesmo que você não
se interesse muito pelo assunto, vem assim mesmo só pra fazer número.
assim não dá! (desse jeito é impossível) // [obs: o verbo “dar” é intransitivo nessa expressão] ex: Muitos
exemplos poderiam ser lembrados de orações em que a oposição sujeito-predicado não se aplica, como
[...] e outras em que um pensamento completo se diz por meio de uma seqüência de palavras [...] : (5)
Assim não dá. (livro Semântica, Ilari e Geraldi, p. 9) / O governo providencia o mar, as ondas, a aurora,
o poente e nas noites de verão o luar e as estrelas, e tudo isso de graça? Assim não dá. (texto de peça
musical)
assim que (logo que, imediatamente depois) ex: Assim que ele chegar, me avise. / Ela foi visitar a Basílica,
assim que chegou em Assis. / O repórter D. E. contou que assim que recebeu a notícia de que tinha
aparecido o famoso cheque o presidente da mara olhou para o chão e não disse nada.[...] (revista) /
Assim que o estojo do desfibrilador é aberto, um comando de voz indica passo a passo o que fazer.
(revista) / Dizem que esses parlamentares, depois que saem da comissão, vão para casa e, como estão
com fome, vão direto para a geladeira. Assim que abrem e a luz acende, discursam a plenos pulmões.
(jornal)
assim seja! (amén, deus o queira - indica desejo de que aconteça o que foi dito anteriormente)
assino embaixo (sim indicação de concordância, resposta afirmativa) ex: Votem toda a razão. Assino
embaixo. / Queria dizer também que não sou petista, que assino embaixo do que diz sobre a esquerda
no Brasil e no mundo e que acredito que boa arte pode, sim, ser feita em nosso país. (revista) // [obs: a
EF não foi listada no infinitivo, como assinar embaixo, porque geralmente é usada na primeira pessoa e
não se modifica em tempo e modo]
assistência técnica (loja credenciada pela fábrica) ex: Mandei minha lava louça pra consertar na assistência
técnica. // [obs: não registrado no Aurélio]
assistente social (profissional que atende pessoas com necessidades ou problemas de convivência na família ou
na sociedade) // [obs: sem hífen no Aurélio)
assistir de camarote / assistir de palanque (presenciar uma cena sem agir, sem participar, sem tomar
providências; assistir como espectador, sem tomar parte) ex: Estamos à frente de uma insanidade, de
um desperdício de R$600 milhões num país pobre e injusto, de uma jogada de marketing do ex-
candidato Lula que prometeu diminuir a criminalidade e, ao contrário, assistiu de camarote a sua
escalada vertiginosa. (jornal) / O PMDB assiste de camarote ao acirramento da briga entre o PT e o
PSDB. (jornal)
assobiar e chupar cana / assoviar e chupar cana (fazer duas coisas opostas ao mesmo tempo)
astro-rei (sol) ex: Heloísa Helena quer que nova legenda seja batizada com o nome do astro-rei. // [obs: não
registrado no Aurélio]
ataque de nervos (stress, chilique, sensação de nervosismo) ex: Reforma ministerial muda de feição a todo
momento e deixa ministros e candidatos a ministro à beira de um ataque de nervos. (revista) / Sou uma
autêntica mulher à beira de um ataque de nervos. (revista)
ataque fulminante (mal súbito que mata) – ex: O jogador teve um ataque fulminante e morreu ainda em campo.
até a alma (muito intensificador) ex: Encontraria um clima de velório entre trabalhadores que padecem de
salários atrasados e teria dificuldade em fixar os olhos de empresários que sobrevivem à base de
lexotan, devendo os tubos de dinheiro a fornecedores, além de protestados na praça e inadimplentes
com impostos e contribuições não bastasse o coquetel mortífero de dificuldades, desprovidos até a
502
alma de capacidade de negociação ou de sonhar uma alternativa que não seja fechar a fábrica e
dispensar os empregados. (jornal)
até a raiz do cabelo (muito intensificador) : dever aa raiz do cabelo / estar atolado até a raiz dos cabelos /
ficar vermelho até a raiz do cabelo ex: Com esse negócio comprar com cartão, a gente acaba devendo
até a raiz do cabelo.
até a vista (até logo – clichê situacional: saudação de despedida)
até aí morreu o Neves (isso não é novidade)
até amanhã (tchau – clichê situacional: saudação de despedida]
até as orelhas (completamente, da cabeça aos pés) – ex: As abelhas cobriram o homem inteirinho, até as orelhas.
/ O Congresso Nacional pouco ou nada vai fazer para apurar as bandalheiras em obras públicas, poucos
se salvariam. Tirando dois ou três partidos, o resto está comprometido até as orelhas com verbas de
empreiteiras. (jornal)
até breve! (até logo, até daqui a pouco – clichê situacional: saudação de despedida)
até certo ponto (não muito, não totalmente) – ex: Até certo ponto você tem razão. / Talvez a resposta às dúvidas
dos casais seja, até certo ponto, simples. Tolerar demais e engolir as queixas é tão mortífero quanto
discutir a relação sem parar. (revista)
até debaixo d’água / até embaixo d’água (incondicionalmente, totalmente, muitíssimo) ex: Ele é uma pessoa
honestíssima; ponho a mão no fogo por ele; acredito nele até debaixo d’água. / Ele é gente fina, amigo
até debaixo d’água. / Que ele nos “dê pano pra manga” e nos “ofereça o caminho das pedras”, conforme
sonhou seu mentor, Antônio de Abreu Rocha, Gramático e Professor “até debaixo d’água”. [sic] (artigo
em revista de lingüística) / Muito melhor seria que chovesse flores, ou então chuva mesmo, chuva a
cântaros, porque com a Margarida eu danço até debaixo d’água. (livro) / Você é um golpista. Deve
mentir até embaixo d’água. (TV)
até dizer chega (em grande quantidade intensificador) ex: Ele comeu e bebeu até dizer chega e depois ficou
passando mal, com o estômago embrulhado. / Onde você estava? telefonei pra até dizer chega e
ninguém atendeu.
até logo / até loguinho (tchau, até breve clichê situacional: saudação de despedida o sufixo diminutivo traz
afetividade à expressão) ex: A meu ver, é grande a diferença entre o conteúdo do até logo e do adeus.
[...] Vejo muita gente que prefere o adeus à vivência da ansiedade do até logo, em especial por não se
saber ao certo quando ocorrerá. Percebi a força aversiva do até logo. (revista)
até mais (até logo, até outro dia clichê situacional: saudação de despedida) // [obs: diferentemente da EF até
mais ver, a EF até mais é usada na língua oral]
até mais ver [L.E.] (até logo, até outro dia clichê situacional: saudação de despedida) – ex: Até mais ver. (TV)
// [obs: EF não freqüente na língua oral, encontrada geralmente só na língua escrita]
até mesmo (inclusive) ex: Os seres humanos carregam consigo o medo de serem dominados e tendem a
defender a sua individualidade. Num casal, a tendência se revela até mesmo em pequenas disputas,
como aquelas sobre a melhor maneira de manipular o creme dental. (revista) / Deus deu à mulher a
fortaleza que lhe permite continuar a cuidar de sua família sem se queixar, apesar das enfermidades e do
cansaço, amesmo quando outros entregam os pontos. (texto sobre as mulheres) / Com mais facilidade
do que na Câmara, a oposição conseguiu o número regimental de apoios, buscando assinaturas até
mesmo na base governista, sobretudo no PMDB, e foi à luta. (revista) / Os regatões sefardistas
traziam a família para o Brasil ou se casavam com judias depois que acumulavam dinheiro. No meio-
tempo, faziam como os portugueses: amancebavam-se com índias, caboclas e até mesmo mulheres
brancas católicas. (revista) / Em que pese ao estardalhaço das sessões iniciais das Comissões
Parlamentares de Inquérito instaladas no Congresso, e até mesmo do resultado que elas produziram,
desde a descoberta do poderoso esquema de corrupção até a cassação de mandatos, o país avançou
pouco na profilaxia do organismo político que, de certa forma, permitiu essa confusão. (revista) / Erros
503
crassos poluem as placas rodoviárias. A erva daninha está espalhada pelo País inteiro e amesmo em
certos veículos de comunicação. (jornal)
até não poder mais / até não mais poder (muito – intensificador) – ex: A polícia pegou ele e ele entrou no pau:
deram cacete nele até não poder mais. / O professor apresentou o palestrante e elogiou ele até não poder
mais - pôs o fulano nas nuvens. / Você passou bem na festa, né? Comida até não poder mais. / Na
publicidade, ele reina absoluto. Páginas inteiras com anúncios em letras garrafais seduzem até não mais
poder. (crônica em revista) / O BC foi conservador até não poder mais, porque é uma ilha de
racionalidade dentro de um governo desmantelado. (revista)
até o osso (até o fim) – ex: Ele explorou o assunto até o osso.
até o pescoço : estar até o pescoço (estar atarefado, estar cheio de trabalho) ex: Estou até o pescoço de coisas
pra fazer. / Tenho serviço pra fazer até o pescoço. (TV) / Agora é tarde pra voltar atrás. Estou enrolado
até o pescoço. (TV)
até o último fio de cabelo (completamente, totalmente intensificador) ex: Ele está comprometido até o
último fio de cabelo. (rádio)
até onde posso ver / até onde entendo (na minha opinião - expressão que serve para amenizar a afirmativa)
ex: Essa proposta, até onde posso ver, é a melhor de todas. / Até onde entendo, curioso é que ninguém
se intitula peguete. (crônica em revista)
até parece! (indica incredulidade, dúvida, discordância) – ex: - Eu te amo. – Até parece! (TV)
até porque (indica apresentação de uma causa adicional) ex: Temos leis em demasia, até porque elas não
modificam o homem. (revista) / O Cepo passará a ser referência na política brasileira com debates
relevantes. Bom, até porque Minas está na ordem do dia da agenda política do país. (revista) / Mas não
estou aqui para explicações técnicas, até porque não é esta a minha praia. (crônica em jornal) / O
cronista mete-se onde não é chamado, fala pelos cotovelos, sua opinião e evita ouvir a outra parte,
até porque tem opinião formada. (jornal) / “Não tem pessoa com a vida mais conhecida do que a
minha. Até porque minha vida foi cantada em prosa e verso.” (entrevista em revista) / Ora, os
conflitos políticos, como esse gerado pela consulta do Democratas ao TSE, que desembocou nessa mal
ajeitada fidelidade partidária, na verdade um monstrengo mal gestado, devem ser resolvidos na sua base
de origem e não nos tribunais, até porque não havia nenhum dano ao direito de outrem. (revista)
até prova em contrário (comprovação de posição divergente) ex: É que Aécio, embora não admita, é sério
candidato à sucessão do presidente Lula em 2010. Em princípio e até prova em contrário, pelo PSDB.
(revista) / Até prova em contrário, todos passaram a ser suspeitos de estar montados em cima de
créditos podres. (revista) // [obs: *prova em oposto / *prova do contrário]
até que a morte os separe / aque a morte nos separe (diz-se quando se deseja que duas pessoas fiquem
sempre juntas é principalmente fala de padre em cerimônia de casamento) ex: Estejam casados até
que a morte os separe. / Eu e meu noivo pensamos em ter filhos em breve, e tenho certeza de que o
Bremen será o melhor amigo deles. Somos, eu e Bremen, amigos até que a morte nos separe. (revista)
até que enfim (finalmente) ex: Até que enfim que você chegou! / Até que enfim terminou essa novela da tese.
Até que enfim eu posso tirar esse peso das costas. / Até que enfim! (título de artigo de revista) / Até que
enfim! Há tempos eu esperava que alguém tivesse a ousadia de falar abertamente do Foro de São Paulo,
quebrando a cortina de silêncio estabelecida há anos sobre o assunto. (revista – primeira frase do texto)
até segunda ordem (até que se prove o contrário, até que haja indícios de que não seja assim) ex: São pessoas
até segunda ordem idôneas. (rádio) / Até segunda ordem, só farão o que eu mandar. (TV) / Ele é o nosso
principal suspeito até segunda ordem. (TV)
atear fogo (botar fogo, acender o fogo) ex: Os agricultores ateiam fogo no mato e muitas vezes provocam
incêndios. // [obs: colocação – a única coisa que se ateia é fogo]
atirador de elite (policial atirador, de um grupo especial treinado para atirar com precisão)
504
atirar a primeira pedra / jogar a primeira pedra / atirar as primeiras pedras (condenar, falar mal) ex:
Quem acha que nunca errou, que atire a primeira pedra. / - Essa mulher pode participar de concurso de
beleza? - Quem não tem silicone que atire a primeira pedra. (TV) / Vou tornar evidente que aquele que
hoje me apontam o dedo em riste, aqueles que me atiram as primeiras pedras, aquele que resistem a me
escutar, não estão preocupados em apurar a verdade mas apenas em fazer sangrar a vítima diante dos
clamores de sangue e de vingança. (discurso de Severino Cavalcanti) / Ludovico Bruno está
moralmente obrigado a defender a prisão do filho? L. B. está perplexo e que atire a primeira pedra o
pai que, numa situação parecida, não caísse na perplexidade e vacilasse entre defender o filho e a
justiça. (revista) / Quem nunca foi traído pela curiosidade que atire a primeira pedra. [...] Como o desejo
de ver ou saber algo interessante é inerente ao ser humano, fica fácil para os chamados cibercriminosos
instalar um arquivo espião (spyware) na máquina e, a partir dele, roubarem informações diversas, como
senhas de bancos. (revista) / “Cada sapato conta uma história”, dizia Imelda Marcos, esposa do
ditador filipino Ferdinando Marcos, justificando sua famosa coleção de mais de três mil pares. E antes
de atirar a primeira pedra, é bom lembrar que grande parte das mulheres tem sua porção Imelda. / E
atire a primeira pedra quem nunca se entregou à gula, ao se deparar com seu prato predileto. (revista) //
[obs: essa EF é parte de outra EF, que é o provérbio “Quem não tem telhado de vidro que atire a
primeira pedra” / “Quem nunca pecou que atire a primeira pedra” – é uma reformulação do ditado]
atirar a sorte pela janela (desprezar uma oportunidade interessante)
atirar no (fazer mal a si próprio) – ex: Eu quero saber quem arquitetou essa obra de engenharia para atirar no
próprio pé. (revista, citando frase de Lula em que assume que se próprio partido estava por trás do
escândalo da compra de dossiê)
atirar pérolas aos porcos / dar pérolas aos porcos / jogar pérolas aos porcos / deitar pérolas aos porcos
[L.E.] (dar coisas preciosas a quem não sabe apreciar ou a alguém que não merece) – ex: Acho
bobagem você ficar dando tantas idéias interessantes pra esses alunos – é atirar pérolas aos porcos.
atirar-se de cabeça (dar tudo de si, entregar-se a um projeto) ex: E quem foi que deu aquele empurrãozinho
pra você, do alto do seu 1 metro e meio, convidar aquela gata pra sair? Ninguém mais, ninguém menos
do que eu, o ÃO. A força misteriosa que faz você se atirar de cabeça na vida. Que faz você pensar
grande. (propaganda – revista)
atirou no que viu e acertou no que não viu (acertar, mas através de resultados inesperados) A Haegeman
disse que preposição é classe aberta. Ela errou porque estava falando de preposição simples. Mas como
tem muita EF que é SPrep, no final das contas ela atirou no que viu e acertou no que não viu. / O ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso fez questão de dizer que suas intenções com a carta aberta do
dia 7, que abriu a crise no PSDB, foram mal interpretadas. É do seu estilo, mas a confusão que arrumou
só prejudicou a campanha de Geraldo Alckmin à Presidência da República. Pior, FHC atirou no que viu
e acertou no que não viu. (jornal)
ato contínuo (imediatamente, logo em seguida) ex: O Itamaraty brindou o respeitável público com uma tola
discussão sobre uma certa doutrina anti-Estados Unidos do governo Lula. O ministro das Relações
Exteriores, C. A., rechaçou a existência dessa doutrina. [...] Ato contínuo seu antecessor, o ex-chanceler
L. F. L., acusou-o de dissimular o viés anti-Estados Unidos do Itamaraty. (jornal) / O enterro nas
Bahamas, quase um mês depois, foi exibido em tempo real, da chegada do caixão enfeitado com
plumas e paetês ao aeroporto à cerimônia final no cemitério, que ato contínuo virou ponto turístico,
com tours organizados por agências. (revista) / Renato Augusto sofreu a falta e, ato contínuo, foi cobrar.
(TV) // [obs: parece SN, mas é advérbio] / [obs: sem hífen no Aurélio]
ato de contrição (arrependimento por ter errado)
ato falho (lapso ao falar, que supostamente indicaria a verdade escondida e revelaria algo sobre o falante) ex:
[comentário da frase de Lula “Estou pronto para a briga. Também vou entrar no tapume.”] Querendo
dizer tatame, numa confusão que o antropólogo Roberto DaMatta classificou de ato falho, que tatame
serve para enfrentar uma luta e tapume, para esconder alguma coisa. (revista) / Em ato falho, presidente
assume candidatura e cobra do PT “maturidade para saber a importância da reeleição”. (jornal) / O
presidente cometeu um ato falho ao mencionar a importância da reeleição. (TV) / “Toda vez que o avião
fecha a porta, entrego minha sorte a Deus”, disse o presidente Lula. O discurso foi um dos mais
desastrados, na longa série de discursos desastrados proferidos pelo mesmo orador. Reveladora como
505
um ato falho foi a afirmação da entrega da sorte a Deus quando viaja de avião. (revista) / Ouvindo
isso, assustados réus, num ato nada falho tiramos o tapete de nós mesmos e damos um jeito de nos
boicotar – coisa que aliás fazemos demais nesta curta vida. (revista) // [obs: nesse último ex. houve uma
“subversão” da expressão, que geralmente não aceita interposição] // [obs: sem hífen no Aurélio]
atrapalhar a escrita / estragar a escrita (intervir de forma errada) ex: Você não devia ter feito isso! Agora
você atrapalhou a escrita.
atrás das grades (na prisão) ex: A polícia pegou o ladrão e agora ele está atrás das grades. / Caberia, a meu
ver, ao Ministério Público penetrar nesses “bueiros” e colocar os réus, se não atrás das grades, pelo
menos para temer o pior para eles. (jornal) / Um homem como esse deixa de ser um perigo potencial
quando estiver atrás das grades. (livro)
atrás de [obs: não no sentido espacial] : estar atrás de / andar atrás de / continuar atrás de (procurar, estar à cata)
ex: Eu ando atrás de um livro sobre isso. / Acho que esses policiais estão atrás de arma. / Ele vai
continuar atrás de você, aconteça o que acontecer (TV)
atrás dos bastidores (escondido, por trás) – ex: O fulano é só uma figura decorativa, porque atrás dos bastidores
quem manda mesmo é o pai dele.
atraso de vida (um obstáculo desnecessáriodiz-se de coisa incômoda, não agradável) ex: Ficar preenchendo
esses formulários é um atraso de vida! / Na forma sonata tem de repetir o 1
o
movimento, mas tem gente
que acha que repetir é atraso de vida. / Estudar lá é um atraso de vida. / Religião é um atraso de vida.
através de (por meio de) ex: ex: Fica no ar a indagação, cuja resposta o povo brasileiro anseia, desde que
não seja através de ‘conversa mole para fazer boi dormir’: [...] (jornal) / Empresários, congressistas e o
escritório paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) elaboraram uma proposta conjunta para
impedir o governo federal de criar ou aumentar impostos através de medidas provisórias (MPs) (revista)
atravessado na garganta (diz-se com referência a pessoa ou coisa desagradável, que não se conseguiu aceitar
ou perdoar) – ex: Aquela mulher aprontou comigo. Eu estou com ela atravessada na garganta até hoje.
aumentar o tom (ser mais agressivo nas atitudes, mais incisivo, mais duro) abaixar o tom ex: - Não estaria
incorreta então a conclusão de que, ao menos nesse caso, a investigação terminará em pizza... Nós
vamos começar a aumentar o tom, a bater mais forte em relação a Duda. (revista)
aurora boreal (fenômeno atmosférico que ocorre nas regiões árticas)
auto-ajuda ex: Na estréia de Sílvia Poppovic na estatal, o quadro “Psicãonalista”, além de dicas de cozinha e
auto-ajuda. (revista) / Se antes os apresentadores instigavam a animosidade, agora eles dão uma de
gurus de auto-ajuda. Depois de desabafarem, as pessoas recebem conselhos ou seja, despeja-se sobre
elas um amontoado de lugares-comuns. (revista) / A ciranda de números despejada sobre o planeta
desde que começaram a chegar as primeiras notícias da grande tragédia [tsunami] soa vazia, oca, diante
da magnitude do desastre. Tem, no entanto, a qualidade de funcionar quase que como um mecanismo de
autopreservação emocional, uma auto-ajuda instantânea. (revista) // [obs: com hífen no Aurélio]
auto-escola (escola para ensinar a dirigir) ex: Quem dirige muitos anos vai ter de voltar para a auto-escola
pra fazer curso de primeiros socorros.
auxílio-natalidade (pagamento feito pelo sistema de previdência pública quando nasce um filho) // [obs: com
hífen no Aurélio]
avançar o sinal (fazer atos não autorizados, que ultrapassam a conveniência - sobretudo no campo sexual) ex:
Ele foi avançar o sinal, e acabou levando um tabefe da namorada. / Marina Silva tem, como cidadã, o
direito de professar a que bem desejar. [...] Ela, entretanto, avançou o sinal quando participou do 3
o
Simpósio sobre Criacionismo e Mídia, promovido pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo,
e, à saída, ainda deu uma entrevista na qual, no melhor estilo dos “neocons” dos EUA, sustentou que
visões de mundo criacionistas devem ser ensinadas nas escolas, para que os alunos possam decidir por
si mesmos. (jornal)
506
avant-première (“antes da primeira”; primeira apresentação de filme ou peça teatral, feita para um público
restrito, como críticos de arte, imprensa, etc = pré-estréia)
ave de arribação (ave que chega de passagem, em bando, em certas épocas) // [obs: sem hífen no Aurélio]
ave de mau agouro (pessoa mal encarada cujo aparecimento faz pressentir coisas ruins)
ave de rapina (ave predadora que come outros animais) ex: O gavião é uma ave de rapina. // [obs: sem hífen
no Aurélio]
ave-maria (oração católica) ex: Você tem de rezar 3 ave-maria e um pai-nosso de penitência. // [obs: com
hífen no Aurélio]
aventar uma hipótese (imaginar, propor uma hipótese)
aviar uma receita / aviar a receita (mandar fazer um remédio a partir da relação dos seus ingredientes) ex:
Ele [Jefferson] aviou uma receita para o comportamento daqueles que operavam nas estatais: “Quando
vocês fizerem qulaquer negócio, ajam primeiro em nome da empresa pública; depois olhem o interesse
da empresa privada que se relaciona com a empresa pública e, por fim, se puderem ajudem o partido
com doações legais.” (revista) / O remédio a ser aplicado é outro, e Jobim não tem formação acadêmica
para aviar a receita. (revista) // [obs: trata-se de uma coligação; a única coisa que se pode aviar é uma
receita]
avis rara (pessoa diferente, excêntrica, fora do comum) – ex: Avis rara (título de artigo em revista)
aviso aos navegantes (expressão coloquial para introduzir um aviso) ex: Aviso aos navegantes. Assinou
Gênios, ganhou. (Pop up – Internet) / Sem querer estragar os festejos, vai aqui um aviso aos navegantes:
não há razão para tanto regozijo. (jornal)
aviso prévio (comunicação de demissão feita ao empregado ou ao empregador, um mês antes da saída do
emprego) ex: Apresentou 145 emendas à Carta Magna, entre elas a que estabeleceu o aviso prévio de
30 dias para demissões de trabalhadores e uma série de propostas tributárias, “a minha praia”. (revista)
// [obs: sem hífen no Aurélio]
azar seu! / problema seu! (diz-se para indicar que a pessoa que fala não espreocupada com o outro, que não
está nem com o que aconteceu) // [obs: em caso de interjeição idiomática, como também em sorte
sua!, o pronome vem obrigatoriamente posposto, e a ordem é irreversível : não se pode dizer *seu azar)
azeite-de-dendê // [obs: com hífen no Aurélio]
azul-celeste / azul-claro / azul-escuro / azul-piscina / azul-turquesa / azul-marinho (tons de azul) [obs: o
nome azul marinho não tem referência direta com o que se imagina ser a cor do mar, geralmente
concebida como esverdeada ou mais clara do que o azul marinho] ex: Se sinto saudades? Só se for do
guarda do banco valente, sisudo, enfiado naquele uniforme azul-marinho, sobrancelha grossa...
(crônica em revista) // [obs: com hífen no Aurélio]
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